Livro Donasci
Livro Donasci
Livro Donasci
Artur Matuck
Otávio Donasci
Organizadores
2017
São Paulo
3
Coleção Meta-Autoria
COLABOR | PGEHA | USP
Conselho Editorial
Artur Matuck
Antonio Herci
Karina Quintanilha
Antonio de Pádua Rodrigues
Naira Ciotti
Rosane Borges
Ivaldo Brasil
Babatunde Lawal
Rodrigo Maceira
Catalogação na Publicação
Serviço de Biblioteca e Documentação
Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo
ISBN 978-85-7205-173-6
4
ÍNDICE
Prefácio
Artur Matuck.......................................................................7
Sobre os autores.................................................................212
5
Prefácio
Prefácio|7 7
ticas, video-instalações, video-interativos e videocriaturas. O reco-
nhecimento por esse trabalho veio com o Prêmio Shell de Realização
com Viagem ao Centro da Terra em 2001.
A peça multimidiática “Viagem ao centro de terra” de 1992
que acontecia num subterrâneo da cidade, no interior de um tú-
nel abandonado, foi seguida pelo espetáculo “A Grande Viagem
de Merlin” de 1994, uma forma de teatro processional. Um ônibus
levava os expectadores para vários lugares. Nestes experimentos
absolutamente originais teatrais, Donasci atuou junto com Ricardo
Karman, como autor/diretor das vídeos instalações e como o proje-
tista das sequências experienciais que os expectadores passariam.
Artur Matuck
8 8 | Artur Matuck
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Performance e jogos de linguagem: campo
expandido e lugar próprio em Otávio
Donasci
Antonio Herci
Performance e jogos de linguagem: campo expandido e lugar próprio em Otávio Donasci |11 11
Nova-mente (Figuras 4 a 8) foi apresentada no Festival de
Inverno de Campos de Jordão, em 1981.
Koellreutter já havia convidado Donasci para o curso de compo-
sição, e para ajudá-lo a organizar o concerto final. Conta Donasci,
em entrevista para o Canal Contemporâneo (concedida em outu-
bro de 2011), que alegou ao mestre: “mas eu não sei tocar nada”.
Koellreutter respondeu para ele: “você vai tocar vídeo! ”
Os músicos dispunham-se em um círculo, tendo ao centro uma
partitura planimétrica, o método gráfico de composição e escrita
que o professor utilizava. E no primeiro plano do palco diversos
televisores voltados para o público projetando cenas planejadas e
soltadas manualmente (em videocassetes), já que não existia ainda
tecnologia on-line.
Entrava, pela primeira vez, a vídeo criatura: um ser humano
com cabeça de televisão (ainda de tubo na época). Essa cabeça era
do próprio Donasci parodiando o governador da época, Paulo Maluf,
com frases típicas da política, principalmente promessas. O detalhe
é que o governador em pessoa fazia parte da plateia. Em dado mo-
mento entravam atores dizendo, no ouvido das pessoas em cochicho:
“é mentira, é mentira, é mentira...”, referindo-se às promessas que a
vídeocriatura ia fazendo, como bom político. A orquestra em círculo,
em volta da partitura também circular composta de desenhos, grá-
ficos e diagramas, executava a obra sob a regência de Koellreutter,
explorando, além dos sons tradicionais dos instrumentos, formas
inusitadas de tocar.
Em dado momento, quando a peça já discorria há um tempo, o
professor fixou, com fita adesiva, uma nota de um sintetizador, tam-
bém estreante em palcos eruditos de então, que começou a emitir
uma nota média prolongada.
Todos pararam sob o comando de Koellreutter, ficando a soar
apenas a nota. Por muitos e muitos minutos, causando aplausos,
vaias, tendo o público abandonado o auditório, voltado ao auditório
depois, novos aplausos e vaias...
12 12 | Antonio Herci
Figura 4: Nova-mente, partitura gráfica. Fonte: acervo pessoal.
Cibernética
Se para Aristóteles a mimese se caracterizava pela imitação dos
processos da Natureza, em Koellreutter abre-se uma outra alter-
nativa: nossos processos não mais copiam a natureza, mas moldam
uma natureza cibernética, comandada por algoritmos, mas que
pode acabar presa deles, ao render-se ao modelo. Paradoxalmente
Koellreutter propunha a humanização da máquina como superação
humana para a crise, pois a alternativa à humanização da máquina
é a submissão aos algoritmos e ao controle absoluto dos modelos.
Para Koellreutter, a cibernética era inevitável, como é inevitável
para o míope usar óculos, se não quer ver o mundo desfocado. Veja-
se que o termo tecnologia e ciência tem um sentido amplo para o
compositor. Utilizar-se das notas temperadas, que é uma tecnologia,
Performance e jogos de linguagem: campo expandido e lugar próprio em Otávio Donasci |13 13
é similar a organizar uma estética dodecafônica, outra tecnologia. A
diferença entre ambas, na leitura pessoalíssima de Koellreutter, é
que a dodecafonia poderia conter em si a expressão da tonalidade,
se necessário à forma da música, pois acreditava que uma forma
posterior mais abrangente tenha que conter a anterior, através do
seu conceito de alfa privativo, ou contrariedade sem contradição. E
por forma entendia-se a forma que adquiria cada uma das músicas,
não havia uma forma padrão.
14 14 | Antonio Herci
semântica do que se chama gosto através da quebra sistemática da
regulação da tonalidade, numa aliança entre estética e pedagogia
social. A quebra da obra e a abertura da percepção auditiva inci-
diriam sobre uma rede de sentidos, uma forma de vida, e o cam-
po de expansão da arte poderia abrir um halo para além dele: um
campo expandido. Não se trata mais do halo da obra romântico,
da qual Walter Benjamin já ousara escrever a lápide (BENJAMIN
1987), mas de algo que surge, estando sempre presente. Como se
Koellreutter quisesse um novo round entre Thomas Edison e Tesla,
questionando até que ponto a tecnologia, malgrado inevitável, deve
servir à humanidade ou aos royalties que emana: e no final, seria
mesmo a “luz fria” que abriria o tempo da tecnologia sustentável no
século XX. Tesla acaba reagindo em cada choque de partículas que
mostra o quão descontínuo é o continuo que vemos trivialmente.
Quanto à perspectiva cibernética, Koellreutter e Schenberg
também desenvolvem um pensamento bastante similar, ao consi-
derar as questões para um novo humanismo.
Performance e jogos de linguagem: campo expandido e lugar próprio em Otávio Donasci |15 15
Na sociedade planetária trata-se, antes de mais nada, de valori-
zar as características culturais que nos diferenciam e, ao mesmo
tempo, redescobrir o homem como parte integrante de um todo.
(KOELLREUTTER 1984, 18).
O sujeito reaparece
A estética do século XX afasta-se do sujeito onipotente da obra.
Agamben descreve um arco que, começando em Walter Benjamin e
chegando em Foucault que descreve o que foi consagrado como “a
morte do sujeito”.
Por sua vez, Adorno lança a Dialética Negativa, em que o sujeito
acaba se dissolvendo no próprio objeto.
O sujeito romântico, o senhor da obra, chegaria mesmo a ser si-
nônimo de decadência entre as formas tenderiam para uma espécie
de neoclassicismo, que teriam nas formas, concretas ou abstratas,
uma visão de transcendência e modelo.
A década de 1980 recoloca essa questão de forma drástica: Não
existem mais formas e sim modelos. A autoria é um direito virtual
que não mais vincula-se à reprodução, mas sim ao uso. E os esti-
los passam a conviver em uma espécie de pacto de condomínios fe-
chados, onde cada um estabelece-se por popularidade disseminan-
do a estrutura necessária para difusão. Por isso mesmo cada vez
mais é necessário perguntar e estabelecer a origem da obra, tanto
para o juízo estético quanto para seu valor, artístico ou de merca-
do. E por origem duas coisas passam dividir o espaço, o projeto e a
performance.
E o primeiro ponto crucial disso foi o restabelecimento do sujeito,
do artista-criador, cujo valor é a marca de sua estética na expressão
do seu tempo: sua personalidade. Em grande sintonia com a reto-
mada, nas artes plásticas e nas performances, do trabalho assinado
e com marcas de personalidade, Koellreutter acaba sendo o indutor
de toda uma geração a lançar-se ao seu subjetivismo, construin-
do uma estética que desse respostas a problemas de sua própria
geração.
No entanto, paradoxalmente, o sujeito criador que Koellreutter
restabelece não é mais uma pessoa, e sim um disseminado, formas
separadas numa forma só: uma rede que permitia conceber a cria-
ção da obra como um PROCESSO, de forma que fazia disso também
o processo de constituição teórica, pedagógica e estética.
16 16 | Antonio Herci
O trabalho do artista vai além da partitura, pois o PROCESSO
DE CRIAÇÃO faz dele também responsável também pela difusão e
pela pedagogia e defesa dos seus valores, isto é, a criação da obra é
também sua constituição teórica e pedagógica.
Figura 7: Nova-mente, preparação e planejamento da peça
A suma disso é que a estética e a retórica compartilhando
esse campo híbrido que se abria com a queda da ditadura e grande
parte da solução de problemas contemporâneos de um Brasil que
finalmente saía da ditadura militar e teria que superar a lingua-
gem metafórica e o anonimato ou universalidade da crítica. Nem
todos os gatos seriam mais pardos, e diversos matizes acabaram
saindo do armário, junto com uma enorme pressão de mudanças
morais, sexuais e raciais que, reprimidas indistintamente e violen-
tamente sob ditadura, naquele momento iniciavam o exercício de
suas expressões em discursos cada vez mais radicais na direção de
demandas reprimidas.
Performance e jogos de linguagem: campo expandido e lugar próprio em Otávio Donasci |17 17
Ruído e redundância
A introdução do ruído, ou do que atrapalha a comunicação, como
elemento estético. A utilização da redundância, ou repetição, como
repetição do diferente. No caso da nota repetida isso é evidente: ela
se repete de forma diferente no decorrer de sua repetição. Sua mo-
notonia está emoldurada por acontecimentos que a criam uma nova
camada de significados decorrentes diretos da performatividade.
A peça mistura e organiza elementos de diversas linguagens que
concorrem para um mesmo efeito, imprevisível e que apenas toma
ou dá sentido estético quando performado. A introdução do vídeo
torna-se um elemento disparador para novos horizontes criativos
e relacionais. O cochicho ao invés da voz impostada também é um
exemplo de reutilização das linguagens.
Ademais disso, introduzem uma ligação entre estética e tecno-
logia que se aprofunda cada vez mais com o desenvolvimento dos
softwares e da Inteligência Artificial.
Figura 8: Nova-mente, orquestra contracenando com monitores de TV. Fonte: acervo
pessoal.
Política e conscientização
O fato de o governador estar presente, da impostação da vídeo-
criatura ser típica do político, de fazer promessas parecidas com as
que eram feitas e a entrada dos atores cochichando ao pé do ouvido
que era mentira acabou por expandir o campo expressivo de forma
que conquistou, na prática, um lugar próprio, um lugar na polis:
uma dimensão política.
18 18 | Antonio Herci
serradeiras, talhadeiras e lixadeiras (elétricas e simples), apare-
lhos de marcenaria, martelos, etc. Os executantes (em torno de
95) foram os próprios operários, misturados a um grupo de alunos
meus.
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Do desespero humano,
Somos a grande voz anônima
Dos oprimidos
Que não sabem
Ou não podem falar ... “ (Transcrito por AMADIO 1999, 106)
Segundo Bezerra (BEZERRA et al. 2012, 31) teatro foi reinaugura-
do com uma extensa pauta, que começara logo pela manhã, no dia
26 de janeiro de 1991. Um dos destaques foi Amir Haddad, mestre
do teatro de rua, “que começou em cortejo na Praça do Ferreira, indo
para a Praça José de Alencar para finalmente invadir as dependên-
cias do teatro já no final da tarde”. Outro destaque foi Koellreutter:
20 20 | Antonio Herci
mento e ferramenta induz a uma interpretação metafórica também
do trabalho humano, tanto em seu sentido na participação dentro
de um modo de vida, onde por fim “apropria-se do discurso”, como
metáfora da liberdade — por isso mesmo a partitura é baseada em
diagramas que contam com a aleatoriedade de eventos — e quan-
to ao sentido de autoria metaforicamente apropria-se dos bens de
produção para realizar uma obra criativa: que seja expressão do
seu caráter. Tudo isso oferece uma riqueza polissêmica que, atra-
vés da performatividade, de fato percorrem o que Danto chama de
transfiguração.
Performance e jogos de linguagem: campo expandido e lugar próprio em Otávio Donasci |21 21
transforma coisa alguma no mundo da arte. Ela simplesmente
traz à luz da consciência as estruturas da arte, o que sem dúvida
pressupõe que tenha havido um certo desenvolvimento histórico
para que a metáfora fosse possível. Uma vez possível, algo como
a Brillo Box já era a um só tempo inevitável e vão. Inevitável por-
que o gesto tinha de ser feito, fosse com esse objeto ou com algum
outro. E vão porque, uma vez feito o gesto, não havia mais razão
alguma de fazê-lo. (DANTO 2005, 298)
22 22 | Antonio Herci
de produção fragmentada, exploratória, desorganizadora de classe,
que é o canteiro de obras da reforma do Theatro, se transfigura no
canteiro de obras do Rôdô, o canteiro de obras do próprio trabalho.
O lugar próprio do canteiro de obras da obra é a figuração de si
como técnica, conhecimento e subjetivação colaborativa ou desfrag-
mentada das regras do jogo estético.
Mas estamos falando em transfiguração do lugar, tomemos ago-
ra lugar no seu sentido estrito: o canteiro de obras que se torna o
canteiro de obras da obra. Evidentemente existe, na própria base do
que se chamou de transfiguração, uma razão de significação entre
o lugar o sentido da obra. Ambos são indissociáveis: onde a obra
ocorre é parte da própria obra e vice-versa, só pode ser parte da
obra se concorrer, ocorrer junto com ela. Vale dizer, a obra tem um
componente de sentido que se aproxima do que será um dos para-
digmas da arte contemporânea até as primeiras décadas do século
XXI: o site específico.
Mas além disso, também mudava o paradigma que reivindicava
estruturalista, e a obra carrega-se de um máximo de subjetividade
e o sujeito da obra, os operários, voltam a figurar como componen-
tes necessários de autoria. No entanto, ao invés disso significar um
passo atrás, em direção ao gênio ou autor romântico, que pairava
senhor absoluto sobre a obra, também aqui Koellreutter revela as-
pectos de uma contemporaneidade que estava apenas engatinhan-
do, mas já mostrava ali suas marcas: a autoria colaborativa.
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Figura 9: Viagem ao Centro da Terra, peça montada em túnel abandonado. Fonte:
Otávio Donasci, acervo pessoal.
24 24 | Antonio Herci
A localização da obra, nestes dois casos, em Rôdô e em Viagem
ao Centro da Terra, além de esteticamente estar muito bem resol-
vida como forma, quando ocorre no espaço de construção do Teatro
que será inaugurado (Rôdô) — como cenário onde os operários serão
os artistas —; ou quando percorre o espaço de um túnel abandonado
sob o Rio Pinheiros — como cenário de uma Viagem do Centro da
Terra — assumem também seu lugar próprio na ágora, na política e
nos debates da cidade, ao mobilizar o escombro como símbolo de um
projeto político e conseguir costurar um amplo leque de negociações
para viabilizar a aprovação e uso, uma batalha política e judicial.
Torna-se um manifesto!
Neste sentido, relaciona-se duplamente com o espaço: (i) o es-
paço físico reapropriado do túnel; (ii) o espaço político da cidade em
seu entorno, evocando a obra como argumento político.
De forma que ao transmutarem o lugar comum e constituírem
um valor específico como lugar (site específico) trouxeram para pri-
meiro plano as relações entre a estética, a ética e a retórica, de
modo que a obra ao mesmo tempo ocorre e ocorre como metadis-
curso retórico de si mesma, como pregação simbólica que se tornou:
seus signos transmutaram-se em tópicos de uma arena ideológica.
As estéticas ampliam os horizontes iniciais da criação artística
estabelecendo um campo cuja característica é a expansão discursi-
va e a aproximação entre a estética e a retórica. A obra, utilizando-
-se do ser lugar próprio e de seu campo expandido de discurso, volta
seu sentido para a convocação do outro para uma causa:
— Psiu, ei você!
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26
Imagem relacional: apontamentos sobre
as videoinstalações de Otávio Donasci
O Surgimento da Videocriatura
Otávio Donasci e muitos artistas que viveram em países como
Brasil e Estados Unidos se dedicaram a experimentar as possibili-
dades artísticas do vídeo em meados das décadas de 1970 e 1980. A
ideia subjacente a essas experimentações era contrapor o formato
hegemônico da televisão e sugerir outras formas de concebê-la como
meio de expressão, contestação e comunicação bidirecional. Artistas
como Bill Viola construíram uma consistente trajetória artística
usando o vídeo como seu maior meio de expressão. No caso de Viola,
a dimensão temporal da mídia do vídeo é trabalhada, sobretudo
através da desaceleração, de modo a ressaltar questões relativas
aos ciclos naturais, à finitude e às emoções. Em uma direção dife-
rente, outros artistas produziram obras como Television Delivers
People (1973)1, de Richard Serra, e Technology/Transformation:
Wonder Woman (1978-79)2, de Dara Birnbaum, que denunciam
aspectos dos discursos construídos e propagados pela mídia tele-
visiva. Na primeira obra, assistimos à descrição por escrito de es-
tratégias de manipulação e motivações corporativas por trás dos
discursos proferidos nela. A segunda apresenta um compilado de
cenas do seriado Wonder Woman, que abrange sobretudo os mo-
mentos de transformação da protagonista Diana em mulher mara-
vilha. A repetição das cenas e a ênfase dada à letra da música tema
tornam evidente a construção imagética da protagonista, cujo poder
de super-heroína é submetido à sexualização feminina. Ainda, ou-
tras obras da época como Hole in Space (1980), de Kit Galloway e
1 Cf. <https://youtu.be/LvZYwaQlJsg>. Acesso em: 18 set. 2017.
2 Cf. <https://youtu.be/HhMG-QCJVsE>. Acesso em: 18 set. 2017.
28 28 | Fernanda Almeida
Sherrie Rabinowitz, chamam atenção para o potencial dialógico da
televisão em detrimento do formato unidirecional de comunicação3.
Esta foi uma proposta de arte pública, na qual duas telas foram
colocadas na rua, uma em Nova York e outra em Los Angeles, pos-
sibilitando a comunicação entre os passantes de ambos os locais.
Em todas essas obras, o principal intuito é intervir no status quo
social a partir do questionamento do próprio meio, como já prenun-
ciava Nam June Paik em TV Magnet (1965), obra seminal da área
de videoarte, na qual é possível manipular os sinais eletrônicos da
imagem televisiva com ímãs.
No Brasil, muitos artistas realizaram experimentações e busca-
ram desenvolver suas poéticas através do vídeo, de forma similar às
tendências internacionais elencadas4. Dentre eles, Otávio Donasci é
um nome que se destaca pela sua trajetória em torno da invenção e
desenvolvimento de diversas versões da videocriatura. Assim como
outros artistas da época, Donasci entendia o elétron como o mate-
rial de produção artística de seu tempo; também era instigado pelas
questões relativas à imbricação entre o orgânico, representado na
sua obra especialmente pelo rosto exibido nas telas, e pelo eletrôni-
co, relativo ao vídeo, daí a ideia de criar uma espécie de “costura”
entre essas duas dimensões através da construção de um ser que
agregasse, inicialmente, o vídeo ao corpo humano – videocriatura.
A primeira videocriatura construída por Donasci foi feita em
1980 com televisores em preto e branco ortopedicamente fixados
na cabeça de um performer, posicionados verticalmente e ligados
por cabos a um videocassete ou câmera low-tech. O figurino era
composto por uma malha preta semitransparente com um capuz,
que cobria todo o equipamento agregado ao corpo. A transparência
permitia a visão do performer, que deveria interagir com o público
enquanto imagens de rostos previamente gravadas eram exibidas
no televisor. As gravações haviam sido feitas em laboratórios com
atores como Osmar Di Pieri e Cacá Rosset, pessoas comuns, ani-
mais, bonecos, efeitos de animação, mãos ou qualquer coisa que pu-
desse emular um rosto. Como eram imagens gravadas, os recursos
30 30 | Fernanda Almeida
Paulo. Tratava-se de um busto em fibra de vidro com um rosto pré-
-gravado exibido em um monitor na vertical, instalado sobre um
pedestal grego. Na entrada do espaço, Videobusto passava o dia
inteiro conversando com os visitantes, impaciente sobre o término
do expediente. Em outros momentos, tentava imitar um busto po-
sicionado ao seu lado. De acordo com Donasci7, esta proposta usava
recursos de edição de vídeo como o “freeze”, versão eletrônica da
estátua, e o “desabafo”, no qual “o rosto parado ia ficando cada vez
mais tenso até que gritava, voltando a sorrir relaxado, repetindo o
ciclo”.
Anos depois, uma nova versão do Videobusto (1992) foi apre-
sentada na 9ª edição do festival Videobrasil. Donasci gravou ros-
tos de pessoas conhecidas e desconhecidas, fazendo declarações
sobre diversos assuntos, para depois mostrá-los acoplados a um
busto instalado na choperia do SESC Pompeia. De acordo com o
artista: “A importância e a credibilidade histórica do busto eram
ridicularizadas e comprometidas com opiniões misturadas, fazendo
uma analogia ao sagrado da opinião veiculada pela TV que deveria
ser desmistificada.” Ecoando as propostas de Richard Serra e Dara
Birnbaum, essa versão da obra caracterizava-se pela denúncia à su-
posta verdade dos discursos televisivos e provocava a legitimidade
do próprio discurso da história da arte, que tem o busto como uma
de suas formas escultóricas mais clássicas.
No mesmo local, a instalação Videotaxigirls (1992) explorou lin-
guagens sensoriais. Essa obra consistiu em manequins perfuma-
dos, vestidos com roupas de tecidos com diferentes texturas (seda,
veludo, renda, couro) e adereços, que podiam ser movimentados pe-
los visitantes. As faces os seduziam, convidando-os ao envolvimento
físico de uma dança. Donasci relata que os visitantes foram envol-
vidos pela proposta de tal modo que um dos manequins recebeu até
mesmo um beijo. A obra coloca os afetos em questão e questiona em
que medida uma máquina pode sanar as necessidades de envolvi-
mento social humano.
Uma nova instalação foi exposta ao longo de 5 dias no Itaú
Cultural. A obra Videoesqueleto (1997) era constituída por um es-
queleto de plástico em tamanho natural, no qual foram inseridos
um pequeno monitor de 5 polegadas, instalado no seu crânio, um vi-
deocassete, colocado no seu tórax, e um alto-falante, posicionado na
7 DONASCI, 2002, p.34.
32 32 | Fernanda Almeida
Videoinstalações nas ruas: Penetráveis e
capacetes virtuais
A passagem pelos museus e instituições culturais com videoins-
talações de Donasci é apenas uma entre muitas outras passagens
de criaturas performáticas em espaços públicos e privados, internos
e externos. Além da diversidade de espaços, Donasci utiliza supor-
tes que variam do corpo humano aos bustos e esqueletos, ou ainda
superfícies flexíveis, sobre as quais corpos inteiros são projetados.
Um exemplo de obra que explora essa composição foi apresentado
na 10ª Bienal de São Paulo, como parte da programação de perfor-
mances. Videovivo (1989) consistiu em uma apresentação na qual o
corpo inteiro de uma mulher foi projetado sobre uma malha flexível,
que podia ser manipulada por um performer presente fisicamente
no espaço da projeção. A performance envolvia a relação física entre
os corpos – e entre ausência e presença – culminando na encenação
de uma relação sexual entre o performer, que efetivamente estava
no espaço, e a imagem da mulher sobre a malha.
Videovivo (1989)
34 34 | Fernanda Almeida
exemplo é Osmose9 (1995), de Charlotte Davies, uma instalação in-
terativa que envolve o uso de um capacete virtual, no qual o especta-
dor irá se deparar com um simulacro da natureza. Influenciado por
projetos como esse, vistos no ISEA (1995, Montreal), Donasci conta
que quis “levar as pessoas para uma viagem virtual de imersão do
modo mais simples e barato possível, dando menos ênfase às técni-
cas computacionais para realização disso e mais para o binômio do
Videoteatro, linguagem vídeo/presença física com toque”10. Tendo
isso em vista, criou o Capacete Virtual (Fenasoft-Nokia) (2001).
Essa obra consistiu em um mecanismo com uma pequena tela
de LCD e um fone de ouvido montados dentro de um capacete, que
deveria ser vestido pela performer e pelo espectador ao mesmo tem-
po. O capacete reduzia o campo perceptivo dos arreadores e aumen-
tava a sensação de imersão, pois obscurecia e silenciava o ambiente.
A conexão com o mundo exterior era dada somente pelo toque das
mãos da performer, que conduzia o espectador em sua jornada. O
conteúdo do vídeo, de apenas 4 minutos, era composto por uma nar-
rativa com câmeras subjetivas e ações sincronizadas com a atuação
física da performer11. Ao contrário da instalação de Davies, na qual
o espectador podia modificar a realidade virtual a partir das suas
ações, o ambiente imersivo do Capacete Virtual não propiciava a
interação. Conforme comenta Donasci sobre essa obra: “A narrativa
cinematográfica se sobrepõe à linguagem cênica, acrescida ainda
com a possibilidade de improviso do performer, enriquecendo o ro-
teiro do espetáculo feito para um só.”12
Tanto Hidra (1998) quanto Capacete Virtual (Fenasoft-Nokia)
(2001) abrangem a mescla das esferas pública e privada, bem como
seguem algumas tendências apresentadas desde a primeira video-
criatura de Donasci: a ênfase na relação entre eletrônico e orgânico,
vídeo e performance, imagem e suporte, e, finalmente, na dinâmica
construída entre obra e espectador.
Imagem relacional
É possível observar que a obra de Donasci engloba diferentes
mídias e linguagens artísticas, como a performance, o teatro, a ins-
talação e o vídeo. Ela se adapta a vários ambientes, internos e ex-
ternos, públicos e privados, grandes e pequenos. Estimula diversos
sentidos concomitantemente: visão, audição, tato e olfato. Trata das
imbricações entre orgânico e artificial, do eletrônico ao digital. Ela
dialoga, assim, com a história da arte e com as recentes tecnologias
de produção de imagens, visando propiciar ao espectador uma expe-
riência multissensorial através da arte.
Além, portanto, da conexão com o campo da videoarte, as vi-
deoinstalações de Donasci remetem a noções como “ambiente” e
“participação do espectador”, que foram disseminadas na área das
artes visuais a partir dos anos 1960. Segundo Julio Plaza, este pe-
ríodo é marcado pela desmaterialização da obra e pela sua pluri-
disciplinaridade. Ainda, de acordo com o autor: “Nos ambientes, é
o corpo do espectador e não somente seu olhar que se inscreve na
obra. Na instalação, não é importante o objeto artístico clássico,
fechado em si mesmo, mas a confrontação dramática do ambiente
com o espectador.”13 Tal proposição está evidentemente presente
nas videoinstalações de Donasci. O corpo do espectador está tão im-
plicado quanto seu olhar, sobretudo em obras como Videotaxigirls
(1992), Hidra (1998) e Capacete Virtual (Fenasoft-Nokia) (2001),
13 PLAZA, Júlio. “Arte e interatividade: Autor-obra-recepção”. (2001) In:
ARS, vol.1, nº.2, São Paulo, dez. 2003, p.14.
36 36 | Fernanda Almeida
que propõem que ele se envolva fisicamente com pessoas e objetos.
Essas obras ecoam a prática de artistas pioneiros como Hélio
Oiticica e Lygia Clark, para os quais não bastava que as obras fos-
sem vistas; elas deveriam ser vivenciadas, preferencialmente atra-
vés de vários sentidos. Sobretudo para Clark, a ênfase da experiên-
cia estava no seu aspecto sensorial. Ela desenvolveu essa linha de
pensamento em seus “objetos relacionais”, proposta na qual objetos
e elementos do cotidiano, como sacos plásticos preenchidos por dife-
rentes objetos e substâncias, eram colocados junto aos corpos para
que as sensações provocadas pela sua materialidade pudessem ser
absorvidas pelos sentidos, evocando memórias e afetos. A ênfase
estava, portanto, na relação que era estabelecida entre o objeto e os
sentidos do espectador.
Rememoro brevemente a prática desses artistas à luz das vi-
deoinstalações de Donasci para conceber um conceito ampliado de
imagem, que considera a relação entre a obra e o espectador funda-
mental. A imagem relacional não reside no vídeo, no suporte ou na
imbricação entre ambos, mas na relação estabelecida entre a obra
e o espectador, no momento em que este a experimenta. Isso não
quer dizer que a forma ou superfície sobre a qual a imagem se ma-
terializa, mesmo que de forma efêmera, não importe. Ao contrário,
assim como nos objetos relacionais de Clark, é essa materialidade
que afetará os sentidos. Contudo, apenas na relação entre obra e
espectador é que a imagem relacional se completa. Suscitando ou
não a participação, as videoinstalações comentadas são exemplares
deste tipo de imagem, ao preservam o aspecto dialógico e relacional
da arte, em oposição às pretensões de comunicação unidirecional
das mídias de massa, tão criticadas desde o início da videoarte.
Referências
DONASCI, Otávio. Videocriaturas: Análise de videoperformance realizadas entre
1980 e 2001. Dissertação de Mestrado em Poéticas Visuais. Escola de Comuni-
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Lucio Agra
40 40 | Lucio Agra
dilema retorna de forma interessante:
42 42 | Lucio Agra
úblico após um trabalho de ensaios”.
44 44 | Lucio Agra
o moderno, assumindo uma configuração análoga à do diretor de
cinema: um cinema “autoral” (ou um teatro assim também) não é o
cinema do roteirista (o autor do texto) mas do diretor do filme, antes
encenador que vem a galgar uma posição de destaque no teatro e
assim também no cinema.
Por contraste, Pavis analisa a vida dos termos na língua in-
glesa. O que se passa na Inglaterra, segundo ele, é uma diferente
lexicalização pois o termo que se refere ao que o teatro faz é en-
tão production. Vendo que é preciso uma contextualização maior,
Pavis vai então retomar o método que usara no primeiro capítulo:
traçar uma cronologia. No início do século vinte, ele identifica os
“primeiros encenadres no sentido atual do termo, as vanguardas
européias” (PAVIS, 2010:46) E aí o que para RoseLee Goldberg, ou-
tra autora canônica da Performance, é o início desta, para ele são
encenações modernas que “fizeram experiências a partir do espaço,
do ator e das artes plásticas” (idem, grifo nosso). “não se interes-
saram especialmente pelas relações entre texto e palco, porém pelo
dispositivo construído para o palco”. Nos anos 20, 30, 40 as alusões
a autores não franceses são sempre àqueles que de certo modo “con-
juminam” com a ideia textual francesa. Ao falar de Brecht
46 46 | Lucio Agra
início aderira por constituir-se em um terreno do fora desse proble-
ma “cênico”.
O empreendimento comercial que o teatro foi – e agora a
ideia de Mackenzie fica mais clara – pertence, foucaultianamente,
ao mundo das práticas disciplinares, no qual a escola, a prisão, o
hospital, o auditório, a sala de aula e a sala teatral/cinematográ-
fica se assemelham. São todos modos de assujeitamento da lógi-
ca de vários com o olhar tangido para uma só direção, são todos
modos de produção do que Rancière, no seu O espectador emanci-
pado (RANCIÈRE, 2008) assinala como a prática dos aptos e re-
conhecidos socialmente como autorizados a dizer, contra aqueles
que devem apenas assistir, sem participar, de modo passivo. Seria
interessante contrastar – mas aqui fica apenas a sugestão – os ar-
gumentos de Pavis com os de Rancière e com a história contada por
Charle. Ficaria bem fácil perceber o quanto a teoria teatral france-
sa de Pavis, Sarrazac e companhia busca manter em pé o que não
pode mais se sustentar.
Inversamente, costumo sempre chamar a performance do
lugar dos que desistiram, num sentido próximo do que Cohen cha-
mava de “legião estrangeira”, ou seja, o lugar dos que não conse-
guiram desenvolver uma poética no terreno tradicionalmente deli-
mitado (seja ele escultura, pintura, desenho, música, teatro, dança
ou que mais ocorrer de linguagens milenares). É um lugar de exílio
portanto. Exílio face à constatação da iniquidade autoritária do pal-
co ou do histórico comercial do teatro. Exílio que tem essa dimensão
de fuga do ambiente irrespirável mas também exílio como força de
afirmação de uma diferença possível.
Entendo como sendo essa a situação que se passou com a
obra de Otavio Donasci desde que ele constata que não fazia um
Videoteatro ou Teatro Eletrônico mas sim Performance.
Essa constatação se deu já a partir das primeiras aparições
de seu artefato fundamental, a videocriatura. Quero tratá-la aqui
como um agenciador dessa passagem do teatro à performance, e
das significações que essa “virada performativa” na obra de Donasci
passa a engendrar.
No III Festival Videobrasil, ainda no início da expansão vi-
deográfica, Donasci apresenta um trabalho que oscila – inclusive
no próprio texto do catálogo – entre as denominações “videoteatro”,
20 Registre-se que algumas das iniciativas fundantes da performance de fins dos anos
70 (por exemplo, o lendário Mitos Vadios) e início dos 80 contaram com a intervenção
direta de Ivald Granato, autodenominado o “pai da performance brasileira”. Ainda
estava em curso a recuperação da obra de Flávio de Carvalho, em parte devida
à sua reaparição, em retrospectiva, na 17a Bienal, curada por Walter Zanini. Da
mesma forma, o clima favorável ensejava eventos no Sesc Pompéia (onde Renato
Cohen programava) e na Sala Guiomar Novaes da Funarte, a essa altura convertida
em ponto de encontro da “nova” arte. Em Performance como linguagem, Cohen faz
referência a Granato mas timbra em caracterizar como nomes decisivos na época, os
de Guto Lacaz (Eletroperformance, Ponderosa Bar, junho de 83) e Donasci (Galeria
São Paulo, maio de 82). Ao primeiro se refere, ainda, como “espetáculo ritual” e ao
segundo como “espetáculo conceitual” (COHEN, 1989:76/80). A versão definitiva de
Eletroperformance se dará na 16a Bienal (curadoria de Sheila Lerner). Na Galeria
São Paulo também havia a atuação decisiva de Tadeu Jungle, cuja figura de apre-
sentador no programa Fábrica do Som da TV Cultura, gravado no mesmo SESC
Pompéia, tinha elementos da performance que ele e outros realizadores como Walter
Silveira consideravam parte imprescindível da produção no novo meio, o vídeo.
48 48 | Lucio Agra
quem fez cursos na FAAP – “o que acontece com o teatro na era das
tecno-imagens?”
50 50 | Lucio Agra
Os atores tornavam-se performers e trocavam a tal exploração do
“espaço cênico” pela formulação do que Cohen chamará, anos mais
tarde, o “topos cênico” e que, autores dos estudos da performance
vêm chamando de “contexto” (Swidzinski) ou “forma dinamizada”
(Zumthor). Para esse último este ambiente que envolve e ao mesmo
tempo é construído pelo performer é, ele mesmo, também, a perfor-
mance (ZUMTHOR, 2007:27-28).
O que “atrai”, segundo esse autor, é “o jogo” (noção também
encarecida por Swidzinski). “O que nos havia atraído era o espetá-
culo. Um espetáculo que me prendia, apesar da hora de meu trem
que avançava e me fazia correr em seguida até a Estação do Norte”
(ZUMTHOR, idem ibid.) Nas suas considerações iniciais em torno à
noção de performance, o autor de Performance, recepção, leitura nos
fala de uma memória da infância, irrecuperável (como a Erfahrung
de Benjamin) precisamente porque muito embora os folhetos dos
cançonetistas que assistia na rua, ao retornar da escola, a caminho
de sua casa, em Paris, fosse acessíveis posteriormente, nada po-
deria reevocar aquela experiência: “Mais ou menos tudo isto fazia
parte da canção. Era a canção” Dos aromas às pessoas, das árvores
ao clima, da “folhas-volantes” ao “riso das meninas”, tudo isso fazia
parte dessa “forma dinâmica”, ou seja, muito mais do que a cena,
senão como rememoração, pode abarcar em estado laboratorial.
Donasci, ao asseverar, ainda na terceira parte do texto (“Um
projeto brasileiro. Quem diria!”) que o “campo de atuação” é “o pal-
co, o espaço cênico, a rua. O espaço de um ator”, tenta garantir essa
dimensão “nobre” para o degredo que sua “videocriatura” represen-
ta. Mas frases depois completa:
52 52 | Lucio Agra
que o que Lehman dizia já me parecia estar no livro de Cohen de
98. No ano de sua morte, 2003, dávamos juntos um curso na USP,
no qual tivemos a honra de contar com Antonio Araújo como aluno.
Também me lembro que ele trouxe a edição em francês do livro de
Lehman e era com isso que contávamos para nos pormos a par des-
sa formulação nova. Cohen se foi meses antes do curso terminar.
Um ano antes do livro de Lehman sair, o de RoseLee Goldberg, A
arte da performance finalmente era publicado. Sua primeira edição
era de 1979 e foi lido, nessa mesma versão, com avidez por mim e
por Renato. Não nos conhecíamos ainda e posteriormente descobri-
mos que usáramos as mesmas fontes.
Com tudo isso, e dentro desse contexto, surgiu a criação e
consolidação da área de performance no então emergente curso de
Graduação em Artes do Corpo da PUC-SP. Tudo isso hoje é história.
Donasci e Arthur Matuck, dois performers da voga dos 80, foram
banca dos primeiros TCCs de performance do curso. Graças ao es-
forço de Naira Ciotti, Donasci veio a se tornar professor do curso
onde está até hoje.
Na nossa tradição, como bem observou Rogério Nagaoka, em
diversas conversas durante os projetos em que estivemos juntos,
a performance paga um raro tributo ao teatro. Em outros países
também existe uma dinâmica desse diálogo, entretanto levada a
cabo em diversos termos. Não se pode dizer, homogeneamente, que
no mundo todo performance – essa palavra que, na língua inglesa
designa a atuação, a encenação mesmo, como demonstrou Pavis –
equivale, necessariamente a teatro. Quiçá estejamos em um mo-
mento ainda inaugural, de compreensão da “virada performativa”
de que nos falou Conquergood. De qualquer modo, quer Lehman
possa ou mesmo admita ter desacreditado do drama – que seu mes-
tre, Peter Szondi, codificara – um fato é significativo: a única lin-
guagem que compõe um capítulo, no livro, é a Performance. Decerto
isso demonstra como ela foi incontornável para certo temperamento
artístico do qual Donasci é um dos mais destacados representantes
no mundo inteiro.
Em várias ocasiões eu o vi mencionar o impacto – por mui-
tos relatado – da visão da obra de Nam June Paik, TV garden, na
16a Bienal (1981). Conversávamos a respeito disso ainda outro dia,
com outra pioneira do vídeo e da performance, Lucila Meirelles.
Paik fragmentou a nossa expectativa de pessoas criadas diante do
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54 54 | Lucio Agra
SWIDZINSKI, Jan L’art et son contexte: au fait, qu’est-ce que l’art? Québec, Inter
editeur, 2005, tradução de Hubert Kryzanowski.
Resumo
A proximidade entre as artes e as tecnologias audiovisuais
têm seduzido o discurso poético de vários artistas na história
recente da performance art, do teatro, da dança, da música
de concerto e dos shows musicais. O link entre artista
e tecnologia tem se mostrado um campo fértil, desde as
vanguardas históricas até os dias de hoje, que por sua vez,
trouxe à superfície uma série de questionamentos, embates
teóricos e realizações na prática artística. Nessa arena de
discussão tem influenciado diretamente a construção de
novos paradigmas no processo de exploração criativa na
interface homem-máquina propostos por alguns artistas, em
especial as videocriaturas de Otavio Donasci. Nesse artigo,
relacionaremos as tipologias de duplos digitais propostas por
Steve Dixon com algumas variantes das videocriaturas pré-
digitais de Otavio Donasci.
O Duplo na Mitologia
Antes de adentramos no universo do duplo em ambientes digi-
tais adotado por Steve Dixon, se faz necessário voltarmos aos tem-
pos imemoriais, período em que o homem ainda não era governado
pela racionalidade cartesiana tecnocientífica. A presença do duplo
neste período pré-cartesiano se manifesta na forma de mitos, uma
das manifestações mais potentes da cultura humana. Os primeiros
indícios do aparecimento do duplo remontam a períodos longínquos
do tempo em que aparecem em configurações de sagas, narrativas
e no poder simbólico mítico-lendárias das culturas tradicionais. No
Egito antigo, o duplo aparece a relação corpo e alma entre Ka e Bha;
nas divindades pré-colombianas no Senhor da Dualidade: o panteão
mexicano Omeoteotl; no livro maia-quíchuas Popul Vuh com os ir-
mãos gêmeos Hunaphu Um e Hunaphu Sete.
Duplo na Psicanálise
No século XX, o advento da psicanálise foi preponderante na cons-
trução analítica das sombras encontradas nas entrelinhas de algumas
obras literárias de grande porte da literatura do século XIX. A psica-
nálise aprofundou a divisão identitária, mostrando que o inconscien-
te situado na sombra do mundo racional é um fator determinante da
conduta humana.
Em 1939, com o objetivo de constituir uma teoria da personalidade
o psicanalista Otto Rank publica, em 1924, na revista Imago o texto
Der Doppelganger [O Duplo], um estudo que busca em fontes literárias
e míticas compreender a questão do duplo. Como material norteador
de sua pesquisa, Rank analisa obras literárias no formato de contos,
romances e novelas de vários autores importantes da literatura mun-
dial, entre eles: Edgar Allan Poe [A queda do Solar de Usher e William
Wilson], Fiodor Dostoievski [O Duplo], J.W. Goethe [Fausto]. Nessa
cartografia literária, Rank relaciona a questão do duplo com imagens
de espelho, irmãos gêmeos, espíritos, sombras, pessoas com dupla per-
sonalidade, bonecos animado e vozes invisíveis.
Para a teoria psicanalítica de Otto Rank, que foi um dos discípulos
de Freud, o Duplo evidencia o distúrbio neurótico da personalidade,
que se constitui através da cisão provocada pelo excessivo amor pró-
prio de raiz narcisística. Essa configuração psicológica está relaciona-
da a incapacidade para amar, e ao mesmo tempo ao impulso de morte.
Ao contrário do que ocorria na literatura pré-romântica, a imagem do
duplo esteve geralmente ligada à comédia, por outro lado, no roman-
tismo o duplo e a figura da morte se concatenam em situações de estra-
nhamento caracterizadas por narrativas assustadoras, perturbadoras
e sinistras. Nesse quadro, a construção das personagens estava cir-
cunscrita ao âmbito da insanidade, da destrutividade e do desajuste
social.
No ensaio Das Unheimlich [O inquientante] (1919) Sigmund Freud
O Duplo Digital
O duplo surge na teoria contemporânea para auxiliar na cons-
trução e formular uma sintaxe analítica dos gestos estéticos inseri-
dos na performance dos tempos recentes. Dentro da cultura midia-
Marionetes Manipuladas
O duplo como bonecos manipulados com um corpo gerado por
computador teve um forte apelo nas performances concebidas por
grupos de dança e teatro, onde as aplicações de softwares funcio-
naram para substituir os manipuladores humanos de teatros de
marionetes tradicionais. Com a adição da informática, a manipula-
ção ficou sob a responsabilidade de softwares na manipulação dos
bonecos e na criação de imagens gráficas na área de trabalho para
conceber e experimentar com coreografia antes do trabalho de estú-
dio com bailarinos ao vivo.
A tecnologia de captura de movimento torna semelhante ao du-
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70
Vida e arte de um videocriador
Artur Matuck
São Paulo, Maio de 2017
72 72 | Artur Matuck
para documentar um concerto de música conceitual no qual ele to-
cava videoplayers. Apenas uma nota era repetida continuamente
transtornando a audiência e os fundamentos mais básicos da mú-
sica. A gravação em VHS foi preservada, digitalizada e tornou-se
histórica para celebrações e conhecimento da obra de Koellreutter.
Nesta época, no início dos anos 80, estávamos muito interessa-
dos nas possibilidades da linguagem da videoarte. Roberto Sandoval
era um artista-produtor e um dos centros de convergência do mo-
vimento. Sandoval tinha câmeras profissionais, um estúdio de gra-
vação e edição, colaborava e divulgava outros artistas. Em um dos
muitos fóruns de discussão, ele disse que havia sido no trabalho do
Otávio Donasci que, pela primeira vez, viu uma televisão andar,
uma frase que me ficou na memória. Repentinamente Sandoval de-
sistiu totalmente do vídeo e foi para o comércio de roupas, para a
área de ‘pronta-entrega’, como relatou, decepcionado com tudo rela-
cionado a arte no Brasil.
Nesta época me aproximei de Donasci e estabelecemos uma
crescente amizade e colaboração. Contei que trabalhava com ví-
deo e tinha retornado a pouco dos EUA onde havia feito inúmeras
experiências na Universidade da Califórnia em San Diego. Tive a
oportunidade de mostrar algumas destas pesquisas na Bienal de
São Paulo em 1981 e em 1983 fui oficialmente convidado para par-
ticipar da 17a. Bienal Internacional de São Paulo. A conexão com
Donasci se consolidou nesta época no projeto das vídeo-instalações
e performances para esta Bienal.
O curador Walter Zanini oferecia um lugar prestigiado para os
artistas convidados, ele não selecionava o trabalho e sim o artista,
então tínhamos uma espécie de liberdade expandida. Elaborei um
projeto complexo de 120 m² em colaboração com a “Terra”, empresa
de arquitetura do Guilherme Wendell de Magalhães e obtivemos
patrocínio para equipamentos de áudio e vídeo.
O trabalho se fundamentava na ficção científico-poética “Ataris
Vort no Planeta Megga”, narrativa que havia escrito em inglês
em San Diego que traduzi para o português com interferências do
esperanto.
Foram meses de trabalho intenso com a colaboração de inúme-
ros artistas, produtores, músicos, atores e performers. Produzimos
uma performance, uma vídeo-instalação circular, outra intera-
74 74 | Artur Matuck
A performance “Ataris Vort no planeta Megga” já havia sido
apresentada em San Diego, mas em São Paulo foi ampliada através
de um trabalho de muitos artistas-autores.
Também contei com a colaboração do meu primo, Carlos Kater
que compôs peças originais, organizou um coral, criou músicas
eletrônicas para servirem como trilha musical da performance.
Fizemos mais de dez encenações nesta Bienal. O Otávio participava
com uma videocriatura enorme. Ele chegava no final da apresenta-
ção e entoava a voz de um conselho tecnocrático que contestava a
ideia do personagem principal Ataris Vort, que basicamente propu-
nha uma moratória, para interromper a experimentação científica
com seres humanos, animais e mesmo os seres artificiais.
O trabalho foi desenvolvido todo em laboratório com a partici-
pação do Otávio Donasci. Ele morava em Santana e vinha para a
Vila Madalena, sempre que necessário. Esta generosidade é uma
característica sua que se mantêm até hoje. Ele está sempre dispos-
to a colaborar. A relação com Otávio Donasci se tornou cada vez
mais importante e enriquecedora a medida que trabalhávamos em
parceria.
Fiquei cada vez mais consciente de que o humano é a questão
primordial em tudo e se confronta com o mundo artístico, princi-
palmente de São Paulo nas décadas de 1980, que eu conheci muito
bem, tanto nas galerias, nos museus, nas Bienais como na Escola de
Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo.
Um mundo no qual a crítica implacável por uma suposta qua-
lidade, o requerimento de precisão intelectual, valem muito mais
do que a amizade, o afeto, a consideração humana. As pessoas es-
tavam dispostas a destruir o colega artista, a atacar e solapar sua
obra a partir de um pseudo intelectualismo que na verdade é uma
disputa por território artístico, uma agressão desmedida disfarçada
de controle de qualidade, executada com ares de inocência. Mas isto
nunca existiu na relação com o Otávio Donasci, apesar dele ser uma
fonte incessante de criatividade artística.
Em minhas viagens de estudo ao exterior tive oportunidade de
participar de vários congressos sobre arte eletrônica, arte tecno-
lógica, muito concorridos, mas nunca tinha visto um trabalho se-
melhante ao de Donasci. Ele se utilizava da tecnologia disponível
de uma maneira muito pessoal, uma espécie de “baixa tecnologia”,
76 76 | Artur Matuck
tavam, interagiam, eram inusitadas, surpreendentes e um tanto
inquietantes.
Lembro-me bem de uma performance que ele conduziu no
Instituto Itaú. A criatura hipertecno se aproximou de mim para me
interpelar sobre minhas supostas práticas de masturbação.
Esta vídeo criatura carregava uma imagem ecrânica, auto fa-
lantes e também uma câmera. Dentro de uma cabine, um performer
podia se comunicar com aqueles que a videocriatura encontrasse na
vernissage. O interessante era que seu rosto, boca e voz não per-
tenciam aquele corpo, surgiam através da tela e do áudio. A pessoa
que se dirigia a mim estava inacessível dentro de uma cabine. Fui
tomado por uma inquietação cognitiva ao me dar conta de que esta
pessoa estava me vendo mas permanecia distante.
Fui impactado ao ser confrontado por este homem-vídeo, video-
criatura, homem-máquina. Como reagimos diante de um ser híbri-
do? Nosso organismo parece não estar preparado para confrontar
esta entidade semi-humana na qual quem fala não está presente. A
pessoa se dirige a você, lhe confrontando, interpelando, mas ela não
está naquele corpo.
Muitos críticos mantinham uma perspectiva severa diante das
proposições do Donasci pois pensavam que os textos falados pelas
criaturas não tinham a dimensão dramática necessária para se qua-
lificar como Arte Contemporânea. Donasci no entanto tinha uma
resposta para esta contestação: “Acredito hoje que os primeiros tra-
balhos eram um catálogo de possibilidades dessa linguagem mais
que uma obra dramatúrgica. Queria muito na época que isso fosse
uma contribuição para um novo tipo de teatro. Via menos como obra
minha como performer e mais como ferramenta para futuros auto-
res e performers.”
Vale lembrar que todo o conceito de videoarte havia chegado dos
EUA, um conceito marcado por artistas americanos e especialmen-
te por Nam June Paik, sul-coreano emigrado para New York. Na
medida em que se impôs como gênero a videoarte adentrou galerias
e museus e ganhou apoio da fundação Rockefeller como vim saber
depois. Apesar de um início experimental e mesmo contestatório a
videoarte havia se transformado em um caro produto de exportação.
Ao contrário, o trabalho do Otávio Donasci propõe uma estética
descompromissada com o mercado ou as instituições, não requer co-
78 78 | Artur Matuck
artes, a cultura popular, para as poéticas marginais, não favore-
cem que um artista mesmo com toda esta relevância sobreviva ape-
nas com sua arte. Inexiste uma política de valorização da produção
estética nativa.
Mas o Otávio reage de uma maneira um pouco desconcertan-
te em relação a sua própria documentação. Ele se mantém oposto
a um museu, apenas disponível a continuar seu processo criativo,
criando novas obras. Particularmente entendo no entanto que seu
legado deveria ser preservado de imediato. Tanto as gravações que
alimentaram as videocriaturas como os registros documentais de
suas atuações precisariam ser digitalizados, como as próprias vi-
deocriaturas preservadas como documentos maquínicos.
Otávio Donasci confronta-se também com o mundo acadêmi-
co. Trata-se de uma questão estilos e normas de linguagens que
determinaram as histórias das ciências. Tanto na produção de sua
tese de mestrado na ECA-USP, em 2002, como agora na redação de
sua dissertação de doutorado na PUCSP, a instituição requer um
texto especialmente como evidência de produção de conhecimento.
Para artistas mediáticos como Otávio o que se produz não pode ser
aceito como uma proposição teórica capaz de sustentar a obtenção
de um certificado acadêmico.
Pode-se aventar no entanto a possibilidade de uma inversão de
pontos de vista. A academia e a ciência poderiam perceber a dimen-
são teórica destas produções apenas reconhecidas no campo estéti-
co? As criações mediáticas poderiam também constituírem-se em
contribuições teóricas?
Se esta possibilidade for avançada, Otávio Donasci e outros ar-
tistas das linguagens e das mídias não seriam forçados a reproduzir
os modos discursivos da teoria tradicional que valida apenas co-
nhecimento fundamentado em textos.
A universidade deveria portanto procurar reconhecer o valor
teórico destes trabalhos e encontrar critérios para validar criações
midiáticas como formas epistêmicas que podem contribuir para o
desenvolvimento científico, cognitivo, histórico, sociológico e certa-
mente midiático e artístico. A evidência disto pode ser encontrada
na história das invenções tecnológicas e mediáticas, especialmente
na criação artística como descoberta do potencial inexplorado de
inúmeras linguagens.
80 80 | Artur Matuck
experiência inédita de renascimento. O autor-criador tornou-se um
performer que oferece uma dádiva, uma experiência de um renas-
cimento, num processo de meta-autoria, criando uma meta-perfor-
mance, uma arte relacional desenhada para o Outro. Ele mesmo
ainda não foi encasulado e não tem planos para tanto ao menos por
enquanto. Ele se apraz em proporcionar a experiência aos outros.
A nudez sugerida pelo meta-performer foi gradualmente aceita.
“As roupas atrapalhavam e um novo nascimento deve também pro-
porcionar a vivência de um corpo próximo de sua natureza. Muitos
no entanto permaneciam com suas cuecas ou calcinhas,” revela
Otávio. (4)
O indivíduo ao rasgar, romper e assim emergir do invólucro, re-
vive a experiência de um nascimento, abandona a fluida sucessão
de sensações puramente mentais para retornar ao corpo, ao uni-
verso físico-sensorial. A proposta visa conduzir o performer-expe-
rienciador a experiências de restrição sensorial mas com intensa
densidade emocional e psicológica.
No espaço urbano o processo se dava na realidade do concreto.
Ao renascer caiam na água suja da sarjeta, surgiam nus no meio da
cidade, diante de desconhecidos, alguns bêbados ousavam interpe-
lar as mulheres e mesmo furar o plástico para forçar e tocar a carne
e a pele.
Por estas e outras, Donasci está planejando conduzir uma ceri-
mônia no meio do mato. “Os performers serão encasulados, vão per-
noitar, adormecer, e apenas no nascer do sol, despertar e romper o
casulo para renascerem num ambiente o mais natural possível.” (5)
O performer-propositor, aquele que conduz a cerimônia de enca-
sular e posteriormente liberar a corpo-metáfora para sua mutação, é
representado pelo próprio Otávio, que assim se propõe a estabelecer
um vínculo relacional com cada uma das crisálidas-experienciado-
ras, o que revela uma constante busca pelo afeto em seus trabalhos.
Este corpo-crisálida surge no mediaverso da performance numa
época em que a comunicação digital se intensifica, se intimiza com
um corpo contemporâneo que se torna um terminal de múltiplos
canais, sujeito a ser a qualquer momento intimado a responder cha-
mados e chamadas.
Este ser humano praticamente mudou de natureza, se desnatu-
ralizou, pulsando agora em consonância com uma imensa rede em
Notas
1. Email enviado por Otávio Donasci ao autor, 21 de maio de 2017.
2. O próprio Otávio Donasci discorre sobre as Expedições no último capítulo
deste livro.
3. Email enviado por Otávio Donasci ao autor, 21 de maio de 2017.
4. Email enviado por Otávio Donasci ao autor, 21 de maio de 2017.
5. Email enviado por Otávio Donasci ao autor, 21 de maio de 2017.
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VideoCriaturas: análise de videoperfor-
mances realizadas entre 1980 e 2001
Otavio Donasci
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Acredito que o material do meu tempo é o elétron, daí eu ter
decidido pela criação de um rosto virtual eletrônico que pudesse ser
aplicado sobre o rosto real como uma segunda pele.
Acredito ser o rosto virtual/eletrônico a mais sutil, maleável e
dinâmica das máscaras.
Pretendo que minha máscara eletrônica seja o suporte desse
rosto virtual, um aparelho que permita a sobreposição desse rosto
sobre o outro, do performer, substituindo-o e criando assim uma
costura entre o virtual e o real.
Construí essa máscara a partir de televisores preto e branco
ortopédicamente fixados na cabeça orientados de modo “vertical”
(formato depois chamado de “retrato”), acompanhando o formato
do rosto e ligados por cabos a um videocassete ou câmera low-tech,
único equipamento acessível a mim na época (1980) no Brasil.
O figurino, era uma malha preta de bailarino ou ginasta que
com um capuz do mesmo material cobria todo o equipamento agre-
gado ao corpo e ao mesmo tempo pela semitransparência dava visão
ao performer, permitindo sua movimentação pelo espaço.
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Análise de videoperformances realizadas entre 1980 e 2001|89 89
2 - A VIDEOCRIATURA, O SER HÍBRIDO
Ao vestir essa máscara eletrônica, sentiu meu corpo se deixar
levar pelo comando desse rosto, como que tomado por outro ser, ar-
rancando de mim expressões performáticas desconhecidas.
Senti que formávamos, - eu e a imagem do rosto do ator fundida
- uma terceira pessoa, híbrida de nós, diferente de nós, potenciali-
zação de nossas expressões e ao mesmo tempo estranho para nós.
Chamei de Videocriatura esse novo ser, uma espécie de
”Frankenstein” formado pela hibridização dimensional dessa más-
cara virtual no meu corpo vivo. Uma ‘costura eletrônica’.
Sentia uma energia que vinha do rosto-tela direcionado pelo
som, e que fluía direto até meu corpo sem minha interferência, co-
mandando meus movimentos.
Ficou claro desde o começo que esse ser pedia mais que a con-
templação passiva de um vídeo ou espetáculo cênico: pedia uma re-
lação física direta com o público.
E a participação ativa do público já acontecia nas primeiras per-
formances - onde a Videocriatura avançava sobre a platéia, e tirava
as pessoas para dançar um tango.
Lembro-me bem que as pessoas se abandonavam nos braços
desta criatura talvez devido a sentimentos confusos de medo e
excitação.
Um distanciamento brechtiniano novo e diferente me permitia
assistir a performance de dentro desse ser, vendo as expressões as-
sustadas e divertidas das pessoas como se não fosse comigo e sim
com esse ser incorporado em mim.
Tem duas visões, pensando na Vídeocriatura: Tem a minha, que
é a de dentro. A visão de quem está dentro olhando para fora. Essa
é a visão do performer. Essa visão de quem está dentro é uma visão
muito parecida com o distanciamento do Brecht por um lado, e por
outro lado a sensação de estar à parte do processo, vendo de fora.
Você vê a sua mão, você vê o seu corpo, você vê as pessoas te toca-
rem, você vê as pessoas reagirem, mas não é você. É como se você
estivesse vendo através daquele corpo.
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Essa sensação cria essa visão de fora. Dá uma [sensação de] ir-
responsabilidade que é um dos atributos interessantes da criatura.
O fato, por exemplo, de que não sou eu que estou fazendo, é ele, o
rosto [que toma o comando]. ...
Osmar di Pieri, se sentava na platéia e se via atuando em outro
corpo. É uma sensação muito interessante. Eu perguntei como você
se sente se vendo no palco? E ele falou: “Não sou eu. É uma outra
coisa, mas não sou eu. Eu estou aqui.“
E a terceira possibilidade de visão é você usar um ‘head-set’
com uma [micro-] câmera, um capacete com câmera voltada para
seu rosto, e aí você transporta o seu rosto para a cabeça da cria-
tura. Então você está fora de você. Seu rosto está em outro corpo.
Também tem [uma sensação de] irresponsabilidade muito grande,
porque você pede coisas pro corpo fazer, sugere coisas que você não
faria.
Então é muito comum, uma brincadeira básica que eu uso, ao
vivo, é o fato de eu pegar a pessoa e dizer: “olha, ponha esse capace-
te e escolha qualquer um aqui para namorar. De quem você gosta,
daqui?”. “Ah, sei lá, aquele loirinho ali.” Então a Vídeocriatura vai
lá, senta no colo dele, pega ele no colo, passa a mão nele, acaba com
aquela distância que você tinha com a pessoa mais distante. E você
se diverte muito, porque você não está lá. Não é seu corpo. E a pes-
soa que tá lá, brincando com o garoto, também não podia fazer isso,
se não fosse você.
Então ela usa o seu rosto para ficar sem culpa. E você usa o
corpo dela para ficar sem culpa. Resumindo as três visões: uma é de
quem está dentro, distante; a outra é quando a pessoa é que grava o
rosto, que ela se assiste. Então ela vê o trabalho, que ela fez de um
jeito, ser feito de outro. E a terceira é quando se faz ao vivo, aí os
dois são irresponsáveis e fica improvisando, um sacaneando o outro.
Quer dizer, você faz coisas para sacanear a pessoa que faz o corpo, e
a pessoa do corpo faz coisas com as pessoas que você teria vergonha
de fazer. É um jeito de brincar experimentando uma linguagem.¹
A morte no final da performance “Profeta” surgia como o des-
prendimento de um ser que tinha me possuído. Essa sensação de
posse, de incorporação quase mediúnica, todos os performers que se
seguiram a mim também sentiram.
A criação da imagem do rosto/tela videografado evoluiu, com a
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pesquisa de enquadramentos e iluminação. O rosto foi sendo trans-
formado numa janela virtual a serviço da inflexão do texto.
Exemplos que considero clássicos deste processo são: o close na
boca, que acaba ocupando todo o rosto/tela imprimindo agressivi-
dade ao texto verbalizado; o rosto que vai se desfocando enquanto
fala expressando um conceito de desvanecimento ou morte gradual;
ou ainda a técnica da inversão do rosto, colocando-o de cabeça para
baixo, ideal para se criar caricaturas que produzem um estranha-
mento humorístico.
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Análise de videoperformances realizadas entre 1980 e 2001|97 97
Em 1984 seria a vez da videocriatura nadar numa piscina pa-
rodiando a famosa atriz da década de 40 dos musicais da MGM,
Esther Williams. A performance parodiava o Festival de Cannes
onde atrizes sensuais chamavam a atenção à beira das piscinas dos
hotéis.
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Análise de videoperformances realizadas entre 1980 e 2001|99 99
4 - A PRIMEIRA TEMPORADA
A SEGUNDA VIDEOCRIATURA
Até 1983, somente existia um protótipo utilizando televisor de
12 polegadas e performances curtas. Neste ano, no entanto, a convi-
te de Cândido José Mendes de Almeida, diretor do Centro Cultural
Candido Mendes, do Rio de Janeiro, montei um espetáculo solo
de 50 minutos, para teatro de arena, um desafio e tanto para um
“ator” de rosto plano. O espetáculo, que permaneceu um mês em
cartaz, introduzia a segunda videocriatura, o Caceton que parecia
um grande pênis. Atuar no interior do Caceton, exigia do ator (Túlio
de Menezes) um preparo físico digno de um contorcionista.5
Mais um desafio foi vencido nesta temporada no Rio de Janeiro:
o diálogo entre as videocriaturas. O processo exigiu uma pesquisa
complexa de sincronismo de dois videocassetes VHS low-tech além
de gravações especiais com Osmar di Pieri que atuou nos dois pa-
péis: o do Domador e o do Caceton.
Era um número circense curto – de 3 minutos - em que um do-
mador apresentava seu bicho que dançava com pessoas da platéia.
Um bicho muito sacana e preguiçoso.
O PROJETO VIDEOTEATRO
(Excetos do catálogo do III Videobrasil - )
6 - AS VIDEOCRIATURAS-INSTALAÇÃO
A primeira videocriatura-instalação foi o Videobusto criado em
1986 para os 80 anos da Pinacoteca de São Paulo. O conceito do
busto me apaixonava e me intrigava, levando-me a um estudo de
suas origens e evolução.
Um busto em fibra de vidro com rosto pré-gravado num moni-
tor na vertical, instalado sobre um pedestal grego, logo na entrada,
passava o dia todo conversando com as pessoas que visitavam a
Pinacoteca.
Sua personalidade era de um funcionário público de arte, sem-
pre perguntando a que horas acaba o expediente e sendo rude com
quem o fica encarando muito.
Essa performance era substituída nos dias subseqüentes com
outra sobre um “aprendizado de ser estátua” onde ele tentava imi-
tar outro busto ao lado, completamente estático, explorando re-
cursos de vídeo como o “freeze”, versão eletrônica da estátua, e o
“Desabafo” onde o rosto parado ia ficando cada vez mais tenso até
VIDEOTEATRO
Nível 4 - Expedição.
Mesmo depois que o espetáculo estreava, continuava o proces-
so de criação alterando e introduzindo cenas e vivências de acordo
com o público de cada dia; as circunstâncias cotidianas, como chu-
va, trânsito, acidentes, problemas com o elenco e técnicos se alter-
navam, por pura diversão em pregar uma peça no público colocan-
do alguém em situação difícil ou constrangedora, sempre dentro
da proposta geral do espetáculo que era criar novas possibilidades
para o público-herói vencer os obstáculos e provarem-se bravos e
corajosos. Tal processo era totalmente cíclico, podendo todo dia
retornarmos a qualquer nível do processo anterior e introduzir in-
formações novas em técnicas de relacionamento com o público. Tais
técnicas surgidas do dia-a-dia no espetáculo, como montar tochas,
ou recriar logísticas de movimentação de técnicos e elenco, tan-
to dentro do Túnel na Primeira Expedição, como ao longo dos 65
km da Segunda Expedição. Criaram logísticas para o publico não
correr (muito) risco, ser alimentado, banhado, desnudado, vestido
com botas para o Túnel (Primeira Expedição) ou ser açoitado em
jaulas no Inferno (Segunda Expedição). Tudo fazia parte do pro-
cesso, desde criar textos ou ensaiar atores tradicionalmente como
num teatro. Uma importante característica das Expedições era o
Manual do Expedicionário, peça gráfica com várias funções. Nele
Referências bibliográficas
DELEUZE, G; GUATTARI, F. Acerca do ritornelo. In: Mil platôs: capitalismo e
esquizofrenia. São Paulo: Editora 34, 1997.
DELEUZE, G. Diferença e Repetição. Trad. Luiz Orlandi, Roberto Machado. Rio
de Janeiro: Graal, 2006.
LEÃO, Lucia (2002). O chip e o caleidoscópio: reflexões sobre as novas mídias. São
Paulo: Senac.
REFERÊNCIAS NA WEB:
URL DOS VÍDEOS DISPONÍVEIS
Fernanda Almeida
Curadora e pesquisadora de arte contemporânea. Faz par-
te da equipe de organização do FILE – Festival Internacional
de Linguagem Eletrônica desde 2008 e do Grupo de Estudos em
Estética Contemporânea da Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Sociais da USP desde 2015. Doutoranda em Estética e
História da Arte pela Universidade de São Paulo, na linha de pes-
quisa Metodologia e Epistemologia da Arte, sob a orientação do
Prof. Dr. Ricardo Nascimento Fabbrini. E-mail: frnndeaa@gmail.
com.
Lucio Agra
Professor, performer, poeta, pesquisador, doutor em
Comunicação e Semiótica pela PUC SP, professor do Centro de
Cultura, Linguagens e Tecnologias da UFRB (BA). Seus livros
mais recentes são Monstrutivismo - reta e curva das vanguardas
(Perspectiva) e Décio Pignatari - vida noosfera (Educ). Vive e traba-
lha no Recôncavo da Bahia.
214 214
ce art, música contemporânea e tecnologia audiovisual. No Brasil,
estudou composição com Ernest Mahle e Conrado Silva. Tem expe-
riência nas áreas de música e mídias digitais, atuando principal-
mente nos seguintes temas: de Performance Art, Arte Telemática,
Electropera, Tecnologia Audiovisual e Composição Musical, pesqui-
sando os seguintes temas: composição musical auxiliada por com-
putadores, arte sonora, tecnologia sonora, videoarte, tecnologia nas
artes cênicas, performance art e telepresença. Atualmente é pes-
quisador do grupo de pesquisa COLABOR - Centro de Pesquisas em
Linguagens Digitais na área de Processos Criativos em Artemídia.
Sua produção artística tem sido exibida na Bienal Internacional
de São Paulo, Festival Música Nova, FILE Hipersônica, Perfor e
Ubicidades.
Artur Matuck
Artur Matuck tem atuado no Brasil, América do Norte, Europa
e Ásia como professor, pesquisador, escritor, artista plástico, per-
former, produtor de eventos de telearte e, mais recentemente, como
filósofo da comunicação contemporânea e organizador de simpósios
internacionais. Desde 1977 tem apresentado conferências, ofici-
nas e projetos, nacional e internacionalmente, em tópicos diversos,
tais como Artes Mediáticas, Arte e Tecnologia, Telecomunicações
e Artes, Televisão Interativa, Arte Performance, História da Arte,
Arte Combinatória. Sua produção artística tem sido exibida nas
Bienais de São Paulo em 1983, 1987, 1989, 1991 e 2002. Em 1990,
recebeu prêmio na categoria Vídeo-Arte da Associação Paulista
dos Críticos de Arte. Sua produção teórica tem sido publicada nos
EUA através do periódico Leonardo, publicação oficial da Sociedade
Internacional de Arte, Ciência e Tecnologia. Atua como Professor
Livre-Docente nas áreas de Comunicações e Artes na Universidade
de São Paulo onde fundou e coordena o Centro COLABOR de
Pesquisa em Linguagens Digitais.
216 216
Donasci, replicado em suas videocriaturas, revela uma
resistência a formatação industrial dos aparatos, ao pre-
visível, a restrição registrada no formato do dispositivo.
Ele segue um princípio de reinvenção mediática que re-
clama resistência ao inscrito, a instauração do não-pres-
crito, do imprevisível, a aceitação do acaso, do erro e da
errância, a intervenção criativa nos comportamentos e
formatos.
(Artur Matuck)