Teoria Da História - Luiz Henrique Torres PDF
Teoria Da História - Luiz Henrique Torres PDF
Teoria Da História - Luiz Henrique Torres PDF
CONSTRUÇÃO E DESCONSTRUÇÃO DA
RACIONALIDADE
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LUIZ HENRIQUE TORRES
TEORIA DA HISTÓRIA:
CONSTRUÇÃO E DESCONSTRUÇÃO DA
RACIONALIDADE
2017
3
de Luiz Henrique Torres.
Gravura da capa: Rio Grande.
Criação da Arte, composição e diagramação: Luiz Henrique Torres.
Revisão: Rejane Martins Torres.
140p.
Bibliografia
ISBN: 978-85-9491-016-5
CDU : 08-07451
CDD:901
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SUMÁRIO
A TRAJETÓRIA DA TEORIA DA HISTÓRIA/7
CONCEITUAÇÕES/9
POR QUE ESTUDAR HISTÓRIA E TEORIA DA HISTÓRIA?/12
AMPLIANDO A CONSTELAÇÃO CONCEITUAL/14
MEMÓRIA & HISTÓRIA/15
TEMPO E HISTÓRIA/18
SENTIDO DA HISTÓRIA/21
OBJETIVIDADE E SUBJETIVIDADE DO CONHECIMENTO HISTÓRICO/23
FILOSOFIA DA HISTÓRIA/27
CIÊNCIAS NATURAIS E A HISTÓRIA /28
LUGARES DE MEMÓRIA/32
O ALVORECER DA RAZÃO HISTÓRICA/34
HISTORIOGRAFIA MEDIEVAL E MODERNA/34
O RACIONALISMO ILUMINISTA/35
ILUMINISMO E VAMPIRISMO/38
CONCEPÇÃO IDEALISTA DA HISTÓRIA/39
HISTÓRIA ROMÂNTICA/41
XIX: O SÉCULO DA HISTÓRIA/43
MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO: OS FUNDAMENTOS/44
MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO: VERTENTES/47
O POSITIVISMO E A ESCOLA METÓDICA/53
HISTORICISMO/60
HERMENÊUTICA/64
CONCEPÇÃO DA HISTÓRIA EM NIETZSCHE/66
RELATIVISMO HISTÓRICO OU PRESENTISMO/68
EXISTENCIALISMO E HISTÓRIA/70
MOVIMENTO DOS ANNALES: PRIMEIRA GERAÇÃO/73
MOVIMENTO DOS ANNALES: BRAUDEL E AS MENTALIDADES/76
MOVIMENTO DOS ANALLES: TERCEIRA GERAÇÃO/80
AMPLIANDO A CONSTELAÇÃO CONCEITUAL/84
NOVA HISTÓRIA CULTURAL/87
IRRACIONALISMO PÓS-MODERNO/92
O QUE É HISTÓRIA/94
5
ESPECIALIDADES E ABORDAGENS DO CAMPO DA HISTÓRIA/95
REFLEXÕES PARA O TEMPO PRESENTE/99
A HISTÓRIA E A LITERATURA/101
RETOMANDO A HISTÓRIA NARRATIVA/112
CRISES DO PENSAMENTO OCIDENTAL: REFLEXÕES/113
CONSTRUÇÃO E DESCONSTRUÇÃO DA RACIONALIDADE/115
BIBLIOGRAFIA/119
ANEXO I - LEITURAS PARALELAS PARA REFLEXÃO/128
ANEXO II - SÍNTESE COMPARATIVA DAS CONCEPÇÕES/136
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A TRAJETÓRIA DA TEORIA DA HISTÓRIA
A Teoria da História está voltada a desvelar quais são os fundamentos da ciência histórica e como foi organizado o pensamento histórico desde a
antiguidade greco-romana. Caminhada intelectual exaustiva e inesgotável que busca colocar um pouco de clareza no caos de fragmentos
historiográficos dos últimos 2.500 anos. Para esclarecer podemos pensar a historiografia como este conjunto de obras já publicadas voltadas a pesquisa
histórica; e a Teoria da História como a análise deste complexo material historiográfico, buscando sistematizar a produção, analisar os fundamentos
epistemológicos (referenciais conceituais para construção deste saber) e buscar aproximações e distanciamentos nas interpretações teórico-
metodológicas (organizar em concepções ou escolas do pensamento, em paradigmas epistemológicos etc). Enfim, refletir sobre como o historiador
constrói o conhecimento e produz interpretações sobre o passado.
São múltiplas as formas de construir o conhecimento histórico e que se expressam em interpretações historiográficas diferenciadas (centenas de
milhares de artigos e livros tratando de temas que buscam desvelar historicidades dos homens organizados socialmente no passado), neste sentido, há
inúmeras “Teorias da História” e não um ente singular como o título deste livro que é usado como “tradição”.
Pensar o passado enquanto processo do acontecer humano no tempo/espaço pode ser feito por diferentes caminhos: filosófico, sociológico,
teológico, teleológico, mítico etc. A Teoria da História aqui referida está relacionada com a construção intelectual que buscou alicerces explicativos
racionais e que remonta a construção da História enquanto conhecimento sistematizado: a partir de Heródoto e Tucídides na Grécia Antiga.
Ao longo desta construção que se estenderia até o estatuto de ciência obtido no século XIX (e que é fator de questionamento até o presente), a
História esteve próxima de áreas do conhecimento como a Literatura e a Filosofia, vagando entre o uso pragmático da pesquisa histórica para justificar
títulos de nobreza ou controle de terras (como na Idade Média) até a emancipação dos homens da opressão do Antigo Regime na Idade Moderna.
Quero deixar claro que escrevi este livro para ser um guia preliminar para os acadêmicos encaminharem leituras mais avançadas de Teoria da
História, as quais são sugeridas na bibliografia. Outro esclarecimento é que quando me perguntam qual o paradigma1 explicativo que utilizo nos meus
escritos sempre afirmo “a fonte”. Ou seja, é a partir da documentação disponível que busco o cerco mais adequado para dialogar com o passado. A
abordagem teórica é construída/apropriada do manancial historiográfico já existente a partir desta construção dialogal com os fragmentos das
historicidades passadas. Certamente, as visões de mundo naquela contemporaneidade estarão presentes e a escolha interpretativa se fará a partir da
constelação de leituras e inclinações do presente. Nesta abordagem não há espaço para reprodução dogmática, mas, sim uma abertura para novas
leituras que questionem o saber estático e o raciocínio redundante.
A dimensão subjetiva desta caminhada é que os textos aqui apresentados são às leituras que fiz a partir da Graduação em História e que tiveram
importância para a reflexão sobre “a arte de construir o conhecimento histórico”. Citações de autores aqui contempladas são fragmentos desta
caminhada reflexiva que pode ser útil para aqueles que estão buscando uma primeira aproximação com o complexo campo da Teoria da História, mas
fique claro: são as minhas escolhas reflexivas entre tantas outras que podem ser buscadas pelos leitores! Fundamental ressaltar que estou colocando
algumas discussões de Teoria da História almejando que o leitor busque na bibliografia o aprofundamento dos temas e desta forma avance nas
discussões cada vez mais complexas e reflexivas!
1 Paradigma é o complexo de postulados, conceitos e procedimentos mínimos que distinguem, pela maior ou menor adesão por parte dos autores da área, um
enfoque de outro no seio da problemática epistemológica da história. RUDIGGER, Francisco Ricardo. Paradigmas do estudo da história. Porto Alegre: IEL/IGEL, 1991,
p. 13.
7
Além do interesse em fornecer uma base paradidática inicial para os acadêmicos (uma difusão reflexiva do saber historiográfico), este livro foi
feito para valorizar a inteligência humana em sua busca para interpretar as energias que fluem da ação humana no planeta e que edificaram
multifacetadas civilizações. O conhecimento científico é uma busca repleta de caminhos que se abrem e de novas trevas que se lançam a cada
descoberta ou reflexão. Não se chega à resposta última ou ao caminho que chegou ao fim, mas a respostas provisórias, satisfatórias ou insatisfatórias,
que exigirão novas reflexões e aprofundamentos. Alguns destes pensadores que lançaram novos horizontes de perspectivas para o conhecimento serão
aqui citados exaustivamente. Referenciá-los para que sejam lidos é uma forma de homenagear estas trajetórias de vida passada que renascem a cada
releitura de seus escritos.
A invenção da imprensa, por Gutenberg, no século XV propiciou a difusão dos livros que no período iluminista ampliaram as discussões sobre a
natureza da historicidade humana no planeta. Os livros/revistas e hoje o meio digital, são atores fundamentais para levar as discussões para horizontes
de leitores multifacetados culturalmente, mas, unificados no objetivo de investigar, refletir, interpretar e produzir conhecimento.
8
CONSTELAÇÃO CONCEITUAL
História: A história refere-se às ações e/ou práticas humanas concretas, a historicidade do acontecer no espaço-tempo. Também pode ser lida como:
“ciência ou disciplina do acontecido, isto é, história-conhecimento; história como notícia dos fatos e história como fatos acontecidos, ou seja, história-
processo”. No estudo da história devem ser levadas em conta, principalmente, duas dimensões: a História como “acontecer” - res gestae, ou seja o
complexo dos fatos humanos no seu curso temporal; e a História como "conhecimento" - narratio rerum gestarum, ou seja o relato desses fatos
humanos históricos.
Epistemologia da História: A epistemologia (do grego episteme, conhecimento) se refere ao campo filosófico das teorias do conhecimento. Essa área diz
respeito a como sabemos o que quer que seja. Nesse sentido, a história integra outro discurso, a Filosofia, tomando parte na questão geral do que é
possível saber com referência à própria área de conhecimento da história – o passado. 2
Historiografia: A historiografia remete às interpretações feitas pelos historiadores, ou seja, à reflexão sobre a produção dos historiadores. A produção
intelectual no campo do conhecimento histórico, a historiografia, é realizada pelo crítico historiográfico. “Refletir sobre a escritura da história, sobre a
história da história (historiografia), significa perguntar sobre as origens de nossa civilização ocidental. História do passado ou do presente, a história
desempenha um papel importante na construção das identidades coletivas e das sociedades humanas”.3
Filosofia da História: ramo da Filosofia que investiga o significado da historicidade humana e especula sobre um fim teleológico de seu
desenvolvimento. Questiona da existência de um princípio ou finalidade do processo histórico. Interroga se a história é cíclica ou linear, evolutiva ou
fundada no progresso, além de questionar o conceito de verdade histórica. A interpretação busca ajustar o processo histórico a concepções filosóficas.
Por vezes, a Filosofia da História é associada à construção de grandes sitemas e de esquemas teóricos empenhados em explicar ou interpretar a
totalidade do processo histórico.4 Divide-se em Filosofia Especulativa da História (reflexões sobre o caráter científico da história) e Filosofia Crítica da
História (análise dos acontecimentos buscando o curso dos acontecer e possíveis sentidos para o processo histórico).5
Teoria do Conhecimento ou Epistemologia: domínio da Filosofia que aborda a questão da natureza (o que é) do conhecimento, das fontes (onde
procurá-lo) e da validação (como comprová-lo).6
desenvolvimento, ou seja, pergunta-se se há um esboço, um propósito, princípio director ou finalidade no processo da história humana. Busca desvelar se a história é
linear ou cíclica, discutir a verdade e o progresso da humanidade.
6 OLIVA, Alberto. Teoria do Conhecimento. Rio de Janeiro: Zahar, 2011, p. 7.
9
Teoria da História: Ampla variedade de definições são encontradas nos estudos de especialistas. Ao longo do tempo os objetos, abordagens e limites de
investigação foram sendo modificados ou adaptados a diferentes correntes de pensamento, daí a diversidade conceitual.
►“A Teoria da História situa-se no amplo contexto da Filosofia da Ciência e da Epistemologia de cada ciência particular, e examina a prática da
comunidade científica dos historiadores, comparando-a com a prática das demais comunidades e atentando nas relações que com elas mantém. Pode
dizer-se que, de momento, as questões que ocupam mais constantemente os teóricos são: a análise do território do historiador, os contatos reais
mantidos com pesquisadores de outras áreas científicas, o papel das teorias e a polissemia deste termo nas ciências humanas, a conceitualização, a
explicação e a descrição”;7
► “A partir da breve conceituação do termo teoria e do primeiro significado da palavra, ou seja, como disciplina praticada pela comunidade de
historiadores, pode-se interpretar o termo Teoria da História como o estudo ou um modo de compreender a área do conhecimento que investiga as
ações dos homens no tempo: preocupa-se com o que e como o historiador transforma os documentos em um livro de história, por exemplo, ou como
os feitos se tornam fatos. Teoria da História, dessa perspectiva, pretende compreender os mecanismos de elaboração, distribuição, recepção e
legitimidade de um conhecimento histórico acadêmico aceito como relevante entre os praticantes do ofício”;8
► “A palavra história designa tanto uma disciplina científica quanto sua matéria de conhecimento. O segundo sentido refere-se aos processos sociais
em seu devir, enquanto o primeiro remete ao seu estudo metódico, aos seus procedimentos de investigação. A expressão Teoria da História carrega
consigo essa ambigüidade, na medida em que pode se referir tanto a um conjunto de hipóteses sobre a estrutura e sentido de determinados processos
sociais (historicidade9), quanto à reflexão conceitual sobre o saber histórico (historiografia). O território da reflexão teórica sobre os fundamentos e
natureza dos estudos históricos corresponde ao que conviria denominar mais corretamente de Epistemologia da História; isto é, a pesquisa, estudo e
análise da estrutura lógica e conceitual (metodologia) através da qual se produz o conhecimento histórico, através da qual se elabora uma
historiografia. Conseqüentemente, caberia reservar à expressão Teoria da História a designação do conjunto de conceitos através dos quais os
historiadores procedem à interpretação e análise do seu campo de pesquisa”;10
►“O fato de História ser um conceito histórico básico parece decorrer da própria palavra. Mas a expressão possui sua própria história, a qual somente
ao final do século XVIII lhe permitiu ascender à condição de conceito mestre, político e social. Abrangendo tanto passado quanto futuro, ‘a História’ se
transformou num conceito regulador para toda a experiência já realizada e ainda a ser realizada. Desde então, a expressão ultrapassa em muito os
limites de simples narrativa ou de ciência histórica. (...) Desde a descoberta de que nossa Terra é uma esfera, a contemporaneidade do não-
contemporâneo se transformou numa experiência de todos os povos que habitam este globo. Desde então, a História é temporalizada, em um sentido
genuíno. O tempo passa a ser estratificado, não mais só como vivenciado ao natural, mas também como forma de realização e resultado da ação
7 SILVA, Maria Beatriz Nizza da. A Teoria da História e sua Problemática. In: Ciência e Filosofia. São Paulo: USP, 1979, n.1, p.60.
8 MELLO, Ricardo Marques de. O que é Teoria da História? Três significados possíveis. História e Perspectivas: Uberlândia (46): 365-400, jan./jun. 2012, p.372.
9 Ações humanas colocadas numa perspectiva de movimento espaço-temporal. Aquilo que existe no tempo histórico.
10 RÜDIGER, Francisco. Propedêutica à Teoria da História. In: Estudos Ibero-Americanos. Porto Alegre: PUCRS, v. XXIII, n.1, 1997, p. 155.
10
humana, da cultura humana e, sobretudo, da técnica humana (...). História - como conceito legitimador – vai muito além de sua aplicação científica. Ela
conseguiu reunir as experiências e as esperanças da Era Moderna numa só palavra, a qual conseguiu se tornar, desde então, termo de discórdia e
palavra de ordem e nossa linguagem político-social”;11
►”A Teoria da História constitui um campo de estudos fundamental para a formação do historiador. Não é possível desenvolver uma adequada
consciência historiográfica, nos atuais quadros de expectativas relacionados ao nosso ofício, sem saber se utilizar de conceitos e hipóteses, sem
compreender as relações da História com o Tempo, com a Memória ou com o Espaço, ou sem conhecer as grandes correntes e paradigmas teóricos
disponibilizados aos historiadores através da própria história da historiografia”.12
Uma forma simplificada de pensar estes conceitos é reconhecer a polissemia (vários significados) dos termos e constatar que as fronteiras de
investigação podem ser etéreas sendo necessária uma peregrinação neste espaço indiviso. Poderíamos pensar a História enquanto o processo
humano no passado; a historiografia como a ciência da História e a Teoria da História ou Historiologia (na acepção de José Ortega y Gasset) como a
Epistemologia da História, ou seja, as reflexões sobre como os historiadores teorizam/produzem o conhecimento científico.
Salvador Dali. A Persistência da Memória (1931).
11 KOSELLECK, Reinhart (Org.). O Conceito de História. Belo Horizonte: Autêntica, 2013, p. 39-40.
12 BARROS, José D’Assunção. Teoria da História: princípios e conceitos fundamentais. Petrópolis: Vozes, vol. I, 2011, p.11.
11
POR QUE ESTUDAR HISTÓRIA E TEORIA DA HISTÓRIA?
Refletir sobre o processo histórico e suas diferentes interpretações remete a necessidade de preservação da “memória” e da “trajetória de
experiências” civilizatórias e pessoais. As ênfases podem variar entre a história contemplação, história enquanto revolução, história enquanto
desvelamento das raízes culturais, mas essencialmente, a busca da compreensão do passado procura a reflexão/interpretação sobre os processos, as
práticas, a vida cotidiana, os referenciais do poder e das lógicas de organização em sociedade. Pode representar a justificativa intelectual/ideológica de
um status quo ou a crítica a um sistema de valores/práticas vigente. A história, apesar de se perder nas brumas do passado, produz um conhecimento
“quente/contemporâneo de escolhas” e nunca “neutro”. A vida em sociedade é repleta de escolhas e direcionamentos, sendo inviável pairar acima de
olhares de comprometimento frente ao caminhar cronológico da existência humana e de suas realizações materiais e simbólicas.
12
►Lucien Febvre: “E dado que tenho à felicidade de ver nesta sala jovens decididos a consagrar a sua vida à pesquisa histórica, é com segurança
que lhes digo: para fazer história virai decididamente às costas ao passado e vivei primeiro. Misturai-vos à vida. À vida intelectual, sem dúvida, em toda
a sua variedade. Historiadores, sede geógrafos. Sede juristas também, e sociólogos e psicólogos; não fechais os olhos ao grande movimento que,
perante vós, transforma num ritmo vertiginoso as ciências do universo físico. Mas vivei também uma vida prática. Não vos contenteis em contemplar da
orla, preguiçosamente, o que se passa no mar em fúria. E isto é tudo? Não. Não é mesmo, nada se deveis continuar separando a vossa ação do vosso
pensamento, a vossa vida de historiador da vossa vida de homem. Entre a ação e o pensamento não há separação. Não há barreira estanque. É preciso
que a história deixe de vos aparecer como uma necrópole adormecida, onde perpassam apenas sombras despojadas de substancia. É preciso que,
ardentes de luta, ainda cobertos de poeira do combate, do sangue coagulado do monstro vencido, penetreis no velho palácio silencioso onde ela
dormita, e que, abrindo as janelas de par em par, reacendendo as luzes e reanimando o barulho, acordeis com a vossa própria vida, com a vida quente e
jovem, a vida enregelada da princesa adormecida (...) Perdoai-me o jeito que tomou esta palestra. Dirijo-me, sobretudo aos historiadores. Se acaso eles
estiverem tentados a achar que lhes falar assim é não lhes falar como historiador, eu lhes suplico que reflitam antes de formular essa censura. Ela é
mortal.”13
► Fernand Braudel: “A história se encontra, hoje, diante de responsabilidades temíveis, mas também exaltantes. Sem dúvida porque jamais
cessou, em seu ser e em suas mudanças, de depender de condições sociais concretas. “A história é filha de seu tempo”. Sua inquietude é, pois, a própria
inquietude que pesa sobre nossos corações e nossos espíritos. E se seus métodos, seus programas, suas respostas mais precisas e mais seguras ontem,
se seus conceitos estalam todos de uma só vez, é sob o peso de nossas reflexões, de nosso trabalho e, mais ainda, de nossas experiências vividas”.14
► George Duby: “(...) estou convencido de que nosso ofício perde o sentido se permanecer fechado em si próprio. A história, a meu ver, não
deve ser principalmente consumida por aqueles que a produzem (...). Mas não tenho ilusões, não atingirei a maior parte do público. Este prefere, e com
razão, a fábula ou o inquérito policial, em vez do que eu lhe posso contar. Mesmo assim faço tudo para que a minha voz produza efeitos. Como as
perguntas que faço não me dizem respeito só a mim, como as regras pesquisadas pelos historiadores me parecem formar o espírito no rigor crítico,
desejo evidentemente que os ecos do meu discurso se repercutam no sistema de educação, e luto para que o lugar da História, da boa História, não se
reduza, antes se amplie no interior dele. Desejo também que o máximo de pessoas me ouça. Porque gosto de comunicar o enorme prazer que sinto no
meu ofício e, sobretudo, porque o creio útil. Creio na utilidade da História bem feita. Isto é – a proporção justa e difícil -, com lucidez e paixão.”15
*Na ciência histórica o início de uma reflexão sistemática por historiadores se dá com o francês J. B. Buchez (1865, positivista) e com J. G.
Droysen (1884, historicista). O positivismo se apegou a noção de “causalidade kantiana” (Crítica da Razão Pura, 1781) reduzindo o conhecimento
histórico à fixação de fatos positivos submetidos a relações de causalidade. A unidade metodológica das Ciências em geral valeria também para o
campo da História. Já o historicismo buscou na “vontade kantiana” a explicação da História como uma realidade própria que distingue as Ciências
Históricas e a insere nas Ciências Humanas e não nas Ciências Naturais.
13 Vivre l’histoire. In: Combats pour l’Histoire. 2.ed., Paris, A. Colin, 1965, p. 32-33. Citado em Febvre: história. MOTA, C.G. (Org.). São Paulo: Ática, 1978, p.7-8.
14 Lição inaugural no Collège de France a 1 de dezembro de 1950. In: BRAUDEL, Fernand. Escritos sobre a História. São Paulo: Perspectiva, 1978, p. 17.
15 DUBY, George & LARDREAU, Guy. Diálogos sobre a nova história. Lisboa-Portugal: Publicações Don Quixote, 1989, p. 162.
13
AMPLIANDO A CONSTELAÇÃO CONCEITUAL
Para compreender os discursos científicos é preciso remeter a compreensão de corpo teórico e conceitual. Frequentemente, nas obras
individuais, não se observa a aplicação rigorosa de um fundamento geral de uma concepção e sim adaptações ou novos olhares do objeto. É importante
destacar, que as generalizações referentes às correntes historiográficas (que serão visitadas neste livro) são necessárias para uma compreensão
“didática” preliminar dos enfoques teóricos em História. Somente o estudo específico de cada intelectual ou obra, permitirá captar a trajetória
historiográfica do autor frente ao seu tempo e o seu legado reflexivo para o presente.
No campo da ciência, os conceitos são poderosas bagagens explicativas que buscam desvelar o objeto investigado. São construções mentais que
não pairam acima da condição humana (até por que não devem se converter em dogmas), mas ferramentas essências para dialogar com o espaço e o
tempo das construções materiais e simbólicas.
José D’Assunção Barros utiliza os seguintes conceitos basilares para o estudo da Teoria da História:
→Escola Histórica: Grandes conjuntos coerentes de historiadores, unidos por um programa de ação em comum e por mecanismos apropriados de
difusão para seus trabalhos, como revistas e instituições;
→Campo Histórico: Modalidades no interior da História, que estabelecem conexões umas com as outras diante dos vários objetos de estudo dos
historiadores. Subespecializações da História (História Econômica, História Cultural etc);
→Matriz disciplinar: Conjunto de preceitos e atributos da História (forma de conhecimento) que é aceito pela ampla maioria dos historiadores;
→Paradigma Historiográfico: Grandes linhas dentro da historiografia (e de sua Matriz Disciplinar) que apresentam uma forma específica de conceber e
lidar com a História (ex: Positivismo, Historicismo, Materialismo Histórico);
→Filosofia da História: Conjunto coerente de especulações filosóficas sobre a História; modalidade da Filosofia que reflete sobre a História;
→Escola: pode ser entendida no sentido de uma “corrente de pensamento”, sempre que ocorre um padrão ou programa mínimo perceptível no
trabalho de um grupo formado por um número significativo de praticantes de determinada atividade ou de produtores de certo tipo de conhecimento.
Também é preciso que haja uma intercomunicação entre esses praticantes e a constituição de uma identidade em comum;
→Teoria da História: 1)Campo de Estudos que examina todos os aspectos teóricos envolvidos na produção do conhecimento histórico e na análise de
questões históricas específicas; 2)Grandes correntes de concepção da História no interior de cada paradigma (ex: variações do Materialismo Histórico),
ou mesmo “entre” os paradigmas e até independentes deles; 3)Sistemas coerentes para a compreensão de processos históricos específicos (a
Revolução Francesa, o Nazismo etc.) desenvolvidos por um ou mais historiadores.16
→Cultura Histórica: “Entendo por cultura histórica os enraizamentos do pensar historicamente que estão aquém e além do campo da historiografia e
do cânone historiográfico. Trata-se da intersecção entre a história científica, habilitada no mundo dos profissionais como historiografia, dado que se
trata de uma saber profissionalmente adquirido, e a história sem historiadores, feita, apropriada e difundida por uma plêiade de intelectuais, ativistas,
editores, cineastas, documentaristas, produtores culturais”. 17
16BARROS, José D’Assunção. Teoria da História: princípios e conceitos fundamentais. Petrópolis: Vozes, vol. I, 2011, p.163
17FLORES, Elio Chaves. Dos feitos e dos ditos: História e Cultura Histórica. In: Saeculum – Revista de História, ano 13, n°. 16. João Pessoa: Departamento de
História/ Programa de Pós-graduação em História/ UFPB, jan./ jun. 2007, p. 95.
14
MEMÓRIA & HISTÓRIA
Os gregos já buscavam preservar a memória de seu passado para não se perder no passar implacável do tempo, dos homens e das civilizações.
Preservar parte da memória seria uma forma de sobrevivência e de manter o legado para as novas gerações. O que fica da ação humana no tempo está
nos documentos escritos ou digitais, na cultura material, na oralidade, nas ações cotidianas que nem sempre são percebidas cognitivamente, mas, que
remetem a práticas dos antepassados. A capacidade de produzir artefatos ramifica a memória do campo da habilidade cerebral para a formação
material e simbólica da vida humana e possibilitou, nos últimos milênios, a preservação de parte destas experiências e obras que modelaram a
natureza. A “história conhecimento” nasceu questionando o esquecimento e buscando memorizar os atos para rememorá-los futuramente, não na
ritualização pagã, mas no reconhecimento intelectual da observação percuciente.
Conforme o neurocientista Ivan Izquierdo “memória são as ruínas de Roma e as ruínas de nosso passado; memória tem o sistema imunológico,
uma mola e um computador. Memória é nosso senso histórico e nosso senso de identidade pessoal (sou quem sou porque me lembro quem sou). Há
algo em comum entre todas essas memórias: a conservação do passado através de imagens ou representações que podem ser evocadas. (...)Desde um
ponto de vista prático, a memória dos homens e dos animais é o armazenamento e evocação de informação adquirida através de experiências; a
aquisição de memórias denomina-se aprendizado. As experiências são aqueles pontos intangíveis que chamamos presente. Não há memória sem
aprendizado, nem há aprendizado sem experiências. Não inventamos memórias. As memórias são fruto do que alguma vez percebemos ou sentimos”.18
.
Clio é uma das nove musas que habita o monte Hélicon.
Eram filhas de Zeus e de Menamónia (deusa da
memória). As musas presidem as artes e as ciências e
buscam inspirar os governantes para a paz. Clio é a
musa da história e da criatividade, aquela que divulga e
celebra as realizações. Preside a eloqüência, sendo a
mediadora das relações políticas entre homens e nações
18
IZQUIERDO, IVAN. Memórias. In: Estudos Avançados. São Paulo: USP, vol.3 n.6, maio/agosto,1989, p. 89. A Musa da História Clio. Pintura de Pierre
Mignard (1689).
15
Na abordagem de José D’Assunção Barros19 memória, na sua designação “mais habitual, vulgar e cotidiana, corresponde muito habitualmente a
um processo parcial e limitado de lembrar fatos passados, ou aquilo que um indivíduo representa como passado”. Porém, memória não é apenas um
atualização mecânica de vestígios mas um fenômeno complexo: “não envolve apenas a ordenação de vestígios, como também a releitura de vestígios
(...) A memória, e ainda nos referimos aos processos mnemônicos relativos ao Indivíduo, dá-se de maneira ativa e dinâmica, envolvendo diversos
aspectos, tal Com isso, vemos que a Memória, mesmo no âmbito da vida biológica individual, vai deixando de ser concebida como passiva para cada vez
mais ser compreendida como um processo ativo, dinâmico, complexo, interativo”. Barros, fundamentado na interpretação de Maurice Halbwachs,20
enfatiza a mútua interpenetração entre a memória individual e a memória coletiva: “mesmo o indivíduo que se empenha em reconstituir e reorganizar
suas lembranças irá inevitavelmente recorrer às lembranças de outros, e não apenas olhar para dentro de si mesmo em conexão com um processo
meramente fisiológico de reviver mentalmente fatos já vivenciados. Isso sem considerar o que é ainda mais importante: a memória individual requer
como instrumental palavras e ideias, e ambas são produzidas no ambiente social. Dito de outra forma, se no caso da Memória Individual são os
indivíduos que, em última instância, realizam o ato de lembrar, seriam os grupos sociais que determinariam o que será lembrado, e como será
lembrado”.
Halbwachs relaciona dois tipos de memória: “memória coletiva” ou também chama de “memória histórica” (partilhada por todos os indivíduos
da sociedade) com a “memória autobiográfica” (elaborada individualmente ao longo da própria vida). Ou seja, nossa trajetória não é uma caminha
apenas individual, mas, também social, recebendo influências da Cultura Histórica de cada época (divulgados pelos meios políticos, de comunicação,
lugares de memória, difusão de mitos etc).
Astor Diehl apresenta outro enfoque para o emergir das memórias no presente: “A atualidade do tema memória vincula-se também à falência
da ação e das leituras entrópicas, promovidas por pensadores modernos, que remetiam o imaginário social ao projeto de segurança e de um mundo
presente quase perfeito no futuro. Nesse caso, a certeza científica e as filosofias especulativas da história do futuro cegaram as possibilidades de existir
a contingência na história. Evidentemente que essa reorientação não é feita de forma indolor. Há uma espécie de desespero frente àquilo que a
memória possa nos revelar. Em suas múltiplas leituras possíveis, a memória revela os escombros, as ruínas e os processos de desintegração, tornando-
se ela um testemunho do passado, no qual o progresso rompera com as estruturas tradicionais. O passado passa a ser percebido como um imenso
espaço temporal, constituído de coisas desconhecidas, porém disponíveis para um processo de reconstituição inventiva. Frente à diversidade
reveladora da memória social, escrita e oral, o historiador já não consegue mais ter a certeza absoluta sobre o reconstituir e o significar o passado”.21
Algumas reflexões:
→A memória são os fragmentos da realidade, as observações e pontos de vista pessoais ou coletivos, espontâneos ou premeditados, que
buscam explicar certa experiência histórica. A memória está ligada a historicidade de um indivíduo ou grupo que está ideologicamente interagindo com
19 BARROS, José D’Assunção. História e memória – uma relação na confluência entre tempo e espaço. In: Mouseion. Canoas: UNILASALLE, vol. 3, n.5, Jan-Jul/2009,
p. 35-67.
20 HALBSWACHS, Maurice. Memórias Coletivas. São Paulo: Centauro, 2006.
21 DIEHL, Astor. Idéias de futuro no passado e cultura historiográfica da mudança In: História da Historiografia. Ouro Preto: UFOP, n.1, agosto de 2008.
16
o meio. A memória pode ficar gravada através da oralidade, da documentação, da bibliografia, das fontes materiais (como monumentos, praças, ruas),
das críticas historiográficas. A memória é fruto do trabalho e da imaginação criativa humana que é expressa em obras, como um livro ou um prédio;
→O ato de escrever está associado a uma visão de mundo do discursante, a um lugar social frente ao processo histórico, a limites cognitivos,
psicológicos, sociais e intelectuais de quem escreve, mas essencialmente, expressa uma construção do objeto a partir de uma abordagem edificadora de
representações referentes a personagens ou processos históricos. O discurso apresenta uma fundamentação epistemológica enquanto ato de
construção intelectual, e o ato discursivo busca a história processo mas constrói a memória historiográfica;
→A história trabalha com a sistematização dos fragmentos buscando leituras científicas do processo histórico, utilizando a memória como fonte
para a elaboração de interpretações sobre o acontecer humano no espaço e no tempo. Porém todo conhecimento histórico está fadado a se tornar
memória, ou seja, uma explicação da realidade fundada numa interpretação que é uma forma de criação humana. A historiografia é está memória
acumulada das experiências intelectuais buscando a interpretações mais amplas do processo histórico;
→Constata-se os limites da história enquanto ciência e a compreensão da verdade enquanto um processo de inesgotável construção, onde os
intelectuais não são neutros, mas estão interagindo no processo histórico. A memória é a expressão do limite humano na explicação da realidade. A
memória, como propriedade de conservar certas informações, remete-nos em primeiro lugar a um conjunto de funções psíquicas, graças às quais o
homem pode atualizar impressões ou informações passadas, ou que ele representa como passadas. Aspectos do estudo da memória, nos campos da
psicologia e psiquiatria, podem evocar, de forma metafórica ou de forma concreta, traços e problemas da memória histórica e da memória social;
→Conforme Jacques Le Goff22, a memória é um fenômeno individual e psicológico, que está ligado à vida de uma sociedade. Esta varia em
função da presença ou ausência da escrita e é objeto da atenção do Estado que, para conservar os traços de qualquer acontecimento do passado,
produz diversos tipos de documento/monumento, faz escrever a história, acumular objetos. A apreensão da memória depende deste modo do
ambiente social e político: trata-se da aquisição, de regras de retórica e também da posse de imagens e textos que falam do passado, em suma, de
certo modo de apropriação do tempo. Nesta direção a memória historiográfica produzida pelos historiadores não é neutra assim como todo documento
faz parte de uma construção intelectual consciente ou inconsciente;
→ Joël Candau distingue três tipos de memória: a protomemória (memória social incorporada nos gestos, nas práticas e na linguagem, cujo
exercício é realizado quase automaticamente, sem um julgamento prévio onde o passado é uma ação espontânea); a memória propriamente dita, que é
evocada ou recordada voluntariamente com extensão nos saberes enciclopédicos, nas crenças, nas sensações e nos sentimentos; a metamemória,
constitui-se naquela forma de memória reivindicada a partir de uma filiação ostensiva. Esta última diz respeito à construção identitária, sendo a
representação que fazemos das próprias lembranças, o conhecimento que temos delas.23
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TEMPO E HISTÓRIA
Um ponto não tem superfície nem volume; é intangível e fugaz. É curioso que, em ambas
concepções do tempo, o futuro (ou o passado) sejam conseqüências de algo quase imaterial
como é o presente; de um simples ponto. Esse ponto evanescente, porém, é nossa única posse
real: o futuro não existe ainda (e a palavra ainda é uma petição de princípio) e o passado não
mais existe, salvo sob a forma de memórias. Não há tempo sem um conceito de memória; não
há presente sem um conceito do tempo; não há realidade sem memória e sem uma noção de
presente, passado e futuro. Ivan Izquierdo, Memórias, 1989.
O tempo é tão importante para os historiadores que Marc Bloch afirmou que a História é a “ciência dos homens no tempo” e que o tempo
histórico é “o próprio plasma em que banham os fenômenos e como que o lugar da sua inteligibilidade”, neste sentido, “a atmosfera em que o seu
pensamento respira naturalmente é a categoria da duração”.24
Inicialmente, podemos destacar duas dimensões de temporalidade: a dimensão interna, do tempo subjetivo, heterogêneo e descontínuo; a
dimensão externa do tempo físico, um tempo linear e irreversível, matemático, exterior ao que acontece no seu interior. Duas concepções ligadas a
Física, são fundamentais para a elaboração de paralelos com a discussão do conhecimento histórico. A concepção de Isaac Newton é de que há um
tempo absoluto que existe em si e por si mesmo como duração pura, independentemente dos objetos materiais e dos acontecimentos, o tempo seria
uma substância imutável, autodeterminada, ontologicamente independente da matéria, de estrutura uniforme em todo o universo, caracterizada por
ser duração pura. Para Newton “o tempo é absoluto (independente), verdadeiro, matemático e flui sempre igual por si mesmo e por sua natureza, sem
relação com nenhuma coisa externa”.25 A concepção de Albert Einstein (desenvolvida entre 1905-1916) propõe a inexistência de um tempo e espaço
absolutos, isto é, que pudessem ser objeto de medidas absolutas. A noção do contínuo espaço-temporal passou a permitir a percepção do universo real
quadridimensional e envolvendo a massa dos objetos. O tempo transcorre com mais lentidão próximo a um objeto de grande massa, e se dilata nas
velocidades que se aproximam à da luz. A teoria da relatividade refuta a noção de um tempo absoluto, independente das coisas e dos processos, e
propõe a indissociabilidade entre espaço-tempo.26
Trazendo a discussão para o campo da História, a concepção de Newton (prevalente entre os séculos XVII até final do XIX) é de um tempo
absoluto que existe por si mesmo como duração pura e independente dos objetos materiais e acontecimentos (tempo universal, absoluto e
homogêneo). O positivismo, idealismo e historicismo voltaram-se a esta concepção e a posição de Kant. A posição kantiana é de um tempo e espaço
que se definem como formas apriorísticas da percepção sensorial, sendo absolutos e eternos, porém, não existiria o “tempo das coisas em si” de
Newton. A noção de tempo só teria sentido na esfera das determinações ligadas a contemplação e a subjetividade da alma humana que se expressa no
sistema cognitivo.27 Ainda no século XIX a concepção marxista considerou o tempo e o espaço com “existência objetiva, não como substâncias ou
essências independentes, mas sim como formas de existência da matéria em movimento. O curso do tempo – nos seus aspectos de duração e sucessão-
estaria ligado, portanto, à eterna cadeia dos atos de porvir que exprimem as mudanças sucessivas dos acontecimentos quanto à sua existência, ao
18
futuro como processo de nascimento e desaparecimento”.28 O rompimento com a concepção metafísica29 de tempo absoluto se consolida com a teoria
da relatividade e com a mecânica quântica, onde a noção de espaço-tempo varia na dependência da matéria/energia dos objetos e seus movimentos,
massa e relações. A inexistência do espaço-tempo uno instigou os historiadores a trabalhar com a diversidade temporal e aprofundar a pesquisa sobre
os níveis de temporalidade de curta a de longa duração, para investigar o tempo rápido e o tempo imóvel além dos diversos ritmos de desenvolvimento
de processos históricos. “Se o tempo é concebido como externo às coisas e processos (tempo essência newtoniano), como pura duração etc, ou ainda
como forma inata de percepção sensorial, evidentemente só pode ser visto como sendo único e homogêneo. Uma vez derruba esta barreira, estava
aberto o caminho para a percepção da multiplicidade do tempo nas suas diversas acepções”.30
Esta indissociabilidade entre o espaço e o tempo é que conduz o trânsito dos eventos históricos. As experiências históricas são associadas ao
passar do tempo, mas, que de fato são apenas referenciais norteadores entre diferentes eventos que encontram significado com a reflexão sistemática
ou científica. No campo do conhecimento histórico o tempo possui um significado radical na construção textual e na interpretação: os eventos podem
ser analisados nas dimensões do tempo instantâneo (jornalístico), curto (alguns meses ou poucos anos de eventos), médio (cerca de 30 anos) e longa
duração (séculos, que permitiriam observar o “tempo imóvel” das estruturas mentais). As opções de abordagem temporal levarão a edificação de
explicações factuais, mentais e estruturais. Dilapida-se o fato ou o personagem, busca-se a amplidão dos processos temporais ou o recorte de eventos
de curta duração. Um recorte de curta duração não necessariamente se transformará num relato positivista fundado no fato político (monocausalidade
explicativa!). Mesmo o recorte biográfico ou de eventos marcados temporalmente, poderá sofrer um viés explicativo que transcenda a factualidade se
considerar a cultura e os imaginários como história a ser desvelada. Mas a opção pelo tempo curto já evidencia o afastamento da busca de
sistematizações mais amplas e explicações voltadas à meta-narrativas que abarquem amplas experiências humanas no tempo. Ao usarmos uma lupa
poderemos observar detalhes ricos de um processo histórico de personagens, mas, ameniza-se/perde-se as variáveis mais amplas; ao usar o telescópio
ampliamos demasiadamente o campo de visão e os inúmeros processos envolvidos poderão ser minimizados a explicações gerais sistematizadoras. Isto
pode tornar superficial a interpretação e impor o princípio da generalização explicativa (na política, no econômico, nas relações sociais ou culturais,
etc). Cada opção levará a limitações explicativas que podem ser mediadas (mas não resolvidas) por um esforço em trazer a amplidão da historicidade
para dentro do específico e inserir o objeto específico nas conjunturas e processos mais amplos. Fazer história é fazer opções; é aceitar criticamente os
limites; é projetar o perfil psico-social individual na pesquisa a partir da aceitação das mediações racionais e normativas da historiografia de cada
comunidade.
→Duas noções de tempo pré-relativístico: o tempo cíclico é o de maior longevidade na história humana. Relaciona imanência e transcendência,
eternidade, início e fim e tempo teleológico. Forças superiores e não explicáveis estão em ação: mitos, metafísicas e religiões, que mantinha o tempo
como um mistério a ser mediado por um sistema de crenças. Já o tempo linear se funda na imanência que busca ser explicada pela filosofia e pelas
ciências ao longo das Idades Moderna (1453-1789) e Contemporânea (1789-...), com grande desenvolvimento a partir do pensamento iluminista. No
28 CARDOSO, Ensaios, p. 29.
29 Metafísica: trata da natureza, realidade e existência dos entes. Ente é tudo aquilo que existe, sendo o conceito mais amplo da Filosofia.
30 CARDOSO, Ensaios, p. 37.
19
século XIX, Hegel, Kant e Marx trazem à transcendência a interpretação das sociedades enquanto um “progresso no tempo histórico”, pois o homem e a
história progridem indefinidamente e sem limites, com ênfase explicativa na metafísica ou no materialismo, dinamizadas no desenvolvimento da ciência
e da técnica;31
→O filósofo Ernildo Stein enfatiza a relação historicidade/temporalidade: “O homem é essencialmente histórico. Sua temporalidade radical é
historicidade. Esta brota de três dimensões do tempo que nós, na dimensão cotidiana, determinamos como sucessivas: passado, presente e futuro.
Estes três êxtases do tempo são mutuamente determinados e dependentes, mas não como movimento sucessivo. O tempo da historicidade emerge do
futuro. Somente porque o homem é um ser para a morte ele se volta para o passado e se ocupa do presente. A morte como limite, como última
possibilidade faz com que o homem explore seu poder ser e procure realizar as possibilidades que lhe são dadas no espaço de tempo de sua história. À
volta ao passado não é nada mais do que a busca das possibilidades que me foram dadas com meu fato de ser, com meu nascimento”;32
→Antonio Campilo reflete a dinâmica temporal na perspectiva pós-moderna: “Nem sucessão do diferente, nem repetição do idêntico, nem
progressão do diferente no idêntico; nem linha reta nem círculo fechado, nem linha que se curva até alcançar a perfeição do círculo (...) o tempo é, para
o pensamento pós-moderno, uma linha espiral que avança e regressa simultaneamente, sem chegar nunca a ser linha reta nem círculo fechado. Temos
permanecido, pois às voltas com o tempo, mas as idéias de variação e de ambigüidade nos impedem de pensar em um domínio completo e definitivo
do mesmo. Nos mantemos fiéis a idéia de criação, mas esta ideia se encontra agora, como na Grécia, com um novo limite: a ação humana não é
plenamente dona de sua origem nem de seu destino, não parte do centro nem se move em uma única direção. Em definitivo nossas criações não nos
pertencem por completo. Estão imersas em um redemoinho que as sobrepõe. O tempo não é só uma construção do homem, não é só história ou, dito
de outra maneira, a história não a constituem homens livres e racionalmente, e sim que a constituem sem dominá-la nem compreendê-la de todo,
movidos por uma força que os perpassa e cujo segredo se lhes oculta. O tempo é variação, não mera repetição nem mera sucessão, mas um e outro ao
mesmo tempo”;33
→“Senhor, então não existiu um tempo em que nada fizeste, porque o tempo é a duração de tuas criaturas; quando as criaste, criaste com elas
sua duração longa ou breve. Mas no homem o tempo é vivo: duração da minha alma que se distende para o passado como memória; distende-se para o
futuro como desejo; ela é, pois, presente do passado e presente do futuro; ela mesma é presente que escorrega para o passado a cada instante que
passa”. Santo Agostinho, Confissões, L.XI.
Parodiando Marc Bloch, podemos dizer que a História é o estudo do homem no tempo e “no espaço”. “As ações e transformações que afetam aquela
vida humana que pode ser historicamente considerada dão-se em um espaço que muitas vezes é um espaço geográfico ou político, e que sobretudo,
sempre e necessariamente constituir-se-á em espaço social.”34
20
O SENTIDO DA HISTÓRIA
A busca do sentido universal para a História é uma das ênfases da Filosofia da História. Nesta acepção o sentido é pensado como categoria
evolutiva que abarca as culturas de todos os tempos. O sentido apresenta uma conotação teleológica35 de domesticação da natureza pela razão
explicativa/generalizante.
No caminhar filosófico encontramos muito do caminhar da história. Os historiadores estão inseridos nos contextos do pensamento de cada
época: assimilam, criticam e modificam um referencial de pensamento adaptando as necessidades da ciência histórica. Partamos desta macro
contextualização abordada brevemente:
21
→Estevão de Rezende Martíns: “A filosofia da história como atribuidora de sentido passou a ser vista como uma arma na luta por poder
[cristianismo, revolução, Lênin, etc], na qual o sentido da história que a filosofia da história pode ter apreendido, proposto, hipostasiado, elaborado,
deixa de ser relevante. Critérios racionais universalistas acabam sendo desmistificados, revelados como particularidades generalizadas ideologicamente.
Suas respectivas pretensões de racionalidade, universalidade, neutralidade afinal permitiram perceber a vontade de poder de grupos particulares, cujos
interesses próprios passaram a ser incondicionalmente generalizados, colocando outros interesses — sobretudo os divergentes — em posição de
subordinação, por bem ou por mal. A diversidade cultural e a diferença empírica entre pessoas, grupos ou mesmo sociedades são niveladas mediante
critérios universais, de modo que a hegemonia de uma determinada cultura sobre as demais se efetive e consolide ideologicamente”;38
→Remo Bodei: “Hoje são poucos os que crêem, por raciocínio e não por fé, que a história tenha um sentido. As expectativas de mudança
revolucionária, de progresso ou de catástrofe iminente revelaram-se todas falazes e a linha que deveria ter ligado os acontecimentos durante uma
seqüência orientada foi rompida. Seguiu-se uma desilusão amarga, que se transforma em vontade surda de negar qualquer sentido à história, apontada
enfim ou como um torvelinho caótico de fatos desconexos, uma poeira que ofusca a vista, ou como um romance, cuja trama pode ser escrita à vontade.
(...) O que hoje entrou em crise não são efetivamente a ideologia ou as filosofias da história, mas sim a aliança, estabelecida no final do século XVIII e
em vigor até há poucos anos, entre história e utopia. A ideia de que uma lógica intrínseca aos acontecimentos –explicável segundo os seus próprios
princípios- percorra esta “história civil” feita pelos homens não encontra acolhida. Por isso, ela parece atualmente cindir-se e bifurcar-se de novo em
duas partes: na história sacra, reproposta pelos assim chamados “fundamentalismos”, que celebram a derrota do projeto moderno e a construção de
uma história totalmente imanente; no pós-moderno, que registra o fim das ilusões emancipatórias e do impulso propulsor da modernidade”;39
→José Carlos Reis: “O momento atual é desencantamento do mundo, isto é, da perda de representações globais, unificadoras, do sentido
histórico. Predomina uma “experiência irresponsável”, leve e alegre, da história: o passado não ensina e o futuro não realiza. Nietzsche talvez estivesse
certo: a consciência feliz é a que não tem sentido histórico e esquece, para estar sempre reiniciando a vida, envolvida e fascinada pela intensidade e
pelo brilho do efêmero.”40
38 MARTÍNS, Estevão de Rezende. Que sentido para a história e a historiografia? Propostas quanto à razão, ao contra-senso, à narrativa e à cultura. In: Textos de
História. Brasília: PPGHistória UNB, vol. 10, ng 1/2,2002, p. 144.
39 BODEI, Remo. A História tem um Sentido? São Paulo: EDUSC, 2001, p. 76-77.
40 REIS, José Carlos. História e Teoria: historicismo, modernidade, temporalidade e verdade. Rio de Janeiro: Editora FGV, p. 62.
22
OBJETIVIDADE E SUBJETIVIDADE DO CONHECIMENTO HISTÓRICO
“Meu amigo, os séculos passados são para nós o livro dos sete selos: o que se chama o espírito dos tempos não é no fundo senão
o próprio espírito dos autores, em que os tempos se refletem!” Goethe, Fausto.
O conhecimento histórico tem uma dimensão subjetiva fundado no sujeito que produz. Não pode haver ciência histórica sem que o sujeito da
produção do conhecimento esteja situado no presente de um processo: refletindo, criticando e produzindo. Escrever história não é uma atividade
neutra, inocente, imparcial e livre de condicionantes e posicionamentos, é antes de tudo um ato concreto, uma aceitação ou recusa a uma dada
disposição conjuntural do tempo presente.
Não existe um modelo pronto de história a ser resgatado, uma instância absoluta que espera para ser descortinada e que dispensa a
interpretação do historiador: a objetividade da história dependerá dos pressupostos teórico-metodológicos que a fundamentarão como ciência! O
sujeito da produção resguardará sua historicidade e estabelecerá uma relação cognoscente41 com os objetos através dos instrumentos de análise. Não
se despindo de sua individualidade, o sujeito, ao construir o conhecimento, o dotará de um sentido: desta forma, transportará para sua produção, o
sentido de sua indissociável prática como indivíduo e agente social.
O sujeito fará uso de instrumentos teóricos que permitam a compreensão do processo da realidade. Tendo sempre claro que a elaboração
metodológica não esgotará o conhecimento sobre o histórico! É fundamental pensar que o passado não possui existência objetiva, que não é uma
realidade perene a esperar a análise do historiador: o passado foi um momento constituído de uma totalidade complexa e inesgotável! Sua objetividade
está na dependência da objetividade teórico-metodológica do historiador, o qual está localizado historicamente e inserido em determinado processo
dialético de produção do conhecimento.
Reflexões:
→Ranke: “A história distingue-se de todas as outras ciências por ser também uma arte. A história é uma ciência ao coletar, buscar, investigar; ela
é uma arte porque recria e retrata aquilo que encontrou e reconheceu. Outras ciências satisfazem-se simplesmente registrando o que foi encontrado; a
história requer a habilidade para recriar. Como ciência, a história é parecida com a filosofia; é que, de acordo com suas naturezas, filosofia e poesia
lidam com o reino do ideal, enquanto a história deve ater-se à realidade”;42
→Humboldt: “A verdade do acontecimento baseia-se na complementação a ser feita pelo historiador ao que chamamos acima de parte invisível
do fato. Visto por este lado, o historiador é autônomo, e até mesmo criativo; e não na medida em que produz o que não está previamente dado, mas na
23
medida em que, com sua própria força, dá valor ao que realmente é, algo impossível de ser obtido sendo meramente receptivo. De um modo diverso ao
do poeta, mas, ainda assim, guardando com este semelhança, o historiador precisa compor um todo a partir de um conjunto de fragmentos”;43
→Maurice Merleau-Ponty: “...nada pode fazer com que sejamos o passado: é apenas um espetáculo postado diante de nós e que precisamos
interrogar. As questões partem de nós e as respostas, portanto, não esgotam, por princípio, uma realidade histórica que não esperou por elas para
existir (...) o entendimento do historiador, como o entendimento físico, forma uma verdade objetiva na medida em que constrói e o objeto é apenas um
elemento de uma representação coerente que pode ser retificada e precisada indefinidamente, sem nunca confundir-se com a própria coisa”;44
→Karl Popper: “Em suma, não pode haver história do passado tal como efetivamente ocorreu; pode haver apenas interpretações históricas,
nenhuma definitiva, e cada geração tem o direito de arquitetar a sua. Não só, porém, tem o direito de armar sua própria interpretação, como também
uma espécie de obrigação a fazê-lo, pois, há realmente uma premente necessidade a ser atendida. Queremos saber como nossas dificuldades se
relacionam com o passado, queremos ver a linha ao longo da qual poderemos progredir para a solução do que sentimos ser e escolhemos para nossa
tarefa principal”;45
→Ciro Flamarion Cardoso: “A História é, para nós, uma ciência em construção. Num certo sentido, isto é verdade para qualquer ciência: vimos
que os cientistas já não buscam verdades absolutas e eternas. No caso da História, porém, além deste sentido geral, queremos dizer com ciência em
construção que a conquista do seu método científico ainda não é completa, que os historiadores ainda estão descobrindo os meios de análise
adequados a seu objeto”;46
→Michel de Certeau: “Já o dizia Lucien Febvre no seu estilo muito próprio: o passado, é uma reconstituição das sociedades e dos seres humanos
de outrora por homens e para homens engajados na trama das sociedades humanas de hoje”;47
→George Duby: “Fomos progressivamente descobrindo que a objetividade do conhecimento histórico é um mito, que toda a história é escrita
por um homem e que quando esse homem é um bom historiador põe na sua escrita muito de si próprio. Descobrimos, por outro lado, que o campo de
ação do historiador se desloca ao longo dos tempos, que a função da história na sociedade se transforma e que temos absolutamente de ter em
consideração, no trabalho dos historiadores que nos precedem, o meio em que viveram e a sua própria personalidade, para aproveitarmos ao máximo
suas contribuições”;48
43 HUMBOLDT, Wilhelm Von. Sobre a tarefa do historiador. Anima: história, teoria e cultura. Rio de Janeiro;Curitiba: PUC-Rio/Casa da Imagem, ano 1, n.2, 2001, p.
79.
44 MERLEAU-PONTY, Maurice. A Crise do Entendimento. In: Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1984, p. 29.
45 POPPER, Karl. A Sociedade Aberta e seus Inimigos. Belo Horizonte: Itatiaia, 1974, vol.2, p. 266.
46 CARDOSO, Ciro Flamarion. Uma Introdução à História. São Paulo: Brasiliense, 1983, p. 43.
47 Lucien Febvre citado por CERTEAU, Michel de. A Escrita da História. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1982, p. 22.
48 DUBY, Georges. O historiador hoje. Entrevista realizada por Raymond Bellour. In: História e Nova História. Lisboa: Teorema, 1986, p. 7-8.
24
→Jacques Le Goff: “As condições nas quais trabalha o historiador explicam ademais por que se tenha colocado e se ponha sempre o problema
da objetividade do historiador. A tomada de consciência da construção do fato histórico, da não-inocência do documento, lançou uma luz reveladora
sobre os processos de manipulação que se manifestam em todos os níveis da constituição do saber histórico. Mas esta constatação não deve
desembocar num ceticismo de fundo a propósito da objetividade histórica e num abandono da noção de verdade em história; pelo contrário, os
contínuos êxitos no desmascaramento e na denúncia das mistificações e das falsificações da história permitem um relativo otimismo a esse respeito.
Isso não impede que o horizonte da objetividade que deve ser o do historiador não deva ocultar o fato de que a história é também uma prática social
(...)”; 49
→Paul Ricouer: “A objetividade apareceu-nos primeiramente como a intenção científica da história; marca agora a distância entre uma boa e
uma má subjetividade do historiador; de lógica a definição da objetividade tornou-se ética”;50
→Adam Schaff: No seu trabalho, o historiador não parte dos fatos, mas dos materiais históricos, das fontes, no sentido mais extenso deste
termo, com a ajuda dos quais constrói o que chamamos os fatos históricos. Constrói-os na medida em que seleciona os materiais disponíveis em função
de certo critério de valor, como na medida em que os articula, conferindo-lhes a forma de acontecimentos históricos. A despeito das aparências e das
convicções correntes, os fatos históricos não são um ponto de partida, mas um fim, um resultado. Por conseguinte, não há nada de espantoso em que
os mesmos materiais, semelhantes nisto a uma matéria-prima, a uma substância bruta, sirvam para construções diferentes;51
→Michel de Certeau: “Toda pesquisa historiográfica é articulada a partir de um lugar de produção sócio-econômico, político e cultural. Implica
um meio de elaboração circunscrito por determinações próprias: uma profissão liberal, um posto de estudo ou de ensino, uma categoria de letrados
etc. Encontra-se, portanto, submetido a opressões, ligada a privilégios, enraizada em uma particularidade. É em função desse lugar que se instauram os
métodos, que se precisa uma topografia de interesses, que se organizam os dossiês e as indagações relativas aos documentos (...). Hoje em dia
conhecemos a lição na ponta da língua. Os “fatos históricos” já se encontram constituídos pela introdução de um sentido na “objetividade”. Enunciam,
na linguagem da análise, escolhas que lhe são anteriores que não resultam, portanto, da observação – e que não são “verificáveis”, mas somente
“falsificáveis” graças a um exame crítico. A “relatividade histórica”, se destaca uma multiplicidade de filosofias individuais, as de pensadores que se
fazem passar por historiadores”.52
Entre a objetividade e subjetividade do historiador o espaço da racionalidade do conhecimento histórico pode passar pela mediação da
problemática e criação do documento53. Jacques Le Goff traz uma luz para a questão quando afirma que o “historiador tem o dever de colocar questões
como eixo do seu trabalho. Em seguida, ele vê como respondê-las, apoiando-se naquilo que, é claro, continua sendo o seu material específico, que são
49 LE GOFF, Jacques. História e Memória. Campinas: Ed. da Unicamp, 1994, p. 11.
50 RICOUER, Paul. História e Verdade. Rio de Janeiro: Forense, 1968, p. 34.
51 SCHAFF, Adam. História e Verdade. São Paulo: Martins Fontes, 1983, p. 279-310.
52 CERTEAU, Michel de. A Operação histórica. In: FE GOFF, J. & NORA, P. (orgs.). História: novos problemas. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1979, p. 18-19.
53 Documento histórico é “qualquer fonte sobre o passado, conservado por acidente ou deliberadamente, analisado a partir do presente e estabelecendo diálogos entre
a subjetividade atual e a subjetividade pretérita” In: KARNALL, Leandro & TATSCH, Flavia. Memória evanescente. In: PINSKY & Luca (Orgs.). O Historiador e suas
fontes. São Paulo: Contexto, 2011, p. 24.
25
os documentos. Logo, o próprio fato de partir de uma questão problemática já introduz alguma racionalidade. Depois, se o historiador pretende realizar
uma obra científica ainda que a história seja uma ciência – também deve levar em contra o movimento da história, a sua diversidade, sua
irracionalidade, sua flexibilidade. Pessoalmente, tenho grande interesse na história do imaginário e, no imaginário há muita irracionalidade. Portanto,
introduzir a racionalidade na história não significa excluir o irracional, o impreciso, o flutuante, muito pelo contrário. Significa que a gente tenta explicar
as mudanças históricas a partir da resposta a uma questão que, por sua vez é racional”. 54
54 LE GOFF, Jacques. Entrevista com Jacques Le Goff. Estudos Históricos. Rio de Janeiro: CPDOC/FGV v.4, n.8, 1991, p. 262-3.
26
FILOSOFIA E HISTÓRIA
Esta é uma relação conflituosa que foi estabelecida ao longo dos séculos entre filósofos e historiadores! José Carlos Reis55 poderá nos situar
neste horizonte desarmônico de aproximações e distanciamentos. Porém, pensar em história e excluir a reflexão filosófica me parece se lançar na
incompletude...
55 REIS, José Carlos. História da “Consciência Histórica” Ocidental Contemporânea: Hegel, Nietzsche, Ricouer. Belo Horizonte: Autêntica, 2013, p. 21-23.
56 Teleológico: interpretações que direcionam para um fim "a priori" das ações humanas.
27
CIÊNCIAS NATURAIS E A HISTÓRIA
Na compreensão do filósofo alemão Walter Jaeschke (Universidade de Bochum), e utilizando terminologia cara à “Filosofia Clássica Alemã”
(espírito57) o filósofo discute a relação entre as Ciências Naturais e as “Ciências do Espírito” (onde a História está situada). Para Hegel “o que nós somos,
somos ao mesmo tempo historicamente”. Mas, se somos ao mesmo tempo historicamente o que somos, esse conhecimento acerca de nós deve ser
simultaneamente um conhecimento histórico. Conforme Jaeschke, as Ciências do Espírito são, em ampla medida, ciências históricas, e como tais elas
são a “memória cultural” do espaço (também cultural) que é o seu respectivo objeto, por elas preservado e analisado. Destaquemos alguns referenciais
propostos pelo autor fazendo este retrospecto histórico da dualidade científica a partir da caminha filosófica de Jaeschke:
→Essa relação, que define os contornos da paisagem científica contemporânea, possui menos o estatuto de um resultado de processos
históricos: é o resultado efetivo, mas perfeitamente controvertido de uma compreensão e cultura da ciência, tal como elas se formaram
sucessivamente, há cerca de três séculos, consolidando-se no limiar do século XIX até ao meio desse mesmo século – num processo marcado tanto por
contingências quanto por leis;
→O racionalismo do século XVIII ainda desconhecia a dualidade de Ciências Naturais e Ciências do Espírito. Muito do que hoje se apresenta
como “Ciência Humana” – assim, a Historiografia – ainda era considerado “arte” – no sentido da téchne grega –, ficando assim excluído da ciência, cujo
traço distintivo era a demonstração rigorosamente racional. Naquela época, a correspondência mais próxima à dualidade mais recente de Ciências
Naturais e Ciências do Espírito era essa diferença entre “arte” e “ciência” – e esta última, definida pelo seu caráter racional, pode ser representada
integralmente num “sistema”;
→Por volta de 1800, na época da filosofia clássica alemã, essas “artes” adquiriram o estatuto de ciência, embora não como ciências individuais
isoladas; foram incluídas num unitário “sistema da ciência”, que se caracteriza pelo fato de abarcar um grande número de disciplinas científicas
individuais e colocá-las num nexo sistemático abrangente, em meio ao qual elas podiam desenvolver a sua forma peculiar. Atribuiu-se às ciências
individuais até uma perfectibilidade infinita, sem consideração da suposição de que o abrangente “sistema das ciências” já tinha sido concluído e
consumado. Para o conceito enfático da ciência, que sustenta esse projeto, a distinção entre “Ciências Naturais” e “Ciências do Espírito” ainda não
passava a ser um problema;
→Poucas décadas mais tarde, esse prognóstico sombrio, formulado no condicional, já se tornaria realidade do conceito moderno, fraco, de
ciência – sem que, porém, a sensação pouco confortável transmitida pelo cenário, abominado por volta de 1800, ainda fosse percebida genericamente
como inadequada, pois, na primeira metade do século XIX, ocorreu um processo tempestuoso de diferenciação das ciências individuais, ao qual se
vincularia genericamente uma profunda transformação da compreensão de ciência. A “ciência” paradigmática não é mais o “sistema da ciência”, que
consegue integrar as ciências individuais, mas ao mesmo tempo se distingue marcantemente delas, mas justamente a própria disciplina individual;
→Agora, a sua inserção num “sistema abrangente da ciência” não é nem uma das condições do seu êxito nem uma das condições da sua
autocompreensão. Descoladas as ciências individuais de uma ciência unitária, denominada “ciência” no sentido enfático desse termo, tal situação
57Uma aproximação vaga a este complexo conceito remete as variáveis fundadoras do clima intelectual e cultural de uma determinada época. Está presente na obra
de Herder e de filósofos do romantismo e da constelação cultural do pensamento clássico alemão. É um dos pilares do pensamento de Hegel.
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demandou novos princípios classificatórios. Ela ensejou a formação da dualidade de Ciências Naturais e Ciências do Espírito, mas a tentativa do
positivismo de renovar, nesse novo fundamento, sob condições alteradas, a idéia da “ciência unitária”, é igualmente característica. Por isso, a
insistência na estrutura dual do cosmos científico, na dualidade nunca se reveste do caráter meramente neutro da descoberta de um novo estado de
coisas, mas sempre é simultaneamente um momento na rejeição conflitiva de uma concepção de ciência dominada pelas Ciências Naturais, resultando
do temor fundamentado diante da exclusão das agora assim chamadas “Ciências do Espírito” da gama das ciências em geral;
→Com vistas ao positivismo do final do século XIX, isso vale tanto quanto para o neopositivismo do século XX. A afirmação da diferença dos dois
ramos da ciência baseia-se na afirmação de uma diferença de método entre eles: entre as Ciências Naturais, enquanto ciências “explanatórias” ou
“ciências nomotéticas”, empenhadas na revelação das leis subjacentes e na identificação do universal, e as Ciências do Espírito, enquanto ciências
“compreensivas” ou “ciências ideográficas”, isto é, ciências empenhadas em apreender o individual no seu caráter peculiar. Ocorre que a diferença
entre “explicar” e “compreender” não é tão fecunda como provavelmente seria desejável; além disso, ela não pode ser mantida com precisão no plano
terminológico nem no idioma alemão, ao menos não enquanto a compreensão não for introduzida expressamente como compreensão de “sentido”. 58
58 JAESCHKE, Walter. As ciências naturais e as ciências do espírito na era da globalização. Veritas. Porto Alegre: PUCRS, março 2006, v. 51, n.1, p. 124-125.
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Reflexões a partir da perspectiva das Ciências Naturais:
Para o físico e pesquisador de História da Ciência John Ziman “a palavra Ciência é empregada com o significado de “a arte do
conhecimento”. Isso é quase o mesmo que pesquisa, esta significando a acumulação de conhecimentos pela observação sistemática, pela
experimentação deliberada e pela teoria racional. Mas essa atividade é intimamente relacionada com as artes práticas ou técnicas, de um lado e com a
esfera espiritual, ou seja, a Religião, de outro. Estas, por seu turno, interligam-se na cultura material da Sociedade, vindo em auxílio do homem e de
suas necessidades individuais relacionadas com a alimentação, e saúde e a satisfação psicológica. (...) Para compreender o estado atual da Ciência, é
necessário saber-se como chegou ela a este ponto: para se extrapolar no futuro, será preciso volver os olhos para o passado, a fim de se estimarem as
derivadas temporais de nossas funções. Ou, na linguagem da Biologia, há que ser feita uma Embriologia da Ciência, explicando-se a forma através de
sua evolução, e a evolução através da forma”.59 Ziman, defende a tese do princípio do consenso, que postula que a meta da ciência é um consenso de
opinião racional sobre o campo mais amplo possível. Para ele, as ciências sociais possuem uma indemonstrabilidade teórica intrínseca, decorrente das
dificuldades de matematização dos fenômenos sociais, e uma tendência ao relativismo cultural que impossibilita que inviabiliza uma “ciência geral da
sociedade”.
Vamos avançar um pouco mais no questionamento da natureza e do conhecimento!
PENSANDO AS DUAS NATUREZAS: a natureza enquanto realidade e a natureza enquanto construção do homem através do uso da
racionalidade.
O ato de conhecer é uma problemática que recua aos escritos da Grécia Antiga e que acompanha a trajetória do racionalismo ocidental.
Entre a subjetividade do sujeito e a construção de uma suposta objetividade que exista fora do sujeito cognoscente, inúmeras e inesgotáveis discussões
já foram travadas. Algumas questões abordadas por diferentes concepções:
→Conhecer é um ato mediado pelo processo de intuição ou racionalização?
→Conhecer a natureza exterior e a razão pensante é possível?
→A razão produz distorções fantasmagóricas de uma suposta realidade externa?
→A natureza é constituída por matéria e energia desprovida de fundamento criador?
→Nossa subjetividade constrói a objetividade, logo existe algo objetivo construído pelo subjetivo?
→O conhecer produzido é uma verdade relativa ou absoluta?
→O conhecimento é o reflexo da natureza?
Vejamos algumas explicações básicas para a compreensão da natureza e também para a trajetória das sociedades humanas na dinâmica de
construção da natureza humana e nas interpretações das naturezas externas:
→Mítica- a narrativa mítica é uma genealogia da origem das coisas. É uma história sagrada do que ocorreu nos primórdios do tempo e cujo
mistério foi revelado para ser repetido de geração em geração. A revelação do mito o torna verdade absoluta a ser repetida;
59 ZIMAN, John. A Força do Conhecimento. Belo Horizonte; Ed. Itatiaia; São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1981, 16-17.
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→Teológica- a Providência Divina, conforme Santo Agostinho (“A Cidade de Deus”) é que explica a história dos homens. Jacques Bossuet
na obra “Discurso sobre a História Universal” afirma que a mão de Deus é que escreve a História;
→Teleológica- o processo histórico remete a uma explicação do trajeto da humanidade em direção a uma finalidade ou instância última,
que é a realização do espírito humano, como em Hegel. É uma doutrina que identifica a presença de metas, fins ou objetivos últimos guiando a
natureza e a humanidade;
→Idealista- Hegel na “Fenomenologia do Espírito” defende que os fatos históricos são frutos das ideias dos homens que expressam
racionalidade. A evolução da humanidade está ligada a razão idealista;
→Racionalista- a ciência é um conhecimento racional dedutivo e demonstrativo capaz de chegar à verdade universal. A concepção
racionalista é hipotético-dedutiva, pois definia o objeto e suas leis deduzindo efeitos, propriedades e previsões (contrapunha a concepção empirista
hipotético-indutiva, que apresenta suposições sobre o objeto, realizando observações e experimentos para a definição de fatos, leis, propriedades e
previsões);
→Materialista- as condições materiais de existência, e não as ideias, é que são as causas das mudanças sociais e das revoluções políticas;
→Relativista- esta abordagem remete a crença relativista das noções de verdade e racionalidade promovendo uma mudança no
entendimento dos conceitos de objetividade, verdade, moral, ética, progresso intelectual etc. Não aceita valores universais para a compreensão da
verdade e do conhecimento. Posicionamento que remete a filósofos como Richard Rorty e Paul Feyerabend cujo pensamento é sintetizado por Paul
Boghossian o qual analisa as premissas destes autores em tom de crítica: “Existem vários modos de se conhecer o mundo, radicalmente diferentes,
porém “igualmente válidos”, e a ciência é tão somente um deles”.60 O relativismo, portanto, não aceita a universalidade explicativa e nem projeta na
ciência a base verdadeira do conhecimento.
60 BOGHOSSIAN, Paul. Medo do Conhecimento – contra o relativismo e o construtivismo. São Paulo: Editora Senac, 2012, p. 17.
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LUGARES DE MEMÓRIA
O conceito de “lugar de memória” foi desenvolvido na década de 1980 por Pierre Nora correspondendo a locais materiais e imateriais onde se
cristalizam a memória de uma sociedade e se desenvolve um sentimento de formação da identidade e do pertencimento. Os lugares de memória
podem ser lugares topográficos como as bibliotecas, museus ou arquivos; lugares monumentais como os cemitérios e arquiteturas; lugares simbólicos
como as peregrinações, os aniversários ou os emblemas; lugares funcionais, como os manuais, as autobiografias ou as associações.61 O senso relativo as
política públicas de preservação do passado tem sido um tema do presente: “uma necessidade identitária parece estar compondo a experiência coletiva
dos homens e a identidade tem no passado o seu lugar de construção”.62
→“Os lugares de memória nascem e vivem do sentimento que não existe memória espontânea, que é preciso criar arquivos, que é preciso
manter os aniversários, organizar as celebrações, pronunciar as honras fúnebres, estabelecer contratos, porque estas operações não são naturais (...).
Se vivêssemos verdadeiramente as lembranças que eles envolvem, eles seriam inúteis. E se em compensação, a história não se apoderasse deles para
deformá-los, transformá-los, sová-los e petrificá-los eles não se tornariam lugares de memória. É este vai-e-vem que os constitui: momentos de história
arrancados do movimento de história, mas que lhe são devolvidos (...);"63
→“Mesmo um lugar de aparência puramente material, como um depósito de arquivos, só é lugar de memória se a imaginação o investe de aura
simbólica. Mesmo um lugar puramente funcional, como um manual de aula, um testamento, uma associação de antigos combatentes, só entra na
categoria se for objeto de um ritual. Mesmo um minuto de silêncio, que parece o extremo de uma significação simbólica, é, ao mesmo tempo, um corte
material de uma unidade temporal e serve, periodicamente, a um lembrete concentrado de lembrar. Os três aspectos coexistem sempre (...). É material
por seu conteúdo demográfico; funcional por hipótese, pois garante ao mesmo tempo a cristalização da lembrança e sua transmissão; mas simbólica
por definição visto que se caracteriza por um acontecimento ou uma experiência vivida por pequeno número uma maioria que deles não participou”;64
→“Símbolos, Monumentos, a Pedagogia com suas enciclopédias e dicionários, as Heranças como os santuários régios e as relíquias monásticas,
as Paisagens, o Patrimônio, o Território e mesmo a própria Língua, que realiza memória em si mesma ao trazer consigo traços de grupos específicos e da
humanidade como um todo... eis aqui um vasto universo de “lugares de memória” que inclui a própria historiografia, seja essa científica ou cronística.
Onde existe o humano, pode-se dizer que a Memória estabelece-se, gerando os seus lugares. Desde as células familiares, que organizam sua memória
através de recursos os mais diversos como as genealogias e os álbuns de fotografias, até as grandes Nações que erguem museus e arquivos para dar
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visibilidade à sua própria identidade, a Memória apresenta definitivamente muitos “lugares”. Mas há, por fim, aquilo que poderíamos chamar de
“lugares por trás dos lugares”, aqueles nos quais iremos encontrar não a produção ou elaboração da memória coletiva, mas os seus criadores maiores,
as forças que impõem a memória coletiva de modos diversos, gerando os lugares de memória mais específicos”;65
→“Bibliotecas e museus fornecem o material com que a identidade é constituída. Existem também outras fontes – mitos, cerimônias e as
demais manifestações culturais que são estudadas pelos antropólogos. Mas as sociedades complexas passaram por tantas experiências que sua história
precisa ser sempre redefinida. Se os documentos forem destruídos, a memória coletiva, o orgulho que consiste nos laços que unem um povo a seus
ascendentes, sofre danos. Bibliotecas e museus não são templos de culto aos antepassados, mas têm uma importância decisiva para responder à
questão de quem se é a partir do conhecimento de quem se foi. Este tipo de conhecimento tem que ser sempre renovado. Se a possibilidade de
substituí-lo for destruída, uma civilização pode ser estrangulada”.66
►Trazendo este conceitual e vocabulário introdutório para a contextualização da Teoria da História, a seguir, avancemos para caracterizar a
caminhada da construção de uma razão histórica ocidental e da cientificidade do conhecimento histórico ao longo do tempo.
65 BARROS, José D’Assunção. História e memória – uma relação na confluência entre tempo e espaço. In: Mouseion, vol. 3, n.5, Jan-Jul/2009, p. 35-67.
66 DARTON, Robert. Nós, os vândalos. Humboldt. Bonn: Goethe-Institut, (87), Ano 45, 2003, p. 34.
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O ALVORECER DA RAZÃO HISTÓRICA
O grego Heródoto é apontado como o “pai da História”, pois, pela primeira vez se construiu um saber fundado sobre depoimentos escritos e
orais, buscando reconstituir a cadeia dos acontecimentos, designando causas naturais próximas ou distantes, dando início a tradição da história
factual67 que adentrou o século XX.68
“Os resultados das investigações de Heródoto de Halicarnasso
são apresentados aqui, para que a memória dos
acontecimentos não se apague entre os homens com o passar
do tempo, e para que os feitos maravilhosos e admiráveis dos
helenos e dos bárbaros não deixem de ser lembrados,
inclusive as razões pelas quais eles se guerrearam”.
HERÓDOTO. História. Brasília: UnB, 1985, p. 19. Heródoto
queria evitar que Lethes (o rio do esquecimento) apagasse as
realizações gregas.
Heródoto e Tucídides oferecem à musa da História “Clio” as bases de um método, abrindo a história ao passado dos próprios homens e se afastando
do mito e da epopéia lendária. Em Roma, Políbio (205-120 a.C.) realiza uma rigorosa investigação do passado buscando fugir da eloqüência vazia e buscar
depoimentos daqueles que participaram das ações. Com esses historiadores, difundiram-se as explicações da história enquanto causalidade humana e não
apenas relatos míticos.
67 Na História Factual o papel do historiador seria encadear os fatos para obter a seqüência de eventos do passado. A História-Problema dos Annales fez críticas
ferrenhas a esta forma de escrita da História em que os fatos parecem esperar a sua descoberta pelo historiador neutro. “As posições contra a História Factual não
foram criadas pelos Annales, e a crítica ao factual já aparece em grupos diversos de historiadores ao longo da história da historiografia” (Voltaire, Guizot, Thierry,
Michelet, Simiand, Droysen etc). In: BARROS, José D’Assunção. Teoria da História: a Escola dos Annales e a Nova História. Petrópolis: Vozes,2012, vol. V, p.110.
68 TÉTART, Philippe. Pequena História dos Historiadores. São Paulo: EDUSC, 2000, p. 13.
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HISTORIOGRAFIA MEDIEVAL E MODERNA
No período medieval, frente à cristandade, a História é vista como uma disciplina de pouca projeção, atrás da Teologia, do Direito e das Artes. A
produção historiográfica fundou-se numa visão cristã69 dos acontecimentos sem uma postura independente que permitisse uma crítica ao seu tempo
(era uma serva da religião e do século V ao XII foi escrita pelo Clero). Os humanistas do renascimento, voltaram-se a civilização romana e consideraram
os mil anos de Idade Média como a “Idade das Trevas”. A história estaria junto com a moral, devendo dar exemplos edificadores de práticas religiosas
ou de personagens. A historiografia medieval é escrita pelo Clero, pelos monges e cronistas. As temáticas estão ligadas a genealogias, cronologias, anais
reais, biografias de santos e reis, defendendo a cristandade e atacando os infiéis. A partir do século XII o público se amplia, especialmente pelo interesse
na história das Cruzadas e paralelamente o poder real se fortalece e encomenda histórias oficiais para legitimar o poder. Nos últimos séculos da Idade
Média os estudos históricos se multiplicaram e técnicas de pesquisa documental se ampliaram. Começavam a nascer as histórias nacionais patrocinadas
por reis que desejavam legitimar a chegada ao poder. Porém, a leitura histórica permanecia restrita a elite clerical, eruditos, aristocratas, funcionários
reais e burgueses.70
Nos primórdios da Idade Moderna, o “renascimento humanista” vigente renovou o estudo dos textos gregos e latinos, além do estudo da
epigrafia (inscrições), numismática (moedas) e diplomática (cartas, documentos etc). A história permanece ligada as ciências naturais porém é
dividida em história geral e história natural (geografia e ciências da natureza). A preocupação com a consolidação dos Estados Nacionais levou a escrita
de histórias enquanto instrumentos de poder: Nicolau Maquiavel e as virtudes do Príncipe e Jacques-Bénigne-Bossuet e o providencialismo e a defesa
da estagnação histórica. Se no período medieval, o público interessado em história era majoritariamente eclesiástico, o público do Renascimento,
especialmente no século XVI, pertence a burguesia parlamentar que frequentou faculdades de Direito francesas. A história é uma disciplina que suscita
seus mais vivos entusiasmos. É onde se buscam argumentos para fundamentar convicções políticas e nacionalistas, além de conhecer a cultuada
história da Antiguidade. O pensamento humanista defende o livro arbítrio e a experiência individual, reduzindo o papel de Deus na História.
→Caire-Jabinet: “A renovação intelectual proporcionada pelo Renascimento favorecerá o desenvolvimento dos trabalhos dos historioadores,
simultaneamente como reflexão sobre a história e com a elaboração de um método crítico erudito. Tais progressos são refreados no século 17, quando
a história volta a ser uma narrativa moralista e conformista. Apenas no século 18 haverá um novo encontro entre a reflexão teórica e a erudição, e que
se manifetam as exigências científicas que sacodem o pensamento histórico e lançam as suas bases pelos dois séculos seguintes.”71
→Philippe Tétard: “Ciência sem consciência não é senão ruína da alma. O adágio de Rabelais resume o argumento que determina, quase
totalmente, a emergência de uma nova história no século XVI. O impulso do século XVI funda uma ruptura com as trevas góticas. Traz os conceitos
fundamentais de relatividade, de subjetividade. Entre dúvida e razão, os historiadores trabalham com um estado de espírito novo: metódico, raramente
perturbado pelos arcaísmos ou profetismo (embora estes subsistam em alguns autores)”. 72
69 Na concepção cristã (universalista e evolutiva) a história é um combate entre o bem e o mal, tendo início no pecado original, passando pela redenção e terminando
com o juízo final.
70 CAIRE-JABINET, Marie-Paule. Introdução à Historiografia. São Paulo: EDUSC, 2003, p.17-48.
71 CAIRE-JABINET, Introdução, p. 49.
72 TÉTART, Philippe. Pequena História dos Historiadores. São Paulo: EDUSC, 2000, p. 61-62
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O RACIONALISMO ILUMINISTA
O Iluminismo “é a saída dos homens do estado de minoridade devido a eles mesmos. Minoridade é a incapacidade de utilizar o próprio intelecto
sem a orientação de outro. Essa minoridade será devida a eles mesmos se não for causada por deficiência intelectual, mas por falta de decisão e
coragem para utilizar o intelecto como guia. Sapere aude! Ouse usar seu intelecto! é o lema do Iluminismo." Kant é o autor desta passagem que exalta a
racionalidade como caminho para o crescimento humano. As “luzes da razão” ocupariam o espaço das trevas do obscurantismo e permitiriam que a
humanidade superasse mazelas de conflitos e sadismos no convívio em sociedade. França, Alemanha, Inglaterra difundem este ideário que será
utilizado junto com o pensamento do liberalismo político para as emancipações frente ao Antigo Regime e a condição de subordinação colonial nas
Américas.
Para Reinhart Koselleck, “a sociedade burguesa que se desenvolveu no século XVIII entendia-se como um mundo novo: reclamava
intelectualmente o mundo inteiro e negava o mundo antigo. Cresceu a partir do espaço político europeu e, na medida em que se desligava dele,
desenvolveu uma filosofia do progresso que correspondia a esse processo. O sujeito desta filosofia era a humanidade inteira que, unificada e pacificada
pelo centro europeu, deveria ser conduzida em direção a um futuro melhor. [...] o planejamento utópico do futuro já tinha uma função histórica
específica. [...] A filosofia da história forneceu os conceitos que justificavam a ascensão e o papel da burguesia”.73
73 KOSELLECK, Reinhart. Crítica e crise: uma contribuição à patogênese do mundo burguês. Rio de Janeiro: EdUERJ, Contraponto, 1999, 14.
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Características gerais do Iluminismo:
→A razão é o guia da experiência humana. Crenças e conhecimentos deveriam ser pensados a partir da crítica, a fim de promover a melhoria das
condições de vida dos homens e mudanças na ordem política (republicanismo). Crítica ao absolutismo e o avanço das liberdades constitucionais dos
cidadãos é um dos temas repetidos no inglês John Locke;
→A razão é um poder limitado que não chega a “coisa em si” mas, guia até o conhecimento dos fenômenos. O empirismo74 iluminista exigia que
a edificação de verdades deveria ser questionada com a experimentação científica que deveria também abarcar o campo da moral, política e religião
(campos até então não questionáveis). No campo científico enfatiza as ciências da natureza sendo a Física a “verdadeira filosofia”, a química e a ciências
biológicas como campos essenciais para a aplicação da razão;
→Da intervenção divina nos eventos humanos e a expectativa da chegada do juízo final, o cotidiano terreno é palco de ação dos próprios
homens que agindo racionalmente promoveriam o progresso civilizatório. Na modernidade, o presente não é movido pelo passado e o horizonte de
expectativas se projeta para o futuro fundado no trabalho. A história-evento cede espaço à história processo linear de realização humana;
→Não aceitava a manutenção da tradição como força da verdade, pois, ela estava repleta de preconceitos e crenças não racionais. Nesta direção
racionalizam o governo e a organização social e também propõem o deísmo (a razão do homem pode levar ao conhecimento da divindade ou de Deus);
→O pensamento iluminista foi fundamental para o desenvolvimento da Revolução Industrial com a valorização da ciência e da laicidade
(conhecimento independente da religião) e pela ideia de progresso civilizatório frente ao avanço da racionalidade domesticadora da natureza.
74No empirismo o conhecimento procede da experiência sensorial. A experiência e a evidência atuam na formação das ideias. O método científico se volta a hipóteses
e teorias a serem testadas experimentalmente e o empirista rechaça o racionalismo da intuição ou da revelação através do raciocínio. Não é possível dissociar o
conhecimento e a condição subjetiva do sujeito cognoscente.
37
ILUMINISMO E VAMPIRISMO
O tema vampirismo permite uma reflexão sobre as luzes e as trevas da modernidade. No século XVIII se tentou elucidar sobre os fenômenos
relatados na Europa Central sobre a ocorrência de ataques de nosferatus (grande onda vampírica da década de 1730). Manifestações na Áustria, Sérvia,
Polônia, Bulgária, Hungria e Romênia faziam a imaginação dos franceses, ingleses e alemães voltarem-se a realidade destas manifestações. Relatórios
elaborados por autoridades austríacas atestando a veracidade da existência de mortos-vivos acendem o interesse em explicar os fenômenos. Tratados
são escritos para desacreditar os relatos orais, mas, são vacilantes: o melhor tratado, elaborado pelo abade francês Calmet75 (enviado como
pesquisador àquelas regiões infestadas com o objetivo de desmistificação em nome da cristandade e da ciência), acabou sendo vago em suas
conclusões, deixando portas abertas à imaginação popular. Esta literatura acabou servindo para divulgar ainda mais as crenças milenares dos povos
eslavos que conviviam com esta mitologia. O filósofo Voltaire, buscando trazer “luzes” ao tema, é irônico e desenvolve uma crítica social:
►“Os vampiros eram defuntos que saíam à noite de seus túmulos no cemitério para sugar o sangue dos vivos, através da garganta ou do ventre,
e depois retornavam as suas covas. Os vivos que tinham sido sugados, emagreciam, tornavam-se pálidos e iam se consumindo; enquanto os mortos que
haviam chupado tornavam-se gordos, com a pele corada e tinham excelente apetite. Foi na Polônia, Hungria, Silésia, Morávia, Áustria e Lorena que os
mortos fizeram suas melhores refeições. Jamais ouvimos falar de Vampiros em Londres, nem mesmo em Paris. Admito que nestas duas cidades existia
agiotas, comerciantes e homens de negócios que sugavam o sangue do povo a luz do dia; porém, não estavam mortos, ainda que corrompidos. Esses
sugadores verdadeiros não habitavam cemitérios, mas sim confortáveis palácios. (...) Portanto os reis não são, falando propriamente, Vampiros. Os
verdadeiros vampiros são os monges, que se banqueteiam às custas tanto dos reis quanto do povo”.76
A tentativa de desmistificação do vampirismo é uma interessante manifestação pedagógica da razão iluminista que buscava divulgar luzes
racionais para sufocar crenças tidas como primitivas que compunham o imaginário de populações camponesas da Europa Central. A crença de que o
conhecimento racional tudo poderia explicar é testada nestas discussões que trazem um projeto de civilização que contrapunha o atraso sobrenatural
frente ao progresso intelectual de países da Europa Central.
75 CALMET, Antoine Agustín. Dissertations sur les apparitions des anges, des démons & des esprits et sur les revenans et vampires de Hongrie, de Boheme, de
Moravie & de Silesie. Paris: De Bure l'aîné, 1746.
76 VOLTAIRE, Dicionário Filosófico, 1764, verbete 36.
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CONCEPÇÃO IDEALISTA DA HISTÓRIA
A reflexão idealista remete a Platão na Antiguidade Grega e a Descartes no período do Renascimento, porém, o Idealismo Moderno é fruto do
século XVII e dos espaços que estão sendo politicamente abertos para a expressão individual. No Idealismo Moderno a capacidade de conhecer está na
dependência da atividade mental do indivíduo. A ideia é o princípio do ser e do conhecer e a matéria existe na dependência da criação pelo
pensamento. O conhecimento do “mundo” depende dos sentidos humanos que deformam o objeto de análise por sua imperfeição: surgem os
conceitos e ideias como mediação racional para conhecer (mesmo que parcialmente) a natureza. No subjetivismo individualista, tudo que existe é fruto
da mente individual de cada indivíduo.
Immanuel Kant (1724-1804) desenvolveu uma filosofia da história fundada na concepção de que a história humana é a busca do
desenvolvimento da liberdade. Para ele no mundo dos homens esporadicamente ocorria à aparição da sabedoria em casos isolados, tudo, no entanto,
se encontra em seu conjunto, tecido de loucura e ânsia destruidora. Voltando-se a Rousseau, enfatizou que preferia o estado dos selvagens ao estado
de civilidade de sua época, caso a humanidade não progredisse moralmente, pois ela padecia os piores males sob a aparência enganadora do bem-estar
exterior. Para Kant, o mau uso da racionalidade gerava infelicidade nas sociedades produzindo miséria e violência. Escreveu “Ideias acerca da História
Universal”, onde argumenta que as ações dos homens em sociedade, a História, tem o fim de conseguir a felicidade e a liberdade através do uso da
razão.77
Johann Gottfried Von Herder (1744-1803) foi um discípulo de Kant e defendia que a história da humanidade (“Ideias sobre a Filosofia da História
da Humanidade”) era evolutiva e um produto do espírito coletivo de cada povo que se expressava na língua, educação, costumes e literatura, sendo um
referencial para o desencadear de movimentos nacionalistas tão em voga no século XIX.78
Nome de destaque no pensamento idealista é Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831) que elaborou uma Filosofia da História fundada na visão racional
da História Universal. Acreditava que o progresso e a consciência da liberdade é que alimentava o espírito do povo que almejava a construção de um Estado racional
como culminância destas aspirações. Em suas “Lições sobre a Filosofia da História”, Hegel enfatizou que o conhecimento histórico não era uma recepção passiva dos
fatos e de que a realidade é um processo de mudança. Para ele o historiador não “é nada passivo no seu pensamento, aplica-lhe as suas categorias, vendo os fatos
deformados”. Desenvolveu a noção de realidade inteligível em termos racionais ou ideais e a noção de realidade como processo evolutivo e dinâmico (dialético). A
História é um processo racional, que expõe em fases distintas a ideia de liberdade (a adoção de objetos substanciais, universais, tais como Direito e Lei, e a produção
de uma sociedade que está de acordo com eles – o Estado). A História enquanto crescimento do espírito é necessariamente crescimento de liberdade. Da escravidão
das primeiras civilizações a humanidade chegaria a um estágio histórico em que todos serão livres. Existiria uma “astúcia da razão” utilizando personagens da História
Universal para chegar a um estágio superior de civilização com a plena conquista da liberdade enquanto fruto da razão.79
77 Neokantismo é uma corrente filosófica surgida em meados do século XIX até a década de 1920 que pretendia recuperar a atividade filosófica como reflexão crítica
da Ciência, da Moral e da Estética, retomando as ideias de Kant. Influenciou a concepção historicista.
78 Herder é o “pai” das noções de nacionalismo e historicismo e um dos líderes da revolta romântica contra o classismo, o racionalismo e a fé na onipotência do
método científico. O método de estudo do “espírito humano” muda e evolui, daí sua crítica aos Enciclopedistas. In: FALCON, Francisco José Calazans. Estudos de
Teoria da História e Historiografia, volume I: Teoria da História. São Paulo: Hucitec, 2011, p. 143.
79 NÓBREGA, Francisco Pereira. Compreender Hegel. Petrópolis: Vozes, 2005, p.70-71.
39
O termo idealismo recua ao século XVII quando foi usado por Leibniz. O conceito foi apropriado de forma diferenciada por vários filósofos entre
os séculos XVIII e XIX. Dois conceitos gerais são os de “Idealismo Metafísico” (negação de que a realidade do mundo seja independente de mentes);
“Idealismo Ontológico” (os corpos têm somente existência ideal em nosso espírito, negando assim a existência real dos próprios corpos e do mundo) e
Idealismo Romântico Alemão (não há nada fora do espírito, se destacando Schelling e Fichte). Hegel, Berkeley e Kant, desenvolveram as seguintes
abordagens:
Idealismo absoluto: Ligado à filosofia hegeliana, a doutrina absolutista do idealismo afirma que a única realidade existente é a espiritual. A
compreensão materialista seria pobre, sendo necessário um desenvolvimento gradual da consciência humana para conhecer o mundo verdadeiro;
Idealismo imaterialista: Também chamado por Immanuel Kant de “idealismo dogmático” conforme princípios filosóficos defendidos por George
Berkeley (1685-1753). Berkeley utiliza o empirismo para definir a realidade como uma mistura do que se percebe com o que é de fato. Para ele, os
objetos que observamos são apenas ideias compartilhadas pelos humanos e Deus. O mundo exterior à subjetividade humana não existe;
Idealismo transcendental: Por vezes chamado de idealismo formal ou crítico, essa doutrina kantiana afirma que o mundo exterior à mente humana é
imperceptível porque a subjetividade deforma seu sentido natural. Ou seja, elas não aparecem para nós como coisas em si, mas como representações
imperfeitas criadas pela subjetividade da mente.
Kant.
Hegel.
40
REFLEXÕES:
→Immanuel Kant: “Porque os homens, nos seus anseios, não agem meramente por instinto, como os animais, nem tão-pouco como cidadãos
racionais do mundo segundo um plano determinado, não parece possível uma história sistemática deles. Não podemos deixar de sentir uma certa
repugnância, quando vemos os seus atos representados no grande palco do mundo; e, embora apareçam aqui e ali uns vislumbres de sensatez em
casos isolados, tudo surge finalmente, na generalidade, como que entretecido de loucura, de vaidade pueril, muitas vezes de infantil maldade e sede de
destruição, acabando nós por não saber que conceito fazer da nossa espécie, tão orgulhosa de sua superioridade. Perante isto, o filósofo, na
impossibilidade de pressupor um específico propósito racional nos homens ou nos seus atos em geral, não tem outra solução senão tentar descobrir um
desígnio da natureza nesta marcha absurda das coisas humanas, a partir do qual seja possível uma história que obedeça a um determinado plano da
natureza, a propósito de criaturas que agem sem plano próprio”;80
→Johann Gottfried Von Herder: “O uso mais nobre da História... A razão humana prossegue o seu curso em toda a espécie em geral. Inventa,
antes de poder aplicar; descobre, embora mãos viciosas possam, durante muito tempo, fazer mau uso das suas descobertas. Este mau uso virá a punir-
se a si próprio e a desordem, com o tempo, dará lugar à ordem, devido ao zelo incansável de uma razão cada vez mais evoluída. Não é utopia esperar
que por toda a parte em que haja homens venha a haver futuramente homens racionais, justo e felizes; felizes não só devido à sua própria razão, mas
também à razão comum de toda a raça irmã”;81
→Georg Wilhelm Friedrich Hegel: “Na história do Mundo apenas podem atrair a nossa atenção os povos que constituem um estado. Porque é
preciso compreender que este representa a realização da Liberdade; isto é, do objetivo último e absoluto, e que existe apenas para assegurar. Além
disso, deve-se compreender que tudo o que o ser humano tem de valioso, toda a realidade espiritual, ele o possui apenas por intermédio do Estado. (...)
A História Universal ocupa-se exclusivamente em mostrar como o Espírito chega a um conhecimento e adoção da verdade: surge à alvorada do
conhecimento, começa a descobrir princípios eminentes e por fim atinge a consciência plena”.82
Herder seguiu a orientação de Vico que considerava que mesmo a “Razão é histórica” isto é, uma
época não deveria ser reduzida aos valores contemporâneos. A universalidade da história seria
inócua, desconsiderando a variedade de processos históricos particulares. O historiador não deveria
considerar a sua época como a “medida de todas as coisas”. Herder já está flertando com a
“história romântica” que desembocará no Historicismo do século XIX, o qual se funda na rigorosa
crítica da documentação histórica e não, como nos românticos, no método de empatia e na
intuição.
Reunião intelectual na casa de Kant.
80 Immanuel Kant “Ideia de uma História Universal de um Ponto de Vista Cosmopolita”.Citado por GARDINER, Patrik. Teorias da História. p. 29.
81 Johann Herder “Ideias para a Filosofia da História”. Citado por GARDINER, p. 58-59.
82 Georg W. F. Hegel “História Filosófica”. Citado por GARDINER, p. 82-83. A História é uma seqüência no tempo da busca do Espírito Absoluto manifesto em
épocas/nações.
41
HISTÓRIA ROMÂNTICA
O Romantismo é uma visão do mundo surgida na Alemanha na transição do século XVIII para o XIX, que buscava a fusão da imaginação humana
individual com a estrutura universal, além de almejar a harmonia entre o homem e a natureza. Jean Paul (1763-1825) ao explicar “a razão por que tudo
o que se alimentasse unicamente da saudade e da memória, tudo o que fosse remoto, inoperante, desconhecido, teria o encanto da transfiguração,
referiu que estas coisas incitam o poder mágico da imaginação e ajudam a que este se eleva ao infinito”. 83 Conforme Berlin, o romantismo combatia
uma resposta unificada para os assuntos humanos, defendendo a noção de pluralidade, inesgotabilidade, imperfeição das respostas e arranjos
humanos. Seu principal “fardo é destruir a vida comum tolerante, destruir a mediocridade burguesa, destruir o bom-senso, destruir as ocupações
pacíficas dos homens, elevar todos a um nível apaixonado de experiência auto-expressiva”.84
O romantismo quando relacionado com a História da Revolução Francesa produziu três enfoques: o romantismo liberal, defensor dos
princípios de liberdade, igualdade e fraternidade; o romantismo conservador, que lembrava o passado anterior a Revolução Francesa e desejava um
retorno à ordem aristocrática; o romantismo socialista, defendido por militantes operários que se mostravam frustrados pela Revolução manter a
opressão que passou do poder real/clerical para a burguesia. Em termos gerais o historiador romântico se volta ao passado medieval e ao
conhecimento das civilizações e costumes. O rigor metodológico utilizado buscava evitar a generalização e garantir a especificidade dos fenômenos.
Entre os autores ligados à história romântica estão:
→AugustoThierry (1795-1856) que buscou escrever uma história das pessoas do povo e não dos grandes homens socialmente privilegiados. É o autor
da frase “O século XIX é o século da História”;
→François Guizot (1787-1874) que almejou superar o fato político e analisou a civilização como um todo;
→Jules Michelet (1798-1874) que constrói uma narrativa que envolve os fatos econômico-sociais, religiosos, culturais etc. Sua habilidade narrativa
fascinou gerações e é considerado um dos precursores da história total. É um historiador de uma narrativa fluente e que envolve o leitor por sua
habilidade em transitar por diversos enfoques e “buscar unir os fios que a ciência não juntou” como os campos do direito e da arte, da economia e da
religião. O escrito Victor Hugo afirmou que “ele foi o decifrador das grandes esfinges da história”, buscando pintar os cenários investigados do passado
para fazer o leitor viajar no texto de forma radical. Os três enfoques do romantismo estão presentes em sua obra: o nacionalismo, o medievalismo e a
crítica social. Conforme Erik Hobsbawm na França o olhar não estava mais voltado “sobre o povo, eternamente sofredor, turbulento e criativo: a nação
francesa sempre reafirmando sua identidade e sua missão. Jules Michelet, poeta e historiador, foi o maior destes medievalistas democrático-
revolucionários”.85
O Renascimento e o Iluminismo abordam o passado como época de selvageria e sobrenaturalismo. Para o romantismo, o passado da
antiguidade e do período medieval são estágios na evolução das sociedades onde pode se observar o progresso da humanidade. 86
42
XIX: O SÉCULO DA HISTÓRIA
A ciência da história lançou raízes consolidadas no século XIX, especialmente na Alemanha e na França. O pensamento filosófico recebeu
adaptações e críticas de historiadores e fez surgir correntes historiográficas que buscaram delimitar os objetos e fronteiras disciplinares do
conhecimento histórico. Entre estas correntes se destacam o positivismo, o materialismo histórico e o historicismo.
O historiador José Carlos Reis87 nos possibilita caracterizar alguns fatores da mudança do conhecimento histórico no século XIX:
→No século XIX, a consciência histórica emancipou-se do idealismo e substituiu-o pela “ciência” e pela “história”. A “ciência da história”,
incipiente, tornou-se o centro da oposição ao Idealismo e a uma força cultural orientadora;
→A metafísica é uma impossibilidade, pois, fora dos fatos apreendidos pela sensação, nada se pode conhecer. As filosofias da história
metafísicas não tem mais significado explicativo. Busca-se as relações de causa e efeito, expressas de forma matemática: o “conhecimento positivo”;
→O “espírito positivo”, antimetafísico, passa a predominar entre os historiadores, e inicia-se uma luta contra a influência da filosofia da história
sobre a “ciência histórica”. A nova consciência histórica busca enfatizar as “diferenças humanas no tempo” sem profetizar sobre o futuro e enfatizando
o evento: irrepetível, singular, individual e único;
→A época historicista nascente é de oposição às filosofias racionalistas, que consideram a realidade humana determinada por princípios
essenciais, invariantes. Para os historicistas, não há um modelo imutável e supremo de razão humana;
→A ideia de que a História era mera exemplificação de formas gerais do ser ou de leis de eterno retorno foi abandonada pelo princípio da
individualidade histórica, irredutível a qualquer princípio absoluto. Não há modelos supra-históricos dados e a razão se reduz a História;
→A consciência histórica é finita, limitada, relativa a um momento histórico conduzindo ao ceticismo da possibilidade do conhecimento histórico
objetivo e universal;
→O historicismo é a rejeição radical das filosofias da historia iluminista e hegeliana. Parte dos historiadores, procura se afastar da filosofia e da
literatura. A humanidade, sujeito universal que tomava consciência de si através da narração histórica, é rejeitada em nome da objetividade empírica e
da ciência positiva;
→Este programa de afastamento das teleologias filosóficas foi parcialmente cumprido pelos “historiadores cientistas” do século XIX. Somente
com os Annales, a partir de 1929, ocorreu o afastamento da metafísica e a forte aproximação com as Ciências Sociais;
→Para François Dosse: “De um lado, esse é o século da história no sentido da profissionalização da prática histórica que se dota, por toda parte
na Europa, de um programa para seu ensino, de regras metodológicas, e que rompe com a literatura para voar com asas próprias. Esse nascimento da
história como disciplina se confunde com a grande confiança na marcha progressiva das ciências. Os novos historiadores profissionais desejam
participar dessa marcha ativamente, ainda que ao preço de certo cientificismo. De outro lado, foi também o século da história, pois o historiador foi
encarregado pela sociedade de enunciar o tempo laicizado, de narrar o telos, de afirmar a direção para a qual se dirige a humanidade. Esse magistério
do futuro, essa missão profética atribuída à história é então fortemente vivida como a passagem da religião à disciplina histórica.88
Uma das concepções mais difundidas até o presente e que surgiu no século XIX, será abordada a seguir.
87
REIS, José Carlos. A História entre a Filosofia e a Ciência. Belo Horizonte: Autêntica, 2011, p. 13-19.
88DOSSE, François. História e historiadores no século XIX In: MALERBA, Jurandir (Org.). Lições de História: o caminho da ciência no longo século XIX. Porto Alegre:
EDIPUCRS; Rio de Janeiro: Editora FGV, 2010, p.15-16.
43
MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO: OS FUNDAMENTOS
O termo materialismo histórico foi utilizado por Friedrich Engels (1820-1895) para designar o método de interpretação histórica proposto por
Karl Marx (1818-1883) e que consiste em interpretar os acontecimentos históricos como fundados em fatores econômico-sociais (técnicas de trabalho e
de produção/relações de trabalho e de produção). O fundamento básico do materialismo histórico está ancorado na perspectiva antropológica
marxista, que concebe a natureza humana como sendo intrinsecamente constituída por relações de trabalho e de produção que os homens
estabelecem entre si com vistas à satisfação de suas necessidades. As formas historicamente assumidas pelas sociedades humanas dependem das
relações econômicas que prevalecem durante as fases que conformam o seu processo de desenvolvimento. A base real da história para Marx são os
indivíduos reais, a sua atuação e as suas condições materiais de vida.89
O verdadeiro processo de evolução começa pela produção material da vida imediata. A história não acaba por se reduzir à consciência do eu ou
ao espírito do espírito, mas em cada fase histórica se encontra um resultado material, um somatório de forças de produção. Marx rejeitava a idéia de
que a história pode, em última análise, explicar-se pela ação de forças espirituais como era proposto pelas explicações teológicas, sobrenaturalistas,
exotéricas ou metafísicas.
No prefácio do livro Contribuição a Crítica da Economia Política, Marx explicita sinteticamente seu pensamento materialista (são as famosas 40
linhas). Para ele, “os homens ao elaborarem a sua produção social, entram em determinadas relações que são indispensáveis e independentes de sua
vontade, relações de produção essas que correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das suas forças materiais de produção. A
totalidade destas relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade – a base real que se estabelecem às superestruturas legais e
políticas e a que correspondem determinadas formas de consciência social. A economia é um campo central para entender as relações históricas,
inclusive a superestrutura ideológica, advém da base material-econômica. O modo de produção da vida material determina o caráter geral dos
processos de vida social, política e espiritual. Não é a consciência dos homens que determina a sua existência, mas, pelo contrário, é a sua existência
social que determina a sua consciência.”90
89 MARX, Karl. A concepção materialista da história In: GARDINER, Patrik. Teorias da História. Lisboa: Gulbenkian, 1969, p. 153-163.
90 MARX, Karl. Contribuição à Crítica da Economia Política. São Paulo: Martins Fontes, 1983, p. 10.
44
ideias/ideativas) possa ser designado como sendo o “princípio” de organização da totalidade social. A dimensão histórica desse materialismo decorre
exatamente do fato de ele assumir que a produção historicamente diversa da vida material condiciona, em geral, a produção da vida social, política e
espiritual”;91
→Essencialmente o materialismo histórico e dialético é um paradigma revolucionário pois a construção discursiva deve estar voltada a ação no
meio social buscando a sua transformação;
→Os fenômenos políticos, jurídicos e intelectuais constituem uma superestrutura que é determinada em última instância pela infra-estrutura
econômica;
→A denominação de materialismo histórico significa que a infra-estrutura (econômica) do modo de produção é historicamente determinado;
→Para Marx, a satisfação das necessidades humanas constitui a condição fundamental de toda a história;
→A relação com a liberdade humana e o determinismo econômico é polêmica. No livro O 18 de Brumário de Luis Bonaparte, Marx escreve: “Os
homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se
defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado”;92
→O marxismo enfatiza o papel das contradições, priorizando o estudo dos conflitos sociais e constitui um estruturalismo genético (a contradição
presente na estrutura levará à transição a outra estrutura – abandonando a ênfase no evento). A ontologia marxista é relacional, pois, o ser social não é
uma coisa e sim relações históricas determinadas;93
→As ações humanas são determinadas pelo conflito entre as classes no contexto do modo-de-produção que define as relações de trabalho. As
mudanças são conseqüências naturais do estágio de modo-de-produção.
O determinismo econômico é um dos temas mais polêmicos do marxismo! Conforme Engels, na concepção materialista da história, “o fator
que, em última instância, determina a história é a produção e a reprodução da vida real. Nem Marx nem eu afirmamos, uma vez sequer, algo mais do
que isso. Se alguém o modifica, afirmando que o fato econômico é o único determinante, converte aquela tese numa frase vazia, abstrata e absurda. A
situação econômica é a base, mas os diferentes fatores da superestrutura que se levanta sobre ela – as formas políticas de luta de classes e seus
resultados, as constituições que, uma vez vencida uma batalha, a classe triunfante redige etc, as formas jurídicas, e inclusive os reflexos de todas essas
lutas reais no cérebro dos que nelas participam, as teorias políticas, jurídicas, filosóficas, as idéias religiosas e o desenvolvimento ulterior que as leva a
se converterem num sistema de dogmas – também exercem sua influência sobre o curso das lutas históricas e, em muitos casos, determinam sua
forma, como fator predominante... Nós mesmos fazemos nossa história, mas isso se dá, em primeiro lugar, de acordo com premissas e condições
concretas. Entre elas, as premissas e condições econômicas são as que decidem, em última instância. No entanto, as condições políticas e mesmo a
tradição que perambula como um duende no cérebro dos homens também desempenham seu papel, embora não decisivo (Engels, carta a Bloch, 21-22
de setembro de 1890)”.
45
“Os pressupostos de que partimos
não são arbitrários, nem dogmas.
São pressupostos reais de que
não se pode fazer abstração a não
ser na imaginação. São os
indivíduos reais, sua ação e suas
condições materiais de vida, tanto
aquelas por eles já encontradas,
como as produzidas por sua
própria ação”. MARX, K. &
ENGELS, F. A Ideologia Alemã. São
Paulo: Hucitec, 1986, p. 26.
►“Materialismo histórico” é um paradigma teórico- Primeira edição da primeira obra de história fundada
metodológico para as Ciências Humanas. “Marxismo” é no materialismo histórico e dialético: “O 18 de
um projeto político que visa o Socialismo. Brumário de Luis Bonaparte”.
46
MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO: VERTENTES
Tendo por referência as obras de Marx e Engels, inúmeros intelectuais se debruçaram sobre a escrita do materialismo histórico e dialético
após a morte de Marx no ano de 1883. Concepções muitas vezes discordantes as quais buscavam ter encontrado a verdadeira continuidade do
materialismo científico. Entre tantas opções para a análise (deixando de fora inúmeros autores/abordagens), vamos buscar três correntes de
pensamento que tiveram uma grande influência intelectual e também na militância dos Partidos Comunistas: economicismo/reducionismo; a Escola
de Frankfurt; o Marxismo Inglês. Isto não exclui outras abordagens do materialismo como Georgi Plekhanov, Rosa de Luxemburgo e tantos outros.
►O REDUCIONISMO ECONOMICISTA
Grande parte da produção historiográfica marxista é marcada pelo determinismo econômico e pela negação da atuação humana no processo
histórico: a relação entre ser social e consciência social é abordada como uma determinação mecânica explicável pela infra-estrutura econômica; as leis
naturais da economia política reduz os seres humanos a seres obedientes e passivos; as classes sociais são interpretadas como uma “estrutura ou uma
categoria estática”, onde a experiência dos sujeitos históricos é irrelevante; o conceito de trabalhadores e de luta de classes já é o suficiente para
homogeneizar o múltiplo e orientar o movimento rumo ao processo dialético de superação do capitalismo; na concepção estruturalista e economicista
a classe social é decorrência da relação com os meios de produção (classe enquanto categoria estática e a-histórica).
→Tetart, faz uma crítica à abordagem estanque de classe social e ao enfoque estrutural. Ele enfatiza o pouco ou nenhum espaço deixado às
análises culturais ou mentais, além do descrédito na história acontecimento/individual o que conduz a uma visão reducionista do passado: “O destino
do homem está ligado à prioridade estrutural e dinâmica da classe social e do movimento econômico. Sem vínculo cultural, sem retorno ao indivíduo, a
história quantitativa deixa pouca liberdade a seus atores (...) as histórias marxistas são freqüentemente fechadas numa visão de organização das
sociedades atemporal, acultural, que recusa as transcendências da noção de classe (...) a maior parte da historiografia marxista enclausura-se, portanto,
no reducionismo”;94
→Para Jenkins: “Em 1917, esse experimento (marxismo) teve início na URSS. Desde o começo, suas ambições globalizantes (Trabalhadores do
mundo, uni-vos!) sofreu reveses. O caráter universal do marxismo logo se modificou em variantes nacionais, e seu propósito emancipatório não
demorou a enroscar-se na contingência dos meios ditatoriais. Dessa maneira, sem querer, o socialismo real acabou ajudando a desconstruir seu próprio
potencial, tornando cada vez mais pessimista aquilo que um dia tinha sido a mais otimista das metanarrativas95, o marxismo”.96
94 TÉTART, Philippe. Pequena História dos Historiadores. São Paulo: EDUSC, 2000, p.116-117.
95 Metanarrativa no campo filosófico tem o sentido de uma grande narrativa que busca explicar todo o conhecimento. No campo religioso representa a busca da
verdade absoluta (Bíblia e Alcorão). Jean-François Lyotard analisa a condição pós-moderna como a incredulidade em relação às metanarrativas.
96 JENKINS, Keith. A História Repensada, p. 96-97.
47
►A ESCOLA DE FRANKFURT
Surge na Alemanha da década de 1920 esta Escola de Teoria Social interdisciplinar neomarxista. No Instituto para a Pesquisa Social de Frankfurt
buscaram elaborar uma teoria crítica da sociedade através da relativização/contemporização dos estudos marxistas voltados aos problemas do século
XX. Intelectuais como Horkheimer, Adorno e Marcuse compunham este grupo. Dos nomes mais conhecidos nas contribuições para a História está
Walter Benjamin e Jürgen Habermas.
→Na abordagem de Michael Lowy97 a “Filosofia da História de Walter Benjamin” bebe em três fontes diferentes: o romantismo alemão, o
messianismo judeu e o marxismo. Não é uma combinatória ou "síntese" dessas três perspectivas (aparentemente) incompatíveis, mas a invenção, a
partir delas, de uma nova concepção, profundamente original. A exigência fundamental de Benjamin é escrever a história a contrapelo, ou seja, do
ponto de vista dos vencidos— contra a tradição conformista do historicismo alemão cujos partidários entram sempre "em empatia com o vencedor".
Benjamin ataca a ideologia do progresso em todos os seus componentes: o evolucionismo darwinista, o determinismo de tipo científico-natural, o
otimismo cego — dogma da vitória "inevitável" do partido — e a convicção de "nadar no sentido da corrente" (o desenvolvimento técnico). Em uma
palavra, a crença confortável em um progresso automático, contínuo, infinito, fundado na acumulação quantitativa, no desenvolvimento das forças
produtivas e no crescimento da dominação sobre a natureza. Ele crê descobrir por detrás de tais manifestações múltiplas um fio condutor que submete
a uma crítica radical: a concepção homogênea, vazia e mecânica (como um movimento de relojoaria) do tempo histórico. Contra essa visão linear e
quantitativa, Benjamin opõe uma percepção qualitativa da temporalidade, fundada, de um lado, na rememoração, de outro na ruptura
messiânica/revolucionária da continuidade. A revolução é o "correspondente" (no sentido baudelairiano da palavra) profano da interrupção messiânica
da história, da parada messiânica do devir";
→Walter Benjamin, usando linguagem figurada, expõe sua apreensão em relação à ideia de progresso em sua Tese n° 9: “Existe um quadro de
Klee que se intitula Angelus Novus. Representa um anjo que parece preparar-se para se afastar do local em que se mantém imóvel. Os seus olhos estão
escancarados, a boca está aberta, as asas desfraldadas. Tal é o aspecto que necessariamente deve ter o anjo da história. O seu rosto está voltado para o
passado. Ali onde para nós parece haver uma cadeia de acontecimentos, ele vê apenas uma única e só catástrofe, que não pára de amontoar ruínas
sobre ruínas e as lança a seus pés. Ele queria ficar, despertar os mortos e reunir os vencidos. Mas do Paraíso sopra uma tempestade que se apodera das
suas asas, e é tão forte que o anjo não é capaz de voltar a fechá-las. Esta tempestade impele-o incessantemente para o futuro ao qual volta às costas,
enquanto diante dele e até ao céu se acumulam ruínas. Esta tempestade é aquilo a que nós chamamos o progresso”;98
→Max Horkheimer desenvolve a sua Teoria Crítica defendendo a reunificação entre sujeito e objeto do conhecimento e repudiando a ordem
totalitária positivista (ele a intitula de razão formal dominadora da natureza). Desenvolve o conceito de razão instrumental para explicar os processos
racionais que são plenamente operacionalizados (o sujeito do conhecimento conhece a natureza e os seres humanos através do exercício de sua
dominação e controle). A razão instrumental é um instrumento de poder e de dominação que se funda numa ideologia cientificista que se difunde na
escola e nos meios de comunicação de massa: constitui a religião da ciência contrária a razão iluminista de emancipação da humanidade;
97 LOWY, Michael. A Filosofia da História de Walter Benjamin In: Estudos Avançados. São Paulo: USP, maio/agosto 2002, 16 (45), pp.199-206.
98 BENJAMIN, Walter. Teses sobre o Conceito de História (1940) In: Sobre Arte, Técnica, Linguagem e Política. Lisboa: Relógio D’Água, 2012, p. 135.
48
→Jürgen Habermas buscou a caracterização das sociedades contemporâneas enquanto sociedades racionalizadas fundamentado no conceito de
ação comunicativa;99
→ Herbert Marcuse foi um crítico do racionalismo da sociedade moderna com a invasão da mentalidade mercantilista e quantificadora ao
pensamento humano. Combateu a desvalorização da razão em relação à técnica tendo dialogado com a obra de Freud, fazendo uma abordagem
psicanalítica dos indivíduos;
→ Theodor Adorno trabalhou com a dialética e com a psicanálise Realiza a crítica a razão instrumental que define o sistema capitalista com sua
sociedade voltada aos interesses do mercado e ao progresso técnico. Adorno desenvolve o conceito de indústria cultural (que difunde a técnica e o
capitalismo) e faz traz leituras de Nietzsche adaptadas aos seus estudos.
Críticas: o intelectual italiano Humberto Eco destacou a posição elitista da Escola de Frankfurt ao defender a cultura erudita e rejeitar a cultura
de massa, chamando-os de apocalípticos,100 produtores de teorias sobre a decadência da sociedade ocidental capitalista. Para Eco é preciso aceitar que
se vive em uma sociedade industrial e de massa e não contemplá-la de forma passiva como se ficasse a esperar o apocalipse previsto por estes
intelectuais. Já Georg Lukács101 relaciona os membros com o “idealismo burguês” que é desprovido de qualquer relação com a prática política e
revolucionária.
►O MARXISMO INGLÊS
Edward Thompson militou no Partido Comunista da Grã Bretanha até 1956, quando rompeu com o partido frente às denúncias dos crimes
cometidos por Stalin. Ele e outros dissidentes formaram a “Nova Esquerda Inglesa” e fundam uma revista que no ano de 1959 passa a se chamar New
Left Review (com a participação de Perry Anderson, Raymond Willians e vários outros intelectuais marxistas). No livro A Formação da Classe Operária
Inglesa102 Thompson promoveu uma radical modificação na leitura do conceito de classe social. Ele considerava que o processo histórico é formado por
pessoas comuns, sujeitos conscientes e ativos. Confrontou-se, desta forma, com o reducionismo que interpretava a sociedade como um processo
mecânico, automático, independente das vontades e da ação humana consciente. Para o historiador inglês, Christopher Hill, “o marxismo de Thompson
era inteiramente alheio a dogmas preconcebidos […] A tradição marxista abraçada pelo historiador inglês considerava o materialismo histórico como
simples e indispensável orientação teórica à pesquisa dos processos históricos. Desde essa perspectiva, Thompson faz a opção por uma História vista a
99 Racionalidade se aproxima do conceito de Max Weber (determinar a forma da atividade econômica capitalista, das relações de direito privado burguesas e da
dominação burocrática). Racionalização em Habermas é a ampliação dos setores sociais submetidos a padrões de decisão racional. HABERMAS, Jürgen.Técnica e
Ciência como Ideologia. Lisboa: Edições 70, 1989.
100 ECO, Humberto. Apocalípticos e Integrados. São Paulo: Perspectiva, 2015.
101 LUKÁCS, Georg. A Teoria do Romance. São Paulo: Editora Duas Cidades, 2000.
102 THOMPSON. E.P. A Formação da Classe Operária Inglesa. São Paulo: Paz e Terra, 2004. Segundo ele, “nenhum exame das determinações objetivas e, mais do
que nunca, nenhum modelo eventualmente teorizado pode levar a equação simples de uma classe com consciência de classe. A classe se delineia segundo o modo
como homens e mulheres vivem suas relações de produção e segundo a experiência de suas situações determinadas, no interior do conjunto de suas relações
sociais, com a cultura e as expectativas a eles transmitidas e com base no modo pelo qual se valeram dessas experiências em nível cultural”, p.277.
49
partir de baixo, ao mesmo tempo em que considera a classe e a consciência de classe como conceitos históricos”.103 Thompson não via nos textos de
Marx um conjunto de leis que seriam aplicados invariavelmente a realidade repelindo o dogmatismo e as armadilhas da economia política com suas
fórmulas fechadas. Por desacreditar o enfoque das determinações estruturais, foi acusado de voluntarista, subjetivista, culturalista (pelo próprio
Anderson que era influenciado pelo estruturalismo de Louis Althusser).
Edward Thompson fez uma crítica do uso do conceito de modo de produção pelo reducionismo e determinismo vulgar: “Não estou pondo em
dúvida a centralidade do modo de produção (e as subseqüentes relações de poder e propriedade) para qualquer compreensão materialista da história.
Estou colocando em questão – e os marxistas, se quiserem abrir um diálogo honesto com os antropólogos, devem colocar em questão – a ideia de ser
possível descrever um modo de produção em termos “econômicos” pondo de lado, como secundárias (menos “reais”), as normas, a cultura, os
decisivos conceitos sobre os quais se organiza um modo de produção. Uma divisão arbitrária como essa, uma base econômica e uma superestrutura
cultural, pode ser feita na cabeça e bem pode assentar-se no papel durante alguns momentos. Mas não passa de uma ideia na cabeça.104
A História Vista de Baixo: Christopher Hill enfatizou na escrita da história, as ausências e esquecimentos das pessoas comuns. Sua obra influenciou
historiadores como E. P. Thompson, Natalie Zemon Davis e Jim Sharpe. Edward Thompson buscou no processo histórico a massa dos esquecidos
(operários, camponeses, artesãos etc) que ficavam a margem da história oficial ou das estruturas explicativas do campo da história. Homens e
mulheres comuns emergem do silêncio da história para mostrarem suas trajetórias de vida e suas atuações nos processos de manutenção e
mudança do acontecer das sociedades. Estes autores, para encontrar as vozes silenciosas, enfatizaram a dimensão cultural e desenvolveram a
História Oral como ferramenta essencial para romper parte destes silêncios.
Críticas à Nova Historiografia Inglesa: Para Stephen Rigby, o marxismo ao abandonar o reducionismo economicista e buscar a explicação numa
multiplicidade de forças históricas em interação, se torna mais familiar a uma historiografia não marxista. “Como argumentaram filósofos na tradição de
John Stuart Mill, é impossível afirmar a primazia explicativa objetiva de qualquer um dos múltiplos fatores que resultam em um evento particular.
Causas têm existência objetiva no mundo real, mas qual delas escolhemos enfatizar e qual assumimos como dada dependerá de nossos propósitos
subjetivos, do conhecimento que atribuímos ao público a que nos dirigimos, ou em alguma nova peça do quebra-cabeça histórico que identificamos e
ao qual queremos chamar a atenção. Nessa perspectiva, não é apenas a afirmação marxista da primazia do aspecto econômico que está condenada,
mas qualquer tentativa de atribuir, na explicação histórica, primazia objetiva. Em outras palavras, seja qual for a nossa teoria explícita, não podemos
evitar, na prática, o pluralismo”.105
103 FORTES, A; NEGRO, A. L.; FONTES, P. As peculiaridades de E. P. Thompson. In: THOMPSON. E.P. As Peculiaridades dos Ingleses e outros Ensaios. Campinas:
Editora da Unicamp, 2012, p. 31.
104 THOMPSON, Edward. Folclore, Antropologia e História Social. In: As peculiaridades dos Ingleses e outros artigos. São Paulo: UNICAMP, 2001. p.254-255.
105 RIGBY, Stephen Henry. Historiografia Marxista In: NOVAIS, Fernando & SILVA, Rogerio Forastieri (orgs.). Nova História em Perspectiva volume 2. São Paulo:
50
O italiano Antonio Gramsci (1891-1937) é o autor de
Vladimir Lênin. O líder da Revolução de outubro de 1917 escreveu
Concepção Dialética da História
Antonio Gramsci (1891-1937).(Rio de Janeiro:
obras de militância e também de discussões filosóficas
Civilização Brasileira, 1984) e de uma vasta produção
(ex: Materialismo e Empiriocriticismo). Com sua morte em 1924,
intelectual. Características: ele não aceitava leis
o poder passa a ser disputado por Stalin e Trotski. O período
históricas fatalistas de que o movimento operário
stalinista que perdurou de 1927 a 1953, definiu o perfil de
triunfaria frente à burguesia pois a história define-se pela
um regime fundado nas perseguições políticas, deportações e
práxis humana; as ideias só podem ser entendidas frente
massacres de opositores ou civis.
ao processo histórico e social; Gramsci dá grande ênfase
ao papel da cultura desenvolvendo estudos inéditos
Gramsci estabelece a sua polêmica em duas frentes: por um lado, ele combate sobre a sociologia crítica da cultura; rechaçou o
contra as tendências auto-intituladas ortodoxas, que fundam o marxismo sobre o determinismo econômico e o surgimento espontâneo de
materialismo vulgar, sobre o fatalismo mecanicista, transformando-o em uma consciência histórica revolucionária; desenvolveu amplo
simples sociologia positivista (como é o caso de Bukharin); por outro, contra as conceitual para a compreensão da superestrutura
tentativas de destruí-lo em partes isoladas – e descaracterizadas – que possam ideológica/cultural do marxismo tradicional: bloco
ser assimiláveis por uma outra concepção, idealista ou especulativa (como é o histórico, hegemonia, intelectual orgânico etc.
caso de Croce). Em suma, Gramsci empreende a luta contra o dogmatismo e
“A transformação histórica acontece [...] pelo fato de as
contra o revisionismo, ainda tão vivos e atuantes hoje. COUTINHO, Carlos &
alterações nas relações produtivas serem vivenciadas na
KONDER, Leandro. In: GRAMSCI, Antonio. Concepção Dialética da História. Rio de
vida social e cultural, de repercutirem nas ideias e
Janeiro: Civilização Brasileira, 1984, p. 4.
valores humanos e de serem questionadas nas ações,
escolhas e crenças humanas”. THOMPSON (2001, p.
51 263).
Christopher Hill (1912-2003).
Um dos maiores intelectuais marxistas no campo dos Historiador marxista inglês reconhecido pelos estudos
estudos históricos. Seu conjunto de livros A Era das sobre o século XVII na Inglaterra. Teve como
Revoluções, A Era do Capital, A Era dos Impérios e A Era companheiros de atuação intelectual Thompson e
dos Extremos, traça um longo trajeto da constituição do Hobsbawn.
capitalismo e do socialismo real. Foi militante do Partido
Comunista da Grã-Bretanha até sua morte.
Plekhanov (1856-1918): “atualmente não é mais possível considerar a natureza humana como causa determinante e mais geral do
movimento histórico. Atualmente, é preciso reconhecer que a causa determinante e mais geral do movimento histórico da humanidade é
o desenvolvimento das forças produtivas que condiciona as sucessivas mudanças das relações sociais dos homens”. PLEKHANOV, Georgi.
Reflexões sobre a História. Lisboa: Editorial Presença, 1970, p. 170-171.
O impacto do Positivismo perdurou por quase um século na Europa com aproximações e distanciamentos do Historicismo. Às primeiras
impressões que surgem ao falar em Positivismo é da história factual, cronológica e de memorização de acontecimentos oficiais. Porém, o Positivismo é
muito mais complexo do que isto, apesar de a linearidade e a factualidade serem componentes presentes. Podemos recuar os seus primórdios ao
francês Antoine-Nicolas Condorcet (1743-1794), intelectual militante de questões sociais que concebeu a história como um movimento contínuo para
ideias que atestam tanto da previsão como da generosidade do espírito que as contemplou. Para ele a história é o registro de acontecimentos e
desenvolvimentos a compreender e avaliar à luz da contribuição que deram para promover a realização final, na sociedade humana, de certas
condições que não só deveriam preponderar, mas, que num dia futuro inevitavelmente predominariam. Condorcet enfatizou que os fenômenos
humanos e os da natureza, estão sujeitos a leis universais verificáveis.106 No século XIX, Saint-Simon, Auguste Comte (1798-1857) e Marx elaboraram
reflexões com base em Condorcet e no progresso da humanidade. Os caminhos interpretativos no campo epistemológico foram diferenciados entre
Comte e Marx.
Uma caracterização preliminar do positivismo, com base em Adam Schaff107 e Ieda Gutfreind108, podem nos trazer algumas elucidações sobre
este objeto muito distorcido na historiografia:
→Saint-Simon foi o primeiro a usar o termo “positivismo”. Para ele isto significava o método exato das ciências e a sua extensão à filosofia;
→Para o positivismo, existem limites para o saber, desta forma se limita o valor do conhecimento ao campo da experiência, dos fenômenos e
suas relações. Sua ação está restrita as ciências positivas, considerando somente os fatos, pois não se pode conhecer a essência das coisas, as causas
primeiras e os fins últimos. A observação deve estar voltada aos fatos, os fenômenos, ver suas semelhanças e diferenças, suas relações constantes e
determinar as leis de sua produção;
→Os fatos são os fenômenos enquanto a metafísica deve ser excluída do pensamento científico, pois, se ocupa das essências, do ser e das coisas
em si. O positivismo pode ser denominado de ceticismo metafísico, uma posição epistemológica que limita o conhecimento ao positivamente dado, aos
fatos imediatos da experiência. Auguste Comte ressaltava que a observação dos fatos é a única base sólida dos conhecimentos humanos e que qualquer
proposição que não seja redutível à simples enunciação de um fato particular ou geral, não poderá ter nenhum princípio real e inteligível;
→Ao sujeito compete o papel de selecionador e organizador, construindo de fora, neutro, com o compromisso de negar juízos de valor e dando
destaque às fontes históricas, transformando o documento em princípio da verdade e da objetividade;
→Há uma diversidade de manifestações ligadas ao positivismo. Porém as teses fundamentais estão ligadas a ciência como o único conhecimento
possível e seu método, estendido a todos os campos da indagação e da atividade humana;
→Para Comte, o método seria puramente descritivo, expondo as relações constantes entre os fatos, expressos em leis, permitindo previsões. Ele
foi influenciado por ideias do século XVIII, ilustradas pelo iluminismo que defendia a razão como único guia da sabedoria, a liberdade individual e o
progresso da humanidade. Comte afirmou: “para vos conhecer, conhecei a história”. Ele entendia por história a síntese de sua doutrina resumida em
106 Condorcet escreveu “O Progresso do Espírito Humano”. Citado por GARDINER, Teorias da História, p. 61-63.
107 SCHAFF, Adam. História e Verdade. São Paulo: Martins Fontes, 1983, pp. 101-140.
108 GUTFREIND, Ieda. Historiografia Sul-Rio-Grandense e o Positivismo Comteano. In: Estudos Leopoldenses. São Leopoldo: 30, n.137, 1994, p. 69-78.
53
etapas e/ou fases superadas pelo indivíduo em sua existência pessoal e por toda a humanidade. A infância, a maturidade e a velhice, individualmente
falando: a fase teológica, metafísica e positiva, no que se refere à evolução da humanidade. A história para ele era a “evolução em direção ao
progresso”. Na Europa ocidental no contexto do capitalismo industrial é que Comte afirmou ter a humanidade transposto às fases históricas provisórias
teológica e metafísica, vivendo a época científica, ou seja, positiva;
→ Em um mundo liberal, Comte tinha posições antiliberais e antiindividualista. Cooperação, solidariedade e moral são vocábulos recorrentes em
sua doutrina. Comte deixou as frases: “Viver para outrem”, “Viver às claras”, “A dedicação dos fortes pelos fracos e veneração dos fracos pelos fortes”.
Ele defendia a intervenção do Estado na vida econômica e na organização social. Foi um adversário da monarquia e defensor da república;
→ O desenvolvimento do capitalismo levou a novas tensões sociais ligadas ao capital e ao trabalho. Na França pós-revolucionária, com agitações
sociais, as ideias de Comte representam o anseio de ordenar o corpo social, regularizando com disciplina a divisão do trabalho, conduzindo a sociedade
ao progresso, através da mudança sem violência, harmonizando os diferentes setores que compõem o corpo social;
→Para aprender a dinâmica social, é necessário observar a evolução histórica da humanidade mostrando o crescimento contínuo de qualquer
disposição física, intelectual, moral, política, conjuntamente com a estática social, ou seja, a apreensão da harmonia permanente entre as diversas
condições de sua existência. A ordem e o progresso foram postos como pilares da sociedade, “O amor por princípio e a ordem por base, o progresso por
fim”. A estática, com o princípio filosófico do consensus social, enfatizando o coletivo, a solidariedade e a dinâmica das gerações e/ou o tempo em
evolução, que seria acelerado ou retardado por condições relativas à natureza e ao organismo humano são essenciais para a compreensão da doutrina
comtiana. A marca fundamental do espírito positivo é a análise exata da circunstância da produção dos fenômenos, vinculando-os uns aos outros,
mediante as relações de sucessão (Dinâmica) e semelhança (Estática);
→Não há a pretensão de expor as causas geradoras dos fenômenos, pois a razão humana é importante para captar a essência das coisas ou
mesmo o surgimento dos fenômenos, pois os próprios fatos tornam-se as causas. A Física Social ou Sociologia, seria responsável pelo estudo intelectual
e moral da sociedade, buscando o estabelecimento de leis para os fenômenos sociais. A história está inserida neste campo do conhecimento. Para os
estudos de Física Social Comte utiliza os recursos usados para as outras ciências exatas, como a observação, usando os sentidos físicos, sem dar
importância à introspecção. Além da experimentação, comparação e verificação, acrescidas do método histórico. O método histórico é entendido como
o próprio fundamento da ciência da sociologia, que daria à sociedade um caráter filosófico. O uso do método histórico levaria ao abandono do
anedótico e do episódico no conhecimento do social, alcançando-se o estatuto de ciência no estudo deste campo. Comte defendia a necessidade de
uma verdadeira história, com espírito científico, que buscasse as leis que presidem o desenvolvimento social da espécie humana;
→Evolução e progresso (“Conservar melhorando”) seguem a marcha natural da civilização, com percalços de ordem da natureza física e humana,
apresentando aperfeiçoamentos através do concurso combinado dos homens de Estado e de filósofos, pois a doutrina comtiana assevera a existência
de gênios, homens com predomínio temporal e espiritual sobre a espécie humana. Estes homens são guiais espirituais da humanidade que percebem as
mudanças que tendem a concretizar-se, proclamando-as e propondo doutrinas e instituições. Homens de gênio que devem seu sucesso aos
predecessores, sendo cada geração o resultado da anterior. Na ênfase ao homem de gênio e na relação presente, passado e futuro, se vislumbram o
conservadorismo, o apego à tradição e o paternalismo do positivismo-comtiano. As manifestações futuras poderiam ser controladas através do estudo
do passado fornecedor da verdadeira explicação para o presente nas máximas “Prever para prover” e “Os vivos são sempre, e cada vez mais,
governados necessariamente pelos mortos”.
54
→ Michael Lowy ao caracterizar o positivismo enfatiza que a sociedade é regida por leis naturais, isto é, leis invariáveis, independentes da
vontade e ação humanas; na vida social, reina uma harmonia natural; a sociedade pode, portanto, ser epistemologicamente assimilada à natureza e ser
estudada pelos mesmos métodos e processo empregados pela ciência da natureza; as ciências da sociedade, assim como as da natureza, devem limitar-
se a observação e a explicação causal dos fenômenos, de forma objetiva, neutra, livre de julgamentos de valor ou ideologias, descartando previamente
todas as pré-noções e preconceitos.109 Lowy enfatiza que Condorcet e Saint-Simon propõem o cientificismo positivista como instrumento de luta contra
o obscurantismo clerical, as doutrinas teológicas em sintonia com a luta revolucionária dos Enciclopedistas e da Filosofia Iluminista contra a ideologia
tradicionalista do Antigo Regime. Em relação a Comte, segundo Lowy, “ele inaugura a transmutação da visão de mundo positivista em ideologia, quer
dizer um sistema conceitual e axiológico que tende à defesa da ordem estabelecida”.110
*Não é exclusividade de Comte as preocupações com o progresso da humanidade, pois, esta era uma das questões cruciais oriundas do
Iluminismo e presentes no século XIX. Apenas para contextualizar a compreensão/construção do progresso está na obra de Gobineau (as raças seriam o
vetor do progresso); Ratzel (determinação geográfica); Taine (a determinação do homem remetia aos fatores do meio, raça e momento histórico); Marx
(luta de classes seria o motor da história); Lewis Morgan (A Sociedade Primitiva), um antropólogo que defendeu que a humanidade passa por estágios
de desenvolvimento humano fundado na evolução e no progresso que direcionava das formas simples para as complexas, das sociedades atrasadas
para as avançadas – ideário que influenciou o pensamento de Friedrich Engels (A Origem da Família, da Propriedade e do Estado).
109LOWI, Michael. As Aventuras de Karl Marx contra o Barão de Munchausen. São Paulo: Busca Vida, 1987, p. 17-20.
110 LOWI, As Aventuras..., p. 22.
111 BARROS, José D’Assunção. Teoria da História. Os primeiros paradigmas: positivismo e historicismo. Petrópolis: Editora Vozes, 2011, vol. II, p.64-106 .
112 BARROS, José D’Assunção. Teoria da História. Os primeiros paradigmas: positivismo e historicismo, op cit. p. 66.
55
marxista, a “dominação de classe” empreendida pelas classes industriais. O seu fundador e representante maior na França oitocentista será Augusto
Comte, que voltará a insistir em antigos postulados iluministas, mas agora já partindo de uma perspectiva claramente conservadora, na equiparação
entre os métodos das ciências naturais e sociais, na afirmação literal da rigorosa neutralidade do cientista social, e na busca de leis gerais e invariáveis
que regeriam as sociedades humanas.
Autores positivistas ou que se situaram na área de influência positivista:
→Ernest Renan (1823-1892), autor de estudos religiosos que enfatizaram as explicações racionais dos milagres da tradição cristã. Autor de “A Vida de
Jesus”;
→Hipolite Taine (1828-1892) – o meio geográfico, a raça e o momento histórico explicariam as ações humanas na história dos povos. Sua abordagem
determinista foi uma das vertentes para o surgimento do realismo literário (concepção materialista da realidade, leis naturais, objetividade, análise do
presente e não do passado – está do lado oposto da historiografia romântica);
→Fustel de Coulagens (1830-1889) – historiador francês autor de A Cidade Antiga (analisou os cultos, o direito e as instituições Greco-romanas).
Buscou analisar as sociedades antigas sob o ponto de vista da religião. Para ele a crítica histórica está fundada no estudo detalhado e imparcial da
documentação: “a historia não é uma arte, é pura ciência”. Cabe ao historiador verificar os fatos, analisá-los e relacioná-los. Acreditava que a História
era uma “ciência pura, uma ciência como a Física ou como a Geologia”. Hipolite Taine
Fustel de Coulagens
A ESCOLA METÓDICA
A ênfase na objetividade da pesquisa histórica e o afastamento das intervenções pessoais (ideologias e paixões) constitui parte do receituário da
Escola Metódica que descrê da filosofia positivista e se volta para a crítica documental. Um nome de destaque é Gabriel Monod diretor da Revue
56
Historique que considerava que o ofício do historiador envolvia a pesquisa documental, a classificação, a crítica externa e a crítica interna. Desta forma,
se poderia determinar os fatos e ordená-los numa seqüência de causalidade.
Outros dois franceses se destacaram nos escritos de uma história metódica. Charles-Victor Langlois e Charles Seignobos, na obra Introdução aos
Estudos Históricos de 1898, analisaram exaustivamente os procedimentos para a coleta de fontes, análise da veracidade documental e críticas. O
historiador deveria fugir da retórica e dos “micróbios literários” que arrastam a subjetividade para dentro da narrativa e distorcem a história objetiva.
Consideravam que a fonte era subjetiva, cabendo ao historiador aplicar os passos do método científico objetivo. Os documentos oficiais permitiam
descrever o passado a partir de premissas metódicas que levariam a história científica orientada no progresso linear, tempo curto e história narrativa de
eventos.
Langlois e Seignobos: “A história se faz com documentos. Documentos são os traços que deixaram os pensamentos e os atos dos homens do
passado. Entre os pensamentos e os atos dos homens, poucos há que deixam traços visíveis e estes, quando se produzem, raramente perduram: basta
um acidente para os apagar. Ora, qualquer pensamento ou ato que não deixou traços, diretos ou indiretos, ou cujos traços visíveis desapareceram, está
perdido para a história: é como se nunca houvesse existido. Por falta de documentos, a história de enormes períodos do passado da humanidade ficará
para sempre desconhecida. Porque nada supre os documentos: onde não há documentos não há história”. 113
►Contraponto à Escola Metódica por François Simiand: “À força de repetir com a escola moderna que a história é uma representação do
passado, exata, imparcial, sem fins tendenciosos nem moralizadores, sem intenções literárias, romanescas, anedóticas - o que constitui, com efeito,
uma concepção muito superior às concepções e às práticas historiográficas anteriores - esquecendo-se de sublinhar que “exato” não quer dizer integral,
que “imparcial” não quer dizer “automático”, que “sem fins tendenciosos, sem preocupações literárias não quer dizer “sem preconceitos, sem
escolhas”.114 Simiand também atacou a história tradicional, especialmente a metódica, referindo-se ídolos da tribo dos historiadores: o ídolo político
(ênfase exagerada nos fatos políticos), o ídolo individual (excessiva dilapidação das realizações de personagens privilegiados) e o ídolo cronológico (a
busca das origens e particularidades).
113 LANGLOIS, Charles & SEIGNOBOS, Charles. Introdução aos Estudos Históricos. São Paulo: Editora Renascença, 1946, p. 15.
114 SIMIAND, François. Método Histórico e Ciência Social. Bauru, SP: EDUSC, 2003, p. 71-72.
115 RICOUER, Paul. História e Verdade. Rio de Janeiro: Forense, 1968, p. 25-26.
57
***O Neopositivismo116 ou positivismo lógico não é uma continuidade do positivismo. Foi desenvolvido por membros do Círculo de Viena na
década de 1920 com base no pensamento empírico tradicional e no desenvolvimento da lógica moderna. O positivismo lógico restringiu o
conhecimento à ciência e utilizou o verificacionismo para rejeitar a Metafísica não como falsa, mas como destituída de significado. A importância da
ciência levou positivistas lógicos proeminentes a estudar o método científico e explorar a lógica da teoria da confirmação. Os interesses deste grupo
partiram de autores positivistas como Auguste Comte e Ernst Mach; da lógica de Russel, Whitehead e Frege; das teorias relativistas de Einstein. O texto
fundamental foi escrito por Wittgenstein117 (Tratado Lógico-Filosófico) onde desenvolveu uma lógica incorporada a verificação empírica dos
fundamentos do conhecimento. O idealizador do Círculo de Viena, Moritz Schlick assim definiu a proposta: “As proposições factuais são, pois, o
fundamento de todo saber, mesmo que elas precisem ser abandonadas no momento de transição para afirmações gerais. Estas proposições estão no
início da ciência. O conhecimento começa com a constatação dos fatos”.118 As proposições científicas são fundadas no princípio da verificabilidade dos
fatos na experimentação material ou através de uma linguagem lógica.
Auguste Comte.
Conde de Saint-Simon.
116 Neopositivismo: se caracteriza pela compreensão metodológica desse saber, tomando como base a tese epistemológica da unidade da ciência. Não há
diversidade de procedimento entre as ciências, pois, cada uma delas procede ao tratamento empírico de sua matéria e à explicação teórica de seus fatos. Rejeita o
conceito de leis históricas e afirma que as ciências são dadas como ciências ao pensamento epistemológico, que deve se limitar a expor sua estrutura lógica. O
Círculo de Viena concentrou suas discussões e construiu seu conceitual nos quadros do positivismo lógico ou neopositivismo.
117 WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações Filosóficas. São Paulo: Abril Cultural, 1975.
118 SCHLICK, Moritz. O Fundamento do Conhecimento. São Paulo: Abril Cultural, 1975, p.46.
58
Ludwig Wittgenstein. As fronteiras da minha linguagem são as fronteiras do
meu universo.
Langlois.
O historiador escocês Thomas Carlyle, de formação calvinista, almejava novos caminhos para as bases morais e religiosas que balançaram com a
modernidade. Escreveu História da Revolução Francesa (1837) um livro de grande circulação e com influência na historiografia romântica alemã.
Carlyle relacionou a história da humanidade com a biografia de grandes homens: “entendo a História Universal, a história de tudo que o homem
realizou neste mundo, no fundo é a história dos grandes homens que aqui trabalharam. Eles eram os líderes dos homens, estes grandes
indivíduos, eram os modelos, os exemplos e em amplo sentido, os criadores do que quer que a grande massa dos homens planejam fazer ou
atingir”. Ele defendeu a existência dos heróis que conduzem os povos, ideário em sintonia com os relatos dos grandes heróis nacionais do
século XIX. CARLYLE, T. In: ANDRADE, Débora El-Jaick. Escrita da História e Política no século XIX: Thomas Carlyle e o culto dos heróis. In:
História e Perspectivas. Uberlândia: n.35, Jul.Dez.2006, p. 229.
.
“Torne-se um homem honesto e, então, você poderá
estar certo que há menos um patife no mundo.”
Thomas Carlyle (1795-1881). 59
HISTORICISMO
“O historicismo, em seu sentido geral, pode ser caracterizado como uma posição que torna a história um princípio (...) ele existe como oposição ao
pensamento a-histórico e procura introduzir a abordagem histórica em todos os campos da cultura”.119
O Historicismo abarca várias manifestações historiográficas que apresentam distinções sutis ou enfáticas em relação ao Positivismo. Ao longo do
século XIX, aproximações entre estas concepções já estão presentes em Leopold Von Ranke que é uma referência para história científica o qual afirmou
que o historiador deveria “contar os fatos tais como eles se sucederam”. O fato objetivo e construído de forma neutra, manterá acesa a busca
positivista em fundir a História com as ciências da natureza associada as descrições factuais que será linguagem comum entre o Historicismo e o
Positivismo. Apesar destas aproximações, conforme Barros, o Historicismo “foi abrindo cada vez mais espaço para o relativismo histórico, para a
consciência da radical historicidade de todas as coisas, mergulhadas que estão no interminável devir histórico. O Historicismo, em diversos de seus
setores, foi apurando a percepção de que o historiador não pode se destacar da sociedade como pressupunha o modelo das ciências naturais
preconizado pelo Positivismo e outras vertentes cientificistas das ciências humanas. Ao contrário disto, foi se afirmando cada vez mais no universo
historicista a ideia de que o historiador fala de um lugar e a partir de um ponto de vista, e que, portanto, não pode almejar nem a neutralidade nem a
objetividade absolutas, e menos ainda falar em uma verdade em termos absolutos. A Hermenêutica – campo de saber dedicado à interpretação de
textos e objetos culturais – foi se afirmando como importante espaço de reflexão a partir de filósofos e historiadores que realçavam a relatividade dos
objetos, sujeitos e métodos históricos”.120
A institucionalização da História como disciplina acadêmica no século XIX remete ao já citado historiador alemão Ranke, um ponto de
confluência entre o Positivismo e o Historicismo. “De acordo com ele, cabia ao historiador profissional relatar aquilo que realmente aconteceu. A
cientificidade da História deveria residir no rigor da pesquisa em torno das fontes, avaliando sua autenticidade e tentando extrair delas seu conteúdo
verdadeiro, o qual deveria ser depurado de qualquer romantismo literário. Isso significava que um historiador deveria reconstituir, através da narração,
o transcurso dos acontecimentos do passado com absoluta fidelidade. Tratava-se de evitar, a todo custo, a narração de uma história inventada,
idealizada, devendo-se, em contrapartida, pesquisar, de forma rigorosa, e, a partir dos documentos, apresentar com total isenção aquilo que havia
sucedido num determinado momento ou período anterior ao presente – para aqueles que conhecem a língua alemã, ficou famosa sua afirmação de que
o historiador deveria mostrar “wie es eigentlich gewesen ist” (“como realmente foi”). Trata-se de dois de seus postulados básicos: o da crítica das
fontes, para estabelecer sua autenticidade, e o da objetividade na reprodução de seu conteúdo”.121
Historicismo positivista: corrente híbrida fruto de uma autocompreensão elaborada principalmente por historiadores, caracteriza-se pela depuração
das teses historicistas, que não foram propriamente anuladas, mas reinterpretadas conforme princípios positivistas (eliminar a dimensão filosófica do
historicismo sem abandonar sua perspectiva metodológica assentando-a no postulado da reconstituição dos fatos como eles efetivamente
ocorreram”. RUDIGER, Francisco. Paradigmas do Estudo da História. Porto Alegre: IEL/IGEL,1991, p. 20.
119 IGGERS, George. In: REIS, José Carlos. A História entre a Filosofia e a Ciência. Belo Horizonte: Autêntica, 1988, p. 14.
120 BARROS, José D’Assunção. Teoria da História. Os primeiros paradigmas: positivismo e historicismo. Petrópolis: Editora Vozes, 2011, vol. II.
121 GERTZ, René. A criação na escrita da história. Letras de Hoje. Porto Alegre: PUCRS, v. 45, n.4, out./dez. 2010, p. 54-61.
60
Barros explicita três aspectos fundamentais para contrapor Positivismo e Historicismo:
→a dicotomia Objetividade / Subjetividade no que se refere à possibilidade ou não de a História chegar a Leis Gerais validas para todas as
sociedades humanas;
→o padrão metodológico mais adequado à história (de acordo com o modelo das Ciências Naturais, ou um padrão específico para as Ciências
Humanas);
→e a posição do Historiador face ao conhecimento que produz (neutro, imerso na própria subjetividade, engajado na transformação social).
Enquanto o Positivismo já inicía o século XIX com posicionamentos claros o Historicismo esteve em construção ao longo deste século recebendo
contribuições de Ranke até Droysen e Dilthey. Para Barros, os dois últimos são historicistas relativistas que já se ocupam em trazer para a historiografia
uma reflexão sobre a subjetividade do próprio sujeito que constrói a história, bem como sobre a singularidade do padrão metodológico a ser
encaminhado pela Historiografia: um padrão “compreensivo” e não “explicativo” como nas Ciências Naturais. Esta mesma discussão estende-se através
do século XX, chegando a nomes como Gadamer, Paul Ricoeur e outros historicistas modernos como Henri Marrou.
122 BARROS, José D’Assunção. Teoria da História. Os primeiros paradigmas: positivismo e historicismo. Petrópolis: Editora Vozes, 2011, vol. II, p. 128-129.
61
→ A Historiografia Romântica voltada a escrita de uma história particularizante, capaz de apreender a especificidade de cada povo, não diferem
muito, rigorosamente falando, dos historicistas propriamente ditos. Um dos poucos pontos de contraste é o fato de que a historiografia romântica
preconizava um método intuitivo para a construção do conhecimento histórico, ao contrário do rigoroso método de crítica documental que já ia sendo
encaminhado pelos historicistas de inspiração alemã. Também os literatos românticos e os artistas românticos de modo geral, apresentavam muitas
afinidades com o Historicismo, particularmente no que se refere à sua nostalgia do passado gótico, à sua revalorização da Idade Média, e à rejeição das
abstrações racionalistas que haviam sido encaminhadas pelos iluministas do século XVIII. Isto posto, consideraremos aqui uma corrente única, sem
discutir as especificidades da variação romântica do historicismo e falaremos apenas do Historicismo de maneira geral, por oposição ao Positivismo de
sua própria época;
→ O Historicismo é pioneiro ao apresentar uma nova perspectiva sobre o Homem, bem distinta da perspectiva que era no século anterior
apresentada pela tendência dominante pelo pensamento ilustrado, e que em seu próprio século continuaria a ser sustentada pelo Positivismo. Naquele
Homem que os iluministas e os positivistas procuravam enxergar como universal e caracterizado por uma natureza imutável, os historicistas já
começam a enxergar a diferença, o movimento. Em uma palavra: a historicidade. O Homem (ou os homens) e as sociedades humanas são realidades em
movimento, e assim devem ser percebidos. Ao invés de buscar o universal, a atitude historicista busca perceber a diferença, a singularidade, o
específico, o singular, o particular. Ao invés de estar obcecada pela descoberta da natureza imutável do homem, a concepção historicista deleita-se e
mesmo embriaga-se, com a percepção do movimento. Em uma palavra, trata-se de apreender com radical historicidade toda e qualquer realidade, de
modo que nada no universo estaria estático e imobilizado, ao mesmo tempo em que nenhuma coisa seria igual a outra neste interminável devir
histórico;
→ Voltando ao século XIX, pode-se dizer que o paradigma Historicista, desde a contribuição de objetivista de Ranke, foi abrindo cada vez mais
espaço para o relativismo histórico, para a consciência da radical historicidade de todas as coisas, mergulhadas que estão no interminável devir
histórico. O Historicismo, em diversos de seus setores, foi apurando a percepção de que o historiador não pode se destacar da sociedade como
pressupunha o modelo das ciências naturais preconizado pelo Positivismo e outras vertentes cientificistas das ciências humanas. Ao contrário disto, foi
se afirmando cada vez mais no universo historicista a ideia de que o historiador fala de um lugar e a partir de um ponto de vista, e que, portanto, não
pode almejar nem a neutralidade nem a objetividade absolutas, e menos ainda falar em uma verdade em termos absolutos. A Hermenêutica – campo
de saber dedicado à interpretação de textos e objetos culturais – foi se afirmando como importante espaço de reflexão a partir de filósofos e
historiadores que realçavam a relatividade dos objetos, sujeitos, e métodos históricos;
→ A tríade do pensamento historicista: (1) Relatividade do Objeto Histórico, (2) Especificidade Metodológica da História, e (3) Subjetividade do
Historiador. Trata-se, esta é a questão, de uma tríade conquistada aos poucos, pois o paradigma historicista foi se construindo no decurso do século XIX.
Assim, desligando-se à partida das antigas propostas iluministas, e confrontando-se com o Positivismo de sua própria época, cada vez mais o
pensamento historicista iria investir na idéia de que as ciências humanas deveriam buscar métodos próprios, e não procedimentos emprestados às
ciências da natureza. Logo surgiria a Hermenêutica para opor a “explicação”, própria das ciências naturais, à “compreensão”, postura metodológica
específica das ciências humanas. E, por fim, nas últimas décadas do século XIX, alguns setores historicistas completam a sua virada relativista: já
acreditam que também o historiador, e não apenas as sociedades examinadas, está visceralmente implicado em toda a sua singularidade.
Este quadro comparativo elaborado por José D’Assunção Barros pode ser sintetizado na seguinte passagem deste autor:
62
“O paradigma historicista completo, este é o ponto, principia enfaticamente com (1) o reconhecimento da ‘Relatividade do objeto Histórico’. De
acordo com este princípio, inexistem leis de caráter geral que sejam válidas para todas as sociedades, e qualquer fenômeno social, cultural ou político
só pode ser rigorosamente compreendido dentro da História. A historicidade do objeto examinado (uma sociedade humana, por exemplo, mas também
uma vida humana individual, ou qualquer evento ou processo já ocorrido ou em curso) deve ser o ponto de partida da investigação – e não, como
propunha o Positivismo, a universalidade das ‘sociedades humanas’ ou a unidade fundamental do comportamento humano. Apreender com radical
historicidade toda e qualquer realidade, seja esta uma realidade social ou natural (ou as duas coisas) será aqui a palavra de ordem historicista: o ponto
cego do qual tudo se origina. Em segundo lugar (2), a História, bem como as demais ciências humanas, deveria requerer uma postura metodológica
específica, radicalmente distinta do padrão metodológico típico das Ciências Naturais ou das Ciências Exatas. Formulava-se aqui a distinção entre dois
tipos de ciências – ou, em outras palavras, o direito de que um outro tipo de conhecimento postulasse cientificidade sem que necessariamente o seu
modelo coincidisse literalmente com o das ciências da natureza. Logo surgiria, a partir desta formulação, a célebre oposição entre a “Compreensão”,
atitude que deveria reger o posicionamento metodológico nas ciências humanas, e a “Explicação”, que seria típica das ciências naturais e exatas. Na
base desta distinção, seria possível falar em uma diferença fundamental entre fatos históricos e fatos naturais. Por fim (3), o Historicismo estaria pronto
a reconhecer a ‘Subjetividade do Historiador’, assumindo todas as implicações da idéia de que também o historiador ou o cientista social encontra-se
mergulhado na História, o que faria da ambição positivista de alcançar a total “neutralidade do cientista social” não mais do que uma quimera. Os três
traços indicados como essenciais do pensamento historicista mais completo são, ainda, beneficiados por uma ‘perspectiva particularizante’ que se torna
bastante típica do Historicismo, por oposição à ‘perspectiva generalizante’ que era característica tanto da maior parte do Iluminismo do século XVIII
como do Positivismo oitocentista. Se estas correntes buscavam frequentemente encontrar ‘leis gerais’ para a explicação dos comportamentos e
desenvolvimentos das sociedades humanas, já o Historicismo, de modo geral, abre mão desta busca, e procura se concentrar no particular, naquilo que
torna cada sociedade singular em si mesma, nos aspectos que fazem de cada processo histórico algo específico”.123
Crítica: A reflexão historicista é muito ampla e o termo acaba sendo utilizado em diferentes autores e enfoques. Karl Popper no livro A Miséria
do Historicismo atacou o método históricista aplicado a ciência histórica quando voltado a “predição histórica”. Ele refuta a possibilidade de construir
sistemas, regras, tendências, leis ou padrões quando se analisa a História e as Ciências Sociais. Popper explicita a tese fundamental do livro: “a crença
no destino histórico é pura superstição e de que não há como prever, com os recursos do método científico ou de qualquer outro método racional, o
caminho da história humana” 124.
Neohistoricismo: o saber histórico produzido não dialoga com a Filosofia e a História não é uma ciência, mas, uma espécie de arte. Paul Veyne
(Como se Escreve a História, 1982) escreveu: “A história não é uma ciência e não tem muito a esperar das ciências; ela não explica nem tem método;
melhor ainda, a história, da qual muito se tem falado, nesses dois últimos séculos, não existe”. A história como totalidade é uma categoria
transcendental e o historiador reconstrói fragmentos da trama. A história é um saber e uma arte, alheio a verdade. O historiador reconstrói
fragmentos de sua trama, pois, a totalidade é uma categoria transcendental. Outro autor que defende esse enfoque é o alemão Geoffey Elton. No
pensamento literário analisa uma obra enquanto produto de uma época, de um lugar, das circunstâncias políticas, econômicas e sociais.
123BARROS, José D’Assunção. Teoria da História. Os primeiros paradigmas: positivismo e historicismo. Petrópolis: Editora Vozes, 2011, vol. II, p. 130-132.
124 POPPER, Karl. A Miséria do Historicismo. São Paulo: EDUSP, 1980, p. 8.
63
HERMENÊUTICA
Uma primeira aproximação para conceituar hermenêutica é de “ciência que interpreta textos e o sentido das palavras, buscando estabelecer
regras e fundamentos para a interpretação textual”. Originada na compreensão das escrituras bíblicas, a palavra grega significava “arte ou técnica de
interpretar e explicar um texto ou um discurso”. Remetendo ao campo filosófico, duas vertentes são encontradas: a epistemológica voltada a
interpretação dos textos e a ontológica, voltada à interpretação de uma realidade. Através dos textos seria possível desenvolver métodos de
interpretação das tradições culturais. Podemos remeter a hermenêutica filosófica à teoria da interpretação e especialmente a Teoria do Conhecimento
de Hans-Georg Gadamer. Este autor busca interpretar problemas ligados as ações humanas, seus significados e o produto destas ações nos textos.
Um pressuposto hermenêutico do século XIX é de que a linguagem é o modo do pensamento se tornar efetivo. Pois não há pensamento sem
discurso pois ninguém pode pensar sem palavras.
A Hermenêutica:
→Criticou: a imposição de um método único entre Ciências Humanas e Ciências Naturais e a busca de leis de previsão de fenômenos
(reducionismo metodológico). Não aceitou o determinismo histórico e o distanciamento entre sujeito e objeto que são desfocados de sua cultura e
sociedade;
→Defendeu: a utilização da interpretação dos significados e propósitos das ações humanas; a dualidade sujeito-objeto de ser estudada para
compreender valores, significados e práticas; estudo de aspectos únicos e qualitativos das sociedades, levando em conta o contexto e as práticas, sem a
fixação de leis gerais;
→Alguns autores destacados: Wilhelm Dilthey (para ele esclarecemos por meio de processos intelectuais das ciências da natureza, mas,
comprendemos pelas ciências humanas e todas as “forças sentimentais na apreensão”); Hans-Georg Gadamer (1900-2002) que no livro “Verdade e
Método” desenvolveu a metodología do método hermenéutico contemporáneo; e Paul Ricoeur, para o qual ler é apropriar-se do sentido do texto. De
um lado, não ha reflexão sem meditação sobre os signos, do outro, não ha explicação sem a compreensão do mundo e de si mesmo”.125
►O GIRO LINGÜÍSTICO NO SÉCULO XX: A linguagem constituindo a realidade é um dos princípios do giro linguístico que a partir da década de
1920 influenciou o pensamento filosófico, literário, histórico etc. O que pensamos como sendo realidade precisa estar associado a uma convenção de
nomes e características dos objetos, que os recortam de um realidade maior e que passamos a associar a características definidoras. Para um objeto
existir deve ser apropriado pela linguagem que lhe dota de “nome e significado”.
Características:
→o foco das investigações filosóficas deixam de estar voltadas as coisas ou as representações intelectuais destas coisas: o enfoque se volta para
a linguagem;
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→Ludwig Wittgenstein é um dos idealizadores do “giro lingüístico” que relacionou problema filosófico com compreensão lógica da linguagem.
Para ele "os limites de minha linguagem significam os limites de meu mundo";
→Ferdinand de Saussure, Richard Rorty, Michel de Foucault e Jacques Derrida teorizaram o tema;
→“A linguagem passa a ser vista como aquilo que possibilita a compreensão do indivíduo no mundo, de modo que essa mesma linguagem é
necessariamente fruto de um processo de comunicação envolvendo uma relação de intersubjetividade, isto é, onde antes havia uma relação
sujeito/objeto instaura-se uma relação sujeito/sujeito. Além disso, a própria linguagem começa a ser compreendida como elemento de mediação das
interações existentes na sociedade”;126
→ Hans-George Gadamer “ressalta o papel essencial da linguagem no âmbito da sua teoria hermenêutica, pois constitui a mediação total da
experiência do ser, “é assim que a linguagem passa a ser – historicamente – a estrutura ontológica desse ser histórico que é o homem, ser dialógico por
natureza”. A linguagem é primariamente o mundo interpretado pelo homem, é o acontecimento interpretativo da realidade. A lingüística oferece o
meio de universalizar nossa razão histórica, estética ou jurídica, isto é, o meio de aceder a uma teoria geral da interpretação”.127
126 PEDRO, Flávio Quinaud. O Giro Lingüístico e a Auto-compreensão da Dimensão Hermenêutico Pragmática da Linguagem Jurídica In: Vox Forensis. Espírito Santo
do Pinhal: n. 1, v. 1, p. 199-213, jan./jun. 2008. p. 201.
127 LOPES, Ana Maria D´Ávila. A hermenêutica jurídica de Gadamer. Revista de Informação Legislativa. Brasília: n. 145, p. 101-112, jan./mar. 2000. p. 108.
65
CONCEPÇÃO DA HISTÓRIA EM NIETZSCHE
“Toda ação exige esquecimento, assim como toda vida orgânica exige não somente a luz, mas também a escuridão. Um homem
que quisesse sentir as coisas de maneira absolutamente e exclusivamente histórica seria semelhante àquele que fosse obrigado a
se privar do sono, ou a um animal que só pudesse viver ruminando continuamente os mesmos alimentos. É, portanto, possível
viver, e mesmo viver feliz, quase sem qualquer lembrança, como o demonstra o animal; mas é absolutamente impossível viver
sem esquecimento”.128
As crenças cientificistas do século XIX foram abaladas pelos livros de Friedrich Nietzsche (1844-1900). A verdade absoluta a ser obtida através da
ciência seria apenas uma ilusão e a noção de progresso nos quadros do iluminismo do século XVIII, foi abordado com ceticismo pelo pensador alemão. A
historiografia oitocentista, especialmente a positivista, foi pensada enquanto uma construção científica eurocêntrica que não levava em consideração
fatores fundamentais: que a verdade unívoca era um mito; que o historiador não era neutro ao construir o conhecimento; que a noção de universal era
simplificadora; que o culto do passado era anacrônico.
O pensamento de Nietzsche está repleto de aversão ao que fervilhava em sua volta: a unificação política e o estabelecimento de um Estado
Nacional de representação decisiva na geopolítica européia do século XIX. Parte do historicismo alemão buscou a construção dos acontecimentos
fundamentais para edificar um passado virtuoso, heróico e nacionalista para aquele povo. Descontente com o que considerava um saber que paralisava
as virtudes humanas e se amparava numa história científica com a missão de difundir uma cultura histórica do passado repleta de grandes homens e
exemplos cívicos, Nietzsche escreve um texto crítico chamado “Sobre a utilidade e os inconvenientes da história para a vida”. Ele ataca a febre
historicista que caracterizava a Alemanha de seu tempo. Acreditava que os alemães estavam paralisados culturalmente e cultuando incessantemente o
passado dos grandes homens. A consciência plena de viver nas lembranças do passado levava a não participar da dialética da vida de um presente que
necessitava de reflexão e mudança.
Criticou a História monumental que ressaltava as realizações dos grandes homens deixando de fora os demais agentes históricos; a história
tradicional com o excesso de valor e paixão pelo antigo em detrimento de um olhar novo que questiona criativamente mas não julga (como num
tribunal) o passado.
Para Nietzsche, a modernidade se fundamenta no excesso de consciência científica. É preciso um equilíbrio entre consciência e inconsciência
frente ao devir, acalentar o horizonte do esquecimento para manter a vida. O filósofo atacou as Filosofias da História do século XIX que projetavam a
realização humana para o futuro, considerando a história como uma ciência objetiva com concepção de etapas civilizatórias, progresso e teleologia.
Passado e presente são etapas que levam a utopia a ser realizada no futuro!
Crítica também a concepção hegeliana do Estado liberal burguês como sendo o fim da história. O Estado Moderno em Hegel é a ideia efetivada
no processo humano. Para Nietzsche a história não tem começo ou fim, mas é um devir em constante movimento. Esta totalidade histórica hegeliana
influenciou muito o historicismo alemão.
128 NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Da Utilidade e Desvantagens da História para a Vida. Rio de Janeiro: Editora PUC-Rio, 2005, p. 73.
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Para Nietzsche a temporalidade insurge-se ao afirmar que a memória (dialética do lembrar e do esquecer) não permite que os fatos sejam
apreendidos em sua totalidade, conseqüentemente não se pode delimitar a origem do processo histórico tampouco o seu fim. Nesse sentido, Nietzsche
rompe com as ideias que prevalecem em seu tempo e afirma a temporalidade histórica.
67
RELATIVISMO HISTÓRICO OU PRESENTISMO
Nos primórdios do século XX o italiano Benedetto Croce propôs uma radicalização do papel do sujeito na construção do conhecimento histórico.
Para ele, toda a história é “história do pensamento e história contemporânea”, pois não se trabalha com o passado que não mais existe (somente
fragmentos), mas, com suas representações no pensamento do historiador. O passado está vivo de forma intuitiva no historiador que tem a obrigação
de narrar fatos históricos que são sempre fatos de pensamento construídos na sua experiência (a partir da análise da documentação). A história é o
registro do passado pelo pensamento presente.
Pressupostos:
→ Para Benedetto Croce a história é o pensamento contemporâneo projetado no passado;
→)“Como um fato é histórico apenas na medida em que é pensado, e como não existe nada fora do pensamento, a questão de saber quais os
fatos que são históricos, e quais os que não o são, não tem sentido algum”;129
→ a intuição pura é a forma fundamental da atividade do espírito: fundamental porque é independente da atividade prática, enquanto a
atividade prática, pelo contrário, depende da intuição;
→ Tudo o que existe é um produto do espírito, os fatos históricos também são. Não há passado objetivamente dado, há apenas fatos criados
pelo espírito num presente eternamente variável. Toda história é constituída saindo ao mesmo tempo do presente e da experiência interior;
→Segundo Croce, o conhecimento histórico é sempre uma resposta a uma necessidade determinada e, neste sentido, é sempre comprometido.
Não há acontecimentos objetivos, há apenas produções do espírito, as quais são evidentemente tão diferentes como os espíritos;
→Para Collingwood, toda história é história do pensamento. O historiador reconstitui o pensamento do passado, no contexto do seu próprio
saber. A imagem histórica é o produto da imaginação do historiador, e o caráter necessário desta imagem está ligado à existência a priori da
imaginação;
→A obra do historiador difere da obra do romancista apenas na medida em que a imagem criada pelo historiador é considerada como
verdadeira;
→Para o presentismo a história é sempre uma projeção dos interesses e das necessidades presentes sobre o passado, é sempre função de um
presente variável; por conseguinte, a verdade do conhecimento histórico é sempre posta em relação com circunstâncias de lugar e de tempo;
→“O pensamento histórico é uma atividade da imaginação com a ajuda da qual tentamos fornecer-lhe conteúdos particulares. Por essa mesma
razão, na história como em todas as questões importantes, nenhum conhecimento adquirido é definitivo... cada nova geração deve reescrever a
história a sua maneira: cada novo historiador, não contente com dar novas respostas a questões antigas, deve rever essas mesmas questões...”;130
→Croce “definia como documentos todas as obras do passado que ainda podiam ser evocadas nos sinais das escritas, nas notações musicais, nas
pinturas, esculturas e arquiteturas (...) esses documentos, às vezes recolhidos pelo espírito do historiador, juntando-se às suas capacidades, aos seus
129 CROCE, Benedetto (1915). Citado por SCHAFF, Adam. História e Verdade, p. 110.
130 COLLINGWOOD, R. A Ideia de História. Lisboa: Editorial Presença, 1981, p. 302.
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pensamentos e aos seus sentimentos, tornavam possível o conhecimento do que aconteceu, por meio de uma espécie de amamnesis platônica, ou
antes, através do princípio de Vico, segundo o qual o homem, criador da história, eternamente a conhece, recriando-a no pensamento”.131
Crítica:
Para Adam Schaff, o intuicionismo132 de Croce conduz a sua filosofia do espírito ao exagero, porque elimina tudo o que é exterior ao psiquismo
individual e cria uma filosofia do imanentismo absoluto.133
131 MOREIRA, Raimundo N. P. Benedetto Croce (1866-1952) In: PARADA, Maurício (Org.). Os Historiadores: clássicos da História. Petrópolis: Vozes/Editora PUC-Rio,
2013, vol. 2, p. 153.
132 O conceito de intuicionismo em Henri Bergson (1859-1941) argumenta que a realidade não pode ser apreendida em sua totalidade pelo discurso racional. A
intuição é a capacidade humana de conhecer os dados imediatos da experiência em contraposição ao conhecer reflexivo que analisa, argumenta, apresenta
demonstrações e provas para explicar um fenômeno.
133 SCHAFF, Adam. História e Verdade. São Paulo: Martins Fontes, 1983, p. 109.
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EXISTENCIALISMO E HISTÓRIA
“Nossa responsabilidade é muito maior do que poderíamos supor, porque ela envolve toda a humanidade” (Sartre).134
Uma caracterização preliminar do Existencialismo135 esta fundada nos escritos de Jean-Paul Sartre no livro O Existencialismo é um Humanismo:
“O existencialismo ateu que eu represento é coerente. Ele declara que, se Deus não existe, há pelo menos um ser em quem a existência precede a
essência, um ser que existe antes de poder ser definido por algum conceito, e que este ser é o homem, ou, como diz Heidegger, a realidade humana.
Que significa dizer que a existência precede a essência? Significa que o homem primeiro existe, se encontra, surge no mundo, e que se define depois. O
homem, tal como o existencialista o concebe, se não é definível, é porque de início ele não é nada. Ele só será em seguida, e será como se tiver feito.
Assim, não há natureza humana, pois não há Deus para concebê-la. Tal é o primeiro princípio do existencialismo. (...) nós queremos dizer que o homem
primeiro existe, isto é, que ele é de início aquele que se lança para um porvir, e que é consciente de se lançar no porvir. Mas se verdadeiramente a
existência precede a essência, o homem é responsável por aquilo que ele é. Assim, o primeiro passo do existencialismo é colocar todo homem de posse
daquilo que ele é e fazer cair sobre ele à responsabilidade total por sua existência. E, quando nós dizemos que o homem é responsável por si mesmo,
não queremos dizer que o homem é responsável por sua estrita individualidade, mas que ele é responsável por todos os homens”.136
Para Sartre, a liberdade é absoluta, não aceitando a intervenção de Deus ou o determinismo materialista (se tudo se limitasse a matéria, não
haveria consciência e não haveria liberdade). Como afirmou Henri Marrou “sem dúvida, nós repetimos com Heidegger e todo o existencialismo: se há
história é na e pela historicidade do historiador. O passado só pode ser conhecido se de alguma maneira se encontra em relação a nossa existência”.137
A citação acima remete parcialmente aos enfoques do Existencialismo no campo da história. Como conciliar a liberdade humana com os projetos
revolucionários? Jean-Paul Sartre enfrentou esta questão em vários escritos, especialmente, nos livros Questão de Método138 e Crítica da Razão
Dialética139. Reflexões:
→Sartre busca renovar o marxismo (aquele fundado no mecanicismo) e elaborar uma teoria da liberdade. Ele considera que o materialismo
histórico era a única interpretação válida da história e o existencialismo é a única abordagem concreta da realidade;
→“A originalidade de Sartre foi tentar incorporar a dimensão subjetiva de seu existencialismo à doutrina fechada do materialismo histórico,
condenando a interpretação mecanicista que foi dominante ao longo do último século e que conduzia o marxismo, invariavelmente, a um impasse
134 SARTRE, Jean-Paul. O Existencialismo é um Humanismo. Lisboa: Editorial Presença, 1970, p. 219.
135 Existencialismo: “doutrina que centraliza toda a filosofia no valor do indivíduo concreto. A afirmação de Heidegger de que a existência precede a essência
caracteriza o existencialismo em sua acepção mais típica; ela quer dizer que, em primeiro lugar, está o ato de existir, e que toda possível determinação por uma
essência anterior a esse ato é manipulada pelo existir. O único filósofo que aceitava a palavra existencialismo para a sua doutrina foi Sartre. Na acepção mais ampla
da palavra, contudo, podem ser classificados como existencialistas muitos pensadores: Kierkegaard, Heidegger, Gabriel Marcel, Karl Jaspers, Unamuno, Abbagnano,
Chestov, Albert Camus etc.” BORNHEIM, Gerd. O Existencialismo de Sartre In: Curso de Filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002, p. 242.
136 SARTRE, Jean-Paul. O Existencialismo é um Humanismo. Lisboa: Editorial Presença, 1970, p 24.
137 MARROU, H. I. Do Conhecimento Histórico. São Paulo: Martins Fontes, 1975, p. 219.
138 SARTRE, Jean-Paul. Questão de Método In: Coleção Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1984.
139 SARTRE, Jean-Paul. Crítica da Razão Dialética. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.
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teórico, pois criava um quadro de ação sem agentes e transformava a história humana num mero exemplo de história natural. Sartre buscou
reincorporar o homem real, vivente, no horizonte do marxismo e conciliar liberdade e história, sem maiores traumas para quaisquer dos lados, salvando
assim a Filosofia Marxista de transformar-se numa antropologia inumana”.140 Nas palavras do próprio Sartre: “o marxismo degenerará em uma
antropologia inumana se não reintegrar em si o próprio homem como seu fundamento”;141
→ Sartre lançou as bases, mas não concluiu o empreendimento, de conjugar as condições objetivas (história) com a ação subjetiva (liberdade).
O livro A Náusea142 publicado por Sartre em 1938, permite observar a trajetória de homens reais destituídos de relevância social tendo como
pano de fundo o mundo real: “Não se trata de pensar mais a História com H maiúsculo, como história de datas e heróis, de grandes feitos. A história
não contém certezas e uma ordem rigorosamente lógica, e isso porque é feita por nós, seres humanos comuns, Para-sis que necessariamente buscam
em vão ser o que nunca serão, a completude. Com o passar dos meses, Roquentin começa a identificar suas sensações, o estranhamento que passa a
ter diante de uma folha de papel, uma maçaneta, uma raiz de uma árvore. A contingência é descoberta como uma náusea, como um desvelamento
vertiginoso do qual não pode se livrar porque descobre que ele se identifica com a própria Náusea. (...)Dizer que a história está ausente de A Náusea é
ainda pensar a história com H maiúsculo, é ainda pensar que históricos são somente os grandes acontecimentos feitos por grandes homens, é ainda
conceber a História como encadeamento necessário entre os fatos, é ainda acreditar na História que Sartre começa a destruir nesse romance. E a
história que começa a surgir em seu lugar é a história contingente realizada por “apenas indivíduos”, é a mesma que aparecerá como estrutura
necessária ao Para-si em O Ser e o Nada, e é a mesma que ganhará concretude e peso extremo em Crítica da razão dialética. Se talvez seja uma
140 SANTOS, Vinícius. É possível conjugar liberdade e história?: alguns aspectos da contribuição de Sartre ao marxismo In: Cadernos de Ética e Filosofia Política. São
Paulo: USP, 12, 1/2008, p. 101-114.
141 SARTRE, Jean-Paul. Crítica da Razão Dialética. Rio de Janeiro: DP&A, 2002, p. 109.
142 SARTRE, Jean-Paul. A Náusea. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000.
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“História” que provoque o afogamento de Sartre na história real, se talvez ele precisou de uma guerra mundial para dar importância mais concreta aos
problemas históricos, esse ato revela que tudo é história, até mesmo a vida pacata e tediosa de um historiador em Bouville. Muitos dos personagens de
Sartre tentam sair da história, mas, ao se afogarem nela, aprendem que, mesmo que saiam desse rio, terão para sempre as marcas e cicatrizes dessa
luta contra (e portanto também com) a história”.143
Gerd Bornheim interpreta a experiência da náusea em três níveis: a necessidade de converter a revelação do absurdo em um sentido que
justifique a existência humana: o existencialismo deve ser um Humanismo; revela a consciência que é o “núcleo instantâneo” de minha existência; a
consciência não pode ser sem o outro que não ela mesma, ela só existe por aquilo do qual ela tem consciência. 144 O esforço de Sartre foi de engajar-se a
história presente e combater as teleologias de direita e esquerda, que inviabilizassem o indivíduo de exercer sua liberdade e todo o peso de
responsabilidades inerentes a esta condição. Bornheim145 analisou que entre o livro A Náusea (no qual a História é um absurdo destituído de logicidade)
e o livro Crítica da Razão Dialética, Sartre já se volta a “estabelecer uma história humana com uma verdade e uma inteligibilidade”, tese que seria
escrita no volume 2 da Crítica da Razão Dialética o qual nunca foi publicado: o marxismo escrito na perspectiva humanista do existencialismo sartreano.
Aproximações entre Fenomenologia e a Micro-História: Edmund Husserl é considerado o pai da Fenomenologia, isto é, um
movimento filosófico que procura investigar a totalidade das relações do sujeito. A Fenomenologia se volta à compreensão que
busca captar a intencionalidade e o significado atribuído por um sujeito a um determinado objeto (elucidando as experiências
diretas e os significados para os sujeitos). “A Micro-história, assim como a Fenomenologia, busca entender um determinado
fenômeno indo do particular ao geral, partindo da premissa de que o particular diz do universal. Conhecer um fenômeno é,
então, um exercício de buscar nele o que é essencial e, nesta direção, o vivido ocupa um lugar de destaque. Penetrar, pois, no
vivido de um ser humano, é ter em mente que este sujeito pode perceber a realidade de uma forma diferenciada, atribuindo a
ela um significado que lhe é singular. O modelo interpretativo da micro-histórica se presta, portanto, a revelar eventos-detalhes
significativos que, vistos sob uma ótica convencional, se perderiam num contexto mais global e se tornariam imperceptíveis.
Esmiuçados, reinterpretados e recontados sob uma ótica mais circunscrita e devidamente inseridos no contexto social e cultural
que lhes cabe, estes fatos podem vir a se transformar em novas maneiras de se enxergar e contar a história. Vieira, R. C.
Convergências entre fenomenologia e micro-história. Memorandum. Belo Horizonte: UFMG, 21, 2011, p. 238-248.
143 SOUZA, Thana Mara de. A presença da história no “primeiro” Sartre: Roquentin e a náusea frente à ilusão da aventura heróica In: Princípios. Natal: v.16, n.26,
jul./dez. 2009, p. 87-105.
144 BORNHEIM, Gerd. O Existencialismo de Sartre. In: Curso de Filosofia. 11ª ed., Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, p. 232-243.
145 BORNHEIM, Gerd. Sartre. São Paulo: Perspectiva, 1984, p. 226-227. O autor questiona sobre a transição do pensamento do plano meta-histórico (livro O Ser e o
Nada) ao histórico.
72
MOVIMENTO DOS ANNALES: PRIMEIRA GERAÇÃO
Em 1929, Lucien Febvre e Marc Bloch fundam a revista Anais de História Econômica e Social (Annales d’Histoire Économique et Sociale) como
forma de aglutinar os novos historiadores e combater o positivismo. Bloch era um medievalista e Febvre pesquisou a Idade Moderna. Estava surgindo a
Primeira Geração dos Annales que se desdobraria em novas formas discursivas que modificaram os quadros da historiografia francesa e influenciaram a
historiografia de vários países como é o caso do Brasil. Os fundamentos de crítica dos Annales se voltaram a desvelar a história historizante (factual e
que se limita ao estudo dos acontecimentos e de seus encadeamentos) dos positivistas e historicistas. A História tradicional seria essencialmente uma
história política, diplomática, de tratados e batalhas, nacionalista e de relações políticas internacionais. Esta Nova História (Nouvelle Histoire) buscava
romper com o exclusivismo da história política e almejava ser uma história total, abordando as práticas sociais enquanto uma totalidade: relações
econômicas, redes sociais, campesinato e proletariado, justapostos num todo coerente e reflexivo. As concepções deterministas e monocausais em
voga na herança historiográfica do século XIX, eram repensadas a luz de uma ampliação das fontes e das abordagens.
O contexto de surgimento da Revista dos Analles foi marcado pelo questionamento do excessivo enfoque na história política que vinha sendo
impetrado pela historiografia. Georges Duby, contextualizando a criação dos Annales, nos ajuda a entender as motivações do grupo: “Ela fora a arma de
um combate encarniçado. Contra o que subsistia das tradições positivistas, solidamente apoiadas em instituições poderosas – contra a história-batalha,
contra a história política isolada do resto, contra uma história desencarnada das idéias. Por uma história econômica em primeiro lugar. Cada vez mais
pela história social”.146
Os Annales representam, frente à Historiografia Ocidental, uma das mais influentes formas de pensar a escrita da História. Um esclarecimento
precisa ser feito: a Nouvelle Histoire ou Nova História surge com o Movimento dos Annales que remete a 1929 e sua Primeira Geração. Porém, o termo
Nova História (ou História Nova) é associado à Terceira Geração que se constitui no final da década de 1960. Todo o Movimento dos Annales remete a
Nova História e não somente a sua Terceira Geração!
O conceito chave da Primeira Geração dos Annales é a história-problema. “Reconstituir” o passado como ele “realmente foi” era postura
rechaçada por estes historiadores: a História-problema dos Annales buscava “reconstruir” o passado em cada presente. Reconstruir o vivido através de
problemas e motivações da época do próprio historiador. A História-problema pressupõe explicitar para os leitores os conceitos e fundamentos da
construção historiográfica para desmascarar o mito da neutralidade: explicitar as fontes, os métodos e o lugar social do historiador. A História-problema
fez perdurar “com a mesma intensidade aquela velha crítica dos Annales à História Factual, por meio da oposição de uma História-Problema,
interpretativa, problematizada, apoiada em hipóteses, capaz de recordar o acontecimento por meio de novas tábuas de leitura, e, na verdade, capaz de
problematizar este próprio gesto de recordar um acontecimento”.147
A história factual (positivista ou historicista historizante) é um objeto de confronto. Como destacou Jacques Le Goff “destronar a História
Política, esse foi o objetivo “um” dos Annales, e permanece como uma preocupação de primeira ordem para a História Nova (...) ainda que, uma
história com uma nova concepção de político, deva se instaurar no domínio da História Nova”.148
146 DUBY, Georges. Idade Média, Idade dos Homens. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 187.
147 BARROS, José D’Assunção. Teoria da História: acordes historiográficos – uma nova proposta para a teoria da história. Petrópolis: Vozes, 2011, vol. 4, p. 109.
148 LE GOFF, A História Nova.In: NOVAIS & SILVA. Nova História em Perspectiva. São Paulo: Cosac & Naify, 2011, p. 152.
73
Vejamos alguns pressupostos orientadores da Primeira Geração dos Annales:
→ Lucien Febvre denominou a história narrativa (positivista/historicista) de “história factual”, no sentido de uma história que extrai dos
documentos os fatos (geralmente políticos) e os ordena cronologicamente em uma linha compreensível, frequentemente ancorada em cadeias causais,
outras vezes acumulativa de informações nem sempre necessárias para a explicação do objeto;
→Marc Bloch149 defendia que o historiador não poderia anular sua objetividade pois ele, como sujeito ativo, estava situado no presente. A
objetividade dos documentos, para os positivistas, é rechaçada por Bloch, cabendo ao historiador colocar perguntas e problematizar o documento,
desta forma será construída uma significação. Ao invés de narrar o passado o historiador deve problematizar o presente e dialogar com outras áreas do
conhecimento para uma compreensão global;
→Buscou-se a “interdisciplinaridade”, ou seja, o diálogo entre disciplinas e campos do conhecimento. A interdisciplinaridade no campo da
História interrogou as metodologias e teorias de outras disciplinas para enriquecer a análise dos objetos pesquisados pelo historiador;
→Fundamentou seus estudos no Homem enquanto “ser social” e não apenas as expressões das realizações humanas voltadas às elites e
instituições políticas. Rompeu, desta forma, com a História Política tradicional das realizações dos “grandes homens” condutores dos destinos da
humanidade;
→O diálogo da História com a Geografia, Economia, Sociologia, fez surgir novos campos da investigação histórica: a Geo-História, a História
Econômica e a História Social. Ao longo do Movimento os diálogos se intensificam e surgem a História Antropológica, a História Cultural e a História
Demográfica;
→“Depois da fundação dos Annales..., o historiador quis-se e fez-se economista, antropólogo, demógrafo, psicólogo, lingüista...,há uma história
econômica..., uma maravilhosa história geográfica..., uma demografia histórica...; há mesmo uma história social... Mas se a história onipresente põe em
causa o social no seu todo, é sempre a partir deste movimento de tempo...A História dialética da duração... é o estudo do social, de todo o social; e
portanto do passado e portanto também do presente”;150
→ “O historiador trabalha sobre o passado, mesmo que próximo, isto é, sobre o que está abolido. Não que ele conceba sua prática unicamente
como uma espécie de retorno das cinzas do passado a um presente que seria totalmente desconectado daquele. Bem ao contrário, esse historiador,
qualquer que seja sua especialidade cronológica, bebe em seu presente e, longe de pensar que "é de nenhum tempo e de país nenhum", ele sabe que
está ligado por múltiplas fibras a seu tempo e à comunidade à qual pertence”;151
→”A nova história privilegia a documentação massiva e involuntária em relação aos documentos voluntários e oficiais. Nesse sentido, os
documentos arqueológicos, pictográficos, iconográficos, fotográficos, cinematográficos, numéricos, orais, enfim, de todo o tipo. Todos os meios são
tentados para vencer as lacunas e silêncios das fontes, mesmo, e não sem risco, os considerados como antiobjetivos”. 152
149 O francês Marc Bloch lutou na Primeira Guerra Mundial (foi ferido em 1914) e também na Segunda Guerra Mundial. Com a ocupação da França ele ingressou na
Resistência Francesa e foi preso, torturado pela Gestapo e fuzilado em 16 de julho de 1944.
150 MARTIN, Hervé. In: BOURDÉ, Guy e MARTIN (orgs.). As Escolas Históricas. Lisboa: Editora Europa-América, 2000, p. 131.
151 SIRINELLI, Jean-François. Ideologia, tempo e história. In: CHAUVEAU, Agnes; TETARD, Philip (Org). Questões para o tempo presente. Bauru: Edusc, 1999, p. 78.
152 REIS, José Carlos. Tempo, História e Evasão. Campinas: Papirus, 1994, p. 126.
74
Marc Bloch (1886-1944). “A História é o estudo do
homem no tempo”.
75
MOVIMENTO DOS ANNALES: SEGUNDA GERAÇÃO (BRAUDEL E AS MENTALIDADES)
Braudel: “A História é a soma de todas as histórias possíveis”.153
O nome mais destacado da Segunda Geração dos Annales é Fernand Braudel que foi professor na Universidade de São Paulo entre 1933 e 1936.
Em 1940, servindo ao Exército Francês, foi preso pelos alemães e permaneceu prisioneiro até 1943. O monumental “O Mediterrâneo e o Mundo
Mediterrâneo na Época de Felipe II” (1949) foi escrito, na prisão, a partir de suas lembranças das pesquisas anteriores à guerra. Braudel dirigiu o
Movimento entre 1956 e 1969 (diretor da revista dos Annales e Presidente da VI secção da École Pratique dês Hautes Études da Universidade de Paris)
implementando o modelo estrutural fundado em “permanência e mudança” frente à longa duração temporal. O conceito de “longa duração” está
ligado ao conceito de “série documental”, ou seja, o estabelecimento cronológico de séries massivas de documentos que possibilitam o registro pelo
historiador das permanências e variações graduais. Braudel fez uso do conceito de modo-de-produção de Marx e da perspectiva estruturalista de Lévi-
Strauss. Em relação ao materialismo histórico, isto não significa que Braudel tenha se “convertido marxista. Ao contrário. Melhor seria dizer que Braudel
“braudeliza” os ensinamentos de Marx, os refuncionaliza e readapta, os traduz ao seu próprio modo de ver, para incorporá-los ao seu esquema, então
em vias de construção, sobre sua peculiar e interessante teoria do capitalismo”.154
A maior pressão teórica que Braudel enfrentou foi a da Antropologia Estrutural de Lévi-Strauss que sistematicamente atacava os fundamentos
da ciência histórica. Braudel quer afirmar a História como a centralidade dos saberes e práticas das Ciências Humanas, cujos campos de investigação,
convergiriam para a consciência histórica. Neste sentido, o historiador é o fundamento último do saber das Ciências Humanas. Foi acusado de
“imperialismo historiográfico” ao fazer uma leitura da História enquanto centro convergente do saber que interroga a caminhada humana no espaço-
tempo.
FUNDAMENTOS:
→ Braudel é o ponto de referência neste projeto historiográfico, mas vários intelectuais se projetaram com estudos que se tornaram clássicos da
historiografia das décadas de 1950-1960. Entre eles: Jacques Le Goff, Emmanuel Le Roy Ladurie e Marc Ferro. O interesse pela História Econômica, com
influências de Marx, está presente nos estudos voltados aos ciclos econômicos. A história quantitativa e serial está em alta, assim como a História
Demográfica (interdisciplinaridade entre História e Geografia e constituição da disciplina Geo-História). Desponta também a História Regional que
analisava as curvas demográficas e a história econômica dos preços, entre outras abordagens;155
→ A obra “O Mediterrâneo e o Mundo Mediterrâneo na época de Felipe II” é essencial para expor a concepção de história em Braudel e a
influência que teve nos anos seguintes. Braudel, em carta à sua esposa, explica o plano da obra: na primeira parte do livro “trata de uma história quase
imóvel, a história do homem nas suas relações com o meio que o cerca (...). Por cima desta história imóvel eleva-se uma história de ritmo lento (...) que
nós chamaríamos de boa vontade, se esta expressão não tivesse sido desviada de seu verdadeiro sentido, uma história social, a história dos grupos e
agrupamentos (...) finalmente, a terceira parte, a da história tradicional ou, se quisermos, a da história talhada, não à medida do homem, mas à medida
153 BRAUDEL, Fernand. Escritos sobre a História. São Paulo: Perspectiva, 1978, p. 53.
154 ROJAS, C. A. Os Annales e a Historiografia Francesa – tradições crítica de Marc Bloch a Michel Foucault. Maringá: UEM, 2000, p. 68.
155 BURKE, Peter. A Escola dos Annales (1929-1989): a Revolução Francesa da historiografia. São Paulo: UNESP, 1997.
76
do indivíduo, a história dos acontecimentos. Chegamos, assim, a uma decomposição da história por pisos. Ou, se desejarmos, à distinção, dentro do
tempo da história, de um tempo geográfico, de um tempo social e de um tempo individual”;156
→ A noção de temporalidade é fundamental no estudo de Braudel. Para ele, o tempo curto é “aquele cuja medida é a dos indivíduos, a da vida
cotidiana, a de nossas ilusões, nossas rápidas tomadas de consciência – o tempo do cronista por excelência, o tempo do jornalista. Ora, observemos que
tanto crônica como jornal fornecem, ao lado dos grandes acontecimentos qualificados como históricos, os medíocres acidentes da vida ordinária: um
incêndio, uma catástrofe ferroviária, o preço do trigo, um crime, uma representação teatral, uma inundação. Cada um de nós compreenderá que existe,
assim, um tempo curto para todas as formas de vida: econômica, social, literária, institucional, religiosa, e até mesmo geográfica (fortes ventos, uma
tempestade), tanto quanto a política”;157
→A concepção linear de temporalidade já era uma crítica da Primeira Geração, porém, Braudel elabora uma compreensão de tempos múltiplos.
“O conceito de duração – e as concomitantes sensações de variação na velocidade do tempo, independentemente da passagem do tempo cronológico
(o tempo do relógio e do calendário) – remete de certo modo ao que classificaremos mais adiante como um “tempo interno” (um tempo que é sentido
ou percebido subjetivamente pelo ser humano, e não meramente um tempo cronométrico). A sensação de variações na “velocidade do tempo” dá-se,
de fato, em função do ritmo menos ou mais acelerado nas mudanças que se tornam perceptíveis ou sentidas pelos homens, na sua percepção dos
estados diferentes que se sucedem uns aos outros, ou mesmo em relação à quantidade perceptível de acontecimentos que introduzem alguma
novidade ou significação diferente a uma experiência humana, seja ela individual ou coletiva. A noção de “duração”, desta maneira, faz-se acompanhar
pela sensação de “mudança” (ou, pelo seu oposto, a sensação de “permanência”). Desta forma, uma “longa duração” corresponderia àquilo que muda
muito lentamente (ou cuja mutação pode ser percebida como muito lenta), e uma curta duração corresponderia ao ritmo rápido dos estados de ser que
se transformam mais ou menos rapidamente, mas também à sucessão de acontecimentos que se sucedem um ao outro impondo àqueles que os
percebem a sensação de mudança incessante e continuada”;158
→Braudel e as temporalidades: “A Evidente multiplicidade de explicações da história com seu distanciamento entre dois pontos de vista
diferentes e suas próprias contradições harmoniza-se realmente numa dialética característica da história, baseada na diversidade dos tempos históricos
– o tempo rápido dos acontecimentos, o tempo mais alongado dos episódios e o tempo demorado e preguiçoso das civilizações”.159 Para o historiador,
“aceitar a longa duração é propor-se a uma mudança de estilo, de atitude, a uma reviravolta do pensamento, a uma nova concepção do social. É
familiarizar-se com um tempo em câmera lenta, às vezes quase nas raias da imobilidade”;160
→ Um conceito polêmico é o de “História Total”. No livro “Civilização Material e Capitalismo” (1967), Braudel desenvolve esta perspectiva: “este
primeiro volume oferece um ensaio para ver todos estes espetáculos no conjunto. É isso o que dá um sentido ao meu trabalho: ver tudo ou, pelo
156 BRAUDEL, Fernand. Citado em FONTANA, J. História dos Homens. Bauru: EDUSC, 2000, p. 276.
157 BRAUDEL, Fernand. História e Ciências Sociais: a Longa Duração. In: NOVAIS e SILVA (orgs.). Nova História em Perspectiva. São Paulo: Cosac & Naify, 2011, p.
91. Texto original de 1958.
158 BARROS, José D’Assunção. A historiografia e os conceitos relacionados ao tempo. Dimensões. Vitória: UFES – Programa de Pós-Graduação em História, vol. 32,
2014, p. 248.
159 BRAUDEL, Fernand (1963) citado por Thierry Paquot In: LACOSTE, Yves e AYMARD, Maurice (coords.). Ler Braudel. Campinas/SP: Papirus, 1989, p. 7
160 BRAUDEL, Fernand. História e Ciências Sociais: a Longa Duração. In: NOVAIS e SILVA (orgs.). Nova História em Perspectiva. São Paulo: Cosac & Naify, 2011, p.
98.
77
menos, situar tudo, e na escala necessária do mundo”.161 A “História Total” pode ser compreendida como a “História do Todo” onde os ritmos da curta,
da média e da longa duração estão articulados numa totalidade. Outra compreensão é da “História Total” como a articulação de dimensões do social
como a Cultura, a Economia, a Política, Mentalidades162 etc, que interligadas, permitiriam a compreensão da totalidade do processo histórico. A
Terceira Geração dos Annales questionará o conceito de “História Total”, mas, buscará fazer a “História de Tudo” onde os mais diferenciados períodos,
objetos e campos serão visitados pelos historiadores. Uma “História de Tudo” alienada da “História do Todo”, demonstrou ser uma fragilidade nas
novas abordagens pós-1969;
→ Aproximações entre o marxismo e o movimento dos Annales são perceptíveis no reconhecimento da necessidade de uma síntese global
voltada a uma totalidade estruturada da sociedade humana e a vinculação da pesquisa histórica com problemáticas do presente. Estas aproximações
são questionadas a partir de 1969, quando é definida uma nova orientação historiográfica.
►História Serial: Um dos campos de grande desdobramento dos Annales foi a História Serial que remete a Ernest Labrouse, um historiador-
economista, que desenvolveu o conceito de série: analisar os documentos ou as fontes históricas não mais em sua perspectiva singular, como
documento único, a ser analisado nos seus próprios limites, mas sim como partes constituintes de uma grande cadeia de fontes do mesmo tipo. Se
estabelece uma continuidade temporalizada ou espacializada.163
Conforme Barros, a História Serial “é o uso de determinado tipo de fontes (homogêneas, do mesmo tipo, referentes a um período coerente com
o problema a ser examinado), que permite uma forma específica de tratamento historiográfico (a serialização de dados, a identificação de elementos ou
ocorrências comuns que permitam a identificação de um padrão e, em contrapartida, uma atenção às diferenças, às vezes graduais, para se medir
variações). (...) A História Serial foi de fato um campo que se abriu como nova oportunidade de saber a partir de uma estreita parceria com a História
Econômica, e que daí se estendeu à História Demográfica e à História Social no sentido restrito, expandindo-se depois (nos terceiros Annales) para os
estudos relacionados à História das Mentalidades”. (...) A História Quantitativa recorre a “noção de número, quantidade, valores a serem medidos. As
técnicas utilizadas pela abordagem quantitativa serão estatísticas, ou baseadas na síntese de dados através de gráficos diversos e curvas de variação.
(...) A quantificação pressupõe a serialização, senão de fontes, ao menos de dados. O inverso é que não ocorre necessariamente, uma vez que é
trabalhar com séries de fontes sem estar necessariamente interessado no número. Foi assim que alguns historiadores ligados a História das
Mentalidades, como Vovelle, posteriormente utilizariam séries de fontes nos quais se buscava perceber as recorrências e variações, mas não aspectos
quantitativos”.164
Crítica a História serial: Conforme Michel de Foucault “querer fazer da análise histórica o discurso do contínuo, e fazer da consciência humana o
sujeito originário de todo o saber e de toda a prática são as duas faces de um mesmo sistema de pensamento. O tempo é nele concebido em termos de
161 BRAUDEL, Fernand. Civilização Material e Capitalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2009, p. 434.
162 Mentalidades: o concebido e sentido, o campo da inteligência e do afetivo, tudo o que um indivíduo tem em comum com os homens de seu tempo, fazendo,
automaticamente, parte de seu cotidiano In: CHARTIER, Roger. A História Cultural entre práticas e representações. Lisboa: DIFEL, s.d., p. 41.
163 BARROS, José D’Assunção. A História Serial e História Quantitativa no Movimento dos Annales. In: História Revista. Goiânia: Universidade Federal de Goiás, v.
78
totalização, e nele a revolução é sempre apenas uma tomada de consciência (...). A História talvez não seja, para a soberania da consciência, um lugar
mais abrigado, menos perigoso do que os mitos, a linguagem ou a sexualidade”.165
165 FOUCAULT, Michel. História e Descontinuidade. In: SILVA, M. B. N. (Org.). Teoria da História. São Paulo: Cultrix, 1979, p. 59-60.
79
MOVIMENTO DOS ANALLES: TERCEIRA GERAÇÃO
A Primeira Geração dos Annales privilegiou a história econômica e social, combatendo a história tradicional das elites e os acontecimentos de
curta duração. A história descontínua dos indivíduos cede espaço para a história econômica coletiva e social. A Segunda Geração inicia no pós-IIª Guerra
Mundial sob coordenação de Fernand Braudel e suas concepções estão ligadas a uma história quase imóvel e de longa duração. A interdisciplinaridade
e os estudos que evidenciavam a importância da Geografia foram sistemáticos. O enfoque estruturalista tornou-se essencial. A história econômica
inseriu os estudos das mentalidades em sua zona de influência. Uma grande modificação nos problemas, objetos e métodos, caracterizou a Terceira
Geração dos Annales que também passou a ser chamado de “Nova História” (o que pode, como já foi ressaltado, gerar confusão, pois, a “Nova História”
tem início na Primeira Geração...).
A eclosão desta Terceira Geração pode ser recuada a 1968 e uma nova prática historiográfica se constitui ao longo da década de 1970 com a
incorporação de novos objetos aos estudos históricos. Jacques Le Goff, um dos eixos centrais destes estudos, propõe a reflexão do próprio lugar do
historiador nos debates (os pontos de vista fundados no progresso da humanidade, na luta de classes ou na presença de Deus) são remetidos a
subjetividade do historiador e a sua dimensão inconsciente e simbólica. Conforme Le Goff: “o que obriga a história a se redefinir é, de imediato, a
tomada de consciência pelos historiadores, do relativismo de sua ciência. A história não é o absoluto dos historiadores do passado, providencialistas ou
positivistas, mas o produto de uma situação, de uma história. Esse caráter singular de uma ciência que possui apenas um único termo para seu objeto e
para si própria, que oscila entre a história vivida e a história construída, sofrida e fabricada, obriga os historiadores, já conscientes dessa relação
original, a se interrogarem novamente sobre os fundamentos epistemológicos de sua disciplina”.166
Caracterização:
→Toda a atividade humana passa a ser objeto de interesse que anteriormente não despertavam a atenção: “a infância, a morte, a loucura, o
clima, os odores, a sujeira, os gestos, o corpo. (...) O que era previamente considerado imutável é agora encarado como uma “construção cultural”
sujeita a variações, tanto no tempo quanto no espaço”.167 A questão da objetividade e da subjetividade do historiador é reposta questionando inclusive
o estruturalismo braudeliano: “Uma nova concepção do documento, acompanhada por uma nova crítica deste. O documento não é inocente, não
decorre apenas da escolha do historiador, parcialmente determinado ele próprio por sua época e seu meio; o documento é produzido consciente ou
inconscientemente pelas sociedades do passado tanto para impor uma imagem desse passado como para dizer a “verdade”. A crítica tradicional dos
documentos forjados (e Marc Bloch quase não a superou em Apologia da História) é muito insuficiente. É preciso desestruturar o documento para
entrever suas condições de produção. Quem detinha, em dada sociedade do passado, a produção de testemunhos que, voluntária ou
involuntariamente, tornaram-se documentos da história? É a partir da noção de documento/monumento, proposta por Michel Foucault em A
Arqueologia do Saber, que a questão precisa ser considerada. Ao mesmo tempo, é preciso localizar, explicar as lacunas, os silêncios da história, e
fundamentá-la tanto nesses seus vazios como na densidade daquilo que sobreviveu”;168
→Jacques Le Goff, George Duby, Philippe Ariès e Pierre Nora são autores que voltaram-se a novos escritos sobre a história e fazendo emergir
que a história econômico-social estava incompleta sem os estudos culturais. O que caracteriza a nova prática historiográfica a partir da década de 1970
166 LE GOFF, Jacques & NORA, Pierre. História: novos problemas. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1979, p. 12.
167 BURKE, Peter. A Escrita da História, 1992, p. 11.
168 LE GOFF, Jacques (Org.). A História Nova. São Paulo: Martins Fontes, 1990, p. 162.
80
é a anexação de novos objetos que põem em questão o lugar do historiador que não debate mais de um ponto de vista absoluto voltado a Deus, o
progresso da humanidade ou a luta de classes, mas a partir da subjetividade, do inconsciente e do simbólico;
→Dentre as questões atuais da Nova História estão à relação entre a História e a Literatura. Esta relação já havia sido discutida pelos
historiadores no século XIX, quando a história adquire o status de ciência e passa a se diferenciar qualitativamente da Literatura pela utilização de um
método racional e científico que buscava a objetividade e a verdade histórica, enquanto a Literatura caracterizava-se como uma narrativa ficcional. A
aproximação com as estratégias narrativas literárias se amplia nos escritos e na busca de temas para pesquisa. Os temas trabalhados repercutem com
sucesso no grande público sendo recolocada a questão da história-arte e as preocupações com forma e estilo na escrita;
→A esfera cultural se amplia, assim como os estudos de história oral e contatos interdisciplinares. A história das mentalidades,169 a história
política renovada, morte, clima, sexualidade, infância e os grupos não privilegiados são objetos investigados. A história do cotidiano almeja revelar os
homens e suas trajetórias de vida até então silenciosas perante a história oficial. Os estudos de mentalidades são aprofundados nesta Terceira Geração
e avançam na superação do modelo tradicional do encadeamento linear dos acontecimentos históricos e a utilização das temporalidades braudelianas:
a curta duração dos acontecimentos, a média duração das conjunturas e a longa duração das estruturas. Porém, a diversidade de abordagens faz o
pêndulo balançar entre estudos voltados a desvelamentos específicos e de pouca preocupação com o cenário mais amplo e estudos que utilizam o
específico para compreender o processo sócio-econômico;
→Peter Burke historiou a “Escola dos Annales” e ressaltou a abertura de ideias e a inclusão de novas temáticas. A insistência nos estudos
econômicos dominante na “Era de Braudel” cedem espaço aos enfoques fundados na dimensão cultural e na fragmentação temática. François Dosse
radicaliza a crítica e sugere que a fragmentação temática e a fuga de uma totalidade explicativa é uma “infidelidade” as propostas dos fundadores dos
Annales e a recusa da racionalidade da história.170 Esta fragmentação demonstra que a “história multiplicou suas curiosidades, tudo tornou-se histórico
e nada se ligava a nada. Resultado: a fragmentação e a especialização extrema na delimitação e elaboração do objeto de análise. A história pretendeu
ocupar um lugar central entre as ciências sociais, acreditando poder dar uma visão unificadora, total, da sociedade. Mas... Pós-Braudel, os Annales não
acreditam mais na construção de uma harmoniosa sinfonia dos ritmos históricos múltiplos que constituiria uma história global-todo. Os tempos
históricos aparecem independentes, desarticulados, desafinados uns em relação aos outros”. 171 Para Reis, a Nova História não explica mais a realidade
global, somente tematiza-descreve-analisa partes dela, utilizando a tecnologia mais sofisticada e o texto conceitual-narrativo mais rigoroso”;172
Mesmo que não haja consenso, alguns historiadores afirmam que em 1989, surge a Quarta Geração dos Annales com ênfase radical na História Cultural!
169 Estudo de opiniões, sentimentos, atitudes, que podem ser diversas entre os grupos, podendo a diferenciação dos problemas entabulados, ser segundo a sua
dominante econômica, nacional, religiosa. In: A História Social: problemas, fontes e métodos. Colóquio da escola Normal Superior de Saint-Cloud. Lisboa: Cosmos,
1967, p. 22.
170 DOSSE, François. A História em Migalhas: dos Annales à Nova História. Campinas: Editora da Unicamp, 1992.
171 REIS, José Carlos. História e Teoria: historicismo, modernidade, temporalidade e verdade. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006, p. 89.
172 REIS, História e Teoria, p. 91.
81
→José Carlos Reis173 faz um balanço da Terceira Geração que nos permite uma ampla visualização da “História Nova”. Para ele ocorreu: 1)uma
passagem da síntese à especialização: resultando numa perda para os que consideram a história como guia da ação, como apoio da mudança, como
formuladora do sentido e do fim, mas, houve ganho para os que consideram impossível compatibilizar olhar global com estudo cientificamente
conduzido; 2)passagem do todo (holismo) ao tudo (micro): houve perda para quem mantém posições metafísicas, especulativas, para os que acreditam
numa observação macro da história e de uma ação global. Houve um ganho para os que consideram o olhar global totalitário e ameaçador das
liberdades individuais; 3)passagem do homogêneo (mudança) ao heterogêneo (conservação): houve perda para os que crêem que as diversas esferas
histórico-sociais são conectadas e homogêneas e podem ser alteradas simultaneamente. Houve ganho para os que preferem mudar lentamente, para
os que preferem mudar lentamente e livre de pressões do macro; 4) passagem da explicação/conceito à descrição/constatação/relativismo: houve
perda para os que crêem que a história-ciência seria aquela capaz de produzir explicações causais e se referir a um mundo social global. Houve ganho
para os que desconfiam de uma ciência globalizante, assumindo um relativismo moderado, o que só é possível na fragmentação e na especialização; 5)
passagem da estrutura ao indivíduo, do social objetivo ao individual subjetivo: houve perda para os que querem integrar o individual-evento ao
estrutural, explicando-o. Houve ganho para os que se cansaram das abstrações estruturais, desencarnadas e irreais, para os que valorizam o subjetivo e
o tendencioso, por serem manifestações do indivíduo, e não tem mais a pretensão do claro e do distinto universal; 6) passagem do material ao
imaginário, ao simbólico: houve perda para os que vêm o real nos interesses materiais de classes e grupos, em suas relações concretas com a natureza
e entre si. Houve ganho para os que valorizam o mundo psicológico, íntimo, dos indivíduos e coletividades, que valorizam crenças e superstições, medos
e fantasias, sonhos e pesadelos...; 7)passagem do racional ao irracional: houve perda irreparável na comunicação entre os indivíduos e sociedades. Não
há mais comunicação, pois não há mais sentido, finalidade, centro, consciência que ofereça estabilidade à linguagem. Ninguém mais sabe do que o
outro está falando, pois mergulhado em universos simbólicos particulares e íntimos. Perdeu-se a intersubjetividade, o controle do sentido das palavras
e mensagens. Houve ganho para os que acreditam que a intersubjetividade sempre foi equívoca e admitem que a linguagem é um jogo, que o sentido é
construído segundo estratégias de forças e os impulsos do presente; 8)passagem da revolução ao imobilismo: houve perda para os militantes e
revolucionários, que precisam de uma visão global para orientar a sua ação. A falta desta leva as sociedades à inércia, a falta de iniciativa histórica;
houve ganho para os que não sonham mais com utopias racionais, com sociedades perfeitas, pois todas as tentativas só revelaram uma vontade de
potência totalitária. Não seria “imobilismo”, mas perda da ingenuidade em relação à mudança conduzida por forças não-confiáveis, pois há distância
entre a intenção, o discurso e a ação; 9)passagem da memória à desmemoria: houve perda para aqueles que viam a história como memória dos grupos
sociais dominantes, como consciência de si de sujeitos históricos que querem se manter idênticos, estáveis e exemplares, através de monumentos que
expressem e comuniquem à posteridade a sua existência grandiosa e inesquecível. A história garantia a continuidade desses poderes e lhes servia de
seguro contra a mudança e a dispersão. Houve ganho para os que vêem nessa memória e continuidade a expressão e a realização de uma vontade de
potência que, dominando no presente, quer controlar o passado e o futuro; 10) passagem da história-ciência social à história-literatura: houve perda
porque, ao perder a dimensão global, a história não atinge mais um conhecimento objetivo, imparcial e científico. Nem a interdisciplinaridade é mais
possível, pois a troca de serviços se tornou inviável pela fragmentação dos discursos. Não havendo mais controle da linguagem, não há mais controle da
prova, não há mais produção de sentido. Houve ganho porque o conhecimento histórico pode se tornar mais flexível, mais qualitativo, mais poético,
mais pessoal, mais imaginativo, mais livre. Libertou-se do rigor da ciência, que na verdade era falso rigor. O conhecimento histórico sempre foi puro
173REIS, José Carlos. História e Teoria: historicismo, modernidade, temporalidade e verdade. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006, p. 92-94.
82
vigor, vontade, querer, subjetividade, congelados em esquemas científicos estéreis; 11)passagem de uma identidade epistemológica da história à não
identidade: houve uma perda porque a história como ciência social era reconhecível, identificável, era um conhecimento interdisciplinar e global dos
homens no tempo. Houve ganho porque a história se livrou de uma falsa identidade e assumiu como pura temporalidade, historicidade, subjetividade,
relatividade.
Críticas do marxismo:
→Para Ciro Flamarion Cardoso, o abandono das totalidades sociais significativas e dos processos sociais integrados, assume uma radicalização na
década de 1970 com a institucionalização da Nova História. A recusa de sistemas teóricos em favor de um cientificismo tecnicista induz a indigência
teórica. A recusa da teoria não significa ausência real de um nível teórico, o que pode ser constatado nos estudos ligados as mentalidades (verdadeiras
infra-estruturas determinantes do social) e da aproximação com a Antropologia, cujo sentido é justificar e dar apoio a uma preferência declarada por
temáticas como o inconsciente coletivo, a festa, o ritual, a sensibilidade e a sociabilidade vividas, o quotidiano etc, em detrimento de outras: classes
sociais, revoluções e economia. As descontinuidades sociais reais, são desprezadas, tendendo-se a uma espécie de história imóvel que se apresenta em
ciclos muito longos, uma longuíssima duração que conduz à noção de uma ausência de mudanças, ou então de uma lentíssima evolução sem cortes
qualitativos precisos. Ocorre ainda na Nova História uma valorização do periférico em relação ao central, voltando-se a objetos e personagens como os
loucos, os marginais, as bruxas, as prostitutas etc; a valorização, não da realidade social, das condições reais da existência, e sim do seu avesso - sonhos,
imaginário, ideologias, numa leitura que analisa o discurso verbal ou não-verbal -como as iconografias- partindo do princípio de um divórcio da
evolução ideológica em relação à econômica-social;174
→Temáticas e crise ética: “Parece-me que um dos mais poderosos fatores que estão por trás do interesse atual por temáticas ligadas ao
cotidiano, ao sexo, à família, às diferentes formas de infração às normas (variadas manifestações de “marginalidade”) é a falência dos sistemas éticos
tradicionais, que se consumou mais claramente e de maneira mais inelutável nesta segunda metade do século XX. (...) Os dois pilares ideológicos em
que, no mundo ocidental, assentavam-se os dois principais sistemas de valores éticos que definiam as formas adequadas, ou assim consideradas, do
comportamento dos indivíduos para consigo mesmo, entre eles, e em relação à sociedade e à política – a ética cristã, por um lado, e a ética
revolucionária (marxista), por outro-, sofreram uma perda de credibilidade profunda; sem que, entretanto, fossem realmente substituídos por outros
sistemas de referência”. 175
Acompanhando críticas a noção de continuidade histórica, metarrelato histórico e estruturalismo, a Terceira Geração dos Annales apresenta
multifacetadas interpretações do processo histórico, numa dimensão de diversificação dos atores, temas e abordagens. Entre a tradição
historiográfica e a inovação/ruptura, a polêmica é inesgotável frente às novas contribuições.
83
AMPLIANDO A CONSTELAÇÃO CONCEITUAL
1)IMAGINÁRIO E MENTALIDADE (DISTINÇÕES E APROXIMAÇÕES): “O imaginário é um sistema ou universo complexo e interativo que abrange a
produção e circulação de imagens visuais, mentais e verbais, incorporando sistemas simbólicos diversificados e atuando na construção de
representações diversas. (...) é possível se falar em simbólico apenas quando um objeto, imagem ou representação são remetidos a uma dada
realidade, ideia ou sistema de valores que se quer tornar presente (a espada como símbolo da justiça). (...) A História do Imaginário não se ocupa
propriamente dessas longas durações nos modos de pensar e de sentir, mas sim da articulação das imagens visuais, verbais e mentais com a própria
vida que flui em uma determinada sociedade.” (...) A História do Imaginário volta-se para objetos mais definidos: um certo padrão de representações,
um repertório de símbolos e imagens com a sua correspondente interação na vida social e política, o papel político ou social de certas cerimônias ou
rituais, a recorrência de determinadas temáticas na literatura, a incorporação de hierarquias e interditos sociais nos modos de vestir, a teatralização do
poder”;176
→Johannes Huizinga (1872-1945) autor de “O Outono da Idade Média”, é um dos precursores da História das Mentalidades 177. Suas pesquisas
sobre o período medieval buscaram as atitudes mentais e os sentimentos coletivos partilhados sobre a morte, à honra etc. A História das Mentalidades
está “muito associada à ideia de que existe em qualquer sociedade algo como uma mentalidade coletiva, que para alguns seria uma espécie de
estrutura mental que só se transforma muito lentamente, às vezes dando origem a permanências que se incorporam aos hábitos mentais de todos os
que participam da formação social (...) A História das Mentalidades busca captar modos coletivos de sentir (a história de um sentimento como o
“medo”), padrões de comportamento e atitudes recorrentes (os complexos mentais e emocionais que estão por trás das crenças e práticas da feitiçaria,
as atitudes do homem diante da morte)”;178
→O livro “História do Medo no Ocidente” de Jean Delumeau abordou o complexo de medos presentes na mentalidade coletiva do homem
ocidental entre a Idade Média e a Idade Moderna. Estas permanências de longa duração nos modos de sentir convergem para a História das
Mentalidades. Um exemplo de História do Imaginário está em Claude Kappler no livro “Monstros, Demônios e Encantamentos no fim da Idade Média”,
quando faz uso das imagens e em seus usos, procurando chegar ao contexto social através da organização tipológica das imagens, símbolos,
cosmovisões. Kappler está “fascinado pelos modos de imaginar, de representar, de viver entre imagens visuais e verbais construídas pelos homens
medievais”;179
→É possível articular História do Imaginário com História das Mentalidades?180 O historiador Michel Vovelle181 procurou “perceber tanto os
padrões de sensibilidade do homem diante da morte como as formas simbólicas que os acompanham”. Vovelle parte de mentalidade como conceito de
longa duração e constata uma mudança radical na sensibilidade coletiva diante da morte associado a um processo de descristianização. Para ele a
176 BARROS, José D’Assunção. Teoria da História: a Escola dos Annales e a Nova História. Petrópolis: Vozes, 2012, vol. V, p. 343-346.
177 O conceito de mentalidade expressa apenas aquilo que condiciona, que determina comportamentos, as formas de compreensão do mundo, os sistemas de atitudes
principalmente coletivos.
178 BARROS, Teoria da História: a Escola dos Annales, 2012, p. 345-346.
179 BARROS, Teoria da História: a Escola dos Annales, 2012, p. 349-350.
180 BARROS, Teoria da História: a Escola dos Annales, 2012, p. 352-354.
181 VOVELLE, Michel. Ideologias e Mentalidades. São Paulo: Brasiliense, 1987; Pieté Baroque et Déchristianisation. Paris: Seuil, 1978.
84
sensibilidade religiosa e mortuária do homem ocidental é uma estrutura de longa duração que se desgasta aceleradamente a partir do século XVIII.
Vovelle se lança à História do Imaginário ao enfocar as imagens, símbolos, representações que possibilitam desvelar as representações coletivas:
constatou um novo imaginário e nova mentalidade de sensibilidade diante da morte;
→ Para Hilário Franco Júnior mentalidades e imaginário se complementam: “Enfim, acreditamos que imaginário não recobre as noções de
mentalidade e representação, complementa-as, articula-se estreitamente com elas. Se mentalidade é o complexo de emoções e pensamento analógico
(estruturas arcaicas sempre presentes no cérebro), imaginário é a decodificação e representação cultural (portanto historicamente variável) daquele
complexo”.182
→“A história das mentalidades não pode ser feita sem estar estreitamente ligada à história dos sistemas culturais, sistemas de crenças, de valores,
de equipamento intelectual no seio dos quais as mentalidades são elaboradas, viveram e evoluíram”. 183 ←
A VIDA COTIDIANA: A Escola de Budapeste foi constituída por discípulos de Georg Lukács, entre eles, a filósofa húngara Agnes Heller que investigou as
relações entre ética e a vida social. Um dos seus escritos, de 1966, se tornou uma referência para o entendimento da “vida cotidiana”. Para Heller, a
vida cotidiana “é a vida de todo homem. Todos a vivem, sem nenhuma exceção, qualquer que seja seu posto na divisão do trabalho intelectual e físico.
(...) A vida cotidiana é a vida do homem inteiro; ou seja, o homem participa na vida cotidiana com todos os aspectos de sua individualidade, de sua
personalidade. Nela, colocam-se “em funcionamento” todos os seus sentidos, todas as suas capacidades intelectuais, suas habilidades manipulativas,
seus sentimentos, paixões, idéias, ideologias. O fato de que todas as suas capacidades se coloquem em funcionamento determina também,
naturalmente, que nenhuma delas possa realizar-se, nem de longe, em toda sua intensidade. (...) São partes orgânicas da vida cotidiana: a organização
do trabalho e da vida privada, os lazeres e o descanso, a atividade social sistematizada, o intercâmbio e a purificação. (...) A vida cotidiana não está
“fora” da história, mas no “centro” do acontecer histórico: e a verdadeira “essência” da substância social”.184
COTIDIANO E VIDA PRIVADA: Neste arcabouço conceitual que busca analisar do tempo imóvel das sociedades até a intimidade individual, a referência
ao “cotidiano” e a “vida privada” é fundamental: “Cotidiano é conceito que diz respeito ao tempo, sobretudo ao tempo longo, seja no plano da vida
material seja no plano das mentalidades ou da cultura, embora possa ser operacionalizado na dimensão restrita de uma cidade, uma região, um
segmento social, um grupo socioprofissional. Mas é conceito mais passível de ligar-se às estruturas e ao social global, como indica aliás parte da
historiografia que o adota. Vida privada é conceito mais explicitamente ligado à domesticidade, à familiaridade ou a espaços restritos que podem
emular a privacidade análoga à que se atribuiu à família a partir do século XIX. Não vejo, porém, razão para pensá-los como necessariamente
excludentes...”.185
182 In: FRANCO JÚNIOR, Hilário. O fogo de Prometeu e o escudo de Perseu. Reflexões sobre mentalidade e imaginário. Signum – Revista da ABREM. São Paulo:
ABREM, nº 5, 2003, p.95.
183 LE GOFF, Jacques. As mentalidades. In: LE GOFF, J. & NORA, P. História: novos objetos. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1988, p. 78.
184 HELLER, Agnes. O Cotidiano e a História. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2016, p35-38.
185 VAINFAS, Ronaldo. História da vida privada: dilemas, paradigmas, escalas. Anais do Museu Paulista. São Paulo: v.4, jan./dez. 1996, p. 14.
85
“Se há história, se há acontecimento, se ocorre alguma Michel de Foucault (1926-1984).
Georges Duby (1919-1996).
coisa cuja memória se pode e se precisa guardar, é
precisamente na medida em que atuam entre os homens
relações de poder, relações de força e certo jogo de
poder” (FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Rio de
Janeiro: Graal, 2005, p. 202).
“À soleira do privado, o historiador – qual um burguês vitoriano – hesitou durante muito tempo, por pudor, incompetência e respeito pelo sistema
de valores que fazia do homem público o herói e o ator da única história que merece ser contada: a grande história dos Estados, das economias e
das sociedades. Para que ele finalmente entrasse, foi preciso que, por uma inversão da ordem das coisas, o privado deixasse de ser uma zona
maldita, proibida e obscura: o local de nossas delícias e servidões, de nossos conflitos e sonhos; o centro, talvez provisório, de nossa vida, enfim
reconhecido, visitado e legitimado. O privado: uma experiência de nosso tempo”. PERROT, Michelle. História da Vida Privada: da Revolução
Francesa à Primeira Guerra. São Paulo: Companhia das Letras, 2009, p. 7.
86
NOVA HISTÓRIA CULTURAL
Para adentrar na Nova História Cultural186 podemos pressupor que: a vida cotidiana está inserida no mundo da cultura! A linguagem e as práticas
discursivas são culturais e a comunicação social produz cultura!
José D’Assunção Barros187 enfatiza que “toda a vida cotidiana está inquestionavelmente mergulhada no mundo da cultura. Ao existir, qualquer
indivíduo já está automaticamente produzindo cultura, sem que para isto seja preciso ser um artista, um intelectual, ou um artesão. A própria
linguagem, e as práticas discursivas que constituem a substância da vida social, embasam esta noção mais ampla de Cultura”. Uma nova História
Cultural interessar-se-á pelos sujeitos produtores e receptores de cultura – o que abarca tanto a função social dos “intelectuais” de todos os tipos (no
sentido amplo, conforme veremos adiante), até o público receptor, o leitor comum, ou as massas capturadas modernamente pela chamada “indústria
cultural” (esta que, aliás, também pode ser relacionada como uma agência produtora e difusora de cultura). Desta forma, uma prática cultural não é
constituída apenas no momento da produção de um texto ou de qualquer outro objeto cultural, ela também se constitui no momento da recepção.
Práticas culturais, realizadas por seres humanos em relação uns com os outros e na sua relação com o mundo, o que em última instância inclui tanto as
“práticas discursivas” como as “práticas não-discursivas”, conceitos ligados a grupo de historiadores franceses que tem dois de seus principais
representantes em Roger Chartier e em Michel de Certeau. Estes autores, também atuam em consonância com o sociólogo Pierre Bourdieu, referência
no campo das Ciências Sociais que é de grande importância para a conexão entre História Cultural e História Política.
A vida cotidiana está mergulhada na cultura! Desde que existimos passamos a produzir Cultura. Cultura material e imaterial, linguagem e
práticas discursivas, tudo são expressões culturais! Barros nos possibilita uma visualização da abrangência da Cultura: “Apenas para exemplificar com
uma situação significativa, tomemos um “livro”, este objeto cultural reconhecido por todos os que até hoje se debruçaram sobre os problemas
culturais. Ao escrever um livro, o seu autor está incorporando o papel de um produtor cultural. Isto todos reconhecem. O que foi acrescentado pelas
mais recentes teorias da comunicação é que, ao ler este livro, um leitor comum também está produzindo cultura. A leitura, enfim, é prática criadora –
tão importante quanto o gesto da escritura do livro. Pode-se dizer, ainda, que cada leitor recria o texto original de uma nova maneira – isto de acordo
com os seus âmbitos de “competência textual” e com as suas especificidades (inclusive a sua capacidade de comparar o texto com outros que leu, e que
podem não ter sido previstos ou sequer conhecidos pelo autor do texto original que está se prestando à leitura). Desta forma, uma prática cultural não
é constituída apenas no momento da produção de um texto ou de qualquer outro objeto cultural, ela também se constitui no momento da recepção.
Este exemplo, aqui o evocamos com o fito de destacar a complexidade que envolve qualquer prática cultural (e elas são de número indefinido)”.188
→“As percepções do social não são de forma alguma discursos neutros: produzem estratégias e práticas (sociais, escolares, políticas) que
tendem a impor uma autoridade à custa de outros por elas menosprezadas, a legitimar um projeto reformador ou a justificar para os próprios
indivíduos, as suas escolhas e condutas. Por isso esta investigação sobre as representações supõe-nos como estando sempre colocados num campo de
186 Peter Burke no livro “O que é História Cultural” divide a história cultural em quatro fases: 1ª - A clássica, entre 1800 e 1950; 2ª - História Social da Arte (a partir da
década de 1930); 3ª - História da Cultura Popular (a partir da década de 1960) e 4ª - Nova História Cultural (a partir da década de 1980), assunto aqui tratado.
187 BARROS, José D’Assunção. A História Cultural Francesa – caminhos de investigação In: Fênix: Revista de História e Estudos Culturais. Vol. 2, n.4, out/nov/dez
2005.
188 BARROS, A História Cultural Francesa, p. 4.
87
concorrências e de competições cujos desafios se enunciam em termos de poder e de dominação. As lutas de representações tem tanta importância
como as lutas econômicas para compreender os mecanismos pelos quais um grupo impõe ou tenta impor a sua concepção do mundo social – como
julgou durante muito tempo uma história de vistas demasiado curtas -, muito pelo contrário, consiste em localizar os pontos de afrontamento tanto
mais decisivos quanto menos imediatamente materiais”.189
→Roger Chartier: “não é mais possível pensar o saber histórico, instalado na ordem do verdadeiro, nas categorias do “paradigma galileano”,
matemático e dedutivo. [...] Em um texto ao qual se deve sempre retornar, Michel de Certeau formulara essa tensão fundamental da história. Ela é uma
prática “científica”, produtora de conhecimentos, mas uma prática cujas modalidades dependem das variações de seus procedimentos técnicos, das
restrições que lhe impõem o lugar social e a instituição de saber onde é exercida, ou ainda, das regras que necessariamente comandam sua escritura. O
que pode igualmente ser enunciado ao inverso: a história é um discurso que coloca em ação construções, composições, figuras que são aquelas de toda
escritura narrativa, logo, também da fábula, mas que, ao mesmo tempo, produz um corpo de enunciados “científicos”, se entendermos por isso “a
possibilidade de estabelecer um conjunto de regras que permitem “controlar” operações proporcionais à produção de objetos determinados”.190 Assim
como as ideias, as representações estão ligadas aos interesses dos grupos que as edificam, portanto, são histórica e culturalmente determinadas. Nesta
direção, Chartier 191afirma que “as inteligências não são desencarnadas” e as “estruturas do mundo social não são um dado objetivo, tal como o não são
as categorias intelectuais e psicológicas: todas elas são historicamente produzidas pelas práticas articuladas (políticas, sociais, discursivas) que
constroem as suas figuras”;
→Pierre Bourdieu: Superar a dicotomia entre a física social (história estruturalista que reconstituía, fora da percepção da consciência dos
indivíduos, os laços, as dependências, as dominações que regiam, governavam suas posições como dominantes ou como dominados) e a fenomenologia
social, ou seja, a história que se baseia na linguagem dos atores, nas palavras que usam, na consciência que têm, nas suas percepções, isto é, que se
situa do lado de uma forma de história que não se baseia nas interdependências desconhecidas, mas nas percepções conscientes. Há um recurso na
obra de Bourdieu para superar uma outra dicotomia, entre os historiadores que pensam que podemos pensar o mundo social a partir unicamente de
critérios objetivos, de desigualdades econômicas — a partir da posição nas relações de produção, do nível econômico, do pertencimento a um
estamento ou classe socioprofissional — e os historiadores que pensam que o mundo social é produto dos discursos e que não há realidade social
externa aos discursos. A perspectiva de Bourdieu, propõe, uma relação dialética entre características objetivas que definem aquilo que, para um
indivíduo, é possível enunciar, pensar, classificar — recursos estes que pertencem ao mundo das representações coletivas e que se ligam diretamente à
189 CHARTIER, Roger. A História Cultural – entre práticas e representações. Rio de Janeiro: Difel, 1986, p. 17.
190 CHARTIER, Roger. À beira da falésia: a história entre incertezas e inquietude. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 2002, p. 99-100.
191 CHARTIER, Roger. A História Cultural, p. 27.
88
posição no mundo social. Mas, ao mesmo tempo, a expressão destas representações coletivas constantemente deslocam, inventam, no mundo social,
as divisões sociais: desdobram-se conceitos de violência simbólica ou de dominação simbólica;192
→Michel de Certeau: o historiador jesuíta argumenta que a escrita da história envolve um lugar, procedimentos de pesquisa e a construção de
um texto. O historiador parte de um conjunto de práticas “científicas” para construir a partir de seu lugar social, uma escrita própria do discurso
histórico. O texto produzido terá um conteúdo verificável nas fontes/bibliografia citada além de “verdadeiro” enquanto discurso lógico organizado
metodologicamente. O historiador constrói uma representação do passado com semelhanças e diferenças da ficção literária. Entre as diferenças está a
restrita liberdade na narrativa pelo historiador, pois, está cerceado pelas regras de escrita e com suas normativas teóricas, metodológicas e formais. A
narrativa será sempre uma representação do passado, porém fundada no rigor acadêmico. Para Certeau, a história narra, como a ficção e investiga,
como as ciências. Toda pesquisa historiográfica se articula com um lugar de produção socioeconômico, político e cultural. É em função deste lugar que
se instauram os métodos, que se delineia uma topografia de interesses, que os documentos e as questões, que lhes serão propostas, se organizam.193
→Peter Gay: O esforço do historiador alemão é demonstrar que a história é a um só tempo “arte e ciência”. O “estilo” de cada historiador está
relacionado com o lugar social/cultural de cada autor, portanto, forma e conteúdo são inseparáveis e o estilo de escrita une os dois. A narrativa do
historiador deve desenvolver prazer no leitor e assim mesmo manter o rigor e a busca da verdade. Para Gay não há barreiras rígidas entre arte e ciência,
ou entre história e ficção: “a história é uma arte durante boa parte do tempo, e é uma arte por ser um ramo da literatura”;194
→Hayden White: “o estilo de um dado historiador pode ser caracterizado nos termos do protocolo lingüístico que ele usou para prefigurar o
campo histórico, antes de subordiná-lo às várias estratégias “explanatórias” que ele usou para formar uma história em cima da crônica dos eventos
contidas nas fontes históricas”.195 A produção intelectual no campo da história consiste numa atividade poética ligada a estruturas estéticas que a
associam a um trabalho da imaginação. Portanto, a estrutura narrativa da história se funda na imaginação. A prática dos historiadores cria ficções
narrativas. As estratégias interpretativas do historiador constituem a formalização de instituições poéticas, ou seja, não se baseiam em razões
teoréticas, mas estéticas e morais. Em White a pesquisa histórica é uma atividade retórica e estética. Para White, os historiadores ocupam-se de
“eventos que podem ser atribuídos a situações específicas de tempo e espaço, eventos que são (ou foram) em princípio observáveis ou perceptíveis, ao
passo que os escritores imaginativos – poetas, romancistas, dramaturgos – se ocupam desses tipos de eventos quanto dos imaginados, hipotéticos ou
inventados”. 196
192 Pierre Bourdieu e a história. Roger Chartier debate com José Sérgio Leite Lopes. In: Revista Topoi, Rio de Janeiro, mar. 2002, pp. 139-182.
193 CERTEAU, Michel de. A operação historiográfica. In: A Escrita da História. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2011, p. 47.
194 GAY, Peter. O Estilo na História: Gibbon, Ranke, Macaulay, Burckhardt. São Paulo: Companhia das Letras, 1990, p. 168.
195 WHITE, Hayden. Meta-História. A imaginação histórica no século 19. São Paulo: Edusp, 1993, p. 426.
196White, Hayden. Trópicos do Discurso. São Paulo: Edusp, 2001, p. 137.
89
Pierre Bourdier.
Michel de Certeau.
90
CONCEITOS FUNDAMENTAIS DA NOVA HISTÓRIA CULTURAL:
Representações
Práticas Culturais
Podem incluir os modos de pensar e sentir individuais e
É preciso pensar este conceito para além das instâncias institucionais de
coletivos. Para Jacques Le Goff o campo das
produção cultural. São práticas culturais não apenas a feitura de um livro,
representações “engloba todas e quaisquer traduções
uma técnica artística ou uma modalidade de ensino, mas também os
mentais de uma realidade exterior percebida”, e está
modos como, em uma dada sociedade, os homens falam e se calam,
ligado ao processo de abstração. O âmbito das
comem e bebem, sentam-se e andam, conversam ou discutem,
representações, ainda conforme Le Goff, também pode
solidarizam-se ou hostilizam-se, morrem ou adoecem, tratam seus loucos
abarcar elementos associados ao Imaginário. De fato, a
ou recebem os estrangeiros. BARROS, José D’Assunção. A História Cultural
história cultural, tal como a entende o historiador
Francesa – caminhos de investigação In: Fênix: Revista de História e
francês, “tem por principal objeto identificar o modo
Estudos Culturais. Vol. 2, n.4, out/nov/dez 2005.
como em diferentes lugares e momentos uma
determinada realidade cultural é construída, pensada,
Apropriação dada a ler”. As representações, acrescenta Chartier,
Para encaminhar esta interação entre cultura e poder, tem a sua entrada inserem-se “em um campo de concorrências e de
uma outra noção primordial. “Apropriação”, conjuntamente com as noções competições cujos desafios se enunciam em termos de
de “representação” e de “prática”, constitui precisamente a terceira noção poder e de dominação” – em outras palavras, são
fundamental que conforma a perspectiva de História Cultural desenvolvida produzidas aqui verdadeiras “lutas de representações”. E
por Roger Chartier – esta perspectiva que, nos dizeres do próprio estas lutas geram inúmeras “apropriações” possíveis das
historiador francês, procura compreender as práticas que constroem o representações, de acordo com os interesses sociais,
mundo como representação. Vista desta maneira, a História Cultural com as imposições e resistências políticas, com as
definida pela corrente historiográfica na qual se insere Roger Chartier, está motivações e necessidades que se confrontam no mundo
precisamente atenta às influências recíprocas entre práticas e humano.
representações, e à apropriação destas com vistas a encaminhamentos
sociais e políticos.
Críticas: A Nova História Cultural se contrapôs a noção de forças históricas objetivas típicas do
estruturalismo economicista dos anos 1960. Recebeu críticas pelo excesso de subjetividade dos
agentes históricos e de um suposto determinismo cultural ou lingüístico em suas interpretações.
As questões teóricas tradicionalmente discutidas pela historiografia teriam sido lançadas para
segundo plano e o empirismo foi elevado à condição privilegiada. Ou seja, a subjetividade não se
comunicaria com o mundo real dos acontecimentos.
91
IRRACIONALISMO PÓS-MODERNO
O filósofo francês Jacques Derrida escreveu em 1961 que “não existem fatos e sim interpretações”. A construção interpretativa pós-moderna
ampliou seu foco de questionamento da racionalidade nas décadas seguintes e influenciou a escrita da História.
Conforme Félix, a pós-modernidade “promoveu a fragmentação das unidades e utopias forjadas no bojo da racionalidade e da euforia do
progresso científico. As totalizações, produto da ideologia do progresso, porque fundamentadas na premissa da universalidade da razão, cedem lugar
ao fragmentário e ao efêmero. O sujeito do discurso científico deixa de ser o ente genérico, abstrato e globalizante da humanidade para voltar-se para o
homem-indivíduo. Se descrê dos grandes relatos e dos metarrelatos, como liberdade e igualdade, presentes no todo de um discurso que envolvia
Estado, Povo e Nação dentro de um espírito de política emancipatória. Os relatos totalizantes que serviam de explicação de mundo, como o cristianismo
e o marxismo, entram em crise. A ciência deixa de oferecer as certezas e as verdades absolutas. Hoje só temos indicadores, possibilidades, não uma,
mas várias verdades coexistindo. Convivemos com as indefinições, com a perda dos limites definidos, com a fluidez das situações, com a pluralidade de
estilos e a multiplicidade de papéis. A fragmentação do cotidiano explica a desordem e a perplexidade que a acompanham; explica também a
percepção da descontinuidade histórica e da contestação ao conceito como chave intelectiva do real, permitindo, assim, a incorporação do lúdico, do
fantasioso e do imaginário”.197
Contextualização e reflexões:
→Muitos historiadores buscam a desconstrução das formas explicativas totalizantes, orientando seus focos de trabalho em direção ao
fragmentário e ao efêmero, reduzindo, dessa maneira, a História a particularidades esparsas e desarticuladas, ou então reorganizando-a a partir de
abordagens e perspectivas que reduzem sobremaneira as possibilidades de sua apreensão enquanto processo. A História só ocorreria como fruto do
acaso ou do inconsciente do conjunto dos historiadores identificados em alguma medida com a pós-modernidade. Essa “esquizofrenia histórica” conduz
a um esvaziamento da memória histórica. Feudalismo ou capitalismo não existiriam sendo fruto de uma quimera narrativa do historiador e todos os
processos e movimentos sociais a eles inerentes diluem-se, ou são visto autonomamente, ou ainda, deles são secionadas particularidades ou
peculiaridades que os descaracterizam em sua relação com o todo. A realidade histórica é fragmentada e representada em múltiplas facetas
desarticuladas entre si e apresentada à semelhança dos modos pelos quais a cultura pós-moderna apresenta o presente, porém, sem estabelecer um
vínculo lógico entre ambos. A história torna-se supérflua e contemplativa na medida em que dela se retiram as possibilidades explicativas.
Paradoxalmente, o esvaziamento da memória histórica contribuiu significativamente para a emergência de inúmeros aspectos, objetos de investigação
e análises muitas vezes relegados a um segundo plano pelos historiadores. O exame de tais experiências, se inseridas em contextos mais amplos e
dentro de uma dinamicidade que é própria da história, pode contribuir, para que se contemple as necessárias soluções explicativas, razão de ser da
própria história;198
→Loiva Otero Felix avança na caracterização: a dimensão da pós-modernidade, com a fragmentação de todas as unidades e utopias forjadas no
bojo da racionalidade e da euforia do progresso científico trouxe consigo o prefixo des; as totalizações, produto da ideologia do progresso, porque
197
FELIX, Loiva Otero. Memória e história: a problemática da pesquisa. Passo Fundo: Ediupf, 1998, p. 14-19.
198FITZ, Ricardo Arthur. Pós-Modernismo e História In: Ciências & Letras. Porto Alegre: FAPA, n. 18, 1997, p. 167-178.
92
fundamentadas na premissa da universalidade da razão, cedem lugar ao fragmentário e ao efêmero; postula-se a necessidade de se criarem outras
falas, outras práxis (ações) e outras discursividades; introduz-se a diferença, o outro como contraste; descobre-se a alteridade e a diversidade;199
→Conforme Keith Jenkins: “todos aqueles velhos quadros de referência que pressupunham a posição privilegiada de diversos centros (coisas
que eram, por exemplo, anglocêntricas, eurocêntricas, etnocêntricas, logocêntricas, sexistas) já não são mais considerados legítimos e naturais
(legítimos porque naturais), mas temporários, ficções úteis para formular interesses que, ao invés de universais, eram muito particulares; já a
incredulidade ante as metanarrativas quer dizer que aquelas grandes narrativas estruturadoras (metafísicas) que deram significado(s) à evolução
ocidental perderam a vitalidade. Após as proclamações oitocentistas da morte de Deus (a metanarrativa teológica), ocorre também a morte dos
substitutos temporais Dele. O final do século XIX e o século XX assistiram a um solapamento da razão e da ciência, fenômeno que tornou problemáticos
todos aqueles discursos que se fundamentavam nelas e tinha pretensão à verdade: todo o projeto do Iluminismo; os vários programas de progresso,
reforma e emancipação do homem que manifestavam, por exemplo, no humanismo, liberalismo, marxismo etc”;200
→ Lyotard, acentua que o pós-modernismo está fundado na “morte dos centros” (lugares de fala) que não são legítimos ou naturais e sim
ficções arbitrárias que articulam interesses que não são universais (os discursos são particulares, ligado a grupos e fundados numa visão de poder);
outro aspecto é a “incredulidade em relação às metanarrativas”, descrendo de discurso de uma teoria global explicativa (metadiscurso) pois o processo
está fundado na interpretação onde não reside o consenso. Está presente na concepção pós-moderna o princípio neokantiano de que o
comportamento humano e sua “ciência” é diferenciado dos fenômenos das ciências naturais. Um somatório de influências que passam por Nietzsche,
Heidegger, Foucault, Deleuze, Cliford Gertz etc, remetem a radicalização hermenêutica da individualidade. O estrutural, o analítico e as análises
totalizadoras seriam “ilusões científicas” e a história remete a uma narrativa próxima ao literário e que se orienta ao culturalismo relativista.
Críticas: “Desligando-se da história e formalizando ao extremo seu objeto, afastam de suas preocupações qualquer referência à objetividade das
contradições no capitalismo; a filosofia, por outro lado, transformando-se em pura epistemologia (isto é, recusando cidadania filosófica à ontologia e à
ética), propõe-se como tarefa limitar a validade da Razão àqueles domínios do real que possam ser homogeneizados, formalizados, manipulados, sem
consideração pela sua natureza objetivamente contraditória.”201
93
O QUE É HISTÓRIA?
Após termos brevemente transitado nos fundamentos mínimos de oito concepções (multifacetadas em inúmeras outras interpretações) de
escrita da história, voltarei a uma questão básica de epistemologia da história e vou colocar mais algumas reflexões (levantadas por Keith Jenkins) para
avançarmos mais um pouco na compreesão da pergunta para a Teoria da História: o que é História e como os historiadores escrevem a História?
→Para Jenkins, “a história constitui uma série de discursos a respeito do mundo. Embora esses discursos não criem o mundo (aquela coisa física
na qual aparentemente vivemos), eles se apropriam do mundo e lhe dão todos os significados que têm”;
→“O pedacinho de mundo que é o objeto (pretendido) de investigação da história é o passado. A história como discurso está, portanto, numa
categoria diferente daquela sobre a qual discursa. Ou seja, passado e história são coisas diferentes (...). Isso porque o mesmo objeto de investigação
pode ser interpretado diferentemente por diferentes práticas discursivas (uma paisagem pode ser lida/interpretada diferentemente por geógrafos e
sociólogos, historiadores, artistas, economistas), ao mesmo tempo que, em cada uma dessas práticas, há diferenças de leituras interpretativas no
tempo e no espaço. No que diz respeito à história, a historiografia mostra isso muito bem”;
→Devido a polissemia do conceito de história “o preferível seria sempre marcar essa diferença usando o termo “o passado” para tudo que se
passou antes em todos os lugares e a palavra “historiografia” para a história (o que foi escrito/registrado sobre o passado). A historiografia se refere aos
escritos dos historiadores”;
→“O passado já aconteceu. Ele já passou e os historiadores só conseguem trazê-lo de volta mediado por veículos muito diferentes, de que são
exemplo os livros, artigos, documentários etc., e não como acontecimentos no presente”;
→A fragilidade epistemológica da história permite que as interpretações dos historiadores sejam multíplices (um só passado e muitos
historiadores). Esta fragilidade está fundada em: nenhum historiador consegue abarcar a totalidade dos acontecimentos do passado; nenhum relato
recupera o passado tal qual ele era, pois o passado são acontecimentos e não um relato; Steven Giles 202 considera que o passado é sempre percebido
por meio das camadas sedimentares das interpretações anteriores e por meio dos hábitos e categorias de leitura desenvolvidos pelos discursos
interpretativos anteriores e/ou atuais (o que faz que o estudo da história (o passado) é necessariamente o estudo da historiografia (os historiadores);
por mais autêntica que seja a história sempre será obra de um narrador (ninguém consegue despojar-se de seu conhecimento e de suas
pressuposições); a história é menos que o passado, ou seja, os historiadores recuperam fragmentos; o historiador sabe mais sobre o passado do que
aqueles que lá viveram, pois tem acesso a inúmeras informações, modelos de análise dotando os acontecimentos de significado, ou seja, esta
fragilidade na investigação epistemológica remete a criar estruturas narrativas para dar forma ao tempo e ao espaço, que não necessariamente tenha
similar no passado investigado;
→Na conceituação de Jenkins “a história é um discurso cambiante e problemático, tendo por pretexto um aspecto do mundo, o passado, que é
produzido por um grupo de trabalhadores cuja cabeça está no presente (e que, em nossa cultura, são na imensa maioria historiadores assalariados), que
tocam seu ofício de maneiras reconhecíveis uns para os outros (maneiras que estão posicionadas em termos epistemológicos, metodológicos, ideológicos e
práticos) e cujos produtos, uma vez colocados em circulação, vêem-se sujeitos a uma série de usos e abusos que são teoricamente infinitos, mas que na
realidade correspondem a uma gama de bases de poder que existem naquele determinado momento e que estruturam e distribuem ao longo de um espectro
do tipo dominantes/marginais os significados das histórias produzidas”.203
202 Steven Giles Against interpretation In The British Journal of Aesthetics (1988) citado por JENKINS, Keith. A História Repensada. São Paulo: Contexto, 2011, p. 32.
203 JENKINS, Keith. A História Repensada. São Paulo: Contexto, 2011, pp. 23-52.
94
ESPECIALIDADES E ABORDAGENS DO CAMPO DA HISTÓRIA
José D’Assunção Barros ressalta que uma característica da historiografia moderna é a fragmentação, compartimentação, especialização e
múltiplas tendências. Da maior homogeneidade do século XIX em relação ao ofício do historiador, atualmente prepondera à visão especializada: “O
oceano da historiografia acha-se hoje povoado por inúmeras ilhas, cada qual com a sua flora e a sua fauna particular. Ou, para utilizar uma metáfora
mais atual, podemos ver a Historiografia como um vasto universo de informações percorrido por inúmeras redes, onde cada profissional encontra a sua
conexão exata e particular”.204
A fragmentação do saber é um fenômeno que se acentua no século XX com a crescente especialização do conhecimento e da crise dos
paradigmas (crença num metarrelato explicativo do conhecimento e das experiências acumuladas). “Sabe-se que o historiador tem o costume de
arrumar os fatos em envelopes que se transformaram em entidades trans-históricas, em categorias temporais e universais: o social, o econômico, o
político, o religioso, o cultural... Depois de proceder a esta distribuição e a esta etiquetagem, por razões de competência pessoal ou por escolha
disciplinar, o historiador atém-se comumente a uma única ordem de fatos”.205
Temos hoje extraordinárias ferramentas para questionar o passado sem a preocupação, incontornável, de chegar à verdade última dos eventos!
Podemos nos manter longe da ingenuidade, má-fé ou megalomania psicótica de que a história produzida pelo lugar individual/social do sujeito/partido,
vai refletir a verdade em si do passado. Interrogar o passado respaldado por tantas análises reflexivas de historiadores e intelectuais, como se procurou
evidenciar neste livro, é uma conquista a ser prazerosamente visitada pelos novos historiadores. Dentre as inúmeras possibilidades, vou fazer referência
a algumas que me são mais familiares nas pesquisas que desenvolvo:
►HISTÓRIA LOCAL E HISTÓRIA REGIONAL : Partamos da afirmação de que a história é a ciência que estuda o homem no tempo e no espaço!
Fernando Braudel formulou as abordagens da Geo-História, a análise de grandes espaços e das estruturas mentais inerentes. O espaço numa dimensão
interdisciplinar com a Geografia emergiu em estudos de fôlego. A História local e regional busca uma maior delimitação do espaço buscando responder
questões políticas, econômicas ou culturais que encontrava respostas demasiadamente amplas. A escola geográfica de Vidal La Blache foi o referencial
apropriado pela historiografia na década de 1950. Para Pierre Goubert, o espaço a ser analisado coincidia com uma unidade administrativa em
fronteiras não móveis. Esta visão de região enquanto recorte político-administrativo passa a ser questionada, pois, era uma delimitação espacial
arbitrária que deixava escapar objetos fundamentais para os estudos historiográficos. Um exemplo são práticas culturais que podem não se conformar
em padrões político-administrativos ou de nacionalidades, especialmente em regiões de fronteira. Na década de 1970 se consolida a crítica a visão de
região que passa a ser vista com dimensões e significados complexos, com limites que se superpõem para além de uma linearidade. O paradigma
fundado na “Geografia Crítica” buscou enfatizar as diferenças e contradições fruto da ação dos homens no processo histórico e em determinada
espacialidade. O espaço é uma categoria social construída no trabalho humano (relações estabelecidas entre os homens e a natureza). Neste sentido a
região é um espaço particular articulado com espacialidades/organizações sociais mais amplas que devem ser analisadas articuladamente. O regional,
para além de um espaço físico, se constitui num conjunto de relações/articulações estruturadas em identidades singulares (enfatizar a diferença,
multiplicidade, especificidade, particularização). Estas identidades devem sempre ser articuladas numa dialética regional/nacional/geral.
204 BARROS, José D’Assunção. O Campo da História: especialidades e abordagens. 5 ed., Petrópolis: Vozes, 2008, p.9
205 GRUZINSKI, Serge. Acontecimento, bifurcação, acidente e acaso In: MORIN, Edgar (Org.). A Religação dos Saberes. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001, p. 391.
95
→ “O estudo regional oferece novas óticas de análise ao estudo de cunho nacional, podendo apresentar todas as questões fundamentais da
História (como os movimentos sociais, a ação do Estado, as atividades econômicas a identidade cultural etc) a partir de um ângulo de visão que faz
aflorar o específico, o próprio, o particular. A historiografia nacional ressalta as semelhanças, a regional lida com as diferenças, a multiplicidade”;206
→”O regional pode ser analisado para além de um espaço físico ou região natural (como em Vidal de la Blache) mas sim como um conjunto de
relações e articulações em torno de identidade singulares, considerando espacialidades diferenciais”, na visão de Yves Lacoste.207
► HISTÓRIA CONCEITUAL: O historiador alemão Reinhart Koselleck considera que os conceitos não devem ser tomados como um sistema textual
autônomo, mas relacionado a uma realidade social, possibilitando a compreensão histórica. Para Koselleck a história conceitual é “antes de tudo, um
método especializado da crítica textual exigido pela necessidade de compreender o significado pretendido de palavras em sua configuração para os
contemporâneos (...). Como tal, ela contribui para o estudo da história social e política e depende, por sua vez, de uma clara compreensão do contexto
social e político”.208 Alguns pressupostos de Reinhart Koselleck:
→Propôs um modo de análise que ligava a linguagem com o tempo, retratando a realidade social e a temporalidade como dimensões inter-
relacionadas na vida humana;
→“Demonstrou os vínculos existentes entre o pensamento social ou político e os sujeitos por um lado e, como se daria o amálgama entre as
expressões de determinadas consciências históricas por outro, que indicam o quanto o conhecimento histórico pode tematizar as condições de
possibilidade de histórias e a própria existência humana (...) O que Koselleck almejava em sua análise conceitual era criticar os componentes lingüísticos
das modernas ideias utópico-filosóficas da história a partir da demonstração da natureza plural, diversa e contestada da linguagem e da política”;209
→Koselleck buscou uma história plural a partir de pontos de vista também plurais. O objetivo era estabelecer um ponto de vista estável a partir
do qual a mudança histórica pudesse ser descrita sem cair nas armadilhas da utopia. ”Em oposição a ideias histórico-filosóficas da história, como um
projeto unificado e progressivo, no qual os seres humanos se programa e direcionam a um objetivo final, o historiador buscava tematizar um modo de
escrita que visse a história como composta por uma pluralidade de histórias não convergentes que jamais podem ser arquitetadas de acordo com o
desejo humano”.210
►MICRO-HISTÓRIA: o movimento da micro-história foi desenvolvido a partir da produção historiográfica italiana e posteriormente projetou-se
para outros países. Seus fundamentos estão nos acompanhamento à validade das grandes sínteses (análises estruturais baseada em grandes cortes
cronológicos e quantificações do passado) e a exclusão do sujeito da história enquanto ator do processo (além dos personagens que não faziam parte
206 AMADO, Janaína. História e região: reconhecendo e construindo espaços. In: SILVA, Marcos (Coord.). República em Migalhas: história regional e local. São Paulo:
Marco Zero, 1990, p. 1-13.
207 LACOSTE, YVES. A Geografia serve, antes de mais nada, para fazer a guerra. Lisboa: Iniciativas Editoriais, 1977.
208 KOSELLECK In: The Journal of Modern History, vol. 50 citado por BENTIVOGLIO, J. & AVELAR, A. (Orgs.) Afirmação da História como Ciência no Século XX: de
96
da lógica das sociedades contemporâneas). Também está em sintonia com a crítica da organização compartimentada da disciplina história (com recurso
as deduções lógicas e grandes sínteses teóricas) que levou ao estabelecimento de fronteiras rígidas entre a história, social, política, econômica e
cultural. O contraponto foi o resgate empírico das experiências (individual ou coletiva), concebendo a história com o social e buscando “uma reflexão
histórica em constante busca da totalidade, mesmo sendo esta compreendida como resultante do reconhecimento da ação individual e da percepção
de sua trajetória”. Pressupõe que os indivíduos ou grupos têm uma complexidade que dificulta/impossibilita a sua redução/interpretação aos
fenômenos econômicos e políticos. “O interesse volta-se para a análise das diferenças, dos conflitos e das escolhas, situações em que a complexidade
dos fenômenos históricos teria maior possibilidade de ser resgatada. A micro-história propõe um procedimento quase artesanal de aproximação do
objeto, à semelhança do olhar através de um microscópio, que revela uma série de aspectos antes impossíveis de detectar pelos procedimentos formais
da disciplina. Utilizando-se da redução de escala de observação para o entendimento de questões mais gerais, a micro-história resgata o elo entre o
micro e o macro”.211
A micro-história remete a Itália na década de 1980 e especialmente a Carlo Ginzburg e Giovanni Levi autores que buscam uma exploração
exaustiva de fontes que foram delimitadas rigorosamente e também o recurso a história oral. Volta-se a temas do cotidiano de comunidades, biografias
e história de figuras relativamente anônimas no contexto social. Ginzburg ressalta que “faz parte da miséria do Homem o não poder conhecer mais do
que fragmentos daquilo que já passou, mesmo no seu pequeno mundo; e faz parte da sua nobreza e da sua força o poder de conjecturar para além
daquilo que pode saber”.212 Uma característica da Micro-Histórica é o rigor que deve acompanhar toda a pesquisa, da fonte até a narrativa: “As
questões teóricas quando desligadas de pesquisas concretas, não tem nenhum interesse para mim, pois é de certa maneira fazer uma falsa teoria. (...)
para participar da produção científica devemos partir de um problema que conhecemos de primeira mão, somente assim podemos levantar questões
teóricas e contribuir no debate científico”.213
►NOVA HISTÓRIA POLÍTICA: A história política tradicional foi sendo superada desde a crítica dos Annales e de outras vertentes ao
positivismo e ao historicismo fundados no factual e episódico. René Rémond explicita que a renovação da História Política “foi grandemente estimulada
pelo contato com outras ciências sociais e pelas trocas com outras disciplinas. É uma verdade geral a utilidade, para todo ramo do saber, de abrir-se a
outros e acolher contribuições externas, mas o objeto da história política, sendo por sua natureza interdisciplinar, torna isso uma necessidade mais
imperativa que em outros casos. É impossível para a história política praticar o isolamento: ciência-encruzilhada, a pluridisciplinaridade é para ela como
o ar que ela precisa para respirar”.214 Da ênfase no factual e nos estudos exaustivos de atores envolvidos em conflitos diplomáticos, militares ou intrigas
palacianas, a Nova História Política avança para as relações de poder, suas legitimações discursivas e enfoques críticos.
►HISTÓRIA DO IMAGINÁRIO: pesquisa as imagens visuais, verbais e mentais produzidas por uma sociedade. Autores que contribuíram
foram Johannes Huizinga, Cornelius Castoriadis, Jacques Le Goff e Michel Vovelle. Enquanto a noção de mentalidade remete a uma ideia de
imobilidade, permanência e longa duração temporal, o conceito de imaginário traduz mobilidade, transitoriedade e até tempo efêmero. Obras
211 OLIVEIRA, Mônica Ribeiro & ALMEIDA, Carla Maria Carvalho (Orgs.). Exercícios de Micro-História. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2009, p. 7-8.
212 GINZBURG, Carlo. A Micro-História e outros ensaios. Lisboa: DIFEL, 1991, p. 197.
213 GINZBURG, Carlo. A história e a micro-história: uma entrevista com Carlo Ginzburg. In: LPH/Revista de História. Ouro Preto: v. 1, n. 1, p. 4.
214 RÉMOND, René. (Org.) Por uma história política. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, Ed. FGV, 1996, p.29.
97
iconográficas e textos literários são fontes para pesquisa voltada aos símbolos e imagens e sua interação na vida social e política. “O historiador do
Imaginário começa a fazer uma história problematizada quando relaciona as imagens, os símbolos, os mitos, as visões de mundo a questões sociais e
políticas de maior interesse – quando trabalha os elementos do Imaginário não côo um fim em si mesmos, mas como elementos para a compreensão da
vida social, econômica, política, cultural e religiosa”. 215
►HISTÓRIA E FOTOGRAFIA: As novas abordagens no campo iconográfico e das imagens, propiciou o avanço da investigação e o
desenvolvimento de um conceitual sofisticado também no campo da “fotografia”. A fotografia enquanto fonte histórica era fator de aversão ou de
descrença por parte da historiografia até algumas décadas atrás. Pesquisas que podem transitar entre o público e o privado; entre os espaços político-
institucionais e os personagens sem identidade que vagam pelas ruas; entre a afetividade e a sensibilidade familiar. A fotografia é um momento
congelado do passado, que não é um passaporte neutro para a verdade (exatamente por ser uma ação humana), mas sim se constitui na imagética
motivadora para a análise e a reflexão. Mas será que a fotografia é uma fonte histórica? A produção historiográfica de Boris Kossoy se fundamenta
nesta assertiva: “Toda fotografia é um resíduo do passado. Um artefato que contém em si um fragmento determinado da realidade registrado
fotograficamente. Se, por um lado, este artefato nos oferece indícios quanto aos elementos constitutivos (assunto, fotógrafo, tecnologia) que lhe deram
origem, por outro o registro visual nele contido reúne um inventário de informações acerca daquele preciso fragmento de espaço/tempo resgatado. O
artefato fotográfico, através da matéria (que lhe dá corpo) e de sua expressão (o registro visual nele contido), constitui uma fonte histórica. Este
artefato é caracterizado e percebido, pois, pelo conjunto de materiais e técnicas que lhe configuram externamente enquanto objeto físico e, pela
imagem que o individualiza, o objeto-imagem, partes de um todo indivisível que integram o documento enquanto tal. Uma fonte histórica, na verdade,
tanto para o historiador da fotografia, como para os demais historiadores, cientistas sociais e outros estudiosos”.216
Carlo Ginzburg (1939-).
215 BARROS, J. D’Assunção. O Campo da História: especialidades e abordagens. Petrópolis: Vozes, 2008, p. 98.
216 KOSSOY, Boris. Fotografia & História. São Paulo: Ateliê Editorial, 2001, p. 47.
98
REFLEXÕES PARA O TEMPO PRESENTE
“(...) que será histórico, que não será? Ora, basta admitir
“A cultura historiográfica valoriza sobremaneira a que tudo é histórico para que essa problemática se
configuração ético-literário-ornamental da história, torne, ao mesmo tempo, evidente e inofensiva; sim, a
parecendo que também a história está na linha dos não História é apenas uma resposta a nossas perguntas,
ditos, uma história para massagear, anacronicamente, o porque não se pode materialmente formular todas as
ego pela compensação relacional entre consciência e questões, descrever todo o devir, e porque o progresso
culpa. Entretanto, não é só esse lado que deve ser visto. do questionário histórico situa-se no tempo e é tão lento
As “novas” tendências da historiografia também nos como o progresso de qualquer outra ciência; sim, a
mostraram, e fizeram ver, mesmo a contra gosto, o História é subjetiva, porque não se pode negar que a
quanto a racionalidade moderna amputou do escolha de um assunto de livro de História seja livre”.
conhecimento os horizontes das subjetividades e de tudo VEYNE, Paul. Tudo é histórico, portanto a História não
o que isso possa significar em termos da reconstituição existe. In: SILVA, Maria Beatriz N. (Org.). Teoria da
do passado. O rompimento das relações de sucessões História. São Paulo: Cultrix, 1976, p. 55.
temporais como modelo explicativo catapultou, pelo
muro dos fundos, a memória e a narrativa para o centro
do debate da história cultural e das representações. “O mundo contemporâneo é marcado pela opção
Parece-nos que a história como disciplina está passando secular. Esta se caracteriza por uma vida racional e
por um tempo de provações e ela está em busca de programada, distante de doutrinas religiosas, pautada
parcerias como, por exemplo, a psicanálise”. DIEHL, pela democracia liberal de consumo e pelo
Astor. Ideias de futuro no passado e cultura conhecimento agregado da ciência. O mundo secular
historiográfica da mudança In: História da Historiografia. nasceu com a modernidade e o encolhimento da vida
Ouro Preto: UFOP, n.1, agosto de 2008, p.6. religiosa comunitária em nome de uma vida profissional,
individualista e industrial das cidades. O secularismo é
estéril e como tal será tratado pelos historiadores no
futuro”. PONDÉ, Luiz Felipe. A Era do Ressentimento:
“Não é caso de celebrar ou condenar esta ou aquela moda historiográfica, senão de uma agenda para o contemporâneo. São Paulo: Leya,
contextualizá-la, de tentar explicar suas condições de produção no meio acadêmico, bem como 2014, p. 27.
sua maior ou menor capacidade de irradiação ou recepção E, sobretudo, buscar extrair dos
resultados concretos de cada pesquisa aquilo que nos ajuda a compreender melhor as várias
faces de nossa história, sem preconceitos. Pois é certo que quando o debate historiográfico cai
prisioneiro da ideologia, quem sai perdendo é a história”. VAINFAS, Ronaldo. História cultural e
historiografia brasileira. História: Questões & Debates. Curitiba: Editora da UFPR, n. 50, p. 217-
235, jan./jun. 2009.
99
“Parece-me que um dos mais poderosos fatores que estão por trás do interesse “Quando a tecnologia e o dinheiro tiverem conquistado o mundo;
atual por temáticas ligadas ao cotidiano, ao sexo, à família, às diferentes formas quando qualquer acontecimento em qualquer lugar e a qualquer
de infração às normas (variadas manifestações de “marginalidade”) é a falência
tempo se tiver tornado acessível com rapidez; quando se puder assistir
dos sistemas éticos tradicionais, que se consumou mais claramente e de
em tempo real a um atentado no ocidente e a um concerto sinfônico
maneira mais inelutável nesta segunda metade do século XX. (...) os dois pilares
ideológicos em que, no mundo ocidental, assentavam-se os dois principais no oriente; quando tempo significar apenas rapidez online; quando o
sistemas de valores éticos que definiam as formas adequadas, ou assim tempo, como história, houver desaparecido da existência de todos os
consideradas, do comportamento dos indivíduos para consigo mesmo, entre povos, quando um esportista ou artista de mercado valer como grande
eles, e em relação à sociedade e à política – a ética cristã, por um lado, e a ética homem de um povo; quando as cifras em milhões significarem triunfo,
revolucionária (marxista), por outro-, sofreram uma perda de credibilidade – então, justamente então — reviverão como fantasma as perguntas:
profunda; sem que, entretanto, fossem realmente substituídos por outros para quê? Para onde? E agora? A decadência dos povos já terá ido tão
ESPECIALIDADES
sistemas E ABORDAGENS
de referência”. CARDOSO,DOCiro
CAMPO DA HISTÓRIA
Flamarion. Ensaios Racionalistas, p. longe, que quase não terão mais força de espírito para ver e avaliar a
109. decadência simplesmente como… Decadência. Essa constatação nada
tem a ver com pessimismo cultural, nem tampouco, com otimismo… O
“A história possui uma relação especial com a verdade. Suas construções narrativas obscurecimento do mundo, a destruição da terra, a massificação do
visam à reconstrução do passado que realmente teria ocorrido. Essa referência à
homem, a suspeita odiosa contra tudo que é criador e livre, já atingiu
realidade preexistente ao texto histórico e situado fora dele possui a função de produzir
um relato inteligível, é o que constitui a história e que a difere da fábula ou da tais dimensões, que categorias tão pueris, como pessimismo e
falsificação. Para Georg G. Iggers, evitar a fábula e a falsificação ainda constitui o centro otimismo, já haverão de ter se tornado ridículas”. Martin Heidegger,
da questão. A nova história cultural, ao borrar a distinção entre o verdadeiro e o falso, (1889-1976), em Introdução à Metafísica.
afasta-se do que é fundamental para o trabalho do historiador. Se é verdade que uma
objetividade absoluta do conhecimento histórico não é mais aceitável sem reservas, o
conceito de verdade e o empenho dos historiadores de evitar ou acobertar a falsificação
não foi abandonado. A alternativa, segundo o autor, é a rejeição das conquistas do “A História que se consome tornou-se recurso terapêutico para
iluminismo, da razão, da ciência que, por sua vez, não deixa de ser também uma forma preencher os vazios (...). O historiador desempenha então o
de controlar e manipular pessoas. Embora aceitando que a crítica pós-moderna possui
papel de conservador: ele tranqüiliza. Assim, chamam-no com
alguma validade, como, por exemplo, que uma concepção de história unitária não é
maior freqüência à cabeceira de uma sociedade ferida. Na falta
sustentável, que a história está marcada pela descontinuidade, que a história tradicional
colocou os historiadores num pedestal que muito provavelmente não mereciam, o de um presente que entusiasme e perante um futuro
restante desta crítica precisa ser considerada com mais cuidado. Não é possível, inquietante, subsiste o passado, lugar de investimento de uma
segundo Georg G. Iggers, negar a possibilidade de um discurso racional, negar a identidade imaginária através dessas épocas, no entanto
possibilidade de os historiadores distinguirem a verdade da ficção, ou não serem próximas, que perdemos para sempre. Essa busca torna-se mais e
capazes de discernir o que é mera propaganda num conjunto de informações. Afinal, mais individual, mais local, na falta de um destino coletivo
mesmo os profissionais da nova história cultural devem cumprir a obrigação de irem aos mobilizador.” DOSSE, François. A História em Migalhas: dos
arquivos, utilizar suas descobertas empíricas para fundamentar suas reconstruções Annales à Nova História. Campinas: Unicamp, 1992, p. 14.
interpretativas”. SILVA, Rogério Forastieri da. História da Historiografia. Bauru: EDUSC,
2001, p. 124.
100
A HISTÓRIA E A LITERATURA
217 BARRENTO, João. O regresso de Clio? Situação e aporias da história literária In: BARRENTO, João (Org.). História Literária. Problemas e perspectivas. 2ª ed.,
Lisboa: Apáginastantas, 1986, p. 25.
218 RICOUER, Paul. Tempo e narrativa. Campinas: Papirus, tomo III, 1997, p. 332.
219 PESAVENTO, Sandra. (Org.) Leituras Cruzadas; diálogos da história com a literatura. Porto Alegre: Editora da Universidade: UFRGS, 2000, p. 7-8.
220 ECO, Umberto. Seis passos pelos bosques da ficção. 2. Ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1994, p. 145.
221 GAY, Peter. O Estilo da História. São Paulo: Companhia das Letras, 1990, p. 167.
101
“A literatura acumula nos seus textos experiência
histórica, não como simples documento de algo que
existiu, mas antes como um potencial a relacionar de
forma produtiva com as experiências atuais. Mas convém
“Por entrecruzamento da
não esquecer que a experiência fixada nesse material
história e da ficção,
histórico-estético não pode ser extraída dos textos
entendemos a estrutura
simplesmente sob a forma de verdade definitiva,
fundamental em virtude
substância concreta ou enunciado de sentido, mas que,
da qual a história e a
pelo contrário, teremos de nos apropriar dela num
ficção só concretizam
processo de aprendizagem em princípio sempre aberto.
cada uma sua respectiva
Por outras palavras: a experiência histórica de um autor
intencionalidade
e do seu tempo, contida nos textos literários e cifrada de
tomando empréstimos
forma específica, não constitui, em si mesma, qualquer
da intencionalidade da
Paul Ricouer coisa investida de significado, pelo contrário, ela só se
outra”. Tempo e
torna significante na relação com um sujeito leitor e com
Narrativa, p. 316.
suas experiências específicas, enraizadas no presente”.
BEUTIN, W. História da literatura: por que e para que? In:
BARRENTO, João (Org.). História Literária. Problemas e
perspectivas. 2ª ed., Lisboa: Apáginastantas, 1986, p.
113.
102
→Na “ênfase sobre a dimensão literária da experiência social e a estrutura literária da escrita histórica [que] propicia uma nova abertura aos que
desejam expandir a erudição histórica para além de suas limitações tradicionais, e constitui uma nova ameaça a todos os que procuram defender a
permanência da disciplina dentro de seus limites tradicionais, da forma como os entendem”;222
→“História e literatura são duas formas de dizer a realidade e, portanto, partilham esta propriedade mágica da representação que é a de recriar
o real, através de um mundo paralelo de sinais, construído de palavras e imagens (...)Parece que as duas narrativas se empenham neste esforço de
capturar a vida, re-apresentar o real e, mesmo que as suas estratégias de argumentação possam diferir, um diálogo um cruzamento de olhares entre os
domínios das duas musas pode ser, além de gratificante, esclarecedor;”223
→“Pelas precedentes considerações se manifesta que não é ofício de poeta narrar o que aconteceu; é sim, o de representar o que poderia
acontecer, quer dizer; o que é possível segundo a verossimilhança e a necessidade. Com efeito, não diferem o historiador e o poeta, por escreverem
verso ou prosa (...) – diferem, sim em que diz um as coisas que sucederam, e outro as que poderiam suceder. Por isso a poesia é algo de mais filosófico
e mais sério do que a história, pois refere aquela principalmente o universal, e esta, o particular. Por referir-se ao universal entendo eu atribuir a um
indivíduo de determinada natureza pensamentos e ações que, por liame de necessidade e verossimilhança, convêm a tal natureza; e ao universal, assim
entendido, visa a poesia, ainda que dê nomes aos seus personagens: particular, pelo contrário, é o que fez Alcibíades ou o que lhe aconteceu”. 224
222 KRAMER, Lloyd. Literatura, crítica e imaginação histórica: o desafio de Hayden White e Dominick LaCapra. In: HUNT, Lynn. A Nova História Cultural. São Paulo:
Martins Fontes, 1995, p. 132.
223 PESAVENTO, Sandra. (Org.) Leituras Cruzadas; diálogos da história com a literatura. Porto Alegre: Editora da Universidade: UFRGS, 2000, p. 7-8.
224 Aristóteles. Poética. Tradução de Eudoro de Souza. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1985, p. 115-116.
225 COLLINGWOOD, R. A Ideia de História. Lisboa: Editorial Presença, 1981, p. 303-304.
103
II - ROMANCE HISTÓRICO E METAFICÇÃO HISTORIOGRÁFICA
A Literatura e a História são formas de representação do real e as duas são maneiras distintas de invenção de histórias, pois tanto o discurso
histórico como literário são polissêmicos e complexos. Os signos pulsam a espera de novos olhares que atribuem significações. A obra literária é fruto
da criatividade e torna possível a existência de infinitas interpretações dos acontecimentos, não necessitando de uma identidade temporal ou espacial
para expressar no leitor a emocionalidade. Já a obra de história busca uma identidade espacial e temporal, buscando o espaço de objetividade nos fatos
que são construídos na ação do historiador. Para Linda Hutcheon,226 as narrativas, histórica e literária, não devem buscar o esgotamento do passado,
pois o acesso a este se da através do texto e não do passado em si, ganhando o caráter de texto mesmo os relatos orais. Nessas narrativas não há a
verdade em si, mas verdades construídas a partir do texto.
Fazendo uma reflexão:
→“A literatura, portanto, fala ao historiador sobre a história que não ocorreu, sobre as possibilidades que não vingaram, sobre os planos que
não se concretizaram. Ela é o testemunho triste, porém sublime, dos homens que foram vencidos pelos fatos. (...)”;227
→“Em lugar de retratar o real, o que ela busca [a obra literária] é transfigurá-los. E é problematizando a realidade histórica, transformando-a em
aventura que o autor constrói sua obra. A História se confunde com a história. A realidade é mero instrumento, matéria-prima sobre a qual trabalha o
artista quando recria a realidade”;228
→“(...) Nem reflexo, nem determinação, nem autonomia: estabelece-se entre os dois campos uma relação tensa de intercâmbio, mas também
de confrontação. A partir dessa perspectiva, a criação literária revela todo seu potencial como documento, não apenas pela análise das referências
esporádicas a episódios históricos ou do estudo profundo dos seus processos de construção formal, mas como uma instância complexa, repleta das
mais variadas significações e que incorpora a história em todos os seus aspectos, específicos ou gerais, formais ou temáticos, reprodutivos ou criativos,
de consumo ou produção”;229
→“(...) Afinal, todo escritor possui uma espécie de liberdade condicional de criação, uma vez que seus temas, motivos, valores, normas ou
revoltas são fornecidos ou sugeridos pela sua sociedade e seu tempo – e é destes que eles falam. Fora de qualquer dúvida: a literatura é antes de mais
nada um produto artístico, destinado a agradar e a comover; mas como se pode imaginar uma árvore sem raízes, ou como pode a qualidade dos seus
frutos não depender das características do solo, da natureza do clima e das condições ambientais?”.230
Carlos Alexandre Baumgarten ressalta que “todo romance, como produto de um ato de escrita é sempre histórico, porquanto revelador de,
pelo menos, um tempo a que poderíamos chamar de tempo da escrita ou da produção do texto. Contudo, tal definição, por mais verdadeira que possa
ser, não serve para o que comumente nomeamos de romance histórico no plano dos estudos literários. Nesse âmbito, romance histórico corresponde
àquelas experiências que têm por objetivo explícito a intenção de promover uma apropriação de fatos históricos definidores de uma fase da História de
104
determinada comunidade humana. Assim entendido, o romance histórico surgiu no curso do século XIX e tem sua origem vinculada à produção literária
de Walter Scott. Mais do que isso, surgindo ainda na vigência do Romantismo, época em que se definiam as diferentes nacionalidades européias e
americanas, o romance histórico desempenhou importante papel na construção das nacionalidades/identidades que almejavam se afirmar pela
diferença”.231 Baumgarten explicita que no Romance Histórico se busca traçar grandes painéis históricos de um a época, observando a cronologia dos
acontecimentos narrados tal qual o campo do conhecimento histórico. Os dados e personagens históricos do romance buscam conferir veracidade à
narrativa, buscando tornar a histórica contada como incontestável. Já no Novo Romance Histórico o autor tem consciência da impossibilidade de
determinar a verdade histórica ao utilizar as palavras. A História é imprevisível e não é cíclica, podendo ocorrer o inesperado e a distorção, omissão e
exageros fazem parte do enredo. O romance se volta a um caráter metaficcional, com comentário do narrador sobre o processo de criação de seu
próprio texto.
“História e literatura são duas formas de dizer a realidade e,
“Só existem verdades no plural, e jamais uma só portanto, partilham esta propriedade mágica da representação
verdade; e raramente existe a falsidade per se, apenas que é a de recriar o real, através de um mundo paralelo de
as verdades alheias (...) a metaficção historiográfica sinais, construído de palavras e imagens (...)Parece que as duas
procura desmarginalizar o literário por meio do narrativas se empenham neste esforço de capturar a vida, re-
confronto com o histórico, e o faz tanto em termos apresentar o real e, mesmo que as suas estratégias de
argumentação possam diferir, um diálogo um cruzamento de
semânticos quanto formais”. HUTCHEON, Linda. A
olhares entre os domínios das duas musas pode ser, além de
Poética do Pós-modernismo. Rio de Janeiro: Imago,
gratificante, esclarecedor.” PESAVENTO, Sandra. (Org.)
1988, p. 145. Leituras Cruzadas; diálogos da história com a literatura. Porto
Alegre: Editora da Universidade: UFRGS, 2000, p. 7-8.
A metaficção historiográfica acentua em suas obras “a figura do autor e o ato de escrever, e até
interrompendo violentamente as convenções do romance, mas sem recais na mera absorção técnica. Estas
obras tomam como tema ostensivo personagens e eventos da história conhecida, mas o submetem à
distorção, à falsificação e à ficcionalização (...) o ponto essencial é que esses textos expõem a ficcionalidade
da própria história; eles negam a possibilidade de uma distinção claramente sustentável entre história e
ficção ao darem relevo ao fato de que só podemos conhecer a história como mediação de várias formas de
representação ou de narrativa. Nesse sentido, toda história é uma espécie de narrativa”. CONNOR, Steven.
Cultura pós-moderna: introdução às teorias contemporâneas. São Paulo: Loyola, 1992, p. 106.
231 BAUMGARTEN, Carlos Alexandre. O novo romance histórico brasileiro. In: Via Atlântica. São Paulo: n.4, outubro de 2000.
105
III – A HISTÓRIA DA LITERATURA
No século XIX ocorre uma supervalorização do conhecimento histórico devido a alguns fatores: expansão do capitalismo liberal burguês que
conduz a uma crítica sobre a sociedade; a construção de filosofias da história (que tiveram início no século anterior); a consolidação das correntes
filosóficas cientificistas (positivismo, evolucionismo, determinismo e influências das Ciências da Natureza – evolução das sociedades humanas);
concepção de valorização e reflexão sobre o passado relacionado à concepção romântica da História. “Assim supervalorizada, a história exporta o seu
modelo para outras áreas do conhecimento, desempenhando no século XIX papel análogo ao representado pela matemática na Antiguidade grega, pela
teologia na Idade Média ou pela linguística em passado recente. Torna-se então, para além do seu próprio âmbito disciplinar, um ‘ponto de vista
epistemológico, isto é, ao mesmo tempo mais e menos que uma ciência. Desse modo, a investigação em diversos campos adota uma perspectiva
histórica: as ciências da natureza são subsumidas pela matéria conhecida como história natural (em cujo vasto domínio, constituído pelos reinos animal,
vegetal e mineral, se situam pesquisas zoológicas, botânicas, geológicas e mineralógicas); a biologia historiciza o seu objeto, fixando-se na ideia de
evolução; a lingüística se estabelece como ciência por meio da atenção exclusiva à diacronia; e nos estudos literários a história da literatura emerge
como disciplina hegemônica, absorvendo ou situando em plano secundário a filologia, a retórica, a poética e a bibliografia.” 232
A extensão da perspectiva da história ao campo dos estudos literários, ou seja, a história da literatura, acaba promovendo uma mudança no foco
das análises da filologia (edição e restauração de textos antigos), da retórica (descrição/prescrição de técnicas de construção verbal), da poética (a
racionalidade especial da poesia) e da bibliografia (relação de autores e obras): busca-se as origens e processo de transformação do fato literário como
efeitos de causas determináveis (a subjetividade dos autores, o meio físico-geográfico e os processos sociais).233
Conforme Maria Eunice Moreira, a História da Literatura é um “gênero narrativo que se transforma num texto em que um narrador descreve a
transição, através do tempo, de um conjunto de autores e obras. Nessa perspectiva, a literatura se aproxima do discurso da história, pois se refere a um
passado remoto, seleciona os eventos (a produção literária e seus produtores) e ele um herói – ou entidade – em processo de modificação. Tal
personagem ocupará um lugar central na estrutura da narrativa, aglutinando e centralizando o foco em torno dos quais os fatos serão narrados. (...) a
concepção mais dominante, na atualidade, é diferente, pois não só se apresenta como uma versão plurivocal, como leva também em consideração
aquilo que se entende por literatura como um dos elementos considerados fundamentais à construção da identidade nacional. A história da literatura
tradicional lidava com uma visão totalizante e hegemônica, selecionando autores e obras dignos de figurarem e representarem o panteão nacional, e
impunha uma perspectiva centralizadora de nação, identificável com uma certa ideia de nação e de sua pretensa grandeza moral e espiritual. O
paradigma atual, ao romper com esses pressupostos, tem consciência de que a escrita da história da literatura está intimamente relacionada ao
conceito de nação que se pretende mostrar, como também expressa, na formulação, o conceito de literatura que possibilita a formulação dessa
história. A voz do narrador, que assume o discurso, deixa falar outras vozes e segmentos (...) a escala ascendente em torno da qual o paradigma
historicista construía a imagem da nação cede lugar ao convívio conturbado (e também pacífico) de manifestações dos mais diferentes segmentos,
232 SOUZA, Roberto Acízelo de. História da Literatura: trajetória, fundamentos, problemas. São Paulo: É Realizações Editora, Biblioteca Humanidades, 2014,p. 53-55.
233 SOUZA, História da Literatura, p. 55.
106
estilos e vozes”.234 A autora também ressalta que a História da Literatura se desenvolveu nos quadros do historicismo positivista do século XIX e tinha
por objetivo reunir o acervo artístico da nação e formular preceitos para o desenvolvimento da vida literária, desta forma, descartou a dimensão
estética do produto artístico e buscou a construção de uma historiografia objetiva. Com a ampliação do debate promovido pela Escola dos Annales e na
contribuição de Hans Robert Jauss, entrou em cena as relações entre o discurso histórico e o discurso literário, os quais “unidos na base, história e
literatura traçaram um caminho comum e, se a história da literatura surge em decorrência dessa união, sua realização desdobra-se em vários ramais,
que devem ser encarados por todos aqueles que se voltam aos estudos literários”. Maria Eunice Moreira esclarece sobre a possibilidade de diálogo
entre o conhecimento estético e a o conhecimento histórico de uma obra: “A estética da recepção, colocando questões que dizem respeito ao destino
da obra, a partir de seus efeitos, e o relacionamento que se estabelece entre os horizontes do passado e do presente, redimensiona, de certa forma, os
problemas literários e os históricos: para os primeiros, especialmente para a crítica imanentista, busca a avaliação literária no exterior do texto, nas
relações que esse estabelece com seus leitores, em diferentes épocas; para a História, a proposta recepcional cancela a ilusão da reconstrução do
passado, como pretendiam os positivistas, ao entender que o tempo já vivido pode estar submetido a interesses, conjunturas ou outras situações, que o
transformam em construção”.235
Retomando a historicidade de construção da História da Literatura na acepção de Carlos Alexandre Baumgarten:236
→ A História da Literatura desenvolveu-se e afirmou-se no curso do século XIX, a partir da influência do Positivismo que via na História a ciência
capaz de resgatar o passado, recuperando os eventos tal como haviam verdadeiramente ocorrido. Tal crença não só proporcionou um rápido
crescimento da ciência histórica, como também determinou que sua influência se disseminasse por todos os campos do saber oitocentista. Esse
prestígio alcançado pela História transferiu-se para a História da Literatura que, em boa parte do século XIX, estabeleceu-se como a principal disciplina e
referência do campo dos estudos literários;
→ A centralidade então alcançada pela História da Literatura deveu-se, também, à coincidência de sua ascensão com a consolidação dos estados
nacionais que, tanto na América quanto na Europa, necessitavam de um discurso que os legitimasse e confirmasse em sua singularidade. Nesse
contexto, a História da Literatura assume relevante papel social, pois cabia a ela não apenas a recuperação do acervo literário das comunidades
nacionais, como a elaboração de um discurso que, construído a partir desse acervo, comprovasse a existência de uma unidade cultural no âmbito
dessas mesmas comunidades;
→ Contudo, se a História e a própria História da Literatura adquiriram prestígio graças aos postulados positivistas, foi devido a esses mesmos
postulados que entraram em declínio e viram sua metodologia no trato da matéria histórica e literária ser posta em questão. No campo da História,
234 MOREIRA, Maria Eunice A Literatura de sombras e silêncios – novas formas para (re)pensar a sua história. In: RECKZIEGEL, Ana Luiza Setti (Org.). História Geral
do Rio Grande do Sul. Passo Fundo: Méritos, vol. 3, tomo2, 2007, p. 266-267.
235 MOREIRA, Maria Eunice (Org.). Histórias da Literatura: teorias, temas e autores. Porto Alegre: Mercado Aberto, 2003, 9-10.
236 BAUMGARTEN, Carlos Alexandre. A historiografia literária brasileira: experiências contemporâneas. In: Navegações: Porto Alegre, PUCRS, v. 7, n. 1, jan.-jun.
2014,p.8-15.
107
essa situação configurou uma espécie de “crise”, já que o questionamento da atitude dos dados históricos era traída pela sua seleção e ordenação,
inescapavelmente afetadas pela subjetividade do historiador ao estabelecer suas hipóteses;
→A História da Literatura, por seu turno, a partir de uma pretensa objetividade a ser alcançada, organizava o acervo literário segundo conceitos como
os de período e grupos, desconsiderando a natureza estética das obras literárias, ficando restrita ao que poderíamos chamar de uma estética da produção.
Essa direção assumida pela História da Literatura foi determinante para sua crescente marginalidade no âmbito dos estudos literários, condição a que ficou
relegada pelo menos até meados da segunda metade do século XX;
→ Nesse sentido, a História da Literatura, havendo surgido no ambiente intelectual que produziu e promoveu o historicismo, viu-se igualmente
atingida pela chamada “crise da história”, iniciada ainda no fim do século XIX e aprofundada no início do século XX. Com um novo quadro intelectual de
inclinação antihistoricista estabelecido, os estudos literários passaram a sofrer a influência de correntes cuja característica principal era a contestação dos
métodos da História da Literatura. Situam-se, nesse âmbito, as propostas formuladas notadamente pela Estilística e pela Nova Crítica, e em menor extensão
por aquelas contidas no pensamento dos formalistas russos, todas elas adeptas de uma abordagem imanente das obras literárias. Tal quadro abriu espaço
para a ascensão da Teoria da Literatura que, gradativamente, vai assumindo um protagonismo acadêmico antes desfrutado pela História da Literatura;
→Somente em meados da segunda metade do século passado, é que a história da literatura, em virtude da emergência de novas orientações teóricas
surgidas no campo dos estudos históricos, volta a ocupar posição relevante nos debates que então se processam. Tais debates, vinculados especialmente à
reflexão sobre as relações entre o discurso histórico e o discurso literário, têm origem nas sugestões primeiras constantes das propostas dos historiadores
franceses da Escola dos Anais. A estas se seguem, no final da década de 60, as formulações de Hans Robert Jauss, com o seu A história de literatura como
provocação à teoria literária, texto inaugurador da Estética da Recepção. Nele, o teórico alemão busca superar a distância existente entre o conhecimento
histórico e o conhecimento estético das obras literárias, que se harmonizariam pela consideração de uma instância que é a da recepção a que as obras são
submetidas ao longo de sua trajetória;
→ Cabe registrar, ainda, que, no curso dos anos 80, a reflexão envolvendo as relações entre História e Literatura foi enriquecida pelas contribuições do
movimento que ficou conhecido como Nova História. Todas essas tentativas, aqui sumariamente enunciadas, ao pensarem a relação entre literatura e história,
e ao reafirmarem a importância da História da Literatura, esbarram em diversos problemas estruturais, como os relacionados aos conceitos que o historiador
tem de literatura, de história, de sociedade, de ideologia. Além disso, devem elas enfrentar a questão do momento histórico em que determinada historia
literária é produzida, pois forças sociais, culturais e ideológicas interferem na visão que uma determinada sociedade tem em relação ao seu passado, sua
história e sua identidade. Na busca por soluções para esses impasses, vários têm sido os teóricos a proporem alternativas, como as apontadas por Siegfried
Schmidt, David Perkins, Niklas Luhmann, Harro Müller, Hans Ulrich Gumbrecht, Franco Moreti, entre tantos outros;
→Enfim, especialmente a partir dos anos 70 do século passado, observa-se o surgimento e a afirmação de um forte movimento cujo objetivo é
repensar a escrita da história da literatura, segundo novos parâmetros, sejam aqueles apontados por correntes do pensamento historiográfico vinculado aos
caminhos abertos pela Teoria da História da Literatura e pela Teoria da Literatura, sejam aqueles concebidos no âmbito da reflexão histórica produzida nas
décadas finais do século XX. Tal movimento não apenas recoloca a História da Literatura como objeto de reflexão constante no âmbito da academia, como
proporciona o aparecimento de uma historiografia literária que, no seu conjunto, abdica do perfil totalizador apresentado pelas histórias da literatura de feitio
tradicional, determinando o surgimento de novas formas no historiar a literatura, conclui Baumgarten.
108
IV – HISTÓRIA E FICÇÃO EM PAUL RICOUER
“Nenhum historiador oferece ao seu leitor/ouvinte o passado enquanto tal, mas uma narrativa, um livro, um texto, uma conferencia, “um artefato
verbal não sujeito a controle experimental e observacional”. A abordagem da história é uma leitura de um texto escrito e assinado por um autor. Os
historiadores sempre relutaram em reconhecer que o que fazem são “textos” e que as suas narrativas são o que são: “ficções verbais cujos conteúdos
são inventados e descobertos, cujas formas tem mais em comum com a literatura do que com a ciência”. 237
José Carlos Reis discute “o entrecruzamento entre narrativa histórica e narrativa de ficção”.238 Neste texto ele destaca alguns referenciais
utilizados por Paul Ricouer para conceituar a fronteira entre narrativa histórica e ficcional.
→As narrativas histórica e ficcional são heterogêneas e se opõem, porque a primeira produz “variações interpretativas” e a segunda cria “variações
imaginativas”. A história revela a sua capacidade de configuração do tempo histórico pela utilização de certos instrumentos: o calendário, a sucessão de
gerações, o recurso a arquivos, documentos e vestígios. São estes instrumentos que, ao conectarem o tempo vivido ao tempo cósmico e biológico,
tornam o conhecimento histórico objetivo;
→A narrativa histórica se opõe a ficção pois busca conhecer os homens do passado através de vestígios. A narrativa histórica é um conhecimento por
vestígios localizados e datados. Diferente do romance, as construções do historiador visam serem reconstruções do presente-passado. O documento
impõe a data, o personagem, a ação e uma dívida em relação aos mortos. O vestígio é “representante” do passado;
→As narrativas históricas são “variações interpretativas” do passado, configurações narrativas diferentes, mas realistas, porque devem ser
reconhecíveis como abordagens de uma mesma situação histórica. (...) A interpretação histórica, embora utilize a imaginação, não é uma “variação
imaginativa”: há dados exteriores que limitam o que se pode pensar de um evento histórico;
→A narrativa ficcional, não é obrigada às datas do tempo calendário, à sucessão de gerações, ao local e vestígios. O ficcionista envia a memória aos
braços da imaginação, que, sem receio, se entrelaçam e se confundem. O ficcionista é livre para narrar experiências “irreais”, isto é, eventos e
personagens que não se submetem ao tempo calendário. Cada experiência fictícia é singular, incomparável, nenhuma intriga literária pode ser repetida,
pois seria plágio. (...) a ficção é uma reserva de “variações imaginativas”, que explora e amplia a diferença entre tempo cósmico e tempo
fenomenológico. (...) A contribuição maior da ficção é explorar as características não lineares da experiência vivida, que a história oculta ao inscrevê-la
no tempo cósmico, liberta-se do tempo calendário, ignora o curso temporal unificado. ( ...) A ficção torna-se um tempo hermético, explorando as
discordâncias, as experiências limite, abolindo as fronteiras entre mito e história.
“O tempo torna-se humano na medida em que é articulado de maneira narrativa. A narrativa é significativa na medida em que ela desenha os traços da
experiência temporal. Esta tese apresenta um caráter circular (...) a circularidade entre temporalidade e narratividade não é viciada, mas duas metades que se
reforçam reciprocamente”. RICOUER, Paul. Tempo e Narrativa.
237 REIS, José Carlos. O Desafio Historiográfico. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2010, p.64. *Baseado nas reflexões de Hayden White.
238 REIS, O Desafio Historiográfico, p. 63-89.
109
Para Reis,239 história e ficção são complementares na narração da experiência humana. A história se serve da ficção e a ficção se serve da
história. Para ele, este entrecruzamento é perceptível nos seguintes aspectos:
►História é quase ficção porque:
→o passado tal como foi só pode ser abordado com a contribuição da imaginação. O imaginário tem seu lugar na história na medida em que o passado
não é observável;
→o tempo calendário é uma criação, uma invenção, que permite conectar o mundo humano ao movimento do sol. O vestígio é o signo a partir do qual
a narrativa histórica imagina o contexto, a experiência vivida que o envolvia;
→a escrita da história não é exterior ao conhecimento histórico, faz corpo com ele. Logo, a história imita em sua escrita os modelos da configuração
literária. A escrita histórica é uma composição literária. Afinal, as grandes obras de história são também grandes obras poéticas. A sua força poética está
em sua capacidade de fazer ver o passado, de colocá-lo sob os olhos;
→A ficção oferece ao historiador olhos, palavras, imagens, que possibilitam a ele mostrar ao leitor, por sob os seus olhos, o horror, a guerra, o
bombardeio, o campo de concentração, o genocídio, que, contudo, não são ficcionais e não devem ser jamais esquecidos.
110
V- SENSIBILIDADES LITERÁRIAS INSTIGADORAS DAS REFLEXÕES HISTÓRICAS
→“(...) Viver é subir uma escada rolante... pelo lado que desce. A gente passa a vida toda fazendo uma força danada para chegar mais alto, para
onde nos impelem esperança, desafios, sonhos. Mas lá debaixo nos chamam o cansaço, a solidão, a doença, a loucura... a morte. Esta, no fim, vai
vencer” (Lya Luft, A Sentinela).
→”Se queres transformar-te num homem de letras, e quem sabe um dia escrever Histórias, deves também mentir, e inventar histórias, pois
senão a tua História ficaria monótona. Mas terás de fazê-lo com moderação. O mundo condena os mentirosos que só sabem mentir, até mesmo sobre
coisas mínimas, e premia os poetas que mentem apenas sobre coisas grandiosas” (Umberto Eco, Baudolino).
→ “(...) no romance há sempre um relógio. O autor pode não gostar do seu relógio: Emily Bronte, em Wuthering Heigts tentou escondê-lo;
Sterne, em Tristan Shandy, virou-o de cabeça para baixo; Marcel Proust, ainda mais engenhoso, alterava constantemente o ponteiro (...). Todos os
expedientes são legítimos, mas nenhum deles contradiz a nossa tese: a base de um romance é a história, e a história é uma narrativa de
acontecimentos dispostos em sequência no tempo” (Edward Morgan Foster, Passagem para a Índia).
→ “Condenados a uma existência que nunca está à altura de seus sonhos, os seres humanos tiveram que inventar um subterfúgio para escapar
de seu confinamento dentro dos limites do possível: a ficção. Ela lhes permite viver mais e melhor, ser outros sem deixar de ser o que já são, deslocar-se
no espaço e no tempo sem sair do lugar, nem de sua hora e viver as mais ousadas aventuras do corpo, da mente e das paixões, sem perder o juízo ou
trair o coração” (Mario Vargas Llosa). 240
Lya Luft
Umberto Eco
240 LLOSA, Mario Vargas In: Apud ABREU, Márcia. Cultura Letrada: literatura e leitura. São Paulo: Editora da Unesp, 2006, p. 29.
111
RETOMANDO A HISTÓRIA NARRATIVA
►“O que se deve entender por história-narrativa? Simplesmente aquela que reserva o primeiro plano aos indivíduos e aos acontecimentos. Seu
questionamento se efetua sob a pressão das incipientes ciências sociais, para quem o objeto da ciência já não é o indivíduo, mas os grupos sociais;
tampouco a sequência dos acontecimentos em sua superficialidade, mas o repetitivo é a série. Tendo-se tornado econômica e social, a história
pretende, pela parte que lhe compete, contribuir para a construção dessa nova ciência da sociedade sobre si mesma. Passando do nacional (sua
principal preocupação, durante todo o século XIX) para o social, a história abandona, em breve, a narrativa das origens, a narração contínua dos faustos
da nação, em favor do “recitativo da conjuntura” (ela quantifica, constrói séries, elabora tabelas e curvas). Deixando de se contentar com a ordem de
sucessão e com a linha da cronologia (subentendida unicamente pela ideia de progresso), ela procede a comparações, de múltiplas maneiras,
preocupada em mostrar repetições e remanências. Sob seu microscópio, o acontecimento deixa de ser “visível”, legível. Ele, por si só, é nada ou quase
nada; além disso, a luz que projeta não lhe pertence. O tempo a partir do qual ela trabalha já não é o do acontecimento, demasiado breve e não
significativo, mas um tempo, também social, pontuado por ciclos, conjunturas estruturas e crises. Com suas oscilações e seus movimentos, de grande
amplitude, suas camadas profundas e suas lentidões, esse novo tempo histórico (que conduz à longa duração braudeliana) prescinde totalmente do
acontecimento e da história política. Assim ela proclamaria que repudiá-lo é, ao mesmo tempo, abandonar a narrativa. Será suficiente rejeitar
acontecimento e indivíduo para escapar da narrativa? Inversamente, bastará evocar o retorno do acontecimento (e do indivíduo) para chegar à
conclusão de um retorno da narrativa? Posteriormente, a história tem mantido e reformulado essa ambição no sentido de ser cada vez mais científica
(portanto, mais realista ou verdadeira), por seu recurso aos grandes paradigmas do século XX (...)viu-se, a história moderna praticamente renunciar à
narrativa, sem nunca ter formulado a questão da narrativa enquanto tal. Assim, ao invés do abandono, seria preferível, em companhia de Ricouer falar
de “eclipse” da narrativa (tornou-se invisível, mas ela continua presente e pode tornar-se, de novo, visível: fazer retorno, como observava Stone). O
abandono da história evolução e progresso, assim como a reintrodução do historiador na história com a posição lingüística na década de 1960. De fato,
não se trata propriamente de um retorno da narrativa, mas de uma aproximação da prática historiográfica de estruturas narrativas como à literatura.241
“A expectativa do historiador – e por certo do leitor de um texto de História – é de encontrar nele algo de verdade sobre o passado. O discurso
histórico, portanto, mesmo operando pela verossimilhança e não pela veracidade, produz um efeito de verdade: é uma narrativa que se propõe como
verídica e mesmo se substitui ao passado, tomando o seu lugar. Nesse aspecto, o discurso histórico chega a atingir um efeito de real”. (PESAVENTO,
Sandra. História & História Cultural. p. 55).
241 HARTOG, François. Evidência da História: o que os historiadores vêem. Belo Horizonte: Autêntica,2011, p. 175-182.
112
CRISES DO PENSAMENTO OCIDENTAL: REFLEXÕES
Quando falamos em crise de paradigmas do conhecimento histórico de fato o tema remete a um debate filosófico de maior envergadura: a crise
da razão histórica (a capacidade de refletir sobre a viabilidade de compreender e transformar o mundo através da razão). Os paradigmas do
positivismo, historicismo e marxismo foram duramente questionados em seus fundamentos e fortes doses de irracionalidade emergiram no cenário
historiográfico no último meio século. A estratégia de construção do conhecimento na dimensão analítica, coletiva, totalizante, teleológica, fundada no
progresso material cumulativo da humanidade recebeu inúmeras críticas. A intensificação da hermenêutica repôs o homem e a ação dos indivíduos no
centro da história e lançou para segundo plano a análise estruturalista dos modos-de-produção ou perspectivas totalizadoras dos processos. A
perspectiva de caráter macroscópico que buscava regularidades explicativas na sociedade estão embasados na tradição da modernidade (fé na razão,
racionalismo e até determinismo). A expressão conceitual da modernidade se traduz em razão, ciência, objetividade, verdade, revolução, progresso etc.
Em parte, refere-se a crença do crescente otimismo burguês na compreensão, pela razão, da natureza.242 De outra parte, na crença teleológica de que
um processo dialético inexorável de conflito de classes sociais levaria as mudanças nos modos-de-produção (o motor e sentido da história teriam sido
descobertos). As críticas à modernidade resultaram na desconstrução discursiva e valorização do fragmento, do singular, do microscópico, do
imaginário, do cotidiano e da ausência de sentidos inerentes as teorias e leis do desenvolvimento histórico.
Para contextualizar uma breve incursão sistematizadora do contemporâneo podemos seguir as reflexões propostas por Astor Antonio Diehl.
Conforme este teórico da história, a partir dos anos 1980/90 a cultura em torno do pensamento histórico teria perdido, em tese, sua capacidade de
explicação estrutural dos movimentos sociais e dos processos que propunham a civilização. As histórias narradas perderam, também, muito de seu
sentido original glorioso e heróico. Sua energia e pedagogia explicativa inicial dos grandes feitos modernizadores cedem lugar à consciência de viver
numa época multicultural e de interesses pluriorientados. O passado dos feitos gloriosos e positivados através das concepções vindas desde o
esclarecimento já não mais consegue iluminar os trilhos por onde a locomotiva da história com sua carga preciosa e esclarecedora trazida do passado
pudesse passar rumo ao futuro. Para Diehl,243 a consciência dessa perda irreparável, promovida pela mudança paradigmática nas formas de produção
do conhecimento gerou, ao que tudo indica o afastamento das histórias e das representações estruturais de caráter eminentemente materialistas. Em
seu lugar crescem as histórias culturais. Já não são mais os modelos conceituais teóricos aqueles capazes de dar conta da ambição explicativa, mas a
memória agora passa a assumir importância. Como não é mais possível contar com as luzes de uma “verdade” e exclusiva ciência, do progresso e do
projeto legitimado pela linearidade temporal, a ênfase recai sobre as ruínas, os restos e as lembranças que sobraram dos processos de modernização,
os quais rondam como fantasmas sobre nossas cabeças.
242 BERMAN, M. Tudo que é Sólido se Desmancha no Ar. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.
243 DIEHL,
113
→O materialismo, vertente iluminista da modernidade, tinha o poder messiânico de implantar o socialismo real e equalizar todas as contradições;
→O Estado liberal hegeliano traria a prosperidade para um equilíbrio planetário onde cada sujeito aceitaria o seu lugar nesta construção;
→O crescente otimismo burguês naufragou em meio a duas guerras mundiais e o socialismo real esbarrou em contradições e autocracias indigestas até
sua fragmentação e descrença;
→A globalização desconfigurou a identidade de agentes culturais e tentou unificar o planeta na forma de mercado e consumo, num processo
conflituoso e com variáveis fundamentalistas confrontantes/desintegradoras.
Numa reflexão pessoal, o pensamento faz parte do processo histórico e recebe o influxo dos tempos que circundam e entranham a vida
intelectual. A falta de sentido para o futuro, fugindo as explicações teológicas e teleológicas, remete a descrença nos metarelatos do passado enquanto
alicerce lúcido para explicar o presente. A história fragmentada e retalhada pelo prefixo “pós” desencadeia uma incursão aos agentes históricos ocultos
nas grandes explicações fundadas nas histórias nacionais, patrióticas, na “luta de classe”. Descobrir a vida cotidiana, os processos mentais, as diferentes
facetas da cultura, exigiu visitas íntimas a personagens esquecidos, a escrita da história dos gêneros e as facetas mais recondidas de uma psicanálise da
intimidade. As fugas hedonistas no micro, aprofunda o caminho das práticas e representações e abre espaço para a entronização de preocupações
narrativas, de diálogos com o leitor real ou imaginado. Momentos de riqueza interpretativa e de descobertas de silêncio, do desvelamento de vidas
mas... E o futuro do planeta, e as perspectivas de alternativas para mudanças no presente, os caminhos do homo sapiens com suas mediocridades e
sublimes atos de superação? O conhecimento, por mais restrito ao foco da pesquisa, não busca sempre lançar uma luz tênue ao futuro? Ou estarei
voltando a uma perspectiva atenuada dos modernos e sua crença nas luzes da razão?
“Minha tarefa principal como historiadora é entender o passado, buscar o maior número de evidências possíveis, conferir minhas
evidencias e interpretá-las de modo a relacioná-las às questões propostas e ao material levantado. Mesmo nos meus tempos
marxistas mais ativistas e engajados, nunca fui doutrinária e nunca deixei que a história fosse posta a serviço de qualquer
doutrina. (...) A história nos serve somente pelas perspectivas que nos abre, pelos pontos de vista que nos descortina, a partir dos
quais podemos olhar e entender o presente. Também nos serve pela sabedoria ou paciência que pode nos dar e pela esperança
de mudança com que pode nos confortar”. DAVIS, Natalie Zemon. In: PALLARES-BURKE, Maria. As Muitas Faces da História: nove
entrevistas. São Paulo: Editora UNESP, 2000, p. 88.
O conflito de escala e fins dos estudos históricos volta a ser posto: as abordagens compreensivas, fenomenológicas, as análises micro-orientadas
acabam ignorando as condições estruturais e focando no subjetivismo e até no irracionalismo. Já as abordagens estruturalistas, mecanicistas,
metarrelatos de nação ou classe social, prendem-se ao processo totalizador e até na crença messiânica do conhecimento histórico como transformação
das ações humanas. Fricções repostas e não resolvidas para além das perspectivas de atuação dos diferentes intelectuais envolvidos.
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CONSTRUÇÃO E DESCONSTRUÇÃO DA RACIONALIDADE
“O que obriga a história a se redefinir é, de imediato, a tomada de consciência pelos historiadores, do relativismo de sua ciência. A história não é o
absoluto dos historiadores do passado, providencialistas ou positivistas, mas o produto de uma situação, de uma história. Esse caráter singular de uma
ciência que possui apenas um único termo para seu objeto e para si próprio, que oscila entre a história vivida e a história construída, sofrida e fabricada,
obriga os historiadores, já conscientes dessa relação original, a se interrogarem novamente sobre os fundamentos epistemológicos de sua disciplina”.244
A caminhada relativamente cansativa que fizemos não foi por acaso! Meu objetivo foi buscar diferentes perspectivas para pensar a trajetória
civilizatória da humanidade ocidental. O livro é repleto de provocações e inúmeras dúvidas que estão chegando a um epílogo que remete ao
reconhecimento de que a caminhada é inesgotável. A trilha nos conduziu a indagar sobre a racionalidade e a construção/desconstrução do
conhecimento histórico/filosófico. Há 35 anos ingressei em Curso de Graduação em História e nunca mais parei de ler. O estranho é que a curiosidade
em conhecer nunca foi tão grande, mesmo passado tantos anos, o que me leva a acreditar que a História é uma “vocação e uma paixão” que te conduz
a, questionar num crescendo, todos os referenciais daquilo que já acreditou no passado e no presente e que está envolto em inesgotáveis discussões.
Entre a racionalização e o desencantamento do mundo245 já se passaram dois milênios e meio! Na Grécia surgiram as grandes questões
filosóficas que conduziram o pensamento ocidental: a identidade, o sentido inteligível dos acontecimentos, a universalidade das ações e explicações, os
limites entre fragmento e totalidade, entre objetivo e subjetivo, entre cognoscível e sobrenatural. A afirmação da ciência como absoluto e a
desconstrução do mito do absoluto... Esclarecer parcialmente a pergunta “de onde viemos” não é garantia para pacificar o pânico em vislumbrar o
horizonte sombrio do passamento. Talvez pensemos que o conhecimento histórico poderia aplacar nossa ansiedade com o desvelamento da segurança
das nossas raízes e a ciência poderia trazer as técnicas que nos manteriam imortais perante a “dança da morte”. O conhecimento nos trouxe muitas
respostas e impôs infinitas perguntas. Porém, o conhecimento não aplacou o mundo real da condição de hominídeos caçadores-coletores, que nos
últimos três 3,7 milhões de anos, desenvolveram habilidades de sobrevivência, de edificação material da cultura e da arte da abstração sobre o
funcionamento do Cosmos. O peso que trazemos de sermos homo-sapiens continua sendo decisivo nesta insana disputa por poder, prazer, ego e
satisfação dos instintos. Tudo permeado com um desenvolvimento intelectual que muitas vezes nos “diminui” em vez de nos projetar numa
racionalidade saudável.
Se o historiador deveria, na concepção de Ranke, reproduzir os fatos “como eles realmente aconteceram”, inúmeras discussões historiográficas
levaram a questionar esta objetividade absoluta. Avançou a compreensão de que olhar para o passado está associado a visões de mundo e escolhas
interpretativas por parte do historiador. Ideias, imaginários, crenças, mitos e representações, toda a bagagem subjetiva que destituía o conhecimento
histórico de fundamento científico, passou a ser amplamente visitado por historiadores, especialmente, os do campo da cultura. O sentido da história-
processo é construído subjetivamente pelos atores sociais através de representações as quais não são apenas o reflexo de uma realidade pré-existente.
244LE GOFF, J. & NORA, P. História: novos problemas. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1988, p. 12.
245“O destino de nossos tempos é caracterizado pela racionalização e, acima de tudo, pelo desencantamento do mundo. Precisamente os valores últimos e mais
sublimes retiraram-se da vida pública, seja para o reino transcendental da vida mística, seja para a fraternidade das relações humanas diretas e pessoais”. Max
Weber, Ciência como Vocação.
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Segundo o paradigma tradicional, “a História é objetiva. A tarefa do historiador é apresentar aos leitores os fatos (...). Hoje em dia, este ideal é,
em geral, considerado irrealista. Por mais que lutemos arduamente para evitar os preconceitos associados a cor, credo, classe ou sexo, não podemos
evitar olhar o passado de um ponto de vista particular. O relativismo cultural obviamente se aplica, tanto à própria escrita da história, quanto a seus
chamados objetos. Nossas mentes não refletem diretamente a realidade. Só percebemos o mundo através de uma estrutura de convenções, esquemas
e estereótipos, um entrelaçamento que varia de uma cultura para outra”.246
A subjetividade atuante pode conduzir a compreensão de que a história e a ficção estão entrelaçadas por natureza. A história é uma narrativa
que foi “organizada com base em figuras e fórmulas que as narrações imaginárias mobilizam”.247 Porém, isto não conduz o saber histórico para uma
ficção literária se a pesquisa for pautada por crítica das fontes e padrões de cientificidade na análise. Roger Chartier esclarece que “a história é um
discurso que aciona construções, composições e figuras que são as mesmas da escrita narrativa, portanto da ficção, mas é um discurso que ao mesmo
tempo, produz um campo de enunciados científicos”.248 Portanto, a história é uma representação que possui latente a subjetividade de sua prática
científica sem torná-la apenas uma ficção.
A construção intelectual que remete a Teoria da História se formaliza enquanto práxis na Historiografia, nas escritas dos historiadores. A
historiografia pode buscar metarrelatos ou micro-físicas do poder. Pode ser buscar desvelar processos históricos ou acobertá-los em relações de poder!
Pode estabelecer enunciados críticos de ética e isonomia no tratamento do social e do político ou estabelecer discursos pseudo-científicos que só
enfatizam a realização teleológica e messiânica que se deseja realizar. A razão pode ser a radical reflexão ou a justificação de status quo vigente ou a ser
realizado revolucionariamente. Ela é o espaço quadridimensional em que se movimentam os atores sociais e onde se constrói suas tramas e dramas,
onde se perpetua relações de poder e se formula novas composições sanguinolentas ou maquiadas, onde a ética se constrói e se destrói em atos de
redenção ou impuros, onde o ego do historiador fala de si e se basta ou magicamente expressa angustias coletivas socializando a sua construção
intelectual que se transforma em matéria bruta para a mudança em sociedade. A historiografia pode ser constituída de apatia, silêncio ou vozes
intensas (parciais ou críticas). Construir reflexão histórica é antes de tudo não fugir da essência do ser humano que é viver sua transitória temporalidade
repleto de contradições e jogos egocêntricos de poder, criando formas lúcidas e assombradas, e especialmente, deixando registrado graficamente esta
trajetória em escritos que buscam racionalizar e domesticar as lógicas insanas da natureza humana.
Estamos em algum lugar do espaço-tempo repleto de um lado, em buscas e descrenças culturais e irracionalista, que buscam redescobrir as
subjetividades de atores esquecidos nos processos e procuram construir identidades e exercerem poder simbólico e material na sociedade
(constituindo novos tipos de dominação e de exclusão do que for diferente?); de outro lado, a crença no progresso inexorável e na aceitação messiânica
dos metarrelatos explicativos da trajetória dos homens em sociedade. Estes metarrelatos, como o marxismo, se convertem em discursos racionais
fundados na falta de crítica dos próprios atos em nome de uma realização transcendental fundada no poder político. O discurso se converte em pura
discursividade hipócrita e cínica. A psicopatia do egocentrismo acaba forjando os mundos possíveis de compreensão e os mecanismos maniqueístas.
Esta fronteira entre o conhecimento científico e a subjetividade ideológica de classe ou partido, cada vez mais esta indissociavelmente fundada na má-
fé discursiva. O senso crítico se perde nos projetos salvacionistas mais amplos onde o outro é criticado em todas as facetas e o eu é blindado, como se
pairasse acima da condição humana.
246 BURKE, Peter. A Escrita da História: novas perspectivas. Editora da Unesp, 1992, p.15.
247 CHARTIER, Roger. A história hoje: dúvidas, desafios, propostas In: Estudos Históricos. Rio de Janeiro: FGV, vol. 7, n. 13, 1994, p. 109.
248 CHARTIER, Roger. A história hoje, p. 110.
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Cabe ressaltar que este livro relatou recortes da trajetória da Teoria da História e não buscou a compreensão final dos processos e nem o seu
sentido mais oculto: se ele existe! A construção do conhecimento histórico é realizada em três dimensões: as fontes, o historiador e o leitor. As fontes
são a matéria-prima que expressa à ação humana no tempo. São os fragmentos que sobreviveram a passagem das sociedades e seus projetos
civilizatórios permeados por laços sociais e políticos de desigualdade. Já é uma história do discurso que se impôs no passado frente a outros discursos
que feneceram e “não estão mais no mundo”.
O historiador ao trabalhar com fontes que não são neutras, mas, já repletas de significados, fará escolhas teórico-metodológicas e
interpretativas, em consonância com sua visão de mundo. A sua contemporaneidade fundada no tempo presente fará com que olhe para o passado
com perspectivas interpretativas que vagam/interagem no espaço cultural de seu tempo. O leitor será o receptor da obra historiográfica construída a
partir de opções teóricas e de visões de mundo do historiador que se debruçou sobre fontes fragmentadas do passado. Sua recepção crítica da obra,
numa gama de outras leituras já realizadas e visão de mundo, promoverá uma nova construção interpretativa da obra do historiador. Nestas
considerações a perspectiva da objetividade do conhecimento histórico não pode remeter aos conceitos de absoluto ou congêneres mas de construção
interpretativa. O passado em si já não existe mas sim alguns fragmentos que dão pistas para uma construção possível em meio a outras interpretações
consonantes com as perguntas feitas. A pergunta para as fontes é fundamental e a escolha do instrumental para análise também! A objetividade
consiste no encaminhamento de perguntas, instrumentos e interpretações verossímeis mas não no encontro da verdade final. A subjetividade remete
ao lugar social dos sujeitos produtores/leitores do saber e da própria fonte. A história pode ser construída de forma objetiva a partir da subjetividade de
sujeitos mas sem jamais esgotar a realidade de um tempo que não mais existe. E a verdade enquanto conceito limite deve ser remetida ao campo das
teleologias dogmáticas. Refletindo a partir do ideário de Paul Ricouer, “a ação é como um texto, o texto já é ação. Texto e ação são criadores de sentido.
Portanto, é preciso escrever história pensando e fazendo a história de um mundo que se pode compartilhar, mediado por linguagens criadoras de
sentido, que ordenam o direito, promovem a justiça, expressam e tornam complexas as subjetividades. Enfim, a historiografia é essencial à vida cultural
e à ação política que constroem um mundo social habitável”.249
Toda esta trajetória de mais de dois milênios nos legaram inúmeras experiências de construção das realidades tão mutáveis como as sociedades
humanas, que podem ser analisadas de forma mais imóvel ou mais dinâmica, conforme as noções de temporalidade e de mentalidades. Podemos
pensar que a história não almeja apenas o estudo árido de um passado imutável e sim as relações entre o pretérito com o presente. Se busca no
passado dos documentos escritos, materiais e orais, -ou dos espaços de memória-, a compreensão parcial do tempo presente no qual o historiador é
parte atuante na construção historiográfica. Na dissolução dos referenciais/sentidos para o devir e na tragédia anunciada e repetitiva das práticas
humanas, meu bom senso ainda clama que a racionalidade é a forma “mais lúcida” e ainda indispensável de vislumbrar a insustentável leveza da
condição humana. Razão iluminista domesticada, embalada pela crítica do limite cognitivo frente à natureza, permeado pelo referencial Austiano de
“Razão e sensibilidade”. No campo da Teoria da História, a possibilidade real de construção de verdades se funda na incerteza da quântica probabilística
para tentar entender o que chamamos genericamente de “ser humano”, numa balada ritmada entre o blues da sensibilidade criadora e melancólica de
Robert Johnson e a razão criadora da balada country de Bob Dilan em que não há caminhos certos mas apenas caminhos.
Nosso horizonte de eventos culmina numa constelação de perspectivas que foram abertas por tantos intelectuais, alguns deles aqui citados:
visitá-los e deleitá-los de forma ilimitada será contemporaneizar nossas angustias e questionamentos frente a uma tela de fundo formada por traços de
249 REIS, José Carlos. O Desafio Historiográfico. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2010, p. 10.
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maior ou menor intensidade e constituído por diversos estilos artísticos. Se esta tela for observada com olhos despojados de uma visão de mundo já
enclausurado em dogmas, poderemos deixar os sentidos nos conduzirem aos recantos mais reflexivos e aos questionamentos mais devastadoras e num
momento futuro, de amadurecimento pessoal, poderemos sintonizar nossa perspectivas de mundo contemplada com a caminhada de outros
investigadores da natureza humana. A Teoria da História deixará de ser apenas construções externas, mas, passará a fazer parte da “nossa construção
de saber”, necessária para nos situar neste insustentável mundo dos processos históricos em que a razão é nosso guia e que nos faz caminhar com
passos menos inseguros amparados por sua “tênue mas percuciente luz”.
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O AUTOR
Doutor em História do Brasil (PUCRS) e prof. Titular em História (ICHI/FURG). Desde 2002, é professor no Programa de Pós-Graduação em Letras da
Universidade Federal do Rio Grande (Mestrado e Doutorado em História da Literatura) onde leciona a disciplina “Teoria da História”. Nos Cursos de
História (Licenciatura e Bacharelado – ICHI/FURG) leciona, desde 1991, Historiografia do Rio Grande do Sul.
127
ANEXO I
LEITURAS PARALELAS PARA REFLEXÃO
Esta breve caminhada pelas trilhas da Teoria da História nos faz constatar que a ampliação do cenário intelectual é essencial para o historiador
contemporâneo. Contribuições voltadas à reflexão e crítica de processos dos fazeres humanos em sociedade devem ser visitados pelos historiadores. O
sentido está em que o conhecimento não é um ato isolado de um campo específico da ciência e que pode sobreviver distanciado de qualquer interação.
Neste livro se buscou a ciência enquanto totalidade investigativa que acompanha a construção do saber humano, mesmo que quase sempre tentamos
nos voltar aos problemas inerentes ao historiador. Nesta direção, sugerir algumas leituras do campo da Física, Biologia, Sociologia, Filosofia etc, não
deveria ser visto como uma sugestão estranha. Vejamos alguns temas que podem enriquecer nossa constelação reflexiva...
Para o filósofo inglês John Gray os homens não aceitam o incognoscível. Pretendem conhecer tudo, e controlar tudo. Inclusive seu destino
inexorável, que é a morte. Gray rechaça as idéias humanistas de progresso ético e moral. O progresso ocorre no campo da ciência e do conhecimento
mas não do comportamento humano. Para ele "Os seres humanos diferem dos animais principalmente pela capacidade de acumular conhecimento.
Mas não são capazes de controlar seu destino nem de utilizar a sabedoria acumulada para viver melhor. Nesses aspectos somos como os demais
seres. Através dos séculos, o ser humano não foi capaz de evoluir em termos de ética ou de uma lógica política. Não conseguiu eliminar seu instinto
destruidor, predatório. No século 18, o Iluminismo imaginou que seria possível uma evolução através do conhecimento e da razão. Mas a alternância
de períodos com avanços e declínios prosseguiu inalterada. A história humana é como um ciclo que se repete, sem evoluir."
"Os seres humanos diferem dos animais principalmente pela capacidade de acumular conhecimento. Mas não são capazes de controlar seu destino
nem de utilizar a sabedoria acumulada para viver melhor. Nesses aspectos somos como os demais seres. Através dos séculos, o ser humano não foi
capaz de evoluir em termos de ética ou de uma lógica política. Não conseguiu eliminar seu instinto destruidor, predatório. No século 18, o Iluminismo
imaginou que seria possível uma evolução através do conhecimento e da razão. Mas a alternância de períodos com avanços e declínios prosseguiu
inalterada. A história humana é como um ciclo que se repete, sem evoluir." “Os seres humanos não podem viver sem ilusão. Para os homens e mulheres
de hoje, uma fé irracional no progresso pode ser o único antídoto para o niilismo. Sem esperança de que o futuro será melhor que o passado, eles não
poderiam continuar”. John Gray, Cães de Palha.
129
III - MARCELO GLEISER E A SIMPLES BELEZA DO INESPERADO
Questionamentos filosóficos do historiador e do físico, apresentam alguns pontos em comum: buscam a compreensão de processos em que a
temporalidade está sempre presente. É o caso do astrônomo que ao olhar para o espaço sideral está vislumbrando passados. A luz de uma estrela que
chega a Terra, é a luz desta estrela num passado de centenas de anos luz. E não a sua luz no presente! O astrônomo investiga o passado dos astros e
pode buscar correlações cosmológicos que podem ser úteis para pensar a espécie homo sapiens que surgiu a 200.000 mil anos na África. A história do
conhecimento humano está inserido nesta história cosmológica. As explicações mais distantes da energia e da matéria já chamara a atenção de
inúmeros cientistas como Galileu, Kepler, Copérnico, Laplace, Einstein, Carl Sagan, Hawking, numa lista extenuante de proposições criativas. Um dos
pesquisadores que concilia erudição, espírito científico e divulgação é o brasileiro Marcelo Gleisser, prof. Titular de Filosofia Natural e de Física e
Astronomia na Dartmouth College, Hanover (EUA). Critica as posturas perfeccionistas da ciência e a busca da “teoria do tudo”, defendendo a tolerância
religiosa, a humildade científica frente aos limites para o conhecimento dos fenômenos naturais.
Em um dos seus livros, conversa sobre a arte da pesca e os momentos de reflexão daí surgidos, questionando sobre a ciência e o universo:
→“A ciência moderna é uma ferramenta poderosa para compreendermos o que existe além do óbvio, para explorarmos aquelas partes da
realidade além da nossa percepção imediata das coisas. É na fronteira do conhecimento que a ciência mergulha em direção ao mistério, tentando
explicações do desconhecido através do que é conhecível. Esse é o objetivo principal da ciência, dar sentido ao desconhecido. Mas é bom lembrar que,
pela sua própria natureza, a construção do conhecimento sobre o mundo não tem fim. Quando nossa Ilha do Conhecimento cresce, as praias da nossa
ignorância, que demarcam a fronteira entre o conhecido e o desconhecido, também crescem. Quanto mais sabemos, mais descobrimos o quanto não
sabemos. Como nos ensina a história da ciência, novas descobertas e novos instrumentos, tem o poder de mudar por completo nossa visão de mundo.
Pense em como nossa compreensão dos céus mudou após a invenção do telescópio; ou como nossa compreensão da vida foi alterada pelo microscópio.
Esses instrumentos revolucionaram nossa percepção de Natureza. Se antes víamos a humanidade como criação divina, vivendo no cento estático do
cosmo, agora nos vemos como uma espécie evoluída de primatas, vivendo num pequeno planeta azul dentre trilhões de outros mundos em nossa
galáxia, num Universo em expansão. (...)alguns fenômenos naturais talvez nunca sejam explicados, ao menos por nós. Esse tipo de afirmação costuma
incomodar quem acredita numa espécie de triunfalismo científico, que a ciência pode conquistar tudo. Não devia, pois essa expectativa não faz sentido.
Cientistas tem que ter a integridade profissional e a clareza intelectual para saber o que está além do seu alcance, ao menos através da aplicação da
metodologia científica que conhecemos hoje. Falo isso sendo um cientista bastante ativo na pesquisa. Reconhecer nossos limites e aprender com eles
não é, de modo algum, o mesmo que desistir da busca”.
GLEISER, Marcelo. A Simples Beleza do Inesperado: um filósofo natural em busca de trutas e do sentido da
vida. Rio de Janeiro: Record, 2016, p. 71-72.
Defensor de um ateísmo liberal e da não aceitação do criacionismo, Gleisser difunde a História da Ciência para o
público não especializado e defende a visão científica de mundo frente às explicações sobrenaturais, segundo ele: “a
mecânica universal não precisa de Deus! As pessoas podem precisar de Deus! São duas coisas completamente
diferentes!". Gleisser expressa concepções do “naturalismo metodológico” que se funda no método científico como
forma de investigar a realidade universal que é constituída por fenômenos naturais e não sobrenaturais.
130
ZIZEK: REVOLUÇÃO E PÓS-MODERNIDADE
Slavoj Zizek nasceu na Eslovênia, em 1949. Autor de dezenas de livros, Zizek é filósofo e psicanalista que transita por diversas áreas do conhecimento (o
cinema, a música, a cultura popular e os objetos de consumo). Suas maiores influências são Karl Marx e Jacques Lacan, dedicando-se a crítica cultural e política da
pós-modernidade. No livro "Em defesa das causas perdidas",250 investiga as “políticas totalitárias” do passado. Revisita o passado com o foco no presente, colocando-
se como observador do processo histórico que ele denomina de “causas perdidas”: a derrocada do socialismo real. Ele continua rastreando as experiências dolorosas
do passado para abrir e iluminar caminhos para a retomada da utopia. Seu fundamento está na contestação contínua e fundamentada na psicanálise e no marxismo,
para, segundo ele não “defender, como tal, o terror stalinista, mas tornar problemática a tão facilzinha alternativa democrático-liberal”. “Parafraseando a memorável
frase de Beckett, à qual voltarei várias vezes adiante, depois de errar pode-se continuar e errar melhor, enquanto a indiferença nos afunda cada vez mais no lamaçal
do Ser imbecil”, conclui Zizek. Em tempos de pós-modernidade e ênfase cultural, a democracia é o local de reprodução e perpetuação do sistema capitalista, onde as
escatologias libertadoras ficam trancafiadas na subjetividade dos agentes. O inventário marxista, lacaniano e pós-moderno irrompe a cada momento em reflexões de
um retorno a emancipação socialista e a crítica as práticas totalitárias e as perspectivas mecanicistas: “Um dos tópicos mais comuns do pós-marxismo é que, hoje, a
classe operária não é mais o sujeito revolucionário ‘predestinado’, as lutas emancipadoras contemporâneas são plurais, sem um agente específico que reclame um
lugar privilegiado. A maneira de responder a essa advertência é ceder ainda mais: nunca houve esse privilégio da classe operária, o papel estrutural fundamental da
classe operária não envolve esse tipo de prioridade.”
Um trecho do livro é elucidativo para buscar a tensão que move as reflexões de Zizek: “Restam somente duas teorias que ainda indicam e praticam essa
noção engajada de verdade: o marxismo e a psicanálise. Ambas são teorias de luta, não só teorias sobre a luta, mas teorias que estão, elas mesmas, engajadas numa
luta: sua história não consiste num acúmulo de conhecimentos neutros, pois é marcada por cismas, heresias, expulsões. É por isso que, em ambas, a relação entre
teoria e prática é propriamente dialética; em outras palavras, é de uma tensão irredutível: a teoria não é somente o fundamento conceitual da prática, ela explica ao
mesmo tempo por que a prática, em última análise, está condenada ao fracasso – ou, como disse Freud de modo conciso, a psicanálise só seria totalmente possível
numa sociedade que não precisasse mais dela. Em seu aspecto mais radical, a teoria é a teoria de uma prática fracassada: “É por isso que as coisas deram errado...”.
Costumamos esquecer que os cinco grandes relatos clínicos de Freud são basicamente relatos de um sucesso parcial e de um fracasso definitivo; da mesma forma, os
maiores relatos históricos marxistas de eventos revolucionários são descrições de grandes fracassos (da Guerra dos Camponeses Alemães, dos jacobinos na
Revolução Francesa, da Comuna de Paris, da Revolução de Outubro, da Revolução Cultural Chinesa...). Esse exame dos fracassos nos põe diante do problema da
fidelidade: como redimir o potencial emancipatório de tais fracassos evitando a dupla armadilha do apego nostálgico ao passado e da acomodação demasiado
escorregadia às “novas circunstancias”?
250 ZIZEK, Slavoj. Em Defesa das Causas Perdidas. São Paulo: Boitempo, 2011.
131
FERGUSSON E A DERROCADA DO OCIDENTE
O escocês Niall Ferguson (professor de História na Universidade de Harvard) é o autor de Civilização: Ocidente x Oriente (São Paulo: Planeta,
2012), propõe reflexões fundamentadas no levantamento de dados e muita imaginação criadora, busca as raízes da civilização Ocidental e a explicação
para a sua intervenção planetária nos últimos 500 anos e sua atual “degeneração”. Como uma minoria poderia ter realizado o controle ou a influência
em culturas e economias tão diferentes? O autor usa o conceitual de aplicativos ou (apps) para explicar a supremacia ocidental: Competição:
uma descentralização da vida política e econômica, que criou as condições para o surgimento dos Estados-nação e do capitalismo; Ciência: uma forma
de estudar, entender e, finalmente, transformar o mundo natural, que deu ao Ocidente, entre outras coisas, uma importante vantagem militar sobre o
restante; Direitos de propriedade: o controle da lei como um meio de proteger os proprietários privados e solucionar, pacificamente, as disputas entre
eles, que assentou a base para a forma mais estável de governo representativo; Medicina: um ramo da ciência que possibilitou uma
importante melhoria na saúde e na expectativa de vida, inicialmente nas sociedades ocidentais, mas também em suas colônias; Sociedade de consumo:
um modo de vida material em que a produção e a compra de roupas e outros bens de consumo desempenham um papel econômico central, e sem o
qual a Revolução Industrial teria sido insustentável; Ética do trabalho: um sistema moral e um modo de atividade derivados do cristianismo
protestante, entre outras fontes, que fornece a coesão à sociedade dinâmica e potencialmente instável criada pelos itens anteriores.
Ferguson realiza uma tentativa de estabelecer um metarrelato explicativo da caminhadas das sociedades ocidentais, orientais e americanas,
num texto extremamente polêmico mas reflexivo. Ao historiador que trabalha com temas mais específicos é uma boa oportunidade em fazer um vôo
dinâmico no tempo e no espaço multifacetado. São tantas interpretações de grande envergadura e problemáticas que a aversão as conclusões do autor
poderão aflorar: o que já é instigador para promover a discussão argumentativa e não somente a refutação ideológica da obra.
132
PIERRE CLASTRES E A ARQUEOLOGIA DA VIOLÊNCIA
Elenco esta obra nestas sugestões de leituras pela importância que teve em minha formação intelectual. É um livro que investiga a Antropologia
e a Etno-História e lança reflexões fundamentais para o campo do conhecimento histórico: especialmente na compreensão do Estado enquanto
momento supremo de realização da trajetória humana. Se Maquiavel discute o Estado do século XVI como imprescindível para a organização social, no
contexto da afirmação dos Estados Nacionais, o livro expõe uma trajetória milenar de experiências sociais fundadas em outros tipos de relacionamento
entre seus integrantes: as sociedades sem o “Estado”. A reflexão vai ao encontro do livro de Pierre Clastre “A Sociedade contra o Estado” onde se
edifica uma crítica a submissão social ao poder político e ao poder estatal que divide a sociedade entre os mandantes e os submetidos. Para quem
busca um cenário de longa duração em que a desigualdade foi construída com a aniquilação das “sociedades ditas primitivas”. Em Clastres o nascimento
do Estado não significa a passagem do vazio ao pleno, mas pode ser lido como uma queda: a passagem da indivisão para a divisão. Ele afirma que a não
estruturação de Estados não significa uma limitação natural externa ou o arcaísmo histórico-evolutivo, mas um movimento inerente as próprias
sociedades indígenas: recusa da divisão interna, desejo de autonomia sociopolítica e manutenção das tradições, onde o “chefe é chefiado” pelo grupo.
Críticas as perspectivas de economia da miséria são rechaçadas com “produzir para viver mas não viver para produzir”, com ataques ao etnocentrismo e
a antropologia marxista (especialmente, Maurice Godelier – chamado por Clastres de “megatério”). Estes estudos realizados entre o final dos anos 1960
e os anos 1970, sofreram inúmeras novas leituras que evidenciaram maior complexidade nos grupos analisados por Clastres (economia minimalista,
indivisão política, atomismo sociopolítico).
A Antropologia Política proposta por Clastres – a recusa da sociedade primitiva a sua passagem ao Estado, configura uma Antropologia contra o
Estado e propicia inúmeras reflexões para pensar a caminha da humanidade em direção a certos dilemas que a atordoam na atualidade: a atuação do
Estado, sua dinâmica de construção e destruição das sociedades a partir de visões ideológicas diferenciadas, sua presença na relação indíviduo e nação,
sua funcionalidade em tempos de globalização etc. Pierre Clastres (1934-1977).
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A GRANDE HISTÓRIA DA EVOLUÇÃO EM RICHARD DAWKINS
O biólogo Richard Dawkins (Universidade de Oxford) é outro autor polêmico e que defende o evolucionismo frente ao criacionismo; a ciência frente ao
dogma religioso. O ateísmo declarado por Dawkins já promoveu inúmeras discussões com defensores mais radicais da intervenção divina na criação e nos
acontecimentos históricos. Autor do livro O Gene Egoísta onde cunhou o conceito de “meme”.
Textos incisivos e também voltados a irreverência constituem o seu estilo. Recentemente lançou “A Grande História da Evolução – na trilha dos nossos
ancestrais”, onde realiza uma retrospectiva de mais de 3 milhões de anos buscando a inteligibilidade na trajetória dos hominídeos e do homo sapiens sp. Se o
historiador navega vacilante entre conjunturas históricas imaginem um percurso temporal tão longo e com tão poucas evidenciais (documentos para análise).
O fôlego para a leitura deve ser excelente mas o resultado é compensador.
Um trecho do prefácio já explicita o percurso entre a seriedade e o lúdico quando da escrita da Grande História da Evolução: “As evidências da
evolução aumentam a cada dia e nunca foram tão eloquentes. Ao mesmo tempo, paradoxalmente, a oposição mal-informada também é hoje a mais forte de
que me recordo. Este livro é meu resumo pessoal das evidências de que a "teoria" da evolução é na verdade um fato — um fato incontestável como qualquer
outro da ciência. (...) Imagine que você é um professor de história romana e de latim, ávido por transmitir seu entusiasmo pelo mundo antigo — as elegias de
Ovídio e as odes de Horácio, a enxuta gramática latina exibida na oratória de Cícero, a refinada estratégia das Guerras Púnicas, a talentosa liderança bélica de
Júlio César e os excessos voluptuosos dos últimos imperadores. É uma grande empreitada que requer tempo, concentração e dedicação. Mas continuamente
você vê seu precioso tempo predado e a atenção de sua classe desviada por uma ululante matilha de ignoramuses (pois como especialista em latim você
jamais cometeria o erro de dizer "ignorami") que, com forte apoio político e especialmente financeiro, ronda sem tréguas, tentando persuadir seus
desafortunados alunos de que os romanos nunca existiram. Nunca houve um Império Romano. O mundo todo surgiu pouco antes das gerações hoje vivas.
Espanhol, italiano, francês, português, catalão, ocitano, romanche, todas essas línguas e seus dialetos componentes brotaram de maneira espontânea e
separadamente e nada devem a alguma língua predecessora, como esse tal de latim. (...) Ao contrário dos meus hipotéticos negadores de Roma, os negadores
do Holocausto existem mesmo. São vociferantes, superficialmente plausíveis e sabem afetar erudição como poucos. Eles contam com o apoio do presidente
de no mínimo um país atualmente poderoso, e em suas fileiras milita no mínimo um bispo da Igreja Católica Romana. Imagine que, como professor de história
europeia, você continuamente se vê intimado a "ensinar a controvérsia" e conceder "igual tempo" à "teoria alternativa" de que o Holocausto nunca aconteceu
e que foi inventado por um bando de sionistas embusteiros. Intelectuais adeptos da moda relativista entram no coro, bradando que não existe verdade
absoluta: se o Holocausto aconteceu ou não é uma questão de crença pessoal, todos os pontos de vista são igualmente válidos e devem ser imparcialmente
respeitados.”251
251 DAWKINS, Richard. A Grande História da Evolução: na trilha dos nossos ancestrais. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.
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10 BILHÕES – STEPHEN EMMOTT
No ano de 1900 a população do planeta chegou a 1,7 bilhão de habitantes. Foram 200 mil anos que o homo sapiens sp necessitou para chegar
nesta marca. Nos 117 anos seguintes a população chegou a 7,3 bilhões e até o final do século XXI deve chegar a marca dos 10,8 bilhões. Mas, até 2050,
a marca será de 9,55 bilhões. Este cenário, frente ao esgotamento de reservas naturais e mudanças climáticas, poderá trazer inúmeros conflitos pelo
controle de recursos e provocar mudanças civilizatórias de dimensão global. A irresponsabilidade familiar/estatal no gerenciamento populacional, é
fator promotor de péssimas condições de vida e de problemas sociais. Numa sociedade de mercado em expansão (ex: China e Índia, com 2,7 bilhões de
consumidores) o consumo de recursos naturais e a poluição industrial gerada vai impactar cada vez mais os ecossistemas e produzir gases de efeito
estufa.
O inglês Stephen Emmott, diretor de ciências da computação na Microsoft Research, publicou um livro de leitura breve mas de conteúdo
“assustador”: para ele a catástrofe já está a caminho e é fruto da superpopulação humana e da exploração excessiva dos recursos naturais. Para quem
acha que – “quanto mais melhor”, não é recomendável fazer a leitura do livro. Peguemos um exemplo, o Brasil em 1970 tinha 90 milhões de habitantes
e 47 anos depois chegou a 207 milhões. As cidades sofreram um processo de crescimento vertiginoso e a logística urbana não acompanhou, a prestação
de serviço médico e de segurança beira a calamidade, a violência urbana só tem crescido e o consumo vertiginoso produz lixões intermináveis: o
aumento populacional em quase 130 milhões de pessoas tornou o país melhor? Afirmo isto, pois tem geógrafos, como Danny Dorling que considera que
alta população é problema saudavelmente assimilável.
O tom catastrófico de Emmott tem por meta ser um alerta “sem meias palavras”: os números referentes ao “consumo oculto” de água são
impressionantes. Por exemplo, são necessários 3 mil litros de água para produzir um hambúrguer de carne, 9 mil litros para produzir uma galinha e 27
mil para produzir um quilo de chocolate. “Isso certamente deveria ser algo para pensarmos enquanto, encolhidos em nossos pijamas no sofá, comemos
um chocolate”, diz. “Mas tenho más notícias sobre pijamas, porque receio que um pijama de algodão necessite de 9 mil litros de água para ser
produzido.” Emmott, identifica aquilo que não é tão visível: para produzir um produto é preciso gastar muita energia e recursos naturais. Para ele, “a
ciência é essencialmente o ceticismo organizado. Passei a vida tentando comprovar que meu trabalho estava errado ou procurando explicações
alternativas para meus resultados. Isso até tem um nome. Chama-se a teoria da falseabilidade de Popper. Espero estar errado. Mas a ciência indica o
contrário”.
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ANEXO II
SÍNTESE COMPARATIVA DAS CONCEPÇÕES
►POSITIVISMO:
→interdependência entre o sujeito que conhece - o historiador - e o objeto do conhecimento - o fato histórico;
→neutralidade do historiador diante dos fatos históricos buscando não expressar juízo de valores;
→ênfase ao tempo breve e aos fatos episódicos, reconhecidos como unos, irreversíveis e singulares. Tempo histórico ligado ao linear, contínuo,
irreversível e progressivo;
→o documento e o fato são verdades em si que permitem a compreensão do passado;
→destaque a narrativa de grandes personagens que canalizam a história coletiva, dilapidando as realizações individuais.
→os fatos históricos são concebidos como entrelaçados numa cadeia linear de causa e efeitos, como se fossem elos de uma corrente.252
*O Historicismo Positivista utilizou grande parte destes referenciais para a escrita da História. A Escola Metódica radicalizou a revisão heurística, a
busca da neutralidade e a ênfase no evento (Langlois e Seignobos).
☻Crítica: se o tempo histórico é linear, se não é repetitivo, a história não pode pretender ser uma ciência, pois os eventos históricos não são,
desta maneira, previsíveis e passíveis de controle. O saber está limitado à dimensão política dos personagens relevantes que edificam a chamada
história tradicional fundada numa sequência de fatos supostamente neutros.
252 KERN, Arno Alvarez. As tendências atuais da ciência histórica In: Ciências e Letras. Porto Alegre: FAPA, 1982, nº 2, p. 61.
253 CARDOSO, Ciro Flamarion. Uma Introdução à História. 3ª ed., São Paulo: Brasiliense, 1983, p. 119-120.
254 BARROS, José D’Assunção. O Campo da História: especialidades e abordagens. Petrópolis: Vozes, 2004, p. 62.
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☻Crítica: Para Edgar Morin, a derrocada do socialismo real, conduziu a uma reflexão ampla do pensamento marxista, segundo ele “um
paradigma anacrônico cujos fundamentos cognitivos são inadequados para compreender o mundo, o homem e a sociedade”. Morin ainda propõe que a
certeza de Marx na racionalidade da história, assim como “a crença na missão histórica do proletariado, não são científicas e sim messiânicas”.255
►HISTORICISMO:
→os fenômenos sócio-culturais são de significado humano e se distinguem da análise dos fenômenos naturais;
→as fontes históricas são manifestações do espírito, segundo Droysen, sendo impossível reconstruir os fatos como eles efetivamente foram;
→o historiador e seus fenômenos de análise, estão inseridos no fluxo da história, a qual determina suas perspectivas e conceitos de estudo;
→Mesmo que para produzir conhecimento o historiador faça uma crítica rigorosa das fontes, a sua neutralidade perante o saber é inviável;
→o sentido existente no mundo histórico é um sentido gerado pelo homem.
☻Crítica: a ênfase excessiva na subjetividade do sujeito construtor do conhecimento desperta a crítica das correntes ditas “revolucionárias”. O
conhecimento histórico produzido não trará nenhuma contribuição para pensar os processos históricos que pensem criticamente a ação dos homens
em sociedade.
►HISTORICISMO POSITIVISTA:
→Combinação dos princípios historicistas individualizantes do método histórico com a objetividade do positivismo;
→O historicismo se converte a uma epistemologia objetivista que acabou tratando o plano subjetivo da realidade histórica como matéria para a
determinação dos chamados fatos históricos (segundo análise de Habermas);
→Retomam Leopold Von Ranke com a fórmula “tratar os fatos como eles efetivamente ocorreram no passado”;
→Recusa em aceitar o papel filosófico na ciência histórica. O historiador compreende objetivamente os documentos para estabelecer os fatos e
determinar suas causas particulares numa linha de sucessão;
→Não cabe ao historiador julgar o passado ou fornecer exemplos cívicos. Inexiste relação entre o historiador e seu objeto;
→O ofício do historiador consiste no manuseio e estudo das fontes para estabelecer os fatos objetivos;
→a história constitui uma ciência que expõe os fatos humanos e suas relações de sucessão.256
☻Crítica: a crença nos fatos objetivos conduz a compreensão do documento enquanto um objeto dado e não construído pelo historiador.
Recorre-se a história factual e fundada na heroicidade de personagens privilegiados, com ênfase nos campos político e diplomático.
►RELATIVISMO HISTÓRICO:
→sujeito e objeto estão ligados por ação e reação recíprocas a relação de conhecimento nunca é passiva apenas, mas ativa e passiva ao mesmo tempo;
→não há neutralidade do historiador pois este é ligado ao meio sócio-político e cultural em que está inserido;
→ o historiador analisa o passado a partir da contemporaneidade do seu contexto histórico e em função de sua ideologia;
255 MORIN, Edgar. O pensamento socialista em ruínas: o que se pode esperar? In: A Decadência do Futuro e a Construção do Presente. Florianópolis: editora da
UFSC, 1993, p. 23.
256 RUDIGER, 1991,p. 46-47.
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→ o objeto do estudo da ciência histórica são as sociedades, as culturas, e não os indivíduos somente, já que nenhum homem concreto deixa de atuar
sempre numa situação concreta;
→radicalização dos componentes idealistas do historicismo, postulando a identidade do sujeito e do objeto do conhecimento histórico no pensamento
do historiador;
→o fato não é um dado objetivo e real do passado mas uma construção oriunda da reflexão científica do historiador com base em documentos. O fato
histórico não existe mais no presente, sendo reconstruídos por um ato de reflexão e imaginação científica do historiador através dos documentos.257
☻Crítica: Segundo Croce, a intuição pura é a forma fundamental da atividade do espírito: fundamental porque é independente da atividade
prática, enquanto a atividade prática, pelo contrário, depende da intuição. O intuicionismo de Croce conduz a sua filosofia do espírito ao exagero,
porque elimina tudo o que é exterior ao psiquismo individual e cria uma filosofia do imanentismo absoluto. 258
►HERMENÊUTICA:
Ciência que interpreta textos e o sentido das palavras, buscando estabelecer regras e fundamentos para a interpretação textual”. Remetendo
ao campo filosófico, duas vertentes são encontradas: a epistemológica voltada a interpretação dos textos e a ontológica, fundada na interpretação de
uma realidade. Através dos textos seria possível desenvolver métodos de interpretação das tradições culturais. Portanto, busca interpretar problemas
ligados as ações humanas, seus significados e o produto destas ações nos textos.
☻Crítica: Para algumas correntes, a ênfase excessiva na linguagem pode conduzir ao subjetivismo relativista e a consideração de que a História
é uma ficção que impossibilite a construção de uma narrativa totalizadora do processo social.
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☻Crítica: A ênfase no social e no econômico pautaram as duas gerações. A história quantitativa e serial conduz a um certo reducionismo das
possibilidades de investigação de outras fontes não seriadas. Críticas são proferidas de que a História fora reduzida a uma narrativa incapaz de explicar
os fenômenos. A história das mentalidades e dos imaginários (relegadas a segundo plano), associado à descrença na construção da História Total,
conduz a eclosão da aprisionada “dimensão cultural dos estudos históricos” que vai caracterizar a Terceira Geração fundada na fragmentação dos
metarrelatos.
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vão também as assertivas herdeiras de uma concepção de belle époque, que entendia a literatura –e, por extensão, a cultura – como o sorriso da
sociedade, como produção para o deleite e a pura fruição do espírito”;263
→Busca-se “decifrar a realidade do passado por meio das suas representações, tentando chegar àquelas formas, discursivas e imagéticas, pelas quais os
homens expressam a si próprios e o mundo”;264
→A Nova História Cultural, “interessando-se pelas operações de apreensão do real e, na mesma medida, pelos sentidos assumidospor esse real através
dos mecanismo de percepção, que são ao mesmo tempo processos de alteração, se situa de fato no coração de qualquer tentativa historiográfica de levar
em consideração o sujeito agente e pensante. Essa valorização do sujeito, necessária para o estudo histórico de todas as épocas, assume uma importância
ainda maior para o século XX, trabalhado em profundidade por vetores culturais cada vez mais poderosos, que interferem necessariamente nesses
processos de percepção-alteração”.265
☻Crítica: Alguns aspectos de crítica destacados são: reduzida integração entre a perspectiva global e a local; os limites da ficção no campo do
conhecimento histórico e sua identidade com a Literatura ainda é fator de tensão; relativismo nas interpretações da história que podem ser múltiplas
mesmo abordando o mesmo objeto; a Cultura como um “modismo” que transforma todos os personagens em objetos a serem desvelados sem uma
unidade discursiva e teórica – que o pensamento “estruturalista” pode, supostamente, fornecer.
►IRRACIONALISMO PÓS-MODERNO
→características: morte dos centros (lugares de fala) e incredulidade nas metanarrativas. Os discursos são ficções arbitrárias e não universais. Niilismo
e relativismo absoluto, estando o conhecimento reduzido a processos hermenêuticos de interpretação.
☻Crítica: o conhecimento é uma construção simbólica relativa a cada comunidade que partilha linguagens entre os seus membros. A sociedade
global desaparece e a desarticulação social faz emergir “sentimentalismos e microanálises” de subculturas que podem conduzir a uma “cultura do
narcisismo” ou a “ego-história”, não almejando a religação com um todo explicativo.
263 PESAVENTO, Sandra. História e História Cultural. Belo Horizonte: Autêntica, 2014, p.14-15.
264 PESAVENTO, Sandra Jatahy. História & História Cultural, p. 42.
265 SIRINELLI, Jean-François. Abrir a História: novos olhares sobre o século XX francês. Belo Horizonte: Autêntica, 2014, p.11-12.
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