Anibal
Anibal
Anibal
Textos da religião
de Aton
REVISTA LUSÓFONA DE CIÊNCIA DAS RELIGIÕES – Ano III, 2004 / n.º 5/6 –231-262 231
PAULO CARREIRA
de pano, ligado por um cordão, com uma extremidade projectando-se para fora como
uma aba ou uma flâmula 2». Durante a dominação greco-macedónica, os mastros ti-
nham três flâmulas: branca, verde e vermelha mas no Império Novo teriam apenas
duas: uma branca e uma vermelha. Talvez representassem os mastros fronteiros aos
templos e daí que o signo indicasse o lugar de residência do deus e não o próprio deus.
Há também outro signo que representa um deus acocorado, usando barba entrançada.
Existe desde o Império Antigo mas só no fim deste período veio a ser usado como
determinativo dos nomes dos deuses. A estrela, uma outra representação divina, é con-
temporânea dos Ptolemeus.
Estes hieroglifos não nos dão qualquer luz sobre a concepção egípcia de Deus. As
tentativas de derivação e comparação do significado de netjer são múltiplas e, se-
gundo Hornung, inconclusivas 3. O Dicionário do Antigo Egipto (DAE) 4 traduz o termo
por «lugar sagrado, presença do sagrado». A forma plural netjeru, encontra-se ao lon-
go de toda a história do Egipto à excepção do período atonista, durante o qual foi apa-
gada em numerosas inscrições. O singular aparece nos nomes de Hórus de um faraó
da II Dinastia, Nynetjer (pertencente a Deus) e de um da terceira, Netjerikhet (o mais di-
vino da corporação [dos deuses]) 5, ocorre também em textos sapienciais. Hornung 6,
contudo, não vê neste facto qualquer evidência de monoteísmo, uma vez que os ou-
tros deuses não são excluídos do contexto. Não podemos, falar de um Deus Único; nas
palavras de Kees 7 «quando um egípcio escreve deus, refere-se a qualquer deus».
Os deuses proporcionaram ao Egipto uma representação de poderes da natureza,
mitos de criação e mesmo a companhia amigável de antepassados divinizados. Por
vezes antropomórficos, por vezes animais, mergulhando no tempo dos totens, deles
se contavam narrativas de morte e de vida. Simples poderes locais, acompanharam as
vicissitudes dos seus adoradores, tornaram-se nacionais ou perderam prestígio.
Casaram, tiveram filhos, tornaram-se gestores e padroeiros e alguns desceram ao
mundo da morte. O rei foi seu cultuador legítimo, a ponte entre eles e o povo, embora
se tenha visto na necessidade de delegar esse poder numa classe sacerdotal, só o exer-
cendo em ocasiões muito especiais. Coube ao clero elaborar sistemas cosmológicos e
teológicos, mitos explicativos de como as coisas eram e porque eram assim, hierar-
quizar os deuses e, não menos importante, ligá-los ao faraó de modo a legitimar o seu
poder. Porque o faraó governa pela ma’at, um conceito deificado 8 que abrange grande
número de significados todos ligados à ideia de equilíbrio, aquilo que mantém a
ordem do Cosmos, da natureza, do mundo dos homens e dos deuses, do Egipto, a
unidade de pesagem para o coração do defunto, palavra tão importante que fazia
muitas vezes parte do nome real (Nebma’atré – Ré é o senhor da Ma’at).
Tebas foi acompanhado pelo de Amon, seu deus, que assumiu rapidamente um papel
nacional, adicionando as competências de deuses mais antigos:
9
J. NUNES CARREIRA, Estudos de Cultura Pré-Clássica, Lisboa, Presença, 1985, p. 29.
10
J. das CANDEIAS SALES, As divindades egípcias, p. 223.
11
D.B REDFORD, Akhenaten, the heretic king, Princeton University Press, 1987, p. 139. O’Connor, An-
cient Egypt.A Social History (1983), considera no entanto que há sinais claros de uma crise entre Amen-hotep
III e o clero de Amon. Cf. L. M. ARAÚJO, O Clero do deus Amon no Antigo Egipto, Lisboa, Cosmos, 1999,
p. 58.
12
I. SHAW (ed.), The Oxford History of Ancient Egypt, Oxford University Press, 2003, p. 254.
13
Idem, p. 254.
14
J. ASSMANN, Egyptian Solar Religion in the New Kingdom. Re, Amun and the crisis of Polytheism, Lon-
don, Kegan Paul Intern., 1995, p.67.
15
M. LICHTHEIM Ancient Egyptian Literature, vol. II, Los Angeles/ Berkeley/ Oxford, University of
California Press, 1976, pp. 86-88.
16
Ibid., pp. 136-145.
de um deus pessoal, escolhido no seio do imenso panteão egípcio (o teu deus) e ex-
orta ao respeito do templo, à misericórdia e à oração, numa linguagem que nos lem-
bra Mt 6,6. Diz assim:
3. Akhenaton
Tendo morrido o primogénito de Amen-hotep III, coube ao filho segundo a tarefa
de ser rei. Terá recebido a cuidada educação literária e religiosa de um herdeiro do
trono? Há quem o faça, sem justificação, discípulo de Amen-hotep, filho de Apu, 17 e
dos sacerdotes de Ré. Redford 18 considera não haver provas de que ele tenha sido edu-
cado em Heliópolis, salientando o facto de a imagem do futuro Akhenaton estar
ausente dos monumentos do pai, facto que atribui à tão falada e não provada apararên-
cia grotesca do príncipe. A única referência que chegou até nós é o selo de um jarro de
vinho proveniente de Malkata, com o seu nome. Diz pertencer ao verdadeiro filho de
Amen-hotep 19. Nada consta igualmente a respeito da sua formação militar e a even-
tual co-regência com o pai é controversa. A cerimónia da sua coroação teve lugar em
Hermontis e o novo faraó escolheu o estranho título de «Primeiro Profeta de Ré-Horá-
khti que se alegra no horizonte em seu nome de Chu que é Aton». Ré-Horákhti, remete
para o o Ré de cabeça de falcão que voa alto no céu. Chu, «o que se eleva», é o deus da
luz e do «ar superior» e substituiu Ré na chefia quando este abandonou a terra. Aton
aparece, pela primeira vez como envolvente todas estas referências. De imediato, o rei
mandou erguer em Karnak um templo para o seu deus, tal como está escrito na pe-
dreira de Silsileh 20.
Aos doze anos ou talvez um pouco mais tarde, o principe Amen-hotep, casou com
Nefertiti (A Bela chegou), fruto da união de Amen-hotep III com alguma dama do
harém real, talvez uma princesa de Mitani ou uma filha do general Ai, grande digni-
tário da corte 21. As cenas que chegaram até nós mostram grande ternura conjugal.
Marido e mulher fazem oferendas juntos ou brincam com as filhas. No quinto ano de
reinado, Amen-hotep IV mudou o seu nome para Akhenaton (Aquele que é agradável a
Aton) e proclamou-o deus único 22. Ordenou a construção de nova cidade, entre Tebas
e Mênfis, num lugar deserto, hoje conhecido por Amarna. No oitavo ano do reinado,
Akhenaton inaugurou-a solenemente. Transferiu para lá a corte, embora a rainha-mãe,
Tié, permanecesse na antiga capital. A Grande Esposa Real chamava-se agora Nefer-ne-
feru-aton Nefertiti e seria mãe de seis filhas: Meritaton, Ankhesenpaaton, Meketaton,
17
F. FÉVRE, Akhenaton et Néfretiti, l’amour et la lumière, Canale, Hazan, 1998, p 14.
18
D. B. REDFORD, Donald B., Akhenaten, p.59.
19
Ibid., pp. 54, 57-59.
20
D. B. REDFORD, Akhenathen, p. 60.
21
C. JAQ, Nefertiti e Akhenaton, Lisboa, Bertrand, 2000, p.67.
22
J. das CANDEIAS SALES, As divindades egípcias, p. 75.
Neferneferuré e Setpenré, (um vínculo especial a Ré?). Uma dama do harém real, Kia
de seu nome, parece ter sido mãe de Tutankhaton, único descendente masculino
conhecido de Akhenaton.
Enquanto o faraó se dedica aos assuntos religiosos, a situação interna e externa do
Egipto começa a degradar-se. A morte da rainha-mãe deixa-o sem aliados seguros.
Vive rodeado de um exército de mercenários que o escolta e o protege mas também o
isola do seu povo. Os sacerdotes de outros cultos estão descontentes com a
desmesurada importância que assumiu o culto de Aton; acabaram-se as generosas ofer-
tas dos faraós precedentes. O túmulo de Paranefer contém um texto que dá conta disso
mesmo 23:
…pois os impostos em cereal para todos os outros deuses medem-se em oipe 24 Mas para
o Disco, eles são medidos em superabundância.
O Egipto tem que fazer face, após muitos anos de segurança, a uma grave ameaça
externa. Os arquivos de Amarna mostram que a teia de alianças praticada na Síria, na
Palestina e no Mitani, estava a esboroar-se. Assírios e principalmente Hititas des-
truíam cidades e desfaziam os anteriores pactos celebrados com o Egipto. Aziru, rei
de Amurru, cercava Biblos e o hitita Supiluliuma avançava na Síria do Norte. A capi-
tal do Mitani acabou por ser destruida, Kadesh foi conquistada. Akhenaton nada fez
ou não fez o suficiente para proteger os antigos aliados, em vão Tushratta implora os
bons ofícios da rainha-mãe. Será isto a prova de algum agravamento da situação inter-
na do Egipto a que as fontes que sobreviveram até hoje não fazem referência ou tratar-
-se-á de mero desinteresse por parte do rei? Contrariando a ideia de um pacifismo
indolente, sabe-se que Akhenaton enviou tropas no ano 12 do seu reinado para es-
magar uma revolta da Núbia 25. No que diz respeito à sua «revolução religiosa», o rei
não conseguiu destruir o apego do povo aos deuses tradicionais, embora tomasse al-
gumas medidas nesse sentido. Pessoas cujos nomes contivessem referências a Amon,
foram obrigadas a mudá-los, a exemplo do próprio rei. A forma plural netjeru (deuses)
foi apagada ou convertida no singular, a palavra ma’at passou a ser escrita em unilíteras
26
. Isto não impediu o Atonismo de ser apenas uma religião de élites, de élites débeis,
seguras pelo favor real. A rainha Nefertiti perdeu o seu papel político 27 no ano 14, tal-
vez tenha morrido e haja sido substituida por uma das filhas. Aos vinte e nove anos,
Akhenaton morreu também. Smenkharé, que lhe sucedeu, governou durante dois
anos e Tut-ank-Amon abandonou a cidade de Aton e regressou ao antigo culto. O
Atonismo manteve-se ainda por alguns anos e só muito posteriormente, os Raméssi-
das mandaram destruir Akhetaton. As provas físicas da existência desta religião e do
seu fundador acabaram por ser encontradas na escavação de outros templos 28.
23
D. B. REDFORD, Akhenathen, p. 60.
24
O Oipe é uma medida de capacidade, correspondente a 18,16 litros. O texto é importante porque
mostra que, à data da sua redacção, os templos dos antigos deuses continuavam abertos e recebiam dádi-
vas embora menos valiosas que as dos templos de Aton.
25
D. B. REDFORD, Akhenathen, p. 270.
26
Ibid.. p. 176. O mesmo aconteceu à palavra mut – mãe, para evitar a referência à deusa homónima.
27
Pode não ter sido assim, há quem veja Nefertiti como sucessora do marido. Sobre a sucessão de
Akhenaton, cf. M. GABOLDE, D’Akhenaton à Toutânkhamon, Université Limière-Lyon 2, Institut d’Arche-
ologie et d’Histoire de l’Antiquité, Paris, Diffusion de Brocard, 1998.
28
D. B. REDFORD, Akhenathen, pp. 66-67.
Horemheb empregou milhares de talatat no enchimento do 9.º Pilone que mandou con-
struir em Karnak e que data de 1340-1330 a. C. Neste mesmo conjunto arquitectónico,
Henri Chénier recuperou 120 000 blocos do 2.º Pilone de Ramsés e da zona coberta pelo
revestimento do chão da sala hipóstila. Tudo isto tem permitido juntar uma extenso
puzzle que laboriosamente os arquólogos têm vindo a interpretar até aos dias de hoje.
QUADRO I
Análise de conteúdos dos Textos Principais
Ref 1 2 3 4 5 6 7 8 9
Ré-Horákhti que se alegra no horizonte [céu] em seu nome [na sua qualidade] de Chu
[a luz] que está no Aton [o Disco Solar].
É pois no Sol que o deus vive mas transcende o Disco Solar, Aton. De acordo com
Grandet 33 este nome soaria como Yatin na época de Amarna e talvez fosse uma abre-
viatura de Pa iten ânkh – o Aton Vivo. Depois do ano 9, apareceu uma segunda fórmula:
29
D. B. REDFORD, Akhenaten, p.172. Ver tradução em anexo ao presente trabalho.
30
Comummente designados por talatat. Trata-se de paralelepípedos de pedra com as dimensões
aproximadas de 52x26x24 cm.
31
Uma afirmação curiosamente parecida com a condenação dos ídolos em Is 44, 14-18.
32
Conhecida por «Fórmula Didáctica». Cf. P.GRANDET, Hymnes de la Religion d’Aton, Paris, Ed. du
Seuil, 1994, p.14.
33
Idem, pp. 15-16.
34
D. B. REDFORD, Akhenaten, p. 173.
QUADRO II
Qualificativos de Aton
Número de ocorrências
Qualificativos Total
GH PH 1Ai 2Ai 3Ai
Vivo 2 3 1 1 1 8
Belo 2 2 1 1 0 6
Radioso 3 1 0 0 0 4
Poderoso 0 3 0 0 0 3
Alegre/provo-
ca a alegria 1 1 0 1 0 3
Esplêndido 1 1 0 0 0 2
Grande 2 0 0 0 0 2
Apep; no fundo estamos perante uma teologização da realidade física: só existe um Sol
de que nos apercebemos através dos sentidos. O seu calor permite que as plantas
cresçam e venham a tornar-se alimento dos animais e do homem. Saciados eles vivem,
crescem, movimentam-se mas não de forma anárquica, tudo está ordenado: os pás-
saros voam, os rebanhos saltam e correm e até os homens que executam as suas tare-
fas e saudam o deus, cumprem uma regra, trabalham para o Rei. Assmann descreve
a jornada solar como Luz-Movimento-Vida-Regulação 37, a anima mundi reflecte a anima
dei, o Uno espelha-se na multiplicidade. Ao anterior conjunto de categorias, opõe-se
um outro Escuridão-Paragem-Morte-Caos, ausência de Aton que «repousa na terra da
luz» 38. Não há um gestor que se encarregue deste novo quadro, os antigos senhores
da des-ordem deixaram de existir, este tempo de não-ma’at é impossível de esconju-
rar por falta de mediação. Todo o movimento regulado pára, é a hora em que leões e
serpentes, personificando os poderes malignos, saem para caçar e só eles parecem estar
vivos, no meio da morte aparente dos homens que, também eles, deixaram de fun-
cionar e estão indefesos, fechados nos quartos, de olhos cegos pela escuridão e nari-
nas fechadas ao sopro da vida. Estamos perante um modelo cíclico da História, a re-
criação quotidiana. A luz regressa e tudo é re-ordenado. Tudo? Os perigos estão la-
tentes, escondidos nos seus covis, aguardando que o Sol se ponha, tal com as forças
do bem estiveram adormecidas de noite. O ciclo não é uma simples oposição Vida/
/Morte em sentido global mas um ciclo Yin-Yang.
Os Hinos reconhecem que Aton brilha e dá vida a todos os homens. Fê-los difer-
entes e de diferentes raças, deu-lhes rios diferentes. O princípio exclui a xenofobia, ig-
noramos se alguma vez foi aplicado.
QUADRO III
Definição teológica de Aton
Número de ocorrências
Referência Total
GH PH 1Ai 2Ai 3Ai
Criador 25 12 0 0 0 37
Alimentador 28 0 0 0 0 28
Gestor 6 0 0 0 0 6
Deus eterno 1 2 3 0 0 6
Único 3 1 0 0 0 4
Luz do mundo 2 2 0 0 0 4
Autocriado 0 2 0 0 0 2
Oculto 2 0 0 0 0 2
Deus de amor 0 2 0 0 0 2
Senhor do dia 2 0 0 0 0 2
Omnisciente 2 0 0 0 0 2
Senhor absoluto 2 0 0 0 0 2
Deus próximo 1 0 0 0 0 1
37
J. ASSMANN, Egyptian Solar religion in the New Kingdom, London, Kegan Paul International, 1994,
p. 70.
38
Nos textos consultados, a morada nocturna de Aton nunca é definida, cf. Oxford History of Ancient
Egypt, p. 277.
4.3 O Rei
Tal com os deuses, também o rei era objecto de numerosos qualificativos pre-
sentes, por exemplo, no seu nome completo. Nos textos que vimos analisando, os prin-
cipais epítetos régios estão discriminados no Quadro IV. Encontramos imediatamente
um paralelismo com os Qualificativos de Aton, os dois são eternos, embora com difer-
entes graus de eternidade, só o deus se fez a si mesmo e fez o rei. Enquanto existiu a
realeza, algo como 3000 anos, o soberano foi o vértice da pirâmide social. Começou por
ser percebido como a manifestação de um deus vivo, Hórus, o mesmo que, atrás da
cabeça, o protegia. Sereno, belo e ausente, não pertencia totalmente a este mundo. A
partir da IV Dinastia, o título de Sa Ré (Filho de Ré) aparece associado ao faraó que
passa a construir, ao lado do seu túmulo, um templo para o deus. No fim do Império
Antigo, a sua múmia é depositada num túmulo em cujas paredes estão gravados os
textos que ele deve recitar, fórmulas que lhe garantam poder enfrentar o julgamento
dos deuses e alcançar a vida eterna; a imortalidade passa portanto a ser conquistada.
QUADRO IV
Qualificativos do Rei
Número de ocorrências
Referência Total
GH PH 1Ai 2Ai 3Ai
Eterno 0 0 5 2 7 14
Augusto 0 2 0 0 0 2
Sagrado 0 1 0 0 0 1
Grande na sua
vida 1 0 0 0 0 1
E de Tutankhamon:
Ele afugentou […] a desordem […] para que a ordem (Ma’at) seja restabelecida.
Destrói a mentira e o mundo é como que criado por ordem sua.
(Estela da Restauração)
…Um mal nunca vem só; o rei é destituído de todos os poderes. O que a pirâmide
ocultava desapareceu […] O segredo da terra, cujos limites eram desconhecidos, é di-
vulgado. A residência é derrubada numa hora, a Serpente sagrada é arrancada da sua
sede. O segredo do Rei do Alto e Baixo Egipto é divulgado[…]. Os chefes do país
vagueiam necessitados, sem emprego. Nenhuma Secretaria está no devido lugar,
ninguém se ocupa do gado. Nenhum artífice trabalha e os inimigos despojam o país dos
seus tesouros artísticos. Tudo se encontra em ruínas[…]
Ou, como diz Camões 41: Um fraco rei faz fraca a forte gente.
Sacerdote por excelência, interlocutor directo dos deuses, através de rituais e dá-
divas, assegura a protecção do país e renova-o. A sua ausência gera um período tene-
broso em que o mundo se vira às avessas, separam-se as Duas Coroas, enfraquecem
as fronteiras e o ser humano desenvolve os mais estranhos comportamentos. Morto o
faraó, é preciso que o sucessor esteja nomeado e coroado dentro do tempo prescrito a
fim de que a ordem seja imediatamente restabelecida.
39
B. de RACHEWILTZ, A Vida no Antigo Egipto, Lisboa, Círculo de Leitores, sem data de impressão,
pp. 67-72.
40
Segundo J. NUNES CARREIRA, poderá trater-se do reflexo de uma possível crise do Império Novo.
41
LUÍS de CAMÕES, Os Lusíadas, Canto III, 138.
42
Sobre a teogamia tal como é apresenta neste reinado, veja-se C. D. NOBLECOURT, Hatchepsout, Paris,
Pygmalyon/Gérard Watelet, 2002.
Tu vens a mim com a alegria de ver a minha beleza, meu filho, meu guerreiro […].
Foram as minhas mãos que te deram o corpo com segurança e beleza. Como é agradável
a tua beleza ao meu coração. Eu dei-te a valentia e a vitória sobre toda a terra 43.
Em Kadesh, o mesmo rei pede o auxílio do seu pai divino, censura-o mesmo por
não o socorrer:
QUADRO V
Definição teológica do Rei
Número de ocorrências
Referência Total
GH PH 1Ai 2Ai 3Ai
Filho de Aton 3 4 2 5 5 19
Filho de Ré 1 1 1 0 0 3
Deus como Aton 0 0 1 0 1 2
Deus 1 0 0 0 0 1
43
Sobre a relação entre este faraó e Amon, veja-se C. D. NOBLECOURT, Ramsès II, Paris, Pygma-
lyon/Gérard Watelet, 1996.
44
W. HALLO (ed.), Poema da Batalha de Kadesh, K. A. Kitchen (Trad.) in “The Context of Scriptures”,
Vol.II, Monumental Inscriptions from the Biblical World, Leinden, Brill, 2000, pp. 32-38. Tradução do autor.
QUADRO VI
Paralelismo entre o Rei e Aton
Número de ocorrências
Referência Total
GH PH 1Ai 2Ai 3Ai
de alegria, pelo menos os que recebem presentes. Sol brilhando na terra, o rei percorre
um mini-firmamento, simbolizado na Grande Avenida de Akhetaton para que a sua
presença benfazeja nunca abandone os habitantes que, na sua falta, se quedariam
como mortos, tal como acontece quando o astro repousa na «Terra da Luz». Nos tem-
plos de Karnak e de Akhetaton, o rei é substituído por estátuas numerosas e gigan-
tescas que proclamam diante de todos que aquele corpo andrógino ou assexuado, sim-
bólico ou realista, nem por isso deixa de ser o do «Belo Filho de Aton 45».
O terceiro texto do túmulo de Ai é ainda importante na medida em que por cinco
vezes proclama que é Akhenaton e já não Osíris o dador da vída além-túmulo. A morte
sempre foi uma preocupação constante dos egípcios. Não havia, tanto quanto sabemos,
nenhum drama à sua volta, os sepulcros construiam-se em vida dos seus futuros habi-
tantes, os corpos eram mumificados e protegidos por sortilégios e amuletos. A alma
conhecia o modo como se deveria comportar e os textos gravados nas paredes ou es-
critos em papiros que levava no sudário, ensinavam as respostas que lhe cumpria pro-
duzir. Consumados que eram os ritos de passagem, o morto, agora renascido e dotado
com alimentos, armas para caçar, perfumes e trajes sumptuosos, era suposto gozar de
uma existência agradável. O povo tinha menos posses para garantir o direito à vida
futura mas os milagres aconteciam e talvez alguém se ilustrasse numa campanha,
viesse a progredir no sacerdócio ou no funcionalismo e recebesse autorização do rei
para construir o seu túmulo. Akhenaton mantém a mumificação, o»escaravelho do
coração» é agora simplesmente portador de uma oração a Aton 46. Desaparecem das
paredes dos túmulos os textos do Livro dos Mortos ou as cenas do julgamento de Osí-
ris, em favor da representação da família real sob os raios de Aton. São hinos de lou-
45
Inscrição de um frasco de cosméticos pertencente à dama Kia. Cf. C. ALDRED, Akhenaton,, king of
Egypt, London, Thames and Hudson, 1999, p. 204.
46
D. B. REDFORD, Akhenaten, p.176.
vor ao Disco que se estão gravados nas paredes do túmulo de Ai. Nos ângulos do sar-
cófago preparado para Akhenaton, Nefertiti assume o caracter de divindade protec-
tora substituindo-se a Ísis e a Néftis. Um dos pontos fracos da religião atonista diz res-
peito ao facto de não existir uma doutrina clara a respeito da vida além da morte nem
aparentemente algum critério de ordem ética para a atribuição dessa mesma vida.
Terão todos, bons e maus, acesso à eternidade? Se atendermos a 3Ai, verificamos que
o «Pai Divino» a reivindica ou melhor a solicita, não só com base na sua fidelidade ao
soberano e à boa recepção que deu aos ensinamentos dele mas também fazendo salien-
tar um argumento de ordem moral, a rectidão da sua vida. Tem uma boa natureza
(l. 17) e abomina a falsidade (l. 11). O critério fundamental é no entanto o favor do rei.»
«O meu senhor fez-me avançar porque eu praticava a sua doutrina» – dirá o funcio-
nário Mai 47. Tempos antigos e recentes têm-nos mostrado o valor deste género de
frases. Sabe-se que, posteriormente, este mesmo Mai caiu em desgraça e o seu nome
foi apagado do túmulo. A estatueta funerária de Hat, contemporâneo de Akhenaton,
tem uma inscrição que, sem qualquer referência aos antigos mitos se limita a dizer:
Oferta feita pelo rei ao Disco vivo (a Aton) que ilumina cada terra com a sua beleza,
para que ele conceda a doce brisa do norte, uma longa vida no belo Ocidente, uma re-
frescante libação, vinho e leite, sobre o altar de oferendas do seu túmulo, para o ka do
idenu 48 Hat, com vida renovada!49
Sabemos que Hat possui «uma vida renovada» mas não sabemos como caracter-
izá-la. O seu espírito parece parece flutuar como um lótus no grande oceano do céu.
Não é seguramente isto que o egípcio médio pretendia depois da morte. Segundo
Christian Jaq, esta nova concepção diz que, depois da morte, a alma se desprende do
corpo, ascende à luz do Sol e participa da sua energia. À noite, espera ansiosa o regresso
da luz mas fá-lo num ambiente sem monstros nem perigos 50. Em 3Ai, o «Pai Divino»
pede para descansar na montanha de Akheteton (l. 46), aí onde o rei lhe concedeu um
túmulo (l. 44). Vai para o «lugar do eleito» (l. 75) onde receberá o «pão puro da oferen-
da» (l. 68), alimentando-se do sacrifícios a Aton, aí (no templo ou no túmulo?) o seu
nome deverá ser pronunciado.
tamente com o rei, «…E meu Pai falou comigo.»52 O rei ouve e proclama as ordens do
deus «à cidade e ao mundo», assim procede, nomeadamente, para a construção da
nova capital. Se Aton fala a seu filho, não o faz para mais ninguém. É um deus a quem
se não reza, talvez atenda aos homens mas fá-lo através do faraó, a sua imagem re-
flectida neste mundo.
QUADRO VII
Relação Aton-Rei
Número de ocorrências
Referência Total
GH PH 1Ai 2Ai 3Ai
QUADRO VIII
Relação Rei-Aton
Número de ocorrências
Referência Total
GH PH 1Ai 2Ai 3Ai
52
Veja-se em Anexo o «2.º Discurso de Akhenaton aos cortesãos».
A relação Rei-Aton desenvolve-se nos termos habituais. O faraó tem por missão
«fazer o que agrada aos deuses», expressão que engloba a correcta execução dos ritu-
ais, a construção, ampliação e restauro de templos, ofertas de terras e gado, alimentos,
libações, flores e perfumes. Sempre o rei foi e há-de ser representado no exercício destas
funções; fê-lo diante de outros deuses, fá-lo diante de Aton. O que é novo é o seu papel
de profeta do deus. Conhecemos já o teor dos ensinamentos do Rei e quão cedo os
proclamou.
Não temos, ao que se sabe, qualquer descrição das cerimónias religiosas que se de-
senrolavam em Akhetaton ou noutros templos. O Quadro IX sintetiza os elementos dis-
persos que é possível respigar dos textos em análise. O Pequeno Hino descreve uma
cerimónia no santuário do ben-ben em Akhetaton; o Rei preside e entoa louvores,
acompanhado por cantores e músicos, diante de uma mesa de oferendas. Nefertiti
acompanha o esposo mas também celebra sozinha. Aton, o pai da Criação recusará os
sacrifícios cruentos? Diz o seu real filho que «o cheiro do sangue do carneiro sacrifi-
cado a Amon ofende as narinas humanas 53». Um relevo mostra o ar visivelmente re-
pugnado do rei ao torcer o pescoço de um pato 54, talvez para oferta ao seu deus. Não
obstante estes protestos, Aton parece receber de bom grado oferendas de animais, o
texto que designámos por 2.ºDiscurso de de Akhenaton aos cortesãos, fala-nos de ver-
dadeiras hecatombes.
QUADRO IX
Rituais de Aton
Número de ocorrências
Referência Total
GH PH 1Ai 2Ai 3Ai
Quando está presente, a rainha canta e agita o sistro ritual. A acção decorre num
novo espaço do sagrado, obra de Ineni que desenvolveu concepções arquitectónicas
anteriores, como o templo de Heliópolis e o de Amen-hotep III, na margem oeste do
Nilo.
Os espaços são abertos, não há telhados, o Sol penetra livremente e a sua luz tudo
ilumina. Ao longo de duas vezes 365 peanhas, dispõem-se ofertas para o deus. Aton
estende as sua mãos em benção para o casal régio, este ergue-as ao encontro dele. É
um espaço de comunhão e de alegria.
53
O. NEVES, Oitenta vidas que a morte não apaga, F. Correia da Silva (Coord.), Lisboa, Público, 1997.
54
C. ALDRED, Akhenaton, p. 211.
4.4 A Rainha
De acordo com o Quadro X, os qualificativos da Rainha não são teológicos como
os do Rei mas referem-se ao seu estatuto enquanto mulher e soberana. Na verdade,
ela não é filha de Aton, embora tenha uma relação especial com o deus, é sacerdotisa
e esposa do profeta. Partilha a glória do Rei e é amada por ele mas é também a «Sen-
hora das Duas Terras», um talatat proveniente de Hermópolis 55 mostra-a de arma em
punho e prestes a esmagar os inimigos do Egipto, aqui representados por mulheres
prisioneiras, uma homologia da sempre repetida cena que já aparece na Paleta de
Narmer mas em que é o actor principal é o Rei, não a Rainha. Nefertiti é mencionada
no GH que diz que, se todas as coisas que foram feitas para o Rei, também o foram para
a Grande Esposa Real. Por vezes, faz oferendas ao deus na companhia das filhas, é
mesmo a presença dominante na Casa do Ben-ben, em Karnak. A sua tão proclamada
importância torna estranho o facto de estar completamente ausente da correspondên-
cia diplomática do marido 56.
A relação Aton-Princesas não aparece discriminada em nenhum dos hinos. As rep-
resentações plásticas mostram no entanto que, para além dos seus régios pais, também
os raios do deus afloram as suas cabeças o que significa que, pelo menos enquanto
membros da família real, o deus as distingue da restante humanidade.
QUADRO X
Qualificativos da Rainha
Número de ocorrências
Referência Total
GH PH 1Ai 2Ai 3Ai
Vive eternamente 1 0 1 0 1 3
É amada pelo rei 1 0 1 0 1 3
É bela 0 0 0 2 0 2
Tem voz agradável 0 0 0 0 1 1
Senhora das Duas Terras 1 0 0 0 0 1
Em termos cultuais, povo tinha, como sempre havia tido, uma relação mediada
pelos reis ou pelos sacerdotes. No entanto, contrariamente ao que acontecia com os ou-
tros deuses, o símbolo de Aton era visto por todos e não estava confinado a qualquer
Santo dos Santos. O Sol ergue-se e põe-se todos os dias e para todos os homens; os hinos
descrevem-nos o seu júbilo. Mal desponta a aurora, fazem gestos de adoração (GH, l.
34), vivem (PH, l. 24, GH, l. 120), os corações alegram-se (PH, l. 16). Há portanto, um
conjunto de gestos e palavras que exprimem, no dizer dos textos, uma espécie de culto
popular. As descobertas realizadas em Amarna mostram contudo que o que se en-
contra nas casas particulares é a representação da família real iluminada pelos raios
de Aton e não o símbolo do deus isoladamente. A relação directa entre o homem
comum e o seu criador é portanto bastante ténue.
55
C. ALDRED, Akhenaton,, p. 153.
56
D. B. REDFORD, Akhenten., p. 138.
Tal como os homens, animais e vegetais ligam-se a Aton por gestos de alegria apro-
priados à sua condição, voam, saltam ou abrem as corolas à luz do Sol. Nisto consiste
a sua relação directa com o deus. Indirectamente, acabam por estabelecer um contacto
mais íntimo quando são depostos sobre a mesa de oferendas.
A relação entre Aton e a humanidade em geral manifesta-se enquanto criador dos
homens e garante do seu sustento. Eles recebem do deus o sopro de vida nas suas nari-
nas (PH, l. 45) e por isso mesmo são capazes de viver durante o específico intervalo de
tempo que lhes foi consignado (GH, l. 77). Assegura a reprodução, fazendo crescer a
semente do homem no seio da mulher (GH, ls. 48-49) e acompanhando o desenvolvi-
mento do feto (GH, ls. 50,56). Ao nascer, é ainda o deus que abre a boca da criança e
lhe comunica o hálito da vida (GH, l. 58).
Contrariamente ao que seria de esperar de um deus distante 57, como é muitas vezes
considerado, Aton cuida do bebé (GH, l. 56), assumindo um papel nitidamente
maternal, é de facto «mãe e pai de todas as criaturas» (PH, l. 12), epíteto que no
Grande Hino se exprime num sentido mais lato, todos os hemens e não só os egípcios
são obra de Aton (GH, ls. 85,87) que para todos brilha e produz vida e alimento (GH,
ls.75-80). Gerou uma pluralidade de povos que diferem na cor da pele e no falar; para
todos fez a chuva , o Nilo do Céu (GH, l. 90) que vem das montanhas para fecundar
as colheitas (GH, l. 93) tal como o Nilo que vem da duat alimenta os egípcios com as
suas cheias (GH, l. 82). Ora este sublime conceito de irmandade não está expresso em
termos humanitários mas friamente políticos. Todas as coisas, pessoas e animais que
vieram de Aton foram feitas para o Rei (GH, l. 130) e para a Rainha (GH, l. 137), todos
lhes devem obediência. No dizer de Morentz 58 é uma perspectiva claramente egip-
tocêntrica.
5. Conclusões
Em meados do século XIV a.C., a sociedade egípcia foi abalada por uma revolução
religiosa e cultural desencadeada pelo seu próprio faraó Amen-hotep IV. Conhecemos
hoje as suas ideias religiosas através dos chamados Hinos de Aton, gravados nos tú-
mulos de Amarna. Na verdade, Aton fora adorado pelos dois antecessores do monarca
e o símbolo do disco solar existia desde há muito.
A análise global dos Textos de Aton efectuada neste trabalho levou às seguintes
conclusões:
57
Mas fisicamente próximo, na medida em que transmite a luz e o calor.
58
S. MORENTZ, La Religion Égyptienne, 3ª Ed., Paris, Payot, 1984, p. 75.
59
Pontos 2 e 4, respectivamente.
Ao binómio atoniano Vivo, Criador corresponde Eterno, Filho de Aton para o rei.
A «eternidade» deve aqui ser entendida enquanto sinónimo de vida longa e de
vida post mortem, já que Akhenaton é obra do seu pai divino e só este foi auto-
criado.
3) Os rituais de Aton 60 merecem muito pouco destaque (2.93%) mas a informação
disponível e as representações plásticas que chegaram até nós em grande
número revelam cenas que, à excepção do símbolo solar, não diferem muito das
passadas e futuras representações de oferendas. A rainha goza de uma abun-
dante participação neste domínio e surge isoladamente ou na companhia das
filhas. O poder temporal que lhe cabe é acentuado nos hinos, Senhora das Duas
Terras, embora esteja ausente da correspondência diplomática que conhecemos.
4) O rei, a rainha e até certo ponto as princesas constituem o núcleo de mediadores
entre os homens e Aton. Assim se compreende que o cortesão Ai se dirija ao
soberano para implorar a vida eterna. Representações da família real subs-
tituem Osíris e a sua corte na decoração dos túmulos. Nefertiti protege o sar-
cófago do seu esposo em substituição de Ísis e Néftis.
5) O bom comportamento moral e cívico baseia-se na fidelidade à pessoa do rei
e na prática da sua doutrina. Estas são as únicas acções dignas de recompensa
nesta e na outra vida. Contrariamente ao que se exprime em várias Instruções
e é típico do movimento de piedade pessoal do Império Novo, os textos aton-
istas não formulam outras exigências éticas.
Os seres humanos saúdam o Disco, trabalham para o rei, adormecem, repro-
duzem-se, acordam e voltam a trabalhar mas não parecem animados de qual-
quer tipo de vida social.
6) A História desenvolve-se numa recriação quotidiana que obviamente não é cir-
cular, nunca se volta ao primeiro dia, mas sinusoidal. Aton domina o tempo da
luz e afasta-se de noite, lugar de todos os perigos, tempo sem deus, tempo de
não-ma’at.
7) A religião de Aton exclui a dimensão da fé. O deus, a parte da sua essência que
está presente no Sol, é imediatamente percebido através dos sentidos. De
acordo com a experiência do quotidiano, a vida é fecundada pela energia solar,
a aurora enche de alegria o coração dos homens e faz cantar os pássaros, o pano
de fundo é racional e não mítico. O Atonismo limita-se a produzir uma leitura
teológica desta realidade.
8) Considerando a distância alargada entre Aton e os homens, compreende-se que
muito poucos tivessem alguma simpatia pela nova religião, exceptuando um
círculo restrito de funcionários régios, por convicção ou conveniência. A
restante população, condicionada por longo convívio com os deuses tradi-
cionais, seus companheiros na vida, na morte e depois dela, não poderia es-
capar a uma sensação de vazio e solidão diante do deus de Akhenaton.
60
Ponto 8.
6. Bibliografia
Fontes
P. GRANDET, Hymnes de la Religion d’Aton, Paris, Ed. du Seuil, 1994.
M. LICHTEIM, Ancient Egyptian Literature, A Book of Readings, vol. II, Los Angeles/ Berkeley/
Oxford, University of California Press, 1976.
W. HALLO (ed.), The Context of Scriptures. Monumental Inscriptions from the Biblical World, vol
II., Leiden, Brill, 2000.
Dicionários e Enciclopédias
L. M. de ARAÚJO, (dir.), Dicionário do Antigo Egipto, Lisboa, Caminho, 2001.
Bibliografia geral
L. M. de ARAÚJO, O clero de Amon no antigo Egipto, Lisboa, Cosmos, 1999.
L M. de ARAÚJO, Estatuetas funerárias egípcias da XXI dinastia, Tese de Doutoramento em
História Pré-Cássica, vol. I, Faculdade de Letras de Lisboa (Instituto Oriental), 1998.
J. ASSMANN, Egyptian Solar religion in the New Kingdom, London, Kegan Paul International,
1994.
J, NUNES CARREIRA, Mito, Mundo e Monoteísmo, Lisboa, Europa-América, 1994.
J, NUNES CARREIRA Estudos de Cultura Pré-Clássica, Lisboa, Presença, 1985.
J, NUNES CARREIRA, Filosofia antes dos Gregos, Lisboa, Europa-América, 1994.
R. DAVID, Religion and Magic in Ancient Egypt, London, Penguin Books, 2002.
A. ERMAN. e H. Ranke, La civilisation égyptienne, Paris, Payot, 1986.
S. MORENTZ, La Religion Égyptienne, 3ième ed.,Paris, Payot, 1984.
B. de RACHEWILTZ, A Vida no Antigo Egipto, Lisboa, Círculo de Leitores, sem data de im-
pressão.
J. das CANDEIAS SALES, As divindades egípcias. Uma chave para a compreensão do Egipto antigo.
Lisboa, Estampa, 1999.
J. das CANDEIAS SALES, A ideologia real acádica e egípcia. Representações do poder político pré-clás-
sico. Lisboa, Estampa, 1997.
Anexos
Primeiro Discurso de Akhenaton aos cortesãos
61
D. B. REDFORD, Akhenaten, p. 172.
62
D. B. REDFORD, Akhenaten. pp. 143-144. Sublinhado nosso.
A seguir à oferenda
Vede [Akhetaton] que o Disco Solar deseja ver construída para si próprio, como
um memorial ao seu nome. Ora foi o Disco Solar, meu Pai, que testemunhou (projec-
tou) tudo o que diz respeito a Akhetaton; nenhum oficial o propôs nem [qualquer
homem na] terra inteira. E meu Pai falou comigo. Ela pertencer-me-á como um hori-
zonte do Disco, para todo o sempre.
Textos do túmulo de Ai 63
Como o seu nome indica, estes textos provêm das paredes do túmulo do Pai do
Deus, e posteriormente faraó, Ai, em Amarna. Reflectindo a teologia atonista do tempo,
enfatizam a universalidade de Aton, o disco solar visível, e o papel de Akhenaton, seu
filho. As expressões figurativas de abundância, em termos de medidas humanas da
areia, do mar e das montanhas, são paralelas a um texto de Isaías (Isa 40,12). Aproveita
igualmente Ai para fazer o seu próprio panegírico.
63
W. HALLO (ed.), The Context of Scriptures. Monumental Inscriptions from the Biblical World, vol II., Lei-
den, Brill, 2000, pp. 66-67.
64
Nome do trono de Akhenaton: “Belas são as manifestações de Ré, Aquele que é único (filho) de Ré”.
65
Nome da Rainha Nefertiti; “Bela é a beleza de Aton”.
É o Pai do Deus 66, favorito do Deus Bom 67, flabelífero à mão direita do rei, super-
intendente de todos os cavalos de Sua Majestade, fiel escriba real, amado por ele, é Ai,
quem diz:
66
Pai do Deus ou Pai Divino – Título sacerdotal. Pode também referir-se a um grau de parentesco com
o rei de quem Ai seria sogro.
67
Deus Bom é um epíteto do rei.
68
Variante (M. Lichtheim): “ When their lord, their maker, shines upon them” – Quando o seu senhor e cri-
ador, brilha sobre elas.
69
Acto litúrgico que consiste em oferecer a um deus a figurinha antropomórfica da Ma’at, recitando
uma oração apropriada (DAE).
70
Ka – A força vital e sexual do ser humano, o seu duplo espiritual e eterno (DAE).
(Colunas 11-30)
71
Var. um Hapy – O Nilo divinizado, símbolo de fertilidade. Era representado por um homen de
grandes seios e ventre proeminente (DAE).
72
Casa do Benben – Santuário do templo de Aton em Amarna. Primitivamente referia-se à pedra sagrada
de forma cónica, guardada no templo de Ré em Heliópolis, e que era uma manifestação de Atum. (DEA).
73
Oipe e dja – medidas de capacidade (M. Lichtheim).
74
Sistro – Instrumento musical de bronze que, quando se agitava, produzia um som achocalhado
(DEA).
É conhecido em cinco versões 76, nos túmulos de Meriré I (interior da porta, parede
leste), Tutu (interior da porta, parede norte, registo inferior), Mahu (parede norte e sul
da porta, estelas da parede norte e sul da sala principal) Api (2 cópias, nas paredes e
na zona a oeste da entrada) e Ani (interior da porta, parede oeste).
Diz assim:
Adoração de Ré-Horákhti, que alegra o horizonte sob o nome de Chu (Luz) que
está em Aton [o disco solar] que dá a vida para sempre, pelo Rei que vive na Ma’at, o
Senhor das Duas Terras: Neferkheperuré-Uaenré; o filho de Ré, que vive na Ma’at, o
Senhor das Coroas: Akhenaton, grande na sua vida, que viva para sempre.
75
M. LICHTHEIM, Ancient Egyptian Literature, A Book of Readings, vol. II, Los Angeles/ Berkeley/ Ox-
ford, University of California Press, 1976, pp. 91-92.
76
P. GRANDET, Hymnes de la Religion d’Aton, Paris, Éd. Du Seuil, 1995, p. 73)
77
M. LICHTHEIM, Ancient Egyptian Literature, A Book of Readings, vol. I, pp. 96-99.
78
Khor e Kuch – A Síria e a Núbia.
[…]
79
Duat – O mundo inferior, o Hades (M. Lichtheim).
80
L. M. de ARAÚJO, O Clero de Amon no Egipto Antigo, Lisboa, Cosmos, 1999, p. 296.
81
As nascentes do Nilo.
82
Os de Ré e Osíris, cf. L. M. de ARAÚJO, O Clero de Amon no Egipto Antigo. p.297.
83
Os defuntos, Ibid., p. 297.
Agradecimento
Este texto foi apresentado como trabalho final da cadeira de História e Cul-
tura do Egipto Faraónico, a qual integra o Mestrado em História e Cultura Pré-
-Clássica. Foi leccionada pelo Professor Doutor José Nunes Carreira, catedrático
da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
Não quer o autor deixar de exprimir um sincero agradecimento por todas
as correcções, conselhos e críticas que o ilustre Professor houve por bem fazer-
-lhe. Elas contribuíram para um substancial melhoramento deste trabalho.
84
Contrariamente a Aton que está ausente no mesmo período.