Marie Claude Thomas - Introdução para Uma Genealogia Do Autismo
Marie Claude Thomas - Introdução para Uma Genealogia Do Autismo
Marie Claude Thomas - Introdução para Uma Genealogia Do Autismo
ISSN
339
Introdução para
Marie-Claude uma genealogia do autismo
Thomas
Marie-Claude Thomas*
Tradução: José Durval Cavalcanti de Albuquerque**
R ESUMO
Este artigo propõe uma leitura crítica da concepção atualmente dominante
desse fenômeno recente chamado “autismo infantil”. Inspirado pelo método de M.
Foucault, ele situa o autismo na épistémé da qual ele é produto. Propõe-se uma clínica
crítica da entidade psicopatológica construída por L. Kanner no contexto preciso do
behaviorismo dominante então, notadamente o linguístico (L. Bloomfield). Ques-
tionam-se também os efeitos do nome “autismo”, do sintagma “criança autista”. Essa
construção kanneriana, difundida entre psiquiatras de crianças e psicanalistas, impli-
ca uma concepção de causalidade que justifica as múltiplas pesquisas em genética ou
neurociências, mas que não é a concepção de causalidade específica da psicanálise.
Portanto, levanta-se a questão: é legítimo que a psicanálise e os psicanalistas contribu-
am para essa Psychopathia Autista?
Palavras-chave: autismo; psicanálise; psicopatologia; causalidade.
A BSTRACT
Introduction to a genealogy of autism
This article proposes a critical review of the currently dominant conception of this
new phenomenon called “infantile autism”. Inspired by the method of M. Foucault, au-
tism is situated in the épistémé from which it is a product. The psychopathological entity
“autism” was built by L. Kanner in the specific context of behaviorism dominant at that
time, specially the linguistic behaviorism (L. Bloomfield). It also questions the effects of
name “autism”, the expression “autistic child”. This kannerienne construction, dissemi-
nated among children psychiatrists and psychoanalysts, involves a conception of causality
which justifies the multiple researches in genetics and neurosciences, but that is not the
Tomando um saber como a psiquiatria, será que a questão não será mui-
to mais fácil de resolver (do que aquela das relações entre a física teórica
ou a química orgânica com as estruturas econômicas e políticas da so-
ciedade) porque o perfil epistemológico da psiquiatria é fraco e também
porque a prática psiquiátrica está ligada a toda uma série de instituições,
de exigências econômicas imediatas, de urgências políticas, de regula-
ções sociais? Será que no caso de uma ciência tão “duvidosa” como a
psiquiatria não podemos apreender de uma maneira mais eficaz os efei-
tos embaraçosos do poder e do saber? (Dreyfus & Rabinow, 1984: 171).
O GESTO DE KANNER
Desde 1938 nossa atenção foi dirigida para um certo número de crian-
ças cujo estado difere de maneira bem marcante e bem distinta de tudo
aquilo que foi descrito anteriormente, dos quais cada caso merece – e eu
espero que termine por receber – uma consideração detalhada nas suas
particularidades fascinantes (Kanner, 1943: 1).
No momento em que fez esse gesto, que terá ele feito? Em ar-
tigo ulterior, “O nascimento do autismo infantil precoce”, Kanner
(1973) será mais preciso:
Então, por um golpe de sorte (um dom que não foi procurado no iní-
cio), meu nome se encontrará associado a uma afecção que não havia
sido descrita anteriormente. Em outubro de 1938, um menino de cinco
anos foi conduzido de Forest, Mississipi (a mais de 1500 km de Balti-
more), até minha clínica. Fiquei impressionado pela característica única
dos traços apresentados por Donald (Kanner, 1973: 93).
O nome das coisas importa infinitamente mais do que o que elas são. A
reputação, o nome, a aparência, o valor, o peso e a medida habitual de
uma coisa – que na origem são apenas o erro, o arbitrário com o qual a
coisa se encontra revestida, como com uma roupa perfeitamente estra-
nha a sua natureza e a sua pele –, a crença em tudo isso, transmitida de
uma geração à outra, vai pouco a pouco constituir o próprio corpo da
coisa; a aparência do começo sempre termina por se tornar essência, e
funcionar como essência! Que loucura pretender denunciar essa origem,
esse véu nebuloso do delírio de aniquilar o mundo tido por essencial,
na sua assim dita “realidade”! Só os criadores podem destruir. Mas não
esqueçamos o seguinte ponto: é bastante criar novos nomes, aprecia-
ções, verossimilhanças para criar com o passar do tempo novas “coisas”
(Nietzsche, 1882/1993).
jogo, servem-se dessa tela: ela se regozija com seu autismo. Ela mos-
tra também que esse efeito em cascata pode se desencadear e colocar
em suspenso um destino já traçado do autista.
PERGUNTAS
Rutter (1978/1991: 399, 400, 404) incide no fato de que “não existem
avaliações sistemáticas” da Theraplay, e “que há poucos testemunhos
diretos que concernem à terceira etapa de argumentação, a saber, as
vantagens do jogo”, jogo que ele faz questão de nomear “jogo social”,
como se o jogo não fosse, de saída, social. Mais adiante, dirá que “os
argumentos de DesLauriers fornecem uma base insatisfatória para a
elaboração de uma intervenção terapêutica” (Rutter, 1978/1991: 399).
Talvez um efeito eficaz não se encontre somente na hipótese de base
psicológica... Nessa época li esses debates com interesse.
Minha atenção voltou-se depois para as páginas do livro de Ja-
cques Hochmann (2009) nas quais se encontra resumido o trabalho
de DesLauriers com Clarence: num artigo de 1978 o terapeuta faz
uma resenha do caso (DesLauriers, 1978). O resultado desse jovem
paciente faz parte do que Kanner chamava de histórias de sucesso.
Será que DesLauriers (1978), ao publicar o caso de Clarence,
levou em conta a exigência de Rutter (1978/1991), a de uma ava-
liação? Se for o caso, ele a fez com sua prática do jogo e com um
caso singular, e não com um grupo e estatísticas, quer dizer, ele pôde
recusar o Todo.
O Theraplay de DesLauriers (1963/1969) não será uma das for-
mas, além das alegadas fontes científicas fisiológicas, de “fazer par”
com os casos de autismo, criando o significante? Não será ela uma
“técnica erótica”, sem muitos conhecimentos generalizáveis, mas não
sem efeitos reais, imaginários e simbólicos naquele que não fala ain-
da, no infans?
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS