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PENÉLOPE: O ARQUÉTIPO FEMININO NA CONSTRUÇÃO DE

MODELOS EDUCACIONAIS DA GRÉCIA ANTIGA1

Henriquinha Jaconi

Resumo: Homero, autor da Ilíada e da Odisséia, foi grande sustentáculo pedagógico e ético dos
períodos jônico e ático da Grécia Antiga. Na Odisséia, o poeta, ao construir um rico lendário,
delegou poderes bem mais importantes para a mulher. É justamente no mito de Penélope que
faremos o resgate de suas virtudes para verificar se sua conduta pode ser referendada como um
paradigma na construção de modelos educacionais da Grécia Antiga e posterior a seu tempo.

Palavras-chave: Homero. Antigüidade Clássica. Penélope. Literatura. Pedagogia.

Abstract: Homer, author of the Iliad and the Odyssey, was the greatest pedagogical and ethical
supporter of Ancient Greece during the Ionic and Attic periods. In the Odyssey, the poet, while
creating a rich group of legends, assigned important powers to women. In the myth of Penelope, we
will bring out the virtues of this woman to verify if her conduct can be countersigned as an
exemplum in the edification of educational models to Ancient Greece and times thereafter.

Key-words: Homer. Classical Antiquity. Penelope. Literature. Pedagogy.

1. Considerações iniciais

A Literatura grega reclama o nosso estudo e provoca a nossa admiração, pois os


estudos estéticos, políticos e históricos mais recentes sobre a Grécia Antiga têm revelado
faces ainda desconhecidas do que foi a formação do homem grego, sobretudo em suas
mentalidades e pressupostos educacionais.
O ponto de partida desta pesquisa é a poesia de Homero, referência pedagógica
e ética dos períodos jônico e ático da Antiga Grécia, e grande sustentáculo da sociedade
grega por séculos. O poeta construiu um rico lendário, exaltando a personalidade
humana, os valores, o ideal herdado de destreza guerreira, e a valorização das virtudes
espirituais e sociais. No entanto, em seus versos, os elementos femininos assumem
fundamental importância na cultura aristocrática que, apesar de ser uma cultura misógina,
destacou a figura feminina não só pela maternidade, mas também pela sua firme posição
social. Ao tomarmos por base a Odisséia, é que destacamos a figura de Penélope como
personagem-cânone e como modelo de conduta e disciplina de inúmeras gerações

1
Pesquisa apresentada ao NIPE, sob orientação do Professor Dr. Luís André Nepomuceno.

Aluna do 4o ano de Letras do Centro Universitário de Patos de Minas - UNIPAM.
gregas, por ter se mantido fiel ao herói pelos longos anos em que este esteve ausente de
Ítaca. A poesia grega não nos fornece apenas uma amostra de um fragmento qualquer da
existência humana, não é uma mera escolha do acaso, mas sim trechos minuciosamente
escolhidos, imbuídos de um nobre ideal.O ethos da cultura e da moral grega encontrou na
Odisséia o seu cerne.
Nosso objetivo é compreender até que ponto a poesia de Homero serve
efetivamente como construtora de modelos educacionais de períodos posteriores, e
aprofundar nessa obra que, juntamente com a Ilíada, foi considerada a Bíblia da Grécia.
Seu autor, Homero, tinha um prestígio tão sagrado que se lhe atribuíram todas as outras
obras compostas na sua época; e esta época abrange muitos séculos.

2. O lugar de Homero na Literatura Grega

A base da literatura grega continua, durante séculos, sempre a mesma e essa


base é um ciclo de poesias épicas que constituem um cânone tradicional e invariável. A
maior parte dessas epopéias e poemas estava ligada ao nome de um poeta lendário;
nome que se encontra até hoje nas folhas de rosto das edições da Ilíada e da Odisséia: o
nome de Homero.
Segundo CARPEAUX (1959: 52), nenhum autor clássico alcançou jamais fama tão
discutida. O nome de Homero tornou-se sinônimo de poeta. Essa glória é, em grande
parte, o resultado de vários esforços fracassados de imitá-lo. Os poetas que tentaram
imitar colaboraram para fortalecer a unanimidade de opinião: “
Homero é o maior dos
poetas”
.
As epopéias homéricas eram consideradas como cânon fixo, ao qual não era lícito
acrescentar outras epopéias de origem moderna. A Ilíada e a Odisséia eram utilizadas
nas escolas gregas, como livros didáticos, da mesma maneira como se aprende de cor o
catecismo.
Para os antigos, Homero não era uma obra literária, leitura obrigatória dos
estudantes e objeto de discussão crítica entre os homens de letras. Na Antiguidade
também, assim como nos tempos modernos, Homero era indiscutido: mas não
como epopéia , e sim como Bíblia. Era um código. (CARPEAUX, 1959: 52).

Os versos do poeta serviam para apoiar opiniões literárias, teses filosóficas,


sentimentos religiosos, sentenças dos tribunais, noções políticas. Seus versos eram
citados nos discursos dos advogados e estadistas, utilizados como argumentos
irrefutáveis. Homero significa tradição no sentido em que a Igreja Romana emprega a
palavra como norma de interpretação da doutrina e da vida.
Mas essa doutrina e essa vida não têm nada com a nossa vida e as nossas
tradições. Homero é e podia ser a Bíblia dum mundo alheio. Os famosos “
realismos
objetivos”de Homero, que o tornaram norma da vida grega, afastam-no justamente da
Para nós outros,
nossa vida, cuja realidade exigiria outras normas objetivas, diferentes.“
Homero não pode ser outra coisa senão símbolo de uma grande obra literária capaz de
ser discutida”(Idem, p 53).
JAEGER (1995: 44), um profundo estudioso dos ideais de educação da Grécia
Antiga, pondera que

O coração do poeta está com os homens que representam a


elevação da sua cultura e costumes, e isso se percebe passo a passo. A
contínua exaltação que faz das suas qualidades tem, sem dúvida
alguma, uma intenção educativa. O que dele nos diz é para ele um valor
em si; não é um milieu indiferente, mas constitui uma parte essencial da
superioridade dos seus heróis. A sua forma de vida é inseparável da sua
conduta e das suas maneiras e outorga-lhes uma dignidade especial,
que se manifesta através das suas nobres e grandes façanhas, e da sua
atitude irrepreensível ante a felicidade e a miséria alheias. O seu
destino privilegiado está em harmonia com a ordem divina do mundo e
os deuses lhes dispensam a sua proteção. Irradia continuamente da
nobreza da sua vida um valor puramente humano.

À luz de Jaeger, compreendemos a razão pela qual os gregos de todos os tempos


encontraram em Homero respostas quanto à conduta da vida; o conteúdo e até a arte
perderam as suas importâncias principais, considerando-se a força superior da tradição
ética.
CARPEAUX (1959:58), em História da Literatura Ocidental, afirma:

Homero”é o próprio mundo grego. Nasceu com a civilização grega: a língua e o


metro, o hexâmetro, nasce ao mesmo tempo. Pertencendo a uma época que é, do
ponto de vista histórico, uma época primitiva, as epopéias homéricas revelam
simultaneamente a existência de uma literatura perfeitamente amadurecida. Não é
possível determinar com exatidão a época em que as epopéias homéricas foram
redigidas. Quando Schliemann descobriu, na Ásia Menor, as ruínas da cidade de
Tróia, e se revelou, em Micenas e Creta a existência de uma civilização pré-
helênica, esperava-se a solução definitiva do problema homérico. Não se
conseguiu, porém, estabelecer um acordo perfeito entre as análises filológicas e as
descobertas arqueológicas. A Ilíada descreve fielmente a época “ feudal”da Grécia,
e o conteúdo da Odisséia está em relação íntima com a época fenícia da
civilização mediterrânea. Mas, não é possível distinguir entre a realidade histórica e
o panorama poético. A época mais provável das origens homéricas situa-se entre o
século IX e o século VII antes da nossa era.
O equilíbrio entre o realismo e o idealismo é o que confere aos poemas homéricos
a vida eterna: as bíblias estéticas, religiosas e políticas dos gregos podiam transformar-se
em bíblia literária da civilização ocidental inteira.
No que se refere à pessoa do poeta, esta não foi seriamente contestada antes do
fim do século XVII. Homero era tido como autor da Ilíada e da Odisséia. Atendendo às
biografias clássicas, sua imagem era tida como de um ancião de aspecto espantoso,
pobre, prudente e sossegado que, apesar de ser cego, recebia inspiração das musas: a
encarnação dum milagre, do milagre grego.
Segundo alguns filólogos, a língua de Homero não era um idioma primitivo, mas
uma língua literária, que mesmo sendo artificial, mistura de jônio e de eólio, nunca tinha
sido falada; e que o seu verso, o hexâmetro, era demasiadamente erudito para ter sido
inventado por aedos incultos.
Assim, a crítica literária, ao analisar as obras, reconheceu-lhes uma composição,
um equilíbrio, uma unidade na intriga e na psicologia dos personagens, que não são
efeitos do acaso. “
A Ilíada e a Odisséia são obras literárias, elaboradas cerca do século IX
a.C., que utilizam um tesouro de lendas, de um ou vários autores que eram escritores,
homens lúcidos e cultos”
. THOORENS (1966: 201).
Sob o nome de Homero, existe um certo número de obras, nas quais se incluem
dois longos poemas com, respectivamente, dezesseis mil e doze mil versos, a Ilíada e a
Odisséia. Desde a Antiguidade, em que tal já sucedia, que se discute a paternidade
homérica de textos de caráter religioso, os hinos. Mas no caso da Ilíada e da Odisséia,
numa época relativamente recente é que se começou a contestar, senão a existência de
um poeta chamado Homero, pelo menos o fato de ser ele o autor da totalidade das duas
epopéias. Uns se basearam na falta de coesão aparente na narrativa que a Ilíada nos dá
e na justaposição de pelo menos três histórias diferentes na Odisséia. Outros atribuíram a
Ilíada a um Homero que, nascido em Quios, teria vivido na Jônia por volta dos meados do
século VIII, mas já não a Odisséia, que só teria sido elaborada, cerca de meio século mais
tarde.
De acordo com MOSSÉ, o problema veio a ser reformulado neste século,
designadamente por alturas dos anos 30, na seqüência dos trabalhos do antropólogo
americano Milmann Parry, que, partindo de um fato conhecido e estudado desde há
muito, a repetição das fórmulas que, de um modo quase obsessivo, pautam o ritmo dos
poemas, quase obsessivo, acabara por verificar a existência de um fenômeno análogo ao
canto dos bardos iugoslavos. Estas repetições possuíam efetivamente o poder de facilitar
a memorização de uma dada poesia, que, destituída em absoluto do suporte da escrita,
se achava reduzida à simples transmissão oral. Ele concluíra daí que, à semelhança do
bardo iugoslavo, os aedos gregos recorriam ao mesmo sistema pelas mesmas razões,
cada um deles a enriquecer os poemas com novos episódios ou novos desenvolvimentos,
fato que permitia explicar a aparente desordem da sua feitura. A Ilíada e a Odisséia
representariam, pois, segundo M.I. Finley, “
o ponto culminante de uma longa tradição de
poesia oral, tradição prosseguida por bardos profissionais que deambulam por todo
. (p. 21)
mundo grego”
Existe o fato de a poesia dos bardos e dos aedos gregos não se dirigirem ao
mesmo tipo de público. Os aedos, vivendo num mundo em que a escrita era um fato
adquirido, compunham para os camponeses iletrados, ao passo que os gregos, movendo-
se num mundo em que a escrita viera a desaparecer, faziam-na para nobres, que muito
embora, igualmente iletrados, não deixavam por isso de ser os detentores do poder e da
riqueza. Na época de Homero (ou dos poetas que se designam sob esse nome), esta
reaparecera na Grécia sob forma de um alfabeto adaptado através da junção de vogais a
partir do alfabeto fenício. Há cerca de um quarto de século, a descoberta de uma taça,

taça de Nestor”
, na qual figuravam três versos ao rei da Ilíada e da Odisséia, foi um
indício de que essa escrita começou com a transcrição das epopéias transmitida pelos
aedos. Além disso, a qualidade da obra e o caráter elaborado que ela possui são fatos
que estudos recentes têm vindo realçar e valorizar. Logo, seria, pois, impossível pretender
negar que a Ilíada e a Odisséia tenham sido redigidas em finais do século VIII, ainda que,
segundo a tradição, apenas em Atenas e no tempo dos Pisístratos, cuja propaganda elas
serviam, as duas epopéias viessem a ter uma maior difusão graças a uma nova “
edição”
das mesmas.
De acordo com MOSSÉ (1984: 22),

Os trabalhos de Milmann Parry, ao questionarem os longos séculos de transmissão


oral que se teria sucedido, permitiram historiadores como M.I. Finley retomar o
problema da “ sociedade homérica”, do “mundo de Ulisses”e demonstrar, por um
lado, a sua coerência própria e tentar, por outro, descobrir que a realidade histórica
aflorava por detrás das aventuras dos heróis aqueus, qual o sistema de valores de
que estas eram portadoras. Por isso mesmo, ele iria contribuir para lançar por
terra, (...) ao fornecer uma confirmação flagrante de tal facto, esse “ cadáver que
temos regularmente de matar” , para retomar aqui uma fórmula de P. Vidal-Naquet,
ou seja, a tese que transforma Homero num historiador micênico. (Michel Austin e
Pierre Vidal Naquet, Apud: MOSSÉ: 1984. Economia e Sociedade na Grécia
Antiga).
Platão narra que era consenso no seu tempo Homero ter sido o educador de toda
a Grécia. A sua influência propagou-se além das fronteiras da Grécia Antiga. Nem mesmo
a apaixonada crítica filosófica de Platão conseguiu abalar o seu domínio, quando buscou
limitar a sua influência e o valor pedagógico de toda a poesia. A idéia do poeta como
educador do seu povo - no sentindo mais profundo da palavra - foi bastante familiar aos
gregos desde a sua origem e manteve a sua relevância. De acordo com JAEGER (1995:
61), um dos mais profundos conhecedores do mundo grego antigo,

faz-se necessário não restringir a nossa compreensão da poesia grega com a


substituição do juízo próprio dos Gregos pelo dogma moderno da autonomia
puramente estética da arte. Embora esta caracterize certos tipos e períodos da arte
e da poesia, não deriva da poesia grega ou de seus grandes representantes, nem
é possível aplicá-las a eles.

Desde os primórdios não existia uma separação entre a estética e a ética, que
sempre se viram unidas no pensamento grego. Somente mais tarde é que surgiu tal
separação. Em Platão, ainda, o limite do conteúdo de verdade da poesia homérica implica
uma diminuição do seu valor. A antiga retórica estimulou a consideração formal da arte e
foi o Cristianismo que transformou a estética da poesia em atitude espiritual. Nesse
sentido, era dado considerar como errôneo e pecaminoso grande parte do conteúdo ético
e religioso dos antigos poetas e aceitar a forma clássica como instrumento de prazer e
fonte de educação. Foi então que a poesia continuou a instar do seu mundo de sombras
os deuses e heróis da mitologia pagã; todavia, esse mundo passou a ser considerado
como um jogo de pura ficção artística. Segundo JAEGER (1995: 62),

É fácil contemplar Homero por esta acanhada perspectiva, mas assim


impedimo-nos o acesso à inteligência dos mitos e da poesia no seu
genuíno sentido Helênico. Repugna-nos naturalmente ver a tardia
poética filosófica do helenismo interpretar a educação em Homero como
uma árida e racionalista fabula docet ou, de acordo com o modelo dos
sofistas, fazer da epopéia uma enciclopédia de todas artes e ciências.
Mas esta quimera da escolástica não é senão a degenerescência de um
pensamento em si mesmo correta, o qual, como tudo quanto é belo é
verdadeiro, se torna grosseiro em mãos grosseiras. Por mais que esse
utilitarismo repugne, com razão, nosso sentido estético, não deixa de ser
evidente que Homero, e com ele todos os grandes poetas da Grécia,
deve ser considerado, não como simples objeto da historia formal da
literatura, mas como o primeiro e maior criador e modelador da
humanidade grega.
A poesia só pode ser considerada educadora se faz valer todas as forças estéticas
e éticas do homem. Mas a relação entre os aspectos estéticos e éticos não consiste só no
fato de o ético nos ser dado como “
matéria”acidental, alheia a um fim propriamente
artístico, mas sim no fato de o conteúdo normativo e a forma artística da obra de arte
estarem interagindo e possuírem um ponto comum. Jaeger faz a seguinte ponderação a
respeito da poesia:

Existe uma arte que despreza os chamados assuntos elevados ou fica


indiferente perante o conteúdo do seu objeto. É claro que esta frivolidade
artística deliberada tem por vez efeitos “éticos”, pois desmascara sem
qualquer consideração os valores falsos e convencionais e atua como
uma crítica purificadora. Mas só pode ser propriamente educativa uma
poesia cujas raízes mergulhem nas camadas mais profundas do ser
humano e na qual vive um ethos, um anseio espiritual, uma imagem do
humano capaz de se tornar uma obrigação e um dever. A poesia grega
nas suas formas mais elevadas não nos dá apenas um fragmento
qualquer da realidade; ela nos dá um trecho da existência , escolhido e
considerado em relação a um ideal determinado. (Idem: 63).

Homero foi o primeiro a entrar para a história da poesia grega, tornou-se o mestre
da humanidade inteira, o que demonstra a capacidade única do povo grego para chegar
ao conhecimento e à formulação daquilo que une e move a todos nós.
O poeta é o representante da cultura grega primitiva. Ele é a “
fonte”da história da
sociedade grega mais antiga. O mundo de grandes tradições e exigências é a mais alta
esfera da vida, na qual sua poesia brilhou. “
O ethos da cultura e da moral aristocrática
. (p. 66).
encontra na Odisséia o poema da sua vida”

3. Penélope como modelo educacional

Pensando nos objetivos específicos deste trabalho, faremos um painel dos


episódios em que Penélope aparece na Odisséia para identificar, em detalhe, este ou
aquele componente moral de seu caráter.

CANTO EPISÓDIOS
I Penélope pede a Fêmio que cante outra cantiga, pois seu coração está muito
triste com o aedo. Telêmaco pede para a mãe que vá para os seus aposentos.
IV Penélope fica sabendo, através de Medonte, que os pretendentes estão
tramando contra a vida de Telêmaco; ordena que chamem Laerte para
conceberem um plano. Euricléia (sua ama) confessa que sabia desde o
começo; ambas se recolhem no aposento para pedir proteção à deusa Atena. A
rainha está fraca, não quer se alimentar, sua irmã, que já faleceu, lhe aparece
em sonho, e ela pede que lhe envie a morte para pôr fim aos seus sofrimentos.
XVI Penélope oculta as suas feições num véu de lavor admirável, e conversa com
Antínoo num tom de censura, chamando-o de “
feitor de maldades”
, e querendo
saber por que ele trama em tirar a vida de seu filho. Indignada, ela recorda a
ocasião em que Odisseu acolheu-o em seu palácio, livrando-o da morte.
XVII Penélope é semelhante à Afrodite na beleza e no porte, assentada, enquanto fia
macia lã, conversa com o estrangeiro e seu filho no afã de conseguir notícias de
Ulisses.
XVII A rainha manda chamar o estrangeiro, deseja cumprimentá-lo, porém Odisseu,
que está travestido de mendigo, recusa-lhe o pedido, temendo que a rainha
pudesse ser agredida pelos afoitos pretendentes que estão no interior do
palácio.
XVIII Penélope, inspirada pela deusa Atena, sente um forte desejo de se expor aos
pretendentes, apesar do ódio que sente por eles. Ela aconselha ao filho para
não conversar com os pretendentes, temendo que eles pudessem fazer mal ao
jovem. A rainha narra que, desde a partida do seu amado, os deuses
camuflaram a sua beleza. A deusa fê-la adormecer e incutiu-lhe mais brilho na
tez. Penélope, ao acordar, percebe que seu rosto está mais radiante, porém
nada disso a arrebata da sua profunda tristeza. Desesperada, ela pede para
Atena que lhe envie o extermínio, pois já não suporta mais se consumir em
saudades do marido.
Penélope sabe que os dias das núpcias odientas estão se aproximando, além
disso, ela presencia em seu palácio uma situação totalmente inusitada, que é a
dilapidação de seus bens.
XIX Penélope conversa com o mendigo e não o identifica, fala de suas aflições, da
situação embaraçosa que está vivendo, dos senhores que forçam a contrair
segundas núpcias e roubam seus bens. O fato é que a presença do mendigo
em seu palácio não a incomoda; ao contrário, ambos conversam sobre a
saudade que ela sente de seu esposo. Penélope revela o artifício que utilizou
durante três anos, que consistia em tecer uma túnica mortuária para seu sogro
Laertes, adiando, assim, a tão esperada resposta. A rainha conta que se vê
compelida por seus pais a casar, que seu filho se mostra indignado ante os
gastos de seus haveres.
XIX O mendigo ardiloso dizia muitas mentiras para Penélope com mostras de fatos
verídicos, a rainha chorava ao ouvir suas histórias. Ela pede a ele as provas de
que Odisseu está vivo. Ao ouvir tantos sinais e provas do maltrapilho das quais
não teria como duvidar, e animada com as notícias, ordena às servas para
trazer-lhe roupas e acomodá-lo.
Penélope pede conselho ao mendigo, não sabe que decisão deve tomar, se
deve permanecer fiel ao leito do esposo e acatando o conceito do povo, ou se
deve seguir como esposa o mais nobre dos pretendentes. A rainha adormece e
sonha que uma águia desceu das montanhas e quebrou o pescoço gansos de
estimação. Ulisses era a águia que havia voltado para matar os pretendentes. O
mendigo assegurou-lhe que o sonho se tornaria verdade.Penélope acredita que
os sonhos que vêm através dos batentes de chifre polidos a verdade anunciam.
No outro dia ela resolve propor o certame.
XXI A rainha propõe a luta dos ferros e do arco. Ao tocar no arco de Odisseu,
desfaz-se em copioso pranto. Ela apresenta o arco do divino Odisseu para os
pretendentes e comunica que está pronta para seguir com vencedor, mas em
sua memória há de ter sempre vivo Ulisses. Antínoo ofende o mendigo que
pede para tentar curvar o arco, Penélope não acha justo aquele ultraje, pois
acredita que todos possuem o direito de participar da competição.
XXIII Euricléia, juntamente com Telêmaco, conta para Penélope que Odisseu já se
encontra no palácio, a ama conta da cicatriz, porém a rainha não acredita.
Penélope dá ordens para Euricléia retirar de seu quarto o grande leito que seu
esposo havia construído ao redor de uma oliveira. Ulisses narra para Penélope
que somente um deus poderia removê-lo, e descreve a sua construção. Diante
dessa prova, Penélope ficou convencida de que ele não era um impostor, e sim
o astuto Ulisses que havia desaparecido por vinte anos; após um abraço e
copioso pranto, Penélope convida Ulisses para o leito que já estava preparado.
A vontade dos deuses foi realizada; o herói, finalmente, depois de vencer muitas
batalhas, retorna para a sua pátria. Atena retardou a aurora às praias do oceano
para Penélope ficar um pouco mais nos braços de Ulisses.
Neste painel faremos um paralelo das virtudes correspondentes às atitudes de
Penélope, de acordo com o quadro apresentado anteriormente.

CANTO LEVANTAMENTO DOS SENTIMENTOS E VIRTUDES DE PENÉLOPE


I Penélope, ao obedecer ao filho, revela-nos brandura.
IV Instinto materno, demonstração de fé.
IV Aflição, temor pela vida de seu filho.

XVI Coragem, determinação, sentimento matriarcal de proteção ao filho.


XVI Amor, saudade.
XVII Amor maternal.
XVII Cortesia, amabilidade, generosidade.
XVIII Ódio, sedução.
XVIII Amor desesperado por Ulisses e desejo de morte.
XIX Esposa perfeita, fidelidade, benevolência para com o mendigo.
XXI Instinto de proteção.
XXI Virtuosa, a rainha não aceita provocações ao mendigo. Reafirma seu amor por
Odisseu.
XXI Obediência.
XXIII Desconfiança.

De acordo com Snell (1986: 168), em seu livro A cultura Grega e as origens do
Pensamento Europeu, “
ser virtuoso”e ser “
bom”significam para Homero ser de modo
perfeito aquilo que se é e que se poderia ser (...) Nessas palavras temos em embrião a
idéia da entelequia. O ser humano considerado bom desenvolve o que é próprio da sua
natureza. Poderá, assim, um herói homérico “
lembrar-se”de que é um nobre ou poderá

experimentar sê-lo”
.
O ser humano desenvolve esta virtude naturalmente porque é próprio do seu
caráter. Segundo o autor, a pessoa que é considerada “
boa”e “
virtuosaӎ por natureza, e
não porque pretende ser. Assim posto, este sentimento é inerente ao caráter do ser
humano desde o seu nascimento. Penélope é uma mostra contundente dessa bondade
dentro da Odisséia. Homero, ao trabalhar esse sentimento de bondade na personagem, o
faz com tamanha intensidade que produz um encantamento no leitor: a personagem sai
do plano da ficção e ganha vida. Além de ser uma esposa dedicada, é também muito
amável. Essa afabilidade é demonstrada também para com o seu sogro Laertes, pois ela
tece uma túnica mortuária para ele, não admitindo que o sogro seja sepultado sem um
manto.
té que termine êste pano, não vá tanto fio estragar-se,
para mortalha de Laertes herói, quando a Moira funesta
da Morte assaz dolorosa o colhêr e fizer extinguir-se. (Odisséia, p 35).

Penélope é constantemente assediada pelos afoitos pretendentes, no entanto,


trata-os com bondade e simpatia.“
Cheia, porém, de tristeza ela espera, ainda agora, tua
volta. Vai com promessas e mais com recados mantendo a esperança a cada um deles;
mas na alma concebe intenções diferentes”(Odisséia, p. 203).
De acordo com Michele, in Duby (1990:431): “
Actividade do oikos por excelência,
profusamente repetida na decoração dos vasos, a tecelagem parece definir a esposa
perfeita, laboriosamente ocupada, na compainha das servas e das outras mulheres da
casa, em volta do tear, das navetas e dos cestos de lã”
.
É justamente nesse molde de esposa perfeita que a imagem de Penélope está
cristalizada, pois, além de tecer infindavelmente dia a após dia, em um gesto solitário,
evidencia sua indisponibilidade para responder aos pretendentes. A bem urdida trama
serve não somente para adiar uma resposta, mas para impedi-la de se submeter à corte
que lhe fazem os pretendentes. Assim, a tela passa metaforicamente a designar o caráter
interdito da personagem, que lhe garante o predicado de mulher sensata. A sua lealdade
é condição para o reencontro. Penélope, ao fazer/ desfazer a trama, utiliza deste ardil,
para afastar os pretendentes e reservar-se intocável para a volta de Ulisses.
Citemos Jaeger, (1995: 46) um profundo estudioso dos ideais de educação da
Grécia Antiga:

A arete própria da mulher é a formosura... O culto da beleza feminina


corresponde ao tipo de formação cortesã de todas as idades
cavalheirescas. A mulher, todavia, não surge apenas como objeto de
solicitação erótica do homem, como Helena ou Penélope, mas também
na firme posição social e jurídica de dona de casa.

Penélope está inserida numa velha cultura aristocrática, em cujos valores os


elementos femininos como a formosura, doçura e abnegação assumem fundamental
importância, pois ela não é vista apenas como um objeto erótico, fruto do desejo
masculino, mas também numa firme posição de esposa fiel e mãe modelar. JAEGER
(1995: 26) afirma que “
A arete é o atributo próprio da nobreza. Os gregos sempre
consideravam a destreza e a força incomuns como base indiscutível de qualquer situação
dominante.”
O autor coloca que arete é o superlativo de distinto e escolhido. Na Odisséia,
Penélope foi escolhida pelos deuses para possuir a arete, e toda a sua conduta atende a
um desígnio superior.
Segundo Comte-Sponville (1995: 203) em seu livro Pequeno Tratado das Grandes
Virtudes: “
A doçura é uma virtude feminina. É por isso, talvez, que ela agrada, sobretudo,
.
nos homens”
A respeito da fidelidade, o autor pondera:“
A fidelidade é o amor conservado ao que
aconteceu, o amor ao amor, no caso, amor presente (e voluntário, e voluntariamente
. (p.
conservado) ao amor passado. Fidelidade é amor fiel, é fiel antes de tudo ao amor”
35).
Penélope - segundo a lenda –espera pelo marido por vinte anos, enquanto este
erra pelo mundo e anseia pelo retorno à sua terra natal, depois da guerra de Tróia
(narrada na Ilíada, também de Homero).
Comte-Sponville faz a seguinte reflexão a respeito da sophrosyne (temperança):

A temperança, que é a moderação nos desejos sensuais, é também a garantia de um
desfrutar mais puro ou mais pleno. É um gosto esclarecido, dominado, cultivado”
. (IDEM:
45).
Penélope é temperante, pois, durante vinte anos não se deixou ser dominada
pelos desejos sensuais, mesmo sendo assediada por inúmeros pretendentes. Penélope
não é mera invenção de Homero, embora tenha se transformado em figura memorável, a
partir de seu poema. De qualquer forma, aparece em outros textos da literatura grega e,
nas antologias e dicionários mitológicos, é sempre mencionada como modelo de
fidelidade conjugal.

Já se passaram três anos, e em breve mais um será feito,


desde que ilude o desejo que os nobres Acaios anima.
Sabe manter as esperanças de todos e a todos promete,
bem como envia mensagens, mas outros desígnios medita(Odisséia, p
33).

De acordo com Snell (1986: 55), em sua obra A cultura grega e as Origens do
Pensamento Europeu,
Na ação e no sentimento do homem vê ele o efeito das forças divinas
operantes, não são eles, portanto, senão uma reação dos órgãos vitais a
um estímulo concebido em forma de pessoa. Em geral, Homero tem a
tendência de considerar toda a situação como o resultado de influências
externas e como fonte de novas influências.

À luz desse conceito, Penélope figura dentro da obra como um ser “


teleguiado”por
uma divindade, nada acontece no seu cotidiano se não for da vontade dos deuses. Ela é
simplesmente, como Snell já acrescentou com muita propriedade, “
uma reação dos
órgãos vitais”
.
Segundo Vernant (2002: 115, 116) em sua obra As Origens do Pensamento
Grego.
As teogonias e as cosmogonias gregas comportam, como as
cosmologias que lhes sucederam, relatos de gênese que expõem a
emergência progressiva de um mundo ordenado. Mas são também,
antes de tudo, outras coisas: mitos de soberania. Exaltam o poder de um
deus que reina sobre todo o universo; falam de seu nascimento, suas
lutas, seu triunfo. Em todos os domínios natural, social, ritual -, a ordem
é o produto dessa vitória do deus soberano. Se o mundo não está mais
entregue à instabilidade e à confusão, é que, ao terminarem os
combates que o deus teve que sustentar contra rivais e contra monstros,
sua supremacia aparece definitivamente assegurada, sem que nada
possa doravante pô-la em discussão.

Vejam-se a esse respeito, os versos de Homero:

A de olhos glaucos, Atena, então disse a Odisseu valoroso:


Filho de Laertes, de origem divina, engenhoso Odisseu,
põe logo termo a essa guerra funesta. Não seja isso a causa
de se irritar contra ti Zeus potente, nascido de Crono.
Alegremente, Odisseu ao conselho de Atena obedece.
Pacto de paz permanente firmou entre os grupos imigos
a de olhos glaucos, Atena, a donzela de Zeus poderoso,
mui semelhante a Mentor, na figura exterior e na fala. (Odisséia, p. 361).

Diante do exposto, a Odisséia é uma obra que relata do começo ao fim o destino
minuciosamente imposto pelos deuses. Tanto a Penélope quanto a Ulisses não faltam
conselhos divinos. Atrás de cada fato há uma divindade operando, um ideal herdado da
destreza guerreira e os sábios conselhos da deusa Atena que, para cada ocasião, acha a
palavra profícua.
Consideramos que é preciso que Penélope sofra o abandono de Ulisses por vinte
anos, que não se entregue aos afoitos pretendentes mesmo sendo perseguida por eles,
que assista paulatinamente à invasão de seu palácio e dilapidação de seus bens. Ulisses
também precisa passar por duras expiações para cumprir a vontade divina. Em nome
dessa vontade divina, surgirá uma lição de bravura, temperança, fidelidade e tantas
outras virtudes que dignificam a passagem terrena do homem.
Penélope é um Ícone de Virtude. Penélope, rainha, esposa, mãe modelar. Quantos
atributos oferecer a uma mulher que passou três anos tecendo uma túnica para seu sogro
Laertes, e que se utilizou desse artifício para recusar inteligentemente as segundas
núpcias e se manter fiel ao marido sem sequer saber do seu paradeiro? Segundo
JAEGER (1995: 46),
(...) A mulher, todavia, não surge apenas como objeto da solicitação
erótica do homem, como Helena ou Penélope, mas também na sua firme
posição social e jurídica de dona de casa. As suas virtudes são, a este
respeito, o sentido da modéstia e o desembaraço no governo do lar.
Penélope é muito louvada pela sua moralidade rígida e virtudes
caseiras.

Penélope veicula em uma sociedade patriarcal, recheada de valores aristocráticos,


um exemplo de submissão, fidelidade e doçura. Sua bondade era tamanha que se calava
diante da exortação de seu filho, ou porque nessa sociedade misógina a mulher estava
fadada à mais completa submissão. Esta subserviência não era só para a vontade divina,
ela obedecia ao filho também.
Ulisses, antes de partir, como que numa espécie de premonição, já pressentia as
intempéries do destino e, certa ocasião, chegou a mencionar umas segundas núpcias
com sua esposa. O fato é que desde que seu esposo partiu, Penélope viu “
o seu castelo
desmoronar”
, e com ele ruiu também sua beleza que era um atributo dos deuses, a sua
alegria de viver, e até mesmo a sua privacidade. O palácio foi invadido por vários
pretendentes, que se tratavam de maneira hostil e acossavam-na.
Uma mulher frágil, ou um “
ser paradoxal”
, ao mesmo tempo em que é frágil e
forte.Quem sabe se um misto de dor e sofrimento fez de Penélope uma mulher triste,
desacreditada, abandonada, que preferiu continuar fiel até a morte, contrariamente ao que
foi sua prima Helena. Foram vinte anos sem saber do paradeiro de Ulisses, se vivo ou
morto, como pôde conviver com tamanha dúvida? Nesse cenário turbulento, ela viu-se
obrigada a contrair segundas núpcias, não porque ela sentisse desejo de compartilhar seu
leito com um outro homem, mas porque precisava arranjar um príncipe para ocupar o
trono. Assim, foi duramente pressionada a tomar uma decisão, pois assistia diariamente
os pretendentes gananciosos, dilapidando seus bens e, como se isso não bastasse, ainda
tramavam em tirar a vida do jovem Telêmaco.
Certa noite, a rainha sonhou que uma águia estava quebrando o pescoço de
vários gansos, então, logo que o dia amanheceu, resolveu propor o certame dos ferros e
do arco. E foi nessa luta que Ulisses, travestido de mendigo ante o espanto e admiração
dos afoitos pretendentes, conseguiu curvar o arco, e com a ajuda de Telêmaco travou
guerra contra os pretendentes, exterminando-os. Penélope estava encerrada em seu
aposento, quando ficou sabendo que seu esposo já se encontrava no palácio. Foi só
depois de muitas provas que a rainha finalmente pôde abraçar o herói.
Penélope é a epifania da mulher inserida na cultura aristocrática, cujos valores
nomeiam a mulher como guardiã e mantenedora do lar. Nessa atmosfera é que vamos
fazer o resgate de Penélope, pois ela se manteve constante no molde aristocrático de
esposa exemplar e mãe dedicada.
Na Odisséia a palavra “
aposento”instaura o quanto a mulher é prisioneira dentro
desse velho mundo aristocrático, pois em quase toda a obra ela se encontra em seus
aposentos. Quando muito, ela se entrega ao tear e, no momento em que ela resolve
tecer, ela está aflita, pois o ato de “
tecer”
, nesse contexto, significa muito mais do que
uma “
válvula de escape”
; é um artifício que Penélope utilizou durante três anos, nos quais
ela passa tecendo uma túnica mortuária para seu sogro Laertes, para ludibriar os afoitos
pretendentes que obrigam a uma resposta. E como ela se recusa a dar esta resposta, ela
desfaz a própria trama, e com esse ardil deixa claro que não está interessada a contrair
segundas núpcias, ela quer mesmo é ser fiel ao seu esposo. Por outro lado, os
pretendentes que somam um total de cento e oito estão interessados apenas nos bens da
rainha em assumir o trono deixado por Ulisses.
Segundo Jucá (1968: 613), “
Tecer é urdir, tramar, compor, liar, entrelaçar,
. Visto assim, Penélope
enredar; armar, engendrar, preparar; mesclar, trançar; ornar (...)”
trama os fios de lã e concomitantemente o seu destino; ela tece a angústia de quem ama
e sofre a dor da ausência, ela sequer tem o direito de poder esperar pela pessoa amada.
Penélope pode ser comparada a um Artrópode, pertencente à classe dos aracnídeos (a
aranha) que, além de ter outras características, possui a capacidade de confeccionar teia,
que tem por finalidade capturar os animais para servir de alimento.
Assim como para este aracnídeo a teia é condição de sobrevivência, para
Penélope o entrelaçamento de fios também é fundamental para a sobrevivência de um
amor, pois serve não somente para adiar uma resposta, mas é uma condição de
reencontro, de lealdade.O ato de tecer, para Penélope, assume uma importância tão
grande diante do seu sofrimento que a heroína desfaz o trabalho para poder continuar
tendo o direito a uma não resposta. Penélope é tão ardilosa quanto Ulisses e consegue
adiar a resposta por três anos. Ela se apega ao tear e tece em prol da sua união com
Ulisses.
Nesse âmbito é preciso extrair a personagem Penélope do “
pano de fundo”em
que ela se encontra na epopéia. De certa forma, a sua imagem tem sido bastante
ofuscada diante dos grandiosos feitos de Ulisses, como se o caráter de “
segundo plano”
de sua personagem fosse algo negligenciado, como atributo de menor importância. Há
uma espécie de “
cristalização”em torno da sua imagem. Apesar de Penélope estar

asfixiada”pelos valores aristocráticos, temos que dar voz a esta personagem, e para isso
é necessário retirá-la desse “
pano de fundo”e passar à contemplação da sua bravura,
fidelidade e vários exemplos por ela cimentados nos versos homéricos.
Segundo Snell (1986: 36), a ação que se desenvolve entre os homens não serve a
um escopo superior; ao contrário, entre os deuses só acontece aquele tanto necessário
para tornar compreensível o desenrolar dos acontecimentos terrenos, sem que com isso o
curso natural da vida terrena seja mudado. E talvez a coisa mais admirável do mundo
homérico esteja no fato de que, não obstante a vigorosa intervenção dos deuses, a ação
e as palavras dos homens continuem tão naturais.
À luz de tão importante conceito, percebemos claramente que as provações
impostas pelos deuses a Penélope foram delineadas pelo tempo suficiente para que ela
pudesse honrar com os exemplos de virtude, brandura, fidelidade à nobreza de sua época
e cunhar nessa grande obra não só os feitos do astuto Ulisses, mas também a destreza
de uma mulher que lutou bravamente para defender seu palácio, sua honra, enfim o seu
grande amor pelo herói. E ao dar mostras desse sentimento divino, que é o amor, com
tamanha virtude, cantou e elegeu a plêiade de mulheres de seu tempo instaurada nos
versos de Homero, segundo seu tradutor Nunes (1960:15):

Como as Pirâmides, como a música de Beethoven, o retrato de Mona


Lisa, inclui-se a Odisséia entre as grandes criações eternas, que só
permite uma única referencia cronológica: a do milagre da origem. Mas,
uma vez concretizadas – tal como as grandes cordilheiras que, num
momento preciso, emergiram das águas – todas essas criações do
homem passam a ser símbolo de duração eterna, outro tanto troféu da
vitória sobre o tempo.

4. Considerações finais
Ao finalizarmos esta pesquisa, chegamos à conclusão de que a personagem
Penélope inevitavelmente serve como arquétipo e modelo educacional para gerações
presentes e futuras a seu tempo. Ao estudarmos com afinco a Odisséia, compreendemos
que o poeta deve ser considerado não como simples objeto da história formal da
literatura, mas como o primeiro e maior criador e modelador da humanidade grega. É
consenso que as duas obras, a Ilíada e Odisséia, são um retrato da civilização grega que,
além de testemunhar o gênio do poeta, estão entre os pontos mais altos atingidos pela
poesia universal.
Jaeger (1989: 65) afirma que: “
A poesia arraigada no solo - e não há nenhuma
verdadeira poesia que não o seja - só se eleva a uma validade universal na medida em
.
que atinge o mais alto grau da universalidade humana”
Homero foi o primeiro a entrar na história da poesia grega. O fato de esse grande
poeta ter-se tornado o mestre da humanidade inteira demonstra a envergadura do povo
grego para chegar ao conhecimento daquilo que une a todos nós.

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRANDÃO, Junito de Souza. Dicionário mítico-etimológico da mitologia grega. Petrópolis, Rio


de Janeiro: Vozes, v. II. 1991.

CARPEAUX, Otto Maria. História da civilização ocidental. Rio de Janeiro: O Cruzeiro, 1959. 324
p.

COMTE-SPONVILLE, André. Pequeno Tratado das Grandes Virtudes. Tradução Eduardo


Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 1995, 392p.

DUBY, Georges; PERROT, Michele (org). História das mulheres: A Antigüidade. Porto:
Afrontamento, s/d. v. I

JAEGER, Werner Wilhelm. Paidéia: A formação do homem grego. 3 ed., São Paulo: Martins
Fontes, 1995.

HOMERO. Odisséia. 4 ed., Tradução Carlos Alberto Nunes. São Paulo: Melhoramentos, s/d. 361
p.

JUCÁ, Cândido. Dicionário Escolar. Das dificuldades da Língua Portuguesa. 3 ed, Rio de Janeiro:
Artes Gráficas Gomes de Souza S.A., para Campanha de Nacional de Material e Ensino 1968.
MOSSÉ, Claude. A Grécia arcaica de Homero a Ésquilo. Tradução Emanuel Lourenço Godinho.
Portugal: Ed. 70, 1984. 228 p.

SNELL, Bruno. A cultura Grega e as Origens do Pensamento Europeu.Tradução: Pérola de


Carvalho. São Paulo: Perspectiva, 2001. 325 p.
VERNANT, Jean Pierre. Mito e pensamento entre os gregos. Estudos de Psicologia Histórica.
Tradução: Haiaganhch Jarian. 2 ed., Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990. 503 p.

______. As origens do pensamento grego.Tradução, Ísis Borges da Fonseca 12 ed., Rio de


Janeiro: Difel, 2002, 144 p.

THOORENS, Léon. Panorama das literaturas 1: Mesopotâmia. Egito. Palestina. Pérsia. Grécia.
São Paulo: Difusão Editorial do Livro, 1966.

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