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ISSN2359-5973

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|1


ISSN2359-5973

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|2


ISSN2359-5973

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|3


Equipe Editorial
Benito Bisso Schmidt – IFCH/UFRGS
Carla Beatriz Meinerz – FACED/UFRGS
Jocelito Zalla – CAp/UFRGS
Marcello Paniz Giacomoni –
PPGEDU/UFRGS
Nilton Mullet Pereira – FACED/UFRGS
Sherol dos Santos – PROFHIST/UFRGS

Conselho Consultivo
Alessander Mario Kerber - UFRGS
Arnaldo Pinto Junior - UFES
Aryana Aryana Lima Costa - UERN
Carmem Zeli Vargas Gil - UFRGS
Caroline Pacievitch - UFRGS
Cristiani Bereta da Silva - UDESC
Dolo Molina Galvañ - Facultat de Magisteri
Universitat de València, Espanha
Elison Antonio Paim - UFSC
Eva Sanz Jara - Universidad de Alcalá,
Espanha
Fernando Seffner, UFRGS Revisão de língua portuguesa
Francisco Egberto Melo - URCA Cristhian Herrera
Júlia Silveira Matos - FURG
Leandro Antonio de Almeida - UFRB
Lisiane Sias Manke, UFPel
Luís Fernando da Silva Laroque -
Design e Diagramação
Bruna Petry Anele
UNIVATES
Marcelo de Souza Magalhães - UNIRIO
Maria Aparecida Bergamaschi - UFRGS
Marilu Favarin Marin - UFRGS Editoração Eletrônica
Natalia Pietra Méndez - UFRGS Maiara Cemin
Paulo Eduardo Dias de Mello - UEPG Cristine Moreira
Pedro Péres Herrero - Universidad de
Alcalá, Espanha
Saverio Lavorato Junior, UNINOVE
Referência da imagem de capa:
Disponível na internet sob licença de uso
Creative Commons.
URL do arquivo:
https://pixabay.com/pt/%C3%ADndia-
brasil-escultura-crian%C3%A7a-
m%C3%A3e-879011/

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|4


UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE EDUCAÇÃO
Reitor: Carlos Alexandre Netto Diretora: Simone Valdete dos Santos
Vice-Reitor: Rui Vicente Opperman Vice-Diretora: Helena Dória Lucas de Oliveira

COLÉGIO DE APLICAÇÃO INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS


Diretora: Dirce Maria Fagundes Guimarães Diretora: Soraya Maria Vargas Cortes
Vice-Diretor: Luiz Davi Mazzei Vice-Diretora: Maria Izabel Saraiva Noll

Apoio desta edição


Forprof-UFRGS

Missão
A Revista do Lhiste pretende-se um espaço para a comunicação de pesquisas e
reflexões sobre a prática docente, os processos de aprendizagem, a construção de currículos
em história, a formação de professores, a memória e a educação patrimonial e o ensino de
história e a interdisciplinaridade, entre outros temas caros ao campo. Também visa à
divulgação e registro de novas estratégias, metodologias e objetos, formando um banco de
dados especializado em boas práticas pedagógicas de professores em formação inicial, nos
estágios e no PIBID/História, assim como de professores da educação básica.

REVISTA DO LHISTE
Revista do Laboratório de Ensino de História e Educação da UFRGS

Colégio de Aplicação da UFRGS


Avenida Bento Gonçalves, 9500
Prédio 43815 – Sala 210
CEP 91501-970
Bairro Agronomia – Porto Alegre – RS

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|5


Índice
Apresentação 12

Artigos
A Guerra do Vietnã no cinema norte-americano:
16
Possibilidades de ensino de História a partir de “Fomos heróis” de Randall Wallace
Diego Oliveira Souza

“Às vezes ficam chamando o bairro São João Bosco de ‘vila’, estas pessoas
devem parar de falar estas coisas, nosso bairro é um bairro como qualquer 33
outro”
Eliana Gasparini Xerri

Relações interculturais:
Vivências em uma aldeia Guarani 55
Juliana Duarte Flores
Elisete Larruscain da Silva
Morghana Iantra Garavello Vasconcelos

PIBID Interdisciplinar Educação do Campo: 64


Discutindo Interdisciplinaridade, Educação do Campo e Ensino de História
Sandi Mumbach
Ane Carine Meurer

Projeto Conectividade:
O ensino de História na web, telecurso e o sistema de resposta social 79
Elisiane da Silva Soares
Jaqueline Benvenuti
Lucas Troglio

Os conceitos e a mediação no processo ensino e aprendizagem em História 96


Aristeu Castilhos da Rocha

Pilares da tradição 113


O conceito de tradição no estudo da História das Instituições
Arthur Silva Alexandrino

História e possibilidade de conhecimento para a superação das diferenças 135


sociais no contexto escolar
Rafaella de Aguiar Coradini
Vitor Otávio Fernandes Biasoli

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|6


História da Educação e Teoria Queer: 151
Diálogos possíveis no processo de ensino-aprendizagem
Antoniel dos Santos Gomes Filho
Cicero Edinaldo dos Santos

Escritas epistolares:
Desenvolvendo o conceito de interculturalidade entre crianças guarani e crianças das 166
escolas do PIBID
Ana Paula Rodrigues de Oliveira
Ariadne Barbieri Nunes
Luana Born Machado

Novos materiais didáticos para valorização de Patrimônio Cultural e História Local 178
Marilen Fagundes Peres

O ensino de História no Brasil:


Suas funções e implicações políticas e sociais – Século XIX até atualidade 193
Marielen Fagundes Peres
Janete Schirmer
Tatiane Souza Ritter

Representações dos povos indígenas e Ensino de História: 210


A história em quadrinhos como estratégia de aprendizagem
Vanessa Carraro Armiliato
Eliana Rela

Narrativas da Antiguidade Oriental - Mesopotâmia 226


Gabriela Schmitt

O ensino de identidade de gênero e orientação sexual: 233


Eduardo Alberto Almeida

A escravidão não acabou:


Especismo, exploração animal e outras teses inconvenientes 240
Jordana Guidetti Pozzebon

Ensino de História: 250


Juventude e contracultura norte-americana na década de 60 utilizando o musical “Across
the universe”
Júlio Cezar Pires
Nathalia Oliveira Ferreira
Juliana Fick

257
Relações étnico-raciais e ações afirmativas
Discussões sobre o currículo
Luciane dos Santos Ávila

A repercussão do AI-5 na cidade de Caxias do Sul: 274


Um estudo sobre os reflexos do decreto na terra da fé e do trabalho
Anay Camargo Rodrigues
291
Mídias cinemáticas no Ensino de História:
A perspectiva discente sobre este recurso pedagógico
Luiz Paulo da Silva Soares

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|7


Materiais didáticos interativos para o Ensino de História: 306
Identificação, limites e possibilidades
Leonice Aparecida de Fática Alves Pereira Mourad
Gabriela Dambros

A produção de identidades através dos uniformes escolares: 322


Significação e conceituação
Letícia Oliveira Borges

Apropriação de referenciais históricos para a educação patrimonial em São João do


Polêsine 337
Ricardo Kemmerich
Roselene Moreira Gomes Pommer
Zipora Rosauro

PIBID de História/UFSM: 352


Algumas reflexões
Roselene Moreira Gomes Pommer
Julio Ricardo Quevedo dos Santos
André Luís Ramos Soares

Necessidades e perspectivas no ensino de História Local: 368


Produção de um livro didático sobre a história de Santa Maria e região
Denise Belitz Quaiatto

O ensino de História no PROEJA: 384


Reflexões sobre a prática docente com alunos trabalhadores
Paula Rochele Silveira Becher
Denise Verbes Schitt
Roselene Moreira Gomes Pommer

Das margens ao centro: 400


A história da África em uma experiência de estágio
Letícia Mistura

O impacto da Lei de Cotas na Universidade Federal de Santa Maria 417


A compreensão dos alunos do Ensino Médio no estudo das religiões afro-
brasileiras
Júlio Cesar Ausani

O jornal Chico Rei de Poços de Caldas (1987-1989 como uma estratégia de ensino e 431
implementação da Lei 10.639/03
Daniel Porciuncula Prado, Gabriela Costa Silva

Etnografia e Ensino de História: 445


Algumas possibilidades
Caroline de Mattos de Moraes

Educação profissional e tecnológica em um Brasil em transformações: 460


Compreensões históricas
Júlio Cesar Ausani
Roselene Gomes Pommer

O Ensino de História sob a perspectiva de professores iniciantes da cidade de Rio 470


Grande (RS)

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|8


Caroline de Mattos de Moraes
Jussemar Weiss Gonçalves

O inventário do Comendador Domingos Faustino Correa: 488


Processos judiciais como fonte de pesquisa e ensino
Carmem G. Burget Schiavon
Virgilina Edi Gularte dos Santos Fidelis de Palma

Taji Poty:
A educação patrimonial e a valorização da cultura missioneira 504
Alexandra Begueristain da Silva
Flávia de Araújo Pedron

Educação Patrimonial: 518


A cidade como recurso para o ensino de História
Carmem G. Burgert Schiavon
Tatiane Carilho Pastorini Torres

O envelhecimento humano como temática abordada na escola:


Experiências de iniciação à docência 526
Paula Évile Cardoso
Luciana Vargas Jardim
Fábio André Hahn

O ENEM e o ensino de História 542


Reflexões a partir dos resultados do Colégio Estadual Farroupilha
Romani Gomes
Suelen Marchetto

Maquete e o ensino de História:


Cotidiano no Egito e a Lei 10.639/03 558
Calison Eduardo Santos Pacheco
Jéssica Fernanda Arend
André Luís Ramos Soares

Práticas e dinâmicas históricas em sala de aula 583


Marisa Lima da Silva
Matheus Mathias
Renan Monteiro Dreyer

A produção de recursos didáticos e a utilização de recursos paradidáticos no


592
ensino de História:
O caso do PIBID História 2014/UFSM
Luciano Nunes Viçosa de Souza
Taís Giacomini Tomazi
André Haiske

A fotografia como nova estratégia para o ensino de História 611


Tatiane Gasperin de Chaves Guerra
Jaqueline Benvenuti

O Programa Nacional Biblioteca na Escola e o cotidiano escolar:


Tecendo caminhos para a implementação da lei nº 10.639/03 626
Lueci da Silva Silveira

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|9


Processos educacionais e ensino de história nas sociedades escolares polono- 643
brasileiras na primeira metade do século XX:
Interculturalidade e identidade étnico-cultural
Fabiana Regina da Silva
Jorge Luiz da Cunha

Representações sociais e ensino de História: 656


Contribuições para uma educação étnico-racial
Kathleen Aguirre
Cassiane Paixão
Eron Rodrigues

As raízes históricas da desigualdade socioambiental no extremo sul do Brasil:


Um olhar sobre o surgimento da cidade de Rio Grande (1737) 677
Eron da Silva Rodrigues
Carlos R. S. Machado
Kathleen Aguirre

Rodas de conversa nas aulas de História: 692


Ancestralidade africana nas regiões de colonização alemã no Rio Grande do Sul
Juliano de Leon Viero Marques

Cultura política educacional autoritária:


Reformas educacionais e a influência da Doutrina de Segurança Nacional (1964-1985, SC) 709
Juliana Miranda da Silva
Yomara Feitosa Caetano de Oliveira Faionato

Os deuses devem estar loucos:


Linguagem cinematográfica na formação de conhecimento nas aulas de História 731
Caroline Dall’Agnol

Música negra como resistência:


África, Brasil e Estados Unidos
Bruno Ribeiro Oliveira 749
Davi dos Santos
Gabriel Truccolo de Lima

“O que pode o professor de História?”: 769


Oficinas de ensino de cultura afro-brasileira e indígena voltadas para as Ciências Exatas e
Naturais – uma experiência no IF-Farroupilha, Campus Alegrete
Mário Augusto Correia San Segundo

Rompendo velhos preconceitos para construir novos conceitos:


Rupturas e permanências do conteúdo da História dentro do âmbito escolar 778
Adriana Picheco Rolim

A ludicidade como recurso didático pedagógico na aula de História: 799


Possibilidades
Andressa de Rodrigues Flores
Deise de Siqueira Pötter
Janaína Souza Teixeira

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|10


Maniba, mandioca e aipim: 818
Origem, histórias e gastronomia da raiz brasileira
Gabriel Chaves Amorim

Diálogos entre professores:


Compreendendo as relações étnico-raciais 834
Vera L. Trennepohl

O olhar do aluno:
Em busca de novas metodologias e abordagens no Ensino de História 849
Gláucia da Rosa do Amaral Alves
Rosiléia Scherer
Jamille Padoin Bonini

O uso historiográfico no ensino de história moderna:


Saberes e percepções em sala de aula
859
Letícia Chilanti

O que é o trabalho?:
Um retrato da classe trabalhadora do bairro Jardim dos Lagos 874
Mateus Ranzan
Alexandre Quadrado

Estudo das ações e representações dos movimentos sociais latino-americanos no 882


Ensino Fundamental:
Experimentações no PIBID-História-UFRGS
Edson Antoni
Leonardo Eggres
Roberta Melo

Avós em experiências: 897


A memória cotidiana, o espaço da sala de aula e o fazer pedagógico no ensino da história
Izabel Cristina Durli Menin
Eliana Rela

Imagens de mulheres nos livros didáticos de História 915


Eliane Goulart Mac Ginity

O uso da internet no aprendizado de História:


Possibilidades e abordagens 933
Bruno Stelmach Pessi

O potencial pedagógico da Idade Média imaginada


Bruno Chepp 948
Guilherme Mais
Nilton Mullet Pereira

Trabalhando o patrimônio: 969


Prédios, objetos e fotografias
Moisés Abrão Stein

Hominídeos, Vênus e Bruna:


Ensino de História e aprendizagem significativa em uma turma de Educação de Jovens e 974
Adultos
Wellington Rafael Balém

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|11


Apresentação
O presente número da Revista do Lhiste -
Laboratório de Ensino de História da Universidade Federal
do Rio Grande do Sul - reúne artigos de professores e
pesquisadores do campo da História e da Educação,
contemplando, em sua maioria, temáticas da
interculturalidade e da diversidade, as quais deram
identidade à realização da XXI Jornada de Ensino de
História e Educação, ocorrida em outubro de 2015, em
parceria com o Programa de Pós-Graduação em História
da Universidade de Caxias do Sul. A Jornada é um evento
anual do Grupo de Trabalho (GT) Ensino de História e
Educação ligado à Associação Nacional dos Profissionais
de História (ANPUH-RS) e constitui-se num privilegiado
fórum de debates acerca de temas candentes e urgentesque
envolvem a formação inicial e continuada dos profissionais
da História.
O contexto que se inaugura com a promulgação da
Lei 10.639/03, em janeiro de 2003, e da Lei 11.645/08, em
2008, inseridas no conjunto das políticas afirmativas de
promoção da igualdade racial, é historicamente inovador,
pois traz ao embate público, na forma do debate político e
da regulação jurídica, as práticas do racismo, do
preconceito e da discriminação, tradicionalmente mantidas
no plano privado em nosso país.
Reforçamos que a interculturalidade, no caso
brasileiro, passa por ações mais intensas no sentido da
construção de um contexto de equidade capaz de compor
as premissas do reconhecimento do direito do outro no
diálogo entre diferentes culturas. A nova pauta pública que
queremos viver é justamente a construção da escola como
espaço por excelência para experimentações no que diz
respeito à convivência plural e às práticas de diálogos
interculturais, capaz de fazer sua comunidade refletir sobre
seus próprios modos de agir, sentir e pensar, sobretudo
reconhecendo indígenas e negros como interlocutores
legítimos. O objetivo de tratar da temática da
interculturalidade na XXI Jornada de Ensino de História e
Educação, num processo de interlocução com intelectuais
negros e indígenas, foi o de contribuir nesse processo de
reflexão ancorada em alianças no campo da pesquisa e do
ensino de História no Rio Grande do Sul.
Segundo Neusa Vaz e Silva,

é necessário que se tome com seriedade as culturas, ou seja,


reconhecê-las e respeitá-las em seu direito de ter mundo próprio
e principalmente não serem impedidas por coerção em suas
possibilidades de desenvolvimento real. Tal direito foi negado

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|12


totalmente às culturas originárias das Américas, à época da
colonização e ainda hoje em alguns processos “civilizatórios”,
não oferecendo condições, ou até mesmo, promovendo a
anulação da capacidade para pensar, ver, sentir, organizar e
reproduzir o que o povo compreende como seu mundo. Não é
oportunizada a possibilidade de que as culturas modelem sua
materialidade desde seus próprios valores e metas. E, na
verdade, as relações entre as culturas devem processar-se com
base na observação prática do direito de cada cultura ser si
mesma (SILVA, 2009, p. 44).

Os professores de História, por demandas sociais


colocadas na forma da Lei, estão diante de uma nova
responsabilidade social: estudar, ensinar e dialogar com as
raízes históricas e filosóficas ou ainda com as visões de
mundo, originariamente indígenas, hoje expressas como
heranças das ancestralidades daqueles que, nesse território,
construíram e reconstruíram suas vidas e seus
pertencimentos étnicos. Tais narrativas não privilegiam
uma única maneira de ser e de estar no mundo, como
referência e padrão, mas exploram as diferenças na
perspectiva do diálogo e da pluralidade e apontam para a
interculturalidade como nova forma de viver as relações
sociais. O jeito gaúcho dos professores de História
receberem e aplicarem tal legislação, que os convoca
especificadamente, em suas ações educativas cotidianas,
deve ser compreendido a partir das múltiplas práticas
culturais que constituem a diversidade dos povos que
convivem entre si e relacionam-se do ponto de vista
étnico-racial em nosso estado. Isso implica igualmente
discutir o quanto, também do ponto de vista da
interlocução, observamos o reconhecimento do indígena e
do negro como aqueles que de fato podem e devem
elaborar reflexões e ações que tratem do ensino de suas
culturas e histórias.
A presente publicação caracteriza-se como Anais
da XXI Jornada de Ensino de História e Educação,
portanto reúne uma série de trabalhos que apresentam
relatos e análises de práticas docentes, assim como
resultados de pesquisas no campo do Ensino de História. O
leitor encontrará aqui uma diversidade de perspectivas
téorico-metodológicas, o que traduz a pluralidade de
nossos encontros como Grupo de Trabalho. As distintas
autorias, com escritas de licenciandos, estudantes de pós-
graduação, bolsistas de iniciação à docência, de extensão
universitária e de iniciação científica, professores da
educação básica e do ensino superior, compõem uma certa
polifonia de vozes congregada em torno das
especificidades dessas experimentações em diversos
espaços educativos do Rio Grande do Sul.
Desejamos uma boa leitura e diálogos profícuos em
sua consecução.

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Carla Beatriz Meinerz (UFRGS)
Katani Maria Monteiro Ruffato (UCS)

Coordenação GT Ensino de História e Educação


2014-2015

Referências

SILVA, Neusa Vaz e. Teoria da Cultura de Darcy


Ribeiro e a Filosofia Intercultural. Tese apresentada na
Facultad de Postgrados para optar ao grua de Doutor em
Filosofia Iberoamiercana na Universidad Centro
Americana “J O S E S I M E Ó N C A Ñ A S ” . S a n
S a l v a d o r , E l Sa l v a d o r , 2 0 0 9 .

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Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|15
A Guerra do Vietnã no cinema norte-americano
Possibilidades de Ensino de História a partir de “Fomos Heróis”, de Randall Wallace
Por Diego Oliveira Souza¹

Resumo Abstract
Este artigo objetiva apresentar This article presents history teaching
perspectivas de ensino de História, a partir do prospects from the movie "We Were Soldiers"
filme “Fomos Heróis”, do diretor de cinema of the film director Randall Wallace. Thus,
Randall Wallace. Desse modo, partindo da based on the analysis of the film, accompanied
análise do filme, acompanhada de levantamento by literature, as well as media sources, it is to
bibliográfico, bem como de fontes da imprensa, establish some points that allow dealing with
trata-se de estabelecer alguns pontos que the Vietnam War theme, in class, at the time
permitem tratar da temática da Guerra do you register to anniversary of the passage of the
Vietnã, em sala de aula, no momento em que se 40th anniversary of the end of the conflict. The
registra a efeméride da passagem dos 40 anos theoretical and methodological point of view, to
do fim do conflito. Do ponto de vista teórico-
explore the relationship Cinema and History,
metodológico, visando explorar a relação
Cinema e História, a produção cinematográfica filmmaking was understood through identifying
foi compreendida através dos elementos elements proposed by Robert Rosenstone to set
identificadores propostos por Robert the commercial drama style. To meet its
Rosenstone para definir o estilo drama objective, the article is divided into two
comercial. Para atender seu objetivo, o artigo fundamental groups. In the first, there was the
está divido em dois eixos fundamentais. No context of armed conflict, especially the attempt
primeiro deles, realizou-se a contextualização to promote accountability of the United States
do conflito bélico, destacando-se a tentativa de for crimes against humanity. In the second axis,
promover a responsabilização dos Estados it sought to establish an understanding of the
Unidos pela prática de crimes contra a film from the categories defined by Robert
humanidade. No segundo eixo, buscou-se Rosenstone.
estabelecer a compreensão do filme a partir das
categorias definidas por Robert Rosenstone. Keywords: Vietnam War, North American Cinema, History of Education,
We Were Soldiers

Palavras-chave: Guerra do Vietnã, Cinema Norte-Americano, Ensino de


História, Fomos Heróis

¹ Graduado em Bacharelado e Licenciatura Plena em História pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Mestre em História pelo Programa
de Pós-Graduação em História da UFSM. Linha de Pesquisa Migrações e Trabalho. Doutorando em História pela UFSM. Linha de Pesquisa Cultura,
Migrações e Trabalho. Também é Técnico do Ministério Público Federal (MPF), lotado na Procuradoria da República no Estado do Rio Grande do Sul
(PR-RS). Na pesquisa histórica tem experiência na área de História do Brasil República dando ênfase aos seguintes temas: Pensamento militar,
Memórias, Movimentos Sociais, Ditadura Civil-Militar, Anistia, Direitos Humanos e Justiça de Transição.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|16


Introdução
No contexto da passagem da efeméride dos 40 anos
do fim da Guerra do Vietnã (1975-2015), é pertinente
revisitar o passado para se lançar luz sobre a posição
intervencionista dos Estados Unidos em relação aos países
orientados pela política socialista/comunista. Desse modo,
este artigo pretende desenvolver uma análise
historiográfica do filme intitulado originalmente como
“We Were Soldiers Once... and Young”, bem como
apresentar elementos que possibilitem o ensino de História
em sala de aula.
Em sua versão brasileira, o filme foi intitulado
“Fomos Heróis” e lançado comercialmente durante o ano
de 2002. O filme trata-se de produção cinematográfica
Hollywoodiana, obra do diretor e roteirista Randall
Wallace, orçada em 75 milhões de dólares, sobre a
participação dos soldados norte-americanos na Guerra do
Vietnã. Nesta análise, busca-se a partir de referências
bibliográficas, acompanhadas de matérias da Revista Veja,
apresentar alguns elementos acerca da inter-relação do
cinema e da História, especificamente parte-se do
pressuposto de que o cinema pode ser utilizado como
material didático.
O vale do rio Ia Drang, nas proximidades da
fronteira entre os países do Vietnã e do Camboja, é a
origem dos relatos históricos, registrados em livro 1, sobre
450 soldados norte-americanos, que fizeram parte do início
da Guerra do Vietnã, em 1965, cercados por 2 mil soldados
norte-vietnamitas. Aponta-se o evento, retratado no filme,
como a maior batalha travada durante o conflito entre os
Estados Unidos e o Vietnã do Norte. O drama se concentra
na história do tenente-coronel Harold Moore, Comandante
do Primeiro Batalhão, da Sétima Cavalaria do Exército dos
Estados Unidos da América, e do repórter Joseph
Galloway.
Sobre o ponto de vista de construção da história
militar dos Estados Unidos, há de se destacar que o
Departamento de História do Exército norte-americano
registrou o combate entre os soldados, comandados pelo
tenente-coronel Harold Moore, e os norte-vietnamitas que
é a base do filme do diretor de cinema Randall Wallace.
Em 1986, a Editora da Biblioteca do Exército Brasileiro
(Biblex), com autorização do Departamento de História do
Exército norte-americano reproduziu a obra, no Brasil,

1
O Tenente-coronel Harold Moore publicou, em 1992, nos Estados Unidos, em conjunto com o jornalista Joseph Galloway, a obra que se tornou
best-seller "We Were Soldiers Once...And Young", na qual são relatados os acontecimentos da batalha no Vale do Ia Drang, durante novembro de
1965.

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intitulando-a “Sete combates no Vietnã”.2
Contudo, para atender sua intenção, este artigo está
divido em dois momentos. No primeiro, apresenta o
contexto histórico da Guerra do Vietnã, a partir das
considerações de correspondentes de guerra, registradas
em livro e publicadas ainda durante o conflito bélico. No
segundo, passa-se a analisar a película através dos
elementos indicados pelo historiador Robert Rosenstone,
na tentativa de delimitar a construção do mundo histórico
pelas mídias visuais e definir uma proposta de ferramenta
didática para o ensino de História. Dessa maneira, será
desenvolvida a análise do filme “Fomos Heróis”, a partir
de elementos elencados por aquele historiador para
identificar o drama comercial.

O Contexto histórico da guerra do Vietnã


As guerras e as revoluções, na visão de Hannah
Arendt, são acontecimentos determinantes da fisionomia
do século XX, tendo em vista que sobreviveram a todas as
suas justificativas ideológicas, ao contrário das ideologias
oitocentistas tais como o nacionalismo e o
internacionalismo, o capitalismo e o imperialismo, o
socialismo e o comunismo, pois “(…) não resta nenhuma
outra causa a não ser a mais antiga de todas, a única, de
fato, que desde o início de nossa história determinou a
própria existência da política: a causa da liberdade em
oposição à tirania” (ARENDT, 2011, p. 35).
De todo jeito, a Guerra do Vietnã pode ser
concebida através da perspectiva do conceito de genocídio.
Cada caso de genocídio tem sua origem histórica e
apresenta as características da sociedade que a derivou.
Portanto, ao tentar compreender o caso da intervenção
norte-americana sobre o Vietnã, Jean-Paul Sartre bem
lembrou que
É como tal que temos que tentar compreendê-lo, porque
ele é, ao mesmo tempo, uma expressão da infraestrutura
econômica daquela potência, de seus objetivos políticos e
de suas contradições na conjuntura atual. Temos que tentar
compreender particularmente a intenção genocida do
governo americano em sua guerra contra o Vietnã
(SARTRE, 1970, p. 430, grifos do autor).

O norte-americano Theodore Draper forneceu com


riqueza de detalhes a indicação da maneira como o Estado
pode abusar da força para realizar seus objetivos. Através
da análise das intervenções dos Estados Unidos no Vietnã,

2
Destaca-se nessa obra, o artigo No Vale do Ia Drang do historiador civil, Jon A. Cash, classificado no Gabinete do Chefe de História Militar, do
Exército dos Estados Unidos. Ver. (CASH, 1986, p. 1-46).

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|18


em Cuba e São Domingos, Draper denunciou o insucesso
norte-americano resultante do predomínio da força militar
sobre a força política. Diante do fracasso das perspectivas
políticas e econômicas, nos lembra Draper que os
principais métodos de persuasão norte-americanos se
tornam mais econômicos e militares, e em momento
cruciais, quase exclusivamente militares (DRAPER, 1967,
p. 15-16).
Antes de tratar propriamente da Guerra do Vietnã, é
necessário mencionar a região da Indochina, a qual foi
dominada pelos colonizadores franceses desde o final do
século XIX. O contexto da Segunda Guerra Mundial é o
cenário político anterior das disputas envolvendo os
Estados Unidos e o Vietnã do Norte. Na chamada Guerra
da Indochina, o Exército francês, no período de 1946-
1954, empreendeu diversos esforços para manter aquela
região sob seu domínio colonial. O Movimento de
Libertação Nacional, na região da Indochina, conseguiu
alcançar significativos resultados a partir de 1945,
momento em que o Vietnã declarou sua Independência da
França. Como lembrou Eric Hobsbawm, com riqueza de
detalhes:

Só em partes do Sudeste Asiático essa descolonização


política sofreu séria resistência, notadamente na Indochina
francesa (atuais Vietnã, Camboja e Laos), onde a
resistência comunista declarara independência após a
libertação, sob a liderança do nobre Ho Chi Minh. Os
franceses, apoiados pelos britânicos e depois pelos EUA,
realizaram uma desesperada ação para reconquistar e
manter o país contra a revolução vitoriosa. Foram
derrotados e obrigados a se retirar em 1954, mas os EUA
impediram a unificação do país e mantiveram um regime
satélite na parte Sul do Vietnã dividido (HOBSBAWM,
1995, p. 215).

Em relação à cultura norte-americana da década de


1970, cabe destacar o trabalho do escritor Fred J. Cook, o
qual procurou refletir sobre os conflitos do homem diante
de uma organização social injusta e desumana. Para Cook,
em 1966, a sociedade norte-americana vivia um momento
bastante especial, pois:

Estamos procurando dirigir toda a intricada maquinaria


industrial, todos os imponentes complexos de poder da
parte final do século vinte, pela estrutura de uma ética
oitocentista de lucro privado que se mostra um
anacronismo na era próxima da cibernética. Canalizar
todo o poder e recursos imensos da sociedade tecnológica
do século vinte para a meta da 'livre iniciativa' e lucro
privado e da companhia é criar um sistema social em luta
contra a vasta maioria de seus membros (COOK, 1967,

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|19


374-375).

Em seguimento, tem-se que as primeiras edições da


Revista Veja, tendo em vista os significativos
acontecimentos políticos e sociais envolvendo o Sudeste
Asiático, buscaram abordar o desenrolar da Guerra do
Vietnã. Desse modo, conforme registrou aquele periódico,
o início da Guerra do Vietnã remontaria à morte do
fuzileiro naval James Tomas Davis, ocorrida em 22 de
dezembro de 1961, o qual passou a ser considerado a
primeira vítima norte-americana naquela guerra:

A data de sua morte pelos vietcongs marca o ponto de


partida oficial da intervenção americana no conflito do
Vietnam e o início do que seria um imenso pântano
político e militar para todas as nações nele envolvidas. Em
seis anos e dez meses essa guerra fantástica se tornou
quase rotineira, sendo a notícia mais constante nos jornais
do mundo inteiro (VEJA, Edição 8, 30 de outubro de 1968.
São Paulo: Editora Abril, p. 33).

A Guerra do Vietnã foi marcada por um


acontecimento especial, o qual acabou por caracterizar
novo tipo de guerra: a utilização da aviação norte-
americana (helicópteros). O problema tático do conflito no
Vietnã, envolvia uma estratégia que fosse capaz de
fornecer meios para desenvolver o combate em locais com
montanhas, rios, problemas de relevo, clima tropical.
Sendo assim, para atender a finalidade de superar essas
dificuldades, o Exército norte-americano colocou em
funcionamento sua “cavalaria aérea”, baseada no plano de
usar helicópteros para entrar e sair do campo de batalha.
Conforme o correspondente de guerra indiano, M.
Sivaram:
Os sul-vietnamitas e seus aliados norte-americanos
chegaram à conclusão de que se as forças armadas norte-
vietnamitas e seus guerrilheiros podiam cruzar a fronteira,
também eles tinham o direito de atravessá-la para o Norte,
pelo ar e por terra, conforme o caso. Teve início, assim,
novo tipo de guerra, em que a aviação americana e a
vietnamita partiram para o ataque às instalações militares
e linhas de suprimento e comunicação norte-vietnamitas
(SIVARAM, 1966, p. 35).

Interessante observar que durante os primeiros anos


do conflito no Vietnã, especialmente em 1968, os Estados
Unidos promoveram as chamadas “conversações de Paris”,
negociações de paz entre os norte-vietnamitas e o sul-
vietnamitas. Em 31 de março de 1968, o presidente dos
EUA, Lyndon Johnson, havia anunciado sua retirada da
campanha presidencial e a suspensão parcial dos
bombardeios ao Vietnã do Norte (VEJA, 30 de outubro de
1968, p. 36).

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|20


Ademais, a Revista Veja afirmava que desde o
assassinato de Robert Kennedy, em junho de 1968, tanto
Ho Chi Min quanto o presidente norte-americano Lyndon
Johnson possuíam interesse em estabelecer um acordo
antes da eleição do novo presidente dos EUA, marcada
para novembro daquele ano (VEJA, 30 de outubro de
1968, p. 37). Nesse contexto, no final de 1968,
evidenciando que os objetivos políticos norte-americanos
no Vietnã haviam sido alcançados, se estabeleceu o
entendimento baseado em duas alternativas para o término
do conflito entre Hanói e Saigon: “ou Saigon e a FLN
[Força de Libertação Nacional] continuam sozinhas no
confronto militar, ou a FLN depõe as armas para assumir
politicamente, o Governo em Saigon” (VEJA, 20 de
novembro de 1968, p. 42).
De todo modo, visando detalhar a ofensiva dos
Estados Unidos sobre o Vietnã do Norte, a Revista Veja
trouxe alguns números do conflito promovido desde 1961
até 31 de outubro de 1968, sendo assim:
(...) os americanos gastaram 83 bilhões de dólares na
guerra, tiveram 20 mil mortos e 120 mil feridos. Somente
sobre o Vietnam do Norte, até 31 de outubro [de 1968]
foram atirados 2,8 milhões de toneladas de bombas (…).
Nos últimos tempos, o custo anual da guerra chegou a 77
milhões de dólares por dia (VEJA, 13 de novembro de
1968, p. 39).

Em complemento, Sidney Lens assevera que a defesa


mais obstinada e mais cara do império americano, no pós-
guerra e no longo prazo, ocorreu no Sudeste asiático. Enquanto
o custo da intervenção militar na República Dominicana foi
estimado em 150 milhões de dólares, o da Guerra da Coréia, em
18 bilhões, o custo da Guerra do Vietnã (abrangendo a do Laos
e a do Camboja) foi estimado em 1970, em cerca de 125 bilhões
de dólares (LENS, 2006, p. 609).3
O correspondente de guerra australiano, Wilfred G.
Burchett, fez um levantamento político, econômico e militar da
luta do povo norte-vietnamita contra o invasor norte-americano.
Passou sete semanas no Vietnã do Norte, no ano de 1966, bem
como outros períodos em 1954 e 1964, e em sua análise
destacou o desempenho da Força Aérea norte-americana, na
Guerra do Vietnã, asseverando o seguinte:

Se os contribuintes norte-americanos pudessem ver os


resultados militares da fabulosa despesa de seu dinheiro,
por parte do poderio aéreo norte-americano no Vietnã do
Norte, ficariam chocados até o imo, ou pelo menos até o
fundo dos bolsos, ainda que não se mostrassem afetados
pelos aspectos morais da questão. (...) Acresce que os
comunicados diários emitidos pela Força Aérea sobre a

3
Para Sidney Lens, cada um dos presidentes americanos, desde 1945, contribuiu para semear a Guerra do Vietnã – Truman ao ajudar a França,
Kennedy ao enviar 'assessores militares' – mas, foi Lyndon B. Johnson que cruzou o limiar e abriu as hostilidades (LENS, 2006, p. 609).

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destruição de comboios de caminhões constituíam uma
fonte de divertimento para os coreanos e os chineses.
Repetidas vezes, quando a Força Aérea declarava ter
destruído 300 ou 400 caminhões, nem um só veículo fora
atingido (BURCHETT, 1967, p. 26-27).

De outro lado, somente nos primeiros trinta e seis


meses do conflito entre o Vietnã do Norte e os Estados
Unidos, a população norte-vietnamita suportou um
bombardeio superior ao número daqueles realizados
durante toda a Segunda Guerra Mundial, ao mesmo tempo
que:
Indústrias haviam sido desmontadas e transferidas para as
regiões mais seguras do interior. Crianças trocaram as
cidades pelos campos, onde muitas vezes estudavam em
escolas subterrâneas. Abrigos contra bombas, individuais
ou coletivos, foram construídos em todo o país. A falta de
gasolina fez a bicicleta o meio de transporte ideal (VEJA,
06 de novembro de 1968, p. 29).

Todavia, convém ainda ressaltar os esforços da


sociedade internacional para promover a defesa dos
direitos humanos, no âmbito do desenvolvimento de
conflitos bélicos. Tais esforços remontam ao início do
século XX, no momento em que surge a expressão crimes
contra humanidade, sendo ela “(...) cunhada depois da
Primeira Guerra Mundial em referência ao genocídio dos
armênios promovido pelos turcos. Durante a década de
1920, em Haia e em Genebra, foram feitos esforços para
regulamentar as novas armas de bombardeio aéreo e a gás”
(BARTOV, 2005, p. 13).
Desse modo, sobre os desdobramentos políticos da
Guerra do Vietnã é necessário enfatizar a tentativa de
promover a responsabilização dos Estados Unidos pela
prática de crimes contra a humanidade, perpetrados
durante a Guerra do Vietnã. Nesse sentido, há de se referir
os esforços de Bertrand Russel e Jean Paul Sartre, entre
outros intelectuais, que vieram a compor o Tribunal
Internacional, criado no ano de 1967 para atender aquela
demanda. Na análise dos acontecimentos, ocorridos no
Sudeste asiático, em especial durante a guerra de agressão
ao Vietnã, o imperialismo norte-americano aparece
destacado na análise de Bertrand Russel:
É a tentativa de criar impérios que produz crimes de
guerra porque, com bem nos lembram os nazistas, os
impérios se alicerçam na crença autojustificada e
arraigada da própria superioridade racial e da missão que
lhes foi dada por Deus. Quando se acredita que os povos
colonizados são untermenschen (gooks é o termo
americano) [subhomens] destroem-se as bases de todos os
códigos civilizados de conduta (RUSSEL, 1970, p. 9).

De toda forma, as negociações para colocar fim ao

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conflito desenvolvido no Sudeste asiático, envolvendo os
Estados Unidos e o Vietnã do Norte, ensejaram maior
resultado prático a partir da decisão do presidente Richard
Nixon visitar a China, durante o ano de 1972. Para Sidney
Lens,
A decisão de Nixon de visitar a China, anunciada em
finais de 1971, e a viagem propriamente dita em 1972,
intensamente divulgada, foram uma jogada de mestre
tanto para o próprio destino político do presidente quanto
para as políticas americanas, isso conduziu a uma
restauração parcial das relações diplomáticas depois de 33
anos de ruptura e afetou positivamente as negociações
finais da guerra do Vietnã (LENS, 2006, p. 630).

O final da Guerra do Vietnã é datado como sendo o


ano de 1975. Durante o ano de 1976, ocorreu a unificação
do Vietnã do Norte e Vietnã do Sul sobre a denominação
de República Socialista do Vietnã. Como lembra Eric
Hobsbawm, após o Vietnã do Sul chegar próximo à beira
do colapso, sendo mantido um regime satélite, com auxílio
dos Estados Unidos, foram necessários dez anos de guerra
até que os soldados norte-americanos fossem derrotados e
obrigados a retirar-se em 1975 (HOBSBAWM, 1995, p.
215).

Por dentro do filme “Fomos Heróis”: os elementos


identificadores do drama comercial
De acordo com Marc Ferro, desde os anos 1960,
registram-se os esforços dos historiadores para querer
ensinar seus concidadãos a ler e a escutar as imagens.
Desse acontecimento decorre que a intervenção realizada
pelo cinema se exerce por meio de determinado número de
modos de ação, que tornam o filme eficaz, legitimando-o
enquanto produtor de discursos históricos (FERRO, 2010,
p. 09 e 14). Nesse sentido, a seguir, passa-se a analisar o
filme “Fomos Heróis” através de elementos indicados pelo
historiador Robert Rosenstone para definir o estilo drama
comercial, no qual o filme busca “não apenas ensinar a
lição de que a história 'dói', ele quer que você, o
espectador, vivencie a dor (e os prazeres) do passado”
(ROSENSTONE, 2010, p. 34).
Partindo da reflexão do historiador canadense
Robert Rosenstone (2010, p. 34-40), a produção
cinematográfica norte-americana sobre a Guerra Vietnã
pode ser compreendida através de: (a) sua perspectiva do
“passado como narrativa, com começo, meio e fim”, (b) a

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forma de tratar a “história como relato de vida dos
indivíduos”, ao tempo em que também (c) proporciona a
ideia de “passado unitário fechado e acabado”.
Adicionalmente, o filme analisado (d) “personifica,
dramatiza e imprime emoção ao passado”, como também
(e) “traz o visual do passado através das construções da
época” do cotidiano das pessoas que viveram sobre o
conflito bélico entre os Estados Unidos e o Vietnã do
Norte. Por fim, o filme ainda (f) “apresenta a história como
processo”, no qual se fundem classe social e gênero na
vida dos indivíduos e grupos sociais representados na
película norte-americana.
A ideia de que o passado é uma narrativa, com
começo, meio e fim, pode ser percebida quando se assiste
à película de Randall Wallace. O início é determinado
pelos momentos que antecedem o embarque dos soldados
norte-americanos para o Vietnã. Até a partida de Fort
Benning, na Geórgia, todo sentimento das esposas dos
soldados norte-americanos é demonstrado pelo diretor
Randall Wallace. Interessante também observar que na
tentativa de compreender as origens da Guerra do Vietnã, o
jornalista Joseph Galloway faz referência a 1954, ano em
que o Exército francês foi derrotado no mesmo Vale do Ia
Drang, bem como o Vietnã teve sua independência
reconhecida pela França. Desse modo, onze anos após a
derrota francesa na fronteira do Vietnã com o Camboja, os
soldados norte-americanos retornam ao local daquele
combate. A nova estratégia do Exército dos Estados
Unidos, para vencer os soldados vietnamitas, trata-se da
utilização do meio aéreo, para entrar e sair das regiões de
combate, abandonando com isso a estratégia militar
anteriormente utilizada de “bater e correr”.
Como é possível perceber em “Fomos Heróis”, os
helicópteros norte-americanos tornam-se a cavalaria aérea
e são utilizados pela primeira vez em combate. Conforme
relatado no filme, a equipe de soldados norte-americanos,
enviados ao Vale do Ia Drang, fora reduzida em trinta por
cento de seu efetivo, tendo a redução afetado justamente os
soldados mais preparados. Dessa maneira, os soldados que
acompanhavam o Tenente-coronel Hal Moore eram
considerados em sua grande maioria jovens e pouco
experientes.
Utilizando-se do referencial de Rosenstone, o meio
do filme “Fomos Heróis” corresponde ao período em que a
Companhia Charlie, do Sétimo Regimento de Cavalaria do
Exército dos Estados Unidos, comandado pelo Tenente-
coronel Hal Moore, sofre suas primeiras baixas e encontra
dificuldades no avanço sobre o território vietnamita. A
partir desse momento, o diretor Randall Wallace estabelece
a relação entre os soldados e suas mulheres, as quais
passam a receber telegramas noticiando a morte de seus
maridos em combate.

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Ao final do filme, Randall Wallace demonstra
aquilo que seria a ofensiva final da Companhia Charlie,
comandada pelo tenente-coronel Hal Moore sobre o
território do Vale do rio Ia Drang. Após sofrer diversas
baixas, as tropas do Exército dos Estados Unidos, recebem
apoio de sua cavalaria aérea e conseguem fazer com que o
Exército do Vietnã do Norte recue, deixando para trás
aquele ponto, o qual marcava a significativa vitória sobre
os colonizadores franceses, derrotados em 1954. Embora,
no final do filme, ocorra o retorno tanto dos soldados
quanto do tenente-coronel Hal Moore para suas famílias, a
plateia fica sem compreender em que momento se deu esse
acontecimento, se ao final do conflito no Vale do Ia Drang,
em 1965, ou durante o final da Guerra do Vietnã, com a
retirada das tropas norte-americanas em 1975.
De se ressaltar ainda que o relato da vida do
tenente-coronel Hal Moore, na Guerra do Vietnã, é a base
da narrativa do filme. Centrado na figura do tenente-
coronel Hal Moore, o qual na vida real, ao lado do
jornalista Joseph Galloway, escreveu o livro que deu
origem ao filme, o diretor Randall Wallace evidencia a
relação entre os soldados norte-americanos e os
combatentes norte-vietnamitas. Certo que essa relação é
desequilibrada por diversos momentos, sendo que o
elemento principal desse desequilíbrio remete aos recursos
do poder econômico, empregados por parte dos Estados
Unidos.
De toda maneira, se através da perspectiva proposta
por Rosenstone, busca-se a relação entre as mídias visuais
e a construção de um mundo histórico, nada mais oportuno
do que lembrar das palavras de Marc Bloch, em relação ao
ofício de historiador. Para o historiador francês, o objeto da
história é, por natureza, o homem:
Digamos melhor: os homens. Mais que o singular,
favorável à abstração, o plural, que é o modo gramatical
da relatividade, convém a uma ciência da diversidade. Por
trás dos grandes vestígios sensíveis da paisagem, [os
artefatos ou as máquinas] por trás dos escritos
aparentemente mais insípidos e as instituições
aparentemente mais desligadas daqueles que as criaram,
são os homens que a história quer capturar (BLOCH,
2002, p. 54).

A partir disso, observa-se que o filme foca


essencialmente a vida do tenente-coronel Hal Moore,
esquecendo-se que a História é uma ciência da diversidade,
nas palavras de Marc Bloch. Se conforme propõe
Rosenstone, o cinema é capaz de constituir um mundo
histórico, tem-se que no caso da produção norte-americana
analisada, o mesmo é construído somente a partir de uma
perspectiva individual.
Ademais, a ideia de passado como sendo algo

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“unitário, fechado e acabado” é perceptível no filme no
momento em que toda a narrativa do filme está centrada no
tenente-coronel Hal Moore e sua versão sobre os fatos
ocorridos no combate no Vietnã. Ao acentuar os fatos
relacionados ao tenente-coronel, Randall Wallace destaca o
papel do protagonista Mel Gibson, reforçando a ideia do
passado como algo unitário e acabado. Não há
possibilidade, no filme, de se reescrever aqueles
acontecimentos, sobre uma perspectiva diferenciada que
não seja aquela contida na visão do diretor, a qual é
bastante influenciada pelos registros de Hal Moore em seu
livro “We Were Soldiers Once... and Young”.
De outro lado, o passado indicado no filme,
principalmente os acontecimentos históricos anteriores a
1965, os quais retratam a intervenção militar dos Estados
Unidos no Vietnã são deixados de lado pelo diretor
Randall Wallace. Para o período de 1945-1964, ou então da
época da Conferência de Genebra até a escalada da guerra
de agressão norte-americana, Jean Chesneaux apresentou
breve sumário da intervenção dos Estados Unidos sobre o
Vietnã, indicando suas diretrizes políticas principais:
(...) a manutenção de um estado separado no Vietnã do
Sul, para aí estabelecer base militar (por meio de
dominação sobre o governo local) atacar o Norte e
garantir a penetração econômica no Sudeste da Ásia (…) a
rejeição das eleições (que tinham certeza darem vitória a
Ho Chi Minh), a sempre crescente formação de oficiais
vietnamitas em escolas americanas, a preocupação em
fazer construir no Vietnã do Sul obras públicas sem valia
econômica, mas de caráter puramente estratégico e militar,
a feroz repressão a qualquer tipo de oposição, anterior
mesmo à luta armada (CHESNEAUX, 1970, p. 63).

Há também de se enfatizar que o filme “personifica,


dramatiza e imprime emoção ao passado”, colaborando
com o desenvolvimento da empatia entre a plateia e os
atores da cena. Como exemplo, aponta-se a cena de
despedida do tenente-coronel Hal Moore de sua família,
antes da partida para a Guerra, bem como a cena do baile
de despedida dos soldados, no qual suas esposas
transmitem toda a insegurança do destino de seus maridos
no Vietnã.
Entre os elementos de análise, destaca-se a
abordagem da tentativa do diretor Randall Wallace de
humanizar os personagens. Através de situações bastante
tradicionais, envolvendo os soldados norte-americanos,
busca-se criar vínculo emocional com o público
espectador. Certamente, trata-se de recurso para realizar o
lucro definido para compensar o investimento milionário
na realização da obra.
Em relação ao uso de armas químicas, pelos Estados
Unidos, na Guerra do Vietnã, é interessante notar o

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Relatório do Subcomitê sobre Guerra Química, elaborado
por bioquímicos e nutricionistas franceses, nos autos do
Tribunal Internacional que condenou os Estados Unidos
pelo crime de genocídio, mediante o emprego da guerra
química. Há de se ressaltar que mesmo diante da existência
de protocolo proibindo o uso de gases asfixiantes,
venenosos ou semelhantes na guerra, assinado em Genebra
em 17 de junho de 1925, os Estados Unidos utilizaram-se
do desfolhamento de florestas, matas e bosques com
repercussões diretas nas condições do meio humano:
(...) trata-se de algo muito pernicioso que o próprio
desfolhamento, no sentido estrito do termo, pois as
substâncias químicas que simplesmente fazem cair as
folhas sem prejudicar o resto do ciclo vegetativo, agora é
que estão em fase experimental. Aquele termo não pode,
portanto, ser aplicado a operações que consistem em
despejar toneladas de herbicidas e arboricidas sobre
florestas e lavouras. Desfolhamento é apenas um
eufemismo que significa, de fato, até que ponto se dá a
destruição de toda a flora (LEDERER, 1970, p. 202-203).

Em outro momento, é possível perceber que o filme


traz o visual do passado através das construções de época
(cabanas de camponeses, alojamentos militares) e das
paisagens retratadas na película (locações em estúdio
cinematográfico da Califórnia, assemelham-se a paisagem
do Vietnã). Em especial, os artefatos de guerra, a utilização
de cenas com explosões e bombas de Napalm impõe forte
carga dramática às imagens da guerra, aproximando a
plateia do cotidiano das pessoas que viveram sobre o
conflito entre os Estados Unidos e o Vietnã do Norte.
Nesse sentido, a reconstituição da “cavalaria aérea” dos
Estados Unidos, através da utilização de helicópteros nas
cenas, associada ao uso das instalações de Fort Benning,
no Estado da Geórgia, nos Estados Unidos, sem dúvida,
colaboram em grande medida para a reconstituição do
passado através de sua perspectiva visual.
Em tempo, o filme “Fomos Heróis” apresenta a
história como processo, pois classe social e principalmente
gênero são elementos que se unem na vida dos indivíduos
e grupos sociais representados na película norte-americana.
O trabalho feminino nas plantações de arroz vietnamitas é
retratado em cenas do filme, fato que ilustra a organização
social do Vietnã do Norte diante dos esforços da guerra.
Pelo lado norte-americano, as esposas dos soldados
passam o tempo aguardando notícias da guerra, em
especial a personagem Julie Moore, esposa do tenente-
coronel Hal Moore.
Momento interessante ocorre quando as esposas dos
soldados norte-americanos estão reunidas a fim de discutir
a rotina da nova guarnição militar, na qual passaram a
morar. Neste momento, ocorre um comentário que revela a

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evidência do preconceito racial, na sociedade norte-
americana e mesmo no Exército, durante o ano de 1965.
Entre as conversas das esposas, uma delas menciona a
existência nas proximidades da guarnição militar de uma
lavanderia “só para brancos”. No primeiro momento, a
esposa fala em dificuldades para lavar roupas coloridas,
quando na verdade ela é informada pelas demais esposas
que se tratava de uma lavanderia que não lavava roupas de
negros, isso mesmo eles sendo militares norte-americanos
em luta pelo país no Vietnã.
Ademais, a vida dos norte-vietnamitas, sob o
bombardeio dos aviões norte-americanos (skyriders),
passou a sofrer constantes modificações. Entre elas, é
possível referenciar o “Movimento das três
responsabilidades”, voltado para as mulheres, e o
“Movimento dos três pontos”, voltado para o público
masculino. As mulheres deveriam substituir os homens no
trabalho, incentivar maridos e filhos a que se alistassem
nas Forças Armadas, e tomar conta da família
(BURCHETT, 1967, p. 19). Aos homens, entre 18 e 40
anos, o “Movimento dos três pontos”, impunha-lhes as
seguintes atribuições: (1) Pronto para lutar e lutar
valentemente, pronto a ingressar nas Forças Armadas; (2)
Pronto a sobrepujar todas as dificuldades, a estimular o
trabalho de produção e estudo, sob quaisquer
circunstâncias; (3) Pronto a ir a qualquer parte e executar
qualquer tarefa pedida pela Pátria (BURCHETT, 1967, p.
71).
Ainda assim, ao assistir o trabalho do diretor
Randall Wallace sobre o conflito no Vietnã, a impressão de
tratar-se de filme antibélico, voltado para a promoção dos
soldados norte-americanos como heróis, pode surgir entre
seus espectadores. Com isso, a questão surgida desse
entendimento, seria: O filme corresponde a um tributo aos
soldados norte-americanos enviados para a Guerra do
Vietnã? A respeito da relação dos soldados dos Estados
Unidos com o desenvolvimento de suas atividades no
Vietnã, retratada na película norte-americana, tem-se o
seguinte quadro: Como pensar a problemática proposta
pelo filme? Soldados heróis? A partir da adaptação do
filme para a língua portuguesa, o título denota a “formação
de heróis”, dando com isso, ênfase a uma imagem que
pode ser contrastada com a falta de motivação ideológica
de alguns combatentes do Exército dos Estados Unidos.
Problematizando o título atribuído ao filme, em sua
versão brasileira, “Fomos Heróis”, é possível afirmar que
em relação ao alegado profissionalismo dos soldados
norte-americanos, convém registrar o pensamento do
tenente Kenneth M. Tolley, responsável por uma equipe
mista de combatentes norte-americanos e sul-vietnamitas,
entrevistado pela imprensa durante o conflito bélico. Em
especial, interessa notar sua ação diante do princípio da

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|28


autoridade, pois conforme Veja: “Ele afirma não estar de
acordo com a guerra: 'mas foi treinado para fazê-la
eficientemente, e mandaram-no combater'. Ele obedece”
(VEJA, 25 de setembro de 1968, p. 62). A manifestação do
tenente do Exército dos Estados Unidos revela aquilo que
foi considerado, por muitos observadores, o impasse
militar da guerra do Vietnã: a ausência de razões
ideológicas entre os profissionais do combate.
Diante disso, pode-se refletir acerca do princípio da
autoridade e de sua dimensão política, desenvolvido entre
os soldados norte-americanos. Todavia, aqui pondera-se
com Richard Sennett, para o qual a autoridade trata-se de
laço afetivo, podendo ser definida como uma “ligação
entre pessoas desiguais” (SENNET, 2001, p. 22). Como
ingrediente essencial para o desenvolvimento da
autoridade é necessário que alguém tenha força e a use
para guiar os outros, disciplinando-os e modificando seu
modo de agir, através da referência a um padrão superior,
envolto em segurança e capacidades específicas: de
julgamento, de impor disciplina, e de inspirar medo
(SENNET, 2001, p. 30).
Por fim, em relação às produções cinematográficas,
em especial àquelas de orçamentos milionários, também é
importante trazer à tona os escritos de Walter Benjamin,
pois Benjamin nos lembra que os filmes reproduzem, entre
outros significados, acontecimentos não-artísticos
resultantes da intervenção de um grupo de especialistas –
produtores, diretores, operadores, engenheiros de som ou
iluminação (BENJAMIN, 1994, p. 178). A forma como o
ator representa seu papel, junto ao filme, e a utilização dos
mais variados recursos técnicos são grandes características
do ponto de vista social do cinema que também podem ser
abordadas no ambiente da sala de aula.

Considerações finais
Dos desdobramentos deste artigo, há de se
reconhecer os esforços do historiador Robert Rosenstone
ao defender o cinema como uma nova forma de
pensamento histórico. Refletindo acerca da inter-relação
entre o cinema e a história, parece de fato ser apropriado
corroborar com suas ideias, pois antes de compreender
como o cinema apresenta o mundo do passado, é
necessário levar em consideração que para os produtores
de cinema “a história é apenas mais uma ferramenta para
vender ingressos” (ROSENSTONE, 2010, p. 15). Por isso,
mesmo diante das limitações do discurso histórico

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tradicional, parece essencial destacar, nas aulas de
História, os interesses econômicos latentes dessa forma
capitalista de apresentar o mundo do passado.
Ademais, no ambiente de sala de aula, o professor
que acreditar que “as mídias visuais são o principal
transmissor da história pública na nossa cultura”
(ROSENSTONE, 2010, p. 28), acaba por incorrer em uma
forma apressada de determinar o lugar das mídias visuais
na produção do conhecimento histórico. Desse modo, para
acreditar na sensatez proposta por Rosenstone ao admitir
que vivemos em um mundo moldado, mesmo em sua
consciência histórica, pelas mídias visuais, é necessário
antes de tudo que seja avaliada a influência do capitalismo
sobre a produção das mídias visuais e sua aludida
pretensão de criar um mundo histórico.
Em relação às pretensões do diretor Randall
Wallace, ao tratar do início da invasão norte-americana ao
Vietnã, em 1965, há de se destacar que a ideia
desenvolvida ao longo de “Fomos Heróis” de que
“nenhum homem é somente um soldado”, pois tratam-se
de “pais, irmãos, maridos e filhos”, tem sua aplicação
restrita aos soldados norte-americanos. Como seria
previsível, os esforços para o grupo de soldados tornarem-
se heróis, comandados pelo tenente-coronel Hal Moore,
passam por aquela proposição ao longo de toda película,
evocando o sentimento dramático associado ao
afastamento dos soldados norte-americanos de suas
famílias. Contudo, o que se pode observar da Guerra do
Vietnã, sob o ponto de vista histórico abordado em “Fomos
Heróis”, é que o belicismo como forma de vida ou de
manter a posição hegemônica dos Estados Unidos da
América, desenvolve-se de forma intensa no momento em
que ocorre o predomínio da força militar sobre a força
política. Em contrapartida, é bastante lento o processo de
retomada da força política norte-americana sobre a sua
prática bélica com fins hegemônicos.4 Como pode ser
observado, no caso da Guerra do Vietnã, a força militar
norte-americana somente deixou de predominar sobre a
força política, no momento em que ocorreu a unificação do
território do Vietnã, sob uma República Socialista, no ano
de 1976.

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Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|32


“Às vezes, ficam chamando o bairro São João
Bosco de ‘Vila’
estas pessoas devem parar de falar estas coisas, nosso bairro é um bairro como
qualquer outro”
PorEliana Gasparini Xerri¹

Resumo Abstract
O papel da escola é relevante na The role the school plays in building the
construção da identidade dos sujeitos. O ensino identity of subjects is relevant. The teachings of
de história tem papel fundamental na formação history have a fundamental role in the shaping
da cidadania, ao estimular no estudante a of citizenship, by stimulating in the student the
criticidade partindo de uma reflexão de criticality from a historically natured reflection.
natureza histórica. Percebendo a significativa Noticing the significant social function
função social exercida pela escola, esse trabalho exercised by the school, this paper aims to
tem por objetivo examinar a construção da examine the building of identity of the dwellers
identidade dos moradores do Bairro de periferia of the low income neighborhood of São João
São João Bosco – PROMORAR, localizado no Bosco – PROMORAR, located in the city of
município de Nova Prata, Rio Grande do Sul – Nova Prata, Rio Grande do Sul – Brasil. The
Brasil. O estudo faz parte da pesquisa intitulada paper is part of the research entitled “The
“A escola e o bairro: o papel da Escola Padre school and the neighborhood: the role of the
Josué Bardin na construção da identidade dos Padre Josué Bardin School in the building of
moradores do bairro São João Bosco”, que foi identity of the dwellers of the São João Bosco
desenvolvido no Programa de Pós- Graduação neighborhood”, which was developed on Post-
Lato Senso, Mestrado Profissional em História, Graduation Lato Senso Program, Profession
da Universidade de Caxias do Sul. Master’s Degree in History, of the University of
Caxias do Sul.
Palavras-chave: Escola, Identidade, Bairro, Ensino, História.
Keywords: School, Identity, Neighborhood, Teaching, History.

¹ Drª em Educação-PUCRS, Mestre em História PUCRS. Professora do curso de História e do Mestrado Profissional em História - Universidade de
Caxias do Sul

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Introdução
Este artigo tem por objetivo compreender a relação
entre narrativas, memória e construção identitária,
entendidas como construções histórico-sociais. Para essa
análise foram utilizadas as fontes produzidas pelos
estudantes da Escola Municipal Padre Josué Bardin que
participaram da oficina de análise de material. Para nortear
essa reflexão, utiliza-se o conceito de memória social e a
relação entre lugar e memória, analisando a pluralidade das
identidades sociais e as múltiplas significâncias que as
recordações podem ter para diferentes atores sociais.
(BURKE, 2000)

Consciência histórica e identidade


A construção do conhecimento histórico precisa
estar aberta à comunicação com diversos campos do
conhecimento e estar ciente das próprias limitações da
história como ciência, como apresenta Ginzburg:
Diante da imensidão do cosmo, os tempos da
história humana e as pretensões humanas são
insignificantes. Se pudéssemos nos comunicar com um
mosquito, descobriríamos que até o mosquito se acha o
centro do mundo. Mas a pretensão do homem de conhecer
a verdade, além de efêmera, é também ilusória. (2008,
p.23).

É importante considerar também que a história não


busca desvendar o passado, mas sim compreender as
relações através do tempo, compreensão essa, que está
carregada pela subjetividade de quem a constrói e
influenciada pelo meio e tempo em que vive. Como
defende Bloch (2001), a história compreende o presente
pelo passado e o passado pelo presente. Assim, para
refletir sobre a criação de um bairro é necessário analisar a
organização urbana, imaginando o que o urbanista e o
arquiteto pensaram ao projetar tal obra, bem como todo o
conhecimento empregado no trabalho, desde a elaboração
do projeto até a colocação dos tijolos. Por isso é
importante abordar diversas teorias e práticas urbanas,
geradoras de transformações pensadas e colocadas em
exercício no Brasil, que organizam o espaço urbano
evidenciando as diferenças dos modos de habitar e dos
espaços entre ricos e pobres.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|34


No Brasil, falamos de favelas, invasões, cidade-
satélite, comunidades e assim por diante. Elas são o
reverso do planejamento urbano voltado para a elite e a
classe média. Não há teoria urbana capaz de enquadrar as
questões básicas para uma política habitacional decente,
voltada para toda a sociedade brasileira. No contexto do
capitalismo e da globalização, fica evidente que os
planejadores e reformadores urbanos não têm condições
teóricas e práticas de resolver essa questão. Seria
necessário voltar às origens da cidade, em que, pelo
menos em tese, a solidariedade, o direito, a cidadania e a
“urbanidade” (Sennet) predominavam sobre a expansão
urbana bipartida em ricos e pobres (FREITAG, 2012,
p.133).

Assim, o conhecimento humano desenvolvido


através dos tempos é impossível de ser pensado de uma
forma compartimentada, devido à complexidade das
sociedades e dos saberes. Ao considerar que a
interdisciplinaridade agrega diferentes disciplinas,
“construindo pontes” entre elas, com o objetivo de buscar
a compreensão dos problemas que apenas uma perspectiva
de questionamento não consegue mais responder, é preciso
ter ciência que o conhecimento nunca estará completo,
portanto, não se tem a pretensão da análise da totalidade,
mas busca-se na interdisciplinaridade e no pensamento
complexo “um jogo permanente entre o particular e o local
com o global e o geral.” (MORIN, 2007, p.27)
Assim, transpondo o conceito de complexidade e de
interdisciplinaridade para este trabalho, é preciso conceber
o Bairro São João Bosco interligado com o todo, e
contextualizá-lo num âmbito maior, “planetário”,
relacionando os diferentes conhecimentos ligando o local
ao global.
Desse modo, ao problematizar a função da história,
Rüsen (2011) aponta a subjetividade formada pela
“experiência do tempo, no tempo e sobre o tempo” para o
desenvolvimento da consciência histórica, abordando-a
como um modo de orientação dos valores morais que
guiam nossas ações no presente, como forma de
compreender a “dimensão temporal” da personalidade
humana que transcende a temporalidade do eu e que está
ligado à construção do passado. Trabalhar consciência
histórica é compreender a temporalidade na qual o sujeito
está inserido, interpretar, apropriar-se e significar as ações
no tempo, entendendo que a experiência temporal
estabelece as ações no presente e é fator determinante na
construção da identidade individual e coletiva. Desse
modo, a consciência histórica está intrinsicamente ligada à
memória e à identidade (RÜSEN, 2011, p.113). Por isso, o
desenvolvimento da consciência histórica está ligado à
construção identitária, possibilitando a determinado grupo

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|35


ou sociedade uma forma de orientação baseada na
representação histórica do passado.
Ao tomar o conceito de identidade, a partir da visão
da antropologia, Candau (2014) afirma que a identidade
pode ser um estado, referente, por exemplo, a uma forma
de catalogação em um documento que estabelece as
medidas do corpo, idade, endereço etc. Como
representação, que é a forma como o individuo se enxerga,
ou um conceito, do qual as ciências humanas utilizam.
Esse aparecimento de uma identidade coletiva é
resultado de um processo dinâmico de inclusão e exclusão
de diferentes atores que agem dentro desses grupos,
atribuindo características identitárias, “recurso simbólico
mobilizado em detrimento de outros provisória ou
definitivamente descartados.” (CANDAU, 2014, p.27). É
preciso ver a identidade como representação, construída
através das práticas sociais. A construção da identidade faz
parte das relações de poder, sendo assim, a identidade
também possui o efeito de classificar, de distinguir os
grupos sociais. A luta pela definição da identidade
distingue os lugares ocupados pelos sujeitos que possuem
capital econômico, cultural e social, daqueles que são
desprovidos desses bens, reforçando a divisão dos grupos
dentro da sociedade.
Essa divisão entre os que possuem e os
despossuídos, produto da desigualdade social, cria e impõe
fronteiras culturais que são naturalizadas pelos agentes
sociais. Assim, a construção do lugar se dá através das
relações de poder material e simbólico que acontecem
dentro do espaço social, delimitando e classificando as
identidades dos agentes envolvidos.
Em resumo, o mercado de bens simbólicos tem as
suas leis, que não são as da comunicação universal entre
sujeitos universais: a tendência para a partilha indefinida
das nações que impressionou todos os observadores
compreende-se se se vir que, na lógica propriamente
simbólica da distinção – em que existir não é somente ser
diferente mas também ser reconhecido legitimamente
diferente e em que, por outras palavras, a existência real
da identidade supõe a possibilidade real, juridicamente e
politicamente garantida, de firmar oficialmente a diferença
– qualquer unificação, que assimile aquilo que é diferente,
encerra o princípio da dominação de uma identidade sobre
a outra, da negação de uma identidade por outra.
(BOURDIEU, 2001, p.129).

A diferenciação funciona como alicerce para a


dominação de uma identidade perante outras, a identidade
construída pela diferença: sou aquilo que o outro não é,
existo enquanto sujeito social, construído culturalmente
pelo que me difere dos outros sujeitos ou grupos.
Assim, ao trabalhar com identidade, memória e
consciência histórica de forma interdisciplinar não

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|36


somente na análise do objeto de estudo, buscam-se
referências teóricas em outras áreas do conhecimento,
assim como no retorno social proposto por este estudo,
através de uma oficina de análise de material fotográfico.

Escrevendo a história através da fotografia


A oficina realizada no segundo semestre de 2014,
nas dependências da Escola Municipal de Ensino
Fundamental Pe.Josué Bardin, teve o intuito de trabalhar a
construção identitária com os estudantes, inicialmente
cinco participantes, alunos do 6º ao 8º ano. Consistiu na
exploração de documento fotográfico, com duração de
doze horas, que foram divididas em seis encontros,
agrupados em três módulos, realizados uma vez por
semana em horário extraclasse, nas quartas-feiras de
manhã das 9h às 11h, compatível com o horário da escola.
O projeto teve como princípio a observação e interpretação
de material fotográfico para, a partir dessas fontes e da
vivência dos estudantes, refletir sobre o processo histórico
no qual estão inseridos, construindo um olhar crítico sobre
si, identificando-se. Abordar identidade em um projeto
pedagógico, e neste trabalho em específico, é tratar as
relações de poder que estão envolvidas no processo da
construção da identidade e da diferença, relacionando a
estruturas discursivas e a sistemas de representação.
Ver a identidade e a diferença como uma questão
de produção significa tratar as relações entre as diferentes
culturas não como uma questão de consenso, de diálogo
ou comunicação, mas como uma questão que envolve,
fundamentalmente, relações de poder. A identidade e a
diferença não são entidades preexistentes, que estão aí a
partir de algum momento fundador, elas não são
elementos passivos da cultura, mas têm que ser
constantemente criadas e recriadas. A identidade e a
diferença têm a ver com a atribuição de sentido ao mundo
social e com disputa e luta em torno dessa atribuição
(SILVA, 2011, p.96).

Ao trabalhar fotografia como documento histórico,


é necessário ter a percepção que a fotografia é um
fragmento congelado de um momento, resultado que
assinala a visão do fotógrafo, cristalizando na imagem um
instante do tempo. “O produto final, a fotografia, é
portanto, resultante da ação do homem, o fotógrafo, que
em determinado espaço e tempo optou por um assunto em
especial e que, para seu devido registro, empregou os

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|37


recursos oferecidos pela tecnologia.” (KOSSOY, 2001,
p.37)
Portanto, a fotografia como fonte histórica, como
um registro humano produzido em um contexto temporal e
espacial específico, é marcada pela intencionalidade de
quem o produziu. Todo registro fotográfico, como
qualquer documento, está carregado de subjetividade e
significações: quando foi produzido, com que objetivo e
por quem. Dessa forma, a fotografia, produto final de uma
temporalidade específica, é fruto de um processo
tecnológico e da seleção do fotógrafo, que através do
enquadramento da imagem, seleciona o registro. “O
registro visual documenta, por outro lado, a própria atitude
do fotógrafo diante da realidade; seu estado de espírito e
sua ideologia acabam transparecendo em suas imagens,
particularmente naquelas que realiza para si mesmo
enquanto forma de expressão pessoal”. (KOSSOY, 2001,
p.43)
Dessa forma, tanto as fotografias produzidas pelos
estudantes, quanto àquelas pertencentes ao acervo do
Jornal Popular, são um testemunho fragmentado da
realidade, produzido através de um filtro cultural. “Toda
fotografia é um testemunho segundo um filtro cultural, ao
mesmo tempo que é uma criação a partir de um visível
fotográfico. Toda fotografia representa o testemunho de
uma criação. Por outro lado, ela representará sempre a
criação de um testemunho”. (KOSSOY, 2001, p.50)
No primeiro módulo, que teve dois encontros, foi
trabalhada a história local. O foco dessa fase foi, como
afirma Pelegrini (2009), “estimular os estudantes a
‘redescobrirem’ suas histórias, memórias e identidades
(...)”. Desta forma, a história oral foi abordada a partir de
vídeos com entrevistas de moradores do Bairro, pessoas
envolvidas na construção da escola, ex-alunos, professores
e material pertencente ao acervo da escola. No primeiro
encontro os estudantes assistiram aos vídeos com
aproximadamente 30 minutos de duração e debateram
sobre o material visto, estabelecendo relações com o que
sabiam sobre a história do Bairro São João Bosco e da
Escola.
No segundo encontro, os estudantes produziram
uma redação com o tema – Meu Bairro, Meu Lugar. O
objetivo desse módulo foi desenvolver reflexões que
possibilitassem ao estudante a compreensão da construção
física e cultural do espaço no qual habita, levando em
consideração o conceito de história local apresentado no
primeiro capítulo. Nesta fase, o trabalho consistiu na
triagem, catalogação e interpretação de material
documental, em específico a fotografia, que foi dividido
em duas categorias: fotos oficiais provenientes do jornal

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|38


local, Jornal Popular, e fotos produzidas pelos estudantes
na saída a campo realizada pela oficina.5
No primeiro encontro, do segundo módulo, foi
realizada a saída a campo. Os estudantes, juntamente com
o professor responsável pela oficina, todos munidos de
câmera fotográfica, saíram da Escola e percorreram as ruas
do Bairro, fazendo fotos do que era significativo para eles.
O percurso foi escolhido pelos alunos que, ao término de
60 minutos, retornaram à Escola. No segundo encontro foi
feita a triagem do material fotográfico, cada estudante
escolheu de 5 a 10 fotos, entre as fotografias provenientes
do jornal e as produzidas durante a saída a campo, para
serem trabalhadas.
No terceiro módulo,dividido em dois encontros,
realizou-se a análise e reflexão do material fotográfico
organizado na fase anterior. Nos dois encontros os
estudantes compararam o passado e o presente,
visualizando as permanências e as mudanças do espaço
onde habitam, comparando as imagens feitas durante a
saída de campo com as imagens mais antigas do Bairro.
A oficina teve por objetivo a interação entre Escola
e sociedade, através do ensino de história. Essa relação
implica na multiplicidade entre os mais variados elementos
que compõem os sujeito e que são transformados por eles.
Desse modo, o lugar e a Escola fazem parte dos múltiplos
contextos de vivência das pessoas, construindo uma visão
indagadora dos alunos a partir da experiência, reflexões e
compreensão da realidade em que estão inseridos. Como
afirma Leal:
(...) ao incluirmos na dinâmica do conhecimento
proposto, as subjetividades dos jovens participantes
associadas ao autoconhecimento, ao fortalecimento da
autoestima, à busca de motivações intrínsecas em cada
história de vida, a fim de promover o olhar indagador e
estético sobre a vida e de toda a produção cultural, social e
a existência natural que rodeia cada indivíduo no
complexo da coletividade. (LEAL, 2011. p.130).

A interação entre experiência e reflexão possibilita


problematizar a relação entre o estudante e o Bairro, dando
subsídio para que compreenda a sociedade na qual está
inserido. As relações que são estabelecidas e a dinâmica
cultural que é resultado de um processo histórico singular
permite que o estudante se perceba como agente histórico.
Desse modo, ao desenvolver um olhar crítico sobre a
sociedade, relaciona-se história e fotografia para produzir

5
Nesta etapa, houve dificuldade em relação aos materiais que seriam necessários para realizar a saída a campo, porque apenas um aluno possuía
celular com câmera. Assim, devido à falta de recursos financeiros dos participantes da oficina, que não possuíam dispositivos para a produção das
fotografias, como celulares ou máquinas fotográficas digitais, foi necessário recorrer à colaboração de amigos e c onhecidos que emprestaram suas
câmeras pessoais para serem utilizadas pelos estudantes.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|39


conhecimento de forma significativa e representativa para
o estudante.
(...) motivando os jovens a construírem subjetiva
e objetivamente atitudes e competências para atuarem
como cidadãos reflexivos, críticos e comprometidos com
o ambiente em que vivem, a fotografia se constituiu em
meio para a ampliação da percepção estética e criativa
sobre os lugares, as paisagens sociais, arquitetônicas,
naturais, culturais exploradas. (LEAL, 2011. p.131)

A relação da história com a fotografia possibilita a


produção do conhecimento histórico, colocando o
estudante como sujeito nesse processo, aproximando a
história da realidade, estabelecendo diálogo dele com a sua
história. Percebe-se isso na análise feita pelos próprios
estudantes que quando comparam as imagens, observam as
permanências e as mudanças no espaço ao qual pertencem.

Analisando imagens, produzindo história


A fotografia relaciona as experiências dos
estudantes enquanto moradores do lugar, ao processo
histórico da formação do Bairro São João Bosco,
elaborando a partir disso sua visão sobre a história.
O material selecionado foi escolhido pelos alunos,
dentre um acervo de 50 fotografias. A seleção obedeceu a
critérios de qualidade da imagem e escrita dos alunos na
sua análise. A disposição das fotografias no trabalho
observou a colocação por autores e manteve-se a grafia
original dos textos produzidos pelos participantes da
oficina, para que sua interpretação não ficasse
comprometida.
FIGURA 1: Portão de entrada da ABEN (Associação
Beneficente e Educacional de Nova Prata)

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|40


Fonte: Evandro Ferreira da Silva, 13 anos, estudante do 8º ano do ensino fundamental (2014).

Sobre essa atividade, o estudante relata


Nós indo tirar algumas fotos onde para nós é a segunda
casa a ABEN.
A ABEN para mim também é como se fosse uma segunda
casa por que em vez de nós estarmos na rua temos um
lugar para nos acolher, realizar os temas, encontrar os
amigos, temos tudo: café da manhã, lanche e almoço.
(Evandro Ferreira da Silva, 13 anos, estudante do 8º ano
do Ensino Fundamental).

FIGURA 2: Foto aérea do Bairro São João Bosco

Fonte: Arquivo Jornal Popular. (Sem data)

Aqui mostra o nosso bairro já formado. (Evandro


Ferreira da Silva, 13 anos, estudante do 8º ano do ensino
fundamental).

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|41


Sobre a análise das diferenças e semelhanças do
bairro,
A semelhança que eu acho é que somos
humildes, companheiros e outras coisas boas.
As diferenças eu acho que é temos bastante aqui
o desmatamento por que antigamente aqui tinha bastante
árvores preservadas mas agora está ficando sem nada.
As diferenças foi que foram feitas novas casas, a
escola foi crescendo, aumentou a quantidade de
moradores do bairro, as oportunidades que mudou o
bairro, temos bastante a questão do lixo em vários pontos,
foi feito também a construção da nova creche Criança
Feliz. (Evandro Ferreira da Silva 13 anos, estudante do 8º
ano do ensino fundamental).

Observam-se, na análise feita pelo estudante, as


características dadas por ele às pessoas do lugar,
ressaltando a humildade e “outras coisas boas” que não
deixa especificado. Também ficam visíveis, nesse relato,
os problemas gerados pelo crescimento espacial e
demográfico do Bairro, como o corte de árvores e a
diminuição de áreas verdes que circundavam aquele
espaço, além do problema do lixo espalhado pelas ruas.
É evidenciado pela escolha dos registros
fotográficos a ABEN, tida por esse estudante como
“segunda casa”. Esse espaço de socialização que dentre as
várias funções que desempenha oferece oficinas, prática de
esportes, reforço escolar e alimentação. Assim, essa
instituição, que atua há muitos anos no Bairro São João
Bosco, possui uma significação social importante pelo
trabalho que executa e pela relação que tem junto aos
moradores e aos estudantes da Escola Pe. Josué Bardin.
Desse modo, os espaços de socialização como a
Escola e ABEN que além de serem instituições
educacionais ligadas ao poder público municipal exercem
um papel social significativo criando, junto aos moradores,
laços de pertencimento e identificação a ponto de
considerarem esses espaços como “segunda casa”. Essa
reflexão faz relação entre lugar e memória, analisando as
múltiplas identidades sociais e as múltiplas significâncias
que as recordações podem ter para diferentes atores
sociais, neste caso específico para os estudantes que estão
construindo a história local comparando a história oficial
“contada” por quem vive fora deste contexto. (BURKE,
2000)

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|42


FIGURA 3: Escola Municipal de Ensino Fundamental
Padre Josué Bardin

Fonte: Fernanda Correia Macanan, 13 anos, estudante do 8º ano do Ensino


Fundamental (2014).

Sobre a instituição Padre Josué Bardin, a estudante


relata que
A escola é muito importante, pra mim ela
representa minha segunda casa. (Fernanda Correia
Macanan, 13 anos, estudante do 8º ano do Ensino
Fundamental).

Também relaciona as diferenças e semelhanças do


bairro:
A escola mudou muito, ainda tinha o ginásio ao
ar livre, tinha poucas salas e não tinha portão.
O bairro era pequeno comparado com hoje,
porém não havia lixo e animais pelas ruas como hoje tem.
Tinha muito poucos habitantes e várias casas em
construção...
As semelhanças é que ainda tem bastantes
árvores, casas bem pertinho uma das outras etc...
As diferenças é que não tinha ainda as
“casinhas”, o lixo os animais etc... (Fernanda Correia
Macanan, 13 anos, estudante do 8º ano do Ensino
Fundamental).

Ao abordar a escola como “segunda casa” nota-se


que esta instituição tem forte presença no Bairro por iniciar
sua atividade concomitante a sua criação. Assim, a Escola
ultrapassa a função de instituição de ensino, possuindo
uma função social dentro do seu espaço de atuação. Outro

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|43


ponto de análise feito pela estudante é o aumento físico da
Escola e do Bairro, necessários para atender o aumento
demográfico, bastante significativo desde o início do
PROMORAR até hoje. Também são abordadas outras
mudanças transcorridas com o prédio da Escola como a
construção da cobertura para a quadra de esportes e a
colocação de portão e grades que demarcam o espaço da
Instituição.A colocação de grades demonstra a
preocupação em garantir a segurança do patrimônio contra
invasões e furtos, mas também cria uma barreira entre a
Escola e a comunidade em que está inserida, criando um
obstáculo físico e simbólico entre a instituição e os
moradores.
Além desses, outros aspectos ressaltados foram o
arquitetônico “casas bem pertinho uma das outras” e “as
casinhas”, demonstrando a diferenciação na forma de
construção das casas, já que as primeiras 204 eram
geminadas e as construções populares mais recentes,
denominadas pelos moradores de casinhas, possuem uma
outra configuração, não são geminadas, possuem terreno e
área construída maior. Como é o caso do Bairro Citadella6,
que se localiza na proximidade do Bairro São João Bosco,
separado por uma rua, possui outra configuração tanto na
forma arquitetônica como na construção das casas e no
tamanho do terreno como fica evidenciado na FIGURA 5.

FIGURA 4: Foto do Bairro São João Bosco.

Fonte: Maria Eduarda, 12 anos, estudante do 6º ano do ensino fundamental


(2014).

FIGURA 5: Foto do Bairro Citadella.

6
Lei Municipal nº 7960/2011, de 05 de maio de 2011.
Art. 1º Fica Denominado como BAIRRO CITADELLA, área abrangendo os Loteamentos Morar Melhor, Basalto IV e Basalto V e áreas remanescentes,
conforme demarcado no mapa anexo que faz parte integrante da presente Lei.

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Foto: Laura, 12 anos, estudante do 6º ano do Ensino Fundamental (2014).

A estudante também relata os problemas


enfrentados pelos moradores, como o lixo e a grande
quantidade de animais domésticos que circulam pelas ruas.
Fica claro, pela análise das fotografias e a produção do
texto, que a aluna possui uma visão crítica sobre esse
espaço, compreendendo as transformações sofridas ao
longo dos anos e as mudanças negativas que resultaram
Essa construção da criticidade só é possível através da
interdisciplinaridade, da relação da história com as demais
áreas, neste caso específico com a fotografia, tendo como
objetivo de análise o olhar estético dos estudantes sobre o
ambiente em que vivem, desenvolver um olhar crítico
sobre este espaço, compreendendo que a localização
geográfica determinada a eles está demarcada pela posição
social que detém.
Nesse sentido, é preciso fazer relação entre o espaço
social e espaço físico, já que as estruturas de ambos estão
interligadas e produzindo e reforçando as hierarquias e as
distinções sociais. Os agentes sociais se constituem na
relação com o espaço social que ocupam, e o espaço social
se constitui a partir das distinções sociais que o
constituem. Assim, o espaço social é marcado por
símbolos de diferenciação que demarcam as diferenças e a
hierarquias presentes na sociedade.
Essa estrutura social hierarquizada contribui para a
perpetuação das posições sociais dos indivíduos,
naturalizando as desigualdades, negando que sejam fruto
de uma construção histórica. No processo de naturalização
das diferenças e da incorporação das estruturas sociais,
encontram-se os distanciamentos espaciais que reafirmam
as distancias sociais. Dessa forma, “como o espaço social
encontra-se inscrito ao mesmo tempo nas estruturas
espaciais e nas estruturas mentais que são, por um lado, o
produto da incorporação dessas estruturas, o espaço é um
dos lugares onde o poder se afirma e se exerce, e, sem
dúvida, sob a forma mais sutil, a da violência simbólica
como violência despercebida.” (BOUDIEU, p.163, 2012).

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Trazendo esses conceitos para a análise do material
fotográfico, a fotografia como documento não consiste
apenas em representar um olhar estético sobre determinada
paisagem, mas é um registro visual que contém
informações multidisciplinares. Apresenta informações
sobre a geografia do lugar, arquitetura, formas de morar e
transformações históricas que são observados e captados
pelo fotógrafo constituindo-se em fonte histórica para o
ensino de história.
Assim, é importante ressaltar os estudos de Barbero
(2001), ao analisar as mídias e mediações na América
Latina que aponta as “culturas de bairro”. Nesse sentido, a
cultura de bairro vai se configurar a partir de três campos:
escola, que apesar de ser constituída de fora é dotada de
significado próprio; o comércio,que são criações
autônomas dos setores populares; e os clubes7. Nesses
ambientes, vão sendo tecidas as relações sociais,
desenvolvendo uma nova institucionalidade, que fortalece
as relações de sujeitos coletivos. Dessa forma, os campos
sociais do Bairro colaboram para a construção de uma
identidade popular
O bairro aparece aí definido a partir de duas
coordenadas: o movimento de deslocamento espacial e
social da cidade por força do “aluvião imigratório” e o
movimento de fermentação cultural e política de uma
nova identidade do popular. Recosturando solidariedades
de origem nacional ou de trabalho, o bairro inicia e
entretece novas redes que têm como campos sociais a
quadra, o café, o clube, a sociedade de fomento do comitê
olímpico. A partir deles vai se forjando “uma cultura
específica dos setores populares, diferente da cultura dos
trabalhadores heroicos do inicio do século, e também
distinta da cultura do ‘centro’, com relação a qual ela era
frequentemente definida.” (BARBERO, 2001, p.283).

O Bairro possui uma construção histórico-cultural


própria que está ligada ao processo histórico nacional e
global. Partindo desse princípio, o Bairro transcende o
espaço geográfico, não esgotando as questões entre suas
fronteiras, contudo nele são articuladas as soluções dos
problemas locais a um projeto social global.
Reafirma-se que o papel da Escola é relevante na
construção da identidade dos sujeitos. O ensino de história
tem papel fundamental na construção da cidadania, ao
estimular no estudante a criticidade partindo de uma
reflexão de natureza histórica. Evidenciado isso através da
oficina que permite perceber tanto a reprodução de
identidades externas, impostas, quanto acima de tudo
demarcar olhares identitários próprios dos alunos. Desse

7
Utiliza-se aqui a palavra clube, mantendo a nomenclatura usada por Barbero (2001) para designar neste trabalho associações ou espaços como a
Casa da Sopa, o campo de futebol, a Associação dos moradores.

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modo, a fotografia faz parte da construção da memória
individual e coletiva, sendo um objeto de informação e
emoção que apresenta o registro de fragmentos
cristalizados no tempo. É uma forma de leitura do mundo
feita através do filtro cultural do fotógrafo que capta
determinado registro visual e temporal que ficará
cristalizado enquanto tal imagem existir.

Visões sobre o bairro: A história do bairro através da


narrativa textual de alunos moradores
Ao abordar construção identitária, é necessário
compreender que a identidade não é mais encarada como
algo estável e duradouro, fator que garantia a estabilidade
do mundo social. Segundo alguns, na pós-modernidade as
identidades são plurais, voláteis e estão constantemente em
construção e desconstrução, fragmentando o indivíduo
moderno. Dessa forma, a “chamada “crise de identidade” é
vista como parte de um processo mais amplo de mudança,
que está deslocando as estruturas e processos centrais das
sociedades modernas e abalando os quadros de referência
que davam aos indivíduos uma ancoragem estável no
mundo social.” (HALL, 2004, p.7). Partindo desta análise,
percebe-se que as mudanças estruturais pelas quais a
sociedade moderna está passando fragmenta
as paisagens culturais de classe, gênero,
sexualidade, etnia, raça e nacionalidade, que, no passado,
nos tinham fornecido sólidas localizações como
indivíduos sociais. Estas transformações estão também
mudando nossas identidades pessoais, abalando a ideia
que temos de nós próprios como sujeitos integrados.”
(HALL, 2004, p.9).

Outro importante aspecto é a fragmentação e


pluralidade das identidades aceitas pelos indivíduos, que
assumem identidades provisórias, de acordo com as
vivências e as situações na qual estão inseridos, assim
O sujeito, previamente vivido como tendo uma
identidade unificada e estável, está se tornando
fragmentado; composto não de uma única, mas de várias
identidades, algumas vezes contraditórias ou não
resolvidas. Correspondentemente, as identidades, que
compunham as paisagens sociais “lá fora” e que
asseguravam nossa conformidade subjetiva com as
“necessidades” objetivas da cultura, estão entrando em
colapso, como resultado de mudanças estruturais e
institucionais. O próprio processo de identificação, através

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do qual nos projetamos em nossas identidades culturais,
tornou-se mais provisório, variável e problemático.
(HALL, 2004, p.12).

Para trabalhar a construção identitária, é importante


se ter claro que ela parte do processo de formação histórica
dos indivíduos e do ambiente em que vivem. Assim, a
identidade é moldada pela experiência histórica individual
e coletiva. Para compreender o processo de
desenvolvimento da consciência histórica dos estudantes
que participaram da oficina, buscou-se nas suas narrativas
textuais a respeito do Bairro, a visão que possuem sobre a
formação histórico social do lugar, e, como este processo
faz parte da construção de si.
Ao abordar a importância da competência narrativa
para a consciência moral, Rüsen (2011) demonstra a
ligação entre: consciência histórica, valoresou moral, que
servem como guia de comportamento e a ação que está
ligada a subjetividade. Dessa forma, a consciência
histórica serve como uma bússola, por orientar baseada no
passado as ações vividas no presente. Nessa perspectiva, o
autor defende a importância da história “O histórico como
orientação temporal une o passado e o presente de tal
forma que confere uma perspectiva futura à realidade
atual.” (p.91). O passado visto como experiência mostra as
mudanças no tempo do qual fazemos parte.
Assim, o texto a seguir demonstra essas relações:
O bairro onde moro se chama “São João Bosco”,
mais antigamente o chamavam de “Promorar”, não tive a
oportunidade de acompanhar as primeiras casas que foram
construídas, as 204 casas para as 204 famílias.
As vezes ficam chamando o Bairro São João
Bosco de “Vila”, estas pessoas devem parar de falar estas
coisas nosso bairro é um bairro como qualquer outro. Eles
devem pensar que o bairro deles é melhor que o nosso,
mas eles não conhecem a verdadeira história do bairro.
Eles também falam mal da escola porque a escola é da
“vila” eles que pensem como é a escola deles e venham
passar um dia aqui para eles verem como é o Bairro São
João Bosco.
Agora temos a caixa d’água que talvez melhora
as faltas de água no bairro, também está começando a
construção de novas casas no bairro do lado da escola
onde vai dar moradia a outros moradores. (Evandro
Ferreira da Silva, 13 anos, estudante do 8º ano do Ensino
Fundamental).

Ao mencionar a forma como o Bairro é


denominado, pejorativamente de “Vila”, o estudante faz
uma crítica a respeito da visão externa sobre o lugar em
que habita, apontando que o “bairro é um bairro como
qualquer outro” e justifica esse olhar negativo pelo
desconhecimento que as pessoas têm sobre o Bairro e sua
história.

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Ao abordar identidade e diferença, nesse contexto, é
preciso compreender a relação de interdependência entre
ambas, ao afirmar que se tem uma identidade, negam-se
outras que não se têm. Ser da “vila” significa não pertencer
a outros bairros ou ao centro da cidade. Afirmar
determinada identidade, também é dizer o que não somos,
o que nos difere. “Assim como a identidade depende da
diferença, a diferença depende da identidade. Identidade e
diferença são, pois, inseparáveis.” (SILVA, 2013, p.75).
Dessa forma, a identidade é uma construção
simbólica e discursiva, marcada pela instabilidade e
fluidez, que se produz como tal e ganha sentido em relação
a uma rede de significações formada por outras identidades
que também não são fixas. “Em suma, a identidade e a
diferença são tão indeterminadas e instáveis quanto a
linguagem da qual dependem.” (SILVA, 2013, p.80).
Ao falar sobre a Escola, o aluno aponta a visão
negativa que há a seu respeito por ser da “vila”,
reafirmando o preconceito existente com os moradores do
São João Bosco e com as instituições que lá atuam,
evidenciando uma visão enraizada que a escola por ser
pública, por atender um público de baixa renda e estar
localizada na “vila”, possui menor qualidade de ensino.O
estudante também relata a construção da caixa d’água que
resolveu o problema de abastecimento, o qual afetou os
moradores por muito tempo. Além disso, aborda o
crescimento físico e demográfico do lugar, com a
construção de novas casas e a expansão do Bairro. Dessa
forma, ao analisar o espaço em que habita, o estudante
compreende e problematiza o processo histórico no qual
está inserido, dando significado ao tempo, compreendendo
a relação entre passado e presente e, assim, desenvolvendo
sua consciência histórica.
A função prática da consciência histórica é guiar a
ação, e essa orientação temporal e subjetiva parte da
concepção de mundo que transcende a existência como
indivíduo, por fazer parte de uma temporalidade muito
mais extensa.
Abordar a competência narrativa é elencar os três
pilares: forma, conteúdo e função, que constituem a
narração histórica por desenvolver as competências de
experiência, interpretação e narração históricas, dando
sentido ao passado vivido ao interpretar, apropriar-se e
significar as ações no tempo. Para Rüsen (2011), o
desenvolvimento da consciência histórica, baseado na
narração histórica, está estruturado em quatro categorias:
tradicional, exemplar, crítico e genético que seguem uma
sequência lógica, onde cada uma é precondição para
atingir outra.
Assim, pode-se conceber que o desenvolvimento da
consciência histórica é baseado em experiência, análise,
reflexão e compreensão que resulta no respeito ao outro,

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na emancipação intelectual e na construção de uma
consciência ética e moral. Como percebe-se na análise do
texto da estudante:
Morar no bairro São João Bosco é muito bom,
tem a ABEN, a casa da sopa, o salão, a igreja, a escola e a
creche.
O ruim do bairro são as drogas, brigas, lixo, as
pessoas destroem as coisas que são para elas mesmas.
Eu ouvi falar que antes da ABEN ser criada era
um cemitério e que o bairro era mato, capoeira e antes de
ter o nome “São João Bosco” era “Promorar” e tinha 204
casas.
Eu gosto muito de morar aqui tenho amigos, e é
muito divertido, por mais que as pessoas falem do nosso
bairro ele não é ruim, as pessoas que falam demais, e não
sabem o que a gente tem que passar cada dia!!
Ficam chamando nosso bairro de “vila”, “fábrica
de marginal” etc... Mas elas tem que entender que nem
todos são assim, tem muita gente boa, que mora aqui,
gente educada, que respeita e merece ser respeitada!
Sem falar na falta de água, é todo final de
semana, quero ver se com essa caixa d’água vai melhorar.
Agora com a caixa d’água melhorou bastante,
não tá mais faltando água, mas pode melhorar ainda mais.
E agora estão tendo varias oficinas de dança,
canto... Dando mais oportunidades para os jovens mostrar
seus talentos.
Por que as coisas que os jovens desse bairro
fazem são muito impressionantes e bem diferente dos
outros jovens... (Fernanda Correia Macanan, 13 anos,
estudante do 8º ano do Ensino Fundamental).

Ao falar que “morar no bairro São João Bosco é


muito bom” a estudante argumenta, citando as associações
que promovem o amparo aos moradores, que servem
também como locais de socialização, de encontro,
exercendo inclusive a função de áreas de lazer. Abordando
o processo histórico, a estudante menciona a troca do
nome do Bairro e fala dos pontos negativos que existem
atualmente, como a depredação, o lixo espalhado pelas
ruas, o uso de drogas e as brigas.
É importante ressaltar a crítica feita pela estudante à
forma como as pessoas enxergam o Bairro e seus
moradores. Para ela, os sujeitos que não conhecem o
Bairro, ignoram os problemas enfrentados por seus
moradores, e, os julgam de forma preconceituosa,
generalizando-os com características negativas, referindo-
se ao Bairro como “vila” e fábrica de marginal”. Ao falar
sobre os moradores, a estudante destaca que “tem muita
gente boa, que mora aqui, gente educada, que respeita e
merece ser respeitada!”
Formas linguísticas e identidade estão relacionadas,
como apresenta Silva (2013), ao utilizar determinadas
palavras para descrever um grupo ou indivíduo, faz-se uso
de uma rede ampla de atos linguísticos que em seu

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conjunto definem ou reforçam determinada identidade.
Dessa maneira quando é utilizado o termo “vila” ou
“vileiro” para se referir ao Bairro São João Bosco ou seus
moradores, não está simplesmente fazendo uma referência
ao local onde esta pessoa habita, mas está inserindo em um
sistema linguístico que contribui para reforçar a forma
negativa que a identidade do morador daquele Bairro
carrega.
A eficácia produtiva dos enunciados
performáticos ligados à identidade depende de sua
incessante repetição. Em termos da produção da
identidade, a ocorrência de uma única sentença desse tipo
não teria nenhum efeito importante. É de sua repetição e,
sobretudo, da possibilidade, de sua repetição, que vem a
força que um ato linguístico desse tipo tem no processo de
produção de identidade. (SILVA, 2013, p.94).

Tanto a reflexão que os estudantes fazem sobre o


processo histórico no qual estão inseridos como a crítica
que tecem à essa visão preconcebida que existe sobre o
Bairro São João Bosco mostra a forma como eles
constroem sua identidade a partir de sua memória, suas
experiências enquanto sujeitos e da diferenciação do outro
que os enxerga como moradores da “Vila”.
Todas as três dimensões do tempo são temas da
consciência histórica: através da memória o passado se
torna presente de modo que o presente é entendido e
perspectivas sobre o futuro podem ser formadas. A
perspectiva sobre o passado domina, é claro, uma vez que
a consciência histórica funciona através da memória. Essa
consciência está, porém, completamente determinada pelo
fato de que a memória encontra-se intimamente ligada às
expectativas futuras. O próprio presente é visto,
interpretado e representado como um processo em curso
na estreita relação da memória com a expectativa de
futuro. (RÜSEN, 2011, p.79).

Dessa forma, busca-se na memória a construção de


um tempo passado para preencher as lacunas de
pertencimento e identidade que a sociedade produz. A
busca pela memória de um tempo passado cria vínculos de
identidade e pertencimento. Porém, é preciso ter o cuidado
para não criar uma representação do passado pelo reflexo
do presente, como alerta Nora (1993, p.20).

Considerações Finais
Ao trabalhar com memórias, é preciso estar ciente
da alteridade da lembrança. Dessa forma, a lembrança atua
sobre o acontecimento, recriando a realidade. “Essa

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hipótese da alteridade da lembrança se integra
perfeitamente à teoria segundo a qual não existe para o
homem uma realidade independente de sua
intencionalidade. Aqui de novo a ideia de que ‘para a
consciência humana nada é simplesmente apresentado,
mas representado’” (CANDAU, 2014, p.67).
Para abordar uma relação entre consciência
histórica, memória e identidade é necessário diferenciar
memória de história como ciência, pois memória é algo
vivo, subjetivo, sujeito a transformações, enquanto que
história é uma representação.
Nas narrativas e nas fotografias percebe-se que os
estudantes, ao produzir e analisar fontes históricas,
atribuem sentido ao passado e conseguem compreender a
relação entre identidade, memória e história.
Ao investigar a construção da identidade dos
moradores a partir da análise dos textos e imagens
produzidas por um grupo de estudantes da Escola e do
Bairro em estudo, conclui-se que embora as motivações de
formação do Bairro e da Escola não tenham partido dos
moradores, as relações estabelecidas nesses espaços fazem
com que ambos tenham uma dinâmica cultural própria, que
está interligada ao processo de estruturação social
nacional.
Também foi possível estabelecer através da “oficina
de análise de material fotográfico” a interação entre a
cultura do Bairro, a Escola e o ensino de história, e, assim
revisitar a história local, colocando os moradores como
sujeitos e não como sujeitados de um processo histórico
marcado pela segregação e pela anulação da população
marginalizada na história da cidade.

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Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|54


Relações Interculturais
Relato de vivências em uma aldeia Guarani
PorJuliana Duarte Flores, Elisete Larruscain da Silva, Morghana Iantra Garavello Vasconcelos

Resumo Abstract
Este trabalho objetiva relatar e discutir This study aims to report and discuss
experiências vividas enquanto bolsistas do experiences as fellows of the Institutional
Programa Institucional de Bolsa de Iniciação a Program of Teaching Initiation (PIBID), a
Docência (PIBID), subprojeto subproject of Pedagogy / UFRGS, in the
Pedagogia/UFRGS, na Aldeia Indígena Guarani Indian Village, located in Viamão.
Guarani, localizada na cidade de Viamão. O The project is present at two State schools,
projeto está presente em duas escolas where the fellows develop their actions in the
estaduais, onde as bolsistas desenvolvem suas shared teaching mode. It exposes the
ações na modalidade docência compartilhada. interaction of children from Porto Alegre
Expõe a interação das crianças das escolas de schools with Guarani children through a
Porto Alegre com as guaranis por meio de um meeting in that village, for "We understand
encontro na referida aldeia, pois that this way, the intercultural movements are
“Compreendemos que assim, os movimentos contributing to produce new knowledge [...]
de interculturalidade estarão contribuindo para and building a legacy for interculturalism
produzir novos conhecimentos [...] e from school practices. "(BERGAMASCHI,
construindo um patrimônio para a 2012, p.15). We emphasize the concept of
interculturalidade a partir das práticas interculturalism to analyze the specificities
escolares.” (BERGAMASCHI, 2012, p.15). and challenges and the meanings that this
Destacamos o conceito de interculturalidade meeting has impacted in the lives of both
para análise das especificidades e dos desafios cultures.
que esse encontro impactou na vida de ambas
culturas. Keywords: Indigenous issues, interculturalism, fieldwork, shared
teaching

Palavras-chave: Temática indígena, Interculturalidade, Saída de campo,


Docência compartilhada

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|55


Introdução
O Programa Institucional de Iniciação à Docência
(PIBID) proporcionaaos estudantes na área das
licenciaturas, de diversas universidades de todo o
Brasil,experienciarema docência em sala de aula. Tal
projeto permite aos alunos da graduação a aperfeiçoarem-
se como futuros profissionais na área da educação,
conhecendo-se como docentes. Tal programa tem parceria
com escolas de educação básica da rede pública, local
onde essa troca entre ensino/aprendizagem ocorre. Os
estudantes têm apoio de uma equipe coordenadora, a qual
fazem parte docente(s) de licenciatura e um professor da
escola em que o projeto está inserido.
O subprojeto PIBID/Pedagogia anos iniciais, da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), do
qual fazemos parte, é dividido em dois grupos. Cada grupo
possui cinco bolsistas, graduandas em pedagogia. Um
grupo exerce a docência na Escola Estadual Anne Frank e
o outro na Escola Estadual de Ensino Fundamental
Cândido Portinari, ambas localizadas no município de
Porto Alegre. O programa incentiva a prática de docência
compartilhada, ou seja,o grupo de cinco bolsistas atua em
coletivo na sala de aula, planejando, executando e
avaliando as ações conjuntamente. O estudo das temáticas
também é feito em conjunto. Tal prática facilita na
inserção em sala de aula, principalmente para aquelas que
não possuem nenhum tipo de experiência prévia como
docente. O PIBID/Pedagogia anos iniciais (UFRGS) tem
como principal objetivo promover a diversidade, levando
às escolas assuntos que pouco são tratados, mas que são
importantes para construir alunos críticos e socialmente
implicados no contexto social em que vivem. Em
cincoanos de projeto, sempre visando trabalhar temáticas
que envolvam a diversidade cultural,já foram trabalhados
temas sobre a relação étnico-racial- na perspectiva da
educação indígena e da ancestralidade africana.A ambição
do projeto é trazer para os alunos realidades que muitas
vezes são invisíveis e pouco abordadas na nossa sociedade,
mas que são muito importantes e que devem ser discutidas,
e principalmente respeitadas por nós. Para isso é
necessário conhecer e compreender tais realidades,
paraque assimpossamos alcançar o objetivo maior de
promoção da diversidade cultural.
O projeto também proporciona às bolsistas aliar
docência e pesquisa, incentivando a participação em
eventos, palestras e seminários relacionados à área,
agregando-as na sua formação docente, acadêmica e
pessoal.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|56


O PIBID/Pedagogia anos iniciais nas escolas: Anne
Frank e Cândido Portinari
Para muitas pessoas não indígenas, a
denominação índio tem um sentido pejorativo, expresso
historicamente por preconceitos e discriminações. Na
escola, principalmente, predominam visões estereotipadas
dos povos indígenas [...] (BERGAMASCHI, 2012, p. 9)

Infelizmente, assim como a autora Maria Aparecida


Bergamaschicita em seu texto, a visão da maior parte da
população em relação à comunidade indígena é construída
a partir de estereótipos e preconceitos. Nas escolas não é
diferente, a visão dos alunos, construída social e
culturalmente, por uma perspectiva eurocêntrica presente
do ensino de história, e reforçada nos livros didáticos, tem
resultado em concepção cercada de estereótiposou mesmo
um desconhecimento acerca da população indígena. Nós,
bolsistas do PIBID, também fomos constituídas nessa
perspectiva. Aprendemos a história do Brasil com uma
visão totalmente eurocêntrica, conhecemos a história
através a da ótica dos colonizadorescom a respectiva
desvalorização ou total apagamento da história dos
indígenas. Com isso nossa visão era também estereotipada
sobre esses povos. Tivemos a missão de nos desconstruir e
nos (re)construir como estudantes, como futuras docentes,
mas principalmente, como cidadãs que estão inseridas em
uma sociedade preconceituosa e alienada. Tendo esses
aspectos como base, nos dedicamos ao máximo no
planejamento, elaborando atividades e aulas produtivas e
interessantes para os alunos.
O nosso trabalho tem como objetivo inserir no
âmbito escolar o estudo e o maior (re)conhecimento da
cultura indígena existente, principalmente na cidade de
Porto Alegre, tendo como base a lei 11.645/2008, que
institui a obrigatoriedade do estudo da história e cultura
afro-brasileira e indígena nas escolas de ensino
fundamental e médio.
A prática pedagógica, nas duas instituições, iniciou-
se no ano de 2014. Para produzirmos um trabalho com
consistência e que fosse significativo aos alunos,
estudamos muitos sobre o assunto, lemos textos sobre a
cultura indígena, pesquisamos sobre os diversos povos
originários, sempre buscando compreender e (re)conhecer
essa cultura que, infelizmente, é ainda tão desconhecida e
invisível na nossa sociedade. Tivemos que mergulhar na
cultura,e para isso, tivemos encontros com pesquisadores
da área da interculturalidade, fomos visitar algumas
aldeias, conhecemos as escolas indígenas e seus métodos

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|57


de trabalho, tivemos palestras com representantes das
comunidades indígenas, conseguindo, através dessas
práticas, aproximar-nos um pouco mais desse universo,
para então conseguir ter uma base mais concreta e assim
prosseguir com nossas ações junto aos alunos e poder
pensar nossos planejamentos das aulas.

Inserindo a temática nas escolas


Então nós, alunas de Pedagogia, pertencentes a
semestres diferentes, passamos por esse processo de
formação antes de embarcar nesse novo desafio, que foi
levar um pouco da cultura indígena para alunos de duas
escolas dos anos iniciais da cidade de Porto Alegre.
Planejar em conjunto, dentro da modalidade da Docência
Compartilhada, não é nada fácil, levando em consideração
as ideias particulares de cada uma, no que acreditam e seus
objetivos a serem alcançados. Par esse trabalho chegar
num êxito esperado, precisamos ter muito diálogo, e claro,
sempre respeitando as visões e experiências de cada uma
do grupo.
Passando esse obstáculo do pensar em conjunto o
mesmo tema, partimos para os planejamentos das
atividades. Primeiramente é necessário pensarquais são os
objetivos que queremos alcançar com cada aula, planejar
com o máximo de cuidado, imaginando a reação das
crianças, que muitas vezes são totalmente inesperadas.
Tentamos ser muito claras em nossas propostas, para que
eles pudessem compreender o que queríamos passar com a
apresentação da cultura indígena, tendo como base o
pensamento de que “As crianças se sentem atraídas,
motivadas a participar de atividades quando compreendem
sua finalidade e podem relacioná-la com coisas que já
conhecem, isto é, quando essas atividades são funcionais.”
(CAVALCANTI, 1995, p.9)
E junto com a temática central contemplamos uma
série de aprendizagens como, por exemplo, trabalhar a
escrita, a oralidade, conhecimentos na área da matemática,
geografia, história, artes, músicas,etc.
Atualmente há três etnias que residem na cidade de
Porto Alegre: Guarani, Kaingang e Charrua. Iniciamos as
nossas atividades nas escolas apresentando aos alunos tais
etnias e o local de suas respectivas aldeias, fazendo com
que eles percebessem o quão perto de nós esses povos
estão e, ao mesmo tempo, sua cultura nos parece tão
distante, mas que não conseguimos percebê-la. Na
sequência, colocamos em uma caixa algumas perguntas

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|58


como: “Os indígenas caçam? Onde e como vivem? Como
se sustentam?” Tais perguntas eram respondidas pelos
próprios alunos, que levantavam hipóteses sobre a
temática. Instigávamo-los a pensarem se tais hipóteses
estavam corretas, como no momento em que eles
afirmavam veemente que os indígenas caçavam para se
alimentar, então indagamos se naqueles locais, onde as
aldeias estavam localizadas, havia mato ou animais que
eles poderiam caçar para se alimentar. Fazendo assim, um
processo de desconstrução foi constituído, para que eles
pudessem refletir sobre suas hipóteses e com isso construir
outras mais coerentes com a realidade indígena na cidade
de Porto Alegre. Tal atividade também colaborou para
compreendermos quais eram os conhecimentos deles sobre
a temática.
Para que pudéssemos produzir um trabalho
significativo e não superficial sobre a temática,
exploramos os conhecimentos de uma etnia de cada vez,
entrando a fundo nas suas especificidades.Mostramos
vídeos que abordavam o dia a dia da comunidade e como
faziam para se sustentar, apresentandoo processo de
confecção e comercialização de seus artesanatos, os locais
de venda, por exemplo. Levamos algumas lendas
específicas de cada povo, como a lenda do milho, que
inclusive foi um dos maiores sucessos das nossas aulas,
pois terminou com a degustação de produtos feitos com a
farinha de milho. A culinária é sempre um tema
importante, envolvente e produtivo para ser trabalhado nas
aulas.
Com base no vídeo sobre o artesanato indígena
produzimos uma aula voltada às artes. Levamos argila e
propomos a eles que reproduzissem as cerâmicas que os
indígenas fazem em suas comunidades. Os alunos
produziram materiais belíssimos como panelinhas, pratos,
copos, vasos, a criatividade não teve limites, reproduziram
até seus objetos pessoais, coisas de suas casas. Foi uma
interação muito intensa nessa atividade, pois atravésdo
usoda argila, fizeram representações de sua cultura e da
cultura que eles estavam conhecendo.
Em outras aulas, apresentamos alguns jogos que os
indígenas costumam brincar, como o jogo da peteca e a
cama de gato. Ambos os jogos de origem indígena. No dia
em que propomos o jogo da peteca explicamos aos alunos
que jogo era aquele, como originalmente era jogado e para
culminar com a teoria, levamos petecas para que os alunos
pudessem experienciar aquele momento, com eles próprios
jogando.A partir do jogo os alunos solicitaram uma aula
para que eles pudessem confeccionar suas próprias
petecas. Aceitamos o desafio e na semana seguinte
levamos o material para começarmos a montar e colar as
petecas, lembrando que essa aula não estava planejada,

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|59


mas devido à demanda, organizamos e flexibilizamos
nosso planejamento.
A proposta da brincadeira da cama de gato foi muito
criativa, levamos lãs coloridas para que eles pudessem
executar a proposta da brincadeira e depois fizessem
desenhos usando as linhas. Foi trabalhado o conhecimento
em relação ao jogo que as crianças indígenas brincam e a
construção de outros saberes no campo das artes, como
traçar linhas dos desenhos usando a lã como material
principal.
Em uma outra aula, levamos para a sala caixas com
material didático sobre a história dos povos Guaranis
disponibilizado pelo Museu da UFRGS para ilustrar nossas
aulas. Nessas caixas havia folhetos informativos, mapas
antigos e réplicas em miniatura de animais. Atravésdesse
material propomos aos alunos que fizessem desenhos e
produções textuais.
Depois de inúmeras demonstrações sobre a cultura
indígena, promovemos uma interação entre os alunos das
nossas escolas e os alunos da escola indígena. Para iniciar
esse novo desafio, primeiramente houve uma aproximação
por meio de cartas. Propomos para os alunosuma produção
escrita de cartas, onde eles deveriam contar sobresuas
vidas, seus cotidianos e também expressar curiosidades
sobre a vida na aldeia. As cartas foram enviadas para os
alunos de uma escola indígena, os quais responderam e
contaram um pouco de suas vidas, demostrando também
algumas curiosidades. Essa experiência foi muito rica,
pois a partir dessa interação pudemos perceber que tudo
que havíamos estudado até o momento estava de certa
forma mais concreto, nossos alunos estavam começando a
sair de suas individualidades, e compreender o quanto a
cultura indígena estava mais próxima de suas realidades.

“Não é uma visita, mas uma vivência” (Vera Poty)


Além das aqui descritas, muitas outras atividades
foram realizadas com as crianças. Conforme
familiarizavam-se cada vez mais com a temática, chegava
a hora de iniciar os preparativos para a saída de campo.
Este processo foi cuidadosamente planejado, tendo em
vista a relevância do encontro entre ambas culturas. A cada
semana, relembramos os alunos que a visita se
aproximava.
A articulação entre o grupo do PIBID e a
representante da aldeia na Universidade também foi de
suma importância, uma vez que ela, além de agendar a
melhor data para nossa ida, também sanou as dúvidas das

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bolsistas e coordenadoras. Com este objetivo, às vésperas
da data que fora previamente combinada, marcamos uma
reunião com ela. Questionamos sobre a expectativa das
crianças indígenas, se haviam preparado alguma atividade
e relatamos as atividades que havíamos planejado
juntamente com o PIBID Educação Física da escola
Cândido Portinari, assim como sobre o lanche que
pensamos em levar. Também foi questionado em relação à
possível venda de artesanatos da comunidade da aldeia, o
que foi confirmado pela representante.
Chega, finalmente, o dia da ida à aldeia. Era, então,
dia dois de julho de 2015, e a saída estava marcada para às
13h30 na Escola Cândido Portinari. Levou algum tempo
até conseguirmos organizar todas as crianças, verificando a
lista dos nomes previamente confirmados. É importante
destacar que optamos por levar apenas as turmas do quarto
e quinto ano, deixando que o terceiro ano fizesse a visita
em um outro momento, questões de organização do grupo.
Além das bolsistas do PIBID e dos alunos, da supervisora
do grupo e das professoras regentes das duas turmas,
tivemos também a companhia do grupo PIBID Educação
Física, que ficou responsável por passar duas atividades
lúdicas para o grande grupo de crianças,nossos alunos e as
crianças indígenas.
Ao longo da tarde, percebemos que falhamos por
não combinarmos um momento prévio de formação com a
equipe da educação física e com as professoras regentes da
escola Candido Portinari. Tal estranhamento não foi
notado por parte das crianças, já que estes vêm estudando
mais de um ano a temática indígena. Além do
estranhamento, observamos também o despreparo da parte
de alguns dos profissionais citados, o que pode ter sido
ocasionado, justamente, pela falta de formação prévia. Isso
se evidencia na frase que relatamos a seguir, de uma das
professoras regentes:
- Crianças (dirigindo-se a seus alunos), sentem com
“perninha de índio”!
Salvo as inconveniências específicas, o restante
correu muito bem. Assim que chegamos, fomos
recepcionados com uma dança típica, apresentada pelas
crianças da aldeia. Após, dirigimo-nos até um espaço no
qual as crianças puderam interagir e brincar coletivamente.
Houve uma breve explicação dos costumes e hábitos
indígenas, momento em que o cacique esclareceu algumas
dúvidas apontadas por nossos alunos. No início das
brincadeiras, houve certa resistência das crianças em
participar das atividades, pois estavam envergonhadas.
Posteriormente, com o estímulo e participação das
professoras, as atividades fluíram positivamente e
percebemos que, até mesmo quando foi proposto o lanche
coletivo, as crianças gostariam de continuar brincando.
Nós do PIBID da Pedagogia levamos bolos, pipocas e

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suco, que foram apreciados pelas crianças de ambas
culturas. Após o lanche, algumas crianças compraram itens
do artesanato indígena e retornamos à escola.
A visita motivou perguntas e suscitou dúvidas em
nossos alunos, em relação ao espaço e vivências indígenas.
Como fechamento, na aula seguinte, propusemos que as
crianças registrassem coletivamente em um grande papel
pardo quais foram suas principais observações em relação
à aldeia, fosse em forma de desenho ou escrita. Além das
turmas de quarto e quinto ano, que fizeram a saída de
campo, a turma do terceiro ano também participou da
atividade, registrando o que elas achavam que seria visto
caso fossem à aldeia. Assim, puderam comparar suas
impressões com as dos colegas que realizaram a visita,
descobrindo se suas suposições eram verdadeiras, de
fato.

Considerações finais
Durante o processo de aprendizagem que ocorreu ao
longo de todo o ano, daexecução dos planejamentos, dos
estudos e pesquisas feitas, pudemos perceber o quão
importante é trabalhar esta temática e o quão
marginalizando e estereotipado este tema está nas escolas,
por isso além de ter como base a lei 11.645/2008, “faz-se
necessário o trabalho com o tema, a fim de mostrar outras
visões da história do Brasil, já que a escola, em geral, só
apresenta a visão dos colonizadores” (SILION; GOMES;
FERREIRA, 2012, p. 171).
Portanto, após todo esse processo que culminou
com a ida à aldeia, pudemos perceber que o nosso objetivo
principal foi alcançado. Assim, percebemos a importância
desse encontro final da primeira parte do nosso trabalho
que resultou na vivência concreta de interculturalidade por
parte de ambas as culturas.O nosso projeto é apenas uma
sementinha plantada para que nossas crianças no futuro
não reproduzam em suas falas e em suas ações estereótipos
tão presentes em nossa sociedade.

Referências Bibliográficas
SILION, Gabriela Bonneau; GOMES, Luana Barth;
FERREIRA, Priscila. Literatura infanto-juvenil e a temática
indígena: possibilidades na escola, In: BERGAMASCHI,
Maria Aparecida; DALLA ZEN, Maria Isabel Habckost;

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XAVIER, Maria Luisa Merino de Freitas (organizadoras).
Povos indígenas & educação. Porto Alegre: Mediação, 2012. P.
171- 180.
BERGAMASCHI, Maria Aparecida. Povos indígenas:
Conhecer para respeitar. In: BERGAMASCHI, Maria
Aparecida (Org.) Povos Indígenas & Educação. Porto Alegre:
Mediação, 2012.
CAVALCANTI, Zélia. Trabalhando com história e
ciências na pré-escola. Porto Alegre, 1995

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PIBID Interdisciplinar Educação do Campo
discutindo interdisciplinaridade, educação do campo e ensino de história
PorSandi Mumbach¹, Ane Carine Meurer²

Resumo Abstract
Objetivamos expor o trabalho que vem We aim to expose the work which has
sendo desenvolvido pelo PIBID subprojeto been developed by the PIBID, subproject
Interdisciplinar Educação do Campo da UFSM Interdisciplinary Field Education from UFSM,
na Escola Estadual de Ensino fundamental at the State Elementary School Arroio Grande
Arroio Grande, bem como analisar aspectos que and to analyze aspects that are fundamental to
são fundamentais para o desenvolvimento do the development of the mentioned project:
referido projeto: a interdisciplinaridade,a interdisciplinarity, field education and the
educação do campo e o ensino de história. O teaching of History. The project has been active
projeto tem atuado desde 2012 em escolas since 2012 in schools located in rural area of the
localizadas em área rural do município de Santa city of Santa Maria – RS. The project consists
Maria –RS. Constituído por bolsistas das of scholar student of the diverse graduation
diversas licenciaturas, busca trabalhar os course and it tries to work the main concepts
principais conceitos e desafios da educação do and challenges of the field education in an
campo de forma interdisciplinar. Diante dos interdisciplinary manner. In the face the
problemas e desafios encontrados ao longo do problems and challenges encountered during the
projeto o PIBID procurou trabalhar a História project, the PIBID searched to work the local
local como forma de valorização dos sujeitos do History as a way of appreciation of the
campo na Escola Estadual de Ensino individuals of the field at the State Elementary
Fundamental Arroio Grande. Este trabalho tem School Arroio Grande. This work has generated
gerado impactos positivos e tem evidenciado positive impacts and has showed a better
uma melhor formação dos acadêmicos de training of undergraduate students involved in
licenciatura envolvidos no projeto. the project.
Palavras-chave:Educação do Campo, Interdisciplinaridade, Ensino de Keywords: Field Education, Interdisciplinary, History Teaching, teacher
História, Professores. training.

1
Acadêmica do Curso de História da UFSM, Bolsista PIBID Subprojeto Interdisciplinar Educação do Campo
2
Doutora em Pedagogia pela Universidade Federal da Bahia, Professora associada da UFSM, Coordenadora do PIBID Subprojeto Interdisciplinar
Educação do Campo

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Introdução
O PIBID - Programa Institucional de Bolsas de
Iniciação à Docência –Subprojeto Interdisciplinar
Educação do Campo atua desde o ano de 2012 em duas
escolas localizadas na área rural de Santa Maria – RS. São
elas a Escola Estadual de Ensino Fundamental Arroio
Grande e a Escola Municipal de Ensino Fundamental
Major Tancredo Penna de Morais, a primeira situada no
distrito de Arroio Grande, e a segunda localizada no
distrito da Palma.
O projeto conta com acadêmicos das diversas
licenciaturas da Universidade Federal de Santa Maria -
UFSM, trabalhando as questões principais da educação do
campo pelo viés interdisciplinar. Participam do projeto
acadêmicos da licenciatura em Geografia, História, Letras
Português, Artes, Matemática, Pedagogia e Educação
Especial. Também participam duas professoras
supervisoras, uma de cada escola, as quais orientam e
intermediam o trabalho desenvolvido pelos bolsistas na
escola, e a coordenadora do projeto que orienta no
planejamento das atividades e no preparo teórico.
A proposta do subprojeto é conhecer a realidade em
que a escola insere-se para então planejar e desenvolver
atividades. Desta forma realiza-se primeiramente uma
pesquisa socioantropológica, através de visitas e
entrevistas os bolsistas buscam conhecer a realidade da
comunidade escolar, dos professores e alunos. Após isto é
construído o planejamento de atividades a serem
desenvolvidas na escola, este é feito pelos bolsistas em
conjunto com o grupo de professores e equipe diretiva. O
planejamento das atividades leva em consideração a
realidade da escola, o interesse dos educandos e as
possibilidades e ideias trazidas pelos educadores.
Reuniões coletivas para planejamento e discussões
teóricas acontecem semanalmente na universidade,
oportunizando a troca de experiências e aprendizagens
entre as escolas e os bolsistas. As discussões teóricas
consistem em um espaço onde manifestam-se as opiniões e
as experiências que cada área do conhecimento e de cada
curso de licenciatura, as leituras e discussões em grupo
enriquecem o debate e proporcionam reflexões bastante
amplas. Além disto, através das experiências de cada
bolsista pode-se conhecer a realidade dos cursos de
licenciatura da universidade.
Através do projeto os acadêmicos vivenciam
intensamente o cotidiano escolar, conhecem a rotina, o
ambiente e a realidade da escola em que inserem-se. Estas
vivências e experiências auxiliam em uma melhor

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formação dos acadêmicos, pois o PIBID oportuniza um
contato e uma inserção na escola muito maior do que a
experiência oportunizada pelos estágios curriculares das
diversas licenciaturas. Além disto, os acadêmicos
deparam-se com estágios curriculares apenas no final da
sua formação, enquanto que o PIBID proporciona um
contato com a escola desde os primeiros semestres,
possibilitando uma maior interligação entre os
conhecimentos teóricos adquiridos durante a formação
com as vivências e práticas desenvolvidas na escola.
Segundo a Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior (Capes), instituição
mantenedora do programa, o Programa Institucional de
Bolsas de Iniciação à Docência – PIBID possui como
objetivo principal:
[...] inserir os licenciandos no cotidiano de escolas
da rede pública de educação, proporcionando-lhes
oportunidades de criação e participação em experiências
metodológicas, tecnológicas e práticas docentes de caráter
inovador e interdisciplinar que busquem a superação de
problemas identificados no processo de ensino-
aprendizagem. (CAPES – Programa Institucional de
Bolsas de Iniciação à Docência)

Desta forma, de 2012 até o momento pode-se


ressaltar que diversos licenciandos tiveram a oportunidade
de participar do projeto ampliando o seu conhecimento e a
sua formação, adquirindo prática e, acima de tudo,
conhecendo a realidade das escolas públicas do campo.
Além disto, as escolas que abriram espaço para os bolsistas
desenvolverem seu trabalho também ganharam, pois os
bolsistas planejaram e desenvolveram diversas atividades
diferenciadas com alunos e professores, atividades estas
que só foram possíveis com a presença dos bolsistas na
escola.

O PIBID e as licenciaturas: discutindo a formação


dos professores
Existem diversas críticas aos currículos dos cursos
de graduação em licenciaturas, são muitos os problemas e
os desafios na formação de professores. Muitos cursos
priorizam as atividades de pesquisa em detrimento ao
ensino e à extensão, muitos encontram dificuldades em

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aliar os conhecimentos teóricos específicos desenvolvidos
na universidade com as práticas e os conhecimentos
escolares. Enfim, existem diversos problemas, dificuldades
e inúmeros desafios postos aos cursos de licenciatura. Mas
em comum, o que a maioria destes apresentam aos
acadêmicos, é a realidade de um currículo que coloca o
acadêmico em contato com as escolas apenas no final da
formação, apenas nos estágios curriculares. Desta forma,
muitos licenciandos acabam tomando um “choque de
realidade” frente aos contextos que lhes são apresentados.
O PIBID surgiu desta forma,amenizando este
grande problema. A possibilidade do contato desde o início
da graduação com a realidade escolar oportuniza um
grande amadurecimento do licenciando. Além disso,
possibilita-lhe pensar e refletir a sua formação acadêmica e
a estrutura do seu curso, tendo já conhecido a realidade da
sua profissão e os desafios e os problemas que esta
enfrenta. Permite ao acadêmico ambientar-se com a escola,
e isso possibilita que ele tenha uma formação acadêmica já
voltada para o exercício da sua profissão, e que reflita, já
durante a sua formação, os desafios da sua profissão. Além
disso, o auxílio financeiro concedido pelo programa
permite que alunos com baixa renda possam manter-se
financeiramente sem que necessitem trabalhar em turno
inverso ao das aulas, ou até mesmo em prejuízo das
atividades acadêmicas, diminuindo os índices de evasão
dos cursos de licenciatura.
Desta forma ressaltamos a importância da existência
do PIBID no universo acadêmico. Destacando a relevância
de sua presença nos cursos de licenciatura, na ampliação
das discussões sobre ensino, nas contribuições que as
escolas atingidas pelo projeto têm recebido e,
principalmente, na melhoria da formação de professores
que o projeto tem evidenciado.

O desafio da Interdisciplinaridade
O trabalho interdisciplinar constitui-se em um
grande desafio. Os cursos de graduação são extremamente
fechados e isolados em seus conhecimentos específicos,
dificilmente estabelecendo diálogo com as outras áreas do
conhecimento. Portanto nossa formação acadêmica é
extremamente restrita, a consequência disto é que no
momento em que formos educadores reproduziremos esta
mesma prática, mantendo-nos isolados, não estabelecendo
diálogo com as outras áreas do conhecimento.

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Este problema reflete na escola, no momento em
que professores não conseguem interligar os conteúdos e
os conhecimentos, e não se permitem estabelecer diálogos
com os colegas e com as outras áreas do conhecimento.
Compreendemos que interligando os conteúdose trazendo
o que cada área do conhecimento tem a agregar sobre o
assunto, este fará mais sentido ao aluno, facilitará a
compreensão e a aplicabilidade.No mundo em que
vivemos tudo está interligado, não encontramos os
conhecimentos fechados ou isolados. Um fenômeno pode
ser explicado de diferentes maneiras pela química, pela
matemática, pela física e pela geografia, portanto não faz
sentido pensar cada disciplina isoladamente.
Na realidade e no cotidiano do aluno tudo está
misturado, tudo está acontecendo ao mesmo tempo.
Portanto, compreendemos que é preciso repensar nossas
práticas quanto educadores.É preciso pensar na
aplicabilidade do conteúdo, em como fazer este ter sentido,
ter relevância a vida do educando. Mais do que isso é
preciso trazer os conhecimentos dos próprios alunos, o
senso comum, o cotidiano para dentro da sala de aula,
interligando-o ao conhecimento cientifico, como nos
mostra FAZENDA, 1991:
O que queremos dizer é que o pensar
interdisciplinar parte da premissa de que nenhuma forma
de conhecimento é, em si mesma exaustiva. Tenta, pois o
diálogo com outras fontes do saber, deixando-se irrigar
por elas. Assim, por exemplo, confere validade ao
conhecimento do senso comum, pois é através do
cotidiano que damos sentido às nossas vidas. Ampliado
pelo diálogo com o conhecimento cientifico, o senso
comum tende a uma dimensão, ainda que utópica, capaz
de enriquecer nossa relação com o outro e com o mundo.
(FAZENDA, 1991. p.15)

Além disso diante do desenvolvimento tecnológico


do momento em que vivemos e da quantidade de
informações e de meios eletrônicos a que as crianças e
jovens possuem acesso atualmente, não faz sentido
continuarmos reproduzindo os conteúdos isolados em suas
“caixinhas”. No mundo tudo está conectado e interligado,
por isso devemos repensar nossas práticas e buscar formas
de o conteúdo ter significado para o educando, e não
apenas despejar informações sobre o aluno.
Em se tratando de ensino, por exemplo, sabemos
que os currículos das disciplinas tradicionais, da forma
como vem sendo desenvolvidos, oferecem ao aluno
apenas um acúmulo de informações pouco ou nada
relevantes para sua vida profissional, principalmente por
que o desenvolvimento tecnológico atual é de tal
diversidade que se torna impossível processar, com a
velocidade adequada, a esperada sistematização que a
escola requer. (FAZENDA, 1991, p. 15)

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Os professores não conseguem desenvolver a
interdisciplinaridade, pois a sua formação foi disciplinar e
fechada. A interdisciplinaridade é um conceito que se
apresenta à formação de professores, que necessita ser
compreendido e trabalhado rotineiramente, o PIBID tem se
proposto a isto, e tem tentado trazer esta discussão para os
cursos de licenciatura e para a escola.Ao longo de três anos
de atuação tem realizado diversasleituras e discussões
procurando compreender o tema e aplicá-lo nas práticas
desenvolvidas nas escolas. A realidade é que por vezes o
trabalho interdisciplinar alcança os objetivos propostos e
outras vezes não é possível alcançar todos os objetivos,
esbarrando em diversas dificuldades e obstáculos.
Compreendemos que a interdisciplinaridade
pressupõe, em primeiro lugar, um intenso diálogo, é
através da conversa e da troca que iremos nos conhecer,
conhecer nossas práticas e permitir pensar as
possibilidades de um trabalho coletivo. A
interdisciplinaridade pressupõe coletividade e diálogo. O
PIBID subprojeto Interdisciplinar Educação do Campo
proporciona este espaço de diálogo e de troca através das
reuniões de estudos que acontecem semanalmente na
universidade. Estas reuniões constituem-se em um espaço
de discussão teórica, compartilhamento de práticas e
planejamento de ações. É neste espaço que
compreendemos ocorrer o diálogo que nos possibilite o
pensar coletivo, a construção da interdisciplinaridade.
O que caracteriza a atitude interdisciplinar é a
ousadia da busca, da pesquisa, é a transformação da
insegurança num exercício de pensar, num construir. A
solidão dessa insegurança individual que vinca o pensar
interdisciplinar pode transmutar-se na troca, no diálogo,
no aceitar o pensamento do outro. Exige a passagem da
subjetividade para a intersubjetividade. (FAZENDA,
1991. P. 18)

Compreendemos que interdisciplinaridade é um


desafio, e que os cursos de licenciatura têm buscado aos
poucos inserir esta discussão em sua formação.
Buscarcompreender a interdisciplinaridade e aplicá-la tem
sido um dos objetivos do subprojeto durante todos os seus
anos de atuação. Destacamos que nem sempre foi obtido
sucesso no planejamento e realização de práticas
interdisciplinares, mas mesmo quando não obtivemos êxito
sabemos que estamos adquirindo experiência e
conhecimento para aplicar em práticas futuras.
Acreditamos que não existe receita pronta que ensine a
fazer um trabalho interdisciplinar, existe sim um esforço
que busca compreender este conceito e trazê-lo para as
nossas práticas, melhorando-as e enriquecendo-as. Cada

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tentativa, tendo sucesso ou não proporciona crescimento,
conhecimento e experiência.

Os desafios da Educação do campo e a importância


de discuti-la nas licenciaturas
Conforme Roseli Caldart (2002), em 1997, no
primeiro encontro Nacional dos educadores e educadoras
da Reforma Agrária (ENERA), realizado pelo Movimento
dos Trabalhadores Sem Terra – MST, levantou-se uma
série de questões sobre a educação no meio rural
brasileiro. Era a primeira vez que se discutia de forma
ampla a educação no espaço rural brasileiro.
O surgimento da expressão “Educação do
Campo” pode ser datado. Nasceu primeiro como
Educação Básica do Campo no contexto de preparação da
I Conferência Nacional por uma Educação Básica do
Campo, realizada em Luziânia, Goiás, de 27 a 30 de julho
1998. Passou a ser chamada Educação do Campo a partir
das discussões do Seminário Nacional realizado em
Brasília de 26 a 29 de novembro 2002, decisão
posteriormente reafirmada nos debates da II Conferência
Nacional, realizada em julho de 2004. (CALDART, 2002,
p. 260)

Segundo a autora nas discussões de preparação do


documento base da I Conferência concluído em 1998
explicita-se o contraponto que se pretende fazer com a
chamada educação rural. Passa-se a utilizar a expressão
campo e não mais meio rural, com o objetivo de incluir as
lutas sociais e culturais dos camponeses.
Roseli Caldart define este movimento que vem
buscando discutir e pensar alternativas para a educação do
campo no país:
Um dos traços fundamentais que vêm
desenhando a identidade deste movimento por uma
educação do campo é a luta do povo do campo por
políticas públicas que garantam o seu direito à educação, e
a uma educação que seja no e do campo. No: o povo tem
direito a ser educado no lugar onde vive; Do: o povo tem
direito a uma educação pensada desde o seu lugar e com a
sua participação, vinculada à sua cultura e às suas
necessidades humanas e sociais. (CALDART, 2002 p.18)

O PIBID Subprojeto Interdisciplinar Educação do


Campo foi o primeiro subprojetoa levar a discussão da

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Educação do Campo para a as licenciaturas da UFSM. Até
então pouquíssimos cursos apresentavam alguma discussão
sobre o assunto ao longo da sua grade curricular, o que
evidencia um currículo urbanocêntrico na formação dos
licenciandos da universidade.
Esta constatação preocupa, visto que segundo dados
do Censo escolar de 2013 são 5.970.541 matrículas
localizadas em escolas de área rural no país. Frente ao fato
de que são mais de cinco milhões de alunos estudando em
escolas de área rural no país, nos deparamos com alguns
questionamentos como: Quais são as especificidades e as
necessidades destes educandos? Os educadores estão
preparados para atender estas populações? Os cursos de
formação de professores preparam para esta realidade?
Ao compreendermos que as populações das áreas
rurais têm direito a uma educação pensada “desde o seu
lugar e com a sua participação, vinculada à sua cultura e às
suas necessidades humanas e sociais”, precisamos analisar
se o educador que vai atender a essa demanda, durante a
sua formação,conheceu e refletiu as especificidades da
Educação do Campo. Se o educador que vai atuar na
escola do campo está preparado para a realidade que vai
enfrentar.
Compreendemos é preciso pensar e refletir sobre a
formação do educador que vai atender as escolas do
campo, eque necessitamos incluir esta discussão
imediatamente nos cursos de licenciatura. Desta forma o
trabalho que vem sendo desenvolvido pelo PIBID
Interdisciplinar Educação do Campo é colocaros
licenciadosem contato com a realidade das escolas do
campo, mas também o de conscientizar os acadêmicos e de
levar esta discussão a todos os cursos de licenciatura da
universidade.Buscamos sempre debater e refletir a
realidade das escolas em que estamos inseridos, buscando
encontrar soluções e alternativas viáveis aos desafios que
se colocam.
A Escola Estadual de Ensino Fundamental Arroio
Grande, localiza-se em área rural do município de Santa
Maria, atendem a alunos do campo, porém os professores
são, em sua maioria, urbanos, e suas práticas são as
mesmas de professores de escolas urbanas. Estes
professores não receberam nenhuma formação para atuar
em escolas do campo, e a maioria deles não reflete ou se
dá conta da realidade em que está inserido. Esta é um
cenário muito comum em escolas do campo.
Temos consciência que esta realidade não se
modificará da noite para o dia, e que o projeto não tem a
capacidade de fazê-lo. Porém a atuação do PIBID tem
levado para estas escolas diversas reflexões, e tem feito
com que os professores analisem e reflitam sobre suas
práticas. Tem tentado enfocar a realidade deste aluno do

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|71


campo e trazê-la para dentro da sala de aula de diversas
formas.
A educação é um direito social e uma política de
educação do campo requer o conhecimento de que o meio
urbano não é superior ao meio rural. Com essa
compreensão, impor novas relações baseadas na
horizontalidade e solidariedade entre campo e cidade é
primordial. O campo é, acima de tudo, espaço de cultura
singular, rico e diverso. (SILVA, 2009. p 206)

No ano de 2013 na Escola Estadual de Ensino


Fundamenta Arroio Grande deparamo-nos com a realidade
de a maioria dos professores serem urbanos e não
conhecerem a realidade dos alunos. Diante desta realidade
o PIBID promoveu uma saída de Campo com os bolsistas
e todos os professores da escola, conhecendo todas as
comunidades, e até mesmo visitando a residência de alguns
alunos. Após esta atividade pode-se perceber, em diálogos
com os professores, o quanto foi significativo para eles
conhecer mais sobre a realidade de seus alunos. Chamou
bastante atenção dos professores as dificuldades que seus
alunos encontravam para ir para a escola, a importância da
agricultura para a subsistência das famílias, a diversidade e
riqueza histórica e cultural da região. Além disto,foi
possível que os professores conhecessem toda a realidade
da estrutura física encontrada nas comunidades, água, luz,
saneamento, estradas.
Este trabalho de conhecer a realidade do aluno gera
reflexões ao educador. Compreendendo a realidade e as
dificuldades que seus alunos enfrentam o professor passa a
compreender, muitas vezes, o comportamento e as atitudes
dos seus alunos. E principalmente o professor passa
analisar as suas práticas, refletir a relevância e a
importância do que está ensinando para a vida do aluno.
Por isso, o professor e a professora devem refletir
sobre o modo de vida de cada comunidade para
compreender melhor a realidade em que está inserida,
incluir os saberes dominados por estas comunidades e
promover o consenso entre o saber popular e o saber
científico. Esta atitude consciente de valorização do outro
contribui significativamente para a instauração e
construção de um processo democrático liderado pela
escola. (FARIA, 1984, p. 103)

Nas práticas desenvolvidas pelo projeto buscamos


sempre aliar o conhecimento científico com a realidade
dos alunos. Buscando conhecer a história, a cultura e os
saberes dos educandos e da sua comunidade,
incorporando-as, sempre que possível em nossas práticas.
Desse modo é importante que a escolaridade rural
tenha como objetivo principal proporcionar
conhecimentos, cidadania e continuidade cultural. No

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|72


meio rural, os responsáveis pela educação escolar
deparam-se com as mais diversificadas formas de
processos produtivos, culturas heterogêneas, clientelas
diferentes das que estão acostumadas na cidade, com
valores e aspirações próprios. É preciso romper com a
ideia preconceituosa de que o meio rural é um espaço
atrasado, de ignorância, sem cultura, sem vida, sem
identidade. Nessas circunstâncias, mais do que fazer um
“remendo” é preciso humanizar e legitimizar as dimensões
políticas e pedagógicas da educação básica do meio rural.
(SILVA, 2009)

Paulo Freire constitui-se em um dos principais


teóricos que têm norteado nosso trabalho, o autor destacou
a importância em reconhecer os saberes, a cultura e os
conhecimentos dos educandos, partindo da realidade destes
para a construção do conhecimento.

Trabalhando a história do lugar na Escola Estadual


de Ensino Fundamental Arroio Grande
Através da pesquisa socioantropológica realizada
pelo projeto constatou-se que realidade dos jovens que são
atendidos pelo PIBID Interdisciplinar Educação do Campo
na comunidade de Arroio Grande é a mesma realidade de
milhares de jovens no país, que diante das dificuldades
enfrentadas pela família no meio rural almejam abandonar
o campo em busca de perspectivas melhores no meio
urbano.
“No Brasil, segundo os dados do Censo 2010
(Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2010),
temos cerca de 8 milhões de jovens morando em regiões
rurais. Diversos estudos, no Brasil e em outros países,
apontam para a tendência da saída, nos dias atuais, de
jovens do campo rumo às cidades.”(CASTRO, 2012 p.
442).

O trabalho do PIBID Interdisciplinar em Educação


do Campo tem-se constituído em um movimento que
busca reverter estes dados, procurando em suas práticas a
valorização dos sujeitos do campo, levando para dentro da
escola a realidade e os saberes destes alunos. Buscamos
sempre em nossas práticas trabalhar com a cultura, as
tradições e seus saberes do lugar, melhorando a autoestima
dos educandos e reforçando os vínculos dos jovens com a
sua comunidade, até mesmo modificando a visão destes
sobre sua comunidade.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|73


A realidade encontrada pelo PIBID ao chegar nesta
comunidade no ano de 2012 foi de uma comunidade que
possuía uma visão muito pejorativa de si própria e da sua
localidade. A maioria das pessoas descrevia e ressaltava os
aspectos negativos da comunidade, idealizando sempre o
urbano, e afirmando ser a cidade a solução dos problemas
e a esperança de uma vida melhor para os filhos.
Sabemos que as cidades, assim como o campo,
possuem diversos problemas, podemos citar a violência, a
poluição, o desemprego. Mas as pessoas que vivem uma
realidade difícil no campo geralmente esquecem de
analisar estes fatos e idealizam o urbano, sem maiores
reflexões.A consequência disso é que, muitas vezes,
acabam abandonando o campo para tentar um futuro
melhor nas cidades. Ao chegar aos centros urbanos acabam
por engrossar a massa da população periférica e
desempregada.
Diante disso temos realizado um esforço para
trabalhar com os aspectos do lugar, principalmente a
história local, valorizando a cultura, os saberes e as
tradições da comunidade de Arroio Grande. Pois
acreditamos que a partir do momento em que o educando
conhece e compreende a sua história, a trajetória da sua
comunidade e da sua família ele passa a sentir-se
integrante da história do seu lugar, passa valorizar o seu
local e as pessoas que vivem nele. Ele passa a sentir-se
sujeito da sua história, parte integrante e fundamental desta
comunidade. Sua autoestima melhora, e a visão deste
aluno que antes era negativa com relação ao seu lugar,
passa a ser reflexiva.Desta forma temos trabalhado a
história local de diversas formas, buscando a valorização
da comunidade de Arroio Grande, da melhora da
autoestima dos educandos, e para que estes possam
compreender-se como sujeitos da história.
É preciso ressaltar que para desenvolver o trabalho
com a história local foi necessária muita pesquisa
bibliográfica, entrevistas com moradores locais e uma
intensa busca por fotografias e imagens antigas da
localidade. Desta forma diversas atividades foram
realizadas com o objetivo de trabalhar a história local ao
longo de três anos de trabalho como a Caixa de História, A
História dos Sinos, Entrevista com os Avós, a História da
Escola. Estas atividades foram realizadas com alunos de 1º
a 9º ano. Destacamos que, com alunos das séries iniciais
do ensino fundamental a metodologia de trabalho era
diferenciada e contava sempre com o apoio, tanto no
planejamento, quanto no desenvolvimento da atividade por
bolsistas do projeto, acadêmicos dos cursos de pedagogia e
educação especial e as educadoras das turmas.
Acreditamos que é fundamental a disciplina de
história trabalhar a história local em uma escola do campo,
por ser o campo um local que é historicamente

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|74


desvalorizado com relação ao urbano. Continuar ignorando
a história destes sujeitos implica em contribuir para
reforçar esta realidade excludente.
A escola representa um instrumento de
transformação dessa realidade excludente, para isso o
professor e a professora devem assumir a condição de
educadores e educadoras comprometidos como a nova
proposta que os movimentos sociais, em especial o
movimento do campo, apresentam à sociedade.
(BORGES, 2007. p. 105)

Desta forma trabalhamos com a recuperação e a


valorização da história local como forma de incentivar nos
alunos e na comunidade escolar a valorização da história,
da cultura e dos hábitos locais. Pois acreditamos que
conhecendo a história do seu próprio lugar o aluno passa a
compreender-se também como sujeito histórico deste, e
passa a valorizar a cultura, as tradições e os saberes da sua
comunidade, passando a atuar em seu meio, refletir sobre
ele e transformá-lo.
O importante, do ponto e vista de uma educação
libertadora, e não “bancária”, é que, em qualquer dos
casos, os homens se sintam sujeitos do seu pensar,
discutindo o seu pensar, sua própria visão de mundo,
manifestada implicitamente ou explicitamente, nas
sugestões e nas de seus companheiros. (FREIRE, 1987)

A disciplina de história nas escolas trabalha desde a


pré-história, até os dias atuais, porém o que a história
tradicional perpetuou é a história europeia, é esta que
vemos em destaque na idade antiga, na idade média, na
idade moderna e na contemporânea. Não estamos aqui
renegando a importância desta, mas é preciso pensar na
consequência disto para a vida dos educandos, que
estudam durante toda a sua vida escolar a história de
outros lugares e não a história do seu lugar.
Acreditamos que é imprescindível conhecer todos
os períodos da história, mesmo que esta seja eurocêntrica,
é preciso sim conhece-la para compreendermos as
configurações do mundo atual. Mas é preciso também que
o professor possibilite ao aluno trabalhar a história do seu
lugar e proporcionar embasamento para que o aluno
estabeleça conexões entre a história local e geral.É preciso
desmistificar estas construções, possibilitando ao aluno a
compreensão de que todos somos sujeitos da história.
A história local tem sido indicada como
necessária para o ensino por possibilitar a compreensão do
entorno do aluno, identificando o passado sempre presente
nos vários espaços de convivência – escola, casa,
comunidade, trabalho e lazer -, e igualmente por situar os
problemas significativos da história do presente.
(BITTENCOURT, 2004. p. 168)

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|75


A sociedade em que vivemos valoriza a vida
urbanizada, inserida nos meios tecnológicos e permeada
pelos valores de consumo. Para esta sociedade, na qual nos
inserimos o campo significa atraso, o trabalhador do
campo é visto com preconceito. Não podemos permitir que
estes valores se reproduzam em uma escola do campo. É
necessário quebrar estes “rótulos” e preconceitos,
buscando a valorização destes sujeitos.
O campo não é atraso, é história de vida. A
escola do campo deve ser pensada para que seja viva, ela
deve ser construída por sua comunidade, pensada para
ajudar no processo de desenvolvimento social, para
manter a cultura, a raiz e a história daquele lugar. Essa
escola deve formar sujeitos participantes e capazes de
construir seu próprio caminho, buscando seus direitos e
lutando para serem cidadãos do campo. (MATOS, 2010,
p. 33)

Compreendemos a importância em relacionar o


saber escolar com as experiências dos educandos, para que
o saber científico contribua em suas práticas
cotidianas.Trazera realidade dos educandos para dentro da
sala de aula, respeitar as diferenças e as especificidades
que as populações do campo possuem, respeitando a sua
cultura, os seus saberes e as suas tradições. Buscar formas
de fazer o conhecimento cientifico ter relevância em suas
vidas, em seu cotidiano.
Acreditamos que o professor de história possui um
papel muito importante na escola do campo, e que o seu
trabalho possui um caráter social neste meio, sendo
responsável pela conscientização e pela valorização dos
educandos quanto sujeito históricos. Sujeitos conscientes
de sua realidade, questionadores e reflexivos.

Considerações finais
Buscamos, através deste artigo, destacar a
importância do trabalho que vem sendo desenvolvido pelo
PIBID subprojeto Interdisciplinar Educação do Campo da
Universidade Federal de Santa Maria na Escola Estadual
de Ensino Fundamental Arroio Grande. Destacamos a
importância em aprofundar as discussões sobre
interdisciplinaridade e educação do campo nos cursos de
licenciatura, e a importância em discutir a formação de
professores.
Evidencia-se a importância do ensino de história
neste contexto. E da escolha em trabalhar a história local
como forma encontrada para a valorização e melhora da

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|76


autoestima dos educandos e da comunidade escolar em
questão. Compreendendo a importância em trabalhar a
valorização da história, da cultura e dos saberes de uma
comunidade do campo.
Como já mencionamos o trabalho desenvolvido
pelo projeto tem gerado consequências positivas, para a
escola inserida no projeto, e principalmente para os
licenciandos participantes do mesmo, pela oportunidade
em ampliar seus conhecimentos, adquirir prática e ampliar
a sua formação como educador. Como também tem
buscado trazer reflexões acerca da educação do campo
para dentro das licenciaturas da universidade.

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Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|78


Projeto Conectividade
o ensino de história na web, telecurso e o sistema de resposta social
Por Elisiane da Silva Soares¹, Jaqueline Benvenuti², Lucas Troglio³

Resumo Abstract
A análise das teleaulas de História do The analysis of telelessons of History
Telecurso compõe o Projeto Conectividade, Telecurso they are part the Connectivity
vinculado ao curso de graduação e pós- Project, linked to program of postgraduate and
graduação em História da UCS. O referido graduate in History of UCS. This program, in
programa, em sua apresentação, propõe-se a its presentation, is proposed to contribute to
contribuir para a formação de cidadãos críticos than formation of critical and autonomous
e autônomos para viver em sociedade. Os citizens to live in society. Initial results point
resultados iniciais apontam o programa dispõe that the program offers strategies that help to
de estratégias que ajudam a revelar o modo de reveal the addressing mode the program, the
endereçamento do programa, a concepção de framing of teacher, student and teaching
professor, de aluno e de ensino de história. Na history. In this stage, the proposal is think
presente etapa, a proposta é refletir por meio do though the social response system, on the
sistema de resposta social, sobre a relação entre relationship between the basic education teacher
os professores de educação básica e o and Telecurso. The intention is to find the
Telecurso. O intuito é encontrar as carências do programs shortages reflected in education,
Programa refletidas na educação, buscando seeking knows who uses the program, which
conhecer quem usa o programa, que diz sobre says about him and the criticism made about the
ele e a crítica feita sobre a visão da história. vision of the history. With it, can contest these
Com isso, será possível contrastar esses dados data with the results until here reach.
com os resultados até aqui alcançados.
Keywords: History Teaching, Telecurso, Social Response.
Palavras-chave:Ensino de História, Telecurso, Resposta social.

1
Acadêmica do Curso de Licenciatura em História da UCS
2
Mestrado Profissional em História da UCS
3
Acadêmico do Curso de Licenciatura em História da UCS

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|79


Introdução
O contexto social atual aponta que a sociedade se
encontra cada vez mais em rede, permitindo que a mídia
tome espaços importantes do cotidiano, promovendo
reações na sociedade que refletem no comportamento e no
pensar humano. Diante disso, pensou-se o Projeto
Conectividade que vem a contribuir com o processo de
análise midiática principalmente no que se refere a
programas educativos, neste caso o programa Telecurso8
reservando as teleaulas de ensino de História.
Este modelo de Educação à Distância propõe-se a
abarcar as necessidades educacionais de indivíduos que
buscam a conclusão do Ensino Fundamental e Médio,
contribuindo para a formação se seres autônomos e críticos
capazes de inserir-se na sociedade. Na primeira etapa do
projeto, por meio da análise das teleaulas e embasamento
teórico, foi possível detectar fragilidades quanto as
finalidades educativas de que o Telecurso se propõe, o que
trataremos no primeiro capítulo deste artigo. Diante disso,
pensou-se na recepção do público que busca conhecimento
através do programa e como esses receptores são capazes
de posicionar-se perante o que esse processo midiático
transmite.
Nesse aspecto, pareceu preocupante a possibilidade
da utilização das teleaulas por educadores como fonte de
conhecimento no desenvolvimento de suas aulas. Logo, a
tendência foi averiguar se o Telecurso é utilizado nas
escolas e como ele é tratado por professores de história da
educação básica, que é a área do estudo em questão. O
método utilizado para que fosse possível obter os dados
necessários para a intensão proposta, se baseia na análise
de entrevistas online realizadas em forma de questionário
direcionado à docentes da educação básica que utilizam,
ou não, as teleaulas como recurso didático.
Para que fosse possível compreender esse
relacionamento entre recepção e produtos midiáticos foi
utilizado como embasamento teórico a obra o Sistema de
Resposta Social de José Luiz Braga, que cabe
perfeitamente nesta proposta que intenta analisar o
material do Telecurso, já que o autor apresenta este
sistema como forma de análise dos diversos processos
midiáticos, não dando enfoque apenas a produção e
recepção, mas se utiliza destes para compreender até que
ponto a sociedade é capaz de chegar com a crítica aos
materiais. No segundo capítulo esses aspectos teóricos
serão tratados para assim possibilitar uma visão crítica

8
Em sua formulação anterior, chamada de Telecurso 2000.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|80


sobre a proposta analítica deste artigo que será
desenvolvida no terceiro capítulo.

Projeto Conectividade: Um breve histórico


O Projeto de Pesquisa Conectividade vem
desenvolvendo, desde o início de 2014, um trabalho de
análise dos recursos didáticos do programa Telecurso, da
Rede Globo de Televisão, observando seus aspectos
teóricos e metodológicos da sua proposta pedagógica. O
projeto é vinculado ao curso de graduação e ao Programa
de Pós-graduação em História da Universidade de Caxias
do Sul e já apresentou uma série de resultados que propõe
reflexões sobre a modalidade EaD, a televisão e a web com
suas respectivas responsabilidades educacionais.
Os primeiros resultados da pesquisa foram
apresentados na XX Jornada de Ensino de História e
Educação em Rio Grande, e nos XXII e XXIII Encontro de
Jovens Pesquisadores da Universidade de Caxias do Sul.
Nesses dois últimos recebendo menções honrosas de
pesquisa destaque assim como uma publicação na Revista
AEDOS.
O programa Telecurso é reconhecido pelo
Ministério da Educação e possui apoioda Fundação
Roberto Marinho. Além de um programa televisivo,
oferece formação de educação básica e técnica para as
pessoas que efetuarem a inscrição. O estudante dispõe das
teleaulas – vídeos de aproximadamente 15 minutos
disponíveis na televisão e online -, livros didáticos
organizados pelo próprio programa, e a metodologia da
telessala – quando os estudantes se reúnem, assistem as
teleaulas e desenvolvem atividades orientadas por um
professor “formado na Tecnologia Telessala” 9.
Autores como Paulo Freire, Dom Helder Câmara,
CélestinFreinet e Jean Piaget são citados como referências
do Telecurso, e desde o princípio da pesquisa foi realizada
uma revisão bibliográfica a fim de comparar o suposto
embasamento do programa e seus aspectos práticos. Para
se aproximar do formato televisivo, o conceito de modo de
endereçamento foi a primeira forma de metodologia
utilizada para a análise, resultando em indicadores que
possibilitaram verificar os conceitos de professor, aluno e
ensino de história presentes no Telecurso.
As propostas de educação têm se ramificado em
diversas modalidades no intuito de globalizar o ensino e o
acesso à informação. A Educação à Distância (EaD) tem
sido a forma mais popular de ensino, estando presente em

9
Disponível em: <http://educacao.globo.com/telecurso/noticia/2014/11/metodologia-telessala.html>. Acesso em 6 de out. 2015 .

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|81


praticamente todas as instituições educacionais dos mais
diversos níveis.Vale compreender que com o avanço dos
recursos telemáticos e as transformações cada vez mais
rápidas da sociedade, a educação se vê pressionada por
mudanças para que seja possível acompanhar outras
organizações sociais.
Com todas as tecnologias existentes “o educando
não precisa estar distante, pedagogicamente, de seus
educadores, nem de seus colegas, muito menos do mundo
que contextualiza seu aprendizado” (MAIA e MATTAR,
2007, p.4). Nesse sentido, os programas de ensino não
podem mais ignorar a realidade das formas midiáticas e as
novas possibilidades de construir conhecimento.
Ao passo que essas transformações acontecem,
verifica-se a necessidade de analisar os programas de
ensino e averiguar se sua metodologia corresponde com
todas as demandas sociais. É nesse ínterim que se insere o
Projeto Conectividade que busca refletir sobre a
contribuição do Telecurso na formação de sujeitos
autônomos e críticos.
Parte-se da premissa de que os materiais didáticos,
em essência, são mediadores do processo de construção de
conhecimento, facilitando a apropriação de conceitos. Do
mesmo modo, esses recursos podem se manifestar como
um controle curricular que está atrelado a uma série de
agentes de poder que participam do processo de produção
e difusão desses materiais. Circe Bittencourt já apontou
que a escolha do material didático é “uma questão política
e torna-se um ponto estratégico que envolve o
comprometimento do professor e da comunidade escolar
perante a formação do aluno” (2004, p. 298). A
problemática torna-se ainda maior na medida em que a
História, como afirmou Keith Jenkins, é uma construção
ideológica “constantemente retrabalhada e reordenada por
todos aqueles que, em diferentes graus, são afetados pelas
relações de poder” (2009, p. 40).
Essas preocupações nortearam os primeiros
movimentos de análise das teleaulas da disciplina de
História. O modo de endereçamento 10, conceito para os
estudos de cinema, permitiu a interpretação desses textos
audiovisuais e verificar o que a produção do Telecurso
pensa de sua audiência.
Ficou evidente a linguagem jornalística presente nas
teleaulas. O formato dos vídeos se assemelha com os
outros programas da grade da Rede Globo. Atores de
outros programas, jornalistas, encenações, planos de
fundo, trilha sonora dinâmica e concomitante com os
aspectos visuais, revelam a necessidade de manter as
características presentes em seus produtos de maior

10
ELLSWORTH, Elizabeth. Modos de endereçamento: uma coisa de cinema; uma coisa de educação também.In: SILVA, Tomaz Tadeu da. Nunca
fomos humanos – nos rastros do sujeito. Organização e tradução de Tomaz Tadeu da Silva. Belo Horizonte: Autêntica, 2001.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|82


audiência – telejornais, novelas, minisséries – presumindo
que os estudantes do Telecurso já acompanham essa
programação e possuem apreço por ela. Mesmo sendo uma
proposta educacional, o Telecurso ocupa espaço na grade e
não pode comprometer o caráter comercial da televisão. “É
a concorrência, medida via audiência, quem define a
qualidade, o rumo e a vida dos produtos televisivos a
serem veiculados” (DUARTE, 2004, p.17). Mesmo o
horário que o programa ocupa é evidência, por volta das 4
horas da manhã, pois a exposição e inclusão dos produtos
dizem respeito aos hábitos de consumo do telespectador
(DUARTE, 2004).
Quanto as concepções do programa, outras
considerações podem ser feitas. A voz de autoridade
presente nas falas do narrador da teleaula e dos
“professores” (atores, na verdade), remetem às críticas
feitas por Paulo Freire a educação “bancária”, aquela em
que o professor doa os saberes que julga necessário aos
alunos11. O ritmo e o tom das informações contribuem para
a ideia de professor legitimador. O educando – o
espectador – é meramente passivo do processo, deve estar
atento aos conteúdos e “absorvê-los”.
A estrutura em bloco dos vídeos também evidenciou
a concepção de aprendizagem do Telecurso. É observável
três momentos que se repetem em todas as teleaulas
analisadas. A apresentação (os primeiros dois minutos), a
teleaula em si (onde o conteúdo é discorrido) e a revisão
(último minuto). É notável a necessidade de fixar aqueles
aspectos julgados como mais importantes do tema,
revelando uma proposta conteudista, pragmática, não
problematizadora. Notamos as divergências entre Paulo
Freire – citado como referência pelo programa – e a prática
das teleaulas.
Percebeu-se na primeira etapa do projeto que apesar
dos avanços em tecnologias e métodos de ensino, o
Telecurso manteve em suas teleaulas as características da
escola tradicional. Nesse aspecto, o protagonista do
conhecimento não é o estudante, mas a própria teleaula,
que em uma autorreferência a instituição que produz esse
recurso didático (Rede Globo de Televisão) compromete a
proposta educacional, em detrimento dos aspectos
comerciais desse “produto”.
É importante citar que os recursos audiovisuais
disponíveis são fonte de inesgotáveis possibilidades e
representam uma forma atrativa de aprendizagem desde
que trabalhados de forma aberta, possibilitando o
desenvolvimento da autonomia – aspecto primordial do
EaD.
Esses primeiros levantamentos foram importantes
para estabelecer um diagnóstico inicial do Telecurso e
11
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|83


quais as suas implicações pedagógicas. A partir disso,
novas problematizações podem ser feitas, além de partir
para uma nova abordagem: como a sociedade se apropria
desse produto?

Os produtos midiáticos, a recepção e a resposta


social
O sistema de resposta social proposto por José Luiz
Braga cabe perfeitamente na presente proposta, pois o
autor se debruça sobre a análise de diversos processos
midiáticos, não se baseando somente nos subsistemas de
produção e recepção, mas observa o processo de
comunicação buscando superar a sua tradicional descrição.
O autor apresenta “um dualismo entre mídia e sociedade”
(BRAGA, 2006, p.22) gerando assim um sistema de
atividades de resposta que emerge através da interação da
sociedade e o produto midiático e, ao invés de fortalecer a
ideia de dualismo torna possível o entendimento de que a
sociedade age como produtora de forma igualitária com os
meios de comunicação e seus produtos.
O autor destaca que este sistema de interação possui
uma circulação diferida e difusa onde “os sentidos
midiaticamente produzidos chegam à sociedade e passam a
circular nesta, entre outras pessoas, grupos e instituições,
impregnando e parcialmente direcionando a cultura. “Se
não circulassem não estariam na cultura” (2006, p.27), ou
seja, este processo se dá principalmente pelo auxílio da
mídia em transmitir e/ou informar o público acerca do
produto pretendido, no entanto deve-se perceber que a
resposta da sociedade ante a mídia só aparece após a
circulação da informação, sendo assim, um processo
dinâmico.
Braga destaca que os “processos sociais variados
são moldados por um mesmo padrão cultural de hábitos,
tendências e lógicas, e por objetivos comuns, ainda que
não conscientemente pré-negociados” (2006, p. 31). Com
isso percebe-se um sistema complexo, de certa forma, pois
baseia-se em vínculos históricos e sociais que foram sendo
construídos onde a resposta perpassa por toda experiência
do conjunto visado.
Pode-se destacar que, perante a mídia, a sociedade
se organiza e,mesmo sem a intensão ou conhecimentodo
sistema de resposta social, ela desenvolve dispositivos
sociais dos mais diversos modos “que dão consistência,
perfil e continuidade a determinados modos de tratamento,
disponibilizando e fazendo circular estes modos no
contexto social” (p.13). Com isso, o processo interativo do

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|84


sujeito com o produto circula de forma que o retoma e
concebe outros olhares e interpretações sobre o material
midiático.
No que se trata da crítica da sociedade sob a mídia
Braga destaca que,
As críticas sobre os produtos midiáticos e os
dispositivos sociais são os elementos mais visíveis dos
processos de circulação, assim como “produtos e
programas” são a face visível dos processos de produção,
e os usos concretos (escolhas, zapping, “leitura”,
“audiência”, acolhimento, resistência, fruição, “edição”...)
são a face mais visível dos processos de recebimento.
(BRAGA, 2006, p.37).

Por meio disso, pode-se destacar que ao examinar


como esses processos acontecem perceber-se-á as “reações
sociais sobre os processos midiáticos” (p.37), facilitando a
compreensão desse sistema interacionista entre sociedade e
mídia.
Na compreensão desse processo é possível fazer as
devidas relações com o a intensão deste artigo que busca
averiguar qual é a resposta da sociedade frente ao
programa Telecurso que é o objeto deste estudo, e para
isso retoma-se o pensamento de José Luiz Braga de que o
interesse nesse trabalho se baseia nos “dispositivos
voltados para as ações [...] de crítica, de retorno, de
estímulos de aprendizagem, de controle social da mídia e
de interpretação proativa” (p. 42), embora seja
imprescindível a análise do processo em sua totalidade,
pois através desses meios que a sociedade transparece a
sua criticidade.
É por intermédio da análise das respostas obtidas
mediante a metodologia utilizada para atender a objetivo
deste trabalho, um questionário online destinado a pessoas
envolvidas com a educação, é que compreender-se-á qual é
a reação social que o referido programa educativo exerce
levando em consideração todos os aspectos de sua
composição que busca desenvolver nos educandos a
criticidade e a autonomia, como referido anteriormente.
Se faz necessário destacar a necessidade de
aprofundar-se no conhecimento do produto midiático antes
de apropriar-se dele para fins educativos. E, independente
da área do conhecimento, já que o Telecurso abarca as
diversas áreas, se torna imprescindível que o educador
esteja munido de conhecimento empírico adjacente às
teorias atuais referentes ao devido campo de estudo.
Essa tarefa exige empenho e o que Braga considera
como “trabalho crítico” de sociedade sob os diversificados
processos midiáticos, principalmente no que tange aos
relacionados à educação, deve também fazer parte do
profissionalismo do educador, visto a fragilidade que pode
ser apresentada em programas ditos educativos que, ao

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|85


invés de corroborar com o processo de ensino, pode muitas
vezes vir a reiterar pensamentos que não cabem a nossa
sociedade que baseia-se principalmente na democracia, na
tentativa e erradicação do preconceito presente em
diferentes áreas sociais.

A resposta social ante o telecurso


Para estabelecer a relação entre o programa
Telecurso e os futuros docentes, optou-se pela utilização
de um questionário digital, acreditando que desta forma
seria possível alcançar um maior número de respostas.
Ressalta-se que, desta maneira, o entrevistado não fica
pressionado a responder conforme as expectativas do
grupo de pesquisa,tornando a participação mais cômoda;
não foi exercida qualquer influência sob os entrevistados
sendo que o necessário foi explicado através de um e-mail
contendo o objetivo da pesquisa e o endereço para acesso
ao questionário. As respostas foram recolhidas de forma
anônima, entre o período de 10 de setembro à 30 do
mesmo mês, no ano de 2015.
Para o desenvolvimento do questionário foi
utilizada a ferramenta para criação de formulários do
Google, denominada Google Forms e nesta plataforma
todoindivíduo poderá criar questionários, pesquisas,
votações sem qualquer tipo de custo onde a formatação
inicial pode ser derivada do Drive Google ou de outra
planilha disponível em um computador, sendo que esses
dados ficam disponíveis ao acesso e modificação em
qualquer dispositivo que suporte a plataforma; os
resultados também podem ser visualizados em qualquer
tipo de aparelho. A formulação das questões assim como
toda e qualquer alteração é de inteira responsabilidade do
autor, sendo que a ordem ou natureza das perguntas - que
também podem ser apresentadas em forma de vídeo, links
para outros sites ou textos mais complexos- e também o
desingda página é de responsabilidade do pesquisador,
abrindo assim um leque a perguntas e respostas mais
amplas. Existe a possibilidade infinita na elaboração deste
tipo de questionário, onde a resposta pode se apresentar de
maneira objetiva ou descritiva, cabendo ao pesquisador a
colocação adequada do questionário.Destaca-se que até
mesmo o desing pode influenciar na pesquisa, já que o
padrão de letras e cores também pode ser modificado
mostrando,inclusive, a opção de ser acrescido um plano de
fundo que coopere com o objetivo e público que é
buscado. O autor também é o responsável por escolher

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|86


quem irá responder os questionamentos e o mesmo poderá
redefinir suas escolhas a qualquer momento além de
visualizar os resultados parciais de sua pesquisa em uma
tabelaassim como visualizar previamente os gráficos
gerados. Ao termino da pesquisa deve ser encerrado o
recebimento das respostas para que assim os resultados
possam sem obtidos.
O questionário desenvolvido para os fins deste
trabalho se propõe a alcançar o maior público possível
entre os graduandos do curso de Licenciatura em História e
os mestrandos do Programa de Pós-Graduação no Ensino
de História da Universidade de Caxias do Sul. Logo, não
se limitou apenas a docentes formados ou atuantes assim
como não havia a necessidade de ter um conhecimento
aprofundado sobre o Telecurso. A expectativa era
tendenciosa, pois se acreditava piamente que grande parte
do grupo entrevistado iria corresponder as aspirações do
grupo de pesquisa acerca do programa, felizmente foi
possível contar com a colaboração de alguns estudantes
para formarem o grupo a ser questionado.
Ao se discutir acerca do Sistema de Resposta Social
foi decidido tomar os futuros professores como base para
os estudos, pois acredita-se que estas pessoas que em breve
estarão trabalhando em sala de aula, são as mais aptas ao
questionamento. Estes, ainda estão em plena construção do
conhecimento, avaliando novas técnicas e métodos para
utilizar na educação e, nesse contexto, o Telecurso não
deixa de ser uma ferramenta que se encontra disponível em
rede, ao alcance de todos podendo ser utilizado, inclusive,
pelo professor para complementação ou infelizmente para
transmissão de conhecimento sem a devida crítica. A
opinião do público em geral a qual o programa é destinado
também seria interessante, entretanto, neste momento este
tipo de análise não se fez propícia, portanto, acredita-se
que com as respostas obtidasé possível estabelecer um
paralelo com o que foi discutido no grupo de pesquisa.
O questionário foi dividido em duas partes, onde a
primeira buscatraçar o perfil do público através de
perguntas com caráter pessoal, pontuando acerca da
formação, faixa etária e atuação do entrevistado; a segunda
tornou o Telecurso como ponto chave, lembrando que
nenhuma das questões obrigava resposta, logo, o
entrevistado não seria coagido a responder algo em que
não estava seguro. A coleta de dados demonstra que o
público foi mais responsivo as perguntas de caráter
pessoal, onde não houve abstenções, já nas que envolviam
o Telecurso não se obteve o mesmo resultado.
O primeiro questionamento envolveu a faixa etária
dos participantes demonstrou o esperado (gráfico 01).

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Gráfico 01

Observa-se na leitura do gráfico que a média de


idade do grupo se manteve abaixo dos 40 anos, ou seja, a
maioria do público ainda é jovem e está em busca
deconhecimento e aprimoramento profissional para que as
emergências da educação venham a ser sanadas.
Nas questões representadas nos gráficos abaixo,
procuramos averiguar se o público entrevistado já tinha
formação em História, visto que alguns são alunos do
mestrado, se atua em sala de aula assim como o público a
que o profissional se dedica.

Gráfico 2 Gráfico 3

Gráfico 4

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Destaca-se, mediante o gráfico 2, queapenas 13%
dos participantes já são licenciados, entretanto este
percentual do grupo ainda não atua em sala de aula; o
grupo que está prestes a se formar é composto por 40% do
público. Tomando esses dados como base e analisando de
forma mais específica as respostas obtidas é possível
perceber que, deste montante representado no gráfico, 26%
atuam no Ensino Fundamental, ou seja, boa parte já possui
experiência no ensino e dos 47% que ainda estão em
apenas é atuante. No gráfico 3 visualiza-se de forma geral
que 33% dos participantes já estão atuando no ensino,
generalizando as especificações anteriores, destes, 80%,
atuam no Ensino Fundamental e 20% no Ensino Médio.
Dos que exercem a profissão de educador, atuam por um
período inferior a cinco anos e neste caso, parte do
objetivo deste trabalho foi alcançado visto que se pretendia
saber a relação entre o professor de História, o Telecurso e
seu reflexo na educação. Como o público da pesquisa
foiconstituído por alunos da UCS e grande parte ainda em
formação, se supunha que muitos ainda não tinhama
experiência em sala de aula, contrariando as respostas
obtidas.
Seguindo para as questões que envolviam o
programa Telecurso, se questionou sobre o conhecimento
ou não do referido programa.

Gráfico 5

Conforme o gráfico acima, se obteve resposta


positiva de 73% dos entrevistados, sendo que boa parte
também forneceu contribuições de forma descritiva acerca
das características do programa, se destaca ideias como:
“os vídeos do Telecurso são bem didáticos...” e
“elucidativo, intuitivo e de linguagem simples, para
pessoas que estão retomando os estudos, ou precisam do
conteúdo de forma mais concisa”. Entretanto também foi
observado algumas considerações negativas quanto ao
programa, dois quais se destaca o que refere que o

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|89


programa se “detém aos fatos, sem uma análise mais
aprofundada...”. Este foi comentário, que compôs uma
minoria, foi ao encontro dos resultados iniciais do projeto
de pesquisa que considera o programa, de certa forma,
defasado, positivista e não capacitado para despertar a
criticidade e a autonomia dos educandos.
Ao questionar sobre a validade do material para uso
em sala de aula, obtivemos o seguinte resultado, conforme
gráfico 6:

Gráfico 6

Nota-se que 69% do público considera este material


útil para ser utilizado em sala de aula e levando em conta
que deste percentual, 55% atuam no ensino, subtende-se
que os mesmos utilizam as teleaulas como recurso
metodológico. Duas questões pontuais sucederam a
questão anterior e se expressam a seguir:

Gráfico 7 Gráfico 8

Nos gráficos 7 e 8, se percebe uma igualdade de


respostas ao questionar se o material é válido como
referência para o professor e para o aluno, obtendo a
mesma porcentagem como vê-se nos dois gráficos. Do
total dos participantes, 62% compreendem as respostas
positivas. Esse resultado foi, de certa forma,

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|90


surpreendente, pois se entende que o material, apesar das
considerações do grupo de pesquisa, pode até ser utilizado
em sala de aula, mas com a intervenção do educador que
deve fazer as devidas críticas ao material e apontando as
devidas correções e fazendo as complementações
necessárias. Porém, como pensar que o material pode ser
referência para o professor? Seria intrigante saber que o
mesmo se baseia das teleaulas do Telecurso para
desenvolver suas aulas. Aqui percebe-se que é necessário
um aprendizado mais aprofundado sobre sua área e sobre o
material, assim como capacidade de buscar conhecimento
teórico e histórico recente. A questão seguinte torna-se
confortante com o questionamento de que se o participante
acha que é possível uma teleaula dar conta sozinha da
construção do conhecimento dos alunos.

Gráfico 9

Apesar de, nos gráficos anteriores boa parte


acreditar que o material pode servir de referência para o
professor e para o aluno, no gráfico representado acima se
visualiza que apenas 7% dos entrevistados concorda que
uma teleaula é capaz de dar conta de ensinar ao aluno tudo
o que é necessário ao seu aprendizado, é quase unânime a
necessidade de outros materiais e metodologias;é possível
observar que o vídeo pode ser utilizado para caracterizar
um período ou situação, mas as devidas explicações devem
ser empregadas pelo professor, elucidando as carências no
que é apresentado, devendo também atentar para que o
aluno possa pensar e criticar o programa, tornando esta
experiência mais proveitosa.
Ao se pensar a profissão de professor, o grupo
entrevistado levantou alguns pontos positivos e negativos
das teleaulas, que de forma descritiva uns apontam o
material apenas como suporte e ilustração da temática a ser
trabalhada, como ideal “...para fins de ilustrações de certos
temas e introdução de conteúdos didáticos...” e “pois é um
vídeo e ilustra bem as aulas e é sucinto sobre o assunto...”,

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|91


entretanto outros vão mais longe e até sugerem a utilização
dos vídeos,pois “Facilita na exposição de exemplos
práticos utilizando recursos audiovisuais como auxilio na
mobilização para início das reflexões sobre determinado
tema” e alguns ressaltam que apenas a teleaula não é
suficiente quando descrevem que “podemos mostrar
perspectivas e visões do tema que está sendo trabalhado,
não ficando só na teleaula”, outro relato expressa a
possibilidade de que as teleaulas possam trazer “monotonia
e dissipação da atenção da sala”, mostrando com isso que a
utilização como exemplo é vista como aceitável, porém
com restrições.
Entende-se que, quanto aos pontos negativos, 40%
dos entrevistados percebem que a análise de conteúdo não
se intensifica com os vídeos, a criticidade é posta de lado e
o espaço para o questionamento de uma teleaula é nulo. A
falta de interação com o professor também foi apontada em
29% das respostas mesmo sendo o professor peça chave
para educação. Também foi possível perceber a ausência
de outras perspectivas históricas acerca do conteúdo, já
que hoje não é possível aceitar a história vista de uma
única perspectiva.
Como último questionamento, foi solicitado que o
grupo respondesse qual seria o recurso ideal para auxiliar o
professor se somando àsteleaulas.

Gráfico 10

Do montante das respostas obtidas preferiu-se a


utilização de textos didáticos sendo apontado por 67% dos
entrevistados, 6% acresceriam vídeos, 7% imagens e 20%
outros recursos. Podemos relacionar a preferência por
textos de apoio à formação acadêmica, visto que a
construção do conhecimento na área de História se baseia,
principalmente na leitura de textos. Porém não se pode
esquecer dos outros recursos visuais supracitados que são
fundamentais para o aprendizado dos educandos visto que
estes se encontram em pleno desenvolvimento.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|92


Dessa forma, acreditando que foi possível conhecer
a resposta social por meio dos questionamentos
realizadosfrente ao programa Telecurso, se percebeu que
ainda pouco é sabido sobre os processos midiáticos e a
capacidade de influência que os mesmos podem ter sobre
os indivíduos por meio dos modos de endereçamento que
os produtos audiovisuais se apropriam. Quando se trata de
educação a situação torna-se mais complicada, visto que os
programas disponíveis, principalmente no que tange ao
Ensino à Distância (EaD) estão, de certa forma, carregados
de ideologias e propósitos que podem interferir
significativamente na formação do educando que
reproduzirá o seu aprendizado na sociedade onde vive.

Considerações finais
Os resultados iniciais, obtidos pelo grupo de
Pesquisa do Projeto Conectividade, que tem como objetivo
a análise das teleaulas de ensino de História do Telecurso,
se observou que o devido programa não corresponde com
suas próprias aspirações quanto expõe que o
desenvolvimento das teleaulas se baseiam nas ideias de
pensadores renomados como Jean Piaget, CélestinFreinet,
Dom Helder Câmara e Paulo Freire. Logo, se entende que
a criticidade e a autonomia do educando não são instigadas
durante as teleaulas, que se apresentam apenas como
reprodução de acontecimentos e não geram a interação
entre aluno e professor. Um ponto a ser destacado da
análise realizada é a capacidade que programa tem de
reproduzir, inclusive, discursos dominantes que
compreendem a discriminação, contribuindo para a
marginalização de alguns grupos étnicos como, por
exemplo, os indígenas, os negros e os muçulmanos.
Mediante essa situação sentiu-se a necessidade de
averiguar de que forma as teleaulas podiam alcançar o
processo de ensino e qual o tratamento dado ao referido
programa. Neste momento, uma análise teórica sobre o
sistema de resposta social foi realizada para que fosse
possível compreender a relação entre professor e Telecurso
com mais clareza. Sabendo também que o programa é uma
possibilidade de EaD, em outro momento procurar-se-á
analisar a resposta social abrangendo o público que se
utiliza deste recurso para conclusão do Ensino
Fundamental e Médio, até mesmo para realização de
cursos técnicos.
Para alcançar o objetivo deste trabalho, pensou-se
na realização do questionário online para que, por meio

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|93


das respostas obtidas, fosse possível a compreensão da
repercussão da utilização do programa em questão na sala
de aula e o que o professor pensa sobre o produto.Sendo
assim, o questionário realizado se apresentou com 14
questões objetivas e dissertativas onde as respostas foram
expressadas em forma de gráficos para melhor
visualização. Desta etapa realizada é possível concluir que
a maioria do público entrevistado é jovem, entre 21 e 30
anos e se encontra ainda em fase de formação acadêmica,
mas boa parte já atua em sala de aula. Percebe-se que
muitos conhecem o programa Telecurso e consideram
válido como recurso para ser utilizado em sala de aula e
como referencial para professor e aluno.
Esse quadro exposto torna-se preocupante visto a
fragilidade encontrada no desenvolvimento das teleaulas
que, inclusive, encontram-se desatualizadas há anos e que
se reproduzem muitas vezes como única ferramenta para
construção do conhecimento do aluno. Se faz necessário
esclarecer que o objetivo do grupo de pesquisa não é
erradicar a utilização deste recurso, mas alertar sobre os
prós e contras observados no programa, assim como levar
os leitores a buscar conhecimento relacionando aos
processos midiáticos e suas pretensões e ideologias e
também induzir ao público a manifestações referentes a
atualização do programa Telecurso.
É preciso destacar ainda que, se o educador optar
por utilizá-lo, o mesmo deve procurar fazer as
complementações e críticas necessárias, pois é visto que o
programa per si não é capaz de abarcar com todas as
necessidades relacionadas com o aprendizado do aluno e
fazer com que este desenvolva a criticidade e a autonomia
ante o conteúdo estudado. Para isso, cabe a mediação do
professor que precisa mediar o processo de ensino e
aprendizado.
Espera-se que este trabalho que compreende o
Projeto de Pesquisa Conectividade, assim como os
anteriores já realizados, sirva de apoio para todos aqueles
que buscam conhecer os processos midiáticos relacionados
com a educação, principalmente ao que tange aos recursos
metodológicos que podem vir a contribuir ou não para a
construção do conhecimento do aluno em sala de aula.
Também se instiga os leitores a analisar o processo de
EaD, buscando perceber as vantagens e desvantagens que
o envolvem, como qualquer processo de ensino, e de que
forma esse processo interfere na educação, no caso deste
trabalho, tratamos especificamente do programa Telecurso
na área de História.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|94


Referências Bibliográficas
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DUARTE, Elizabeth Bastos. Televisão: ensaios


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ELLSWORTH, Elizabeth. Modos de


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FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de


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JENKIS, Keith. A história repensada. Keith


Jenkins, tradução de Mario Vilela, 3. Ed, 2ª reimpressão –
São Paulo: Contexto, 2009.

MAIA, Carmen; MATTAR, João. ABC da EaD.


São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2007.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|95


Os conceitos e a mediação no processo ensino e
aprendizagem em história
Por Aristeu Castilhos da Rocha¹

Resumo Abstract
O presente texto aborda a potencialidade dos This paper discusses the potential of concepts
conceitos no ensino de História. Trata-se de in teaching history. It is a qualitative research
uma pesquisa de cunho qualitativo construída built from a bibliographical research,
a partir de uma investigação bibliográfica, observation form and collecting suggestions
ficha de observação e coleta de sugestões for the experiences. The same consists of brief
durante as vivências. O mesmo é constituído theoretical reflections, discussions about its
por breves reflexões teóricas, discussões a application in teaching and closing remarks.
respeito da sua aplicação no ensino e With its publication we hope to draw attention
considerações finais. Com sua publicação to their relevance and raise the production of
esperamos chamar atenção de sua pertinência new studies.
e suscitar a produção de novos estudos.
Keywords: Concept, History, Mediation, Teaching and Learning.
Palavras-chave:Conceito, História, Mediação, Ensino e Aprendizagem.

1
Doutor em História (PUCRS); Docente, pesquisador, coordenador do NEABI (Núcleo de Estudos Afro -brasileiros e Indígenas) do Instituto Federal
Farroupilha Campus Júlio de Castilhos; Docente do PPG Mestrado Profissional em Ensino de História, da Universidade Federal de Santa Maria –
UFSM. aristeu.rocha@iffarroupilha.edu.br

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|96


Introdução
O mundo contemporâneo, principalmente, quando
nos referimos as últimas décadas do século XX e
princípios do XXI é marcado por profundas mudanças
políticas, sociais, econômicas bem como por avanços
científicos e tecnológicos. Por outro lado questões
essenciais, com urgência, precisam ser equacionadas
como: a preservação do meio ambiente, o desenvolvimento
sustentável e o reconhecimento dos direitos das minorias
sociais. O mesmo ainda pode ser caracterizado pela
multicidade étnica, intolerância, fanatismo religioso,
xenofobismo, etc.
Toda essa gama de mudanças causou enormes
inquietações, perplexidades e dúvidas entre os
pesquisadores, professores e alunos. Nesse sentido, o
processo histórico-educativo torna-se complexo e
desafiador, assim como a sociedade, a cultura e o
conhecimento. Esse é um momento de convergência de
objetivos, renovação de valores, planejamento de ações
eficientes e duradouras. Trata-se, na verdade, da
“redescoberta” do humano, cidadão e do mundo. Esse
novo olhar é possível através de uma educação conectada
com o nosso tempo e alicerçada, a partir, de novas práticas
culturais. Nesse sentido aliamos o nosso pensamento ao
entendimento de Zamboni (2011, p. 191) ao se referir que
a escola moderna está
Associada às circunstâncias sociopolíticas,
culturais e econômicas da sociedade em que está inserida
e como filha de seu tempo, evidencia, na sua história os
processos históricos inseridos nas propostas de mudanças,
os conflitos de interesses as resistências existentes nas
propostas das políticas públicas, nos embates entre a
população e os gestores públicos nacionais e
internacionais.

Na realidade a sociedade atual está a nos cobrar


uma educação capaz de dar conta das exigências desse
novo tempo. Precisamos refletir sobre o sentido de nosso
papel e tomamos emprestado uma significativa passagem
de Martín (2007, p. 71) ao se referir ao “historiador”
Docente como uma espécie de orquestrador
epistemológico, cujo papel social fosse radicalmente
distinto do aspecto legislativo e autoritário herdado da
culturalmente envolvente modernidade. Suas atitudes e
práticas se destinariam a formar os alunos no pluralismo
epistemológico e a partir de um debate coletivo e
dialogado sobre os fins da história em uma sociedade
dessacralizada e plural.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|97


As nossas leituras, vivências e contato com
crianças, jovens e docentes nos permitem apostar no
significado da construção/reconstrução dos conceitos como
importante fio condutor para a aprendizagem em História.
E como ressalta Pereira et. al. (2014, P. 162) a entrada dos
conceitos é
Triunfal, flamejante e sempre produtora de
aprendizagens novas, pois o conceito é criação, não
apenas definição, mas armadura. O instrumental estoico
para a vida. Os conceitos tornam-se instrumentos da
própria vida, para um movimento de expressão da vida.

A partir de uma investigação bibliográfica,


observações e sugestões recolhidas durante as práticas é
que nos desafiamos ao exercício da escrita do presente
artigo.

Desenvolvimento
A História é uma ciência dinâmica que tem uma
enorme potencialidade em saberes e conceitos importantes
na construção do conhecimento. Nesse sentido é
importante trazer para esse texto o que defende Baldissera
(2002, p. 83)
O fato de que o conhecimento é uma construção é
ressalvada pela ideia central da teoria de Piaget (1983)
quando é afirmado que o conhecimento não é cópia da
realidade. Ele é um produto de uma interação entre a
realidade e o indivíduo. A construção do conhecimento
acontece na medida em que o sujeito interatua com a
realidade.

Passamos, a seguir, a empreender algumas reflexões


sobre os mesmos. De acordo com Pinsky/Pinsky (2003), os
estudos históricos assumem, nos tempos atuais, uma
enorme importância e um comprometimento no dizer de
Bezerra (2003), com a compreensão dos sujeitos históricos
e suas relações no espaço e no tempo. Não podemos nos
esquecer de que tudo ocorre no entendimento de Theodoro
(2003), em meio e/ou com o próprio conceito de
“mudança”.
Na atualidade, acontece a difusão de novas
tecnologias, questiona-se a eficácia educativa dos livros, o
papel do professor enquanto mediador do ensino e os
projetos e/ou propostas de ensino articulados às realidades
local, regional e nacional. Para que estes desafios sejam
superados, torna-se necessário que os professores

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|98


organizem ações pedagógicas capazes de superar as
diversidades que se surgem no nosso cotidiano. A
interatividade assinalada no trabalho docente deverá
emergir de acordo com Freire (2011, p.30) do viés que
“não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino.”
Percebemos que é evidente, a essencialidade das
investigações; o conhecimento da realidade, seus valores,
desejos e necessidades; o desenvolvimento de capacidades,
hábitos, atitudes sociais, científicas e democráticas, bem
como, a construção criativa, autônoma, interdisciplinar e
contextualizada do conhecimento.
Nessa perspectiva, os estudos históricos assumem
um enorme significado, para Pinsky/Pinsky (2003, p. 24)
Compromisso com o passado não significa
estudar o passado pelo passado, apaixonar-se pelo objeto
de pesquisa por ser a nossa pesquisa, sem pensar no que a
humanidade pode ser beneficiada com isso. Compromisso
com o passado é pesquisar com seriedade, basear-se nos
fatos históricos, não distorcer o acontecido, como se esse
fosse uma massa amorfa à disposição da fantasia de seu
manipulador. Sem o respeito ao acontecido a história vira
ficção. Interpretar não pode ser confundido com inventar.
E isso vale tanto para os fatos como para os processos.

As diferentes abordagens históricas e a


problematização da realidade abrem novos horizontes para
que o aluno possa vencer os desafios que surgirem na vida
contemporânea. Nesse sentido, o processo ensino-
aprendizagem deve acompanhar os avanços e inovações da
sociedade, como Theodoro (2003, p. 49), diz
Tudo muda, a cada momento, no mundo
contemporâneo. Portanto, o conceito com o qual
precisamos trabalhar, atualmente, com muita
desenvoltura, é o de “mudança”. Muitos pensam que a
comunicação e a tecnologia são a pedra de toque da
sociedade contemporânea. Eu diria que ambas são partes
de um profundo processo de transformação. Os avanços
tecnológicos foram constantes na história da humanidade.
As invenções do fogo, da cerâmica, da roda, do aqueduto,
do uso do vapor, etc. marcaram a vida de diferentes
civilizações, mas foram alterando os hábitos lentamente.

Para assegurar a presença do conceito de


“mudança” no processo interativo de ensinar e aprender, é
pertinente que tenhamos bem presentes as diretrizes, os
princípios pedagógicos, os critérios para a seleção dos
conteúdos/conceitos fundamentais e as estratégias
didáticas à prática social. Se esses diálogos e interações
ocorrerem, a escola básica estará, com certeza, cumprindo
um interessante papel de formar intelectual, afetiva e
socialmente o jovem, para viver em uma sociedade em
permanente mutação.
Para que essa mudança ocorra, é primordial a
contribuição do conhecimento histórico. Uma confirmação

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dessa posição vamos encontrar em Bezerra (2003, p. 42),
quando destaca que
O objetivo primeiro do conhecimento histórico é
a compreensão dos sujeitos históricos, o desvendamento
das relações que se estabelecem entre grupos humanos em
diferentes tempos e espaços. Os historiadores estão
atentos às diferentes e múltiplas possibilidades e
alternativas apresentadas nas sociedades, tanto nas de
hoje, quanto nas do passado, que emergiam da ação
consciente ou inconsciente dos homens; procuram apontar
para os desdobramentos que se impuseram com o
desenrolar das ações desses sujeitos.

Na contemporaneidade as reflexões teóricas e as


metodologias apontam algumas questões sobre o ensino de
História. Nessa realidade a aula de História de acordo com
Pereira e Torelly (2015, p. 93) “é um misto. Um lugar de
regras de convivência, de leis, leituras, de matérias
formadas e de historicidades, enfim, de sentido; um não
lugar de nonsense, de aventuras inimagináveis, de buracos
e de bifurcações ou seja de experiências.” Em meio a
indagações traçamos um ponto de ligação desse
movimento com o pensamento de Nadai (1993, p.143-162)
quando já apontava perspectivas para o ensino de História,
afirmando que era importante avalizar que “ensinar
história é também ensinar o seu método e, portanto, aceitar
a ideia de que o conteúdo não pode ser tratado de forma
isolada. Devesse menos ensinar quantidades e mais ensinar
a pensar historicamente”. Depois de feitas algumas
considerações a esse respeito, optamos, nesse momento,
por um dos blocos de questões: os conceitos. Para
tecermos algumas considerações metodológicas sobre o
conceito é vital o legado dos teóricos.
Os conceitos precisam ser entendidos em seu
contexto histórico. Na realidade os mesmos guardam
especificidades típicas de seu tempo. Nesse sentido
compartilhamos das ideias de Bittencourt (2004), quando a
mesma diz: “a serem apreendidos no processo de
escolarização têm conotações próprias da formação
intelectual e valorativa”. O estabelecimento de diálogos
entre as ideias de Mendonça (1983), Carretero (1997), Coll
(2000), Bezerra (2003) e Bittencourt (2004) permite a
compreensão de que os conceitos inserem-se em um
contexto espaço-temporal. Os mesmos destacam-se pela
sua especificidade, relevância e influências históricas e
culturais. Quando se refere à conceitos, Mendonça (1983,
p. 17), explica
Os conceitos são construções lógicas,
estabelecidas de acordo com um quadro de referências.
Adquirem seu significado dentro do esquema de
pensamento no qual são colocados. Cada um usa seus
próprios conceitos para a comunicação de seus

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conhecimentos. Ao sistema teórico de uma ciência
podemo-nos referir como um sistema conceptual. Através
de um dispositivo conceitual, procura-se representar o
fenômeno ou aspectos do fenômeno que ocorrem no
mundo real, uma representação resumida de um conjunto
de fatos. É o processo de conceituação. Sua função é
refletir, através dos conceitos, o que ocorre no mundo dos
fenômenos existenciais e simplificar o pensamento, ao
dispor alguns acontecimentos sob o mesmo título geral.

Na realidade, o conceito12 é uma palavra que


expressa uma abstração e traz um significado. O processo
ensino-aprendizagem deve ter como ponto de partida os
conhecimentos prévios que os alunos trazem de casa. Ao
fomentar essas atividades, a abordagem de conceitos torna-
se interessante para que o aluno possa, a partir da busca e
indagação, compreender o fenômeno observado,
interpretar o problema, bem como estabelecer vínculos
entre os diferentes conteúdos do currículo. Nessa
perspectiva, é pertinente a contribuição de Coll (2000, p.
23), quando diz:
A aquisição de conceitos baseia-se na
aprendizagem significativa, que requer uma atitude ou
orientação mais ativa com respeito à própria
aprendizagem, na qual o aluno deve ter mais autonomia na
definição de seus objetivos, suas atividades e seus fins. O
aluno orientado a reproduzir dados e o aluno que se
esforça de maneira sistemática para compreender e dar
sentido à informação diferem provavelmente em muitos
outros aspectos, quando enfrentam tarefas de
aprendizagem/ensino.

É preciso registrar que os conceitos tornam-se


distintos conforme a sua escala de compreensão e
realidade sócio-histórica. Ao se referir aos mesmos,
Carretero (1997, p. 34-36), destaca
• os conceitos históricos apresentam
características que precisam ser levadas em consideração,
tanto como possível fonte de explicação para as
dificuldades que os alunos têm para sua compreensão
como para planejar estratégias didáticas que facilitem o
aprendizado do aluno;
• os conceitos são “mutantes”. A
dimensão temporal afeta a compreensão dos conceitos
históricos;
• entender muitos conceitos históricos
exige conhecer e assimilar o contexto no qual surgem ou
adquirem relevância;
• os conceitos históricos possuem uma
grande influência cultural.

Ao estabelecer um diálogo entre as ideias de


Mendonça, Coll, Carretero e Bezerra, salientamos que os
conceitos inserem-se em uma contextualização espaço-

12
Sobre ver AZEVEDO, Antônio Carlos do Amaral. Dicionário de Nomes, Termos e Conceitos históricos. 3ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronte ira, 2006.

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temporal, que se distinguem pelas suas especificidades,
mutações, relevância e influências históricas e culturais.
Essas constatações levam-nos a recorrer, novamente, ao
apoio de Bezerra (2003, p. 46), quando nos subsidia
Os conceitos históricos somente podem ser
entendidos na sua historicidade. Isso quer dizer que os
conceitos criados para explicar certas realidades históricas
têm seu significado voltado para essas realidades, não
sendo possível empregá-las indistintamente para toda e
qualquer situação semelhante. Dessa forma, os conceitos,
quando tomados em sua acepção mais ampla, não podem
ser utilizados como modelos, mas apenas como
indicadores de expectativas analíticas. Ajudam-nos e
facilitam o trabalho a ser realizado no processo de
conhecimento, na indagação das fontes e na compreensão
de realidades históricas específicas.

Quando direcionamos o foco para o ensino e


aprendizagem de história torna-se comum a afirmação de
que a mesma ocorre através do domínio de conceitos,
relegando, para um segundo plano, as personagens e os
fatos ocorridos, provados pelos documentos, em um
espaço-tempo. Na busca de uma justificativa, é
fundamental associar os fatos a temas e sujeitos que o
produziram e os conceitos.
Nessa perspectiva, recorremos a Horn e Germinari
(2006, p. 83), quando defendem que uma coisa é partir de
Conceitos dados, fechados, desvinculados da
realidade e, portanto imutáveis, outra, é tomá-los com
ampla elasticidade e permitir que sejam alterados,
relativizados quando confrontados com as evidências. Os
conceitos teóricos, na medida em que vão surgindo no
diálogo com o objeto, não podem ser tomados de forma
estática, como estruturas válidas para todos os tempos.

Na realidade, as abordagens sobre conceitos


permitem diálogos com as evidências de seu tempo
histórico. Essa atitude passa a exigir permanentes
teorizações que vão viabilizar a revisão e/ou a
reconstrução conceitual. É nesse momento e como
afirmam Pereira e Torelly (2015, p. 92) “o que
pretendemos é que ao invés de apenar limitar o passado
pela leitura do presente e pela expectativa do futuro, o
ensino de História possa ser um lócus de exposição do
aluno diante de um passado que é ilimitado em
possibilidades de leitura e, sobretudo, de experiências.”
Conceitos e noções sistematizam os fatos, tornando
possível a sua compreensão. Na praticidade desses
procedimentos, o conhecimento histórico passa pela
mediação dos conceitos. As construções de conceitos
históricos para Zaslavsky (2015, p.33) “não estão apenas
vinculados ao conteúdo em si, mas à maneira como
conteúdos e conceitos são vividos pelos alunos”.

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A apreensão dos conceitos pelos alunos está
vinculada às teorias de aprendizagem, principalmente as de
Piaget (1975), e as de Vygotsky (1989), pesquisadores que
aprofundaram as suas investigações nos estágios de
desenvolvimento cognitivo e quanto ao problema de
formação de conceitos. A ênfase da teoria de Vygotsky
enfatiza a aquisição social dos conceitos e não se limita à
maturidade biológica. Segundo Vygotsky (1998, p. 104) “o
desenvolvimento dos conceitos ou dos significados das
palavras pressupõe o desenvolvimento de muitas funções
intelectuais: extensão deliberada, memória lógica,
abstração, capacidade para comparar e diferenciar”.
Ao realizar interessante estudo sobre aprendizagens
em História Bittencourt (2004, p. 187), por sua vez,
considera
Dimensões historicamente criadas e
culturalmente elaboradas no processo de desenvolvimento
das funções humanas superiores, notadamente a
capacidade de expressar e compartilhar com os outros
membros de seu grupo social todos as suas experiências e
emoções. A linguagem humana, sistema simbólico por
excelência que possibilita a mediação entre sujeito e
objeto do conhecimento, favorece o intercâmbio social e a
formação conceitual.

É natural que o desenvolvimento da aprendizagem


de conceitos esteja ligada a princípios epistemológicos, à
faixa etária dos alunos e a pressupostos teóricos da
psicologia cognitiva. Nessa construção, o aprofundamento
teórico desses aspectos, são alvos a serem perseguidos.
As leituras, investigações e análises revelam que os
historiadores deparam-se com conceitos e categorias. Em
suas atividades, selecionam os conceitos essenciais,
contextualizando-os e apropriando-se dos mesmos na
organização e sistematização de dados empíricos.
A história ensinada nas escolas utiliza noções e
conceitos em profusão que, muitas vezes, chegam a
designar os conteúdos programáticos e/ou passagens do
livro didático. Exemplo: Revolução Industrial, Revolução
Francesa, Constituição Brasileira de 1824, Independência
da América Espanhola e/ou Portuguesa, Estado Novo,
Regime Militar, etc13
Quando o foco de análise é direcionado para a
apreensão de conceitos históricos é imprescindível a
contribuição de Bittencourt (2004, p. 195-196) que
defende
O conhecimento histórico escolar comparado ao
historiográfico, produz-se por intermédio da aquisição de
conceitos, informações e – acrescenta o autor francês

13
Sobre ver SEFFNER, Fernando. Aprendizagens significativas em História: Critérios de construção para atividades em sala de aula. In: GIACOMONI,
Marcelo Paniz; PEREIRA, Nilton Mullet (org). Porto Alegre: Evangraf/UFRGS, 2013. P. 47-62.

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Henri Moniot – valores, especialmente os cívicos, que se
relacionam à formação da cidadania. As especificidades
dos conceitos históricos a serem apreendidos no processo
de escolarização têm conotações próprias da formação
intelectual e valorativa, e a precisa conceitual torna-se
fundamental para evitar deformações ideológicas.

Diante das breves reflexões compreendemos,


perfeitamente, o sentido do estudo dos conceitos no
processo dialógico de ensinar e aprender história. Nessa
perspectiva a aprendizagem histórica implica em
mudanças de estruturas e funciona como uma ferramenta
que segundo Rüsen (2010, p. 44)
Ao deixar de ser aprendida como uma mera
absorção de um bloco de conhecimentos positivos, e
surgir diretamente da elaboração de respostas e perguntas
que se façam ao acervo de conhecimentos acumulados, é
que poderá ela ser apropriada produtivamente pelo
aprendizado e se tornar fator de determinação cultural da
vida prática humana.

Por outro lado deverá ser capaz de nos conduzir


para além do processo cognitivo como continua Rüsen
(2010, p. 44) “ele é também determinado através de pontos
de vista emocionais, estéticos, normativos e de interesses”.
Os conceitos precisam ser entendidos no âmbito de
sua historicidade e como uma construção histórica, cultural
consciente e articulada a um processo histórico onde os
sujeitos sociais atuam individualmente ou no coletivo. No
entendimento de Pereira e Torelly (2015, p.93) eis “a
chave de criação de conceitos na aula de História; o
passado não é um conjunto de histórias contadas, mas uma
potência aberta à interpretação.” Para dinamização de uma
aprendizagem relevante, em todos os sentidos, é
fundamental o entrelaçamento entre os conceitos,
habilidades e as atividades didáticas. Essa relação pode ser
delineada de acordo com Vasconcellos (2002, p. 97) onde
o professor atua como mediador no processo de “síncrese-
análise-síntese” onde os alunos com ritmos diferentes têm
a oportunidade de mobilizar-se para criar, participar,
estabelecer diálogos, partilhas e assim trilhar o percurso
para elaboração da síntese.
As Orientações Curriculares para o Ensino Médio
(MEC, 2008, p. 65-97) além de significativas reflexões
teóricas, sugestões pedagógicas importantes apontam
conceitos importantes para o ensino de História a serem
objeto de investigação e abordagem tais como: “processo
histórico, tempo, sujeito histórico, trabalho, poder, cultura,
memória e cidadania”. Macedo (2009, p. 56), por sua vez,
confirma que “os conceitos são ferramentas
imprescindíveis para o fazer histórico na sala de aula. Por
intermédio, professores e alunos encontram meios para
sintetizar ideias, articular e reagrupar os dados inerentes à

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realidade social”. Ao se referir ao ensino de História
Macedo (2009, p. 54) continua e insiste que o mesmo
precisa “investir em ações didático-pedagógicas criativas,
dinâmicas, questionadoras e desafiadoras”.
É importante não perdermos de vista que o ensino
de História constitui-se em referencial para a sociedade,
espaço de diálogo e de educação para a cidadania. Por este
viés Guimarães (2013, p. 143) provoca que o ensino de
História tem como finalidade “preparar o aluno para a vida
democrática, permitir que os alunos possam
progressivamente conhecer a realidade, o processo de
construção de História e o papel de cada um como cidadão
no mundo contemporâneo”. Nessa incessante busca de
qualidade no ato de ensinar e aprender história os
conceitos podem protagonizar uma nova atitude
pedagógica onde a construção do conhecimento, de acordo
com Cerri (2011, p. 58) “é uma necessidade, se
almejarmos formar um pensamento autônomo, crítico e
criativo”.
Nas nossas práticas travamos muitos embates
pedagógicos e nos questionamos sobre até que ponto a
nossa mediação está surtindo efeito na aprendizagem. O
contexto social em que estamos inseridos deverá ser o
ponto de partida que irá balizar os diálogos com as fontes,
conteúdos e/ou conceitos e as estratégias didáticas como
alternativas para a construção criativa e interdisciplinar do
conhecimento. Toda essa interatividade perpassa a
abordagem dos conceitos. Nessa perspectiva
Pereira/Giacomoni (2013, p. 14-15) interrogam sobre
quando se aprende história afinal?
Não se trata simplesmente de definir conceitos,
mas de estar inserido num tempo no qual o conceito pode
ser criado. Logo, não se trata de o professor preocupar-se
em apresentar definições ou interpretações de conceitos ou
conhecimentos históricos, mas o de ensejar o lugar onde
os conceitos podem aparecer como criação. A
aprendizagem do conceito ultrapassa o nível de sua
definição e sua aprendizagem aponta para duas direções
do tempo: um tempo no qual o conceito ainda não é
formado, quando um encontro permite uma saída
extemporânea e faz um convite a um mergulho no fundo
do campo das singularidades pré-individuais, para dali
criar novas linhas, novos conceitos, novas atualizações.

As constantes indagações nos levam a pensar sobre


as múltiplas interpretações que tenham as modalidades de
ensinar e aprender história. Entretanto, ressaltamos a
importância da nossa abordagem para que esse processo
não fique limitado ao passado, a memória, o esquecimento
e que o tempo presente conquiste maior visibilidade além
de ser uma referência nas discussões. Nossa linha de
raciocínio buscamos respaldo em Seffner (2013, p. 30)
quando defende que uma “aprendizagem significativa”, em

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história começa quando efetua dois movimentos básicos:
“selecionar da realidade atual temas e questões relevantes
e buscar na história elementos para melhor compreendê-los
no acervo de experiências da história da humanidade”.
Dessa forma pensamos que para a efetivação de
aprendizagens significativas precisamos estar sintonizados
com o projeto político-pedagógico da escola; nos libertar
das amarras do livro didático mas não esquecendo que o
mesmo continua sendo um artefato culturalmente útil e
interessante se bem explorado; estabelecer relações com as
culturas que marcam o contexto; privilegiar a qualidade
em detrimento da quantidade nas abordagens; rever
valores; propor estratégias onde o aluno seja o
protagonista; ampliar os diálogos sobre identidade,
diferenças, pluralidade cultural; acentuar a formação
cidadã; prever alternativas e desdobramentos, enfim, pois
uma das tarefas da aula de História como alerta Seffner
(2013, p. 32) é a de possibilitar que o aluno se
Interrogue sobre sua própria historicidade,
inserida aí sua estrutura familiar, a sociedade ao qual
pertence, o país, o estado, etc. podemos afirmar que a
aprendizagem mais significativa produzida pelo ensino de
História, na escola, é fazer com que o aluno se capacite a
realizar uma reflexão de natureza histórica acerca de si e
do mundo que o rodeia.

Em um mundo, cada vez mais, globalizado e em


que se fala em sociedade do conhecimento precisamos
pensar que o conteúdo pode ser um tanto reducionista
enquanto os conceitos são amplos, pertinentes e
desafiadores. Uma relação dialética passado-presente e
inserida no mundo contemporâneo pode contribuir,
significativamente para a aprendizagem histórica.
Essa prerrogativa na construção do processo ensino-
aprendizagem no pensar de Carmo (2011, p. 315) ocorre
A partir das relações sociais de um grupo de
sujeitos, considerar o leque de conhecimento e de
experiências trazidas pelo indivíduo é acreditar num
processo emancipatório de educação, no qual o estudante
encontra autonomia para pensar, agir e construir sua
identidade no tempo.

Essas ideias vão convergir com uma passagem dos


estudos feitos por Meinerz (2010, p. 209) quando se refere
que as aulas de História
Devem proporcionar ao sujeito o estímulo à
reflexão de natureza histórica, através do exercício, nos
limites da produção do conhecimento escolar, das teorias e
metodologias próprias dessa área. Isto exige a
incorporação de uma reflexão de natureza pedagógica
sobre a relação que se estabelece com o saber e com os
sujeitos sociais. A escola ainda pode ser o espaço da

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possibilidade de praticar novas maneiras de fazer a
história.

É interessante chamar a atenção para a importância


da aprendizagem de conceitos e a sua essencialidade para
compreensão e interpretação histórica. Os mesmos
constituem-se em atos da linguagem aglutinando
experiências representativas do passado e expectativas que
irão indicar e produzir marcas da realidade histórica. Nessa
fase do texto é importante lembrar o que Siman e Coelho
(2014, p. 592) focalizam
A construção e a apropriação do conhecimento
pelos alunos no interior da sala de aula não se processa
diretamente entre o sujeito e o objeto a ser conhecido,
entre esses existe a mediação dos conhecimentos prévios
dos alunos e de conceitos históricos, assim como a ação
mediada do professor (a) da linguagem, de signos e de
ferramentas e artefatos culturais.

Para atender essa expectativa e conquistar o


interesse de crianças e jovens pela aprendizagem em
História precisamos lançar mão do que denominamos de
“linguagens alternativas” como textos históricos e
literários, crônicas, artigos, ilustrações, desenhos, pinturas,
imagens, atlas, mapas, charges, história em quadrinhos,
músicas, vídeos, documentários, filmes, etc. ao investigar
essas situações. Siman e Coelho (2015, p. 597) advogam
que o processo ensino-aprendizagem da História não pode
Prescindir do uso de signos variados,
constituidores de diferentes fontes de conhecimento
histórico. As fontes iconográficas, objetos da cultura
material, as fontes orais e escritas, os gráficos, os quadros
têm para o ensino e aprendizagem de história o valor de
trazerem para o tempo e espaço presentes realidades
ausentes ou situadas em outras temporalidades; têm o
valor de representarem a realidade; [...] de serem
portadores de memórias coletivas e históricas (Dutra,
2003); e ainda, de contribuírem para formação do
imaginário dos sujeitos e das identidades das nações.
(Siman, 2001)

Para que todos esses recursos sejam explorados com


eficiência e possam contribuir para a aprendizagem vamos
nos debruçar, mais uma vez, nos estudos de Seffner (2013,
p. 60) quando enfatiza que além de lidar com determinadas
Questões e conteúdos próprios da História, uma
proposta de trabalho que vise aprendizagens significativas
precisa buscar o desenvolvimento de competências e
habilidades, que manifestam na formação de um aluno que
apresente: domínio da leitura e da escrita; capacidade de
fazer cálculos e de resolver problemas; capacidade de
analisar, sintetizar e interpretar dados, fatos e situações;
capacidade de compreender e atuar em seu entorno social;

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competência para receber criticamente os meios de
comunicação; capacidade para localizar, acessar e usar
melhor a informação acumulada; capacidade de planejar,
trabalhar e decidir em grupo e capacidade de aprender a
aprender.

Na realidade tudo isso nos desafia advertindo para o


“repensar” das nossas práticas. Em meio essa
efervescência de ideias a sala de aula precisa deixar de ser
um espaço restrito homogêneo, de conforto, memorização,
cumprimento de programas e, gradativamente, torna-se um
espaço de criatividade, problematização, diversidade,
pesquisa e estratégias articuladas onde os estudantes
possam interagir de forma colaborativa no processo de
criação/recriação de conceitos, enfim, como alerta Pereira
et.al. (2014, p. 161) “um lugar de fabricação de
disposições que permitem uma entrada no passado, uma
imersão no tempo, uma verdadeira viagem em direção à
imaginação, quebrando regras, desafiando a cronologia dos
acontecimentos, expondo a fragilidade de suas causas”.

Considerações finais
Ao construirmos esse ensaio procuramos trazer para
a pauta discussões teóricas a respeito dos conceitos no
ensino de História. O contato, mais atento, com os estudos
feitos pelos teóricos nos levam a concordar com o
pensamento de Zaslavsky (2015, p. 132) quando a mesma
se refere aos conceitos como algo que são “ reelaborados e
vão atualizando-se constantemente, num processo sem fim,
que é o próprio processo de construção do conhecimento.
“Pela brevidade do texto é evidente que não cobrimos
todos os seus aspectos, mas o objetivo maior era chamar a
atenção sobre sua potencialidade bem como suscitar
provocações para futuros estudos. Por outro lado,
ressaltamos que esse repensar do ensino de História
precisa estar articulado a “reinvenção” da escola no seu
modo de ser e agir estimulando a busca de caminhos
alternativos. “Segundo Candau e Koff (2015, p. 234) essa
“reinvenção” precisa ocorrer a partir de uma perspectiva”
plural, democrática, capaz de responder aos desafios de
nossa contemporaneidade e de formar cidadãos e cidadãs,
sujeitos da construção de um mundo menos dogmático e
mais solidário.”
Não podemos perder de vista que o ensino de
História é um ensino de situações históricas e que as
nossas práticas precisam ser permeadas por situações que
levem os alunos a pensar historicamente estabelecendo

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relações dialéticas entre o passado-presente; estabelecendo
semelhanças e diferenças; desenvolvendo habilidades e
competências, propondo atividades que conduzam a
construção de um pensamento crítico e emancipatório;
organizando fontes, iniciando-os na prática de pesquisa;
criando espaços de memória; preservando e valorizando o
patrimônio cultural, em síntese, preparando para migrar,
gradativamente de um currículo eurocêntrico para um
currículo da diversidade. Independente de estarmos
suficientemente preparados para empreender essa viagem
existe um desafio em sala de aula que conforme ROCHA
(2014, p. 50) é
Atrair e manter a atenção dos alunos da escola
básica para um conjunto de conhecimentos aparentemente
alheios ao momento presente. Se a busca de efeito de
presença não é o suficiente para o domínio do
conhecimento histórico, ela propicia, potencialmente, a
aproximação desses alunos com esse conhecimento a
partir da atenção conferida ao professor e aos materiais
que utiliza e transforma na sala de aula de História.

Delinear abordagens nesse sentido requer do


professor mediador um exercício intelectual, imaginação e
criatividade para que o aluno possa atuar como
protagonista de sua própria aprendizagem. Após o
transcurso das nossas reflexões e com a socialização desse
texto esperamos contribuir e partilhar a problemática com
os nossos colegas. Entretanto, acreditamos que a sua
construção poderá constituir-se em importante ponto de
ligação com futuros estudos.

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Pilares da tradição
o conceito de tradição no estudo da História das instituições
PorArtur Silva Alexandrino¹

Resumo Abstract
Este texto é resultante da minha This text is the result of my
dissertação que investiga a produção de um dissertation investigating the production of a
discurso de tradição sobre o Colégio Dom tradition of discourse on the College Dom
Feliciano, situado no município de Gravataí/RS, Feliciano, in the municipality of Gravataí / RS,
através das narrativas de professores e through the narratives of teachers and students
alunosenvolvidos no processo de formação involved in the teacher education process
docente entre os anos de 1970 a 1990. A between the years 1970 to 1990 . The research
pesquisa fundamenta-se nos preceitos da is based on the precepts of Cultural History
História Cultural e utiliza a História Oral como and uses oral history as a methodology. The
metodologia. O conceito de tradição, elaborado concept of tradition, prepared by Hobsbawm
por Hobsbawn e Ranger, é primordial no and Ranger, is paramount in the process of
processo de análise, com base nele busco analysis, based on it seek elements that
elementos que auxiliam na identificação e na assist in the identification and
compreensão do discurso de tradição que understanding of the tradition of discourse
envolve o colégio ao longo do período surrounding the school during the study
estudado. Buscando investigar os objetivos period. Order to investigate the goals shape
propostos configuram-se duas categorias up two analytical categories: the
analíticas: a identificação e a análise dos identification and analysis of the elements that
elementos que constituem e fundamentam a constitute and underlie the tradition of the
tradição da instituição escolar e a formação de school and teacher training.
professores.
Keywords:History of institutions. Teacher training. Representation.
Palavras-chave:História das Instituições. Formação de Professores. Traditionandteachingpractices.
Representação. Tradição e Práticas Pedagógicas.

1
Graduado em História – Unilasalle. Mestre em Educação - Unisinos

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Pilares da Tradição
Visando contextualizar e historicizar um
determinado objeto de pesquisa, torna-se necessária uma
reflexão sobre os processos históricos dos acontecimentos.
Refletir sobre os elementos que os direcionam,
condicionam e influenciam os pensamentos e as ações dos
indivíduos, e seus reflexos nas sociedades envolvidas.
Portanto, consiste nas leituras das realidades múltiplas e na
possibilidade de entendimento de seus processos
históricos.
O conhecimento histórico permite uma maior
compreensão e embasamento sobre os diferentes contextos
ou fenômenos, tal como a compreensão e análise das
problemáticas presentes em diferentes pesquisas. As
pesquisas em educação correspondem a múltiplas
abordagens, levando em consideração que as práticas
educativas são bastante complexas, devido, entre muitos
aspectos, os sujeitos/agentes envolvidos nessas ações.
O campo da História da Educação se fortalece a
cada problematização ou reflexão sobre os contextos
históricos que sustentam os pensamentos e as práticas
educativas. Desse modo, busca aprofundar os estudos e
compreender processos essenciais e circundantes das
temáticas pesquisadas, permitindo (re)significar e
potencializar recursos do espaço escolar, tornando-os
verdadeiramente “artefatos” preciosos de pesquisa e
análise (FERNANDES, 2004, p. 13)
No contexto da História das Instituições Escolares
estão as pesquisas e reflexões sobre a invenção da tradição
histórica presentes nas representações, nas memórias e na
história das instituições de ensino, sendo assim, recursos
valiosos para análise. Esses aspectos representam um vasto
repertório de relações possíveis de serem estudadas, além
de constituírem um mapeamento das instituições e práticas
educacionais.
Partindo dessa concepção, podemos articular
diálogos teóricos e conceituais relacionados às ciências da
História e da Educação, visando realizar análises
interpretativas das relações entre as histórias institucionais
e a formação docente, através das memórias dos sujeitos
que estudaram ou trabalharam na instituição.
A concepção de História não se estrutura na ideia da
“uma história” linear que descreve os acontecimentos
sequencialmente e desconectadamente dos demais aspectos
sociais. Pensar a História, nesse contexto, consiste em
refletir o processo histórico na corrente da Nova
História14atua no campo das diferenças culturais, de

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prática e de valores existentes nas sociedades, além das
representações dos sujeitos sobre si e/ou sobre a sociedade.
As complexidades e contextos compreendidos e
analisados pela História Cultural estão presentes nas
investigações de Justino Magalhães. As
profundidades dos estudos de Magalhães, através de suas
problematizações conceituais permitem ao pesquisador
“explorar” outros caminhos de investigação, e também
potencializam as possibilidades de análise com muitos
conceitos significativos. Em destaque o conceito de
instituição:
[...] ideia de permanência e de sistematicidade, a
ideia de norma e de normatividade. [...] ideia de
instituição consagra uma combinatória de finalidades,
regras e normas, estruturas sociais organizadas, realidade
sociológica envolvente e fundadora, relação intra e
extrassistêmica; é, por consequência, uma ideia mais
ampla e mais flexível do que a de sistema.
(MAGALHÃES, 1994, p. 57 - 58).

A história da instituição, tendo como documento as


memórias dos professores e alunos e como discurso
centrado na invenção de uma tradição que enfatiza a
qualidade do curso formativo docente no Colégio Dom
Feliciano.
Nesse intuito, a partir das narrativas analiso as
representações sobre essa formação, no propósito de
entender a memória como um documento capaz de recriar
forma e sentido nos processos de formação dos alunos do
Colégio Dom Feliciano (NASCIMENTO; HETKOWSKI,
2007) e capaz de produzir um discurso que ao longo do
tempo constroem a tradição do Colégio Dom Feliciano e
elaborar a construção do passado por meio de suas
memórias.
Os escolhidos são sujeitos representantes de todos
os segmentos envolvidos historicamente nesses processos
educativos, tais como supervisores, professores e alunos,
definido o número de quatro entrevistadas, todas ex-
alunas. Duas delas exerceram cargos de professora e
orientação/supervisão na instituição e em especial no curso
de formação. Esse número, aparentemente pequeno,
contempla as necessidades da pesquisa por representar a
diversidade de sujeito do universo educativo da instituição
escolar.
As narrativas individuais são carregadas de
representações e constituem um imaginário coletivo que,
sustentado ao longo da história, consolida uma tradição.
Com os registros dessas memórias, busca-se compreender
os elementos que compõem os fenômenos do passado, no
14
Termologia adotada que representa a Escola dos Annales, porém destaca a ruptura na análise historiográfica. A Nova História provocava repensar
de uma história cronológica, centrada em análises políticas ou econômicas, para uma historiografia de acontecimentos de longa duração,
fundamentada na cultura, nas mentalidades.

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processo de reconstruir uma história partindo desses
registros, respeitando, porém, a complexidade do uso deles
como campo documental (GRAZZIOTIN e ALMEIDA,
2012).Portanto, torna-se necessário o registro oral pela
técnica de entrevistas, nesse projeto chamado de
narrativas15 cujo objetivo é reconstruir o histórico das
instituições e as práticas educacionais.
Nos referenciais teóricos, o conceito de Tradição
pode estabelecer diálogos com a ideia da invenção da
tradição institucional existente no Colégio Dom Feliciano
e percebidas nos discursos e nas representações tomadas a
partir das narrativas dos sujeitos entrevistados.
Inserida em uma concepção histórica, Hobsbawn e
Ranger (1997) destaca que as invenções das tradições
indicam sintomas importantes e devem ser analisados em
seus contextos, estabelecendo relações mais amplas na
sociedade, segundo os autores [...] a invenção de tradições
é essencialmente um processo de formalização e
ritualização, caracterizado por referir-se ao passado,
mesmo que apenas imposição da repetição.
(HOBSBAWN, RANGER. 1997 p. 12).
Segundo os autores, as tradições inventadas, pós-
revolução industrial, podem ser percebidas em três
categorias superpostas: a) as que se estabelecem ou
simbolizam as coesões sociais ou as condições de
admissão de um grupo ou de comunidades reais ou
artificiais; b) as que se estabelecem ou legitimam
instituições, status ou relações de autoridade; c) aquelas
cujo propósito principal é a socialização, a inclusão de
ideias, sistemas de valores e padrões de comportamento.
Esses elementos indicados por Hobsbawm potencializam
as análises das tradições existentes no Colégio Dom
Feliciano.
As tradições inventadas incluem tanto as “[...]
realmente inventadas, construídas e formalmente
institucionalizadas, quanto as que surgiram de maneira
mais difícil de localizar num período limitado e
determinado de tempo” (HOBSBAWM, 1997, p. 9). As
tradições solidificam-se diante das práticas de natureza
ritual ou simbólica, que se identificam pela escolha e
constituição de certos valores e normas de repetição e
comportamento, remetendo a um conhecimento apropriado
e materializado em permanência e uma continuidade,
diferenciando-se dos costumes.
O pesquisador Popkewitz (1994) aborda uma
concepção de tradição que busca aproximar o conceito de
tradição do campo de estudos da educação ou de práticas
escolares que a constroem:

15
A terminologia narrativa representa a concepção teórica pertencente à História Oral, enquanto a palavra entrevista representa a técnica, o
procedimento adotado na realização do projeto de pesquisa.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|116


A tradição histórica de que falo nesse ensaio, em
contraste, é uma tradição que focaliza a forma como as
ideias estão corporificadas na organização do
conhecimento escolar. Este estudo da história tem sido, de
forma variada, chamado de semântico, genealógico,
conceitual ou de epistemologia social. [...] que se centra
nos padrões discursivos através dos quais o processo de
escolarização é construído. (POPKEWITZ, 1994, p. 183)

A tradição inventada se constitui em diferentes


discursos existentes na instituição. Correspondem à
tradição do colégio junto à comunidade, como sendo uma
escola privada para a formação das elites locais, vinculada
a uma congregação religiosa. Assim como, no discurso da
qualidade, presentes nas práticas educativas que resulta na
produção de professores competentes.
A instituição formadora pesquisada se configura
como um colégio renomado na comunidade de Gravataí.
Esse renome se constituiu ao logo das décadas e se
manifesta, por vezes, no discurso de qualidade de ensino,
tanto quando, na composição do seu corpo docente. O
discurso a respeito da qualidade de ensino representa uma
marca da instituição chegando a todos os níveis escolares,
como também no curso de formação dos professores.
Os objetivos propostos para minha dissertação se
apresentam em duas categorias analíticas, sendo elas: a
identificação e a análise dos elementos que constituem e
fundamentam a tradição da instituição escolar e a
formação de professores que subsidiam o discurso de
qualidade presentes no curso de formação. Os dois focos
de análises foram referenciais para a elaboração e
organização do roteiro das entrevistas. Assim busquei
evidenciar, nas memórias dos sujeitos entrevistados,
aspectos referentes às suas experiências de formação no
Colégio Dom Feliciano, assim como sobre a tradição do
colégio.
As entrevistas constituem, portanto elemento
significativo no que se refere ao aporte empírico dessa
pesquisa. Assim, após as realizações das mesmas e
concluídas as transcrições iniciei, paralelamente a esse
processo, as primeiras análises do material produzido.
Dessa primeira verificação do material organizei as
narrativas em subcategorias que representam
desdobramentos das categorias e auxiliaram na
compreensão delas.

Quadro 1 – Tradição: categoria e subcategorias de


análise

Categorias Subcategorias

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Tradição da Profissão Docente
Tradição do Colégio Dom Feliciano
Tradição
Prédio da instituição como uma
tradição
Fonte: Elaborado pelo autor

Na diversidade de contextos referentes a essa


categoria, apresenta a amplitude do tema da tradição nos
estudos referentes as histórias das instituições escolares,
pois estão presentes nas narrativas, indagações que buscam
provocar, rememorar, elementos que auxiliam na
identificação e na compreensão da tradição que o Colégio
Dom Feliciano possui na sociedade de Gravataí.

Tradição: reflexos sobre a temática


As discussões referentes ao elemento da pesquisa
que relacionam as representações sobre a importância que
o Colégio Dom Feliciano possui na formação de
professores na comunidade trás o conceito de tradição
elaborado por Hobsbwam e Ranger (1997). Tal conceito
auxilia na compreensão do processo histórico que atribui
ao colégio o lugar de “Escola de qualidade” educacional
em Gravataí.
Primeiramente podemos pensar sobre sua relação
com o passado, entendendo-se a tradição como tendo sua
origem e fundamentação em acontecimentos passados.
Também podemos entendê-la como algo carregado de
significados, normas ou valores, como se atravessassem
gerações e gerações trazendo consigo lições ou
ensinamentos.
A concepção da tradição como elo entre diferentes
gerações, faz entender que seria algo que perdura no
tempo. A noção temporal referente à tradição nos remete
não simplesmente ao passado, mas sim a um passado
distante, ou seja, um período de longa duração.
Porém isso pode não ser de todo correto, pois
segundo Hobsbawm(1997, p.9) “Muitas vezes, “tradições”
que parecem ou são consideradas antigas são bastante
recentes, quando não são inventadas”. Essa citação
evidencia outros olhares sobre a tradição, permite observar
a alteração da noção de temporalidade existente nas
tradições, demonstra que elas podem ser bastante recentes.
Também apresenta a concepção de que as tradições podem

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|118


ser inventadas, construídas historicamente com uma
pretensa intencionalidade.
O conceito da Invenção da Tradição, elaborado por
Hobsbawm e Ranger (1997) tem uma concepção histórica
e relaciona-se aos processos de formalizações sociais e
culturais que possuem embasamento em aspectos do
passado, fundamentando e consolidando assim tal tradição.
Hobsbawm conceitua a invenção da tradição da seguinte
forma:
Por “tradição inventada” entende-se um conjunto
de práticas, normalmente reguladas por regras tácitas ou
abertamente aceitas; tais práticas, de natureza ritual ou
simbólica, visam incultar certos valores e normas de
comportamento através da repetição, o que implica,
automaticamente, uma continuidade em relação ao
passado. (HOBSBAWN, 1997, p.9).

Entendo que esse conceito da tradição inventada se


aplica a tradição institucional existente no Colégio Dom
Feliciano, auxiliando no entendimento das formas como
essa tradição do colégio se estabelece. Afinal, ainda
conforme Hobsbawm “É obvio que nem todas essas
tradições perduram; nosso objetivo primordial, porém, não
é estudar suas chances de sobrevivência, mas sim o modo
como elas surgiram e se estabeleceram” (HOBSBAWM,
1997, p.9).
A experiência profissional que tive no município de
Gravataí acabou por me inserir na sociedade local e me
aproximou do Colégio Dom Feliciano. Dessa maneira,
percebi que tal instituição era abordada de forma
diferenciada, o que sempre me despertou inquietação e
diretamente passou a incorporar nos objetivos da pesquisa,
além de parecer reflexo de uma tradição institucionalizada.
Em seus estudos, Hobsbwam (1997), problematiza
que as invenções das tradições sempre existiram nas
sociedades humanas, porém após o período da revolução
industrial foram desenvolvidas e instituídas novas redes de
convenções e rotinas com mais frequência, devido às
profundas transformações nesse período histórico.
No final do século XIX e no início do século XX,
Hobsbwam identifica duas formas de criação de tradições,
ambas resultantes das transformações sociais do período.
A invenção oficial, denominadas de “políticas” oriundas
pelos governos ou movimentos sociais e políticos
organizados; e as não-oficiais, denominadas de “sociais” e
geradas por grupos sociais sem organização formal.
As memórias são fartas em elementos que
contribuem na compreensão da tradição do colégio na
comunidade e do curso de formação, permitindo assim,
estabelecer relações com as três categorias da invenção da
tradição criadas por Hobsbwam.
Diante das categorizações, as tradições podem ser

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|119


entendidas como similares aos costumes, entretanto o autor
destaca aspectos que as distingue: “O objetivo e a
característica das “tradições”, inclusive das inventadas, é a
invariabilidade. O passado real ou forjado a que elas se
referem impõe práticas fixas (normalmente formalizadas),
tais como repetição.” (HOBSBAWM, 1997, p.10). Indica
que a diferenciação mais evidente está representada na
invariabilidade e/ou na variável.
Os costumes, nas sociedades tradicionais, possuem
dupla função, de promover e dar direção, conforme as
analogias que o autor utiliza para explicitar suas ideias,
como sendo o motor e o volante. Segundo ele, os
costumes: “não impede as inovações e pode mudar até
certo ponto, embora evidentemente seja tolhido pela
exigência de que deve parecer compatível ou idêntico ao
precedente.” (HOBSBWAM, 1997, p. 10).
A contribuição teórica de Hosbwam e Ranger sobre
o conceito de tradição permitem perceber e identificar
essas “pistas teóricas” nas narrativas, visando a analisar o
material empírico na categoria da tradição institucional.

Elementos da tradição na profissão docente


A profissão docente nas últimas décadas vem
sofrendo profundas transformações, resultante de uma
série de fatores. Entre esses podemos elencar: a expansão
do número de aluno e suas diferentes referências sociais e
culturais, as exigências das políticas educacionais internas
e externas, os desafios metodológicos diante da sociedade
tecnológica, das cobranças da sociedade por uma educação
de qualidade, entre outras tantas possíveis de serem
abordadas (GATTI, 2011, p. 161).
Os aspectos apresentados anteriormente
representam uma temporalidade atual, porém se pensarmos
nessas transformações como sendo situações opostas, em
um tempo no passado teremos outros resultados,
compondo assim, um cenário “às avessas”, onde os
professores possuíam responsabilidades e uma valorização
diferentes da atualidade.
Os fatores que determinam a decisão de ser
professor, atualmente e no passado, se assemelham em
alguns aspectos, entre eles, a ideia de que a profissão
docente representa um emprego seguro (GATTI, 2011, p.
164).
Essa ideia está vinculada ao entendimento da
importância da docência, ou seja, alimentado pela
sociedade e também por uma “consciência” profissional; o
professor entende seu trabalho como o ato de garantir a
transmissão e a continuidade da experiência humana.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|120


A consciência profissional, comentada
anteriormente, pode ser entendida a partir das memórias da
professora Fátima Bernardes, quando descreve o perfil dos
alunos do curso de magistério:
“São alunos que já vêm com uma bagagem de
preocupação de atendimento ao outro [...] eu não sei se
posso dizer doação, ele tem uma preocupação com o
outro, ele tem um lado que ele vai fazer a diferença na
sociedade.Esse aluno sempre tem esse diferencial”
(Fátima Bernardes, 19 de agosto de 2014).

As memórias da professora revelaram que essa


preocupação com os outros indivíduos e/ou na crença de
fazer a diferença na sociedade é uma característica própria
do curso de formação profissional docente. Quando
questionada se os demais cursos profissionalizantes da
instituição apresentavam essa característica, revelou: “Não,
não, não, não, o aluno do curso profissionalizante ele vêm
só pra ser o profissional ali” (Fátima Bernardes, 19 de
agosto de 2014). Portanto, está presente na profissão
docente esse compromisso com a sociedade, na qual a ação
do professor é atribuída à responsabilidade do
desenvolvimento individual e social, sendo assim, destaco
esse elemento como preponderante a tradição da profissão.
Entendo essa responsabilidade ou compromisso
social como resultado de discursos sobre a
profissionalização do professor, formando, assim, uma
tradição na profissão docente. Estabelecem para os
professores, que se sentem responsáveis ou crentes de que
seu trabalho seja fundamental para a sociedade, um
sistema de valores e/ou um padrão de comportamento,
segundo as categorizações de Hobsbwam sobre a invenção
da tradição.
A construção dessa consciência profissional se
constitui de diferentes formas nas narrativas produzidas
para a pesquisa. As referências familiares e/ou pessoais,
incluindo o ambiente que costumam frequentar, são
elementos que influenciaram na escolha da profissão. Em
meus estudos busco abordar a tradição docente com a
indagação sobre as razões de escolher essa profissão, ou
seja, quais as motivações por optar fazer o Curso Normal.
A narrativa da entrevistada Ana Cristina, quando
indagada sobre as razões de escolher o Curso Normal,
demonstra a influência de diferentes grupos sociais: o
grupo de amigos, pois tinha quatro amigas/colegas da sua
8ª série que iriam estudar esse curso no Dom Feliciano;
também a influência de seu grupo familiar. Seu pai busca
em referências na tradição docente da família a
justificativa para essa formação profissional: “[...] vai fazer
magistério, vai ser professora como tua mãe, tua tia” (Ana
Cristina, 22 de setembro de 2014).

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|121


A entrevistada Fátima Bernardes relatou as
influências de seu grupo familiar e do ambiente, pois
residia em uma casa no pátio de uma escola estadual em
que estudava. Sua mãe trabalhava nessa escola estadual
como servente. Portanto, seu cotidiano escolar era sua
experiência diária e ia afirmando “eu queria ser
professora” (Fátima Bernardes, 19 de agosto de 2014).
As memórias da professora Hilda Jaqueline expõem
que seu desejo inicial não era ser professora, pois ela já
havia ingressado no Curso de Análises Químicas e
posteriormente passara para o magistério. A transição
ocorre por uma questão de necessidade, mas ao longo do
curso acabou se identificando com o curso e se
interessando pela profissão. Essa identificação se dá pelo
seu envolvimento com as questões da escola, pelas
complexidades das relações no espaço educativo,
elementos significativos que compuseram o interesse e
aproximação com as ciências humana, pois ela se tornou
uma pesquisadora.
A entrevistada Jurema Weber cursou magistério e
foi trabalhar fora da área educacional. Exerceu diferentes
funções em muitas empresas, uma diversidade de
experiências, relata que sentia-se deslocada até que decidiu
ser professora, conforme indica seu relato:
“[...] mas não era isso que eu queria pra mim, eu
levantei olhei pra tudo aquilo e não voltei mais, voltei 3
dias depois, não era que eu queria mesmo, mas não sei te
dizer o processo, uma coisa muito estranha. Como fechei
uma porta e não voltei mais que eu decidi o que queria de
ir pra sala de aula, queria trabalhar na educação,
acreditava que a ia dar minha contribuição.” (Jurema
Weber, 03 de setembro de 2014).

Analisando as narrativas dos sujeitos da pesquisa


apresentadas na sua formação profissional, ou seja, suas
motivações pela definição desse curso permitem
compreender elementos da invenção da tradição e as
representações da função docente. Compreender a
invenção da tradição com as lentes teóricas de Hobsbwam,
primeiramente na composição da tradição da profissão
docente, construindo sistemas de valores e/ou padrão de
comportamento exerce influências nos grupos sociais.
As coesões sociais da professora Ana Cristina, o
familiar e o escolar, exerceram influências na sua escolha
pelo curso de magistério. Porém, destaco que o referencial
de docência dela eram suas professoras da sua 8ª série,
“por que eu queria ser professora que nem a professora
Beth” (Ana Cristina, 22 de setembro de 2014).
As referências estabelecidas constituíram suas
representações da ação docente, algo que não era sentido
em seu curso de formação, pois não ela não conseguia
estabelecer relação da representação idealizada da ação

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docente com a sua prática estudantil. Podemos perceber
essa não relação no seguinte relato “nós estávamos
querendo nos espelhar nos professores” (Ana Cristina, 22
de setembro de 2014).
A tradição da profissão docente era um dos
elementos que fomentava o desejo e o gosto pela docência.
No relato, a seguir, o desejo e o gosto profissional
apresentam oscilações ao longo do processo de formação.
“[...] o curso de magistério ele foi tudo na minha
vida, aos 17, 18 anos, ele foi um caos, quando eu terminei
ele foi a minha luz, eu me realizei dando aula, eu me
sentia feliz sendo professora.” (Ana Cristina, 22 de
setembro de 2014).

As investigações históricas buscam compreender o


passado, entender os processos que fundamentam ou
desestruturam as sociedades, acarretando assim nas
transformações culturais. Na “passarela” do passado e do
presente, segundo a narrativa da professora Fátima
Bernardes, apresenta-se um forte abalo na tradição da
profissão docente nas últimas décadas.
“Não sei se é a descrença que tá do professor,
que é uma tristeza isso, mas é, né. Eu vejo às vezes as
alunas chegam aqui. A minha mãe não quer eu faça, mas
eu queria fazer. Tá mas, qual é a profissão da tua mãe. A
minha mãe é professora. Então é complicado isso assim, a
descrença. Acho que o professor tem um momento na vida
que ele se perdeu e ele não ta conseguindo resgatar a
importância que ele tem na sociedade, ele perdeu isso em
um certo momento e não ta mais conseguindo resgatar, e
eu não sei o que vai acontecer com isso, é uma
preocupação que a gente tem com isso.” (Fátima
Bernardes, 19 de agosto de 2014).

A compreensão das causas da descrença na tradição


da profissão não corresponde aos objetivos de meu estudo,
porém destaco esse relato da entrevistada com a finalidade
de demonstrar como se apresentam as representações da
profissão, configurações sociais e conceituais próprias que
se transformam ao longo do tempo (CHARTIER, 1990). A
transformação na tradição da profissão docente reflete uma
alteração dos discursos produzidos.
Bernadete Gatti (2011) indica em seus estudos uma
relação de elementos que caracterizam a profissão de
professor na contemporaneidade. Entendo os elementos
indicados pela autora como discursos que provocam a
descrença nessa tradição.
[...] hoje a profissão docente vem sofrendo
profundas transformações [...] Entre esses [...] o
crescimento do número de alunos e sua heterogeneidade
sociocultural [...] o impacto de novas formas
metodológicas de tratar o conhecimento e o ensino, e, de

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outro, a ausência de priorização político-econômica
concreta da educação primária e secundária e as estruturas
hierárquicas e burocráticas [...] No entrechoque dinâmico
dessas condições situa-se o trabalho cotidiano dos
professores em sala de aula, com a bagagem que sua
formação básica ou continuada lhe propiciou (GATTI,
2011, p. 161)

As motivações que originaram a mudança do


discurso que sustenta a tradição profissional docente
carecem de mais pesquisas no campo da educação e não
representam os objetivos dessa pesquisa.

A Tradição do Colégio Dom Feliciano


Inicio a discussão e análise referente à tradição do
Colégio Dom Feliciano passa pelas representações das
entrevistadas sobre o prédio da instituição. Os sujeitos de
memória relatam classificações que configuram suas
representações, referentes ao prédio do colégio na qual
realizaram sua formação profissional. Essas representações
colaboram para compreender a tradição da escola, segundo
o conceito de Hobsbwam, pois elas são resultantes de
socializações e coesões sociais que legitimam a instituição
e seu status de autoridade.
Abordando os elementos históricos da construção
do prédio escolar estabeleço relações entre a história do
município de Gravataí e do Colégio Dom Feliciano. Com
isso, identifiquei aspectos pertinentes para
compreendermos a tradição que o colégio possui na
comunidade.
O prédio do Colégio Dom Feliciano, por estar
localizado nessa região central da cidade, torna-se um
importante elemento no projeto urbanístico, com a
ampliação do colégio na construção do prédio destinado ao
Ginásio, em 1939.
As reformulações realizadas no antigo prédio e nova
edificação ficaram unidas por uma passarela ou viaduto
que passa sobre a Avenida José Loureiro da Silva,
conforme mostra a FOTO 1.

FOTO 1 - Fotografia da passarela do Colégio Dom


Feliciano a partir da Praça

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|124


Fonte: Registrada pelo autor em 19/11/2013

As obras e reformulações realizadas no colégio


indicam o desenvolvimento da instituição em conjunto
com o projeto urbanístico na parte central da cidade. A
posição geográfica ocupada pelo estabelecimento pode ser
analisada como a consolidação de um espaço simbólico
e/ou espaço de poder, passando a representar um
monumento. A escola está localizada em um espaço
“nobre” da cidade, posicionado na praça central, nas
proximidades do banco, da igreja e da prefeitura, ou seja,
espaços que legitimam a instituição em seu status ou
relação de autoridade (HOBSBWAM, 1997).
A passarela sobre a avenida que conecta os prédios
da instituição constitui determinada representação sobre a
importância que o Colégio Dom Feliciano possui no
município; seu lugar na educação da cidade corrobora com
esse lugar de tradição ou até com o elemento que compõe a
invenção de uma tradição.
As narrativas indicam importantes relatos que
destacam o Prédio/Passarela16, as tramas da produção
discursiva que constituem a representação da tradição
institucional na comunidade. Assim como podemos
considerá-los como elementos característicos da invenção
da tradição que legitima a instituição e sua posição de
status. O relato de Hilda Jaqueline indica claramente essa
monumentalidade que consolida esse simbolismo da
tradição.
“[...] o fato da gente saber que ali. Quando a
gente vê aquele. Eu cresci vendo aquela aquele prédio
imponente que só pela, né pelo tamanho, que dizer, eu
sabia que aquela escola não era uma escola, uma escola
qualquer. O próprio prédio, a própria a arquitetura dele,
né traz essa, esse simbolismo de uma escola diferente.”
(Hilda Jaqueline, 19 de agosto de 2014).

16
O Prédio como a passarela são abordados conjuntamente por exercem o mesmo sentido em relação ao elemento que compõem a invenção da
tradição.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|125


Existem diferentes formas de uma sociedade
produzir tradição, através de modelos e referências. Essa
produção está vinculada às práticas, aos rituais ou aos
símbolos inventados sobre determinadas pessoas,
instituições ou sociedades. O relato da professora Fátima
Bernardes demonstra um interesse pessoal e dos novos
alunos da instituição em cruzar a passarela “[...] eu vinha
sempre aqui olhar, que eu iria vir pra cá passar essa
passarela [...] Chega aluno novo tem que passar na
passarela.” (Fátima Bernardes, 19 de agosto de 2014),
representando assim, o simbolismo do ritual de iniciação
na instituição.
Os aspectos discutidos até agora indicam à
construção de diferentes representações que materializam
e/ou fundamentam a invenção de uma tradição. A maioria
dos materiais informativos produzidos que fazem
referência ao município, reserva uma parte para descrever
o Colégio Dom Feliciano; e esses informativos trazem
consigo a ilustração do colégio que tem como destaque a
passarela.
Nesse sentido, com relação ao Colégio Dom
Feliciano, um dos indicadores analisados são folhetins de
informações do município, os anúncios dos jornais e
demais ilustrações sobre o colégio, nos quais aparece a
passarela; de maneira que já se tornou parte da iconografia
da cidade. “A passarela” é reconhecida, identificada e
relacionada não somente com o colégio, mas também da
cidade de Gravataí.
Realizando pesquisas no espaço do colégio, na
consulta aos materiais disponibilizados na biblioteca da
escola, encontrei o exemplar de um jornal da cidade de
Gravataí relatando sobre o desfile comemorativo aos 75
anos da Instituição. No relato jornalístico uma ex-aluna do
ano de 1998, Bárbara Ribeiro, descreve a existência dessa
tradição através da temporalidade e estabelece relação com
a passarela entre os prédios: “são muitas as gerações que
passaram por baixo daquela passarela”17.
O prédio/passarela produziam representações sobre
o colégio. Configuravam importantes elementos da
invenção da tradição que buscavam institucionalizar o
Colégio Dom Feliciano. A tradição consolidada de um
colégio de qualidade que apresentava ser “diferente” já na
sua arquitetura imponente produz, também, representações
sob a forma de trabalho disciplinar realizado na instituição.
“Bom primeiro que eu achava que aquilo era
enorme, preciso te dizer que as portas eram grandes, as
janelas eram grandes [...] Aquele viaduto que tem lá, eu
achava, eu achava horrível, sabe o que eu imaginava que
aquilo era um convento, só não achava que era uma
prisão por que não tinha grade [...] Então aquele prédio

17
Dom Feliciano enfeita a Avenida. Correio de Gravataí, Gravataí, p. 5, 24 out. 2006

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|126


ostentava assim rigidez, poder.” (Ana Cristina, 22 de
setembro de 2014).

No relato da professora são expostas suas


representações sobre a fachada arquitetônica do prédio
escolar e refletem algumas características do tipo de
formação18 existente no Colégio Dom Feliciano.
Representações de um tipo de formação disciplinadora e
rígida, podendo secomparada a outras instituições
reguladoras e/ou repressoras, como um convento ou um
presídio.
Outros relatos indicam essa rigidez e poder, como
das janelas pintadas que impossibilitava os alunos em
olhar para as áreas externas. Tais ações assinalam práticas
de disciplinarização dos corpos, no qual o autor Michel
Foucault, contribui para entender essas práticas que tornam
os corpos dóceis.
[...] o controle disciplinar não consiste
simplesmente em ensinar ou impor uma série de gestos
definidos; impõe a melhor relação entre um gesto e a
atitude global do corpo, que é sua condição de eficácia e
de rapidez. No bom emprego do corpo, que permite um
bom emprego do tempo, nada deve ficar ocioso ou inútil:
tudo deve ser chamado a formar o suporte do ato
requerido. Um corpo bem disciplinado forma o contexto
de realização do mínimo gesto. (FOUCAULT, 1987)

A arquitetura do prédio implica em representações


de poder e disciplina, sendo esses aspectos percebidos
externamente, para a comunidade local. Porém, tais
aspectos atribuídos a fachada do prédio, também são
refletidos nas práticas de formação da instituição e
contribuem para a invenção da tradição, quando consolida
a autoridade da instituição e padrões de comportamento
(HOBSBWAM, 1997).
As narrativas dos sujeitos da pesquisa subsidiam e
permitem identificar elementos que constituem a invenção
da tradição institucional.As representações sobre o Colégio
Dom surgiram naturalmente nas narrativas, já nos
primeiros relatos, inclusive sobre a escolha do Dom
Feliciano como espaço de formação e sobre os reflexos
dessa tradição, onde essa concepção se manifesta.
“Isso até hoje ainda é, por que eu tenho outro
trabalho. Eu tenho uma empresa de assessoria
pedagógica, e quando as pessoas descobrem que sou do
Dom Feliciano até pareço que sou de outro planeta, ainda
em alguns lugares, parece incrível isso [...] é uma coisa
muito interessante, ainda hoje. A gente tem uma marca
muito forte assim. Então tu imagina eu tinha que vir para

18
O tipo de formação é uma das subcategorias analisadas na dissertação. A discussão referente a esse tema está inserida a categoria práticas
pedagógicas que busca entender o processo de formação do Curso Normal do Colégio Dom Feliciano.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|127


cá de qualquer jeito.” (Fátima Bernardes, 19 agosto de
2014).

A professora Fátima Bernardes relata que o colégio


“tem uma marca muito forte”, indícios de consolidação da
tradição institucional produzida pelos discursos de
qualidade educacional. A representação dessa marca forte
já estava presente no momento que a professora Fátima
escolhe fazer o Curso Normal no Dom Feliciano, tanto que
ela relata “que tinha que vir para cá”, ou seja, estudar no
Dom Feliciano sempre representou uma vontade.
Essa vontade se constituiu nas relações sociais
próximas, das colegas e de uma professora, que
incentivavam-na a ingressar na docência. Além da questão
do prédio/passarela, exposta em sua narrativa “Ahhh, eu
vinha sempre aqui olhar, que eu iria vir pra cá passar essa
passarela aqui” (Fátima Bernardes, 19 agosto de 2014)
que auxilio na justificativa dessa vontade de estudar no
colégio e construção de suas representações sobre a
instituição.
As memórias da professora Hilda Jaqueline sobre a
escolha pelo curso profissionalizante do Dom Feliciano
foram:

“A escolha foi por que o Dom Feliciano sempre


foi uma referência como escola, era uma escola já com
nome, formador de várias pessoas da própria elite de
Gravataí, era uma escola particular, então ela tinha,
existia todo um mito uma construção em torno da escola
Dom Feliciano como uma referência, como uma escola
onde a exigência era maior, onde os conteúdos eram mais
densos.” (Hilda Jaqueline, 19 agosto de 2014)

Logo que surgiam relatos que indicavam a


existência dessa tradição, eu questionava os entrevistados
sobre as razões para atribuírem ao colégio essa
característica. As repostas trouxeram importantes
indicativos para entender a invenção dessa tradição.
Destaco o relato da professora Ana Cristina quando
questionada sobre as origens ou causas dessa tradição
institucional: “O nome, o nome da instituição, a história
da instituição, do tempo que ela tá ai e também o fato de
ela ter produzido a maior parte dos professores que atuam
nas redes municipais e estaduais do ensino básico vieram
dali” (Ana Cristina, 22 de setembro de 2014).
Diante dessas representações torna-se importante
ressaltar as características significativas do colégio,
primeiramente uma instituição privada e vinculada a uma
congregação religiosa. Características que já indicam
fortes elementos que legitimam a invenção da tradição de
que estamos tratando. O fato de a instituição ser privada

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|128


reflete uma concepção de que o colégio era destinado às
camadas mais abastadas da sociedade local e das regiões
mais próximas. As representações se constituem e colocam
o colégio como um espaço de status econômico e social,
fato que se evidência nas narrativas que indicam uma
valorização dos sobrenomes das famílias mais tradicionais.
O colégio representava para as camadas médias e,
principalmente, às mais baixas um espaço de ascensão
social, sendo assim esse segmento da sociedade passa a
buscar acesso a instituição para assim procurar uma
formação profissional qualificada. Para abordar essa
questão utilizo uma das subcategorias itinerantes, aspectos
socioculturais.
Os sujeitos da pesquisa são oriundos de camadas
mais populares, compondo um público diferente do que
habitualmente era matriculado no Colégio Dom Feliciano.
O acesso de alunos bolsistas possibilitava a existência de
realidades sociais distintas, onde eles compartilhavam
espaços e experiências, fato que se evidenciava com as
turmas heterogêneas, formadas com alunos bolsistas e
mensalistas na mesma turma. Os relatos evidenciavam que
os alunos mensalistas eram membros da elite econômica
da cidade.
Existiam relatos que demonstravam dificuldades
financeiras dos responsáveis pelos alunos bolsistas em
realizar o pagamento do colégio. Entendo que esses relatos
permitem pensar as estratégias criadas por esse sujeito para
garantir a continuidade dos estudos e da formação
profissional, fato que demonstra a crença e a valorização
do curso, da profissão e do estudo nessa instituição.
Os documentos e as narrativas determinam,
aproximadamente o ano de 1974, como o período em que
se inicia a prática de disponibilizar bolsas ou auxílios
financeiros aos estudantes. Os relatos de Jurema Weber,
estudante da instituição na temporalidade de 1972 a 1974,
indicam que não havia os incentivos financeiros; porém o
relato de Fátima Bernardes, que estudou na instituição no
período de 1974 a 1977, afirma que solicitou e conseguiu
uma bolsa, pois somente com esse auxílio poderia estudar
na instituição “[...] imagina só uma família pobre tu vir
estudar no Dom Feliciano” (Fátima Bernardes, 19 de
agosto de 2014).
A narrativa da professora Ana Cristina, que
apresenta os esforços da família diante das dificuldades de
manter a aluna no curso, e o relato de Fátima Bernardes,
acima, demonstram diferentes tradições, como a tradição
da profissão, a tradição da instituição. Observando esses
relatos, com ênfase na formação de professores,
Bernardete Gatti, afirma:
Pertencem fundamentalmente a grupos que
tentam a ascensão social pela instrução, e, sendo

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|129


mulheres, é profissão privilegiada para seu ingresso no
âmbito público, no universo social do trabalho fora do lar.
O exercício do magistério, tanto para aquelas de origem
social nas camadas médias quanto para os demais, é pois
uma via de saída da vida privada, e, para as oriundas das
camadas de mais baixas rendas, é também meio de
sobrevivência e afirmação social em profissão não manual
(GATTI, 2011, p. 163).

A inserção das camadas populares na instituição


permitiu as relações dessas com as camadas mais
abastadas, tornando o corpo discente mais heterogêneo o
que gerou conflitos e segregações socioculturais. As
narrativas descrevem a Tradição Familiar da sociedade de
Gravataí como elemento de segregação presente na rotina
escolar “Porque todo mundo lá se chamava pelo
sobrenome e nós éramos sempre pelo primeiro nome.”
(Ana Cristina, 22 de setembro de 2014).
A incorporação de outras camadas socioculturais
provoca uma ruptura nessa tradição “das elites”. Chamar
os alunos pelo sobrenome garantia a manutenção dessa
tradição elitista, mas gerava as diferenciações na forma de
tratamento que na verdade representava uma distinção com
bases econômicas e sociais.
A tradição da instituição também pode ser
compreendida pelos elementos da tradição das famílias
expostas pela valorização dos sobrenomes, por ser
considerada uma instituição que forma as elites locais.
Nas narrativas está presente a relevância social que
o colégio possui junto à comunidade, pois estudar no Dom
Feliciano representava uma ascensão social. A escolha
pela instituição carregava essa representação de status e de
poder. A entrevistada Fátima Bernardes relata quando
questionada porque optou em estudar na instituição e
descreve: “Estudar no Dom Feliciano te dava muito Status
[...] e até hoje. Estudar e ser professora do Dom Feliciano
te abre portas em tudo que é lugar.” (Fátima Bernardes,
19 de agosto de 2014). A professora Jurema Weber
reafirma essa questão de status: “Mas era status, Deus o
livre era fundamental ter no teu currículo que tu foi aluno
do Dom Feliciano.” (Jurema Weber, 03 de setembro de
2014).
As tradições se consolidam através de práticas, e
assim ocorre com a tradição da profissão docente. Essa
tradição é passada na própria formação do professor,
principalmente se essa formação estiver vinculada ao
Curso Normal. Essa tradição conferia certo destaque e
importância na formação dos docentes.
A tradição institucional do colégio na cidade possui
como aspecto de legitimação, a ideia de qualidade do seu
corpo docente. O entendimento era que a melhor escola da

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|130


cidade exigia os melhores profissionais de ensino. O relato
de Jurema Weber deixa esses aspectos bem explicito:
“Os melhores professores da cidade eram do
Dom Feliciano [...] Status, status. Meu Deus quem
estudasse no Dom Feliciano. Era, não deixava de ser
poder também. Porque estudar no Dom Feliciano era a
melhor escola da cidade, era escola particular era onde
estava os melhores a nata dos professores era no Dom
Feliciano.” (Jurema Weber, 03 de setembro de 2014)

O status representa uma determinada posição social


da instituição na sociedade de Gravataí. Esse status se
constituiu com o tempo através das famílias de renome
escolhendo o colégio para a formação dos seus filhos “Eu
acho que tinha qualidade, mas era uma relação de poder,
era uma relação de poder, mas tinha qualidade” (Jurema
Weber, 03 de setembro de 2014). O relato de Jurema
Weber indica a tradição familiar e a tradição institucional
se representaria como poder, também sustentada pela
qualidade de ensino do colégio.
A tradição institucional, consolidada conjuntamente
com a tradição da profissão docente, se refletia na forma
de tratamento dos professores na comunidade local “[...] e
quando as pessoas descobrem que sou do Dom Feliciano
até pareço que sou de outro planeta” (Fátima Bernardes,
19 de agosto de 2014). Os relatos abaixo representam essa
forma de tratamento.
“Eu me lembro que fui abrir crediário numa loja
não precisei mostrar nem contra cheque, [...] professor do
Dom Feliciano não vai deixar de pagar as contas [...] foi
a professora do Dom Feliciano então pronto ninguém
discutia, ela tá certa podia ter feito a maior besteira, já
era assunto encerrado [...] Tinha status sem dúvida que
tinha” (Jurema Weber, 03 de setembro de 2014)

A tradição institucional e religiosa se referenciava


em modelos de condutas expressados pela disciplina.
Tanto para a formalização da conduta ideal quanto à
questão dos conteúdos se faz necessária a estratégia da
disciplina como um importante recurso. A tradição de uma
escola de qualidade no ensino passa por essas estratégias.
A sistematização da disciplina exige a hierarquização,
exercida no Colégio Dom Feliciano pelas irmãs, assim aos
professores cabia admitir as ordens sem problematizar.
O aspecto religioso representa importante referência
de observação e análise, pois os valores religiosos são
fortemente sentidos nos registros institucionais, na
filosofia do colégio, na formação humana cristã e em ações
cotidianas e práticas19.

19
Os registros institucionais sempre reforçam os preceitos e valores religiosos. A Congregação criou um Setor de Educação que funcionava
conjuntamente com uma divisão desse setor voltado para os aspectos religiosos na esfera educacional.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|131


Os mecanismos de controle disciplinador estavam
representados de diferentes formas na instituição, como o
funcionário responsável pelo monitoramento interno e de
acesso à instituição. O modelo de controle criava reações
de sufocamento e repressão nos estudantes, ao ponto de
comparar a disciplina aplicada no colégio a um quartel:
“Eles não gostam, chamam de quartel, eles brigam, mas
eles voltam” (Fátima Bernardes, 19 de agosto de 2014).
Existem outros relatos nesse sentido, mas abordando a
instituição comparada a uma prisão:“Quando tinha
educação física que o Pimenta20 nos fazia correr na
quadra da escola [...] nossa nos adorávamos, todo mundo
corria, porque era o momento que tinha pra sair daquele
lugar” (Ana Cristina, 22 de setembro de 2014).
O relato da professora indica o respeito à hierarquia
da instituição, particularmente, pela hierarquização da irmã
OttiliaZiles, diretora do colégio21 no período de 1973 a
1998. As representações nas narrativas, principalmente da
Jurema Weber, apontam o perfil da Irmã Ottilia como
sendo autoritária, disciplinadora e crente de suas
convicções. Os longos períodos de sua gestão, seguindo as
características relatadas referente à irmã contribuem
significamente para consolidar uma tradição. Segundo
Hobsbwam (1997) configuram relações de autoridade,
sistemas de valores e padrões de comportamentos.

Considerações finais
Os sujeitos de memórias “migraram na passarela do
tempo”, pois suas narrativas retratam suas diferentes
temporalidades na instituição, sendo que em alguns
momentos rememoram seu tempo como alunos e em
outros momentos como professoras. Assim é o caso das
professoras Fátima Bernardes e Jurema Weber, que
relataram memórias no período em que eram alunas e
como profissionais da instituição.
Em meio à essa temporalidade da pesquisa, busco
explicitar as diferentes manifestações da tradição existente
no Colégio Dom Feliciano. A proposta desse trabalho é
socializar esse conceito, elaborado por Hobsbawm e

20
O Professor de Educação Física da instituição, citado em outras entrevistas também.

21
Na temporalidade dos meus estudos, a instituição teve duas direções, a Irmã Teresinha Zavaschi, entre o período de 1968 a 1973 e a Irmã
OttiliaZiles, no período de 1973 a 1998.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|132


Ranger, sobre a invenção da tradição para potencializar os
estudos referentes a história dasinstituições de ensino.

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Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|134


História e possibilidade de conhecimento para a
superação das diferenças sociais no contexto
escolar
PorRafaella de Aguiar Coradini¹, Vitor Otávio Fernandes Biasoli²

Resumo Abstract
Este artigo se propõe refletir acerca da This article aims to reflect on the social and
discriminação social e econômica que alguns economic discrimination that some students
alunos estão expostos por suas condições are exposed by their special conditions in
diferenciadas em relação aos padrões relation to the dominant patterns and to them
dominantes e a eles impostos. Essa taxes. This discrimination happens
discriminação acontece indistintamente dentro indiscriminately inside or outside the school
ou fora do ambiente escolar. Mesmo que environment. Even if everyone is listening to
todos estejam escutando as mesmas músicas, the same songs, using the same clothes,
utilizando as mesmas vestimentas, falando as speaking the same slang, you can see the
mesmas gírias, é possível perceber a difference. Therefore, the analysis will focus
diferença. Por isso, a análise pretendida se on the school environment, specifically
concentrará no ambiente escolar, relating to public education. We seek to
especificamente relativa às instituições understand the social differences and their
públicas de ensino. Busca-se compreender as consequences, and how education and the
diferenças sociais e suas consequências, e discipline of history, specifically the issues of
como a educação e a disciplina de História, contemporary history - the case of
especificamente os temas da história dictatorships in the Southern Cone, for
contemporânea – o caso das ditaduras no example - can contribute to overcome them
Cone Sul, por exemplo – podem contribuir and better lead the subject to be included in
para sua superação e melhor conduzir o society without feeling passed over for their
sujeito a se incluir na sociedade sem se sentir social status.
preterido por sua condição social.
Keywords: Social Differences, Education, History, Dictatorships.
Palavras-chave: Diferenças sociais, Educação, História, Ditaduras.

1
Aluna do Mestrado Acadêmico em História, pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). E-mail
para contato: rafa.coradini@hotmail.com
1
Professor Doutor em História do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Orientador. E-mail para
contato: vbiasoli@gmail.com

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Em uma mesma comunidade há todo o tipo de
diversidade, fazendo com que as pessoas façam escolhas
constantemente na busca da prosperidade e da felicidade,
sejam elas conscientes ou inconscientes, uma vez que estão
implícitas ao modelo social imposto. A escola pública é
palco de todo o tipo de diferença que possa existir. Pode-se
citar a desproporcionalidade da renda familiar entre as
famílias, visível tanto na aparência das pessoas quanto no
seu comportamento. Não que isso seja uma característica
ruim, no entanto a forma com que se lida com ela acarreta
consequências desagradáveis para as relações que ali se
estabelecem e para o desenvolvimento das crianças. Por
isso, neste artigo, estou propondo a discussão a respeito do
preconceito, principalmente no que se refere às diferenças
sociais e como a disciplina de História pode auxiliar o
educando a não se sentir discriminado por conta da sua
condição social e a perceber-se como um sujeito histórico,
com possibilidade de ações que podem transformar o seu
futuro e o seu entorno. Refletir sobre o tema pode
amenizar as consequências das diferenças e apontar
caminhos para a convivência.
Analisar e reconhecer a realidade social da
comunidade escolar e suas várias formas de exclusão pode
possibilitar a clareza nas soluções e perceber que a escola
é, também, um lugar no qual essas diferenças podem ser
diminuídas. O papel da escola é educar, proporcionar
cultura, preparar o aluno para o mundo em que vive e para
outras realidades. O processo de conscientização proposto
por Freire é o caminho para a humanização. Dessa forma,
a consciência faz parte da educação e deve ser exercitada
constantemente. Diz Freire: “A conscientização, como
atitude crítica dos homens na história, não terminará
jamais.” (1980, p.27). Não se trata de homogeneizar, mas
de compreender a diversidade como fator positivo de
convivência e crescimento, e não a diferença que exclui e
que se transforma em preconceito - atos de inferioridade e
de classificação.
Inicialmente, o artigo busca compreender a
historicidade das diferenças sociais e as suas
consequências para a educação escolar. Não se pode
pensar em solução sem compreender a raiz do problema,
como surge a questão da exclusão e porque ela é
camuflada em ambientes públicos, especificamente na
escola.
O Brasil é um país acolhedor por natureza. A ampla
diversidade de etnias existentes no país é uma prova disso.
Mas, assim como existem aspectos da nossa cultura e
sociedade que nos unem, há também aspetos que nos
separam. A concentração da renda é dessas realidades que

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|136


alimentam a diferenciação e a discriminação. Uma
realidade que se reflete na educação escolar e gera
situações que devem ser encaradas. Preparar os pobres
e/ou aqueles que se sentem discriminados por esta
realidade social nos parece uma das tarefas da escola. A
educação deve se comprometer com a formação do sujeito,
com a sua dignidade e também com o aumento de
possibilidades e oportunidades desse sujeito se realizar.
A luta pela educação para os direitos humanos tem
conquistado novos e melhores espaços nos últimos anos.
No entanto, uma reflexão que precisa ser feita é que não
bastam garantias legais, são necessárias ações que
acompanhem essas normatizações e, de fato, que garantam
esses direitos a todos os cidadãos.
Aotérmino da I Guerra Mundial (1919) emergiu a
necessidade da correção das desigualdades. Dentre outros,
o Brasil também participou desta mudança. Este programa,
mais tarde conhecido como Estado de Bem-Estar Social
foi sendo efetivado na década de 1930, quando os Estados
Unidos, a Europa e também a América Latina e o Brasil
estavam em situação de grande crise ou grande depressão.
O referido programa pretendeu estender a todos os
cidadãos o que antes somente uma minoria tinha acesso,
como saúde e educação. Entre as medidas adotadas, a
educação seria aquela que efetivamente mudaria a
sociedade, já que todos teriam as mesmas chances.
O Estado de Bem-Estar Social, legalmente,
pretendia que os direitos sociais alcançassem todos os
cidadãos. Se a lei seria cumprida ou não, é outra questão a
ser discutida, mas o que vale reforçar é que, em detrimento
de uma educação apenas para a classe elitizada, a partir de
então todos teriam a oportunidade e o dever de frequentar
a escola. Segundo Saviani, a escola é a fonte para tornar o
indivíduo um cidadão, já que é ela quem irá propor o
conhecimento a todos de seus direitos e deveres (2013,
p.745)
A educação, para além de se constituir em
determinado tipo de direito, o direito social, configura-se
como condição necessária, ainda que não suficiente, para
o exercício de todos os direitos, sejam eles civis, políticos,
sociais, econômicos ou de qualquer outra natureza. Isso
porque a sociedade moderna, centrada na cidade e na
indústria, assumindo a forma de uma sociedade de tipo
contratual, substituiu o direito natural ou consuetudinário
pelo direito positivo. Isto quer dizer que a sociedade
urbano-industrial se baseia em normas escritas. Portanto, a
participação ativa da sociedade, vale dizer, o exercício dos
direitos de todo tipo, pressupõe aos códigos escritos.

Ou seja, a escola é fundamental para garantir os


direitos sociais básicos de todo cidadão. Segundo a
Constituição brasileira, até 1971 a obrigatoriedade escolar
era apenas de quatro anos, garantindo o ensino primário.

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Depois houve a ampliação da obrigatoriedade para oito
anos e, até 2016 a perspectiva é da obrigatoriedade da
permanência na escola dos quatro até os dezessete anos de
idade. Conquistas importantes para quem acredita que a
educação é uma das formas de transformação da realidade
social. Mas, como citado anteriormente, não basta garantir
esse direito por força de lei. Esse direito precisa ser
transformado em ações para que ele se efetive no contexto
escolar e seja um fator de transformação social.
A época da infância e da adolescência é marcada
pelos anos em que a escola é o grande gerador das
experiências humanas. As crianças, ao contrário do que se
pensa e divulga, gostam de ir para a escola, muitas delas
não gostam é de estar na sala de aula. Neste espaço
devemos aprender a nos relacionar e a formar laços de
amizade, lidamos com emoções que se constituem,
aprendemos a nos conhecer melhor e a entender nossos
sentimentos e ações, mas também é neste espaço que
formamos nosso caráter.
O papel da família é fundamental no processo de
constituição da identidade da criança e do adolescente. No
entanto, as formas atuais de organização familiar,
especialmente pela ausência dos pais, por motivo de
trabalho ou vulnerabilidade social, levam a criança, o
adolescente e o jovem a buscarem muitas vezes referências
na escola. Atos de violência, vandalismo e discriminação
são cada vez mais comuns no contexto escolar. Sua
banalização e desconhecimento podem levar o caos para o
ambiente escolar. Por isso, é necessário propor o
entendimento, a discussão e a ação da realidade para que
ela possa ser transformada.
Para que as transformações ocorram, um dos
objetivos principais de ação efetiva combatendo as
diferenças seria a de analisar sempre a realidade social em
que as instituições escolares estão inseridas. Sem
conscientização coletiva dessa realidade não há
transformação.
A conscientização do ser humano leva à
necessidade da educação. “Mulheres e homens se tornaram
educáveis na medida em que se reconheceram inacabados.
Não foi a educação que fez mulheres e homens educáveis,
mas a consciência de sua inconclusão é que gerou sua
educabilidade” (Freire, 1996, p. 58). Freire, portanto,
elabora um pensamento que fundamenta uma educação
para a emancipação, reconhecendo a autonomia do sujeito
racional, que tem conhecimento e liberdade, e que
coletivamente, sem negar os saberes construídos na
experiência, pode romper com a estrutura social opressora
e construir uma sociedade emancipada. Para Freire, a
emancipação depende da ação dialógica e a propõe como
alternativa, não somente para a educação, mas para toda a

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|138


sociedade, no intuito de construir o ser humano,
respeitando o outro e superando as estruturas de opressão.
Analisando esta proposta pode ser possível refletir
sobre conceitos de inclusão e exclusão escolar. Sabe-se
que a inclusão é o ato de acolher a todos em determinado
espaço, sem exceção, independente de condições físicas,
gênero, opção sexual, cor de pele e classe social. A
Constituição brasileira novamente surge para garantir este
direito que é de todos, em todas suas esferas. Porém
Gentili (2009) trabalha com o conceito de exclusão
includente, onde o sistema educacional e o governo
recriam mecanismos para incluir o sujeito e que,
geralmente, estes mecanismos são insuficientes. Um
exemplo é a garantia da educação básica ao indivíduo
menor de dezoito anos. Este fato poderia diminuir a
desigualdade social nas próximas gerações, pois todos
teriam iguais condições para disputar seu lugar em cursos
técnicos ou de graduação e também no mercado de
trabalho, mas ao contrário, ele continua excluindo e
taxando os sujeitos dentro do contexto que ele pertence.
Segundo Gentili, ele prejudica e bloqueia muito mais a
população juvenil que a adulta (2009, p.1065)
A situação herdada e as perspectivas futuras são
particularmente graves diante do fato de que, em nossos
países, a pobreza tem um impacto bem mais contundente
sobre a população infantil e juvenil que a população
adulta. Ou seja, a intensificação ou a manutenção dos altos
índices de pobreza e indigência tendem a condicionar
seriamente as oportunidades de vida e os direitos da
população com menos de 18 anos.

Dentro do contexto escolar esta ação deve ser


cotidiana, mas o ato de excluir é constante e fica muito
visível no âmbito das necessidades especiais.
Teoricamente a escola acolhe o aluno portador de alguma
deficiência, organizando e adaptando o espaço para que
este possa transitar e se manifestar sem problemas, e a
instituição se define como diversificada e acolhedora.
Dentro deste ponto de vista o problema está resolvido, já
que atitudes preconceituosas para com alunos de baixa
renda não são vistas, não está escancarado porque é fácil
de maquiar, de esconder e de não escutar ou não ver, pois
são ações que exigem o imediatismo, a reação de forma
que todos compreendam a gravidade da situação e que
possam ser educados para que tal ato não se repita
novamente.
O evento Conae 2014 (Conferência Nacional da
Educação) que aconteceu no mês de março mostrou a
gravidade em que se encontra o sistema educacional e o
descaso por parte do governo em tentar solucionar
problemas que são gritantes. Uma das discussões neste
encontro foi o antigo PNE (Plano Nacional de Educação),

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|139


e a dificuldade em cumprir suas metas, rendendo
negativamente bases para desigualdades por mais uma
geração (ver www.fepesp.org.br). Desta forma, fica cada
vez mais evidente o papel fundamental que o professor
exerce dentro da sala de aula. Não se pode esperar que
outros órgãos resolvam assuntos relacionados à
desigualdade social, o professor deve se engajar nessa
tarefa. Há falha do sistema educacional em garantir
educação pública e de qualidade para todos e o professor
precisa perceber isso. No nosso entendimento, o caminho
a ser seguido está no contexto escolar, entre professor e
professor, entre professor e aluno, entre aluno e aluno, com
a comunicação de todos em uma só linguagem.
As diferenças sociais existem porque há classes
sociais onde cada indivíduo é classificado e enquadrado
em determinada letra (A, B, C, D ou E) de acordo com sua
renda mensal ou anual, mas também de acordo com suas
posses e consumo. As diferenças sociais existem desde o
início da convivência em comunidades. Mesmo que a
propriedade privada ainda não fosse registrada dentro de
marcos legais, ainda assim existiria uma hierarquia de
poderes que determinariam a qual classe ou camada o
sujeito fazia parte.
Rousseau debate em suas obras a questão da
propriedade privada, do ter em detrimento do ser como um
corrompimento da essência humana em sociedade (1979,
p.267 -268)
Antes que tivessem inventado os sinais
representativos das riquezas, elas só podiam consistir em
propriedades e animais, os únicos bens reais que os
homens podiam possuir. Ora quando as heranças
cresceram em números e em extensão, a ponto de cobrir
todo o solo, e tocaram-se umas às outras, uns só puderam
prosperar a expensas dos outros, e os supranumerários,
que a fraqueza ou a indolência tinham impedido por seu
turno de as adquirir, tendo se tornado pobres sem nada ter
perdido, porque, tudo mudando à sua volta, somente eles
não mudaram, viram-se obrigados a receber ou roubar sua
subsistência da mão dos ricos. Daí começaram a nascer,
segundo os vários caracteres de uns e de outros, a
dominação e a servidão, ou a violência e os roubos.

Uma comunidade apresenta todo o tipo de


diversidade, fazendo com que as pessoas façam escolhas
constantemente na busca da prosperidade e da felicidade, e
a escola pública é palco de toda e qualquer diferença que
possa existir. Dentro deste contexto existe uma
desproporção de renda familiar gritante entre os alunos,
seja em sua aparência e também em seu comportamento.
Através da pesquisa realizada pelo IBGE (Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística) em 2010, fica claro
que os alunos que seguem os estudos em nível de

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|140


graduação e pós-graduação são aqueles pertencentes às
famílias com faixas mais altas de ganhos mensais.
Na busca pela diversidade, já se construiu e se
constrói continuamente múltiplas respostas e propostas
para a promoção à diversidade no Brasil. Vivemos em um
mundo de demarcações territoriais, cada um quer ter o seu
espaço garantido, ser dono, possuir algo, por isso cada vez
mais estamos em uma época em que se predomina a
individualidade, muitas vezes se esquecendo de quem está
ao nosso lado. Por isso a fase da educação escolar é um
período fundamental na formação de opinião voltada para
a solidariedade e a convivência social. Nosso país é um
lugar predominantemente diversificado e a História nos
leva a compreender as razões históricas dessa construção e
a nos impingir um compromisso com os excluídos, os
marginalizados da sociedade.
Este artigo surge da necessidade de refletir a
respeito da diversidade e da necessidade de respeitar o
outro como ser pertencente ao contexto social em que
estamos inseridos. Já que os direitos humanos visam a luta
por justiça e liberdade de expor nossas opiniões, nos
garantindo inclusive a forma de protesto quando estes não
são cumpridos. Em uma luta desigual, o poder do mais
forte irá se destacar em detrimento do mais fraco, porém se
os indivíduos envolvidos forem humanos e éticos, a
prevalência da dignidade humana não deixará que a
injustiça ocorra. Pensando desta forma, a história recente
do nosso continente surge como exemplo de disputas de
poder, com consequências catastróficas, deixando feridas,
até então, abertas. O caso em questão é o das ditaduras e
das violações dos direitos humanos em diversas nações da
América do Sul, ao longo dos anos de 1960 e 1970, assim
como a grande amnésia se estabeleceu nestes países
apagando parte do passado doloroso vivido nesses tempos
ditatoriais. O estudo, em sala de aula, sobre este tema,
reforçando o enfoque na memória testemunhal produzida
depois do término do estado repressivo, pode ajudar o
estudante a conhecer a história do seu país e do continente
sul-americano, se identificando também como agente
transformador do seu meio, mesmo que no momento não
possa mudar sua realidade, mas que a história prova que
existem meios de se manifestar e que isto fará a diferença
para a geração atual e a seguinte.
As produções do testemunho nas memórias
traumáticas são de grande importância porque
transformam este relato em fonte oficial, tão válida quando
as fornecidas pelos organismos estatais. Devido a esse
contexto histórico complexo, existe a necessidade e a
obrigação de um conhecimento dos fatos acontecidos, para
que não sejam relegados ao esquecimento e que os
derrotados sejam ouvidos. Assim, as memórias relatadas
por aqueles que fizeram parte dos grupos de oposição e

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|141


foram alvo das arbitrariedades doEstado são essenciais
para as pesquisas cujo enfoque é ditaduras do Cone Sul. O
Estado aqui também tem o papel condutor para a
instauração de novos regimes políticos, pois, segundo
Mendonça “o Estado é identificado a uma determinada
agência burocrática, ou a figuras de proa da administração
pública, decorrendo e ratificando uma coisificação do
conceito.” (2011, p.14). Análise esta que faz criar
afirmativas óbvias, ou seja, o Estado é representado pelo
próprio ditador, e nele está configurada a manutenção dos
três poderes. Assim, tal documentação oficial oferecida foi
produzida pelos dispositivos que estavam no poder, no
período analisado, concentrando a informação da forma
como as Forças Armadas queriam que fossem divulgadas.
O diálogo acerca desta temática é uma alternativa
em sala de aula para o entendimento da realidade do
educando. Se as ações concretas forem direcionadas em
predomínio da ética, de uma luta justa e democrática, não
teremos seres desumanos, mas sim sujeitos indignados,
marchando em busca de transformações que melhorem as
condições atuais para um futuro digno e mais solidário.
Pode ser percebido que a desigualdade vem de fora para
dentro do ambiente escolar, conforme Caregnato (2013,
p.49)
A sociedade que exclui é a mesma que integra,
mas de forma precária, patológica, gerando processos que
atingem a todos nós independentemente do grupo social
em que constituímos, e o discurso da exclusão social, tão
utilizado por militantes e pensadores críticos, revela-se
como um discurso desconectado dos anseios daqueles que
dele são vítimas e, teoricamente, diz mais respeito a uma
ideia de manutenção do que de crítica da realidade
vigente, pois acaba defendendo as relações sociais
existentes, questionando apenas a inacessibilidade de uma
parte da sociedade.

Vivemos em uma sociedade excludente. As classes


sociais, disfarçadas ou não, existem e existirão. Como a
citação acima reflete, não adianta ficar questionando a
pobreza, a miséria, mas sim como conviver com ela,
acolher a todos no contexto escolar e tomar consciência de
que se ela existe é porque faltaram oportunidades ou não
foram dadas condições iguais aos sujeitos.
Nesta luta, é impossível deixar de fora as
instituições educacionais de seu papel fundamental de
formação ética do ser social, independentemente da
desvalorização em que o professor atuante está passando
no momento, o que não se pode é fugir desta
responsabilidade. Pode-se perceber o papel fundamental da
escola para a promoção da democracia e do direito a ser e
estar onde se deseja. O professor que trabalha com valores,
com a presença da ética em seus diálogos e ações deve

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sentir-se um pouco responsável por tantas mudanças de
mentalidades e tantas manifestações inquietantes que o
grupo jovem está inserido e atuando, de forma efetiva.
A escola é um espaço público. E quando se pensa
em espaço público, se pensa em diversidade. E esta
diversidade é escancarada dentro do contexto escolar, onde
a miscigenação é um desafio para a educação. Porém o
mais difícil de ser tratado seria pensar em diversidade
social, ricos e pobres desfrutando o mesmo cotidiano lado
a lado, sem que ocorram preconceito e discriminação. As
políticas públicas estão associadas a dizimar este problema
através de cotas, de oportunidades iguais, não importando
o ter, mas sim o ser e o saber.
A convenção do termo educação inclusiva cabe à
realidade da escola pública, porém em alguns trabalhos
torna-se visível que fica na utopia, principalmente quando
se trata da palavra tecnologia e seu acesso. Mesmo a escola
possuindo um amplo laboratório de informática, o trabalho
a ser realizado neste espaço deve ser construído por alunos
que já estejam familiarizados com estas ferramentas e, no
entanto, nos deparamos com estudantes que não tem
computador em casa, que somente sabem acessar a internet
utilizando redes sociais e nada mais, por isso vão ficando
cada vez mais intimidados por colegas que sabem e que
resolvem as questões rapidamente e com habilidade.
O problema do preconceito vai além da exclusão,
pois uma de suas consequências é a violência por parte do
excluído. Este, para se defender ou sentir-se parte de algo,
utiliza a agressividade e também a discriminação em
outros sujeitos para se preservar ou inserir-se no sistema.
Um tema muito discutido na atualidade é o bullying. O
termo inglês significa brutalidade, que pode ser cometida
por um ou mais indivíduos, porém a gravidade está no
dano emocional e psicológico que isso pode causar. Existe
uma necessidade muito grande em ser aceito, em ser
reconhecido e se igualar aos demais e a escola é o espaço
dos jovens, sendo que estes estão em fase de
reconhecimento e conhecimento da sociedade
individualista, como Elias explica (1994, p.103)
Tanto a possibilidade quanto a necessidade de
maior individualização constituem um aspecto de uma
transformação social que ultrapassa em muito o controle
do indivíduo. O produto dessa individualização crescente,
a maior diversidade das pessoas com respeito ao
comportamento, à experiência, e à composição, não é
simplesmente dado pela natureza, no mesmo sentido da
diversidade dos indivíduos humanos. Tampouco a
separação dos indivíduos, da qual às vezes se fala como
um fenômeno dado pela natureza tem o mesmo sentido da
separação de cada pessoa no espaço.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|143


Como em qualquer faixa etária, existe a
preocupação e a pressão em não fracassar. O indivíduo
pertencente a uma sociedade que o exclui por diversos
aspectos de sua individualidade, seja por sua etnia, sua cor
de pele, sua opção sexual ou sua condição financeira, e o
faz agir sem pensar para se defender. O adolescente, em
muitos casos, para não ser agredido irá agredir primeiro,
irá excluir primeiro. O aumento considerável de violência
em todo o mundo, as notícias cada vez mais transmitem
ações de pessoas que, até então, não tinham nenhum
transtorno psicológico e que agora estão cometendo atos
brutais de violência contra civis inocentes. Encarar o
problema é o passo inicial para educar para a possibilidade
de transformação da realidade.
Como já havia citado anteriormente, o Brasil é um
dos países mais desiguais do mundo, a renda está
concentrada nas mãos de poucos. Toda esta desigualdade
presente entre alunos que estão formando seu caráter, que
estão em uma fase confusa que é a adolescência e que
estão sofrendo com as mudanças de seu corpo e a
imposição que a mídia faz para que se encaixem nos
padrões ideais da moda, faz com que eles discriminem,
excluam e utilizem as armas que têm para se defender. E
aquele que ataca, que discrimina também pode estar
usando uma arma para se impor, como cita Bourdieu
(1997, p.118)
Nessas sociedades, torna-se um ideal pessoal de
jovens e adultos diferir dos semelhantes de um modo ou
de outro, distinguir-se em suma, ser diferente. Quer se
aperceba disso ou não, o indivíduo é colocado, nessas
sociedades numa constante luta competitiva, parcialmente
tácita e parcialmente explícita, em que é de suma
importância para seu orgulho e respeito próprio que ele
possa dizer a si mesmo: “Esta é a qualidade, posse,
realização ou dom pelo qual difiro das pessoas que
encontro a meu redor, aquilo que me distingue delas.” Não
é mais que outro aspecto dessa composição e situação
humanas o que se expressa no fato de, em certa medida, o
indivíduo buscar sentido e realização em algo que apenas
ele faz ou é.

Assim, esta busca em se destacar, em se diferenciar


e tornar-se, muitas vezes, um líder que impõe medo e/ou
respeito, faz com que a condição que se sobressai seja a
financeira. Muitos jovens não desenvolveram ainda um
talento que eles possam utilizar para buscarem sua
realização. Esse também é o papel da escola quando
trabalha com a diversidade.
A escola, que se pretende protagonista da
diversidade, precisa assumir-se como espaço de
diversidade na sociedade em que está inserida. Há
experiências importantes e positivas, nas quais o tempo
que as crianças e os adolescentes passam na escola torna-

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|144


se um aliado para a comunidade. Uma gestão
comprometida com a diversidade discute constantemente
com aqueles que fazem parte do processo de aprendizagem
e educação, para que todos se familiarizem e contribuam
para que as transformações aconteçam.
A atuação e participação da gestão escolar são de
extrema importância para que o processo ocorra de forma
positiva. A escola precisa antecipar-se e remediar o
problema a fim de evitar o preconceito, elaborando
projetos para esclarecer os alunos e debater sobre o tema
faz com que se evite a exclusão. Não basta apenas afirmar
que é feio ou que é maldoso excluir um colega por sua
condição financeira, por sua vestimenta inferior ou por seu
pouco conhecimento sobre tecnologia. A ideia é que se
conscientize para que ocorra uma mudança de pensamento,
mesmo que o capitalismo afirme o contrário, mesmo que a
vida fora da escola seja totalmente diferente, a escola
pública tem como obrigação igualar os alunos promovendo
a diversidade, pois o nome já diz, é pública, é de todos e
deve ser aproveitada igualmente por todos. Todos que
fazem parte dela devem receber o mesmo tratamento e
poder sair com direito a disputar as mesmas oportunidades,
este deveria ser o seu papel. Projetos que ajudem os alunos
a formarem opinião, que trabalhem com a realidade, que
percebam o seu entorno e possam reconhecer em seus
colegas pares iguais. As narrativas memorialísticas
surgem, então, para que não se esqueçam das
arbitrariedades e violências que ocorreram. Com tantas
mudanças e a aceleração do tempo, onde tudo se consegue
de forma rápida e funcional, há uma preocupação
constante quanto à preservação da identidade. Palavra que
remete ao idêntico e a manter aquilo que somos e fomos 22,
e nos reconhecer enquanto grupo, como coletivo e social.
A diversidade de gênero e étnica deve ser
valorizada, e a questão social também, mas não de uma
forma inferior, os trabalhos devem mostrar que vários
países têm programas sociais efetivos combatendo a
discriminação e a pobreza.
As aulas de História são um espaço e momentos
privilegiados para estes assuntos serem abordados. Quando
ensinamos História, sempre ensinamos o lado dos
incluídos, mostramos os excluídos, mas não discutimos,
não analisamos sua real participação e função social. Uma
das tentativas de inclusão pode ser a de mostrar os diversos
lados da história. Mostrar aos alunos quem são os
incluídos e quem são os excluídos, e fazer a reflexão do
“lado” da história em que eles estão para saber de qual
lado lutar.
No caso das aulas de História Contemporânea,
quando são abordadas as ditaduras do Cone Sul, a ênfase
22
(2005) Ver BURKE, Peter. O que é história cultural?

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nas obras testemunhais – as obras escritas por aqueles que
viveram e sofreram a experiência histórica das ditaduras –,
deve ser questionado o porquê de se escrever tais relatos.
Estimular o estudante a perceber que nestes relatos –
produzidos por aqueles que foram derrotados e geralmente
excluídos dos relatos oficiais –, pode surgir a oportunidade
do testemunho fazer valer a sua versão dos fatos e, desta
maneira, expor a face cruel daqueles que prenderam,
torturaram e muitas vezes mataram adversários políticos.
Obras que revelam diversas facetas, muitas vezes o
“dever” de expor o que se sabe sobre o período, o que
viveu e porque sobreviveu.
Segundo Calveiro “o sobrevivente sente que viveu
enquanto outros, em sua maioria, morreram. Sabe que não
seguiu vivo porque era melhor e, em muitos casos, tende a
pensar precisamente que os melhores morreram.” (2013,
p.144). Esta obrigação de escrever pode ser a chave de
todo o processo da memória individual, escrever e não
poder esquecer nada, pois há uma obrigação moral com a
sociedade, não mais de punição, mas de que não volte a
acontecer situações similares, que não existam mais, que
não surjam mais regimes políticos semelhantes.
Em nossa realidade (das escolas públicas), nossos
alunos não estariam do lado da história de uma camada
social favorecida, por exemplo, mas do lado dos
trabalhadores explorados e sem oportunidade de se
manifestarem e, os remetendo ao passado das ditaduras do
Cone Sul, eles seriam os considerados “subversivos”. Ao
tomar contato com a vivência dos militantes políticos que
foram perseguidos e torturados – para muita além das
regras que regem os confrontos políticos e militares –, os
alunos estarão entrando em contato com os excluídos na
experiência histórica dos regimes ditatoriais do Cone Sul.
Os homens e mulheres considerados subversivos
estavam lá, pertenciam ao mesmo espaço das sociedades
mergulhadas em regimes ditatoriais, mas, ao mesmo
tempo, eram invisíveis perante os dispositivos da ditadura.
Neste caso, os militantes clandestinos foram forçados a
criar e a se adaptar a um espaço para poder sobreviver,
mas ao mesmo tempo usar mecanismos de identidade para
se reconhecer uns aos outros em um lugar ocupado por
todos.
Assim, segundo Koselleck “o espaço é algo que
precisamos pressupor meta-historicamente para qualquer
história possível e, ao mesmo tempo, é historicizado, pois
se modifica social, econômica e politicamente.” (2014,
p.77). Através desta reflexão nos aproximamos do que
seria o planejamento de um determinado ambiente ou
região, para que se criem condições de sobrevivência em
tempos que não se pode ser visto e ser reconhecido por
aqueles que dominam todo o espaço.

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Não é culpa de um ou outro, mas sim do sistema
que vivemos. Nas condições de exceção que foram as
ditaduras militares, os embates políticos não se davam
dentro de marcos institucionais democráticos. Eram
ditaduras que desprezavam as regras democráticas e
empurravam os que não se conformavam com isso ao
silêncio ou a clandestinidade. De alguma maneira, era uma
realidade social e política que levava ao extremo às
práticas discriminatórias.
Existem várias didáticas que podem ser trabalhadas,
mas o uso de tecnologias faria com que eles se sentissem
mais atraídos a participar. Eles poderiam elaborar
documentários com situações criadas por eles mesmos,
adicionar músicas e pessoas conhecidas no mundo que já
estão lutando contra o preconceito e contra pobreza
extrema e pesquisar na história fatos que narram situações
semelhantes. No final do trabalho seria ideal apresentar
para toda a comunidade, divulgar o tema e realizar debates
com vários setores da sociedade para que exista a
discussão de vários lados da questão.
Ações que envolvem os alunos em todo o processo
da construção da aprendizagem poderiam provocar o seu
compromisso com o espaço em que estão inseridos. Neste
caso poderia surgir uma maior solidariedade social, uma
necessidade em ver que o outro também está crescendo,
está recebendo todas as condições para que tenha uma vida
melhor e mais digna.
Num sistema capitalista e numa sociedade
extremamente individualista, querer que o outro cresça e
que se estabeleça em uma situação mais favorável é uma
contrariedade, sabe-se que é um caminho difícil, aliás,
muitos teóricos tentam explicar a falta de interesse comum
que uniria os diferentes segmentos de uma mesma
sociedade. Talvez, na escola, contexto em que os jovens
ainda não estão totalmente inseridos no mercado de
trabalho, poderia ser possível de se realizar. De acordo
com Arendt (2000, p.62)
A esfera pública, enquanto mundo comum,
reúne-nos na companhia uns dos outros e, contudo evita
que colidamos uns com os outros, por assim dizer. O que
torna tão difícil suportar a sociedade de massas não é o
número de pessoas que ela abrange, ou pelo menos não é
este fator fundamental; antes, é o fato de que o mundo
entre elas perdeu a força de mantê-las juntas, de relacioná-
las umas às outras e de separá-las.

Um trabalho em que todos participem pode fazer


com que a inclusão social seja uma realidade. A ideia é
que ocorra união, empatia, isto é, que uns consigam se
colocar no lugar dos outros, pois a intenção de entender o
que o outro sente e a compreensão do porquê se está em
determinada situação.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|147


É muito fácil dizer que “só é pobre quem quer”,
pois existem vagas de trabalho não preenchidas. Se o
sujeito não está preparado e não tem conhecimento, não
terá condições necessárias para tal. Transformar sua
trajetória não depende só dele uma vez que a intenção da
sociedade capitalista é exatamente essa: a manutenção de
uma margem de desempregados, de pessoas alienadas para
que estas sejam exploradas e que enriqueçam as camadas
mais altas.
Desta forma, todos estarão incluídos, independente
da classe social, todos terão o compromisso de
conscientizar os outros a sua volta, este compromisso faz
com que a inclusão aconteça, de dentro da escola, para
fora. Os professores deverão estar preparados para mediar
os debates buscando teorias, exemplos na história e
argumentos fortes para rebater uma situação de exclusão e
discriminação social.
O tema da desigualdade social no contexto escolar
permeia em quase todos os ambientes dos cursos de
licenciaturas promovidos pelas universidades. Ele é
debatido, discutido, porém não é efetivado em prol de
ações que os identifiquem e os eliminem. Para que isto
ocorra é necessário que prevaleça o espírito de mudança e
de não comodismo diante da realidade social que as
escolas públicas oferecem.
A melhor maneira de transformar é envolver a todos
no trabalho, principalmente aqueles que são a razão de
toda a transformação: os alunos. Eles devem ser ouvidos,
devem ser questionados e convidados a fazer parte do
trabalho, da análise, da pesquisa e da busca de dados. Não
seria possível elaborar um projeto em que os estudantes
apenas sejam os espectadores, mas sim eles devem ser os
protagonistas e os autores da mudança. Todas as
disciplinas de um currículo escolar têm condições de
fornecer subsídios de mudança para a inclusão escolar. A
educação é fonte de esperança, assim como cita Arendt
que “O papel desempenhado pela educação em todas as
utopias políticas, a partir dos tempos antigos, mostra o
quanto parece natural iniciar um novo mundo com aqueles
que são por nascimento e por natureza novos.” (2001,
p.225).

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|148


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História da educação e Teoria Queer
Diálogos possíveis no processo de ensino-aprendizagem
PorAntoniel dos Santos Gomes Filho¹, Cícero Edinaldo dos Santos²

Resumo Abstract
Almejamos contribuir para a formação We aim to contribute to the academic
acadêmica de professores- pesquisadores, training of teachers-researchers,presenting a
apresentando uma nova perspectiva no ensino e new perspective on teaching and learning in
aprendizagem em História da Educação, History of Education, based from the
fundamentada a partir das postulações da teoria postulations of Queer Theory. We start first
Queer. Partimos inicialmente de um from a literature review in order to demonstrate
levantamento bibliográfico, a fim de the usefulness of interdisciplinary dialogue,
demonstrar a utilidade do diálogo highlighting the arrangement of your
interdisciplinar, destacando o arranjo de sua configuration and its possibilities. We believe
configuração e suas possibilidades. that dialogue between the History of Education
Consideramos que o diálogo entre a História da and Queer Theory enters the margins of the past
Educação e a teoria Queer adentra as margens and present, with critical content, by
do passado e do presente, com teor crítico, undermining the individual and social life. It
desnaturalizando a vida individual e social. shows how a post-identity initiative to educate,
Mostra-se como uma iniciativa pós-identitária can be put into practice in teacher-researchers.
de educar, possível de ser colocada em prática Thus, dialogue between History of Education
na formação de professores-pesquisadores. and Queer Theory bet on multiplication of the
Assim, o diálogo entre História da Educação e differences that can subvert the totalizing and
teoria Queer aposta na multiplicação das hegemonic discourses of science and academia
diferenças que podem subverter os discursos everyday. Warns the importance of
totalizantes e hegemônicos da Ciência e do contextualizing the ways to act and react,
cotidiano acadêmico. Adverte a importância de stressing that the agency is not the same in all
contextualizar as formas de agir e reagir, times and places. Fits surprising, deconstruct,
salientando que a agência não é igual em todos knowledge on gender regulations and not (re)
os tempos e espaços. Serve para estranhar, legitimize existing patterns and relationships.
desconstruir, os saberes sobre as regulações de
gênero e não (re) legitimar padrões e relações Keywords:History, Education, QueerTheory, Research, Education.
vigentes.

Palavras-chave:História, Educação, Teoria Queer, Pesquisa, Ensino.

1. Universidade Federal do Ceará (UFC)


antoniel.historiacomparada@gmail.com

2. Universidade Federal do Ceará (UFC)


ciceroedinaldo@live.com

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|151


Introdução
O estudo apresentado pretende demonstrar as
nuances que perpassam ações, atitudes e posicionamentos
presentes no processo de ensino-aprendizagem. Ancora-se
na articulação entre a formação de professores-
pesquisadores e reflexões críticas relativas às práticas
pedagógicas.
Compreendemos que as diversas práticas
pedagógicas desenvolvidas nos processos de ensino-
aprendizagem têm o intuito de promover a reflexão e
construção dos conceitos de cultura, sociedade e educação
(MIZUKAMI, 1986). Desse modo, os valores sociais sobre
o sexo, o corpo e as identidades permeiam essas práticas,
direta ou indiretamente, uma vez que, os livros didáticos, o
currículo, a arquitetura acadêmica e escolar, entre outros
dispositivos, coadunam para instaurar um modo restrito de
ser e estar no mundo.
Com este artigo introdutório, almejamos contribuir
para a formação de pedagogos e historiadores,
apresentando uma nova perspectiva de ensinar e aprender
História da Educação, isto é, fundamentada nas
postulações da teoria Queer.Este objetivo nasce a partir
das nossas experiências com a disciplina mencionada e
poderá servir como um instrumental teórico-metodológico
para novos direcionamentos na formação de professores-
pesquisadores.
Durante o desenvolvimento de nossas reflexões
utilizamos como itinerário metodológico a Revisão de
Literatura (RL) com base nos escritos de
Hohendorff(2014). Entre os autores selecionados, podemos
destacar Butler (2000, 2003, 2006, 2011, 2014), Foucault
(2011, 2014), Hall (2006), Louro (2001, 2012, 2014),
Miskolci (2009, 2012), Preciado (2011) e Scott (1994,
1995). Os mesmosnos auxiliaram na compreensão das
nuances que envolvem os temas desenvolvidos.
Do ato de pesquisar para ensinar, resultaram
algumas discussões que apresentaremos a seguir. Na
primeira parte, destacamosalgumas facetas da História da
Educação e suas possíveis articulações com a teoria Queer.
Na segunda parte, dissertamos como o diálogo entre as
mesmas pode ser utilizado no processo de ensino-
aprendizagem, por intermédio de uma temática central, que
serve como exemplo, a saber: Regulações de Gênero.
A teoria Queer busca ser mais um meio para
interpretar as normas sociais, considerando o gênero e a
sexualidade como construções históricas e sociais. Nesse
sentindo sua proposta é trans/inter-disciplinar, pois não
possui cânones de referência isolados. A trans/inter-

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disciplinaridade quando vista sob o enfoque pedagógico é
fundamental para compreender as atuais as questões de
ensino-aprendizagem em relação a temas transversais, uma
vez que, a vida social torna-se cada vez mais complexa, à
educação e a formação de professores-pesquisadores deve
buscar refletir sobre essa complexidade através “superação
da visão fragmentada nos processos de produção e
socialização do conhecimento” (DA SILVA THIESEN,
2008).
Dito isto, a teoria queer possibilita ao pesquisador
transitar pelas ciências e romper as barreiras impostas,
ampliando assim as percepções analíticas do social e seus
diversos marcadores da diferença, em especial o gênero e a
sexualidade.Diante dessa liberdade teórica e metodológica,
a Teoria Queer por vezes é vista com estranhamento e
desconfiança que lhes são próprias, a partir disso alguns
professores e pesquisadores podem ter algumas
dificuldades de pensar o ensino de suas disciplinas já
consagradas na academia em articulação com os estudos
queer, ou quaisquer outros que almejem a desconstrução e
subversão normativa.
É tentando articular a referida teoria e a disciplina
de História da Educação, comum nos cursos de pedagogia
e em alguns cursos de licenciatura em História, que
apresentamos este artigo, aproximando áreas de estudo que
diretamente ainda não promovem um diálogo, porém,
diante da conjuntura atual, podem trazer contribuições para
o processo de ensino-aprendizagem.

Estranhar e (des)construir
Partimos do pressuposto de que a História não tem
“sentido unívoco”, embora isso não queira dizer que seja
incoerente. Ao contrário, ela é inteligível e pode ser
analisada em seus menores detalhes, segundo a
inteligibilidade das lutas, das estratégias e das táticas.
(FOUCAULT, 2011).
A História da Educação, por sua vez,é
compreendida enquanto campo epistemológico sobre o
passado educacional, nas suas diversas dimensões e
acepções, tendendo para uma história trans e internacional,
mas também é memória, paradigma e disciplina na
formação de professores-pesquisadores dos cursos de
graduação em pedagogia, embora ainda não faça parte de
muitos currículos dos cursos de Licenciatura em História.
Ensinar e aprender sobre História da
Educaçãopossibilita novos caminhos no processo
formativo, pois cada objeto de estudo mostra-se articulado

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a contextos espaço-temporais variados e complexos. Logo,
o seu entendimento ancora-se numa abordagem mais
ampla, sem perder de vista as configurações e
especificidades regionais ou locais.
Conforme as nossas experiências em sala de aula,
parece-nos que determinados assuntos vinculados a “temas
polêmicos”ainda estão à margem do processo de ensino-
aprendizagem, tais como sexualidade, intolerância
religiosa, racismo e regulações de gênero. Estranhando
este panorama atual, decidimos apresentar este artigo,
vendo-o como um passo para a desconstrução de noções
enraizadas no senso comum e nos cursos de formação de
professores-pesquisadores. Estes últimos,em sua grade
maioria, são norteados por currículos que visam apenas à
difusão de saberes inerentes as áreas abordadas, sem
proporcionar um diálogo com outros conhecimentos.
Nessa perspectiva, acreditamos que a Teoria
Queerpode ajudar no processo de desconstrução analítica
da História da Educação, incentivando novos
redirecionamentos no processo de ensino-aprendizagem.
Embora seja menos uma metodologia e mais um foco de
investigaçãoe análise, os métodos por ela empregados
encontram expressão e apoio da releitura de artefatos
culturais e na própria ciência (CRESWELL, 2014).
A teoria mencionada tem caráter científico-político-
militante. Está articulada à produção de um grupo de
intelectuais que, nos anos 90, começou a utilizar o termo
Queerpara defender uma nova perspectiva de análise.
Entre seus integrantes há divergências, embora algumas
aproximações significativas sejam visíveis, tais como os
estudos sobre as relações de gênero (LOURO, 2001).
Muitos dosseus pressupostos surgiram do
desdobramento dosEstudos Culturais norte-americanos e
doPós-estruturalismo francês. Propõem-se a problematizar
as concepções clássicas de identidade, agência, corpo, etc.
Rompem com a concepção cartesiana iluminista do sujeito
como base de uma epistemologia científica e ontológica,
isto é, “o sujeito desde sempre aí”, despertando reflexões
sobre os modos de ser e estar no mundo.
Inicialmente, o termo Queer foi utilizado no intuito
de desestabilizar aqueles que escutassem, pois o termo nos
países de língua inglesa é um xingamento, que subalterniza
as pessoas homossexuais, assim como o viado, o baitola, a
bixa, no Brasil. O termo Queer também atingiu os
movimentos sociais, ao passo que promove uma crítica aos
movimentos assimilacionistas, seu intuído enquanto
política não consiste em desqualificar os movimentos
identitários, mas sim apontar as armadilhas dos discursos
hegemônicos que envolvem esses movimentos, como
também demonstrar o caráter efêmero e contextual dos
sujeitos. Nos últimos anos, a teoria Queer além de buscar
questionar as normas sociais para as sexualidades e

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gêneros não-hegemônicos, também tem realizado análises
com outras categorias sociais, tais como: raça, etnia e
classe social, entendendo que todas estas categorias
perpassam a formação identitária e subjetiva dos
sujeitosqueer ou queerings (no sentido de sujeito de
processos efêmeros) (MISKOLCI, 2009; LOURO, 2001;
PRECIADO, 2011; PERES; 2012).
Atualmente, as configurações sociais não estão mais
instauradas numa perspectiva fixa e estabilizada, onde a
ordem das coisas permanece numa continuidade linear,
significando dizerque a formação subjetiva é agora
bombardeada por uma gama de possibilidades existenciais,
fazendo com que as identidades sejam fragmentadas e
tornem-se contraditórias, pois não mais projetamos nossas
identidades numa cultura unificada e centralizada, mas
numa cultura múltipla e descentralizada, que é provisória,
variável e problemática (HALL, 2006).
A identidade plenamente unificada, completa,
segura e coerente [na atualidade] é uma fantasia. Ao invés
disso, à medida em que os sistemas de significação e
representação cultural se multiplicam, somos confrontados
por uma multiplicidade desconcertantes e cambiantes de
identidades possíveis, com cada uma das quais
poderíamos nos identificar [e negociar] – ao menos
temporariamente (HALL, 2006, p. 13).

Nessas circunstâncias, podemos pensar o sujeito


como transeunte, que se move, que caminha nas diversas
possibilidades de ser e estar no mundo. Assim, a teoria
Queercontribui para a formação de professores-
pesquisadores do tempo presente e ajuda a olhar para o
passado com olhos de estranheza, porém sem pressupor
um devir. Este olhar estranha às condições de normalidade
sociocultural, uma vez que ela almejatransformações
práticas que dizem respeito a quem está autorizado a
conhecer, em âmbito acadêmico, ao que pode ser
conhecido em determinado contexto e às formas de se
chegar ao conhecimento legitimado e aceito por outros
segmentos da sociedade(LOURO, 2012). Além disso,
desafia o monopólio masculino, heterossexual e branco das
Ciências, das Artes e da Lei, desestabilizando também
saberes enraizados na formação de professores-
pesquisadores.
Ao se aproximar da História da Educação, a teoria
Queertende a desestabilizar conhecimentos a priori,
demonstrando que outros foram historicamente recusados
para não serem explicados, dentro e fora das
universidades. Logo, instiga a pensar: A quem ou a que a
nossa cultura se recusa conhecer? O que há por trás da
tentativa de ocultar sujeitos e práticas sociais da história,
da pedagogia e de tantas outras disciplinas?

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Além disso, esta aproximação questiona o processo
de diferenciação dos corpos em tempos e espaços distintos,
entendendo-os além de margens pré-estabelecidas.
Todavia, acreditamos que não basta aproximar os
domínios epistemológicos citados, é necessário
dialogar.Este diálogo não se trata de denunciar apenas os
preconceitos contra as mulheres,as lésbicas,
oshomossexuais, os bissexuais, as travestis, as/os
transexuais (e outros sujeitos) na ciência, por exemplo,
mas refutar todo tipo de lógica dicotômica e
discriminatória. Refere-se ao entendimento dastraduções e
tradições que movem e legitimam os conhecimentos ao
longo dos séculos, num constante fluxo entre passado e
presente. Trata-se de estranhar o que é dado como certo.
Duvidar. Aprender na fluidez do movimento dos tempos
históricos, reconhecendo no presente traços do passado,
questionando fatos do passado no tempo presente.
A História da Educação, assim como outras
disciplinas acadêmicas que perpassam a formação de
professores-pesquisadores, demonstra inúmeros tipos de
relações sociais. Logo, faz-se urgente ficar atento a isso,
pois o Outro, legitimado ou ocultado temporalmente,
possui informações preciosas para sabermos quem somos,
de onde viemos e porque continuamos a reproduzir
padrões semelhantes ou divergentes.

Revisando a história da educação: Regulações de


gênero à luz da teoria queer
O termo gênero apareceu inicialmente entre as
feministas americanas (1960-70) que buscavam destacar o
caráter fundamentalmente social das distinções baseadas
no sexo. Foi incorporado nas ciências humanas e vista
como uma categoria útil para o entendimento das relações
sociais, indicando uma rejeição ao determinismo biológico
(SCOTT, 1995).
Vale ressaltar que o movimento feminista e suas
produções teóricas iniciais (por alguns denominados de
feminismo de primeira onda), buscavam questionar as
diferenças sociais entre homens e mulheres, ainda
incorporados na perspectiva de diferenciação sexual
biológica.
Na celebre frase de Simone de Beauvoir (1987)
“não se nasce mulher, torna-se”, a autora não incorpora
outras percepções do ser mulher para os sujeitos que não
nascem com vagina, útero e ovários, desse modo à autora

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fala de mulher biológica para mulher biológica, sendo essa
concepção questionada e modificada no decorrer das
produções feministas, gerando conflitos e discussões nos
movimentos feministas.
No campo da História e suas ramificações, houve a
tentativa de formatar uma historicização e uma
desconstrução genuínas dos termos da diferença sexual. Na
História da Educação, por exemplo, desde fins do século
passado, ampliaram-se os estudos sobre as instituições
escolares dedicadas exclusivamente a um público
especifico (masculino ou feminino); redirecionam-se as
investigações referentes aos processos de socialização de
meninos e meninas (juntos ou separados); construíram-
seteses e dissertações sobre os processos histórico-
educacionais, onde a categoria de gênero mostra-se central,
como por exemplo, no processo de feminização do
magistério ou na educação masculina implantada nas
instituições confessionais católicas.
Nestes estudos a História da Educação – vista como
disciplina e domínio epistemológico, não é apenas a
ferramenta para a compreensão das mudanças na
organização social dos gêneros, mas também é uma
participante ativa na produção sobre as relações de gênero
em espaços diversificados. Em outros estudos, muitos
deles inerentes a formação de professores-pesquisadores
na academia, percebe-se a ausência desta categoria ou a
diluição da mesma em função de outras.
Por isso, ficamos a pensar: como entender a
formação histórica dos discursos de gênero e sua
articulação com o tempo? Como relacioná-los, se eles
parecem não tratar diretamente das regulações? Por que
pesquisar as regulações de gênero em contextos vários?
Acreditamos que o estranhamento e a desconstrução
podem guiar as respostas destas perguntas, desde que
foquem o contexto no qual tais vivências e experiências
foram legitimadas. Os contextos históricos nos quais as
regulações de gênero são gestadas e reiteradas estão
expressos em doutrinas religiosas, jurídicas, politicas,
cientificas e pedagógicas. Algumas delas milenares com
transformações sutis, ao longo dos séculos. Mesmo assim,
faz-se necessário analisar a forma pela qual as instituições,
ciências e o senso comum operam os modos de ser e estar
no mundo, revertendo e deslocando hierarquias,
questionando identidades, em vez de aceitá-las como reais
ou autoevidentes (SCOTT, 1994, 1995).
Em consonância com a teoria Queer, partimos da
compreensão que o gênero –masculino ou feminino – é um
mecanismo imaginário, inscrito como efeito de verdade
nos corpos por um discurso de identidade estável e
persistente, que busca se sustentar nos órgãos
genitais.Entendido como a estilização do corpo, isto é, um
conjunto de atos repetidos no interior de um quadro

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regulatório petrificado que se cristaliza ao longo do tempo
para produzir a aparência de uma suposta essência
inquestionável (BUTLER, 2003). O gênero é um processo
que não tem origem nem fim. Não é aquilo que “somos”,
mas aquilo que “fazemos” (SALIH, 2013).
É válido ressaltar que performatividade de gênero e
performance não são similares, pois esta última pressupõe
a existência de um sujeito anterior que pratica, age. Na
performatividade o sujeito não existe a priori. Não é uma
entidade preexistente, essencial. É constituída por
intermédio da linguagem, por discursos temporais e
espaciais no corpo/ para o corpo que o sujeito possui
(BUTLER, 2011). As performatividades de gênero são
históricas e não podem ser escolhidas livremente, pois há
um “scrip”, um menu de escolhas restrito, limitado.
Podemos constatar isso quando consideramos que,
em distintas sociedades, subversões, transgressões e
trânsitos de gênero manifestaram-se nas instituições
sociais, tais como família, escola e Igreja.
Desnaturalizaram a ideia de gênero atemporal, embora este
tenha continuado a apresentar-se enquanto fixo. Logo, o
duelo entre o que é dito e feito demonstra que o gênero é
uma norma performativa imiscuída em relações de poder e
não apresenta uma homogeneidade histórica.
Ao pensar sobre as regulações de gênero na História
da Educação, podemos perceber que entre as estruturas
elementares do processo de generificaçãoestão à
reprodução de gestos, falas, modos de vestir, andar, etc.
Tudo isso está registrado, mesmo que parcialmente, em
artefatos culturais do contexto histórico, bem como em
trabalhos científicos realizados a posteriori. Todos eles são
possíveis de serem estudados para uma compreensão mais
aprofundada e desmistificadora das regulações de gênero
de outrora e suas influencias no presente.
Conhecer historicamente, as regulações de gênero,
percebendo suas nuances e desdobramentos, é uma
estratégia de ressignificação pedagógica viável, pois parte
da crítica da ordem existente de outrora para problematizá-
la no presente. Revela as instabilidades e precariedades das
identidades masculinas e femininas, como polos
formadores e opostos dos gêneros inteligíveis, isto é,
daqueles que são legitimados cotidianamente.
Um olhar atento sobre o que é produzido e as
formas de produzir saberes na História da Educação
apontam que o gênero mantém-se articulado as
práticassexuaise a fisionomia corporal. Sendo essas
categorias alvos de investigações mais enfáticas desde o
início dos anos de 1800quando a igreja, o direito, a
medicina e a economia buscavam legitimar quais corpos e
sexualidades estavam corretas, ou seja, corpos sem
nenhum problema teratológico, atraídos por corpos
opostos, sadios.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|158


A história do corpo no período de 1840 até fins de
1930 é marcada pela da exibição de patologias na Europa e
nos Estados Unidos, tendo seu ápice na década de 1980.
Em Nova York, Londres e Paris, grandes espetáculos de
exibições em circos, museus, parques, bares, entre outros
estabelecimentos, apresentavam pessoas com alguma
anomalia corporal. O homem-elefante, a mulher-camelo, a
mulher-barbada, constituíam algumas das atrações. Tais
pessoas eram denominadas de “monstros” e suas
anomalias patológicas tornarem-se objeto comercial,
servindo para educação da população, uma vez que nos
museus os moldes anatômicos de cera, os moldes de carnes
devastadas pela sífilis hereditária, inculcavam o perigo da
promiscuidade, a prática da higiene e as virtudes da
profilaxia. Os “monstros” também ensinam o que era o
corpo normal e quais os limites do mesmo (COURTINE,
2011).
A partir disso, percebe-se que os discursos sobre o
“monstro”serviram para educar os sujeitos dentro de uma
dada norma corporal. Tais discursos permeou um período
de quase 100 anos, sem contestação no campo das
anomalias humanas, sendo apenas na década de 1940 que a
medicina começou a investigar os sujeitos acometidos com
alguma patologia teratológica não mais com “monstros”,
todavia como enfermos (COURTINE, 2011).
Em contexto semelhante, ocorreu à
institucionalização da identidade heterossexual como
normal e natural, ao passo que as identidades
homossexuais foram tidas como anormais e antinaturais.
Os esforços para cunhar os termos heterossexual e
homossexual, emergiram para definir os tipos de
comportamento e identidades sexuais. A
heterossexualidade até então era pouco teorizada como
norma social, passando a ser usada com maior ênfase ao
longo do século XX, onde se estabeleceu como quadro de
referência social para os corpos e as sexualidades
(WEEKS, 2000).
Frente a essa contextualização é perceptível que a
ideia de uma sexualidade que era silenciada na sociedade
em séculos passados deve ser repensada, afinal, como nos
salienta Foucault (2014, p. 26), os discursos sobre
sexualidade não foram reprimidos, mas ao contrário,
“construiu-se uma aparelhagem para produzir discursos
sobre o sexo [...] susceptíveis de funcionar e de serem
efeitos de sua própria economia”.
As exibições dos “monstros”em alguns
estabelecimentos dos Estados Unidos e da Europa,e as
pesquisas médicas para definir as formas de sexualidades
apresentou-se como discursos de uma suposta natureza
humana e as consequências da sua patologia, nos séculos
XIX e XX. Indiretamente, isso se correlaciona com a
História da Educação, pois tinha o intuito de ensinar as

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|159


populações quais os padrões corretos para o corpo e o
sexo, ou melhor, quais as fronteiras dessa normalidade.
Tais ensinamentos não se restringiam a escola. Em
todos os lugares havia uma intenção de regular os gêneros,
embasados nas premissas de práticas sexuais e fisionomia
corporal. Os saberes produzidos acerca da do corpo e da
sexualidade eram operados por meio de discursos criando
estratégias de poder, através de redes de articulação
integradas/correlacionadas/interconectadas que
regulamentam a vida dos sujeitos no meio social, dizendo
o que era permitido, e o que era proibido,
operacionalizando assima ordem do normal e do anormal.
Um olhar atento sobre o que foi e continua sendo
produzido sobre a História da Educação denota a presença
da heteronormatividade, isto é, um aparato de poder e
força normalizadora da ordem social que representa às
expectativas, demandas e obrigações sociais derivadas do
pressuposto da heterossexualidade como natural, e,
portanto, fundamento da sociedade (MISKOLCI, 2012).
A heteronormatividade produz abjeções, ou seja,
um efeito segregadorsobre os corpos, que existe não
apenas pela negação dos direitos daqueles que são
identificados por “antinaturais”, mas também pela própria
ausência de legitimidade e reconhecimento dos mesmos,
inclusive no campo científico.
Ao pensarmos sobre o que é produzido na História
da Educação, podemos aferir a referida relação entre
gênero, abjeção e heteronormatividade. Eis alguns
questionamentos oportunos: Por que a categoria mulher
está, na maioria das vezes, articulada as ciências
pedagógicas ou humanas e esquivada das ciências
naturais? Por acaso elas não participavam das mesmas?
Por que os homens heterossexuais são vistos, na maioria
das vezes, como viris, líderes, honrados e até certo ponto
controladores? Por que os documentos não demonstram a
amabilidade, os vícios e fraquezas dos mesmos? Será
queeles não eram assim ou os documentos tendem a
legitimar uma padronização da masculinidade? Onde estão
os sujeitos homossexuais e transexuais na História da
Educação? Por que não lemos sobre eles nos discursos
pedagógicos de outrora?
A complexidade dessas perguntas demonstra o valor
promissor do diálogo entre História da Educação e teoria
Queer. Assinala que as regulações degênero são reiteradas,
quanto mais às práticas corporais são invocadas e citadas a
partir da premissa de natureza humana e transmitidas por
meio da linguagem, inclusive do discurso acadêmico.
Em alguns casos,estas regulações de gênero são
remodeladas ou abolidas, mas não percebemos as fissuras,
os rompimentos no tempo histórico. Conforme Sedman
(apud DENZIN, LINCOLN, 2006), os adeptos da teoria
Queer, enxergam as sexualidades não apenas como

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expressões das identidades, mas como categorias de
conhecimentos cotidianos e científicos. Trata-se de uma
linguagem normativa, à medida que influencia limites
morais e hierarquias socioculturais.
Diante disso, a teoria Queersugere que o estudo das
“outras” sexualidades humanas não deveria ser um estudo
sobre as minorias, mas uma investigação acerca dos
conhecimentos e das práticas sociais que organizam a
sociedade em tempos históricos variados, “sexualizando”
desejos, atos, cultura e instituições sociais.
Antes de reiterar noções de normalidade, diferença
e hierarquias nas regulações de gênero, parece-nos
produtivo refletir sobreos processos que perpassam as
próprias regulações. Não se trata de negar a materialidade
dos corpos, mas de assumir uma postura nova na forma de
ensinar e aprender a História da Educação, sabendo que é
em contextos históricos específicos onde àsregulações de
gênero adquirem significado.
Logo, compartilhamos o pressuposto de que não é
necessário entender as origens das práticas corporais que
caracterizam as regulações de gêneros, mas entender como
isso se mantém ou não, isto é, como os desvios das normas
interrompem o processo regulador, instituindo novos
modos de viver e conviver em sociedade.

Considerações Finais
O diálogo entre História da Educação e teoria
Queeradentra as margens do passado e do presente, com
teor crítico, desnaturalizando e estranhando a vida
individual e social. Mostra-se como uma iniciativa pós-
identitária de educar, possível de ser colocada em prática
na formação de professores-pesquisadores, incluindo
pedagogos e historiadores, sendo um dos primeiros passos
à introdução para a reflexão sobre as questões sociais de
gênero e sexualidades de Gays, Lésbicas, Bissexuais,
Travestis e Transexuais (LGBTs) numa perspectiva queer,
bem como a desconstrução e subversão de uma suposta
natureza humana, heterossexual e inquestionável.
Além disso, revela-se promissor na medida em que
tenta germinar um novo tipo de prática pedagógica, onde
esta não se restrinja a repetição do mesmo, mas na
alteridade e aceitação do outro; uma prática pedagógica
que não reivindica a explicação única, mas que se
reconhece na pluralidade de sentidos, saberes e processos;
uma prática pedagógica que compreende os limites de sua
interpretação.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|161


O diálogo entre História da Educação e teoria
Queeraposta na multiplicação das diferenças que podem
subverter os discursos totalizantes, hegemônicos, do
cotidiano acadêmicoe escolar. Todavia, adverte a
importância de contextualizar as formas de agir e reagir,
pois a agência não é igual em todos os tempos e espaços.
Serve para estranhar e não (re)legitimar padrões e relações
vigentes. Assim, a formação de professores-pesquisadores
tende a criar uma prática reflexiva dos ditos, escritos e
silêncios da História.
Neste artigo priorizamos as regulações de gênero,
por entender que as mesmas afetam diretamente na
formação de professores-pesquisadores, enquanto
profissionais e sujeitos. Porém, acreditamos que outras
temáticas podem ser trabalhadas a partir da perspectiva
mencionada. O processo de descontruir e estranhar os
saberes acadêmicos demanda sagacidade, para não cair em
incorporações infundadas ou alegações baseadas no senso
comum. Todavia, abre oportunidades para a compreensão
do outro, o conhecimento de si mesmo e das relações que
perpassam os processos de subjetivação em contextos
espaço-temporais variados.
Antes de finalizar, é válido destacar o caráter
científico-político-militante da teoriaqueer. A mesmo é
múltiplae propicia uma série de itinerários para a formação
dos professores-pesquisadores, pois buscapromover
mudanças e rupturas sociais dos paradigmas de sexo e
gênero, difundidos e dissolvidos nas mais diversas
disciplinas como normais e naturais.
Com o auxílio da referida teoria podemos pensar
numa História da Educação onde mulheres, gays, lésbicas,
bissexuais, travestis e transexuais também são sujeitos
construtores dessa história. Mesmo que tenham tido seus
nomes excluídos, eles existiram e existem em nossa
sociedade, sendo potência e potencializadores de modos de
ser e estar no mundo.
Nesse sentido, podemos pensar que os diálogos
entre História da Educação e teoria Queer pode ser uma
possibilidade válida para a construção de uma nova forma
de educar, onde é possível congregar o passado e o
presente numa reflexão continua em busca de mudanças
nos paradigmas sociais.

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Escritas Epistolares
Desenvolvendo o conceito de interculturalidade entre crianças guarani e crianças
das escolas do PIBID
Por Ana Paula Rodrigues de Oliveira, Ariadne Barbieri Nunes, Luana Borna Machado

Resumo Abstract
A escolha por esse tema se justifica pelo The choice of this subject is justified
cumprimento da Lei 11.645/2008 que torna by the compliance with the law number
obrigatório o ensino das culturas indígenas nas 11.645/2008 wich obliges the teaching of
disciplinas de História, Literatura e Artes, mas indigenous cultures in the subjects of
também tem o objetivo de desmistificar History, Literature and Arts. It has got also
estereótipos construídos ao longo do tempo pela the objective of demystifying stereotypes
sociedade referente aos povos originários. biult over time by society concerning these
Através de uma atividade que envolveu a people. By means of na activity which
cultura escrita, promoveu-se a discussão acerca involved the written culturem it was
do conceito de interculturalidade, conceito este organized a discussion about the concept of
tão significativo quando se estuda os povos interculturalism, which is such a meaningfull
originários e suas relações com a sociedade não concept when one studies the indigenous
indígena. Importa dizer que analisamos essas people and their relationship with the
escritas epistolares, entendendo-as como objeto nonindigenous society. It must be said that we
de estudo. Realizamos uma investigação, tendo have analysed these epistolary written as a
como documentos as narrativas dessas crianças. study object. We have done a research in
which we have the children's narrative as
Palavras-chave:Cultura indígena, interculturalidade, escritas documents.
epistolares.
Keywords:indigenousculture, interculturalism, epistolarywritten.

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“[...]Nós já sabemos um pouco sobre como vocês
escrevem e como vocês fazem as coisas ai, mas nós
queremos saber como vocês se divertem ai.[...]”
Alunas do 3° ano da escola Cândido Portinari
“[...]Bom! Eu não sei pescar e não vou tentar
pescar. E quem pescam são os meninos.[...] eu e meu
irmão vamos para o mato ver os pássaros, as flores,
plantas. Nós gostamos muitos de natureza.”

Aluna do 5° ano da escola KaraíNhe’eKatu

Estes excertos foram retirados de cartas trocadas


pelos alunos da Cândido Portinari e da Escola
KaraíNhe’eKatu. Ao ler cada um deles, percebemos duas
realidades de crianças que moram no mesmo Estado,
separadas por alguns quilômetros, mas que nunca
estabeleceram um diálogo entre si. O presente relato de
prática mostra como ocorreu o processo de aproximação
entre estas duas culturas, a partir das práticas
desenvolvidas pelo PIBID Pedagogia/UFRGS, quando se
procurou proporcionar um momento de interculturalidade
para os mesmos.

O PIBID
O Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à
Docência - PIBID, criado pelo Ministério da Educação
(MEC) e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal
de Nível Superior (CAPES), tem como objetivo
aperfeiçoar a formação de professores aproximando-os
com as futuras salas de aula. Este programa contribui na
formação docente, pois desde cedo as bolsistas vivenciam
situações adversas de sala de aula que as desafiam
diariamente. As bolsas são destinadas aos alunos dos
cursos de Licenciatura que, têm a oportunidade de estar
dentro da sala de aula, em contato com as crianças,
professores, com o cotidiano da escola, desta forma,
promovendo uma aproximação entre a Universidade e a
Escola. Além de poder aprender em conjunto com as
colegas bolsistas, pois segundo Curto:
Uma pessoa sozinha pode aprender, mas se
aprende melhor em grupo, é mais rentável. Um professor
isolado pode inovar, mas os limites são mais estreitos e o
esforço muito maior para um rendimento menor. Na
escola, tudo é grupal: os alunos nas aulas; os professores
nos ciclos, departamentos e direção. Trabalhar em grupo é

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|167


uma condição. Isto não é fácil, mas a aprendizagem
compartilhada, o trabalho cooperativo, são mais eficientes
para assegurar maior qualidade e resultados mais sólidos.
A atribuição de melhorar o ensino requer muitos ombros
juntos. (CURTO, 2000, p. 94)

O PIBID trabalha com a docência compartilhada.


Segundo Gimenes e Almeida (2014) o exercício da
docência compartilhada é algo valoroso proporcionado
pelo PIBID, pois faz com que as docentes reflitam
coletivamente acerca de suas ações. A experiência no
PIBID facilita a convivência com o outro, ensina a dividir
as responsabilidades, a planejar atividades em grupo e
dividir a sala de aula com as outras bolsistas.
O Programa proporciona aos alunos teoria e prática
simultaneamente e colabora também para a maturação dos
bolsistas ao longo do curso nas áreas de pesquisa e prática,
tornando-os professores pesquisadores. Teve seu inicio na
UFRGS em Março de 2009, com a participação de seis
subprojetos, atualmente a universidade possui 19
subprojetos.
O subprojeto Pedagogia UFRGS teve sua
implementação, no ano de 2010, pela professora Drª Maria
Aparecida Bergamaschi23 pelo plano de trabalhado
apresentado a CAPES com o título: “Pedagogia e
Diversidade: Construindo processos inclusivos na
escolarização inicial”. Atualmente, estamos desenvolvendo
ações didático-pedagógicas em duas escolas da rede
pública estadual de Porto Alegre, Escolas Anne Frank e
Cândido Portinari.
O trabalho desenvolvido nestas instituições vem
sendo promovido tendo como suportes a lei 11.645/2008 e
a interculturalidade. A lei 11.645/2008 torna obrigatório o
estudo da cultura indígena nas escolas, principalmente nas
disciplinas de História, Artes e Literatura.
O termo interculturalidade, que segundo
Bergamaschi:
[...] é usado pelo MEC ao nominar as escolas
indígenas, identificadas em alguns documentos como
escolas interculturais. Considerando interculturalidade
como interação entre diferentes, quiçá, um dia novo
momento se anuncie, em que todas as escolas, indígenas e
não indígenas, possam ser reconhecidas como
interculturais e nelas as diferenças figurem num cenário
de diálogo. (BERGAMASCHI, ANO, p.1)

Buscamos em nosso em nosso trabalho colocar em


prática o que Bergamaschi sonha: uma relação de trocas
entre indígenas e não indígenas. Para que este sonho possa
ser colocado em prática, tentamos ao máximo desmistificar
o indígena mostrado na história do Brasil, na mídia, nos
livros infantis e didáticos.
23
Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS, 2005), professora da Faculdade de Educação da UFRGS, onde atua
como professora e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Educação.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|168


Nas escolas tentamos realizar atividades em que os
alunos começassem a desmistificar os indígenas,
mostrando duas culturas que estão mais próximas deles, a
cultura Kaingang e a Guarani através de lendas, culinária,
artesanato, brincadeiras, vídeos e arte, estabelecemos um
diálogo entre estas para quebrarmos o estereotipo que
possuíam dos indígenas.

Escola Cândido Portinari: Processo de estudo até a


escrita das cartas
Em 2014, fomos convidadas por nossas
coordenadoras do PIBID, a aprofundarmos os estudos
sobre as culturas indígenas, tema este que nos parecia tão
distante, talvez, por não termos tido uma formação sólida
referente a estes povos nos ensinos fundamental e médio.
Muitas dúvidas tínhamos acerca do assunto, pois nossas
lembranças escolares somente nos remetiam ao dia 19 de
abril, o dia do índio.
Para podermos desenvolver a temática em questão,
foi necessário que desconstruíssemos tudo o que havíamos
aprendido em todos esses anos, pois, assim como
Bergamaschi e Zamboni (2009, p. 8), apontam em um
estudo realizado sobre livros didáticos, identificamos
quatro formas de representar os indígenas: genérico,
exótico, romântico e histórico. Diferente dos autores,
encontramos estas mesmas representações, não em livros
didáticos, mas nas falas e desenhos dos alunos. Por
exemplo: para as crianças, não existia várias etnias
indígenas, eram somente índios, todos eram iguais, não
eram divididos por povos, Guarani, Kaingang e Charrua,
quando distinguidos, era de forma exótica, divididos entre
o bem e o mal, “qual deles é do bem? E qual é do
mal?”. Nos desenhos, encontramos por diversas vezes o
indígena romantizado, usando arco e flecha, tanto para
caçar, quanto para a guerra. O indígena como figura
histórica era presente na fala dos alunos, “eles não são
mais indígenas, porque eles têm celular”, como se a
apropriação da cultura ocidentalizada tornasse eles menos
indígenas.
Sabíamos que deveríamos fugir destes estereótipos
e foi desta fuga que começamos a introduzir o tema. As
primeiras aulas foram diagnósticas, isto é, buscamos saber
quais eram as concepções dos estudantes sobre os povos
originários, para, depois, podermos planejar como seriam
nossas próximas ações.
Para melhor desenvolver o planejamento, tivemos o
apoio dos estudos de Maria Aparecida Bergamaschi, que,

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|169


em uma aula com o grupo de bolsistas, esclareceu nossas
dúvidas pontuais sobre o assunto, nos orientou na procura
de materiais, indicou a pesquisa no site do Núcleo de
Educação Indígena (NEI), nos mostrou livros, tais como:
Povos Indígenas e Educação (2008), da qual ela foi à
organizadora.
Além dessa orientação, foram importantes as
leituras, tais como: “A Temática Indígena da Escola:
ensaios de educação intercultural” (Bergamaschi; Gomes,
2012) e “Povos Indígenas e Ensino de História: Memória,
Movimento e Educação” (Zamboni; Bergamaschi, 2009).
As leituras foram essenciais, para que nós bolsistas
pudéssemos desenvolver a temática da cultura indígena,
sem que caíssemos nas mesmas falhas que tivemos ao
longo de nossa escolarização.
Em nossa primeira aula sobre o tema, perguntamos
às crianças o que elas sabiam sobre os indígenas, se elas já
tinham visto algum, onde eles moravam. As respostas
foram diversas, mas, em geral, constatamos que os
estudantes não percebiam a presença dos indígenas no Rio
Grande do Sul, mais especificamente em Porto Alegre. Os
povos originários pareciam estar muito distantes,
localizados no Mato Grosso e Amazonas. É possível que
essa associação seja em função daquilo que é divulgado
nas mídias (jornais, telejornais, etc.), mostrando um
indígena romantizado, que anda nu, que mora em ocas e
que usa arco e flecha.
Os desenhos feitos pelas crianças após essa
conversa mostravam indígenas seminus, com cocares
feitos de penas na cabeça, com arcos e flechas e morando
em casas de palha, como se fossem ocas. Além disso, os
alunos demonstravam algumas dúvidas, tais como: “Eles
fazem fogueiras no chão?”, “Eles dormem em redes?”,
“Eles têm flechas?”, “Eles estudam?”, durante o ano,
fomos tentando sanar essas dúvidas.
Após algum tempo atuando nas escolas, percebemos
que esse distanciamento em relação à educação indígena
também atingia as professoras. Uma vez por semana
passávamos à tarde na instituição, invadíamos suas salas
de aula, e sentimos que essas docentes pouco sabiam sobre
o desenvolvimento de nossas ações. Notamos que era
importante informar as famílias daquelas crianças sobre o
trabalho desenvolvido. Assim, pedimos que os estudantes
entrevistassem um familiar fazendo as seguintes perguntas:
O que sabe sobre os indígenas? Há índios em POA? Onde
eles vivem? Você gostaria de conhecer mais sobre eles?
Dentre as respostas, algumas nos chamaram mais atenção,
tais como:

“São pessoas calmas, alegres e trabalhadoras; o


seu modo de vida é muito próximo da natureza; sua
agricultura não agride o ambiente”. J M,59

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|170


“Que sua cultura foi modificada e suas terras
tomadas e que tiraram muitas perdas e hoje lutam pelos
seus direitos”. M S A,47
“São os primeiros habitantes do Brasil eles
moram em ocas as armas deles são arco e flecha”. L H A
R,38
“São povos de várias etnias que habitam o Brasil
há milhares de anos e tem sobrevivido ao massacre de sua
gente e sua cultura ancestral na relação intima e respeitosa
com a natureza.” C M,37

Os questionários se fizeram importantes no nosso


trabalho, para que pudéssemos conhecer essas diferentes
concepções das famílias dos estudantes com relação à
cultura indígena. As crianças trazem muitas informações
de casa, algumas dessas informações, necessitavam de uma
atenção especial por nossa parte, para que pudéssemos
descontruir certos pré-conceitos existentes.
Concluímos que há diferentes saberes que circulam
entre as famílias. Algumas pessoas conseguem perceber o
indígena de hoje, que enfrenta dificuldades de
sobrevivência, já outros identificam o indígena, como um
ser protetor da natureza e, ainda outros, que veem um
indígena como alguém atrelado ao passado, que mora em
casa de palha (oca) e que suas armas são apenas o arco e
flecha.
Considerando que o final do ano se aproximava, em
meados do mês de novembro, decidimos propor aos
estudantes a escrita das cartas para outras crianças do povo
indígena Guarani. As reações foram as mais diversas
possíveis, enquanto algumas ficaram muito empolgadas,
outras mostraram certo descontentamento diante da
atividade. Argumentaram que não sabiam o que escrever,
que o destinatário parecia irreal, a escrita ainda era algo
abstrato. Entretanto, ao receberem as respostas,
demonstraram um misto de ansiedade e surpresa. Chamou
nossa atenção que as cartas produzidas pelas crianças
guaranis parecem ter sido feitas com maior cuidado, por
exemplo, observamos o esmero nos desenhos, na escrita
quase sem erros de ortografia e até mesmo duas crianças

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|171


que se preocuparam em enviar pequenos mimos, como
pulseiras, dentro do envelope, a hipótese que levantamos a
cerca deste fato gira em torno da diferença cultural, são
crianças diferentes, que compreendem o espaço e o tempo
de maneira distintas.
Quando propusemos esta atividade, tínhamos como
objetivo proporcionar um momento de trocas entre estas
duas culturas, uma conversa entre elas, pois como afirma
Cavalcanti:
É importante que as crianças, durante os anos
escolares, tenham acesso às informações fundamentais
para a construção de conhecimentos sobre a história da
cultura humana. Nesse processo, os professores devem
favorecer o desenvolvimento de um conhecimento que
considere e reconheça o valor de cada expressão de
cultura humana particular e das inter-relações entre as
diferentes culturas. (CAVALCANTI, 1995, p.4)

Como motivação para esta escrita, conversamos


com as crianças sobre o trabalho que foi, e estava sendo,
realizado ao longo do ano de 2014, sobre os povos
Guaranis e Kaingangs, falamos sobre a escola
KaraíNhe’eKatu (significa: “aquele que fala sabias
palavras”) que pertence a Aldeia Estiva na cidade de
Viamão no Rio Grande do Sul24, pois temos uma colega
indígena no Curso de Pedagogia que possibilitou esta
troca, e que posteriormente iriamos a aldeia, em uma saída
de campo para conhecerem os escreventes das cartas.
Os alunos demonstraram certo desconhecimento em
relação ao portador de texto carta, não sabiam que palavras
usar para iniciar a escrita, como se dirigir a uma pessoa
desconhecida e o que escrever no corpo do texto. Foi
preciso nossa intervenção para que tivessem essas noções
básicas, que acreditávamos ser do conhecimento de todos.
Muitas dúvidas surgiram no decorrer da atividade
por parte dos alunos, a maior era sobre quais perguntas
poderiam ser feitas, dissemos que era possível perguntar
tudo, desde que fosse de maneira que respeitasse quem iria
ler. As cartas foram produzidas em duplas e a lápis, por
opção das crianças, assim caso houvesse algo que as
desagradassem poderia ser reescrito. Perguntaram se
poderiam fazer desenhos para enfeitarem os escritos e se
iriam decorar os envelopes, nas cartas foram feitos
desenhos pintados com lápis de cor e nos envelopes foi
usada muita cola colorida. Foram escritas e enviadas 17
cartas, pela opção que tivemos de escrevê-las em dupla e
recebemos as 17 respostas.

24
É uma escola indígena que foi inaugurada em outubro de 2001, atualmente possuí 59 alunos, que dividem-se da pré-escola a série final do ensino
fundamental e localiza-se na RS040 Km 39.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|172


Retorno das Cartas
Entregamos as cartas para nossa colega de curso em
uma sexta-feira do mês de novembro (tendo em vista que
vamos à escola nas quintas-feiras uma vez por semana).
Passados uns quinze dias, ela trouxe as respostas e na outra
ida a escola, falamos que os estudantes guaranis haviam
respondido suas cartas. Os alunos da Cândido Portinari
estavam ansiosos pelo o recebimento das mesmas.
Naquela tarde, propusemos uma atividade e,
conforme iam concluindo, entregávamos a resposta.
Ficaram eufóricos porque o destinatário que até então era
desconhecido tinha se feito real por meio daquela escrita.
O maior questionamento que nos fizeram foi de quando
iriamos até a aldeia conhecer os escreventes das cartas.
Esta visita aconteceu no primeiro semestre de 2015.
Se fôssemos propor esta atividade novamente,
estenderíamos esta escrita para mais aulas, ao invés de
uma (como ocorreu), nos informaríamos com as
professoras se seus alunos tinham conhecimento de como
se escrevia uma carta, teríamos pedido que os alunos se
dedicassem um pouco mais a esta tarefa, talvez, fazendo
isso, as cartas não ficassem somente no nível das perguntas
e, na entrega das respostas, deixaríamos aquela tarde
exclusivamente para a apreciação do conteúdo dos
escritos. Como ela ocorreu, nesta primeira vez, nos
agradou, foram diversas as aprendizagens que tivemos
naquela tarde, uma vez que sempre haverá coisas a serem
modificadas. Algo que nos deixou incomodadas foi que
algumas carta-resposta não foram entregues, pois os alunos
não haviam ido no dia e a professora não entregou para
eles, como havíamos solicitado.

Análise das cartas: recorrências e dissonâncias


Recebemos um total de 34 cartas, das quais
analisamos 16, que se dividiam da seguinte maneira:

Escola Número Ano/turma Idade


de
cartas

Cândido 8 3°, 4° e 5° Entre 9 e 12

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Portinari anos

KaraíNhe’eKatu 8 5° Entre 12 e 13
anos

Para escolher quais seriam analisadas, fizemos a


leitura de todas e depois selecionamos as que mais nos
chamaram a atenção, procuramos analisar a carta enviada e
a sua subsequente resposta.
As cartas enviadas pela escola Cândido Portinari
resumiram-se mais a perguntas. Estas tiveram frases que se
destacaram mais por mostrarem qual a representação de
indígenas que os alunos têm, os alunos do terceiro ano
(quatro cartas) mostraram perguntas (colocaremos a
pergunta e a análise feita) tais como:

“Oi pessoal, Mostra um indígena histórico,


nós estamos diferente, longe da realidade e
estudando atualidade.
sobre
vocês[...]”

“[...] já Como se fossem todos iguais, não


sabemos um houvesse diferença entre indivíduos e
pouco sobre povos.
vocês [...]”

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|174


“[...] qual Representa um indígena isolado, sem
tribo vocês contato com a cultura ocidentalizada.
moram?[...]”

Pensou que encontraria uma resposta


“o que os
totalmente diferente com relação à
indígenas alimentação.
comem [...]
tomam refri
[...]”

Percebemos que queriam saber como, de fato, é o


cotidiano vivido em uma aldeia guarani, acreditavam que é
muito diferente de nosso dia-a-dia. Isso considerando todo
trabalho feito ao longo do ano pelo PIBID cuja temática
buscou aprofundar saberes desses povos. Também foram
constatadas dificuldades na escrita, falta de articulação
entre as frases, deixando as cartas mais parecidas com um
questionário. Os desenhos feitos mostram a natureza,
expressa por árvores e flores.
Já as cartas recebidas da escola KaraíNhe’eKatu
mostravam um maior esmero, uma escrita com poucos
erros ortográficos, com uma média de 15 linhas cada carta,
os desenhos feitos estavam caprichados e até a
preocupação de duas crianças em mandarem pequenos
mimos (pulseiras) para os alunos daqui. Eles centraram-se
em responder as perguntas feitas, não indo muito além
disso, uma menina diz que quando crescer quer trabalhar
em Porto Alegre, talvez não enxergue muitas
possibilidades se continuar na aldeia, outra quando
perguntada se gosta de ir à escola responde que não, pois
só tem dois amigos, e também nota-se uma separação por
gêneros, como por exemplo: os meninos fazem o
artesanato, as meninas ajudam na lida doméstica e ambos
fazem arco e flecha.
Uma recorrência de ambas as cartas foram às
apresentações, colocaram o nome, série/ano em que
estavam e idade, os alunos da escola guarani colocaram

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|175


seu nome em Português e em Guarani. As dissonâncias das
cartas giraram em torno dos textos que foram escritos, os
alunos da aldeia se preocuparam mais com o que estavam
escrevendo, houve poucos erros gramaticais (enquanto os
alunos de Porto Alegre escrevem agente eles escrevem a
gente), fizeram textos mais articulados, ao mesmo tempo
que os alunos da Cândido Portinari escreveram pouco.
Para analisarmos essas recorrências e dissonâncias
levamos em conta à compreensão de tempo que se tem em
ambas as culturas, como assegura Castoriadis (1992, p.
106) “cada sociedade cria, para si mesma e consubstancial
ao seu modo próprio de ser, um tempo que lhe é próprio e
que lhe confere a sua especificidade no conjunto das
demais sociedades.” (Castoriadis, 1992 apud Borges,
2002), vivemos um tempo no objetivo, enquanto a cultura
guarani vive um tempo subjetivo, pois “falar sobre e do
tempo significa, sobretudo, falar de um tempo para ou em
nós (tempo para um sujeito, ou tempo subjetivo) e de um
tempo no e do mundo (tempo para ou nas coisas, ou tempo
objetivo)” (Borges, 2002, p. 108).

Considerações finais
Quando notamos que o que tinha sido pensado
inicialmente havia dado certo, constatamos que havíamos
proporcionado um verdadeiro momento de
interculturalidade para estas crianças, pois foi estabelecido
um diálogo entre estas duas culturas, uma oportunidade
que poderia ser que nunca viessem a ter. Foi nítida a
empolgação deles ao receberem as respostas e ao
constatarem que o destinatário havia se tornado real,
sentimos uma grande satisfação por termos oportunizado
este momento.
Esta atividade foi um pequeno passo diante de uma
longa caminhada que ainda deve ser realizada, com este
processo desmistificamos os indígenas, mostrando que eles
têm modos de vida como os nossos, mas que se
diferenciam por alguns aspectos culturais.

Referências Bibliográficas
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práticas escolares indígenas e não indígenas. In:
Mariana Paladino; Gabriela Czarny. (Org.). Povos
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de junho de 2014.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|177


Novos materiais didáticos para a valorização
de Patrimônio Cultural e História Local
PorMarilen Fagundes Peres¹

Resumo Abstract
O presente trabalho pretende abordar de This paper aims to address briefly on the
forma sucinta sobre o projeto de mestrado professional master's project to be developed to
profissional a ser desenvolvido no sentido de produce didactic and educational material
produzir material didático-pedagógico suitable for working with students and teachers
adequado para trabalhar com alunos e , as part of basic education. Aiming to take into
professores, no âmbito do ensino fundamental. account needs of a material geared to local
Visando levar em conta necessidades de um history education with infomações and content
material voltado ao ensino de História local, based on scientific research , that motivates the
com informações e conteúdos baseados em beginning of a heritage education work that
pesquisas científicas, que motive o início de um does not exist or is not effective in appreciation
trabalho de educação patrimonial que não existe of the heritage and local history . Telling a story
ou não é eficiente na valorização do patrimônio that values all and make our students feel
e História local. Contando uma História que subject and belonging to this story.
valorize todos e faça com que nosso aluno
sinta-se sujeito e pertencente a esta história. Keywords:education, local history, students, courseware.

Palavras-chave:Ensino, História Local, Alunos, Materiais Didáticos.

1
Mestrado em Ensino de História/Centro de Educação/UFSM.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|178


Introdução
No dia a dia de sala de aula, trabalhando com alunos
dos anos iniciais, durante mais de 15 anos, sempre
observava a necessidade de um material adequado para
trabalhar com História local. Verificava que o que já havia
sido escrito era ultrapassado e demasiadamente falacioso.
Na verdade o que existiam eram polígrafos, alguns
elaborados por colegas, outros, frutos de copias de folders
e alguns jornais antigos e publicações oficiais sobre o
município, como na maioria das cidades, exceto cidades de
produções historiográficas latentes, nas quais existem
pesquisas maia aprofundadas e consequentemente
materiais mais atualizados e apropriados para ensinar
história local ( municipal e regional), como é o caso de
Santa Maria que tem inúmeros memorialistas e
pesquisadores engajados em contar sua história, ainda que
com motivações distintas e maneiras diferentes de fazer
essa rememoração.
Mas na maioria das cidades pequenas o que
prevalece é uma História que privilegie os grandes
coronéis, as elites, os “reis e rainhas”, deixando a maioria
da população excluída da sua própria história, contando
feitos heroicos dos grandes senhores. E esses
silenciamentos e invisibilidades sempre me incomodaram
e na oportunidade de fazer um projeto para um Mestrado
profissional em Ensino de História, estas questões foram
decisivas para determinar o que iria pesquisar e intervir.
Algumas questões que pautam também o ensino e
aprendizagem me motivaram para ousar escrever o projeto
e buscar a produção de um material novo e inovador, não
somente do ponto de vista da apresentação, mas um
material que não fosse inundado de ideologia burguesa,
que partisse do presente para fazer representações do
passado, buscando incentivar a partir da valorização do
patrimônio local- material e imaterial, a nossa história, a
nossa cultura, todos os elementos étnicos que constituíram
nossa cidade, levando em conta todas as classes sociais
que ajudaram na sua formação.
Na verdade, o objetivo maior deste trabalho é a
formação de uma identidade, a partir da valorização do
patrimônio e história locais, visando uma identidade que
seja coletiva na qual os sujeitos sejam protagonistas desta
história.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|179


Falando em Ensino e em algumas contradições
Pensar em produção de material didático-
pedagógico é totalmente inviável sem fazermos uma
reflexão sobre questões que pautam o ensino no Brasil,
primeiramente, de um modo geral, para depois refletirmos
mais especificamente sobre o Ensino de História.
Todos sabemos que o ensino no Brasil e a educação,
apresentam problemas graves, que já vêm de longa data.
Sabemos que mais de 50% dos jovens que concluem o
ensino fundamental são considerados analfabetos
funcionais, isso já é prenúncio de que alguma coisa está
errada. Existem vários teóricos e muitas pessoas discutindo
as mazelas do ensino no Brasil. Muitos que puseram se
quer os pés numa sala de aula para exercer a função
docente, mas que em virtude da grande desvalorização dos
educadores se sentem à vontade para teorizar sobre o
ensino, apontar causas, culpados, tecer estratégias. Hoje,
qualquer pessoa se sente apta a “dar pitacos” sobre a
educação, pois os principais agentes encontram-se numa
posição delicada: desvalorizados social e financeiramente,
desrespeitados, desmotivados. Essa desvalorização dos
professores e a falta de políticas públicas efetivas para
mudar essa realidade, acrescidos de mais inúmeros outros
problemas, criam um cenário de caos no ensino e nos faz
concluir que: o ensino no Brasil está doente, ou melhor,
agoniza.
Mas se analisarmos todas estas questões pela ótica
de alguns teóricos, como Saviane, por exemplo, veremos
que o sistema de ensino está comprometido com o fracasso
de uma maioria. Segundo algumas teorias, que vêm a
escola como um aparelho reprodutor da ideologia burguesa
e entendem que todos estes problemas, principalmente a
questão do fracasso e evasão escolar estão relacionados a
um projeto excludente que busca deixar a maioria á
margem do processo, ou como refere Saviane:
marginalizados. Esse sistema educacional onde a maioria
não obtém êxito, acaba por ser excluída ou por se excluir,
quando falo na maioria, falo na maior parte da população
que é composta pela classe proletária, é extremamente
segregador e responsável pela permanência das estruturas
sociais que se preservam desde épocas mais remotas.
Existem algumas teorias que buscam refletir sobre
as questões da educação a partir de várias concepções.
Saviane dividiu-as em teorias não críticas e teorias crítico-
reprodutivistas. Sendo que, no primeiro grupo existe um
esforço para demonstrar que a educação sozinha seria

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|180


capaz de superar a marginalidade, já no segundo grupo os
estudos apontam que a educação para ter eficácia e mudar
os modelos já estabelecidos necessita de outros fatores
principalmente de ordem social. As teorias não críticas são
elencadas numa visão que reforça as desigualdades, que
culpabiliza o indivíduo pelo seu fracasso, sem se ater a
questões socioeconômicas que permeiam todo processo.
Essas teorias acreditam e fazem acreditar que a educação
por si só é capaz de mudar o mundo, entretanto as práticas
baseadas nessas correntes pedagógicas não foram capazes
de promover realmente uma mudança efetiva na sociedade.
É visível sua negação para uma luta de classes e para uma
sociedade estratificada, onde a ponta da pirâmide sempre
terá as condições necessárias para o êxito, não somente na
educação, mas para o acesso aos melhores postos de
trabalho, às melhores universidades às melhores posições,
mantendo a sociedade sem as mudanças necessárias para
irromper com um sistema que retira da grande maioria as
condições necessárias para deixar as posições menos
favoráveis. As teorias não-críticas entendem que os
fracassos escolares são acidentais, pontuais e podem ser
superados de maneira individual. Essa visão faz reforçar a
ineficácia do ensino, pois essas correntes tiveram e têm
muita força nos sistemas de ensino do Brasil, pautaram por
muitos anos a nossa legislação, e ainda são muito
frequentes nas escolas brasileiras, mesmo com novas
roupagens.
As teorias crítico-reprodutivistas têm uma visão de
que a escola por si só não dará conta de todas as demandas
do ensino, pois existem algumas questões que independem
somente da escola, dos professores mas dependem de
ações governamentais mais amplas, que promovam
inclusão, redistribuição de renda e incentivos sociais
sérios. Não podemos ser ingênuos a ponto de acreditar que
somente a educação institucionalizada vá da conta dos
problemas do ensino no Brasil, neste sentido P. Bourdieu e
J.C. Passeron destacam a existência do que chamaram
“violência simbólica”, onde a sociedade utiliza-se de
forças simbólicas para dissimular forças materiais que
permeiam e impetram essa violência nas relações sociais.
A escola seria uma das grandes responsáveis por essas
ações de violência simbólica pois seria um aparelho
reprodutor de ideologia burguesa e perpetuação da
sociedade dividida em classes, excluindo cada vez mais as
classes sociais menos privilegiadas. Isso se observa
também no ensino de História, principalmente em História
local, que narra apenas a história de uma elite, de grandes
coronéis, onde a maioria da população é ocultada dessas
construções, onde nossos alunos assim como seus
antepassados nunca são vistos como sujeitos dessa
história.Isso também é uma forma de violência simbólica
já citada, uma forma de exclusão e de motivação a uma

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|181


possível luta de classes conforme nos alertaSaviane
(1997), a partir da teoria de C. Baudelot e R. Establet.
Nesse contexto escolar problemático é que acontece
o que nomeamos por ensino e aprendizagem, entretanto
todas estas questões elencadas tornam nosso ensino cada
vez mais ineficaz, criando cada vez mais excluídos, onde a
maioria fica à margem, em função de insucessos e evasão,
que muitas vezes são minimizados e restringidos apenas ao
âmbito escolar. Partindo de todas essas questões é que
faremos a tentativa de produzir um material que contemple
as necessidades observadas por professores e alunos,
buscando propiciar oportunidade destes sentirem-se
pertencentes a construção histórica do município de
Tupanciretã, mais especificamente auxiliando na
construção de uma identidade coletiva, que ainda não foi
bem estabelecida por aqui.
A História local será um dos enfoques a ser tratados
na produção, mas se auxiliará em áreas afins, como
geografia, sociologia, educação patrimonial, visando
amparar as demandas observadas que determinaram a
construção deste.

Uma breve contextualização do ensino de História no


Brasil
Nos primeiros tempos do ensino de história aqui no
Brasil, fazia-se uma cópia e uma reprodução do que se
tratava na Europa, principalmente na França. Era um
modelo que apenas reproduzia os heróis europeus e suas
conquistas, apresentava a sociedade europeia como uma
sociedade a ser copiada , valorizando sua cultura, sua
História, seus rituais, sua “civilidade”, falar em
eurocentrismo nos traz uma redundância, já que o único
objeto de estudo da disciplina eram os feitos dos nossos
conquistadores. Enquanto isso, alguns pesquisadores aqui
lançavam-se a pesquisar dados, principalmente geográficos
do Brasil, já que antes da chegada dos portugueses era
como se não existisse uma história passível de ser contada.
Neste sentido não podemos deixar de destacar as
contribuições de Von Martius e Varnhagen, que
produziram alguns dos registros importantes e que
embasaram todos os principais autores da época. Não
podemos deixar de destacar já neste primeiro momento de
produções as questões políticas postas para elencar estas
produções, neste caso o papel coube ao IHGB, que tinha
intuito de contar uma História do Brasil na qual
enaltecesse num primeiro momento os monarcas
bragantinos, seus feitos, sua família, sua nobreza,

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|182


desprezando os povos nativos, relegando-os ao exotismo
de um país de natureza rica da qual faziam parte, mas
nunca como elementos centrais das narrativas.
Já no período republicano, nos primeiros tempos, o
que se observou foi um ensino de história que buscava
consolidar a organização do estado numa estrutura
republicana, e esta se prestou como instrumento de
doutrinação ideológica, a partir de autores que publicaram
seus manuais na época visando fortalecer a estrutura
republicana, sempre através de uma história linear,
contemplando grandes feitos e com “heróis”, vista a partir
dos olhos de uma burguesia, nunca rompendo um modelo
tradicional de ensino unilateral, valorizando “decorebas”,
datas e uma história eurocêntrica. Mesmo com várias
mudanças ocorridas com o ensino de História durante o
século XX, nunca houve um rompimento com essa forma
de ensinar História, nunca se buscou produzir
historiografia voltada a romper com esses paradigmas que
já estavam impostos. E durante o período ditatorial o
ensino de História foi ceifado, com a incorporação de
geografia, moral e cívica e OSPB, que levaram uma
nomenclatura de Estudos Sociais, retirando ainda mais o
caráter de uma História pautada pela interpretação de fatos,
e para a construção de cidadãos conscientes e críticos. Ao
contrário, nesse período o que se buscava era exaltar a
nação, num civismo às avessas para encobrir o “estado
marginal” que havia se transformado nosso país com um
regime totalitário e violento.
Mais tarde, num período de redemocratização
pudemos observar algumas mudanças no ensino de
História, buscando romper a construção do período
ditatorial, procurando uma nova forma de ensinar história,
a partir de novas teorias e de uma historiografia mais
voltada ao rompimento com os modelos tradicionais, como
se observou com os Parâmetros Curriculares Nacionais
(1998) , uma forte tentativa de ruptura, mas pouco
entendida na prática efetiva por parte dos professores, que
continuaram a reproduzir um ensino baseado numa
historiografia mais tradicional.
Hoje o que está em pauta é um projeto ousado,
partindo do Ministério da Educação que busca o
rompimento com o modelo eurocêntrico de História, mas
existem muitos debates e muitos interesses e desinteresses
nessas mudanças. Mas já se vislumbra mudanças nas
estruturas curriculares do ensino de História.
É preciso que se entenda, que em todos estes
períodos que abordamos a História sempre foi objeto de
uso político e doutrinário, em alguns períodos, isso fica
muito mais claro nas produções didáticas. No PNLD,
atualmente existe uma tendência um pouco mais voltada a
modelos menos conservadores de ensinar História, mas
não se rompeu ainda a adoção do modelo tradicional,

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|183


principalmente por que as pesquisas que se faz nas
universidades não são compartilhadas com os professores
da educação básica, o que dificulta bastante uma mudança
consistente na forma de ensinar História, pois as novas
perspectivas não embasam as práticas do cotidiano escolar.
Outras questões que devemos analisar que são
pautas do nosso tempo, são as novas mídias e seu uso para
melhoria no ensino de História. Surgem como uma
tendência.

Sobre o projeto
Este projeto de pesquisa pretende realizar a coleta
de dados, fazer levantamento de locais e objetos de
patrimônio histórico material e imaterial do município de
Tupanciretã, levando em conta um recorte temporal
abrangente, que aborde desde o início do povoamento do
município até os dias atuais.Pretende-se também incluir
nos estudos do patrimônio e história do município todas as
classes sociais e sua contribuição para a nossa formação
histórica, buscando a realização de um trabalho de
Educação Patrimonial que contemple o alunado das redes
de ensino de Tupanciretã, através da produção de material
Didático-Pedagógico a ser utilizado por alunos e
professores .É necessário que se crie um imaginário social,
onde a população se entenda pertencente a esta história,
hoje nossa população não tem esse sentimento e nem
construiu esse imaginário social, levando em conta suas
origens, suas peculiaridades, nem uma história coletiva
sobrevivendo apenas com algumas memórias inventadas
pelas classes dominantes, invisibilizando as classes menos
favorecidas nesta construção. Em tratando-se da formação
de um imaginário social podemos algumas idéias do
historiador José d’Assunção Barros, onde argumenta que o
imaginário é algo que faz parte do cotidiano dos indivíduos
e se faz tão presente quanto aquilo a que atribuímos o valor
de real ou considerado como algo concreto (BARROS,
2009 p. 91). Observa-se aqui uma ausência de sinais e
vestígios históricos dos povos indígenas e da população de
classe baixa que também povoou nosso município.
Ostentamos muitos títulos: “cidade com maior frigorífico
da América Latina”, nos anos 1970, “Maior Produtora de
Soja do estado”, atualmente.Mas em momento algum
menciona-se por exemplo que nesta cidade encontram-se o
maior número de famílias assentadas pela reforma agrária
do estado do Rio Grande do Sul, totalizando 17
Assentamentos/Reassentamentos.Tampouco menciona-se
como se deu o início da produção de carne e a chegada de

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|184


famílias negros para iniciar a produção inicialmente em
charqueadas e mais tarde no frigorífico da Cooperativa
Serrana. Estes silenciamentosincomodam e oprimem, visto
que a maior parte da nossa população desconhece suas
origens e sua história, e as famílias que aqui chegaram a
partir dos anos 1990, além de não conhecerem a história do
município que os acolheu, em momento algum se sente
pertencente a história daqui. Todos estes elementos,
durante anos vêm me causando inquietação e me
instigando a escrever algo que consiga ser entendido pelo
nosso alunado, em termos de história local, mas que
também seja de proveito dos nossos professores que em
boa parte, desconhecem sua própria história e seguem
reproduzindo informações defasadas e até falaciosas.
Também não existe nenhum tipo de trabalho de educação
patrimonial, desde o nosso museu é um local que destaca
somente elementos de uma elite, não sendo um local em
que se possa entender a riqueza da constituição dessa
população heterogênica, tornando-se desmotivadoras as
visitas ao referido museu, pois aquela não é a “nossa
história”.
Esta desvinculação dos indivíduos com esta história
e com esta sociedade está relacionado ao processo inverso
na construção do seu imaginário social como nos destaca
Pesavento:
“Esse é, por assim dizer, um processo constituído
historicamente : o da elaboração em cada sociedade, de
um sistema de idéias-imagens de representação coletiva.
A isso dá-se o nome de imaginário social, através do qual
as sociedades definem a sua identidade e atribuem sentido
e significado às práticas sociais. O imaginário é sempre
representação, ou seja, é a tradução , em imagens e
discursos, daquilo a que se chama de real”(Sandra
Pesavento, 1993).

Enfocando a questão do ensino e aprendizagem,


podemos considerar que nosso aluno- sujeito das nossas
escolhas teórico- metodológicas- tem inúmeros prejuízos
não tendo explicitada sua história de uma maneira
verdadeira e clara, pois este não se sentindo pertencente a
sociedade, não desenvolvendo sentimento de pertença a
esta História, não se sentirá sujeito dela e continuará
reproduzindo uma visão equivocada de história, onde nós
pessoas “ comuns” não somos sujeitos da história, apenas,
grandes coronéis, reis , rainhas , grandes autoridades,
socialaites são sujeitos da história. Essa visão equivocada
da participação do nosso sujeito na sociedade em que vive
pode ser analisada como uma das alavancas ao que
defendia Bourdieu: o aluno que fica passivo diante da
escola, pois não vê na escola um meio de mudança da
posição social. Reproduzindo na escola as lutas de classe a
permanência da valorização do capital cultural que é tão
excludente e faz com que filhos de trabalhadores e pessoas

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|185


pobres continuem reproduzindo a sociedade sem
mudanças.
Para rompermos com essa estrutura alienante é
necessário que nós educadores possamos estar rompendo
com essa reprodução de conhecimentos e passando a
produzir na escola, valorando a realidade e as vivências
deste nosso aluno, dos seus antepassados, de sua história
de vida e utilizando-nos desta experiência para produzir
conhecimento também. Neste sentido temos a contribuição
de Philippe Perrenoud é necessário que o educador invista
na construção de novas práticas e dispositivos alternativos
de ensino. Segundo o autor trata-se de “um trabalho
intenso de cooperação e de inovação, ou seja, uma ruptura,
com o individualismo e a rotina”. (PERRENOUD,1996).
Outra diretriz baseada também em Perrenoud é
colocar o aluno como centro das ações. Claro que nesse
caso, a produção de material vem ao encontro do anseio de
nossos professores que não sentem-se suficientemente
instrumentalizados para ensinar história local. Ouvimos
sempre as mesmas questões: “o que vou trabalhar em
História do município?” “Onde consigo algum material?”
“Só tenho material desatualizado”. Mas é importante que
possamos estar instrumentalizando esse professor para que
então nosso grande público alvo possa ser atingido com as
ações e com o material produzido
Segundo Santos, devemos observar alguns aspectos
na formatação deste material:
Conteúdos claros e bem estruturados atendendo
à inter e intratextualidade, multivocalidade e
multidirecionalidade. [...] É importante utilizar elementos
de transição entre unidades e/ou textos, resumos e
sínteses ao final de cada unidade temática indicando
novas referências (links, sugestões de filmes, outras fontes
de informação); [...]Vocabulário coerente com o perfil
dos aprendentes. [...] ilustrações devem ser
contextualizadas e utilizadas como conteúdo.
(Santos,2002)

Justificativa
A decisão de trabalhar com produção de material
didático-pedagógico, nasce da necessidade percebida ao
longo de quase vinte anos de docência, de um material
apropriado para o ensino de História local, que aborde de
uma forma didática as relações entre a História e o
patrimônio do município de Tupanciretã, pois o município
não dispõe de material adequado para o uso com os alunos.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|186


Neste sentido dispomos de estudos feitos por
memorialistas, pessoas da comunidade, não existe um
trabalho de pesquisa feito para dar conta da complexidade
da formação histórica do município e que seja adequado ao
uso escolar.Nossos professores utilizam-se destas
produções dos memorialistas e vão “montando”e
“inventando” uma História que não corresponde aos fatos
ocorridos, com omissões importantes, e nunca
incentivando o estudo do patrimônio histórico e cultural
existente na nossa cidade. Assim como as informações que
estão disponíveis para pesquisa e ensino estão defasadas,
com dados desatualizados e não abordam a sociedade de
Tupanciretã na sua totalidade , deixando alguns grupos
invisibilizados na dita “História Oficial”, bem como não
existe nenhum tipo de incentivo a valorização do
patrimônio material e imaterial do município, nenhum
projeto de Educação patrimonial, tornando as novas
gerações excluídas do conhecimento sobre sua própria
história.

O patrimônio cultural
O patrimônio cultural não se restringe apenas a
imóveis oficiais isolados, igrejas ou palácios, mas na sua
concepção contemporânea se estende a imóveis
particulares, trechos urbanos e até ambientes naturais de
importância paisagística, passando por imagens,
mobiliário, utensílios e outros bens móveis.
(http://portal.iphan.gov.br)

Os Bens Culturais de Natureza Imaterial dizem


respeito àquelas práticas e domínios da vida social que se
manifestam em saberes, ofícios e modos de fazer;
celebrações; formas de expressão cênicas, plásticas,
musicais ou lúdicas; e nos lugares (como mercados, feiras
e santuários que abrigam práticas culturais coletivas) -
(http://portal.iphan.gov.br/.).
A partir das práticas voltadas a valorização do
patrimônio histórico e cultural, tendo-se como referência
os conceitos já citados, pretende-se ter como marco inicial
deste processo a produção deste material e seu uso tanto
por docentes e discentes como uma semente para que as
novas gerações podem se entender e sentir-se pertencentes
a História do nosso local.
Existem vários estudos que abordam a questão da
dicotomia academia-escola, isso me instigou, ao cursar
História pela Plataforma Freire, já nos primeiros estudos
de Pré-História, com o Professor Milder -in memoriam- já
pudemos nos deparar com pesquisas incríveis e dados

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|187


novos sobre a colonização do nosso estado, sobre nossa
História e modo de vida dos nossos antepassados que
nunca foi abordado nem nos livros didáticos nem nas
produções que tínhamos acesso, nos causando
encantamento. Desde então, nascia uma ideia de
ressignificar nossa História, pesquisar a partir de várias
fontes, levantar dados, trazer um pouco do que já se tem
produzido em termos do estado do Rio Grande do sul,
relacionando a nossa História local. Neste sentido, Maurice
Tardiff contribui quando afirma que professores de sala de
aula devem parar de ser tratados como estudos de caso nas
pesquisas universitárias e afirma que estes professores
podem produzir não somente reproduzir, ele convoca
pesquisadores, docentes , a unirem-se para produzir ,
ressalta que mundo acadêmico e mundo escolar devem
estar se amparando para que os professores não sejam
vistos apenas como reprodutores de conhecimento
produzidos por outros grupos. Reforçando a ideia de
romper a dicotomia já citada
Outra questão, bastante peculiar que incita para este
trabalho é a forma como os grupos sociais são tratados nos
memoriais já citados e na História que se ensina na sala de
aula, que valoriza apenas os grandes coronéis, a elite, não
enfoca as classes sociais menos favorecidas invisibiliza o
passado missioneiro , já que hoje a grande maioria do
nosso alunado e até nossos professores de anos iniciais não
têm conhecimento de que nas terras onde depois ergueu-se
o povoado que deu origem ao nosso município,
anteriormente era uma Redução, a Redução de São João,
um “braço” da Redução de São Miguel que acolhia
guaranis “excedentes” da Redução de São Miguel. Estas
versões contadas nas escolas sempre me causaram
estranhamento, pois sempre me interessei por este passado
missioneiro omitido de todas estas gerações, pois entendo
que devemos conhecer nossa própria História e repassar
para as novas gerações. Sobre a questão missioneira existe
uma abordagem apenas lendária, somente o “mito da
criação”, a lenda da origem do nome do
município.TUPAN – CI-RETAN = terra da mãe de deus.

Para que produzir material didático de história


local?
Este projeto tem por objetivo fazer o levantamento e
coleta de dados, locais, objetos, modos, fazeres, que
estejam relacionados ao patrimônio cultural de Tupanciretã
e partindo desse levantamento realizar a produção de um
material didático-pedagógico que vise o incentivo

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|188


avalorização destes patrimônios. Este material deverá ser
produzido levando em conta alguns pressupostos como :
congregar múltiplas visões e teorias educacionais; buscar
desenvolver autonomia e visão crítica no aluno; despertar
nos docentes gosto pela educação patrimonial, como uma
forma de auxiliar na construção da identidade do seu
aluno; integração e articulação com outros componentes
curriculares, buscando formatar um material de uso
multidisciplinar; atualizar os conhecimentos históricos
sobre a História do município onde todos passam a ser
sujeitos e não somente um determinado grupo social;
construir um material com uma linguagem voltada ao
público alvo, levando em conta algumas regionalidades e
valorizando o conhecimento prévio e a bagagem cultural
dos alunos; buscar atividades e propostas que envolvam
situações problemas e que tragam ludicidade visando
despertar o gosto do aluno e o incentivo por parte dos
professores . Pretende-se também contribuir de maneira
efetiva para incentivar a leitura, a produção escrita, a
oralidade, através de um material que dinamize as aulas de
História e dialogue com outras disciplinas, além de ser
uma ferramenta com a qual os educadores possam utilizar-
se. Neste sentido é necessário que o professor tenha em
mente conforme destacam Schimidt e Cainelli:
As relações do professor de história, como as de outros,
com os livros didáticos articula-se, fundamentalmente,
por meio de suas concepções de educação, de ensino e
aprendizagem, ou seja, está permeada pelas concepções
que ele tem de escola, bem como pelas que tem das
finalidades do ensino em geral e do ensino da História em
particular. A clareza acerca dessas questões pode servir
de referência para o livro didático ser visto como parte
articulada e articuladora da relação entre professor,
aluno e conhecimento histórico, e não como algo
arbitrário e compulsório. (SCHMIDT e CAINELLI, 2004,
p. 136)

Trabalhar com material didático produzido com


especificidades têm aspectos positivos, mas também
aspectos negativos, principalmente por vir com a visão do
autor em relação as temáticas abordadas, é necessário
existir a isenção de todo cunho ideológico dessa produção
para que realmente seja de valor científico e não somente
memorialístico. Precisamos ter estes cuidados para não
recorrermos nos mesmos erros já narrados muitas vezes
que ocorrem em produção de livros didáticos e materiais:
livros explicitamente voltados a reproduzir modelos
ideológicos.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|189


Metodologia
A metodologia que será usada, deverá partir de uma
pesquisa com professores da rede pública de Tupanciretã,
onde 05 professores responderão questionário no qual
deverá ser quantificada a real necessidade do material para
a execução de aulas de História local, com questões
pertinentes ao que desejamos desenvolver e que nos deem
pista sobre o que será melhor aceito tanto por professores,
como por alunos. Após essa coleta de informações, iremos
partir para a seleção de material adequado para nos
embasar na confecção do material.
É importante salientar que existem poucas
produções que tratem especificamente sobre a História de
Tupanciretã e que partam de fontes confiáveis, visto que
alguns memorialistas já escreveram sobre esse tema,
alguns com informações corretas e que partem de fontes
confiáveis, de registros oficiais, já outros, são somente
uma reprodução do que é falado através de contos
populares. Por isso é importante ter bastante cuidado na
seleção deste material, pois não podemos produzir com
informações equivocadas, neste sentido, a dissertação de
Mestrado de Oliveira, TarcisioDorn, vem bastante ao
encontro do que se necessita em termos de imagens,
informações históricas e do patrimônio cultural material de
Tupanciretã. Entretanto necessitamos ampliar a busca por
aspectos do patrimônio imaterial do município e
aprofundar algumas questões históricas.
A partir da seleção das informações que farão parte
do material, passaremos a fase de formatação deste
material, uma vez que queremos um material impresso e
também outro tipo de material que possa ser
disponibilizado virtualmente, ambos necessitam cuidado
para ficarem com uma apresentação que seja adequada
para o uso com alunos e também um material específico
para os professores.
No momento em que houver o lançamento do
material, pretendemos realizar uma formação específica
para os professores para trabalhar algumas noções de
educação patrimonial, será disponibilizado um mapa e um
roteiro de visitas a locais de patrimônio, com sugestão de
atividades a serem desenvolvidas pelos professores e
temáticas a serem abordadas em cada local de valorização
do patrimônio. Também pretendemos através de uma
oficina propor algumas técnicas de trabalho que visem o
melhor uso do material por parte dos docentes.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|190


Devemos ter clareza que estamos num tempo em
que as culturas escolares modificaram-se bastante e alguns
instrumentos que outrora eram eficazes, hoje se mostram
obsoletos e ineficientes- aliás os espaços escolares
deveriam ser revistos, pois apresentam-se obsoletos na sua
maioria- então precisamos buscar formas de construir
material que esteja adequado ao que é esperado pela
geração que irá utilizá-lo. É necessário ter consciência que
os sujeitos da aprendizagem, estão conectados, estão em
rede. Aliás, nos dias de hoje as pessoas estão
permanentemente conectadas por dispositivos móveis, por
isso, na proposta de produção, incluo uma parte do
material que seja virtual, ainda não está realmente
decidido, qual maneira será apresentada: um e-book, um
blog, um CD-ROM com atividades, enfim...São várias
formas de partilhar o material de maneira virtual,
precisamos, a partir da pesquisa, decidir pelo que melhor
irá se adequar.

Considerações finais
Dessa forma, apesar do projeto ainda estar em
período de elaboração, para ser qualificado e
posteriormente produzido o que se propôs para a fase de
intervenção, já podemos analisar sua importância, tanto do
ponto de vista social, e também como uma perspectiva de
mudança de algumas maneiras de abordagem da História
local.
Para definirmos o tipo de material que iremos
produzir pretende-se ouvir os professores da área e alunos
na busca pelo modelo mais adequado, seja uma cartilha,
um polígrafo, história em quadrinhos, CD com
imagens...Existem várias possibilidades. Mas precisamos
ter clareza na linguagem a ser usada, nos recortes
temporais, na metodologia, nas propostas de atividades,
nas notas de rodapés, na sugestão de usos da web, como
sites, links e outros materiais.Todos estes elementos
necessitam estar bem planejados e organizados buscando
um resultado que seja do gosto tanto de docentes, como de
discentes.
Nossa busca está em fazer algo diferenciado, que
estimule nossos professores e que possa ser um marco
inicial na educação patrimonial na nossa cidade, para que
nossa história passe a ser explorada também em locais não
formais, como arquivos contidos no museu, praças,
monumentos, antigo frigorífico, enfim...Existem muitos
locais para se trabalhar esta história, mas nenhum tipo de

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|191


auxílio ou orientação aos professores na forma de fazer.
Existe também uma necessidade perene de que se aborde o
patrimônio imaterial, nossas festividades, nossos
elementos culturais que muitas vezes são omitidos e nossas
novas gerações desconhecem sua própria cultura,
elementos que seriam importantes para fortalecer seu
sentimento de pertença a esta terra.

Referências Bibliográficas
- BARROS, José de Assumpção: A construção
social da cor; Ed. Vozes. Petrópolis. 2009
-PERRENOUD, Philippe. Profissionalizaçãodo
professor e desenvolvimento de ciclos de
aprendizagem. Cadernos de Pesquisa. São Paulo, n. 108,
p. 7-26, nov. 1999

- PESAVENTO, Sandra Jatahy. Umnovo olhar


sobre a cidade: a nova história cultural e as
representações do urbano. In: MAUCH, Cláudia; et al.
Porto Alegre na virada do século 19: cultura e sociedade.
Porto Alegre/ Canoas/ São Leopoldo: Editora da UFRGS/
Ed. Ulbra/ Ed. Unisinos, 1994,

- SANTOS, Edméa Oliveira. Formação de


Professores e Cibercultura: novas práticas curriculares
na educação presencial e a distância. In: Revista da
FAEEBA, v.11, n. 17, p. 113-122, jan./jun. 2002.
-SAVIANE, Demerval. Escola e Democracia. Ed.
Autores Associados,São Paulo.1997
- SCHIMIDT, Maria Auxiliadora; CAINELLI,
Marlene. Ensinar História. São Paulo: Editora Scipione,
2004.
- TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação
profissional. Petrópolis: Vozes, 2002.
-http://portal.iphan.gov.br

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O ensino de História no Brasil
Suas funções e implicações políticas e sociais – Séc. XIX até a atualidade
Por Marilen Fagundes Peres¹, Janete Schirmer², Tatiane Souza Ritter³

Resumo Abstract
O presente artigo pretende analisar This article analyzes some
algumas produções sobre o ensino de História productions about the history of education in
no Brasil, desde os anos mil e oitocentos até Brazil since the early eighteen hundred to
períodos atuais, nos quais nos mostram que o current periods in which show us that the
ensino de história, bem como a disciplina teaching of history as well as the discipline
sempre tiveram funções políticas e de criar always had policies and create convenient
mentalidades convenientes aos sistemas mentalities to systems functions politicians
políticos de determinadas épocas. Para isto certain times. For this we intend to seek
pretende-se buscar elementos que comprovem evidence demonstrating this bias from
esse viés a partir de autores como Circe Maria authors such as Circe Maria Bittencourt,
Bittencourt, Ciro Flávio de Castro Bandeira de Cyrus Flávio de Castro Melo Flag, Elza
Melo,Elza Nadai, os quais demonstram em suas Nadai, which demonstrate in their research
pesquisas as utilizações e utilidades do ensino uses and uses of history teaching, including
de História, inclusive através do uso de manuais through the use manuals and textbooks
e livros didáticos para estas funções. for these functions.

Palavras-chave:ensino de história; funções; Brasil; político; livros Keywords:teachinghistory; functions; Brazil; politics; textbook
didáticos

1
marilin.fagundes@hotmail.com
² jaschirmer13@gmail.com
³ souzaritter@gmail.com

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Introdução
Nas mais diferentes situações sociais a que estamos
expostos no cotidiano, proliferam discursos que
reconhecem as deficiências da educação em nosso país e as
correspondentes explicações para elas. No entanto,
dificilmente tais discussões estão acompanhadas da base
teórica necessária para a real análise do tema. Dessa forma,
faz-se necessário buscar na história o desenrolar dos
acontecimentos no campo da educação para melhor
entendermos e analisarmos realidade do nosso país.
Pretende-se com este artigo apresentar as mudanças e
permanências que ocorreram ao longo dos anos na história
do ensino de história, com base nos autores e obras já
citados.
Para fazer críticas ao sistema educacional, observar
sua ineficácia, precisamos nos situar historicamente, para
entendermos a lógica que determinou os modelos
educacionais do Brasil desde períodos imperiais, para que
se consiga entender algumas questões que são de cunho
social, político e econômico, mas que precisamos entender
a partir de uma dimensão histórica. É preciso que se
entenda que a educação no Brasil- e o ensino de História-
sempre teve nas suas principais pautas a permanência de
modelos que privilegiassem uma minoria detentora do
capital econômico em detrimento de uma maioria que
deveria estar à margem dos processos educacionais ou tão
somente receber a educação necessária para realização de
trabalhos mais elaborados, mas prioritariamente, a
educação era pensada para as elites do país que “nascia”,
para que se formasse aqui os grandes homens que
conduziriam o futuro da nação.
E essas questões continuaram centrais e
permanecem até os dias de hoje,com pequenas alterações,
mas que ainda não são significativas para garantir rupturas
dos modelos que privilegiam sempre as mesmas elites, um
sistema de ensino burocratizado, mas com fragilidades que
comprometem os menos favorecidos, distorções claras , no
momento em que as universidades públicas e os incentivos
à pesquisa são na sua maioria usufruídos pelas mesmas
elites ainda hoje, com pequenas mudanças, mas não
significativas a ponto de modificarem as estruturas da
pirâmide social do Brasil.
Pensar educação e suas teorias sem mencionar a
marginalidade referida por Saviane (Escola e
Democracia,1997)onde as próprias teorias sobre educação
e ensino são postas em questão e mencionadas como fator
de permanência na exclusão de uma maioria do acesso ao
ensino de qualidade. Visto que mais de 50% dos jovens

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que saem das escolas públicas podem ser considerados
como analfabetos funcionais. Isso demonstra que nosso
ensino é segregador, pois não leva em conta as diferenças
estruturais existentes em nossa sociedade.
Segundo Saviane (1997) existem dois grupos de
teorias para explicar a educação no Brasil que ele nominou
de Teorias não críticas e Teorias críticas reprodutivistas,
no primeiro grupo existe um esforço para demonstrar que a
educação sozinha seria capaz de superar a marginalidade,
já no segundo grupo os estudos apontam que a educação
para ter eficácia e mudar os modelos já estabelecidos
necessita de outros fatores principalmente de ordem social.
E é desta sociedade e desta educação que estamos
partindo para uma análise mais detalhada, principalmente
no que tange o ensino mais específico de História, como
fator de permanência da nossa sociedade, desde o início
nos tempos do Colégio PedroII.
Existe um grupo de pesquisadores que entende a
escola como aparelho ideológico do estado, visando
reproduzir determinadas mentalidades na população,
segundo esses teóricos essas ideologias se materializam
através de ações praticadas na escola, já que essa seria um
aparelho para materializar essa ideologia, segundo
Althusser:

“o Aparelho Ideológico de Estado que foi colocado


em posição dominante nas formações capitalistas
maduram, após uma violenta luta de classes política e
ideológica contra o antigo Aparelho Ideológico de Estado
dominante, é o Aparelho Ideológico Escolar.”

Segundo essa teoria a escola apenas reproduziria as


relações do capitalismo, de exploração e exclusão.
Sabemos que muito disso reflete o que observamos em
nossa sociedade, principalmente no momento em que os
menos favorecidos são os que acumulam insucessos
escolares sucessivos e muitas vezes acabam por abandonar
os estudos sem concluir nenhum nível de escolaridade.
Quando se fala em ensino de História, a situação ainda é
pior pois a função da História seria de utilizar-se das aulas
para desenvolver criticidade e capacidade de interpretação
do mundo a partir do presente utilizando-se do
conhecimento do passado , mas o que se observa muitas
vezes é uma inversão, aulas mornas, maneiras de ensinar
ineficazes, metodologias ultrapassadas, fazendo com que
os alunos tenham aversão à História, pois não conseguem
entender-se como sujeitos da História ensinada nas
escolas, pois esta é linear, valorizando datas, fatos, reis e
rainhas, criando um abismo entre o aluno e o que lhe é
ensinado pois ele não vê nenhuma possibilidade e
nenhuma utilidade do que está sendo ensinado, pouco se
faz para que a História instrumentalize os alunos para

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exercerem sua cidadania de forma plena, com acesso aos
seus direitos e buscando mudanças e rompimentos com a
estrutura que privilegia a burguesia.
Estes são alguns fatores que nos motivaram a
analisar algumas obras que remontam o ensino de História
no Brasil, desde seu início para que se consiga entender os
usos da História com finalidades ideológicas,
aprofundando algumas crises no ensino escolar do Brasil.

Uma breve contextualização da história do ensino de


história no Brasil
Nos primeiros tempos do ensino de história aqui no
Brasil, fazia-se uma cópia e uma reprodução do que se
tratava na Europa, principalmente na França. Era um
modelo que apenas reproduzia os heróis europeus e suas
conquistas, apresentava a sociedade europeia como uma
sociedade a ser copiada , valorizando sua cultura, sua
História, seus rituais, sua “civilidade”, falar em
eurocentrismo nos traz uma redundância, já que o único
objeto de estudo da disciplina eram os feitos dos nossos
conquistadores. Enquanto isso, alguns pesquisadores aqui
lançavam-se a pesquisar dados, principalmente geográficos
do Brasil, já que antes da chegada dos portugueses era
como se não existisse uma história passível de ser contada.
Neste sentido não podemos deixar de destacar as
contribuições de Von Martius e Varnhagen, que
produziram alguns dos registros importantes e que
embasaram todos os principais autores da época. Não
podemos deixar de destacar já neste primeiro momento de
produções as questões políticas postas para elencar estas
produções, neste caso o papel coube ao IHGB, que tinha
intuito de contar uma História do Brasil na qual
enaltecesse num primeiro momento os monarcas
bragantinos, seus feitos, sua família, sua nobreza,
desprezando os povos nativos, relegando-os ao exotismo
de um país de natureza rica da qual faziam parte, mas
nunca como elementos centrais das narrativas.
É fácil imaginar que, no período em que ocorre a
emancipação política do Brasil em relação a Portugal,
tanto professores quanto escolas existiam em número
insuficiente, faltando organização suficiente para o bom
desenvolvimento da educação e, portanto o aparato
institucional que havia não propiciava prática nem
formação científica mais efetivas.
Entretanto, a criação do Colégio D. Pedro II, em
1838, durante o período regencial, é um marco na
educação brasileira que merece destaque. Criado com o

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objetivo de tornar-se escola-modelo de ensino secundário,
os trabalhos pedagógicos com os alunos inicialmente
atendiam ao ideário positivista que dominava a época.
Inclusive, segundo Circe Bittencourt, o nascimento da
disciplina de História, com “pleno direito” de ser inserida
nos currículos educacionais ocorre segundo os moldes
positivistas que a marcam como “genealogia da nação”,
estando diretamente ligada com o ideal de construir e
apresentar uma história da civilização, e construção de
uma identidade comum da nação.

Poucos anos após a independência do Brasil, em


1838, em meio ao período regencial e sob forte influência
do pensamento liberal francês, foi criado no Rio de
Janeiro o Colégio Pedro II, primeiro estabelecimento de
ensino público de nível secundário no país. No mesmo
ano desse acontecimento, houve a regulamentação da
disciplina de História, a ser ensinada a partir da 6ª série.
Ainda em 1838, foi criado o Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro – IHGB, que passaria a orientar a
história escolar desenvolvida pelo Colégio Pedro II. Se ao
primeiro atribuía-se a função de formar os filhos da
nobreza da corte do Rio de Janeiro, oferecendo-lhes uma
preparação inicial para assumir os cargos burocráticos
do Império, ao segundo cabia a responsabilidade, entre
outras, de definir programas e métodos de ensino para a
recém-nascida disciplina.(CAIMI, 2001, p.27-28)

Vale destacar, segundo Flávia Eloisa Caimi, que a


fundação do colégio, marca o momento histórico em que a
História passa a ser considerada disciplina escolar e
obrigatória, coincidindo esse fato com a criação do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB).
Importante ressaltar que o corpo docente do Pedro II
também compunha o quadro de intelectuais do IHGB e
foram eles que elaboraram os programas escolares, os
manuais didáticos e as orientações dos conteúdos a serem
ensinados, com influência francesa como destaca Nadai.
A tese de doutoramento de Ciro Flávio de Castro
Bandeira de Melo se reporta principalmente a analisar as
obras didáticas, os manuais de João Ribeiro e Joaquim
Manuel Macedo ambas utilizaram-se das produções de
Von Martius e Varnhagen para escrever seus manuais, que
foram em seu tempo o que melhor se produziu e o que
mais se consumiu sobre História do Brasil naquela época.
Devemos analisar o papel que estas obras tiveram na
questão da formação de consciências históricas voltadas a
fortalecer modelos políticos então presentes.
Os autores analisados por Ciro retratam o que já se
tratava: a história como instrumento de doutrinação
política e exaltação de uma História necessária para a
sustentação de um determinado modelo. No caso do

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|197


Macedinho, como era conhecido Joaquim Manuel Macedo,
sua obra tinha forte ascendência imperial, exaltava a corte,
os Bragança e aquele modelo que governava o Brasil na
época de sua obra. Macedinho era membro do IHGB, que
tinha, como já foi citado, a função de construir uma
História para a Pátria recém “parida” na qual julgavam ser
os salvadores daquele povo mestiço que não possuía o
requinte das grandes nações europeias.
Precisamos salientar ainda que estas construções na
qual temos como marco a obra do Dr. Macedo, tiveram
uma importância fundamental na construção do estado-
nação brasileiro sem que nosso território fosse
fragmentado. Toda a exaltação à coroa, à família imperial,
enfim toda pompa utilizada, a invenção do herói nacional,
do hino que exaltava as belezas do Brasil, de um espírito
de patriotismo, que começou nas altas classes e foi
passando para todos os habitantes, tudo isso colaborou
para a sustentação daquele modelo e a construção de uma
história a serviço da monarquia, que cumpriu com seus
objetivos. Neste sentido a referência do Manual do Dr.
Macedo foi de suma importância, pois ele e seu manual
como criadores de mentalidades no Colégio PedroII, o
colégio da grande elite brasileira influenciaram várias
gerações.
Na mesma linha verificamos o manual de João
Ribeiro, porém já referindo outro momento político: a
invenção da república no qual o autor também utiliza-se do
seu manual para vender a ideia de que a república naquele
modelo, então seria a melhor opção de modelo político
para o Brasil. É interessante avaliar que nas duas obras
analisadas pelo autor o que chamou atenção foi a
longevidade e permanência nestas obras, produzidas pelos
então, professores do Colégio PedroII, mas que
referenciaram várias gerações e influenciaram também.
Como já foi dito, este colégio era formador da elite
brasileira e as ideias e ideais produzidos ali seria o que
embasaria os futuros senhores do Brasil.
Estas duas primeiras obras citadas eram os livros
didáticos daquela época, e notoriamente foram
amplamente consumidos e bem citados e inspiradores de
muitos outros que produziram material de História do
Brasil no início do século XX. É importante nos
atentarmos para as produções com fins didáticos no Brasil,
sempre com cunho ideológico impregnado e com uma
função política bem clara, expressa através de suas ideias
que segundo Circe Bittencourt, mascaravam a realidade e
procuravam ser veículos portadores de ideologia burguesa.
Circe Bittencourt pesquisou livros didáticos de História do
Brasil e sua tese de doutoramento aborda exatamente o
mesmo viés apresentado neste trabalho: os usos das
produções didáticas para finalidades políticas-ideológicas.
Circe denuncia claramente as intenções de dissimular a

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realidade e as contradições sociais existentes no Brasil.
Neste sentido podemos destacar as obras de Maria de
Lourdes Chagas DeiróNosella, As belas mentiras:
ideologia subjacente aos textos didáticos e a de Ana Lúcia
Faria, A ideologia no livro didático ambas obras tiveram
inúmeras edições.
Precisamos contudo contextualizar tais obras citadas
ao período no qual foram escritas, no caso das duas últimas
obras e também a obra de Circe, datam de um período
ditatorial, logo também demonstram resquícios do
momento em que foram produzidas. Neste período o
regime militar interferiu diretamente nas questões voltadas
para a educação e mais especificamente para o ensino de
História que foi dissolvida e transformada numa “mistura”
denominada Estudos Sociais, que tinha claramente a
intenção de abolir o papel esclarecedor da disciplina de
História, já que mais do que nunca, naquele momento era
preciso mascarar muitas verdades e maquiar a realidade
que se apresentava. Por isso é preciso que se atente para a
as obras escritas neste período, pois os autores estavam de
certa forma engessados pois a repressão e a censura eram
constantes, por isso, mesmo fazendo análise de um período
bem anterior os autores e obras apresentavam
características da época em que produziram tais obras.
Bittencourt, abarca em sua tese de doutoramento um
recorte temporal bem vasto pois analisa obras datadas de
1810 a 1910, período que compreende manuais didáticos
escritos em diferentes períodos políticos no Brasil, mas
que trazem em sua essência a ingerência do estado, tanto
imperial, como republicano e principalmente na forma de
uso destes tanto por alunos como por professores que
interferem diretamente na forma como se ensinava História
do Brasil nestes períodos. A autora inicia sua obra
advertindo sobre a natureza complexa dos livros escolares,
e portanto das várias formas possíveis de abordagens que
se pode realizar através dos livros didáticos. Ela atenta às
questões mercadológicas que norteiam boa parte das
produções de livros didáticos, mas principalmente nas
questões ideológicas implícitas nas produções.
É elemento também passível de análise, segundo
Bittencourt a maneira como os manuais didáticos
funcionam como depositários do “saber”, da “cultura”, dos
conteúdos escolares, privilegiado sistematizador de
conhecimentos e conteúdos elencados pelas propostas
curriculares. Dentro desta perspectiva desenvolvia-se o
ensino de história, com textos, exercícios e questionários
para serem decorados e “tomados”, sem a menor
possibilidade de reflexões maiores, tendo no manual
didático a tábua de salvação dos professores, pois eles
facilitavam seu trabalho, sistematizando o conhecimento,
trazendo os “exercícios” e doutrinando seus alunos. Ainda
nos dias de hoje este tipo de situação está presente nas

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|199


salas de aula do nosso país, aulas sem reflexão, conteúdos
ministrados apenas com base em determinado autor e
determinado livro didático. É incrível como estes modelos
ainda são reproduzidos, reafirmando uma postura
tradicional, que visa a um ensino quantitativo e à mera
reprodução de conteúdos decretados pelas propostas
curriculares. Assim continua-se reproduzindo uma forma
de se fazer e pensar História muito semelhante ao que já se
fazia lá nos tempos do Dr. Macedinho, conhecido pela
postura reta, pelas cobranças e exigências da decoreba por
parte dos seus alunos, mas sempre utilizando-se da história
para legitimar um modelo político.
Nos dias de hoje, lamentavelmente nossos
professores estão ainda reproduzindo este modelo, bem
mais por uma questão de praticidade e falta de tempo-
número bem aumentado na carga-horária, várias escolas e
turmas para planejar e executar aulas; o que não lhes
permite uma análise mais minuciosa do manual didático
que irão adotar. A maioria dos professores procura um
livro didático com “informações” bem concisas, com
“exercícios” bem elaborados e com textos adequados ao
nível de leitura dos seus alunos. Em momento algum a
grande maioria dos professores de História analisa o
conteúdo dos livros e as questões ideológicas intrínsecas
nestes.
Podemos então verificar o quanto a forma de se
ensinar História no Brasil teve pouca evolução, dessa
forma é possível compreender quando autores renomados e
pesquisadores afirmam que na escola não se produz
conhecimento histórico, apenas se reproduz. De certa
forma essa afirmação tem bastante veracidade apesar de
não ser absoluta, pois alguns pesquisadores têm uma visão
diferente destas situações. Não podemos desvalorizar o
que se faz em sala de aula, apesar de muitos professores
ainda reproduzirem velhos modelos. No que tange mais
especificamente os manuais didáticos Bittencourt, trata
como problema grave a efemeridade das obras pois têm
prazo curto de utilização e depois caem em desuso e seus
exemplares ficam sujeitos a péssimos estados de
conservação, dificultando pesquisas mais aprofundadas de
muitas obras que foram amplamente vendidas.
“Sendo uma espécie de produção marginal, o livro
escolar não foi e nem tem sido depositado em bibliotecas
públicas de forma sistemática” (Bittencourt, 2008) Esta
visão demonstrada por Bittencourt com relação ao livro
didático nos faz refletir o quanto são desvalorizadas as
produções de conhecimento histórico que são consumidas
nas escolas brasileiras. Elas têm um curto período de
aproveitamento, caem em desuso com certa rapidez, na sua
maioria são reprodutoras de uma ideologia que se quer
impor, sem necessariamente ser intencional por parte do
professor, que ainda tem neste tipo de material sua forma

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|200


mais prática de transmitir seu conteúdo . Analisando a
evolução do ensino de História no Brasil observamos que é
difícil dissociar o ensino de História do livro didático de
História, e vemos que todas as evoluções e transformações
da disciplina perpassam pelas produções didáticas.
Neste sentido,Elza Nadai também contribui através
de sua obra O ensino de História no Brasil, trajetória e
perspectiva, já na epígrafe da obra a autora nos dá pista da
crítica contundente a este modelo de ensinar história que
estamos analisando:

“Nossos adolescentes também detestam a História.


Votam-lhe ódio entranhado e dela se vingam sempre que
podem ou decorando o mínimo de conhecimentos que o
‘ponto’ exige ou se valendo lestamente da ‘cola’ para
passar nos exames. Demos ampla absolvição à juventude.
A História como lhes é ensinada é realmente odiosa”

Murilo Mendes. A História no curso secundário.


São Paulo, Gráfica Paulista, 1935, p 41.
Na obra de Nadai, é feita uma recuperação da
trajetória do ensino de História no Brasil e as mudanças
ocorridas desde o século XIX. Ela se propõe a analisar três
questões centrais para o ensino de história no Brasil: o
primeiro estabelecimento seriado oficial de estudos
secundários que marcou a introdução da disciplina de
História; a criação de cursos de formação de professores
específicos para a disciplina e, as mudanças operadas no
aparelho escolar e sociedade civil brasileira. Ela ressalta
que a escola brasileira não dá respostas às demandas
sociais, destaca que as instituições escolares não cumprem
com seu papel e que a História vive uma constante crise
criativa e que as produções e pesquisas passam por
modificações sem contribuir efetivamente para a melhoria
do aproveitamento da disciplina e seu papel social.
Nadai resgata o início do ensino da disciplina de
História lá na França, os pioneiros do Colégio PedroII, já
citados, e vem refazendo toda trajetória da disciplina no
Brasil, bem como sua forte influência nos pesquisadores
franceses, até chegar no que ela descreve como crise no
ensino de História e nas produções historiográficas.A
autora aponta algumas das angústias de professores e
pesquisadores sobre a forma como se processa o ensino de
História no Brasil e o quanto é frágil seu vínculo com um
comprometimento social mais amplo, a autora busca
refazer o caminho da disciplina desde seu início aqui no
Brasil, sempre de maneira crítica em relação a maneira da
abordagem da disciplina, do uso da História de maneira
errônea pelos professores. Ela destaca os modelos que se
modificam, sem implicações efetivas para a melhoria do
resultado esperado:formação de cidadãos conscientes e
críticos.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|201


Neste sentido, Bittencourt em sua obra Pátria,
civilização e trabalho nos mostra a partir de sua pesquisa
sobre o ensino de História em São Paulo, sua preocupação
com um ensino de história que não busca formar cidadãos
conscientes, mas que tem uma preocupação muito mais em
ensinar civismo, hino, datas, e outros elementos que
doutrinam e não ampliam a visão dos alunos em geral. Ela
cita a questão da preocupação das autoridades com o
ensino do civismo contrapondo com seu descaso com
investimentos maiores em educação. Ela ressalta a grande
crise vivida pela História e sua quase dissolução com a
criação dos Estudos Sociais, a introdução de disciplinas
como Moral e Cívica, OSPB, chamando a atenção para que
estas não são apenas mudanças curriculares, mas
mudanças introduzidas por um estado centralizador que vê
no ensino de História institucionalizado um perigo
eminente a ser combatido, controlado, suprimido. Ela
ressalta seu interesse especial por analisar o período a
partir do qual classes sociais diferenciadas “sentaram-se
nos bancos escolares”, ou começaram a ocuparos bancos
escolares.
Bittencourt, refaz a trajetória do ensino no Brasil e
sua ampliação aos diferentes grupos sociais, já que no
início a educação era privilégio de uma minoria rica, de
famílias tradicionais, com objetivo de formar os futuros
mandatários da nação, aproveitando-se da educação para
perpetuar as diferenças sociais, já imensas naquela época.
A pesquisa de Bittencourt, foi feita no estado de São
Paulo, principalmente nas escolas chamadas primárias e
ginasiais, onde estariam a maioria das pessoas de classes
diversificadas. Ela demonstra de que forma o ensino foi
ampliando seu foco principalmente com as exigências de
suprir demandas de mercado, já que para ocupar algumas
profissões existia a necessidade de que a pessoa tivesse no
mínimo os primeiros anos de escolaridade, para profissões
como serviços, comércio, as pessoas deveriam estar pelo
menos alfabetizadas , com noções de matemática, cálculos,
principalmente. Este foi um grande impulso para a
popularização e ampliação da escolarização no Brasil, mas
continuaram existindo muitas distorções ainda: negros não
podiam atéos anos 1920 frequentar a escola, mesmo
libertos a partir do final do século XIX, no início do século
XX eles ainda não eram “permitidos” estar na escola.
Exceto alguns negros como Machado de Assis, que tinha
um padrinho muito abastado, e que através de sua
influência pode ter acesso aos bancos escolares e a uma
formação superior.
Estas distorções foram aos poucos sendo
superadas,obviamente para produzir mais força de trabalho
“qualificada”, com a expansão da industrialização e
comércio no Brasil. Mas tratando-se do ensino de História
mais especificamente este ainda era muito vinculado a

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|202


questão do civismo, ainda era uma forma de exaltação à
pátria, muito ligado ao projeto nacionalista. Segundo
Bittencourt, é difícil analisar neste período o ensino de
História de forma isolada do ensino num todo, uma vez
que todo projeto era coordenado pelo Estado e tinha
objetivos específicos para a educação, a culminância disto
se deu em 1939, com a “concepção de educação como um
dos instrumentos básicos da segurança nacional”
(Bittencourt, 1990). Dessa forma podemos entender
inclusive o título da obra de Bittencourt: “Pátria,
civilização e trabalho. Estes eram os eixos norteadores das
propostas educacionais da época.

As mudanças no ensino de História ao longo do


Brasil Republicano
Nos trinta anos finais do século XX, durante os anos
70, em plena ditadura militar, o ensino de História era,
como não poderia deixar de ser, estritamente tradicional,
com a valorização de personagens e de fatos políticos
sobre os quais esses personagens atuaram. Um ensino
estruturado de forma linear e factual, desenvolvido numa
pedagogia de aulas expositivas, valorizando a
memorização pelos alunos, obrigados a repetir o que era
transmitido como verdade absoluta e irrefutável.
Essa pedagogia ainda reproduzia as práticas iniciais
do ensino de História, ainda do período do Brasil Império,
fundadas sobre os princípios da Escola Metódica e do
Positivismo. Esses princípios consistiam em ver a História
de um ponto de vista da linearidade dos fatos, não
utilização de documentos oficiais como fonte histórica e
valorização exacerbada de personagens consideradas
heroicas, além de identificar o Brasil como uma extensão
da Europa, expressando nossa identidade nacional como
uma síntese de raças (o branco, o índio e o negro).
É notável que esse currículo tinha objetivos, ainda
que implícitos, de legitimar valores da elite, excluindo as
“pessoas comuns” de se identificarem como sujeitos
históricos, com a intenção de manutenção de uma memória
única, a oficial. (CAIMI, 2001)
Identificam-se, até a década de 1970, os contornos
de um projeto nacional a ser veiculado por meio do ensino
de história, uma identidade de nação a ser buscada pela
homogeneização e pelo ocultamento das diferenças. Um
dos mecanismos adotados para o fortalecimento do Estado-
Nação, sobretudo nos períodos autoritários, foi a

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|203


imposição de políticas educacionais determinadas a forjar
a sociedade segundo interesses explícitos de manutenção
de uma única memória: a oficial. Assim, a história
sedimentou-se no âmbito das políticas educacionais como
uma disciplina central para a reprodução social e para o
enquadramento intelectual dos jovens que passam pela
escola. É evidente, entretanto, que, na sua dimensão
prática, tais políticas governamentais nem sempre se
impunham sem resistências. No processo de sua
implantação, não raras vezes, elas sofriam a reelaboração,
rejeição e/ou assimilação crítica por parte da comunidade
educacional. (CAIMI, 2001, p.17)

No período do Estado Novo, do governo de Getúlio


Vargas o acesso ao Ensino Secundário era restrito às elites
econômicas que se preparava para, no futuro, assumir o
governo e conduzir o povo e contribuía para legitimar o
sistema político, reforçando a moral e o civismo nas
pedagogias escolares.
Em relação ao papel do ensino de história a
partir do Estado Novo, para o curso secundário, a
proposta era de organizar um ensino capaz de despertar a
consciência patriótica, priorizando-se o caráter
humanístico em detrimento do caráter científico. Isso se
justificava porque deste último não se podia esperar uma
formação patriótica, visto que as ciências não têm pátria,
sendo, naquele momento, essencial o fortalecimento da
nação. Assim, formação da consciência patriótica seria
viabilizada, de modo especial, pelo ensino de história e
geografia; quanto à educação cívica, ficaria diluída
nessas duas disciplinas.(CAIMI, 2001,p.37)

No currículo de História, antigos “heróis” são


retomados, assim como muitas tradições. Estas, aliás,
muitas vezes foram mesmo criadas. Na concepção de
Hobsbawm (2002), muitas vezes, tradições que parecem
ou são consideradas antigas são bastante recentes, quando
não inventadas. Uma das categorias dessas tradições
inventadas seria aquelas cujo propósito principal é a
socialização, a inculcação de ideias, sistemas de valores e
padrões de comportamento. Por ‘tradição inventada’
entende-se um conjunto de práticas, reguladas por regras
abertamente aceitas. Durante o Estado Novo, a invenção
de novas tradições fez parte da intencionalidade do
governo.
Segundo Nadai (1993) no período da ditadura
militar, instaurada a partir de 1964, o ensino de História
manteve as mesmas características, políticas,
fundamentado apenas no estudo de fontes oficiais, de um
ponto de vista estritamente factual, repletas de sujeitos-
heróis, modelos a serem seguidos e não questionados. Em
tal ensino, análises críticas e interpretações dos fatos não
são sequer cogitadas, já que visa à formação de estudantes

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|204


passivos que valorizam a “lei”, a “ordem” e o “progresso”.
Nessa época, o Estado reorganizou a Educação, para
aumentar o controle sobre as escolas, com o objetivo de
legitimar a ideologia do regime e de controlar os espaços
sociais que se opunham à ordem estabelecida.
De acordo com Flávia Caimi(2001), com a lei
federal 5.692, em 1971, foi criado o Primeiro Grau de oito
anos e o Segundo Grau profissionalizante, tornando o
ensino tecnicista, voltado para a preparação de mão-de-
obra para o mercado de trabalho. Consequentemente, as
disciplinas das ciências humanas – História e Geografia -
passaram a ser tratadas de modo pragmático, já que
assumiram a função exclusiva de legitimadoras do modelo
político para a próxima geração, sendo ambas, no Primeiro
Grau condensadas na disciplina de Estudos Sociais,
dividindo a carga horária com a disciplina Educação Moral
e Cívica. No Segundo Grau, as cargas horárias dessas
disciplinas foram reduzidas e a disciplina de Organização
Social e Política Brasileira é inserida no currículo.
Para Bittencourt, outros agravantes foram o
aumento de cursos de Licenciatura Curta em Estudos
Sociais, rápidos e polivalentes, e a simplificação de
conteúdos científicos. O objetivo dessas medidas do
governo ditatorial era a obtenção de maior controle
ideológico. Assim, o ensino de História passou a ter como
prioridade a adequação do aluno a comportamentos que
valorizavam o cumprimento de deveres cívicos e a História
continuava sendo vista de maneira linear, conduzida por
heróis em busca de um ideal de progresso de nação.
Nesse período era corrente a ideia de que a busca da
identidade nacional seria uma das soluções para os
problemas do país. Daí a importância de contextualizar o
que ocorria no interior da escola com a política
educacional mais ampla.
É fácil concluir que, desta forma, ensino de história
e produção acadêmica distanciaram-se enormemente nesse
período e a reaproximação só começa a ser retomada com
o fim do regime ditatorial, na década de 1980.
A partir de 1985, como resultado da restauração das
liberdades individuais, as discussões sobre reformas
democráticas na Educação, repercutiram nas novas
propostas para o ensino de História, levando a uma
produção diferenciada de materiais didáticos e à
elaboração de novas propostas curriculares.
Assim, toda a década de 1980 seria marcado por um
intenso debate em torno do ensino de história, o qual se
expressou na realização de congressos, seminários,
reformas curriculares, publicação de coletâneas, etc. Tais
atividades revelam uma forte disposição para o
redimensionamento das teorias, métodos, conteúdos e
linguagens de ensino da disciplina. (CAIMI, 2001, p.43)

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|205


O currículo então proposto afinava-se com o
momento histórico de redemocratização, vivido pelo país,
valorizando as ações dos sujeitos em relação às estruturas
em mudança que demarcam o processo histórico das
sociedades, incluindo o estudo da produção do
conhecimento histórico, das fontes e das temporalidades.
Pela primeira vez contrariavam-se os pressupostos
teóricos da História tradicional: eurocêntrica, factual,
heroica e política, pautada na memorização, na realização
de exercícios de fixação e no direcionamento dos livros
didáticos.
Na década de 1990, o Ministério da Educação
divulgou os Parâmetros Curriculares Nacionais para
Ensino Fundamental e Médio. De acordo com as Diretrizes
Curriculares para o Ensino Médio, neles o currículo se
organiza em áreas do conhecimento e, as ciências humanas
e suas tecnologias abrangem Geografia, Sociologia,
Filosofia e História.
Para o Ensino Fundamental, os PCN apresentam as
disciplinas como áreas do conhecimento. A História foi
mantida em sua especificidade, mas integra-se às demais
disciplinas através dos “temas transversais”.
Embora a autonomia das escolas na elaboração de
seus currículos esteja garantida na LDBEN/96, os
programas educacionais do governo federal (avaliações
institucionais destinadas ao Ensino Fundamental –
SAEB25– e ao Ensino Médio – ENEM26–, a definição de
critérios para a seleção do livro didático pelo Programa
Nacional do Livro Didático) têm como referência os PCN.
São inegáveis as inovações apresentadas pelos PCN
para o ensino de História. A historiografia sugerida é
atualizada e tenta superar o ensino tradicional. Novos
objetos de estudo e novas metodologias estão ali
incorporadas, sua organização com base em conteúdos
atitudinais, procedimentais e cognitivos, privilegia, no
Ensino Fundamental, uma abordagem psicológica e
sociológica dos conteúdos.
Conforme Emery Marques Gusmão, é necessário
analisar, no que diz respeito aos PCNs, que:
O documento apresenta reflexões e sugestões de práticas
pedagógicas que orientam o desenvolvimento de conceitos,
habilidades e atitudes favoráveis à compreensão da realidade,
proporcionando a participação dos alunos nas relações sociais,
políticas e culturais diversificadas e amplas, condições entendidas
como fundamentais para o exercício da cidadania. Desse modo, a
noção de conteúdo escolar apresentado ultrapassa a construção
de conceitos, incluindo procedimentos, valores, normas e atitudes,
remetendo à escola a responsabilidade da ampla formação do
aluno. (GUSMÃO, 2004, p.110-111)

25
Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica.
26
Exame Nacional do Ensino Médio.

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Sendo assim, a proposta dos PCN é bastante
complexa (a articulação dos conteúdos com elementos
psicológicos, a historiografia atual e o contexto vivido
pelos alunos), o que dificulta sua apropriação pelos
professores. Já que, segundo Emery Gusmão, os mesmos
aceitam a contribuição da educação de valores e da
importância da disciplina para a formação política dos
alunos, mas questionam a viabilidade dessa proposta.

Considerações finais
O presente texto, tentou demonstrar através das
obras de Circe Bittencourt, Ciro de Castro Bandeira Alves
e Elza Nadai, Emery Gusmão, Flavia Caimi, dentre outros
alguns dos principais aspectos do ensino de História no
Brasil, do século XIX e XX, principalmente, os primeiros
anos do século XX, a partir de uma visão já amplamente
debatida por vários autores , que aborda o ensino de
História servindo como instrumento de doutrina
ideológica, preservando distorções sociais, maquiando e
organizando o ensino de História com finalidades
específicas de criar consciências ede fortalecer modelos
políticos em determinadas épocas , utilizando-se
principalmente dos manuais e livros didáticos para dar
conta destes objetivos, já que este seria o principal
instrumento utilizado pela maioria dos professores para
“transmitir” conhecimentos históricos. Os autores citados
foram bastante críticos neste sentido, pois vinculam a
desvalorização do ensino de História a este modelo de
ensino de decoreba, de reprodução automática do
conhecimento, sem fins reflexivos, desfavorecendo debates
e impondo uma visão única de História que não priorizava
a formação de cidadãos críticos e conscientes.
Um dos livros de Bittencourt aborda principalmente
a análise de manuais didáticos utilizados para ensinar
História, a obra de Ciro de Melo também é embasada pela
análise de dois manuais didáticos amplamente utilizados
no final do século XIX e início do século XX. Assim
podemos vincular novamente o ensino de História e sua
estreita relação com os manuais e livros didáticos.
Novamente, tivemos elementos para entender a
mercantilização dos manuais didáticos, a serviço de
ideologias de Estado , com finalidades bem definidas,
assim podemos verificar que os professores da época não
tinham a menor intenção de estabelecer debates e reflexões
frente a estes manuais, mas tinham uma subserviência a
estas obras imponde-lhes um poder de verdade absoluta
sem contestar suas informações dando continuidade a um
modelo de ensino herdado das escolas católicas, onde o

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|207


professor à frente e seu manual eram detentores de
verdades absolutas impossíveis de serem contestadas e os
alunos estariam apenas para “decorar o ponto” e reproduzi-
lo tal qual estava nas páginas de seus manuais. Podemos
verificar claramente que a História tratada nos bancos
escolares não privilegiava pesquisa histórica e nem a
História associada às vivências das pessoas. Era História
dos reis, rainhas, heróis nacionais sem nenhum vínculo
com o cotidiano dos seus alunos, sem espaço para debater
ideias, voltada apenas para desenvolver civismo,
nacionalismo, amor à pátria e obediência. Estes foram os
princípios que nortearam o ensino de História até mais da
metade do século XX.
Em outro período, embora com poucas mudanças
mas com nova roupagem a partir de uma nova legislação
principalmente a partir dos anos 1970, o ensino de História
e o ensino no Brasil ganharam elementos de novas teorias
educacionais, como a da Escola Nova, buscando
“mudanças” , mas que efetivamente não trouxeram
melhorias na qualidade do ensino, pois suas bases eram
pautadas por ideologias burguesas, e continuariam
reproduzindo o mesmo modelo excludente que não visava
romper com as estruturas alienantes da escola, mas visava
preservar uma ordem, utilizando-se de novas teorias para
justificar algumas pequenas rupturas com o ensino
tradicional. Mas o viés permaneceria o mesmo, e os
problemas no ensino seguiriam na pauta. No ensino de
História essas questões eram percebidas, como foi
destacado no texto, pois estava vigente um modelo político
autoritário, e a vilã “História” seria diluída em Estudos
Sociais, com objetivos meramente políticos, buscando um
esvaziamento dos conteúdos, motivando um ensino linear,
acrítico, que “doutrinasse” cidadãos, para exercerem seu
civismo e amor à pátria.
Hoje, após mais algumas mudanças na legislação
que regulamenta o ensino de História no Brasil, como os
PCNs, ainda não se conseguiu romper com velhos padrões
e metodologias ultrapassadas, referidas por uma
historiografia descomprometida com a formação de
consciências críticas. Ainda se cobra “o ponto”, como no
início do século XX, ainda se abusa da “decoreba”, ainda
usa-se o livro didático sem uma análise criteriosa e como
uma verdade absoluta, e o resultado de tudo isso é a
formação de várias gerações que não sabem História e
pior: não sabem sua história e a história da sua nação. Isso
é um problema sério pois essa ausência de consciência
histórica tem criado outros problemas verdadeiramente
sérios: por exemplo, jovens pedindo o retorno de ditadura
militar, jovens cultuando o nazi-fascismo, reproduzindo
velhos modelos carregados de preconceito, ódio,
xenofobia. Talvez se nossas aulas de história tivessem sido
realmente válidas, hoje estaríamos formando cidadãos,

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críticos, conscientes, capazes de exercer sua cidadania,
respeitando as diferenças e respeitando a todos.

Referências Bibliográficas
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fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2004.
BITTENCOURT, Maria Circe. Livro didático e
saber escolar (1810 – 1910). Belo Horizonte: Autêntica
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e Trabalho – O ensino de história nas escolas paulistas –
1917-1939. São Paulo: Loyola, 1990.
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDB / Lei nº 9.394/96). Brasília: MEC, 1996.
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Brasília: MEC-SEF, 1998.
CAIMI, Flávia Eloisa. Conversas e controvérsias:
o ensino de história no Brasil (1980 – 1998). Passo
Fundo:UPF, 2001.
GUSMÃO, Emery Marques. Memórias de quem
ensina História:cultura e identidade docente. São
Paulo:Editora UNESP, 2004.
HOBSBAWN, Eric; RANGER, Terence (orgs.). A
invenção das tradições. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.
MELO, CiroFlávio de Castro Bandeira de.
Senhores da história e do esquecimento: a construção do
Brasil em dois manuais didáticos de história na segunda
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NADAI, Elza. O ensino de história no Brasil:
trajetória e perspectiva. Revista Brasileira de História.
São Paulo. 1993.
SAVIANE, Demerval. Escola e Democracia. Ed.
Autores Associados,São Paulo.1997

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Representação dos povos indígenas e ensino de
História
A história em quadrinhos como estratégia de aprendizagem
PorVanessa Carraro Armiliato¹, Eliana Rela²

Resumo Abstract
História em Quadrinhos como Comic books as language is also a
linguagem é também uma estratégia de leitura e reading and writing strategy we can use in an
escrita que podemos utilizar de forma interdisciplinary way, stimulating the creative
interdisciplinar, estimulando o processo criativo process to address important concepts and serve
para abordar conceitos importantes e servir de as a starting point for discussion. The purpose
ponto de partida para discussões. O objetivo of this article is to discuss employment and the
deste artigo é discutir o emprego e a construção construction of the Comic books (comics) in the
da História em Quadrinhos (HQs) no ensino da teaching of history, pointing out the strengths
História, apontando os pontos fortes e frágeis and weaknesses of this strategy developed in
desta estratégia desenvolvida em sala de aula. the classroom. The strategy came from the
A estratégia partiu do tema Colonização e a Occupation and Colonization in the Americas
Ocupação nas Américas, com a possibilidade de theme, with the possibility to work with the
trabalhar a representação dos povos indígenas. representation of indigenous peoples. This
Este texto apresenta como pano de fundo a paper presents as background of the 2008
Legislação de 2008, lei 11.645, a qual torna legislation, Law 11,645, which makes it
obrigatório o ensino sobre a história e culturas mandatory teaching history of indigenous
indígenas nos currículos escolares brasileiros. cultures in brazilian school curriculum. In the
No processo da construção deste texto, o process of construction of this text, the concept
conceito de interdisciplinaridade será amparado of interdisciplinarity will be supported by
em Ivani Fazenda. A pesquisadora Léa das IvaniFazenda. The researcher Léa das
Graças CamargosAnastasiou, fundamenta o GraçasCamargosAnastasiou, underlines the
conceito de estratégia e, como pontos fortes e concept of strategy and, as strong and weak
frágeis serão apresentadas evidências sobre points will be presented evidence on reading
questões de leitura do texto histórico e o issues of historical writing and the development
desenvolvimento de uma visão crítica sobre a of a critical view of the representation of the
representação do indígena. indigenous.
Palavras-chave:História, Estratégia, Legislação, Interdisciplinaridade,
História em Quadrinhos. Keywords:History, Strategy, Legislation, Interdisciplinarity, Comics
books.
.

1
Graduada de Licenciatura em História pela Universidade de Caxias do Sul (UCS), e-mail: vcarmili@gmail.com
2
Professora orientadora. Doutora em Informática na Educação, pela UFRGS. Mestre em História pela PUC-RS. Graduada em Licenciatura Plena de
História pela UCS, e-mail: erela@ucs.br

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Introdução
A escola é um local significativo para promover o
debate, estar em constante comunicação e conhecer os
estudantes e a comunidade que pertencem. Cada etapa da
educação básica possui objetivos próprios e formas de
organização diversas. O Ensino Médio é uma etapa da
escolarização de suma importância na formação de
cidadania, onde os jovens alunos assumem preocupações a
respeito de seu futuro.
Valorizando esta etapa, o papel da aula de História
vem ao encontro da proposta do Ensino Médio de formar
cidadãos pensantes, almejando promover uma posição
ativa dos alunos, compreendendo a sociedade a partir das
diversas formas de linguagem sobre o passado.
A leitura, a escrita e a oralidade são práticas que
fundamentam as ações em sociedade. Ler textos, imagens
e símbolos, escrever para ser compreendido pelos outros,
expressar argumentando e defendendo seu ponto de vista,
são práticas de um sujeito que assume seu papel e intervém
na sua realidade.
O que desejamos é um aluno capaz de fazer uma
leitura densa do mundo, não apenas das palavras,
percebendo a realidade social como construção histórica da
humanidade, dando voz aqueles que permaneceram por
muito tempo como meros coadjuvantes, valorizando nossa
herança cultural.
E na tentativa de promover essa discussão e
trabalho ao silenciamento, em 2003 foi promulgada a lei
10.639 que acrescenta dois artigos à Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (LDB) e estabelece o ensino
de história e cultura afro-brasileira por meio de temas
como história da África e dos africanos, a luta dos negros
no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação
da sociedade nacional. Cinco anos depois, a lei nº 11.645 é
sancionada e passa a incluir também as populações
indígenas.
Abordamos esta questão sobre a representação do
nativo de forma transversal, quando trabalhado na Escola
Estadual de Ensino Médio Maranhão, na cidade de São
Marcos, no 2° Ano do Ensino Médio, através do Estágio
III, disciplina do Curso de Licenciatura em História da
Universidade de Caxias do Sul (UCS) o assunto sobre as
Colonizações e Ocupações dos Europeus nas Américas.
Como estratégia de sala de aula para tratar o tema, o
uso da linguagem das Histórias em Quadrinhos (HQs) foi
utilizado de duas formas, primeiramente como ponto de
partia para discussão do assunto e posteriormente de forma

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interdisciplinar, promovendo a construção HQs por meio
da interpretação criativa e crítica dos alunos.
Para Vergueiro (2009, p.3) “a inclusão dos
quadrinhos na sala de aula possibilita ao estudante ampliar
seu leque de meios de comunicação, incorporando a
linguagem gráfica às linguagens oral e escrita, que
normalmente utiliza”.Esse ensino vai além da interação
entre as disciplinas porque faz com que o aluno adquira
um conhecimento mais amplo e com reflexões mais
críticas.

Legislação
Durante décadas, as etnias africanas e indígenas
foram meros coadjuvantes no currículo escolar brasileiro,
embora tenham sido importantes protagonistas da nossa
história. Após anos de dívida, foram aprovadas duas leis
que tornaram obrigatório o estudo da história e cultura
afro-brasileira e indígena em todas as escolas de ensino
fundamental e médio do país.
A primeira lei surge em 2003, lei 10.639 que
estabelece o ensino de história e cultura afro-brasileira, e
em 2008, a lei 11.645 27é sancionada e passa incluir a
população indígena.
Conforme a lei, o ensino deve se basear em três
princípios: a consciência política e histórica da
diversidade, o fortalecimento de identidades e de direitos,
e as ações educativas de combate ao racismo e às
discriminações. Os conteúdos devem ser ministrados de
forma transversal em todo o currículo, em especial nas
áreas de artes, literatura e história.
A lei possibilita pluralizar o currículo e maior
compreensão e aproximaçãodos dois grupos étnicos (afro-
brasileiros e indígenas), na tentativa de quebrar a visão
eurocêntrica que era reproduzida nos conteúdos dados nas
diferentes etapas escolares. Esta inclusão nos currículos da
educação básica amplia o foco para a diversidade cultural,
racial, social e econômica brasileira, visto que nosso
sistema educacional não fazia referência ao nosso passado
cultural, perpetuando estereótipos e preconceitos
geralmente encontrados nos livros didáticos de História.
Em 2004 o MEC divulgou as diretrizes para
implementação da lei, para auxiliar a prática, ciente que, as

27
Lei 11.645, de 10 de Março de 2008, Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11645.htm>. Acessado em
10/07/2015.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|212


instituições educacionais devem tratar o tema de forma
interdisciplinar e transversal e não se restringindo as datas
comemorativas.
O importante é possibilitar os alunos refletirem
sobre a formação das sociedades americanas,
principalmente a brasileira, promovendo uma educação
comprometida e que reconheça e valorize a diversidade e
riqueza cultural.

Interdisciplinaridade
Uma das características dos últimos séculos é a
frequente reorganização do conhecimento. O mundo atual
necessita cada vez mais de profissionais polivalentes,
abertas e flexíveis para enfrentar uma sociedade que está
em constante mudança.
A cultura, a mentalidade e as expectativas de
qualquer indivíduo, são frutos de uma construção histórica
resultando na participação ativa dentro de grupos sociais,
étnicos, de gênero, de condicionamentos geográficos,
dentre outros. Se tivermos a noção de diversidade na vida
dos seres humanos, é imprescindível levar em conta que
vivemos a interligação entre as diferentes estruturas macro
e micro, sendo assim, é lógico afirmar que a realidade é
multidimensional.
Partindo desta ótica, a interdisciplinaridade vem ao
encontro dessa sociedade multidimensional e quem
acredita nesta possibilidade, defende um novo olhar sobre
si e um o mundo, formando cidadãomais crítico e
democrático.
Conforme Fazenda (1999) o termo
“interdisciplinaridade” não possui ainda um sentido único
e estável e que, embora as distinções terminológicas sejam
inúmeras, seu princípio é sempre o mesmo: caracteriza-se
pela intensidade das trocas entre os especialistas e pela
integração das disciplinas num mesmo projeto de pesquisa.
No Brasil começou a ser abordada a partir da Lei de
Diretrizes e Bases N° 5.692/71, desde então sua presença
no âmbito educacional brasileiro, tem se tornado mais
presente, ainda mais com a nova LDB Nº 9.394/96 e com
os Parâmetros.Além da sua grande influência na legislação
e nas propostas curriculares, a interdisciplinaridade tornou-
se cada vez mais presente no discurso e na prática de
professores.
A utilização da interdisciplinaridade como forma de
desenvolver um trabalho colaborativo entre as áreas do
conhecimento é uma das propostas apresentadas pelos
PCNs que contribui para o aprendizado do aluno.

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Entretanto há o perigo de que as práticas
interdisciplinares firmem práticas vazias, impossibilitando
o real questionamento sobre a problemática e
permanecendo apenas num jogo de integração, ressalta
Fazenda (1999, p.35):
A tentativa de formular um novo discurso sobre o
homem é de todo válida, desde que a consciência
pedagógica esteja suficientemente esclarecida sobre as
implicações dessa mudança, as limitações a serem
superadas e o ônus de trabalho e envolvimento que a
interdisciplinaridade impõe.

Mas para isso acontecer de forma positiva, faz-se


necessário a ruptura de barreiras entre as disciplinas e entre
as pessoas que pretende desenvolvê-las conforme relata
Fazenda (1999).
A construção de uma didática interdisciplinar
baseia-se na possibilidade da efetivação de trocas
intersubjetivas. Nesse sentido, o papel e a postura do
profissional de ensino que procure promover qualquer tipo
de intervenção junto com os professores, tendo em vista a
construção de uma didática transformadora ou
interdisciplinar, deverão promover essa possibilidade de
trocas, estimular o autoconhecimento sobre a prática de
cada um e contribuir para a ampliação da leitura de
aspectos não desvelados das práticas cotidianas.28

É através dessa perspectiva que a proposta


interdisciplinar surge como uma forma de superar a
fragmentação entre as áreas do conhecimento, na busca de
relacionar entre elas no momento de abordar os temas,
proporcionando um diálogo, relacionando-as entre si para
a compreensão da realidade.

Estratégia
A educação está em constantes mudanças, à
complexidade atual do mundo não nos permite atuar em
sala de aula com os moldes de antigamente. A formação
dos educadores está baseada no cidadão com competência
e habilidade de produzir novas maneiras de ensinagem29,
utilizando a criatividade para além de um conteúdo e sim
no processo todo.

28
FAZENDA, Ivani Catarina; Interdisciplinaridade um projeto em parceria. Editora Loyola, 4.ed., São Paulo,1999.
29
A expressão ensinagem foi inicialmente explicitada no texto de ANASTASIOU, L. G. C., resultante da pesquisa de doutorado: Metodologia do
Ensino Superior: da prática docente a uma possível teoria pedagógica. Curitiba: IBPEX, 1998: 193-201. Termo adotado para significar uma situação
de ensino da qual necessariamente decorra a aprendizagem, sendo a parceria entre professor e alunos, condição fundamental para o
enfrentamento do conhecimento, necessário à formação do aluno durante o cursar da graduação.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|214


Tendo em mente que cada aluno tem uma realidade
e que está inserido em uma determinada sociedade e esta é
pluricultural, a atividade do docente passa a caracterizar-se
pelo desafio permanente em estabelecer relações
interpessoais com os educandos, auxiliando na construção
de seres pensantes e ativos, na tentativa de que esse
processo de ensino-aprendizagem seja articulado e que os
métodos utilizados cumpram o objetivo proposto.
Para Anastasiou e Alves (2007), cabe ao professor
planejar e conduzir esse processo contínuo de ações que
possibilitem aos estudantes, inclusive aos que têm maiores
dificuldades, irem construindo, agarrando, apreendendo o
quadro teórico-prático pretendido, em momentos
sequenciais e de complexidade crescente.
Neste contexto é relevante a análise das estratégias
de ensino e de aprendizagem como práticas eficazes, que
acompanhem o ritmo desse novo cenário, estando
diretamente relacionadas com uma série de fatores
determinante para que o ocorra.
Observando esta aliança entre professor e aluno na
busca de alcançar um resultado específico, o professor se
torna um verdadeiro estrategista, no sentido de articular
uma estratégia para elabora uma nova forma, pois irá
pesquisa, selecionar, organizar e propor novas ferramentas
facilitadoras para que ocorra a apropriação do
conhecimento.
Por meio das estratégias aplicam-se ou exploram-
se meios, modos, jeitos e formas de evidenciar o
pensamento, respeitando as condições favoráveis para
executar ou fazer algo. Esses meios ou formas
comportamentais determinadas dinâmicas, devendo
considerar o movimento, as forças e o organismo em
atividade. Por isso, o conhecimento do aluno é essencial
para a escolha da estratégia, com seu modo se ser, de agir,
de estar, além de sua dinâmica pessoal. (ANASTASIOU;
ALVES, 2007, p.70)

Na metodologia dialética, o trabalho do


conhecimento é encarado com um processo, em diferentes
ações e crescente complexidade. O docente deve propor
ações que possibilitem o desenvolvimento pensamento.
Para isso, ao selecionar as ações contidas em diferentes
estratégias, o programa de aprendizagem propõe ao aluno
o exercício de processos mentais de complexidade variada
e crescente observação à comparação, à tomada de
decisões e conclusões.
No entanto, mesmo que a instituição ainda não se
constitua como impulsionadora desses processos, há a
autonomia docente, que possibilita a implementação de
estratégias diferenciadas, ainda que num nível de ação
individual. Temos acompanhado processos em que os
professores iniciam a mudança em duplas e ou grupos

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|215


pequenos, que depois se ampliam numérica e
qualitativamente. (ANASTASIOU; ALVES, 2007, p.73)

Geralmente quando se busca encontrar novas


formas rompendo com o estilo tradicional, o professor
pode encontre dificuldade em atuar numa nova visão em
relação ao processo de ensino e de aprendizagem, pois há
incertezas quanto e a forma de organização e a aplicação
das estratégias.
Um exemplo de estratégia é a utilização da
interdisciplinaridade em sala de aula onde existe a
possibilidade de desenvolver argumentação com maior
poder de convencimento tanto como meio de alavancar o
pensamento crítico em sala de aula como também a própria
implementação da estratégia na escola.

Leitura e escrita no ensino de História no ensino


médio
Atualmente, ler e escrever decodificando o código
linguístico não é suficiente para realizar a leitura do
mundo. É preciso que o cidadão consiga interpretar os
textos e o contexto que estão inseridos.
Essa prática está interligada tanto no processo de
letramento quanto de alfabetização, como reflete Soares
(2004, p.14) sobre as principais consequências de adquirir
esses processos:
Tornar-se alfabetizado, adquirir a “tecnologia” do ler e
escrever e envolver-se nas práticas sociais de leitura e
escrita, tem consequências sobre o indivíduo e alteram seu
estado ou condição em aspectos sociais, psíquicos,
culturais, políticos, cognitivos, linguísticos e até mesmo
econômicos; do ponto de vista social, a introdução da
escrita em um grupo até então ágrafo tem sobre este grupo
efeitos de natureza social, cultural, política, econômica,
linguística.

Neste sentido, o indivíduo letrado consegue


compreender e interagir com as diferentes linguagens que
estão na sociedade contemporânea. Ler uma imagem, um
símbolo, um texto, é entrar num processo de significação
entre o objeto lido e o leitor, promovendo uma interação
que depende tanto das circunstâncias histórico-cultural do
leitor, quanto dos significados dos objetos de leitura.
A escola é o local onde a tarefa de ensinar a ler e
escrever são competência de todas as áreas do
conhecimento. Este espaço privilegiado para
desenvolvimento da leitura e escrita é responsável por

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|216


levar o aluno a construir seus pontos de vista, onde tem
como mediador o papel do professor, que se utilizará de
estratégias para auxiliar e promover a interpretação, leitura
e escrita das múltiplas linguagens.
No âmbito escolar, o Ensino Médio é uma etapa de
fundamental importância, pois coincide na etapa em que
jovens começam a intensificar sua vida pública assumindo
preocupações antes não vivenciadas. Com isso, a escola
passa a ser um local de socialização, desenvolvimento
afetivo, criativo e de pensamento crítico.
Sendo o Ensino Médio uma etapa relevante para o
jovem aluno e a leitura e a escrita como processo
significativo para esses, a disciplina de História vai ao
encontro do objetivo primordial do desenvolvimento
reflexivo, pois tratará diretamente com posicionamentos,
argumentações e interpretações não apenas de textos e sim
uma leitura do mundo.
A compreensão dos conteúdos históricos perpassa
conceitos de temporalidade, sendo assim, a leitura e o
entendimento estimulam conceitos específicos a serem
compreendidos com suas especificidades do período que
está sendo tratado de forma crítica.
Nas palavras de Pereira; Seffner (2008, p.170)
percebemos o ato de ler e escrever na disciplina de
História:
Assim, entendemos que ler em História é ler o
passado e, amo mesmo tempo, é olhar para o passado a
partir de uma determinada teoria e de certo método. Ler o
passado é uma prática social, pois exige tomar posição
diante da realidade, interpretá-la e torna-la inteligível para,
depois, partilhar e disputar com outras leituras o espaço da
sociedade. Ora, escrever a História é também uma leitura,
mas, mais do que isso, é o que permite a publicação
daquela leitura singular que queremos validar e por em
circulação.30

Um texto histórico assim como outros gêneros, está


repleto de subjetividade do seu autor e representa uma
visão específica de mundo, por isso é necessário enxergar
o texto construído pelas diferentes formas de linguagem,
como fruto de um produto pela interpretação, visão e
valores do autor, além da sua própria interpretação
utilizando as lentes culturais que estão sendo analisadas
estas leituras.
O papel do professor de História é de extrema
importância ao intermediar a leitura das várias linguagens
que abordam o conteúdo histórico e das várias etapas de
um texto histórico, estimulando a argumentação e a

30
SEFFNER, Fernando. In: PEREIRA, Nilton Mulletet. al., (2008) Ler e escrever; Compromisso do Ensino Médio. Porto Alegre: Editora da
Universidade/UFRGS.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|217


observação da realidade que cada aluno vive na sociedade
a fim de formar um cidadão consciente e transformador.
A sociedade precisa ser entendida, como forma de
legitimar a herança cultural e reivindicar melhorias nos
vários setores, percebendo os diferentes grupos sociais e
cada discurso que estes propõem. Por isso que a disciplina
de História pode contribuir positivamente na
transformação, pois a escrita dela é uma forma política,
como Pereira; Seffener (2008) refletem que na medida em
que o objetivo de quem escreve e de quem lê o passado,
diz respeito às lutas políticas do presente. Do ponto de
vista do ensino de História, ensinar a ler e a escrever é
instrumentalizar os estudantes a participarem das
interações políticas do seu presente.

História em quadrinhos e a utilização na aula de


História
Com muito tempo de existência as histórias em
quadrinhos até hoje conquistam muitas pessoas, desde
adultos como criança porque suas imagens e falas dão asas
à imaginação. Sem dúvida os quadrinhos são um meio de
comunicação de massa de grande penetração popular, pois
são mais acessíveis ao público em geral, tanto por causa do
preço quanto as linguagens de fácil entendimento.
Vergueiro (2009) afirma que ―a constituição de
uma página de quadrinhos é feita de modo a considerar
todos os elementos que influem na leitura, buscando criar
uma dinâmica interna que facilite o entendimento‖. Assim
sendo, a história em quadrinhos, como uma nova forma de
narrativa gráfico-visual, constitui em sua estrutura
elementos como: personagens, tempo, espaço e ação, que
utilizam uma série de recursos para representar a fala.
Possui em seu conteúdo a linguagem não verbal
(desenhos) e a verbal (texto).
As histórias em quadrinhos (HQs) possuem uma
linguagem própria, pois mistura imagem e texto, se
destacando no sistema de comunicação, considerado como
uma manifestação artística com características próprias, o
que possibilitou a aproximação das práticas pedagógicas
como relata Vergueiro (2009, p. 20):
A inclusão efetiva das histórias em quadrinhos
em materiais didáticos começou de forma tímida.
Inicialmente, elas eram utilizadas para ilustrar aspectos
específicos das matérias que antes eram explicados por
um texto escrito. Nesse momento, as HQs apareciam nos

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|218


livros didáticos em quantidade bastante restrita, pois ainda
temia-se que sua inclusão pudesse ser objeto de resistência
ao uso do material por parte das escolas. No entanto,
constatando os resultados favoráveis se sua utilização,
alguns autores de livros didáticos -, começaram a incluir
os quadrinhos no ambiente escolar.31

Por se tratar de um material que alia linguagem


textual e visual e com a diversidade de temas, as HQs
podem ser utilizadas de forma interdisciplinar, de forma a
interligar um assunto no outro, ou seja, com a disciplina de
História com a de Artes, Língua Portuguesa, Geografia e
assim por diante.
Sendo bem escolhidas as HQs têm grande
potencialidade nos trabalhos escolares e podem dar suporte
a novas modalidades educativas podendo ser aproveitadas
de maneira interdisciplinar fazendo com que as aulas
passem a ser desenvolvidas com prazer e reflexividade.
Outra questão importante diz respeito à seleção
do material a ser utilizado em aula. Considerando o
número e variedade de publicações de histórias em
quadrinhos existentes no mercado, essa seleção deve levar
em conta os objetivos educacionais que se deseja alcançar.
Nesse sentido, talvez o ponto fundamental dessa seleção
seja ligado à identificação de materiais adequados – tanto
em termos de temática como de linguagem utilizada- à
idade e ai desenvolvimento intelectual dos alunos com os
quais se deseja trabalhar, atentando-se a que a primeira
não é necessariamente um condicionamento da segunda.
(VERGUEIRO, 2008, p27)

Não existem regras para utilização dos quadrinhos,


o que realmente importa são as estratégias utilizadas pelo
docente e o bom aproveitamento em qualquer sala de aula.
O uso das HQs no ensino de História ainda é muito
tímido, mesmo assim, na tentativa de implantar essa
linguagem em sala de aula é preciso planejamento e
cuidado para que a atividade seja dinâmica e atraente para
os alunos.
Podemos aproveitar os quadrinhos no ensino da
História para trabalhar conceitos de tempo e suas
dimensões, refletindo sobre o tempo da natureza, o tempo
do relógio, o tempo da fábrica, como também um fato
narrado por diferentes personagens, onde apontam
diferentes pontos de vista sobre o mesmo assunto. Isto
facilita muito a compreensão sobre as diferentes linhas da
História como a subjetividade presente, observando as
diferentes classes, culturas e sociedades.
Os quadrinhos podem ser utilizados de diferentes
maneiras sob diferentes enfoques como para ilustrar ou
31
VERGUEIRO, Waldomiro. Uso das HQs no ensino. In: RAMA, Ângela; VERGUEIRO, Waldomiro (orgs.). Como usar as histórias em quadri nhos na sala
de aula. 3. ed. 3ª reimpressão. São Paulo: Contexto, 2009a, p. 7- 29.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|219


fornecer uma ideia de aspecto da vida social de
comunidades do passado, para serem lidos e estudados
como registro da época em que foram produzidos, para
serem utilizados como ponte de partida de discussões de
conceitos importantes para a História.
Alguns procedimentos devem ser utilizados na
leitura deste material como saber quem é o autor, quem foi
que produziu, quando e onde foi produzida, por quem fala,
a quem se destina, e qual é a sua finalidade.
Outro ponto importante em relação à inclusão de
quadrinhos em sala de aula no ensino da História é que
nem toda história em quadrinhos é ficcional. Podemos
encontrar HQs autobiográficas, que antes de tudo é um
relato de certas memórias do autor, portanto estão dentro
de um contexto histórico específico. Também os
quadrinhos podem conter anacronismo, verossimilhança e
inverossimilhança.
Outra forma muito interessante de trabalhar os
quadrinhos no ensino de História é propor a confecção
pelos próprios alunos. Essa atividade além de possibilitar
um trabalho interdisciplinar desempenha um forte papel
para desenvolver competências de representar e
comunicar.
Atividades como essas também contribuirão para
que os estudantes desenvolvam a criatividade; muitas
vezes desestimulada no ensino tradicional. No entanto,
para que não se perca de vista a especificidade da
disciplina História, deve-se propor a criação de histórias
em quadrinhos que explorem os conteúdos específicos da
disciplina ou pertinentes ao assunto da aula. (VILELA,
2008 p. 128)

O objetivo é ter desenhos funcionais, que haja uma


pesquisa para desenvolvimento tanto do roteiro como da
parte gráfica, para que tenha informações históricas
corretas e a comunicação se faça atingindo o objetivo da
HQs.

Relatos
Iniciando o estágio na turma 201 da Escola Estadual
de Ensino Médio Maranhão, na cidade de São Marcos,
R.S., as expectativas foram muitas, para desenvolver as
atividades de forma positiva a fimde atingir os objetivos
propostos desde a construção do projeto até a aplicação do
plano de aula em sala de aula, como também a relação
entre educando e educador e a comunidade escolar.
Foi proposto trabalhar no 2° ano do Ensino Médio o
tema sobre A Chegada, Conquista e Ocupação dos
Europeus na América. Tema este de extrema importância

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|220


para compreensão da nossa herança cultural e nossa
construção política, econômica e social.
Visto o tema a ser trabalhado, começamos o
processo de pesquisa, primeiramente analisando o PPP
(Programa Político Pedagógico) para situarmos sobre a
organização e procedimentos curriculares, pedagógicos,
administrativos e financeiros do Estabelecimento de
Ensino, observando as normas legais e regimentais.
Logo após conhecer a realidade da comunidade
escolar, pesquisamos o tema a ser desenvolvido em
diversas linguagens, procurando estabelecer futuras
estratégias para aplicar em sala de aula. Nesta etapa, a
pesquisa é fundamental para elaborar um roteiro objetivo
para auxiliar na formação dos educandos reflexivos.
Segundo Garcia (2007) a pesquisa do professor tem
como finalidade o conhecimento da realidade para
transformá-la, visando a melhoria de suas práticas
pedagógicas. O professor pesquisa sua própria prática ele
encontra-se envolvido com seu objeto de pesquisa,
diferentemente do pesquisador teórico. Quanto aos
objetivos, ela afirma que a pesquisa do professor tem
caráter utilitário, os resultados existem para serem usados
na sala de aula.
Em processo, o envolvimento do docente é
fundamental para que o desafio de planejar uma aula
criativa, crítica e reflexiva aconteça, por esse motivo é
importante selecionar o material que será utilizado.
Em meio à pesquisa, nos atentamos com um tema
transversal de sua importância para ser discutida e
analisada em sala de aula. Amparada pela lei 11.645 A
História Afro-brasileira e indígena torna-se obrigatória em
todo o país nas etapas do ensino fundamental e médio.
Visto isto, pretendemos trabalhar com a questão do nativo,
que ainda está pouco questionada e discutida em sala de
aula.
Nosso nativo que até este tempo é menosprezado
tanto pela sociedade brasileira, quanto pelas leis que regem
este país. Por isso, desmistificar alguns estigmas é papel de
todos os cidadãos, principalmente os que estão à frente das
instituições, inclusive as de ensino.
O conceito e a ação de estratégia foram de extrema
importância nesta fase de articular o que seria necessárioe
de como seria abordado o tema. Ao desenvolver a
estratégia foi percebida tal situação e entendida como
ponto frágil. Mesmo conceituando e sabendo de sua
importância para desenvolver o trabalho, encontramos
dificuldades de estabelecer como seriam aplicadas estas
estratégias, qual a ordem que utilizaríamos para aplicar.
Esta foi sanada apenas quando iniciado o estágio onde
percebemos como era o andamento da turma.
Uma possibilidade que encontramos para trabalhar
esse tema transversal foi a História em Quadrinhos. Vimos

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|221


nesta estratégia, uma forma de leitura e escrita da História
de fácil entendimento, poisutiliza duas linguagens, uma
textual e outra visual. Isto auxilia muito na compreensão
do tema abordado e estabelecendo relações com os dias de
hoje como também questões de conceitos e interpretações
com diferentes pontos de vista sobre o mesmo assunto.
Acreditamos que esta estratégia tenha sido um
ponto forte para a construção do pensamento e para
desenvolver as atividades do estágio. As imagens muitas
vezes falam mais do que os textos, além do mais estamos
vivendo em um mundo muito mais visual,aonde as
informações chegam rapidamente pelos meios de
comunicação, e a compreensão é mais bem concebida.
O uso das histórias em quadrinhos em sala de aula
terá uma abordagem mais ampla através do ensino
interdisciplinar. Esse ensino vai muito além da interação
entre as disciplinas porque faz com que o aluno adquira
um conhecimento mais amplo e reflexivo.
Com a meta do estágio estabelecida, amparada com
teoria sobre cada etapa a ser desenrolada, teremos como
principal estratégia a leitura e escrita da História a
linguagem das Histórias em Quadrinhos que abordará além
do tema sobre a Chegada, Conquista e Ocupação dos
Europeus na América, a representação do nativo.
Em sala de aula, foram desenvolvidas várias
atividades, tanto textual como imagética, a fim de levantar
discussões e interações para a turma, como: cartas-relato,
diário de bordo, cartazes, pesquisas sobre produtos
naturais, tecnologia e o principal como fechamento do
assunto a produção de uma História em Quadrinhos,
levantando a questão da representação do nativo.
Em um dos momentos de aula, foi realizada a
análise e leitura das HQs, coma proposta para os alunos
desenvolverem um trabalho crítico sobre uma História em
Quadrinhos com o tema "Descobrimento da América", que
foi entregue pelo professor, procurando observar como são
representados os povos indígenas e os europeus.
Exposto a proposta, houve leitura individual da HQs
pelos alunos e após uma interação a respeito do humor e
do lúdico enquanto características das histórias em
quadrinhos, onde os alunos apontaram as mesclas
relacionadas a fatos históricos oficiais sobre o tema com
noções que fazem sentido apenas quando relacionadas ao
modo de viver e pensar nos tempos atuais.
Nesse sentido, os alunos destacaram no texto as
falas que revelam humor e anacronismo e foram
levantadas questões de ambas as partes, educador e
educando sobre as representações e leituras que estávamos
construindo sobre as HQs, que foram: Na leitura humorada
do autor sobre o "Descobrimento da América", como os
indígenas são representados? Qual a visão que eles têm dos
europeus? E os europeus, como são representados? Qual a

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|222


visão que eles têm dos indígenas na História em
Quadrinhos?
Os alunos começaram a citar algumas situações
referentes aos desenhos, como por exemplo, a questão do
ambiente, as diferenças entre o modo de construção,
vestimenta, fenótipo entre as duas civilizações.
Levantaram-se questões e conceitos sobre etnocentrismo e
eurocentrismo, conseguindo fazer relações com o mundo
hoje com a situação do indígena e principalmente o
choque-cultura entre as civilizações.
A cada atividade, os alunos, dialogavam
questionando sobre o choque-cultural, fazendo reflexões
sobre como vivem nossos nativos, e como após esta
abordagem viam estas questões.
Foi muito gratificante, observar na fala dos alunos o
sentimento de pertence e a indignação sobre esse passado
histórico que faz parte da nossa construção sociocultural.
Quando foi produzido a HQs pelos alunos, a
interdisciplinaridade aconteceu de uma forma positiva,
pois não existia uma separação entre as áreas do
conhecimento, teoria e prática, desenho e escrita estavam
dialogando e servindo de ferramentas para construir de
forma reflexiva a representação do nativo.
A pesquisa é fundamental tanto para a elaboração
do roteiro quanto para os desenhos. Um roteiro pode, por
exemplo, conter informações historicamente corretas
(datas, nomes, tipos de situação), mas apresentar desenhos
que contenham anacronismo. [...] O uso proposital de
anacronismos para fins satíricos pode tornar a atividade
mais interessante, pois o humor se constituiu num
excelente instrumento de crítica e de
reflexão.(VERGUEIRO, 2009, p.129)

Para a confecção das HQs foram utilizados todos os


materiais desenvolvidos durante o estágio, podendo eles
pesquisar nas próprias produções sobre o tema.
Cremos que ao analisar e avaliar as construções e
produções dos alunos foi recompensante perceber como
eles pesquisaram e desenvolveram uma visão crítica sobre
a representação do indígena em meio à barbárie da
conquista e ocupação, posicionando e construindo um
olhar crítico sobre a história.

Considerações finais
Independente de qual área de ensino que o
profissional esteja, o grande desafio é auxiliar na
construção e na formação de pessoas pensantes e críticas,
que saibam valorizar sua herança cultural e que queiram

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|223


transformar seu presente em meio a uma sociedade tão
desparelha.
Acredito que o ensino de História tenha um
importante papel, pois contribuirá para interpretar ações do
passado e argumentar a sociedade atual. Através dela
podemos dar voz a etnias que foram silenciadas. Por isso é
de extrema importância que o professor de história, assim
como outros de outras áreas do conhecimento possam
trazer temas transversais como este da História Afro-
brasileira e Indígena, para que possamos juntamente com
os educandos compreender nosso passado e construir um
presente digno alicerçado na luta das classes que vivem à
margem da sociedade brasileira e na possibilidade de
diminuir esse abismo cultural.
Cremos que a estratégia de utilizar a
Interdisciplinaridade, a História em Quadrinhos e a
abordagem de um tema transversal, vão ao encontro do
que o Ensino da História que tem como proposta, assim
como também a proposta do Ensino Médio, assegurar o
crescimento do aluno, fazendo deste um agente
transformador do seu meio, argumentando e refletindo
sobre a sociedade e sua inserção nela.

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(Orgs.). Quadrinhos na educação: da rejeição à prática. São
Paulo: Contexto, 2009c.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|225


Narrativas da Antiguidade Oriental
Mesopotâmia
PorGabriela Schmitt¹

Resumo Abstract
A atividade a ser realizada na Escola The activity that will take place at the
Estadual de 1º Grau Professora Edna May Professora Edna May Cardoso state elementary
Cardoso, com discentes do sexto ano do ensino school, with students of the 6th grade, will aim
fundamental dissertará sobre a Mesopotâmia e to discuss Mesopotamia and its deeds, as well
suas principais experiências, bem como seu as its legacy in the contemporary world. This
legado para a contemporaneidade através de will be accomplished by using documental
narrativas documentais, como a epopéia de narratives, such as the “Epic of Gilgamesh.”
Gilgamesh. A presença do conteúdo The studies on Middle Eastern antiquity and
Antiguidade Oriental e o conhecimento da vida knowledge of life in Mesopotamia are the basis
Mesopotâmica atuam como base para a of understanding how society’s fundamental
construção da compreensão sobre como surgem aspects were created. This historiographical
os aspectos fundamentais da sociedade. A production allows us to obtain a detailed view
produção historiográfica nos permite ter uma of how life was organized by the peoples in the
visão aguçada sobre como se organizava a vida Fertile Crescent. We will present perspectives
dos povos localizados no Crescente Fértil, on their society, economy, and intellect,
encontram-se perspectivas sobre sua sociedade, bringing new elements and questions. The
economia e intelectualidade, trazendo novos discussed period and region propose a
elementos e problematizações. Os períodos e diversified overview regarding the perceptions
lugares ressaltados propõem um panorama and possibilities of interpretation of the modus
diversificado acerca das percepções e vivendi of men in this context, which is well-
possibilidades de interpretação do modus represented through narratives from the time.
vivendi do homem naquele contexto, bem The activity will take the form of literary and
representado através de narrativas provenientes interpretative interventions, which will seek to
da época. A proposta se realizará através de contribute towards contemplationof the subject
intervenções literárias e interpretativas, que in history classes.
buscarão contemplar a temática dentro do
ensino em história.
Keywords:Middle Eastern Antiquity; Mesopotamia; History classes.
Palavras-chave:Antiguidade Oriental; Mesopotâmia; Ensino de
história.

1
Acadêmica do curso História Licenciatura e Bacharelado na Universidade Federal de Santa Maria-UFSM. Bolsista do programa de Bolsa de Iniciação
à Docência-PIBID.

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Relato
O estudo histórico que pretende ser contemplado no
presente relato diz respeito à maneira como o educador
pode se utilizar de ferramentas diversificadas na
construção de diálogos entre a pesquisa histórica e
modalidades de intervenções didáticas, fazendo da sala de
aula um espaço para contemplação de narrativas que
explorem formas e conceitos os quais são de uso teórico-
metodológico das humanidades, construindo dessa forma
orientações e problemáticas que adentrem os espaços da
escola, gerando resultados que implicarão em uma
crescente visibilidade para a disciplina histórica dentro do
contexto escolar.
O conhecimento histórico constitui-se de diversas
bases que carregam em si a função de construir o passado,
percebendo que essa construção será edificada por
preocupações do presente, essas perspectivas colaboram
para reflexão da sociedade e contexto ao qual estamos
inseridos, bem como, nos ajudam a compreender quais
passos seriam interessantes de ser elencados para uma
abordagem diferenciada de construção de um futuro que
privilegie pautas onde a história se comprometa a
estabelecer um currículo inovador, um propósito com
grandes pretensões, porém, com amplas possibilidades.
Nesse sentido se torna fundamental dissertar sobre a
relevância de reconhecer que as situações históricas
envolvidas em um processo didático devem comunicar de
forma esclarecedora todos os conceitos envolvidos na
problemática, bem como dar a conhecer aos discentes
quais as fontes da informação exposta, fomentando um
debate que fornecerá questões produtivas e profundas as
quais poderão vir a ser problematizadas e engajadas como
parte constituinte do campo pedagógico, onde por vezes
tais elementos são negligenciados.
Na sala de aula, ao entrar em contato com os
procedimentos próprios do ofício do historiador, os alunos
poderão compreender que documentos são artefatos
empregados para que o entendimento de fenômenos do
passado aconteça de forma analítica e reflexiva, porém,
reconhecendo que esse entendimento não necessariamente
ocorre de maneira neutra, linear ou estritamente
verdadeira. Ao perceberem que estão dentro de uma
proposta interpretativa de mundo, com conjunturas e
estruturas por vezes arbitrárias, suas capacidades de
análise e movimentação dentro da disciplina serão
reforçadas, adquirindo consistência e oportunizando o
surgimento de questões que serão gradativamente mais
complexas e agregadoras.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|227


Partindo dessas reflexões e compreendendo que
fontes históricas são discursos de uma época, portanto,
discursos do homem no tempo, evidencia-se que tais
elementos e ponderações constituem base sólida para a
aplicação da presente proposta pedagógica. O Programa
Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência – PIBID,
subprojeto de história da Universidade Federal de Santa
Maria - UFSM, oportuniza uma aproximação dos
acadêmicos de licenciatura para com a vida escolar a fim
de estreitar essa ligação,portanto, atividades diferenciadas
ganham a oportunidade de ser executadas, agregando
conhecimentos tanto para o futuro profissional, que entrará
em sala de aula com essas experiências, quanto para os
alunos, que são beneficiados com propostas novas e
estimulantes. Ao entrar em contato com a escola, por
muitas vezes há uma preocupação sobre qual a forma mais
adequada de propor a interação do aluno para com o
conteúdo, de forma rica em teoria e metodologia, e ao
mesmo tempo atraente e transformadora, que possibilite
uma capacidade de leitura histórica do seu entorno, nesse
impasse, faz-se fundamental considerar o que será
estudado e quem será o ouvinte. A Escola Estadual de 1º
Grau Professora Edna May Cardoso, localizada em Santa
Maria, no Rio Grande do Sul é contemplada nesse relato,
os discentes do sexto ano do ensino fundamental são
participantes da construção do projeto proposto, que
viabiliza uma leitura histórica através de um viés que
aborda narrativas como instrumento de aproximação do
aluno para com os distantes períodos da antiguidade.
A relação dos alunos com o antigo é fundamental
para que compreendam a sociedade atual, portanto, a
presença do conteúdo Antiguidade Oriental no sexto ano é
introduzida de maneira a colocá-los em diálogo com
tempos distantes, mas que estão intrínsecos em todo
desenvolvimento posterior. O conhecimento da vida
Mesopotâmica atua como base para a construção da
compreensão sobre como surgem os aspectos
fundamentais da sociedade. Tendo em vista a produção
historiográfica atual nos é permitido ter uma visão aguçada
sobre como se organizava a vida dos povos localizados no
Crescente Fértil, encontram-se perspectivas sobre sua
geografia, sociedade, economia e intelectualidade,
trazendo novos elementos e problematizações. Os períodos
e lugares ressaltados na proposta nos dão um panorama
diversificado acerca das percepções e possibilidades de
interpretações do modus vivendi do homem naquele
contexto, proporcionando aos alunos uma experiência onde
possam se colocar como sujeitos provenientes de situações
muito diversas e complexas. Ao compreendem esses
processos como parte de uma grande estrutura que nos traz
aos dias atuais, pontos de vista sobre a história são
modificados, e ao perceberem que esses processos de

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|228


construção histórica são intrínsecos nas concepções e
significações da atualidade o aprendizado adquire novos
esquemas que colocarão os alunos frente a novas
possibilidades de compreensão da sociedade, diferentes
das informações usualmente encontradas no senso comum
e nas mídias. Essas aprendizagens são adquiridas através
da apresentação de narrativas provenientes do contexto
antigo, que carregam uma bagagem grandiosa de
informações que quando bem desenvolvidas na
metodologia de ação pedagógica podem estabelecer
conexões valiosas que auxiliem na chegada ao resultado
pretendido do programa. Ao estabelecer essas reflexões
percebe-se como é importante pensar as implicações e as
relações que podemos realizar com a temática dentro da
educação em história.
Percebendo os elos possíveis de se estabelecer
dentro dos parâmetros até aqui expostos, o plano de aula
pensado para trabalhar antiguidade oriental, ocupou-se da
ideia de proporcionar aos alunos uma visão inicial sobre o
que a disciplina histórica já conhece a respeito do assunto,
explanando sobre conceitos e formas fundamentais do
conteúdo, para que assim o conhecimento dos discentes se
construa de forma nítida. Foi ofertada também a
possibilidade de discorrer junto aos estudantes as
problemáticas que esta temática proporciona para
refletirmos as estruturas sociais, econômicas, geográficas e
intelectuais impactadas no decorrer do tempo, percebendo
as transições e procurando se distanciar de anacronismos,
mas ainda assim, visualizando como a temática
influenciará e impactará o entorno dos
estudantes.Refletindo, portanto, sobre as mudanças de
interesse para com a história da Antiguidade Oriental
durante determinados períodos da história, e como ela é
estudada e contemplada no ensino atual.
Ao escolher trabalhar com narrativas foi objetivado
trazer um elemento diferenciado daquele empregado pela
aula programática do currículo, assim sendo o plano de
aula dissertou sobre narrativas da antiguidade
mesopotâmica, viabilizando um estudo estimulante, que
busca de forma leve, poética e literária conversar com
ambientes diferenciados, procurando dentro das próprias
narrativas elementos como cultura e economia. A proposta
pedagógica foi construída em momentos, e sua temática
não deixou de priorizar uma intervenção dedicada ao
conteúdo, porém atenta as reivindicações dos alunos, bem
como, possíveis imprevistos que poderiam alterar o
formato pré-estabelecido. Para tanto se fez de fundamental
importância uma preparação dos envolvidos na atividade,
uma conversa que se deu em reuniões entre alunos
bolsistas do PIBID, juntamente ao professor responsável
pela turma onde a o plano de aula seria empregado. Nessas
conversas foi priorizado procurar reconhecer quais as

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|229


dificuldades a serem superadas na realização da tarefa, e
principalmente elencar momentos de aprendizagem que
possam ser aproveitados como forma complementar do
ensino básico, e como estimuladores dos discentes para
com a disciplina histórica. Outra prioridade buscada foi
introduzir os alunos com o programa PIBID, a fim de que
compreendam os objetivos fundamentais da realização
dessa aula diferenciada, para que ela oportunize um
conhecimento agregador, e possibilite uma troca saudável
e amigável dos envolvidos.
Os problemas encontrados falam mais a respeito de
como gerar um diálogo entre a documentação exposta e o
ensino de história. Levar ao conhecimento dos alunos
formas complexas de se estudar foi realmente um impasse
maior, ainda que solucionado através de leituras
incentivadoras de um novo modo de se ensinar. Fica
importante, desse modo, salientar que a as atividades
realizadas procuraram em forma de explanação deixar
esclarecidas as proveniências dos documentos utilizados,
bem como, observar que foram analisados por
historiadores, e que uma verdade absoluta, não seria
possível de se encontrar, bem como compreender que as
possibilidades de interpretação desses documentos mudam
com o passar dos tempos, motivadas pelas diferentes
perguntas feitas para o documento, perguntas essas que
dependem do contexto do autor, sua época e
particularidades.
Dadas essas observações, a aula aconteceu de
maneira esquematizada, lembrando que ela está sujeita a
diversos contratempos, logo de início, a preocupação foi
criar um ambiente agradável, claro e acolhedor.
Entendendo que os alunos já possuem uma maneira
habitual de se acomodar em sala de aula, a proposta
diferenciada de fazê-los inicialmente sentar em círculo, fez
a diferença necessária para que percebessem que algo novo
seria proposto. A seguinte apresentação do PIBID, bem
como da autora da proposta educativa, seguiu-se por uma
conversa que possibilitou um estreitamento de relação. Ao
adentrar em uma turma nova, faz-se fundamental procurar
criar vínculos com os alunos, e reconhecer em suas
individualidades, quais formas de se trabalhar seriam mais
adequadas, entendendo que cada indivíduo necessita
diferentes preocupações. Após esse diálogo inicial e
posterior apresentação, o tema da aula pode ser proposto, é
natural que ele cause reações diversas dos participantes,
tais como furor ou apatia, ao objetivar então, levar o
conteúdo a todos alunos a ideia melhor percebida para ser
utilizada naquele momento, foi propor perguntas através
de diálogo, para que essa conversa conduza a parte inicial
do plano de aula, que é a explanação sobre os conceitos
utilizados, bem como a reflexão sobre eles. Nesse
momento, novos elementos foram surgindo, e as dúvidas

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|230


iniciais tiveram a possibilidade de ser saciadas, para que o
a conversa ocorresse de forma ainda mais dinâmica, a
utilização de apresentação de mapas, bem como sua
análise, ilustrações e charges sobre a vida mesopotâmica
foram utilizadas, estabelecendo uma ligação entre a
atividade proposta e o conteúdo já estudado junto ao
professor. Após esse momento fez-se necessária uma
sensibilização, que ocorreu pela apresentação de um vídeo,
onde se contemplava de maneira interessante a vida
mesopotâmica, esse espaço foi destinado para reflexões
sobre o processo de sedentarização e urbanização do
homem do Oriente Próximo, buscando compreender como
se organizam as aldeias neolíticas e os processos
migratórios em direção à Baixa Mesopotâmia, foi dada
atenção especial para localização temporal e espacial,
importantes para que os alunos se localizem dentro da
disciplina.
A partir disso a proposta do presente relato esteve
pronta para se realizar, ao compreenderem os pontos
expostos, uma base foi criada para conhecerem a Epopeia
de Gilgamesh, não sem antes observar, o que é uma
epopeia e como esta em específico, foi legada para a
contemporaneidade. A escolha desta obra se deu por
reconhecer que é documento muito relevante da literatura
sumério-acádica, proveniente do Oriente Antigo e uma
fonte histórica imensurável, portanto, conhecer a história
do lendário rei de Uruk, Gilgamesh, fez com que os alunos
entrassem em contato com essa rica cultura, bem como
compreendessem os processos históricos envolvidos, outro
ponto importante foi a ludicidade sendo estimulada, ao
perceberem episódios cheios de aventuras e ricos em
interpretações diversificas do mundo como um todo.
Após a apresentação da epopeia seguida por
explanação sobre a mesma, suas origens e interpretações,
bem como reconhecimento sobre como foi construída e os
materiais que povos daquele contexto usufruíam, bem
como o alfabeto que era utilizado e como parte desse
documento se conservou até os dias atuais, foi oferecido
aos alunos episódios dessa narrativa e então foram
convidados a ler e discutir em grupos, cada grupo teve a
oportunidade de trabalhar com um episódio diferente dos
demais, para que a dinâmica de estudo pudesse ocorrer de
forma diferenciada, pois foi proposto que ao interpretarem
e perceberem a narrativa a partir de seus pontos de vista
individuais, como acontece no estudo histórico, pudessem
criar uma forma de representação da epopeia, como de
considerassem mais conveniente, possibilitando que a
criatividade e a discussão em grupo produzisse um
elemento diferenciado, que demonstrasse como cada um
percebeu o momento estudado. Nesse sentido a proposta
foi muito edificadora, e os alunos puderam utilizar o
estudo histórico de forma prazerosa e estimulante.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|231


Ao fim da atividade proposta houve um
compartilhamento das informações, e cada grupo
apresentou para o restante da turma sua forma de ver
Gilgamesh, nesse sentido, o conteúdo presente na epopeia
pode também ir se completando, fazendo a com que a
narrativa fosse construída de forma diversificada e
interessante.
Por fim se pode concluir que houve aproximação
dos estudantes para com a temática proposta,
demonstraram interesse pelas questões apresentadas, bem
como, agiram de maneira participativa, compreendendo
que o conhecimento é cheio de possibilidades, e o estudo
histórico oportuniza uma abertura de horizontes e
inovações que continuarão a ser exploradas.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|232


O ensino de identidade de gênero e orientação
sexual
Por Eduardo Alberto Almeida¹

Resumo Abstract
Relato de Atividade realizada no PIBID onde The discussion about gender identity and
trocamos conhecimentos com estudantes do sexual orientation is very important and
nono ano do ensino fundamental sobre should be urgently worked in schools in
identidade de gênero e orientação sexual, Brazil. Our study aimed to discuss the issues
além de discutir sobre preconceito e tentar about sexual orientation and gender identity to
combate-lo. Com oito dias de aula the students so that prejudices could be
diversificadas, tratamos diversos pontos a deconstructed and showing the historical
respeito desse tema, todos para que os alunos struggle against the existing prejudices in
pensassem, discutissem e compreendessem as society, and how these losses are part of the
dificuldades das pessoas diferentes da deep structures of society, and that it is a
heteronormatividade e de perceberem como historic build. Through lectures and
muitos preconceitos e pensamentos já existem discussions with students, we seek to establish
a muitos anos, desde a Grécia Antiga até os an exchange of knowledge on the subject,
dias de hoje, e que eles percebessem como a initially with clarification on what are gender
homoafetividade é tão antiga quanto a prórpia identities and differences of each, and what
heterossexualidade. Com o objetivo de are sexual orientations and discrepancies of
combater os preconceitos relacionados as each. Secondly, we have brought the historical
sexualidades decidimos trabalhar com a trajectory of human sexuality, from ancient
história da homossexualidade e de questões Greece to the present day, so that students
mais sentimentais e psicológicas, para fazer os realize that some thoughts regarding sexuality
alunos pensarem a respeito do assunto. are historical build. We have created a booklet
that was distributed to students and teachers in
Palavras-chave: História; ensino; gênero; sexualidade.
order to help in the continuing education of
teachers so that they continue working this
issue across the board in the classroom and
thus contribute to the end of prejudice in
school and in society.
Keywords:education, homosexuality, gender identity, sexuality,
preconception.

1
Graduando de História na Universidade Federal de Santa Maria e bolsista do PIBID/CAPES/UFSM de História.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|233


Relato
Nossa atividade foi realizada numa turma do nono
ano do ensino fundamental, na Escola Estadual de
Educação Básica Doutor Paulo Lauda. Decidimos
trabalhar com esse tema e com essa turma devido à
necessidade que percebemos após outra atividade realizada
no mesmo grupo, e com o transcorrer do nosso
conhecimento a cerca do convívio dos alunos com os
colegas ena escola. O PIBID História UFSM permite com
que escolhamos temas os quais acreditamos ser necessário
trabalhar com os alunos para aprimorar seus
conhecimentos, além de ampliar as questões abordadas
usando um tema transversal, a diversidade sexual. Isso
tudo contribuiu para que optássemos por esse assunto, e
principalmente por que na turma há homossexuais
assumidos que sofrem muito preconceito por parte de
colegas de turma e de colegas da escola, e para tentar
diminuir esse mal estar dos alunos homossexuais
decidimos que essa atividade seria muito importante a ser
trabalhada na instituição.
No inicio do segundo semestre de 2015, quando
chegamos à turma para iniciar a aplicação da atividade
estávamos passando por um período complicado de greves
e paralisações devido o parcelamento dos salários dos
funcionários estaduais e todo o contexto de protestos por
melhorias na educação. Mas conseguimos iniciar a
atividade num período reduzido, de apenas meia hora, mas
que rendeu muito. Logo que entramos, não precisamos nos
apresentar, pois os alunos já nos conheciam devido uma
atividade que havíamos aplicado no primeiro semestre.
Iniciamos a fala através de uma conversa com os alunos
dizendo que nós iriamos começar outra atividade com eles,
uma atividade sobre gênero e sexualidade. Então
começamos a conversar com eles e pedir pra eles o que
eles achavam que era gênero, o que era sexualidade, quais
as diferenças entre esses dois temas. Dividimos o quadro
ao meio, num lado escrevemos gênero e tudo o que eles
disseram que caracterizava, naoutra sexualidade e fizemos
a mesma coisa. Em seguida fizemos a seguinte questão a
eles: “e por que devemos trabalhar isso?”. Um grupo de
alunos disse que era importante para lutar contra o
preconceito. Então pegamos essa palavra e escrevemos no
quadro, em seguida pedimos a eles o que é preconceito?
Os alunos não disseram nada, ficaram olhando para nós
atentos, então dividimos o prefixo da palavra da sua raiz, e
mostramos pra eles que preconceito vem de pré-conceito,
ou seja, o que vem antes de um conceito, e que conceito
significava o conhecimento a respeito de alguma coisa. O

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|234


que levaram eles a entenderem que o preconceito que as
pessoas possuem com os homossexuais, por exemplo, é
algo ligado à falta de conhecimento sobre o assunto, que é
uma ignorância baseada em senso comum, e que nosso
objetivo era os fazer chegarem aos conceitos através deles
mesmos, pois não queríamos levar pronto pra eles e fazer
como se fosse uma doutrinação, mas sim, com que eles
refletissem a respeito do assunto trabalhado.
No segundo dia, retomamos o que havíamos
trabalhado na aula anterior e avançamos mais nas
discussões. Pedimos a eles quais os sentimentos que eles
sentiam ao fazer algo errado, ou que os outros diziam ser
errado. Eles mencionaram muitos sentimentos, dentre eles,
medo, tristeza, angústia, culpa, entre outros. Então
pedimos a eles o que achavam sobre alguém que passa a
vida toda sentindo esses sentimentos, ou grande parte da
vida. Os estudantes acharam horrível, péssimo, então
começamos a discussão de que grande parte das pessoas
que possuem sexualidade e identidade de gênero diferente
da heteronormatividade sente como se estivesse fazendo
algo errado, e todos esses sentimentos que eles elencaram
devido às regras da sociedade e o preconceito que nos
atinge. Também mencionamos a bancada evangélica e em
como quem deveria representar a todos os cidadãos
brasileiros só se importa com uma parte e a parte que mais
lhe interessa deixando as minorias de lado e tratando-as
sem as individualidades a parte. Nesse momento um
estudante da turma faz um comentário malicioso para os
colegas homossexuais que estavam participando da
discussão sobre a representação politica das minorias. O
estudante em questão diz que “os gays são iguais bois, sem
saco”, o que deu para entender que ele se referia à
masculinidade, pois o boi é um animal castrado e que é
criado para o consumo da carne, e o macho responsável
por reproduzir é o touro. Na tentativa de revidar e
desconstruir esse comentário preconceituoso, aproveitamos
o comentário de outro aluno que mencionou que a
homossexualidade feminina não sofre tanto preconceito
quanto a masculina devido à visão machista de que duas
mulheres se relacionando afetivamente para um homem é
bom, agora um homem sendo feminizado já se torna algo
ruim por transmitir certo pejorativo ao masculino que é
algo “divino”. Então explicamos para eles que isso é uma
construção grega, que também abominava o feminino dos
homens e mesmo os homossexuais que não eram maus
vistos na Grécia antiga, só era passivo o mais novo, pois
ainda não era considerado homem, e assim não era afetado
a sua masculinidade. Todavia, na Grécia antiga um homem
não poderia ser rebaixado à mulher, ou fazer papel de
mulher. E encerramos a aula com uma reflexão aos alunos,
pedimos aos alunos que disseram que o machismo e
preconceito é bom, pois defende os bons costumes e que

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|235


isso só afeta as mulheres e os gays, pedimos pra eles “por
que homem não pode chorar em público?” eles disseram
que fica feio para o homem que chorar em público, então
pedimos “o por que disso?” e eles responderam que era
para não afetar a masculinidade e esse homem ser taxado
de “mulherzinha”, ai perguntamos a eles “então, o
machismo e os preconceitos não afetam vocês também?”
então os alunos concordaram e ficaram pensando a
respeito. E comentaram que o machismo está tão
impregnando na sociedade que todos são afetados, e que é
mais que preciso combate-lo.
Na terceira aula, resolvemos partir para uma
atividade mais histórica para demonstrar que muitos
pensamentos que ainda existem hoje são construções de
muitos anos atrás e de que a homossexualidade é tão antiga
quanto à heterossexualidade e a própria sexualidade.Há
relatos escritos sobre um mito egípcio do deus Hórus com
Seth, o que demonstra o quão antigo existe a
homossexualidade. Na maioria das religiões politeístas
existem relatos de homossexualidade ou bissexualidade
entre os deuses, e há até mesmo relatos de travestilidade.
Mas nos focamosmais na Grécia Antiga, pois além de ser
mais visível, também conseguimos ver o preconceito com
os afeminados, que perpetua até os dias atuais, e
explicamos e demonstramos a questão da pederastia e de
como ela funcionava, que o homem adulto e político
desenvolviam um papel ativo, o jovem aprendiz
desenvolvia o papel passivo, e que o homem não poderia
desenvolver o papel de mulher da relação, pois o homem é
superior à mulher e politicamente ativo.A pederastia seria
uma espécie de “erótico-pedagogia”, pois tinha a
finalidade de transmissão de conhecimento, um ritual de
iniciação da passagem da adolescência para a vida adulta.
Contamos a história mitológica de Aquiles e Pátroclo, e
como a morte do seu amante fez com que Aquiles se
lançasse contra os troianos com muita ira. Também
falamos da questão de que o único amor verdadeiro para os
gregos era o amor entre dois homens, a verdadeira
amizade, e de que a relação com a mulher era apenas com
intuito de reprodução. Tratamos do mito da Ilha de Lesbos,
que mais tarde deu nome a lesbianidade. Mencionamos
também que esse pensamento também se dava aos
romanos, que por sua vez, adotaram alguns hábitos dos
povos que dominavam. Os romanos pregavam o amor
entre homens, pois assim fortalecia o exercito, pois se
criava laços de amor e proteção. E encerramos a aula com
uma conversa com os alunos do que eles haviam entendido
e tiramos duvidas deles a cerca do tema da aula.
Na quarta aula, retomamos a aula sobre a Grécia
Antiga, e passamos a falar da Idade Média, de que foi na
Idade Média com a ascensão da Igreja Católica que a
homossexualidade se tornou um pecado e um crime. As

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|236


religiões pagãs que existiam até então aceitavam a
homossexualidade, mas as religiões monoteístas que
surgiram na idade média não, que foi o caso do momento
de expansão da fé católica e dos Mulçumanos, que não
aceitavam e até abominavam. O cristianismo formou suas
ideias sobre a sexualidade no contexto do mundo pagão
greco-romano com tradições judaicas, que considerava a
procriação a razão suprema para o sexo, e via a relação
sexual que não tinha este objetivo como pecado, crime,
sodomia. Em seguida, iniciou as citações na Bíblia sobre
homossexualidade, o que fomentou para a intolerância
aumentar. A Igreja se via ameaçada com a
homossexualidade, pois não gerava filhos, e assim
diminuiria a população e o número de fieis. Depois
tratamos da Inquisição que serviu para reforçar o poder da
Igreja Católica e reforçar seus ideais. E um dos alvos das
perseguições e condenações éa homossexualidade, devido
a escritas na Bíblia mal interpretadas ou interpretadas com
objetivo visando a Igreja. Encerramos a aula esclarecendo
dúvidas dos alunos e conversando a respeito de
curiosidades deles a cerca desse assunto.
Na quinta aula, tratamos da Idade Moderna, com o
movimento Renascentista, volta às ideias greco-romanas.
A homossexualidade voltou a ser aceita como parte de um
relacionamento idealizado entre um homem maduro e um
jovem. Em Portugal a homossexualidade era vista como a
causadora de pestes e mortes. A homoafetividade foi
proibida com leis pelo rei, e muitos homossexuais foram
perseguidos e entregues ao Santo Ofício para terem seu
julgamento e punição. Encerramos a aula conversando e
discutindo sobre o tema da aula e sobre obras de artes do
período renascentista.
Na sexta aula, tratamos da homossexualidade na
contemporaneidade, do caso do Alan Turing, por exemplo,
e de como muitos países até hoje condenam os LGBTs.
Também discutimos com os alunos o surgimento da AIDS
e como ela era considerada o “câncer gay” e todas as
repressões que houve contra os LGBT. Também falamos
de reportagens de jornais e revistas que tratavam da AIDS
como o câncer gay nos anos 80 e as desinformações a
respeito do tema e as formas de proteção divulgada pelos
mesmos. Outra questão abordada, é que os homossexuais
passam a ser abordados como delinquentes em potencial.
Em seguida, tratamos da mudança da proibição para a
patologia, e de como a sexualidade foi considerada doença
e foram realizados tratamentos. E depois disso tudo,
finalmente começa a surgir à militância das minorias
sexuais para que os direitos civis fossem alcançados.
Graças aos movimentos ativistas LGBTs é que direitos
foram conquistados, como por exemplo, o fim da
patologia. Conversamos sobre a repressão dos movimentos
LGBTs na ditadura militar e como não se conseguia

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|237


avanças nas lutas e melhorias da comunidade das minorias
sexuais. E chegamos aos dias de hoje, debatendo com os
alunos os direitos humanos e as causas LGBTs e de como
isso é tratado politicamente hoje, e de como o Brasil ainda
é muito preconceituoso e agem de má fé as minorias
sociais. Os alunos iniciaram a conversa e o debate a
respeito dos direitos de casamento de gays e lésbicas e do
Estatuto da Família que está sendo votado e que só
considera família um casal heterossexual e seus filhos. No
fim da aula, conversamos com os alunos sobre a AIDS,
formas de prevenção e discutimos filmes que falam sobre o
assunto.
Na sétima aula, focamos nosso trabalho na
discussão de identidade de gênero e sexualidades, com um
caráter mais formal. Dividimos o quadro em duas partes,
num lado colocamos orientação sexual e no outro,
identidade de gênero. Em seguida, pedimos aos alunos que
elencassem o que julgavam significar cada um dos temas.
Chegamos à conclusão de que identidade de gênero é o
gênero com o qual me identifico, ou a forma que gosto de
me expressar como pessoa, às roupas que gosto de vestir, e
que orientação sexual é o desejo sexual, a atração que eu
sinto pelas determinadas formas de identidade de gênero.
Em seguida, solicitamos aos estudantes que citassem quais
as identidades de gênero eles conheciam, e quais as
orientações sexuais eles conheciam. Com isso
conseguimos que eles chegassem a grande parte das
identidades de gênero, pois eles citaram a transgenia,
masculina, feminina e nós acrescentamos a travestilidade,
que é uma identidade de gênero que permeia o masculino e
feminino. Logo após, fizemos o mesmo com as orientações
sexuais, e eles citaram a heterossexualidade, a
homossexualidade e a bissexualidade, e nós acrescentamos
a assexualidade e explicamos para eles o que era, e a
panssexualidade e também exemplificamos essa
sexualidade desconhecida para os alunos. Finalizamos essa
aula com uma conversa do que os alunos entenderam a
respeito desses assuntos.
Na oitava e ultima aula, revisamos tudo o que
trabalhamos com os estudantes e sentamos em roda, em
seguida iniciamos uma conversa sobre o que eles haviam
aprendido e quais pensamentos eles haviam mudado. E
assim percebemos quantos alunos mais preconceituosos
mudaram seu pensamento a respeito da sexualidade
diferente da heteronormativa. Pedimos se os alunos havia
mais alguma duvida a respeito das sexualidades e
identidades de gênero, e em seguida, como ninguém quis
perguntar, relembramos quais eram as sexualidades e quais
eram as identidades de gênero e a diferença desses
assuntos. Em seguida solicitamos aos alunos escreverem
um texto falando o que haviam entendido sobre nossa
atividade e que escrevessem duvidas, sugestões,

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|238


curiosidades, aprendizagens, o que eles gostariam de
compartilhar conosco. Com esse material escrito que os
alunos nos escreveram e as atividades e discussões que
levamos para as aulas, criamos uma cartilha que foi
distribuída para os professores da escola, com os quais nós
conversamos para que eles continuassem nosso trabalho e
continuassem tratando do tema com os alunos, e também
colocamos uma em cada sala para que os alunos pudessem
ler. Agora estamos pensando em tratar desse tema com
outras turmas da escola e expandir nosso trabalho para que
mais alunos tenham acesso a esse conhecimento e assim
avançar na luta contra os preconceitos na escola.

Referências Bibliográficas
GOMES, Veronica. As leis da
intolerância.Homossexualidade: da perseguição à luta por
igualdade. Rio de Janeiro: Revista de História da
Biblioteca Nacional, agosto 2015. N° 119, Ano 10, p. 12-
15.
MESQUITA, Teresa Cristina Mendes de.
Homossexualidade: constituição ou construção?.
Brasília: trabalho de conclusão de graduação em
Psicologia. Centro Universitário de Brasília, 2008.
SANTOS, Daniel Barbosa. Eros político.
Homossexualidade: da perseguição à luta por igualdade.
Rio de Janeiro: Revista de História da Biblioteca Nacional,
agosto 2015. N° 119, Ano 10, p. 16-18.
STEARNS, Peter N. História da Sexualidade. São
Paulo: Contexto, 2010.
VERAS, Elias Ferreira; PEDRO, Joana Maria.
Viver e lutar. Homossexualidade: da perseguição à luta por
igualdade. Rio de Janeiro: Revista de História da
Biblioteca Nacional, agosto 2015. N° 119, Ano 10, p.34-
38.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|239


A escravidão não acabou
Expecismo, exploraçaõ animal e outras teses inconvenientes
Por Jordana Guidetti Pozzebom¹

Resumo Abstract
A presente atividade desenvolvida através do Our work had the educational purpose the act
Programa Institucional de Bolsistas de of demonstrating that speciesism, that is, the
Iniciação à Docência (PIBID) na Escola notion that a species is superior to another is
Estadual Dr. Paulo Devanier Lauda teve por an issue as problematic and repressive as
objetivo demonstrar aos alunos – de uma racism or sexism. We brought to the students
turma de nono ano – que o especismo, ou seja, the debate about the act of justifying -
a noção de que uma espécie é superior a outra, historical, cultural or scientific (let us
é uma questão tão problemática e repressora remember eugenics) - differences of race, sex
quanto o racismo ou o sexismo. A fim de or species in order to maintain safe interests of
alcançar nossos objetivos, trouxemos debates certain groups of people. From a text based
a respeito do ato de justificar – histórica, on the philosopher Stephen Law and a
cultural ou cientificamente (lembremo-nos da documentary entitled "The flesh is weak", the
eugenia) – diferenciações de raça, sexo ou activity was to raise awareness among
espécie como forma de manter a salvo students about the speciesism issues and
interesses de determinados grupos de pessoas. animal exploitation and moral, economic,
A partir de um texto base do filósofo Stephen environmental and social implications of this
Law e de um documentário intitulado "A reality our society. Moreover, it revealed
carne é fraca", a atividade consistiu em philosophical and historical issues relevant in
sensibilizar os estudantes quanto às questões the debate on this issue, as the preservation
do especismo e exploração animal e as logic of prejudice as conservatism mechanism
implicações morais, econômicas, ambientais e in our daily practices and that have naturalized
sociais desta realidade em nossa sociedade. and presented as morally accepted behavior in
our social environment.

Palavras-chave: história, ensino de história, escravidão, racismo, Keywords: speciesism, animal exploitation, racism, species.
especismo, exploração animal, alimentação, meio ambiente.

¹ Universidade Federal de Santa Maria

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|240


Relato
Através do Programa Institucional de Bolsistas de
Iniciação a Docência (PIBID), nós, bolsistas, iremos
descrever o relato de nossa atividade realizada na Escola
Básica Estadual Doutor Paulo Devanier Lauda, localizada
na cidade de Santa Maria. Nossa atividade foi sobre
especismo e exploração animal, em que construímos junto
aos alunos a noção de que tais conceitos podem ser
comparados a outras teses discriminatórias, como racismo
ou machismo.
No primeiro momento de nossa aula inicial na
turma de 9º ano, depois de feitas as devidas apresentações,
entregamos para os alunos um texto denominado “Devo
comer carne?” presente no livro “Os arquivos filosóficos”,
escrito por Stephen Law. O texto é bem didático, curto e
de fácil compreensão, excelente para utilizar numa turma
com alunos de 13 a 16 anos. No presente capítulo, é
contada a história de um explorador que, em uma de suas
viagens, é capturado por uma tribo indígena canibal; eles
irão discutir porque se deve, ou não, comer carne humana.
Os argumentos de Errol, o explorador, são vencidos no
momento em que a mulher que dialogava com ele, sua
captora, encontra um sanduíche de carne em sua mochila,
conforme é possível ver no seguinte diálogo:
Mulher: - Então, o que é isso?
Explorador: - É meu almoço.
Mulher: - Sim, mas o que é isso?
Explorador: - É um sanduíche. Um sanduíche de
carne.
Mulher: - Carne que pertencia a algum animal
vivo?
Explorador: - Bem, sim. Quer dizer, acho que
sim.
Mulher: - Era um ser vivo, que gostava da vida,
que não queria morrer e mesmo assim foi morto, só para
que você se deliciasse com a carne dele?
Errol entendeu onde ela queria chegar.
Explorador: - Sim, mas era apenas um animal. E
é certo comer animais. Mas é errado comer homens. Os
homens são diferentes.
Mulher: - Mas o homem também é um animal.
Por que é errado comer homens e não é errado comer
animais que não são homens? (LAW, 2003, p. 14)

A partir desse texto, em especial desse diálogo final


(que antecede a morte de Errol), começamos a trabalhar a
seguinte questão com os alunos: “por que é errado matar e
comer animais humanos, mas não é errado matar e comer
animais não humanos?”. Nós nos utilizamos de duas
argumentações: Filosófica e Histórica.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|241


Na argumentação filosófica, debatemos muito com
os alunos sobre os fatores que justificam a exploração
animal. Eles foram questionados sobre a razão do animal
não humano servir de alimento e o animal humano não; as
respostas foram diversas: “é porque eles não pensam”, “é
porque eles não falam”, “é porque eles não têm como se
defender”, etc. Um aluno chegou a responder que “é
porque somos o topo da cadeia alimentar”; prontamente,
respondemos que a cadeia alimentar é uma invenção
humana e o próprio homem colocou-se no topo, mas
sabemos que não é bem assim, afinal, ele pode sim servir
de alimento para uma série de animais não humanos e,
como vimos no texto de Errol, para outros animais
humanos também. Pedimos a ajuda dos alunos para
elencarem todas as demais formas de exploração, além da
indústria alimentícia; ficamos satisfeitos que eles
participaram muito e conseguiram enxergar diversos
setores que nós mesmos não havíamos pensado: indústrias
de cosméticos/farmacêutica (realização de testes), lazer
(circos, zoológicos e rinhas), transporte, religião
(sacrifícios), entre outros.
Nesse momento, trouxemos para eles uma tirinha
chamada “Animais” do cartunista Pedro Leite. Fazendo
parte de uma coleção chamada “Quadrinhos Ácidos”, o
cartunista aborda com sarcasmo e humor ácido temas
presentes em nosso cotidiano. Essa imagem vai mostrar a
realidade inversa, o Pedro pegou diversos momentos em
que os animais são explorados em nossa sociedade e fez a
troca dos papeis: os animais explorando os humanos. A
finalidade de trazermos isso para os alunos é fazê-los
refletir: seria bom se fosse conosco? Partindo do
pressuposto que o futuro é incerto, porém que tudo pode
acontecer: e se algum dia surgir uma espécie mais
desenvolvida fisicamente e intelectualmente que a nossa, e
passarmos a ser usados para alimentação, lazer, transporte,
testes de produtos, etc. Esses são os questionamentos que o
campo da filosofia nos proporciona.
Encerrado esse momento de reflexão, passamos a
abordar o tema “Especismo e Exploração Animal”,
partindo de um viés histórico; porém, antes foi preciso
tratar com os alunos: “afinal, o que é especismo?”. Esse
conceito foi cunhado pelo psicólogo britânico Richard
Ryder na década de 70, segundo ele, especismo é a
discriminação da espécie humana contra outras espécies
animais, tidas como inferiores. Alguns anos depois, o
filósofo e professor Peter Singer, vai ajudar a popularizar
esse conceito, utilizando-o como base em sua obra
“Libertação Animal”. É nesse momento que a história
entra, afinal, a justificativa do especismo é a mesma
justificativa para o racismo. Pensemos em Brasil Império,
metade do século XIX, auge do sistema escravista em
nosso país. A razão pela qual o homem branco escravizava

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|242


o homem negro era por ele pertencer a uma raça inferior,
como se a pigmentação de sua pele, se suas origens, o
tornassem débil e que sua única função era a de servir aos
interesses de seu superior. Isso parece familiar, não
parece? A ideia de uma raça superior à outra, a fim de
justificar a exploração de aquele ser tido como inferior, é a
mesma ideia de uma espécie sendo superior a outra
espécie. Mais uma vez, podemos citar o texto de Law a fim
de proporcionar uma ideia mais didática para trabalhar
esse tema em sala de aula:
Quando pensamos nos tempos passados da
escravidão, achamos muito difícil compreender como as
pessoas daquela época não percebiam que a maneira como
tratavam outros seres humanos era muito errada. De fato,
alguns tratavam seus escravos como animais, às vezes até
pior. Eles os chicoteavam, torturavam e mantinham-nos
nas mais abomináveis condições. Alguns donos de
escravos mutilavam deliberadamente seus escravos
quando estes tentavam fugir. Como esses donos de
escravos não percebiam como era errado seu
comportamento com outros seres humanos? O fato é que
não percebiam. A maioria dos donos de escravos
consideravam-se cidadãos honrados e morais. Assim,
talvez sejamos como os proprietários de escravos. Pode
ser que estejamos simplesmente cegos com respeito ao
erro que estamos cometendo. (LAW, 2003, p. 35/36)

Um artigo muito interessante, que utilizamos como


base para nosso trabalho e estabelece uma curiosa relação
entre “ser especista” e, consequentemente, “ser
vegetariano”, é o texto “O que é o especismo?” de David
Olivier: nesse artigo, o autor vai realizar a provocação de
trabalhar, a partir do racismo, com diversos
questionamentos que vão acabar caindo na justificativa do
especismo de que a espécie humana é superior por ter um
intelecto superior, e o autor vai refutar essa justificativa
falando a respeito de que a inteligência entre os seres
humanos não é igual, portanto, não serve como
justificativa para escravizar os animais não humanos.
Mais uma exemplo que é visto com infeliz
frequência ainda nos dias de hoje – e que,
consequentemente, serve aos objetivos de nossa analise – é
o machismo: a ideia do homem (ser superior) explorar e
abusar da mulher (ser inferior, “sexo frágil”). Ou seja, a
ideia de um sexo superior ao outro. O texto de Olivier traz
um parágrafo que remete a crueldade que é feita com
aqueles que não têm voz para se defender, dizendo que a
falta de comunicação não é um fator que justifique
qualquer tipo de abuso e muito menos que o silêncio
signifique que o massacre físico e/ou psicológico não
existe. Nisso, ele vai citar o ganho de espaço nas mulheres
da sociedade, a partir do momento em que elas ergueram
sua voz e exigiram seus direitos:

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|243


E como a ausência de linguagem justifica o
massacre? Explicaram-me que, se um ser não pode dizer
que sofre, ninguém pode descobrir. No entanto, todos os
mamíferos mostram os mesmos sinais de sofrimento que
os humanos; seria espantoso que fenômenos tão parecidos
não tivessem a mesma causa. Poucas ciências seriam
possíveis caso se exigisse que o seu objeto fosse dotado de
palavra. E também: «Se um ser não pode conceituar o seu
sofrimento, este não existe, é puramente físico.» As
feministas mostraram muito bem que durante séculos as
mulheres sofreram em silêncio, porque faltavam conceitos
para exprimir o que sentiam. Um passo decisivo para a sua
liberação foi conseguir forjar estes conceitos para dizer e
pensar o que viviam. Antes disso, o seu sofrimento era
«puramente físico»? (OLIVIER, 1992)

Nosso objetivo era o de demonstrar aos alunos que


o especismo é uma questão tão delicada e repressora como
o racismo ou o machismo devido as suas justificações
histórico-culturais. Graças a grande demonstração de
interesse por parte dos alunos, acreditamos ter despertado a
atenção deles pra esse assunto.
Tendo sido finalizada a parte teórica de nossa
atividade, em que conceituamos o especismo e trouxemos
um debate filosófico e histórico para nossa turma, em um
novo momento exibimos para eles um documentário
intitulado “A carne é fraca”, do Instituto Nina Rosa. Essa
ONG surgiu no ano 2000, a fim de promover a
conscientização sobre os direitos animais, consumo sem
crueldade e vegetarianismo. O documentário irá mostrar as
etapas pela qual a carne passa, desde o momento do
criadouro até a chegada ao comércio. Além de exibir a
realidade da indústria alimentícia, também irá retratar
questões econômicas e ambientais, como por exemplo, o
grande impacto para os recursos hídricos do planeta. Além
dos dejetos animais (que são produzidos em uma escala
muito maior que a dos homens) que são repletos de
medicamentos e hormônios acabarem indo parar em rios,
mares e açudes; bovinos, suínos e demais animais gerados
em larga escala consomem uma quantidade muito grande
de água por dia, podendo variar de 15 a 90 litros por
animal. Além do impacto pra camada de ozônio com a
emissão de gases na atmosfera, desmatamento em massa,
etc. Além de seu conteúdo, as imagens trazidas pelo
documentário são moderadas – em sua maioria – o que
ajudou muito em nossa escolha para exibi-lo em sala de
aula. Indicamos para os alunos que se interessassem pelo
assunto, assistir em casa o documentário “Terráqueos”.
Terráqueos é um documentário estadunidense
produzido em 2005, narrado pelo ator e ativista dos
direitos animais Joaquin Phoenix. O documentário vai

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|244


trazer imagens fortes (os alunos foram avisados
previamente), sobre como funcionam as fazendas
industriais, centros de testes em animais, o comércio de
peles e do couro, etc., fazendo uso de câmeras escondidas
para mostrar a realidade das práticas diárias que visam o
lucro sobre a exploração animal. Dois alunos relataram no
encontro seguinte terem assistido esse documentário, e
demonstrado interesse em adotar uma dieta vegetariana.
Em decorrência de incompatibilidade de horários,
logo seguido pelas férias escolares e pela greve dos
professores da rede pública, o fim da nossa atividade teve
de ser adiado. Ao retornarmos a escola, percebemos uma
diminuição no interesse e na disposição da turma. Uma
atividade havia sido proposta antes das férias: a ideia era
que eles fizessem vídeos com suas famílias, usando
perguntas pré-estabelecidas referentes à atividade, e,
posteriormente, que compartilhassem conosco através das
redes sociais; porém a turma não demonstrou interesse na
realização da mesma. Então, a fim de concluir nosso
trabalho, procuramos fazer uma roda de conversa com eles
onde alguns alunos manifestaram ter gostado da nossa
atividade e relatado que aquilo que lhes foi passado serviu
para refletir, independente de ter mudado, ou não, seus
hábitos alimentares. Conseguimos estabelecer as relações
que pretendíamos e ensinar aquilo que acreditamos ser o
certo. Em face do relativo sucesso da atividade – se o
PIBID continuar por mais alguns anos – pretendemos
abordar de modo mais aprofundado os direitos animais
(para isso iríamos nos basear na obra de Tom Regan e em
artigos que seguissem a mesma linha de pensamento) e o
processo de libertação animal proposto por Singer. Uma
passagem muito significativa na introdução de sua obra,
diz o seguinte:
Em comparação com outros movimentos de
libertação, o movimento de Libertação Animal apresenta
várias dificuldades. A primeira, e mais óbvia, é o fato de
os membros do grupo explorado não poderem, por eles
mesmos, protestar de forma organizada contra o
tratamento que recebem (embora possam protestar, e o
façam o melhor que podem, individualmente). Temos de
ser nós a falar em nome daqueles que não podem fazer
isso por si próprios. É possível constatar a gravidade dessa
dificuldade se perguntarmos a nós próprios quanto tempo
teriam de ter esperado os negros pela igualdade de direitos
se não tivessem sido capazes de falar por si mesmos e de
exigir tal igualdade. Quanto menos um grupo for capaz de
se tornar visível e de se organizar contra a opressão, mais
facilmente será oprimido. Ainda mais significativo para o
futuro do movimento de Libertação Animal é o fato de
quase todos os elementos do grupo opressor estarem

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|245


diretamente relacionados com a opressão, considerando-se
beneficiários desta. (SINGER,1975, p. 6).

Uma notícia recente divulgada pelo site “Vista-se” –


maior portal de noticias sobre veganismo e direito animal
do Brasil – mostra que no estado de Minas Gerais um
professor de filosofia foi demitido após tratar desse tema
em sala de aula. O educador, em entrevista ao portal,
alegou usar essa metodologia de trabalho a anos, e diz
também ter seguido a mesma linha de raciocínio a qual
usamos em nosso trabalho: estabelecer a comparação entre
o especismo, o racismo e o machismo (ou sexismo). A
demissão se deu em face do incomodo dos pais com o
tema tratado, por muitos alunos terem questionado esse
assunto em casa com suas respectivas famílias. Ou seja,
concluímos que – como vimos na citação de Singer – o
assunto abordado pelo professor incomodou aos
beneficiários de tal opressão (a exploração animal), e, para
defender seu suposto “direito de oprimir”, optaram por
livrar-se da fonte de rebeldia. Isso significa que os alunos
estavam conseguindo abrir seus olhos para o quão isso é
errado, uma prova de que esse tema deve sim ser abordado
em sala de aula, preferencialmente desde os anos iniciais:
não para doutrinar o vegetarianismo, ou qualquer outra
dieta restrita de produtos de origem animal, mas para que
os jovens aprendam a consumir conscientemente, para que
passem a ter noção das diversas consequências trazidas por
seus hábitos alimentares e tenham a liberdade de decidir se
eles querem seguir em frente, ou não.
Fomos questionados da razão de ter escolhido esse
tema para trabalhar com uma turma de nono ano. A
escolha da turma não foi por acaso, queríamos uma turma
com histórico de participação em sala de aula, na relação
professor/aluno, e nos foi indicada essa. Com relação à
escolha do tema, nós – os três bolsistas de iniciação a
docência e a professora regente – somos vegetarianos, e
decidimos usar esse interesse em comum a fim de realizar
uma atividade bem fundamentada e que pudessem ser
trazidas experiências para a turma. Conversamos com eles
e falamos às razões que nos levaram a aderir o
vegetarianismo, em que período de nossas vidas isso
aconteceu e quais foram as reações de nossos familiares.
Logo, alguns alunos começaram a comentar que já
tentaram ou já cogitaram a possibilidade de aderir à dieta
vegetariana. Nesse momento, conversamos com eles a
respeito da questão da saúde, que já havia sido abordada ao
trazermos o documentário pra eles. Concordamos que a
carne consumida moderadamente e da maneira certa,
realmente pode trazer diversos benefícios à saúde e
sabemos que muitas pessoas condenam o vegetarianismo
justamente por isso, por alegar que a pessoa irá sofrer de
desnutrição, que irá ficar anêmica, que não vai conseguir

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|246


adquirir proteínas de nenhuma outra fonte. Porém, na
realidade, com exceção da vitamina B12 – que é
encontrada somente em fontes vegetais enriquecidas com a
mesma – tudo o que o corpo humano, precisa para manter-
se saudável (as demais vitaminas, bem como proteína e
sais minerais) pode sim ser encontrado em fontes vegetais.
Inclusive, recentemente a Organização Mundial de Saúde
lançou um alerta dizendo que bacon, salsicha, presunto e
similares são alimentos cancerígenos. A notícia tem dado
muita repercussão na mídia pelo fato de que grandes
marcas como a JBS-Friboi, Sadia, Seara, Perdigão, entre
outras, possuem forte influencia na mídia, o que gera uma
falta de imparcialidade de muitos jornalistas (aliado ao fato
de que sua própria alimentação pode influenciar em como
ele ou ela irá abordar tal assunto). Kurt Straif, cientista da
OMS e coordenador desse estudo, disse em entrevista ao
jornal espanhol “El País”:
Nossa força está no fato dos melhores cientistas
da área, sem conflitos de interesses e laços com empresas
e outros grupos, terem analisado todos os testes científicos
e chegado a melhor conclusão possível. Por outro lado, a
indústria sempre tem interesses ao comentar sobre esses
assuntos porque seu objetivo é que as vendas de carne
vermelha e processada não deixem de crescer. Deixo ao
público a decisão em quem confiar [...] Esse estudo, por
um lado, contribui com informação às agências de saúde
pública nacionais e outros órgãos responsáveis para que
medidas sejam tomadas e recomendações de consumo
sejam feitas. Por outro, diz às pessoas: ‘Se quer reduzir
seu risco de ter câncer, mostramos aqui uma forma de
fazê-lo.

Encerrada a conversa com alunos no que remete a


alimentação e saúde e a fim de concluir o presente
trabalho, mediante sucesso da atividade em sala de aula,
vamos trazer o relato de uma menina que nem cogitava a
possibilidade de virar vegetariana porque toda a sua
família é onívora e que os pais dela achariam ridículo e
não aprovariam. Como qualquer outro preconceito (leia-se
pré-conceito, ou seja, um conceito pré-determinado),
explicamos que muitas pessoas realmente acham ridícula a
ideia de não comer carne, que acham que os animais
nascem para nos servir e que os eles estão isentos de
direitos. Bom, ao fazer criação em larga escala, os
fazendeiros automaticamente estão criando aqueles
animais para o abate, mas, referente à preocupação da
aluna com o que os pais achariam, explicamos o seguinte:
isso é ser especista. Isso é a pura demonstração de achar
que sua espécie é superior a outra e não querer sequer
ouvir uma contra argumentação. Era isso que muitos
latifundiários racistas do século XIX – por exemplo –
respondiam ao serem indagados sobre o fim da escravidão:
“eles nascem para nos servir” ou “negros não tem

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|247


direitos”. Bom, uma novidade para aqueles senhores e
senhoras do século XIX, bem como os defensores do
especismo nos dias de hoje: ninguém nasce para servir
ninguém e todos os seres vivos têm o direito à vida. O
racismo continua a existir no Brasil, porém a escravidão
fora abolida no final daquele mesmo século. Chegará o dia
em que os animais também se tornarão livres e não mais
escravos da espécie humana, porém, quando esse dia
chegar, ainda haverá especistas que irão achar que seus
direitos estão sendo tirados.

Referências Bibliográficas
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Filosóficos. 1ª edição. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p.
11-39.

SINGER, P. Libertação Animal, 1975, 205 p.


Disponível em:
<https://olhequenao.files.wordpress.com/2011/12/peter-
singer-libertac3a7c3a3o-animal.pdf>. Acesso em: 29 out.
2015.

Les Cahiers Antispécistes. O que é o


especismo?Escrito por OLIVIER, D. e traduzido por
MEDINA, B. 1992. Disponível em: <www.cahiers-
antispecistes.org/spip.php?article295>. Acesso em 29 out.
2015.

A CARNE é fraca. Produção: Instituto Nina Rosa.


Edição: João Landi Guimarães. Imagens, Direção e
Roteiro: Denise Gonçalves. Trilha sonora e mixagem:
Gustavo Martinelli. Instituto Nina Rosa, 2004,
Documentário (54 min), mini DV, color.

25-Animais.png. Altura: 650 pixels. Largura: 658


pixels. 364kb. Formato PNG (Portable Network Graphics).
Disponível em: <http://1.bp.blogspot.com/-
zQrTzDIfv4k/Umqp7Yo2GII/AAAAAAAAEN4/P9a39s8
K7dk/s1600/25-Animais.png>. Acesso em 29 out. 2015.

VISTA-SE. Coordenador da OMS afirma que não


há um nível seguro para consumo de carnes processadas.
Disponível em:<https://vista-se.com.br/coordenador-da-
oms-afirma-que-nao-ha-um-nivel-seguro-para-consumo-
de-carnes-processadas/>. Acesso em 29 out. 2015.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|248


EL PAÍS. “O público decidirá em quem confiar, na
indústria ou em nós da OMS”. Disponível em:
<http://brasil.elpais.com/brasil/2015/10/27/ciencia/144597
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29 out. 2015.

OLIVEIRA, G. D. A TEORIA DOS DIREITOS


ANIMAIS HUMANOS E NÃO-HUMANOS, DE TOM
REGAN. Florianópolis, 2004, p. 283-299. Disponível em:
<https://periodicos.ufsc.br/index.php/ethic/article/viewFile
/14917/13584>. Acesso em: 29 out. 2015.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|249


Juventude e contracultura norte-americana da
década de 60
Utilizando o musical Across the Universe*
PorJulio Cezar Pires¹, Nathalia Oliveira Ferreira², Juliana Fick³

Resumo Abstract
This work highlights the use of the song
Este trabalho discute a utilização Across the Universe, by The Beatles, performed
deAcrosstheUniverse, um musical lançado no in a musical released in 2007 e directed by Julie
ano de 2007 e dirigido por Julie Taymor, como Taymor as a pedagogical resource for the
recurso didático para a compreensão da comprehension of both the North-American
juventude e da contracultura norte-americana da youth and counterculture in the 60’s, in which
década de 60, onde é ambientado, analisando they are set, through the analysis of their social,
seus aspectos sociais, políticos e culturais. Para political, and cultural aspects. For that purpose,
isso, o grupo PIBID do subprojeto História, the PIBID group from the subproject História,
apresentou o filme ao terceiro ano da educação presented the movie to the 3rd-grade of the
básica regular.O musical serviu, portanto, para Elementary School. The musical worked,
que os educandos pudessem visualizar os therefore, so that the pupils could visualize the
acontecimentos da década e perceber a maneira events from the decade and then realize the way
com que os jovens se sentiam e pensavam com the young felt like and thought in respect to
relação a estes fatos de maneira didática. such facts and its pedagogical performance.
Posteriormente foi promovido um debate a Afterwards, a debate was performed in regard
respeito da temática abordada e uma to both the highlighted subject and the artistic
expressãoartística da compreensão pessoal de expression from each pupil personal
cada educando, tornando possível uma ligação comprehension, making possible a connection
com sua realidade. O filme em questão foi, with his or her own reality. Thus, the movie in
desta forma, um meio facilitador do processo de question, worked as a facilitator for the process
ensino aprendizagem. of teaching and learning.
Palavras-chave:Ensino de História, Cinema, Guerra Fria, Didática.
History Teaching , Movies , Cold War, Didacticism.

Keywords: History of institutions. Teacher training. Representation.


Tradition and teaching practices.

*Trabalho desenvolvido pelos bolsistas de Iniciação à Docência Subprojeto História PIBID/CAPES/UNIFRA no Colégio Manoel Ribas. Santa Maria/RS.
1
Acadêmico de Licenciatura em História no Centro Universitário Franciscano (UNIFRA). Bolsista do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à
Docência - PIBID/UNIFRA/CAPES no Colégio Estadual Manoel Ribas, Santa Maria/RS.
2
Acadêmica de Licenciatura em História no Centro Universitário Franciscano (UNIFRA). Bolsista do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à
Docência - PIBID/UNIFRA/CAPES no Colégio Estadual Manoel Ribas, Santa Maria/RS.
3
Acadêmica de Licenciatura em História no Centro Universitário Franciscano (UNIFRA). Bolsista do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à
Docência - PIBID/UNIFRA/CAPES no Colégio Estadual Manoel Ribas, Santa Maria/RS.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|250


Introdução
A utilização de variados tipos de recursos didáticos
auxilia bastante no processo de ensino/aprendizagem.
Desta forma, devemos, como educadores ou futuros
educadores, pesquisarmos os tipos de materiais possíveis e
adequados para cada tema a ser trabalhado. A utilização de
filmes, por exemplo, permite uma percepção mais visual
de um período, é uma representação que possibilita
perceber a ambientação, as vestimentas, os costumes, a
linguagem oral, os sentimentos frente aos fatos. Os filmes,
por sua liberdade de criação, nem sempre seguem à risca
esses quesitos, ficando a critério do professor elucidar os
pontos a serem percebidos para a compreensão do período
em questão.
Este artigo pretende analisar a juventude e a
contracultura norte-americana da década de 1960
utilizando o musical AcrosstheUniverse, lançado no ano de
2007 e dirigido por Julie Taymor e, tendo sido utilizado
como recurso didático com turmas de terceiro ano da
educação básica regular, jovens na faixa etária dos 17
anos, mostrar como sua utilização facilitou a compreensão
do período.
O filme é ambientado nos Estados Unidos dos anos
1960, carregando, portanto, a temática da Guerra Fria.
Tem seu foco nas mudanças que ocorrem na sociedade e
na cultura jovem.

A utilização de filmes como recurso didático


Introduzo o ato de utilizar filmes como recurso
didático trazendo um trecho de Cipolini (2008) dito em
uma passagem de um dos seus estudos sobre utilização do
cinema na educação pois ela discute sobre um aspecto
importante da cinematografia:
Se fizermos uma retrospectiva em relação
cinema-educação, podemos constatar que desde sua
invenção o cinema tem sido apontado como fonte de
pesquisa, e desde então, muito se tem teorizado e
discutido a seu respeito. Se no início do século XX a
teoria cinematográfica debatia se a imagem expressava ou
reproduzia a realidade, hoje sabemos que a realidade não
ilustra, nem reproduz a realidade, mas a (re) constrói a
partir de uma linguagem própria, produzida num
determinado contexto histórico (CIPOLINI, 2008, p. 47).

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|251


O cinema nos possibilita a reconstrução de uma
realidade, seja ela atual ou passada. Por este motivo os
filmes e documentários são indispensáveis no ensino de
história pois eles auxiliam na compreensão daquilo que,
supostamente, deveria ser reconstruído através da
imaginação.
Para sair do modo tradicional do ato de ensinar e
transformar sua atividade profissional em algo mais
próximo da realidade e das preferências dos alunos, os
professores de história vêm procurando utilizar um
diversificado número de metodologias e instrumentos para
o ensino. Desta forma, como consequência da importância
dos filmes no processo de ensino/aprendizagem, estes vem
sendo cada vez mais utilizados dentro dos espaços
educacionais, possibilitandoa abordagem e o debate de
diversas concepções da história. Selva Guimarães Fonseca
afirma que:
[...] faz-se necessário ressaltar a importância do
filme como instrumento questionador do conhecimento,
dos conceitos construídos historicamente, e que são
muitas vezes transmitidas de forma acrítica, descolados da
realidade objetiva. O filme, didaticamente, apresenta os
conceitos por meio de um jogo de narração/imagens,
deixando ao espectador a possibilidade de cotejar,
relacionar e articular as ideias transmitidas oral e
visualmente. (FONSECA, 2003, p. 180).

Os filmes, juntamente com outros materiais


didáticos, propiciam a construção de conceitos importantes
sobre os temas a serem abordados se, no entanto, o filme
apresentar as condições necessárias para sua utilização. A
escolha do filme deve ser feita com base em muitos
critérios. Devemos levar em conta a duração do filme e o
tempo disponível para transmiti-lo em sala da aula, a idade
mínima indicada para a exibição do filme, a linguagem
utilizada, além de muitos outros critérios. O professor,
portanto, deve se preparar previamente para a utilização do
filme, tendo domínio sobre seu enredo e sobre o motivo
pelo qual o mesmo está sendo transmitido.
O significado cultural de um filme (ou de um
conjunto deles) é sempre constituído no contexto em que
ele é visto e/ou produzido. Filmes não são eventos
culturais autônomos, é sempre a partir dos mitos, crenças,
valores e práticas sociais das diferentes culturas que
narrativas orais, escritas ou audiovisuais ganham sentido
(DUARTE, 2002, p. 51-52).

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|252


Elementos da tradição na profissão docente
AcrosstheUniverseé um musical do ano 2007,
dirigido por Julie Taymor. É ambientado nos Estados
Unidos da década de 1960, no contexto da Guerra Fria.
Todas as músicas utilizadas no musical são da banda
britânica The Beatles, mostrando a enorme difusão cultural
e as mudanças sociais do período.
Seus [EUA] estilos juvenis se difundiam
diretamente, ou através da amplificação de seus sinais via
a intermediária cultural Grã-Bretanha, por uma espécie de
osmose informal. Difundiam-se através de discos e depois
fitas, cujo grande veículo de promoção, então como antes
e depois, era o velho rádio. Difundiam-se através da
distribuição mundial de imagens; através dos contatos
internacionais do turismo juvenil, que distribuía pequenos
mas crescentes e influentes fluxos de rapazes e moças de
jeans por todo o globo; através da rede mundial de
universidades, cuja capacidade de rápida comunicação
internacional se tornou óbvia na década de 1960.
Difundiam-se ainda pela força da moda na sociedade de
consumo que agora chegava às massas, ampliada pela
pressão dos grupos de seus pares. Passou a existir uma
cultura jovem global (HOBSBAWM, 1995, p. 321).

Friedlander faz uma análise sobre as primeiras


cenas do musical:
O filme inicia mostrando extrema difusão
cultural quando, ao mesmo tempo que uma mesma música
da banda Beatles (Hold me Tight) é tocada em um baile
formal nos Estados Unidos, está sendo tocada também em
uma festa underground32em Liverpool – cidade onde se
forma a banda Beatles. Além disso, a cena mostra como as
tecnologias de comunicação, a indústria fonográfica e,
neste caso, a própria banda Beatles, faziam parte do
processo de mudança na sociedade, de forma que há uma
facilitação na transmissão das mensagens musicais e
culturais, pois alcança um número bem maior de pessoas
(FRIEDLANDER, 2015, p.118).

A trama inicia quando o protagonista Jude parte de


sua cidade natal Liverpool, na Inglaterra, para os Estados
Unidos em busca de seu pai, um ex-soldado americano que
abandonara sua mãe grávida. Ao chegar, conhece alguns
rapazes que, com suas atitudes e cantando With a Little
Help FromMyFriends, mostram bastante o comportamento
dos jovens da época, pois, um deles- Max- é um
universitário a contragosto, como uma grande massa de

32
Ambiente e/ou movimento cultural que foge do padrão social estabelecido.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|253


jovens estudantes da época. Conforme Hobsbawm (1995),
isso se deve ao fato de que o aumento do contingente de
universitários faz com que isso deixe de ser um privilégio,
e, para garantir uma renda melhor e um status social
superior, as famílias colocavam seus filhos em
universidades sempre que era possível.
[...] as limitações que isso impunha a jovens
adultos (geralmente sem dinheiro) deixavam-nos mais
ressentidos. O ressentimento contra um tipo de autoridade,
a universidade, ampliava-se facilmente para o
ressentimento contra qualquer autoridade [...] Assim, não
surpreende que a década de 1960 tenha se tornado a
década da agitação estudantil par
excellence(HOBSBAWM, 1995, p. 293).

Outro fato que se torna claro no filme são as


estratificações sociais quando, pelo advento das guerras,
morre um menino civil negro e um soldado norte-
americano e o contraste aparece, ao som de Let It Be, nas
cenas de seus funerais.
As mudanças sociais se evidenciam novamente
quando, tocando Come Together, uma cena mostra a
chegada de um guitarrista à Nova York e fica claro o
choque cultural ao mostrar homens indo ao trabalho,
vestidos com terno e carregando pastas, e o guitarrista
vestindo jeans e camiseta branca sob um colete aberto,
carregando uma mochila com seus pertences em uma mão
e a guitarra na outra. “O blue jeans e o rock se tornaram
uma marca da juventude ‘moderna’, das minorias
destinadas a tornar-se maiorias[...]” (HOBSBAWN, 1995,
p. 320).
A revolta dos jovens com o recrutamento forçado
norte-americano também se evidencia quando um dos
rapazes, por largar os estudos na universidade, é chamado
para servir os Estados Unidos na Guerra do Vietnã. A
cena, ao som de I WantYou (She’sSo Heavy), mostra o
cartaz da campanha norte-americana “I WANT YOU FOR
U. S. ARMY” (eu quero você para o exército dos EUA).
Ao decorrer, aparecem cenas dos soldados sendo
transformados em bonecos, mostrando a falta de liberdade
e, além disso, mostrando que eles estavam ali para fazerem
a vontade dos EUA, lutando em uma guerra que não era
deles.

Relato de Experiência
O musical foi apresentado para duas turmas de
terceiro ano do ensino médio, da Escola Estadual de

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|254


Ensino Médio Manoel Ribas, Santa Maria – Rio Grande do
Sul/Brasil, sob a supervisão da professora regente, como
intervenção do PIBID do Centro Universitário Franciscano
– Subprojeto História. Devido a extensão do filme, foi
apresentado em dois dias para as turmas do terceiro ano,
sendo no primeiro dia apresentado na sala de audiovisual
da escola – sala ampla, com cadeiras acolchoadas onde os
alunos poderiam sentar mais confortavelmente, de modo a
se sentirem melhor assistindo o filme – onde o musical o
musical era projetado na parede à frente, em dimensões
razoavelmente grandes. Alguns poucos alunos não se
mostraram muito interessados no filme em partes, mas a
grande maioria pareceu muito interessada no filme. Todos
mantiveram silencio durante a apresentação do musical,
mesmo os alunos que não se mostraram interessados, sem
atrapalhar os colegas que se mostraram interessados no
filme. Alguns alunos vieram até os bolsistas e professoras
que estavam presentes, para perguntar o nome do filme,
comprovando o interesse pelo musical. No segundo dia o
filme foi apresentado na sala de artes, projetando o filme
em dimensões um pouco menores, mas de boa resolução,
em uma parede à frente dos alunos, que se portaram do
mesmo modo que o dia anterior.
O filme proporcionou um debate com os alunos
sobre os aspectos sociais, culturais, político e econômicos
da década de 60 nos Estados Unidos. Uso de drogas,
Guerra do Vietnã, questões de gênero e a contracultura
americana foram temas expressados no musical e
debatidos em sala de aula com o intuito de exercitar a
reflexão e a criticidade dos alunos, juntamente com o
ensino de história. Com toda a reflexão gerada,
foramconfeccionados trabalhos sobre o que mais chamou a
atenção dos alunos no filme, ligando muitas vezes à sua
realidade atual. A maioria dos trabalhos foram visuais, e
muito variados, cheio de elementos e cores, esbanjando
criatividade. Os alunos se mostraram dispostos e animados
com a proposta, resultando em trabalhos dedicados e
distintos.

Considerações finais
Na educação, precisamos buscar meios novos de
auxiliar na aprendizagem do aluno, ajudando-o a aprender
com mais facilidade, um recurso didático que desperte a
curiosidade do aluno em relação ao conteúdo sendo
estudado, incentivando-o a buscar informações e se inteirar
do assunto por vontade própria. A utilização de filmes em

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|255


sala de aula auxilia na aprendizagem dos educandos, além
dedesenvolver o exercício da memorização. Os filmes,
muitas vezes, abordam temáticas específicas relacionadas à
sociedade em que o educando desenvolve a atividade de
reflexão, expões suas dúvidas e opiniões, desenvolvendo o
senso crítico dos educandos.
Através dessa atividade podemos perceber que
amaioria das produções foram visuais e muito variadas,
cheias de elementos e cores, esbanjando criatividade. Os
alunos se mostraram dispostos e animados com a proposta,
resultando em trabalhos dedicados e distintos, o que, em
conversas posteriores, foi relatado se dever à liberdade
expressão que receberam, tanto no debate, quanto na
escolha da manifestação artística, e à “leveza” da
intervenção, interpretado pelo grupo como uma fuga ao
modelo tradicional de ensino
Desta forma, percebe-se o quanto a utilização de
recursos didáticos visuais, como filmes, melhora a
compreensão de um período histórico por dar forma e voz
à imaginação, facilitando a transposição no tempo
histórico. Prova disto, foi a compreensão da temática pelos
educandos, percebida nas atividades por eles realizada e
nas demonstrações feitas por eles a respeito da
metodologia utilizada.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|256


Relações Étnico-Raciais e Ações Afirmativas
Discussões sobre currículo
PorLuciane Dos Santos Avila¹

Resumo Abstract
O presente artigo tem como objetivo This article aims to discuss the ethnic-
discutir as relações étnico-raciais e as ações racial relations and affirmative action, with the
afirmativas, tendo como elemento norteador o guiding element curriculum. Starting from the
currículo. Partindo da compreensão que a understanding that formal education consisted
educação formal foi constituída por processos of unequal processes within a universal
desiguais dentro de uma perspectiva perspective of the subject, it is necessary
universalista de sujeito, é necessário historicizar historicizing different educational movements
diferentes movimentos educacionais e refletir and reflect how much space the ethnic-racial
qual o espaço das relações étnico-raciais no relations in the curriculum. Unequal access to
currículo. A desigualdade no acesso à educação education and their stay are noticeable
e a sua permanência são perceptíveis ao longo throughout the history of school education in
da história da educação escolarizada no Brasil, Brazil, affirmative action policies adopted by
as políticas de ações afirmativas adotadas pelas universities causes question : What knowledge
universidades provocam questionar: Quais are accepted and which are silenced in
saberes são acolhidos e quais são silenciados academic spaces? Higher education needs to
nos espaços acadêmicos? A educação superior discuss their teaching and learning practices, to
precisa problematizar suas práticas de ensino deconstruct normalizing conceptions of
aprendizagem, para desconstruir concepções curriculum and realize new possibilities.
normatizadoras de currículo e perceber novas
possibilidades.
Keywords:ethnic-racial, curriculum, affirmative action, higher
education.

Palavras-chave:relações étnico-raciais, currículo, ações afirmativas,


educação superior.

¹ Mestranda em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação PPGEDU da Universidade Federal do Rio Grande - FURG, bolsista Capes.
Licenciada em História pela Universidade Federal do Rio Grande - FURG (2014) e graduanda em Teatro Licenciatura pela Universidade Federal de
Pelotas- UFPEL. É membro do Grupo de pesquisa Núcleo de Estudos Afro- brasileiros e Indígenas atuando na linha de pesquisa Igualdade e Equidade
Étnico-racial. Atua como Coordenadora do Subprograma PAIETS (Programa de Auxílio ao Ingresso nos Ensinos Técnico e Superior) Indígena e
Quilombola. Também exerce atividades como voluntária no projeto de extensão Núcleo de Estudos Afro Brasileiro e Indígena- NEABI. Desenvolve
pesquisas que abarcam as relações étnico-raciais e ações afirmativas.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|257


Considerações Iniciais
Toda a sociedade possui um mito fundador, sendo
assim, de acordo com o Gênesis existia um paraíso, Adão e
Eva, seus habitantes, poderiam desfrutar de tudo, contanto
que não comessem o fruto proibido. Ao desafiar o poder
divino fizeram com que a humanidade padecesse por causa
de seu ato. Na Roma antiga, cristãos/as eram
perseguidos/as por professar sua fé, no medievo
difundiram sua religião e na modernidade expandiram a
mesma.
Conforme Couto (2012), dentro dos princípios da fé
católica, estavam os religiosos pertencentes à Companhia
de Jesus, que por sua vez objetivavam a salvação das
almas e faziam isto por meio da evangelização. Os
europeus justificavam a sua permanência em terras alheias,
afirmando que sua missão era conversão de almas.
Desde sua origem a educação formal, foi
representada com alguma expectativa de um “vir a ser”. As
populações indígenas seriam civilizadas se nelas fosse
inculcado os ideais cristãos, e para isso ocorreu um projeto
de conversão. Religiosos, principalmente, da Companhia
de Jesus ficaram responsáveis por essa “obra”, esses
homens, conforme Couto (2012) vindos em grande parcela
da Universidade de Sorbonne fundaram colégios, no
território nacional e em outras partes do mundo.
As metodologias educacionais adotadas pela
Companhia presumiam a incorporação de aspectos
culturais dos povos originários, para após assimilação a
cultura europeia. De acordo com Amantino (2011), os
jesuítas eram senhores de escravizados. O pecado original
sujeitou e sujeita alguns corpos à subserviência,
Para tanto, pautaram-se na justificativa
Téo(ideo)lógica que fundamentou a prática escravista das
populações africanas no século XV: a segunda passagem
bíblica (Gênesis, cap.9, vers, 18-28) de acordo com o qual
Noé amaldiçoou Canaã, que se tornaria “escravo dos
escravos” de Sem e Jafé, irmãos de seu pai, por causa do
desrespeito deste para com seu próprio pai, Noé (...) Com
base nesta passagem bíblica, o papa Nicolau V assina, em
8 de janeiro de 1455, a bula RomanusPontiflex,
autorizando os portugueses a invadir, capturar e sujeitar à
perpétua escravidão os sarracenos, pagãos e outros
inimigos de Cristo. (Fonseca, 2009, pp.30-1)

O conhecimento e a fé ocupam espaço basilar na


manutenção de privilégios. Quem eram as pessoas
legitimadas a converter as populações nativas? Quem
foram os sujeitos que afiançaram o genocídio e a
escravização de diferentes povos? Baseados em interesses

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|258


cristãos, homens europeus letrados formularam discursos
que hierarquizou variados grupos humanos. Essas práticas
incitaram ações excludentes, para com as populações
originárias e diaspóricas africanas.
De acordo com Couto (2012), foi contra a vontade
do fundador Inácio de Loyola que a Companhia se
envolveu com a educação. Somente com a pressão das
elites católicas portuguesas, italianas, espanholas e
francesas é que os jesuítas dedicaram-se ao ensino.
De acordo com Couto (2012), a estratégia de
educação era a mesma em diferentes regiões, como por
exemplo, em Nagasaki no Japão, na Colônia do
Sacramento e em outros locais do mundo, havia um
intérprete inicialmente encarregado de traduzir os ritos e
após os jesuítas aprenderam os idiomas nativos.
A chegada de Pedro Álvares Cabral, em abril de
1500, é parte da política estatal portuguesa, não o gesto
espontâneo de um homem, de um aventureiro ou de um
conquistador que por acaso chegou ao Brasil. O ato de
aportar as caravelas portuguesas na costa leste da hoje
denominada América do Sul já havia sido traçada antes
por Portugal, Espanha e o papado, a fim de dar base aos
acordos de expansão geopolítica e de conquista territorial
no ultramar, particularmente após a assinatura do Tratado
de Tordesilhas. (Fonseca, 2009, p.15)

O intuito dos religiosos era que os nativos se


habituassem aos costumes europeus, sobre isto Pe.
Nóbrega afirma,
A primeira: estes rapazes, depois que crescem,
voltam à mesma vida dos seus pais, que antes tinham, em
partes, onde não têm sujeição, nem há possibilidade na
terra para se lhes dar, como é esta capitania de S. Vicente;
e onde tem sujeição basta ensiná-los nas suas próprias
povoações, onde temos igrejas, como se faz; e assim em
nenhuma parte parece serem convenientes casas de
rapazes. Item estes rapazes, sobretudo os dos índios, não
são aceitos à gente portuguesa, que muito os queriam para
seus escravos, e se nós não os sustentamos, e olhamos por
eles assim no temporal, como no espiritual, perde-se a
obra; e fazermos nós isto é muita inquietação, e faz-se
injúria à santa pobreza, porque se requere buscar escravos,
e ter fazenda, a qual ainda que se gaste com eles, o nome
que tem é ser nossa. Estas razões e todas as mais, não me
concluem meu entendimento, porque ainda que muitos
rapazes voltam atrás, para seguir os costumes de seus pais,
onde não têm sujeição, ao menos isto se ganha: que não
voltam a comer carne humana, antes o estranham a seus
pais, e no entendimento saem capazes e alumiados para
poder receber a graça, e têm contrição dos seus pecados,
estando em perigo de morte, e sabem procurar melhor a
sua salvação, como a experiência tem mostrado em
alguns, que é ter grande caminho andado. (Leite, 1940, pp.
106-7)

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|259


A principal dificuldade da catequização nativa foi,
com a mesma facilidade que praticavam novos hábitos
europeus, quando voltavam às aldeias exerciam seus
costumes habituais. Na visão europeia tudo que não se
assemelhava a cultura católica e sua tradição era
caracterizada como inferior e muitas vezes pecaminoso.
Para a conversão dos nativos foi utilizado, a apropriação
de elementos da cultura nativa, como por exemplo, o
canto, e o tupi-guarani. Segundo Edgard Leite (2000, p.16)
a partir das gramáticas nativas, se construiu um idioma da
língua geral. O interesse era facilitar a comunicação, está
metodologia servia para que aos poucos os elementos da
cultura europeia fossem introduzidos no cotidiano e a
conversão ocorre-se. A catequização almejava pacificar as
almas dos gentis e assim torná-las subservientes a vontade
da coroa e da fé católica.

O ensino de gramática e retórica de forma


aprofundada era direcionado, para os filhos das elites, aos
indígenas era direcionada a educação rudimentar e
catequizadora. O ensino para este grupo previa a conversão
e o embranquecimento da cultura. Concomitante a está
prática exploravam a riqueza existente, como por exemplo,
os metais preciosos. Era técnica dos jesuítas
“compreenderem” a mentalidade do outro, neste caso, dos
povos originários para assim doutriná-los, este método
estava presente em todos os locais que a companhia esteve.
A colonização brasileira foi marcada pelo
escravismo, expropriação, violência, invasão e posse de
territórios. A identidade brasileira foi construída para a
corporeidade do homem branco, com modos e costumes
civilizados que entende que o Brasil é um país diverso,
mas se identifica e reproduz o ideal evangelizador e
colonizador europeu. Esse pequeno recorte histórico e
outros fatos que o precederam estão intrinsecamente
relacionados com a contemporaneidade
Atualmente, esse ideal prevalece. Claudia Ferreira
da Silva, mulher, negra, auxiliar de serviços gerais foi
baleada em uma operação da Polícia Militar no Rio de
Janeiro. Colocada no porta-malas aberto e após cair, seu
corpo foi arrastado pelas ruas, à justiça ainda não julgou os
responsáveis. Sua sina? A impunidade. Amarildo de
Souza, homem, negro, ajudante de pedreiro foi preso em
uma Unidade da Polícia Pacificadora para averiguação, até
o momento não foi encontrado. Os policiais envolvidos no
caso, foram acusados de tortura e ocultação de cadáver,
tiveram as prisões revogadas. O crime de Amarildo? Ser
negro, pobre e morador de favela.
O corpo fala como demonstrou Viviany Beleboni,
mulher transexual, atriz e espírita. Representou Jesus
Cristo crucificado na Parada Gay de São Paulo, de acordo
com Viviany a intenção foi protestar contra os frequentes

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|260


casos de violência contra pessoas LGBTs, queria a
reflexão, no entanto, foi acusada de blasfêmia. Outras
pessoas já representaram Cristo crucificado, poucas
causaram tanto alvoroço. O que me leva a vil conclusão: o
sujeito da fala é mais importante que seu conteúdo. Seu
pecado? Contestar a ordem vigente e fazê-lo com símbolos
do cristianismo.
No imaginário social brasileiro esses três casos
citados, acima, não correspondem ao ideal de sujeito
universal. As alegorias: homem cis, branco, com alto grau
de escolaridade e cristão ocupa espaço privilegiado nas
engrenagens da nação. Quem se aproxima desse ideal mais
direito a humanização terá, os/as que estão distantes de
preencher essas características serão subalternizados/as em
muitas instâncias.

Relações étnico-raciais e a educação formal


A desumanização é brutal e este cenário está
intrinsecamente relacionado à educação formal. É o saber
legitimado que continuamente pune as vítimas. A escola,
em certa medida, absorveu a missão de moldar pessoas, e
em grande parte a ela foi atribuída à alcunha de degrau
para o futuro. A educação superior, no Brasil Colonial
possuía status social, conforme Faria (2009), os filhos dos
Barões de café eram um grande exemplo desta época, ou
iam até metrópole e se formavam em medicina ou direito,
ou iam procurar qualificação no exterior, mas viviam do
tráfico negreiro.
Foi no século dos barões do café que,
vagarosamente, a escola se tornava motivo de orgulho.
Qualquer um que se formasse em faculdade, como as de
medicina e direito, únicas existentes no Brasil, passava a
ser “doutor”. Mas a profissão ficava restrita ao título. O
rapaz, sendo de família rica, em geral não exercia os
conhecimentos adquiridos. O prestígio estava relacionado
ao fato de que o próprio trabalho não era necessário para o
sustento, mas sim, o trabalho dos escravos. (FARIA, 2006,
p. 44)

No entanto,
(...), havia a sede de um imenso império que,
temendo perder seus domínios no ultramar, procurava
cooptar as elites coloniais para seu projecto de reformas e
modernização. Uma das estratégias para tal foi a criação
de estímulos e facilidades para que os filhos das famílias
mais abastadas fizessem seus estudos em Coimbra,
acreditando-se ser a educação poderoso elemento de
unificação ideológica. (CRUZ e PEREIRA, 2009, pg.
206). “Quase toda a elite possuía estudos superiores, o que
acontecia com pouca gente fora dela: a elite era uma ilha

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|261


de letrados num mar de analfabetos”. (CARVALHO,
1980, p. 51).

A desigualdade no acesso à educação e a sua


permanência são perceptíveis ao longo da história da
educação formal no Brasil. Como incentivar um discurso
de igualdade, baseado em uma sociedade hierarquizada
que sempre privilegiou a elite?
Em abril de 1889 um ano depois da chamada
assinatura da Lei Áurea, uma comissão formada por
libertos do Vale do Paraíba enviou uma carta a Rui
Barbosa. Reivindicava apoio do então jornalista para
denunciar que a legislação do fundo de emancipação de
1871- que previa recursos do governo imperial e
principalmente a responsabilidade dos proprietários de
escravos em relação aqueles que tenham nascidos livres e
beneficiados pela lei- pouco havia sido cumprida,
especialmente no caso da parcela de impostos a ser
destinada à “educação dos filhos dos libertos”. A carta da
comissão dos libertos terminava com um alerta: “Para
fugir do perigo que corremos pela falta de instrução,
vimos pedi-la [educação] para nossos filhos e para que
eles não ergam mão assassina para abater aqueles que
querem a República, que é a liberdade, igualdade e a
fraternidade”. (GOMES, 2005, p.10).

O decreto nº131 de 17 de fevereiro de 1854 aprovou


uma reforma no ensino primário e secundário no Brasil,
deliberando que aos escravizados não seria admitida
matrícula. Outra normativa que segregava negros da
educação foi o Decreto nº 7.031, 6 de setembro de 1878,
criaram cursos noturnos em escolas públicas urbanas e as
suburbanas eram limitadas a aprovação do Ministro e
Secretário de Estado dos Negócios do Império determinar,
ou seja, o estado instituía uma lei na qual o liberto maior
de 14 anos do sexo masculino poderia estudar no período
noturno, mas limitava que os estabelecimentos de ensino
aos espaços centrais, com isso os homens de comunidades
quilombolas, dentre outras, situadas em espaços que não
fosse urbanos, dificilmente acessaram esta política, além
de excluir as mulheres da possibilidade de estudar.
Para Fanon, “o problema da colonização comporta
assim não apenas a intersecção de condições objetivas e
históricas, mas também a atitude do homem diante dessas
condições” (2008, p.84). A tentativa de homogeneização
cultural, através do ensino, ocorre com os povos indígenas
desde a vinda da Companhia de Jesus para o Brasil,
passando pelo Serviço de Proteção ao Índio e a Fundação
Nacional do Índio todos estes utilizaram a educação
escolarizada para assimilar os nativos.
A sociedade brasileira ainda é, em muitas
expressões, sexista, racista, capacitista e a educação
escolarizada encontram-se nesse contexto. A educação
básica e superior necessita ser e estar em constante

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|262


reflexão, para acolher de forma efetiva as pessoas.
Enquanto a escola não rever seu papel de salvadora da
sociedade ou do ideal homogeneizador, não será capaz de
perceber suas contradições. “Certamente a escola não é
importantíssima por ser um passaporte ou chave para tudo;
ela é importantíssima porque somos sujeitos de direito e
temos direito ao conhecimento, ao saber, à formação, ao
trabalho, e isso é outra lógica” (ARROYO, 2003, p. 124).
Analisando o contexto no qual a escola participou
dos intentos de homogeneizar sujeitos e afiançou
conhecimentos que desumanizavam pessoas, é importante
compreender porque esses grupos reivindicam o direito a
educação formal. Nesse paradoxo é possível identificar
que a escola não é simbolizada, somente, como degrau
para o futuro, de pessoas que preenchem as demandas
impostas. Em um olhar sensível é presumível que a escola,
seja representada, como lugar de direito de dignidade.
Se arranharmos um pouco mais a cultura popular,
perceberemos que não é só, nem principalmente a lógica
do mercado que os leva a demandar a escola. É algo mais
profundo- é a lógica da dignidade que eles, a cada dia,
querem mais, para eles e para seus filhos. (...) O valor da
dignidade humana é muito forte na cultura popular,
sobretudo no cuidado dos filhos e filhas. (ARROYO,
2003, p.128)

No processo de colonização ocorreram muitas


estratégias de sobrevivência desde o enfrentamento as
políticas de assimilação a negociações com os não-
indígenas. Conforme Silva (1999) na década de 1970 o
movimento indígena ganhou força e marcou território
político participando do evento internacional Índio-
Americano do Cone Sul, como também as assembleias que
duraram até 1990 organizando suas próprias lutas. Essas
organizações de formas distintas reivindicaram o direito a
educação escolarizada.
“É importante evidenciar a articulação e
organização do Movimento Indígena a partir deste período
na defesa de seus direitos, já que foram diretamente
responsáveis por mobilizar grande parte das mudanças
ocorridas na legislação, especialmente a partir da
constituição federal de 1988”. (JODAS, 2012, p. 34). Em
1991 as atribuições educacionais passam a ser regradas
pelo Ministério da Educação, após foram construídas
diretrizes que regulavam o ensino do (a)s nativo (a)s.
Com a demanda do bilinguismo, se fez necessário
formar profissionais capacitado(a)s, que atendessem a
educação básica. Foi gerado um processo de reivindicação
de políticas de acesso ao ensino superior por estas
populações, como também a escassez de pessoas
especializadas em áreas distintas que prestassem
atendimento nas aldeias.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|263


Ao analisar a constituição das escolas e
universidades no Brasil perceberemos que ela não foi
projetada para todos e todas, era almejado que os sujeitos
que entravam naquele espaço iam modificando-se
conforme as práticas estabelecidas. E nessa produção
somos implicados/as a naturalizar imposições, como: na
universidade pública só entram ou deveriam entrar “os
melhores”, o ambiente educacional não é lugar “para certo
tipo de gente”, “essas pessoas não estão preparadas para
estar aqui”, “não somos nós que precisamos resolver
problemas sociais”. Reforçando, a compreensão, que não é
o currículo que precisa ser repensado, e sim o sujeito
excluído dos espaços de ensino ou moldado a partir do
mesmo.

Caminhos percorridos
A construção dessa pesquisa é motivada por
diversos espaços nos quais tive a oportunidade de debater
as relações étnico-raciais e as suas implicações na
educação formal. No ano de 2011 e 2012, enquanto
graduanda, fiz parte do projeto de extensão Comunidades
FURG, trabalhava com comunidades remanescentes
quilombolas, o programa foi responsável por entregar um
relatório para Pró-Reitoria de Graduação- FURG que
fundamentou a criação de vagas específicas para
estudantes quilombolas na Universidade Federal do Rio
Grande- FURG.
Parte dos membros que atuaram neste programa de
extensão, juntamente com outros/as discentes, formaram
um coletivo de estudantes negras e negros de luta contra o
racismo – o Macanudos. Entre as diversas atividades que
promoveu, destaco a criação de um curso pré-vestibular
popular totalmente gratuito para quilombolas que
almejassem acessar o ensino superior.
Como bolsista de Iniciação à Docência - PIBID,
subprojeto com ênfase em Cultura Afro-brasileira e
Africana, tive a oportunidade de aprofundar a temática no
contexto escolar. Também por exercer atividade como
voluntária no projeto de extensão Núcleo de Estudos Afro
Brasileiro e Indígena- NEABI FURG desenvolvendo
pesquisas interessadas na temática das relações étnico-
raciais e fazer parte das discussões da Comissão do
Programa de Ações Afirmativa (PROAAF).
Anterior a essa política, nessa instituição, havia o
Programa de Ações Inclusivas – PROAI. No ano de 2010,
o PROAI, de acordo com a resolução Nº 019/2009, do

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|264


CONSUN garantiu vagas especificas para estudantes de
comunidades indígenas, em distintos cursos de graduação.
O programa promovia três modalidades de ações
afirmativas, a primeira, previa que candidatos/as
autodeclarados/as negros/as e pardos/as que tivessem
cursado pelo menos dois anos do Ensino Fundamental em
escola pública e todo o Ensino Médio teriam acrescido 6%
de bonificação a cada prova do Exame Nacional do Ensino
Médio- ENEM.
Os/as candidatos/as com deficiência fariam jus à
mesma bonificação. Aos discentes que tivessem estudado
todo o Ensino Médio em escola pública e pelo menos dois
anos do Ensino Fundamental, teriam acrescidas 4% de
bonificação a cada prova do ENEM. Alterada pela
resolução nº 012/2010- CONSUN, Revogada 020/2013,
que cria o PROAAF.
Este programa tem por finalidade, reservar 5% do
total de vagas ofertadas na graduação da FURG para
candidatos/as com deficiência, que comprovem essa
condição. Atender a lei de cotas Lei nº 12.711/2012 e
ofertar 10 vagas para estudantes oriundos de comunidades
indígenas e 10 vagas para discentes oriundos de
comunidades quilombolas. Diversas universidades
trabalham no intuito de implementar algum tipo de ação
afirmativa em seus contextos, a FURG foi a primeira
universidade que promoveu o acesso de candidatos/as
quilombolas por meio de processo seletivo específico.
Nesse sentido, o Programa de Auxílio ao Ingresso
nos Ensinos Técnico e Superior – PAIETS (subprojeto)
Indígena e Quilombola- FURG, no qual me inseri no ano
de 2015, tem como finalidade auxiliar a permanência
desses sujeitos na educação superior. Esse e outros
espaços, que estive me motivaram a pensar nos processos
de homogeneização cultural que a educação formal pode
promover ao legitimar somente o conhecimento ocidental e
que o acesso de sujeitos das camadas populares ao ensino
superior, por si só, não garante uma mudança estrutural na
realidade dessas comunidades. Desta forma sem repensar e
radicalizar o currículo, é improvável que a lógica desigual
modifique-se.
Partindo da compreensão que ao longo da
constituição da educação superior no Brasil um número
ínfimo de pessoas oriundas dessas comunidades, até então,
havia acessado essa modalidade de ensino. A
democratização da educação formal tenciona uma questão
primordial: Quais saberes são acolhidos e quais são
silenciados nos espaços acadêmicos?
Conforme Munanga (2005) a legislação não é capaz
de eliminar atitudes preconceituosas provenientes de
sistemas culturais, mas a educação é capaz de desconstruir
mitos da cultura racista. Para Freire (1989) as oligarquias
brasileiras costumavam ver a educação como alavanca do

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|265


progresso, mas as elites liberais utilizavam-se da
“ignorância” das classes pobres para impedi-las de
participar dos processos políticos. A inserção no sistema
educacional não deve servir para um processo de absorção
das comunidades tradicionais, no qual, as pessoas que não
se adéquam a esse espaço são deslegitimadas, variadas
práticas pedagógicas são realizadas para moldar as pessoas
ao ambiente educacional.
A educação superior é um dos espaços que pode
promover questionamentos para transformação social, a
presença destes sujeitos nos espaços acadêmicos aprofunda
a reflexão sobre se a universidade pública é de fato
popular. “O movimento negro luta por espaços negados
nos padrões de poder, da justiça, de conhecimento e
cultura, assim como os movimentos indígenas, quilombola,
do campo (...)” (ARROYO, 2011, p.11).
O Brasil é o país com maior contingente
populacional negro, fora da África, pelo número de
africanos/as escravizados/as que pra cá vieram. Nesse
processo de migração forçada, essas pessoas não foram
coadjuvantes de suas próprias histórias. Dessa forma é
possível identificar os quilombos como uma das estratégias
de resistência ao processo escravista, como também que
essas ações sociais de africanos e africanas coexistiram
com a exploração colonial.
As políticas educacionais para diminuição da
desigualdade é uma histórica reivindicação do movimento
negro, conforme Carvalho (2003) o Jornal O Quilombo em
1948 colocava, enquanto não fosse gratuito ensino em
todos os graus deveriam existir bolsistas do Estado. Por
ocasião da Marcha para Zumbi dos Palmares em 1995, foi
entregue um documento para o então Presidente da
República reivindicando uma política de combate ao
racismo e a desigualdade racial. As ações afirmativas têm
por objetivo colocar em patamar de igualdade grupos que
estão em desigualdade social. Nascimento expõe que, “A
importância fundamental das políticas de ação afirmativa
está no fato de que são políticas de recomposição do
social, do econômico, do político e do cultural, pois
abalam estruturas constituídas e naturalizadas na
sociedade” (2003, p. 03).
Estas medidas possuem caráter transitório, devendo
existir somente enquanto houver discriminação do grupo
aos quais as políticas são direcionadas. “No entanto, as
cotas devem ser vistas não apenas como mecanismo de
distribuição de renda e de melhoria das condições sociais
de trabalho para a população negra nacional, sobretudo
porque elas não são garantia de tal conquista. Caso não
haja universalização de outras políticas sociais, as cotas
não atingirão seu objetivo” (FONSECA, 2009, p.111)
Percebendo que o campo do saber hegemônico,
molda o sujeito a pensar na lógica das relações harmônicas

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|266


realizadas pelo “homem universal”, o embate de visões é
necessário.
A pedagogia do antipreconceito é uma educação
que, além de sensibilizar as pessoas para as múltiplas
realidades e perspectivas, as instrumentaliza com uma
moldura crítica, ajudando-as a compreender as causas
históricas, econômicas, sociológicas e psicológicas que
albergam o preconceito em geral. Movimenta-se desde a
negação da atitude espectadora à prática do bom combate.
Está relacionada, sobretudo, à capacidade de
enfrentamento do preconceito e da discriminação e de luta
contra eles; no caso dos sujeitos vítimas, por lhes
possibilitar outra postura diante de atitudes que
explicitamente revelam a discriminação e o preconceito,
por compreenderem o que o silêncio produz; no caso dos
sujeitos que, por falta de conhecimento ou por
naturalização do privilégio. (SOARES, 2012, p. 104)

Considerações finais
O racismo naturalizado no currículo, através da
educação eurocêntrica tem sido cada vez mais contestado.
As populações negras e indígenas reivindicam que seus
saberes sejam reconhecidos e discutidos na educação
formal. A lei 10.639/2003 dispõe que a história e Cultura
Africana e afro-brasileira são temas obrigatórios no
currículo, a lei 11.645 estabelece que história e cultura
indígena e afro-brasileira sejam temáticas obrigatórias.
As políticas de ações afirmativas são realidade no
contexto nacional, as construções sociais e históricas
racistas fazem com que essas medidas sofram muitas
resistências. Um país no qual a pobreza é latente, como no
Brasil, e essa pobreza têm cor, em maioria da população
pobre é negra. Repensar o currículo para radicalizar a
naturalização das desigualdades sociais, raciais e de
gênero, e questionar as estruturas sociais impostas que em
grande parte estão aliadas as práticas neoliberais.
Essas problematizações não procuram identificar a
educação escolarizada como salvadora e única capaz de
modificar o imaginário escravagista presente na
contemporaneidade, mas como uma das instâncias
competentes para reivindicar direitos. As camadas
populares se mobilizam para acessar os espaços
acadêmicos e contestam a manutenção de privilégios que
os saberes produzidos nestes locais legitimavam.
Falas que defendem a meritocracia, mas se
esquecem das práticas desiguais da cultura brasileira que
interessam a uma determinada parcela da sociedade, estão
em território contestado. “Nesse sentido, a meritocracia é

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|267


uma tentativa de manter o domínio de um segmento ou de
um grupo social sobre outros. Por isso, o mérito no
contexto educacional deve ser analisado como instrumento
construído histórica e culturalmente na sociedade
brasileira, quando se impôs a escravidão e o analfabetismo
a milhões de negros por mais de três séculos” (FONSECA,
2009, p.115).
A escola, nesse contexto, funciona como
manutenção de privilégio, estar incluído ou apartado dessa
instituição e de seus saberes também molda esses sujeitos,
estando eles/elas inseridos/as ou não na escola. O sistema
educacional intervém na vida dos indivíduos, estando
eles/elas incluídos ou excluídos da escola. A forma de
dominação imposta pelos saberes gera várias formas de
conduta, o sujeito letrado participa de uma forma da
sociedade totalmente distinta do iletrado. Conforme Dávila
(...)a educação pública foi expandida e reformada
de modo que institucionalizasse desigualdades raciais e
sociais. Especificamente, sugere que o conceito de mérito
usado para distribuir ou restringir recompensas
educacionais foi fundado em uma gama de julgamentos
subjetivos em que se embutia em percepção da
inferioridade de alunos pobres e de cor” (2006, p.13)

Enquanto pessoas transgêneras, negros/as, indígenas


e deficientes representarem papel caricato esse imaginário
contribuirá para as exclusões vivenciadas por essas
populações. Dentro da escola se estabelece determinados
saberes. Esse conjunto de conhecimentos constitui
interesses de especificas práticas educacionais, implicadas
na lógica neoliberal. Nesse sentido, a representação não-
branca nas instituições escolares segue conceitos de
in/exclusão, para que continuem reproduzindo a realidade
dada.
Essa não é uma verdade absoluta, mas uma
construção instaurada de um fato. Existi um assentado do
local social, no mundo ocidental. As pessoas que detém o
saber letrado possuem certas assertivas instauradas em
nossa sociedade como únicas. A escola compõe sujeitos, e
quando o não-branco participa da educação formal,
também é pensado para ser acomodado. Essa instituição
quer indivíduos regrados, mas quando pensamos em
pessoas com deficiência, transgêneras, negros/as,
quilombolas e indígenas o saber homogêneo construído é
abalado, pois essa representação dentro do nosso processo
histórico foi escamoteada do saber formal.
É perceptível que o currículo ainda tem muitos
caminhos para trilhar, a fim de qualificar seus processos de
ensino aprendizagem. Compreendo que a educação formal
precisa subverter o nexo de padronização dos sujeitos, que
de maneira geral, não corresponderão à expectativa
imposta. A pedagogia como espaço de normatização,

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|268


também é local de produção de saber, a presença dessas
pessoas na educação formal desnaturaliza categorias
pedagógicas constituídas.

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Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|273


Repercussão do AI-5 na cidade de Caxias do Sul
Um estudo sobre os reflexos do decreto na terra da fé e do trabalho
PorAnay Camargo Rodrigues¹

Resumo Abstract
Partindo da sequência de manifestações From the political character events
de caráter político ocorridas no ano de 1968, no sequence that took place in 1968, in Brazil,
Brasil, que culminaram no decreto do Ato which culminated in the Institutional Act n° 5
Institucional n° 5, objetivamos nesse artigo decree, we aimed in this paper to investigate
investigar se o interesse das autoridades whether the interest of the municipal authorities
municipais em manter a ordem pública foi in maintaining public order was crucial to
determinante para a repercussão do AI-5 na rebound AI-5 in the city of Caxias do Sul.
cidade de Caxias do Sul. Para tanto, optamos Therefore, we decided to work from the
por trabalhar sob a ótica do tempo presente e da perspective of the present time and political
história política, utilizando como norteadores os history, using as guiding the power and speech
conceitos de poder e discurso. A partir da concepts. From the city official documents and
análise de documentos oficiais do município e periodicals of local circulation analysis we
de periódicos de circulação local constatamos found that the influence of both sources
que a influência de ambas as fontes contributed, but has not determined the impact
colaboraram, porém não determinou a of AI-5 in the city.
repercussão do AI-5 na cidade.

Palavras-chave:Ato Institucional n° 5, Regime Militar, Política, Keywords:Institutional Act No. 5, military regime, Politics, Press.
Imprensa.

1
Universidade de Caxias do Sul.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|274


Introdução
Nada do que diz respeito à história contemporânea
me deixa indiferente ou me é estranho.
René Rémond
O ano de 1968 foi caracterizado por expressivas
manifestações e revoltas por todo o mundo. De modo
espontâneo e simultâneo, em diversos países, eventos
políticos e culturais marcaram mudanças de
comportamento, movimentos estudantis nunca antes vistos
ganharam as ruas e se confrontaramcom autoritarismo e
opressão. A nação brasileira que há quatro anos havia
sofrido um golpe militar que afastou do governo o então
presidente João Goulart33, adentrava o ano de 1968
marcando presença nas ruas do país, mostrando
insatisfação com a presença ativa dos Estados Unidos na
política ditatorial brasileira. A ditadura militar no Brasil
apresentou elementos característicos do conceito de
ditaduras contemporâneas tais como a ampla utilização da
força pelo Estado contra sua própria sociedade, o
cerceamento de direitos políticos e individuais, além do
fortalecimento do Poder Executivo em detrimento dos
outros Poderes.34
A partir do contexto apresentado vimos a
necessidade de investigar quais foram os reflexos do Ato
Institucional n°5 na cidade de Caxias do Sul, bem como
apurar se houveram manifestações contrárias ou favoráveis
dos moradores, tendo o momento de turbulência pelo qual
o mundo passava como referência. Diante de tais
necessidades, definimos como nosso objetivo investigar se
o interesse das autoridades municipais em manter a ordem
pública foi determinante para a repercussão do AI-5 na
cidade de Caxias do Sul.
No intuito de responder ao problema proposto
optamos por trabalhar a partir da abordagem teórica da
história do tempo presente elegendo como referenciais
teóricos os historiadores Eric Hobsbawn e Marieta de
Moraes Ferreira. Fez-se necessário também tomar como
base teórica a história política a partir da perspectiva de
RenéRémond. Os conceitos de poder e de discurso, de
acordo com a concepção de Michel Foucault, nortearam
este trabalho.
A importância de tal estudo se dá, essencialmente,
pela ausência de produção historiográfica voltada à história
política do município e até mesmo da região nordeste do

33
A junta militar assumiu o poder em 01 de abril de 1964.
34
Sobre ditadura, ver dicionário de Conceitos Históricos, 2005, p.101.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|275


Estado do Rio Grande do Sul. Caxias do Sul35 que, na
década de 1950, tinha sua indústria em plena ascensão,
exercendo forte influência na economia estadual,
evidentemente sentiu os reflexos do regime militar em sua
totalidade. Restaurar a memória política do município é
imperativo, pois corrobora com a construção de uma nova
consciência sobre a trajetória política caxiense, hoje
fortemente impregnada do rótulo da terra da fé e do
trabalho36.

O passado contemporâneo
Concomitante à produção desse artigo uma série de
eventos políticos, desde meados de 2014, vem se
desdobrando no país. A campanha das eleições
presidenciais trouxe à tona comportamentos muito
distintos, evidenciando posicionamentos extremos,
caracterizados pela bipolaridade esquerda-direita,37
incluindo discursos de ódio, intolerância, racismo e
xenofobia. Após a vitória da candidata à reeleição, Dilma
Roussef, parte da população saiu às ruas pedindo o
impeachment da presidente e clamando por um novo golpe
militar. As exortações, por parte da população, pelo
impedimento da presidente da República e por intervenção
militar ressoam nos meios de comunicação.

Manifestação popular pedindo impeachment da presidente Dilma e


intervenção militar em Belo Horizonte na Praça da Liberdade. Foto:

35
Caxias do Sul, RS, Brasil é um município com população de 435.564 habitantes, conforme dados do IBGE/2015. No ano de 1960 a população era
de 102.333 habitantes.
36
A frase “Caxias do Sul, da fé e do trabalho” é exibida tanto no site da prefeitura do município quanto na publicidade das pla cas de obras públicas,
em alusão à imigração italiana.
37
Entendemos que um posicionamento político, partidário e ideológico de direita é marcado por ideais que favorecem as classes dominantes, sem
espaço para mudanças no sistema de poder tradicional, já o posicionamento de esquerda busca um processo de reforma social ou revolução
socialista, onde o Estado passa a ter mais influência sobre a sociedade, defendendo os benefícios das classes desfavorecidas e carentes.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|276


UarlenValerio/ O Tempo 15-03-2015. Disponível em:
http://www.otempo.com.br/capa/pol%C3%ADtica/oposi%C3%A7%C3%A3o-comemora-
ades%C3%A3o-%C3%A0s-manifesta%C3%A7%C3%B5es-contra-governo-dilma-1.1009355
Acesso em 25/10/15.

O Regime Militar foi o período em que os militares


assumiram o comando do Brasil no período de 1964 a
1985. Esse ciclo foi marcado por decretos de Atos
Institucionais, sendo o Ato Institucional n° 5, nosso objeto
de estudo, o mais duro de todos os 17 AI. Na prática, os
Atos legalizavam a censura, a perseguição política e a
supressão dos direitos constitucionais, e toda pessoa que se
posicionasse contrária ao novo regime seria punida. De
acordo com o historiador Bóris Fausto,
o movimento de 31 de março de 1964 tinha sido
lançado aparentemente para livrar o país da corrupção e
do comunismo e para restaurar a democracia, mas o novo
regime começou a mudar as instituições do país através de
decretos, chamados de Atos Institucionais (AI). Eles eram
justificados como decorrência “do exercício do Poder
Constituinte, inerente a todas as revoluções. (2013, p.397)

Completando, no ano de 2015, 51 anos do golpe


militar que depôs o presidente João Goulart, uma parcela
da sociedade pede o retorno de um regime autoritário e
repressor, que foi o ápice da censura, do conservadorismo
e da violência como forma de dominação. Apesar de ser
um trabalho que se utiliza de relativa visão retrospectiva38,
o estudo da história política de Caxias do Sul é um estudo
do tempo presente, que na visão de Ferreira é a perspectiva
que explora as relações entre memória e história, ao
romper com uma visão determinista que elimina a
liberdade dos homens, coloca em evidência a construção
dos atores de sua própria identidade e reequaciona as
relações entre passado e presente, reconhecendo que o
passado é construído segundo as necessidades do presente
e chamando a atenção para os usos políticos do passado.
(2000, p. 8)
Dito de forma sucinta, o passado e o presente se
mesclam. E no intuito de suprir a carência de estudos que
contemplem a história política do município de Caxias do
Sul voltamos o olhar sobre a população caxiense no final
da década de 1960, examinado a documentação oficial
produzida por lideranças políticas através das Atas das
Sessões da Câmara de Vereadores do município, optando
por analisar um número relativamente pequeno de
documentos devido ao curto período de que dispomos para
a realização dessa pesquisa, mas que mesmo assim,
possibilita olhares sobre o contexto e instiga novas
abordagens.

38
Conforme a ÉcolledesAnnales, é a possibilidade de trabalhar com processos históricos cujo desfecho já se conhece.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|277


Partindo da leitura da Ata n° 1235 de 16/12/1968,
redigida três dias após o decreto do Ato Institucional n° 5,
o presidente da Câmara, Jacintho Maria de Godoy faz
declaração de apoio ao Ato:

[...] A seguir, disse que o país fôraabalado pela


edição do Ato Institucional n° 5. Diante dêle, devia
definir-se. E leu a seguinte declaração para constar, na
íntegra, desta Ata: “Distanciados dos altos escalões, onde
se operam os grandes entrechoques, não só de opiniões
como, também, de atividades políticas, não podemos,
dest’arte, contar com elementos que nos autorizem a –
com perfeito conhecimento de causa, - julgar, tanto da
necessidade como da oportunidade da instituição dêsse
instrumento de govêrno. Admitindo, no entanto, que tenha
havido razões bastantes para a instalação da medida e que
o govêrno da mesma só lançára mão com absoluta justiça
e na consolidação dos objetivos da Revolução de março,
êste Vereador, - como todo cidadão que estremece sua
Pátria, - não poderia deixar de apoiar as medidas que,
calcadas no Ato Institucional n° 5, - visem a segurança, a
paz, a tranqüilidade e o progresso do povo brasileiro”.
(ATA n° 1235,1968, fl. 2)

O vereador Godoy, à época com 64 anos, era natural


da cidade de Mariana, Minas Gerais, foi presidente do
Partido Libertador (PL) e da ARENA e, mesmo sendo
farmacêutico de formação (profissão que lhe deu respaldo
para a fundação de duas importantes empresas do
segmento em Caxias: a BASA Indústria Farmacêutica e o
Laboratório de Análises Clínicas Fleming, ambos
tradicionais na cidade) aposentou-se como General de
Brigada do Exército Brasileiro e elegeu a cidade de Caxias
do Sul para viver na política. Outras declarações são feitas
na mesma Ata, que demonstram apoio ao governo militar e
concordância com o decreto do AI-5. O vereador Mário
Rosa congratulou-se com

o Presidente da República por haver baixado o


Ato Institucional n° 5, diante do que aquêles que
difamavam a ARENA agora nem aqui se encontravam.
Com o nôvo Ato, a Revolução chegara em Caxias (grifo
nosso), onde havia homens como o vereador Godoy e o
senhor IdorlyZatti que poderiam assumir a Prefeitura.
Desejava felicidades ao Presidente da República e estava
de acôrdo com que fôsse Caxias considerada cidade de
interêsse da segurança nacional. (ATA n° 1235, 1968, fl.
6)

Chamamos atenção no nosso grifo para a expressão


do vereador “a Revolução chegara em Caxias”, pois

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|278


partindo da contextualização do ano de 1968, apresentada
no início desse trabalho, a revolução ocorria em sentido
oposto ao regime militar. Portanto, optamos por utilizar
neste trabalho o conceito de revolução à luz de Florestan
Fernandes (1981, p.3), que se refere ao golpe de 1964
como uma contrarrevolução, já que, para Fernandes, tratar
um golpe de Estado como uma revolução é a pretensão de
“querer acobertar o que ocorreu de fato, o uso da violência
militar para impedir a continuidade da revolução
democrática”. Para o autor, a vinculação do golpe à
palavra revolução nada mais é que a tentativa de confundir
as pessoas sobre o que é uma revolução, pois “fica mais
difícil para o dominado entender o que está acontecendo e
mais fácil defender os abusos e as violações cometidas
pelos donos do poder.”
O assassinato do estudante Edson Luís de Lima
Souto, 16 anos, no dia 28 de março de 1968, cometido de
forma arbitrária pela Polícia Militar foi o estopim de uma
avalanche de protestos e greves aderida por todas as
organizações estudantis e contando com total apoio da
classe artística nacional. A morte de Edson Luís marca um
período de violência crescente que se espalha por todo o
país e em muitas capitais ocorreram enfrentamentos com
dezenas de feridos. As manifestações se reproduziram ao
longo do ano, até que no dia 13 de dezembro de 1968 os
militares baixaram o Ato Institucional n.5, o AI-5,
autorizando o governo a inúmeros desmandos ditatoriais39.
A crescente onda de protestos que se formou a partir de
março foi, certamente, contrária ao regime, sendo
totalmente arbitrário afirmar, como fez o vereador Godoy,
que a revolução partia do governo militar.
Mais manifestações favoráveis ao governo foram
identificadas na mesma Ata. Nascido a bordo do navio
DuccaDegliAmbrosi, em novembro de 1926 o naturalizado
brasileiro vereador Enrico Emilio Mondin, disse que

ante o Ato Institucional n° 5, sua posição era a de sempre.


Dava-lhe total apôio, como tôdas as medidas que visassem
recolocar êste país no caminho certo. Jamais o Brasil tivera
homens como agora, sinceramente empenhados em endireitá-lo, de
que eram prova os govêrnos Castello Branco e Costa e Silva.
Estaria sempre ao lado dos que governariam o país em virtude da
Revolução e era preciso mão forte para fazer do Brasil um grande
país. (ATA n° 1235, 1968, fl. 6)

Nota-se que a ideia de revolução, mantendo a


situação no poder, se repete. O vereador Mondin, que
também era graduado em contabilidade, na ocasião era

39
Entre as medidas ditatoriais autorizadas pelo AI-5 está o recesso do Congresso Nacional sem apreciação judicial, a intervenção nos estados e
municípios, a cassação de mandatos parlamentares, a suspensão por dez anos dos direitos políticos de qualquer cidadão, o confisco dos bens
considerados “ilícitos” e a suspensão da garantia do habeas corpus, que, em outras palavras, permitia a tortura e o abuso contra os presos.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|279


filiado ao PP, mas também fez parte das siglas PRP,
ARENA, PDS e PPB, fatores que vão de encontro ao
nosso entendimento de revolução. Ainda na mesma Ata, o
vereador caxiense Frederico Segalla se pronuncia,
declarando “seu apoio ao Govêrno Federal pela edição do
Ato Institucional n° 5” (Ata n° 1235, 1968, fl.6). Segalla,
que à época do AI-5 tinha 57 anos e era técnico projetista e
construtor licenciado de formação, pertencia à ARENA,
partido do regime militar.
A análise das Atas das Sessões da Câmara de
Vereadores da cidade de Caxias do Sul, que são fontes
documentais oficiais, se deu de forma qualitativa com o
objetivo de identificar interesse das autoridades municipais
em manter a ordem entre a população caxiense, tendo
como pressuposto teórico a história política, pois
compartilhamos da premissa de Rémond (1996) que
questiona quais são os fatores que alavancam os
posicionamentos políticos do ser humano, o que leva o
homem a adotar determinados comportamentos,
ideologias, e engajamentos na esfera política. O historiador
presume que a defesa dos próprios interesses e, talvez,
convicções, estimulem as posturas políticas. Podemos
identificar, na documentação pesquisada, os diferentes
posicionamentos políticos que coexistiam na Câmara de
Vereadores de Caxias do Sul. Na Ata da 25ª Sessão
Ordinária de 02 de junho de 1969, adotando uma postura
arrojada, o vereador José Régis Prestes declara:
Há dias atrás, havia tecido considerações sôbre
aposentadoria do Ministro do Tribunal de Contas do
Estado, que lá entrara praticamente aposentado. Vinham
preocupando-nos as injustiças praticadas pelos donos de
um pseudo-poder revolucionário[...] Em abril de 1964
havia irrompido um movimento chamado de revolução
que tomou medidas drásticas com relação a determinadas
pessoas. Em 1966, nomeavam um ministro para o tribunal
de Contas do Estado e duas horas depois o aposentavam.
Renovaram a tal revolução, continuaram cassações e
outras punições. Agora era nomeado para o Tribunal de
Contas o senhor Emanuel da Costa e Silva, irmão do
Presidente da República [...] não era a hora do mesmo ser
nomeado, pois se amanhã viessem a trocar o atual
Presidente da República, o senhor Emanuel da Costa e
Silva teria, talvez, de sair daquêle cargo como corrupto
por haver, praticamente, em virtude de sua idade e tempo
de serviço, se aposentado como Ministro do Tribunal de
Contas.[...] Assim, a situação que se criava dentro do
regime que, diziam, era o da decência, fazia com que
homens que apoiavam êste regime, parassem e ouvissem a
voz da consciência que lhes permitia começarem a ver
algumas das barbaridades dêste regime. Aqui, apesar de
pequena, ainda existia a oposição, o que, infelizmente, não
ocorria nos outros Estados do Brasil. Se a imprensa fôsse

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|280


livre, será que não teríamos conhecimento de outras
barbaridades como esta? Antes de sermos políticos,
devíamos ser homens e brasileiros e apontar o que vinha
ocorrendo. [...] já que a imprensa não podia fazê-lo, o que
era o govêrnode hoje no país. (ATA n° 1248, 1969, fl. 3-
4)

Prestes era formado em direito, gaúcho de Cambará


do Sul. Vereador jovem, em 1968 tinha 28 anos. O
parlamentar ocupou cadeira na Câmara de Vereadores de
Caxias do Sul por três mandatos consecutivos, de 1969 a
1983. Reforçando sua trajetória de lutas em defesa da
redemocratização, a fala do vereador Prestes demonstra
que não há unanimidade na casa, ou seja, os discursos
diferem. Chamo atenção, neste ponto, para o conceito de
discurso que, na concepção de Michel Foucault requer uma
trama epistêmica densa dos discursos históricos, o que
caracteriza formas de pensar diferentes, mas que, apesar de
diferentes, apresentam coerência e pertinência política. De
acordo com Foucault,
para que os diferentes sujeitos falem, possam
ocupar posições taticamente opostas [...] em posição de
adversários [...] era justamente preciso que houvesse esse
campo muito denso, essa rede muito densa que
regulamentasse o saber histórico. Quanto mais
regularmente formado é o saber, mais é possível, para os
sujeitos que nele falam, distribuir-se segundo linhas
rigorosas de afrontamento, e mais é possível fazer esses
discursos, assim afrontados, funcionarem como discursos
táticos diferentes em estratégias globais (em que não se
trata simplesmente de discurso e de verdade, mas
igualmente de poder, de status, de interesses econômicos).
(2002, p.250)

Recorremos a Foucault ainda na definição de poder.


O autor busca nas raízes do feudalismo a constituição da
relação de força entre os adversários, ou seja, a
constituição do poder. Foucault opõe o selvagem e o
bárbaro argumentando que o selvagem tem seu
comportamento típico na selvageria, mas que ao contato
com a civilização estabelece relações sociais civilizadas,
ao passo que o bárbaro só é bárbaro em comparação à
civilização e é justamente nela que mostra sua barbárie. O
poder assume formas diferentes nos dois tipos descritos
por Foucault. Para ele, a diferença entre o bárbaro e o
selvagem reside na relação destes com a sociedade.
Enquanto o selvagem é o sujeito da troca, do escambo, o
bárbaro é o sujeito da dominação. Como coloca Foucault,
o bárbaro, diferentemente do selvagem, se
apodera, se apropria; pratica não a ocupação primitiva do
solo, mas a rapina. [...] sua relação de propriedade é

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|281


sempre secundária: sempre se apodera de uma propriedade
prévia; da mesma forma, sempre põe os outros a seu
serviço. [...] Sua liberdade, também ela, só repousa na
liberdade perdida dos outros. E na relação que mantém
com o poder, o bárbaro, diferente do selvagem, jamais
cede a sua liberdade. O selvagem é aquele que tem entre
suas mãos [...] liberdade, que ele acaba cedendo para
garantir sua vida, [...]. O bárbaro, por sua vez, nunca cede
sua liberdade, E, quando se atribui um poder, quando se
atribui um rei, quando elege um chefe, ele o faz não, em
absoluto, para diminuir sua própria parte de direitos, mas,
ao contrário, para multiplicar sua força. [...] É como
multiplicador de sua própria força individual que o
bárbaro instala um poder. [...] o modelo de governo, para
o bárbaro, é um governo necessariamente militar, que não
repousa em absoluto nesses contratos de cessão civil que
caracterizam o selvagem. O bárbaro [...] é o homem da
história, é o homem da pilhagem e do incêndio, é o
homem da dominação. (2002, p.233-235)

As renovações na história política incluíram o


suporte dos periódicos, que, como ressalta Luca (2005,
p.52) “os estudos da história política não poderiam
dispensar a imprensa, que cotidianamente registra cada
lance dos embates na arena do poder”. O papel
desempenhado pelos jornais em regimes autoritários, como
a ditadura militar brasileira, seja na condição favorável ao
governo ou na forma de contestação e resistência, tem no
seu discurso as preocupações do historiador do tempo
presente.

Política, poder e discurso nos periódicos


Não só de documentos oficiais vive a História
Política, pois como coloca Eliseo Verón “não se analisa
jamais um texto: analisa-se pelo menos dois, quer se trate
de um segundo texto escolhido explicitamente para a
comparação, quer se trate de um texto implícito, virtual,
introduzido pelo analista, muitas vezes, sem que ele o
saiba.” (apud Barros, 2005, p. 134). É frequente o uso da
imprensa como fonte complementar ou como meio
fundamental de análise das ideias e projetos políticos, da
questão social, da influência do Estado e da censura.
Segundo Luca (2005), “historicizar a fonte requer ter em
conta as condições técnicas de produção vigentes e a
averiguação, dentre tudo que se dispunha, do que foi
escolhido e por que”, ou seja, atentar para as funções

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|282


sociais desses periódicos. Os jornais são produto do seu
tempo e, por isso, devem ser cuidadosamente analisados de
acordo com o contexto em que foram escritos.
Recorremos à leitura atenta dos periódicos que
circularam na cidade de Caxias do Sul entre dezembro de
1968 e janeiro de 1969. São eles: O Assessôr, Caxias
Magazine, Correio Riograndense e Pioneiro. O primeiro
deles foi um informativo mensal, voltado ao empresariado
caxiense, que apresentava matérias sobre a indústria
nacional, além de indicadores econômicos, imposto de
renda e outras informações de interesse dos homens de
negócios da cidade. Já o semanário Caxias Magazine tinha
sua edição voltada à alta sociedade caxiense. A elite local
tinha à disposição uma revista semanal que noticiava os
eventos ocorridos nos clubes tradicionais de Caxias do Sul,
contava com notas sobre ilustres cidadãos e muita
publicidade. Nenhum dos dois periódicos fez menção ao
Ato Institucional n° 5. No periódico semanal Correio
Riograndense identificamos posicionamentos políticos
bem definidos. Com um título expressivo - A Revolução
de Março não pode parar! O presidente da República Mal.
Costa e Silva, baixou o Ato Institucional n° 5 e decretou o
recesso do Congresso Nacional – na pequena nota do
exemplar do dia 21 de dezembro de 1968 (p.6), o jornalista
Pimentinha reproduz a fala do Ministro do Exército Gal.
Lira Tavares que declara que as Forças Armadas pediram a
cassação do deputado Márcio Moreira Alves e afirma que
“a democracia brasileira está armada com o instrumento
legal necessário para evitar e punir o emprêgo de processos
que incitem o povo contra a instituição militar e assegurar
a defesa da democracia”. O jornalista encerra a nota com
tal conclusão: “Ora, se o Congresso não é capaz de
compreender isto, então é o fim.[...]. Está na cara!”. No
comentário final do autor da nota é possível perceber seu
claro posicionamento favorável ao recesso imposto ao
Congresso.
O Correio Riograndense, que foi fundado em 1903 e
dirigido pela Congregação dos Padres Capuchinhos,
circula em todo o Rio Grande do Sul, ininterruptamente,
desde a sua fundação. Nas décadas de 1960 e 1970, seu
conteúdo era voltado para as questões econômicas e,
principalmente, religiosas e gozava de grande credibilidade
entre seus leitores. Não é precipitado deduzir que um
periódico desse porte seja formador de opinião e influencie
o entendimento de leigos em questões políticas.
No exemplar de 25/12/68 (p. 8) verificamos mais
expressões de apoio ao regime. Na manchete “Revolução
de 64 continuará: No combate à subversão, ao comunismo
e à corrupção”, além de identificarmos fortes semelhanças
com as manifestações contrárias à reeleição da presidente
Dilma Roussef e subsequente mandato (mencionados no
início desse artigo), percebemos também o discurso que

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|283


forja uma postura imaculada dos governantes do país, que
varreram os maus elementos da política nacional. Por
considerarmos o conteúdo da matéria impregnado de
discurso ideológico e partidário, optamos por reproduzir
aqui os principais trechos:
O Ato Institucional n° 5, baixado pelo Presidente
da República no passado dia 13 do corrente, reafirma de
maneira categórica, a decisão do Govêrno Revolucionário
de reativar a Revolução de Março. Esta foi feita para
mudar a mentalidade da política partidária. Para limpar o
país da subversão e da corrupção [...]. Tudo inútil. Ora,
como a Revolução é IRREVERSÍVEL, o Govêrno viu- se
na contingência extrema de aplicar o nôvo Ato
Institucional. E pra valer.

Segue a descrição completa do AI, e no final da


matéria:
Evidentemente o remédio é amargo. Mas para
salvar o doente não se deve recear de receitar e aplicar
remédios amargos. Ninguém fique a temer o Ato
Institucional, ora em vigor. Quem não deve não precisa
temer. Quem não faz não paga. Continuemos todos a
trabalhar tranqüilamente. Trabalho. Produção. Ordem.
Dignidade. Patriotismo. Ajudemos a salvar o Brasil.
(CORREIO RIOGRANDENSE, 1968)

Da mesma forma, o jornal Pioneiro, com sede em


Caxias do Sul, que teve seu primeiro exemplar em
circulação no ano de 1948 e ocupa atualmente a posição de
maior destaque de toda a serra gaúcha, circulando
diariamente em 64 municípios, também declarou sua
reverência ao regime militar, como pudemos constatar na
edição do dia 21 de dezembro de 1968, uma semana após o
decreto do AI-5. O periódico também se refere ao golpe
militar como “revolução” e logo nas primeiras páginas
exibe a matéria “Deflagrada a Nova Fase da Revolução”.
Além do AI-5, o texto tece elogios às medidas econômicas
anunciadas pelo governo. Conforme se lê no jornal,
com a emissão do Ato Institucional nr. 5 e, logo
em seguida, do ato Complementar que determinou o
recesso do Congresso Nacional por tempo indeterminado,
o Govêrno deflagrou a nova fase da Revolução de 31 de
março de 1964. (PIONEIRO, 1968)

A matéria apontava para a medida do ministro da


Fazenda, Delfim Neto, que extinguia mais de 5 mil cargos
da pasta, entre outras providências. A edição traz ainda, na
seção reservada a charges e anedotas a seguinte piada:

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|284


O bom humor brasileiro está sempre disposto a
fazer trocadilhos e a mudar máximas estabelecidas há
séculos. A última, é essa: “Em Congresso fechado não
entra mosca”. (PIONEIRO, 1968).

O posicionamento de ambos os jornais são claros


em relação ao AI-5 e ao regime militar. Ao apoiar a
ditadura instaurada no país, Correio Riograndense e
Pioneiro diferem dos também consultados periódicos
Assessôr e Caxias Magazine - que assumem uma postura
alheia aos acontecimentos – pois declaram sua satisfação
com as medidas adotadas pelo governo. O fato de esses
jornais não se manifestarem em relação à política não quer
dizer que os responsáveis pelas produções realmente não
tivessem interesse pela política nacional, mas pode ser
interpretado justamente como resultado das intervenções
do governo.
Ao tentar interpretar o discurso, ou melhor dito, a
ausência de um discurso político nos periódicos de
circulação local, buscamos referências na obra da
historiadora social Beatriz Kushnir, Cães de Guarda –
Jornalistas e Censores, do AI-5 à constituição de 1988,
que volta sua pesquisa para a censura sofrida pelos
veículos de comunicação no país, especialmente o grupo
Folha e o jornal Folha da Tarde 40, e a existência de
jornalistas que foram censores federais e que também
foram policiais enquanto exerciam a função de jornalistas
nas redações. É de grande importância compreender como
a censura resultante do AI-5 controlou os meios de
comunicação, em especial, os jornais, e como essa censura
atuou nos jornais caxienses. E aqui é muito fácil perceber
que ser favorável ao governo era cômodo e seguro. Luca
(2005, p.53) ressalta que “os estudos da história política
não poderiam dispensar a imprensa, que cotidianamente
registra cada lance dos embates na arena do poder”. O
papel desempenhado pelos jornais em regimes autoritários,
como a ditadura militar, seja na condição favorável ao
governo ou na forma de contestação e resistência, tem no
seu discurso as preocupações do historiador
contemporâneo.

Considerações finais
A partir das pesquisas desenvolvidas para a
produção deste artigo, passamos a tratar o golpe de Estado
no Brasil como sendo uma ação civil-militar, pois se

40
O grupo Folha da Manhã que publicava o jornal Folha da Tarde hoje publica o jornal Folha de São Paulo.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|285


tornou perceptível o apoio da Câmara de Vereadores e dos
jornais regionais ao regime, a exemplo do restante do país
em que diversos autores denunciam a articulação entre os
meios de comunicação, as elites e os militares. Entre os
pesquisadores que se debruçam sobre o tema, Fico (2013,
p.469) afirma que o golpe foi civil-militar porque os civis
deram o golpe também: “A natureza do evento golpe de
Estado de 1964 é dada pela participação de sujeitos
históricos, alguns militares e alguns civis: [...] Carlos
Lacerda, Magalhães Pinto, governo dos Estados Unidos,
enfim, uma série de agentes civis.”
O golpe civil-militar no Brasil ocorreu no dia 1° de
abril de 1964 e governou com mão de ferro por 21 anos.
Durante a atuação do regime, o país viveu diferentes fases
da repressão e todas merecem um olhar histórico profundo
e que requer tempo e dedicação integral. A realização
desse trabalho se deu num período relativamente curto, o
que acabou por restringir a escolha do material a ser
pesquisado. Quando da construção do projeto de pesquisa,
propomos a análise de fontes orais, que enriquecem a
história do tempo presente, porém, ao longo da produção
do artigo, nos deparamos com a corrida contra o tempo, e
nos vimos obrigados a trabalhar com os relatos num outro
momento, não por achar de menor importância para a
pesquisa, mas justamente pela complexidade e importância
que tal aspecto configura para o estudo da história política
de Caxias do Sul, escolhemos não negligenciar, tampouco
desenvolver de forma insatisfatória temas tão centrais, já
que, na visão de Hobsbawn (1998),
a despeito de todos os problemas estruturais da
história do tempo presente, é necessário fazê-la. Não há
escolha. É necessário realizar as pesquisas com os
mesmos cuidados, com os mesmos critérios que para os
outros tempos, ainda que seja para salvar do
esquecimento, e talvez da destruição, as fontes que serão
indispensáveis aos historiadores do terceiro milênio.
(p.123)

A partir das Atas das Sessões da Câmara de


Vereadores identificamos posicionamentos muito claros de
alguns membros da casa e concluímos que os vereadores
legislaram de acordo com suas convicções políticas e
ideológicas, o que, inevitavelmente, refletiu na população
caxiense. Nossas inferências são embasadas por Rémond
(1996), que alerta para o poder da política na vida das
pessoas e que a política tem um papel que vai além da
simples transposição da realidade, influindo no curso da
história, modificando a realidade e mudando a condição
humana.
Da mesma forma, o estudo dos periódicos de
circulação local evidencia a parcialidade do jornal de

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|286


maior influência, não só na cidade, mas em toda a região
da serra gaúcha. É visível que o Correio Riograndense
assumiu seu apoio ao regime militar, não só pelo teor dos
artigos apresentados, mas pelo discurso que reforça o
mantra positivista da ordem e do progresso e que tenta
“arrebanhar” 41 seus leitores na ideia de trabalho,
produção, ordem, dignidade e patriotismo. Queremos
salientar, nesse ponto, que o fato de não identificarmos
manifestações de natureza política nos outros periódicos
pesquisados não caracteriza posturas neutras ou contrárias
à ditadura, mas pode justamente indicar, com já referido
nesse artigo, a censura atuando nessa esfera, cerceando a
liberdade da imprensa que é uma poderosa ferramenta para
a manutenção de comportamentos e, pode ter servido como
manobra política.
Nossos apontamentos convergem para a influência
de setores do município nos posicionamentos políticos da
população, mas ressaltamos que existe um grande número
de fontes a ser explorado e muito pode ser produzido,
especialmente pelo fato de não haver produção
historiográfica sobre o município de Caxias do Sul, já que
os estudos basicamente se voltam para as questões da
imigração italiana e da Colônia Caxias. Ao final desse
trabalho reconhecemos que investigar se o interesse das
autoridades municipais em manter a ordem pública foi
determinante para a repercussão do AI-5 na cidade de
Caxias do Sul restringe enormemente a problematização
sobre as posturas políticas e ideológicas da população. O
interesse das autoridades municipais em manter a ordem
pública certamente colaborou, mas definitivamente não foi
determinante para a repercussão do AI-5 no município e
prova disso é a postura assumida pela imprensa local. Há
muitos elementos a ser considerados, contextualizados,
interpretados, que não tivemos a possibilidade de abordar
nesse trabalho, mas que merecem atenção e estão à espera
de historização.
Podemos afirmar que apenas instigamos a uma
tomada de consciência sobre a história política caxiense,
mas reconhecemos que há muitas possibilidades a serem
refletidas no que diz respeito à trajetória política da cidade
de Caxias do Sul e que necessitam ser apresentadas, não só
à sociedade caxiense, mas de toda a serra gaúcha, pois
urge o conhecimento, o debate e a discussão. Padrós (et
al.) bem lembra que é difícil uma tomada de consciência e
um posicionamento sem o conhecimento, levando um
grupo à inércia política e destaca:
Sendo a memória coletiva uma construção social
e um fator de identidade de uma comunidade, então, como
viver com esquecimento impostos? Como lembrar ou

41
A expressão se refere à junção de um rebanho, que, em Rocha (2001, p. 520), designa um grupo de pessoas sem vontade própria, sem
capacidade de reação.

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esquecer o que não se permite conhecer? Como conviver
diante do apagamento (desmemória)? Para uma dada
coletividade, quais os prejuízos implícitos nesse acesso ao
(des)conhecido passado bloqueado? (PADRÓS et al,
2009, p.27, 28)

Por fim, ressaltamos que a terra da fé e do trabalho


tem, sim, um caminho político já galgado. Dito de outra
forma, o próprio tema da história política da cidade
inserida no contexto nacional carece ser mais bem
estudado e refletido sob os diversos ângulos possibilitados
pelas ciências humanas e que no ensino de história
possibilitarão atividades de pesquisa, até mesmo em sala
de aula, utilizando fontes como as aqui apresentadas,
contribuindo dessa forma, para outras abordagens da
história do tempo presente e local.

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Mídias cinemáticas no ensino de História
A perspectiva discente sobre este recurso pedagógico
PorLuiz Paulo da Silva Soares¹

Resumo Abstract
O presente trabalho é fruto de uma This work is the result of a survey of
pesquisa realizada com estudantes do Ensino high school students of the State School
Médio da Escola Estadual José Mariano de Mariano José de Freitas Beck - CIEP located in
Freitas Beck – CIEP localizada no bairro São São João neighborhood of Rio Grande in Rio
João da cidade do Rio Grande no Estado do Rio Grande do Sul / Brazil. The same has as main
Grande do Sul/Brasil. O mesmo tem como objective, which determine the position of the
objetivo precípuo, apurar qual a posição dos students in the use of cinematic media in the
discentes frente à utilização das mídias Teaching of History. It is known that the use of
cinemáticas no Ensino de História. Sabe-se que, this media in history teaching provides students
a utilização dessa mídia no ensino de História with a greater understanding of the historical
propicia aos educandos uma compreensão content. Thus, the use of this tool as a
maior dos conteúdos históricos. Desta forma, a complement to the teaching can enhance
utilização dessa ferramenta como um lessons and stimulate critical thinking of
complemento do ensino pode aperfeiçoar as students. Therefore, the objective is to weave a
aulas e estimular o senso crítico dos educandos. reflection on the information provided by the
Diante disso, objetiva-se tecer uma reflexão students on the use of cinematic media in
sobre as informações prestadas pelos estudantes teaching history.
sobre a utilização das mídias cinemáticas no
ensino de História. Keywords:History teaching, Cinematic Media, didactic tool.

Palavras-chave:Ensino de História, Mídia Cinemática, Ferramenta


didática.

1
Licenciado em História, Mestrando em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação - PPGEDU - FURG. Bolsista CAPES.

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Considerações Iniciais
Vivemos hoje uma explosão tecnológica, com Wikipedia,
Google, Facebook, Twitter e tantas outras iniciativas que
nos permitem acessar conhecimentos e socializá-los pelo
planeta afora de uma maneira inimaginável em outras
eras. A educação tradicional, sentada em cima deste
vulcão de transformações, começa a sentir um calor
crescente. Por enquanto, apenas acomoda-se o melhor
possível. Mas as transformações terão de ser sistêmicas.
(DOWBOR, 2011, p. 04).

O presente trabalho de pesquisa tem por objetivo


analisar a forma como os estudantes do Ensino Médio da
Escola Estadual José Mariano de Freitas Beck – CIEP
veem as mídias cinemáticas no ensino de História e as
relações que os mesmos estabelecem com os materiais
audiovisuais.
Pra isso, alguns questionamentos foram
fundamentais para realizar o desenvolvimento desta
pesquisa, tais como: A mídia cinemática enquanto
ferramenta didática pode aproximar os conteúdos
históricos à realidade do aluno, sendo assim, qual a
perspectiva discente em relação à utilização deste material
como apoio pedagógico? O que a mídia cinemática pode
acrescentar na formação discente enquanto cidadãos? De
que forma esta mídia pode auxiliar na compreensão dos
conteúdos históricos? Cabe destacar que não possuo
intento de finalizar a discussão neste artigo respondendo a
tais questionamentos, visto que, este tema é uma fonte
inesgotável de pesquisa e que precisa ser explorada ao
máximo para que possamos traçar estratégias de utilização
deste material audiovisual lúdico que possibilite na
interação efetiva entre discentes e docentes.
Sobre a utilização desse recurso aplicado ao ensino,
Moran (2002, p.1), afirma que tanto a televisão, quanto os
filmes e vídeos, “desempenham, indiretamente, um papel
educacional relevante. Passam-nos continuamente
informações, interpretadas; mostram-nos modelos de
comportamento, ensinam-nos linguagens coloquiais e
multimídia e privilegiam alguns valores em detrimento de
outros.”. Assim, utilizar o cinema como proposta de ensino
propicia diversos benefícios aos discentes, como por
exemplo, a aproximação do conteúdo curricular
obrigatório à realidade do aluno, uma vez que os
educandos da nova geração nasceram em meio à difusão
dessas mídias. E a mídia cinemática, por ser uma
ferramenta lúdica audiovisual, pode contribuir para uma
visão ampla de determinado fato.
Soares (2015, p.3) assevera que as mídias
cinemáticas estão presentes cada vez mais na vida das

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pessoas. E que este recurso com o passar do tempo foi
aperfeiçoado, ampliando a propagação em massa de filmes
para a sociedade, devido ao avanço tecnológico e ao
barateamento dessas mercadorias.
Para realizar o desenvolvimento deste, foram
utilizadas como instrumento de investigação questionários
estruturados. Segundo Manuela Hill e Andrew Hill (2002),
este tipo de instrumento investigativo tem por objetivo
proporcionar ao pesquisador determinado conhecimento
acerca do tema de pesquisa. Assim, a escolha por este tipo
de investigação pautada em questionários centra-se no fato
da possibilidade investigativa de quantificar os dados
coletados com maior eficácia, através da rigorosidade da
análise dos materiais, por meio de diferentes métodos de
quantificação.
Seguindo esta ideia, Hoz (1985) afirma que a
investigação por questionários “(…) é um instrumento para
recolha de dados constituído por um conjunto mais ou
menos amplo de perguntas e questões que se consideram
relevantes de acordo com as características e dimensão do
que se deseja observar.”. Nesta perspectiva, Gil (1999),
corrobora com este pensamento ao expor que através das
pesquisas por questionários, pode-se obter um
conhecimento específico, seja de opinião, de crenças,
expectativas, ideias, interesses, sentimentos e etc.
Retomando as ideias do autor, o mesmo assevera
ainda que, este método de investigação possui algumas
especificidades que,
a) possibilita atingir grande número de pessoas,
mesmo que estejam dispersas numa área geográfica muito
extensa, já que o questionário pode ser enviado pelo
correio; b) implica menores gastos com pessoal, posto que
o questionário não exige o treinamento dos pesquisadores;
c) garante o anonimato das respostas;
d) permite que as pessoas o respondam no
momento em que julgarem mais conveniente;
e) não expõe os pesquisadores à influência das
opiniões e do aspecto pessoal do entrevistado. (GIL, 1999,
p. 128-129).

Para realizar a análise dos questionários utilizou-se


como aporte metodológico as perspectivas teóricas da
análise de conteúdo proposta por Bardin (2012). Segundo
este autor, consiste em um “conjunto de instrumentos
metodológicos que asseguram a objetividade,
sistematização e influência aplicadas aos discursos
diversos.” (Bardin, 1977, p 42). Ainda, segundo Bardin, a
análise de conteúdo configura-se em
(...) um conjunto de técnicas (...) procedimentos
sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das
mensagens, obter indicadores quantitativos ou não, que
permitem a inferência de conhecimentos relativos às

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condições de produção/ recepção (variáveis inferidas) das
mensagens. (Bardinapud TRIVINOS: 1987, p. 160).

Assim, a estruturação do questionário e análise dos


dados ocorreu da seguinte maneira: vinte e quatro (24)
perguntas, das quais dezoito (18) eram objetivas e sete (6)
dissertativas. Todos os questionamentos estavam ligados
ao tema desta pesquisa, no caso, a mídia cinemática como
fonte para o ensino de história sob a ótica dos estudantes
do primeiro, segundo e terceiro ano do Ensino Médio da
Escola CIEP da cidade de Rio Grande/RS. Com a
utilização deste questionário, pretendi obter dados que me
proporcionassem analisar a perspectiva estudantil de uma
dada etapa de ensino sobre a utilização das mídias
cinemáticas no ensino de História.

A Mídia Cinemática e o Ensino de História


Nas duas últimas décadas, vem ocorrendo uma
renovação metodológica no Ensino de História, em
detrimento do ensino dito tradicional, e que por sua vez,
acarreta no desinteresse dos discentes. Este desinteresse
dos alunos fez com que muitos pesquisadores
problematizassem sobre o Ensino de História e suas
abordagens. Diversas pesquisas abarcam propostas de
utilização de novas possibilidades de linguagens e
materiais a serem incorporadas no ensino de História para
trabalhar em sala de aula. E as mídias cinemáticas são um
dos materiais que podem auxiliar o professor na sala de
aula
É inquestionável que a utilização das mídias
cinemáticas no ensino contribui para a aprendizagem e
proporciona aos docentes e discentes um estudo da
História mais significativo (TIMBOITA et al, 2011). Nesse
sentido, este trabalho ganha status e torna-se válido por
analisar a percepção dos atores sociais – discentes – que
veem esta mídia em sala de aula.
Os filmes quando empregados em sala de aula, sem
dúvida alguma, são grandes recursos para tornar as aulas
mais prazerosas, principalmente às aulas de História, que
possui a fama de ser chata e enfadonha. Através dessa
mídia, é possível perceber a manifestação de diferentes
tipos de pensamentos, atitudes, emoções, ideologias etc.
Sendo muitas vezes apenas uma representação cultural

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|294


presente em diversas sociedades, podendo ser expressa de
inúmeras maneiras. Então, o objeto de estudo da História
são “os processos históricos relativos às ações e às relações
humanas praticadas no tempo, bem como a respectiva
significação atribuída pelos sujeitos, tendo ou não
consciência dessas ações” (PARANÁ, 2008, p. 46).
Um fator de suma importância, e que deve ser
observado e trabalhado pelo professor é a emoção, a
linguagem, os sentidos da narrativa cinematográfica, os
símbolos e significados, os valores que estão expressos
nessas mídias. O filme escolhido deve fazer com que os
educandos se emocionem de alguma forma. As emoções
fazem com que os discentes deem um sentido ao que estão
assistindo. Após a exibição do filme, o professor deve
fazer o papel de mediador, coordenando as discussões que
poderão se desdobrar com a temática.
Vale lembrar o argumento de Ferro, (2010, p.33)
quanto à análise de filmes. Para ele, devemos “analisar no
filme tanto a narrativa quanto o cenário, a escritura, as
relações do filme com aquilo que não é filme: o autor, a
produção, o público, a crítica, o regime de governo.” Ao
mesmo tempo que, Ferro sugere aspectos a serem
analisados nas películas, Carmo propõe que a utilização da
mídia cinemática como recurso didático, pode despertar no
aluno o interesse “pelo conhecimento, pela pesquisa, pelo
modo mais vivo e interessante que o ensino tradicional,
apoiado em aulas expositivas e seminários.” (CARMO,
2003, s/p).
É imprescindível que após assistir o filme em sala
de aula, os educandos realizem uma análise crítica do
mesmo. Seja de forma oral, ou por escrito, onde os
mesmos possam expressar as suas opiniões a respeito do
que foi visto relacionando com o conteúdo ou com a
realidade de cada um, ou outra atividade relacionada com
o que foi visto na película.
A utilização das mídias cinemáticas em sala de aula
aproxima o conteúdo á realidade do aluno, e também deixa
a aula prazerosa, fazendo com que os mesmos participem
com mais entusiasmo. A narrativa contida na mídia
cinematográfica engloba ideias, fatos e apresenta causas e
consequências, tendo por proposta para o ensino de
História uma nova perspectiva. A perspectiva de conceber
o conhecimento através dos processos históricos de forma
lúdica e crítica, abandonando o sistema arcaico de ensino,
com metodologias ultrapassadas. Por isso recomenda-se ao
professor utilizar as tecnologias a seu favor. Os filmes, por
exemplo, podem ser trabalhados em sala de aula de forma
interdisciplinar, por exemplo, em um projeto de ensino
e/ou estudo. Cabe ao mesmo potencializar a utilização
dessa ferramenta em um modelo que possibilite o ensino-

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aprendizagem mútuo, de maneira a alcançar a todos os
presentes na sala de aula.
Conforme Duarte (2002:17), “ver filmes é uma
prática social tão importante, do ponto de vista da
formação cultural e educacional das pessoas, quanto à
leitura de obras literárias, filosóficas, sociológicas e tantas
mais”. Ou Seja, as mídias cinemáticas quando trabalhadas
em sala de aula, requerem uma metodologia especializada.
Devido á isso, cabe ao docente escolher como irá
apresentar aos educandos a película. Se o mesmo optar por
apresentar o filme por inteiro, ou irá selecionar apenas
alguns fragmentos que podem auxiliar na elucidação do
tema abordado e uma ampliação das discussões.
Muitas vezes, quando o professor diz á classe que
irá passar um filme, muitos alunos afirmam que não vai ter
aula, é apenas assistir um filme. Nesse momento todos os
alunos ficam ouriçados por que aula propriamente dita não
teria. Antes de qualquer coisa, o professor deve mencionar
que não é um passatempo, e que o filme a ser assistido faz
parte do ensino–aprendizagem dos mesmos. Além disso,
deverão fazer um trabalho relacionando com o conteúdo,
ou algo do tipo. Dependendo do viés norteador que o
docente irá dar para a utilização deste material em sala de
aula.

A pesquisa e os participantes
É preciso inicialmente diagnosticar que esta
pesquisa possui um caráter quantitativo e também
qualitativo, ao expor a percepção sobre as mídias
cinemáticas através da ótica dos estudantes do ensino
médio da Escola CIEP localizada na cidade do Rio
Grande. A pesquisa contou com a elaboração de um
questionário estruturado com vinte e quatro (24) questões,
das quais dezoito (18) eram objetivas e outras dissertativas.
O material elaborado foi entregue aos estudantes durante o
período que estavam na escola.
Sobre os estudantes, foi constatado através da
análise do instrumento utilizado para realizar a coleta de
dados, que a faixa etária dos mesmos centra-se entre 15 e
19 anos. É de suma importância, deixar claro que nenhum
dos participantes foi obrigado a preencher o questionário.
Todos os discentes foram convidados a participar da
pesquisa com o objetivo de traçar um panorama entre a
mídia cinemática e a relação desta com os estudantes.
Cabe frisar que alguns dos questionamentos serviram de
base apenas para que o pesquisador pudesse compreender
o modo como os estudantes da Escola CIEP estão
relacionados com o contexto fílmico.

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Os estudantes da Escola CIEP em sua maioria
residem no entorno do colégio. Bairro este localizado na
periferia da cidade de Rio Grande/RS. Os discentes foram
questionados sobre o que eles sentem ao assistir um filme
de cunho histórico. Em linhas gerais, pode-se destacar a
emoção que os filmes transmitem e a relação deste com o
conteúdo e também com a realidade dos mesmos. A
resposta desse questionamento vai de encontro ao que foi
abordado no decorrer deste artigo. A emoção que as mídias
cinemáticas transferem para o público não deixa de ser
uma forma de endereçamento, como bem ponderou
Ellsworth sobre as narrativas cinematográficas. Para ela, o
filme só funcionará para um público em especial por meio
da relação particular entre o expectador e a história e o
sistema de imagem do filme. (p. 14).
É necessário frisar ainda que, de acordo com a
autora, o modo de endereçamento é um fator de educação.
E que a relação entre filme e espectador poderia ocorrer da
mesma forma com o estudante e o currículo, em que a
incompreensão se sobressai em relação à compreensão.
Dito isso, a autora tece que, “(...) a leitura que um
estudante faz de um filme, sua leitura de um currículo
passa, constante e inevitavelmente, pela coisa
incontrolável do desejo, do medo, do prazer, do poder, da
ansiedade, da fantasia e do impensável.” (ELLSWORTH,
2001, p. 60). Elizabeth complementa ainda que os textos
educacionais utilizados pelos professores não são
endereçados ao público escolar, pois não suscitam desejos,
excetuando “uma compreensão neutra, benigna, geral e
genérica.” (p. 62). Por isso, que a utilização de materiais
distinto no ensino proporciona e estimula o estudo da
disciplina.
Ao serem indagados sobre a utilização da mídia
cinemática (longas e curtas metragens) pelos professores
em sala de aula, os estudantes colocaram e sua maioria que
estes materiais são interessantes, devido à riqueza de
detalhes trazida nas películas. Com base nas informações
prestadas pelos estudantes, pode-se inferir que a riqueza de
detalhes contida nas mídias cinemáticas e que foram
apontadas pelos discentes tem relação principalmente com
o enredo presente nas películas, seguido pela construção
dos cenários (23%) onde são gravadas as cenas fílmicas e
em terceiro lugar os diálogos (16%) entre os personagens
da mídia cinemática.
Gráfico 1 – Riqueza de detalhes apontados pelos
discentes que chamam mais atenção ao assistir a mídia
cinemática proposta pelo professor.

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Detalhes mais observados na
Mídia Cinemática

Cenários
9%
9% 23% Diálogos
Efeitos
Enredo
39% 16% Fotografia
Música
4%

Gráfico elaborado pelo autor

Mas enfim, qual a perspectiva discente em relação à


utilização deste material como apoio pedagógico nas aulas
de História? As respostas são diversas para este
questionamento, e através das ideias colocadas no papel
pelos discentes, podemos inferir que um dos motivos para
que os mesmos acreditem que a mídia cinemática é uma
ferramenta didática para ensinar os conteúdos históricos
centram-se no fato de que esta mídia fílmica é uma
alternativa interessante, do ponto de vista ilustrativo e
qualitativo, pois explicitam visualmente uma riqueza de
detalhes que através de uma aula meramente expositiva
não aconteceria, possibilitando na compreensão de um
todo através de uma fatia do que o filme expõe. Segundo
os estudantes, estas mídias geram muitas discussões em
sala de aula, que por sua vez, são extremamente
significativas por promover a reflexão acerca da história.
Sendo um estímulo para a aprendizagem da turma.
Os discentes foram questionados sobre qual gênero
fílmico o professor mais utiliza em sala de aula. A análise
das respostas é absolutamente clara. Independe do gênero
fílmico escolhido para trabalhar em sala de aula, como é o
caso de um drama, uma adaptação de livro, uma ficção
científica, essas mídias além de reforçar, facilitam e podem
contribuir para a formação crítica e o aprendizado dos
educandos e os professores de História sabem da
importância dessa ferramenta no processo de ensino-
aprendizagem. Segundo Oliveira, Almeida e Fonseca
(2012, p. 31), “vários historiadores e estudiosos da
Educação pensam e produzem conhecimento a respeito das
possibilidades das relações entre cinema e história”.
O gráfico abaixo explicita perfeitamente as opiniões
prestadas pelos pesquisados (as).

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Gráfico 2 – Quais os gêneros fílmicos mais
utilizados pelos professores de História em sala de aula.

Gênero Fílmico utilizado pelo


professor
Suspense Animação
Ficção
2% Terror 2%
científica
2%
2%
Qualquer
filme de
Documentári acordo com
o o conteúdo
24% 49%

Adaptação
de Livro
7% Romance
Histórico
5% Aventura Drama
Histórica Histórico
2% 5%

Gráfico elaborado pelo autor

Analisando atentamente o gráfico acima, percebe-se


que quase metade dos pesquisados informaram que
independe o gênero da mídia cinematográfica. Em
contrapartida, 24% dos estudantes percebem que os
documentários são utilizados com uma frequência maior
devido à veracidade do que está sendo veiculado no
material audiovisual. Enquanto, 27% foram precisos ao
ponderarem que são utilizados filmes como drama,
aventura ou romance histórico, adaptação de livros, ficção
científica, suspense e terror.
Esses resultados significam que, independente do
gênero da mídia cinemática a ser trabalhada com os
estudantes é passível de ser trabalhada em sala de aula. No
entanto, sugerimos fazer uma ressalva, pois entendemos
que não adianta o professor levar para a escola um filme
seja uma aventura, uma animação, um documentário, ou
até mesmo um vídeo do YouTube, sem que os mesmos
sejam previamente planejados. Considerando ainda a
hipótese da visualização deste material por parte dos
discentes como apenas “matação” de aula. Diante disso,
Matos assevera que,
(...) o professor ao se dispor a utilizar o cinema
como recurso didático, não deve pensar que ele por si
mesmo é capaz de estabelecer um processo de ensino-
aprendizagem, pois, não o é. O professor é a peça chave
em todo esse planejamento, pois é ele quem deve

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estabelecer quais são os objetivos para a utilização desse
recurso. (MATOS, 2012, p. 32-33).

Um dos questionamentos que os estudantes


responderam foi sobre o que as mídias cinemáticas
poderiam acrescentar na formação deles enquanto cidadão?
Tenho consciência de que este questionamento foi
direcionado para aqueles que de alguma forma pensam que
as mídias cinemáticas são de alguma forma, uma
ferramenta que possibilita múltiplas aprendizagens
dependendo do público que o vê. Nesse sentido, um dos
pontos mais abordados pelos estudantes está no fato de que
os mesmos percebem que estas mídias veiculam
conhecimento, cultura, modos de ver e refletir sobre
aspectos da sociedade que estão em voga, o que acaba
proporcionando debates entre amigos sobre o conteúdo
abarcado pelo filme, visto que, cada um possui um modo
de ver e sentir o que está sendo transmitindo através dos
signos presentes na película.
Na sequência, os estudantes responderam sobre o
grau de dificuldade em compreender a película utilizada
pelo professor para trabalhar os conteúdos históricos. O
gráfico abaixo explicita bem o grau de dificuldade
apontado pelos estudantes quando o professor resolve
utilizar a mídia cinemática no contexto escolar.

Gráfico 3 – Nível de dificuldade de absorção dos


conteúdos históricos quando trabalhados pelo professor
com a mídia cinemática.
Compreensão da Película

25

20
Nenhuma Dificuldade
15
Pouca Dificuldade
10 Muita Dificuldade

0
Nível de dificuldade

Gráfico elaborado pelo autor

No gráfico acima, é possível perceber que 39,53%


dos estudantes pesquisados, não possuem nenhum tipo de
dificuldade em compreender os conteúdos através das
películas. No entanto, 58,14% dos pesquisados possuem

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dificuldade média para absorver os conteúdos através da
mídia cinemática, o que pressupõe que o professor pode
não estar alcançando a todos na turma com o trabalho que
vem desenvolvendo. Apenas 2,33% possuem muita
dificuldade em conseguir relacionar o que está sendo
veiculado no filme com o conteúdo. Através deste gráfico
podemos traçar um panorama da dificuldade que os
estudantes possuem em conseguir estabelecer uma relação
dialógica entre filme e conteúdo abarcado em sala de aula.
Mas isso depende de muitos fatores, dos quais neste
momento não vem ao caso explorá-los.
Seguindo as análises e tentando responder os
questionamentos que norteiam esta pesquisa, como por
exemplo, de que forma esta mídia pode auxiliar na
compreensão dos conteúdos históricos? Podemos afirmar
através dos questionários e também do arcabouço
documental que fornece subsídios teóricos para
fundamentar tal problemática, que o auxílio prestado pelas
mídias cinemáticas pode promover a análise crítica por
parte dos educandos sobre o conteúdo. Claro que isso
ocorre se exibidos a película for bem explorada pelos
professores, podendo interferir nos pensamentos e/ou
julgamentos por parte dos discentes em relação ao material
assistido, podendo ou não conceber conexões com o
presente. Sugere-se ao professor auxiliar nesse
desenvolvimento, fazer links entre passado e presente, para
que os discentes tenham uma compreensão mais
aproximada dos fatos e que lhes permitam fazer conexões.
Segundo os PCNs:
Rádio, livros, enciclopédias, jornais, revistas,
televisão, cinema, vídeo e computadores também
difundem personagens, fatos, datas, cenários e costumes
que instigam meninos e meninas a pensarem sobre
diferentes contextos e vivências humanas. Nos Jogos
Olímpicos, no centenário do cinema, nos cinqüenta anos
da bomba de Hiroshima, nos quinhentos anos da chegada
dos europeus à América, nos cem anos de República e da
abolição da escravidão, os meios de comunicação
reconstituíram com gravuras, textos, comentários,
fotografias e filmes, glórias, vitórias, invenções, conflitos
que marcaram tais acontecimentos. (BRASIL, 1998, p.
38).

Os Parâmetros Curriculares Nacionais propõem em


seu documento que o papel do professor é fazer com que
os discentes do Ensino Fundamental sejam capazes de:
 Compreender a cidadania como
participação social e política
 Refletir e criticar a sociedade em que o
mesmo está inserido;
 Conhecer características fundamentais
do Brasil em todas as dimensões;

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|301


 Localizar, conhecer, entender e valorizar
o conhecimento histórico, a diversidade do patrimônio
sociocultural brasileiro seja ele qual for;
 Perceber que o mesmo é integrante,
dependente e agente transformador do ambiente, ajudando
na preservação do meio-ambiente;
 Utilizar diferentes maneiras para se
expressar, em contextos públicos e/ou privados;
 Procurar utilizar diferentes fontes de
históricas de informação e recursos tecnológicos versando
assim construir e adquirir conhecimentos;
 Possuir autonomia, questionando a
realidade e formulando sejam eles individuais ou
coletivos. (BRASIL,1998, p. 43 – Adaptado)

Diante do que foi exposto acima, fica claro que


qualquer material pode e dever ser utilizado em sala de
aula visando, aprimorar o ensino-aprendizagem.
Entretanto, o professor deve ter em mente o que esses
materiais podem repercutir em sala de aula. Luis Fernando
Cerri em seu livro intitulado – “Ensino de História e
consciência histórica: Implicações didáticas de uma
discussão contemporânea”, explica que o ensino de
História tem como implicação “o gerenciamento dos
objetivos curriculares e das concepções de tempo e de
História que os alunos já trazem consigo desde fora da
escola”. Seguindo esse ponto de vista, o promover uma
aproximação do conteúdo teórico da História com a
realidade fílmica, pode ajudar nessa relação teoria versus
cotidiano tecendo assim, um ambiente de reflexão. Ainda
de acordo com o autor,
(...) a história, a disciplina científica, baseia-se na
noção de historicidade e a oferece como um elemento do
pensamento cotidiano, ou seja, todas as coisas resultam de
um processo histórico e continuam na história. Isso
significa que o que é histórico não é absoluto, deriva de
uma série de fatores, foi diferente no passado e pode
mudar novamente. Isso coloca em perspectiva a ação dos
sujeitos individuais e coletivos (...). (CERRI, 2011, p. 64).

Cerri (2011, p. 65), também complementa que “no


ensino de história, o mais importante não é estudar os
conteúdos em si, mas o método, a forma de pensar,
produzir e criticar o saber sobre os seres humanos no
tempo”, por isso, a busca pela valorização do ensino de
História é algo constante na vida deste profissional. O
embasamento teórico dos professores é extremamente
relevante para que os alunos tenham instrumentos para
evoluir em todas as etapas do ensino. Nessa direção é
preciso refletir sobre alguns aspectos e materiais que são
utilizados como ferramenta de instrução no âmbito escolar.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|302


Considerações finais
Não há como negar que as mídias cinemáticas estão
presentes em nosso cotidiano. O suporte tecnológico que é
a sétima arte, acaba por instigar cada indivíduo que o
assiste, despertando os nossos sentidos e ampliando nossos
horizontes. Miranda nos diz que
O cinema (...) coloca as coisas do mundo numa
sequência de imagens e numa arquitetura de lugares que
não servem apenas para a compreensão da história que
está sendo narrada. Esse arranjo fílmico é um arranjo
didático, em que o espectador, ao concentrar-se na
história, aprende a olhar para o mundo, criando com as
imagens uma visão de mundo, uma visão do mundo, das
coisas do mundo e do que é importante para cada uma das
coisas, ou seja, formas de valoração do mundo.
(MIRANDA, 2000, p. 3).

Portanto, fica claro que é valiosíssima a utilização


das mídias cinemáticas em sala de aula. Uma vez que, as
mesmas além de proporcionar aos discentes uma interação
audiovisual, envolve diversos mecanismos na produção de
um filme – cenários, personagens, enredo, trilha sonora,
imagens em movimento, todos esses meandros acabam por
facilitar a elucidação e a compreensão de determinados
conteúdos. Essa abordagem visual acaba tornando o
ensino-aprendizagem dos educandos mais significativa,
mais prazerosa, o que pode aguçar a consciência crítica de
cada um dos alunos. Friso que cabe ao professor promover
um espaço de discussão, pois a mídia cinemática sozinha
não o faz, e os discentes também não o farão, pois
precisam de um mediador nesta empreitada.
Do que foi exposto neste artigo, podemos tecer
algumas reflexões sobre a percepção discente sobre a
utilização da mídia cinemática no Ensino de História. A
utilização desta pode tornar o ensino de História mais
significativo. Além disso, torna-se a História gratificante e
instrutiva para o professor e para o estudante. Propiciando
momentos de prazer e de reflexão aos discentes, de forma
lúdica, fugindo assim do ensino dito “tradicional” e sua
característica mnemônica, fazendo com que as aulas não
sejam somente expositivas e monótonas.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|303


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87 Acesso em 29 de Outubro de 2014.

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Materiais didáticos interativos para o ensino de
História
Identificação, limites e potencialidades
PorLeonice Aparecida de Fátima Alves Pereira Mourad¹ Gabriela Dambros²

Resumo Abstract
A elaboração e disponibilização na The development and availability on the
Internet de materiais didáticos interativos vem Internet of interactive educational materials has
sendo uma das possibilidades de inovar em sala been one of the possibilities to innovate in the
de aula. Nesta perspectiva, este trabalho teve classroom. In this perspective, this study aimed
como objetivo principal identificar e analisar os to identify and analyze the interactive learning
materiais didáticos interativos disponíveis na materials available on the Internet that can be
Internet que podem ser utilizados no ensino de used in teaching history. In addition, he longed
história. Além disso, almejou-se compreender to understand how these materials can
como estes materiais podem contribuir para o contribute to the process of teaching and
processo de ensino e aprendizagem da história learning of history in the school environment.
no ambiente escolar. A presente investigação This research consisted of a literature review on
consistiu em uma revisão bibliográfica sobre a the topic, as well as a survey and analysis of
temática, além de um levantamento e análise de materials, here conceived as sources available at
materiais, aqui concebidos como fontes, the International Bank of Educational Objects.
disponíveis no Banco Internacional de Objetos Of the materials found, there was a selection for
Educacionais. Dos materiais encontrados, interaction, analysis and reflection on the
realizou-se uma seleção para interação, análise pedagogical potential for teaching history.
e reflexão sobre a potencialidade pedagógica
para o ensino de história.
Keywords:history teaching, technologies, teaching materials.

Palavras-chave:ensino de história, tecnologias, materiais didáticos.

¹ Universidade Federal de Santa Maria. Contato: profleo@ig.com.br


² Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Contato: gabbydambros@yahoo.com.br

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Introdução
As reflexões sobre ensino vêm sendo objeto de
intensas reflexões nas diferentes áreas de conhecimento,
fato que está associado às reorientações no que tange a
função social da escola, cujas implicações atingem o
ensino de ciências humanas e sociais e, mais precisamente,
o ensino de história, visto que no atual contexto social,
vivemos o que a literatura vem denominando de “saturação
do presente”, momento em que os conhecimentos
históricos devem ganhar centralidade. Nesse sentido é
indispensável ampliar o aparato de recursos dos docentes,
de tal forma a viabilizar a articulação do conhecimento
histórico com o conjunto de transformações do presente.
Devemos atentar, no entanto, que o esforço não
deve ser restrito a introduzir novos recursos, visto que o
uso das TIC’s implica em formular novas formas de
pensar e de ensinar nas várias áreas do currículo.
Com a globalização, as tecnologias, especialmente
as de informação, impulsionam constantes transformações
na sociedade, mas não conseguem transpor os muros das
escolas, para se inserir e permear a prática pedagógica e a
construção de novos conhecimentos. Nesse contexto, o
ensino de história necessita apropriar-se de recursos
didáticos e metodologias consoantes à contemporaneidade.
Entende-se que a história deve buscar apoio nas
Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) visando
originar novas dinâmicas no processo de ensino e
aprendizagem. Para Kenski (2010) as TIC estão
promovendo reorganizações e reestruturações permanentes
em todas as áreas do conhecimento por meio das novas
possibilidades de acesso às informações, o que demanda
mudanças significativas na forma de pensar e de fazer
educação.
Nesta perspectiva, este trabalho teve como objetivo
principal identificar e analisar os materiais didáticos
interativos disponíveis na Internet que podem ser
utilizados no ensino de história. Além disso, almejou-se
compreender como estes materiais podem contribuir para o
processo de ensino e aprendizagem da história no ambiente
escolar.
A presente investigação consistiu em uma revisão
bibliográfica sobre a temática, além de um levantamento e
análise de materiais, aqui concebidos como fontes,
disponíveis no Banco Internacional de Objetos
Educacionais. Neste espaço estão disponíveis recursos
educacionais gratuitos em diversas mídias que atendem
todos os níveis de educação nas suas diferentes
modalidades nas diversas áreas do conhecimento, sendo

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expressivo o número de materiais didáticos interativos
encontrados, com destaque para animações, áudios, vídeos,
hipertextos, entre outros. Dos materiais encontrados,
realizou-se uma seleção para interação, análise e reflexão
sobre a potencialidade pedagógica para o ensino de
história.
Com a globalização, as tecnologias, especialmente
as de informação, impulsionam constantes transformações
na sociedade, mas não conseguem transpor os muros das
escolas, para se inserir e permear a prática pedagógica e a
construção de novos conhecimentos. Nesse contexto, o
ensino de história necessita apropriar-se de recursos
didáticos e metodologias consoantes à contemporaneidade.
Entende-se que a história deve buscar apoio nas
Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) visando
originar novas dinâmicas no processo de ensino e
aprendizagem. Para Kenski (2010) as TIC estão
promovendo reorganizações e reestruturações permanentes
em todas as áreas do conhecimento por meio das novas
possibilidades de acesso às informações, o que demanda
mudanças significativas na forma de pensar e de fazer
educação.
Nesta perspectiva, este trabalho teve como objetivo
principal identificar e analisar os materiais didáticos
interativos disponíveis na Internet que podem ser
utilizados no ensino de história. Além disso, almejou-se
compreender como estes materiais podem contribuir para o
processo de ensino e aprendizagem da história no ambiente
escolar.
A presente investigação consistiu em uma revisão
bibliográfica sobre a temática, além de um levantamento e
análise de materiais, aqui concebidos como fontes,
disponíveis no Banco Internacional de Objetos
Educacionais. Neste espaço estão disponíveis recursos
educacionais gratuitos em diversas mídias que atendem
todos os níveis de educação nas suas diferentes
modalidades nas diversas áreas do conhecimento, sendo
expressivo o número de materiais didáticos interativos
encontrados, com destaque para animações, áudios, vídeos,
hipertextos, entre outros. Dos materiais encontrados,
realizou-se uma seleção para interação, análise e reflexão
sobre a potencialidade pedagógica para o ensino de
história.

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Ensino de História
O ensino de história, das disciplinas curriculares,
talvez tenha sido aquela que mais se notabilizou pelo
estudo de fatos e nomes, orientando pelo pressuposto da
memorização, de tal sorte a utilizar de forma significativa
do livro didático, bem como de recursos que primam pela
textualidade escrita. Mesmo diante das críticas e do
afastamento da denominada “velha história” para a
“história social e cultural”, no que tange a abordagem
historiográfica, as metodologias e linguagem ainda
carecem de modificações mais substantivas.
A formação do professor de história ainda está
distante de uma interação efetiva com as denominadas
Tecnologias da Informação e Comunicação – TIC’s,
mesmo diante da centralidade da temática no cotidiano da
maior parte dos alunos.
Mesmo diante de um conjunto importante de
inovações, prioritariamente pelo acesso a ferramentas
digitais as mudanças ainda são incipientes, sendo oportuno
destacar, como bem assevera Miranda: “as mudanças nos
modos de pensar e de fazer são mais lentas do que a
evolução tecnológica” (2006, p. 77), destacando ainda que
a hipótese mais plausível para o reduzido uso de
tecnologias no ensino de história, decorra do
desconhecimento dos docentes do adequado manuseio e
potencial dessas ferramentas, que demandam uma
aprendizagem formal, por parte do operador, o que nem
sempre nos é disponibilizado em nossa formação inicial ou
na formação continuada mais frequentemente a disposição.
Pelgrun, apud Pedro (2013) ao referir acerca dos
obstáculos da utilização das TIC’s nas relações de ensino
enfatiza que:
Dos 32 obstáculos à integração das TIC nas
escolas apontados pelos inquiridos dos 26 países que
participaram no estudo de Pelgrum, saliento apenas os
quatro primeiros: 70% dos inquiridos referem o
insuficiente número de computadores; 66% dizem que não
integram as novas tecnologias devido à falta de
conhecimentos e competências técnicas; 58% referem
ainda que têm dificuldade em integrar as TIC no processo
instrutivo; e o mesmo número (58%) diz que tem
dificuldade em gerir o tempo.(p.16)

São inúmeros os estudos que apontam o uso de


tecnologias de informação e comunicação em outras áreas
do conhecimento, sendo reduzidas as referências acerca da
utilização dessas ferramentas no ensino de história, o que

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|309


pode evidenciar um perfil pouco inovador dos professores
de história.
Nesse sentido estamos diante de um desafio
importante, tanto no que diz respeito a formação de
professores que explorem e dominem o uso das TIC’s,
quanto da criação e recursos que potencializem a relação
de ensino e aprendizagem.

As Tecnologias da Informação e Comunicação no


contexto escolar
Um dos grandes desafios que a educação enfrenta
na contemporaneidade, diante do fato de que as mídias de
massa desempenham papel crucial na formação dos
indivíduos, e a alfabetização digital 42 torna-se
indispensável, é a aceitação das tecnologias por parte da
escola e especialmente, pelos professores. As Tecnologias
da Informação e Comunicação estão cada vez mais
integrando o mundo em redes globais e oferecem novas
possibilidades à educação, como o compartilhamento de
informações, a interatividade e a interdisciplinaridade.
Cool; Illera (2010) assinalam que a incorporação
das TICs nas salas de aula abre caminho para a inovação
pedagógica e didática e para a busca da melhoria do
processo de ensino e aprendizagem, multiplicando as
possibilidades e os contextos de aprendizagens muito além
das “paredes da escola.”
O ato de educar, com a contribuição da Internet,
proporciona a quebra de barreiras, remove o isolamento da
sala de aula, permitindo que os alunos determinem o ritmo
de sua aprendizagem. Moran (2006, p.46) diz que “o
professor - tendo uma visão pedagógica inovadora, aberta,
que pressupõe a participação dos alunos – pode utilizar
algumas ferramentas simples da Internet para melhorar a
interação presencial-virtual entre todos”.
No entanto, as práticas educacionais mediadas por
TICs ainda representam um desafio pela falta de
desenvolvimento de novas metodologias que facilitem a
adaptação de professores e alunos à inserção de distintos
recursos pedagógicos nas escolas.
Belloni (2001) acredita que as TICs, ao mesmo
tempo em que trazem grandes potencialidades de criação
de novas formas de mediatização, acrescentam muita
42
César Cool (2010) defende a necessidade de uma alfabetização digital e diz que esta tem sua origem na necessidade de uma formação associada
às tecnologias digitais da informação e da comunicação.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|310


complexidade ao processo de ensino e aprendizagem, pois
há grandes dificuldades na apropriação dessas técnicas no
campo educacional e em sua “domesticação” para
utilização pedagógica.
Ainda de acordo com a autora, as características
essenciais das TICs (simulação, virtualidade,
acessibilidade, superabundância e extrema diversidade de
informações) são totalmente novas e demandam
concepções metodológicas muito diferentes daquelas das
metodologias tradicionais de ensino, baseadas em um
discurso linear, cartesiano e positivista. Sua utilização com
fins educativos exige mudanças radicais nos modos de
compreender o ensino e a didática
Evidencia-se que o uso das TICs na educação
requer uma nova postura dos sujeitos da aprendizagem. O
educando precisa superar a condição de agente passivo,
que só recebe informações e conteúdos, e passar a se
comprometer mais com seu aprendizado, já o professor
precisa estar aberto às mudanças, as novas formas de
trabalhar e a inovação para vencer desafios enquanto
sujeito que aprende e ensina, que instiga a pesquisa, o
debate e a interação.
Nesse sentido, emergem como novas possibilidades
para o ensino e aprendizagem da História, os materiais
educacionais de caráter multimídia, pois estes ativam
capacidades, competências cognitivas, novas habilidades,
dinamizam a prática docente, despertam o interesse do
educando e promovem a inclusão digital, sobretudo, em
escolas da rede pública.
A tecnologia faz parte do cotidiano dos educandos,
entretanto, os diversos recursos não podem ser
considerados apenas ferramentas para brincar, mas acima
de tudo para aprender. Por isso, destaca-se a atuação do
professor como mediador entre aluno e
tecnologia/informação fazendo com que os alunos/sujeitos
desenvolvam a capacidade de estabelecer relações,
contextualizar e atribuir significados aos novos
conhecimentos.
Behar et al (2009) apontam que cada vez mais
recursos didáticos vêm sendo desenvolvidos e publicados a
fim de serem inseridos no processo de ensino e
aprendizagem, adaptando-se ao público-alvo, conteúdo,
tempo e prática pedagógica. Desta maneira, faz-se
necessário que os professores de História utilizem as TICs
como ferramenta suplementar na investigação, análise e
leitura do mundo.

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Resultados e discussão: O Banco Internacional de
Objetos e Educacionais
O Banco Internacional de Objetos Educacionais
(BIOE) é um repositório criado em 2008 pelo Ministério
da Educação brasileiro, em parceria com o Ministério da
Ciência e Tecnologia, Rede Latinoamericana de Portais
Educacionais (RELPE), Organização dos Estados Ibero-
americanos (OEI) e outros. Tem o propósito de manter e
compartilhar recursos educacionais digitais de livre acesso,
em diferentes formatos - como áudio, vídeo, animação,
simulação, software educacional - além de imagem, mapa,
hipertexto considerados relevantes e adequados à realidade
da comunidade educacional local, respeitando-se as
diferenças de língua e culturas regionais. Nesse momento o
Banco possui 19.842 objetos publicados (BANCO
INTERNACIONAL DE OBJETOS EDUCACIONAIS,
2015).
O BIOE (Figura 1) pode ser acessado no link
http://objetoseducacionais2.mec.gov.br/.

Figura 1: Banco Internacional de Objetos Educacionais.

A busca por recursos didáticos no BIOE pode ser


realizada a partir de diferentes caminhos. Na busca por
objetos tem-se as seguintes possibilidades:
a) Nível de ensino (educação infantil, ensino
fundamental, ensino médio, educação profissional e
educação superior).
b) País (país de origem do recurso. Exemplo:
Brasil, Espanha, Estados Unidos etc).

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c) Idioma.
d) Tipo de recurso (vídeo, imagem, animação,
simulação, hipertexto etc).
e) Palavra-chave (digitar um termo ou conceito
e clicar no botão “Buscar”. Exemplo: digitar história e
buscar. Todo recurso que estiver relacionado a história ou
conter na sua descrição a palavra história será relacionado
nos resultados).
Há ainda a opção “Busca por coleção”, onde é
possível verificar se existe uma coleção de objetos sobre
determinado tema disponível.

Descrição e Análise dos recursos didáticos


Após buscas no BIOE foram selecionados dois
recursos didáticos caracterizados como
animação/simulação, indicados como potenciais recursos
para o ensino de história nos anos finais do ensino
fundamental.
Um dos recursos selecionados intitula-se “As
grandes navegações de Fernão de Magalhães” elaborado
por uma equipe multidisciplinar do Centro Universitário
Franciscano e da Universidade Federal de Santa Maria,
ambas instituições localizadas no município de Santa
Maria, Rio Grande do Sul.
O recurso inicia contextualizando o período das
grandes navegações e destacando a importância de Fernão
de Magalhães como o primeiro navegador a realizar a
viagem de circunavegação (Figura 2).

Figura 2: Texto inicial do recurso.

Na sequência há um texto explicando como


ocorriam as navegações e quais objetos eram necessários

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|313


para orientar, calcular distâncias e velocidade dos navios.
Nesse momento, é preciso clicar em cada objeto e arrastar
para dentro do baú. Dentro do baú é possível visualizar a
função de cada objeto. (Figura 3).

Figura 3: Objetos utilizados para navegação.

Depois, o recurso descreve o trajeto percorrido pela


esquadra de Fernão de Magalhães. Nessa etapa, há uma
animação de um navio se deslocando pelo mapa-mundi.
Após passar pelo Rio de Janeiro, um dos navios da
esquadra naufraga no sul da Argentina (Figura 4).

Figura 4: Navegação da esquadra.

Destaca-se que são apresentados textos


explicativos em todos locais por onde a esquadra de
Fernão de Magalhães passou. Ao término da navegação,
quando apenas um navio retorna a Espanha, o mapa-mundi
é apresentado com a circunavegação representada (Figura
5).

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|314


Figura 5: Navegação completa.

Ao término do recurso é apresentada uma atividade


de palavras cruzadas (Figura 6). Quando completada está
atividade, o recurso é encerrado.

Figura 6: Atividade final.

O segundo recurso selecionado intitula-se


“Engenho”
O recurso inicia com um texto contextualizando a
atividade canavieira no Brasil e convidando a conhecer o
funcionamento de um engenho de açúcar (Figura 7).

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|315


Figura 7: Tela inicial.

Na sequência há uma apresentação do Engenho


Canavieiras e uma descrição breve de como ocorriam as
relações de trabalho no engenho (Figura 8). Passando o
mouse sobre as construções é possível identificar a
moenda, senzala, casa grande e as roças e canaviais.

Figura 8: Apresentação do Engenho Canavieiras.

Após conhecer as construções, as roças e os


canaviais, o recurso apresenta as personagens que ali
trabalham. Para isso é necessário clicar em cada um dos
personagens que estão dispostos na parte superior esquerda
(Figura 9).

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|316


Figura 9: Apresentação das personagens.

Ao clicar nas personagens é aberta uma nova com


uma descrição de suas funções no engenho (Figuras 10 e
11).

Figura 10: Dono do engenho.

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Figura 11: Escravo.

Em seguida, as personagens precisam ser colocadas


em suas respectivas funções. Para isso, deve-se clicar na
personagem e arrastar até a função correta (Figura 12).

Figura 12: Personagens nas suas funções.

Ao completar a tarefa de relacionar as personagens


e suas funções, o recurso apresenta uma atividade final que
consiste na produção de um texto a respeito do
funcionamento do engenho e do trabalho desempenhado
pelas personagens (Figura 13).

Figura 13: Atividade final.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|318


Considerações finais
Esse artigo teve como propósito sistematizar
reflexões acerca do utilização de TIC’s no ensino de
História, prioritariamente trazendo a público um
importante repositório de recursos didáticos de diferentes
natureza, materializado no Banco Internacional de Objetos
Educacionais (BIOE), criado pelo MEC em 2008,
momento em que os debates sobre ensino a distância
ganham centralidade.
Cumpre referir que a tecnologia faz parte do
cotidiano dos educandos, sendo que história pode integrá-
las à práxis educativa, desde que oportunize o
desenvolvimento de atividades que possibilitem aos
discentes compreenderem os fenômenos que se
manifestam no cotidiano, em diferentes temporalidades,
de tal sorte a transformar o mundo e deste modo, passem a
se ver como sujeitos capazes de (re)produzir novos
espaços.
Com a utilização das TIC’s nos espaços escolares, a
prática pedagógica de história torna-se desafiadora, visto
que oportuniza a realização de novas aprendizagens,
alicerçadas na utilização do computador e da Internet
como ferramentas educativas, que podem tornar mais
significativo o processo de ensino e aprendizagem pois
aproximam a escola e o ensino de recursos e tecnologias
absolutamente familiares aos discentes, que na maioria das
vezes é invizibilizada nas instituições de ensino, e
prioritariamente no ensino de história, anda muito
vinculados ao livro didático ou a análise de documentos
escritos.
A partir da inclusão das TIC’s no ambiente escolar,
discentes e docentes podem se “libertar” de uma prática
restritiva na qual um é o detentor do saber e o outro apenas
espectador. Podem compor uma relação de protagonismo,
onde educando e educador trocam conhecimentos e
experiências, expandindo os horizontes, avançando no
campo das ideias e, consequentemente, construindo novos
conhecimentos que contem com a participação ativa dos
discentes, com autonomia e a motivação que são
dimensões sinalizadoras de um aprendizado diferenciado.
Viabilização desse processo inovador de ensino e
aprendizagem implica necessariamente nos docentes
superarem as dificuldades, identificadas em alguns
estudos, no que tange a falta de habilidade para a
utilização das TIC’s, somada à ausência de conhecimento
do potencial desses recursos, de formação e mesmo à falta
de motivação.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|319


Como forma de potencializar o uso das TIC’s no
espaço escolar devemos referir que a inclusão e o uso de
uma nova tecnologia não são operacionalizados sem
reflexões, capacitação e treinamento pertinentes, de tal
sorte que é preciso que os docentes e a escola como um
todo tenham efetiva compreensão das formas de explorar
pedagogicamente esta tecnologia.
A título de exercício apresentamos dois recursos
didáticos caracterizados como animação/simulação
disponíveis no BIOE que podem ser utilizados para o
ensino de história tanto de forma isolada na área, como em
atividades partilhadas por outras disciplinas.
O recurso “As Grandes Navegações de Fernão de
Magalhães” pode ser utilizado não somente para
apresentação deste navegador, mas também para
problematizar o período das grandes navegações, a
integração de diferentes espaços, a partir de diferentes
motivações, permitindo a articulação entre história e
geografia.
Já o recurso “Engenho” constitui-se em um
material com conteúdo significativo para a discussão da
produção canavieira no Brasil colônia, priorizando
aspectos de natureza históricas, sociais e culturais que
orientavam a sociedade de então.
Por fim cabe destacar que a principal característica
desses materiais diz respeito ao fato dos mesmo serem
mais um recurso disponível para a aprendizagem que,
combinado com outros recursos e estratégias permitirão a
efetiva compreensão dos processos históricos.

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aprendizagem para a educação a distância. In: BEHAR,
PatriciaAlejandra (Org.). Modelos pedagógicos em
educação a distância. Porto Alegre: Artmed, 2009. p. 66-
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Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|320


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DUARTE, Ana Sofia de Carvalho.A utilização das
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KENSKI, Vani Moreira. Educação e tecnologias: o
novo ritmo da informação. 3.ed. São Paulo: Papirus, 2007.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|321


A produção de identidade através dos uniformes
escolares
Significação e conceituação
PorLetícia Oliveira Borges¹

Resumo Abstract
Este artigo tem por objetivo principal This article has the main aim of
levantar e discutir questões relacionadas ao discussing issues related to the school uniform
uniforme escolar no Brasil. Num primeiro in Brazil. Initially seeks to conduct a literature
momento busca-se realizar uma revisão review on the history of uniform and
bibliográfica sobre a história do uniforme e as characteristics that it presents and subsequently
particularidades que o mesmo apresenta e, outline concepts that can discuss how the
posteriormente, delinear conceitos que possam identities of the subjects are constituted through
problematizar de que modo as identidades dos this uniform. This article is part of the master's
sujeitos constituem-se através desse uniforme. project running on the PPGH FURG, whose
O presente artigo é parte do projeto de mestrado object is to elucidate the use of school uniforms
em execução no PPGH da FURG, cujo objeto é from his trial to the identification of individuals
a elucidação do uso de uniformes escolares, as social beings. Thinking that way uniforms
desde sua experimentação até a identificação are costumes that are internalized long ago, and
dos sujeitos como seres sociais. Pensando dessa that realizes its goal is to identify and
forma os uniformes são trajes que estão individualize participating individuals from
introjetados há muito tempo, e ao que se certain social groups. Therefore, it can be
percebe seu objetivo é de identificar e inferred that the uniform, we recognize, share
particularizar indivíduos participantes de ways of thinking, feeling, believe, imagine, thus
determinados grupos sociais. Portanto, pode-se indicating recognition productions.
inferir que o uniforme, como reconhecemos,
compartilha modos de pensar, sentir, crer,
imaginar, indicando assim produções de Keywords:School uniform, Identity, Style.

reconhecimento.

Palavras-chave:Uniforme escolar, identidade, estilo.

1. leti.oliveira.borges@gmail.com. Bacharel em Teologia pela Faculdade Batista Pioneira – FBP; Licenciada em História pela Universidade Federal do
Rio Grande – FURG; Mestranda em História pela Universidade Federal do Rio Grande – FURG.

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O uniforme escolar e sua história identitária
Corazza (2004) denomina o uniforme como farda
ou fardamento, o que pode ser entendido também como
aquilo que possui apenas uma forma. E para tanto, um
vestuário padronizado de utilização regular, de uma
instituição, classe ou corporação, confeccionados para
tornar quem o usa semelhante ou idêntico (CORAZZA,
2004, p. 55). Essa nomenclatura em forma de vestimenta
surge por volta do século XV com o exército, uma das
primeiras organizações a se utilizar deste tipo de
indumentária. Ela era igual para todos os militares,
independente de sua patente e, em outras instituições, um
pouco menos disciplinares no tocante da obrigatoriedade,
ela também circulava e fazia parte deste universo como,
por exemplo, o caso dos hospitais, hospícios e asilos
(SILVA, 2006, p. 59).
Sobre a utilização desta identidade vestuária
escolar, Marcon afirma que “no Brasil os uniformes
escolares passaram a ser utilizados entre 1800 e 1900 com
o advento da Escola Normal, sendo que a primeira Escola
normal no Brasil surgiu em Niterói no Rio de Janeiro na
primeira metade do século XIX” (MARCON, 2010. p. 17).
A função desta escola era habilitar professores para
realizar atividades no magistério de ensino primário. O que
também era oferecido em cursos públicos de nível
secundário, o que hoje denominamos de Ensino Médio.
As escolas tradicionais adotam os uniformes, de
fato, somente a partir da década de 1920, e as demais, na
década de 1930.
Com a incitação do simbolismo como: cores, nome
e símbolo da escola, os objetivos da criação dos uniformes
escolares atingiram sua mensagem. É visto em estudos que
por traz de um uniforme existe uma mensagem subliminar
na vestimenta onde se reclama do aluno um porte
exemplar, zelando assim pela imagem da instituição a qual
cursa e, inevitavelmente representa, sem importar se está
dentro ou fora da escola.
Umberto Eco, em seu livro “Psicologia do vestir”,
salienta que o vestuário tem uma noção de comunicação e
amplitude do que é a vida em sociedade. Eco explica que:
“pelo menos tudo que não é natureza bruta, para aquém da
sociedade constituída, para aquém do homem que tem uma
percepção da natureza e a faz dobrar-se aos seus objetivos,
preenchendo-a de significados” (ECO, 1989, p. 8). Para
este autor a roupa não serve apenas para cobrir o corpo do
frio ou do calor, ou simplesmente para cobrir a nudez.
Acima de tudo, para ele, o vestuário deve ser analisado
como uma forma de inventar a comunicação. Ou seja, a

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|323


vestimenta comunica intrinsecamente aspectos culturais da
sociedade em que se insere e aí está a noção de
comunicabilidade no quadro de vida da sociedade, onde
tudo é comunicação. Para Eco, “a indumentária assenta
sobre códigos e convenções, muitos dos quais são fortes,
intocáveis, defendidos por sistemas de sanções ou
incentivos” (ECO, 1989, p. 15).
Sendo assim, o uniforme representa pertença a um
determinado grupo social, cultural e intelectual
germinando uma identidade que, segundo Queluz esses
significados culturais “podem ser mais potentes para as
pessoas que as funções sociais e econômicas que os
objetos/tecnologia/sistemas tecnológicos que foram
projetados para realizar” (QUELUZ, 2008, p. 14-15) e
complementa discorrendo que “se percebermos o universo
da cultura material, dos artefatos e da tecnologia como
experiências vividas, talvez, sejamos capazes de
vislumbrar as sutis formas de criação, inserção,
apropriação e transformação dos artefatos feitos pelos
diversos atores sociais” (QUELUZ, 2008, p. 15).
Se os uniformes escolares eram projetados como
transformação de grupos sociais, com a crescente
democratização do acesso à escola, majoritariamente
pública, em muitos casos, o fator de discriminação e
diferenciação social é acentuado. Um exemplo, dessa
acentuação, são os guarda-pós brancos que indicavam
escolas frequentadas por alunos de menor poder.
No final do século XX, muitas mudanças ocorreram
no que diz respeito aos modelos dos uniformes,
principalmente nas instituições privadas, trazendo mais
conforto e praticidade. Sua simbologia também adultera-
se, o que gera mudança de valores de outros tempos,
apesar de ainda ser um agente identificador. Agora não
mais um objeto de particularização do indivíduo, mas um
vestuário prático e enquadrado na moda do dia a dia
daqueles que se utilizam deles. Nas palavras de Marcon:
É passada a impressão de que, mesmo tendo sido
o uniforme escolar sempre um “uniforme escolar” o
sentido da sua existência sofreu várias mutações ao gosto
dos tempos. Conforme a humanidade foi passando por
processos de evolução, esta vestimenta fixou-se na
idealização, mas não na conceituação (MARCON, 2010,
p. 20).

O uniforme mesmo sendo modificado, em sua


essência ainda é parte de identificação de um grupo e por
vezes diferenciação de status.
Muitos ainda defendem o uso do uniforme, pois, sua
utilização caracteriza, ou ao menos pretende, um
sentimento de identificação com um determinado grupo, o
que é fundamental para o desenvolvimento psicossocial da
criança. Isso marca consideravelmente aqueles que amam
ou odeiam usá-lo.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|324


Ao longo da história e, ouve-se sobre, as culturas
juvenis de diferentes tempos demonstram marcas
significativas na forma de vestir seus uniformes. São
relatos como o encurtamento de saias, inserção de
sobreposição de peças, uso de adereços, detalhes que
acabam por identificar e caracterizar seus agentes
individualmente. O que nos dias atuais tornou-se uma
preocupação maior quando se pensa na composição dos
uniformes escolares.
O uniforme no decorrer da história serviu como
forma de identificação, controle e padronização aos alunos
das escolas que se utilizavam e até hoje se utilizam. Há
aqueles que defendem que o uniforme é uma forma de
segurança e outros que dizem ser o uniforme um receptor
das diferenças sociais da escola e/ou sala de aula, além da
esteticização que oportuniza imagens harmoniosas.
Sejam eles modernos ou tradicionais, coloridos e/ou
elegantes, estruturados e confortáveis, práticos e
funcionais, com cores neutras ou vibrantes, enfim é através
do estilo do uniforme escolar que pode-se ter uma ideia
das culturas escolares que perpassaram a história do seu
uso. De qualquer forma, os uniformes são muito parecidos
e baseiam-se na roupa usada no dia a dia do aluno.

Questão identidade e uniforme escolar


A identidade nos últimos tempos tem sido muito
discutida na teoria social. Isso se deve à individualização
que cada ser tem reconsiderado no momento atual. Stuart
Hall em seu livro “A identidade cultural na pós-
modernidade” vai nos dizer que essa individualização é
devida o resgate de resquícios do homem humanista,
renascentista e iluminista. Nesse tempo homem era o
centro do universo, além de ser mais racional e científico.
Hall ainda afirma que ao passo que a sociedade moderna
torna-se cada vez mais complexa, coletiva e social, devido
às transformações econômicas e políticas, o ser humano
também passa a alterar sua identidade, vindo a ser visto
como um ser “definido” no interior dessas novas estruturas
da sociedade (HALL, 2006).
Sendo assim pode-se dizer que a partir das relações
que o homem constrói o mesmo torna-se sujeito central do
tempo moderno. Ou seja, ela não está acabada, definida
por completo, está sempre em constante produção segundo
Hall.
(...) a identidade é realmente algo formado, ao
longo do tempo, através de processos inconscientes, e não
algo inato, existente na consciência no momento do

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|325


nascimento. Existe sempre algo “imaginário” ou
fantasiado sobre sua unidade. Ela permanece sempre
incompleta, está sempre “em processo”, sempre “sendo
formada”. As partes “femininas” do eu masculino, por
exemplo, que são negadas permanecem com ele e
encontram expressão inconsciente em muitas formas não
reconhecidas, na vida adulta. Assim em vez de falar da
identidade como uma coisa acabada, deveríamos falar de
identificação, e vê-la como um processo em andamento. A
identidade surge não tanto da plenitude da identidade que
já está dentro de nós como indivíduos, mas de uma falta
de inteireza que é “preenchida” a partir de nosso exterior,
pelas formas através das quais nós imaginamos ser vistos
por outros. Psicanaliticamente, nós continuamos buscando
a “identidade” e construindo biografias que tecem as
diferentes partes de nossos eus divididos na unidade
porque procuramos recapturar esse prazer fantasiado da
plenitude (HALL, 2006, p. 38,39).

Esse processo em andamento chamado identificação


se dá também através dos uniformes escolares, uma vez
que o mesmo faz com que o sujeito sinta-se pertencente a
um grupo, uma instituição, uma representação.
Outro autor, Airton Embacher relata em seu livro
“Moda e Identidade” que:
A identidade – metamorfose é a articulação de
todas as personagens, articulação de igualdades e
diferenças, constituindo e constituída pela história do
sujeito diacrônico – personagem-bebê, personagem-
moleque, personagem-menino, etc. – e no movimento
sincrônico – personagem – professor, personagem –
homem, personagem – pai, etc. – dessa mesma história.
Para identificarmos essas personagens interpretadas na
vida do sujeito, basta pedir que ele narre sua história
(EMBACHER, 1999, p. 23).

Ou seja, sua existência, sua totalidade é uma


unidade de múltiplos personagens, os quais precisam ser
narrados. E talvez o uniforme seja, conforme as afirmações
de Foucault (2004, p. 118), um objeto de investimentos
imperiosos e urgentes em qualquer sociedade, visto que “o
corpo está preso no interior de interesses muito apertados,
que lhe impõem limitações, proibições e obrigações”.
Corazza ao falar sobre o “paradoxo do uniforme”
(2004) salienta o fato de que, possivelmente, a utilização
do uniforme é carregada de elementos mais intrínsecos do
ser humano. Para a autora, o uniforme não é simplesmente
a indumentária utilizada no âmbito escolar, mas é,
também, aquela vestimenta do dia a dia que o indivíduo
utiliza para se fazer igual e identificável no seu meio e por
isso questiona:
Quem vestiu algum tipo de uniforme – guarda pó
branco; saia azul-marinho, camisa branca, cinto e gravata
vermelhos; jardineira azul ou laranja do pré; o pretinho
básico das noites de embalo; o jeans, a camiseta e o tênis;
o terninho, o blazer, a bolsa Louis Vuitton, etc. – e deixou
de experimentar uma sensação agradável de

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|326


pertencimento? Quem ao vestir um uniforme, nunca
experimentou a gostosura de pertencer a uma comunidade,
a um grupo, a um gueto, a uma tribo de não estar fora,
mas de estar dentro, de ser aceito, de estar integrado, de
fazer parte, de estar incluído? (CORAZZA, 2004, p. 54).

Fazer parte, de forma geral, traz ao ser humano o


pertencimento. Ele almeja pertencer a um determinado
grupo, também reconhecido como grupo de referência.
Solomon (2002) evidencia que embora duas ou mais
pessoas sejam geralmente necessárias para a formação de
um grupo, o termo “grupo de referência” é utilizado de
modo ainda mais amplo para descrever qualquer influência
externa que forneça sugestões sociais. O individual e o
social, como via de pertencimento de grupos específicos de
referência, possibilita certa unidade psicológica ao
indivíduo.
Svendsen (2010) por sua vez irá dizer que a
identidade é formada na interação do sujeito com a
sociedade, num diálogo contínuo com o mundo. Nessa
relação o sujeito se projeta e internaliza imagens e
símbolos que irão constituir sua identidade numa relação
dinâmica e constante.
Com o uniforme escolar essa identificação vai se
dar a partir da organização e segurança dos alunos. Cabe
citar que os uniformes escolares começaram no Brasil,
durante o período da República e significativamente eram
inspirados nos modelos de militares do Exército Nacional.
E por assim dizer, era assim que eles podiam manter vivos
os ideais republicanos de ordem e progresso (LONZA,
2005, p. 41). Ideais esses que através dos uniformes eram
uma forma de supervalorizar a imagem e elevar o espírito
de patriotismo e nacionalismo do país.
Com a Era Vargas (1930-1945) o patriotismo vigora
ainda mais nos uniformes. Apesar de algumas mudanças,
inclusive nas disciplinas de ginástica e atividades
esportivas, o uniforme permanece semelhante e as
modificações consideráveis ocorrem com o advento da
Segunda Guerra Mundial, onde os uniformes passam a ter
inspiração militar para os meninos e futuramente para as
peças femininas também. Entretanto, a contracultura da
juventude rebelde que emerge no pós-guerra, modifica os
uniformes novamente no que diz respeito a forma e as
cores de composição dos uniformes escolares.
O Rock muda tudo. O mundo estava em constante
mudança, era uma metamorfose ambulante. Enquanto nos
Estados Unidos, os beatniks misturavam poesia, be pop e
cruzavam o território para tentar responder as velhas
angústias existenciais, na segunda metade da década de
50, surgiu o som que iria revolucionar a música e os
costumes do mundo: o rock’n in roll. Os jovens
ostentando blusões de couro negro e calças bem justinhas
imitavam os tiques enfastiados de Marlon Brando e James

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|327


Dean. O rock foi a música que instigou a juventude a
procurar a própria moda. Nessa, época, os uniformes
tiveram um papel especial. O estilo de roupa que se usava
para ir ao colégio – a chamada moda colegial – inspirou a
moda jovem. Eram as saias rodadas combinadas com
blusas mais simples, sapatos baixos e camisetas, usadas
para baixo da camisa ou nas aulas de Educação Física,
tornando-se peças indispensáveis no vestuário jovem
masculino. O jeans chegou para ficar definitivamente, no
uso diário e nos uniformes, embora tenha gerado muita
controvérsia – era ideal para os meninos e problema para
o pessoal da escola, já que em diferentes, estágios de
descoramento, os alunos nunca ficavam uniformes
(LONZA, 2005, p. 160).

O que o autor relata se configura até a década de


1960. Já em meados da década seguinte o desejo de
rebelar-se era evidente, os jovens inspirados em seus
contemporâneos, os rebeldes astros de rock e do cinema,
assumem o excesso, fora do comum na aparência.
Minissaia, miniblusa, biquíni, minicalcinha, meia-calça,
boca de sino, a moda e os cabelos longos para os homens
reproduziam uma renovação significativa e absoluta. Os
jovens não desejavam mais vestirem-se e serem como os
seus pais.
Lonza relata que com o aparecimento do jeans a
rebeldia dos jovens chega ao seu ápice. E mesmo que as
escolas desejassem utilizar o uniforme tradicional com o
tempo os colégios tiveram que ceder ao jeans passando a
ser aceito nas instituições (LONZA, 2005, p. 23).
Com o passar do tempo surge o prêt-a-porter
(1969-1973) trazendo para a indústria nacional e para as
classes médias, lojas de departamentos com produção em
alta escala que ofereciam ao público peças mais em conta e
com estilo. E é nesse momento que surge uma peça, ainda
de forma ínfima, mas considerável – a camiseta.
Vestimenta de algodão que já pode ser vista nas imagens e
fotografias dos colégios brasileiros.
Joffily (1999, p. 66) diz que com a inserção da
camiseta de algodão nos uniformes escolares o caminho da
democratização se delineia dando estilo a tendência mais
lógica da indústria da moda no Brasil.
Já na década de 1980 novamente a vestimenta
escolar se modifica, propiciando novos caminhos para os
uniformes, que agora não mais são influenciados pelas
vestimentas militares e/ou religiosas (salvo com algumas
exceções). Mantém-se a partir de agora apenas o registro e
a nomenclatura, pelo vínculo adquirido pela história e
registrado nas memórias.
A partir do século XXI a prioridade é o conforto e a
praticidade de uma estética jovem e bonita. Os novos
tempos dialogam com a população juvenil, objetivando
modelos culturais e consumidores culturais.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|328


Apesar dessa preocupação, os jovens contestam
os atuais uniformes e buscam alternativas para deixá-los
mais de acordo com as suas expectativas. As meninas, por
exemplo, usam camisetas muitos números menores para
ficar com o umbigo à mostra, como manda a moda e o
colégio não permite. O que elas fazem? Na hora da
entrada, quando são examinadas, fecham o blusão para
que a vista do umbigo não seja flagrada. As
coordenadoras e onitoras riem, é claro, lembrando-se do
tempo em que enrolavam a saia do colégio na cintura para
estar com as pernas à mostra, como exigia a moda dos
anos 60 e 70 (LONZA, 2005, p. 219).

É a trajetória do tempo reinventando e


customizando marcas e identidades juvenis na composição
da vestimenta do aluno. “Trata-se de um processo de
construção da pertença e de afirmação identitária na qual
os jovens negociam os polos estruturadores de seu eu”
(MARCON, 2010, p. 41).
É perceptível, portanto, vislumbrar o quanto a
humanidade é cíclica. Mudam-se os tempos, mudam-se os
personagens, mas, a essência é sempre a mesma. A busca
por identificar-se em um contexto de igualdade permanece
inalterada.
Outro aspecto interessante de se observar são os
corpos contemporâneos que não deixam de serem corpos
flutuantes, acabam por se transformarem conforme o
desejo, e a busca por diferença.
Miriam Goldenberg nos diz que “o final do século
XX e o início do século XXI serão lembrados como o
momento em que o culto ao corpo se tornou uma
verdadeira obsessão transformando-se em estilo de vida”
(GOLDENBERG, 2005, p. 66). O corpo nesse momento é
uma pratica de comportamento e imitação daqueles corpos
que viram ser bem-sucedidos. Esta mesma autora declara
em seus escritos que muitas mulheres estão aprisionadas
ao um modelo de perfeição e por muitas vezes deixam de
viver plenamente suas vidas, isso se vale também a sua
sexualidade, para preocuparem-se com o corpo. Ou seja, a
valoração do corpo não é nada mais que uma imitação
prestigiosa que, indivíduos de culturas diferentes,
constroem em seus corpos e comportamentos refletindo
suas culturas e seus aspectos econômicos e sociais. Cabe
dizer que por vezes, o parecer ser parece valorar mais que
o ser. Pensando assim, é interessante ressaltar a pesquisa
da professora Dinah Quesada Beck, que em sua tese de
doutorado, intitulada “Com que roupa eu vou?
Embelezamento e consumo na composição dos Uniformes
Escolares infantis” demonstra que na escola estudada a
disponibilidade de peças oferecidas aos alunos, em
especial as meninas, é de um número considerável, sem
falar na infinidade de adereços que essas peças são
compostas e customizadas pelas alunas. Ou seja, a
erotização dos corpos, a produção do consumo e o

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|329


embelezamento desses corpos estão cada vez mais em
evidência.
Portanto, é plausível pensar que o corpo neste
século, parece ser mais importante que a roupa, ele é, por
vezes, a verdadeira roupa: é o corpo apresentado,
modelado, adulterado, controlado, empregado, costurado,
enfeitado, escolhido, construído, produzido, imitado.
Deixando com que a roupa, nesse caso, seja apenas um
acessório para ascensão e apresentação deste corpo da
moda.
Nesse intento onde fica o uniforme escolar e, a
identidade de cada sujeito, em pleno século XXI? Quais
diretrizes o mesmo está produzindo?
É desta maneira e, com essa indagação, que se
pretende trabalhar para que pontos e respostas sejam
alcançadas. Através de entrevistas com alunos de escolas
municipais da cidade de Pelotas, buscar-se-á as
configurações para tal questionamento, visto que até pouco
tempo os mesmos não se utilizavam de um uniforme
escolar, mas com uma nova diretriz do município, os
alunos de tais escolas começaram então a utilizar o
uniforme escolar. A idade compreendida será entre 11 e 13
anos, visto que é nesse momento que os humanos estão
cada vez mais se produzindo e constituindo sua identidade;
onde estão em plena metamorfose.
Outras entrevistas também serão delineadas, para
observar como as pessoas que já utilizaram uniformes
escolares se portavam. Esses questionamentos são válidos
à medida que dão significado aqueles uniformes utilizados
por eles no tempo deles. Também é plausível inquirir sobre
o que representou naquele momento o uniforme escolar,
revisitando a memória de cada um e então classificando,
ordenando e rememorando a mesma com o intuito de
observar como estes usuários se identificaram em tempos e
lugares diferentes do presente.

Memória e identidade: metodologia e referencial


teórico
Pensar o tempo, segundo Candau (2012), supõe
classificar, ordenar, determinar e datar. Ou seja, à medida
que nos dispomos de tais mecanismos experimentamos o
tempo e então definimos o mesmo. Isso seria viver.
Quando pensamos em memória, não é diferente,
pois, por vezes, condicionamos a nossa existência a elas.
As memórias nos dão a ilusão de que o que se passou não

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|330


está definitivamente inacessível, é admissível reviver as
lembranças. Juntando-se pedaços, imagens e recordações é
possível encarar a vida presente.
Candau nos diz que a memória, “ao mesmo tempo
em que nos modela, é também por nós modelada. Isso
resume perfeitamente a dialética da memória e da
identidade que se conjugam se nutrem mutuamente, se
apoiam uma na outra para produzir uma trajetória de vida,
uma história, um mito, uma narrativa” (CANDAU, 2012,
p. 16). Pode-se dizer então que no quadro da arte de aplicar
com eficácia os recursos de que se dispõe ou que se
explora as condições favoráveis de que porventura se
desfrute, visando ao alcance de determinados objetivos,
como por exemplo a identidade do indivíduo, os mesmos
operam escolhas em seu interior de registros memoriais
que vem fundar ou até mesmo incorporar certos aspectos
particulares do passado, a fazer relação com à identidade.
Pensando dessa forma o emprego em uma pesquisa,
sobre a produção identitária de um indivíduo através dos
uniformes escolares, com a metodologia de história oral,
que conforme Mattos exemplifica, possibilita a
perpetuação de “impressões, vivências, lembranças
daqueles indivíduos que se dispõem a compartilhar sua
memória com a coletividade e dessa forma permitir um
conhecimento do vivido muito mais rico, dinâmico e
colorido de situações que, de outra forma, não
conheceríamos” (MATOS, 2011, p. 97).
Esse mesmo método pode ser entendido como:
(...) um método de pesquisa (histórica,
antropológica, sociológica,...) que privilegia a realização
de entrevistas com pessoas que participaram de, ou
testemunharam acontecimentos, conjunturas, visões de
mundo, como forma de se aproximar do objeto de estudo.
Trata-se de estudar acontecimentos históricos, instituições,
grupos sociais, categorias profissionais, movimentos, etc.
(ALBERTI, 1989, p. 52).

Escritas e narrativas orais se complementam entre


si. E assim sendo:
(...) cada ser histórico singulariza a sociedade na
qual está inserido e a percebe de uma forma específica.
Falar de uma história verdadeira seria muito ingênuo, mas
podemos afirmar que se trata de uma percepção
verdadeira do real, emitida pelo depoente, que assim
compreende e se apropria do mundo ao seu redor. Ao
tornar pública sua percepção, está, de alguma forma,
contribuindo para a elucidação parcial de alguma situação
(MATOS, 2011, p. 99).

E é dessa forma que entrevistas com pessoas que


experimentam e/ou experimentaram uniformes escolares
podem contribuir e singularizar tais instrumentos de ideias,

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|331


condutas, crenças, objetivos, desejos e habilidades,
conforme já mencionado acima.
Os dados obtidos através dessas entrevistas seriam
ainda mais significativos se fossem abordados e
interpretados a luz da análise de conteúdo que para Bardin
(1977) tem duas funções: (1) heurística – a análise de
conteúdo enriquece a tentativa exploratória, aumenta a
propensão à descoberta; (2) uma função de administração
da prova – hipóteses sob a forma de questões ou de
afirmações provisórias servindo de diretrizes apelarão para
o método de análise sistemática para serem verificadas no
sentido de uma confirmação ou de uma informação, ou
seja, na prática as duas funções se complementam de
forma que elas, como um conjunto de técnicas de análise
de comunicações, são marcadas por uma grande
diversidade de formas e são adaptáveis ao campo das
comunicações. Bardin ainda afirma que a análise de
conteúdo é definida como:
Um conjunto de técnicas de análise das
comunicações visando obter, por procedimentos,
sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das
mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que
permitam a inferência de conhecimentos relativos às
condições de produção/recepção (variáveis inferidas)
destas mensagens (BARDIN, 1977, p. 42).

Segundo o autor a análise de conteúdo procura


conhecer aquilo que está por trás das palavras sobre as
quais se debruça, é a busca de outras realidades por meio
das mensagens. Informações que poderão ser extraídas das
narrativas coletadas nas entrevistas.
Cabe também a essa pesquisa utilizar-se de um
marco teórico. E através do referencial teórico ligado à
quarta geração dos Annales, a nova história cultural – mais
especificamente a história das mentalidades – uma visão
sobre a representação e influência que a moda abarca
convergindo mentalidade, cultura, identidade e história,
buscar-se-á delinear uma pesquisa que represente como as
mentalidades constroem uma identidade, ou várias
identidades e, se isso realmente é possível de se alcançar.
Essa teoria das mentalidades nada mais é que um estudo
confluente à história das coletividades e conforme afirma
Le Goff a mesma estuda “a maneira particular de pensar e
de sentir de um povo, de um certo grupo de pessoas, etc.”
(LE GOFF, 1976, p. 73). A metodologia auxiliará no
entendimento e na interpretação sobre a representação e
identidade que os uniformes escolares exercem/exerceram
como uma herança social.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|332


Considerações finais
Estudar as particularidades dos uniformes escolares
traz à tona vários desdobramentos. É possível considerar
que há muito a se escrever sobre como as pessoas se
identificam e/ou identificaram com tais reguladores sociais
e se os mesmos entendem/entenderam essas vestimentas
como objetos de poder coercitivo. Foucault retrata que o
poder é uma prática social e, como tal, constituída
historicamente, logo, as práticas ou manifestações de poder
variam em cada época ou sociedade. Cabe perceber se
através dos uniformes isso é perceptível ou não.
Ao longo de estudos pode-se inferir que a
identidade de cada indivíduo está sujeita a diversos
mecanismos de influência, um deles são as suas práticas
diárias, o que acaba por envolver também o uniforme
escolar que em suas relações, acaba por ser um
complemento de várias outras necessidades do indivíduo.
Vive-se atualmente numa sociedade que cultua o
individualismo, o estilo pessoal, as escolhas pessoais, a
liberdade e o desejo como forma de ser único no mundo. E
os uniformes deixam ou não de compreender essas
mudanças sociológicas, psicológicas e estéticas, intrínsecas
as modificações do estudo de si mesmo, o parecer do eu e
a preocupação do parecer no mundo?Suas influências se
refletem não somente no mundo do vestuário, mas também
nas transformações das mentalidades como um todo?
Diante de tais indagações um dos mecanismos de
grande influência do século é o corpo, que nesse contexto é
de suma importância, uma vez que, conforme
exemplificado nos escritos de Goldenberg, os humanos
estão aprisionados por um modelo de perfeição que os
impede de viverem plenamente suas vidas demonstrando
extrema inquietação com os seus corpos, e isso a cada dia
gera não só na cultura mas também e no cotidiano
brasileiro um corpo controlado, mutilado, que elege a
escuridão, a indiferença, a reclusão como forma de
acobertamento de imperfeições.
Gilberto Freyre, em seus escritos “Modos de
homem, modas de mulher” (1987) afirmava que as modas
e os modismos não diziam respeito apenas às roupas ou
penteados, mas versavam também nos modos de pensar,
sentir, crer e imaginar, e assim subjetivavam sobre as
demais modas. Acrescento ainda que os corpos também
tornam-se cada vez mais modismos. O parecer, o desejo
pela eterna juventude, o eterno simbolismo de corpo
definido, saudável, contrário ao envelhecimento é pautado
e difundido pelas grandes mídias de comunicação de
massa. Esse corpo ideal, produzido por esses meios,

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|333


interfere significativamente no desenvolvimento dos
jovens atuais que projetam e assimilam tais modos e
modas de ser ao sua constituição.
É de se considerar que nesse contexto os anúncios
produzidos pela mídia vendem mais que produtos: eles
vendem valores, imagens, conceitos de amor e
sexualidade, de sucesso, e talvez o mais importante
conceitos de “normalidade”. Consequentemente eles dizem
quem cada indivíduo é, e quem deve ser. E pensando em
comportamentos, estes mesmos anúncios dizem, como
sempre disseram, que o mais importante é como se é visto.
A primeira coisa que eles fazem é cercar cada ser com a
imagem ideal de beleza que cada um deve ter. Sendo assim
cada indivíduo aprende desde pequeno que deve gastar
uma quantidade enorme de tempo, energia, e acima de
tudo dinheiro esforçando-se para alcançar esta imagem e,
por vezes, sentem vergonha quando falham. E a falha é
inevitável, pois o ideal é baseado na absoluta
impecabilidade. Afinal não se deve ter linhas faciais ou
rugas, certamente não há cicatrizes ou manchas, de fato
não há poros. E o aspecto mais importante é que esta
impecabilidade é impossível de alcançar. Ninguém é
assim, inclusive aqueles que estão nos anúncios pré-
projetados e estruturados. E parece que neste
enquadramento o uniforme escolar não cabe, ou se cabe,
sua significância não é de tanta valia.
As roupas são nada mais que fantasias diárias,
conteúdos aceitáveis aos signos. No rol das peças de
vestuários e acessórios encontram-se uma oferta
interminável de signos e de combinações destes, onde se
pode fazer uma seleção compondo um determinado
discurso da aparência. Discurso esse criado e recriado
conforme o ambiente e conforme a aceitação que coincide
com a projeção a ser dada por cada indivíduo ao que ele
quer parecer. Ou seja, o sujeito que se adéqua as regras
leva a querer se identificar com determinado grupo, por
necessidade de aceitação, o leva a querer se distinguir dele
ou de outros criando sua própria identidade, e/ou estilo
próprio, por necessidade de diferenciação. E então, o
uniforme escolar ainda tem esse status de identidade?
Cabe perceber, nesse mesmo ensejo que a memória
desses sujeitos transporta essas imagens, significados e
preponderâncias sobre o uniforme escolar experimentado.
Afinal ele está carregado de interferências externas
conscientes e/ou inconscientes. Visto que o sujeito que se
adéqua as regras leva a querer se identificar com
determinado grupo, por necessidade de aceitação, o leva a
querer se distinguir dele ou de outros criando sua própria
identidade, e/ou estilo próprio, por necessidade de
diferenciação.
E por fim, porém não menos importante, necessita-
se destacar que ainda existem outros vetores na

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|334


compreensão da utilização dos uniformes escolares que
validam seu caráter simbólico representativo e
psicossocial. E a pesquisa, que no momento está se
delineando, trará ainda muitas diretrizes e configurações
sobre esse aspecto identitário através do uniforme escolar.

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Apropriação de referenciais históricos para a
educação patrimonial em São José do Polêsine
PorRicardo Kemmerich¹, Roselene Moreira Gomes Pommer², Zípora Rosauro³

Resumo Abstract
Este trabalho é desenvolvido a partir do This work is developed from the
Programa de Extensão em Educação para a Outreach Program in Education for the Fourth
Quarta Colônia de Imigração Italiana no RS Colony of Italian Immigration in the RS
(Programa EDUQCII) em parceria com o (EDUQCII Program) in partnership with the
Colégio Técnico Industrial de Santa Maria, Industrial Technical College in Santa Maria,
Universidade homônima e com a prefeitura de homonymous University and the City of St.
São João do Polêsine. Dentro desse programa, John's Polêsine. Within this program, it was
foi transcrito e transformado em livro o transcribed and turned into a book manuscript
manuscrito composto por dois cadernos composed of two notebooks of the first
produzido pelo primeiro professor da região de professor at St. John's Polêsine region,
São João do Polêsine. “História do São João do presented to the local community at the 60th
Polêsine, desde o início de sua colonização até Regional Rice Party the "History of St. John the
o ano de 1936, escrita pelo Prof. Antônio Polêsine, since the beginning of its colonization
Ceretta” foi apresentado à comunidade local by the year 1936 written by Prof. Antonio
durante a 60ª Festa Regional do Arroz para ser Ceretta "to be distributed in local schools.
distribuído na rede municipal de ensino para
servir de subsídio aos trabalhos com os
estudantes. Keywords:Education for patrimony, identity, heritage, memory.

Palavras-chave:Educação patrimonial, identidade, patrimônio,


memória.

1
Graduando de História com experiência em patrimônio e memória.
2
Doutora em História da América Latina.
3
Estudante do Ensino Médio integrado ao técnico em mecânica.

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Introdução
(...) não sabieis que quem fazem [sic] a história
do mundo, são homens e não o mundo? (CERETTA, 19--,
p. 14)

A História como representação metódica do


passado, permite aos grupos sociais o diálogo da memória
presente com seu tempo pretérito. Porém, não é sua réplica
fiel, pois o documento enquanto referencial, vestígio da
historicidade, “(...) está imerso no presente ao mesmo
tempo [em] que é o suporte de uma significação que já não
está lá” (LE GOFF, 2003). Documento é, então, a
representação da experiência vivida, revelando aspectos da
vida de determinado grupo via apreensão de instantes do
devir, isto é, de sua relação com seu tempo e seu espaço.
Assim, o devir histórico incita os indivíduos de
determinado grupo a contraporem presente e passado, ou
seja, arefletirem sobre o passado no presente,
construindouma específica noção de continuidade histórica
e cultural. O documento, compreendido aqui como
patrimônio, constitui um elo que relaciona experiências e
expectativas, de acordo com valores estético-morais,
culturais, econômicos e sociais.
A distinção entre passado e presente é um
elemento essencial da concepção do tempo. É, pois, uma
operação fundamental da consciência e da ciência
históricas. Como o presente não se pode limitar a um
instante, a um ponto, a definição da estrutura do presente,
seja ou não consciente, é um problema primordial da
operação histórica. (LE GOFF, 2003, p. 207).

A importância das representações do passado de


uma comunidade, como a memória coletiva, está no fato
dessas permitir-lhes classificar as coisas de seu nicho
social, atribuindo-lhes sentidos e existindo enquanto
grupo.A memória coletiva é, então, o elemento basilar da
unidade do grupo, possibilitando-lhe representar-se
enquanto afirmação e apresentar-se, de maneira
diferenciada, em relação àqueles que estão além de sua
territorialidade.
Nora identifica as memórias coletivas como sendo
“(...) o que fica do passado no vivido dos grupos, ou o que
os grupos fazem do passado”. A sua ideia remete-nos à
importância do monumento (tido como “o que fica do
passado no vivido dos grupos”) e do documento (tido
como “o que os grupos fazem do passado”) para a
interpretação, reinterpretação e compreensão das memórias

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|338


que no presente permanecem sendo o que são pela
abordagem que recebem.
A partir dos conceitos de patrimônio cultural e de
memória coletiva, pretende-se refletir sobrealgumas
referências patrimoniais de São João do Polêsine,
município localizado entre os morros da Serra Geral e o
Rio Soturno, no centro do Estado do Rio Grande do Sul.
Esse município faz parte de uma territorialidade simbólica
denominada de Quarta Colônia, a qual alude ao Quarto
Núcleo de Colonização Italiana do Império do Brasil, onde
os aspectos imigrantistas são ressaltados como baluarte das
identificações locais.
Desde o ano de 2011 vem sendo desenvolvido junto
às comunidades da Quarta Colônia do Rio Grande do Sul,
o Programa de Extensão em Educação para a Quarta
Colônia de Imigração Italiana no RS (Programa
EDUQCII) em parceria com o Colégio Técnico Industrial
de Santa Maria e a Universidade Federal homônima, que
consiste em ações de ensino, pesquisa e extensão que
visem o desenvolvimento social, cultural e econômico de
seus moradores. Neste programa insere-se então, a
atividade de elaboração do Museu da Imagem e do Som do
município de São João do Polêsine, em desenvolvimento
desde abril de 2014, o qual resultou, por ora, em um
espaço de memória virtual (Memorial Virtual).
A partir dessa atividade, dois manuscritos escritos
por Antônio Ceretta, primeiro professor da
regiãopolesinense, vieram à tona durante uma entrevista
com o morador local Aléssio Agostinho Borin, curador de
um acervo particular com centenas de peças, o que o
próprio denomina Museu Colonial Vergílio Borin. O Sr.
Aléssio integra aquilo que alguns historiadores chamam
deguardiõesdamemória, ou seja, autodidatas de
determinada comunidade preocupados com a manutenção
dos referenciais do seu passado.É a esse morador
polesinense que devemos a possibilidade de realizar as
problematizações ensejadas neste trabalho.
O professor Antônio Ceretta produziu dois
manuscritos, em momentos políticos diferentes: o
primeiro, constituído de quatro cadernos, escritos em
italiano (vêneto), no final do século XIX, aborda a história
da região do Vale Vêneto efoi traduzido em 1941, pelo
próprio autor, quando o país vivia sob a ditadura do Estado
Novo de Getúlio Vargas;o outro manuscrito, composto por
dois cadernos, foi escritono final da década de 1930,
quando o sistema republicano no Brasil estava em
afirmação e aborda a história de São João do Polêsine. Os
dois se encontram no AHPNSC (Arquivo Histórico
Provincial Nossa Senhora Conquistadora), armário 01,
porta 01, caixa 02 da série Missão Brasileira. Mesmo
sendo produto da ação mnemônica individual, esses
manuscritos são importantes registros da história da

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|339


comunidade, pois resultaram das impressões e testemunhos
do autor acerca das dificuldades enfrentadas pelas famílias
durante os primeiros anos de ocupação da região. Ao que
parece, Ceretta, para a sua época, também pode ser
identificado como um “guardião da memória” de São João
do Polêsine.
Assim, procurar-se-á, através da análise dos dois
manuscritos, refletir sobre sua relevância enquanto
patrimônio histórico-cultural polesinense e de povoados
adjacentes, bem como fonte para pesquisas históricas que
visem compreender de que formaa lembrança dos tempos
da “colônia” e dos primeiros imigrantes são apropriados
como referenciais de suporte histórico. Os manuscritos se
constituem, a partir dessa análise, como suportes da
memória coletiva local, para que se possa discutir e refletir
sobre quais elos de unidade estruturam-se as posições do
sujeito ítalo imigrante, ou sobre quais matérias primas
estrutura-se as identificações locais.

São João do Polêsine e Vale Vêneto


A Quarta Colônia, ou quarta região de colonização
italiana, era chamada de Núcleo Colonial de Santa Maria
da Boca do Monte, fora denominada Silveira Martins,
posteriormente, em homenagem ao senador Gaspar
Silveira Martins que incentivou a sua fundação. Formou-se
a partir do estabelecimento de 70 famílias que chegaram de
barco através do rio Jacuí, até a cidade de Rio Pardo, e de
lá por carros de bois uns, a pé outros, até a região de Val
de Buia. Conforme as famílias dos redutos coloniais
cresciam, a ocupação de novas terras tornava-se
necessária, originando diversos outras comunidades
vizinhas. Dessas, os manuscritos abordam algumas
referências históricas sobre a ocupação de Vale Vêneto e
São João do Polêsine, descrevendo as dificuldades
enfrentadas durante o percurso.
Os primeiros imigrantes, empregavam na viagen
[sic], mais ou menos dois mezes [sic], para chegar ao
logar [sic] de destinação. Deviam desembarcar e embarcar
em diversos portos para mudar de navio, e aí esperar, por
alguns dias o embarque. Assim aqueles que deviam chegar
a Santa Maria de Boca de Montes, como se dizia naquele
tempo, tinham de fazer diversas etapas. Tacavam nos
portos de Rio de Janeiro ou de Santos, de Rio Grande ou
Porto Alegre e finalmente Rio Pardo ou ao logar [sic]
chamado Jacuí: e em todos estes logares [sic], tinham de
ficar diversos dias a espera de novo embarque. De Rio
Pardo, ou de Jacui, deviam continuar sua viagem com
carretas puxadas por bois, postas a disposição deles pelo
governo. Os carreteiros eram brasileiros e com eles vinha

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um diretor, empregado do governo mesmo, para admistrar
[sic] os mantimentos e conservar a ordem. Tal viagem
durava de 7 a 8 dias, sempre ao campo aberto, de dia e de
noite, fizesse o tempo que fizer. As mulheres e as
crianças, iam nas carretas, e os homens e rapazes, seguiam
a pés. (ANTÔNIO CERETTA, 1894, p. 6 – 7)

Silveira Martins recebeu a primeira leva de


imigrantes a partir de 1877, posterior a outras regiões do
nordeste do Estado43, Vale Vêneto em 1878 e São João do
Polêsine somente em 1893. Atualmente, Vale Vêneto é um
distrito turístico que pertence ao município de São João do
Polêsine e não possui mais ligação político administrativa
com Silveira Martins.
Polêsine não fazia parte da ex-colônia Silveira
Martins, tendo sido uma expansão patrocinada por
particulares na área próxima ao rio Soturno, conhecida por
terras de Manoel Py.As terras que margeavam o rio
Soturno foram dadas pelo governo imperial como
pagamento a antigos combatentes da Guarda Nacional
após a Guerra do Paraguai. Assim,as escrituras passaram
às famílias Sertório Leite, desta para Peixoto de Oliveira e
finalmente para Manoel Py. Esse português, em 1893,já
um “comerciante matriculado no tribunal do comércio da
capital federal” e residente em Porto Alegre, designou o
imigrante italiano Paulo Bortoluzzi para que vendesse suas
terras àqueles imigrantes interessados em lotes coloniais
que não fossem aqueles oferecidos pelo Estado brasileiro
na época. Assim, o imigrante ficou na incumbência de
administrar e vender aquelas terras mais baixas,
localizadas próximas ao núcleo colonial do Vale Vêneto,
pondo nos jornais impressos da época, reclames a respeito
da oferta dessas. Paulo Bortoluzzi passou a comercializar
os lotes com os imigrantes que residiam em Vale Vêneto,
em Ribeirão Aquiles e em Silveira Martins, vendendo um
total de quarenta lotes a partir da divisão das terras de
Manoel Py.
Destarte, em Bento Gonçalves, especialmente nas
serras escarpadas que acompanhavam o Rio das Antas, se
tinham estabelecido durante a imigração, as famílias s
Dalmolin eMichellotti. Esses ansiavam adquirir
propriedades em Mambuca, ou Colon, Particular Visconde
de Rio Branco, uma nova colônia em expansão, o que
corresponderia hoje ao município de Pejuçara.
Contudo, muitas famílias imigrantes tinham filhas
que haviam sido enviadas aos noviciados para
estudarem.Foi assim que uma das meninas da
famíliaMichellotti, a qual estudava na Escola Nossa

43
Formaram-se três colônias de imigração italiana na região nordeste do Rio Grande do Sul: Conde d’Eu, Dona Isabel e Duque de Caxias, onde hoje
se encontram as cidades de Garibaldi, Bento Gonçalves e Caxias do Sul, respectivamente. Estas, chamadas de “terras velhas", tornaram-se a “cada
alentada turma de filhos crescidos e casados”, insuficientes para satisfazer as necessidades dos novos núcleos familiares em formação.

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Senhora de Lurdes, em Vale Vêneto, escreveu à sua
família avisando que Paulo Bortoluzzi, comerciante locale
vizinho da escola, com a qual mantinha próximas relações,
vendia "terras plainas"44salvas dos“bandidos assassinos
que campeiam em Cruz Alta e no norte do Estado”45. A
estudante Michelotti, em Vale Vêneto, ciente da “má fama
da violência de bandoleiros de Mambuca46”, orientou as
famílias de Bento Gonçalves para que se dirigissem a
região do Polêsine, “preferindo os pioneiros os matos que
sombreavam a encosta leste final dos morros de Silveira
Martins, nos limites entre os lotes da colonização italiana e
as terras em medição de do Coronel Py” 47. Ali transitava
uma picada, sempre a meia encosta, entre Ribeirão e que
demandava o passo do Rio Soturno. "Inillotempore48",
ninguém se arriscava nas"baixadas paludosas"49 e, menos
ainda, nas "terras de campo".
Dessa forma, veio o primeiro grupo de colonos,
pioneiros das terras baixas do rio Soturno, composto pelas
famílias Dalmolim, Milanesi, Arnutti, Ferron, Pradebon,
Cadore, Pasetto, et al. Por fim, foi, nesse ínterim
colonizador que grupos de imigrantes, entre os quais
estava Antônio Ceretta, autor dos manuscritos aqui
analisados, chegaram à região. Concomitantemente à
ocupação de novas áreas pelas famílias italianas, surgiu a
necessidade da fundação de comunidades, geralmente
iniciadas a partir da construção de uma pequena capela.
Em 1880, com doze anos de idade, Antônio Ceretta
chegou da Itália juntamente com seus pais e irmãos,
fixando-se em uma colônia localizada na subida do monte
de Silveira Martins, hoje Vale Vêneto. Em 1893, já casado
com Thereza Antoniazzi, também nascida na Itália,
adquiriu um lote de 10 hectares, na fértil planície do rio
Soturno.
Devido à formação católica que havia recebido da
família, Ceretta preocupou-se logo com a preparação
espiritual dos filhos dos primeiros colonos, oferecendo-
lhes as primeiras aulas de catecismo. Porém, para tanto era
necessário iniciar as crianças no mundo da leitura e da
escrita, o que exigiu a fundação, também, da primeira
escola de alfabetização do povoado.

44
Planícies próprias para a agricultura.

45
Anotações acerca da história da colonização da Quarta Colônia feita pelo Padre Luiz Sponchiado na Caixa São João do Polêsine, CPG-NP.
46
Ibidem.
47
Ibidem.
48
Ibidem. A religiosidade católica se manifesta nos mais diferentes escritos que compõe o acervo patrimonial da Quarta Colônia de imigração
italiana. O termo in illo tempore faz referência aos tempos imemoriais bíblicos, “naqueles tempos”, sacralizando um passado nem tão distante
assim. É próprio da linguagem litúrgica e encerra uma maneira própria de relacionar passado\presente, item discutido no próximo capítulo.
49
Essas sendo terras baixas, quando foi implantada a orizicultura com irrigação artesanal, trazidas inicialmente pelos negros de Cachoeira do Sul,
valorizaram-se de tal modo que até hoje, a produtividade dessa cultura representa a maior renda do município, fato representado anualment e pela
Festa Regional do Arroz, em São João do Polêsine.

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É preciso registrar que não se pode descrever a
história de nenhum povoado da colonia [sic] italiana, sem
que figure em primeira linha e como motor do seu
desenvolvimento, ocupando o logar [sic] de primeiro
fator, o movimento e progresso religioso. Um núcleo
colonial que tivesse inicio pretendendo excluir este fator,
estaria condenado a definhar e se destruir, porque entre
seus habitantes, haveria falta de união de espirito, e corpo
sem espirito é corpo morto e não pode obrar. Por
conseguinte, cada novo povoado, o primeiro edificio que
se estimava indispensavel de erigir, era uma Capela que se
construia em madeira: a qual, mais tarde, deve ceder o
logar [sic] a bela igreja em material, devendo esta ser
como a galinha que entorno de si reúne seus pintos. Assim
em deredor [sic] da igreja sáem [sic] as outras
construções, e assim o foi tambem [sic] em Polesine.
(Antônio Ceretta in KEMMERICH; POMMER, 2015, p.
18)

Antônio Ceretra acreditava que o sucesso dos novos


núcleos coloniais estava diretamente relacionado à união
da comunidade, para a qual a fé católica representava um
importante elemento. Nos momentos de culto e adoração,
as famílias aproveitavam para organizarem-se para
atividades coletivas, como a abertura de picadas e estradas,
abertura de capões no mato para o estabelecimento das
roças, para a organização de mutirões para a colheita, etc.
Acreditando que a fé cristã era capaz de unir os colonos,
foi através dela que Ceretta alfabetizou durante a
catequização, os filhos dos colonos da região. Maíra
Vendrame (2007), na obra Lá éramos servos, aqui somos
senhores analisou a importância da construção de capelas
para a realização de atividades religiosas e o
estabelecimento de casas comerciais durante estruturação
das novas comunidades da Quarta Colônia.
A preocupação de Antônio Ceretta em registrar as
inúmeras atribulações para o estabelecimento dos
primeiros colonos na região faz com que seu manuscrito
torne-se um suporte importante para a perpetuação da
memória imigrante, memória desgastada e esvanecida pelo
tempo. A reprodução das memórias de Ceretta, através da
publicização dos manuscritos torna possível àqueles que
compõem a comunidade de São João do Polêsine e região,
acessarem aquelas memórias passadas por relatos de
famílias, dos pais para os filhos, e contraporem com
aquelas referenciadas nos manuscritos, como uma forma
de contribuição para a construção da consciência histórica
acerca do processo de colonização e formação das
comunidades na região da Quarta Colônia.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|343


Referenciais Históricos e Patrimônio
Que é o tempo afinal? ─ perguntou Hans
Castorp, comprimindo o nariz com tamanha violência,
que a ponta se tornou branca e exangue. ─ Quer me dizer
isto? Percebemos o espaço com os nossos sentidos, por
meio da vista e do tato. Muito bem! Mas que órgão
possuímos para perceber o tempo? Pode me responder
essa pergunta? Bem vê que não pode. Como é possível
medir uma coisa da qual, no fundo, não sabemos nada,
nada, nem sequer uma única das suas características?
Dizemos que o tempo passa. Está bem, deixe-o passar.
Mas para que possamos medi-lo… Espere um pouco!
Para que o tempo fosse mensurável, seria preciso que
decorresse de um modo uniforme; e quem lhe garante que
é mesmo assim? Para a nossa consciência, não é.
Somente o supomos, para a boa ordem das coisas, e as
nossas medidas, permita-me esta observação, não passam
de convenções… (MANN, 1952, p. 83)50

O tempo, enquanto referencial do devir humano e


de suas experiências, sempre instigou as mais profundas
reflexões. A história, entendida aqui como ciência, se
desenvolve a partir das relações sociais entre os homens,
em um espaço e tempo específicos. É, portanto, a História,
o estudo dos processos humanos que transcorrem através
do tempo, no espaço.
Assim como Mann, quando explicita através de seu
personagem Castorp que o tempo é uma convenção,
podemos entendê-lo como sendo objetificado a partir das
mudanças ou referenciais de permuta ou estagnação.
Como o jovem Castorp, diversos filósofos e
historiadores trataram de tentar entender o tempo. Dentre
eles, Braudel, integrante do grupo que compôs a segunda
geração da Escola dos Annales, o qual baseou o tempo
histórico em heterogeneidades ou temporalidades
diferentes, compreendendo os processos a partir de três
instâncias fundamentais, como uma divisão tripartite do
tempo: a longa duração, o tempo conjuntural e o factual.
Para ele, o tempo curto representava o tempo dos eventos -
o factual. Embora haja a divisão estabelecida pelo francês
entre os tempos históricos, eles transcorrem associados
constantemente entre as demais temporalidades. Fala,
portanto, do evento como algo, até certa medida
expressivo, um acontecimento, de significações múltiplas a
partir de um tempo muito maior do que sua verdadeira
duração, por conseguinte, uma conjuntura, um contexto.

50
Trecho de diálogo ente Hans Castorp e seu primo sobre o tempo, tema central da obraA Montanha Mágica de Tomas Mann.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|344


O evento constitui então uma parte que se anexa, de
forma bastante evidente ou não a toda uma série de
acontecimentos. Os eventos, ou seja, o tempo factual,
breve, relaciona-se com um tempo maior, uma
determinada conjuntura, como por exemplo, um regime,
que, por conseguinte, se relaciona à uma estrutura maior,
uma superestrutura, ou um tempo de duração mais longo,
secular - uma concepção ou prática econômica que influi
sobremaneira nas relações de grupos humanos, como o
capitalismo e seus desdobramentos.
O modo como nós entendemos o mundo e nossas
relações nele, são ditados pela longa duração, porque é
nesse que as relações sociais humanas se dão. Nossas
crenças advindas de um imaginário herdado pela tradição
influem em nossas decisões, orientando os valores morais
a partir dos quais nossas ações são tomadas. Assim, a
partir da difusão do capitalismo mundial com as grandes
navegações do século XVI, propiciaram-se mudanças nas
relações de exploração nos mais variados continentes,
dando início ao chamado processo de globalização. O
deslocamento de grandes contingentes populacionais para
as mais diferentes regiões da América durante o século
XIX e início do XX foi o resultado do aprofundamento da
produção industrial, da expansão das indústrias para a
Europa Central, do aumento populacional no “Velho
Mundo” e da falta de terras para dar sentido e destino ao
trabalho de todos. Com a campanha de migração
estabelecida pela recém-unificada nação italiana e pelo
Império brasileiro, estimativas apontam que cerca de 80
mil italianos cruzaram os mares Mediterrâneo e Atlântico
em busca de expectativa para uma vida melhor, entre 1874
e 1914. Desta região, que se configurava em um corredor
de passagem para as mais diversas etnias, especialmente de
cultura ítala, mas também de cultura alpina de fronteiras
(FAVARO, 2006), a desapropriação de massas
camponesas de suas terra e a introdução das jornadas
assalariadas de trabalho (sistema de meia), descaracterizou
a grande família que se reunia em torno do sistema
produtivo da comune.
Como antes dito, as relações entre o homem e o
meio se modifica conforme as novas concepções de mundo
se constroem. Consolidado o paradigma de produção e
consumo de massas próprias da modernidade, o tempo de
longa duração, transformou as relações do presente em
momentos desconexos de um processo maior, ou pelo
menos, que aparentam desconexão para quem se insere
nele.
Estudos recentes que abordam a história
imigrantista italiana na Quarta Colônia discutem questões
ligadas à memória de suas comunidades e sobre quais
alicerces se construiu sua identidade “italiana”. O cerne da

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|345


discussão encontra-se nas crises de identificações, quando
“as velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o
mundo social, estão em declínio, fazendo surgir novas
identidades e fragmentando o indivíduo moderno”(HALL,
2003, p.7).
Essa reflexão acerca das matrizes identitárias se
fazem presente e necessárias em decorrência de
analisarmos referenciais históricos de um contingente
imigrante extremamente heterogêneo, agindo em um
contexto de estabelecimento de sentimentos nacionais.
Esse distanciamento de sua terra de origem faz com que
suas referências culturais (sociais, linguísticas e
religiosas), que antes eram cultuadas no país de origem, se
esvanecem, gerando uma crise de identidade, pois o seu
“mundo” mudou.
Quando fazemos referência ao mundo, não
queremos abarcar a totalidade do planeta, muito embora
muitos historiadores compreendem o mundo a partir de
uma história totalizante, mas no sentido das relações
influenciadas pelos vários grupos sociais. A história passa
a ter a dimensão da memória coletiva, espaço-temporal de
um determinado grupo de pessoas, ao que chamam de “seu
mundo”. Para Le Goff (2003), a história é a forma
científica da memória coletiva, sendo ela pensada e
problematizada por historiadores a partir da apropriação de
referenciais históricos, vestígios do passado, os materiais
da história – os documentos e os monumentos. Em suas
palavras,
De fato, o que sobrevive não é o conjunto daquilo que
existiu no passado, mas uma escolha efetuada quer pelas
forças que operam no desenvolvimento temporal do
mundo e da humanidade, quer pelos que se dedicam à
ciência do passado e do tempo que passa, os historiadores.
(LE GOFF, 2003, p. 525)

Quando falamos em patrimônio não podemos deixar


de mencionar o caráter mutável que ele encerra
semanticamente, podendo ser requalificado conquanto seu
lugar no espaço e no tempo. Voltando um pouco no tempo
e, analisando sua estrutura etimológica, a palavra
patrimônio tem origem do grego clássico pater, que
significa “pai”, fazendo referência, portanto, a figura
paterna. Assim, patrimônio significa tudo o que é deixado
pela figura do “pai” e transmitido para seus herdeiros após
a sua morte. Está ligado desde a sua formação, às
estruturas familiares, econômicas e jurídicas, fortemente
arraigado à tradição. Hoje, patrimônio é entendido como o
conjunto de bens materiais que estão intimamente
relacionados a identidade, a cultura ou ao passado de uma
coletividade.
Choay (2001) atribui ao patrimônio à expressão de
conceito “nômade”,posto que sua adjetivação (genético,

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|346


natural, histórico, cultural) encerra distintas qualidades
relativas ao seu uso. Para os fins aos quais se propõe esse
trabalho, faremos uso das categorias de
patrimôniohistórico e patrimônio cultural.
O patrimônio histórico
(...) designa um bem destinado ao usufruto de
uma comunidade que se ampliou a dimensões planetárias,
constituído pela acumulação contínua de uma diversidade
de objetos que se congregam por seu passado comum:
obras e obras-primas das belas-artes e das artes aplicadas,
trabalhos e produtos de todos os saberes e savoirfairedos
seres humanos. Em nossa sociedade errante,
constantemente transformada pela mobilidade e
ubiquidade de seu presente, patrimônio histórico tornou-se
uma das palavras-chave da tribo midiática. Ela remete à
uma instituição e uma mentalidade. (CHOAY, 2001, p.
11)

Logo, é o conjunto de bens que contam a história de


uma geração através de sua arquitetura, vestes, acessórios,
mobílias, utensílios, armas, ferramentas, meios de
transportes, obras de arte, documentos. O patrimônio
histórico é importante para a compreensão da identidade
histórica, para que os seus bens não se desarmonizem ou
desequilibrem, e para manter vivos os usos e costumes
populares de uma determinada sociedade.
A partir destas considerações, podemos afirmar que
o conceito de patrimônio não existe isolado. Só existe em
relação a alguma coisa. Desse modo, o patrimônio é o
conjunto de bens materiais e/ou imateriais que contam a
história de um povo e sua relação com o meio ambiente.
É, portanto, o legado que herdamos do passado e que
transmitimos as gerações futuras. Por essa e outras
questões, quando discutimos patrimônio histórico não
podemos deixar de discutir patrimônio cultural, e, apesar
de se tratar de categorias diferentes, estão relacionadas, ou
seja, manifestam-se indissociavelmente.
A Constituição Brasileira atual adotou a
denominação Patrimônio Cultural e, no seu artigo 216,
seção II – Da Cultura, coloca que:
Constituem Patrimônio Cultural Brasileiro os
bens de natureza material e imaterial, tomados
individualmente ou em conjunto, portadores de referência
à identidade, à ação, à memória dos grupos formadores da
sociedade brasileiras, nos quais se incluem: I – as formas
de expressão; II – os modos de criar, fazer e viver; III – as
criações científicas artísticas e tecnológicas; IV – as obras,
os objetos, documentos, edificações e demais espaços
destinados às manifestações artístico-culturais; V – os
conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico e
artístico. (Constituição da República Federativa do Brasil,
art. 216, seção II).

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|347


Este patrimônio é composto por diversos
monumentos que possibilitam aos indivíduos fazerem a
leitura do mundo que os rodeia, de modo a estimular a
reflexão acerca do universo sociocultural e da trajetória
histórico-temporal em que estão inseridos. Dessa forma, o
documento, enquanto suporte de memória, é
monumentalizado, deixando de ser apenas um documento,
transformando-se em monumento. Para Le Goff,
o monumento tem como características o ligar-se
ao poder de perpetuação, voluntária ou involuntária, das
sociedades históricas (é um legado à memória coletiva) e
o reenviar a testemunhos que só numa parcela mínima são
testemunhos escritos. (2003, p. 546)

Para Choay,
o monumento assegura, acalma, tranquiliza,
conjurando o ser do tempo. Ele constitui uma garantia das
origens e dissipa a inquietação gerada pela incerteza dos
começos. Desafio à entropia, à ação dissolvente que o
tempo exerce sobre todas as coisas naturais e artificiais,
ele tenta combater a angústia da morte e do
aniquilamento. (2001, p. 18)
Ao ligar-se ao passado comunitário através da
perpetuação de uma determinada memória, conforma, na
contraposição entre as memórias individuais e as coletivas,
à benesse de sua identidade. Os documentos suportes de
memória coletiva são legados das gerações passadas, às
futuras. Constituem uma herança, de valor patrimonial
histórico e cultural significativo merecendo a atenção dos
historiadores.
Estas características possibilitam a promoção de
atividades que vinculem a educação patrimonial à
valorização do patrimônio cultural local. A historiadora
Maria de Lourdes Parreiras Horta (1999) identifica a
Educação Patrimonial como “um processo permanente e
sistemático de trabalho educacional, centrado no
patrimônio cultural como fonte primária de conhecimento
e enriquecimento individual e coletivo”.
Nesta perspectiva,
fazemos apelo aos testemunhos para fortalecer ou
debilitar, mas também para completar, o que sabemos de
um evento do qual já estamos informados de alguma
forma, embora muitas circunstâncias nos pareçam
obscuras. Ora, a primeira testemunha, à qual podemos
sempre apelar, é a nós próprios. (...) Se nossa impressão
pode apoiar-se não somente sobre nossa lembrança, mas
também sobre a dos outros, nossa confiança na exatidão
de nossa evocação será maior, como se uma mesma
experiência fosse recomeçada, não somente pela mesma
pessoa, mas por várias. (HALBWACHS, 2004, p. 29)

Os testemunhos de Antônio Ceretta, sobre os


acontecimentos das primeiras ondas imigrantistas italianas

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|348


são ricos em referenciais históricos necessários para o
entendimento do processo de formação da história e da
identidade das comunidades ítalo-brasileiras,
especialmente aquelas das comunidades de São João do
Polêsine e de Vale Vêneto. Os manuscritos estão no
Arquivo Provincial Nossa Senhora Conquistadora na
cidade de Santa Maria, RS. Não estão, portanto na cidade
de São João do Polêsine, dificultando o acesso dos
moradores da comunidade ao seu conteúdo, pois estes
constituem hoje uma propriedade privada, legada pelo
próprio autor aos padres pallotinos. Como forma de
garantir o acesso e a publicização das memórias de
Antônio Ceretta, fora transcrito e transformado em livro o
manuscrito sobre história de São João do Polêsine, e
distribuído a rede municipal de ensino para servir de
subsídio ao trabalhado com os estudantes locais. Estas
ações são importantes para a valorização e visibilidade do
patrimônio histórico e cultural, importantes elementos para
a formação da identidade cultural da região. O manuscrito
sobre a história de Vale Vêneto está passando também pelo
processo de transcrição e transformação em livro.
Estas ações configuram-se como trabalho de
extensão da Universidade Federal de Santa Maria, no
sentido de contribuir para a valorização da cultura italiana
na região, e como apoio didático pedagógico para o
trabalho referente à educação patrimonial junto ao público
infantojuvenil.
Se a história é a forma científica da memória
coletiva, é sobre as memórias individuais que ela é
construída, pois,
quando dizemos que um depoimento não nos
lembrará nada se não permanecer em nosso espírito algum
traço do acontecimento passado que se trata de evocar,
não queremos dizer todavia que a lembrança ou que uma
de suas partes devesse subsistir tal e qual em nós, mas
somente que, desde o momento em que nós e as
testemunhas fazíamos parte de um mesmo grupo e
pensávamos em comum sob alguns aspectos,
permanecemos em contato com esse grupo, e continuamos
capazes de nos identificar com ele e de confundir nosso
passado com o seu. (HALBWACHS. 2004, p. 33)

Conjuntamente à publicização dos manuscritos, a


produção de um Memorial Virtual também se constituirá
em um suporte de acesso à memória, permitindo aos
moradores a reflexão sobre referenciais de seu passado. Os
manuscritos, após transcrição e transformação em livros,
comporão o acervo do Memorial Virtual em um suporte
digital, com fotos antigas da comunidade, periódicos locais
e depoimentos orais, hospedados no servidor da Prefeitura
Municipal de São João do Polêsine e disponível ao público
a partir de 2016.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|349


Considerações finais
A publicização das impressões de Antônio Ceretta
sobre as experiências dos primeiros imigrantes chegados a
região da Quarta Colônia de Imigração Italiana no RS
constitui em um importante monumento para que a
comunidade possa acessar as referências de seu passado,
possibilitando as basespara o estabelecimento das
negociações que se pretende oportuno com o passado, para
a constituição e ressignificação das identificações. Estas e
outras ações oportunizam reflexões para que a comunidade
repense e intensifique o uso de seu patrimônio cultural
como monumento útil para a produção de conhecimento
científico, reflexivo e crítico a fim de compreender e atuar
na complexidade do mundo contemporâneo, através de
ações participativas para o desenvolvimento da sociedade
regional em termos culturais e econômicos.
O trabalho ainda está em desenvolvimento e há
previsão para o lançamento de outro livro, “A História de
Vale Vêneto” fruto da transcrição dos quatro cadernos
escritos por Ceretta em 1898, em dialeto vêneto e
traduzido pelo próprio em 1941. Esse será lançado na 31ª
edição do Festival de Inverno de Vale Vêneto, evento que
ocorrerá em julho de 2016 e que é organizado pela UFSM,
em parceria com a prefeitura municipal de São João do
Polêsine.

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Estudo do Turismo. 8°ed. São Paulo: Papirus, 1995.
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italiana: capuchinhos de Sabóia, um contributo para a
igreja no Rio Grande do Sul (1895-1915).Porto Alegre:
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PIBID de História/UFSM
Algumas Reflexões
PorRoselene Moreira Gomes Pommer¹, Julio Ricardo Quevedo dos Santos², AndreLuis Ramos Soares³

Resumo Abstract
O Programa Institucional de Bolsa de The Institutional Program Initiation
Iniciação à Docência, subprojeto História, na Grant to Teaching, subproject history at the
Universidade Federal de Santa Maria foi Federal University of Santa Maria was
instituído em 2009, ampliado em 2011 e established in 2009, expanded in 2011 and
reorganizado em 2014. Objetivando o estímulo reorganized in 2014. Aiming at stimulating and
e a promoção da formação de professores em promoting the training of teachers in History for
História para a Educação Básica e tendo como Basic Education and having as methodological
aporte metodológico a Interdisciplinaridade, approach the Interdisciplinary, this subproject
esse subprojeto já ofereceu oportunidades de has offered opportunities for experiences and
vivências e experiências no ensino da História learning in teaching of history for more than
há mais de setenta acadêmicos. Esse trabalho seventy scholars. This paper aims to describe
pretende relatar a importância assumida pelo the importance assumed by PIBID in valuing
PIBID na valorização da docência entre os teaching among scholars of History Course -
acadêmicos do Curso de História – Licenciatura Degree and Bachelor of UFSM.
e Bacharelado da UFSM.
Keywords:History of Education, Interdisciplinary, Reality School,
Palavras-chave:Ensino de História, Interdisciplinaridade, Realidade Teacher Training.
Escolar, Formação Docente.

1
Professora de História CTISM/UFSM
2
Professor do Departamento de História da UFSM
3
Professor do Departamento de História da UFSM

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Introdução
O Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à
Docência (PIBID) foi implantado pelo Ministério da
Educação em 12 dezembro de 2007, através da Portaria de
nº 38, para ser operacionalizado pela Secretaria de
Educação Superior (SESu), pela Fundação Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e
pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
(FNDE). Em 2009, foi proposto e aprovado junto a essa
instância, o subprojeto “História e Educação: meandros do
ensino formal”, a primeira proposta integrante doPIBID
para o Curso de História – Licenciatura e Bacharelado, da
Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Desde
então, foram executados mais doissubprojetos do tipo, os
quais já proporcionaram vivências docentes acerca de
setenta acadêmicos do curso, além de reaproximar dez
professores da rede pública estadual de ensino, do
cotidiano da Universidade.
Atualmente, o PIBID História conta com 22
Bolsistas de Iniciação à Docência (Bolsista ID), 03
Bolsistas Supervisores de Escolas, 02 Coordenadores de
Área, atuando em duas escolas públicas estaduais
localizadas em áreas periféricas diferentes de Santa Maria:
a Escola Básica Estadual Dr. Paulo Devanier Lauda,
situada na Cohab Tancredo Neves – zona oeste de Santa
Maria – e o Colégio Estadual Profª Edna May Cardoso, na
Cohab Fernando Ferrari, localizada na área leste de Santa
Maria, onde estão sendo desenvolvidas atividades com
estudantes do Ensino Médio e das séries finais do Ensino
Fundamental.Juntamente com outros 13 subprojetos de
cursos de licenciatura, integra o Projeto Institucional
PIBID UFSM, cujomote tem sido o aporteteórico, técnico
e metodológicopara a promoção de ações
interdisciplinares.
Para tanto, o PIBID História tem buscado, através
das intervenções em sala de aula, das oficinas
desenvolvidas nos contra turnos, das produções de
materiais didáticos como maquetes e jogos pedagógicos,
permeados pelo planejamento e pelas discussões e
avaliações coletivas, aproximar os bolsistas da dinâmica
complexa que a realidade escolar apresenta, possibilitando-
lhes estratégias de superaçãodos desafios apresentados por
essa realidade. Dessa forma, osubprojeto perpassa os
interesses da UFSM em interligar seus três eixos
formadores: ensino, pesquisa e extensão e ainda, atende
osobjetivosapresentados no Plano Pedagógico do Curso de
História, qual seja, proporcionar aos seus acadêmicos,

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|353


maiores oportunidades para o desenvolvimento de
experiências e vivências em espaços escolares.
A partir do exposto, esse trabalho
pretenderefletirsobre a importância do PIBID para a
valorização das atividades docentespor parte dos
acadêmicos do Curso de História – Licenciatura e
Bacharelado da UFSM.Para tanto, tomaremos como estudo
de caso as ações pedagógicas desenvolvidas pelo
subprojeto iniciado em 2014, tendo em vista a
institucionalização do Programa na UFSM, a partir
daquele ano.

Considerações sobre o Subprojeto PIBID História


2014
A proposta do PIBID História ao pretender
estimular e promover a formação de educadores para a
Educação Básica tomoucomo aporte metodológico a
Interdisciplinaridade, contemplandoos diferentes níveis de
atuaçãopara apromoção de uma educação pública
inovadora e de qualidade. Para que esse objetivo e essa
proposta metodológica sejam efetivados, oferecendo
diversas alternativas para os vários níveis de ensino
(fundamental ou médio, levando em consideração
legislação e embasamento), o subprojeto
PIBID/Licenciatura em História busca se apresentar como
um complemento amplo à formação didática e pedagógica
dos licenciados, já que em suas atividades, tem procurado
interagir com os vários atores do espaço escolar – alunos,
professores, equipe diretiva, pais e bolsistas.
Na percepção dos Bolsistas Supervisores,
O que se percebe e diferencia o Projeto PIBID é a
preocupação de que a vivência de situações de docência
mais precoces instrumentalize o acadêmico para a
experiência e o gosto de ser professor, que mostre o quão
árdua é essa atividade, mas que pode ser também
prazerosa por tratar do ser humano em formação
(CAVALHEIRO e PEREIRA: 2013, p. 231).

Para tanto,foi imprescindível remetermos os


bolsistas às orientações contidas na legislação, desde
aquelas constantes nos Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCNs), níveis de ensino médio e fundamental, como as
Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional –
LDBEN/96. Essas agem como norteadoras de propostas
educativas, principalmente a partir de abordagens sobre
temas transversais e leis que regulamentam o ensino da

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|354


história e das culturas indígena, afro-brasileira e africana
nas escolas.
Por isso, é necessário que durante o primeiro
semestre de atividades do subprojeto, ocorra a preparação
do grupo. Essa preparação envolve estudos, leituras e
discussões sobre questões didáticas e pedagógicas relativas
ao conhecimento histórico, com vistas ao amadurecimento
das concepções de ensino e de aprendizagem e de sua
importância nos espaços escolares. O fundamento da
aliança entre teoria e prática no ensino da história,reside na
possibilidade de aproximação entre pesquisa, ensino e
função docente, pois, as relações entre “o saber acadêmico
e o saber popular necessitam dialogar para que possam
contribuir com a formação inicial dos futuros professores”
(RAMOS e SARTURI: 2013, p.99).
Assim, de março a junho de 2014 os bolsistas
fundamentaram suas concepções teóricas através de
discussões em seminários, tendo por base as leituras dos
textos de Fernando Nicolazzi, Helena Mollo e Valdei
Lopes de Araújo em Aprender Com a História? o Passado
e o Futuro de uma questão (2012); Selva Guimarães
Fonseca e Marcos Silva em Como ensinar História no
século XXI: em busca do tempo entendido(2007);
Dermeval Saviani e Newton Duarte em Pedagogia
histórico-crítica e luta de classes na educação escolar
(2012) e Ana Lúcia Faria em Ideologia no Livro Didático
(1984).
A importância desse momento inicial reside,
também, na possibilidade de o grupo iniciar o processo de
integração e interação, oqual resulta na organização de
subgrupos para o planejamento e aplicação das atividades.
Nesse aspecto, o planejamento das atividades pedagógicas
se apresenta como elemento fundamental para a
compreensão acerca da necessidade de organização que a
função docente exige.
Por fim, ainda como parte da preparação dos
bolsistas para a proposição e aplicação das atividades, é
promovida a cartografia dos espaços escolares. Essa é
composta pelo reconhecimento espacial e estrutural das
escolas e suas comunidades epelo levantamento de dados e
informações a partir de pesquisas e entrevistas sobre as
demandas e necessidades das mesmas. Seus objetivos são:
possibilitar aos bolsistas elementos para a produção de
conhecimentos acerca das realidades que envolvem as
comunidades nas quais as escolas de atuação estão
inseridas, permitindo-lhes embasamentos para a
proposição e planejamento de atividades, além da
compreensão acerca das relações entre as diversidades
culturais e os processos históricos que envolvem os
diferentes grupos sociais.
A cartografia das escolas atendidas pelo PIBID
História, realizada em 2014, possibilitou o contato inicial

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|355


com as comunidades, apresentação dos Coordenadores de
Área e Bolsistas IDs às equipes gestoras, bem como a
organização e planejamento das primeiras atividades e
serem desenvolvidas, com base nas demandas escolares. A
partir de então, foi possível iniciar a aplicação dos
trabalhos propostos.

Considerações sobre atividades desenvolvidas


As atividades pedagógicas que o grupo integrante
do PIBID História desenvolve desde 2014 se constituem
de propostas aplicáveis em sala de aula a partir das
realidades de cada escola, como: oficinas lúdicas para a
discussão e a reflexão de temáticas trabalhadas nas aulas
de história, exposições e reflexões a partir de maquetes em
três dimensões, intervenções com jogos pedagógicos
emateriais paradidáticos. Essas atividades demandam
estudo, pesquisa e elaboração e, ao serem realizadas,
recebem contribuições de conhecimentos construídos por
outros componentes curriculares, como Filosofia,
Sociologia, Geografia e/ou outras áreas do conhecimento,
como a de Linguagens e suas Tecnologias.
As maquetes tridimensionais são desenvolvidas para
atuarem como alternativas didático-pedagógicas, com
vistas a auxiliar e potencializar a capacidade de abstração
espaço-temporal dos alunos e educadores, bem como,
servir de instrumento facilitador na construção dos
conceitos históricos e na melhoria da escrita,
fundamentadas nas necessidades e realidade das
comunidades escolares. São aplicadas a partir de métodos
interdisciplinaresde aprendizagem e/ou, a partir de
temáticas ligadas à transversalidade da educação
patrimonial e/ou histórica.

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Aplicação de atividade com maquetes. Fonte www.facebook.com/photo.php?fbid

Durante os meses de janeiro e de fevereiro de 2015,


os integrantes do PIBID História produziram quatro
maquetes. Duas delas– espaço colonial e espaço da
campanha – se somaram a maquete representativa das
charqueadas, anteriormente produzida, para integrarem
atividades relativas ao estudo da organização sócio
econômica dos espaços do Rio Grande do Sul, no século
XIX. Outra maquete representou a dinâmica social do
Antigo Egito, para servir de apoio aos estudos sobre as
primeiras sociedades de regadio, enquanto a quarta
maquete buscou representar a organização espacial de um
quilombo, no Brasil do século XVII, enfocando a dinâmica
de Palmares, esta serviu para subsidiar os trabalhos
relativos a estudos sobre a cultura afro-brasileira.

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Aplicação de atividade com maquetes. Fonte www.facebook.com/photo.php?fbid

As oficinas temáticas devidamente fundamentadas e


referendadas, sobre temas diversificados, desde usos
múltiplos de materiais didáticos pedagógicos, até a
aplicabilidade de determinadas leis e diretrizes
curriculares, acontecem em diferentes espaços, no contra
turno das aulas regulares. Essas objetivampossibilitar o
contato com diversas dinâmicas de funcionamento, com
variados e múltiplos saberes, construídos pela e com a
participação de estudantes com idades e turmas
diferenciadas, através da abordagem de temas extraídos da
Cartografia Escolar, pois, “oficinas e intervenções tem essa
característica: provocar ideias, sendo um terreno fértil para
novas práticas pedagógicas e dialógicas” (OLIVEIRA:
2013, p. 48).
Uma dessas oficinas foi intitulada "Nascemos da
mistura, então por que o preconceito?" e foi composta por
três momentos. No primeiro, foi interpretada e discutida a
música "Racismo é burrice" do cantor Gabriel, O
pensador.No segundo momento, foi enfocado o
preconceito como produto do senso comum, a partir de
análises do processo histórico envolvendo o trabalho
africano no Brasil Colônia. Para tanto, utilizou-se a
maquete "Navio Negreiro", facilitando a compreensão, por
parte dos estudantes, de referências acerca do cotidiano
dos grupos africanos durante as viagens para a América e o
processo de resistência decorrente da imposição das
relações de trabalho escravo.Por fim, foi discutida a
situação das crianças nos navios negreiros e a habilidade
das mães em confeccionarem as bonecas Abayomi durante
as viagens, encerrando com os estudantes produzindo
alguns exemplares.

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Aplicação de atividade. Fonte www.facebook.com/photo.php?fbid

Já as intervenções sobre
Patrimônio/Memóriautilizam as metodologias
desenvolvidas pelaEducação Patrimonial e visam
sensibilizar os educandos para a importância de seus bens
pessoais e para a compreensão da memória coletiva como
uma herança cultural. Acredita-se que a partir dos
patrimônios locais, é possível problematizar a
conservação, preservação e construção da autoestima de
comunidades em situações de vulnerabilidade
socioeconômica. Também é possível, a partir de atividades
desse tipo, construir ações de valorização e cuidado para
consigo, com a escola e com a comunidade, através do
levantamento de saberes e festividades que integram o
patrimônio intangível.
Um exemplo de intervenções sobre a temática
patrimonial foi a atividade “Meu querido diário: agentes
históricos em sala de aula” que pretendeu estimular a
valorização da história pessoal dos estudantes, bem como
de suas representações, além de possibilitar estratégias
para o aprimoramento da escrita, da leitura e da
interpretação. Para tanto, foram realizados leituras e
reflexões de trechos de diários de diferentes períodos
históricos, produzidos por diferentes sujeitos. Na
sequência, os alunos redigiram textos sobre o seu dia-a-
dia. Por fim, foi realizada a confecção de diários.

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Atividade de produção de diários. Fonte: www.facebook.com/groups

Os jogos pedagógicospensados e produzidos pelos


próprios bolsistas são instrumentos didáticos positivos no
processo de construção de conhecimentos históricos.
Baseados em textos sobre jogos como alternativa didática,
esses se constituem de objetos lúdicos de aprendizagem
que consideraram a faixa etária e nível de abstração dos
alunos e possibilitam atividades interdisciplinares sobre
temáticas relacionadas ao cotidiano dos estudantes.
Um desses jogos, intitulado “Osmanlis: um jogo
para entender o Oriente Médio”, oferece elementos para
que os estudantes compreendam as relações entre as
diversidades culturais e os processos históricos que
envolvem os diferentes grupos humanos no Oriente Médio,
bem como a importância das referências do passado para a
produção de identificações sociais.
A aplicação do jogo teve início com abordagens
sobre a religiosidade no Oriente Médio. Foram discutidos
os preceitos fundamentais das três religiões monoteístas:
cristianismo, judaísmo e islamismo. Em seguida, abordou-
se o surgimento do Império Otomano, sua expansão, vida
palaciana e a política dos haréns. Concluiu-se a primeira
parte com a extinção do império, após o fim da Primeira
Guerra mundial, bem como a divisão do mesmo entre os
vencedores, o que provocou o aumento das tensões
políticas na área. Na sequência, foi feito um breve
histórico do movimento sionista, com destaque para a

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|360


criação do Estado de Israel e a partilha da região entre
árabes e judeus, o que acirrou os conflitos na área. Nesse
momento, foram trabalhadosconceito de identidade e a
importância da liberdade de expressão para a afirmação
dos indivíduos. O estudo foi concluído com a aplicação do
jogo “Osmanlis”, criado para essa atividade, em formato
de tabuleiro, com três equipes tentando chegar primeiro à
Jerusalém, para reivindicarem a posse sobre o território.
Com a chegada a essa, o jogador é levado a concluir a
partilha da região entre os povos, a fim de garantir-se a paz
na área.
A atividade resultou no interesse dos estudantes
pelo tema, conhecido através das mídias, mas não
suficientemente compreendido. Além disso, o estudo da
temática possibilitou a superação de ideias preconcebidas
e, por vezes, preconceituosas acerca dos elementos
culturais dos povos do Oriente Médio, estimulou a
produção autônoma do conhecimento, através da pesquisa,
reflexão e análise de textos e uma maior participação, por
parte dos estudantes, na produção de novos
conhecimentos.
Já a intervenção “Da Pré-História à História: a
importância da Cerâmica” pretendeu relacionar as técnicas
de produção da cerâmica com o processo de
sedentarização dos seres humanos, domesticação de
plantas, aumento dos excedentes alimentares e a
complexidade da vida social ocorrida ao longo do processo
histórico, apontando para as modificações ocorridas nos
padrões alimentares humanos e as transformações que tal
processo causou nas relações interpessoais.Em primeiro
momento foi realizada uma aula expositiva para a
introdução breve sobre os materiais cerâmicos Guarani,
transformações nos padrões de vida provocados pelo
desenvolvimento da agricultura e dasedentarização, com
apresentação de imagens relacionadas. Após, desenvolveu-
se uma atividade prática, mais especificamente, uma
oficina visando à confecção de peças cerâmicas.
Sobre a possibilidade de construção do
conhecimento histórico a partir das oficinas, os Bolsistas
Supervisores analisam que a estratégia é adequada já que:

O número menor de participantes, que em uma


sala de aula, aliado a maior flexibilidade e dinâmicas mais
atraentes, que se contrapõem ao que vimos nas salas de
aula, onde além do número maior de alunos, há o horário
longo, compartimentado entre as disciplinas, o
regramento, as rotinas que engessam, o professor que tem
que atender diversas turmas nos seus turnos (...) A mistura
de alunos de diferentes idades dentro dos critérios de não
seriação, rompeu com os formalismos da linearidade que o
ensino formal propõe, trazendo ganhos de conteúdos e

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conhecimentos” (CAVALHEIRO e PEREIRA: 2013, p.
236)

Oficina de produção cerâmica. Fonte:www.facebook.com/groups

Os estudantes mostraram-se entusiasmados pela


atividade que uniu ações práticas a momentos de reflexões
teóricas. Como forma de avaliação foram apresentadas
imagens com elementos do período Neolítico, a partir das
quais os alunos deveriam apontar as principais
características e aspectos do período histórico analisado.
As relações entre elementos representativos dos diversos
tempos e espaços puderam ser identificadas, demonstrando
a importância da aplicação de atividades lúdicas, para a
construção do conhecimento histórico.
Atividades como as relatadas são anualmente
divulgadas e publicizadas através dos seminários
institucionais que reúnem bolsistas de diferentes
subprojetos. Como momentos de profícuas trocas de
experiências, possibilitam aos participantes não somente a
divulgação do que fora realizado,como também o acesso às
sugestões e críticas que contribuem para o aprimoramento
de seus trabalhos.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|362


Considerações sobre os resultados alcançados
O PIBID/História tem se mostrado uma
oportunidade importante para a formação docente dos
licenciados, possibilitando a esses o contato direto com a
realidade escolar e com as exigências postas pela função
educativa, antes mesmo do estágio curricular obrigatório.
Assim, a participação no subprojeto proporciona aos
graduandos um ambiente de formação mais complexo,
com acesso a suportes e bases, inclusive teóricas, para que
possam (re)pensar suas propostas educativas de maneira
planejada, pois, ao invés de uma inserção direta e
compulsória, como costuma ocorrer durante os estágios, é
feita uma inserção gradual e autônoma.
No entanto, as vantagens não são unilaterais. Para
Fajardo e Lopes o impacto do PIBID/UFSM se dá,
também, em relação às escolas parceiras, em três aspectos:
O primeiro é o de aproximar a escola da
universidade numa perspectiva diferente do que
normalmente acontece, principalmente, nas pesquisas: a
universidade (através dos seus estudantes e do
coordenador de área) vai até a Escola Básica e permanece
lá com uma expectativa, não só de levar os conhecimentos
acadêmicos, mas também de uma aprendizagem
compartilhada. O segundo diz respeito à possibilidade de
juntos – escola e universidade – buscarem possíveis
soluções para os problemas de ensino e aprendizagem.
Finalmente, o terceiro é a valorização da carreira docente,
principalmente no papel do professor supervisor. (2013, p.
24).

No que se refere aos impactos das atividades


propostas pelo PIBID/Históriapara a formação dos futuros
educadores, destacamos:
1. A contribuição para a diminuição das distâncias
entre conhecimento teórico e conhecimento prático;
2. A valorização das práticas docentes e da
educação em geral;
3. A contribuição para a superação das dicotomias
entre o “pensar” e o “fazer”;
4. A aproximação entre Universidade e
Comunidade;
5. As oportunidades para formação continuada de
professores da Educação Básica atuando na Rede Pública
Estadual;
6. O aumento do interesse dos estudantes dos
últimos anos da Educação Básica, pelo Ensino Superior;
7. O aumento do interesse acadêmico pela pesquisa
docente;

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|363


8. O aumento da qualidade de formação de novos
professores, com o acesso ao universo docente;
9. A percepção e o conhecimento sobre as
realidades das comunidades escolares locais.
O PP do Curso de História da UFSM prevê a
formação de licenciados e bacharéis em História, em um
tempo de cinco anos de atividades de iniciação à docência
e à pesquisa. Contudo, nos anos anteriores a
implementação do PIBID, o que se podia verificar era a
predominância de interesses pela pesquisa acadêmica, em
detrimento de atividades docentes. As ações do
PIBID/subprojeto História – 2014 têm contribuído para a
mudança dessa situação, pois:
1. Oferece aos acadêmicos a oportunidade de
aproximação com o universo prático docente;
2.Cria condições de efetivação da pesquisa docente;
3.Aproxima os conhecimentos teóricos e práticos;
4. Eleva o interesse dos acadêmicos por questões
educativas, em especial por aquelas relativas às novas
metodologias de ensino de história;
5. Insere os acadêmicos nas realidades estruturais e
pedagógicas das escolas públicas de Educação Básica;
6. Transforma as práticas docentes em objetos de
pesquisa acadêmica, com o aumento do número de
Trabalhos de Conclusão de Graduação (TCG)51
relacionados à temática “História e Educação”;
7. Desenvolve habilidades para aplicação das
competências pedagógicas aprendidas a partir do PIBID;
8. Publiciza a produção acadêmica desenvolvida a
partir do subprojeto em revistas científicas e eventos de
Educação;
9. Fomenta a pesquisa em todas as suas instâncias,
estimulando o bolsista a ser agente de uma educação
inovadora e de qualidade.
Porém, algumas dificuldades ainda são encontradas.
Em decorrência de décadas de minimização das atividades
relativas à Educação, as ações docentes ainda carecem de
maior consideração por parte do grupo de professores do
Curso de História, o que poderia representar também,
maior valorização do Projeto no meio acadêmico.
Também, existem ainda algumas dificuldades estruturais e
específicas vivenciadas em cada escola, que dizem
respeito, em geral, a carência de espaços para
armazenagem de materiais e para a realização de algumas
tarefas, bem como relativas à pequena carga horária
disponibilizada pelos currículos em relação ao componente
de história.

51
Em seis anos de atuação, o PIBID História estimulou a produção de trezeTCGs que tiveram como objeto de pesquisa e ensino da História, sendo
dois específicos sobre o Subprojeto.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|364


Considerações finais
O PIBID História tem se mostrado uma alternativa
positiva para a superação de problemas e carências que o
Curso de História da UFSM tem apresentado em
especial,aquele que diz respeito à valorização da pesquisa
acadêmica, em detrimento das práticas educativas. Com as
experiências oferecidas pelo projeto, a Universidade tem
podido oferecer a comunidade profissionais mais seguros,
melhor preparados para enfrentarem as dificuldades
apresentadas pelos universos escolares e conhecedores das
mudanças sociais que a educação de qualidade deve
promover, pois, “as discussões acadêmicas ganham
significado quando imbricadas com as práticas
pedagógicas e curriculares desenvolvidas no espaço da
escola” (RAMOS e SARTURI: 2013, p. 99).
O domínio da língua portuguesa em seus três níveis
é de fundamental importância para a vida acadêmica dos
bolsistas, quer seja desenvolvendo trabalhos em sala de
aula, apresentando trabalhos em eventos acadêmicos ou
produzindo materiais didáticos. A fala é a porta de entrada
do bolsista no ambiente escolar e sua marca deixada em
sala de aula. Ele deve saber articular e dominar a língua
portuguesa, possibilitando um melhor aproveitamento de
sua participação no projeto e facilitando a socialização
com os alunos. A oralidade do bolsista é trabalhada em
sala de aula, na prática como educador, reuniões do
subprojeto com seminários de apresentação de textos e nas
apresentações de trabalhos em eventos acadêmicos. As
reuniões de estudos e de planejamento e avaliação de
trabalhos, as quais ocorrem semanalmente, ajudam a criar
um ambiente mais informal, onde o bolsista pode relatar
suas experiências de sala de aula com o restante do grupo.
A escrita e a leitura são indissociáveis, ou seja, uma
pessoa que lê assiduamente terá uma boa compreensão e
domínio da escrita. A leitura de livros e artigos é essencial
para a formação do educador e o auxilia na melhoria de
sua capacidade crítica, de compreensão de novas temáticas
e de ampliação de seu vocabulário. A escrita deverá ser
aplicada para a produção de materiais didáticos, relatórios
e na formulação de artigos para revistas/periódicos ou
anais de eventos. O material produzido pelo bolsista
mostra o seu nível de conhecimento sobre determinado
assunto, bem como o seu aprofundamento.
Nesse processo a Universidade e as Escolas
acabaram estreitando relações, estabelecendo um diálogo
recíproco com a realidade escolar e realizando, em nível

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|365


Institucional, uma discussão ampla acerca do processo de
ensino-aprendizagem e suas abordagens metodológicas.
Dessa forma, até mesmo aqueles que não se
inseriram diretamente no subprojeto, estão sendo
influenciados e levados a pensar a atividade educativa. Por
fim, produção do PIBID, divulgada através dos artigos,
anais, blog e comunicações em eventos, contribui para que
a formação dos bolsistas se constitua em avanços,
crescimento, aprendizagem, fundamentação teórica e
valorização da profissão. Portanto, cumprindo os objetivos
do projeto PIBID, de inserir o acadêmico em seu futuro
ambiente de trabalho, contribuindo para a formação do
futuro educador.
Ainda há muito a se fazer, mas os primeiros passos
já foram dados. Acreditamos que com a continuidade do
programa, um número maior de estudantes (acadêmicos e
da Educação Básica), poderão se beneficiar e, desta forma,
contribuir para a melhoria da qualidade da educação
brasileira.

Referências Bibliográficas
CAVALHEIRO, Neda Maria. PEREIRA, Isa
Cristina. “Movimentos” na Escola: algumas reflexões
sobre o real e o possível nas oficinas e as práticas da
escola. In: TOMAZETTI, Elisete. LOPES, Anemari.
(Orgs) PIBID UFSM: Experiências e Aprendizagens. Vol.
01. São Leopoldo: Oikos, 2013.
FAJARDO, Ricardo. LOPES, Anemari Vieira.
PIBID/UFSM: construindo caminhos para a formação
de professores. In: TOMAZETTI, Elisete. LOPES,
Anemari. (Orgs) PIBID UFSM: Experiências e
Aprendizagens. Vol. 02. São Leopoldo: Oikos, 2013.
FARIA, Ana Lúcia. Ideologia no Livro Didático.
São Paulo: Cortez, 1984.
FONSECA, Selva Guimarães. SILVA, Marcos.
Como ensinar História no século XXI: em busca do
tempo entendido. São Paulo: Papirus, 2007.
NICOLAZZI, Fernando. MOLLO, Helena. Araújo,
Valdei Lopes de. Aprender Com a História? O Passado
e o Futuro de uma questão. Rio de Janeiro: FGV, 2012.
OLIVEIRA, Luana Ferreira de. Diversidade
Cultural na Escola: construindo novos olhares,
repensando relações sociais. In: TOMAZETTI, Elisete.
LOPES, Anemari. (Orgs) PIBID UFSM: Experiências e
Aprendizagens. Vol. 01. São Leopoldo: Oikos, 2013.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|366


OLIVEIRA, Priscila Roatt de. PALOMA, Rebeca
Ramos. Experiências Únicas, Diálogos Abertos:
Práticas do Subprojeto “História e Educação:
meandros do ensino formal”. São Leopoldo: Oikos,
2013.
RAMOS, Nara Vieira. SARTURI, Rosane Carneiro.
A Relação Teoria e Prática na Formação de
Formadores: a experiência do Programa de Iniciação à
Docência. In: TOMAZETTI, Elisete. LOPES, Anemari.
(Orgs) PIBID UFSM: Experiências e Aprendizagens. Vol.
02. São Leopoldo: Oikos, 2013.
SAVIANI, Dermeval. DUARTE, Newton.
Pedagogia histórico-crítica e luta de classes na
educação escolar. Campinas: Autores Associados, 2012.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|367


Necessidades e perspectivas no Ensino de
História local
A produção de um livro didático sobre a história de Santa Maria e região
PorDenise Belitz Quaiatto¹

Resumo Abstract
Esse trabalho tem por objetivo a This paper aims at presenting the
apresentação da importância do ensino de need for local history of education with the
história local com a produção de um livro production of a textbook on the history of
didático sobre a história de Santa Maria e Santa Maria and the region facing the
região voltado para as séries fundamentais. Em fundamental series. At first it presents a
um primeiro momento será apresentada uma brief history of the textbook in Brazil from
breve trajetória do livro didático no Brasil a the primary education institution in the first
partir da instituição do ensino básico na half of the nineteenth century, followed by
primeira metade do século XIX, seguida de a questioning about didactic production and
uma problematização acerca de produção teaching local history in promoting historical
didática e ensino de História local na promoção awareness. Finally, an outline of the contents
consciência histórica. Finalmente, será feito um will be treated in the material quoted from
esboço dos conteúdos tratados no material the academic and non-academic production
citado a partir da produção acadêmica e não on the history of Santa Maria and region.
acadêmica sobre a História de Santa Maria e
região. Keywords: teachinghistory; Local History; textbook

Palavras-chaves: Ensino de História; História local; livro didático.

1
Mestranda em ensino de História pela Universidade Federal de Santa Maria. Possui graduação pela Universidade Federal de Santa Maria (2010).
Tem experiência na área de História, com ênfase em ensino de História.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|368


Introdução
Os métodos tradicionais de ensino têm sido
questionados com maior ênfase, bem como os livros
didáticos no tocante aos seus conteúdos, exercícios
propostos, o papel e os usos metodológico e ideológico
desses instrumentos. Os Parâmetros Curriculares
Nacionais para o Ensino Fundamental “reconhecem a
realidade brasileira como diversa, e as problemáticas
educacionais das escolas, das localidades e das regiões
como múltiplas”. Porém, ainda que o educador disponha
de certa autonomia para trabalhar conteúdos selecionados
como meio ambiente local, patrimônio histórico-cultural,
aspectos sociais, econômicos e políticos, os alunos,
raramente percebem a sua realidade histórica trabalhada na
sala de aula. Atualmente, novas percepções metodológicas
têm trazido a nós, educadores, reflexões profundas quanto
à interação entre teoria e prática no espaço escolar, entre as
relações estabelecidas entre o currículo formal, elaborado
por especialistas e instituições e o currículo real que,
efetivamente, se concretiza no ambiente escolar e ainda
diferente em relação ao conteúdo encontrado em materiais
didáticos. Com essa nova demanda, torna-se
imprescindível que o educador aproxime a aprendizagem
histórica da realidade histórica do estudante, propondo
ações e superações de problemáticas e superando os
métodos tradicionais de memorização e reprodução.
Ensinar história a partir da realidade do aluno para que este
participe do processo de aprendizagem constatando a
relação escola - comunidade escolar – município – região
torna-se necessária para a construção da identidade e o
reconhecimento do espaço a partir de experiências do
cotidiano. Visando contemplar inovações necessárias para
a prática efetiva de um ensino de maior qualidade, partindo
da necessidade da abordagem de história, mais
especificamente das histórias municipais e regionais,
proponho a partir de pesquisa com a comunidade escolar a
produção de um material didático atualizado voltado a
atender essa demanda. Com base em pesquisa
iconográfica, consulta bibliográfica e documental, o
objetivo é produzir um livro didático sobre a história de
Santa Maria e região para ser utilizado no ensino
fundamental, haja vista a carência de material semelhante
nas escolas municipais.
Partindo da constatação de que os educadores das
séries fundamentais sentem a dificuldade dos estudantes
em situarem-se no tempo e no espaço, o material será
estruturado a partir de uma abordagem cronológica dos
principais desdobramentos históricos da região central do

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|369


estado desde os primeiros habitantes até as décadas finais
do século XX, relacionando-a com aspectos socioculturais,
políticos e econômicos. O objetivo do trabalho é dialogar
com a ampla produção historiográfica - acadêmica ou não -
existente sobre o tema, elaborando um material didático
que permita a compreensão da história regional no espaço
escolar.

O livro didático no Brasil: Breves considerações


O modelo de escola predominante no Ocidente atual
é uma criação da assim chamada Modernidade que se
estabeleceu no século das luzes e estruturou-se a partir de
um currículo racional-cientificista. Sua eficácia no
atendimento aos interesses da ordem burguesa explica o
fato do modelo de escola europeu ter se tornado a forma
educacional hegemônica em todo o mundo. No Brasil, a
estruturação do ensino e, consequentemente, a produção
dos livros didáticos durante o século XIX, também foram
influenciados diretamente pela concepção educacional
oriunda das transformações econômicas e políticas da
Revolução Francesa. Sendo assim, o estabelecimento da
educação escolar foi planejado e acompanhado pelo poder
governamental que passou a utilizar vários mecanismos
para direcionar e controlar o saber disseminado. Na tríade
em sentido decrescente Estado - sistema educacional -
livro didático, “a origem do livro didático está vinculada
ao poder instituído”i e nessa perspectiva, este último
constitui um instrumento privilegiado do controle estatal
sobre o ensino e aprendizado nos diferentes níveis
escolares.
No século XIX, onde o conceito de nacionalidade
surgido na Europa era apresentado como um discurso de
fortalecimento principalmente dos Estados-nações, o
controle sobre as obras impressas era vigiado de perto
pelos governos como uma forma de garantir a ideia de
unificação cultural e territorial, fato que persistiu durante a
primeira metade do século XX, nos países governados por
regimes totalitários. No caso dos livros didáticos, uma vez
que na maioria das escolas estes são distribuídos pelo
próprio governo e por estarem ao alcance de um número
considerável de Jovens e crianças, a articulação entre
produção didática e o nascimento do sistema educacional
estabelecido pelo Estado distingue dessa produção cultural
dos demais livros.
No Brasil, a introdução da História no currículo
escolar ocorreu sob forte influência do modelo educacional
francês, a partir do estabelecimento do Colégio Pedro II
“que durante o Império funcionaria como estabelecimento-

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|370


padrão de ensino secundário, o mesmo ocorrendo na
República, sob a denominação de Ginásio Nacional” ii.
Este, por sua vez, estruturou-se seguindo as diretrizes
ideológicas do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro –
IHGB, criado em 1937 e que tinha como principal função
tornar-se arquivo e guardião da história
brasileira,estabelecendo parâmetros muito definidos em
relação ao que deveria ou não ser histórico ou
historicizado. Apesar de não estar ligado diretamente à
estrutura escolar brasileira, ele atuou como estratégia
eficaz no processo de fortalecimento do estado
monárquico, tornando-se o grande centro da
intelectualidade da Corte na segunda metade do século
XIX.
Analisando a produção didática do período
monárquico e início da República do Imperial Colégio
Pedro II, Melo destaca:
“O que se buscava então, era compor uma
história nacional, por brasileiros, definindo um passado
comum para o país. Em suma, ser um apoio a construção
histórica ade uma Estado Nacional brasileiro, recém-
formado, que nascia grande territorialmente, porém sem
unidade histórica, interpretativa unicizante, que
acompanhasse a ordem política centralizadora, construída
e que construía o II reinado.”iii

Inicialmente, o ensino baseava-se nas traduções de


compêndios franceses que tratavam da História Universal,
História Antiga, História Romana, adequando-se nas
décadas posteriores às reformas realizadas nos Liceus
franceses. A História nacional ocupava um lugar
secundário, relegada aos anos finais dos ginásios com
cargas horárias mínimas fato explicado pela ausência de
produção de obras nacionais.
Analisando a produção didática do Brasil império,
Bitencourt destaca a preocupação das autoridades
educacionais em dois níveis:
“[...] além do manual escolar ser confeccionado
de forma correta quanto às suas informações e estar
atualizado com as inovações científicas, padrões
linguísticos, deveria expressar os valores e a moral de sua
época, evitando assim, qualquer desvio de natureza
“espiritual” em sala de aula.”iv

Dessa forma, existia uma legislação específica para


prescrever quais obras poderiam ser adotadas e de que
forma deveriam ser usadas, próprio de uma concepção de
educação influenciada pela moral religiosa decorrente da
relação entre Igreja e Estado52. Essa preocupação excessiva

52
A Constituição de 1824 estabeleceu o regime do Padroado, caracterizando o Catolicismo como religião oficial do Estado brasileiro bem como a
submissão da Igreja ao Estado.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|371


é explicada pelo fato de que a literatura didática era
entendida como uma possibilidade de unificar a educação
escolar em todo o território nacional.
Dentre as primeiras obras nacionais produzidas para
a disciplina de História destacaram-se no período
monárquico e republicano respectivamente, Lições de
História do Brasil para os alunos do Imperial Colégio
Pedro II de Joaquim Manuel de Macedo e História do
Brasil – curso superior de João Ribeiro. Esses dois
manuais tinham objetivos distintos no tocante a linha
norteadora da abordagem dos seus conteúdos. Enquanto o
primeiro consistia em um esforço para consolidar o Estado
monárquico, o poder instituído e a unidade territorial, o
segundo apresentava uma nova abordagem no sentido de
enfatizar as mudanças políticas em curso, buscando uma
identificação do povo brasileiro com o regime republicano.
No início do século XX, contudo, apesar de uma
continuidade da identificação com a história europeia,
surge a preocupação com a constituição de uma
nacionalidade brasileira, em virtude da necessidade de
consolidação da nova forma de governo. Dever-se-ia
estudar a “biografia de brasileiros célebres, de notícias
históricas do Brasil Colônia e Império e a história da
proclamação da República”v
Desde a implantação do republicano até a década de
1970, acompanhando um processode secularização do
ensino, houve o predomínio de um ensino de História
baseado numa combinação de Positivismo e Nacionalismo,
orientado “pela ideia de um conhecimento absoluto,
definido e acabado; sua verdade é inquestionável desde
que advinda dos documentos” vi. E sendo assim, só são
dignos de entrar para a História “fatos relevantes”, ou seja,
a narrativa dos feitos dos governantes, dos heróis, das
grandes batalhas, propondo uma evolução da História a
partir de uma noção de progresso, com uma ênfase
excessiva sobre a história política, tomando como
referência a civilização europeia ocidental. E nesse caso, a
história predominante era uma história das elites, onde são
levados em grande estima os documentos oficiais do
Estado, uma história rica em informações, precisão, vendo
a História como uma ciência do passado.
Na década de 1930, tornou-se vitoriosa a tese da
democracia racial expressa em programas e livros
didáticos de ensino de História. Em 1938 - foi instituída a
Comissão Nacional do Livro Didáticovii(CNLD),
estabelecendo sua primeira política de legislação e controle
de produção e circulação do livro didático no País.Na
perspectiva nacionalista da Era Vargas, todos conviviam
harmonicamente em uma sociedade multirracial e
caracterizada pela ausência de conflitos, pois cada etnia
colaborava, com seu heroísmo ou com seu trabalho, para a
grandeza e riqueza da nação.

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No contexto da Guerra Fria, foi realizada em 1962,
a Conferência de Puntadel Leste, onde esclareceu-se o
objetivo da educação no contexto da Aliança para o
Progresso, ou seja, a educação deve contribuir exatamente
para o mundo do trabalho, formar trabalhador e não
cidadão trabalhador: “[...], que se oriente a atividade da
escola para [...] contribuir
eficazmente para o desenvolvimento econômico e social”.
Estava ai a meta principal desta conferência, pois se tinha a
proposta no papel e foi posta em prática por meio das
Escolas Polivalentes, oficializadas pela Lei 5.692/71,
cabendo então à Escola Polivalente formar o novo
trabalhador brasileiro no contexto do Regime Militar. Em
1966 - Um acordo entre o Ministério da Educação (MEC)
e a Agência Norte-Americana para o Desenvolvimento
Internacional (Usaid53) permite a criação da Comissão do
Livro Técnico e Livro Didático (Colted), com o objetivo
de coordenar as ações referentes à produção, edição e
distribuição do livro didático. O acordo assegurou ao MEC
recursos suficientes para a distribuição gratuita de 51
milhões de livros no período de três anos. Ao garantir o
financiamento do governo a partir de verbas públicas, o
programa adquiriu continuidade.
No período de redemocratização a partir da década
de 1980, o ensino de História passa a ser ilustrado por
múltiplasabordagens possíveis. A partir desse período,
começa também uma crítica à abordagem eurocêntrica e
pela primeira vez são introduzidos conteúdos relacionados
à história local e regional. De forma pioneira, são
desenvolvidas propostas por eixos temáticos e são
difundias reflexões sobre oprocesso de ensino e
aprendizagem, nos quais os alunos passaram a ser
considerados comoparticipantes ativos do processo de
construção do conhecimento, essas representam
perspectivas muito presentes na concepção de ensino
contemporâneo. A autonomia do professor quanto ao uso
de obras didáticas perante o critério da escolha é uma
realidade muito recente, datada do período de abertura
política coma implantação do Programa Nacional do Livro
Didático – PNLDviii, em 1985. Onde o governo, desde
então, envia uma lista diretamente às escolas públicas de
todo o país que passa pela análise dos professores e sua
posterior adoção.

53
United StatesAgency for InternationalDevelopment.

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O Livro didático e as novas demandas no ensino
para as séries fundamentais
Atualmente, a noção do ensino foi ampliadade tal
forma que se torna imprescindível, para nós, tanto na
condição de educadores quanto de sujeitos sociais, a
percepção de que asdisciplinas que compõem o currículo
escolar não se aprendem apenas na escola. De forma cada
vez mais intensa, as crianças e jovens têm acessoa
inúmeras informações, imagens e explicações no convívio
familiar e social, nas festividades de caráter local, regional,
nacional e mundial. A própria escola deixou de exercer o
monopólio sobre o processo de ensino-aprendizagem agora
compartilhado com vários outros veículos de comunicação
como a internet, produções não didáticas como livros e
revistas, documentários, filmes etc. Esses instrumentos que
auxiliam na difusão de personagens, fatos, datas, cenários
e costumes dão aos estudantes a noção de sujeitos
históricos, muitas vezes, de forma mais atraente que os
recursos tradicionais utilizados no espaço escolar. Essa
diversificação dos meios de aprendizagem reflete
diretamente na mudança de paradigmas metodológicos
quanto aos próprios recursos utilizados em sala de aula,
fazendo com que o livro didático que por muito tempo
permaneceu como instrumento predominante e com
prerrogativas de autoridade máxima, divida seu espaço
com outras fontes históricas.
Isso não significa, contudo, que o livro didático seja
um objeto irrelevante na prática docente, haja vista que
embora vivamos em mundo dominado pela tecnologia, o
mesmo continua sendo um importante instrumento no
processo de ensino-aprendizagem. O Brasil possui na
atualidade um dos maiores programas de avaliação e
distribuição de livros didáticos do mundo. Com o PNLD, o
Ministério da Educação e Cultura instituiu como principal
objetivo “subsidiar o trabalho pedagógico dos professores
por meio da distribuição de coleções de livros didáticos
aos alunos da educação básica” ix.Os números do
programa54mostram que a demanda por livros ainda é uma
realidade pertinentena educação brasileirax. Sabe-se que a
seleção e distribuição dos livros didáticos movimentam
uma grande soma financeira, que faz deste um mercado
bastante interessante para as editoras que publicam e
produzem esses materiais.Cabe salientar ainda, que os

54
Nos últimos quatro anos, o governo federal, através do PNLD investiu na aquisição de 474.717.809 exemplares de livros didáticos para o ensino
fundamental em todo o território nacional.

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vários recursos tecnológicos existentes na atualidade ainda
não estão totalmente disponíveis em muitas instituições
públicas do país, principalmente nas redes municipais e
estaduais, onde predomina uma população de estudantes
de famílias com baixa renda.
Muitos são os argumentos apresentados pelos
contrários ao livro didático, tais como simplificações
explicativas, falsificações ideológicas, condicionamento e
ou dependência do trabalho do professor, metodologias
ultrapassadas, entre outros. Muitos o consideram um mal
necessário, um apêndice ao trabalho desempenhado em
sala de aula que deve ser construído tendo em vista o
protagonismo do docente em uma perspectiva de ensino
tradicional que supervaloriza o texto escrito. A
dependência que muitos professores estabeleceram em
relação ao livro didático é um dos fatores mais apontados
pelos críticos a esse tipo de material.
Sobre outro ponto de vista, entre os aspectos
positivos elencados poreducadores que defendem a
utilização do livro didático podemos destacaros seguintes.
Primeiramente, ele traz o conteúdo disposto de forma
sequencial e simplificada, de acordo com a idade dos
leitores/consumidores; além disso, reúne em um único
instrumento textos, documentos, ilustrações, mapas, enfim,
materiais geralmente de difícil acesso para grande parte
dos alunos; não obstante, a maioria das obras oferece
sugestões quanto a elaboração do planejamento das aulas,
contemplando propostas de atividades extras; e, por fim,
representando um aspecto de caráter prático na vida
docente, o livro didático consiste em um recurso facilitador
da vida do professor, geralmente obrigado a cumprir
cargas horárias e jornadas de trabalho excessivamente
longas.Para os que defendemesse instrumento, acrescenta-
se ainda que, na maioria dos casos, o problema em usar o
livro didático está na relação que alguns professores
estabelecem com o mesmo, tomando-o como um como
recurso único no processo de ensino-aprendizagem,
supervalorizando-o excluindo outras possibilidades de
construção do conhecimento histórico.Não é, portanto, o
livro didático que deve ser condenado, mas os (maus) usos
dos que o estabelecem como recurso único e absoluto. Para
os docentes que priorizam essa postura, Caimientende:
[...] uma das possibilidades de superar o atual
processo de submissão do professor frente ao livro
didático é capacitá-lo a perceber e compreender as
diferentes concepções paradigmáticas presentes em seu
entorno, seja na produção teórica, historiográfica ou
didática, para, a partir disso, construir uma proposta
autônoma para o ensino de História.xi

Torna-se imprescindível que o professor atue como


um mediador no processo de ensino-aprendizagem,

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|375


dominando métodos e técnicas relativos à pesquisa
histórica aplicando-os com o objetivo de ajudar a
desenvolver consciência histórica junto a seus alunos
dentro do espaço escolar nas aulas de História.Entendido
inclusive, como um suporte cultural que opera para além
da escola, já que constitui, muitas vezes, o único material
de leitura entra nas casas dos estudantes de escolas
públicas brasileiras, o livro didático também é considerado
um importante instrumento de trabalho para os processos
de ensino-aprendizagem escolares, um significativo
auxiliar para o trabalho do professor e um elemento
bastante presente na formação das novas gerações.
Além das questões de ordem teórico-metodológicas,
o livro didáticoperpassa toda uma conjuntura
socioeconômica, uma vez que atualmente, este objeto
cultural mobiliza inúmeros atores sociais na sua produção,
circulação e consumo, tais como gestores educacionais,
pesquisadores, professores, estudantes e suas famílias,
políticas educacionais públicas, mercado editorial, mídia
etc. A presença do livro é, portanto, constante na educação
escolar brasileira e há várias décadas ele vem adaptando-se
a novas concepções teórico-historiográficas, trazendo
abordagens múltiplas, ampliando a noção de sujeitos
históricos, enfatizando temáticas étnico-raciais etc.As
necessidades locais, por sua vez, devem ser contempladas
com produções específicas, pois os programas nacionais
negligenciam essas carências regionais e embora haja uma
grande produção sobre história local nas universidades,
essa literatura muitas vezes não chega até a educação
básica.
As produções didáticas regionais podem utilizar
amplamente do conhecimento histórico que é produzido
nas academias através de pesquisas, artigos, dissertações,
teses deve poder ajudar a suprir as carências de orientação
no tempo e os interesses da sociedade, retornando a ela sob
a forma de resposta a essas carências, podendo e devendo,
inclusive, serem utilizados no espaço escolar pelo
professor de História. Porém, ainda existe um grande
afastamento entre a produção do conhecimento histórico
acadêmico do que é levado para as salas de aula de
História.No caso de um livro didático sobre a história de
Santa Maria e região, não há produções específicas apesar
de existir uma grande produção acadêmica sobre o tema,
mas esta acaba ficando restrita aos meios acadêmicos.

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O ensino de História na promoção da consciência
histórica dos educandos
Se já explicitamos que o livro didático ainda
representa um importante instrumento a ser levado em
conta na realidade educacional de muitas escolas, então, o
que podeser ensinado nas obras? Para respondermos a essa
questão, é necessário salientarmos a importância do estudo
da História na promoção do exercício crítico da cidadania.
Espera-se que ao longo do ensino fundamental os alunos
possamampliar gradativamente a compreensão de sua
realidade, especialmente confrontando-a e relacionando-
acom outras realidades históricas em tempos distintos.
Nesse diálogo tem permanecido principalmente, o papel da
Históriaem difundir e consolidar identidades no tempo,
sejam étnicas, culturais, religiosas, de classese grupos, de
Estado ou Nação.No processo de difusão e consolidação de
identidades, vários são os instrumentos que professores e
estudantes podem utilizar dentro e fora do espaço escolar
para a promoção da cidadania, desde fontes iconográficas,
audiovisuais e escritas. Sendo assim, o livro didático,
enquanto produto cultural, também contribui para a
construção da consciência histórica, conforme destaca
Diehl:

“A didática da História está orientada,


fundamentalmente, para a pesquisa sobre o significado do
passado na constituição das sociedades; também para
possibilitar consciência histórica que, por sua vez, sustenta
a identidade de indivíduos e grupos sociais estruturais;
exige uma práxis socialmente racional e abarca a história
como processo, pretendendo ampliar as qualidades
humanas através da ação.”xii

O conhecimento histórico deve, portanto, propiciar


aos alunoso dimensionamento de si mesmos e de outros
indivíduos e grupos em temporalidadeshistóricas distintas,
possibilitando uma reflexão sobre contemporaneidade
pensada e vivida, enquanto produto da racionalidade
humana.Assim, a escolha dos conteúdos deve fundamentar
a compreensão deque os problemas atuais e cotidianos não
podem ser explicados unicamente a partir
deacontecimentos restritos ao presente, promovendo
questionamentos ao passado, análises eidentificação de
relações entre vivências sociais no tempo. Isso significa
que os conteúdos a serem trabalhados com os alunos não
devem se restringirunicamente ao estudo de
acontecimentos e conceituações históricas, mas que o

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|377


aluno possa reconhecer continuidades e mudanças em
todas as áreas do conhecimento. É preciso
promoverpráticas de ensino e incentivar atitudes nos
estudantes que sejam coerentes com os objetivosda
História, tais como partir de problemáticas atuais
identificando origens, continuidades e rupturas ao longo do
tempo no sentido de promover a compreensão de sua
realidade espacial e temporal.
No sentido de contribuir para que os alunos
compreendam a realidade atual emuma perspectiva
histórica, é significativo o desenvolvimento de temas que
permitam o questionamento do presente, identificando
questões internas às organizações sociais e suas relações
sem diferentes esferas da vida em sociedade identificando
relações entre o presente e o passado,discernindo
semelhanças e diferenças, permanências e transformações
no tempo.Uma das principais funções da didática da
História pode ser fundamentada no diálogo entre o
pensamento histórico-científico das formas de pensamento
não científico. Partindo dessa definição sucinta acerca da
didática da história, alguns esclarecimentos são
necessários. Dentre os objetivos do ensino de História para
o ensino fundamental estabelecidos nos Parâmetros
Curriculares Nacionaisxiii, destacam-se:

[...] identificar relações sociais no seu próprio


grupo de convívio, na localidade, na região e no país, e
outras manifestações estabelecidas em outros tempos e
espaços;
- situar acontecimentos históricos e localizá-los
em uma multiplicidade de tempos;
- valorizar o patrimônio sociocultural e respeitar
a diversidade social, considerando critérios éticos; [...]
. questionar sua realidade, identificando
problemas e possíveis soluções, conhecendo formas
político-institucionais e organizações da sociedade civil
que possibilitem modos de atuação;
- reconhecer que o conhecimento histórico é parte
de um conhecimento interdisciplinar;
- conhecer e respeitar o modo de vida de
diferentes grupos, em diversos tempos e espaços, em suas
manifestações culturais, econômicas, políticas e sociais,
reconhecendo semelhanças e diferenças entre eles,
continuidades e descontinuidades, conflitos e contradições
sociais [...]

Sabemos, como já foi citado, que a escola não é o


espaço único no processo de ensino-aprendizagem e que os
alunos levam pra sala de aula muitos conhecimentos
construídos em seu cotidiano, a televisão, os jornais e os
próprios filmes colaboram para que estes tenham um
entendimento de si, enquantosujeitos que estão inseridos
em um contexto social muito mais complexo do que as

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percepções que essas ferramentas do dia a dia podem lhes
propiciar. O livro didático de História, por muitas vezes,
tem em seu conteúdo, esses elementos, que auxiliam no
desenvolvimento e na compreensão de determinados
recortes espaciais e temporais.
No meio escolar, têm sido constantemente recriadas
as relaçõesprofessor, aluno, conhecimento histórico e
realidade social, em benefício do fortalecimentodo papel
da História na formação social e intelectual de indivíduos
para que, de modoconsciente e reflexivo, desenvolvam a
compreensão de si mesmos no tempo e espaço.Por outro
lado, ao constatarem que as abordagens e os
conteúdos escolares não explicam as problemáticas
sociais contemporâneas nem astransformações históricas a
elas relacionadas, professores e educadores buscam outros
modosde compreender a relação presente/passado e de
historicizar as questões do cotidiano.
A ampliação de temas de estudo e de possibilidades
teórico-metodológicas temauxiliado o pesquisador a
refletir cada vez mais sobre os fatores que interferem na
construçãodo conhecimento histórico:
“A questão central que serve de pano de fundo
para qualquer teoria do currículo é a de saber qual
conhecimento deve ser ensinado. De uma forma mais
sintética, a questão central é: o quê? Para responder a essa
questão, as diferentes teorias podem recorrer a discussões
sobre
a natureza humana, sobre a natureza da aprendizagem ou
sobre a natureza do conhecimento, da cultura e da
sociedade.”xiv

É necessário que se perceba e se discuta a real


importância do ensino de História a partir de sua
capacidade de contribuir para que o aluno possa se
perceber enquanto sujeito histórico, que precisa se
compreender a partir do seu presente e das relações que
este tem com processos sociais, econômicos e culturais que
vem se desenvolvendo a partir de diversos momentos do
passado.Na condição de professora de História na
educação básica, entendo o livro como um instrumento que
auxilia no processo de ensino-aprendizagem. Desde que
não seja tomado como única fonte de estudo, articulando-
se com vários outros instrumentos didáticos.
.

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Um livro didático sobre a história de Santa Maria e
Região
Existe uma produção acadêmica considerável com
um grande número de monografias, dissertações e teses
que abordam aspectos históricos, educacionais,
socioeconômicos, culturais etc. sobre Santa Maria e região.
No entanto, grande parte dessa produção continua sendo
desconhecida para população em geral e principalmente,
para os estudantes da rede municipal de ensino. Entre
outras razões, as exigências e características da produção
acadêmica, resultam que essas pesquisas não são
acessíveis a não-especialistas e de difícil uso didático-
pedagógico.Nesse sentido, entendemos que a existência de
um texto pedagogicamente adequado ao ensino e
aprendizado escolar sobre o tema irá contribuir para a
constituição dos saberes da população local sobre ela
mesma.
Pretende-se reunir a produção realizada por autores
que produziram sobre tal temática, sejam eles de formação
acadêmica ou não na área de História, para produzir um
texto que contribuía no melhor entendimento da História
regional no espaço escolar. Ou seja, ainda que com todo o
rigor da produção científica, pretendemos produzir um
texto que tenha linguagem acessível ao público infanto-
juvenil da região.O primeiro ano de desenvolvimento do
projeto foi dedicado à digitalização das obras existentes
nos dois maiores acervos bibliográficos da região, das
bibliotecas do Centro Universitário Franciscano e da
Universidade Federal de Santa Maria. No segundo ano,
2013, foi realizado o fichamento e a leitura das obras
reunidas e digitalizadas em 2012. A próxima etapa do
projeto consiste na elaboração de um material didático que
contemple a História de Santa Maria e região a partir de
uma abordagem cronológica dos principais
desdobramentos históricos da região central do estado
desde os primeiros habitantes até as décadas finais do
século XX, relacionando-a com aspectos socioculturais,
políticos e econômicos, conforme o quadro abaixo:

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Apresentação
Capítulo 1: Os primeiros tempos
1.1 A origem, lendária e histórica da cidade de
Santa Maria
1.2 Os primeiros habitantes, os grupos
indígenasda região central do estado
Capítulo 2: Uma terra de imigrantes: a
colonização da região central do estado
2.1. A imigração europeia
2.2. A imigração judaica
2.3. A imigração árabe
Capítulo 3: Os contingentes militares
3.1. Santa Maria no contexto das guerras do
Prata.
3.2. A Base Aérea de Santa Maria
Capítulo 4: Nos trilhos do trem
4.1. A Ferrovia e o Desenvolvimento da
cidade
4.2. A Cooperativa dos Empregados da Viação
Férrea
Capítulo5: As instituições educacionais
5.1. Maristas, Franciscanos e metodistas
5.4. As universidades
Capítulo6: O Patrimônio histórico e
cultural de Santa Maria
6.2. Os prédios e monumentos tombados
6.sespaços de cultura
Considerações finais

Optou-se por estabelecer um eixo cronológico para


nortear o material, pois nas séries fundamentais, grande
parte dos professores ressalta a dificuldade que a maioria
dos estudantessente em estabelecer uma sucessão

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|381


cronológica, não que isso deva significar a principal
preocupação dos educadores. Porém, “é necessário
observar o tempo cronológico comoordenador da
experiênciahumana e como fatorde inteligibilidade dessa
mesma experiência paraos alunos iniciantes” xv.
Entendemos que a abordagem de uma história local pode
levar os estudantes a perceberem os vínculos entre a
História que lhes é ensinada, sua realidade histórica e ou
sua situação no tempo presente, considerando o tempo
histórico como um acúmulo de diferenças. Esse problema
decorre de uma inquietação recorrente na atividade de
professores e pesquisadores, que se resume na discussão
dos objetos sociais do ensino de História. Pretendemos,
dessa forma, aprimorar o ensino de História através da
elaboração de um material didático que seja adotado para
uma melhor proposta de ensino, tendo em vista, a carência
de produção de material didático sobre a História de Santa
Maria e região com o intuito de subsidiar o trabalho os
professores dos anos iniciais das escolas da rede municipal
de educação.

Considerações finais
Longe de ser um objeto ultrapassado, o livro
didático ainda constitui um importante instrumento de
ensino, pois o mesmoainda faz parte da realidade de
muitas escolas tanto da rede pública quanto na rede
privada de ensino. Percebe-se também o Estado brasileiro
estabeleceu, desde sua consolidação até a
contemporaneidade, um controle efetivo sobre as
produções didáticas tanto na sua elaboração quanto na sua
avaliação e distribuição através de programas como o
PNLD. O livro didático suscita debates acalorados entre os
que o defendem como um importante subsídio no processo
de ensino-aprendizagem e os que argumentam ser um
material de submissão e de construção de um discurso
ideológico no intuito de legitimar o poder instituído.
Considerando a produção historiográfica acadêmica
regional, concluímos que se torna pertinente elaborar um
material didático sobre a História de Santa Maria e região,
contribuindo para oferecer um recurso alternativo que sirva
como suporte pedagógicono processo de ensino-
aprendizagem na construção da cidadania a partir de uma
identidadelocal.

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O Ensino de História no PROEJA:
reflexões sobre a prática docente com alunos trabalhadores
PorPaula Rochele Silveira Becher55, Denise Verbes Schmitt56 e Roselene Moreira Gomes Pommer57

Resumo Abstract
As disciplinas de prática de ensino para The practical disciplines of teach for
os cursos de formação pedagógica buscam educational training courses seek to enter the
inserir os acadêmicos em sala de aula para que, academics in the classroom in order that, in a
de forma supervisionada, possam praticar e supervised manner, they can practice and
refletir sobre o aprendizado teórico construído reflect on the theoretical learning built during
durante a graduação e também para que graduation and also to experience the school
vivenciem o ambiente escolar enquanto environment as teachers. This paper will
professores. O presente texto abordará algumas address some reflections on the teaching
reflexões sobre a prática docente a partir das practice from the experiences while
experiências vividas durante a realização de conducting supervised training in history in
estágio supervisionado em História, em duas two classes of the Foundation Degree in
turmas do Curso Técnico em Eletromecânica Electromechanical integrated into the high
integrado ao Ensino Médio na modalidade EJA, school in EJA modality, a member of
integrante do PROEJA, ofertado no Colégio PROEJA, offered at the ColégioTécnico
Técnico Industrial de Santa Maria, vinculado à Industrial Santa Maria, linked to the UFSM.
UFSM. Desta forma, serão abordadas questões Thus, issues will be addressed involving the
que envolvem a formação de professores de training of history teachers in the perspective
História na perspectiva da educação of education and integrated technology to high
profissional e tecnológica integrada ao Ensino school in EJA modality.
Médio na modalidade EJA.
Keywords: History teaching, teacher training, PROEJA, integrated,
vocational and technological education.
Palavras-chave:Ensino de História, formação docente, PROEJA, ensino
integrado, educação profissional e tecnológica.

55
Contato: chele_becher@yahoo.com.br
56
Contato: ise0770@yahoo.com.br
57
Contato: roselenepommer@ctism.ufsm.br

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Introdução
O presente artigo abordará questões acerca do
ensino de história e da formação inicial de professores na
educação profissional integrada ao ensino médio na
modalidade de Educação de Jovens e Adultos (EJA). A
reflexão aqui apresentada surgiu durante a experiência de
estágio realizada no Curso Técnico em Eletromecânica
integrado ao Ensino Médio na Modalidade Educação de
Jovens e Adultos do Colégio Técnico Industrial de Santa
Maria (CTISM), ao longo do primeiro semestre do ano de
2014, curso este vinculado ao Programa Nacional de
Integração Profissional com a Educação Básica na
modalidade de Educação de Jovens e Adultos (PROEJA).
Tal registro teve origem nas trocas de experiências das
duas acadêmicas (no período em questão) do Curso de
História – Licenciatura Plena e Bacharelado da
Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), com a
professora orientadora da disciplina de estágio curricular
obrigatório, deste mesmo curso e também regente da
disciplina de História no CTISM.
A grade curricular do Curso comporta quatro
disciplinas de Prática em Ensino de História, as quais
buscam inserir o acadêmico em sala de aula, para que esse,
de forma supervisionada, coloque em prática o
aprendizado teórico que foi construído ao longo da sua
vida acadêmica. A disciplina de Prática IV realiza esta
inserção no cotidiano escolar, proporcionando-lhe a
primeira experiência enquanto professor de nível médio.
Para o graduando, este pode ser um momento de
aprendizado e possibilidade de praticar e refletir alguns
dos ensinamentos teóricos desenvolvidos, até então, na
Universidade. É também o momento em que surgem
questionamentos, dúvidas ou inseguranças. O estágio
possibilita que Universidade e Escola se aproximem de
forma mais acentuada, tendo em vista a formação de um
novo profissional. Esta aproximação promove a troca de
conhecimentos e informações que favorecem as discussões
sobre prática e teoria em educação, facilitando o
intercâmbio de conhecimentos e aprimoramentos para
ambas as instituições, mediante o intermédio do
acadêmico.
Junto a estas questões, entende-se também como
necessária a reflexão acerca das especificidades da
educação voltada para jovens e adultos trabalhadores, na
perspectiva da integração entre a educação profissional e
técnica. Neste sentido, compreende-se a necessidade de
uma abordagem que objetive demonstrar a
indissociabilidade entre o trabalho manual e o intelectual,

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|385


percebendo a História por meio da práxis integradora dessa
dualidade, que é, ao mesmo tempo, geradora do
aprimoramento técnico vivido pela humanidade a partir do
domínio e alteração da natureza pelo homem (BECHER,
no prelo).A perspectiva do ensino de História abordada
neste trabalho, integrado à educação profissional e
tecnológica, é considerada como de fundamental
importância – aliada aos demais componentes da
aprendizagem – para uma formação integral e humanizada,
voltada para a prática social, nela incluindo as ações
laborais, a partir das dimensões fundamentais da vida: o
trabalho, a ciência e a cultura (RAMOS, M., 2010, p. 43).

Educação de Jovens e Adultos e o Ensino de História


O acesso de jovens e adultos a educação básica é
um direito garantido pela Constituição Federal de 1988,
através do seu artigo 208 e reafirmado pela Lei de
Diretrizes e Bases da Educação – LDBEN 9394/96, a qual
legitimou a Educação de Jovens e Adultos (EJA) como
uma modalidade de ensino. Aliado ao significativo avanço
da reflexão acerca da Educação de Jovens e Adultos que
tem ocorrido nos últimos anos e que se reflete na
legislação e em algumas práticas, uma série de
necessidades ainda se apresentam para a efetivação de uma
prática qualitativa no que se refere a esta modalidade.
Segundo as considerações de Ramos, L. (2010, p.13),

A Constituição de 1988 prevê educação regular para


jovens e adultos, com conteúdos e características
adequadas às suas necessidades. Mas o que vemos, na
prática, é a adaptação de profissionais atuantes no ensino
fundamental e no ensino médio regulares, além da
utilização dos mesmos espaços e materiais, consolidando
uma oferta “pobre” de escolarização à população que se
encontra fora da idade regulamentar e busca, na EJA, uma
nova oportunidade de educação e ascensão social. Outra
face da moeda é formada por levas de jovens ainda em
idade de frequentar os cursos em oferta regular,
transferindo-se para a EJA prematuramente, no intuito de
acelerar seus estudos devido à defasagem escolar.

Assim, reforça-se a necessidade da EJA ser pensada


enquanto uma modalidade de ensino, como já previsto na
legislação, diferenciada do ensino fundamental e do ensino
médio regulares, bem como, que não seja confundida com
um meio de aceleração ou “depósito” de alunos oriundos

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|386


do ensino regular. Neste sentido, corroboramos com Dutra
(2010, p.68):
Educação de Jovens e Adultos tornou-se uma modalidade
específica da Educação Básica que se propõe a realizar o
atendimento de um público ao qual foi negado o direito à
educação na idade própria. São jovens e adultos que
representam uma determinada camada da população e, ao
refletir sobre esta camada, devemos considerar a
heterogeneidade desse grupo, seus interesses,
necessidades e vivências.

Frente à heterogeneidade e às especificidades que o


trabalho com jovens e adultos coloca, ele exige, assim
como nas demais modalidades de ensino, uma abordagem
que reflita suas demandas. Dentre outras questões, esse é
um público marcado pelo afastamento do ensino escolar
regular, muitas vezes pelo insucesso neste, e que traz
consigo uma ampla variedade de vivências adquiridas fora
dos muros da escola, as quais precisam ser consideradas no
processo de ensino-aprendizagem. Estas características
tornam desafiadora a realização de um trabalho capaz de
abordar essa bagagem de experiências, a qual costuma ser
bastante variada, aliada ao desenvolvimento de
conhecimentos relacionados aos saberes sistematizados
pela humanidade e considerados importantes para a
formação profissional e humana, de forma que os mesmos
façam sentido e sejam apropriados pelos alunos.
Além da conclusão da formação básica e elevação
do nível de escolaridade, o público de jovens e adultos,
composto majoritariamente por trabalhadores já inseridos
no mercado de trabalho ou em busca desta inserção, possui
necessidades de ampliar sua qualificação para o mercado.
Desta forma, em 2005 foi criado um programa de âmbito
federal que visa integrar a educação básica à formação
técnica, o Programa Nacional de Integração Profissional
com a Educação Básica na modalidade de Educação de
Jovens e Adultos (PROEJA). Estabelecido a partir do
Decreto Nº 5.478/2005 e alterado pelo Decreto Nº
5.840/2006, o Programa é caracterizado como:
projeto educacional que tem como fundamento a
integração entre trabalho, ciência, técnica, tecnologia,
humanismo e cultura geral com a finalidade de contribuir
para o enriquecimento científico, cultural, político e
profissional como condições necessárias para o efetivo
exercício da cidadania. (BRASIL, 2007, p. 5)

O Programa foi instituído na rede federal de


educação profissional, podendo também ser adotado pelas
instituições públicas dos sistemas de ensino estaduais e
municipais e pelas entidades privadas nacionais de serviço

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|387


social, aprendizagem e formação profissional vinculadas
ao chamado “Sistema S”58 (BRASIL, 2006).Mesmo
considerando-se que “o simples enunciado de um direito,
na legislação, não conduz necessariamente a mudanças nas
práticas sociais e escolares” (RAMOS, L., 2010, p. 30),
percebe-se na elaboração e na instituição do Programa o
atendimento da demanda social, como uma possibilidade
de reflexão acerca do ensino na Educação de Jovens e
Adultos.
Nos currículos dos cursos de licenciaturas as
disciplinas práticas de ensino geralmente estão voltadas
para as atuações nos níveis Fundamental e Médio. Ocorre
que estes estágios por vezes ocorrem apenas com turmas
regulares, o que leva o acadêmico a concluir a formação
inicial sem refletir e vivenciar as especificidades da prática
na EJA. Considerando que diferentes realidades levam à
formação plural do professor, e pensando em uma
formação inicial mais diversificada, optou-se pela
experiência em turmas de jovens e adultos.
Ainda, refletindo o ensino de História na
perspectiva da formação inicial de professores e remetendo
ao momento do estágio final, considera-se que:
Para além da finalidade de conferir uma habilitação legal
ao exercício profissional da docência, do curso de
formação inicial se espera que forme o professor. Ou que
colabore para sua formação. Melhor seria dizer que
colabore para o exercício de sua atividade docente, uma
vez que professorar não é uma atividade burocrática para a
qual se adquire conhecimentos e habilidades técnico-
mecânicas. Dada a natureza do trabalho docente, que é
ensinar como contribuição ao processo de humanização
dos alunos historicamente situados, espera-se da
licenciatura que desenvolva nos alunos conhecimentos e
habilidades, atitudes e valores que lhes possibilitem
permanentemente irem construindo seus saberes-fazeres
docentes a partir das necessidades e desafios que o ensino
como prática social lhes coloca no cotidiano. Espera-se,
pois, que mobilize os conhecimentos da teoria da
educação e da didática necessários à compreensão do
ensino como realidade social, e que desenvolva neles a
capacidade de investigar a própria atividade para, a partir
dela, constituírem e transformarem os seus saberes-fazeres
docentes, num processo contínuo de construção de suas
identidades como professores. (PIMENTA,1999, p. 17-18)

58
Compõe o Sistema S as seguintes entidades: Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai); Serviço Social do Comércio
(Sesc); Serviço Social da Indústria (Sesi); e Serviço Nacional de Aprendizagem do Comércio (Senac). Existem ainda os seguintes:
Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar); Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo (Sescoop); e Serviço
Social de Transporte (Sest).

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|388


Desta forma, compreende-se aqui como relevante o
relato e a reflexão sobre a prática docente, pois se entende
o período do estágio um momento de experimentação dos
conhecimentos desenvolvidos ao longo da formação inicial
do professor.

A Escola e seus alunos: uma caracterização


A prática foi desenvolvida no Colégio Técnico
Industrial de Santa Maria. Trata-se de uma escola técnica
federal, vinculada à Universidade Federal de Santa Maria,
localizada junto ao campus sede, o qual iniciou suas
atividades em 1967. Atualmente o CTISM conta com seis
cursos técnicos subsequentes ao Ensino Médio, com
modalidade presencial e EaD e quatro cursos técnicos
integrados ao Ensino Médio. Um desses últimos é o de
Eletromecânica, único curso da instituição integrante do
Programa Nacional de Integração da Educação
Profissional com a Educação Básica na Modalidade de
Educação de Jovens e Adultos (PROEJA), no qual foram
realizados os estágios curriculares aqui abordados.
O colégio, ao contar com uma política pedagógica
de integração entre a educação básica e o ensino técnico,
caracteriza-se como uma importante instituição pública de
formação técnica industrial na Região Central do Rio
Grande do Sul, atraindo alunos de diferentes localidades.
Estes alunos contam com uma infraestrutura voltada para
as necessidades dos cursos técnicos, havendo laboratórios
com aparelhos e materiais específicos para
desenvolvimento das atividades práticas. Como integrantes
da Universidade, os alunos do colégio possuem direito a
todos os benefícios ofertados aos alunos da UFSM.
O CTISM em seu Projeto Político Pedagógico
afirma que sua missão é “Educar para uma cidadania
consciente”, sendo que seu objetivo é “ministrar o ensino
Profissional de nível Técnico e Tecnológico,
proporcionando aos educandos a formação necessária
para o desenvolvimento, preparando-os para o mundo do
trabalho e o exercício consciente da cidadania”59. Com
esta perspectiva, a proposta pedagógica busca uma
avaliação mediadora, formativa e diagnóstica, na qual se
verifica a contínua e efetiva apropriação de saberes,
competências e habilidades. Na modalidade EJA a
avaliação é feita através de pareceres descritivos dos
professores, havendo um consenso e respeito da equipe em

59
Fonte: Projeto Político-Pedagógico do Colégio Técnico Industrial de Santa Maria. Disponível em:
http://www.ctism.ufsm.br/index.php/projeto-polco-pedago-topmenu-122, acesso em 24 jun. 2014.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|389


relação às intervenções necessárias para o pleno
desenvolvimento de cada aluno.
Os alunos que buscam o CTISM para sua formação
passam por um processo seletivo de ingresso. No caso do
curso integrante do PROEJA há uma problemática em
relação às reprovações, visto que sua organização é
semestral, formada por semestres pares e impares. Assim,
em caso de reprovação, o aluno precisa ficar um semestre
afastado do curso, já que não pode se matricular no
semestre seguinte, sem que tenha recebido aprovação no
anterior. Esta questão leva muitos alunos que reprovam em
determinado semestre a desistirem do curso.
O colégio estabelece várias parcerias com empresas
locais e regionais, especialmente devido à necessidade de
estágio para seus alunos. Como a escola possui um
público bastante variado quanto ao local de origem, as
decisões administrativas estão voltadas para a necessidade
da escola, sem que haja a participação de uma comunidade
local. Quanto aos alunos, estes são representados pelo
Diretório Estudantil e por representantes de turma nos
conselhos de classe e em algumas reuniões específicas,
acerca de ações que envolvam a escola. No que se refere à
acessibilidade de informações, existe o site da escola
(http://www.ctism.ufsm.br) onde são disponibilizados PPP,
notícias, processos seletivos e informações sobre os cursos.
Para conhecer as turmas, foram desenvolvidas
observações preliminares, além de diálogos com os
estudantes e com a professora regente. Nesta aproximação
com os alunos buscou-se saber os motivos que os levaram
a optarem pela modalidade EJA. Dentre as respostas dos
alunos foi possível perceber a necessidade e prioridade da
inserção no mercado de trabalho, busca de autonomia
financeira, necessidade de contribuir com a renda familiar,
dificuldade de conciliar o trabalho com os estudos e o
difícil acesso ao Ensino Médio para alunos das zonas
rurais. Ainda é importante ressaltar que muitos alunos
afirmaram que há algumas décadas a escolaridade exigida
para alguns setores do mundo do trabalho era mínima e
que atualmente existe uma exigência de conclusão do
Ensino Médio, além de uma busca constante por
qualificação técnica. Por isso os alunos foram motivados a
voltar à escola, agora pela modalidade EJA. Dentre outras,
aparecem questões ligadas à qualificação e ao
aprimoramento técnico, busca de certificação e
possibilidade de ascensão a novos cargos de trabalho. Foi
possível concluir que a procura pelo PROEJA está ligada a
questões técnicas de formação e a conclusão do Ensino
Médio, proporcionada pelo curso, pois ele favorece a
conclusão do ensino básico e a formação técnica
profissionalizante, além de habilitar para a continuidade
dos estudos em nível superior.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|390


A maior dificuldade apontada pelos alunos é a de
conciliar os estudos com as difíceis jornadas de trabalho,
além da necessidade de abrirem mão de passar mais tempo
com seus familiares. Outra dificuldade lembrada refere-se
ao acompanhamento dos conteúdos, pois muitos deles
estavam muitos anos fora da sala de aula. Ainda foi
abordada a questão do horário de trabalho afetar as aulas
(horas extras ou necessidade de trabalhar até mais tarde),
pois o trabalho tem prioridade sobre os estudos, já que do
trabalho vem o sustento para o aluno e sua família, ainda
que o estudo seja importante para manter este mesmo
trabalho.
Assim foi possível perceber que a principal
característica dos alunos do PROEJA é a de serem
trabalhadores, que buscam qualificação para o mercado de
trabalho, bem como, a de necessitarem da certificação para
manterem-se empregados. A busca por ascensão
profissional ou melhores oportunidades de emprego na
área e consequentemente, a ascensão financeira é uma
constante no perfil destes alunos.

Vivências de estágio com alunos trabalhadores no


PROEJA
O primeiro relato remete ao estágio realizado junto
à turma 338, cursando o 3° semestre do curso
Eletromecânica Integrado, vinculado ao PROEJA,
realizado no segundo semestre de 2014. A mesma era
composta por 23 alunos, dentre os quais apenas duas do
sexo feminino. Ainda constatou-se que a turma era
integrada por indivíduos de faixa etária bastante variada,
com alunos entre 20 e 59 anos de idade, sendo que grande
parte deles já estavam inseridos no mercado de trabalho.
Inicialmente, fez-se a observação das aulas da
disciplina de história, contando seis aulas visualizadas. A
constante nestas aulas era a preocupação da professora em
fazer links entre o passado e o presente, debatendo
questões cotidianas dos alunos, sendo que os mesmos
demonstraram-se atentos e participativos, principalmente
no que se refere à discussão sobre as características do
trabalho no período estudado e a relação com a atualidade,
percebendo questões como a exploração de mão de obra,
contradições de classe e a questão da cobrança de
impostos. Ou seja, as questões vivenciadas no cotidiano
dos alunos pautavam as discussões e promoviam as
reflexões sobre a realidade dos mesmos. As aulas
desenvolveram-se a partir do “instigar e discutir” sobre as

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|391


questões abordadas, a partir da pedagogia crítica,
fundamentada no materialismo histórico-dialético.
Os alunos demonstraram uma grande proximidade
com a professora, discutindo inclusive problemas de
ordem pessoal com a mesma. A preocupação da professora
em relação aos alunos era de incentivá-los a prosseguirem
os estudos, percebendo a importância de fazer disto um
hábito, de serem críticos e compreenderem as situações
que ocorrem no cenário atual, sendo a educação um fator
importante para suas vidas e não apenas uma forma de
manter os empregos.
Os alunos eram instigados a participarem das aulas
a partir de questões cotidianas, onde sempre era feito um
link com o período histórico estudado. Segundo Rüsen
(2007), aprender é um processo dinâmico, no qual o sujeito
que aprende passa por mudanças. O aprendizado histórico
se constitui pela apropriação da história, ou seja, de um
acontecimento ocorrido no passado que se torna uma
realidade da consciência e torna-se subjetivo. Com a
formação histórica o sujeito tem uma flexibilidade do
ponto de vista dos fatos e imposições sócio-culturais,
podendo assim optar, escolher e agir a partir de seus
conhecimentos e consciência histórica. O saber histórico é
produto da experiência e da interpretação, sendo resultado
desta síntese, e não um mero conteúdo pronto.
A observação inicial permitiu o planejamento das
ações pedagógicas que estavam em construção,
considerando as peculiaridades da turma e entendendo
como os alunos se portavam mediante a mudança de
regência. Com isso criou-se uma aproximação, que
permitiu a ambos sentirem-se a vontade em relação a
questionamentos e diálogos sobre as temáticas trabalhadas.
No entanto, se a observação permitiu certas percepções e
aproximações, a mesma distorce certas questões, pois a
percepção do regente nem sempre condiz com o
entendimento de quem está visualizando. Este fator trouxe
a reflexão sobre alguns elementos, como a diferenciação
entre o posicionamento do aluno quando ele percebe a
estagiaria como colega ou como professora. Outra questão
é a carência de atenção que a turma apresentava, pois
muitos alunos demonstravam a necessidade de mostrar
interesse, requeriam a atenção durante as exposições,
sendo esta uma característica que necessitou ser
considerada durante a elaboração dos planos de aula e
efetivação dos mesmos.
Em relação ao planejamento das aulas, as mesmas
tinham o objetivo de possibilitar aos alunos elementos para
a compreensão do período histórico, para que pudessem
entender como as transformações que ocorreram,
influenciam atualmente nossas vidas. Ainda no que diz

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|392


respeito aos planejamentos, buscou-se meios que
possibilitassem aos alunos construir conceitos acerca dos
temas estudados, visando o entendimento da formação da
sociedade atual, seus elementos de permanência e ao
mesmo tempo, de como a mesma está em um processo
constante de modificações.
Em relação aos aspectos do mundo do trabalho,
pretendeu-se que os alunos compreendessem que os
direitos que usufruem foram conquistas a partir de lutas
sociais e não frutos de concessões políticas, visando que os
estudantes entendessem a necessidade da consciência de
seus direitos e deveres. A prática foi norteada pela
problematização dos conteúdos, a partir da qual questionar
é promover a reflexão, provocar a desnaturalização de
contextos e conceitos que são apresentados como verdades
absolutas.
Portanto, as aulas pretenderam instigar os alunos
sobre problemas do seu cotidiano, os quais necessitam
buscar no passado, as respostas para sua compreensão. A
metodologia do ensino de história cultural busca
(...) um princípio norteador de uma nova educação, entre o
período histórico e a realidade do aluno, que através de
uma análise histórica crítica, possa entender os motivos
que levaram um determinado grupo social a escolher um
determinado espaço, a agirem ou defenderem um
determinado valor sócio- cultural naquele local e períodos
(MOREIRA E MORAES, 2006, p. 70).

Dessa forma, diversos recursos didáticos foram


utilizados, como maquetes, culinária (degustação),
charges, notícias, slides, mapas e imagens, sendo que os
mesmos foram utilizados conforme cada temática. As
avaliações das intervenções foram realizadas durante a
aula, mediante a participação dos alunos e no final do
bimestre com interpretação de texto e questionário.
O trabalho foi desenvolvido a partir das temáticas
da Idade Moderna na Europa e no Brasil Colonial, sendo
que a temática que mais suscitou discussões por parte dos
alunos foi Brasil Colônia e sua estrutura de produção,
trabalhada a partir do uso de maquete “navio negreiro” e
de imagens das pinturas de Debret. Dessa forma, os alunos
foram questionados sobre qual a relação das imagens, a
maquete e a construção do preconceito racial no Brasil?
Nesta aula as contribuições foram da grande maioria dos
alunos, sendo que os mesmos ao final demonstraram ter
compreendido que o preconceito é algo construído
socialmente e que se manifesta de várias formas.
Outra temática que instigou muito os alunos foi a da
história da alimentação – a mesma englobada no período
referenciado -, quando os alunos degustaram alimentos que
eram indicados pela a exposição dialogada. A alimentação

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|393


é algo inerente do ser humano, assim buscou-se que os
alunos entendessem que o aprendizado não ocorre apenas
na sala de aula. Nesta aula elementos como memória,
massificação e padronização industrial e do paladar, meios
de organização para a produção foram debatidos.

O alimento constitui uma categoria histórica, pois os


padrões de permanência e mudanças dos hábitos e práticas
alimentares têm referências na própria dinâmica social
(...). Alimentar-se é um ato nutricional, comer é um ato
social, pois se constitui de atitudes, ligadas aos usos,
costumes, protocolos, condutas e situações. Nenhum
alimento que entra em nossas bocas é neutro. A
historicidade da sensibilidade gastronômica explica e é
explicada pelas manifestações culturais e sociais, como
espelho de uma época e que marcaram uma época.
(CARNEIRO, 2011, p. 108)

As demais aulas ocorreram normalmente, com a


predominância das discussões a partir de slides, o que
facilitava a compreensão por parte dos alunos. Estes slides
eram predominantemente de imagens do período estudado.
No entanto, este tipo de aula, às vezes, podia tornar-se um
problema, pois apagar as luzes, em alguns casos, induzia
os alunos ao sono. A estratégia nestas aulas foi a de mudar
o tom de voz e acender e apagar a luz, fazendo os alunos
discutirem durante os intervalos, para mantê-los
acordados.
A segunda experiência deu-se com a turma 358, 5º
semestre do Curso Integrado de Eletromecânica ao Ensino
Médio, vinculado ao PROEJA. A turma era composta por
20 alunos, sendo apenas uma do sexo feminino. A
predominância masculina apresenta-se como uma
característica que se repete nas demais turmas do integrado
noturno. Apesar da constatação de que o ingresso de
mulheres no ensino técnico industrial tem aumentado, este
aumento têm-se dado especialmente para o público mais
jovem, do ensino médio regular, que é ofertado no período
diurno e não nas turmas do noturno. A faixa etária dos
alunos variava entre os 25 e 35 anos de idade.
A característica geral da turma era de alunos
trabalhadores, especialmente da área eletromecânica, com
ganhos salariais médios de um a um e meio salário
mínimo, que buscavam um aprimoramento para melhor se
colocarem no mercado de trabalho. Entre as principais
dificuldades relatadas acerca da turma estavam a leitura, a
escrita e a interpretação. Já o maior desempenho é
percebido na área técnica, especialmente por ser prática e
estar próxima das atividades laborais da maioria dos
alunos.
Dentre as maiores dificuldades apontadas pelos
alunos era o fato de trabalharem o dia todo, o que os

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|394


levava a chegarem cansados para a aula. Outra dificuldade
foi a retomada dos estudos, pois parte significativa da
turma esteve afastada da sala de aula por muito tempo. A
questão do horário de trabalho também afetava o
rendimento escolar, já que as horas extras ou necessidade
de trabalhar até mais tarde faziam com que muitos
perdessem parte das aulas.
Os eixos temáticos a serem abordados ao longo do
semestre haviam sido pensados em conjunto entre os
professores de humanidades que trabalhariam naquele
semestre (professores da área de História e Filosofia).
Como o curso é caracterizado por ser integrado ao ensino
técnico, as questões históricas e filosóficas foram pensadas
especialmente a partir da produção do conhecimento
técnico, ligado às experiências de trabalho dos alunos. As
aulas basearam-se na provocação e discussão sobre tais
questões.
O planejamento inicial foi entendido de forma não
estática, sofrendo adequações de acordo com as
necessidades que surgiam, como por exemplo, da aula
sobre o Golpe Civil-Militar de 1964 no Brasil, que foi
adiantada em função do aniversário de 50 anos deste e da
abordagem sobre os movimentos sindicais no Brasil, que
foi feita logo após uma palestra dada aos alunos, a qual
abordou essa temática. Dentre os recursos metodológicos
utilizados nas aulas, estão: músicas, vídeos, mapas e
imagens, que estimulavam a atenção dos alunos, os quais
muitas vezes estavam bastante cansados.
Ao longo do primeiro bimestre foram feitas as
observações, para posteriormente ter início a prática do
estágio, dentro do qual se buscou manter o planejamento
geral das aulas, aprovado no início o ano letivo. Tal
escolha considerou que o estágio ocorre em um período
relativamente curto, no qual a intervenção é realizada ao
longo de um semestre já em andamento, com uma
metodologia já em uso.
Considerou-se que no contexto de ensino e
aprendizagem o professor exerce a função de instigar o
aluno na busca pelo conhecimento e pela problematização
das situações que o rodeiam. Assim, traz questões que ao
mesmo tempo em que abordam conceitos e conteúdos
considerados importantes, aproximam-se da realidade do
aluno, fazendo com que o estudo/atividade realizado seja
útil tanto em aprimorar a construção do seu conhecimento
no sentido do saber fazer, quanto no sentido reflexivo,
onde o conteúdo serve como um estímulo para a ampliação
e problematização das questões abordadas.
Desta forma, a partir das temáticas: a Revolução
Russa de 1917, a crise econômica mundial de 1929 e as
crises do início do século XXI, a Segunda Guerra Mundial
e o mundo pós Segunda Guerra, a Era Vargas (1930-1945)
e dos aspectos culturais no Brasil no século XX, foram

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|395


desenvolvidas questões que abordam não apenas os
eventos em si, mas uma série de questões que podem ser
pensadas a partir destes e que percebem a História
enquanto uma dinâmica onde abordar o passado nos faz
refletir sobre as questões que constituem e cercam nosso
cotidiano. Os objetivos específicos de cada aula, assim
como os recursos didáticos utilizados foram organizados a
partir de planos de aula individuais, os quais partiram do
planejamento geral e foram organizados e readequados
semanalmente.
De forma geral, as aulas foram expositivas-
dialogadas, nas quais a abordagem feita buscava
relacionar-se também com o mundo do trabalho e com as
experiências e saberes trazidos pelos alunos, visando o
processo de ressignificação de saberes. Tais ideias
baseiam-se na ideia de que se devem buscar abordagens
diversas - sociais, econômicas, políticas e culturais de
forma a estimular nos alunos para o desenvolvimento de
uma visão crítica acerca da história. Também foram
consideradas questões como as levantadas por Neves
(2010) sobre o processo de ensino-aprendizagem do adulto
e o papel do educador. Sobre esta questão, o autor coloca:
a importância de se observar a relação direta da aplicação
dos conhecimentos à realidade do educando, o
desenvolvimento de uma série de interesses que se
converta na percepção da necessidade de aprender e no
desejo de fazê-lo. O papel do educador também se
diferencia, principalmente, no uso das ferramentas. Sua
ação é mais voltada para a mediação, a ligação entre o
conhecimento e a realidade do educando. Sua função é
mais orientadora e menos avaliativa, diferente do que se
vê na proposta do sistema de ensino convencional.
(NEVES, 2010, p. 26)

Desta forma, o processo avaliativo foi feito


continuamente, buscando perceber o envolvimento e o
aprimoramento do conhecimento dos alunos a partir das
atividades propostas, e se estas estavam se apresentando
adequadas. Ao final do semestre, foi solicitada a realização
de uma pesquisa a ser apresentada em grupos durante a
aula. Tal atividade relacionou-se aos conteúdos
desenvolvidos ao longo de todo o semestre, priorizando
uma abordagem cultural sobre os aspectos do século XX.
Os alunos demonstraram um grande envolvimento com a
atividade, realizando as pesquisas individual e
coletivamente. As apresentações demonstraram a
compreensão das atividades propostas pelos alunos,
podendo ser identificada a relação das questões
desenvolvidas anteriormente àquelas propostas na
atividade, assim como entre as abordagens e aspectos
cotidianos atuais.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|396


Ao fim do segundo bimestre, e consequentemente,
do primeiro semestre letivo, foi realizado o Conselho de
Classe da escola, momento onde foi realizada a avaliação
final dos alunos a partir de pareceres descritivos. Tal
avaliação foi realizada de forma conjunta pelos professores
e organizada separadamente entre as turmas.

Considerações Finais
A constante reflexão que permeou o momento do
estágio foi à dificuldade de trabalhar com turmas tão
heterogêneas, mas que tinham um elemento em comum:
alunos que não tiveram a oportunidade para prosseguirem
seus estudos na faixa etária tida como “ideal” e que hoje
são trabalhadores que buscam concluir seus estudos, seja
para uma melhor colocação no mercado de trabalho ou
mesmo para conseguirem manter seus postos.
Ao considerarmos os dois estágios, percebemos a
que a realidade dos alunos, influenciada por suas
vivências, são especificidades dessa modalidade de ensino,
a qual deve ser pensada a partir da realidade de jovens e
adultos trabalhadores. Assim necessita-se uma abordagem
que estimule e reflita e entendimento do aprimoramento
técnico vivido pela humanidade por meio da
indissociabilidade entre o trabalho manual e intelectual, e
que permita aos alunos se apropriarem dos conhecimentos
históricos construídos a partir dos diversos conceitos que
lhes permeiam, favorecendo uma interpretação e atuação
crítica sobre a constituição da realidade que lhes cerca.
Ainda decorrente da especificidade das turmas,
outro desafio encontrado para a realização do trabalho em
sala de aula, além de considerar o fato de nos depararmos
com alunos fatigados, que em alguns casos priorizavam
especialmente as conquistas profissionais entendidas a
partir da certificação, foi a necessidade constante de
estimular os mesmos para que compreendam a necessidade
de prosseguirem os estudos e não desistam dos mesmos.
Decorre, também, o desafio de trabalhar com alunos de
diferentes faixas etárias, que possuem tempos e interesses
diversos de aprendizagem.
Tais considerações corroboram para a necessidade
de os cursos de formação inicial e continuada de
professores adotarem em seus programas, oportunidades
de reflexão sobre ensino em EJA, visto que esta é uma
modalidade consolidada e que possui especificidades que
não podem ser desconsideradas em relação ao ensino dito
regular. Ainda, considera-se a necessidade de abordar
questões que remetam ao Ensino Integrado, visto que o

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|397


mesmo tem sofrido uma considerável expansão a partir de
diversas iniciativas, como a implementação do PROEJA, o
qual também carece de reflexão acerca de como o ensino
de história pode, ou deve, se integrar à formação técnica.

Referências Bibliográficas
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desafios para o ensino integrado pelo viés da politecnia.
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Das margens ao centro:
a história da áfrica em uma experiência de estágio
PorLetícia Mistura60

Resumo Abstract
Intenta-se, neste texto, refletir sobre uma The intention of this paper is to
experiência de estágio curricular docente, think over a History teaching internship
pensado a partir das possibilidades de experience, thought from the centrality of
centralidade da história da África como possibilities of African history as an
alternativa a uma história canônica, alternative method to a
eurocentrada, excludente e facilitadorade canonical,eurocentered, exclusive
equívocos históricos, anacronismos e history,facilitator of historical misconceptions,
preconceitos cultural e etnicamente anachronisms and culturaland ethnically
direcionados. Buscou-se, pela mobilização do targeted prejudices.We attempted to, by
conteúdo histórico como gerenciador de mobilizing the historical content as the
intencionalidades metodológicas, a relação dos methodological intentions manager, the
estudantes, por estranhamento e empatia, com relationship of students, by estrangement and
uma faceta da história ainda desconhecida e, empathy, with a facet of history still
por meio de provocações reflexivas, a Unknown and, through reflective
desconstrução de perspectivas “folclorizadas” e provocations, the deconstruction of wrong and
alegóricas a respeito da história do continente allegorical prospects about the history of the
africano. Como avaliação final do período de African continent. As a final assignmentof the
estágio, foi proposta a construção de uma probationary period, the construction of a
narrativa, mobilizando as instâncias do “pensar narrative has been proposed, by mobilizing
historicamente” dos estudantes em suas the instances of "historical thinking” of
relações intrínsecas com os conteúdos students inits intrinsic relationship with the
apreendidos na aula de História. contents learned in History class.

Palavras-chave: Ensino de História, História da África, pensar Keywords: History teaching, African history, historical thinking.
historicamente.

60Universidade de Passo Fundo (UPF).

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“Havia a Europa, e nisso se resumia a história.”
Henri Moniot

A formalização cognitiva dos processos que


condicionam a construção do conhecimento histórico – em
suas esferas mais basilares -, que se direcionariam para a
arquitetura do “pensamento histórico” (ou, como ação, o
“pensar historicamente”) tem sido objeto de consenso,
entre muitos pesquisadores61, como a composição de uma
das funções atuais para o ensino de história na educação
básica. Segundo Rüsen (2010, p. 53-93), o pensamento
histórico é apenas um tipo específico do pensamento
humano, dinâmico e genérico da vida prática. Os processos
realizados cognitivamente no pensar historicamente
configurariam a peculiaridade desse tipo de pensamento,
que não é óbvio tampouco “dado” e cuja significação está
no sentido que o homem atribui (intencionalmente,
entretanto nem sempre conscientemente) a este: o de suprir
(ou de responder às) suas carências estruturais. Articulado
ao pressuposto de que o homem só vive se conseguir
relacionar-se com a necessidade de interpretação de sua
realidade de mundo, conjuntural, Rüsen almeja justificar a
necessidade da história, como elemento (pelo que chama
de consciência histórica, gestão do pensamento histórico)
de interpretação da realidade – logo, da experiência
humana no tempo.
Atualmente, significativa parte das iniciativas
investigatórias dos processos de ensino e aprendizagem de
história têm focalizado suas motivações para fazer da
experiência um fundamento (com valor epistemológico)
do fazer pedagógico (DIEHL, 2003). Esta iniciativa está
diretamente vinculada a um movimento maior no campo
da teoria e da escrita da história, localizado nas últimas
décadas do século XX, onde existe um esgotamento das
funções paradigmáticas de construção de sentido e um
deslocamento, de acordo com a analogia descrita por Diehl
(2003, p. 4), da visibilidade do sujeito produtor da história
dos palcos para a plateia do teatro do tempo:

As narrativas históricas perderam muito de seu sentido


original, as quais buscavam orientar e legitimar projetos
de sociedade. A grande orquestra tocava a sinfonia da
modernização, da racionalidade e da ciência, formando
um conjunto harmonioso no qual o progresso gozava o
status de solista. Nesse conjunto formado pela orquestra,
cenário, maestro, muito pouco contava a assistência da
plateia. (DIEHL, 2003, p. 4).

61
Exemplos de produções que apontam para esse horizonte podem ser encontrados em CERRI (2013), CAIMI (2006, 2008), SC HMIDT;
SCHMIDT (2009).

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Esta plateia não interferia na orquestra processual,
histórica, sendo apresentada. Apenas assistia, sem voz de
ação, sendo eventualmente coadjuvante numa sinfonia de
representação de coletividade reduzida. Efetivamente, o
curso da história estava representado nos poucos
instrumentistas, que a organizavam em notas rumo ao
progresso humano – um progresso fundamentalmente
etnocentrista, seleta nos sentidos de orientação econômica,
política, cultural e de gênero. Esta organização explicativa
básica e orgânica do processo histórico perde seu sentido
em favor do entendimento de um presente pós-moderno, e,
de forma mais abrangente,multicultural e pluriorientado.
As motivações humanas, explicitadas em suas relações
com a história, a memória – e com a própria existência –
são trazidas para o centro da discussão, rompendo com o
“purismo” metodológico que reinava e separava as formas
de produção do conhecimento histórico das de outras
disciplinas, em relação também aos meios e sentidos de
investigação. O processo acabou por estabelecer, dentro de
uma crise paradigmática e aqui de forma simplista, uma
relação de “populismo” (DIEHL, 2003) da história
científica para com o restante das ciências humanas e
sociais, das quais emprestou conceitos, estratégias
metodológicas, categorias explicativas adaptadas a um
método novo do fazer histórico, que constitui-se a partir de
e com as críticas a modelos anteriores, numa autonomia
questionável, mas existente. O interesse pela experiência
humana como forma de representação histórica é uma
resposta para a construção de sentido no fazer histórico, já
que se configura como uma existência real, vital e
pluralmente cultural, comum a todos os indivíduos – uma
vez que esteja estabelecido que a experiência, embora e
num paradoxo, é individual, porém coletiva, imersa em
uma pluralidade histórica, que remete a conjunturas
coletivizadas que extrapolam seu período vital
(HALBWACHS, 2006).
A concepção de experiência como a realidade
significada humana, que constantemente se dinamiza em
processos de construção e busca de sentido, sendo
temporal e espacialmente orientada, motiva a pensar a
relação do homem com a ciência, uma vez que o fazer
científico (embora modernamente tecnicista, e igualmente
em crise interna, onde busca a reconexão com a
“natureza”), da mesma forma, é orientado por carências de
sentido da vida prática– de uma forma mais aproximada,
com carências históricas. Ora, estando contida na
experiência a interpretação, a validade e a construção de
conhecimento, também ela está justificada e se constitui
como fundamento de uma prática científica histórica.
A história se posiciona assim como forma e método
de interpretação da realidade, numa conjunção de tempos
dinâmicos, significados pela existência de grupos sociais e

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pela forma como pensam, constroem sentido e significam
os fenômenos sociais e históricos. Os processos educativos
fazem parte desta construção de vida em relação com a
ciência (ou com os métodos da prática científica), na
medida em que o homem, como ser social e familiar,
recebe desde que nasce um mundo “pronto”, precisando
apreender e interpretar situações da vida humana de acordo
como o mundo as mostra e a família – ou a comunidade
cultural em que está inserido – o orienta. Essas noções da
primeira etapa de socialização familiar (CORTI, 2014) são
decisivas para a escolarização futura, porque é delas que a
criança retira conceitos, formas de comportamento,
preconceitos, normas sociais e concepções já “carregadas”
historicamente. Torna-se dever do ensino de história, em
seus processos de ensino e aprendizagem, reconhecer e
trabalhar com o peso histórico trazido por cada estudante.
Isso implica que os estudantes possuem, além do que já
carregam,necessidades de interpretação histórica e de
mundo que a história pode lhes assegurar ou auxiliar na
fragmentação/entendimento das que já possuem.
Este texto, com objetivo central de refletir sobre um
projeto de estágio docente, realizado no Ensino Médio e
durante o último período da licenciatura em História, está
direcionado em duas vias principais de intenções. A
primeira parte dedica-se à apresentação do plano de
propostas do projeto de estágio, aportado em sua
fundamentação teórica e na abordagem e problematização
do tema em recorte, em estreita vinculação, e intenta
discutir o conteúdo histórico escolhido e recortado pelo
estagiário como o gerenciador das intenções
metodológicas pelas quais efetuará a ação pedagógica
prevista no currículo. Na segunda parte discute-se a
vinculação de uma proposta de histórica temática – neste
caso, temas da história da África - no estágio
supervisionado e das características específicas desta fase
de formação docente, no que diz respeito a escolhas de
conteúdo, intenções metodológicas e percepções da relação
aluno-professor na construção da identidade professoral do
licenciando, em ação e choque constante entre suas
proposições teóricas e a efetividade de sua experiência
pedagógica e nas avaliações que devem decorrer desta
experiência.

1. A proposta
O plano de aplicação desta proposta, no estágio
docente, vinculava especialmente as intenções docentes ao
desenvolvimento, pelos estudantes, da ação do “pensar
historicamente”,concebido por Rüsen (2010) como um tipo
específico das operações do pensamento “natural” humano
e de tudo o que ela implica numa aula de história, e isto

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significa entendê-lo, em suas condições, também como
historicamente constituído. O pensamento humano tem
historicidade, e a forma de pensar historicamente inclui-se,
aqui, como signo desta construção. Na perspectiva do
ensino de história na educação básica, pode-se incluir
como princípio fundante e ponto de partida o aluno, que é
sujeito histórico, social, em suas concepções e visões de
mundo, entendendo-se entre tempos e espaços na
concomitância em que estuda o entendimento de homens
de diferentes tempos e espaços em suas concepções e
visões de mundo, também como sujeitos. O ensino de
história, neste sentido, lhes oferecia as ferramentas de
construção de sentido a partir desta realidade,
enriquecendo suas operações de reflexão acerca do mundo
eabrindo vias para suas necessidades interpretativas.
A noção de “necessidades” é entendida aqui e na
construção de Rüsen (2010), como um produto natural da
movimentação humana – no tempo e em torno de suas
intenções da vida cotidiana e prática -, pelas urgências de
suas carências, coletivamente ampliadas. O ensino de
história, numa concepção estrita e contemporânea à
discussão, teria como função buscar, averiguar, observar,
diagnosticar, integrar, trabalhar e sanar tais carências
humanas (fornecendo espaço a novas carências, em
processo contínuo) quando admite a história como forma
de interpretação do mundo. Concebido como
instrumentalização de ferramentas para entender,
investigar e dar sentido ao mundo – e à vida prática -, o
ensino de história é uma contribuição não apenas à
formação de uma identidade estritamente determinada por
grupos – objetivo que já figurou como seu principal
horizonte -, mas de uma identidade construída, coletiva,
social, individual e assim o é continuamente.
Nos processos efetivos e reais de ensino e
aprendizagem, seus dois atores de existência – o professor
e o estudante – estão atualmente imersos em discussões
que extrapolam e infectam a sala de aula – de um lado,
existe a romantização da figura do professor como
“salvador da pátria”, noção que carrega uma concepção da
educação como panaceia (TRINDADE, SOUZA, 2009) e
de outro, o estigma da juventude atual como
impossibilitada cognitivamente de aprender os conteúdos
curriculares, envenenada por uma onda de imersão cada
vez maior de aparelhagem e iniciativas de aprendizagem
tecnológica. A sala de aula também é espaço de
reconstrução e superação desta “alegoria” do ensino, que
se fundamenta unicamente em representações do que
seriam ou deveriam ser professores e estudantes ideais,
prendendo-os em uma redoma e afastando-os de uma
realidade construtiva e de uma visão positiva da
aprendizagem. Énecessário que se admitam, sim, as raízes
paradigmáticas de afirmações alegóricas, assentadas nas

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condições laborais dos professores em conjunturas de
países como o Brasil, nas discussões do que se constituiria
e de como tem se constituído o que é “escola” e de que
“educação” deve ser fornecida pelo Estado, além da
problemática de identidade docente: o que é, na
conjuntura, ser professor? Estas discussões, acompanhadas
pelo e em crítica ao movimento científico moderno e
tecnicista, desarticulam o fazer científico como única fonte
do saber a ser veiculado pela escola e pelos processos
educativos, articulando-o a necessidades sociais,
entendendo o professor e os alunos como seres de uma
sociedade que carrega valores e visões de mundo e que
pode servir como problemática e tema dos processos de
aprendizagem (MONTEIRO, 2007).
Fica-se claro, então, que o processo de ensino e
aprendizagem na disciplina de história devem estar
baseados não tão-somente nos conteúdos curriculares
canônicos, porém também nas dimensões do currículo em
que são permitidos diálogos com necessidades sociais,
baseadas em processos de axiologização (CHEVALLARD
apud MONTEIRO, 2007), e partir de dinâmicas de
relacionamento entre o professor e o estudante, como
sujeito social dotado de um histórico intelectual recheado
de noções aprendidas até o início de sua escolarização.
(CORTI, 2014). Entendendo estes dois sujeitos envolvidos
em um processo metodológico, inferimos que falar da
metodologia do ensino de história compete falar de prática
e de método¸ a instrumentalização que orienta a
metodologia. A opção metodológica, como discute
Bittencourt (2012), no entanto, envolve mais que simples
conhecimento teórico de seus fundamentos e bases:
necessita uma posição e uma defesa do professor ao
utilizar-se de princípios teórico-metodológicos, sejam eles
tradicionais ou “renovados”62. Ao entender-se como
sujeito do processo de ensino-aprendizagem de sua
disciplina, o professor também se compromete à adoção ou
exclusão de princípios: teóricos, metodológicos, políticos,
ideológicos, que levará consigo a sala de aula e precisará,
nessa articulação, de uma justificativa. Segundo
Vasconcellos (1999),“quando os pressupostos teóricos e os
fundamentos filosóficos não ficam explícitos, isto significa
que o educador, via de regra, está se guiando por uma
concepção que se situa no nível do senso comum” e essa
falta de concepções se caracterizará por sua
“inconsistência e incoerência” (p. 57), que diz muito sobre
o papel do professor, após ser guiado por um referencial
metodológico, ao responder à responsabilidade de escolha
de seus procedimentos metodológicos (suas técnicas,
62
O “método tradicional” é geralmente associado a práticas estritas: a transmissão de conteúdos e o aprendizado por meio da repetição
desses conteúdos; o aluno é sujeito passivo do processo de ensino, recebe informações “acabadas” dos professores, geralmente sem que
exista nenhuma articulação do conhecimento acadêmico às necessidades sociais.

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estratégias e recursos), na seleção de conteúdos a serem
estudados (que interferirão em esferas conceituais,
procedimentais e atitudinais) e na direção de sua prática,
para que corrobore com o processo de ensino-
aprendizagem no nível de cognição de seus educandos.
Citando, em uma perspectiva mais ampla, Molina (2007), a
especificidade do ser professor de história também requer
responsabilidades: a acertada tarefa de movimentar a
disciplina de história de seu status calcado de “chata,
imutável, morta”, encerrada em seu passado, e a de
comprometer-se com a não-sacralização dos saberes
históricos. (p. 131-132). Segundo a autora, é necessário
que se problematize o ensino de história em vários níveis,
visto que “o verdadeiro ensino pressupõe pesquisa,
descoberta e paixão [...]” (MOLINA, 2007, p. 137). É
preciso que se atente e desafie para o estudo das
representações do presente – principalmente na conjuntura
do ensino de história.
O que se intenta, a partir destas considerações, é a
reflexão sobre a decisão do professor acerca do conteúdo
histórico escolhido para a mobilização intelectual do
aluno, de forma a fomentar a construção de sua localização
consciente e de seu pensamento histórico, como ação. O
que se observa, principalmente a partir das escolhas de
manuais e materiais didáticos, é uma direção de
conteúdoshistóricosvoltada, senão à história política do
Brasil, a leituras de eventos e fatos da história europeia,
com retoques localizados em arredores mediterrâneos,
principalmente na chamada “história antiga”.63 No ensino
médio, principalmente64, são pincelados os conteúdos
chamados “contemporâneos” – fundamentalmente, da
Europa contemporânea – enquanto se estuda
perpendicularmente o Brasil republicano a partir dos anos
1920. Não é intenção formalizar aqui um argumento de
iniciativa a uma história ensinada que se posicionaria
contra as influências europeias e ocidentais na esfera
global, mas pontuar as falhas que um ensino da história
brasileira centrado exclusivamente nessas influências tem
oferecido à educação básica, onde faltam leituras
empáticas da história e da influência cultural de outros
continentes e reinam anacronismos, preconceitos e
equívocos históricos. Uma enorme inclusão nesse sentido
foi formalizada em lei em 2003. A Lei 10.639/2003, que
institui como obrigatório o estudo da História e Cultura
Afro-Brasileira (posteriormente ampliado e regulamentado
63
Um debate sobre o eurocentrismo no ensino de história pode ser encontrado em REICHERT, EmannuelHenrich. Um Só Mundo: estudos
de história global. São Borja: Faith, 2012.

64
Leitura feita a partir de observação da autora dos sumários das coleções para o ensino médio disponíveis para consulta no Guia de Livros
<
Didáticos do Plano Nacional do Livro Didático de 2015. O Guia pode ser acessado em: http://www.fnde.gov.br/programas/livro-
didatico/guias-do-pnld/item/5940-guia-pnld-2015>.

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pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e
Cultura Afro-Brasileira e Africana, pelo Parecer CNE/CP
nº 003/2004) marcou a resposta às carências vividas por
um grupo social brasileiro, reunidas durante anos em
manifestações sociais e acadêmicas (PEREIRA, 2010).
Aniversariando 12 anos da data de sua
promulgação, a lei encontra adversidades ao penetrar nas
salas de aula – os manuais didáticos relegaram à história
da África pouca visibilidade, tendo esta inserção nos
conteúdos somente nos momentos em que existe alguma
conexão com o Brasil, como no caso do tráfico de escravos
africanos – ou, de forma temática, como expressão cultural
afro-brasileira, incluindo apenas a capoeira e as práticas
religiosas como representação africana no país. Justifica-se
a lenta apropriação das motivações geradas pela lei pelo
seu caráter verticalizado: não houve preparação docente
para o ensino de tais temáticas (houve um veto do
parágrafo que instituía a criação de cursos de capacitação
para os professores em todo o território nacional) e os
materiais didáticos demoraram a incorporar os conteúdos.
É lamentável que a resposta a uma demanda social tão
historicamente necessária tenha sido uma relegação ainda
mais expressiva da história e cultura afro-brasileira e
africana: o reducionismo de sua representatividade, não
apenas como força histórica, mas como matriz cultural de
formação do Brasil.
Entretanto, há exceções. Embora faça ressalvas
quanto à qualidade dos materiais didáticos que abordam
conteúdos relativos às temáticas, Souza (2012), entende
que existe uma parcela de aceitação e de efetividade
professoral em ações e reflexões sobre os conteúdos de
história e cultura africana e afro-brasileira, verificado pela
existência e aumento de cursos de formação de professores
que incorporaram a temática como componente curricular
e produção de material temático informativo, tanto literário
quanto digital.
Embora o estágio de aplicação didática da Lei
10.639/2003 e dos conteúdos das Diretrizes Curriculares
(BRASIL, 2004) que a direcionam não seja o ideal, foi
verificado, em análise prévia realizada pela autora, que o
Exame Nacional do Ensino Médio – o ENEM, uma das
principais provas de base nacional para a verificação das
competências e habilidades dos estudantes ao final do
ensino médio e, atualmente, utilizado como principal porta
de acesso ao ensino superior, na forma de um vestibular
nacional – viabilizou, nos últimos quatro anos de aplicação
de suas provas, questões diretamente relacionadas às
temáticas de história e cultura africana e afro-brasileira.
Em reunião de dados (em anexo), pôde-se contabilizar que,
de 180 questões (divididas nas quatro edições da prova,
nos anos de 2011, 2012, 2013 e 2014) de divisão das

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Ciências Humanas e Suas Tecnologias, 101 estavam
vinculadas a conteúdos disciplinares de história e, destas,
25 diziam respeito a temáticas da história africana e afro-
brasileira. Estes dados significam que as questões
referentes à história e cultura africana e afro-brasileira
corresponderam a 13,8% da parte da prova dedicada às
Ciências Humanas e Suas Tecnologias, e a
aproximadamente 25% das questões relacionadas a
conteúdos da disciplina de História. Um percentual
significativo para conteúdos que ainda ocupam as margens
da aula de história.
A justificativa para a necessidade de estudo da
história e cultura africana e afro-brasileira, porém, não fica
apenas na esfera de formalização por lei ou de
requerimento para o Exame Nacional do Ensino Médio.
Ela está ligada à própria concepção de “brasileiro”, e diz
respeito à identidade não somente do grupo social negro ou
afrodescendente, mas de todo grupo cidadão, que vive num
Brasil contemporâneo, onde não mais devem ser toleradas
e comportadas formas diminutivas da participação do
negro na construção cultural e social do Brasil,
preconceitos fundamentados em resquícios de teorias
equivocadas, baseadas num cientificismo etnocentrista,
que precisa ser conscientizado do dever histórico africano
em costumes, em palavras e formas de comunicação, nas
manifestações culturais, nas formas de viver do brasileiro.
Como pontua Souza (2012, p. 24), há três
pontos/aspectos centrais essenciais para orientar as
possibilidades de um ensino de história da África: “o
desconhecimento sobre o continente africano, a
desconstrução dos preconceitos a ele relacionados e
multiplicidade de possibilidades metodológicas na
construção do conhecimento histórico”. É a partir destas
três noções de orientação que se calcou a proposta aqui
apresentada, para o ensino de questões de história da
África e das relações afro-brasileiras, uma vez que num
período de estágio curricular é impossível perscrutar
elementos de ordem quantitativa de conteúdo histórico a
ser desenvolvido no estágio e trabalhado em sala de aula,
já que a temática é inferidamente desconhecida, como
conteúdo formal, pela maioria dos estudantes. Os objetivos
que orientaram a construção do projeto estão centralizados
em oferecer a noção do desconhecido aos estudantes,
buscando proporcionar olhares e leituras a partir do
estranhamento e da criação de laços de empatia, e ao
mesmo tempo veicular o desbravamento de um “mundo”
aquém, mas contido no “nosso”, sempre orientado pelas
suas próprias trajetórias históricas, dentro do pressuposto
da impossibilidade de aprender sobre a África dentro de
uma perspectiva unilateralizada. Também se intentou
provocar a reflexão histórica, nos estudantes, a partir de
comportamentos, atitudes e veiculações sociais e culturais

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das representações africanas e afro-brasileiras em seu dia-
a-dia, atentando para a desconstrução de preconceitos ou
equívocos e de uma África e de seus habitantes imersos em
“folclorizações”. Acreditou-se, desta forma, no conteúdo
histórico como o gerador e gerenciador das
intencionalidades metodológicas, quando fundamenta e
confirma seus propósitos.
O período de estágio docente, curricular, é especial
no trajeto da licenciatura justamente porque propicia aos
licenciandos, num lugar de transição entre ser-aluno e ser-
professor (CAIMI, 2006, 2008), o entendimento processual
de toda a sua prática profissional e a possibilidade de
intervir, a partir de uma arquitetura sua, compondo uma
experiência docente, em um laboratório-turma, em que os
monstros do medo, da insegurança, do peso da
responsabilidade e da ainda-e-sempre-construção da
identidade docente se chocam com a satisfação de –
finalmente, ou tragicamente – estar em uma sala de aula,
ambiente primário das aspirações profissionais. O que se
intentou, na construção de um projeto de atuação de
estágio, foi que existissem discussões que trouxessem o
estudante para problemáticas de seu presente enquanto ele
as pudesse relacionar com diferentes passados, que
existisse uma relação de primária curiosidade pelo
desconhecido e que se pudesse trabalhar com atividades
fundamentadas no desenvolvimento cognitivo pela
problematização histórica. O ponto central, em que
residiram os princípios-norte das concepções já tratadas,
deveria emergir a todo o momento: a inclusão do aluno em
processos históricos que o provocasse a perceber a sua
existência como ser histórico, e a questionar a
historicidade de tudo o que o rodeia.

2. Reminiscências de uma prática


Traçamos, na primeira e anterior parte deste texto, o
perfil completo das intenções basilares pelas quais o
projeto de estágio construiu-se para sua aplicação. Ao final
de um período de cerca de dois meses, nos quais foram
postas em efetividade as aulas em que estas intenções
foram mobilizadas, foi necessário que se refletisse, junto
aos estudantes, sobre seus próprios percursos de
aprendizagem. Durante todo o período de estágio, certos
temas estiveram em discussão, alguns fizeram emergir
discussões afluentes que permeavam justamente o objetivo
principal de cada aula, costurado em um projeto maior:
fazer com que o conteúdo histórico fosse vinculado às
necessidades de interpretação de situações da vida prática
dos estudantes. Desta forma, organizaram-se três frentes
principais de discussão.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|409


Na primeira, se buscou a problematização dos
próprios estudantes a respeito de suas visões de e da
África, a partir de um questionário e dofeedback de
questionário e de atividade pedagógica de “primeiras
impressões”, organizando-se um planejamento de ações de
aproximação e apresentação do “desconhecido” continente
africano atual em suas dimensões políticas, geográficas,
culturais, linguísticas, econômicas, e do reconhecimento de
sua história, significada, por meio da questão “A África
tem uma história?”. Na primeira etapa desta relação com o
continente esteveavisualização de seus dados geográficos e
políticos, localizando-o espacialmente. A problematização
daquela questão proporcionou o ensejo para discussões
sobre o próprio conceito de história, que provocou
conversas sobre a relação entre o homem, como ser social,
e sua própria história – nesse sentido, o recorte contemplou
o homem africano e sua relação com a história, da
organização africana de sua própria história e de seu tempo
(valores de historicidade, construção de consciência
histórica, lugar da memória na sociedade africana), bem
como a discussão sobre a existência de um “modelo” de
sociedade africano, que obedece historicamente a
dinâmicas e configurações próprias. Assim, se justificou o
estudo da África por ela mesma, pela valorização histórica
de sua existência. De forma a estratificar e aplicar os
conceitos de organização da sociedade africana,
estudaram-se dois exemplos de sociedade, por meio da
organização histórica de dois “reinos” – o reino do Benim
e o reino de Axante–, o que proporcionou atividades de
investigação histórica e de visualização de uma África
diversa e rica. A lógica de organização econômica interna
da África “antes dos portugueses” deu o tom para que se
bifurcassem duas discussões: a primeira contemplou as
relações da África com o Atlântico – chegando à
problemática da escravidão na África e do comércio
internacional de escravos – e, junto dessas e
secundariamente, das formas como o imperialismo foi
“abocanhando” a costa africana e tomando o continente de
fato – de forma sintética, o marco temporal do projeto
finaliza no auge dos movimentos por independência dos
países africanos e do reconhecimento de alguns “traumas”
deixados pela colonização europeia em solo africano.
Em segundo momento, se optou por realizar uma
abordagem contemporaneizada da condição do
afrodescendente e do imigrante negro no Brasil, atentando
– por meio de imagens, vídeos, reportagens e matérias
jornalísticas, de trabalho com textos – para o preconceito
envolto em um imaginário de representações venenosas,
que com frequência acaba velado por discursos
reducionistas e equivocados, baseados em teorias
cientificistas ultrapassadas. Se problematizoua questão de
“liberdade” e de sua representatividade para o

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afrodescendente, trabalhando-se com uma proposta de
contraposição à exposição dos problemas ainda
enfrentados por grande parte da população brasileira de
origem afrodescendente, se tratou, ainda, de perscrutar
alguns comportamentos da vida prática e cotidiana em que
reproduzimos e veiculamos, principalmente pela fala, a
opressão a um grupo social brasileiro.
Embora estas duas frentes de discussão estivessem
organizadas de forma hierarquizada, tanto em seus temas
secundários quanto em uma relação decrescente
“proximidade” temporal/espacial dos estudantes, as
questões que insurgiam em sala de aula permearam todos
os momentos inscritos, tanto por ansiedade dos estudantes
por abarcar os aspectos visíveis da história e cultura
africana, com os quais convivem e entender suas “origens”
(ou interpretá-los historicamente), tanto por ser pauta de
suas discussões, prescritas no cotidiano do ambiente
escolar. Ainda que parte da turma oferecesse divergências,
negações ou resistências a determinados temas, discussões
ou interpretações, foram “obrigados” a relacionar-se com
os aspectos que deviam preceder as suas falas: o contexto
histórico, o cuidado a interpretações anacrônicas (e o
próprio entendimento do anacronismo) e a diversidade que
compõe a cultura humana e que nem sempre é
compreensível racionalmente e inteiramente aos olhos do
“outro”. Especialmente, foi necessário que aprendessem a
– ou que, ao menos, reconhecessem a necessidade de -
conviver com outrem e a reconhecê-lo como um “outro”
proximamente humano, uma vez que possui as mesmas
necessidades de orientação temporal, de vinculação
espiritual, de expressão cultural, etc.
Entretanto, para que estes propósitos fossem
reconhecidos como válidos na sala de aula, um primeiro
problema (e basilar, de onde decorrem todas as outras
dificuldades do ensino) precisou ser combatido: a relação
dos próprios estudantes com a composição da sala de aula
e do momento escolar. O problema esteve na insistência de
localizar o ambiente escolar, e a experiência da escola na
vida dos estudantes como uma prática de uma parcela de
tempo diário que vinculam às tarefas de aprender,
descobrir, estudar, ler, escrever (PEREIRA, TORELLY,
2014). Uma aula-problema, fundamentalmente expositiva,
necessita defender-se por ser o ambiente apropriado,
destinado a uma fase específica da vida do estudante. Na
aula de história, aprenderá e terá contato com ferramentas
que utilizará em seu dia-a-dia, que o permitirão realizar
operações de interpretação, de posição, de argumentação, o
imbuirão de clareza conceitual e processual, política, social
e o direcionarão para um entendimento mais apurado do
próprio conhecimento de sua experiência. Estes
pressupostos precisaram estar em constante solidificação.
Foi a partir da intenção de verificação – não somente pelo

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|411


docente estagiário, mas e especialmente pelos próprios
estudantes – do que a experiência de estágio inscrevera em
seu processo de aprendizagem de questões de História da
África (e de relacionamento com o próprio conhecimento
histórico, com expressões e relações sociais e culturais,
com comportamentos, etc.) que a proposta de “avaliação”
final do estágio esteve globalmente organizada.
Segundo Schmidt e Cainelli (2009), a avaliação em
história deve iniciar do conhecimento prévio dos alunos
acerca dos conceitos históricos, que permitirão ao
professor um delineamento dos marcos de referência da
formação cognitiva dos alunos e de como se dá o
procedimento de aprendizagem por eles, já que estas
concepções prévias são geralmente construções pessoais,
explicitando um pensamento lógico e coerente para os
estudantes. Para tal, a proposta de avaliação, no final do
estágio, foi a de construção, pelos estudantes, de uma
narrativa em que falassem livremente sobre o período de
estágio, a partir de um roteiro, refletindo sobre o “anterior”
e “posterior” de suas relações com a história do continente
africano e algumas de suas questões. A proposta esteve
prevista no planejamento do projeto e se operacionalizou
pelo critério de “metacognição” (SCHMIDT; CAINELI,
2009, p. 186): que o aluno possa reconhecer o que já
aprendeu, estabelecendo relações com o que “já sabia”
(conhecimento prévio) e finalizar o processo identificando
uma mudança e expressando suas percepções sobre.
No roteiro para a produção textual, recebido por
cada estudante, havia algumas questões sobre as quais
deveriam refletir antes e durante a construção de seus
textos. O roteiro tinha a seguinte composição:

Até hoje estivemos discutindo vários temas


históricos referentes ao continente africano.
Agora, sua tarefa é reunir as informações que
foram mobilizadas em aula e pensar sobre se e como elas
contribuíram (ou não) para o seu conhecimento sobre o
continente africano. Pense nas suas noções sobre África
na primeira aula: o que sentiu quando soube que iria
estudá-la? Como foram as aulas – satisfizeram suas
expectativas ou algo faltou? Agora, como você vê a
África? Utilize estas questões para pensar no que já foi
discutido em aula e como você apreendeu estes temas.
A tarefa é: redigir um texto sobre o que foi
aprendido por você durante este estágio. Você tem
opções:
- pode escolher um tema e falar sobre o que
conhece dele, no momento, a partir das aulas.
- pode falar sobre tudo, mostrando se existiu e
como foi sentido por você este novo conjunto de
informações sobre a história da África.
É importante que o texto:

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- tenha partes definidas: apresente o tema, fale
sobre ele e conclua seu pensamento;
- apresente o que VOCÊ pensa, a partir do que
foi discutido em aula;
- tenha um título.
Este trabalho é avaliativo, mas não existe
“certo” e “errado” nas suas percepções. Seguindo as
orientações, é possível construir um bom texto – isto será
avaliado. Bom trabalho!

Resultaram, das construções dos estudantes, 26


produções textuais. Destas, 22 estabeleceram relações de
passado e presente, de continuidade e ruptura e refletiram
sobre os aspectos prévios e os presentes do seu “estado” de
conhecimento sobre o continente africano, manifestando
em suas narrativas a experiência de estágio, em todos os
casos, como uma “mudança” de visão de mundo. Dos
quatro textos que não fizeram conexões diretas – todos
estes optaram por falar sobre um dos temas específicos
discutidos em aula -, de três estas emergem nas
entrelinhas, quando são mencionados conceitos
mobilizados em sala de aula, bem como interpretações que
foram discutidas e estabelecidas de forma oral, entre
colegas e na discussão com a professora estagiária. Apenas
um dos textos não estabeleceu nenhum tipo de relação de
“mudança” ou percepção positiva sobre a experiência do
estágio, afirmando que as discussões de sala de aula em
nada contribuíram para a construção de um conhecimento
sobre o continente africano, as relações étnico-raciais ou a
cultura afro-brasileira.
Temos, a partir disto, uma pequena amostra de
confirmação não apenas sobre a estrita e necessária
vinculação entre as posturas teóricas e as escolhas
metodológicas operacionalizadas em sala de aula e o
conteúdo histórico a que instrumentalizam, mas mesmo
uma contribuição para a afirmação de que a construção de
conhecimento histórico escolar é possível, uma vez que os
estudantes, de posse de um conjunto determinado de
conhecimentos foram capazes de vincular os problemas
que estiveram expostos em sala de aula e a sua experiência
anterior sobre cada um deles, resultando em uma reflexão
final deles mesmos sobre suas trajetórias, suas percepções
e as pequenas mudanças que este período e o contato com
estas discussões inscreveu em suas experiências, em suas
conceituações e em sua realidade.

Considerações
A epígrafe deste texto é a citação da frase que inicia
o capítulo de Henri Moniot, intitulado “A história dos

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povos sem história”, no volume “História: novos
problemas” de organização de Jacques Le Goff e Pierra
Nora (1988). Este texto discute especialmente sobre a
restituição da responsabilidade da disciplina histórica de
dedicar o seu olhar e a sua preocupação a povos que por
muito tempo estiveram excluídos das narrativas históricas
tradicionais, por uma gama variada de motivos e razões
justificadas, como é o caso das sociedades africanas. Com
mais de 30 anos da publicação deste texto, ainda há muito
que fazer a respeito da inclusão de muitos “excluídos” da
história não apenas nas narrativas acadêmicas, mas na
própria percepção de seus papéis como sujeitos históricos
e da importância de sua ação, significada politicamente, no
mundo.
Disto, também, provém preocupações do ensino de
história: que nossos estudantes não se sintam excluídos –
nem na história, nem da (própria) história, coletiva,
individual. O projeto de estágio organizado para o Ensino
Médio esteve completamente vinculado a este pressuposto,
e o buscou em cada uma das horas/aula em cumprimento.
Em cada uma das aulas, o desafio era o contato com um
discurso poderoso, o histórico, que precisava ser ao mesmo
tempo esclarecedor e provisório, ao mesmo tempo
pergunta, resposta e nova pergunta/reflexão. No início,
todos possuíam histórias fragmentadas e “únicas” sobre a
África – conforme nos aproximamos, conversamos e a
conhecemos, questionamos a nós mesmos e criamos
pontes dialógicas com as várias histórias do continente
africano. Aproximamo-nos em coletividade de uma
história plural e com possibilidades de maior amplitude de
narrativas sobre este continente (e, acredito, sobre a
história em geral). Verificamos a indissociabilidade, a
aplicabilidade, a pertinência da reflexão histórica em todas
as questões referentes à vida prática.
Como pré-visualização de campo de trabalho (ou
batalha), como experiência docente, como espaço de
reflexão, provações e definições-não-conclusivas, o estágio
curricular nos apresenta a realidade docente, a realidade
infantil e adolescente e a situação real da educação e do
ensino de história. Temos, como licenciandos/estagiários,
uma amostra em nosso poder – não é nosso dever
revolucioná-la em vinte períodos/aula – mas aprender com
ela, retirar o máximo de causalidade e extrair tudo o que
pudermos como diagnóstico. Estaremos nos tornando
professores de qualquer forma ao findar o curso de
licenciatura, com aprovação institucional – porém é
decisão autônoma e responsabilidade individual que
professores sairemos. O período de estágio curricular não é
apenas parte da formação da identidade docente – mas da
identidade pessoal, cidadã, histórica, estreitamente
vinculada à pedagógica.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|414


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O impacto da lei de cotas na Universidade Federal
de Santa Maria
a compreensão dos alunos do ensino médio no estudo das religiões afro-brasileiras
PorJulio Cesar Ausani65 e Roselene Gomes Pommer66

Resumo Abstract
Este trabalho tem como objeto verificar This work has the purpose to check the
qual o impacto da chamada Lei de Cotas (Lei impact of so-called Quota Law (Federal Law
Federal n. 12.711, de 29 de agosto de 2012 e no. 12,711, of August 29, 2012 and Decree n.
Decreto n. 7.824, de 11 de outubro de 2012) 7,824, of October 11, 2012) with the
junto ao Programa de Ações Afirmativas de Affirmative Action Program of Racial Inclusion
Inclusão Racial e Social da UFSM e do and social in UFSM and CTISM / UFSM. Also
CTISM.Também se pretende investigar o whether to investigate the context was given the
contexto em se deu a entrada em vigor da entry into force of the standard and its
norma e sua regulamentação em relação ao regulation in relation to quota program in force
programa de cotas então em vigor na at the UFSM, the contents of which showed
Instituição, cujo conteúdo se mostrava mais broader. Questions that arises: Their
abrangente. Perguntas que se impõe: A sua coexistence is possible? What are the
coexistência é possível? Quais as possibilities? The Principle of Didactic-
possibilidades? O Princípio da Autonomia Pedagogical Autonomy allows the application
Didático-Pedagógica permite a aplicação da of the most favorable rule? In this context, how
regra mais benéfica? Nesse contexto: como are the quotas for indigenous? Understandings
ficam as cotas para os indígenas? and expectations.
Compreensões e expectativas.
Keywords: Law, Shares, Actions, Affirmative, Inclusion.
Palavras-chave:Lei, Cotas, Ações, Afirmativas, Inclusão.

65
UFSM - Universidade Federal de Santa Maria / Mestrando do Mestrado em Educação Profissional e Tecnológica do CTISM/UFSM.
66
Professora de História do Colégio Técnico Industrial de Santa Maria, do Curso de História - Licenciatura e Bacharelado e do Mestrado Acadêmico
em Educação Profissional e Tecnológica.

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Introdução
A Constituição Federal promulgada em 05 de
outubro de 1988 instituiu alguns avançossociais no país.
Direitos e garantias fundamentais dos cidadãos foram
erigidos à condição de cláusulas constitucionais pétreas,
vale dizer imutáveis e inarredáveis em sua aplicação. A
nova carta política significou ademais a passagem para um
novo momento, aquele em que o país rompeu com um
passado marcado por regimes de exceção e negação das
demandas sociais, para um período de enfrentamento de
seus problemas, os quais emergiram através dos embates
entre os movimentos sociais e setores conservadores da
sociedade, e da aplicação das normas constitucionais
através dos mecanismos para sua veiculação,gestados em
meio às discussões da Assembleia Nacional Constituinte,
que promulgou a Carta Magna.
Não mais foi possível ignorar o fosso produzido
durante anos, entre os melhores aquinhoados na
distribuição da riqueza nacional, diga-se uma minoria no
conjunto da população, e os menos aquinhoados,
especialmente de origem africana, mestiços e indígenas,
embora estes últimos representem numericamente um
contingente menor em relação à população absoluta do
país.
Importante salientar que os mais de (03) três séculos
de escravidão significaram, não só a exclusão de uma
massa populacional extraordinariamente significativa do
acesso às melhores condições de vida, como também
geraram um “status quo” que perpetuou essa conduta de
exclusão de uma forma, por vezes, sutil e silenciosa,
empreendendo a diferença entre “ricos” e “pobres”, um
viés de naturalidade que acabou sendo legitimado pela
sociedade brasileira durante décadas, servindo aos
interesses das elites nacionais as quais se apropriaram dos
aparatos burocráticos de controle político e dos meios de
produção, como resultado de sua hegemonia econômica.
Assim, após séculos de exclusão e de pretensa
“harmonia social” ultrapassado o período de exceção do
regime militar, eclodiu um novo momento em que as
demandas sociais reprimidas vieram à tona e encontraram
no novo instrumento político-jurídico, visibilidade e
representatividade.
Nesse contexto, a necessidade de acesso à saúde,
educação, cultura, enfim à cidadania, forçou as instituições
a garantirem os novos direitos proclamados pela
Constituição e aplicáveis a todos os cidadãos nacionais e
aos residentes, em situação de igualdade.

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Com efeito, o acesso a uma educação pública
gratuita e de qualidade incorporou-se ao acervo de direitos
de todos os brasileiros, igualados enquanto cidadãos pela
Carta Magna. Ao garantir enquanto direito subjetivo, o
acesso à educação a todos e compelindo que seja
obrigatório em uma faixa etária (educação básica
obrigatória dos 04 aos 17 anos, art. 208, Inc. I da CF), a
Constituição Federal determinou a abertura de um
processo de criação de mecanismos de acesso ao ensino
fundamental, médio e superior, como corolário lógico da
educação como via de transformação social.
Ao reconhecer a existência dasdiferenças sócio
históricas que separam parcelas significativas da sociedade
e as instituições de ensino, criaram-se instrumentos de
acesso às instituições através de mecanismos de ingresso
que reconheçam as desigualdades e permitam que aqueles
em condições econômicas diferenciadas, sejam inseridos
no processo seletivo para ingresso nas instituições de
ensino de níveis técnico e superior.
Daí os programas de ações afirmativas de inclusão
racial e social que pioneiramente a Universidade Federal
de Santa Maria (UFSM) criou e que se tornaram
referenciais para outras instituições de ensino superior do
país.
Em 17/07/2007 foi editada a Resolução 009/07,
modificadapela Resolução 011/07, de 03/08/2007,
prescrevendo formas de acesso diferenciadas para os
cursos de graduação da UFSM, pelo período de dez (10)
anos, para afro-brasileiros, estudantes oriundos de escolas
públicas, portadores de necessidades especiais e indígenas.
Em vigor a partir do processo seletivo de 2008, o
programa de ações afirmativas representou um passo
extremamente significativo para dar efetividade à norma
constitucional de garantia de acesso aos ensinos técnico e
superior por expressivo contingente populacional.
Apesar de algumas incompreensões e resistências,
dentro e fora do ambiente acadêmico, o programa avançou,
resultando em um processo sem recuo na distribuição mais
equitativa de vagas em cursos técnicos e de graduação nas
instituições públicas federais de ensino. Um exemplo está
no Colégio Técnico Industrial de Santa Maria (CTISM),
unidade de formação técnica industrial vinculada à
UFSM,que em seu processo seletivo de 2013, adotou a
reserva de vagas para os beneficiados pela Lei
12.711/2012.
Cabe destacar entre os contingentes beneficiados
pelo programa os indígenas, grupo que enfrenta maiores
dificuldades de acesso e de permanência às instituições de
ensino, e que necessita de um amparo maior de parte das
instituições, em que pese representem um grupo
populacional minoritário no contexto absoluto da
população brasileira.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|419


Faz-se essa observação em razão da abordagem que
se dará especificamente quanto ao Programa de Ações
Afirmativas trazido pela Resolução 011/07 em relação aos
indígenas, não porprivilegio, mas para que se preserve a
sua garantia de acesso em razão das peculiaridades
determinadas pelos fatores sociais, culturais, econômicos e
políticos.
No que diz respeito aos estudantes indígenas as
vagas a eles destinadas se encontram parcialmente
ocupadas e o programa se traduz em um significativo meio
de acesso aos cursos de graduação, inclusive com
repercussão nacional.
A questão que se apresenta é saber em que medida a
Lei 12.711 de 29 de agosto de 2012 e o Decreto 7.824, de
11 de outubro de 2012, introduzida com o objetivo de
facilitar o ingresso nas Universidades Federais e nos
Institutos Técnicos Federais, de estudantes que tenham
cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas,
ocupando no mínimo 50% (cinquenta por cento) de suas
vagas, afeta o programa então em vigor na UFSM em
relação aos indígenas enquanto grupo específico, cuja
particularidade étnica cultura exige atenção especial.
A seguir se propõe o exame da base legal que
sustenta institucionalmente a criação dos programas de
ações afirmativas, em funcionamento e sua coexistência
com a legislação, tratando-se da possibilidade de sua
manutenção e ampliação em razão do diploma legal, ou da
sua incompatibilidade.

Educação Brasileira e o Artigo 205 da Constituição


Federal
O Brasil é uma República Federativa fundada sobre
determinados valores e princípios, expressosno artigo 1°
da Carta Política de 1988.Prescreve este, em seu “caput”,
que o país, formado pela união indissolúvel do Distrito
Federal, dos Estados e dos Municípios, constitui-se em um
Estado Democrático de Direito fundamentado em preceitos
éticos e morais.
Dentre esses preceitos encontra-se a dignidade da
pessoa humana (art. 1°, inc. III67) a indicar desde logo que
esse é um princípio norteador de todas as políticas estatais,
sendo inafastável a sua observância.

67
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal,
constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
III - a dignidade da pessoa humana;

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Nessa lógica, o art. 3° da CF/8868 preconiza como
objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil
a construção de uma sociedade livre, justa e solidária,
garantida pelo desenvolvimento nacional,pela erradicação
da pobreza e da marginalização, pela redução das
desigualdades sociais e regionais, e, por fim,pela
promoçãodo bem de todos, sem preconceitos de origem,
raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação.
O artigo 4° da Constituição Federal 69 compromete a
República do Brasil com os valores internacionalmente
consagrados. Preconiza que um dos seus princípios é a
observância da prevalência dos direitos humanos (art. 4°,
in. II).
Desse preâmbulo já se verifica a observância,
enquanto mandamentos constitucionais, de alguns dos
mais elementares “Princípios Éticos e Morais” 70produzidos
pela humanidade para o norteamento das políticas que
regem os pactos internacionais entre as nações
contemporâneas.
Há, portanto, uma lógica formal na construção do
Estado Brasileiro que se espalha por todos os demais
campos erigidos à condição de mandamentos
constitucionais na Carta Magna.
O art. 5° abre o título II e o Capítulo I consagrando
os direitos e garantias fundamentais dos cidadãos
brasileiros natos e naturalizados, como também faz o
Brasil signatário de tratados, convenções e organismos
internacionais. Indispensável se faz, então, atentar para os
Princípios fundadores do Estado Brasileiro elencados nos
artigos acima citados.
Como consequência, cabe aos organismos estatais –
aqui ditos como parte de um todo – atuar nas suas esferas

68
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
69
Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:
I - independência nacional;
II - prevalência dos direitos humanos;
III - autodeterminação dos povos;
IV - não-intervenção;
V - igualdade entre os Estados;
VI - defesa da paz;
VII - solução pacífica dos conflitos;
VIII - repúdio ao terrorismo e ao racismo;
IX - cooperação entre os povos para o progresso da humanidade;
X - concessão de asilo político.
Parágrafo único. A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América
Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações.
70
Como exemplo, temos o princípio da dignidade da pessoa humana.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|421


de competência, de modo a promover políticas que na
prática permitam a consecução das metas preconizadas.
É dessa forma que as Universidades e demais entes
a elas ligados, quando for o caso, se inserem nesse
contexto administrativo-estatal com papel definido,
devendo se adequar a esse conjunto de políticas ditadas
pelo Estado Brasileiro, na busca por atingir os objetivos
erigidos à condição de normas constitucionais, mas
inspirados por “Princípios Éticos e Morais”
universalmente aceitos.

Autonomia Universitária, artigo 207 da Constituição


Federal e a Lei de diretrizes e Bases da Educação
Nacional (Lei nº 9394, de 20 de dezembro de 1996)
Segundo o artigo 207º 71 da Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional, o processo educacional é dever da
família e do Estado Brasileiro, inspirado nos princípios de
liberdade e nos ideais de solidariedade humana e tem por
escopo o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo
para o exercício da cidadania e sua qualificação para o
trabalho.
Portanto, a Lei ordinária que regulamenta os
mandamentos constitucionais (art. 205 e seguintes da
CF/88) nada mais fez do que especificar os valores e
objetivos que norteiam a política educacional nacional,
tratando de alinhar quais são eles, na forma de Princípios;
o que se encontra no art. 3° 72 e seus incisos do antes
referido diploma legal.
Conquanto preconize de forma clara a garantia de
acesso ao ensino fundamental enquanto direito subjetivo e

71
Art. 2º A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana,
tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o
trabalho.
72
Art. 3º O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber;
III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas;
IV - respeito à liberdade e apreço à tolerância;
V - coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;
VI - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;
VII - valorização do profissional da educação escolar;
VIII - gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da legislação dos sistemas de ensino;
IX - garantia de padrão de qualidade;
X - valorização da experiência extraescolar;
XI - vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|422


procure dar aos educandos todas as possibilidades,
encarregando estados membros e municípios de, em
regime de colaboração com a assistência da União, gerir a
educação básica, também prescreve que o acesso aos
níveis mais elevados do ensino, deve ser dado de acordo
com a capacidade de cada um, instituindo uma espécie de
“meritocracia”73.
Infere-se que a prioridade em todas as esferas de
governo é a oferta do ensino básico 74 e, somente de forma
supletiva garantir o acesso ao ensino superior. No entanto,
a coordenação da política nacional de educação, controle e
desenvolvimento dos processos é obrigação legal da União
(art. 8° § 1°, Lei 9.394/96).
Vai daí que uma das incumbências legais imputadas
à União é a de baixar normas gerais sobre cursos de
graduação e pós-graduação (art. 8°, inc. VII).A Lei
reconhece como parte do sistema federal de ensino as
instituições de ensino mantidas pela União (art. 16, Lei
9.394/96).Nessa linha, as instituições de educação superior
credenciadas como Universidades, ao deliberar critérios
sobre e normas de seleção e admissão de estudantes,
levarão em conta os efeitos desses critérios sobre a
orientação do ensino médio, articulando-se com os órgãos
normativos dos sistemas de ensino.

Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012, Decreto nº


7.824, de 11 de outubro de 2012 e a Coexistência
com a Resolução 011 de 03 de agosto de 2007 da
UFSM
A Lei n° 12.711, de 29/08/2012, regulamenta o
ingresso nas Universidades Federais e nos Institutos
Federais de Educação Tecnológica e dá outras
providências. Trata-se, pois, de norma de aplicação
obrigatória no âmbito de todas as instituições federais de
ensino, dependendo, no entanto de regulamentação. Uma
dessas regras veio a público através do decreto n° 7.824,
de 11 de outubro de 2012.

73
Art. 4º O dever do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de: inc. V - acesso aos níveis mais
elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um;
74
Art. 5º O acesso ao ensino fundamental é direito público subjetivo, podendo qualquer cidadão, grupo de cidadãos, associação
comunitária, organização sindical, entidade de classe ou outra legalmente constituída, e, ainda, o Ministério Público, acionar o
Poder Público para exigi-lo.
§ 2º Em todas as esferas administrativas, o Poder Público assegurará em primeiro lugar o acesso ao ensino obrigatório, nos
termos deste artigo, contemplando em seguida os demais níveis e modalidades de ensino, conforme as prioridades
constitucionais e legais.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|423


Como visto anteriormente, trata-se da “vontade
política” da União que, em respeito a autonomia
universitária (art. 207/CF/88), impõe a sua determinação
política como ente que cria, gere e fornece os recursos
públicos para o funcionamento das instituições
educacionais públicas em sua esfera de competência.
Assim, pela vontade expressa no diploma legal (Lei
12.711, de 29/08/2012), por seu artigo primeiro 75, 50%
(cinquenta por cento) das vagas dos cursos em níveis de
formação técnica ou superior, por curso e por turno, em
cada concurso seletivo para ingresso, deverão ser
reservadas para estudantes egressos do ensino médio
cursado em escolas públicas.
Na mesma esteira, por seu parágrafo único da
cabeça do artigo 1°, 50% (cinquenta por cento) dessas
vagas, ou seja, 25% (vinte e cinco por cento)serão
destinadas aos estudantes oriundos de famílias com renda
igual ou inferior a 1,5 saláriomínimo (um salário mínimo e
meio) per capita.
A nova Lei prescreve que em cada Instituição
Federal, as vagas de que trata o artigo 1° serão
preenchidas, por curso e turno, por autodeclarados pretos,
pardos e indígenas, na mesma proporção dessas
populações em cada unidade da federação, segundo consta
do último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE). As vagas que sobrarem, ou seja,
aquelas que não forem ocupadas por esses contingentes,
serão preenchidas por estudantes que tenham cursado
integralmente ensino médio em escolas públicas.
Apenas de passagem, diga-se que o objetivo da Lei
é a inserção de contingentes populacionais significativos e
que se encontram alijados do acesso ao ensino público de
qualidade, como se infere do seu artigo 4°76, que reserva
50% (cinquenta por cento) das vagas em Instituições
Federais deEnsino Técnico de nível médio, para estudantes
que cursaram integralmente o ensino fundamental em
escolas públicas.
Portanto, trata a Lei de Cotas de ações afirmativas
para o ingresso de pessoas de baixa renda familiar, pretos
pardos e indígenas nas Instituições Federais. E nesse
aspecto, vale ressaltar, que a Lei prescreve a reserva de
metade das vagas para estudantes oriundos de famílias
com renda igual ou inferior a 1,5 saláriomínimo (§único,
art. 4° Lei 12.711/2012).
Na mesma proporção, ou seja, 50% das vagas do
ensino técnico de nível médio serão destinadas aos

75
Art. 1° As instituições federais de educação superior vinculadas ao Ministério da Educação reservarão, em cada concurso
seletivo para ingresso nos cursos de graduação, por curso e turno, no mínimo 50% (cinquenta por cento) de suas vagas para
estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas.
76
Art. 4° As instituições federais de ensino técnico de nível médio reservarão, em cada concurso seletivo para ingresso em cada
curso, por turno, no mínimo 50% (cinquenta por cento) de suas vagas para estudantes que cursaram integralmente o ensino
fundamental em escolas públicas.

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autodeclarados pretos, pardos e indígenas, na mesma razão
de proporcionalidade desses contingentes na população da
unidade da federação onde está instalada a Instituição
Federal de Ensino (art. 5°, caput, Lei 12.711, 29/08/2012).
Não sendo preenchidas as vagas segundo os
critérios estabelecidos, as vagas remanescentes serão
ocupadas por estudantes que tenham cursado integralmente
o ensino fundamental77 em escola pública.Note-se que
nesse caso não há quaisquer discriminantes de natureza
econômica, no caso a renda das pessoas abarcadas pelo
beneplácito da Lei.
Segundo o texto legal, 10 (dez) anos após a
publicação da Lei haverá revisão do programa especial
para o acesso de estudantes pretos, pardos e indígenas,
bem como os grupos oriundos de escolas públicas, que
tenham sido beneficiados com acesso às instituições
públicas de ensino.
Por fim, o texto legal prescreve que essas
instituições vinculadas ao Ministério da Educação, deverão
implementar no mínimo 25% (vinte e cinco por cento) da
reserva de vagas previstas no diploma legal a cada ano,
tendo o prazo de 4 (quatro) anos a partir da publicação do
texto para o cumprimento integral da legislação.
A Lei n° 12.711 de 29/08/2012 foi regulamentada
pelo Decreto ° 7.824, de 11/10/2012, o qual tratou de
pormenorizar o diploma legal em comento, definindo
alguns aspectos que permaneciam obscurecidos pelas
normas cogentes, a saber:
a) A possível utilização do ENEM – Exame
Nacional de Ensino Médio - como critério de seleção para
ingresso nas instituições federais de ensino superior;
b) Para a aplicação da Lei e do Decreto
consideram-se escolas públicas aquelas arroladas no artigo
19, inc. I, da lei 9.394 de 20/12/96 (LDB)78;
c) Apossibilidade de os alunos egressos da
modalidade de Educação de Jovens e Adultos (EJA) ou
que tenham obtido certificado de conclusão com base no
resultado do ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio,
ou ainda no exame nacional para certificação de
competência de jovens e adultos ou de exames de
certificação de competência ou de avaliação de jovens e
adultos realizados pelos sistemas estaduais de ensino,
concorrerem às vagas para o ingresso em cursos
superiores, a partir da política de cotas;
d) A mesma possibilidade citada no item acima
para os concorrentes a cursos técnicos de nível médio, na
condição de integrados ou de subsequentes;

77
Essa exigência se aplica aos candidatos a vagas em cursos técnicos integrados. Já para os cursos subsequentes (pós-médio) a
exigência é a mesma que para os cursos superiores, ou seja, o candidato deverá ter cursado o Ensino Médio em escola pública.
78
Lei 9.394, 20/12/96, Art. 19 – As instituições de ensino dos diferentes níveis classificam-se nas seguintes categorias I – públicas,
assim entendidas as criadas ou incorporadas, mantidas e administradas pelo Poder Público.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|425


e) Exclusão da participação na concorrência
das vagas no ensino médio e no superior, daqueles
estudantes que em algum momento tenham cursado em
escolas particulares, parte do ensino fundamental ou
médio79;
f) As Instituições de Ensino Superior e de
Nível Médio deverão assegurar no mínimo uma vaga para
pretos, pardos e indígenas.
Ademais, o Decreto instituiu o Comitê de
Acompanhamento e Avaliação das Reservas de Vagas nas
Instituições Federais de Educação Superior e de Ensino
Técnico de Nível Médio, que fará o acompanhamento e
avaliará o cumprimento do disposto no referido diploma
legal. Esse Comitê será composto de 02 (dois)
representantes do MEC, 02 (dois) representantes da
Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da
Presidência da República e 01 (um) representante da
Fundação Nacional do Índio (FUNAI). Seus membros
deverão ser indicados pelos titulares dos órgãos e
entidades que representam (MEC e Secretaria de Políticas
de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da
República), sendo a presidência exercida por um dos
representantes do MEC.
Conforme previsto no texto do Decreto, poderão ser
convidados para as reuniões do Comitê, representantes de
outros órgãos e entidades públicas e privadas e
especialistas, para emitir pareceres ou fornecer subsídios
para o desempenho de suas atribuições.O Comitê fornecerá
ao MEC e à Secretaria de Políticas de Promoção de
Igualdade Racial da Presidência da República relatórios
anuais de avaliação da implementaçãoda lei de reserva de
vagas de que trata o Decreto 7.824, de 11/10/2012.
Ainda, ficou definida a data de 30 de agosto de
2016 como prazo máximo para implementação do disposto
no Decreto, considerando o percentual mínimo de 25%
(vinte e cinco por cento) de reserva de vagas ao ano.
As formas de comprovação da renda familiar bruta
prevista nos artigos 2° e 3° inc. I, caput, bem como as
fórmulas de cálculos e critérios de preenchimento das
vagas reservadas de que trata o Decreto, serão objetos de
atos complementares editados pelo MEC.
Ademais, fora concedido um prazo de 30 (trinta)
dias para que as entidades federais e órgãos envolvidos
adotassem as providências necessárias para efetivação do
disposto no Decreto, o qual entrou em vigor na data de sua
publicação.

79
Sem dúvida se por um lado o discriminante visa evitar fraudes, por outro gerará um número acentuado de situações de
conotação injusta.

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Resolução 011 de 17 de julho de 2007, da UFSM
A UFSM visando promover o acesso de negros,
pardos, indígenas e populações de baixa renda instituiu a
Resolução 009/07, publicada na data de 17 de julho de
2007, revogada pela Resolução 011/2007, publicada na
data de 03 de agosto de 2007, que dispôs acerca do
Programa de Ações Afirmativas de Inclusão Racial e
Social no processo seletivo para ocupação de vagas no
âmbito da Instituição Federal de ensino.
A edição da Resolução 011/07 considerou os
Tratados Internacionais de Direitos Humanos dos quais o
Brasil é signatário, os objetivos fundamentais da República
Federativa do Brasil estabelecidos no art. 3º da
Constituição Federal e os princípios e regras previstos na
Constituição Federal, os quais deverão contribuir para
erradicar80 (SIC) as desigualdades sociais e étnico-raciais,
visando constituir uma sociedade mais equitativa.
A edição da Resolução foi fundamentada inclusive,
na necessidade de democratizar o acesso ao Ensino
Superior Público no País, especialmente aos afro-
brasileiros, estudantes oriundos de escolas públicas,
pessoas com necessidades especiais e indígenas. O
pioneirismo da UFSM foi amparado, também,pela
implementação de processos de inclusão social através do
Programa de Ingresso ao Ensino Superior - PEIES e
programas vinculados a Pró-Reitoria de Assuntos
Estudantis - PRAE, assim como nos princípios
institucionais da UFSM, dentre eles o de democratizar
ainda mais o acesso, bem como a permanência das
populações em desvantagens social e étnico-racial em seus
quadros.
A Resolução dispõe acerca do acesso estabelecendo
a disponibilidade do percentual de até 15% (quinze por
cento) das vagas nos processos seletivos para estudantes
afro-brasileiros, em cada um dos cursos de formação
técnica e de graduação, pelo período de 10 (dez) anos,
conforme disposição prevista no artigo 2º da referida
resolução(011/07).
O percentual disponibilizado aos estudantes
oriundos de escolas públicas é de 20% (vinte por cento) a
serem preenchidos pelo período de 10 (dez) anos, em cada
um dos cursos.A partir da observância do artigo 5º da
referida Resolução, percebe-se que as vagas
disponibilizadas para os estudantes indígenas, são
suplementares àquelas disponibilizadas no processo
seletivo em cursos de graduação para serem disputadas
80
O inciso III do artigo 3º da Constituição Federal aborda dentre os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil a
erradicação da pobreza e a marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|427


exclusivamente por estudantes indígenas residentes no
território nacional, apontadas por intermédio da Fundação
Nacional do Índio (FUNAI).

Considerações Finais
A problemática abordada ao pretender oferecer
elementos para a reflexão sobre a possibilidade de
incompatibilidade entre a Lei das cotas (12.711/12) e o
Decreto que a regulamenta, (7.824/12) com relação à
resolução 011/07, procurou questionar sobre em que
medidas esta nova legislação obstaculizaria a manutenção
ou a eventual ampliação dos programas de ações
afirmativas em vigor no âmbito da UFSM, interferindo na
autonomia universitária prevista no artigo 207 da Carta
Magna.
As ações afirmativas implementadas pela nova
legislação têm como escopo compelir todas as Instituições
Federais de Ensino aadotarem as práticas contidas nas
diretrizes traçadas pelo poder executivo federal em nome
da União. Mas não só. Essa é uma política de Estado, cuja
implantação é obrigatória às Instituições Federais bancadas
com recursos da União.Entretanto, como é o caso da
UFSM, há instituições que, voluntariamente, já haviam
lançado seus programas de ações afirmativas, os quais
vinham obtendo sucesso e reconhecimento junto à
sociedade.
Considerando que a adesão aos novos programas
implementados pela legislação que entrou em vigor é
obrigatória e alternativa não há para as instituiçõesque não
seja comprometer-se com sua aplicação, não significando,
data máxima vênia, uma violação à autonomia
universitária, na medida em que as instituições bancadas
com recursos públicos da União se submetem às normas
programáticas e diretrizes por ela instituídas.
Ademais, trata-se de dar consequência prática à
aplicação de vários princípios cristalizados nos artigos,
205 e 207 da Constituição Federal e 3º, 4º da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394,
de 20 de dezembro de 1996) .
Criador da concepção sociológica sobre as Cartas
Magnas, LASSALE(2001) afirma que a Constituição de
uma nação deve expressar as forças políticas históricas
regem um país, caso contrário, ela não passará de uma
simples folha de papel.
Em vista do exposto, forçoso é concluir que o
programa, relativamente aos indígenas, Resolução 011/07,
mostrou-se em perfeita sintonia com os artigos, 205 e 207

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|428


da Constituição Federal, os artigos 3º, 4º, seus incisos, Lei
de Diretrizes e Bases da Educação – Lei 9.394/96 e Lei
12.711/12 e seu Decreto 7.824/12.

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Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|429


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Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|430


Jornal Chico Rei de Poços de Caldas (1987-1989)
Uma estratégia de ensino e implementação da lei 10.639/03
PorDaniel Porcincula Prado¹, Gabriela Costa Silva 2

Resumo Abstract
Opresente trabalho propõe analisar o This study aims to analyze the Chico
jornal Chico Rei, que tevecirculaçãoentre os Rei newspaper, which had circulation between
anos de 1987 a 1989 na cidade de Poços de the years 1987-1989 in the city of Poços de
Caldas/MG. Visamos diagnosticar algumas Caldas / MG. We aim to diagnose some
possibilidades de uso do referido periódico possible uses of that journal as a resource to
como um recurso ao ensino de História em history teaching in order to implement the Law
vistas à implementação da Lei 10.639/03. 10.639/03.
Palavras-chave:Jornal Chico Rei, Ensino, História, Lei 10.639/03. Keywords:Chico Rei newspaper, teaching,History, Law 10.639/03.

¹ Professor Adjunto do Instituto de Ciências Humanas e da Informação da Universidade Federal do Rio Grande (ICHI-FURG). Doutor em Educação
Ambiental pela Universidade Federal do Rio Grande (FURG) e Professor do Instituto de Ciências Humanas e da Informação (ICHI -FURG).
² Acadêmica do Curso de História Licenciatura da Universidade Federal do Rio Grande (FURG). Estagiária do Centro de Documenta ção Histórica da
Universidade Federal do Rio Grande (CDH-FURG).

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|431


Introdução
O presente trabalho visa analisar as possibilidades
de utilização do jornal Chico Rei
(autodenominado“informativo alternativo independente do
Centro de Cultura Afro Brasileira Chico Rei”, editado e
distribuído gratuitamente entre os anos de 1987 e 1989),
como mecanismo de ensino de História visando a
implementação da Lei 10.639/03.
Como viés de abordagem teórico-metodológica,
nos ancoraremos respectivamente no materialismo
histórico dialético, pois tal corrente aproxima a teoria
acadêmica à prática transformadora, bem como na análise
de conteúdo, pois possibilita a que o pesquisador confronte
elementos quantitativos e qualitativos.Entendemos que a
discussão que será abordada neste artigo justifica-se pelo
fato de que, apesar dos mais de dez anos da instauração da
Lei 10.639/03, como já averiguado em inúmeras pesquisas,
esta ainda não obteve seu cumprimento de maneira
satisfatória.
A escolha do referido Jornal se dá tanto pela
relevância do Clube Chico Rei(atualmente Centro Cultural
Afro-Brasileira Chico Rei), quanto pelo contexto poços-
caldense, no que tange a forte cultura e presença negra
desta cidade.Segundo o memorialista Mário Mourão,
Poços de Caldas, município situado no sul de Minas
Gerais, foi fundada no ano de 1873, por meio de doação do
terreno em 1872 à Câmarapor parte do fazendeiro Joaquim
Bernardes da Costa Junqueira (MOURÃO, 1952, p.23). No
que tange à formação da sociedade sul mineira, mais
especificamente a Poços de Caldas, essa composição se
constituirá de maioria de imigrantes italianos e poucos
descendentes de africanos (FONSECA, 2006), fato esse
explicável pela onda de imigrantes europeus que chegaram
ao Brasil nas regiões sul e sudeste do país em fins do
século XIX. Devido ao número reduzido de trabalhadores
negros e, pela necessidade de representação desta
população diante do alto número de imigrantes que foram
sendo instalados na cidade, é que ocorre no ano de 1963 a
fundação do Clube Chico Rei, reivindicando-se como
legítimo representante da população negra daquele
município.
Segundo o relatório“Festa de Aniversário – Chico
Rei Clube” (Poços de Caldas, Setembro 1974), escrito por
Maria José de Souza, o clube foi fundado aos moldes do
Lions Clube local, em 26 de setembro no ano de 1963, por
18 casais, com a intenção de “agregar as pessoas de cor da
cidade” (1974, p.1), já que o acesso dos negros aos outros

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|432


clubes era negado, e da mesma forma tendo como
objetivo“a recreação e a cultura entre os seus associados”.
Na data do relatório de aniversário, a associação
contava com um número aproximado de 200 casais, fato
esse que salienta a relevância do mesmo para a
comunidade negra do município. De acordo com Resende
(2011), o nome do Clube foi uma homenagem ao líder
Chico Rei, personagem lendário de Vila Rica, Minas
Gerais, do século XVIII.
Assim como ocorreu com o movimento negro no
Brasil, o clube Chico Rei passou ao longo de sua trajetória
por diversas transformações e reelaborações internas
enquanto instituição, bem como na redefinição de seus
objetivos. Segundo Domingos (2007), a História do
Movimento Negro brasileiro a partir da instauração da
República pode ser dividida em quatro etapas: 1° fase
(1889-1937): da Primeira República ao Estado Novo; 2°
fase (1945-1964): da Segunda República à ditadura militar;
3° fase (1978-2000): do início do processo de
redemocratização à República Nova; e 4° fase (2000 - ?):
uma hipótese interpretativa. O Clube Chico Rei não
participou de todas essas etapas, sendoque este foi fundado
em 1963, ainda assim, ao analisarmos sua trajetória,
percebemos mudanças nos seus ideais. Diferentemente do
seu objetivoinicial que pregavaa recreação e a cultura entre
seus associados81, em 1973 o Clube entra em uma segunda
fase na qual há um incentivo também à educação e à
cultura. Seguindo nesse processo de transformação, em
1988 o Chico Rei adentra a uma terceira fase em que ele
muda a sua razão social, transformando-se em Centro de
Cultura Afro – Brasileira “Chico Rei”:
Nos novos objetivos se insere a construção de
uma nova sede em que possa continuar atendendo a
atividade social da comunidade negra e mais sua parte
cultural através de cursos diversos, estudos e pesquisa e
para tanto procurará manter uma eficiente biblioteca [...]
O objetivo maior do Chico Rei agora, é dar unidade ao
movimento ou força negra local através do trabalho
político e cultural. (Ano I – Poços de Caldas, novembro de
1988, p.1).

Podemos identificar nesse trecho que, para além da


superação do racismo através do combate a práticas que
inferiorizam a população negra brasileira, o Clube Chico
Rei entende que se faz necessário ainda uma união com
viés político na qual o sistema vigente como um todo seja
contestado.
O negro hoje, em número cada vez mais
significativo, tem consciência de que tem que ampliar seu

81
Relatório Festa de Aniversário – Chico Rei Clube, Poços de Caldas, Setembro de 1974.

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espaço de lutas e reivindicações. Sabe que seu espaço não
legado na sociedade capitalista deve ser conquistado
através de luta direcionada para um novo modelo de
sociedade onde possa manter uma ação mais participativa.
(Edição de Aniversário–- Poços de Caldas, setembro de
1987, p.2).

Dessa forma, entendemos que para a superação do


racismo, a cultura é uma perspectiva fundamental, já que
essa prática social não se limita à determinação econômica.
Entretanto, tal prática não pode ser visualizada como
fadada ao desaparecimento apenas através da valorização
cultural, visto que essa perspectiva opressora faz parte de
um sistema de modo de produção que se utiliza desses
mecanismos para a exploração de um grupo pertencente a
sociedade. Diante disso, podemos visualizar através do
trecho citado, que assim como o contexto de
transformações que passou o Movimento Negro brasileiro,
o Clube Chico Rei em fins da década de 80 enxerga o
movimento negro como uma ferramenta de luta contra o
sistema econômico vigente, visto que esse sistema se
utiliza da opressão como um mecanismo perpetuador de
sua ideologia.
Sobre a conjuntura do Movimento Negro em fins da
década de 80, Rocha (2006) disserta na obra “Políticas
Afirmativas e Educação: a Lei 10.639/03 no contexto das
políticas educacionais no Brasil contemporâneo”, que
durante esse período, motivados pelo processo constituinte
de 1988, vários debates e atividades foram realizados pelo
movimento negro em todo o país com a finalidade de
apresentar demandas para que as mesmas fossem incluídas
no texto constitucional que estava em construção.
É nesse contexto de transformação e reformulação
que surge o jornal Chico Rei, tendo suaprimeira publicação
em setembro de 1987, em comemoração ao aniversário do
Chico Rei Clube. O periódico tem como função principal
“trocar ideias, informar e divulgar o trabalho que vem
sendo realizado junto à comunidade sobre a reflexão que
se realiza sobre o centenário da Abolição e sobre o que se
realizou em nossa cidade nesses 24 anos de lutas.” (Edição
de Aniversário, setembro de 1987, p.1). O periódico
possuía uma tiragem média de dois mil exemplares, sendo
cerca de 800 remetidos para outras cidades.
A fundação do jornal está relacionada ainda com as
mobilizações do movimento negro em âmbito nacional, o
qual lutava em prol do reconhecimento e afirmação dessa
população. Entre as conquistas deste movimento no
decorrer dos anos, está a própria Lei 10.639 que foi
sancionada em 9 de janeiro de 2003, pelo então Presidente
da República Federativa do Brasil Luiz Inácio Lula da
Silva (alterando a Lei no 9.394 de 20 de dezembro de
1996), que estabelece junto às diretrizes e bases da

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|434


educação nacional, a inclusão no currículo oficial da Rede
de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e
Cultura Afro-Brasileira".
Segundo consta na Lei:
Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino
fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se
obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-
Brasileira.
§ 1o O conteúdo programático a que se refere
o caput deste artigo incluirá o estudo da História da
África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a
cultura negra brasileira e o negro na formação da
sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo
negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à
História do Brasil.
§ 2o Os conteúdos referentes à História e Cultura
Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o
currículo escolar, em especial nas áreas de Educação
Artística e de Literatura e História Brasileiras.
Art. 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20
de novembro como ‘Dia Nacional da Consciência
Negra’.82

Para uma concreta implantação da Lei, se faz


necessário também o entendimento por parte dos agentes
envolvidos com a educação (aqui mais especificamente
professores e professoras de História), de que a escola
pode servir como um relevante espaço para a superação da
discriminação racial que permeia a sociedade brasileira,
assim como a perspectiva de que a escola deve se
constituir em um importante instrumento para a
desconstrução do mito da democracia racial, que esconde
além das desigualdades raciais, as desigualdades sociais
existentes no país. O cumprimento da lei pode ser um
caminho de formação de criticidade nos alunosealunas
para que os mesmos se transformem em agentes de
transformação da sociedade atual.
A Lei 10.639/2003 foi o resultado de anos de luta
liderada por diversos grupos e atores sociais que buscavam
reconhecimento na sociedade brasileira. É nessa
perspectiva que analisamos o jornal Chico Reicomo um
periódico pertencente a este processo de amadurecimento e
consolidação do movimento protagonizado pela população
negra no município de Poços de Caldas do estado de
Minas Gerais.

82
Informação disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.639.htm

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|435


A necessidade da criação de um periódico que
visava divulgar e valorizar a luta da comunidade negra na
cidade pode ser explicada pela invisibilidade que à época
esse grupo sofria, já que devido ao grande número de
imigrantes italianos que fizeram parte da tipologia social
do município e a hegemonia da cultura eurocêntrica sobre
as outras naquela comunidade, os negros não viam a sua
luta e cultura valorizados.
Após a abolição, baseado nos valores
republicanos e aristocráticos do período buscava-se o
branqueamento da população brasileira. Esse desejo de
branqueamento era sustentado pelo conceito de
superioridade racial que fora influenciado pelo
Positivismo. De acordo com essa teoria para que ocorresse
o desenvolvimento do Brasil, segundo os parâmetros
econômicos estabelecidos, seria necessário instituir um
“melhoramento” da população, aspecto este conquistado
através do aumento no número de europeus no país. Sobre
isso, Santos ressalta: Além do Brasil, o branqueamento foi
um projeto político da maioria dos governos da América
Latina, que acreditavam que os europeus eram superiores.
[...] Segundo a teoria do branqueamento, a miscigenação
tornaria as pessoas mais claras, processo que era
incentivado pelo cruzamento racial, pela imigração de
europeus e pela política de proibição da imigração dos não
brancos, oriundos dos continentes africano e asiático
(SANTOS, 2011, p. 94-95).

Subsidiados por uma intensa campanha científica, o


Estado brasileiro em fins do século XIX estabeleceu como
política pública a entrada de imigrantes europeus no país,
pois através de tal medida, o embranquecimento da nação
ocorreria, superando o atraso do desenvolvimento do
Brasil, segundo os ideólogos da época, causados pela
população negra. Devemos entender esse processo como
mais um capítulo da formatação da ideologia de
dominação racial nacional, perspectiva essa utilizada como
subsidio de manutenção de dominação de um grupo sobre
outro. Segundo Munanga (1986), em meio a interesses
econômicos e baseados na exploração étnica, o negro tem
sua imagem desconstruída, tendo sua figura
constantemente associada a adjetivos como“primitivo” e
“inferior”.
Deve se atentaralém disso, que no período da pós-
abolição,a população anteriormente escravizada se
encontrou em uma conjuntura de grande preconceito racial
e exclusão, não conseguindo oportunidades dignas de
trabalho e moradia. Dessa maneira, os negros sofreram um
processo de marginalização, episódio esse que acarretou na
necessidade, por parte dos negros, de criação de
mecanismos de resistência a essa cultura de exclusão.
Assim, surgem associações e clubes negros que tinham

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como finalidade realizar a proteção, o auxílio funeral e a
manutenção da religiosidade, tornando-se posteriormente
em espaços para a realização de diversas práticas sociais,
já que à essa população era negada a entrada em alguns
locais. Neste contexto emerge outro mecanismo de
resistência, a imprensa negra.
No que tange ao ensino de História,devemos refletir
acerca de sua contribuição para com o presente debate
proposto. A partir de conceitos do materialismo histórico
dialético, podemos elencar como uma das funções desse
ensino a apropriação de conceitos da realidade em questão,
para que essa mesma realidade seja passível de
transformação, isto é, uma junção entre a teoria acadêmica
e a prática transformadora. Sobre isso Frigottoaponta que:
(...) o conhecimento efetivamente se dá na e pela
práxis. A práxis expressa, justamente, a unidade
indissolúvel de duas dimensões distintas, diversas no
processo de conhecimento: a teoria e a ação. A reflexão
teórica sobre a realidade não é uma reflexão diletante, mas
uma reflexão em função da ação para transformar.
(FRIGOTTO, 1991, p. 81).

Por meio do cumprimento da Lei 10.639/03, que


tem como finalidade a valorização da história e da cultura
afro-brasileira, o ensino de História, através da utilização
do jornal ChicoRei pode ser um relevante instrumento para
a disputa de concepções e construção de novas relações em
que as desigualdades raciais e sociais sejam superadas.
Nesta perspectiva, a desigualdade racial está
intrinsecamente conectada à dinâmica da luta de classes.
Entendemos que a discriminação racial é um subproduto
do modo de produção capitalista, e diante disso,
apreendemos que uma aliança entre a luta racial e a luta de
classes deve ser constituída, e o cumprimento da Lei
10.639/03 através da utilização do jornal Chico Reipode se
firmar como um instrumentopossível para esta
concretização.
Compreendemos que o ensino de História deve
proporcionar aos alunos e alunas a formação de um
pensamento crítico, na qual seja priorizada a formação
política, relativizando com isso o acúmulo sistemático de
conhecimentos que muitas vezes estão longe da realidade
material dos e das estudantes. Entendemos dessa maneira,
que se faz relevante ressaltar a formação cidadã dos
discentes, pois a partir disso, eles podem agir de maneira
ativa na realidade que estão inseridos, ou seja, cidadãos
que atuem de maneiraa resistir a um projeto político,
cultural e econômico que prega as desigualdades raciais e
sociais.
A partir de um estudo sobre o levantamento
documental realizado, elencamos a Análise de Conteúdo
como o pressuposto metodológico que orientará a

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|437


pesquisa, com a finalidade de apresentar a percepção
crítica da linguagem observada. Nesse horizonte, para
compor a análise empírica, utilizamo-nos de um título
jornalístico, sendo determinado pelo seu caráter específico
de publicação, por se tratar de uma produção feita por uma
instituição que tem a comunidade negra como principal
beneficiária.
A opção do referido instrumento ocorreu devido a
possibilidade de o pesquisador realizar a contraposição de
elementos quantitativos com uma análise qualitativa; em
outras palavras, uma metodologia que melhor auxiliasse na
interpretação de um número considerável de edições do
jornalChicoRei.

Sobreaanálisedeconteúdo:
[...] enquanto esforço de interpretação a análise
de conteúdo oscila entre os pólos do rigor da objetividade
e da fecundidade da subjetividade. A Análise de Conteúdo
fundamenta-se, principalmente, na relação quantitativa
versus qualitativa(BARDIN, 1977,p.7).

Dessa forma, o emprego da Análise de Conteúdo


para a investigação sobre as possibilidades do uso do
jornal Chico Rei como uma estratégia de ensino e
implementação da Lei 10.639/03,visa partir de uma
primeira análise quantitativa para a realização posterior de
uma apreciação qualitativa.
Amparado nos conceitos do Materialismo Histórico
dialético e da Análise de Conteúdo, foram considerados
cinco números do jornal ChicoRei, que compreendem o
período de1987 a 1989. O emprego da Análise de
Conteúdo no informativo ChicoRei foi dividido em três
fases, sendo uma complementar a outra. Respectivamente,
a aplicação ocorreu da seguinte maneira: a pré-
análise(contato e leitura da fonte); a exploração do
documento (análise quantitativa do objeto) e a
interferência e a interpretação (estudo qualitativo do
material). Como estabelecido, a pré-análise do objeto de
estudo compreendeu a fase na qual a análise direta da fonte
foi feita juntamente com o aporte de materiais que
fornecessem informações sobre o mesmo. Utilizamos nesta
etapa da pesquisa a obra “Chico Rei Clube: contribuições
para a história da educação dos negros em Poços de
Caldas”83 e outros jornais poços-caldense que apresentam
referências ao Centro de Cultura Afro Brasileira Chico
Rei.

83
RESENDE, Fernanda Mende; SCASSIOTTI, G. C.

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Implementação da Lei 10.639/03

História A luta dos O Negro na A cultura


da África negros no formação da negra
Brasil sociedade brasileira
nacional

Jornal 2 3 0 2
ChicoRei

n° I

Jornal 2 5 1 4
ChicoRei

n°III

Jornal 2 2 1 2
ChicoRei

n° VI

Jornal 1 2 2 1
ChicoRei

n° VII

Jornal 0 2 1 1
ChicoRei

n° VIII P
o
steriormente a essa primeira investigação, uma análise
quantitativa do jornal ChicoRei foi realizada. Para tal
etapa, após a delimitação temporal, estabeleceu-se o estudo
do informativo.Desta forma, a fonte primária aqui em
questão foi analisada em sua totalidade, sendo as
expressões apresentadas com maior frequênciaelencadas a
fim de verificar a possibilidade do uso desta fonte para o
ensino de História e implementação da Lei 10.639/03. A

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|439


partir dos pressupostos apresentados
anteriormente,indicamos a seguinte tabela:

Análise Quantitativa do Jornal

Após a análise quantitativa das fontes e seguindo os


pressupostos de Laurence Bardin, os conceitos relativos à
Lei 10.639/03 presentes no Jornal Chico Reiforam
averiguados de maneira a entendê-los em sua conjuntura e
seus objetivos, construindo a partir disso, reflexões e
relações entre as ideias expressas no jornal e a
possibilidade de uso do mesmo para o ensino de História.
Iniciando-se a terceira fase da análise de conteúdo –
estudo qualitativo –, através da tabela de análise
quantitativa percebemos que o informativo independente
Chico Rei possui em suas publicações conceitos que são
relativos à implementação da lei em questão nesse
trabalho. Podemos afirmar que o mesmo se caracteriza
como um espaço de debate e divulgação dos ideais do
movimento negro de âmbito local, e mesmo reverberando
o debate nacional que então se esboçava em fins da década
de 1980. Conclusão esta explícita no seguinte trecho do
jornal:
Aqui permanece o objetivo básico do combate ao
racismo através de atividades comprovadas. O negro, só
através de uma prática onde possa realizar uma prática
real na comunidade onde vive, pode combater a
discriminação e o racismo. (Edição de Aniversário –
Poços de Caldas, setembro de 1987, p. 6).

Verificamos que esta citação contempla um dos


pressupostos fundamentais da Lei 10.639/03, que é a
inclusão, junto aos conteúdos programáticos, da luta dos
negros no Brasil, bem como a incorporação do
protagonismo do Movimento Negro diante das conquistas
dacomunidade afro-brasileira.
Outro aspecto que a lei apregoa é a efetivação do
ensino de História da África. Anteriormente a essa
legislação, o ensino acerca do continente africano era
bastante tênue, devido certamente ao fato de a disciplina
História no Brasil ser marcadamente influenciada por
historiadores de tradição europeia, o que evidentemente
tornava esta proposta pedagógica profundamente
eurocêntrica e distante das pesquisas e publicações não
ocidentalizadas.
A divisão política da África, consequentemente
de um conjunto de interesses bastante diversificados entre
as nações colonizadoras, que não levaram em conta as
peculiaridades culturais dos seus diferentes grupos
étnicos, resultou em divergentes teorias sobre a arte negra
e a cultura africana, definindo-as de forma generalizada e

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|440


negativamente, apenas como primitivas ou simplesmente
negra. [...] A arte do negro, em África, gira e torno de
crenças, vive em estreita relação com o homem, com a
natureza, com os vivos e com os mortos. (Edição de
Aniversário – Poços de Caldas, setembro de 1987, p.6).

O trechoacimaabre a possibilidade para que seja


trabalhado com os alunos a questão da divisão geográfica
da África,questão fortemente marcada por aspectos
políticos resultantes do imperialismo, com a superação da
ideia, ainda muito presente nos estudantes, de que a África
é um país e não um continente marcado pela pluralidade de
culturas.É possível estabelecer um outro marco
epistemológico, que é a interpretação e conhecimento da
História do Brasil em uma intrínseca relação com a
História da África, aja visto que a população oriunda do
continente africano é parte constituinte dos povos que
deram origem à nação brasileira. A ausência dessa
realidade dentro do estudo da História do Brasil reflete o
racismo existente dentro da sociedade brasileira,
contrariando o mito da democracia racial que insiste a
permeia nosso tecido formativo enquanto nação.

Foto dos autores (2015).

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|441


No que diz respeito a dois outros aspectos
apontados pela Lei 10.639/03, “o negro na formação da
sociedade nacional” e “a cultura negra brasileira”, o jornal
também nos apresenta referências que podem ser utilizadas
como instrumento de debate em sala de aula.Verificamos
esta possibilidade em um anúncio da Cooperativa Regional
dos Cafeicultores de Poços de Caldas, na qual está escrito
“Se a cafeicultura ainda hoje, constrói a riqueza da terra,
deve-se agradecer o trabalho do negro que construiu este
país” (Ano1 - Poços de Caldas, novembro de 1988, p.8).
No breve destaque, observamos a relevância do trabalho
dos negros para a constituição econômica do Brasil, fato
este muitas vezes silenciado nos livros didáticos e na
própria exposição dialogada dos professores. Outro
aspecto a ser problematizado é o fato de que muitas vezes
a contribuição do negro se restringe a uma perspectiva
cultural, ou mesmo folclorizada, secundarizada.Tal
desconhecimento da relevância da população negra acerca
da construção econômica da nação e das tecnologias
trazidas pelos povos africanos são demonstrados através de
representações ideológicas que inferiorizam a
populaçãoafrodescendente, perpetuando dessa maneira os
discursos legitimadores da discriminação racial.
Sobre os aspectos culturais relacionados com a
economia, outro fragmento pode servir como instrumento
para a problematização do tema“cultura afro-brasileira no
Brasil”. No caso em questão, a influência da cultura negra
na formação de tradições no Estado de Minas Gerais:
As originalidades da congada em Minas Gerais
devem ser buscadas em Vila Rica do Ouro Preto,
Diamantina e Serro, principais centros econômicos do país
no século XVIII, com a exploração do ouro e do diamante,
onde, por estas razões fundamentais, se agregou o maior
afluxo de negros, mão de obra escrava, tanto oriundos dos
engenhos do Nordeste em estado de desagregação
econômica, como vindos da África para o trabalho nas
minas.
A congada parece ter se desenvolvido em Vila
Rica do Ouro Preto desde do início da mineração e
concluiu-se que a fonte criadora das diversas modalidades
de reinado esteja ligado às solenidades que todos os anos
promovia CHICOREI - considerado o primeiro Rei
Congo em Vila Rica (Ano 2 – Poços de Caldas, maio de
1989, p.7).

Diante da análise realizada no jornal Chico Reino


período que compreende os anos de 1987 a 1989 e que
teve como suporte teórico e metodológico o Materialismo
Histórico dialético e a Análise de Conteúdo, e com isto
buscando-se identificar as possibilidades da utilização do
periódico parao ensino de História visando a
implementação da Lei 10.639/03, entendemoscomo

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necessária a superação de uma sociedade com
desigualdades raciais e sociais.
Neste sentido, podemos concluir que o informativo
independente Chico Rei contempla conceitos relativos a
referida Lei, dessa forma, este é possível de ser utilizado
como mecanismo para a implementação da mesma através
do ensino de História. Demanda esta marcadamente
urgente,pois passados mais de uma década de sua
implementação, o cumprimento efetivo desta passa por
diversas dificuldades.
Rocha expõe que:
(...)a Lei 10.639/03, se trabalhada dentro da
perspectiva da superação da ideologia de dominação
racial, pode constituir-se como um instrumento
importante, no campo do currículo, para a explicitação das
contradições presentes no sistema econômico do capital.
Aliando o específico ao universal, na perspectiva de
superação das bases constitutivas das desigualdades
raciais e sociais. Assim posto, os conteúdos relacionados à
cultura e à história da África e dos negros brasileiros
poderão atuar no sentido de expor as lacunas e as ideias
que fundamentaram a ideologia de dominação racial
(ROCHA, 2006, p.113).

Dessa maneira, propomos aqui a utilização do


periódico Chico Rei como uma ferramenta para o
cumprimento da Lei 10639/03, sendo uma possibilidade
concreta de problematização do tema Cultura afro-
brasileira através da referida fonte primária, como
superação do atual modo de produção, que tem entre as
suas características a reprodução de diversas formas de
desigualdades, entre elas as raciais e sociais.
Tanto o tema proposto como a fonte elencada neste
artigo não se esgotam nesta breve análise, abrindo-se aqui
espaço para a continuidade desta discussão.

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Janeiro: Edições 70, 1977.
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Bezzera.Contribuição ao debate acerca da utilização do
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Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|443


DOMINGOS, Petrônio.
Movimentonegrobrasileiro: alguns apontamentos
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FRIGOTTO, Gaudêncio. O enfoque da dialética
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FAZENDA, Ivani (org.) Metodologia da pesquisa
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PIRES, Marília Freitas de Campos. O materialismo
histórico-dialético e a Educação.Texto apresentado na
mesa-redonda Paradigmas de Interpretação da Realidade e
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Chico Rei Clube: contribuições para a história da
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Vitória, ES. Anais do VI Congresso Brasileiro de História
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ROCHA, Luiz Carlos Paixão da. Políticas
Afirmativas e Educação: a Lei 10.639/03 no contexto
das políticas educacionais no Brasil contemporâneo.
Dissertação (mestrado em Educação e Trabalho).
Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2006.
SANTOS, José Antônio dos.
PrisioneirosdaHistória:trajetórias intelectuais na
imprensa negra meridional. Tese (Doutorado em
História). Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande
do Sul, Porto Alegre, 2011.

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Etnografia e o Ensino de História:
algumas possibilidades
Por Caroline de Mattos de Moraes84

Resumo Abstract
Este trabalho faz parte do projeto de This work is part of the research project
pesquisa que está em andamento pelo Programa that is underway hair Graduate Program in
de Pós Graduação em História da Universidade History at the Universidade Federal Rio Grande
Federal do Rio Grande (FURG), que tem como (FURG), which has as main point teacher into
ponto principal o professor em inicio de early career, this period stipulated in up to five
carreira, este período estipulado em até cinco year graduate. To explore this character will use
anos de graduado. Para explorar este the ethnographic methodology, since may the
personagem utilizaremos da metodologia central purpose of labour and analyze the
etnográfica, visto que o objetivo central do teacher in your construction professional in
trabalho é analisar o professor em sua your work environment, a school. Discussion
construção profissional em seu ambiente de for this propose the use of ethnography as
trabalho, a escola. Para esta discussão proponho possible for teaching of history, since this
a utilização da etnografia como possibilidade methodology is quite comprehensive and comes
para o ensino de História, visto que essa gaining momentum in Educational Research.
metodologia é bastante abrangente e vem And a qualitative methodology, aims what, why
ganhando fôlego na pesquisa educacional. É notes media, which will be reported in hum
uma metodologia qualitativa, que pretende, por field diary and interviews a deepening make
meio de observações, que serão relatadas em researcher no space do that search group.
um diário de campo, e entrevistas um Gained strength in 1960 with the social
aprofundamento do pesquisador no espaço do movements and student Around the world and
grupo que pesquisa. Ganhou força nos anos sharpened the saber will what happened, Suit, in
1960 com os movimentos sociais e estudantis schools and classrooms. in Brazil, this paradigm
pelo mundo e aguçou a vontade de saber o que has gained momentum from the year 1980
acontecia, de fato, nas escolas e salas de aula. ethnography in restless the look about usual
No Brasil, esse paradigma ganhou impulso a points in our daily life, in this case, the glimpse
partir dos anos 1980. A etnografia nos inquieta of the teacher in early career.
o olhar acerca de pontos habituais em nosso
cotidiano, neste caso, o olhar sobre o professor Keywords: Professor Beginner, Ethnography , History of Education

em inicio de carreira.
Palavras-chave: Professor Iniciante, Etnografia, Ensino de História.

84
E-mail: caroliinee_moraes@hotmail.com

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Introdução
Este trabalho faz parte do projeto de pesquisa que
está em andamento pelo Programa de Pós Graduação em
História da Universidade Federal do Rio Grande (FURG),
que tem como ponto principal o professor em inicio
docente, este período estipulado em até cinco anos de
graduado e não releva a idade cronológica dos professores.
Para explorar este personagem utilizaremos da
metodologia etnográfica, visto que o objetivo central do
trabalho é analisar o professor em sua construção
profissional em seu ambiente de trabalho, a escola.
Este tema chega a minha pessoa, pois também sou
professora em inicio de carreira e através de uma atividade
disciplinar do Programa de Pós Graduação em que estou
inserida. A atividade consistia em realizar uma entrevista
com um professor, por acaso eu entrevistei um professor e
início de carreira. A temática foi sendo lapidada e
atualmente e desenvolvida por meio da etnografia.
A presente proposta é discutir acerca de novas
possibilidades para o ensino de História e a produção de
fontes. A metodologia etnográfica no ensino em geral vem
ganhando fôlego desde a década de 1960 e no Brasil, a
partir de 1980. Podemos atentar para o fato de que no
Brasil o ensino, em particular o ensino de História mostra
bastante transformações ao longo do tempo e não podemos
deixar de mencionar que essas mudanças acompanham as
necessidades da sociedade.
E assim, como é sabido, o ensino de História
presenciou muitas transformações e reformas,
principalmente para atender as demandas sociais. Hoje em
dia várias metodologias qualitativas nos aproximam de um
fazer histórico mais humano pois cada vez mais o ser
humano é o foco das pesquisas, tentamos cada vez mais
compreender o homem no tempo e na sociedade e que se
encontra.
Nossa proposta de produção de fontes aqui é
voltada para o ser humano e as suas significâncias
enquanto individuo e no coletivo. A etnografia busca
mostrar as singularidades e as peculiaridades que uma
pesquisa em documentos “oficiais” não se encontrariam.
Nessa metodologia o historiador produz e analisa as suas
próprias fontes.
A pesquisa etnográfica é uma ramificação da
Antropologia e assim, uma metodologia qualitativa, que
pretende, por meio de observações um aprofundamento do
pesquisador no espaço do grupo que pesquisa.
Ganhou força nos anos 1960 com os movimentos
sociais e estudantis pelo mundo e aguçou a vontade de

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saber o que acontecia, de fato, nas escolas e salas de aula.
No Brasil, esse paradigma ganhou impulso a partir dos
anos 1980.
Para André (1995), a pesquisa de cunho etnográfico
oportuniza a tentativa de entender os mecanismos
escolares, as relações e interações que se estabelece no
âmbito escolar. Tentar entender, em nosso caso, o
professor em relação a estes mecanismos.
Esse processo continuo de anotação e descrição na
pesquisa etnográfica possui uma finalidade, pois é por
meio desses dados que buscaremos relacionar fatos
aparentemente singulares a outros acontecimentos, pois
uma das questões fundamentais para a etnografia é a
dimensão da totalidade. (OLIVEIRA, 2013, p. 175)

A observação deve ser anotada, a realidade deve ser


relatada. É um exercício complexo, mas necessário, pois
segundo Amurabi Oliveira (Universidade Federal do
Pernambuco, 2013) “isso dá na imersão da cultura do
outro, na necessidade compreender “de dentro” uma dada
realidade” (p. 177).
Assim, o pesquisador que utilizar a etnografia deve
estar ciente sobre o trabalho minucioso que deverá
executar. Desse modo, o presente será sobre essa
metodologia que nos possibilita olhar além do que estamos
acostumados, a etnografia. Tudo nos passa muito depressa,
tudo ocorre de maneira mais rápida, tanto que nosso olhar
se habitua facilmente com o cotidiano. Se tratando em
particular do processo ensino-aprendizagem é muito mais
comum não nos impressionarmos.

Ensino de História: um panorama geral do Brasil


Podemos começar explanando acerca do ensino de
história no Brasil, as conjunturas, as rupturas e as
permanências ao longo do tempo. Atentaremos para o fato
de que a organização de ensino e do saber esta
intimamente ligada a Igreja Católica. No Brasil chega
através da Ordem Jesuítica, que era responsável pela
catequização e alfabetização indígena. Os jesuítas e seus
conhecimentos históricos ainda não tão organizados como
vemos hoje. A partir disso, as disciplinas surgem do
interesse de instituições como e sobretudo da Igreja e do
Estado.

“A designação utilizada atualmente define como


disciplina escolar o conjunto de conhecimentos
identificado por um titulo ou rubrica e dotado de

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|447


organização própria para o estudo escolar, com finalidades
especificas ao conteúdo de que trata e formas próprias
para sua apresentação”. (FONSECA, 2011; p. 15)

Até o século XVII, a História caracterizou-se por


continuar se apoiando fortemente na religião e a História
humana se baseava na intervenção divina. Nos dois
próximos séculos, podemos notar contornos mais precisos
e uma forte influência positivista e também marxista.
A partir dos anos 60 e 70 do século XX, notamos
que o foco das discussões eram as teorias de reprodução,
que segundo Fonseca (2011) foi fruto do estruturalismo do
período. Também negavam “à escola o papel de corretora
das desigualdades, reconhecendo nela a função de
perpetuadora das mesmas”. (FONSECA, 2011; p.17).
Ainda na década de 70 o foco das discussões se
aprofundou no conhecimento escolar, nas bases sociais e
em como se escolarizar e quais saberes a serem ensinados.
O que nos indica um contorno mais semelhante ao que
entendemos por disciplina hoje em dia.
Como, podemos perceber o homem como foco das
pesquisas ainda não era comum. O homem no seu
individual e no seu coletivo e podemos pensar no âmbito
do ensino, como professores, alunos, diretores,
funcionários da escola em sua subjetividade não foram
cerne de pesquisas até pouco tempo.
Assim, a História, como campo de conhecimento,
assumiu maior organização de seus métodos, sendo viável
sua conversão em disciplina escolar. O principal objetivo
da disciplina era mostrar o passado glorioso e os grandes
nomes da pátria. A historiografia era interligada ao Estado
e com os detentores do poder. Dessa maneira, sendo a
asserção das identidades nacionais e a legitimação dos
poderes políticos, favoreceu-se a posição principal no
âmbito das disciplinas escolares, explicita Thais Nivia de
Lima e Fonseca (2011).
É difícil precisar uma data, mas foi após a
Independência do Brasil que a disciplina História começa a
se constituir como conhecemos atualmente. Assim, se
seguiu o processo de produção de um sistema de ensino
voltado para o Império. Notamos, então a disciplina
delimitada com objetivos e personalizada como “conjunto
de saberes originado da produção cientifica e dotado,
para seu ensino, de métodos pedagógicos próprios”.
(FONSECA, 2011; p.42).
Ainda podemos citar que as reformulações se
mostram frequentes, visto que na transição Império para
República a memorização e repetição oral eram a
metodologia utilizada. Já no século XIX, observamos uma
difusão maior do patriotismo e do espirito cívico. As
disciplinas História, Geografia e Língua Pátria faziam

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parte do chamado “tripé da nacionalidade”. O objetivo do
ensino nesse período era o de modelar um novo tipo de
trabalhador: o cidadão patriótico.
Os anos 20 e 30 do século XX trazem projetos para
definir e organizar os currículos e o Ministério da
Educação e Saúde Pública são elaborados. Seriam
abordadas: a “História da Sagrada”, a” História Universal”
e a “História da Pátria”. As discussões sobre o que deveria
ser ensinado compreendiam os conflitos políticos e sociais
travados entre o Estado e a Igreja. Também, segundo
Fonseca (2011), ocorre a laicização e, então, ficamos com
o Estado laico e centralizador do processo educacional.
“Havia, no entanto, a necessidade da modernização, que
implicava o envolvimento de setores mais amplos da
população, não apenas pela via econômica, mas também
pela via educacional”. (FONSECA, 2011; p.44)
O liberalismo do século XIX esboçava o papel da
educação no que tange a formação do cidadão que produz,
obedece e se conforma. Cada vez mais a estruturação do
sistema educacional no Brasil passa a ser controlado pelo
Estado e unido em seus programas e currículos. Entretanto,
Fonseca (2011) traz também a reflexão que, desde o
período colonial, havia a preocupação com o
estabelecimento de instrumentos que centralizassem o
poder educacional e que fiscalizassem a população.
Ao fim do século XIX, observamos a diminuição da
população escrava e a crescente incorporação desses
grupos à ordem social, como é sabido até hoje, sua
aceitação não foi de fácil.
O cenário em que a História se compõe como
disciplina escolar é entre o final do século XIX e até os
anos 30 do século XX, no qual as elites colocavam a
questão da identidade no centro de suas considerações
sobre a construção da nação, “o que as levou a considerar
detidamente o problema da mestiçagem, visto na sua
perspectiva mais preocupante, isto é, aquela que envolvia
a população afro-brasileira” (FONSECA, 2011; p.46).
No inicio do século XX, alguns autores arriscavam
na efetividade do ensino de História na formação do
cidadão adaptado à ordem social e politica vigente. No
século XIX, já se estabelecia reflexões sobre essa temática,
mas, somente no século seguinte, que se intensificou.
Thais Nivia de Lima e Fonseca (2011), argumenta também
sobre a preocupação de romper com a justaposição entre a
História sagrada e a profana. Nesse intuito é introduzida
uma nova disciplina escolar “Instrução de Moral e Cívica”,
que objetivava reforçar o patriotismo.
A “nacionalização” dos estudos, segundo Fonseca
(2011), foi o movimento que cresceu depois da I Guerra
Mundial e que aos poucos foi ganhando espaço nas escolas
brasileiras. Os anos 1930 e 1940, em suas reformas no
sistema educacional, favoreceram a centralização das

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políticas educacionais. Este fato gerou a consolidação da
disciplina História. O Ministério da Educação surge com
programas e instruções sobre metodologias de ensino. As
escolas perderam sua autonomia, mas “essa centralização
significava, na prática, a unificação de conteúdos e de
metodologias, em detrimento de interesses regionais”
(FONSECA, 2011; p. 52).

“Programas curriculares e orientações metodológicas


pautavam-se, assim pela ideia de construção nacional que,
a partir das nações pátria, tradição, família e nação,
formaria na população o espirito do patriotismo e da
participação consciente. Mesmo com a adoção de maior
grau de “cientificidade” para o ensino de História,
algumas matrizes da História sagrada foram
estrategicamente mantidas, em atendimento a pressões de
setores católicos ligados à educação”. (FONSECA, 2011;
p.54)

Mesmo tendo diferenças em relação aos programas


anteriores, na década de 50, o ensino de História manteve-
se estreito às práticas tradicionais. Em 1964, com a
instalação do Regime Militar, alguns aspectos se
enraizaram no ensino de História. Na formação dos jovens
permaneceram os fatos políticos e as biografias de grandes
nomes do cenário brasileiro, inclusive muitas figuras
ligadas ao Militarismo. Ou seja, a visão tradicional da
História.
Após 1964, o ensino adentrou na combinação de
“medidas de restrições à formação e à atuação dos
professores e com uma redefinição dos objetivos da
educação, sob a ótica da Doutrina de Segurança Nacional
e Desenvolvimento [...]” (FONSECA, 2011; p.56)
Nesse momento da história do Brasil, a disciplina
teve de se enquadrar aos moldes do Estado autoritário.
Assumiu caráter moralizador e ideológico, como
justificativa de um país seguro.
O ensino diretivo e a não criticidade dos fatos eram
a base para o programa aplicado pelo Regime Militar. A
figura autoritária do professor, predominância do livro
didático, passividade do aluno eram os métodos que
deveriam ser utilizados. A organização dos conteúdos, ao
menos, seguia a ordem cronológica usual. O que podemos
atentar é que o processo de ensino-aprendizagem era
caracterizado pelo professor transmissor de conhecimento
e o que determina tarefas e o aluno aquele que recebe os
conhecimentos e realiza o que lhe foi mandado.
A crise do Regime Autoritário, no final dos anos
1970, abriu um leque de novas possibilidades para
transformações no ensino de História. Essas práticas
começaram nos anos 1980, ocasionando a formulação de

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|450


novas propostas metodológicas e novos programas. Em
alguns estados os debates e os embates sobre a
implementação de novas propostas foram mais acirrados.

“A nova proposta, ao operar uma inversão no sentido do


ensino de História, apresentava a necessidade de rearranjo
na seleção e na estruturação dos conteúdos, na opção por
uma nova metodologia de ensino, o que naturalmente
exigiria novas posturas por parte dos professores, em
relação à concepção de História e de Educação e suas
respectivas funções sociais”. (FONSECA, 2011; p. 62)

Em 1986, o programa almejava uma prática


totalmente inovadora e diferenciada, como evidencia a
autora na citação. Professores e alunos envolvidos no
processo histórico e educacional, o privilégio dos grandes
feitos e nomes era deixado para trás. Enquanto se
incorporava “a luta de classes e as transformações
infraestruturais para explicar a história”. (FONSECA,
2011; p.63). Essa prática ganhou o Brasil, mas seu berço
foi Minas Gerais.
As mudanças que ocorreram a partir da década de
1980 no Brasil trouxeram a necessidade de se ter materiais
condizentes com os novos rumos no que tange ensino de
História. Os autores de livros didáticos tentaram se adaptar
à demanda.

“A constituição da disciplina escolar História e a


organização de seu ensino nas escolas brasileiras esteve
envolvida, desde o século XIX, em discussões politicas eu
estavam em relevo, em momentos diversos, conforme
vimos anteriormente. Considerando o período do Brasil
independente, no qual o Estado passou a assumir a gestão
da educação, verifica-se o papel que o ensino de História
ocupou, como importante elemento de formação moral,
cívica e politica das crianças e dos jovens”. (FONSECA,
2011; p.71)

Então, constatamos que o ensino de História e a


História, como disciplina escolar, experimentaram muitas
mudanças ao longo do tempo. Ao poucos, foram
desenhados os conteúdos, as práticas metodológicas e
materiais didáticos. Como salienta Fonseca (2011),
materiais estes que fossem capazes de atender às diretrizes
de grupos dominantes.
Seguindo essa questão, acerca da adequação de
aparatos ou maneiras de ensinar história. Atualmente,
percebemos uma proposta mais ampla de estudos, por
eixos temáticos. Nos Parâmetros Curriculares Nacionais,
podemos notar uma divisão feita para melhor delinear o
ensino: no primeiro ciclo, o eixo temático se foca na
história local e do cotidiano, já no segundo, o eixo

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|451


temático concentra-se na história das organizações
populacionais. O foco da proposta é trabalhar em torno do
tempo e espaço e envolver história social, cultural, política
do advento tecnológico que possibilita um ensino mais
lúdico.
Nessa perspectiva é que podemos pensar na
etnografia como um recurso acessível para um novo fazer
histórico, como uma possibilidade de produção de fontes,
enfim um caminho para novas oportunidades históricas.

Etnografia e Ensino de História:


possibilidades e caminhos
A etnografia, uma ramificação da Antropologia e
assim, uma metodologia do campo qualitativo. Ganhou
força nos anos 1960 com os movimentos sociais e
estudantis pelo mundo e aguçou a curiosidade de saber o
que acontecia, de fato, nas escolas e salas de aula. No
Brasil, esse pensamento ganhouespaço a partir dos anos
1980.
A pesquisa etnográfica “traz novo olhar para a
realidades educacional até então ausente, ou pelo menos
pouco visível…” (OLIVEIRA, 2013, p.168). Pensando
dessa maneira, a etnografia nos inquieta a questionar
pontos que estamos acostumados.
Procuremos focar no âmbito escolar, o professor,o
aluno, o funcionário personagens tão corriqueiros no
quadro educacional e na sociedade, em especial o jovem
professor e sua efervescência profissional, ainda é um foco
novo no campo da pesquisa educacional.
Temos que atentar para o historiador que desejar
seguir o caminho etnográfico, deve estar disposto e
comprometido com o grupo a ser pesquisado, pois esse
caminho requer dedicação no campo. O caminho que se
segue através da etnografia proporciona a investigação das
singularidades do cotidiano.
Podemos entender que o fazer etnográfico advém da
Antropologia porém dialoga com muitas outras ciências,
inclusive a História. Observações, conversas, entrevistas
informais fazem parte do processo de investigação.

A prática da pesquisa de campo etnográfica responde, pois


a uma demanda científica de produção de dados de
conhecimento antropológico a partir de uma inter-relação
entre o(a) pesquisador(a) e o(s) sujeito(s) pesquisados que
interagem no contexto recorrendo primordialmente as
técnicas de pesquisa da observação direta, de conversas

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|452


informais e formais, as entrevistas não-diretivas, etc.
(ROCHA; ECKERT, 2008, p.1)

Pensando no ensino, esse método pode ser


desenvolvido nas escolas, nas universidades, trabalhos
com alunos ou com professores. Aquelas situações que
denominamos “normais” devem ser vistas com outro olhar.
No trabalho etnográfico, o olhar do pesquisador deve ser
desnaturalizado. Os autores Rocha e Eckert (2008), nos
atentam para o engajamento no trabalho de campo. É um
exercício longo e constante.
A escrita. As anotações são as peças fundamentais
para o investigador, serão elas que guiarão o caminho da
pesquisa. O diário de campo e posteriormente a análise
deste diário serão peças-chave no desenvolvimento do
trabalho. Neste diário deve ser anotado basicamente tudo
que está acontecendo, detalhes são muito bem vindos,
curiosidades, indagações de quem pesquisa,
particularidades de quem é pesquisado. Deve-se deixar
bem claro que este modelo de trabalho não tem por
finalidade o julgamento, mas sim, narrar o processo
histórico em si.

Ele é o espaço fundamental para o(a) antropólogo(a)


arranjar o encadeamento de suas ações futuras em campo,
desde uma avaliação das incorreções e imperfeições
ocorridas no seu dia de trabalho de campo, dúvidas
conceituais e de procedimento ético. Um espaço para o(a)
etnógrafo(a) avaliar sua própria conduta em campo, seus
deslizes e acertos junto as pessoas e/ou grupos
pesquisados, numa constante vigilância epistemológica.
(ROCHA; ECKERT, 2008, p. 15)

Rocha e Eckert, acreditam que a escrita é uma etapa


complexa para o etnógrafo, pois “quanto mais ele ou ela
se dedicarem ao estudo de práticas cujos contextos
culturais são marcados pela forte presença da oralidade
na sua forma de expressiva, caso dos estudos de contos e
de lendas do folclore popular, de cantos e mitos em
sociedades indígenas ou tribais” (ROCHA; ECKERT,
2008, p.9).
Pensar o outro. O outro individuo é a grande
questão da pesquisa etnográfica. Para Rocha e Eckert,
“observação é então esta aprendizagem de olhar o Outro
para conhecê-lo, e ao fazermos isto, também buscamos
nos conhecer melhor”. Não podemos contestar que quem
faz pesquisas de cunho etnográfico tem de estar preparado
a olhar o outro de maneira diferenciada e nesse exercício,
também nos olhamos de outra forma.
Em algum momento o pesquisador deixa de ser
somente o pesquisador e se integra ao grupo. Há uma troca

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|453


de experiências, todo o processo deve ser dinâmico, pois
“A presença se prolonga e o(a) antropólogo(a) participa
da vida social que pesquisa, interagindo com as pessoas
no espaço cotidiano, compartilhando a experiência do
tempo que flui” (ROCHA; ECKERT, 2008, p.6). Nesse
pensamento, pesquisador e pesquisado aprendem um com
o outro, o processo ganha significado para ambas as partes.
O método etnográfico tem as bases nas práticas da
observação participante e entrevistas informais, mas há
uma preocupação do pesquisador. Deve haver uma
reflexão por parte do investigado, deve haver um
direcionamento nas entrevistas, sem esquecer de tentar
aflorar o lado mais subjetivo de quem estamos
investigando, o pesquisador deve ter essa sensibilidade,
saber investigar, mas não pressionar quem está sendo
pesquisado.
Marli André (1995), acredita que “o interesse dos
educadores pela etnografia fica muito evidente no final
dos anos 70 e tem como centro de preocupação o estudo
da sala de aula e a avaliação curricular [...]”. Então até
os anos 70 do século XX, as pesquisas nas escolas e salas
de aula utilizavam a observação, conhecidos como
“análises de interação”, pois o objetivo central era mostrar
as situações de interação, explana André.

A alternativa apresentada pelos autores, para ultrapassar


os problemas encontrados nos esquemas de análise da
interação, é a abordagem antropológica. Segundo eles, a
investigação de sala de aula ocorre sempre num contexto
permeado por uma multiplicidade de sentidos que, por sua
vez, fazem parte de um universo cultural que deve ser
estudado pelo pesquisador. Através basicamente da
observação participante ele vai procurar entender essa
cultura, usando para isso uma metodologia que envolve
registro de campo, entrevistas, análises de documentos,
fotografias, gravações. (ANDRÉ, 1995, P.37)

André (1995), deixa claro que o método etnográfico


vem como uma solução para a efervescência do momento.
Nessa prática o pesquisador poderia adentrar mais a fundo
no contexto que deseja investigar, pois investigar
determinado grupo social exige um “mergulho” no seu
universo. A etnografia nos possibilita além de registrar
situações de interação, mas entender aqueles sujeitos no
seu contexto.
Sob a perspectiva da etnografia podemos nos inserir
mais no ambiente escolar, tentar trazer a cultura da escola
e como o professor em inicio docente se estrutura neste
contexto. Para André (1995), “conhecer a escola mais de
perto significa colocar uma lente de aumento na dinâmica
das relações e interações que constituem seu dia-a-dia…”
(P. 41).

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|454


Ainda para André (1995), o aspecto da escola como
“espaço social em que ocorrem movimentos de
aproximação e afastamento, onde se criam e recriam
conhecimentos, valores e significados vai exigir o
rompimento com uma visão de cotidiano estática [...]”
(ANDRÉ, 1995, p.41). Iremos buscar na singeleza do
cotidiano escolar respostas para a construção identitária do
professor iniciante. Uma questão que devemos ressaltar é
que o ambiente escolar é um campo cercado por várias
situações culturais e, por vezes pouco explorado.
A metodologia etnográfica vai nos auxiliar a captar
melhor os detalhes dos grupos sociais em seu ambiente de
trabalho, em nosso caso, os professores em inicio de
carreira e as suas interações com seus colegas e alunos, sua
interação com a instituição e com outros espaços.
A abordagem qualitativa de pesquisa tem suas raízes no
final do século XIX quando os cientistas sociais
começaram a indagar se o método de investigação das
ciências físicas e naturais, que por sua vez se
fundamentava numa perspectiva positivista de
conhecimento, deveria continuar servindo como modelo
para o estudo dos fenômenos humanos e sociais.
(ANDRÉ, 1995, P.16)

Marli André (1995) traz em sua escrita, o panorama


de quando a pesquisa qualitativa começou a ganhar espaço,
também constatamos que esta perspectiva colabora em
máxima estância com nosso proposito, realizar um
trabalho com e sobre professores em inicio docente e
articular este personagem no ambiente escolar.
André (1995) ainda relata que um dos pioneiros a
buscar por um método diferenciado foi Wilhelm Dilthey,
visto que “os fenômenos humano e sociais são muito
complexos e dinâmicos, o que torna quase impossível o
estabelecimento de leis gerais como na física ou na
biologia”. (ANDRÈ, 1995, p.16)

A principal preocupação na etnografia é com o significado


que têm as ações e os eventos para as pessoas ou os
grupos estudados. Alguns desses significados são
diretamente expressos pela linguagem, outros são
transmitidos indiretamente por meio das ações. [...] A
etnografia é a tentativa da descrição da cultura. (ANDRÉ,
1995, P.19)

Sendo assim, o caminho etnográfico procura


descrever a cultura, no nosso caso, a cultura escolar.
Procura entender a relação do externo para os indivíduos,
busca mostrar que a realidade está introjetada nas pessoas.
Segundo André (1995) essa abordagem em seu principio

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|455


foi chamada de “naturalística”, pois estuda o
acontecimento ao seu natural.
Bronislaw Malinowski e Franz Boas foram os pais
fundadores deste método ao explorarem a distância que
separava suas sociedades daquelas por eles investigadas.
Suas obras, Os argonautas do pacífico ocidental e A alma
primitiva, respectivamente, são exemplos da experiência
de alteridade na elaboração da experiência etnográfica, tão
necessária à formação de um antropólogo, mesmo nos dias
de hoje. (ROCHA;ECKERT, 2008, p. 11)

O método etnográfico surge, então, para focalizar o


alvo de pesquisas em outras sociedades, além das
sociedades europeias e mostrar um pouco das culturas
destes outros grupos. Rocha e Eckert (2008), ressaltam que
este método foi uma revolução na maneira de produzir
conhecimento.
Ainda para Rocha e Eckert (2008), duas palavras
são fundamentais para o pensamento etnográfico:
estranhamento e relativização. Dois conceitos que foram e
são transformadores na maneira de olhar as situações.
Como já foi mencionado, o trabalho etnográfico se trata de
desnaturalizar o olhar para determinadas conjunturas.

A etnometodologia foi neste caso fundamental para a


pesquisa no campo das ciências sociais migrarem de
procedimentos e técnicas de pesquisa influenciadas por
uma sociologia funcionalista ou positivista para uma
microssociologia com grande influência do método
etnográfico, em Antropologia. Um exemplo paradigmático
é a Escola de Chicago que influenciou grandemente os
estudos antropológicos em sociedades complexas, em
especial orientando para a análise das práticas culturais no
contexto da vida social nos grandes centros urbanos
(ROCHA; ECKERT, 2008, p. 12)

O contato direto do pesquisador para com a questão


a ser investigada é essencial na pesquisa etnográfica.
André (1995) nos indica que as técnicas etnográficas,
participação participante e entrevistas, auxiliam o
pesquisador a documentar “o não documentado”, dessa
forma desvendar “os encontros e desencontros que
permeiam o dia a dia da prática escolar [...]” (ANDRÉ
1995, p.41)
Para que se possa apreender o dinamismo próprio da vida
escolar, é preciso estudá-la com base em pelo menos três
dimensões: a institucional ou organizacional, a
instrucional ou pedagógica e a sociopolítica/cultural.
Essas três dimensões não podem ser consideradas
isoladamente, mas como uma unidade de múltiplas inter-

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|456


relações, através das quais se procura compreender a
dinâmica social expressa no cotidiano escolar. (ANDRÉ,
1995, p.42)

Marli André (1995), nos atenta para o dinamismo


que envolve a escola. O ambiente escolar não é estático ou
engessado, há muitas situações acontecendo ao mesmo
tempo, por isso o trabalho etnográfico ser tão necessário.
O caso etnográfico no ambiente escolar vai se dar
por meio do “contato direto com a direção da escola, com
o pessoal técnico-administrativo e com os docentes, por
meio de entrevistas individuais ou coletivas ou mesmo de
conversas informais, um estudo das representações dos
atores escolares [...]” (ANDRÉ, 1995, p.43).
André (1995), em seu livro sob o titulo “Etnografia
da Prática Escolar”, explicita quando e para que usar o
estudo de caso etnográfico, obviamente essa decisão cabe
ao pesquisador e quais seus objetivos para a pesquisa.

Segundo Stake (1985) a decisão de realizar, ou não, um


estudo de caso etnográfico e muito mais epistemológica
do que metodológica. E ele explica: se o pesquisador
quiser investigar a relação formal entre variáveis,
apresentar generalizações ou testar teorias, então ele deve
procurar outras estratégias de pesquisas. Mas se ele quiser
entender um caso particular levando em conta seu
contexto e sua complexidade, então a metodologia do
estudo de caso se faz ideal. (ANDRÉ, 1995, p.50/51)

André (1995), acredita que a vantagem da utilização


da metodologia etnográfica é que não se trata de uma
teoria fechada e que limita as interpretações, mas abre os
horizontes de quem pesquisa.
As qualidades que o pesquisador deve ter e um
aspecto também abordado pro André (1995) e seu livro.

Como no estudo de caso etnográfico o pesquisador é o


principal instrumento de coleta de análise de dados,
haverá momentos em que sua condição humana será
altamente vantajosa, permitindo reagir imediatamente,
fazer correções, descobrir novos horizontes. Da mesma
maneira, como um instrumento humano, ele pode cometer
erros, perder oportunidades, envolver-se demais e certas
situações ou com certas pessoas. Saber lidar, pois, com
prós e contras de sua condição humana é o princípio geral
inicial que o pesquisador deverá enfrentar (ANDRÉ, 1995,
p.59).

O pesquisador vai se deparar com muitas situações,


situações que não podemos prever, obviamente, por se
tratar de um caminho que esta envolvido com o ser
humano e suas interações. Alguns autores, segundo André

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|457


(1995), sugerem qualidades e habilidades que o
pesquisador deve ter para desempenhar o trabalho
etnográfico. “Tolerância à ambiguidade”, pois no caso
etnográfico existe muitas incertezas, flexibilidade e
nenhuma norma estabelecida; “Sensibilidade”, o trabalho
etnográfico é, por vezes, bastante intuitivo. Deve-se ser
sensível, principalmente durante a coleta de dados,
desnaturalizando o olhar acerca das questões pesquisadas;
“Ser comunicativa”, quem se comunica é empática a quem
se expressa. A empatia é um aspecto bastante levantado,
pois “o pesquisador interage com os sujeitos para obter os
dados que lhe permitirão compreender melhor o fenômeno
e estudo” (ANDRÉ, 1995, p.62).

Considerações Finais
Uma investigação sobre pessoas, não deve ter um
fim, mas um novo ciclo que sempre recomeça. Uma
investigação sobre pessoas, não se esgota em si. Por isso,
essas considerações devem ser o início para que a pesquisa
sobre pessoas comece e recomece sob vários prismas.
Nessa pequena explanação, conseguimos fazer um
panorama sobre o ensino de história no Brasil, as
transformações que esse ensino viveu, algumas rupturas e
permanências. Ainda no seu principio, o ensino estava
intimamente entrelaçado a Igreja Católica. A ordem
Jesuítica, responsável pela catequização e também
responsável pela alfabetização de índios. Durante muito
tempo essa ligação esteve mantida. Aos poucos a História,
como disciplina escolar, foi sendo desenhada, influenciada
mais tarde pelo Positivismo de Auguste Comte e mais
adiante pelo Marxismo.
No Brasil, o ensino de história e a História como
disciplina ganham espaço em pesquisas a partir da década
de 1920 e 1930. Passamos por um longo período, onde a
disciplina tinha o dever de transmitir os feitos de “grandes
homens”, uma eterna memorização de datas e nomes.
Vivemos um Regime Militar, onde a disciplina e os
professores sofreram censuras.
A partir de 1980, um movimento de professores
mineiros começa pelo fim do ensino de história censurado,
diretivo, rígido. E assim, colocar em pautas melhorias,
montar um plano de ensino, em que os alunos e
professores tivessem igual importância no processo
educacional. Prevendo também a utilização de novas
mídias e tecnologias a favor do ensino. Essa
movimentação ganhou fôlego no Brasil inteiro.
A etnografia, vem colaborar com as novas
necessidades sociais. Não que seja uma novidade, mas é

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|458


sua utilização na História poderia ser melhor aproveitada.
Essa metodologia investiga o ser humano em seu
ambiente, o pesquisador consegue interagir com o
pesquisado e entender melhor as relações estabelecidas no
cotidiano.
É um caminho interessante, que exige muita
dedicação e tempo de que irá investigar. Aceitação do
grupo analisado. O método etnográfico pretende registrar o
mais fielmente possível a realidade de quem se investiga,
por isso o pesquisador deve desnaturalizar o olhar sob as
situações mais rotineiras. São nas singularidades do dia a
dia que mora a matéria-prima do trabalho etnográfico.

Referências Bibliográficas
ANDRÉ, Marli Eliza D.A. Etnografia da Prática
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Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|459


Educação profissional e tecnológica em um Brasil
em transformação:
compreensões históricas
PorJulio Cesar Ausani85 e Roselene Gomes Pommer86

Resumo Abstract
O referido projeto de pesquisa integra o That research project is part of the
Programa de Pós-Graduação em Educação Graduate Program in Professional and
profissional e Tecnológica da UFSM e pretende Technological Education of UFSM want
através de pesquisas bibliográficas, análises de through literature searches, analysis of journals
periódicos e de depoimentos orais, refletir sobre and oral statements, to reflect on the
as bases do processo histórico de implantação e foundations of the historic process of
de transformação da educação implementation and transformation of
profissionalizante, no Brasil, desde a década de vocational education, Brazil, from the 1930s
1930, até o início do século XXI, tendo o until the early twenty-first century and
ensino técnico profissionalizante em Santa vocational technical education in Santa Maria
Maria como estudo de caso. Efetivado a partir as a case study. Effected from the Getulio
do governo de Getúlio Vargas, esse processo Vargas government, this process has changed
sofreu alterações durante os governos de during the government of Juscelino Kubitschek,
Juscelino Kubitschek, dos presidentes militares, the military presidents, those subsequent to
daqueles posteriores a estes e, mais these, and more recently, after the year 2003
recentemente, após o ano de 2003 quando foi when it created the Department of Professional
criada a Secretaria de Educação Profissional e and Technological Education (SETEC ), the
Tecnológica (SETEC), do Ministério da Ministry of Education. To reflect on the
Educação. Para refletir sobre as alterações desse changes of this period will be sought to
período, buscar-se-á compreender as relações understand the relationships between the
entre as ações políticas e econômicas adotadas political and economic actions taken at the time,
na época, (Planos Nacionais de (National Development Plans, the so-called
Desenvolvimento, o chamado Milagre Economic Miracle Brazilian, political
Econômico Brasileiro, a reabertura política, a reopening, the promulgation of the Constitution
promulgação da Constituição Nacional de 1988 of 1988 and the very Law of Directives and
e a própria Lei de Diretrizes e Bases da Bases of National Education, 1996) and
Educação Nacional de 1996) e as demandas demands determined from the restructuring of
determinadas a partir da reestruturação do the capitalist system. Understanding this
sistema capitalista. A compreensão desse process is key to the definition of public
processo é fundamental para a definição das policies for Vocational and Technical Education
políticas públicas para a Educação Profissional in a country where labor social transformation.
e Tecnológica em um país em transformação
sócio laboral. Keywords: Education; Work; Power relations; Technologies; Public
policy.
Palavras-chave:Educação; Trabalho; Relações de Poder; Tecnologias;
Políticas Públicas.

85
Mestrando do Mestrado em Educação Profissional e Tecnológica do CTISM/UFSM.
86
Professora de História do Colégio Técnico Industrial de Santa Maria, do Curso de História - Licenciatura e Bacharelado e do Mestrado
Acadêmico em Educação Profissional e Tecnológica

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|460


Introdução
Não são poucos os desafios para os envolvidos no
processo simbiótico formado pelo ensino e pela
aprendizagem, especialmente no que se refere à educação
profissional e a pesquisa de suas problemáticas. Pois a
meta deste artigo é envolver o leitor nessa simbiose,
propondo elementos para a reflexão sobre as bases do
processo histórico de implantação e de transformação da
educação profissionalizante, no Brasil, desde a década de
1930, até o início do século XXI.
Efetivado a partir do primeiro período de governo
de Getúlio Vargas (1930-1945), esse processo sofreu
alterações durante os governos de Juscelino Kubitschek
(1956-1961), dos presidentes militares (1964-1985), no
período pós-ditadura civil-militar e, mais recentemente,
após 2003 quando foi criada a Secretaria de Educação
Profissional e Tecnológica (SETEC), do Ministério da
Educação. Para refletir sobre as alterações desse período,
buscar-se-á compreender as relações entre as ações
políticas e econômicas adotadas na época, (Planos
Nacionais de Desenvolvimento, o chamado Milagre
Econômico Brasileiro, a reabertura política, a promulgação
da Constituição Federal de 1988 e a própria Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996) e as
demandas determinadas a partir da reestruturação do
sistema capitalista em nível mundial.
Considerando esses elementos reflexivos e
comparativos e tendo por base pesquisas bibliográficas,
análise de textos veiculados em periódicos, impressos ou
online e documentos da época, pretende-se compreender a
situação atual da educação profissional e tecnológica no
país, bem como, suas possibilidades de ampliação e
aperfeiçoamento no sistema educacional brasileiro.

I. Ensino Profissional no Brasil: bases históricas


O estudo da temática Educação Profissional no
Brasil se mostra tanto instigante quanto desafiador, pois a
sua compreensão exige reflexões acerca do processo
histórico brasileiro. Isso por que as bases para a
estruturação do sistema de ensino do país remontam a
chegada dos primeiros missionários religiosos, integrantes
da Companhia de Jesus e que pretensamente se
apresentavam como os guardiões da estrutura eclesiástica
nas áreas coloniais, assumindo, inclusive, a
responsabilidade pela ordenação ideológica societal.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|461


Provavelmente por isso, a ordem monopolizara o
conhecimento dito científico, desde a Idade Média, no
mundo ocidental.
Assim, os jesuítas quando aqui chegaram, e no
decorrer dos séculos que se seguiram, foram os
responsáveis pela estruturação de um modelo de ensino o
qual gerou instituições confessionais de profundo viés
doutrinário. Esse modelo perdurou e influenciou
profundamente na organização do sistema educacional
nacional.
Oportuno lembrar que as reduções jesuítico-
guaranis instaladas nas áreas coloniais espanholas,
representaram nesse período, um modelo não apenas
econômico-social ou político, mas também de
“aculturação” e de “conversão” dos povos indígenas à
ordem judaico-cristã, ou seja, a um modelo civilizatório
ocidental de submissão ao rei e ao papa. Para tanto, nas
chamadas Reduções Jesuíticas, ensinava-se o latim, a
religião católica, a pintura, a música e trabalhos em
carpintaria e metalurgia, entre outras artes e ofícios
europeus. Isso por que, acompanhado de um acentuado
grau de espiritualidade, havia a intenção de formar mão de
obra para servir as necessidades do núcleo comunitário que
deveria manter-se de forma independente, além de estar
sujeito à produção para o pagamento de tributos à coroa.
No caso da área colonial portuguesa, a ação
jesuítica se deu com base na organização de colégios com
vistas à conversão indígena e, principalmente, a
manutenção dos colonos na doutrina religiosa cristã
católica. Já no século XVIII, a ascensão do Marques de
Pombal ao poder em Portugal e as reformas que implantou
em especial a expulsão dos padres da Companhia de Jesus
que atuavam nas colônias lusas, repercutiram de forma
profunda no Brasil.Em decorrência disso, já na primeira
metade do século XIX, escolas laicasforam criadas com o
nome de Liceus de Artes e Ofícios.
Em decorrência das reformas pombalinas, as
iniciativas de formação educacional não ficaram restritas
as ações da Igreja Católica, mas estiveram presentes
durante os séculos XIX e XX de forma destacada em todo
o território brasileiro, estruturando um modelo de ensino
dicotômico, que desvinculava o pensar do fazer. Isso por
que durante os períodos colonial e imperial, o acesso à
educação restringiu-se a um pequeno grupo de pessoas
privilegiadas social e economicamente, portanto, em
condições de enviar seus filhos para estudos na Europa.
Entretanto, para os filhos dos pobres, os chamados
“desvalidos da sorte”, o destino era outro, como refere
Moura:

A educação profissional no Brasil tem, portanto, a sua


origem dentro de uma perspectiva assistencialista, com o

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|462


objetivo de amparar os órfãos e os demais desvalidos da
sorte, ou seja, de atender aqueles que não tinham
condições sociais satisfatórias, para que não continuassem
a praticar ações que estavam contraordem dos bons
costumes. (2010, p.61/62)

No início do século XX, o acesso à instrução formal


no Brasil manteve-se marcadamente elitizado, voltado para
a formação cultural epolítica das elites, membros da
aristocracia rural. No entanto, já se delineavam algumas
alterações em razão das pressões empreendidas por um
novo contingente populacional: o operariado urbano. As
influências trazidas pelos imigrantes europeus expulsos de
suas nações pela ausência de recursos econômicos e
profundas transformações políticas e sociais, contribuíram
para esse processo de mudança acelerada.
As transformações advindas da Revolução
Industrial na Europa, como a expulsão de massas
camponesas para a periferia das cidades, a absorção dessas
massas pelo novo modelo de produção industrial
capitalista, as migrações entre os continentes, as revoltas e
movimentos que em alguns casos resultaram em
revoluções e a criação de novos paradigmas para a
produção de bens e serviços, refletiram diretamente no
Brasil.
O país agrário e dependente das exportações de
açúcar, de algodão e de café que emergiu do século XIX
com profundas mazelas e embalado por uma incipiente
República, rendeu-se, gradativamente, à necessidade de
adaptar-se ao novo contexto em nível mundial: o
liberalismo que vivia seus estertores na Europa e nos
Estados Unidos do entre guerras, com seu modelo de
economia de mercado e das novas formas de produção e
representação política87. Essa nova estrutura exigiu que a
educação preparasse as massas de trabalhadores para
atender as novas demandas do capitalismo.
Como a educação não é um corpo desvinculado do
todo social, a implantação desse modelo no Brasil,
especialmente a partir da chegada de Getúlio Vargas ao
poder e a política de “substituição de importações”,
determinou uma mudança na concepção geral de processo
educacional. Com o novo modelo sócio econômico voltado
para a diversificação da economia, urbanização e
industrialização, se fez necessária uma mudança no
sistema educacional o qual, por sua vez impulsionou a
ideia de uma possível transformação do país através da
educação. A esse propósito vale referir o conhecido
Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova 88, que

87
Conforme a obra biográfica de John Maynard Keynes. In SCHWARTZ, Gilson.John Maynard Keynes - Um Conservador Autocrítico
– Biografia. São Paulo: Ed. Brasiliense,1984.
88
In: http://www.histedbr.fe.unicamp.br/revista/edicoes/22e/doc1_22e.pdf, acessado em 25/09/15.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|463


propugnava, em 1932, como alternativa para resolver os
grandes problemas do país, investimentos públicos em
educação laica, gratuita e obrigatória, caracterizando um
movimento de renovação educacional que tornasse “a
escola acessível, em todos os seus graus, aos cidadãos a
quem a estrutura social do país mantém em condições de
inferioridade econômica”89. Tal manifesto foi firmado por
educadores como Anísio Teixeira e Fernando de Azevedo.
Já a partir de 1937, as políticas públicas para a
educação nacionalimplementadas pelo Estado Novo se
basearam na intenção de condução e manipulação das
massas pelo estado, construindo uma estrutura que
respondia a algumas demandas sociais, ao mesmo tempo
em que legitimava e mantinha Getúlio Vargas à frente do
processo político.
Assim é que, para compreender-se o sistema
educacional e, especificamente a educação
profissionalizante no Brasil, faz-se necessária a análise do
processo histórico de estruturação do ensino técnico no
país desde a chamada Era Vargas, bem como a análise de
sua interação com a mudança de perfil de um país
eminentemente rural, para um país urbano e industrial, o
que reflete no projeto desenvolvimentista de Juscelino
Kubitschek.
Os anos de governo de JK foram profícuos em
demandas produzidas pela expansão da indústria nascente.
A instalação de usinas siderúrgicas, a exploração das
riquezas minerais, a instalação da indústria automobilística
e a expansão da infraestrutura nacional (portos, ferrovias,
rodovias, aeroportos, usinas hidrelétricas, siderúrgicas,
etc.) demandaram um sistema educacional que acelerasse a
preparação de mão de obra para dar apoio a essa
“revolução” industrial aos moldes “tupiniquins”.
Assim, a educação pública, na medida em que o
processo econômico do país sofria alterações em reflexo
das mudanças operadas no nível do capitalismo mundial,
se legitimava como instrumento de preparação da mão de
obra necessária para suprir as novas demandas. Foi por
conta desse processo que, ainda em 1909, foram fundadas
19Escolas de Aprendizes Artífices, precursoras das
Escolas Técnicas Federais, cujo objetivo era o de preparar
os alunos para o imediato ingresso no mercado de trabalho,
e não para a continuidade dos estudos através do acesso ao
ensino superior.
Logo, a estruturação do que hoje se conhece como
ensino técnico-profissional, remonta as transformações
vividas pelo Brasil, em especial no século XX, mesmo que
nos períodos anteriores tenham surgido algumas
iniciativas, as quais se mostraram isoladas e efêmeras. No
entanto, esse ensino ganhou ênfase a partir do governo JK
89
Idem, p. 193.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|464


(1956/1961), intensificando-se, a partir de uma nova
lógica, a do adestramento, durante os governos militares
(1964/1985).
O modelo de industrialização implantado pelos
chamados Planos Nacionais de Desenvolvimento, durante
o período ditatorial, intensificou a demanda por mão de
obra especializada e ditou a necessidade de expandir a rede
de ensino técnico para vários setores da economia, a saber:
indústria, comércio, serviços, transportes e agropecuária.
As crises mundiais dos anos setenta, mesmo que tenham
limitado os investimentos na área industrial, não
representaram uma mudança desse paradigma.
Todavia, em nível social, as transformações foram
mais profundas. Os anos de 1980 e 1990 trouxeram novas
demandas; a nova LDB (Lei de Diretrizes e Bases da
Educação/1996) as acolheu em parte, estimulando a
expansão da rede de educação tecnológica. No entanto, sua
consolidação e aperfeiçoamento somente foram possíveis a
partir de 2003, com a criação da Secretaria de Educação
Profissional e Tecnológica (SETEC), ligada ao Ministério
da Educação.
O fim do período ditatorial, a abertura política, a
retomada do poder civil, a formação da Assembleia
Nacional Constituinte e a construção de uma nova ordem
jurídica, a qual procurou dar vazão às demandas sociais
represadas, a promulgação da Constituição de 1988 e a
retomada da normalidade democrática, associadas aos
avanços tecnológicos, determinaram um novo modelo
educacional profissionalizante.

II. Reflexões sobre algumas referências


historiográficas necessárias a temática
Tentar entender a formação da educação
profissional no Brasil exige um mergulho na diversidade
da formação identitária do povo brasileiro. Indispensável
para tanto é a leitura de clássicos da nossa historiografia,
como a obra Casa-Grande e Senzala, de Gilberto Freire.
Essa é uma referência para compreensão do Período
Colonial e das influências do sistema escravista enquanto
estruturador do trabalho compulsório, no Brasil, por um
período de mais de três séculos.
A compreensão desse processo faz com que se
possa examinar de modo mais acurado a contradição entre
o trabalho de base escravocrata, manual e o trabalho dito
intelectual, acessível somente a indivíduos livres.
A dicotomia entre trabalho manual e intelectual se
acentua com a virada para o século XX. Daí a necessidade

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|465


do historiador aprofundar a análise dos fatos. Assim que,
para E. H. Carr, na obra O que é História?:“A função do
historiador não é amar o passado ou emancipar-se do
passado, mas dominá-lo e entendê-lo como a chave para a
compreensão do presente”(1985, p. 29).
Nessa linha, convém entender o que levou Getúlio
Vargas ao poder capitaneando a Revolução de 1930 e
implantando reformas de cunho político e social que nos
acompanharam ao longo do século XX e que, de certa
forma, ditam a pauta de discussões sobre reformas
trabalhistas na atualidade. Para tanto, referências
interessantes podem ser:Os Vargas, de Rubens Vidal de
Araújo e Getúlio Vargas: continuador de uma ideia;
vítima da espoliação,de Anselmo F. Amaral.
Indispensável também é examinar e compreender as
equações econômicas que a partir dos modelos
desenvolvimentistas implantarammodificações estruturais
na vida do país a partir do fim da Era Vargas e a chegada
ao poder de Juscelino Kubitschek, com amplos reflexos
nos anos que se seguiram. Para tanto, o trabalho dos
economistas Wonnacott/Crusius em Economia,pode ser
referência importante.
Também a visão dos problemas brasileiros e os
planos de desenvolvimento precisam ser examinados com
uma perspectiva ampla, o que pode ser feito pela
compreensão da obra “Realidade Brasileira” de José
OdelsoSchneideret al. Não se pode ignorar, também, os
clássicos comoEngels: do socialismo utópico ao
socialismo científico.
O mesmo vale para a compreensão do fenômeno
apontado acima, no que refere as contradições entre o
modelo de produção baseado no uso intensivo de mão de
obra e os avanços ditados pela tecnologia, ou seja, trabalho
manual versus trabalho intelectual, o que faz da obraO que
aconteceu na História,de Gordon Childe indispensável.
Ainda, indispensável se faz a leitura do clássico
Raízes do Brasil, de Sergio Buarque de Holanda, bem
como trabalhos de intelectuais que se debruçaram sobre
questões sociológicas e políticas, como os de Fernando
Henrique Cardoso, Florestan Fernandes, Celso Furtado e
Santiago Dantas.

Considerações Finais
Ao se pretender compreender o caminho percorrido
pela educação profissional e tecnológica no Brasil a partir
da Era Vargas e sua construção através das décadas
seguintes, é inevitávellançar o olhar sobre o processo

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|466


histórico e sua complexidade, refletida nas questões
políticas, sociais e econômicasde um país em
transformações.
Esse trabalho ofereceualgumas referências para que
o leitor possa iniciar a compreensão da estruturação
doensino profissional e tecnológico em um país periférico
e que necessita definir um modelo de desenvolvimento.
Nesse sentido, algumas questões pretéritas ainda precisam
ser resolvidas, como: Qual é o papel do Estado? O que
esperar dos governantes? Qual é,sobretudo, o papel dos
educadores e qual o seu nível de envolvimento com os
processos educacionais? Qual o lugar ocupado pelos
educandos nesse processo? Qual papel a sociedade
assumirá nesse novo e ambicioso jogo de poderes e
saberes?
A percepção oferecida pela análise histórica infere
que a implantação do ensino técnico no Brasil resultou de
uma política meramente assistencialista que tinha como
objetivo a preparação de mão de obra para a indústria,
agricultura e serviços sem, entretanto, preocupar-se na
superação da dicotomia entre o trabalho manual e o
trabalho intelectual, mantendo os privilégios de classes.
Esta questão não foi adequadamente enfrentada,
permanecendo uma espécie de fratura social, ou seja,
aqueles indivíduos oriundos das classes menos favorecidas
serão treinados para o chão de fábrica, enquanto os melhor
aquinhoados terão acesso a uma educação integral que lhes
permitirá o acesso aos trabalhos mais valorizados social e
economicamente. A superação desta dicotomia é o grande
desafio para uma mudança radical no ensino profissional e
tecnológico no Brasil.
Portanto, o objetivo desse trabalho encontra-se na
lição deixada por E. H. Carr, citada anteriormente, a qual
se aproxima de Kosellek quando esse infere que é no
presente que se ligam dois universos: o das experiências,
ou seja, o passado e o das expectativas, o futuro.

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O ensino de História sob a perspectiva de
professores iniciantes da cidade do Rio Grande
(RS)
PorCaroline Mattos Moraes e Jussemar Weiss Gonçalves

Resumo Abstract
Este trabalho busca trazer a perspectiva This project tries to bring the history
do professor de História em inicio de carreira. teacher's perspective in early career. Eight
Oito professores com graduação concluída a teachers with completed graduation since 2010,
partir de 2010, pela Universidade do Rio through the Rio Grande university, proposed to
Grande, se propuseram a nos auxiliar nesta help us with this quest that aims to show their
pesquisa que visa mostrar sua posição em position regarding career start, their work and
relação ao inicio da carreira, a percepção de seu the teaching of history perception, since the
trabalho, do ensino de História, deste começo beginning of the journey. The structure of the
de jornada. A estrutura do trabalho, no entanto, work, however, goes a little beyond, we'll try to
vai um pouco além, tentaremos fazer uma make an interlocution of the choices during
interlocução das escolhas durante a vida de the life of each individual up until the arrival at
cada individuo até a chegada na graduação, este graduation. To this achievement, we'll use
enquanto aluno de licenciatura e agora, então, ethnography considering further deepening in
professor. Para a realização deste iremos nos the school environment, and articulate the
valer da etnogqrafia, pensando em um professional and intimate life of said teacher. In
aprofundamento maior no ambiente escolar e this way, we'll find in the narrative of our
articular a vida pessoal e profissional deste protagonists representations of their daily lives
professor. Desta maneira iremos encontrar na in the making of a teacher identity, so that the
narrativa de nossos protagonistas ethnographic path will be a key part for the
representações de seu cotidiano na construção research.
de uma identidade docente, para isso o caminho
etnográfico será parte fundamental para a Keywords: beginning teacher, the teaching of history, perspectives,
realização da pesquisa. ethnographic

Palavras-chave: Professor Iniciante, Ensino de História, Perspectivas,


Etnografia.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|470


Este texto é parte integrante da pesquisa realizada
no Programa de Pós Graduação em História da
Universidade Federal do Rio Grande (FURG), que busca
trazer a perspectiva do professor de História jovem90.
Trazer a sua posição em relação ao inicio da carreira, a
percepção de seu trabalho, do ensino de História, deste
começo de jornada. Além da perspectiva do professor em
seu inicio de caminhada, podemos abordar sua formação
inicial formal, esta como uma das principais influências
para a prática destes professores e decisiva na permanência
ou desistência do nossos personagens na carreira.
Deste nosso personagem central podemos apurar
suas impressões da escola (ou escolas) que trabalha, da
sala de aula, como este encara o cotidiano escolar e a
construção da identidade profissional serão pontos que
iremos trabalhar ao longo de nossa escrita. Desta maneira
iremos encontrar na narrativa de nossos protagonistas
representações de seu cotidiano na construção de uma
identidade profissional.
Além de encontrar na narrativa detalhes sobre seu
inicio de carreira, tentaremos nos aprfundar um pouco
mais no seu espaço de trabalho, a escola. Observando
como os professores em questão se articulam, se
relacionam no ambiente escolar.
A etnografia, uma ramificação da Antropologia e
assim, uma metodologia qualitativa. Ganhou força nos
anos 1960 com os movimentos sociais e estudantis pelo
mundo e aguçou a vontade de saber o que acontecia, de
fato, nas escolas e salas de aula. No Brasil, esse paradigma
ganhou impulso a partir dos anos 80 do século XX.
Assim, André (1995) nos remete
A década de 1960 foi marcada por vários movimentos
sociais, por lutas contra a discriminação racial e social e
pela igualdade de direitos. Foi também nessa década que
aconteceram as rebeliões estudantis da França, o que
precipitou o interesse dos educadores pelo que estava se
passado realmente dentro das escolas e das salas de aula e
pelo uso da abordagem antropológica ou etnográfica como
forma de investigação do dia-a-dia escolar. (ANDRÉ,
1995, P.20/21)

O caminho vem sendo trilhado há pouco tempo,


pois me deparei com este tema ao longo do curso em que
me encontro. Em uma das disciplinas que cursei sobre
memória e professores, na qual a avaliação final solicitava
um artigo baseado em uma entrevista com professor de
90
O jovem aqui entendido não como novo ou juvenil, mas como iniciante neste caminho. Aquele que está em seus primeiros
momentos de vida docente. Assim, nao devemos relacionar o inicio de carreira com idade cronológica.

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história. Conforme fui me aproximando deste assunto,
mais me identifiquei com o tema. Deste trabalho cresceu
uma outra motivação para desenvolver o trabalho de
conclusão de mestrado. De certo, houve uma lapidação da
temática junto ao orientador, outras leituras, outras
indagações até chegar ao objetivo deste trabalho.
Esta pesquisa será realizada com a colaboração de
oito professores de História com até cinco anos de
formação da Universidade Federal do Rio Grande
(FURG), que lecionam em escolas privadas e publicas da
cidade e contará sobre suas percepções da sua experiência
docente.
Metade do grupo é formado por homens e outra
metade por mulheres, suas idades são bastante distintas,
assim como os motivos de cada um para ingressar no curso
de História, portanto temos um grupo bastante
heterogêneo. Relacionar as condições sócioeconômicas
dos nossos professores, um pouco do aspecto pessoal e as
suas escolhas serão pontos que nos auxiliarão a entender
melhor quem é cada individuo da nossa pesquisa.
Nossos primeiros contatos foram através da internet,
mais precisamente da rede social Facebook. Primeiramente
porque é o meio com qual todos os nossos personagens
interagem, assim essa plataforma consegue nos conectar ao
mesmo tempo. E é um meio, que considerei ser menos
invasivo na vida destes professores e através desta
ferramenta conversamos e marcamos nossos encontros.
O professor em início de carreira, no entanto, será o
foco máximo deste trabalho, temos que atentar para o fato
que aqui o inicio de carreira não é sinônimo para jovem
professor, ou seja não devemos relacionar com a idade de
nossos professores. Sua narrativa, sua experiência docente
incipiente, sua vida e sua construção identitária tem
relevância ímpar nesse cenário historiográfico em que nos
encontramos. Suas escolhas, como estas afetam sua vida,
buscamos articular a vida pessoal com a profissional.

A escolha da profissão e a noção que se atribui à docência


mesmo antes da formação têm um papel importante na
trajetória profissional do educador. Em princípio, tal ato
pode parecer irrelevante. Todavia, o momento da escolha
da profissão, a imagem que se tem do que é ser professor e
os motivos que impulsionaram a escolha incidem na
maneira de ser e estar na docência. (CUNHA;
CARDÔZO, 2011)

Em acordo com Cunha e Cardôzo podemos pensar


para nossa pesquisa que se volta para os professores, que
esse momento de escolha é de grande significado para a
profissão, pois atrelada a formação em uma instituição de
ensino o contexto da escolha desenhará a profissão. O que
nos remete à outra dupla, Papi e Martins (2010) que nos

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|472


dizem que os anos iniciais de docência tem uma carga
muito importante também para o desempenho do
profissional da educação.

De certa forma, podemos, por um lado, falar de um


esgotamento de modelos e de um regime de verdades e de
explicações globalizantes, com a aspiração à totalidade, ou
mesmo de um fim para as certezas normativas de análise
da história, até então assentes. Sistemas globais
explicativos passaram a ser denunciados, pois a realidade
parecia mesmo escapar a enquadramentos redutores, tal a
complexidade instaurada no mundo pós Segunda Guerra
Mundial. A dinâmica social se tornava mais complexa
com a entrada em cena de novos grupos, portadores de
novas questões e novos interesses. Os modelos correntes
de análise não davam mais conta da diversidade social [...]
(PESAVENTO, 2012, p.8/9)

Nesta explanação podemos deduzir o motivo da


História Cultural ser tão relevante nesta pesquisa, para que
possamos desenvolvê-la com qualidade, visto que esta
abordagem nos propicia analisar questões que a
historiografia tradicional não conseguiria atingir, pois
iremos tratar com individuos e suas peculiaridades.
Para alcançar os objetivos propostos para este
trabalho, a oralidade será aliada fundamental. A História
Oral, portanto, “não se trata apenas de um ato ou
procedimento único. História oral é a soma articulada,
planejada, de algumas atitudes pensadas como um
conjunto” (MEIHY, 2010, p.15).
Atualmente a história oral vem desenvolvendo uma
tendência de trabalhos bastante significativa para a
historiografia, dando visibilidade a objetos históricos por
vezes esquecidos, em nosso caso visitando a perspectiva
do professor em inicio docente.
Bem como a etnografia “traz novo olhar para a
realidades educacional até então ausente, ou pelo menos
pouco visível…” (OLIVEIRA, 2013, p.168). Pensando
dessa maneira, a etnografia nos inquieta a questionar
pontos que estamos acostumados.
Em nosso caso, o professor, personagem tão
corriqueiro no quadro educacional, em especial o jovem
professor e sua efervecência profissional, ainda é um foco
novo no campo da pesquisa educacional.
Partindo do ponto de vista de um professor de
história podemos recontar uma história, que por vezes
deixamos esquecida. E trazer essa compreensão significa
encontrar na sua própria história respostas para o quadro
atual da educação.
Uma jovem que começa sua caminhada de
professora de história, em meio as mazelas do sistemas
municipais, estaduais ou particular tem um olhar muito

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|473


particular que cabe ao pesquisador evidenciar, marcar,
trazer a tona, mediante uma forma de pesquisar que
permita a expressão dessas jovens, a partir de seu olhar.
Um rapaz inexperiente que escolhe a licenciatura
como maneira mais rápida para a inserção no mercado de
trabalho e se insere neste arranjo educacional, tem uma
visão muito singular. Esta começando sua jornada na
docência, mas será que continuará a lecionar? Será que ele
encontrou sua verdadeira vocação91 na docência? Posições
de um recém ingressante no mundo docente é a proposta
deste trabalho, pode fazer com que olhemos mais
profundamente que faz a escolha da docência em Historia.
Neste sentido a História Oral

[...] seria inovadora primeiramente por seus objetos, pois


dá atenção especial aos ‘dominados’, aos silenciosos e aos
excluídos da história (mulheres, proletários, marginais,
etc.), a história do cotidiano e da vida privada (numa ótica
que é o oposto da tradição francesa da vida cotidiana), a
história local e enraizada. E em segundo lugar, seria
inovadora por suas abordagens, que dão preferencia a uma
‘história vista de baixo’ [...] atenta as maneiras de ver e de
sentir, e que as estruturas ‘objetivas’ e as determinações
coletivas prefere as visões subjetivas e os percursos
individuais [...]. (FERREIRA; AMADO, 2006, p.4)

Inova pois traz a perspectiva de quem viveu ou vive


determinado tempo, dando voz aos “silenciados”, segundo
Ferreira e Amado. Portanto, esse caminho significa tanto
para a realização desta pesquisa. E ainda para estas
autoras, a história oral tem um significado diferente, tratar
de compreensões peculiares.
Por essa citação, podemos ver o quão considerável
será trabalhar sob essa metodologia, não cabendo mais
uma história feita somente com os grandes nomes, está na
hora de fazer história também com homens e mulheres
reais e sob seus horizontes e ampliar nosso leque de
pesquisas. Por esse crescimento e aceitação da história oral
podemos ver uma história com necessidade de trabalhar
com temáticas voltadas para os “silenciados”.
Para Meihy (2010) os detalhes do projeto em
história oral são fundamentais para o andamento da
pesquisa, substancialmente quando se trata de entrevistas,
dessa maneira e por se tratar de “documentação viva”,
como afirma o autor, temos uma demanda especial quanto

91
Vocação segundo o dicionário é o chamamento, o ato de ser chamado ou habilidade para desempenhar determinada profissão
ou carreira, mas devemos tomar em consideração além da natural capacidade de ser professor, o caráter sócioeconômico em
que cada individuo está inserido e as escolhas da sua vida a partir deste elemento.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|474


à sistematização das entrevistas. Ou seja, quando a
oralidade é transcrita.
Não resta dúvida: os produtos de entrevistas em história
oral devem sempre resultar em documentos de base
material escrita, ainda que, em tantos casos, derivados de
diálogos verbais. Mas isso não os iguala aos demais, pois
a existência de “documento” não resolve tudo. Se há
dúvida de qual é o documento em história oral- se a
gravação ou o produto final, se o objeto da gravação ou o
texto escrito e aprovado pelo colaborador-, não cabe
desconfiança de que um ou outro modo sempre, de um
encontro gravado, se pode sair com pelo menos um
suporte documental vertido do oral para o escrito.
(MEIHY, 2010, p.24)

Nesta perspectiva, a utilização da oralidade de


professores em inicio de caminhada nos auxiliará em
momentos precisos na vida docente destes profissionais,
entendimentos que não encontraremos em documentos,
ditos, oficiais.
“A história interessou-se pela oralidade na medida
em que ela permite obter e desenvolver conhecimentos
novos e fundamentar análises históricas com base na
criação de fontes inéditas ou novas” (FERREIRA;
AMADO, 2006, p.16). Para Ferreira e Amado, a história
oral é dinâmica e, dessa maneira, ressalta a visão e a
interpretação dos atores sociais. Segundo as mesmas
autoras, também, abordar a oralidade como fenômeno é se
aproximar cada vez mais do centro da vida dos seres
humano.

A etnografia é um esquema de pesquisa desenvolvida


pelos antropólogos para estudar a cultura e a sociedade.
Etimologicamente etnografia significa “descrição
cultural”, o termo tem dois sentidos: (1) um conjunto de
técnicas que eles usam para coletar dados sobre os
valores, os hábitos, as crenças, as práticas e os
comportamentos de um grupo social; e (2) um relato
escrito resultante do emprego dessas técnicas. (ANDRÉ,
1995, P.27)

Sob a perspectiva da etnografia podemos nos


aprofundar mais no ambiente escolar, tentar trazer a
cultura da escola e como o professor em inicio docente se
estrutura neste contexto. Para André (1995), “conhecer a
escola mais de perto significa colocar uma lente de
aumento na dinâmica das relações e interações que
constituem seu dia-a-dia…” (P. 41).
Iremos buscar na singeleza do cotidiano escolar
respostas para a construção identitária do professor
iniciante.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|475


O método etnográfico consiste em um processo de
indução e investigação, onde o pesquisador vai a campo
observar determinado grupo. Tentar compreender esse
grupo, suas produções, seus significados, o que lhe afeta.
Deixar que esses sentidos afetem o pesquisador também.
“Esse método, aqui, afirmamos, pressupõe a possibilidade
de um duplo movimento: de irmos até os agentes sociais, e
de trazermos esses agentes em sua totalidade até nós por
meio da descrição etnografica…” (OLIVEIRA, 2013, p.
170).
Para André (1995), há uma adaptação da etnografia
ao processo educacional, sendo assim, etnógrafos tentam
descrever a cultura de um grupo e os educadores tentam
descrever o processo educativo. Desse encaixe surgem
“estudos do tipo etnográfico e não etnografia no seu
sentido estrito”.
André (1995) ainda ressalta que,

A pesquisa do tipo etnografico, que se caracteriza


fundamentalmente por um contato direto do pesquisador
com a situação pesquisada, perminte reconstruir os
processos e as relações que configuram a experiência
escolar diária. [...] Chegue bem perto da escola para tentar
entender como operam no seu dia-a-dia os mecanismos de
dominação e de resistência… sentir a realidade e o mundo
(ANDRÉ, 1995, p. 41).

A história oral será também de fundamental


significância caaptando em entrevistas semi estruturadas
certas posições dos nossos professores, porém a etnografia
permite um trabalho mais livre, onde o pesquisador
observa o ambiente e como este afeta as pessoas, na
verdade o pesquisador irá narrar o processo com mais
naturalidade e em consequência o pesquisado se sentirá
mais confortavel.

Não aceitando que a realidade seja algo externo ao sujeito,


a corrente idealista-subjetivista valoriza a maneira própria
de entendimento da realidade pelo individuo. Em
oposição, a uma visão empiricista de ciência, busca a
interpretação em lugar da mensuração, a descoberta em
lugar da constatação, valoriza a indução e assume fatos e
valores estão intimamente relacionados, tornando-se
inaceitável uma postura neutra do pesquisador (ANDRÉ,
1995, p. 17).

No Brasil, pesquisas de cunho qualitativo


começaram a se desenvolver com mais destaque a partir da
década de 70 do século XX, consolidando-se nos anos
1980. Uma motivação, como sabemos, dos pesquisadores
educacionais foi a questão de avaliação curricular e o que

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|476


estava acontecendo nas salas de aula, assim a etnografia
vai ganhando fôlego na produção de trabalhos.
“Segundo Sirota (1994), a análise do cotidiano
escolar na sala de aula por meio da etnografia, a partir
dos anos 1950 do século XX, trouxe grande renovação
acadêmica com relação às pesquisas que vinham se
desenvolvendo até então”. (OLIVEIRA, 2013, p.167)
Temos que entender que antropologia, bem como a
etnografia pretende inquietar nosso olhar sobre algo que já
nos é natural.
A história oral, neste primeiro instante, será auxiliar
da etnografia. E, principalmente, em casos onde a escola
não nos ceder espaço para realizar a pesquisa. Tendo em
vista que este trabalho será de imersão na realidade escolar
e do professor, temos que prever alguns percalços, como a
negação de algumas escolas.
Em 2007, Ana Maria Monteiro escreveu em
“Professores de História: Saberes e Práticas” que os
professores como foco de pesquisas é muito recente, pois
foi durante a década de 1970 que as mudanças de
paradigmas surgiram como profundas transformações nos
processos de pesquisas cientificas. A década seguinte,
podemos observar um movimento de elaboração curricular
e a década de 1990, analisamos um crescimento de
pesquisadores e trabalhos abordando o livro didático e suas
vertentes. E ainda cita Fonseca, “lecionar é inventar
saberes próprios à sua situação de trabalho; ser professor
de história é também ser educador e historiador”
(MONTEIRO, 2007, p. 30).
Essa abordagem nos remete ao tema central de
nossa pesquisa: o professor. O professor em seu inicio de
carreira e quem é esta pessoa que está se constituindo
como profissional. E como nos aponta Monteiro (2007), o
professor como alvo de pesquisas é muito novo. O que nos
faz pensar que seja urgente mais trabalhos sobre e com este
personagem.
Ainda no mesmo livro, Monteiro nos apresenta uma
pesquisa desenvolvida por ela com professores e seus
relatos sobre docência, escolhas e ensino. Este trabalho nos
esclarece aspectos singelos de cada ser humano que
participou do projeto.
Esses relatos que expressam as visões dos professores
sobre a opção pelo magistério, e pelo ensino de História,
confirmam esse imbricamento da experiência profissional
com a vida pessoal de que nos falam Tardif e Lessard
(1999): descobertas, curiosidades, sensibilidades qie são
mobilizadas já muito cedo, na infância ou adolescência, a
partir de experências com familiares e professores
marcantes, referenciais. (MONTEIRO, 2007, p.62)

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|477


Podemos dizer que esta citação foi o mote de
inspiração para encaminhar nossa pesquisa, visto que
vamos tentar articular a visão dos professores em inicio
docente acerca de si próprio e as relações cotidianas como
interferem nesse processo de constituição.

A síntese pessoal da história da vida profissional de cada


um dos professores expressa também um quadro de
referências socialmente construídas e partilhadas,
constrição esta que se deu num processo de socialização
profissional, mas que adquire expressão própria, particular
na história da vida de cada um. (MONTEIRO, 2007, p.
64)

Neste sentido, queremos que este trabalho tenha as


caracteristicas e expressões de cada professor ingressante
que se disponibilizou a entrar neste projeto. Tentar trazer
o professor além do profissional, articular sua vida pessoal
também é um dos objetivos deste trabalho. Desta maneira,
iremos conciliar dois caminhos nesta pesquisa de cunho
qualitativo.
Segundo Papi e Martins, duas autoras do Paraná,
este momento é basilar para a construção do profissional,
para a permanência ou não deste individuo na docência
dependendo das circuntâncias que este irá encontrar no
caminho.
Dentre outras particularidades como o motivo da
escolha profissional e a formação inicial, os primeiros anos
docentes vão configurar a perspectiva do professor. Essa
constituição profissional pode se dar na escola, na imediata
inserção do professor recém formado no mercado de
trabalho, bem como na formação continuada, na busca de
aperçoamento, ou também na sua formação informal.
Os primeiros anos de exercício profissional são basilares
para a configuração das ações profissionais futuras e para
a própria permanência na profissão. Podem tornar-se um
período mais fácil ou mais difícil, dependendo das
condições encontradas pelos professores no local de
trabalho, das relações mais ou menos favoráveis que
estabelecem com outros colegas, bem como da formação
que vivenciam e do apoio que recebem nessa etapa do
desenvolvimento profissional. (PAPI; MARTINS, 2010)

Dentro deste grupo que iremos trabalhar, o espaço


comum de construção profissional é a escola, contudo não
podemos excluir o fato de uma formação continuada
formal por parte de alguns desses professores em começo
de carreira.
Não podemos negar que muitas transformações
ocorreram na História e no Ensino de História até aqui. A
História como disciplina apresenta constantes e

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significativas modificações em relação aos métodos,
conteúdos e finalidades para enfim se configurar a
proposta curricular atual. Essas transformações
acompanham as necessidades sociais.
Sendo dessa maneira, o século passado foi muito
expressivo, trouxe perspectivas consideráveis para a
História, bem como para o ensino de História. Diante do
momento presenciado pela educação nacional se faz
pertinente refletir as práticas docentes e sobre os próprios
professores.

No que tange às políticas públicas do ensino de História,


precisamos considerar que este foi alvo de uma série de
mudanças, a partir especialmente de 1968, em um
processo contínuo de desqualificação dos professores de
história. Como o professor tem um papel central na
constituição de qualquer projeto educacional, este foi
diretamente atacado pelas diretrizes políticas do Estado.
(CUNHA; CARDÔZO, 2011)

Para Cunha e Cardôzo, com a implatação do método


“3+1” começou a depreciação do professor. Este método
consiste em três anos de conhecimentos especificos e mais
um ano de conhecimentos pedagógicos, na formação
inicial. Atacado fortemente, este modelo foi utilizado até a
década de 1960.
Ainda em Cunha e Cardôzo (2011) podemos ver
que, mesmo com a introdução da Lei de Diretrizes e Bases
em 1961 a formação inicial do professor continuava
fracionada e a universidade permanencia distante da escola
e das problemáticas enfrentadas por esta instituição.
As pesquisas envolvendo o professor tiveram inicio
nos 90 do século XX, ou seja, um movimento recente. Até
então, as pesquisas sobre a escola e sobre o processo de
aprendizagem isolava o professor. Para Monteiro (2007), o
professor era visto como um transmissor de conteudos
produzidos por outros, desqualificando este profissional.
A partir dos anos 1980, podemos notar a
culpabilização do professor pela crise educacional que o
país encarava, assim houve um processo para que a
formação deste profissional fosse aprimorada. Assim, para
Monteiro, “revelando uma mudança de perspectiva,
associava-se a questão da formacão com a da
profissionalização” (2007, P.36)
Portanto, um trabalho com professores em inicio de
caminhada profissional na cidade do Rio Grande poderá
nos revelar minúcias sobre o ensino de História e sobre a
própria História que vem sendo delineada em nossa cidade.
Tomar a narrativa oral como fonte da história é
possível graças às mudanças na relação entre a história e a
memória, articuladas a uma série de modificações nas
concepções epistemológicas, constituindo, de tal modo, um

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novo cenário de possibilidades no âmbito historiográfico,
onde a mais expressiva alteração talvez seja relativa à
pretensão de objetivismos e generalismos na produção do
conhecimento histórico. A historiografia passa a evidenciar
o caráter hermenêutico da história, a valorizar questões de
âmbito subjetivo e reflexivo relativas ao sujeito histórico,
que fora esquecido, muitas vezes, da memória pública.
Portanto, a memória não é só um objeto da história, deve
ser analisada como um fenômeno social. (CARDÔZO;
CUNHA, 2011)
A propósito, a história oral é um elo entre a história
e as demais ciências sociais e do comportamento, assim
em conjunto com a antropologia, a sociologia e a
psicologia. E por dialogar com as demais áreas esta se faz
um caminho interessante de pesquisa para este trabalho.
Nesse sentido, além da história oral, a etnografia
como um caminho para melhor desenvolver esta pesquisa.
Visto que além de entrevistas com nossos professores
iremos adentrar no universo escolar, o cotidiano, como o
professor se articula nessa instituição, como são os alunos
e a relação que estabelecem com os professores.
A etnografia vai nos auxiliar a captar melhor os
detalhes dos nossos professores em seu ambiente de
trabalho, com seus colegas e alunos, sua interação com a
instituição e com outros espaços.

A abordagem qualitativa de pesquisa tem suas raízes no


final do século XIX quando os cientistas sociais
começaram a indagar se o método de investigação das
ciências físicas e naturais, que por sua vez se
fundamentava numa perspectiva positivista de
conhecimento, deveria continuar servindo como modelo
para o estudo dos fenômenos humanos e sociais.
(ANDRÉ, 1995, P.16)

Dessa maneira, André (1995) traz em sua escrita


quando a pesquisa qualitativa começou a ganhar fôlego,
também constatamos que esta perspectiva colabora em
máxima estância com nosso proposito, realizar um
trabalho com e sobre professores em inicio docente e
articular este personagem no ambiente escolar.
André (1995) ainda relata que um dos pioneiros a
buscar por um método diferenciado foi Wilhelm Dilthey,
visto que “os fenômenos humano e sociais são muito
complexos e dinâmicos, o que torna quase impossível o
estabelecimento de leis gerais como na física ou na
biologia”. (ANDRÈ, 1995, p.16)
A principal preocupação na etnografia é com o significado
que têm as ações e os eventos para as pessoas ou os
grupos estudados. Alguns desses significados são
diretamente expressos pela linguagem, outros são

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|480


transmitidos indiretamente por meio das ações. [...] A
etnografia é a tentativa da descrição da cultura. (ANDRÉ,
1995, P.19)

Sendo assim, a etnografia procura descrever a


cultura, no nosso caso, a cultura escolar. Procura entender
a relação do externo para os individuos, busca mostrar que
a realidade está introjetada nas pessoas. Segundo André
(1995) essa abordagem em seu principio foi chamada de
“naturalística”, pois estuda o acontecimento ao seu natural.
A história oral vai chegar onde a etnografia não
alcançar. Algumas escolas não cederam espaço para o
traçar de nosso projeto, portanto nesses casos será utilizada
como fonte principal, a entrevista semiestruturada. Em
escolas que nos foi concedido o espaço para observação,
aliaremos as duas metodologias.
Sendo o fato deste trabalho ser realizado com
pessoas, este não se esgota em si, pelo contrário, haverá
sempre assunto para se explorar. Para que possamos
desnaturalizar esse personagem, tão corriqueiro na nossa
sociedade, para que a investigação acerca do professor seja
feita por várias óticas.
Por mais transformações que o ensino de história e a
própria ciência história tenham presenciado, o século
passado, no entanto, foi muito expressivo, trouxe
perspectivas consideráveis para a História, bem como para
o ensino de História. Atualmente se faz pertinente refletir
as práticas docentes e sobre os próprios professores.
Devemos analisar esse sujeito sem juizo de valor,
certo ou errado, não somos nós quem deve presumir. O
fato é que este trabalho deve nos possibilitar ampliar
nossos olhares acerca deste sujeito e o quanto este pode
nos auxiliar na construção da educação histórica.
A singularidade desta pesquisa é exatamente essa
peculiaridade em concentrar-se na memória dos
professores recém formados e seu ineditismo quando
tratamos de pessoas centralizadas em uma realidade
especifica.
Ana Maria Monteiro (2007), nos aponta, e como
sabemos, que na década de 1960 o foco das pesquisas era
a somente a compreensão dos processos de aprendizagem,
isolando a figura do professor. Durante a década seguinte,
para Monteiro, foi o auge da desqualificação do professor
como profissional, pois era considerado um mero
transmissor de conteúdos. Porém nos anos 1980, houve
uma mudança no curriculo da formação inicial dos
professores, visto que este era o culpada pela crise
educacional. Trabalhos com o foco no professor e como
este articula seus saberes começaram a borbulhar depois da
década de 80 do século XX.
Assim, Thompson defende a oralidade, pois por
mais que houvesse escritos e publicações significantes, até

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|481


o início do século passado, não abarcavam uma história
completa. Ou pelo menos uma que mostrasse mais de uma
concepção. Neste sentido, ele comenta que “não era
possível preencher as lacunas com material manuscrito
[...]”, podemos entender que a história oral alcança onde
os documentos oficiais não podem alcançar.
Outra leitura bastante significativa para a
composição deste trabalho é “Usos e abusos da História
Oral da Marieta de Moraes Ferreira e Janaína Amado
(2006). Que organizam uma série de artigos sobre o status
da história oral atualmente, no Brasil e no mundo. As
autoras acreditam que com a criação da Associação
Brasileira de História Oral em 1994, trouxe significativa
visibilidade para a metodologia e consequentemente,
“estimulando a discussão entre pesquisadores e
praticantes da história oral em todo o país” (FERREIRA;
AMADO, 2006, p. IX)
Em “História Oral: memória, tempo, identidades”
(2010), a autora Lucilia de Almeida Neves Delgado
contrói uma escrita com base em dois blocos: o primeiro
traz a história e a memória como uma metodologia para se
fazer a história oral. Também nos indica alguns
procedimentos que devemos adotar quando realizamos
entrevistas, nas transcrições e nas analises. O segundo
momento nos remete à prática, com apresentação de
artigos sobre memória e tempos vividos, como mesmo
chamam.
A história oral é um procedimento metodológico que
busca, pela construção de fontes e documentos, registrar,
através de narrativas induzidas e estimuladas,
testemunhos, versões e interpretações sobre a história em
suas múltiplas dimensões: factuais, temporais, espaciais,
conflituosas, consensuais. Não é, portanto, um
compartimento da história vivida, mas sim, o registro de
depoimentos sobre essa história vivida. [...] Move-se em
terreno interdisciplinar, já que utiliza muitas vezes música,
literatura, lembranças, fontes iconográficas, documentação
escrita, entre outras para estimular a memória.
(DELGADO, 2010, p.16)

Novos interesses em relação ao ensino de história se


devem ao fato de uma ampliação dos meios de
comunicação, que, por meio das propagandas,
desempenharam o papel de formuladores de políticas
culturais. Segundo nossa autora, desde então, o saber
escolar não é só formado apenas na escola, mas também
por todos os outros mecanismos.
Vale ressaltar que voltar o olhar para o ensino de
história, visto que esta é uma categoria relevante ao nosso
estudo. A maneira como nossos professores em inicio de
carreira encaram este tema e até mesmo elaboram e

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|482


ministram suas aulas advém de rupturas e permanências no
ambito educacional.
Sobre formação de professores podemos destacar de
algumas leituras que nos inspiram a pensar e refletir sobre
este tema.
Isabel Alarcão em 2003 nos trouxe “Professores
reflexivos em uma escola reflexiva”, que no prefácio relata
uma viagem ao Brasil para ministrar duas palestras sobre
educação. Nesta declaração a autora mostra-se um pouco
triste pois não se “sentiu em casa”, o hotel onde havia se
hospedado não tinha a identidade brasileira. A autora se
utiliza desta viagem para tecer uma escrita baseada na
história local.
“Reafirma-se a necessidade da reflexão crítica,
pelos professores; acentua-se a sua dimensão coletiva e
não meramente individual, e apresenta-se um conjunto de
estratégias de formação propiciadoras do desenvolvimento
de educadores reflexivos” (ALARCÃO, 2003, p. 10).
Reflexão é um ponto significante para nosso trabalho, por
isso esta autora significa para esta construção.
Neste modo, buscamos pontuar alguns assuntos
neste trabalho, mas com o foco central no professor em
inicio profissional. Claro, que por vezes é mister trazer
alguns outros pontos que se encontram com o cerne da
pesquisa.
Ana Maria Monteiro, em 2007, traz o livro
“Professores de Historia: Entre Sabes e Práticas”. Uma
releitura de sua tese de doutorado, onde trabalha com a
perspectiva de quatro professores, sobre suas escolhas, sua
formação, seus alunos. Alternando entrevistas e
observação, este livro nos mostra um caminho possivel a
ser feito.
Esses relatos, que expressam as visões dos professores
sobre a opção pelo magistério, e pelo ensino de História,
confirmam esse imbricamento da experiência profissional
com a vida pessoal de que nos falam Tardif e Lessard
(1999): descobertas, curiosidades, sensibilidades que so
mobilizadas ja muito cedo, na infância ou adolescência, a
partir de experiências vividas com familiares e professores
marcantes, referências. (MONTEIRO, 2007, p. 62)

Sob o cunho de nos auxiliar neste caminho, Marli


Eliza D.A de André (1995), traz a perspectiva
antropológica da etnografia no livro “Etnografia da Prática
Escolar”. Em verdade o trabalho mostra uma gama de
opções de pesquisas partindo do ponto qualitativo. Porém,
a etnografia será o caminho que nos levará aos nossos
objetivos.

A pesquisa do tipo etnográfica, que se caracteriza


fundamentalmente por um contato direto do pesquisador

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|483


com a situação pesquisada, permite reconstruir os
processos e as relações que configuram a experiência
escolar diária. (ANDRÉ, 1995, P.41)

Assim, podemos concluir que esta pesquisa se


desenvolverá sob duas metodologias de natureza
qualitativa.A príncipio, este trabalho será dividido em três
capítulos, que irão aliar as metodologias, o ensino de
História e as posições dos professores iniciantes.
Coligar duas metodologias, pois algumas escolas
não nos cederam espaço para desenvolver a pesquisa
etnográfica, portanto nestes casos a história oral será o
caminho seguido. Em casos onde a escola está disposta a
nos receber, iremos observar o espaço, as aulas, o
professor e como este se articula no ambiente e ainda, uma
entrevista semiestruturada para nos aprofundar neste
universo.
O caminho para o trabalho: História Oral e
Observação Participante, é o primeiro capítulo desta
pesquisa. Iremos trabalhar sob a perspectiva das
metodologias que escolhemos para alcançar nossos
objetivos. Se tratando de uma pesquisa sobre professores,
metodologias de cunho qualitativo são, de fato,
esclarecedoras. A história oral ea etnografia irão nos levar
onde documentos, tidos como oficiais, não nos levarão,
pois tratam da própria visão de quem vive ou viveu algum
período da História, no caso da história oral. E nos permite
uma aproximação com o nosso objeto de pesquisa, no caso
da etnografia.
Os professores iniciantes) frente a sua formação
inicial, Neste segundo capítulo iremos apresentar os atores
que irão compor esta pesquisa, abordaremos também sua
formação inicial e como esta é influenciadora da sua
prática em sala de aula. Vamos articular a história oral com
a etnografia, visto que este contato com os professores será
sob as técnicas de cada método. As escolhas que se faz
durante a vida até a chegada no curso de licenciatura, os
hábitos que constituem o professor, como a escola afeta a
vida desse professor em inicio docente são pontos que
iremos abordar na primeira parte desta pesquisa. Outro
ponto bastante interessante de se trabalhar neste capítulo é
o que motivo que fez esse professor decidir pelo ensino.
Assim, podemos discutir sobre a vocação, neste caso, o
dom natural de lecionar e levar em consideração o
momento social e econômico em que este jovem está
inserido.
No terceiro momento deste trabalho, Expectativa X
Realidade, iremos apontar quais eram as expectativas de
nossos professores durante a graduação, quais esperanças
carregavam em sua formação inicial como professores.
Outro ponto que tentaremos trazer é como esses
profissionais enfrentam os desafios de sala de aula,

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|484


visando contrapor as suas expectativas com a realidade
escolar. E como estes desafios contribuem para uma
construção identitária profissional. Neste momento
também será válido tratar como o professor percebeu sua
graduação, como ele se percebia enquanto aluno, qual a
impressão deste professor ao retornar à escola como
professor. Buscando aliar as concepções de nossos
personagens com autores que transitam pela temática do
ensino de História.
Na conclusão, professores em inicio docente e suas
perspectivas, a última etapa deste vamos abordar a postura
desse profissional em construção diante à escola que
trabalha, a direção dessa escola, dos seus colegas, enfim
desvendar como este se articula no ambiente escolar. Suas
expectativas sobre o ensino de História, frente ao inicio de
carreira. Neste capítulo podemos traçar um paralelo entre
as concepções dos professores e autores que trabalham
acerca do ensino atual e as mudanças que o ensino de
História presenciou.
Por fim, podemos concluir que esta pesquisa está
amparada por duas metodologias de cunho qualitativo,
história oral e etnografia. Ambas vão nos auxiliar em
construir um caminho voltado para o professor em inicio
docente e como este articula os saberes acadêmicos com os
saberes escolares, como este personagem está constituindo
sua identidade profissional, o cotidiano escolar e sua
dinâmica.

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O inventário do comendador Domingos Faustino
Correa:
processos judiciais como fonte de ensino e pesquisa
PorCarmen Burgert Schiavon92e Virgilina Edi Gularte dos Santos Fidelis Palma93

Resumo Abstract
A presente proposta de comunicação This draft communication is the
consiste na exposição de possibilidades de exhibition of historical research possibilities
pesquisa histórica junto aos autos do processo de placed in the file of the inventory process the
inventário do Comendador Domingos Faustino Commander Domingos Faustino Correa, as well
Correa, bem como a proposição de atividades de as the proposition of research and teaching
pesquisa e ensino para alunos do ensino activities for students of elementary and middle
fundamental e médio da cidade do Rio school in Rio Grande/RS. The files of the
Grande/RS. Os arquivos do Poder Judiciário Judicial Branch are in a large document
constituem-se em um grande repositório de repository derived from the judicial activities,
documentos oriundos das atividades judiciárias, space containing the social interest, both as a
espaço onde figura o interesse social, tanto como source of evidence or history (s). In this
fonte de provas ou de história(s). Nesta direção, direction, the process appears as a vast
o processo configura-se como um vasto documentary, which was processed in the
documentário, que tramitou na justiça do RS por justice of RS of 110 years beginning with the
110 anos: com início no período imperial, em imperial period, in 1873, went through the first
1873, atravessou os primeiros passos da steps of the Republic and only in 1984 had their
República e somente em 1984 teve seu deslinde final demarcation. Thus, through the records of
final. Desse modo, por meio dos autos do the inventory, you can work with history in its
inventário, pode-se trabalhar com a História em various nuances: legal and administrative status,
suas mais diversas nuances: jurídico- demographic, family, imagination, social
administrativa do Estado, demográfica, stratification, law, linguistics and quantitative
genealógica, do imaginário, estratificação social, story structure. That said, it is emphasized that
do Direito, da estrutura linguística e história the inventory process said Comendador it is a
quantitativa. Isto posto, destaca-se que o historical document of value to the judiciary
processo de inventário do referido Comendador and to society as a whole, both which received
trata-se de um documento de valor histórico para institutional protection and the legal
o Poder Judiciário e para sociedade como um safeguarding a cultural heritage of the county
todo, tanto que recebeu a tutela institucional e o Rio Grande and is in the custody of the Federal
resguardo legal como patrimônio cultural do University Historical Documentation Center of
município do Rio Grande e encontra-se sob a Rio Grande (CDH-FURG).
custódia do Centro de Documentação Histórica
Keywords: Judicial process, Archives, Heritage, Education and Research.
da Universidade Federal do Rio Grande (CDH-
FURG).
Palavras-chave:Processo Judicial, Arquivos, Patrimônio, Ensino e
Pesquisa.

92
Doutora em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e Professora Adjunta do Instituto de Ciências
Humanas e da Informação da Universidade Federal do Rio Grande (ICHI-FURG).
93
Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande.

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Introdução
Os arquivos do Poder Judiciário constituem-se em
um grande repositório de documentos oriundos das
atividades judiciárias, local onde figura o interesse social,
tanto como fonte de constituição de provas ou de
história(s).
Dentro desta perspectiva, encaixa-se o processo de
inventário do Comendador Domingos Faustino Correa.
Um vasto documentário que tramitou na justiça do Rio
Grande do Sul/RS por 110 anos. O mesmo teve seu
ingresso em juízo no período imperial, no ano de 1873,
atravessou os primeiros passos da República e, somente no
ano de 1984, às vésperas do período democrático, teve seu
deslinde final.
Nesta direção, a elaboração do presente texto
consiste em dois objetivos centrais: exposição das medidas
adotadas para preservação e conservação do acervo, assim
como um relato de possibilidades de pesquisas
interdisciplinares nos autos do processo.
Em um primeiro momento, destaca-se que o
trabalho com o acervo do Processo de Inventário do
Comendador Domingos Faustino Correa acontece há mais
de 12 anos e, primeiramente, o trabalho consistiu na
pesquisa e proposição à Direção do Tribunal de Justiça do
RS, a salvaguarda dos documentos. Após este momento,
em face da expressiva procura pelos habilitados ao
recebimento da herança e do interesse despertado à
imprensa para divulgação do trabalho e, ainda, o retorno
dos herdeiros questionando, diariamente, se o inventário
seria reaberto ou não, ocorreu uma alteração nos rumos da
pesquisa, culminando com o pedido de tombamento do
acervo ao Poder Executivo da cidade do Rio Grande.
Paralelo ao pedido de tombamento, foi ajuizado junto à
Direção do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande
do Sul, o pedido administrativo para a concessão da guarda
dos documentos junto à Universidade Federal do Rio
Grande (FURG). Superada esta questão administrativa
iniciou-se uma pesquisa mais aprofundada no acervo para
a produção de um livro e este foi publicado pelo Memorial
do Judiciário Gaúcho, em novembro de 201194. Desse
modo, até o presente, o trabalho já realizado no acervo
abrange as seguintes etapas: 1) pesquisa para a produção
de uma monografia; 2) pedido de tombamento
administrativo junto ao Executivo Municipal, conforme
edital de tombamento publicado em 22 de maio de 2006 no
jornal Agora, p. 14, e decreto-lei nº 9.253 de 13 de
setembro de 2006; 3) pesquisa para a publicação do

94
O Inventário do Comendador do Domingos Faustino Correa: realidade e mito. Tribunal de Justiça do Estado do RS. Porto Alegre, 2011.

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primeiro livro, que se constitui na análise de inúmeras
peças processuais e na catalogação do rol de herdeiros –
fato que levou ao montante de 106 mil habilitados à
herança; 4) cessão da guarda do acervo à FURG95 pelo
Conselho da Magistratura do Tribunal de Justiça do RS,
conforme processo nº 054/2006-COMAG96 e processo
administrativo nº 0011-06/0002692, em 30 de maio de
2006; 5) remoção do acervo das dependências do Foro em
Rio Grande para o Centro de Documentação Histórica da
FURG; 5) higienização, catalogação e recuperação de parte
do acervo junto ao CDH97, por estagiários dos Cursos de
História e Arquivologia do Instituto de Ciências Humanas
da FURG; 6) elaboração de diversos manuais de consulta
de modo a se evitar o manuseio dos volumes do processo
por possíveis interessados (herdeiros) pela documentação.
Assim, pelo fato do acervo ter uma expressiva quantidade
de documentos históricos é que se fundamentou o pedido
de tombamento, bem como a cessão da guarda de sua
documentação junto à Universidade Federal do Rio Grande
(FURG).

O caminho percorrido pelo processo de inventário do


Comendador Domingos Faustino Correa
O testamento foi lavrado em 11 de junho de 1873 e
o óbito do testador ocorreu em 23 de junho do mesmo ano.
A petição inicial, isto é aquela que postulou à abertura do
testamento em juízo, data de 27 de março de 1874,
curiosamente no mesmo ano em que foi criado o Tribunal
da Relação em Porto Alegre (inaugurado no dia 03 de
fevereiro de 1874). A primeira audiência, objetivando
compor o litígio, que já se delineava entre os herdeiros, foi
realizada na Câmara Municipal do Rio Grande, que à
época funcionava onde hoje é a Biblioteca Rio-grandense,
no dia 27 de agosto de 1876.
Naquela época, o órgão jurisdicional contava com
18 magistrados e 07 desembargadores; sendo que a
primeira decisão monocrática98 nos autos do processo
ocorreu em 07 de junho de 1877 e a última decisão
monocrática ocorreu em 03 de fevereiro de 1982. O
acórdão que pôs fim à demandada foi lavrado em 21 de
dezembro de 1983 e o trânsito julgado99 ocorreu em 20 de
março de 1984. Tomando-se como base a data do
ajuizamento do pedido de abertura do testamento e do
95
Universidade Federal do Rio Grande.
96
Conselho da Magistratura.
97
Centro de Documentação Histórica Professor Hugo Alberto Pereira.
98
Termo que se dá a decisão do juiz, aquela que não é coletiva, do grupo ou câmara.
99
É o que torna imodificável o dispositivo da sentença. Após o trânsito não cabe mais recursos da decisão.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|490


trânsito em julgado, o inventário tramitou por um período
de 110 anos. Ao final da demanda, no ano de 1984, o
Estado do RS já contava com o número de 160 comarcas e
307 municípios jurisdicionados e com 125 magistrados.

Algumas possibilidades de pesquisa(s) junto ao Processo


O Processo de Inventário do Comendador
Domingos Faustino Corrêa traz no conjunto de sua
documentação a possibilidade de trabalho com a história
de uma significativa parcela populacional, já que mais de
cem mil pessoas habilitaram-se ao recebimento da herança.
Na maioria delas, para comprovarem serem herdeiros, pela
linha colateral, do Testador/Inventariado tiveram que trazer
junto com o pedido de habilitação os documentos
necessários, quais sejam: certidões de nascimento e
casamento suas, dos pais, avós, bisavós e, não raro, de seus
tataravôs. Estes documentos, somados, são
aproximadamente dez para cada um dos requerentes.
Contudo, inúmeros deles traziam bem mais do que dez
documentos. Muitos juntaram, inclusive, inventários
realizados no seio da família, contratos de compra e venda
de imóveis e escravos, entre outros documentos. Este foi o
motivo pelo qual, na década de 1970, ocasionou o
acréscimo do acervo que passou de pouco mais de 300
volumes para mais de 2.400 em pouco tempo. Sem
dúvidas, este acervo é um convite à pesquisa. Óbvio é, no
entanto, que um estudo desta natureza demanda tempo e
metodologia adequados, porque a história social não é
somente um estado de espírito. É, sobretudo, uma
disciplina especial dentro do conjunto das Ciências Sociais
que requer um longo estudo preliminar para que se possa
chegar a um resultado coerente no final do trabalho. Isto só
é possível se utilizado um método de classificação das
peças que compõem o documento; neste caso, um trabalho
especialmente quantitativo e estatístico. Além disso,
aponta-se que a farta documentação nos autos do
Inventário permite a realização de pesquisas nas mais
diversas áreas da História; em documentos como: mapas,
cartas de sesmarias, documentos administrativos das
fazendas públicas, partilhas de bens, arrolamentos,
inventários que trazem em seu rol de bens expressiva
quantidade de escravos, milhares de certidões de
nascimento, batismo, casamento e óbito, as quais
remontam ao século XVIII, tanto do Brasil, quanto de
outros países.
Especial referência se faz às primeiras peças
processuais que compõem o acervo, porque trazem

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|491


fundamentação jurisprudencial e doutrinária nas
Ordenações Filipinas, em seu Livro III, que vigorava como
fonte de lei no Brasil Imperial, pois “[...] embora a Carta
Outorgada de 1824 tenha mandado fazer as leis civis, o
código civil nunca chegou a ser editado”(LOPES, 2002, p.
300). Mais importante, ainda, no aspecto jurídico, diz
quanto ao trâmite processual do inventário, regrado pelo
Regulamento 737 do ano de 1850. Conforme aponta Jose
Reinaldo de Lima Lopes:
Como pôr em andamento a lei comercial? Foi preciso
organizar os tribunais de comércio e neles dar uma nova
ordem ao processo. O Ministro da Justiça Euzébio de
Queirós, poucos meses depois de sancionado o Código
expediu o Decreto n. 737 que serviu de fato como Código
de Processo Civil do Império. Vigorou até a Primeira
República. Só o Código de Processo Civil de 1939 foi
capaz de substituí-lo completamente (LOPES, 2002, p.
295).

Já, no que refere à história social (genealógica ou


demográfica) esta pode ser trabalhada por meio de
documentos registrais que trazem à tona temas como:
contratos matrimoniais, informação sobre profissões,
mobilidade social, escolha de cônjuges e das testemunhas,
idade para casamento, idade de falecimentos e motivo do
óbito, casamentos na mesma família, migração, etc.
Quanto ao estudo da genealogia, especificamente, este tipo
de pesquisa pode situar-se em dois vértices: um na ciência
do direito e outro à ciência histórica. Para o direito, em
procedimentos dessa natureza (direito das sucessões), as
certidões de registro são requisito fundamental à
comprovação da descendência, ascendência ou
colateralidade, como forma de conferir a legitimidade da
parte. Para a história, o conhecimento da genealogia é
fundamental ao entendimento dos sistemas de parentesco
(estes dados na sua maioria são exatos), especialmente, ao
que se refere à sucessão, herança e regulamento de
casamentos.
Resumidamente, apontam-se algumas
possibilidades de pesquisa junto ao acervo do Inventário
do Comendador Faustino Correa: a) Demografia– a
pesquisa no processo possibilita a descoberta de
características da população que se habilitou ao inventário,
tais como: mobilidade geográfica (migrações internas),
profissão, nível de fortuna (lista de bens patrimoniais das
famílias, inclusive com rol de escravos, listas de consumo
de produtos domésticos, etc.), idade de casamento e morte,
tipo de doença. Tudo isto face a quantidade de certidões e
registro de nascimentos, batismos, casamentos e óbitos
existentes nos autos compostos, aproximadamente, de
434.400 folhas; b) Genealogia – origem das famílias, jogo

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|492


de aliança entre estas por meio da constituição de
casamentos, como manutenção dos estamentos sociais ou
das fortunas; idade dos nubentes; Escolha de datas para as
cerimônias, etc. c) Imaginário – psicologia coletiva,
ingenuidade e objetividade frente ao recebimento da
herança, divulgação da herança através dos meios de
comunicação, conjuntura mental frente à possibilidade de
ser “herdeiro” (parente) do Comendador. Embora este
período seja de curta duração, o chamado “tempo breve
dos tumultos”, pode-se denominar, assim, o período de
maior ingresso de petições em Juízo, ou seja, na década de
1980. Como exemplo, cita-se a criação de pessoa jurídica
de direito privado (associação) dos admiradores da fortuna
do Comendador, com sede em Curitiba/PR (fls. 13.987,
vol. 75, série B); inclusive, com formação de estatuto e
constituição de diretoria; d) Estratificação social –
também, por meio das certidões de registros cartoriais, é
possível se observar a diferença de registro de nascimento
entre uma criança branca (de família nobre), uma criança
branca (de família pobre) e de um escravo; e) Organização
jurídico-política no RS – quando o processo deu entrada
em Juízo, no ano de 1873, ainda não havia sido instalado o
Tribunal da Relação em Porto Alegre. A Província, em
1872, um ano antes, era constituída de 16 comarcas e 12
termos e as denominações dadas à superior instância no RS
também podem ser identificadas por meio dos recursos
existentes nos autos. As anexações dos termos que se
transformam após em comarcas podem ser identificadas
através dos documentos fornecidos pelas câmaras
eclesiásticas; f) História do Direito no Brasil – o Código de
Processo Civil Brasileiro foi promulgado em 01/01/1916;
portanto, 43 anos após o processo ter ingressado em Juízo.
Nesse período, o trâmite processual regeu-se pelo Direito
Português, mais precisamente o Livro IV das Ordenações
Filipinas, conforme antes referido. Mostra isso a
contestação de fls. 2.272/285, volume 11, série B, dos
autos. A Carta Outorgada em 25 de março de 1824, em seu
art. 179, nº 18, é clara quando diz que “organizar-se-á o
quanto antes um código criminal e civil, fundado nas bases
sólidas da justiça e da equidade”(LOPES, 2002, p. 297).
Tal Código somente foi promulgado 89 anos após, já no
período republicano. Compilando-se os autos, além de se
ter ciência acerca das transformações ocorridas no campo
do direito de sucessões, verifica-se o mesmo quanto ao
direito das coisas, pois não raro foram as ações paralelas
que tramitaram, de reivindicação de posse e
desapropriação, relativas à parte da herança que ficou em
usufruto e em legados. O mesmo se procede no que diz
respeito ao “pedido de alteração de registro”, referente à
carta de sesmaria concedida pelo Imperador, em 1816, ao
Comendador Domingos Faustino Correa. Do pedido
derivou um incidente no curso da ação, suscitando

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|493


“Dúvida” pelo cartório de registro de imóveis, em cuja
sentença consta uma verdadeira aula de Direito sobre a
destinação de terras no Império do Brasil; g) Estrutura
Linguística – também é possível esta pesquisa nos autos,
por meio da análise dos conteúdos, tendo em vista a
possibilidade de estudo dos discursos – nas manifestações
dos magistrados – por meio de despachos, sentenças
interlocutórias ou terminativas dos advogados, através das
petições, dos agravos e recursos, bem como a história da
própria estrutura linguística da época em que o processo
deu entrada em juízo.

A quantificação do processo
A história quantitativa se aplica aos métodos de
contagem, quanto à classificação e análise. Não obstante,
este método também pode ser aplicado ao estudo do
processo de inventário do Comendador Domingos
Faustino Correa, através da análise do fluxo de entrada das
petições em juízo, por época, por região, por família, por
advogado, conforme a indicação do quadro abaixo, onde as
séries de caixas foram secionadas de 10 em 10 para
elaboração dos índices. As estatísticas que resultaram na
organização do acervo e na elaboração de inúmeros
manuais de índices têm por objetivo possibilitar a busca de
documentos, sem o contato direto com o acervo, de modo
a melhor preservá-lo.

ESTATÍSTICA
1.
PROCESSO DE INVENTÁRIO DO COMENDADOR DOMINGOS CORREA
2.

3. SÉRIE - Nº PETIÇÕES- Nº HABILITADOS - TEMPO - LOCALIDADES

CAIXAS Tempo RG RS BR EXTER.


médio p/série
de caixas100
01 – 10 645 1953 11M6D 11 307 321 06

11 – 20 456 1.212 06M16D 08 220 228 0

21 – 30 385 1.412 02M25D 131 244 10 0

100
Por data mediana se denomina o período de tempo em que, numa série de caixas, está a primeira e a última petição ajuizada.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|494


31 – 40 466 1.759 03M11D 199 250 17 0

41 – 50 563 2.531 07M12D 191 341 31 0

51 – 60 360 1.488 01,03,13D 88 170 101 01

61 – 70 350 1.810 07M02D 254 70 26 0

71 – 80 399 1.826 01A01M 334 22 43 0

SUBT 3.624 13.991 ********* 1.216 1.624 777 07


81-90 1.256 1.662 01M11D 1.177 19 60 0

91-100 538 3.679 04M23D 01 49 487 11

101-119 207 2.010 02M24D 01 53 148 02

120-130 865 2.081 01A3M12D 01 07 813 44

S.TOTAL 6497 23.423 ********* 2.396 1.752 2.285 64


131-140 1.204 1.774 01A,2M,2D 13 0 1.188 03

141-150 996 2.039 01A,3M,22D 02 38 849 87

151-160 263 1.356 10M,10D 0 02 239 21

171-180 1.478 2.502 1A,1M,1D 0 36 1.442 0

161-170 708 1.553 1A, 3M, 23D 0 21 684 03

181-190 730 2.624 02M,08D 0 168 462 0

191-200 1.540 2.495 2A,4M,28D 0 88 1.443 09

201-210 1.143 2.765 06M,09D 0 181 846 116

211-220 1.060 2.379 03M,19D 0 150 773 137

221-230-DG 691 2.079 02M,27D 0 38 344 309

231-240-DG 824 1.906 04M,20D 0 122 418 284

241-250 1.593 2.926 06M,10D 0 284 1.109 200

SUBTOTAL 18.907 49.821 ******** 2.411 3.001 12.082 1.233

251 - 260 460 2096 01M, 24 D 0 46 396 108

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|495


261 - 270 155 1357 19 DIAS 1 5 128 21

271 - 280 50 1385 01 M e 16 D 0 4 10 36

281 – 290 38 1817 16 DIAS 0 6 6 26

291 - 300 40 1968 01 A e 02 D 0 9 12 19

301 - 310 40 1439 01 M e 23 D 0 4 13 24

311 - 320 39 1458 03 M e 06 D 0 4 21 14

321 - 330 40 1705 02 M e 20 D 0 0 28 12

331 - 340 40 2204 20 DIAS 0 2 36 02

341 – 350 46 1677 05 M e 03 D 0 4 21 21

351 – 360 60 2944 02 M e 09 D 0 4 34 22

361 – 370 47 2137 01 M e 16 D 0 4 26 17

371 - 380 37 2092 03 DIAS 0 0 25 12

381 – 390 41 2710 18 DIAS 0 1 20 20

391 - 400 33 2153 01 M e 06 D 0 0 21 12

401 - 410 45 2521 01 M e 07 D 0 1 27 17

411 - 420 43 3108 03 M e 02 D 0 0 19 24

421 - 430 48 2073 90 DIAS 0 0 22 26

431 - 440 45 2658 02 M e 03 D 0 2 25 18

441 - 450 50 3018 04 M e 16 D 0 0 12 38

451 – 460 44 1659 27 DIAS 0 0 23 21

461 – 470 82 12836 10 MESES 0 1 34 47

471 - 474 13 1011 SEM DATA 0 0 2 11

Sub -total 20443 106389 ********** 2412 3104 13023 1789

TOTAL

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|496


Fonte: elaboração própria.

O acervo antes e depois da sua organização


Quando foi iniciada a pesquisa para o projeto da
monografia o acervo encontrava-se no andar térreo do
edifício que, até hoje, é locado pelo Poder Judiciário para
guarda dos processos findos (material que ainda não foi
classificado para remessa ao Arquivo Geral, localizado em
Porto Alegre). Iniciou-se a pesquisa e, em paralelo, a
organização das caixas, substituição e numeração das
etiquetas e de algumas capas. Este era o quadro que se
encontrava o material ao início do trabalho, fotos 1 e 2.
Após a conclusão da pesquisa para a monografia
continuou-se a organização já com vista à publicação do
livro. Neste ínterim surgiu, ainda, a ideia de se requerer o
tombamento do acervo junto ao Poder Executivo
Municipal, pelo que se elaborou um processo
administrativo, nos termos do art. 215, da Constituição
Federal de 1988 e do Decreto-Lei N° 25 de 1937.
Concomitantemente, a Universidade Federal do Rio
Grande manifestou-se para requerer a guarda do acervo.
Ao final do procedimento, o material estava organizado.

Fotos 1 e 2
Fonte: Fotos de Virgilina Palma (2015)

A utilização do acervo em práticas pedagógicas


Na atualidade, os arquivos, os centros de
documentação, entre outros, além de espaços para a

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|497


pesquisa, têm-se mostrado como locais também voltados
ao ensino e à realização de práticas pedagógicas. Em
outras palavras, as práticas pedagógicas possibilitam a
articulação entre a teoria trabalhada em sala de aula, com
as vivências escolares para o efetivo exercício da profissão
de historiador.
No assunto em questão, relaciona-se o acervo do
processo de Inventário do Comendador Faustino Correa
com o campo do patrimônio histórico, tendo como
referência a historiografia produzida a partir de fontes
judiciais, após a década de 1990, tendo em vista que esta
prática possibilita a identificação da complexidade das
relações e práticas sociais.
Deste modo, o acervo material ou imaterial, que
compõe um processo de inventário pode sim, conter bens,
cujo valor se amplie para além da família do inventariado
falecido (pode ser uma casa, um campo, uma obra de arte,
um móvel, uma obra literária, um direito autoral, etc.).
Contudo, este não é o caso do processo de inventário aqui
abordado. Neste caso, é o próprio acervo que se caracteriza
como patrimônio histórico, ou seja, é o seu valor intrínseco
e extrínseco que o tornam um patrimônio e dentre tantos
citam-se alguns: a) porque reúne uma quantidade
expressiva de documentos, em torno de 420 mil; os quais,
ao que parece, tem um tronco familiar único, a família
“Correa”, os quais permitem a realização de estudos
genealógicos, migratórios, econômicos e sociológicos; b)
pela quantidade de peças jurídico-administrativas que os
compõem, e estes abrangem desde as Ordenações
Filipinas101, em que seu Livro IV, vigoraram no Brasil
Império até a segunda metade do século XIX, de forma
esparsa; c) pelo mito que envolve as cláusulas do
testamento do inventariado, o Comendador Domingos
Faustino Correa, no que refere à partilha dos bens
deixados; d) pelas circunstâncias que o envolvem, o longo
período de tramitação do processo na justiça gaúcha –
desde o ingresso do pedido de abertura do inventário até a
certificação do trânsito em julgado, passaram-se 110 anos;
e) porque mais de 106 mil pessoas, vindas dos mais
diversos continentes, se habilitaram nos autos postulando a
herança do Comendador.
Por estas razões entende-se que o processo de
inventário do Comendador Correa reúne as características
de patrimônio histórico, adquirindo a conceituação de bem
preservado, tendo em vista que os conceitos de história,
memória e informação se interligam “na medida em que a
memória serve de fundamento para a história e sua base de
preocupação está centrada na salvaguarda do registro da
informação. A informação, por sua vez, é objeto da história
e da memória” (DIAS, 2013, p. 02).
101
O Direito da História, 2002, p. 273.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|498


Neste contexto, mesmo que na vida cotidiana haja
significativa diferença entre o espaço público e o privado,
em um processo judicial, especialmente de inventário,
estes espaços se cruzam, afinal, o espaço doméstico não
regido pelas leis, ligado pelo afeto e pelos costumes e pela
tradição, está presente no acervo deixado na herança e por
isso representa uma significativa mostra do aspecto
cultural do passado, e estes aspectos podem ser trabalhados
em uma oficina pedagógica, no momento em que se
desperta o interesse dos educandos.
Dentre as mais variadas possibilidades de pesquisa
em processos judiciais findos, se encontra aquela que trata
de referenciar o patrimônio histórico, pois um processo
judicial é um objeto real a possibilitar o estudo do contexto
das relações sociais, tendo em vista que “[...] a apropriação
pela escola de artefatos culturais e ambientais da
comunidade na qual está inserida é de suma importância à
organicidade das práticas pedagógicas, haja vista a
significação cultural atribuída pelos estudantes às mesmas,
as possibilidades de reflexão sobre as transformações
tecnológicas e espaço-temporais” (SCHIAVON, 2013, p.
9). Ashistoriadoras Maria Auxiliadora Schmidt e Marlene
Cainelli também fazem ressalvas semelhantes, no
momento em que afirmam:

Uma nova concepção de documento histórico implica,


necessariamente, repensar seu uso em sala de aula, já que
sua utilização hoje é indispensável como fundamento do
método de ensino, principalmente porque permite o
diálogo do aluno com realidades passadas e desenvolve o
sentido da análise histórica. O contato com fontes
históricas facilita a familiarização do aluno com formas de
representação das realidades do passado e do presente,
habituando-o a associar o conceito histórico à análise que
o origina e fortalecendo sua capacidade de raciocinar
baseado em uma situação dada (SCHMIDT; CAINELLI,
p. 94, 2009).

No mesmo sentido, Benito Schmidt aborda a


questão do documento histórico como veículo que leva o
aluno a ter contato com realidades vividas no passado, mas
que pode orientá-los para o futuro. Refere que os
caminhos para que o diálogo entre conhecimento histórico
e sociedade, “compreendida em sua diversidade e
complexidade, se efetive mostram-se bastante tortuosos,
mas é possível constatar que, cada vez mais, diversos
colegas estão empenhados em trilhá-los das mais variadas
maneiras: dedicando-se a pensar os encontros e
desencontros entre história acadêmica e história ensinada”
(SCHMIDT, 2013, p. 334). Além destes aspectos, há que
se considerar, também, a questão da preservação do
patrimônio, seja ele tangível ou intangível, haja vista “[...]

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|499


que uma política de preservação do patrimônio abrange
necessariamente um âmbito maior do que um conjunto de
atividades, visando à proteção de bens. É imprescindível ir
além e questionar o processo de produção desse universo
que constitui um patrimônio, os critérios que regem a
seleção de bens e justificam a sua proteção” (FONSECA,
2009, p. 36).
Por sua vez, Maria Auxiliadora Schmidt, abordando
o uso de documentos históricos em sala de aula aponta que
“a valorização do documento como recurso imprescindível
ao historiador foi um fenômeno do século XIX. Para os
historiadores daquela época o documento converteu-se no
fundamento do fato histórico. O trabalho do historiador
seria extrair do documento a informação que nele estava
contida, sem lhe acrescentar nada de seu. O objetivo seria,
então, mostrar os acontecimentos tal como tinham
sucedido” (SCHMIDT, 2009, p. 112). Segundo esta autora,
o documento histórico servia para a pesquisa e para o
ensino como prova irrefutável da realidade passada, ou
seja, aquela que deveria ser ensinada ao aluno que era visto
como mero receptor, passivo, devendo somente se ocupar
de decorar o ensinamento que lhe fora passado, através do
documento. Desse modo, a renovação historiográfica
ocorrida ao longo do século XX, trouxe uma nova
concepção do documento, assim como um novo modo do
historiador se relacionar com ele.
Além disso, é fundamental que seja observado a
questão legal que envolve a preservação do patrimônio
histórico, pois a Constituição Federal de 1988 conferiu ao
patrimônio uma ampliação ao conceito – antes limitado
aos aspectos históricos, arquitetônicos e arqueológicos –
de modo a assegurar-lhe a proteção legal de um modo mais
abrangente e relacionada aos bens tanto de natureza
material quanto imaterial, tidos na forma individual ou em
conjunto, conforme se observa, a seguir:

Aí estão incluídas as formas de expressão, os modos de


criar, fazer e viver, as criações científicas, artísticas e
tecnológicas, as obras, objetos, documentos edificações e
demais espaços ás manifestações artístico-culturais e os
conjuntos urbanos e sítios de valor histórico paisagístico,
artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e
científico (MARCHESAN, 2000, p. 111).

Assim, por intermédio da citação de Marchesan,


constata-se uma ampla cobertura na esfera constitucional
ao patrimônio cultural – estabelecida em sua acepção mais
abrangente. Além disso, a Constituição Federal também
estabelece a competência concorrente da União, Estados-
membros e Municípios quanto à legislação sobre o
patrimônio cultural, bem como acerca da responsabilidade
por danos causados a bens e direitos de valor histórico.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|500


Veja-se que o artigo 180 da Emenda Constitucional de
1969 já continha uma norma de cunho programático
atribuindo ao Estado o dever de amparar a cultura; porém,
o parágrafo único do mesmo dispositivo colocava sob a
proteção especial do Poder Público os documentos, as
obras e os locais de valor histórico. Não obstante, a
Constituição Federal de 1988 inova em relação à Emenda
Constitucional de 1969, quando define como concorrente,
de modo expresso entre a União, Estados-membros e
Municípios, a obrigação de preservação dos bens culturais.
Ademais, também consta expresso na Carta Magna de
1988 (art. 216, § 1º) que não é só por meio de tombamento
que se acautelam bens de valor histórico, tendo em vista
que outras medidas podem ser utilizadas, tais como:
inventários, registros, vigilância, desapropriação, dentre
outras formas, etc.
Por outro lado, no que se refere ao conjunto de
normas infraconstitucional, vale destacar o que aponta o
Desembargador José Eugênio Tedesco, no momento em
que ele apresenta uma leitura sobre o papel dos
repositórios legais, que ao longo da última década tratam
da questão relativa à conservação e preservação dos
processos judiciais. Também, dá conta das medidas
administrativas tomadas pelo Poder Judiciário do RS, em
relação ao tema. Quanto à importância dos processos
judiciais como fonte de pesquisa histórica, o
Desembargador destaca que:
O papel básico dos arquivos é recolher e conservar os
documentos públicos após terem eles desempenhado a
finalidade precípua que justificou seu surgimento. Já foi
dito que, com o arquivamento dos documentos oficiais,
passam tais documentos de sua condição de “arsenal da
administração” para o “celeiro da história”. Sob esse
aspecto o historiador é o maior beneficiário do arquivo do
judiciário onde vai recolher dados para a história social,
política e econômica da nação (TEDESCO, 2003, pp.
327/334).

Por outro lado, conforme aponta o professor Hely


Lopes Meirelles, quando leciona sobre a matéria de
tombamento, “ainda que o decreto lei esteja em desuso no
Brasil, permanece atual o Decreto-Lei N° 25 de
30/11/1937, que se complementa por uma gama de outros
Diplomas legais” (MEIRELLES, 1990, p. 491); ainda que
a lei ofereça apenas as regras para sua efetivação, tendo em
vista que o ato de tombamento é um ato administrativo.
Por fim, declara, ainda, Hely Lopes, o “tombamento não é
confisco. É preservação de bens de interesse da
coletividade imposta pelo Poder Público em benefício de
todos” (MEIRELLES, 1990, p. 491). Contudo, em
decorrência dos limites do presente texto, as abrangências

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|501


e as possibilidades de aplicação do tombamento serão
analisadas futuramente.

Considerações Finais
Com base nos pressupostos trabalhados
anteriormente, observa-se que os arquivos judiciais
oferecem um manancial ao trabalho sobre a história da
Justiça no RS e, nesta direção, a conservação do material
histórico é uma ação mais do que necessária, tendo em
vista que o mesmo representa um “amálgama” entre
passado e futuro, possibilitando a compreensão histórica
em vários aspectos, afinal, em cada processo judicial há
uma história latente que, se não for dos processos que
observam os “segredos de justiça” deve ser revelada, pois
é integrante da história social.
Além destes aspectos, os arquivos judiciais – assim
como muitos a maioria dos arquivos – muito mais que
“meros espaços de pesquisa”, podem se constituir em
espaços de aprendizagem e ensino, seja por meio de
práticas pedagógicas ou de aulas oficinas, entre outras
possibilidades de trabalho.

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Ordem dos Advogados do Brasil, 2002.
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Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|502


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e diálogo social. Revista Brasileira de História, São Paulo,
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Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|503


Taji Poty
A educação patrimonial e a valorização da cultura missioneira
PorAlexandra Begueristain da Silva¹, Flávia Araújo Pedron

Resumo Abstract
São Borja é uma das poucas cidades do São Borja is one of the few cities in
Rio Grande do Sul, que foi declarada “Cidade the Rio Grande do Sul, which was declared
Histórica” pelo Decreto Estadual nº 35.580 de "Historic Town" by State Decree No. 35580
11 de outubro de 1994. No território que foi of 11 October 1994. In the territory that
ocupado pelas “Missões Jesuíticas”, no período was occupied by the "JesuitMissions" in the
dos Sete Povos são invisíveis os vestígios que period of the Seven Peoples are invisible
marcam essa importante fase na história. traces that mark this importante stage in
Realizou-se o projeto TajiPoty: A educação history. We carried out theproject TajiPoty:
patrimonial e a valorização da cultura The heritage education and theappreciation
missioneira. TajiPoty que em Guarani significa of the missionary culture. TajiPoty which in
“Flor do Ipê”, árvore símbolo do município. Guarani means "flower Ipê" tree city's
Objetivou-se com o curso de extensão que os symbol. The objective of the extension
professores da rede municipal de ensino se course for teachers of municipal schools are
sensibilizassem com a história e a cultura de sensitized to the history andculture of São
São Borja e que aprofundassem a temática e as Borja and deepenthe subject and teaching
metodologias de ensino para trabalhar com methodologies towork with heritage education.
educação patrimonial. Visando despertar o Aiming to spark interest in the subject and
interesse pelo assunto e desenvolver ações no develop actions tostrengthen local identity
sentido de fortalecer a identidade local e and cherish the memory and cultural heritage
valorizar a memória e o patrimônio cultural de of São Borja.
São Borja.
Keywords:HeritageEducation, Cultural Heritage, Identity, Memory,
Palavras-chave:Educação Patrimonial, Patrimônio Cultural, São Borja / RS.

Identidade, Memória, São Borja/RS.

¹ Universidade Federal de Santa Maria UFSM.

² Instituto Federal Farroupilha- Campus São Borja. Bacharel em Turismo, Mestre em Extensão Rural.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|504


Introdução
O curso de Extensão intitulado TajiPoty: A
educação patrimonial e a valorização da cultura
missioneira, realizado no Instituto Federal Farroupilha,
Campus São Borja com a iniciativa de vários professores
do Curso de Gestão em Turismo, sob coordenação do
professor Alexander da Silva Machado, teve a intenção,
principalmente, de elevar a autoestima da comunidade
São-borjense. Com uma equipe multidisciplinar composta
por historiadores, turismólogos, gastrônomos, geógrafos
etc., voltado para professores da rede municipal de ensino,
servidores, e comunidade interessada, o curso foi baseado
em metodologias de educação patrimonial.
"Há uma ampla concordância em reconhecer que
a educação é o meio mais eficaz que a sociedade possui
para enfrentar as provas do futuro e, de fato, a educação
moldará o mundo de amanhã. A educação serve a
sociedade de diversas maneiras e sua meta é formar
pessoas mais sábias, possuidoras de mais conhecimentos,
bem informadas, éticas, responsáveis, críticas e capazes de
continuar aprendendo. Se todos os seres humanos
tivessem essas aptidões e qualidades, os problemas do
mundo não se resolveriam automaticamente, porém os
meios e a vontade de fazê-lo estariam ao alcance das
mãos." (UNESCO,1999).

Por acreditar na transformação que a educação


exerce nas pessoas, pensou-se que a melhor forma de
atingir os objetivos do projeto, que é a valorização da
cultura missioneira, seria discutindo formas de desenvolver
esse tema nas escolas. Mas não somente encontrar ou
elaborar materiais prontos e diversificados a serem
aplicados com crianças e adolescentes, mas despertar nos
participantes do TajiPoty a curiosidade, a criatividade e a
paixão por ensinar e trabalhar com a história local.
Através da educação, se vislumbra um cenário que
já começou a modificar-se pois, com a implantação da
Universidade Federal do Pampa - UNIPAMPA e Instituto
Federal Farroupilha na cidade de São Borja, a questão
patrimonial já vem sendo uma preocupação em pesquisas e
trabalhos realizados nessas instituições de ensino e que
antes não existiam. Estender esse debate nas escolas
municipais e estaduais de forma a sensibilizar os
estudantes para temáticas referentes a história e cultura
local é o que se necessita no município de São Borja.
Dessa forma, a educação patrimonial é um meio de
colocar em destaque o que há muito tempo vem sendo
esquecido. O desconhecimento da comunidade e o descaso

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|505


dos órgãos e instituições fizeram com que a cidade se
desfizesse de seu legado histórico e cultural. Agora, com
mais de trezentos anos de existência, o munícipio possui
poucos objetos, peças e documentos que poderiam retratar
fatos importantes que ocorreram em São Borja. A cidade
necessita de uma atenção voltada à situação descrita, tanto
pela riqueza histórica quanto por sua memória, para que
essas questões sejam resgatadas em prol da identidade e
até mesmo do desenvolvimento do município.

Educação patrimonial
Por Patrimônio Cultural entende-se, o conjunto de
bens materiais e/ou imateriais, capazes de contar a história
de um povo através de seus hábitos, costumes,
gastronomia típica, práticas religiosas, lendas, cantos,
danças, linguagem superstições, rituais, festas, entre
outros.
Os sítios arqueológicos compõem uma das
principais fontes de patrimônio cultural, que revelam a
história de povos e civilizações antigas. Através do
patrimônio cultural é possível sensibilizar uma
comunidade ou grupo social, possibilitando aos mesmos a
aquisição de novos conhecimentos para a compreensão da
história local, adequando-os à sua própria história de vida,
e por conseguinte, é capaz de elevar a estima da
comunidade.

O patrimônio encarna, em suma, um “crescendo


em generalidade” de obras e objetos singulares, concebido
de forma útil para a ação de conhecimento e de
conservação coletiva. Nisso, o patrimônio parece
constituir um campo de aplicação privilegiado para
reexaminar três questões sob o ângulo da circulação
social: a do olhar erudito sobre obras e objetos materiais; a
da historicização de uma sociedade e, de forma mais geral,
de sua relação com “regimes de historicidade”; e, por fim,
a da ética e da estética que dela decorrem ou à qual estão
ligadas (GINSBURG apud CHUVA 2012)

Desta forma a inclusão ou o reconhecimento de um


monumento ou manifestação, de cunho material ou
imaterial como patrimônio remete, por um lado, à sua
época histórica e, por outro lado, ao trabalho dos serviços
que assim o definiram: ele é, dito de outra forma, o indício
e o ícone de duas épocas. Ou seja, no momento em que se
reconhece algo como patrimônio cultural de uma
localidade ou comunidade, estabelece-se a importância

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|506


deste na época outrora construído e na época em que é
valorizado como patrimônio pela comunidade.
Durante o curso de educação patrimonial priorizou-
se a sensibilização dos participantes, em sua maioria
professores da rede municipal de ensino na cidade de São
Borja, em reconhecer aspectos históricos da época dos Sete
Povos das Missões como patrimônios culturais. De modo
que pudessem valorizar as poucas peças jesuíticas que
restam na cidade, as histórias e lendas deste período, a
gastronomia missioneira, que prevalece ainda hoje na mesa
da comunidade são-borjense, de origem Guarany.
No decorrer das oficinas ofertadas pelo curso, foram
desenvolvidos alguns conceitos básicos, necessários para a
implantação da temática do patrimônio cultural em sala de
aula. Questões como: O que é patrimônio? O patrimônio
Cultural envolve os bens naturais e culturais, mas também
podemos incluir os bens de ordem intelectual e emocional
(ATAÍDES, MACHADO e SOUZA, 1997), de maneira
que não só a natureza que envolve o ser humano, mas suas
obras e manifestações cívicas, religiosas e folclóricas
formam uma identidade cultural a ser preservada. Em
síntese, é o que determinada comunidade tem de singular,
particular, especial ou específico, ou que identifique ou
caracterize a comunidade local ou as pessoas (SOARES,
2003).
O objetivo é a valorização da memória e da
identidade regional, através de um processo de
identificação, reconhecimento e valorização do patrimônio
local. Ao mesmo tempo, deve-se observar que a educação
para o patrimônio é um instrumento de conscientização
para a preservação da História local e regional, na medida
em que resgata e valoriza as ações cotidianas como
portadoras de importância sócio-cultural. Ainda, valoriza
os ‘excluídos’ da história por privilegiar os relatos orais,
os conhecimentos tradicionais e não sistematizados
(SOARES e KLAMT s/d).

Ainda que o curso possuísse uma equipe


multidisciplinar, a metodologia utilizada para trabalhar
Educação Patrimonial, foi semelhante e de comum acordo
entre os docentes. A partir da obra de Horta, Grunberg e
Monteiro (1999), as etapas para a Educação Patrimonial
foram desenvolvidas da seguinte forma:

Etapas Recursos Objetivos


Observação Percepção visual, Identificação do
sensorial, objeto,
manipulação, Função/significado.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|507


experimentação, Desenvolve percepção
medição,
comparação, jogos
de detetive
(dedução)
Registro Desenhos, descrição Fixação do
verbal ou escrita, conhecimento,
maquetes, mapas Pensamento lógico,
intuitivo e
operacional
Exploração Análise do Julgamento crítico,
problema, hipóteses, interpretação
discussão, Significados
Avaliação, outras
fontes
Apropriação Recriação, releitura, Envolvimento afetivo,
dramatização, autoexpressão,
pintura, participação
Escultura, dança, criativa,
música, poesia, texto Valorização do bem
cultural

Após as aulas teóricas sobre patrimônio e identidade


cultural, utilizou-se alguns dos métodos citados acima,
resultando no trabalho final do curso, composto por um
Roteiro Turístico na cidade de São Borja, o qual será
melhor descrito no item 3. O Projeto de Extensão.
No entanto, vale ressaltar que desde a observação
do objeto/monumento/peça do museu ou relatos orais da
comunidade acerca de histórias da época dos Sete Povos
das Missões, procurou-se registrar todos os momentos
através de murais de fotos, quebra-cabeças com imagens,
preparação de receitas Guaranys etc. Para logo em seguida
trabalhar a exploração, e reconhecer nos objetos/lugares
de memória o que realmente poderia ser considerado
patrimônio. A partir destas etapas os alunos puderam criar
um roteiro turístico, na fase de apropriação, pois já se
percebia envolvimento afetivo por parte do grupo para
com os lugares visitados, gastronomia típica, entre outros.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|508


Deve-se observar que a Educação Patrimonial é
uma metodologia que tem por objetivo a valorização do
patrimônio cultural, podendo ser inserido no currículo
escolar como uma matéria ou assunto transversal. O
exemplo apresentado refere-se à identidade missioneira da
cidade de São Borja, que é um tema pouco trabalhado
pelos educadores locais.
O papel da Educação Patrimonial é de resgatar e
promover as manifestações culturais de todos os
segmentos sociais, em diferentes períodos e contextos
históricos. Além disso, é capaz de proporcionar um
processo de inclusão sociocultural, em contraposição à
exclusão. É necessário observar que este processo visa, em
primeiro lugar, o respeito à diferença, seja ela étnica, de
manifestação religiosa, cultural ou outra qualquer.
A Educação Patrimonial aponta para a formação de
uma percepção ou consciência social na qual todos são
cidadãos, em um processo de inclusão sociocultural,
embasado na diversidade histórica e cultural como riqueza
das diferentes regiões do país, cada uma com suas
características particulares que resulta na beleza de cada
região.
É sobremaneira importante, compreender o aspecto
político da Educação Patrimonial nas comunidades.
Procuram-se exaltar valores que se referem à
solidariedade, colaboração, respeito mútuo, diversidade e
manutenção de formas, jeitos ou maneiras tradicionais de
se viver.
Em contraposição à uma visão de exploração
econômica das paisagens, ambientes, culturas ou lugares,
trata-se também de compreender o contexto social do local
como um espaço constituído por seres humanos. Ainda que
o patrimônio histórico cultural esteja cedendo à exploração
econômica por meio do turismo, nem sempre responsável e
sustentável, deve-se considerar a preservação da cultura,
da identidade, dos jeitos e modos de ser e conviver, da
natureza e da sociedade que a produziu. Esses aspectos
dificilmente podem ser mensurados numericamente, sob
uma visão economicista. Trata-se então de possibilitar e
viabilizar que os patrimônios empreendidos e trabalhados
em âmbito turístico sejam utilizados como instrumentos de
‘alfabetização cultural’ (Horta, Grunberg e Monteiro,
1999).

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São Borja – O primeiro dos Sete Povos das Missões
– Breve histórico
O Projeto TajiPoty desenvolveu-se no município de
São Borja. São Borja está localizada na fronteira oeste do
Rio Grande do Sul e faz divisa com a cidade de Santo
Tome, na Argentina. Por sua localização, integra práticas
econômicas presentes na campanha gaúcha e possui
características culturais provenientes de seu legado
histórico.
A história da cidade de São Borja está relacionada
com a propagação das Reduções jesuíticas. Ao todo, foram
30 reduções jesuítico missioneiras distribuídas entre Brasil,
Argentina e Paraguai. No Brasil, se formaram os sete
povos das Missões, que se constituíram por São Francisco
de Borja, São Nicolau, São João Batista, Santo Ângelo
Custódio, São Luiz Gonzaga, São Miguel Arcanjo e São
Lourenço Mártir.
O povoado de São Borja foi formado a partir de
uma divisão da redução de Santo Tome, que fica situado
no outro lado do Rio Uruguai, na Argentina. A redução,
que também era chamada pelos padres e índios de
"missão" ou "povo", recebeu o nome de São Francisco de
Borja em homenagem a São Francisco de Borja e Aragão,
jesuíta que fazia parte da Direção da Ordem, em seu início.
O dia 10 de outubro foi instituído seu dia santo após ser
canonizado pela Igreja Católica em 1671. No município,
essa data é comemorada como o dia do padroeiro e é mais
lembrada pela população do que o dia da emancipação
política da cidade.
São Borja tem como data oficial de sua fundação o
ano de 1862. Porém, não se sabe se essa é a data correta,
pois o ano de fundação das reduções eram registradas nas
“Cartas Anua”, sendo que a carta onde consta os dados
sobre São Borja ainda não foi encontrada. Neste caso, o
ano acima é resultado de pesquisas e referenciação escrita
na "Coleção de Angelis", importante obra que trata da
história missioneira disponível na Biblioteca Nacional.
Entre os séculos XVII e XVIII, esteve em
funcionamento a Redução de São Francisco de Borja.
Nesse período, o cotidiano do seu povoado se dividia entre
trabalho e lazer, envoltos da religião difundida pelos
Padres. Era notória nas reduções as questões referentes a
arquitetura, urbanismo e artes, devido a organização do
espaço e sensibilidade para a produção de estatuárias,
pinturas, adornos, etc.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|510


Importante ressaltar que a Redução de São
Francisco de Borja acolheu por nove anos o jesuíta José
Brazanelli, artista que durante sua estada em São Borja,
pode trabalhar como escultor, pintor, arquiteto, engenheiro
e militar. Produziu altares, retábulos, imaginárias e a ele é
atribuído a construção da primeira igreja. Teve tamanha
importância quanto suas obras tiveram destaque nas
Missões.
A Redução de São Francisco de Borja teve seu
declínio paralelo as outras seis situadas no Rio Grande do
Sul. Com o Tratado de Madrid, o território onde se situam
os sete povos das missões, que pertenciam a Espanha,
passam a pertencer à Portugal e em troca, a Colônia do
Sacramento, que pertencia a Portugal, passa para Espanha.
Inconformados com o Tratado, os índios das Reduções
Missioneiras se unem para lutar e permanecer com a posse
das Reduções. Foram várias batalhas mas os índios
perderam a chamada Guerra Guaranítica.
A Redução de São Francisco de Borja não
participou da Guerra Guaranítica. Aos poucos, foram
cedendo a um processo de transformações administrativas
e políticas. Osíndios mais revoltos, voltaram ao campo
selvagem para viver como antes da existência das Missões
Jesuíticas.
Assim, as transformações foram se dando
lentamente. Hoje, não é possível visualizar qualquer
construção da época das reduções, pois a cidade cresceu e
se desenvolveu em cima do sítio histórico sendo que
muitas casas que se vê hoje, utilizaram em suas
construções a pedra grês, material utilizado na construção
das reduções e existente no local desde o período
reducional.
Embora nada tenha restado das construções da
Redução de São Francisco de Borja, a cidade possui um
considerável acervo distribuído em museus, igrejas e de
posse de particulares. Na sequência, é apresentado o
acervo missioneiro existente nos locais possíveis de
visitação, de acordo com Rodrigues (2013).

Na Igreja Matriz São Francisco de Borja se situam


as seguintes peças:
1. São Francisco de Borja (obra atribuída ao Jesuíta
Brazanelli) (RS92.0001.00317);
2. Pia Batismal (RS92.0001.32);
3. Pedra fragmento da Pia Batismal
(RS92.0001.033);
4. São Francisco de Borja em pé (Doado a pouco
sem registro);

De propriedade da Igreja Imaculada Conceição do


Bairro do Passo:
1. Anjo do Altar-mor lado direito (RS92.0001.037);

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2. Anjo do Altar-mor lado esquerdo
(RS92.0001.0038);
3. Retábulo Missioneiro (Altar-mor)
(RS92.0001.0036).

De posse do Museu Municipal Apparício Silva


Rillo:
1. São José (RS92.0001.0001);
2. São Pedro (RS89.0001.0035);
3. São Miguel Arcanjo (RS92.0001.0002);
4. Santo Antônio de Pádua (RS92.0001.0003);
5. Nossa Senhora das Dores (RS92.0001.0004);
6. Santo Antônio de Pádua (RS92.0001.0005);
7. São Miguel Arcanjo (RS92.0001.0006);
8. Cristo (RS92.0001.0009);
9. São José (RS92.0001.0007);
10.Senhor dos Passos (RS92.0001.0008);
11.Santo Inácio de Loyola (RS92.0001.0010);
12.Cristo Crucificado (RS92.0001.0016);
13.Cristo Crucificado (RS92.0001.0015);
14.Cristo Crucificado (RS92.0001.0014);
15.Figura Pontifícia (RS92.0001.0013);
16.São João (menino) (RS92.0001.0012);
17.Arcanjo Rafael (RS92.0001.0011);
18.Querubim em madeira (RS92.0001.0020);
19.Divino Espírito Santo (RS92.0001.0018);
20.Cristo Crucificado (RS92.0001.0017);
21.Cabeça do Profeta Elias (RS92.0001.0019);
22.Querubim (em madeira) (RS92.0001.0021);
23.Tocheiro (RS92.0001.0022);
24.Pedra Tumular (pedra grés esculpida)
(RS92.0001.0023);
25.Pedra Tumular (RS92.0001.0024);
26.Quadrante Solar (relógio solar)
(RS92.0001.0025);
27.Sino da Matriz (RS92.0001.0026);
28.Sino da Redução (1724) (RS92.0001.0027);
29.Castiçal Missioneiro (RS92.0001.0500);
30.Gomil (fragmento) (RS92.0001.0498);
31.Coroa de Prata (RS92.0001.0499);
32.Nossa Senhora do Rosário (RS92.0001.0453);
33.Santo Izídro (RS91.0001.0049);
34.Anjo (fragmento) (RS91.0001.0050);
35.Cabeça de Nossa Senhora do Socorro
(RS91.0001.0051);
36.Pintura de Nossa Senhora do Socorro
(RS91.0001.0054);
37.Cristo Crucificado (RS91.0001.0055);
38.Cristo na coluna (RS91.0001.0056);
39.São Miguel Arcanjo (fragmento queimado)
(RS91.0001.0057).

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40.Senhor Morto (RS91.0001.0053) (Foi queimada
em um culto, restou parte do tronco)

Ainda, existem 35 peças em posse de particulares,


consistindo em estatuária missioneira em tamanhos a partir
de 9 cm. Importante salientar que o acervo particular
também consta no registro de peças jesuíticas do Instituto
de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
Além destes bens patrimoniais existentes na cidade,
destacam-se outros como arquiteturas antigas, ruínas,
esculturas, pinturas, monumentos históricos, festas e
celebrações populares como festivais musicais e procissões
religiosas, instituições culturais como museus, centros
culturais, arquivos históricos e bibliotecas, além do
patrimônio natural, como o Rio Uruguai e as Fontes
Missioneiras.
Também pode-se retratar o patrimônio imaterial
presente nos rituais das benzedeiras, nas orações da
Procissão do Padroeiro São Francisco de Borja e na
Procissão de São Joãozinho Batista, na culinária
missioneira; no hábito do Chimarrão, na música, no
biótipo indígena bastante presente na população.
São Borja também teve outros acontecimentos
históricos. Foi uma das cidades onde houveram batalhas da
Guerra do Paraguai, fato muitas vezes desconhecido, mas
que esteve bastante divulgado em 2015 devido a uma
programação referente aos 150 anos da invasão paraguaia.
Além disso, a cidade obtém um maior destaque, sobretudo,
por ser a cidade de dois presidentes, Getúlio Vargas e João
Goulart. Por isso, é chamada de “berço do trabalhismo” e
“terra dos presidentes”.
Embora a cidade tenha um legado histórico
importante, marcado por tantos acontecimentos que se
deram em diferentes épocas, percebe-se que isso não é
valorizado muitas vezes pela comunidade. Assim, todo o
potencial do município de desenvolver-se com a
apropriação de seu título de “Cidade histórica” dependerá
das ações dos governantes, associações, empresas
privadas, etc.

Estudo de caso: Educação patrimonial em São Borja


O curso de extensão que leva o mesmo título deste
artigo, “TajiPoty: A educação patrimonial e a valorização
da cultura missioneira”, teve sua primeira edição no
segundo semestre de 2014. Totalizando sessenta

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|513


horas/aula, foi oferecido aos professores da rede municipal
de São Borja, alunos do Instituto Federal Farroupilha e
demais interessados na temática do patrimônio cultural.
Inicialmente, tinha-se como objetivo: Organizar
oficinas sobre patrimônio cultural missioneiro com os
professores e servidores das escolas da cidade de São
Borja, enfatizando a história jesuítica missioneira da
cidade e região; realizar levantamento de dados sobre a
história e o patrimônio cultural no município de São Borja,
conteúdo que será trabalhado nas oficinas; organizar a
formatação das oficinas que serão realizadas; viabilizar a
confecção de materiais didáticos sobre a temática
trabalhada de forma que os professores fiquem com
material para posterior reflexão e discussão em suas
escolas de origem.
Esperava-se, com a realização desse projeto, que os
professores se sensibilizassem com a história e a cultura da
cidade de São Borja e que aprofundassem o conhecimento
na temática e nas metodologias pedagógicas da educação
Patrimonial para trabalhar essas questões em sala de aula
com seus alunos, para que nestes despertasse o interesse
pelo assunto, e que fossem capazes de desenvolver ações
no sentido de fortalecer a identidade local.
Além disso, esperava-se que os participantes do
curso de extensão se tornassem multiplicadores desses
conhecimentos em sala de aula, para a partir disto,
valorizar e elevar a estima de seus alunos, que assim
também possam propagar seus conhecimentos sobre a
identidade e cultura de São Borja em seus lares, com seus
amigos, atingindo, dessa forma, a comunidade em geral,
propiciando com esse resgate a valorização da memória
patrimonial da cidade de São Borja.
Participaram do curso 10 alunos, sendo que dentre
estes, haviam pessoas ligadas a escolas públicas do
município, agentes culturais de museus, acadêmicos do
curso de gestão de turismo e pessoas da comunidade.
O curso foi ministrado por 4 professores com as
seguintes formações: duas professoras turismólogas,
ambas com mestrado, sendo uma delas estudiosa do tema
patrimonial; um professor administrador e envolvido com
as questões práticas referentes a esse assunto na cidade; e
outro gastrônomo, sendo que destes, dois são naturais da
cidade e possuem em sua própria experiência escolar, as
dificuldades referentes a questão da aprendizagem e
apropriação do contexto histórico cultural da forma como
são abordados nas metodologias das escolas.
O curso de extensão priorizou a mesclagem de
atividades teóricas com atividades práticas, para que
despertasse mais a atenção dos alunos, evitando possíveis
evasões. Nas aulas referentes a alimentação, os alunos
foram levados a cozinha industrial da instituição, para
realizarem oficinas onde estes puderam reproduzir

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|514


algumas receitas. Nas aulas de patrimônio, foram feitos
cartazes com recortes de jornais da cidade que falassem ou
mostrassem os prédios históricos, saber fazeres, e na
temática de roteiros, foi possível utilizar tudo que fora
aprendido nas aulas anteriores aliado ao conhecimento
técnico de elaboração de roteiros de turismo, e realizado a
produção de alguns roteiros com a visitação como
atividade de encerramento do curso.
Constaram no projeto os seguintes conteúdos
programáticos: Educação patrimonial; - História da cidade
de São Borja; Patrimônio material e imaterial; Organização
de evento (oficina) – pré, trans e pós evento; História da
Alimentação; Identidade Cultural; Avaliação: através de
relatório final constando reflexões sobre as atividades
desenvolvidas. A partir destes conteúdos, foi possível
desenvolver as oficinas de forma sistemática com a
participação de professores de diferentes áreas do
conhecimento.
Algumas ações estavam previstas dentro da
metodologia que seria utilizada, entre elas:
- Visitas nas instituições parceiras com o intuito de
agendar sua participação no projeto;
- Reuniões de trabalho com os participantes do
projeto;
- Produção de cartilha de educação patrimonial;
- Realização de oficinas de educação patrimonial;
- Realização de oficinas de elaboração de roteiros
experimentais;
- Visitas monitoradas com os participantes nos
pontos com resquícios de patrimônio Jesuítico
Missioneiro;
- Elaboração de um roteiro turístico pelos
participantes da oficina;
- Realização de relatórios e avaliação do projeto.
Durante as aulas e oficinas do projeto, foram
discutidas experiências já realizadas no município e que
deram certo, como por exemplo a História de Getúlio
Vargas contada através de uma revista em quadrinhos para
crianças. Uma excelente iniciativa que conquista o leitor
com sua linguagem simples, essencial para que as crianças
entendam. Também surgiram experiências ruins, como o
condutor de um museu prestar a mesma explicação numa
visita de adultos e crianças, já que a forma de explicação
para as crianças tem de ser mais simples e lúdica.
Algumas atividades desenvolvidas durante o curso
podem ser observadas nas imagens a seguir, como as
oficinas de educação patrimonial e a visita ao museu dos
Angueras.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|515


Considerações finais
O projeto TajiPoty foi pensado para o município de
São Borja, principalmente pela riqueza histórica que a
cidade possui e que muitas vezes não é valorizada pela

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|516


comunidade local. Trazer este tema para a discussão, fez
com que tenhamos cidadãos mais preocupados com o
nosso legado histórico cultural e conscientes da
importância do nosso patrimônio.
Acredita-se que esse tenha sido somente o início de
um trabalho que, em suas próximas edições agregue um
número maior de participantes, inclua mais parceiros e
entidades ligadas direta ou indiretamente a cultura e que
principalmente nossos educadores se engajem nessa causa.
Considera-se que o projeto de extensão “TajiPoty:
A educação patrimonial e a valorização da cultura
missioneira” tenha alcançado seu objetivo, pois através da
avaliação final foi possível perceber o envolvimento
afetivo que os participantes manifestaram em relação à
valorização da sua identidade missioneira.

Referências Bibliográficas
ATAÍDES, Jézus Marco; MACHADO, Laís
Aparecida; SOUZA, Marcos André Torres. Cuidando do
Patrimônio Cultural. Goiânia: Ed. UCG, 1997.
CHUVA, Marcia (Org.). História e Patrimônio,
REVISTA DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E
ARTÍSTICO NACIONAL, nº 34, 2012,
HORTA, Maria de Lourdes P.; GRUNBERG,
Evelina; MONTEIRO, Adriane Queiroz. Guia Básico de
Educação Patrimonial, Brasília: IPHAN, Museu
Imperial,1999.
RODRIGUES. J. F. Resquícios Jesuítico
Missioneiros na terra dos presidentes e a
potencialização para o desenvolvimento do turismo.
São Borja: Universidade Federal do Pampa, 2014.
RODRIGUES. J. F. PINTO, M. COLVERO, R. B.
História Missioneira de São Borja. Câmara de
Vereadores de São Borja, 2013.
SOARES, A. L. R.; KLAMT, S. C. Breve
Manual de Patrimônio Cultural: subsídios para uma
Educação Patrimonial. Revista do CEPA, Santa Cruz do
Sul, v. 28, p.45- 65, edição especial de 30 anos, 2004b.
SOARES, André Luis R. (org.). Educação
Patrimonial: Relatos e Experiências. Santa Maria: Editora
da UFSM, 2003a.
UNESCO. Educação para um futuro sustentável:
uma visão transdisciplinar para ações compartilhadas.
Brasília: IBAMA, 1999.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|517


Educação Patrimonial:
a cidade como recurso para o ensino de história
PorCarmem Burgert Schiavon102 eTatiana Carrilho Pastorini Torres103

Resumo Abstract
As discussões atuais sobre o ensino de The current discussions on the teaching
História são permeadas por dúvidas referentes of history are permeated by doubts concerning
às escolhas dos “conteúdos” e metodologias de the choice of "content" and teaching
ensino a serem utilizadas. Sabe-se que a methodologies to be used. It is known that the
realidade enfrentada por boa parte das escolas reality faced by much of the Brazilian schools
brasileiras da Rede Básica de Ensino ainda está of Basic Education Network is still based on the
fundamentada na visão de “história pronta”, isto vision of "story ready", ie the one memorized
é, aquela memorizada e desconexa da vivência and disconnected from everyday experience of
cotidiana dos alunos. Dessa forma, constata-se students. Thus, it appears that it is inevitable to
que é inevitável enfrentar o desafio de se buscar face the challenge of seeking a new direction
um novo direcionamento para o ensino de for the teaching of history today. Therefore, it
História na atualidade. Sendo assim, has developed a practice of heritage education
desenvolveu-se uma prática de Educação with students of the Basic Network of Pedro
Patrimonial com alunos da Rede Básica de Osório (RS), whose purpose was to expand the
Pedro Osório (RS), cuja finalidade consistiu em learning possibilities, construction and
ampliar as possibilidades de aprendizado, reflection of historical knowledge. From this
construção e reflexão do conhecimento perspective, it adopted the city itself as a
histórico. Nessa perspectiva, adotou-se a teaching resource to be (re) known through
própria cidade como recurso didático a ser (re) equity routes previously organized jointly with
conhecido por meio de percursos patrimoniais the students.
previamente organizados em conjunto com os
alunos. Keywords:History teaching. Heritage Education. City.

Palavras-chave:Ensino de História. Educação Patrimonial. Cidade.

102Doutora em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e Professora Adjunta do Instituto de C iências
Humanas e da Informação da Universidade Federal do Rio Grande (ICHI-FURG).
103
Mestre em História pela Universidade Federal do Rio Grande e Professora da Rede Pública de Ensino do Município de Pedro Osório (RS).

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Introdução
As discussões atuais sobre o ensino de História são
permeadas por dúvidas nas escolhas dos “conteúdos” e das
metodologias de ensino. Sabe-se que a realidade
enfrentada por boa parte das escolas brasileiras da Rede
Básica de Ensino ainda está fundamentada na visão de
“história pronta”, memorizada e desconexa da vivência
cotidiana dos alunos. Dessa forma, percebe-se que cresce o
desinteresse e a falta de identificação com os processos
históricos apresentados como “verdades absolutas” –
aqueles sem espaço para a construção de conhecimento.
Em contrapartida, muitas pesquisas já foram realizadas e
outras estão em desenvolvimento com o propósito de
dinamizar o ensino de História e enfrentar o desafio de se
buscar um novo direcionamento nos recortes,
metodologias e recursos utilizados. Com base nestes
pressupostos, desenvolveu-se uma prática de Educação
Patrimonial com alunos da Rede Básica de Pedro Osório
(RS), cuja finalidade consistiu em ampliar as
possibilidades de aprendizado, construção e reflexão do
conhecimento histórico. Nessa perspectiva, adotou-se a
própria cidade como recurso didático a ser (re) conhecido
por meio de percursos patrimoniais previamente
organizados a partir do olhar/contribuição dos discentes.
Conforme destacado anteriormente, o trabalho
realizado abrangeu duas instituições de ensino da Rede
Básica da cidade de Pedro Osório, ou seja, a Escola
Municipal de Ensino Fundamental Getúlio Vargas que,
antigamente, esatva situada na Av. Presidente Vargas, no
Bairro Brasília; foi fundadada em 27 de abril de 1960.
Anteriormente, era conhecida, pejorativamente, como “o
coléginho da Brasília” e/ou escola dos “pobres ou
“marginais”104. Atualmente, com a inauguração do novo
prédio, em 30 de dezembro de 2014, a comunidade escolar
passou a receber alunos de outros bairros e até mesmo da
região central do município de Pedro Osório.
A segunda instituição escolar referida é o Colégio
Estadual Getúlio Vargas, localizado na rua Júlio de
Castilhos, no centro de Pedro Osório, e foi criado em 12 de
março de 1962 (Decreto nº 13.283), em caráter de Ginásio
Estadual Getúlio Vargas e no ano de 2000, passou a
denominar-se Colégio Estadual Getúlio Vargas. Na
atualidade, o Colégio atende o Ensino Fundamental, o
Ensino Médio e a EJA – Ensino Médio.
Em termos de localização, destaca-se que Pedro
Osório, outrora denominado Olimpo, é um pequeno
município gaúcho constituído às margens do Rio Piratini,
104
Depoimentos de moradores da cidade, que optaram por não serem identificados.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|519


cuja origem está ligada à distribuição de sesmarias e à
expansão ferroviária da segunda metade do século XIX. A
população local é de aproximadamente 7.811 habitantes e
sua economia atual tem por base a produção agropecuária,
algumas olarias e poucos estabelecimentos comerciais. As
grandes enchentes dos anos de 1959, 1983 e 1992
deixaram marcas profundas na estrutura da cidade
(TORRES, 2014, p. 80) e, principalmente, no aspecto
econômico, uma vez que as águas levaram muitas olarias
por água abaixo.

Um pouco da metodologia: o uso da educação


patrimonial no ensino da história local
A Educação Patrimonial constitui uma metodologia
voltada para o processo sistemático de trabalho educativo,
que tem por partida e centro o patrimônio cultural com
todas as suas manifestações (GRUNBERG, 2007, p. 5).
Assim, essa prática, baseada na identificação e interação
com o bem cultural, amplia as possibilidades de
aprendizado e facilita a compreensão da história local e o
estabelecimento da sua relação com os temas mais amplos
da História. Além disso, oportuniza ao aluno a experiência
de se sentir parte da História e entender que o
conhecimento que ela produz nunca é perfeito ou acabado;
na verdade, está sempre se constituindo.
Ademais, a metodologia de Educação Patrimonial
tem se transformado diante de novas possibilidades para a
construção de práticas pedagógicas a partir da troca de
conhecimentos gerais e específicos entre a comunidade e
ambientes de ensino/aprendizagem. Entretanto, enfatiza-se
que essas práticas pedagógicas devem orientar “os
estudantes e os educadores a identificar ‘signos’ e os
significados atribuídos aos bens materiais e imateriais por
uma determinada comunidade” (SCHIAVON; SANTOS,
2013, p. 63), com o objetivo de se refletir sobre o que tem
sido constituído como memória e patrimônio, bem como
alargar as próprias convicções acerca do campo do
Patrimônio Cultural.Segundo Prats (2005, p. 18), seria um
processo de patrimonialização, embasado na representação
dos objetos, lugares ou manifestações no seu contexto de
construção junto à sociedade, portanto, uma invenção
social; são expressões patrimoniais mutáveis ao longo do
tempo e sujeitas aos novos significados designados pelas
transformações sociais, econômicas e culturais. Já, para
Bittencourt:

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|520


O conceito mais abrangente de patrimônio cultural abre
perspectivas de adoção de políticas de preservação
patrimonial. O compromisso do setor educacional articula-
se a uma educação patrimonial(...) Educação que não visa
apenas evocar fatos históricos notáveis, de consagração de
determinados valores de setores sociais privilegiados, mas
também concorrer para a rememoração e preservação
daquilo que tem significado para as diversas comunidades
(BITTENCOURT, 2009, p. 278).

Como se observa no excerto de texto acima,


Bittencourt demonstra preocupação com o cuidado que se
deve ter por ocasião do trabalho realizado com a Educação
Patrimonial. Na verdade, a autora vai além e aponta que os
profissionais precisam definir suas estratégias de
abordagem da temática patrimonial. Em sentido similar,
Hilda Fraga (2010, p. 227) salienta que, ao propor uma
atividade com o patrimônio cultural, o professor de
História precisa enfatizar cada um dos pressupostos da
Educação Patrimonial no planejamento de suas atividades
e nas intencionalidades específicas dessa área do
conhecimento. Em outras palavras, torna-se necessário
definir as etapas dessa metodologia, com o objetivo de se
tornar o ensino de História questionador, crítico e
reflexivo. Sendo que, cada uma destas etapas, deve levar o
aluno a desenvolver competências no nível do
conhecimento e da cidadania (FRAGA, 2010, p. 227). Em
função disso, esclarece-se que a prática de Educação
Patrimonial, no presente texto e no trabalho realizado na
cdiade de Pedro Osório(RS), foi estruturada nas seguintes
etapas: identificação do bem cultural, registro do bem
cultural e valorização do bem cultural.
A primeira etapa é a identificação do bem
cultural, da qual fazem parte a observação, a análise, a
comparação e os questionamentos (FRAGA, 2010, p. 227).
A observação dos bens culturais leva à capacidade de
percepção, aspecto “essencial durante o aprendizado para o
desenvolvimento do processo de pensamento e maturação
da criança” (GRUNBERG, 2000, p. 165), é o momento
que de fato se olha o que antes passava despercebido. A
análise identifica a estrutura do bem cultural e pode ser de
“materiais, dimensões, formas, elementos, cores, texturas,
organização, usos, funções, valores, relações, espaços,
movimentos, etc” (GRUNBERG, 2000, p. 167). Nesta
etapa, a comparação e os questionamentos são momentos
indispensáveis ao processo crítico-reflexivo no
aprendizado do estudante.
A segunda etapa corresponde ao registro do bem
cultural, onde são realizadas atividades de interpretação,
sistematização e registro das ideias; enfim, as informações
baseiam-se nas relações contidas no bem cultural no tempo
presente (FRAGA, 2010, p. 228). Nesta fase, ainda

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|521


registram-se as percepções efetuadas por meio de
desenhos, fotografias, relatos escritos, relatos gravados,
maquetes ou filmes (GRUNBERG, 2000, p.167). Aponta-
se as informações materiais e simbólicas, históricas e
culturais a respeito do objeto de estudo.
A terceira etapa é a valorização do bem cultural,
que consiste no momento da socialização, comunicação e
divulgação das percepções do bem estudado (FRAGA,
2010, p. 228). Para Evelina Grunberg:
[...] é a culminância da apropriação da experiência
vivenciada, é neste momento que se faz a interpretação e
comunicação de todo percebido e registrado. É nesta etapa
que se manifesta a capacidade criativa e se retoma o
conhecimento adquirido com um julgamento de
valor(GRUNBERG, 2000, p.168).

Conforme a autora acima citada, a valorização do


bem cultural é o retorno ou devolução do conhecimento
constituído ao longo do processo de Educação Patrimonial
e pode ser expresso por diversas proposições: atividades de
exposição; vivenciamento de situações; dramatizações;
elaboração de textos, livros, murais, jornais, história em
quadrinhos, poesias, vídeos, filmes, desenhos; atividades
de recreação e lazer (GRUNBERG, 2000, p. 168).
Menciona-se, ainda, a importância da motivação dos
alunos na participação da proposta de Educação
Patrimonial, como fazer que eles “voltem seus olhos para o
passado e queiram conhecê-lo” (GRUNBERG, 2000, p.
166). Essa motivação deve atender às necessidades dos
alunos e estar adequada aos seus níveis de
desenvolvimento intelectual e emocional, de forma que
auxilie na interpretação da realidade a partir de seu próprio
mundo (GRUNBERG, 2000, p. 166).
Não obstante, cabe ressaltar que a metodologia de
trabalho aqui apresentada não é necessariamente
compartimentada, uma etapa pode entrar na outra sem
prejudicar o objetivo final (GRUNBERG, 2000, p. 169).
Todavia, faz-se necessário planejar as etapas com
capacidade de “intervenções diferenciais que permitam
interrogar e levantar o máximo de relações existentes entre
os bens patrimoniais e os textos e contextos da história da
cidade a eles imbricados” (FRAGA, 2010, p. 228), ou seja,
a divisão em etapas facilita a aplicação da metodologia e
proporciona uma visão maior das informações a serem
coletadas junto ao bem cultural pesquisado.
Reforça-se, também, que a Educação Patrimonial
propicia uma maior dimensão da compreensão histórica,
promove a participação da sociedade na construção da sua
identidade e auxilia na construção do conhecimento. Em
outras palavras:

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|522


A EP proporciona o estudo do objeto cultural diretamente
na fonte, propiciando, dessa forma, a afetividade, a
valorização e o conhecimento por meio de uma relação
sensível/cognitiva, através de atividades de
percepção/observação, registro, estudo de outras fontes e
recriação do objeto ou da manifestação cultural em análise
(SCHIAVON; SANTOS, 2013, p. 86).

Então, percebe-se a prática da Educação Patrimonial


como uma forma de interpretação das marcas do passado
deixadas no patrimônio de cada sociedade no decorrer do
tempo e considera-se que a destruição dessas marcas
equivale a silenciar informações, isto é, significa apagar
períodos do cotidiano da trajetória histórica e privar às
gerações presentes e futuras do seu direito aos seus bens
culturais, não apenas do passado mas, também, do
presente. Além disso, a escolha dessa metodologia está
diretamente ligada à valorização da identidade individual e
coletiva dos discentes envolvidos na proposta respeitando-
se a percepção de patrimônio cultural construída pelos
mesmos.

A cidade como recurso didático para o ensino de


história
A cidade é o espaço onde se registra uma ampla
troca de interesses, conhecimentos e práticas
sócioculturais. Ela é um produto histórico definido pelas
atitudes e formas de vida próprias de uma localidade
oriunda da distribuição peculiar de indivíduos em um
espaço definido (MEDEIROS, 2006, p. 29). De acordo
com Ana Carlos (2007, p. 20), ao se fazer uma leitura
geográfica sobre a cidade, deve-se ter a “ideia de cidade
como construção humana, produto histórico-social” e não
apenas construções e delimitações do espaço urbano, tendo
em vista que pensar o urbano implica numa abrangência de
todas as dimensões da reprodução da vida “enquanto
articulação indissociável dos planos local/mundial”, por
outro lado, pensar a cidade significa refletir sobre “o plano
do lugar revelado o vivivo e a vida cotidiana através dos
espaços-tempo da realização da vida” (CARLOS, 2007, p.
12). Ademais, a construção histórica da cidade envolve
muito mais que meras ocupações dos espaços, pois mostra
as mais variadas noções de tempo e, entre elas:

[...] o da cidade, que se vê, e a da que não se vê, oculta e


esquecida; o tempo que passa e o que não passa, [...] o
tempo da cidade que se quer, dos desejos, das utopias

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|523


perdidas e dos projetos não realizados, e o da cidade que
se tem, resultante de fracassos e vitórias (FIGUEIREDO,
2014, p. 94).

Assim sendo, percebe-se a relevância da cidade na


construção histórica, uma vez que sua organização espacial
e temporal reflete as práticas cotidianas de seus citadinos.
Conforme Figueiredo (2014, p. 95), pensar o urbano por
meio de sua dimensão cultural amplia a compreensão da
sociedade em todos os seus aspectos e suas especialidades
e temporalidades se tornam inteligíveis; enfim, olhar a
cidade a partir das suas estruturas materiais e imaterias,
significa estudar o patrimônio cultural e sua relação com a
história local, regional e geral.
Dessa maneira, a cidade pode ser apropriada, no
sentido de apropriar-se do que antes se achava não ser
direito, para o ensino de História; pois, por si mesma, ela
já possui uma “escrita” histórica impressa em suas
estruturas materiais e imateriais que precisa ser “lida” e
“questionada” a partir da significação/interpretação do
olhar. Para tanto, existe a necessidade de uma (re)educação
do olhar, algo que a princípio pode parecer simples mas,
na verdade, enfrenta a complexidade de fugir da cegueira,
romper com o ver sem enxergar e dar voz aos chamados
lugares invisíveis da cidade. Sobre este ponto, Zita
Possamai aponta que a cidade é usada, mas escapa à
contemplação, fato que define justamente o desafio para
quem quer ler a cidade, ou seja, aprender a olhar,
realmente, a cidade; fazer perguntas, trilhar caminhos
quase desconhecidos, aventurar-se por trajetórias nunca
antes tentadas e ensaiar leituras de sua escrita
(POSSAMAI, 2010, p. 209).
Nessa perspectiva, utilizou-se a cidade de Pedro
Osório (RS) como recurso de aprendizado por meio da
Educação Patrimonial. Para tanto, desenvolveram-se
alguns percursos a partir de roteiros pensados e
organizados em conjunto com os alunos da Rede Básica de
Ensino da cidade de Pedro Osório. Nesta perspectiva, o
processo de constituição destes percursos envolveu,
diretamente, as etapas de identificação, registro e
valorização dos bens culturais a partir do olhar desses
mesmos alunos. Dessa forma, os percursos foram definidos
do seguinte modo:

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|524


Quadro 1: Percursos desenvolvidos

O primeiro percurso desenvolvido foi direcionado


ao Complexo Ferroviário e seu entorno. Na ocasião,
visitou-se a estação férrea e os alojamentos ao redor, ou
seja, a Dorbrás, que fabricava os dormentes da linha férrea,
a casa do arquiteto da estação férrea, as casas de
trabalhadores ferroviários; os prédios em ruínas da
cooperativa dos empregados da VFRGS 105 e a Pharmacia
da mesma cooperativa. Além disso, percorreu-se um trecho
da linha férrea até a estação nova,a qual se encontra em
ruínas.

105
Viação Férrea do Rio Grande do Sul.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|525


O envelhecimento humano como temática
abordada na escola:
experiências de iniciação à docência
PorPaula Évile Cardoso106, Luciana Vargas Jardim107 e Fábio André Hahn108

Resumo Abstract
O artigo tem por objetivo apresentar os This article aims to present the results of
resultados da intervenção pedagógica realizada educational intervention carried out in a public
em uma escola pública na cidade de Campo school in the city of Campo Mourao / PR with
Mourão/PR com a temática envelhecimento the theme human aging. The proposal, linked to
humano. A proposta, vinculada ao Programa de the Initiation Program to Teaching at the State
Iniciação à Docência da Universidade Estadual University of Paraná - Unespar emerged from
do Paraná – Unespar, surgiu a partir do estudo the study of Law 10.741 of October 1, 2003
da Lei 10.741 de 1º de outubro de 2003 que provides in Article 22 on the inclusion of
dispõe no artigo 22° sobre a inserção de content geared to the aging process in the
conteúdos voltados ao processo de curricula at various levels of formal education.
envelhecimento nos currículos em diversos Thus, activities were planned and developed
níveis do ensino formal. Diante disso, foram with students on the subject of aging to whet the
planejadas e desenvolvidas atividades com os curiosity and debate among them as cartoons
alunos sobre o tema envelhecimento para distribution at school; development activities on
aguçar a curiosidade e o debate entre eles, motor coordination; interviews with elderly and
como: distribuição de charges no espaço production of photographic images that
escolar; desenvolvimento de atividades sobre represented the difficulties and pleasures of old
coordenação motora; realização de entrevistas age. As a result we emphasize interdisciplinary
com idosos e produção de imagens fotográficas work with the theme of human aging at school,
que representasse as dificuldades e prazeres da which stimulated different thoughts and feelings
terceira idade. Como resultado enfatizamos o both students and academics in the Pibid from
trabalho interdisciplinar com o tema issues intergenerational relations.
envelhecimento humano na escola, o que
estimulou diferentes reflexões e sensações tanto Keywords: School, Human Aging, Teaching Practice, Pibid
nos alunos quanto nos acadêmicos do Pibid a
partir das questões referentes as relações
intergeracionais.

Palavras- Chave: Escola, Envelhecimento humano, Prática


docente, Pibid.

106UNESPAR/Campo Mourão, paulaevile@gmail.com

107UNESPAR/Campo Mourão, luh-vargas10@hotmail.com


108
UNESPAR/Campo Mourão, fabioandreh@gmail.com

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|526


Introdução
O presente trabalho é resultado da atividade
desenvolvida e aplicada na escola e intitulada
“Envelhecimento Humano: Dificuldades e Prazeres da
Terceira Idade”. Esta atividade é parte do subprojeto
Ensino de História: Práticas, Metodologias e Espaço de
Formação que faz parte do Programa Institucional de
Bolsa de Iniciação a Docência (PIBID) na Universidade
Estadual do Paraná – Campus Campo Mourão.
A proposta de estudo com o tema Envelhecimento
Humano surgiu em 2014 a partir da verificação da
necessidade de tratar o tema no ambiente escolar. A partir
desse momento, iniciamos as atividades de leituras e
debates sobre a temática de modo a avançarmos na
proposição de atividades prática que pudessem ser
desenvolvidas na escola e que envolvessem os alunos
diretamente.
No início da investigação constatamos uma
produção acadêmica limitada sobre o tema, o que nos
motivou a pensar e a realizar uma discussão da
importância de tratar da questão com o público jovem
presente nos colégios estaduais atendidos pelo programa,
aparados na Lei 10.741 de 2003 do Estatuto do Idoso, em
que trata no Art. 22:
Nos currículos mínimos dos diversos níveis de
ensino formal serão inseridos conteúdos voltados ao
processo de envelhecimento, ao respeito e à valorização do
idoso, de forma a eliminar o preconceito e a produzir
conhecimentos sobre a matéria.
A lei é uma forma de impulsionar a percepção sobre
a importância da temática, de modo que possa ser
assimilada pelo aluno como algo recorrente ao seu
cotidiano, propiciando uma reflexão sobre a valorização do
idoso.
O envelhecimento da população é um fenômeno
universal que gerou mudanças demográficas. Segundo
Kalache (1987), o Brasil nos anos de 1950 tinha uma
expectativa de vida de aproximadamente 43,2 anos. Na
década de 1960 a expectativa de vida havia chegado
aproximadamente 55,9 anos, atingindo nos anos 1980 os
63,5 anos segundo o IBGE. Atualmente a expectativa de
vida chega aos 74 anos de idade.
Para a realização dessa investigação sobre o
envelhecimento humano e o desenvolvimento de uma
atividade prática na escola, dividimos os pibidianos de
História em quatro grupos, tendo em vista ser constituído
por 22 bolsistas. A ação foi desenvolvida em quatro
colégios periféricos da cidade de Campo Mourão e com

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|527


quatro abordagens diferenciadas de intervenção na escola.
Nesse momento trataremos apenas de um dos casos,
apontando os resultados obtidos com esse projeto em uma
turma do terceiro ano do Ensino Médio no Colégio
Estadual Darcy José Costa em Campo Mourão.

O envelhecimento humano e o contexto de


investigação
Uma das primeirasatividades desenvolvidas foi a
observação da realidade escolar e com base no Projeto
Político Pedagógico (PPP) de 2012. O Colégio Darcy
Costa que está localizado em uma comunidade periférica,
que abrange 16 bairros, atendendo como público principal
filhos de trabalhadores assalariados, classificados como
classe média baixa.
Analisando o PPP do Colégio observamos um
pouco das especificidades do público com o qual
trabalharíamos. Como nesse contexto trabalhar com o
idoso? Com o envelhecimento humano? Conforme destaca
Célia Caldas e Andrea Thomaz (2010) a imagem do idoso
para o jovem representa pouca identidade social. Segundo
Lodovici (2006; apud Campedelli 2009, p. 16), destaca
que:

O idoso sempre existiu identificado como o avozinho


querido na sua função acolhedora aos mais novos, com
laços afetivos bastante sólidos entre ambos, a despeito do
progressivo afrouxamento dos laços afetivos sociais e das
inúmeras perdas advindas do envelhecimento. Durante
algumas décadas, o idoso foi reduzido a um ser sem voz e
de opinião sem muita importância, visto como um ser de
ideias ultrapassadas, justamente pela precedência etária e
pelo fato de estar, via de regra, fora do mercado de
trabalho e dos avanços científicos e tecnológicos; reserva-
se, assim, um lugar triste ao idoso, despojado de sua
condição de sujeito, sendo criada uma imagem negativa e
equivocada de velhice.

Na sociedade hodierna o foco acaba sendo o jovem,


pois representa um modelo ideal em que o corpo está em
pleno vigor físico. Dessa forma, o idoso representa o
envelhecimento humano associado a perdas e mudanças da
vida. Entretanto, a expectativa de vida teve um aumento
significativo, o que faz com que estereótipos tenham que
ser repensados.
Alguns determinantes são responsáveis pelo
processo de envelhecimento da população mundial e a

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|528


brasileira, tais como: a queda das taxas de fecundidade e
mortalidade infantil, como condições de saneamento,
avanços na tecnologia e na medicina. De modo geral,
melhores condições sociais.
Nesse contexto surgem às relações intergeracionais,
termo utilizado para referir-se às relações que ocorrem
entre indivíduos pertencentes a diferentes grupos etários,
não se restringindo ao contexto familiar, mas envolvendo
todo o campo social (NERI, 2005). Nesse convívio
intergeracional, os benefícios que podem ser adquiridos
são as noções de cidadania, ética, respeito mútuo, afeto,
valorização das histórias vida e a aquisição de
conhecimentos.
A sala de aula pode ser um dos espaços para essa
discussão para que os alunos do Ensino Médio, neste caso
em especial, pudessem materializar um olhar por meio de
uma entrevista e pela fotografia das “dificuldades e
prazeres da terceira idade”.
A intervenção na escola iniciou com a discussão
sobre o “Envelhecimento em Foco” com utilização de
charges que foram distribuídas pelo Colégio Estadual
Darcy José da Costa, momento que despertou a
curiosidade e a conversa sobre o tema. Aproximadamente
duas semanas depois aplicamos um questionário aos
alunos para conhecer um pouco melhor o público com o
qual iriamos trabalhar. Fizemos dois tipos de
questionários, um no qual metade da turma usaria uma
luva de borracha para ter a sensação de uma das
dificuldades do idoso que é a perda da coordenação motora
e outro questionário tinha as letras embaralhadas
simulando a dificuldade da perda da visão com o decorrer
dos anos de vida.
O segundo momento em sala de aula trouxemos
dados do IBGE por meio de gráficos, mostrando a
evolução da população mundial do século XVII até o
século XXI, esperança de vida ao nascer no século XXI e
as projeções das pirâmides etárias.
Dentro das discussões que foram estabelecidas
destacamos as limitações fisiológicas que os idosos sofrem
como: perda de visão, perda de audição, dificuldade de
locomoção, aumento do tempo de reação e declínio da
velocidade de julgamento. Assim, uma das questões
abordadas na aula foi o trânsito e a falta de sinalização e
acessibilidade. Também expomos os prazeres que se pode
ter na terceira idade. Propomos uma atividade em dupla. A
atividade era a realização de uma entrevista e coleta ou
produção de fotografia, material que servirá como
possibilidade de discussão em sala de aula.
O terceiro momento com os alunos se trata de uma
conversa em relação às entrevistas realizadas por eles com
os idosos, para discutirmos elementos dos relatos, fazendo
com que tenham contato com a história oral.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|529


No quarto momento da intervenção foram
apresentados pelos educandos dados coletados pela
entrevista e das fotografias, sendo representadas na
produção de cartazes.
Na finalização da intervenção foi estabelecido um
debate em sala de aula por meio de fotografias produzidas,
desenhos e das entrevistas apresentadas pelos alunos,
sendo um momento de socialização da experiência que
puderam vivenciar nos últimos dias em torno de duas
formas de registro de memórias que foram selecionadas,
em que uma é a fotografia e outra é a fonte oral por meio
da entrevista.
Conforme os dados demográficos as expectativas
futuras é a de que caminhamos para nos tornarmos um país
de idosos, mas será que estamos preparados para isso? Em
virtude disso é que precisamos pensar propostas
intergeracionais que façam com que o educando busque
um contato e que possa estabelecer relações de empatia,
valorizando e respeitando o idoso.
Essas perguntas serviram de discussão em sala de
aula após as entrevistas com o objetivo de fazer uma
reflexão sobre as várias faces da velhice, observando nos
relatos dos alunos que alguns entrevistados gostaram da
experiência de contar um pouco de sua vivência, enquanto
alguns idosos se sentiram desconfortáveis com as
indagações relacionadas à condição de envelhecer e suas
dificuldades.
A fotografia foi outra fonte utilizada que permitiu
um olhar diferenciado. Segundo Marli Albuquerque e
Lisabel Klein (1987, p.300) coloca que a fotografia
permite que haja a interpretação e está em uma ação
mental permanente, em que cada um interpreta de sua
forma conforme seus saberes do seu sexo, profissão,
ideologia e saber. Conforme Febvre (1989, p.349) ao
afirmar que:

A história faz-se com documentos escritos, sem dúvida.


Quando eles existem. Mas ela pode fazer-se, ela deve
fazer-se sem documentos escritos, se os não houver. Com
tudo o que o engenho do historiador pode permitir-lhe
utilizar para fabricar o seu mel, à falta das flores habituais.
Portanto, com palavras. Com signos. Com paisagens e
telhas. Com formas de cultivo e ervas daninhas. Com
eclipses da lua e longas de bois. Com exames de pedras
por geólogos e análises de espadas de metal por químicos.
Numa palavra, com tudo aquilo que, pertencendo ao
homem, depende do homem, serve o homem, depende do
homem, serve o homem, exprima o homem, significa a
presença, a atividade, os gostos e as maneiras de ser do
homem.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|530


A entrevista e a fotografia permitiu com que os
alunos trabalhassem diferentes fontes e que os mesmos
possam produzir por meio de sua consciência crítica fatos
que consideram importante sobre o tema que está
trabalhado em sala de aula.

Processo de elaboração das atividades práticas e


seus objetivos
Durante os meses de preparação das atividades que
seriam desenvolvidas por meio de intervenções no Colégio
da rede estadual de ensino com a temática
“Envelhecimento Humano”, foram pensadas abordagens
sobre o tema de acordo com várias dimensões. Após
estudos bibliográficos e observações da estrutura da
instituição de ensino e das características da turma do
terceiro ano em que iriamos trabalhar, formulou-se o
projeto “Envelhecimento em Foco” direcionado para
atividades que intercalasse teoria e prática, sendo aplicadas
em quatro momentos distintos.
Como mencionado anteriormente, em nosso
primeiro momento de intervenção no Colégio divulgamos
a temática que seria abordada ao longo das duas semanas
planejadas para aplicação do projeto. Foram escolhidas
algumas charges e imagens que faziam referência ao
envelhecimento humano e seus estereótipos. O objetivo da
utilização desse recurso visual para expor na instituição foi
promover uma reflexão sobre o envelhecimento de toda a
comunidade escolar, pois ao ler as charges expressadas
com um tema, em muitos casos, estranho a maioria era
necessário ir além da descrição das figuras e palavras.
Tanto funcionários do colégio quanto alunos, deveriam se
esforçar para unir aquela linguagem com o seu
conhecimento de mundo para que a compreensão pudesse
ser efetivada (JUSKI, 2006).
Na primeira aula com a turma, após a apresentação
do projeto e o planejamento das demais aulas, houve um
momento de discussão sobre essas charges com o
propósito de estabelecer uma visão geral do aluno sobre o
conceito de idosos e envelhecimento, mostrando a
relevância do tema em questão e mesclando humor com
críticas sociais.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|531


Fonte: PIBID, 2015

A segunda atividade desenvolveu-se a partir de uma


matéria do Jornal Estadão que descreve o treinamento
realizado pelo Instituto de Assistência Médica ao Servidor
Público Estadual (Iamspe) de São Paulo com seus
funcionários, tendo como intuito sensibilizá-los sobre as
dificuldades enfrentadas na terceira idade. Dessa forma,
tiveram a disponibilidade de vivenciar as sensações físicas
de uma pessoa idosa por meio de um circuito que
implicava andar sobre pedra brita com um pé só, usando
muleta, andadores e bengalas; preencher formulário com
palavras embaralhadas; receber instruções de um médico
em volume baixo e escrever seu nome em uma lista de
presença com luvas de borracha grossa (VEIGA, 2015).
Depois de ser analisada a realidade do subprojeto de
História quanto ao custeio de materiais e a estrutura do
Colégio envolvido, as atividades escolhidas para serem
executadas restringiram-se ao preenchimento de
questionários embaralhados e a utilização de luvas para
preencher os questionários padrões. Os questionários
foram compostos por questões em que os educandos
deveriam expressar o seu conhecimento prévio sobre a
temática idoso, respondendo se havia algum tipo de
convivência com pessoas idosas e que importância essa
relação intergeracional tinha na vida deles. Foram ainda
indagados sobre seu próprio envelhecimento e sobre os
estereótipos acerca da velhice no sentido da generalização
da figura do idoso.

Fonte: PIBID, 2015

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|532


Conforme podemos observar nos questionários
realizados com 27 alunos do terceiro ano, alguns termos
foram utilizados para designar pessoas com mais de 60
anos como: Idoso, respeito e valorização, experiente,
vivido, senhor/ senhora, precisa de atenção, segundo pai e
pessoa que gosta de ouvir e conversar. Nesse mesmo
questionário cerca de 20 alunos responderam que tiveram
convivência com o idoso e 7 alunos que não conviveram.
Fizeram alguns relatos como: “Convivo com os avós e é
ótimo minha vó me ensina muita coisa que só os anos de
experiência ensinam” e “Meus avós, foi bom mesmo que
sendo um pouco triste pois minha avó tinha Alzheimer e
ela era dependente.”
Perguntados sobre se o convívio entre diferentes
gerações é positivo, tivemos os seguintes resultados:

É um número considerado alto de jovens que não


pensaram sobre seu próprio envelhecimento, houve
algumas respostas como: “Muitas vezes eu penso em que
ficar velho, vai ser uma experiência boa ou ruim ainda não
sei bem”, “Vou ser chato mas todos vamos ficar velhos
querendo ou não”.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|533


No questionário houve mais uma questão pedia para
os alunos assinalarem qual era imagem atribuída ao idoso e
com frequência foram encontradas respostas como: alegre,
doente, interessante, triste e dependente.
Nessa etapa foi possível conhecer melhor os alunos
e sua ligação com o tema proposto, pois ao verificarmos as
respostas produzidas pelos alunos, tanto na discussão sobre
as charges quanto no preenchimento dos questionários,
constatamos que o envelhecimento está presente em suas
vidas por meio de pessoas próximas, porém o fato de que a
população está envelhecendo e que essas relações
intergeracionais tende a crescer é encarado pela maioria
como algo relativo a um futuro distante. Tal ideia se deve a
não abordagem de conteúdos sobre envelhecimento dentro
do meio escolar o que gera descrédito na matéria e
equívocos sobre seu estudo.
A terceira atividade prática foi elaborada com o
intuito de estabelecer e estimular a relação intergeracional,
para isso foi proposta uma entrevista em dupla por parte
dos estudantes com uma pessoa idosa e que esse momento
voltado a um olhar para esse grupo fosse registrado por
meio de fotografia.
O roteiro da entrevista foi desenvolvido com a
intenção de que os educando pudessem conhecer melhor a
história do “seu velho” por meio do diálogo sobre sua
naturalidade, em que trabalhou ao longo da sua vida, se já
havia pensado sobre sua velhice e se sua vida atual
correspondeu à expectativa, assim como suas
“Dificuldades e Prazeres na Terceira Idade” nome dado a
essa atividade, principalmente do que diz respeito à
acessibilidade.
A atividade também possibilitou ao aluno um olhar
para o passado por meio da utilização da fonte oral. Nesse
tipo de método é necessário um diálogo com o entrevistado
a fim de estimular lembranças e acontecimentos que
transitam entre presente e passado, gerando, então a
possibilidade de ir e vir no tempo de maneira que ambas as
pessoas envolvidas troquem pensamentos e vivências
(SANTOS, 2005). Os alunos foram orientados a procurar
uma pessoa idosa que se dispusesse a relatar como é
pertencer a Terceira Idade, pretendendo, assim, assimilar
de que maneira esse processo de envelhecimento era
confrontado por ele.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|534


Ao lidar com alunos, expomos as dificuldades de se
trabalhar com fontes vivas, evidenciamos os prováveis
recortes ao longo da narração do entrevistado, a relação
entre presente e passado que influencia interpretações dos
acontecimentos e expomos a perspectiva de que a memória
se apresenta também relacionada ao convívio com os
grupos sociais, entendendo que o indíviduo em sociedade
associa sempre acontecimentos com localizações espaciais
e temporais, assim como de sujeitos que tiveram
participação em sua vida em algum momento (SANTOS,
2005).
O uso da fotografia109 na atividade possibilitou uma
análise mais crítica do educando sobre o envelhecimento e
a acessibilidade, pois além de registrar o momento da
entrevista com o idoso foi mencionada a alternativa de
realizar alguns registos fotográficos no âmbito urbano de
Campo Mourão, buscando identificar as dificuldades
encontradas por essa faixa etária no que diz respeito às
políticas públicas. Pode-se visualizar, a partir da produção
fotográfica dos alunos, que representam algumas
dificuldades que os idosos podem encontrar no município
de Campo Mourão como: ruas sem asfalto, calçadas de
difícil acesso e distância dos degraus do ônibus que é
utilizado como transporte público.

“Dificuldades da Terceira Idade


fotografias desenvolvida pelos alunos”
(Fonte: PIBID de História, 2015)

A atividade de produção de fotos também incluía a


opção de registrar momentos relacionados aos “prazeres da
terceira idade”. Ao longo das aulas foram discutidas
implicações relacionadas ao caráter depreciativo da

109
Dubois (1993, p. 27) destaca que a fotografia foi considerada a “imitação mais perfeita da realidade”. A fotografia permite a
ampliação do olhar daquele que acaba por fazê-lo.

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terceira idade, em que a sociedade manifesta resistência
em pensar no seu próprio envelhecimento e impaciência
em lidar com o processo de envelhecimento alheio,
principalmente pelas implicações físicas recorrentes nessa
fase.
A partir da simplificação das características dessa
categoria surge a ideia de que a velhice é um fenômeno
prejudicial, tornando essa fase da vida como sinônimo de
fracasso (MARTINS, RODRIGUES, 2004). Entender que
a compreensão do idoso e sua interação com o meio social
necessita de uma análise da forma como encaramos nossa
própria velhice, assim como a imagem que os indivíduos
têm dos idosos, construindo então, a imagem social do
idoso que está em processo de mudança constantemente
(CALDAS, THOMAZ, 2010).
Buscamos então demonstrar por meio da utilização
de uma abordagem sobre estereótipos que esse grupo não
pode ser considerado como homogêneo e, tão pouco, que
suas vivências são permeadas apenas por dificuldades.
Promover uma reflexão sobre a discriminação sofrida por
essa faixa etária é primordial para que os jovens se
conscientizem a respeito da forma como se referem a esses
indivíduos, principalmente na utilização de vícios de
linguagem.

“Prazeres da Terceira Idade


fotografias que alunos tiraram”
(Fonte: PIBID de História, 2015)

Os alunos em questão tiveram que desenvolver


uma percepção sobre as condições estruturais do
Município de Campo Mourão- PR, de seu o bairro e de
sua própria casa.A atividade resultou em fotografias que
revelaram a subjetividade do fotógrafo que não é neutro
no seu tempo histórico e social, e que, posteriormente,
podem ser utilizadas como uma espécie de ponte entre o
espaço que está registrado na imagem e o momento que
se esta vivenciando (ALBUQUERQUE, 1987).
A atividade que finalizou a aplicação do projeto no
Colégio Estadual Professor Darcy da Costa foi à produção
de cartazes por parte dos alunos do 3º ano do Ensino
Médio. Nessa aula foram utilizados os materiais
produzidos pelos próprios educandos e algumas questões

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levantadas nas aulas expositivas para uma melhor
elaboração do cartaz.
Após a produção desses cartazes os alunos puderam
apresentar para a turma de que forma a atividade
“Dificuldades e Prazeres da Terceira Idade” foi conduzida
por eles, demonstrando o perfil dos entrevistados, a
descrição das fotografias dispostas no cartaz e, em muitos
casos, entoavam frases ou reflexões sobre o
envelhecimento humano gerando um debate no decorrer da
aula.
Após a divulgação dos materiais produzidos, os
alunos construíram um grande mural dentro da sala de
aula, uma maneira de expor as atividades, ao mesmo
tempo, em que preservasse as pessoas entrevistadas e as
retratadas nas fotografias.

Considerações Finais
O Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à
Docência - PIBID tem como proposta o aperfeiçoamento e
o reconhecimento da formação dos licenciando para uma
maior contribuição na Educação Básica. Por meio de
projetos de iniciação à docência, desenvolvidos por
Instituições de Educação Superior (IES) e aplicados nas
escolas de Educação Básica da rede pública de ensino, esse
programa disponibiliza bolsas aos alunos de licenciatura, o
que possibilita uma interação no contexto da comunidade
escolar sendo orientada por um professor da escola em
questão.

Para os acadêmicos, o Programa Institucional de


Bolsa a Iniciação a Docência - PIBID permite pensar em
novas práticas de ensino e a adaptação dessas práticas
didático-pedagógicas a realidade escolar, contribuindo para
a articulação entre teoria e prática necessárias à formação
dos docentes.

A atuação dos acadêmicos do curso de História no


contexto escolar da rede pública de educação proporciona
a oportunidade de participação e aperfeiçoamento
metodológico e em práticas docentes, tornado a
transmissão dos conteúdos voltados para a
interdisciplinaridade buscando a superação de problemas
identificados no processo de ensino-aprendizagem.
Diante disso, a proposta “Envelhecimento em Foco”
teve como objetivo discutir as dificuldades e prazeres da
Terceira Idade, o que possibilitou o contato dos
acadêmicos com a sala de aula. Esse contato fez com que

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|537


vivenciassem a função docente, trabalhando como
mediadores no sentido de gerar uma reflexão sobre o
processo de envelhecimento por meio das atividades
desenvolvidas com as fontes em questão: a entrevista e a
fotografia.
As perspectivas dos alunos antes de iniciarmos a
aplicação das atividades sobre o processo de envelhecimento,
suas problemáticas e suas alegrias, teve uma mudança
significativa, em especial nos estereótipos que envolvem essa
faixa etária. Em algumas observações feitas durante as aulas
e no decorrer das atividades propostas na intervenção,
constatamos que houve uma reflexão sobre o olhar ao idoso
por parte dos jovens participantes do projeto. Nas atividades
práticas foi possível notar que os questionamentos fluíam
naturalmente, mesmo que representassem certa timidez no
momento da discussão sobre charges. Nas atividades práticas
sobre as dificuldades físicas dos idosos, notou-se que os
alunos, mesmo com implicações leves, se sentiram
incomodados com a situação da utilização da luva grossa na
escrita e na resposta dos questionários embaralhados. O que
gerou curiosidade entre eles em experimentar a sensação do
colega, já que, como mencionado anteriormente, os
questionários e as dificuldades foram divididas entre a turma,
então eles pediam a luva para tentar escrever e o questionário
embaralhado para ler.
Já em um segundo momento na realização da
entrevista, foi observado que este era o momento de ir à
busca de um contato a faixa etária em estudo para ouvir dos
entrevistados sobre suas experiências e seu modo de viver e
enxergar a velhice. Todos afirmaram que gostaram da
atividade, pois alguns, entrevistando seus familiares, tiveram
a oportunidade de conhecer melhor seu “velho” e os demais
puderam ter uma proximidade com esse idoso e sua vivência
que até então parecia tão distante a sua realidade.
A figura do idoso ganha uma representatividade, pois
os educandos comentavam fatos sobre familiares ou
conhecidos nessas condições, em muitos casos, sem aspectos
que poderiam ser vinculados ao preconceito e a depreciação.
Faz-se notável a contraposição do antigo pensamento de um
envelhecimento inerente à realidade social, evidente até
mesmo nos questionários em que alguns alunos afirmam
nunca ter convivido ou que não conheciam nenhum idoso na
sua comunidade, o que aos poucos se modifica quando
esses se mostram mais atentos à temática no próprio
cotidiano mantendo uma postura crítica sobre diversas
situações presenciadas que envolvem essa faixa etária.
Como participantes voltados para a iniciação e
aperfeiçoamento a docência, notamos o pouco preparo
no ensino público voltado para este debate e essas
reflexões. Envelhecimento humano é um tema que
possui grande importância, em especial devido ao grande
aumento de idosos no nosso país. É indispensável que

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|538


esse processo de envelhecimento populacional e seus
impactos na sociedade sejam incluídos nos conteúdos
escolares.
As relações intergeracionais devem ser
estimuladas a fim de formar cidadãos que respeitem os
direitos dos idosos e entendam que o processo de
envelhecimento está presente desde o nosso nascimento.
Motivar esse tipo de interação é demonstrar que ambas
podem se complementar, como por exemplo, os jovens
podem se disponibilizar para atender às necessidades dos
idosos quanto à suas dificuldades nas áreas de
informação e, consequentemente com as tecnologias. A
falta de estudo e informação é o que tem propiciado o
preconceito e exclusão social da pessoa idosa na
sociedade. Nessa perspectiva é papel da escola, dafamília e
da sociedade ajudar na formação de uma sociedade
intergeracional e tolerante (SENA, 2011).
Por isso, programas como PIBID se fazem
necessário para pensar novas práticas metodológicas
ainda enquanto acadêmicos, em que ocorra o
desenvolvimento de temas importantes para a formação
cidadã dos alunos. Para tanto, a interação do grupo de
pibidianos com os alunos do 3º do Ensino Médio no
desenvolvimento do projeto sobre envelhecimento humano
foi muito importante. O que possibilitou a exposição do
tema e a aplicação das atividades de acordo com as
características observadas na turma. Por ser uma turma
formada de indivíduos que estão concluindo o Ensino
Médio e cogitando o ingresso em uma universidade, houve
uma receptividade, interesse ao tema abordado e uma
participação com relatos sobre questões envolvidas na
temática.
A contribuição do programa PIBID também
propicia uma nova visão dos estudantes da rede básica para
com o meio acadêmico, possibilitando uma perspectiva
mais ampla sobre os cursos de licenciatura e sobre a
prática docente, incentivando assim o processo inicial de
formação de futuro professor. O incentivo ao magistério
foi promovido na integração entre Educação Superior e
Educação Básica.

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Sáude Pública. RJ, 3 (3): 297-205. Jul/set,1987. Disponível
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Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|541


O ENEM e o ensino de História:
reflexões a partir dos resultados do Colégio Estadual Farroupilha
PorFabrício Romani Gomes110eSuelen Marchetto111

Resumo Abstract
A realização de avaliações de larga escala no nosso The realization of large-scale assessments in our
país já não é novidade. Elas estão presentes com country is not new. They are present with different
diferentes objetivos, desde meados do século XX. goals since the mid-twentieth century. However, the
Porém, a utilização dos resultados dessas avaliações use of the results of these assessments can be
pode ser considerada uma novidade. É isso que considered a novelty. That is what we seek with this
buscamos com o presente trabalho, uma reflexão work, a reflection on the results achieved by the
sobre como os resultados obtidos pelos alunos e students and by the students of Colégio Estadual
pelas alunas do Colégio Estadual Farroupilha, Farroupilha, can be used as indicators to improve
podem ser utilizados como indicadores na melhoria the quality of teaching History at the Polytechnic
da qualidade de ensino da História do Ensino Médio High School. For this purpose, we will use the
Politécnico. Para isso, utilizaremos os resultados achievements of students at the National High
obtidos pelos alunos e alunas no ano de 2014 no School Exam – ENEM – in 2014, and other
Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM, bem information related to cognitive axis, skills and
como outras informações referentes aos eixos abilities required by the assessment.
cognitivos, competências e habilidades exigidas
Keywords: ENEM, High School, History
pela mesma avaliação.

Palavras-chave: ENEM, Ensino Médio, História.

110Licenciado em História pela Universidade de Caxias do Sul (UCS), Mestre em História pela Universidade do Rio dos Sinos (UNISINOS), professor
de História da rede estadual de ensino do Rio Grande do Sul e do município de Farroupilha.

111Licenciada em História, mestranda do PPG em Educação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS) e professora de História
da rede estadual de ensino do Rio Grande do Sul.

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A realização de avaliações sobre o sistema
educacional brasileiro não são novidade. Elas estão
presentes, de certa forma, desde os anos 1930, quando “os
estudos em educação tornaram-se cada vez mais
institucionais, científicos e acadêmicos, tendo obtido
impulso a valorização da mensuração para o bom governo
educacional” (FREITAS, 2007, p. 8). Dessa forma,
percebe-se que a realização dessas avaliações já possuem
uma longa trajetória na história da educação brasileira,
trazendo diferentes indicadores, dependendo do contexto
em que são aplicadas, que são utilizados por diferentes
instituições governamentais, ou não, com variados
objetivos, entre eles, sem dúvida, a melhoria da qualidade
da educação no Brasil. No presente artigo, não será
diferente, porém, os indicadores de uma dessas avaliações
externas, realizadas em larga escala, o Exame Nacional do
Ensino Médio (ENEM), serão utilizados para uma reflexão
sobre o ensino do componente curricular História. Os
indicadores utilizados para tal reflexão serão aqueles
atingidos pelos alunos e pelas alunas do Colégio Estadual
Farroupilha112.
Tal opção se dá pelo fato de percebermos, através
da nossa experiência no magistério, que os resultados
dessas avaliações em larga escala não têm sido utilizados
de forma sistemática para uma reflexão didático-
metodológica por parte da administração das escolas e suas
respectivas mantenedoras e, além disso, por parte dos
grupos de professores que atuam nas escolas, tanto de
Ensino Fundamental, como de Ensino Médio. Isso
significa dizer que há um subaproveitamento dos
indicadores fornecidos pelas diferentes avaliações externas
realizadas no que diz respeito a prática cotidiana dos
professores da educação básica no Brasil. Dizendo de outra
maneira, os resultados obtidos, mais especificamente,
pelos alunos e pelas alunas de determinada escola no
ENEM só são percebidos e/ou entendidos como uma
forma de classificar a escola em relação a outras, criando
uma espécie de competitividade e rivalidade entre essas
instituições. Essa situação de uma certa “falta de interesse”
em relação a análise dos indicativos e da reflexão sobre
como eles poderiam contribuir para uma prática docente
mais qualificada, podem estar relacionados ao chamado
“mal-estar docente”.

Essa síndrome que leva ao afastamento do


profissional, tem entre suas causas um profundo desânimo
diante da profissão, que por sua vez tem como principais

112
O Colégio Estadual Farroupilha, situado no centro da cidade de Farroupilha/RS, atende exclusivamente alunos de Ensino
Médio. Atualmente tem cerca de 1000alunos matriculados nos turnos manhã, tarde e noite.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|543


fatores a ausência de autonomia, a sensação de impotência
e a insatisfação crônica em relação aos resultados do
trabalho (CERRI, 2004, p. 217).

A não participação dos professores e das


professoras no processo de construção e aperfeiçoamento
dessas avaliações e de outras decisões tomadas pelos
governos relacionadas a educação, podem contribuir, de
certa maneira, para esse “afastamento”. Porém, aqui,
percebemos a necessidade de ir além, e buscar nesses
indicadores informações que contribuam para a qualidade
do ensino da História e da educação como um todo.
Os impactos de uma análise dos indicadores podem
ser variados dentro de uma escola. Uma das questões
constantemente discutidas são os Planos de Estudo e a
própria organização curricular da escola. Em relação ao
ensino da História, por exemplo, a análise dos indicadores
pode levar a mudanças no que diz respeito a metodologia
empregada. Perceber os indicadores sobre o nível atingido
pelos alunos e pelas alunas, assim como, refletir sobre os
eixos cognitivos para a área das Ciências Humanas podem
auxiliar para uma análise de como os conteúdos históricos
devem ser abordados: seguindo um modelo “tradicional”,
dividindo a História em períodos; seguindo uma opção
integrada; ou, ainda, a possibilidade de se optar por uma
história temática, entre outras possibilidades. Além disso,
os indicadores e eixos cognitivos podem ser levados em
consideração estabelecendo critérios para a seleção de
conteúdos a serem abordados em cada ano, pois,

apesar da indefinição de um conteúdo e da


anunciada liberdade de selecioná-los conforme o
entendimento do professor, o que se apresenta é a
perspectiva de o ENEM acabar fazendo a seleção de
conteúdos que os PCNEM não fizeram, ou seja, de o
Exame acabar ganhando um caráter de determinação dos
conteúdos curriculares ao qual aparentemente os PCNEM
teriam renunciado, resultando no que os “cursinhos”
fazem hoje com a reserva de tempo de aula para cada
assunto, conforme a frequência em que tal ou qual assunto
é cobrado nos vestibulares (CERRI, 2004, p. 226-227).

Não se trata de uma defesa ou uma aceitação da


ideia de que o Ensino Médio deva ser um período de
estudos dedicados a preparação para aprovação em
vestibulares e ENEM, mas, de ressaltar que a tal liberdade
na definição de conteúdos acaba prejudicada por uma
padronização, por exemplo, dos livros didáticos que em
grande parte dos casos, em relação ao Ensino Médio,

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|544


trazem os conteúdos e uma série de atividades sobre eles,
sendo que destacam-se as atividades que reproduzem
questões aplicadas no ENEM. Com isso, o ensino de
História fica “aprisionado”, no entendimento de muitos
profissionais, que ficam inseguros em selecionar outros
conteúdos, que não aqueles já tradicionalmente abordados
e que são contemplados pelo ENEM, por temerem o
fracasso de seus alunos e alunas nessa avaliação. Sendo
assim, os professores e as professoras, mesmo se não
analisarem essa avaliação, tornam-se, de certa forma, seus
reféns, pois, os conteúdos exigidos pelo ENEM são
aqueles selecionados pelas editoras para serem
contemplados nos livros didáticos.

O ENEM e as avaliações em larga escala


Para compreender o ENEM no conjunto das
avaliações em larga escala buscamos aporte teórico em
Flávia Obino Corrêa Werle, no artigo Políticas de
avaliação em larga escala na educação básica: do
controle de resultados à intervenção nos processos de
operacionalização do ensino; em Dirce Nei Teixeira de
Freitas no livro A avaliação da educação básica no Brasil:
dimensão normativa, pedagógica e educativa; em Sandra
Zákia Lian de Sousa e Romualdo Portela de Oliveira no
artigo Políticas de avaliação da Educação e Quase-
Mercado no Brasil; em Luis Fernando Cerri no artigo
Saberes históricos diante da avaliação do ensino: notas
sobre os conteúdos de história nas provas do Exame
Nacional do Ensino Médio –ENEM; e em José Ernesto
Melo no artigo “Seu futuro passa por aqui”: O ENEM
como política avaliativa e os conhecimentos históricos
exigidos.
Werle, Freitas, Sousa e Oliveira são pesquisadores
nas áreas de políticas educacionais, avaliação e gestão
educacional. Todos se relacionam com os temas em
pesquisas acadêmicas. O livro de Teixeira é baseado em
sua tese de doutorado, defendida no ano de 2005 na
Universidade de São Paulo (USP). Cerri é professor
universitário e pesquisador da área do ensino da História e
Melo é professor de História da educação básica.
O ENEM faz parte do conjunto das avaliações em
larga escala que atendem os princípios do Estado Gerencial
que centraliza os processos avaliativos ao mesmo tempo
em que descentraliza os mecanismos de gestão e

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financiamento (SOUSA, OLIVEIRA, 2003, p.874). Estas
avaliações criam rankings entre as escolas. Os resultados
tornam-se instrumentos competitivos quando anunciam as
“melhores escolas”. O ENEM, especificamente, tem um
caráter de responsabilização individual dos estudantes,
quando atribui aos alunos e às alunas a responsabilidade
por suas competências e incompetências:

Além de atribuir ao potencial do aluno o seu


sucesso pessoal e profissional, abstraindo os fatores
econômicos e sociais que condicionam tal ou qual
trajetória escolar e social, cabe ainda observarmos que, tal
como se apresenta, o ENEM tende, no limite, a penalizar
os alunos oriundos de escolas que contam com precárias
condições de funcionamento, oferecidas pelo poder
público, que, tradicionalmente, atendem a população
pobre. (SOUSA, OLIVEIRA, 2003, p. 884).

O ENEM foi instituído no ano de 1998 como


avaliação para os concluintes de Ensino Médio. As
Universidades primeiramente poderiam utilizar o
resultado, ou parte do resultado dos alunos e das alunas nas
provas, para o seu processo de seleção. Mais tarde, no ano
de 2005, o Governo Federal instituiu o Programa
Universidade para Todos (ProUni), cujo critério de seleção
é exclusivamente o resultado obtido no ENEM. No ano
2009 é instituído o Sistema de Seleção Unificada (Sisu)
que consolida os resultados do ENEM como prova única
de seleção para as instituições de Ensino Superior, que
cada vez mais adotam o ENEM como processo de seleção
para o ingresso em seus cursos de graduação. Flávia Obino
Corrêa Werle, ao discutir o ENEM, afirma:

Este extrapola o objetivo de avaliar as aprendizagens


realizadas pelos concluintes do Ensino Médio no
momento que subsidia a engrenagem organizada
nacionalmente para o ingresso no sistema federal de
Educação Superior pública, substituindo, em muitos casos,
a prática do vestibular como forma de seleção para o
ingresso no Ensino Superior. (WERLE, 2011, p. 776).

Diante desta lógica concorrencial e individualizante


do ENEM, os materiais didáticos e os currículos são
organizados para atender e melhorar os resultados
individuais dos alunos e alunas e melhorar a posição no
ranking da escola. Também os alunos e alunas cobram de
seus professores e de suas professoras que atendam em
suas aulas os conteúdos de tal avaliação. Desta maneira

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|546


fica evidente a afirmação de Cerri (2004) que indica que a
avaliação de larga escala objetiva a efetivação do currículo
estabelecido pelos Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCN).
Ao analisar os conteúdos do PCN, no ano 2004,
Cerri constatou que o ENEM cumpria o papel de objetivar
este currículo, baseado na estruturação do conteúdo por
temas articulados em torno da construção de conceitos, que
dão privilégio aos conteúdos relacionados a História
nacional, no padrão interdisciplinar, na produção de
“condutas de indagação” e na compreensão das tecnologias
associadas à área, tendo as competências como metas.
Cerri (2004) identifica neste currículo a intencionalidade
de adotar normas fechadas para a ação e o progresso,
fixando a origem e o significado dos fatos, oferecendo
signos fixos e constantes que neutralizam a contradição
dos fatos. Portanto defende:

O professor comprometido com a formação de sujeitos da


transformação social, com um pouco mais de liberdade
(por exemplo, a de cobrar a coerência com o que reza o
texto oficial quando questionado sobre o que seu trabalho
tem a ver com História), continuará tendo que burlar as
forças que produzem os sentidos para a educação e o
querem reproduzir como executor do que é pensado no
‘andar de cima’. (CERRI, 2004, p. 228-229).

José Ernesto Melo (2012) assinala que o ENEM, em


decorrência dos planos de implantação do Sisu, sobre
alterações a partir do ano 2009. O “Novo ENEM” teve por
objetivo ampliar e consolidar o exame sem, no entanto,
alterar os objetivos e a concepção do exame.

No que diz respeito à organização, a prova passou a ter um


novo formato, substituindo o modelo antigo com cinco
matrizes de competência e 21 habilidades para um sistema
que mantinha as cinco competências, alterando o nome
para eixos cognitivos e definindo uma matriz de
competência para cada área de conhecimento. (MELO,
2012, p. 866).

Este novo formato de organização foi elaborado


pelo Comitê de Governança criado em 17 de Abril de 2009
pelo Ministério da Educação. O Comitê contava com apoio
do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira (INEP) e da Associação Nacional dos
Dirigentes de Instituições Federais de Ensino Superior
(ANDIFES).

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|547


Ao analisar a prova de Ciências Humanas, Melo
(2012) assinala que há uma predominância das questões da
disciplina de História nesta prova. Demonstra também que
aumentou o número das questões que exigem
conhecimentos históricos específicos para sua resolução,
se comparada à última prova de 2008. O “Novo ENEM”,
porém, não modifica os objetivos e a concepção do exame,
que busca aferir resultados a partir das competências
individuais de responsabilidade de cada aluno e de cada
aluna.
Entendemos, no entanto, que a escola precisa buscar
elementos para formar indivíduos críticos e emancipados,
capazes de compreender a sociedade para transformá-la.
Que os alunos e as alunas não sejam apenas peças de um
sistema já organizado, em um modelo que induz a
adaptação.

ENEM 2014: resultados do Colégio Estadual


Farroupilha
O Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM)
acontece todos os anos em nosso país. Foi criado no ano
1998, sob a responsabilidade do Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP).
Na página do INEP na internet consta a informação que o
objetivo do exame é de avaliar o desempenho do
estudante, a fim de contribuir para a melhoria da qualidade
do Ensino Médio. Este exame compõe um conjunto de
avaliações que medem a proficiência dos alunos e das
alunas que realizam as provas. As provas são realizadas
em dois dias e divididas em áreas de conhecimento:
Ciências Humanas, Ciências da Natureza, Linguagens e
Matemática; além da redação. Os resultados de todas as
escolas são disponibilizados no site do INEP, apresentados
separadamente pelas médias das áreas de conhecimento,
mais a média da redação. Além disso, a tabela indica a taxa
de participação, o número de participantes com
necessidades especiais, o indicador de permanência na
escola, o indicador de nível socioeconômico, a
faixa/indicador de formação docente, a taxa de aprovação,
a taxa de reprovação, a taxa de abandono, a média dos
trinta melhores alunos, o percentual dos alunos por níveis,
que vai do nível um ao nível cinco.
Os níveis informados são calculados pela INEP a
partir dos resultados atingidos nas provas. Para as Ciências

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|548


Humanas, Ciências da Natureza, Matemática e Linguagens
os níveis são: (I) menor de 450; (II) de 450 a 549,99; (III)
de 550 a 649,99; (IV) de 650 a 749,99; (V) igual ou maior
que 750,00. Para a Redação: (I) menor de 500; (II) de 500
a 599,99; (III) de 600 a 699,99; (IV) de 700 a 799,99; (V)
igual ou maior que 800.
Não nos interessa neste artigo discutir a
apresentação e a composição destes resultados, que muitas
vezes podem ser incompletos para que a partir deles se
desenvolvam atividades de melhoria da qualidade da
educação. Estes resultados, na maioria das vezes, não são
discutidos e, portanto, não são trabalhados dentro das
escolas. O que nos propomos a fazer aqui é olhar os
resultados apresentados do Colégio Estadual Farroupilha,
do ano 2014, para que, a partir das propostas do ENEM
possamos trabalhar na melhoria da qualidade do ensino de
História.
Não queremos propor que o ENEM seja o único
indicador da discussão da qualidade da educação em nossa
escola. Mas que seus resultados, junto com outras
observações, possam servir de suporte para olharmos para
os nossos alunos e alunas. Podemos dizer que a História
como disciplina curricular contribui na formação das notas
de duas das provas: a de Ciências Humanas e a da
Redação. Portanto, estes são os nossos resultados de
referência, apresentados na tabela abaixo:

Tabela 1: Resultados do ENEM do Colégio Estadual


Farroupilha em 2014

Média
Percentual Percentual Percentual Percentual
dos 30 Percentual
todos todos todos todos
melhores Média todos alunos
alunos alunos alunos alunos
alunos da NÍVEL 5
NÍVEL 1 NÍVEL 2 NÍVEL 3 NÍVEL 4
Bloco escola
Ciências 549,3
616,61 7,62% 35,24% 52,38% 4,76% 0%
Humanas 1
Em número de alunos 8 37 55 5 0
511,6
672,5 40,95% 28,57% 20% 9,52% 0,95%
Redação 2
Em número de alunos 43 30 21 10 1

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|549


A tabela nos mostra a média dos alunos e alunas em
cada prova. Cento e cinco alunos realizaram as provas no
ano de 2014. A média geral nas Ciências Humanas é de
549,31, enquanto a redação apresenta um resultado menor:
de 511,62. Os trinta melhores alunos e alunas da escola, no
entanto, atingiram média maior em redação (672,5) e
menor em Ciências Humanas (616,61). Quanto ao
percentual por nível podemos observar que a maior parte
dos alunos e alunas (92), em Ciências Humanas, atingiram
os níveis II e III, enquanto que em redação a maior parte
(73) atingiram os níveis I e II, sendo que o maior
percentual está no nível I (menor que 500 pontos).
A partir da leitura dos dados da tabela podemos
concluir que em Ciências Humanas a maioria dos
resultados obtidos fica entre os níveis II e III. Nesses dois
níveis encontram-se 87,62% dos alunos e alunas
concluintes do Ensino Médio na escola. Chama nossa
atenção o baixo percentual no nível IV e a inexistência de
resultados no nível V. Na redação existe maior
irregularidade. Nesse caso temos a maioria dos resultados
no nível I, chegando por volta de 70% os resultados
obtidos entre o nível I e II. Porém, neste caso temos um
resultado no nível V e o dobro de resultados, em relação as
Ciências Humanas, no nível IV. Esses resultados, portanto,
demonstram uma necessidade de reflexão, por parte dos
professores e professoras em conjunto com a direção e
mantenedora, com o objetivo de elevar os resultados nos
níveis IV e V, tanto em Ciências Humanas como em
Redação, e de diminuir as diferenças entre a média dos
trinta melhores comparada à média geral obtida pelos
alunos e alunas da escola. Mas, como fazer isso? Como
iniciar esse processo para qualificar o processo de ensino-
aprendizagem?
Analisando os eixos cognitivos indicados pelo
ENEM percebemos a necessidade de um trabalho mais
efetivo em relação a compreensão, análise e interpretação
de imagens e textos e, ainda, em relação a produção de
textos. No eixo cognitivo (I), indicado pelo ENEM, já é
apresentada a necessidade de “dominar a norma culta da
Língua Portuguesa e fazer uso das linguagens”. No eixo
(II) já é apresentada a necessidade de “construir e aplicar
conceitos das várias áreas do conhecimento para a
compreensão de fenômenos naturais, de processos
histórico-geográficos, da produção tecnológica e das
manifestações artísticas”, deixando clara a necessidade da
contextualização e da percepção de como o que é estudado
está presente na sociedade e, assim, na realidade em que
estamos inseridos. No eixo (III) a exigência é de, entre
outras, “relacionar, interpretar dados e informações
representados de diferentes formas”. No penúltimo eixo, o
(IV), indica-se que os concluintes do Ensino Médio

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|550


relacionem informações para “construir argumentação
consistente”, tudo isso “respeitando os valores humanos e
considerando a diversidade sociocultural”, conforme o
eixo (V). Dessa forma, percebe-se essa necessidade de
intensificar o trabalho na área das Ciências Humanas em
aspectos, muitas vezes, considerados de responsabilidade
das Linguagens.
Os eixos e as competências do ENEM apontam os
padrões sob os quais os alunos são avaliados. Os caminhos
para atingir estes padrões, ou para produzir um avanço na
formação de nossos alunos e de nossas alunas, passa pela
reflexão que fazemos das nossas atividades em sala aula.
Além disso, precisamos buscar aportes em estudos sobre o
ensino, principalmente, no ensino de História.

O ensino de História a partir da leitura dos dados


do ENEM
A partir da leitura deste cenário entendemos que as
contribuições feitas por Rochele Loguercio e Fernando
Seffner no texto Leitura, escrita e oralidade como
estratégias de inclusão social no Ensino Médio; por Nilton
Mullet Pereira e Fernando Seffner no texto História,
leitura e escrita no Ensino Médio, ambos do livro Ler e
Escrever: compromisso do Ensino Médio podem servir de
aporte para pensarmos o ensino da história do Colégio
Estadual Farroupilha; e por Rafael Ruiz no texto Novas
formas de abordar o ensino de História, do livro História
na sala de aula.
Rochele Loguercio, Fernando Seffner e Nilton
Mullet Pereira são professores da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul. Loguercio atua do Programa de Pós-
Graduação de Ciências e é orientadora da linha de pesquisa
Educação em Química do Programa de Pós-Graduação em
Química. Seffner atua na Pós-Graduação na linha de
pesquisa Educação, Sexualidade e Relações de Gênero e
na graduação com disciplinas que discutem o ensino de
História e a construção de aprendizagens significativas
nesta área. Pereira é professor da área do ensino da história
e pesquisa o papel do uso de fontes no ensino da História.
Rafael Ruiz é professor adjunto de História da América da
Universidade Federal de São Paulo.
Loguercio e Seffner (2008) no texto Leitura, escrita
e oralidade como estratégias de inclusão social no Ensino
Médio indicam que a leitura, a escrita e a oralidade no
Ensino Médio podem ser possíveis promotoras de inclusão
social. Desta maneira, trabalhar com leitura, escrita e

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|551


oralidade torna-se uma ferramenta importante, não só para
alcançar a qualidade proposta pelo ENEM, mas para uma
prática de educação transformadora. Uma educação
transformadora e inclusiva “que reverte a lógica do normal
e do normalizador para o múltiplo do mundo que nos
mostra na escola”. (LOGUERCIO, SEFFNER, 2008, p.
36).
Os autores propõem a oralidade como um livre
exercício de criação argumentativa, como uma forma "de
ouvir as vozes dos alunos [e alunas], conhecer, através da
fala, suas concepções acerca do que se ensina, suas
estruturas de pensamento, seu código de valores, as marcas
de seus pertencimentos de família, gênero, religião, raça,
classe, comunidade, etc." (LOGUERCIO, SEFFNER,
2008, p. 37). A oralidade pode nos fazer enxergar aquele
que estamos ensinando, saber qual a importância que
aquele conhecimento pode ter na vida destas pessoas, além
de discutir a normalidade, como afirmam os autores:

A oralidade pode ser uma importante prática de inclusão


social, pois ela valoriza a cultura dos alunos [e alunas] e
dos professores [e professoras] bem como evidencia que a
perfeição - que parece sempre pertencer aos outros - pode
ser apenas uma inversão da normalidade em busca da
perfeição poética. (LOGUERCIO, SEFFNER, 2008, p.
38).

Desenvolver a oralidade, discutindo os padrões de


normalidade, auxilia no desenvolvimento da cidadania e da
democracia. A oralidade nas aulas de História pode ser um
instrumento de ensino. Estimular a discussão de diferentes
concepções de poder, de família ou de costumes em
determinadas épocas, por exemplo, é uma oportunidade de
ouvir suas vozes. Nessa perspectiva, existe a possibilidade
de desenvolver, entre outras, a competência do ENEM que
dispõe sobre a necessidade de “utilizar os conhecimentos
históricos para compreender e valorizar os fundamentos da
cidadania e da democracia, favorecendo uma atuação
consciente do indivíduo na sociedade” (MATRIZ DE
REFERÊNCIA DO ENEM – MEC).
Assim como a oralidade, a leitura também pode
buscar novos espaços. Os autores falam na importância de
incluir as culturas dos alunos e das alunas, culturas juvenis,
na escrita e na leitura. Buscar e oferecer leituras que
possam desenvolver o gosto pela leitura entre esses jovens
estudantes do Ensino Médio é um desafio. Artigos,
notícias, blogs, entre outras possibilidades, podem encantar
esses leitores, principalmente, se essas leituras realizarem
uma espécie de “conversa” com a realidade vivida. De

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|552


acordo com Loguercio e Seffner, acreditamos que é
importante pensar na "possibilidade de uma escola que
inclua através da leitura, mas que não se furte à cultura de
seu lugar e de seu tempo". (LOGUERCIO, SEFFNER,
2008, p. 41). Portanto é preciso valorizar as escritas e
leituras dos alunos e alunas. Uma das dicas que os autores
trazem “é fazer o estudante exercitar a transcrição de
textos de jornais, revistas, livros para a linguagem do
coloquial, dos messengers ou celulares e vice-versa".
(LOGUEIRO, SEFFNER, 2008, p. 43).
Na disciplina de História é possível trabalhar com a
discussão de pontos de vistas, a partir da percepção que os
alunos e as alunas têm das diferentes interpretações de
historiadores sobre os fatos históricos. É preciso assinalar
que "ler em História é ler o passado e, ao mesmo tempo, é
olhar para o passado a partir de uma determinada teoria e
de certo método". (PEREIRA, SEFFNER, 2008, p. 170).
Neste sentindo, é possível que haja diversas interpretações
do mesmo fato histórico. Pereira e Seffner (2008) propõem
a leitura e escrita na sala de aula a partir de documentos
históricos:

Propomos, então, que a leitura de documentos, imagens,


símbolos e textos escritos é uma tarefa fundamental da
atividade pedagógica em História, afirmamos, ao mesmo
tempo, que escrever na escola significa exercitar o
processo representacional a partir de conceitos singulares,
significa permitir ao estudante inserir-se em formas de
escrever e ler, diferenciadas daquilo que ele tem
disponível no seu senso comum. Escrever em História é
permitir ao estudante desenvolver autonomia intelectual,
desenredando-se do conjunto de representações que ele
incorpora na sua vida diária e que lhe permite uma leitura
pouco refinada do seu passado e do seu presente. Após a
leitura do documento é preciso ensejar ao estudante a
prática da escrita, o ensaio da pesquisa, ou seja, permitir
que ele experiencie o modo como os historiadores
constroem, metodologicamente, suas narrativas. Isso quer
dizer que quem ensina História ensina um método, um
jeito de olhar para a História e para a realidade do
presente, não simplesmente um conjunto de informações.
(PEREIRA, SEFFNER, 2008, p. 171).

A escola deve estimular o hábito da leitura e escrita,


que segundo Logueiro e Seffner (2008), o hábito só se
constitui se associado ao prazer. Por isso, precisamos
garantir a manifestação da livre opinião dos alunos:

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|553


O Ensino Médio, por sua vez, implica não apenas
a leitura de textos e sua resenha, mas a análise crítica dos
efeitos dos textos na vida cotidiana. Nesse sentido, a
preparação do aluno para a escrita é indissociável de sua
preparação para a leitura, ou seja, ler e escrever, falar e
argumentar têm que ser parte da rotina de vida dos
adolescentes, o que pode rimar muito bem com a
manifestação da livre opinião. (LOGUEIRO, SEFFNER,
2008, p.42).

Estimulando a manifestação da livre opinião é


possível o desenvolvimento a competência exigida pela
redação do ENEM que avalia a elaboração de uma
proposta de intervenção para o problema abordado,
respeitando os direitos humanos. Se estimularmos no a
leitura, a escrita e a oralidade com argumentação é possível
que os estudantes consigam desenvolver uma proposta de
intervenção ao problema apresentado pela redação.
Para o desenvolvimento das competências, já
mencionadas, é possível também uma aproximação da
História com a Literatura. De acordo com Ruiz, “podemos
trabalhar os diferentes modelos históricos através de um
documento ou de um texto literário clássico” (2009, p. 78).
A possibilidade de trabalho com obras literárias pode ser
muito proveitosa. Diversas obras literárias, lidas em sua
totalidade ou parcialmente, podem ser um importante
recurso para discussões sobre formas de governo,
organização social, sexualidade, entre outros temas de
interesse dessa juventude que frequenta o Ensino Médio.
Obras como O Diário de Anne Frank, A Revolução dos
Bixos e 1984 de George Orwell, assim como os livros das
séries Divergente, de Veronica Roth, e Jogos Vorazes, de
Suzanne Collins, podem ser utilizados para o trabalho
desenvolvido em História ou em outra área das Ciências
Humanas na escola. Isso é possível porque “a análise
desses textos literários permite relacionar e estabelecer
conexões entre muitas áreas do conhecimento: política,
sociedade, religião, representações sociais, aspirações [...]”
(RUIZ, 2009, p. 82).
Algumas ações já são desenvolvidas na escola onde
atuamos. Nós entendemos que elas precisam ser
reforçadas. A partir da implementação do Ensino Médio
Politécnico na escola, com a intenção de instrumentalizar
os alunos e as alunas para uma verdadeira emancipação,
trabalhamos com seminários de discussão de textos,
fichamentos de artigos e de livros, formulação de
dicionário de conceitos históricos, reescrita de textos em
outras linguagens, construção de mapas conceituais,
trabalho com documentos históricos, socialização de
escritas de alunas e alunos no meio virtual, produção de

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|554


artigos, variedade na seleção dos estilos textuais para
leituras, produção de fanzines, a construção do Grêmio
Estudantil, entre outras práticas que buscam criar
mecanismos para a aprendizagem histórica relacionada ao
desenvolvimento da compreensão, análise e interpretação
de imagens e textos e, ainda, em relação a produção de
textos com a utilização de uma argumentação coerente.

Considerações
Partindo de preocupações comuns, ouvidas nos
diferentes espaços escolares, como a sala dos professores e
professoras, buscamos refletir sobre como poderíamos
mudar algumas práticas e fortalecer outras que auxiliem
para a elevação da qualidade do ensino na escola em que
atuamos, o Colégio Estadual Farroupilha. Para iniciar essa
reflexão, buscamos números do ENEM realizado em 2014.
Percebemos através desses números que nenhum aluno ou
aluna da escola atingiu o nível V, máximo, na prova de
Ciências Humanas. Poucos atingiram o nível IV. Ao
analisar essa situação, nos deparamos também com as
médias conquistadas pelos alunos e alunas em Redação,
onde a grande parcela encontra-se nos níveis I e II. Dessa
forma, buscou-se, neste artigo, uma sugestão de como
nossas aulas podem se transformar para que os níveis
conquistados pelos alunos e alunas do Colégio Estadual
Farroupilha aumentem. Acreditamos, então, na
possibilidade de construir metodologias que propiciem o
aperfeiçoamento de competências e habilidades que
contribuam para um melhor desempenho dos concluintes
do Ensino Médio nas provas do ENEM, especificamente,
na prova de Ciências Humanas e na produção da Redação.
Dessa forma, sugerimos uma maior aproximação da área
das Ciências Humanas com as competências e habilidades
relacionadas a interpretação, compreensão e análise de
textos, bem como a produção dos mesmos. Isso não
significa, porém, que o trabalho desenvolvido será refém
ou destinado a aprovação dos alunos e alunas no ENEM,
pois a qualidade do ensino vai além dos resultados nessa
avaliação. Mas, significa que muitas das competências e
habilidades do ENEM são entendidas por nós como
importantes para o desenvolvimento de jovens
comprometidos com a valorização das diversidades
sociais, com o entendimento de processos históricos que
possuem interferência direta em suas vidas, com o
fortalecimento da democracia, entre outros. Cabe então, a
nós, professores e professoras, avaliar esses resultados para
a busca de uma melhoria na qualidade do ensino público,
buscando melhores resultados e a diminuição das
diferenças dos resultados conquistados entre os trinta

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|555


melhores alunos e alunas da escola em relação a média
geral.

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WERLE, Flávia Obino Corrêa. Políticas de
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Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|557


Maquete e ensino de História
Cotidiano no Antigo Egito e a lei 10.639/2003
PorJéssica Fernanda Arend¹, Calison Eduardo Santos Pacheco², André Luis Ramos Soares³

Resumo Abstract
Através da necessidade cada vez mais Through increasingly imminent need to
iminente de abarcar o conteúdo de História da cover the content of African history in the
África nas escolas, este artigo tratada schools, this article deals with the construction
construção de uma maquete que representa um of a model that represents a hypothetical time of
momento hipotético do cotidiano do Antigo ancient Egypt's daily life and an activity
Egito e de uma atividade realizada através desta performed through this model, "The problem of
maquete, “A questão das bonecas negras e o the black dolls and the of beauty model along
padrão de beleza ao longo História”, cabe history”, it is noteworthy that the model and the
ressaltar que a maquete e a atividade foram activity were made at different times by the
realizadas em momentos diferentes pelo ProgramaInstitucional de Bolsa de Iniciação à
Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência- PIBID, History course at the
Docência – PIBID, curso de História da Universidade Federal de Santa Maria, in an
Universidade Federal de Santa Maria, numa attempt to meet Law 10,639 / 03 and address
tentativa de atender a Lei 10.639/03 e abordar o the questionabout African history across the
tema sobre História da África de forma transversional theme, reflecting with students
transversal, refletindo juntamente com os about the social and historical construction of
alunos sobre a construção histórica e social do the standard of beauty along history,
padrão de beleza ao longo da História, questioning the Westernization of Ancient
questionando a ocidentalização do Antigo Egito Egypt and also the almost rare existence of
e também a quase rara existência de bonecas black barbie dolls format in the market.
negras no formato barbieno mercado.

Keywords:Ancient Egypt, Genre, History of Africa, Law 10.639 / 03,


Palavras-chave:Egito Antigo, Gênero, História da África, Lei Model.
10.639/03, Maquete.

1
Universidade Federal de Santa Maria
² Universidade Federal de Santa Maria
³ Universidade Federal de Santa Maria

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Introdução
Este artigo descreve uma maquete construída para
fins didáticos pelo Programa Institucional de Bolsa de
Iniciação à Docência – PIBID, curso de História da
Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). A maquete
trata de um momento hipotético na História do Antigo
Egito, no qual, abrange-se o Rio Nilo, o palácio faraônico,
as casas comerciais, as dos camponeses e a dos operários,
envolvendo também todo o processo de construção das
pirâmides egípcias, desde a pedreira até a sua formação.
Também é possível observar a agricultura e ainda, a rica
fauna e flora do Nilo e do deserto, inclusive a presença de
mulheres no cotidiano egípcio. Além disso, a maquete
possui uma caixa anexa, onde contém a representação
deuma múmia e sua tumba, juntamente com a
representação de três mulheres egípcias – duas rainhas e
uma camponesa – fora da escala da maquete. A proposta
da construção desta maquete ocorreu devido às
observações realizadas em sala de aula das escolas, onde
se notou que muitos alunos, do ensino médio e do
fundamental, desconhecem que o Egito está localizado na
África e que sua população original é negra, estando
imbricado em seus conhecimentos o senso comum de que
a África se constitui em um local de extrema pobreza e é
um “país continental”, – não acreditando que possa haver
cidades ricas cultural e economicamente, além de terem a
perspectiva de que todos os africanos moram em
choupanas, que todo o continente fala a mesma língua ou
mesmo quea África é um enorme safári. Além de
desconstruir estas ideias, contribuir em auxiliar a atender a
Lei Federal 10.639/2003, que torna obrigatória o ensino da
história e da cultura Afro-Brasileira e Africana nas escolas
do ensino básico. Esta maquete também oferece a
possibilidade de trabalhar com temas atuais, pois, além
dela se tornar uma temática transversal, abrangendo
questões como gênero, problematização dos atuais padrões
de beleza, ela atende a lei citada, em que é possível
problematizar a questão racial e o preconceito que envolve
nossa sociedade.Com esse enfoque, foi realizada na Escola
AugustoRuschida cidade de Santa Maria, Rio Grande do
Sul, com as turmas do Ensino Médio noturno e o EJA
noturno a atividade “A questão das bonecas negras e o
padrão de beleza ao longo História”.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|559


A maquete como instrumento lúdico/didático
Cada vez mais os professores enfrentam o desafio
de despertar a curiosidade e o interesse de seus alunos para
o conteúdo escolar.Os professores licenciados em História
se encontram na difícil justificação do conteúdo de
História, havendo questionamentos dos alunos sobre a
relevância de aprender sobre coisas que eles não
vivenciaram, sobre coisas do passado que estão tão
distante espacial e temporalmente, além disso, o professor
precisa “mediar” o conteúdo distante no passado para
momentos da atualidade e aproximar esse conhecimento
do passado com a realidade do aluno, sem cometer
anacronismos.“O passado deve ser interrogado a partir de
questões que nos inquietam no presente (caso contrário,
estuda-la [a História] fica sem sentido). Portanto, as aulas
de História serão muito melhores se conseguirem
estabelecer um duplo compromisso: com o passado e o
presente.” (PINSKY, J.; PINSKY, C., 2013, p. 23). É
fundamental que haja uma transposição didática do
conteúdo, que aquilo que o professor esteja falando em
sala de aula, como aponta Jaime Pinskye Carla
Pinsky(2013), faça sentido para aquele que escuta: o
aluno.Nesta tentativa, desenvolvem-se cada vez mais
materiais lúdicos e pedagógicos para envolver o aluno,
entre estes, está a maquete, um material tridimensional que
permite aos alunos visualizar uma representação sobre
determinado momento histórico, como é o caso desta
maquete do Antigo Egito, e desta forma, “concretizar” o
abstrato. Ao repensar o ensino de história com materiais
lúdicos, Soares et al. (2014) aponta que “a proposta de
utilizar maquetes como mediação do diálogo estabelecido
com os alunos vai ao encontro com as novas perspectivas
de ensino, visto que dá materialidade ao que seria apenas
uma explanação conteudista.” (SOARES, et al., 2014, p.
55). Além disso, Lopes e Soares (2009), enfatizam a
interação que a maquete proporciona entre docentes e
discentes e alertam que os “instrumentos lúdicos não
abrangem toda a complexidade que envolve o processo
educativo, mas podem contribuir para melhorar e facilitar a
aprendizagem” (p. 4). Além disso, a ferramenta lúdica
apenas por si só, também não produz conhecimento, há a
necessidade do intermediador, no caso, o professor, onde
este fará questionamentos que problematizam os elementos
que a maquete possui, fazendo com que os pormenores não
passem despercebidos pelos alunos e faça com que eles

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|560


pensem sobre aquilo que está representado na maquete,
como apresenta Silva (2012)
Segundo Passini (2001), tanto a introdução
quanto o desenvolvimento do conteúdo devem ser
colocados em formas de perguntas, para que os alunos
pensem. A dúvida deve ser o “carro condutor” que motiva
os alunos a buscarem, eles mesmos, a resposta. O
professor não precisa se colocar como o descritor do meio.
Essa postura que antecede a observação mata a
possibilidade do crescimento do aluno, principalmente o
nascimento da atitude investigativa. De acordo com essa
autora, o melhor jeito de ensinar os conceitos para os
alunos é colocando-os em contato direto com o real, de
modo que possam ver, sentir e tocar nos elementos que
estão representados. (SILVA, 2012, p. 35-36)

Conforme Lopes, Flôres e Soares (2007, p. 4), a


maquete como material lúdico proporciona “uma
visualização mais concreta de acontecimentos históricos,
tipologias arquitetônicas, acidentes geográficos,
fenômenos climáticos e ambientais, entre outros.” Desta
forma, ao representar o espaço e tornar visual aquilo que
os desenhos bidimensionais não proporcionam, o uso de
maquetes no ensino de História se torna um instrumento
muito eficaz no momento de auxiliar “a compreensão das
proporções e das diversas relações que ocorrem em
determinado local”(Idem.). Logo, quando
estaferramentaédevidamente aplicada, “elevam o grau de
compreensão e a apreensão de conhecimento por parte dos
educandos. Estes podem também, dessa forma, aliar sua
capacidade intuitiva a uma habilidade intelectual e
reflexiva.” (Ibidem). Os mesmos autores chamam a
atenção para o momento da construção da maquete, em
que, além do cuidado de utilizar uma escala apropriada
para representar o objeto, ela deve abordar certos
elementos indispensáveis, entre eles,
[...] deve reproduzir o terreno, área ou região
onde está ou será inserido o projeto, levando-se em
consideração que esse local é formado por elementos
como relevo, vegetação, áreas de circulação, acessos,
limites, etc. Em relação à arquitetura, devem reproduzir de
forma precisa todos os detalhes da edificação em questão,
com a preocupação de representar suas fachadas e
cobertura (quando se limita a mostrar detalhes externos)
ou ainda os compartimentos e suas funções (quando, além
do exterior, mostra os detalhes internos). Ainda, para uma
correta apresentação, há preocupação com tratamento de
superfícies, representação dos tipos de vegetação e de
pavimentação. (Ibidem.)

Além disso, é de grande importância utilizar


calungas, segundo os autores, que são os personagens que
compõe a maquete, estes terão a funcionalidade de
humanizar o projeto representado, além de proporcionar
uma ideia de escala humana(LOPES, FLÔRES, SOARES,

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|561


2007). Além disso, ao utilizarmos as calungas nas
maquetes voltadas para o ensino de História, estaremos
atribuindo a estas personagens, tarefas que lembrem o
cotidiano vivido pelos indivíduos de determinado contexto
histórico representado, por exemplo, ao representar um
homem arando a terra com um arador de madeira, iremos
remeter a ideia de que ele vive no campo, num tempo
distante onde o arador de ferro ainda não existia, se ele for
representado como negro, como no caso desta maquete,
poderemos ter uma vaga noção de que local espacial a
maquete se refere, da mesma forma, se retratarmos uma
mulher, negra, de cabelos longos, passeando pela cidade,
iremos nos remeter a outro elemento do contexto histórico
que a maquete representa, contendo traços da etnia e dos
fenótipos que essas pessoas teriam. Dessa forma, ela se
torna um instrumento eficaz “para a compreensão das
proporções e das diversas relações que ocorrem em
determinado local.” (LOPES, SOARES, 2009, p. 4). E
como acrescenta Soares (2007), é através das maquetes
que “pode-se observar a transformação da paisagem com o
passar do tempo e passar a compreender que uma
população possui uma origem, uma história, sendo que o
aluno também faz parte dela.” (SOARES, 2007, p. 8). Para
Ziegler, o uso de maquetes no ensino de História
[...] proporciona uma melhor visualização dos
períodos que para ele [o aluno] se mostravam fora da
realidade vivida, algo pertencente a um “espaço”
extremamente confuso dentro do seu cotidiano, um
“tempo” diferente do seu e, portanto, sem qualquer
relevância para resolução de seus problemas imediatos
(ZIEGLER, RODRIGUES, ROSSI, 2007, p. 640-641).

A maquete como meio à aprendizagem, como


instrumento lúdico, didático e pedagógico, como
intermediador entre docente e discente, proporciona uma
nova possibilidade para (re)pensar o ensino de História
devido ao seu apelo visual, chamando a atenção dos
discentes.Com o professor como mediador, irá
problematizar e questionar para que os alunos reflitam
sobre o que estão vendo, proporcionando o “tocar”, logo
ela irá concretizar algo longínquo espacial e
temporalmente, facilitando o processo de ensino-
aprendizagem, tornando um instrumento de
reconhecimento, o que possibilita aos discentes uma maior
familiarização com o conteúdo, ao visualizar o processo
histórico que está sendo representado na maquete, se
tornará mais fácil para eles reconhecer/identificar
conceitos, fatos, processos, situações, contextos, relações,
etc. Como aponta Pereira e Giacomoni (2013) ao tratar de
reconhecimento, estaremos falando sobre a “apreensão de
elementos formais”, logo, “Este reconhecimento é uma
etapa importante da aula de História, necessário para o
acúmulo de informações e de saberes para a compreensão

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|562


da realidade histórica.” (p. 13). Essa importância gerada
com o visual e o tato faz com que o exercício de fixação
seja executado, tornando uma facilidade para aqueles que
escutam a aprendizagem, uma vez que o contato físico
unido ao visual é importante para que elementos da
memória e da mensagem passada tornem-se parte do
indivíduo que aprende, ao contrário que o simples falado
não tem o mesmo poder de fixação daquilo que pode ser
admirável (THOMPSON, 2002).

Lei 10.639 e a maquete do Antigo Egito


A resistência e a luta negra ocorrem no Brasil desde
o período colonial, em que negros escravizados resistiam
ao sistema opressivo nas mais diversas formas, seja
negociando, lutando, fugindo, não trabalhando, etc. Ao
longo da História, o negro busca por igualdade entre as
diferentes etnias que compõe a sociedade brasileira,
principalmente entre ele e o branco. Conforme nos
apresenta o Plano Nacional de Implementação das
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das
Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e
Cultura Afro-Brasileira e Africana (2013), a luta para
“estabelecer uma educação plural e inclusiva perpassam
todo o século XX.” (p. 7). Na década de 1930, destaca-se a
Frente Negra Brasileira, que buscou “a luta por uma
educação que contemplasse a História da África e dos
povos negros e combatesse práticas discriminatórias
sofridas pelas crianças no ambiente escolar.” (p. 7). Já nos
anos 1940, o Teatro Experimental do Negro “discutiu a
formação global das pessoas negras, indicando políticas
públicas que já se constituíam como as primeiras propostas
de ação afirmativa no Brasil.” (p. 7). Em 1978, o
Movimento Negro Unificado defendeu a “inserção da
história da África e do negro no Brasil, no currículo
escolar do país” (p. 7). Durante a década de 1980, o
Movimento Social Negro e demais intelectuais e
pesquisadores da área de educação “produziram um amplo
debate sobre a importância de um currículo escolar que
refletisse a diversidade étnico-racial da sociedade
brasileira. Em 1995, a Marcha Zumbi contra o Racismo,
pela Cidadania e a Vida, representou uma maior
“aproximação e reivindicação com propostas de políticas
públicas para a população negra” (p. 7). De toda essa luta
por reivindicações e por igualdade e reconhecimento
resultou a Lei nº 10.639, assinada pelo então Presidente da
República, Luiz Inácio Lula da Silva em 2003, tal lei altera

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a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e
torna “obrigatório o ensino da história e da cultura africana
e afro-brasileira.” (p. 7), “uma reivindicação histórica do
movimento negro brasileiro” (FIABANI, 2012, p. 1).
Esta prerrogativa é um dos motivos pelos quais
objetivou-se a construção da maquete do Antigo Egito pelo
PIBID, atender a Lei 10.639,pois sabe-se das dificuldades
que existem para trabalhar a história da cultura africana e
afro-brasileira nas salas de aula, conforme Fiabani “[...]
estudos apontam que os docentes encontram dificuldades
para ministrar aulas sobre esta temática. As causas são
diversas, entre elas, a formação incompleta dos
professores.” (FIABANI, 2012, p. 1). Além da falta de
experiências dos professores, nota-se que os órgãos de
formação dos professores, as universidades, não
contemplam em seus currículos a História da África e
Afro-brasileira, forçando muitos professores a serem
reféns dos livros didáticos (LAUREANO,2008). O PIBID
se torna um meio para levar este assunto à sala de aula,
proporcionando discussões sobre o racismo, a
desigualdade, a (des)valorização da pluralidade étnica e
cultural brasileira e também africana. Ressaltamos que é
fundamental a formação continuada dos professores para
atender estas atuais demandas e efetivar um ensino ético e
comprometido com as diversas realidades que compõem a
nação brasileira e que prepare os discentes para a prática
efetiva da cidadania, tentando evitar e combater ao
máximo o alastramento deste enorme câncer da sociedade
brasileira que é o racismo. Além disso,
A necessidade dessa lei deve-se ao sentimento de
discriminação racial que há muito tempo tem servido
como um fator determinante do destino social, econômico,
político e cultural dos afro-brasileiros. A necessidade de
mudar tais destinos serviram de incentivo na tentativa de
criar técnicas sociais para melhorar sua posição social
e/ou obter mobilidade social vertical, visando superar a
condição de excluídos e miseráveis(VALIM, 2012, p. 34).

A partir da Lei 10.639, há uma valorização sobre o


negro, o qual luta por igualdade e respeito e se posiciona
contra o racismo e a discriminação e subjugação do negro,
promovendo, dessa forma “a reconquista de uma
identidade positiva, aos grupos atingidos, dotada de amor e
orgulho próprios, como também, pode causar a
transformação de nossa sociedade, no sentido de incluir os
indivíduos ao direito à cidadania.” (VALIM,2012, p. 35-
36). Laureano (2008) complementa argumentando que a
lei fornece ferramentas para “integrar este povo que vive
na exclusão ou das marcas de um passado ainda não
revelado para seus descendentes” (p.343). Nota-se que
existe um grande peso para a importância da Lei,

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|564


evidenciando uma conquista do movimento negro desde
muito tempo.
Entre os motivos que justificam o ensino da história
afro são os estereótipos que marcam essa sociedade
conforme “Serrano e Waldman (2007) argumentam que
existem visões estereotipadas cultivadas contra os povos
africanos e suas regiões. Mais do que qualquer outro
continente, a África terminou encoberta por um véu de
preconceitos, que, ainda hoje, marcam a percepção de sua
realidade.” (FELIPE; TERUYA, 2010, p. 3). Os motivos
também se expandem para o contexto brasileiro, onde
“Desde os primórdios da colonização marcada pela
discriminação racial, os negros tiveram as suas práticas
ancestrais abafadas, marginalizadas e deturpadas,
comprometendo, assim, a sua inserção plena no processo
social brasileiro.” (FELIPE; TERUYA, 2010,p. 8). A partir
destes motivos, problematizamos, então, qual história
africana deve ser ensinada em sala de aula? Felipe e
Teruya (2010) nos apresentam a opinião de Cunha Júnior,
onde ele
[...] entende que, em virtude da amplitude que
têm a cultura e a história, há um grande debate sobre qual
história africana deveria ser trabalhada na educação
brasileira. A história africana que nos interessa é aquela
que possibilite a compreensão do Brasil. Aquela que
explique os aportes significativos dos africanos e
afrodescendentes para a construção da sociedade brasileira
(CUNHA JÚNIOR, 1999).(FELIPE; TERUYA, 2010, p.
2).

Contudo, observamos que no currículo escolar, a


História da África aparece nas seguintes situações: 1) Na
Antiguidade, onde se apresenta o Egito Antigo; 2) Na
História Moderna, a partir das Grandes Navegações; 3) No
Brasil Colonial, onde o negro é escravizado no Brasil para
trabalhar nas lavouras, minas e charques; 4) E, por fim, na
História Contemporânea, durante o imperialismo, onde se
apresenta a partilha da África. O que é possível perceber
no currículo? 1) Na História Antiga, o Egito é
desvinculado da África, não se apresenta a localização do
país e não se fala sobre a sua etnia, apenas sobre a
construção das pirâmides, geralmente aludida à opção
pejorativa de que estas foram construídas por alienígenas.
Questionamos, ao transpassar apenas esta hipótese aos
alunos, o professor não estará dando continuidade às ideias
racistas e de inferioridade, afirmando que negros seriam
incapazes de construir monumentos tão complexos como
as pirâmides? 2) Durante as Grandes Navegações, é
possível perceber o quão exótica a África é. 3) A partir do
Brasil Colônia – período da escravidão – e da História
Contemporânea – partilha da África –, se apresenta a
submissão e fraqueza dos negros sob a hegemonia branca.
Dificilmente, se apresenta outra visão sobre os negros, as

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suas lutas, suas resistências, etc. Soma-se a isso a pressa
em se passar o conteúdo, tornando o questionamento e o
pensar sobre a história uma “perfumaria”. A partir desta
breve análise é possível concluir que não se apresenta de
forma coesa e patenteuma valorização da cultura afro.
Defendemos que se deve trabalhar além da
dominação do branco sobre o negro, onde o último em
muitas situações foi branqueado e difundido para a
mentalidade mundial (seja em filmes, pinturas, literatura,
etc.), como é o caso que ocorre com a população do Egito
Antigo. Ao branquear historicamente a pele de um negro,
será que não envolve relações de poder e dominação? Qual
pensamento o branco dominador quer passar? Qual
memória deve ser lembrada? Por que atores e atrizes que
interpretam os habitantes do Nilo são homogeneamente
brancos?
Acreditamos que uma das dificuldades que se
encontra, tanto nas universidades quanto nas escolas de
ensino básico, em relação aos estudos africanos, é o único
viés de estudar a história da África a partir da História do
Brasil, ou seja, os estudos sobre África são todos voltados
a partir do momento em que a África e o Brasil se inter-
relacionam, por exemplo, a escravidão. Queremos dizer
que não há estudos efetivos sobre a África desvinculada do
contexto histórico brasileiro. Os estudos sobre a África
somente ocorrem a partir da publicação e tradução para o
português da coleção em oito volumes “História Geral da
África” da UNESCO. Então, um dos objetivos deste
trabalho, é mostrar que, além de que o Egito é africano e
seus habitantes negros, a África também possui história
antes do século das grandes navegações. Porém, temos
consciência de que este trabalho não é suficiente para
mostrar toda a história e riquezas sociais, políticas e
culturais do continente, pois, há milhares de povos que
constituem esse continente, logo, há uma deficiência no
currículo de História, por não abarcar esta pluralidade
cultural e social. Além disso, há outra deficiência, ao não
levarmos em conta as influências do Oriente Médio sobre a
África, o que explica a cultura muçulmana entre tantos
africanos, porém, muitas vezes, esta informação é
desvinculada da história da África. Temos que falar da
África para além de sua importância na formação histórica
e étnica do Brasil – além das contribuições que estes
deram à formação do país –. Mostrar que a África vai para
além da escravidão, ou seja, para além da mão-de-obra
escrava, pois sua inserção no contexto histórico brasileiro
somente ocorre a partir do tráfico de negros para serem
escravizados no Brasil. Esfacelar dogmas e preconceitos
sobre os povos africanos que estão ligados aos discursos
que transmitem a ideia de uma verdade única e
inquestionável,despertando a criticidade nos alunos.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|566


Portanto, questionamos, qual é a apropriação que o homem
ocidental faz/fez da admirável cultura egípcia. Por quê?Por
que criaram o mito de que as pirâmides foram construídas
por alienígenas? Será que esse mito não esconde uma
ideologia por trás de si?
Defendemos a ideia de que ao branquear o povo do
Nilo, construtores das pirâmides, afirmando que elas foram
construídas por alienígenas, se expõem uma ideia de
inferioridade do negro – a intensa inferiorização do negro
por parte do homem europeu, está vinculada às
justificativas que este impõem sobre o negro, aquele que é
diferente de nós – o outro –, desta forma, ao inferiorizar
um ser, você o torna subjugado a ti, logo, este ser não
necessita de humanidade – liberdade, respeito, identidade,
alteridade – assim, justifica-se a sua escravidão.
É possível afirmar que a história do Antigo Egito
está separada da História do restante do continente
africano, pois, o único momento em que o Egito é
abordado em sala de aula, é nas aulas de História Antiga. E
depois, não se fala mais em Egito, além de que não se fala
a localização do Egito. A África é abordada novamente a
partir do século XVI, quando o negro é escravizado. Com
a lei, a História da África, vem abordando a origem dos
africanos trazidos para o Brasil, logo, se abordam aspectos
como cultura, religiosidade, economia e política.
Abordam-se estes temasdevidoa lei defender e tornar
obrigatório o ensino da cultura afro e dos africanos na
escola, pois, estes, são importantes formadores da
sociedade brasileira, este efetivo reconhecimento legal só
ocorreu em 2003, através dos movimentos sociais que
lutam pela igualdade do negro perante a sociedade
brasileira, o que se concretizou realmente, com a Lei
10.639, quando o Presidente Lula sancionou a
lei.Reconhecer a história de um lugar é ter na mentalidade
que tais populações possuem voz e que se quer ouvir de
suas lutas e tradições. Isso faz com que a mentalidade
colonial brasileira, tendo em perspectiva a história de
países da Europa ou América (principalmente América do
Norte)como únicas ou as mais interessantes de se aprender,
acrescentando-se a história da África – logicamente não
cometendo o erro de trocar os centros, substituindo um
eurocentrismo por um afrocentrismo, segundo Oliva
(2003)113, mas sim tornando visível a história do
continente africano igualmente ao europeu e o americano
(os mais enfatizados em sala de aula). Como coloca Oliva:
[...] temos que reconhecer a relevância de estudar
a História da África, independente de qualquer outra

113
Sobre os conceitos de eurocentrismo e afrocentrismo ver mais em OLIVA, Anderson R. A História da África nos bancos. Repres entações e
impressões na literatura didática. Estudos Afro-Asiáticos, nº 3, 2003, p. 421-461.

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motivação. Não é assim que fazemos com a Mesopotâmia,
a Grécia, a Roma ou ainda a Reforma Religiosa e as
Revoluções Liberais? Muitos irão reagir à minha
afirmação, dizendo que o estudo dos citados assuntos
muito explica nossas realidades ou alguns momentos de
nossa História. Nada a discordar. Agora, e a África, não
nos explica? Não somos (brasileiros) frutos do encontro
ou desencontro de diversos grupos étnicos ameríndios,
europeus e africanos? Aí está a dupla responsabilidade. A
História da África e a História do Brasil estão mais
próximas do que alguns gostariam.(OLIVA, 2003, p.423)

Logo, concordamos que deve-se dar ênfase aos


séculos XII à XVIII, devido à maior relação entre Brasil e
África, porém, deve-se falar para além disso, enfatizar a
totalidade do continente.
A história africana deve abarcar a dinâmica das
sociedades africanas nos aspectos políticos, culturais e
sociais, com destaque ao período que vai do século XII ao
XVIII, por causa da sua incidência mais direta na
sociedade brasileira. Dar ênfase à totalidade do continente,
de uma experiência comum a todos os africanos, justifica-
se porque a separação em partes desconexas do continente
africano tem servido às diversas manipulações de idéias
racistas sobre esses povos(FELIPE; TERUYA, 2010, p.
2).

Ressaltamos que as razões pelas quais nos


motivaram a construir a maquete que representa um
momento hipotético do Antigo Egito, é o desconhecimento
por parte dos alunos de que a África é um continente e não
um país, de que há vários grupos diferentes dentro da
África, cada um com seus gostos, culturas e políticas, de
que a África não é apenas um local de pobreza e fome
constante, e de doenças sem curas, que a África não é um
enorme safari, etc., além disso, o Egito ainda é o que está
mais próximo do aluno, por meio da televisão – filmes e
novelas, por meio de histórias e livros didáticos, etc., e
porque, mesmo por estar mais próximo dos alunos do que
qualquer outra sociedade africana, ainda é representado na
maioria das vezes como uma população não negra, mas
branqueada.

A presença das mulheres no Antigo Egito


Concomitantemente à construção da maquete,
confeccionaram-se três bonecas que representam as
mulheres do Antigo Egito: duas rainhas e uma camponesa.
A confecção destas bonecas se deu pelo motivo de também

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querer representar as mulheres no Antigo Egito,
juntamente com as suas vestimentas e características.
Como a maquete é repleta de calungas – bonequinhos que
representam pessoas, mas sem rosto e sem diferenças –
buscou-se representar também mulheres, para isso, foi
pintado um cabelo preto em cada calunga que
representasse uma mulher, para mostrar a presença das
mulheres na História. Possuindo assim duas representações
diferentes das mulheres na maquete, sendo que uma delas
é através das calungas com cabelos pretos e a outra é a
confecção de bonecas fora da escala da maquete. A
confecção destas bonecas se deu da seguinte forma:
primeiro foram adquiridas bonecas brancas, próximas as
características das bonecas “estilo barbie”. Após, retirou-
se os seus cabelosoriginais, em seguida as desmembramos
e as colocamos em água sanitáriapara obter uma melhor
fixaçãoda tinta marrom, a qual elas foram pintadas. Após,
foram remontadas e confeccionadas as suas roupas, os seus
cabelos – feitos com linha e ponto de crochê – e um novo
rosto fora pintado, por fim, se passou uma mão de cola
para que a tinta não saia ao longo do tempo114.
Existem duas teorias sobre o papel da mulher no
Antigo Egito, uma delas é de uma corrente feminista do
século XX que busca nas origens da sociedade, uma
sociedade anterior ao patriarcado, defendendo desta forma,
um matriarcado e uma matrilinearidade. Estes estudos,
então, estariam centrados na Pré-História e na
Antiguidade. Dessa forma, no Antigo Egito se buscou “a
existência de uma estrutura social matrilinear e de uma
igualdade de sexos entre os antigos egípcios.”
(BALTHAZAR, 2011, p. 3). Estes estudos ocorrem
principalmente para evidenciar que as mulheres também
são capazes de participar do campo público e comprovar
também a “existência de sistemas igualitários entre os
gêneros, o que corroboraria com as reivindicações do
movimento feminista.” (Idem, p. 6). Esta teoria descreve
as mulheres como um grupo detentor de direitos iguais aos
dos homens. Entre alguns pesquisadores que defendem
esta teoria está Barbara Lesko, que atribui “às egípcias um
papel de destaque na sociedade” (SOUSA, 2008, p. 1). Já
entre pesquisadores que duvidam desta equidade social,
está Gay Robins, como nos apresenta Balthazar,
Ao constatar a existência de uma igualdade legal
entre os sexos, Gay Robins (1996, p. 141), ao detalhar que
as fontes são pouco numerosas e que foram preservadas
por sua natureza excepcional, questionou se as mulheres
realmente desempenhavam essa igualdade legal na prática.
A egiptóloga britânica, em sua obra, contesta as
afirmativas da existência de uma equidade entre os sexos
no antigo Egito, pois para ela o papel construído para o

114
Agradecemos a ajuda de Tamires Dolores Pereira que confeccionou as roupas e a pintura do rosto das bonecas.

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feminino, como se pode observar na figura de Ísis, é o de
se tornar esposa e mãe. Assim, “a mulher poderia, em seu
direito, adquirir bens, por esforço pessoal ou por herança,
e em teoria elas eram iguais aos homens perante a lei, mas
uma mulher sem a proteção masculina estava,
provavelmente, em muitos casos, sujeita a exploração”
(ROBINS, 1996: 191).” (BALTHAZAR, 2011, p. 10).

Para Pratas, “ao estudar a documentação desse


período, encontramos uma estrutura hierarquizada,
organizada por meio de critérios religiosos e econômicos,
demonstrando que a mulher tem um estatuto próximo ao
do homem.” (PRATAS, 2011, P. 161), mas que não
necessariamente há existência dessa igualdade entre os
sexos e nem que a matrilinearidade e o matriarcado fossem
realmente concretos. Sousa explica que o masculino e o
feminino eram encarados como complementares,
logo,haveria uma delimitação do papel de cada um, “Às
mulheres caberiam as funções de gerar, curar e manter o
equilíbrio e aos homens as funções de julgar, guerrear e
conduzir.” (SOUSA, 2008, p. 1). Balthazar explica que
“deve-se pensar as mulheres egípcias como sujeitos
inseridos nessa hierarquização social e não como um grupo
homogêneo, o que significa a existência de uma
disparidade nas práticas cotidianas do feminino egípcio.”
(BALTHAZAR, 2011, p. 7). Mesmo que haja uma
hierarquização social e distinção entre os sexos, as
mulheres do Antigo Egito ainda se encontram numa
“situação jurídica privilegiada, se comparada a outras
civilizações antigas.”(SOUSA, 2008, p. 1). Porém, ao
pensar sobre o papel da mulher, devemos levar em conta,
que as fontes existentes sobre elas foram feitas por uma
elite masculina que possui determinada visão sobre o papel
da mulher na sociedade e, além disso, o Antigo Egito
possui milhares de anos e seria impossível homogeneizar o
papel da mulher ao longo do período faraônico, “os
monumentos e os textos no Egito antigo devem ser
encarados como reflexo do ideal de uma minoria, uma elite
masculina por excelência, e não como o registro de uma
realidade vivida por todas as mulheres desta sociedade.”
(idem, p. 5). Além disso, devemos levar em conta que o
papel da mulher é algo social, cultural e historicamente
construído.
A partir desta breve contextualização que norteia os
debates a respeito da equidade entre os sexos no Antigo
Egito, procuramos demonstrar a importância deste debate
tanto para a historiografia quanto para a sociedade, pois,
cada professor deve-se questionar sobre que história vai
ser ensinada em sala de aula? O que vai passar aos seus
alunos? E por que é importante refletir sobre o papel da
mulher nas diferentes civilizações e períodos históricos? É
necessário refletir sobre as diversas construções históricas
e sociais que refletem até à atualidade, como é o caso do

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papel da mulher e do padrão de beleza, as construções que
norteiam este trabalho, como nos apresenta J.Pinsky e C.
B. Pinsky (2013), o professor de história deve criar
consequências que façam com que os alunos pensem a
respeito, se envolvam na dinâmica, e ainda, para F. Seffner
(1998), que eles questionem o que levou a ocorrência de
determinados fatos, que pensem de forma ativa e crítica
como ser social. Tanto para J. Pinsky e C.B Pinsky quanto
para F. Seffner,é de suma importância fazer o aluno sentir-
se sujeito histórico, mostrando a ele que qualquer pessoa,
independente do meio a qual ela vive, ela é capaz de fazer
história e participar da construção dela. E para estes
autores, só se alcança este resultado se o professor
transmitir ao aluno todos os “esforços que nossos
antepassados fizeram para chegarmos ao estágio
civilizatório no qual nos encontramos” (PINSKY, J.;
PINSKY, C. B., p. 21, 2003). E nas palavras de F. Seffner,
é nas “[...] narrativas da história da humanidade que pode o
homem conhecer-se a si mesmo e aos outros, entendendo
melhor a sociedade em que vive”(SEFFNER, p. 34, 2004).
E ainda, “[...] O momento presente é sempre tecido com
fios de acontecimentos do passado e fios de projetos para o
futuro” (idem).

Atividade realizada na Escola Augusto Ruchi – Uma


brincadeira séria: a questão das bonecas negras e o
padrão de beleza ao longo da história
Através desta atividade, a maquete do Antigo Egito
foi abordada de forma transversal, ou seja, não foi
abordada a história do Antigo Egito em si, mas a partir da
maquete foram problematizadas alguns temas e elementos
que muitas vezes passam despercebidos pelo conteúdo
escolar, onde, “Um modo mais construtivo (sem
trocadilhos) seria adotar como postura de ensino (que se
quer crítico) a estratégia de abordar a História a partir de
questões, temas e conceitos.” (PINSKY, 2013, p. 25-26).
Questionamos aos alunos, se eles sabiam que civilização a
maquete estava representando, obtivemos respostas muito
variadas desde locais como o Atacama nos Estados Unidos
da América até chegando muito próximo com respostas
como Mesopotâmia. Ao explicar que a maquete
representava o Antigo Egito, questionamos se os alunos
sabiam em qual continente o Egito se localizae obtivemos
respostas como Europa, América e Ásia principalmente, a

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África foi resposta dos alunos em raríssimas situações. Em
seguida, pedimos para que descrevessem o que estavam
observando na maquete, auxiliando a perspectiva de
observação como ver a cor das pessoas, o que as
diferenciavam, em que lugar elas estavam, o que estavam
fazendo, etc. Após, houve uma breve contextualização do
Antigo Egito, onde apresentamos alguns aspectos
fundamentais do período como as práticas comerciais, a
importância da religião, o sistema político e econômico, as
relações perante a fauna e flora, o processo de construção
da pirâmide, as pessoas – comerciantes, operários, realeza,
agricultores e pescadores –. E também sobre o cotidiano
das mulheres – ênfase dada neste trabalho –, como no caso
da liberdade da mulher em poder se separar, poder ter
relações sexuais antes do casamento – desfazendo o
estereótipo de julgar uma sociedade com a nossa moral
judaico-cristã-ocidental –, o reconhecimento que a mulher
teria na sociedade. Cabe ressaltar que não se apresentou
esses elementos de forma saudosista e de uma retomada a
um passado glorioso e utópico, mas sim elementos que
poderiam ser colocados para aquela sociedade naquele
período.
Continuando a atividade, apresentamos aos alunos
as bonecas negras, debatendo com os discentesse eles já
haviam visto bonecas negras no mercado e se há mais
bonecas negras ou brancas disponíveis à venda. As
respostas obtidas foram majoritariamente de que haviam
mais bonecas brancas do que negras no mercado, de forma
que aproveitando as respostas dos alunos questionamos à
eles se eles sabiam o motivo pelo qual isso ocorria,
explicando a questão mercadológica por traz disso e que
existe uma questão muito maior que simplesmente a cor
das bonecas que é o padrão de beleza que tais bonecas
representam (magras, brancas e elementos de riqueza que
acompanham tais bonecas como assessórios de
beleza).Posteriormente, com auxílio de imagens
apresentadas em slides do Power Point, se debateu com os
alunos os diversos padrões de beleza ao longo da história
até a atualidade (com início na Vênus pré-histórica,
passando pelo período greco-romano, medieval,
renascentista, romântico, chegando aos vários padrões do
século XX, finalizando com imagens do padrão de beleza
do século XXI), destinando-se à análise da beleza
feminina, evidenciando que o nosso atual padrão de beleza
é uma construção histórica e social que impõe à sociedade
um padrão que, muitas vezes, é inalcançável à grande
maioria das pessoas. É a partir desse padrão, em que não é
inserida a mulher negra, que se explica a escassez de
bonecas negras no mercado. Continuando, discutiu-se
porque a mulher negra não é “aceita” nestes padrões, o
qual o motivo está relegado, principalmente à nossa
herança escravista, onde se buscou neste período, a

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|572


subjugação e inferiorização dos negros perante a
sociedade. Por fim, procurou-se através desta atividade,
valorizar a beleza negra e diminuir racismos e
preconceitos, demonstrando que existem outras maneiras
de percorrer a história das comunidades negras que não é a
vitimada e apática. Buscando “[...]trabalhar e resolver tal
situação de esquecimento que a História Afro sofre no
Brasil.” (LOPES, SOARES, 2009, p. 3) com o “[...]
pressuposto de que a realidade vivida pelo aluno deve ser
problematizada.” (ZIEGLER, RODRIGUES, ROSSI,
2007, p. 638), e que deve-se levar em conta que “[...] todas
as situações atuais têm uma raiz histórica, uma gênese e
um determinado processo de construção.” (SEFFNER,
1998, p. 34).

Considerações finais
Enfim, buscando atender a Lei 10.639/03 através de
um instrumento lúdico pedagógico como a maquete,
ressaltamos a importância de trazer a História da África
para a sala de aula através de temas atuais como gênero e
padrão de beleza, como foi tratado ao longo deste artigo, e
além disso, defendemos uma História da África para além
da inter-relação África-Brasil, da África dominada e, que
se mostre em sala de aula toda a riqueza cultura e étnica
que este continente abriga, sendo que, parafraseando Jaime
Pinsky e Carla Pinsky, buscamos uma história prazerosa e
consequente, que juntamente com os alunos, que todos nós
possamos refletir sobre temas atuais, pois todos possuem
raízes históricas, ou até mesmo, são frutos de construções
históricas e sociais e da mesma forma que Seffner,
acreditamos que
Uma aprendizagem significativa, em história,
começa com boas indagações sobre o tempore presente;
logo, uma proposta pedagógica, que busque a construção
de atividades de aprendizagem significativa em História,
deve efetuar dois movimentos básicos: selecionar da
realidade atual temas e questões relevantes e buscar na
história elementos para melhor compreendê-los no acervo
de experiências da história da humanidade. (SEFFNER,
2013, IN.: PEREIRA, p. 30)

Desta maneira, este trabalho tenta abrir


possibilidades para que se destruam conceitos e
preconceitos sobre o continente africano e a
homogeneização e subjugação de sua história. Ao
“devolvermos a cor” para os agentes históricos, mostramos

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para os alunos quem são aqueles que fazem a história no
seu tempo e que a perspectiva que possuímos sobre eles –
ainda branqueada pelas mídias – seja desconstruída e
apresentando uma nova visão sobre o assunto. Nossa
intenção não é apresentar uma receita pronta para o ensino,
de forma que seria a salvação de temas tão complexos
como gênero e cultura afro. Mas é por serem temas tão
complexos que devem ser trabalhados em sala de aula
etambém por estarem imbuídos em nossa sociedade,
realidade e mentalidade, obtendo desta forma, opções para
que o educador compartilhe e formule estes conhecimentos
com os seus educandos. Isso perpassa todo o enfoque
conteúdista do ensino, tornando o ensino de História muito
mais humano.

Anexos

Figura 1: Maquete do Antigo Egito construído pelo PIBID

Figura 2: Camponeses trabalhando na plantação de trigo

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Figura 3: Mulheres no comércio 1

Figura 4: Mulheres no comércio 2

Figura 5: mulher livre pesseando pelas ruas de comércio

Figura 6: Processo de construção das Pirâmides I


Homens na Pedreira

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Figura 7: Processo de construção das pirâmides II
Transporte dos blocos (navegação)

Figura 8: Processo de construção das pirâmides III:


Transporte dos blocos

Figura 9: Processo de construção das pirâmides IV:


Pirâmide sendo construída

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Figura 10: Navegação no rio Nilo

Figura 11: Fauna e Flora, crocodilo do Nilo

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Figura 12: Fauna e Flora 2
Abutres e Chacais disputando carniça

Figura 13: Palácio do Faraó e ao lado celeiro real

Figura 14: Sala interna do palácio real

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Figura 15: Escriba no palácio real

Figura 16: Processor de confecção das bonecas egípcias

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Práticas e dinâmicas históricas em sala de aula
PorMatheus Mathias¹, Renan Monteiro Dreyer², Marisa Lima da Silva³

Resumo Abstract
Por meio do Programa Institucional Through the Institutional Program
de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID), a Initiation Grant to Teaching (PIBID), the
asserção deste artigo é explanar as ações assertion of this article is to explain the
realizadas em sala de aula, que busca o actions carried out in the classroom, which
envolvimento dos alunos nas atividades seeks the involvement of students in
propostas, uma vez que estes apresentam proposed activities, since they have difficulty
dificuldade (conforme constatação) ou (as finding) or lack of interest in the
desinteresse pela disciplina de História. discipline of History. Considering the
Considerando o quadro constatado, foram observed frame, alternatives were sought so
buscadas alternativas para que o discente that the student couldhandle the
pudesse manusear o conteúdo pré- predetermined content. The findings for this
determinado. As constatações para esta change were taken over observations and
mudança foram colhidas ao longo de dialogues with students in the first meetings,
observações e diálogos com os educandos which led us to the following questions: What
nos primeiros encontros, o que nos levou aos to do? How to? What to use? Will it work?
seguintes questionamentos: O que fazer? From there, then it was possible to develop
Como fazer? O que usar? Será que vai dar with efficiency, practices and dynamics that
certo? A partir daí, então, foi possível resulted in the full involvement of the
desenvolver com eficiência, práticas e students on the theme "The Racial-Ethnic
dinâmicas que resultaram no total Relations".
envolvimento dos alunos na temática “As
Relações Étnico-Raciais”. Keywords:difficulty, involvement, lack of interest, alternatives,
handle.

Palavras-chave:dificuldade, desinteresse, alternativas, manusear,


envolvimento.

¹ Faculdades Integradas de Taquara

² Faculdades Integradas de Taquara

³ Faculdades Integradas de Taquara

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Considerações Iniciais
Conforme a Lei de Diretrizes e Bases (Lei nº
9.394/96), um dos princípios que asseguram o ensino, é
“liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a
cultura, o pensamento, a arte e o saber”. Observando este
trecho, compreendemos que no ensinar das múltiplas
culturas que compõem a nação brasileira, é fomentada a
liberdade de sentir e criar vínculos, não passando uma
impressão de obrigatoriedade para uma única expressão
cultural.
Tal qual sabemos, não foram apenas portugueses
que estiveram em solo tupiniquim em um espaço temporal,
iniciado em 1500 com a vinda de Pedro Álvares Cabral.
Cada região, não importando qual seja, possui um traço
cultural mais forte em virtude das colônias que se
estabeleceram, usando como exemplo a Região Sul, onde
vigoram com força a Cultura Italiana e Alemã, trazida por
imigrantes durante o século XIX.
Seguindo os parâmetros estabelecidos pela Lei nº
10.639/03, é obrigatório o ensino e a pesquisa a
valorização de atividades que abordem as formas de
preconceito, racismo e discriminação racial, com o
objetivo de instruir os discentes a promover de forma
absoluta os direitos iguais entre as pessoas, fomentando o
ideal de uma sociedade justa.
Aos dias atuais, a Lei de Diretrizes e Bases fora
alterada pela Lei nº 12.796/13, assegura a “consideração
com a diversidade étnico-racial”, utilizando-se do conceito
de miscigenação dos povos e culturas, que em um âmbito
único, podemos observar que uma possível identificação
nacional, a diversidade cultural que é encontrada no Brasil.
A pluralidade, porém, não se limitam apenas nas diferentes
culturas, mas sim no que a junção destas, possibilitou criar
novas formas de manifestações culturais, como na música,
o uso de instrumentos em gêneros musicais distintos, assim
como a mescla de gêneros.
A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior (CAPES), através do Programa
Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID),
participa deste processo oportunizando bolsas a
acadêmicos, atuarem na instrução e na conscientização dos
que hoje são estudantes dos ensinos fundamental e médio,
criando novas formas de ensino, assim como atividades
que promovam a elevação da qualidade do ensino básico.
A partir destas visões, torna-se possível realizar
elaborar atividades de assimilação da cultura nos seus
diversos prospectos, procurando agir em um todo nos
vários significados das relações étnico-raciais.

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Metodologia prática e dinâmica
Aos termos de Minicucci (1987, p. 15), “a dinâmica
de grupo constitui um campo de pesquisa voltado ao
estudo da natureza do grupo, às leis que regem o seu
desenvolvimento e às relações indivíduo-grupo, grupo-
grupo e grupo-instituições”, procuramos formalizar
harmonicamente grupos de pesquisa e aprendizado para
desempenhar as propostas de trabalho do PIBID.
Minicucci (1987) ao apresentar as principais teorias
sobre dinâmicas de grupo, afirma que a teoria cognitiva
(formulada por Jean Piaget), preocupa-se com o processo
de assimilação de informações pertinentes ao ambiente
pertence, como o papel desempenhado e o comportamento
tido.
Através disso, Minicucci (1987) comenta que Hans
Aebli publicou em 1958, estudos (especialmente na
formação de grupos) com base na obra de Piaget, na
operação e cooperação de alunos, observando que estes
estão interligados pela cooperação social e formação
intelectual. Estes termos compreendem a necessidade de
um trabalho conjunto entre os alunos para a realização de
uma respectiva atividade, seja lógica ou aprimorativa
intelectual.

É evidente que a realização, diz, da livre


cooperação indica que os participantes reúnem certas
condições intelectuais, e que tais formas de trabalho em
comum exigem, como conseqüência, influxo favorável ao
desenvolvimento intelectual da criança. Neste caso, não só
se deverá exigir o trabalho em comum, por motivos de
educação social e moral, mas também para se obterem
melhores condições para formação intelectual
(MINICUCCI, 1987, p. 56).

Portanto, ao observarmos este parâmetro, criar


atividades que promovam a interação e a participação dos
discentes, é estritamente necessária.
Ao que afirma Minicucci (1987, p. 57) explica, “O
valor e a dificuldade do intercâmbio cultural num grupo se
baseiam, com efeito, na colocação do indivíduo diante de
pontos de vista diferentes dos seus. Para que a discussão
seja possível, é preciso que cada participante compreenda
o ponto de vista alheio.” Ou seja, qualquer assunto de uma
plausível discussão, haverá debates entre as partes
opinativas sobre seus conceitos, tal qual esta situação é
objetivada pelo grupo docente, que busca o debate entre os
educandos para uma formulação intelectual sobre a cultura
e a herança africana, tão pouco trabalhada. Porém, os
mesmos necessitam reconhecer as causas e efeitos e vice-

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|585


versa (Minicucci, 1987), em que possam elaborar um
pensamento coletivo, facilitando a assimilação do fato.
Seguindo estes conceitos, o grupo docente traçou
atividades que promovessem a assimilação e o estudo da
cultura afro-brasileira, dividas em caráter histórico e
representatividade cultural, sendo obrigatoriamente a
efetivação destas em equipe, na busca por novos aspectos
em diferentes ângulos de pensamento.
Por motivos profissionais, o grupo bolsista
escolhera o turno noturno para a efetivação dos trabalhos,
sendo este disponível no Colégio Estadual João Mosmann,
no município de Parobé/RS, tendo como o dia de trabalho
as segundas-feiras, um dos horários disponibilizado pelo
professor orientador e titular da turma, Mauro Porto
Ércole115.
O perfil do aluno deste turno é de alguém
empregado na indústria calçadista ou no comércio geral,
tendo a faixa etária correspondente dos 17 aos 23 anos,
tendo alguns destes já terem constituído família.
Nos primeiros contatos com a Turma 304, foi
bastante perceptível o grande desconhecimento dos alunos
sobre a africanidade116, além de possuírem uma visão
bastante equivocada sobre o continente africano, e
pouca/nenhuma informação sobre a participação do negro
na historiografia da região onde vivem.
Ao iniciarmos de forma teórica os estudos (com
algum embasamento pronto), surgiram impasses na
aplicação destas tarefas, em função da rejeição dos alunos
à teoria, constatando o motivo de desinteresse na
disciplina. Após uma conversa com estes, ambos
afirmaram possuir dificuldades na realização das
atividades da matéria, por não existir algo que os permita
participar, ao contrário de apenas assistir o conteúdo.
Partindo deste pressuposto, surgiram indagações
para a aplicação do conteúdo (O que fazer? Como fazer? O
que usar?), que permitiu criar alternativas para a
efetivação do conteúdo.
Juntamente com a coordenadora, professora Dalva
Reinheimer117, foi concebida uma didática (seguindo os
modelos elaborados por Jean Piaget (Teoria
Construtivista) e Lev Vygotsky (Teoria
Sociointeracionista)) que permite o aluno manusear o
respectivo assunto, relacionando o meio e a cultura com
sua existência.
Inicialmente, o grupo bolsista desenvolveu um texto
retratando a conjuntura atual da cultura africana,
abordando políticas de valorização, leis de reconhecimento
e visões existentes para a “primeira aula”. Além do aspecto

115
Professor licenciado em História – orientador do Subprojeto PIBID/História FACCAT, no Colégio Estadual João Mosmann.
116
Africanidade é o termo que designa a herança africana, em sua amplitude e valorização em diversos contextos.
117
Professora Doutora em História – Coordenadora do Subprojeto PIBID/História FACCAT.

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contemporâneo, abordaram-se apropriações culturais,
heranças e costumes da cultura, enfatizadas de maneira
histórico-cultural, que puderam ser debatidas em aula, com
a exposição de ideias dos discentes. Ao finalizar o
encontro, houve alguns questionamentos que partiram dos
próprios educandos, em que indagaram as Cotas Raciais,
se esta seria um agravamento ou a reversão do racismo,
assim como institucionalização do mesmo ou uma forma
de inclusão social.
Para a segunda aula, foi utilizado o documentário
Viajando pela África com IbnBattuta118(criado pelo
professor José Rivair Macedo), como forma de
desconstruir a imagem de sofrimento atribuída ao
continente. Ao encerrar o vídeo, os aprendizes iniciaram o
debate um tanto surpresos sobre o assunto: grande parte
dos presentes desconhecia a informação que a África
compreendia em um continente, sempre tendo a imagem
de um único país. Além disto, os mesmos questionaram o
porquê de uma imagem vendida de sofrimento e miséria,
observando também o pouco estudo do passado africano e
a baixa divulgação dos já existentes.
Ao terceiro encontro, idealizaram-se os slides A
Cultura da Senzala, procurando retratar a figura do negro e
a cultura africana no Brasil, em especial na região onde
residem. Nesta didática, foi remontado costumes,
memórias, termos e dialetos, peculiaridades e fatos. Ao
decorrer do tema, relacionamos as adaptações de costumes
que ainda vigoram, observando a capoeira como exemplo,
de uma luta de resistência, passa a ser uma mescla de
dança, música e esporte. Fazendo um recorte
historiográfico (Vale do Rio dos Sinos e Vale do
Paranhana), os estudantes não tinham conhecimento da
presença do negro escravizado, contrariando a afirmação
popular de que na antiga Província do Rio Grande do Sul
não havia escravidão. Os jovens, que cresceram com esta
interpretação, questionaram o porquê de ser um assunto
pouco falado ou até mesmo conhecido. Em resposta,
comentamos que especialmente na região dos dois vales
citados (Rio dos Sinos e Paranhana), por serem palcos da
imigração alemã, era quase inexistente o escravo, em
virtude de uma restrição que permitia apenas aos
brasileiros e portugueses terem a propriedade de negros
escravizados. Muitos também desconheciam a existência
do quilombo na localidade de Paredão Baixo, assim como
a existência de uma senzala que pertenceu a Franz Koch119,
ainda mantendo a sua edificação original. Ao final do
encontro, alguns alunos comentaram que jamais pensaram

118
Material integrante do Programa de Educação Antirracista no Cotidiano Escolar, UFRGS.
119
Franz Koch foi um dos primeiros alemães a residir na Colônia de Santa Maria do Mundo Novo, um dos poucos imigrantes a ter propriedade de
escravos (ENGELMANN, 2005, p. 607).

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na possibilidade de ser descendente de escravos 120, tão
pouco imaginando a vivência do escravo nestas terras.
Para a aula seguinte, foi comunicado à turma que o
próximo tema a ser estudado seria as religiões de matriz
africana, através de uma palestra com uma representante
de uma religião afro-brasileira. Neste momento, um
pequeno número de alunos divergiu desta proposta,
fazendo críticas depreciativas, em termos de repúdio ao
possível debate. Para decidir a realização ou não da vinda
da palestrante, o grupo bolsista propôs uma votação em
que os alunos deveriam escolher entre a realização e a não-
realização da palestra. De um número total de vinte e oito
alunos, vinte e cinco se posicionaram a favor da
conferência.
Cristine Campello, através de nosso convite,
promoveu um diálogo de aproximadamente 1h 30min com
os alunos, onde fez assimilações históricas e coercitivas
sofridas ainda hoje pelas religiões afro-brasileiras, assim
como explicou aos presentes as entidades, os ramos da
religião (com suas semelhanças e diferenças), filosofias,
apropriações, cultos e singularidades, como a
representatividade contemporânea, assim como explicou
algumas polêmicas (como o sacrifício de animais aos ritos)
e desconstruiu a imagem diabólica que é atribuída ao
Batuque. No início do bate-papo, alguns alunos
questionaram o uso de figuras cristãs nos cultos
umbandistas. Cristine explicou que o uso das imagens
cristãs (santos, Jesus Cristo, Virgem Maria...) acontece
pela representatividade da mesma (ex.: o mais forte, a mãe
de todos os santos, protetor das crianças...). Ao fazer um
questionamento, uma aluna comentou que “a religião
africana é vítima da ignorância, tanto intelectual como
religiosa, pois quem não estuda, não reconhece a
pluralidade, e quem se fecha religiosamente, não prega o
amor e a paz”. No final da palestra, os alunos agradeceram
a vinda de Cristine, elogiando a clareza e simplicidade da
fala.
Dando segmento ao estudo da Africanidade, a
atividade preparada teve seu foco direcionado na
simbologia das tribos africanas. Com o auxílio da
professora coordenadora, idealizou-se uma atividade em
que as cores, os símbolos e a união estivessem em pauta. O
aluno bolsista, Renan, procurou selecionar símbolos que
carregassem significados positivos (esperança, felicidade,
harmonia...) para os alunos escolherem qual os mais
agradassem, em seguida os retratando em um cartaz (de
papel pardo) com o auxílio da arte de rua grafite, e para
aplicá-los, foram utilizadas quatro latas de tinta spray
(marrom, azul, verde e amarelo), socializando os cartazes
no final do encontro com os demais colegas. Antes de
120
Observação: metade dos alunos afirmou possuir descendência indígena.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|588


iniciarmos, a turma fora dividida em três grupos, cada um
com um respectivo cartaz e alguns moldes escolhidos. Em
função de estarmos com apenas quatro latas, o primeiro
grupo optou por desenhar os traços antes de aplicar a tinta;
o segundo grupo reproduziu os moldes em folhas de jornal,
ficando por fim o grafite; o terceiro grupo acabou optando
por reproduzir diretamente as imagens com as tintas, sem o
uso de moldes. Mesmo usando formas diferentes, os três
grupos participaram ativamente, desempenhando a
atividade de maneira bastante harmônica. No término da
aula, os alunos apresentaram seus cartazes, cada um
explicando a razão de escolher um respectivo símbolo.
Para a sexta aula, o grupo bolsista optou por
trabalhar a boneca abayomi, em dois momentos distintos:
no primeiro, conceituar a sua história e representatividade
cultural, na figura da mulher africana; no segundo, a
confecção da boneca, seguido da socialização. Para que
realizássemos a tarefa, pedimos uma elucidação à
professora Elaine Smaniotto, para a apresentação da
historiografia da boneca, enquanto que para a elaboração,
utilizamos retalhos de tecidos coloridos, cedidos pela
professora coordenadora. No primeiro momento, foi
explanado aos alunos que a boneca, de origem ioruba, foi
criada pelas negras aprisionadas nos navios traficantes de
escravos, era constituída por pedaços de tecidos dos
vestidos que usavam, enquanto que o papel correspondido
por ela (a boneca) era de resistência e perseverança,
diferente do que hoje se a utiliza (presente, souvenires...).
No segundo momento, após o intervalo, os alunos se
reuniram em pequenos grupos para a confecção das
bonecas. Cada passo explicado por um dos bolsistas, os
alunos deveriam desejar algo para si (esperança, felicidade,
sabedoria...), terminando a atividade em um tempo
estimado de 20min, socializando a tarefa em seguida,
enquanto um pequeno grupo pediu para confeccionar mais
bonecas, para presentear algumas pessoas próximas, com a
respectiva permissão dos bolsistas.
Para o segundo semestre do ano letivo, foi sugerido
aos alunos da Turma 304, a realização de um sarau nas
dependências do Colégio, em que apresentariam para a
comunidade escolar, os trabalhos e os estudos direcionados
a temas da cultura africana, sendo aceito na mesma aula e
atualmente está em desenvolvimento, com realização
prevista para o dia 01 de dezembro.
Divididos por temáticas (música, dança, literatura e
cultura), os grupos estão estudando as diversas expressões
da cultura nestes eixos, seu contexto histórico, influências,
mudanças ocorridas ao longo do tempo, atualidade, raízes
e significado.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|589


Considerações finais
Ao final deste ano letivo, os trabalhos realizados
com os alunos da Turma 304 foram bastante proveitosos e
intensos.
Embora o início fora um pouco tumultuado, a
relação bastante saudável e positiva, criando um vínculo de
amizade entre os alunos e os bolsistas. A cada passo desta
jornada, carregamos em si uma pequena lembrança de cada
aluno, um costume, um gesto.
Os saldos das tarefas tiveram uma resposta bastante
positiva, superando as expectativas iniciais, uma a uma,
nos mostrando que todos são capazes de obter sucesso
naquilo que pretendem ao seu futuro. Não sabemos,
porém, se correspondemos à altura as expectativas que
eram depositadas em nós, mesmo dando o nosso máximo
empenho nas atividades e nas explicações pedidas.
No que caminhamos ao fim do que corresponde um
capítulo particular de cada ser humano, não queremos ser
um agente transformador em suas vidas, mas sim, alguém
que ajudou a criar um, pois todos somos na qualidade de
pessoas, agentes de uma constante mudança.

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9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes
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Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996.
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Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|590


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Acesso em 4 maio 2015.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|591


A produção de recursos didáticos e a utilização
de recursos paradidáticos no ensino de História
O caso do PIBID/História 2014 na UFSM*
PorLuciano Nunces Viçosa de Souza¹, Taís Giacomini Tomazi², André Haiske³

Resumo Abstract
Neste trabalho pretende-se refletir sobre This work intends to reflect on the
a produção de materiais didáticos e a utilização production of didatic material and the
de recursos paradidáticos no Projeto PIBID utilization of paradidatic resources in the
História 2014/UFSM, trazendo estudos de caso Projeto PIBID História 2014/UFSM,
de atividades realizadas pelo referido projeto introducing case studies of the activies realized
pelos bolsistas de iniciação à docência. Cada by the aforementioned project by the
atividade com seus referenciais próprios, um scholarship students of teaching iniciation. Each
processo de pesquisa e elaboração de propostas activity had its own references, a process of
que culminaram nos trabalhos que serão research and elaboration of proposals which
apresentados posteriormente. Tudo isso traz à comuninated in the works that will be
tona a pertinência de projetos como o programa introduced in the following paper. All this
PIBID e de como este auxilia o(a) graduando(a) brings to light the pertinence of projects like the
na construção de sua identidade como PIBID program and how it helps the
professor(a) e para além disto, o undergraduate stdeunt in the construction of
desenvolvimento de novas metodologias e da his/her own identity as teacher and, beyond that,
pesquisa para o Ensino de História e a the development of new methodologies and
Educação. research for the Teaching of History and
Education.

Palavras-chave:Materiais didáticos; recursos paradidáticos; ensino de


história; novas metodologias; PIBID História.
Keywords:Didatic materials; paradidatic resources; history teaching,
new metholodiges; PIBID História.

* Texto construído a partir de experiências pedagógicas com o projeto PIBID História UFSM/2014, sob a Supervisão da Professora Bianca Alves
Madruga e orientação da Coordenadora de Área Professora Doutora Roselene Moreira Gomes Pommer. Financiado pela CAPES.
¹ Universidade Federal de Santa Maria
luciano_souza94@hotmail.com
² Universidade Federal de Santa Maria
gttais@hotmail.com
³ Universidade Federal de Santa Maria
andrehaiske@gmail.com

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|592


Introdução
O presente trabalho pretende-se a fazer uma
recuperação da produção de parte do Programa
Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência – PIBID
subprojeto História da Universidade Federal de Santa
Maria – UFSM, proposta esta financiada pela Coordenação
de Pessoal de Nível Superior – CAPES.
Nosso projeto encontra-se estruturado em dois
subgrupos, cada um sobre a orientação de um coordenador
de área, com três supervisores e vinte e dois bolsistas de
iniciação à docência, trabalhando com alunos do Ensino
Fundamental, Médio121 e da Educação de Jovens e Adultos
(EJA).
Foram construídos trabalhos com imagens, música,
filmes, jogos, maquetes, mapas, literatura, entre outros,
auxiliados pelos professores supervisores da rede pública
de ensino, ou seja, buscaram-se diferentes metodologias de
trabalho a partir do uso de documentos escritos e/ou não
escritos e seus diferentes usos e abordagens.
Trabalharemos aqui com cinco atividades com
enfoques e aplicabilidades diferentes, sendo elas: A
literatura distópica na ficção e no presente; Atividade
lúdica em sala de aula: o caso da linha de montagem e o
Fordismo; História da alimentação na sala de aula;
Espaços de produção no Rio Grande de São Pedro na
primeira metade do século XIX: um estudo de caso com
maquetes; Osmanlis: um jogo para entender o Oriente
Médio.
As várias possibilidades de atividades citadas é
apenas uma fração de ideias que não trabalham somente
com o universo da História, mas também de outras
disciplinas, ocorrendo assim a tão almejada
interdisciplinaridade.

Da escola
O subgrupo em que trabalhamos, encontra-se
atuante na Escola de Educação Básica Dr. Paulo Devanier
Lauda, que possui um IDEB de 5.1 para os anos iniciais e
de 3.5 para os anos finais, com 1360 alunos dos quais 70
estão participando do projeto, neste ano de 2014, localiza-

121
Sobre a discussão do Ensino Médio Politécnico ver: SOUZA; HAISKE; SCHIO; CANTARELLI; SOARES, 2014, p.26-30.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|593


se no bairro Tancredo Neves, periferia da cidade de Santa
Maria no estado do Rio Grande do Sul.
Quando da nossa inserção na escola, não tivemos
grandes dificuldades em relação à participação, interação e
aceitação por parte dos alunos de nossas intervenções em
sala de aula, ocorrendo situações em que alunos que são
conhecidos por serem pouco participativos e não realizar
praticamente nenhuma das atividades das disciplinas foram
os primeiros a colaborarem com nossas atividades, até
mesmo por estarmos trazendo propostas que fariam uso de
outras ferramentas de ensino que não fossem o livro
didático, em função por já se encontrarem muito
mecanizados nesse tipo de prática. Sabemos da
importância do livro didático para o ensino, e que este
pode ser uma boa ferramenta para uma conversa inicial,
mas
[...] podemos perceber que o professor faz do
livro a figura central do processo de ensino-aprendizagem
da história na sala de aula e as discussões e os conteúdos
que os alunos anotarão partem do conhecimento e das
características discutidas pelo livro didático. A partir dele,
se estrutura a aula e a organização da discussão dos
conhecimentos históricos acerca das sociedades estudadas.
(CAINELLI, 2011, p. 134).

O livro didático é uma ferramenta tão comum e em


certas palavras, “fácil” de se usar que predomina como
única e exclusiva ferramenta de ensino em muitas escolas
brasileiras.
O método é seguir os capítulos dos livros sem
refletir sobre o ponto de vista do autor e o que o período
histórico estudado representa para as pessoas enquanto
sujeitos históricos. Passa-se da leitura diretamente para a
realização das atividades propostas no final do capítulo.
Consideramos que esta é uma forma de ensino defasada e
tão repetitiva nas escolas, que quando são mostradas outras
possibilidades de práticas, estas são pouco aceitas por
alunos e professores.
Com o PIBID temos a possibilidade de realizarmos
atividades diferenciadas a partir de materiais produzidos
no próprio projeto, como jogos lúdicos, oficinas de
cerâmica, oficina de maquetes, e uso de vídeos e outras
ferramentas digitais, para oferecer maiores possibilidades
de práticas de ensino na sala de aula, ou seja,
A organização da sala de aula numa escola que
visa contribuir para o desenvolvimento dos indivíduos
deve ser muito flexível, possibilitando a realização de
diversos tipos de atividades. Deve ser, entre outras coisas,
um laboratório e uma oficina a partir da qual seja possível
explorar o mundo (DELVAL, 1998, p. 173).

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|594


Por ainda estarmos cercados por uma escola
conservadora, não no sentido político, mas sim fazendo
referência àquelas escolas que surgiram no século XVIII e
vem até os dias atuais sem acompanharem as mudanças da
sociedade, onde a indisciplina dos alunos é algo malvisto,
por isso deve ser algo fortemente repreendido e controlado,
tendo em vista a escola como um lugar que se deve manter
a ordem e seguir as regras, e
a disciplina é ainda tida como algo indispensável
para a manutenção do status quo e mesmo da burocracia
institucional, sendo inaceitável que as normas sejam
perdidas e/ou burladas, funcionando como algo
controlador da moral e dos bons costumes. (MOREIRA,
2013, p. 49).
Sendo assim, há uma idealização de aluno modelo,
onde se constrói um estereótipo de um tipo de aluno
adequado, e somente esse tipo é o que se encaixaria na
sociedade e se tornaria um bom cidadão.
Apropriando-nos dessa construção foucaultiana,
parece enriquecedor pensar as indisciplinas como
acontecimentos. Elas são novidades porque fogem do que
é esperado para um comportamento nas escolas, ou, pelo
menos, para algo que foi construído e assumido como
comportamento ideal de alunos e alunas. (FERRARI;
ALMEIDA, 2012, p. 868).

Apesar dos esforços, surgiram esses alunos ditos


indisciplinados e a incidência deles é cada vez maior, o
que segundo a nossa visão, é sintomático de um sistema
educacional defasado. Pensamos que esta circunstância
pode servir como ponto de partida, desde que observada
com um olhar diferente, para que fujamos desse arquétipo
de aluno modelo e tenhamos “aliados” na mudança dessa
educação conservadora. Sabemos que esta proposta não
acarretará uma grande revolução, mas pequenas mudanças
num longo processo que farão com que o aluno seja
protagonista, fazendo com que as decisões não aconteçam
mais de forma verticalizada, mas que sejam construídas no
todo, com todos. Buscando assim, terminar ou reduzir o
máximo possível essas repreensões e punições, pois estas
não levaram a nada se não a mais rebeldias, pois
A punição, na disciplina, não passa de um
elemento de um sistema duplo: gratificação-sanção. E é
esse sistema que se torna operante no processo de
treinamento e de coerção. O professor deve evitar, tanto
quanto possível, usar castigos; ao contrário, deve procurar
tornar as recompensas mais frequentes que as penas,
sendo os preguiçosos mais incitados pelo desejo de ser
recompensados como os diligentes que pelo receio dos
castigos; por isso será muito proveitoso, quando o mestre
for obrigado a usar de castigo, que ele ganhe, se puder, o
coração da criança, antes de aplicar-lhe o castigo
(FOUCAULT, 2007, P. 150).

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|595


Das atividades
As atividades a seguir surgiram das necessidades
identificadas pelospibidianos por parte dos educandos no
processo ensino aprendizagem, assim como de um dos
eixos norteadores do projeto, de caráter inovador que visa
o desenvolvimento de novas metodologias de ensino.
Neste processo de produção de materiais didáticos e
utilização de recursos paradidáticos nota-se como é
importante a atuação do docente, assim como do discente,
neste processo, pois este material que está sendo utilizado
ou produzido requer todo um cuidado por parte do docente
no momento de realizar essa transposição didática122 do
que se produz no âmbito acadêmico para o espaço escolar,
que foi o que ocorreu em muitas de nossas propostas, pois
Esse processo de transposição requer do docente
[em formação], no mínimo,sensibilidade para: recortar do
conhecimento disponível o que é pertinentepara a situação
de ensino; contextualizar esse recorte conforme
otempo/espaço de produção e segundo os objetivos do
ensino;organizar/sistematizar esse recorte – valendo-se,
para isso, de diferenteslinguagens e do uso adequado delas
à situação enunciativa pressuposta peloprocesso de ensino
e aprendizagem e planejar formas de tornar acessível
aoaluno esse recorte, avaliando essa acessibilidade.
(SANTOS et al. 2004, p.21apudLIA; COSTA;
MONTEIRO, 2013, p.42).

Ainda sobre a produção e utilização de materiais


como recursos de aprendizagem destacamos que
A produção de material didático é uma atividade
que promove a integração entre oprofessor, os alunos e o
conteúdo trabalho. Sua função deve ser integradora,
utilizada comomecanismo de construção do conhecimento
e não como ilustração de temas trabalhados.Quanto maior
for a integração do aluno com os recursos de produção do
conhecimento maisampla será sua aprendizagem. Um dos
ganhos da prática de produção do material didático
éretirar o professor do papel de transmissor e possibilitar
que, junto ao aluno, ele seja umprodutor de conhecimento
histórico.

[...]
Mais que sugestões de estratégias e abordagens
temáticas a confecção de materiais didáticos ajuda o
próprio educar a perceber a importância do ato de criar, ou
seja, perceber como o processo criativo e cognitivo que

122
Sobre a discussão de transposição didática ver BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: fundamentos e métodos. São Paulo:
Editora Cortez, 2004.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|596


envolve a elaboração e confecção do material didático é
também um processo de aprendizado, no qual
desenvolvemos habilidades para a compreensão de
situações históricas. (LIA; COSTA; MONTEIRO, 2013,
p. 51).

A literatura distópica na ficção e no presente


O século XX foi um século de mudanças.
Desintegração de velhas ordens hegemônicas, a ascensão e
queda de regimes que prometiam sanar antigos problemas,
a corrida tecnológica e armamentista. As mudanças que
ocorreram nesse século mexeram com o imaginário
popular. Inúmeras obras ousavam imaginar uma realidade
diferente.
Diferentemente da utopia que sonha com a
possibilidade de um mundo perfeito, onde guerras, doenças
a fome e a desesperança não existem mais, a distopia ousa
pensar o contrário. Um mundo repressor, onde muitas
vezes os próprios cidadãos não percebem a opressão,
lugares onde a censura, a guerra e valores como amizade,
família e religião são inexistentes.
Autores como George Orwell, Aldous Huxley,
Anthony Burgess e Ray Bradbury imaginaram mundos
terríveis, que por mais que escritos em suas épocas no
século XX, continuam para nós membros do século XXI
muito pertinentes e atuais.
Por isso, uma das atividades foi usar a literatura
distópica para explicar alguns temas pertinentes na
atualidade e no século XX. A censura, a eugenia, a cultura
de violência e vigilância, as mudanças de concepções de
temas como família, religião, sexualidade e drogas, que
são temas polêmicos e atuais, eram já prioridade nas
escritas dos autores já citados.
O uso da literatura na história é uma atividade
crescente no meio acadêmico. Pode-se usar ela para
explicar elementos que aconteceram no nosso mundo a
partir de um paralelo com o mundo ficcional. Como
escreveria Sandra Pesavento:
A literatura é, no caso, um discurso privilegiado
de acesso ao imaginário das diferentes épocas.[...] Mas o
que vemos hoje, nesta nossa contemporaneidade, são
historiadores que trabalham com o imaginário e que
discutem não só o uso da literatura como acesso
privilegiado ao passado — logo, tomando o não-
acontecido para recuperar o que aconteceu![...]
(PESAVENTO, 2006, p. 14).

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|597


Com isso a atividade baseou-se em leituras de
trechos dos livros e fazendo conexões com a história do
século XX e na atualidade. A atividade com esse sistema
funcionou para com os alunos que se interessaram pelo
tema proposta e pelas discussões sobre os temas. Um dos
temas que mais chamou a atenção dos alunos foi sobre
drogas e sobre a concepção de família.
A droga na maioria dos mundos distópicos é usada
amplamente no cotidiano, servido como uma válvula de
escape da monótona e/ou brutal realidade. A discussão
sobre drogas envolveu desde a questão de drogas
sintéticas, produzidas em laboratório, mas não somente as
entorpecentes, mas que são de uso do cotidiano como
antidepressivos, cafeína e nicotina. O debate trazido em
virtude do tema deixou a turma dividida.
A família na distopia é quase inexistente. As antigas
relações de hierarquia e de cumplicidade entre pai, mãe e
filhos é totalmente desconhecida. Em alguns livros as
pessoas nascem geralmente em grandes laboratórios, em
outros, a família é sua televisão e no caso famoso de 1984,
a família é o Estado, é o Grande Irmão.
Em tempos onde um congresso conservador discute
qual o conceito de família seria contemplada num Estatuto
da Família. O projeto de lei 6583/13 não contempla as
novas formas familiares que saíram do esquecimento e das
sombras do preconceito sofrem novamente com o avanço
do conservadorismo.
Na discussão em sala de aula, todos os alunos se
mostrarem contrários ao Estatuto. Um dos comentários
mais importantes foi realizado por um aluno que não tem o
costume de participar em sala de aula. Para ele, família é
“quem nos dá e quem recebe nosso amor”.
A discussão de temas pertinentes no século XX e
nos nossos tempos com o uso da literatura nos possibilita
uma nova forma de abordar temas que são amplamente
discutidos na história, mas que para o aluno estão longe ou
tão presentes em sua realidade que estes não o percebem.
Estudar a história a partir da literatura nos permite ir além
da discussão da produção da história e nos permite ler e
perceber conflitos, possibilidades e indagações deixadas
por homens e mulheres da sua época, testemunhas de um
tempo. Um bilhete do passado para o futuro.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|598


Atividade lúdica em sala de aula: o caso da linha de
montagem e o fordismo
A educação no Rio Grande do Sul durante o
governo de Tarso Genro (2010-2014)ocorreu mudanças
significativas. Uma dessas mudanças foi a introdução de
um Ensino Politécnico e a colocação de uma nova
disciplina dentro do currículo que articularia entre as
ciências humanas e exatas: Seminário Integrado.
Na disciplina do Seminário Integrado alunos devem
desenvolver atividades de pesquisa, colocando em prática
os conhecimentos teóricos aprendidos em sala de aula,
buscando assim uma melhor preparação para os jovens e
para a sua futura inserção no mercado do trabalho ou para
seus estudos no nível superior.
Essa atividade que ocorreu na vigência dessa nova
forma de enxergar a educação no Rio Grande do Sul foi de
encontro a disciplina do Seminário Integrado. A turma do
segundo ano do ensino médio tinha como eixo norteador
nessa disciplina o grande tema de “Os Mundos do
Trabalho”.
O período histórico que foi trabalhado com a turma
foi a partir da revolução industrial, passando pelas
primeiras fases desta e chegando até o começo do século
XXI. A atividade foi dividida em três partes: Explicação
conceitual do período; Exibição de trechos do filme
Tempos Modernos, de Charlie Chaplin e por último a
atividade da linha de montagem. As primeiras aulas foram
de revisão desse grande período histórico, com
apresentações em slide e pequenos vídeos sobre a
revolução industrial.
Ao chegar no começo do século XX, a parte teórica
foi interrompida para a exibição de Tempos Modernos,
onde cenas sobre o trabalho, a linha de produção e o
cotidiano do trabalhador foram privilegiados. A terceira e
última parte da atividade foi a construção da linha de
montagem, seguindo a ideia de Henry Ford.
Sabe-se a importância do ensino que atinja o aluno e
o faça sujeito de sua realidade. Umas das formas que foi
encontrada dentro do projeto PIBID foram às atividades
lúdicas, que envolvessem o aluno, não somente como
ouvinte, mas participativo e de importância central em
todas as etapas.
Nessa etapa de atividades lúdicas, o aprender e a
brincadeira podem facilitar o ensino e envolver o educando
dentro do processo de ensino-aprendizagem. Sobre a

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|599


incorporação de brincadeiras dentro da prática pedagógica,
Juliana Oliveira diz o seguinte:
A incorporação de brincadeiras na prática
pedagógica desenvolve diferentes atividades que
contribuem para inúmeras aprendizagens e para a
ampliação da rede de significados construtivos tantos para
a criança quanto para jovens e adultos. As brincadeiras
funcionam como exercícios vinculados ao prazer de viver
e aprender de forma natural e agradável.(OLIVEIRA,
2011, p.10)

Com isso o objetivo central da atividade foi colocar


os alunos com o papel de protagonistas numa atividade que
como numa brincadeira, misturasse uma realidade fictícia
de uma linha de produção de canetas, onde cada aluno
fosse uma parte do grande processo da linha de montagem.
Um aluno era encarregado por uma parte da
montagem da caneca. Entre esses um dos educandos foi
escolhido para simular o chefe da linha de montagem,
onde este poderia ditar a velocidade de montagem ou para
que seus comandados trocassem de posição dentro da linha
de montagem.
Ao realizar tal atividade, os alunos demonstraram
entender com maior facilidade o conteúdo exposto devido
a dinamização como tal foi realizada. Constatamos isso
pela participação efetiva e entusiasmada da turma perante a
linha de produção fictícia em que se manifestaram como
sujeitos ativos.
A atividade foi desafiadora em alguns sentidos.
Quando o aluno deveria trocar de posição dentro da linha
de montagem, a produção não poderia ser parada sob
nenhum aspecto. Sobre esta, uma aluna ao término da
atividade comentasse que agora, “sabia o que sua mãe
queria dizer sobre o seu trabalho num frigorífico”.

A história da alimentação na sala de aula


Ao pensarmos sobre os recursos didáticos e/ou
paradidáticos no Ensino, neste caso de História, devemos
ampliar nossos campos de análise. Uma das práticas
realizadas pelo Projeto PIBID Historia-UFSM foi
relacionado à alimentação e suas relações com os diversos
períodos históricos trabalhados na Escola parceira.
Primeiramente há que se pensar um pouco sobre a questão
do hábito alimentar, já que é ato cotidiano, necessário e
imprescindível para a continuidade da vida. Se é algo
assim tão comum, qual o motivo que leva a esquecermos
de tal ação? Talvez seja pelo fato de haver uma
hegemônica percepção de que não precisamos nos dias de

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|600


hoje caçar para obter alimentos, morrer em função de
experimentar uma fruta ou folha venenosa e sim de se ter
um acesso mais rápido e fácil dos alimentos.
Relacionando a isso temos duas propostas de
atividade efetivadas e que levam em consideração a
questão alimentar. A primeira delas foi relacionada aos
hábitos alimentares dos Gregos, a qual iniciou com uma
contextualização e apresentação de alguns elementos da
cultura trabalhada em questão. E na elaboração e aplicação
da referida aula “foram utilizados alimentos e receitas
culinárias que lembrassem esta cultura na antiguidade,
visando explorar os cinco sentidos, enfatizando o paladar
e o olfato, usando assim os sentidos que menos são
explorados para o desenvolvimento cognitivo”
(SCHMIDT, TOMAZI, 2014. p. 2). Pois como se pode
perceber uma das ideias que permeiam a funcionalidade e
alcance dos recursos utilizados em sala de aula é a questão
dos sentidos, geralmente os mais usuais em ambientes
escolares: visão, audição e tato. Quando há a proposição
em trabalhar de forma diferenciada é importante também
se cercar de noções a respeito do tema, Ackerman é um
dos autores que contribuíram diretamente na elaboração e
aplicação, demonstrando como os sentidos não usuais nas
aulas são essenciais e devem também ser explorados, “os
cheiros estimulam o aprendizado e a retenção”
(ACKERMAN, 1992, p. 32) e o paladar envolvendo os
cinco sentidos estimulam a memória e a forma como o
aluno se relaciona com o que está lhe sendo apresentado
como possibilidade. E além disso,
quando realizamos esta atividade, usando
alimentos e receitas referentes à cultura grega,
desejávamos que os alunos pudessem compreender a
história antiga de uma forma diferenciada, buscando
através do uso dos cinco sentidos, proporcionar uma
experiência sensorial, para que os mesmos pudessem
compreender melhor o que lhes foi apresentado
teoricamente sobre o conteúdo.(ACKERMAN, 1992, p. 6)

E como a questão da História da Alimentação como


recurso didático e paradidático no Ensino de História é
múltipla e denota diversas possibilidades, houveram ainda
uma série de atividades que tinham como objetivo, não a
utilização direta ou inicial de alimentos, e sim uma
retomada histórica dos hábitos atrelados ao hábito
alimentar, trabalhando temas diversos e que possuíam
como plano de fundo uma transformação de longa duração
de tais costumes.
De forma mais detalhada, na primeira atividade a
qual denominamos “A transformação dos Hábitos e
Costumes alimentares na História” em que levamos
imagens de diversos tipos de pratos, vestimentas e
louçarias, as distribuímos entre os alunos com o objetivo

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de proporcionar um momento de construção de uma noção
de transformação histórica e cotidiana. A partir das
imagens distribuídas entre os educandos, procuramos
compará-las e demonstrar as diferenças entre eles e os
períodos a que compreendiam. Este primeiro momento foi
importante para que se criasse a ideia de todo histórico e
que eles pudessem se sentir parte do processo de
construção da aula e mesmo de sua própria história.
“Por que nos alimentamos”foi a segunda atividade,
na qual procuramos historicizar o porquê da nossa relação
com a alimentação, fazendo uma retrospectiva desde a pré-
história aos dias atuais e as mudanças ocorridas neste
longo período de tempo. Questionando os alunos a partir
de suas realidades a relação estabelecida com a comida.
Como resultado percebeu-se que eles colocaram-se mais
perto de nossas proposições a partir do momento em que
foram pesquisar imagens e frases para a construção de um
cartaztendo como tema gera o porquê do ato de comer.
Destacamos também o papel importante que a mulher teve
na pré-história, pois eram elas que colhiam os alimentos e
posteriormente cultivavam, sendo que os frutos, verduras,
legumes e raízes por elas coletados eram a maior parte da
alimentação dos grupos pré-históricos, pois a caça era rara,
difícil de concretizar e representava sempre o perigo de
morte dos caçadores.
“Na prática”, foi considerada a terceira atividade
realizada, o objetivo principal foi mostrar de forma real a
transformação desde uma mesa medieval europeia até uma
mesa atual, conforme os elementos de transformação
detalhados por Norbert Elias, os quais ele nos apresenta
utilizando obras de época sobre etiquetas para príncipes,
boas maneiras para crianças e toda sorte de transformações
à mesa, desde o garfo até o guardanapo.Os educandos
tendo acesso a esta linha do tempo de forma real pode ser
uma tática transformadora da realidade e da percepção
deles a respeito do tema e para além, do conhecimento
histórico de forma geral.
Na quarta atividade, o foco foi trabalhar a nova
alimentação, intitulada “A era do fast-food e da comida
fora de casa” como muito bem demonstra
Carneiro,procurou-se demonstrar quais são as preferências
alimentares dos jovens e trabalhadores, tendo como
enfoque os fast-foods, como “Xis (hambúrguer)”, pizza,
salgadinhos e refrigerantes, além de uma grande
dissociação da preparação dos alimentos, pela alimentação
em restaurantes ou por entregas em casa.
“As novas propostas e possibilidades para a
alimentação do futuro” foi nossa última atividade, a qual
teve como proposta principal levar até os estudantes ideias
sobre o que podemos fazer para melhorar nossa saúde e
estar em contato com a história do momento
presente.Tivemos como base para a atividade o slowfood,

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conceito novo,porém que define diversos aspectos da
compreensão sobre o que é alimento, sua função social,
econômica e cultural para cada sociedade. Entendendo que
o alimento e a forma como nos relacionamos com eles, os
costumes são parte do processo complexo que constrói o
que podemos chamar de cultura ou culturas, regionais ou
nacionais.
Foi possível perceber que a proposta não se deteve
em um campo específico abrindo oportunidades para como
neste caso, um hall de atividades. O que pode ser definido
ou utilizado como recurso em sala de aula está diretamente
relacionado ao que o professor desenvolve ao longo do
ano. Outra possibilidade que seria possível se dá pelo
trabalho com alimentação no Rio Grande do Sul durante a
primeira metade do século XIX, mas neste caso o recurso
principal poderia se dar a partir da utilização de Maquetes.
O PIBID História UFSM possui um longo trabalho com
produção e utilização de maquetes relacionadas à História
do Brasil e Internacional, a saber, Cortiço, Casa Grande e
Senzala, Quilombo, Charqueada e outros espaços de
produção no Rio Grande de São Pedro, as quais foram
utilizadas mais efetivamente.
Todas as maquetes acima citadas e as demais que
estão à disposição dos pibidianos e pibidianaspodem ser
trabalhadas juntamente com a questão da alimentação,
como também as relações de gênero, trabalho, vestuário e
costumes, modos de morar, hierarquias e poder,
escravidão, trabalholivre, posse de terras, entre outras
diversas possibilidades que não se esgotamsenãona falta de
criatividade.

Espaços de produção no Rio Grande de São Pedro na


primeira metade do século XIX: um estudo de caso
com maquetes
Uma das principais atividades realizadas em 2015
foi a criação de maquetes, para auxiliar no processo de
ensino-aprendizagem. Sobre maquetes, temos a noção dela
como um recurso que vai muito além da exposição:
Ao passar a mão, o dedo em uma maquete o
aluno percebe algo diferente e que lhe desperta certa
curiosidade em aprender, além do conteúdo a ser
explicado e até mesmo qual a metodologia usada para se
confeccionar uma maquete. Com isso a partir do momento
em que as aulas expositivas ficam somente em

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explicações abstratas, mediante a falta de inovação e
aplicação, de outras metodologias, percebe-se a
necessidade, de aplicarem-se vários recursos didáticos
diferenciados, na tentativa de sanar algumas deficiências
observadas (...), e em facilitar a aprendizagem na área (...),
as maquetes são uma boa alternativa a ser aplicada
(GALLO; CASARIN; COMPIANI, 2002apud
ANDUJAR; FONSECA, 2009, p.393).

Ou seja, com esse recurso visual e materializado,


além de chamar muito mais a atenção dos educandos, atiça
a curiosidade dos mesmos, além de tornar mais concretos
os conteúdos que muitas vezes são abstratos aos mesmos.
As maquetes construídas e utilizadas para a
atividade foram: A estância, charqueadas e uma maquete
de uma colônia alemã. Esses três espaços, explicam grande
parte da ocupação do território e das continuidades dos
modos de produções e das relações entre eles em grande
parte do século XIX. Um caso especial é a da maquete da
colônia alemã, embora até a década de 1870, uma nação
alemã não existe, foi utilizado o contexto de colônia alemã
para facilitar a compreensão dos educandos.
Dentro da escola, a atividade se estruturou em um
encontro com intervenção em aula,trabalhando-se um
período em cada turma, de aproximadamente 45 minutos,
tendo sido realizada em seis turmas diferentes.
A atividade tinha como objetivos a serem
alcançados por parte dos educandos:
 Compreender os diferentes espaços de
produção na primeira metade do século XIX no Rio
Grande do Sul;
 Contextualizar a vida na estância e as
relações existentes neste meio, quebrando com a ideia
tradicional de que a estância era de base somente
escravista;
 Demonstrar como se dá a vinda dos alemães
para o Brasil e a instalação das colônias e das relações
existentes nestas;
 Compreender as Charqueadas não somente
por elas, mas envoltas num sistema bem mais complexo,
que auxilia a quebrar com a ideia tradicional que no sul só
se produz gado, havendo outras relações existentes neste
meio.
Para fins didáticos foi dividida em três partes:
1º Foi feita uma linha do tempo no quadro para
realizar uma contextualização do século XIX, focando-se
mais na primeira metade do século e assim do Brasil
Monárquico, fazendo-se também uso de três mapas:
América Político, Brasil Político e Rio Grande do Sul
Político.
2º Realizou-se uma exposição/apresentação das
próprias maquetes, identificando seus espaços a partir dos
mapas;

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Nesse segundo ponto, é importante deixar que os
alunos olhem atentamente os detalhes das construções, das
paisagens e de representações presentes dentro dos espaços
das maquetes, pois esse momento de observação é
importante paraa construção do saber do estudante.
3º Focou-se exclusivamente no conteúdo das
próprias maquetes, relacionando com o contexto mundial,
o contexto do Império e as próprias relações desses
espaços e as relações que esses espaços mantinham com
outros espaços da América Latina, principalmente no que
se refere ao espaço do Rio da Prata.
As mudanças de relevo, as construções, a forma de
trabalho, o papel da mulher nesses espaços, o contexto
socioeconômico de uma época. As maquetes trouxeram
muitas dúvidas para os alunos que para muitos deles, era a
primeira vez que enxergavam um material concreto
servindo para contextualizar e ajudar na compreensão dos
mesmos.
Uma das percepções vistas em sala de aula, é que o
uso das maquetes foi uma boa forma de visualizar o
conteúdo que é abstrato e teórico. Ao observar as
maquetes, os alunos perceberam formas arquitetônicas das
construções, perceberam as diferenças de revelo, vegetação
e meios de produção em cada maquete, conseguindo
perceber a partir do mapa político do Rio Grande do Sul
como esse período ainda se faz visível quando da
visualização desses espaços e a formação das atuais
cidades.
As maquetes ajudaram muito a abrir caminho com
os alunos, “quebrar o gelo”, pois foi algo diferente exposto
em sala de aula. A aula tradicional virou um momento de
experiência que para nós, foi muito válido.

Osmanlis: Um jogo para entender o Oriente Médio


A partir de questões atuais, resolvemos desenvolver
uma atividade que visasse a saída do senso comum das
questões relativas ao Oriente Médio, no que se refere a
questão do conflito entre Israel e a Palestina, tentando
trabalhar também a questão da identidade com os alunos,
ficando denominada Identidades e Territorialidades no
Oriente Médio, durante os séculos XIX e XX; também
visando a compreensão da situação geopolítica atual da
região, mostrando assim como se deu a
configuração/formação dos Estados após o período de
fragmentação do Império Otomano e do período colonial,
não se tratando apenas de problemas políticos, como
geralmente é divulgado pela imprensa, com Estados de
certa forma ainda não secularizados ou laicizados, onde há

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|605


uma mistura muito forte entre o político e o religioso,
assim como outras instâncias.
A atividade se estruturou em oito encontros com
intervenção em aula, cada um com duração de 45 minutos,
com uma turma de terceiro ano do ensino médio, com uma
média de 25 alunos, sendo desenvolvida da seguinte
maneira:
1º - será realizada uma sondagem na turma, com
uma breve retomada da periodização clássica europeia e
após será realizada uma atividade aos moldes do jogo
Imagem e Ação, onde os alunos deveriam elencar de
quatro a cinco palavras, a partir do entendimento deles
sobre a História, para ver o que eles realmente sabiam ou
lembravam a cerca dos períodos, fazendo uma retomada da
periodização clássica europeia de história;
2º - realizar-se-á uma atividade mais teórica, onde
se trabalhará desde o início da formação do islamismo a
partir do século VII, seus preceitos, leis e práticas; o mais
importante dos califados, com o Império Otomano, da sua
origem, passando pela política dos Haréns, até sua
decadência e desintegração após a Primeira Guerra
Mundial; a formação da Liga das Nações e a criação do
Estado de Israel; chegando até a atualidade, levantando
também a questão da Guerra ao terror e como se deu a
construção da imagem de muçulmanos como terroristas;
3º - com essa atividade tratar um pouco sobre a
história do Judaísmo e do Cristianismo, suas aproximações
e afastamentos, a atividade têm o intuito de fazer um
paralelo com o eixo principal e também para os alunos
passarem a visualizar que a história não é estática e que
várias coisas estão ocorrendo concomitantemente, e ver
que houve períodos de tolerâncias entre as religiões;
4º - a partir do conhecimento dos alunos, e após a
exibição de dois vídeos, This Land is Mine e Uma breve
história dos EUA, e uma breve explanação da teoria do
Choque de Civilizações de Samuel P. Huntington,
promover um debate com os alunos, a partir do que eles
conseguirem identificar nos vídeos, tentando trabalhar
temas também como violência identidade, conflito,
diferenças ideológicas e paz;
5º - realizar com os alunos um “Muralismo” através
da confecção de cartazes, onde os alunos deverão se
manifestar a partir de questões que iremos suscitar com
eles comoo que os torna/identifica um sujeito único, o que
me identifica como um indivíduo, espaços onde eles podem
se expressar livremente e se a escola é um desses espaços,
o que os identifica como um grupo/coletivo, trabalhando
também a ideia de sujeitos históricos, e que todos estão
envolvido no processo histórico, quebrando um pouco com
a história dos grandes heróis, trazendo alguns conceitos
para se trabalhar com eles;

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|606


6º - desenvolver com os alunos um texto crítico,
onde elesdevem escrever sobre a religião, através de
questões como o que é, sobre as áreas de ação ou
influência que deve ter,o que entendem por monoteísmo, a
partir disso, eles desenvolverem um resumo e uma análise
das atividades desenvolvidas pelo PIBID;
7º e 8º - será aplicado um jogo desenvolvido no
projeto, denominado Osmanlis, em função da primeira e
única dinastia otomana, assim denominada, aos moldes de
jogos de trilha, com momentos onde haverá questões com
múltipla escolha e outras somente informativas, sendo o
jogo dividido em três grupos, cristãos, judeus e
muçulmanos, tendo como ponto de partida Constantinopla
(atual Istambul) e de chegada à cidade de Jerusalém.
Concluímos com as atividades com os alunos à
grande dificuldade de se pensar a história como um longo
processo e não como fatos isolados, como por exemplo,
quando da primeira atividade, para realizar uma sondagem
da turma e de seus conhecimentos, quando solicitamos
uma palavra que retratasse a Idade Média, muitos
colocaram um castelo, mas não tinham ideia de que esses
castelos vem de um longo processo a partir das
fortificações romanas, fora a dificuldade em compreender
em qual período e em que época, os fatos e eventos
ocorreram.
Outra dificuldade encontrada foi no entendimento
dos alunos sobre ahistória do oriente, como é abstrato para
eles entender como se deu os processos por lá, mesmo que
hoje já se tem começando a se dar um enfoque maior nos
livros didáticos para esta temática, mas nota-se também
um grande interesse por parte dos alunos em aprender
sobre a história do oriente. Ao abordamos o complexo
sistema de sucessão do Império Otomano e a pratica dos
haréns junto com a subjugação da mulher, vários se
indagaram sobre como esse sistema era útil e como ele era
tão atrelado à vida do imperador.
O jogo era o ponto alto de toda essa série de
atividades. Os alunos foram divididos em três equipes, as
três divididas em Católicos, Judeus e Islâmicos, saíram de
Constantinopla para chegar a Jerusalém. No caminho
alguns alunos nos surpreenderam por acertar algumas
questões rapidamente que nós tínhamos consideradas um
pouco difíceis, assim como em algumas básicas eles
responderem incorretamente. No final, não importou quem
ganhou o jogo, pois quando a equipe vencedora chegou a
Jerusalém e leu carta que traz a Resolução 181 da ONU,
onde foi criado o Estado de Israel e da Palestina e ocorreu
à internacionalização da cidade de Jerusalém, que ficou no
papel, não havendo um vencedor, alguns demoraram um
pouco para compreender, mas no fim compreenderam a
ideia do jogo.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|607


Concluindo, o jogo para nós foi mais que uma
criação para servir unicamente para esta atividade esse
jogo além de permitir varia outras intervenções em outras
escolas, abriu caminho para realizar a criação de vários
outros jogos para servir em sala de aula.

Considerações finais
Notamos com as atividades que com o
envolvimento de nós pibianos, assim como dos educandos,
no processo de produção de materiais didáticos e utilização
de recursos paradidáticos, há uma maior significação
maior por parte dos alunos e uma apreensão maior por
parte dos alunos nas atividades.
Uma das conclusões obtidas com essas atividades, e
que já expomos ao decorrer do artigo são as possibilidades
de desenvolvimento de materiais, oficinas e atividades
lúdicas variadas que contemplem conteúdos e/ou
realidades específicas. Muitos foram os exemplos
demonstrados e problematizados, como o Jogo Osmanlis, o
uso das maquetes (Charqueada, Colônia Alemã e
Estância), Alimentação em sala de aula entre outros. Todos
estes exemplos são de grande multiplicidade e abrem as
portas para a dinamização do Ensino de História.
Aliados a pesquisa sobre novas possibilidades de
atividades dentro da sala de aula, o processo de ensino
aprendizado é aprimorado com novos materiais criados e
compartilhado pelos pibidianos para a comunidade escolar.
Mesmo quando as dificuldades cotidianas do trabalho do
professor de História se fazem presentes nas atividades dos
pibidianos é tomada como possibilidade de aprendizado,
construção do educador.
Foram feitas várias apostas sobre as atividades que
disponibilizamos em sala de aula. Para nossa sorte as
atividades foram bem recebidas pelos alunos que se
mostraram bem dispostos e abertos para as atividades. A
direção da escola e o apoio da coordenadora e de nossa
supervisora na escola foram também elementos essenciais
no processo de realização das atividades realizadas pro
Projeto PIBID. O que fica de percepção final é a
necessidade de se consolidarem e ampliarem propostas
como esta que foi apresentada, dando a oportunidade dos
licenciandos estarem dinamizando as aulas de história e
contribuindo na melhoria da educação básica.
Para finalizar destacamos como o projeto além de
proporcionar uma experiência docente antes mesmo do
estágio, vai para além da experiência, acaba por influenciar

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|608


na formação da identidade do educador além de uma
renovação docente tanto em âmbito institucional quanto
escolar, destacando também este trabalho em conjunto que
o programa nos propicia, e claro como colocamos logo ao
início em seu viés de caráter inovador proporcionar o
desenvolvimento de novas metodologias para o Ensino de
História.

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A Fotografia como uma nova estratégia para o
ensino de História
PorTatiane Gasperin de Chaves Guerra¹, Jaqueline Benvenuti

Resumo Abstract
O presente artigo é fruto da experiência This article is the result of the internship
de estágio com alunas de magistério, onde experience with teaching students, where
várias temáticas foram utilizadas, ressaltando a several themes were used, emphasizing
diversidade e as possibilidades no ensino; neste diversity and possibilities in education; in this
texto daremos destaque a fotografia. text we will emphasize the photography. We
Percebemos a necessidade de salientar a realize the need to point the importance of
importância das imagens como leitura de images as reading elements comprising the
elementos que compreendem a cultura, a culture, society and the immersion of a history,
sociedade e a imersão de uma história, de modo to form sources that express these social values
a formar fontes que expressam estes valores which may add knowledge through critical
sociais que venham a agregar conhecimento por analysis and reflections which are not exposed
meio da análise crítica e de reflexões onde não as "absolute truths", but readings that bring us
sejam expostas como “verdades absolutas”, mas closer to a context, questioning through their
sim como leituras que nos aproximam de um representative your role. We take input the
contexto, problematizando por meio de sua work of Kossoy, Kubrusly and Mauad, we can
representatividade o seu papel. Tomamos como then see the picture as a strategy for
aporte os trabalhos de Kossoy, Kubrusly e reconstruction of history, opening different
Mauad, conseguimos então ver a fotografia aspects for teaching and learning.
como estratégia para reconstrução da História,
abrindo diferentes vertentes para o ensino e a Keywords:Photography, Languages, Teaching Strategy, History,
aprendizagem. Articulation of Knowledge

Palavras-chave:Fotografia, Linguagens, Estratégia de Ensino, História,


Articulação do saber

¹ Universidade de Caxias do Sul. Contato: tgchaves@ucs.br

² Universidade de Caxias do Sul. Contato: jbenvenuti@ucs.br

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Introdução
O ensino de História, como outras áreas do saber,
tem o papel fundamental de propiciar condições favoráveis
de ensino e aprendizagem ao aluno. Sendo através deste
contexto que trazemos presente a fotografia como temática
a ser trabalhada neste artigo, tendo como objetivo geral a
análise metodológica da fotografia como uma nova
estratégia no ensino de História; sabemos que diversas tem
sido as metodologias que podem ser abordadas em sala de
aula, cada professor tende a adaptar a metodologia a
turma/conteúdo, somado assim as suas características e
predileções, temos por experiência vivida enquanto
docentes neste curto período a utilização do cinema, rádio
e internet; cada qual trazendo seus benefícios e
dificuldades, as possibilidades encontradas são inúmeras, é
impossível mensurar as possibilidades que um mestre do
conhecimento tem ao adentrar no mundo das ideias,
entretanto cabe ao professor escolher e adaptar a estratégia
ao momento de ensino. Visualizamos a fotografia como
recurso pedagógico viável, em que a imagem vem como
um reforço à escrita propriamente dita, é realmente uma
ferramenta de interpretação de determinado contexto,
época ou até mesmo período específico, capaz de despertar
a curiosidade do aluno por usufruir-se de uma estratégia
diferenciada no ambiente escolar. Podemos citar como
exemplo a monotonia que observamos nos estágios
anteriores, onde o professor sempre se mantém em um
lugar confortável, utilizando sempre o mesmo método, os
quais ouvimos diferentes depoimentos, sendo um deles,
que os professores sentem-se familiarizados com a
utilização dos mesmos métodos e recursos, onde a
interação não foge ao uso de livros e vídeos, apenas em
raras situações percebemos que o uso de outras estratégias
é empregado. Tendo assim, nestes poucos exemplos, uma
experiência variada, propiciando ao aluno uma vivencia
nova, ele passa a ser o agente construtor de uma história
onde pode se inserir”. Tendo em vista tais palavras,
obtivemos tal experiência vivenciada com os alunos do
magistério do Colégio Cristóvão de Mendonza, em um
curso oferecido sobre “As múltiplas linguagens do Ensino
de História” que vai ao encontro da disciplina de Estágio
em História III da UCS tendo como professora orientadora
Dra. Eliana Rela. Ministrado no primeiro semestre de
2015, onde 20 alunos de diferentes idades participaram das
atividades desenvolvidas em dias diferentes dos de suas
obrigações usuais enquanto estudantes, com o objetivo que
no futuro pudessem usufruir destes recursos em seu
ambiente profissional; todos se mostraram muito

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responsivos aos conteúdos abordados, nos mostrando que
o que não é usual pode sim ser tomado como modelo e
através destes recursos uma nova forma de
conduzir/construir a aula pode surgir, favorecendo o
companheirismo, amizade e a troca de experiências entre
os participantes. Analisaremos, por meio do presente
artigo, as experiências, perspectivas e os depoimentos da
parte do “educador” e do “educando” do uso da fotografia
como recurso que permeia de modo favorável o ambiente
escolar.
Tendo em conta o ditado popular “a imagem vale
mais que mil palavras” podemos analisar que o grande
desafio dos docentes atualmente é de como mostrar a
valorização que a fotografia possui, começando pela
desmistificação do “mau uso” que se faz das imagens, ou
seja; o papel só pelo papel, mostrando assim o
desenvolvimento de uma linguagem necessária ao aluno de
modo que eles possam ser capacitados para compreender o
que a fotografia retrata e o que ela nos “fala”, que vai além
de sua fisionomia mostrando seu valor simbólico que nos
ensina a interpretar seu “código visual” embutido em um
tempo e espaço histórico, sendo uma fonte no processo do
saber. Vale ressaltar que a imagem em si não se dá
somente através da fotografia, outros suportes podem ser
utilizados para transmitir as imagens tendo o mesmo
impacto no público receptor, salienta-se que os métodos
podem ser diferentes, mas o objetivo é o mesmo; imagens
que tenham certo significado podem provir até mesmo de
vitrais, desenhos em postais entre outros, cabe ao
profissional da educação a capacidade de refletir sobre esta
representação, tornando mais compreensível ao aluno o
ponto em que se quer chegar.
Podemos utilizar assim uma metodologia integrada
e firmada na observação de artigos científicos, livros sobre
o uso e a história da fotografia (suas iconografias) que vem
ressaltar a grandiosidade da representatividade que esta
ferramenta vem proporcionar e agregar para o
conhecimento em sala de aula e sua efetiva eficiência,
abrindo fronteiras como uma grande vertente para um
saber renovado que desperte “o ser aluno” vivenciando
uma nova forma de transmitir e propiciar novos
conhecimentos de modo a formar uma engrenagem que
edifique um novo rumo para a educação, ou seja, à
construção de seu conhecimento, pois a fotografia faz com
que o aluno interaja com esta “ferramenta didática”
levando a reflexão, de modo a buscar conceitos e
significados à imagem que está analisando, pois diferente
de outros recursos que já “entregam” o conhecimento
“pronto” ao aluno não fazendo com que eles se sintam
sujeitos de seu próprio conhecimento. Segundo SONTAG
a fotografia tornou-se um dos principais meios de acesso à
experiência, a uma ilusão de participação onde por meio

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dela mudamos a nossa forma de ver, fazendo assim um
redirecionamento ao que vale apena ser olhado, ou não.
Por meio do resultado e da experiência vivenciada, este
artigo vem a contribuir e agregar novas “vertentes” de
conhecimento para o professor e o aluno, criando assim
uma nova possibilidade de ensino e aprendizagem em
nossos ambientes escolares viabilizando assim uma
alternativa renovadora para o Ensino de História.
Esperamos que nossos alunos possam ao menos levar um
pouco do conhecimento adquirido a sua vivencia,
influenciando seus alunos e colegas...

A importância da fotografia como estratégia


metodológica e sua abordagem teórica
A fotografia remete ao século XIX, onde desde cedo
foi possível resgatar a representação dada pelos olhos de
quem vê, não há uma única representação correta, temos
toda uma lista de fatores que influenciam isto, começando
pelo principal, o fotografo, ele nos quer mostrar algo, é
através de seus olhos que pode ser vista a imagem o mais
fidedigna do que ele propõe, entretanto este não dispõe dos
meios para explicar a imagem, somente através da
representação pode demonstrar o que sente, ou deseja que
as pessoas sintam. Temos o personagem, seja o homem,
animal, natureza ou situação, vemos que esta figura é a
mais emblemática, que pode ser construída ao bel prazer
do fotografo. Temos também as fotos construídas com
algum objetivo, através do desejo que algo fosse retratado
desta maneira. E por último, os olhos de quem vê, quem
deve julgar o produto, é impossível ter uma mesma
representatividade, é inconsciente.
Ao mesmo tempo em que nos remete pensar através
da fotografia as diferentes estratégias de ensino e
aprendizagem, é relevante salientar a importância das
imagens como uma leitura de elementos que compreendem
a cultura, a sociedade e a imersão de uma história, de
modo a formar fontes que expressam estes valores sociais
que venham a agregar conhecimento por meio da análise
crítica e de reflexões onde não sejam vistas como
“verdades absolutas”, mas sim como diferentes leituras
que nos aproximam de um determinado contexto,
problematizando por meio de sua representatividade o seu
papel como elemento cultural da história.
Segundo Adorno e Horkheikmer imergidos aos
ideais da Escola de Frankfurt analisam a representatividade

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da imagem como uma função ideológica norteadora capaz
de produzir sentidos, não sendo vista em sua neutralidade,
mas sim na sua representatividade da realidade capaz de
dar significados e sentidos aos fatos que as constituem.
Atualmente vivenciamos a grande problematização do uso
de imagens vinculadas ao ensino de história, onde grande
parte dos professores possuem uma defasagem referente à
utilização da imagem por meio da iconografia como
recurso didático, por não apregoar as leituras necessárias a
sua representatividade iconográfica não podendo assim
aproximar-se desse meio como fonte de aprendizagem ao
seu aluno ou quando a utiliza lhe emprega
inadequadamente. Isso se deve ao fato que o próprio
professor não foi instruído ou não se deu ao trabalho de
aprender como utilizar este maravilhoso recurso, estamos
acostumados a reproduzir o que foi-nos passado e cremos
que esta pratica permanece inalterada; através de uma
tradição sem precedentes este recurso vem sofrendo
depreciação se comparado a textos e vídeos. Quando em
nossa formação que o trabalho com imagens foi preferido a
o de um texto? Claro que não queremos questionar a
utilização deles e séculos de formação, mas gostaríamos de
propor uma nova forma de ensino, fazendo daquela
imagem exposta uma fonte histórica de “comprovação e
veracidade absoluta da história” não proporcionando ao
seu aluno um debate e reflexões necessárias delimitando a
aproximação da leitura do contexto histórico o qual a
imagem está inserida, o significado transmitido por meio
dela e os ideais que aquela imagem representa, qual foi o
seu reflexo no tempo histórico em questão e como
podemos analisa-la atualmente de modo a compreender o
visual e o verbal como elementos de produção do
conhecimento por meio da análise historiográfica como
explica Certeau:
“Encarar a história como uma operação será
tentar, de maneira necessariamente limitada, compreendê-
la como uma relação entre um lugar (um recrutamento,
um meio, uma profissão, etc.), procedimentos de análise
(uma disciplina) e a construção de um texto (uma
literatura)”. CENTEAU, Michel, 2000, p.66

Por meio desse viés, percebemos a fotografia como


uma invenção que surgiu junto da Revolução Industrial, e
como diria a autora Boris Kossoy em seu livro “Fotografia
e História”, a fotografia assume o papel fundamental
enquanto possibilidade inovadora de informação e
conhecimento capaz de promover o apoio à pesquisa nos
diferentes campos da ciência e também como forma de
expressão artística, no qual podemos usufruí-la como uma
possível abordagem teórica e metodológica para o ensino
de História. Segundo Kossoy, a grande problematização
ocorre devido ao fato de muitos recorrerem à fotografia
como um recurso de “expressão da verdade” considerando-

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a uma arma temível àqueles que não sabem usufruí-la
adequadamente ou por “manipulá-la” a seu favor, mas se
utilizar de sua “imparcialidade” a história, contudo ganha
um novo documento, ou seja; uma verdadeira revolução
estava a caminho, por meio da preservação da memória
visual, de seus fragmentos, acontecimentos, são veraz
reflexos da existência conservada e congelada pelo registro
fotográfico, tornando-se “memórias preservadas” por ser
reconhecidas como documento: uma fonte para História
onde a fotografia representa o reflexo da realidade. A
partir da década de 80 o historiador passa a perceber a
fotografia com outros olhos, com o acréscimo de novas
fontes, novas estratégias passam a surgir e também novas
indagações, nem tudo o que conhecemos permanece e a
fotografia pode ser uma forma de transpor uma memória
através do tempo, cabe ao profissional estabelecer seus
objetivos, se dedicar a conhecer a fundo a fotografia e o
que está representado, sempre lembrando que não existe
uma única verdade.
Contudo, podemos nos perguntar afinal “O que é
fotografia”, qual é o seu significado teórico relacionado ao
ensino de História. Segundo Kubrusly (1991), “Diante da
pergunta, o menino hesitou um instante e lascou:
fotografia? É quando a televisão para de mexer, fica tudo
paradinho e a gente pode olhar as coisas devagar. É o
maior barato”(1991p.7). Através desta citação
analisamos o fato do não questionamento referente à
existência de imagens, para o “menino” não há
questionamento, ele não se impressiona com a
possibilidade de obtê-la ou reproduzi-la, de modo que o
“mundo da imagem” existe e pronto, fato o qual talvez não
tenha “alimentado” dentro de si a referência e a
importância da fotografia como recurso pedagógico visto
apenas como um objeto em que não produz significados,
não podendo usufrui-lo de tal forma. A fotografia
teoricamente, segundo o autor, é a possibilidade de parar
no tempo, retendo para sempre uma imagem que jamais se
repetirá, um processo de gravar e reproduzir tudo que nos
cerca onde a fotografia é “tudo isso e mais um monte de
coisa também”. Podemos brincar com esta noção,
fotografia nos diz tudo como também faz o oposto, nos
questiona, nos coloca a prova, é real? É uma construção?
As dúvidas referentes a uma imagem retratada são muitas
vezes maiores que suas constatações.
De acordo com a escrita acima, é necessário
alimentar em nossos alunos e professores o “gosto” por
esta estratégia de ensino de modo que a fotografia possa
ser vista como uma ferramenta que venha a contribuir para
o “ser aluno”, interligado na satisfação do professor de
poder ensinar usufruindo de novas didáticas de ensino e
aprendizagem. Através dos diferentes vieses podemos
compreender o processo de ensino e aprendizagem, como

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|616


exemplo, Dewey diz que a construção do saber consiste
em que a educação é o processo de crescimento para
obtenção de possibilidades de novas experiências como
qual o próprio processo de “aprender a aprender”. Em
outra instancia temos Paulo Freire que visualiza a
educação através da instauração de uma “pedagogia do
diálogo”, que deveria ter por regra a horizontalidade entre
educador e educando que persiste no encontro de homens
que se amam e desejam transformar o mundo. Este diálogo
consiste em perceber as situações vivenciadas pelo
educador e o educando e na comunidade deste aluno,
aprofundando-se através da problematização
colocando assim o educando na condição de alcançar uma
visão crítica de sua realidade.
O debate e os estudos sobre o uso da fotografia
como fonte para pesquisa em História é algo que vem
sendo questionado há tempo, principalmente quando nos
debruçamos às técnicas e metodologias de trabalho a
serem desenvolvidas em relação à fotografia como
imagem, decorrente ao conhecimento que nos remete ao
passado. Boris Kossoy atesta que:
“As fontes fotográficas são uma possibilidade de
investigação e descoberta que promete frutos na medida
que se tentar sistematizar suas informações, estabelecer
metodologias adequadas de pesquisa e análise para
decifração de seus conteúdos, e por consequência, da
realidade que os originou”. (KOSSOY, 2001p.32)

Para tanto, a observação e análise em reconhecer o


significado da fotografia como fonte histórica e como
estratégia de ensino e aprendizagem, se faz eficaz quando
tanto o educador quanto o educando tenham em mente a
fotografia como imagens ou iconografias que retratam o
fragmento da realidade, um resgate da “memória” que tem
como fundamentação teórica e metodológica uma
interpretação do testemunho material e visual dos fatos
históricos. Segundo Mauad (1995) a fotografia encontrou
seu lugar como “fonte histórica” incluindo toda sua
produção material e espiritual, tendo toda uma
transformação da perspectiva “tradicional” da história,
deixando de ser narrada uma história individual, passando
assim a sintetizar as narrativas dos grandes fatos e dos
grandes vultos. Para isso tornar-se de tal forma,é
necessário nos debruçarmos ao tempo e espaço ao qual a
mesma está inserida dentro de um contexto histórico em
questão que venham a dar significado e sentidos a
fotografia como uma nova estratégia de ensino para
História. Se valendo da facilidade que os recursos nos
proporcionam, já que os meios nos são dados de forma tão
fácil, a qualquer momento podemos gravar uma imagem,
não importando a motivação, pode ser algo banal como
fotografar o texto escrito pelo professor no quadro negro,

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|617


uma situação inesperada como o encontro com amigos de
longa data a muito por se encontrar, uma visão fantástica
que nos chama a atenção como um por do sol vermelho;
algo que seria bom guardar, que não passe sem a chance de
receber um novo olhar e significado, pode ser que aquele
momento seja importante e a fotografia é a prova que ele
existiu.
“A educação é um processo social, é
desenvolvimento. Não é a preparação para vida, é a
própria vida” (Dewey, John).

A fotografia na visão pedagógica e historiográfica


dentro de um tempo e espaço
A fotografia segundo Roger Chartier, compreende o
modo de ver a sociedade dentro de um tempo e espaço
(imagens, pinturas, documentos, objetos etc.). Tendo por
base o pensamento de Chartier, ao nos remetermos as
diferentes formas de ensino e aprendizagem é importante
estabelecermos um recorte histórico, de modo a
compreendê-lo dentro de sua época em questão, conforme
a mentalidade, os fatos e acontecidos daquele período, para
assim, poder traçar um paralelo entre o passado e o
presente sendo hodierno ao ambiente escolar. Como diz
Harvey (2004) “As ordens simbólicas do espaço e do
tempo fornecem uma estrutura para experiência, mediante
a qual aprendemos quem ou o que somos na sociedade” (p
198). Através desta citação podemos vivenciar as
categorias de tempo e espaço como um modelo comum da
percepção de realidade, e a importância de trabalharmos
esta concepção com nosso aluno, de modo que ele não veja
a fotografia como uma imagem “estagnada”, “congelada”
no tempo, mas sim o reflexo e a sua produção referente ao
passado, criando condições para que o educando saiba
usufruir desta ferramenta, decifrando sua utilidade,
incorporado assim a historiografia dentro de seu contexto.
Ao nos remetermos ao termo “tempo histórico” é
importante lembrar a sua clareza e objetividade, pois
muitas vezes este viés de tempo está longe da realidade do
aluno. Como nos diz José Saramago,“Fisicamente,
habitamos um espaço, mas sentimentalmente, somo
habitados por uma memória”. De certa forma, a grande
problematização ocorre ao analisar dentro do campo
pedagógico escolar, se os educadores possuem suporte
necessário para usar de novos mecanismos e estratégias
(como a fotografia) em sala de aula de modo que o mesmo

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esteja incluso dentro do PPP (projeto político pedagógico)
da escola remetido ao olhar da História dentro de um
tempo e espaço.
“Executando alguns problemas especiais, fazer
fotografia é muito fácil e não exige conhecimentos
profundos de nenhuma ciência. Talvez a maior exigência
seja exatamente um conhecimento o mais diversificado
possível.”(KUBRUSLY,1991,P.12)
A escola, hoje, nos permite uma visualização além
do “olhar articular”,ou seja, a uma única ferramenta
didática de ensino e aprendizagem, pois os alunos de hoje
são muito mais ativos e “avançados”. Segundo BENCINI
as crianças de hoje são mais participantes, ouvem rádio,
veem novelas, noticiários e programas de auditório e
sabem operar computadores melhores que muitos adultos,
na sala de aula, participam mais, se agitam, conversam,
dão palpite, tudo porque tem opinião, resultado da
facilidade de acesso à informação. Dentro desta
perspectiva, nos permite analisar se a escola está preparada
para lidar com esta nova realidade e o que os professores
estão fazendo para se aproximar do contexto de nosso
aluno atual, de modo a contribuir para uma educação
diferenciada e eficaz, sendo este um dos objetivos a serem
abordados neste artigo como uma nova estratégia para o
ensino de História. BENCINI também remete sua fala em
dizer que, “as histórias e as notícias deixaram de ser
privilégios de poucos e o que vale não é apenas possui-las,
mas interpretá-las, em outras palavras, transformar
informação em conhecimento”(2002,p16). Baseado na fala
da autora, vivenciamos diferentes recursos pedagógicos
que, se trabalhados adequadamente, vem a suprir a
realidade de nossos alunos e a satisfação de nossos
professores, como exemplo em questão, a fotografia, que é
considerada como “uma nova era de civilização”, onde a
imagem tem, sem dúvida, um dos papeis principais, já
mencionados anteriormente por Kubrusly.
Por base à historiografia, nos permite trabalhar a
imagem fotográfica em sala de aula como recurso
pedagógico desde que realizarmos os questionamentos
necessários ao nosso aluno, identificando o contexto
social, econômico, político e cultural do tempo e espaço,
classificando o assunto registrado, o período o qual
compreende, se possível, detectando o local de origem, o
fotógrafo (a), os assuntos registrados (se mencionados) e
os fatos que permeavam sobre aquela conjuntura. Com
base a estes “questionamentos” o educando tem que ter
como objetivo, o que quero desta estratégia pedagógica
(fotografia) e onde pretendo chegar tomando como base
este recurso.
Boris Kossoy, em seu contexto trabalha bastante a
história e a fotografia como primórdio de desenvolvimento

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|619


da pesquisa histórica. Utiliza como método a iconografia,
se debruçando a um olhar “além do que determinada
imagem significa”, mas sim o que outras fontes históricas
podem nos dizer sobre ela. A historiadora Miriam Moreira
Leite vem ao encontro do pensamento de Kossouy, ao se
referir que:
“As fotografias devem ser consideradas pelos
historiadores da mesma forma que outra prova qualquer,
avaliando mensagens que podem ser simples e obvias ou
complexas e pouco claras. Nunca contém toda verdade e
muitas vezes se limitam a registrar aspectos visíveis, de
matéria prima a ser elaborada.”

Deste modo, podemos tomar como base para


constatação da fotografia como articuladora das vias
pedagógicas e historiográficas, o pensamento do
ilustríssimo historiador Peter Burke ao se referir que “as
câmara fotográficas não mentem”, ou seja, a objetividade
alcançada por meio dela. Burke remete-nos a pensar que
imagem representada por meio da fotografia, além de
ampliar nosso conhecimento, pode sim ser considerada
uma fonte histórica que pode ser utilizada como estratégia
pedagógica de ensino para “compreensão do passado”,
traçando um paralelo com a história presente e as
“técnicas” que venham a analisar e refletir tal ferramenta
em sala de aula como registro da memória retratada por
meio da História.

Relatos da experiência do estágio (professor/aluno)


Em nossa experiência de estagio, ofertamos o curso
Múltiplas Linguagens no Ensino de História a vinte alunos
do magistério da Escola Cristovão de Mendonza em maio
de 2015, este foi oferecido em quatro sábados, tendo a
carga horária total de 40 horas; nossos alunos a princípio
compareceram para sanar a necessidade de suas horas
complementares, já que precisam cumprir 400h, conforme
dados da Secretaria da Educação do Estado do Rio Grande
do Sul. As temáticas abordadas foram rádio, fotografia,
cinema e internet, através destes temas acreditamos que o
básico foi passado a nossos alunos, dando-lhes um pontapé
inicial a uma nova forma de ver e exercer a docência.
Começamos nossa reflexão tendo como base a
citação da antropóloga Elisabeth Edward:
“A fotografia se tornou sedutora por sua
capacidade de ser direta e por sua realidade aparente. O
problema é, na sua essência, mais histórico e ideológico

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do que fotográfico ou foto-histórico, pois as fotografias
nunca são simplesmente evidências. Elas são históricas
em si mesmas e a complexidade dos contextos de
percepção da realidade, enquanto manifestada na criação
de imagens, cruza-se com a complexidade da natureza da
fotografia em si, de várias formas”. (EDWARD, 1996.
P15)

123
Fonte: Mapele News

Ao relatar sobre as experiências vivenciadas no


estágio, podemos nos debruçar justamente à citação acima.
A fotografia em primeiro momento foi observada pelos
alunos, justamente como uma “imagem como qualquer
outra”. Ao persistir em criar uma “possível estratégia de
ensino” mencionada anteriormente nas entrelinhas do
artigo, começamos a perceber a “sedução” por meio dos
alunos, mencionado por Edward anteriormente.
Percebemos a “carência” estampada em alguns alunos, de
fato que os mesmos vieram buscar este curso por sentir a
necessidade de se aperfeiçoar e “beber” de novas
estratégias de ensino, tendo ciente a necessidade de um
ensino renovado, o qual os métodos “tradicionais” por si
só já não suprem mais a realidade de nosso aluno atual.
Sentimos em primeiro momento a vontade deles em
acreditar em uma “educação renovadora” e também
detectamos a “defasagem” de conhecimento explícito em
alguns deles. Por mais que a grande maioria sejam alunos
de magistério, diversos ainda não tinham um contato direto
com a “fotografia como estratégia pedagógica” ao ponto
que, em primeira instância, não conseguiam fazer uma
“leitura” do que estava à sua frente se debruçando ao
ensino da História.

123
Disponível em: https://br.noticias.yahoo.com/menina-s%C3%ADria-confunde-c%C3%A2mera-com-arma-e-comove-o-mundo-122152206.html.
Acesso em Novembro 2015.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|621


Ao fazer os devidos questionamentos da
importância da fotografia como estratégia para o ensino de
História, recordamos que esta foi uma das aulas onde mais
houveram debates, pois cada um visualizava a imagem
apresentada com diferentes perspectivas mas que levavam
a um único viés. Podemos tomar como exemplo a
fotografia da criança síria ao confundir a câmera
fotográfica com o cano de uma arma. Por meio desta
imagem, passamos a interiorizar todo contexto histórico
que estava explícito naquela imagem e também a análise
do que não enxergávamos visualmente, mas historicamente
tinha toda uma abordagem e significação a ser trabalhada,
o qual a turma conseguiu detectar. Neste momento eles
conseguiram perceber que a fotografia é um instrumento
simples e de fácil acesso para ser usado em sala de aula
(diferente de outros recursos que requerem maior
investimento financeiro, deslocamento etc.) e que muitas
vezes passava despercebido, justamente por não saberem
usufruir adequadamente deste instrumento
pedagogicamente. Temos em mente um questionamento
feito por um aluno, que muitas vezes o magistério se
preocupada em exigir a produção de matérias que
requeiram tempo e trabalho e se esquecem de mostrar
outros recursos, como exemplo a fotografia, que tem
inúmeros fatores a serem explorados e, se usados
adequadamente, fornecem muito “pano pra manga”
podendo assim, realizar um “trabalho” totalmente
diferenciado, que desperte o interesse em nossos alunos e
que os faça obter um conhecimento eficaz que muitas
vezes vai além de nossas expectativas. Como é forte
perceber que uma “imagem fala mais que mil palavras”,
literalmente e historicamente.
O que se mostrou mais gratificante, foi perceber que
grande parte dos alunos veio em busca do curso com o
objetivo de suprir as “horas complementares” e já na
primeira aula começaram a “desmistificar” o conceito que
tinham. Compreendemos através de seus depoimentos que
já estavam cansados de “ouvir sempre a mesma coisa”, já
estavam habituados a algo monótono e repetitivo. Foi
gratificante vê-los ligando para seus colegas e falando que
este curso era diferente e tomando vantagem em relação
aos outros que não estavam presentes, não tem sentimento
maior passível de explicação. Cremos que o significado
maior o qual o curso proporcionou é justamente este, se
eles estão cansados de vivenciar sempre a mesma coisa,
serviu de incentivo para mudar, será que é isso mesmo que
queremos que nossos futuros alunos também vivenciem?
Ou, a partir de nossas experiências, tomar a tona o que já
vivenciamos de bom e colocar como exemplo o que
vivenciamos de “mal” como uma “lição” e, a partir dela,
fazer algo diferente, em outras palavras o que é bom levar
a vida profissional descartando o que não queremos levar

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|622


daqui para frente dando o melhor de nós para não cair nos
mesmos erros já vivenciados anteriormente.
Ouvimos muito aquela “velha frase” que temos uma
escola do século XIX, com professores do século XX e
alunos do século XXI e podemos dizer que com as poucas
experiências que tivemos em sala de aula, é possível sim
fazer algo diferente que venha despertar o “gosto” do saber
ao nosso aluno, claro que não será sempre e em todos os
momentos que isto vai acontecer, mas se cada um der o
melhor de si e fizer a sua parte preenchendo as lacunas que
estão abertas em nossa realidade educacional, já agregaria
um diferencial na educação. O grande problema que
visualizamos é que grande parte dos alunos carregam a
bagagem que vem desde nosso tempo de escola, a
distribuição de conteúdos, sem estabelecer ligações da
temática com a realidade do aluno, onde, nas suas próprias
falas, detectamos o motivo pelo qual preciso saber isso,
talvez porque em algum momento faltou expor ao aluno a
necessidade de determinados conteúdos, de uma estratégia
diferenciada, da questão de interdisciplinaridade do ensino,
os quais, muitas vezes, estão longe de sua realidade e de
suas perspectivas, ao qual cremos que seja nossa missão
“preparar um terreno fértil e lançar sementes” para que
depois possam colher os frutos do conhecimento que
buscaram ao longo da vida.
Não nos cabe generalizar, mas acreditamos que seja
através dessa nova geração de professores que apostam em
uma “educação renovadora”, claro que para isso depende
da força de vontade e dos ideais que cada educador carrega
profissionalmente e onde pretende chegar. Para termos
“aulas mais interessantes” com novas estratégias de
ensino, precisamos sair do comodismo, sempre buscando
estar “atualizados” (pois nossa área está sempre
renovando, para não pararmos no tempo) e isso equivale
tempo, dedicação, determinação, levando em conta que
temos várias turmas a atender e que ao longo do percurso
encontramos também dificuldades, ou seja; alunos que
querem aprender e muitos que estão ali apenas por
obrigação, alguns não possuem uma “estrutura familiar”
capaz de fornecer o suporte necessário a esta fase tão
importante da vida de uma criança, onde os pais acham
que o “dever” é dos educadores de ensiná-los os princípios
básicos que vem de casa, não sendo fácil lidar e conciliar
tudo isso, mas mesmo assim isso não justifica o fato de
não apostarmos em nossos alunos ou muitas vezes deixar
alguns de lado e “taxá-los”. O estágio nos faz “enxergar
com uma nova visão”, perceber e vivenciar momentos que
só a prática propicia e no fim do dia o mais gratificante foi
saber que o que importa não é se a aula “deu certo”, ou se
ocorreu conforme o planejado, mas sim que foi tentado e
que esta tentativa de um jeito ou de outro produziu frutos;
ou seja contribuiu para novas vertentes do saber, fez de

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nossos alunos sujeito de seu próprio conhecimento,
aprendemos que o estágio não é para “dar certo” mas sim
para se tentar e de um jeito ou de outro deixar nossa marca
estagnada como um diferencial para educação.
A teoria e a prática estão interligadas dentro de um
conjunto que torna o aluno como sujeito neste processo de
agregar o saber, em que, nas controversas da sociedade, “a
educação é um direito de todos”, mas apenas alguns fazem
jus aos pilares básicos de uma verdadeira educação. Como
diz Paulo Freire: a teoria sem a prática vira “verbalismo”,
assim como a prática sem a teoria, vira ativismo, no
entanto, quando se une a prática com a teoria tem-se a
práxis, a ação criadora e modificadora da realidade.

Considerações finais
A experiência de estágio, de ministrar um curso
como um todo, foi muito válida para nós. Além da
identificação com a forma de trabalhar o conteúdo, nos
propiciou uma nova possibilidade de ensino e
aprendizagem, aperfeiçoando nosso campo de atuação
docente, sendo que estudamos por um período de tempo
toda parte “teórica” e agora usufruímos da disciplina de
estágio para pôr em prática nossas aprendizagens e
automaticamente “apreender a aprender” por meio da
prática docente também, usufruindo assim de trocas de
conhecimento agregando novo saber ao currículo
acadêmico e profissional que certamente levaremos por
toda vida. A educação é um caminho de mão dupla, é uma
vivência do conhecimento mútuo e cremos que este seja o
desafio do professor a cada dia, não parar no tempo, mas
sim ser construtor de pontes que possam levar e trazer o
conhecimento com diferentes olhares e percepções.
Ao nos depararmos com a visão crítica de Boris
Kossoy, Cláudia Kubrusly e Ana Maria Mauad,
procuramos mostrar a fotografia como uma possível
estratégia para reconstrução da História e da memória nela
embutida, abrindo diferentes vertentes para o ensino e a
aprendizagem. Podemos concluir assim, que o grande
desafio dos educadores em nossos dias atuais é criar
estratégias para que nossos alunos apreciem o “gosto pelo
saber” em suas diferentes vertentes. Conteúdo só por
conteúdo, não forma um ser pensante, capaz de traçar
paralelos, relações e proporcionando reflexões, entendendo
assim a importância de novas estratégias e ferramentas que

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venham a propiciar um ensino de História renovador,
capaz de analisarmos, antes de nos remetermos em “Como
Ensinar”, persiste pensarmos; “Por que ensinar” e “Para
que ensinar” de que forma estas ferramentas de ensino vem
agregar e acrescentar novos rumores ao meio educacional.
Como diz Paulo Freire “Não há saber mais ou saber
menos: há saberes diferentes.”

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LEITE, Miriam Moreira. Retratos de Família: leitura
da fotografia histórica. São Paulo: EDUSP,2001.
TAMBARA A. C. Eloar: A imagem fotográfica como
fonte para a pesquisa em História da Educação.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|625


O Programa Nacional Biblioteca na Escola e o
cotidiano escolar
Tecendo caminhos para a implementação da lei nº 10.639/2003
PorLueci da Silva Silveira¹

Resumo Abstract
Reflete sobre conteúdos abordados na Reflects on content covered in the
disciplina História, Ensino e Educação das discipline History, Teaching and Education of
Relações Étnico-Raciais no Brasil. Aborda Racial-Ethnic Relations in Brazil. Discusses
como as Leis 10.639/2003 e 11.645/2008 how the Law 10.639/2003 and 11.645/2008
influenciam no Programa Nacional Biblioteca influence the National School Library Program
na Escola (PNBE). Destaca a importância do (NSLP). Detach the importance of textbooks
livro didático e de literatura na implementação and literature in the implementation of Laws.
das Leis. Coloca em discussão os conteúdos Puts in discussion addressed the contents of the
abordados, a descolonização do currículo, as curriculum to decolonization, stereotypical and
visões estereotipadas e negativas que se tem dos negative views that people have of African
povos africanos, de seus descendentes e dos peoples, their descendants and indigenous
povos indígenas nos currículos escolares e peoples in school curricula and teaching
materiais didáticos. Concluiu-se que as Leis materials. It concludes that the Laws came as an
vieram como uma ação afirmativa para que a affirmative action so that the real version of the
versão real das histórias destes grupos étnicos stories of these ethnic groups were counted,
fosse contada, exaltada e exalted and socio-culturally valued, making the
valorizadasocioculturalmente, fazendo do school environment a plural environment and
espaço escolar um ambiente plural e de respeito respect for diversity.
à diversidade.

Keywords:Education of ethnic-racial relations. Laws 10.639/2003 and


Palavras-chave:Educação das relações étnico-raciais. Lei nºs
10.639/2003 e 11.645/2008. Programa Nacional Biblioteca na Escola 11.645/2008. National School Library Program (NSLP).
(PNBE).

1
Graduanda do Curso de Licenciatura em História. Áreas de interesse: Ensino de História, Educação das Relações Étnico-Raciais, Memória e História
Oral e História da Educação.

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Introdução
Nesse sentido, a literatura, em sintonia com o
mundo, não está fora dos conflitos, das hierarquias de
poder e das tensões sociais e raciais nas quais o trato à
diversidade se realiza. (Nilma Lino Gomes, 2011)

Este artigo se propõe a refletir sobre conteúdos


abordados na disciplina História, Ensino e Educação das
Relações Étnico-Raciais no Brasil, do Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul. Esta disciplina também foi oferecida por
meio do Programa de Educação Continuada (PEC),
possibilitando a interessados conhecer, através de
matrícula especial, a linha de pesquisa e área de interesse.
A disciplina agregou entre matriculados vários colegas de
diversas áreas da educação, com experiência na temática,
coordenação e atuação no movimento negro e cursos de
aperfeiçoamento, além de já atuarem na docência. Por já
atuar no campo profissional da Biblioteconomia e ter como
áreas de interesse o ensino de História e da educação das
relações étnico-raciais, estas foram as motivações que me
levaram a desenvolver este artigo, procurando logo ao fim,
refletir sobre tudo o que foi abordado.
Nas páginas seguintes procurar-se-á fazer uma
reflexão sobre como as Leis 10.639/2003 e 11.645/2008
influenciam no Programa Nacional Biblioteca na Escola
(PNBE), já que este surge na década de 1990 como uma
espécie de tentativa de responder à crescente demanda
escolar por formação e ampliação do aparelhamento das
bibliotecas escolares das escolas públicas, promovendo a
leitura e o conhecimento de obras literárias entre
professores e alunos. Com isso, se verá aqui, de forma
sucinta, o que vem tratando o PNBE com relação às Leis.
Digo, de forma sucinta, pois se pretende dar um maior
aprofundamento em pesquisas e trabalhos a serem
realizados posteriormente, focando mais numa relação de
títulos da literatura negra e indígena e de outros materiais
de apoio que compõem o acervo básico das bibliotecas
escolares das escolas públicas.
A obrigatoriedade da temática “História e Cultura
Afro-Brasileira” no currículo oficial da rede de ensino é
um avanço que veio para quebrar o silêncio da cultura,
literatura e história afro-brasileiras nas escolas e propor o
reconhecimento dos diferentes grupos étnico-raciais dos
cidadãos brasileiros; resgaste este, proposto pela Lei
10.639/2003, onde se agrega a Lei 11.645/2008, trazendo a
cultura indígena. Por usa vez, estas matrizes devem ser
incluídas nos currículos escolares e o livro e demais

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|627


materiais de apoio devem acompanhar este movimento de
diversidade.
E com este movimento de mudanças, é necessário
que esteja disponível a educadores e educandos um acervo
básico na biblioteca escolar que venha acompanhando este
processo, em que as diferenças destes grupos étnicos sejam
visualizadas e respeitadas, mediante o reconhecimento e
valorização de suas identidades culturais e de suas
memórias.

Um pouco do contexto das leis 10.639/2003 e


11.645/2008: símbolo dos tempos de mudança
De acordo com o Plano Nacional de Implementação
das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das
Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e
Cultura Afro-brasileira e Africana124, a Lei 10639, que
estabelece o ensino da História da África e da Cultura
Afro-brasileira nos sistemas de ensino, foi uma das
primeiras leis assinadas pelo Presidente Luís Inácio Lula
da Silva. Isto significa o reconhecimento da importância da
questão do combate ao preconceito, ao racismo e à
discriminação na agenda brasileira de redução das
desigualdades. A Lei 10.639125 é datada de 9 de janeiro de
2003, e a mesma veio alterando a Lei 9.394, de 20 de
dezembro de 1996, que estabelece as Diretrizes e Bases da
Educação Nacional, para incluir no currículo oficial das
redes de ensino a obrigatoriedade da temática “História e
Cultura Afro-Brasileira”, e dar outras providências.
Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino
fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se
obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-
Brasileira.

§ 1o O conteúdo programático a que se refere


o caput deste artigo incluirá o estudo da História da
África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a
cultura negra brasileira e o negro na formação da
sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo
negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à
História do Brasil.

§ 2o Os conteúdos referentes à História e Cultura


Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o
currículo escolar, em especial nas áreas de Educação
Artística e de Literatura e História Brasileiras.

124
Para mais informações, ver em: <portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&task.>.
125
Para acessar a Lei: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.639.htm>.

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§ 3o (VETADO)

Como complementa Oliveira (2008, p. 40-41):


Ela torna obrigatório, entre outras proposições,
nos currículos escolares o estudo da História da África e
dos africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra
brasileira e o negro na formação da sociedade brasileira.
Penso que, à luz de uma história de 500 anos de Brasil, é
um convite para repensar configurações naturalizadas pelo
espírito cultural ocidental, que delineou a tônica do modo
pelo qual fomos constituídos como civilização.

Dessa forma, a Lei 10.639/03 é fruto de uma luta da


sociedade, pois exalta uma conquista histórica, de
militantes do movimento negro e ativistas, que há muito
estiveram trabalhando para efetivação de políticas
afirmativas.
Em outubro de 2004 teve destaque a publicação das
Diretrizes Nacionais para a Educação das Relações Étnico-
Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-
Brasileira e Africana126. Já cinco anos depois, a Lei
10.639/2003 foi modificada pela Lei 11.645 127, de 10 de
março de 2008, que incluiu a obrigatoriedade do ensino de
História e Cultura Afro-Brasileira, Africana e Indígena no
currículo escolar.
A edição da lei 10.639/03 ocorreu na esteira do
complexo processo de democratização do país, marcado
por reflexões a respeito de desigualdades históricas que
contribuíram para negação de direitos a populações e a
pessoas afrodescendentes. Seu conteúdo e transformações
que dela decorrem vêm produzindo tensões entre a
ampliação dos direitos de cidadania do país e a crescente
compreensão da necessidade do enfrentamento do
racismo, em suas diversas faces e diferentes esferas da
vida social, sobretudo, no que toca a esta análise, no
âmbito da escola. No bojo deste processo, foi também
fundamental o debate social provocado por ocasião da
promulgação da Lei de Diretrizes e Bases 9.394/96 em
que se afirmaram modificações educacionais como a
flexibilização curricular, as pautas relativas à inclusão e a
reafirmação da autonomia docente (PEREIRA, 2011, p.
148).

Também é bom lembrar que a publicação da Lei


10.639/2003 surgiu dentro de um contexto social e
educacional de busca pela valorização das culturas
afrodescendentes, em um cenário da história marcada pela
invisibilidade destas culturas, com forte atuação do
movimento negro no Brasil. Segundo Pereira (2011, p.
148):

126
Acesso em: <http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/003.pdf>.
127
Para acessar a Lei: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11645.htm>.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|629


Atendeu, também, à sua maneira, ao
enfrentamento de antiga crítica a um ensino de história
centrado em narrativas etnocêntricas, em que registros de
história afro-brasileira foram ignorados ou silenciados ou
compareceram, via de regra, de forma estereotipada.

A Lei 10639 e, posteriormente, a Lei 11645, que dá


a mesma orientação quanto à temática indígena, não são
apenas instrumentos de orientação para o combate à
discriminação, são também Leis afirmativas, no sentido de
que reconhecem a escola como lugar da formação de
cidadãos e afirmam a relevância de a escola promover a
necessária valorização das matrizes culturais que fizeram
do Brasil o país rico, múltiplo e plural que somos.
Como afirma Pereira (2011, p. 149), o texto das
Diretrizes Nacionais para a Educação das Relações
Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-
Brasileira e Africana correlatas à Lei 10.639/03 é um dos
documentos mais pesquisados pelos professores, pois nelas
estão as orientações normativas curriculares “relativamente
flexíveis”, com sugestão, aos docentes e à escola, de
formas de abordagem, fontes de consulta e elenco de
conteúdos para a prática educativa, em consonância com o
pressuposto formativo e educativo da “[...] valorização da
pluralidade cultural brasileira – mote, aliás, já presente nos
Temas Transversais dos Parâmetros Curriculares
Nacionais”.
É sempre bom ter em vista que o propósito desta
Lei é, sem dúvida, a valorização da história e da cultura
africana, afro-brasileira e indígena nos currículos escolares
do ensino básico, complementando a isso, o crescente
reconhecimento do legado cultural dos africanos e seus
descendentes, que por muito tempo, ficaram invisíveis nos
conteúdos abordados no espaço escolar. Ressalta-se que o
reconhecimento da produção cultural dos grupos étnico-
raciais que compõem a sociedade brasileira poderá ser um
caminho para a construção de um país verdadeiramente
multicultural.
A prática de efetivação128 desta legislação nos faz
pensar nos desafios de natureza variada para
implementação da mesma e para que se garanta o ensino
de conteúdos históricos que estão em sua essência.
Portanto, as alterações da Lei de Diretrizes e Bases,
por meio das Leis nºs 10.639/03 e 11.645/08, têm
provocado mudanças substanciais no campo da educação e
entre estas mudanças destaca-se àquelas relacionadas ao
acesso à cultura e leitura sobre os conteúdos inerentes às
temáticas africana e cultura afro-brasileira e indígena, no
referente ao livro didático e à literatura negra brasileira.
Então, a seguir se entrará em alguns aspectos do Programa
128
Destaca-se o curso de capacitação de professores oferecido pela UFRGS, através do Departamento de Educação e Desenvolvimento Social
(DEDS), em parceria com as Secretarias Municipais da Educação de alguns municípios da região metropolitana.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|630


Nacional Biblioteca na Escola (PNBE) e no Programa
Nacional do Livro Didático (PNLD), importantes
instrumentos de ampliação de conhecimentos nas práticas
educativas e auxiliares para a implementação desta
legislação.

Diálogos entre as leis 10.639/2003 e 11.645/2008


com o PNBE: os passos para a efetivação da lei
através dos livros didáticos e da literatura
O Programa Nacional Biblioteca na Escola
(PNBE)129 é datado de 1997 e tem como objetivo a
promoção do acesso à cultura e o incentivo à leitura nos
alunos e professores por meio da distribuição de acervos
de obras de literatura. Segundo o Portal do Ministério da
Educação, o atendimento é feito em anos alternados: em
um ano são contempladas as escolas de educação infantil,
de ensino fundamental (anos iniciais) e de educação de
jovens e adultos. Já no ano seguinte são atendidas as
escolas de ensino fundamental (anos finais) e de ensino
médio. Hoje o Programa se destaca como de forma
universal, garantindo o atendimento e gratuidade a todas as
escolas públicas de educação básica cadastradas no Censo
Escolar.
Ainda é destacado que são distribuídos às escolas
por meio do PNBE130; PNBE do Professor; PNBE
Periódicos e PNBE Temático acervos compostos por obras
de literatura, de referência, de pesquisa e de outros
materiais relativos ao currículo nas áreas de conhecimento
da educação básica, com vista à democratização do acesso
às fontes de informação, ao fomento à leitura e à formação
de alunos e professores leitores e ao apoio à atualização e
ao desenvolvimento profissional do professor. No Rio
Grande do Sul, a supervisão do PNBE é de
responsabilidade da Secretaria Estadual da Educação
(KAERCHER, 2006).
Entre os eixos fundamentais do Plano Nacional de
Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais
para Educação das Relações Étnico-raciais e para o
Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana
está o eixo 2 e 3 da Política de formação inicial e
continuada e da Política de materiais didáticos e
paradidáticos, respectivamente, que constituem as
129
Parte das informações extraídas do Portal do Ministério da Educação, em:
<http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=12368:programa-nacional-biblioteca-da-escola&catid=309:programa-
nacional-biblioteca-da-escola&Itemid=574>.
130
Informações extraídas da página do Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação (FNDE), em: <
http://www.fnde.gov.br/programas/biblioteca-da-escola/biblioteca-da-escola-apresentacao >.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|631


principais ações operacionais do Plano, devidamente
articulados à revisão da política curricular, para garantir
qualidade e continuidade no processo de implementação.

Tal revisão deve assumir como um dos seus


pilares as Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação das relações Etnicorraciais e para o ensino de
história e cultura afro-brasileira e africana. Todo o esforço
de elaboração do Plano foi no sentido de que o MEC
possa estimular e induzir a implementação das Leis
10639/03 e 11645/08 por meio da Política Nacional de
Formação Inicial e Continuada de Profissionais da
Educação, instituída pelo Decreto 6755/2009, e de
programas como o Programa Nacional do Livro Didático
(PNLD), o Programa Nacional do Livro Didático para o
Ensino Médio (PNLEM) e o Programa Nacional de
Bibliotecas Escolares (PNBE) (MINISTÉRIO DA
EDUCAÇÃO, 2004, p. 29, grifo nosso).

Neste documento consta que a formação deve


habilitar à compreensão da dinâmica sociocultural da
sociedade brasileira,

[...] visando a construção de representações


sociais positivas que encarem as diferentes origens
culturais de nossa população como um valor e, ao mesmo
tempo, a criação de um ambiente escolar que permita que
nossa diversidade se manifeste de forma criativa e
transformadora na superação dos preconceitos e
discriminações Etnicorraciais. (2004, p. 29).

Já referente aos princípios e critérios estabelecidos


pelo PNLD, ficam definidos que, quanto à construção de
uma sociedade democrática, os livros didáticos deverão
promover de forma positiva a imagem de
afrodescendentes, e também a cultura afro-brasileira, tendo
em vista dar uma visibilidade aos seus valores, tradições,
organizações e saberes sociocientíficos. O documento
ainda ressalta que os livros destinados a professores e
alunos devem abranger a temática das relações étnico-
raciais, do preconceito, da discriminação racial e violência
relacionadas, visando construir uma sociedade antirracista,
justa e igualitária, descrito como exemplo em um dos
editais do PNLD.
Pensando ainda nos desafios de implementação da
legislação e na avaliação das ações já realizadas advindas
da recepção da obrigatoriedade do ensino de História e
cultura africana, afro-brasileira e indígena; além do
oferecimento de seminários e cursos de formação, há uma
preocupação com a oferta de livros didáticos e de literatura
que contemplem a abordagem das Leis 10.639/03 e
11.645/08. Vale lembrar que esta oferta:

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|632


[...] não está sempre acompanhada de revisões
contemporâneas para supressão de abordagens racistas ou
estereotipadas das culturas; conforme constatam
pesquisadores do campo, em alguma medida ainda
permanece a invisibilidade do negro, a branquidade
normativa, a subalternização/subrepresentação de pessoas
e populações negras e/ou a distorção representativa das
culturas e identidades negras, além de silenciamentos
quanto à contribuição negra na história do Brasil
(PEREIRA, 2011, p. 153).

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|633


Oliva (2003, p. 431) faz uma importante reflexão a
respeito ao analisar as representações e imprecisões na
literatura didática. Segundo o mesmo:

Reproduzimos em nossas idéias as notícias que circulam


pela mídia, e que revelam um Continente marcado pelas
misérias, guerras étnicas, instabilidade política, AIDS,
fome e falência econômica. Às imagens e informações que
dominam os meios de comunicação, os livros didáticos
incorporam a tradição racista e preconceituosa de estudos
sobre o Continente e a discriminação à qual são
submetidos os afrodescendentes aqui dentro.

O mesmo autor ainda afirma que para além “da


educação escolar falha” (2003, p. 431), as interpretações
racistas e discriminatórias elaboradas sobre a África e
incorporadas pelos brasileiros são um resultado do
casamento de ações e pensamentos do passado e do
presente. Ou seja, na literatura didática permanece, apesar
das mudanças oriundas das Leis afirmativas,
representações deturpadas sobre o continente africano.
Somam-se a isso, as generalizações, distorções e
simplificações de sua história e de suas populações. Vale
ressaltar aqui também que a produção de material didático
com a abordagem das referidas Leis também faz parte de
um processo chamado de descolonização do currículo.
“Esse processo resulta na construção de projetos
educativos emancipatórios” (GOMES, 2012, p. 107).
Dessa forma, a descolonização do currículo implica
confronto, conflito, negociações e contribui para a
produção de algo novo.

Ela se insere em outros processos de descolonização


maiores e mais profundos, ou seja, do poder e do saber.
Estamos diante de confrontos entre distintas experiências
históricas, econômicas e visões de mundo. Nesse
processo, a superação da perspectiva eurocêntrica de
conhecimento e do mundo torna-se um desafio para a
escola, os educadores e as educadoras, o currículo e a
formação docente. (GOMES, 2012, p. 107).

É preciso compreender a naturalização das


diferenças culturais entre grupos humanos por meio de sua
codificação com a ideia de raça. Como afirma Quijano
(2005 apud GOMES, 2012, p. 108), devemos “[...]
entender a distorcida relocalização temporal das
diferenças, de modo que tudo aquilo que é não-europeu é
percebido como passado”, como também “[...]
compreender a ressignificação e politização do conceito de
raça social no contexto brasileiro” (MUNANGA; GOMES,
2006 apud GOMES, 2012, p. 108). Segundo estes autores,

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|634


é assim, por meio desse processo, que poderemos
descolonizar os nossos currículos, não só na educação
básica, mas também nos cursos superiores.

A literatura em Sintonia com as relações étnico-


raciais
Dentre as atribuições do PNLD e do Programa
Nacional Biblioteca na Escola (PNBE) estão a publicação
de Editais, que têm por objetivo a convocação de editores
para o processo de aquisição de obras de literatura
destinadas às escolas públicas que oferecem os anos finais
do ensino fundamental e ensino médio e que integram os
sistemas de educação federal, estadual, municipal e do
Distrito Federal, no âmbito do PNBE. Verificando a
página do Fundo Nacional de Desenvolvimento da
Educação (FNDE), no que remete para o PNBE, foi
constatado dois editais que trazem entre seus critérios de
seleção a abordagem das Leis 10.639/03 e 11.645/08,
denominados:
a) Edital PNBE temático 2013 131: Este edital tem por
objeto a convocação de editores para o processo de inscrição e
seleção de obras de referência, elaboradas com base no
reconhecimento e na valorização da diversidade humana,
considerando diferentes temáticas e as especificidades de populações
que compõem a sociedade brasileira, no âmbito do PNBE;
b) Edital PNBE Indígena 2015132: Este edital
tem por objeto a convocação de editores para o processo
de inscrição e seleção de obras de literatura sobre a
temática indígena que, por meio das artes verbais,
divulguem e valorizem a diversidade sociocultural dos
povos indígenas brasileiros, bem como suas diversas e
amplas contribuições no processo histórico de formação da
sociedade nacional, no âmbito do PNBE.

No Edital 01/2012-CGPLI, PNBE Temático 2013,


podemos ver entre os objetos de seleção temas que tratam
da diversidade humana. Entre às temáticas que referem-se
à legislação estão: a Indígena (referenciais para a
compreensão da história e cultura indígena...), Quilombola
(referenciais sobre as comunidades remanescentes de
quilombos, história, cultura e tradição oral...), Direitos
Humanos (referenciais para a educação em direitos
humanos, convivência com a diversidade de gênero,
131
Edital de Convocação para Inscrição e Seleção de Obras de Referência para o Programa Nacional Biblioteca da Escola PNBE Temático 2013, com
acesso em: < http://www.fnde.gov.br/programas/biblioteca-da-escola/biblioteca-da-escola-consultas/item/3981-edital-pnbe-tem%C3%A1tico-
2013>.
132
Edital de Convocação para Inscrição e Seleção de Obras de Literatura para o Programa Nacional Biblioteca na Escola PNBE Indígena, com acesso
em: < http://www.fnde.gov.br/programas/biblioteca-da-escola/biblioteca-da-escola-consultas/item/5205-edital-pnbe-ind%C3%ADgena-2015>.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|635


sexual, étnico-racial e religiosa...), Relações Étnico-
Raciais (referenciais para a educação das relações étnico-
raciais, história e diversidade cultural afro-brasileira e
africana...) e, por último, destaca o tema Juventude
(referenciais que abordem as diferentes participações da
juventude, cultura juvenil afro-brasileira, hip-hop e
capoeira...).
Já no Edital 01/2014-CGPLI, PNBE Indígena 2015,
traz como critérios de seleção obras que destaquem a
divulgação e valorização da diversidade sociocultural dos
povos indígenas brasileiros, bem como sua ampla
contribuição no processo histórico, bem como sua
linguagem, privilegiando suas dimensões estética, social e
cultural.
A literatura negra brasileira está inserida no
cotidiano da sociedade brasileira pois,

[...] temperada pela poética da africanidade,


constitui-se em um fazer poético transpassado pelas
situações do dia-a-dia, entretanto, incomum quanto à
representação das tensões e vivências dos acontecimentos
corriqueiros. A poética do cotidiano temperada pela
africanidade vale-se de vozes, silêncios e sabores, com o
objetivo de aguçar sentidos. Uma poética do diálogo com
o fazer e o ser negro. A ascendência institui-se como lócus
de produção e tema, aspectos objetivos e subjetivos se
interpõem, e assim afirmasua particularidade formal e
estética, posturas fundamentais, pois o fato de usar como
matéria artística, criação e transformação, a língua
portuguesa, a mesma utilizada por outras literaturas, como
a própria literatura brasileira o faz, sem, entretanto, perder
sua especificidade poética. (SILVA, 2014, p. 41).

Dito isso acima, como maneira de refletir, sente-se


que a literatura negra brasileira traz uma mescla de
elementos significativos de uma mesma língua escrita,
com tensões culturais e políticas. Portanto, a educação das
relações étnico-raciais, como uma das estratégias de
combate à discriminação e ao racismo e o investimento nos
estudos culturais têm contribuído para a identificação do
desmonte dos processos e mecanismos de produção
literária. Mas claro, que ainda está longe de uma completa
efetivação. Como as próprias Leis em questão, a produção
literária ainda está em seguimento, buscando a abrangência
e estar em harmonia com o que está exposto nas Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação das Relações
Étnico-Raciais e para o Ensino da História e Cultura Afro-
brasileira e Africana.
Como forma de apresentar algumas obras que estão
de acordo com os Editais do PNBE, segue àquelas

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|636


destinadas às séries iniciais, onde foi possível notar a baixa
representatividade negra, quando comparada à branca.
Segundo Arena e Lopes (2013, p. 1153), “[...] entre cem
livros, apenas oito tinham personagens negros como
protagonistas”, como pode ser observado no quadro
abaixo:

Quadro 1 – Livros com personagens negros como


protagonistas recomendados pelo PNBE de 2010

Livros com Editora


personagens negros
recomendados pelo
PNBE de 2010
1- Contos ao Redor AGIR
da Fogueira
2- Azur&Asmar Edições SM 3
3- Histórias de Edições SM 4
Ananse
4- Nina África Elementar
5- Valentina Global
6- Betina Mazza
7- O Casamento da Prumo
Princesa
8- A Caixa de Prumo
Lápis de Cor
Fonte: Arena e Lopes (2013, p. 1153).

É importante entender que as identidades, que são


construídas na relação com o outro, apontam diferenças,

[...] mas longe estão essas diferenças de serem


marcas de inferioridades; pelo contrário, são as discussões
das relações étnico-raciais no cotidiano as indicadoras dos
traços de igualdade. Muito cedo, ainda na Educação

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|637


Infantil, as crianças negras aprendem a negação da
identidade pela condição de inferioridade das diferenças
físicas, sociais, culturais; nos programas televisivos, nos
livros, nos filmes, nos brinquedos, sua presença é
negligenciada, e poucas são as representações positivas
que dão subsídio a construção positiva da identidade, ao
orgulho do pertencimento étnico-racial. (ARENA;
LOPES, 2013, p. 1157).

As diferenciações étnicas são, desta forma,


fundamentais para a formação plural humana, mas ao ser
disseminado estereótipos negativos por uma étnica em
relação às demais promove a desumanização, tanto para
quem os dissemina, quanto para quem sofre as feridas da
discriminação.
Quanto à temática indígena, há por parte da
SECAD, ligada ao Ministério da Educação, ainda um
grande desafio, pois há a dificuldade de se colocar em
prática a questão da inclusão da temática indígena na
escola. São desafios que se ampliam como prática
extensiva a toda a sociedade, já que esses povos indígenas
fazem parte de nossa constituição histórica, cultural,
econômica e social.

A quantidade de povos indígenas existente no


Brasil é uma situação que pode dificultar a abordagem da
temática na escola, pois desperta questionamentos para os
quais nem sempre as respostas estão ao nosso alcance ou
são satisfatórias. Dentre os questionamentos, merecem
destaque os seguintes: Quais culturas ou etnias abordar?
Como deve ser tratado o tema na escola? Quem indica os
textos? Que critérios podem ser levados em consideração?
Antes de obter possíveis respostas, precisamos atentar
para o fato de que os alunos devem refletir sobre a
formação do povo brasileiro que por ser complexa e mista,
não podendo jamais ser simplificada, centrada apenas no
tripé racial brancos-negros-índios. É necessário explicar
que há uma mistura bem mais significativa e que dentre os
povos indígenas existem culturas nunca mencionadas ou
consideradas anteriormente pelos registros da história
oficial. (BRASILEIRO; SILVEIRA, 2014, p. 221).

Isso nos remete para a tarefa de sensibilizar os


alunos com essa reflexão, pois há de despertar neles o
interesse para a pesquisa e para a busca de informações
acerca da memória cultural e identidade dos povos
indígenas.

Em meio a tanta informação, é preciso


desenvolver senso crítico de seleção de conteúdo por meio
de critérios de valores. Não havendo tais critérios, o
preconceito ganha força e torna-se ferramenta de

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|638


desconstrução social. Ter acesso à informação e ter acesso
à educação de qualidade são coisas distintas. Ao propiciar
uma formação cidadã, que faça com que o estudante
perceba a complexidade multifacetada, às vezes
paradoxal, da realidade brasileira, sua participação social
será de inclusão. A intenção do professor que do material
didático se utiliza é examinar e, tanto quanto possível,
colaborar para o desenvolvimento crítico a esses
materiais. (BRASILEIRO; SILVEIRA, 2014, p. 221).

Então, a quantidade de materiais, textos e


informações disponibilizados pelo MEC e instituições de
ensino constituem instrumentos fundamentais para auxiliar
a escola neste processo de inclusão da temática indígena na
cultura brasileira. E o papel do professor continua a ser de
vital importância para o cumprimento da legislação nesse
sentido. De acordo com Brasileiro e Silveira (2014), um
exemplo da inserção indígena no cenário cultural brasileiro
é a obra e trabalho de autores indígenas, tais como Daniel
Munduruku, YguarêYamã. Essas iniciativas precisam ser
acolhidas pelas escolas de maneira positiva para a
formação educacional dos alunos com o objetivo de
conferir autoria a escritores que “[...] apresentam sua
visão, vivências e experiências no contexto cultural
brasileiro” (BRASILEIRO; SILVEIRA, 2014, p. 227).

Quadro 2 – Algumas obras de temática indígena


selecionada no acervo de 2012 pelo PNBE

Telefone sem fio – de autoria de Ilan Brenman e


Renato Moriconi
Abaré – de Graça Lima
Mitos e lendas do Brasil em cordel – de autoria de
NireudaLongobardi
A turma do Pererê: 365 dias na Mata do Fundão –
de autoria de Ziraldo
Fonte: Silveira e Bonin (2012, p. 332).

As autoras colocam que as obras acima mais do que


representar os povos indígenas, em sua pluralidade e
atualidade, suas narrativas referendam certo sentido de
nacionalidade e de identificação com as raízes nacionais.
Em outras palavras, se restabelece a ordem hierárquica, na
qual cada étnica ocupa um lugar dado e é narrada pelas
supostas contribuições à cultura nacional.
Então, é sempre mais que necessária a consulta aos
critérios já adotados pelo PNBE, e cabe uma atenção
especial das escolas, dos educadores e sistemas de ensino

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|639


quanto ao tratamento dado à presença dos estereótipos
raciais na literatura, bem como estar a par do que está
orientado nas Diretrizes Curriculares Nacional... quanto ao
material didático, literário e de apoio pedagógico, para que
estes se coadunem com as políticas públicas para uma
educação antirracista.
Vale destacar que muitas destas obras que
contemplam a legislação são enviadas às escolas através
do FNDE/MEC, tendo em vista e buscando contribuir para
a efetivação da legislação, pois ainda é um processo que
vem sendo implementado aos poucos. Os livros de
literatura e materiais didáticos também estão nesse
processo de ambientação, pois fazem parte do acesso e
ampliação do conhecimento, bem como trazem uma
enorme contribuição para o desenvolvimento dessa
temática em sala de aula.

Considerações finais
Ao instituir a obrigatoriedade da inclusão de
conteúdos pedagógicos relativos à cultura africana e afro-
brasileira e indígena, nos currículos na educação formal,
no Brasil, as Leis mostram uma reflexão crítica sobre as
tensões culturais e políticas. Entre estas tensões e
distorções da história estão as imagens e representações de
índios e negros em livros didáticos. É só nosfazermos
aqueles questionamentos: o que tivemos de conteúdos
sobre a África quando estávamos no ambiente escolar?
Quantos de nós tivemos a disciplina História da África nos
cursos de História? Ou, relacionados aos livros didáticos:
quantos livros, ou textos lemos sobre a História da África e
até mesmo dos povos indígenas do Brasil? Será que a
questão indígena pode ser abordada apenas com desenhos
e pinturas nos rostos de crianças, tal qual acontece no Dia
do Índio? O que tivemos, na realidade, foi um recebimento
de imagens e notícias, divulgados por programas de TV, de
um continente africano em agonia, com fome, miséria e
alastrado pela Aids.
É evidente a constatação de que a boa parte dos
livros didáticos de História utilizados na educação formal
não reserva um espaço para o continente africano e pouco
atentando para a produção historiográfica sobre o
continente. Os alunos passam, dessa forma, apenas a
construir estereótipos sobre a África e suas populações.
Com a promulgação da lei, passou-se a referenciar as
modificações em currículos e a reescrita em livros
didáticos. Com a reescrita procurou-se ir de encontro às

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|640


visões distorcidas, condições negativas e estereotipadas
alimentadas no ambiente escolar, procurando destacar a
riqueza e valorização da diversidade sociocultural destes
grupos étnicos.
Pois é a partir daí que surge essa preocupação do
PNBE, através do FNDE, de procurar difundir nos livros
didáticos e de literatura uma visão que contemple a
afirmação sociocultural e o respeito às diferenças étnico-
raciais, repudiando o preconceito e o racismo, para que
tenhamos uma escola verdadeiramente pluriétnica e
pluricultural e pautada numa educação direcionada à
justiça e à igualdade, garantido o reconhecimento da
história e a cultura destes grupos étnicos.

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Processos educacionais e ensino de História nas
sociedades escolares polono-brasileiras na
primeira metade do século XX
Interculturalidade e identidade étnico-cultural
PorFabiana Regina da Silva¹, Prof. Dr. Jorge Luiz da Cunha

Resumo Abstract
O presente trabalho visa tecer reflexões This study aims to weave reflections on
sobre o ensino de história nos processos the history of education in ethnic school
educacionais escolares étnicos entre polono- educational processes among Polish- Brazilian
brasileiros e a identidade étnico-cultural. Trata and ethno- cultural identity. Comes to schools
de escolas situadas nos estados do Rio Grande located in the states of Rio Grande do Sul,
do Sul, Paraná e Santa Catarina, durante os Paraná and Santa Catarina, during the
séculos XIX e XX, definidas a partir de 1896 nineteenth and twentieth centuries , defined
como Sociedades Escolares, nas quais, as from 1896 as School Corporation , in which the
orientações para o ensino eram veiculadas por guidelines for teaching were conveyed by
organizações situadas tanto no Brasil, quanto, organizations located in Brazil , as in Poland.
na Polônia. Tornam-se comuns as práticas de Common become the civic practices, worship
civismo, culto à bandeira e nominar escolas e the flag and nominate schools and corporations
sociedades se reportando a heróis poloneses - reporting to Polish heroes - activities that
atividades que fortalecem definições culturais strengthen cultural definitions meant from a
significadas a partir de uma representação do representation of the past as history, building a
passado como história, a construção de uma historical memory - made in relations
memória histórica– constituída nas relações de intercultural communication given in social
comunicação interculturais dadas nos espaços spaces , and in the power struggle ( JornRusen ,
sociais, e, na luta por poder (JORN RUSEN, 2008 , 2014) . The theme of the article is
2008, 2014). A temática do artigo é relevante, relevant when dealing with dimensions such as
quando trata de dimensões como empowerment , culture, ethnic identity and
empoderamento, cultura, identidade étnica e difference , linked to teaching history .
diferença, articuladas ao ensino de história.
Keywords:Ethnic Schools , Polish- Brazilian History of Education ,
Palavras-chave:Escolas étnicas, Polono-Brasileiros, Ensino de História, Identity, Culture.
Identidade, Cultura.

¹ Doutoranda em História/Universidade Federal de Santa Maria – fabianareginadasilva@yahoo.com.br

² Universidade Federal de Santa Maria - jlcunha@smail.ufsm.br

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Introdução
O ensino de história tem sido, nos últimos anos,
importante objeto de estudo de pesquisadores,
principalmente da educação e da história, que buscam
lançar novos olhares para tão relevante disciplina, sua
didática, aportes teórico-metodológicos, direcionamentos e
usos. Tais estudos receberam significativas contribuições
possibilitadas pelo direcionamento teórico amparado em
JörnRüsen e “sua reflexão sobre os fundamentos da
consciência histórica, do pensamento histórico, da cultura
histórica e da ciência histórica, desde a perspectiva de um
humanismo intercultural, de uma comunicação
intercultural” (MARTINS, 2011, p. 7), entre estes, as
pesquisas relacionadas à Educação Histórica e Consciência
Histórica, empreendidas por pesquisadores da
Universidade Federal do Paraná. São pesquisas que tratam
em grande maioria do ensino de história praticado em
instituições públicas e privadas (ditas oficiais) - seguem as
diretrizes de ensino nacionais. Aqui, nosso desafio é
pensar o ensino de história nos processos educacionais
escolares étnicos, e, a relação com a identidade étnico-
cultural polono-brasileira nas Sociedades Escolares
Étnicas, presentes em maior número nos estados do Rio
Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, durante a primeira
metade do século XX.
O presente estudo trata de escolas situadas nos
estados do Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina,
durante os séculos XIX e XX, definidas, a partir de 1896
como Sociedades Escolares, nas quais, as orientações para
o ensino eram veiculadas por organizações situadas tanto
no Brasil - Associação de Professores no Paraná, quanto,
na Polônia - o Departamento de Educação em Lwów, na
parte Austríaca. Tais orientações foram fortalecidas após
1920, com a reunificação da Polônia e a instituição do
consulado polonês em Curitiba, no Paraná, a chegada de
intelectuais poloneses, e a criação da União das Sociedades
Polonesas Kultura e Oswiata, ambas com orientações
ideológicas distintas.
No período, além do fortalecimento da rede escolar
e dos processos de ensino e o ensino de história, com
definições próprias do grupo, tornam-se comuns, práticas
de civismo, culto à bandeira, nominar escolas e sociedades
se reportando a heróis poloneses - atividades que
fortalecem definições culturais significadas a partir de uma
representação do passado como história, a construção de
uma memória histórica polônicafortalecida nas relações de
comunicação interculturais e interétnicas, dadas nos
espaços sociais e na luta por poder (JORN RUSEN, 2008,

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2014), quando, para Martins (2007, p.14) “Não existe
poder sem cultura e também não há cultura sem poder”,
forjam definições étnico-culturais e identitárias em um
processo contínuo de diferenciação entre grupos dada na
interação social (POUTIGNAT e STREIF- FENART,
1998).
A presença de tais variáveis afirma a relevância da
temática do artigo, quando, trata da complexidade das
relações transnacionais e de dimensões como:
empoderamento, cultura, identidade étnica e diferença,
articuladas ao ensino de história. São interfaces, que
pensadas a partir da “História Cultural, tal como a
entendemos tem por principal objeto identificar no mundo
como em diferentes lugares e momentos, uma determinada
realidade social é construída, pensada, dada a ler”
(CHARTIER, 1982, p. 16).

Sociedades escolares étnicas polono-brasileiras no


sul do Brasil
A rede escolar do grupo étnico polono-brasileiro,
assim como a de outros grupos presentes nas regiões de
colonização e/ou inserção imigrantista no Brasil, se
configura como iniciativa particular articulada a partir de
definições étnico-culturais. Tais processos escolares foram
amplamente desenvolvidos no país durante os séculos XIX
e XX – fase em que as Sociedades Escolares polono-
brasileiras se espalham pelas distintas regiões, estando em
maior concentração nos estados do Rio Grande do Sul,
Paraná e Santa Catarina.
Em relação a essas escolas existiam diferenças
em sua natureza. Tratava-se de escolas urbanas, escolas de
ordens religiosas e escolas étnico-comunitárias em área
rural. As escolas urbanas eram laicas, regra geral haviam
sido de muito boa qualidade, mantidas por associações de
imigrantes que estavam vinculados ao comércio, à
indústria e às profissões liberais, por meio de associações.
As escolas de ordens religiosas também estavam
vinculadas a centros urbanos e eram confessionais,
exercendo função relevante na formação de lideranças. Já
as escolas étnico-comunitárias de área rural foram
assumidas pelas comunidades de imigrantes e retratavam
aspectos culturais importantes da etnia, como a língua e os
costumes (KREUTZ, 2010, p. 75).

Ao se estabelecer em locais de colonização e


inserção imigrantista, a formação de agrupamentos étnicos
e de espaços sociais como igrejas e escolas, são iniciativas
comuns entre imigrantes, tanto na primeira, quanto na

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segunda fase da colonização dirigida. Para Fredrik Barth
(1969, p. 190) “Grupo Étnico é aquele que compartilha os
valores culturais fundamentais, constitui um campo de
comunicação e de interação com os seus membros,
identificando-se e sendo identificado pelos outros”. A
escola, em tal contexto, pode ser vista como “providência
tomada em detrimento de uma realidade educacional
elitista e excludente” (SILVA, 2014, p 87), mas, também
como resistência em um contexto de adaptação e de
diversidade étnico-cultural. Conforme Kreutz (2010, p.
73):
[...] o Brasil chegou a ter em torno de 2.500
escolas étnicas em 1930. Dessas escolas, 1.579 eram de
imigrantes alemães (LEHRERKALENDER, 1931), 396
de imigrantes italianos (TRENTO, 1989), 349 de
imigrantes poloneses (WACHOWICZ, 1970) e 178 de
imigrantes japoneses (VÁRIOS AUTORES, 1992).

No caso das iniciativas escolares da imigração


polonesa133 durante o século XIX, diferente da alemã e
italiana, por exemplo, que tiveram apoio de seus locais de
origem no continente europeu, devido à situação de
dominação estiveram fragilizadas, com pouco ou nenhum
livro didático e falta de professores capacitados. A situação
irá mudar somente a partir do século XX, mais
especificamente, nos anos 1920 com a reunificação da
Polônia durante a Primeira Guerra Mundial e a instituição
do consulado polonês em Curitiba no Paraná, quando, os
processos educacionais são revitalizados e as orientações
para o ensino são veiculadas por associações e sociedades
tanto no Brasil, quanto na Polônia, entre estes, o
Departamento de Educação em Lwów, na parte Austríaca,
a Escola Popular e a Associação de Professores no Paraná.
Também são criadas em 1920, as Associações
União das Sociedades Polonesas Kultura e Oswiataque
orientavam e coordenavam a distribuição de materiais
trazidos da Polônia, aprodução de livros, de manuais
escolares, e outros materiais didáticos e da imprensa
pedagógica, além, da formação de professores. Ambas as
Associações possuíam orientações teórico-político,
ideológico, e religiosa distintas, e, filiavam escolas que
constituíam a rede escolar polono-brasileira no sul do
Brasil. Tais orientações são desenvolvidas na Polônia
dividida a partir do século XVIII entre os impérios da
Prússia, Áustria e Rússia, a primeira representava à
133
Definir quem pertence à comunidade polonesa no Brasil não é uma tarefa simples ou que pode ser elaborada com clareza estatíst ica, pois o
maior número de emigrantes que saiu da Polônia, o fez quando ela não estava em condição de Estado Nacional (até 1919), mas dividida entre
Prússia, Áustria e Rússia. Muitos são poloneses, mas imigrados como russos ou alemães e vice-versa. Conforme Weber &Wenczenowicz (2012, p. 2)
“Essa condição histórica deixa os estudiosos da imigração polonesa dos séculos XIX e XX com a espinhosa tarefa de distinguir entre poloneses,
lituanos, pomeranos, ucranianos, rutenos e eslavos, além de sondar, entre os números dos imigrantes alemães, russos e de outros grupos,
porcentagens que corresponderiam a imigrantes etnicamente poloneses”. Isso se associa, ainda, ao fato de que, quando da reunificação e da
instalação do consulado em Curitiba no ano de 1920, o aviso para o registro de poloneses que emigraram para o Brasil não cheg ou a todas as
distantes colônias, prejudicando, assim, a contabilização de tais números (TOMACHESKI, 2014).

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esquerda/socialista, e a segunda clericais e Igreja Católica
Romana - posições formadas a partir da resistência étnica à
submissão imposta pela Igreja Ortodoxa Russa e o
conservadorismo czarista. Conforme Luporini (2011, p.
175):
[...] já no início do século XX, a ampliação da
imigração polonesa dirigida ao Paraná e aos outros
estados da Região Sul, ensejou a chegada de imigrantes
intelectuais, que se dirigiram ao Brasil após o fracasso da
Revolução ocorrida em território polonês ocupado pela
Rússia, em 1905 [...] esses intelectuais possuíam sólida
formação intelectual e defendiam tendências socialistas e
anticlericais. Por sua posição, este grupo seria considerado
mais tarde, de “esquerda”, “progressista”. Sua posição se
opunha ao grupo “clerical” representado por três
congregações religiosas, oriundas da Polônia, que se
dedicaram ao ensino, fixando-se no Brasil nos primeiros
anos do século XX: padres da Missão de São Vicente de
Paulo (1903), Irmãs de Caridade de São Vicente de Paula
(1904) e Irmãs da Sagrada Família (1906). [...] Esse
panorama reflete posicionamentos oriundos das correntes
filosóficas em debate na Europa na segunda metade do
século XIX.

Após a reunificação, muitos intelectuais emigram


para o Brasil. Também, muitos professores das escolas
étnicas polono-brasileiras que retornaram para atuar na
Primeira Guerra Mundial e no ressurgimento da Polônia,
voltam para o Brasil e retomam suas atividades. As
atitudes que incentivavam o espírito nacionalista polonês
são fortalecidas, impulsionadas também pela vinda de
orientadores de ensino pagos pelo governo polonês.
Conforme Malikoski (2014, p. 166), “É nesse tempo, de
uma Polônia independente, que haverá um fluxo maior de
professores e educadores poloneses para o Brasil com o
objetivo de melhorar o processo de ensino étnico da
imigração com acompanhamento oficial”. O
fortalecimento da rede escolar, a recuperação de símbolos
e o ensino de história da Polônia nas escolas, visava, entre
outros objetivos, dimensionar aos imigrantes que emigram
de uma Polônia dividida e fragilizada em sua polonidade, a
retomada do vigor e do sentimento de pertença à Polônia
que ressurge enquanto estado nacional, mas, que possui
uma história, tendo como ápice o fortalecimento de uma
identidade étnico-cultural.
Para Gluchowski (2005, p. 149) “a escola polonesa
é o único fundamento de um trabalho sistemático pela
manutenção do polonismo no Brasil”. A partir de 1920, a
escola polono-brasileira vai vivenciar a sua melhor fase até
que se instaurem os feitos da nacionalização e a
nacionalização compulsória em 1938.
A restauração da Polônia no fim da Primeira
Grande Guerra despertou vida nova e entusiasmo no seio

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da colônia. Agora, seria diferente, pensava-se. De ora em
diante, ninguém mais poderia lançar-lhes no rosto as
palavras “polaco não tem bandeira”, fato este que mais
doía na alma do homem polonês. (WACHOWICZ, 2002,
p. 51).

Processos escolares polono-brasileiros e ensino de


História: interculturalidade e identidades étnico-
culturais
Ao pensar o ensino de história e sua relação com a
identidade étnico-cultural, partimos de Rüsen (2012, p.
283), que destaca: “No nível aprofundado de geração de
sentidos, a história é um meio de lidar com identidade,
com unidade e diferença”, pois, “A identidade é uma inter-
relação específica entre si e os outros” “é ao mesmo tempo
uma definição do outro daqueles com os quais nós temos
que nos delimitar”. Assim, podemos compreender o
fortalecimento dos processos educacionais e do ensino de
história a partir da reunificação na construção de uma
memória coletiva e na geração de sentidos. Para o
sociólogo espanhol Manuel Castells (2002, p. 23. V2):
A construção de identidades vale-se da matéria-
prima fornecida pela história, geografia, biologia,
instituições produtivas e reprodutivas, pela memória
coletiva e por fantasias pessoais, pelos aparatos de poder e
revelações de cunho religioso. Porém, todos esses
materiais são processados pelos indivíduos, grupos sociais
e projetos culturais.

O processamento mencionado por Castells na


seleção de definições identitárias ocorre mediado pelas
concepções de mundo dos sujeitos e objetivos pessoais e
do grupo, em uma dimensão cultural que “não se dá no
abstrato, por assim dizer num vazio social. Ao contrário,
ela é relacional, ela se manifesta nos símbolos, nas
representações e nas valorizações dos grupos, concorrendo
nas organizações dos grupos e da vida social”. (KREUTZ,
2001, p. 122).
Conforme o pesquisador da comunidade polonesa
Edmundo Gardolinski (1976, p. 131), em entrevista
concedida por um ex-professor declara que “além de
lecionar ao mesmo tempo para várias classes de alunos –
mais adiantadas ou principiantes – matérias básicas como,
português, aritmética, História do Brasil, geografia, noções
de ciência, canto, entre outros, deveria lecionar, como é

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óbvio, noções da língua polonesa, sua história e literatura e
noções da língua alemã”. Ainda na Polônia dividida,
muitos poloneses foram obrigados a aprender o alemão,
numa tentativa de germanização, já no Brasil, a História do
Brasil e língua portuguesa também são incorporadas aos
processos educacionais seja em detrimento da tentativa de
desviar a atenção da nacionalização que aos poucos se
instaurava, e também, em intenção de compreender a
língua, cultura e história do país que agora pertenciam,
pois, “Compreender é um pressuposto necessário do
reconhecimento” (RÜSEN, 2014, p. 306).
Para Kreutz (2001, p. 123), “a educação e a escola
são um campo propício para se perceber a afirmação dos
processos identitários e os estranhamentos e as tensões
decorrentes da relação entre culturas”. Dentre as práticas
comuns nas escolas polono-brasileiras também estava o
hasteamento da bandeira da Polônia e do Brasil, uma ao
lado da outra.
Em relação à língua, no contexto da escola étnica,
tem papel fundamental em relação à cultura, história e a
identidade étnica. Para Rambo(1994, p. 45),“A língua
humana significa muito mais do que uma mera forma de
expressão. Ela brotou do sangue e da índole de um povo”.
Através da língua, muitos aspectos são agenciados para a
constituição do pertencimento étnico-cultural, aspectos
estes que “funcionam como sinais sobre os quais se funda
o contraste entre Nós e Eles” (POUTIGNAT E STREIFF-
FENART, 1998, pg.130).
Além do ensino de História da Polônia, conforme o
pesquisador Adriano Malikoski (2014, p.135), “A
idealização dos considerados “heróis poloneses”, aparece
contextualizada nas escolas, desempenhando um papel da
identificação étnica”, como podemos perceber na figura 1,
a escola Marechal JósefPilsudski, situada no norte do
estado do Rio Grande do Sul, recebeu este nome em
homenagem ao líder do conflito que, em 1918,
reestabelece o estado Polonês. “Os nomes das sociedades e
escolas polonesas no Rio Grande do Sul sempre
retomavam personagens consideradas importantes para a
História da Polônia, como revolucionários, estadistas,
escritores, cientistas e músicos poloneses” (MALIKOSKI,
2014, p. 135-136).
Neste mesmo sentido, Wonsowski (1976, p. 31) ao
falar sobre escolas étnicas polono-brasileiras no Rio
Grande do Sul e a visita de um sacerdote polonês, destaca
que este “promovendo a instrução e a educação religiosa,
mandou vir de além-mar livros escolares, dicionários,
quadros murais de santos e de ilustres personagens, por
ex., a série dos reis da Polônia”. Tal atitude representa a
adoção de narrativas que possibilitam a formação de uma
memória histórica ligada à identidade étnico-cultural.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|649


Figura 1 – A Escola Particular Polonesa
134
Fonte: GARDOLINSKI , E. Escolas da Colonização Polonesa no Rio Grande do Sul. UCS,
1976.

As definições étnico-culturais e identitárias


processadas na escola étnica se dão mediadas pela
possibilidade de diálogo interculturas, suas experiências e
vivências que perpassam os processos históricos e sociais
em um ensino que pratica algo mais próximo daquilo que
JörnRüsen trata como interculturalidade na educação e no
ensino de história, contemplando história, língua e cultura
alemã, polonesa e brasileira, denotando narrativas que não
possuem caráter totalmente etnocêntrico 135, mas sim,
potencial de reconhecimento da diferença e sua relevância
sem anulá-la. A interculturalidade é assim tratada no livro
Cultura Faz Sentido:
A experiência de culturas estranhas e diferentes é
sistematicamente elaborada e interpretada e a
comunicação intercultural é efetuada na prática. Essa
comunicação sempre ocorre também ao natural. As
culturas se interpenetram, delimitam-se umas em relação
às outras, combatem-se, aprendem umas das outras e se
modificam no relacionamento mútuo (JÖRN RÜSEN,
2014, p.296).

A comunicação intercultural se dá num contexto de


relações de poder em que o agrupamento étnico é
mediador e mediado por relações de poder: definições e
resistências ali compartilhadas de dentro para fora e de
fora para dentro em uma configuração dinâmica e não
134
O livro de Edmundo Gardolinski - pesquisador da Colonização Polonesa, publicado em 1976, é fruto de uma pesquisa apoiada pela Universidade de
Caxias do Sul e Universidade Federal do Rio Grande do Sul em comemoração aos 100 anos da presença dos poloneses no Rio Grande do Sul, neste,
o autor realiza um levantamento de escolas da Colonização Polonesa no Estado.

³ Para Rüsen (2012, p. 284), “etnocentrismo significa inscrever valores positivos na imagem histórica de si mesmo e valores negativos e menos
positivos na imagem dos outros”.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|650


estática, segundo Meyer (2000, p. 58), “todas as práticas
de significação e os processos simbólicos através dos quais
os significados são construídos envolvem relações de
poder”. Porém, não como algo acabado em si, mas, “em
contínuo aperfeiçoamento e transformação que visa à
organização social”. No contexto interétnico “O poder não
existe, mas existem práticas em que ele se manifesta, atua,
funciona, se espalha universal e capilarmente”, ainda, “o
poder se manifesta em todas as relações, como uma ação
sobre outras ações possíveis” (VEIGA NETO, 1995, p.
32).
Pensar a identidade étnico-cultural é saber de seu
não aprisionamento a determinadas características fixas e
de sua definição a partir de si mesma. A identidade é
movimento, são definições e representações em processo,
de caráter relacional - intercultural e de poder, significados
passíveis de construção e reelaboração “se acha validada
na interação social pela ativação de signos culturais
socialmente diferenciadores, num contexto dado de
relações interétnicas” (POUTIGNAT & STREIFF-
FENART, 2011, p.141). São interações que não tratam de
determinada cultura como superior ou inferior, mas sim,
como diferença, então, muitos imigrantes alemães,
italianos, entre outros, sentem-se contemplados
culturalmente e inserem-se em escolas polono-brasileiras e
que “foram imigrantes poloneses, por convicção ou por
pertencimento étnico” (MALIKOSKI, 2013, p. 591-592).
O pensamento histórico tem que seguir uma
lógica específica de geração de sentido ao interpretar e
representar o passado como história. É a lógica da
autoafirmação e a delimitação de si a partir dos outros
usando um conjunto de valores que estão profundamente
enraizados na vida cultural tópica das pessoas. A história
não inventa esta cultura, mas a coleta como uma realidade
social pré-dada e dá a ela uma expressão que vai de
encontro à experiência tópica das pessoas e suas ideias de
si mesmas (JÖRN RÜSEN, 2012, p. 283).

As atividades das Sociedades Escolares Étnicas são


extintas posteriormente com o decreto de nacionalização
de 1938 e as ações compulsórias para o enquadramento da
educação em uma pretensa identidade nacional e, “As
diferenças regionais e étnicas foram gradualmente sendo
colocadas, de forma subordinada, sob aquilo que Gellner
chama de “teto político” do estado-nação que se tornou,
assim, uma fonte poderosa de significados para as
identidades culturais modernas” (HALL, 2006, p.49),
estabelecendo a presença de escolas públicas nas distintas
regiões do país, e voltadas para as orientações de ensino
definidas em nível nacional (nacionalização do ensino). A
versão da história nacional é apresentada nos livros
didáticos, rigorosamente fiscalizados pela Comissão

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|651


Nacional do Livro Didático - CNLD, também criada em
1938. A partir daí, orientando professores a “intensificar o
ensino de história e geografia do Brasil” (KREUTZ, 2010,
p. 78). Assim:

A formação de uma cultura nacional contribuiu


para criar padrões de alfabetização universais, generalizou
uma única língua vernacular como o meio dominante de
comunicação em toda a nação, criou uma cultura
homogênea e manteve instituições culturais nacionais,
como, por exemplo, um sistema educacional nacional
(HALL, 2006, p.49-50).

Para tanto, o Decreto Lei n°406 de 1938,


inviabilizou o funcionamento das escolas étnicas no país,
e, em seu artigo 85, inciso 4°, destaca que: “Nos
programas do curso primário e secundário é obrigatório o
ensino da História e da Geografia do Brasil”. Nesse
contexto, “A História dá forma à identidade ao criar as
chamadas narrativas-mestras 136ou discursos-mestres”
(JÖRN RÜSEN, 2012, p. 283).

Considerações finais
A construção da identidade se dá nas relações
interétnicas, nos diálogos interculturais, no confronto de
aspectos culturais e no reconhecimento da diferença. O
ensino de história efetivado nos processos educacionais
escolares étnicos polono-brasileiros emerge diálogo
intercultural e embasa processos identitários na produção
de uma memória coletiva entrelaçada a tais definições.
Compreendemos a discussão como necessária no
intuito de propiciar reflexões ao ensino de história
efetivado em contextos escolares tão diversos
culturalmente como os das escolas brasileiras, cada uma
com sua contribuição e inscritas em uma representação do
passado como história. São dimensões que se
consideradas, possivelmente resultem em mudanças nas
relações sociais e no reconhecimento da diferença. Caso
contrário:
Por mais que lutemos arduamente para evitar os
preconceitos associados a cor, credo, classe ou sexo, não
podemos evitar olhar o passado de um ponto de vista

136
“As narrativas-mestras dizem às pessoas quem elas são: indivíduos ou grupos, nações ou mesmo culturas inteiras. Elas contam esta história de
uma maneira que aqueles que querem saber quem eles são podem aceitar a autoimagem histórica apresentada” (JÖRN RÜSEN, 2012, p. 283) .

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|652


particular. O relativismo cultural obviamente se aplica,
tanto à própria escrita da história, quanto a seus chamados
objetos. Nossas mentes não refletem diretamente a
realidade. Só percebemos o mundo através de uma
estrutura de convenções, esquemas e estereótipos, um
entrelaçamento que varia de uma cultura para outra”
(BURKE, 1997, p. 15).

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Representações sociais e ensino de história
Contribuições para uma educação etnicorracial
PorKathlenn Kate Dominguez Aguirre¹, Cassiane de Freitas Paixão², Eron da Silva Rodrigues³

Resumo Abstract
Este trabalho tem por objetivo refletir This paper aims to reflect
sobre as representações e discursos on the representations and discriminatory
discriminatórios e excludentes reproduzidos nos and exclusionary discourses played in
espaços escolares, a partir das categorias de school spaces, from poverty and race
pobreza e raça. Para tanto, partimos da categories. The starting point was the
perspectiva do historiador Marc Ferro (1990) de historian Marc Ferro perspective (1990) that,
que, durante a infância, os sujeitos produzem during childhood, the subjects produce
sentidos e constroem narrativas sobre sua meanings and construct narratives about
identidade e sobre “outros”, ou seja, outros their identity and "other", ie other social
grupos sociais, outras sociedades, outros groups, other companies elsewhere, from the
lugares, a partir das histórias que são stories that are reproduced and legitimated
reproduzidas e legitimadas nas/pelas in/by social institutions (family, school,
instituições sociais (família, escola etc.). A etc.). From this perspective we appropriate
partir desta perspectiva nos apropriamos de from a theoric analysis of exclusion,
uma análise teórica sobre exclusão, processos social representation processes and african-
de representação social e educação afro- Brazilian education, for then examine the
brasileira, para então analisar a possibilidade de possibility of deconstruction of exclusive
desconstrução de saberes excludentes knowledge played in the narratives of
reproduzidos nas narrativas de crianças pobres poor black children.
e negras.
Keywords:history, social representations, etnicorracialeducation,
Palavras-chave: história, representações sociais, educação étnico- poverty, race.
racial, pobreza, raça.

¹ Licenciada em História (FURG). Mestranda do PPGH/FURG. Integrante do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas (NEABI-FURG).
² Professora adjunta da Universidade Federal do Rio Grande.Atuou como Representante discente da área de sociologia junto ao conselho do
Instituto de Ciências Humanas e da Informação e representante no Conselho Universitário em 2015. Tem experiência na área de Sociologia, com
ênfase em Fundamentos da Sociologia, atuando principalmente nos seguintes temas: educação superior, políticas educacionais, universidades,
sociologia da educação. Desenvolve pesquisas sobre a expansão da educação superior no Brasil e questões étnico-raciais no sul do Rio Grande do
Sul.Possui graduação em CIENCIAS SOCIAIS pela Universidade Federal de Pelotas (1999), mestrado em Pós Graduação em Sociologia -
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL (2004) e doutorado em Educação pela Universidade do Vale dos Sinos (2010).

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³ Licenciado em História. Mestrando do PPGEA-FURG. Integrante do Observatório dos Conflitos Urbanos e Socioambientais do Extremo Sul do Brasil
- FURG.

Os demônios de Galeano: sobre quem e sobre o que


estamos refletindo
Este artigo tem por objetivo refletir sobre as
representações e discursos discriminatórios e excludentes
reproduzidos nos espaços escolares, a partir das categorias
de pobreza e raça e que envolvem concepções de mundo e
futuro dos agentes sociais. Para tanto, faz uma reflexão
teórica sobre abordagens sociológicas do conceito de
exclusão social, onde pretendemos sustentar nossa
perspectiva de que o racismo não apenas transpassa a
discriminação de classe, como agrava as condições de vida
e perspectivas dos sujeitos.
Para tanto, partimos da concepção do historiador
Marc Ferro (1990) de que, durante a infância, os sujeitos
produzem sentidos e constroem narrativas sobre sua
identidade e sobre “outros”, ou seja, outros grupos sociais,
outras sociedades, outros lugares, a partir das histórias que
são reproduzidas e legitimadas nas/pelas instituições
sociais (família, escola etc.). A partir desta perspectiva nos
apropriamos de uma análise teórica sobre exclusão e
processos de representação social, para então analisar a
possibilidade de desconstrução de saberes excludentes
reproduzidos nas narrativas de sujeitos pobres e negros.
Enquanto sujeitos desta pesquisa, procuramos
pensar as representações históricas dos negros e pobres
que permeiam as relações sociais. Ou seja, é necessário
compreender as condições sociais de existência destes
grupos como fruto de um processo histórico de
desigualdade e igualmente da construção de discursos
hegemônicos que legitimam a injustiça sobre os mesmos,
negando a distribuição desigual de riquezas, assim como
perpetuando o racismo institucional no Brasil. Para tanto
refletimos que todo sistema de imposição de significações
é produto e (re)produtor das relações de força na sua base,
tendo como objetivo a manutenção de poderio de um
grupo ou classe dominante.
Resultante das ações educativashegemônicas
podemos refletir sobre o negro e o pobre enquanto sujeitos
presentes dentre os Demônios do Demônio do ensaio de
Eduardo Galeano, que analisa ironicamente as condições
históricas destes grupos e as representações hegemônicas
sobre os mesmos. Segundo Galeano, aos pobres e negros
são dedicados espaços pauperizados e exige-se deles que
aceitem o seu lugar. Sua condição é socialmente lavada de
culpa e das aproximações do Lúcifer. A eles cabe apenas a

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caridade dos “homens de bem”, que lhes negam História e
lhes acusam inconveniência. O Brasil de hoje, em sua
maioria, é retrato deste pensamento, afinal, ao pobre
acusam de vagabundo e ao negro acusam de vitimismo.
Nas palavras de Eduardo Galeano (2005)
(...) antes de serem marcados com ferro quente,
na cara e no peito, todos os negros recebiam uma boa
unção de água benta. (...) Se lambem enquanto você come,
espiam enquanto você dorme: os pobres espreitam. Em
cada um se esconde um delinquente, talvez um terrorista.
Nada de novo. Tem sido assim desde quando os donos de
tudo não conseguem dormir e os donos de nada não
conseguem comer.

Não há “nada de novo” e é esta a realidade que


encontramos ainda no que se pensa e no que se sente sobre
estes grupos nas ruas, nos lares, nas escolas e nas
universidades brasileiras. O medo aos pobres e negros é
semeado de duas formas: da sociedade sobre eles e deles
perante a sociedade. Nos discursos hegemônicos sobre
estes dois grupos pesam histórias de sofrimento e
culpabilização, e sua condição nada mais é que fruto de
seu comportamento, da negação do esforço na democracia
social e racial forjada para todos. Aos que “dominam” a
História este é o único palco protagonizado por negros e
pobres, que ao mundo neoliberal, pouco interessa. Ainda,
pensamos que enquanto os donos de tudo exploram
pessoas e territórios, desapropriam direitos e desperdiçam
as riquezas naturais com fins lucrativos, os donos de nada
são levados a acreditar que são responsáveis por suas
condições de miséria, fome e precarização social.
Nos dois próximos capítulos partimos destas
premissas para refletir sobre o que é exclusão social, e de
que forma esta categoria de estudo explica a seletividade
social por classe e raça, assim como pensamos uma das
formas pelas quais se legitimam as estruturas sociais
desiguais, no que tocamos a compreensão das
representações sociais e sua função na manutenção de
poderio das classes e grupos dominantes.

Reflexões sobre exclusão e seletividade social


Para compreender a historicidade da construção
social que exclui e culpabiliza pobres e negros, buscamos
na sociologia discussões sobre as representações de
pobreza e exclusão social. Segundo Robert Castel (2013),
que considera vulgarizado o conceito de exclusão social,
para os trabalhadores pobres existe uma ambiguidade que
é fruto da sociedade salarial: na miséria os recursos do

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trabalho são insuficientes para a existência, porém, aquele
que tem condições de trabalhar e não o faz, é considerado
o vagabundo, o desfiliado da sociedade, porque não se
enquadra nesta organização social e nem passa pelas
triagens do assistencialismo. É o outro frente ao
homogêneo.
Para Castel existem várias formas de exclusão, que
devem levar em conta “as dinâmicas sociais globais
responsáveis pelos desequilíbrios atuais” (2011, p.29).
Segundo o sociólogo, para denominar a exclusão a um
grupo social deve haver como prerrogativa a ausência de
algo e a degradação frente a um posicionamento anterior.
Para pensarmos estes casos a partir das categorias de
pobreza e raça nas escolas brasileiras, podemos nos apoiar
na vulgarização da história e cultura afro-brasileira pelos
currículos escolares, assim como na precarização do
sistema público de ensino. Sobre a vulnerabilidade frente a
uma condição anterior de existência - que, segundo Castel,
também é o que define a exclusão - podemos pensar no
contraste da população brasileira, ou seja, dos benefícios
de ser não pobre e não negro numa sociedade que reproduz
o discurso de democracia racial frente a desigualdade
histórica e ao racismo institucional. Robert Castel,
entretanto, pensa a partir de uma perspectiva de
classificação socioeconômica, o que não atende à demanda
desta pesquisa em analisar além da classe econômico, a
dominação étnico-racial existente.
Já para o sociólogo Pierre Bourdieu (2012), no qual
encontramos maior respaldo teórico para esta pesquisa, o
pobre passa por um processo de exclusão social a partir da
própria triagem de um padrão ideal de cidadania intrínseco
às condições históricas dos grupos e à constituição de
espaços e disputas por poder.
Esta triagem provoca a “incerteza profunda a
respeito do presente e do futuro” citada por Bourdieu no
texto “Ah! Os belos dias” (2012, p. 489). Em A Miséria do
Mundo, organizado por Pierre Bourdieu, os autores
discutem a realidade social excludente a partir dos
sistemas escolares franceses. Assim como no Brasil, estão
aí envolvidos os interesses e jogo político do Estado em
aumentar o número de indivíduos com nível mais alto de
escolaridade, independente da qualidade da mesma,
baseados em discursos de igualdade numa sociedade onde
a seletividade já está dada desde o nascimento do
indivíduo, para manter o status quo. As variações por
origem são claras, assim como as consequências do jogo
ambíguo entre número e exigência é frustrante para os
sujeitos.
Como discutem Bourdieu e Champagne (2012) no
texto Os excluídos do interior, as demandas e necessidades
da comunidade escolar diferem segundo seu público. A
hierarquia social e do trabalho começa na seletividade da

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escola que convence o indivíduo a não querer a escola,
quando na verdade é ela que não o quer. Assim, os
excluídos passam a se dar conta que o acesso à escola não
significa aproximação de melhores posições na hierarquia
social. A entrevista que constitui o texto de Broccolichi e
Oeuvrard (2012) sobre o futuro dos estudantes e as tensões
do sistema escolar, apenas corrobora com esta discussão.
Para o entrevistado “não há outro lugar para ir” (p.530).
A este problema a sociedade tende a culpar a própria
vítima, que interioriza os determinismos da História
hegemônica, o que é perceptível no seu discurso.
A exclusão social, nesta perspectiva, à qual nos
apoiamos para os estudos que seguem, atinge aos grupos
sociais enquanto fruto das condições históricas de
desigualdade social. Por sua vez, estas condições são
produzidas e reproduzidas através das relações de força
pautadas na manutenção daqueles grupos dominantes (aqui
nos referimos especialmente aos não-pobres e não-negros).
Esse poderio é dado de forma a legitimar e inculcar
significações que mantém a distribuição desigual de
riqueza, o racismo e a injustiça, a favor dos que se
beneficiam destas condições.
Os grupos excluídos (aqui nos referimos
especialmente aos pobres e negros), por sua vez, são
subjugados conforme seletividade por classe e cor. Ao
tratarmos da injustiça e exclusão também nos referimos às
condições em que grupos sociais pobres e negros são
prejudicados desigualmente na distribuição de fatores e
condições de risco, ou seja, são mais prejudicados por
poluição, infraestrutura precária, acessibilidade vulnerável
e direito à cidade (ALSCERAD; MELLO; BEZERRA.
2009, p. 48). No que tocamos o fator raça, então, esta
desigualdade é ainda mais agravada, quando as
disparidades se acentuam em referência à regiões e bairros
onde a maioria dos residentes é declarada preta ou parda.
Sobre isso o livro O que é Justiça Ambiental
((ALSCERAD; MELLO; BEZERRA. 2009. P.
53)apresenta dados que comprovam quando populações
negras são ainda mais prejudicadas pela precarização em
relação à saúde, educação, saneamento básico etc.
Acreditamos, portanto, que as formas pelas quais se
dão a desigualdade social, as condições de vida e as
perspectivas de futuro dos sujeitos levam em conta a
seletividade social e étnico-racial. Essas condições são
então significadas e impostas por grupos e classes
hegemônicas através de práticas e saberes reprodutores do
status quo. A Escola, na perspectiva de Pierre Bourdieu, é
uma das instituições que reproduz estas significações. Ao
refletir sobre a representações sociais, a desigualdade e o
racismo como categoria de manutenção destes dois
últimos, temos que é relevante e necessário perceber como

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as relações de força constituintes da sociedade brasileira
estão postas nas escolas.
Sendo a escola uma instituição social e, a partir da
perspectiva de que as representações sociais são reificadas
e reproduzidas no conflito de poderes entre os grupos
sociais, temos, portanto, que a educação é uma das formas
pelas quais se dá este processo. Ou seja, a escola é uma das
instituições encarregadas de produzir e/ou reproduzir a
ordem social. Neste sentido, o próprio sistema escolar é,
hegemonicamente, baseado em currículos e hierarquia de
valores opressores, enquanto reprodutor do status quo.
Para compreender a relação de forças na formação
de significações das sociedades é preciso depreender toda
ação pedagógica enquanto arbitrária de membros, grupos
e/ou sistema de agentes sobre outros. Ou seja, a própria
ação pedagógica é a violência simbólica através da
imposição de um arbitrário cultural por um poder
arbitrário. Ou melhor, a ação pedagógica visa a reprodução
do arbitrário cultural de um determinado grupo ou classe
social.
Na estrutura das relações de força há um efeito de
mediação (comunicação arbitrária) das diferentes ações
pedagógicas que colaboram àquela dominante através da
“autonomia” pedagógica. Assim, impor ou inculcar um
arbitrário cultural também depende do modo de educar (ou
seja, do modo como se impõe, que é outro arbitrário).
Destarte, o grupo que se faz dominante usa de artifícios
(como a educação e o ensino de História) para manter-se
no poder, mesmo que haja uma força de oposição
(BOURDIEU; PASSERON, 2012, p.28).
A ação pedagógica é, portanto, seletiva e
excludente, conforme os objetivos das classes e/ou grupos
dominantes, reproduzindo aquelas significações que
contribuem para a manutenção de poder. Portanto, toda
ação pedagógica “tem objetivamente por condição de
exercício o desconhecimento social da verdade objetiva da
ação pedagógica” (BOURDIEU; PASSERON. 2009,
p.34).
A partir desta perspectiva, temos que a Escolatem
como função a reprodução das desigualdades sociais e a
manutenção da sociedade de classes. Para Bourdieu (2008,
p.234)
(...) por tanto tempo quanto nada perturbe esta
harmonia, o sistema pode de alguma forma escapar à
história encerrando-se na produção de seus reprodutores
como um ciclo de eterno retorno, já que, paradoxalmente,
é ignorando toda outra exigência exceto a de sua própria
reprodução que ele contribui mais eficazmente para a
reprodução da ordem social.
Ou seja, nega-se qualquer outra versão da História
que possa fazer oposição ou resistir à ordem social.
Segundo Bourdieu os sistemas de ensino são
fundamentados com esta característica, obedecendo “às

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|661


suas regras próprias para obedecer ao mesmo tempo aos
imperativos externos que definem sua função de
legitimação da ordem estabelecida” (2012, p.235). Os
sistemas de ensino estão intimamente relacionados com a
reprodução do habituse suas propriedades específicas
inseparáveis aos seus grupos sociais. A escola, segundo
Bourdieu e Passeron (2008), apresenta, portanto, uma
“dupla verdade” mediante sua autonomia relativa. A sua
autonomia é seguramente aceita e concebida enquanto
reprodutora da estrutura social.
É com efeito à sua autonomia relativa que o
sistema de ensino tradicional deve o fato de poder trazer
uma contribuição específica à reprodução da estrutura das
relações de classe já que lhe é suficiente obedecer às suas
regras próprias para obedecer ao mesmo tempo aos
imperativos externos que definem sua função de
legitimação da ordem estabelecida, isto é, para preencher
simultaneamente sua função social de reprodução das
relações de classe, assegurando a transmissão hereditária
do capital cultural e sua função ideológica de
dissimulação dessa função, inspirando a ilusão de sua
autonomia absoluta. (BOURDIEU; PASSERON. 2008,
pp.234-235)

Para os autores, portanto, a escola é autônoma ao


mesmo que dependente de sua função social. A autonomia
se caracteriza na sua função inculcadora, o que está
associado à desigualdade social. Ou seja, a inculcação dos
sistemas escolares, negando os valores externos, conserva
a ordem social, através da ilusão de autonomia.
Acreditamos, assim, que as condições de opressão
têm alicerces históricos de violência e conformação, que a
História hegemônica, e a forma como se ensina a mesma
nas escolas, fomenta a discriminação social e racial, e que
na base desta reprodução cultural está a reprodução da
estrutura social a partir de significações que negam a
história e cultura do negro e do pobre, assim como as
relações de produção de suas condições socioambientais,
não cabendo no horizonte de emancipação destes sujeitos.
Sendo a Escola uma das instituições responsáveis
pela manutenção da estrutura social é, então, necessário
identificar as representações sociais presentes nos seus
discursos institucionais, reproduzidas na fala de
professores e nas narrativas de jovens e crianças. E, ainda,
tendo como hipótese que estas representações são
mediadoras das formas de ser e agir dos sujeitos e suas
perspectivas de futuro, ou seja, que desde crianças se
assimilam concepções e estigmas sobre si e sobre o mundo
e passa-se a pensar conforme as mesmas, sentimos
necessidade de apreender a função das representações
sociais como mediadoras desse processo.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|662


Representações sociais: reprodução e legitimação
das desigualdades
As representações sociais são objeto de estudo de
diversas áreas (na psicologia, para compreensão do
comportamento social de indivíduos e grupos, na
sociologia para o estudo dos fenômenos sociais e questões
de identidade de grupos, na antropologia, ao estudar as
relações sociais e culturais, e na história, ao compreender a
historicidades das mudanças e permanências de
determinados contextos). Refletimos sobre as mesmas para
abranger a função de reprodução das estruturas sociais que
cabe às representações enquanto construções sociais
produzidas em subordinação dos sujeitos e contextos que a
significam, ou seja, do lugar em que e ao qual produzem,
dos públicos que as projetam, e aos que a introjetam, e das
intenções e mecanismos intrínsecos aos conflitos de poder
e dominação social. Assim, como no ensaio de Galeano, as
representações dos demônios negros e pobres são baseadas
nas perspectivas de um Demônio que projeta e se assegura
destas representações para manter-se dominante.
A dominação, para Bourdieu e Passeron, é também
perpetuada pela interiorização e naturalização das
representações que constituem o discurso opressor de
determinadas classes e/ou grupos sobre aqueles excluídos,
privilegiando os interesses dos primeiros. Essa
interiorização é uma resposta à problemática da
dominação, ou seja, uma forma de resistir e sobreviver. A
ampliação dessas representações acontece quando, em
tempo/espaço, elas são reificadas. O que se concebe,
portanto, reflete no vivido, reforçando estereótipos. O
próprio discurso naturalizador do status quo é um artifício
de reprodução das condições de existência. Segundo
Bourdieu e Passeron (2009, pp. 29-30).
Os mal-entendidos sobre a noção de arbitrário (e
em particular a confusão do arbitrário e da gratuidade)
conservam-se, no melhor dos casos, naquele nível em que
uma percepção puramente sincrônica dos fatos de cultura
[…] obstina-se em ignorar tudo o que esses fatos devem
às suas condições sociais de existência. […] É assim que a
amnésia da gênese que se exprime na ilusão ingênua do
“sempre assim”, assim como nos usos substancialistas da
noção de inconsciente cultural, pode conduzir a eternizar
e, com isso, a “naturalizar” as relações significantes que
são o produto da história.

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Esta naturalização pode ser percebida no processo
de negação identitária, já que os sujeitos constroem sua
identidade a partir do modo como são vistos pelos outros.
Ou seja, os indivíduos, resistindo à opressão, afastam ou
negam suas características como modo de serem aceitos
socialmente. O grupo dominante, por sua vez, utiliza deste
comportamento como justificativa para aderi-lo ao próprio
dominado. A demonização de Galeano, portanto, parece
produzida pelo próprio demônio: aquele dominante.
Logo, a partir de sua posição social o indivíduo faz
sua leitura de mundo. Este lugar engloba o ponto de vista
na formação dos indivíduos, que para Bourdieu
é o princípio de uma visão assumida a partir de
um ponto situado no espaço social, de uma perspectiva
definida em sua forma e em seu conteúdo pela posição
objetiva a partir da qual é assumida. O espaço social é a
realidade primeira e última já que comanda até as
representações que os agentes sociais podem ter dele.
(1996, p. 27)

Sobre isso voltamos às contribuições de Marc Ferro


(1990) ao defender que as perspectivas individuais e de
grupos sobre o mundo e o “outro” estão relacionadas à
história que se conta às pessoas quando crianças, ou seja,
em processo de formação. Nesta perspectiva esta reflexão
também consiste em desconstruir uma das formas de
manutenção da história dos vencedores, que é exercida nos
ambientes de ensino formal produzindo e reproduzindo
discriminação social e racial.
Tendo como concepção as instituições escolares
reproduzem concepções de mundo que privilegiam os
grupos dominantes na estrutura social, temos que a
História hegemonicamente ensinada ainda preconiza
representações de progresso relacionadas à Europa e de
inferioridade à mestiçagem no Brasilaplica-se, portanto, a
análise da historicidade das representações sociais
enquanto produtora de considerações de mudanças,
permanências e perspectivas de ação e futuro.
A contribuição de uma análise que considere a
historicidade das representações sociais oferece, portanto,
a possibilidade de, ao sopesar sua dimensão estável e
dinâmica, estabelecer um referencial analítico e
interpretativo acerca do conteúdo representacional no
sentido de investigar os processos que o constitui,
contribuindo, com isso, para sua desnaturalização, ou seja,
para a compreensão de que ele é parte de uma construção
histórica e não uma espécie de “universal abstrato”, na
medida em que permite tornar visível a “experiência
histórica de nossa sociedade”, que se expressa na
atualização de elementos do passado presentificados nas
representações sociais contemporâneas. (BÔAS, 2010,
pp.20-21)

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Pensando na experiência histórica da sociedade
brasileira há demanda de engajamento científico social em
analisar e desmistificar as representações de uma História
conservadora. No âmbito das representações e do poder,
identificar-se enquanto não-pertencente ao grupo
dominante é um passo para a resistência à exclusão que o
mantém no poder opressor. O que modifica a posição do
sujeito, o habitusque lhe confere, e, portanto, seu discurso.
Antes que se permita cair na negatividade, portanto, da
História e da sociedade, é preciso compreender o espaço
social enquanto um campo de produção coletiva que se faz
no consenso e no conflito (BOURDIEU, 1996). E então, a
partir da consciência de si na diferença do outro há
possibilidades de construir uma outra realidade.
Tendo então que o pobre e o negro são sujeitos
historicamente excluídos, que este processo de exclusão
social se apoia na reprodução de representações sociais
hegemônicas que promovem a desigualdade, o racismo e a
opressão de grupos e classes dominantes sobre os demais,
e, ainda, que esta reprodução se dá também na Escola,
enquanto instituição social preparada para esta função, o
próximo capítulo aborda perspectivas para uma educação
étnico-racial que reflitam sobre este processo seletivo e
excludente e sua historicização.

Contribuições para uma educação étnico-racial


O tema deste artigo relaciona pobreza e raça
contrariando o discurso hegemônico brasileiro de
democracia racial e igualdade que mantém o véu sobre o
racismo e as condições da população negra e culpando à
própria vítima de injustiça e marginalização social. A
manutenção do discurso hegemônico é feita também na
negação do processo identitário a esses grupos, que se dá
na valorização diária de sua cultura, história e patrimônio,
que têm sido silenciados, assim como através das políticas
públicas afirmativas. Negar estas práticas é, portanto, a
própria forma de manter a desigualdade e injustiça
sociorracial históricas, com raízes num passado recente de
projetos e propostas baseadas no racismo científico.
Ou seja, hegemonicamente a população negra tem
sido desprovida de si mesma. A Lei 10639/003, em
contrapartida, tornou obrigatório o ensino de História e
Cultura Afro-Brasileira “no âmbito de todo currículo
escolar” (BRASIL, 2003). Nestes termos, são necessários
currículos “que não silenciem sobre a diversidade étnico-
cultural e que expressem, sem estereótipos e preconceitos,

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as contribuições e visões de mundo dos diferentes grupos
étnico-raciais que compõem a nação brasileira” (SILVA,
2012, p.134).
Acreditando que as condições de opressão têm
alicerces históricos de violência e conformação, que a
História hegemônica, e a forma como se ensina a mesma
nas escolas, fomenta a discriminação social e racial, e que
na base desta reprodução cultural está a reprodução da
estrutura social, percebemos a necessidade de construir
uma nova leitura da História, recusando-a enquanto
condição acabada e abordando-a enquanto possibilidade de
transformação social.
Nesta perspectiva, e percebendo que as
representações atuam sobre as concepções de futuro desde
a infância, acreditamos que discursos hegemônicos que
negam a história e cultura do negro e do pobre não cabem
no horizonte de emancipação destes sujeitos. Educar,
portanto, deve levar em conta as perspectivas de mundo
dos sujeitos, também reprodutoras das representações pelas
quais fora constituído nos diferentes espaços e instituições
sociais. Propomos, então, a reinterpretação do passado a
partir do presente e a construção de uma outra história, que
não aquela baseada nos discursos dos que oprimem.
A escritora nigeriana ChimamandaAdichie (2009)
fala sobre os perigos de uma única história, que dá limites
ao conhecimento do indivíduo e suas perspectivas de
mundo, geralmente banhadas de preconceitos históricos
veiculados pela mídia (a marginalização das periferias),
pela família (o racismo e o machismo), pelos brinquedos
(acessórios de medicina, armas, maquiagens), pelos
desenhos animados (Barbie), pela indústria
cinematográfica (A princesa e o Sapo) e por grande parte
dos educadores (livro didático), que, muitas vezes,
utilizam destes últimos recursos nos seus planejamentos.
Chimamanda explica sua perspectiva através de sua
própria experiência:
após ter passado vários anos nos EUA como uma
africana, eu comecei a entender a reação de minha colega
para comigo. Se eu não tivesse crescido na Nigéria e se
tudo que eu conhecesse sobre a África viesse das imagens
populares, eu também pensaria que a África fosse um
lugar de lindas paisagens, lindos animais e pessoas
incompreensíveis, lutando guerras sem sentido, morrendo
de pobreza e AIDS, incapazes de falar por elas mesmas e
esperando serem salvos por um estrangeiro branco e
gentil. (ADICHIE, 2009: p.2)

A questão problematizada por Adichie contribui


para esta pesquisa ao discutir a legitimação de saberes
excludentes e discriminatórios que se produzem nos
espaços de poder e a desqualificação de grupos e sujeitos a
partir de argumentos de cunho racista, questão emergente

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|666


na produção do espaço escolar. Sobre a desvalorização
étnica temos que nossas escolas ainda estão pintadas de
branco, sendo o silêncio, a violência e opressão
escancarada sobre a identidade negra. À própria prática
pedagógica ainda está arraigada a tendência ao
embranquecimento da sociedade brasileira, assim como o
currículo escolar está impregnado de história branca e
elitista.
No livro Educação anti-racista: caminhos abertos
para a Lei Federal nº 10.639/03, produzido pelo próprio
Ministério da Educação, observa-se
(...) ainda, que quando os textos, livros ou
histórias se referem à pobreza, violência e outras mazelas
sociais, geralmente, os negros aparecem nos personagens,
nas ilustrações e no conteúdo do texto, não raro como
protagonistas. Isto vale também para os programas de TV,
jornais e revistas. Já nos livros de contos de fada, com
príncipes, princesas e heróis, a presença negra é
praticamente inexistente, predominando aí os personagens
brancos, não raro loiros. E isso não passa despercebido
das crianças, sejam elas negras ou brancas. É
indispensável, pois, que tais correlações não passem,
também, despercebidas dos educadores, para que estes
possam retrabalhar tais representações em sala de aula e
reapresentá-las dentro de um referencial que contemple a
diversidade humana e o respeito à pluralidade étnico-
racial brasileira. (BRASIL, 2005: p. 110)

Vemos, portanto, que nos diferentes meios de


informação continuam-se “produzindo e reproduzindo”
representações baseadas nas versões dos
dominadores/exploradores coloniais do passado brasileiro,
transpostas ao presente na superioridade de um grupo
sobre os excluídos e que, sobre uma das formas como isto
acontece no ensino básico, o ensino de História é utilizado
como instrumento de manutenção de poderio, perpetuando
a desigualdade social e racial e os estereótipos intrínsecos
a mesma. A nigeriana Chimamanda ainda contribui
dizendo que
É impossível falar sobre única história sem falar
sobre poder. Há uma palavra, uma palavra da tribo Igbo,
que eu lembro sempre que penso sobre as estruturas de
poder do mundo, e a palavra é "nkali". É um substantivo
que livremente se traduz: "ser maior do que o outro".
Como nossos mundos econômico e político, histórias
também são definidas pelo princípio do "nkali". Como são
contadas, quem as conta, quando e quantas histórias são
contadas, tudo realmente depende do poder. Poder é a
habilidade de não só contar a história de outra pessoa, mas
de fazê-la a história definitiva daquela pessoa. (ADICHIE,
2009: p.3)

Assim, tendo que o ensino de história hegemônico e


os discursos escolares negam a história e cultura do negro

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|667


e pobre, compartilhamos com Chimamanda a ideia de que
elementos de identidade e representatividade na educação
são necessários para ter a si enquanto sujeito construtor da
própria história. São, ainda, elementos constituintes na luta
por direitos humanos, como deveriam ser do cotidiano
escolar e do ensino de História. Porém, embora perante a
Lei 10639/003 o currículo escolar tenha a obrigatoriedade
da abordagem do ensino de História e Cultura Afro-
Brasileira, a realidade preponderante encontrada nas
escolas ainda é outra.
Petronilha Silva (2007) soma a esta discussão ao
tratar do aprendizado sobre identidade e diversidade, assim
como do comportamento e representação de si e do outro,
focalizando na realidade brasileira e da população negra.
Nós, brasileiros oriundos de diferentes grupos
étnico-raciais – indígenas, africanos, europeus, asiáticos –,
aprendemos a nos situar na sociedade, bem como o
ensinamos a outros e outras menos experientes, por meio
de práticas sociais em que relações étnico-raciais, sociais,
pedagógicas nos acolhem, rejeitam ou querem modificar.
Deste modo, construímos nossas identidades – nacional,
étnico-racial, pessoal –, apreendemos e transmitimos visão
de mundo que se expressa nos valores, posturas, atitudes
que assumimos, nos princípios que defendemos e ações
que empreendemos. (SILVA, 2007, p.491)

Para Denise Ziviani, mulher negra, professora e


alfabetizadora, a construção da identidade étnica se dá no
conflito de diferenças entre si e o outro, ou seja, no
convívio social. A fala, também é construída socialmente
e, assim, as contradições e conflitos de raça e classe estão
expostos e representados na mesma. Segundo Ziviani“no
contexto dessa socialização a criança se percebe e se
identifica como sendo parte de um determinado grupo
social” (2012, p.54).
Nestes termos, Ziviani (2012) discute a construção
histórica da identidade étnica e dos estigmas relacionados
a ela, que se expressam na fala; a discriminação
sociorracial e, igualmente, sua transformação, na projeção
de um presente e futuro positivos às crianças negras,
especialmente no cotidiano escolar.
As manifestações de preconceito e discriminação
estão presentes em todo ambiente socializador: na família,
na escola, no trabalho etc. Nessa rede de relações, situa-se
a importância do “reconhecimento das identidades” que
acontece nas interações sociais. Ter sua História
reconhecida representa para o indivíduo pertencente ao
grupo étnico marginalizado o valor de sua dignidade
enquanto humano. (ZIVIANI, 2012, p.59)

Ziviani também toca na influência da mediação do


professor sobre a identidade da criança negra, em especial
no período em que se constitui a linguagem social do

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|668


indivíduo, relacionando-a à alta taxa de evasão escolar
durante o segundo ciclo do ensino fundamental.
Esses dados estão associados a fatores
intraescolares, como interações intensamente conflitivas e
falta de industrialização do(a) professor(a) para lidar com
problemas dessa natureza. A prática escolar, o discurso
docente e a linguagem utilizada pelo(a) professor(a)
alfabetizador(a) são os mediadores da socialização, sendo
elementos constitutivos do processo de identificação para
a criança que chega aos ciclos iniciais de formação.
(ZIVIANI, 2012, p.23)

A criança negra, desvalorizada etnicamente,


portanto, tem maiores possibilidades de abandonar a
escola, à medida que é excluída e representada de formas
negativas também nestes meios. A própria projeção de que
ela abandonará a escola influencia o fato, como um
discurso excludente, que é introjetado pelos sujeitos
previamente excluídos. Segundo Petronilha Silva
(...) os que se deixam assimilar por essas idéias,
costumam expressar o sentimento de que seus méritos e
qualidades são proeminentes, se julgam mais persistentes
e esforçados do que a maioria dos integrantes do grupo
social ou étncio-racial a que pertencem. Assim, não é raro
que oriundos de grupos marginalizados pela sociedade,
entre eles negros, qualifiquem pessoas de seus grupos de
origem como preguiçosos, incompetentes, sem ambição.
Revelam, eles, desconhecer, ou conveniência em ignorar,
as estruturas e relações que mantêm as desigualdades
sociais e étnico-raciais. (SILVA, 2007, p.492)

Sobre a transmissão para o segundo ciclo, Ziviani


acredita que a discriminação já está cristalizada pelas
pequenas ações cotidianas dos anos anteriores e que
começam a se reforçar na fala dos professores. Assim, a
partir de uma ideologia da impotência, o segundo ciclo é o
período em que os alunos negros mais evadem, à medida
que se aproximam do terceiro ciclo, quando
(...) a discriminação fica caracterizada,
diferenciando a trajetória da criança negra da trajetória
normal de alunos brancos. A criança negra fica confinada
ao espaço segregado que lhe é reservado. Em outro nível
diferente, mais elevado, após ter sido discriminada na
passagem, ela reexperiencia outra série de discriminações
sutis, veiculadas pela fala dos(as) professores(as) que lhe
atribuem à baixa expectativa em relação à escolarização.
(ZIVIANI, 2012, p.29)
O reconhecimento de si na história depende,
portanto, das representações e discursos que são
produzidos e reproduzidos nos diferentes espaços sociais
da infância, historicizando a si e ao outro. Historicizar, em
nossa compreensão, é organizar a produção histórica
dessas representações, sob a possibilidade de transformá-

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las para construir o que Ziviani chama de uma identidade
positiva.
O ambiente em que a criança negra cresce precisa
necessariamente ser fundamentado no acolhimento e na
aceitação, na verdade histórica, no prazer de se reconhecer
na história, componentes indispensáveis para a construção
de uma identidade positiva. (ZIVIANI, 2012, p.121)

Dentre estes componentes podemos elencar alguns,


que transpassam a efetividade da lei 10.639/003. Dentre
eles está a questão da qualidade das condições em que se
encontra a comunidade escolar. Esses fatores são, também,
influenciados pela hierarquia, discriminação e segregação
sociorracial. Podemos citar aqui as condições físicas da
escola, o currículo escolar, a origem social da comunidade,
as condições de trabalho e formação dos professores.
Todos esses fatores estão também mediados pelas
representações e valores sociais. Ou seja, o atendimento à
uma comunidade pobre, a projeção de futuro para estas
comunidades, o trabalho dos professores e, por fim, o
próprio ensino de História que, muitas vezes, obrigado a
efetivar a legislação, reproduz saberes excludentes e
racistas, são também fruto de representações de valoração
social.
A partir disso, podemos discutir o ensino de
História, que, pressionado por todos esses fatores de
qualidade, tem suas especificidades. Ensinar não tem a ver
com despejar conteúdos, mas com o quê e como se ensina.
Se o objetivo é a valorização e consciência étnica, ele não
pode ocorrer sem planejamento ou como tema de uma data
específica, e sim continuamente, todos os dias do ano
letivo. Educar para a diversidade exige posicionamento
político, que se concebe na fala, no gesto, no olhar,
enquanto discurso e produção de representações sociais no
contato com o outro e seu lugar pois “é no convívio com o
outro que as relações se dão e de acordo com o
direcionamento pedagógico que estas questões recebam os
resultados serão positivos ou negativos” (CAVALHEIRO,
2014, p.1089). No que toca, portanto, a perspectiva de
mundo dos sujeitos, constituídas durante a infância,
Cavalheiro (CAVALHEIRO, 2014, p.1087) argumenta que
(...) quando uma criança não se vê contemplada
positivamente nas falas, nas atitudes ou gestos do
professor ela percebe uma intencionalidade nestas ações e
desta forma, quando o professor apresenta materiais que
não contemplam suas características fenotípicas; quando a
princesa das histórias infantis, sinônimo de beleza estética,
nunca é parecida com ela; quando os heróis nunca se
aproximam das características que lhe são próprias ou de
sua família, esta criança formará conceitos negativos
sobre sua identidade e pertencimentos; passará a construir
uma auto imagem negativa, pois sua identidade não faz
parte do mundo escolar e consequentemente terá seu

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potencial comprometido pelo sentimento de não
adequação social e inferiorização diante do que é
diferente.

As atitudes dos professores e professoras são, assim,


igualmente educativas. Da mesma forma, podemos refletir
sobre como os professores tem abordado a História e
Cultura Afro-Brasileiras nas escolas. A própria dificuldade
muitas vezes expressa por estes profissionais na
abordagem dos temas, deixam clara a confusão entre
discursos de igualdade ou de diversidade. A partir da
obrigatoriedade posta pela Lei 10.539/003 muitas vezes
percebemos a reprodução de representações reducionistas
e folclorizadas do negro no ensino de História. Nestas
condições e pensando a seletividade social já abordada,
quando os alunos, negando as histórias de sofrimento que
prevalecem, recebem este tema com represália, significa
não quererem identificar-se, por resistência. Assim, sob a
deterioração da imagem do negro, apreendida pela vítima,
forjam-se maneiras de resistir à discriminação, dentre elas
a ideologia reflexa. Sendo o discurso hegemônico de
desvalorização étnico-racial e culpabilização das condições
de desigualdade, os grupos oprimidos introjetam estas
representações, negando sua identidade, por entendê-la
enquanto desvantagem.
De fato, não é fácil aos nossos professores
abordarem em sala de aula as diferentes práticas,
representações, simbologias e expressões culturais negras
(principalmente as religiosas), alusivas aos africanismos
reinventados no Brasil. As reações dos próprios alunos
costumam ser repressivas em formas de piadas, jargões e
represálias que são lançadas sobre a cultura afro-brasileira
variando apenas em graus de violência, sendo reflexo de
uma tradição pautada sobre um discurso depreciativo,
repressivo e disciplinador que impôs estigmas de
marginalidade, inferioridade e nocividade às práticas
alusivas ao ser negro. Na verdade, quando os alunos agem
dessa forma, estão se negando a identificar-se com o tipo
de negro que costuma ser representado nas aulas: o ser
escravo; o ser submisso; o ser inferiorizado etc. (GOMES,
2011, p.4)

Para que haja, de fato, um ensino comprometido


com a valorização étnico-racial, é preciso estar atento para
a produção histórica de exclusão sociorracial. Produto das
representações históricas de submissão e inferiorização do
negro, tanto a folclorização quanto a historiografia
tradicional (e mesmo aquelas que tentaram não o ser)
foram reducionistas. A primeira ao determinar espaços de
dança, religião e culinária aos negros, a segunda ao
dedicar-se ao estudo da escravidão, como única história
deste grupo. Assim,

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Como se deduz, não há a presença do homem
negro, mas sim a exaltação do que se entendia então por
cultura negra como sinônimo de popular e folclórico,
dando consequentemente maior visibilidade ao negro
tomado como espécie de autenticidade nacional de
brasilidade. (PEREIRA, 2011, p.282)

Quando se pensa estar produzindo discursos


antirracistas, portanto, professores e professoras estão
reforçando estereótipos e estigmas racistas no meio
escolar. O reducionismo, tanto através da folclorização
quanto através da historiografia conservadora negam aos
negros na História o meio científico e os movimentos de
resistência, que estiveram presentes, mas silenciados.
Enquanto educadores, estes discursos necessitam ser
desmistificados e reconstruídos.
Como educadores, como professores de História,
devemos criar espaços em sala de aula para que se discuta
a situação dos afro-brasileiros na atualidade, mas, acima
de tudo, desmistificar os estigmas negativos e mostrar a
pluralidade de lugares sociais, de identidades e
sensibilidades que a própria população afro-brasileira
constrói para si. (GOMES, 2011, p.7)

A função do professor frente à Lei 10.639/003 é


desmistificar e produzir, com os educandos, outra História,
composta por discursos libertadores e não mais
silenciadores. Aqui reforçamos, portanto, a necessidade de
historicizar os discursos, conceitos e representações étnico-
raciais na formação dos sujeitos em todos os níveis de
ensino, assim como nos meios de convivência social em
geral, “o que nos possibilita embasamentos favoráveis ao
redimensionamento epistemológico dessa área do saber”
(GOMES, 2012, p.8).

À guisa de conclusão: desigualdades e injustiça


históricas
A partir das discussões que aqui passaram, podemos
perceber o quanto os fatores raça e classe pesam na
hierarquização social, também especialmente quando se
tratam de pensar as políticas ambientais, que são desiguais
e injustas historicamente. Ou seja, os grupos sociais
oprimidos, e aqui nos dedicamos especialmente a pensar
negros e pobres, são ainda fadados a arcar com as
consequências (prejuízos talvez seja um termo mais
cabível) das decisões de sustentabilidade dos grupos

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dominantes. E, ainda, são levados a crer que são
naturalmente prejudicados por sua condição de existência,
invisibilizando o jogo social que constitui esta realidade.
Eduard Said (2011) também auxilia para esta
discussão mostrando que a literatura tem como contribuir
com a história ao mostrar que a produção na Europa do
século XVIII, por exemplo, era a história das elites daquele
continente, e que, a América Latina (caso da região de
nosso estudo) foi sempre, às vezes nas entrelinhas,
identificada como colônia e fonte de riqueza para aqueles
onde seus povos bárbaros e selvagens, pagãos e incultos,
mereciam a dominação e a exploração.
Vemos, portanto, que continuam se “produzindo e
reproduzindo” representações baseadas nas versões dos
dominadores/exploradores coloniais do passado brasileiro,
transpostas ao presente na superioridade de um grupo
sobre os excluídos e que, sobre uma das formas como isto
acontece no ensino básico, o ensino de História é utilizado
como instrumento de manutenção de poderio, perpetuando
as desigualdades social e racial e os estereótipos
intrínsecos às mesmas. Assim, enquanto o ensino de
História hegemônico nega o protagonismo destes grupos,
assim como o processo histórico de exclusão, os sujeitos
pobres e negros têm suas condições de existência
legitimados peças representações sociais e discursos
excludentes.
É nesta perspectiva que nos baseamos para refletir
sobre a exclusão sociorracial e reprodução histórica destas
condições. Entretanto, temos que os grupos excluídos
constroem também saber histórico. A história é um
discurso que está sendo disputado pelos sujeitos
envolvidos e as representações dadas a partir dela são
negociadas com os critérios dos “outros”. Ou seja, as
memórias e identidades se constroem em conflito, também
conflitos de valores e hierarquização entre os subgrupos. À
própria prática pedagógica ainda está arraigada a tendência
ao embranquecimento da sociedade brasileira, assim como
o currículo escolar está impregnado de história branca e
elitista.
Propomo-nos então, a refletir a manutenção dos
discursos hegemônicos através do ensino primário, no que
envolve os processos de ensino e aprendizagem. Para
tanto, nos dedicamos a refletir teoricamente sobre a
imersão dos conservadorismos da História na formação
dos sujeitos através de processos discursivos e da função
das representações enquanto produtoras deste discurso.
Como aborda Gomes (2012, p. 8)
(...) conhecer as representações sociais sobre a
cultura afro-brasileira que os docentes fazem emergir no
cotidiano escolar a partir de seus discursos e práticas
pedagógicas possibilita não só novas problematizações,
mas também a busca de fundamentos científicos para a

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|673


ressignificação desses discursos, dessas representações, da
memória e da identidade negra, socializando essas
informações.

É necessário, portanto, refletir sobre a função destas


representações e sobre a forma que elas têm sido
inculcadas e reproduzidas na Escola e no ensino de
História. Projetamos que estas discussões auxiliem na
expansão das fronteiras da academia e dialogue, de fato,
com as demandas sociais dos grupos excluídos aqui
citados. Demandas estas por justiça social e histórica, que
podem ser fomentadas a partir da infância e do
empoderamento e protagonismo de crianças pobres e
negras através de suas experiências do cotidiano escolar e
do ensino de História.

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As raízes históricas da desigualdade
socioambiental no extremo sul do Brasil:
um olhar sobre o surgimento da cidade do Rio Grande, em 1737
PorEron da Silva Rodrigues137, Carlos RS Machado138 e Kathleen Kate Dominguez Aguirre139

Resumo Abstract
Fronteiras sempre foram regiões de Borders have always been areas of
intensas disputas e constantes conflitos. No intense disputes and constant conflicts. In
extremo sul do Brasil não foi diferente, southern Brazil was no different, especially
principalmente no período que tange o século in the period regard the eighteenth century,
XVIII, quando Portugal e Espanha viveram when Portugal and Spain lived several
diversas disputas territoriais. Nessa região territorial disputes. This conflicted region,
conflituosa, onde já circulavam índios, which already circulated Indians, cattle
contrabandistas de gado vacum e mercadores, smugglers vacum and merchants, was
foi fundado em 1737 o Presídio Jesus-Maria- founded in 1737 the Presidio Jesus-Mary-
José que deu origem a primeira cidade do Joseph who led the first city in the state of
estado do Rio Grande do Sul e que hoje é Rio Grande do Sul and what is now known
conhecida como cidade do Rio Grande. Porém, as the city of Rio Grande. However, in
em geral, a figura do pobre, do negro e do general, poor figure, the black and
indígena nesta localidade é renegada por parte indigenous in this locality is denied by the
da historiografia. Portando, mais do que um historiography. Carrying more than a study
estudo do período da ocupação, ignorado ou of the occupation period, ignored or
exposto nos espaços de ensino a partir da explained in teaching spaces from the
perspectiva portuguesa, temos por objetivo Portuguese perspective, we aim to discuss
problematizar a versão mantida de que os the version held that the Portuguese whites
brancos portugueses foram os únicos e were the only true pioneers and city builders
verdadeiros desbravadores e construtores da of Rio Grande when Spanish is had, to that
cidade do Rio Grande, quando o espanhol é end, as the enemy, and the indigenous, the
tido, nesta perspectiva, como o inimigo, e o black and the poor as wild, animals and
indígena, o negro e o pobre como selvagens, uneducated, justifying the actions of white on
animais e incultos, justificando as ações dos them.
brancos sobre estes.
Palavras-chave:história, história ambiental, educação ambiental,
conflitos, desigualdade.
137
Licenciado em História pela Universidade Federal do Rio Grande - FURG (2014). Mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em
Educação Ambiental - PPGEA - FURG. É voluntário no Observatório dos Conflitos Socioambientais e Urbanos no Extremo Sul do Brasil
(CNPq) FURG coordenado pelo professor Dr. Carlos Machado. Bolsista (CAPES)
138
É professor titular de políticas públicas da educação na Universidade Federal do Rio Grande (FURG) e na Linha de Fundamentos da
Educação Ambiental no Programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental (PPGEA). Coordena o Observatório dos Conflitos do Extremo
Sul do Brasil. Possui graduação em História Licenciatura Plena (1989), Especialização em História do Brasil (1991) pela Faculdade Porto
Alegrense de Educação Ciências e Letras; Ciências Sociais e Políticas (1992) pela Escuela Nico Lopez (Cuba); Mestrado em Educação (1999)
e Doutorado (2005) pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. É membro do conselho editorial das Revistas - Ambiente & Educação
(FURG) (1413-8638) e Momento (Rio Grande) (0102-2717).

139
Licenciada em História pela Universidade Federal do Rio Grande (2014). Mestranda do Programa de Pós-Graduação em História (FURG).
É voluntária no Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas (NEABI) nesta mesma universidade.

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Introdução
A Cidade do Rio Grande é historicamente marcada
pela desigualdade social e exploração de determinadas
famílias sobre as camadas pobres, sejam os indígenas
locais, os pobres trazidos para a região a ser ocupada
durante as disputas entre os portugueses e espanhóis, assim
como os negros importados para a escravização. Partimos,
enquanto hipótese, que os espaços constituídos hoje na
cidade são produto das relações e conflitos entre estes
grupos.
Nos últimos anos a cidade passou por uma explosão
econômica decorrente da construção e produção no polo
naval, ainda em benefício de poucos empresários que
desfrutam dos recursos públicos para o acumulo de
riqueza, pautados na forte exploração humana e ambiental.
Neste cenário houve levas de migração do sudeste, norte e
nordeste do país, servindo como mão de obra para as
empresas do porto, a partir disso, foi possível perceber o
emergir de manifestações de ódio e racismo que
entendemos serem históricos na região. Mas geralmente
despercebidos como consequências dos conflitos gerados
pelo capitalismo, e a injustiça e disputa de poder inerentes
a ele. Assim, destacamos que a terra e os territórios, as
riquezas e os espaços de poder são apropriados e usados
em benefícios de poucos.

No Brasil, é sabido que desde a conquista colonial,


passando pela ocupação das terras indígenas, pela
exploração dos recursos naturais pela metrópole
portuguesa, pela formação intersticial de um mercado
doméstico, o trabalho de muitos fez do território um
mundo para poucos. Por muito tempo o poder sobre os
homens foi condição do poder sobre o território e seus
recursos. Ante a vastidão continental do país e a enorme
disponibilidade de terras livres, o escravismo foi condição
essencial da apropriação privada da base material da
sociedade. (ACSELRAD;MELLO;BEZERRA, 2009,
p.121)

Nos anos de 2013 e 2014 atuei como bolsista


voluntário do Observatório dos Conflitos Urbanos e
Socioambientais do Extremo Sul do Brasil, o que me
propiciou uma série de estudos ligados a temáticas que
envolvem esta região, e seus conflitos, a desigualdade e a
injustiça social e ambiental que aqui viceja.

O Observatório dos Conflitos Socioambientais e Urbanos


percebe na realidade brasileira “a apropriação desigual da

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riqueza sobre o território impedindo a democratização em
benefício de toda a sociedade”. Sob esta compreensão o
grupo de pesquisa se dedica ao mapeamento e pesquisa de
conflitos no Extremo Sul do Brasil para a promoção do
debate público e contribuição para a justiça social.
(AGUIRRE, RODRIGUES, MACHADO, 2013)

Mas, se de um lado o observatório mapeia os


conflitos como reflexão a pesquisas de conclusão de curso,
dissertação e teses, de outro podemos identificar que a
realidade existente na região foi produzida historicamente,
desde pelo menos meados do século XVIII, entre 1750
(Tratado de Madri) até a Independência do Brasil.
Fronteiras sempre foram regiões de intensas
disputas e constantes conflitos. E no extremo sul do Brasil
não fora diferente, principalmente no período que tange o
século XVIII e XIX.Os períodos que abrangem o início do
século XVIII e metade do XIX foram de inúmeras disputas
de territórios entre as coroas portuguesas e espanholas,
podemos observar no trecho abaixo como Francisco das
Neves Alves esboça uma das principais causas para tais
acontecimentos:

A primeira metade do século XVIII caracterizou-se pela


consolidação do processo de expansão europeia, visto que
um dos pressupostos básicos para sustentação do sistema
econômico, predominante à época, era a formação de um
arcabouço colonial, ocorrendo a partir disso uma série de
conflitos entre diversos países europeus. As nações
hegemônicas – Portugal e Espanha – passaram a perder
força desde o fracasso da União Ibérica. (...) Nessa época,
almejando recuperar mercados perdidos com o fim do
domínio espanhol, Portugal iria eleger como um dos alvos
de sua atenção na América, a expansão em direção à
região platina. (ALVES, 2010, p.33-51)

Neste período, diríamos estarem se formando as


raízes das classes e grupos sociais que, ainda hoje, através
da educação nas escolas das cidades é contada como sendo
de heróis e salvadores, desbravadores e lutadores que
lutaram contra os selvagens, a natureza inóspita, ou que
através de suas bravuras garantiam as “fronteiras
brasileiras” que os espanhóis buscavam ocupar, invadir,
dominar. E é nessa região conflituosa, onde já circulavam
índios, contrabandistas de gado vacum, mercadores, que
em 1737 é fundado o Presídio Jesus-Maria-José que deu
origem a primeira cidade do estado do Rio Grande do Sul e
que hoje é conhecida como cidade do Rio Grande.
Quanto a isto é possível observar a forte
miscigenação já nos primórdios da fundação da cidade,
como observa Luis Henrique Torres:

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A partir de 1737, a atual cidade do Rio Grande se projeta
como um laboratório de experiências culturais, biológicas
e de complexas relações sociais que envolveram soldados,
europeus, açorianos, índios, negros e colonizadores do
Brasil e da Colônia do Sacramento. (TORRES, 2008.
P.101)

Como se pode observar, embora nos dias atuais haja


uma forte tendência a exaltar a formação da cidade do Rio
Grande como exclusivamente açoriana, o que se tem na
realidade é uma negação de diferentes etnias na
constituição de um povoado que deu origem ao que hoje
entendemos como Rio Grande do Sul.
Partimos que isso ocorre, mais fortemente, devido à
clara negação desses diferentes grupos étnicos nos meios
de informação e de materiais didáticos que são utilizados
para falar de forma histórica sobre tal momento. Nossas
inquietações vão ao encontro de que é neste momento, em
meados da metade do século XVIII, que passam a surgir
neste território social pela exploração de alguns,
principalmente portugueses, sobre outros como negros e
indígenas e também uma desigualdade ambiental onde um
pequeno grupo passa a controlar e explorar a maior parte
da terra e do território. Nossos questionamentos seguem
em relação de como e por que os diferentes atores sociais
da época se tornaram quase que “fantasmas” em nossas
escolas e universidades?
Edward Said vai mostrar que a produção literária na
Europa aponta sempre no sentido colonizador com a
afirmação de que o outro é oexótico, inculto, bárbaro e
selvagem, justificando a exploração e a exclamação de
superioridade do branco e das elites daquele continente
sobre os povos escravizados da América e da África,
utilizados para povoação e trabalho forçado para riqueza
dos europeus. Esta perspectiva é ainda hoje reproduzida
nos espaços educativos, na mídia e na imprensa servindo
como apoio na produção das relações de poder contra
aqueles grupos sociais considerados “de baixo”. Lander
vai apontar que
“La conquista ibérica del continente americano es el
momento fundante de lós dos procesos que
articuladamente conforman la historia posterior: la
modernidad y la organización colonial del mundo. Con el
inicio del colonialismo en América comienza no sólo la
organización colonial del mundo sino –simultáneamentela
constitución colonial de los saberes, de los lenguajes, de la
memoria y Del imaginario. Se da inicio al largo proceso
que culminará en los siglos XVIII y XIX en el cual, por
primera vez, se organiza la totalidad del espacio y del
tiempo -todas las culturas, pueblos y territorios del
planeta, presentes y pasados- en una gran narrativa

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|680


universal. En esta narrativa, Europa es -o ha sido siempre-
simultáneamente el centro geográfico y la culminación del
movimiento temporal. (...)Con los cronistas españoles se
da inicio a la “masiva formación discursiva” de
construcción de Europa/Occidente y lo otro, del europeo y
el indio, desde la posición privilegiada del lugar de
enunciación asociado al poder imperial.” (LANDER,
2005, p.16)

É através destes pontos levantados por


pesquisadores como Edgardo Lander que pretendemos
trabalhar a análise de diferentes documentos, dando um
enfoque sob o discurso da ótica europeia portuguesa, frente
aos “outros”, na apropriação do território sul da América
do Sul.

2.Procurando entender como ocorreram as


construções históricas de uma Rio Grande açoriana
Nossa perspectiva é de que hoje na região
predomina a desigualdade socioambiental, à medida que
uma minoria se apropria da terra e da riqueza produzida
por ela e pelos trabalhadores, mas não em benefício destes.
Em decorrência disso, afirmamos que a história contada
nos livros didáticos e na Universidade tende a reproduzir
esta história dominante e branca.
Para uma primeira reflexão acerca da construção de
um discurso único, buscamos observar relatos de viajantes
que a partir do início do século XIX, passaram a fazer
viagens por essas regiões de fronteira e que através de
variados diários de bordo levavam para seus países natais,
uma percepção do que viam e do que acontecia nessas
regiões. Dentre esses cronistas que, sobre suas óticas
escrevem sobre Rio Grande e região, temos relatos como o
do naturalista francês Auguste de Saint-Hillaire, que trazia
uma percepção europeia de ambiente e civilização. Já de
antemão acreditamos ser uma visão preconceituosa e
eurocêntrica de uma região que em quase nada se parecia
com efervescente Europa da virada do século XVIII, para o
XIX. Como podemos identificar neste trecho abaixo:

“[...] Nada se iguala à tristeza desses lugares. De um lado,


o bramir do oceano; e do outro, o rio. O terreno,
extremamente plano e quase ao nível do mar, é todo areal
esbranquiçado, onde crescem plantas esparsas,
principalmente o senecio. As choupanas, mal conservadas,
só anunciam miséria: destroços de embarcações semi-
enterradas na areia recordam pungentes desgraças e nossa

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alma se enche, pouco a pouco, de melancolia e terror. O
refluxo das águas do rio, produzido pelo mar, e a falta de
profundidade são as causas das dificuldades que a barra
apresenta à navegação e dos naufrágios freqüentes que ali
ocorrem. Para prevenilos, foram tomadas, entretanto,
várias precauções. A torre, da qual já falei, indica aos
navegantes a embocadura do rio. Um homem encarregado
de sondar constantemente a barra, por meio de sinais,
informa às embarcações se a quantidade de água, que
varia sem cessar, lhes permite a entrada; estas também
fazem sinais indicativos sobre o calado de suas
embarcações; enfim, quando saem ou entram, o prático da
barra, num pequeno barco denominado catraia, vai
mostrando, por meio de uma bandeira, que ele inclina de
um lado ou de outro, o caminho a seguir. O prático recebe
dez mil-réis de cada embarcação que sai ou entra.” (Saint
Hillaire, 1820, p. 100)

Identifica-se que suas observações são orientadas


com o que ele passa e vive em seu continente natal.
Fazendo assim, um comparativo de ambiente com a
Europa e as grandes cidades onde o processo de
“domesticação” da natureza já naquele momento se
encontrava muito amplo, em contraponto ao da cidade do
Rio Grande e de toda região de fronteira do sul do Brasil.
A valoração dos povos distintos, sejam aqueles que
já aqui viviam ou aqueles que foram trazidos a força para
serem escravizados, são deixados à margem dos livros de
história, ou se aparecem são em poucos casos. Percebe-se
que o nascimento de Rio Grande e por consequência do
Rio Grande do Sul, que aparece nos livros didáticos é
quase sempre como uma forma de conter a invasão
espanhola e assim evitar o contrabando 140. Podemos
observar no trecho a seguir o como é enaltecido o papel do
homem branco português na constituição do território onde
atualmente é localizada a cidade do Rio Grande e através
disso, também é possível perceber a não nomeação de
outros atores sociais no processo de povoamento do local:

Para proteger o continente, a Coroa portuguesa criou em


1737 o presídio e o povoado de Rio Grande, no canal que
dá acesso à laguna dos patos. (...) O presídio, chamado de
Jesus-Maria-José, serviu também de ponto de apoio para a
Colônia de Sacramento, frequentemente atacada pelos
espanhóis. Além disso, possibilitou o povoamento da
região por causa da vinda de centenas de pessoas, que se
instalaram nas áreas ao redor dele. (PILETTI, 2012, p.41)

140
Sobre isso, Guilhermino Cesar diz que “nem o contrabando de víveres ou de tecidos, nem o de gado, nem o da prata e ouro foram por
aqui mais rendosos do que o de carne humana. (...) A Companhia de Jesus, por exemplo, pugnava pela total liberdade do índio, mas
aceitava a escravidão dos negros, ao ponto de importá-los para suas fazendas.” (1978, p.19)

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|682


Nota-se que um livro que aborda o tema com
crianças de 4º e 5º ano do ensino fundamental o faz como
os portugueses sendo os detentores destas terras e travando
lutas contra aqueles que teriam como intuito tomar e
destruir as terras que eram de Portugal. O livro, acima
citado, serve principalmente para as escolas públicas da
cidade do Rio Grande, como uma das únicas bases
didáticas, não se encontrando outro livro que possa ter uma
proposta e uma ótica diferenciada.
Mas, também na Universidade Federal do Rio
Grande, alguns pesquisadores que trabalham a história
deste período, acabam também fazendo afirmações que
possibilitam a legitimação de um discurso que nega as
diferentes etnias e os diferentes grupos que aqui habitavam
ou passaram a habitar nos meados do século XVIII:
Em relação ao lugar social dos açorianos na Vila do Rio
Grande, Queiroz observa que o insignificante número de
famílias açorianas que se tornaram proprietárias de
escravos até abril de 1763 (invasão espanhola) significa
claramente que, nesta fase, a mão-de-obra básica das
pequenas propriedades – as chácaras ou sítios –, que os
casais açorianos partilharam com tios, primos, sogros, e
outros casais, foi essencialmente livre, branca, açoriana;
os açorianos constituíram a autentica classe camponesa da
sociedade rio-grandina deste período. (TORRES, 2008,
p.189)

Tal historiador e professor da Universidade Federal


do Rio Grande procura evidenciar e enaltecer em seus
escritos a figura do açoriano, ou seja, portugueses oriundos
dos arquipélagos dos açores, como sendo a figura central
da constituição do território da Cidade do Rio Grande.
Negando ou não evidenciando de forma clara a existência
de outros diferentes grupos étnicos, que também faziam
parte da realidade territorial deste local.
Percebe-se que tal negação ou diminuição da
importância de grupos indígenas, de negros escravizados e
de espanhóis, legitima um discurso histórico de um
território luso-brasileiro em sua essência. Também é
importante ressaltar que esse discurso que exclui
determinados grupos, não fica somente reservado a textos
acadêmicos, crônicas de viajantes e livros didáticos. Ele
ramifica-se pelos jornais locais e principalmente pelo
Jornal Agora, periódico citadino que possui a maior
tiragem, sendo que o referido historiador possui uma
coluna na qual trata de assuntos ligados a história da
cidade.
Sabe-se que um veículo de comunicação como um
jornal impresso possui uma abrangência muito maior que
outros documentos, como os acima citados, e que tal
escrita torna-se para o grande público, se não há única, a

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|683


fonte de informação que mais possui notoriedade. Diante
disso, apresentamos um trecho da coluna do Jornal Agora
de agosto de 2013, que se intitula HISTÓRICO DO
MUNICÍPIO DO RIO GRANDE, onde TORRES procura
fazer um apanhado histórico do município:

Cenário geopolítico de enfrentamento entre Portugal e a


Espanha pelo controle do estuário da Lagoa dos Patos
(área onde foi edificado o único complexo marítimo
portuário do Rio Grande do Sul), o início oficial do
povoamento europeu ocorreu em 19 de fevereiro de 1737
com a chegada de uma frota naval portuguesa, comandada
pelo Brigadeiro José da Silva Paes, o qual organiza uma
Comandância Militar para administrar o Rio Grande do
Sul lusitano. (...) O povoamento no século 18 teve
predominância de açorianos, portugueses, cariocas e
paulistas, dotando o local de uma identidade luso-
brasileira. (JORNAL AGORA, 2013, p.06) [grifo nosso]

É possível assim presumir que tal região foi


constituída única e exclusivamente por europeus e
militares luso-brasileiros, sendo que em momento algum
da referida reportagem ressalta-se a existência de povos
indígenas, o constante fluxo de espanhóis oriundos da
região do Prata e nem mesmo a vinda de populações
negras, seja escravizada ou como mão de obra livre e
também mulheres trazidas para servirem de afago dos
militares solteiros. Já para o fim da reportagem, que obteve
uma página inteira do jornal, o autor volta a reafirmar que
“Em meio a mudanças tão profundas, fortalece a
necessidade de preservação e divulgação das raízes
histórico-culturais desta que é a cidade mais antiga do Rio
Grande do Sul e cuja identidade deve ser
redescoberta/construída”, ou seja, em pleno ano de 2013
seria necessário “refrescar” a memória daqueles
desinformados de que tal região carrega a herança europeia
portuguesa branca em suas veias e que qualquer outra etnia
ou grupo que aqui esteja, não passará de um intruso, de um
“outro” que Edward Said salienta.

3. Procurando outras possibilidades de entender a


cidade do Rio Grande
O objetivo de nosso trabalho está sendo pesquisar e
mapear dados, informações e documentos históricos,
administrativos, relatos, crônicas, etc. para mostrar que, ao
contrário disso, há outros atores, conflitos, visões e
percepções sobre a realidade, em confronto com aquela

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|684


que nos é contada como única e inabalável. Podemos,
como forma de exemplificação, utilizar as pesquisas da
professora Dra. Helen Osório que em sua tese de
doutorado traz esboços e materiais que questionam esta
negação da não participação do negro no povoamento e
por consequência, de sua não participação na constituição
do Rio Grande do Sul141. Evidenciamos, um quadro
elaborado pela autora que nos mostra o quão forte foi a
presença de escravos já no início do processo de
povoamento do Rio Grande do Sul:

Tabela 2 - Escravos importados pelo Rio Grande do Sul, 1792-1822


(OSÓRIO, 2007)

Anos Total de escravos Escravos Escravos % importações


importados pelo importados do importados do Rio de
Rio Grande do Sul Rio de Janeiro da Bahia Janeiro
1792 - 316 - -
1800 400 - - -
1802 519 452 66 87,1
1803 752 618 88 82,2
1805 559 515 28 92,1
1808 1.072 598 363 55,8
1809 768 585 139 76,2
1810 731 552 131 75,5
1811 1527 1174 320 76,9
1812 1330 1168 110 87,8
1813 2073 1791 173 86,4
1814 3256 2560 297 78,6
1815 1297 1185 41 91,4
1819 1601 1537 23 96,0
1820 1443 1232 194 85,4
1822 - 1799 - -

Nota-se que o quadro acima vai de encontro com


inúmeros discursos de que o negro pouco participou do
processo de ocupação do território, sabe-se também que
neste período o português usava ao máximo da mão de
obra escrava em sua grande maioria, realizando assim o
mínimo necessário de serviços braçais. Entendemos, a
partir disso, que é quase irrisória a tentativa de negar a
participação negra em inúmeras tarefas de ocupação e de
construção da Vila do Rio Grande que depois viria a
tornar-se Cidade do Rio Grande.
Também sobre a questão da população negra nesta
região, em sua maioria escravizada, temos colaborações
141
Apesar de termos mapeando a vinda de escravos, conforme a tabela, há relatos mais recentes de que desde o início os açorianos
traziam crianças negras como escravas.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|685


significativas de outros autores que demonstram como o
contingente negro fora significativo:
A presença de escravos nas nossas primeiras povoações,
nas primeiras estâncias, é um fato pouco estudado. Os
primeiros mapas estatísticos da Capitania sugerem, no
entanto, o papel importante que devem ter
desempenhado. Introduzidos com as primeiras expedições,
ocupando lentamente os mais diversos trabalhos e ofícios
urbanos, a presença do escravo será remarcável, porém,
irregularmente distribuída. (...) Segundo Guilhermino
César, “negros participaram, também, conforme prova
documental, da expedição comandada pelo Brig. Silva
Paes (1737), o fundador do presídio militar do Rio
Grande. (MAESTRI FILHO, 1979, p.37)

Tais colaborações, como a de Mário Filho, não nos


permitem corroborar com uma história unicamente
portuguesa no extremo sul do Brasil, nos fazem repensar e
questionar algumas produções, acadêmicas ou não, que há
muito estão colocadas na história do município de Rio
Grande como verdade absoluta, sem ressaltar a
importância que diversos grupos étnico-raciais tiveram e
ainda tem para que possamos compreender nossas raízes e
nossa cultura rio-grandina.
Novamente, procurando fazer um contraponto há
uma exclusiva descendência europeia e aqui entende-se
portuguesa da História do Rio Grande, procuraremos dar
nos trechos a seguir dar visibilidade a cultura indígena, ou
as diferentes culturas indígenas que contribuíram,
fortemente, no processo de construção, povoamento e
constituição da Cida do Rio Grande e de todo estado do
Rio Grande do Sul. Nossa perspectiva é possibilitar que
nos dias atuais seja evidenciada e reafirmada a participação
destes diferentes atores que tiveram participações
importantíssimas na história de Rio Grande, Rio Grande do
Sul e do Brasil e que embora nos pareça tão evidente, é
notório que, por parte de alguns grupos, se procura
marginalizar tal participação, preferindo ainda enaltecer
uma descendência exclusiva europeia.
Para relatar a importância da participação indígena
no processo de povoamento do extremo sul do Brasil,
poderíamos trazer inúmeros autores que já comprovam tal
contribuição, para tanto iremos evidenciar a escrita de
Maria Luiza Queiroz, que escreveu a obra A Vila do rio
Grande de São Pedro. Onde dentre outros aspectos ela
aborda a participação dos povos indígenas neste na
construção deste território:

Também por volta de setembro de 1737 o presídio passou


a incorporar elementos índios que eram apresados na
campanha, durante as diversas incursões que se fazia.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|686


Encontram-se nos livros de Batismos da freguesia vários
assentamentos de índio ou índia “apanhado na campanha”;
são tapes (guaranis) procedentes “do sertão de Buenos
Aires”, sendo em grande número mães apresadas com
seus filhos. (...) A grande maioria desse contingente,
entretanto, contribuiu decisivamente para a
implantação da nova colônia, sobretudo pelo
engajamento na atividade pecuária, nas estâncias reais e
de particulares. (QUEIRÓZ, 1987, p.54-55) [grifo nosso]

Percebemos aqui, que a negação indígena nos


escritos atuais acerca da história do município torna-se
completamente equivocada ou descompromissada com
uma ética histórica, tentando assim manter um
eurocentrismo exacerbado na história do Brasil. Não é
nossa expectativa trazer uma verdade absoluta, mas ao
contrário, é nossa tarefa como pesquisadores e professores
de história, demonstrar que a participação e a colaboração
de diferentes grupos e diferentes concepções de viver na
terra, são construtoras de nossas raízes históricas como
brasileiros e também nossas peculiaridades como
moradores do extremo sul do Rio Grande do Sul.
A última colaboração que pretendemos evidenciar
na construção desta região, é a das populações espanholas
ou descentes de espanhóis que faziam fronteira com esta
região nas conturbadas disputas territoriais em que estava
imbricada a região sul do rio Grande. Para isto,
utilizaremos novamente a escrita de Maria Queiróz, onde a
autora também tem a preocupação de explicitar a
participação hispânica na região:

(...) o contingente hispânico da povoação do Rio grande


formado principalmente pelos espanhóis que acorreram
com o objeto de aí se estabelecer. É marcante, a partir de
1738, a presença de peões espanhóis, procedentes, a
maioria, de Santa Fé, Corrientes, Entre Rios e Paraguai,
radicados nas estâncias reais e particulares. Esses homens
representavam mão-de-obra altamente especializada, de
importância vital para a sobrevivência da Colônia, cuja
economia de mercado e subsistência tinha por base a
pecuária. (...) Esta pequena migração espanhola para a
Colônia do Rio Grande vai se manter durante todo século
XVIII, e não deve ser encarada como um acontecimento
excepcional. (QUEIRÓZ, 1987, p.57)

Pode-se notar que embora ainda haja um discurso


elitista e excludente, que está intrínseco nas argumentações
dos livros didáticos e de artigos acadêmicos que circulam
na cidade do Rio Grande. É possível e preciso evidenciar
perspectivas e relatos que contrapõem tais discursos, como
é o caso de Helen Osório, Maestri Filho, Maria Queiroz
dentre outros inúmeros pesquisadores que procuram dar

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|687


voz e vez a estes diferentes grupos que há muito estão
sendo ceifados da nossa história.

4. Considerações Finais
Temos que história desse período, portanto, nos é
contada quase que de forma única, contadas por militares
portugueses ou seus aliados, funcionários portugueses ou
brasileiros brancos, muitos de origem portuguesa, e assim
ressaltando o papel destes na história da cidade do Rio
Grande e região. Nestas, os negros, os indígenas e os
espanhóis são vistos somente como escravos, serviçais,
inimigos e/ou selvagens. É enaltecido o trabalho desses
“desbravadores” portugueses, que contribuíram em muito
para transformar uma terra até então “selvagem” num lugar
apropriado para se viver e explorar suas riquezas naturais.
Assim, como hoje, a história não é feita ou resultado
apenas pelas ações dos brancos ou das classes dominantes,
acreditamos que este território que atualmente é
compreendido como o Estado do rio grande do Sul e mais
especificamente a localidade onde se encontra a Cidade do
Rio grande, fora construído e constituído por diferentes
grupos étnico-raciais e por inúmeros conflitos
socioambientais que ainda pouco aparecem nos livros
escolares, nos periódicos acadêmicos da nossa
Universidade e também nos jornais locais.
Tal realidade tem corroborado por mais de dois
séculos, com uma enorme desigualdade socioambiental,
que tem sido marca histórica da região desde sua povoação
organizada e arquitetada pelos colonizadores portugueses.
A partir destas percepções como discurso único, com
negação de diferentes povos e grupos nos livros didáticos
que retratam a história da cidade para as crianças, com um
discurso no mínimo tendencioso por parte de alguns
professores e pesquisadores é que passamos a entender o
porquê de estarmos, tão fortemente, inseridos num cenário
desolador de exploração e degradação ambiental na Cidade
do Rio Grande. Percebemos que estas ações que negam o
outro tem servido para a manutenção de uma realidade
exploratória onde um pequeno grupo que mantém raízes
históricas de exploração e manutenção de poder pode
sobrepor-se a outros diversos e que não se entendem
representados nestas escritas.
Entendemos que a forte injustiça ambiental que está
arraigada na Cidade do Rio Grande é fruto de uma
utilização desigual de seus bens, a partir disso
corroboramos que:

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|688


“Se há diferença nos graus de exposição das populações
aos males ambientais, isso não decorre de nenhuma
condição natural, determinação geográfica ou casualidade
histórica, mas de processos sociais e políticos que
distribuem de forma desigual a proteção ambiental. (...)
Outra manifestação da desigualdade ambiental concerne
ao acesso desigual aos recursos ambientais. Este acesso
desigual se manifesta tanto na esfera da produção, no que
diz respeito aos recursos do território, como na esfera do
consumo, com os recursos naturais já transformados em
bens manufaturados.” (ACSELRAD;MELLO;BEZERRA,
2009, p.73-74)

Conforme os autores acima evidenciados, é notório


que a realidade encontrada na Cidade do Rio Grande é
fruto de disputas sociais e políticas, onde constantemente
os grupos que oprimem e forçam a desigualdade social,
ambiental, étnica, de gênero, estão há muito nos contando
a história, sob seus prismas, e fomentando a exploração e a
injustiça ambiental. Com isso é necessário compreender
essas questões históricas, na qual estamos inseridos, para
que a partir desta realidade possamos trabalhar com mais
qualidade e conhecimento de causa as questões acerca da
Educação Ambiental nas escolas, nos bairros e nas
comunidades mais atingidas, na cidade, pela forte
desigualdade ambiental da qual fazemos parte.
Esperamos que nossas pesquisas e escritas
possibilitem uma maior compreensão dos fatos históricos
desta região, para assim haver um avanço nos processos de
não alienação da população rio-grandina que permita, cada
vez mais, haver contradiscursos frente ao que está posto
atualmente. Com isso, poderíamos avançar em inúmeras
questões de ordem pública para um melhoramento mínimo
de diversas comunidades que hoje sofrem com os abusos
do Estado e de grupos empresariais que visam não mais
que o lucro incessante explorando e degradando o que for.
Para finalizar trazemos um pequeno trecho extraído
do livro Repensar a educação ambiental: um olhar crítico,
onde em um dos inúmeros artigos ali presente, destacamos
um trecho onde Philippe Layrargues apresenta o que ele
entende como desigualdade ambiental:
É definida como a exposição diferenciada de grupos
sociais a amenidades (ar puro, áreas verdes e água limpa)
e situações de risco ambiental. Minorias étnicas e grupos
de baixa renda estão mais expostos a riscos ambientais
como enchentes (inundações), deslizamentos
(desmoronamentos), poluição, contaminação etc., ou seja,
existe uma relação entre baixa condição socioeconômica e
alta exposição ao risco ambiental, corroborando a desigual
distribuição das amenidades e dos riscos ambientais entre
os grupos sociais, causando injustiça ambiental para uns e

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|689


conforto ou segurança ambiental para outros.
(LAYRARGUES, 2009, p.18-19)

Portanto, entendemos que a apropriação da terra,


das riquezas produzidas, bem como a ocupação dos
espaços de poder não decorre de atos unilaterais. Mas, sim
em conflito e em contradição – entre as classes e grupos
sociais - numa realidade de relações sociais e destas com o
ambiente natural em processo que devem ser incorporados
em perspectivas críticas seja da história, da história
ambiental, como também da educação ambiental para que
possamos avançar nossas práticas em direção de uma
perspectiva diferente desta que nos está imposta como
sendo a única possível.

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Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|691


Rodas de conversa nas aulas de História
Ancestralidade africana nas regiões de colonização alemã no Rio Grande do Sul
PorJuliano de Leon Viero Marques¹

Resumo Abstract
Este artigo trata do desenvolvimento de This article deals with the development
rodas nas aulas de história, nas regiões de of conversation circles about African ancestry
colonização alemã no RS, a respeito da in history classes in regions of German
ancestralidade africana. Os colonos alemães colonization in the Rio Grande do Sul state.
primaram por construir uma identidade entre German descendants excelled in building an
eles no RS que possibilitou que na identity for themselves in this state, which
historiografia e na própria realidade dessas caused this group to be highly valued over other
regiões colonos sofressem grande valorização ethnical groups in history and also in their own
em detrimento a outros grupos étnicos. A reality. African and Afro-descendants
invisibilidade do africano e do afrodescendente invisibility is noticeable and will be the topic of
é visível e será abordada aqui. As rodas de this article. Conversation circles can be framed
conversa podem ser enquadradas em eixos in different topics according to the oral reports
temáticos de acordo com os relatos orais obtained. In the study made in Sapiranga ? RS,
obtidos. No estudo feito em Sapiranga-RS, there were the following topics: spaces of
houve os seguintes eixos: Espaços da Africanity, Afro-descendants protagonists,
Africanidade, Protagonistas Afrodescendentes, racial prejudice and religiosity. Valuing African
Preconceito Racial e Religiosidade. Por fim, a and Afro-Brazilian history and culture is mainly
valorização da história e da cultura africana e based on the law 10.639 from 2003.
afro-brasileira está calcada, principalmente, na
lei 10.639 de 2003.
Keywords:African, Afrodescendant, Invisibility, Conversation circle,
history lessons.
Palavras-chave: Africano, Afrodescendente, Invisibilidade, Roda de
Conversa, Aulas de História.

1
IFsul – julianodeleonvm@gmail.com

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|692


Do predomínio da representação da ancestralidade
germânica nas regiões de colonização do Rio
Grande do Sul à invisibilidade dos africanos e seus
descendentes
Antes mesmo de ser tratado a respeito das rodas de
conversa, é necessário que sejam abordados elementos
históricos e étnicos referentes às cidades de origem alemã
no Rio Grande do Sul e também elementos acerca da
representatividade que a história dedicou aos descendentes
de africanos nesses locais.
Em 1850, a Lei de Terras e a Lei Euzébio de
Queirós são aprovadas. Aquela pregava que as terras
devolutas só poderiam ser obtidas por meio de compra,
impedindo, assim, a doação. Enquanto a última proibia o
tráfico negreiro. Nitidamente, o Brasil estava dando mais
espaço à mão de obra livre e familiar aplicada em
minifúndios em detrimento à mão de obra escrava,
amplamente, empregada em latifúndios.
Nesse contexto, até mesmo antes de 1850, vieram
os primeiros imigrantes alemães ao Brasil. No caso do Rio
Grande do Sul, a vinda desses colonos começou em 1824
para a atual cidade de São Leopoldo. Os imigrantes
alemães e também os italianos, durante o século XIX,
praticaram a agricultura familiar, marcada pela policultura,
em minifúndios brasileiros. Contrastando muito com o
modo produtivo que até então imperava no Brasil em que o
uso de mão de obra de escravizados predominava em
latifúndios, onde se criava gados, voltando-se para o
mercado externo. Em termos de agricultura, a monocultura
era muito comum até então.
Além desses fatores produtivos, é importante
destacar que os imigrantes alemães que vieram para o
Brasil, no século retrasado, eram originários de diversas
regiões do que hoje chamamos de Alemanha, além de
outros países próximos à Alemanha. Apesar disso, muitas
vezes, a historiografia tradicional considerou o colono
alemão como um “'colono pioneiro, pobre e desbravador'
que obteve sucesso 'ao tornar-se, comumente, industrial ou
comerciante', uma perspectiva evolutiva que se aplicaria à
população de origem alemã(...)” (MEYER, 2000, p. 45).
Essa homogeneização em relação a imigrantes que, na
verdade, falavam variados dialetos, nem sempre
praticavam a mesma religião é reflexo de uma busca de
identidade por parte de indivíduos de origem germânica
que se fixaram em solo brasileiro.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|693


Os imigrantes alemães não compunham, então,
um grupo homogêneo, sob muitos aspectos: eram
oriundos de diferentes regiões e estados, por vezes de
diferentes países; muitos deles eram camponeses e servos,
outros tantos marginalizados urbanos e excluídos do
processo de industrialização que se iniciava; alguns
poucos podiam ser enquadrados como intelectuais em
exílio político. (MEYER, 2000, p. 38)

Se existiam várias diferenças entre esses imigrantes


e houve homogeneização em relação a isso, é evidente que
algo fora feito em prol dessa homogeneização. No caso
dos imigrantes alemães, as escolas fundadas por eles, no
Brasil, constituíram-se em espaços vitais para o
desenvolvimento desse processo. Nelas se ensinava o
alemão gramatical, possibilitando que os colonos que até
então falavam dialetos diversos, conforme a região de onde
eles eram nativos, agora pudessem se comunicar melhor
entre eles.
Nem mesmo a língua falada no cotidiano era
partilhada por todos no grupo, porque as diferentes regiões
e estados alemães adotam dialetos tão diversos e
diferenciados que, em alguns casos, quase constituem
idiomas à parte; o ensino do Hochdeutsch(alemão padrão)
era, inclusive, um dos elementos de homogeneização que
estava a cargo da instituição escolar. (MEYER, 2000, p.
43)

Além das escolas, os imigrantes foram responsáveis


pela implementação de várias igrejas nos locais em que
foram ocupados por eles. Dessa maneira, “Igreja e Escola
parecem ter sido as instituições sociais que diziam o que
devia ser ouvido em primeira instância pelos/as imigrantes;
foram as que chamaram para si o direito de representar.”
(MEYER, 2000, p. 52). Na verdade, no Brasil, os colonos
alemães, frequentemente, não encontraram, primeiramente,
igrejas, escolas e hospitais próximos aos locais em que eles
vieram a residir. Paralelo a isso, muitos habitantes do
Brasil estavam desconfiados quanto aos imigrantes
alemães que apresentavam culturas distintas e falavam
dialetos diferentes aos da população local. Assim sendo,
deve-se levar em conta o seguinte:
O isolamento e as necessidades de sobrevivência
devem ter contribuído enormemente para que se
desenvolvesse a tão propalada independência organizativa
que teria caracterizado estes núcleos, nos quais o espaço
que não foi ocupado pelo governo brasileiro e/ou
provincial e suas instituições foi sendo gradativamente
ocupado (...)” (MEYER, 2000, p. 41)

Paulatinamente, por causa das dificuldades


enfrentadas pelos colonos e por causa da maior

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|694


convivência entre eles, há o desenvolvimento de uma
identidade. A formação de qualquer tipo de identidade
sempre envolve o nós(no caso, aqui, os alemães e seus
descendentes) e um outro (o brasileiro, nesse caso). Há
claramente uma relação de alteridade, abarcando diversas
dicotomias, tais como: alemão x negro, protestante x
católico, alemão x brasileiro. Consequentemente, a figura
do alemão é mais valorizada frente às demais, levando
ainda em conta que os africanos e seus descendentes
tiveram o agravante de serem desvalorizados ainda mais
em virtude também das teorias científicas raciais que se
pulularam a partir de meados do século XIX.
No meio intelectual, sobretudo pouco antes da
abolição da escravatura, vários estudiosos destacam as
diferenças entre as “raças humanas”. Nina Rodrigues,
Silvio Romero e Oliveira Vianna são apenas alguns desses
intelectuais. Embora existam diferenças entre os
pensamentos dessas pessoas, é unânime a ideia de que os
brancos pertencem a uma raça superior, enquanto os índios
e os negros são raças inferiores. Logo, para muitos, o
processo de introdução de mão de obra de origem europeia
no Brasil teria efeitos positivos ao gerar um
branqueamento na população brasileira, graças à
miscigenação.
Outro elemento importante para a constituição da
identidade germânica foi a não distinção entre
nacionalidade e etnia pelos colonos alemães. Dessa forma,
“A nacionalidade determinava-se, nesta concepção, a partir
de raça, de etnia, valores, enfim, de peculiaridades étnicas,
apelando-se para o 'jus sanguinis', o direito pelo sangue,
pela herança da tradição.” (KREUTZ, 1999, p.149). Tal
ideia não era compreendida por pessoas de outras origens,
muitas vezes, pois essas pessoas costumavam separar
nacionalidade de etnia. A não segmentação entre
nacionalidade e etnia proporcionou que “o sujeito teuto-
brasileiro detivesse, ao mesmo tempo, nacionalidade alemã
e cidadania brasileira.” (MEYER, 2000, p. 47).
Outro ponto a ser abordado é justamente o da
invisibilidade dos negros. Africanos e descendentes de
africanos, livres ou não, foram excluídos. “Recorrer a
trabalhadores africanos equivalia para [a] elite ao
restabelecimento do tráfico, com aumento da
'africanização' da sociedade e da cultura (...)” (Ibid, 2002,
p. 120). Em suma, “a vigência do regime escravista faz da
África apenas um lugar de negros bárbaros e não de
imigrantes potenciais.” (SEYFERTH, 2002, p. 120).
Em termos historiográficos, nos anos 1930, Gilberto
Freyre teve a importância de ser um dos primeiros
pesquisadores a tratar das relações estabelecidas entre os
escravizados africanos e os senhores de engenho, mas
Freyre também contribuiu para a difusão do mito da
democracia racial no Brasil.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|695


Hoje esse mito já foi desmistificado por uma série
de pesquisadores. Essa ausência de democracia racial pode
ser vista no meio acadêmico, por exemplo, já que até antes,
pelo menos, da implementação da política de cotas, “na
África do Sul, durante o apartheid, havia
comparativamente mais estudantes negros nas
universidades do que no Brasil da democracia racial.”
(MUNANGA, 1996, p. 217). Também em todos os
indicadores sociais, os brancos estão em melhor situação
do que os negros no Brasil. KabengeleMunanga (1996),
professor da USP, crê que o racismo vai muito além de os
negros terem, na maioria dos casos, menor renda que os
brancos. O preconceito racial está muito presente na
cultura.
Na historiografia brasileira, os negros foram tidos
como objetos; eles não foram vislumbrados como sujeitos
na História. “A sua condição de sujeito não foi
simplesmente negada, mas absolutamente desconsiderada
em favor da descrição de um quadro que delimitava
lugares sociais muito precisos para eles (...)” (FONSECA,
2007, p.15). Também seguindo esse parâmetro, no
ambiente escolar, “a criança negra percebe suas referências
ancestrais sempre como complementares à economia e à
sociedade de outros povos” (SANDRI, 2010, p. 6). O
próprio conteúdo programático força o “aprisionamento”
do negro a temáticas específicas que, normalmente, estão
relacionadas à história dos europeus ou de seus
descendentes. Sandri (2010, p.2) denuncia a forma de
representação dos negros no excerto seguinte:
é necessário buscar os interesses e os olhares que
foram colocados sobre o passado e (..) criaram [a
realidade de exclusão do negro na sociedade] de uma
forma em que o negro só aparece na história desse país
como um ex-escravo, situação perpetuada nas imagens e
textos dos livros didáticos, nas pinturas, na literatura, e
nas diversas artes cênicas, por exemplo. Onde a própria
África só existe a partir do Mercantilismo moderno.
Negando uma ancestralidade, uma originalidade, enfim,
uma história e uma identidade própria, que não se resume
à escravidão.

Já num âmbito mais regional, também houve o mito


da democracia racial na historiografia sul-rio-grandense.
Esse mito se constituiu ao crer que o trabalho escravo nas
lavouras não era tão rigoroso quanto em outras regiões no
Brasil. No entanto, tal mito foi desconstruído ao se
perceber melhor o emprego da mão de obra escrava no Rio
Grande do Sul, conforme se evidencia no relato de Oliven
(1996, p. 20-21)
Embora houvesse negros no Rio Grande do Sul
desde a primeira metade do século XVIII, sua importância
se acentua a partir do final daquele século, em atividades

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|696


como a produção de trigo, nas fazendas de criação de gado
e principalmente nas charqueadas. Nestas últimas, o
trabalho era todo baseado na figura do escravo. Se as
condições de vida dos escravos nas estâncias foram
consideradas boas por uma série de viajantes estrangeiros,
as charqueadas eram caracterizadas pela extrema
desumanidade, o que é atestado em vários relatos.

Cardoso (1977, p. 136), comparando as estâncias


com as charqueadas, afirma o seguinte: “a fiscalização do
trabalho rotineiro e a coerção permanente e organizada no
trabalho só se impuseram de forma completa na atividade
das charqueadas.” No entanto, esse autor esclarece “ainda
é simplista a distinção entre duas modalidades
fundamentais de ser escravo no sul (na estância e na
charqueada).” (CARDOSO, 1977, p. 128). Segundo o
sociólogo Fernando Henrique Cardoso, a situação dos
escravizados também dependia da riqueza de seus
senhores, sendo assim, os proprietários de escravizados
que eram mais abonados, normalmente, tinham negros em
melhor condição, no entanto, esses escravizados, numa
relação senhor x escravizado, encontravam-se num
patamar mais abaixo do que aqueles escravizados que
pertenciam a pessoas com menos posses.
Além disso, Cardoso (1977, p. 123) defende que o
mito da democracia racial no RS causa um “tipo de
prejuízo intelectual: supõe, desde logo, a inexistência de
qualquer tensão nas relações entre negros e brancos.”
Entretanto, “a consideração do negro como inferior não
implica (…) a defesa do racismo militante, ou do
isolamento racial como solução para o futuro. Ao
contrário, os autores [Silas Goulart, Dante de Laytano,
Oliveira Vianna] confiam numa miscigenação capaz de
criar o 'tipo rio-grandense'.” (Ibid, 1977, p. 119)
No Rio Grande do Sul, “as figuras do índio e do
negro comparecem em termos de representação de uma
forma extremamente pálida.” (OLIVEN, 1996, p. 24-25).
Adentrando o folclore gaúcho, é célebre a lenda do
Negrinho do Pastoreio. Oliven (1996, p. 27-28) fala dela
no seguinte trecho:
A narrativa, que envolve morte, ressurreição e
beatificação popular se desenrola no ambiente pastoril de
uma estância na qual a ideologia da democracia racial
sulina projetava uma vida harmônica e sem sofrimentos
para o escravo. Embora no final da lenda ocorra a
ascensão do Negrinho, ele continua prestando serviços aos
outros, procurando aquilo que eles perderam. É
interessante que um autor que escreveu uma importante
análise sobre a lenda do Negrinho do Pastoreio, cotejando-
a com outras lendas brasileiras (como a do Saci), insista
que ela não possui: “nenhum fundo afro-brasileiro, mas
apenas elementos de origem africana. O seu sentido é
bem cristão, apesar de certa mescla acidental de
protagonismo.’ (Meyer, 1960, p. 106)

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|697


Apesar disso, de maneira geral, cumpre destacar que
estão ocorrendo avanços nos últimos anos, no Brasil,
referentes ao combate à invisibilidade do negro. A Lei
10.639/03 veio para introduzir a obrigatoriedade do ensino
sobre História e Cultura Afro-Brasileira no ensino
fundamental e no médio, nas escolas públicas e
particulares. Para o âmbito acadêmico, foi implementada a
política de cotas sociais e raciais que tudo indica que
contribuirá para maior visibilidade do negro ao fomentar o
ingresso de maior número de negros na educação superior,
formando, por conseguinte, pesquisadores que poderão
desenvolver estudos que venham a calhar em maior
valorização da história e da cultura africana e
afrodescendente.
Além do mais, em várias universidades públicas e
particulares e também em institutos federais, foram (estão
sendo) implementados os Núcleos de Estudos Afro-
Brasileiros e Indígenas (NEABI). Esses órgãos têm como
foco a promoção e a transmissão de conhecimentos a
respeito dos africanos, seus descendentes e dos indígenas,
ou seja, dos grupos que foram, sistematicamente, excluídos
da história oficial brasileira.
Em decorrência dessa invisibilidade do negro tanto
no contexto nacional quanto no local, métodos de pesquisa
que possibilitem o protagonismo dos africanos, dos
afrodescendentes e de outras minorias são válidos. Apesar
de não ser o tema deste trabalho, o estudo de processos
criminais, acompanhado da devida problematização, pode
permitir que os grupos sociais que são invisíveis pela
sociedade, na maioria das vezes, possam ser vistos à
medida que o negro quase sempre foi visado como réu.

Eixos temáticos
Através do estudo de caso realizado na cidade de
Sapiranga – RS, as narrativas orais obtidas foram
agrupadas em quatro eixos temáticos. Vale destacar que
esses eixos temáticos permitem orientar melhor o professor
sobre os temas a serem abordados mais especificamente
em sala de aula. Assim sendo, alguns desses eixos
temáticos podem ser suprimidos ou outros serem
acrescentados a eles em função da realidade local de onde
serão aplicadas as rodas de conversa.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|698


Espaços de Africanidade
Osespaços da africanidadeque serão destacados aqui
contemplam tanto os locais onde os afrodescendentes
residem (ou residiram) quanto os locais em que eles
tocaram música, dançaram, ou seja, interagiram. Quanto às
residências, é notório que boa parte dos descendentes de
africanos moram em locais mais afastados do centro das
cidades. Isso, muitas vezes, serve de base para um estudo
etnográfico mais detalhado em que se pode perceber,
normalmente, que determinados grupos étnicos vivem
majoritariamente em espaços citadinos específicos.
Em termos legais, a lei 10.639 possibilita que a
escola se afaste de uma visão tão eurocêntrica,
monocultural e passe a valorizar a história afro-brasileira e
a cultura africana. “Não custa realçar que a Lei 10.639/03,
é tida por alguns como uma espécie de alforria curricular.”
(PEREIRA, 2011, p. 149 apud ARAÚJO; CARDOSO,
2003).

Protagonistas afrodescendentes
Este tema é para conter histórias de algumas
pessoas bem conhecidas de origem africana ao longo da
história da cidade gaúcha de origem alemã a ser analisada.
É provável que muitas delas executem atividades que não
são de cunho intelectual, tais como operário, empregada
doméstica, etc. Deve haver outros indivíduos que são
exceções, pois exercem outras atividades de trabalho que
são mais rentáveis e também mais intelectuais.
Entretanto, no geral, o negro é visto exercendo
atividades braçais que não foram e ainda não são
valorizadas nem financeiramente, nem culturalmente. Nos
meios de comunicação, as imagens veiculadas sobre os
afrodescendentes sugerem “o negro como um ser tosco,
sem polidez, que na escala da divisão social do trabalho
sempre ocupa a posição de trabalhador braçal o que reduz
a pessoa não letrada, sem instrução, com parca ou
nenhuma polidez” (COSTA, 2014, p. 8)
Essa constante afirmação da imagem do negro
atuando em funções laborais que exigem pouca instrução é
também reflexo da educação recebida (ou da falta dela)
pelos africanos e pelos afrodescendentes no Brasil do fim
do século XIX. Consoante as Diretrizes curriculares
nacionais para a educação das relações étnico-raciais e
para o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|699


(publicação de outubro de 2004), “o Decreto nº 1331, de
17 de fevereiro de 1854, estabelecia que nas escolas
públicas do país não seriam admitidos escravos” (p. 7) e o
decreto nº 7031-A, de 6 de setembro de 1878, “estabelecia
que os negros só podiam estudar no período noturno.” (p.
7)
Desse modo, a aplicação da lei 10.639/03 é vital,
sendo que os conhecimentos referentes à cultura e à
história afro-brasileira devem ser trabalhados na escola que
durante séculos seguiu e segue excluindo o negro do
protagonismo dos diferentes acontecimentos concernentes
ao processo histórico brasileiro e mundial. Isso contribuiu
para que o a população afrodescendente desenvolvesse
uma baixa auto-estima em relação ao seu passado e à sua
cultura, prejudicando a sua identidade enquanto grupo.
Com o advento da lei 10.639/03, surge a lei
11.645/08 que veio a alterar a lei 9.394/96 (Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDBEN).
Dessa forma foi introduzido o artigo 26-A na LDBEN, que
tornou obrigatório o estudo de história e cultura afro-
brasileira e indígena. Em seu primeiro parágrafo, esse
artigo diz respeito não só aos “estudos da história da
África e dos africanos”, mas também, entre outros
aspectos, “as suas contribuições [dos negros e dos
indígenas] nas áreas social, econômica e política,
pertinentes à história do Brasil”.

Preconceito racial
Na Constituição Federal de 1988, a prática de
racismo passou a ser considerada “crime inafiançável e
imprescritível” (art. 5º, XLII). Também na Carta, o Estado
Brasileiro declarou como um dos seus princípios o
“repúdio ao racismo” (art. 4º, VIII) e enunciou como um
dos seus objetivos principais a promoção do “bem de
todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e
quaisquer outras formas de discriminação.” (art. 3°, IV).
No livro A História da Vida Privada no Brasil, a
antropóloga Lilia Schwarcz mostrou a presença forte do
racismo, baseando-se inclusive numa pesquisa realizada
em 1988, em São Paulo. Segundo essa pesquisa, realizada
a partir da coleta de entrevistas, 97% das pessoas
afirmaram não ter preconceito e 98% desses entrevistados
confirmaram conhecer pessoas que tenham manifestado
seu preconceito. Schwarz conclui: “Todo brasileiro parece
se sentir, portanto, como uma ilha de democracia racial,

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|700


cercado de racistas por todos os lados” (SCHWARCZ,
1998, p.180).
Na imprensa a invisibilidade do negro é nítida,
corroborando o fato de que “até o ano de 2004, segundo a
revista Política Democrática, de um total de 1852 capas da
revista Veja, desde sua fundação, apenas 58 possuem
personagens negros.” (COSTA, 2014, p. 8). Então, faz-se
extremamente necessária a aplicabilidade da lei 10.639/03,
para que os estudantes tenham o contato com a cultura e a
história afro-brasileira, possibilitando-lhes ter uma imagem
mais real e verdadeira em relação aos africanos e aos
afrodescendentes.
Por fim, as políticas públicas adotadas pelo Brasil,
com intuito de combate ao racismo, são também
consequências dos compromissos internacionais firmados
por esse país. Conforme as Diretrizes curriculares
nacionais para a educação das relações étnico-raciais e
para o ensino de história e cultura afro-brasileira e
africana, são alguns exemplos de reuniões internacionais
em que o Brasil se comprometeu a combater o racismo: a
Convenção da UNESCO de 1960 e a Conferência Mundial
de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia
e Discriminações Correlatas de 2001.

Religião
Pensar, realmente, a respeito das religiões de matriz
africana é muito complexo. A nossa sociedade,
geralmente, possui uma relação com a natureza em que os
elementos naturais deveriam (e devem) ser preservados
para a melhoria da nossa qualidade de vida, sobretudo.
Entretanto, o candomblé e a umbanda nutrem uma relação
muito mais íntima com os seres vivos de outras espécies.
Para o candomblé, o homem e a natureza fazem
parte de um único universo que vai além dos limites do
mundo real. Conforme essa religião, os homens são “o
resultado da somatória de todas as partes ou elementos que
compõem a natureza. Tanto nos aspectos minerais,
vegetais e animais, como nos aspectos 'visíveis' ou
“'invisíveis'” (MELO, 2007, p. 35). Além disso, a própria
organização espacial dos terreiros está atrelada às
características próprias de cada orixá.
É provável que a religiosidade seja um dos temas
mais complicados de ser trabalhado em sala de aula, visto
que as religiões de matriz africana foram e são
estigmatizadas por discursos eurocêntricos na maioria das
vezes. Assim sendo, a publicação da Lei 10.639, em 2003,

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|701


ocorreu “em um contexto social e educacional de busca
por valorização das culturas afrodescendentes, em cenário
histórico marcado pela invisibilidade destas culturas (...)”.
(PEREIRA, 2011. p. 148).
Em episódio passado, por decisão judicial, a Rede
Record foi obrigada a exibir programas de candomblé em
sua programação. A emissora teria apresentado programas
da Igreja Universal em que apresentavam cenas de
“pessoas [relatando] que se converteram, mas antes eram
adeptas das religiões afro-brasileiras, e por isso eram
tratadas como 'ex-bruxa', 'ex-mãe de encosto' e acusadas de
terem servido aos 'espíritos do mal”
(http://www.conexaojornalismo.com.br/audiencia_na_tv/re
cord-condenada-a-exibir-programas-sobre-candomble-na-
sua-programacao-86-38926).
Vale destacar que a Constituição Federal afirma, em
seu artigo 5º, inciso VI, o seguinte: “é inviolável a
liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o
livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma
da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias.” O
Código Penal estabelece como crime, no seu artigo 208,
“escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença
ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou
prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou
objeto de culto religioso.”

Rodas de conversa
Apesar de a roda de conversa ser vantajosa em
relação à palestra, a primeira continua sendo pouco
utilizada no âmbito escolar. A utilização de rodas de
conversa, nas escolas, é um fenômeno relativamente
recente, mas seu uso, fora desses locais, é antigo. Podem
ser citados os seguintes exemplos de rodas de conversa:
“Comunidades indígenas, reuniões familiares, mutirões
para a construção de casas populares” (WARSCHAUER,
2004, p. 3).
É natural que as rodas sejam pouco usadas na
educação em virtude de ser uma prática recente no meio
pedagógico, mas há outros fatores que explicam a rara
aplicação das rodas nas escolas, tais como os seguintes
elementos: “perspectiva de homogenização, padronização
e organização de espaços, tempos e currículos,
estruturados de tal maneira a deixar poucas oportunidades
a manifestação das diferenças e singularidades (...)” (Ibid,
2004, p. 3).

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O professor deve estar atento a alguns cuidados.
Cabe destacar o seguinte: “a roda de conversa deve se dar
em um contexto onde as pessoas podem se expressar sem
medo de punição social ou institucional. (…) Não deve ser
ocasião para avaliação do aluno ou de uma seleção para
prêmios.” (Ibid, 2008, p. 24-25).
Até agora se falou bastante das rodas de conversa.
Mas o que vem a ser isso? A roda é “um instrumento que
permite a partilha de experiência e o desenvolvimento de
reflexões sobre práticas educativas dos sujeitos, em um
processo mediado pela interação com os pares (...).”
(LIMA; MOURA, 2014, p. 99). O próprio formato da roda
possibilita que todas as pessoas consigam observar as
demais e serem observadas. Desse modo, da palavra ao
silêncio, da inércia ao movimento, tudo fica mais
perceptível aos participantes.
Vale destacar que a roda de conversa, como o
próprio nome sugere, é um ótimo espaço para
desenvolvimento de diálogos, porém nem sempre esses
diálogos são isentos de conflitos, havendo muitas vezes a
manifestação do senso comum ou, de maneira mais grave,
a externação de algum tipo de preconceito. Em virtude
disso, é necessário que cada roda de conversa tenha, ao
menos, um mediador que busque resolver os conflitos que
venham a surgir.
O(s) mediador(es) deve(m) ter certos cuidados no
momento de aplicação dessa prática, como “a preocupação
em manter o foco no assunto em pauta, a necessidade de
conservação de um clima aberto às discussões, o
estabelecimento de um clima de confiança para que os
participantes se sintam à vontade (...).” (MELO; CRUZ,
2014, p. 33).
Quanto ao porquê do incentivo a ser dado às rodas
de conversa, cumpre destacar que “um dos seus objetivos é
de socializar saberes e implementar a troca de
experiências, de conversas, de divulgação e de
conhecimentos entre os envolvidos, na perspectiva de
construir e reconstruir novos conhecimentos (...)” (LIMA;
MOURA, 2014, p. 101).
Também é visível que a roda de conversa se trata de
um método interdisciplinar por permitir o trabalho com
duas ou mais disciplinas. Por exemplo, pondo em prática
este trabalho de rodas de conversa sobre a ancestralidade
africana, seria possível de abordar além da História, outras
três disciplinas escolares ao menos. Citando cada eixo
temático (analisado anteriormente) aliado a outras matérias
da escola com que poderiam ser trabalhadas, a ordem
ficaria da seguinte forma: “Espaços da Africanidade”
(Geografia); “Protagonistas Afrodescendentes” e
“Preconceito Racial” (Sociologia) e “Religiosidade”
(Ensino Religioso). Além do caráter interdisciplinar dessa
prática, Warschauer (2004) crê que as rodas sejam também

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|703


interdisciplinares, tendo como argumento o conceito usado
pelo Cetrans (Centro de Educação Transdisciplinar). Em
seu site (cetrans.com.br), na seção “O que é a Transd”
(http://cetrans.com.br/cetrans/o-que-e-a-transd/), consta o
seguinte:
A transdisciplinaridade é uma nova atitude, é a
assimilação de uma cultura, é uma arte, no sentido da
capacidade de articular a multirreferencialidade e a
multidimensionalidade do ser humano e do mundo. Ela
implica numa postura sensível, intelectual e transcendental
perante si mesmo e perante o mundo. Implica, também,
em aprendermos a decodificar as informações
provenientes dos diferentes níveis que compõem o ser
humano e como eles repercutem uns nos outros.

Sem dúvida, as rodas de conversa proporcionam


uma profusão intensa de diálogos.“Nas rodas de conversa,
o diálogo é um momento singular de partilha, porque
pressupõe um exercício de escuta e de fala, em que se
agregam vários interlocutores, e os momentos de escuta
são mais numerosos do que os de fala.” (LIMA; MOURA,
2014, p. 100). Em outras palavras, as rodas “promovem a
ressonância coletiva, a construção e a reconstrução de
conceitos e de argumentos através da escuta e do diálogo
com os pares e consigo mesmo.” (LIMA; MOURA, 2014,
p. 101).
O renomado Paulo Freire, conforme Warschauer
(2004), desenvolveu “Círculos de Cultura”, para
alfabetizar as pessoas. Essa iniciativa é semelhante às
rodas de conversa. Mas mais do que isso, Freire
desenvolveu vários trabalhos em que ele valoriza o diálogo
na educação e em que demonstra contrariedade às aulas em
que o professor somente fala e o aluno copia aquilo que
aquele escreve, sem refletir da maneira adequada. A esse
tipo de educação, Freire referiu-se como bancário, pois os
alunos se assemelham a “vasilhas” a serem preenchidas
pelo “conteúdo” ofertado pelo professor. Indo de encontro
a isso, as rodas seguem os preceitos defendidos por Paulo
Freire.
Ademais, nas rodas, seguindo os ensinamentos de
Freire, deve predominar a relação horizontal em que os
participantes sejam reconhecidos como sujeitos
inconclusos, sendo que ao escutar o outro, possam refletir
a respeito de seus próprios pontos de vista. Tal inconclusão
reside no fato de que as pessoas são “capazes de ter, não
apenas sua própria atividade, mas a si mesmos, como
objeto de sua consciência, o que os distingue do animal,
incapaz de separar-se de sua atividade” (FREIRE, 1994, p.
50). Assim sendo, é preciso que nas rodas se fale com os
envolvidos e não para estes. A fala para os demais
pressupõe uma relação de verticalidade em que uma
pessoa é detentora de todo saber, enquanto os outros não

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|704


sabem coisa alguma. Já falar com os outros sujeitos das
rodas implica a relação de horizontalidade, em que todos
os envolvidos têm o potencial de contribuir com reflexões
nas rodas. Cada integrante da roda é repleto de
conhecimentos oriundos de diferentes âmbitos, tais como
escola, família, trabalho… e ter a consciência disso é
fundamental para compreender o posicionamento de cada
um.
Existem narrativas de diversas pessoas na roda de
conversa. “Nossas narrativas do vivido são nossas
experiências sobre os acontecimentos e não os
acontecimentos em si. Trata-se do significado que
atribuímos ao vivido.” (WARSCHAUER, 2004, P. 5).
Assim, não será de se surpreender que o integrante da roda
mude seu posicionamento após ouvir adequadamente os
demais. Destarte, as narrativas nas rodas revelam
concordância e discordância de pontos de vista,
fomentando o surgimento do novo, a valorização da
criatividade, a ressignificação do tema discutido.
Provavelmente, o desenvolvimento de rodas de
memórias relacionadas à ancestralidade africana só faria
sentido se os alunos, de antemão, fossem atrás de
fotografias e de depoimentos relacionados à história dos
africanos e afrodescendentes na cidade a ser implantada. É
de se esperar que alunos dos anos finais do ensino
fundamental e do ensino médio não sejam contemporâneos
de negros que viveram há décadas na cidade. Porém, as
rodas de memórias seriam válidas para a discussão do
preconceito racial, por exemplo, que segue muito presente
nas cidades brasileiras.
No âmbito escolar, é necessário que haja um
movimento dentro das próprias escolas públicas, para que
os alunos sejam incentivados a procurar e trazer pessoas de
idade mais avançada que tenham conhecimento a respeito
da ancestralidade africana. Isso também favoreceria maior
contato do corpo docente e técnico das escolas com os
responsáveis pelos alunos.
Conforme já foi visto, a lei 10.039 vem para tornar
obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-
brasileira nos estabelecimentos de ensino fundamental e
médio. É preciso estar mais atento à legislação e estar mais
compromissado com ela. Além disso, infelizmente, muitas
vezes, não há a articulação adequada de grupos de pessoas
que praticam atividades culturais ou históricas a respeito
de africanos ou afrodescendentes. Essa conjuntura dificulta
com que haja uma mudança de cenário no ensino de
história local. As cidades de colonização alemã, no RS, são
constituídas por uma pluralidade de etnias que necessita
ser levada em conta no âmbito escolar. Enquanto isso não
ocorrer, permanecerá a hegemonia de alemães e de pessoas
de origem alemã na história local da cidade, sendo

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|705


minimizado ou ignorado o protagonismo de outras etnias
no processo de formação histórica do município.

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(1964–1985, SC)
PorJuliana Miranda da Silva142eYomara Feitosa Caetano de Oliveira Fagionato143

Resumo Abstract
Neste artigo problematizamos aspectos In this article it’s questioned about
da “cultura política educacional autoritária” na aspects of "educational authoritarian political
esteira dos debates sobre as culturas políticas, culture" in the wake of discussions on the
inseridas no campo da História do tempo political cultures, set in the History of the
presente. Assim, buscamos apontar caminhos de Present field. Thus, we seek to point out
investigação possíveis para estudos possible paths for historiographical research
historiográficos acerca de políticas studies on educational policies, focusing on
educacionais, com enfoque nos projetos projects reformers of the last Brazilian
reformadores do último período ditatorial dictatorship (1964-1985). In this sense, we
brasileiro (1964-1985). Nesse sentido, propose to think the national project developed
propomos pensar o projeto de nação in that period, from the 1st and 2nd degree
desenvolvido no referido período, a partir das education reforms, the secondary school teacher
reformas do Ensino de 1º e 2º graus, da training in Santa Catarina and the adequacy of
formação de professores do ensino secundário the Brazilian educational model to the new
em Santa Catarina e da adequação do modelo dynamics of capitalism. Through the
educacional brasileiro às novas dinâmicas do bibliographical references we point to what
capitalismo. Por meio das referências extent the military State undertook reforms and
bibliográficas pontuamos em que medida o changes in educational policies, providing the
Estado militar empreendeu reformas e possibility to explore the influence of the
mudanças nas políticas educacionais, National Security Doctrine in the educational
fornecendo a possibilidade de explorar a politics of that period.
influência da Doutrina de Segurança Nacional
Keywords: Cultural policies. Educational, dictatorship reforms. Teacher
na política educacional da época. Training, National Security Doctrine.

Palavras-chave:Culturas políticas, reformas educacionais, ditadura,


formação de professores, Doutrina de Segurança Nacional.

142 E-mail: jumirandasilva@gmail.com


143 E-mail: yocaetano@hotmail.com

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Introdução
Entre as décadas de 1960 e 1970, uma onda de
golpes derrubou governos por toda a América Latina.
Sistematicamente apoiados pelos Estados Unidos, os
golpes inseriam-se em uma conjuntura internacional
bipolarizada e de combate a quaisquer possibilidades de
expansão comunista ou arrefecimento do modelo
capitalista. Enquanto eram estabelecidos os ditames dos
novos modelos de governo, cada qual ao seu tempo e a sua
maneira, definiam-se também as estratégias que
objetivavam aprofundar o desenvolvimento do capitalismo
e ampliar a abertura de mercado ao capital estrangeiro nos
países tidos como “de periferia”. No caso brasileiro, o
apoio dado pela imprensa e pelas camadas médias
contribuiu, naquele momento, para fortalecer o discurso de
que a tomada da presidência por meio do afastamento do
presidente João Goulart tratava-se de uma “revolução” ou
um “contragolpe” dado em defesa do país, que
supostamente estava prestes a uma guinada rumo ao
alinhamento com a União Soviética, semelhante ao que
ocorrera em Cuba.
Contudo, o golpe fora apenas o primeiro passo rumo
a um controle cada vez mais centralizado e um contínuo
combate contra quaisquer ameaças consideradas
subversivas. Os “expurgos” começaram rapidamente e em
09 de abril de 1964, por meio do Ato Institucional nº 1
estabeleceu-se, entre outras medidas, que a próxima
eleição presidencial se daria por pleito indireto a ser
realizado pelos membros do Congresso, o fim das
garantias constitucionais ou legais de vitaliciedade ou
estabilidade dos que “tenham tentado contra a segurança
do País, o regime democrático e a probidade da
administração pública”. O Ato dispunha também sobre os
poderes dos Comandantes-em-Chefe suspenderem os
direitos políticos pelo prazo de dez anos e de cassação de
mandatos legislativos federais, estaduais e municipais,
excluída a apreciação judicial, justificando-se por agir
“sem as limitações previstas na Constituição” em nome do
“interesse da paz e honra nacional”. Não tardariam
também a realização de intervenções reformadoras de
caráter autoritário e repressivo no sistema educacional do
país.
Ao longo da ditadura, foram realizadas uma série de
acordos, reformas e incentivos para adequar a educação
aos interesses do modelo de Estado tecnocrático,
autoritário e alinhado com a burguesia nacional e com
agentes internacionais. A política do Estado Ditatorial, sob
a via da “transformação e reforma”, busca um “mínimo de

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consenso e de hegemonia, e de legitimação” (...) “através
da cooptação ou assimilação, pelo bloco no poder, de
frações rivais das próprias classes dominantes e mesmo de
setores das classes subalternas, decapitando assim as
massas populares” (GERMANO, 1994, p.104-106). Ao
encontro dessa readequação e com o intuito de evitar
agitações oposicionistas de qualquer natureza fez-se uso da
repressão, sob a égide da Doutrina de Segurança Nacional,
base ideológica para o golpe e a manutenção do poder
pelos militares, fomentando a figura do inimigo interno e
comprometendo os pressupostos mínimos da cidadania e
instaurando um estado de permanente crise, de “guerra
interna” (BORGES, 2009). As Universidades, por
exemplo, sofreram com intervenções quase que
imediatamente após o golpe, seja na sua estrutura
institucional ou na atuação de estudantes e docentes, pois
eram tomadas como centros de possíveis atuações
“subversivas”.
Buscaremos no presente artigo apontar caminhos
para uma investigação possível a partir de estudos
historiográficos acerca de políticas educacionais, com
enfoque nos projetos reformadores do último período
ditatorial brasileiro (1964-1985), identificando as
principais intervenções realizadas após golpe que derrubou
o presidente João Goulart. Nesse sentido, ao tecer uma
análise que contemple acordos, disputas e pressões
dirigidas pelo Estado ditatorial, entendemos as
problemáticas levantadas como necessárias às possíveis
reflexões acerca do que denominados de “cultura política
educacional”, engendrada nas relações de poder do
referido período. Estas relações entendidas como atores
políticos, não somente por suas atuações ou interferências
na elaboração de políticas educacionais, como também por
seu apoio ao livre comércio e a expansão no setor privado
como fomentador da educação, delineia-se um cenário de
agentes capazes de influência as decisões governamentais.
Considerando a cronologia do período ditatorial
relativamente longa e a complexidade das políticas de
Estado e dos governos militares, optamos por dividir as
reflexões em três partes. Inicialmente, abordaremos
aspectos referentes ao conjunto de reformas e ações
realizadas no período no que se refere à adequação do
modelo educacional brasileiro ao crescente controle
governamental e ao cerceamento tanto da liberdade de
pensamento e de expressão, como à possibilidade de um
campo plural de ideias. Na sequência, a partir de uma
escala de análise da denominada “cultura política
educacional brasileira”, propõe-se explorar a reforma do 1º
e 2º graus e a influência da Doutrina de Segurança
Nacional, devido a esta “fornecer intrinsecamente a
estrutura necessária à instalação e à manutenção de um
Estado forte e de uma determinada ordem social”

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(BORGES, 2003, p.24). Tomaremos adiante, os discursos
sobre o que foi dito acerca da classe profissional dos/as
professores/as, inseridos no sistema de ensino secundário
e, posterior 2º grau do Estado de Santa Catarina, na década
de 1970. Por fim, identificaremos e discutiremos
processos que, a partir de intervenções dos dirigentes
políticos corroboraram para um determinado projeto de
país que, por suas características, se apresentaram como
necessários à consolidação um determinado modelo de
Estado, alinhado aos interesses de agentes internacionais e
da burguesia nacional, numa conjuntura de novas
dinâmicas do capitalismo.
Cientes das limitações de análises breves acerca de
temas significativamente complexos, objetivamos no
presente texto, expor caminhos possíveis de interpretação
que exigem reflexões e estudos mais aprofundados. Nesse
sentido, salientamos que algumas das temáticas aqui
apenas esboçadas fazem parte das pesquisas em
desenvolvimento das autoras.144

Legislação e políticas educacionais a serviço do


Regime Militar
Após um período de relativa experiência
democrática, entre os anos de 1946 a 1964, no qual foram
travados debates ideológicos, assegurados pela liberdade
de expressão e pelo sistema multipartidário 145, garantidos
pela Constituição promulgada em 1946, o golpe de 31 de
março de 1964 inauguraria um novo período ditatorial,
derrubando o governo do presidente João Goulart, que dias
antes havia anunciado profundas reformas como a
nacionalização de refinarias de petróleo particulares e o
início da reforma agrária. Com duração de 21 anos, a
ditadura deixaria profundas marcas em todos os segmentos
estruturais do Estado brasileiro e, de maneira expressiva,
no campo educacional.
As intervenções não tardaram a acontecer e se
multiplicariam ao longo do período, ampliando o controle
do governo em todas as esferas da educação e buscando
neutralizar possíveis ações de representação estudantil ou
docente. Sob o comando do Ministro da Educação Flávio
144
Ambas as autoras são doutorandas na linha de Culturas Políticas e Sociabilidades do Programa de Pós-Graduação em História
pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC).

145
Com exceção do Partido Comunista, que, por ter sido considerado pelo presidente Eurico Gaspar Dutra como uma “ameaça à
ordem liberal-democrática”, foi proibido de funcionar em 1947.

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Suplicy de Lacerda, a União Nacional dos Estudantes
(UNE) foi colocada na ilegalidade, expressada por meio da
Lei nº 4.464 de 09 de novembro de 1964. Mais adiante, em
1967, a repressão imposta às representações estudantis foi
acentuada com o Decreto-lei nº 228, e, culpabilizava
diretores e reitores pela não observância da adequação dos
diretórios estudantis à Lei e vetava “qualquer ação,
manifestação ou propaganda de caráter político-partidário,
racial ou religioso, bem como incitar, promover ou apoiar
ausências coletivas aos trabalhos escolares”. Visando
ainda, coibir os confrontos diretos com a polícia ou outras
ações de enfrentamento à ditadura, por meio do Decreto-
Lei 477, de 26 de fevereiro de 1969, quaisquer
envolvimentos de docentes, estudantes ou funcionários das
redes pública ou privada de ensino passou a enquadrar tais
manifestações em infração passível de prisão, demissão,
expulsão ou perda de benefícios.
Motta (2014) faz uso do conceito de “modernização
conservadora” para expor os paradoxos provenientes de
uma ditadura que deseja simultaneamente expressar, tanto
impulsos conservadores capazes de assegurar a ordem
social e os valores tradicionais, como modernizadores,
ligados ao desenvolvimento econômico e tecnológico.
Entre as grandes contradições características de um
modelo dependentista, autoritário e tecnocrático, mas
voltado ao desenvolvimento capitalista, chama atenção o
movimento de saída de “intelectuais” do país e o
silenciamento dos que ficaram, enquanto chegavam
consultores e técnicos estadunidenses, cuja função estava
ligada às orientações que concebiam a educação como
pressuposto para o desenvolvimento econômico. Graças
aos acordos realizados entre o Ministério da Educação e a
United StatesAgency for Internacional Development
(USAID), as reformas se dariam ao longo do período
ditatorial dinamizaram abertura para o capital estrangeiro e
a “assistência técnica” para o aprimoramento da gestão
pública, distante de um ideal de educação capaz de
estimular a maturidade política para uma consciente
prática cidadã. Assim, os conhecimentos a serem
adquiridos deveriam ser articulados com exigências
mercadológicas, em detrimentos de outros saberes
descartados, ou ao menos, minimizados ao longo da
formação educacional.
Estrategicamente, se fez uso da educação para
consolidar os interesses capitalistas em voga, pois a
educação incentivava a capacitação para o trabalho e a
consequente ascensão social. Assim, ganhava força e
tendência à meritocracia, tendo em vista que o
desempenho individual era entendido como fator
responsável pelo posicionamento profissional e social,
enquanto estimula-se a capacitação tecnológica voltada às
exigências do mercado e ao aumento da produtividade

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como pilares essenciais à superação do atraso econômico.
Desta forma, são deixados de lado reflexões sobre os
fatores conjunturais da desigualdade social, que levaram
determinados grupos a posições privilegiadas, sem
compreender a formação de marginalizados sociais. A
pobreza era entendida como um fenômeno isolado do
conjunto de relações sociais, resultado da exclusão do
progresso, e não como uma de suas consequências ou
inseridos nas relações de poder atravessadas pelas
diferentes clivagens: étnicas/raça, geração, gênero e/ou
classe social.
Nesse sentido, o processo pedagógico que adotava a
dinâmica da produção industrial e que transformara a
educação em si em uma mercadoria pode ser
compreendido pelo discurso enunciado na Lei nº 5.692/71,
que reformou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
(LDB/61). Promulgada sem vetos do presidente da
República em 11 de agosto de 1971, a lei demarcou
continuidades e rupturas. As novas orientações consoantes
às exigências econômicas reforçavam o papel da educação
escolar como formadora para o mercado de trabalho.
Entre as mudanças estabelecidas com a reforma,
atentamos para a extensão da escolaridade obrigatória do
chamado 1º grau, que passou de quatro para oito anos, nos
quais, segundo o programa proposto, estabeleciam-se as
bases de que “todos tem deveres através dos quais são
conquistados direitos”, que deveriam ser desenvolvidos
“hábitos e atitudes necessárias a uma boa integração e
eficiente participação”, assim como noções de Deus,
religião, autoridade, liderança e caráter. O programa
apontava ainda como conteúdo programático o
conhecimento de “símbolos da Pátria” e, a valorização das
diferentes formas de trabalho humano e de “oportunidades
democráticas no desempenho de vários papéis sociais”. A
análise permite verificar uma ênfase nos deveres a serem
obedecidos em uma sociedade que “fantasiosamente
pretende-se harmônica e propícia ao progresso e bem-estar
de todos” (ZOTTI, 2004). A Educação Moral e Cívica
(EMC), disciplina obrigatória em todos os graus e
modalidades dos sistemas de ensino desde a publicação do
Decreto-lei nº 869 de 12 de setembro de 1969, estava em
consonância dos interesses políticos dos setores militares
mais conservadores ao fomentar o “preparo do cidadão
para o exercício das atividades cívicas”, o “culto à
obediência das leis, da fidelidade ao trabalho”, “o culto à
Pátria e seus símbolos”, “o aprimoramento do caráter, com
apoio na moral, na dedicação à família e à comunidade”
visavam afastar os jovens das “insinuações esquerdistas”
(Ibidem, p. 153). Segundo o decreto, o ensino da EMC
atenderia ainda os propósitos de “defesa do princípio
democrático, através do espírito religioso, da dignidade da
pessoa humana e do amor à liberdade com

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responsabilidade, e sob a inspiração de Deus”. Com a
substituição das disciplinas de sociologia e filosofia pelas
de Organização Social e Política Brasileira (OSPB) e
Educação Moral e Cívica (EMC), trocava-se assim, a
possibilidade de formação crítica pela recepção passiva de
um conjunto de valores que preconizavam a exaltação dos
símbolos pátrios.
Enquanto a liberdade e a democracia figuravam
como objetivos na legislação educacional, na prática, a
repressão atingia seu ápice com a atuação de organismos
criados nos anos anteriores como o Centro de Informações
do Exército e o Centro de Informações da Marinha –
CENIMAR, ambos criados em 1967, o Centro de
Informações de Segurança da Aeronáutica – CISA, o
Destacamento de Operações e Informações – DOI e os
Centros de Operações de Defesa Interna – CODI, criados
em 1970.
Ainda, no conjunto desta análise da política
educacional, com o intuito de erradicar o analfabetismo
criou-se o Movimento Brasileiro de Alfabetização
(MOBRAL), que vem a ser extinto sem resultados
significativos. Sob a criação e o funcionamento do
MOBRAL Dreifuss avalia o programa:

(...) destinava-se a cooptar e conter o trabalhador urbano


visando à faixa etária de 15 a 35 anos. Através dele,
atitudes cívicas e morais foram inculcadas a nível político,
como educação e bom senso. O governo impôs uma
campanha de alfabetização de caráter explicitamente
ideológico, destinada a instalar nas classes trabalhadoras
urbanas os valores do capitalismo autoritário. É
interessante notar que o MOBRAL utilizou muitas
técnicas de alfabetização de Paulo Freire, apesar de retirar
delas seu conteúdo filosófico e político. (DREIFUSS,
1986 p. 443-445)

Para além da proposta de alfabetizar, estava inscrito


no jogo político “minimizar a oposição da classe popular”
ao regime civil-militar. Vale citar algumas peculiaridades e
resultados, segundo Milene Cristina Hebling (2013, p.62),
“(...) este programa pode ter sido utilizado como forma de
obtenção de informações sobre os setores populares,
caracterizando-se com um “instrumento de segurança
interna” (...), hipótese que reforçaria o entendimento da
influência da Doutrina de Segurança Nacional na
implantação das políticas públicas educacionais. Ainda
como resultado do “fracasso” do MOBRAL, a autora
considera que este relegou para segundo plano os aspectos
pedagógicos ao desconsiderar a realidade local dos alunos.
Em 1989, já no período pós-ditadura, o Tribunal Superior
Eleitoral (TSE), divulgou uma pesquisa às vésperas das
eleições, cujo 68% dos eleitores eram analfabetos,

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semianalfabetos ou não haviam completado a primeira fase
do ensino básico. Informação que denuncia a ineficiência
das políticas para contenção do analfabetismo durante o
período de ditadura militar.

A influência da Doutrina de Segurança Nacional na


reforma do ensino de 1º e 2º graus
De forma geral, com o golpe de 1964 os debates
realizados em diferentes espaços e por agentes distintos
como pesquisadores, professores, jornalistas, intelectuais,
artistas etc., sobre a “educação que se queria” sofreram o
cerceamento e repressão, sendo o debate político, cultural e
ideológico sobre educação brasileira tiveram censura em
todos os níveis do nascente Estado Nacional ditatorial
(PAIM, 2014, p.241-242). Ressalta-se a impossibilidade de
um “controle total” sobre a educação por parte do Estado
ditatorial, pois existiam as resistências entre outras formas
de combate a esta “ordem social” imposta pelo Estado.
Vale citar como compreende José W. Germano:

Estado militar e ditatorial não consegue exercer controle


total e completo da educação. A perda de controle
acontece, sobretudo, em conjunturas em que as forças
oposicionistas conseguem ampliar o seu espaço de atuação
política. Daí os elementos de “restauração” e de
“renovação” contidos nas reformas educacionais; a
passagem da centralização das decisões e do
planejamento, com base no saber da tecnocracia, aos
apelos “participacionistas” das classes subalternas.
(GERMANO, 1994, p. 106).

O autor ao entender a reforma do ensino de 1º e 2º


graus sob este discurso de “restauração” e de “renovação”
evidenciam-se as relações de ambiguidade entre os
projetos conservador e modernizador, consoante ao
anteriormente citado historiador Rodrigo Patto Sá Motta,
no qual temos políticas educacionais vinculadas à
expansão do ensino, sendo um período de crescimento da
oferta de ensino em diferentes níveis, - fundamental,
médio e superior. Também ocorreram investimentos em
formar professores para atuar nestes níveis, denotando um
dos papéis sociais exercidos pelo Estado ditatorial, que
colocou a educação na pauta nos debates nacionais. Ao
mesmo tempo, destacam-se os baixos salários, a precária
formação dos profissionais para atender o crescimento do
número de escolas, e a descentralização administrativa dos
sistemas escolares (PAIM, 2014, p. 242). Assim, as

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reformas educativas ditatoriais representaram dispositivos
que possibilitam implantar, no plural, formas de “culturas
políticas educacionais autoritárias”, sem o exercício da
crítica social, dando um caráter “utilitário” para a
educação.
Entendemos por “culturas políticas educacionais
autoritárias”, na esteira dos debates sobre “culturas
políticas”, definidas como contraditórias e fluídas, que
fornecem um caminho para o estudo dos “fenômenos de
múltiplos parâmetros”, os quais permitem compreender a
“complexidade dos comportamentos humanos”. A noção
ou categoria “culturas políticas” foi pensada no plural,
quando se identifica “as diferentes culturas políticas que
integram e disputam um mesmo espaço nacional”
(BERSTEIN, 1988, p. 350). Com Eliane R. de Freitas
Dutra, a contribuição se destaca no pressuposto deste
conceito, que seria a “existência de um conjunto coerente
de elementos que, ao se inter-relacionarem estreitamente,
não apenas constituem um patrimônio cultural, mas ao
fazê-lo, permitem a definição de uma identidade aos
indivíduos e às coletividades que a reclamam.” (DUTRA,
2002, p. 24)
Dessa forma, a análise sobre a reforma educativa do
ensino de 1º e 2º grau pode ser visualizada sob as lentes
das “culturas políticas educacionais,” sendo estas voltadas
ao tecnicismo e profissionalização do ensino de 2º grau,
com a influência educacional ditada pelos Estados Unidos,
que forjaram políticas educativas reformistas, sendo uma
das formas de se operar os conceitos originários da
Doutrina de Segurança Nacional. No entendimento de que
o Estado ditatorial privilegiou a reorganização do sistema
educacional brasileiro, e, implantou políticas públicas
distintas em relação ao governo anterior ao golpe de 1964,
a Lei 5.692 de 11 de agosto de 1971, engendrada pela
orientação dos teóricos da “Agency for
InternationalDevelopment” (AID) em convênio com o
MEC- Ministério da Educação e Cultura, denominada de
acordo MEC-USAID, criou a escolarização do ensino de
1º grau, com duração de 08 (oito) anos, suprimiu os
antigos primário e ginásio, criou o 2º graus que substituiu
o ensino secundário, com duração de 03 (três) anos. Entre
outras implicações políticas, no curso de 2º grau se
instituíam duas modalidades de ensino distintas, sendo um
ginásio técnico e profissionalizante, com privilégio apenas
nas técnicas de ensino modernizantes, isolando a
aprendizagem do seu contexto social, e o outro ensino
tradicional ou convencional. Jéferson Dantas (2014) cita
que os intelectuais atuaram no sentido de fornecer a
legitimidade ao processo de “reforma” e “renovação” desta
legislação:

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Para que fosse levado adiante este projeto, as mudanças o
sistema educacional brasileiro contaram com a ajuda
decisiva de intelectuais selecionados para harmonizarem a
mentalidade empresarial dos tecnocratas e as medidas
repressoras do regime militar (DANTAS, 2014, p.15).

Na análise da aprovação da Lei 5.692/71, nota-se no


contexto em que foi gestada a “repressão” no sentido de
que “não foram travadas disputas entre os partidários da
escola privada e os da escola pública, entre Igreja e
Estado”. Nesse sentido, a Lei “preservou o espaço do
ensino religioso e conservou (...) o princípio privatista (...)
com amparo técnico e financeiro à iniciativa privada”
(GERMANO, 1994, p. 161), além de omitir percentuais
mínimos obrigatórios que a União destinaria à educação.
Vale destacar que a rede privada de ensino de 2º grau
continuava a ensinar seus alunos de forma a direcioná-los
para o ingresso nas Universidades, preferencialmente, para
as públicas federais, sendo gratuitas, apesar de não
existirem proibições por parte do MEC deste sistema de
ensino oferecer a profissionalização ou qualquer curso
técnico para seus alunos (DANTAS, 2014, p. 18-19).
A questão da reforma na educação secundária na
década de 1970 tinha como pilar a educação para o
desenvolvimento da nação, e “para a formação de
profissionais que atendessem às necessidades brasileiras de
mão de obra especializada em um mercado em expansão”,
portanto, o educando do 2º grau recebia dentro dos
conteúdos das disciplinas apenas a transmissão de
“informação”, sem cunho crítico, tendo foco em formar
para o “exercício do trabalho industrial, comercial ou
agrícola” (PAIM, 2014, p.245) Assim, o Parecer 76/75
explicita os objetivos da Lei 5.692/71:
1º) Mudar o curso de uma das técnicas da Educação
brasileira, fazendo com que a qualificação para o trabalho
se tornasse a meta não apenas de um ramo da
escolaridade, como acontecia anteriormente, e sim de todo
um grau de ensino que deveria adquirir nítido sentido de
terminalidade;
2º) beneficiar a economia nacional, dotando-a de um fluxo
contínuo de profissionais qualificados, a fim de corrigir as
distorções crônicas que há muito afetam o mercado de
trabalho, preparando em número suficiente e em espécie
necessária o quadro de recursos humanos de nível
intermediário de que o País precisa (Apud, HEBLING,
p.66, FREITAG, 1986, p.94).

Este Parecer 76/75 evidencia o ensino voltado à


formação profissional, com o caráter de “terminalidade”,
sem oferecer continuidade aos estudos dos alunos da rede
pública, que geralmente pertenciam a classes sociais

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menos privilegiadas, mantendo assim sua posição na
estrutura social, pois ao se formarem ocupariam cargos
subalternos no mercado de trabalho. Também ocorria a
oferta de ensino em nível de 2º grau de foram propedêutica
e clássica sendo geralmente, frequentados por educandos
de classes sociais privilegiadas, ocasionando ao término de
seus estudos o ingresso a Universidade Pública. O Estado
ditatorial buscou de forma rápida qualificar/habilitar
profissionais para atuarem sob os ditames desta nova
política.
Deste “mercado” em expansão ocorre o crescimento
de vagas no ensino de 1º e 2º graus para formar os futuros
professores, que poderiam se inscrever nos cursos normais
de 1º ciclo, tendo apenas cursado quatro séries do ensino
primário. Sobretudo os impactos desta nova política
educacional sobre a formação do perfil desse novo
docente, visualiza-se através de uma representatividade,
tanto numérica, quanto a partir da análise de seu perfil
sociocultural, tendo a Lei n. 5.692/71 permitido a
formação de professores através de cursos
profissionalizantes em nível de 2º grau, com habilitação
para o magistério, não sendo a docência alvo apenas de
formação no ensino superior. Como segundo ponto,
verifica-se a “baixa” qualificação profissional da docência,
e isso refletiu (ou ainda reflete) nas profundas mudanças
ocorridas durante os anos ditatoriais, sobretudo na visão da
sociedade sobre a dignidade e prestígio social do
magistério.
Uma das formas de mensurar os dados
quantitativos da docência, entre o final dos anos de 1970 e
início de 1980, os números dos “professores públicos
estaduais de 1º e 2º graus já se constituíam numa categoria
profissional consolidada, perfazendo um contingente
numérico superior a um milhão de membros” (BITTAR;
FERREIRA, 2005, p. 1165). Já sobre o perfil qualitativo
do docente, a partir da sua relação com as reformas
educativas ocorridas na época, a emergência de uma “nova
docência” seguindo novos parâmetros, como a rapidez na
formação dos educadores combinada com o crescimento
quantitativo e baixos salários definiram as precárias
condições de vida e trabalho dos professores do ensino,
pode-se compreender como uma “proletarização” dos
professores, assim (...) “no segundo grau, um professor
polivalente substituiria três outros professores que
lecionassem Ciências, Físicas e Biológicas” (DANTAS,
2014, p.20). No final dos anos 1970 e década de 1980, em
diferentes regiões do país viu-se surgir o fenômeno das
greves, tendo como pauta manifestada a sobrevivência dos
professores públicos estaduais de 1º e 2º graus. Nota-se na
fala de ElisonAntonio Paim, o conflito social em relação a
esta categoria inserida na educação da época:

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O regime proclamou a erradicação da miséria social
quando, na prática, ocorreram ou até mesmo aumentaram
dramaticamente os índices de pobreza relativa, com a
intensificação da exploração da força de trabalho, dos
altos índices de concentração de renda e da manutenção de
um numeroso contingente de mão de obra de reserva.
Embora o discurso de valorização da educação escolar
fosse uma constante, o Estado esbarrou na “escassez” de
verbas para a educação pública (PAIM, 2014, p 244).

As culturas políticas no campo da educação


mostram-se modernizadoras, conservadoras e autoritárias,
a partir da influência ideológica da Doutrina de Segurança
Nacional, que apregoam ao “Desenvolver com Segurança”
a base do Estado militar. Análises através da emergência
deste “novo” docente e do discurso das políticas públicas
da educação brasileira visualiza-se uma “cultura política
educacional” repressiva, intensificadora da exploração da
força de trabalho, concentração de renda e atuante na
proletarização da categoria dos professores, além de
conservadora na sua concepção de educação. Pode-se
analisar, que se inter-relacionam a cultura ditatorial com a
cultura educacional, formando um patrimônio cultural
autoritário do campo educacional, com a utilização da
linguagem política, visualizadas em certa medida através
das legislações reformadoras da educação, o que permite a
definição de uma identidade docente coletiva inserida
neste contexto.
Também, as culturas políticas educacionais da
época demonstram-se complexas, e às vezes até
antagônicas, como apresenta José W. Germano.

A reforma educacional do regime militar foi


particularmente perversa com o ensino do segundo grau
público. Destruiu o seu caráter propedêutico ao ensino
superior, elitizando ainda mais o acesso às Universidades
públicas. Ao mesmo tempo, a profissionalização foi um
fracasso (GERMANO, 1994, p.190).

Visualizada como “fracasso” a reforma


educacional, através deste autor destacou alguns pontos,
entre os quais a questão dos limites dos recursos, não tendo
a escola profissionalizante o mínimo de equipamentos que
assegurem a possibilidade de aulas práticas; a baixa
“qualificação básica” em matemática, línguas e ciências; a
desatualização entre o sistema educacional e o mercado de
trabalho industrial, entre outros mercados; as camadas
“médias e altas” da sociedade brasileira ofereciam
resistência “passiva” à profissionalização compulsória;
ainda a profissionalização não foi implantada na maioria
das escolas da rede pública, devido ao seu elevado custo.
Outro dispositivo implantado pelo Estado ditatorial através

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|720


do MEC com o Parecer CFE 45/72, redirecionou a
educação no sentido da atuação mercadológica tornando o
ensino profissional com “habilitações básicas”, e sendo
completada sua formação profissional diretamente nas
empresas. Somente em 1982, foi revogada a
obrigatoriedade da profissionalização no ensino de 2º grau.
“Tal política impôs, outrossim, uma sobrecarga às escolas
técnicas federais, acarretou uma degradação sem
precedentes na escola pública de nível médio em geral e
fortaleceu a rede privada de ensino” (GERMANO, 1994,
p.188). Esta cultura educacional impôs as opções mais
baratas, sendo instituídas modalidades técnicas de ensino,
como exemplo: técnico em eletrônica, em secretariado ou
contabilidade, entre outros cursos de 2º grau de escolas
técnicas de baixíssimo nível e desempenho. A
problemática da cultura educacional em nível de 2º grau
ocorreu de forma diversa em cada região do país neste
período. Apresentamos alguns apontamentos sobre a
cultura educacional catarinense inserida no contexto
autoritário, como forma de compreender a inserção da
categoria de professoresdo ensino de 2º grau através da
escala regional.

Notas sobre os programas desenvolvimentistas


estaduais para a formação dos(as)professores(as)
em Santa Catarina no período ditatorial
Santa Catarina estava inserida nos debates nacionais
sobre educação, portanto ligada ao discurso de
modernização-conservadora do Estado civil-militar
autoritário, o que refletiu sobre a emergente formação da
categoria dos/as professores/as. Nesse momento,
abordaremos dois pontos: a) a emergência desta categoria
profissional e ampliações na oferta do ensino Estadual no
sentido quantitativo; b) e, no sentido qualitativo,
destacamos algumas mudanças sobre a formação de
docentes sob a influência das reformas educacionais
atreladas às demandas do mercado econômico do Estado
de Santa Catarina.
Para compreender alguns dados, retornemos aos
anos 1940, quando existiam apenas oito colégios de ensino
secundário em território catarinense, sendo todos de caráter
privado, e, portanto, elitizados e em sua grande maioria
dirigidos por congregações católicas. O cenário histórico

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|721


do ensino médio146, em Santa Catarina apresentou uma
peculiaridade inicial: o seu caráter privativo, sendo o
ensino público somente implantado após o fim do contrato
entre jesuítas e o executivo. Conforme leitura do
historiador Norberto Dallabrida, que analisou a formação
das diferentes redes de ensino secundário em Santa
Catarina e constatou a presença dos poderes públicos,
estadual e municipal, das instituições religiosas e das
associações comunitárias nesse nível de escolarização, no
momento de 1930-1945:

Somente após o Estado Novo o ensino secundário em


Santa Catarina conheceria nova expansão. Algumas
comunidades luteranas teuto-brasileiras, perseguidas
durante a Segunda Guerra Mundial, reorganizaram as suas
escolas primárias e instituíram colégios de ensino
secundário, como o Ginásio Cônsul Carlos Renaux,
fundado em 1947, na cidade de Brusque (RISTOW, 1999,
p.66-67). Com o término do contrato entre os jesuítas e o
executivo estadual, começaram a ser instituídos alguns
estabelecimentos de ensino secundário públicos mantidos
pelo Governo Estadual, como o Instituto Estadual de
Educação, em Florianópolis, e o Colégio Pedro II de
Blumenau. A rede de colégios católicos, masculinos e
femininos, passou a ter novo florescimento. Contudo,
apesar desse crescimento, o ensino secundário catarinense
continuava, grosso modo, restrito aos grupos sociais
privilegiados. (DALLABRIDA, 2014. p.4177). 147

Consoante à educação brasileira nos anos de 1950,


também a educação do Estado de Santa Catarina estava se
modernizando e deveria atender ao setor industrial, tendo
como meta reestruturar o Sistema Estadual de Ensino e,
portanto, o ensino secundário e a gestão pública deveriam
mudar sua forma de agir.

Os anos de 1960 representavam um claro divisor de águas


nas formas de gestão pública. Foi naquele momento que
se organizou uma burocracia estatal estruturada com base
em processos decisórios orientados pela adoção de uma
racionalidade técnica como instrumento de governo. O
desenvolvimento e a dinamização da sociedade e da
educação implicaram o rompimento com a organização
social tradicional vigente no Estado, isto é, o

146
Segundo a LDB n. 4.024/61, o ensino médio era dividido em dois ciclos, o ginasial de 4 anos e o colegial em 3 anos, sendo
compostos pelo ensino secundário e técnico (industrial, agrícola, comercial e normal).

147
Trata-se do resultado parcial de uma pesquisa denominada: “O Ensino Secundário em Santa Catarina entre as décadas de 1930
e 1950: redes e culturas escolares”, coordenado por Dr. Norberto Dallabrida e financiado pela Universidade do Estado de Santa
Catarina (UDESC) e pelo CNPq.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|722


desmantelaram a relação político-partidária imobilizadora,
para construir uma relação especializada no trato com as
questões públicas. (PAIM, 2014, p.241-242)

Nos anos de 1960, o autor enuncia a racionalidade


técnica como saída para o rompimento com a organização
social tradicional vigente na educação do Estado, no
sentido de que para a educação em Santa Catarina para
modernizar-se deveria ter atenção a três pontos chaves: a)
abandono do tradicionalismo; b) implementação da
pesquisa em educação; c) o uso da prática social do
planejamento da educação. Inserida no contexto
desenvolvimentista, o Estado de Santa Catarina, adere ao
planejamento como forma de operar os ditames desta nova
organização social no campo educacional. Foram criadas,
neste contexto a UDESC - Universidade para o
desenvolvimento do Estado de Santa Catarina, e o BDE -
Banco de Desenvolvimento do Estado, como o gabinete de
Planejamento do Plano de Metas do Governo, sendo todos
estes dispositivos voltados para atender ao contexto
desenvolvimentista do governo ditatorial, tendo o primeiro
Plano Estadual de Educação (PLAMEG) como prioridade
em “reestruturar” o Sistema Estadual de Ensino, tendo a
feição de forma de planos setoriais, as metas elaboradas
direcionaram para a ampliação quantitativa da rede escolar.
O cenário desenhado sobre a oferta de
escolarização, no Brasil de forma geral, antes de 1964,
demonstrava que apenas uma pequena parte da população
tinha acesso à escola, com número crescente de
analfabetos, e escassas verbas destinadas à educação. O
cenário desenhado em Santa Catarina denota uma
educação excludente no nível médio, como apontado por
Gladys Mary T. Auras, (1997, p.31)
O Documento Básico do Seminário Socioeconômico
denunciara que, de um total de 335.000 crianças na faixa
etária dos sete anos aos doze anos, aproximadamente
140.000 não tinha, no ano de 1960, oportunidades de
matricular-se na 1 série, apenas 15% (das 100%
ingressantes) concluíram a 4 série e, destas, somente 6%
ingressaram no nível médio. A taxa de reprovação atingia
o patamar de 40% sobre o total das crianças matriculadas.
(AURAS, 1997, p. 31)

Ao mesmo tempo, as políticas nacionais sobre


educação da época estavam vinculadas à expansão do
ensino, com objetivo em criar a oferta de ensino nos níveis
básicos e superior. Em Santa Catarina, este crescimento da
oferta de ensino secundário nos anos 1960, se comparado
em relação à década de 1950, apresentou algumas bases
históricas específicas, como observa o historiador Elison
Antônio Paim (2014):

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|723


O estado de Santa Catarina historicamente foi marcado
pelo conservadorismo e por uma administração pública
pautada pelos interesses e vontades pessoais na forma de
administrar, verifica-se que até a década de 1950
pouquíssimas ações governamentais basearam-se o
planejamento ou em formas racionalizadas de
gerenciamento. Tanto foi assim que a primeira experiência
de planejamento em Santa Catarina ocorreu no governo de
Irineu Bornhausen (1951-1956). (PAIM, 2014, p. 246)

Em análise da relação em escala regional com a


nacional, um dos papéis da gestão pública exercidas no
Estado de Santa Catarina foi ampliar a formação de
profissionais para atender o crescimento do número de
escolas e a descentralização administrativa dos sistemas
escolares. (PAIM, 2014, p. 241-242) Como forma de
mensurar os dados quantitativos da categoria de
professores/as em Santa Catarina, entre “5.500 das 9.000
professoras de 1º e 4º série existentes no Estado, o ano de
1960, não possuíam qualquer habilitação para o exercício
do magistério.” (AURAS, 1997, p. 31) Na década de
1969 citamos o relatório da “situação do ensino médio em
Santa Catarina” (SANTA CATARINA, 1969b, p.120), no
qual se tem a estimativa da composição da categoria de
professor/a deste nível, um total de 4.267, em Santa
Catarina. Dentro do discurso desenvolvimentista, inserido
na necessidade de mão-de-obra qualificada para atender
ao mercado de trabalho, a situação de formação e
aperfeiçoamento do professor, entre os anos de
1961/1964, durante o governo de Celso Ramos, época do
1º PLAMEG tem-se criadas “cerca de 2.500 salas de
aulas, para grupos escolares e escolas rurais, e dezenas de
estabelecimentos de ensino médio, entre eles o Instituto
Estadual de Educação, em Florianópolis, o Colégio Celso
Ramos, em Joinville (...), dentre outros” (AURAS, 1997,
p. 34).
Milhares de docentes receberam sua formação
durante o contexto ditatorial, sob a influência da Doutrina
de Segurança Nacional, estando assim, o processo
formativo caminhando para atribuir ao/a professor/a a
função de “moldar o aluno às transformações do mundo
capitalista, em acelerada e imprevisível evolução.” A
qualidade do ensino significativo sobre os problemas
sociais encontravam uma barreira na própria formação dos
professores, descontextualizada e tecnicista. O ministro da
educação, o coronel Jarbas G. Passarinho direcionava sua
fala no sentido de despolitizar e moralizar o professor,
retirando deste qualquer poder de emitir opiniões.
(DANTAS, 2014, p. 26)
A formação deste docente inserido neste emergente
“Sistema Estadual de Ensino” se dava no denominado

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|724


Curso Normal Ginasial, difundido em quase todos os
municípios catarinenses, e aperfeiçoamento dos
professores da zona rural, e também no nível de ensino de
3º grau, sendo a oferta dada em duas Universidades -
UDESC e UFSC(Universidade Federal de Santa Catarina),
situadas em Florianópolis, e outras faculdades particulares
e fundações educacionais de caráter comunitário,
vinculadas à Associação Catarinense das Fundações
Educacionais (ACAFE), surgidas na década de 1960. Em
1963, foi criada a Faculdade de Educação pelo Estado de
SC - FAED,148 também localizada na capital do estado, e,
somente a partir de 1965, outros cursos de licenciatura em
faculdades ou escolas superiores isoladas estavam
localizadas no interior do Estado. E, outras escolas
particulares e escolas Fundacionais Cenecistas. Este por
sua vez, deveria atender ao setor produtivo a ampliação do
ensino, mesmo que a população reivindicasse a maior
oferta da escola pública e gratuita, entendendo esta via
educacional como uma forma de ascender socialmente.
O segundo Plano Estadual de Educação (PLAMEG
- 1966-1970) sem inovação em relação ao primeiro,
afinados com o governo autoritário, como meta enunciou a
“valorização dos Recursos Humanos”, todavia em ambos
não ocorreram “participação dos docentes catarinenses
evidenciando a característica comum a todos os
governadores do período, totalmente articulados com o
regime ditatorial na execução de políticas públicas para a
educação.” (PAIM, 2014, p. 252). Um dispositivo de
controle e desmobilização da docência, criado através do
segundo Plano Estadual de Educação, em Santa Catarina,
foi à implantação do Sistema de Avanço Progressivo –
SAP, que abolia os critérios de aprovação e reprovação,
com foco na recuperação de conteúdos, assim consistia em
última instância no avanço automático dos educandos.
Segundo ElisonAntonio Paim (2104), isso se explica
devido às precárias condições das escolas públicas
estaduais e da péssima qualificação de seus professores,
mas também essa medida acarretou acesso à escolarização
da classe social popular, ao mesmo tempo eximiu o
governo de “investir na construção de escolas e sala de
aulas, contratar maior número de professores, formular
uma política de formação de professores e aumentar seus
investimentos no setor educacional.” (PAIM, 2014, p. 246)
Assim, as “culturas políticas educacionais” em
Santa Catarina com caráter autoritário, pois os recursos
destinados à educação pública foram repassados às escolas
particulares e às Escolas Fundacionais Cenecistas,
inseridas no contexto da Campanha Nacional de Escolas
148
Os primeiros estudos sobre o Sistema de Ensino de Santa Catarina ocorreram na Faculdade de Educação – FAED, depois
incorporada a recém-implantada Universidade do Estado - UDESC.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|725


da Comunidade (CNEC), também de caráter privado sem
fins lucrativos, que ofereciam cursos profissionalizantes e
de baixa qualidade. Assim, o “Sistema de Ensino” do
Estado de Santa Catarina no nível de ensino de 2º grau nos
municípios, teve na iniciativa privada e comunitária
implantada esse tipo de escola. O autor defende a ideia de
que o Estado de Santa Catarina agiu através da gestão
pública em diminuir a “qualidade da escola básica aliado à
sistemática desvalorização dos profissionais e sua
degradação econômica e social.” (PAIM, 2014, p. 246)
Quanto à formação inicial e continuada dos/as
professores/as, vale citar a reflexão, no sentido dado pela
cultura política educacional da época.

Para que os professores realizassem a educação necessária


para a formação de cidadãos docilizados, que aceitassem
cumprir ordens, amassem sua pátria e se comportassem
como bons cristãos, o controle pedagógico e político se
fez presente pelos/nos cursos de formação de professores.
(PAIM, 2014, p.259, grifo nosso)

Nesse sentido, o dispositivo de controle pedagógico


na educação do Estado autoritário incutia no exercício da
docência o discurso da obediência à Pátria, em uma
conjuntura na qual os professores no Brasil e de Santa
Catarina, de forma geral eram considerados intelectuais
subversivos, perigosos e reacionários. Muitos deles foram
silenciados, e outros tantos capturados pelos arquivos dos
órgãos de repressão e informação (SNI) do regime Civil-
militar (ISHAQ, V.; FRANCO, P., 2009)149 ou dentro do
Sistema de ensino, no qual exerciam sua profissão.
Em escala regional, a cultura política autoritária do
Estado exerceu um olhar contra o denominado “inimigo
interno” sob a construção e funcionamento do aparato
repressivo, visualizado através de dispositivos de política
pública com sentido nas reformas e planejamentos do
Sistema de Ensino em todos os níveis, destinando os
recursos da educação pública às escolas particulares,
desqualificando as escolas públicas estaduais, e, realizando
a sistemática desvalorização dos profissionais e sua
degradação econômica e social, apesar do crescimento de
oferta de vagas em Escolas do Ensino de 2º grau ainda
continuava a oferta de vagas, de forma geral, restrita aos
grupos sociais privilegiados.

149
Foram disponibilizados os Arquivos dos Órgãos de controle e repressão do regime militar do extinto Sistema Nacional de
Informações e Contrainformações – SisNi, existentes no Arquivo Nacional (RJ e DF).

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|726


Considerações Finais
Durante o regime ditatorial, as diferentes esferas
educacionais sofreram profundos golpes por meio de
repressivas medidas que puseram fim nas tentativas de
consolidar um modelo educacional voltado ao
desenvolvimento crítico, pautado em políticas de igualdade
de oportunidades. Pelo contrário, a educação serviu de
instrumento para a difusão de um modelo social
harmônico, ordeiro e naturalmente desigual.
Pode-se analisar que colhemos os frutos de políticas
educacionais despreocupadas com a formação crítica
necessária à prática cidadã e ao desenvolvimento de
potencialidades de cada ser humano. Com o término do
regime autoritário não findam as reverberações das
práticas adotadas ao longo do mesmo. Como as culturas da
meritocracia, que apregoam o desempenho pessoal, como
fator a ser considerado para o sucesso ou fracasso escolar e
profissional permanecem em ações autoritárias que foram
normalizadas e continuam a ser reforçadas.
Longe da promoção do progresso social como
consequência do desenvolvimento capitalista, o país
entregue aos civis em 1985, manteve programas
liberalizantes nos anos seguintes e atualmente tenta
remediar os efeitos da ordem reprodutiva capitalista a
partir de programas inclusivos, tomando como exemplo, as
políticas de cotas. Entretanto, consoante ao que defende
Meszáros (2008, p.27) “é necessário romper com a lógica
do capital se quisermos contemplar a criação de uma
alternativa educacional significativamente diferente”. Caso
contrário, incorreremos em mais reformas superficiais que
estarão a serviço dos interesses de uma ideologia alienante,
de cunho competitivo e em favor do consumismo.
O ato de se pensar processos educacionais
desdobram-se em múltiplas possibilidades de abordagem.
Políticas públicas, legislações, elaboração de currículo,
etapas do processo de formação, valorização profissional,
metodologias de ensino, avaliação e índices de
desempenho, apenas para dar alguns exemplos do leque de
vertentes possíveis e que já contam com significativa
literatura. Além do jogo de escalas de perspectivas, entre
regional e nacional, como analisado através das culturas
políticas educacionais em Santa Catarina foram inseridas
no discurso da modernização, ao mesmo tempo
conservadora e autoritária em suas ações políticas,
denotando uma mesma visão de mundo partilhada pelos
seus envolvidos, mesmo que projetos opostos de sociedade
e com valores antagônicos. Na conjuntura das reformas do
sistema de ensino secundário, ambos discursos

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|727


corroboraram no campo educacional para formação da
categoria dos/as professores/as, descontextualizada e
tecnicista, com pouco prestígio social e baixos salários,
infligindo dispositivos de controle, repressão, torturas e
“docilização” a todos os considerados “inimigos internos”
do Estado Ditatorial.
Entretanto, quando pensamos em qualquer uma das
temáticas citadas, ou tantas outras ainda possíveis, algumas
questões cruciais precisam ser feitas. Para que serve a
escola? Para que e para quem a escola educa? Há outro
modelo possível além da lógica educacional atual?
Questões que em um primeiro momento podem parecer
não passar de lugar comum, mas que exigem coragem para
que sejam encaradas. Os desafios continuam colocados.
Longe de ambicionar dar conta de toda a discussão
acerca dos moldes das políticas públicas educacionais no
Brasil implantadas pelo Estado Ditatorial, pretendemos
modestamente estimular o debate acerca de
questionamentos que possam ir além de análises
quantitativas e de reformas ou planejamentos ditados pelas
exigências mercadológicas. Conjunturar historicamente a
formulação de agendas que perpassam a elaboração de
normas e diretrizes para o ensino pode ser um caminho
para a compreensão dos projetos de país concebidos pelos
grupos dominantes, consoantes em muitos momentos aos
interesses de organismos internacionais.
Por se tratar de um regime de exceção, mesmo
ressaltando o caráter democrático em discursos oficiais, a
participação popular em torno da elaboração de políticas
educacionais beirou a inexistência. Nesse sentido, pensar a
gestão democrática com os olhos voltados às experiências
ditatoriais de controle sobre os processos educacionais e
suas consequências a médio e longo prazo, pode ser um
motivador ao envolvimento nas discussões acerca do
modelo de educação que buscamos. E, assim como os
estudantes parisienses anunciaram nos muros em 1968
“sejamos realistas, exijamos o impossível”.

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Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|730


Os deuses devem estar loucos:
linguagem cinematográfica na formação de conhecimento nas aulas de História
PorCaroline Dall’Agnol150

Resumo Abstract
O artigo tem por objetivo traçar The article aims to draw pedagogical
apontamentos pedagógicos sobre a utilização do notes on the use of film as a support tool in the
cinema como ferramenta de apoio para a expansion of knowledge in history lessons and
ampliação do conhecimento nas aulas de show how the language of film is able to arouse
História e demonstrar o quanto a linguagem the interest of students for the content worked in
cinematográfica é capaz de despertar o interesse the discipline. To achieve the purpose , we have
dos estudantes pelo conteúdo trabalhado na chosen as subject matter the film The God Must
disciplina. Para alcançar o propósito, Be Crazy (1980). The option is intended to
escolhemos como objeto de estudo o filme Os illustrate the historical period of the Cold War.
Deus devem estar loucos, de 1980. A opção tem Marc Ferro (2010) used the technique which
por finalidade ilustrar o período histórico da divides the film script and content. This allows
Guerra Fria. Utilizamos a técnica de Marc Ferro us to create a parallel between the time the film
(2010) que divide o filme em roteiro e was produced and how the plot deals with
conteúdo. Isso nos permite criar um paralelo issues related to Capitalism, through the
entre a época que o filme foi produzido e a symbolism of the Coke bottle – representantivo
forma como o enredo aborda questões ligadas object of the Western world. This article is an
ao Capitalismo, por meio do simbolismo da overview of Cinema History, in order to
garrafa da Coca-Cola – objeto representantivo assimilate how film is used in the classroom
do mundo ocidental. Esse artigo faz um from the theoretical Barros (2012), Nóvoa
panorama do Cinema-História, com o intuito de (2012) and Ferro (2010).
assimilar como o cinema é utilizado em sala de
aula a partir dos teóricos Barros (2012), Nóvoa Keywords: Indigenous school history - Identity - Difference – Inclusion.

(2012) e Ferro (2010).


Palavras-chave: Cinema-História; Ensino de História; Ideologia e
Linguagem cinematográfica.

150
Mestranda do Mestrado Profissional em História da Universidade de Caxias do Sul, graduada em Comunicação Social, Habilitação em Jornalismo,
pela mesma universidade. E-mail: carolineagnol@gmail.com

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|731


O poder que o cinema carrega em si, e que hoje é
compreendido com mais clareza, só ganhou espaço após
superar as muitas resistências de sua aceitação pelos
críticos, entre eles, os historiadores. A partir do século XX
a história da História começou a ser pensada de um jeito
diferente. Nesse período, surgiram novas fontes de
pesquisas e ampliação do olhar sobre o tempo e o espaço.
O contar histórias ganhou vida através das representações
da realidade nas imagens em movimento.
O filme intriga o historiador desde seu surgimento.
Aceitá-lo como fonte/documento histórico é uma das
discussões que permanecem até hoje. A subjetividade que
as imagens cinematográficas carregam dá margem para
possibilidades diversas, inclusive, a da manipulação da
realidade, ponto esse, muito criticado pelos profissionais
da história.
Com a continuidade das pesquisas o conhecimento
sobre o uso do cinema para o ensino de História avançou
ao longo dos anos com os teóricos. Nesse artigo, propomos
um diálogo do Ensino de História e o uso do cinema como
tecnologia de apoio para a compreensão do conteúdo
didático na visão dos teóricos Marc Ferro (2010), José
d’Assunção Barros (2012) e Jorge Nóvoa (2012). Para
isso, optamos fazer o recorte a partir do filme Os Deus
devem estar loucos, 1980, The Gods Must Be Crazy, no
título original, escrito e dirigido por Jamie Uys. Através da
linguagem, imagem e som, os estudantes desenvolvem a
criticidade necessária para compreender o mundo que o
cerca. Potencializam sua capacidade de comparação das
relações sociais permeadas pelo capital e aprimoram o
entendimento sobre ideologia de dominação presente até
os dias de hoje. Durante o processo de pesquisa sobre a
escolha do filme, percebemos que esse sempre fora
utilizado para trabalhar aspectos antropológicos como
linguagem e cultura. Porém, da pesquisa realizada nada foi
encontrado relacionando-o a conteúdos históricos,
principalmente, questões econômicas, políticas e sociais
presentes no enredo. Isso nos motivou mais ainda a
trabalhar Os Deus devem estar loucos como material de
apoio para as aulas de História sobre o período da Guerra
Fria. Além disso, nos apropriamos dos conceitos com o
intuito de discutir como o cinema pode ser utilizado como
recurso didático para a aprendizagem e, como tem
superado os resquícios de resistência dos historiadores do
início do século XX.

Pensar Cinema
No final do século XIX, a imagem parada,
fotografia, começa a ganhar ação, movimento, vida. Surge

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o cinema. O cinematógrafo – equipamento de projeção das
fotografias animadas, criado pelos engenheiros franceses
Auguste e Louis Lumière – consegue se aproximar da
realidade por meio de uma lente.
Duarte (2002) observa que, embora os irmãos
Lumière sejam considerados os inventores do cinema, no
mesmo período outros cientistas também trabalhavam na
descoberta do processo capaz de projetar as fotografias
animadas. Na França, o Praxinoscópio reunia milhares de
pessoas no teatro Grévin. Já nos Estados Unidos, Thomas
Edison experienciava na tentativa de determinar o
Kinetoscópio. Porém, desses, o único que teve grande
sucesso foi o Cinematógrafo, apresentado pelos irmãos,
que desenvolvia, projetava películas e filmava. A primeira
projeção pública ocorreu em 1895 no Salão Indiano do
Grand Café, em Paris, com a obra La sortie des usines
Lumière (A saída das indústrias Lumière). Os filmes
projetados eram curtos, “com cerca de 50 segundos cada,
que retratavam cenas do cotidiano da cidade.” (DUARTE,
2002, p. 23).
Com o surgimento do cinema, o olhar muda, o
significado e a comunicação ganham mais força por meio
das imagens. A apropriação do cinema falado e do rádio, a
criação da TV, transformaram a sociedade em sociedade
do espetáculo151. Ferro (2010) analisa que “a imagem
televisual vem se juntar à imagem fílmica: ela é por sua
vez documento histórico e agente da História numa
sociedade que recebe, mas que também – e não se pode
esquecer disso – a produz.” (p. 14).
A partir desse momento, a ferramenta – o
audiovisual, imagem em movimento mais áudio – que fora
por muito tempo distante, tornou-se poder de construção
de imaginário e acessível com a revolução tecnológica.
Cumpre o papel da aproximação do público com ele
mesmo, além de incentivar a autonomia nos indivíduos de
contar histórias, inclusive, as próprias.
Segundo Bourdieu (1979), o contato das pessoas
com o cinema ajudou a desenvolver a “competência para
ver”, isto é, um olhar que compreende e analisa qualquer
história contada a partir da linguagem do cinema. No
entanto, o autor faz uma ressalva afirmando que essa
“competência” não se deve apenas ao mérito de assistir
filmes, mas sim, às experiências culturais, ideológicas e ao
contato com as outras artes, permitindo, assim, o
desenvolvimento das habilidades de ‘ler’ (nosso grifo) os
produtos culturais, entre eles, o cinema.
O historiador Eric Hobsbawm (1995), na obra A Era
dos Extremos, analisou o cinema como centralidade do
151
Entende-se Sociedade do Espetáculo como uma teoria crítica de Guy Debord (1997), em que “toda a vida das sociedades nas
quais reinam as modernas condições de produção se apresenta como uma imensa acumulação de espetáculos. Tudo o que era
vivido diretamente tornou-se uma representação.” (p. 13) . Segundo o autor não são as imagens que criam o espetáculo, “mas
uma relação social entre pessoas, mediadas por imagens.” (p. 14)

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século, pois ele compreendeu que, quando as obras podem
ser reproduzidas – como é o caso da técnica do cinema –
não transformam apenas o modo da criação, mas também,
o modo como o ser humano enxerga sua realidade.
Para Duarte (2002), muito do que compreendemos
da história da humanidade está pautado pelo contato das
imagens cinematográficas. Segundo ela, o cinema está
atrelado à educação, quando assume um papel tão
importante para formação dos indivíduos. “O mundo do
cinema é um espaço privilegiado de produção de relações
de sociabilidade [...]” (p. 17). Analisa que “ver filmes, é
uma prática tão importante, do ponto de vista de formação
cultural e educacional das pessoas, quanto a leitura de
obras literárias, filosóficas, sociológicas e tantas mais.” (p.
17).
A “competência de ver”, citada por Bourdieu
(1979), e a transformação de enxergar a própria realidade,
observada pelo historiador Hobsbawm (1995), são reflexos
da função que o cinema exerce desde seu surgimento.
Do mesmo modo que o cinema surge em um
momento de fenômeno ideológico da luta para a
consciência de classe dos dominados – período da
Revolução Industrial – ele acaba assumindo o mesmo
papel: ferramenta crítica de consciência. Segundo
Hennebelle (1978), o cinema, desde sua criação, motivou
uma guerra ideológica entre o proletariado e a burguesia,
entre os oprimidos e os opressores.
Ferro (2010) afirma que o Cinema é uma ferramenta
que desperta interesse pelo poder que exerce de manipular
e propagar ideologias. Serve para os dois lados: a ideologia
dos dominantes e a dos dominados, sendo palco para
disseminar e representar a sociedade da época.
Essa disseminação se dá de acordo com as obras e o
público destinado. Canclini (1984) na obra A socialização
da Arte: teoria e prática na América Latina, afirma que a
produção artística se distribui em três áreas no sistema
estético burguês: “a arte de elites, a arte para as massas e a
arte popular.” (p. 48). O autor (1984) destaca a função que
a arte popular possui.
[...] produzida pela classe trabalhadora ou por artistas que
representam seus interesses e objetivos, põe toda a sua
tônica no consumo não mercantil, na utilidade prazerosa e
produtiva dos objetos que cria, não em sua originalidade
ou no lucro que resulte da venda; a qualidade da produção
e a amplitude de sua difusão estão subordinadas ao uso, à
satisfação de necessidades do conjunto do povo. Seu valor
supremo é a representação e a satisfação solidária de
desejos coletivos. Levada as suas últimas conseqüências,
a arte popular é uma arte de libertação. (p. 50, grifo do
autor).

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Embora a arte libertária fosse legítima, o cinema
demorou muito tempo para ter reconhecimento,
principalmente, para algumas áreas que rejeitavam essa
arte como produção de conhecimento.

A Fascinação e a Desconfiança: História e Cinema


A fascinação que o cinema despertava intrigava os
historiadores já no início do século. Cativava estes, ao
mesmo tempo que lhe trazia a desconfiança. Tamanha era,
que as imagens do cinema demoraram um bom tempo para
ser inseridas como documentos históricos de validade
científica. Os defensores do cinema como peça
fundamental da historiografia enfrentaram a resistência da
tradição da academia conservadora dos historiadores.
Tradição essa que considerava o documento escrito como o
único portador legítimo da verdade. A imagem, que
pertencia ao mundo da cultura e do poder, representada
apenas nas pinturas, coleções e museus, agora ganhava
movimento e ação, e a partir disso, começava a ser
constestada. Dentre muitos historiadores que defendiam o
cinema destaca-se Marc Ferro (1992), considerado o
primeiro a afirmar que “cinema é história”.
[...] quando se cogitou, no início da década de 1960, a
ideia de estudar os filmes como documentos, e de se
proceder, assim, a uma contra-análise da sociedade, o
mundo universitário se agitou [...] hoje, o filme tem direito
decidadania, tanto nos arquivos, quanto nas pesquisas. (p.
9).152

Enquanto a História deixava de lado o filme e não o


reconhecia, as outras áreas o faziam. A antropologia
apropriou-se do cinema e soube utilizá-lo. Quando o vídeo
recebeu a instrumentalização para a construção de
documentários, um novo fenômeno modificou o modo de
pensar a História. Os filmes começaram a assumir o papel
de guardadores de memórias e de testemunhos orais,
deconstruíndo a histórial oficial escrita apenas pelas
instituições. Ferro (2010) afirma que a partir daí o filme
recebe uma função de ação, em que “se torna um agente da
História pelo fato de contribuir para uma conscientização”
(p. 11).
Nóvoa (2012) também questiona a relação Cinema e
História. Compreende que o estudar cinema vai muito
além do poder estético que os signos (imagens e seus

152
Prólogo, O império da imagem, do livro Cinema e História de Marc Ferro, 2010.

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significados) possuem, sem negar, é claro, a importância
do domínio das linguagens, efeitos de montagens e
construção de enquadramentos. Porém, sabe que o papel
do profissional de história não é ser um cineasta, mas sim,
usar o filme como ferramenta para expandir o
conhecimento.

[...] o cinema, documentário ou ficção ensina, explica,


documenta a história, constrói memória e discursa sobre a
história desde que foi inventado, sem conseguir, mesmo
nas fórmulas mais estetizantes, criar uma estética de
formas puras, “vazias” de vida, de modo absoluto [...]
onde há vida, há história. (2012, p. 22).

Nóvoa (2012, p. 25) afirma que “as novas


tecnologias audioimaginéticas, em especial as de suporte
digital” possibilitaram a abertura de potencial “para a
criação de novas representações do real e do imaginário
sócio-histórico”(p. 25). Uma produção cinematográfica
que avança ao ritmo da produção de novas tecnologias. A
era da informação – caracterizada pela propagação
instântanea das informações, das imagens e dos áudios
produzidos em segundos e em qualquer lugar – modifica o
modo de produzir conhecimento e de se conscientizar
sobre o mesmo.

O poder da linguagem cinematográfica


O cinema, forma de expressão artística, possui uma
linguagem própria e uma indústria específica, assim como
as demais artes – música, teatro, literatura, áreas que
envolvem as artes visuais. Interferiu no contexto do seu
tempo, mas também modificou-se na história
contemporânea inserida. Contou a história a qual pertencia,
representou a sociedade, os hábitos, a tradição. Por isso
Barros (2012) afirma com ênfase que o cinema poder ser
considerado, nos dias de hoje “uma fonte primordial e
inesgotável para o trabalho historiográfico”(p. 55), pois a
partir das análises dos discursos e práticas
cinematográficas associadas ao contexto de cada época, os
historiadores “podem apreender de uma nova perspectiva a
própria história do século XX e da contemporaneidade” (p.
56).
O cinema, além de ser uma expressão cultural,
exerce a tarefa de levantar significados para os estudos
históricos sobre a própria época em que foi produzido,
podendo assim, servir para a compreenção da sociedade ali
representada.

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O cinema não é apenas uma forma de expressão cultural,
mas também um “meio de representação”. Por meio de
um filme, representa-se algo, seja uma realidade percebida
e interpretada, seja um mundo imaginário livremente
criado pelos autores de um filme. (BARROS, 2012, p. 56).

É importante ressalvar que muito já foi discutido


sobre a essência do cinema. Sabe-se hoje, que os filmes
podem ser divididos em documentário, filme, ficção.
Porém, a legitimidade das imagens projetadas já foi
questão polêmica e tornou-se a resistência em alguns
momentos para sua própria aceitação. Barros (2012) afirma
que a discussão está no “realismo (fonte para retração da
realidade) ou a arte como ‘representação’ (no sentido de
recriação da realidade ou criação de uma realidade
inteiramente nova)”(p. 56) . Isto é, a discussão gira em
torno do real e da ficção. Quando os irmãos Lumière
alcançaram a possibilidade da projeção das imagens, o
cinema ali, era visto como a retratação da realidade, sendo
filmadas apenas cenas do cotidiano (ex.: A chegada de um
trem; saída da fábrica). Anos mais tarde, em 1902, os
filmes de George Meliès, ganhavam destaque pela “ficção”
da obra. O cinema tornou-se fonte para o ilusionismo,
representando a distorção da realidade. “[...] o cinema
converteu-se em um mundo com suas próprias leis, e não
como tentativa de retratar a realidade” (BARROS, 2012, p.
56).
Barros (2012, p. 57) categoriza os filmes em “filmes
históricos”; “filmes épicos”; “filmes de ambientação
histórica”; e “documentos históricos”, a fim de que a obra
possa ser utilizada como uma representação ou um meio
para interpretação dos contextos históricos específicos.
Desta forma, os filmes históricos e os filmes épicos podem
ser analisados como aqueles que buscam representar os
processos históricos, marcados por uma visão romanceada
dos personagens da história, criando um “apelo comercial”
(grifo nosso). Os filmes de ambientação histórica são
aqueles que criam o enredo sem desrespeitar o contexto
histórico. Já os documentos históricos podem ser
considerados “trabalhos de representação historiográfica
por meio de filmes” (p. 57) deixando o apelo estético como
segundo plano.
Sintetisando, o filme pode ser 1) ficção, 2) conteúdo
e 3) histórico, podendo ser utlizado na respectiva ordem
com a função de representação (sensibilização); de objeto
de estudo; ou de fonte histórica, quando o mesmo é de uma
determinada época e produzido na época. Barros (2010) dá
ênfase nas possibilidades do filme ser uma ferramenta de
apoio, na observação da linguagem e da imaginação, na
pesquisa, na interpretação da representação e como
instrumento para o ensino de História.
As várias funções que o filme exerce na construção

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do conhecimento fizeram com que a expressão “cinema-
história” (NÓVOA, 2012, P. 32) fosse possível. “[...]
Desde que a história foi fundada por Heródoto e seus
seguidores, nunca nenhum elemento ou agente histórico
foi tão importante a ponto de ter sua designação à palavra
história”(p. 33 – 34). O cinema, além de ser um laboratório
para o divertimento, a arte, e o documentário, também foi
peça fundante para propagação de ideologia,
principalmente das maiores guerras já vividas (I e II
Guerra Mundial), “[...] veículo de ideologias formadoras
das grandes massas da população e que pode ser utilizado,
com plena consciência de causa, como meio de
propaganada”(2012. p. 35).
O autor (2012) observa que da mesma forma que as
demais artes são utilizadas como documentos de
investigação historiográfica, o cinema assume uma
dimensão e possibilidades de representação da história
com a mesma legitimidade, ou até maior, se compararmos
a produção e difusão em massa de alcance infindável.
Todo e qualquer material audiovisual pode trazer
mensagens ideológicas, ou, pode se tornar um recurso-
didático para compreender as relações de dominação, que
são sustentadas por uma ideologia. Mas afinal, o que é
ideologia?

As ideologias veladas
Quando pensamos em trabalhar o conceito de
ideologia neste artigo, tivemos como foco a compreensão
das relações de dominação que o filme Os Deuses devem
estar loucos traz como mensagem: a dominação do
Capitalismo demostrado pela metáfora da garrafa de Coca-
Cola. Embora saibamos que os filmes carregam
mensagens ideológicas, observado por Barros (2012),
quando esses assumem o caráter de serem “veículos de
ideologias formadoras das grandes massas” (p. 35), o
conceito, aqui trabalhado, tem como objetivo principal à
compreensão de dominação, conteúdo descrito no enredo.
Quando se pensa em ideologia, variáveis sobre o
significado surgem. Eagleton (1997) lista as possíveis
definições que estão em circulação:

a) o processo de produção de significados,


signos e valores na vida social;
b) um corpo de ideias características de um
determinado grupo ou classe social;
c) ideias que ajudam a legitimar um poder
político dominante;

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d) ideias falsas que ajudam a legitimar um
poder político dominante;
e) comunicação sistemática distorcida;
f) aquilo que confere certa posição a um
sujeito;
g) formas de pensamento motivadas por
interesses sociais;
h) pensamento de identidade;
i) ilusão socialmente necessária;
j) a conjuntura de discurso e poder;
k) o veículo pelo qual atores sociais
conscientes entendem o seu mundo;
l) conjunto de crenças orientadas para a
ação;
m) a confusão entre realidade lingüística e
realidade fenomenal;
n) oclusão semiótica;
o) o meio pelo qual os indivíduos
vivenciam sua relações com uma estrutura social;
p) o processo pelo qual a vida é convertida
em uma realidade natural. (EAGLETON, p. 15-16).

Mas, ele (1997) percebe que essas possibilidades de


significação do conceito de ideologia, embora citadas e
estudadas por autores, são incompatíveis, em alguns casos,
entre si. Eagleton (1997) destaca que “a crença de que a
ideologia é uma forma esquemática e inflexível de se ver o
mundo, em oposição a alguma sabedoria mais simples,
gradual e pragmática, foi elevada, no pós-guerra” (p. 17)
passando de elemento de sabedoria popular para condição
de teoria sociológica.
Eagleton (1997) observa que o que faz o oprimido
tolerar a sua própria condição são as pequenas
compensações, como os salários, salientado por Althusser
(1996). Isso se deve também à eficiência do opressor “que
persuade seus subalternos a amar, desejar e identificar-se
com seu poder; e qualquer prática de emancipação política
envolve portanto a mais difícil de todas as formas de
libertação, o libertar-nos de nós mesmos.” (EAGLETON,
1997, p. 13). Porém, o autor (1997) ressalva que, quando a
dominação não é eficaz na gratificação de suas vítimas,
essas irão se revoltar.
Guareschi (2011) apropria-se do conceito de
ideologia no sentido de “ideias erradas, incompletas,
distorcidas, falsas sobre fatos e a realidade”(p. 18) e
analisa que a ideologia está relacionada diretamente à
formação do indivíduo. “[...] você começa a ver que nós
somos, em grande parte, o que os outros nos dizem, ou
acham que somos. E na medida em que nós vamos
incorporando e aceitando o que os outros pensam e acham
a nosso respeito, nós vamos formando nossa identidade”(p.
18).

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Compreendemos que o termo está impregnado de
complexidade e amplitude. Sua definição etimológica:
estudo das ideias. Designa um conjunto de ideias, valores e
maneiras de pensar. Entretanto, o conceito é muito mais
amplo, definido a partir da força e do poder intrínseco ao
seu significado. Definimos o conceito de ideologia pela
linha de alguns autores que discorreram sobre o assunto,
para conseguirmos relacionar com as relações de
dominação.
Segundo Chaui (2001), a ideologia se estabelece nas
relações sociais, principalmente, nas relações de poder de
um grupo sobre outro. A autora (2001) observa que a
ideologia oculta a realidade, assumindo uma forma “de
assegurar e manter a exploração econômica, a
desigualdade social e a dominação política.” (p. 7). É visto
que a exploração mantém o capital. Não há como acumular
e, muito menos, reproduzir capital sem que haja a
exploração do trabalhado. Para a autora (2001), as
sociedades que exploram e dominam outras, conseguem
criar representações e explicações para o mundo de forma
que legitimam e asseguram seu poder econômico, político
e social. Por isso

[...] essas idéias (sic) ou representações tenderão a


esconder dos homens o modo real como suas relações
sociais foram produzidas e a origem das formas sociais de
exploração econômica e de dominação política. Esse
ocultamento da realidade social chama-se ideologia. Por
seu intermédio, os dominantes legitimam as condições
sociais de exploração e de dominação, fazendo com que
pareçam verdadeiras e justas. (p. 23-24).

Do mesmo modo que a ideologia se mantém, ela


também se faz vulnerável de acordo com as ações do
homem, podendo reproduzí-la ou transformá-la. Segundo
Chaui (2001), as transformações podem se dar de maneira
radical “quando fazem uma revolução”, ou de maneira
parcial “quando fazem reformas”(p. 24). Assim, “uma
ideologia não possui um poder absoluto que não possa ser
quebrado e destruído. Quando uma classe social
compreende sua própria realidade, pode organizar-se para
quebrar uma ideologia e transformar a sociedade”(p. 24).
A ideologia da exploração da classe se sustenta,
pois há uma alienação do trabalho. Segundo Chaui (2001),
o alienado – o produtor – não se reconhece no produto de
seu trabalho pois as finalidades desse trabalho, valores
reais, não dependem do trabalhador, mas, sim do
proprietário dos bens de produção. “[...] o fato de que o
produtor não se reconheça no seu próprio produto, não o
veja como resultado de seu trabalho, faz com que o
produto surja como um poder separado do produtor e como
um poder que o domina e ameaça”(p. 54).

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Marx (1867) em sua obra clássica, O Capital,
explica a alienação materialista no modo de produção
capitalista. A mercadoria é o trabalho humano concentrado
que não é pago, tornando assim, uma realidade social em
que Marx vai definir como “fetichismo da mercadoria”.
Tanto o trabalhador quanto a sociedade capitalista não se
dão conta de que a mercadoria, sendo um produto do
trabalho, está imbuída de relações sociais predeterminadas.
Chaui (2001) compreende que a mercadoria é percebida
como “coisa dotada de valor de uso (utilidade) e valor de
troca (preço)”(p. 54). Dessa forma, ela é vista e
“consumida como uma simples coisa.” (p. 54). É como se
não dependesse de qualquer relação, vale por si mesma e
em si mesma, sendo apenas um bem que é comprado e é
consumido como algo banal. Chaui (2001) ironiza essa
relação banal e diz que basta entrar em um supermercado
para compreender o espetáculo “de pessoas tirando de
prateleiras mercadorias como se estivessem apanhando
frutas numa árvore, para entendermos como a mercadoria
desapareceu enquanto trabalho concentrado e não-
pago.”(p. 54).
A autora (2001) explica que o fetichismo se divide
em dois momentos: “a mercadoria é um fetiche (no sentido
religioso da palavra), uma coisa que existe em si por si”(p.
55); e no segundo momento, “assim como o fetiche
religioso (deuses, objetos, símbolos, gestos) tem poder
sobre seus crentes ou adoradores, domina-os como uma
força estranha, assim também age a mercadoria”(CHAUI,
2001, p. 55).
Para Chaui (2001) a aparência social é a própria
realidade social, isto é, “no modo de produção capitalista
os homens realmente são transformados em coisas e as
coisas são realmente transformadas em ‘gente’”(p. 56).
[...] o trabalhador passa a ser uma coisa denominada força
do trabalho, que recebe uma outra coisa chamada salário.
O produto trabalho passa a ser uma coisa chamada
mercadoria, que possui uma outra coisa, isto é, um preço.
O proprietário das condições de trabalho e dos produtos
do trabalho passa a ser uma coisa chamada capital, que
possui uma outra coisa, a capacidade de ter lucros.
Desaparecem os seres humanos, ou melhor, eles existem
sob a forma de coisas [...] em contrapartida, as coisas
produzidas e as relações entre elas (produção, distribuição,
circulação, consumo) humanizam-se e passam a ter
relações sociais. (CHAUI, 2001, p. 56).

Althusser (1996) analisa como se assegura a


reprodução da força de trabalho, em que mantém o
trabalhador na lógica da exploração sem que tenha
consciência, ou seja, a alienação. Segundo ele (1996), a
força de trabalho nos meios materiais que mantém sua

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|741


reprodução se dá por meio dos salários. “Os salários
aparecem na contabilidade de cada empresa, mas como
‘capital aplicado em mão de obra’, e não como uma
condição da reprodução material da força de trabalho”(p.
107). Althusser (1996) compreende que é justamente assim
que ele funciona, pois os salários representam somente
uma porcentagem do valor produzido a partir da força de
trabalho, no entanto, se torna indispensável para o
trabalhador assalariado.
[...] os meios para pagar a moradia, a alimentação e o
vestuário, em suma, para permitir que o assalariado torne
a se apresentar no portão da fábrica no dia seguinte – e em
todos os outros dias que deus lhe conceder [...]
indispensável para criar e educar os filhos em quem o
proletário se reproduz [...] como força de trabalho. (p.
107).

Além de manter a reprodução da força de trabalho,


Althusser (1996) salienta que a lógica capitalista exige
qualificação dessa mão de obra. E onde se aprende essa
qualificação que assegura a ordem do sistema capitalista?
Na escola, que é um dos aparelhos ideológicos de Estado,
que o indivíduo vai aprender a ler, escrever e contar,
técnicas que serão úteis nos diferentes cargos da produção:
desde conhecimentos para os trabalhadores manuais, para
os técnicos, até chegar nos engenheiros e administradores.
“É assim que se aprende o savoir-faire”(p. 108. Grifo do
autor).
Além das técnicas e conhecimentos que mantêm a
máquina capitalista, a escola também ensina as “‘normas’
do bom comportamento” (ALTHUSSER, 1996, p. 108),
regras e atitudes a serem seguidas “por cada agente na
divisão do trabalho, conforme o emprego para o qual ele
esteja ‘destinado’”(p. 108). Regras que legitimam a ordem,
a moral, o respeito e a consciência cívica e profissional –
que nada mais são do que o respeito à hierarquia da divisão
técnica e social do trabalho – e por último, o respeito pela
ordem da dominação de classe. O autor (1996) analisa que
a eficiência do aparelho ideológico permite que a
engrenagem do sistema capitalista nunca falhe
[...] a reprodução da força de trabalho requer não apenas
uma reprodução de sua qualificação, mas também, ao
mesmo tempo, uma reprodução de sua submissão às
regras da ordem estabelecida, isto é, uma reprodução de
sua submissão à ideologia vigente, para os trabalhadores,
e uma reprodução da capacidade de manipular
corretamente a ideologia dominante, para os agentes da
exploração e da repressão, a fim de que também eles
assegurem “com palavras” a dominação da classe
dominante. [...] a escola (além de outras instituições do

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Estado, como a Igreja, ou outros aparelhos, como o
Exército) ensina a “habilidade”, mas sob formas que
assegurem a sujeição à ideologia dominante ou o domínio
de sua “prática”. Todos os agentes da produção, da
exploração e da repressão, para não falar dos
“profissionais da ideologia” (Marx), devem, de um modo
ou de outro, estar “impregnados” dessa ideologia, a fim de
cumprir “conscienciosamente” suas tarefas – as tarefas
dos explorados (os proletários), dos exploradores (os
capitalistas), dos auxiliares da exploração (os
administradores) ou dos sacerdotes da ideologia
dominante (seus “funcionários”) etc. (ALTHUSSER,
1996, p.108, grifo do autor).

Althusser (1996) complementa afirmando que é


“nas formas e sob as formas da sujeição ideológica que se
assegura a reprodução da qualificação da força de
trabalho”(p. 109).
Chaui (2001) salienta que a alienação acaba por se
tornar o processo no qual as atividades humanas se tornam
independentes e autônomas dos seres humanos, elas
coexistem, e tornam-se controle da própria vida dos
indivíduos. Dessa forma, a autora (2001) questiona

[...] por que os homens conservam essa realidade? Como


se explica que não percebam a reificação? Como entender
que o trabalhador não se revolte contra uma situação na
qual não só lhe foi roubada a condição humana, mas ainda
é explorado naquilo que faz, pois seu trabalho não-pago (a
mais-valia) é o que mantém a existência do capital e do
capitalista? Como explicar que essa realidade nos apareça
como natural, normal, racional, aceitável? De onde vem o
obscurecimento da existência das contradições e dos
antagonismos sociais? De onde vem a não percepção da
existência das classes sociais, uma das quais vive da
exploração e dominação das outras? A resposta a essas
questões nos conduz diretamente ao fenômeno da
ideologia. (p. 57).

Hora de aplicar tudo isso em sala de aula


Até aqui já podemos compreender as linguagens e
funções que o cinema carrega em si. Mas como trazer todo
esse conhecimento pra dentro da sala de aula?
Pesquisadores como Ferro, Barros, Napolitano dão pistas.
Ferro (2010) é contra recortes de filmes. Para ele o filme
deve ser exibido por completo para não perder o sentido.
Napolitano (2003) e Barros (2012) não compartilham da
mesma ideia e sugerem como solução os filmes em

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|743


recortes.
Ferro (2010) faz apontamentos importantes sobre
como usar o filme diferenciando o roteiro do conteúdo.
Assim, é possível olhar um filme histórico e compreender
a sociedade contemporânea e não a sociedade retratada
pelo filme, como Barros (2012) evidencia.
Para exibir um filme dentro da sala de aula é
necessário um propósito. É importante que o professor
domine o conteúdo do filme para poder fazer as relações
necessárias; consultar se o filme escolhido já foi assistido
por muitos alunos; dar explicações iniciais sobre a
produção do filme e qual a relação com o conteúdo
didático.
O filme que sugerimos para utilizar dentro da sala
de aula é Os Deus devem estar loucos, produção sul-
africana de 1980. Foi escrito e dirigido por Jamie Uys. É
uma película do gênero comédia, que tem como cenário o
deserto do Kalahari, junto à África do Sul, onde vive a
tribo dos bosquímanos.
A exibição deste filme busca refletir sobre a
expansão do Capitalismo e sua interrelação com
sociedades tribais isoladas. Por se tratar de um filme dos
1980 é possível traçar relações com o período da Guerra
Fria, analisando a sociedade capitalista, com suas
características consumistas em contra-ponto à simplicidade
do comunismo primitivo presentes nas sociedades dos
povos do Kalahari. É possível também criar um paralelo
analítico com a sociedade atual, que vive na dominação do
consumo: as relações mantidas pela ideologia.
Não é um “filme histórico” ou com “enredo
histórico” sobre a guerra, mas pode ser utilizado para
simbolizar a ideologia da Guerra Fria, a divisão do mundo
entre sociedades consumistas e coletivistas. Por se tratar de
um filme que traz uma crítica ao Capitalismo, nos 14
minutos iniciais - quando uma garrafa de Coca-Cola,
importante símbolo do consumismo ocidental, chega dos
céus trazendo a discórdia para a pacífica comunidade tribal
- sugerimos a exibição do filme em recortes,
1’15’’- Atraentes, peculiares, pequenos e graciosos: Os
bosquímanos153! Onde qualquer ser humano morreria de
sede em poucos dias, eles vivem felizes neste deserto, que
não parece deserto.
2’41 – Deve ser o povo mais feliz do mundo. /Eles não
têm crime, punição, nem violência. Não têm leis, nem
polícia, nem juíz e nem chefes. // Acham que os deuses só
põem coisas úteis na terra para eles usarem. // Nesse
mundo deles não há nada ruim e nem maldade.

153
Boximanes, ou Bosquímanos, é a designação atribuída pelos holandeses aos membros da cultura Koisan ou San da África
Meridional, significando originariamente "homens do mato" ou bosjesmannen (Cf. CAMPBELL, B. - Ecologia Humana, Lisboa: Ed.
70, 1983, pp.160 e ss).

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4’03’’- É um povo muito meigo. / Não castigam nem
falam asperamente com uma criança./ Assim,
naturalmente elas se comportam bem.// E seus jogos são
inteligentes e inventivos.//
4’56’’- A característica que torna um bosquímano
diferente das outras raças é o fato de não terem o senso de
posse.// Onde vivem não há nada que se possa possuir.//
5’20’’- Vivem em um mundo amado onde nada é duro
como rocha ou concreto.//

Em vários momentos o filme traz uma reflexes


críticas ao mundo dos bens materiais. O filme possibilita
trabalhar além do conteúdo da Guerra Fria, as ideologias
dominantes, quando mostra a sociedade do povo de
Kalahari em relação a sociedade urbana, também abordada
no filme. Quando se refere aos homens da cidade, define
eles como “civilizados”. Aqui vale lembrar a observação
de Chaui quando analisa a alienação dos povos, pois “De
onde vem o obscurecimento da existência das contradições
e dos antagonismos sociais? De onde vem a não percepção
da existência das classes sociais, uma das quais vive da
exploração e dominação das outras? A resposta a essas
questões nos conduz diretamente ao fenômeno da
ideologia.” (p. 57).

5’59’’- o homem civilizado recusou-se a se adaptar a seu


meio./ Adaptou seu meio para serví-lo.// Assim ele
construiu cidades, estradas, veículos, máquinas e redes
elétricas para realizar seus projetos racionais. // Mas// não
soube quando parar.// Quanto mais melhorava o meio para
facilitar a vida, mais a complicava. // e agora, seus filhos
ficam de 10 a 15 anos na escola para aprender a
sobreviver nesse perigoso habitat onde nasceram. // o
homem civilizado que se negou a se adaptar ao meio
natural, tem agora que se adaptar e readaptar a cada
instante ao meio criado por ele. //

O trecho acima também pode ser uma análise da


sociedade pós-industrial: Sociedade do Consumo. É
possível propor uma discussão na sala de aula sobre as
duas sociedadesrepresentadas no filme. O trecho mais
simbólico para elaboração da proposta pedagógica está
logo no iníciodo filme, quando uma garrafa de Coca-Cola
é atirada de um avião pelo piloto enquanto sobrevoa o
deserto Kalahari.
8’44’’- um dia caiu uma coisa do céu.// Xee (nome do
personagem) nunca tinha visto nada igual antes.//
perguntava-se: por que os deuses teriam mandado isso à
Terra?// Era a coisa mais estranha e bonita que já tinham
visto. E queriam saber por que os deuses a mandaram?//

 9’45’’- primeiro Xee tentou usá-la para trabalhar o
couro.// tinha o tamanho certo e o peso exato.// era

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|745


também lisinha e ideal para trabalhar pele de cobra.// e
Xaboo (nome do personagem) descobriu que servia para
fazer música.// e cada dia descobriam um novo uso para
ela. // era lisinha e dura e eles nunca tinham visto nada
assim. // Era o mais lindo presente que os deuses já
haviam dado/ um utencílio realmente prático.// Mas os
deuses foram relápsos./ Só tinham mandado uma.// e pela
primeira vez em suas vidas algo não podia ser dividido.//
pois só havia uma.// De repente todos precisavam dela o
tempo todo.// algo que nunca tinham tido tornara-se algo
indispensável.// emoções nada comuns começaram a
surgir.// um sentimento egoísta de não querer dividir.// e
outras coisas surgiram: raiva, ciúmes, ódio e violência.//
12’23’’- Naquela noite não houve risos e conversas ao
redor da fogueira.//
 12’40’’- Xee falou: enterrei a coisa.
Não nos deixará mais tristes! 14’20’’- Começaram a falar
da tal coisa que tinha aparecido.// Nao tinham nome para
ela, então começaram a chamar de coisa maligna.

O símbolo universal da moderna civilização de


consumo, a Coca-Cola, é retratado no filme de uma forma
a causar sensibilidade ao telescpectador. Lembrando que a
Coca-Cola foi um ícone marcante durante a Guerra Fria,
especialmente no período da queda da Cortina de Ferro,
quando as sociedades ocidentais, lideradas pelos EUA,
levaram o produto para dentro do antigo território
soviético como ferramenta de propaganda do capitalismo.
Após os 14 minutos iniciais do filme, Xee segue sua
jornada para jogar a “coisa maligna” no fim da Terra, o
que ocorre ao longo dos 90 minutos. Sugerimos usar
apenas os 14 minutos inciais, os quais enfatizam o choque
entre sociedades e seus diferentes estilos de vida, as
relações de dominação de um sistema de consumo sobre
um sistema que prioriza as relações coletivas.
A estratégia para o uso deste filme é criar uma roda
de discussão sobre as sociedades, as ideologias presentes
correlacionando com o conteúdo sobre História da Guerra
Fria.

Considerações Finais
O cinema consegue, por meio da subjetividade, se
aproximar do público, seja pela estética, pelo enredo ou
pela ideologia A partir da abordagem que o filme traz é
possível pensar a sociedade de um modo diferente.
O que o cinema faz é traduzir com clareza as
informações e aproximar o público delas. É certo que
filmes históricos, como Barros (2012) afirmou, apelam
para o romance e por histórias que fogem da História. No
entanto, se pensarmos no filme como uma representação
da sociedade atual e não da sociedade retratada no filme, a

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|746


obra pode ser utilizada como fonte histórica para análise da
História Contemporânea, tornando-se desta forma,
documento histórico.
Trabalhar a questão das ideologias dentro da sala de
aula; correlacionar os contra-pontos entre as diferentes
sociedades; levantar questionamentos sobre a sociedade do
consumo, tudo isso através da acessível linguagem
cinematográfica, faz com que o conhecimento se aproxime
cada vez mais do estudante e que esse possa enxergar o
mundo com criticidade e que saiba distinguir e
compreender as informações, as relações de poder, as
ideologias presentes na sociedade Capitalista. O Cinema,
como ferramenta de apoio, leva o aluno a mergulhar no
universo do conhecimento de maneira mais clara. Para que
o estudante consiga humanizar a realidade ele precisa
compreendê-la em sua totalidade, todos os pontos de vista
e enxergar a dominação empregada pela ideologia. É isso
que o Ensino História faz, é isso que o Cinema faz.

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Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|747


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Cinema-história: teoria e representações sociais no
cinema. 3 ed. Rio de Janeiro: Apicuri, 2012. p. 19-53.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|748


Música negra como resistência:
África, Brasil e Estados Unidos
PorBruno Ribeiro Oliveira154,Davi dos Santos155 e Gabriel Truccolo de Lima156

Resumo Abstract
Esse artigo detalha o trabalho realizado This articles details the work done
no âmbito do Programa Institucional de Bolsas within the sphere of the ProgramaInstitucional
de Iniciação à Docência – PIBID – sobre de Bolsas de Iniciação a Docência – PIBID –
música negra africana, afro-brasileira e afro- about the black African music, afro-Brazilian
americana em contextos histórico-sociais de music and afro-American music in a socio-
desigualdade, injustiça e resistência em historical contexts of inequality, injustice and
diferentes períodos do século XX. resistance in different periods of the twentieth
Independências na África colonizada, governo century. Independences in colonized
getulista no Brasil pós 1930 e segregação nos Africa, getulista government in Brazil after
Estados Unidos entre 1940 e 1970, 1930 and segregation in the United States
respectivamente. A música serve como between 1940 and 1970, respectively. The
instrumento de aprendizagem da história. A music serves as an instrument of learning
política, a sociedade, a cultura, os personagens, history. The politics, the society, the culture, the
estes, são todos apresentados e estudados junto characters, these, are all exhibited and studied
das composições e dos ritmos que embalaram with the compositions and rhythms that made
uma história de resistência e luta nos mais history in contexts of resistance and struggle in
diversos cantos. O presente artigo não é apenas many areas. The present article is not only a
um estudo histórico da resistência negra através study about the black resistance in music, but
da música, mas também um relato de also an report of classroom experience with
experiência em sala de aula com estudantes do students of high school.
ensino médio.
Keywords: music;afro-American music; afro-Brazilian music;
Palavras-chave: Música; Música afro-americana; Música
African Music
afro-brasileira; Música africana

154
Estudante de graduação em História na UFRGS. E-mail: bruno.grinder@gmail.com
155
Estudante de graduação em História na UFRGS. E-mail: davi191631@gmail.com
156
Estudante de graduação em História na UFRGS. E-mail: gabrieltdelima@gmail.com

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|749


Introdução
O uso da música no ensino de história pode ser
pouco usual. Mas ela fornece uma metodologia diferente
que é pouco recorrente nos livros didáticos. A música, com
suas composições (deixemos as partituras e notas musicais
aos especialistas), servem como um documento. Através
de seu uso é possível chegar ao estudo da história por um
enfoque diferenciado. Ela abre uma porta ao estudo da
cultura, da política, da sociedade e de personagens, junto
às mobilizações sociais e formações culturais que marcam
os diferentes períodos da história onde há embates e
divergências entre distintos setores, interesses, classes e
ideias.
O tema foi delimitado sobre a questão da resistência
negra através da música em três distintos casos: o processo
de descolonização na África subsaariana por movimentos
negros de libertação nacional no período da década de
1960; a música negra – o samba – dos afro-brasileiros no
período da ideologia do trabalhismo de Getúlio Vargas nas
décadas de 1930 e 1940; e, o folk, o blues e rock androll
nas lutas por direitos civis e igualdade nos Estados Unidos
marcado pela segregação e violência embasada em
pensamentos raciais. Buscou-se, deste modo, estudar o
protagonismo do negro em diversos casos na história.
Os seres humanos não vivem sem esperança, mas
também não vivem sem arte. E, entre uma das práticas
artísticas mais difundidas, está a música. E é por meio dela
que buscamos estudar o protagonismo negro na história.
Seja a música usada como instrumento de coesão e
conscientização entre guerrilheiros e seu povo; a música
que caçoa do governo e suas medidas; ou a música que
enfrenta o racismo e a segregação. Mais do que compor e
cantar suas realidades, esses grupos de homens e mulheres
deflagram uma verdade que destoa do poder que os rege.
Enquanto existe a “[...] pretensão dos grupos dominantes
de monopolizar a articulação e a enunciação daquilo que
deveria ser considerado ortodoxo, [...] (Mbembe, 2013,
p.52)”, também coexistem agentes sociais que oferecem
aos seus ouvintes a proclamação de outra visão de
realidade, criando consenso e alimentando a esperança.
Enquanto o Estado, o poder hegemônico, ou
qualquer instituição, formada por uma minoria, que detém
o controle sobre a maioria, nomeia as realidades e dá
forma as representações, os “[...] critérios de percepção do
mundo, dos princípios de construção da realidade social
[...] (Mbembe, 2013, p.28)” tornam-se campo de disputa,
para além das disputas materiais. As pessoas que criaram
as músicas selecionadas pertencem a extratos de artistas,

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|750


soldados, militantes e operários, que oferecem uma
percepção do mundo que enfrenta as opressões,
humilhações e derrotas impostas pelos responsáveis de
suas situações.
Para realizar a atividade em sala de aula, a estrutura
proposta fixou-se em duas etapas bem definidas para cada
um dos três temas: 1ª) a exposição destes temas em sala de
aula; e 2ª) o debate e a percepção das bases de
conhecimento que os alunos possuíam sobre estas
realidades e vivências. As aulas ocorreram na seguinte
ordem: música africana contra o colonialismo, samba
contra o trabalhismo e, por último, música contra o
racismo.
Para o encaminhamento dos debates, cada momento
proposto teria uma reflexão inicial sobre o contexto
trabalhado: descolonização africana, trabalhismo getulista
e direitos civis estadunidenses. Assim, o norteador das
discussões, a música, apresenta elementos para fortalecer e
embasar os alunos sobre os debates propostos. O objetivo
primordial desta oficina é compreender os momentos de
discussão e reflexão como pilares para compreender a
descolonização africana, fora do viés econômico
apresentado nos livros didáticos; assim como o período
Vargas (1930-1945) e os efeitos de sua política trabalhista
no contexto dos cidadãos pobres; e, finalmente como o
movimento em busca dos Direitos Civis nos Estados
Unidos se alicerçava nas canções e composições da época.

Música Africana contra o colonialismo


Por quase um século o continente africano esteve
sob domínio estrangeiro. Divididos e conquistados por
Inglaterra, França, Itália, Alemanha, Portugal e Bélgica.
Indubitavelmente, a história de África é também a história
do colonialismo, da Europa e, para o bem ou para o mal do
uso deste passado, ele é parte constitutiva da África atual.
Porém, parte importante desta trajetória, é o período
compreendido entre 1956 e 1975, que conhecemos como a
época de descolonização ou de independência dos atuais
estados africanos.
O continente é conhecido por seu desconhecimento
em grande medida nas salas de aula. Geografia, política,
história, religião, sociedade, tão diversos, são ainda pouco
conhecidos. Adjetivos de fracasso, derrota e humilhação
persistem sobre sua história e realidade. Deste modo
também atingem seus habitantes autóctones. O período
escolhido – das independências – fornece alento a dois
propósitos: conhecer alguns países do continente em maior
profundidade e conhecer o protagonismo de seus
habitantes no período colonial e na sua destruição. Tudo

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|751


isso, é claro, enquanto estudamos e ouvimos música.
Dado que não é possível conseguir entrar em cada
processo de independência e cada movimento, não só pelo
tempo de cada período, mas também pela distribuição do
número de períodos da disciplina, foi necessário escolher
alguns países junto de seus movimentos e artistas.
Algumas vezes, quando necessário, cruzando fronteiras,
outrora, mantendo-se nas devidas regiões. Os selecionados
foram: Guiné-Bissau e Nigéria. O primeiro é um exemplo
de independência através de luta revolucionária. O
segundo, um exemplo de independência por uma via
conservadora e negociada. Os artistas selecionados, assim
foram devido as suas relevâncias em seus respectivos
países e/ou fora deles. São eles: José Schwarz e Super
Mama Djombo para o caso de Guiné-Bissau; FelaKuti para
o caso nigeriano. Outros casos africanos de independência
foram abordados a título de comparação e conhecimento,
além de deixar clara a extensão do processo.
Inicialmente foi exposta aos alunos a questão “o que
é uma colônia?” numa aula expositiva com recursos
audiovisuais. Colônia é quando uma minoria não nativa
com interesses econômicos rege uma maioria desprovida
de poder (Balandier, 2011, p.237). É uma sociedade que
produz desigualdade e segregação. Como no caso da
Nigéria, onde os habitantes nativos não possuíam os
mesmos direitos que os britânicos e nem podiam ocupar os
mesmos cargos. Da colônia, passamos ao processo da
busca por colônias. O assunto do colonialismo foi
explorado segundo a dialética entre colonizado e
colonizador. O que quer o colonizador? Explorar os
recursos naturais e a mão de obra pelo preço mais baixo.
Manter a região colonizada como produtora de matérias-
primas e importadora de produtos manufaturados da
metrópole (Albert Memmi, 1965, p.6-7). É uma relação
desigual entre o colonizador e o colonizado que caracteriza
as relações políticas, econômicas e sociais. Logo, nesse
relacionamento, os nativos de África saem perdendo.
O que causou o colonialismo? Isso, esse ato de fazer
questionamentos, foi recorrente por toda a exposição do
assunto. Expropriação de terras, exploração dos
trabalhadores, introdução de monoculturas, taxação
injusta, transferência de recursos, falta de industrialização
e genocídios. É importante também questionar: qual o
motivo dos europeus adotarem uma postura agressiva e
colonialista? As motivações são políticas (disputa,
prestígio, influência, estratégia), sociais (etnocentrismo,
missões civilizadoras e evangelizadoras) e econômicas
(recursos, mercado). Para esse momento – apresentação do
colonialismo em África -, o uso de imagens é bastante
importante para se criar noção da extensão do tema. Mapas
são úteis para ilustrar as possessões europeias no
continente africano e fotos acusam a violência desses

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|752


países. E foi justamente isso que foi utilizado. Um mapa da
África com diversos curtos exemplos da violência colonial.
Alguns temas que marcaram a aula foram: o genocídio dos
belgas do Congo; os campos de concentração britânicos no
Quênia; o extermínio dos povos Nama e Herero na
Namíbia Alemã; e os atos criminosos das forças armadas
portuguesas nas áreas africanas lusófonas.
Esse primeiro momento, de apresentação do tema,
busca deixar claro a situação de penúria e ruína a que os
autóctones foram levados. E trata de mostrar que: “Um
país que vive, que tira a sua substância, da exploração de
povos diferentes inferioriza estes povos” (Fanon, 2008,
p.282). O fim do primeiro momento tratou do caminho à
emancipação.
A Segunda Grande guerra é o momento em que:
“Vemos [...] laextension a lospueblos ‘civilizados’ de
Europa de losmetodos anteriormente reservados a los
‘salvajes’” (Mbembe, p.36, 2006). Foi durante a guerra
que os europeus sofreram as mesmas violências que os
africanos haviam sofrido. Foi na guerra que os africanos
lutaram numa guerra de homens brancos e foi durante ela
que eles começaram a se organizar em grande número
contra a dominação colonial. Movimentos de libertação
como em Guiné-Bissau que reuniam pessoas como José
Schwarz (1949-1977) e, no seio deste movimento, surgiu a
banda Super Mama Djombo. Entramos no segundo
momento.
Trabalhamos com as breves biografias de José
Schwarz e da Banda Super Mama Djombo. O primeiro, um
músico e militante que tomou parte em ações militares
contra os portugueses. Os segundos, guerrilheiros, mas
também músicos que juntavam seus instrumentos para
alegrar os companheiros de luta e cantar as glórias e
tristezas da luta anticolonial. Tanto para Schwarz quando
para Mama Djombo, foram apresentadas suas composições
e músicas para serem ouvidas. A título de exemplo, a letra
da canção “Do que chora a criança”, de José Schwarz:
“Do que chora a criança?
é dor no seu corpo
Do que chora a criança?
é sangue que cansou de ver
Um pássaro grande chegou
Com ovos de fogo
O pássaro grande veio
Com os ovos da morte”

Letras como essa, mostradas aos alunos, servem de


fermento ao diálogo professor/estudante. Na composição
pode-se trabalhar o tema da violência do colonizador, da
dor e da tristeza dos colonizados expressos em canção.
Em outras letras é possível deixar demonstrar o desejo de

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|753


libertação, de resistir e expulsar os colonizadores e da
esperança em se construir uma país e uma vida melhor. É o
caso de “Canta camarada”, também de Schwarz:

“Canta camarada
Deixa que o teu sonho verdade
Flua límpido nos anseios da tua voz quente
Pois este é o teu dever, o teu direito
Canta camarada
Que a recordação da tua dor
Seja como a terra revolvida
Em cada época, para a sementeira”

Além de apresentaram os anseios dos homens e


mulheres que foram agentes na independência de seus
países as músicas causavam um bom estranhamento. Os
alunos podiam ouvir e interagir com ritmos musicais aos
quais não estão acostumados e com uma língua diferente.
As músicas da banda Super Mama Djombo e de José
Schwarz são cantadas em criolo, uma língua que é uma
derivação de dialetos africanos e do próprio português.
O caso de Guiné-Bissau é um onde os autóctones
adquiriram sua independência por meio de armas. Foi uma
libertação de cunho mais popular, violenta e difícil.
Outros casos, como da Nigéria, a independência
veio de forma conservadora e negociada. Mesmo que
celebradas, nem todas as libertações conseguiram alcançar
suas metas de desenvolvimento, liberdade política e
emancipação econômica. A Nigéria adquiriu sua
independência em 1960, mas não entrou numa via
democrática, muito pelo contrário, grande parte da
população ficou alijada do poder devido a um forte
autoritarismo. Foi nessa sociedade que nasceu FelaKuti
(1938-1997). Músico, compositor, ativista dos direitos
humanos e de direitos políticos, Kuti era filho de uma
ativista anticolonial e de um professor. Fela seguiu a
carreira de músico e tornou-se um expoente da afrobeat
(estilo musical que mistura jazz, funk e músicas africanas).
Suas letras questionam a supremacia dos homens brancos
na relação com África e a ideia de civilização dos
europeus. Letras como de Gentleman (Cavalheiro), deixam
clara a posição de confronto com o modelo europeu:

“Eu não serei um cavalheiro


Eu vou ser um homem africano original”

Uma frase direta e repetida constantemente na


música, deixando claro, ao ouvinte e aos estudantes que ele
afirma, não será um homem ao molde europeu. Fela não só
questionava a condição de África frente à Europa, mas
também a própria política interna da Nigéria e, por
consequência, de outros países africanos. Em suas letras,

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|754


Kuti deixa transparecer seus ideais e de onde vinham suas
palavras para uma África liberta, consciente e autônoma.
Na música FearNot Man, ele canta:

“Irmãos e irmãs
O pai do pan-africanismo
Dr. KwameNkrumah
Diz a todo o povo negro
O segredo da vida é não ter medo
Nós temos todos que entender isso”

Fela cita KwameNkrumah e o pan-africanismo.


Aqui o professor deve abri um parêntese para deixar claro
a quem se refere e o que significa o termo dito.
KwameNkrumah (1909-1972), foi importante na liderança
política que levou a independência de Gana, além de ter
servido como Primeiro Ministro do país, até sua derrubada
em 1966. Pan-africanismo é a corrente que encoraja a
solidariedade entre todos os negros ao redor do mundo.
Esse é mais um dos momentos em que os alunos se
deparam com mundos e personagens que parecem tão
distantes da sua realidade. As músicas de FelaKuti
possuem outras composições que transgridem fronteiras
pela sua mensagem simples, direta e de contestação,
convidando ao pensamento e ao não conformismo. É o
caso de Zombie:

“Zumbi não anda, até que você o mande andar


Zumbi não para, até que você o mande parar
Zumbi não vira, até que você o mande virar
Zumbi não pensa, até que você o mande pensar”

Trabalhar países africanos, sua música e seus


personagens abre todo um mundo que é pouco conhecido
fora da esfera do continente negro. Aos estudantes, ver
esses países que até então eram nomes desconhecidos para
a maioria, conhecer um pouco de sua história, o
protagonismo de seus povos contra um senso ordinário de
África fracasso, ouvir a música e conhecer as composições
ofereceu uma saída ao cotidiano das aulas de história. Um
problema de se trabalhar tema tão distinto é a dificuldade
de se fazer um diálogo mais amplo, dado que todos os
dados apresentados são novos, por que são pouco usuais
no ensino de história da atualidade. Oferecer aos
estudantes uma possibilidade de vislumbrar um outro
mundo, outras possibilidades e oferecer mais além, uma
pequena abertura a pensar o diferente, com certeza
possibilita a formação de um ser não zumbi do qual
FelaKuti cantava. Até porque é dever das ciências
humanas fornecer uma análise sobre esses processos e suas
consequências (Falola, 2007).

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|755


O samba, a malandragem e o Estado Novo
O samba sempre apresentou características
particulares e envolventes. A maneira de falar sobre
amores impossíveis, o dia a dia nas comunidades pobres, a
negação ou mesmo o entusiasmo que o trabalho gera nas
pessoas. Com isso, o samba marca e registra formas de
viver e sociabilizar. Neste ponto, entra a possibilidade de
trabalhar com letras musicais como fontes para se pensar a
história do Brasil no século XX.
O samba, como já citado acima, traz elementos
culturais e organizacionais dentro das comunidades
brasileiras que, dificilmente, conseguiríamos traçar ou
mesmo estudar por fontes documentais mais clássicas
como jornais, processos oficiais do governo, etc.
Frente a isso, o trabalho com letras de música,
utilizadas como fonte, traz um acréscimo de qualidade para
se estudar e conhecer tanto a história do negro no país,
quanto aos processos de favelização das cidades brasileiras
durante os anos 1920-50.
A música possui caráter de resistência e luta, não
apenas quando se coloca para marcar posicionamento civil
ou mesmo para protestar contra alguma opressão, mas
mesmo quando seu objetivo inicial não é ter uma vertente
combativa, a música tem a condição de ao mesmo tempo
em que traduz ou registra fatos da vida, pode inspirar e ser
ressignificada para se pensar questões sociais. Ou seja, a
música, no nosso caso o samba, pode trazer características
que tratam das vivências diárias de um povo e, mesmo
assim, mostra sua luta contra sistemas opressivos, regimes
ditatoriais e leis racistas e sem preocupação social. Os
sambas de Wilson Batista e Geraldo Pereira apresentam
traços combativos ao furor do trabalhismo do Estado
Novo. O samba-exaltação a figura de Vargas é
questionado. A figura do malandro se sobrepõe e a
imagem do trabalho e do trabalhador, que são sempre
questionadas e inferiorizadas. A música de Wilson Batista
retrata o malandro: bom de briga, vagabundo, roupas
características e andar gingado. Este é o grande
personagem do samba carioca dos anos 1930-40. Traz
sempre sua condição de vida como marco para as
composições, ao mesmo tempo em que revela como ele
resiste aos processos diários de enquadramento social pela
polícia varguista. A música Lenço no Pescoço, gravada em
1933 por Sílvio Caldas pela RCA Victor, traz referências
ao malandro e sua negação ao trabalho, este que quase lhe
causa doença e que o compositor apresenta seu orgulho em
ser vadio:

Meu chapéu do lado

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|756


Tamanco arrastando
Lenço no pescoço
Navalha no bolso
Eu passo gingando
Provoco e desafio
Eu tenho orgulho
Em ser tão vadio
Sei que eles falam
Deste meu proceder
Eu vejo quem trabalha
Andar no miserê
Eu sou vadio
Porque tive inclinação
Eu me lembro, era criança
Tirava samba-canção
Comigo não
Eu quero ver quem tem razão

Este hino em homenagem ao malandro evidencia


sua falta de vocação para o trabalho, assim como marca
seu desafio em relação a quem possa querer enfrentá-lo.
Sabe-se que este samba foi escrito devido a sua briga com
Noel Rosa, que responde a mesma altura com Rapaz
Folgado. Noel Rosa, um dos sambistas mais aclamados
desta época, menospreza a visão de malandro que Batista
colocava em suas músicas. Mas suas letras também iam ao
encontro do malandro e da vida fácil. Em Malandro
Medroso, Noel explicita sua relação com a malandragem e
também com o medo que ela pode acarretar. Esta
perspectiva traz também como a sociedade via o malandro.
Sem emprego, devendo no jogo e com a polícia em seu
encalço. Tais pontos são sempre interessantes de serem
tratados em sala de aula, pois relata a sociabilidade de
personagens, muitas vezes, desconhecidos de uma
historiografia, ou mesmo dos livros didáticos, que
apresentam o período varguista apenas em seus laços
políticos federais e estaduais, assim como suas políticas
externas e internas. Mas esta visão mais conservadora da
historiografia e dos livros didáticos não pensa a maneira
como as relações sociais eram realizadas cotidianamente.
Assim sendo, não conseguimos entender as contradições
pessoais que existiam e, principalmente, não entendemos
como estas políticas atingiam as comunidades de periferia
no Brasil. O samba nos mostra referências diárias sobre
medos, angústias e alegrias da periferia. A criação artística
estimula a compreensão das condições sociais e a busca
para transformá-las, como afirma Braz
(...), entender a particularidade da criação artística, e o
samba como uma de suas formas, como uma modalidade
de práxis pela qual os homens buscam modificar as
relações sociais que se dão entre si próprios, objetivando-

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se em produtos específicos, característicos, característicos
da atividade artístico-cultural. E é isso o que caracteriza
essa modalidade de práxis: seu produto, diferentemente
daqueles que resultam da atividade produtiva realizada
pelo trabalho, é o que se volta para as relações sociais,
interferindo e influindo, conscientemente ou não, no
comportamento dos próprios homens. Numa palavra: os
produtos originados pela práxis cultural (e a atividade de
criação artística é uma de suas formas privilegiadas)
desencadeiam, sempre e simultaneamente, processos de
subjetivação e de objetivação historicamente
determinados. (BRAZ, 2013,p. 76-77).

Compreender como a música pode se tornar


referência diária de uma população marginalizada estava
como plano central dos debates e do entendimento das
composições musicais como fontes históricas. O ensino de
história abre grandes fronteiras para se pensar e analisar
populações fora do eixo de poder político. Assim, o
trabalho com fontes musicais nos possibilita conhecer as
áreas marginalizadas da sociedade e, até mesmo,
conhecermos as rotinas dos grupos citados nas
composições.
Outra possibilidade de trabalho, debatida com muita
intensidade nas aulas realizadas, é a análise de uma
sociedade machista que é representada no samba. As
mulheres, fontes de inspiração para muitos sambas, mas
que dificilmente conseguiam demarcar seu espaço dentro
do cenário musical eram tratadas como apêndices da vida
do malandro. Os traços machistas, característicos de
muitas letras, descaracterizam quase todas as formas de
individualidade da mulher. A famosa música Emília,
também de Wilson Batista, caracteriza uma mulher
idealizada e o autor não pensa a condição da mulher como
agente de sua vida. A canção, que traz o estereótipo de
uma mulher ideal, na visão do compositor, traz a
possibilidade de gênero para o debate escolar, ainda
visando compreender as organizações e objetivos de
grupos marginalizados.
Quero uma mulher que saiba lavar e cozinhar
Que de manhã cedo me acorde na hora de trabalhar
Só existe uma
E sem ela eu não vivo em paz
Emília, Emília, Emília
Não posso mais

Com isso, o debate sobre a mulher idealizada,


podemos iniciar uma reflexão sobre a atuação e a visão que
os homens, nos anos 1930-40, possuíam. Este ideal de
mulher entra em contraste com a realidade destas
comunidades. As mulheres são extremamente ativas em

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suas relações sociais, mesmo com a marginalização que a
sociedade as colocava, e ainda coloca. Wilson Batista, com
o decorrer dos anos, percebe a mulher como agente
histórico e social. A mulher, em suas músicas e nas de
outros diversos compositores, passa por importantes
processos de independização e atuação social direta. As
vozes femininas começam a ser cantadas, mas salientamos
aqui que a maior parte das composições ainda é feita por
homens.
Mesmo assim, é sempre importante ver a reação
feminina sobre a malandragem e colocando ultimatos aos
malandros e ao samba. O emprego, fonte essencial de
renda, é o amadurecimento do malandro. Não mais pode
ser aceito, dentro do trabalhismo que ganha forças durante
os anos do Estado Novo, uma pessoa que seja “vadia e
malandra”. A repressão começa a ganhar ainda mais
capacidade de organização e sistematização, assim, o
malandro começa a ser pressionado pelo governo Vargas,
com os órgãos policiais e seus enquadramentos na lei de
vadiagem, e também pelas mulheres, cansadas de
fornecerem o sustento dos malandros. Deste modo, as
composições que tratam a individualidade e mesmo a
atuação da mulher ganham espaço, como o samba Vai
Trabalhar, gravado por Araci de Souza.

Isso não me convém


E não fica bem
Eu no lesco-lesco
Na beira do tanque
Pra ganhar dinheiro
E você no samba
O dia inteiro, ai!
Você compreende
E faz que não entende
Que tudo depende
De boa vontade
Pra nossa vida endireitar
Você deve cooperar
É forte e pode ajudar
Procure emprego
Deixe o samba
E vai trabalhar

Estes sambas retratam uma mulher mais real,


diferente do samba Emília, citado acima, que idealiza e
formata uma mulher que serve aos interesses e caprichos
dos homens. Analisar as questões de gênero é ponto
primordial para se estudar história. Assim como a história
dos negros e indígenas, no Brasil a historiografia sempre
menosprezou a atuação feminina no construir do
conhecimento histórico. A discussão em sala de aula se
torna primordial para repensarmos a atuação feminina e,

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|759


ainda, desconstruir preconceitos desta ordem. A
participação das alunas e alunos é fundamental para que se
pense e repense o que o samba trata, e mesmo se ele
representa aspectos de uma parcela da sociedade brasileira.
Deste modo, o último momento de apresentação e
introdução sobre os sambas que retratam malandros e
como estes agiam e sociabilizavam durante o Estado Novo,
chega ao momento de discussão sobre a maior participação
da mulher, não mais idealizada e glorificada para os
desejos do marido, mas sim, agente de sua história e que
possui prazeres e desgostos. A música Vai Trabalhar
retrata esta mulher que não mais aguenta a exploração. Já o
samba Oh! Seu Oscar, novamente de Wilson Batista, traz
dois pontos que não havíamos visto, nesta luta contra as
diretrizes do trabalhismo, mesmo esta luta, muitas vezes,
sendo irracional. O ex-malandro que agora virou
trabalhador, e a mulher que sai em busca do seu prazer.

Cheguei cansado do trabalho


Logo a vizinha me falou:
- Oh! seu Oscar
Tá fazendo meia hora
Que sua mulher foi-se embora
E um bilhete deixou
O bilhete assim dizia:
"Não posso mais
Eu quero é viver na orgia"
Fiz tudo para ter seu bem-estar
Até no cais do porto eu fui parar
Martirizando o meu corpo noite e dia
Mas tudo em vão
Ela é, é da orgia
É... parei!

O debate, a partir desta introdução sobre sambas e a


atuação e representatividade que eles poderiam, ou mesmo
podem alcançar, fica mais explícito e diretivo. Entender a
situação socioeconômica brasileira ainda é ponto
fundamental para entendermos o que levou e o que foi a
ditadura Vargas de 1937-1945. Mas compreender como ela
afetou a população, que não era envolvida diretamente ao
meio político, também é primordial para refletirmos e
sobre os reflexos do trabalhismo na sociedade. Como as
relações de gênero, raciais ou mesmo sociais se colocavam
no Rio de Janeiro dos anos 1930-40 reflete um pouco
como a sociedade atual se organiza e se transforma. Ainda
hoje possuímos reflexos de pensamentos ou mesmo de
atuações que se encontravam difundidos naquela época.
A construção do conhecimento histórico se torna
mais atrativa e com maiores recursos quando pensamos a
realidade que foi dos avós e bisavós dos alunos. Assim, o
debate sobre a condição social do negro no Brasil, autuado

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|760


na época como vagabundo, sem cultura e desprovido de
individualidade, fornece elementos que o samba nos traduz
e desconstrói. Toda a sociabilidade e a maneira de viver
que as composições musicais embasam as discussões sobre
a condição negra no Brasil: suas relações sociais e
vivências (trabalho, ensino, etc.). E ainda nos possibilitam
a reflexão de gênero, que assim como a malandragem, nos
trouxeram a base e a inspiração para trabalharmos esses
pontos em sala de aula.

Música de protesto e resistência nos EUA


O Rock n' Roll permanece, até o presente momento,
como um dos gêneros musicais mais populares do mundo,
sendo especialmente apelativo para jovens. Manifesta-se
em uma série de subgêneros - pop rock, rock nacional,
heavy metal, punk rock, glam rock, apenas para nomear
alguns - e sua influência se estende para outros gêneros
musicais. Sua indiscutível popularidade e importância
cultural para o Século XX, entretanto, não representa o
conhecimento pleno por parte de seus admiradores sobre
as raízes deste gênero musical, estas, calcadas na música
negra nos Estados Unidos.
Falar sobre a "música negra" nos Estados Unidos da
América pode parecer um recorte demasiado amplo:
queremos, aqui, falar sobre o blues, os spirituals, a
influência destes para o rock n' roll, o surgimento do rap.
E a história e relevância destes gêneros musicais é
indissociável da experiência da população afro-americana.
Em outras palavras e mais especificamente: é impossível
estudarmos a história dos supracitados estilos musicais
sem a compreensão do escravismo, do segregacionismo
das Jim Crow Laws, e da resistência de alguns destes
indivíduos perante este cenário.
No dia 25 de novembro de 2014, Darren Wilson,
policial branco da cidade de Ferguson, nos EUA, foi
inocentado em julgamento preliminar da acusação de ter
assassinado Michael Brown, um jovem negro de 18 anos,
baleado por Darren Wilson à luz do dia em frente à sua
casa. Tal decisão acarretou em uma onda de protestos na
cidade de Ferguson. Um dia após esta decisão, foi aplicada
a atividade intitulada Musica Negra como Resistência nos
Estados Unidos da América no Colégio Júlio de Castilhos,
em Porto Alegre. A atividade consistiu em uma fala
expositiva, que durou cerca de duas horas e meia e teve
início com uma exposição relatando a morte de Michael
Brown e o então recente julgamento de Darren Wilson, tal
qual a subsequente onda de protestos em Ferguson.
Em seguida, discutiu-se a morte de EmmetTill em

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|761


28 de agosto de 1955, também nos Estados Unidos, o que
conectou uma breve explicação sobre as Jim Crow Laws.
Os alunos, então, foram indagados sobre formas de
resistência, enquanto comunidade, de tamanhas injustiças e
atrocidades cometidas sobre prerrogativas raciais. E então,
teve início um diálogo sobre música.
Começamos com uma canção que lançara Bob
Dylan ao sucesso: Blowin’ in the Wind, uma balada
pacifista que lança perguntas retóricas ao seu espectador e
que em momento algum fala, diretamente, sobre problemas
concretos que eram atravessados na época de sua
composição. Em seguida, ouvidos a balada
ManyThousandsGone, composta e cantada pelas tropas
negras durante a Guerra Civil:
Sem mais leilões para mim,
Sem mais, sem mais.
Sem mais leilões para mim,
Milhares já houveram.

Constatou-se, a partir da audição de ambas as canções,


que a música de Bob Dylan, composta em 1962, possui a
mesma melodia que aquela composta durante a Guerra
Civil.
Este exemplo –a melodia “reciclada” de Blowin’ in
the Wind – serve como um bom iniciante para uma
reflexão sobre a tradição da música de protesto e
resistência como um todo nos EUA e suas inúmeras
ressignificações ao longo do tempo, mas especialmente
indicativa da origem na musicalidade afro-americana.
Em 1960, Alan Lomax escreve a obra The
FolkSongsof North America, onde procura catalogar as
canções tradicionalistas norte-americanas de acordo com
região e tema, incluindo excertos de partituras e
comentários. O índice da obra é um excelente indicativo da
heterogeneidade deste universo: dividindo o gênero em
quatro grandes grupos regionais, mapeia 317 músicas em
28 temas distintos entre si. Todas estas músicas têm em
suas bases uma origem popular - frequentemente, músicas
folk de sucesso tem seu autor desconhecido, como, por
exemplo Rising Sun Blues, hoje em dia conhecida como
HouseoftheRising Sun, gravada em ritmo de rock. Estas
são, portanto, canções calcadas na tradição oral e cultural
de determinado agrupamento de pessoas ou de
determinada região, que atravessam o tempo sendo
adaptadas e readaptadas em melodia, letra e sotaque.
Na supracitada obra de Alan Lomax, o mesmo fala
da música negra como uma ferramenta de escape, um
subterfúgio de agressividade e de sexualidade autocontida,
forjada a partir dos impactos psicológicos da escravidão
sobre os escravizados. Mais comum, entretanto, é associar
o blues simplesmente à desolação do escravizado em meio

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|762


ao território desconhecido e as deploráveis e desumanas
condições a quais estava submetido. Segundo Muggiati:
Foi do casamento do grito escravo com a harmonia
europeia que nasceu o blues. (...) À medida que o escravo
se afundava na cultura local – representada, no plano
musical, pela tradição europeia – o grito ia se acelerando,
assumia novas formas. (MUGGIATI, 1981, p.)

Ao blues é tipicamente associada a melodia triste e


as letras desesperançadas – amores perdidos, a vida na
pobreza ou no vício, a morte, o demônio – em suma, as
dificuldades da vida, seja esta ou a próxima. SonHouse,
em 1967, quando é indagado sobre o que é o blues, diz:
O Blues se faz por si mesmo. Isso é o blues. Quando você
está solitário e preocupado, não sabe o que
fazer.(...)Vocêchora e chorasozinho. Lamenta sozinho.
Então você quer ficar calado em algum quarto, não quer
muita companhia – você não está bravo com outras
pessoas mas você quer trancar sua porta e ficar lá onde
você pode chorar bastante. Ouve alguém batendo em sua
porta – você não quer ouvi-los, não é que você está bravo
com eles; você só não quer companhia agora.

A relevância do blues para a compreensão da


música enquanto resistência negra é central, não apenas
como uma forma inicial de expressão, mas também pela
sua subsequente influência na musicalidade do Movimento
dos Direitos Civis. Não apenas constitui a vertente que
mais influenciou o rock, que estoura em protesto no fim da
década de 60, como também representa as primeiras
manifestações culturais do povo negro acerca de sua
situação injusta em uma sociedade em que as Jim
CrowsLaws garantiam e incentivavam a segregação. São
exemplos de uma tradição antiga de resistência, que
“frequentemente se expressava artisticamente e
intersubjetivamente, ao invés de externamente. A última,
obviamente, seria (...) violentamente reprimida”.
O blues, sem dúvida, criava a noção do
pertencimento a uma comunidade através da evocação de
imagens comuns a um determinado grupo. Segundo Ligia
Vieira Cesar, “o blues, trazido da África[sic], expressa
todo um contexto social, pois o africano não conhecia a
música como uma manifestação isolada de arte, visto que
sempre lhe conferiu uma função estritamente comunitária”.
Isso nos ajuda a compreender a relevância dos spirituals:
Logo não haverá mais problemas do mundo para mim
Problemas do mundo, problemas do mundo
Logo não haverá mais problemas do mundo para mim
Indo para casa para Deus.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|763


Mais do que uma simples forma de escapismo
religioso, os spirituals, com o passar do tempo, tornaram-
se verdadeiras canções de resistência. As Igrejas,
tradicionais espaços de convivência entre os negros norte-
americanos, geraram a noção de pertencimento à uma
comunidade que partilha dos problemas e injustiças de
uma sociedade racista e segregacionista, ao mesmo tempo
em que prega uma eventual e garantida melhora.
Thomas Barker diz que: “(...) através de relações
históricas, significado político pode existir na música de
forma potencial, despercebida, e este significado pode ser
aceso em um contexto de opressão política”. Talvez o
maior exemplo disso seja a canção I shallnotbemoved:
tradicional e negra, a canção proclama: “Eu não serei
movido/ eu não serei movido/ como uma árvore plantada
pela água/eu não serei movido”. Na canção original, a fé
em Deus confere ao fiel impassibilidade ante às
dificuldades terrenas. Na segunda metade de 1950, Pete
Seeger e outros folkmen de sindicato cantam uma versão
intitulada Weshallnotbemoved, desprovida de seu conteúdo
religioso e carregada em protesto e afirmação sindical. A
mudança mais óbvia é a no pronome do título – do singular
I para o plural We – e também é reveladora.
O caráter do protesto, entretanto, está mais presente
na tradição musical em si do que na palavra nós. Os
oprimidos operários reconheciam a luta dos oprimidos
negros e, ao partilhar da tradição musical, aproximavam as
duas lutas – também a partir de preceitos de que o
segregacionismo seria um produto nocivo da sociedade
capitalista.
Neste indicativo, é perceptível a gradual
transformação e ressignificação das músicas negras de
resistência para um sentido mais amplo. É a partir de Bob
Dylan – cantor branco de folk de protesto que denunciava o
racismo - que em meados dos anos 1960 o protesto se
torna popular, em termos de indústria cultural; E, com a
transição progressiva de Dylan do folk para o rock, ao
longo da década de 1960, são inúmeras as bandas deste
estilo que incluirão comentário político em suas canções.
O rock n’ roll sempre bebera do blues negro, muitas vezes
apropriando-se de músicas desta vertente e simplesmente
colocando-as na boca de astros brancos como Elvis
Presley. Entretanto, é com o sucesso comercial e crítico de
Bob Dylan que o rock deixa, lentamente, de ser uma
vertente musical alienada ao contexto político da época e
passa a ter um lugar de influência cada vez mais
importante.
Grupos musicais como o Buffalo Sprigfield, The
Doors, GratefulDead e The Jimi Hendrix Experience
propunham a quebra de paradigmas através da sua melodia
e comportamento, contestando a guerra e a sociedade

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|764


norte-americana como um todo – sempre buscando no
blues as inspirações melódicas de suas guitarras. Em pouco
tempo, os gêneros musicais misturam-se com igual
intensidade que as lutas: o blues, os spirituals, o folk, o
jazz e o rock, apoiados por uma indústria cultural visando
o lucro, combatem a segregação, o conservadorismo, a
Bomba e a Guerra do Vietnã. Cabe lembrar que, ainda
nestes anos 60, as lideranças negras de Luther King e
Malcom X frequentemente associam o conflito no Vietnã
com a violência racista institucionalizada que acontecia
nos Estados Unidos, mostrando ambos cenários como um
caso de limpeza étnica-racial.
Tendo visto as raízes da música negra de resistência
nos EUA, e tendo visto suas influências e amplitudes para
outros gêneros musicais e outras lutas, passamos nossa
atenção para o rap, ou rythmnandpoetry, que podemos
encontrar as raízes no talkin’ blues, variação do blues que
data aproximadamente da década de 30. O rap consiste em
uma fala rimada e ritmada, normalmente acompanhada de
uma batida (frequentemente eletrônica). Trata-se de um
gênero musical que ganha força no final da década de 1980
nas comunidades negras do norte dos Estados Unidos. O
rap, aqui, é visto apenas como uma forma de música negra
de resistência na contemporaneidade: seja com críticas
amplas (The Message, de Grandmaster Flash), diretas,
explícitas e violentas (Fuckthe Police, de N.W.A.), ou
simplesmente afirmativas (ChingChingChing, de 50 cent),
denunciam um contexto de opressões persistentes e
remanescentes. A mensagem destes artistas parece ser o
fato de o racismo nos Estados Unidos da América não se
encerrou com as Jim Crow Laws ou com a Guerra do
Vietnã. E esta parece ter sido, também, a mensagem
enviada por Ferguson no dia 26 de novembro de 2014.

Conclusão
Da África subsaariana, ao Brasil dos negros e
mestiços até a potência capitalista e segregacionista do
norte, foram reconstruídos, dentro das possibilidades, com
erros e acertos, em nosso trabalho, episódios pouco
comentados. Pouco recorrentes porque ainda buscam
espaço numa história predominantemente branca e, no
campo escolar, ainda dominado pela história política. Ao
recorrer a personagens e movimentos marginalizados, mas
não menos importantes, podemos trazer aos alunos a
experiência de reconhecer a história por outro viés. Talvez,
não mais ou menos crítica, porém diferente, dado que a
criticidade pode se efetuar por diversos ângulos. Oferecer
outro olhar aos alunos, fazê-los sentir o estranhamento e

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|765


levá-los a reconhecer o diferente. Por isso o tema do
protagonismo dos homens e mulheres negras da história
para a sala de aula. Dado que todos tem o direito de existir,
mas não a tempo para que se conheça a todos, é necessário
escolher. Mas, nessa escolha, que se faça uma que ofereça
análise relevante à realidade histórica dos discentes.
Pesquisar para criar aulas. Essa foi a base de toda a
prática. Ainda que em formação, mas não menos
professores, a experiência em aula serve para reforçar o
estudante que ainda engatinha na carreira enquanto
compartilha sua carga intelectual, ainda fresca da
universidade, com os discentes e docentes da escola. Nesse
trato, comunidade escolar e comunidade acadêmica
encontram-se, divergem, trilham novos caminhos e
constroem, mesmo que ainda incipiente, diferentes tarefas
no ensino de história.

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No Direction Home. Direção: Martin Scorsese.
Paramount, 2005. (208 min).

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|768


“O que pode o professor de História?”: oficinas de
cultura afro-brasileira e indígena voltadas para
as ciências exatas e naturais
uma experiência no IF Farroupilha campus Alegrete
PorMário Augusto Correa San Segundo157

Resumo Abstract
O artigo apresenta a experiência de um This article presents the experience of an
projeto de ensino, desenvolvido no Instituto educational project, developed at the Federal
Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Institute of Education, Science and Technology
Farroupilha – Campus Alegrete, em que Farroupilha - Campus Alegrete , where history
professores de história, auxiliaram estudantes de teachers , assisted undergraduate students in
licenciatura em Matemática, Química e Mathematics, Chemistry and Biological
Ciências Biológicas a formular e aplicar planos Sciences to formulate and implement plans
de aula que contemplassem as orientações lecture that addressed the guidelines contained
contidas na Lei 11.645/08, incluindo nos seus in Law 11,645 / 08 , including in their
componentes curriculares noções de história e curriculum components notions of history and
cultura afro-brasileira e indígena. É conhecida a African -Brazilian and indigenous culture. It is
dificuldade das chamadas “ciências exatas” e da known the difficulty of so-called "exact
natureza, em trabalhar com estes temas, science" and nature, to work with these issues,
propiciando uma oportunidade impar ao providing a unique opportunity to the historian's
trabalho do historiador em auxiliar estes work in helping these professionals. The overall
profissionais. O objetivo geral foi oferecer aos objective was to provide students of degree
estudantes dos cursos de licenciatura subsídios courses, theoretical basis and methodology for
teóricos e metodológicos para o trabalho com a work with history and African -Brazilian and
história e cultura afro-brasileira e indígena em indigenous culture in the classroom, in
sala de aula, de forma articulada com o ensino coordination with the teaching of the natural
dos conteúdos das ciências naturais e exatas. and exact sciences content.

Palavras-chave:Ensino de História, Cultura Afro-brasileira, Cultura Keywords: History teaching, Afro-Brazilian Culture, Indigenous culture,
Diversity, Law 11.645 / 08.
indígena, Diversidade, Lei 11.645/08.

157
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Farroupilha. E-mail: mario.segundo@iffarroupilha.edu.br

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|769


Introdução
O presente artigo irá relatar a proposta e
implementação de um projeto de ensino em parceria entre
a Coordenação de Ações Inclusivas (CAI), Núcleo de
Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas (NEABI) e
Laboratório Interdisciplinar de Formação de Educadores
(LIFE) do Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia (IF Farroupilha) - Campus Alegrete.
O projeto propunha a realização de oficinas sobre
história e cultura afro-brasileira e indígena para os
estudantes dos cursos de licenciatura do IF Farroupilha
Campus Alegrete, a partir do estudo das leis 10.639/03 e
11.645/08, que determinam que o tema seja tratado no
âmbito de todo o currículo dos ensinos fundamental e
médio e de outros referenciais teóricos sobre a temática.
As oficinas propostas pelo projeto de ensino, além
de contarem com o estudo de referenciais teóricos, foram
espaços de construção de planos de aula para o ensino das
ciências naturais e exatas articuladas aos temas propostos
pelas leis anteriormente citadas. Após a construção destes
planos de aulas, foi proposto a aplicação dos mesmos nas
turmas do ensino médio integrado do Campus ou em
outras escolas das redes públicas de ensino, em suas
respectivas áreas.
Dessa forma se buscou propiciar espaços-tempo na
formação inicial dos estudantes para o estudo e a reflexão
acerca da temática em foco, possibilitando ainda a
aproximação destes futuros professores das questões
preconizadas pela legislação educacional brasileira além de
construir mais uma contribuição ao combate das
desigualdades em nosso país.
O objetivo geral do projeto era oferecer aos
estudantes dos cursos de licenciatura, subsídios teóricos e
metodológicos para o trabalho com a história e cultura
afro-brasileira e indígena em sala de aula, de forma
articulada com o ensino dos conteúdos das ciências
naturais e exatas. Também trouxe como objetivos
específicos a construção de planos de aulas para o ensino
de ciências naturais e exatas, de forma que contemplem a
temática afro-brasileira e indígena; aplicação experimental
destes planos de aula nas turmas do ensino médio
integrado do IF Farroupilha-CA e/ou em outras instituições
públicas de ensino fundamental e médio; e avaliação do
trabalho realizado a partir da aplicação dos planos de aula,
com a elaboração e apresentação de um texto, relacionando
a teoria com as práticas vivenciadas.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|770


Reflexões sobre o projeto
Após a promulgação das leis 10.639/03 e 11.645/08,
que fazem uma reparação curricular importante na história
da educação brasileira, tornando obrigatório o ensino da
história e cultura Afro-brasileira e Indígena em toda rede
de ensino e no âmbito de todas as disciplinas, sente-se a
necessidade de formação a respeito da implementação
destes temas em espaços em que frequentemente estes
conteúdos não eram abordados, como nas aulas das áreas
das ciências da natureza e exatas.
Sabe-se que, tradicionalmente, as temáticas
legitimadas pelas leis 10.639/03 e 11.645/08 são, na
maioria das vezes, trabalhadas pelas disciplinas das áreas
das Ciências Humanas, Arte e Educação e com menos
frequência, na área das Letras. No entanto, as referidas
Leis determinam que os estudos sobre história e cultura
afro-brasileira e indígena “devem ser ministrados no
âmbito de todo o currículo escolar”.
A Resolução Nº 1, de 17 de junho 2004 do
Conselho Nacional de Educação, que estabelece as
“Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das
Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e
Cultura Afro-Brasileira e Africana” também determina o
estudo do tema nas instituições de ensino superior no
Art.1º.

§ 1° As Instituições de Ensino Superior incluirão nos


conteúdos de disciplinas e atividades curriculares dos
cursos que ministram, a Educação das Relações Étnico-
Raciais, bem como o tratamento de questões e temáticas
que dizem respeito aos afrodescendentes, nos termos
explicitados no Parecer CNE/CP 3/2004. (BRASIL, 2004,
p.31)

A partir deste novo desafio, levando em


consideração a existência de três cursos de licenciaturas
das áreas de ciências naturais e exatas no IF Farroupilha-
CA e, tendo em vista a constatação da dificuldade
enfrentada pelos profissionais destas áreas em abordar o
tema curricular, pensou-se nesta proposta, que também
contribui nas pontuações referentes ao reconhecimento e
avaliações sofridas pelos referidos cursos.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|771


Estava prevista inicialmente a participação de
aproximadamente, 100 (cem) estudantes de Licenciaturas
em Ciências Biológicas, Química e Matemática do campus
Alegrete, divididos em quatro turmas de 25 estudantes
cada, porém ao final formou-se uma turma de vinte e cinco
estudantes.
Buscou-se que os futuros professores tivessem uma
melhor formação e desenvolvessem sensibilidades, para o
trabalho com as relações étnico-raciais no ambiente
escolar, assim como que estivessem capacitados para a
pesquisa e implementação da temática da História e
Cultura Afro-brasileira e Indígena em seus planos de aula.
Com as contribuições por escrito dos estudantes,
pretendeu-se realizar a organização de uma publicação
inédita, com os resultados do projeto e a socialização dos
planos de aula e experiências do trabalho da temática em
aulas, que poderão ser utilizados por professores com
dificuldades em pensar atividades com a temática.
Ao se pensar na proposição de um projeto de ensino
voltado para as ações inclusivas, buscou-se não só atender
a legislação educacional vigente, mas também cumprir o
papel como educadores e formadores de futuros
educadores. Nesse sentido, se acreditou que as instituições
de ensino tem um papel significativo no processo de
superação das discriminações étnico-raciais.
Para isso, se entende que é necessária a tomada de
consciência da realidade onde os sujeitos estão inseridos,
bem como o alcance de uma visão crítica acerca das
relações sociais estabelecidas no meio onde vivem, a fim
de estabelecer relações com contextos sociais mais amplos.
Como bem afirma Siquelli,

[...]consciência se muda com conhecimento. Promover


reflexões teóricas que intencionam iluminar uma prática,
se apresenta como uma das formas existentes possíveis de
se transformar uma realidade de exclusão social étnicas
para a realidade, a ser construída historicamente, de
inclusão, que se faça primeiramente no nível da prática
escolar, para que futuramente atinja o nível da prática
social, com intenção de mais tarde se tornar uma prática
humana (2013, p.2).

As leis 10.639/03 e 11.645/08, advindas das lutas


históricas de movimentos sociais, surgem como uma
oportunidade para a sociedade brasileira redimir-se do
descaso como tem abordado em seus conteúdos
pedagógicos as contribuições humanas, sociais,
econômicas e políticas dos povos africanos e indígenas
com o crescimento e desenvolvimento do nosso país.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|772


A demanda por reparações visa a que o Estado e a
sociedade tomem medidas para ressarcir os descendentes
de africanos negros, dos danos psicológicos, materiais,
sociais, políticos e educacionais sofridos sob o regime
escravista, bem como em virtude das políticas explícitas
ou tácitas de branqueamento da população, de manutenção
de privilégios exclusivos para grupos com poder de
governar e de influir na formulação de políticas, no pós-
abolição. Visa também a que tais medidas se concretizem
em iniciativas de combate ao racismo e a toda sorte de
discriminações. (BRASIL, 2004, p.11)

As políticas públicas que tratam da temática, entre


outras, do ponto de vista educacional, tem tido papel
importante para cobrir o conjunto amplo de aspectos e
dimensões implicadas na reprodução continuada das
desigualdades raciais no país. Consolidar a temática do
racismo e das desigualdades, em uma agenda pública de
debates, são ações que contribuem em muito para ampliar
iniciativas de construção de uma igualdade racial e étnica.
(JACCOUD, 2008, p.133)

[...]são interrogações que se somam a tantas outras, nesse


processo de erigir as bases de uma escola/nação/sociedade
em que se construa valores de justiça e democracia. E
onde, certamente, haverá lugar para a
multiplicidade/unicidade da identidade nacional brasileira.
(PEREIRA, 2005, p.47)

Partindo de elaborações como as anteriores, se


pretendeu auxiliar na formação de educadores que não
ignorem as relações entre raça/racismo,
etnias/discriminação étnica, nos ambientes escolares.
Formar educadores com capacidades para uma educação
que legitime a diversidade como fator positivo da realidade
brasileira, salientando a importância de todos na formação
da sociedade. Educadores que eduquem para a diversidade
e inclusão.

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Metodologia
O trabalho compreendeu primeiramente a realização
de intensa divulgação, convencimento e inscrição de
estudantes de licenciaturas interessados na realização das
atividades propostas. Inicialmente estavam previstas a
formação de quatro turmas de 25 participantes cada,
porém, mesmo com a ajuda e interesse das coordenações
de curso, conseguiu-se formar apenas uma turma, o que
denuncia algumas resistências em relação ao tema.
As atividades foram compostas por três encontros
presenciais de um turno cada, descritos a seguir; uma aula
prática por estudante; e elaboração de textos relatando a
experiência e divulgando o plano de aula implementado,
que ainda está em fase de elaboração.
No primeiro encontro foram estudados referenciais
teóricos acerca da temática em foco, bem como as leis
10.639/03 e da 11.645/08. Estes encontros ocorreram no
Laboratório Interdisciplinar de Formação de Educadores
(LIFE), localizado no campus. Na sequência deu-se início
à construção dos planos de aula, que deveriam articular os
conteúdos das ciências da natureza e exatas com temas
relacionados as histórias e culturas africanas e indígenas.
O segundo encontro foi um espaço para
apresentação dos planos de aulas e discussões dos mesmos
pelo grupo participante. Foram definidos os espaços-tempo
para o desenvolvimento das aulas propostas nestes planos,
podendo ser aplicados nas turmas de ensino médio
integrado da própria instituição, como também em outras
instituições de ensino da rede pública dos municípios de
Alegrete, Manoel Viana ou região. Cada docente
envolvido com o projeto ficou responsável pela orientação
e acompanhamento da implementação das aulas.
O terceiro encontroocorreu em formato de
seminário entre a turma, com a conclusão das atividades
do projeto, em que se socializaram e se avaliaram as
experiências através da apresentação dos textos escritos
com reflexões sobre as aulas ministradas pelos
participantes.
Ao final do projeto ainda pretende-se organizar uma
publicação inédita, com os resultados do projeto e a
socialização dos planos de aula e experiências do trabalho
da temática em aulas de ciências naturais e exatas. Esta
será composta com os textos construídos pelos
participantes submetidos aos seminários de conclusão das
turmas.

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Considerações Finais
O projeto contou com três bolsistas remuneradas e
uma voluntária que auxiliaram na organização de todo
projeto. Também foi remunerado o trabalho do
coordenador do projeto, recurso utilizado para aquisição de
materiais e participação dos bolsistas em eventos. Esta
destinação de recursos demonstra o grau de
comprometimento institucional dos IFs com as políticas
públicas de inclusão.
A dificuldade das licenciaturas em Ciências da
Natureza e Exatas em implementar ações que auxiliem
seus estudantes a trabalhar com a temática negra e
indígena é muito grande, devido a uma cultura que é
resistente inclusive às cadeiras pedagógicas nestes cursos.
Nesse sentido, os professores de história podem cumprir
um papel importante no auxílio aos colegas, construindo
projetos de ensino e extensão que contribuam com os
futuros professores para que tenham acesso aos
conhecimentos necessários à construção de uma educação
plural, antirracista, e que cumpra com os objetivos das
políticas de inclusão criadas nos últimos anos.
Este processo de ensino interdisciplinar, ou
multidisciplinar, foi possível de maneira mais simples na
estrutura do IF, devido a existência de docentes de História
e das outras áreas do conhecimento, trabalhando nos
mesmos círculos e não divididos em departamentos
diferentes que muitas vezes não se comunicam. No caso do
Campus Alegrete, por exemplo, as cadeiras de História da
Educação nas licenciaturas de Ciências da Natureza e
Exatas, são responsabilidade dos docentes de História, que
participam dos colegiados dos cursos e convivem com
estes mesmos docentes na construção cotidiana do ensino
médio, o que gera uma rica troca de experiências e de
ações conjuntas.
A experiência de formação das Coordenações de
Ações Inclusivas e dos Núcleos de Estudos Afro-
Brasileiros e Indígenas, que são estimulados com
financiamento, disseminados e muito atuantes em toda a
Rede Federal de Educação, Ciência e Tecnologia, também
contribui para a existência deste tipo de projeto, pois
atuam nestes núcleos docentes e técnicos administrativos
em educação de todas as áreas do conhecimento, na
maioria dos casos sendo compostos com representação dos
mais variados cursos oferecidos pela instituição,
envolvendo todos na construção de uma sociedade mais
socialmente igualitária e culturalmente mais plural e
progressista.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|775


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incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a
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Rompendo velhos preconceitos para construir
novos conceitos:
rupturas e permanências do conteúdo da História dentro do âmbito escolar
PorAdriana Picheco Rolim158

Resumo Abstract
O presente trabalho aborda a questão This paper addresses the issue of
das rupturas e permanências do conteúdo ruptures and continuities of the relevant content
pertinente à disciplina de História no âmbito to the history discipline in schools, from the
escolar, a partir da conjuntura no final da situation in the late 1960s to the present day.
década de 1960 aos dias atuais. Durante a During the term of the civil-military
vigência da ditadura civil-militar, a partir de dictatorship, from 1969, subjects Social such as
1969, foram instituídas as disciplinas de Organization and Brazilian policy (OSPB) and
Organização Social e Política Brasileira Moral and Civic were instituted in the school
(OSPB) e Moral e Cívica no currículo escolar, curriculum, as a consequence, some are
como consequências, suprimiram-se algumas suppressed disciplines, including history. Over
disciplinas, entre elas a História. Passados os the years, the content developed in classrooms
anos, o conteúdo desenvolvido nas salas de aula lives in practice with some vices of the past, in
convive, na prática, com alguns vícios do addition, the major challenges faced today by
passado, além dos grandes desafios enfrentados education in Brazil, the learning and the
hoje pela educação no Brasil, o aprendizado e a construction of this, is the challenge of
construção deste, encontra o desafio de demystifying the chronological order of events
desmistificar a ordem cronológica dos historiography and remove the heroic myths of
acontecimentos da historiografia e de destituir wars and revolutions. The positivist and
os mitos heroicos das guerras e revoluções. A overview of history shows a "macro" exhibition
visão positivista e geral da História evidencia content, tolled in exaltation of important names
uma "macro" exposição do conteúdo, tangido words, dates to celebrate and so distant events,
em vocábulos de exaltação de nomes looking out over film scripts of a classic
importantes, datas a se comemorar e Hollywood. With the valuation of the social and
acontecimentos tão distantes, que vislumbram inclusive subject in the context of
roteiros de filmes de uma Hollywood clássica. democratization, where the student
Com o valoramento do social e dos sujeitos contemplates the construction of their
inclusivos, no contexto de redemocratização, knowledge, the teacher gave way to the
onde o aluno contempla a construção do seu mediator and meets the challenge, even before
saber, o educador deu lugar ao mediador e, the new theories proposition, to break old
encontra o grande desafio, antes mesmo da patterns hardened, for proposed new concepts,
proposição de novas teorias, de romper velhos relating to awareness of a school reality with
padrões enrijecidos, por novos conceitos the challenges of modern historiography.
propostos, relacionando a consciência de uma
realidade escolar, com os desafios da Keywords: History, content, learning, changes, continuity.

historiografia moderna.
Palavras-chave: história, conteúdo, aprendizado, mudanças,
permanências.

158
Graduada em História pela Universidade Norte do Paraná; pós-graduanda em Gestão Social: Políticas Públicas, Redes e Defesa de Direitos pela
Universidade Norte do Paraná. Professora da rede estadual de ensino, E. E. E. B. Neusa Mari-Pacheco-CIEP.

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Introdução
O presente estudo visa equacionar quanto as
rupturas e permanências envoltas na produção dos saberes
pertinentes aos conteúdos que compõe a disciplina de
História, a partir da reforma educacional ocorrida entre os
anos 1960 e 1970 até os dias atuais. A proposta para a
educação imposta pelo regime militar após 1964, foi o de
uma substituição e de uma redução de carga horária da
disciplina supracitada, pelas de OSPB (Organização Social
e Política Brasileira) e Educação Moral e Cívica e,
também, Estudos Sociais, na área das humanidades. Após
a abertura política, o estudo da História, como disciplina
em si, volta aos currículos escolares e enfrenta novos
desafios, como romper antigos preceitos arraigados no seio
das instituições sociais, educacionais e familiares e quanto
a problematizar o entorno de algumas mudanças relativas a
esta substituição e ao aprendizado das temáticas propostas
para a História.
A reforma educacional foi efetivada no período em
que o Estado brasileiro voltava as suas diretrizes para a
Doutrina de Segurança Nacional159. O cerceamento das
liberdades e a ideologia desta doutrina atingiram, também,
as práticas nas escolas. Sendo assim, o Estado exerceu:
A função educadora ao dirigir e organizar a sociedade
para determinada política educacional. Sua função
educadora pode ser identificada ao longo do processo de
desenvolvimento histórico do modo de produção
capitalista, tendo expandido sua esfera de domínio por
meio de estratégias refinadas capazes de impor a adesão à
sua forma particular de ver o mundo (FILA, 2012, p.16).

O aparato do regime autoritário e ditatorial, assim


como a função atribuída à educação, foi embevecido pela
exaltação de nação e nacionalidade. Segundo Hartog
(2013, p.170), “ao longo de todo o século, que foi tão
fortemente aquele das nacionalidades, a história nacional e
a escrita em nome do futuro, tiveram de fato interesses
comuns”, muito embora este autor determine esta fala para
a situação da França do século XVIII, podemos aqui
elenca-la para o cenário brasileiro, onde pode caracterizar,
tão bem, as ações destinadas ao âmbito educacional. O
ideário “patriótico” encontrou amparo e disseminação nas

159
Diretrizes políticas e sociais aplicadas na forma de terrorismo de Estado pelos militares, após o golpe de 1964, no Brasil, como
forma de dominação e controle.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|779


disciplinas de OSPB (Organização Social e Política
Brasileira) e Educação Moral e Cívica, pois “o civismo, o
patriotismo, e o nacionalismo sempre se fizeram presentes
na História do Brasil, desde o início do Império” (MELO,
2005, p. 1). Partindo desta reflexão, encontramos em
Alves (1968, p.17), o contraponto das mudanças efetivadas
pelo regime militar, ou seja, aquelas advindas dos sujeitos
envolvidos nas práticas das instituições educacionais e que
aspiram mudanças de outra natureza:
Há muitos anos os mais lúcidos pedagogos exigem que a
estrutura do ensino primário, médio e superior seja no
Brasil transformada de alto a baixo, para que atenda a
duas exigências nacionais: oferecimento de possibi1idades
educacionais às grandes massas e adaptação do que se
ensina às necessidades do desenvolvimento do País.
Alunos e professôres sempre exigiram estas
transformações, tendo em vista que através da educação é
que se garante a independência de um país. Todos os
debates que em tôrno do sistema educacional têm sido
travados colocam como objetivo a ser atingido criar-se
uma cultura, tanto técnica e científica quanto humanística,
que possibilite ao Brasil livrar-se da dominação do grande
império, em cuja órbita colonial gravita. Falando claro:
estudantes e professôres querem criar gerações capazes de
se desenvolverem independentemente dos Estados
Unidos.

O aprendizado alinhado ao regime de 1964, a nível


educacional, foi um dos caminhos percorridos para
“educar” o povo brasileiro quanto à necessidade de adesão
ao programa patriótico, ou da significância de nação,
parafraseando Hartog (2013), foi “uma evidência, uma
arma política, um esquema cognitivo e um programa
histórico”. A partir do decreto n° 869, de 12 de setembro
de 1969, instituiu-se o estudo de Educação Moral e Cívica
e OSPB, com o objetivo de ensinar crianças e jovens os
princípios que, desde cedo, formariam exemplos de bons
cidadãos, em detrimento daquelas disciplinas que
possibilitassem a politização do educando. Enfim, com o
poder do Estado nas mãos de uma cúpula militar, o ensino
no Brasil foi assim descrito por Fila (2012, p. 34):
As perspectivas educacionais derivadas da ideia de
educação para o desenvolvimento com ênfase no
tecnicismo, a principal medida que alterou os caminhos da
disciplina de História foi a substituição desta disciplina e
da disciplina de Geografia por uma única, de Estudos
Sociais, no então 1.o grau; também ocorreu a redução da
carga horária obrigatória de História no 2.o grau, com sua
presença em apenas uma das séries, além da redefinição
de papéis e a obrigatoriedade das disciplinas de Educação
Moral e Cívica no primário, Organização Social e Política

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brasileira (OSPB) no ensino médio e Estudos de
Problemas Brasileiros (EPB) no ensino superior.

A costura entre os saberes torna o conhecimento


construtivo, contemplando-se em um todo. De acordo com
Reis (2006, p.240), a apropriação da filosofia pela história
tem o seguinte sentido: “toda pesquisa filosófica é
inseparável da história da filosofia e da história dos
homens e toda a pesquisa histórica implica uma filosofia,
porque o homem interroga o passado para nele encontrar
respostas para questões atuais”. Na área das humanas a
História se apropria da Filosofia e da Sociologia,
disciplinas cujo devido encaminhamento leva o aluno a
refletir e a pensar, ou pelo menos a compreender o
pensamento humano que vem da antiguidade clássica. Dito
isto, o fato de que toda a pergunta feita no presente
procure, na maioria das vezes, resposta no passado, tornou-
se perigoso pensar de forma não “tecnicista”160 nos dias
sombrios dos sessenta.
Os grupos minoritários, em suas realidades
adversas, foram ofuscados no convívio escolar, através da
reforma de ensino de 69, levando as diferenças a um
modelo uniforme de aprendizado, enclausurados no lema
de “ordem para o progresso”. Ordenar o humano, por
assim dizer, não encontra justificativa em métodos
reflexivos. Preparados à margem dos questionamentos e
pré-elaborados, os conteúdos foram selecionados a fim de
uniformizar o pensamento, acondicionados em disciplinas
onde não há espaço para debates sobre a condição humana,
sua inserção no meio social e a aderência a um pensamento
histórico-filosófico. Nas palavras de Arendt (2014, p. 50),
“o domínio do social atingiu finalmente, após séculos de
desenvolvimento, o ponto em que abrange e controla,
igualmente e com igual força, todos os membros de uma
determinada comunidade”.
Portanto para tornar o sujeito parte de uma massa
ordenada, é preciso antes de mais nada, abster o sujeito de
suas características individuais. Para Althusser (2012, p.
68), em “Aparelhos Ideológicos do Estado”, as massas são
“um certo número de realidades que apresentam-se ao
observador imediato sob a forma de instituições distintas e
especializadas”. A escola como instituição especializada, a
partir do comprometimento com os saberes, configura no
conceito de Althusser (2012), um aparelho ideológico do
Estado e, para tal, serve ao propósito de “educar” através
de uma ideologia que se torne necessária. O governo
160
Aprendizado para o âmbito educacional, caracterizado pelo esvaziamento da formação no conhecimento específico;
destituição do caráter científico e crítico e pelo esvaziamento da pesquisa. Ensino destinado ao aparelhamento, à técnica e a
instrumentalização, ideário proposto pelo regime militar ao ensino.

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destinou a educação a parcerias firmadas com os Estados
Unidos, por acordos como os MEC-USAID161, assim
descrito por Alves (1968, p.23):
É evidente que os propósitos de independência do Brasil
conflitam com os interêsses diretos dos Estados Unidos.
É, portanto, claro que se a educação é um instrumento de
independência, não pode ser ela planejada e dirigida pelo
grande império de que nos procuramos libertar. Resulta
que o planejamento educacional traçado através de
acôrdos com a Embaixada Americana, que o financiou em
grande parte e lhe emprestou o concurso preponderante de
técnicos contratados pelo seu Govêrno, terá de ser dirigido
pelos interêsses norte-americanos e não pelos do Brasil.
Até mesmo a maioria dos militares que apoiou o Govêrno
do Marechal I, Castelo Branco, já reconheceu que a frase
do ex-chanceler Juracy Magalhães — “o que é bom para
os Estados Unidos é bom para o Brasil” — representa uma
entrega da soberania nacional e um acumpliciamento ao
esquema de dominação americana em nosso País.

Passados mais de quarenta anos uma pergunta


permanece: após o retorno ao currículo escolar da
disciplina da História e das demais, Filosofia, Sociologia e
Geografia, esta caminha para uma efetivação ou
permanece pouco alterada, rançosa em sua forma
homogeneizada e discriminatória, em relação as diferenças
sociais, ao gênero, a consolidação da democracia, a
participação do sujeito crítico e histórico? Os desafios a
vencer, fazem parte de um trajeto que, ainda requer
debates, amplitude de estudo e abstenção de um olhar
discriminatório, onde mudar exige propriedade. As
modificações ocorridas na disciplina de História, criaram
uma lacuna, interromperam um ciclo, caracterizado por
uma ruptura para as gerações seguintes. Permanecendo de
forma reduzida nas escolas, o modo como foi conduzida,
acabou por ser trabalhada de forma desarticulada e
cronológica. Sobre a cronologia vale ressaltar o
pensamento de Certeau (2011, p. 96):
Visa ao momento presente através de uma distância- a
semirreta deixada em branco, definida apenas, na sua
origem (do século XVIII aos nossos dias). Por outro lado
supõe uma série finita cujos termos permanecem incertos:
postula em última instância o recurso ao conceito vazio e
necessário de um ponto zero, origem (do tempo)
indispensável a uma orientação.

Desde antanho, a partir de uma escola “educadora”,


onde “mais do que o nome próprio, importa o modelo que

161
Fusão das siglas do Ministério da Educação, brasileiro e da United States Agency for International Development, dos EUA.

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resulta dessa “tergiversação”; mais do que a unidade
biográfica, o recorte de uma função e do tipo que a
representa” (CERTEAU, 2011, p.297), os estudos
desenvolvidos pereceram de forma mecanizada e absoluta,
deixando no limbo temas urgentes com o propósito de dar
uma unidade a uma proposta social.
A elite dirigente responsável pela construção do
Estado Nacional acreditava no progresso da sociedade e na
importância de civilizar o povo. A educação seria um
alicerce para esse caminho[...]deveria ser expandida para
todas as classes. Ela teria a capacidade de dissipar as
trevas, difundir a ordem, estabelecer o primado da razão e
aperfeiçoar o país, colocando o Brasil ao lado das “nações
civilizadas” (FILHO; CHAMON; INÁCIO, 2015, p. 20).
Portanto, o sujeito determinado a um sistema ordenado,
bem educado e reprodutor de um ideário hermético, “que
reúne casos como parte de um todo” (REIS, 2006, p. 120),
estava sendo devidamente pensado, em detrimento da
participação de atores diversificados. Pela condição social,
as classes menores estavam inclusas no ensino, porém
somente onde fosse conveniente mantê-las, e por isso não
lhes foi permitido a possibilidade de um espaço mais
amplo, onde “o caráter autoritário e excludente da nação
que se queria construir acabava por deixar claros os
limites da inclusão” (FILHO; CHAMON; INÁCIO, 2015,
p. 22). Estes preceitos de exclusão, ampliaram-se a partir
de 64, alocando estas classes em contextos concebidos de
forma fechada e pronta, abafando contestações, onde
deixar este “quadrado”, pressupunha ter ideários para lá de
comunistas.

O ensino de OSPB e Moral e Cívica


Nos meios de comunicação, atualmente, destinam-
se discussões acerca do retorno das disciplinas de OSPB e
Educação Moral e Cívica aos currículos escolares. Os
motivos são variados, porém, se pode arriscar como
influências diretas, a presença de um forte discurso
moralizador frente aos escândalos de corrupção
envolvendo o atual governo brasileiro e a falta de
pertencimento das novas gerações frente aos significados
de nação e pátria. Embasada no velho discurso ordeiro,
aquele onde o “caos e a desordem” se instalaram e
permeadas pela necessidade de uma moralização nos
setores da política e, da falta de “amor à pátria”, vozes
ecoam advindas do “além”, e lampejam no ar uma
sensação Déjà Vu,naqueles que não querem o retorno de
regimes autoritários. Estes preferem caminhos que levam a

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uma construção da democracia e a soberania do cidadão,
em sua forma mais contemplada. Tanto ontem, quanto
hoje, é possível detectar debates que enaltecem a vigência
da ditadura durante o período em que se impôs e até, o de
um retorno à ela, embasados em um discurso da existência
de uma suposta “ordem e respeito”, que teria vigorado
naquele momento.
Defensores de uma realidade, que muitos não
presenciaram, alguns atores sociais reproduzem antigos
lemas que não ousam explorar em seu âmago. Intuídos por
uma concepção paralisada e imutável acerca do que são
direitos e deveres democráticos, em suas significâncias e
discordâncias, estes discursos adentram o espaço escolar,
reproduzindo o palavrório destas vozes. Os diálogos
referentes à volta desses conteúdos disciplinares dividem a
opinião pública, há aqueles que pressupõe a necessidade da
sua abordagem determinado por uma ruptura de conceitos
éticos seguido da culminância em uma falta de ordem e
valores e, há aqueles que visibilizam a construção desses
conceitos permeados por situações de ajustamento.
Reclamações renitentes, desta parcela da sociedade,
dividem espaço com outra, que prevê a urgência de uma
maleabilidade dentro da estrutura educacional como
construtora da cidadania.
Entre a comunidade escolar, há um interlúdio de que
crianças e jovens devem aprender desde cedo valores que
os constituam como cidadãos, cientes de seus direitos e
deveres. Face a isto, é impreterível relevar que a disciplina
de OSPB e Moral e Cívica, em sua raiz, não propunha
direitos, era embasada principalmente nos deveres, de
como o futuro cidadão deveria honrar a pátria e se portar
frente ao Estado, estar alinhado a sua ideologia. O jornal
de Araguaína, on-line, publicou uma efeméride sobre o
retorno das disciplinas supracitadas, aos bancos escolares,
num latente e conservador discurso, conclamando uma
retrógrada falácia, que há muito deveria ter caducado.

Talvez muitos não se lembrem, mas OSPB (Organização


Social e Política Brasileira) e Educação Moral e Cívica
eram matérias obrigatórias no ensino público e particular,
em todos os níveis, na época em que os nossos dirigentes
políticos e os nossos presidentes eram verdadeiramente
patriotas, cujo objetivo era dar ensino e subsídio para a
formação de pessoas voltadas para o crescimento, e assim
era redigido pelo Decreto-lei Nº 869 de 12 de setembro de
1969 (REDE-TO, 2015).

O crescimento perpassa o entendimento e o


autoconhecimento do homem como parte da sociedade e
da nação. Parra tanto convoca sujeitos mais participativos
na cena social, em parcimônia com a inclusão das minorias
como produtoras e colaboradoras, e também, de uma

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|784


identidade nacional. De política discriminatória extrema,
onde foram excluídos aqueles que não se encaixavam aos
parâmetros elitistas do regime militar, a política dos tão
“patrióticos presidentes”, trataram por inúmeras vezes, ou
em sua maioria, a população carente das escolas públicas,
hoje classes emergentes que, por ironia, estão ocupando
lugares nas escolas particulares, antes “rol” da elite
ordenada brasileira, como um público alvo a se educar, a
fim de se evitar a futura “vadiagem” 162. As entidades
particulares de ensino, naquela época, também aderiram a
reforma educacional, porém seus membros dirigentes
obtiveram outro tipo de espaço para atuar, “donos de
escolas passaram a ter uma influência crescente nos
governos militares e estão presentes no âmago do aparelho
do Estado” (LIRA, 2010, p. 103).
Como proceder a enfoques tão pertinentes como
racismo, homofobia, desigualdade, famílias heterogêneas,
gênero, etnias, entre outras questões, dentro deste modelo
de escola, com o retorno dos preceitos que excluem uma
miríade das pessoas, e que supostamente não deverá
encontrar adequação em padrões estabelecidos por uma
elite. Segundo Arendt (2014, p.50), “ao invés da ação, a
sociedade espera de cada um do seus membros certo tipo
de comportamento, impondo inúmeras e variadas regras,
todas ela tendentes a normalizar os seus membros”,
portanto, as discussões atuais confundem o resgate de
valores com a necessidade de se impor valores já
estabelecidos, como valores positivos.
A partir da reforma educacional de 1968, uma
determinante, foi incutir no pensamento das crianças e dos
adolescentes, a pontualidade do amor à pátria, premissa
para tornar-se um exemplo de bom cidadão, que conteria a
violência, fruto das negligentes políticas públicas,
excludente dos problemas sociais e dos desvios de
conduta. Fechar os olhos para as problemáticas que
envolvem os desafios de evidenciar o lugar dos sujeitos na
história, deteriora o conhecimento e o reconhecimento das
dificuldades a serem superadas pela educação, pois a
procura pela solução não está somente, em guardar no
armário, para utilizar uma expressão mais popular, o que
não se quer entender, o que não se quer tratar. Os mais
visionários compreendem que a inserção, ou o retorno,
destas disciplinas aos moldes de 69, pode estagnar os
avanços alcançados pela tão frágil democracia, no contexto
atual, e trazer ao palco das disputas valores errôneos sobre
o que seria o exercício pleno da cidadania.

162
Consta no dicionário como sendo: contravenção penal que consiste em entregar-se alguém, por hábito, à ociosidade, apesar
de ser válido para o trabalho e não contar com renda que lhe assegure a subsistência. Prerrogativa adotada ao pé da letra pelo
regime militar.

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Visto isto, anteriormente, a proposição de reforma
do regime ditatorial, desenrolou-se em um contexto de
alinhamento político e econômico com os Estados Unidos,
voltada para a estruturação do modo capitalista estrangeiro,
através dos MEC-USAID.

O objetivo deste convênio é nítido. Trata-se de, em


primeiro lugar, criar um núcleo de dirigentes treinados nos
Estados Unidos, para pôr em prática em todos os Estados
brasileiros a partir dos mais influentes, as diretrizes de
planejamento norte-americano para o ensino secundário
no Brasil. Esta política teve como objetivo reproduzir os
quadros dirigentes na educação através da doutrinação de
inspiração norte-americana ao mesmo tempo em que se
pretendeu adaptar o ensino médio à proposta de ensino
superior defendida pelo capital monopolista (LIRA,2010,
p.203).

Sobre estes acordos, Márcio Moreira Alves (1968,


p.106-107), em “Beabá dos MEC-USAID”, atenta para a
ocorrência de um fator, o tecnicismo, proposto pela
reforma do ensino durante a ditadura, em sua linguagem
temporal:
A tecnização é diferente da formação dos técnicos de que
o País precisa. É evidente que para nos tornarmos
independentes temos de criar gerações capazes de
absorver e transformar a tecnologia e a ciência modernas,
portanto, gerações de técnicos. Essas gerações só serão
capazes de transformar — e o essencial é a transfomação
— se forem também capazes de pensar e de aplicar êsse
pensamento à realidade brasileira. Já os técnicos sonhados
pelas classes dominantes — e o imperialismo é cada vez
mais internacional e uniforme em suas táticas, porque,
realmente, é o imperialismo do dinheiro — são meros
executores de tarefas. Querem homens que vêem na
máquina uma máquina, no operário um operário, na
emprêsa um fim, no consumo uma realização última e
feliz. No Brasil, êsse plano é também o da manutenção de
uma dominação que se expressa pela imensa participação
estrangeira em nosso setor industrial. É, portanto, um
plano de entrega da soberania.

Sobre as mudanças no meio educacional e suas


práticas, a professora Maria Auxiliadora Schmidt, da
Universidade Federal do Paraná, em entrevista à Gazeta do
Povo, por ocasião do lançamento do seu livro “50 anos de
ditadura militar-capítulos sobre o ensino de história no
Brasil”, revela que naquela época, era exigido “dos
professores passarem por “treinamento” oferecido pelo
sistema”. Sobre o sentido deste treinamento, ela discorre:

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Tinha uma palavra chave no período, que era reciclagem.
Ou seja, transformando algo velho em uma coisa nova. O
governo militar estruturou isso muito bem no Paraná. Os
professores eram convocados antes do começo das aulas,
no início do ano, para serem ‘reciclados’ no Cetepar
(Centro de Treinamento do Magistério do Estado do
Paraná), no Boqueirão, em Curitiba. Assim, os professores
eram adestrados (GAZETA DO POVO, 2014, p. 1).

Além da “reciclagem”, havia a questão das


disciplinas e seu conteúdo referente: “o mesmo professor
teria de ensinar as duas matérias com livros didáticos que
obrigatoriamente passavam pelo crivo da censura. O
resultado geralmente era um ensino superficial” (GAZETA
DO POVO, 2014, p.1). A categoria dos professores
enfrentou outros paradigmas, não somente relacionados
com os conteúdos escolares ou cursos de formação
doutrinária, passaram também, pela desvalorização
profissional, assim descritos por Lira (2010, p. 311):
Como resultado, da decomposição dos salários, os
professores passaram a trabalhar uma quantidade de
horas-aula maior em detrimento das atividades de
planejamento educacional e do conjunto da sua vida
social, comprometendo a qualidade do ensino, pois a
ampliação da jornada de trabalho foi determinante pela
necessidade de recomposição dos rendimentos e a
manutenção da qualidade de vida, aviltada pelos baixos
níveis salariais.

Houve várias interferências na educação e no


cotidiano dos profissionais voltados a ela, não somente
pela abstração ou do direcionamento das temáticas
disciplinares, mas por uma desvalorização da categoria que
se viu destituída de sua autonomia, seja na imposição do
que ensinar e do que não ensinar, na redução de horas para
o planejamento de atividades, no aumento da carga
horas/aulas ou seja pela questão salarial. Portanto o
conjunto destas mudanças viria a afetar diretamente, toda a
estrutura escolar, num sentido qualitativo e quantitativo, e
por conseguinte, refratou estas rupturas na formação das
gerações posteriores.

O estudo da história requer a quebra de velhos


paradigmas
No âmbito legal, o objetivo da inclusão da
disciplina de Educação Moral e Cívica, a partir do

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Decreto-Lei 869, de 12 de setembro de 1969, no seu artigo
de número dois, item b, está: “a preservação, o
fortalecimento e a projeção dos valores espirituais e éticos
da nacionalidade”. A referência a “preservação” e ao
“fortalecimento” convoca a participação de um todo, para
manter forte os ideais nacionalistas e de projetar seu
significado, levando-os adiante. Para tanto, torna-se
necessário adaptar o perfil do educador, onde “enfatiza-se
a necessidade de formar um novo professor tecnicamente
competente e comprometido com o programa político-
econômico do país” (FILA, 2012, p.25). A lei n°5692, de
12 de agosto de 1971, que fixa as diretrizes e bases
referentes a educação, contém em seu artigo 7°, um
reforço à lei anterior, onde: “será obrigatória a inclusão de
Educação Moral e Cívica, Educação Física, Educação
Artística e Programas de Saúde nos currículos plenos dos
estabelecimentos de lº e 2º graus, observado quanto à
primeira o disposto no Decreto-Lei n. 869, de 12 de
setembro de 1969”. A obrigatoriedade dá continuidade a
uma ideologia de imposição por parte dos governantes,
frente aos programas educacionais, enaltecendo a
simbologia para valores patrióticos, averiguados no artigo
2°, item d, de 1969: “culto à Pátria, aos seus símbolos,
tradições, instituições e aos grandes vultos de sua
história”.
O olhar contemporâneo sobre um documento
produzido a seu tempo pode ser discutível, porém é
através dele, da sua análise, das ideologias contidas, da
colocação dos termos, entre outros, que se pode
vislumbrar o contexto em que foi concebido e o período
em que foi formulado.As abordagens históricas sofreram
com a reforma, tornando-se bastante superficiais e
fragmentadas, sem contar que o desenvolvimento da
historiografia foi permeada por quebras relacionadas ao
tempo histórico e datados de forma cronológica e linear,
ou seja, os acontecimentos tinham um início, um meio e
um fim, desconectados das suas causas e consequências.
As temáticas enfrentaram um isolamento e foram
apresentadas de maneira reduzida. Destituíram das
diferentes historiografias as suas linhas e seus teóricos, as
mentalidades e os seus conceitos diversificados. Na
atualidade, o enfrentamento relativo a temas que foram
anteriormente mistificados, a fim de que não sejam
reproduzidos da mesma maneira no ambiente escolar, faz-
se necessária a análise profunda daquilo que permaneceu
do ensino de outrora, conjecturando velhos vícios e antigas
regras, reproduzidos por profissionais da área educacional,
cuja formação básica tenha ocorrido sobre a égide do
autoritarismo. Uma questão importante não é elencar
culpados, mas problematizar o papel destas disciplinas
sócio educativas, passando por seus educadores e da
atuação destes como um meio controlador sobre a

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|788


educação, determinando qual o seu legado deixado após
quatro décadas.
A tensão quanto ao lugar da educação na construção de
uma nação independente e soberana atravessaria todo o
século XX e chegaria praticamente intacta aos dias de
hoje. A despeito da importância quase unânime que os
discursos políticos continuam a lhe conferir (FILHO;
CHAMON; INÁCIO, 2015, p.23).

Sobre os regimes de historicidade, ou “a forma da


condição histórica, a maneira como o indivíduo ou uma
coletividade se instaura e se desenvolve no tempo”
(HARTOG, p.12), está a escolha de heróis nacionais,
advindos de uma elite social, suprema e civilizada, guardiã
da honra e das virtudes, avalista das tradições e da
simbologia necessária, antevendo a instauração da
sociedade organizada. Durante muito tempo, e porque não
ainda, camadas subalternas espelharam-se nos modos e
maneiras das ditas classes superiores, com fins de
pertencimento, já que o modelo apresentava-se de forma
uniformizada, deixando de lado por inúmeras vezes, suas
próprias tradições, mantendo-as enclausuradas entre seus
pares.
A diversidade cultural e étnica, dos distintos
sujeitos históricos e sociais no Brasil, vem atraindo para si
as atenções, pela ótica de uma categoria excluída,
requeredora de seu lugar na sociedade, mas que ainda não
se vê pertencente, por voltar-se demasiado às suas origens,
negligenciando a construção da cultura nacional como
unificadora e matriz. Para a inclusão de outras minorias,
apesar da abertura política após 1985 e da constituição de
1988, esta tende a se tornar um desafio no âmbito
educacional:

Nos anos de 1980, o discurso educacional foi dominado


pela preocupação com a dimensão sociopolítica e
ideológica da prática pedagógica. Houve também, a
introdução de novos sujeitos sociais, aqueles que haviam
sido excluídos historicamente das políticas públicas e das
ações do Estado, a exemplo do negro e da mulher (FILA,
2012, p.33).

A percepção acerca do que vem a ser a diversidade


étnica, pretende atender a uma globalização, não a moldes
segregados, advindas de setores sociais e por vezes delas
próprias, onde ainda encontra-se algum tipo de resistência,
mas em conectar culturas a uma identidade nacional. Uma
mistura de costumes e tradições nascida do encontro de
europeus, índios, negros e outras etnias, que em
determinado momento diferenciou-se do original, da sua
raiz, quer evidenciar-se como uma sociedade heterogênea,
“é o reconhecimento da diversidade de culturas”

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(HARTOG, 2013, p. 34). O difícil, porém não impossível,
é que esta “mistura” não esqueça que está inserida em um
todo, descobridora de um todo, perplexa diante do todo,
decisiva dentro da comunidade escolar.
A dificuldade maior, quando se vive uma época de
aceleração temporal, é poder reconhecê-la e dizê-la em
linguagem compreensível, intersubjetiva. Essa dificuldade
se acentua porque a linguagem, as chaves de leitura com
as quais se está habituado não abrem mais o sentido e não
o formulam mais. É uma situação de perplexidade e
mutismo. Ou pior: uma situação de perplexidade e de
tagarelice, de palavrório reativo, que não se refere a nada,
mas foge...A perplexidade é uma atitude diante do mundo,
rica, produtiva, pois admirativa, surpreendida, crítica,
descobridora (REIS, 2006, p. 57).

Os rumos da história e seus conceitos, atende a


trajetória do homem no espaço e no tempo, o passado
como reconhecimento do presente, o estruturalismo da
história, o historicismo e as multiplicidades dos modelos
de ação, onde as possibilidades e as grandes reflexões que
envolvem as humanidades, passaram longe do meio
escolar, e acadêmico, no Brasil dos sessenta. Para Fila
(2012, p. 26):
A escola via reduzir sua autonomia como espaço de
criação, pois passou a receber planejamentos, orientações
e diretrizes preestabelecidas A escola via reduzir sua
autonomia como espaço de criação, pois passou a receber
planejamentos, orientações e diretrizes preestabelecidas.
Todas as áreas do conhecimento passaram a ser orientadas
por planejamentos derivados de órgãos governamentais e
suas equipes de profissionais.

Os estudos embasados nas diversas correntes


historiográficas, pôde enfim, a partir dos oitenta com a
democratização, inspirar o rumo para a compilação de
temas e seu tratamento pela área das ciências humanas.
Materializada na necessidade de se “modernizar”,
atualizando-se através de uma nova formulação, ou da
revisão das temáticas envolvidas, que apesar de
desestruturadas pela reforma de 1969, reinventaram-se
pela análise das experiências ante os enfrentamentos das
problemáticas anteriores. Pelas ambições na reconstrução
da historiografia na escola, ampliaremos os horizontes, a
partir de uma reflexão dos Annales:
Trata-se, se possível, de reencontrar a vida: mostrar como
suas forças se combinam, se friccionam ou se opõem,
assim como, frequentemente, elas misturam suas
pretensões indomáveis. Assumir o pleno domínio de tudo
para reposicionar tudo no quadro geral da história, para
que seja respeitada-apesar das dificuldades, das

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antinomias e das contradições de fundo- a unidade da
história que é a unidade da vida (BRAUDEL, 1969 apud
HARTOG, 2011, p.164).

Enfrentamentos frente ao conhecimento da História


e outras reflexões
Neste ínterim de rupturas, atualmente é possível
observar a permanência de resquícios que acompanham o
desenrolar do aprendizado da história. Com a permanência
de ultrapassados conceitos de comportamento e de
regramento, pode não haver a efetividade das propostas
relativas a inserção do aluno, como produtor e construtor
do seu conhecimento. Este, por sua vez, traz do âmbito
familiar concepções de mundo e preconceitos, repassados
pelas gerações anteriores. Ao adentrar o âmbito escolar, as
novas regras de convivência o colocam frente as questões
inclusivas, de gênero, de raça, hoje atribuída como etnia,
entre outras, e porque não dizer, de nível intelectual.
Também ao se defrontar com situações de mando e
atitudes verticalizadas de poder, questões relativas a temas
como autoritarismo, totalitarismo, oligarquias,
paternalismo, entre outros, estes devem ser devidamente
discutidos, a fim de não configurar um paradoxo, a
provocar confusões sobre conceituação e temporalidade,
na contemplação das novas delineações.
Se há uma emergência de rompimento com
preconceitos arraigados, tem-se a necessidade de encontrar
formas dialógicas para tal. Desenvolver conteúdos
escolares para atingir as metas do conhecimento,
estabelece relações de troca de experiências, no intuito de
valorar a visão de uma aprendizagem horizontal. Não é
preciso reeducar, discurso alardeado em certos momentos
no meio profissional, para alcançar a projeção de um novo
cidadão político, engajado e participativo, enfim
consciente de si; não há a necessidade de revolucionar o
conteúdo incluso nos planos de trabalho ou nas bases
curriculares. O que torna-se imprescindível é o profissional
abster-se de velhos “ranços” e reinventar-se através da
aceitabilidade do novo, e com isso não implica perder um
norte estabelecido, mas se fazer necessário na condução
das temáticas como mediador; nem destituir-se da
autoridade, mas dar vasão a alteridade. Não mais
educadores, remetendo-nos a questão do “educar’ lá dos
sessenta, mas a mediar o conhecimento, onde não só aluno
como, também, o professor pode crescer e acrescer-se de
outros saberes, onde por certo há o desconhecido.

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A negligência pela inserção dos sujeitos, das
temáticas mistificadas ou mascaradas, anteriormente não
participativas no contexto societário, encontram-se na
identificação com seus pares e nos pertinentes discursos,
através das páginas coloridas, contendo imagens, dos
livros didáticos. Envoltos em uma linguagem contextual e
acadêmica, os livros didáticos voltados para o estudo da
história são um outro enfrentamento a ser superado. Desde
as décadas anteriores a dos sessenta, o tratamento dado a
parcela excluída da população era o da política de massa:
“seria uma forma de organização e controle sobre a força
de trabalhadores que, com seu atraso cultural e
inexperiência política, não teriam uma “consciência de
classe” (ROCHA, 2015, p.28). Quanto à construção do
saber, a preocupação que atinge a categoria escolar está no
fato de que os jovens, ou uma boa parcela deles, não
costuma ter o hábito de leituras mais reflexivas, o que
torna o trabalho do professor um tanto difícil. O tratamento
dado à historiografia nos livros didáticos, através dos seus
conteúdos e páginas, atravessa os períodos históricos
recheados de grandes nomes como Bloch, Hobsbawm,
Prost, Fausto, entre outros tantos, que compõem sua
bibliografia e convivem com uma constância de teorias e
metodologias, que por maneiras, transcendem a faixa
natural do aluno, no que tange a sua bagagem cultural,
onde:

Um desafio precisa ser considerado pelos professores e


alunos do Ensino Básico: a crença na “verdade” que as
obras didáticas afirmam ao dialogar com a memória social
muitas vezes oculta a sua historicidade. Como toda a
escrita é, uma narrativa presa às restrições e às
possibilidades de seu tempo. Faz-se a crítica do livro
didático como desatualizado, mas o que ocorre é que ele
atende a uma demanda do presente, incorporando um
passado que não está encerrado, e continua reverberando.
(ROCHA, 2015, p.29).

Pela pluralidade de conhecimento sobre as vertentes


historiográficas, visando contextualizar o tempo e os
acontecimentos, o conteúdo antes enxuto, a quase
esqualidez na década de 1960, encaminha-se para um
engorde de possibilidades históricas, ao encontrar a década
de 1980, destinando ao professor, uma simplificação das
variantes conceituais e temporais, a fim de chegar a algo
perto da absorção ou fixação, por parte do público
estudantil. No final, ao atingir excertos referentes aos
tópicos explanados, o profissional detém a pouca
satisfação no raso fato: de que afinal, depois de tanto lutar
com o extenso conteúdo didático, o aluno, enfim, fixou
“alguma coisa”. Ao proceder ao enfoque da aprendizagem
relativo ao conhecimento histórico e sua construção em

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sala de aula, Schmidt; Garcia (2005) elencam três
princípios que podem facilitar a compreensão da temática
da história, como iniciativa de transpor as barreiras que
separam o conhecimento acadêmico do conhecimento a ser
construído pelo aluno, enquanto sujeito. Destacando o
segundo princípio:
De natureza metodológica, está relacionado ao fato de que
os alunos e os professores puderam identificar os indícios
(conteúdos) da experiência humana, em diferentes formas:
na realidade cotidiana; na tradição; e na memória dos seus
familiares, grupos de convívio, grupos da localidade. Esse
conhecimento do passado pode ser articulado em diversas
situações de aula, com outras formas de conhecimento
histórico – por exemplo, com as narrativas de
historiadores, de autores de manuais didáticos e com
conteúdos históricos veiculados pela mídia (2005, p.302).

O primeiro princípio alenta a busca, a identificação,


e a análise e a interpretação dos indícios do passado. O
terceiro princípio remete a experiência humana, as
dimensões e a identificação e articulação com os sujeitos
de outras épocas. Estes fazem parte de um projeto
intitulado “Recriando Histórias”, partindo do uso de
documentos de arquivos familiares, como fontes históricas,
cujo “processo de transformação desses documentos em
ponto de partida para o ensino de história permitiram que
se colocasse em discussão a formação da consciência
histórica de alunos e professores” (SCHMIDT; GARCIA,
2005, p. 300). O objetivo é trazer a discussão do que é a
construção da história para a realidade do aluno, incluindo-
o como produtor da mesma, visibilizando a sua essência no
movimento, procurando quebrar uma normativa de que ela,
a história, tem o seu foco nos estudos dos acontecimentos
de um passado hermético.
A partir destes três princípios ocorreria então,
segundo as autoras, um entrosamento, por assim dizer,
entre a história e o sujeito contemporâneo. Ao proceder a
partir desta realidade, o distanciamento viria a ser sanado
pelo aluno, no que compete as especificidades que a
história abarca, através do manuseio e da pesquisa das
fontes familiares. Dito isto, o caminho para o
conhecimento passaria pela própria presença do educando,
no tempo e na sua trajetória familiar, que então, “permite
formular a hipótese e a hipótese leva a elaborar a noção
(HARTOG, 2013, p.11). Estipulando assim um terreno de
conversações entre o espaço privado e o espaço social, que
“recupera a historicidade dos valores e a possibilidade dos
sujeitos problematizarem a si próprios e procurarem
respostas nas relações entre passado/presente/futuro”
(SCHMIDT; GARCIA, 2005, p. 301).
Outra questão importante que está intimamente
ligada a estruturação dos conteúdos ligados à área das

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humanidades, é o da disciplina da Geografia, por sua
relação anterior e atual com a da História. Ela parece ainda
não ter encontrado a sua identidade fundamental, e
permanece ancorada com a historiografia. Segundo
Wagner e Vlach (2010, p. 1):
A Geografia cairia na mediocridade se se preocupasse
somente com questões relacionadas à ocupação do espaço,
sem correlaciona-la à historicidade do grupo. Portanto, o
conhecimento de uma Geografia Histórica e,
conseqüentemente, da historicidade de determinadas
comunidades, ajuda a explicar as transformações
geográficas ocorridas, o que questiona a construção de
modelos que não condizem com a verdadeira realidade
dos diferentes grupos.

O artigo destes autores atenta para um fator: a


Geografia conectada ao estudo da História é vista em uma
perspectiva de ampliar seus procedimentos através de
contextos políticos e sociais. Com o uso da
interdisciplinaridade sem a devida separação, no que
compete a cada disciplina, é possível cair em um erro, o de
não haver a devida caracterização de cada uma. A
Geografia está em relação com a disciplina de História, por
assim dizer, na unificação das temáticas de ambas, a partir
da reforma de 1969, não vindo a se dissociar totalmente
nos novos parâmetros em 1996, pois segundo Silva (2010,
p. 2), existe “a dificuldade da Geografia em justificar sua
presença na escola e legitimar seus princípios e objetivos
educacionais”. Não compete aqui, discussões acerca do
conteúdo desenvolvido pela Geografia, mas de uma
exemplificação, dentre tantas, acerca da confusão gerada a
partir da reforma dos sessenta, quanto ao lugar que ocupa
cada área específica do conhecimento. Porém podemos
compreendê-la como um enfrentamento a mais pelos
docentes de ambas, visto que estes, muitas vezes acabam
por abarcar as duas áreas e suas especificidades em sala de
aula.
Não é incomum professores com formação na área
da História, ministrarem aulas de Geografia, e vice-versa.
Por um olhar mais atento é possível aferir uma
imensurável distância entre a reflexão das especificidades
historiográficas e a divisão geológica da terra, hemisférios,
latitudes, climas, etc. Esta conjuntura advém das rupturas
ocorridas na educação, onde a História e a Geografia
cederam seus espaços para a Educação Moral e Cívica, o
OSPB e os Estudos Sociais. Embasado nesta reflexão, é
possível compactuar que entre as consequências geradas
está a sintetização dos saberes, e que ainda permanecem
parcialmente nesta condição. Falar que as humanidades
voltaram revigoradas a cena escolar com o término do
regime militar, é não atentar em que circunstâncias estas
retomaram a suas identidades, e quais os

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pressupostosteóricos e metodológicos, principalmente este
último, foram elencados para a sua aplicação ao ensino
fundamental e médio.
Na esteira de exemplos sobre o ensino e suas
mudanças, não podemos deixar de elencar, mesmo que
rapidamente, os saberes a nível acadêmico, que também
sofreram com as políticas impostas pelos militares e
ganharam uma relativa distância do ensino básico, do 1° e
2° graus.
Em geral, as universidades tomam as escolas como lócus e
objeto de suas pesquisas, subsidiando a produção de um
conhecimento que fomentará o debate e a reflexão sobre
as questões que envolvem a escola e o ensino, o que
resultará em novas ou revitalizadas formulações. Mas, na
maioria das vezes, essas formulações não chegam às
escolas, muito menos servem de subsídio ao planejamento
e implementação de políticas voltadas para a educação
escolar, tendo em vista que os agentes e órgãos
reguladores dos sistemas de ensino operam em outra
instância, com outros interesses (SILVA, 2010, p.12).

Dadas as mudanças que envolveram a escola e suas


bases curriculares, o alcance desta problemática atingiu
várias instâncias, desde a desestruturação das disciplinas,
perpassando a formação da categoria profissional até a
imposição de conteúdos de forma arbitrária, onde houve
uma fragmentação das áreas específicas do conhecimento e
uma desvinculação das suas etapas.

Considerações Finais
Terminologias à parte, o conhecimento das ações
humanas e sua apreensão pelo educando, como sujeito
histórico, transborda os limites da educação formal.
Envolta em grandes polêmicas, o conhecimento da história
tem muito a percorrer. É preciso efetivar novos desafios,
competentes e construtivos, onde a possível verbalização
da importância de uma autonomia, em cada disciplina para
o meio escolar, seja transferida para o meio social. Através
da valoração do indivíduo e da horizontalidade do
conhecimento a ser manuseado, é precípuo abster-se de
uma sabedoria suprema e finita. A história pela visão, a
priori, do historiador, perpassa a do professor, é
movimento e está continuamente em construção, assim
como o ser humano.
Para o encaminhamento da democracia plena é
preciso desarticular os inúmeros discursos a atrasá-la; para
o conhecimento do passado, do presente, visibilizando a

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construção do futuro, e a sua apresentação ao educando,
urge a reavaliação por parte dos educadores, das ideologias
e dos conceitos já ultrapassados. Em meio a dimensão, do
“aqui e agora”, dada pela tecnologia e a um recente
conceito de presentismo, ou seja “um presente onipresente,
onipotente, que se impõe como único horizonte possível e
que valoriza só o imediatismo” (HARTOG, 2013, p.15), é
pertinente que não nos detenhamos com a volta de valores
de antanho, a degringolar o futuro vindouro. O que nos
compete é superar velhas regras e caminhar para novas
possibilidades, no intuito de solucionar as relações entre a
atual educação e aquela que vai adequar-se ao mundo de
amanhã. Que sujeito vislumbraremos no futuro, que
história destinaremos como legado?
Construir a ponte entre a pertinência do estudo do
passado histórico, os sujeitos e suas diferenças, nos
variados graus de pertencimento social no presente, ao
comprometimento com a possível “salvação” do mundo no
futuro, é a realidade a ser enfrentada no atual contexto
escolar. O estudo da história retorna aos bancos escolares
com a função distinta de proporcionar a devida reflexão do
indivíduo e sua constituição como sujeito crítico e cidadão.
Segundo Reis (2006, p.174) “o presente sempre
reinterpreta o passado vinculando-o às suas perspectivas-
esperas futuras”, visto isso, o que projetará o sujeito
histórico de amanhã? Se atualmente a compreensão da
História está vinculada as ideologias políticas refletidas na
forma de pressupostos sociais, relativizado nas classes ao
pé da pirâmide social e baseado em um capitalismo de
consumo de bens desnecessários, faz-se urgente deter o
detrimento dos questionamentos, do conhecimento, da
reflexão e da preponderância do pensamento crítico e
consensual, a fim de proporcionar o despertar do
educando.

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Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|798


A ludicidade como recurso didático pedagógico
na aula de História:
possibilidades
PorAndressa de Rodrigues Flores163, Deise de Siqueira Pötter164eJanaina Souza Teixeira165

Resumo Abstract
O propósito desta comunicação é The purpose of this communication is to
apresentar atividades lúdicas desenvolvidas por present recreational activities through
meio de intervenções em aulas do ensino interventions in classes of elementary school,
fundamental, pelos bolsistas do programa the fellows institutional initiation program
institucional de iniciação à docência (PIBID) do teaching (PIBID) history subproject, the
subprojeto história, do Centro Universitário Franciscan University Center (UNIFRA) in
Franciscano (UNIFRA) em parceria com a partner ship with the State Schoolof Ed. Basic
Escola Estadual de Ed. Básica Augusto Ruschi. Augusto Ruschi. It is note worthy that the
Destaca-se que as intervenções foram realizadas interventions were carried out through
por meio de monitoria, com a colaboração dos monitoring, with the collaboration of scholars
bolsistas e orientação da professora regente. and guidance of conductor teacher. This
Esta comunicação também visa refletir acerca communication also aims to reflect about
do ensino de história e dos meios de history teaching and learning means and respect
aprendizado e fixação do conteúdo para com os of the contents toward educating. The
educandos. A atividade de monitoria monitoring activity developed by PIBID aims to
desenvolvida pelo PIBID visa auxiliar a assist the regent teacher in the planning and
professora regente no planejamento e execução execution of activities in class, as well as
das atividades em aula, bem como aproximar os approaching the PIBID scholars to school
bolsistas PIBID a realidade escolar, referente à reality, referring to teaching. For a correct
prática docente. Para um entendimento correto understanding about the course, the student
acerca da disciplina, o educando deve must first understand the basics of the
primeiramente entender os conceitos básicos do contentand its price may be fixed by
conteúdo e, sua fixação pode ser feita através de descontraídas. Diferentemente activities of the
atividades descontraídas.Diferentemente da old study methodology that encompasses read
velha metodologia de estudo que engloba ler e and reread several times given content in order
reler várias vezes determinado conteúdo, a fim to decorating it makes learning some what
de decora-lo torna o aprendizado um tanto monotonous, as if the student had obligation to
monótono, como se o aluno tivesse obrigação know justby knowing. Teaching in a playful
de saber apenas por saber. O ensino de forma manner makes learning the most exciting
lúdica torna o aprendizado do aluno mais student, leaving behind the rote and giving way
instigante, deixando para trás a decoreba e to the critical and conscious thought.
dando lugar ao pensamento crítico e consciente.
Palavras-chave:Educação,jogosdidáticos,ludicidade, PIBID Keywords: Education, educational games, playfulness, PIBID

163
Acadêmica do curso de História e bolsista PIBID – Centro Universitário Franciscano.
164
Acadêmica do curso de História e bolsista PIBID – Centro Universitário Franciscano.
165
Professora coordenadora do subprojeto PIBID História – Centro Universitário Franciscano.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|799


Introdução
O presente trabalho pretende expor de forma geral
as atividades dinâmicas desenvolvidas por cinco bolsistas
do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à docência
(PIBID) do subprojeto história do Centro Universitário
Franciscano (UNIFRA) em parceria com a Escola Estadual
de Educação Básica Augusto Ruschi, a qual tem como
supervisora a professora JucemaraRossato 166, regente nas
turmas do ensino fundamental. A Escola Augusto Ruschi
está localizada no Bairro Santa Marta, na cidade de Santa
Maria-RS e conta com grande apoio da comunidades e
programas como o PIBID, Mais Educação e a Escola
Aberta.
As atividades de monitoria desenvolvidas pelo
PIBID visam auxiliar a professora regente no planejamento
e execução das atividades em aula, bem como aproximar
os bolsistas PIBID da realidade escolar. Neste sentido, os
bolsistas elaboraram atividades lúdicas utilizando recursos
didáticos para contribuir e facilitar na aprendizagem dos
alunos. Estas intervenções em aula possuem em comum, o
objetivo de dar um norte diferente aos alunos, pois para
aprender um conteúdo não precisa necessariamente se
deter a ler e reler várias vezes até decorar. Para uma
melhor compreensão acerca da disciplina, o educando
precisa primeiramente entender os conceitos básicos do
conteúdo e, sua fixação pode ser feita através de atividades
prazerosas.
O trabalho do professor não é somente transmitir
conhecimento aos alunos e incentivá-los a pensar por si
próprios, mas também a questionar os acontecimentos que
os rodeiam e principalmente a desenvolver meios de
fixação do conteúdo e que desenvolva o raciocínio lógico.
Foi pensando em auxiliar os alunos no processo de
aprendizagem que a professora supervisora e os bolsistas
PIBID do subprojeto HISTÓRIA/UNIFRA desenvolveram
algumas atividades no decorrer do ano letivo de 2015 com
ênfase na ludicidade.
Para desenvolver este trabalho de cunho
qualitativo, optou-se por trabalhar com as obras citadas de
Celso Antunes, buscando assim um respaldo teórico para
as ideias abordadas durante o trabalho, que busca conciliar
a teoria com a prática, sobre as novas metodologias em
aula, assim como ressaltar a importância da ludicidade em
aula.

166
Professora Supervisora do subprojeto PIBID História na Escola Augusto Ruschi.

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Entre os tópicos destacados no trabalho estão o uso
da ludicidade em aula, refletindo sobre o que é ludicidade,
como trabalhar ludicamente em aula, dando maior ênfase
aos jogos didáticos em aula e seus objetivos. Além disso, o
trabalho abordara a importância do uso dos jogos para a
construção das relações interpessoais em aula, bem como
para promover o autoconhecimento do aluno.
Nas considerações finais deste artigo, salienta-se a
importância do uso da ludicidade em aula, com intuito de
formar cidadãos conscientes e críticos, capazes de
questionar e refletir por conta própria. Assim como, a
importância do estágio como momento de aprendizado
para ambas as partes – aluno e professor.

A Ludicidade
Atualmente é grande o debate sobre novos
métodos envolvendo a educação e suas práticas em aula.
São de suma urgência mudanças no ensino, nos métodos
de aula. Neste sentido, a ludicidade como tema motivador
de discussões está em voga, são muitos os autores que
reforçam a importância do lúdico em aula, assim como, a
importância dos jogos didáticos para o desenvolvimento
das relações interpessoais, como afirma Celso Antunes, em
suas reflexões.
O silêncio, quadro e giz não podem imperar em
pleno século XXI, nas salas de aula, como o método único
de ministrar uma aula. Desta maneira os alunos não
aprenderão e/ou desenvolverão praticamente nada e
somente estarão em sala de aula de corpo presente,
esperando ansioso chegar o horário da saída do ambiente
escolar, para finalmente ficar livre.
No parágrafo anterior, em dois momentos foi
usada a expressão “sala de aula”, porém no decorrer do
artigo usaremos apenas a expressão “aula”, pois isso nos
permite visualizar as aulas em vários ambientes, dentro ou
fora do espaço escolar. Permitido aos alunos, momentos de
aprendizagem, autoconhecimento e reflexão.
Pensando nisso, para obtermos um ensino diferenciado
e prazeroso precisamos de mudanças nas técnicas
utilizadas no ensino.Precisamos urgentemente cativar e
envolver nossos alunos. Neste sentido,Luckesi (2000),
discorre sobre a ludicidade e sua excelência como técnica
didática:
O que a ludicidade traz de novo é o fato de que o ser
humano, quando age ludicamente, vivencia uma
experiência plena. Com isso, queremos dizer que, na
vivência de uma atividade lúdica, cada um de nós estamos

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plenos, inteiros nesse momento; nos utilizamos da atenção
plena, como definem as tradições sagradas orientais.
Enquanto estamos participando verdadeiramente de uma
atividade lúdica, não há lugar, na nossa experiência, para
qualquer outra coisa além dessa própria atividade. Não há
divisão. Estamos inteiros, plenos, flexíveis, alegres,
saudáveis. (LUCKESI, 2000, p. 43).

Isso em aula significa, que nossos alunos estariam


participando das atividades propostas de “corpo e alma”
como dizem popularmente. Através de formas de
apresentações diferenciadas dos conteúdos curriculares,
sendo assim, formas lúdicas, conseguiríamos cativar os
alunos, ou seja, com propostas lúdicas, os professores,
além de poder compartilhar seus conhecimentos
específicos na disciplina ministrada, teria a oportunidade
de vivenciar com os alunos, momentos de satisfação e
alegria, momentos de troca de aprendizagens.
Como já sabemos os alunos não são “tabulas rasas”
como o ensino dizia, os mesmos, tem conhecimentos e os
professores por sua vez, não são os donos da verdade,
havendo assim, sempre algo novo à ser aprendido por
ambos. É essencial que o professor tome como ponto
departida de suas aulas, o conhecimento prévio dos alunos,
pois assim guiando-se pelo o que os educandos sabem, fica
mais acessível o desenvolvimento das aulas e abre mais
espaço para possíveis questionamentos ou até mesmo
corrigir algo que ficou mal compreendido pelo aluno.
Momento de reflexão, debate, conversa, revisão,
alegria, criatividade, inspiração, diversão, conhecimento,
pesquisa. Momentos que uma aula tradicional não
proporcionaria com tamanha facilidade e leveza, contando
com a participação da maioria da turma, como é o caso das
atividades lúdicas, onde praticamente todos da turma se
envolvem na atividade.
Mas afinal, o que é ludicidade? Segundo o
Dicionário inFormal, a ludicidade é a:
Forma de desenvolver a criatividade, os conhecimentos,
através de jogos, música e dança. O intuito é educar,
ensinar, se divertindo e interagindo com os outros. O
primeiro significado do jogo é o de ser lúdico (ensinar e
aprender se divertindo). O lúdico está em todas as
atividades que despertam o prazer. (Dicionário inFormal,
SP, 2012).

Percebe-se a partir da definição de ludicidade, uma


aula diferente, envolvendo a música, como meio condutor
de aprendizagem. Quem escreveu a música, ou seja, quem
é o seu autor? Em qual período histórico a mesma foi
composta e sobre o que a música se refere? Perguntas que
podem gerar discussões e debates em aula.
Um exemplo de música a ser trabalhada em aula, no
caso da disciplina História, é a música do cantor e

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|802


compositor Geraldo Vandré, ‘Pra não dizer que não falei
de flores’. A música composta fazia denúncias ao
momento histórico vivenciado no país. A mesma foi usada
como hino durante as marchas pelas ruas, no período da
Ditadura Militar.
A música pode ser ouvida em aula, interpretada
pelos alunos em forma de peça teatral, dançada, debatida
em rodas de debate, paródias podem ser feitas a partir da
música, enfim, o uso da música em aula, abre um leque de
opções de aulas lúdicas, aulas prazerosas para ambas as
partes.
Através da ludicidade, o professor consegue em sua
maioria atingir seus objetivos, pois conciliando as
atividades lúdicas, o professor consegue trabalhar os
conteúdos, desenvolver habilidades e competências em
seus alunos, bem como trabalhar as questões de relações
interpessoais. Questão essa de suma importância neste
período de grandes incidências de bullying nas escolas,
muitos com finais trágicos.
Para desenvolver esta reflexão neste artigo,optou-se,
pelos jogos didáticos em aula, pois segundo Monalisa
Lisboa, “o jogo é a atividade lúdica mais trabalhada pelos
professores atualmente, pois ele estimula as várias
inteligências, permitindo que o aluno se envolva em tudo
que esteja realizando de forma significativa”, neste sentido
corroborando com a afirmação feita na página anterior por
Luckesi, quando o mesmo afirma que o aluno ao praticar
uma atividade lúdica, o mesmo participa plenamente,
estando realmente atento e envolvido com o que se passa
naquela aula.

Os jogos como recurso didático


É necessário propor inovações no ensino e na
aprendizagem do ensino de história do ensino
fundamental. Celso Antunes (1998) nos traz a importância
de jogos, pois a aprendizagem pode acontecer através das
brincadeiras. As aulas com um suporte lúdico aumentam a
motivação dos alunos tornando-os mais participativos em
sala de aula.
O objetivo principal do jogo em muitos casos varia
de melhor compreensão do conteúdo a revisão para a
prova, isto é, visando somente o conteúdo trabalhado.
Porém, os objetivos podem e devem ser muito mais
amplos, “ao mesmo tempo promotora do desenvolvimento
cognitivo e do desenvolvimento social”(ANTUNES, 2012,
p. 14), através do jogo, os alunos aprendem conteúdos,
brincam, se divertem, interagem uns com os outros, enfim

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|803


o jogo usado como recurso didático, “pode ensinar, pode
aprimorar relações interpessoais e ainda causar intensa
sensação de alegria, prazer e motivação.” (ANTUNES,
2012, p. 14, grifo do autor), sendo assim, uma ótima
ferramenta de ensino-aprendizagem para o professor usar
em aula.
Um ponto importante que podemos trabalhar, através
do jogo são as “palavrinhas mágicas”, com licença, por
favor, e obrigado muitas vezes esquecidas por nossos
alunos e trocadas por ofensas e palavras de baixo calão.
Neste sentido Celso Antunes, em Relações interpessoais e
autoestima: A sala de aula como espaço do crescimento
integral, afirma:

Mostrando que nas relações interpessoais é possível que


os desejos de seu organismo possam entrar em conflito
com os desejos de outras pessoas; surgindo assim a
necessidade de um acordo; ensinando a aprenderem a
esperar a sua vez, a compartilhar, a pedir ao invés de
pegar, a reprimir o desejo de discutir com quem as
contraria, não simplesmente como quem “obedece”, mas
como quem compreende as razões do outro. (ANTUNES,
2012, p. 22).

Explicar as razões porque os mesmos estão sendo


advertidos, por que o grupo vai ter pontos descontados
como penalidade, que regra foi quebrada. É importante
deixar as informações claras, sendo assim, novamente
podemos citar Antunes (2012), no sentido que o mesmo
adverte que estas regras não devem ser expostas dando a
entender ao aluno, que é para satisfazer o professor, bem
como para punir os alunos. Lembrando que a ideia é
trabalhar as relações interpessoais de forma suave, ou seja,
a forma desejada é o oposto de lições de moral. Até
mesmo porque as lições de moral muitas vezes tendem a
“entrar por um ouvido e sair pelo outro” (ANTUNES,
2012, p. 45).
Os jogos, além de propiciarem momentos de reflexão
dos conteúdos trabalhados em aula como já apontamos,
propiciam os alunos a se autoconhecerem, ou seja, em
casa, os alunos passam a ser crianças ou adolescentes,
enfim, filhos cheios de qualidade, alguns defeitos e muitos
rótulos.

Desafio: História real, fictícia e científica


Esta atividade foi o primeiro contato dos bolsistas
com as turmas de 6° ano, assim optou-se por fazer algo

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|804


dinâmico, que pudéssemos conhecer os alunos e como eles
trabalham em grupo. Sendo assim após a professora
regente explicar o primeiro conteúdo do ano letivo, os
bolsistas elaboraram uma atividade referente ao conteúdo.
A primeira etapa da atividade fazia referência à
História real, fictícia e científica. Desta forma, a professora
regente optou por iniciar a aula dividindo em duas etapas:
primeiro os alunos foram separados em trios e, receberam
algumas imagens. Em seguida, os mesmos foram
convidados a mostrar para os demais colegas sua imagem e
dizer se a mesma pertencia à história real, história ficção
ou história científica, conforme imagem 1 e 2.

Imagem (1)Mural sendo confeccionado

Fonte: Acervo pessoal PIBID HISTÓRIA

UNIFRA

Imagem (2)Mural sendo confeccionado

Fonte: Acervo pessoal PIBID HISTÓRIA

UNIFRA

Finalizando, o aluno deveria colar sua imagem no


grupo correspondente ao tipo de história apresentada.
Ressalta-se que esta atividade foi importante para fazer
uma dinâmica em sala de aula, saindo do tradicional modo
do professor frente ao quadro e alunos sentados de forma
enfileirada. Ao ficarem frente aos colegas com a
possibilidade de fazer a escolha de uma imagem e explicar

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|805


aos colegas o motivo de sua escolha, ficava evidente de
que o aluno estava falando com base no seu conhecimento,
exercitando seu raciocínio e não o método decorativo.

Dominó da Pré-História
A segunda intervenção em sala de aula também
ocorreu com as turmas de 6° ano. Após a professora
regente abordar o conteúdo referente à pré-história, bem
como à evolução do homem, invenção do fogo, arte
rupestre, entre outros. Após a resolução de exercícios, os
bolsistas PIBID levaram até os alunos um jogo
denominado “dominó da pré-história”. Este jogo foi
confeccionado pelos bolsistas, com uma peça central que
possuía três saídas iniciais, a primeira dava segmento a
evolução dos hominídeos, a segunda para os períodos da
história e a terceira para as invenções no decorrer do
tempo, ambas em ordem cronológica. Cada peça (imagem
3) possuía em uma ponta uma ilustração e em outra uma
diferente descrição, e elas deveriam assim ser encaixadas
na ordem cronológica.

Imagem (3) Dominó da Pré-História

Fonte: Acervo pessoal PIBID HISTÓRIA

UNIFRA

Para executar este jogo, os educandos foram


divididos em seis grupos, havia um jogo para cada, os
componentes mesclaram as peças para montar o dominó. O
livro didático estava liberado para consulta, mas grande
parte dos alunos fez questão de executar o jogo sem
consulta, a fim de experimentar seus conhecimentos.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|806


Imagem (4) Alunas concluindo

a atividade

Fonte: Acervo pessoal PIBID HISTÓRIA

UNIFRA

Imagem (4) Alunos concluindo

a atividade

Fonte: Acervo pessoal PIBID HISTÓRIA

UNIFRA

Todos os grupos conseguiram concluir o jogo,


imagem 4 e 5 ilustra alguns alunos expondo o resultado.
Sendo está a primeira atividade utilizando recurso didático
e, notando o desempenho e grande interesse por parte dos
alunos somando a interação com os colegas, o grupo de
bolsistas optou por realizar mais atividades voltadas para a
ludicidade.

Jogo de Perguntas e Respostas


A terceira etapa da atividade além de aproximar
mais os bolsistas de iniciação à docência a realidade
escolar, o desafio da vez foi elaborar uma atividade que
não envolvesse recursos didáticos, mas que pudesse haver
uma dinâmica. Sabe-se que muitas vezes o material e a
verba para recursos sãoescassos, sendo assim é preciso
saber utilizar os meios que estão ao nosso alcance, desta

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|807


forma optou-se por uma dinâmica em grupo. O objetivo
desta intervenção era, auxiliar os alunos no aprendizado
dos conteúdos trabalhados em sala de aula, o assunto em
questão era o início da República.
A intervenção ocorreu nas turmas de 9° ano, e
funcionou da seguinte forma: divididos em cinco grupos
de quatro componentes e utilizando suporte do livro
didático, os alunos tiveram que elaborar uma série de
perguntas sobre o conteúdo, a fim de realizar um jogo de
perguntas e respostas entre os grupos. A equipe que
obtivesse maior quantidade de pontos no final do jogo
ganharia uma caixa de chocolate como prêmio.
Para realizar este jogo, foi necessária uma leitura
prévia dos alunos acerca do conteúdo e principalmente
exercitar a atenção nas explicações da professora regente.
Além da leitura, a atenção em aula e esclarecimento das
dúvidas foi fundamental para o desenvolvimento da
atividade. Alguns grupos estavam empolgados em elaborar
perguntas difíceis para o adversário, mas para isto eles
mesmos deveriam saber a resposta.

Imagem (6) Alunos durante a dinâmica

Fonte: Acervo pessoal PIBID HISTÓRIA

UNIFRA

Imagem (7) Alunos durante a dinâmica

Fonte: Acervo pessoal PIBID HISTÓRIA

UNIFRA

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|808


Mesopotâmia: Jogos de Memória
A quarta etapa da atividade consistiu em um jogo da
memória da Mesopotâmia. A partir do diálogo entre os
bolsistas e a supervisora do subprojeto PIBID História
UNIFRA, foram selecionados os temas do jogo didático,
“Povos da Mesopotâmia e Egito” e, posteriormente, que
tipo de jogo seria desenvolvido, onde foi selecionado o
jogo da memória. Para o jogo, foram selecionadas
imagens, que retratavam os povos da mesopotâmia e os
egípcios, bem como, pequenas descrições.

Imagem (8) Jogo da Memória

Fonte: Acervo pessoal PIBID HISTÓRIA

UNIFRA

Para essa atividade as turmas escolhidas foram 61,


62, 63 e 64. As turmas em seus respectivos horários de
aula foram divididas em trios ou duplos para observarem
as figuras referentes aos conteúdos e acharem a descrição
correspondente.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|809


Imagem (9) Alunos durante a dinâmica

Fonte: Acervo pessoal PIBID HISTÓRIA

UNIFRA

Imagem (10) Alunos durante a dinâmica

Fonte: Acervo pessoal PIBID HISTÓRIA

UNIFRA

O encontro ocorreu como o planejado nas discussões,


permitindo novas ideias de atividades. Os alunos demonstraram
interesse durante a realização da atividade, fizeram
questionamentos sobre as imagens e conteúdo. A maioria dos
grupos terminou o jogo sem o auxílio do livro didático.

Dominó da Era Vargas


A quinta intervençãoatravés de uma projeção de
imagens, os bolsistas PIBID ministraram para as turmas de
9° ano, uma microaula sobre a Era Vargas. Nesta aula,
houve a explicação sobre o Governo Provisório (1930-
1934), Governo Constitucional (1934-1937) e Estado
Novo (1937-1945). Também elaborou-seum material com
tópicos e as principais características dos governos de
Getúlio Vargas. Este jogo contém 21 peças e a turma será
dividida em grupos para montar o jogo. Pretende-se com
essa atividade, auxiliar no processo de aprendizagem dos
alunos e na fixação do conteúdo de maneira lúdica.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|810


Imagem (11) Jogo de Dominó

Fonte: Acervo pessoal PIBID HISTÓRIA

UNIFRA

A microaula ministrada pelos bolsistas contou com


uma explanação acerca da ascensão de Vargas, de onde ele
veio e como foi se mantendo no poder, ao mesmo tempo
em que eram projetadas diversas imagens de Vargas. Após
cada aluno recebeu um resumo do que foi discutido e
explanado, houve um momentopara questionamento e
dúvidas e, em seguida puderam realizar o jogo de dominó.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|811


Imagem (12) Alunos concluindo

a atividade

Fonte: Acervo pessoal PIBID HISTÓRIA

UNIFRA

Imagem (13) Atividade concluída

Fonte: Acervo pessoal PIBID HISTÓRIA

UNIFRA

Este jogo começa com uma peça central dividida


em três partes, sendo que cada uma corresponde a um
período de governo de Getúlio Vargas: governo provisório,
governo constitucional e estado novo. As peças do dominó
possuem duas partes: descrição/imagem ou
descrição/descrição. Cada conjunto de peças do dominó
está em três cores diferentes: verde, amarelo e azul. Cada
cor corresponde também a um dos períodos já divididos,
há uma ordem cronológica a ser respeitada nas peças.
Buscou-se focar neste trabalho as principais
características de cada governo de Getúlio Vargas, entre
estas características estava a conquista do voto feminino, o
avanço das leis trabalhistas bem como a conquista de
vários direitos para o trabalhador. Outro fator que
destacamos foram as características do período ditatorial
chamado Estado Novo, e a participação do Brasil na
segunda guerra mundial. O jogo abordou a ascensão e a
queda de Getulio Vargas (1930-1945) deixando a volta ao
poder e o suicídio para outro momento.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|812


Para auxiliar no desenvolvimento da atividade, além
do auxílio da professora regente e dos alunos bolsistas, há
o caderno, o resumo distribuído, o livro didático. Como há
uma grande quantidade de alunos com celular e tendo em
vista que a escola dispõe de rede wifi, optou-se por utilizar
esta ferramenta em favor da aula, sendo assim, foi
autorizado o uso dos aparelhos celulares dos alunos para
que pudessem acessar e pesquisar. Durante a execução
desta atividade também foi possível esclarecer dúvidas e,
ao mesmo tempo comparar informações descrita nos
livros, na internet e até mesmo com as explanações da
professora e dos bolsistas.

Jogo da Vida: Guerra Fria


A sexta atividade lúdica ocorreu com as turmas de
9° ano e o assunto foi sobre a guerra fria. Esta intervenção
consistiu em uma repica do tradicional jogo da vida. Nesta
etapa os bolsistas PIBID confeccionaram um jogo de
tabuleiro com imagens da corrida armamentista e o
conflito EUA X URSS.
Este jogo era composto por um tabuleiro, um dado
numérico, 2 peões e um conjunto de 60 questões sobre a
guerra fria. Estas questões foram criadas pelos bolsistas,
baseada nas explicações da professora e no material que
eles possuem disponíveis e estavam divididas em
perguntas específicas e em questões de verdadeiro ou falso
em forma de cartas (imagem 14). Foi confeccionado dois
jogos iguais para melhor dividir os grupos.

Imagem (14) Jogo da Vida Guerra Fria

Fonte: Acervo pessoal PIBID HISTÓRIA

UNIFRA

Antes de aplicar o jogo, a professora regente


ministrou sua aula normalmente, em um período posterior
os alunos foram levados a sala de informática para

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pesquisar diversas palavras relacionadas a guerra fria, a
fim de pesquisar o conceito das mesmas. Os bolsistas
também ministraram uma microaula explicando as
diversas revoluções que ocorreram neste período e que de
alguma forma tiveram relação com a guerra fria, como por
exemplo a Revolução Cubana e Chinesa. Após estas etapas
foi aplicado a atividade.
O jogo fluiu da seguinte maneira: cada grupo era
dividido em duas equipes, cada equipe jogava o dado uma
vez e só andava o número de casas correspondente ao dado
se acertasse a questão sorteada, que era lida pelo grupo
adversário. Cada grupo escolheu um representante para
comunicar a resposta oficial, mas a mesma era decidida em
forma coletiva e, poderia ser pesquisada no caderno e no
material individual que cada um possuía.

Imagem (15) Alunos jogando

Fonte: Acervo pessoal PIBID HISTÓRIA

UNIFRA

Imagem (16) Bolsista auxiliando

os alunos

Fonte: Acervo pessoal PIBID HISTÓRIA

UNIFRA

Esta atividade teve uma boa receptividade entre os


alunos, a empolgação em jogar e acertar era vista no
entusiasmo da pesquisa e discussão para entrar em um
consenso sobre qual a resposta correta. Ao final desta

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|814


atividade os alunos não esperavam, mas foi entregue uma
caixa de chocolates para dividir entre o grupo.

Possibilidades e Discussões
A partir das reflexões desenvolvidas neste artigo,
bem como a prática desenvolvida na Escola E. de E. B.
Augusto Ruschi, neste ano de 2015, pode-se concluir que
as atividades lúdicas são de grande importância para o
desenvolvimento teórico e emocional dos alunos. Os
alunos se mostraram participativos em todas as atividades
desenvolvidas. Aliás, o envolvimento de todos os alunos
pode ser observado em um jogo de revisão.
Neste sentido, é essencial que nós professores,
busquemos nossas metodologias para desenvolver o nosso
trabalho. Lembrando sempre que trabalhamos para nossos
alunos, é para eles, ou seja, as atividades precisam ter
objetivos voltados para o desenvolvimento dos alunos e
não pensadas para serem práticas.
Houve aprovação da atividade por parte dos alunos,
e os mesmos acabaram por pedir mais atividades com esta
metodologia. Com o desenvolvimento destas dinâmicas foi
possível perceber, a cooperação, a socialização e a
capacidade de pesquisar e sintetizar dados. Segundo Celso
Antunes (1998) “o jogo é o mais eficiente meio
estimulador das inteligências”. Percebeu-se que os alunos
tiveram que pesquisar e se esforçar para durante as
atividades de modo que envolvesse o grupo todo e o
respeito que esses grupos tinham que ter entre si, dando a
oportunidade de cada integrante interagir de forma ordeira
e sem brigas, trabalhando assim a disciplina.
Após o desenvolvimento destas atividades, foi
possível perceber, um maior envolvimento dos educandos
perante o interesse e questionamentos pela disciplina, o
que, em geral é menos frequente em aulas tradicionais para
o Ensino Fundamental. A partir destas atividades lúdicas,
os alunos além de reverem o conteúdo trabalhado até
então, analisando e comparando, puderam socializar-se
durante a atividade promovendo momentos propícios de
relações interpessoais. Em nenhum momento houve
desrespeito entre os mesmos, fazendo assim o espaço da
sala de aula, um local de valorização do indivíduo e de
oportunidades de novas relações sociais.
Diferentemente da velha metodologia de estudo que
engloba ler e reler várias vezes determinado conteúdo, a
fim de decora-lo torna o aprendizado um tanto monótono,
como se o aluno tivesse obrigação de saber apenas por
saber. O ensino de forma lúdica torna o aprendizado do

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|815


aluno mais instigante, deixando para trás a decoreba e
dando lugar ao pensamento crítico e consciente.
No decorrer da realização destas intervenções,
percebeu-se que os educandos demonstraram além de mais
interesse em assuntos que antes pareciam não lhes
interessar, há uma relação de cooperação entre os colegas,
onde fazem das dúvidas dos conteúdos, motivos para o
diálogo, mas não aquele diálogo que por vezes atrapalha a
explanação do professor, mas sim o diálogo com
discussões acerca do conteúdo. Portanto, é possível
perceber que as atividades lúdicas servem de suporte para
a fixação dos conteúdos teórico em sala de aula, é
necessário buscar novas metodologias e adaptar-se ao
modo de aprendizagem que mais é acessível ao aluno.
Percebeu-se também que, o programa institucional
de bolsa de iniciação à docência (PIBID) tem sido um fator
relevante na formação de novos profissionais da educação,
pois estes passam a ter contato cada vez mais cedo com a
realidade escolar. Sendo assim, os bolsistas acabam
participando destas ações ao mesmo tempo que incentivam
os alunos a aprenderem através de novas abordagens.

Referências Bibliográficas
ANTUNES, Celso. Jogos para a estimulação de
inteligências. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 1998.
ANTUNES, Celso. Professores e Professauros:
reflexões sobre a aula e práticas diversas. Petrópolis:
Vozes, 2008.
DICIONÁRIO INFORMAL (SP) em 02-09-2012,
acessado no site:
http://www.dicionarioinformal.com.br/ludicidade/,no dia
30/12/2014 as 13:39.
LISBOA, Monalisa. A importância do lúdico na
aprendizagem, com auxílio dos jogos. Disponível no site:
http://brinquedoteca.net.br/?p=1818, acessado no dia
29/12/2014 as 15:36min.

LUCKESI, Cipriano Carlos. Educação, ludicidade


e prevenção das neuroses futuras: uma proposta
pedagógica a partir da Biossíntese. In: LUCKESI, Cipriano
Carlos (org.) Ludopedagogia – Ensaios 1: Educação e
Ludicidade. Salvador: Gepel, 2000.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|816


PINSKY, Jaime. (Org). O Ensino de história e a
criação do fato. Contexto: São Paulo, 2012.
________PINSKY, Carla Bassanezi. Por uma
História prazerosa e consequente. In: KARNAL,
Leandro (org.). História na sala de aula: conceitos,
práticas e propostas. São Paulo: Contexto, 2003. p. 17-36

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|817


Maniba, Mandioca e Aipim:
origem, histórias e gastronomia da raiz brasileira
PorGabriel Chaves Amorim167

Resumo Abstract
Neste trabalho seguimos um roteiro para In this paper we follow a script to work
trabalhar com qualquer tipo de estudante a with any type of student about the history of
história da alimentação. Como sugestão trago o food. As a suggestion I bring the example of
exemplo do resgate de receitas, que pode ser recipe recovery that can be done based on
feita com base em bibliografia ou com a família literature or the student's family. In this paper
do estudante. Neste trabalho buscamos o resgate we seek the recovery of cassava-based foods
da gastronomia da mandioca e montamos uma and suggest a dish. As a result of this research,
sugestão de prato a partir dessa pesquisa. Como we can see Cassava Gastronomy and its raw
resultado desta pesquisa, podemos ver a materials recurring in the major food habits and
recorrência da Gastronomia da Mandioca e food identities of pre-colonial times. This small
seus insumos como principais hábitos e sample helps us understand more about eating
identidades alimentares pré-coloniais. Esse habits, ingredients, subproducts, techniques, and
pequeno apanhado nos ajuda a entender um locations of Amazonian gastronomy .
pouco mais sobre os hábitos alimentares,
ingredientes, subprodutos, técnicas, locais de Keywords:History of Food, History of cassava,
consumo da gastronomia Amazônica. Amazonian Gastronomy.

Palavras-chave: História da alimentação, História da


mandioca, Gastronomia Amazônica.

167
FEEVALE - i_cristo@yahoo.com.br

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|818


Introdução
Este trabalho foi concebido através das atividades
de ensino e pesquisa da disciplina de Introdução à
Gastronomia e Nutrição, onde tratamos das bases e da
história da alimentação. Inicialmente como um trabalho
didático sugerido pela professora, Hosana
EsperanzaCimadon, que orientou este trabalho com sua
formação de nutricionista. Sou estudante da Gastronomia
na Feevale desde 2014. Concomitante curso licenciatura
em história na UNISINOS onde venho participando de
iniciações cientificas e grupos de pesquisa. Tive interações
com o estudo do patrimônio também quando atuei como
estagiário, no Arquivo Publico do Rio Grande do Sul, no
setor de educação patrimonial. Tais pressupostos me
influenciaram a transcender a atividade propondo para
professora me Orientar na pesquisa de um objeto que
poderia ser apresentado em mostras de iniciação cientifica.
Já apresentei este trabalho na feira de iniciação cientifica
da Feevale. E agora nesta Jornada Ensino de História e
Educação. Que acredito casar com a prática que proponho
ao longo do artigo e com o tema pesquisado. Ressalto aqui
também a importância de sugerir atividades que reforcem a
diversidade em sala de aula, inclusão de referencia
indígenas e africanas estimulando uma educação
intercultural. Pensando nestas possibilidades qual o papel
do profissional de história na área da Gastronomia? Ou
ainda como o professor de história pode estimular a
memória do patrimônio e a alimentação saudável?
A questão central do trabalho é atestar a ideia do
resgate feita por educadores como forma lúdica e até
prazerosa de resgatar as identidades alimentares e
gastronômicas. As pesquisas podem ter como objeto o
núcleo familiar, determinadas festas tradicionais da cidade,
textos e livros.
Neste trabalho de pesquisa dividi o trabalho em
passos:
1-Levantamento de ideias, bibliografias.
2-Confecção de um texto expondo os resultados.
3-Confecção de uma receita tendo como base os
principais ingredientes ou principal prato apontados na
pesquisa.
4-Realizar a confecção de ficha técnica através de
uma prática na cozinha.
Muito importante que a pratica na cozinha aconteça
realmente para que haja um contato prático, para que se
desenvolvam as habilidades cognitivas próprias da
culinária e gastronomia. A relação com estas técnicas é a
relação com a nossa cultura. Muitos estudantes hoje já não

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|819


tem uma relação direta com utensílios de cozinha como
fogão, panelas, utilizando apenas micro-ondas e fornos
elétricos para esquentar preparos prontos. Esta atividade
estimula portanto a relação com a cozinha e que o ato de
cozinhar que o principal eixo da Gastronomia.
É sugerido que antes de trazer a metodologia de
resgate da receita, os estudantes entendam o que é
identidade alimentar e como as identidades se
transformam. Neste caso vamos buscar as identidades pré-
coloniais brasileiras. Para tanto, buscamos trabalhos que
relacionem a identidade com a alimentação. Os educadores
podem se valer deste apanhado para introduzir o tema que
depois pode se dispersar em eixos mais genéricos.
Antropologia e nutrição: um diálogo possível
(2005) é uma publicação da Maria Eunice Maciel,
nutricionista que busca enxergar a gastronomia como um
sistema de identidades:

A alimentação, quando constituída como uma


cozinha organizada, torna-se um símbolo de uma
identidade, atribuída e reivindicada, por meio da qual os
homens podem se orientar e se distinguir. Mais do que
hábitos e comportamentos alimentares, as cozinhas
implicam formas de perceber e expressar um determinado
modo ou estilo de vida que se quer particular a um
determinado grupo. Assim, o que é colocado no prato
serve para nutrir o corpo, mas também sinaliza um
pertencimento, servindo como um código de
reconhecimento social. (Maciel 2005, 53)

A identidade alimentar está estruturada num sistema


de crenças e representações que não dependem de técnicas
ou ciências laboratoriais para serem aceitas, nem tampouco
são refutados pelos avanços tecnológicos. Quando o
homem busca a provisão alimentar ele estabelece um
projeto de relação com o ambiente, trabalho e comunidade.
Um importante fator é como as sociedades se
organizam para se alimentar. Hoje temos uma ampla rede
de logística da alimentação, com caminhões, ceasas,
supermercados, açougues, padarias e restaurantes. A
partir destes pretextos podemos começar a pensar em
identidade gastronômica. Pensar a identidade como sendo
a forma/método de como se relaciona, registra, projeta,
organiza, executa e consome os alimentos. Identidade
gastronômica é gastronomia.
As cozinhas chamadas de clássicas foram cozinhas
que vieram de cortes e elites que tinham acesso
privilegiado aos recursos de diferentes regiões de um reino
ou império, embora constituídas sobre bases das tradições
culinárias locais. Essa ampla cadeia que se estende do
cultivo ao consumo, faz parte da gastronomia.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|820


A história da maniba168: contato entre europeus e as
roças nativas
Eles não lavram, nem criam. Nem há aqui boi,
nem vaca, nem cabra, nem ovelha, nem galinha, nem outra
nenhuma alimária que seja costumada ao viver dos
homens, nem comem senão desse inhame - que aqui há
muito -, e dessa semente e frutos que a terra e as árvores
lançam de si. E com isso andam tais, tão rijos e tão nédios
que não o somos nós tanto, conquanto comamos trigo e
legumes. (Carta de Pero Vaz de Caminha a El Rei D.
Manuel. Primeiro de abril de 1500.)

Esta é uma passagem documental onde podemos ver


o cultivo de mandioca pelos primeiros nativos avistados
por Europeus que chegaram à Bahia. A carta de Pero Vaz
de Caminha foi usada como exemplo de documento
histórico que atesta a identidade alimentar dos nativos
brasileiros.
A discussão primária da fonte foi feita com os
estudantes envolvidos e temos que ter em vista que eram
europeus que nada conheciam escrevendo sobre estes
novos povos, com todos seus dogmas religiosos e códigos
morais de sua época.
Podemos notar também o desconhecimento inicial
de técnicas e cultivo da mandioca em forma de lavouras.
Diferente de um nativo avistado neste momento, os
europeus estavam acostumados com a agricultura de
grandes roteamentos (desmatamentos). Os nativos também
usavam as técnicas de desmatamentos através do fogo, as
coivaras iniciavam o processo de plantio da mandioca.
Porém o cultivo em mato fechado ou clareiras abertas
também era utilizado.
Os viajantes colonizadores por vezes se viram a
beira da morte pelo desconhecimento dos gêneros
alimentícios nativos. Apesar dos europeus recrutarem
nativos para as expedições mato à dentro, na medida em
que esses se afastavam de seu lugar de origem,
distanciavam também do conhecimento que tinham sobre o
ambiente. [...] Diante destas, e de outras experiências
malsucedidas, os colonizadores suportaram o desgaste da
falta de alimentos, e chegaram até a cozinhar pedaços de
couro de seus cintos e solas de sapato para saciarem a
fome. (Cypriano 2007, 34)
A gastronomia dos marinheiros praticamente se
resumia a biscoitos. Assados em média quatro vezes para
acabar com a umidade podendo então resistir por longos
168
A palavra maniba aparece tanto na cultura popular e história oral indígena, quanto às crônicas e relatos de viajantes da época.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|821


períodos. A expressão molhar o biscoito tem sua origem
no habito de molhar um biscoito duro para que se torne
mais palatável. A dieta nos navios era deficiente em
legumes, pois eram de difícil conservação, as dificuldades
de alimentação acarretavam doenças graves como o
escorbuto, causada pela deficiência em vitamina C. A dieta
poderia ser enriquecida com pescados e paradas em
arquipélagos, ilhas e novas terras. Reunia em suas equipes
homens muitas vezes de distintos lugares do mundo com
culinárias, gostos, gastronomias e uma vontade de lucrar
com o desconhecido.
Outra importante fonte para ilustrar a relação dos
nativos com a mandioca são as pinturas produzidas por
estes europeus. É um recurso didático mais visual, que traz
esta relação entre os europeus e os insumos nativos do
Brasil.

Figura 1-A mandioca. Albert Eckhout. 1640.

Nationalmuseet [Museu Nacional da

Dinamarca], em Copenhague.

3.2.

3.3.

A fim de contextualizar utilizo essa obra de Albert


Eckhout, artista que fez parte da comitiva científica e
artística do Conde João Maurício de Nassau que atuou na
tentativa de dominação do nordeste brasileiro no sec.
XVII. Pintou o maracujá, o caranguejo e também a
mandioca, numa série de 12 pinturas, naturezas-mortas
com frutas e vegetais tropicais ou cultivados em solo
brasileiro, pintadas entre 1640-1650. Uma espécie de
mídia do século dezessete para informar o achado deste
tubérculo legitimamente brasileiro, que poderia trazer
algum rendimento futuro.
Além das pinturas, os relatos vão se caracterizar
como boa fonte para se escrever esta narrativa sobre as
identidades gastronômicas brasileiras. Conforme a obra de
Luis da Câmara Cascudo, a mandioca teria sido
introduzida na Amazônia pelos Tupis e posteriormente se

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|822


propagado por toda orla litorânea do Atlântico. Portanto o
autor atribui aos nativos brasileiros a domesticação da
mandioca, discorrendo ainda sobre suas fontes:
Cronistas como Manoel da Nobrega, José de
Anchieta, Hans Staden, Pero de Magalhães de Gândavo,
Gabriel Soares de Sousa, Fernão Cardim, Jean de Lery,
André Thevet, Claude d’Abbeville, Ivo d'Evreux, frei
Vicente de salvador [...] registram minúcias do preparo da
farinha, mingaus, beijus, caldos, bolos todos os produtos
da [...] ManihotUtilssima. (Cascudo 2004, p.90)

A maniba do Grão Pará169: Identidade gastronômica


da Amazônia
O ensaio a seguir deve ser encarado como resultado
deste levantamento bibliográfico sobre a história da
mandioca. Aqui montei esta tímida narrativa que conta
com excertos meus e citações de trabalhos que julguei
serem os mais importantes.
Dentre os Primeiros europeus a entrarem em contato
com a Amazônia² estavam os religiosos padres jesuítas que
em missões se dedicavam ao catecismo dos nativos.
Fazemos uso desta documentação para tentar trazer o
testemunho sobre a interação dos nativos com a
alimentação. Os jesuítas possuem amplo registro dos
povos nativos do Amazonas. Utilizarei os relatos desses
jesuítas, como testemunha dos hábitos e projetos
alimentares que os nativos mantinham na Amazônia.
Na obra de Dóris Cristina Castilhos de Araujo
Cypriano “Almas, corpos e especiarias, a expansão
colonial sobre os rios Tapajós e Madeira” ela estuda a
ação dos missionários jesuítas entre populações nativas da
região, nos séculos XVII e XVIII, usando como
documentação básica os próprios relatos e reinterpretando-
os.
A autora nos apresenta relatos de vários
missionários que viajaram pelo alto Amazonas. Dentre está
a narrativa de João Daniel, um padre que viajou pelos rios
Tapajós e Madeira em meados de 1750, registrando os
hábitos dos Tupinambaranas, Tapajós e Iruris nativos
daquela região.

169
Na colônia do Grão-Pará e Maranhão, território que atualmente corresponde à Amazônia, as instituições religiosas
organizaram sistemas de trabalho [...] montadas pelos missionários na colônia do Norte, elaboradas a partir do conhecimento
que os indígenas possuíam em relação aos espaços onde se encontravam os gêneros e sua forma de extração. Foram também os
indígenas, os responsáveis pela transmissão das práticas de agricultura, pesca, caça, de conhecimentos sobre utilização e
conservação de gêneros e ainda da fabricação de cestos, cordas, redes e canoas aos colonos e religiosos do Norte ver. (Ravena e
MarinI 2013, pg.397)

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Roberto Borges da Cruz nos apresenta uma
dissertação que é fruto de seu mestrado no programa de
pós graduação em história social da Amazônia. Com título:
“farinha de “pau” e de “guerra”: Os usos da farinha de
mandioca no extremo norte (1722-1759).” O autor analisa
a importância da mandioca para os índios e colonos
portugueses. Neste trabalho divide a farinha em dois
grupos, a farinha fresca e a de guerra. A farinha fresca
podemos citar como alimento que consumimos ainda hoje
a tapioca, os biscoitos e pães de polvilho, pães de queijo
(sem queijo). A farinha seca ou de guerra é aquela usada
como acompanhamento para carnes, molhos, caldos e até
doces. O autor usou vários documentos, correspondências,
autos de arquivo para elucidar o consumo de mandioca no
Brasil. Dentre os documentos trabalhados pelo autor, a de
se destacar os ensaios sobre os excertos do Padre João
Daniel.
“A farinha da mandioca e suas ‘inconveniências’
na Obra de João Daniel” é outro estudo de Roberto
Borges da Cruz que podemos encontrar sobre os relatos do
Padre João Daniel em relação à farinha de mandioca e seu
consumo no alto Amazonas. João Daniel se vê
incomodado pelo planto da mandioca pelos nativos, pois
esta segundo ele representava um atravanque no progresso.
A vida estável dos nativos com o cultivo de mandioca
representava um atraso para os portugueses, que queriam
um sistema de vida baseado no trabalho e que não
dependesse da “farinha de pau”, se valendo de gêneros
mais europeus.
O padre jesuíta descreve que a base da dieta dessas
sociedades era a mandioca-brava. Dela era aproveitada a
haste, chamada maniba, através da qual se tira as mudas
para multiplicação da planta; as folhas, chamadas de
maniçoba, servem como tempero; e a raiz é a mandioca.
O registro de João Daniel revela a gastronomia
dessas sociedades, que se organizavam em torno do cultivo
da mandioca. O preparo do solo para o cultivo necessita de
trabalho que deve ser conciliado com atividades de pesca e
caça. As manufaturas dos produtos derivados da raiz
também caracterizam a identidade gastronômica dos povos
nativos do amazonas em geral. (Cypriano 2007, P.150) Vai
concluir que [...] a caça e a pesca forneciam aos povos do
Amazonas [...] maior parte das proteínas de sua
alimentação, mas a base de suas dietas permaneceu sendo
obtida através do cultivo da mandioca brava em roças. A
gastronomia dos nativos amazônicos está, portanto baseada
na mandioca tendo como acompanhamento pescas e caças
específicas. Quanto à gastronomia das carnes de caça e
pesca, discutiremos mais à frente.
Ao fazer o levantamento da historiografia dos
viajantes podemos ver o preconceito europeu frente a
“monótona” dieta à base de farinhas de mandioca que

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|824


acompanhavam o pescado à moquém170 ou assado novo.
Essa dieta monótona as vezes poderia ser causada por uma
determinada estação do ano que diminua as possibilidades
de caça e pesca, porém tendo a segurança dos estoques da
mandioca.
Os nativos escolhiam o cultivo da mandioca brava
por ela conter uma proteção natural contra pragas. Apesar
de conter uma toxina mortal, a mandioca brava era
escolhida por ter um cultivo mais próspero e se adaptar
bem aos solos ácidos.
Teresa Losada Valle que atua como pesquisadora do
Instituto Agronômico de Campinas nos ajuda entender a
escolha pela mandioca brava ou amarga. A mandioca não
amarga ou mansa é conhecida pela maciez e pela falta de
toxidade, não necessitando de longo cozimento como a de
qualidade brava. O gosto ou sabor não deve ser entendido
unicamente como sensação individual, experiência
subjetiva, incomunicável que se tem ao provar algum
alimento. Dever ser percebido também como “um saber”
sensorial do que é próprio ou não ao consumo. Por
exemplo, o intenso sabor amargo dos alimentos indica
presença de toxidade. Este saber foi transmitido de forma
tradicional durante muitas gerações.

O sabor amargo foi utilizado como indicador de


substâncias tóxicas no processo de domesticação e
utilizado para aumentar os mecanismos de defesa das
plantas. Portanto variedades bravas ou amargas somente
podem ser consumidas após o processamento para que
ocorra a destoxificação. (Valle 2007, 2)

O Tucupi (suco venenoso) que é extraindo da


mandioca serve de base para um prato ainda consumido
nos dias de hoje. Esse é um caldo que se obtém da
mandioca espremida que se deve deixar descansar para que
o líquido se separe do amido. Sendo necessária a fervura
por longas horas para acabar com o veneno. O tucupi é
uma espécie de fundo aromático que serve de base para
vários molhos e reduções.
Um importante subproduto extraído da mandioca é
o seu fermentado alcoólico. Antes da invasão portuguesa,
longe do moralismo dos padres, nativos preparavam um
composto de mandioca ralada, água e as vezes mel. Este
mosto primário era colocado para fermentar junto a
leveduras naturais, muitas vezes com a ajuda da saliva e da
mastigação.
Na obra do folclorista brasileiro Luis da Câmara
Cascudo, podemos ver alguns registros do que ele chama

170
Moquem; Moquear. Método de conservação de carnes onde a fumaça é utilizada para criar
um ambiente anaeróbico “defumando” a carne.

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de “Bebidas vulgares do Amazonas” em “finais do século
XIX”. De beiju fermentado, caxiri no Negro, caimã no
Solimões. Destilada, tikiri, ticuara, do beij de mandioca,
tarupá, especialmente feio. De beiju queimado e agua,
cimé, cimecibé, xibé (fora da AmazôniJacub)” (Cascudo
2004, P.137-1338)

Polvilho Azedo, Polvilho Doce, Farinha Seca, fina,


grossa em bagos, Farinhas úmidas de tapioca. Tucupi.
Caldo extraído. Também podem ser produzidos biscoitos,
chipas e pães de queijo, bolos, biscoitos, bolachas
bombocados, salgadinhos, escondidinho com peito de
frango, croquetes, nhoques, salgados e coxinhas. Para a
produção dos derivados, a raiz é utilizada tanto crua,
quanto cozida.
Segundo a nutricionista (Silva 2007, Pg.125) as
escolhas alimentares são influenciadas por preferências
individuais, fatores ecológicos, econômicos, sociais e
culturais. Com relação ao sistema de tabus
alimentares.Não podemos, portanto achar que os nativos
se alimentavam de toda e qualquer espécie de plantas,
animais ou carnes que se encontrava no território
Brasileiro. Ainda conforme o estudo de (Silva 2007) com
populações ribeirinhas do Rio Negro, abordando os hábitos
e tabus alimentares destas populações. Que apresentam
hábitos e costumes e gostos alimentares que remetem ao
modo de viver da Amazônia e de seus nativos.
Queremos afirmar aqui que dentre os motivos para
se adotar a dieta da mandioca e peixes havia a segurança, a
estabilidade e a saúde. Não da pra sair comendo qualquer
coisa também! Há uma tipificação nutricional popular que
esses ribeirinhos adotam que é o de alimentos reimosos e
não reimosos. Ainda segundo o trabalho de etnonutrição
abordado por (Silva 2007, Pg.136) Os animais reimosos
são evitados por aqueles que tenham feridas, erupções
cutâneas e doenças inflamatórias, ou ainda pelas mulheres
nos períodos de menstruação, gravidez ou pós-parto
(resguardo).
Um importante ponto a ser abordado neste trabalho
sobre a identidade gastronômica, ou seja, o projeto que
estes nativos tinham para com sua alimentação é sua
dedicação com o cultivo de mandioca. Mas também
podemos verificar a introdução desses sistemas
nutricionais e dietéticos envolvendo gêneros alimentícios
amazônicos. Podemos observar que os conhecimentos
práticos superam os estudos formais da ciência tradicional
no caso dos ribeirinhos e da domesticação da mandioca.
Durante muitas gerações os povos Americanos se
dedicaram à observação dos fenômenos naturais, da fauna
e da flora nativa. Essas observações se concentraram em
verdadeiros estudos sobre a utilização dos bens naturais,
criando sistemas populares tradicionais para qualificar e

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|826


quantificar as dietas. Mantendo também tradições e
conhecimentos que são passados de forma oral.

Nem só de mandioca vive o homem. Outros gêneros


alimentícios no Amazonas
Podemos ver neste relato, o Europeu de origem
espanhola cita as proteínas consumidas pelos nativos. Por
certo que pareceria estranho aos olhos europeus o consumo
de espécies nativas como o tamanduá, capivara, peixe boi e
a anta tão diferentes de espécies domésticas e de caça do
velho mundo.

muchocacao, zarzaparrilla, y corteza, que llaman de Clavo


para guisados, y tintas. Entre sus innumerablesPecesel
mas singular es la Vaca Marina, o PexeBuey; asídicho por
lasemejanza (…). Es abundadísimo de Tortugas,
Armadillos, Lagartos o Cocodrilos (…) ayferoces Tigres,
Jabalíes (Cypriano 2007, p. 35)

Podemos ver que o consumo de carne dependia da


caça e da pesca, que estavam sujeitas as estações de
reprodução e escassez. A falta de gêneros alimentícios
durante certas épocas também nos ajuda a entender o
cultivo da mandioca, que além de rentável era de boa
preservação em estoques de farinhas.
A antropologia tem contribuído para demonstrar a
existência de outras formas de pensar e classificar os
alimentos que não em termos de nutrientes, segundo o
modelo da moderna ciência da nutrição. Os diferentes
grupos sociais, submersos nas próprias tradições e em
diferentes matrizes culturais, possuem conhecimentos
dietéticos tradicionais acumulados que lhes foram
transmitidos pelas gerações anteriores ou pelos agentes de
cura tradicionais.
Esses conhecimentos sobre o valor da dieta expressam-se
por intermédio da linguagem, mantêm-se, transformam-se,
convivem com os da Nutrição - calcados no saber
científico - e foram estudados etnograficamente junto aos
segmentos das classes populares em diferentes partes do
Brasil. (Canesqui 2007, Pg.204)

A classificação tradicional que estamos buscando


aqui exemplificar é a da reimosidade. Com relação à

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|827


reima171, aspectos como dieta, comportamento e aparência
física são fatores importantes para categorizar um animal
como reimoso ou não. Os animais mais difíceis de serem
enquadrados em uma categoria como os peixes lisos (sem
escamas) e os animais que comem de tudo (como as
piranhas e o porquinho) são considerados por algumas
populações como reimosos.
Ainda, certas espécies são consideradas reimosas
devido ao excesso de gordura, como os peixes de couro,
por exemplo, jandiaçu, pirarara, o pirarucu e o peixe-boi.
O Mau cheiro da caça ou de alguma carne é um indicativo
da reima.
Os igarapés (pequenos rios), que se formavam nas
florestas da Amazônia serviam de criadouros de peixes e
locais para colocar armadilhas e arapucas. Além desses
criadouros de peixes, os nativos recolhiam tartarugas para
a engorda dentre outros animais que conviessem tal
técnica.
Caçavam antas, javalis, porcos do mato, tatus,
capivaras, veados, cotias. Também se usavam de larvas de
madeira para alimentação. As abelhas americanas são
menores, sem ferrão, tem como característica fazer seus
favos enterrados na terra. Ainda se utilizavam da peçonha
e do veneno de répteis para produção drogas e
neurotoxinas para serem usadas em dardos e flechas de
caça.

A ligação espiritual com a mandioca: os mitos da


mandioca
Em várias culturas existem alimentos que fazem
uma ligação entre o natural e o sobrenatural. Como o pão e
o vinho para os cristãos. Como as comidas de umbanda e
candomblé. Certos itens possuem grande simbolismo para
uma cultura e não são muito passíveis de troca. Como
entre os gregos, uvas e olivas possuíam grande
simbolismo. Neste sentido podemos dizer que a Mandioca
possui mais que uma relação biológica ou gastronômica
para os nativos, é também um elemento de ligação com a
natureza religiosa e mítica.

171
Entre as noções alimentares [...] estudadas na Amazônia, está a reima (do grego rheum= fluido viscoso), utilizada para
classificar o grau de segurança dos animais selvagens e domésticos para o consumo (Moran, 1974; Smith, 1979). A reima é
caracterizada por um sistema classificatório de oposições binárias entre alimentos perigosos (reimosos) e não perigosos (não
reimosos).

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|828


Um dos exemplos de relação mítica 172 com a
mandioca se encontra na narrativa do Mito dos Enawene-
Nawe onde a planta é representada de forma
antropomórfica, metade vegetal metade humana
concebida, pelo imaginário destes nativos. O mito da
mandioca tem uma narrativa em comum entre os nativos
do Brasil. No caso da mandioca, o mito de sua
domesticação aparece quase sempre ligado à antropofagia
vegetal, já que a mandioca seria uma filha dos nativos que
renasce como vegetal. Assim os nativos parecem estar
intimamente ligados com a mandioca e a maniba com eles:
Certo dia, Atolo, uma menina adolescente, pediu à sua
mãe Kokotero que a enterrasse. Diante da insistência e
tomada de profunda tristeza, a mãe, por fim, atendeu ao
pedido da filha, enterrando-a até a cintura numa terra fofa
e fria. Após seu enterro, a menina pediu à mãe que não
olhasse para trás, devendo regressar para visitar ela
somente depois das primeiras chuvas. Recomendou, por
fim, que não esquecesse de lhe trazer peixe, e que
mantivesse o terreno a sua volta sempre limpo bem
cuidado. Kokotero fez tudo conforme pediu a filha Atolo,
e ao voltar no local encontrou uma roça de mandioca
bonita e bem formada. De cada parte do corpo da menina
havia brotado uma nova planta, dando origem às
variedades de mandioca hoje cultivada pelos Enawene-
Nawe. A mãe visitava frequentemente a roça, limpava em
volta das plantas e retirava suas raízes levando-as para a
aldeia, onde todos se alimentavam [...](SANTOS apud
CRUZ 2011, P.27)

Reconstituição histórica de uma receita brasileira:


Quibebe de maniba com moqueado de carne
A reconstituição histórica é o passo final para
concretizar a pesquisa sobre historia alimentar. Falamos
bastante sobre a história da mandioca e os hábitos
alimentares dos nativos, principais introdutores da
mandioca em nossos hábitos alimentares.
A ficha técnica surge como método da gastronomia,
já a muito usada por restaurantes comerciais e cozinhas
acadêmicas, como forma de padronizar o registro e
confecção de pratos e alimentos. Porém aqui usaremos a
confecção da ficha técnica como Forma de garantir a
memória do patrimônio que no caso é o escondidinho de
172
Aqui entendemos o mito é uma pessoa ou fato representado de maneira exagerada ou modificada pela tradição, pela
imaginação popular, no transcorrer do tempo.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|829


mandioca. Deixamos o desafio aos educadores de realizar
tais tarefas de pesquisa e também de confecção de pratos
históricos. Pode ser pesquisado a partir da família, da
cidade, dos folclores. Seja qual for o eixo que via
determinar a pesquisa e o resgate da receita, ficam
evidentes os benefícios de uma interação com a
gastronomia e as identidades alimentares tradicionais. A
seguir a receita do escondidinho de mandioca que surge
das pesquisas à bibliografia.
Novamente volto a frisar a importância de se pensar
esta metodologia como uma possibilidade para se trabalhar
com estudantes as histórias da alimentação. Consiste não
só na pesquisa com apresentação oral mas na interação
pratica com as panelas. Consiste em insistir, até mesmo
programar com a cozinha da escola formas de tentar
utilizar os espaços da instituição. Utilizar a cozinha de casa
na modalidade de trabalhos em grupo com relatório, pode-
se coletar fotos e filmagens da confecção das receitas da
pesquisa. O registro destes passos é o registro do resgate, a
pesquisa é uma parte importante, mas a confecção e o
registro do modo de fazer é a forma de manter nosso
patrimônio alimentar vivo. De trazer memória as antigas
tradições alimentares de nossos pais e avós. Hoje a cultura
da tecnologia e da comida rápida ameaça as formas
tradicionais de se organizar a alimentação. Tornando esta
atividade valoroso instrumento de resgate do patrimônio
cultural brasileiro.
Uma parte do resgate dos modos de fazer
gastronomia é a confecção de uma ficha técnica ou seja o
registro da receita. A ficha técnica é uma forma mais
objetiva de registrar a receita. As fichas técnicas podem ser
em gramagem ou unidades, dependendo da especificação.
Restaurantes e cozinhas escolas utilizam as fichas técnicas
como principais recursos para reprodução de pratos. A
ficha garante que o prato ou alimento terá suas preparações
de forma padronizada.

Ficha Técnica de preparo da receita: escondidinho


de mandioca, escondidinho de carne moqueada ou
carne curada
Tempo de preparo : 2hr

Categoria : Cozinha Regional Brasileira (Gastronomia Amazônica)

Porcionamento : 10 de 250g

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Qtd
Und. Item
.
1 Kg Maniba, Mandioca, Maniba, Macaxeira, Aipim.
1 Kg Carne moqueada, curada ou charque
5 Uni. Tomates para molho.
2 Uni. Milho
3 Uni. Cebolas
300 G Leite de castanhas do Pará
1 Pé Cebolinha e Salsa
½ Colher Páprica Picante ou Pimenta Vermelha
q.s. Sal Fino

Mise enplace173:
 Colocar a carne na água quente para retirar
o excesso de sal e sebo (gordura). Caso for moqueado ou
charque úmido pode ser que haja algum mal cheiro.
Troque a água e retire a gordura.
 Cortar a cebola em Brunoise174.
 Cortar o tomate com pele e semente em
pedaços médios.
 Cortar o milho, para facilitar use serra.
Preparo
Cozinhar o aipim até ficar bem macio e misturar
com leite de castanhas. Acertar o sal. Pode-se usar panela
de pressão. Reserve.
Refogar duas colheres da cebola no azeite, dourar
levemente, acrescente a carne moqueada ou charque e um
fio de azeite de oliva, não deixe formar muita água
cuidando para ficar num ponto crocante Não tampe! Ajuda
a sair possíveis odores desagradáveis da carne. Escorrer e
secar a gordura da carne. Adicionar a páprica no final da
cocção. Reserve.
Para o molho refogue o resto da cebola, adicione o
tomate deixe espessar, adicione água ou algum fundo para
aumentar o molho, cuidando para não ficar pouco espesso.
Não usar espessantes. Finalização do Prato em duas
versões: Finalize em camadas em recipientes individuais
ou um grande coletivo. Preferível servir quente.
Trazemos o registro fotográfico da reconstituição ou
criação do escondidinho de mandioca com carne curada,

173
Termo em francês usado na gastronomia para se referir ao momento de preparação e
organização dos ingredientes antes de cozinhar. Colocar no Lugar.
174
Termo em francês usado na gastronomia para se referir a cubos pequenos.

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feito nos laboratórios de Gastronomia e Nutrição da
Feevale.

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Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|833


Diálogo entre professores:
compreendendo as relações étnico-raciais
PorvVera L. Trennepohl175

Resumo Abstract
Este texto aborda os desafios This text discusses the challenges
representados para os professores de História ao represented for the history teachers by
analisar as relações étnico-raciais na sala de analyzing the racial-ethnic relations in the
aula. Por isso, um grupo de professores da classroom. So, a group of teachers from the
Universidade Regional do Noroeste do Estado Regional University of the Northwest of the
do Rio Grande do Sul (Unijuí) propôs um State of Rio Grande do Sul (Unijuí) proposed
Projeto de Extensão que oportunizou o estudo um extension project that provided the content
de conteúdos e a construção de possibilidades and study the construction of pedagogical
pedagógicas sobre a cultura e História afro- possibilities about the Afro-Brazilian/African
brasileira/africana e demais etnias que fazem culture and history and other ethnic groups that
parte da sociedade brasileira, dando mais are part of the Brazilian society, giving more
elementos para que os professores cumprissem elements for teachers to fulfil the legal
a exigência legal, que era de operacionalizar a requirement , which was to operationalize the
Lei 10.639/2003 e a Resolução nº 1, de 17 de law 10,639/2003 and resolution No. 1, June 17,
junho de 2004 do Conselho Nacional de
2004 of the National Council of education. In
Educação. Além disso, era necessário suprir addition, it was necessary to supply also the
também as lacunas da formação docente, gaps in teacher education, deepening the debate
aprofundando o debate sobre a necessidade do on the need for respect and appreciation for
respeito e da valorização da diversidade cultural cultural diversity which constitutes the Brazil.
que constitui o Brasil. Busca-se refletir sobre We seek to reflect on this experience based on
essa experiência com base em autores como authors such as Freire (1996, 2005) and Rüsen
Freire (1996, 2005) e Rüsen (2001, 2010). (2001, 2010). The result of this process the
Resulta desse processo a percepção da perception of the importance of these
importância desses ambientes criados com a environments created with the intent to study
intencionalidade de estudar e trocar and exchange experiences, making a difference
experiências, fazendo a diferença na in the Constitution of the subject teacher as
constituição do sujeito professor como professional domina a set of knowledge and
profissional que domina um conjunto de
accumulated experiences, and that, in
saberes e acumula vivências, e que, na interação interaction with each other, can be reviewed
com o outro, pode ser repensada e aperfeiçoada, and perfected, by qualifying your classroom
qualificando a sua atividade de sala de aula. activity.
Palavras-chave:Diálogo. Relações étnico-raciais. Professor.
Keywords: Dialogue. Racial-ethnic relations. Professor.

175Graduada em Licenciatura em História. Doutora em Educação nas Ciências pela Unijuí. Coordenadora do Programa de Iniciação à D ocência –
Pibid/Capes – pelo subprojeto da História da Unijuí. Professora do curso de História da Unijuí. verat@unijui.edu.br

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Introdução
O texto aborda os desafios que representa estudar as
relações étnico-raciais na Educação Básica. Essa temática
será analisada a partir de um Projeto de Extensão
organizado e efetivado pelos professores do curso de
História da Unijuí durante os anos de 2008 e 2009. As
atividades foram desenvolvidas em parte da Região Norte
do Estado do Rio Grande do Sul, colonizada, em boa
medida, por imigrantes europeus.
A educação brasileira passa por profundas
mudanças; talvez não tantas quanto a sociedade atual
esperasse, mas, sem dúvida, relevantes. Assim, a História,
por fazer parte da educação básica, modifica-se por
exigência legal, por exemplo pelas Leis 10.639/2003 e
11.645/2008, ou pelo avanço da própria ciência. Os
professores da universidade e das escolas podem contribuir
na reflexão sobre as relações étnico-raciais.
A legislação atual instituiu na educação formal o
debate sobre as relações étnico-raciais, e as escolas
procuram responder os desafios de sua inclusão. Assim,
consideramos que os professores são fundamentais para a
efetivação do proposto, que vai além da incorporação e do
estudo em sala de aula de um determinado conteúdo, mas
passa, principalmente, pela sua capacidade e
disponibilidade de materiais sobre a temática das relações
étnico-raciais, devendo ser realizado de forma
contextualizada. Descontextualizadas, as pessoas não
podem enxergar e tampouco entender a si próprios. O
estudo dessa temática na escolas e universidade contribui
para que alunos tenham mais elementos para uma leitura
qualificada da realidade. Para Rüsen (2007, p.61),
“Lembrar-se daquilo que era e de como se tornou o que é,
faz plausível, para o sujeito, tornar-se outro”.
A constituição de grupos de estudo e reflexão é
fundamental para qualificar a educação brasileira. Em
razão disso, foi construído por professores da Unijuí2 um
Projeto de Extensão que visava a dar mais elementos para
que se concretizasse tanto a Lei 10.639/2003 quanto a Lei
11.645/2008. Percebe-se que o estudar, o pesquisar e o
compartilhar experiências qualifica o trabalho na sala de
aula, contribuindo no repensar das práticas pedagógicas.
Ressalta-se, também, que a presença da universidade na
região é marcada pela preocupação de sua inserção na
dinâmica local.
O Projeto de Extensão proposto pela Unijuí foi
importante para todos os envolvidos, pois os professores
da escola puderam estudar e pesquisar sobre as relações
étnico-raciais, e a universidade teve a oportunidade de

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|835


conhecer a realidade das escolas. Conforme consta no
relatório final de 2009, as atividades, “embora modestas,
puderam cumprir, juntamente com outras iniciativas da
Unijuí e de outras entidades, a longa tarefa de nossa
‘reeducação’ coletiva em relação às questões sociais,
culturais e políticas das comunidades negras e indígenas de
nossa região e de nosso país” (BELATO, 2009).
Os professores da universidade, em virtude de
exigências legais, sentiram que deveriam contribuir com os
colegas que atuavam nos Ensinos Fundamental e Médio.
Esses profissionais, em boa medida, tinham se formado em
um momento em que a Lei 10.639/2003 e a Resolução nº 1
de 17 de junho de 2004 do Conselho Nacional de
Educação, bem como a lei 11.645/2008, que incluiu a
questão indígena, depois de intensas reclamações das
comunidades indígenas brasileiras, ainda não era uma
exigência.
Essas questões contribuíram para que diversas
atividades fossem propostas pela universidade, que foram
bem-aceitas pelos professores das escolas públicas e
privadas da Educação Básica. Nessa pesquisa e produção,
foram analisados e considerados dois Projeto de Extensão:
um intitulado “Subsídios para a Educação das Relações
Étnico-Raciais e Para o Ensino de História e Cultura Afro-
brasileira e Africana”, desenvolvido durante o ano de
2008, e outro “A diversidade étnica na sala de aula em
cumprimento da Lei 10.639/2003”, em 2009. No primeiro
ano várias atividades foram realizadas e organizadas em
perspectiva de oficinas e seminários. A interação com os
professores contribuiu para que um diagnóstico fosse feito,
levando as mudanças para 2009. Percebia-se que alguns
problemas estavam dificultando a efetivação do proposto.

As políticas de ações afirmativas para


afrodescendentes e demais minorias étnicas
As diversas políticas públicas instituídas no Brasil
nas últimas décadas respondem às aspirações de vários
segmentos sociais organizados que compõem a sociedade
brasileira. Esse impulso foi dado a partir do processo de
redemocratização do Brasil, momento em que surgiram
políticas afirmativas que buscaram ampliar os direitos das
minorias, como os afrodescendentes, os indígenas, os
idosos, os portadores de necessidades especiais, entre
outros. A sociedade reconhece a necessidade de olhar para
esse problema, colocado por diversos dispositivos legais.
Nesse contexto, surgem várias políticas sociais, que visam

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a ampliar o acesso à educação dos diversos sujeitos que
formam a sociedade brasileira, como, por exemplo, o
auxílio bolsa família, a política de cotas, o Prouni, o
Estatuto do Idoso, entre outros.
Estes novos atores sociais trouxeram à tona e deram
maior visibilidade a problemas que uma parcela da
população estava enfrentando. A ampliação das conquistas
condiz com o que ocorre em âmbito internacional, mas
exige o repensar de algumas certezas que eram estudadas
sobre o processo de formação do Brasil, sendo necessário
considerar a nação brasileira como fruto de uma
constituição pluriétnica e multicultural. Este novo
pensamento sobre a nação ainda está longe, no entanto, de
ser instituído de forma consensual, pois não é uma questão
de incluir simplesmente o estudo das minorias étnicas em
uma perspectiva tradicional e folclórica, mas em uma
perspectiva multicultural e em um contexto de estudo
sobre a formação do Brasil.
Para os grupos sociais historicamente excluídos
estão em jogo conquistas de direitos, inscritas em
dispositivos jurídicos de várias ordens, que garantem a
inserção social igualitária. Reivindicações dessa ordem e
magnitude, no entanto, ferem interesses e posições sociais
e mexem com um imaginário social sedimentado na
sociedade brasileira sobre a suposta inferioridade racial de
não brancos ou sobre a inexistência do preconceito de
cunho étnico-racial, tão propalado pelo chamado “mito da
democracia racial”. Essas questões levam um grupo de
pessoas a apontarem para a desnecessidade, portanto, de
políticas de ação afirmativa, não entendendo também a
necessidade de seu estudo nas diversas instituições
escolares.
Contrariando alguns, mas buscando enfrentar essa
problemática que o Conselho Nacional de Educação
formulou, a Resolução nº 1, de 17 de junho de 2004, foi
publicada no Diário Oficial da União em 22 de junho de
2004, instituindo “Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação das Relações Étnico-Raciais e Para o Ensino de
História e Cultura Afro-Brasileira e Africana”, a serem
introduzidas nos vários níveis do sistema educacional
brasileiro. Nesta perspectiva, a devida lei pode ser
entendida como medida de ação afirmativa. As ações
afirmativas são políticas ou projetos que visam a contribuir
com a inserção de grupos fragilizados pelo processo
histórico. Assim, elas se concretizam por meio de cotas,
projetos, planos de ação (Gomes, 2003).
As Leis, as resoluções e outras políticas visam a dar
efetividade a compromissos assumidos pelo país,
acordados em âmbito internacional, tal como foi o caso da
Convenção da Unesco de 1960, direcionada à superação do
racismo nos sistemas de ensino, e a Conferência Mundial
de Combate ao Racismo, ocorrida em Durban (África do

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|837


Sul) em 2001. Segundo o que consta nas Diretrizes
Curriculares Nacionais – DCNs –, cabe ao Estado
promover e incentivar políticas de reparações, conforme a
Constituição Federal, que visam a combater o racismo e a
toda sorte de discriminações (BRASIL, 2004, p. 5). E,
ainda, segundo as Diretrizes, “persiste em nosso país um
imaginário étnico-racial que privilegia e valoriza
principalmente as raízes europeias da sua cultura,
ignorando ou pouco valorizando as outras, que são a
indígena, a africana, a asiática”.
A Resolução supracitada, embora direcionada para a
valorização da matriz africana na formação brasileira,
reconhece a necessidade de debater e situar essa
problemática em um contexto amplo, no interior do
complexo universo das relações étnico-raciais. Essas
questões, todavia, são bem-destacadas no documento que
enfatiza que “não se trata de simplesmente mudar um foco
etnocêntrico por outro (o dos brancos pelo dos
afrodescendentes), mas o de incluir nas atividades de
ensino as contribuições histórico-culturais dos povos
indígenas e dos descendentes de asiáticos, além das de raiz
africana e europeia” (BRASIL, 2004, p. 8).
Os estabelecimentos de ensino estão sendo cobrados
sobre a concretização das Diretrizes do Ensino
Fundamental e Médio até a universidade. Ressaltam que
“aos estabelecimentos de ensino está sendo atribuída
responsabilidade de acabar com o modo falso e reduzido
de tratar a contribuição dos africanos escravizados e de
seus descendentes para a construção brasileira” (BRASIL,
2004, p. 9).
As colocações de autores (FREIRE,1996, 2005;
BELATO, 2009; ZARTH, 2010) e as exigências legais
demonstram que é possível adaptar as questões propostas
às distintas realidades regionais. O diálogo entre
professores aqui analisados ocorreu na parte norte do Rio
Grande do Sul, onde vários municípios se formaram a
partir da chegada de imigrantes europeus de diferentes
nacionalidades. No início das atividades, em 2008, parte
dos profissionais da educação demonstravam certo
desconhecimento da Resolução e da aplicabilidade, não
havendo clareza sobre as razões da existência das Leis. Ao
avançar a reflexão, porém, percebe-se a existência de
relações tensas entre distintos segmentos étnicos que
compõem as comunidades locais, indicando-se uma
polarização entre caboclos/indígenas e africanos de um
lado e descendentes de europeus de outro, ficando evidente
a importância de estudos dessa natureza, pois os
professores necessitam de mais elementos para fazer a
análise das relações étnico-raciais nos Ensinos
Fundamental e Médio.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|838


As relações étnico-raciais na educação
Na educação brasileira ficam claras algumas das
percepções que estão presentes na sociedade. As pessoas
aprendem a ver negros e brancos como diferentes, como se
os afrodescendentes fossem inferiores. Isso é introjetado
na forma de ser e ver o outro, na subjetividade e nas
relações sociais mais amplas.
O processo de formação e o desenvolvimento
brasileiro são marcados também pela participação dos
povos indígenas e africanos, que nem sempre receberam a
devida atenção no estudo sobre a História do Brasil. É de
largo conhecimento que o Brasil, enquanto Estado-nação,
constitui-se sob a égide do colonialismo escravocrata,
reduzindo, por alguns séculos, os povos indígenas e povos
africanos ao trabalho escravo, sob os ditames dos
portugueses, que eram detentores do poder político.
Segundo Brum (2011),

Apesar do conteúdo integracionista da formação social


brasileira, a escravidão contribuiu para a construção de
uma sociedade de diferentes. O grau maior ou menor de
aceitação estava condicionado a exigências de que cada
um conhecesse o seu lugar – e, consequentemente, não
ultrapassasse os limites permitidos por quem detinha o
poder de impô-los. Na essência, o projeto era excludente.
E manter as diferenças era fundamental para a classe
dominante. E acostumamo-nos com a exclusão (p. 140).

Os portugueses deixaram um legado positivo, desde


a constituição do território até a transmissão da língua, da
religião, organização familiar, introdução de plantas, entre
outras. O projeto da metrópole portuguesa e os interesses
dominantes, porém, constituíram uma nação até a sua
independência, prolongando nos períodos seguintes,
caracterizados pela grande propriedade, dependência do
exterior, monocultura de exportação e a escravidão. Isso
deixou consequências para o futuro da nação, como um
amplo e prolongado período de escravidão. Para Ricupero
(1994, p. 7), é “impossível entender o Brasil sem entender
a importância da escravidão no país”.

Mesmo assim, essa importância ou contribuição, ao longo


do tempo, não foi valorizada nos estudos sobre a História
do Brasil. A estrutura escravista é uma nuvem negra no
processo de constituição do Brasil, pois “ela degenerava e
desqualificava tanto o escravo como o senhor. O escravo
não era considerado juridicamente pessoa: era coisa,
mercadoria. Seu trabalho não o enobrecia, aviltava-o”

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|839


(BRUM, 2011, p. 139).

A sociedade não percebeu como importante o


estudo dessas questões, pois tanto os indígenas quanto os
africanos eram considerados coisas, e não era dada a
devida atenção para as suas contribuições no
desenvolvimento do país. O preconceito em relação aos
grupos étnicos não brancos assumiu características
diversas durante o século 20, sendo perceptível na
imprensa, nos livros didáticos e nas propostas curriculares.
A luta contra o racismo, a discriminação racial e a
xenofobia iniciou após a Segunda Guerra Mundial,
momento cruel da História mundial, pois foi marcado pela
perseguição, principalmente, aos judeus. A crueldade
também esteve presente na “descoberta” da América,
quando tivemos a matança de milhões de índios e africanos
que, por mais de três séculos, foram vítimas do tráfego e
do trabalho escravo no Brasil. Essa foi uma herança
negativa deixada pelo colonizador português.
As pessoas que organizaram as políticas públicas da
educação brasileira não incluíram de forma adequada, ou
mesmo não deram a devida atenção, a essas questões em
suas propostas, refletindo uma leitura de mundo vigente
em uma época. Pensar a inclusão de uma análise crítica
sobre o processo de formação do Brasil durante o Regime
Militar, por exemplo, era algo impossível, pois no ensino
de História eram transmitidas verdades absolutas que os
alunos deveriam aceitar sem questionar.
Ao longo da vida, portanto, as pessoas construíram
uma leitura sobre o papel do negro e do índio na sociedade
brasileira, que foi sendo passado de geração em geração.
Ao analisar a discriminação, Freire (2003) ressalta
que:
Aceitar e respeitar a diferença é uma dessas virtudes sem
o que a escuta não se pode dar. Se discrimino o menino ou
menina pobre, a menina ou o menino negro, o menino
índio, a menina rica; se discrimino a mulher, a camponesa,
a operária, não posso evidentemente escutá-las e se não as
escuto, não posso falar com eles, mas a eles, de cima para
baixo. Sobretudo, me proíbo entendê-los. Se me sinto
superior ao diferente, não importa quem seja, recuso-me
escutá-lo ou escutá-la. O diferente não é o outro a merecer
respeito, é um isto ou aquilo, destratável ou desprezível
(p. 120-121).

As proposições atuais refletem uma nova leitura de


sociedade, educação e ensino. Zarth destaca no texto “O
retorno das etnias no ensino de História: do melting pot ao
multiculturalismo na imprensa de Ijuí”, que, em épocas
passadas, já tivemos voltados à questão étnica, substituída
na década de 50 pelo estudo das classes sociais. Zarth
(2010) enfatiza que

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|840


o atual retorno do tema “étnico-racial” não é apenas uma
volta metodológica ao passado e sim uma tentativa de
reconsiderar, numa perspectiva crítica, as condições
históricas dos diferentes grupos étnicos-culturais na
constituição da sociedade nacional, marcada por
inequívocas desigualdades com características étnicas (p.
119).

Desafios para a educação básica


Ao longo das últimas três décadas foram
construídas políticas públicas que garantiram uma maior
inclusão social, e, mesmo estando abaixo do esperado pela
sociedade, representaram avanços. Estudos revelam a
existência do racismo velado e da leitura preconceituosa
sobre as relações étnico-raciais. Por isso, destaca-se a
importância da educação, mais especificamente do Ensino
de História, para a conscientização da sociedade. Ressalta-
se que as leis não visam somente a debater sobre os
preconceitos em relação aos povos indígenas ou africanos,
mas também vêm contra as discriminações de gênero,
contra o sexismo, ou seja, buscam uma maior igualdade
entre os diversos sujeitos que compõem a sociedade
brasileira. Essas questões desafiam os professores, os
alunos e a sociedade em geral, que necessitam conhecer a
realidade em que estão inseridos, em uma perspectiva
local, nacional e global.
Este novo pensamento sobre a nação e sobre um
país constituído pela diversidade étnico cultural está longe,
no entanto, de ser instituído e entendido, de forma
consensual, pela sociedade brasileira. Essas questões já
foram destacadas nos PCNs (1998, p. 96), em que
“compreender as relações entre os homens significa
compreendê-las não como universais e genéricas, mas
como específicas de uma determinada época inserida em
um contexto”. Desta forma, “os alunos podem enxergar a
si mesmos como sujeitos participativos e compromissados
com a História e com as realidades presente e futura”.
Com base na legislação, fica evidente a necessidade
de se trabalhar o processo de formação do Brasil, dando
mais elementos para que os diversos sujeitos, que fazem
parte do ambiente escolar, tenham condições de ler de
forma crítica as mudanças que estão ocorrendo na
sociedade brasileira, percebendo as contribuições do
processo de desenvolvimento. As próprias Diretrizes
ressaltam a importância da escola para

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|841


Combater o racismo, trabalhar pelo fim da desigualdade
social e racial, empreender reeducação das relações
étnico-raciais não são tarefas exclusivas da escola. [...] As
formas de discriminação de qualquer natureza não têm o
seu nascedouro na escola, porém o racismo, as
desigualdades e descriminações correntes na sociedade
perpassam ali. Para que as instituições de ensino
desempenhem a contento o papel de educar, é necessário
que se constituam em espaço democrático de produção e
divulgação de conhecimentos e de posturas que visam a
uma sociedade justa (BRASIL, 2004).

A concretização do estudo das relações étnico-


raciais nas escolas, desencadeada a partir dos anos 2000,
requer a superação do ensino tradicional, tornando
necessário o desenvolvimento de algumas habilidades que
possibilitem o pensar histórico mediante a consciência
histórica. Rüsen (2001) adverte que

A consciência histórica será analisada como fenômeno do


mundo vital, ou seja, como uma forma da consciência
humana que está relacionada imediatamente com a vida
humana prática. É este o caso quando se entende por
consciência histórica a suma das operações mentais com
as quais os homens interpretam sua experiência da
evolução temporal de seu mundo e de si mesmos, de
forma tal que possam orientar, intencionalmente, sua vida
prática no tempo (p. 56-57).

Em uma perspectiva tradicional, o ensino de


História ainda está vinculado ao uso do livro didático e do
estudo do passado pelo passado. Mesmo assim, percebe-se
que práticas mais dinâmicas estão sendo efetivadas, nas
quais o professor busca variar as suas estratégias de
ensino, garantindo um maior envolvimento dos alunos. Por
isso, tornou-se ainda mais relevante a preocupação dos
professores da universidade envolvidos no Projeto,
explicitada no relatório final, que foi de “estimular o
estudo, a pesquisa e a adoção de práticas pedagógicas
coerentes tanto com as diretrizes emanadas das
conferências e protocolos internacionais de combate a todo
o tipo de discriminação cultural e étnica, como com o
cumprimento das determinações da lei 11.645/2008”
(BELATO, 2009, p. 7).
O diálogo entre os sujeitos envolvidos no Projeto
são fundamentais no pensar e repensar das práticas
escolares. Freire (2005) propõe que
O eu dialógico, pelo contrário, sabe que é exatamente o tu
que o constitui. Sabe também que, constituído por um tu –
um não-eu –, esse tu que o constitui se constitui, por sua
vez, como eu, ao ter no seu um tu. Desta forma, o eu e o tu

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|842


passam a ser, na dialética destas relações constitutivas,
dois tu que se fazem dois eu (p. 192).

A estratégia utilizada foi de identificar, junto aos


professores, alunos e comunidade, aquilo que estava
dificultando a efetivação do proposto. Os professores são
os protagonistas dessa discussão, que, em boa medida, é
complexa, pois traz para o espaço da sala de aula conflitos
muito presentes no cotidiano da sociedade, que ficavam
antes mais restritos ao espaço informal. Diante disso,
percebeu-se que esses profissionais deveriam ser
empoderados para que tivessem mais elementos para
desenvolver o seu trabalho. O grupo entendia que os
professores deveriam se constituir como pesquisadores,
refletindo também sobre a sua prática, pois, desta forma,
seguiriam avançando tanto na compreensão histórica,
social e cultural de povos inteiros submetidos ao crivo
implacável da lógica da inferioridade humana, quanto
prosseguiriam na revisão e na modificação de suas
práticas pedagógicas relacionadas ao estudo e ao ensino
da história da África, povos africanos, dos povos africanos
da diáspora e dos índios da América e do Brasil
(BELATO, 2009, p. 11).
Os professores encontram dificuldades, mas estão
dispostos a estudar e compartilhar experiências, desejosos
de qualificar a sua prática. Ressalta-se, também, que
nenhuma escola encontrava-se na “estaca zero”, pois, de
alguma forma, já tinham ouvido falar dos dispositivos
legais, mas a grande maioria ainda não havia “parado”
para fazer um estudo sobre os impactos disso na sua
prática. As atividades desenvolvidas durante 2008 levaram
à reestruturação do Projeto, pois a realidade cotidiana da
escola era mais complexa que o grupo de professores da
universidade tinha imaginado. Mesmo assim, o
desenvolvimento das atividades, que ocorreram em 2008 e
2009, possibilitou a identificação de alguns problemas, que
também vieram acompanhados de avanços.

Avanços e dificuldades na concretização do


proposto
O estudo e o debate sobre as relações étnico raciais
são complexos, mas precisam ser realizados para que a
sociedade tenha condições de conhecer melhor a realidade
em que está inserida. Destaca-se que o Estado do Rio
Grande do Sul é marcado por essa diversidade,
representada, de alguma forma, na sala de aula. Mesmo

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|843


assim, os professores buscam alternativas para responder
às exigências postas pelas Leis 10.639/2003 e
11.645/2008. Percebe-se que ocorreram vários avanços,
mas isso tudo marcado por certas dificuldades.
As atividades desenvolvidas possibilitaram a
identificação de alguns obstáculos. Um primeiro fator a ser
destacado diz respeito à localização da escola, pois
algumas estavam inseridas na região de conflito. “As lutas
dos índios e quilombolas na retomada de suas terras
estavam produzindo tensões e conflitos que envolviam as
comunidades regionais onde ocorriam” (BELATO, 2009,
p. 11).
Segundo Belato (2009), essa realidade leva as
pessoas a tomarem
partido e majoritariamente negavam enfaticamente o
direito dos índios e quilombolas às suas terras e as
justificativas dominantes eram de que eles não mereciam
as terras que pretendiam simplesmente porque não
trabalham, porque são, em consequência, vadios e, além
do mais, bêbados. Porque, no limite, são “negros” ou
“índios”. Foi preciso que a propriedade capitalista da terra
fosse posta em questão para que a mentalidade coletiva
preconceituosa, e mesmo racista, viesse à tona de forma
explícita (p. 11).

Outra dificuldade a ser lembrada diz respeito à


leitura da realidade da comunidade escolar, e sua
concepção de mundo e sociedade. Entre alguns ficou
evidente o que Bachelard (1996) expõe: “os obstáculos
epistemológicos, sociais e culturais que impedem o
reconhecimento do outro, que se manifesta sob múltiplas
formas e aspectos inter-relacionados de preconceito, de
ignorância e de racismo”. E, ainda, no relatório final de
2009, Belato afirma que tais obstáculos, percebido nas

atividades ligadas ao projeto, não só impedem o


“cumprimento das disposições da Lei 11.645”, como
também são uma das causas da reprodução e da
perpetuação de um imaginário social cujas raízes se
plantam no etnocentrismo europeu-cristão, nas
concepções filosóficas, políticas e sociais que
fundamentam a desigualdade ontológica dos seres
humanos, isto é, a ‘natural’ desigualdade entre os seres
humanos ‘superiores, bons e dignos’ e os seres humanos
“inferiores”.

Perante essa constatação, foram repensados os


objetivos e metas propostos no desenvolvimento das
atividades, pois foi necessário debater com os professores
essa problemática, contribuindo para que os mesmos
pudessem fazer uma leitura qualificada da realidade. “Sem

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|844


romper este libambo etnocêntrico não há como tirar a
América indígena, a África Negra, seus respectivos povos,
inclusive os povos os povos africanos da diáspora, do
limbo em que se encontram” (BELATO, 2009, p. 9).
Essas questões ficaram evidentes também ao se
debater, por exemplo, a política de cotas, que possibilita o
acesso às universidades aos índios e aos negros,
percebendo-se que jovens de classe média estão se
sentindo “ameaçados” pelo “injustificado privilégio”
concedido a essa parcela da população. Ressaltavam que
estaria se dando “a igualdade de oportunidades e uma
ingerência do Estado onde não lhe competia”. Isso é
perceptível tanto entre os jovens quanto entre os adultos,
que, de algum modo, estavam sendo atingidos pela
questão; “não percebiam que ao invocar o princípio de
igualdade de todos, esqueciam a absoluta desigualdade que
a política discriminatória visava corrigir”. Não
consideravam que as universidades sobre as quais o
governo intervinha, concedendo vagas, não eram as
privadas, mas as públicas, e muitas vagas eram ocupadas
por estudantes com melhores condições sociais (BELATO,
2009, p. 11-12).
Silva (2007) evidencia também que:

O ocultamento da diversidade no Brasil vem


reproduzindo, tem cultivado, entre índios, negros,
empobrecidos, o sentimento de não pertencer à sociedade.
Visão distorcida das relações étnico-raciais vem
fomentando a ideia, de que vivemos harmoniosamente
integrados, numa sociedade que não vê as diferenças.
Considera-se democrático ignorar o outro na sua diferença
(p. 498).

Os dois problemas, analisados anteriormente,


tiveram amenizados os seus impactos por meio de estudos,
pesquisas e aprofundamento das concepções histórico-
filosóficas e também do debate sobre o processo de
formação do Brasil. Buscando uma maior contextualização
do que estava sendo debatido, optou-se pela aproximação
dessas questões com a pesquisa. Segundo Rüsen (2007, p.
60), “o saber histórico torna-se o meio de uma
comunicação”; o diálogo entre os sujeitos torna o passado
algo vivo, que contribuiu para entender a sociedade.
Considerando essa perspectiva, os professores envolvidos
no Projeto buscaram viabilizá-lo por intermédio do
incremento do estudo pela pesquisa e da organização de
texto e materiais pedagógicos, que foram utilizados pelos
professores e alunos. Para tanto, empregou-se, de forma
intensiva, os meios eletrônicos, principalmente a internet.
Mesmo identificadas essas dificuldades, o grupo de
professores não teve condições de enfrentá-las em razão de
problemas, como a saída de docentes da universidade e do

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|845


bolsista, bem como da reestruturação das escolas, que
dificultou a sua participação. Aqueles que estivessem em
sala de aula não seriam liberados para participar, sobrando
o sábado ou algum dia da semana que estivessem de
“folga”. Ressalta-se que outro limitador foi que
participavam das atividades somente os professores de
“estudos sociais” (história e geografia), ficando de fora os
das outras áreas.
Através dessa atividade de extensão materiais e
experiências foram compartilhados, qualificando o debate
em sala de aula. Os professores das redes públicas estadual
e municipal, embora a desinformação sobre a questão
indígena e sobre as comunidades quilombolas estava
presente, mostram avanços na compreensão da
problemática dos indígenas e dos quilombolas da região, e
muitos deles avançaram a compreensão sobre a
problemática local. Através da pesquisa foi possível
resgatar a trajetória histórica dos índios e das comunidades
negras, levando-os a incorporar essa temática em seus
currículos.

Conclusão
É fundamental entender o contexto da construção
dessas políticas, pois respondem a aspirações da sociedade
brasileira. A incidência da discriminação étnico-racial
ainda ocorre em várias regiões do Brasil. Para enfrentar o
preconceito racial e/ou exclusão de afro-brasileiros,
indígenas e outros grupos minoritários, as políticas
afirmativas representam uma conquista dessa parcela da
população brasileira, pois resultaram de movimentos civis
organizados e visam à inclusão da população que vive à
margem da sociedade, possibilitando a sua efetiva
ascensão social.
É inegável que o diálogo entre professores pode
contribuir para que uma “nova” leitura sobre a sociedade
brasileira seja gestada. Isto é um longo processo e não tem
data para terminar. Assim, torna-se necessário manter
espaços de construção de conhecimentos pelo diálogo
entre professores, entre estes e alunos, dos alunos entre si,
destes todos com ex-alunos e com atores da comunidade
externa, interessados em atualizar estudos, socializar
experiências e criar estratégias de ações coletivas com base
nos avanços científicos das áreas das Ciências Sociais. A
interação entre os sujeitos potencializará a leitura da
realidade, em que as compreensões poderão ser reunidas
nas argumentações, nos diálogos.
Grupos criados com o objetivo do estudar e do
pesquisar qualificam a atividade escolar. Durante o

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|846


andamento das atividades alguns materiais foram
selecionados e compartilhados entre os professores, mas
muito ainda precisa ser realizado nessa perspectiva. Para
tanto, será necessário o envolvimento também de outras
instituições, como museus, prefeituras, escolas, Judiciário,
movimentos sociais, sindicatos, etc. Em relação à
universidade, materiais encontram-se arquivados, mas
ainda falta avançar na organização do laboratório de
ensino de História.
Mesmo assim, ficaram evidentes as contribuições
dos Projetos no processo de qualificação dos professores
para a concretização do debate sobre as relações étnico
raciais na sala de aula. O diálogo entre os profissionais
possibilitou um olhar sobre o que está acontecendo na sala
de aula, mas, além disso, levou os envolvidos na atividade
a estudar e pesquisar sobre a História da sociedade
brasileira para vê-la, de um modo novo, em suas relações
étnico-culturais. Destaca-se que o melhor resultado foi o
de identificar e criar consciência do problema, de sua
magnitude, da necessidade de estudá-lo, fazendo ligação
com a sala de aula. É possível avançar, desde que isso
ocorra mediante o diálogo entre professores, e desses com
seus alunos.

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Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|848


O olhar do aluno:
em busca de novas metodologias e abordagens no ensino de História
PorGláucia da Rosa do Amaral Alves176, Jociléia Scherer177 e Jamille Padoin Bonini178

Resumo Abstract
Diante da nova realidade escolar, a In the light ofthe new school reality, the
seguinte abordagem propõe a reflexão das following approach proposes a reflection about
reivindicações de mudanças no ambiente the claims for change in this environment,
escolar, decorrentes da complexidade em que se resulting from the complexity in which school
dá a educação escolar, nos dias atuais, com o education occurs now a days, with the objective
objetivo de refletir os caminhos da atuação e of reflecting about the path ways of teacher
formação do docente. Com intuito de tornar o training andaction. Aiming to turn the study of
estudo de educação patrimonial instigante e patrimonial education stimulating and to
proporcionar o ato de pertencimento, os provide a feeling of belonging, the fellows of
bolsistas do Programa de Iniciação à Docência the Institutional Program of Scholarship for
(PIBID), do Colégio Estadual Manoel Ribas, Beginner Teachers (PIBID) from Manuel Ribas
em Santa Maria (RS), propuseram uma State School in Santa Maria (RS) proposed an
atividade aos educandos estimulando a activity to the pupils, stimulating the raise of
consciência sobre os bens públicos e sua consciousness over public properties and its
respectiva conservação. A partir da proposta de preservation. From this teaching proposal, of
ensino, de fotografar a sua realidade escolar, photographing their school reality, a new
percebe-se um novo olhar de ensinar e aprender, perspective was noticed for the ways of
o aluno passa a ser sujeito ativo da história. teaching and learning, turning the studentin to
Logo, se torna essencial a busca por novas na active subject of this situation. Thus, the
abordagens, pois facilitam ao professor a busca search for new approaches that bring to the
de novas metodologias de integrar a diversidade teacher new methodologies that integratet
ao ensino. eaching diversity becomes essential.
Palavras-chave:História; Metodologias; Olhar; Patrimônio. Keywords: History; Methodology; Perspective; Heritage.

176
E-mail: glauciadoamaral@gmail.com/UNIFRA
177
E-mail: jocischerer@gmail.com/UNIFRA
178
E-mail: jamillepb@gmail.com/UNIFRA

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|849

Keywords:
Introdução
A necessidade de novas as práticas no Ensino
Médio fundamentaram-se devido à constante ideia dos
alunos em definir a História como algo que se copia e
decora, sem nenhum significado a sua realidade. Diante
dos últimos tempos, em que o ensino tradicional vem
perdendo forças, a importância de novas práticas e
abordagens vem ganhando cada vez mais espaço. Deste
modo, buscou-se fazer com que os alunos se sentissem
parte do ambiente escolar.
Neste sentido, percebe-se que o uso de novas
tecnologias expandiu- se nas escolas, sendo cada vez mais
presente o uso de celulares no ambiente escolar, em que a
urgência de tornar as aulas mais instigantes deve fazer
parte do cotidiano do professor. Desta forma, emerge a
importância de uma postura frente à nova realidade escolar
do século XXI, torna-se imprescindível e, fundamental,
pensar, refletir e criar.
Frente a este cenário, os bolsistas do Programa
Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID), do
Centro Universitário Franciscano (UNIFRA), propuseram
uma atividade aos discentes em que incorporasse o uso de
tecnologia, e ao mesmo tempo, fizesse com que os
estudantes refletissem, e reconhecessem a utilidade da
educação patrimonial e da história local. A partir da
escolha deste tema, ocorreu a questão de contextualizar a
respeito da Educação Patrimonial e os sessenta anos do
Colégio Manoel Ribas.
Diante dos elementos apontados, inicialmente será
abordado algumas reflexões e estudos sobre patrimônio.
Em um segundo momento, pretende-se apresentar uma
análise comparativa sobre novas abordagens no ensino de
História e seus resultados, a partir de um relato de
experiência.

Patrimônio e Educação
As edificações que remontam ao final do século
XIX e XX, em Santa Maria estão em ruínas ou tendem a
desaparecer. Na maioria dos casos, não houve a
preocupação em guardar, cuidar ou preservar as antigas
construções.
Um desses prédios que permanece em pé e com
quase a totalidade dos elementos arquitetônicos que o
caracterizam (na reestruturação o prédio sofreu

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|850


significativas modernizações para adequar-se ás atuais
exigências de uso) é o que abrigou a Escola de Artes e
Ofícios Santa Terezinha do Menino Jesus, atual Colégio
Manoel Ribas, o Maneco.
Tal edificação abriga um acervo composto por
fotografias, documentos, e mobiliário, embora vulnerável a
oscilação da temperatura promovida por baratas, cupins e
morcegos. Diante deste contexto, discutiu-se com os
educandos a importância de preservação do patrimônio.
Partindo deste pressuposto, patrimônio pode ser
entendido, a partir do ideal romano, como algo que se
respeita ou é sagrado. Na atualidade, o conceito de
patrimônio vai além dos valores históricos, artísticos,
científicos, educativos e políticos. Patrimônio também está
relacionado com a construção da identidade cultural pelas
mais variadas estruturas.
Portanto, podemos afirmar que este é também uma
ferramenta de construção de identidades, ou seja, uma
afirmação de pertencimento de alguns grupos sociais. A
reprodução simbólica das identidades compõe um dos
elementos centrais na definição atual do conceito de
patrimônio. Coelho define ainda que:

Podemos considerar patrimônio dizendo que é o conjunto


dos bens móveis e imóveis cuja preservação seja de
interesse social, quer por sua vinculação com fatos
históricos memoráveis, quer por seu excepcional valor
artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico,
compreendendo os monumentos naturais, os sítios e as
paisagens que sejam importantes conservar e proteger,
pela feição notável com que tenham sido adotados pela
natureza ou agenciados pela indústria humana.
(COELHO, 1992, p. 31).

Assim sendo, o patrimônio somente será conservado


se houver uma valorização e integração por meio da
comunidade, através da memória coletiva. Esta, por sua
vez, é construída através do conjunto de memórias
individuais, Bessegato (2005), afirma que o aluno que atua
na reconstrução do passado, colaborando, pesquisando e
expressando-se, começa interagir melhor com o seu meio.
Portanto, preservar constitui manter viva a memória e a
identidade de uma localidade. Ou seja, preservar é darmos
continuidade à valorização de nossa cultura.
De acordo com Vasconcellos (1993), o papel do
educador não se restringe à informação que oferece, mas
estabelece sua inserção num projeto social, a partir do qual
desenvolva a capacidade de desafiar, de provocar, de
contagiar, de despertar o desejo, o interesse, a vida no
estudante, a fim de que possa se dar a interação educativa e
a formação do conhecimento.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|851


Nascimento (2012), menciona que ao se referir em
educação patrimonial no contexto escolar, surgem
inúmeras questões quanto ao ensino e a conscientização
dos alunos. Em relação à educação patrimonial na
disciplina de História, estas questões ganham caráter mais
específico. Sendo que disciplina da História se utiliza do
patrimônio enquanto fonte, capaz de fornecer informações
do passado das sociedades sob as representações da
memória.
Partindo desta perspectiva de estudos e
conhecimento sobre da importância da preservação
patrimonial, entende-se que esta deve ser uma ação
educacional permanente, levando os indivíduos a um
processo ativo da valorização e conscientização perante a
sua herança cultural fortalecendo os valores culturais e o
ato de pertencimento.

Novas abordagens no ensino de História: um relato


de experiência
A necessidade de novas abordagens e metodologias
no ensino de História está cada vez mais constante na
realidade do professor. Atualmente, há um grande
crescimento na utilização de recursos audiovisuais como
forma de diversificar o aprendizado nas escolas.
Cineclubes, aulas de informática, Moodle, fazem
parte do cotidiano dos alunos, mas o que vêm tomando
espaço nos últimos tempos é o uso do celular em sala de
aula muitas vezes um grande desafio ao docente.
Conectados, compartilhando selfies e ideias, este é o perfil
do aluno do Ensino Médio do Colégio Manoel Ribas.
Diante deste contexto, foi preciso buscar alternativas que
pudessem tornar o uso do celular como ferramenta de
estudos inserindo os alunos como protagonistas da
História.
Em meio a este cenário, o professor deve ampliar a
utilização de novas metodologias, com o intuito de
despertar o interesse, a criatividade, observação e a
problematização do conteúdo a partir do auxílio dessa
ferramenta pedagógica. O emprego de novas tecnologias
no ensino vem crescendo em quantidade e qualidade, ainda
que haja resistência entre os educadores em dispor de
linguagens diferenciadas das tradicionais (tais como o livro
didático).
Contudo, buscou-se alternativas na qual os
educandos conseguissem estabelecer a coletividade, o

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|852


convívio uns com os outros, possibilitando o criar e
descobrir, pois a História está em constante transformação,
como a vida das pessoas. Perrenoud (2002) sugere que a
autonomia e responsabilidades do professor devem estar
amparadas no conhecimento e na experiência.
Partindo da realidade escolar, é quase consenso
entre os alunos do Ensino Médio que ao falar de História, é
necessariamente falar de antiguidades. Diante deste
pressuposto e por entender que História não são somente
datas, heróis e coisas velhas, os bolsistas, desenvolveram
no ano de 2014, nas turmas 2ºJ e 2º H, uma atividade, na
qual os estudantes pudessem ser protagonistas da História,
e não meros espectadores. Deste modo, procurou-se
incorporar a importância do patrimônio ao cotidiano.
Assim, a partir dessas reflexões, trabalhar com um
tema que estivesse inserido na vida dos estudantes se
tornou o eixo central das atividades desenvolvidas pelas
bolsistas Pibid. Por isso, como um dos objetivos desta
atividade, foi mostrar que eles são sujeitos da História e
que não estão à margem dela, através da valorização do
ambiente onde vivem, e de seus saberes inerentes ao
conteúdo escolar.
O que se propõe, com essa nova discussão acerca da
História, é a ressignificação do olhar do educando, através
da sua problematizarão, afim de que perceba o seu entorno
como construído historicamente e, portanto, como agente
histórico, e que suas escolhas consistem em uma
construção histórica. É na escola que o aluno amplia seus
conhecimentos, aprende a trocar ideias, definir conceitos e
sugerir novos métodos de atividades no ensino de História
patrimonial, sendo que esta é primordial para o
entendimento do estudante como sujeito histórico.

A fotografia e a tecnologia como recurso didático


Os recursos midiáticos e as novas tecnologias têm
gerado diversos debates acerca de sua utilização no
ambiente escolar, principalmente do telefone móvel, e
trazem aos educandos e educadores novas possibilidades e
desafios para o ensino básico.

As mudanças tecnológicas terão um impacto cada vez


maior na educação escolar e na vida cotidiana. Os
professores não podem mais ignorar a televisão, o vídeo, o
cinema, o computador, o telefone, o fax, que são veículos
de informação, de comunicação, de aprendizagem, de
lazer, porque há tempos o professor e o livro didático
deixou de ser as únicas fontes do conhecimento. Ou seja,

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|853


professor, alunos, pais, todos precisamos aprender a ler
sons, imagens, movimentos e a lidar com eles.
(LIBÂNEO, 2012, p.40)

É indispensável buscar novos instrumentos para a


educação na qual estudantes e professores interajam com o
ambiente escolar e a comunidade, fomentando a noção de
pertencimento e tornando-os sujeitos atuantes na
construção do conhecimento. Através da utilização de
recursos visuais, o educando passa a assimilar melhor o
conteúdo, estimulando o imaginário e a sensibilidade do
olhar a partir da linguagem fotográfica.

É vista como uma prática, que pode ser estimulada na


escola [...]. Colocando em foco as múltiplas formas de ver
e ser visto, o ato fotográfico desponta como mais um
caminho de problematização da vida, que nos permite,
através da mediação técnica da câmara fotográfica,
registrar, decifrar, ressignificar e recriar o mundo e a nós
mesmos. (LOPES, 2005, p. 09)

A utilização desses novos recursos torna o docente


um orientador e fomentador da criticidade dessa geração
de educandos, cada vez mais imediatistas, que circulam
naturalmente nesse universo tecnológico. A exploração do
ambiente escolar por parte do educando, assim como a
autonomia que este possui em usar da sua sensibilidade
para registrar, e muitas vezes, recriar o universo escolar.

A partir das relações do homem com a realidade,


resultantes de estar com ela e de estar nela, pelos atos de
criação, recriação e decisão, vai ele dinamizando o seu
mundo. Vai dominando a realidade. Vai humanizando-a.
Vai acrescentando a ela algo de que ele mesmo é o
fazedor. Vai temporalizando os espaços geográficos. Faz
cultura. [...]. E, na medida em que cria, recria e decide,
vão se conformando as épocas históricas. É também
criando, recriando e decidindo que o homem deve
participar destas épocas. (FREIRE, 2008, p. 51).

Entretanto, a incorporação da tecnologia móvel


pelas instituições de ensino e pelos educadores é um
processo lento, e grande parte dos profissionais da
educação resiste em inovar em suas práticas pedagógicas,
muitas vezes por desconhecer as potencialidades destes
recursos no processo de ensino e aprendizagem.
De acordo com Cavalcante (2010) argumenta que
“o prazer de fazer parte de um processo de transformação
das pessoas é algo inexplicável para quem se dedica a
docência”. Nessa perspectiva, faz-se necessário que o

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professor construa estratégias que proporcione ao discente
o desafio de buscar o conhecimento.
O educador assume o papel de orientador na
condução dos alunos para os registros, respeitando a
autonomia do olhar do estudante. Dessa forma, a
construção do conhecimento por parte do aluno deve ser
mediada pelo educador.

[...] não basta expor-se aos meios de informação para


adquiri-las, é preciso operar com as informações para,
com base nelas, chegar ao conhecimento [...], entre a
sociedade da informação e os alunos, a fim de possibilitar
que, pelo exercício da reflexão, adquira a sabedoria
necessária a permanente construção do humano.
(PIMENTA, 2012, p. 24)

A fotografia e a tecnologia auxiliam na aquisição do


conhecimento pelo aluno de modo que o uso desta prática
educativa de ensino favorece a intervenção docente, de
forma positiva, para a construção do conhecimento do
discente. A utilização da fotografia traz ao individuo
autonomia e a noção e pertencimento, como sujeito atuante
no ambiente escolar.

Metodologia
Com a finalidade de trazer ao cotidiano dos
educandos conhecimentos, trocas de experiências,
dinâmicas em duplas e compartilhamento de ideias, os
bolsistas em reunião com a supervisora e regente da turma,
Maria Helena Romero propuseram uma atividade na qual
os alunos pudessem utilizar o celular como uma
ferramenta de estudos. Desse modo, pretendia-se buscar o
desenvolvimento de pessoas mais livres e autônomas,
enfim, ensinar com liberdade.
Em um primeiro momento, os bolsistas fizeram uma
contextualização a respeito da formação do Colégio e seu
entorno. Com isso, analisou-se o valor atual dessa
instituição de Ensino Médio, que tendo passado pelo
processo de tombamento municipal e estadual, tem um
valor significativo para seus alunos, como também para a
comunidade santa-mariense. Assim, os estudantes fizeram
uma reflexão sobre a importância da questão patrimonial.
Em um segundo, momento os alunos fizeram um
tour pela parte interna e externa da escola fotografando “O
olhar do aluno”. E como fechamento da atividade, os
estudantes enviaram as fotos por e-mail aos bolsistas, que
imprimiram e expuseram na Mostra Cultural do Colégio.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|855


Resultados
Com o início das atividades no Colégio Manoel
Ribas, a partir de abril de 2014, os bolsistas do subprojeto
História no Programa de Bolsa de Iniciação a Docência
(PIBID), tiveram como finalidade principal incitar nos
alunos, o gosto pelo estudo da disciplina de História. Com
isso, para alcançar tal objetivo, os integrantes do projeto
PIBID, no dia da realização da Mostra Cultural, evento
ocorrido no Colégio no mês de agosto, convidaram um
grupo de alunos para que os mesmos preparassem,
montassem e apresentassem uma exposição das fotos, onde
divulgassem suas respectivas visões sobre o Colégio e seu
entorno.
A exposição ocorrida no final do mês de agosto
proporcionou tanto para os bolsistas quanto para os
discentes uma melhor integração entre ambos e uma troca
de conhecimento, na qual os bolsistas verificaram, por
meio do convívio semanal, os obstáculos e enfrentamentos
do cotidiano escolar, tanto na construção do conhecimento,
quanto na prática pedagógica. Dessa forma, ao se
envolverem com o projeto, os alunos começaram a pensar
historicamente o ambiente escolar como um recurso
patrimonial necessário para a construção de sua identidade
e cidadania, bem como, passaram a admirar a beleza
arquitetônica do colégio e a valorizá-lo.

Conclusão
Embora ainda que proibido pelo Decreto Estadual e
ainda cause desconforto por parte de alguns docentes,
entende-se que o uso do celular em sala de aula como
ferramenta de apoio para sanar dúvidas ou como material
pra atividade se faz necessário. Em momento algum foi
visto pelos alunos como um instrumento de
entretenimento, e sim como uma ferramenta que serviu
com meio de execução da atividade. Segundo Tedesco, a
inclusão das novas tecnologias à educação deveria ser
considerada como um componente de uma estratégia
global de política educativa, logo,
Uma perspectiva mais pedagógica, a centralidade do
conhecimento também inspirou inicialmente algumas
posturas otimistas sobre o futuro da sociedade, já que a
ideia segundo a qual o desenvolvimento cognitivo tem

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|856


alguma influência nas condutas e no comportamento das
pessoas esteve sempre na base das propostas de mudança
social. Ensinar a pensar bem, a pensar melhor, estava
associado geralmente à ideia de formar um ser mais
“humano”. As últimas versões deste enfoque provêm de
pensadores vinculados ao desenvolvimento de enfoques
interdisciplinares que permitam compreender
adequadamente a complexidade dos fenômenos. O suposto
básico deste enfoque é que as pessoas capazes de
compreender a complexidade atuariam de maneira mais
responsável e consciente. (TEDESCO, 2004, p.02).

Contudo, com a incorporação do celular nas aulas


de História percebeu-se que os alunos motivaram-se para
realizar a atividade, sentindo-se parte daquele contexto,
assim, conseguiram com êxito mostrar o seu olhar sobre a
escola refletindo a respeito da importância do patrimônio.
Após as fotos e reflexão dos materiais produzidos, os
educandos conseguiram entender que eles fazem parte do
contexto escolar e não são meros espectadores da História.
No entanto, a busca por novas abordagens e
metodologias em sala de aula possibilitou um resultado
surpreendente, não só pela elaboração de painéis para a
Mostra Cultural, mas pela interação e empenho por parte
dos alunos e pela análise e reflexão sobre a importância de
preservação. Para que isso aconteça, vale ressaltar que,
para preservar, é preciso conhecer, e o conhecimento se dá
quando o educador consegue transmitir para aos alunos
informações que passam despercebidos para os mesmos.
Neste caso, a escola torna-se o elemento principal, no qual
o aluno mesmo inserido, não identifica, muitas vezes, o
valor patrimonial em que ele vive.
Logo, é fundamental que o docente rompa com a
barreira tradicional e vá ao encontro de ensinar através do
uso de novas tecnologias, embora pareça ser um desafio,
os resultados são surpreendentes. Portanto que a partir da
educação patrimonial podemos contribuir para um futuro
em que as pessoas tenham um patrimônio devidamente
protegido e conservado. Pois o patrimônio é uma
referência do que somos e do lugar que pertencemos, de
maneira que não pode ser esquecido ou relegado a segundo
plano.

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Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|858


O uso historiográfico no ensino de história
moderna:
saberes e percepções em sala de aula
Por Leticia Chilanti179

Resumo Abstract
Na presente pesquisa faremos um In the presente study we will do a survey
levantamento sobre como educadores se on how educators if appropriate knowledge and
apropriam dos saberes e conceitos relacionados concepts related to the modern age, and relate
a Idade Moderna, e relacionam estes temas com these issues to this themes using the textbook,
questões do presente utilizando o livro didático, its concepts, and other sources as a basis for the
seus conceitos, e outras fontes como base para questions and teaching themes of the period.
os questionamentos e ensino de temas do Keeping this in view, use, practices described
período. Tendo isso em vista, utilizaremos, by teachers of the State and municipal
práticas descritas por professores da rede ensino education network of towns of Pelotas and Rio
estadual e municipal das cidades de Pelotas e Grande, related to the teaching of modern
Rio Grande, relacionadas ao ensino de História history. For this, we analyzed questionnaires
Moderna. Para isso, foram analisados conducted with teachers who work in the
questionários realizados com professores que network of education in the primary and
atuam na rede de ensino nos níveis fundamental secondary levels, which had been returned to
e médio, que retornaram ao ambiente the academic environment after a certain period
acadêmico após determinado período de of activity in the classroom.
atuação na sala de aula.
Keywords: Teaching History. Historiography. School Knowledge.
Palavras-chave: Ensino de História. Historiografia. Saberes Escolares.

179
Graduanda do Curso de História Bacharelado na Universidade Federal de Rio Grande, contato: ticia_lc@hotmail.com.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|859


No presente artigo180, faremos um levantamento
sobre como educadores se apropriam dos saberes e
conceitos relacionados a Idade Moderna, e relacionam
estestemas com questões do presente utilizando o livro
didático, seus conceitos, e outras fontes como base para os
questionamentos e ensino de temas do período, o qual é
descrito da seguinte forma

A noção de “moderno” não basta por si só para dizer algo


de concreto ou definitivo sobre o período que queremos
analisar. [...] Só aos poucos, nas sociedades ocidentais, foi
havendo uma tomada de consciência quanto à
modernidade nascente, em cujo seio já se vislumbra,
indecisa, a teoria do progresso. (FALCON, 1977, p. 10-
11.)

Segundo a descrição de Falcon, para a divisão do


período conhecido pela historiografia tradicional como
Idade Moderna, a ideia de progresso já pode ser atribuída
desde Renascimento, quando é comparado ao pensamento
medieval, que segundo historiadores é vista como
sinônimo de atraso e retrocesso. Compreende o fim do
sistema feudal em algumas regiões, como ao mesmo
tempo, em outras o início de sistemas econômicos
conhecidos até hoje.
Tendo isso em vista, utilizaremos na presente
pesquisa, práticas descritas por professores da rede ensino,
relacionadas ao ensino de História Moderna. Procuramos
observar quais conceitos são aplicados no ambiente
acadêmico e utilizados pelo professor em sala de aula,
destacando o uso do livro didático, a utilização de outras
fontes históricas e a atuação do professor. Para isso, foram
analisados questionários181 realizados com professores que
atuam na rede de ensino de níveis fundamental e médio,
que retornaram ao ambiente acadêmico após determinado
período de atuação na sala de aula. O estudo do meio tem
sido visto como uma das principais estratégias de ensino
utilizadas na construção do conhecimento histórico; porém
as representações dos alunos sobre uma determinada
temática retiradas ou reproduzidas do livro didático tem
sido motivo de inquietação para muitos pesquisadores.
Assim, procuramos investigar como ocorre o uso e
apropriação de fontes para o ensino de História Moderna
na rede de ensino da cidade de Rio Grande e Pelotas,

180
A pesquisa foi desenvolvida como pré-requisito para a disciplina de História Moderna no ano de 2014, ministrada pela
professora Dr. Júlia Silveira Matos.
181
Questionário realizado aos mestrandos da Universidade Federal de Rio Grande, que após anos de conclusão da graduação
retornaram ao ambiente acadêmico, ondem são descritas as práticas dos professores em sala de aula, destacando a utilização de
outras fontes além do livro didático, a relação que é feita do conteúdo com o tempo presente e o domínio do educador no
conteúdo específico.

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através de professores que, atualmente, retornaram ao
ambiente acadêmico.
A pesquisa foi desenvolvida através de questionário
semiestruturado, utilizando perguntas abertas, as quais,
possibilitam ao entrevistado que escrevam suas opiniões
sem o controle das respostas pelo entrevistador. Com a
aplicação de perguntas padronizadas o entrevistador
garante o mesmo estímulo para todos os entrevistados.
Embora, quando é solicitado que lembrem de alguma
atividade realizada, trabalhamos com a memória, essa
sendo passível de falhas e seleções, em função do tempo,
como também por interferências (outras memórias,
processos ou ações que misturam-se ou influem no guardo
da memória alterando-a) externas ao entrevistado
(MOREIRA, 2008). Para a mesma, foi aplicada análise de
conteúdo, a qual, pode proporcionar, embora sem conhecer
o resultado final da pesquisa, a própria compreensão das
fontes que ocorre durante a sua estruturação, possibilitando
a aprendizagem. Mesmo após a análise finalizada, no
próprio processo de materialização do texto, são agregados
valores e argumentos que viabilizando ao pesquisador,
neste caso, elaborar uma nova forma de aprendizagem;
como também, uma intervenção dos discursos os quais o
fenômeno investigado, de alguma forma, possa ter
transformado.
Roque Moraes aponta que as categorias construídas
auxiliam na compreensão, dos discursos produzidos no
corpus; elas devem ser formadas de modo que sejam
significativas a o ponto de proporcionar um realce dos
pontos interessantes no metatexto. Posteriormente, essa
caracterização proporcionará a própria síntese das ideias,
não por menos, estas necessitam representar os sujeitos, as
vozes, dos textos analisados. Ainda, o autor alerta sobre a
responsabilidade que uma única categoria ou metatexto,
pode representar uma multiplicidade de vozes se
manifestando sobre fenômenos investigados. Nesse
sentido, os textos são “veículos de comunicação de
elementos linguísticos, marcados pela subjetividade e
modos de interpretação e compreensão de todos os sujeitos
envolvidos em sua produção”; assim como, de outros
sujeitos e práticas discursivas ou culturais. O pesquisador
precisa estar consciente de que ao examinar e analisar, seu
corpus é influenciado por todo esse conjunto de vozes
(MORAES,2007, p.88).
Destacamos que o compromisso que o professor
pode assumir com a comunidade que a escola atende, tem
a possibilidade de formar indivíduos críticos atentos as
transformações que podem afetar sua vida e o meio onde
vivem. No entanto, notamos que, ao oferecer ao aluno uma
história fragmentada, a compreensão dos processos,
rupturas e continuidades da história não ocorre da mesma
forma que no ambiente acadêmico, o qual atualmente é

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|861


realidade para poucos. Em contraponto com o
conhecimento produzido na academia, percebemos que
desde da década de 70 “quando as gerações saídas da
universidade anos antes começam a encontrar legitimidade
intelectual e ensaiam um ensino mais preocupado com o
social.” (PINSKY,2012, p. 22).
As práticas realizadas em sala de aula, quando não
observadas como instrumento político e passível de
manipulação, também podem ser transformadas em meras
reprodutoras de um sistema que entendemos, estar a
serviço de classes que detém o poder. Onde, uma história,
que o aluno percebe a atuação do homem que não possui
um caráter comum – a figura do herói ou de grandes
acontecimentos - é apresentada como oficial não possuindo
conexão com a sua realidade, torna ela distante e factual.
Encontramos exemplos da história oficial, no livro
didático, como forma de “institucionalização de uma
memória oficial, na qual as memórias dos grupos sociais,
das classes, das etnias não dominantes economicamente”
não se encontram representadas, sendo identificada uma
história “legitimadora e justificadora do projeto político de
dominação”, percebido desde da antiga escola secundária e
mantido até o atual ensino médio (NADAI,2012. p.30).
Nesse sentido, observamos por parte do estudante a
dificuldade em compreender a história ou sua finalidade.
Sendo este, um dos motivos do desinteresse do aluno e
consequência do aumento da carga do professor que se
compromete em mostrar novos caminhos, buscando o
interesse do estudante pelo conhecimento, adquirido na
academia, e quer transmiti-lo em sala de aula. Segundo
Maria Auxiliadora Schmidt

A aula de História é o momento em que, ciente do


conhecimento que possui, o professor pode oferecer a seu
aluno a apropriação do conhecimento histórico existente,
através de um esforço e de uma atividade com a qual ele
retome a atividade que edificou esse conhecimento. É
também o espaço em que um embate é travado diante do
próprio saber: de um lado, a necessidade do professor ser
o produtor do saber, de ser partícipe da produção do
conhecimento histórico, de contribuir pessoalmente. De
outro lado, a opção de tornar-se apenas um eco do que os
outros já disseram. (SCHMIDT,2013, p. 57)

Ainda segundo a autora, a prática em sala de aula


assume desafios para que a educação histórica adquira um
novo olhar do aluno, a função do saber histórico na vida
dos sujeitos têm reconfigurado a didática da História na
contemporaneidade, colocando novas demandas para a
prática docente no contexto escolar e, consequentemente,
para a formação de professores dessa disciplina, se
tornando instrumento pelo qual poderá conhecer uma

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|862


“pluralidade de realidades”, além de adquirir uma visão
crítica da sociedade atual “resgatando, sobretudo, o
conjunto de lutas, anseios, frustações, sonhos e a vida
cotidiana de cada um, no presente e no passado. ”
(PINSKY, 2012, p. 65).
Entendemos que estudar ou analisar a História, é
tirar das fontes fios que conectem o presente e o passado.
O conhecimento histórico não é um dado feito por seres de
outro planeta ou metodologias trazidas do futuro, mas
decorrente de uma constante reelaboração e construção,
que ocorre a partir de necessidades e problemas colocados
e encontrados no cotidiano. O fio condutor de todo o
trabalho do conhecimento histórico, deve ser feito pela
percepção de que um fato do “passado é, por definição, um
dado que nada mais modificará. Mas, o conhecimento do
passado é uma coisa em progresso, que incessantemente se
transforma e aperfeiçoa.” (BLOCH, 2001, p.75). Temos,
então, a constante reelaboração e ressignificação, tanto do
conhecimento histórico, quanto do modo como a história é
feita; não por menos, o olhar que o historiador, por
consequência o professor em sala de aula, lança sobre as
diferentes fontes é alterado.
A produção historiográfica, como reflexo da
modificação do olhar do historiador, ganha diferentes
campos, onde temas até então não abordados pela
historiografia dita positivista, tornam-se objeto de reflexão
- que tem exemplos de trabalhos desde o início do século
XX ou mesmo antes - voltado para o estudo da dimensão
cultural de uma determinada sociedade historicamente
localizada. A definição dessa esfera, segundo Roger
Chartier, pode ser entendida como também trabalho de
representação
[...] das classificações e das exclusões que constituem, na
sua diferença radical, as configurações sociais e
conceptuais próprias de um tempo ou de um espaço. As
estruturas do mundo social [...] todas elas são
historicamente produzidas pelas práticas articuladas
(políticas, sociais, discursivas) que constroem as suas
figuras. São estas demarcações, e os esquemas que as
modelam, que constituem o objecto de uma história
cultural levada a repensar completamente a relação
tradicionalmente postulada entre o social, identificado
com um real bem real, existindo por si próprio, e as
representações, supostas como reflectindo-o ou dele se
desviando. (CHARTIER, 2002, p. 27.)

Dessa maneira, entendemos que, a percepção dos


sujeitos produtores e receptores de cultura – o que abarca
no nosso caso, tanto a produção adquirida pelo professor
em ambiente acadêmico, como sua ressignificação em sala
de aula, até o conhecimento produzido pelo livro didático,

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|863


o qual, também é produto de ressignificação tanto do
leitor, quando do sistema educacional ao qual está
inserido, acaba por produzir um conhecimento
fragmentado, conforme ressaltado anteriormente. Sobre a
abrangência que a história cultural pode ter, segundo sua
categoria de representação, Peter Burke também ressalta
que a escrita da história recebe esse relativismo cultural
quanto aos objetos por ela utilizados - os quais, quando
observados de determinadas estruturas, convenções e
estereótipos - permitem a identificação de conflitos que são
realçados “por uma apresentação de pontos de vista
opostos” a uma determinada realidade inserida em um
sistema. (BURKE, 1992, p. 15)
Um dos objetos que trataremos em nosso atual
sistema de ensino, o livro didático, que através de sua
materialidade, reproduz práticas e representações, assim
como cria novas, partindo de sua leitura por um indivíduo
fora do ambiente cultural ao qual foi produzido. Podemos
entender que um autor, ou um grupo editorial, ao elaborar
um livro, não somente marca no papel a representação de
determinado período, mas, solidifica a leitura do mundo ao
qual pertence (marcando suas representações e práticas).
Tanto autor poderá se tornar produtor de novas
representações, quanto o próprio livro; podendo ressoar,
por exemplo, através de práticas do ensino, por um longo
ou curto período tempo. Sendo alterado, por uma mudança
na historiografia ou uma reivindicação de grupos
silenciados pelas elites, que elaboram esse material. O
livro didático, precisa ser “visto como veículo de um
sistema de valores, de ideologia, de uma cultura de
determinada época e de determinada sociedade”.
(BITTENCOURT,2011, p. 302)
Tendo essa prática do ensino em vista, elencamos o
livro didático como um dos responsáveis pelo
conhecimento histórico, que chega, atualmente, até o
indivíduo que não possui outra fonte de conhecimento, a
não ser pelo uso desse material. Assim sendo, ele é um
aparelho pelo qual o conhecimento histórico daqueles cujo
saber não ultrapassa a escola é transmitido, gerando
também representações que passam a ser coletivas. O livro
didático, é o material cujo conteúdo é pensado e elaborado
tendo em vista as ideias e os valores que o produtor, mas
principalmente o sistema de ensino consideram adequados
para o aluno. Observamos os PNLDs 182 instituídos em
1985 e reestruturados em 1993, conforme seu guia para o
ano de 2015 apresenta

182
PNLD: Programa Nacional do Livro Didático. O Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) é o mais antigo dos programas
voltados à distribuição de obras didáticas aos estudantes da rede pública de ensino, iniciando em 1929, com outro nome. Ao
longo de 80 anos, o programa foi aperfeiçoado e teve diferentes nomes e formas de execução. Atualmente, é voltado à educação
básica brasileira, tendo como única exceção os alunos da educação infantil.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|864


[...] importância do livro didático na escolarização básica
dos brasileiros. Sendo meio de ensino e aprendizagem,
“presente em salas de aula, bibliotecas, nos lares dos
alunos” e “instrumento de formação continuada para o
professor e, até mesmo, como orientação curricular (Guia
de livros didáticos: PNLD 2015: história: ensino médio. –
Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação
Básica, 2014, p. 9, grifo nosso).

Porém, o grande questionamento além do aspecto


pedagógico e didático do livro escolar, é o ponto
ideológico e dos valores presentes nos conteúdos, onde, o
próprio sistema educativo inscreve-se em uma prática
cultural. Ao mesmo tempo, empurra para os indivíduos
nele inserido, determinadas representações destinadas a
moldar certos padrões de caráter, viabilizando um
determinado repertório a ser seguido em direção a lógica
de funcionamento do sistema atual.
Além do aspecto ideológico, percebe-se que o livro
didático vem assumindo uma outra função: a de orientar
também o professor. Este, em razão das falhas de sua
formação e das condições de trabalho que enfrenta, acaba
não pesquisando outro material para preparação das aulas,
quer expositivas ou de qualquer outra natureza, ou mesmo
não procura questionar as informações ou a falta delas no
livro, pois o mesmo sendo utilizado em sala de aula
necessita ser problematizado e interpretado como qualquer
outro documento produzido em seu tempo histórico. Dessa
maneira, as práticas do professor alimentam as ideias
contidas no livro didático adotado, que é visto por alunos e
até mesmo seus pais, como a única fonte digna de
confiança. Assim, Circe Bittencourt, mostra uma das
características desse material e sua formação no Brasil
Os livros didáticos, ao longo dos séculos XIX e XX,
foram organizados de maneira que tivessem uma
sequência linear, segundo a lógica cartesiana que
conforma a estrutura da obra a capítulos, compostos de
exercícios, perguntas, resumos e quadro cronológico que
seguiam as “lições”. Os livros didáticos serviam de
importante e cômodo referencial para as famílias
acompanharem e avaliarem o professor.
(BITTENCOURT, 2011, p. 309)

Ainda, conforme ressaltado pela autora, para


muitos, um professor só alcança seu objetivo na formação
do aluno, quando termina de “dar todas as lições” do livro.
No entanto, esclarece, que embora sejam utilizados como
material para obtenção do conhecimento e, seja indicado
como “instrumento de trabalho exclusivo e único de
professores e alunos”, devem ser considerados e utilizados
como uma ferramenta auxiliar. As mudanças nas práticas

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|865


para a utilização do livro didático, podem levar a “ser
usado como material de pesquisa, como referencial para
busca de informação”, similar à prática de ensino realizada
com pesquisa na internet, e não como fonte exclusiva do
saber. (BITTENCOURT, 2011, p 319-321).
Em vista do todo dos nossos questionamentos sobre
o ensino do período histórico recortado, apontamos na
elaboração de categorias uma forma de análise dos
diferentes sujeitos da pesquisa (os quais foram permeados
por diferentes realidades). Buscamos, elencar os conceitos
que são apropriados por eles, no que tange o conhecimento
acadêmico que receberam em sua formação no período
compreendido à História Moderna, utilizando como
estímulo quanto ao conteúdo, o Renascimento e o
Iluminismo – entendidos como movimentos,
principalmente de caráter intelectual, ligados a uma
minoria, que marcaram, tanto o início quanto o fim do
período – podendo ser observados suas consequências até
o tempo presente. Segundo esse pressuposto, foram
retirados conceitos como: individualismo, humanismo,
liberalismo, volta do pensamento clássico, crítica ao
Estado, sociedade burguesa, divisão do poder político,
mudança de pensamento, uso da razão, descobertas
científicas, homem em foco, direitos humanos e respeito as
individualidades, assas da igreja.
Alguns dos conceitos encontrados nos trechos
produzidos, podem ser encontrados em explicações como a
de Eric Hobsbawm, onde segundo o autor
[...] um individualismo secular, racionalista e progressista
dominava o pensamento “esclarecido”. Libertar o
indivíduo das algemas que o agriolhavam era o seu
principal objetivo: do tradicionalismo ignorante da Idade
Média, que ainda lançava sua sombra pelo mundo, da
superstição das igrejas (distintas da religião “racional” ou
“natural”), da irracionalidade que dividia os homens em
uma hierarquia de patentes mais baixas e mais altas de
acordo com o nascimento ou algum outro critério
irrelevante. (HOBSBAWM ,1982, p. 37)

Assim, conforme o uma das respostas obtidas, que


diz “que apesar de ainda vivermos sob as asas da Igreja,
não sofremos mais aquela imposição”, podemos associar
ao que o historiador nos traz por “Libertar o indivíduo das
algemas que o agrilhoavam era o seu principal objetivo”,
remetendo ao processo em que a Igreja Católica estava
perdendo influência, assim como seguidores no período.
Conforme o historiador trouxe, em seu capítulo
introdutório da Era das Revoluções

[...] de fato, o “iluminismo”, a convicção no progresso do


conhecimento humano, na racionalidade, na riqueza e no

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|866


controle sobre a natureza – de que estava prontamente
imbuído o século XVIII – derivou sua força
primordialmente do evidente progresso da produção, do
comércio e da racionalidade econômica e científica que se
acreditava estar associada a ambos. (HOBSBAWM ,1982,
p. 36-37)

Quando se pensava em Idade Moderna, logo eram


remetidas as ideias de descoberta e razão, como
transformações relacionadas ao pensamento do homem, ou
no uso da natureza por este. Podemos perceber, o uso ou
citação dessas duas palavras em específico pelos
entrevistados não ocorreu com grande frequência, sendo
observado somente em um caso, demonstrando que os
mesmos não mais associados ao período da Idade
Moderna, mas ao pensamento contemporâneo. Notamos
que, embora sejam aplicados e internalizados alguns
conceitos da historiografia tradicional pelos professores,
quando esses conceitos são aplicados em práticas na sala
de aula relacionando-os à atualidade, foram obtidas três,
das sete amostras que descreveram suas atividades, de
modo satisfatório para questões relacionadas ao período
atual, conforme as descrições para Iluminismo “crítica ao
autoritarismo de certos Estados atuais”, e “proporcionaram
no desenvolvimento do pensamento da sociedade”183.
Observamos então, a aplicação da chamada
transposição didática, onde a escola torna-se o local de
recepção e reprodução do conhecimento, esse, entendido
como resultado das ciências eruditas e como único
produtor, a academia. Sendo medida sua eficiência, na
capacidade de transmitir o mesmo aos alunos, quase como
um espelho, sem qualquer alteração ou ligação com a vida
do aluno de saberes eruditos (BITTENCOURT, 2011, p.
35-39). Como “contra método” a chamada transposição
didática, entendemos que o uso de outras fontes em sala de
aula, abre possibilidade para intersecção com o meio ao
qual o aluno vive, este facilitado pelo professor. Assim,
entendemos que o documento pode apresentar uma
variedade suportes, sendo produtos de determinada época,
com marcas e informações sobre a cultura na qual foi
produzido. Maria Auxiliadora Schmidt, apresenta a sala de
aula como espaço para “desnaturalização de uma visão
crítica do passado”, imbuída do trabalho de compreensão e
explicação,

Em relação à transposição didática do procedimento


histórico, o que se procura é algo diferente, ou seja, a
realização na sala de aula da própria atividade do

183
Questionário realizado aos mestrandos da Universidade Federal de Rio Grande, que após anos de conclusão da graduação
retornaram ao ambiente acadêmico, onde são descritas as práticas dos professores em sala de aula, destacando a utilização de
outras fontes além do livro didático, a relação que é feita do conteúdo com o tempo presente e o domínio do educador no
conteúdo específico.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|867


historiador, a articulação entre elementos constitutivos do
fazer histórico e do fazer pedagógico. Assim, o objetivo é
fazer com que o conhecimento histórico seja ensinado de
tal forma que dê ao aluno condições de participar do
processo do fazer, do construir a História. Que o aluno
possa entender que a apropriação do conhecimento é uma
atividade em que se retorna ao próprio processo de
elaboração do conhecimento. (SCHMIDT, 2013, p. 59)

A autora, também esclarece que uma problemática


deve ser construída em sala de aula, e que as questões que
serão levantadas necessitam fazer parte da leitura de
mundo do aluno. Importa ainda para isso, a diferenciação
de documentos que permitem, com base no
desenvolvimento do saber histórico do estudante,
transmitir os conteúdos do saber disciplinar, como os
textos e os filmes didáticos, sendo elaborados para esse
fim, daqueles que podem ser utilizados, devido sua
historicidade, para construção de saberes em sala.
Essa intersecção de saberes eruditos e aplicação das
mais diversas naturezas de fontes em sala de aula é vista,
segundo o relato de um professor, de forma positiva e
eficiente, “precisamos oferecer aos alunos diferentes
formas de apresentar os conteúdos, de verificar para que
eles possam ter contato com diferentes discursos”
(UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE –
FURG, 2014, s/p). No entanto, nos deparamos com
realidades diferentes
Meus 10 anos de sala aula me fizeram, perceber o quanto
é necessário, cansativo e prazeroso utilizar outras fontes,
para todos os envolvidos. [...]. Geralmente eles (alunos)
apreciam; quanto menor o nível de ensino maior é a
aprovação. Parece que a medida que o nível de ensino
cresce, maior é a resistência, por preguiça, noto eu, porque
é um trabalho que exige maior dedicação do estudante.
(FURG, 2014)

Embora as percepções que os educadores


descrevam, sejam sobre a mesma prática em sala de aula -
no que tangue o uso de diferentes fontes em sala de aula e
a atuação desses seja na mesma cidade, notamos como a
realidade das instituições de atuação, influenciam nas
concepções e definem a realidade vivida pelo professor.
Segundo Pinsky (2012), as mudanças no olhar da história,
a crescente “massificação do ensino”, a desvalorização em
todos os ambientes do professor, os quais, assistem alunos
formados sendo cidadãos despreparados e alienados ao
controle social exercido.
Quando indagado sobre as práticas que realizavam a
respeito do movimento Renascentista, foram citadas em
três atividades (realizadas por professores de diferentes

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|868


instituições de formação, assim como cidades de atuação
profissional), o movimento ligado ao Renascimento
Artístico, onde o professor de História, procura o “trabalho
com a professora de Artes, articulando com arte
contemporânea e técnicas atuais ou fazendo releituras”
(FURG, 2014). Notamos o crescente uso da
interdisciplinaridade, atribuído ao próprio processo de
mudança historiográfica ocorrido. No entanto, a
preferência por deixar que outro professor de outra área
assuma as aulas e os conteúdos a serem trabalhados,
indicam falhas na formação de ambos, onde nem eu nem
outro, conseguem entrelaçar conhecimentos adquiridos na
academia para aplicação a prática em sala de aula, ou até
mesmo à realidade do aluno para melhor compreensão do
conteúdo.
Inicialmente eram privilegiados, estudos de ações
políticas, militares e das guerras, a forma que História
Escolar utilizava para transposição didática era dita
historicista, influenciada pelos seguidores de Lepold von
Ranke, com utilização da narrativa. Porém, segundo Circe
Bittencourt, o historicismo em sala de aula, com utilização
da narrativa, mostra que

Os acontecimentos são apresentados de forma mais amena


e emotiva, com personagens divididos entre bons e maus,
heróis, vítimas e carrascos, que se movimentam em uma
história maniqueísta, com linguagem criada para criada
para facilitar a memorização do conteúdo, mas não para se
tornar objeto de interpretação, de questionamento e
indagações sobre os sujeitos e suas ações.
(BITTENCOURT,2011, p. 144.)

No trecho apresentado, a autora ainda elucida que o


uso somente da narrativa não proporciona “reflexão sobre
os acontecimentos nem fornece condições de interpretação
deles”. No entanto, a produção historiográfica, após a
Escola dos Annales, começou a girar em torno das
mentalidades; paralelo a essa corrente o surgimento do
materialismo histórico, se torna tendência a partir do fim
da década de 70. Os conteúdos escolares, eram adaptados
para situarem “os indivíduos de acordo com o lugar
ocupado por eles no processo produtivo”. Bittencourt,
ainda apresenta que temas como “burguesia, proletariado,
aristocracia” forneciam explicações para “os sujeitos
sociais”, que somente assim suas ações eram visíveis na
“sociedade, e os confrontos entre os diversos grupos
sociais explicam as mudanças e permanências históricas”.
(BITTENCOURT,2011, p. 147)
Assim, observamos por algumas práticas de
professores em sala de aula, a preferências por
determinadas correntes para relacionar a fonte ao tema
estudado, conforme uma atividade realizada, “gosto de

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encenar alguns pontos dos filmes em aula, pequenas cenas
que são reproduzidas pensando no conceito trabalhado. Ex.
uma atitude de um nobre que demonstre sua condição
social junto a um servo”. (FURG, 2014). No entanto,
conforme apresentado anteriormente, o uso pelo professor
em sala de aula de outras fontes assim como a
interdisciplinaridade; vem em reposta a outra investigação
da história, que procura introduzir à história política, itens
relacionados a cultura política, dos regimes e sistemas de
governo e das representações de poder.
Logo, pelo fato da história cultural direcionar seu
olhar também para outros sujeitos, que podem não
produzir fontes no suporte de documentos escritos, a
utilização de outras (como, pinturas, esculturas, vasos),
vem sendo agregada as representações realizadas no
ambiente escolar para ensino de História Moderna.
“Aproximar o conteúdo do aluno é fundamental. Novas
fontes têm essa função” (FURG, 2014). Conforme citação,
sobre o uso de outras fontes além do livro didático, a
utilização para explicação de determinado período de
diferentes narrativas é uma prática já internalizada, tanto
por alunos, quanto professores.
Entre sete entrevistados, obtivemos resposta
satisfatória de seis professores pela preferência de outras
fontes, como: “Os alunos gostam e respondem
positivamente quando trabalho com outras fontes,
principalmente quando o visual é explorado.” (FURG,
2014); ou também, com relação a outras modalidades de
ensino: “A maioria dos alunos são mais velhos e estão com
a ideia da História “chata”, dessa forma eles aprendem que
eles também fazem parte do processo e que isto que era tão
distante é mais próximo." (FURG, 2014). Além de
melhores respostas por parte dos alunos na absorção dos
conteúdos quando trabalhado dessa forma em sala de aula,
inclusive, a aceitação em diferentes idades, como no caso,
de professores que trabalham na modalidade de EJA184,
por parte dos educandos quando retornam ao estudo após
um determinado tempo afastados.
No que tangue o uso do livro didático para o ensino
de História Moderna, percebemos, que muitas práticas vêm
adotando o mesmo como uma fonte auxiliar. Nas sete
entrevistas realizadas, quando abordado como os
professores realizam as dinâmicas para o ensino dos
conteúdos relacionados ao período, nenhum professor
citou o uso do livro didático para as mesmas. No entanto,
consideram que “o livro didático seja um instrumento que
auxilia no processo de ensino-aprendizagem é necessário
um olhar criterioso e a utilização de outros instrumentos e
184
A entrevistada se refere a modalidade de Educação de Jovens e Adultos, que hoje também vê seu perfil alterado, tendo maior
presença de jovens que abandonaram o ambiente escolar a menos de 10 anos. No entanto, o curso de atuação da educadora faz
parte do PAIETS (Programa de Auxílio ao Ingresso nos Ensinos Técnico e Superior), que possui o mesmo perfil de educandos da
EJA, porém, visando preparação para prova para ingresso e vida universitária.

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fontes.” (FURG, 2014), conforme o que Julia Matos
ressalta de que
[...] no processo de ensino-aprendizagem o livro didático
pode ser um instrumento contributivo, desde que o
professor o perceba como um produto da sociedade de
consumo e o utilize dentro de seus limites apenas como
um recurso e não como um meio pelo qual o ensino-
aprendizagem se realiza. (MATOS,2012, p. 183)

Porém, segundo outra descrição sobre uso do livro


mostra a realidade de escolas onde “a utilização do livro é
determinada pela instituição. Serve como a leitura base
para o estudante e a referência para a elaboração das
avaliações” (FURG, 2014), e acaba sendo a única
ferramenta que o professor tem para trabalhar com os
alunos. Segundo Circe Bittencourt, Michael Apple
apresenta um alerta sobre o controle curricular, assim

[...] o despreparo do professor, resultante de cursos sem


qualificação adequada, e as condições de trabalho nas
escolas muitas vezes favorecem, segundo afirma o autor,
uma cultura mercantilizada que transforma cada vez mais
a escola em um mercado lucrativo para a indústria
cultural, com oferta de materiais que são verdadeiros
“pacotes educacionais”. (BITTENCOURT,2011, p. 298)

O então conhecimento construído pelo


professor/historiador na academia, pode ser distante ou
contrário do ambiente social do aluno, solidificando a
diferença entre conhecimento acadêmico e conhecimento
produzido na escola a partir da realidade do aluno. Assim,
tratando o conhecimento como algo despolitizado e sempre
intelectualizado, sendo fabricado apenas dentro das
instituições – acabamos formando cidadãos que são
reprodutores de algo que não lhe é comum, que não
atravessa sua vida ou cotidiano. No entanto, “estamos
assistindo a uma retomada da centralização da educação”
que leva seus sujeitos para dentro de debates “alunos e
professores novamente vistos como objetos capacitados de
construir sua história e de fazer, em cada momento de sua
vida escolar, seu próprio saber”. (ABUD,2013, p. 40)
Perante as análises realizadas acima, percebemos,
como os conteúdos escolares são permeados pelo
conhecimento acadêmico. Além de suas práticas serem
fortemente influenciadas pelo próprio ofício do
historiador, no que tangue as correntes historiográficas e
as fontes que cada uma abarca no período ao qual foi
desenvolvida. No entanto, se as mesmas não forem
observadas criteriosamente e criticamente pelos
educadores, que tem que serem vistos e se compreenderem
como pesquisadores/historiadores no Ensino de História,

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se tornam meras vozes do passado, sem o entendimento de
seu local de discurso e seu uso pelas pessoas que a
elencaram como digna de ser salvaguardada, similar ao uso
atual do livro didático em sala de aula, sendo mais um
objeto que faz parte de uma metodologia para chamar a
atenção dos alunos, facilitar a memorização do fato e
compreensão do conceito histórico.
Assim, se os professores de história não conseguem
força perante um produto, a indústria do livro didático
ganha força, com o apoio de políticas públicas. Logo, não
são agentes ou produtores do processo histórico, são
somente reprodutores de discursos e representações, sendo
difícil conseguirem que os alunos o sejam. A crítica ao
modo de ensino de História que tem como tripé a
memorização de fatos, nomes e datas e sua compreensão
histórica que tem pouco aprofundamento no conhecimento,
mostra como constatação, de que um dos papéis da
aprendizagem é elaborar conhecimentos que sejam
significativos sobre a História, unindo aprendizado e
contexto social, gerando a apreensão da realidade que é
empírica ao aluno. A partir da reflexão histórica, que parte
do conhecimento adquirido pelo educador em sua
formação, possibilitando a percepção, compreensão e
alteração da compreensão que o aluno tem de sua história.
Nesse sentido, temos que atentar para que não
somente o conhecimento erudito -ou conhecimento
produzido e consolidado na academia, que por vezes é
entendido pelos educadores como o único necessário - seja
utilizado em sala de aula, se esse não permear tanto a vida
do professor quanto a do aluno, dificilmente alteraremos o
uso da frase repetida em muitas salas de aula, estudamos o
passado para melhor compreender o presente; porém, o
presente já é ontem, e por meio do conhecimento histórico,
temos que ser agentes do futuro.

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Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|873


O que é o Trabalho?
um retrato da classe trabalhadora do bairro Jardim dos Lagos
PorMateus Ranzan185 e Alexandre Quadrado186

Resumo Abstract
Este artigo é uma reflexão teórica da This article is a theoretical reflection of
atividade realizada pelos professores de the activity carried out by history and
História e Geografia com alunos da E.M.E.F. geography teachers with students E.M.E.F. Zilá
Zilá Paiva, no município de Guaíba, no ano de Paiva, in the city of Guaíba, in 2015. The work
2015. O trabalho consistia em uma consists of a mini photo exhibition of the
miniexposição fotográfica dos responsáveis dos parents of the students in their work roles. To
estudantes em suas funções laborais. Para compose the exhibition was told that the
compor a exposição foi solicitado que os students themselves should take the
próprios alunos realizassem a fotografia. Existe photography. There is a complete alienation of
uma completa alienação dos educandos com the students regarding the origin of
relação à procedência de produtos manufactured products and raw materials. In
manufaturados e suas matérias primas. Nesse this context, the aim was to show students
contexto, buscou-se mostar aos alunos o productive work and were selected photos of
trabalho produtivo e foram selecionadas the album “Workers”, by SebastiãoSalgado,
fotografias do álbum “Trabalhadores”, de which is portrayed the worker in the workplace.
Sebastião Salgado, no qual é retratado o Such a perspective aims at a process of teaching
trabalhador em seu ambiente de trabalho. Tal and learning creative and interactive.
perspectiva tem como objetivo um processo de
ensino e aprendizagem criativo e interativo.
Keywords: Workers, Photography, Work, Geography, Wage.

Palavras-chave:Trabalhador, Fotografias, Trabalho, Geografia, Salário.

185
E.M.E.F. Zilá Paiva, e-mail: ranzan.mc@gmail.com.
186
E.M.E.F. Zilá Paiva.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|874


Introdução
Este relato de aula é uma reflexão teórica de
atividade realizada pelos professores de História e
Geografia com alunos de 8º e 9º anos da E. M. E. F. Zilá
Paiva, no município de Guaíba no ano de 2015. O trabalho
consistia em uma miniexposição fotográfica dos
responsáveis dos estudantes em suas funções laborais. Para
compor a exposição foi solicitado que os próprios alunos
realizassem a fotografia, procurando uma aproximação
familiar, pois foi possível constatar que muitos
desconheciam qual atividade é exercida pelos seus
responsáveis. Concomitante, foi debatido em aula o
conceito de “trabalho” e “salário”, além da distribuição de
atividades produtivas pelo mundo. Para enfim atingirmos o
nosso objetivo que é um processo de ensino e
aprendizagem criativo, interativo e que proporcione a
compreensão dos alunos pelos conceitos históricos e
geográficos.
A atividade foi desenvolvida com o intuito de
marcar o dia do trabalhador, a partir da percepção do
grande desconhecimento dos estudantes sobre o processo
produtivo, em suas diferentes características e
diversificação. Para desenvolver o projeto foramressaltadas
as complexidades inerentes ao conceito de trabalho,
diferenciação do trabalho nos múltiplos setores da
economia e seus impactos nas esferas da sociedade. Existe
uma completa alienação dos educandos com relação à
procedência de produtos usualmente consumidos por eles:
tênis, camiseta, boné, ou ainda produtos primários e
essenciais, como frutas, verduras e grãos. Nesse contexto,
buscou-se mostrar aos alunos o trabalho produtivo
realizado na extração de matéria prima. Para tanto, foram
selecionadas fotografias do álbum Trabalhadores: uma
arqueologia da era industrial, do famoso fotógrafo
brasileiro Sebastião Salgado, no qual é retratado o
trabalhador no seu ambiente de trabalho, na sua forma
mais dura e árdua, com grande desgaste físico. Mesmo
assim, os retratados apresentam uma aura de graça, um ar
de contentamento e de esperança.
Seguindo neste mesmo raciocínio, para MAIA
(2011:55), o álbum Trabalhadores “[...] é um elogio ao
trabalho e uma crítica ao progresso que, tal como o
escorpião ao picar o sapo que lhe deu carona na travessia
do riacho, alegando ser de sua natureza, deixa todos os que
lhe serviram desagregados e tudo o que lhe foi útil
destruído.” Por essa ótica, o progresso deixou o trabalho
ainda mais alienante, algo evidente nos bancos escolares
de uma turma majoritariamente de classe média de um

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|875


colégio público. As fotografias retratadas em
Trabalhadoresexploram um período de transição em que o
trabalho físico é substituído cada vez mais pela máquina,
tanto no campo quanto na cidade.
Para SALGADO187, essa foi uma de suas atividades
mais empolgantes, pois os trabalhadores tinham orgulho de
mostrar o seu esforço e o resultado de toda fadiga, apesar
de todas as condições adversas, por isso foi um trabalho
recompensador.
A fotografia é instrumento significativo nas aulas de
História e Geografia, por fornecer importantes recursos
que auxiliam na tarefa de promover a aprendizagem.
Devido às cenas recortadas e representadas na imagem
congelada que contem informações novas sobre fatos
históricos e geográficos, ajudando na formação de alunos
capazes de raciocinar historicamente, criticamente e com
sensibilidade sobre a vida social e cultural das sociedades,
tem também o potencial de despertar o interesse dos
alunos.

O que é o trabalho?
A partir do questionamento acima, os estudantes
foram convidados para uma reflexão e debate sobre o
conceito de “trabalho” na sociedade atual e qual a
influência de diferentes atividades laborais interagindo no
seu dia a dia, mesmo que passem quase despercebidos.
Nessa era, o trabalho tornou-se uma atividade
compulsiva e incessante; a servidão tornou-se liberdade, e
a liberdade, servidão (KURZ, 1997: 3). Para o homem dos
tempos modernos, o tempo livre inexiste ou é escasso.
"Tempo é dinheiro". A lógica do trabalho perpassou a
cultura, o esporte e, até mesmo, a intimidade. Todas as
atividades humanas passaram a ser foco de negócios ou
tornaram-se oportunidades para alguém ganhar dinheiro,
lógica que se apoderou de todas as esferas da vida e da
existência humana. Para grande maioria das pessoas, o
trabalho transformou-se em emprego na sociedade
moderna. Poucos têm prazer ao realizar a sua atividade
laboral, vista como martírio e sofrimento por muitos. A
hora da aposentadoria é esperada ansiosamente, o
momento de alívio e realização, não com satisfação, mas
de um dever cumprido. É necessário debater o “trabalho”
em sala de aula, para que os alunos enxerguem e reflitam
sobre todas as questões relacionadas a ele.

187
Sebastião Salgado comenta sua obra em entrevista concedida para o programa Roda Viva. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=clQKBpilxR4>, acesso em 10.out.2015.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|876


Segundo MARX (1983: 149) "[...] o trabalho revela
o modo como o homem lida com a natureza, o processo de
produção pelo qual ele sustenta a sua vida e, assim, põe a
nu o modo de formação de suas relações sociais e das
ideias que fluem destas". Para o autor, o trabalho é o centro
das atividades especificamente humanas. Sob essa ótica, os
homens relacionam-se com a natureza por intermédio do
trabalho. O modo antigo de produção baseia-se no trabalho
do escravo; o feudal, no trabalho dos servos da gleba; o
capitalista, no trabalho do empregado assalariado. Ao
mesmo tem que houve um importante avanço nas
condições de vida das pessoas, também houve uma
alienação com relação aos meios produtivos. Obra do
capitalismo, que distância os indivíduos da cadeia
produtiva, afastando uma possível identificação com os
demais setores da sociedade.
“O que me importa as secas no nordeste?”, “Por que
devo estudar as chuvas torrenciais no sul?”, “O que tenho
haver com o desmatamento da Amazônia?” são questões
recorrentes feitas pelos educandos durante o processo de
aprendizagem e demonstram, além de uma falta de
curiosidade, necessária para o processo de aprendizagem,
um completo sentimento de não pertencimento ao mesmo
mundo em que todos esses eventos ocorrem e interferem
nas nossas vivências.
A partir dessas considerações do que é o trabalho e
como ele interfere na sociedade e na natureza,pensamos
em quais atividades poderíamos fazer nas disciplinas de
História e Geografia, para de fato os alunos interagirem
melhor com esses conceitos. Então, verificamos que se o
aluno conhece melhor o ambiente de trabalho de seus
responsáveis seria o primeiro passo para promovermos
uma análise da influência do trabalho na vida das pessoas e
as transformações que essas atividades proporcionam.
Montamos o projeto para aminiexposição fotográfica, além
de atividades como uso de textos e mapas para haver uma
aprendizagem mais atraente, interativa. Tais atividades
foram construídas em constante debate com os alunos.

Exposição
Considerando que a linguagem é um dos princípios
do conhecimento, pois está totalmente implicada em todas
as nossas tentativas de perceber a realidade, a fotografia,
por ser uma linguagem imagética, atuando como um
mediador para a percepção do mundo e para o processo de
construção do conhecimento sobre este mundo. Ao
trabalhar as fotografias em sala de aula deve-se ter em

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|877


mente, tanto o professor quanto o aluno, que as imagens
retratam fragmentos da realidade, é o que resta do
acontecido, um testemunho visual e material dos fatos. No
entanto, consiste a uma interpretação, pois vemos através
dos olhos do fotógrafo. O ato do registro da imagem tem
seu desenrolar em um momento histórico específico, nela
estão presentes o contexto social, político, estético e
econômico em que a cena se passa.
A fotografia traz em si indicações acerca de sua
elaboração material, ou seja, a tecnologia empregada e nos
mostra um recorte selecionado do real. Nesse sentido a
partir do momento que o professor proporciona ao aluno o
protagonismo da atividade, ou melhor, que o aluno registre
através das fotos sua visão sobre o tema proposto. Esse
aluno entenderá os conceitos da História e da Geografia
abordados de maneira mais sensível e intensa. Insistimos
que os professores de História e de Geografia devem usar a
fotografia em sala de aula onde as imagens possam ser
manipuladas, interpretadas, registradas pelos alunos.
Muitas vezes ficamos angustiados, por não saber se
estamos atingindo nossos objetivos com a aula planejada.
Essa angústia formada em nós pela vontade que temos
como professores em “dar conta” da aprendizagem do
nosso aluno. Daí, entramos em conflito com nós mesmos e
nos questionamos:será que não estamos ensinando para
nós mesmos? Será que quando cremos que atingimos
nossos objetivos com determinada aula, os alunos
realmente supriram suas necessidades do processo de
ensino- aprendizagem?
Nesse sentido, para haver uma participação dos
alunos com o desenvolvimento de uma prática material,
após as discussões referentes ao trabalho,cada estudante
deveria expor uma fotografia de algum membro de sua
família no ambiente de trabalho.Preferencialmente com
uma foto em preto e branco, mostrando a integração do
trabalhador e seu ambiente, local onde muito
provavelmente gasta muitas horas do seu dia. Alguns
alunos já estão inseridos no mercado de trabalho e, para
esses, foi aberta a possibilidade de se autorretratarem.
Lidamos também com a insegurança de alguns de assumir
esse papel protagonista. De modo geral, todos nós somos
bastante inseguros e carentes, é porque não confiamos em
nós mesmos. O novo nos assusta, provoca medo e temos
muito receio de errar. “E se eu falhar o que os outros irão
dizer"? "Se eu errar como serei visto"? Quando realizamos
plenamente uma atividade que propomos aos alunos nos
sentimos mais seguros, confiantes no nosso trabalho, assim
como os próprios educandos. Sempre lembrando que
“errar” também é permitido nas aulas, tal perspectiva
amplia nossa visão do processo de ensino-aprendizagem.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|878


Os educandos apresentando suas
fotografias para a comunidade escolar.
Ao fundo, na televisão, exibição das
fotografias de Sebastião Salgado.
Foto: Mateus Ranzan

Os estudantes foram incentivados para ir até o local


de trabalho dos seus responsáveis. Todavia, para alguns
não foi possível, pois seu familiar trabalha em outro
município ou em período noturno, o que demonstra
algumas razões para uma falta de diálogo e distanciamento
familiar com a vida escolar do aluno.
Nas aulas de geografia os alunos confeccionaram
mapas dos continentes e localizaram e colaram as fotos de
Sebastião Salgado nas diferentes regiões do planeta,
conforme o tipo de trabalho relacionado a cada região do
globo. A partir dessa montagem os alunos pesquisaram
sobre os setores da economia (primário, secundário e
terciário) para verificarem as formas de atividades
desenvolvidas e observadas nas fotos de Salgado. Com
isso, podem-se debater os impactos que o consumo de
recursos naturais provoca na terra, ou melhor, as
transformações espaciais geradas pelas diferentes
atividades produtivas para demandar as necessidades das
sociedades.
Nesse contexto, a geografia tem a preocupação com
a dimensão social da construção do espaço; portanto, seu
estudo implica a compreensão das relações que ocorrem
nesse espaço e o processo que envolve essa construção.
Para que o aluno compreenda essas relações que ocorrem e
transformam o espaço, é importante o professor de
geografia abordar os conceitos geográficos como lugar,
paisagem, território, espaço, de uma forma integrada com a
disciplina de História.
Existe a necessidade de se manter vivo o interesse,
o gosto, o prazer pela aprendizagem, tantas vezes
substituídos por práticas que, ao adquirirem o caráter de
obrigatoriedade, de repetição pura e simples ou pelo fato
de não possuírem um intuito de formação crítica e
reflexão. Devemos incentivar o gosto pela investigação,
pelo novo, de cultivar o prazer em se ter acesso ao
conhecimento, precisa-se converter, tal atividade, em um

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|879


dos critérios balizadores da ação de planejar a prática
educativa.
O interessante da miniexposição proposta aos
alunos foi à satisfação que a maioria deles teve na hora de
apresentar seus trabalhos às outras turmas da escola e a
comunidade em geral. Para nós professores coube uma
sensação de dever cumprido, ou melhor, o objetivo do
trabalho foi atingido de forma ampla e com critérios bem
estruturados. Com a satisfação das metas atingidas,ficamos
com o sentimento de prazer, de relaxamento e
contentamento.

Além de apresentar suas fotos para a


comunidade, os alunos também
dialogaram com os colegas e alunos de
outras turmas.
Foto: Mateus Ranzan

Conclusão
É tempo de mudarmos nossa maneira de ver e de se
relacionar com os nossos alunos. Porque quantas vezes nos
angustiamos com o período que estamos em sala de aula.
Não que esse fato seja ruim. Pois, faz com que não
fiquemos acomodados e busquemos novas maneiras de
planejar nossas aulas. Entretanto, é ruim quando nossas
angústias se tornam “pesadelos”, ou seja, quando
começamos apenas a reclamar que a sala de aula “é
isso...”, onde não reagimos mais, frente à demanda que é
educar. Os alunos são atraídos pelas novas tecnologias e
muita informação. A sala de aula acaba sendo um lugar
menos atrativo, de pouca reflexão, e diálogo escasso. Nós,
como professores, temos que incentivar os nossos alunos a
participarem ativamente das tarefas/atividades que
propusemos a eles.
Foi impressionante constatar que muito educandos
desconheciam as atividades laborais exercidas por seus
responsáveis. Muitos procuraram conhecer mais sobre o
emprego de seus familiares e qual atividade exerce. Nessa
perspectiva, houve uma aproximação na família dos
educandos, algo primordial no processo educativo.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|880


Nessa visão as aulas de História e Geografia devem
constituir lugar de reflexão, fornecendo instrumentos
capazes de permitir ao aluno a construção de uma visão
organizada e articulada do mundo e, a partir dessa
construção/visão do mundo, compreenderá cada vez mais
sua posição no mundo em que vive.

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para o mundo do trabalho constituída em objecto de
estudo: uma abordagem teórico-metodológica. Cad.
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Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|881


Estudo das ações e representações dos
movimentos sociais latino-americanos no ensino
fundamental:
experimentações no PIBID-História-UFRGS
PorEdson Antoni188,Leonardo Eggres189 e Roberta Melo190

Resumo Abstract
A disciplina de Estudos Latino- The discipline of Latin American
americanos foi implementada a partir do Studies has been implemented from the first
primeiro trimestre de 2015 no Colégio de trimester of 2015. The thematic inserted in its
Aplicação da UFRGS. As temáticas inseridas composition were chosen because of the need to
na sua composição foram escolhidas em virtude work with subjects that are not usually
da necessidade de trabalharmos com temas que addressed in the classroom, or that are usually
não são abordados habitualmente em sala de covered under a Eurocentric perspective, which
aula, ou que usualmente são abordados sob uma does not reflect the diversity of the Latin
ótica eurocêntrica, que não condiz com a American reality. In this sense, we chose to
pluralidade da realidade latino-americana. present experimentations resulting from the
Nesse sentido, escolhemos apresentar period corresponding to the second academic
experimentações advindas do período trimester, held with the ninth year classes,
correspondente ao segundo trimestre letivo, whose thematic relates to the study of social
realizadas junto às turmas de nono ano, cuja movements in Latin America. We build texts
temática diz respeito ao estudo dos movimentos and brought others wrote by Lat-in American
sociais na América Latina. Construímos textos authors who have worked with these themes,
e trouxemos outros de autores e autoras latino- reinforcing the struggles, achieve-ments and
americanos que trabalharam com os temas cultural productions of subordinated stratums of
abordados, reforçando as lutas, conquistas e Latin America.
produções culturais das camadas
subalternizadas da América Latina. Keywords: History teaching; Latin America; Pibid; Social movements.

Palavras-chave: Ensino de História; América Latina; Pibid; Movimentos


Sociais.

188UFRGS - professor.antoni@gmail.com
189UFRGS -eggresleo@gmail.com
190
UFRGS -roberta.melo@ufrgs.br

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|882


Introdução
No ano de 2015 foi implementada a disciplina de
Estudos Latino-americanos no Colégio de Aplicação da
UFRGS. Este artigo tem como objetivo refletir sobre as
atividades desenvolvidas no decorrer do segundo trimestre
dessa disciplina nas turmas de nono ano. Para isso,
elencamos alguns elementos discutidos em sala de aula
circundantes aos movimentos sociais latino-americanos e
as suas relações com temas cruciais à compreensão da
realidade do nosso continente. Nesse sentido, promovemos
reflexões e debates sobre temas geradores e ainda tão
atuais como racismo, machismo, eurocentrismo e a luta
pela memória, verdade e justiça na América Latina.
Buscando, portanto, priorizar e valorizar a voz dos sujeitos
dos movimentos sociais, respeitando o lugar e papel do
enunciador do discurso.
Escolhemos abordar especificadamente os
movimentos negro, indígena e aqueles pautados numa
lógica de combate aos Terrorismos de Estado das
Ditaduras de Segurança Nacional, bem como a atuação das
mulheres ao longo dos anos nesses e em outros
movimentos sociais. Ao longo de um trimestre, portanto,
refletimos junto a educadores e educandos sobre músicas,
poemas, outras formas de cultura e de história produzidos
por aqueles e aquelas que foram deixados à margem pelo
discurso hegemônico.

A disciplina de Estudos Latino-americanos


As pesquisas sobre a educação e o ensino
constituem um conjunto considerável de trabalhos. As
análises acerca de novas metodologias de ensino, os
estudos com base em novos referenciais teóricos, e todo
um amplo conjunto de outras abordagens propagam-se
pelas universidades
É possível perceber, contudo, que alguns temas não
receberam, até o momento, a mesma atenção.
Correspondendo a um campo de pesquisa ainda pouco
explorado, certas temáticas relacionadas à história, e mais
especificamente, ao ensino de história latino-americana,
não constituíram-se como objetos de pesquisa com uma
expressiva produção de reflexões.
Será, pois, com o objetivo de preencher a referida
lacuna, no que se refere tanto às reflexões teóricas, bem

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|883


como, ao trabalho – em sala de aula – de temas vinculados
ao contexto latino-americano que, apartir do primeiro
semestre de 2015, o Colégio de Aplicação da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul apresenta, em sua grade
curricular, a disciplina de Estudos Latino-americanos. Em
consonância com a função estabelecida para as referidas
escolas, o Colégio de Aplicação da UFRGS reafirma o seu
papel no processo de ensino da Educação Básica, somado
ao desenvolvimento de pesquisas nas diferentes áreas de
conhecimento, bem como, no que se refere ao espaço para
a formação complementar e continuada de professores.
Assim, alicerçada em um novo referencial teórico,
em uma diversificada gama de abordagens metodológicas,
bem como, associada a uma postura eminentemente
interdisicplinar, a disciplina de Estudos Latino-americanos
vem buscando apresentar, na Educação Básica, novas
formas de analise acerca das temáticas relacionadas à
América Latina. Cabe destacar ainda que, mediante a
atuação de alunos da graduação em História, por
intermédio do PIBID, muitas das reflexões que estão sendo
estabelecidas na disciplina, extrapolam os limites do
ensino na Educação Básica, repercutindo de forma direta
ou indireta no processo de formação destes alunos no
Ensino Superior, bem como, no seu próprio processo de
constituição enquanto futuros professores.

O ensino de História Latino-americana: de uma


perspectiva tradicional a um pensamento
descolonial
Os conteúdos referentes à América Latina não
podem ser considerados uma novidade no que se refere aos
programas de ensino no Brasil. Desde o período imperial é
possível reconhecer a presença destes conteúdos nos
referidos programas. Contudo, quando buscamos analisar e
qualificar a presença destes conteúdos, ressalta o seu
caráter eminentemente conservador. Com relação a estas
primeiras referências da história latino-americana no
programa de conteúdos, Thamar Kalil-Alves e Wellington
Oliveira destacam:
Observa-se a inexistência de conexões entre os
pontos propostos no programa apesar da introdução de
dois pontos nos conteúdos a respeito da História da
América. O que se evidencia é uma abordagem
geográfica, física, descritiva, e uma história política

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|884


institucional, da independência, revoluções e
administrações. Essas concepções de ensino de História da
América para as escolas brasileiras no século XIX,
evidenciadas pelos documentos, revelam a postura face ao
continente americano, ou seja, a preocupação era de se
manter a ligação com a Europa em todos os setores, até
porque o nosso sistema político, Monarquia
constitucional, era ímpar no continente
americano.(KALIL-ALVES, Thamar; OLIVEIRA,
Wellington de. O ensino de história da América Latina no
Brasil: sobre currículos e programas. In: Magis. Revista
Internacional de Investigación en Educación. vol 3, nº 6.
Bogotá-Colombia, 2011, p. 287-288)

Analisando a legislação pertinente ao tema, que se


seguiu no transcurso das primeiras décadas do século XX
(Lei Francisco Campos de 1931 e a Lei Gustavo
Capanema de 1942), é possível perceber a manutenção dos
conteúdos de história latino-americana nos programas de
ensino da disciplina de história. Deve ser destacado,
contudo, que neste período, os conteúdos de história
latino-americana ainda eram pouco desenvolvidos, bem
como, mantinham-se orientados por uma visão
eurocêntrica da mesma.
O contexto político brasileiro, a partir da
implantação da ditadura militar, provocou uma nova
alteração nos programas curriculares, mediante a Lei 5692-
71. A referida lei acabou por instituir a disciplina de
Estudos Sociais no Primeiro Grau e reduziu a carga horária
da disciplina de História no Segundo Grau. A referida
alteração, entre outros aspectos, promoveu também a
exclusão dos conteúdos relacionados ao contexto histórico
latino-americano dos currículos escolares.
Ainda que uma nova reforma nos programas de
ensino tenha sido promovida após a redemocratização,
mediante a apresentação dos Parâmetros Curriculares
Nacionais, é possível perceber que alguns aspectos
relacionados à história latino-americana não sofreram
grandes alterações. Compreendemos que, dentre estes
aspectos, aquele que se manteve sem sofrer significativas
alterações corresponde ao caráter eurocêntrico dos textos
relacionados ao tema. Conforme afirma Maria Lígia Prado,
com relação à orientação dada aos conteúdos e abordagens
relacionados à história latino-americana, um “outro
problema de abordagem da história da América Latina
precisa ser destacado: uma certa visão que transportava
para o cenário latino-americano modelos de interpretação
histórica já estabelecidos e próprios da história europeia”
(PRADO, 2005;23)
Reconhecidas as diretrizes que orientaram (e ainda
orientam) a História Latino-americana, um passo
fundamental a ser dado seria o de romper com estas e
propor, a partir de um novo referencial teórico, uma nova

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|885


forma de abordagem e apresentação dos conteúdos. Cabe
destacar que este colocou-se como um momento
extremamente rico no qual todos aqueles envolvidos no
processo de elaboração da nova disciplina foram levados a
ocupar um duplo papel, qual seja: o de professores (que
elaboravam os seus planos de aulas) e também o de
pesquisadores (que à luz dos novos referenciais que
estavam sendo pesquisados refletiam sobre as suas práticas
em aula).
No que se refere aos novos referenciais teóricos,
assumem especial destaque os pressupostos apresentados
pelo chamado “pensamento descolonial”. O grupo de
pensadores vinculados ao pensamento descolonial
apresenta uma série de críticas à produção de
conhecimento, ocorrido nas diferentes áreas, de forma
eurocentrada. Materializando a referida postura crítica
Anibal Quijano afirma que:
Aplicada de maneira específica à experiência
histórica latino-americana, a perspectiva eurocêntrica de
conhecimento opera como um espelho que distorce o que
reflete. (...) Daí que quando olhamos nosso espelho
eurocêntrico, a imagem que vemos seja necessariamente
parcial e distorcida.
Aqui a tragédia é que todos fomos conduzidos,
sabendo ou não, querendo ou não, a ver e aceitar aquela
imagem como nossa e como pertencente unicamente a
nós. Dessa maneira seguimos sendo o que não somos. E
como resultado não podemos nunca identificar nossos
verdadeiros problemas, muito menos resolvê-los, a não ser
de uma maneira parcial e distorcida. (QUIJANO, p. 129-
130)

À esta crítica apresentada por autores vinculados ao


referido grupo, se segue uma importante proposição, qual
seja, a necessidade de elaborar um novo discurso, a partir
de um referencial propriamente latino-americano. Busca-
se, portanto, dar voz àqueles que, durante séculos, foram
silenciados e marginalizados.
Será pois, com esta perspectiva que a disciplina de
Estudos Latino-americanos vem trabalhando com as
diferentes temáticas relacionadas à América Latina. Desde
o processo de formação do território latino-americano
(tanto físico como a formação a partir das representações
simbólicas) até o contexto da América Latina no século
XXI, estão sendo analisados e elaborados a partir destes
novos referenciais, tendo como base, uma perspectiva
eminentemente latino-americana.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|886


Os movimentos sociais latino-americanos a partir
do pensamento descolonial
A definição do conceito de Movimentos Sociais
pode ser caracterizada pelo fato deste estar envolta por
inúmeros debates, polêmicas e contradições, representando
um conjunto de diferentes correntes de pensamento e um
grande dissenso sobre o termo.Tal diversidade sobre a
definição do referido conceito contribuiu, de forma
significativa, no processo de planejamento e condução dos
debates, no transcurso do segundo trimestre, da disciplina
de Estudos Latino-americanos.
Ainda que tenhamos trazido para os educandos e
educandas algumas contribuições teóricas sobre o
conceito, produzidas por autores como Norberto Bobbio,
Maria da Glória Gohn e Alain Touraine, buscamos
estabelecer, em sala de aula, um espaço para a análise das
indefinições e variações presentes no conceito de
movimentos sociais. Priorizamos, desta forma, a
elaboração do conceito junto com os estudantes, não
valendo-nos de uma definição pré-estabelecida, uma vez
que acreditamos que uma construção dialógica do conceito
aproxima os educandos e educandas de forma ainda mais
qualificada da temática. Esta metodologia de trabalho
permite ao aluno reconhecer, além da complexidade da
temática, a complexidade do próprio processo de
construção do conhecimento. Assim ao propor a
construção da definição de um conceito para os
movimentos sociais, a partir de algumas reflexões teóricas
e dos debates, foi possível elaborar com os educandos e
educandas uma noção sobre movimentos sociais que
abarcasse desde movimentos étnicos e feministas, até
aqueles caracterizados por organizar-se num contexto de
luta contra o Terrorismo de Estado.
O conceito, portanto, estava em aberto e
constantemente sendo estruturado. Assim, elencamos
algumas características gerais dos movimentos sociais para
reflexão, sobretudo tendo como base as considerações
propostas por A. Touraine. O referido autor elenca, em sua
teoria, três aspectos que são considerados estruturantes em
uma definição acerca de movimentos sociais: os princípios
da identidade, da oposição e da totalidade.
Respectivamente, esses princípios dizem respeito ao que
une os agentes enquanto movimento social, contra ou pelo
que lutam e qual o seus projetos de poder. Esses princípios
foram fundamentais para que os educandos e educandas
começassem a perceber a diferenciação entre o que são os
movimentos sociais e o que são os fenômenos coletivos de

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|887


agregado. Cabe destacar que, inseridos no atual contexto
nacional, no qual percebemos o surgimento de
aglomerações “populares” reivindicando, inclusive,
intervenção militar constitucional, essa diferenciação é
crucial.
Neste aspecto acreditamos que uma das importantes
contribuições feitas pela disciplina de Estudos latino-
americanos está no fato de permitir o rompimento com
uma narrativa bastante conservadora presente na educação
brasileira, onde o ensino das histórias, geografias e
elementos dos movimentos sociais não são amplamente
abordados. Embora se constituam como atores com grande
importância na sociedade civil organizada, é possível
perceber que a temática relacionada aos movimentos
sociais ainda sofre, em grande medida, com uma espécie
de marginalização ou mesmo um silenciamento nos
currículos e nas práticas de sala de aula.
As práticas desenvolvidas na disciplina visam
construir um ensino que rompa com essa lógica de
invisibilização dos grupos subalternos e de suas histórias,
espaços e culturas. Compreendemos, desta forma, que “la
historia de los grupos sociales subalternos es
necesariamente disgregada y episódica” (Gramsci C25§2)
e que uma prática docente preocupada com as trajetórias e
vivências desses grupos se faz necessária; em
contraposição a uma forma de ensino tradicional,
conservadora e eurocentrada que apresenta apenas
episódios envolvendo esses grupos, levando as resistências
e lutas desses povos à exotização.

Partindo desses pressupostos teóricos e práticos


abordamos, no decorrer do segundo trimestre da disciplina,
o conceito de movimentos sociais utilizando como
exemplos os movimentos indígenas, o movimento negro, o
movimento feminista e aqueles movimentos que estiveram
circunscritos em um período histórico de luta contra as
Ditaduras de Segurança Nacional e as suas políticas de
Terror de Estado.

Movimentos sociais e a luta contra as Ditaduras


Em um contexto de Guerra Fria e com uma grande
influência dos Estados Unidos, são implementadas, no
decorrer das décadas de 1960 e 1970, as Ditaduras de
Segurança Nacional na América Latina. Tais governos
apresentaram como característica, dentre outras, um forte
combate aos setores da sociedade ideologicamente
contrários a esse regime. Como consequência, por toda a

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|888


América Latina – sobretudo no Cone Sul – surgiram
inúmeros movimentos sociais que questionaram as
Ditaduras.
Esses movimentos sociais tiveram que lidar com
uma série de questões e experiências até então inéditas,
sendo necessárias novas táticas e práticas para continuar
atuando na conjuntura dos Terrorismos de Estados na
América Latina. Isso ocorreu na medida em que os Estados
terroristas, orientados pela Doutrina de Segurança
Nacional, “recorreram a métodos não convencionais para
eliminar a oposição política e o protesto social, armado ou
não” (Padrós, 2005: 15)
O Terrorismo de Estado praticado pelos governos
militares foi caracterizado pela busca, identificação e
consequente combate à figura do “inimigo interno”. A
ideia de “inimigo interno” está associada a uma
justificativa e “legitimação” de uma política de
perseguição e repressão aos adversários políticos e àqueles
que ideologicamente se colocaram contrários ao regime.
Os movimentos sociais foram afetados por essa política,
sendo grande parte levados à clandestinidade. Por pensar
diferente, por crer e lutar por uma alternativa àquele tipo
de Estado, muitos indivíduos foram presos, torturados e
mortos pelas Ditaduras latino-americanas. A lógica do
terrorismo de estado foi caracterizada pela criminalização
e invisibilização dos movimentos sociais, imprimindo o
fechamento das vias institucionais de disputa política e a
imediata imposição da clandestinidade aos contrários ao
regime. Nesse sentido, os movimentos sociais
protagonizaram diversas formas de luta, entre elas a
guerrilha armada.
Abordar a temática dos movimentos de luta armada
em sala de aula apresentou-se como uma experiência
complexa, assim como complexo é todo o debate acerca do
conceito de movimentos sociais. Acreditamos que podem
ser identificados dois elementos que atuam de forma
bastante significativa para tornar a abordagem deste tema
algo delicado: a) a imagem oferecida pelas ditaduras
acerca destes movimentos, como expressões de
delinquência e marginalidade, e que nos chega até os dias
de hoje; b) o silêncio que, em muitas situações (materiais
didáticos e currículos), se estabelece quando a temática faz
algum tipo de referência a estes movimentos, em
decorrência da imagem elaborada pelas ditaduras, ou
mesmo, pelo medo em tratar sobre questões ainda muito
candentes na sociedade. Já que mesmo quando era a
primeira vez que os educandos estavam deparando-se com
a temática da Ditadura Militar as opiniões eram similares:
ambos os lados foram violentos, cometeram excessos. A
questão é que há uma dificuldade de debater os
movimentos sociais na Ditadura Militar, na medida em que
“talvez a redução do antagonismo à polaridade seja uma

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|889


das operações ideológicas elementares” (Zizek, 1996: 28)
e o discurso do consenso abarcou e naturalizou essa falsa
simetria entre as ações de resistência por parte dos
movimentos sociais, com ações sistemáticas, patrocinadas
pelo capital estrangeiro e terroristas promovidas pelos
militares em seus governos ditatoriais.
Em suma, refletir em sala de aula sobre as questões
que envolvem os movimentos sociais que lutaram contra
os Terrorismos de Estado na América Latina é deveras
delicado, na medida em que implica a necessidade de uma
prática convergente e responsável para com a luta por
memória, verdade e justiça sobre o período. Não obstante,
é importante respeitar o lugar de fala, trazer os relatos dos
familiares e dos próprios sobreviventes desse período
ainda nebuloso da nossa história latino-americana.

Os movimentos étnicos
Ao problematizarmos a questão das relações étnico-
raciais dentro dos movimentos sociais, reconhecemos que
estamos à frente de um duplo desafio. O primeiro diz
respeito ao fato de estarmos trabalhando com o conceito de
movimentos sociais o qual, como já comentamos, é
bastante complexo; e o segundo, relaciona-se ao fato de
pensarmos na reformulação do próprio currículo escolar,
mediante a incorporação do ensino da História e da cultura
dos Povos Indígenas, Africanos e Afro-Brasileiros,
proposto através das Leis 10.639/03 e 11.645/08.
Neste sentido, reconhecemos a importância - e a
oportunidade - de, através da disciplina de Estudos Latino-
americanos, preencher esta importante lacuna que existe
no que se refere à História e a cultura destes povos.
Acreditamos desta forma que estas temáticas, se de fato
integradas aos currículos escolares, trazem a possibilidade
de se discutir o racismo que vigora ainda hoje nas nossas
relações sociais:
O contexto inaugurado com a promulgação
dessas Leis que criaram o artigo 26-A da Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional (LDBEN), inserido no
conjunto das políticas afirmativas para a promoção da
igualdade racial, é historicamente inovador ao trazer, para
o embate público, via educação escolar, as práticas do
racismo, do preconceito e da discriminação,
tradicionalmente negadas ou mantidas no plano privado.
(MEINERZ, 2015, p.2)

Assim, procuramos demonstrar que os movimentos


sociais latinos também foram protagonizados por aquelas

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|890


etnias historicamente silenciadas pela elite política
descendente dos europeus ibéricos. A busca por calar parte
da população que constituiu a América Latina,
principalmente, indígenas e negros, faz parte do processo
de colonialidade, forma de exercer o poder político,
econômico e cultural produto do pensamento
eurocêntrico191:
Por um lado, a codificação das diferenças entre
conquistadores e conquistados na ideia de raça, ou seja,
uma supostamente distinta estrutura biológica que situava
a uns em situação natural de inferioridade em relação a
outros. Essa ideia foi assumida pelos conquistadores como
o principal elemento constitutivo, fundacional, das
relações de dominação que a conquista exigia. Nessas
bases, consequentemente, foi classificada a população da
América, e mais tarde do mundo, nesse novo padrão de
poder. (QUIJANO, 2005, p.117)

O planejamento para as aulas com a temática dos


movimentos sociais, recortadas pelas relações étnico-
raciais, teve sempre, a preocupação de trazer a voz dos
sujeitos dos movimentos. Buscamos, desta forma, mais
que uma apresentação dos movimentos, suas ações e
reivindicações. Pretendemos aproximar os educandos e
educandas do conhecimento promovido por esses sujeitos
em uma perspectiva intercultural da produção e divulgação
do conhecimento na escola:
Cierto es que estos processos epistêmicos
próprios no son los mismos para los pueblos afros e
indígenas. No obstante, es la atención puesta por ambos en
(re)construir y fortalecer pensamientos y conocimientos
próprios, no como um saber folklórico local, sino como
epistemología – sistemas de conocimiento (s) -, lo que
permite empezar a enfrentar la colonialidad del saber y la
geopolítica dominante del conocimiento. (WALSH, 2007,
p.32)

Assim, no transcurso das aulas foram utilizados os


relatos de experiência, as músicas e as poesias, dos sujeitos
protagonistas da sua luta. Ao se trabalhar com a questão
das lutas dos povos negros na América Latina, trouxemos
uma música intitulada “Mulheres Negras”, escrita por
Eduardo, integrante do grupo Facção Central, e
interpretada pela artista Yzalú. A letra apresenta um
discurso combativo e traz exemplos da experiência com a
violência racista, como neste trecho:
Pelo processo branqueador não sou a beleza padrão,

191
Utilizamos a definição de Quijano para o conceito de eurocentrismo: “A elaboração intelectual do processo de modernidade
produziu uma perspectiva de conhecimento que demonstram o caráter do padrão mundial de poder: colonial/moderno,
capitalista e eurocentrado. (QUIJANO, p.126)

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Mas na lei dos justos sou a personificação da
determinação;
Navios negreiros e apelidos dados pelo escravizador
Falharam na missão de me dar complexo de inferior;
Não sou a subalterna que o senhorio crê que construiu

Chamou-nos a atenção o fato de uma educanda,


durante a audição da música, ficou visivelmente
emocionada. A experiência vivida da opressão racista,
apresentada pela música,produziu um sentimento de
identificação muito forte na menina. A reação manifestada
por ela confirmou a importância em se trabalhar com a
referida temática uma vez que, entre outros aspectos, pode
demonstrar que os conteúdos de sala de aula refletem as
experiências e as vivências de muitos estudantes que
sofrem com manifestações de racismo ainda presente em
nossa sociedade.
Portanto, acreditamos que ao trazermos os
movimentos sociais, através da voz de seus agentes,
indissociavelmente transpassados pelas relações étnico-
raciais e de gênero, tratamos de ampliar o que seja o
conhecimento escolar, dando visibilidade a novas formas
de pensamento, de acordo com o proposto por Walsh:
[...] pretendo ir más allá de la pedagogia crítica,
como que planteada en la década del ochenta, inclusive
por el mismo Freire, apuntando a la necessidad no solo de
construir práticas pedagógicas críticas, sino también de
reconocer la existência (em los movimientos, las
organizaciones, los Barrios, en la calle y, talvez, en
algunas instancias educativas) pedagogias decoloniales.
(WALSH, 2007, p.34)

Análise de gênero nos movimentos sociais


Quando iniciamos os planejamentos sobre a
temática de movimentos sociais, um número considerável
de questões foram, progressivamente, surgindo. Dentre as
diferentes questões uma assumiu um caráter especial, qual
seja, a atuação das mulheres nos movimentos sociais na
América Latina.
Uma vez que a proposta da disciplina não está
circunscrita a uma análise periódica, dividindo
movimentos por ordem cronológica, pensamos na
possibilidade de analisar a participação das mulheres não
somente em uma aula ou duas, mas perpassando diferentes
momentos. Assumindo a referida postura buscamos evitar
que tal temática soasse apenas como um apêndice ou
anexo em relação às reflexões propostas para um conjunto

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|892


maior de movimentos sociais. A partir dessa perspectiva,
as questões de gênero, ao invés de se constituírem como
um momento específico das nossas reflexões, perpassaram
todos os movimentos analisados, estando presentes de
forma constante em nossos debates.
Da mesma forma que procedemos com as questões
étnico-raciais, foi importante refletir com as turmas acerca
do conceito e da importância de se trabalhar com as
questões de gênero. Assumimos, neste momento, como um
dos referenciais teóricos para o conceito de gênero, as
considerações apresentadas por Joan Scott a partir das
quais a autora define o referido conceito como um
“elemento constitutivo de relações sociais baseado nas
diferenças percebidas entre os sexos [...] uma forma
primeira de significar as relações de poder” (p. 21). Com
base nesta definição foi possível propor aos educandos e
educandas uma reflexão sobre o fato de que o conceito e o
seu significado foram fruto de uma construção social.
Como argumenta J. Scott192:
O gênero é construído através do parentesco, mas
não exclusivamente; ele é construído igualmente na
economia, na organização política e, pelo menos na nossa
sociedade, opera atualmente de forma amplamente
independente do parentesco. (SCOTT, 1989, p. 22)
A partir da compreensão de que as questões de
gênero são resultado de uma construção social, passamos a
refletir acerca da referida temática - e da sua representação
em diferentes movimentos sociais - a partir da inserção da
mesma em um processo histórico mais amplo e complexo
o qual Anibal Quijano vai chamar de sistema de
colonialidade de poder e de saber (QUIJANO, 2005).
Conforme María Lugones193 é possível perceber a ação dos
referidos movimentos a partir do chamado sistema
moderno-colonial de gênero. Constituído historicamente,
mais precisamente, durante o processo de conquista e
colonização do continente americano, o referido sistema
impôs uma hierarquia elaborada através de um discurso de
inferioridade de raça e gênero. Tal processo não se rompeu
junto com as independências latino-americanas, pelo
contrário, continuou e continua presente dentro das
sociedades outrora colonizadas (LUGONES, 2008).
Nesse contexto, procuramos evidenciar em nossas
discussões o fato de que dentro dos diferentes movimentos
sociais, para além de suas pautas de reivindicação, existem
questões silenciadas pelo próprio movimento. Quando
analisamos o movimento negro, por exemplo, procuramos

192
Historiadora norte americana, professora nas universidades de Yale e Harvard. Especialista no estudo de gênero durante os
séculos XIX e XX.
193
Professora de Filosofia e Diretora do Center for Interdisciplinary Studies in Philosofy, Interpretation end Culture na
Universidade do Estado de Nova Yorque em Binghamton.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|893


expor que as mulheres negras não se sentiam contempladas
em suas pautas, nem no movimento negro e nem no
movimento feminista. Desta forma buscamos refletir com
os educandos e educandas a condição destas mulheres que
dentro do movimento negro eram silenciadas, pois eram
mulheres dentro de um grupo de homens inseridos numa
lógica patriarcal de sociedade, a qual mulheres são
inferiorizadas ou menosprezadas, assim como suas pautas.
Já dentro do movimento feminista não viram suas
demandas expostas, pois era mulheres negras que não
tinham espaço num grupo de mulheres brancas, inseridas
numa sociedade racista. A partir dessa dificuldade,
entenderam que suas demandas e dificuldades só seriam
compreendidas entre elas mesmas, constituindo um
movimento de mulheres negras.
Com o objetivo de incentivar o debate acerca da
temática, mais uma vez, chamamos a atenção para a
utilização da música “Mulheres Negras”. A letra da música
relata, dentre muitas passagens interessantes, que
“mulheres negras são como mantas kevlar, preparadas
pela vida para suportar, o racismo, os tiros, o
eurocentrismo”. A partir da música e da própria
representatividade da rapper buscamos refletir com a turma
que dentro de um movimento social, temos relações
complexas interseccionadas por muitas opressões, no caso,
vemos opressão dentro de um recorte de gênero e raça.
Outro momento que podemos citar como exemplo
do uso da perspectiva de gênero a qual realizamos em sala
de aula foi quando falamos de movimentos sociais dentro
da lógica de terrorismo de estado, ou seja, quando vários
países da América Latina sofreram golpes e passaram a ser
governados por ditadores. Dentro desse cenário vários
movimentos sociais buscaram romper com a ditadura,
sonhando com um mundo diferente do qual encontravam
na realidade. No interior desses movimentos sociais foi
possível identificar complexos conflitos de gênero.
Com o objetivo de orientar o debate acerca das
questões de gênero dentro dos movimentos sociais que
lutaram contra os governos ditatoriais, apresentamos aos
educandos e educandas o texto “Guerra de Batom”, no
qual a militante Ignez Serpa (Martinha) conta como sofreu
opressão por ser mulher dentro do movimento de esquerda
a qual escolhera para lutar contra a repressão de estado.
Além disso, ela também expõe que a tortura que sofreu era
diferente da que seus companheiros sofreram, se
diferenciava, pois ela era mulher. Através desse texto
procuramos refletir com educandos e educandas que
mulheres sofriam opressão tanto em movimentos sociais
de esquerda, quanto em grupos de direita e pelo governo
ditatorial. Estando a sociedade latino-americana
organizada numa lógica patriarcal, o machismo atingia as
mulheres militantes até em espaços de esquerda, sofriam

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|894


opressão também nas ações e palavras de seus
companheiros de luta.

Conclusão
Compreender o que são movimentos sociais não é
uma tarefa fácil. Entender que os sujeitos inseridos em
movimentos sociais podem sofrer diversas opressões
devido suas identidades, seja de gênero, raça, sexualidade,
classe e religião constitui-se como um grande desafio.
Além disso, procuramos trazer a perspectiva de gênero
para o ensino de temática para compreender como as
relações humanas se deram em diversos momentos
históricos e em espaços diferentes para fazer com que a
tarefa de definir os movimentos sociais não acabe
silenciando sujeitos, que outrora já foram silenciados.

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Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|896


Avós em experiências:
a memória cotidiana, o espaço da sala de aula e o fazer pedagógico no ensino de
História
Por Isabel Cristina DurliMenin194eEliana Rela

Resumo Abstract
Este estudo trata-se de uma This study is a experimentation of the
experimentação do Ensino da História Local Teaching Local History with the production of
com a produção de fontes, onde se faz uso do sources, that does blog use, a communication
blog, uma mídia de comunicação, para o media, for the written record of individuals and
registro escrito das memórias individuais e colletive memories presents in the school
coletivas presentes no espaço escolar e na environment and in the community. The schools
comunidade. As escolas caracterizam-se como are characterized as privileged spaces of
espaços privilegiados de construção de construction of identity and collective memory.
identidade e memória coletiva. Assim, o Then, the goal is to report the obtained
objetivo é relatar as experiências obtidas, junto experiences, along with grandparents, through a
aos avós, por meio de um projeto desenvolvido project developed with students from the 2nd
com as alunas do 2º e 3º Ano do Curso Normal, and 3rd year of the normal course of the Regina
do Colégio Regina Coeli de Veranópolis. A Coeli’s College from Veranópolis. The choice
escolha de um meio digital para o registro dos of a digital way to record the oral reports is
relatos orais se justifica pelo fato de existir a justified from the existing fact of the need to
necessidade de inserir ferramentas tecnológicas insert technological tools in the activities related
nas atividades relacionadas ao Ensino de to History Teaching. and demonstrate the
História e demonstrar o potencial que possuem potential featured by the produced sources in
as fontes produzidas no âmbito privado como private scope as photographs, letters, personal
fotografias, cartas, objetos pessoais de valor objects of material and immaterial value.
material e imaterial.
Keywords: Memories, Identity, History’s Teaching, Communication
Media
Palavras-chave:Memórias, Identidade, Ensino de História, Mídias de
Comunicação.

194 E-mail: izadurli86@gmail.com

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Avós entre experiências: entre a memória e o blog
Carregamos conosco a memória de muitas tramas, o corpo
molhado de nossa história, de nossa cultura; a memória às
vezes difusa, às vezes nítida, clara, de ruas da infância, da
adolescência; a lembrança de algo distante que, de
repente, se destaca límpido diante de nós, em nós [...]
(FREIRE, 1992, p.33).

O presente artigo busca relatar as experiências


obtidas, junto aos avós, por meio de um projeto
desenvolvido com as alunas do Curso Normal, do colégio
Regina Coeli de Veranópolis, no ano de 2014. O estudo
desenvolveu-se sob a perspectiva de entrevistas orais com
posterior registro do relato em blog. O ato de recordar
passa pela experiência de buscarmos fora de nosso interior
às reminiscências de um passado que evoque as
lembranças e auxilie a ter uma maior percepção do
presente. Estas lembranças podem ser construídas tanto de
forma individual, quanto coletiva, sendo o modo de
lembrar um fenômeno social e individual.
Dar voz à memória individual é, antes de tudo, dar
voz a experiências cotidianas de sujeitos que construíram
de forma coletiva a cultura que os cerca e as raízes que
compõe a história de um local. Nesse sentido, este estudo
considera importante que se traga presente no cotidiano
escolar traços das memórias de gerações que fizeram parte
da construção enquanto sujeitos históricos e junto a isso, a
participação na construção do cotidiano da História Local.
A diversidade dos relatos mescla a riqueza da troca
de vivências e a recordação do passado que está
incorporado no presente através de lembranças de diversos
grupos. Neste sentido, a escola torna-se um espaço de
cruzamento de culturas com tensões e conflitos. Não
existem práticas pedagógicas desvinculadas das questões
culturais de nossa sociedade,
A escola possui a “responsabilidade específica que a
distingue de outras instâncias de socialização e lhe confere
identidade e relativa autonomia, é a mediação reflexiva
daquelas influências plurais que as diferentes culturas
exercem de forma permanente sobre as novas gerações”
(CANDAU, 2013, p.15). A observação da realidade de
cada cultura, e de cada sociedade, que vê cada sujeito
como ser pensante e agente dentro de uma diversidade, é o
ponto de partida para encontrar nessa diversidade o que
torna as pessoas sujeitos coletivos.
Dar sentido a estas mudanças através da prática
pedagógica torna-se um meio de reconstruir as memórias
locais, seja pelos testemunhos orais ou material

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|898


iconográfico. Assim, neste artigo, dar-se-á vida aos relatos
orais coletados dos avós das alunas do Curso Normal do
Colégio Regina Coeli, moradores locais e migrantes, que
construíram suas trajetórias no município de Veranópolis.
Estes relatos, com posterior registro em blog, foram
elaborados sob a perspectiva de temáticas, tendo por base
as fases de suas vidas, como: Cotidiano e História de Vida;
Infância e Juventude; Namoro e Casamento; Educação e
Trabalho.
O Projeto nasceu coletivamente, junto às alunas do
2º e 3º anos do Curso Normal, no período de 22 de Junho a
05 de Outubro de 2014. Participaram do projeto 18 alunas,
algumas com os avós já falecidos, outras com seus avós
residindo em outra localidade. A escolha do tema
acontecia de forma coletiva, nas aulas de Didática da
História e Geografia. Quinzenalmente, escolhia-se um
tema que era transportado ao blog para que seguissem
posteriormente os relatos.
A coleta dos relatos aconteceu de duas formas: as
alunas que possuíam contato mais próximo com seus avós
realizaram a entrevista pessoalmente, numa conversa
informal, anotando num caderno o que os avós relatavam
sobre os temas abordados. A maior parte das meninas,
após as anotações das entrevistas com as avós, transcrevia-
se no blog estas memórias procurando manter as palavras
usadas por quem as narrou. As alunas que não mantinham
contato com seus avós pelo motivo da distância, optaram
por duas alternativas: as visitas no final de semana para a
realização das entrevistas, e através da mídia social
Facebook. As alunas perguntavam para suas avós sobre o
tema, que escreviam sobre suas memórias, via mensagens
‘inbox’. Usamos assim, a teoria de desterritorialização no
ciberespaço:
No ciberespaço, o “eu” também torna-se
desterritorializado. Ele está cada vez menos ligado a uma
localização física, a uma classe social, a um corpo, a um
sexo, ou a uma idade. Isso não significa, evidentemente
(seria necessário precisar?), que não teremos mais corpo
orgânico, sentimentos humanos, nem relações fundadas na
vizinhança física, classes ou faixas etárias. Mas devemos
compreender, como mostram diversos estudos sobre a
subjetividade e a cultura contemporânea, que nossa
identidade se ligará diferentemente aos nossos
conhecimentos, centros de interesse, competências sociais
e linguísticas. (LEMOS E LÉVY ,2010, p.202).

Embora todos os relatos do blog mostraram-se ricos


em suas narrativas, os apresentados aqui foram escolhidos
sob o critério de atenderem ao quesito de possuírem mais
detalhes nas questões relacionadas aos temas escolhidos
para os registros das memórias.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|899


A escolha de um meio digital para o registro dos
relatos orais se justifica pelo fato de existir a necessidade
de inserir ferramentas tecnológicas nas atividades
relacionadas ao Ensino de História.
Portanto,

Se necesita buscar material para las clases en otros


ámbitos que no eran los más habituales de La Historia, por
ejemplo, en los medios de comunicación, en internet (...).
Nessa perspectiva de ação pedagógica, o autor acrescenta
a importância de se buscar de manera permanente la
participación activa de los alumnos por medio de
producciones tanto escritas como orales, valiéndose de
medios más tradicionales y de TIC. (CALDAROLA,2013,
p.27-28)

Assim, como primeira proposta de tema para estes


registros orais, escolheram-se temas ligados ao cotidiano e
suas histórias de vida. Sob essa orientação, as memórias
foram sendo registradas no blog, como os relatos que
seguem.

Me chamo A. P. P., e antes de me casar me chamava


AnilvaMunaretti Padova, nasci em Veranópolis no dia 18
de maio de 1936, cresci e vivi na casa dos meus pais na
Avenida Osvaldo Aranha, Palugana, até os 21 anos.
Cursei o Jardim da infância até o 5º ano na Escola São
José, na atual Soal. Fiz uma prova de admissão para entrar
no Ginásio e cursei os 4 anos, depois fui para o internato
na Escola de São Carlos de Bento Gonçalves onde fugi do
internato no primeiro ano. Depois o seu Mansueto
Bernardi fundou o Curso Normal e eu cursei os 3 anos, e
me formei. Depois cursei os adicionais na faculdade de
Caxias “Comunicação e expressão” em seguida cursei Ed.
Física em Porto Alegre. Sempre lecionei os 25 anos na
escola estadual Virgínia Bernardi. Casei com 21 anos com
Ilírio Pessin. Moramos em Vila Azul durante 25 anos.
Depois nos transferimos para a cidade. No Virgínia
Bernardi dei aula de Ed. Física e fundei uma banda de
meninos e meninas, sendo que foi a primeira banda de
meninas na cidade.

É evidente a percepção atualizada sobre questões


ligadas ao gênero, mesmo se tratando de uma escola do
interior do Estado do Rio Grande do Sul, quadro vinculado
a sua formação acadêmica e percepção de mundo, num
momento onde as mulheres estavam ligadas aos afazeres
do lar.

D. D. S. nasceu em 10 de maio de 1924 em Encantado,


Rio Grande do Sul. Veio a Monte Vêneto (hoje Cotiporã)
com 4 anos de idade. Trabalhou como bordadeira para

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|900


fora e casou com 23 anos com Adolfo Scussel. Foi
comerciante no ramo de carnes, bar e supermercado.
Teve9 irmãos (4 mulheres e 5 homens). Dina teve 5
filhos: Dalmo, Lenice, Gustavo, Marta e Fábio. Hoje Dina
está com 90 anos e participa ativamente do Clube de Mães
e Grupo da Terceira Idade de Cotiporã. É colorada
fanática e uma cozinheira e doceira incomparável.

A percepção do presente está ligada ao ato de


recordar, isto implica em compreendê-lo, e, a partir desta
compreensão, inferir para uma transformação de época. Os
caminhos externos também são importantes para acessar a
memória estão fora do indivíduo. As lembranças presentes
em nossa memória podem ser individuais ou coletivas.
“Ao trabalhar essas lembranças coletivas, o indivíduo
lapida-se de acordo com sua percepção e consciência
particular que, entretanto, também, estão impregnadas
pelos valores forjados pelo grupo no qual está inserido.”
(BOSCHILIA, 2004, p.76)

Brincávamos eu e minhas irmãs de boneca de milho e de


pano, fazíamos casinha e brincava com terra. Na época
perto da casa aonde residia tinha um rio onde tomávamos
banho. Estudei até 3ª série, porque tinha que trabalhar na
lavoura e ajudar na lida da casa. Minha mãe não era muito
participativa comigo e com meus oito irmãos, talvez pela
criação que teve ou mesmo por falta de tempo. Lembro-
me também que brincávamos de roda com os colegas, de
esconde-esconde. E passeava na casa de todas elas.
Lembro também que tinha uma professora chamada
Glória que por inúmeras vezes me colocou de castigo de
joelhos no milho ou no grão de feijão. Na juventude
apaixonei-me pelo primeiro e último amor da minha vida,
eu era italiana ele caboclo, por este motivo meus pais
muito severos que eram não me deixavam namorá-lo.
Então sempre fui decidida, e aos 17 anos fugi de casa, no
início foi difícil, mas depois viram que ele era um bom
moço e que os ajudou mais que alguns filhos o aceitaram.

A consciência do pertencimento do eu a um grupo


deriva do sentimento de pertencer simultaneamente a
vários meios, sendo que essa consciência existe no
presente. Assim, as alunas foram orientadas a coletarem de
seus avós relatos de vivências pertencentes a essa fase de
suas vidas, juventude. Como forma de elucidar o registro
dos relatos orais, incentivou-se a inserir fotos que os avós
possuíam da época solicitada.
Para Dona Diná, as memórias de sua infância e
juventude vão desde costumes herdados de seus pais a
amizades do período, associados a objetos que a
acompanharam ao longo de sua trajetória:

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|901


Estudávamos na Escola Estadual durante a manhã, sendo
as professoras vindas de Porto Alegre e Caxias do Sul,
além do famoso professor José Mauro de Cotiporã.
Tínhamos jogos com bola, como o caçador e o voleibol.
Também praticávamos a educação física junto à escola. A
tarde trabalhava de bordadeira. Nos domingos íamos à
missa e a tarde passeávamos com as amigas, montadas em
cavalos, geralmente buscando frutas. Também participava
como cantora no Coral da Igreja, cantando nas capelas de
Cotiporã em dias de festa. Tenho como lembrança um
chapeuzinho de crochê, usado como broche, feito pela
grande amiga Assunta Bergamin Farina há mais de 70
anos atrás. Jogávamos também o jogo de tampinhas de
garrafa. A vida naquele tempo era bem diferente da de
hoje com muita amizade entre as amigas, mas a inveja
existia entre algumas pessoas, diz Dina, sobre sua infância
e juventude.

Dona Diná, ao evocar suas memórias pessoais,


carrega consigo objeto simbólico que traz à lembrança
uma amizade da juventude, segundo ela “tenho como
lembrança um chapeuzinho de crochê, usada como broche,
feito pela grande amiga Assunta Bergamin Farina há mais
de 70 anos atrás.” “A conservação de si através do tempo
implica a interdição do esquecimento.” (RICOEUR 2007,
p.11-12)

FIGURA 1: Diná Scussel e o objeto


pessoal de sua juventude.
Fonte: Acervo pessoal publicado no Blog.

FIGURA 2: Chapéu de Crochê conforme relato de


Diná Scussel.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|902


Fonte: Acervo pessoal publicado no Blog.

Os acontecimentos e objetos são eixos temporais


que se tornam referência na trajetória de um sujeito.
Segundo Candau (2014), eles podem ser comparados a
átomos que participam da composição da narrativa
identitária de um sujeito, assegurando, assim, a estrutura
de sua identidade. As memórias de Diná permitem uma
reflexão que parte da relação sentimental de um objeto
material, que ficou resguardado no tempo, e ao ser
rememorado em suas lembranças trouxe à tona o valor
imaterial que este possui para sua vida.
A memória relacionada ao tema Infância e
Juventude trouxe depoimentos que demonstram como os
acontecimentos da vida de cada sujeito serviram para
costurar suas vivências às estruturas sociais de seus
espaços temporais.

Da minha infância me lembro vagamente, lembro que


ajudava meus pais na roça e fui pra escola por pouco
tempo porque o caminho era longe. Lembro de brincar
com meus amigos, a Maria, a Irma, o Ego, o Marcos,
íamos para escola juntos e voltávamos juntos,
brincávamos de passa anel, de pega-pega, de esconde-
esconde, pulávamos corda, cantávamos cantigas de roda,
subíamos nas árvores.

Esse relato é importante porque, além de se


configurar como uma atividade desenvolvida no ensino
médio para o Magistério, a lembrança vinda à tona por
parte dos avós de suas brincadeiras de infância, significa
não somente uma reconstrução da memória, mas também a
possiblidade futura de ter em mãos uma metodologia de
aplicação junto a seus alunos. Isto implica, munir estas
alunas de um conhecimento aplicado na dinâmica em suas
aulas de história, para que os alunos iniciem seus estudos
históricos no presente, mediante a identificação das
diferenças e das semelhanças existentes entre eles, suas
famílias e as pessoas que trabalham na escola.

Da minha infância não tenho muitas recordações, mas


lembro-me que brincava e cuidava dos meus irmãos em
quanto meus pais trabalhavam. Nós ficávamos muito
contentes quando chegava o natal, pois, era a única data
que ganhávamos presente. Não tinha televisão, nem
telefone, era apenas rádio à bateria. Com sete anos
comecei a estudar, conclui o quarto ano e fui trabalhar.
Meu sonho era ser professora, mas meu pai não me deixou
estudar. Eu morava no interior, e não tinha muitas
escolhas, pois nós só fazíamos o que nossos pais
ordenavam. Na adolescência, eu trabalhava toda semana, e

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|903


no final da semana, eu saia com meus amigos me divertir
em festas, fazíamos piqueniques, e comecei a namorar
com quinze anos, e nessa época assistíamos jogos de
futebol e assim por diante.

As transformações nos hábitos relacionados às


brincadeiras de infância e as características dos
divertimentos da época nos fazem perceber o quanto se
torna mutável o cotidiano que estamos inseridos. Os
relatos acima, nos permitem refletir sobre o modo de viver
que a modernidade trouxe onde se colocou em ação
mecanismos de interconexão social em nível global,
alterando desta forma características íntimas e relacionais
ligadas ao nosso cotidiano. As memórias de L. G, relatadas
através de sua neta, a aluna L. G., mostra o quanto mutável
tornaram-se também os hábitos alimentares, o modo de
viver e de preparar alimentos com o passar dos tempos,

Para comer a famosa polenta, eles tinham que esmagar o


milho com um martelo e como não tinha fogão,
penduravam a panela com uma corrente no teto da casa e
acendiam fogo embaixo dela para cozinhar. Ela lembra
também, que os ovos, eram cozidos nas cinzas do fogo.
Luiza trabalhou muito na infância. Tirava areia dos
barrancos e ia até o rio para lavar.

“A comunidade é cada vez mais uma memória.”


(DERY, 2006, p.169). Pensando em consonância com o
autor, reforça-se a importância de um olhar para a reflexão
que, através destes relatos junto aos alunos, existe a
possibilidade de traçar paralelos das continuidades e
transformações que a sociedade está sujeita, bem como as
mudanças no modo de conviver, comunicar-se e, até
mesmo, traçar metas relacionadas à vida pessoal e
profissional. As memórias até aqui referenciadas também
sugerem seu uso nas práticas de ensino de história, seja nas
séries iniciais ou ao longo de toda a educação básica.

A maioria dos professores era de Porto Alegre. De


Veranópolis havia a professora Sueli Farina, e de Monte
Vêneto (hoje município de Cotiporã) tínhamos o famoso
professor José Mauro, que além de ensinar todas as
disciplinas, como Português, Matemática, História,
Geografia, Desenho e trabalhos manuais, era um excelente
músico, atuando na Banda de Música de Cotiporã. Os
trabalhos manuais eram diversos, bem como trabalhos
com pintura. Não existiam muitos livros, mas
comprávamos a “Seleta” do 5° ano. Na maioria das vezes
os professores escreviam no quadro negro e nós
copiávamos em blocos, passando a limpo em cadernos. O
uniforme era de saia azul marinho pregueada. A blusa, o
tênis e as meias eram brancas. O aprendizado escolar de

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|904


bordado foi ensinado pela professora Cenira Velho, de
Caxias do Sul, e foi o que possibilitou que mais tarde eu
pudesse bordar para outras pessoas, ganhando meu
dinheiro.” Diz Dina sobre sua educação e seu trabalho.
(D.S.)

Destaca-se neste relato a aplicação dos trabalhos


manuais como posterior aplicação para a sua vida
doméstica. Fica claro nas memórias de Diná que o ensino
possuía um cunho voltado ao lado de desenvolver as
habilidades manuais nas meninas, situação semelhante das
memórias da avó da aluna J. B, que mesmo sem frequentar
a escola, teve as mesmas habilidades desenvolvidas,”
minha avó, Santina, também era analfabeta, porém, não
sabia escrever nem seu nome. Sempre foi criada para ser
dona de casa, onde sua mãe a ensinou a bordar, cozinhar,
lavar, passar e todas as funções que exerceu sua vida toda,
cuidando muito de todos.”

FIGURA 3: Diná (vestido poá) passeando com


as amigas em frente à escola, por volta de 1945.
Fonte: Acervo pessoal publicado no Blog.

As fontes iconográficas trazem em seus detalhes a


possibilidade da leitura de transformações e continuidades
na paisagem de uma local, nos hábitos dos sujeitos, bem
como a evocação de lembranças de acontecimentos
temporais que fizeram parte da construção identitária do
indivíduo e do coletivo de uma determinada época.
A partir da análise do conteúdo do blog, que são as
vozes silenciadas, buscou-se demonstrar o potencial que
possuem as fontes produzidas no âmbito privado como
fotografias, cartas, objetos pessoas de valor material e
imaterial.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|905


Fontes potenciais para o ensino de História:
mudanças e permanenciais
As fontes históricas são os meios através dos quais
os sujeitos buscam reconstruir sua trajetória no tempo e no
espaço, elaborando sua memória na ordenação e releitura
dos vestígios de suas lembranças, “nos níveis em que o
individual se enraíza no social e no coletivo.” (LE GOFF,
2013, p.433).
A memória se constitui um elemento essencial na
construção da identidade, seja ela individual ou coletiva,
onde sua importância representa “o patrimônio de
experiências acumuladas e sempre renovadas a qual a
mídia está implicada.” (MARZANO, 2006, p.233).
Sabe-se que a memória pode ser compartilhada, mas
não necessariamente experimentada no conjunto. Os
sujeitos carregam suas experiências individuais, suas
vivências cotidianas, onde reside o verdadeiro peso da
memória, e as experiências que são vividas por todos
aumenta a memória coletiva.
A memória faz parte da arte da narração, nela está
envolvida a identidade do sujeito. Assim, no blog
“Memórias compartilhadas, Histórias dos avós”, a
utilização da fonte oral transcrita posteriormente em relato
escrito teve o intuito de buscar junto aos alunos e seus avós
temas que fizeram, e fazem parte das vivências construídas
no cotidiano Local. Temas como trabalho, gênero, família
e educação foram abordados como forma de analisar as
concepções que de mudanças e permanências em suas
representatividades sociais construídas ao longo dos anos,
como os tempos, e as práticas sociais modificaram o
entendimento desses temas, bem como sua abordagem na
contemporaneidade.
No blog desenvolvido junto às alunas do curso
normal, utilizou-se como fonte primária de pesquisa a
história oral, feita pelas alunas a seus avós. A troca de
saberes que se estabeleceu durante as entrevistas foi muito
significativa, algumas alunas relataram que pelo fato de
existir o projeto e este fazer parte de suas tarefas de aula
fez com que a frequência de visita a casa da avó fosse mais
assídua. Outras, ainda, expuseram que jamais teria passado
por suas ideias conversar com seus avós assuntos
relacionados a essa temática.
A partir das narrativas coletadas pelas alunas,
surgiram vários subtemas que se tornaram pertinentes na
análise, sendo eles: aspectos ligados as mudanças da visão
social relacionados as questões de gênero; aspectos ligados
a área econômica, social e cultural do contexto que cada

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|906


sujeito entrevistado encontra-se inserido. “Cada memória
individual é um ponto de vista sobre a memória coletiva,
que esse ponto de vista muda segundo o lugar que nele
ocupo e que, por sua vez, esse lugar muda segundo as
relações que mantenho com outros membros.”
(RICOUER, 2007, p.133).
As vivências cotidianas contidas nos relatos servem
de subsídios para análise junto aos alunos dos hábitos que
permanecem no dia a dia das famílias e na História local.
Os avós abordaram memórias de locais e espaços de
convivência que ainda hoje são ocupados pelos moradores
do município de Veranópolis. Os relatos coletados foram
se mostrando riquíssimos em histórias de vida muito
diversificadas. Neles analisamos desde avós que tiveram a
possibilidade de frequentar a escola até avós que, por falta
de condições, não tiveram esta chance. Como o relato dos
avós da aluna J. B.

Meus avós moravam na roça. Meu avô era analfabeto,


sabia apenas escrever seu nome e fazer contas, nunca
frequentou a escola, aprender a escrever seu nome foi a
única forma que lhe foi ensinado algo. Sempre trabalhou
na colônia, possuía animais e parreirais de uva. Tinha,
além disso, um alambique, onde produzia a "graspa do
Bépi", como era conhecida por todos. Sempre trabalhou
muito, para ajudar a sua família e para, posteriormente,
criar seus 9 filhos. Minha avó, Santina, também era
analfabeta, porém, não sabia escrever nem seu nome.
Sempre foi criada para ser dona de casa, onde sua mãe a
ensinou a bordar, cozinhar, lavar, passar e todas as
funções que exerceu sua vida toda, cuidando muito de
todos.

Dentre os relatos destacamos alguns que são


pertinentes a análise junto aos alunos no que se refere aos
hábitos diferenciados entre as meninas e meninos na época
relatada pelos avós. Os relatos não ficam somente escritos
na página do blog, mas ultrapassam as fronteiras do
ciberespaço para uma análise junto aos alunos em sala de
aula, em cada relato, comparando as permanências e as
transformações nos hábitos cotidianos. O avô da aluna J..P.
retrata as memórias de sua vida escolar da seguinte forma:
“Eu (Luiz) estudava na Capela São Pedro - Linha 7 de
Setembro, não sei ler nem escrever até os dias atuais,
estudei até a 2ª série, mas em matemática ensinava até meu
professor, o senhor Guerino Cosmo Rigon”. Paralelo a este
depoimento, o avô I. P. relata que:
Os meus primeiros três anos de escola foram na escolinha
de Vila Azul. Todas as turmas estudavam juntas e a nossa
professora era a Dona Guilhermina Sassi, nós a
respeitávamos muito, nunca faltei com respeito a ela. (...)

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|907


Lembro que estudava somente com uma pedra lisa e uma
pedrinha branca, então escrevia na pedra lisa com a
pedrinha branca, depois eles tinham um pedaço de pano
velho, apagavam e continuava escrevendo.

As memórias de A. P. trazem as recordações da


infância e as diversas formas de brincar que permearam o
cotidiano de uma época:
Minha infância inteira eu vivi na Palugana. Na rua, na
calçada de nossa casa, havia uma banca, e quando já era
noitezinha, os pais da vizinhança sentavam-se lá, para
conversar, tomar chimarrão, enquanto cuidavam os filhos
brincarem na rua. Tudo era muito calmo, a estrada era de
chão e não haviam muitos carros, então podíamos brincar
a vontade, além de que éramos um grupo bem grande de
crianças. Brincamos muito de Caracol (amarelinha),
esconde-esconde, pega-pega, além de que na antiga
oficina, duas casas depois da minha, antes era banhado,
então e nós entravamos lá para brincar, para se atolar. E
depois que chovia, o banhado enchia e nós podíamos
entrar na água. Eu e minha irmã levávamos nossas
bonequinhas de porcelana e pegávamos as latas de
sardinha que minha mãe ia por fora para fazer de
barquinho, passeávamos com as bonecas de barco pelo
banhado.

Através destes relatos tem-se a possibilidade de


estar desenvolvendo uma metodologia voltada a
identificação de transformações e permanências dos
costumes das famílias das crianças (pais, avós e bisavós) e
nas instituições escolares como: número de filhos, divisão
de trabalhos entre sexo e idade, costumes alimentares,
vestimentas, tipos de moradia, meios de transporte e
comunicação, hábitos de higiene, preservação da saúde,
lazer, músicas, danças, lendas, brincadeiras de infância,
jogos, os antigos espaços escolares, os materiais didáticos
de outros tempos, antigos professores e alunos.
Num primeiro exercício para o estudo pode-se estar
analisando os relatos associados a fotografias contidas no
blog, fazendo um exercício de comparação, como:
1- O que os relatos trazem de diferenças entre
si?
2- Quais os aspectos contidos na história dos
livros e nos relatos do blog que mais chamaram atenção.
3- Estabeleça um paralelo dos modos de viver
no presente e na época dos avós que ainda existem no
espaço local.
4- Quais as brincadeiras que estão no relato
que fazem parte da sua infância?
5- Compare os hábitos do seu cotidiano com o

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|908


cotidiano relatado na época dos avós.
Ao colocar o aluno em contato com relatos pessoais
“os estudantes são levados a contemplar o espetáculo da
diferença alheia. Conhecer o outro ensina muito sobre nós
mesmos. Aprender a história dos outros é entender um
pouco sobre o que somos e, sobretudo, acumular
experiências diversas.” (PEREIRA; GRAEBIN, 2010,
p.172).

Nesse sentido, “a memória virtual se configura


como uma presença, ela atualiza a memória viva na
interação”. (VIRÍLIO, 2006, p.92). A tecnologia funciona
como uma espécie de telescópio do momento e do
acontecimento no espaço e no tempo. Ela pode ser
denominada também, como uma linguagem de
comunicação, onde as interações acontecem de forma
coletiva. Consoante a este pensamento, Pierre Levy (1999)
fala que estamos criando dentro do ciberespaço um
ambiente coletivo para as comunicações, estamos em meio
a um espaço englobante, onde os recursos técnicos para o
uso de ferramentas digitais estão ao alcance de todos.
O estudo de uma História temática, aliada ao uso de
um meio digital, possibilita a compreensão de que a
história se dá através de um processo onde é permitido
problematizar o presente através de informações vindas da
realidade dos alunos, dando a estes a percepção de que são
sujeitos que vivem num presente resultante de muitas
histórias que se entrelaçaram no tempo, de
descontinuidades e permanências, vivificadas pela
evocação da memória e de múltiplas identidades.
Os relatos familiares tornam-se importante fonte
para uma análise da teia que se tece com o passar do
tempo, os entrecruzamentos das relações que se
estabelecem nas gerações proporcionam diferentes formas
de evocar o passado para uma leitura do presente, uma
leitura voltada às continuidades e descontinuidades
temporais e espaciais. A memória de cada sujeito se insere
na coletividade, dando contornos às construções
identitárias que se edificaram na História Local.
O uso do blog como ferramenta metodológica para
o desenvolvimento do projeto proporcionou às alunas, e
aos avós que estiveram envolvidos, a possibilidade de
terem suas memórias, não somente relatadas a quem faz
parte da sucessão geracional, mas também, a oportunidade
do registro compartilhado com os demais sujeitos que
fazem parte do seu entorno social.
O diálogo pretendido entre o conhecimento
acadêmico e o ensino de história é favorecido quando
proporciona-se esse aprendizado voltado ao contexto social
e às vivências dos agentes que compuseram a história

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|909


Local. As fotos abaixo deixam claras as marcas que os
sujeitos carregam de seus familiares. Tornar possível o
contato entre gerações é tornar possível inclusive a
compreensão de que pedaços de sua história cotidiana
ajudam na composição da História de sua localidade. Esta
inserção transpassa o local, inserindo-se num contexto
regional e global.

FIGURA 4: Aluna Lizandra com sua avó.


Fonte: Blog “Memórias compartilhadas,
Histórias dos avós”.

FIGURA 5: Aluna Paula e sua avó.


Fonte: Blog “Memórias compartilhadas,
Histórias dos avós”.

A composição identitária desses sujeitos é marcada


pelo entrelaçamento de memórias e vivências, trazendo à
tona a dialética da ação-reflexão-ação, onde as diversas
identidades que compõe o universo dos alunos são postas

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|910


em evidência para a análise e reflexão das articulações e
representações sociais construídas no local ao qual se
inserem.

A comunidade vive da memória comum, e isso é um dado


adquirido. As comunicações de massa nos alimentam
continuamente de produtos artísticos, culturais, sociais e
outros originados do passado. Elas nos propõem
novidades desse jeito, mas elas se baseiam na maior parte
dos casos sobre esses produtos culturais adquiridos e
presos ao passado.” (VATTIMO, 2006, p. 84- 85)

Da mesma forma pode-se afirmar que o cotidiano


de um local, principalmente nos costumes de seus
habitantes, permanece muito das gerações que
antecederam a convivência neste espaço, mesmo inseridos
na contemporaneidade. Estes sujeitos acabam por
reproduzir o que lhe foi ensinado, herdado, e também
traços característicos de quem os gerou. Se isso acontece
na memória individual, inevitavelmente ela será
compartilhada nas vivências junto ao coletivo, onde as
memórias se fundem e os traços identitários vão se
moldando.
Num ambiente de aprendizagem, como o da sala de
aula, é de suma importância que esses traços sejam fontes
de estudo para as aulas de História, pois eles mesclam
elementos do passado com as contribuições do presente.
Os relatos familiares revelam-se uma fonte riquíssima para
a reconstrução do passado, eles contêm detalhes de como
um sujeito construiu sua trajetória num determinado
contexto social, e como as representações construídas
coletivamente foram moldando as memórias individuais e
sua identidade.
Os meios digitais, que hoje estão cada vez mais
atuantes no espaço social, necessitam também serem
inseridos na sala de aula. Aliados às fontes históricas, esses
meios auxiliam o professor a desenvolver uma
metodologia de aprendizagem que mescla elementos
escritos, como documentos históricos, que muitas vezes
passam despercebidos aos olhos dos familiares,
professores e alunos. A transposição de fontes a um
material de mídia incentiva assim, a inserção de práticas
educativas que vise desenvolver a comunidade, a família e
os alunos, que são agentes de manutenção da memória do
espaço local.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|911


Considerações finais
A construção do blog como proposta de prática
metodológica aplicada, inicialmente, para as alunas do
Curso Normal, estudantes do 2º e 3º anos, do colégio
Regina Coeli, dentro da disciplina de Didática da História
e Geografia, levou em consideração a importância de se
estar introduzindo nesse curso de formação de novos
professores, propostas de novas ferramentas de ensino para
a exploração de fontes potenciais que possuímos para o
ensino da História Local. Trabalhar testemunhos que
envolvem as construções representativas de gênero, as de
trabalho, família e do cotidiano resultaram numa
possibilidade para exploração temática que partiu das
vivências dos relatos, o que possibilitou o envolvimento na
aprendizagem de forma mais comprometedora, dinâmica e
significativa para os sujeitos envolvidos.
A interação do passado e presente, possibilitada
pelos relatos coletados, deram voz e dinamismo a muitos
personagens, fatos e características da cidade. A
construção e a utilização do blog como linguagem de
comunicação trouxe à tona desdobramentos temáticos que
orientaram as análises: questões de gênero, cotidiano,
trabalho, família e educação. Sua construção somou
positivamente para o processo de reelaboração de
conceitos e na construção de novos olhares possíveis, na
reelaboração do conhecimento no ensino de História Local.
A imersão das alunas do curso normal, no universo
das mídias de comunicação, aliada a uma metodologia para
o ensino de História Local, possibilitou que estas
utilizassem na construção a interação pessoal, através da
escuta, e a elaboração de uma escrita memorial, como
narrativa individual, para compartilhar coletivamente no
blog. Esta interação não permitiu somente a exploração da
área cognitiva das alunas, mas, através das memórias, a
proposta possibilitou a aproximação dos tempos
geracionais, a afetividade, instigando essas futuras
professoras na percepção da importância em se manter
viva histórias e vivências de pessoas que ajudaram a
constituí-las enquanto sujeito histórico, conferindo-lhes
uma identidade pessoal que se funde com a identidade
social de um local. Identidade esta que se reelabora através
das memórias, individuais e coletivas.
Os relatos dos avós, registrados no blog, pelas
alunas, possibilitou que as práticas se estendessem e as
fontes e acervos pessoais, se tornassem objeto de análise,
tendo sua inserção no espaço da sala de aula. As
entrevistas e os relatos aguçaram nosso olhar para a
introdução de práticas metodológicas que levasse em conta

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|912


a análise de fontes iconográficas, a fim de que o aluno
direcionasse o olhar para a identificação das permanências
e descontinuidades que a leitura das mesmas possibilita.
Do olhar do aluno nasce uma rede de relações permitida
pela leitura que a introdução das diferentes linguagens
proporciona em seu universo. As relações construídas
possibilitam que o aluno volte seu olhar para a
compreensão dos diferentes tempos históricos que se
encontram, resultante das raízes que compõem a História
Local.
Os meios digitais, aliados às práticas pedagógicas,
auxiliam potencialmente o professor para o
desenvolvimento de uma metodologia dinâmica de
exploração e análise das fontes históricas. Desenvolver
possibilidades de aprendizagem, mesclando elementos
escritos com o blog, incentivou de forma significante a
inserção de práticas educativas envolvendo comunidade,
família e alunos. Salienta-se, neste estudo, a importância
de se direcionar o olhar do professor para a importância
que representam as fontes familiares, sejam elas em forma
de documentos escritos ou transmitidas na oralidade. Delas
emergem possibilidades de análise que se tornam
potencialmente eficazes na significação da História Local.
Muitas vezes estas fontes passam despercebidas pelos
professores e familiares, privando o aluno de ter a
oportunidade do contato com as mesmas, e até mesmo não
tendo a possibilidade de alfabetizar seu olhar para sua
leitura.
Assim, possibilitar práticas pedagógicas que
contemplem o desenvolvimento do olhar do aluno requer
persistência do professor. Sabe-se que o caminho é
recheado de altos e baixos. Os meios de comunicação
digital ainda estão adentrando no âmbito escolar a passos
lentos, portanto, as possibilidades quando apresentadas aos
professores, e aos alunos, devem ser orientadas com
cautela e sensibilidade. Salienta-se aqui a importância de
se estar oferecendo aos professores meios para que estes
explorem as fontes existentes sobre a História Local.

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espaço de construção de memórias e identidades. In: DE
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Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|914


Imagens de mulheres nos livros didáticos de
história
Por Eliane Goulart Mac Ginity195

Resumo Abstract
Tomando como ponto de partida a Taking as a starting point the centrality
centralidade do livro didático no ensino of textbooks in Brazilian education, this article
brasileiro, este artigo analisa como as analyses how the imagery representations of
representações imagéticas das mulheres nos women in the textbooks of high school history,
livros didáticos de história do ensino médio, contemplated by PNLD 2015 contribute in the
contemplados pelo PNLD 2015, contribuem na composition of identities that give continuation
composição de identidades que dão to certain world views, stimulated by the
prosseguimento a determinadas visões de interests of cultural, socioeconomic and
mundo, estimuladas pelos interesses de grupos political groups. It was used ten books for the
culturais, socioeconômicos e políticos. Foram investigation of nine collections of the 19
utilizados dez livros para a investigação de nove approved by the MEC for the selection of
coleções das 19 aprovadas pelo MEC para a teachers. The research has in Cultural Studies,
seleção dos professores. A reflexão tem nos gender studies and the concepts of identity and
Estudos Culturais, estudos de gênero e nos representation of their theoretical contributions.
conceitos de identidade e representação seus Throughout the research, it became clear the
aportes teóricos. Ao longo do estudo ficou preponderance of male images on female
evidente a preponderância de imagens images in the books and that many of these
masculinas sobre as femininas nos livros e que representations are meaningless and in many
muitas das representações dessas são destituídas cases take their role as historical subject.
de significado e em muitos casos tiram o seu
papel como sujeito histórico. Keywords: Textbook, Imagery analysis, Identity, Representation.

Palavras-chave: Livro didático, Análise imagética, Identidade,


Representação.

195
Universidade federal do Rio Grande do Sul. Contato: Eliane.macginity@hotmail.com

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Este artigo foi elaborado a partir do trabalho de
conclusão do curso de Especialização em “Os Estudos
Culturais nos Currículos Escolares Contemporâneos da
Educação Básica” do Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
orientado pelo Prof. Dr. Nilton Mullet Pereira. O objetivo
da pesquisa, assim como deste texto, foi fazer algumas
reflexões acerca da constituição das identidades, a partir de
análise imagética em livros didáticos. Para isso, utilizei-me
da seguinte pergunta: como a representação de imagens de
mulheres nos livros didáticos de história do ensino médio,
do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) 2015,
contribui para a composição de identidades influenciadas
pelos interesses de grupos culturais, políticos e
socioeconômicos?
Para pensar essa questão busquei nos Estudos
Culturais, nos estudos de gênero e nos conceitos de
identidade e representação ancoragem teórica. O texto
inicia abordando os aspectos teóricos da pesquisa, em
seguida trata do livro didático e do PNLD e encerra com a
análise de algumas imagens.
Os Estudos Culturais (EC) são um campo de
pesquisa interdisciplinar que tem na cultura o centro de
suas análises. Os EC trouxeram muitas contribuições para
a pesquisa, dentre elas, a possibilidade de questionar
antigas verdades e uma das mais importantes,
principalmente para este estudo, foi a possibilidade de
analisar objetos e temas até então não considerados como
dignos de investigação. Dentro desta perspectiva da
“permissão” para estudar “novos” conteúdos e materiais de
análise é que se utiliza o conceito de artefato cultural, isto
é, tudo aquilo que é produzido pela sociedade, isto é, uma
materialidade cultural. Assim, artefatos culturais são “[...]
sistemas de significação implicados na produção de
identidades e subjetividades, no contexto de relações de
poder” (SILVA, 2014, p. 142). Aqui, os meus artefatos são
os livros didáticos de História.
Como mencionei, a interdisciplinaridade é um eixo
fundamental dos EC. Estes aproximam-se de diferentes
campos teóricos e disciplinares para desenvolver seus
questionamentos. Nesse sentido, utilizei os estudos de
gênero para refletir sobre os lugares que mulheres e
homens ocupam na sociedade e a tentativa de ocultar a
mulher como sujeito histórico e também “[...] como capaz
de certas relações reflexivas sobre si mesma [...]”
(LAROSSA, 1994, p. 37).
Os estudos de gênero surgiram a partir do
movimento feminista dos anos 1960, que buscavam
questionar papeis historicamente construídos ao longo dos
últimos séculos, que normatizam e regulam o que é ser

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|916


mulher e o que é ser homem e das funções atribuídas a
cada um, ou seja, do que é certo ou errado para cada sexo.
Além disso, contestam as teorias biológicas de
superioridade e inferioridade entre homens e mulheres.
O termo “gênero”, visto aqui como uma construção
social, é uma evolução na compreensão das relações entre
mulheres e homens nas diferentes esferas sociais, culturais
e nos papeis que ocuparam/ocupam/ocuparão. Relações
essas, que se tratam de verdades forjadas, que permeiam
todos os espaços da vida, dentre eles a escola e a educação,
duas das principais responsáveis por influenciar na
construção das identidades dos seres humanos, mas

A norma não emana de um único lugar, não é enunciada


por um soberano, mas, em vez disso, está em toda parte.
Expressa-se por meio de recomendações repetidas e
observadas cotidianamente, que servem de referência a
todos. Daí por que a norma se faz penetrante, daí por que
ela é capaz de se naturalizar (LOURO, p. 22, 1997).

Decorrido disso, a necessidade de debater o que está


sendo abordado em nossas salas de aula, de questionar os
métodos e materiais que professores estão utilizando. Por
isso, a análise dos livros didáticos, uma das maiores
ferramentas de trabalho dos docentes. E aqui entro na
questão da formação das identidades dos alunos.
Identidade ou identidades, pois os sujeitos possuem
várias, surgidas a partir da diferença ou da semelhança
com um determinado grupo ou objeto, assim, identidade é
deslocamento, pois as pessoas relacionam-se de maneiras
diferentes entre si. A identidade de uma mãe com seu filho
não é igual que a identidade com o marido ou mesmo com
outro filho. Há a identidade com grupos menores, como a
profissional ou maiores como a do sujeito com seu país.
Infere-se, também, que identidade é sentimento de
pertencimento.

A identidade é vista como parte fundamental da dinâmica


pela qual os indivíduos e os grupos compreendem os elos,
mesmo imaginários, que os mantêm unidos. Compartilhar
uma identidade é, então, participar, com outros, de
determinadas esferas da vida social [...] (MOREIRA, p.
126, 2011).

No caso dos estudantes suas identidades são


compostas a partir dos grupos e das instituições com os
quais se relacionam, por exemplo, professores, colegas da
escola e de cursinhos e academias, com os pais e com
outros membros da família e também através dos
diferentes artefatos culturais com os quais interagem e com
os acontecimentos da sociedade em si. Nesse caso,
especificamente, o governo e a educação, entre vários

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|917


outros elementos, estão imbrincados na produção da
identidade desses jovens.
Dentro dessa lógica da construção das identidades
dos jovens é que insiro outro conceito norteador da
pesquisa, que é o de representação. Isto porque considero a
forma como as imagens das mulheres são representadas
nos livros didáticos vão contribuir para a composição das
identidades do alunado, pois
No caso dos livros didáticos, através de determinados
discursos, se estabelecem representações que propiciam a
reprodução de “verdades” definidas no âmbito das
ciências; e as mudanças “científicas” acontecidas nestas
últimas, que geram alterações nos livros didáticos, podem
ser vistas, em dadas situações, como consequência de
descobertas, mas, também, podem ser encaradas como
aparição de novas formas na vontade de verdade
(GOMES, 2007, p. 27).

Representação não quer dizer o significado real de


determinado objeto ou realidade, pois depende da forma
como o mundo é lido e interpretado por um grupo social.
Assim, a forma e os meios pelos quais se ensina a entender
algo resultará em certos olhares sobre os objetos, sujeitos,
gêneros, diferentes culturas e etnias. Por exemplo, um
estudante brasileiro do ensino médio das primeiras décadas
do século XXI pode ter tido pouquíssimo contato com a
cultura indígena brasileira e se essa quase não aparece no
seu principal meio de estudo, qual a mensagem que esse
aluno está recebendo?
Posto isso, é de significativa relevância a afirmativa
de Sabat (2004, p. 98) de que “o processo de
representação, de produção de identidades, de constituição
do sujeito não é realizado de uma vez por todas; pelo
contrário, é necessário um processo de repetição contínua”
para que isso ocorra. E os livros didáticos (LD) são um
excelente exemplo desse método. Os alunos da escola
pública recebem seus primeiros livros didáticos de história
(LDH) no segundo ano do ensino fundamental e até o final
da escolarização básica continuarão a utilizá-los. Desta
forma, a representação de imagens, ao longo de onze anos,
comporá tipos pretendidos de identidades.
Daí a importância de se saber quais os signos, os
enunciados que são repetidos continuamente, nos materiais
imagéticos dos livros didáticos, sendo que tais manuais
têm suas ditas verdades potencializadas pela “legitimidade
que lhes é conferida no âmbito escolar e extraescolar”.
(GOMES, p. 34, 2007). Tendo isso em vista e partindo do
princípio do centralismo do livro didático no ensino
brasileiro e para melhor estabelecer as relações entre ele, o
PNLD e a construção de identidades, passo ao estudo
desses elementos.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|918


O livro didático é tão presente nas escolas
brasileiras e há tanto tempo, que já ganhou status de
sujeito. Este senhor, pois sua origem data do final da Idade
Média europeia, foi e ainda é uma das principais
ferramentas que os professores utilizam nas salas de aula e
até fora delas. Os motivos para essa unanimidade podem
ser vários e controversos. Primeiramente, é preciso abordar
uma pouco sua trajetória. Mas antes disso, quem é esse
imperador desprezado por uns e idolatrado por outros?
Conceituar o termo “livro didático” parece, em
primeira mão, uma tarefa fácil. Surge na mente das pessoas
o “manual escolar”, aquele livro que contém todos os
ensinamentos que os estudantes devem aprender de
português, matemática, história e todas as demais matérias.
Isso é decorrente de suas próprias memórias escolares e da
herança da Lei do Livro Didático, de 1938, que em seu
segundo artigo, toma a seguinte definição “... são
considerados livros didáticos os compêndios e os livros de
leitura de classe”. Porém, a sua complexidade demonstra
que não é tão simples assim.
Para Flávia Caimi é um “[...] objeto cultural
operado por sujeitos que atuam sob determinadas
condições históricas, apoiando-se em outros suportes de
conhecimento e recursos didático-metodológicos (p. 103,
2010). Matos, sob o olhar dos estudos políticos, diz que os
livros didáticos são produtos de um determinado tempo e
de tendência de um governo específico (2012, p. 170). O
escritor português, Justino Magalhães, vê os LD desta
forma: “O manual escolar, mais que um meio de
aculturação e de alteridade, é fator de afirmação e de
dominação cultural” (2006, p. 10).
Além de concordar com o que afirma os autores
acima e não diferenciar do que dizem, adoto também a
concepção de Ivaine Tonini, pertencente a linha dos
estudos pós-estruturalistas, que em sua tese de doutorado,
diz o seguinte sobre o livro didático:

[...] um lugar de produção de significados, como um


artefato cultural no qual as verdades são fabricadas e
postas em circulação. [...] como uma peça da maquinaria
escolar que está inserida numa arena política, cujo jogo
autoriza certos discursos e desautoriza outros (2002, p.
32).

Sabendo então que os livros didáticos hoje estão


presentes em todas as nossas escolas da rede pública de
ensino e partindo do princípio de que estes livros contêm
determinadas visões de mundo, que querem dizer algo a
alguém, o que vem sendo abordado nos livros de história?
Eles representam a (s) cultura (s) de uma sociedade,
verificando-se isso, por exemplo, na escolha dos assuntos.
Os livros trazem em cada uma de suas linhas e imagens e

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|919


na própria diagramação do volume, uma série de
significados. Estes podem representar um grupo
econômico ou social, que pretende construir ou manter
características específicas de etnia, de gênero, etc.
Os manuais, compêndios e livros de história
contribuíram e contribuem muito para essas construções.
Pois é ali que está impresso o real, a verdade, ou seja, o
conhecimento autorizado, pois “O livro sempre visou
instaurar uma ordem; fosse a ordem de sua decifração, a
ordem da autoridade que o encomendou ou permitiu sua
publicação [...]” (CHARTIER, 1994 apud SILVA, 2013, p.
107). Desde o período imperial brasileiro, a história foi e é
utilizada para construir um ideal, primeiro de nação e
depois de sociedade como um todo. Exalta-se uma elite
econômica, que também é política, heróis são postos em
altares, assim como suas façanhas militares.
O Imperial Colégio Pedro II no Rio de Janeiro,
responsável pela formação daqueles que serão os políticos
e administradores do império brasileiro, seguindo o
modelo francês de educação, de caráter humanístico,
destaca os ensinamentos de História Universal (história
greco-romana) e de Geografia. Foi nessa instituição que os
próprios professores escreveram os primeiros livros
didáticos nacionais de história. O Instituto Histórico
Geográfico Brasileiro (IHGB) exerceu grande influência
sobre o Colégio Pedro II e consequentemente sobre a
elaboração dos manuais da história nacional. As obras
produzidas pelo IHGB possuíam acentuado caráter militar
e estavam relacionadas a recente formação do Estado-
nação brasileiro e buscavam legitimá-lo.
Nos primeiros anos do século XX, não houve muita
alteração em termos de escola e de ensino de história, o
objetivo continuava sendo erguer a nação e validar as
ações governamentais, só que agora da nascente república.
Nessa época, em torno de 80% da população brasileira era
analfabeta, mas o Brasil estava iniciando seu processo de
industrialização e necessitava de uma mão de obra, pelo
menos, minimamente instruída. Assim, é para “educar” o
povo brasileiro, que a partir do século XX, o LD assumiu
seu papel de protagonista na nossa educação.
É na Era Vargas (1930-1945) que o Estado passa
definitivamente a intervir na educação, regulando e
controlando o que é ensinado. Os responsáveis pela área
educacional acreditavam que a prioridade deveria ser dada
para a educação da elite, pois esta lideraria as massas.
Nesse período a história que é contada, exalta o
nacionalismo e o patriotismo e também serve como base
de sustentação de um regime autoritário. E é dentro dessa
lógica que se insere o livro didático de história no tempo
getulista, principalmente, com o objetivo de forjar uma
unidade nacional.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|920


Para a década de 1950, tanto para a educação como
para o ensino de história e para o livro didático, destaca-se
a criação da CALDEME (Campanha do Livro Didático e
Manuais de Ensino), que segundo Anísio Teixeira, em seu
discurso de posse no INEP (Instituto Nacional de Estudos
Pedagógicos), diz que a CALDEME é resultado de uma
necessidade que o governo brasileiro tem de elaborar
“guias e manuais de ensino para os professores e diretores
de escolas” (TEIXEIRA, 1952 apud MUNAKATA, 2004,
p. 514).
O golpe militar de 1964 alterou não somente a
estrutura política, econômica e social do país, trouxe
também modificações para a educação com a ampliação do
número de vagas nas escolas e do controle da produção e
distribuição dos livros didáticos. Dentro deste período,
destacam-se os Cadernos MEC de História Geral, escritos
por especialistas preocupados em adequar o ensino às
novas mudanças pelas quais a sociedade estava passando.
Nos anos 1980, iniciou-se a inserção nos LDH de
sujeitos sociais até então silenciados, como as mulheres e
os negros e o debate em torno dos mitos da história. Outro
avanço importante ocorreu em 1996 com a aprovação da
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN).
Esta regula todos os níveis da educação desde o Ensino
Fundamental I até os cursos de Pós-Graduação. Prevê a
universalização da Educação Básica (Ensino Fundamental
I, II e Ensino Médio), os investimentos na educação, entre
muitos outros aspectos.
É aqui no século XXI que o LDH dá o grande salto,
pois todas as escolas, que aderiram ao PNLD, da rede
pública básica de ensino receberam LD de todas as
disciplinas. Destaca-se aqui a obrigatoriedade do estudo
das culturas indígena e africana, que foram incorporadas
aos livros didáticos de história, requisito imprescindível
para entrar no PNLD. A história da mulher também foi
incorporada aos LDH.
O ensino de história, baseado em modelos de livros
didáticos elaborados por e para um determinado grupo de
pessoas, que são privilegiados como agentes efetivos da
história em detrimento do silenciamento de outros,
contribuiu para formar sujeitos que perpetuam essa ideia.
Contudo, é inegável que houve muitos avanços nos livros
didáticos presentes em nossas escolas. Incluiu-se sujeitos
até então pouco visíveis e até invisíveis. Construções
históricas e culturais sobre etnias, como a indígena e a
negra passaram a ser estudas não apenas através de pontos
de vista idílicos ou negativos.
Entretanto, com relação a gênero e a faixas etárias
não se conseguiu muitos avanços, mas os LD estão em
processo de transformação em razão da presença das
mulheres. Todavia, que mulheres são essas? Negras?
Índias? Europeias? Judias? Muçulmanas? Quais as suas

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idades? Esse último questionamento levanta a discussão da
quase ausência de crianças, adolescentes e idosos. É
necessário frisar a omissão dos grupos LGBTTT
(Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e
Transgêneros).
Esses aspectos tão relevantes e que não estão ou
estão muito pouco presentes nos livros devem ser
questionados e problematizados pelos professores, pois são
estes que trabalham diariamente com os LD e também
quem os escolhe. Contudo, esta decisão está condicionada
aos livros aprovados pelo PNLD, que se trata de uma ação
do governo federal brasileiro, que tem por finalidade a
distribuição gratuita de livros didáticos, dos diferentes
componentes curriculares da educação básica
(Fundamental I, Fundamental II e Ensino Médio) às
escolas públicas de todo o país.
O programa é gerido pelo FNDE (Fundo Nacional
de Desenvolvimento da Educação Básica), que recebe
fundos dos estados e os converte em ações voltadas para a
educação básica. O PNLD é trienal e alternado, ou seja, em
cada ano o governo compra e distribui livros para um certo
nível da educação básica e em outro repõe e complementa
os de uma outra etapa. Os professores recebem os livros
das editoras e têm acesso no site do próprio programa a
todos os livros aprovados pelo MEC, com comentários
sobre os mesmos e optam por dois.
A escolha dos professores é baseada no Guia do
livro, onde cada componente curricular possui um, mas
antes de chegar aos guias específicos de cada componente
curricular, há um volume de 51 páginas, intitulado de
“Apresentação”, que contém informações sobre o
programa, leis que o respaldam e a seleção dos livros,
reforça a necessidade da presença dos manuais nas salas de
aula, propõe métodos e orientações para auxiliar os
professores na escolha, reforça o processo democrático e a
autonomia do docente na seleção. Porém, ao longo do
texto surgem palavras e expressões como “[...] vocês vão
‘adotar coleções de livros didáticos’” (p. 12), “reflita
melhor” (p.14), “organizem-se” e “não se esqueçam” (p.
15), “verifiquem” (p. 21), entre muitas que ao mesmo
tempo que corroboram para a autonomia do professor,
conduzem-no a certas atitudes que devem ser tomadas com
relação ao livro e ao seu processo de escolha.
Após passar pelo processo burocrático, os livros de
História que respondem aos pré-requisitos estipulados pelo
governo em seu edital, vão passar efetivamente por uma
comissão avaliadora formada por 46 avaliadores,
especialistas em história, pertencentes a universidades
brasileiras, estaduais, federais e privadas, quatro
professores de EM da rede pública, mais 16 profissionais
coordenadores, auxiliares técnicos, consultores
pedagógicos, entre outros.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|922


Esse sistema ao mesmo tempo em que propõe auxiliar o
professor de escolha dos livros didáticos, considerando o
enorme mercado editorial da área, também serve para
controlar o sistema de circulação de conteúdos nas salas
de aula brasileiras (Matos, 2012, p.176).

O guia elaborado pelos avaliadores contém dez


capítulos, que inicia com a apresentação do mesmo,
passando sobre discussões acerca do Ensino Médio e do
ensino de história, traz informações sobre o processo de
avaliação, perpassa o mundo dos jovens na
contemporaneidade, contém as resenhas de cada uma das
19 coleções por eles selecionadas e encerra com uma ficha
de avaliação pedagógica.
As coleções são organizadas conforme a ordem de
inscrição e os critérios adotados para a elaboração das
resenhas, produzidas para o guia de livros de história, são
explicitados no edital e elaborados com por uma Comissão
Técnica que auxilia o MEC, a SEB e o FNDE. São
adotados dois tipos de critérios: um comum a todas as
áreas do conhecimento e o outro relativo às especificidades
de cada componente curricular. Nas páginas 11 e 12 do
guia encontra-se um rol detalhado dos critérios adotados
pela Comissão Avaliadora. Citando Júlia Matos
novamente:
[...] os critérios de seleção dos livros didáticos de
história distribuídos dentro do [...] PNLD, podemos
afirmar que se dá entre editores e governo. Isso por que os
livros são apresentados às escolas como parte de uma lista
preparada pelo Ministério da Educação e sua Secretaria de
Educação Básica, na qual os livros são categorizados e
portanto, e mesmo sem um valor monetário conferido a
eles, os mesmos são valorados em suas descrições" (2012,
p. 175).

Diante do exposto, é inegável que os livros


escolhidos para chegarem até os professores passaram por
uma detalhada análise e os avaliadores procuraram ser
objetivos e pretenderam oferecer bons subsídios para
assistir os docentes na seleção dos livros didáticos. Porém,
é necessário levar em consideração que essas pessoas
possuem formações teórico-metodológicas distintas, assim
como visões diferentes de mundo e estão inseridos num
processo, onde o mercado media muitas das relações
sociais. No entanto, é de suma importância destacar o
papel dos professores na escolha dos LDH. Eles não são
meras marionetes num jogo de poder, ou seja, são agentes
ativos do processo.
Caimi, em um estudo realizado com 30 docentes de
história dos anos finais do ensino fundamental da rede
pública de ensino, acerca da relação com o LD e com a

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|923


escolha do mesmo, faz um levantamento de quem é esse
professor, indagando sobre questões relativas à formação,
laser, entre outros, e ao ver que tinham um bom acesso à
leitura, filmes, viagens, etc., diz que

[...] professores de História bem informados, com acesso a


conhecimentos oriundos de diferentes fontes, têm
melhores possibilidades de exercer qualificadamente o seu
trabalho, descortinando horizontes mais amplos,
posicionando-se com maior autonomia diante das
demandas da sua profissão e, consequentemente, fazendo
escolhas e utilizações do livro didático com maior
protagonismo (2010, p. 106).

Cabe ao professor a última etapa do circuito de


seleção dos LD. Finda esta etapa, inicia-se a compra (sem
licitação, pois os livros foram indicados pelos professores)
e depois a distribuição às escolas pelo correio. Este é o fim
do processo do PNLD, mas quero retornar ao início desse
ciclo para poder debater um pouco sobre a questão
mercadológica do LD.
O governo brasileiro é o principal
consumidor/comprador de livros no país. O PNLD 2015,
incluindo compra e reposição de LD para os níveis
fundamental e médio teve um custo, segundo os dados
estatísticos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da
Educação de R$ 1.330.150.337,36 (neste valor está incluso
os gastos com a distribuição). Esta cifra altíssima chama a
atenção não só pelo percentual financeiro investido na
educação, mas, principalmente, para as editoras que
receberam/recebem partes desse montante e aquelas que
estão interessadas em fazer parte do seleto grupo das que
têm seus livros didático aprovados e selecionados.
O valor acima deixa claro os altos investimentos do
governo federal na compra de livros didáticos para as
escolas públicas e o atendimento aos diferentes níveis da
educação básica. Além disso, salta aos olhos o valor pago
por exemplar. O preço de um livro didático de área é em
torno de R$ 130,00 e o governo paga para as editoras
valores muito menores (de R$ 6,31 a R$ 29,13) por livro.
Entretanto, como são vendidos milhares de unidades, essas
tarifas são imensamente compensatórias.
Para ilustrar o quanto é fundamental para as editoras
o mercado de livros didáticos no Brasil e falo aqui
especificamente daqueles adquiridos pelos Estado
brasileiro, utilizarei o exemplo de duas grandes editoras,
FTD e a Abril Educação (que faz parte de um grande
grupo editorial, mas aqui abordo apenas as suas duas
editoras de educação, Ática e Scipione, a Saraiva não foi
incluída, pois apenas recentemente foi comprada pela Abril
Educação). Escolhi estas, pois de acordo com o Global
Ranking of the Publishing Industry 2015, onde se

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|924


encontram as 56 editoras com o maior faturamento em
2014 no mundo todo, a FTD ocupa a 55ª posição com
€163 milhões de faturamento e a Abril Educação em 56º
lugar1 um total de €161 milhões.
1 A Saraiva encontra-se na 54ª posição com €164
milhões de euros. Lembro que esta empresa passou a partir
deste ano a fazer parte do grupo Abril Educação e,
consequentemente, estes valores passarão a ser somados
aos desse.
2 As porcentagens referentes ao faturamento total
das editoras foram convertidas de Euro para Reais, para
tanto tomou-se o valor de R$ 3,7882, valor de venda no dia
28/07/2015, para cada Euro. O site consultado foi UOl
Economia Cotações. Disponível em:
<http://economia.uol.com.br/cotacoes/cambio/euro-uniao-
europeia/> Acesso em: 28/jul/2015.
Ao verificar os valores pagos pelo governo às
editoras Ática e Scipione, as duas primeiras no “ranking”
do PNLD, vê-se que as duas juntas receberam um total de
R$ 241.116.531,61, o que representa 21,2% do total de
gastos com o PNLD 2015 e 39,5%2 do faturamento total
da Abril Educação e a Editora FTD recebe 15,8% do total
gasto com o PNLD 2015, o que em termos de seu
faturamento global é de 30,1%.
Diante desses números avassaladores, é evidente o
grande interesse das editoras em participar do programa de
fornecimento de livros didáticos para o Estado brasileiro e
assim, respeitarem todas as normas solicitadas no edital do
referido plano. Desta forma, produzindo conteúdos
especificados pelo governo, os quais acabam por
representar interesses de determinados grupos econômicos,
políticos e sociais.
Levando tudo isso em consideração, retomo o
objetivo da investigação, analisar como as imagens das
mulheres presentes nos livros didáticos de história
contribuem para a construção de identidades, tomei como
base a história geral e a história do Brasil, durante o século
XX. Optei por nove coleções de livros das 19 disponíveis
no PNLEM 2015, totalizando dez livros, pois uma das
coleções possuía em dois volumes o referido conteúdo.
Defini três categorias de análise “Classe” (elite,
mista/indefinida e popular), “Etnia” (afrodescendente,
branca, indígena, outras [asiáticas e árabes] e várias – mais
de uma etnia na mesma imagem) e por fim,
“Posicionamento” (atuante e espectadora). Esta última,
merece uma explicação mais detalhada. As mulheres
consideradas como atuantes são aquelas que estão em
algum tipo de manifestação de resistência, exercendo uma
profissão específica ou quando o texto fala
especificamente sobre a figura da mulher, dependendo da
forma que este se refere. A posição da mulher é tida como
espectadora quando ela é tida apenas como uma espécie de

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|925


ilustração, ou seja, como acessória. As legendas também
foram levadas em consideração e estão junto às imagens,
pois dão informações significativas, mas, ao mesmo
tempo, podem complementar e dar mais sentido ao que
está representado ou descontextualizá-la e ainda esvaziar
seu conteúdo.
As mulheres representam pouco mais de 10% do
total de imagens de homens, num total de 65 para 601
respectivamente. As figuras dos dois sexos juntos (283)
possuem dois aspectos, permite o aparecimento de um
número maior de mulheres, ao mesmo tempo, porém,
aumenta ainda mais a presença masculina nos livros. Esses
números aliados aos conteúdos das imagens, reforçam o
protagonismo masculino e o que se espera para homens e
mulheres. A análise abaixo elucida isso.

Maria Bonita e Lampião

(CATELLI JUNIOR, 2013, v. 3, p. 11)

Neste caso, quando o livro aborda o Cangaço, Maria


Bonita é tida apenas como a esposa de Lampião, que
declarou seu amor por ele e se dispôs a viver com o bando.
Na imagem, ela está sentada, rodeada de cães, ao lado de
Lampião, enquanto ele lê uma revista em pé. Maria Bonita
não está vestida de cangaceira e ele sim. Ela está abaixo
dele, ladeada pelos cães, como se fosse indefesa,
precisando da proteção dos animais. A imagem dela retira
toda a sua participação no movimento. É ressaltado o seu
papel como companheira e amorosa, que se sujeitou a uma
vida itinerante, de dificuldades e violência para viver ao
lado de Lampião. É negado sua ativa atuação nas ações do
cangaço.
A legenda reforça o conteúdo do texto e transforma
Maria Bonita no exemplo de mulher submissa, numa
contraposição ao que historicamente se sabe. Chartier diz
que

As lutas de representações são assim entendidas como


uma construção do mundo social por meio dos processos
de adesão ou rechaço que produzem. Ligam-se

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|926


estreitamente à incorporação da estrutura social dentro dos
indivíduos em forma de representações mentais, e o
exercício da dominação, qualquer que seja, graças à
violência simbólica (2011, p. 22).

Em termos de grupos sociais, há uma equiparação,


entre elite e classe popular. Com relação às etnias, os
dados são preocupantes, pois as imagens das mulheres
afrodescendentes (34) representam apenas 15% do número
de imagens de mulheres brancas (226), enquanto que não
há a presença da figura feminina indígena (dentro do
recorte de tempo adotado). Mulheres negras, asiáticas e de
origem árabe costumam aparecer com uma conotação
negativa. A maioria pobre, em posição de submissão e
subserviência. Na imagem abaixo sequer há uma legenda e
é necessário conhecimentos básicos de inglês, pelo menos,
para entender o que está acontecendo, o que muitos
professores de história não têm. Porém, o texto do livro
explica o que foi o apartheid e assim é possível fazer uma
interpretação crítica da figura.

Submetida (BOULOS JÚNIOR, 2013, v. 3, p. 162)

Uma das categorias de análise que mais suscitou


questionamentos foi a das mulheres como atuantes ou
espectadoras, pois será que o simples fato de estar em
primeiro plano tornam-nas atuantes? Mas ao mesmo
tempo, o foco da imagem coloca-as em posição de
destaque, estão visíveis. E se exercer uma profissão quer
dizer estar submetida a uma ordem de exploração, por
exemplo? Entretanto, pode estar representando a
conquista por novos espaços de socialização, que lhes
eram negados. Para representar essa reflexão sobre essa
categoria de análise voltei-me para as imagens que
seguem.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|927


She’s a wow (BOULOS JÚNIOR, 2013, v. 3, p. 96)

A frase “A garota que ele deixou para trás ainda


continua por trás dele” e logo a seguir “Ela é o máximo”
(tradução livre), ao mesmo tempo em que valoriza a
mulher, a coloca em posição secundária, pois ela fica atrás
dele. Os dois atendem ao chamado de guerra, mas quem
vai para o front e está sujeito aos riscos é o homem, e a
mulher fica em seu país, em segurança. A imagem e as
frases que a complementam contribuem para consolidar
uma visão que tanto os homens e as mulheres devem
ocupar na sociedade. Utilizo a citação de Guacira Louro

Para que se compreenda o lugar e as relações de homens e


mulheres numa sociedade importa observar não
exatamente seus sexos, mas sim tudo o que socialmente se
construiu sobre os sexos (1997, p. 21).

Com devida contraposição ao que foi dito ainda


pouco, destaco a atuação da mulher na II Guerra Mundial.
Mesmo sendo sua ausência muito clara na maioria dos
livros, é possível perceber nas duas imagens acima e
abaixo sua participação nesse momento crítico da história
da humanidade. Destaco que as duas estão relacionadas à
produção armamentista.

Fazendo sua parte (FIGUEIRA, 2013, v. 3, p. 56)

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|928


Nesta imagem, a mulher é representada entrando na
fábrica, enquanto os homens saem desta para ir à guerra.
Ela é chamada para fazer sua parte, aprender como fazer
munições e produzi-las. Ao longo do texto não há
referências à mulher na II Guerra, mas a imagem é
extremamente significativa, pois ao vestir o jaleco e entrar
na fábrica está tomando para si, sem ressalvas, uma grande
responsabilidade.
Baldissera fala que às vezes o autor ao colocar a
imagem apenas como ilustrativa “[...] não se dá conta de
que aquela ilustração, às vezes com ar tão inocente, pode
estar justamente negando tudo aquilo que seu discurso
escrito apresenta; outras vezes, ela revela justamente o que
se pretendia esconder” (2010, p. 252). Mesmo o autor não
tendo inserido o assunto da imagem no texto, esta por ser
tão representativa, pode suscitar, pela orientação do
professor um debate bastante profícuo.
O clássico ditado “uma imagem vale mais do que
mil palavras” representa muito a sociedade
contemporânea, pois as pessoas são rodeadas, ao longo da
maior parte do seu dia por imagens. Isso ocorre no
transporte, trabalho, estudo e lazer. Daí a grande
importância da análise imagética, visto que “Uma imagem
é rica, potencialmente, em informações de diversos níveis.
Nos proporciona, quanto ao imaginário, apoio e referência
no campo da História das mentalidades, do cotidiano, da
cultura material, etc.” (BALDISSERA, 2010, p. 247).
Pois mesmo estando cercadas por imagens, as
pessoas ainda não sabem lê-las, pois foram acostumadas a
lidar com essas no sentido literal e não com aqueles que
estão subentendidos (BALDISSERA, 2010, p. 248).
Decorrendo disso, a real necessidade de explorá-las e
analisá-las nas diferentes formas possíveis.

Juntando as ideias
O livro didático é a principal ferramenta de trabalho
de professores e até mesmo fonte de seus estudos.
Juntando-se a isso sua formação e as condições nas quais
exerce sua profissão, na maioria das vezes as duas
deficitárias, o próprio professor pode se perguntar: se não
está no LD, existe?
O protagonismo do LD está relacionado, como foi
visto, com vários aspectos, dentre eles a herança
educacional brasileira desde o final do século XIX até o
PNLD, que ao longo das últimas décadas do século XX e
dos primeiros anos do século atual, universalizou a

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|929


presença dos livros didáticos nas escolas públicas
brasileiras (lembrando que os LD e as apostilas também
estão presentes nos estabelecimentos da rede privada de
ensino, também compondo identidades).
O PNLD, um dos maiores programas de
distribuição gratuita de livros didáticos do mundo,
movimenta anualmente milhões de reais, chegando as
cifras gastas pelo governo federal para o atendimento do
ano de 2015 a quase R$ 1,4 bi. Como mostrei, algumas das
maiores editoras do mundo são brasileiras (com origem no
exterior ou com acionistas de fora do país) e parcela
significativa de seus lucros globais, mais de 30% advém
das compras do Estado brasileiro.
Logo, esse mercado altamente lucrativo é um dos
principais alvos das editoras, que por sua vez, elaboram
livros para atender a demanda criada pelo PNLD e,
consequentemente, fazem-nos de acordo com os pré-
requisitos ditados pelo MEC, órgão do governo, este fruto
de uma sociedade e de um momento específico. Desta
forma, os conteúdos dos LD são feitos para serem
aprovados pelo Estado e assim atendem a interesses de
grupos socioeconômicos, que pretendem induzir os alunos
a comportamentos desejados.
As imagens, dentro desta lógica, são elementos que
servem a esse propósito, pois é notório que a sociedade
atual é visual e se o aluno vê aquela imagem sem ser
analisada e interpretada sob diferentes pontos de vista, tem
como real e verdadeiro aquilo que está posto. Assim,
diferentes formas imagéticas de como homens e mulheres
são representados contribuem para estabelecer o que cabe
a cada um, reforçando a desigualdade de gênero. E esta
posição também se aplica a cultura, às etnias, etc., mas
esse engessamento não é aceito passivamente, há
educadores, movimentos sociais, entre outros que estão em
busca da alteração desse panorama.
Aos professores não cabem e nem eles aceitam o
papel de serem apenas reprodutores de um conhecimento
dado como certo e acabado, impossível de ser discutido.
Pelo contrário, através dos livros selecionados pelo
governo e colocados a sua escolha, podem pôr em dúvida o
que está ali e levantar questões sobre o que não está.

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Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|932


O uso de Internet no aprendizado de História:
possibilidades e dificuldades
PorBruno Stelmach Pessi

Resumo Abstract
Há três anos lecionando História percebi For three years teaching History I
diversas possibilidades e dificuldades, como a realized several possibilities and difficulties in
utilização dos recursos digitais. Neste artigo class, like the use of digital resources. In this
abordo a relação dos alunos com a Internet para paper, I approach the relation between the
as aulas de História. Apesar do amplo acesso à students and the Internet in History classes.
Internet no Brasil, destacando a ampliação dos Despite the broad access to Internet in Brazil,
espaços digitais nas escolas, ainda há muita like the extension of the digital spaces at the
dificuldade de utilizar esses recursos. Nesse schools, there are still a lot of difficulties to use
ambiente é de se esperar que exista uma these resources. In this environment it is
integração dos recursos digitais com as práticas expected that there would be an integration
pedagógicas. Porém, observa-se diversos between the digital resources and the
problemas: sucateamento, falta de capacitação pedagogical practices. However, several
técnica de professores e, o principal, a problems are noticed: the bad conditions of
dificuldade entre os alunos de utilizar essas equipment, poor technical training for teachers,
tecnologias como ferramentas de aprendizado. and the main problem, the difficulty among
O artigo parte da percepção prática de que o students to use these technologies as tools for
acesso à Internet não está necessariamente learning. The paper starts from the practical
relacionado com um processo de autonomia na perception that the Internet access is not
educação. Pelo contrário, observa-se nos alunos necessarily linked with the autonomy process in
uma falsa percepção de que a disseminação da education. Instead, it is observed in students a
informação através da Internet significa que o false perception that the dissemination of
conhecimento já está pronto. Em geral não há, information over the Internet means that the
por parte dos alunos, uma imersão no knowledge is already done. In general, there is
conhecimento, apenas a transferência da not an immersion into knowledge from students,
informação da Internet para outro suporte. O just the information transfer from the Internet to
trabalho apresentado utiliza uma experiência another support. This paper uses an experience
das aulas de História do sétimo ano na EMEF from History classes on the seventh grade at the
José Carlos Ferreira em Guaíba para questionar José Carlos Ferreira School in Guaíba, to
a utilização da Internet como uma ferramenta question the Internet use as a pedagogical tool
pedagógica de forma não-tradicional, que in a non-traditional way that develops the
desenvolva a autonomia entre os estudantes, autonomy among students, facing the
encarando as dificuldades encontradas em sala difficulties encountered in the classroom and
de aula e as possibilidades de aprendizado the learning possibilities observed.
observadas.
Keywords: Internet, digital education, difficulties, experience report,
autonomy
Palavras-chave:Internet, educação digital, dificuldades, relato de
experiência, autonomia

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|933


Em maio de 2012 comecei a trabalhar como
professor de História. Desde o primeiro dia quando
conheci a Escola Municipal José Carlos Ferreira em
Guaíba, uma coisa me chamou atenção: havia uma sala de
informática, bem equipada, com computadores e Internet
para os alunos utilizarem. Acho que talvez por estar longe
das salas de aula da educação básica há alguns anos, eu
não acompanhei o processo de informatização das escolas
que ocorreu nesse período, e por isso fiquei impressionado
como uma escola municipal em Guaíba, localizada na
periferia da cidade, teria uma estrutura tão moderna para
oferecer aos alunos e ao professor. Sempre fui muito
adepto da tecnologia (seja para o lazer, estudo ou trabalho)
e por isso, desde o início do trabalho como professor tive o
desejo de incluir informática, Internet e outras tecnologias
no processo de ensino e aprendizado.
O presente artigo pretende discutir o uso da Internet
nas aulas de História a partir das experiências observadas
na prática docente nos sextos e sétimos anos do ensino
fundamental como professor de História na Escola
Municipal José Carlos Ferreira, em Guaíba. Além disso,
nesse artigo procuro discutir algumas questões importantes
acerca da Internet e sua relação com a educação,
entendendo a disseminação da rede mundial de
computadores no Brasil e no mundo e como ela vem
provocando grandes mudanças na forma de comunicação e
relação humana. Entendendo isso, abordo nesse artigo o
potencial da Internet para o ensino e aprendizado de
História, evidenciando as possibilidades e dificuldades
encontradas na experiência docente, pensando questões
como aprendizagem significativa, educação para a
autonomia e aprendizado ao longo da vida.

O acesso à Internet no Brasil


Antes de nos aprofundarmos na cultura da Internet e
sua integração com a sala de aula, convém tecermos
algumas análises concernentes ao acesso à Internet no
Brasil na atualidade. O número de usuários, a velocidade
de acesso, a disseminação de conteúdo e a quantidade de
acessos diários à Internet vem crescendo dia após dia no
Brasil. Não precisamos apreciar muitos dados para
observarmos isso, é só sairmos nas ruas para percebermos
a ampla disseminação da Internet no nosso país. E não é
somente nas ruas das maiores cidades, o acesso à rede
mundial de computadores vem crescendo muito inclusive
nas pequenas cidades, regiões rurais e localidades

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|934


afastadas dos grandes centros urbanos. De acordo com
dados de agências de pesquisa, em 2012 o Brasil era o
quinto país com o maior número de internautas do mundo
(Olhar Digital, 2012). Estimava-se que em 2014
ultrapassaríamos o Japão em número total de usuários,
chegando à quarta colocação (BBC, 2014). Convém
esclarecer que os órgãos oficiais consideram como
usuários de Internet aquelas pessoas que acessaram a
Internet pelo menos uma vez nos últimos 90 dias, em geral
analisando a população com idade superior a 10 anos.
Os dados de 2015 mostram que 55% da população
brasileira é usuária da Internet e que metade dos lares estão
conectados à rede mundial de computadores. Isso significa
dizer que mais de 94 milhões de brasileiros (TELECO,
2014) e 32 milhões de domicílios estão conectados à
Internet (G1, 2015). Um fator que vem impulsionando o
crescimento de usuários de Internet nos últimos anos é o
uso dos smartphones, tablets, televisores e, inclusive,
aparelhos de video-game. Segundo pesquisa realizada em
2014 pelo Centro de Estudos sobre as Tecnologias da
Informação e da Comunicação (Cetic.br), órgão vinculado
ao Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR
(Nic.br), enquanto 54% e 46% dos entrevistados
utilizavam o computador de mesa e o notebook,
respectivamente, para acessar a Internet, 76% responderam
que utilizavam o celular como meio de acesso. Ainda, 22%
responderam utilizar tablets, 7% o aparelho de televisão e
5%, o videogame. A popularização do aparelho de celular
com acesso à conexão de banda larga móvel permitiu a
uma grande parte da população brasileira a participação no
grupo de usuários de Internet.
Considerando mais uma vez os dados do Cetic.br, o
acesso por Banda Larga fixa é a mais frequente, com 67%
dos domicílios com esse tipo de conexão, seja ela a cabo
(26%), linha telefônica com tecnologia DSL (27%), via
rádio (9%) ou satélite (5%), mas também teve grande
destaque a conexão por Banda Larga móvel através de
modem 3G, presente em 25% dos domicílios. Apenas 2%
dos domicílios analisados ainda utilizam conexão através
de acesso discado. Em relação à velocidade de conexão, a
maior parte dos entrevistados respondeu possuir conexão
com velocidade acima de 8 Mbps. A partir desses dados,
percebe-se uma variedade de formas de acesso à Internet
por aparelhos diversos e tipos de conexão. Praticamente
em qualquer lugar do Brasil é possível ter acesso à Internet
através de tecnologias diversas de conexão, mas mantendo
uma boa velocidade de acesso, graças ao barateamento do
custo do serviço de Internet nos últimos anos. De fato,
18% dos entrevistados pagam até R$ 30,00 mensais pelo
serviço de Internet, percentual que atinge 49%
considerando a faixa de até R$ 60,00 mensais.
A ampla maioria dos usuários de Internet no Brasil

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|935


acessa a rede pelo menos uma vez por dia, 80%. Esse valor
é de 76% entre os jovens com 10 a 15 anos e 84% no
grupo entre 16 e 24 anos de idade. Se considerarmos as
atividades realizadas pela Internet, a ampla maioria
corresponde a atividades de comunicação, como envio de
mensagens instantâneas (atividade realizada por 83% dos
entrevistados), participação em redes sociais (76%) e envio
e recebimento de e-mails. O entretenimento também
aparece como uma das atividades mais realizadas na
Internet: assistir filmes (58% dos entrevistados), ouvir
música (57%), ler jornais, revistas ou notícias (53%) e
jogar jogos on-line (37%) foram atividades relatadas com
bastante frequência. Em relação às atividades relacionadas
a educação e trabalho, 47% dos entrevistados responderam
utilizar a Internet para realizar atividades escolares, 33%
estudam na Internet por conta própria e 30% realizam
atividades de trabalho.
A partir de todos esses dados percebe-se a ampla
disseminação da Internet entre a população brasileira, que
tem um acesso por diversos dispositivos e formas de
conexões diferentes. A popularização da Internet móvel
através de telefones celulares e conexão Banda Larga 3G
impulsionou nos últimos anos um grande crescimento na
parcela da população que é usuária de Internet, bem como
foi importante também o preço razoavelmente mais barato
desses dispositivos móveis frente a computadores e mesmo
notebooks e da conexão. Se olharmos para a Internet e seus
usos, a educação e aprendizado não é uma das atividades
primordiais dos usuários. Antes das atividades
relacionadas à educação, são mais comuns as atividades
relacionadas à comunicação e entretenimento. Esses dados
constroem um cenário importante ao considerarmos o uso
da Internet nas aulas de História, como veremos adiante.

A cultura digital
A pesquisadora sueca Kristen Snyder ao analisar a
relação entre o mundo digital e a educação propõe o
conceito de cultura digital como forma de entendermos a
sociedade da era global (SNYDER, 2007). Segundo
Snyder, a nova geração está cada vez mais imersa no
mundo digital, não só nos países desenvolvidos, como nos
espaços rurais e ainda em desenvolvimento. Enquanto os
jovens estão cada vez mais conectados, a autora percebe
que há um conflito de gerações entre a escola e o mundo
digital. Enquanto o mundo online abre a oportunidade para
os jovens criarem uma identidade própria e explorar a vida
com outros jovens, permitindo que eles usem a imaginação

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|936


para desenvolver as questões de seu próprio interesse de
forma coletiva, a escola é um espaço atrasado e entediante
para esses jovens, já que não motiva e não atrai.
A autora percebe entre os jovens a capacidade de se
conectar e aprender, sendo a Internet uma ferramenta de
empoderamento da juventude, já que permite que os jovens
tomem controle de suas próprias relações sociais e do
desenvolvimento de seu conhecimento, gerindo um
currículo de seu interesse, a partir da prática autônoma ao
longo de sua vida. Nesse sentido, a presença da Internet na
cultura juvenil não permite mais que tratemos a sua
utilização em sala de aula apenas como um dispositivo de
aprendizado. Devemos, sim, compreender a cultura digital
como uma forma de comportamento social que estabelece
e vem alterando normas e valores, principalmente entre a
população mais jovem que, cada vez mais cedo, tem
acesso à Internet e seu conteúdo. Assim sendo, a Internet
não pode ser vista como secundária para a aprendizagem,
mas como coautora no ambiente de aprendizado,
promovendo um desenvolvimento não só acadêmico, como
social.
A cultura digital, nessa perspectiva, representa uma
série de mudanças nas normas sociais. Através da
interação com as outras pessoas pela Internet não só a
rotina, como os valores, os comportamentos e a ética
acabaram sofrendo grandes alterações. Criou-se uma
necessidade de conexão 24 horas por dia, 7 dias por
semana, de comunicação instantânea, de respostas rápidas.
Esses comportamentos se chocam com a cultura escolar,
onde não há um amplo debate sobre questões como
cidadania ativa, ética e comportamento no mundo digital.
É também responsabilidade da escola, segundo a autora,
promover o desenvolvimento de um aprendizado social
relacionado com a cultura digital. Em relação ao
desenvolvimento acadêmico, a escola deve
instrumentalizar o aluno para o aprendizado ao longo da
vida e para a autonomia ativa. Não podemos mais, no
século XXI, crer que a escola é o único lugar de
aprendizado e conhecimento. Muito pelo contrário, com a
disseminação da Internet e seu conteúdo, cada vez mais
rápido e amplo, temos, literalmente, o conhecimento na
palma da nossa mão. Proporcionar condições para que os
estudantes se tornem capazes de aprender nesse ambiente
deve ser uma das novas responsabilidades da escola na era
global, dando enfoque no trabalho em conjunto e na
construção de um currículo coletivo que discuta
democracia, ética e valores no mundo digital, bem como
leitura, escrita e outros componentes acadêmicos.
No entanto, nas palavras da autora, “há mais espaço
para tecnologia na educação do que é perceptível. Os
esforços em inovação ainda são poucos, dando a impressão
de que se somente colocarmos um computador na sala as

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|937


escolas estarão de certa forma integrando tecnologia com
educação” (SNYDER, 2007, p. 11)196. A compra de
equipamento e criação de espaços informatizados nas
escolas ainda é muito pouco do que a escola precisa fazer
para incorporar-se à cultura digital no sentido de permitir
ao estudante aprender em um contexto que seja o reflexo
da sociedade que eles conhecem, a sociedade digital, que é
baseada em conexões, redes de trabalho, grandes
quantidades de informação e uma mudança na paisagem
cultural (SNYDER, 2007, p. 12).

A Internet na cultura juvenil brasileira


A partir do cenário proposto por Kristen Snyder ao
discutir o conceito de cultura digital, é possível
analisarmos como essa cultura está presente entre os
jovens brasileiros. Grande parte do que apresento nos
próximos parágrafos são frutos da observação dessa
cultura digital entre os meus alunos com idades que variam
de 11 a 15 anos, mas também de artigos de revistas e
jornais lidos nos últimos anos. Acredito que esse cenário
possa ser extrapolado, compondo um retrato da cultura
digital entre os jovens no Brasil.
O certo é que vivemos em uma sociedade que
poderíamos chamar de “sociedade da informação”. Somos,
como consumidores de conteúdo on-line, constantemente
bombardeados por informações quase que instantâneas do
que acontece ao redor do mundo, onde quer que estejamos,
na escola, em casa, no trabalho, no shopping, no parque. O
paradoxo dessa realidade é que a quantidade de informação
a que somos expostos a todo momento é muito maior do
que a quantidade de informação que conseguimos ler e
entender. Logo, não temos condições de consumir toda a
informação disponível na Internet, nem sequer a maior
parte dela e, muitas vezes acabamos não nos aprofundando
na compreensão de todas informações que temos à nossa
disposição. Nem sempre as informações levam a um
processo de produção de conhecimento, já que, segundo
estudos realizados por Luckesi (1996), adquirir
conhecimentos não é compreender a realidade retendo
informação, mas utilizando-se desta para desvendar o novo
e avançar, porque quanto mais competente for o
entendimento do mundo, mais satisfatória será a ação do
sujeito que a detém. Se mal temos tempo muitas vezes de
nos apropriarmos de todas informações disponíveis, o que
dizer de tempo para questionar e estabelecer conexões
entre elas?
196
Tradução livre do autor do original em inglês.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|938


O resultado desse paradoxo na prática é que, dada à
rapidez da informação, pouco submergimos nela. Não
temos condições de lidar com todo o conhecimento ao qual
estamos expostos. Prática muito comum na nossa
sociedade é a de ler frases curtas, nos limitarmos a ler
somente os títulos de reportagens e, pensarmos que
estamos produzindo conhecimento a partir disso. Há uma
falsa ideia de que sabemos sobre tudo pois o conhecimento
está disponível a todo o momento e em qualquer lugar, mas
como alertado anteriormente, informação e conhecimento
não são sinônimos. Ao ler um título de reportagem, não
estamos efetivamente aprendendo sobre o seu conteúdo,
nos aprofundando e conhecendo mais a respeito de um
determinado tema.
Esse tipo de comportamento reflete entre os jovens,
tão acostumados a esse mundo digital de imensas
quantidades de informação rapidamente. Outra questão que
surge em decorrência dessa é: com tanta informação
disponível, como escolher o que ler? Vemos nos últimos
anos a disseminação de um interessante fenômeno: os
memes. Os memes são informações que se espalham
rapidamente pela Internet na forma de vídeo, imagem,
hashtag, palavra ou frase, utilizando como meio de
propagação as redes sociais e blogs, principalmente. Os
memes podem se tornar populares rapidamente ao redor do
mundo e desaparecer por completo em poucos dias. Os
memes estão associados ao fenômeno de viralização de
uma informação, que atinge grande popularidade.
Associando imagens ou vídeos que chamam a atenção a
frases ou palavras, os memes transmitem informação aos
usuários da Internet, mas a viralização muitas vezes acaba
por banalizar essa informação, tomadas como algo com
início meio e fim em si.
A mesma rapidez no consumo de informação está
retratada na produção desse conhecimento. O resultado
disso a disseminação de uma cultura do compartilhamento
entre os jovens. Pouco se produz, muito se compartilha.
Apertando um botão é possível replicar o texto lido, a
imagem observada, a música ouvida, o vídeo assistido.
Para compartilhar alguma coisa não é preciso conhecer.
Passa-se adiante a informação muitas vezes não lida por
completo. Quando se produz alguma coisa, também é feito
com rapidez. Como resultado, a falta de conhecimento
sobre o conteúdo a que está sendo referido leva a falsas
compreensões, erros de interpretação, opiniões rasas, de
senso comum, erros de ortografia e de semântica, etc. Em
relação a essa última questão, a rapidez da comunicação
através da Internet e das formas de comunicação
instantâneas têm levado à criação de uma variante da
língua portuguesa, utilizada intensamente na comunicação
digital e que cada vez mais vem invadindo o espaço fora
da Internet.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|939


Considerando esses aspectos, outra questão emerge.
Em um espaço democrático como a Internet, onde todos
têm acesso a tudo e podem tecer suas opiniões sobre o que
pensam, há um crescimento da difusão de preconceitos,
intolerâncias e ideias conservadoras. Apoiando-se em uma
falsa interpretação da liberdade de expressão, muitas
pessoas vêm utilizando o espaço virtual para proliferar
suas ideias preconceituosas, intolerantes e conservadoras.
Isso se torna um problema no momento em que, devido à
falta de conhecimento sobre o tema, muitos acabam tento
contato com essas ideias através de redes sociais, memes,
tweets e compartilhando essas ideias como verdades.
Nesse sentido, temas sensíveis no Brasil atualmente, como
aborto, casamento de pessoas do mesmo sexo, justiça,
corrupção, criminalidade e violência, vêm recebendo uma
enxurrada de opiniões intolerantes e conservadoras, que
são replicadas com muita rapidez pela falta de
conhecimento do que essas ideias representam. Ao mesmo
tempo em que a Internet pode ajudar na produção de um
conhecimento positivo com o acesso às pesquisas e
informações atualizadas, ela acaba por disseminar um
conjunto impropérios e ideias retrógradas.
Por fim, algo muito presente entre os jovens é a
utilização do espaço virtual para sua autoafirmação. Todos
querem ser bonitos, legais, interessantes, na Internet.
Páginas do Facebook servem como vitrines para a
personalidade do jovem. O que ele pensa, as músicas que
ele ouve, os filmes que ele assiste, os livros que ele lê, as
roupas que ele usa, as pessoas que ele conhece, os lugares
que ele visita, tudo é postado nas redes sociais, o que leva
a uma grande exposição pessoal a todos os que tenham
acesso à Internet. Os limites entre o que expor e o que não
expor nesse mundo não são muito conhecidos pelos jovens
que, na busca de se afirmarem como indivíduos ativos,
acabam expondo sua vida particular, se sujeitando a uma
vida sem privacidade sobre si, seu corpo, seus
pensamentos e sua vida.

Relato de experiência em sala de aula


Frente a todo o cenário relatado acima, como o
professor deve se posicionar? Como incorporar o mundo
digital às aulas? Como lidar com a necessidade de estar
conectado ao tempo todo? Como produzir conhecimento a
partir de uma imensa quantidade de informação
disponível? Como discutir ética e comportamento em uma
sociedade guiada por novos valores? Como fazer com que
a escola se aproxime de um mundo cada vez mais rápido e,

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|940


ao mesmo tempo, não cair nos mesmos problemas que essa
rapidez produz na cultura digital? Essas são questões
fundamentais a se discutir na prática docente. A partir da
prática docente nesses três anos, algumas soluções,
possibilidades e desafios puderam ser observadas.
Em primeiro lugar está o sucateamento da estrutura
escolar. Apesar dos programas federais, como o Programa
Nacional de Informática na Escola (Proinfo), o Programa
Um Computador por Aluno (Prouca), e o destaque da
informatização dos espaços escolares e conexão desses
espaços com a rede mundial de computadores nos Planos
Nacional, Estaduais e Municipais de Educação, alguns
alertas devem cuidados devem ser tomados. De nada
adianta comprar projetores, lousas digitais e computadores
para garantir que todos os alunos tenham um computador
conectado à Internet na escola se não há previsto a
manutenção desses equipamentos, a contratação de
monitores e, inclusive, a capacitação dos professores para
lidar com essa tecnologia. Para que os alunos possam
utilizar esses equipamentos é preciso que o professor
conheça o seu potencial e saiba guiar o aluno através dele.
Além disso, o que se percebe nas escolas públicas são
equipamentos desatualizados, sem manutenção, que não
funcionam e acabam sendo depositados e deixam de ser
operados. O mesmo acontece com a conexão com a
Internet, que muitas vezes é incapaz de atender a toda a
demanda da escola, o sinal cai com frequência ou não
chega a todos os espaços da escola, etc.
Quando se tenta utilizar os equipamentos dos
alunos, como os celulares smartphones com acesso à
Internet por Banda Larga Móvel, alguns alunos não
possuem esse serviço nos seus aparelhos e os que possuem
muitas vezes não querem utilizar o seu limite de
transferência de dados para fazer pesquisa em sala de aula.
Muitos alunos limitam o seu acesso à Internet em seus
celulares àquelas atividades consideradas mais importantes
para eles: a troca de mensagens instantâneas e o acesso às
redes sociais. Realmente o que se percebe quando os
alunos estão conectados é uma irresistível tentação ao uso
das redes sociais e dos aplicativos de mensagens
instantâneas. A necessidade de estar conectado a todo
momento faz com que as aulas onde se utilize a Internet
sejam momentos onde os alunos não produzem,
aproveitam-se do espaço para interagir com os seus amigos
on-line, buscar entretenimento, etc. A educação e o
conhecimento ficam para segundo plano.
Nas vezes em que levei os alunos ao Laboratório de
Informática percebi também outro problema: a falta de
conhecimentos básicos de informática e Internet. Em um
primeiro momento causou muito estranhamento o fato de
jovens de 12 a 15 anos, que possuem celulares conectados
à Internet, que se relacionam em redes sociais, que

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|941


cresceram com a tecnologia ao seu redor não possuírem
conhecimentos básicos como o de trabalhar em editores de
texto, fazer uma pesquisa em sites especializados para tal
finalidade, terem dificuldade em envio e recebimento de e-
mails, etc. Passei a perceber que o domínio dos recursos
digitais é muito limitado às atividades praticadas pelos
alunos, basicamente, acessar redes sociais, utilizar
aplicativos de troca de mensagens instantâneas, assistir
vídeos e jogar jogos. O computador, o celular e a Internet
não são vistos pelos alunos como ferramentas com
potencial educativo, apenas para comunicação e
entretenimento.
Quando instigados a fazer uma pesquisa, a prática
de copiar e colar as informações encontradas também é
muito comum. As informações passam de um site da
Internet para um editor de texto, ou para a impressora ou
são manuscritos para uma folha de papel sem haver a
menor interação entre o estudante e o conteúdo. Abre-se o
primeiro site e, pronto! Ali está a pesquisa necessária para
um trabalho ou atividade escolar. Não há uma leitura atenta
da informação, a pesquisa em diversos sites de forma a
produzir um contraponto de ideias, a confirmação da
veracidade da informação, a análise cuidadosa do conteúdo
para saber se ele realmente responde à atividade solicitada.
Ou seja, apesar de todo o potencial que a Internet tem a
oferecer, ela ainda é muito utilizada pelos estudantes como
uma ferramenta tradicional de educação, tal qual um livro
didático ou uma enciclopédia no passado. Nesse sentido,
qual é a inovação que a Internet pode trazer ao
conhecimento se ela não é usada em sua plenitude?
Para lidar com essa questão eu precisei rever um
pouco as práticas utilizadas em sala de aula. Não é possível
somente culpar o aluno por sua falta de interesse e
aprofundamento da informação. É preciso que ensinemos
os alunos a serem ativos na educação através da Internet.
Para que as respostas mudem de formato, é preciso
também mudar o formato das perguntas, desafiar os alunos
a mergulhar na informação, a produzir conhecimento, a se
aventurar no mundo digital. Se o professor desconhece as
possibilidades desse mundo digital, ele não será capaz de
instigar o seu aluno a ir além do óbvio, além da primeira
página, além da cópia. O professor precisa ser um
mediador entre o aluno e o conteúdo digital, ajudando o
aluno a interpretar e criticar esse conteúdo, a fazer com
que o aluno produza conhecimento a partir das
informações encontradas, na sua própria linguagem e
utilizando as ferramentas que ele conhece e gosta de
utilizar.
Por isso, a experiência que eu divido aqui nesse
artigo é a de uma atividade que buscou desafiar os alunos a
dar uma resposta diferente. Trabalhando Idade Média e
feudalismo com as turmas de 7º ano do Ensino

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|942


Fundamental percebi uma grande dificuldade de
compreensão das camadas sociais e seu papel na sociedade
feudal. Para tornar mais próxima a realidade das pessoas
na sociedade feudal para os estudantes propus que cada um
criasse um personagem fictício mas que pudesse ter vivido
na Idade Média, no contexto estudado em sala de aula (a
proposta da atividade está no final do texto desse artigo,
em anexo). Ou seja, os alunos deveriam usar a sua
criatividade para dar vida a um personagem fictício, mas
deveriam ser fidedignos à realidade estudada. A Internet
surgiu, então, como uma fonte de pesquisa para os
estudantes buscarem informações sobre a forma com que
as pessoas viviam na sociedade feudal. A atividade foi
realizada em parceria com a professora de Literatura,
Amanda Dutra. Abaixo, segue o plano de aulas para a
elaboração do personagem medieval:

1 – Estudo e debate sobre a Idade Média, o


feudalismo e o poder da Igreja Católica a partir de textos
produzidos pelo professor, textos do livro didático e
relatos sobre filmes vistos sobre os alunos. Essa etapa foi
realizada em seis períodos.

2 – Apresentação da proposta aos estudantes e


pesquisa no Laboratório de Informática. No laboratório os
alunos foram divididos em trios para pesquisar em cada
computador enquanto o professor auxiliava nas pesquisas.
A proposta era encaminhar a pesquisa a partir de sites pré-
selecionados pelo professor e a busca em outros sites com
informações para o trabalho. Essa etapa teve a duração de
dois períodos.
3 – Correção dos questionários sobre os
personagens. Em dois períodos os alunos conversaram
sobre os seus personagens, apresentando-os ao professor.
Erros de contexto foram corrigidos, fazendo com que os
alunos entendam anacronismos e outros erros.
4 – Produção de texto descritivo. Nas aulas de
Literatura os alunos transformaram as informações
coletadas na forma de um questionário em um texto
descrevendo o personagem em primeira pessoa.
5 – Apresentação dos personagens a partir da
leitura do texto descritivo.

A atividade exigiu um intenso planejamento do


professor e o trabalho conjunto com a professora de
Literatura que se propôs em trabalhar a produção textual
com os estudantes. A etapa da pesquisa foi decisiva para o
sucesso da atividade. Apesar de ser muito desgastante
auxiliar cerca de 25 alunos cheios de dúvidas, curiosidades
e incertezas ao mesmo tempo no Laboratório de
Informática, foi possível perceber que eles estavam
realmente interessados em desenvolver aquela atividade.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|943


Houve muita dificuldade entre os estudantes de encontrar
as informações necessárias para criar o seu personagem,
por isso eles tiveram de buscá-las em vários sites. Os
alunos com mais facilidade e conhecimento ajudaram os
outros que apresentavam mais dificuldade.
Com as leituras feitas em sala de aula e as
informações encontradas na Internet, alguns alunos
permitiram que a sua criatividade aflorasse dentro da
proposta do trabalho, encontrando segurança para
descrever um personagem não parecia tão estranho para
eles. Os estudantes conseguiram se colocar no papel do
personagem e imaginar como seria a vida deles no período
estudado.

Conclusões
Não podemos mais ignorar a importância da
Internetno dia a dia dos jovens na sociedade global em que
vivemos. A Internet se tornou e vem se tornando cada vez
mais presente na vida dos jovens, dos nossos estudantes. O
número de pessoas conectadas no Brasil e no mundo
cresce todos os dias, assim como a quantidade de conteúdo
disponível na Internet, transformando a vida e as relações
das pessoas, promovendo novos comportamentos,
alterando códigos éticos e morais, estabelecendo uma nova
cultura, uma cultura digital.
No entanto, o crescimento da Internet e do volume
de informações disponíveis não se traduz em produção de
conhecimento. Ao contrário, vivemos cada vez mais
afogados em informações que não conseguimos dar conta,
lendo apenas títulos de reportagens, pequenos vídeos,
compartilhando informações que nem sabemos muito bem
o que significa. Quando olhamos para nossos alunos,
percebemos que o imenso potencial que a Internet possui
em relação ao aprendizado não se traduz em um processo
de autonomia dos estudantes, que poderiam utilizar as
informações na produção de um conhecimento amplo e
significativo, ao longo de sua vida.
É preciso que a escola deixe de ignorar o mundo
digital, mas que se aproprie dele para ensinar autonomia
aos estudantes, que discutamos ética, comportamento e
cidadania na Internet, para promover uma sociedade cada
vez mais autônoma e consciente frente ao conhecimento.
Para isso, os professores devem conhecer as ferramentas
mais modernas, apropriando-se também dos recursos
digitais, para guiar os estudantes em uma aventura em
busca do conhecimento.
Mesmo ainda necessitando de muito investimento

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|944


em formação profissional, na consolidação e manutenção
dos espaços digitais na escola, a escola e os professores
não podem ficar parados esperando pela idealização da
escola informatizada. Mesmo se tivéssemos um
computador por aluno, com acesso irrestrito à Internet, de
nada adianta para a relação ensino-aprendizado o uso da
Internet como uma ferramenta tradicional. Trocar o livro
didático pela Internet não é a solução para incorporarmos
nossos alunos em um mundo digital. Precisamos repensar
as propostas pedagógicas, fazendo com que elas
incentivem, desafiem e provoquem os alunos a produzir
conhecimento com a Internet, trabalhando para que eles
conquistem a sua autonomia e capacitando para um
aprendizado ao longo da vida.
A Internet pode trazer uma imensa transformação na
escola e nas formas de produção de conhecimento, fazendo
com que o aluno esteja motivado a aprender de uma forma
mais dinâmica, interessante e com o uso das tecnologias da
sociedade digital que eles estão inseridos. Mas se não
tivermos o cuidado de guiar os alunos, fazendo com que
eles mergulhem no conhecimento, tecendo relações entre
os conteúdos estudados, estaremos apenas contribuindo
para a propagação rápida de informação, afogando-os em
um mar de informação. Precisamos ensiná-los a nadar, a
compreender os códigos e significados, sendo cidadãos
responsáveis, éticos e democráticos na Internet.

Anexo:
Atividade de criação de personagem medieval
Com base no que nós estudamos ao longo do
primeiro trimestre deste ano, a atividade de História para o
segundo trimestre consiste na criação de um personagem
que teria vivido na Idade Média, entre os séculos X e XI,
em alguma região da Europa. Esse personagem deve ser
criado a partir da imaginação e da criatividade de vocês,
mas deve ter características que tornem possível
compreender que ele viveu no contexto histórico que nós
estamos estudando. Por isso, usem a criatividade, mas não
esqueçam de basear o seu personagem no período e nas
características da Idade Média Europeia. Para ajudá-lo a
pensar nesse personagem, segue uma lista de perguntas
para vocês responderem sobre esse personagem:
q) Nome do personagem:
r) Sexo:

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|945


s) Idade:
t) Características físicas:
u) Grupo social:
v) Local de nascimento:
w) Região onde vive:
x) Possui família? Quem vive
junto ao personagem?
y) Atividades do dia a dia:
z) Comida:
aa) Fé:
bb) Sonhos:
cc) Descreva a sua casa:
dd) Roupas:
ee) Nome dos pais:
ff) Acontecimentos importantes
da sua vida:
gg) Outras características:

Sites pré-selecionados para pesquisa

http://pt.wikipedia.org/wiki/Idade_Média
http://www.sohistoria.com.br/ef2/medieval/
http://www.historiadomundo.com.br/idade-
media/os-castelos
http://www.historiadomundo.com.br/idade-
media/o-cavaleiro-medieval
http://www.historiadomundo.com.br/idade-
media/amor-cortes-medieval
http://www.historiadomundo.com.br/idade-
media/mosteiros-medievais
http://nomesportugueses.blogspot.com.br/20
14/04/nomes-medievais-portugueses.html
Sites consultados
Brasil deve fechar 2014 como 4º país com mais
acesso à Internet, diz consultoria. Disponível em:
http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2014/11/141124_
brasil_Internet_pai . Acesso em 03 de novembro de 2015.
Brasil se torna quinto país mais conectado do
mundo e apresenta alta no e-commerce. Disponível em:
http://olhardigital.uol.com.br/noticia/brasil-se-torna-
quinto-pais-mais-conectado-do-mundo,-com-alta-no-e-
commerce/25717 . Acesso em 03 de novembro de 2015.
Internet no Brasil – Estatísticas. Disponível em:
http://www.teleco.com.br/Internet.asp. Acesso em 03 de
novembro de 2015.
Pela 1ª vez, acesso à Internet chega a 50% das casas
no Brasil, diz pesquisa. Disponível em:
http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2015/09/pela-1-vez-
acesso-Internet-chega-50-das-casas-no-brasil-diz-
pesquisa.html . Acesso em 03 de novembro de 2015.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|946


TIC Domicílios – 2014. Disponível em:
http://cetic.br/pesquisa/domicilios/indicadores. Acesso em
03 de novembro de 2015.

Referências Bibliográficas
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filosofia: aprendendo a pensar. São Paulo: Cortez, 1996.
SEFFNER, Fernando. Aprendizagens significativas
em História: critérios de construção para atividades em
sala de aula. IN: PEREIRA, Nilton Mullet e
GIACOMONI, Marcello Paniz (Org.). Jogos e ensino de
história. Porto Alegre: Evangraf, 2013, pp. 47-62.
SNYDER, Kristen M. The digital culture and
“peda-socio” transformatio. Seminar.net – International
Journal of media, technology and lifelong learnig. Vol. 3,
issue 1, 2007.
QVORTRUP, Lars. Media pedagogy: Media
education, media socialisation and educational media.
Seminar.net – International Journal of media, technology
and lifelong learnig. Vol. 3, issue 1, 2007.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|947


O potencial pedagógico da Idade Média
Imaginada
PorBruno Chepp197,Guilherme Masi198 e Nilton Mullet Pereira199

Resumo Abstract
A suposição de que o que se The assumption that what is
convencionou chamar de Idade Média conventionally called imagined Middle Ages
imaginada não tem qualquer potencial does not have any pedagogical potential is a
pedagógico é uma premissa que a premise that the argument presents in this paper
argumentação presente neste texto quer wants to deconstruct approaching two common
desconstruir, ao abordar dois modos de modes of expression in recent times, the music
expressão muito comuns nos tempos atuais, a and the television series.
música e as séries televisivas. Undoubtedly, one must consider that
Sem dúvida, é preciso considerar que há there is a Middle Ages taught in school today
uma Idade Média contada na escola que that dates back an Enlightened and prejudiced
remonta, ainda hoje, uma leitura iluminista e reading in relation to the medieval past,
preconceituosa em relação ao medievo, presenting it as a time of chaos an darkness.
apresentando-o como uma época de caos e On the other hand, there is a real
trevas. obsession with an imagined Middle Ages, a
Por outro lado, verifica-se uma medieval past fed by fantasy and adventure.
verdadeira obsessão por uma Idade Média Unlike that medieval past taught in school, this
imaginada, um medievo que se nutre da fantasia imagined Middle Ages, represented by Game of
e da aventura. Diferente daquele medievo Thrones e Iron Maiden, delights, excites the
escolar, essa Idade Média imaginada, que é imagination and, who knows, allows the
representada por Game ofThrones e Iron production of concepts.
Maiden, encanta, aguça a imaginação e, quem What we intend to think is precisely the
sabe, permite a produção conceitual. meeting of these two Middle Ages: one that
O que pretendemos pensar é justamente makes knowledge too arid and mechanical, far
o encontro dessas duas Idades Médias: uma que both the imagination possibilities of the
torna o conhecimento tão árido e mecânico, students and the historical research about the
longe tanto das possibilidades de imaginação medieval past; other that, in asserting a
dos estudantes, quanto da pesquisa histórica nonexistent reality, but in imagination,
sobre o medievo; e outra que, ao afirmar uma enhances a mystical and magical view of the
realidade inexistente, senão na imaginação, period. This encounter draws on the seriousness
reforça uma visão mística e mágica sobre o of historical research and the medieval reality
período. Esse encontro vale-se da seriedade da knowledge, without forget the importance of the
pesquisa histórica e do conhecimento da game and the fable in the process of build
realidade medieval, sem deixar de se valer do concepts in History classes.
jogo e da fabulação da música e da imagem em
movimento, na tarefa da construção dos
conceitos nas aulas de história.
Palavras-chaves:Idade Média, Ensino de História, Imaginário
197
E-mail: bruno.chepp@hotmail.com
198
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199
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Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|948


Dos muitos medievos
A suposição de que o que se convencionou chamar
de Idade Média imaginada não tem qualquer potencial
pedagógico é uma premissa que a argumentação presente
neste texto quer desconstruir, ao abordar dois modos de
expressão muito comuns nos tempos atuais e que fazem
fortes referências à Idade Média, à música e às séries
televisivas.
Indubitavelmente, é preciso considerar que há uma
Idade Média contada na escola, que remonta ainda hoje,
uma leitura iluminista e preconceituosa em relação ao
medievo. Essa Idade Média escolar consiste ainda em uma
espécie de folclore: época de caos e trevas, na qual ainda
não se haviam formado nações e os homens europeus
viviam num estado de sono profundo, desde a decadência
do Império Romano e a derrocada do mundo clássico. Esse
modo de olhar para a Idade Média inicia a ser construído
no Renascimento, época na qual, supunham os pensadores
novecentistas, teria ocorrido o início do amadurecimento
das nações. O mundo medieval se tornou, então, o lugar da
“infância das nações”, que apenas teriam ingressado na
idade adulta com o Renascimento. Ainda se ensina Idade
Média na escola supondo uma rígida divisão causada pela
Renascença, de um período sem ciência e de intensa
religiosidade, para um período de renascimento cientifico,
filosófico e de racionalidade. Essa divisão é consolidada
pelas atividades pedagógicas que, via de regra, solicitam as
diferenças entre a Idade Média e a Idade Moderna, entre o
Teocentrismo e o Antropocentrismo.
Ao mesmo tempo, verifica-se uma verdadeira
obsessão por uma Idade Média imaginada, um medievo
que se nutre da fantasia e da aventura. Trata-se da Idade
Média do cinema, das séries televisivas, das músicas e dos
jogos. Nela não se apresentam preconceitos, mas se reforça
a ideia de uma Idade Média que é puro “faz-de-conta”, que
pouco tem a ver com a pesquisa histórica. Mas,
diferentemente daquele medievo escolar, essa Idade Média
imaginada que é representada por Game ofThrones e Iron
Maiden, encanta e seduz, aguça a imaginação; e, quem
sabe, pode permitir a produção conceitual.
Desenham-se, então, dois mundos aparentemente
distantes: por um lado, o mundo da Idade Média escolar,
um conjunto limitado de representações que formam um
discurso coerente e acessível às novas gerações, sob o
estatuto e a legitimação da ciência histórica, mas que é,
igualmente, também distante desta, uma vez que a
pesquisa histórica sobre o medievo é bem pouco próxima
do que se ensina sobre o período nos bancos escolares. A

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|949


Idade Média da cultura escolar forma um conjunto de
noções cristalizadas sobre esse período, que se prolongam
desde muito tempo e que faz parte de uma visão que
renascentistas e iluministas construíram sobre a civilização
medieval. Na Idade Média escolar pouco se fala do
fantástico, do fabuloso, da magia e da fantasia – como
veremos naquela “outra Idade Média” – o que observamos
é uma leitura recheada de generalizações e de preconceitos
construídos a partir do olhar contemporâneo sobre o
medievo. Por outro lado, temos uma Idade Média
fantasiada, que

alimenta a noção de um medievo povoado pela magia,


pela fábula e pelas gloriosas aventuras dos cavaleiros.
Nesta sociedade consumista, a civilização medieval tem
funcionado “como um repositório de temas míticos,
românticos, bélicos e propriamente imaginários”. Então,
esta “outra Idade Média” é “mitificada e é divulgada por
uma massiva produção literária e cinematográfica que não
possui outra vinculação senão com a arte (PEREIRA &
GIACOMONI, 2008, P. 77-78).

O que pretendemos pensar é justamente sobre o


encontro dessas duas Idades Médias: uma que torna o
conhecimento tão seco e árido, distante tanto das
possibilidades de imaginação dos estudantes, quanto da
pesquisa histórica sobre o medievo, afastando uma
compreensão conceitual da Idade Média; outra que, ao
afirmar uma realidade histórica inexistente, senão na
imaginação, reforça uma visão mítica, mística e mágica do
medievo. Esse encontro quer se valer da seriedade da
pesquisa histórica e do conhecimento da realidade
medieval, sem deixar de se valer do jogo e da fabulação da
música e da imagem em movimento, na tarefa da
construção dos conceitos nas aulas de história.

Dos conceitos e da sala de aula de História


O que está presente numa sala de aula de história
vai muito além de classes, quadro, alunos e professor. Uma
infinidade de experiências e sensações habitam e
extrapolam o limite físico das paredes da escola. A
calmaria imposta por conteúdos regulares é varrida pela
tempestade que é o aprender. Este ambiente imprevisível é
tragado para mares nunca dantes navegados, cheios de
possibilidades e potencialidades, habitados por
personagens monstruosos e maravilhosos que só a ficção

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|950


de uma aula de história pode fazer emergir das
profundezas do passado.
A criação de conceitos em uma aula de história tem
lugar justamente onde ainda não há conceitos formados,
num espaço no qual a experiência do uso do conceito
histórico ainda não existe. Esse lugar é um não-lugar, de
matérias conceituais não formadas, ele é mesmo um
espaço pré-conceitual. E é por isso que o modelo de definir
os conceitos históricos esperando uma memorização por
parte dos estudantes não tem sucesso no campo do ensino.
A aprendizagem do conceito se dá pela própria experiência
do uso do conceito, no âmbito da sala de aula. Ali criação
e uso não se distinguem.
Sabemos que a aula de história na escola básica,
trabalha no nível da compreensão do presente pela vista ao
passado, mas essa é apenas uma parte do que faz o
historiador e do que pode o ensino de História, a
constituição de uma consciência histórica. O que
pretendemos é que, ao invés de apenas limitar o passado
pela leitura do presente e pela expectativa do futuro, o
ensino de História possa ser um lócus de exposição do
aluno diante de um passado que é ilimitado em
possibilidades de leitura e, sobretudo, de experiências.

A aprendizagem do conceito ultrapassa o nível da sua


definição e sua aprendizagem aponta para duas direções
do tempo: um tempo no qual o conceito ainda não é
formado, quando um encontro permite uma saída
extemporânea e faz um convite a um mergulho no fundo
do campo das singularidades pré-individuais, para dali
criar novas linhas, novos conceitos, novas atualizações.
Tratando-se, portanto, de um mergulho no puro
movimento intensivo da criação, por isto a
despersonalização e o desprendimento; o outro tempo é o
da operação, quando o conceito, uma vez formado, se
torna parte do espírito daquele que aprende e ele se torna
um indivíduo capaz de operar com os conceitos,
apontando para o futuro e para a criação de novos modos
de vida, bem como novas leituras do mundo. Mas, ao
mesmo tempo, disposto a sempre se voltar ao movimento,
numa disposição contínua a desprender-se de si
(PEREIRA & GIACOMONI, 2013, P. 16).

Nesse sentido, pensamos que a aprendizagem do


conceito e a possibilidade de novas experiências com o
passado, possam ser auxiliadas pela exposição do aluno às
numerosas alternativas de representação e “(re)encenação”
do passado, através de estratégias e de formas de expressão
como a música ou as séries de televisão. Essas duas formas
de expressão jogam o estudante para um mundo pré-
conceitual e lhes proporciona uma experiência nua do
passado. Ao inserir-se no mundo de Game ofThrones o

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|951


estudante se liberta dos limites do seu presente, colocando-
se aberto a novas experiências e novas formas conceituais.
Ora, o que se quer é justamente essa abertura, tão difícil de
ser conseguida com o uso imediato de um texto didático ou
de uma explicação do professor.Essa abertura não pode ser
confundida com uma aprendizagem incorreta e inadequada
que levaria o aluno a aceitar uma Idade Média fantasiada,
mas é a força imaginativa dessa inserção de um mundo
medieval fantasiado e inexistente na pesquisa histórica, o
que pode permitir o aluno a pular do Caos a novas formas
de conhecimento sobre a Idade Média. Ele poderá saber
fazer a distinção entre o que é fantasia e o que é realidade
histórica, mas igualmente saberá reconhecer as
representações que os povos criam sobre si mesmos e
sobre os outros, e que estas podem ser transformadas em
aprendizagens históricas.
A seguir passamos a tratar mais especificamente de
duas formas de expressão que promovem a aprendizagem
do conceito, elas estão no encontro entre uma Idade Média
imaginada e uma Idade Média escolar. O objetivo é
apresentar a potencialidade pedagógica, ou seja, a
aprendizagem conceitual que cada um pode oferecer à aula
de história.

Entre o “fenômeno da serialidade” e “a cultura das


séries”
Quem jamais dedicou preciosos momentos de sua
tarde ou noite aos capítulos finais das intrigantes e
dramáticas tramas novelísticas? Qual criança (ou mesmo
adulto) não se emocionou ao assistir a trágica cena da
morte de Mufasa, pai do pequenino Simba, em O Rei
Leão? Que leitor, ao folhear as páginas de um romance
policial ou de uma fantasia épica, não nutriu a menor
empatia por certos personagens? Que jovem nunca
aguardou ansiosamente a estreia, nos cinemas, de uma
película romântica, cômica ou heroica? Nas últimas duas
décadas, pelo menos, com os sucessos de E.R. (drama
médico exibido, originalmente, pela NBC), de Friends
(aclamada sitcom apresentada pela NBC) e de Lost
(produção dramática e de ficção científica transmitida pela
ABC), as telenovelas (na América Latina, especialmente),
o cinema e a literatura (em suas mais variadas formas e
gêneros) vêm, assimetricamente, compartilhando espaços e
audiência com outras modalidades de narrativas
capituladas: as programações televisuais seriadas.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|952


Em um contexto de alargamento das possibilidades
de produção e formas de consumo audiovisuais, essas
narrativas direcionadas às massas espectadoras ou, cada
vez mais, a uma plateia específica (ora extrapolando os
limites do real, ora decompondo e remontando a realidade)
capturam a atenção e o apreço do público: no Novo
México, um modesto professor de química e pai de
família, ressentido e mal remunerado, ao se negar curvar
ao fatalismo de uma doença terminal comuta-se, ao lado de
um ex-aluno, em um exímio produtor de metanfetamina,
um anti-herói ovacionado pelo telespectador; na Geórgia,
um honesto policial, após recuperar-se de um grave
ferimento, acorda em uma Terra apocalíptica, repleta de
zumbis e homens vis, onde a barbárie e a civilização
coexistem desarmonicamente; na Califórnia, dois geniais
físicos dividem muito mais que um apartamento,
compartilhando amizades e situações cômicas. Dos
Estados Unidos para o mundo, Walter White (de
BreakingBad), Rick Grimes (de The WalkingDead),
Sheldon e Leonard (de The Bing BangTheory) – por que
não “coleções de sensações intensivas” (MACHADO,
2009, p. 210)? – cativaram milhões de fãs. Esse potencial
internacional, assumido por essas produções, é um sintoma
do fenômeno da “serialidade” (MACHADO, 2000) e um
indicador da existência (em constante processo de
consolidação) de uma “cultura das séries” (SILVA, 2014).
A serialidade, às vezes presentes nas telenovelas, é
a marca estrutural dessas produções televisuais. Ela
corresponde à exibição fracionada e, por vezes, não
contínua da unidade sintática visual, ou seja, do sintagma
visual: “no caso específico das formas narrativas, o enredo
é geralmente estruturado sob a forma de capítulos ou
episódios, cada um deles apresentados em dias diferentes e
subdivididos, por sua vez, por breaks” (MACHADO,
2000, p. 83). A ampliação da circulação, da audiência e das
formas de difusão dessas produções e, mesmo, desse
modelo estrutural, atrelada às pressões industriais e aos
derivativos comerciais (produtos ou subprodutos das
séries) compreende o que aqui se denomina de “fenômeno
da serialidade”.
Em um cenário marcado pelo desenvolvimento
tecnológico, pela sofisticação das formas midiáticas e pela
progressiva virtualização de espaços de interação e
sociabilidade, giram em torno dessas programações
televisuais seriadas um conjunto de criações (desde ficções
e espaços organizados por fãs, a novas produções e artigos
com valores mercadológicos) resultantes de seu sucesso e
de seu impacto junto ao público. Para além desse
interminável inventário de derivações que delas emana,
essas programações (repletas de valores e dotadas de
imensas cargas culturais e ideológicas) apresentam um
potencial pedagógico, um efeito psicológico e social

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|953


(momentâneo ou não) que acompanha ou se traduz em
transformações comportamentais (ditam moda, estilos e
expressões linguísticas) e em formas, por vezes
distorcidas, de compreender o outro e o mundo. Emerge,
assim, como um desdobramento do “fenômeno da
serialidade”, uma “cultura das séries”.
Marcel Vieira Barreto Silva propõe a centralidade
de três elementos ou condições medulares relativas à
existência e à manutenção de uma “cultura das séries”. A
saber, a forma, o contexto e o consumo: “a sofisticação
das formas narrativas, o contexto tecnológico que permite
uma ampla circulação digital (online ou não) e os novos
modos de consumo, participação e crítica textual”(SILVA,
2014, p. 241).
À “forma”, correspondem um estilo e uma
linguagem característica, um enredo, os tipos e os cânones
narrativos, as suas adaptações e as suas remodelações.
Machado sustenta a existência de três modelos básicos de
narrativas seriadas (MACHADO, 2000, p. 84): o primeiro,
caracterizado pela repetição de um padrão ou protótipo, em
que os episódios ou capítulos conformam uma história
única com começo, meio e fim; o segundo, caracterizado
pela quase inexistência de linearidade e pela variabilidade
de atores, de cenários e de enredos, em que apenas o estilo
e/ou a temática conferem unidade à série; e, por último, o
modelo clássico, caracterizado pela existência ou
predomínio de narrativas que se desenvolvem de modo
linear ao longo dos episódios.
Ao “contexto tecnológico”, correspondem as formas
de ampliação, divulgação e difusão dessas programações
seriadas. Tal processo acelerou-se com os adventos da rede
mundial de computadores, de tecnologias digitais e de
serviços especializados na oferta de materiais televisivos
via internet. Ainda mais importante, o aprimoramento
tecnológico permite a criação de estratégias que instigam o
espectador/consumidor a participar, comentar e divulgar o
programa nos espaços virtuais, como “a presença da
‘hashtag’ da série no canto da tela (do computador ou da
televisão), ou mesmo através da participação de membros
da equipe e dos atores comentando com os seguidores no
Twitter sobre o desenrolar da narrativa” (SILVA, 2014, p.
246).
Ao “consumo”, finalmente, correspondem as
emergentes e intricadas relações espectatoriais“gestadas
no seio das comunidades de fãs, através de trocas
simbólicas e materiais entre si, dos fãs para as emissoras e
das emissoras para os fãs” (SILVA, 2014, p. 248). Trata-
se, por conseguinte, do ponto central dessa “cultura das
séries”.
Fenômenos e expressões culturais, as séries
televisivas vêm desempenhando (tais como outros
produtos televisuais clássicos, como as produções

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|954


cinematográficas, o fazem há quase um século) um
importante papel pedagógico. Essas programações têm o
potencial de semear e difundir signos junto ao espectador;
de orientar e refletir a maneira como os indivíduos e
populações veem si próprios e aquilo que lhe é exterior; de
ilustrar e reproduzir cenas, lugares, eventos e épocas.

Game ofThronese a “outra” Idade Média


Atravessadas pela inquieta curiosidade do homem e
por sua necessidade de situar-se no tempo em que vive
(PEREIRA, 2014), as narrativas recriam, a mercê da
imaginação, o passado, dão forma e vida ao desconhecido
e ao morto, fabulam os fatos. Mais que qualquer outro
momento da história humana, o medievo desperta um
profundo e genuíno interesse. Povoa o imaginário popular
uma porção significativa de gravuras e ideias acerca da
Idade Média. São fantasias, representações e juízos
diversos construídos e reconstruídos ao longo dos tempos,
reproduzidos na escola e ilustrados em produções
culturais. Entre quatro paredes, na sala de aula, éramos, e
ainda somos, ensinados a observar o medievo com o tom
crítico de um ilustre homem do “século das luzes”. Muitos
livros didáticos, sobretudo os mais obsoletos, discorrem
acerca deste período de modo depreciativo, ao ponto de
reduzi-lo à vitória da barbárie e ao fim da civilização;
apresentando, a partir desse ponto de vista enviesado, a
“queda” do Império Romano de Ocidente como o anúncio
de uma era obscura, uma lacuna temporal que apenas
separara o magnífico mundo greco-romano do
esplendoroso “Renascimento” cientifico e cultural dos
séculos XIV, XV e XVI. Quase mil anos da história
europeia, logo, resumir-se-iam ao predomínio de

uma economia subsistência, uma sociedade regulada pela


dependência e pela fidelidade a formas de quase
escravidão, uma técnica bloqueada, uma elaboração
cultural repetitiva e reduzida, um tipo de relações
internacionais rarefeitas e inseguras, porém marcadas
também por migrações de povos, por conflitos de etnias,
por explosões de pauperismo (CAMBI, 1999, p. 141).

A esta tradicional imagem do medievo, contrapõem-


se representações idealizadas ou quiméricas veiculadas em
obras literárias, películas, animações, jogos, músicas,
propagandas comerciais e, claro, programações televisuais
seriadas. Ora sublinhando os lugares-comuns do período,

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|955


ora adicionando elementos fantásticos e anacrônicos, tais
produções reinventam imagens sobre o passado medieval.
Em Merlin, série exibida originalmente pela BBC
One, revela-se a fantástica trajetória de descobertas e
aprendizado de um jovem mago, e futuro conselheiro do
Rei Arthur, no Reino de Albion. Com temática semelhante,
Camelot, série coproduzida pelos canais Starz e TV GK,
retrata os primeiros ensaios de um jovem e intrépido
Arthur, o herdeiro de uma linhagem real. Já, Vikings, série
criada por Michael Hirst para o HistoryChannel, traz à tela
a Escandinávia da Alta Idade Média, apresentando os
feitos do lendário Ragnar Lothbrok, herói nórdico que crê
ser descendente do deus Odin.
De todas essas ficções televisivas que versam sobre
o medievo, uma tornou-se, recentemente, fenômeno
internacional: a adaptação televisiva de “As Crônicas de
Gelo e Fogo” (de George R. R. Martin), criada por David
Benioff e Daniel B. Weiss e produzida pela HBO, um
sucesso entre o público e a crítica especializada, apresenta
ao telespectador um mundo de reis e rainhas, príncipes e
princesas, cavaleiros e cavaleiras, senhores e vassalos,
usurpadores e renegados. Fornecendo cores e rostos às
palavras de Martin, a série recria um mundo fantástico e
violento que, embora repleto de fenômenos e seres
sobrenaturais, revoca aspectos das esferas políticas,
econômicas, sociais e culturais do passado medieval. Na
trama, após uma década de verão, um inverno rigoroso e
duradouro ameaça trazer um futuro repleto de sombras e
incertezas. Enquanto isso, alianças, conspirações, traições
e rivalidades marcam um interminável jogo político e a
emocionante disputa pelo Trono de Ferro, o símbolo do
poder absoluto:
Quando EddardStark, lorde do castelo de Winterfell,
aceita a prestigiada posição de Mão do Rei oferecida pelo
velho amigo, o rei Robert Baratheon, não desconfia que
sua vida está prestes a ruir em sucessivas tragédias. Sabe-
se que Lorde Stark aceitou a proposta porque desconfia
que o dono anterior do título fora envenenado pela
manipuladora rainha (CerseiLannister). E sua intenção é
proteger o rei. Mas ter como inimigos os Lannister pode
ser fatal [...]. Agora, sozinho na corte, Eddard percebe que
não só o rei está em apuros, mas também ele e toda a sua
família (MARTIN, 2010, contracapa).

Suficientemente fiel à obra literária, a série, em sua


primeira temporada, apresenta o perigoso caminho que a
“Mão do Rei” percorre em busca de verdades,
desvendando ao telespectador amores e segredos fraternos,
intrigas e ressentimentos ancestrais, eventos misteriosos e
obras de magia e de fé. Se fizéssemos – com a devida dose
de pretensão – nossas as palavras dos Targaryens e dos

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|956


Tullys diríamos que “fogo”, “sangue”, “família”, “dever” e
“honra” conduzem essa fantasia épica ao sucesso.
Também. O êxito dessa rentável adaptação deve-se a uma
narrativa sofisticada, à apresentação e à representação de
personagens complexos e bem desenvolvidos e a um
roteiro, aparentemente, livre de clichês – “forma”; deve-se,
a partir da digitalização e da virtualização das
programações seriadas, à ampliação das possibilidades e
modalidades de aquisição, consumo e interação –
“contexto tecnológico”; deve-se, em virtude dos seus
sucessos técnicos, estilísticos, propagandísticos e artísticos
da obra, à emergência de grupos e comunidades virtuais –
“consumo”. Sem exageros, poderíamos creditar uma pitada
de seu sucesso junto aos milhões de espectadores à
temática medieval: do medievo, Game ofThrones traz
bárbaros, traz suseranos e vassalos, traz cavaleiros e até
dragões.
O próprio autor da saga literária, George R. R.
Martin, já revelou inspirar-se no “universo medieval” para
escrever suas tramas. Aspectos do medievo são
representados nos episódios de Game ofThrones. Dentre as
múltiplas conexões, relações e referências, destacam-se, na
série de televisão e nos livros: a “organização” e os
“modos de vida” dos povos bárbaros; a discutível
“inexistência” de poder centralizado (em tese, ainda que
exista um rei – ou uma pretensa rainha – ocupando o
Trono de Ferro, cada senhor de Westeros detém o poder e a
possibilidade de regulamentar, em seus domínios, as
esferas políticas, econômicas e sociais); as relações de
suserania e vassalagem; a ética, as relações e o espírito
cavalheiresco; aspectos referentes às ordens religiosas e
militares (elementos presentes, por exemplo, na
composição da Patrulha da Noite) e questões cotidianas e
culturais da vida privada (gênero, sexualidade, família,
amor, costumes e tradições).
A produção da HBO apresenta, assim, um “outro
medievo”, um medievo que habita o imaginário das
sociedades ocidentais, que se opõe a tradicional
representação da realidade medieval ainda difundida nas
salas de aula. Como produto cultural, a série gera
símbolos, desperta interesses e reflete visões de mundo,
representa acontecimentos e reencena épocas. Tem, enfim,
um potencial pedagógico. Mas o que pode, então, oferecer
ao ensino de história? O fabuloso, o mágico e o fantástico:
isso é o que Game ofThrones oferta à Idade Média da
cultura escolar, tão “repleta de generalizações e
preconceitos construídos a partir do olhar contemporâneo
sobre o medievo” (PEREIRA & GIACOMONI, 2008, p.
79).

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|957


Game ofThrones na sala de aula de História –
WinterisComing
A sala de aula de história é um espaço de vivência,
experimentação e construção. É um espaço de encontros e
desencontros, de esperanças e imprevistos. Nesse
ambiente, composto por diversos atores (todos
protagonistas, todos antagonistas), onde todo e qualquer
plano previamente traçado está sujeito a uma complexa
teia de interações, possibilidades e potencialidades, a
ficção e a fabulação tornam possíveis o passado, o passado
medieval.
A fim de abordar e problematizar os conceitos de
“feudo”, “senhor feudal”, “feudalismo”, “suserano” e
“vassalo” (e discutir questões como “laços de fidelidade” e
“relações de vassalagem”) planejamos uma aula de história
com o tema “a sociedade na ordem na feudal”, para a qual
selecionamos o episódio “WinterisComing”, oprimeiro
episódio da temporada inicial de Game ofThrones. Neste
episódio, EddardStark, “Lorde de Winterfell”, recebe a
visita do rei e de sua família – amigo e vassalo do rei
Robert, Stark é convencido a aceitar um posto junto ao
monarca, o cargo de conselheiro, a “Mão do Rei”.
Noutra proposta de aula, objetivando-se estudar as
relações de vassalagem e as implicações/obrigações que
delas decorrem, compreendendo os processos de formação
e estruturação do feudalismo no ocidente europeu, bem
como as suas principais características, utilizamos um
breve trecho do primeiro episódio da segunda temporada,
"The North Remembers”. Na cena, Bran, um dos filhos
mais novos de EddardStark, desempenha suas funções
como “Lorde de Winterfell”. Como todos os Stark, o
jovem Bran enfrenta, em sua tenra jornada, escuridão e
infortúnios inimagináveis. Ávido pela história, pelos
castelos e pelas épicas fantasias, o garoto vê seus sonhos e
brincadeiras pueris reduzirem-se a pó quando seu pai,
EddardStark, é condenado à morte e decapitado em Porto
Real (sede da realeza) e seu irmão mais velho, RobbStark,
parte em busca de vingança e justiça. Caem, então, sobre
os seus imaturos ombros o peso de comandar Winterfell e
as obrigações advindas com o título de “Senhor do Norte”.
No curto excerto selecionado (entre os minutos 10 e
12 do episódio), Bran, executando desgostosamente seus
deveres senhoriais, recebe, os vassalos de seu falecido pai:
homens que, pela força de seu juramento, concederam
apoio à causa de Robb. Auxiliado pelo MeistreLuwin (um
velho conselheiro, sábio, curador, cientista e chefe dos
correios de Winterfell), o garoto ouve e atende às

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solicitações e súplicas de seus vassalos, desaprovando sua
tangível insatisfação com a luta travada por seu irmão:
explícita ou implicitamente, estão presentes, nesses
diálogos, as responsabilidades do jovem suserano e dos
velhos vassalos.
Esse medievo místico e mágico apresentado pela
ficção televisiva aguça a curiosidade e instiga a capacidade
imaginativa do estudante. Tal como o faz a imagem em
movimento, a música, enquanto expressão cultural, reflete
e difunde signos e símbolos; ilustra e reencena locais,
acontecimentos e eras. Desse modo, o som característico e
enfático do Heavy Metal, como veremos a seguir, faz
vibrar o passado medieval, despertando divindades pagãs,
guerreiros, elfos e dragões.

O Heavy Metal – “When the power chords come


crashing down”
O fato de que os coloridos anos 1960 deram luz ao
Heavy Metal pode ser um pouco surpreendente. Enquanto
grande parte da música “pop” falava da ensolarada São
Francisco e de Paz e Amor, e Sinos, e Cores, e Flores, a
realidade de outros lugares era bem diferente.
Birmingham, na Inglaterra, ainda se recuperava dos
devastadores bombardeios sofridos na 2ª Guerra Mundial
e, as memórias daqueles anos sombrios ainda faziam arder
feridas pouco cicatrizadas da fedorenta e enfumaçada
cidade industrial. É nesse ambiente de fábricas e de
indústrias pesadas, que ressoam os primeiros acordes
distorcidos que marcam nas orelhas de quem escuta Black
Sabbath. Da ponta dos dedos parcialmente amputados do
operário inglês Anthony Frank "Tony" Iommi, vibraram
acordes tri tonais, que foram, literalmente, banidos na Era
Medieval por ter sido considerado fato de invocação do
demônio – “The Devil’sThird” –, para dar forma a um
novo gênero musical, o HeavyMetal.
Gestado desde o fim da década de 1960 e início dos
anos 1970, é só na década de 1980 que acontece o “boom”
do Heavy Metal. Empunhando suas guitarras como num
brado, bandas como Judas Priest, Motörhead, Iron
Maiden, Saxon e inúmeras outras, destoaram do rock’n’roll
ao endurecer seus sons e reduzir os elementos do Blues,
colocando andamentos cada vez mais rápidos. A “New
WaveOf British Heavy Metal” rompe de vez a semente
plantada pelos monstros sagrados do Black Sabbath,
DeepPurple eLed Zeppelin.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|959


Hoje, o Heavy Metal é um dos gêneros musicais
mais bem consolidados e difundidos no mundo, tendo
influenciado um quase incalculável número de subgêneros:
Thrash Metal, Death Metal, Black Metal, Power Metal,
Doom Metal, Gothic Metal, Folk Metal e Viking Metal, são
só alguns dos inúmeros subgêneros do Metal, que variam
tanto em estilo quanto em temática, seguindo as mais
diversas vertentes. As bandas dedicam suas poesias desde
o próprio Heavy Metal e seus virtuosos “powerchords”, a
pilotar pelo universo sobre cilindros em chamas. Ou a
cantar sagas épicas de bravos guerreiros, ou sobre mundos
fantásticos, repletos de vales verdes onde habitam elfos e
voam dragões, ou pela glória de derrotar o “Black Lord”,
ou ainda sobre demônios de um inferno terreno e a marcha
de almas em sofrimento. Sejam quais forem as suas
vertentes, o Heavy Metal excita e inspira milhões de fãs no
mundo inteiro.
As temáticas do Heavy Metal analisadas por
DeenaWeinstein (1991, p. 18) em seus estudos sobre este
gênero musical destacam uma tendência a prazeres
dionisíacos, por um lado, e ao caos, por outro. A
hipermasculinidade, as imagens em excesso de guerreiros
heroicos são, frequentemente, encontradas nas letras de
Heavy Metal desde o seu surgimento. Outra tendência
destacada pela autora, em relação aos conteúdos das
bandas, é o engajamento com temas como liberdade,
aventuras, guerras, história, histórias de fantasia, dentre
inúmeras outras.

O Heavy Metal e a Idade Média – “The godsmade


Heavy Metal”
Um popular subgênero do Heavy Metal é o já citado
Folk Metal, que consiste numa vertente onde se mesclam
estilos mais tradicionais do gênero a elementos de alguma
espécie de música popular ou folclórica. Aos
ritmos e melodias feitos com os instrumentos usuais
do Heavy Metal agregam-se instrumentos folclóricos como
gaita-de-foles, violino, flautas, harpa, ocarinas, dentre
outros. A sonoridade também remete à música folclórica,
com linhas vocais, arranjos típicos e letras que tratam de
temas ligados à mitologia de culturas
celta, eslava, escandinava, védica.
Outro subgênero do Heavy Metal com influências
da cultura e da mitologia nórdica é o Viking Metal. Nas

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músicas há menções à Era Viking e ao Paganismo
Nórdico. Expressam em suas letras as crenças pagãs e as
sagas vikings, como também o fazem em relação à parte
artístico-visual das bandas (vestimentas, elmos, espadas,
machados). Este estilo originou-se no final dos anos de
1980 nos países escandinavos, sendo a banda sueca
Bathory, uma das pioneiras. O estilo desenvolve-se e
ganha força nos anos de 1990, com o surgimento de
bandas como Enslaved, Amon Amarth, Eluveitie, Týr e
Ensiferumdentre outras, que combinam a temática Viking
com um som folclórico “do Norte”. O Viking Metal, em
matéria de conteúdo, centra-se na Era Viking, na mitologia
nórdica antiga e nas religiões e cultos pré-cristãos. Estas
bandas tendem a adotar e a reinterpretar sagas e histórias
de heróis, tomadas principalmente a partir dos Eddas.
Apropriando-se de maneira romântica da imagem heroica
de guerreiros, bem como de cenas da vida cotidiana da
cultura Viking. Paisagens nórdicas também são muito
utilizadas, especialmente em videoclipes e nas capas dos
álbuns.
O Viking Metal é uma vertente relativamente jovem
dentro do mundo do Heavy Metal, sendo difícil definir
precisamente este subgênero. A música resultou da
simbiose de gêneros como o Black e Death Metal com os
mencionados ritmos e instrumentos do folclore
escandinavo. Além disso, é muito ligado a outro
subgênero, o Pagan Metal, que canta principalmente sobre
religiões pagãs e pré-cristãs, e encontra-se num contexto
muito mais amplo, onde não só a antiga mitologia nórdica
é narrada, mas também mitos celtas e história, contos de
fadas e outros elementos do folclore.
Imke von Helden identifica duas abordagens para a
temática Viking, presentes no Viking Metal: uma,
preocupa-se principalmente em cultivar a imagem de força
e barbárie extremamente romantizadas apresentando um
toque escapista. Na outra abordagem há uma ênfase em ser
“historicamente correto”, assumindo a mitologia nórdica
antiga como o único foco de suas letras e identidade. A
leitura que o estilo faz da antiga mitologia nórdica está
estreitamente relacionada com o património histórico-
cultural escandinavo, em especial o de culturas pré-cristãs.
Ao considerar os conteúdos das letras, com frequente
alusão à antiga mitologia nórdica, a autora identifica um
culto romântico e uma imagem escapista, criada pelo
estilo. As sagas são recontadas e reinterpretadas, muitas
vezes até citadas literalmente nas canções.
A fascinação pelo folclore e tradições nórdicas, bem
como pelas religiões pré-cristãs são temas recorrentes no
Heavy Metal, e especialmente em canções de Viking Metal,
mas outro aspecto muito importante em termos de letras é
o retrato da natureza do Norte, cantado pelas bandas a fim
de recriar uma atmosfera de “natureza selvagem”. Os

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antigos povos escandinavos tinham uma forte ligação com
a natureza, o que acaba sendo tragado pelo Viking Metal.
Frequentemente os fjords das costas aparecem nos vídeo-
clips das bandas, juntamente com artistas (geralmente os
próprios músicos das bandas) vestidos com armaduras e
munidos de espadas. Ao fundo projeta-se o mar e à deriva
um barco Viking.
Um expoente do estilo é a banda sueca Amon
Amarth. Fundada em Estocolmo, em 1992, a banda é
atualmente uma das principais representantes do Death
Metal europeu. Os membros da banda colocam muita
ênfase à imagem Viking, atribuindo a Era Viking suas
raízes ancestrais. Ao adaptarem histórias, como a famosa
saga sobre a perda do Mjölnir – martelo de Thor – a
reescrevem partindo de outras perspectivas, chegando até
mesmo a fazer adições à trama. A imagem bárbara na
aparência e comportamento, são outros meios importantes
de sua autorrepresentação. A imagem de homens fortes,
guerreiros que defendem suas casas e famílias, e que lutam
bravamente são amplamente destacados. A maioria das
bandas tenta transmitir uma visão de um passado glorioso,
que na maior parte dos casos, não tem muito em comum
com fatos históricos. O foco principal da maioria das
bandas escandinavas de Viking e Pagan Metal são suas
próprias raízes culturais e podem ser distinguidas por suas
diferentes abordagens da mitologia nórdica. Por um lado,
existem bandas como Enslaved e Týr, que adotam uma
perspectiva “crítica e bem-informada da história” e até
mesmo estudam o assunto na universidade. Por outro lado,
existem bandas como Amon Amarth, que utilizam a
mitologia nórdica como um meio de agradar os fãs de
metal em todo o mundo.
A Idade Média é hoje um produto consumido por
milhões de brasileiros e, cada vez mais, o medievo ganha
destaque nos cenários midiáticos. Ocupando espaços
televisivos, nos seriados e filmes; é evocado para
ambientar jogos de tabuleiro e computador; ou ainda
narrado em obras literárias sobre “Terras Médias” por
autores como Tolkien, Martin e Cornwell. A Idade Média
que habita o imaginário popular não é só aquela, fruto das
aulas de história ou dos livros didáticos. Também, as
canções de Heavy Metal que abordam o medievo
alimentam-se num diagrama de poder, que regulamenta o
que é dito, que define e estabelece subjetividades, ou seja,
num “dispositivo de medievalidade”. E mais, ajuda a
moldá-lo, reforçando suas estruturas. Ao apropriar-se do
medievo, envolvendo-o num sudário de acordes mágicos, o
Metal entoa-o como um símbolo nostálgico, associado a
um grande passado das nações, uma verdadeira metáfora
de uma glória a ser reconstituída. Mais além, o Heavy
Metal ajuda a criar aquela “outra” Idade Média, povoada
por magia, pela fábula e pelas gloriosas aventuras dos

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cavaleiros. Trata-se, de uma Idade Média glorificada,
(re)encenada, fantástica, uma Idade Média presente no
Imaginário. O Metal, a partir de então, vai reconfigurando-
se daquilo que ajudou a criar, projetando-se em novas
canções; ressignificando, influenciando, enfim, ensinando.
O historiador Jaques LeGoff, propõe que se aborde
o tema do Imaginário não somente através dos mitos em
seus contextos originais, ou seja, em fontes literárias e
iconográficas, ou na recepção deles nas várias sociedades e
tempos do medievo (LE GOFF, 1994). Destaca-se a
importância da permanência destes mitos para o
imaginário do Ocidente contemporâneo, ressurgindo na
literatura, quadrinhos, artes plásticas, desenhos animados,
videoclipes, cinema, e, como aqui destacamos, na música e
nas séries televisivas. Desta forma, as representações do
medievo feitas por estas diferentes mídias, estão ligadas a
um pressuposto de abstração, que por sua vez está contido
no Imaginário, ou seja, dentro de um campo que ocupa
“uma parte da tradução não reprodutora, não simplesmente
transposta em imagem do espírito, mas criadora, poética
no sentido etimológico da palavra” (LE GOFF, 1994, p.
11).Para cantar ou encenar as glórias de um cavaleiro,
recorre-se à arte, à poesia, à fabulação. Mas imaginário é
mais que representação, que Le Goff credita ser apenas ato
intelectual, vai para o campo da “fantasia – no sentido
forte da palavra – arrasta o imaginário para lá da
representação” (LE GOFF, 1994, p. 12).
Assim como a literatura e a arte, o Metal imbui com
símbolos e ideologias os seus “mundos medievais”, o que
habita o imaginário das bandas, e dos fãs de Heavy Metal
vai além de mero produto cultural. De tal forma que o
imaginário acaba por desempenhar um papel importante na
construção do Heavy Metal. O universo do Metal vende
representações do medievo, produz imagens, cria épocas e
cotidianos, reivindica modos de vida, enfim, ensina uma
Idade Média fabulosa e mágica, porém repleta de
estereótipos.

Música, leitura e escrita nas aulas de História –


“Nowyouallknow, thebard’sandtheirsongs”
No que tange aos estudos históricos acadêmicos do
século XX, o medievo foi tema caro em sua releitura.
Partindo de novas abordagens teórico-metodológicas,
especialmente as produzidas pelos historiadores
medievalistas, como Marc Bloch, Jacques Le Goff e
George Duby que proporcionaram novas abordagens e

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ressignificações para um período histórico que, desde a
Renascença, a priori, teve sua importância menosprezada e
estereotipada. Para o senso comum, que facilmente pode
ser constatado ainda hoje, a época está vinculada a um
período obscuro e misterioso da história do homem: a
“Idade das Trevas e seus mil anos de escuridão”. Esta ideia
de Idade Média conhecida não existiu de fato, sendo
apenas produção e reprodução de mitos e representações
que se relacionam com esta época. Contudo, a ideia de
uma Idade Média obscurantista, fabulosa e mitificada
ainda persiste e permanece amplamente difundida na
cultura popular.
A partir de trabalhos de historiadores, especialmente
os ligados à escola dos Annales e da Nova História, entre
outros, que a compreensão sobre o medievo no século XX
se transformou e foi repensada. Dentre as várias
contribuições que este grupo de historiadores somou a
disciplina histórica, destacam-se as novas metodologias de
trabalho aplicadas em fontes conhecidas e a expansão do
conceito de documento histórico. Sendo assim não é
novidade afirmar que o ensino de história incorpora o uso
de fontes como recurso didático. Os documentos são, há
muito tempo, utilizados nas salas de aula, mas, muitas
vezes,

instrumentalizados como apêndices ou meio recreativo, e


não somente se apropriam de bases historiográficas
tradicionais; alguns deles tornaram-se objetos de estudos,
demonstrando-se veículos viáveis para serem instrumentos
da História. Contudo, outros ficam à margem destas
discussões, e nem mesmo podemos ainda considerar
efetivamente como fontes, mas que termina por adentrar
nos territórios do nosso saber, produzindo um tipo de
conhecimento o qual por muitas vezes fechamos os olhos
(PEREIRA, 2010).

Ao levantarmos o problema da leitura e escrita na


sala de aula de história, direcionamos nossos esforços à
análise de diferentes práticas de ler e escrever possíveis
numa salas de aula de história. Desta forma, creditamos às
experiências com música uma verdadeira possibilidade de
se transformar a chamada “aula tradicional”. Sendo assim,
o planejamento que segue pretende expor uma aula que
valorize a utilização de música, como recurso didático para
as aulas de história, tendo como base a já apresentada
Idade Média presente no Heavy Metal.
Não raro, professores usam música cujos conteúdos
remetem a uma história recente. Quem nunca teve uma
aula sobre os anos de chumbo, embalada por Chico, Gil,
Caetano ou Vandré? Ou um rico debate ritmado pelo
samba de Adoniran e sua Saudosa Maloca, ou por um xote
de Gonzaga? A música, juntamente com a sua expressão e

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sua ideologia, são frutos do relacionamento entre o homem
e a sociedade em que este vive. Desta forma, sua reação
cria grupos de afinidades, originando movimentos sociais e
culturais que devem ser contemplados nas discussões das
aulas de História. Via de regra, este recurso é utilizado na
sala de aula da escola básica como documento histórico
para retratar o pensamento de compositores e músicos,
seus engajamentos políticos, perspectivas de vida, ou ainda
como foi feita, os significados atribuídos nas diferentes
épocas, suas resiliências, influências e transformações.
Como material didático, as músicas destacam-se por suas
características estimulantes e motivadoras, a que se
compreende ser um facilitador para as aulas.

o ato de ouvir música já faz parte dos seus momentos de


diversão, de lazer, mas, trabalha-la em sala de aula requer
mais atenção, visto que se constitui então como uma “ação
intelectual”, existe uma enorme diferença entre ouvir
música e pensar música [...] um aspecto fundamental na
relação com estudo da História, da música e do processo
de aprendizagem é a articulação entre o texto e o contexto
para não ocasionar a redução da análise histórica (SILVA
& MENDES, 2012).

Não tratamos a música como tão somente uma


manifestação artística, e, tampouco, como um material
didático simplesmente ilustrativo de representações
sociais, políticas e culturais. Com base naquela
apropriação que o Heavy Metal faz de elementos do
medievo, facilmente identificável nas músicas
selecionadas, projetamos uma aula na qual o aluno produza
um texto com base no “mundo” criado pelas canções. Esta
atividade propõe abrir espaço para que o aluno
experimente e crie as possibilidades do “e se” com a
história. Ao imergir no mundo asgardiano de Amon
Amarth poderia ele dar forma aos poderosos trovões das
marteladas de Thor? Ou daria passos à dança macabra, ao
som de Iron Maiden? Criando e dando forma a mundos tão
reais quanto o limite da imaginação, o aluno entrará em
contato com os signos emitidos por aquelas músicas, vai
ambientar-se num mundo medieval existente na fabulação
e na poesia musical, vai entrar em contato com aquela
“outra” Idade Média.
A banda alemã Grave Digger dedica o álbum
“Knight ofthe Cross” a contar a história dos Cavaleiros
Templários desde os tempos do nascimento da Ordem em
1119, ao longo dos anos de sua glória, e, finalmente, a sua
queda em 1312. A primeira canção descreve a Primeira
Cruzada organizada no Ocidente após vitórias muçulmanas
na Ásia Menor sobre as forças enfraquecimento do Império
Bizantino (“Deus LoVult”, “Knight ofthe Cross”). As
músicas subseqüentes mencionam a fundação dos

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|965


Cavaleiros Templários pelo cavaleiro francês Hugues de
Payens em 1119, após o estabelecimento do Reino de
Jerusalém (“Monksof War”), os embates contra os
exércitos de Saladino e Nizari seita dos Hashashim
("HeroesOfThis Time", "FanaticAssassins"). O álbum fala
ainda da Terceira Cruzada liderada por Ricardo I de
Inglaterra e Filipe Augusto de França (“Lionheart”) e do
mito dos Templários, guardiões do Santo Graal
(“KeeperOf The HolyGrail”). As próximas quatro canções
falam do fim trágico da Ordem dos Templários, da fuga de
alguns ex-cavaleiros Templários na Escócia (“Over
theSea”), e a execução de ordem último Grão-Mestre
Jacques de Molay, em 1314, que foi acreditado para
amaldiçoar o rei e o papa ao ser queimada vivo, tendo
ambos, supostamente morrido devido esta maldição (“The
Curse of Jacques”). A última música trata do suposto
engajamento de ex-Cavaleiros Templários na Batalha de
Bannockburn, a qual a Escócia adquire independência do
julgo Inglês (“The BattleofBannockburn”).
Outra banda que dedica sua poesia a temas
relacionados ao medievo é o Iron Maiden, desta banda
selecionamos duas músicas, a dizer “Dance OfDeath” e
“Montségur”. A primeira, inspirada no filme “The Seventh
Seal” (O Sétimo Selo), do diretor sueco Ingmar Bergman.
Por sua vez, Montségur trata sobre os cátaros, um povo
herege que viveu no Languedoc (Sul da França) nos
séculos X e XI. Acusados de heresia, foram executados
pela inquisição.
Da banda Manowar, a música “Sons ofOdin” narra
fatos sobre os “bersekers” e seus métodos de combate.
Nesta canção, o narrador entoa orgulhoso, suas memórias
das batalhas que travou. Na linha:
“Killersofmen/ofwarriorsfriend” indica o pressuposto
histórico de que Berserkers eram contratados por Reis ou
Jarls para apoiar suas campanhas. A lealdade aos
companheiros de luta também é importante para o narrador
(“sworntoavengeourfallenbrothers”), além de
pensamentos que oscilam entre reflexão e orgulho sobre
seus atos e que serão julgados por Odin no dia de sua
morte e sua ida a Valhalla. Em “The FateoftheNorns”,
Amon Amarth gorja sobre a morte de um filho como um
chamado de Odin (“The daytoanswerOden'scall”), a pira
funerária num barco em chamas e a caminhada através dos
portões de Helheim.
Em termos de planejamento de aulas, uma proposta
na qual o aluno se aproprie daquele cenário criado pelo
Heavy Metal, extraindo dali a ambientação criada pela
poesia, identificando as incontáveis projeções de medievo.
Entendendo por cenário tudo que está contido na poesia
musicada (letra e melodia), onde se passa a historia, quais
são os seres viventes dentro dele, a época e o tema. A
ambientação é a visão que esse cenário carrega, ou seja,

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como vivem os seres dentro desse cenário, quais suas
crenças e culturas, como é o mundo que retratado e como
são imaginados os lugares em que estão ali musicados, e
ainda como a melodia projeta-se e enfatiza a letra.
A aprendizagem conceitual em uma aula de História
se dá, justamente, na cesura, no intervalo criado pelo
tempo da aula e pelo tempo da imaginação. Nesse sentido,
tanto a série televisiva, quanto a música, permitem um
mergulho radical no tempo, no pré-discursivo e no pré-
individual, que desloca o estudante do lugar-espaço do
conceito definido para o tempo onde o conceito ainda não
está constituído, ensejando um contato com o processo
mesmo de criação conceitual. Eis, portanto, o papel dessa
Idade Média imaginada na escola: não se trata de uma
entrega à fantasia de um medievo estranho à pesquisa
histórica, mas de uma tentativa, através da imaginação, de
recriar os conceitos históricos que permitem uma leitura
histórica da Idade Média.

Referências Bibliográficas
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Paulo: Editora UNESP, 1999.
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Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|967


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2010. Orientador: Raimundo Barroso Cordeiro Junior.
Dissertação (Mestrado) – UFPB/CCHLA.
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Márcia Cristiane Ferreira. A música como suporte
pedagógico na disciplina de história na escola estadual
professor Paulo Pinheiro de Viveiros. IX Seminário
Nacional de Estudos e Pesquisas: “História, Sociedade e
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João Pessoa – 31/07 a 03/08/2012 – Anais Eletrônicos.
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VON HALDEN, Imke.A Furore Normannorum,
Libera Nos Domine! A Short History of Going Berserk in
Scandinavian Literature and Heavy Metal: Albert Ludwigs
University in Freiburg, Germany.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|968


Trabalhando o patrimônio:
prédios, objetos e fotografias
Por Moisés Abraão Stein200

Resumo Abstract
O seguinte trabalho tem por objetivo The following work aims to report
relatar atividades que foram realizadas pelo activities that were performed by PIBID, in
PIBID, no ano de 2014 com os 6° anos. As 2014 with the 6th years. Classes who have
turmas que realizaram tal atividade foram às realized this activity were the divisions 62/9,
turmas 62/9, 63/9 e 65/9 da escola EEEM 63/9 and 65/9 of the school EEEM Willybaldo
Willybaldo Bernardo Samrsla-CIEP, da cidade Bernardo Samrsla-CIEP, the city of Taquara-
de Taquara-RS. Para começar as atividades, os RS. To begin the activities, the teachers Marisa
professores Marisa Lima da Silva, Matheus Lima da Silva, Matheus Mathias, Moisés
Mathias, e Moisés Abraão Stein, introduziram o Abraão Stein, introduced the municipality of
município de taquara, para poder trabalhar o bamboo, to be able to work the heritage of the
patrimônio da cidade e ver o que os imigrantes city and see what immigrants or previous
ou as culturas anteriores deixaram, para nós. cultures have left for us. Activity is that at first
Atividade esta que no começo foi planejado de was planned in a way and finally we had to
um jeito e por fim tivemos que fazer algumas make some modifications or adaptations rather
modificações ou adaptações, mais que mesmo than still had positive results while conducting
assim tivemos resultados positivos durante a such activities. Students realized that antiques
realização de tais atividades. Alunos have large values for the people who keep, and
perceberam que objetos antigos têm grandes that many of the objects that were seen in class,
valores para as pessoas que o guardem, e que either the object itself or the picture was objects
muitos dos objetos que foram vistos nas aulas, which currently is not used more, or objects that
seja o objeto mesmo ou a fotografia, foi objetos have evolved more than They were used by
que hoje já não se utiliza mais, ou objetos que their parents or grandparents. Finally they
evoluíram mais que foram utilizados por seus realized that heritage is not just the buildings,
país ou avós. Por fim compreenderam que but rather also the objects or even photographs.
patrimônio não são apenas os prédios, mais sim
também os objetos ou até fotografias. Keywords: PIBID, Heritage , Old Objects, Culture.

Palavras-chave:PIBID, Patrimônio, Objetos Antigos, Cultura.

200
Acadêmico do Curso de História das Faculdades Integradas de Taquara – FACCAT. e- mail: moisesstein25@gmail.com cel.: 5193655928

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|969


Introdução
Após ter trabalhado os indígenas e a imigração da
cidade de Taquara, nós professores do PIBID, resolvemos
trabalhar o patrimônio da respectiva cidade. O nosso
objetivo de trabalhar este patrimônio, era o de justamente,
alguns alunos nunca terem saído do bairro a onde moram.
E assim mostrar o centro histórico da cidade, para que
pudessem ver o que os antepassados deixaram, deste modo
ver a arquitetura do passado e comparar com a de agora.
Outro objetivo foi o de conscientizar que o patrimônio é
importante, para que assim, se preserve os prédios antigos,
para manter uma identidade. Entretanto para introduzir o
assunto começamos com algumas perguntar: o que é um
patrimônio? O que é um bem material? Qual a importância
do patrimônio para a sociedade? Vocês acham importante
a preservação do patrimônio? Partindo destas perguntas
passamos o conceito de patrimônio:
Em seu significado mais primitivo, a palavra patrimônio
tem origem atrelada ao termo grego pater, que significa
“pai” ou “paterno”. De tal forma, patrimônio veio a se
relacionar com tudo aquilo que é deixado pela figura do
pai e transmitido para seus filhos. Com o passar do tempo,
essa noção de repasse acabou sendo estendida a um
conjunto de bens materiais que estão intimamente
relacionados com a identidade, a cultura ou o passado de
uma coletividade. (SOUSA, 2015).201

Neste sentido podemos entender que patrimônio é


uma herança que vai passando de geração para geração, e
pode ser tanto um bem material como um bem imaterial.
Portanto, nas nossas aulas trabalhamos apenas o
patrimônio material.
Até aqui percebemos que os alunos participavam da
aula e contribuíam com o que sabiam, e os que não sabiam
perguntavam. Estas primeiras aulas foram mais teóricas.
Pois antes de partir para as atividades diferencias, notamos
que precisavam deste embasamento, para compreender as
próximas atividades.

O patrimônio através das fotografias


Como já foi dito mais acima, alguns alunos nunca
tinha saído do bairro onde moram que é o bairro Empresa.
Entretanto, para não levar os alunos direto ao cento da
201
Por ser um site não possui número de páginas.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|970


cidade, e assim apresentar o centro histórico. Passamos
alguns slides com algumas imagens. Aqui nesta atividade,
nós professores mostrava uma foto de um prédio da
cidade, mas esta foto seria do prédio como era
antigamente. Os alunos então deveriam adivinhar qual
prédio que era, para que desta maneira os que nunca
tinham saído do bairro pudessem ter uma noção de como
era a cidade e como é agora. E também para que depois na
nossa próxima atividade que seria a saída de campo,
pudessem se localizar.
Apresentava-se a fotografia do prédio como era
antigamente, e em seguida mostrava-se a foto do prédio
como é agora (foto atual do respectivo prédio). Atividade
esta que foram realizadas dentro da sala de aula, pois de
outra maneira não teria como.
Percebendo que todos estavam gostando de tal
atividade, nos professores ficamos contentes, pois os
alunos que conheciam um pouco mais da cidade,
compartilhavam do que sabiam. Desta maneira todos
aprendiam juntos.

A saída de campo
Aqui foi realizada na semana seguinte, que foi uma
saída de campo. Ressaltamos que é importante deixar claro
que não foi um passeio, mas sim uma saída de campo, pois
como já foi dito seria para ver os prédios históricos da
cidade. E posteriormente fazer um trabalho em cima disso.
Chegou o grande dia, todos os alunos estavam
ansiosos para poder ir conhecer o centro histórico. Foram
levadas as três turmas de 6º ano que deu um total 65 alunos
mais ou menos, porque teve os que faltaram. Junto com os
alunos acompanharam os três professores do PIBID, por
ser um trabalho nosso, e também foi a professora titular da
turma. Atividade esta, que foi planejada. Cada aluno
ganhou um mapa: ‘Caminhando pela Cidade Taquara
Centro Histórico’. Este mapa possuía a foto atual do prédio
e uma pequena descrição deste mesmo. E cada prédio no
mapa possuía um numero, para que assim cada um
conseguisse se localizar.
Começou-se pelo prédio de numero 1. Ao chegar
neste prédio os professores deram uma explicação e em
seguida foi feito a visita por fora. Depois fomos para o
prédio de numero 2, 3 e assim se seguiria. Mas pelo pouco
tempo, que seria apenas uma manhã, e a quantidade de
prédios que num total são 27, não daria para ver tudo. Por
isso os prédios que não conseguisse ser visitado seriam
trabalhados dento da sala de aula com um CD que
acompanha o mapa.
Quando chegamos ao terceiro prédio vimos que os
alunos não gostaram mais da atividade, ou acabaram

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|971


perdendo o interesse, pois muitos queriam apenas passear.
Nossa atividade aqui não deu certo, apenas alguns alunos
tiveram ao interesse. Não completamos a atividade por não
der dado certo, o CD foi deixado de lado, nós professores
precisamos elaboram novas atividades.

Objetos e fotografias
Elaboramos nossas atividades e começamos a
trabalhar o patrimônio através dos objetos e fotografias. E
de acordo com Grunberg (2007) “Podemos pedir, com
antecedência, que os participantes tragam algum objeto
que tenha um significado importante e uma relação afetiva
para cada um. O objeto pode ser de uso pessoal ou
pertencente à sua família”. Aqui entendesse que os
participantes são os alunos, e os objetos que seriam para os
alunos trazer seria o que eles acham importantes para eles,
o que marca ou marcou a vida deles. Pois cada um vai ter
uma percepção de tempo diferente. Entendemos que algum
objeto pode ser antigo para uma pessoa e para outra não,
isso vai depender de cada um.
Esta atividade nós professores do PIBID mudamos
um pouco. Ao invés dos alunos trazerem os objetos, quem
trouxe foi os professores. Procuramos trazer objetos dos
mais variados, como: rádios antigos, ferros de passar
roupas, moedas, entre outros bem antigos. Ao mesmo
tempo em que trouxemos objetos mais pertos da realidade
deles, como: disquetes que os pais dos alunos muitos
usaram. Como também trouxemos aparelhos de celulares
dos mais variados anos, além de fotografias e maquinas
fotográfica, e outros objetos mais.
Esta atividade os alunos gostaram, pois a partir dos
objetos conseguimos trabalhar bem o patrimônio. Pois
como já vimos anteriormente o patrimônio não precisa ser
um prédio em si. Ele pode ser um objeto de uso pessoal,
como também pode ser um pertence de um familiar, ou até
pode ser um produto da natureza, além de sem material
pode ser imaterial, neste caso seriam as manifestações
culturais, bem como uma festa ou outras manifestações.
Trabalhando com os objetos e fotografias,
conseguimos fazer muitas perguntas, despertando o
interesse dos alunos pelo assunto tratado, como também a
participação e interação de todos os que estavam presentes.

Considerações Finais
Chegando ao final das atividades conseguimos obter
resultados relevantes, e nosso objetivo foram alcançados,
pois os alunos perceberam a importância do patrimônio,

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|972


seja ele material ou imaterial, seja um prédio, um objeto,
uma fotografia ou um bem da natureza. Perceberam ainda
que os objetos hoje podem ser novos mais amanha pode
ser antigo, pois de acordo com a evolução de tal objeto,
alguns vão sendo deixados de usar como os alunos
perceberam entres os disquetes e os pen drives entre as
fitas de vídeos e os DVDs. Viram que o mundo hoje se
transforma muito rápido, e por isso a importância de
manter os prédios históricos, pois com ele se mantem a
identidade. Através do patrimônio o povo se encontra no
seu lugar e consegue se sentir pertencente à sociedade.
E nos professores percebemos que se tivéssemos
trabalhado primeiramente os objetos e fotografias, ou
alunos conseguiriam compreender melhor a atividade
sobre a saída de campo pelo centro histórico de Taquara.
Pois teriam uma percepção maior da importância dos
prédios que hoje são patrimônio da cidade. Bom mas
mesmo assim, todos nós aprendemos, algo e com isso
ganhamos experiências, assim como trocamos informação.
É vivendo e aprendendo.

Referências Bibliográficas
GRUNBERG, Evelina. Manual de atividades
práticas de educação patrimonial. Brasília, DF. IPHAN,
2007. 24p. Disponível em:
<http://portal.iphan.gov.br/uploads/publicacao/EduPat_Ma
nualAtividadesPraticas_m.pdf>. Acesso em: 13 de outubro
de 2015.
SOUSA, Rainer Gonçalves. Patrimônio Histórico
Cultural. Brasil Escola. Disponível em:
<http://www.brasilescola.com/curiosidades/patrimonio-
historico-cultural.htm>. Acesso em:13 de outubro de 2015.

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Hominídeos, Vênus e Bruna:
ensino de História e Aprendizagem Significativa em uma turma de Educação de
Jovens e Adultos
PorvWellington Rafael Balém202

Resumo Abstract
Neste artigo, analisamos uma prática In this article, we analyze a teaching
docente em campo de estágio curricular, practice in curricular training camp held in the
realizada no primeiro semestre de 2013, junto a first semester of 2013, along with a Youth and
uma turma de Educação de Jovens e Adultos Adult Education class (EJA) in a state primary
em uma escola estadual de ensino fundamental school, in the evening, in Caxias do Sul, RS,
noturno de Caxias do Sul, RS. O relato da Brazil. It is not only the report of the
experiência não é um fim em si mesmo, mas, experience, but rather it serves as a pretext to
antes, ela serve como pretexto compreendermos understand a larger question: how to became
uma questão mais ampla: como tornar a History and its study something meaningful to
História e o seu estudo algo significativo para students of EJA, in a context where everything
alunos da EJA, em um cenário onde tudo points to the opposite direction? For this, taking
aponta para a direção contrária? Para isso, into account the sociocultural context of the
levando em consideração o contexto school and the class, we analyze some
sociocultural da escola e da turma, analisamos experiences and strategies more or less
algumas experiências e estratégias mais ou successful developed with that class, where we
menos bem-sucedidas desenvolvidas com a sought to provide the conditions so that students
referida turma, onde procuramos dar condições could see and feel the History and your learning
para que os alunos pudessem perceber e sentir a as something meaningful, because this
História e o seu aprendizado como algo significance is not obvious and demands that go
significativo, pois essa significância não é óbvia beyond the apparent, both in the academic
e demanda que se vá além do aparente, tanto no sense, as in the human.
sentido acadêmico, quanto no humano.
Keywords: Teaching History, Youth and Adult Education, History of
Palavras-chave: Ensino de História, Educação de Jovens e Adultos, Homization, Meaningful Learning
Aprendizagem Significativa, História da Hominização

202
Mestrando em História na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e licenciado em História pela Universidade de Caxias do Sul (UCS).
Bolsista Capes. E-mail: wr.balem@bol.com.br

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Considerações Iniciais
Uma reflexão feita por Luis Carlos Lopes,
referindo-se a profissionais de arquivo, ajuda-nos a
compreender algumas questões relacionadas à prática
docente em História. O autor notou que a falta de interesse
da sociedade e das políticas públicas nos arquivos abre
espaço para a precarização e a reprodução do senso
comum, tolhendo as reais possibilidades e o alcance desse
trabalho. O mesmo autor defende que é necessário um
profissional de arquivo que possa superar o dogmatismo
prático e que seja capaz de incursionar sobre os problemas
através da pesquisa teórica aplicada e da experimentação
(LOPES, 2002). O que acontece na educação pública não é
diferente e, assim como o profissional de arquivo, o
professor de História (que muitas vezes é também o
profissional de arquivo), precisa ser, na expressão de
Lopes, um profissional hermeneuta, que seja capaz de
refletir criticamente sobre o seu trabalho e sobre si mesmo,
visando colocar sua prática em um patamar mais elevando.
Esse trabalho, assim, se ocupa da análise de
algumas experiências vivenciadas em campo de estágio
curricular durante o primeiro semestre de 2013. A prática
docente foi realizada em uma escola da rede Estadual de
educação, em uma turma do Ensino Fundamental, no turno
da noite, na modalidade de Educação de Jovens e Adultos
da etapa T4 (Totalidade 4), equivalente ao sexto ano, em
Caxias do Sul, RS. Não se trata de uma narrativa integral
da prática, mas, antes e para além disso, a experiência
serve aqui de pretexto para analisar uma questão mais
ampla: como tornar a História, o seu estudo e o seu
aprendizado algo significativo para alunos da Educação de
Jovens e Adultos em um cenário onde tudo aponta para a
direção contrária?

A escola, a turma e o planejamento


A escola está localizada no centro da cidade de
Caxias do Sul, RS, e conta com a estrutura e os setores
básicos das escolas estaduais, como orientação
educacional, supervisão escolar, laboratório de
informática, biblioteca, quadra poliesportiva e alguns
recursos multimídia. Também conta com um Projeto
Político Pedagógico que na época estava defasado e não
dava conta da complexidade da dinâmica do turno da noite.
Pela orientação da professora titular da T4, os conteúdos a

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serem desenvolvidos deveriam ser, em primeiro lugar,
alguns conceitos em torno da ciência e do fazer histórico e,
em segundo lugar, a Pré-História, que aqui chamaremos de
História da Hominização, por considerarmos que
inexistência da escrita não torna uma cultura a-histórica ou
pré-histórica, além de que, se História é a História do
Homem, aqueles que fizeram o processo de hominização
têm História. É a partir desse segundo eixo de conteúdos
conceituais que as experiências analisadas aqui foram
escolhidas. Justificamos esta escolha, primeiro porque
parece haver poucos trabalhos que reflitam sobre o ensino
da História da Hominização e, em segundo, por ela ter
ocupado uma carga maior de horas do estágio, abrindo
espaço para um leque mais amplo de experiências a serem
analisadas. Além disso, o primeiro eixo exigiria outras
reflexões mais específicas sobre a presença e o ensino de
Teoria da História na educação básica, o que conduziria a
discussão para outros rumos.
A metodologia utilizada para as aulas foi a junção
de dois modelos bastante conhecidos, que permitem uma
ampla margem de manobra para adequações e
reorientações quando isso for necessário. O primeiro é a
metodologia dialética de Celso Vasconcellos (2000), que
prevê uma aula, grosso modo, em três momentos, sendo o
primeiro a síncrese, que é uma mobilização para o
aprendizado, geralmente a partir de algo da realidade dos
alunos; o segundo é a análise, ou seja, o desenvolvimento,
o desenrolar da aula; e terceiro, a síntese, que é a
sistematização dos saberes através de instrumentos
avaliativos os mais diversos. O segundo modelo é proposto
por Vasco Moretto (2002), que consiste na vinculação
inter-relacionada de conteúdos factuais (observáveis,
descritíveis), conceituais (conceituações obtidas do
observável), procedimentais (habilidades e competências)
e atitudinais (ligados à reflexão e à construção de valores).
A escolha dessa formulação metodológica se deu antes de
conhecermos a turma e, mesmo depois de cotejá-la com a
realidade, esse método se revelou bastante adequado e com
elementos operativos muito úteis para o que estava por vir.
O nível T4 era dividido em duas turmas, a A e a B.
A primeira era formada com pessoas um pouco mais
velhas, com idades acima dos trinta, contando também
com alunos com mais de sessenta anos. Era formada em
parte por trabalhadores e em parte e por pessoas já
aposentadas que voltaram a estudar depois de décadas
afastadas da vida escolar. Era tida como uma turma calma,
embora com vários alunos com dificuldades de
aprendizado. A turma B, na qual eu realizei o estágio, era
bastante diferente. A lista de chamada continha cerca de 40
nomes, mas somente 11 eram frequentes. A maioria ali
tinha entre 14 e 18 anos e estava na EJA porque já havia

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|976


reprovado diversas vezes no ensino regular, porque tinha
histórico de evasão escolar, entre outros motivos.
De forma geral, nas turmas de EJA daquela escola,
era extremante difícil traçar minimamente um perfil de
turma devido à grande circularidade de alunos. Além dos
11 frequentes da T4, sempre havia dois ou três alunos,
muitos dos quais estariam presentes somente uma vez até o
fim do estágio. Isso impunha alguns limites às
possibilidades de planejamento e desenvolvimento de
projetos continuados. Mesmo assim, após algumas aulas,
conversas, testes recíprocos e a aplicação de dois
questionários socioculturais, conseguimos, se não um
perfil de turma, pelo menos conhecer melhor os alunos.
Isso se revelou determinante para algumas divisões deles
em grupos aos quais foram dirigidas estratégias mais ou
menos específicas, de acordo com cada característica. O
que concluímos desde o primeiro dia de aula é que havia
uma forte resistência dos estudantes em relação aos
professores, pois estes eram vistos como adversários que
deveriam ser combatidos. Nesse sentido, visando superar
esse ambiente hostil, um dos principais trabalhos foi
mostrar que, independente de outras experiências, nós
estávamos ali, não contra eles, mas por eles.

Alunos desafiadores
A separação em grupos a que nos referimos acima
não é uma distinção rígida, pois alunos de um grupo
circulavam em outros, enquanto que alguns alunos não se
enquadravam em nenhum. Mesmo assim, é possível traçar
algumas características úteis para esta análise. O primeiro
grupo são os inquietos, que podem ser representados por
dois alunos, cuja principal reclamação dos demais
professores era a sua vocação para a fala. Eles também não
conseguiam se concentrar mais dos que alguns instantes no
mesmo objeto. Estavam em turmas de EJA porque tinham
“dificuldades” no aprendizado. Isso, no entanto, se
apresentou como um grande paradoxo, pois, um deles,
mesmo não conseguindo escrever de forma satisfatória,
comunicava-se oralmente muito bem e tinha um bom
conhecimento sobre a Segunda Guerra Mundial. Ele tinha
conhecimentos e queria expressar isso. Falava sobre o
assunto o tempo todo e perguntava quando esse seria o
tema da aula, perguntava o que a História da Hominização
tinha a ver com a Segunda Guerra. Assim, em vez de
encontrar estratégias para silenciá-lo, o caminho mais
adequado nos pareceu ser dar algumas condições para que
ele refletisse sobre a Hominização fazendo ou permitindo

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|977


que ele fizesse constantes relações, comparações e
analogias com o assunto que ele dominava e gostava.
Embora seus preceitos religiosos o levassem a crer no
Criacionismo em detrimento da Evolução das Espécies,
teoria importante para o estudo da Hominização, ele
expressou o insight de que a teoria da raça ariana,
vinculada pelo nazismo, cai por terra ao perceber que o
gênero Homo, nomeadamente o Homo sapiens moderno,
tem origem na África. Este aluno queria entrar para o
exército e seguir carreira militar.
Um outro, com as mesmas “dificuldades”, escrevia
muito bem, embora não visse motivo para se esforçar para
isso, também possui um conhecimento bastante elevado
sobre computadores e internet, além de ser um ótimo
“teórico da conspiração”. Esse aluno pesquisava
alucinadamente sobre os Illuminati, o que permitia, em
sala de aula, muitas entradas para análises propriamente
históricas, que o levava, em algum nível, a começar a
separar o que é História e o que é ficção, ou o que a
História pode esclarecer e o que jamais poderemos saber.
Havia nele uma vontade de descobrir a “verdade”. Da
mesma forma que o aluno anterior, as relações constantes,
mas adequadas e pertinentes historicamente, entre os
conteúdos e os ditos membros dessa sociedade secreta foi a
chave mestra para recuperar sua atenção quando ela se
dissipava e para dar os primeiros passos em relação a
relativizar sua pulsão por saber “o que realmente
aconteceu”, dado os limites da ciência histórica em fazer
isso. Esse aluno vislumbrava seguir os estudos e ingressar
na universidade no curso de Administração.
Considerando o caráter humano da educação, é
desconfortante esses dois alunos terem sido reprovados por
um sistema avaliativo que prioriza a reprodução de
conteúdos. Se houvesse, ou pudesse ser desenvolvido
nessa escola, um sistema de avaliação efetivo, que
diagnosticasse e trabalhasse a superação das dificuldades,
eles claramente teriam condições para estar na série ou ano
adequados à idade, no fim do Ensino Médio. A
evidenciação, nas provas, de suas dificuldades na
comunicação escrita poderiam ter sido trabalhadas antes
que eles mesmos concluíssem ou cristalizassem a
conclusão de que não eram capazes de aprendê-la ou que
isso não era um esforço necessário. Esses dois casos,
acabaram se tornando os alunos que mais contribuíram
para as aulas, sendo que em vários momentos, fomentavam
a participação de outros colegas, fazendo comentários
irônicos ou sarcásticos (às vezes agressivos), mas que
ajudavam na medida em que era possível abstrair a piada
de volta ao processo de ensino aprendizagem. É necessário
ter bons conhecimentos para elaborar um comentário
irônico sobre as dificuldades anatômicas da possível vida
sexual entre Neandertais e Sapiens, o que torna a rizada

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estampada nos rostos dos demais alunos um peculiar
instrumento de avaliação e a oportunidade para
desconstruir alguns estereótipos.
O outro grupo foram os alunos desafiadores.
Trazemos esse termo em dois sentidos, o do aluno que
instiga ao professor a se superar para dar conta das
necessidades de sua atuação, mas também do aluno que
provoca, testa, inclusive hostilmente. É claro que os
professores são testados pelos alunos a todo tempo,
especialmente nos primeiros dias de aula, mas alguns
traziam consigo um longo histórico de sabotadores da
coesão grupal, na terminologia da Psicologia de Grupos.
Alguns deles só apareceram na aula uma vez ao longo de
todo o estágio; alguns eram menores de idade e o Conselho
Tutelar, após a constatação da evasão, os trazia de volta à
escola e os obrigava a estar ali. A relação entre professor e
aluno nesse caso, não escapa da tensão e a solução inicial,
muitas vezes, é explorar e amenizar os ânimos, testar, da
mesma forma que os alunos fazem, as estratégias que
podem ser adequadas para conduzir a situação e tentar
trazê-los para perto de um ambiente acolhedor que a sala
de aula precisa ser.
Um caso, o mais desafiador dessa experiência, e que
não é raro nessa escola, são os alunos privados de
liberdade. Tivemos contato com alunos menores infratores
internados no CASE (Centro de Atendimento Sócio
Educativo). Um aluno desse perfil, que chamo aqui de
Lucas, prestes a completar 18 anos, cumpria, somadas as
suas condenações, o terceiro ano de internação, sendo que
seria transferido para um presídio para o cumprimento de
mais 3 anos. Sua última acusação foi por assassinato e seu
processo estava parado. Não foi possível saber muito sobre
seu passado, nem sobre sua realidade fora do CASE e fora
da escola. O que foi possível fazer foi estudar casos como
o dele e seu contexto (PASETTI. 2008; BECHER, 2012),
para ter o tato necessário. Desde o primeiro dia, ele não
faltou nenhuma aula, pois era vigiado. Ele perturbava os
colegas e a aula, comportava-se de maneira que a escola
desaprova e costumava desafiar professores e direção: “se
não gostou, me manda para a secretaria!”. Ele já estava
acostumado com isso; ia para a secretaria praticamente
todos os dias e, por vezes, ficava lá até o horário de saída.
Para ele, era muito mais conveniente ficar lá do que estar
em uma sala de aula onde tudo o que se fazia, em sua
percepção, era vazio de sentido.
A novidade para o Lucas era que não pretendíamos
fazer isso e nem o fizemos, apesar de a coordenação
pedagógica, da professora titular e da vice-diretora
insistirem para o fazermos. Muito pelo contrário,
queríamos que ele ficasse na aula. Devemos admitir que
sua presença nos era incômoda, assim como para muitos
de seus colegas, os quais tinham medo dele. Outros alunos

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|979


do grupo dos desafiadores acatavam a sua liderança e, por
vezes, intensificavam suas ações de sabotagem da aula.
Lucas não fez nada do que era solicitado em aula, nenhum
trabalho, nenhuma leitura, nenhuma contribuição oral,
nenhuma participação construtiva nas aulas. Fora dos
momentos em que ficava quieto e de cabeça baixa,
somente se dedicou ao prazer da transgressão das regras. A
conduta do Estado com esse jovem era de
disciplinarização, coerção. Somente recebia algumas doses
homeopáticas de cuidado quando ele conversava, e gostava
disso, com uma psicóloga que, vez por outra, aparecia na
escola.
Segundo Vasconcellos (2007, p.85),

os alunos que apresentam problemas de indisciplina


precisam de uma ação educativa apropriada: aproximação,
diálogo, investigação das causas, estabelecimento de
contratos, abertura de possibilidades de interação no
grupo, etc. e no limite, se for necessário, a sansão por
reciprocidade. (…) [Também pode ser] privado da
convivência com o grupo e orientado, até que deseje
retornar com uma nova postura.

Em uma situação bastante corriqueira, enquanto


outros alunos estavam incumbidos de fazer um exercício
escrito, ele nos ajudou a fazer a chamada. Liamos um
nome e perguntávamos a ele se o referido aluno estava em
classe, pois ainda não sabíamos o nome de todos. Isso
rendeu uma pequena abertura para nos aproximarmos dele
e estabelecer um diálogo. Foi nesse momento que ele
contou-nos um pouco sobre sua vida, relatado acima.
Conseguimos nos apresentar a ele como alguém que não o
julga, nem o condena, que não está ali para o enfrentar.
Notamos que ele sentia necessidade de falar, mas sua
trajetória institucional lhe rendeu alguns bloqueios.
Marcamos vários pontos nesse dia ao mostrar para ele
nosso interesse, não só na História enquanto tal, mas na
história dele. Mas, não pudemos aprender muito mais
sobre ele, pois Lucas não voltaria a permitir que nos
aproximássemos nas semanas seguintes. Em um dado
momento, ele deixou de vir à escola. Acreditamos que ele
deva ter completado os 18 anos e tenha feito a opção de
não retornar, ou tenha sido transferido para um presídio. Se
ele tinha planos? Em uma narrativa triste sobre si, Lucas
esperava, nos próximos anos, estar preso ou morto.
Outros alunos que se encontravam em contextos de
vulnerabilidade social, cantarolavam em sala de aula
músicas que eram vinculadas em alguns grupos urbanos de
jovens conhecidas como bondes, cujo significado varia
social e geograficamente ao longo do Brasil, mas que, em
Caxias, se aproxima do que poderíamos chamar de
gangues. Dois alunos confirmaram que faziam parte dos

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|980


bondes de seus bairros, sendo que mais alguns
demonstravam participar embora não tenham confirmado.
À época dessa experiência de estágio, geralmente em dias
de passe livre no transporte urbano, foram comuns ataques
mútuos e brigas entre bondes rivais no centro da cidade. A
grande mídia garantia a produção de uma opinião pública
tentando dar explicações para esse fenômeno e os meios
para solucioná-lo (leia-se reprimi-lo). Uns acreditavam que
os grupos que formavam os bondes emergiam da falta de
lazer das áreas periféricas, outros acusam a desestruturação
familiar, o descaso das políticas públicas para a juventude
ou as contradições sociais. Provavelmente todos esses
elementos estão envolvidos em algum grau e não há causa
única para a explicação desse fenômeno, especialmente
sob o olhar da História.
Zimermann (1997) afirma que a formação de
gangues entre jovens populares está diretamente ligada à
falta de vivências anteriores de afeto, de regras e de
lealdade. É perfeitamente possível identificar esses
elementos nos bondes, que possuem lideranças
centralizadas e acatadas, cujos membros cuidam uns dos
outros e são leais ao grupo ao qual pertencem. Mas o
tratamento que o poder público dá a esses jovens é o da
repressão, reforçando a marginalização e a criminalização.
Gostaríamos de ter tido, na época, a ideia de fazer uma
associação entre a organização dos bondes e a organização
dos grupos de hominídeos, estratégia que teria tido um
potencial amplo de mobilização para a aprendizagem.
Deslocando isso para o contexto das aulas, ficava
claro que o enfrentamento dos alunos não é a resposta.
Muito pelo contrário, a resposta cada vez mais parecia
encontrar-se na tarefa de aceitá-los como são, acolhê-los e
conhecer cada um deles de forma mais aprofundada e daí,
sim, propor ações educativas. Em campos de estágio, com
poucos alunos, estávamos em situação privilegiada, pois
pudemos nos dar ao luxo de fazer isso. Em situação
diferente estavam os professores titulares, que, com
dezenas de turmas, se conseguirem fazer essa investigação,
levam muito mais tempo e dedicação para fazê-lo e estudar
os resultados. O primeiro passo foi aplicar outro
questionário sociocultural, dessa vez mais específico e
estrategicamente feito para ver nas entrelinhas das
respostas. As respostas desse segundo questionário nos
deram subsídios para uma reorientação teórica da prática, a
essa altura, já bastante cotejada com o empírico.

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|981


Virada Teórica
Mesmo já tendo obtido alguns resultados positivos,
ainda não tínhamos conseguido romper efetivamente com
a barreira que havia entre o ensino e o aprendizado de
História naquela turma, o que ainda colocava sérios
obstáculos a esse processo. O perfil de alunos da EJA
passou por diversas mudanças ao longo das últimas
décadas. No entanto, a maioria da bibliografia disponível é
baseada nos preceitos de educação de adultos
trabalhadores. Embora tenha seu mérito quando o caso é
esse, essa produção é datada, precisa ser atualizada e
abranger as novas demandas da EJA. A análise das
respostas dos alunos no questionário, possibilitou-me um
novo entendimento da turma, pelo menos dos mais
frequentes e de alguns outros que responderam o
questionário em outros momentos, escrito ou oralmente,
incluindo aí algumas contradições entre o que eles
escreviam e o que demonstravam.
Conhecendo a turma e seus sujeitos com mais
clareza, ficou evidente que seu perfil não era o de
adolescentes comuns, pois eles vinham de contextos os
mais diversos e adversos. Havia aqueles com um núcleo
familiar estruturado, aquele criado a contragosto por
familiares, porque os pais estão mortos ou presos, aquele
foi vítima de abusos, a menina que engravidou aos 12
anos, os carentes emocionalmente que se aproximam ou se
afastam, aquele que vem para a aula com fome, etc.
Embora alguns trabalhassem formal ou informalmente, o
perfil também não era o de trabalhadores que voltavam a
estudar depois de muitos anos (embora houvesse dois
casos na turma). Isso, inicialmente causou-nos grande mal
estar, porque necessitávamos de um novo embasamento
teórico que ajudasse a operar na realidade e não em tipos
ideais que não existiam mais.
Assim, foi em Miguel Arroyo (2007) que
encontramos alguns pressupostos dos mais importantes
dessa prática docente. Arroyo tem muito de Freire e
atualizou o contexto da EJA e o que significa ser um
jovem-adulto popular nessa modalidade hoje, inserindo os
adolescentes nesse meio. Segundo Arroyo, os jovens
populares estão mais preocupados na concretude de suas
vidas, no presente, no trabalho formal ou informal do dia a
dia. Eles vivem e sobrevivem no presente, em uma noção
de presente esticado, que não é futuro. Eles não são os
alunos do ensino regular para quem faz sentido estudar
para ter uma vida melhor no futuro. Tentativas dos
professores desses jovens adultos nesse sentido os afasta. É
a partir do presente e para o presente que deve ser

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|982


destinada a atenção educativa na EJA, visando melhorar a
vida agora. É o oposto da mentalidade capitalista que
defende que há lugar para todos no mundo dos bem-
sucedidos. Para não perder completamente a esperança, é
claro, também deve-se considerar utopicamente que a vida,
um dia, pode oferecer uma oportunidade melhor. A leitura
de Arroyo foi uma experiência alquímica, pois até o final
do estágio, conseguimos coletar da realidade e do
cotidiano dos alunos matéria-prima que foi transformada
em ouro: material para síncreses de qualidade que, aos
poucos, foram desencadeando análises ou construções do
conhecimento e até esboçando sínteses melhores.

Um pouco de Ousadia
Finalmente avançando em direção a uma base
teórica mais clara, mais adequada aquilo que a realidade
apresentava, conseguimos operar com maior eficácia.
Lançamos mão de alguns questionamentos sobre qual o
significado e o sentido de estudar História, nossa matéria
preferida, mas a menos preferida de muitos, e aplicamos
isso aos diversos tipos de conteúdos, conceitual, atitudinal
e procedimental trabalhados que circulavam em torno da
História da Hominização. Essa temática, que muitas vezes
é tomada como uma parte exótica, acessória ou até mesmo
deixada de lado, pode oferecer um repertório de análise
muito rico, na medida em que o professor tenha “a
sensibilidade e a objetividade de identificar um problema
do cotidiano que atue como mobilização para o
conhecimento e articular as relações possíveis entre
passado e presente, evitando anacronismos e juízos de
valor” (BALÉM, 2013, p.1037). Além disso, especulamos
um pouco sobre o que gostaríamos que eles lembrassem
quando lembrassem das nossas aulas de História.
Assim, retomei algumas anotações sobre Jean
Piaget (1896-1980) e Lev S. Vygotsky (1896-1934) que
são as principais referências das perspectivas
construtivistas das concepções curriculares atuais,
incluindo as da escola onde realizei o estágio. A tese de
Piaget, mais centrada no indivíduo biológico e racional,
diz que um objeto (material ou ideal), ao entrar em contato
com o sujeito, é internalizado e adicionado a esquemas
mentais. Com essa junção, o indivíduo passa por
desequilíbrios, dúvidas, angústias, etc, e, no processo que
faz para restabelecer a ordem mental, desenvolvem-se sua
cognição e intelecto. Assim, caberia ao professor causar
esses desequilíbrios na prática docente. Já Vygotsky
reconhece o desenvolvimento biológico e intelectual, mas

Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015|983


enfatiza a aquisição social do conhecimento. Nesse
sentido, o meio social e cultural no qual o indivíduo
compartilha suas experiências e emoções com outros
indivíduos são determinantes na aquisição da linguagem.
Esta, por sua vez, fornece o aparato básico para a formação
e desenvolvimento dos conceitos (BITTENCOURT, 2005,
p.183-183).
Moreira e Masini (2001), discutindo a teoria da
Aprendizagem Significativa de David Ausubel,
pressuposto o qual ainda estamos explorando e
experimentando, explicam que o indivíduo tende a
aprender a partir do que já sabe. Nesse sentido, a
aprendizagem significativa é a aquisição de novos
significados, “um processo pelo qual uma nova informação
se relaciona com um aspecto relevante da estrutura de
conhecimento do indivíduo” (MOREIRA; MASINI, 2001,
p. 17). Também pressupõe a “existência de conceitos e
proposições relevantes na estrutura cognitiva, uma
predisposição para aprender e uma tarefa de aprendizagem
potencialmente significativa” (MOREIRA; MASINI,
2001, p.104). Nessa teoria, as estruturas de conhecimento
que o indivíduo já tem, e que adquiriu de alguma forma,
seja por aprendizado mecânico, seja por experiências de
vida, são chamados de subsunçores.
Consideramos que a melhor estratégia seria vincular
ao contexto da aula algo que fosse ou viesse a ser, não
somente capaz de gerar o “desequilíbrio” para a construção
do conhecimento, individual o socialmente, mas pudesse
ser potencialmente significativo. Isso significa algo que os
fizessem a relacionar a História com algum sentimento, em
um primeiro momento, desestabilizador, mas também
positivo, surpreendente, possibilitando associações a
algum esquema mental ou a um subsunçor já consolidado e
valorado positivamente. Precisávamos mobilizar não só a
aprendizagem, mas também tínhamos que encontrar os
pontos permeáveis da barreira hostil ao aprendizado
escolar em geral e à História em especial. No exercício de
algumas práticas, em duas experiências isso foi
particularmente observável.
A primeira foi uma aula planejada após ouvirmos,
na aula anterior, que, por algum motivo, o assunto dos
burburinhos era a atriz, ex-profissional do sexo, escritora,
etc, Bruna Surfistinha, nome artístico de Raquel Pacheco.
Essa foi a deixa para aproveitarmosa intensificação
hormonal, típico da adolescência, e a ação forte da libido e
do instinto de preservação da espécie para usar a referida
celebridade como síncrese para uma aula sobre a
“sexualidade” na época da hominização, inspirado no livro
do arqueólogo inglês Timothy Taylor (1997). Monteiro e
Balém (2015) demonstraram, através do estudo de um
processo de investigação de paternidade da década de
1950, que no ensino de História não pode haver assunto

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proibido ou o reforço de tabus culturalmente construídos.
De acordo com os autores, “é muito importante levar em
consideração e não perder de vista o objetivo, que é a
produção de conhecimento histórico e o seu ensino e não a
mera exposição da vida de pessoas através de um
espetáculo exótico” (MONTEIRO; BALÉM, 2015, p. 55).
Assim, as fragilidades, as mazelas e a comédia da vida
podem ser respeitosa e humanamente desnudadas,
apreciadas e estudadas.
Dessa forma, escolhemos uma imagem adequada da
personagem Bruna Surfistinha que se repetia diversas
vezes em um site de buscas e a projetamos na lousa para
chamar a atenção da turma. Usamos a imagem dela para
começar problematizando a ideia de beleza, de desejo e de
objetificação sexual na contemporaneidade. De forma
retrospectiva, projetamos outras imagens de mulheres na
arte de diversos tempos e lugares, demonstrando a
invenção dos padrões de beleza e daquilo que se aceita
socialmente como sexualmente desejável e, logo, aquilo
que se rejeita. Em determinado ponto da aula adentramos
em períodos mais recuados da História e a imagem que foi
trabalhada foi a da Vênus de Willendorf, uma estatueta de
cerca de 11 centímetros, encontrada na Áustria em 1908,
que foi esculpida provavelmente entre 22 e 24 mil anos
antes do presente. Ela apresenta uma mulher com seios,
barriga e vulva volumosos e não há consenso se ela
representa uma idealização da mulher, a Deusa Mãe ou a
ideia de fertilidade.
Bruna e Vênus abriram as portas para problematizar
e, em boa parte, desconstruir, uma série de questões sobre
sexualidade, sobre heteronormativismo e gênero. Durante a
aula também mostramos várias imagens desde pinturas
rupestres até outros tipos de cultura material que remetiam
ao comportamento, cultura sexual, ou sexualidade, de
vários hominídeos, alternando entre essas imagens e a de
Bruna, tanto para manter a síncrese ativa e para manter
ligado o contato do mundo paleolítico com o mundo atual.
Tal estratégia rendeu uma aula extremamente rica, não só
sobre o sexo no processo de hominização, mas também
sobre alimentação e busca por alimento, matriarcado,
preconceitos em geral e sexual em particular e algumas
especulações sobre a possibilidade ou não de preconceitos
sexuais entre o Homo sapiens e outras espécies de
hominídeos.
Durante a aula, aqueles alunos que ficavam
distantes mental e fisicamente começaram a se aproximar,
a sentar perto do grupo (alguns moviam as cadeiras ou as
mesas para ficarem mais perto ainda), a fazer perguntas, a
contribuir com experiências pessoais, que nem sempre
contribuíam para a aula, mas que davam ao aluno a
sensação de fazer parte do grupo, como se fôssemos um
grupo de hominídeos em volta da fogueira, ouvindo o

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xamã. Essa aula também os instigou a fazerem relações
entre tópicos conceituais e atitudinais do conteúdo, como a
percepção de que as várias espécies de hominídeos não
passaram por um processo linear de evolução, uma
substituindo a outra, mas, em vários períodos, viveram e
conviveram simultaneamente. O que tinha chances de se
tornar uma aula cretina, reforçadora de estereótipos e
preconceitos, se tornou um espaço de aprendizado
significativo. A libido não tem a ver só com pulsão sexual,
tem a ver com energia criativa e a mobilização e
direcionamento dessa energia pode criar grandiosidades.
A outra vivência, para estudar a religiosidade na
História da Hominização, foi ainda mais ousada.
Apropriamo-nos da liberdade cultural que o Projeto
Político Pedagógico concede e propomos uma experiência
de percepção extrassensorial. Falamos nessa liberdade
cultural porque o que vamos analisar abaixo é algo que,
embora esteja baseada em leituras e experiências pessoais,
dialoga como questões que não são consenso no mundo
acadêmico e abrem espaço para especulação e polêmicas.
Mas, como obtivemos essa abertura para o novo, para o
experimentar nessa turma, seguimos em diante. A maioria
dos alunos da T4 não professava nenhuma religião, mesmo
que, discursivamente, parafraseassem ideias cristãs. Entre
os que professavam, havia um evangélico, uma espírita e
um umbandista. Uma aula antes avisei que teríamos uma
experiência. No dia da aula, criei um momento muito
lúdico, parecido com uma hora do conto da educação
infantil. Trouxemos um livro paradidático cujo título
“Povos Primitivos” não poderia ser mais eurocêntrico, mas
que continha excelentes imagens de utensílios cotidianos
oriundos de diversas espécies hominídeas. Andamos até o
fundo da sala e convidamos os alunos para que se
reunissem em volta de nós e do livro. A quebra da
estrutura básica da forma da sala de aula, por si só, já os
mobilizou.
Além da experiência visual, tivemos o privilégio de
proporcionar a eles uma experiência tátil. Algum tempo
antes do estágio, recuperei da lixeira de uma biblioteca em
Caxias do Sul uma pedra peculiar. Ao indagar a
bibliotecária sobre a origem de tal objeto, ela relatou-nos
que a pedra veio junto com uma sacola de livros sobre
“Pré-História” doados pela família de alguém que havia
falecido. Pedimos se poderíamos ficar com a pedra e a
bibliotecária, prontamente, consentiu, pois, de qualquer
forma, o artefato já havia sido descartado. O fato é que
tratava-se de uma pedra que lembrava muito uma
ferramenta lítica cortante do Paleolítico ou de alguma etnia
ameríndia, mas que não tínhamos a competência técnica
para atribuir autenticidade. A ferramenta lítica, a história
de sua aquisição e a possibilidade de tatear algo que eles
até agora só haviam visto também foi uma experiência que

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certamente mobilizou para a aprendizagem e talvez tenha
mobilizado algum esquema mental significativo.
Também havia uma parte em especial desse livro
paradidático que falava sobre a religiosidade e trazia
imagens de instrumentos da cultura material religiosa,
como ex-votos, fetiches, altares, estátuas que podem
representar deuses, enterramentos, etc. Lia e Balém (2013)
consideram que determinados temas, como a religiosidade
no mundo antigo, muitas vezes, apesar de serem
considerados pela historiografia como processos
historicamente importantes, acabam sendo deixados de
lado no ensino da História, ou sendo usados como pontos
exóticos ou divertidos de cada cultura. Os autores propõem
que, quando isso for adequado, a cultura religiosa seja
estudada como uma parte fundamental, como matriz
explicativa, da cultura e da História.
Partindo desse pressuposto, conversamos sobre
algumas formas de religiosidade da hominização e sua
relação com as formas de religiosidade atual e, para a
surpresa deles, havia bem mais semelhanças do que
diferenças. Teria sido possível aprofundar o debate sobre a
necessidade humana de entender e de atribuir a forças
sobrenaturais aquilo que não pode explicar. Nesse
momento, propusemos a realização da referida experiência.
Mas, antes de explicar como faríamos, tivemos de
convencê-los de que era possível fazer uma experiência na
aula de História, que isso não era coisa somente das
ciências da natureza. Explicamos também que ela só
poderia acontecer se houvesse total colaboração. Isso foi
nosso maior temor, pois a turma não era calma e essa
experiência demandava silêncio e concentração por
longuíssimos oito minutos. Eles aceitaram.
A experiência consistiu em uma atividade de
percepção extrassensorial, ou seja, em formas de apreender
a realidade, bem como seus diversos níveis, sem ser apenas
com os cinco sentidos clássicos: visão, audição, tato,
paladar e olfato. Embora exista bibliografia de
neurolinguistas, biólogos e psicólogos titulados sobre o
assunto, este objeto costuma ser trabalhado dentro de
campos da Parapsicologia e de algumas linhas
espiritualistas. Os postulados da percepção extrassensorial
provém de pesquisas que não costumam demonstrar
completamente suas conclusões, o que um crivo científico
mais empiricista pode falsear. Como o assunto da aula era
religiosidade e os alunos tiveram contato visual e tátil
sobre alguns aspectos dessa temática há alguns instantes, a
estratégia que utilizamos envolveu um pouco de
teatralidade, encontrada em algumas correntes místicas
atuais para ambientar a sala com um caráter de
transcendentalidade ligado à religiosidade.
Partimos de um exercício básico de meditação e
relaxamento, que consiste em aquietar a mente, concentrar-

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se na respiração, relaxar o corpo até entrar em estado de
respiração Yogue e entrar em um estado de relaxamento
profundo, mas de pleno controle mental. Para facilitar o
extrassensorial, pedimos que fizessem um círculo e
tomamos a iniciativa de alterar levemente a familiaridade
dos cinco sentidos. Da visão, apagamos as luzes e
deixamos a sala na penumbra, sob a luz de velas. Do
olfato, acendemos um incenso. Do tato, o relaxamento
profundo já dava o tom necessário, pois produz o efeito de
se estar dentro da água, ou flutuando. O paladar não foi
alterado. A audição foi trabalhada com uma música
Xamânica moderna chamada Sunset Ceremony
(GORDON; GORDON, 1994), uma composição
instrumental, ritmada e baseada em tambores, flautas e
sons da natureza. Embora não se possa saber qual a relação
das espécies de hominídeos com a música ou com os sons,
essa composição permitiu que fizéssemos uma ponte entre
a experiência na sala de aula e as formas de religiosidade e
espiritualidade que, conjecturalmente, se atribui a culturas
xamânicas e, numa perspectiva etnoarqueológica, servem
para compreender alguns aspectos dos hominídeos que
compuseram agrupamentos de diversas espécies do gênero
Homo.
Até o aluno mais inquieto colaborou, mesmo que
não tenha executado o exercício, pois estava de olhos
abertos e observando os demais colegas em meditação. O
relaxamento e o controle da respiração foram feitos ao som
da música e o restante foi uma visualização induzida e
repleta de elementos xamânicos. Grosso modo, a
visualização pedia para estar uma clareira em uma floresta,
um lugar seguro. E nesse espaço, perceber o anoitecer e o
surgimento das estrelas no firmamento. O ponto principal
era observar uma fogueira e prestar atenção no que eles
viam dentro da fogueira, sem tentar entender, sem julgar,
sem controlar, somente permitir ver e permitir sentir.
Passados cerca de 5 minutos do exercício, eles foram
conduzidos de volta a perceberem o ambiente em que
estavam e a abrir os olhos lentamente. Ao término da
prática, eles foram convidados a relatar suas experiências,
mas somente dois o fizeram, pois não tinham clareza do
que viram ou do que sentiram, diante de um exercício que
revela vislumbres do inconsciente. Além de que, o que se
visualiza em práticas meditativas, às vezes, possui um
caráter muito íntimo e não precisa ser vinculado em grupo.

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Caos criativo
Segundo uma reflexão de Leandro Karnal (2002), a
necessidade de ordem na sala de aula é uma necessidade
maior do professor do que dos alunos. Ele orienta para que
se observe a Teoria do Caos se e abra mão do controle
absoluto da turma para aproveitar os acidentes de percurso.
Além disso, ele chama atenção para a necessidade da
paciência, pois, em sala de aula, o aluno que menos merece
a paciência do professor, é o que mais precisa dela. É claro
que não há como ser paciente sempre, pois somos
humanos e temos limites, mas é necessário não perder de
vista que a educação é um processo lento. A teoria por trás
da paciência é a capacidade de ver além do momento em
questão.
Muito desse dois pontos teóricos foram utilizados
nesta prática docente. Os alunos estão vivos, eles se
mechem, eles conversam, eles se movimentam durante as
aulas. Para a T4 isso era potencializado. Essa turma era
conhecida por causa de três práticas veementemente
combatidas na escola: durante as aulas ficar junto às
janelas, usar celular e ouvir música com fones.
Curiosamente, outro grande inimigo das regras escolares, o
boné, era permitido. Os alunos estavam acostumados a ter
um professor gastando muito tempo em aula tentando
contê-los e se angustiando perante o fracasso. Como os
alunos da EJA não estavam submetidos ao tradicional
sistema de avaliação, muitos docentes perdiam seu mais
antigo sistema de coerção: a prova.
O caos do que tivemos que nos apropriar e usar era
tanto a movimentação constante, as conversas e o
desinteresse, quanto não a própria resistência a aula, a
resistência em não se permitir gostar e entender a História.
As síncreses flexibilizavam a resistência e mobilizavam os
interesses a as atenções minimamente para a aula, mas isso
não significava que eles paravam totalmente o que estavam
fazendo, sentavam-se e, em silêncio, ouviam o que o
professor dizia. Eles, de fato, passavam a estar com a
mente em sala, mas a aula acabava tomando uma forma de
aula dialogada, pois conversávamos muito, e móvel,
porque nos movimentávamos com frequência. Quem
olhava de fora poderia não entender o que estava
acontecendo, poderia pensar que as coisas estavam fora de
controle, mas nunca chegamos a esse ponto. Essa
preocupação era visível na sala dos professores,
principalmente quando os outros professores insistiam em
pedir-nos continuamente se estava tudo bem ou querendo
saber por que, mesmo depois de várias semanas, ainda não
tínhamos tirado ninguém da sala por mau comportamento.

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Não precisamos elevar a voz em nenhum momento
e isso surpreendeu até mesmo os alunos. Quando as
conversas passavam do limite, falávamos alto o suficiente
para que o aluno interessado nos Illuminati pudesse ouvir e
pedíamos se ele tinha novidades. Quase sempre conseguia
redirecionar a novidade, que acabava despertando o
interesse da turma, de volta a aula. Eles também andavam
constantemente pela sala, vinham até nós para perguntar
algo, assim como nós andávamos pela sala, perguntávamos
sobre um ou outro detalhe sobre algum aluno, sentávamos
nos fundos da sala que era muito grande e pedíamos que
eles virassem suas carteiras. Isso não atrapalhava. A aula
precisava ser móvel e nós apropriamo-nos disso. Com o
tempo eles passaram a usar menos o celular e fones de
ouvido e a andar menos pela sala. Esse mesmo celular,
poderia ser utilizado como recurso didático, não fosse a
proibição do uso pela escola e o fato de nem todos o terem.
A própria janela, grande inimiga, foi ressignificada e nós a
usávamos constantemente como mobilizações adicionais a
partir do que eles viam através dela. As aulas nesse
ambiente foram conversadas, dialogadas, provocativas.
Tranquilidade houve somente em alguns poucos
momentos.

Considerações Finais
Tanto na primeira semana de aula sobre pontos
teóricos da História, quanto nas primeiras aulas sobre
História da Hominização, era baixo o número de alunos
que realizava as atividades de análise e de síntese dos
conteúdos conceituais, atitudinais e procedimentais, assim
como era sofrível a qualidade dos resultados. No início, os
alunos participavam muito pouco oralmente, escreviam
pouco, quando o faziam, não conseguiam fazer análises
básicas de imagens ou de vídeos, nem escreviam frases
completas ou coerentes. Durante o processo de estágio,
com uso intensivo de síncreses, estimulando e valorizando
a participação e os conhecimentos dos alunos, houve
acentuadas mudanças positivas no comportamento e nas
atitudes deles em relação ao professor e à própria
disciplina de História. Atribuímos essas mudanças à
efetivação de um processo em que os alunos começaram a
construir não só conhecimentos históricos, como também
um sentido de valoração positiva em relação à História e
ao seu estudo.
No último dia de aula do estágio, trouxemos folhas
pautadas e envelopes e pedi que eles escrevessem uma
carta. Eles escolheram uma espécie dentre os vários

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hominídeos que nos haviam “acompanhado” naquelas
aulas e escreveram explicando-lhes o mundo de hoje.
Mostramos como escrever uma carta, o formato do texto e
o preenchimento do envelope. O resultado, assim como os
da aula sobre sexualidade e a sobre religiosidade, foi a
participação de todos os alunos em sala, incluindo três
alunas que estavam no seu primeiro dia naquela escola
(elas escreveram para um destinatário qualquer). A maioria
escreveu uma página inteira e alguns escreveram no verso
também. Essa carta, permitiu a avaliação não só da
articulação de conteúdos conceituais, atitudinais e
procedimentais, como também a expressão escrita da visão
de mundo e de si. Se os alunos resolveram participar desta
última atividade por causa de alguma comoção por aquele
ser nosso último dia, isso significa também que a relação
hostil que eles mantinham com o professor acabou se
flexibilizando e abrindo um precedente para que eles se
permitam uma relação mais próxima entre alunos e
professores.
É compreensível que quando as necessidades
básicas dos alunos dentro e fora da escola não são
totalmente garantidas, seja pequeno o esforço empregado
por eles à compreensão da História e das possibilidades e
potencialidades do seu aprendizado. Ser capaz de usar a
História para compreender e agir no mundo é um processo
que demanda esforço cognitivo e reflexivo, pois é algo que
não é óbvio, não está dado e é preciso ir além do visível
para poder chegar perto do seu real sentido. O grande
desafio do professor de História, em especial em turmas de
EJA como aquela que foi analisada aqui, parece ser
mobilizar os alunos para o aprendizado para que o esforço
de aprender não seja só algo sacrificial, mas que tenha
também algo de prazeroso. E, para isso, no processo de
ensino e aprendizagem em geral, e no ensino de História
em particular, é necessário ser um professor hermeneuta
para ter condições intelectuais e operacionais de refletir
sobre sua prática, aprofundar teorias e adequar técnicas e
também refletir sobre os resultados.

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