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Estado e Sociedade - Final

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Estado e Sociedade

Brasília-DF.
Elaboração

Rogério de Moraes Silva

Produção

Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração


Sumário

Apresentação................................................................................................................................... 5

Organização do Caderno de Estudos e Pesquisa...................................................................... 6

Introdução...................................................................................................................................... 8

Unidade i
FINANÇAS PÚBLICAS............................................................................................................................. 9

CAPÍTULO 1
Aspectos fundamentais....................................................................................................... 9

Capítulo 2
Financiamento do gasto público no Brasil................................................................... 26

Capítulo 3
Objetivos da política orçamentária................................................................................ 29

Unidade iI
POLÍTICAS PÚBLICAS............................................................................................................................ 38

Capítulo 1
O Estado e a Economia..................................................................................................... 38

Capítulo 2
Relações agente-principal................................................................................................ 41

Capítulo 3
Regulação......................................................................................................................... 43

Unidade iII
ANÁLISE E AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS.................................................................................... 47

Capítulo 1
Cenário histórico............................................................................................................. 47

Capítulo 2
Análise de políticas públicas............................................................................................. 54

Capítulo 3
Análise dos modelos de Políticas Públicas..................................................................... 56

Capítulo 4
Desafio da implementação............................................................................................... 62
Capítulo 5
Instrumentos das Políticas Públicas................................................................................ 72

Capítulo 6
Avaliação como uma reflexão sobre a ação............................................................... 84

Unidade iV
Desenvolvimento Sustentável......................................................................................................... 97

Capítulo 1
Conceituação................................................................................................................... 97

Capítulo 2
Desenvolvimento sustentável X desenvolvimento humano X educação.................... 100

Capítulo 3
Globalização................................................................................................................... 101

Capítulo 4
Políticas Públicas e gestão ambiental............................................................................ 103

Capítulo 5
Legislação sobre Educação Ambiental........................................................................ 106

Capítulo 6
Agenda 21........................................................................................................................ 111

PARA (NÃO) FINALIZAR..................................................................................................................... 116

REFERÊNCIAS .................................................................................................................................. 118


Apresentação
Caro aluno

A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se entendem
necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade. Caracteriza-se pela
atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela interatividade e modernidade
de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da Educação a Distância – EaD.

Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade dos conhecimentos
a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos específicos da área e atuar de forma
competente e conscienciosa, como convém ao profissional que busca a formação continuada para
vencer os desafios que a evolução científico-tecnológica impõe ao mundo contemporâneo.

Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo a facilitar
sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na profissional. Utilize-a
como instrumento para seu sucesso na carreira.

Conselho Editorial

5
Organização do Caderno
de Estudos e Pesquisa
Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em capítulos, de
forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões
para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam a tornar sua leitura mais agradável. Ao
final, serão indicadas, também, fontes de consulta, para aprofundar os estudos com leituras e
pesquisas complementares.

A seguir, uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos Cadernos de Estudos
e Pesquisa.

Provocação

Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes
mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor
conteudista.

Para refletir

Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita
sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante
que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As
reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões.

Sugestão de estudo complementar

Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo,


discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso.

Praticando

Sugestão de atividades, no decorrer das leituras, com o objetivo didático de fortalecer


o processo de aprendizagem do aluno.

Atenção

Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a


síntese/conclusão do assunto abordado.

6
Saiba mais

Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões


sobre o assunto abordado.

Sintetizando

Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o


entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos.

Exercício de fixação

Atividades que buscam reforçar a assimilação e fixação dos períodos que o autor/
conteudista achar mais relevante em relação a aprendizagem de seu módulo (não
há registro de menção).

Avaliação Final

Questionário com 10 questões objetivas, baseadas nos objetivos do curso,


que visam verificar a aprendizagem do curso (há registro de menção). É a única
atividade do curso que vale nota, ou seja, é a atividade que o aluno fará para saber
se pode ou não receber a certificação.

Para (não) finalizar

Texto integrador, ao final do módulo, que motiva o aluno a continuar a aprendizagem


ou estimula ponderações complementares sobre o módulo estudado.

7
Introdução
Tratar da relação entre o Estado e a Sociedade é estar intimamente envolvido no tema políticas
públicas, este trata de uma parcela importante da ação de toda a coletividade para o enfrentamento
de problemas comuns: aquela parcela das ações e das decisões que a sociedade atribui ao governo
ou às autoridades públicas, seja isoladamente, seja em cooperação com outros grupos ou indivíduos.

Qualquer que seja a perspectiva que se adote, vemos cotidianamente as múltiplas faces da ação
governamental. Uma prefeitura, um ministério ou um Parlamento intervém, cada um a seu modo e
de múltiplas maneiras, sobre o conjunto da sociedade. Tomam decisões, alocam recursos, impõem
obrigações nos âmbitos mais variados, desde a segurança pública até a cultura, desde a tributação
até a procriação. Em nossas sociedades, a esfera pública e estatal instalou-se em todas as partes, e
cada indivíduo, de um modo ou outro, sente seus efeitos – em sua vida pessoal, em suas relações
com a coletividade, inclusive na forma de gozar da natureza que o rodeia.

Portanto, nosso material didático apresentará aspectos fundamentais na área de Finanças Públicas,
como as relações entre Agente-Principal em Políticas Públicas, análise e avaliação de Políticas
Públicas, seus desafios de implementação, seus modelos de análise e avaliação e o estudo das
relações entre Políticas Públicas e a Gestão Ambiental.

Em resumo, compreender a relação entre o Estado e a Sociedade requer um estudo sobre a elaboração
e a análise de Políticas Públicas que constitui o desafio cotidiano dos gestores públicos.

Objetivos
»» Identificar aspectos fundamentais de Finanças Públicas.

»» Identificar aspectos relevantes sobre Políticas Públicas.

»» Levantar informações importantes sobre Análise e Avaliação de Políticas Públicas.

»» Identificar aspectos relevantes sobre Desenvolvimento Sustentável.

»» Levantar aspectos relevantes sobre Políticas Públicas e Gestão Ambiental.

8
FINANÇAS PÚBLICAS Unidade i

CAPÍTULO 1
Aspectos fundamentais

O que são finanças públicas?


A questão pode parecer meio despropositada ou mesmo pre­tensiosa, tal a frequência com que os
temas relacionados ao setor público são tratados no debate econômico cotidiano no Brasil. Afinal, é
recor­rente a referência à “extensa” participação estatal na vida econômica (o que convencionalmente
é localizado por outro rótulo, a “estatização”) ou o generalizado questionamento de uma das mais
relevantes manifestações da atividade governamental na sociedade: sua capacidade de estabelecer
a política econômica.

Enfim, nos damos conta de que os problemas econômicos do setor público são uma parte do dia a
dia da nossa sociedade e os reconhecemos com grande familiaridade, particularmente no Brasil. No
entanto, do ponto de vista da Economia, o campo analítico do setor público é subespecificado e, ao
longo do tempo, passou a exibir sérias deforma­ções que, só mais recentemente (e, portanto, com
atraso), vêm sendo corrigidas. Esta é uma constatação paradoxal, uma vez que seria de se esperar
que o desenvol­vimento científico caminhasse com igual vigor e direção que a complexidade das
sociedades do mundo real.

Possivelmente, uma razão para esse descompasso está no apego da Economia – e dos economistas
– aos processos de mercado. Este não é o lugar apropriado para inquirir as razões desse apego,
porém é certo que isso acabou por gerar uma consequência metodológica que, hoje, é amplamente
reconhecida como perniciosa para o desenvolvimento da Economia do Setor Público: a operação
dos sistemas políticos pode ser aproximada no campo analítico pelo mesmo ângulo sob o qual são
tratados os sistemas econômicos. Um subproduto dessa percepção é a resistência em aceitar que a
motivação econômica do comportamento político decorre de razões intrínsecas ao próprio sistema
político, e não de razões reflexas do funcionamento do mercado.

Essa Economia do setor público

representa uma tentativa de fechar a análise dos sistemas de interação social.


Nesse aspecto, ela pode ser comparada e contrastada com o familiar sistema
‘aberto’ analisado na teoria econômica tradicional, sendo este último uma teoria
altamente desenvolvida da interação de mercado. Contudo, além dos limites do

9
UNIDADE I │ FINANÇAS PÚBLICAS

comportamento de mercado, a análise é deixada ‘aberta’. [...] Os indivíduos se


comportam em interações de mercado, em interações político-governamentais
e em outros arranjos. O fechamento do sistema comportamental, como estou
utilizando o termo, significa apenas que a análise deve ser estendida às ações
das pessoas em suas diferentes capacidades. (BUCHANAN, 1972).

Nesse sentido, percebe-se quão limitadas podem ser as tentativas de desenvolver uma análise de
Governo de reflexões indiretas sobre os processos de mercado. Como, por exemplo, nas habituais
elaborações sobre as “falhas” de mercado. De fato, tem sido à sombra da “anatomia das falhas de
mercado” que boa parte do raciocínio teórico sobre o setor público foi sendo tradicional­mente
construído. No plano normativo, isso tem provocado o que se costuma chamar “efeito gangorra”: a
toda falha de mercado corresponde uma virtude governamental, e vice-versa.

Porém, essa visão de que é necessário “diferenciar as operações próprias de Governo, daquelas
próprias de agentes privados” (DOWNS, 1957) encontra ilustres patrocinadores, em épocas mais
recuadas. Assim, por exemplo, a K. Wicksell tem sido amplamente creditada uma tentativa de
análise pioneira na interação político-econômica. Igualmente, tratadistas italianos das finanças
públicas (v.g., DE VITI DE MARCO, PUVIANI), também na segunda metade do século passado,
podem ser considerados pioneiros na consideração do “fator político” na teoria fiscal.

Desse modo, a Economia do Setor Público, sem dispensar analogias com a Economia de mercado,
incorpora explicitamente o papel desempenhado pelos processos políticos no comportamento
dos indivíduos na sociedade. Não apenas os papéis desempenha­dos pelos tradicionais agentes de
decisão do modelo econômico se ampliam (como no caso dos indivíduos que são simulta­neamente
consumidores e eleitores), mas também criam-se novos agentes de decisão: o político, o burocrata,
o membro do grupo de interesse, o lobista, entre outros.

Finalmente, segundo Richard Musgrave, um dos teóricos mais conhecidos da matéria: “Finanças
Públicas é a terminologia que tem sido tradicio­nalmente aplicada ao conjunto de
problemas da política econômica que envolvem o uso de medidas de tributação e de
dispêndios públicos”.

Advertimos, todavia, que essa expressão não é muito adequada, já que os problemas básicos não
são financeiros, mas tratam do uso dos recursos econômicos, da dis­tribuição da renda e do nível
de emprego. Ainda que a política orça­mentária seja uma parcela importante deste tema tão amplo,
dificilmente ela poderia reivindicar uma participação exclusiva.

Assim, as Finanças Públicas são a área da Ciência Econômica que estuda a intervenção do Estado na
Economia, causas, métodos, instrumentos e consequências.

Falhas no sistema de mercado e necessidade


da intervenção do governo
No mundo real, existem certas características relevantes que impossibi­litam a produção ótima por
intermédio exclusivamente do setor privado. Dessa sorte, o Governo emerge como um elemento

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FINANÇAS PÚBLICAS │ UNIDADE I

capaz de intervir na alocação de recursos, atuando paralelamente ao setor privado, procurando


estabelecer a produção ótima dos bens e serviços que satisfaçam às necessidades da sociedade.
Essas caracte­rísticas, que se consideram como imperfeições no mecanismo de mercado, são:

»» princípio da exclusão;

»» indivisibilidade do produto;

»» externalidades;

»» custo de produção decrescente e mercados imperfeitos;

»» riscos e incertezas na oferta de bens;

»» concentração excessiva de renda e riqueza;

»» investimentos necessários, porém, de alto risco;

»» incapacidade para promover ajustes macroeconômicos.

Princípio da exclusão
A forma que o sistema de mercado procede à distribuição dos escas­sos recursos econômicos
disponíveis ante as ilimitadas necessida­des humanas é a da exclusão via preços. Somente aqueles
que estão dispostos – e podem – a pagar o preço por determinado bem é que poderão se beneficiar
com seu consumo. Os demais estão excluídos.

Ocorre, porém, que determinados bens não se sujeitam a esse princípio. Para esses bens, o sistema de
mercado fica inviabilizado. Os exemplos típicos para tal situação são os serviços de defesa nacional,
administração da justiça, segurança pública e relações internacionais.

Indivisibilidade do produto
Os bens indivisíveis são aqueles para os quais existe a impos­si­bilidade de serem estabelecidos preços
via sistema de mercado. Esses bens têm como características principais a não exclusividade e a não
rivalidade.

A não exclusividade se deve ao fato de que, como esses bens não serão vendidos mediante o sistema
de mercado, via preços, a eles não se aplica o direito de propriedade.

A não rivalidade significa que o acesso de mais pessoas no consumo dos bens e serviços não implicaria
um acréscimo de seus custos. Como exemplo, se houver crescimento da população de um país, isso
não corresponde, obrigatoriamente, a um aumento nos gastos com a segurança interna ou externa.

Externalidades
As ações econômicas desenvolvidas por produtores e consumidores exercem, necessariamente,
efeitos incidentes sobre outros produtores ou consumidores que escapam ao mecanismo de preços,

11
UNIDADE I │ FINANÇAS PÚBLICAS

ainda que estes sejam determinados em regimes de mercado perfeitamente competitivos. Esses
efeitos, não refletidos nos preços, são conhecidos por “efeitos externos” ou “externali­dades”.

Uma externalidade pode implicar tanto ganhos como perdas para os recipientes da ação econômica
inicial. Quando o recipiente for um produtor, um benefício externo tomará a forma de um
acréscimo no lucro. A imposição de um custo externo, por outro lado, significará redução no lucro.
Quando o recipiente for um consumidor, sua função de bem-estar é que estará sendo afetada pelas
externalidades, positiva ou negativamente.

Percebe-se, então, que as externalidades positivas representam sempre “economias externas”,


enquanto as externalidades negativas trazem “desecono­mias externas”.

Como toda ação econômica iniciada por um agente libera algum efeito externo, imune ao sistema
de preços, o que preserva a validade desse sistema é o fato de que, na grande maioria das vezes, as
externalidades são insignificantes.

As inter-relações externas podem ser positivas ou negativas. Duas pro­priedades agrícolas vizinhas,
uma produzindo laranjas e outra mel, beneficiam-se mutuamente de economias externas, na medida
em que as abelhas, ao se abastecerem gratuitamente nos laranjais, contribuem para o aumento da
produção de laranjas pelo processo de polinização que criam. Como ninguém irá cobrar um preço
por esse duplo serviço, os custos unitários de produção de ambos os produtos caem, com reflexos
sobre os níveis de preço e a absorção do mercado.

Nem sempre, porém, as coisas são tão pacíficas. Uma fábrica de cimento, instalada ao lado de
uma fábrica de algodão cirúrgico, livra-se de custos ao jogar para o ar os resíduos de seu processo
produtivo. Como consequência, a segunda empresa é obrigada a colocar filtros de ar em suas
instalações. O custo da despoluição, explícito, que caberia à primeira empresa, é arcado pela
segunda. Os reflexos alocativos são imediatos: o preço do cimento fica subestimado, o que faz crescer
seu consumo, enquanto o preço do algodão cirúrgico fica acima do que sua função produção, em
condições normais, explicaria. Com isto, seu consumo cai.

A poluição atinge, também, o lucro da construção civil na área, bem como o bem-estar dos
moradores, afetados pela qualidade do ar que respiram e pela perda do valor de suas moradias.
Nestes casos, ocorrem custos implícitos, que não são registrados por meio dos preços e que, como
os custos explícitos arcados pela produtora de algodão, não são considerados na planilha de custos
da produtora de cimento.

Custo de produção decrescente e


mercados imperfeitos
Como visto no início, o equilíbrio geral reflete o mundo da concor­rência perfeita. Sabe-se, todavia,
que o elevado nível tecnológico, as­sociado à especialização e à divisibilidade, produz economias de
grande escala de produção em muitas firmas. Tal processo concentra o mercado em mãos de umas
poucas empresas, seja em nível nacional, regional, ou mesmo mundial. Isso causa uma situação
de imperfeição do mercado, que será composto de poucos vendedores (e na contraface, de poucos
compradores), eliminando a concorrência perfeita e o equilíbrio geral.

12
FINANÇAS PÚBLICAS │ UNIDADE I

Nos mercados de tipo imperfeito, a empresa atua em um nível de produção em que o preço seja
superior ao custo médio, uma vez que ela detém o controle sobre o preço. Assim, a alocação eficiente
para a firma será, no entanto, ineficiente para a sociedade e para a economia.

Concentração excessiva de renda e riqueza


É próprio da lógica do sistema capitalista de mercado a concentração de renda e riqueza, sendo
até mesmo necessária para produzir poupança e consequente capacidade de investimento. Essa
concentração pode se dar nos níveis pessoal, regional e setorial.

É fácil verificar o que seja isso, pois todos os três casos existem no Brasil. Basta verificar os níveis
de renda dos mais ricos do País, a concentração de riqueza na região sudeste ou no setor financeiro.

A concentração torna-se excessiva quando inibe o consumo e carreia investimentos para a


especulação ou para outras economias. É também nociva quando provoca deseconomias de escala.

Investimentos necessários, porém de elevados


risco e incerteza
O desconhecimento perfeito por parte de vendedores e compradores com relação aos riscos do
mercado, a inexistência da perfeita mobilidade dos recursos, a incerteza quanto à maximização dos
lucros por parte das empresas e a escassez de determinados recursos produtivos (especialmente os
naturais) são características do mundo real que inviabilizam a teoria do mercado perfeito e, assim,
a produção ótima dos bens econômicos.

A falta de conhecimento perfeito do mercado pode ter como conse­quência que um bem econômico
necessário e desejado não seja produzido. Determinadas atividades podem inexistir em virtude
de riscos.

Existem, mesmo, certas atividades que são indispensáveis ao desenvol­vimento de um país e ao bem-
estar de uma sociedade e que, em virtude das causas apontadas acima, não serão oferecidas pelo
mercado se inocorrer a intervenção do governo, direta ou indiretamente.

Incapacidade para promover


ajustes macroeconômicos
O mercado é incapaz de produzir, por si só, ajustes macroe­conô­micos. Exemplos clássicos disso são
a recessão norte-americana da década de 1930, conhecida como a “Grande Depressão”, e o processo
hipe­rinflacionário alemão após a Primeira Guerra Mundial. Para compre­ender melhor, imagine o
que ocorreria com a inflação no Brasil se nunca houvesse ocorrido intervenção governamental...

Keynesianismo
A dialética entre liberalismo e socialismo se esgota quando se ergue, no início deste século, um
obstáculo insuperável: o desemprego em massa. Se a insuficiência dos conceitos axiomáticos para

13
UNIDADE I │ FINANÇAS PÚBLICAS

orientar a ação social foi em parte compensada pela psicologia de massa das práticas políticas “não
científicas” (partidos de massa, liderança plebiscitária), dos Bonapartes e Bismarcks aos Lloyd
Georges e Churchills, essa alternativa não bastou para assegurar a integração social, economicamente
reconhecível no pleno emprego.

A chave da pacificação e da retomada do conflito pode ser encontrada no papel da política econômica
posta em prática com a propagação do keynesianismo, sem grandes percalços, até a crise que
sobreveio nos anos 1970.

De fato, com o keynesianismo aperfeiçoa-se a capacidade dos funcionários da política de bloquearem


o acesso ao potencial fundamento normativo implícito na teoria do valor. O keynesianismo dispensa
o apoio axiomático-normativo em uma teoria do valor. Assim, formaliza ao extremo a política
econômica, isto é, formaliza ao extremo os meios de sustentação política da sociedade. Ao mesmo
tempo, incorpora às suas generalizações os impulsos “irracionais” da psicologia de massa, antes
entregues exclusivamente às práticas políticas “não científicas”. Desta forma, as ações econômicas dos
detentores da riqueza entendem--se vinculadas a “expectativas incertas”, e, portanto, indetermináveis
a priori, sobre o futuro.

É sobretudo com base na indeterminabilidade do conteúdo das orientações da ação econômica


que se desenham, como meios de direção macroeconômica, as políticas fiscal e monetária. A
política fiscal subsidia, por meio da despesa deficitária anticíclica e da redistribuição da renda, a
expansão do consumo, impulsionando o investimento privado. A redistribuição por via monetária
(complementos salariais, abonos, pensões, seguro-desemprego) normalmente ocorre em conjunto
com a que se realiza por intermédio das transferências de rendas reais (serviços públicos em
geral, inclusive nas áreas de saúde, educação, assistência social, planejamento urbano, pesquisa e
desenvolvimento), que assumem a forma técnica de políticas públicas. Esses serviços constituem,
também, instrumentos formados com base em conhecimentos gerados pela ciência positiva de
sustentação política do “mercado”.

Por outro lado, o keynesianismo também propõe que a atuação da autoridade monetária no mercado
de títulos (open market) sirva de instrumento para modificar a taxa de juros, que corresponde às
expectativas dos possuidores de ativos líquidos quanto a circunstâncias gerais, inclusive a evolução
da política econômica. O ideal, na perspectiva keynesiana, é que a taxa de juros seja aproximadamente
igualada à eficiência marginal do capital, isto é, ao lucro prospectivo.

Mas a despesa deficitária, despregada de qualquer finalidade normati­vamente posta, e o desvio


calculado da aplicação de capitais atribuível ao “motivo de especulação” do mercado de ações para o
mercado de títulos (open market) são apenas as vias de estímulo à “demanda agregada” que se concebe
existir em potencial na sociedade. Assim, por meios puramente quantitativos, o governante pode
exercer a “influência orientadora” sobre toda a sociedade, sem jamais impor quaisquer finalidades,
pois estas são as da demanda poten­cial, empiricamente verificável no efeito do “multiplicador”.

Por meio dessas políticas, o keynesianismo devolve aos atores sociais a capacidade de restaurar a
possibilidade de ação consoante a racionalidade instrumental, antes bloqueada pelo desemprego
insuperável, e de reviver, median­te as suas ações concretas, o “combate eterno” entre os deuses das
diferentes ordens e dos diferentes valores.

14
FINANÇAS PÚBLICAS │ UNIDADE I

Justamente por isso, a bonança econômico-política do pós-guerra mal durou uma geração. Os líderes
empresariais não gostam do pleno emprego por um longo tempo. Com o pleno emprego, cessa a
ameaça do desemprego involuntário e aumenta o ânimo de todos para pleitear o que parece a cada um
o melhor. Por isso, disciplina nas fábricas e estabilidade política são mais apreciadas pelos empresários
do que lucro. Nem todos preferem o conflito distributivo, que não se resolve e impulsiona a escalada
inflacionária. São os deuses das diferentes ordens e dos diferentes valores em seu combate eterno.

A economia política de J. M. Keynes


Em um artigo sobre “o dilema do socialismo moderno”, publicado em 1932, Keynes profetizava que
“nos próximos 25 anos, os economistas, no momento o mais incompetente, serão ainda assim o
mais importante grupo de cientistas do mundo [...] e espera-se, se eles forem bem-sucedidos, que
depois disto jamais sejam importantes outra vez”. Apesar da cláusula conjetural (“se eles forem
bem-sucedidos”), esta é, sem dúvida, uma profecia de otimismo e esperança. Keynes confiava na
capacidade científica e racional dos economistas, sem entretanto olvidar as condicionantes políticas
que invariavelmente ponteiam a decisão dos agentes econômicos e, em particular, dos policymakers.

Até hoje, pelo menos, sua profecia não se cumpriu. Os economistas continuam muito importantes,
talvez não menos incompetentes. De fato, a década de 1960 marcou o coroamento da economia
keynesiana; porém, tanto do ponto de vista da evolução das economias domésticas e internacional
quanto do ponto de vista acadêmico, a década seguinte viu a decadência da ortodoxia keynesiana. As
chamadas “políticas keynesianas” de dinheiro fácil e elevados deficits fiscais deram lugar a políticas
de corte monetarista, na verdade muito semelhantes àquelas propostas pela ortodoxia da década de
1930 à qual Keynes apresentou sua alternativa.

Não só no que se refere a políticas econômicas, mas também no campo da teoria surgiram revisões
do pensamento keynesiano. Foi com perplexidade que os economistas atentos à controvérsia
macroeconômica ouviram ao longo da década de 1970 frases como “somos todos keynesianos”
ou “somos todos monetaristas agora” ou, o que parecia ainda mais paradoxal, “Keynes não é
keynesiano”. Enquanto isso, os keynesianos mais ortodoxos (Slow Tobin) tentavam uma última
batalha com os chamados “novos clássicos” para quem a teoria keynesiana carecia de fundamentos
microeconômicos que, entre outras coisas, justificassem a hipótese fundamental para os seus
resultados de que os salários nominais são rígidos.

Keynes, ele mesmo, provavelmente, teria enfrentado o ataque à visão do mundo que, mal ou bem,
levava seu nome de outra forma. Senão por outras razões, por ser um polemista que defendia suas
ideias com astúcia e fina ironia. Eis apenas alguns exemplos. Nas discussões levadas à efeito no
Macmillan Comite, segundo a descrição do Prof. T. E. Gregory, Keynes teria afirmado: “Se você
não aceita a explicação do ciclo de crédito como eu a proponho, a alternativa é dizer que não existe
qualquer explicação para o ciclo de crédito.” Em outra ocasião, em 1937, Richard Kahn enviou a
Keynes um livro de Pigou, Socialismo versus Capitalismo, cujas propostas já não diferiam tanto
daquelas da Teoria Geral. Após ler o livro, Keynes escreveu a Kahn:

Como no caso de Dennis (Robertson), quando o assunto diz respeito à prática,


não há verdadeiramente tanta diferença entre nós. Por que será que eles

15
UNIDADE I │ FINANÇAS PÚBLICAS

insistem em manter teorias cujas conclusões práticas não estão de acordo? É


como uma Sociedade para a Preservação de Monumentos Antigos.

Há ainda o caso de sua crítica às medidas adotadas por Churchill em 1925 relativas ao retorno do
valor da libra esterlina à paridade com o ouro que vigorava antes da I Guerra.

Keynes acreditava que tal objetivo somente seria alcançado com uma profunda deflação de preços e
salários, o que, necessariamente, exigiria uma política extremamente recessiva. Em seu artigo The
economic conse-quences of Mr. Churchill, Keynes pergunta: “Por que (Churchill) fez uma coisa tão
tola?”. “Talvez”, continua Keynes, “porque ele não tem um julgamento instintivo que evite que ele
cometa erros; em parte porque, na falta deste instinto, ele foi ensurdecido pelas vozes clamorosas
das finanças convencionais; e, mais que nada, porque ele foi gravemente induzido em erro por seus
especia­listas” (KEYNES, 1925).

Há inúmeros exemplos deste tipo. Nas várias atividades em que tomou parte, Keynes sempre
manteve uma atitude polêmica. Não é surpreendente, portanto, que toda sua obra seja também
muito polêmica. E é com uma proposição relativamente polêmica que inauguro a parte principal
destas notas sobre a relação entre o pensamento político e o pensamento econômico de Keynes. O
Tratado sobre a Moeda e, principalmente, a Teoria Geral são em geral vistos como contribuições à
economia do curto prazo.

No plano estritamente de política econômica, a visão convencional sugere que Keynes estava na
realidade preocupado com problemas de desemprego cíclico e propunha políticas de fine tunning.
Não há dúvida de que tal interpretação alternativa não exclui ncessariamente a primeira, mas
que empresta uma nova tonalidade ao trabalho de Keynes. Ao mesmo tempo, a interpretação que
pretendo discutir aqui permite que se faça um paralelo entre o pensamento político e o pensamento
econômico de Keynes.

Estaria Keynes preocupado com a possibilidade de a economia britânica estar caminhando, como
de fato estava, para uma trajetória estagnacionista? Seu mestre Alfred Marshall já apontava
para esta possibilidade quando escreveu Social Possibilities of Economic Chilvary em 1907. Na
própria Teoria Geral há passagens que justificariam esta visão: entre “os traços marcantes de nossa
experiência presente”, Keynes mencionava o fato de “oscilarmos [...] em torno de uma posição [...]
apreciavelmente abaixo do pleno emprego” (KEYNES, 1936).

Vista a partir de uma perspectiva histórica, a obra de Keynes ratifica esta visão. Em seu livro The
Economic Consequences of the Peace (1919) ele se referia a duas “condições psicológicas instáveis”
baseadas sustentação do padrão de acumulação da economia europeia na segunda metade do século
XIX. A primeira dizia respeito ao comportamento das classes trabalhadoras que “aceitavam por
ignorância ou falta de poder, ou eram compelidas, persuadidas, ou induzidas pelo costume, convenção
ou autoridade, e a ordem bem-estabelecida da sociedade a aceitar uma situação na qual elas podiam
reclamar uma parcela muito pequena do bolo que elas, juntamente com a natureza e os capitalistas,
estavam cooperando para produzir”. A segunda condição dizia respeito às classes capitalistas, a
quem era “dedicada a melhor parte do bolo e que eram teoricamente livres para consumi-la sob a
condição tácita subjacente de que elas consumiriam muito pouco na prática” (KEYNES, 1919). O
que garantia que os capitalistas poupariam e acumulariam uma parcela significativa de suas rendas

16
FINANÇAS PÚBLICAS │ UNIDADE I

era o fato de “preferirem o poder que o investimento lhes dava ao prazer do consumo imediato”
(KEYNES, 1919). O outro fator era a atmosfera de normalidade e a certeza que reinava na segunda
metade do século XIX.

Em suma, a “época de ouro” por que passou a Europa se devia à desejável configuração caracterizada
pelo perfil distributivo e pela vocação empreendedora das classes capitalistas. Era precisamente “a
desigualdade na distribuição da riqueza que tornava possível aquela vasta acumulação de riqueza
fixa e melhoramentos que distinguiriam aquela época de todas as outras” (KEYNES, 1919).

Depois da guerra, as condições de equilíbrio instável romperam-se, levando o sistema a uma trajetória
senão catastrófica, pelo menos de estagnação, que desabrochou na crise do final dos anos 1920.

Os fatores que levaram a esta rota são, em primeiro lugar, o fato de as classes trabalhadoras já não
aceitarem o pacto social que prevalecia antes da I Guerra e, em segundo lugar, a mudança na atitude
empresarial das classes capitalistas, que, menos confiantes no futuro, passaram a entesourar uma
parcela significativa de suas rendas.

O próximo passo nesta análise encontra-se nas palestras apresentadas por Keynes na Universidade
de Chicago, EUA, no ano de 1931. Ali, suas atenções estão muito mais voltadas para o caso britânico.
Ela chama a atenção para os efeitos deletérios do retorno ao padrão-ouro sobre a performance
do setor exportador e o investimento doméstico em capital fixo. Keynes demonstra ainda falta de
confiança na eficácia de políticas monetárias desenhadas para reduzir a taxa de juros de longo prazo,
assim como faria depois na Teoria Geral. E recomenda, finalmente, a adoção de políticas de gasto
público como forma de reduzir o desemprego, referindo-se inclusive ao trabalho de Kahn sobre o
multiplicador do investimento.

As palestras de 1931 não consideram, entretanto, o papel fundamental atribuído à distribuição de


renda no Economic Consequences of the Peace e na Teoria Geral. Na verdade, a mudança de rota
da economia apontada em 1919 leva-a a um novo “regime” no qual, devido à atitude distinta das
classes capitalistas, a distribuição de renda assume um novo papel. No antigo regime, a distribuição
de renda, se viesava para os lucros, não comprometia a capacidade de acumulação da economia;
ao contrário, a favorecia na medida em que há fatores que ensejam a transformação de lucros em
investimentos produtivos, reduzindo, assim, a possibilidade de interrupção do circuito renda-gasto.
Levado ao limite, este regime caracteriza-se, pois, pela Lei de Say.

No novo regime, por diversas razões, a automaticidade da capitalização dos lucros não se verifica,
alterando, assim, a funcionalidade da má distribuição de renda. Está em cheque a Lei de Say e passa a
vigorar a Lei de Keynes, segundo a qual os níveis de emprego e utilização da capacidade dependem dos
determinantes da demanda agregada e, em particular, da decisão de investir das classes capitalistas
e da propensão a consumir a partir das diferentes fontes de renda. Segundo Keynes, na Teoria Geral,
“nas presentes condições, o crescimento da riqueza, longe de depender da abstinência dos ricos,
como é comumente suposto, tende a ser mais provavelmente impedido por ela”. E conclui: “Uma das
principais justificativas sociais para a desigualdade da riqueza fica, assim, removida” (KEYNES, 1936).

O que parece ser mais interessante notar é que Keynes, na verdade, apontou para a existência de um
segundo regime, alternativo àqueles em que vale a Lei de Say, porém que não exclui, nem do ponto

17
UNIDADE I │ FINANÇAS PÚBLICAS

de vista lógico nem tampouco do histórico, a validade desta Lei. Havendo fatores psicológicos ou
institucionais que justifiquem as hipóteses que lastreiam a Lei de Say, vale o velho regime e não o
novo, onde impera a Lei de Keynes. Os keynesianos tendem a ignorar este ponto de relativização da
contribuição de Keynes.

Na Teoria Geral, Keynes estava claramente supondo e, na realidade, propondo, a vigência do segundo
regime. Sendo assim, sua preocupação principal era a incapacidade do sistema de gerar demanda
capaz de prover empregos para uma parcela significativa da força de trabalho. Daí a razão para o
Estado vir a influenciar a “propensão a consumir em parte por seu esquema de taxação, em parte
pela fixação da taxa de juros”. Keynes, entretanto, duvidava da capacidade da política monetária de
afetar a taxa de juros e, por isso, propunha uma “socialização de grande alcance do investimento”
(KEYNES, 1936). Em várias outras passagens do livro, encontra-se referência explícita à necessidade
de o Estado influenciar e até controlar a propensão a consumir e as decisões de investir. Esta era a
posição do Keynes economista.

Parece interessante a esta altura explorar o posicionamento político de Keynes. Antes, porém, cabe
rever a forma como Keynes tem sido classificado do ponto de vista político. Entre os economistas
e politicólogos mais conservadores, tem sido apontado como um dos principais responsáveis, pelo
menos na arena acadêmica, pelos problemas contemporâneos das economias capitalistas. Ele, afinal,
propôs maior participação do Estado, mesmo que ela fosse financiada pela emissão de moeda ou de
títulos da dívida pública, cujos efeitos, ainda segundo a interpretação mais conservadora, seriam a
geração de pressões inflacionárias e o crowding-out do setor privado. No longo prazo, o crescimento
da dívida pública tornaria o peso do Estado insustentável para a sociedade. Eis o que, afinal, se observa
no capitalismo moderno dos EUA e da Europa Ocidental: a dificuldade crescente dos Estados de
financiar suas dívidas. Se Keynes na década de 1920 anunciava o fim do laisser-faire, hoje seus críticos
à direita propõem, como é sabido, o fim do welfare State. Entre os que se encontram à esquerda de
Keynes, a crítica dirige-se evidentemente à natureza reformista de suas propostas.

Se, por um lado, havia a proposta de aumentar a participação do Estado com maior controle das
decisões de gasto, por outro, tal intervenção deveria manter intactos os princípios fundamentais do
sistema capitalista, a começar pela propriedade privada dos meios de produção. Que sua proposta era
reformista (no sentido de buscar soluções que não alterassem os princípios básicos do sistema) fica
claro a partir da defesa de Keynes de suas ideias: “Eu defendo (o crescimento das funções do governo...)
como a única maneira de evitar a destruição do sistema econômico vigente na sua integridade e como
condição do funcionamento bem-sucedido da iniciativa privada” (KEYNES, 1936).

Neokeynesianos
Seria por demais precipitado fazer uma avaliação final sobre o método dos novos keynesianos, à
medida que este não parece ser um paradigma acabado. Restam ainda muitos problemas a serem
tratados e uma maior integração entre os diversos blocos do modelo ainda está por ser feita.

Além disso, os novos keynesianos não aparentam ter um discurso sobre o método, uniforme e
explícito. Enquanto programa de pesquisa, o novo keynesianismo sustenta-se no estudo dos diversos

18
FINANÇAS PÚBLICAS │ UNIDADE I

tipos de imperfeições no mercado de trabalho, de capital e de produto pelas várias correntes desta
escola. Um aspecto peculiar e importante do método dos novos keynesianos é a relativa abertura em
incorporar alguns instrumentos de análise derivados de outras escolas de pensamento.

O fato que, sem dúvida alguma, serve como alicerce ao método dos novos keynesianos, é o
compromisso de estilizar a realidade a partir de suas características essenciais, da maneira mais
factível possível (sem comprometer o rigor empírico da análise). Depreende-se, ainda, que a
persistente e relativamente bem--sucedida tentativa de prover a macroeconomia de fundamentos
microeconômicos (a microeconomia é adaptada à macroeconomia) é reflexo direto do método
adotado: não basta observar que preços e salários são rígidos para baixo. É preciso explicar os
processos que conduzem a este resultado. O esforço de eliminar procedimentos codificados ou
ad hoc é coroado com a constatação de que a realidade não é estacionária: ela pode mudar e a
teoria deve ser ágil o suficiente para explicar essas mudanças. De resto, os novos keynesianos
procuram recuperar e reconstruir a temática keynesiana, trazendo de volta ao debate teórico
grandes esperanças.

A visão marxista
Marx ocupa posição absolutamente singular na história do pensamento econômico. Sua contribuição
à economia teórica é muito importante, mas não mais importante do que a de Adam Smith, Ricardo,
Walras, Marshall ou Keynes. Contudo, nenhum outro economista conseguiu, como ele, sacudir
os alicerces da história. A explicação é simples: a Economia é apenas uma das várias dimensões
da doutrina marxista. Ela se funde com outras disciplinas, a Filosofia, a História, a Sociologia e a
Política, para formar uma verdadeira religião. Ninguém jamais pensou em substituir a Bíblia por
A Riqueza das Nações, por Princípios de Economia Política e Tributação, ou pela Teoria
Geral do Emprego. Mas, para um bom marxista, O Capital é a Bíblia.

No campo filosófico, Marx foi profundamente influenciado pela lógica de Hegel, a qual corresponde
ao que hoje se entende por metafísica: a busca do conhecimento do absoluto. Na filosofia hegeliana,
esse conhecimento se adquire por aproximações sucessivas no tríplice movimento, denominado
dialético, “tese-antítese-síntese”. A tese apresenta o absoluto sob uma visão suficientemente parcial
e incompleta, a ponto de se tornar contraditória. O enunciado da contradição origina a antítese,
também suficientemente incompleta para se expor a outras contradições. A conciliação, pelo
Espírito, da tese e da antítese constitui a síntese.

Esta última serve de tese à nova etapa do movimento dialético, e assim por diante.

O tríplice movimento dialético explica perfeitamente a evolução dos modelos científicos: a mecânica
newtoniana é a tese; a experiência de Michel­son-Morley, a antítese; a teoria da relatividade, a
síntese. Em Hegel, porém, ele é bem mais extraterreno, não visando ao conhecimento empírico,
mas ao conhecimento do absoluto. A lógica de Hegel é repleta de misticismo e a grande habilidade
de Marx foi trazê-la à terra para fundamentar o seu socialismo científico. Tal como Hegel, Marx
admite que a história evolua pelo tríplice movimento dialético, mas em termos bem mais palpáveis.
A dialética, em Hegel, é guiada por uma entidade mística denominada Espírito. Em Marx, pelas
relações do homem com a matéria através dos meios de produção.

19
UNIDADE I │ FINANÇAS PÚBLICAS

O ponto central da filosofia marxista é a chamada concepção materialista da história. A política,


a religião, a filosofia, a organização econômica e a arte de qualquer época são, segundo Marx,
consequência dos métodos de produção. (É de se presumir que Marx não pretendesse, com essa
afirmação, explicar todos os primores da cultura, mas apenas os seus traços gerais.) Os métodos
de produção mudam com as revoluções tecnológicas, e estas provocam a ruptura das velhas
organizações políticas, econômicas e sociais.

Essa ideia é o ponto de partida para a construção do socialismo científico, que Marx desenvolve
com grandiosidade apocalíptica. Em maior ou menor escala, os socialistas utópicos de meados do
século XIX atribuíam a miséria dos trabalhadores à ganância dos capitalistas. Marx apresenta a
marcha para o socialismo noutro nível de dignidade científica, revestindo-a com a impressionante
armadura do determinismo histórico. O sistema capitalista teria sucedido o feudalismo pela
substituição da produção artesanal pela industrial. O capitalismo funcionava de acordo com suas
regras próprias, e não em função da maior ou menor generosidade dos patrões. Essas regras do
jogo incluíam três leis básicas: a acumulação sistemática da maior parte dos lucros auferidos pelos
capitalistas, o aumento do desemprego pelo progresso tecnológico, e a consequente manutenção
dos salários no nível de subsistência.

A derrocada do capitalismo não seria o resultado dos seus crimes contra a humanidade, mas da
contradição interna de suas leis de funcionamento.

A acumulação do capital acabaria provocando a progressiva queda da taxa de lucro, e com isso a
extinção das pequenas e médias empresas e a concentração monopolista da produção. Mais ainda,
chegaria a um ponto em que a acumulação de capital não apenas diminuiria a taxa de lucro, mas
até o total dos lucros, contrapondo-se ao seu objetivo natural. Nesse momento surgiriam as crises
de superprodução de capital, com o agravamento do desemprego. Os capitalistas tentariam em
vão frear o curso dos fatos, oprimindo cada vez mais as classes trabalhadoras, pela redução dos
salários e pelo alongamento das jornadas de trabalho. Aumentariam, com isso, as tensões entre
os poucos ricos e os inúmeros pobres até o momento em que fatalmente eclodisse a revolução
do proletariado.

Dentro dessa ordem de ideias, Marx não era apenas o pregador da revolução comunista: era
também seu profeta. Em sua concepção, todavia, profetizar e agir eram tarefas complementares.
“Os filósofos interpretaram o mundo de diversas maneiras, mas a tarefa real consiste em modificá-
lo.” Essa máxima, apresentada em Ad Feuerbach, resume o preceito marxista segundo o qual o
pensador deve antecipar--se à história, transformando-se em ativista. O preceito é obviamente
inconsistente com a hipótese do determinismo histórico: se o capitalismo realmente estivesse
condenado à morte pelas suas contradições internas, pouco importaria que os intelectuais fossem
ativistas ou contempla­tivos.

Essa debilidade lógica, no entanto, transformou-se em formidável catalisador político na práxis


marxista.

Para transformar o pensador em ativista, é preciso, além de convencê-lo, carregá-lo de emoção. Essa
talvez seja a razão pela qual Marx, em centenas de páginas de “O Capital”, serve-se de uma linguagem
messiânica e repleta de insultos aos seus adversários para retratar as miseráveis condições de vida
dos trabalhadores ingleses em meados do século XIX.

20
FINANÇAS PÚBLICAS │ UNIDADE I

Para quem nutria profundo desprezo pelo socialismo utópico e se propunha a construir um socialismo
puramente científico, essa indignação romântica parece fora de propósito. Sucede que Marx, além de
desenvolver o socialismo científico, desejava conquistar o maior número possível de adeptos para a
sua cruzada contra o capitalismo.

A capacidade de provocar uma reação em cadeia “emoção-razão-ativismo” é a grande força tanto do


marxismo quanto de todas as religiões bem-sucedidas. Sob esse aspecto, vale observar o paralelismo
entre a obra de Marx e a teologia tomista. Cada um de nós possui suas preferências afetivas, pois,
como dizia Pascal, “o coração tem razões que a razão desconhece”. Confortar-nos-ía profundamente
se as razões do coração também pudessem ser justificadas pela razão. Essa foi a preocupação dos
teólogos escolásticos, os quais procuraram provar que os dogmas do cristianismo, conhecidos
pela revelação, eram corroborados pela lógica de Aristóteles. E esse mesmo objetivo levou Marx a
construir o seu socialismo científico, o conforto intelectual para todos aqueles que, por razões do
coração, se opõem ao regime capitalista. Como seria de se esperar, o hermetismo e a prolixidade de
“O Capital” contribuíram para seu sucesso teológico: os erros de Marx só podem ser detectados com
muita paciência e um razoável conhecimento de teoria econômica.

Quem não deseja engolir dogmas é obrigado a investigar até que ponto o socialismo de Marx é
verdadeiramente científico, isto é, dissecar “O Capital” como livro de teoria econômica. Sob esse
aspecto, a obra de Marx é uma revisão da teoria clássica inglesa, enriquecida em alguns pontos e
empobrecida noutros tantos. A teoria do valor-trabalho, a lei férrea dos salários e a hipótese da taxa
decrescente de lucro não são invenções marxistas: elas foram explicitamente enunciadas por Ricardo e
seus contemporâneos. A originalidade de Marx é obter essas leis por métodos inteiramente diferentes
dos usados por seus predecessores. Em Ricardo, o valor-trabalho é uma primeira aproximação à teoria
dos preços. Em Marx, ele é, numa primeira etapa, um dogma; numa segunda, um teorema; numa
terceira, uma perplexidade. Em Ricardo, tanto a lei férrea dos salários quanto a taxa decrescente de
lucro resultam da pressão demográfica contra os rendimentos decrescentes na produção de alimentos.
Marx rejeita a teoria malthusiana da população, por ele classificada como libelo contra a humanidade,
para tanto descartando a lei dos rendimentos decrescentes. A manutenção dos salários no nível de
subsistência e o declínio da taxa de lucro explicam-se, em “O Capital”, pelo efeito das inovações
poupadoras de trabalho num sistema com rendimentos constantes.

Não usando a hipótese de rendimentos decrescentes, a futurologia marxista é bem mais otimista do
que a dos clássicos ingleses. Estes últimos vaticinavam o estado estacionário no nível da miséria por
fatalidade tecnológica. Sem as peias malthusianas, Marx acena para um futuro bem mais promissor,
como de resto conviria a um profeta da esperança. O capitalismo representa apenas o purgatório
dos trabalhadores. O Juízo Final da revolução do proletariado tratará de salvá-los, condenando os
capitalistas ao inferno.

Isso lembra o Apocalipse do Evangelho de São João, mas, voltando a terra, cabe indagar como Marx
consegue provar que, em economias com rendimentos constantes, as inovações são capazes de, ao
mesmo tempo, impedir a elevação dos salários e baixar as taxas de lucro. A resposta é decepcionante:
por um erro de lógica, que transforma o socialismo científico numa estátua com pés de barro.

Nesse ponto fundamental, a teoria marxista é de uma pobreza franciscana.

21
UNIDADE I │ FINANÇAS PÚBLICAS

Em muitos outros pontos, todavia, “O Capital” é denso de inovações teóricas. O papel do capital na
produção, embora cercado de muita confusão, é apresentado um passo à frente da teoria do fundo
de salários. Marx é o primeiro economista a analisar o papel das inovações tecnológicas sobre a
distribuição de renda. A teoria da mais-valia, apesar da grossa embalagem ideológica, constitui um
achado e é a base da teoria do crescimento: uma economia só se expande se for capaz de gerar um
excedente da produção sobre o consumo. Na teoria das crises, Marx chega a tornar-se um precursor
de Keynes, não obstante os percalços da sua formulação analítica.

Numa palavra, “O Capital” é o livro mais ousado já escrito por um grande economista. Suficientemente
ousado para cometer erros como nenhum outro. E também para, como nenhum outro, influenciar
o destino da humanidade.

Marx afirma que, se um quarter de trigo se troca por n quintais de ferro, algo comum existe entre
essas duas coisas. Esse algo comum é necessariamente uma terceira coisa que dela difere: o número
de horas de trabalho socialmente necessárias à sua produção. Como valores, as mercadorias são
apenas dimensões definidas do tempo de trabalho que nelas se cristaliza.

Marx define tempo de trabalho socialmente necessário como o requerido para produzir uma
mercadoria, nas condições de produção socialmente normais existentes, e com o grau médio de
destreza e intensidade do trabalho. Fica com isso descartada a hipótese, obviamente implausível,
de os valores poderem ser aumentados pela preguiça ou pela lerdeza dos trabalhadores. Ao
contrário, Marx reconhece que o valor de uma mercadoria cai quando uma nova técnica reduz
o tempo socialmente necessário à sua produção. Um trabalhador que continuasse com a técnica
antiga poderia gastar, por exemplo, o dobro do tempo exigido pela nova tecnologia para produzir
a mesma coisa. Nesse caso, porém, sua hora individual de trabalho só representaria meia hora de
trabalho social.

A definição de tempo de trabalho socialmente necessário é bastante habilidosa, mas o ponto de partida
da construção marxista é o que pode haver de deplorável em matéria de lógica. É óbvio que, se um
quarter de trigo se troca por n quintais de ferro, há algo em comum entre essas duas coisas. O que
não é claro é por que esse algo em comum é uma terceira coisa que delas difere; e muito menos por
que essa terceira coisa é o tempo socialmente necessário de trabalho. Numa paródia, o raciocínio
de Marx lembra o seguinte: “Se João e Pedro são gêmeos então sua mãe chama-se Adelaide”. Com
a teoria do valor-trabalho Marx encontra a origem de mais-valia: o regime capitalista compra uma
hora de trabalho por menos do que aquilo que o trabalhador produz em uma hora. O valor do
trabalho determina-se, como o de qualquer outra mercadoria, pelo tempo necessário à sua produção
e reprodução. Imaginemos que a jornada de trabalho seja de 12 horas e que o tempo necessário à
produção das mercadorias indispensáveis ao sustento do trabalhador e de seus dependentes seja seis
horas. Então, o operário trabalhará seis horas para si e outras seis para o patrão, resultando 100% de
taxa de mais-valia.

Marx, à semelhança dos clássicos ingleses, admite que a maior parte dos lucros seja destinada à
compra de novos bens de capital: “Acumular! Acumu­lar! Eis Moisés e os Profetas!” encampa também
a lei férrea dos salá­rios, mas não usa a lei dos rendimentos decrescentes. Isso o obriga a desenvolver
uma teoria original de salários, acumulação de capital e progresso tecnológico.

22
FINANÇAS PÚBLICAS │ UNIDADE I

Segundo Marx, faz parte da evolução capitalista o aparecimento periódico de inovações que
substituem mão de obra por capital, aumentando a composição orgânica média k. Em prazos curtos,
é possível que essa composição orgânica não se altere e que o capital total cresça mais depressa do
que a força de trabalho. Nesse caso, a acumulação de capital provocará o aumento temporário do
salário w, mas logo surgirão os técnicos a soldo dos capitalistas, e que se encarregarão de encontrar
novos métodos de produção que poupem mão de obra, reforçando o exército industrial de reserva,
isto é, a massa de desempregados. Nesse ponto, os salários voltarão ao nível de subsistência. Se
algum trabalhador tiver a ousadia de se queixar, bastará ao patrão levá-lo à janela da fábrica e
mostrar-lhe a longa fila de miseráveis à busca de um emprego que lhes permita sobreviver. Max
acentua que as variações de salários não são determinadas pela acumulação de capital nem pelo
crescimento populacional, mas apenas pelo tamanho relativo do exército industrial de reserva, isto
é, pela taxa de desemprego. Essa é uma observação muito importante e que antecipa a teoria da
curva de Phillips, a grande redescoberta da macroeconomia na década de 1960.

Preceitos liberais
O liberalismo representou uma verdadeira transfiguração na concepção da sociedade política,
entronizando o primado do indivíduo proclamado pela Revolução Francesa, como princípio-chave
da vida social e da ação do Estado.

O fundamento contratual da igualdade que, nessa visão, permeia as relações entre os indivíduos,
conduz a uma visão da sociedade como um conjunto atomizado de indivíduos livres e iguais,
isoladamente considerados, eliminados os corpos intermediários que possam se interpor entre o
indivíduo e o Estado.

Opera-se, assim, dissociação entre o político e o econômico, a gestão dos negócios políticos, que
deve ficar a cargo dos representantes da nação e a construção da riqueza econômica, afirmada como
atributo e tarefa da liberdade empreendedora dos particulares.

O Estado era, assim, sob o prisma do individualismo, visto como antítese da liberdade, impondo-
se restringir, em favor do indivíduo, sua atuação ao mínimo indispensável para a manutenção
da liberdade, surgindo a expressão Estado Gendarme, ou Estado Guarda-Noturno, como foi
denominado por seus críticos.

O Estado de Direito representa a primazia da lei sobre o poder político, como resultante de sua
natureza de contenção do poder, propiciada por fórmulas como a separação entre os poderes, a
independência do Poder Judiciário, as garantias oponíveis ao Estado.

A delimitação estrita da função confiada ao Estado na ordem social, fundada na ideia de que a
sociedade civil representa a ordem espontânea ou natural das coisas, conduziu a regra, alçada
em princípio, da não intervenção nas atividades sociais, salvo no que concerne à soberania, ou à
ordem pública, de resto, funções precípuas do ente estatal. A atividade econômica, principalmente,
deve, nessa visão, ser deixada livre aos particulares, abstendo-se o Estado de intervir, ressalvados
casos excepcionais.

23
UNIDADE I │ FINANÇAS PÚBLICAS

Disso se conclui que o elemento substancial da concepção liberal do Estado de Direito é a crença na
autorregulação social e desconfiança quanto ao expansionismo estatal.

Preceitos neoliberais
A doutrina neoliberal representa a justificação teórica para as modificações havidas na base do processo
produtivo do sistema econômico capitalista. Essa teoria vai propiciar o fundamento filosófico para a
necessidade de legitimação das novas funções estatais, o que já se observa, uma vez que o aprimoramento
do sistema capitalista é condição necessária, da atualidade, para o aumento dos investimentos produtivos,
e, consequentemente, para o crescimento da economia, possibilitando o Estado Social. Nesse aspecto, o
Estado atua transformando o mercado, dando-lhe um novo perfil quantitativo e qualitativo, ensejando
um passo importante na luta contra a recessão e pela democratização da economia.

Verifica-se, assim, uma tendência dos Estados, principalmente nos países desenvolvidos, em
valorizar a pesquisa de tecnologia de ponta, financiar a abertura e a manutenção de indústrias e
empresas garantidoras da soberania nacional, estimulando, portanto, todos os empreendimentos
que abram a possibilidade do mercado internacional e da autonomia tecnológica, que refletem na
independência política e financeira dos Estados frente à comunidade internacional.

Não se deve confundir, entretanto, a política protecionista a que se fez menção com a prática,
verificável principalmente nos países em vias de desenvolvimento, de rejeição de instrumentos de
viabilização do crescimento econômico, que se consubstancia em proteção de indústrias e empresas
inexpressivas econômica e estrategicamente, na preferência pelo desenrolar moroso de tecnologia já
dominada no estrangeiro à importação de know-how, entre outros, e a manutenção de monopólios
estatais em atividades onde a própria concorrência serviria de instrumento de democratização da
atividade econômica.

Neste contexto, o pensamento neoliberal ressurge no final do século XX para afirmar a imperiosidade
da desregulamentação do processo econômico, no sentido de uma diminuição da ordenação
normativa, como condição primordial para o aprimoramento das relações de mercado e para
reclamar o afastamento do Estado do campo de atuação que seria devido à iniciativa privada.

Despeja-se a substituição da rigidez das normas jurídicas, dotadas de coatividade e sanção, pela
flexibilidade das normas programáticas e dos regulamentos administrativos.

Por outro lado, este Estado neoliberal permanece com os fins do Estado Social no que tange à
implementação de políticas públicas que devem visar, em primeiro plano, à garantia das condições
mínimas não apenas de subsistência, mas de desenvolvimento humano.

Essa função do Estado se concretiza pelo Direito, especificamente, o Direito Econômico, que,
mediante normas-objetivos suplantam a finalidade limitada tradicional de ordenação, que foi crítica
anterior deste ensaio (políticas paternalistas de distribuição de justiça social nos meados deste
século), incentivando e viabilizando o desenvolvimento econômico e social, que eficazmente efetivam
a concreção dos ideais de democratização do sistema econômico, aproximando o capitalismo de seu
ideal teórico.

24
FINANÇAS PÚBLICAS │ UNIDADE I

Após a queda do Muro de Berlim, marco do desmoronamento do sistema socialista, ficou patente
a opção pelo capitalismo como sistema econômico de estruturação social, o que determina sua
compatibilização com a ideologia neoliberal de fundamentação do Estado Social. É de se assinalar
que a dinâmica econômico--social que se pretende está vinculada à compatibilização e ao prestígio
do capitalismo empresarial (aquele em que se baseia o sistema econômico alemão e japonês, v.g.)
em oposição ao capitalismo financeiro existente nos Estados Unidos. Conclui-se, nesse passo, a
necessidade de o Estado atuar na promoção da empresa como unidade social e econômica de conse­
cução dos ideais de modernização do capitalismo e distribuição de justiça social.

25
Capítulo 2
Financiamento do gasto público no Brasil

Uma forma de se avaliar o peso do setor público na economia é com o financiamento dos gastos.
Além da obtenção de recursos via sistema tributário, o governo pode financiar o seu deficit mediante
operações de crédito (emissão de títulos) e emissão de moeda. Assim, na presença de deficit, o outro
lado, a participação do Estado, é dado pelo financiamento, ou seja, pela soma da carga tributária
legal com o montante da colocação de títulos e emissão monetária.

Evolução da estrutura da arrecadação


tributária: tributos diretos e indiretos
Como se sabe, tributos indiretos são aqueles que gravam a importação, a produção, o
financiamento ou a transação dos bens e serviços, sendo incorporados aos seus preços (na
contabilidade social a classifica­ção segue a regra legal, desconsiderando-se, por efeitos práticos, o
fato de que a transferência dos impostos poderá ocorrer dependendo da estrutura do mercado e das
elasticidades da oferta e demanda).

Já os tributos diretos são aqueles que gravam diretamente a propriedade ou a renda dos indivíduos
e empresas. Como exemplos de tributos indiretos temos: IPI, ICMS, ISS, Imposto de Importação,
IOF etc. Como exemplos de tributos diretos temos: IR (pessoas jurídicas e físicas), Cofins, IPTU,
ITR, IPVA, ITBI, Contribuições para o INSS, FGTS (essas contribuições são adicionadas aos salá­rios
pagos para classificá-las como impostos diretos pagos pelos indivíduos) etc.

Estudos realizados em diversos países têm procurado associar a estrutura tributária ao estágio de
desenvolvimento da economia. Assim:

»» sociedades com baixo nível de desenvolvimento e pouco comércio com o exterior


têm a receita tributária preponderantemente assentada em impostos diretos sobre
a propriedade rural;

»» iniciada a abertura ao exterior passam a preponderar os impostos sobre o comércio


exterior e, num segundo estágio, começam também a ficar relevantes os impostos
indiretos internos sobre o consumo.

»» sociedades mais maduras, onde já se instalou o desenvolvimento, passam a ter


predominância de impostos diretos sobre a renda.

Conceito e evolução da Carga Tributária Bruta


(CTB)
O conceito de CTB sugere, como o próprio nome diz, uma medida da carga (sacrifício) imposta
pelo governo à sociedade, de sorte a gerar os recursos para financiar a produção de bens públicos

26
FINANÇAS PÚBLICAS │ UNIDADE I

e semipúblicos. A CTB é um índice (dado em percentagem), relacionando o total arrecadado com


tributos (impostos, taxas, contribuições sociais – inclusive arrecadação do FGTS –, contribuições
econômicas e royalties pela exploração de recursos hídricos/minerais) com o valor do PIB
a preços de mercado. A CTB pode ser calculada para cada nível de governo e para o total do
setor público.

O resultado do BACEN, a remuneração das


disponibilidades do Tesouro Nacional e
o orçamento
O governo recolhe o imposto inflacionário por meio do relacionamento Tesouro–Bacen. Porém,
ele não recebe diretamente a moeda emitida pelo Bacen para adquirir bens e serviços, pois isto é
proibido pela Constituição (art. 164, § 1o). A interação é indireta: primeiro o governo coloca títulos
públicos junto ao mercado, depois o Bacen vai ao mercado e adquire esses títulos, com o objetivo de
regular a oferta de moeda ou a taxa de juros (art. 164, § 2o), mas que acaba tendo o efeito de financiar
o Tesouro Nacional.

Isto posto, tomando-se o balanço do Bacen, no ativo, ficam, entre outros, os títulos do governo,
as reservas internacionais, o redesconto de liquidez efetuados aos bancos comerciais que rendem
juros ao banco. No passivo, ficam o passivo não monetário, constituído de depósitos a prazo,
depósitos do Tesouro e outras contas sobre as quais o banco paga juros, e o passivo monetário
(base monetária), representado pelo papel-moeda em circulação mais os encaixes voluntários e
obrigatórios dos bancos comerciais, sobre o qual ele não paga juros. Assim, ao emitir a moeda,
que não paga juros, trocando-a por títulos públicos que rendem juros, o Bacen (que integra o
conceito de governo central) interage de forma indireta no recolhimento do imposto inflacionário
pelo governo.

O ciclo se completa com a transferência do resultado positivo do Bacen para o Tesouro. De acordo
com o art. 4o, da Lei no 7.852, de 30/10/89, com a redação dada pelo art. 75, da Lei no 9.069, de
20/6/1995 (Lei do Plano Real), apurado em balanços semestrais, esse resultado deve ser recolhido
ao Tesouro Nacional até o dia 10 do mês subsequente ao da apuração (importa notar que a lei
silencia no que fazer quando o resultado for negativo). Por se tratar de uma receita financeira, em
boa parte decorrente de operações dentro do próprio governo, o §1o do re­ferido artigo 4o determina
que tais recursos sejam destinados, priori­tariamente, à amortização da dívida pública do Tesouro
Nacional em po­der do Bacen.

Relativamente à remuneração das disponibilidades do Tesouro Nacional, o art. 5o da Lei no 7.782,


de 30/10/1989, com a redação dada pelo art. 1o da Lei no 9.027, de 12/4/1995, determina que o
Bacen e as instituições financeiras que detenham tais valores recolham ao Tesouro Nacional, no
último dia útil de cada decêndio, o valor da remuneração sobre os saldos diários dos depósitos da
União existentes no decêndio imediatamente anterior, com base na taxa média Selic. Para 1994 e
1995 tais valores ficaram obrigatoriamente vinculados ao pagamento das despesas com a dívida
mobiliária interna e externa de responsa­bilidade do Tesouro e para aquisição de garantias da dívida
mobiliária externa; para 1996 não há essa vinculação.

27
UNIDADE I │ FINANÇAS PÚBLICAS

A dívida do setor público no Brasil


A solvência do governo depende da estabilidade da relação dívida/PIB ao longo do tempo.
Uma dívida que cresça a uma taxa superior (rolagem do principal mais capitalização dos juros)
à do produto interno por muito tempo poderá transmitir sensação de descontrole das finanças
governamentais à socie­dade. Com isto, o custo de sua rolagem poderá cada vez ficar mais elevado,
tanto pela base crescente da dívida, como pelo fato de que aumenta a percepção do risco de que ela
não seja honrada.

Comumente se afirma que o aumento da dívida (D) decorre do deficit gerado nas contas públicas
(g). Isto seria verdade se o único fator de expansão da base monetária (B) fosse o deficit público. Na
verdade, a base monetária expande-se pelo aumento do crédito líquido do Bacen ao setor privado
(d), com operações externas (e) e com o governo (c). Logo:

B=d+e+c

E o governo financia o seu deficit (g) pelo aumento de sua dívida com o setor privado (a), com o setor
externo (b) e com o Banco Central (c). Então temos:

g=a+b+c

Isto posto, o aumento da dívida líquida (DL) consolidada governo/Bacen é dado por:

DL = (a + b) - (d + e)

O deficit nominal (g), isto é, aquele que considera a correção monetária da dívida nos juros, é
dado por:

g = B + DL

ou seja, o deficit nominal é financiado pela ex­pansão nominal da base monetária somada à expansão
nominal da dívida líquida.

Em geral, a dívida líquida (nela incluída a base monetária como faz o Bacen) aumenta com o deficit
primário do governo e com os juros sobre a dívida líquida não monetária e reduz-se com o imposto
infla­cionário sobre a dívida monetária (base monetária). O crescimento real do PIB, para uma dada
dívida pública, também atuaria no sentido de reduzir a relação dívida/PIB.

28
Capítulo 3
Objetivos da política orçamentária

A alocação de recursos públicos


Os objetivos da política orçamentária fundamentalmente são três:

»» coordenar o ajustamento na alocação dos recursos – Função alocativa;

»» ordenar a situação de equilíbrio da distribuição da renda e da riqueza – Função


redistributiva;

»» assegurar a estabilidade ao processo econômico – Função esta­bilizadora.

Mediante a utilização dos instrumentos de intervenção econômica de que dispõe, o governo


desenvolverá essas funções, que, mesmo possuindo propósitos específicos, são inter-relacionadas e,
em muitos casos, conflitantes, demandando coordenação macroeconômica.

Função alocativa – ajustamento na


alocação de recursos
Objetiva assegurar o necessário ajustamento da alocação dos recursos na economia, em face das
imperfeições que o mecanismo de mercado, conforme visto, apresenta.

O sistema de preços de mercado atua com razoável eficiência, proporcio­nan­do a oferta de uma
grande variedade de bens e serviços no mercado. O mecanismo de mercado, entretanto, é incapaz
de alocar eficientemente os recursos da economia com um todo. Assim, verifica-se a necessidade de
intervenção do Estado objetivando a obtenção dessa eficiente alocação dos recursos.

Segundo Flávio Riani, “a alocação dos recursos por parte do governo visa a, principalmente, oferecer
determinados bens e serviços necessários e desejados pela sociedade, mas que não seriam providos
pelo setor privado”. Dessa forma, o Estado, utilizando os recursos e os mecanismos de intervenção
econômica que possui, alocará recursos inicialmente na produção e na oferta dos bens públicos
puros, dado que, pelas características que possuem esses bens, fica claro que eles não seriam
proporcionados pelo setor privado, por serem economi­camente inviáveis.

O segundo objetivo da função de alocação de recursos por parte do setor público é pertinente à oferta
dos bens meritórios ou semipúblicos. Esses bens poderiam ter a questão de sua alocação e distribuição
resolvida pelo sistema de mercado, porém este não a resolve de forma eficiente, nem socialmente
justa, devido ao caráter social dos bens e seu elevado conteúdo de externalidades positivas. Assim,
devem ser providos, direta ou indiretamente, pelo Estado. Comumente, em semelhantes situações,
o Estado complementa a oferta desses bens feita pelo setor privado, procurando atingir àqueles

29
UNIDADE I │ FINANÇAS PÚBLICAS

que, em situações normais, não poderiam adquiri-los. Dentro dessa categoria de bens, temos como
exemplos clássicos os serviços de saúde e educação.

O terceiro propósito da função alocativa relaciona-se com os bens privados. Anteriormente, foi
estudado que, por causa da formação de mercados imperfeitos e dos riscos das incertezas, atividades
econômicas fundamentais para a sociedade e para o desenvolvimento do País não seriam ofertadas
sem a intervenção do setor público. Por isso, atividades ligadas à energia elétrica, à siderurgia, ao
transporte, às telecomunicações, à petroquímica, que têm características próprias de bens privados,
deverão ser oferecidas mediante a participação do Estado, caso não o sejam pelo setor privado,
não apenas pela relevância que possuem para o desenvolvimento econômico, mas ainda devido às
suas funções sociais. Alguns desses empreendimentos, seja pelo volume de recursos financeiros
necessários para desenvolvê--las, seja pela incerteza da sua viabilidade econômica para o empresário,
seja pelos elevadíssimos riscos financeiros não seriam fornecidas mediante o sistema de mercado
funcionado sem intervenções externas. Dessa forma, cabe ao Estado criar condições para que sejam
ofertados ou fazê-lo diretamente.

Cabe, ainda ao governo, quanto aos bens privados, corrigir os efeitos alocativos das externalidades
negativas que possuam relevância econômica, bem como corrigir distorções causadas por mercados
imperfeitos (oligopólios, oligopsônios etc.).

Um ponto importante a ser mencionado refere-se à maneira pela qual a função alocativa é exercida
por parte do governo. Visando a assegurar a alocação eficiente dos recursos, o setor público pode
produzir diretamente os produtos ou utilizar-se de mecanismos que criem condições para que sejam
ofertados pelo setor privado.

Função redistributiva – ajustamentos na


distribuição da renda e da riqueza
Diversos fatores sociais e econômicos, como oportunidade educa­cional, mobilidade social, estrutura
de mercado, legislação, políticas econômicas anteriores, contribuem para que haja distribuição da
renda e da riqueza de forma bastante desigual. Deve-se ressaltar que a lógica intrínseca ao sistema
capitalista é a concentração. Dessa forma, a função redistributiva do governo tem como desiderato
utilizar ações que ajustem a distribuição da renda e da riqueza na sociedade, tornando-a menos
desigual, de modo que seja socialmente aceitável e economi­camente funcional.

Ademais, concentrações excessivas provocam dois problemas econô­mi­cos: deseconomias de


escala e inibição excessiva da demanda agregada, visto que a propensão marginal a consumir
decresce ao passo que a renda pes­soal se eleva. É importante, ainda, dizer que a concentração
excessiva da renda e da riqueza pode-se processar em três níveis: pessoal, regional e setorial
(funcional).

a tributação e as transferências são, usualmente, os instrumentos mais utilizados e, de certa forma,


aqueles que produzem resultados mais diretos e mais satisfatórios para a questão. Pode ainda o
Estado utilizar-se das legislações específicas sobre a determinação do salário-mínimo, das proteções
tarifárias, dos subsídios, das renúncias fiscais, como de outros instrumentos de redistribuição da

30
FINANÇAS PÚBLICAS │ UNIDADE I

renda. Esses mecanismos mencionados têm a característica principal de redistribuir recursos entre
os agentes econômicos na sociedade. Assim, o governo, por um lado, retira recursos de um extrato
da sociedade por meio dos tributos, e os transfere para outro extrato.

A redistribuição da renda na economia, todavia, pode ocorrer de forma diversa mediante a função
de alocação. Assim, quando o governo aplica seus recursos em atividades ligadas a educação,
saúde, transporte, assistência social, previdência social, que beneficiem as camadas mais pobres
da sociedade, estará, indiretamente, também redistribuindo renda na sociedade. O ajustamento na
redistribuição da renda e da riqueza na economia só pode ser feito por interven­ção do governo, uma
vez que somente ele pode, compulsoriamente, estabelecer mecanismos que efetivamente combatam
as desigualdades.

Função estabilizadora – ajustamentos visando


à estabili­zação econômica
A função de estabilização do Estado utiliza instrumentos macro­econômicos para manter adequado
o nível de utilização dos recursos (nível de emprego), estabilizar o valor da moeda (nível de preços)
e o fluxo de entrada e saída de recursos da economia (balanço de paga­mentos). Assim, esta função
surge para assegurar um desejável nível de pleno emprego e estabilidade dos preços que não
são automaticamente controlados pelo sistema de mercado. Imagine, como exemplo, entregar
o problema inflacionário brasileiro às leis de mercado, sem qualquer intervenção estatal. O
que aconteceria?

Mediante a utilização de instrumentos fiscais (principalmente), cambiais e monetários o governo


intervém no nível de emprego, nos gastos privados, no nível de renda, tendo como desiderato a
manutenção da estabilidade no nível de emprego e dos preços. Paralelamente aos mecanismos
citados, podem ser utilizados outros, tais como a política monetária, a política cambial, os débitos,
o controle sobre preços e salários, o estabelecimento de quotas de produção e a importação,
para alcançar seus objetivos de estabilização. Ainda que esses instrumentos possuam suas
peculiares características e suas aplicações específicas, para que os objetivos estabilizadores do
governo sejam alcançados, deverá haver eficiente coordenação na execução desses instrumentos.
Isso requer perfeita harmonia entre as políticas fiscais, monetárias e cambiais implemen­tadas
pelo governo.

Classificação de bens econômicos, públicos


e privados
Para a economia do setor público, os bens podem ser classificados em públicos, privados e
semipúblicos (também denominados de meritó­rios ou quase públicos). Resumidamente, os bens
privados são, por natureza, divi­síveis e não sujeitos ao princípio da exclusão. Os bens públicos são,
por natureza, indivisíveis e sujeitos ao princípio da exclusão. Por seu turno, os bens meritórios são,
por natureza, divisíveis ou indivisíveis, sujeitos ao princípio da exclusão, com margens externas
significativas. Veja o quadro a seguir, para melhor entendimento.

31
UNIDADE I │ FINANÇAS PÚBLICAS

Principais características diferenciadoras

Características Bem privado puro Bem público puro


1. Divisibilidade Divisível Indivisível

2. Exclusão Aplicável Não aplicável

3. Consumo Individual Coletivo

4. Rivalidade Rival Não rival

5. Provisão Privada Pública

6. Financiamento Preço Tributo

7. Princípio dominante Soberania Conformidade

8. Regra alocativa “1 unidade monetária = 1 voto” “1 indivíduo = 1 voto”

Bem meritório, semipúblico ou “quase público”


A especificação dos bens em públicos e privados, acima exposta, não esgota a análise da natureza dos
bens econômicos. Ao avaliarmos a noção das externalidades, introduzimos uma nova dimensão à
compreensão dessa natureza: a de que certas margens da produção e consumo dos bens divisíveis e,
portanto, individuais, têm características indivisíveis e, portanto, coletivas. Quando essas margens
são economicamente significativas, desperta-se o interesse público sobre seu controle, uma vez que
o sistema de preços não registra sua existência, ou seja, o mecanismo de mercado, somente, não
corrigirá as distorções ocorridas.

Esse controle pressupõe o financiamento público dos benefícios portados pelos bens privados, via
subsídios ou fornecimento a preço zero ou abaixo do custo para os economicamente desfornecidos,
ou a supressão das margens negativas, mediante impostos ou sanções legais.

No primeiro caso, há reconhecimento tácito da livre aproximação dos benefícios pela sociedade,
que passa a considerar esse tipo de bem “meritório” ou “quase público”. No caso oposto, utiliza-se o
termo “demeritório”.

Os bens meritórios recebem o apoio das rendas do governo como forma de evitar que seu consumo
seja limitado pela distribuição prevalecente das rendas privadas. Em algumas situações, o consumo
desses bens é tornado obrigatório por lei, como nos casos da educação primária, da vacinação e da
fluorização da água. Em outros casos, o bem meritório é simplesmente tornado disponível, como
nos serviços de bibliotecas e museus. Nessa situação, o mercado forneceria uma alocação e uma
distribuição desses bens à sociedade, contudo economicamente ineficiente e socialmente injusta.
Imagine, para melhor compreender o acima exposto, na sociedade brasileira, bens como a educação
primária ou a prevenção à AIDS entregue unicamente à iniciativa privada, sob as leis de mercado,
sem qualquer intervenção governamental.

Os bens considerados “demeritórios”, por sua vez, têm seu consumo inibido pela imposição de
pesados impostos, o que ocorre com os cigarros e as bebidas alcoólicas, ou pela proibição direta,
caso dos tóxicos.

32
FINANÇAS PÚBLICAS │ UNIDADE I

Os benefícios ou malefícios coletivos da atividade privada não podem ser medidos objetivamente. As
estimativas são subjetivas e, em geral, divergentes. Como consequência, observamos que diferentes
governos procedem diferentemente em suas apreciações da presença e importância relativa dos
bens “quase públicos”.

Para melhor compreensão, apresentaremos os exemplos a seguir.

»» Par de tênis – divisível (unidades de consumo individual) e plena­mente sujeito


ao princípio da exclusão. É um bem privado “puro”. As aspas no adjetivo puro
explicam-se pelo aspecto comentado de que há uma parcela de consumo público em
todo consumo privado, devido às externalidades. É indubitável que há um interesse
social no uso do calçado.

»» Litro de leite – divisível (particularizável por unidade de volume e qualidade) e


sujeito ao princípio da exclusão. A margem de interesse social no seu consumo é
significativa, o que o torna semipúblico.

»» Serviços teatrais culturais – indivisíveis (consumo coletivo, não adaptável


às preferências de cada usuário) e sujeitos ao princípio da exclusão. O interesse
social nesse tipo de consumo é grande (deveria ser, ao menos), o que o torna “quase
público”. Isso explica o apoio que o Estado fornece a esse tipo de atividade na
maioria dos países. A referência para o grau de indivisibilidade adotado no exemplo
parte da ideia de que, acima de certo número de usuários, esgota-se a capacidade
coletiva de consumo.

»» Serviços educacionais – indivisíveis (consumo coletivo) e sujei­tos ao princípio


da exclusão. São considerados altamente meritó­rios, o que explica a vontade social
de subsidiá-los intensiva­mente. O consumo coletivo esgota-se com um pequeno
número de usuários (uma sala de aulas é bem menor que um auditório de teatro).

»» Serviços de defesa – indivisíveis (consumo coletivo ilimitado) e não sujeitos ao


princípio da exclusão. Afeta a todos os residentes no País, indiscriminadamente,
não oferecendo limites para a não rivalidade no consumo. São exemplos de bem
público puro. Estão no mesmo caso os outros serviços tradicionais do Estado:
justiça e segurança.

»» Dose de vacina – divisível (unidades específicas segundo as necessidades individuais)


e sujeito ao princípio da exclusão. As externalidades presentes no seu consumo têm
margem absoluta, o que o torna 100% subsidiável e até mesmo de consumo obrigatório.
O indivíduo não vacinado é uma ameaça à saúde pública. Aproxima-se desse caso, mas
do lado “demeritório”, os tóxicos, cujo consumo é proibido.

»» Serviços de televisão por cabo – indivisíveis (consumo coletivo) e plenamente


sujeitos ao princípio de exclusão. A margem externa do consumo pode ser
socialmente ignorada. Ninguém estaria disposto a subsidiar esses tipos de serviços
(caso seja meramente recreativo).

33
UNIDADE I │ FINANÇAS PÚBLICAS

A produção de bens públicos


A principal característica dos bens públicos, e que os distingue dos privados, refere-se à
impossibilidade de excluir determinados indivíduos ou segmentos da população de seu consumo,
uma vez definido o volume de produção. Para um bem privado, o consumo por um indivíduo
“A” automatica­mente exclui a possibilidade de um indivíduo “B” consumir o mesmo bem. Se são
produzidos anualmente 200 mil apartamentos e há 500 mil indivíduos em condições de adquirir
este produto, isso significa que 300 mil indivíduos deixarão de fazê-lo, independentemente de suas
preferências. O mecanismo de exclusão, neste caso, é representado pelo sistema de preços, que atua
no sentido de selecionar aqueles 200 mil cujo grau de preferência pelo produto os impele a pagar o
preço fixado pelo mercado.

O mesmo não se dá, entretanto, no caso de bens públicos. Se em uma comunidade de 10 milhões
de habitantes a produção de serviços de defesa custa anualmente 500 milhões de reais, enquanto
o padrão ideal de atendimento a toda a população requer um montante de recursos três vezes mais
elevado, não é possível concluir que dois terços da população fique automaticamente excluída do
consumo desse serviço. Teoricamente, toda a comunidade está habilitada a usufruir do serviço,
embora uma oferta limitada possa implicar padrões insatisfatórios de atendimento.

A não exclusão implica que o consumo de bens públicos é exercido coletiva e não individualmente.
Assim, o fato de um indivíduo utilizar-se, em dado momento, do serviço que é oferecido, não significa
reduzir, fisicamente, a oferta disponível para consumo dos demais indivíduos da comunidade.

Embora o princípio de não exclusão no consumo implique também que ele seja consumido
coletivamente, a recíproca não é necessariamente verdadeira. Isto é, há bens de consumo coletivo
em que o princípio de não exclusão só se aplica até o ponto em que o consumo adicional fica
prejudicado pelo fenômeno da congestão. Esse é, por exemplo, o caso da maioria dos logradouros
públicos (ruas, parques, praias) cuja utilização por parte de cada indivíduo não é independente do
grau de utilização por outros indivíduos da mesma comunidade.

Nessas condições, tais bens não se enquadrariam na definição de bens públicos “puros”, embora
eles apresentem muitas de suas características e sejam frequentemente considerados como tais.

Na prática, exemplos de bens públicos puros são difíceis de en­contrar, o mais tradicional é
representado pela produção de serviços de segurança, relacionados à preservação da Ordem
Interna e da Defesa Nacional, que constituem uma das mais primitivas funções do Estado. Um
exemplo mais moderno é fornecido por programas que visam a combater a poluição ambiental e a
preservar o meio representado pelos bens “semipúblicos”, ou “bens meritórios”. Tais bens, embora
submetidos ao princípio de exclusão, são frequentemente – e cada vez com mais intensidade –
produzidos publicamente, tendo em vista a importância que a sociedade atribui à sua produção.
Incluem-se nessa categoria a maior parte dos “serviços sociais”, como educação, saúde, nutrição e
saneamento básico.

A característica essencial dos bens semipúblicos é o seu elevado conteúdo de externalidades. Isto
é, os benefícios advindos de seu consumo não são totalmente internalizados pelo indivíduo que o
consome, espalhando-se uma parcela considerável deles por toda a coletividade. Assim, por exemplo,

34
FINANÇAS PÚBLICAS │ UNIDADE I

o consumo de serviços de vacinação contra moléstias infectocontagiosas beneficia tanto o indivíduo


que se submete à vacinação quanto toda a coletividade, que fica menos exposta ao contágio. Vantagens
para a comunidade de um maior consumo individual de educação são também frequentemente
assinaladas, com base em melhoria na produtividade e elevação dos padrões culturais.

Oferta e demanda de bens públicos


No caso de bens privados, os níveis ótimos de produção são teorica­mente determinados pelo
mercado, conhecidas as curvas de oferta e demanda pelo produto respectivo. A aplicação de critério
semelhante para o caso de bens públicos depende da possibilidade de aplicarmos a essa categoria
de bens conceitos semelhantes de demanda e de oferta. Tentativas nesse sentido se baseiam em
aplicações da teoria marginalista à análise da oferta e demanda de bens públicos, assim como
em sugestões de utilizar a Ciência Política para averiguar as preferências individuais por bens de
consumo coletivo.

O primeiro obstáculo à aplicação da teoria microeconômica para determinação de níveis ótimos de


produção, no caso de bens públicos, refere-se ao fato de que o custo marginal de produção é igual
a zero. O custo total associado à construção de um logradouro público – uma ponte, por exemplo
– não é alterado se, ao invés da estimativa média de 100 usuários/dia, o número de usuários
alcançar 101 ou 102 pessoas em determinados dias do mês. É claro que, embora o custo marginal de
produção seja nulo, o preço desse bem não pode ser também igual a zero, porque os custos fixos de
produção são positivos. Assim, o nível de produção não pode ser fixado pela regra básica de igualar
receita e custos marginais, requerendo outra espécie de solução.

Para tanto, é necessário examinarmos o lado da demanda. Da mesma forma que no caso de um bem
privado, o consumo de um bem público envolve duas reações de sentidos opostos. Uma corresponde
à satisfação derivada do próprio consumo, que depende da utilidade que o indivíduo atribui ao bem
em questão. Outra se refere ao sacrifício associado à contribuição individual para o financiamento
da produção desse mesmo bem. Numa análise parcial, o equilíbrio seria obtido quando a margem
satisfação e sacrifício fossem iguais, quando a utilidade marginal do consumo fosse igual a “desutilidade”
marginal para o indivíduo, decorrente do acréscimo de produção. A “desutilidade”, no caso, refere-se
ao sacrifício representado pelo pagamento de tributos para financiar o acréscimo na produção de bens
públicos, o qual implica reduzir a renda disponível para o consumo de bens privados.

Satisfação e sacrifício, no entanto, são conceitos subjetivos. Dois indivíduos diferentes avaliariam
de modo totalmente diverso a utilidade marginal associada a um aumento na produção de serviços
de segurança, não sendo possível agregar curvas individuais de utilidade para extrair daí uma curva
de demanda para a sociedade.

É necessário adicionar algum critério para avaliar de maneira mais concreta as preferências
individuais relativas a consumo de bens públicos e que desempenhe um papel semelhante àquele
desempenhado pelos preços no caso de bens privados.

Uma primeira alternativa consiste em supor que os preços sejam representados pelo imposto que cada
indivíduo se dispõe a pagar para diferentes quantidades produzidas do bem público X. Nessas condições,

35
UNIDADE I │ FINANÇAS PÚBLICAS

o pagamento do imposto estaria representando, para o indivíduo, o preço associado ao consumo de


uma determinada quantidade de X. Quanto maior for a utilidade atribuída por esse indivíduo ao bem
em questão, maior será o imposto (preço) que ele estará disposto a pagar para a produção desse bem.

O problema da revelação das preferências individuais e coletivas por bens públicos é abordado
também pela Ciência Política. Segundo esse ramo das Ciências Sociais, essas preferências poderiam ser
reveladas – e quantificadas – pelo voto, com base no qual seriam tomadas as decisões sobre produção
de bens públicos. Knut Wicksell demonstrou que a ocorrência de absoluta unanimidade com respeito
à decisão de produzir uma determinada quantidade de bens públicos é equivalente à eficiência obtida
nas decisões tomadas em um mercado competitivo. Isto é, se todos os indivíduos votam pela alocação
de 10% dos recursos disponíveis na produção de bens públicos, isto significa que todos admitem que
esta solução melhora seu respectivo nível de bem-estar, constituindo, portanto, uma solução ótima
do ponto de vista do critério de eficiência de Pareto. É certo, entretanto, que a unanimidade não é
um critério operacional para a tomada de decisões, uma vez que a opinião contrária de apenas um
indivíduo numa comunidade de 1 milhão poderia bloquear as decisões sobre aumento na produção.
Várias outras alternativas para revelação das preferências individuais por meio do voto são exploradas
na análise política, embora uma solução definitiva para esse problema ainda não tenha sido formulada.

A provisão de bens públicos pelo setor público


O problema, portanto, consiste na determinação da quantidade de bens públicos a ser fornecida pelo
governo. A recusa ao pagamento voluntário não é a dificuldade básica, pois tal problema poderia
ser prontamente resolvido, pelo menos do ponto de vista teórico, se o trabalho envolvido em sua
solução fosse apenas o de enviar o coletor de impostos àqueles consumidores que se beneficiam
dos bens públicos. Mas as coisas não são tão simples! Em primeiro lugar, encontramos o problema
de decidir o tipo e a quantidade de bens públicos, que deveriam ser ofertados, e também resolver
o nível da contribuição de cada consumidor. Pode parecer razoável estabelecer que os indivíduos
devam pagar pelos benefícios que recebem, como no caso de bens privados, mas isto não resolve o
problema; a dificuldade fundamental consiste na determinação desses benefícios.

Da mesma forma que os consumidores não têm motivo para oferecer pagamentos voluntários aos
produtores do setor privado, eles não se sentem inclinados a revelar para o governo o valor que atribuem
aos serviços públicos. Desde que cada consumidor é apenas um membro de um numeroso grupo, o
total de bens públicos que estão a seu dispor não é significantemente afetado pela sua contribuição.

Um consumidor não tem motivos para se apresentar ao governo e declarar o valor que ele atribui
aos serviços prestados pelo setor público, a menos que ele tenha certeza de que todos os demais
membros da comunidade farão o mesmo. Permitir que as contribuições fiscais sejam feitas de forma
voluntária não é, como podemos intuir, a solução para o nosso problema. As pessoas preferirão
utilizar-se dos bens públicos sem pagar (na expectativa que “outros” contribuam para o governo). É,
portanto, necessária uma técnica alternativa para determinar a oferta de bens públicos, bem como
os custos envolvidos nessa provisão.

É aqui que o processo político entra em cena e deve substituir o meca­nismo do sistema de mercado.
Ou seja, o voto deve substituir a moeda. Uma vez que os eleitores saibam que estarão sujeitos à

36
FINANÇAS PÚBLICAS │ UNIDADE I

decisão eleitoral (seja ela por maioria simples ou alguma outra regra), eles acharão do seu interesse
votar coerentemente com suas preferências pessoais. Desta forma, a decisão pelo processo de voto se
transforma num substituto para a revelação de preferências pelo sistema de mercado. Os resultados
não agradarão a todos, mas aproximar-se-ão de uma forma mais ou menos perfeita, dependendo tal
gradação da eficiência do processo eleitoral e da homogeneidade das preferências – das preferências
da comunidade com relação ao tema discutido.

Provisão x produção pelo setor público


Antes de analisarmos como ocorre a provisão de bens públicos, é necessário enfatizar a distinção
existente entre o que se entende por provisão de bens públicos pelo setor público e por produção
pública (ou seja, produção de bens pelo setor público). São dois conceitos distintos, sem qualquer
relacionamento e que não devem ser confundidos.

Os bens privados podem ser produzidos e vendidos aos consumi­dores, tanto por firmas privadas, como
normalmente ocorre, quanto por empresas públicas, como as companhias fornecedoras de energia ou
transportes, ou, ainda, o exemplo fornecido pela indústria nacionali­zada de carvão na Grã-Bretanha.
De forma análoga, existem bens públicos (naves espaciais, armamentos etc.) que podem ser produzidos
por firmas privadas e vendidos para o governo ou podem ser produzidos sob controle direto do setor
público, como é o caso de serviços prestados por funcionários públicos ou empresas municipais.

Se dizemos que os bens são fornecidos pelo setor público, estamos caracterizando bens cuja produção
é financiada pelo orçamento desse setor e que se encontram disponíveis sem implicar despesas
diretas para seus consumidores. Portanto, não é relevante para este conceito a caracterização da
firma produtora.

Bens privados no setor público x bens


públicos no setor privado
Como visto anteriormente, fica evidente a inexistência de uma divisão clara entre bens e serviços que
devam ser provisionados ou financiados pelo governo e aqueles objeto de produção pela economia
de mercado. Quase todos os bens e serviços têm atributos coletivos e individuais.

Isto faz com que alguns produtos tipicamente privados – no sentido de que seus benefícios são
plenamente divisíveis entre os usuários – tenham sua produção realizada diretamente pelo governo,
que passa a vendê-los por um preço. O exemplo mais marcante é o dos serviços postais. Os beneficiários
são os usuários diretos do sistema e os bene­fícios são divisíveis a ponto de inspirarem elaboradas
tabelas de tarifas postais. Os departamentos de correios geram receita pela venda de seus serviços
aos usuários, na proporção da utilidade criada e, muitas vezes, operam com lucros. A razão da adoção
desse serviço pelo governo não se prende, assim, às suas características técnicas, mas guardam relação
com as garantias de inviolabilidade da informação e acesso generalizado da população aos serviços.

Alguns bens tipicamente de natureza pública, ou quase pública, são produzidos pela iniciativa
privada, por tradição ou decisão, recebendo apoio integral ou parcial dos recursos orçamentários.
Estão, no primeiro caso, os serviços indivisíveis de limpeza pública; no segundo caso, são
mencionáveis a produção e a distribuição de vacinas e os serviços educativos e culturais.

37
POLÍTICAS PÚBLICAS Unidade iI

Capítulo 1
O Estado e a Economia

Para entender a razão – lógica – da reforma do Estado, necessitamos conferir os debates acerca do
papel adequado do governo na Economia. Esses debates se desenvolveram em círculos, em que os
argumentos sobre as falhas do mercado eram contrastadas com afirmações de falhas regulatórias.
Conforme se revisa, a história dessas controvérsias parece uma luta de boxe, com o Estado e o
mercado alternadamente nas cordas. Aqui vai um breve esboço dessa história.

No modelo padrão da Economia neoclássica existem mercados para tudo, para o presente e para
o futuro, todos sabem tudo e todos sabem o mesmo, não existem bens públicos, externalidades,
custos de transação e não há rendimentos crescentes. Sob esses pressupostos, o mercado gera
distribuições de recursos ótimos e, portanto, não há lugar para o Estado neste cenário. Qualquer
intervenção do Estado é uma mera transferência de receita. Transferir receita provoca distorções
nas taxas de rendimento e na distribuição competitiva, reduz incentivos e desinforma acerca
das oportunidades.

A conclusão que se desprende desse modelo é que o Estado não tem nada a contribuir, tudo o que
faz é pernicioso. O mercado ganha o primeiro round.

O simples fato de que esse modelo deva caracterizar-se, ao menos em parte, negativamente – pela
ausência de bens públicos, externalidades, custos de transação e monopólios – indica um problema
imediato. Em presença dessas “falhas”, o mercado não destina os recursos eficientemente. Essa
foi a observação que fundamentou a doutrina da intervenção do Estado levantada, em 1959, pelo
Programa Bad Godesberg do Partido Social Democrata: “competição (mercado) até onde possível,
planejamento até aonde necessário”. A prescrição geral que emergiu dessa observação é que os
mercados deveriam ser deixados por conta própria para fazerem o que fazem bem, isto é, distribuir os
bens privados, naqueles casos em que a taxa de rendimento privada não se desvia da taxa social; por
sua parte, o Estado deveria prover bens públicos, facilitar as transações, corrigir as externalidades e
regular os monopólios devido aos rendimentos crescentes. O round é para o Estado.

Os neoliberais atacaram esse enfoque de várias maneiras:

»» ao argumentar que, na ausência de custos de transação, as imperfeições do mercado


podem ser tratadas eficientemente pelo próprio mercado sob uma adequada
realocação dos direitos de propriedade (COASE, 1960);

38
POLÍTICAS PÚBLICAS │ UNIDADE II

»» ao assinalar que a noção de imperfeições do mercado, incluindo bens públicos, é


ambígua e nenhuma teoria especificou antes (STIGLER, 1975);

»» ao sublinhar que, ainda perante um fracasso do mercado na locação eficiente de


recurso, não há nenhuma garantia de que o Estado o fará melhor (STIGLER, 1975;
WOLF, 1979).

Os neoliberais mantêm a prescrição de que a intervenção do Estado está baseada em um modelo


plano de um Estado onisciente e benevolente. Eles afirmam que a razão para que o Estado
intervenha é a mesma que dirige qualquer outra ação econômica: o interesse privado de alguém.
Portanto, embora o Estado seja necessário para o funcionamento de uma economia, pode e, de
fato, danifica a economia. Esse é o dilema fundamental do liberalismo econômico: “os economistas
reconhecem que o governo pode fazer algumas coisas melhores que o livre mercado, porém não têm
nenhuma razão para crer que os processos democráticos evitarão que o governo exceda os limites da
intervenção ótima” (POSNER, 1987). Realmente, as análises da queda do Keynesianismo realizadas
em meados dos anos 1970, desde a esquerda (HABERMAS, 1975), ao centro (SKIDELSKY, 1977)
ou a direita (STIGLER, 1975), eram quase idênticas: o Estado tornou-se poderoso e por esta razão
abriu espaço atrativo para as atividades captadoras de rendas por parte de interesses privados
(BUCHANAN, TOLLISON e TULLOCK, 1980; TOLLISON, 1982). Como resultado, os interesses
especiais permearam o Estado, prevaleceu a lógica privada, e a coesão interna necessária para as
intervenções estatais desintegrou-se. Assim, o terceiro round finaliza com o Estado nas cordas.

A meta da economia “institucional” converteu-se em capacitar o Estado para intervir na Economia,


particularmente aquelas intervenções que discriminam entre projetos privados, as que respondem às
condições econômicas imperantes ou as que transferem diretamente o ingresso. Assim, por exemplo,
para Posner (1987), “o governo ótimo para o crescimento econômico é o governo suficientemente
forte para manter a ordem e a lei, porém demasiado débil para lançar e implementar esquemas
ambiciosos de relação econômica ou para comprometer-se em uma redistribuição extensiva”.

A prescrição institucional neoliberal é evitar que o Estado seja capaz de intervir, porque a mera
possibilidade de que o Estado possa fazer algo é suficiente para causar um dano econômico.

A tecnologia institucional neoliberal para limitar o Estado inclui:

»» a redução do tamanho da administração pública;

»» a redução do tamanho do setor público;

»» o afastamento do Estado de pressões privadas;

»» o apoio a regras que permitem decisões discricionárias;

»» a delegação de decisões sujeitas a inconsistências dinâmicas a entidades


independentes que careçam de incentivos para obter benefícios de pressões políticas.

A administração pública deveria reduzir-se pelo fato de o Estado estar “inchado”, e alega-se que
a produtividade dos serviços públicos é menor que a do setor privado. O setor público deveria ser

39
UNIDADE II │ POLÍTICAS PÚBLICAS

privatizado porque supõe-se que o governo é mais sensível a pressões políticas do público que as
empresas privadas. O Estado deveria afastar-se das pressões políticas para evitar que seja presa das
atividades de captação de renda por parte de interesses privados. A política econômica deveria guiar-
se por regras, tais como a regra do ouro ou a emenda do orçamento equilibrado nos Estados Unidos,
que eliminariam a discrição e, portanto, superariam a subotimização devida às inconsistências
dinâmicas (CUKIERMAN, 1992).

A asseveração de que na ausência das falhas “tradicionais” os mercados são eficientes agora parece
morta ou moribunda.

As ineficiências que se originam da ausência de alguns mercados e da presença de informação


imperfeita (mais precisamente endógena) são mais profundas e devastadoras que as imperfeições
que marcaram o mercado neoclássico.

Em sumário recente, Stiglitz (1994) afirma taxativamente:

o modelo neoclássico padrão – a articulação formal da mão invisível de Adam


Smith, a afirmação de que as economias de mercado asseguram a eficiência
econômica – é uma referência pobre para a eleição dos sistemas econômicos, uma
vez que se incluem, na análise, como deve ser, as imperfeições na informação (e o
fato de que os mercados são incompletos) os mercados deixam de ser eficientes.

Quando faltam alguns mercados, como inevitavelmente acontece, e a informação é endógena,


como inescapavelmente o é, os mercados não se elucidam e os preços não resumem os custos
da informação e, ainda, podem desinformar. As externalidades resultam da maioria das ações
individuais, a informação é assimétrica, o poder de mercado é ubíquo e as “rendas” abundam. Estas
já não são “imperfeições”: não há nada que se possa destacar, não há um só mercado, o que há são
muitos arranjos institucionais possíveis, cada um com diferentes consequências.

Mais ainda, algumas formas de intervenção estatal são inevitáveis (CUI, 1992). A economia pode
funcionar somente se o Estado assegura aos investidores responsabilidade limitada, às empresas
bancarrota e aos depositantes sistema bancário duplo. Porém esta classe de compromisso estatal
inevitavelmente induz a uma sutil restrição orçamentária. O Estado não pode simultaneamente
assegurar os agentes privados e deixar de pagar as dívidas, ainda se estas são resultados da negligência
induzida pelo asseguramento (risco moral). Se os mercados são incompletos e a informação imperfeita,
o risco moral e a seleção adversa fazem com que as alocações ótimas sejam inalcançáveis.

Mesmo os mais ardentes neoliberais admitem que os governos devam prover a lei e a ordem,
salvaguardar os direitos de propriedade, fazer cumprir os contratos e prover a defesa diante das
ameaças externas. A economia dos mercados incompletos e a informação imperfeita abriram um
grande espaço para a intervenção do Estado, a complacência neoclássica com relação aos mercados
é insustentável. Ainda que os governos tenham a mesma informação que os agentes privados,
algumas intervenções governamentais incrementarão o bem-estar de forma notável.

Dessa forma, o Estado tem um papel positivo a desempenhar. Porém o quarto round termina em um
empate. Tudo o que sabemos até agora é que há coisas importantes que o Estado pode fazer. Porém
as consequências do ponche neoliberal ainda permanecem: o Estado fará o que deve fazer e não o que
não deve.

40
Capítulo 2
Relações agente-principal

Uma vez que entendemos que os mercados inevitavelmente são incompletos e que os agentes
econômicos têm acesso à informação diferente, descobrimos que não existe uma coisa equivalente ao
mercado, mas somente sistemas econômicos organizados de maneira diferente. A mera linguagem
de mercado sujeito a intervenções governamentais é enganosa. O problema que enfrentamos
não é de “mercado” contra o “Estado”, mas o de instituições específicas que induzem os atores
individuais – sejam eles agentes econômicos, políticos ou burocratas – a conduzir de uma maneira
coletivamente benéfica.

Suponha que seu carro apresentou ruídos raros. Você procurou um mecânico, explicou-lhe o
problema, deixou o carro e esperou o resultado. Um dia depois o carro estava pronto. O mecânico
disse-lhe que necessitou de mudar os amortecedores e que gastou cinco horas para realizar os
reparos. Você pagou e saiu da oficina mecânica; o ruído acabou.

Você escolheu o mecânico e pode recompensá-lo voltando sempre a ele se você está satisfeito com
o serviço ou castigá-lo procurando outro mecânico se não está satisfeito. Mas há muitas coisas que
os mecânicos sabem e que você ignora: por exemplo, se o mecânico queria fazer o trabalho o melhor
possível ou se esforçou o menos possível para fazê-lo, se o carro requeria uma reparação maior ou
somente um ligeiro ajuste, se realizou o trabalho em uma hora ou em cinco. Você é o “principal”,
ele é o “agente”. Você o contratou para atuar em seu interesse, mas sabe que ele tem seus próprios
interesses. Pode castigá-lo ou recompensá-lo. Mas você terá de decidir o que fazer em condições de
informações imperfeitas, dado que ele sabe coisas que você ignora e faz coisas que você não vê.

O que você poderia fazer para induzi-lo a trabalhar para você tão bem
quanto possível?

Quando faltam alguns mercados e quando os indivíduos privados têm acesso a diferentes
informações, as relações entre as diferentes classes de atores tomam a forma de relações entre agentes
e principais ligados por contratos explícitos ou implícitos. Os agentes têm alguma informação que os
principais não observam diretamente, conhecem suas próprias motivações, têm um conhecimento
privilegiado de suas próprias capacidades e podem ter a oportunidade de observar algumas coisas
que os principais não veem. Também realizam algumas ações que se encontram ocultas, ao menos
parcialmente, para o principal. O problema genérico que o principal enfrenta é o seguinte: como
induzir o agente a atuar em interesse do principal, ao mesmo tempo em que satisfaça “a restrição
de participação”, que consiste em prover o agente com um investimento (ou utilidade) maior que a
menor oportunidade de alternativa disponível, e “a restrição de compatibilidade” que consiste em
permitir que o agente atue em seu próprio interesse.

A economia é uma rede de relações diversas e diferenciadas entre classes particulares de agentes
e principais: gerentes e empregados, proprietários e administradores, investidores e empresários,

41
UNIDADE II │ POLÍTICAS PÚBLICAS

cidadãos e políticos, políticos e burocratas. O desempenho das empresas, dos governos e da


Economia, como um todo, depende do desenho das instituições que regulam essas relações. O que
importa é se os empregados têm incentivos para maximizar seus esforços, se os administradores
têm incentivos para maximizar os benefícios, se os empresários têm incentivos para somente correr
riscos com bons resultados, se os políticos têm incentivo para promover o bem-estar público, se os
burocratas têm incentivo para implementar as metas fixadas pelos políticos.

As instituições organizam todas essas relações, tanto as que são puramente “econômicas” como
as que se estabelecem entre empregadores e empregados, proprietários e administradores ou
investidores e empresários; assim como as que são meramente “políticas” e as que se estabelecem
entre cidadãos e governos ou políticos e burocratas; e tanto aquelas que estruturam a “intervenção
do estado” quanto aquelas entre governos e agentes econômicos privados.

Se a Economia está funcionando bem, todas estas relações agente-principal devem se estruturar
apropriadamente. A fim de ser esquemático, somente serão consideradas três classes dessas relações:

»» entre o governo (políticos e burocratas) e os agentes econômicos privados;

»» entre os políticos eleitos e os burocratas designados;

»» entre os cidadãos e os políticos eleitos.

O desempenho de um sistema econômico depende do desenho de todas essas relações, assim como
entre os cidadãos e o Estado. Os agentes privados devem beneficiar-se ao atuar de acordo com
o interesse público e devem ser penalizados quando não agem assim; o mesmo se aplica para os
burocratas e os políticos.

42
Capítulo 3
Regulação

O papel do Estado é único; a singularidade de seu papel é derivada de sua ação ao estabelecer
as estruturas de incentivos entre os agentes privados exercendo o seu poder coercitivo legalmente
qualificado, mandando ou proibindo algumas ações por intermédio da lei e mudando os preços
relativos por meio do sistema fiscal.

Suponha que eu compre um seguro contra roubo de carros. Dirijo-me ao meu destino e escolho um
estacionamento longe do lugar a que me dirijo, em um local favorável a roubo de carro. Como estou
assegurado, corro o risco e estaciono nesse lugar perigoso. Agora entra em cena o Estado: cobra-me
imposto e o emprega para colocar um policial no lugar perigoso.

Como resultado, o roubo de carros é menos provável, a companhia perde menos dinheiro e minha
apólice diminui, mais que compensada pelo incremento do imposto. O Estado está inexplicavelmente
presente em minha relação com a seguradora.

Apesar de nossa relação ser estritamente “privada”, está modelada pelo Estado. O Estado permeia
a comunidade inteira; é um fator constitutivo das relações privadas. Os problemas de desenho
institucional não podem ser evitados retirando-se o Estado da Economia. Devem ser confrontados
como tais.

A intervenção do governo na Economia, por exemplo, o que se denomina regulação nos Estados
Unidos, não é um assunto simples, nem se quer teoricamente, para não falar da prática. O problema
genérico é o seguinte. A empresa regulada tem informação sobre algumas de suas condições,
tais como seus custos de produção ou a demanda de seus insumos, que é superior à informação
disponível para o governo (o “regulador” entendido em termos amplos como os políticos eleitos ou
os burocratas designados). Ainda mais, a empresa efetua algumas ações que o regulador não pode
observar diretamente, mas pode inferir da observação do produto ou da vigilância da empresa,
incorrendo em um custo. O regulador tem a autoridade legal para estabelecer preços ou regras.
Uma vez que a regulação se estabelece, a empresa decide se produz ou não e em que quantidade. O
problema do regulador é estabelecer o menor intercâmbio entre os lucros da empresa e o excedente
do consumidor. Dado que existem informações e ações ocultas, a regulação ótima não é possível.
A empresa sempre obtém lucros. A regulação ótima só sujeita a informação disponível para o
regulador; no mais, trata-se de uma “regulação de menor valor” (BARON, 1995, p. 14).

Ademais, já que qualquer classe de intervenção governamental tem consequências distributivas, os


diferentes grupos afetados pela regulação – empresas, indústrias, empregados, consumidores ou
grupos de interesses – têm incentivos para buscar uma regulação que os beneficie e rechaçar uma
regulação que os prejudique. Os reguladores, por sua vez, podem beneficiar-se, individualmente,
ao oferecer a intervenção que pedem os agentes privados. Essas ambições privadas podem ir
desde a simples reeleição até o enriquecimento dentro ou fora do cargo público. Como resultado,
a regulação poderia induzir laços clientelistas entre os reguladores e os grupos regulados. Até esse

43
UNIDADE II │ POLÍTICAS PÚBLICAS

ponto a regulação é “endógena”, em outras palavras, apresenta-se em resposta às demandas dos


grupos potencialmente afetados por ela.

Considere a seguinte situação simplificada de Laffont e Tirole (1994) como exemplo. Existem
dois períodos. No primeiro período uma empresa, que é um monopólio natural, pode ter custos
altos ou baixos com determinadas probabilidades. Uma empresa com altos custos pode reduzi-
los investindo, esse investimento é socialmente benéfico. Um bom investimento governamental –
aquele que maximiza o excedente do consumidor – ocorre quando o governo subsidia o investimento
somente se a empresa tem altos custos no primeiro período, do contrário, o governo não deve pagar
pelo investimento. Uma má intervenção é aquela na qual o governo não subsidia empresa com altos
custos ou subsídios; subdisia empresa com baixos custos e divide os lucros com a empresa.

O problema institucional é duplo:

»» como capacitar o governo para que realize uma boa intervenção; e

»» como induzi-lo a atuar bem.

Para ser capaz de realizar uma boa intervenção, o governo deve ter acesso à informação sobre os
custos que enfrenta a empresa, legalmente deve ser capaz de estabelecer os preços para a empresa
regulada (de maneira que o custo do investimento seja pago pelos consumidores) ou deve ser
financeiramente capaz de subsidiar a empresa a partir dos ingressos que arrecada com os impostos.
Porém, isto não é suficiente. A razão é que, ainda que a empresa receba os subsídios por parte dos
consumidores ou diretamente do Estado, a empresa não investirá se não estiver razoavelmente
segura de que os benefícios derivados do investimento não serão confiscados pelo Estado, uma
vez que haja incorrido em custos abatidos. Suponha que a firma espere que seja mudada a equipe
de governo e o novo governo lhe cobrará impostos pelos maiores benefícios. Então a empresa
não investirá ainda que recebendo o subsídio e, se o governo souber que a empresa não investirá,
então a intervenção governamental ótima no primeiro período é não subsidiar o investimento,
ainda que este seja socialmente benéfico. Neste problema, para que o governo seja capaz de
promover um bom investimento, deve comprometer-se a não confiscar os benefícios da empresa
no segundo período.

O problema do compromisso emerge do risco moral do principal. Ainda quando o governo


deseja que a empresa invista, uma vez que a empresa realiza o investimento, o governo desejará
cobrar-lhe impostos por esses benefícios. Portanto, os agentes não podem ficar seguros de que
seu bom comportamento será recompensado. Esse problema está presente em muitas relações
agente-principal, incluindo aquelas que são puramente privadas. Mas também é inerente às
relações políticas. A fonte última da soberania política – exercida por um processo democrático
– reside no “povo”, particularmente no século XVIII. Isto implica que nenhum governo pode
comprometer todos os governos futuros. Não é possível outorgar uma garantia absoluta dos
direitos de propriedade. Os direitos de propriedade podem ser protegidos, até certo ponto, pela
Constituição. Mas as constituições não podem especificar tudo e devem deixar uma margem para
a discricionariedade legislativa, bem como para a interpretação judicial. Além disso, ainda que o
processo seja difícil, as constituições podem mudar. Veja a nacionalização da indústria de cobre
chilena por meio de uma emenda constitucional em 1970. Portanto, os direitos de propriedade
são inerentemente inseguros.

44
POLÍTICAS PÚBLICAS │ UNIDADE II

Ainda que a subutilização dos recursos seja o custo desta insegurança, o compromisso nem sempre
é ótimo. O perigo latente é que um governo em particular realize um mau compromisso, ou seja,
sirva a seus próprios interesses ou aos de seus aliados privados, mais que aos da nação.

Voltando ao nosso exemplo, um compromisso é socialmente benéfico somente se o governo intervir


bem durante o primeiro período, isto é, se subsidiou a empresa com altos custos. Se o governo
outorgou um subsídio à empresa com baixos custos, a empresa terá lucros à custa do público e, caso
se tenha comprometido todos os governos futuros a não subir os impostos para a empresa, o novo
governo não será capaz de recuperar essas rendas. Como observam Laffont e Tirole (1994, p. 620):
“o custo de se comprometer é que o governo pode identificar-se com a empresa e atar a nação a um
resultado negativo em longo prazo”.

Existem compromissos bons e maus. Imagine a seguinte situação, de Calmfors e Horn (1985):
no início de seu mandato, o governo anuncia que, se os sindicatos pressionam para o aumento
dos salários e criam desemprego, este não desaparecerá com a expansão do emprego público.
Porém ao chegar o período eleitoral, o governo almejará a vitória e, portanto, contratará os
desempregados. Assim, o anúncio inicial não é crível, os sindicatos pressionarão para o aumento
dos salários, o governo se acomodará e o resultado é subótimo. O governo deve comprometer-
se, por regras ou delegando, a não incrementar o emprego na véspera das eleições. Este é um
bom compromisso. Agora suponha que o governo não se comprometa, os sindicatos pressionam
pelo aumento salarial e é chegada a época da eleição. Agora o governo deseja expandir o
emprego público. Porém os sindicatos antecipam que, uma vez reeleito, o governo despedirá
os empregados públicos. Portanto, o governo também deverá comprometer-se a não despedi-
los, aprovando, digamos, uma lei de estabilidade dos empregados públicos. Este é um c
ompromisso ruim.

A diferença na estrutura temporal vinculada aos compromissos pode ser mais bem-vista invertendo
uma analogia de Ulisses de Elster (1979). No caso do bom compromisso, Ulisses antecipa, no
primeiro momento, que escutará as Sereias no segundo momento e toma uma decisão antes
de escutá-las. No caso de um compromisso ruim, já as escutou em um primeiro momento e se
compromete influenciado por sua canção. E se os governos se prendem a si mesmo em respostas as
pressões de interesses especiais, seu compromisso não será ótimo. Portanto, um ponto institucional
central da reforma do Estado é capacitar aos governos para fazerem bons compromissos e evitar que
façam compromissos ruins.

Ainda que os compromissos se associem às boas políticas, não é fácil fazê-los confiáveis. Spiller
(1995) demonstra a dificuldade de fazer compromissos confiáveis em diferentes contextos
institucionais. Em diversos países os compromissos estão obrigados por:

»» revisão judicial das decisões dos corpos regulatórios (prevalecendo nos Estados
Unidos, onde 80% das decisões da Agência de Proteção Ambiental são disputadas
nas cortes de justiça);

»» legislação altamente detalhada (a regulação chilena da eletricidade de 1980);

»» contratos entre o governo e as empresas obrigatórios sob a lei contratual.

45
UNIDADE II │ POLÍTICAS PÚBLICAS

Spiller argumenta que sem a revisão judicial das decisões regulatórias, o regulador tem excessiva
discricionariedade. E afirma que isto é especialmente correto para os países latino-americanos (1995):

a razão básica para esta delegação é que suas constituições provêm uma
regulação presidencial das leis, isto é, para implementar uma lei, requer-se o
decreto presidencial que regula a lei. A menos que a regulação da lei contradiga
escandalosamente a figura, a regulação da lei não está sujeita à revisão judicial.

Portanto, a única forma na qual as legislaturas latino-americanas podem comprometer o executivo


é escrevendo uma legislação extremamente detalhada. Mas aqui aparece um paradoxo: se o sistema
político gera maiorias e disciplina partidária, esta legislação detalhada pode ser derrubada quando
a maioria legislativa for modificada. Por outro lado, quando o sistema político gera um sistema
partidário altamente dividido – Spiller examina os casos de Bolívia, Brasil e Uruguai – tal legislação
é difícil de superar, porém sua adoção também é extremamente difícil.

Utilizou-se para todo o exemplo de regulação governamental um monopólio, porém, as mesmas


observações se aplicam a outras formas de intervenção econômica. Idênticas considerações podem
aplicar-se à regulação “social” de saúde, segurança, meio ambiente, emprego etc. (BARON, 1995). A
intervenção do Estado pode ser superior a não intervenção quando o desenho institucional permite
ao governo intervir na Economia e nas seguintes condições: quando os governos têm informações
sobre os agentes privados, quando têm instrumentos legais ou fiscais para regular e quando o marco
institucional permite compromissos críveis.

Nenhuma dessas condições garante que os governos intervenham de acordo com o interesse público.
A simples capacidade do Estado para intervir nos mercados é um espaço atrativo para a influência
dos interesses privados, e a simples habilidade de comprometer-se abre a possibilidade de pacto.
Por isso, existem razões para esperar que a qualidade da intervenção estatal na Economia dependa
da organização interna do Estado, em particular das relações entre políticos e burocratas, e do
desenho das instituições democráticas que determinam se os cidadãos podem controlar os políticos.

46
ANÁLISE E
AVALIAÇÃO DE Unidade iII
POLÍTICAS PÚBLICAS

Capítulo 1
Cenário histórico

Excederia em muito o nosso objetivo apresentar uma história detalhada da política ou das ações
de governo na sociedade contemporânea. No entanto, é essencial compreender as grandes linhas
da evolução histórica da intervenção estatal nas modernas economias capitalistas, para que se
possa avaliar o impacto das Políticas Públicas na dinâmica social. Em seguida, faremos algumas
observações específicas relativas ao caso brasileiro.

Ao falar de evolução da intervenção estatal, falamos de um conceito muito citado e frequentemente


confundido: o Welfare State ou, em sua versão para o português, Estado de Bem-Estar Social.
De fato, o Welfare State é visto como o campo por excelência das pesquisas sobre Políticas Públicas.

Embora o esforço por parte do Estado em modificar as condições do mercado e proteger os


indivíduos de algumas das consequências econômicas desse mesmo mercado sejam antigas,
o Welfare State representa um fator diferencial surgido, timidamente, a finais do século XIX,
expandindo-se gradualmente no conjunto da Europa industrial na primeira metade do século
passado. No imediato pós-guerra, o desenvolvimento e a generalização das intervenções do
Estado nas economias centrais (iniciando Estados Unidos, Europa Ocidental e Japão) tornam essa
nova etapa da história do capitalismo nitidamente diferente da anterior. “A gama e a amplitude
das políticas manejadas pelos Estados, o modos de intervenção que requerem e a importância
dos recursos em jogo modificam a natureza do Estado e das relações sociais [...].” (MÉNY;
THOENIG, 1992, p. 19-20). Gradualmente, essa expansão se viu refletida a grande parte dos
demais países da periferia capitalista (incluída a América Latina), ainda que com graus variáveis
de cobertura.

Mas o que vem a ser, exatamente, a individualidade do Welfare State em relação a outras formas de
gasto estatal massivo (o gasto militar em períodos de guerra, por exemplo)?

Inicialmente, a dimensão quantitativa: desde o fim da Segunda Guerra Mundial até meados da
década de 1980, o grau de participação estatal na economia (medida quer em termos de arrecadação
de tributos, quer em volume de gastos) elevou-se consistentemente nos países ocidentais. Assim, ao
se falar de Welfare State, está se tratando de um volume de recursos que transforma o Estado no
maior e mais importante agente econômico da economia.

47
UNIDADE III │ ANÁLISE E AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

Mas apenas o volume global de receitas e despesas públicas não individualiza o Welfare State – um
país enfrentando uma guerra em grande escala, por exemplo, terá gastos estatais iguais ou mesmo
maiores que as proporções apresentadas.

Tais receitas e despesas, no fenômeno que nos interessa, têm uma destinação específica: um
“conjunto de atividades de redistribuição” que tem por objetivo “garantir um nível de vida ou bem-
estar aos cidadãos, colocando uma rede protetora que reduza desigualdades” (ALBI, 2000, p. 137).
Em termos mais precisos: “a essência do Welfare State é a intervenção governamental: pautas
mínimas em matéria de renda, nutrição, saúde, habitação e educação, garantidos a cada cidadão
como um direito político e não como caridade” (WILENSKY, apud MÉNY; THOENIG, 1992, p. 20).

Esta destinação da intervenção estatal para gastos sociais alcança dimensões consideráveis (sendo
razoável uma estimativa de um mínimo de 25 % do PIB para qualquer país desenvolvido) assume
duas formas principais: a provisão direta aos cidadãos – gratuita ou subsidiada – de bens sociais
(essencialmente de serviços de atendimento à saúde e de educação e de construção de habitações) e
transferências monetárias diretas a indivíduos ou prestações sociais, essencialmente compostas dos
benefícios previdenciários (decorrentes de aposentadoria, orfandade, incapacidade permanente,
seguros contra desemprego ou incapacidade transitória provocada por doença ou acidentes) e
assistenciais (concedidos em função da situação de pobreza do beneficiário, sendo este incapaz ou
até – em alguns países – independentemente da capacidade laborativa) (ALBI, 2000, p. 137-138).

Como descrevia a própria OCDE1 na década de 1980:

As despesas públicas, destinadas a educação, saúde, pensões e outros


programas de garantia de recursos aumentaram, durante os vinte últimos anos
no conjunto dos países da OCDE, quase duas vezes mais rapidamente do que o
PIB, e elas foram o elemento dominante no crescimento das despesas públicas
totais: desde 1960, elas passaram, no conjunto dos sete maiores países da
OCDE, de cerca de 14 % a mais de 24 % do PIB.

São esses dois elementos, portanto, que configuram o espaço social e histórico em que hoje se
analisam as Políticas Públicas: um Estado que movimenta uma parcela enormemente significativa
das riquezas nacionais e que está comprometido a prover um extenso e variado leque de serviços à
coletividade, leque este mais amplo do que aqueles que as teorias políticas e econômicas tradicionais
atribuíam à organização pública (na formulação clássica de Adam Smith, cabia ao poder estatal tão
somente a defesa da nação frente a inimigos externos, a administração da justiça e as obras públicas
que facilitassem o comércio). (ALBI, 2000, p. 13)

Por conseguinte, as Políticas Públicas de variada natureza movimentam uma parcela considerável
dos recursos de cada nação, e atendem a múltiplas necessidades sociais (com a consequente
complexidade técnica em cada um dos setores de atuação). Desde já podemos afirmar, com segurança,
que a operação das diferentes Políticas Públicas tem, para o cotidiano e o bem-estar das modernas
sociedades capitalistas, uma importância de mesma ordem de grandeza daquela representada pela
realização da atividade produtiva por parte de indivíduos, empresas e organizações privadas.

1 OCDE é o acrônimo para a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (Organisation for Economic Co-
operation and Development), organismo internacional formado por 30 países desenvolvidos em 1960, voltado à gestão de
negociações econômicas e à promoção de estudos e pesquisas sobre o desenvolvimento e a economia internacional. Atualmente,
é mais conhecido pela produção de indicadores estatísticos e estudos macroeconômicos.

48
ANÁLISE E AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS │ UNIDADE III

Alguns autores chegam a afirmar que a ação do Estado nas linhas do Welfare State representa uma
característica já indissociável do capitalismo contemporâneo:

uma esfera pública em que, a partir de regras universais e pactadas, o fundo


público, em suas diversas formas, passou a ser o pressuposto do financiamento da
acumulação de capital, de um lado e, de outro, do financiamento da reprodução
da força de trabalho, atingindo globalmente toda a população por meio dos
gastos sociais.

Desta maneira, a ação estatal por um lado “libera” o salário direto dos trabalhadores de uma série
de possíveis descontos que já são cobertas pela provisão pública dos serviços, permitindo que a
renda domiciliar seja disponibilizada para alimentar o mercado de produtos de consumo de
massas. De outro lado, o gasto do Estado passa a representar também um componente essencial
na própria equação financeira das empresas capitalistas, sendo também uma precondição
essencial da viabilidade do lucro empresarial, por meio de uma ação direta que [...] inclui desde
os recursos para ciência e tecnologia, passa pelos diversos subsídios para a produção, sustentando
a competitividade das exportações, vai através dos juros subsidiados para setores de ponta,
toma em muitos países a forma de vastos e poderosos setores estatais produtivos, cristaliza-
se numa ampla militarização (as indústrias e os gastos em armamentos), sustenta a agricultura
(o financiamento dos excedentes agrícolas dos Estados Unidos e a chamada “Europa Verde” da
CEE), e o mercado financeiro e de capitais através de bancos e/ou fundos estatais, pela utilização
de ações de empresas estatais como blue chips, intervém na circulação monetária de excedentes
pelo open market, mantém a valorização dos capitais pela via da dívida pública etc. (OLIVEIRA,
1998, p. 20).

Portanto, este cenário representado pelo Welfare State traz consequências de grande impacto para
o nosso estudo.

Por um lado, o conjunto das intervenções estatais (mesmo nos casos em que envolve apenas
gastos de natureza social, como educação e saúde) tem um efeito macroeconômico considerável,
representando um componente importante do crescimento das economias respectivas. E este
componente é significativamente rígido: como veremos em detalhe mais adiante, um nível de gastos
sociais que se eleva ao longo do tempo gera em favor de sua manutenção interesses os mais diversos
em função das vantagens que distribui (benefícios diretos aos que são atendidos pelos programas;
poder político dos burocratas que os dirigem; mercado para os fornecedores dos recursos adquiridos
pelo Estado para executar os serviços etc.). Por outro lado, as estruturas de financiamento por meio
de impostos são necessariamente complexas e, em geral, desvinculam os recursos extraídos dos
cidadãos pelo Estado dos serviços específicos prestados a cada um.

Isso gera nos cidadãos-contribuintes uma relativa “ilusão fiscal” que faz com que aceitem um nível de
gastos públicos superior àqueles que teriam admitido pagar em estruturas de tributação mais simples.

As duas últimas décadas testemunham, é certo, um momento de crise do Welfare State: crise
primeiramente fiscal, refletindo a dificuldade das economias centrais de retirarem recursos
da atividade econômica de produção de bens e serviços (essencialmente, recursos retirados das
empresas e dos capitais nelas investidos) e de aplicarem-nos na prestação de serviços sociais gratuitos

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UNIDADE III │ ANÁLISE E AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

ou subsidiados à população. A dimensão desta crise alcança todas as economias capitalistas, em


escala nacional, refletindo-se nos desequilíbrios macroeconômicos que se espalharam ao redor do
mundo desde os inícios dos anos 1970 (desemprego, inflação, deficits profundos das administrações
públicas que alcançam, em inúmeras entidades locais, uma autêntica falência). Estes desequilíbrios
têm, como uma de suas causas determinantes, a incompatibilidade entre os recursos que o sistema
de arrecadação fiscal pode extrair da sociedade e o nível mais elevado de recursos que seriam
necessários para a manutenção dos serviços sociais na extensão que o Estado tenta dar-lhes.s

Mas crise também é de gestão: o próprio crescimento abrupto das demandas que o Estado pretende
aprender, somado com um amplo leque de erros de formulação e implantação das Políticas Públicas,
fez com que viesse à tona uma autêntica sobrecarga sobre o aparelho estatal, que se manifesta, por
exemplo, por aumentos descontrolados dos gastos e dos quadros de pessoal, multiplicidade de políticas
que são mantidas sem avaliação e revisão dos seus objetivos, políticas com objetivos demasiado
ambiciosos para os meios disponíveis e incapacidade de conciliar demandas contraditórias.

Apesar de todas essas dificuldades, porém, o Welfare State não deixou o primeiro plano da
paisagem econômica da sociedade ocidental: ainda que poderosamente combatido por reações
radicais de simples rechaço à ação estatal; ainda que objeto de inúmeras transformações e reformas,
especialmente nos países de tradição anglo-saxônica (Estados Unidos e Inglaterra desde o início da
década de 1980, Austrália e Nova Zelândia), a realidade atual não é a ausência do Welfare State,
mas a manutenção e a convivência com novas demandas e formas de prestação dos serviços que
fazem parte do universo histórico do Welfare State. Esta mudança é descrita com precisão por
Gomà; Subirats (1998, p. 137-138):

As políticas nacionais, como sustentamos em outras ocasiões, não se inclinarão


em direção ao desmantelamento do Estado do bem-estar, mas em direção a
uma tríplice política de reestruturação institucional, privatização seletiva e
deslegitimação controlada que torne compatíveis os amplos apoios da cidadania
aos sistemas de proteção social (condicionante político) com as políticas de rigor
monetário e orçamentário e de ajuste trabalhista (condicionante econômico). A
primeira política, reestruturação institucional do Estado do bem-estar, supõe
“reduzir o tamanho” do Estado em termos econômicos e funcionais, Estado
este que se supõe “sobrecarregado” de compromissos políticos e burocráticos.
A segunda política, privatização seletiva, implica “remercantilizar” funções de
reprodução social, fazendo que o indivíduo, a família e a sociedade aumentem
suas responsabilidades. A terceira, a deslegitimação controlada, supõe
“reforçar” o papel dos grupos intermediários da sociedade na resolução dos
conflitos sociais ou, de outra maneira, particularizando a ação coletiva.

Nesse reformulado Welfare State, com todos os seus problemas de sustentabilidade e gestão, a
análise das Políticas Públicas torna-se essencial para a compreensão dos fenômenos de governo e da
própria Economia. Como bem colocam Mény; Thoenig (1992, p. 39.), “neste contexto de explosão
e logo de crise do Welfare State, não surpreende que a análise das Políticas Públicas não se tenha
limitado isolada [...]. A análise das Políticas Públicas converteu-se em parte interessada, às vezes
sem desejá-lo, de um debate mais amplo sobre a natureza do Estado”.

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ANÁLISE E AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS │ UNIDADE III

Welfare State – um conceito universal


ou nacional?
Você observará que tratamos de um histórico da evolução ocorrida em um conjunto das principais
economias capitalistas – cada um a seu tempo e modo, uma evolução que, em linhas gerais,
seguiram Estados Unidos, Europa Ocidental, Canadá, Austrália, Nova Zelândia, Japão. De qualquer
maneira, essa experiência seria relevante para o nosso estudo: foi com base nela que a maior parte
do instrumental relevante de análise de Políticas Públicas foi construído. Muitas referências são
feitas a arranjos complexos que foram originalmente observados nesses países centrais.

Mas, você perguntará: e o Brasil? Qual é a validade dessa trajetória, a dos grandes países capitalistas
ocidentais, para ajudar a explicar Políticas Públicas aqui?

Se podemos sintetizar numa expressão, o Brasil ensaiou uma aproximação a determinadas


características do Welfare State, sem alcançar de modo algum a extensão dos gastos e serviços sociais
que o caracterizaram internacionalmente. A crise, portanto, impactou de maneira ainda mais grave a
frágil estrutura de proteção social brasileira, e o País enfrenta desafios ainda maiores para tentar levar
adiante Políticas Públicas que persigam, ainda que timidamente, os objetivos do Welfare State.

Percorrendo um pouco desta trajetória, podemos afirmar inicialmente que as iniciativas pioneiras
de gastos sociais, abrangendo o período dos anos 1930 até o golpe de 1964, eram setorializadas ou de
alcance muito limitado: organizadas por meio de sindicatos, organismos previdenciários classistas
e entidades assistenciais também classistas, a previdência, a saúde, a habitação, até mesmo o lazer,
cobriam apenas categorias profissionais específicas (ferroviários, portuários, servidores públicos).

A estrutura estatal de previdência e saúde é, nesse período, residual. A escola pública não atendia
senão à classe média alta e a uma fração das camadas populares. Em suma, as medidas sociais
esboçadas no período que vai de 1930 a 1964 não estavam integradas, não constituíam um espaço
próprio da expansão do capital, não tinham o porte necessário a constituírem um instrumento de
distribuição de renda, e não tinham fontes de financiamento compatíveis com as dimensões de uma
autêntica política social.

Por estranho que possa parecer, à primeira vista, as medidas que apontaram para alguns traços
associados ao Welfare State ocorreram ao longo da modernização conservadora imposta pelo
regime militar pós-golpe de 1964. Ao longo deste período, o sistema previdenciário organizado
por categorias isoladas foi unificado por meio da fusão de todos os institutos classistas em um
único órgão estatal de seguridade social (processo completado em 1974), ficando mesmo assim
limitado ao segmento de trabalhadores urbanos com carteira assinada. Também na década de
1970, o sistema previdenciário foi ampliado para o universo de trabalhadores da agricultura,
chegando ao final dos anos 1980 com a pretensão de universalidade de cobertura de todos os
cidadãos acima de uma certa idade.

A ampliação da cobertura do sistema de saúde pública inicia-se com a unificação dos institutos
previdenciários, que resulta na criação de um sistema médico-hospitalar destinado aos segurados
da estrutura estatal da previdência social (portanto, ainda limitada aos assalariados do setor formal
urbano). Apenas ao final da década de 1980, inicia-se o processo de unificação desta estrutura

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UNIDADE III │ ANÁLISE E AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

pública fragmentada (serviços médicos previdenciários, mais as redes limitadas de assistência de


governos estaduais e municipais), com a formalização da intenção de universalizar o atendimento
de saúde. Nesta tentativa de universalização, cresce o papel do setor privado como fornecedor de
serviços de saúde ao poder público, abrindo um importante espaço para o investimento do capital
privado em hospitais, clínicas e laboratórios médicos.

Inicia-se também, no período, a massificação da política habitacional e de águas e saneamento, com


a utilização dos recursos parafiscais do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço para financiar a
compra privada de imóveis habitacionais produzidos em massa pelo próprio setor privado.

No âmbito educacional, expande-se aceleradamente a matrícula no Ensino Fundamental, com


metas exclusivamente quantitativas. Substitui-se, assim, um sistema educacional público elitista
(por absorver uma fração limitada da população escolar) por outro de aspiração universal, mas
que – tendo permanecido aproximadamente constante o esforço financeiro no custeio da educação
– viu uma deterioração vertiginosa da qualidade. Também aí se cria um enorme favorecimento ao
investimento de capital, com a expansão do ensino privado como praticamente a única alternativa
de educação de qualidade para aquele segmento mais favorecido que, antes, frequentava a
escola pública.

Também são deste momento histórico os primeiros projetos estatais de política assistencial em
maior escala, envolvendo a implantação de programas de merenda escolar e uma série de gastos
de assistência social direta, de natureza isolada, promovidos pela Legião Brasileira de Assistência.
Em relação a este conjunto de gastos, passou a ter muito recentemente um caráter central na
estratégia político-econômica corrente: sob a forma de transferências de renda direta à população,
baseada exclusivamente em critérios de pobreza monetária extrema (Bolsa-Escola, Bolsa-Família
etc.), passaram a assumir nos primeiros anos do século XXI o papel de principal mecanismo de
atendimento às carências sociais, substituindo na prática e no imaginário social o papel provedor
de serviços do Welfare State.

Tudo isso não ocorre por opção política do regime. Ao contrário, a adoção das medidas que passamos
a detalhar representava uma necessidade da ampliação de mercados no momento por que passava
a estrutura econômica: saúde, educação, habitação, passam a ser novos mercados disponíveis ao
investimento privado, com volume considerável de recursos públicos a subsidiá-lo. Em apropriada
síntese, “[...] a Política Social estruturada durante os governos militares tinha uma preocupação
maior em abrir novos espaços para a expansão do capital do que propriamente caminhar na direção
do bem-estar da população [...]” (SANTOS, 2001, p. 19).

No entanto, este movimento terá poderoso impacto na história do País: para viabilizar a massificação
dos atendimentos que expansão de mercados necessitava, o Estado viu-se obrigado a caminhar
gradualmente, no discurso e no desenho das políticas, na direção da universalização do acesso aos
serviços (legitimando politicamente essa reivindicação, que viria a ser formalmente acolhida como
princípio na Constituição da redemocratização em 1988); como contrapartida, o financiamento de
tais serviços com aspiração universalizante teria de ser feito essencialmente a partir de recursos
tributários, exigindo uma reestruturação da imposição tributária que resultou, ao longo do tempo,
num aumento contínuo e significativo da carga tributária no País.

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ANÁLISE E AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS │ UNIDADE III

No entanto, essa reformulação da estrutura de financiamento dos gastos sociais ficou a meio
caminho: o aumento de arrecadação tributária não foi suficiente para arcar com todos os novos
compromissos que o Estado vinha assumindo, na política social e principalmente na intervenção
econômica (especialmente os investimentos em infraestrutura, os subsídios diretos e indiretos à
produção industrial e à agricultura). Assim, o custeio dos gastos sociais (que não são, por definição,
capazes de se autossustentarem economicamente) ainda tem como fonte básica de financiamento
recursos de terceiros (empréstimos oriundos de bancos, dívida pública ou “fundos sociais”).

É este descompasso entre os objetivos do gasto social e suas fontes de financiamento que conduzirá
ao colapso financeiro dos serviços públicos da década de 1980 (que persiste até hoje, inclusive
com maior gravidade). A partir dos anos 1980, os fundos sociais à base de empréstimos passaram
à situação de insolvência, os recursos de endividamento (interno e externo) escassearam, e os
demais compromissos do orçamento público (em particular o pagamento de juros para o estoque
acumulado de dívida) impediam a destinação do montante minimamente necessário à manutenção
ou expansão de políticas de gasto público social. Este processo de engessamento do gasto social
assume diferentes formas econômicas (dissolução do valor real do gasto por meio da alta inflação,
da contenção e do contingenciamento direto dos recursos aplicados), todas com o mesmo efeito de
redução dos serviços prestados, com a manutenção da precariedade do atendimento à população,
e mesmo deterioração física daquela infraestrutura de atendimento que se conseguiu instalar no
período anterior (escolas, hospitais, conjuntos habitacionais).

Ao mesmo tempo, a sociedade passou a exigir crescentemente, como direitos de cidadania, a


universalização e a qualidade dos serviços assistenciais (ainda que, centradas em saúde, educação
e em menor escala habitação, essa reivindicação tenha uma extensão mais modesta que o âmbito
do Welfare State tradicional). Esta reivindicação foi incorporada formalmente na Constituição de
1988, ficando então o Brasil na paradoxal situação de distribuir juridicamente, a partir da própria
Constituição, um leque de direitos sociais extremamente amplos e ambiciosos, ao tempo em que tais
direitos são minimizados, na prática, pela recusa à alocação dos recursos econômicos necessários.

O Brasil apresenta, então, um desafio ainda maior para as Políticas Públicas: à parte toda a
complexidade desse empreendimento em qualquer época ou lugar, o gestor público no Brasil tem
de operar e produzir resultados em um contexto de recursos absolutamente escassos, pressões de
demanda ainda maiores originárias da extrema precariedade social e de um aparelho institucional
que historicamente apresenta forte instabilidade, estando longe de estar consolidado.

O estudioso de Políticas Públicas, no Brasil, encontra, portanto, um duplo desafio: tem de compreender
a formação das decisões sobre problemas públicos e a sua aplicação, o que torna necessário que faça
uso dos conceitos e instrumentos sofisticados disponíveis internacionalmente. Ao mesmo tempo,
não pode ignorar que a aplicação desses mecanismos tem de ser feita no singularíssimo cenário
nacional, de insuficiências e conflitos, o que exige que tenha consciência da evolução histórica do
Estado brasileiro como provedor de bens públicos.

É este duplo desafio que enfrentaremos ao longo do nosso curso, buscando construir um conjunto
de conhecimentos capazes de orientar cada um dos alunos na abordagem dos problemas públicos
na realidade concreta em que vive.

53
Capítulo 2
Análise de políticas públicas

O estudo de Políticas Públicas, que vamos empreender aqui, tem-se caracterizado como uma “ciência
da ação”, uma contribuição de “especialistas” às decisões governamentais – especialmente porque,
como vimos anteriormente, as expectativas e os esforços da sociedade passaram a ser, nos últimos
cinquenta anos, cada vez mais canalizadas para os resultados da ação pública. Portanto, a análise de
Políticas Públicas é orientada à ação, à melhoria das decisões públicas em curto e longo prazos. Para isso,
naturalmente, a pesquisa e a teoria são componentes indispensáveis, mas com o objetivo principal de
contribuir aos processos reais de decisão.

É este enfoque que diferencia a análise de Políticas Públicas das abordagens clássicas da Ciência Política.
Não deixamos de estar ancorados em modelos teóricos, até porque toda análise de políticas baseia-se,
explicitamente ou não, em uma filosofia política, e vincula-se com as teorias disponíveis no “mercado
do pensamento”. Portanto, as teorias de Políticas Públicas não são fundamentalmente inovadoras
em relação aos demais ramos do saber; em geral sustentam – ou contradizem – teorias propostas
pela filosofia política ou pelo pensamento econômico. Mas o que determina sua originalidade é que
têm raízes nas pesquisas empíricas e não se desentendem de suas consequências para a ação. Desta
forma, o cientista social, econômico ou político interessa-se, pela própria definição de seu trabalho,
pelo “progresso do conhecimento e do saber”; o objetivo do analista de Políticas Públicas enquanto
tal é organizado em torno de uma “combinação de um objetivo social e de um corpo de saber extraído
essencialmente da ciência”. (MÉNY; THOENIG, 1992. p. 45)

O nosso campo de estudo passou, portanto, por várias etapas e várias controvérsias internas,
terminando por apresentar uma variedade quase incalculável de abordagens e de autores, cada um
com um raciocínio significativamente diferente dos demais. Para dar uma ideia dessa multiplicidade,
um dos principais trabalhos modernos de síntese da literatura técnica mais conhecida sobre análise
de Políticas Públicas, que usamos extensamente neste capítulo (PARSONS, 2001), menciona e
discute centenas de outros estudos com enfoques, preocupações, métodos e critérios distintos.

Ao estudar Políticas Públicas, portanto, encontraremos um trabalho intelectual:

»» multimétodos;

»» multidisciplinar;

»» com foco em problemas específicos;

»» preocupado em mapear todo o contexto do processo de formulação e implantação


de políticas, de formulação de alternativas e dos resultados das políticas;

»» que tem como objetivo integrar o conhecimento numa disciplina integrativa com
a finalidade de analisar as escolhas públicas e seu processo decisório e, portanto,
contribuir com a democratização da sociedade. [...]

De fato, trabalhamos em ambiente multidisciplinar, abrangendo conhecimentos provenientes de


áreas de conhecimento tão variadas como Ciência Política, Administração Pública, Administração

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ANÁLISE E AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS │ UNIDADE III

de Empresas e Organizações, Sociologia, Psicologia, Economia ou Estatística. Longe de ser um erro,


no entanto, esta multidisciplinaridade é um dos grandes trunfos da disciplina: as fronteiras entre os
campos de saber não decorrem dos problemas que enfrentam, mas da própria organização interna
do trabalho científico. Um problema público (uma pandemia como a gripe aviária, a epidemia de
AIDS, o aquecimento global, a criminalidade nos centros urbanos) não pergunta qual disciplina
científica pode ocupar-se dele – a sua solução depende da solução integrada de inúmeros problemas
parciais por diferentes ramos do saber. A análise de Políticas Públicas – e, com certeza, o nosso
trabalho neste curso – tem essa humildade essencial de reconhecer que depende de todo o leque
de saberes que possa enfrentar um determinado problema. A ausência dessa humildade, tanto na
teoria quanto na prática, gera deficiências profundas na capacidade de resolução dos problemas
sociais, tão bem descritas por Carlos Matus (1987, p. 166):

Nossa realidade e nossas universidades produzem economistas cegos à


política, políticos surdos à economia e cientistas políticos que não se inquietam
pela incomunicação entre ambos. Por essa razão, no processo político de
nossos países entram diretamente em contado, mas não em comunicação,
dois agentes que falam idiomas distintos e manejam teorias incompatíveis: o
político convencional e o técnico convencional. [...] A gravidade da situação
adquire plena complexidade se, por sua parte, o economista não entende o
problema político, sob a hipótese, nem sempre verificável, de que domina.
Em outras ciências sociais de natureza mais teórica, como a Economia e a
Sociologia, observa-se que a multiplicidade de autores trata o universo de
problemas individuais por meio de um número razoavelmente limitado de
abordagens, modelos ou estruturas conceituais. A análise de Políticas Públicas,
por sua vez, oferece a cada estudioso individual abordar o problema que lhe
concerne utilizando um marco de referência próprio, com diferenças (maiores
ou menores) em relação aos demais.

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Capítulo 3
Análise dos modelos de Políticas Públicas

Reflita sobre as observações a seguir:

A estruturação das Políticas Públicas deve ser compreendida


como o produto de um intenso processo de intermediações
políticas por meio das quais emergem e tomam forma os projetos
e interesses de agentes e agências públicos e privados em
pugna por impor um determinado projeto de direção política
e de direção ideológica sobre a sociedade e o estado que são
governados. Os posicionamentos, estratégias e táticas de cada
um na confrontação estão regidos por princípios de mudança e
princípios de conservação. (TORRES, 2006, p. 123-124)

Para o analista, o processo de uma política é o complemento


indissociável de sua substância: processo e conteúdo constituem
as duas caras de uma mesma realidade. O trabalho governamental
não se limita à tomada de decisão; estende-se no tempo, não só a
montante, mas também a jusante do que, frequentemente e sem
razão, considera-se a intervenção mais nobre e mais significativa.
Além disso, o transcurso do tempo, a duração, é em si mesmo um
elemento estruturante da ação governamental e de outros atores
não governamentais.” (MÉNY; THOENIG, 1992. p. 104)

»» As interações entre agentes, públicos e privados, são inúmeras no


tratamento de qualquer problema público. Como abordar essas
interações? Como você acha que poderia ordenar o trabalho de análise de
uma Política Pública, para que o seu estudo não se perdesse entre tantas
informações relevantes?

»» Você acha que um “modelo” único seria capaz de aplicar-se a qualquer


Política Pública? Qual o sentido de existir um “modelo”?

Elaboração e análise de Políticas Públicas –


considerações sobre o método
Segundo Paula (1989, p. 47), “E o método é o trilhar do conceito, é a chave que permite abrir o real,
revelar-se-lhe o interior, sua estrutura, destruir o manto de aparências e enganos que o recobrem, a
pseudoconcreticidade. O método, arma afiada, mapa e obra de arte.”

Passemos logo, então, ao problema básico. Em qualquer modelo de análise e em particular no


nosso campo tão complexo das Políticas Públicas, o desafio do analista é a maneira de decompor
seu objeto de estudo em elementos empíricos mais finos, sem que por isto se perca a sua visão

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ANÁLISE E AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS │ UNIDADE III

de conjunto do objeto estudado. Criar um “modelo”, uma representação teórica que selecione os
principais traços da realidade estudada, permitindo com isso que o estudioso possa organizar nessa
representação os fatos empíricos principais que observa, possa descrever por meio da representação,
de forma sintética e articulada, o conjunto de fatos que vê, e possa formular, utilizando a linguagem
e as ferramentas intelectuais disponibilizadas pelo modelo, hipóteses acerca das relações entre os
diferentes traços da realidade, começando daí o esforço explicativo.

Toda Política Pública traz consigo uma multiplicidade de interações, podemos examinar essas interações
sob várias perspectivas: as dimensões em cena (Politics, policy, polity); o conjunto de agentes que
interagem (policy networks); a Política Pública como uma relação entre insumos, produtos e impactos
(policy inputs, policy outputs, policy outcomes); o padrão de interação entre os agentes (policy arenas).
Todas estas perspectivas são importantes, mas destinam-se a examinar com certa profundidade apenas
um dos lados desse grande “cubo mágico” que é uma Política Pública. Ao distribuir as observações dos
fatos utilizando cada um desses conceitos, vemos apenas aquele lado. É preciso uma decomposição
dos fatos que permita cobrir organizadamente todo o processo da Política Pública, e que permita ainda
utilizar em conjunto estes outros recursos ou perspectivas principais que analisamos.

O instrumento de ordenação analítica que foi considerado possivelmente mais útil pela maioria
dos autores envolvidos com as Políticas Públicas é o policy cycle, ou modelo de ciclo de políticas.
Intuitivamente, o ciclo das políticas é a sequência de atividades, do começo ao fim, desde o nascimento
de um problema até os resultados das políticas adotadas para resolvê-lo. Cada fase caracteriza-se por
atividades concretas, do agente público (ex.: o trabalho legislativo; o processo decisório em gabinetes
ministeriais; a gestão burocrática das medidas adotadas etc.) e, em torno dele, a ação coletiva (os
grupos de lobby, as campanhas de imprensa, as manifestações populares de rua etc.). A cada fase
corresponderão atores, relações, compromissos específicos. “as várias fases correspondem a uma
sequência de elementos do processo político-administrativo e podem ser investigadas no que diz
respeito às constelações de poder, às redes políticas e sociais e às práticas político--administrativas
que se [nela] encontram tipicamente”. (FREY, 2001)

Vamos, portanto, descrever as Políticas Públicas segundo as “fases” que agrupam atividades
comuns, aproximadamente sequenciais no tempo, que levam do surgimento de um problema
público à formulação de uma resposta e implementação das medidas que a materializam, seguidas
do tratamento dos efeitos dessas medidas sobre a realidade social. Na verdade, existem vários
modelos ligeiramente diferentes de cycle (além dos que foram discutidos neste capítulo, Parsons
(2001) faz uma resenha de sete outros modelos referidos ao ciclo de políticas), e utilizaremos uma
síntese que incorpora os modelos apresentados por nossa bibliografia básica.

Mas, tenhamos cuidado! Desde o início, deixamos claro que não se trata de impor um marco
rígido. Ao contrário, qualquer dos modelos de policy cycle não pode ser tomado como um quadro
rígido, linear ou formal. Os modelos são uma sequência de fases ou etapas que, apresentadas
sucessiva e cronologicamente para fins didáticos, podem na prática superpor-se no tempo,
retroceder, ou mesmo nunca surgirem. É preciso entender com clareza que, como diz a linguagem
popular, o modelo de policy cycle “é uma trilha, não um trilho”.

Voltaremos a estas ressalvas mais adiante. Por enquanto, você pode dedicar o seu tempo a
acompanhar a descrição do modelo de ciclo de políticas, com a tranquilidade de que está estudando
uma ferramenta bastante útil para o nosso objetivo no curso.

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UNIDADE III │ ANÁLISE E AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

Apresentando o modelo
O ciclo de Política Pública é assim sintetizado por Mény; Thoenig (1992, p. 105):

»» A identificação de um problema: o sistema político percebe que um problema


exige um tratamento e o inclui na agenda de uma autoridade pública.

»» A formulação de soluções: as respostas são estudadas, elaboradas e negociadas


para estabelecer um processo de ação pela autoridade pública.

»» A tomada de decisão: o decisor público, oficialmente competente, escolhe uma


solução particular que se converte em política legítima.

»» A execução do programa: uma política é aplicada e administrada em campo. É


a fase executiva.

»» O encerramento da ação: é produzida uma avaliação de resultados que


desemboca no fim da ação empreendida.

De forma muito simplificada, a ordenação das etapas de um ciclo de políticas pode ser vista como:

COMPREENDENDO O
PROBLEMA

TESTANDO O SUCESSO DESENVOLVENDO


E FAZENDO-O SOLUÇÕES
PERDURAR
COLOCANDO AS
SOLUÇÕES EM
PRÁTICA
Adaptado de NAO, 2001, p. 23.

Porém, já vimos que as diferentes etapas ou fases interferem umas com as outras, sem haver uma
sucessão linear ou mesmo um sentido único de dependêcia lógica. O modelo completo é, portanto,
mais complexo, e pode ser entendido mais detalhadamente pelo esquema gráfico dos autores:

EXECUÇÃO OU AVALIAÇÃO DOS


IDENTIFICAÇÃO DE FORMULAÇÃO DE TOMADA DE RESULTADOS E
APLICAÇÃO DA
UM PROBLEMA UMA SOLUÇÃO DECISÃO ENCERRAMENTO
AÇÃO

DEMANDA POR UMA PROPOSTA DE UMA POLÍTICA EFETIVA IMPACTOS EM AÇÃO POLÍTICA OU
AÇÃO PÚBLICA RESPOSTA DE AÇÃO CAMPO REAJUSTE

RESOLUÇÃO DE UM PROBLEMA OU FINAL DE UMA POLÍTICA

Fonte: Adaptação de Mény; Thoenig, 1992, p. 106.

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ANÁLISE E AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS │ UNIDADE III

Os próximos capítulos representarão, cada um, uma ampliação e um aprofundamento de cada


uma das etapas, o que permitirá que o nosso olhar se aplique sistematicamente a cada um desses
grandes grupos de atividades, cada um reunindo similaridades na relação entre os atores, estado
dos problemas abordados, ações realizadas etc.

»» Você enxerga um sentido mais geral no modelo de ciclo de políticas?


Serão estas as etapas que uma organização ou uma pessoa percorre para
resolver problemas complexos que lhes afetam?

»» Em que medida o modelo de ciclo de políticas poderia ser estendido para


qualquer situação heurística, ou seja, qualquer situação de resolução de
um problema significativo?

Aqui também a resposta é aberta. Aqueles mais familiarizados com a teoria da Administração ou com
a Teoria Econômica poderão ver no policy cycle uma versão simplificada de instrumentos de teoria
da decisão bastante sofisticados e que incorporam recursos matemáticos complexos. É possível até
que esta opinião seja em parte correta – e este é o grande mérito desta abordagem, exatamente
o que nos faz – e à maioria dos autores da área – adotá-lo como ferramenta de ensino e análise.
Diante da multiplicidade de fatores que intervém numa Política Pública, uma certa simplificação
analítica é inevitável e mesmo imprescindível – é pouco provável que um único modelo, por mais
sofisticado que seja, possa reunir de forma determinista (muito precisa, automática, matematizada)
toda essa variedade de fatores: “dado o enorme número de estruturas e modelos disponíveis como
instrumentos analíticos, precisamos de alguma forma de reduzir essa complexidade a uma forma
mais administrável” (PARSONS, 2001, p. 80). A “resposta” de um modelo de análise de Políticas
Públicas é, portanto, tão aberta quanto as questões que temos proposto para reflexão.

Os próximos capítulos representarão, cada um, uma ampliação e um aprofundamento de cada


uma das etapas, o que permitirá que o nosso olhar se aplique sistematicamente a cada um desses
grandes grupos de atividades, cada um reunindo similaridades na relação entre os atores, estado
dos problemas abordados, ações realizadas etc.

»» Você enxerga um sentido mais geral no modelo de ciclo de políticas?


Serão estas as etapas que uma organização ou uma pessoa percorre para
resolver problemas complexos que lhes afetam?

»» Em que medida o modelo de ciclo de políticas poderia ser estendido para


qualquer situação heurística, ou seja, qualquer situação de resolução de
um problema significativo?

Aqui também a resposta é aberta. Aqueles mais familiarizados com a teoria da Administração ou com
a Teoria Econômica poderão ver no policy cycle uma versão simplificada de instrumentos de teoria
da decisão bastante sofisticados e que incorporam recursos matemáticos complexos. É possível até
que esta opinião seja em parte correta – e este é o grande mérito desta abordagem, exatamente
o que nos faz – e à maioria dos autores da área – adotá-lo como ferramenta de ensino e análise.
Diante da multiplicidade de fatores que intervém numa Política Pública, uma certa simplificação
analítica é inevitável e mesmo imprescindível – é pouco provável que um único modelo, por mais

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UNIDADE III │ ANÁLISE E AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

sofisticado que seja, possa reunir de forma determinista (muito precisa, automática, matematizada)
toda essa variedade de fatores: “dado o enorme número de estruturas e modelos disponíveis como
instrumentos analíticos, precisamos de alguma forma de reduzir essa complexidade a uma forma
mais administrável” (PARSONS, 2001, p. 80). A “resposta” de um modelo de análise de Políticas
Públicas é, portanto, tão aberta quanto as questões que temos proposto para reflexão.

Modelo de ciclo de Políticas


Todas as ressalvas que se fazem a esse modelo como ferramenta heurística são, em sua medida,
válidas. O modelo é assim um ponto de partida para exploração das Políticas Públicas – mas, como
todo modelo, deve ser tratado com cuidado. À semelhança de um mapa simplificado (por exemplo,
de um diagrama esquemático das linhas de trem ou metrô de uma cidade), ele permite ver com mais
clareza os contornos essenciais, ao preço de eliminar boa parte da riqueza de detalhes da realidade.
Portanto, o diagrama é uma orientação para uma determinada finalidade heurística (deslocar-se
utilizando o trem ou metrô), não é um mapa da cidade.

Um modelo é como um diagrama

Da mesma forma que um diagrama de linhas de trem ou metrô não é um mapa da


cidade, um modelo simplifica a realidade, inclui os traços relevantes para as suas
finalidades e exclui todos os demais detalhes.

Portanto, usamos este modelo como uma ferramenta para auxiliar a organizar nossos estudos,
para ajudar-nos a “localizar” e “navegar” dentro de uma rede complexa de fatos. Em cada ponto
ou estação (etapa ou fase, nos termos do modelo), teremos que utilizar todos os recursos analíticos
disponíveis para identificar e interpretar a realidade da formação e aplicação de Políticas Públicas.
.

O que faz nascer uma Política Pública? O que faz um assunto qualquer se tornar um
problema que chame a atenção do poder público?

Colocando em prática – desafio da implementação

Infelizmente, a experiência também já nos ensinou que até as mais perfeitas e


acabadas ideias podem fracassar quando chega a hora da sua execução, seja por
hesitações de último momento, seja por desajuste entre aquilo de que se estava à
espera e aquilo que realmente se obteve, seja porque se deixou fugir o domínio da
situação num momento crítico, seja por uma lista de mil outras razões possíveis que
não vale a pena estar a esmiuçar aqui nem teríamos tempo para examinar, por tudo
isto, torna-se indispensável ter sempre preparada e pronta para aplicar uma ideia
substituta, ou complementar da anterior, que impeça, como neste caso poderia
ocorrer, o surgimento de um vazio de poder, outra expressão, essa mais temível, é o
poder na rua, de desastrosas consequências.
(SARAMAGO, 2004, p. 64)

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ANÁLISE E AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS │ UNIDADE III

»» Uma vez mais recorremos à visão literária sobre o mundo para fomentar a
meditação sobre algo tão múltiplo como o estudo da ação pública. Pense
bem: uma vez decidida pela autoridade pública uma determinada linha
de ação, terá ela automaticamente a ação desejada? Mais ainda, o que
será realizado em seu nome será aquilo que foi intencionado?

»» Já vimos que algumas realidades históricas como que estendem o


processo de decisão (o processo de disputa entre diferentes alternativas)
além da apresentação dos enunciados de políticas. Será isto uma distorção
específica de determinadas trajetórias nacionais, ou este raciocínio terá
uma aplicação mais universal?

61
Capítulo 4
Desafio da implementação

Um estudo da implementação é um estudo da mudança: como ocorre a mudança, possivelmente


como ela pode ser induzida. É também um estudo da microestrutura da vida política; como as
organizações dentro e fora do sistema político conduzem seus negócios e interagem umas com as
outras; o que as motiva a agir da forma como agem, e o que as poderia motivar a agir de forma
diferente. (JENKINS, 1978, p. 203 apud PARSONS, 1989, p. 461-462)

De acordo com o nosso roteiro analítico do modelo de ciclo de políticas, estaremos agora na hora de
“colocar as soluções em prática”. Intuitivamente, nada mais simples: uma vez que se decide passar
à execução daquilo que foi decidido.

É claro que a enunciação de um marco normativo de intenções, textos legais, documentos, discursos,
encontra seguimento na adoção de providências concretas. Esta tomada de medidas práticas é,
inclusive, identificável em suas grandes linhas, podendo configurar com clareza uma etapa própria
em nosso modelo de ciclo de políticas.

Ocorre que a realidade, como sempre ocorre no universo de Políticas Públicas, não é nunca tão
linear. A formulação das políticas não termina com a sua aprovação: “a política está sendo decidida
à medida que é aplicada, e está sendo aplicada à medida que vai sendo decidida” (HOLT, 1975,
p. 98 apud PARSONS, 1989, p. 462). Parafraseando a frase já clássica sobre guerra e política, “a
implementação é a continuação da formulação da política por outros meios”.

A tradição dos estudos em Ciência Política e Administração envolvendo as Políticas Públicas, no


entanto, tem enfatizado uma demarcação bastante rígida entre “política” e “administração”: a
primeira concluiria com a decisão, com a emissão de enunciados formais; a segunda principiaria
nos enunciados da política, sendo o papel do administrador levar a cabo as decisões adotadas pelos
formuladores das políticas. A inter-relação entre os políticos (aqui entendidos como tomadores de
decisão), os administradores e os demais prestadores de serviço envolvidos na mettre en oeuvre
tem sido, até as últimas décadas, uma espécie de “elo perdido” no processo de políticas. A política
era julgada e analisada em função das decisões e dos tomadores de decisão, e não em função dos
executores “nas ruas”.

Esta posição tem também reforço na tradição inglesa de governo, que embora não tenha sido
transplantada a muitos outros países, tem uma ascendência fortíssima sobre o imaginário e os
“mitos fundadores” da maioria dos países ocidentais – na arquitetura de governo surgida das
revoluções inglesas e de sua longa evolução parlamentarista, existe conceitualmente uma espécie
de “muralha chinesa” entre um “andar superior” político que os objetivos das ações públicas e
todo o restante do edifício, composto por uma burocracia profissional e politicamente neutra que
leva adiante as medidas que se lhe encomendam, com a única restrição de manter a observância
estrita das leis e regulamentos. Este modelo (um “tipo ideal” weberiano por excelência) não é,
evidentemente, capaz de abranger a dinâmica do funcionamento do Estado moderno (e de fato

62
ANÁLISE E AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS │ UNIDADE III

não chegou a ter a predominância, mesmo teórica ou ideológica, em outros tipos de sociedade
como os da Europa continental).

Vejamos primeiro a visão tradicional, convencional, do que é implementação.

O modelo tradicional (top-down)


Três crenças fundamentais dão suporte à visão convencional da implementação:

»» a administração pública, responsável por levar a efeito as medidas decididas


pelos políticos, funciona como uma pirâmide hierarquizada e centralizada; uma
ordem emitida da cúpula dessa pirâmide é suficiente para que todos os escalões
obedeçam-na e transmitam-na integralmente até aqueles que, na base, devem
executar diretamente as tarefas que envolve; a decisão corre de cima para baixo (o
que representa exatamente a denominação “top-down” para o modelo);

»» existe uma “muralha chinesa”, uma distinção radical entre o universo político
(aqueles escolhidos por eleições) e o administrativo (funcionários profissionais,
politicamente neutros), e cada um desses grupos tem uma lógica própria, não
adotando a lógica do outro;

»» a atividade administrativa tem por princípio básico a eficiência, a otimização dos


resultados frente aos recursos; esta eficiência deriva de métodos de trabalho e
procedimentos cientificamente desenhados para obter a otimização instrumental
do trabalho.

Em consequência desses princípios, não existe praticamente autoridade discricionária, nenhuma


liberdade de ação, aos escalões de execução das políticas – a decisão encontra-se no topo da
pirâmide, não em sua base.

Por isso, implementar no modelo “top-down” significa que:

»» quem decide (o político e, ao longo da cadeia de comando, o superior hierárquico


da escala administrativa) atribui ao executor (o subordinado na hierarquia
administrativa) uma determinada tarefa, com base em critérios técnicos, impessoais,
de competência e de legalidade;

»» a Política Pública se comunica e entrega ao executor, sob a forma de interações


específicas predeterminadas e formais, procedimentos operacionais e programas
de atividades;

»» o executor põe em prática as instruções de acordo com objetivos e indicações


formulados pelo tomador de decisão.

Uma descrição ainda mais precisa do modelo top-down é dada por Hood (WILEY, 1976, apud
PARSONS, 1989, p. 465):

63
UNIDADE III │ ANÁLISE E AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

A IMPLEMENTAÇÃO ESTÁ A CARGO DE UMA ORGANIZAÇÃO UNITÁRIA,


ORDENS CENTRALIZADA, À IMAGEM DE UM EXÉRCITO.
AS NORMAS SÃO APLICADAS INCONDICIONALMENTE, E OS OBJETIVOS
FORMULADOS INEQUIVOCAMENTE.
AS PESSOAS ENVOLVIDAS CUMPREM RIGOROSAMENTE AS ORDENS
RECEBIDAS
EXISTE PERFEITA COMUNICAÇÃO DENTRO DAS UNIDADES DA ORGANIZAÇÃO E
ENTRE ESTAS.
NÃO EXISTEM PRESSÕES DE TEMPO OU CRONOGRAMA.

Portanto, no enfoque top-down a influência da implementação é apenas instrumental: existe uma


separação radical (no conteúdo, nas responsabilidades e no tempo) entre a concepção de uma
política e sua implementação. Levar à prática é um processo linear que desce do topo até a base da
pirâmide hierárquica: o topo governa, pela definição do sentido e dos fins e pela manutenção do
rigor hierárquico; a base aplica, por observância da hierarquia. A passagem do topo à base (ou do
centro à periferia) representa a transformação dos objetivos em meios, a substituição da política
pela técnica, a desaparição dos desafios de conflito em favor das racionalidades da gestão. O enfoque
é melhor compreendido no esquema gráfico a seguir.

O enfoque top-down da implementação


Topo de
hierarquia FORMULAÇÃO DE
DECISÃO
EXECUÇÃO
INSTRUMENTAL
IMPACTO DA POLÍTICA
Base de SOBRE A SOCIEDADE
hierarquia
Tempo decorrido

Esta visão “convencional”, por seu lado, tem muitas razões para assumir esta forte ascendência
na cultura das administrações públicas, da mídia e do público. É razoavelmente simples de
compreender; é compatível com o discurso formal de governo e administração pública, oriundo da
doutrina jurídica, de características normativas (o “dever ser”); por fim, tem o grande mérito de ser
voltada para a ação: enfatiza o movimento na realização prática das decisões formais.

No entanto, e como tantas vezes temos tido que enfatizar, o mundo real não é tão simples nem
linear. Em termos teóricos, a validade preditiva de qualquer modelo top down na implementação
de um programa dependeria da existência, no mundo real, de uma série de pressupostos
extremamente fortes.

64
ANÁLISE E AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS │ UNIDADE III

Pressupostos teóricos dos modelos top-down


NÃO EXISTEM RESTRIÇÕES EXTERNAS À AGÊNCIA GOVERNAMENTAL
RESPONSÁVEL PELA EXECUÇÃO.
EXISTEM TEMPO E RECURSOS ADEQUADOS DISPONÍVEIS PARA A EXECUÇÃO
DO PROGRAMA, NA PROPORÇÃO CORRETA, EM TODAS AS ETAPAS DA
EXECUÇÃO DO PROGRAMA.
A POLÍTICA ESTÁ BASEADA EM UMA TEORIA DE MUDANÇA SOCIAL VÁLIDA
(OU SEJA, EXISTE REALMENTE UMA RELAÇÃO DE CAUSA E EFEITO ENTRE
AS INTERVENÇÕES REALIZADAS E AS CONSEQUÊNCIAS ESPERADAS). ALÉM
DISSO, A RELAÇÃO É DIRETA E EXISTE POUCA – OU NENHUMA – INTERAÇÃO
CRUZADA COM OS EFEITOS DE OUTRAS POLÍTICAS.
EXISTE UMA ÚNICA AGÊNCIA RESPONSÁVEL PELA EXECUÇÃO, QUE NÃO
DEPENDE DE TERCEIROS PARA O SEU SUCESSO.
EXISTE COMPREENSÃO E CONSENSO SOBRE OS OBJETIVOS A ATINGIR, ANTES
E DURANTE TODA A EXECUÇÃO.
AS TAREFAS A CARGO DE CADA EXECUTOR, NECESSÁRIAS AO ATINGIMENTO
DOS OBJETIVOS, PODEM SER ESPECIFICADAS EM PERFEITO DETALHAMENTO
E SEQUÊNCIA.
EXISTE PERFEITA COMUNICAÇÃO E COORDENAÇÃO ENTRE OS DIFERENTES
EXECUTORES DO PROGRAMA.
AQUELES EM POSIÇÃO HIERÁRQUICA SUPERIOR PODEM EXIGIR E OBTER
PERFEITA OBEDIÊNCIA DE SEUS SUBORDINADOS (SEM QUALQUER
RESISTÊNCIA DOS EXECUTORES FRENTE À AUTORIDADE QUE DECIDE).

Ora, mesmo a nível teórico, são condições cuja ocorrência é pouco convincente, pouco mais que um
devaneio ou wishful thinking. Na própria pesquisa acadêmica, os mais diferentes estudos empíricos
há várias décadas insistem em descobrir que o que acontece na base da pirâmide, no local onde
as decisões políticas deveriam ser convertidas em produtos concretos, é muito mais complexo
e diferente do que se esperaria no raciocínio top down. Esta é a origem de uma das expressões
mais importantes da análise de Política Pública: o conceito de implementation gap (deficit de
implementação, numa tradução livre). Os resultados esperados (mesmo com um planejamento
cuidadoso) não são aqueles que se espera: são menores, ou são simplesmente diferentes. Na verdade,
não só os resultados finais, mas as mesmas ações executadas pelos agentes da política estatal são
diferentes das que constavam do plano enunciado.

Deficit de implementação ou implementation gap


Resultados ATIGIMENTO DOS
OBJETIVOS

}
PREVISTO OU EXECUÇÃO DAS AÇÕES
PLANEJADO PRESCRITAS
DEFICIT DE
REALIZADO
} IMPLEMENTAÇÃO

Tempo decorrido

65
UNIDADE III │ ANÁLISE E AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

O gráfico anterior nos dá uma imagem conceitual para o deficit de implementação. Os executores
possuem na prática uma importante autonomia de ação (independentemente das prescrições
legais), não dependente da racionalidade que os escalões superiores enunciam, autonomia esta
feita em torno dos jogos de influência e de negociações em torno da aplicação das normas e dos
procedimentos sobre o mundo real. A autoridade que concebe e enuncia a política encontra-se
muitas vezes demasiado distante dos executores; as muitas políticas faltam clareza e precisão na
formulação das medidas concretas destinadas a alcançar o objetivo desejado, seja por seu caráter
excessivamente sucinto, ou excessivamente abstrato, seja pelas complicações que incidem sobre ela
(reações hostis da opinião pública, interesses particulares de “capturar” a política ou seus efeitos
para fins privados); uma série de condições que foram assumidas como hipóteses, portanto, não são
verificadas no mundo real.

Mény;Thoenig oferece um exemplo clássico de implementation gap: o governo federal americano


formulou uma política de fomento ao desenvolvimento de empresas na cidade de Oakland,
mediante a subscrição direta de capital em empresas num montante de 23 milhões de dólares que
geraria 3.000 empregos novos – ao final de três anos, foram aplicados apenas milhões de dólares
que geraram 68 novos empregos (MÉNY; THOENIG, 1992, p. 164). Na realidade brasileira, a área
de segurança pública é um exemplo de que essa diferença entre o mundo normativo, ou prescrito,
e o mundo real é absolutamente dramática. Veja o testemunho de alguns policiais a respeito da
diferença entre a política fixada e a realidade nas pontas:

Muitas vezes, o que ocorre na polícia? O pessoal que faz a parte de administração,
o pessoal interno, que não tem acesso ao dinheiro do bicho, ao dinheiro do
balcão, acaba cobrando tudo ao pessoal das delegacias.

Cobra carbono, cobra gasolina, cobra pneu, cobra conserto do carro. Por isso,
quando a polícia reclama que não tem viaturas, que não tem papel, isso muitas
vezes não é verdade. O Estado todo mês dá as cotas de papel e de material de
expediente, paga os consertos de viaturas, dá verba para a manutenção, paga
combustível, só que muito disso é desviado e é preciso pagar, ou então comprar
no comércio. As delegacias que têm acerto com contravenção, com ferros-
velhos, frequentemente usam parte do dinheiro para a sua própria manutenção.
A corrupção então é justificada como forma de manter a delegacia funcionando.

O jogo do bicho trabalhou muito tempo com isso. Se ele dava R$30 mil por mês
para uma delegacia, o delegado tirava R$2 mil ou R$3 mil para a manutenção.
É surrealista essa situação.

O verbo é trabalhar. Quando o subordinado chama o comandante pelo rádio


e pergunta “chefe, posso trabalhar o meliante?” está pedindo autorização para
fazê-lo cantar, ou seja, para fazê-lo contar o que sabe. Da mesma forma que o
governador autoriza o secretário de segurança a autorizar o comandante da PM,
a autorizar o policial, quando lhe diz: “Faça o que for necessário para resolver
o problema”. O governador dorme o sono dos justos; o secretário descansa
em berço esplêndido; o comandante repousa como um cristão; e o soldado,
lá na ponta, suja as mãos de sangue. Se der m[...], o bagulho estoura no elo

66
ANÁLISE E AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS │ UNIDADE III

mais fraco, é claro. Quem paga o pato é o soldado. Quem frequenta as listas
das entidades internacionais de direitos humanos é o soldado. O governador
é ambíguo para descansar em paz; o secretário é sutil para preservar a
consciência; o comandante cultiva os eufemismos e opta pelo vocabulário
enviesado para proteger a honra e o emprego. Sobra para o soldado, que bota
pra quebrar por dever de ofício. É curioso: a ambiguidade só pode ser cultivada
nos ambientes solenes do Palácio do Governo, onde a impostura e a violência
são adocicadas pela coreografia elegante da política.

Quando a arena é a favela, os rituais são outros, menos sofisticados. Na praça de


guerra não há espaço nem tempo para a solenidade e as ambivalências. O que era
doce fica amargo, azeda e cai de podre. A gente, que atua lá na ponta da cadeia de
decisões, colhe o fruto podre e faz o que pode para digerir. (SOARES; BATISTA;
PIMENTEL, 2008, p. 37)

Enfim, é preciso buscar novas abordagens, marcos analíticos mais humildes (por isso, mais potentes)
que tentem dar conta de toda a complexidade real do processo de implementação.

Visões alternativas e tentativa de um


marco analítico
Desde os anos 1970, em especial, a literatura vem produzindo modelos mais próximos desta
perspectiva: incorporar o papel dos agentes técnicos e políticos na implementação, considerados
como agentes com interesses (portanto, nem neutros nem passivos); enxergar na implementação
a potencialidade de influir no próprio conteúdo da política escolhida; aceitar que o compromisso
entre posições antagônicas é característica inseparável da ação política, e em maior ou menor grau
persiste ao longo de todo o ciclo de políticas. Sobre este último ponto, inclusive, muitas políticas
são intencionalmente ambíguas, abstratas ou vagas, pois defini-las com precisão significaria fazer
escolhas que o tomador de decisão não tem capacidade política para impor – o que implica que
paradoxalmente se transfira aos executores na base da pirâmide o encargo de decidir o conteúdo
real das políticas (o exemplo anteriormente citado da intervenção policial nas áreas de favelas
revela bem essa “descentralização” forçada por impasses na cúpula). Além disso, numa sociedade
moderna, os atores sociais são capazes de reagir, com diferentes graus de eficácia, às políticas
formuladas pelo governo – os possíveis beneficiários podem não reconhecer uma intervenção como
benefício, e sentir-se agredidos; os adversários mobilizam todo o leque de recursos de que dispõem
para bloquear, desviar, mitigar, criar exceções.

Com estes cuidados, podemos avançar, também baseados em Mény e Thoenig (1992, p. 168-174),
na criação de um marco analítico, alguns perfis de análise da implementação de Políticas Públicas.
Não se trata de um instrumento normativo, prescritivo, do tipo “deve ser assim”, mas, ao contrário,
uma “lente” que focaliza os elementos principais. Este marco decompõe-se em:

»» uma teoria do processo de mudança, que evidencia as hipóteses feitas pelo tomador
da decisão acerca das causalidades que a política vai pôr em marcha;

67
UNIDADE III │ ANÁLISE E AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

»» um sistema de ação, ou leque de mecanismos utilizados para concretizar o processo


de mudança.

Evidenciar a teoria do processo de mudança


Como já dissemos, executar é aplicar um programa de ação a um problema, situação ou
comportamento. A Política Pública deseja modificar alguma situação social, e, portanto, um certo
número de pessoas terá o seu comportamento transformado em alvo dos executores; trata-se de
intervir para influenciar, por diversas formas de persuasão e coerção, a ação de indivíduos ou grupos.
Num exemplo bastante simples, uma política de trânsito pode consistir em uma presença ostensiva
de policiais nas estradas, fazendo barreiras, controles por radar, lançando multas, distribuindo
folhetos e oferecendo orientações, todos estes meios têm como objetivo alterar o comportamento
dos condutores para que não ultrapassem a velocidade máxima permitida. É preciso reparar que
existem várias causalidades numa política geral – tanto as de nível global, referentes aos grandes
objetivos da política, quanto as de natureza “operacional”, envolvendo as pequenas ações encadeadas
que compõem a política. No exemplo citado, existe uma hipótese mais global (a presença da polícia
na estrada reduzirá o número de acidentes), que se compõe de uma série de causalidades.

»» Determinação emanada da autoridade de trânsito fará os policiais executarem as


medidas prescritas, na forma preconizada.

»» Ação dos policiais será capaz de induzir os condutores a manter-se dentro da


velocidade máxima recomendada.

»» Redução da velocidade será capaz de reduzir a ocorrência de acidentes.

Para analisar a implementação, portanto, é preciso deixar explícitos os principais elementos dessa
sequência de causalidades. Para tanto, alguns traços podem ser levantados.

HORIZONTE TEMPORAL
OBJETIVOS ENUNCIADOS
»» Existem prazos fixados ou previstos para
»» Existem critérios quantitativos ou
a realização das tarefas de execução, e
qualitativos explicitados pela autoridade
para a obtenção dos resultados?
pública quanto aos resultados a serem
atingidos pela política? »» Esses critérios estão definidos de forma
precisos ou ambígua? Representam
»» Esses critérios são precisos ou ambíguos?
etapas escalonadas no tempo ou fixam
São rígidos ou flexíveis?
apenas um limite final?
CAUSALIDADES IMPLÍCITAS
NA POLÍTICA (A TEORIA DE
POPULAÇÃO AFETADA MUDANÇA SOCIAL) EXECUTORES MOBILIZADOS
»» Existem hipóteses sobre a forma de »» Existem postulados ou expectativas em
reação da população afetada? Espera-se relação à sua atuação? Espera-se que
que se conformem, que resistam, que obedeçam por respeito à hierarquia, ou
apóiem, ou se adaptem com mudanças por adesão ativa ao conteúdo da política?
de comportamento? »» Seu interesse em apropriar-se da
»» Como a política interage com a execução é marginal ou prioritário em
população? Oferece incentivos? Impõe relação a suas atividades diárias? Lidam
limitações ou exigências? Simplesmente com um problema único, tratado por
oferece serviços, independentemente da uma política definida, ou trata-se de
resposta? É uma combinação dessas simplesmente mais uma atividade entre
formas de interagir? outras?

68
ANÁLISE E AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS │ UNIDADE III

É interessante estender as considerações sobre alguns aspectos. Primeiro, os aspectos de prazo são
chave para analisar a implementação. A autoridade pública administra um hiato temporal:

»» legisla ou decide em um momento t;

»» suas prescrições podem aplicar-se desde o dia seguinte, ou alguns meses mais tarde
(por exemplo, uma obra de grande porte demanda, necessariamente, vários meses
desde a decisão até o primeiro movimento de terra);

»» a execução pode continuar indefinidamente, ou por um prazo mais dilatado;

»» a situação do problema no tempo t + n não necessariamente corresponde àquela em


t: outros fatores sociais podem ter modificado as condições originais; a execução
pode ter afetado estas condições; outros fatores podem ter influenciado o contexto
social em que a política deve ser executada.

Também o comportamento dos executores precisa ser qualificado: como veremos, para colocar em
prática uma determinada política, uma autoridade depende de terceiros: agências técnicas, servidores
públicos, outros entes políticos (como governos locais e municipais), organizações não governamentais.
Ora, estes agentes não são neutros, têm seus próprios interesses – o analista deve tentar pensar sobre
as consequências desses interesses sobre o resultado final da política. Qual será a racionalidade do
executor frente à do decisor? Terá ele o incentivo a “pôr a mão na massa” com o esforço que seria
necessário para obter os resultados previstos? Existe apenas um executor possível, a cargo de todas as
etapas, ou a responsabilidade é compartilhada por vários indivíduos ou grupos? De outro lado, pode-
se levar adiante a política com vários executores em paralelo, ou talvez competindo entre si?

Perceber o sistema de ação


Não se deve cair na tentação simplificadora de acreditar que toda Política Pública engendra
automaticamente um processo de execução específico: uma política dada não é necessariamente o
problema principal de que se ocupa o executor (por exemplo, a obrigação de implantar uma política
intensiva de trânsito possivelmente representa um fardo adicional, nem sempre desejado, para uma
unidade policial que já tem a responsabilidade de prevenção e repressão da criminalidade na área
em que atua).

Por outro lado, a visão diametralmente oposta é também excessivamente simplificadora: não se deve
achar que, por ser um acréscimo de responsabilidades, uma nova política será automaticamente
rechaçada e boicotada pelo aparado administrativo.

Isto representa uma visão inteiramente caricata da burocracia estatal – é perfeitamente possível que
uma política seja percebida pelos executores como um avanço significativo, sendo por isso adotada
com prioridade e entusiasmo.

Ao contrário de ambos os postulados extremos, a execução de uma nova política estrutura um novo
campo de ação, em que intervêm determinados atores (principalmente aqueles que, no desenho da
política, têm as responsabilidades de execução) dentro das circunstâncias concretas que vivem: as
outras responsabilidades que já têm; os seus objetivos institucionais; a sua percepção das urgências.
É o que se denomina aqui de “sistema de ação”.

69
UNIDADE III │ ANÁLISE E AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

O analista deve observar então que existe uma estrutura formal de execução e um sistema de ação que
se forma na prática (MÉNY; THOENIG, 1992, p. 171). A primeira, que já discutimos extensamente,
é o que a autoridade fixa ou define como deve ser a execução: as disposições formais, os enunciados
de política (o que se deve fazer, quem deve fazer) – o mundo prescrito, enfim.

Por outro lado, o sistema de ação – que deve preocupar o analista como seu objetivo final de exame
– representa aquele campo de ação que, na prática, a política vai gerar – uma distribuição de tarefas,
atitudes, relações entre os atores.

Importantíssimo é observar as diferenças entre o prescrito e o real, entre a estrutura formal e o


sistema de ação, e investigar as suas possíveis causas (BITTENCOURT, 2005). Os executores e os
destinatários das políticas não são sistemas estanques, que recebem passivamente as ordens ou as
intervenções; há interações e jogo político. Em um momento t + n, um programa de ação corre o
risco de não parecer-se com o que era em t, por uma infinidade de ações possíveis:

»» a instabilidade ou mudança do próprio tomador de decisão: um mesmo governo


pode adotar posturas diferentes antes e depois de uma eleição importante a respeito
de medidas impopulares, como aumento de tarifas públicas;

»» a aprendizagem a partir da execução: determinadas medidas podem mostrar-se


na prática tão inadequadas frente aos objetivos inicialmente planejados que levem
a autoridade a modificar o seu conteúdo em função dos insucessos verificados na
execução;

»» a implementação serve de momento de revelação da ambiguidade que estiver contida


na fase de formulação: é na hora de levar à prática que a “agenda oculta” vem à tona.
Se as pressões dos interesses conflitantes não foram dirimidas na fase de tomada de
decisão (ou seja, se o resultado final da política, em termos de quem é beneficiado e
quem é penalizado, é formulado de maneira ambígua, ou contraditória), a realidade
da execução forçará a que custos sejam impostos a alguns (para que a política possa
ser materialmente implantada) e benefícios sejam impostos a outros. Desta forma,
a revelação do conteúdo real da política é inevitável na sua implementação.

A visão do processo de execução pode então ser sumarizada com mais clareza no diagrama a seguir.

OBJETIVOS E CONTEÚDO DESTINATÁRIOS FINAIS

AUTORIDADE EXECUTORES
RESPONSÁVEL PELA (OFICIALMENTE E NA
DECISÃO PRÁTICA)

PRESCRIÇÃO PARA A
TERCEIROS ENVOLVIDOS
EXECUÇÃO

Estrutura formal de execução Sistema de ação

70
ANÁLISE E AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS │ UNIDADE III

Dentro destas restrições, então, as perguntas-chave para análise da implementação, que podem
ser buscadas pelo analista como princípio de um modelo explicativo, são reunidas na forma de
uma seleção de questões que podem ser aplicadas aos casos concretos estudados. Trata-se de uma
síntese das ferramentas que um marco analítico pode proporcionar ao estudo da política enquanto
implementação. Já vimos a pesquisa dos elementos de causalidade que embasaram a política.
Vamos agora estender os questionamentos para todo o espectro da implementação. Poderá um
analista, ao estudar o processo de implementação, perguntar e pesquisar se:

Foram enunciados objetivos precisos e consistentes?


OBJETIVOS

*
Dos objetivos formulados pode-se extrair padrões confiáveis de avaliação dos
resultados?

A política baseia-se em uma teoria da mudança social adequada para as


CAUSALIDADE transformações que pretende?

Foi levada em consideração a estrutura formal/legal mais adequada e capaz de maximizar a


obediência daqueles que devam implementar a política?
ESTRUTURA DE EXECUÇÃO
Verifica-se uma insuficiência das estruturas administrativas e/ou organizativas para absorver
a política envolvida no seu leque de responsabilidades?

Os responsáveis pela execução apresentavam disponibilidade, comprometimento e


habilidade necessários à implementação da política enunciada?
ENVOLVIMENTO DOS
EXECUTORES O desenho da política levou em conta as prováveis reações e interesses dos executores, e
buscou montar estruturas de incentivos em função desses interesses?

Verifica-se ação significativa – favorável ou contrária – de outros atores em relação à


política?

POSIÇÃO DOS INTERESSADOS/ Quem são esses atores? Os destinatários dos benefícios? Aqueles que dela recebem
STAKEHOLDERS custos? Os que pretendem participar do processo de execução (ex.: fornecendo bens
e serviços)?
Amental? Houve interferência, na execução, de outras autoridades como lideranças parlamentares,
ministérios de finanças ou de orçamento, ou outros grupos de poder centralizado?

Ocorreram mudanças em outras variáveis socioeconômicas que afetassem objetivos ou


MUDANÇAS NO CONTEXTO possibilidades da política considerada?
SOCIAL
Estas mudanças alteraram as posições de interesse, apoio ou oposição dos executores ou
demais stakeholders?

*
Estas perguntas foram mais desenvolvidas no modelo da seção anterior, que pode ser aplicado em conjunto para uma
análise mais completa

71
Capítulo 5
Instrumentos das Políticas Públicas

Na vida econômica as possibilidades para a ação social racional, para reformas –


em síntese, para resolver problemas – não dependem de nossas escolhas sobre
alternativas míticas e grandiosas, mas basicamente das escolhas sobre tecnologias
sociais específicas... tecnologias e não “ismos” são o cerne da ação social racional no
mundo ocidental.

Passamos agora a uma face pouco lembrada da análise de Políticas Públicas: como é que, na
prática, as intenções dos enunciados de políticas são transformadas em ações concretas? Qualquer
que seja o executor de uma política, ele tem de lançar mão de recursos e atos concretos para
transformar suas intenções em realidade. Pois bem, por quais meios ou instrumentos (ou, mais
provavelmente, combinações de meios ou instrumentos) é implementado o processo de produção
de bens e serviços públicos?

Em primeiro lugar, o que pode ser considerado um instrumento de Política Pública? Tomemos a
definição de Salamon (2002, p. 19), explorando a riqueza conceitual dessa noção:

INSTRUMENTO DE AÇÃO PÚBLICA

Um instrumento de ação pública ou de Política Pública é um método identificável


por meio do qual a ação coletiva é estruturada para enfrentar um problema
público.

Na aparência simples, o conceito deve ser desdobrado em várias direções de aprofundamento.


Primeiro, cada instrumento reúne uma coleção de várias ações concretas que, por assumirem
características comuns, passam a constituir um método identificável de ação coletiva. Não são,
portanto, ações ou instituições iguais, mas distintas, guardando alguns traços comuns que permitem
associá-las – por exemplo, o repasse de dinheiro a governos locais para que executem determinadas
atividades do governo central é um instrumento claramente identificado, mas existem inúmeros
tipos de repasse diferentes (baseados na especificação exata dos produtos a alcançar, na população
de cada região, em metas gerais de qualidade de um determinado serviço etc.).

Além disso, eles estruturam a ação coletiva. Isto significa que as relações entre os envolvidos em
cada instrumento não são livres, temporárias ou descompromissadas. Ao contrário, são de alguma
forma institucionalizadas, ou seja, “padrões de comportamento estáveis, valorizados e recorrentes”
(HUNTINGTON, 1968, p. 12), que definem portanto – a partir de sua escolha – quem está envolvido
na execução de uma determinada política, quais os papéis de cada um e as relações que mantêm
entre si. Em outras palavras, a escolha dos instrumentos é uma parcela considerável da definição
do sistema de ação. Finalmente, a ação organizada pelos instrumentos é ação coletiva, respondendo
a problemas públicos, e não ação governamental em sentido estrito. Isto porque a participação na
execução das políticas não é restrita ao governo em sentido formal: inúmeros agentes podem ser
mobilizados ou mobilizar-se para a ação, e o problema a ser enfrentado por uma Política Pública

72
ANÁLISE E AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS │ UNIDADE III

não é um problema governamental em si, mas um problema que afeta na maioria dos casos a vários
segmentos sociais (portanto, um problema público que, após a incorporação à agenda, torna-se
também um problema governamental).

Tenhamos o cuidado de repassar a diferenciação básica entre uma Política Pública e um instrumento:
a política é o conjunto de ações coletivas, baseadas nas decisões das autoridades políticas para o
enfrentamento de um determinado problema social; os instrumentos são as diferentes formas que
esse enfrentamento pode assumir. Um instrumento (por exemplo, a concessão de empréstimos
subsidiados) pode ser empregado em inúmeras políticas, que abordem vários problemas diferentes.
Uma política destina-se, em tese, a um único problema, mas pode fazer uso de vários instrumentos
(a redução dos custos de transporte para as exportações pode incluir, por exemplo, a realização
de obras públicas nas estradas, a concessão de empréstimos em condições favorecidas para as
empresas de transporte de carga e a isenção de impostos sobre os veículos de transporte, todos
representando instrumentos diferentes). Não por acaso denominam-se “instrumentos” – como um
instrumento de trabalho, cumprem basicamente a mesma função, mas podem ser empregados em
várias finalidades diferentes (um martelo ou uma escavadeira são instrumentos que, cumprindo
basicamente o mesmo papel, podem ser empregados em inúmeras obras diferentes, cada uma com
suas características e objetivos).

Como apresentar, então, este universo vasto de instrumentos? A simples descrição linear faria
esmaecerem-se as especificidades de cada um, perdendo-se a finalidade que assume a inclusão
desse ponto no nosso curso. Ao contrário, devemos estruturar a análise dos instrumentos mediante
atributos principais (SALAMON, 2002, p. 20), que são exatamente as características comuns que
associam os mecanismos individuais em modalidades de instrumentos. Assim, um instrumento de
Política Pública teria a caracterizá-lo:

»» um tipo de bem ou atividade que gera ou produz diretamente: por


exemplo, um pagamento em dinheiro, ou uma restrição ou proibição;

»» um meio de oferecer aos destinatários o seu produto: por exemplo,


um empréstimo, uma bolsa de estudos, ou uma apropriação direta pelo sistema
tributário;

»» um sistema ou conjunto de organizações e grupos que estão envolvidos


na oferta do seu produto: por exemplo, uma agência governamental, um banco
privado, uma creche não governamental;

»» um conjunto de regras, formais e/ou informais, definindo as relações


entre as entidades envolvidas na oferta.

Quais seriam, então, esses instrumentos? Vejamos cada um deles, de acordo com a estrutura
de atributos que aqui definimos. Naturalmente, a classificação aqui apresentada não pretende
ser definitiva ou incontestável – existem inúmeras formas de distribuir os instrumentos entre
categorias, enfatizando um ou outro aspecto que se considere principal. Assim, um mecanismo
de aposentadoria e pensões como o brasileiro apresenta o recolhimento pelo beneficiário de uma
parcela mensal de prêmio ou poupança, o que poderia inseri-lo entre os mecanismos de seguro;

73
UNIDADE III │ ANÁLISE E AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

por outro lado, seu fluxo financeiro não é individualizado como em outros países, e os benefícios
pagos a cada indivíduo não dependem apenas do montante acumulado no sistema de seguridade
social – características que o tornam um pagamento ou transferência estatal direta. A classificação
em qualquer dos dois grupos seria, portanto, discutível frente ao outro, mas para as finalidades
do nosso curso é necessário e suficiente destacar que o mecanismo previdenciário tem as duas
características especiais mencionadas. Em outras palavras, “em Políticas Públicas nossa tarefa não
é pôr políticas individuais em ´caixas´, mas sim analisar e mapear o conjunto de elementos que
formam os campos específicos de políticas” (PARSONS, 2001, p. 493). Portanto, apresentamos os
instrumentos, seguindo a categorização de Salamon, como meio de apresentar as suas principais
características e demonstrar a variedade, ficando aberta a possibilidade de que, em análises com
outras finalidades, possam ser reagrupados em função de outros focos de interesse.

INTERVENÇÃO ESTATAL DIRETA (Direct Government)

A intervenção estatal representa a produção e entrega direta de bens e serviços aos cidadãos por servidores públicos inseridos hierarquicamente em
uma estrutura governamental formal. Não prescinde da utilização de insumos adquiridos de terceiros (bens ou mesmo serviços), mas estes insumos
são apenas meios auxiliares, cabendo a principal parcela na definição do bem ou produto final à ação dos agentes públicos (por exemplo, o serviço de
policiamento nas ruas demanda a aquisição de combustível para os veículos policiais, como insumos, mas a responsabilidade formal e material pela
prestação do serviço recai sobre os funcionários policiais, com os recursos materiais fornecidos pela agência estatal de polícia).
PRODUTO/ATIVIDADE GERADO
Bens ou serviços fornecidos ou prestados, direta e fisicamente, aos cidadãos, gratuitamente ou não
MEIOS DE OFERECER O PRODUTO/ATIVIDADE
Provisão direta, mediante recursos humanos e materiais de que dispõe o Estado
ORGANIZAÇÕES ENVOLVIDAS NA OFERTA DO PRODUTO/ATIVIDADE
Agências governamentais, atuando diretamente
OBSERVAÇÕES
Apesar de toda a ênfase dos últimos anos na descentralização e utilização de parcerias com entes não governamentais, a intervenção direta ainda
representa uma porção considerável da ação governamental. Em função das características de “comando e controle”, de administração centralizada
e hierarquizada típicas das agências governamentais erguidas nos padrões da administração burocrática, este instrumento de Política Pública é
particularmente adequado ao exercício dos poderes estatais de natureza coercitiva (defesa militar, polícia, justiça, arrecadação de tributos), na medida
em que o exercício de tal coerção é habitualmente predeterminado com muita rigidez pelas leis e regulamentos, como garantia dos próprios indivíduos
frente ao Estado, e o reforço da estrutura de comando centralizado e hierárquico – ainda que não seja garantia absoluta de cumprimento estrito desses
regulamentos, como já vimos – é enxergado como a solução que mais se aproxima de assegurar o máximo de correspondência entre o enunciado
de política prescrito e o efetivamente realizado.

DISSEMINAÇÃO DE INFORMAÇÕES

Muitas Políticas Públicas podem ter a simples disseminação de informações como seu instrumento básico: o enfrentamento de problemas que dependem
fundamentalmente da ação individual dos cidadãos, em que os comportamentos a modificar ocorram de forma pulverizada com poucas possibilidades de
monitoramento e fiscalização, depende essencialmente da persuasão dos indivíduos por meio da informação e orientação. A disseminação de informação
tem um caráter essencialmente preventivo. São casos clássicos: a prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, a prevenção de incêndios florestais e
a vacinação em massa no caso de epidemias – situações nas quais a sanção do comportamento indesejado após a sua ocorrência tem efeitos na melhor
das hipóteses limitados, uma vez que os danos que a política via a evitar são dificilmente recuperáveis após ocorrida a conduta.
Em escala mais ampla, a simples disseminação organizada de informações é um dos instrumentos mais utilizados em combinação com qualquer dos
demais, como forma de orientar, influenciar, ou persuadir outros atores na arena da Política Pública considerada.
Naturalmente, não se trata de divulgar por divulgar, ou mera propaganda: a utilização deste instrumento deve estar fundamentada em uma compreensão
aprofundada sobre a forma com que a informação irá influenciar o comportamento dos agentes privados no sentido desejado por cada política. Neste
sentido, tem-se presente que a informação não é necessariamente “objetiva”: o processo de produzir e divulgar informação carrega consigo valores
normativos presentes na relação entre os formuladores da política, os cidadãos e os demais atores envolvidos.
PRODUTO/ATIVIDADE GERADO
Informações tornadas acessíveis ao público-alvo de uma determinada política
MEIOS DE OFERECER O PRODUTO/ATIVIDADE
Regras e regulamentos; ação direta das agências governamentais para produção e disseminação das informações

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ANÁLISE E AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS │ UNIDADE III

DISSEMINAÇÃO DE INFORMAÇÕES

ORGANIZAÇÕES ENVOLVIDAS NA OFERTA DO PRODUTO/ATIVIDADE


Agências governamentais; todo agente privado ao qual seja imposta a obrigação de divulgar publicamente determinadas informações a seu respeito
OBSERVAÇÕES
Também podem ser incluídas nesta categoria, para fins analíticos, as normas públicas que impõem a terceiros a obrigação de divulgação de informações
sobre suas atividades ou produtos (por exemplo, a divulgação da lista de doadores para campanhas eleitorais de candidatos; a divulgação de tabelas
nutricionais de produtos alimentares; a publicação de determinados relatórios financeiros e contábeis por parte de corporações privadas cotizadas em
bolsa). Aqui também ocorre uma superposição, porque a imposição da obrigação pode ser entendida como atividade de regulação de natureza social
(ou no caso dos demonstrativos financeiros de companhias abertas, regulação econômica) – uma vez mais, o “enquadramento” a ser adotado é aquele
que melhor sirva aos propósitos de cada análise.

REGULAÇÃO DE NATUREZA ECONÔMICA

Este instrumento tem características bastante específicas: a fixação de limites ou condicionamentos ao funcionamento de determinados mercados
de produção de bens e serviços, por meio da imposição de controles administrativos aos preços praticados pelos agentes privados, ou aos volumes
de oferta a serem atingidos pelos agentes privados, ou às possibilidades de que os agentes privados possam entrar ou sair do mercado (barreiras à
entrada ou à saída). Trata-se portanto de regras incidentes sobre a produção econômica privada (no que se diferencia de outras regras, tais como as de
pré-qualificação para o fornecimento de bens e serviços diretamente ao governo). Aplica-se, em geral, a mercados em que se verifique a ocorrência de
“monopólios naturais” (distribuição de eletricidade, água e esgoto; telecomunicações com utilização do espectro de radiofrequência, tais como telefonia
móvel, rádio e televisão; telecomunicações com utilização de infraestrutura fixa como telefonia fixa e televisão a cabo).
Desta forma, a prestação por empresas privadas de serviços considerados públicos123, mas remunerados pelos usuários (como os mencionados
serviços de abastecimento de água, eletricidade, esgoto, telecomunicações), habitualmente denominados de “concessão de serviços públicos”,
representam a rigor uma operação privada de mercado, sob os condicionantes de uma regulação econômica mais severa124.
Um caso particular da regulação econômica, estendendo-se além dos monopólios naturais para qualquer ramo de atividade econômica, são os
mecanismos de defesa da concorrência, controlando a possível formação ocasional de monopólios ou outras estruturas de mercado que impeçam o
funcionamento, em qualquer mercado específico, dos mecanismos concorrenciais julgados mínimos pela lei ou seus regulamentos.
PRODUTO/ATIVIDADE GERADO
Limites ou condicionamentos aos preços praticados no mercado por agentes privados
MEIOS DE OFERECER O PRODUTO/ATIVIDADE
Controles, restrições e condicionamentos sobre tarifas e sobre o acesso ao mercado (incluídos tanto na legislação pertinente quanto na atuação
administrativa das instituições reguladoras em cada caso específico, tanto mediante autorizações prévias quanto por meio de penalizações por
descumprimento)

ORGANIZAÇÕES ENVOLVIDAS NA OFERTA DO PRODUTO/ATIVIDADE


Entes reguladores, de natureza pública, mas não necessariamente encaixados na estrutura hierárquica da administração estatal.
Esta condição por vezes ambígua, e certamente sui generis do ente regulador (uma agência com poderes estatais, mas não subordinada ao governo) é
defendida vigorosamente na teoria como uma defesa contra o “oportunismo governamental”: da mesma forma que os agentes privados em condições
de monopólio podem adotar comportamentos oportunistas em desfavor dos consumidores (elevando preços de serviços essenciais como água ou luz,
por exemplo, sem possibilidade de que o consumidor tenha fornecedores alternativos), também o governo poderia aproveitar situações irreversíveis (a
exemplo do investimento privado imobilizado em uma grande hidrelétrica, que deveria ter determinadas condições pactuadas de retorno num horizonte
de tempo largo) para alterar unilateralmente os contratos, impondo ao investidor privado preços mais baixos ou condições menos favoráveis do que as
que ele tinha assegurados quando ingressou no mercado e realizou as inversões. Sob esta teoria, os entes reguladores deveriam ter a independência
de opor-se a ambos os oportunismos. A discussão sobre as possibilidades desta independência (e o risco de “captura regulatória” do regulador pelos
agentes que ele deve controlar) ainda é no entanto acesa e inconclusa125.
OBSERVAÇÕES
A dificuldade em caracterizar os parâmetros de mercado (o que é “grau de concorrência adequado” num mercado? o que são “preços justos” para os
consumidores?), e o próprio choque de interesses envolvido, fazem com que as leis relativas à regulação econômica sejam frequentemente vagas e
imprecisas, deixando uma considerável parcela de discricionariedade na mão dos técnicos responsáveis pelo exercício das funções do ente regulador,
e uma considerável margem de discussão judicial em função das divergências de interpretação técnica e valorativa dos fatos.

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UNIDADE III │ ANÁLISE E AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

REGULAÇÃO DE NATUREZA SOCIAL


Uma das funções consideradas fundamentais para a existência do poder estatal, a regulação social é voltada à restrição de comportamentos e atitudes
que possam ameaçar a saúde, a segurança ou o bem-estar da coletividade126, mediante a edição de regras que definam o que é permissível ou
proibido, assim como as sanções ou recompensas que derivam das diferentes condutas. Abordam, por exemplo, normas ambientais, ou de segurança
do trabalho, ou de saúde pública, ou de trânsito, ou de posturas urbanas, ou tantas outras mais. Difere da regulação de natureza econômica mais pelo
objeto específico do que é regulado (condições econômicas de oferta de bens e serviços em determinado mercado) do que por qualquer elemento
intrínseco – na realidade, as empresas que se enfrentam aos reguladores econômicos nos aspectos comerciais e de preços também têm de encarar
a regulação social nos aspectos ambiental, segurança etc.
PRODUTO/ATIVIDADE GERADO
Proibições ou restrições de conduta
MEIOS DE OFERECER O PRODUTO/ATIVIDADE
Normas e regulamentos
ORGANIZAÇÕES ENVOLVIDAS NA OFERTA DO PRODUTO/ATIVIDADE
Agências governamentais, atuando diretamente
OBSERVAÇÕES
Uma atividade de regulação tem, portanto, quatro elementos básicos: regras que definem comportamentos e resultados esperados; padrões que
servem como critérios de cumprimento das regras; sanções pelo descumprimento das regras (sendo também possível a fixação de prêmios ou
recompensas pelo cumprimento de determinados padrões); e um aparato administrativo que aplica as regras e sanções. Neste ponto, também há uma
certa superposição das classificações: o serviço de fiscalização (por exemplo, o policiamento de trânsito) é em si um serviço prestado diretamente à
sociedade (podendo então enquadrar-se como “intervenção estatal direta”), mas também compõe o núcleo do instrumento da regulação social, uma
vez que sem a fiscalização a fixação de normas e proibições seria inócua. Uma vez mais, o “enquadramento” de uma determinada atividade em um tipo
ou outro de instrumento deve ser feito da forma que melhor sirva analiticamente ao estudioso da Política Pública considerada.

CONTRATAÇÃO DE TERCEIROS
Quando o governo decide não produzir um determinado bem ou serviço por si próprio, pode optar por adquiri-lo diretamente de um terceiro, mediante
uma transação comercial semelhante às que se fazem no mercado privado. Sob esta modalidade, estamos tratando dos fornecimentos ao próprio
serviço estatal, não a terceiros. Trata-se, portanto, de mecanismo de natureza inteiramente instrumental, na medida em que irá fornecer bens ou serviços
que servem de insumo a outros instrumentos de Política Pública (uma política de defesa aérea militar é, inequivocamente, executada diretamente pelo
segmento militar do governo, ainda que a maior parte dos recursos possa ser destinada à compra de aviões, armas, peças e combustíveis mediante
a contratação).
Dificilmente um procedimento de contratação será, sozinho, responsável pela implementação de uma política, na medida em que destina-se a obter
bens e serviços para o próprio governo. Destacamos aqui a contratação de bens e serviços como um instrumento de política porque, no mundo
moderno, a importância da atividade de contratação é enorme para o sucesso da execução de todos os demais instrumentos cujos insumos a
contratação fornece. É praticamente impossível uma atividade governamental que não use, extensamente, bens ou serviços contratados a terceiros.
Portanto, a análise de uma política, independentemente de todos os demais instrumentos utilizados, não prescinde do exame da qualidade e adequação
da contratação que a suporta
PRODUTO/ATIVIDADE GERADO
Bens ou serviços fornecidos ou prestados a agências governamentais por terceiros
MEIOS DE OFERECER O PRODUTO/ATIVIDADE
Contratos de natureza comercial e pagamentos em dinheiro
ORGANIZAÇÕES ENVOLVIDAS NA OFERTA DO PRODUTO/ATIVIDADE
Empresas privadas e organizações não governamentais sem fins lucrativos
OBSERVAÇÕES

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ANÁLISE E AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS │ UNIDADE III

TERCEIRIZAÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS (Purchase-of-service contracting)

Uma parte importante (e crescente) da prestação de serviços públicos em todo o mundo tem sido descentralizada de forma radical: em lugar de
produzir diretamente um bem ou serviço a ser ofertado a terceiros, o governo paga a um terceiro privado (empresa comercial ou entidade sem fins
lucrativos) para que o produza e entregue. Assim, a contratação de creches ou escolas privadas para oferecerem vagas para crianças beneficiárias
da assistência pública, em lugar da manutenção pelo poder público de creches ou escolas próprias, é um exemplo tradicional da terceirização dos
serviços. No caso brasileiro, o exemplo mais significativo deste tipo de prestação é a contratação pelo Sistema Único de Saúde de um enorme volume
de serviços médicos e hospitalares a entidades privadas conveniadas.
Difere da contratação em sentido estrito na medida em que o serviço a ser contratado não é prestado diretamente ao governo, mas a um terceiro,
sendo então o contratado responsável principal por todo o processo de execução da Política Pública. Difere da tradicional “concessão” de serviços
públicos, medida esta que é remunerada pelo usuário, portanto o bem ou serviço é vendido pela empresa provedora diretamente a este (ainda que
com restrições regulatórias bastante rígidas sobre os termos dessa venda), enquanto a relação entre o beneficiário final e o contratado de um serviço
terceirizado é apenas o de fornecimento do bem ou serviço, sendo a relação pecuniária entre o contratado e a agência governamental contratante. Um
exemplo ilustra bem essa última diferença: quando uma prefeitura seleciona uma empresa de ônibus para operar uma linha de transporte coletivo, esta
empresa estará prestando o serviço e recebendo a remuneração diretamente do passageiro127, e tratar-se-á de uma atividade econômica direta sobre
a qual o governo aplica o instrumento da regulação econômica. Já quando a mesma prefeitura seleciona a mesma empresa para operar serviços de
transporte escolar que recolham gratuitamente os alunos de escolas públicas e os levem às escolas, pagando à empresa por viagem realizada, estará
utilizando o instrumento da terceirização dos serviços. Por fim, se a seleção da empresa destina-se a simplesmente transportar médicos da prefeitura
para prestarem serviços na zona rural, trata-se de contratação pura e simples.
Este instrumento tem tido uma crescente visibilidade, sendo muitas vezes apontado como panaceia para a alegada ineficiência governamental – a
experiência histórica mostra porém que este instrumento tem, como todos os demais, vantagens e desvantagens, e sua utilização pode ser vantajosa
se presentes determinados requisitos (nomeadamente, a existência de organizações privadas capazes de prestar o serviço a custos aceitáveis; a
natureza do serviço, que tipicamente deve ser pouco capital-intensivo128). Por outro lado, existem restrições que exigem séria atenção, especialmente
pela dificuldade de especificar adequadamente o conteúdo, o resultado quantitativo e qualitativo do serviço a ser prestado, e portanto de se avaliar o
desempenho do fornecedor na prestação do serviço – para a maioria dos serviços públicos terceirizados ainda é um grande desafio a concepção de
recursos de medição de custos e resultados, o que abre caminho inclusive para maiores possibilidades de corrupção e desvio de recursos nesse tipo
de contratos.
PRODUTO/ATIVIDADE GERADO
Bens ou serviços fornecidos ou prestados diretamente aos cidadãos por terceiros remunerados pelas agências governamentais
MEIOS DE OFERECER O PRODUTO/ATIVIDADE
Contratos de natureza comercial e pagamentos em dinheiro
ORGANIZAÇÕES ENVOLVIDAS NA OFERTA DO PRODUTO/ATIVIDADE
Empresas privadas e organizações não governamentais sem fins lucrativos
OBSERVAÇÕES

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UNIDADE III │ ANÁLISE E AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

TRANSFERÊNCIAS (Grants)

Uma transferência, no sentido de análise de Políticas Públicas que aqui enfatizamos, é um pagamento feito por um governo a outro governo, entidade
não governamental ou mesmo indivíduo, com a finalidade de estimular ou apoiar algum tipo de atividade realizado pelo beneficiário que seja do
interesse do doador. Por este instrumento, o concedente dos recursos participa financeiramente da prestação do serviço final, enquanto deixa em mãos
do receptor a responsabilidade pela execução concreta. A responsabilidade pela provisão do serviço é então compartilhada por mais de uma entidade,
organização ou nível de governo.
As transferências não se destinam a serem devolvidas, não sendo portanto um empréstimo. Também pressupõem um acordo (expresso ou tácito)
entre doador e receptor quanto a objetivos e condições da aplicação dos recursos (diferindo, neste ponto, das chamadas “transferências automáticas”
existentes no Brasil, a exemplo dos recursos de FPE e FPM, que representam simplesmente uma repartição incondicional e prevista em lei do produto
da arrecadação tributária entre diferentes entes governamentais). O receptor, por sua vez, não está obrigado a prestar serviços diretamente ao doador
em troca dos recursos, mas sim prestar os serviços previamente definidos na transferência (que podem inclusive ser serviços diretamente voltados aos
seus interesses institucionais).
Tomemos os vários exemplos brasileiros: pelo Programa Nacional de Merenda Escolar, o governo federal distribui automaticamente recursos a todas as
prefeituras do País, com a condição de que sejam utilizados exclusivamente na compra de alimentos a serem servidos aos alunos das escolas públicas –
desta forma, o governo central utiliza a estrutura administrativa das prefeituras para executar um programa de distribuição de renda por meio da alimentação
escolar. Já pelo recente Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica – FUNDEB, o governo federal transfere a determinados governos estaduais um
valor destinado a complementar os recursos dessas entidades governamentais para aplicação num leque de finalidades voltadas à educação (salários de
professores, material escolar, transporte de escolares etc.). Uma agência de fomento à ciência (o CNPq, por exemplo) transfere recursos a universidades
(públicas e privadas) e a bolsistas individuais para financiar a realização de pesquisas por ele aprovadas. Todos estes são exemplos de transferências.
É preciso reconhecer a dificuldade de diferenciar, em alguns casos, as transferências da simples terceirização de serviços. Uma prefeitura que transfira
recursos a uma entidade beneficente para manter uma creche está, em princípio, terceirizando mediante um acordo com um ente privado um serviço
de sua responsabilidade. Um critério geral razoável é a responsabilidade pela prestação do serviço: a responsabilidade pelos serviços de policiamento,
no Brasil, é dos governos estaduais; se o governo federal transfere recursos para fortalecer as instituições policiais com treinamento, equipamentos,
infraestrutura etc., está fazendo uma transferência, uma vez que apoia um outro ente na realização de serviços que lhe são próprios. O mesmo ocorre
com os mencionados Fundos de Educação e Merenda Escolar, na medida em que a competência para prestar estes serviços é dos governos estaduais
e municipais. Por outro lado, a competência para executar a fiscalização das condições de segurança do trabalho é do governo federal; se este transfere
recursos a um governo estadual para que este assuma ou complemente tais atuações de fiscalização estará terceirizando um serviço próprio.
PRODUTO/ATIVIDADE GERADO
Bens ou serviços fornecidos ou prestados, direta e fisicamente, aos cidadãos, gratuitamente ou não
MEIOS DE OFERECER O PRODUTO/ATIVIDADE
Instrumentos jurídicos de concessão de recursos a terceiros (a expressão brasileira mais comum é “convênios”) de natureza não comercial e
pagamentos em dinheiro
ORGANIZAÇÕES ENVOLVIDAS NA OFERTA DO PRODUTO/ATIVIDADE
Outros níveis de governos (regionais, municipais) e organizações não governamentais sem fins lucrativos
OBSERVAÇÕES
É útil, para a análise posterior, a diferenciação entre os tipos de transferência em função da especificidade da aplicação dos recursos que exige. É
possível identificar três grandes tipos:
»» o primeiro destina-se a um amplo leque de utilizações por parte do receptor, com um mínimo de restrições quanto ao uso dos fundos por parte
do receptor. Em geral, representa simples equalização de receitas entre governos subnacionais (chamados exatamente equalization grants ou
general purpose grants), justificada pela teoria econômica como formas de compensação a determinadas regiões com a finalidade de não gerar
externalidades negativas derivadas da insuficiência de arrecadação, externalidades estas que terminariam por prejudicar as demais regiões; não são
comuns no Brasil;
»» o segundo tipo é mais direcionado, porém com aplicações definidas com um certo grau de generalidade (ex.: para saúde, ou assistência social),
deixando ao receptor um grande grau de discricionariedade na sua aplicação (os chamados block grants); no Brasil, encontram-se exemplos
significativos nas transferências “fundo a fundo” do Sistema Único de Saúde e do já citado FUNDEB;
»» o terceiro tipo, numericamente mais comum no Brasil e em outros países, é a transferência que define com grande grau de detalhe a aplicação do
dinheiro pelo recebedor (categorical grants): antes do repasse do recurso, o receptor e o doador assumem compromissos tácitos ou expressos
acerca de seu destino detalhado (o atendimento social a tantas famílias; a construção de tal obra, conforme detalhamento de projeto etc.). No Brasil,
este tipo de transferência é conhecido na linguagem comum como “convênio”.
Uma última precisão é necessária: o termo “Convênio”, no Brasil, tem um significado legal preciso (art. 116 da Lei Federal no 8.666/1993): acordo de
mútua vontade entre a administração pública e qualquer ente para execução descentralizada de tarefas de interesse comum. Ora, “interesse comum”
tanto o repasse de recursos para a execução de Políticas Públicas de responsabilidade do doador (na nossa classificação, uma terceirização de
serviços públicos) quanto o apoio financeiro a políticas de responsabilidade do receptor (na nossa grade, uma transferência). O que tipifica o convênio
precisamente, nos termos da legislação brasileira, é a possibilidade de celebração sem concorrência para escolha da contraparte da administração
doadora dos recursos, o que não é uma precondição ou uma característica individualizadora segundo nossa categorização (pode-se contratar um
serviço público a outro ente governamental, sem licitação, ou estabelecer uma concorrência entre projetos sociais para receberem apoios mediante
transferências). Portanto, é necessário muito cuidado ao associar qualquer das categorias aqui apresentadas ao conceito de “convênio” tal como
aparece na legislação brasileira.

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ANÁLISE E AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS │ UNIDADE III

EMPRÉSTIMOS ESTATAIS DIRETOS

Quando uma agência governamental utiliza fundos do tesouro público para emprestar diretamente a um terceiro privado, com a obrigação de
pagamento, estamos diante da concessão de empréstimos estatais diretos. Este tipo de crédito é utilizado para incentivar o direcionamento de fundos
para atividades consideradas importantes política ou economicamente.
O uso de fundos públicos dá determinadas características próprias a esses créditos, que os diferenciam dos créditos comerciais: podem ser direcionados
para setores de interesse governamental, e não aqueles mais lucrativos; como não são captados no mercado, podem ser emprestados a taxas mais
baixas ou prazos mais alongados, com a finalidade de subsidiar indiretamente a atividade financiada; podem mesmo direcionar-se a setores de maior
risco ou a operações que imponham menos exigências de garantia (como o microcrédito a empreendedores da economia informal), sob critérios
razoáveis, à medida que um montante maior de perdas por inadimplência é suportável pelo fundo público, que não terá a obrigação de reembolsar a
terceiros pelo recurso captado.
PRODUTO/ATIVIDADE GERADO
Pagamentos em dinheiro, sob a forma de empréstimos reembolsáveis pelo beneficiário
MEIOS DE OFERECER O PRODUTO/ATIVIDADE
Contratos de empréstimo, de natureza comercial e pagamentos em dinheiro
ORGANIZAÇÕES ENVOLVIDAS NA OFERTA DO PRODUTO/ATIVIDADE
Agências governamentais (diretamente ou mediante bancos e outros agentes operadores)
OBSERVAÇÕES
Destaca-se o fato de que o que individualiza esse instrumento é a utilização de fundos públicos, e não o agente responsável pelo empréstimo. A
concessão de crédito por uma instituição financeira de propriedade governamental, mas em condições de mercado (basicamente, empréstimos
provenientes de recursos captados por essa instituição no mercado concorrendo com os demais bancos), pode caracterizar-se como a utilização de
uma empresa governamental como instrumento de política (por exemplo, direcionando seus empréstimos a um determinado setor de atividade como
o agrícola ou o habitacional), mas não como empréstimo estatal direto. Da mesma forma, um empréstimo com fundos públicos pode ser operado
por bancos privados que têm acesso a esses fundos como agentes credenciados pelo Tesouro (como é o caso dos financiamentos concedidos pelo
BNDES na modalidade “via agentes”, operada por bancos comerciais em nome do BNDES mas utilizando os repasses dos fundos públicos que
movimenta aquele Banco, como o FAT).

GARANTIAS E AVAIS

Para incentivar o crédito em determinadas áreas ou setores, o governo pode optar por emitir garantias e avais aos empréstimos privados que
atendam às condições que uma determinada Política Pública estabelecer. Desta forma, pretende influenciar o comportamento dos agentes privados
do mercado de crédito elevando sua disposição de emprestar naquelas condições, uma vez que o risco do empréstimo será coberto ou reduzido
em função da garantia prestada pelo governo. Na prática, o governo ao atuar como garantidor assume o risco de inadimplência dos empréstimos
avalizados, cabendo a si o papel de ressarcir aos bancos os empréstimos não honrados e buscar executar os créditos assim honrados diretamente
em face dos tomadores inadimplentes. A concessão de garantias ou avais pelo governo pode também suprir um problema crônico de determinados
setores econômicos informais ou em formação que se deseja ver incentivados, que é a ausência de bens patrimoniais para oferecimento como
garantia de empréstimos.
PRODUTO/ATIVIDADE GERADO
Pagamentos em dinheiro, sob a forma de empréstimos reembolsáveis pelo beneficiário
MEIOS DE OFERECER O PRODUTO/ATIVIDADE
Contratos de empréstimo privados, de natureza comercial e com algum tipo de garantia governamental ao emprestador, e pagamentos em dinheiro
ORGANIZAÇÕES ENVOLVIDAS NA OFERTA DO PRODUTO/ATIVIDADE
Bancos comerciais (geralmente estabelecendo relações contratuais com agências governamentais relativas à concessão das garantias ou avais).
OBSERVAÇÕES
Ao contrário do que possa parecer, o mecanismo de concessão de avais e garantias permite uma intervenção governamental mais rápida e direta,
à medida que utiliza recursos e estruturas administrativas que já existem nos bancos comerciais. Por outro lado, as garantias e avais são uma
oportunidade de “alavancar” os recursos públicos aplicados, pois permite um impacto significativo no direcionamento do crédito sem implicar num
desembolso imediato, já que o gasto estatal somente será realizado se e quando os créditos avalizados não forem honrados pelos tomadores –
nos Estados Unidos, por exemplo, o montante total de garantias e avais do governo federal alcançava mais de 1.1000 bilhões de dólares no ano
2000, frente a pouco menos de 200 bilhões aplicados em empréstimos federais diretos (tendo a proporção entre os dois sido multiplicada por
quase dez entre 1980 e 2000).

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UNIDADE III │ ANÁLISE E AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

SEGUROS

A montagem de um mecanismo governamental de seguros guarda muitas similaridades básicas com o mercado privado de seguros. O seguro
governamental, porém, tende a cobrir riscos que não podem ser adequadamente gerenciados por seguradoras privadas, devido ao seu potencial
de imprevisibilidade ou a sua grande extensão (tipicamente, quebras de safra por fenômenos climáticos, como no programa brasileiro PROAGRO, ou
perdas decorrentes de catástrofes naturais como inundações e tornados, ou a garantia de cobertura de depósitos bancários em caso de insolvência
dos bancos). Por outro lado, enquanto o mercado privado busca a geração de lucros e uma cobertura de riscos autossustentável, os seguros
governamentais em geral procuram minimizar os demais custos de uma intervenção direta (considerada inevitável) em caso de grandes infortúnios, ou
evitar grandes perdas aos segurados privados que poderiam resultar em instabilidade social, política ou econômica. Assim, o custo de uma possível
política governamental de auxílio a vítimas de grandes sinistros passa a ser, na proporção possível, distribuído entre os seus próprios beneficiários.
PRODUTO/ATIVIDADE GERADO
Proteção financeira a um agente privado em casos de infortúnio, sob as condições de uma apólice de seguros
MEIOS DE OFERECER O PRODUTO/ATIVIDADE
Apólices de seguro diretamente oferecidas por agência governamental aos cidadãos (podendo utilizar, eventualmente, seguradoras e corretores
privados como agentes de distribuição, mas mantendo a titularidade do contrato de seguro e dos riscos nas mãos da agência governamental)
ORGANIZAÇÕES ENVOLVIDAS NA OFERTA DO PRODUTO/ATIVIDADE
Agências governamentais (que podem, em função dos custos envolvidos, estabelecer relações contratuais com seguradoras privadas para negociação
e pulverização dos riscos, sem perder a gestão global do programa)
OBSERVAÇÕES
Mesmo com a possibilidade sempre implícita do recurso a despesas fiscais para custeio dos prejuízos segurados, a emissão de seguros governamentais
é uma tarefa que exige o maior esforço de gerenciamento do risco para minimizar a possibilidade de prejuízos, exatamente porque envolve fenômenos
segurados que não têm um perfil de risco conhecido ou previsível dentro de parâmetros de segurança que permitiriam um mercado privado completo
(a exemplo de catástrofes naturais), ou que envolvem perdas tão grandes que ultrapassam a escala de operação dos mercados privados (como
uma crise de quebra de bancos). Portanto, os mecanismos de seguro são candidatos naturais a “esqueletos fiscais” caso não sejam adequadamente
gerenciados – ainda persiste o prejuízo do Fundo de Compensação de Variações Salariais – FCVS, por exemplo, tomado como um mecanismo de
seguro contra o descasamento de taxas nos empréstimos habitacionais oficiais no Brasil.
Uma última observação diz respeito aos mecanismos de seguridade social (previdência social e seguro-saúde) de diferentes países de que já
falamos anteriormente: em diferentes graus, tais mecanismos têm combinado características de seguro (prêmios na forma de cotizações sociais,
pagamentos em função de infortúnios previamente especificados) e uma estrutura de financiamento que assegura o pagamento independentemente
da disponibilidade de recursos no fundo especificamente formado pelas contribuições. Este é o caso mais clássico das potencialidades e dos limites
do seguro público: por um lado, não é admissível que os riscos envolvidos (incapacidade financeira por morte, idade, invalidez, doença) sejam arcados
apenas pelos indivíduos, o que faz com que a intervenção estatal direta seja inevitável em última instância. Por outro lado, algum grau de vinculação
entre contribuições e benefícios torna possível um esforço de gerenciamento dos riscos financeiros envolvidos, minimizando o custo do subsídio estatal
por meio da coparticipação nesse financiamento dos próprios beneficiários segundo parâmetros atuariais.

80
ANÁLISE E AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS │ UNIDADE III

INCENTIVOS FISCAIS (Tax expenditures)


Outro instrumento que experimentou extraordinário crescimento nas últimas décadas é o dos incentivos fiscais ou renúncia de receitas. Um incentivo
fiscal é um dispositivo na legislação tributária que encoraja determinado ato por parte de indivíduos ou corporações, assegurando que a obrigação
tributária desses contribuintes será postergada, reduzida ou eliminada se praticarem tal ato. Pelo incentivo fiscal, portanto, o governo não gasta em
determinada finalidade os recursos arrecadados mediante impostos – ele permite que os contribuintes gastem por conta própria na mesma finalidade
os recursos que, se não o fizessem, seriam devidos na forma de imposto.
PRODUTO/ATIVIDADE GERADO
Incentivos financeiros a agentes privados na forma de redução do valor de impostos a pagar
MEIOS DE OFERECER O PRODUTO/ATIVIDADE
Recursos de arrecadação compulsória do sistema tributário
ORGANIZAÇÕES ENVOLVIDAS NA OFERTA DO PRODUTO/ATIVIDADE
Agências governamentais com função tributária
OBSERVAÇÕES
Considera-se, na teoria econômica, que muitas vezes é mais vantajoso utilizar o interesse próprio do contribuinte em adquirir no mercado, de
fornecedores já instalados, os bens ou serviços que se lhe quer conceder, em lugar de mobilizar os recursos públicos em montar a partir do zero
uma estrutura de produção do bem ou serviço, por razões de aproveitamento das economias de escala já existentes e de uma maior eficiência das
transações de mercado. Inúmeros exemplos são oferecidos em várias realidades nacionais: reduções no imposto de renda das famílias em função dos
valores gastos com educação em escolas particulares, ou dos gastos com médicos e hospitais; reduções nos impostos das corporações em função
dos recursos que invistam em setores ou regiões de interesse da autoridade pública.
Por outro lado, levantam-se críticas de várias naturezas: o custo desse tipo de instrumento é difícil de mensurar (uma vez que representa algo que não
foi arrecadado, mas poderia ter sido), sendo bastante opaco na discussão do orçamento público; além disso, a redução no imposto atinge apenas
aqueles que têm renda para pagá-lo, sendo pouco capaz de alcançar populações de estratos menores de renda e bem-estar, em cuja cesta de
despesas o pagamento de impostos diretos tem pequena importância).

MULTAS E SObRETAXAS

A imposição de proibições e restrições que é objeto da regulação social pode ser viabilizada também por outro instrumento: a fixação de penalizações
financeiras aos cidadãos, ou a imposição de sobretaxas que tornem a conduta indesejada mais cara aos interessados. Assim, taxas adicionais impostas
ao álcool ou aos cigarros podem ser uma medida adicional de restrição ao consumo destas substâncias (não excluindo, mas antes complementando,
outras medidas diretas como proibições de consumo em locais públicos, proibição total do consumo por menores etc.). A persuasão obtida por meio
destas medidas pode ser graduada em função do valor que for fixado para a multa ou sobretaxa, agindo assim como um meio de desencorajar (antes
que proibir) determinadas atitudes – como no caso das taxas adicionais sobre o álcool. Por outro lado, a expropriação pecuniária na forma de multa,
com finalidade sancionatória, é também um poderoso recurso dissuasor de condutas na medida em que causa um forte e desagradável impacto no
bem-estar (o pagamento de uma multa elevada por excesso de velocidade terá no condutor impacto semelhante ao da suspensão temporária de seu
direito de dirigir).
Alegadamente, o mecanismo de imposição de sanções pecuniárias teria o mérito de utilizar o sistema de preços como veículo de informação
e condicionamento das condutas individuais, tornando mais caros os atos que merecem a proibição ou desencorajamento da Política Pública,
aproveitando a extraordinária capacidade do mercado como indutor de condutas dos agentes privados. Esta vantagem é inegável, desde que se
observe que determinados bens ou atos não podem ver-se suscetíveis a qualquer tipo de precificação monetária.
PRODUTO/ATIVIDADE GERADO
Penalização financeira a agentes privados na forma de exigência de pagamentos com fins de sanção
MEIOS DE OFERECER O PRODUTO/ATIVIDADE
Recursos de arrecadação compulsória do sistema tributário
ORGANIZAÇÕES ENVOLVIDAS NA OFERTA DO PRODUTO/ATIVIDADE
Agências governamentais
OBSERVAÇÕES
Uma variante desse instrumento, sendo considerada e aplicada em alguns países especialmente em controle ambiental, é a venda de “licenças
onerosas” para determinadas atividades (também conhecidas como “direitos de poluição”). Estas licenças representam a aquisição por empresas
do direito de emitir uma determinada quantidade de poluentes, emissão esta que gera custos e externalidades à coletividade e que a permissão
pretende recuperar no sentido material. Em uma certa medida, o mecanismo de “mercados de carbono” estabelecido pelo Protocolo de Quioto sobre
o aquecimento global é uma variante desse instrumento.

81
UNIDADE III │ ANÁLISE E AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

LEGISLAÇÃO DE RESPONSABILIDADES (Liability law)


Por via dessa legislação, busca-se criar o direito de pessoas ou entidades buscarem, mediante o sistema judicial, compensações compulsórias junto
a terceiros por danos que tenham sofrido como consequência das condutas (negligentes ou de algum outro modo inadequadas) por esses mesmos
terceiros. Dependendo de cada sistema jurídico, esse direito poderá ser estabelecido por precedentes judiciais (common law), por lei em sentido formal
ou por regulamentação administrativa. Este mecanismo procura prevenir determinadas ações inibindo o comportamento dos indivíduos por meio da
ameaça de ter de arcar com indenizações a terceiros caso adotem as ações contestadas.
PRODUTO/ATIVIDADE GERADO
Penalização financeira a agentes privados na forma de fixação da obrigação de compensar materialmente a terceiros pelas consequências de seus atos
MEIOS DE OFERECER O PRODUTO/ATIVIDADE
Leis que fixem a responsabilidade perante terceiros por determinados atos e o direito dos afetados de exigi-la perante tribunais (tort law)
ORGANIZAÇÕES ENVOLVIDAS NA OFERTA DO PRODUTO/ATIVIDADE
Sistema judicial
OBSERVAÇÕES
A utilização desse instrumento termina por ser extremamente “barata” para a entidade estatal, uma vez que os custos públicos da legislação de
responsabilização somente aparecem nos orçamentos por meio do custo da manutenção do sistema judicial (que de uma forma ou de outra já existiria,
por todas as funções assumidas pelo judiciário na estrutura estatal moderna) e do custo da responsabilidade atribuída pelo judiciário ao próprio governo,
como demandado por ter causado dano a outros, frente aos custos de montagem e manutenção de uma estrutura de fiscalização direta sobre a
conduta que se quer inibir com a legislação de responsabilização.
Por outro lado, trata-se de instrumento que incentiva a litigiosidade e a conflitividade social, ensejando a construção de “indústrias” de processos de
indenização, além de – pelas características abertas desse tipo de tipificação legal e pelas insuficiências do mecanismo judicial – sujeitar-se a um
elevado grau de imprevisibilidade em relação à decisão final, elevando a incerteza e os custos da atividade privada. Portanto, a proliferação de institutos
de responsabilização ante terceiros deve ser ponderada com extremo cuidado pelo formulador de políticas.

EMPRESAS GOVERNAMENTAIS
Uma empresa governamental é uma entidade legalmente distinta do resto do governo, com a forma jurídica de uma corporação privada (no caso brasileiro,
tecnicamente uma “entidade de direito privado”), criada, mantida ou controlada pelo governo (podendo ter acionistas minoritários), com a finalidade
essencial de aproveitar os recursos gerenciais supostamente mais ágeis de um ente privado para produzir bens ou serviços específicos de interesse
do governo. Geralmente, espera-se que as atividades desse tipo de empresa sejam geradores de receita econômica por transações de mercado, e
autossustentáveis (mas isso não necessariamente ocorre com todas as empresas). Em qualquer caso, porém, a razão majoritária para o investimento estatal
na instituição e manutenção de empresas governamentais é a expectativa de contar com operações mais eficientes do que seria possível por meio de
uma agência governamental tradicional, em busca de determinados objetivos de Política Pública. O conceito de empresa governamental, portanto, difere
da simples propriedade estatal da corporação (que pode ser obtido, por exemplo, com a aquisição de uma empresa privada em dificuldades com o fim
de evitar-lhe a falência, ou com a expropriação de uma empresa em função de dívidas tributárias com o Estado) – para estas últimas empresas, a de
propriedade formalmente estatal não obedece a qualquer objetivo do Estado em si, mas a uma circunstância irrelevante do ponto de vista de Política Pública.
PRODUTO/ATIVIDADE GERADO
Bens ou serviços fornecidos ou prestados, direta e fisicamente, aos cidadãos (embora seja rara a prestação gratuita, a empresa governamental pode
apresentar arranjos de financiamento que permitam que seja fornecida a valores inferiores aos que seriam cobrados em condições de mercado).
MEIOS DE OFERECER O PRODUTO/ATIVIDADE
Provisão direta, mediante recursos humanos e materiais de que dispõe a empresa governamental
ORGANIZAÇÕES ENVOLVIDAS NA OFERTA DO PRODUTO/ATIVIDADE
Empresa criada, custeada ou patrocinada (sob diferentes arranjos) pelo Estado
OBSERVAÇÕES
A variedade de arranjos institucionais desse tipo de empresa é muito grande: existem empresas criadas para explorar um setor de atividade econômica
exatamente como uma empresa privada o faria, em função da ausência de investimento privado (este é o sentido original da criação no Brasil das grandes
estatais produtivas, como Petrobras, CVRD e siderúrgicas, boa parte das quais hoje privatizada). Outras empresas são simples braços operacionais da
produção de bens e serviços para o governo, que prefere organizar certas áreas na forma empresarial em lugar de um departamento (no Brasil, o
Serviço Federal de Processamento de Dados e a Casa da Moeda, que executam serviços que nos Estados Unidos são responsabilidade de agências
governamentais diretas). Por fim, algumas empresas são instrumentos de prestação de serviços que não são nem remotamente de natureza comercial,
constituindo típico braço de intervenção governamental em Políticas Públicas (no Brasil, a Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais, um serviço de
pesquisa geológica tradicional, ou as diferentes empresas estaduais ou municipais de regulação dos sistemas de trânsito e transporte urbano).
Nos Estados Unidos, considera-se também como instrumentos de política um tipo específico de corporação privada (Government-sponsored
enterprises) criada em geral pelo conjunto de empresas de um determinado setor (todos os exemplos são do setor financeiro) para a prestação de
serviços específicos de interesse de todas as empresas. Este tipo de empresa tem objetivos estatutários bastante rígidos, aprovados pelo governo
(normalmente voltados para a estabilização dos mercados de crédito por meio do desenvolvimento de um mercado secundário de securitização de
empréstimos, principalmente agrícolas, habitacionais e estudantis), e em troca da observância estrita desses objetivos estatutários recebe benefícios
fiscais, isenção de requisitos regulatórios e uma certa percepção por parte dos mercados (ainda que sem uma regulamentação formal) de que esta
entidade receberá do governo suporte financeiro em caso de dificuldades de liquidez.
A esta variedade corresponde um leque igualmente amplo de sistemas de financiamento: desde empresas que são inteiramente autossustentáveis até
aquelas que dependem totalmente de recursos orçamentários transferidos pelo governo para cobrir suas despesas – com a maioria delas combinando,
em proporções diferentes – receitas próprias e subsídios governamentais no seu financiamento.

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ANÁLISE E AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS │ UNIDADE III

VOUCHERS
Tecnicamente um “subsídio que assegura um poder aquisitivo limitado a um indivíduo para que escolha entre um conjunto limitado de bens e
serviços”, um programa que utiliza vouchers consiste em entregar aos beneficiários diretos tíquetes ou outros meios de pagamento que permitam
que estes escolham, entre um universo de fornecedores (mais ou menos limitado), aquele que virá a fornecer um bem ou serviço especificado pelo
programa. São exemplos, no Brasil, os programas de vale-alimentação e vale-transporte, que por meio de tíquetes ou cartões magnéticos, permitem
aos beneficiários que paguem por tais bens e serviços especificados. O voucher distingue-se de uma simples transferência de renda à medida que as
regras de cada programa podem especificar que produtos podem ser pagos com esse instrumento, e o governo pode controlar esse direcionamento
mediante o gerenciamento do processo de conversão, pelo fornecedor, desse voucher em remuneração. Assim, mesmo com vouchers na mão, apenas
o fornecedor que obedeça às condições estabelecidas pela agência responsável pelo programa conseguirá trocá-los por dinheiro.
PRODUTO/ATIVIDADE GERADO
Bens ou serviços fornecidos ou prestados, direta e fisicamente, aos cidadãos por terceiros privados, cabendo ao beneficiário a escolha do prestador
dentro de um universo mais amplo de possíveis prestadores
MEIOS DE OFERECER O PRODUTO/ATIVIDADE
Remuneração aos terceiros prestadores do serviço de ressarcimento pelo Estado dos serviços prestados individualmente a cada beneficiário,
representando na prática um subsídio ao consumo
ORGANIZAÇÕES ENVOLVIDAS NA OFERTA DO PRODUTO/ATIVIDADE
Agência governamental e prestadores privados (empresas e organizações não governamentais sem fins lucrativos)
OBSERVAÇÕES
O principal aspecto dos programas baseados em vouchers é a possibilidade que abrem de controlar, por um lado, a utilização do subsídio em tais
ou quais bens ou serviços, e por outro de ampliar ao máximo possível a rede de possíveis fornecedores. Desta forma, alivia-se o governo de ter que
implantar diretamente estruturas de fornecimento do bem ou serviço; por outro, fica facilitado ao beneficiário obtê-lo em condições mais favoráveis
(perto de sua casa, por exemplo) e sobretudo não se afetam as condições de concorrência entre os fornecedores, aproveitando plenamente as
vantagens que possa oferecer a estrutura de mercado correspondente. O instrumento do voucher (que em alguns casos, como o de subsídio à
educação privada, pode coincidir em sua utilização com o incentivo fiscal) tem especial aplicação quando se pretende conceder subsídios em larga
escala, pulverizados entre indivíduos, direcionados e de pequeno valor – caso típico de programas assistenciais dirigidos a populações carentes em
grandes áreas urbanas.

83
Capítulo 6
Avaliação como uma reflexão sobre a ação

Antes de começar a leitura do texto, reflita sobre as observações a seguir.

“Dois sacerdotes discutiam se era correto ou não fumar enquanto rezavam. Ambos
esgrimiam todo tipo de argumentos em defesa de sua postura, sem chegar a um
acordo. Decidiram consultar o superior do convento, cada um por seu lado. Quando
voltaram a encontrar-se, o sacerdote a favor de fumar disse:

– Meu superior disse que estava muito correto fumar.

– Como pode ser? – disse o outro – a mim ele disse enfaticamente que era errado; o
que você perguntou a ele?

– Perguntei se era correto fumar enquanto rezava.

– Está explicado, eu perguntei se estava certo rezar enquanto fumava” (NIRENBERG;


BRAWERMAN; RUIZ, 2003, p. 105)

“À sua maneira, todos os cidadãos emitem juízos sobre o que faz o governo de um
Estado ou de uma municipalidade.

Na realidade, para a consideração de fatos concretos não basta mudar o preconceito


favorável ou desfavorável que o cidadão ou o usuário tem da autoridade pública.
Com base em sua opinião, molda uma percepção seletiva dos fatos. O eleitor
resolutamente partidário da esquerda encontrará todas as virtudes em um governo
de esquerda, e não considerará mais que as ações e os traços favoráveis. O de direita,
ao contrário, filtrará os atos de governo e reterá unicamente os que se acomodem a
sua antipatia congênita.

A análise científica, por sua vez, trata de acrescentar a consideração de fatos


concretos em detrimento da influência dos preconceitos. Se a avaliação implica
juízo, este deve resultar de observações concretas baseadas em normas ou valores
os mais objetivos possíveis.” (MÉNY; THOENIG, 1992, p. 195)

»» Você se recorda das discussões cotidianas sobre as Políticas Públicas mais


importantes, que mais atraem a atenção pública?Quais são os critérios
apresentados pelas pessoas, a mídia, os líderes políticos, para formar e
defender uma opinião?

»» Após todo o largo processo que vai da percepção de um problema público


até a execução de medidas concretas para enfrentá-lo por meio de uma
Política Pública, o que mais restaria a fazer?

»» Como aproveitar todo o potencial de experiências, erros e acertos, que


uma Política Pública pode oferecer?

O trabalho de avaliação de Políticas Públicas é visto sob duas perspectivas principais (MÉNY;
THOENIG, 1992, p. 194).

Uma delas enfatiza o lado “prático”, apresentando diferentes metodologias e instrumentos de coleta
e tratamento de dados. Esta primeira abordagem é útil e necessária, mas exige, para um mínimo de

84
ANÁLISE E AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS │ UNIDADE III

qualidade, ao menos uma disciplina específica em qualquer curso de pós-graduação, pois representa
uma transmissão de habilidades muito específicas de caráter aplicado. Em outras palavras, uma
abordagem de formação de avaliadores.

A segunda perspectiva, que adotamos, seguindo a filosofia desta disciplina e de todo o nosso curso,
enfoca a avaliação dentro do processo mais geral de gestão e execução das políticas: quem são
seus atores, quais são suas finalidades, como se pode aproveitar seus esforços? Em síntese, formar
analistas de Políticas Públicas que saibam o que esperar de uma avaliação, como inserir os produtos
da avaliação em um estudo global da política.

Para isto, consideremos primeiro algumas necessidades de informação de qualquer organização em


busca de seus objetivos.

“Poderia dizer para onde tenho que ir a partir daqui?”, perguntou Alice.

“Isso depende de aonde você quer chegar”, respondeu o Gato.

“Não tem muita importância aonde vou chegar...”, começou a dizer Alice.

“Nesse caso dá no mesmo para onde você vai”, interrompeu o Gato.

“...desde que chegue em algum lugar”, completou Alice, querendo explicar.

“Ah, você sempre vai chegar em algum lugar”, disse o Gato, “se andar o suficiente”.

(Alice no País das Maravilhas. CARROL, 2002 apud NIRENBERG;


BRAWERMAN; RUIZ, 2003, p. 27)

Qualquer grupo ou organização acaba tendo de formular, em algum momento de sua trajetória,
questões semelhantes às de Alice em seu famoso diálogo com o Gato no País das Maravilhas.
Sabemos e expressamos com clareza a situação que desejamos para o nosso grupo, ou quais os
nossos objetivos? Tendo claros os nossos objetivos, estamos dirigindo-nos a eles ou caminhamos
em direção oposta? Como diz Alice, “para onde tenho que ir?”. Na maioria das situações, não são
perguntas simples: a passagem de uma situação atual a uma situação desejada no futuro depende
de sucessivas escolhas entre alternativas divergentes, escolhas que são feitas com grande limitação
da informação disponível sobre cada uma dessas alternativas.

Mas Alice não pergunta apenas em abstrato para onde deve ir. Ela tem o cuidado de especificar
que vai a alguma parte “a partir daqui”. Ou seja, o ponto onde se está (e o caminho que se levou
até alcançá-lo) são também fatores da maior importância para definir os rumos desejáveis e as
possibilidades de alcançá-los. As organizações também precisam conhecer com alguma precisão as
condições reais de sua situação presente para que possam escolher seus caminhos.

Em resumo, para fazer qualquer coisa, para introduzir mudanças em uma situação não desejável ou
que não nos agrada – para ir a algum lugar – é preciso ter objetivos claros e explícitos, e saber de que
maneira tentaremos atingi-los, por qual caminho seguir (a direção desejada). Para isto, primeiro
é preciso programar as ações do grupo social envolvido, ou seja, formular um plano de trabalho.
Também necessitamos saber de onde partimos, onde estamos, em outras palavras, um diagnóstico
da situação problemática a ser resolvida mediante a ação.

85
UNIDADE III │ ANÁLISE E AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

Assim se desenvolvem alternativas e se escolhe entre elas, um formulador de políticas (na verdade,
o raciocínio aplica-se a qualquer grupo social) formula objetivos para sua ação e prevê medidas
para alcançá-los. Objetivos, ações e resultados, porém, precisam ser examinados, confirmados,
medidos. É preciso olhar para a realidade e confirmar, na prática, se aquilo que se planejou de fato
ocorre. É preciso colher, da experiência da ação, o máximo de lições para corrigir erros e melhorar a
prática futura. Cada vez em que se está fazendo essa confirmação, com base nos fatos, está entrando
em ação um mecanismo de avaliação. Esta é a função básica da avaliação das Políticas Públicas,
entendida como uma parte inseparável da função gerencial das políticas publicas em qualquer nível
de governo:

Avaliação, portanto, pode ser entendida como uma atividade consciente de reflexão sobre a ação,
baseada em procedimentos sistemáticos de coleta e análise de informações sobre a realidade da
organização com a finalidade de emitir opiniões ou avaliações fundamentadas sobre a atividade
da organização, opiniões estas que devem ser comunicadas a diferentes interessados e que devem
conter recomendações ou subsídios para melhorar a ação e os resultados presentes e futuros.
(NIRENBERG; BRAWERMAN; RUIZ, 2003, p. 31)

Vamos então refletir um pouco mais, desdobrando logicamente o nosso conceito inicial. A avaliação
é uma atividade consciente ou planejada: o governo ou a organização que aplica quaisquer
mecanismos de avaliação tem consciência da sua necessidade, sabe que é um esforço necessário
e para o qual é preciso dedicar tempo e recursos. Seu caráter planejado significa que o grupo ou a
organização tem a oportunidade de refletir e escolher quais mecanismos e instrumentos são mais
adequados para conseguir as respostas que deseja.

É uma reflexão sobre a ação ou um momento do processo gerencial no qual a organização (ou
uma parte dela) precisa necessariamente afastar-se do papel de tomador de decisões, assumir um
papel distinto, o daquele que vê a ação da organização de uma perspectiva externa à própria ação e
pensa sobre ela segundo critérios próprios, previamente escolhidos especificamente para a atividade
de controle.

É baseada em procedimentos sistemáticos de coleta e análise de informação, o que


implica que seu valor e qualidade dependem da observância de regras ou métodos previamente
definidos e explicitados para a sua realização, e, principalmente, do compromisso exclusivo com a
realidade dos fatos. Não é qualquer reflexão sobre a realidade da organização que podemos chamar
de avaliação. Avaliação, qualquer avaliação, só tem valor como tal se for inteiramente centrada em
fatos. A avaliação de uma política educacional, por exemplo, pode ser feita a partir do levantamento
das informações sobre seus resultados reais, comparando-os aos planejados. Se algum tipo de
reflexão criticar essa mesma política em função de que seus objetivos não são desejáveis socialmente,
não será uma ação avaliativa: embora legítima, essa reflexão estará em outro domínio da ação
organizacional, ou mais precisamente, nas etapas de formação de agenda e tomada de decisões.

É preciso muita atenção do analista de Políticas Públicas neste último ponto: ao


examinar, ou protagonizar, uma discussão sobre a política considerada, deve ter
segurança do que está diante de si. Pode-se estar discutindo o que foi feito, como
foi feito, quais os resultados, baseados em fatos observados – e aí estar-se-á diante

86
ANÁLISE E AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS │ UNIDADE III

de uma avaliação. Porém, se a agenda da discussão incluir informações normativas


sobre o que deveria ou não ser feito, sobre a desejabilidade de favorecer o interesse
do grupo “A” em face do grupo “B”, já não se está fazendo avaliação, mas recolocando
as questões da agenda e das escolhas. Ambas as discussões são legítimas, mas os
pressupostos, os envolvidos, os valores, são inteiramente distintos. Na avaliação,
com todas as limitações que tem qualquer estudo desse tipo, busca-se ao máximo
a objetividade. Na escolha política, ao contrário, trata-se de explicitar, discutir e
ordenar valores, o que “deve ser”. O analista de Políticas Públicas pode contribuir em
ambos os momentos, desde que saiba em qual deles se encontra.

Numa avaliação, o produto final é uma opinião fundamentada. A reflexão avaliativa, como vimos
anteriormente, atende à necessidade da organização ou do formulador de políticas em verificar
como suas decisões e escolhas tiveram reflexos na realidade dos fatos. A simples descrição de fatos,
ainda que feita com precisão, não atenderia a estas necessidades. A “opinião” que é produto da
avaliação, neste sentido, representa a associação dos fatos e dados reais com as dimensões relevantes
da ação e do planejamento da própria organização ou Política Pública (no nosso exemplo de política
educacional, constatar que a taxa de escolarização da população cresceu em tantos por cento é uma
mera afirmação sobre fatos, mas comparar o objetivo de um programa de apoio à permanência
de crianças na escola, formulado em termos da mesma taxa de escolarização, com a constatação
real da evolução dessa taxa no público-alvo do programa, é uma opinião de controle sobre esse
programa). Uma opinião avaliativa, então, tem obrigatoriamente dois requisitos: por um lado, a
coleta de fatos, por outro, a escolha de um parâmetro ou de uma referência com base na realidade
da Política Pública, um padrão de comparação que demonstre a relação entre os fatos examinados e
a realidade ou o interesse da Política Pública (este padrão pode ser um valor planejado ou esperado
pela organização promotora ou pelo enunciado da política, ou um padrão de conduta fixado pela
lei, ou a própria evolução ao longo do tempo do valor observado). Este padrão de comparação é
denominado, na maioria das avaliações, de critério de avaliação ou critério de controle. A opinião da
avaliação, então, é essa comparação entre a realidade observada e o critério previamente estabelecido
em função da necessidade da organização que promove a avaliação.

Existe ainda um ponto que às vezes é negligenciado: as opiniões têm de ser comunicadas aos
interessados e devem conter recomendações sobre a ação. Naturalmente, como o objetivo da
avaliação é o de que a organização ou o formulador da política possa utilizar suas opiniões para
corrigir rumos e melhorar práticas, ela de nada adiantará se os responsáveis pelas decisões relevantes
(e todos aqueles que, dentro da policy network, tenham interesses legítimos nas ações examinadas)
não tiverem acesso aos seus resultados. Isso implica que aqueles que realizarem a avaliação têm de
ter especial atenção com as formas pelas quais suas opiniões atingirão os destinatários (implicando
também, por consequência, na necessidade de definir antecipadamente quais os destinatários mais
importantes de cada avaliação) – este cuidado implica pesquisar, entender e explicitar, sempre que
possível antecipadamente, as necessidades informativas desses destinatários, pois de nada lhes
adiantará informação avaliativa que não esteja dentro de suas necessidades. Também dentro do
mesmo objetivo geral de corrigir rumos e melhorar práticas, é razoável esperar que todo o esforço
empenhado na reflexão sobre a ação mediante a avaliação seja aproveitado não apenas na comparação
entre a realidade e o critério, mas também na indagação de causas e consequências do resultado
desta comparação. Para chegar à opinião avaliativa, a organização ou o ente governamental realizou

87
UNIDADE III │ ANÁLISE E AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

uma reflexão, um processo de análise e interpretação da realidade. Nada mais produtivo que essa
reflexão seja integralmente refletida na opinião, inclusive com todos os desdobramentos lógicos de
causa e efeito que puderem ser gerados a partir dessa mesma análise – a avaliação é o momento
privilegiado para a organização identificar e sistematizar as lições aprendidas. Daí a necessidade
de as avaliações gerarem, na maior extensão possível, recomendações para aperfeiçoamento da
ação. Essas recomendações não implicam que aqueles que as realizam passarão a tomar decisões:
as recomendações fornecem propostas, subsídios e argumentos para serem utilizados pelos
responsáveis pelas decisões, aos formuladores da política, aos atores na formação da agenda. Em
alguns casos de controle no setor governamental, as recomendações do controle têm um caráter
mais forte, relacionado ao cumprimento de normas legais, e dificilmente deixam de ser acatadas –
mesmo assim, quem formula as recomendações não assume a gestão nem a responsabilidade direta
pelas decisões.

Avaliação, pesquisa científica, monitoramento


– cada um no seu Lugar
[...] o que isto quer dizer é que saberíamos muito mais das complexidades da
vida se nos aplicássemos a estudar com afinco as suas contradições, em vez
de perdermos tanto tempo com as identidades e as coerências, que essas têm
obrigação de explicar-se por si mesmas. (SARAMAGO, 2000, p. 26)

Tendo lido até aqui, alguém poderia sentir-se confuso ao pensar que a reflexão sobre a ação que
denominamos avaliação confunde-se com a própria pesquisa científica. Não é bem assim: existem
muitos pontos de coincidência, mas são tipos de reflexão distintos. De fato, muitos instrumentos de
pesquisa e análise dos fatos são usados por ambos. Afinal, o processo de explicação ou fundamentação
das opiniões da avaliação é semelhante ao da ciência – o rigor nas formas de alcançar asseverações
confiáveis é comum. Em ambos os casos, não se trata só de criticar ou de elogiar, há que fundamentar
as afirmações, para distingui-las de crenças, opiniões ou juízos emocionais – em outras palavras, são
modos de indagação “disciplinada”, aquela que produz conhecimento que é confirmável e replicável
por terceiros, que permite explicitar a natureza dos dados, das fontes e do contexto em que foram
recolhidos, assim como os processos de transformação dos dados em informação (interpretações,
conclusões, extrapolações, recomendações). É a fundamentação que permite, na avaliação, emitir a
partir dela as recomendações para superar deficiências ou aprofundar as vantagens já obtidas com
a ação avaliada.

Porém, já vimos que a avaliação, como um mecanismo de controle, ocupa-se essencialmente da


melhoria da ação, e, portanto, tem na formulação das recomendações e nos subsídios a essa mesma
ação a sua essência. A avaliação procura identificar fatos e tendências relevantes para a agenda
da gestão. Mesmo quando é o agente que avalia quem seleciona os exames que vai realizar, os
aspectos da realidade que vai analisar, ele não pode deixar de pautar-se pelos objetivos maiores que
fizeram com que aquele controle avaliativo viesse a ser instituído. Já a ciência tem por preocupação
aumentar o corpo de conhecimentos.

Seu foco é o conhecimento sobre a realidade, e ela termina com conclusões sobre como e por
que ocorrem os fatos que observa (independentemente da relação destas conclusões com

88
ANÁLISE E AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS │ UNIDADE III

um determinado programa de ação). Por consequência, os critérios que na avaliação devem


obrigatoriamente se vincular a alguma dimensão relevante da ação controlada recebem, na
pesquisa científica, tratamento diferente: o cientista é, em grande medida, livre para formular
perguntas que sua investigação vai responder, e o objetivo de seu trabalho é, essencialmente,
responder a estas perguntas e aumentar o conhecimento sobre a realidade. Em síntese, a pesquisa
científica termina com as conclusões sobre como ocorrem os fatos, realimentando a teoria; a
avaliação deve terminar com recomendações que modifiquem, confirmem ou acrescentem o que
já se vinha fazendo.

Também o foco difere: a pesquisa científica pode dedicar-se a qualquer aspecto da realidade social,
enquanto a avaliação só tem sentido se abordar a forma com que os poderes públicos abordam os
problemas sociais que ganham a agenda.

Naturalmente, haverá momentos em que os limites entre avaliação e ciência não estarão muito
precisos: a avaliação dos resultados de um novo programa de ação governamental certamente
produz relevante conhecimento sobre a realidade social sobre a qual este programa procurou
intervir. Por exemplo, quando se põe à prova uma modalidade de intervenção em Política Pública
que se considera inovadora, a avaliação incluirá um processo rigoroso e sistemático de coleta de
informação para emitir juízos e recomendações, informações estas que poderão subsidiar uma
comparação, de natureza estritamente científica, entre a eficácia da nova intervenção frente a outras
tradicionais sobre o mesmo problema. Por outro lado, nada impede – ao contrário, é extremamente
recomendável – que os avaliadores recorram a fatos e análises já produzidos e disponibilizados pela
ciência na elaboração de seu próprio trabalho. E muitos cientistas certamente têm em mente os
problemas relevantes da ação social, que fornecem importantes perguntas sobre a realidade para
orientar seus programas de pesquisa. Mas na sua essência como procedimentos de reflexão, trata-se
de duas naturezas distintas.

Isso implica até mesmo uma distinção entre as habilidades requeridas aos profissionais de cada
tipo de investigação: ao cientista, exige-se conhecimentos metodológicos básicos e domínio
exaustivo do setor de conhecimento que pesquisa. Já o avaliador necessita de um conhecimento
metodológico amplo, mas o conhecimento sobre a natureza da Política Pública que avalia não
precisa ser tão exaustivo, e pode mesmo ir-se desenvolvendo ao longo do processo avaliativo. Isso
decorre tanto da estrutura da formação do conhecimento em cada ramo quanto das características
organizacionais do trabalho de cada um – tipicamente, a organização ou a unidade encarregada
de produzir avaliação enfrenta os desafios de avaliar em diferentes áreas de aplicação de um
mesmo ramo de conhecimento como saúde ou educação (e por vezes as equipes de avaliação
de programas têm de ser literalmente “generalistas”, produzindo avaliações nos setores mais
distintos). Do avaliador, além disso, e por fortes razões que já veremos adiante, exigem-se
conhecimentos bastante seguros do universo da análise de Políticas Públicas como campo
de conhecimento.

Outras atividades, por sua vez, gravitam em volta das Políticas Públicas em sociedades avançadas.
Uma delas é a do monitoramento, entendido como coleta sistematizada, contínua e periódica de
informações sobre a execução de programas ou políticas, com objetivo de acompanhar a evolução de
sua execução (insumos, atividades, resultados) e sua correspondência ao planejado. Esta modalidade

89
UNIDADE III │ ANÁLISE E AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

de ação de controle, embora também constitua uma retroalimentação da maior importância para
a gestão da execução das políticas – bem como uma fonte de informações em geral valiosa para
avaliações posteriores – não alcança o sentido e a profundidade de uma avaliação. O simples
acompanhamento ou monitoramento é, antes, uma (importante) fonte de informação bruta para
diversos fins, inclusive o da própria avaliação.

Mas falta-lhe a amplitude, a flexibilidade metodológica, o alcance a todas as etapas do ciclo de


políticas e, sobretudo, o esforço de juízo valorativo que caracterizam a avaliação.

Da mesma forma, têm surgido diversas iniciativas de organização sistemática e periódica de


informações sobre as mais variadas políticas e realidades relacionadas a um determinado tema
(o abuso de drogas, a igualdade de gênero, o meio ambiente), denominadas “observatórios” de
problemas públicos. Tais iniciativas são a rigor um esforço de monitoramento de diferentes aspectos
dos problemas que lhes interessam, só que a um nível mais global ou consolidado. Pelas mesmas
razões, a avaliação não se pode confundir com esses projetos.

Ou seja, avaliação e monitoramento (individual ou na forma de “observatórios”) não se confundem.


Ao contrário, beneficiam-se e potencializam-se mutuamente. A informação do monitoramento é
com frequência extremamente útil como insumo para a avaliação. Por outro lado, uma avaliação
em profundidade em um determinado programa ou política pode contribuir substancialmente
na identificação de novas variáveis e indicadores que sirvam às finalidades de monitoramento.
Trata-se, no entanto, de atividades.

A avaliação dentro do ciclo de políticas


Se tomarmos linear e literalmente o modelo, a avaliação seria o “fecho” da sequência de etapas –
ocorreria após a implementação.

Mas, vamos pensar:

Para que servirá uma avaliação feita depois da Política Pública, sem

que seus resultados fossem utilizados de alguma maneira?

Tendo em vista as finalidades da avaliação, qual seria a utilidade de realizar o esforço de avaliação
sem que seus resultados pudessem ser utilizados na própria política? É possível contemplar algumas
formas de avaliação que tivessem outros propósitos, tais como responsabilizar os gestores pelos
resultados (veremos um pouco disso adiante). Mas, seria razoável deixar de aproveitar os recursos
aplicados no trabalho avaliativo em todas as demais etapas do processo de formulação e execução
de Políticas Públicas?

Ao contrário: avaliar é aprender. Portanto, a avaliação deve servir como insumo a todos os passos
do processo de política.

90
ANÁLISE E AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS │ UNIDADE III

»» Na identificação do problema e formação de agenda: os resultados de


uma avaliação são argumentos extremamente poderosos para reforçar ou rechaçar
a inclusão de temas na agenda; a detecção de novos problemas suscitados pela
aplicação das políticas já em funcionamento pode abrir toda uma nova agenda para
a sociedade.

»» Na formulação de soluções: o desenvolvimento das soluções para políticas,


fase exploratória por natureza, beneficia-se enormemente do conhecimento
dos problemas já enfrentados e das soluções que foram encontradas em casos
anteriores ou similares – de fato, a avaliação é um dos insumos mais importantes
para o desenvolvimento das soluções. Neste caso, existe inclusive o termo
“avaliação ex ante”, que representa um exercício de simulação ou modelagem da
Política Pública considerada, tentando explorar os cenários possíveis de execução
para verificar a viabilidade ou as relações entre custo e resultado prováveis
(COHEN; FRANCO, 1999, p. 108). Embora não seja avaliação nos termos em que
aqui utilizamos (pois não contém uma coleta de dados reais da política sendo
avaliada), o raciocínio utilizado e as metodologias empregadas são muito próximos
aos da avaliação, e a própria utilização do termo “avaliação” denota a íntima
relação entre as informações dessa etapa e o estudo para o desenvolvimento de
novas alternativas.

»» Na tomada de decisão: da mesma forma que na formação de agenda, os


problemas encontrados nas políticas anteriores representam fortes argumentos no
processo decisório; defensores de determinadas escolhas podem sustentá-las em
função de sucessos anteriores; tomadores de decisão têm muito a aprender com
escolhas anteriores que resultaram em insucesso.

»» Na implementação do programa: a avaliação permite que erros e acertos de


implementações anteriores possam ser conhecidos e utilizados como orientação
para executores posteriores.

Assim, a representação gráfica do ciclo de política, pode ser enriquecida com a inclusão das relações
da avaliação com as demais fases:

Compreendendo o
problema

TESTANDO O SUCESSO E Desenvolvendo


FAZENDO-O PERDURAR soluções

Colocando as
soluções em prática

Dentro do conceito graficamente ilustrado, o aprendizado da avaliação é um instrumento precioso


para testar o sucesso e recolher experiências, erros e acertos para fazer perdurar os efeitos positivos.

91
UNIDADE III │ ANÁLISE E AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

Já no modelo completo, vemos ilustrado em maior detalhe o fluxo de informações provenientes da


avaliação, irrigando cada uma das etapas anteriores:

IDENTIFICAÇÃO DE FORMULAÇÃO DE EXECUÇÃO OU AVALIAÇÃO DOS RESULTADOS


TOMADA DE DECISÃO E ENCERRAMENTO
UM PROBLEMA UMA SOLUÇÃO APLICAÇÃO DA AÇÃO

DEMANDA POR UMA PROPOSTA DE UMA POLÍTICA EFETIVA DE IMPACTOS EM AÇÃO POLÍTICA OU
AÇÃO PÚBLICA RESPOSTA AÇÃO CAMPO REAJUSTE

RESOLUÇÃO DE UM PROBLEMA OU FINAL DE UMA


POLÍTICA

INFORMAÇÕES RELEVANTES

Um pouco mais sobre a avaliação –


funções e características
Prevenimos, porém, desde já, que não será possível chegar a uma conclusão, ainda que provisória,
como o são todas, se não começarmos por admitir uma premissa inicial certamente chocante
para as almas rectas e bem formadas, mas não por isso menos verdadeira, a premissa de que, em
muitos casos, o pensamento manifestado foi, por assim dizer, atirado para a linha de frente por
um outro pensamento que não considerou oportuno manifestar-se. (SARAMAGO, 2008. p. 285)
Aprendendo com as Políticas –

Tratemos a avaliação com um pouco mais de detalhe. Já vimos que a função da avaliação é
proporcionar recomendações úteis. Mas, úteis em que sentido? Em que, especificamente, poderia
ser insumido ou utilizado o rico conhecimento produzido pela avaliação?

A informação produzida pela avaliação tem vocação de ser utilizada, retroalimentando as diferentes
etapas do ciclo de políticas, em três finalidades principais:

Melhoria do programa ou política avaliado


A avaliação tem esse papel por excelência: a retroalimentação e o aprendizado sobre a própria prática. Pode assim
tornar-se instrumento para aperfeiçoamento da própria atividade avaliada, bem como um forte impulso para a garantia de
qualidade. Ao evidenciar erros e acertos, pode orientar os executores na correção de desvios verificados em relação aos
objetivos, além de poder trazer à cena eventuais consequências indesejadas ou inesperadas que sugiram até mesmo a
modificação dos objetivos fixados pelo formulador das políticas.

Prestação de contas (Accountability)


Avaliar também é uma forma de prestar contas (no sentido mais amplo do termo). Isto adquire um sentido ainda maior
quando se trata de programas e Políticas Públicas, já que a prestação de contas faz parte indiscutível dos princípios de
um sistema democrático: o cidadão tem direito a saber não só em que se estão empregando os fundos públicos, mas
também com que grau de idoneidade, eficácia e eficiência estão sendo alocados, geridos e empregados tais fundos.

92
ANÁLISE E AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS │ UNIDADE III

A prestação de contas, por sua vez, tem vária s perspectivas distintas: a perspectiva política, essencial para que os titulares da representação política
comprovem que os responsáveis administrativos estão realmente executando os objetivos que se lhes determinou; a perspectiva técnico-organizativa
representa a possibilidade de que os dirigentes administrativos possam conhecer o desempenho dos subordinados, ou que alguém que descentraliza
recursos e competências a outra entidade possa entender como tais meios são utilizados por aqueles a quem foram confiados; a perspectiva
da cidadania, se for levada a efeito, permitirá que a avaliação sirva aos cidadãos para ajuizar das ações dos políticos eleitos como seus agentes,
em particular para exigir-lhes responsabilidades nas eleições periódicas; por fim, avaliar sob a perspectiva do cliente significa descobrir como os
destinatários de uma política a recebem, quais os benefícios que efetivamente recebem e qual o grau de equidade na distribuição dos benefícios dos
esforços públicos.
Prospectiva
Naturalmente, a relação mais direta de um trabalho de avaliação é com a política ou programa concreto da qual se
ocupa. Porém, um conjunto de avaliações gera uma informação sistemática que representa importantíssima base de
conhecimento para a formulação e a análise de um sem-número de políticas no futuro. Ao se avaliar sistematicamente
os diferentes programas de prevenção à dependência química, está sendo construído conhecimento sobre as diferentes
formas de prevenção, as medidas que o poder público pode adotar e as respostas que suscitam nos potenciais afetados,
enfim, os acertos e erros acumulados sobre como fazer prevenção e cura. Este conhecimento tem o potencial de
orientar qualquer ação futura nesta área, tanto mais quanto mais estudos sejam desenvolvidos a partir os resultados de
conjuntos de avaliações com similaridades ou relações entre si.

Qualquer que seja a perspectiva que adote a avaliação, algumas características se fazem presentes.
Em primeiro lugar, é preciso reconhecer o caráter político da avaliação. A avaliação busca atingir
o máximo grau possível de objetividade e busca de fatos. Isso é absolutamente verdadeiro e
inteiramente compatível com a afirmação do caráter político da avaliação.

Como conciliar a objetividade com um caráter político? Isso depende fundamentalmente do


entendimento do “político” não como pejorativo (ou seja, como instrumento de barganha ou disputa
entre grupos em favor de seu acesso ao poder).

Ao contrário, entender e assumir o caráter político da avaliação significa compreender que ela pode
e deve abarcar não apenas dados técnicos (relativos à execução física e técnica da área de atuação
da Política Pública avaliada), mas “as interações de vários atores dentro de e entre burocracias,
clientes, grupos de interesse, organizações e parlamentos e sobre como relacionam-se uns com os
outros a partir de diferentes posições de poder, influência e autoridade.” (RUEDA, 2003, p.16) Ora,
o que vimos ao longo de todas as etapas do ciclo de política é que uma Política Pública nasce, ganha
vida e é aplicada sobre a realidade prática exatamente sob tais condicionamentos, indissociáveis
estes da própria política.

Então, reconhecer-lhes a existência e influência será precisamente uma exigência da objetividade,


em particular quando se entre no exame de possíveis causas de resultados em desacordo com os
objetivos. Os objetivos foram fixados sob determinados condicionantes políticos; a execução foi
desdobrada também sob outros condicionantes políticos – ora, a ninguém surpreenderá que
eventuais diferenças entre os dois possam ser atribuídas não só a fenômenos do clima, ou mera
aleatoriedade, mas também ao efeito desses condicionantes políticos. É preciso ter sob os olhos,
ao avaliar, não apenas os objetivos enunciados de uma política, mas também compreender os
processos organizativos que tornaram concreta essa política e as inter-relações que teve com todos
os stakeholders (em particular os mais frágeis ou incapazes de mobilização, que demasiadas vezes
só tem o momento da avaliação para terem seus valores e interesses ressaltados).

Pode haver um justo temor a “contaminar” a lógica avaliativa, que deve ser a mais objetiva possível,
com um viés de interesse político a orientar-lhe as conclusões. Este risco é inevitável, e deve ser
minimizado com o aprofundamento das exigências de rigor metodológico – na realidade, o risco

93
UNIDADE III │ ANÁLISE E AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

do avaliador enredar-se em julgamentos motivados por interesse político é muito maior quando
ele não tem (ou afirma não ter, para efeitos externos) consciência da sua inserção num processo
político. Não obstante o risco sempre presente de uma “captura” do avaliador pelo raciocínio político
(no sentido pejorativo), a entrada da avaliação no processo de formulação de Políticas Públicas é
indispensável exatamente porque, ao trazer considerações ancoradas em rigor e objetividade, ajuda
a controlar e minimizar as considerações particularistas ou fundadas em defesa de interesses (ou
seja, permite caracterizar determinadas análises e posições como parciais e voltadas para interesses
específicos, o que é legítimo desde que se lhes reconheça como tal).

Isto traz algumas exigências para a avaliação. Tendo em vista seu caráter político, que aliás não
passa despercebido a nenhum stakeholder, é essencial que a avaliação gere credibilidade, o que
exige ao avaliador um esforço permanente de imparcialidade, objetividade e rigor metodológico
(um avaliador que caia nos riscos da “captura”, como já discutimos, cedo deixará de exercer
influência como tal). Além disso, a avaliação precisa manter-se fiel ao princípio básico enunciado
desde o começo deste capítulo: não existem modelos “pré-fabricados”; cada avaliação atende à
necessidade informativa de alguém em um determinado momento, portanto ensejará a construção
de critérios especificamente voltados para essa necessidade: cada situação avaliativa pode requerer
uma resposta avaliativa única, adaptada às circunstâncias concretas (o que não retira em absoluto o
rigor e a objetividade em cada uma dessas ocorrências).

Por fim, a tempestividade é outro fator crucial: a avaliação não se faz em abstrato, mas para
aprender sobre determinado curso de ação. Se este aprendizado não vem no momento em que os
interessados possam utilizá-lo (na ação que está sendo avaliada ou em outras ações que possam ser
concretamente previstas ou demandadas), o efeito da avaliação termina por esvair-se.

Quando o clima político muda, apresentar os resultados de uma avaliação demasiado tarde pode
significar o mesmo que não apresentá-los. Não obstante, apresentá-los a tempo pode marcar a
diferença entre ser escutados ou não, que se utilizem os resultados ou não, ou que se aumente ou
diminua a credibilidade do avaliador. Em outras palavras, se se tarda muito em responder as perguntas
da avaliação, pode ser que o debate que as gerou já não seja o mesmo, que essas perguntas sejam já
irrelevantes ou que os destinatários da avaliação tenham desaparecido. (RUEDA, 2003. p.18)

A necessidade de tempestividade sugere, inclusive, que o avaliador considere a utilidade de prover os


destinatários com os produtos intermediários de seu trabalho: existem muitos projetos de avaliação
extremamente complexos, que necessitam de um prazo de vários meses ou mesmo anos. Esses
projetos são, em regra, compostos de várias etapas encadeadas, cujos resultados parciais podem ser
bastante aproveitados, como produtos intermediários disponibilizados aos destinatários antes da
conclusão final. Por exemplo, a própria construção dos critérios de avaliação, em projetos de grande
dificuldade técnica, já pode oferecer material de primeira qualidade para o autoaperfeiçoamento
do programa avaliado e daqueles a serem lançados. A divulgação de resultados intermediários
como produtos do trabalho avaliativo é também prática bastante corrente nas grandes instituições
voltadas ao trabalho de avaliação de programas, como o Government Accountablity Office norte-
americano e o National Audit Office do Reino Unido.

Outra característica relevante é a natureza opinativa da avaliação. De fato, ela existe para formular
opiniões, juízos “uma avaliação é um juízo feito sobre um dado com referência a um valor”, na

94
ANÁLISE E AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS │ UNIDADE III

sintética definição de Mény; Thoenig (1992, p. 195). Isto implica uma redobrada exigência de
rigor e sistematicidade. Os valores, o conteúdo de mérito da opinião, o que é “desejável” ou não,
será sempre questionável em bases igualmente valorativas – deverá, portanto, ficar explicitado
metodologicamente na definição dos critérios, que poderão ser escolhidos pelo avaliador ou fixados
por terceiros que tenham legitimidade para fazê-lo. De qualquer modo, o trabalho de avaliação
identifica, concentra e explicita seu conteúdo normativo nos critérios, permitindo que a natureza
valorativa da opinião resida especificamente em tais critérios (e, na prática, permitindo que a
informação sistematizada sobre a realidade possa ser inclusive reaproveitada pelos destinatários
contrastando-a com outros critérios de seu interesse). Existem critérios “certos”? Evidentemente
que não: as bases para julgamento valorativo podem ser diferentes em função do âmbito da política
avaliada ou das finalidades específicas da avaliação. Alguns critérios clássicos a nível internacional,
utilizados na prática das avaliações de programa no Brasil, ilustram esta multiplicidade
(BITTENCOURT, 2005, p. 244–245):

Minimização dos custos dos recursos utilizados na consecução de uma atividade, sem comprometimento dos padrões
Economicidade
de qualidade.
relação entre os produtos (bens e serviços) gerados por uma atividade e os custos dos insumos empregados, em um
Eficiência
determinado período de tempo.
grau de alcance das metas programadas, em um determinado período de tempo, independentemente dos custos
Eficácia
implicados.
relação entre os resultados alcançados (impactos observados) e os objetivos (impactos esperados) que motivaram a
Efetividade
atuação institucional.

Além dos clássicos citados, não se deve ignorar a emergência de novos parâmetros para organizações
e Políticas Públicas, que refletem os novos problemas que ganharam o acesso à agenda pública mais
recentemente:

a medida da possibilidade de acesso aos benefícios de uma determinada ação por parte dos grupos sociais
Equidade menos favorecidos em comparação com as mesmas possibilidades da média do país. Avaliar a equidade significa
examinar se há uma distribuição igualitária dos recursos entre os que tem direito a recebê-los.
Transparência/ o grau em que uma determinada ação permite a visibilidade e a prestação de contas de seus recursos e objetivos,
Responsabilidade bem como a atribuição clara de responsabilidades aos diferentes agentes nela envolvidos
a abertura que uma determinada Política Pública contempla para que nela se veiculem as opiniões e preferências
Participação social dos interessados, o que não apenas é instrumental mas tem um valor por si próprio – como mecanismo
pedagógico de auto-organização popular.
num sentido mais estrito, a compatibilidade de uma ação com a sua inserção no meio ambiente natural que
Sustentabilidade a cerca e que deve abrigá-la; num sentido lato, a capacidade dessa ação gerar por si própria os recursos –
financeiros, materiais e naturais – que lhe assegurem a continuidade.

Por fim, é muito interessante notar os efeitos que muitas vezes se obtêm nas Políticas Públicas
pelo simples fato de avaliar. As pessoas que participam em um processo de avaliação (todos os
envolvidos, não apenas o avaliador) tendem a tornar-se mais conscientes do programa ou política
considerado. Como insistimos desde o começo, a avaliação é reflexão e revisão, e o mero fato de se
abrir um espaço e um tempo formalizados para isso tem efeitos positivos em si mesmo.

Além disso, a estrutura de reflexão que for utilizada para avaliar pode trazer consequências
significativas para os próprios atores da política avaliada – as metodologias participativas ajudam
as pessoas envolvidas a refletir sobre sua própria prática, a pensar de forma crítica e a perguntar-se

95
UNIDADE III │ ANÁLISE E AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

o porquê de seus atos e obrigações; já uma avaliação baseada em raciocínios teóricos forçará aos
profissionais a analisar e evidenciar (portanto, a tornar-se conscientes de) premissas e hipóteses
subjacentes à formulação do programa.

Em suma, as recomendações finais são o resultado final – e mais visível – do processo avaliativo. No
entanto, seus efeitos estendem-se a muito mais que um conjunto de propostas formalizadas.

96
Desenvolvimento Unidade iV
Sustentável

Capítulo 1
Conceituação

O conceito de desenvolvimento sustentável foi utilizado inicialmente pela ONU em 1979, indicando
que o desenvolvimento poderia ser um processo integral, que deveria incluir as dimensões culturais,
éticas, políticas, sociais, ambientais e não somente as dimensões econômicas. Esse conceito foi
disseminado mundialmente pelos relatórios do Worldwatch Institute, na década de 1980, e pelo
relatório “Nosso Futuro Comum”, produzido pela Comissão das Nações Unidas para o Meio
Ambiente e Desenvolvimento, em 1987, quando foi consolidado.

A Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento das Nações Unidas definiu-o como um
modelo de desenvolvimento baseado na conservação e na utilização racional dos recursos naturais,
que tem por objetivo atender às necessidades das gerações atuais e garantir as das gerações futuras.

O conceito surge para enfrentar a crise ecológica, sendo que pelo menos duas correntes alimentaram
o processo. Uma primeira, centrada no trabalho do Clube de Roma, reúne suas ideias, publicadas
sob o título de Limites do Crescimento, em 1972. Para alcançar a estabilidade econômica e ecológica
propõem o congelamento do crescimento da população global e do capital industrial, mostrando a
realidade dos recursos limitados e indicando um forte viés para o controle demográfico. Uma segunda
está relacionada com a crítica ambientalista ao modo de vida contemporâneo e se difundiu a partir da
Conferência de Estocolmo, em 1972. Tem como pressuposto a existência de sustentabilidade social,
econômica e ecológica. Essas dimensões explicitam a necessidade de tornar compatível a melhoria
nos níveis e na qualidade de vida com a preservação ambiental. É uma resposta à necessidade
de harmonizar os processos ambientais com os socioeconômicos, maximizando a produção dos
ecossistemas para atender às necessidades humanas presentes e futuras.

A maior virtude dessa abordagem é que, além da incorporação definitiva dos aspectos ecológicos
no plano teórico, ela enfatiza a necessidade de inverter a tendência autodestrutiva dos processos de
desenvolvimento no seu abuso contra a natureza.

As críticas ao conceito de desenvolvimento sustentável e à própria ideia de sustentabilidade vêm do


fato de que o ambientalismo trata separadamente as questões sociais e as questões ambientais. O
movimento conservacionista surgiu como uma tentativa elitista dos países ricos no sentido de reservar
grandes áreas naturais preservadas para o seu lazer e contemplação, como, por exemplo, a Amazônia.

97
UNIDADE IV │ DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

A palavra desenvolvimento, entre outros significados, implica adiantamento, crescimento, aumento e


progresso. Trata-se de estágio econômico, social e político de uma comunidade, caracterizado por altos
índices de rendimento dos fatores de produção, ou seja, os recursos naturais, o capital e o trabalho.

O desenvolvimento “deve ser economicamente eficiente, ecologicamente suportável, politicamente


democrático e socialmente justo”.

O termo sustentável associado ao desenvolvimento sofreu um grande desgaste. Enquanto para


alguns é apenas um rótulo, para outros tornou-se a própria expressão da incoerência lógica:
desenvolvimento e sustentabilidade seriam logicamente incompatíveis. Para nós, é mais do que um
qualificativo do desenvolvimento. Vai além da preservação dos recursos naturais e da viabilidade
de um desenvolvimento sem agressão ao meio ambiente. Ele implica um equilíbrio do ser humano
consigo mesmo, com o planeta e com o universo.

Apesar das críticas, o conceito de desenvolvimento sustentável representa um importante avanço,


na medida em que a Agenda 21 Global, como plano abrangente de ação para o desenvolvimento
sustentável no século XXI, contempla a complexa relação entre o desenvolvimento e o meio ambiente
numa variedade de áreas, destacando a sua pluralidade, diversidade, multiplicidade e heterogeneidade.

A preocupação com o desenvolvimento sustentável representa a possibilidade de garantir


mudanças sociopolíticas que não comprometam os sistemas ecológicos e sociais que sustentam
as comunidades.

Sustentabilidade
O tema da sustentabilidade originou-se na economia e na ecologia, para se inserir definitivamente
no campo da educação, sintetizada no lema “uma educação sustentável para a sobrevivência do
planeta”. O que seria uma cultura da sustentabilidade? Esse tema vem dominando muitos debates
educativos nas últimas décadas.

O conceito de desenvolvimento sustentável tem sido associado com o de Educação Ambiental, para
promover modelos baseados na sabedoria da utilização dos recursos, considerando a equidade e a
durabilidade. Dentro do Programa Internacional da Educação Ambiental, a UNESCO propõe que o
desenvolvimento sustentável seja o objetivo mais decisivo da relação dos homens com o ambiente.
Isso reorienta a Educação Ambiental e acarreta um remodelamento de todo processo educativo.

Obviamente, o conceito de desenvolvimento sustentável, promovido pela Comissão Mundial sobre


Meio Ambiente e Desenvolvimento das Nações Unidas e popularizado na Eco-92, tem obtido sucesso
ao iniciar o diálogo entre o mundo econômico e ambiental.

Diante da repercussão do fórum mundial (Eco-92) e do grande alcance do documento, a expressão


desenvolvimento sustentável e a ideia da sustentabilidade foram imediatamente incorporadas à
retórica oficial e vieram a enriquecer o vocabulário dos discursos acadêmicos, as propostas dos
políticos e empresários, as ideias dos profissionais e militantes da área ambiental, assim como
as teses dos sociólogos e economistas. Graças à eficácia dos meios de comunicação, a expressão

98
Desenvolvimento Sustentável │ UNIDADE IV

desenvolvimento sustentável começou a fazer parte do linguajar cotidiano dos mais diferentes
segmentos da população.

O conceito de desenvolvimento não é um conceito neutro. Ele se incorpora a um contexto bem


preciso de ideologia do progresso, que supõe a concepção de história, de economia, de sociedade e
do próprio ser humano. O conceito foi utilizado numa visão colonizadora, durante muitos anos, no
qual os países do globo foram divididos em desenvolvidos, em desenvolvimento e subdesenvolvidos,
remetendo-os sempre a um padrão de industrialização e de consumo. Ele supõe que todas as
sociedades devam orientar-se por uma única via de acesso ao bem-estar e à felicidade, a serem
alcançados apenas pela acumulação de bens materiais. Metas de desenvolvimento foram impostas
pelas políticas econômicas neocolonialistas dos países chamados desenvolvidos, em muitos
casos, com enorme aumento da miséria, da violência e do desemprego. Junto com esse modelo
econômico foram transplantados valores éticos e ideais políticos que levaram à desestruturação
de povos e nações. Não é de se estranhar, portanto, que muitos tenham reservas, quando se fala
em desenvolvimento sustentável. Temos hoje consciência de uma iminente catástrofe, se não
traduzirmos essa consciência em atos para retirar do desenvolvimento essa visão predatória,
concebê-lo de forma mais antropológica e menos economicista e salvar a Terra.

A Educação Ambiental assume cada vez mais uma função transformadora, na qual a
corresponsabilização dos indivíduos é essencial para a promoção desse novo tipo de desenvolvimento
– o desenvolvimento sustentável. Entende-se, portanto, que a Educação Ambiental é condição
necessária para se modificar um quadro de crescente degradação socioambiental.

Trata-se de uma ferramenta de mediação necessária entre culturas, comportamentos diferenciados


e interesses de grupos sociais para a construção das transformações desejadas.

99
Capítulo 2
Desenvolvimento sustentável X
desenvolvimento humano X educação

Muitas foram as críticas feitas ao conceito de desenvolvimento sustentável, muitas vezes pelo seu
reducionismo e pela sua trivialização, apesar de aparecer como politicamente correto e moralmente
nobre. Há outras expressões que têm uma base conceitual comum e se complementam tais como:
desenvolvimento humano, desenvolvimento humano sustentável e transformação produtiva com
equidade. A expressão desenvolvimento humano tem a vantagem de situar o ser humano no centro
do desenvolvimento. O conceito de desenvolvimento humano, cujos eixos centrais são equidade e
participação, é um conceito ainda em evolução que se opõe à concepção neoliberal de desenvolvimento.
Concebe a sociedade desenvolvida como uma sociedade equitativa, a ser alcançada por meio da
participação das pessoas.

O desenvolvimento humano mostra a necessidade de se superar a visão tradicional exclusivamente


econômica, confundida com crescimento. Na realidade, ao desenvolvimento humano interessa
tanto a geração de crescimento econômico quanto sua distribuição, tanto as necessidades básicas
quanto o espectro total das aspirações humanas. Para que existam e sejam geradas oportunidades de
desenvolvimento, é preciso que a educação forme cidadãos comprometidos, com poder aquisitivo,
vivendo muito e bem.

Como o conceito de desenvolvimento sustentável, o conceito de desenvolvimento humano é muito


amplo e, por vezes, ainda vago. As Nações Unidas, nos últimos anos, passaram a usar a expressão
desenvolvimento humano como indicador de qualidade de vida fundado nos índices de saúde,
longevidade, maturidade psicológica, educação, ambiente limpo, espírito comunitário e lazer
criativo, que são, também, os indicadores de uma sociedade sustentável, isto é, uma sociedade capaz
de satisfazer as necessidades das gerações de hoje sem comprometer a capacidade e as oportunidades
das gerações futuras.

A maioria das pessoas não entende a íntima relação entre as atividades humanas e o ambiente, por
ignorância ou informação inadequada. É fundamentalmente importante sensibilizar as pessoas e
envolvê--las nos problemas ambientais, no sentido de buscar soluções efetivas para os problemas
ambientas e para o desenvolvimento.

O processo educacional deve despertar a preocupação ética e ambientalista, modificando os


valores e as atitudes, em propiciar a construção de habilidades e mecanismos necessários para o
desenvolvimento sustentável. Para atingir esse objetivo, é necessário reformular a Educação, não
apenas com informações sobre os ambientes físicos ou biológicos, mas também sobre os ambientes
socioeconômicos e sobre o desenvolvimento humano.

Somente um estudo interdisciplinar pode compreender a complexidade ambiental. A dimensão


ambiental deve estar presente nas diversas áreas do conhecimento, respeitando as organizações, os
objetos e as necessidades das múltiplas relações.

A produção do conhecimento que aí se constrói deve ser validada e apropriada pelos grupos sociais.

100
Capítulo 3
Globalização

O cenário se apresenta: a globalização, resultado do avanço da revolução tecnológica, caracterizada


pela internacionalização da produção e pela expansão dos fluxos financeiros; a regionalização,
caracterizada pela formação de blocos econômicos; a fragmentação, que divide os povos em
globalizadores e globalizados, centro e periferia, os que morrem de fome e os que se nutrem com
um consumo excessivo, as rivalidades regionais, os confrontos políticos, étnicos e confessionais,
o terrorismo.

A política global da humanidade baseada em um modelo socioeconômico desequilibrado está


comprometendo rapidamente a capacidade de suporte necessária à manutenção da vida no planeta.
A miséria se intensifica no mundo, privando as pessoas do acesso ao alimento, à saúde, à educação,
ao transporte, à habitação. Para combater essa situação caótica, cada sociedade deve se organizar
de acordo com sua cultura, com seu ambiente e com sua história, definindo os próprios modelos de
produção e consumo.

Uma sociedade sustentável pode ser definida como a que vive e se desenvolve integrada à natureza,
considerada um bem comum. O que se preconiza é o respeito à diversidade biológica e sociocultural.
Essa estratégia de desenvolvimento está centrada no exercício responsável e consequente da
cidadania, o que implicaria distribuição equitativa das riquezas geradas e não utilização dos
recursos além da capacidade de sua renovação, desencadeando um processo favorável à garantia de
condições dignas de vida para as gerações atuais e futuras.

A sociedade de risco emerge com a globalização, a individualização, o subemprego e a difusão de


riscos globais. Os riscos atuais caracterizam-se por terem consequências, em geral de alta gravidade,
desconhecidas a longo prazo e ainda não avaliadas com precisão, como é o caso dos riscos ecológicos,
químicos, nucleares e genéticos.

Torna-se evidente que, sem um processo educativo consistente e participativo, que consiga
abranger toda a sociedade, é inviável a busca por uma sociedade sustentável. Faz-se necessário
captar as representações de sociedade, educação, ambiente, natureza, indivíduo-sociedade, escola
e, finalmente, cidadania, que os envolvidos têm e que foram concreta e simbolicamente construídas
ao longo e no cotidiano de suas vidas.

O conceito de Educação Ambiental foi sempre limitado à proteção dos ambientes naturais, a seus
problemas ecológicos, econômicos ou valores estéticos, sem considerar os direitos das populações
presentes e futuras associados a esses ambientes, como parte integral dos ecossistemas. Também
é necessário revisar a ênfase dada aos aspectos relacionados às realidades contemporâneas
econômicas ou à solidariedade planetária, presente nos discursos da Educação Ambiental.

A Educação Ambiental, ao estimular o desenvolvimento de ações, procura preparar o indivíduo para


a compreensão dos principais problemas do mundo contemporâneo, suas causas e consequências,

101
UNIDADE IV │ DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

buscando o estabelecimento de uma relação equilibrada com o meio ambiente. Possibilita uma
construção de conhecimentos teóricos e práticos, uma troca de conhecimentos científicos e
populares, bem como o resgate, a mudança e a formação de valores para uma nova ordem mundial.
Da mesma forma, mobiliza atitudes éticas e de respeito às diferenças, integrando os diferentes
campos do saber numa prática necessariamente interdisciplinar.

“O educador tem a função de mediador na construção de referenciais ambientais


e deve saber usá-los como instrumentos para o desenvolvimento de uma prática
social centrada no conceito da natureza.” (JACOBI, 2003)

102
Capítulo 4
Políticas Públicas e gestão ambiental

Política é a definição de objetivos e princípios, articulados e integrados, que orientam a ação


concreta, por meio de leis, regulamentos, programas, decisões e métodos a serem utilizados por
parte de um governo, de uma instituição ou de um grupo social.

O conceito de políticas públicas é compreendido como o conjunto de princípios e diretrizes


estabelecido pela sociedade por meio de sua representação política, na forma da lei, que orienta as
ações a serem tomadas e implementadas pelo Estado, pelo Poder Legislativo, pelo Poder Executivo
e pelo Poder Judiciário.

O Estado, como poder social constitucionalmente definido, tem por finalidade realizar o bem comum
do interesse público.

Por sua vez, os interesses públicos são entendidos, em um Estado democrático, como os valores que,
em um dado período, a sociedade aceita e se propõe a realizar.

No Estado contemporâneo, o processo decisório desenvolve-se, em um primeiro momento, pela


escolha de uma alternativa de ações, e, em seguida, pela sua implementação. São envolvidos
nesse processo as esferas do Poder Legislativo e do Poder Executivo, incluindo os órgãos da
Administração Pública.

Assim, a concretização de uma política pública abrange a escolha de determinados princípios e


distintas linhas de atuação.

Supõe, também, o enfrentamento e a priorização de diferentes aspectos. As políticas gerais devem ser
especificadas em políticas setoriais ou pontuais e são resultantes do processo decisório, envolvendo
variados segmentos sociais, organizações diversas e o próprio Estado.

No Estado democrático de direito, qualquer decisão precisa estar em conformidade com a lei. Desse
modo, as políticas públicas são estruturadas em legislações específicas. Ao Poder Judiciário compete
zelar pela aplicação dessas leis.

A política ambiental situa-se na dimensão social das políticas públicas. Sua compreensão envolve
o entendimento dos conceitos de política e gestão pública. Uma política é estruturada com base na
formulação de princípios, de objetivos e de normas de conduta, que são definidos e articulados para
o cumprimento da missão institucional de um determinado país. Portanto, a política é normativa e
não operacional.

A gestão ambiental é a implementação pelo governo de sua política ambiental, mediante a definição de
estratégias, ações, investimentos e providências institucionais e jurídicas, com a finalidade de garantir
a qualidade do meio ambiente, a conservação da biodiversidade e o desenvolvimento sustentável.

A gestão ambiental desenvolve-se com base na formulação de uma política ambiental, em que
estejam definidos os instrumentos de ação a serem utilizados – controle ambiental, avaliação de

103
UNIDADE IV │ DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

impactos ambientais, planejamento ambiental, objetos de conservação. Como elementos dessa


política, devem ser também definidos os critérios de uso, de manejo e de controle da qualidade dos
recursos ambientais.

Nos últimos anos, o conceito de gestão vem sendo utilizado para incluir, além da gestão pública
do meio ambiente, os programas de ação desenvolvidos por empresas e instituições não
governamentais, para administrar suas atividades dentro dos modernos princípios de proteção
do meio ambiente. Estes podem complementar a ação pública em aspectos não relacionados
com a ação normativa e de controle, que é exclusiva da instância governamental. Dessa forma, o
conceito de gestão ambiental tem evoluído na direção de uma perspectiva de gestão compartilhada
entre os diferentes agentes envolvidos e articulados em seus diferentes papéis. Gestão ambiental
é, portanto, um processo político-administrativo de responsabilidade do poder constituído,
destinado a, com a participação social, formular, implementar e avaliar políticas ambientais a
partir da cultura, da realidade e das potencialidades de cada região, em conformidade com os
princípios de desenvolvimento sustentável.

No modelo de desenvolvimento sustentável, todas as partes interessadas têm papéis a compartilhar,


devendo o governo tornar-se multifacetado e flexível para acomodar e promover esse novo modelo.

A promulgação da Lei no 9.795/1999, que dispõe sobre a Educação Ambiental e institui uma Política
Nacional de Educação Ambiental, foi uma relevante conquista da sociedade civil, pois dá lugar à
democracia e à justiça social no campo da questão em tela, cabendo ao poder público promover
a dimensão ambiental nos currículos de todos os níveis e modalidades de ensino e no âmbito não
formal, bem como definir políticas públicas que a incorporem.

Verifica-se ainda a existência de um campo enorme de aplicação da Educação Ambiental, relacionado


com a disseminação de boas práticas ambientais na capacitação de técnicos de órgãos públicos,
privados e de organizações comunitárias.

Na gestão ambiental, a participação de todos os indivíduos é primordial e assegura as profundas


transformações que se estão gerenciando. Mas esta participação não se dá de forma totalmente
espontânea; ela é aprendida. Desta forma, para que um sistema de gestão ambiental possa se tornar
efetivo e ser interiorizado por todos os indivíduos envolvidos, é necessário que um programa de
Educação Ambiental acompanhe todo o processo de implantação e execução do sistema, visando,
inclusive, a sua continuidade. É o programa de Educação Ambiental que fomentará a elaboração de
comportamentos positivos de conduta com respeito ao meio ambiente e à sua utilização racional.

As políticas ambientais e os programas educativos relacionados à conscientização da crise ambiental


demandam, cada vez mais, novos enfoques integradores, para mudar a realidade contraditória
e geradora de desigualdades, que transcende a mera aplicação dos conhecimentos científicos e
tecnológicos disponíveis.

A postura de dependência e de desresponsabilização da população decorre principalmente da


desinformação, da falta de consciência ambiental e de um deficit de práticas comunitárias, baseadas
na participação e no envolvimento dos cidadãos, que proponham uma nova cultura de direitos e
deveres baseada na motivação e na coparticipação da gestão ambiental.

104
Desenvolvimento Sustentável │ UNIDADE IV

Trata-se, portanto, de se repensar a atuação do público e de se verificar as dimensões da oferta


institucional e a criação de canais institucionais para viabilizar novas formas de cooperação social. Os
desafios para ampliar a participação estão intrinsecamente vinculados à predisposição dos governos
locais de criar espaços públicos e plurais de articulação e participação, nos quais os conflitos se
tornam visíveis e as diferenças se confrontam como base constitutiva da legitimidade dos diversos
interesses em jogo, ampliando as possibilidades de a população participar mais intensamente dos
processos decisórios como meio de fortalecer a sua corresponsabilidade na fiscalização e no controle
dos agentes responsáveis pela degradação socioambiental.

Na gestão ambiental, a participação de todos os indivíduos, que é primordial, é alcançada por meio
de um programa de Educação Ambiental que acompanhe todo o processo de implantação e execução
do sistema, visando, inclusive, a sua continuidade.

105
Capítulo 5
Legislação sobre Educação Ambiental

No Brasil, desde o século XIX, já existiam legislações que disciplinavam o meio ambiente no mundo
do direito. Pode-se citar como exemplo a Lei no 1, de 1o de outubro de 1828, que tecia considerações
de cunho ambiental e atribuía à polícia o dever de zelar por poços, tanques, fontes, aquedutos,
chafarizes e quaisquer outras construções de benefício comum dos habitantes, bem como a plantação
de árvores para a preservação de seus limites à comodidade dos viajantes.

Uma característica da legislação da época e que durou até o final do Império é que os problemas que
afetavam a saúde pública eram tratados somente por médicos e inspetores, profissionais que, nas
vilas e cidades, cuidavam da parte preventiva e curativa da saúde da população.

Posteriormente, com o advento do Brasil República, as medidas de proteção à saúde demandavam


a estruturação de órgãos próprios. Fruto de tal conceito foi a organização do Serviço Sanitário do
Estado de São Paulo em 1891. Quase quatro anos após, foi publicado o Decreto no 233, que criou o
Código Sanitário do Estado de São Paulo, legislação que pela primeira vez utilizou a palavra poluição.

Com o passar do tempo e o agravamento dos problemas ambientais, a consciência ambientalista foi
se fazendo mais presente no País. O Poder Público, por força da legislação, aliada aos problemas
de degradação e destruição significativa do meio ambiente, começou a se estruturar e modernas
legislações surgiram, reunindo as regras relativas ao meio ambiente (água, ar e solo).

Embora não houvesse uma política ambiental formalizada em lei, sua existência podia ser percebida
pela preocupação em controlar a poluição industrial por meio de padrões de qualidade estabelecidos
para alguns componentes do meio ambiente, em especial o controle de qualidade das águas e do ar.
Os primeiros programas de controle ambiental começaram a ser aplicados pela Secretaria Especial
do Meio Ambiente – SEMA, criada em 1973. A partir desse mesmo ano, também foram criados
órgãos estaduais de meio ambiente nos estados de São Paulo e do Rio de Janeiro.

No período entre 1975 e 1979, a política governamental, expressa no Segundo Plano Nacional de
Desenvolvimento, definiu como prioridades o controle da poluição industrial e a necessidade de
ordenamento territorial pelo zoneamento das atividades industriais.

Em 31 de maio de 1976, no Estado de São Paulo, foi publicada a Lei no 997, que conferiu à Companhia
de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb) o poder de polícia administrativo para exercer o
controle preventivo e corretivo das fontes de poluição das águas, do ar e do solo que estejam em
desconformidade com os padrões estabelecidos ou que causem inconvenientes ao bem-estar público
e danos à flora e à fauna, bem como dos materiais que possam ser impróprios, nocivos ou ofensivos
à saúde ou prejudiciais ao uso e gozo da propriedade e às atividades normais da comunidade.

Trata-se efetivamente da primeira legislação brasileira que procurou integrar em uma só regra
jurídica toda a preocupação com o controle da poluição das águas, do ar e do solo, além de fixar
padrões específicos.

106
Desenvolvimento Sustentável │ UNIDADE IV

Em 1977 inicia-se um processo global orientado para criar as condições que formem uma nova
consciência sobre o valor da natureza e para reorientar a produção de conhecimento baseada
nos métodos da interdisciplinaridade e nos princípios da complexidade. O processo iniciou-
se a partir da Conferência Intergovernamental sobre Educação Ambiental realizada em Tbilisi
(EUA). Esse campo educativo tem possibilitado a realização de experiências concretas de
Educação Ambiental de forma criativa e inovadora por diversos segmentos da população e em
diversos níveis de formação. O documento da Conferência Internacional sobre Meio Ambiente
e Sociedade, Educação e Consciência Pública para a Sustentabilidade, realizada em Tessalônica
(Grécia), chama a atenção para a necessidade de se articularem ações de Educação Ambiental
baseadas nos conceitos de ética e sustentabilidade, identidade cultural e diversidade, mobilização
e participação e práticas interdisciplinares.

Em 31 de agosto de 1981, foi publicada a Lei no 6.938, que dispõe sobre a Política Nacional do
Meio Ambiente (PNMA), seus fins e mecanismos de formulação e aplicação. Nela se encontram os
mesmos princípios adotados anteriormente para o estado de São Paulo, porém, com termos mais
amplos e gerais, visando a adequar a matéria ambiental a todo o País.

Assim, o meio ambiente foi definido como o conjunto de condições, leis, influências e interações de
ordem física, química e biológica que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas. A lei
também introduziu a expressão degradação da qualidade ambiental, definindo-a como alteração
adversa das características do meio ambiente.

A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da
qualidade ambiental propícia à vida, visando a assegurar no País condições ao desenvolvimento
socioeconômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana.

Entre os princípios expressos na PNMA, tem-se, no art. 2o, a Educação Ambiental, formal e
informal. A mesma Lei, em seu art. 4o, estabelece como um de seus objetivos a preservação e
restauração dos recursos ambientais, com vistas à sua disponibilidade permanente e à manutenção
do equilíbrio ecológico.

Embora a Educação Ambiental esteja inserida nas formas de educação formal e não formal, ela é
limitada em seus aspectos ecológicos e de conservação. A Constituição de 1988 assimilou a legislação
ordinária e estabeleceu como incumbência do poder público: “promover a Educação Ambiental em
todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente” (art. 225,
§ 1o, VI). A Educação Ambiental foi inserida primeiramente na estrutura administrativa dos órgãos
públicos de meio ambiente, em vez de ser objeto de trabalho do sistema educativo. Com a atuação
da mídia e a falta de conhecimento adequado da população, seus conceitos e objetivos gerais estão,
ainda hoje, relacionados somente aos estudos de conservação. Embora a dimensão ecológica seja de
extrema importância na disseminação da Educação Ambiental, fatores socioeconômicos também
merecem igual destaque.

A década de 1970 assistiu às primeiras experiências e implementações pioneiras da Educação


Ambiental, sempre reservada a seus aspectos ecológicos. Na década de 1980, a Educação Ambiental
passou por um período de reestruturação, redefinição, expansão e consolidação. O Conselho Federal
de Educação indicou que a temática ambiental possui caráter multidisciplinar, o que implicou sua

107
UNIDADE IV │ DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

diluição nas matérias fixadas pelos Conselhos Estaduais de Educação. Desde então, foi possível
observar a inserção da relevância política como estratégia no desenvolvimento da Educação
Ambiental. Observou-se, também, a proliferação de associações ambientalistas e de outras formas
de organizações civis, buscando a ampliação da Educação Ambiental nos tipos formal e não formal.

“A natureza é finita e o uso sem escrúpulos dos recursos naturais

ambientais ameaça a vida humana.” (Elvino Rivelli)

Na década de 1990, o momento da Eco-92 foi necessário para a implementação dos acordos e
das discussões traçados durante a formulação da Agenda 21. Tal tarefa, no entanto, não depende
somente dos órgãos governamentais ou daqueles que ainda dominam o mercado econômico,
mas também das cooperações e dos trabalhos de cada cidadão. Para isso, é fundamental que o
ambiente não seja considerado um objeto de cada área, isolado de outros fatores. Ele deve ser
trazido à tona como uma dimensão que sustenta todas as atividades e impulsiona os aspectos
físicos, biológicos, sociais e culturais dos seres humanos. A tarefa da interdisciplinaridade é
difícil, porque implica equilibrar os diferentes conceitos, as diversas experiências, as inúmeras
visões políticas e, principalmente, as variadas formas de comportamentos individuais. É nesse
exercício, entretanto, que o maior desafio se coloca: traçar coletivamente os princípios da
Educação Ambiental.

Em 27 de abril de 1999, foi sancionada a Lei Federal no 9.795, criando a Política Nacional de
Educação Ambiental (PNEA) e dispondo sobre o inciso VI do art. 225 da Constituição Federal, no
qual está previsto em todos os níveis de ensino a conscientização pública para a preservação do
meio ambiente. Conforme a Lei Federal no 9.795/1999, todos têm direito à Educação Ambiental,
componente essencial e permanente da educação nacional, que deve ser exercida de forma articulada
em todos os níveis em todas as modalidades de ensino, sendo de responsabilidade do Sistema
Nacional do Meio Ambiente (Sisnama), do Sistema Educacional, dos meios de comunicação, do
Poder Público e da sociedade em geral.

Somente por meio da conscientização e respectiva ação transformadora a questão ambiental será mais
sedimentada, ganhando mais adeptos. E a Educação Ambiental, complementando as disposições
legais previstas na Política Nacional de Meio Ambiente (art. 2o, X), é a melhor ferramenta ao alcance
de todos, razão pela qual deve ser incentivada e implementada em todos os meios possíveis.

A legislação por si só não é garantia de nenhuma mudança efetiva na ordem das coisas. A lei pode
facilitar e reforçar iniciativas e ações de mudanças efetivas. É nesse sentido que a PNEA aparece
como um instrumento útil ao desenvolvimento das atividades de Educação Ambiental presentes
e futuras. Cabe aos agentes dessas ações a dupla tarefa simultânea de zelar pelo cumprimento da
referida lei e propiciar as alterações que venham a suprir suas carências.

Em seu art. 1o, define que Educação Ambiental compreende os processos por meio dos quais o
indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e
competências voltadas para a conservação do meio ambiente, que é bem de uso comum do povo e
essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade.

108
Desenvolvimento Sustentável │ UNIDADE IV

Como nas demais legislações ambientais, a PNEA prevê que compete ao Poder Público (art. 3o, I):

a. definir as políticas públicas que incorporem a dimensão ambiental;

b. promover a Educação Ambiental em todos os níveis de ensino;

c. promover o engajamento da sociedade na conservação, recuperação e melhoria do


meio ambiente.

Definiu, também, que cabe às instituições educativas promover a Educação Ambiental de maneira
integrada aos programas educacionais que desenvolvem (art. 3o, II).

Demonstrando que a conscientização por meio da educação deverá envolver a todos indistintamente,
previu que às empresas, às entidades de classe, às instituições públicas e privadas caberá promover
programas destinados à capacitação dos trabalhadores, visando à melhoria e ao controle efetivo sobre
o ambiente de trabalho, bem como sobre as repercussões do processo produtivo no meio ambiente
(art. 3o, V). A PNEA instituiu, ainda, a Política Nacional de Educação Ambiental (art. 6o), definindo
seus objetivos fundamentais, como o desenvolvimento de uma compreensão integrada do meio
ambiente em suas múltiplas e complexas relações, o que envolve aspectos ecológicos, psicológicos,
legais, políticos, sociais, econômicos, científicos, culturais e éticos, bem como o incentivo à
participação individual e coletiva, permanente e responsável, na preservação do equilíbrio do meio
ambiente, entendendo-se a defesa da qualidade ambiental como o valor inseparável do exercício da
cidadania (art. 5o).

Reconheceu a Educação Ambiental como componente essencial e permanente da educação nacional,


distinguindo seu caráter formal e não formal, ou seja, a educação não oficial que já vinha sendo
praticada por educadores, pessoas de várias áreas de atividades e mesmo entidades, obrigando o
Poder Público em todas as suas esferas a incentivá-la (art. 3o e 13).

Determinou, ainda, que cabe aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios, na esfera de sua
competência e nas áreas de sua jurisdição, definir diretrizes, normas e critérios para a Educação
Ambiental dentro das diretrizes da Política Nacional de Educação Ambiental (art. 16). Isso quer
dizer que as entidades públicas devem implementar suas políticas de Educação Ambiental por meio
de leis locais e programas específicos.

Como um dos objetivos da Educação Ambiental é disseminar a defesa da qualidade ambiental como
um valor inseparável do exercício da cidadania, é necessário que todos os setores sociais sejam
envolvidos nos programas, nos projetos e nas atividades promovidas.

O único ponto discordante do texto legal está disposto no art. 10 da PNEA, que excluiu a implantação
da Educação Ambiental como disciplina específica no currículo de ensino, facultando a sua criação
somente para os cursos de pós-graduação, quando se fizer necessário (§§ 1o e 2o).

A prática educativa ambiental, desenvolvida pelos educadores formados nos cursos de graduação,
traz, em sua formação, condicionantes sócio-históricos. A complexa relação entre sociedade e
educação define o cenário da formação dos educadores. Desta forma, não se pode pensar a formação
dos educadores – e a formação dos educadores dos educadores ambientais – como solução definitiva

109
UNIDADE IV │ DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

para os problemas socioambientais. Considerando a amplitude e a complexidade do campo de


atuação profissional dos educadores ambientais, a universidade tem reduzido a função desses
profissionais – de todos aqueles que vão trabalhar com a temática ambiental – à dimensão técnica
da atuação profissional no mundo do trabalho, mundo esse complexo e contraditório, mas concreto
e histórico.

A regulamentação da Lei no 9.795/1999 deu-se por meio do Decreto no 4.281/2002, que criou o
Órgão Gestor previsto no art. 14 da PNEA, definindo suas responsabilidades e estabelecendo que
os ministros do Meio Ambiente e da Educação são os responsáveis por sua direção. Nesse Decreto
também foi descrita a competência do Órgão Gestor (art. 3o) e foi criado um Comitê Assessor (art.
4o), com o objetivo de assessorar o Órgão Gestor, integrado por representantes de diversos órgãos,
setores ou entidades.

Como um dos instrumentos previstos na legislação ambiental, a Educação Ambiental desenvolvida


pelos órgãos de proteção ambiental vem se pautando pela troca de conhecimentos que os técnicos
da área do meio ambiente foram acumulando em seu campo de atuação com os demais agentes da
sociedade diante dos problemas da gestão ambiental.

Essa atividade tem como premissa sua realização em parceria com outras instituições, especialmente
com as secretarias de Educação, para o desenvolvimento da Educação Ambiental formal, e com
instituições públicas, privadas e Organizações Não Governamentais (ONGs), no caso da educação
não formal.

Por sua vez, os órgãos ligados ao Sisnama vêm, de maneira geral, direcionando seus programas de forma a
viabilizar a difusão de informações, e a ampliação do conhecimento de aspectos ambientais relevantes,
bem como a estimular a participação da sociedade na solução de problemas ambientais, na perspectiva
da gestão ambiental, envolvendo o controle da poluição, as unidades de conservação e as campanhas
de mobilização.

110
Capítulo 6
Agenda 21

A Agenda 21 é um documento elaborado e aprovado na Conferência do Rio de Janeiro, que consigna


o compromisso assumido pelos 179 países participantes da conferência, contendo mais de 2,5 mil
recomendações de ordem prática.

Tal documento resultou da consolidação de diversos relatórios, tratados, protocolos e outros


documentos, elaborados durante décadas na esfera da Organização das Nações Unidas (ONU). A
Agenda 21 ampliou o conceito de desenvolvimento sustentável, buscando conciliar justiça social,
eficiência econômica e equilíbrio ambiental. Contém um programa de alcance mundial para
estabelecer determinadas diretrizes no processo de crescimento econômico e desenvolvimento social,
fundamentados nos princípios da sustentabilidade. Por meio dessa agenda foi prefigurada uma política
para a mudança global que busca dissolver as contradições entre meio ambiente e desenvolvimento.

Trata-se de um detalhado programa de ação em matéria de meio ambiente e desenvolvimento.


Nele constam tratados em muitas áreas que afetam a relação entre o meio ambiente e a economia,
como atmosfera, energia, desertos, oceanos, água doce, tecnologia, comércio internacional, pobreza
e população. O documento, composto de 40 capítulos com mais de 800 páginas, está dividido
em quatro seções, em que são definidas 115 áreas prioritárias de ação. Seu preâmbulo contém os
objetivos gerais e a importância de sua implementação em âmbito global.

»» Seção I – dimensões sociais e econômicas: trata das políticas internacionais


que podem ajudar na viabilização do desenvolvimento sustentável, das estratégias
de combate à pobreza e à miséria e da necessidade de introduzir mudanças nos
padrões de produção e de consumo.

»» Seção II – conservação e gestão dos recursos para o desenvolvimento:


indica as formas apropriadas quanto ao uso dos recursos naturais, abrangendo a
proteção da atmosfera e a abordagem integrada do planejamento e do gerenciamento
dos recursos naturais. Trata, ainda, do manejo dos resíduos e substâncias tóxicas.

»» Seção III – fortalecimento do papel dos principais grupos sociais: indica as


ações necessárias para promover a participação, principalmente das ONGs.

»» Seção IV – meios de implementação: trata dos recursos e mecanismos de


financiamento para sua implementação e, também, da prioridade ao papel
institucional voltado para a viabilização das políticas de desenvolvimento, como
a transferência de tecnologia e a educação, o treinamento e a circulação das
informações necessárias no processo de tomada de decisões.

A ampla participação pública na tomada de decisões é fundamental para atingir o desenvolvimento


sustentável, o fortalecimento da democracia, a formação da cidadania e, consequentemente, a
efetivação da Agenda 21.

111
UNIDADE IV │ DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

A Agenda 21 não tem somente objetivos ambientais nem representa um processo


de elaboração de plano de governo. É um planejamento do futuro com ações
concretas a curto, médio e longo prazos, com metas, recursos e responsabilidades
definidos. A sua implementação exige um planejamento estratégico e participativo
entre o governo e a sociedade obtido por acordos, a fim de garantir um mundo
melhor para a humanidade de hoje e das próximas gerações.

Agenda 21 é um documento que procurou os caminhos para concretizar tais conceitos, indicando as
ferramentas de gerenciamento necessárias. Ofereceu, ainda, políticas e programas para obter um
equilíbrio sustentável entre consumo, população e capacidade de suporte do planeta.

Assim sendo, o documento orienta os planejadores para um novo estilo de desenvolvimento: um


crescimento econômico que seja ambientalmente saudável, humanamente justo e equitativo,
garantindo, assim, o atendimento às necessidades das gerações atuais e futuras, diferente do modelo
adotado, até então, pela maioria das nações do planeta.

As orientações do capítulo 36 da Agenda 21 – que trata da Promoção de Educação, da Conscientização


Pública e do Treinamento – são um guia fundamental para o desenvolvimento e o aperfeiçoamento
de uma política de Educação Ambiental.

As áreas abrangidas por esse capítulo envolvem:

»» a orientação da educação no sentido do desenvolvimento sustentável;

»» a ampliação da conscientização pública;

»» o incentivo ao treinamento.

A educação, em que se incluem a educação formal, a conscientização pública e o treinamento, deve


ser reconhecida como um processo que faz com que as pessoas e as sociedades possam atingir seu
potencial máximo. Tanto a educação formal quanto a não formal são indispensáveis na mudança de
atitude de cada um, capacitando as pessoas a avaliarem os problemas relativos ao desenvolvimento
sustentável e a dedicarem-se à sua solução.

O documento posiciona a educação básica como fornecedora do alicerce para a Educação Ambiental
e para o desenvolvimento.

Do ponto de vista do conteúdo, a Educação Ambiental formal e a não formal devem tratar das
dimensões físico-bióticas, socioeconômicas e culturais do meio ambiente e do desenvolvimento
humano. Devem, ainda, levar em conta o fomento, a integração dos conceitos de ambiente e de
desenvolvimento e a análise das causas dos maiores problemas ambientais no contexto local.

Quanto à maneira de desenvolver a Educação Ambiental, a Agenda 21 orienta no sentido da constituição


de grupos consultivos para coordenar as atividades educativas, incluindo a participação de grupos
representativos de pessoas comprometidas com a questão ambiental e de ONGs de cunho ambientalista.

O documento também recomenda às autoridades educacionais que utilizem a colaboração dos


órgãos do governo da área ambiental e das entidades ambientalistas fora do governo para implantar

112
Desenvolvimento Sustentável │ UNIDADE IV

programas de estágio ou reciclagem de professores, administradores e planejadores educacionais,


bem como de educadores que se dedicam ao ensino não formal, aproveitando a experiência de todas
as instituições.

A Agenda 21 teve desdobramentos nas Agendas 21 nacionais, regionais e locais, uma vez que estas
últimas são concebidas de modo a criar planos de ação que, resolvendo problemas locais, se somarão,
ajudando a alcançar resultados globais.

Em razão desses desdobramentos e para pôr em evidência o seu caráter mundial, a Agenda 21
passou a ser chamada de Agenda 21 Global.

Para elaborar uma Agenda 21 com enfoque nacional, regional ou local, é necessário compor uma
comissão, ou fórum, na qual participem representantes dos setores do governo, do setor produtivo e
da sociedade civil organizada; a participação é condição essencial para a elaboração. Não há Agenda
21 de qualquer esfera administrativa sem a participação dos diversos atores sociais; o processo de
criação, que é participativo e propositivo por excelência, não visa, apenas, a estabelecer diagnósticos,
mas propostas, recomendações, sugestões de projetos e programas a serem implementados por todos
os responsáveis e integrantes da sociedade. Os municípios deverão supervisionar o planejamento,
oferecer a infraestrutura necessária, estabelecer as regulamentações ambientais e integrar-se à
implementação de políticas nacionais.

Muitas pessoas que leram o documento Agenda 21 Brasileira certamente envolveram-se nas ações
que marcaram essas etapas, ou seja, na discussão das propostas em suas respectivas organizações
e comunidades, bem como na exposição pública das sugestões e emendas. Muitos participaram
impulsionados pelas demandas e pelos interesses específicos de cada segmento, o que significa uma
experiência de participação civil em um processo para o estabelecimento de uma política nacional,
com base nas realidades e perspectivas locais, regionais e globais.

A Agenda 21 Brasileira representa um desafio conjunto para a sociedade e o governo em instituir um


modelo de desenvolvimento sustentável para o País. Trata-se de um importante instrumento tanto
para o planejamento da gestão pública e privada do País quanto para a implementação dos planos
de desenvolvimentos futuros.

Na medida em que a sociedade brasileira, conhecendo o conteúdo da Agenda 21 e os compromissos


assumidos internacionalmente, passar a exigir seu cumprimento por meio de um efetivo controle
social, será possível obter um desenvolvimento humano sustentável. Desenvolvimento humano
sustentável é visto pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) como o
processo de ampliação de opções das pessoas, que passam a ter mais oportunidades de educação,
saúde, emprego e renda, o que inclui desde um ambiente físico em boas condições até liberdade
econômica e política.

Agenda 21 regional, estadual e local


A Agenda 21 no âmbito regional tem como objetivo principal a abordagem de espaços geográficos
assemelhados entre si para fins de planejamento e gestão ambiental. Dentro dessa perspectiva,

113
UNIDADE IV │ DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

pode-se incluir, por exemplo, uma bacia hidrográfica que engloba diversos municípios e, às vezes,
mais de um estado; as regiões metropolitanas; as regiões conurbadas; e as regiões com similaridades
industriais, comerciais, agrícolas e de turismo. A Agenda 21 Regional permite agregar valores à
região envolvida e que seja objeto dessa agenda, mostrando a responsabilidade de cada território na
atuação a favor do bem comum.

As Agendas 21, no âmbito estadual, são desenvolvidas pelos governos estaduais, tendo neles os
principais propulsores do processo de construção. O objetivo é incorporar às políticas de governo
de cada estado ações estratégicas, tanto do governo quanto da sociedade, que atendam às diretrizes
da Agenda 21 Global, buscando o consenso voltado para um novo padrão de desenvolvimento do
estado. Ainda são poucos os estados brasileiros que iniciaram o processo de construção de suas
Agendas 21 estaduais.

A Agenda 21, no âmbito local, vem ocorrendo de maneira bem diferente, uma vez que fica na
dependência do contexto político de cada estado ou cidade e do nível de organização da população
local. Alguns municípios desenvolveram ou iniciaram processos de Agenda 21 local, por vezes nem
identificados como tal, mas denominados Desenvolvimento Local Integrado e Sustentável.

A Agenda 21 local foi definida como “um processo participativo, multissetorial, para alcançar os
objetivos da Agenda 21 no nível local, por meio da preparação e implementação de um plano de ação
estratégica, de longo prazo, dirigido às questões prioritárias para o desenvolvimento sustentável local”.

Um número expressivo de comunidades e de governos locais ainda desconhece completamente


os compromissos assumidos pelo Brasil nos fóruns internacionais quanto à implantação
do desenvolvimento sustentável no País. Ressalta-se que um dos maiores obstáculos para a
elaboração das agendas locais continua sendo a falta de informações sobre alguns conceitos
básicos e o desconhecimento de metodologias de planejamento, voltadas para o modelo de
desenvolvimento proposto.

Dessa maneira, torna-se urgente insistir na necessidade de divulgar os princípios e o processo de


construção da Agenda 21, de modo a garantir que o conceito de desenvolvimento sustentável seja
incorporado e implementado pelo Poder Executivo local.

A Agenda 21 local é um processo eminentemente participativo, no qual os vários setores interessados


se comprometem a alcançar as metas estabelecidas na Agenda 21 global mediante a preparação e a
prática de um plano estratégico a longo prazo que aborde as preocupações prioritárias do desejado
desenvolvimento em nível local.

A importância do nível local justifica-se quando se constata que é nas cidades que afloram mais
claramente os problemas que afetam a qualidade de vida da população. É a população que vive nos
centros urbanos a que mais se serve e precisa dos recursos da natureza para sua sobrevivência. Tal
fato leva a concluir que essas comunidades poderão ser mais fácil e eficazmente conscientizadas e
mobilizadas a participar de processos de proteção e de manejo sustentável de seus recursos naturais.

A Agenda 21 considera da maior importância a participação do poder público, isso pela legitimidade
que detém e pela grande diversidade de recursos que é capaz de disponibilizar. Por essa razão, o

114
Desenvolvimento Sustentável │ UNIDADE IV

poder público deve ser estimulado a criar canais institucionais que tornem possível a implantação
das agendas locais. Entre eles, estão os fóruns da Agenda 21 local, concebidos como instrumentos de
diálogo e de negociação das autoridades municipais com as instâncias legislativas e com a sociedade
civil, para se chegar ao desenvolvimento sustentável.

Para que o conteúdo da Agenda 21 local seja utilizado pelo governo e pela sociedade civil de forma
a implementar ações voltadas ao desenvolvimento modelado pela Conferência das Nações Unidas
sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (a Rio-92), é fundamental conhecer os conceitos da
Agenda 21, bem como as experiências relevantes, tanto internacionais quanto nacionais, das cidades
que já elaboraram ou estão em processo de elaboração de cada uma de suas agendas específicas.

115
PARA (NÃO) FINALIZAR

Como você responderia a indagação abaixo da professora Melina Martha Baumgarten:

– Que fatores levam os humanos a agir de maneira destrutiva?

A degradação do ambiente ocorre basicamente por razões econômicas. A nossa floresta é desmatada
para que seja explorada e comercializada a madeira e também para que a área sirva para o
plantio de soja, por exemplo. Espécies são introduzidas em novas áreas, de maneira acidental ou
propositadamente, sem qualquer consideração com o resultado.

A Economia Moderna prevê que uma transação ocorre quando é benéfica para ambas as partes
envolvidas. Um dos principais desafios dos biólogos conservacionistas é assegurar que todos os
custos e benefícios da transação sejam levados em conta. As empresas ou pessoas envolvidas em
atividades que resultam em danos ecológicos, geralmente não arcam com todos os custos de suas
atividades. Quando existe algum acidente ecológico como o vazamento de óleo ou de algum produto
químico para o ambiente, por exemplo o custo é pago por toda a população, não somente por quem
está envolvido na transação de compra e venda do óleo ou do produto químico.

A ampla distribuição do custo econômico de uma atividade somado ao fato do benefício estar
concentrado em pequenos grupos cria um conflito econômico/ecológico. Por esta razão, nem
todos os homens devem arcar com os resultados da degradação. Nesse contexto surge a Economia
Ambiental que é uma disciplina que integra a Economia, Ciência Ambiental e Política Pública.
Uma justificativa econômica para a preservação da diversidade biológica pode ser um argumento
extremamente forte para que os governos e iniciativas privadas diminuam os impactos causados
pela nossa sociedade, ao meio ambiente natural.

Mas será que o surgimento da Economia Ambiental não mostra uma submissão ao atual sistema
econômico mundial? Sistema esse onde morrem milhões de pessoas anualmente vítimas da
desnutrição? Certamente, muitas mudanças têm de ser feitas nesse sistema. Muitos argumentos e
questionamentos éticos, além dos econômicos, podem ser feitos para justificar a proteção do meio
ambiente. Primeiramente, todas as espécies têm o direito de existir. Este argumento apresenta o
homem como parte de uma comunidade biótica maior (como de fato o é), na qual respeitamos todas
as espécies. Um outro argumento é que todas as espécies são interdependentes. E por esta razão a
perda de uma espécie pode ter consequências para outras espécies da comunidade.

Os humanos devem viver dentro das mesmas limitações em que vivem as outras espécies. Afinal,
todas as outras espécies vivem dentro da capacidade de suporte biológico de seu ambiente.

A sociedade tem a responsabilidade de proteger o planeta. Se degradarmos os recursos naturais do


ambiente, proporcionando a extinção de muitas espécies, as gerações futuras pagarão o preço, pois
terão uma qualidade de vida inferior.

116
para não finalizar

O respeito pela vida humana deve ser o mesmo em relação à diversidade biológica. Esforços para
diminuir a pobreza, a criminalidade, e promover a paz entre as nações, por exemplo, beneficiarão
as pessoas e a diversidade biológica. Esses problemas sociais têm efeitos deletérios sobre a
biodiversidade.

A natureza tem valor estético e espiritual. Em geral o homem aprecia a vida selvagem e a natureza,
e muitas pessoas consideram a Terra como criação divina, que deve ser respeitada.

Pense nos seus argumentos éticos para a preservação do meio ambiente. Certamente, todos eles são
importantes.

Você acha que temos jeito?

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