Location via proxy:   [ UP ]  
[Report a bug]   [Manage cookies]                

Urbano e Rural PDF

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 17

O URBANO E O RURAL NAS CIDADES DA AMAZÔNIA

BRASILEIRA: CONTEXTOS DIFERENCIADOS


RESUMO
Este artigo fará uma reflexão sobre os conceitos de urbano e rural, apresentando algumas
características das cidades amazônicas brasileiras. Como referência teórica utilizarei
conceito de território de Milton Santos, onde os lugares são contíguos e estão em redes
verticalizadas, conectadas com o mundo , portanto o lugar é o papável, que recebe os
impactos do mundo. O lugar é controlado remotamente pelo mundo, o lugar – não importa
sua dimensão – é a sede dessa resistência da sociedade civil. Para isso, é indispensável
insistir na necessidade de conhecimento sistemático da realidade, mediante o tratamento
analítico desse seu aspecto fundamental que é o território. Sendo essencial rever a
realidade de dentro, isto é, interrogar a sua própria constituição neste momento histórico.
Seu entendimento é, pois, fundamental para afastar o risco de alienação, o risco da perda
do sentido da existência individual e coletiva, o risco de renúncia ao futuro. A partir das
concepções sobre territorialidades, este artigo analisará as consequências práticas,
induzidas pelo sistema de compensação financeira repassados pela Petrobras em virtude
da exploração petrolífera ao município de Coari-AM, como um fator determinante no
desenvolvimento local influenciando na estrutura da sociedades e nos aspectos urbanos
e rurais deste município.

A QUESTÃO DO RURAL E DO URBANO: ALGUMAS APROXIMAÇOES


Ao nos reportarmos a definição de urbano e rural abre-se uma janela de questões
metodológicas que devem ser apresentadas. Qual o Rural estamos falando? O que
entendemos por aspectos urbanos de uma cidade? Onde o rural e o urbano se
entrecruzam? Quais as definições de rural e urbano nas cidades amazônicas? Essas
questões serão expostas ao longo do texto.

O processo de urbanização se expandiu e está intimamente ligado ao crescimento


econômico e a modernização tecnológica, estes foram os motes do planejamento
geopolítico da maioria dos países capitalistas, não levando em consideração os espaços
sociais. Considera-se espaço social como um produto das relações sociais como também
o que é condicionado pelas relações sociais, portanto deve-se levar em consideração que
nem tudo pode ser feito da mesma forma em todos os lugares, sem ponderar os

1
patrimônios históricos/arquitetônicos e o patrimônio natural, e não exclusivamente o viés
financeiro.

A perspectiva conceitual sobre os limites entre o urbano e rural surgiu nas últimas
décadas na literatura acadêmica, no entanto a evolução do conceito tem uma longa
história no estudo da economia, geografia e planejamento regional. A princípio tinha uma
visão anti urbana, muito presente nos autores pós revolução industrial, que enxergavam
na migração rural para urbe a responsável pela catástrofe que estava ocorrendo nas
cidades industriais europeias do final do século XVII e início do século XIX. E a segunda
perspectiva, apresenta uma visão pró-urbana, pois vê na urbanização um processo na
qual as cidades são centros geradores de serviços, cultura, conhecimento, inovação e
crescimento econômico. (DAVOUDI, S, 2002, p. 270)

A dicotomia urbano-rural pode ser rastreada até cerca de 5000 anos atrás, quando
as primeiras cidades começaram a surgir na Mesopotâmia. As cidades, no entanto, eram
muito pequenas cidades cercadas e dependentes de uma esmagadora maioria da
população rural. A lenta ascensão da urbanização ocorreu no longo período medieval e
não ganhou ritmo até a chegada da Revolução Industrial.

Segundo Davoudi (2002) a visão anti urbana que idealizava e lamentava o


desaparecimento da vida rural, especialmente na Inglaterra onde os processos de
urbanização foram mais agudos, apresenta a volta ao Rural como uma das soluções para
os males do crescente Cidades do século XIX. As tentativas de restringir o
desenvolvimento dentro dos limites da cidade, e para proteger o campo da expansão
urbana, os fundadores do movimento de planejamento urbano, como Patrick Geddes,
Raymond Unwin e Patrick Abercrombie (Munton, 1983) tinham como princípio básico da
contenção urbana

No entanto, a visão pro-urbana destaca que a história da inovação científica e


tecnológica e da própria civilização é inseparável da história das vilas e cidades. O
surgimento da vida da cidade é visto como dando origem à escrita, à autoridade do Estado
e ao sistema econômico baseado em complexos sistemas sociais, enxergam na
urbanização algo inevitável: um ciclo através do qual as nações vão ocorrer naturalmente,
em sua transição da sociedade agrária para a sociedade industrial. Desta forma a

2
migração rural-urbana deve concentra-se na questão da gestão em vez de redução da
urbanização. (DAVOUDI, S, 2002, p. 272).

Existem várias definições de áreas urbanas e rurais, baseadas em medidas como


a densidade, tamanho do assentamento, densidade de emprego agrícola e uso cobertura
do solo. No entanto, todos eles dão visões um pouco diferentes do que é urbano e o que
é rural. Atualmente as ligações rural-urbanas é tendência do mundo globalizado :sistemas
de produção, finanças, comércio e mercados de trabalho estão interligados. A visão
convencional das áreas rurais como equivalente à agricultura não reflete a realidade das
regiões rurais atualmente, pois existem atividades comerciais, turismo rural, pequenos
serviços de baixa complexidade, muitas atividades que só eram desempenhadas nas
áreas urbanas agora também podem acontecer em áreas rurais em virtude do acesso a
rede de internet.

No caso brasileiro não passamos por um processo de industrialização do


esvaziamento total do campo, nos séculos XVIII e XIX como ocorreu na Europa, este
processo só passa acontecer a partir da década de 1950, o modelo de desenvolvimento
econômico adotado a partir deste período, é o chamado industrialista, que afetou tanto o
campo como as cidades. Através da chamada revolução verde a tecnologia chegou no
campo e o processo de esvaziamento do campo ocorreu profundamente ao longo dos
últimos cinquenta anos. Apesar sermos atualmente uma nação com mais de 80% de
urbanização, nossa economia ainda se baseia no modelo agroexportador. Dessa forma
reunir visões separadas de campo e cidade, contribuem para o entendimento histórico e
espacial, mas para aprofundar e entender o modelo de desenvolvimento industrialista
brasileiro que afetou tanto a área urbana quanto a rural, se faz necessário reunir conceitos
e aprofundar o debate sobre rural e urbano no Brasil.

O RURAL E O URBANO NAS CIDADES AMAZÔNICAS

A Amazônia Legal Brasileira tem 59% do território nacional, aproximadamente 12,8%


da população do país (2010) e 7,8% do PIB (IBGE, 2010, 2010a). A região tem crescido
mais rapidamente que o resto do Brasil e sua participação no PIB nacional subiu de 6,43%
em 1995 para 7,86% em 2010 e para 8,32% em 2015.

3
A heterogeneidade das cidades amazônicas se manifesta especialmente nas
dinâmicas econômicas dos quatro maiores estados da região amazônica. O estado do
Mato Grosso está ligado aos commodities agrícolas. O Amazonas tem como principal
fonte de valor econômico a produção industrial da Zona Franca de Manaus. O Pará é um
estado onde a economia extrativa tem um peso enorme gerados especificamente por
minérios e madeira. (CASTRO, 2018).

Após pesquisa bibliográfica encontramos dois centros de pesquisa que buscam


definir e estudar o que seria as identidades do rural e urbano nas cidades amazônicas um
ligado ao Programa de Pos graduação em Desenvolvimento Sustentável do Trópico
Úmido da Universidade Federal do Pará que através do Grupo de Estudos e Pesquisas
sobre Ordenamento Territorial e Urbano diversidade na Amazônia- GEOURBAM –
liderados pelos professores Saint-Clair Cordeiro da Trindade Júnior e Simaia do Socorro
Sales das Mercês realizam diversos estudos sobre as cidades amazônicas, especialmente
da Amazônia Oriental. O outro grupo de Estudo, é Núcleo de Estudos e Pesquisas das
Cidades na Amazônia Brasileira - NEPE-CAB ligado à Universidade Federal do
Amazonas, com a coordenação dos professores José Aldemir de Oliveira, Geraldo Alves
de Souza, Tatiana Schor e Paola Verri de Santana. Ambos os grupos de pesquisa apesar
de chegarem a conclusões diferentes partem da visão weberiana da tipificação, ou seja
do tipo ideal.1

Através das metáforas de “cidades da floresta” e “cidades na floresta” o professor


Trindade (2013) apresenta algumas particularidades destas cidades da Amazônia oriental.
Enquanto as “cidades na floresta’ surgiram especialmente a partir da década de 1960 com
os projetos desenvolvimentistas nacionalistas implantados a partir da visão geopolítica da
Ditadura militar no Brasil, que enxergava na Amazônia um grande vazio de projetos de
desenvolvimento econômico e portanto se fazia necessário sua integração ao capitalismo
nacional e internacional. Estas cidades surgiram com projetos voltados especialmente
para exploração econômica do ecossistema amazônico, como podemos observar no
quadro abaixo:

1
Obtém-se um tipo ideal mediante a acentuação unilateral de um ou vários pontos de vista, e mediante o encadeamento de
grande quantidade de fenômenos isolados dados, difusos e discretos, que se podem dar em maior ou menor número ou mesmo
faltar por completo, e que se ordenam segundo pontos de vista unilateralmente acentuados, a fim de formar um quadro
homogêneo de pensamento (WEBER, 1999, p. 106)

4
Quadro 1- Cidades-empresa , “grandes objetos” e seus entornos – Estado do Pará

Elaborado por Saint Clair Cordeiro de Trindade Jr.

Na tentativa de apresentar um perfil ideal das cidades amazônicas, Trindade (2013)


distingue um outro tipo de cidades amazônicas:

As “cidades da floresta”, por seu turno, que eram predominantes na


região até a década de 1960, normalmente apresentam
características de pequenas cidades, associadas à circulação fluvial
e com fortes elos em relação à dinâmica da natureza e à vida rural
não moderna. Além disso, tais cidades sempre estabeleceram
densas articulações com os seus respectivos entornos ou localidades
relativamente próximas (vilas, povoados, comunidades ribeirinhas
etc.). Ainda que muitas cidades venham perdendo essas
características, consideradas rurais e associadas à vida da floresta,
elas não desapareceram efetivamente, e ainda definem
particularidades de algumas sub-regiões da Amazônia. (TRINDADE,
2013, p. 6)
Em sua análise bastante detalhada das cidades amazônicas definindo as
especificidades destas cidades, a partir da visão teórica de Milton Santos em relação as
suas verticalidades e horizontalidades e seus nexos urbanísticos, especialmente da
Amazônia Oriental, Trindade (2013) apresenta um quadro tipológico que define algumas
particularidades destas cidades a saber:

5
Quadro 2- “Tipos ideais” e Atributos da forma urbana na Amazônia

Apesar do grande esforço teórico-metodológico de Trindade (2013) em tipificar as


cidades amazônicas, seu referencial empírico são as cidades da Amazônia Oriental, que
em virtude da sua contextualização sócio histórica, são bastantes diferenciadas da
Amazônia Ocidental. Essa diversidade de projetos capitalistas na Amazônia produziu
diversas dinâmicas, conflitos e tensões entre a população tradicional e as atividades
produtivas impondo uma relação complexa entre as populações e o meio ambiente
Amazônico.

Dessa forma sem ter a ousadia de definir ou conceitualizar o que seriam rurais e
urbanos na Amazônia Brasileira, apresentarei a seguir um resumo das análises do Núcleo
de Estudos e Pesquisas das Cidades na Amazônia Brasileira NEPE-CAB ligado à
Universidade Federal do Amazonas.

Os estudos realizados pelo NEPE-CAB partem da tentativa de romper com as


visões dendriticas2 em relação as cidades e a rede urbana na Amazônia ocidental. A
primeira questão metodológica apresentada na pesquisa das cidades da Amazônia
Ocidental foi a definição dos critérios de classificação das cidades de porte médio no
Brasil, na medida em que o IBGE definiu que somente cidades que tem acima de 100 mil
habitantes seriam consideradas de porte médio, um critério exclusivamente método
quantitativo. No caso do Amazonas todas as cidades passaram ser de pequeno porte.

Após uma extensa pesquisa de campo o pelo NEPE-CAB os pesquisadores


definiram como as tipologias a serem relacionadas seriam as seguintes: dados

2
“um conjunto de centros funcionalmente articulados e que reflete e reforça as características sociais e
econômicas de um território compreendida aqui como uma hierarquia urbana”

6
socioeconômicos e demográficos ligados aos aspectos da hidrologia, biogeografia, acesso
aos recursos naturais e a interelação sociedade-natureza. O local a serem pesquisados
foram as calhas do Rio Solimões e Rio Amazonas, sendo as cidades agrupadas com as
seguintes particularidades: cidades de economia externa e dependente, cidades médias
de responsabilidade Territorial; cidades médias com dinâmica econômica externa (Coari);
cidades médias com função Intermediária, cidades pequenas de responsabilidade
territorial, cidades pequenas com dinâmica econômica externa. Essa forma de
detalhamento gerou uma interpretação diferenciada em relação as análises do
GEOURBAM-UFPA apresentando uma dinâmica da rede urbana diversa da Amazônia
Oriental.

Um elemento importante a ser considerado em todos os aspectos de análise das


cidades do Amazonas é a cheia e vazantes dos rios, pois de acordo com este regime
hidrológico a população pode ter acesso a determinados tipos de alimentos. Na vazante
os produtos alimentícios oriundos das várzeas chegam em grandes quantidades nas
cidades, ocorrendo o inverso durante as cheias, na medida em que as várzeas deixam
abastecer as cidades, intensificam-se os fluxos de produtos alimentícios vindo de Manaus,
onerando o custo da cesta básica regionalizada e aumentando o nível de dependência em
relação à capital. Um outro elemento importante a ser considerado nas cidades do interior
do Amazonas é a carência de energia elétrica disponível para a implantação de qualquer
tipo de indústria, a maioria das cidades tem energia suficiente somente para as
residências. Mesmo com os investimentos realizados no setor elétrico através do
programa Luz para Todos, ainda é insuficiente para se pensar em qualquer projeto de
envergadura industrial. (SCHOR, OLIVEIRA, MORAES E SANTANA. 2016, p.16)

Apresentamos a seguir as tipologias e seus sub grupos urbanos encontrados na


pesquisa do NEPE-CAB:

Grupos Caraterísticas Municípios


Cidades médias de Cidades que exercem Tabatinga,
responsabilidade territorial diversas funções urbanas e Tefé
contém arranjos institucionais Parintins
que são importantes não só
para o município da qual são
sede, mas para as cidades e
municípios ao seu redor

7
Cidades médias e pequenas São aquelas cidades cuja a Coari- Royalties do Petróleo,
com dinâmica econômica dinâmica econômica Codajás-exportação de açaí,
externa depende de recursos Iranduba-exportação de
externos oriundos do bioma pescado
amazônico.
Cidades médias com funções São cidades próximas de Manacapuru
intermediárias Manaus que apesar de Itacoatiara
apresentarem uma forte Presidente Figueiredo
ligação com o bioma Nova Airão
amazônico e a hidrologia dos
rios tem uma dependência da
estrutura de serviços de
Manaus em virtude do acesso
Rodoviário.
Cidades pequenas de São cidades que apesar de Benjamin Constant
responsabilidade territorial pequenas são as primeiras Santo Antônio do Içá
cidades que originaram como Fonte Boa
centros urbanos em regiões Eirunepé
bastante longínquas de
Manaus e fornecem alguns
serviços a comunidades e
municípios próximos.
Cidades Especiais São cidades que não centros São Paulo
de responsabilidade de Olivença
territorial, não estão próximas Amaturá
de Manaus, não tem nenhum Tonantins
produto de exportação que Jutaí
resguarde sua economia, Uarini
vivem exclusivamente dos Alvarães
repasses financeiros Anori
governamentais e tem uma Anamã
forte relação com o bioma Silves
amazônico Urucurituba
Urucará e outras
Fonte- https://www.researchgate.net/publication/305454560- Apontamentos metodológicos sobre o estudo
de cidades e de rede urbana no Estado do Amazonas, Brasil.

Nas duas pesquisas aparecem algumas tipologias urbanas das cidades da


Amazônia brasileira que podem ser consideradas análogas, como as que identificam os

8
aspectos de dependência dos produtos oriundos das cheias e das vazantes dos rios, o
nível de solidariedade orgânica que ocorre nas cidades da floresta, os valores culturais
enraizados e uma forte ligação de compadrio 3. No entanto nas cidades da Amazônia
Ocidental não identificamos nenhuma com as características das chamadas cidades
empresas como ocorre na Amazônia oriental como a cidade de Parauapebas –PA tem
sua economia totalmente voltada para o Projeto Carajás ou como a Vila Permanente de
Tucuruí que é focada para atender as demandas dos funcionários da Usina Hidrelétrica
de Tucuruí no Município de Tucuruí-PA ou Vila dos Cabanos do Complexo Albras-
Alunorte no Município de Barcarena-PA que atende os interesses desta empresa. A
inexistência de cidades empresas no Amazonas, nos questiona aonde e como os
Royalties do Petróleo incorporados a receita municipal de Coari influenciaram e
modificaram a sua identidade urbanística e não modificando a ligação existencial da
população com o rural.

O RURAL E O URBANO NO MUNÍCIPIO DE COARI-A

Figura 1 – Localização do município de Coari no Estado do Amazonas

Fonte: <http://www.coari.am.gov> Acesso em: 26/09/2018.

3
Sydney Mintz e Eric Wolf fizeram em 1950 um estudo teórico e histórico relevante sobre o compadrio católico – tanto de sua
origem europeia quanto de seu desenvolvimento posterior na América Espanhola. Os autores pontuam que, no que diz
respeito às sociedades mediterrâneas, a relação entre compadres apareceu para fortalecer os laços de integração horizontal
entre vizinhos – algo importante para o acesso coletivo à terra para além do vínculo de sangue. Mais tarde, quando emergiu a
propriedade familiar da terra, tornando ostensivas as diferenças entre as famílias, essa relação entre compadres se
transformou num mecanismo de integração vertical, ao articular e legitimar as diferentes classes ou grupos sociais feudais.
Essa funcionalidade integrativa do compadrio, gerando vínculos horizontais (entre os membros de um mesmo grupo) ou
verticais (entre membros de diferentes grupos), repete-se em outros contextos históricos e sociais, em especial quando a
reprodução social e econômica das pessoas continua fortemente ligada às relações de parentesco

9
O capitalismo na Amazônia se implanta com dimensões diversas das outras regiões
do Brasil em virtude do seu “natural” e “peculiar” aspectos geomorfoclimáticos e da forma
como os grupos sociais se adaptaram a região, o extrativismo sempre foi a atividade
econômica principal. Dessa forma, assim como outras cidades do Amazonas, Coari
também tinha no extrativismo sua base econômica.

A partir da década de 1950 quando se inicia no Brasil o modelo industrialista, onde


a ideologia do progresso, está intimamente ligada ao desenvolvimento industrial. Nesta
visão de desenvolvimento o homem Amazônico extrativista é visto como um obstáculo
para o avanço do processo civilizatório. O moderno e o industrial devem se sobrepor, ao
modelo extrativista dos ribeirinhos, caboclos e índios que são seres genéricos e
ignorantes, sem essência e individualidades. Esse desprezo ao local favorece a
submissão, na qual se sustenta pela ideologia do progresso e da modernidade.

Quanto à Amazônia, ela é representada como uma terra virgem,


inacessível, uma selva impenetrável e mieriosa, imagens que se
prolongariam na representação de um deserto: um espaço vazio de
civilização, associado à suposta ausência de cultura dos povos indígenas,
o que, afinal de contas, vai materializando o descentramento geográfico
que acaba por criar o mito de uma marginalidade histórica (THIERION,
2014, p.47.)
A implantação do modelo desenvolvimentista a partir da década de 1960 na
Amazônia se baseava na integração da região ao capitalismo nacional, com diversos
projetos de construção de estradas, portos e aeroportos (infraestrutura) e projetos
voltados para o setor agropecuário, ao mesmo tempo que madeireiros, garimpeiros
cobiçavam e exploravam diversas terras indígenas, gerando diversos conflitos entre
agricultores e indígenas, madeireiros e indígenas, garimpeiros e indígenas.

A visão desenvolvimentista adotada para o Amazonas se choca com a realidade


extrativista do homem amazônico, diversos autores criticam este modelo
desenvolvimentista, especialmente Ferguson e Escobar (1995). Ferguson (1994) realiza
uma crítica afirmando que este modelo de desenvolvimento é uma proposta apolítica e
acrítica, na medida que o aparelho estatal, agencias de desenvolvimento, organismos
internacionais de desenvolvimento usam a ideia de “falta de algo” a ser corrigido pelo
desenvolvimento, o que Escobar chama de a “infantilização do terceiro mundo”, e
não tocam nos grandes problemas sociais e nos seus conflitos, pois se de alguma

10
forma ou outra entrassem nestas questões não haverá aliança para execução dos
projetos de desenvolvimento. Segundo Escobar ( se faz necessário a superação deste
modelo de desenvolvimento foi – e – continua ser em grande parte – uma abordagem
de cima para baixo, etnocêntrica e tecnocrática que trata as pessoas e as culturas como
incapazes de gerarem desenvolvimento local.

Essa identidade amazônica com um processo colonizador português que via nestas
terras amazônicas somente a cobiça para a exploração dos produtos oriundos da floresta,
permaneceu por séculos povoada por índios, ribeirinhos, caboclos quase sem nenhuma
assistência das políticas públicas de educação, saúde, transporte, apresenta na maioria
de seus municípios indicadores de desenvolvimento humanos que estão muito aquém da
maioria das cidades brasileiras. Para Brandão (2011) as desigualdades históricas
brasileiras demonstram claramente que existe uma concentração espacial e de riqueza
no litoral e centro sul, dessa forma uma agenda de planejamento regional, deve partir de
uma solidariedade inter-regional entre os atores inter-regionais e intra-regionais, levando
emconsideração as dimensões continentais do Brasil. Segundo Cidade (2008) os
primeiros estudos sobre Desenvolvimento Local fazendo conexão com a ideia de território
remontam a década de 1970, com Walter Stohr, Fraser Taylor, John Friedman e Clyde
Weaver , e priorizando a realidade local. Estes estudos apresentam uma variedade de
temas como: geopolítica, a questão das cidades modernas, os fenômenos da segregação
racial e as cidades do terceiro mundo com Milton Santos. O Espaço passa ser uma
oportunidade para entender os aspectos instigantes da sociedade e os diversos modos
de produção dominantes, no caso da Amazônia este espaço tem características bem
peculiar e diversa.

Um fator importante para analisar a realidade local do município de Coari em


entender como ocorre o repasse dos Royalties4. Este sistema foi implantado pela primeira
vez no Brasil através da Lei nº 2004 de 03 de outubro de 1953, a legislação que
estabelecia o pagamento de 5% sobre o valor destes recursos e 20% sobre a produção e
determinava que estados, territórios e municípios, somente poderiam aplicar na produção
de energia elétrica e na pavimentação de rodovias. Posteriormente ocorreram diversas

4
O royalty é uma compensação financeira devida ao Estado Brasileiro pelas empresas que produzem petróleo e gás natural
no território brasileiro. É uma remuneração pela exploração desses recursos não-renováveis. Incide sobre a produção, sendo
recolhidos mensalmente pelas empresas concessionárias à Secretaria do Tesouro Nacional - STN.
(Acesso em: 28/09/2017).

11
legislações como a de Lei nº 7.990, de 28 de dezembro de 1989, regulamentada pelo
Decreto No 01, de 11 de janeiro de 1991, em 09 de novembro de 1995, a Emenda
Constitucional nº 9 alterou o artigo 177 da Constituição Federal de 1988 e, mantendo o
monopólio sob a égide da União, passou a permitir que esta contratasse com empresas
estatais ou privadas a realização das atividades de exploração e produção. A partir de
1997, o regime de regulação do setor de petróleo e gás natural no Brasil sofreu diversas
modificações como a quebra do monopólio da Petrobrás nas atividades de exploração, de
desenvolvimento, de produção e de refino de petróleo e de gás natural instituído pela
Emenda Constitucional citada e regulamentado pela Lei nº 9478, de 06 de agosto de 1997,
revogando Lei 2004/53.

Os royalties tem uma alíquota de 10% sobre o valor da produção, avaliada de


acordo com um preço de referência calculado pela média ponderada dos preços de venda
no mercado ou por um preço mínimo fixado pela Agencia Nacional de Petroleo (ANP)
Segundo dados as ANP a Petrobras repassou ao munícipio de Coari-AM nos útimos dez
anos em forma de royalties os seguintes valores:

Quadro 2 – Valores repassados ao município de Coari -AM


Arrecadação Anual Líquida em Coari (em R$ 1,00) Repasse de Royalties por parte da
Petrobras

2006 2007 2008 2009 2010

43.365.069,27 38.845.088,10 51.445.180,49 39.739.769,25 46.048.817,45

2011 2012 2013 2014 2015

58.079.653,42 72.381.548,31 71.346.644,74 72.381.548,31 50.394.294,85

Dados da Agencia Nacional do Petróleo -ANP

Toda a infraestrutura do município, desde o ano de 1996, resulta dos abundantes


recursos repassados pelo Royalties, 83,4% das receitas são oriundas de fontes externas,
Em 2015, o salário médio mensal era de 3.4 salários mínimos ocupando a maior renda
dos municípios do Estado do Amazonas. A taxa de mortalidade infantil média na cidade é
de 18.24 para 1.000 nascidos vivos, ficando na posição 27ª entre os 62 municípios do
Estado. A cidade saiu de uma população de 14.787 em 1980 para mais de 75.000 em
2010 significa um crescimento superior a 300% em apenas 25 anos. (IBGE,2010 )

12
Imagem 1 - Base Petrolífera de Urucu

Fonte: <http://www.petrobras.com.br/bacia-do-solimoes/> (Acesso em: 13/09/2017).

Imagem 2- Moradias em Coari que ficam localizadas no frente da Cidade.

Fonte- Tese de Doutorado. Pela margem: ribeirinhos e transformações sociais na Amazônia .Raimundo Emerson Dourado Pereira -
PUC/SP.2016.

Com o aumento populacional as demandas sociais por educação, moradia, saúde se


tornaram urgentes. Apesar dos investimentos nesta área ocorrerem, ainda não atendem ampla
maioria da população. Este processo de urbanização acelerada trouxe consigo alguns elementos
interessantes nesta relação rural e urbano que iremos abordar a seguir.
As ruralidades entrelaçadas do urbano em Coari têm suas dinâmicas especificas. Como
a maioria da população urbana migraram das comunidades ribeirinhas próxima de Coari em um
período bastante recente, com menos de 30 anos, muitas pessoas tem uma forte ligação com as
comunidades ribeirinhas, pois, tem amigos, parentes e possuem terras nas áreas rurais, portanto
os laços de identidade cultural ainda permanecem vivos. A maioria das pessoas ainda mantem

13
contatos intensivos com os “parentes”, amigos e retornam as estas comunidades várias vezes
ao longo do ano.

Entre os elementos culturais e sociais que permanecem vivos na população de Coari,


estão as técnicas do uso do solo com uso intensivo da mão de obra familiar quase sempre
alicerçada no baixo impacto ambiental, técnicas de captura de animais silvestres, períodos
apropriados para pescar determinados espécies de peixe. Um outro exemplo que apesar de ter
incorporado a sua base alimentar produtos de outras culturas, ainda se consome bastante peixe,
frutos da floresta, animais silvestres. Muitas pessoas ainda conhecem as técnicas de fabricação
e uso de canoas, muitas das casas tanto rurais quanto urbanas são com material vegetal e o uso
de rede para dormir é comum entre as pessoas.

Imagem 3- Foto aérea dos rios que margeiam a cidade de Coari

Fonte- Tese de Doutorado. Pela margem: ribeirinhos e transformações sociais na Amazônia .Raimundo Emerson Dourado
Pereira - PUC/SP.2016

Um fator importante é a forte ligação da população de Coari com as vazantes e


cheias dos rios que fazem surgir a várzea amazônica, onde se pesca e se caça e se
produz alguns produtos agrícolas para o consumo familiar, e esporadicamente os
excedentes são comercializados nas feiras e mercados de Coari. No que tange as
habitações tanto na área urbana quanto nas áreas rurais as casas são construídas em
madeira e com telhado de alumínio, todas seguindo o mesmo modelo arquitetônico.

14
Um fator quase místico muito presente na relação do rural e urbano em Coari, é
como as pessoas se relacionam com o Rio, como assinala Dourado (2016) citando
Leandro Tocantins:

O rio adquire uma associação quase mística com os homens que habitam
os rincões da Amazônia. As comunidades, as barracas, os barracões se
desenvolvem à beira dos rios, junto aos barrancos inundáveis, equilibrados
nos esteios de madeira, prontos para locomoverem-se para trás se as terras
caídas ameaçarem as palafitas, mas sempre junto ao rio, na atração máxima
do caudal de águas que é o caminho das energias vitais e comanda a vida
no anfiteatro amazônico. Para esse autor o rio conduz a vida dos ribeirinhos,
pois que das relações que estabelecem com o ambiente natural, pode-se
notar que “o homem e o rio são os dois mais ativos agentes da geografia
humana da Amazônia. O rio enchendo a vida do homem de motivações
psicológicas, o rio imprimindo à sociedade rumos e tendências, criando tipos
característicos da vida regional” (TOCANTINS, 1988, p͘.233) ͘

Esse hibridismo do rural e urbano presentes no município de Coari são reflexos de


uma sociedade capitalista que se implantou na Amazônia brasileira. Apesar de fazer parte,
como um fornecedor de matéria prima fundamental para o consumismo industrialista da
chamada moderna sociedade capitalista, e ao mesmo tempo apresentar os contrastes
sociais, desigualdades, carência na área de saúde, infraestrutura urbana, são
características marcantes e presentes em quase todas cidades de porte médio no Brasil,
a presença do Rural tanto nos aspectos culturais quanto nos aspectos de uso e exploração
do solo e relação homem natureza nos parecem ainda fortemente marcantes no cotidiano
das pessoas que residem em Coari-AM.

15
REFERÊNCIAS
ASCHER, François. Os princípios do novo urbanismo. Lisboa; ED. Livros Horizonte, 2012.
Capítulos 4.

BRANDÃO, Carlos. A Busca da Utopia do Planejamento Regional. Revista Paranaense de


Desenvolvimento, Curitiba, n.120, p.17-37, Jan./Jun. 2011. Disponível em:
http://www.ipardes.pr.gov.br/ojs/index.php/revistaparanaense/article/view/263

BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Constituição da República Federativa do Brasil.


Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm.>
Acesso em: 28 agosto 2018.

______.______. Decreto n. 2.705, de 03 de outubro de 1998. Define critérios para cálculo e


cobrança das participações governamentais de que trata a Lei nº 9.478, de 6 de agosto de
1997, aplicáveis às atividades de exploração, desenvolvimento e produção de petróleo e
gás natural, e dá outras
providências.Disp.em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D2705.htm>. Acesso em 28
agosto. 2018..

CASTRO, E.M.R., FIGUEIREDO, S., RIVERO, S.L.,ALMEIDA, O.Pensamento crítico sobre a


Amazônia e o debate sobre desenvolvimento. Paper do NAEA 379, Janeiro de 2018.

CIDADE, Lucia C.F.; VARGAS, Gloria M.;JATOBÁ, Sergio U. Regime de acumulação e


configuração do território no Brasil. Cadernos Metrópole, São Paulo, 20 p.13-35, 2ºsem.2008
Disponível em http://revistas.pucsp.br/index.php/metropole/article/view/863.

COARI (AM). In: ENCICLOPÉDIA dos municípios brasileiros. Rio de Janeiro: IBGE, 1957

COSTA FILHO, Nilton. A maldição do petróleo: a difícil sincronia entre rendas petrolíferas
e desenvolvimento no Município de Presidente Kennedy/ES./ Nilton Costa Filho. Dissertação
de Mestrado em Planejamento Regional e Gestão de Cidades. Universidade Candido
Mendes – Campos. Campos dos Goytacazes, RJ, 2016.

ESCOBAR, Arturo. Encoutering development: the making and unmaking of the Third World.
Princeton, Princeton University Press,1995.
FERGUSON, James. The Anti-Politics Machine: “Development”, Despolitization, and
Bureaucratic Power in Lesotho. Minneapolis & London: Oxford University Press, 1994.

DAVOUDI, Simin and STEAD, Dominic. Urban-Rural Relationships: an introduction and brief
history. Built Environment. 2002,: 28(4): p. 269-277.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Disponível em:
<http://www.ibge.gov.br>. Acesso em: 1 set. 2018.

16
MINTZ, S. & WOLF, E. “An analysis of ritual co-parenthood”. Southwestern Journal of
Anthropology. 1950.
MUNTON, R. (1983) London’s Green Belt: Containment in Practice (London: George, Allen and
Unwin).
PEREIRA. Raimundo Emerson Dourado. Pela margem: ribeirinhos e transformações sociais na
Amazônia. Tese de Doutorado na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo.
2016.

SANTOS, Milton. Por uma outra Globalização – do pensamento único à consciência universal.
Rio de Janeiro: Record, 2000.
SCHOR, OLIVEIRA, MORAES E SANTANA. Apontamentos metodológicos sobre o estudo de
cidades e de rede urbana no Estado do Amazonas, Brasil. PRACS: Revista Eletrônica de
Humanidades do Curso de Ciências Sociais da
UNIFAPhttps://periodicos.unifap.br/index.php/pracs ISSN 1984-4352 Macapá, v. 9, n. 1, p.
09-35, jan./jun. 2016
SOUZA, Marcelo L. O que devemos entender por Desenvolvimento Urbano? In. O ABC do
Desenvolvimento Urbano. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. 2006. Cap. 6. p.93-102.

THIERION, Brigitte. Olhares sobre a terra e o homem da amazônia: um imaginário em


construção. Trabalho apresentado no Simpósio Amazonia: Travelers, Writers, and Its
People, University of California, Davis, 12-13 de Maio. p.43-65, 2014.

TRINDADE, Saint-Clair Cordeiro. Das “Cidades na Floresta” às “Cidades da Floresta”: Espaço,


Ambiente e Urbanodiversidade na Amazônia Brasileira. Paper do NAEA 321, Dezembro de 2013.
WEBER, Max. A objetividade do conhecimento nas ciências sociais. In: COHN, Gabriel (Org.).
FERNANDES, Florestan (Coord.). Weber – Sociologia. Coleção Grandes Cientistas Sociais, 13.
São Paulo: Ática, 1999, p. 79-127.

17

Você também pode gostar