Penelope PDF
Penelope PDF
Penelope PDF
Henriquinha Jaconi
Resumo: Homero, autor da Ilíada e da Odisséia, foi grande sustentáculo pedagógico e ético dos
períodos jônico e ático da Grécia Antiga. Na Odisséia, o poeta, ao construir um rico lendário,
delegou poderes bem mais importantes para a mulher. É justamente no mito de Penélope que
faremos o resgate de suas virtudes para verificar se sua conduta pode ser referendada como um
paradigma na construção de modelos educacionais da Grécia Antiga e posterior a seu tempo.
Abstract: Homer, author of the Iliad and the Odyssey, was the greatest pedagogical and ethical
supporter of Ancient Greece during the Ionic and Attic periods. In the Odyssey, the poet, while
creating a rich group of legends, assigned important powers to women. In the myth of Penelope, we
will bring out the virtues of this woman to verify if her conduct can be countersigned as an
exemplum in the edification of educational models to Ancient Greece and times thereafter.
1. Considerações iniciais
1
Pesquisa apresentada ao NIPE, sob orientação do Professor Dr. Luís André Nepomuceno.
Aluna do 4o ano de Letras do Centro Universitário de Patos de Minas - UNIPAM.
gregas, por ter se mantido fiel ao herói pelos longos anos em que este esteve ausente de
Ítaca. A poesia grega não nos fornece apenas uma amostra de um fragmento qualquer da
existência humana, não é uma mera escolha do acaso, mas sim trechos minuciosamente
escolhidos, imbuídos de um nobre ideal.O ethos da cultura e da moral grega encontrou na
Odisséia o seu cerne.
Nosso objetivo é compreender até que ponto a poesia de Homero serve
efetivamente como construtora de modelos educacionais de períodos posteriores, e
aprofundar nessa obra que, juntamente com a Ilíada, foi considerada a Bíblia da Grécia.
Seu autor, Homero, tinha um prestígio tão sagrado que se lhe atribuíram todas as outras
obras compostas na sua época; e esta época abrange muitos séculos.
Desde os primórdios não existia uma separação entre a estética e a ética, que
sempre se viram unidas no pensamento grego. Somente mais tarde é que surgiu tal
separação. Em Platão, ainda, o limite do conteúdo de verdade da poesia homérica implica
uma diminuição do seu valor. A antiga retórica estimulou a consideração formal da arte e
foi o Cristianismo que transformou a estética da poesia em atitude espiritual. Nesse
sentido, era dado considerar como errôneo e pecaminoso grande parte do conteúdo ético
e religioso dos antigos poetas e aceitar a forma clássica como instrumento de prazer e
fonte de educação. Foi então que a poesia continuou a instar do seu mundo de sombras
os deuses e heróis da mitologia pagã; todavia, esse mundo passou a ser considerado
como um jogo de pura ficção artística. Segundo JAEGER (1995: 62),
Homero foi o primeiro a entrar para a história da poesia grega, tornou-se o mestre
da humanidade inteira, o que demonstra a capacidade única do povo grego para chegar
ao conhecimento e à formulação daquilo que une e move a todos nós.
O poeta é o representante da cultura grega primitiva. Ele é a “
fonte”da história da
sociedade grega mais antiga. O mundo de grandes tradições e exigências é a mais alta
esfera da vida, na qual sua poesia brilhou. “
O ethos da cultura e da moral aristocrática
. (p. 66).
encontra na Odisséia o poema da sua vida”
CANTO EPISÓDIOS
I Penélope pede a Fêmio que cante outra cantiga, pois seu coração está muito
triste com o aedo. Telêmaco pede para a mãe que vá para os seus aposentos.
IV Penélope fica sabendo, através de Medonte, que os pretendentes estão
tramando contra a vida de Telêmaco; ordena que chamem Laerte para
conceberem um plano. Euricléia (sua ama) confessa que sabia desde o
começo; ambas se recolhem no aposento para pedir proteção à deusa Atena. A
rainha está fraca, não quer se alimentar, sua irmã, que já faleceu, lhe aparece
em sonho, e ela pede que lhe envie a morte para pôr fim aos seus sofrimentos.
XVI Penélope oculta as suas feições num véu de lavor admirável, e conversa com
Antínoo num tom de censura, chamando-o de “
feitor de maldades”
, e querendo
saber por que ele trama em tirar a vida de seu filho. Indignada, ela recorda a
ocasião em que Odisseu acolheu-o em seu palácio, livrando-o da morte.
XVII Penélope é semelhante à Afrodite na beleza e no porte, assentada, enquanto fia
macia lã, conversa com o estrangeiro e seu filho no afã de conseguir notícias de
Ulisses.
XVII A rainha manda chamar o estrangeiro, deseja cumprimentá-lo, porém Odisseu,
que está travestido de mendigo, recusa-lhe o pedido, temendo que a rainha
pudesse ser agredida pelos afoitos pretendentes que estão no interior do
palácio.
XVIII Penélope, inspirada pela deusa Atena, sente um forte desejo de se expor aos
pretendentes, apesar do ódio que sente por eles. Ela aconselha ao filho para
não conversar com os pretendentes, temendo que eles pudessem fazer mal ao
jovem. A rainha narra que, desde a partida do seu amado, os deuses
camuflaram a sua beleza. A deusa fê-la adormecer e incutiu-lhe mais brilho na
tez. Penélope, ao acordar, percebe que seu rosto está mais radiante, porém
nada disso a arrebata da sua profunda tristeza. Desesperada, ela pede para
Atena que lhe envie o extermínio, pois já não suporta mais se consumir em
saudades do marido.
Penélope sabe que os dias das núpcias odientas estão se aproximando, além
disso, ela presencia em seu palácio uma situação totalmente inusitada, que é a
dilapidação de seus bens.
XIX Penélope conversa com o mendigo e não o identifica, fala de suas aflições, da
situação embaraçosa que está vivendo, dos senhores que forçam a contrair
segundas núpcias e roubam seus bens. O fato é que a presença do mendigo
em seu palácio não a incomoda; ao contrário, ambos conversam sobre a
saudade que ela sente de seu esposo. Penélope revela o artifício que utilizou
durante três anos, que consistia em tecer uma túnica mortuária para seu sogro
Laertes, adiando, assim, a tão esperada resposta. A rainha conta que se vê
compelida por seus pais a casar, que seu filho se mostra indignado ante os
gastos de seus haveres.
XIX O mendigo ardiloso dizia muitas mentiras para Penélope com mostras de fatos
verídicos, a rainha chorava ao ouvir suas histórias. Ela pede a ele as provas de
que Odisseu está vivo. Ao ouvir tantos sinais e provas do maltrapilho das quais
não teria como duvidar, e animada com as notícias, ordena às servas para
trazer-lhe roupas e acomodá-lo.
Penélope pede conselho ao mendigo, não sabe que decisão deve tomar, se
deve permanecer fiel ao leito do esposo e acatando o conceito do povo, ou se
deve seguir como esposa o mais nobre dos pretendentes. A rainha adormece e
sonha que uma águia desceu das montanhas e quebrou o pescoço gansos de
estimação. Ulisses era a águia que havia voltado para matar os pretendentes. O
mendigo assegurou-lhe que o sonho se tornaria verdade.Penélope acredita que
os sonhos que vêm através dos batentes de chifre polidos a verdade anunciam.
No outro dia ela resolve propor o certame.
XXI A rainha propõe a luta dos ferros e do arco. Ao tocar no arco de Odisseu,
desfaz-se em copioso pranto. Ela apresenta o arco do divino Odisseu para os
pretendentes e comunica que está pronta para seguir com vencedor, mas em
sua memória há de ter sempre vivo Ulisses. Antínoo ofende o mendigo que
pede para tentar curvar o arco, Penélope não acha justo aquele ultraje, pois
acredita que todos possuem o direito de participar da competição.
XXIII Euricléia, juntamente com Telêmaco, conta para Penélope que Odisseu já se
encontra no palácio, a ama conta da cicatriz, porém a rainha não acredita.
Penélope dá ordens para Euricléia retirar de seu quarto o grande leito que seu
esposo havia construído ao redor de uma oliveira. Ulisses narra para Penélope
que somente um deus poderia removê-lo, e descreve a sua construção. Diante
dessa prova, Penélope ficou convencida de que ele não era um impostor, e sim
o astuto Ulisses que havia desaparecido por vinte anos; após um abraço e
copioso pranto, Penélope convida Ulisses para o leito que já estava preparado.
A vontade dos deuses foi realizada; o herói, finalmente, depois de vencer muitas
batalhas, retorna para a sua pátria. Atena retardou a aurora às praias do oceano
para Penélope ficar um pouco mais nos braços de Ulisses.
Neste painel faremos um paralelo das virtudes correspondentes às atitudes de
Penélope, de acordo com o quadro apresentado anteriormente.
De acordo com Snell (1986: 168), em seu livro A cultura Grega e as origens do
Pensamento Europeu, “
ser virtuoso”e ser “
bom”significam para Homero ser de modo
perfeito aquilo que se é e que se poderia ser (...) Nessas palavras temos em embrião a
idéia da entelequia. O ser humano considerado bom desenvolve o que é próprio da sua
natureza. Poderá, assim, um herói homérico “
lembrar-se”de que é um nobre ou poderá
“
experimentar sê-lo”
.
O ser humano desenvolve esta virtude naturalmente porque é próprio do seu
caráter. Segundo o autor, a pessoa que é considerada “
boa”e “
virtuosaӎ por natureza, e
não porque pretende ser. Assim posto, este sentimento é inerente ao caráter do ser
humano desde o seu nascimento. Penélope é uma mostra contundente dessa bondade
dentro da Odisséia. Homero, ao trabalhar esse sentimento de bondade na personagem, o
faz com tamanha intensidade que produz um encantamento no leitor: a personagem sai
do plano da ficção e ganha vida. Além de ser uma esposa dedicada, é também muito
amável. Essa afabilidade é demonstrada também para com o seu sogro Laertes, pois ela
tece uma túnica mortuária para ele, não admitindo que o sogro seja sepultado sem um
manto.
té que termine êste pano, não vá tanto fio estragar-se,
para mortalha de Laertes herói, quando a Moira funesta
da Morte assaz dolorosa o colhêr e fizer extinguir-se. (Odisséia, p 35).
De acordo com Snell (1986: 55), em sua obra A cultura grega e as Origens do
Pensamento Europeu,
Na ação e no sentimento do homem vê ele o efeito das forças divinas
operantes, não são eles, portanto, senão uma reação dos órgãos vitais a
um estímulo concebido em forma de pessoa. Em geral, Homero tem a
tendência de considerar toda a situação como o resultado de influências
externas e como fonte de novas influências.
Diante do exposto, a Odisséia é uma obra que relata do começo ao fim o destino
minuciosamente imposto pelos deuses. Tanto a Penélope quanto a Ulisses não faltam
conselhos divinos. Atrás de cada fato há uma divindade operando, um ideal herdado da
destreza guerreira e os sábios conselhos da deusa Atena que, para cada ocasião, acha a
palavra profícua.
Consideramos que é preciso que Penélope sofra o abandono de Ulisses por vinte
anos, que não se entregue aos afoitos pretendentes mesmo sendo perseguida por eles,
que assista paulatinamente à invasão de seu palácio e dilapidação de seus bens. Ulisses
também precisa passar por duras expiações para cumprir a vontade divina. Em nome
dessa vontade divina, surgirá uma lição de bravura, temperança, fidelidade e tantas
outras virtudes que dignificam a passagem terrena do homem.
Penélope é um Ícone de Virtude. Penélope, rainha, esposa, mãe modelar. Quantos
atributos oferecer a uma mulher que passou três anos tecendo uma túnica para seu sogro
Laertes, e que se utilizou desse artifício para recusar inteligentemente as segundas
núpcias e se manter fiel ao marido sem sequer saber do seu paradeiro? Segundo
JAEGER (1995: 46),
(...) A mulher, todavia, não surge apenas como objeto da solicitação
erótica do homem, como Helena ou Penélope, mas também na sua firme
posição social e jurídica de dona de casa. As suas virtudes são, a este
respeito, o sentido da modéstia e o desembaraço no governo do lar.
Penélope é muito louvada pela sua moralidade rígida e virtudes
caseiras.
4. Considerações finais
Ao finalizarmos esta pesquisa, chegamos à conclusão de que a personagem
Penélope inevitavelmente serve como arquétipo e modelo educacional para gerações
presentes e futuras a seu tempo. Ao estudarmos com afinco a Odisséia, compreendemos
que o poeta deve ser considerado não como simples objeto da história formal da
literatura, mas como o primeiro e maior criador e modelador da humanidade grega. É
consenso que as duas obras, a Ilíada e Odisséia, são um retrato da civilização grega que,
além de testemunhar o gênio do poeta, estão entre os pontos mais altos atingidos pela
poesia universal.
Jaeger (1989: 65) afirma que: “
A poesia arraigada no solo - e não há nenhuma
verdadeira poesia que não o seja - só se eleva a uma validade universal na medida em
.
que atinge o mais alto grau da universalidade humana”
Homero foi o primeiro a entrar na história da poesia grega. O fato de esse grande
poeta ter-se tornado o mestre da humanidade inteira demonstra a envergadura do povo
grego para chegar ao conhecimento daquilo que une a todos nós.
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CARPEAUX, Otto Maria. História da civilização ocidental. Rio de Janeiro: O Cruzeiro, 1959. 324
p.
DUBY, Georges; PERROT, Michele (org). História das mulheres: A Antigüidade. Porto:
Afrontamento, s/d. v. I
JAEGER, Werner Wilhelm. Paidéia: A formação do homem grego. 3 ed., São Paulo: Martins
Fontes, 1995.
HOMERO. Odisséia. 4 ed., Tradução Carlos Alberto Nunes. São Paulo: Melhoramentos, s/d. 361
p.
JUCÁ, Cândido. Dicionário Escolar. Das dificuldades da Língua Portuguesa. 3 ed, Rio de Janeiro:
Artes Gráficas Gomes de Souza S.A., para Campanha de Nacional de Material e Ensino 1968.
MOSSÉ, Claude. A Grécia arcaica de Homero a Ésquilo. Tradução Emanuel Lourenço Godinho.
Portugal: Ed. 70, 1984. 228 p.
THOORENS, Léon. Panorama das literaturas 1: Mesopotâmia. Egito. Palestina. Pérsia. Grécia.
São Paulo: Difusão Editorial do Livro, 1966.