Pós Verdade
Pós Verdade
Pós Verdade
Silvio Genesini
Arte sobre foto de Marcos Santos
resumo abstract
Não há nenhuma novidade na tentativa There is nothing new about trying to falsify
de falsificação política através da distorção politics by distorting facts and information.
de fatos e informações. O novo é que What is new is the fact we are in an era
estamos em uma nova era turbinada powered by the Internet and social media
pela internet e pelas redes sociais, em websites, in which growth is viral and its
que o crescimento é viral e o efeito, effect is exponentially explosive. What is
exponencialmente explosivo. O novo é new is Facebook, Google and Twitter, not
o Facebook, o Google e o Twitter, não a the attempt to tell lies or falsify information,
tentativa de contar mentiras ou falsificar as that has always existed in the history of
informações, o que sempre existiu na humankind.
história do mundo.
Keywords: media; social media websites;
Palavras-chave: mídia; redes sociais; pós- post-truth; politics.
verdade; política.
Marcos Santos/USP imagens
P
ós-verdade e fake news norte-americana. Enunciou também qual era
são dois termos que o seu significado: “um adjetivo relacionado
ganharam notoriedade ou evidenciado por circunstâncias em que
no final de 2016. Eles fatos objetivos têm menos poder de influên-
foram criados, entre cia na formação da opinião pública do que
outras razões, para dar apelos por emoções ou crenças pessoais”.
sentido a dois fenôme- A partir daí e em todo o ano de 2017
nos que surpreenderam as notícias falsas ficaram em evidência.
a opinião pública no Sintetizando e simplificando a percepção
decorrer do ano. O pri- geral: a epidemia de notícias falsas fez
meiro deles foi a deci- com que os eleitores e a opinião pública
são do Reino Unido de tomassem decisões equivocadas, baseadas
sair da União Europeia. na emoção e em crenças pessoais, ao invés
A resolução ganhou um apelido que pegou de em fatos objetivos.
e pelo qual ficou mundialmente conhecida: Há um claro conflito de interesses na afir-
Brexit (de Britain e Exit). O referendo que mação acima. A mídia e boa parte da elite
aprovou a saída, para surpresa de boa parte do mundo ocidental não apoiavam e foram
do mundo ocidental civilizado, foi realizado surpreendidas, tanto pelo Brexit, como pela
em 23 de junho de 2016. vitória de Trump. Consideram que ambas as
O segundo foi a eleição de Donald Trump
para presidente dos Estados Unidos, em 8 de
novembro do mesmo ano. Logo em seguida, Partes deste artigo foram publicadas no portal e no apli-
cativo da revista Exame.
o Dicionário Oxford definiu “pós-verdade”
como a palavra do ano. Na justificativa para
a escolha, explicou que o uso do vocábulo
havia crescido enormemente durante o ano, SILVIO GENESINI é conselleiro e mentor
de empresas inovadoras. Foi presidente
associado, principalmente, aos dois aconteci- do Grupo Estado, da Oracle do Brasil
mentos descritos acima: o Brexit e a eleição e sócio-diretor da Accenture.
decisões foram errôneas. Eu também acho, Unidos como um todo. Nós estamos indo
mas concluir que um processo artificial e bem, então todo mundo está bem, o que
intencional – as fake news – foi o causador não é verdade”. Acrescentou: “Votamos em
de ambos os “desastres” é um salto ilógico Trump porque consideramos que a liderança
e ideológico no escuro, por várias razões. deste país fracassou”.
A primeira é por minimizar que exis- A mídia contrária a Trump estava lá e não
tiam razões reais e concretas para que parte quis acreditar. Também não quis apurar se a
expressiva das populações britânica e ame- afirmação tinha sustentação no cotidiano da
ricana votasse como votou. A segunda é vida real dos eleitores dos rincões do país.
por desconhecer que as escolhas no mundo Algo similar aconteceu com o Brexit. Se
pós-moderno – para usar mais um prefixo verificarmos os detalhes de quem votou para
pós na moda – dão-se muito mais baseadas que o Reino Unido abandonasse a Europa
em razões sensíveis e na emoção do que em vamos encontrar um contingente de homens
raciocínios lógicos e informações exatas. É brancos, com renda mais baixa, do interior
uma constatação que embute uma pretensa e com menor educação. Expressavam a sen-
incoerência ao sustentar que, no mundo do sação de que a imigração e a abertura dos
Big Data, os caminhos seriam escolhidos mercados estavam piorando as suas vidas e
mais por intuição do que por informação. que antes o mundo deles era melhor.
Não há como provar este teorema, mas esta Não há nenhum estudo objetivo, que eu
é a minha premissa e se olharmos, com os conheça, que prove que a globalização pio-
olhos bem abertos, veremos que é o que rou o mundo. Há muitos que demonstram
realmente acontece, na maioria das vezes. que hoje o planeta é melhor do que já foi
Tomemos Obama. Ele venceu a eleição em qualquer outro tempo. Tal conclusão
americana com um simples “Yes, we can” pode ser uma verdade objetiva para muitos,
como slogan. Trump foi pelo mesmo cami- mas há uma distância muito grande entre
nho – em sentido oposto, claro – e sustentou esse entendimento e a capacidade dos líderes
um “Make America great again”, comple- atuais de convencerem a população que as
mentado por acusações à globalização e ao vantagens do crescimento foram distribu-
desaparecimento de empregos que afetaram ídas de maneira equitativa e equilibrada
negativamente muitos americanos que vivem para a maioria.
no interior do país. São apelos claramente Em suma, quem sustenta que as notí-
dirigidos ao sentimento e à sensibilidade cias falsas são responsáveis por estarmos
de quem já achava que não estava sendo vivendo em um mundo pós-verdadeiro acha
beneficiado pelo progresso do mundo. que antes havia um mundo em que a ver-
Peter Thiel, que foi o único empreendedor dade existia e era objetiva. O real é que
do Vale do Silício que apoiou Trump, disse tal mundo nunca existiu. A impossível e
no meio da campanha, em uma apresentação improvável expectativa de que algum dia
no National Press Club, em Washington: “A as notícias falsas desaparecerão não trará
história que as pessoas contam no Vale é de volta o nirvana de uma verdade perdida
que o sucesso dos profissionais e empresas que nunca houve. A verdade, quase sempre,
do Vale equivale ao sucesso dos Estados é subjetiva e não conhecível.
2016 foi publicada no final de 2017. O estudo que de fontes suspeitas. Também averiguou-
foi feito por pesquisadores das universidades -se que “as fake news circularam com muito
de Princeton, Exeter e Dartmouth, baseado mais força nas extremidades do espectro
em dados de navegação real na web de 2.525 político, em que a decisão do voto já está
americanos durante o período da eleição. tomada e a notícia falsa serve apenas como
As conclusões contrariam a percepção viés de confirmação”.
de que as notícias falsas tiveram influên- Creio que faria bem para o mundo con-
cia significativa nos resultados da eleição. cluir que as notícias falsas são falsos inimi-
Concluiu-se que apenas 25% dos americanos gos e que a verdade que governa as escolhas
tiveram acesso às fake news. Mesmo entre das mulheres e dos homens desta terra nova
os 25%, o consumo foi significativamente é sensível, emocional, impalpável, intangível,
maior de notícias das mídias tradicionais do pessoal, subjetiva e temporária.