Fides v21 n2 PDF
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Semestral.
ISSN 1517-5863
CDD 291.2
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Artigos
Pregando num “mar de mudança”: contribuições a partir do conceito
de contextualização de Newbigin
Giuliano Letieri Coccaro............................................................................................................... 9
Resenhas
Sal da terra em terras dos brasis (Wadislau M. Gomes)
Norma Cristina Braga Venâncio.................................................................................................... 145
RESUMO
A contextualização é fundamental para a pregação em qualquer ambiente
cultural. Numa sociedade que está sofrendo rápidas e constantes transformações,
contextualizar não é uma tarefa simples, conquanto fortemente necessária. Este
artigo tem o objetivo de aplicar o conceito de contextualização de Lesslie
Newbigin à tarefa da pregação, especialmente quando exercida num ambiente
de mudanças céleres e hostis às Escrituras. Newbigin entende que a contextua-
lização sadia carrega dois componentes principais: fidelidade e relevância. Em
outras palavras, o desafio da contextualização na comunicação do evangelho
é tanto de uma afirmação da cultura quanto de uma rejeição dela; esse é o co-
ração do conceito de contextualização de Lesslie Newbigin. Esse dualismo é
inegociável para a pregação e traz muitas contribuições para a comunicação do
evangelho no século 21. Por um lado, o pregador afirma a verdade das pessoas;
por outro, ele rejeita as falsas crenças delas, para que, finalmente, as convide a
substituir seus ídolos pela confiança somente em Jesus Cristo.
PALAVRAS-CHAVE
Newbigin; Pregação; Contextualização; Pós-modernidade; Mudanças.
* O autor é pastor presbiteriano, mestre em Teologia (com ênfase em pregação) pelo Calvin
Theological Seminary, em Grand Rapids, Michigan; bacharel em Teologia pelo Seminário Teológico
Presbiteriano José Manoel da Conceição; bacharel em Teologia pela Universidade Presbiteriana
Mackenzie (integralização de créditos); bacharel em Comunicação Social (habilitação em Jornalismo)
pela Universidade Católica de Santos. É professor de Prática de Pregação e de Homilética no Seminário
Presbiteriano do Sul, em Campinas, e professor e coordenador pedagógico do Instituto Reformado do
Litoral Paulista (IRLP).
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GIULIANO LETIERI COCCARO, PREGANDO NUM “MAR DE MUDANÇA”
INTRODUÇÃO
O mundo está constantemente enfrentando dramáticas transformações que
reorganizam nossa sociedade. Tais mudanças no mundo ocidental trouxeram
novos desafios à igreja e à pregação da Palavra de Deus diante de uma era
comumente chamada de pós-moderna. Encontrar uma explicação sucinta e
concreta para o pós-modernismo chega a ser um paradoxo, pois “uma carac-
terística do pós-modernismo é a sua disponibilidade interna de não objetivar
[ou definir] nada”.1 Por isso, alguns preferem não empregar essa expressão.
Eles argumentam que “o mundo pós-tudo” resume melhor a nossa sociedade
de hoje, uma vez que as gerações são mais complexas do que as pessoas estão
acostumadas a pensar. Um mundo pós-tudo está saturado com múltiplos con-
textos e pressupostos culturais.2
Richard Jensen define o pós-modernismo como um “mar de mudança”.3
Embora não haja uma única definição para este “mar de mudança” em que
estamos todos “nadando”, é possível identificar várias características deste
tempo “pós-tudo”. Em geral, os pós-modernistas, ou a geração “pós-tudo”, é
sempre desconfiada de qualquer autoridade. Para essa geração nem a razão
nem a revelação fornecem uma verdade objetiva. Pessoas pós-modernas são
avessas a metanarrativas. Verdades universais devem ser sempre resistidas
e rejeitadas.4 Elas adoram histórias, mas odeiam qualquer “grande história”
que se proponha a explicar a realidade da vida. A Bíblia, por exemplo, como
a história da revelação de Deus ao mundo, é considerada um conto de fadas.
A verdade para os “pós-tudo” depende de sua própria experiência. A célebre
frase do filósofo René Descartes, “Penso, logo existo”, foi substituída por
“Sinto (ou experimento), logo existo”. Os “pós-tudo” têm uma vida orienta-
da pela experiência; mas isso não significa que eles desprezam evidências e
provas.5 Outra característica importante dos pós-modernistas é sua oposição
à moralidade. Eles são radicalmente contra o moralismo, que eles pensam
ser “opressivo e totalitário”.6 A menos que os pregadores compreendam e
respondam adequadamente ao “mar de mudança” no qual estão pregando, a
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1. O DESAFIO DA CONTEXTUALIZAÇÃO
A pregação da Palavra de Deus tem de ser sensível ao contexto cultural
do século 21. Kevin J. Vanhoozer tem uma pergunta desafiadora: “Como você
evangeliza uma cultura que já conhece o evangelho, o aceitou, e depois se mu-
dou para uma história diferente?” Essa questão é uma tentativa de convencer os
pregadores a se conscientizarem das novas demandas que enfrentam. A intenção
de Vanhoozer é desafiá-los à fidelidade bíblica e à relevância cultural na prega-
ção. Muitas vezes o chamado à “relevância” é interpretado como um incentivo
para enfraquecer a mensagem central do evangelho. Como Vanhoozer declarou:
“Se a teologia é o ministério da Palavra ao mundo, segue-se que os teólogos
devem saber algo sobre o mundo a que estão ministrando”.8 Para comunicar
7 GOHEEN, Michael W. “As the Father Has Sent Me, I Am Sending You”: J.E. Lesslie Newbigin’s
Missionary Ecclesiology. Mission, nº 28. Zoetermeer: Boekencentrum, 2000, p. 417.
8 VANHOOZER, Kevin J.; ANDERSON, Charles A.; SLEASMAN, Michael J. (Orgs.). Everyday
Theology: How to Read Cultural Texts and Interpret Trends. Grand Rapids, MI: Baker Academic,
2007, p. 8.
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GIULIANO LETIERI COCCARO, PREGANDO NUM “MAR DE MUDANÇA”
melhor o evangelho temos que assumir que fidelidade e relevância são dois
lados da mesma moeda na pregação. Da mesma forma, temos de admitir que
pode haver uma linha tênue entre ser culturalmente engajado e biblicamente
superficial. Esta é a preocupação e o esforço contínuo de Lesslie Newbigin
em sua teoria da contextualização: “Como, então, devemos fazer cristologia
de uma forma que seja simultaneamente fiel a Cristo e a muitas culturas em
que os homens procuram confessá-lo?” Na visão de Newbigin, esse é o maior
desafio da contextualização.
A contextualização tem sido amplamente debatida em estudos missionais
contemporâneos. Tim Keller sublinha que a habilidade na contextualização
é uma das chaves para o ministério eficaz hoje, principalmente nos centros
urbanos e culturais, pois eles são o núcleo a partir do qual a cultura está sen-
do moldada.9 Diante disso, não podemos superadaptar o evangelho à nossa
cultura nem subadaptá-lo a novas culturas. No primeiro, corre-se o risco de
cair no relativismo ou no liberalismo; no segundo, a consequência é o con-
servadorismo cultural.10 Portanto, os dois perigosos extremos no que tange
à contextualização são: a subadaptação e a superadaptação da mensagem.11
No primeiro caso, reside o medo de qualquer contextualização. Alguns cris-
tãos, temendo o sincretismo, optam por permanecer longe da cultura local. O
evangelho é pregado sem sensibilidade cultural. Tais pessoas gostam de dizer
que contextualizar significa dar às pessoas o que elas querem ouvir. Por outro
lado, pode haver uma obsessão com a contextualização. Esta segunda posição
é igualmente danosa à comunicação do evangelho. Para seus defensores, todas
as culturas são vistas como igualmente boas, não podem ser julgadas e devem
ser preservadas a todo custo. No entanto, o encontro acrítico entre evangelho
e cultura ofusca o papel da igreja como a luz do mundo bem como anula seu
caráter contracultural no meio da sociedade. David Helm entende que um dos
problemas com a contextualização é a ênfase na elaboração de um sermão re-
levante em detrimento da exegese bíblica. Ele chama isso de “uma adesão cega
à contextualização”. Helm adverte aqueles que estão mais comprometidos em
fazer uso da cultura circundante na pregação do que em estudar o texto bíblico:
9 KELLER, Tim. Center Church: Doing Balanced, Gospel-Centered Ministry in your City. Grand
Rapids, MI: Zondervan, 2012, p. 90.
10 Ibid., p. 93-94.
11 Para saber mais sobre o conceito de contextualização em missões, recomendo as seguintes lei-
turas: BEVANS, Stephen B. Models of Contextual Theology. Faith and Cultures Series. Maryknoll, NY:
Orbis Books, 1992; BOSCH, David J. Transforming Mission: Paradigm Shifts in Theology of Mission.
American Society of Missiology Series, no. 16. Maryknoll, NY: Orbis Books, 1991; e HIEBERT, Paul G.
The Gospel in Human Contexts: Anthropological Explorations for Contemporary Missions. Grand
Rapids, MI: Baker Academic, 2009.
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Alguns pregadores passam mais tempo lendo e meditando sobre nosso ambiente
contextual do que sobre a Palavra de Deus [...] o pregador perde a marca da
exposição bíblica quando ele permite que o contexto que está tentando ganhar
para Cristo controle a Palavra que ele fala da parte de Cristo.12
12 HELM, David R. Expositional Preaching: How we Speak God’s Word Today. Wheaton, IL:
Crossway, 2014, edição Kindle, local 174-178.
13 Ibid., local 983-987.
14 BATTERSON, Mark. “Carpe Culture: Redeeming Cultural Lingo without Diluting the Gospel”.
Disponível em: http://www.markbatterson.com/uncategorized/cultural-exegesis/. Acesso em: 24 fev. 2015.
15 HELM, Expositional Preaching, local 971-972.
16 TOWNS, Elmer L.; STETZER, Ed. Perimeters of Light: Biblical Boundaries for the Emerging
Church. Chicago: Moody Publishers, 2004, p. 31.
17 NEWBIGIN, Lesslie. The Gospel in a Pluralist Society. WCC Publications. Grand Rapids, MI:
Eerdmans, 1989, p. 188. NEWBIGIN, Lesslie. “What Is a Local Church Truly United?” The Ecumenical
Review 29:2, abril 1977, p. 118.
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18 NEWBIGIN, Lesslie. “Evangelism in the City”. Reformed Review 41, outono 1987, p. 3-8.
19 NEWBIGIN, The Gospel in a Pluralist Society, p. 142.
20 NEWBIGIN, “Evangelism in the City”, p. 3.
21 GOHEEN, “As the Father Has Sent Me, I Am Sending You”, p. 337.
22 NEWBIGIN, The Gospel in a Pluralist Society, p. 142.
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WILLIMON, W.; LISCHER, R. (Orgs.). Concise Encyclopedia of Preaching. Louisville, KY:
Westminster John Knox, 1995, p. 96.
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24 GOHEEN, “As the Father Has Sent Me, I Am Sending You”, p. 103.
25 NEWBIGIN, Lesslie. Foolishness to the Greeks: The Gospel and Western Culture. Grand Rapids,
MI: Eerdmans, 1986, p. 3.
26 “Two Ways of Realizing the Vision of the PC(USA) for Its Congregations: Congregations with
Missions and/or Missionary Congregations”. Austin Presbyterian Theological Seminary 109, n. 1
(1993), p. 63.
27 NEWBIGIN, Foolishness to the Greeks, p. 3.
28 KELLER, Center Church, p. 119-134.
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A resposta que dei em minha própria mente era que as pessoas que nos escuta-
vam sabiam que nós também éramos as pessoas que ensinavam seus meninos
e meninas nas escolas e que cuidavam de seus doentes no Hospital Mission, de
modo que a pregação não era composta de palavras desencarnadas, mas tinham
um pouco de carne nela.31
29 Newbigin salienta pelo menos três dimensões da obra de Cristo neste mundo como estrutura
para a missão da igreja. Primeiro, Cristo é o criador e sustentador de todas as coisas; portanto, a igreja
tem de compartilhar e nutrir o amor no lugar em que Deus a tem plantado. Em segundo lugar, porque
Cristo veio reconciliar o mundo, a igreja tem de ser um sinal deste fim escatológico. Por último, devido
ao fato de Cristo ter vencido seus inimigos através da sua encarnação, morte e ressurreição, a igreja
também tem de lutar contra o mal dolorosa e triunfantemente. Newbigin destaca o fato de que a igreja de
Cristo está sempre trilhando em direção a um caminho de sofrimento, porque o evangelho, sobre o qual
a igreja permanece e vive, é loucura para o mundo. Cf., NEWBIGIN, “What Is a Local Church Truly
United?”, p. 118; NEWBIGIN, Lesslie. A Word in Season: Perspectives on Christian World Missions.
Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1994, p. 57.
30 NEWBIGIN, A Word in Season, p. 54.
31 NEWBIGIN, Lesslie. Unfinished Agenda: An Autobiography. Grand Rapids, MI: Eerdmans,
1985, p. 56.
32 STANLEY, Andy. Deep & Wide: Creating Churches Unchurched People Love to Attend. Grand
Rapids, MI: Zondervan. Edição Kindle, local 2902-2903.
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Newbigin acredita firmemente que a igreja de Cristo é chamada para ser uma
comunidade de contraste. Na visão dele, os cristãos não podem dar apoio
incondicional à cultura.33 Ele escreve: “Devemos sempre, em cada situação,
lutar com ambos os lados desta realidade: que a igreja é para o mundo e contra
o mundo, a igreja é contra o mundo para o mundo”.34 Ou seja, a relevância da
igreja consiste no aspecto contrastante de sua vocação.
33 NEWBIGIN, Lesslie. The Open Secret: An Introduction to the Theology of Mission. Ed. rev.
Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1995, p. 161.
34 NEWBIGIN, A Word in Season, p. 54.
35 NEWBIGIN, Lesslie. “Religious Pluralism and the Uniqueness of Jesus Christ”. International
Bulletin of Missionary Research, 1989, p. 52.
36 NEWBIGIN, Lesslie. “Christ and the Cultures”. Scottish Journal of Theology 31, n. 1 (1978), p. 9.
37 HESLAM, Peter S. Creating a Christian Worldview: Abraham Kuyper’s Lectures on Calvinism.
Grand Rapids, MI: Eerdmans; Carlisle: Paternoster Press, 1998, p. 7.
38 KOYZIS, David Theodore. Political Visions & Illusions: A Survey and Christian Critique of
Contemporary Ideologies. Downers Grove, IL: InterVarsity, 2003, p. 7.
39 VANHOOZER, ANDERSON e SLEASMAN, Everyday Theology, p. 26.
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que Paulo fez o máximo para contextualizar a sua mensagem aos atenienses
(cf. Atos 17), porém, ela teve um efeito limitado. Paulo pregou estrategicamente,
corajosamente, biblicamente e de modo culturalmente engajado; no entanto, a
sua mensagem foi mal interpretada e enfrentou resistência de muitos atenien-
ses.51 Mesmo a pregação que se preocupa com aspectos da contextualização
na mensagem não é uma garantia de que o sermão irá realizar as expectativas
dos pregadores. Como vimos, é possível preparar uma mensagem sensível à
cultura dos ouvintes e que seja, ainda assim, rejeitada. Contudo, devemos acre-
ditar fortemente que um sermão culturalmente exegético é mais provável de
se conectar às mentes e corações das pessoas do que os sermões que não levam
em consideração a cultura dos ouvintes. Em outras palavras, a pregação cul-
turalmente engajada não é uma receita infalível para comunicar ensinamentos
bíblicos irresistivelmente, mas é uma ferramenta valiosa na proclamação do
evangelho. Como diz o ditado: “Quando tudo o que você tem é um martelo,
você trata todo mundo como se fosse um prego”.52
O principal objetivo desta seção é propor alguns princípios para uma
melhor proclamação do evangelho, tornando a boa notícia tão clara quanto
possível para a mente pós-moderna. Ao fazer isso, esperamos fornecer alguns
recursos que irão apoiar os pregadores na tarefa de comunicar a palavra de
Deus com fidelidade bíblica e sensibilidade cultural num mar de mudança.
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54 SEAMANDS, J. T. Tell It Well: Communicating the Gospel across Cultures. Kansas City, MO:
Beacon Hill Press, 1981, p. 130.
55 BEEKE, Joel R. Target Audience (audiência alvo), anotações de aula da disciplina “Experiential
Preaching”, Puritan Reformed Theological Seminary, 2015.
56 NEWBIGIN, The Gospel in a Pluralist Society, p. 141.
57 SMITH, P. e GALLINGER, H.P. (Orgs.). Conversations With Luther. Boston: Pilgrim Press,
1915, p. 193.
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[…] não só exige que seus praticantes se tornem habilidosos exegetas bíblicos.
Ela também requer que eles se tornem bons em fazer a exegese de suas con-
gregações locais e seus contextos. Exegese cultural é uma ferramenta útil para
anunciar o evangelho de forma relevante e transformadora para determinadas
comunidades de fé.63
58 CALVIN, Jean. Textes Choisis par Charles Gagnebin. Paris: Egloff, c. 1948, p. 42-43.
59 ALEXANDER, Eric J. What Is Biblical Preaching? Basics of the Reformed Faith. Phillipsburg,
NJ: P & R, 2008, p. 27.
60 PACKER, J. I. Teologia concisa: síntese dos fundamentos históricos da fé cristã. São Paulo:
Cultura Cristã, 1999, prefácio.
61 Podemos explicar o tópico “exegese cultural” através da definição de Matthew Kim, profes-
sor assistente de pregação e ministério no Gordon-Conwell Theological Seminary e ex-presidente da
Evangelical Homiletic Society: “É um estudo rigoroso da vida e da cultura de nossos ouvintes. Assim
como fazemos exegese ou extraímos o significado da Escritura que é exegese bíblica, também queremos
fazer a exegese ou extrair o significado da vida e experiências que partilhamos uns com os outros hoje”.
KIM, Matthew D. “The Big Idea: Exegete Your Culture and the Text”. Preaching Today, 05/08/2013.
Disponível em: http://www.preachingtoday.com/skills/themes/big-idea/big-idea-exegete-your-culture-
and-text.html.
62 BATTERSON, Mark. “Carpe Culture: Redeeming Cultural Lingo without Diluting the Gospel”.
Disponível em: http://www.markbatterson.com/uncategorized/cultural-exegesis/. Acesso em: 24 fev. 2015.
63 TISDALE, Leonora Tubbs. Preaching as Local Theology and Folk Art. Fortress Resources for
Preaching. Minneapolis: Fortress, 1997, p. xi.
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devem estar atentos às múltiplas culturas que compõem a sociedade, com suas
nuances, para que possam comunicar a Palavra de Deus com maior eficiência.
As palavras de Graham Johnston sobre a necessidade de analisar a cultura para
a tarefa da pregação são dignas de nota. Ele compara a comunicação do evan-
gelho em um mundo pós-moderno ao esforço dos missionários transculturais
em traduzir a mensagem bíblica à cultura estrangeira.
O meu apelo é que a comunicação bíblica a uma cultura pós-moderna deva ser
abordada da mesma forma que um missionário vai para uma cultura estrangeira.
Nenhum missionário […] entraria em um campo sem primeiro fazer um estudo
exaustivo sobre a cultura que ele ou ela pretende alcançar. Chegou o momento
de os pregadores de hoje vestirem o traje missionário.73
Vale lembrar que querer compreender a cultura não significa ser absorvido e
engolido por ela, mas discernir e desafiar as crenças culturais, ou “os ídolos cultu-
rais”, que as pessoas incorporam em suas vidas diárias e que as escravizam num
sistema idólatra e mortal. Reconheço que essa tarefa, conquanto aparentemente
fácil e extremamente necessária, traz desafios hercúleos, pois muitas vezes nós
estamos inconscientes de nossas culturas e sua influência sobre nós. No livro
Do Fish Know They’re Wet? (“Os peixes sabem que estão molhados?”), Tom
Neven explica que, assim como os peixes no oceano não sabem que estão mo-
lhados, os cristãos geralmente não percebem que estão sendo influenciados pela
visão pós-moderna de mundo que domina a cultura atual.74 A exegese cultural
é, antes de tudo, uma oportunidade para o pregador identificar os ídolos de seu
próprio coração.
Outra convicção inegociável da exegese cultural é a conexão que o pre-
gador estabelece com as pessoas em seu dia-a-dia, ou seja, o aspecto relacional
da exegese cultural. Loscalzo argumenta que os pregadores desconectam seus
sermões do mundo de seus ouvintes porque não conseguem se conectar com
o cotidiano das pessoas.
O pregador que gasta toda a semana no estudo, isolado das pessoas, elaborando
uma obra-prima literária, pode perguntar por que a congregação não ouve ou age
com base no sermão. Sermões que abordam as experiências diárias ou semanais
de uma congregação serão ouvidos com grande alegria [...] Os pregadores que
aprendem cedo a maravilhosa disciplina de ouvir e conversar estão no caminho
para se tornarem um com os seus ouvintes.75
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Se você gastar toda a semana com comentários, o seu sermão soará como uma
conversa com estudiosos. Se você passar o tempo com a sua igreja ou no seu
bairro, então o seu sermão irá se comunicar de forma mais natural com os seus
ouvintes [...] Se você entende a preparação do sermão como um processo que
ocorre em um escritório cercado por livros, então você nunca irá torná-lo real.
Precisamos conhecer o nosso povo, os cristãos de nossa congregação, e os
incrédulos que estamos tentando alcançar.76
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É claro que somos chamados a cumprir a “Grande Comissão”. Mas nós também
somos chamados a cumprir o mandato cultural. Os cristãos são agentes da gra-
ça salvadora de Deus – levando outros a Cristo, expliquei –, mas também são
agentes de sua graça comum: manter e renovar a sua criação, defendendo as ins-
tituições criacionais da família e da sociedade, e criticando falsas cosmovisões.81
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Por estas razões, dentre tantas outras inumeráveis que poderiam ser
destacadas, o pregador não deve olhar para a cultura exclusivamente com
suspeição. O motivo não é a busca de uma relevância pueril. O “sim” de
Deus está teologicamente enraizado na doutrina da graça comum. Tratando
de forma mais prática do “sim” de Deus à cultura, podemos nos lembrar de
como as parábolas de Jesus mostram seu engajamento com a cultura de seus
ouvintes. Jesus escolheu situações diárias e empregou histórias para conectar
seus ensinamentos com a vida das pessoas. Os pregadores podem se valer do
mesmo recurso. Obviamente que vou destacar um aspecto bem simples desse
conceito, pois há infindáveis caminhos para se entender a cultura. Existem
inúmeros lugares onde encontrar exemplos da vida diária para se manter em
contato com a cultura local: jornais, revistas, músicas, best-sellers, filmes,
programas de TV, anúncios comerciais, conversas informais com as pessoas
e assim por diante.
Quando Albert Mohler perguntou a John Stott se os pregadores devem,
de fato, fazer uma dupla exegese em seus sermões, tanto do texto quanto da
vida, Stott respondeu:
82 KUYPER, Abraham. Abraham Kuyper: A Centennial Reader. Grand Rapids, MI: Eerdmans;
Carlisle: Paternoster Press, 1998, p. 488.
83 AUGUSTINE. On Christian Doctrine. New York: The Liberal Arts Press, 1958, p. 54.
84 CALVIN, John; PRINGLE, William. Commentaries on the Epistles to Timothy, Titus, and
Philemon. Bellingham, WA: Logos Bible Software, 2010, p. 300-301.
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Certamente. Eu acho que uma ampla leitura é essencial. Precisamos ouvir ho-
mens e mulheres modernos e ler o que eles estão escrevendo. Temos de ir ao
cinema, ver televisão, ir ao teatro. A tela e o palco modernos são espelhos do
mundo moderno.85
Quanto mais nós, cristãos, corremos atrás da relevância mundana, mais vamos
nos tornar irrelevantes para o mundo que nos rodeia. Há uma irrelevância em
correr atrás da relevância, assim como há relevância na prática da irrelevância.
Para ser verdadeiramente relevante, você tem que dizer coisas que estão eter-
namente fora de moda, não as que são badaladas. São as coisas eternas que são
mais relevantes para a maioria das pessoas, e não ousemos esquecer desse fato
em nossa busca por relevância.87
85 MOHLER, Albert. “Between Two Worlds: An Interview with John R. W. Stott”. AlbertMohler.
com, 08/08/2011. Disponível em: http://www.albertmohler.com/2011/08/08/between-two-worlds-an-
-interview-with-john-r-w-stott/.
86 BATTERSON, “Carpe Culture: Redeeming Cultural Lingo without Diluting the Gospel”.
87
TCHIVIDJIAN, Tullian. Unfashionable: Making a Difference in the World by Being Different.
Colorado Springs, CO: Multnomah Books, 2009, p. 17.
28
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casas e nossas igrejas. Eyre enumera seis dragões que devem ser derrotados:
o materialismo, o ativismo, o individualismo, o conformismo, o relativismo
e o secularismo.88 Esses são os “dragões” que Eyre identificou na sociedade
americana. Nosso desafio como pregadores é analisar a nossa cultura brasileira,
denunciando seus ídolos e apresentando o mesmo evangelho.
Falar em ídolos da cultura brasileira pode imediatamente apresentar uma
confusão no que se refere ao significado de idolatria. A idolatria não ocorre
apenas quando as pessoas se curvam diante de imagens de pedra ou de outros
elementos; idolatria também significa transformar coisas boas nas coisas mais
importantes da vida.89 Os ídolos são tudo o que é mais valioso e importante
do que Deus. Nancy Pearcey argumenta que os seres humanos sempre divi-
nizam algo dentro da ordem criada quando eles rejeitam a Deus, o Criador.90
Ela afirma que os homens tentam se esconder de Deus e evitá-lo criando seus
próprios ídolos.91 Pearcey escreve:
Nós tendemos a igualar os ídolos com coisas que são proibidas ou intrinse-
camente más. Mas as coisas que são intrinsecamente boas também podem se
tornar ídolos – se nós permitirmos que assumam qualquer das funções de Deus
em nossas vidas.92
88 EYRE, Stephen D. Defeating the Dragons of the World: Resisting the Seduction of False Values.
The DragonSlayer Series. Downers Grove, IL: InterVarsity, 1987, p. 14-15.
89 KELLER, Timothy J. Counterfeit Gods: The Empty Promises of Money, Sex, and Power, and
the Only Hope That Matters. New York: Dutton, 2009, p. xiv, xvii.
90 PEARCEY, Nancy. Finding Truth: Five Principles for Unmasking Atheism, Secularism, and
Other God Substitutes. Colorado Springs, CO: David C. Cook, 2015, p. 43.
91 Ibid., p. 35.
92 Ibid., p. 37.
93 NEWBIGIN, The Gospel in a Pluralist Society, p. 195.
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GIULIANO LETIERI COCCARO, PREGANDO NUM “MAR DE MUDANÇA”
O evangelho deve ser ouvido como relevante. Ele deve falar de coisas que são
reais na vida do ouvinte. Deve, portanto, começar por aceitar seus problemas,
usando seus modelos e falando a sua linguagem. Mas relevância por si só não é
suficiente. O evangelho deve, ao mesmo tempo, desafiar toda a visão de mundo
do ouvinte. Deve levá-lo a questionar as coisas que ele nunca questionou.94
94 WAINWRIGHT, Geoffrey. Lesslie Newbigin: A Theological Life. New York: Oxford University
Press, 2000, p. 196.
95 HUNSBERGER, George R. “The Newbigin Gauntlet: Developing a Domestic Missiology for
North America”. Missiology, 1991, p. 397-398. WAINWRIGHT, Lesslie Newbigin: A Theological Life,
p. 232. Cf. FEDDES, David. Missional Apologetics: Cultural Diagnosis and Gospel Plausibility in C.S.
Lewis and Lesslie Newbigin. Monee, Ill.: Christian Leaders Press, 2012.
96 FEDDES. Missional Apologetics, p. 194-245. Em relação à abordagem apologética de Newbigin,
Feddes diz: “Newbigin parecia permitir pouco espaço para apresentar evidências e argumentos apologé-
ticos antes da conversão de uma pessoa, mas após a conversão, ele parecia permitir considerável esforço
intelectual – até mesmo críticas a muitas doutrinas bíblicas – em resposta a novos dados e contextos
diferentes [...] Newbigin poderia ser rotulado de ser bastante pressuposicionalista por algumas críticos
evangélicos, mas também bastante evidencialista por outras correntes evangélicas. Ambos os rótulos
poderiam estar corretos. Em minha opinião, Newbigin era muito pressuposicionalista na medida em
que ele não permitiu que a apologética evidencialista funcionasse em áreas onde poderiam fornecer
uma ajuda legítima, mas ele foi muito evidencialista no ponto onde ele deveria ter aceitado a revelação
bíblica como infalível”, p. 244.
30
FIDES REFORMATA XXI, Nº 2 (2016): 9-34
Apologética e pregação não são duas coisas diferentes. Ambas são tentativas
de alcançar os incrédulos para Cristo. A pregação é apologética porque visa
persuadir. Apologética é pregação porque apresenta o evangelho, buscando
conversão e santificação. No entanto, as duas atividades têm diferentes perspec-
tivas ou ênfases. A apologética enfatiza o aspecto da persuasão racional, enquanto
a pregação enfatiza a busca da divina mudança na vida das pessoas. Mas se a
persuasão racional é uma convicção do coração, então é a mesma coisa que
a divina mudança.97
97 FRAME, John M. Apologetics to the Glory of God: An Introduction. Phillipsburg, NJ: P&R
Pub, 1994, p. 16.
98 MACARTHUR, John. Evangelism: How to Share the Gospel Faithfully. The John MacArthur
Pastors’ Library. Nashville, TN: Thomas Nelson, 2011, p. 43.
99 Ibid., p. 44.
100 ESWINE, Preaching to a Post-Everything World, p. 140.
101 SCHAEFFER, Francis A. The God Who Is There. 30th anniversary ed. Downers Grove, Ill:
InterVarsity Press, 1998, p. 172-173.
102 PEARCEY, Finding Truth, p. 126.
103 KELLER, Timothy J. “The Gospel and Idolatry”. Disponível em: https://www.youtube.com/
watch?v=OOHdk3FR5Hg&t=43.
31
GIULIANO LETIERI COCCARO, PREGANDO NUM “MAR DE MUDANÇA”
uma igreja que prega o genuíno evangelho e não está vivendo corporativamente
uma vida que lhe corresponda, vivendo em coabitação confortável com os po-
deres deste mundo, e que não está desafiando os poderes das trevas […] fecha
as portas que a sua pregação iria abrir… Isso significa que a Igreja está sob
severo julgamento daquele que vai requerer de nós não a nossa confissão, mas
o nosso compromisso de fazer a sua vontade.108
32
FIDES REFORMATA XXI, Nº 2 (2016): 9-34
CONCLUSÃO
É importante que os pregadores entendam que a contextualização é
essencial para a tarefa da pregação em qualquer ambiente cultural, incluindo
as sociedades acentuadamente pós-cristãs. Eles também devem estar cientes
dessa dualidade na pregação: fidelidade e relevância, o que significa respei-
tosa afirmação e corajosa confrontação da cultura circundante. Para realizar
essa tarefa, os pregadores são obrigados a incluir exegese cultural e bíblica
em sua agenda.
Do conceito de contextualização de Newbigin podemos aplicar ao mi-
nistério da pregação, primeiramente, a necessidade de se apropriar de uma
comunicação do evangelho que seja sempre compreensível para os ouvintes.
Em segundo lugar, os pregadores devem entender o contexto cultural de seu
público. Isso significa que devemos fazer a hermenêutica de nossas congrega-
ções locais e dos contextos de nossos ouvintes para melhor comunicar e aplicar
o evangelho às suas necessidades. Em terceiro lugar, os pregadores precisam
estar alertas para o fato de que todas as culturas carregam tanto o sinal da
graça de Deus quanto das falsas cosmovisōes. Finalmente, pregar para a so-
ciedade do “pós-tudo” requer um tipo de pregação que é capaz de reafirmar a
verdade das pessoas, rejeitar suas falsas crenças e convidá-las a substituir os
seus ídolos pelo conhecimento de Cristo. Dentro de uma sociedade em constante
mudança há uma urgente demanda por pregadores que não se envergonham
do evangelho e são capazes de interpretar com precisão tanto a Bíblia quanto
a cultura local. A contextualização que torna o evangelho menos ofensivo ou
mais aceitável para a mente moderna tem de receber o rótulo de “anátema”.110
Qualquer tentativa de ser visto como um pregador relevante e popular em
detrimento da proclamação fiel do evangelho é terrivelmente prejudicial.
109 PEARCEY, Nancy. Total Truth: Liberating Christianity from Its Cultural Captivity. Wheaton, IL:
Crossway Books, 2004, p. 354-355.
110 Paulo usa a palavra “anátema” em Gálatas 1.9 para se referir a alguns falsos mestres que estavam
pregando um falso evangelho. “Anátema” significa “maldito” ou “destinado à destruição”.
33
GIULIANO LETIERI COCCARO, PREGANDO NUM “MAR DE MUDANÇA”
Nesse mar de mudanças onde podemos nos segurar? O que podemos proclamar?
Os teólogos e homiléticos têm trabalhado horas e horas sobre essa questão.
Deixe-me fazer apenas uma humilde sugestão. Podemos contar as histórias da
Bíblia. Podemos contar as histórias de Jesus, o Filho de Deus. E podemos confiar
que o Espírito Santo vai levar essa história na viagem mais longa do mundo: a
viagem do ouvido humano ao coração humano.112
ABSTRACT
Contextualization is key to preaching in any cultural environment. In a
society that is undergoing quick and continual changes, contextualization is not
a simple task, although strongly important. This article aims to apply Lesslie
Newbigin’s concept of contextualization to the task of preaching, especially
when performed in an environment hostile to the Scriptures. Newbigin believes
that sound contextualization carries two main components: faithfulness and
relevance; this is the core of his concept of contextualization. In other words,
the challenge of contextualization in the communication of the gospel is both
affirmation of the culture and a rejection of it. This dualism is non-negotiable
for preaching and brings many contributions to the gospel communication in
the 21st century. On the one hand, the preacher affirms the truth of people;
on the other hand, he rejects their false beliefs, and finally he invites them to
replace their idols by trust in Jesus Christ alone.
KEYWORDS
Newbigin; Preaching; Contextualization; Post-modernism; Change.
34
FIDES REFORMATA XXI, Nº 2 (2016): 35-56
RESUMO
É comum o pensamento que considera a doutrina da eleição oposta e
incompatível com a pregação do evangelho a todas as pessoas. Argumenta-se
que se Deus, pela eleição, determinou quem receberá a salvação, não é corre-
to requerer de todos os homens que se arrependam e creiam no evangelho. A
partir desse pensamento surgiram aqueles que rejeitam a doutrina da eleição
e outros que negam que a pregação deva ser dirigida a todos indistintamente.
Esse dilema foi apresentado a Calvino e aos calvinistas que compuseram os
Cânones de Dort e foi rejeitado por ambos. O presente artigo faz uma pesquisa
bibliográfica apresentando trechos das Institutas de João Calvino e dos Cânones
de Dort que refutam o dilema e apresentam o pensamento calvinista que rela-
ciona eleição e pregação não apenas como compatíveis, mas como mutuamente
dependentes. Ilustraremos o tema descrevendo o argumento arminiano e sua
relação com o hipercalvinismo e a resposta calvinista no contexto das igrejas
reformadas de tradição holandesa.
PALAVRAS-CHAVE
Eleição; Pregação do evangelho; Calvinismo; Arminianismo.
INTRODUÇÃO
É comum ouvir que o calvinismo, especialmente no que diz respeito à
sua doutrina acerca da eleição, tem inibido ou constitui-se num desestímulo
* Mestre em Teologia e Exegese pelo CPAJ, Mestre em Ciências da Religião pela Universidade
Presbiteriana Mackenzie e doutorando do Programa de Semiótica e Linguística Geral da Faculdade
de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. Professor assistente de Teologia Pastoral no CPAJ.
Coodenador e professor do Departamento de Teologia Exegética do Seminário Presbiteriano Rev. José
Manoel da Conceição. Membro da equipe pastoral da Igreja Presbiteriana do Centenário, em São Paulo.
35
DARIO DE ARAÚJO CARDOSO, O CALVINISMO E A PREGAÇÃO INDISCRIMINADA DO EVANGELHO
Há quem objete dizendo que Deus seria contrário a si mesmo se a todos, univer-
salmente, convide a si, porém admita a poucos. Sendo assim, a universalidade
das promessas, segundo eles, anula a distinção da graça especial [predestinação].3
1 E.g., VANCE, Laurence M. The other side of Calvinism. Pensacola: Vance Publications, 1991,
p. 270.
2 Cf. CALVINO, João. As Institutas: edição clássica. 2ª ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2006,
vol. 3, p. 405s (III.22.10).
3 Ibid., vol. 3, p. 405 (III.22.10).
36
FIDES REFORMATA XXI, Nº 2 (2016): 35-56
Em tese o que se quer dizer é que se deve escolher entre pregar o evan-
gelho a todos os homens ou crer que Deus separou alguns para si através da
predestinação. Manter os dois conceitos seria atribuir contradição a Deus.
Diante disso, Calvino se dispõe a demonstrar “... como a Escritura concilia
essas duas coisas, a saber, mediante a pregação exterior, são todos chamados
ao arrependimento e à fé, entretanto, nem a todos é dado o espírito de arrepen-
dimento e fé...”.4 Vê-se que a opção proposta não é necessária no entender de
Calvino. A pregação deve ser dirigida a todos, ainda que apenas alguns sejam
agraciados com o “espírito de fé e arrependimento” necessários à salvação.
Primeiramente, Calvino refuta a ideia de que a promessa de salvação é
oferecida a todos. É conhecido o pensamento de Calvino de que as promessas
de salvação são eficazes exclusivamente nos eleitos. Ele afirma claramente:
“Os que querem que a doutrina da vida se proponha a todos, para que todos
aproveitem dela eficazmente, se enganam sobremaneira, visto que ela só se
propõe aos filhos da Igreja”.5 As promessas da salvação são abusadas quando
apresentadas como efetivamente disponíveis a todos.
Em seguida, Calvino observa que, embora a mensagem da salvação seja
amplamente proclamada, a fé é um dom especial e raro. Ele diz:
Ou seja, para Calvino a pregação do evangelho deve ser vista como meio
pelo qual o Espírito une a Cristo, não todos os homens, mas aqueles que ele quer.
4 Ibid.
5 Ibid.
6 Ibid., p. 406.
7 OLEVIAN, Gaspar. Method and Arrangement, p. 43. In: The Comprehensive John Calvin
Collection. CD-ROM, Versão 1.0. Albany: Ages Software, 1998.
37
DARIO DE ARAÚJO CARDOSO, O CALVINISMO E A PREGAÇÃO INDISCRIMINADA DO EVANGELHO
Qual é a função apostólica se faz evidente à luz deste mandato: “Ide, pregai
o evangelho a toda criatura” [Mc 16.15]. Não se atribuem seus limites defini-
dos; ao contrário, os envia para que conduzam o mundo inteiro à obediência
de Cristo, para que, espargindo o evangelho por toda a parte que possam, em
todos os lugares ergam seu reino. Por isso mesmo Paulo, como quisesse pro-
var o seu apostolado, recorda que não ganhou para Cristo uma única cidade,
senão que propagava o evangelho ampla e extensivamente; nem pôs as mãos
em fundamentos alheios, senão que plantava igrejas onde ainda não se ouvira
o nome do Senhor [Rm 15.20]. Portanto, os apóstolos foram enviados para que
reconduzissem o mundo inteiro da alienação à verdadeira obediência de Deus;
e mediante a pregação do evangelho, implantassem por toda a parte o reino...9
38
FIDES REFORMATA XXI, Nº 2 (2016): 35-56
Ora, pois, dirás, se é assim, mui pouca certeza oferecem as promessas do evan-
gelho, as quais, testificando da vontade de Deus, asseveram que ele quer aquilo
que contrapõe a seu imutável decreto. De modo algum, respondo, porque, por
mais que as promessas de salvação sejam universais, entretanto, em nada diferem
da predestinação dos réprobos, desde que dirijamos a mente para sua eficácia.
Sabemos que, afinal, as promessas nos são eficazes quando as recebemos em fé;
quando, ao contrário, a fé é aniquilada, a promessa foi, ao mesmo tempo, abolida.10
Mas, porque menciona todos? Na verdade, para que mais seguramente concor-
dem as consciências dos piedosos, enquanto compreendem que não há nenhuma
diferença dos pecados, desde que a fé esteja presente; os ímpios, porém, para que
não aleguem faltar-lhes um refúgio em que se abriguem da servidão do pecado,
39
DARIO DE ARAÚJO CARDOSO, O CALVINISMO E A PREGAÇÃO INDISCRIMINADA DO EVANGELHO
visto que, por sua ingratidão, rejeitam o asilo a si oferecido. Portanto, uma vez
que a uns e outros desses dois grupos seja oferecida a misericórdia de Deus pelo
evangelho, é a fé, isto é, a iluminação de Deus, que estabelece distinção entre os
pios e os ímpios, de sorte que eles sintam a eficácia do evangelho, porém estes
não conseguem daí nenhum fruto. A própria iluminação tem como elemento
regulador a eterna eleição de Deus.12
Assim, depois que os apóstolos são instruídos por sua divina boca, não obstante
é necessário enviar-lhes o Espírito da verdade para que lhes instile nas mentes
a mesma doutrina de que se apropriaram pelos ouvidos [Jo 16.13]. Realmente, a
Palavra de Deus é como o sol a refulgir em todos a quem é pregada; contudo,
entre os cegos ela não obtém nenhum fruto. Nós, porém, nesse aspecto, somos
todos cegos por natureza. Consequentemente, não pode ela penetrar nossa mente,
a não ser que esse Mestre interior, o Espírito, lhe faculte entrada mediante sua
iluminação.13
12 Ibid.
13 Ibid., vol. 3, p. 60 (III.2.34).
14 Ibid., vol. 3, p. 405 (III.22.10).
15 Ibid., vol. 2, p. 218s (II.11.14).
40
FIDES REFORMATA XXI, Nº 2 (2016): 35-56
Assim, ainda que haja um comando para que o evangelho seja pregado
a toda a criatura, compete a Deus a determinação dos lugares, o modo e os
efeitos que a pregação da palavra terá entre as nações. Diante disso, compreen-
demos que o chamado de Deus para a salvação, então, não consiste somente
da pregação da palavra, mas também da iluminação do Espírito.16 Em outro
lugar, Calvino escreve:
Nós antes sabemos que os profetas pregaram a fim de convidar alguns a Deus
e para deixar outros inescusáveis. Com respeito ao fim e propósito do ensino
público é que todos fossem, em comum, chamados: mas o propósito de Deus é
diferente; pois ele intenta, de acordo com seu próprio conselho secreto, apresentar
a si mesmo os eleitos, e pretende retirar toda a escusa dos reprovados, que sua
obstinação possa ser mais e mais aparente.18
Assim, vê-se que, para Calvino, a doutrina da eleição implica que Deus,
pelo seu soberano propósito, trata de modo desigual os homens, tanto iluminando
com seu Espírito a uns e não a outros, quanto provendo-lhes acesso diferenciado
à pregação da palavra e aos benefícios dela advindos. Por outro lado, devemos
entender que isso não impede ou obstaculiza a pregação universal e indistinta
do evangelho, pois, assim como acontece na eleição, cabe a Deus e não a nós
dispor como e a quem Deus oferecerá seus benefícios. Cabe aos crentes obedecer,
com diligência e fervor, ao comando de pregar o evangelho a toda a criatura.
Para fazer demonstração, Calvino escreve sobre o apóstolo Paulo:
41
DARIO DE ARAÚJO CARDOSO, O CALVINISMO E A PREGAÇÃO INDISCRIMINADA DO EVANGELHO
42
FIDES REFORMATA XXI, Nº 2 (2016): 35-56
Armínio acreditava que o homem tinha condições de tomar uma decisão livre,
pró ou contra a salvação oferecida por Deus na pregação. A pregação só pre-
cisava persuadir o homem a aceitar a salvação. Para Gomaro, cada pregação
era uma ordem de Deus para que os ouvintes cressem nas promessas firmes,
no evangelho, na salvação do pecado pela graça de Deus. Ele afirmava que
era o poder de Deus no evangelho pregado que levava o homem à salvação e à
certeza da sua eleição.30
43
DARIO DE ARAÚJO CARDOSO, O CALVINISMO E A PREGAÇÃO INDISCRIMINADA DO EVANGELHO
Para que os homens sejam conduzidos à fé, Deus envia, em sua misericórdia,
mensageiros dessa alegre boa nova a quem e quando ele quer. Pelo ministério
deles, os homens são chamados ao arrependimento e à fé no Cristo crucificado.
Porque... como crerão naquele de quem nada ouviram? e como ouvirão, se não
há quem pregue? e como pregarão se não forem enviados? (Rm 10.14-15).32
A promessa do Evangelho é que todo aquele que crer no Cristo crucificado não
pereça, mas tenha a vida eterna. Esta promessa deve ser anunciada e proclamada
sem discriminação a todos os povos e a todos os homens, aos quais Deus, em seu
bom propósito, envia o Evangelho com a ordem de que se arrependam e creiam.33
Aquilo que nem a luz natural nem a lei podem fazer, Deus o faz pelo poder do
Espírito Santo e pela pregação ou ministério da reconciliação, que é o Evangelho
do Messias. Agradou a Deus usar este Evangelho para salvar os crentes, tanto na
antiga quanto na nova aliança.34
31
DEJONG, Peter Y. Crisis in the Reformed Churches. Essays in commemoration of the great
Synod of Dort, 1618-1619. Grand Rapids, MI: Reformed Fellowship, 1968, p. 121.
32 MARRA, Os Cânones de Dort, p. 17s.
33 Ibid., p. 29.
34 Ibid.
44
FIDES REFORMATA XXI, Nº 2 (2016): 35-56
Tantos quantos são chamados pelo Evangelho, o são seriamente. Porque Deus
revela séria e sinceramente em sua Palavra o que lhe agrada, a saber, que aqueles
que são chamados venham a ele. Ele também seriamente promete descanso para
a alma e a vida eterna a todos que a ele vierem e crerem.36
Deus realiza seu bom propósito nos eleitos e opera neles a verdadeira conversão
da seguinte maneira: ele faz com que ouçam o Evangelho mediante a pregação
e poderosamente ilumina suas mentes pelo Espírito de tal modo que possam
entender corretamente e discernir as coisas do Espírito de Deus. Mas, pela
operação eficaz do mesmo Espírito regenerador, Deus também penetra até os
recantos mais íntimos do homem. Ele abre o coração fechado e enternece o
que está duro, circunda o que está incircunciso e introduz novas qualidades na
vontade. Esta vontade estava morta, mas ele a fez reviver; era má, mas ele a
torna boa; estava indisposta, mas ele a torna disposta; era rebelde, mas ele a faz
obediente; ele move e fortalece esta vontade de tal forma que, como uma boa
árvore, seja capaz de produzir frutos de boas obras (1Co 2.14).37
35 Ibid., p. 35.
36 Ibid., p. 36.
37 Ibid., p. 37.
38 Ibid., p. 37s.
45
DARIO DE ARAÚJO CARDOSO, O CALVINISMO E A PREGAÇÃO INDISCRIMINADA DO EVANGELHO
Tal como agradou a Deus iniciar sua obra da graça em nós pela pregação do
evangelho, assim ele a mantém, continua e aperfeiçoa pelo ouvir e ler do Evan-
gelho, pelo meditar nele, pelas suas exortações, ameaças e promessas, e pelo
uso dos sacramentos.39
39 Ibid., p. 49.
46
FIDES REFORMATA XXI, Nº 2 (2016): 35-56
Ele [Calvino] argumenta que o uso de termos universais nessas passagens tem
a ver com a pregação indiscriminada e desqualificada do evangelho. Calvino,
como a maioria dos calvinistas dos dias atuais, foi muito inconsistente em pregar
o evangelho a todos e ainda crer que somente os eleitos podem ser salvos.40
Então afirma:
47
DARIO DE ARAÚJO CARDOSO, O CALVINISMO E A PREGAÇÃO INDISCRIMINADA DO EVANGELHO
Vê-se claramente que Vance quer colocar os calvinistas sob algo seme-
lhante ao dilema proposto nos dias de Calvino: uma vez que é impossível
conciliar a eleição com a pregação indistinta do evangelho, para ser con-
sistente ou se nega a ordem bíblica de pregar a toda criatura para manter o
calvinismo, ou se nega a doutrina da eleição para pregar a todos sem distinção.
Comentando o Artigo II.5 do Sínodo de Dort, Homer Hoeksema faz a
seguinte exposição do argumento arminiano:
Em primeiro lugar, a ocasião para este artigo recai sobre o fato de que os armi-
nianos diziam que os reformados, com sua doutrina da soberana predestinação
e expiação particular, não têm base para uma pregação geral do evangelho. De
fato, o arminiano dizia que o homem reformado não pode pregar o evangelho
a todos. Em segundo lugar, os arminianos também acusavam que a visão refor-
mada não deixava espaço para a pregação da fé e do arrependimento. (...) Por
um lado, o arminiano argumentava que desde que a obra expiatória de Cristo
era limitada aos eleitos, e desde que o pregador, portanto, tem algo a proclamar
somente aos eleitos, mas desde que ele não sabe quem são os eleitos, ele não
pode pregar. Ele não sabe de quem deve se aproximar com essa mensagem de
expiação limitada visto que somente Deus sabe quem é eleito e quem não é. Por
outro lado, os arminianos argumentavam que desde que a salvação é, de acordo
com a visão reformada, somente para aqueles que são soberanamente escolhi-
dos, e certamente para eles, assim sua salvação não é dependente de qualquer
ato de fé e arrependimento de sua parte, e portanto é desnecessário e realmente
impossível chamar os homens a crer e ao arrependimento.46
44 Ibid., p. 231.
45 Ibid., p. 225.
46 HOEKSEMA, The voice of our fathers, p. 350.
48
FIDES REFORMATA XXI, Nº 2 (2016): 35-56
XXXIII. Portanto, que ministros nos dias atuais se dirijam a pessoas não conver-
tidas, ou indiscriminadamente a todos em uma congregação mista, chamando-os
salvadoramente a arrepender-se, crer e receber a Cristo, ou realizar qualquer
outro ato dependente do novo poder criador do Espírito Santo, é, por um lado,
implicar o poder da criatura, e, por outro, negar a doutrina da redenção especial.49
47 Ibid., p. 489.
48 PRONK, Cornelius Neil. Expository sermons on the Canons of Dort. St. Thomas, Ontário: Free
Reformed Publications, 1999, p. 16.
49 Articles of Faith and Rules (The Gospel Standard Aid and Poor Relief Societies). Harpenden,
England: Gospel Standard Trust Publications, 2008. p. 35, 40. Disponível em: <http://www.gospelstan-
dard.org.uk/gs/media/GS/ Articles.pdf>. Acesso em: 11 out. 2016.
49
DARIO DE ARAÚJO CARDOSO, O CALVINISMO E A PREGAÇÃO INDISCRIMINADA DO EVANGELHO
50
FIDES REFORMATA XXI, Nº 2 (2016): 35-56
“De um ponto de vista humano, um pregador pode querer salvar a todos os que
estão em sua audiência, e querer levá-los consigo para o céu. Certamente ele
não pode, nem deve buscar ser um cheiro de morte para a morte. Seu chamado
é para ser o bom perfume de Cristo e para pregar a Palavra de Deus fielmente.
Se ele faz isso, sua tarefa está cumprida, e ele deixa os frutos para o Senhor”.
Mas o pregador fiel também “preparou a si mesmo para estar disposto a ser um
cheiro de morte para a morte, tanto quanto um perfume de vida para a vida.
Pois esta é a vontade de Deus”.56
55 Ibid., p. 194-195.
56
HOEKSEMA, Herman. Een Kracht Gods tot Zaligheid of Genade Geen Aanbod, p. 96, apud:
ENGELSMA, Hyper-Calvinism & the call of the gospel, p. 41.
51
DARIO DE ARAÚJO CARDOSO, O CALVINISMO E A PREGAÇÃO INDISCRIMINADA DO EVANGELHO
Na pregação do evangelho, Deus dirige seu “chamado” a todos que vêm ao seu
alcance. E este chamado é “não dissimulado” (sério). (...) Este chamado consiste
de promessa e ordem... requer arrependimento e fé. (...) Todos os homens, de
qualquer estado e condição, devem ser assim desafiados pela pregação. A todos
a mensagem vem urgente e verdadeiramente.59
Aqueles que questionam a predestinação dizem que ela torna a pregação do evan-
gelho desnecessária, ou, pelo menos, uma farsa. Isto é, visto que Deus ordenou
quem será salvo e quem não será e visto que esse é um decreto imutável, é inútil
pregar o evangelho. (...) Essa objeção não observa o importante fato que Deus
ordenou todas as coisas, os meios bem como os fins. Ele ordenou a pregação
do evangelho como meio de chamar os homens à fé e à salvação (1Co 1.21;
Rm 10.14-15). Portanto, a igreja deve pregar o evangelho. E o pecador deve
se arrepender e crer em Jesus Cristo para ser salvo (Art. I.2-4). Além do mais,
a predestinação dá à igreja um grande incentivo a pregar o evangelho em toda
parte. Ela mostra que a Palavra de Deus não retornará para si vazia; que Deus
reunirá, entre os seus escolhidos, pessoas de cada tribo, língua, povo e nação.
De fato, ela não tem o direito de reter o evangelho de ninguém. “Nunca teremos
qualquer direito de pressupor que qualquer homem ou grupo de homens que
possamos mencionar esteja fora do plano de salvação de Deus” (J. Gresham
Machen, The Christian View of Man, p. 82).60
52
FIDES REFORMATA XXI, Nº 2 (2016): 35-56
Os cânones não deixam dúvida de que esta proclamação deve ser feita “a todas
as pessoas indiscriminadamente e sem distinção”. Nem a eleição, nem a redenção
particular limitam a pregação do evangelho. O evangelho é pregado às pessoas,
“não a eleitos ou reprovados, mas a pecadores que estão todos em necessidade
de salvação”. Nem todos serão salvos, mas certamente todo o que crê é salvo.
Pronk rejeita que, para que tal pregação seja realizada, é preciso negar
a doutrina da expiação limitada, a fim de que anunciemos aos homens que
Cristo morreu por eles. “Eles [os apóstolos] não chamam os pecadores a crer
que Cristo morreu por eles, mas chamam os pecadores a crer em Cristo. Essa
é a grande diferença”.62 Então argumenta:
53
DARIO DE ARAÚJO CARDOSO, O CALVINISMO E A PREGAÇÃO INDISCRIMINADA DO EVANGELHO
A história da igreja conta-nos que talvez noventa e cinco por cento de todos
os reformadores e puritanos pregaram a “livre oferta”. É verdade, alguns não
gostavam da palavra “oferta” porque ela gradualmente adquiriu uma conotação
associada como o arminianismo. Assim alguns de nossos pais preferiram usar
o termo “chamado do evangelho”. Mas quando você lê seus escritos, estejam
eles usando o termo “chamado” ou “oferta”, o significado era sempre o mesmo.
Sua pregação era sempre terna e urgente, e eles convidavam os pecadores a vir
ao Senhor sem quaisquer condições.64
Deve ser notado que enquanto a promessa é geralmente proclamada, não é uma
promessa geral, mas de fato, muito particular, para os eleitos somente: pois é
uma promessa de descanso da alma e vida eterna somente àqueles que vêm a
ele e crêem.66
A pregação do evangelho nunca saiu do curso determinado por Deus. Desde que
nunca foi o seu bom prazer que o evangelho pudesse ser proclamado a todos
os homens e a cada homem. Até mesmo a pregação do evangelho, de acordo
com o bom prazer de Deus, não é de modo algum geral e universal no sentido de
incluir cada indivíduo humano... Este artigo [II.5], portanto, reconhece o fato
de que mesmo a pregação do evangelho não é geral no sentido de que vem a
todo indivíduo da raça humana, mas é limitada e segue um curso bem definido
em toda a história, e este, também, de acordo com o bom propósito divino.67
64 Ibid., p. 130.
65 PETERSEN, The Canons of Dort, p. 57.
66 HOEKSEMA, The voice of our fathers, p. 492.
67 Ibid., p. 353.
54
FIDES REFORMATA XXI, Nº 2 (2016): 35-56
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para finalizar, dois aspectos devem ser ressaltados. Primeiramente, nem
Calvino, nem o calvinismo histórico têm feito objeção ou têm desprezado a
suprema importância da pregação do evangelho a todos os homens em todas
as nações. É falacioso o argumento que aponta o calvinismo como um em-
pecilho ou obstáculo para aqueles que querem pregar o evangelho. Tanto o
arminianismo quanto o hipercalvinismo falham ao apontar tal objeção dentro
do calvinismo. Ao contrário, o calvinista é instruído a seguir a ordem de Jesus
de proclamar o evangelho a toda criatura e que Deus tem escolhido a prega-
ção do evangelho como o meio através do qual será reunido o seu povo para
a salvação. Pregadores, evangelistas e missionários são instrumentos de Deus
na realização de seu propósito. É através deles, e de seu importante trabalho
de anunciar o evangelho aos pecadores, que o propósito da eleição será plena-
mente cumprido. Para o calvinista a pregação decorre da predestinação uma
vez que, ao escolher o seu povo, Deus resolveu chamá-lo pela pregação do
evangelho. Essa pregação indiscriminadamente propagada atingirá àqueles que
Deus tem escolhido para si. Ao mesmo tempo concorrerá para o agravamento
da condenação daqueles que, estando perdidos, rejeitam o anúncio da salvação.
Em segundo lugar, deve-se destacar também que tanto Calvino quanto o
calvinismo histórico não admitem a alegação de inconsistência quando susten-
tam a doutrina da eleição e praticam a pregação indistinta do evangelho. Fazem
isto demonstrando que a pregação do evangelho não implica a possibilidade
universal de salvação. Mostram que o anúncio da salvação e o comando para
o arrependimento e a fé precisam ser suportados pela presença regeneradora
do Espírito Santo que é dada exclusivamente de acordo com o propósito de
Deus. Além disso, é evidente, argumentam os calvinistas, que individualmente
nem todos os homens têm acesso ao evangelho. Milhões de pessoas morreram
e morrem sem jamais ter ouvido a pregação da Palavra de Deus. Assim, a
possibilidade universal de salvação é desmentida pela própria história. O cal-
vinismo defende que Deus, em seu propósito, envia seus pregadores a quem
quer e quando quer. Compete a Deus determinar por que lugares o evangelho
se propagará, quem receberá o dom da fé pelo Espírito Santo e que resulta-
dos se alcançará nessa propagação. Tal decisão compete exclusivamente
ao conselho eterno da eleição. Não obstante, e como fruto dessa convicção, o
pregador calvinista deve com todo fervor pregar a todos que Deus coloca ao
55
DARIO DE ARAÚJO CARDOSO, O CALVINISMO E A PREGAÇÃO INDISCRIMINADA DO EVANGELHO
seu alcance. Deve chamar todos, urgentemente, à salvação e crer que o próprio
Deus realizará seus propósitos na salvação ou na condenação de seus ouvintes.
Fica assim, um desafio aos calvinistas da atualidade: que mantenham com
a mesma fidelidade as bandeiras bíblicas da eleição eterna e da fervorosa pre-
gação do evangelho aos perdidos. Bandeiras que no passado foram levantadas
por Calvino e pelos expoentes calvinistas do Sínodo de Dort e que não podem
faltar àqueles que querem se manter fiéis ao calvinismo histórico.
ABSTRACT
There is a common thought that considers the doctrine of election as
opposed to and incompatible with the preaching of the Gospel to all people.
It is argued that if God, by election, determined who will receive salvation, it is
not correct to require all men to repent and believe in the Gospel. This thought
has led some to reject the doctrine of election and some others to deny that
preaching should be directed to all, without distinction. This dilemma was
introduced to Calvin and to the Calvinists who wrote the Canons of Dort, and
was rejected by both. This article appeals to sections of the Institutes of John
Calvin and the Canons of Dort that refute the dilemma and support the Calvinist
understanding that sees election and preaching not only as compatible, but as
mutually dependent. The author illustrates the topic by describing the Arminian
argument and its relation with Hipercalvinism, and the Calvinist response in
the context of the reformed churches of the Dutch tradition.
KEYWORDS
Election; Preaching of the gospel; Calvinism; Arminianism.
56
FIDES REFORMATA XXI, Nº 2 (2016): 57-66
RESUMO
Este artigo trata inicialmente da questão de discernir entre ações certas
e erradas a fim de que se possa seguir um caminho correto de liderança e de-
fende que existem princípios e valores universais que devem ser observados e
aplicados. A seguir, apresenta quatro normas éticas essenciais com princípios
para os líderes educacionais, selecionadas das prescrições fornecidas por livros
acadêmicos, artigos de periódicos e aulas de pós-graduação. A seleção foi
baseada na experiência própria e na apreensão subjetiva do autor, levando em
consideração injunções bíblicas testadas pelo tempo e ditos de sabedoria que
têm constituído o âmago da duradoura cultura judaico-cristã. Depois, discute as
seguintes quatro normas éticas ou áreas de interesse: (1) honestidade, integri-
dade e pureza; (2) adequada gestão de comunicação; (3) correta compreensão
de conhecimento, verdade e comportamento de desenvolvimento humano, e
(4) humildade e solidariedade com os necessitados. Cada norma é explicada,
sendo apresentado o fundamento referencial de cada uma. O propósito desta
argumentação é não somente registrar uma avaliação pessoal, mas produzir
reflexão sobre a grande necessidade de que tais normas sejam observadas e
de que seus princípios estejam fortemente presentes nas vidas e ações dos
líderes educacionais.1
* Francisco Solano Portela Neto é presbítero da Igreja Presbiteriana do Brasil e Diretor Opera-
cional da Educação Básica do Instituto Presbiteriano Mackenzie. É formado em matemática aplicada
pelo Shelton College (Cape May, NJ: 1967-1971) e tem mestrado em teologia pelo Biblical Theological
Seminary (Hatfield, PA: 1971-1974). É doutorando em educação (Ed.D.), pela Liberty University
(Lynchburg, VA: 2016-). Foi presidente e vice-presidente da Junta de Educação Teológica da IPB. É
autor de várias obras de cunho teológico, educacional e de gestão empresarial.
1 Este texto foi escrito originalmente como um trabalho acadêmico para a Liberty University.
Tradução de Alderi Souza de Matos.
57
SOLANO PORTELA, NORMAS ÉTICAS PARA LÍDERES EDUCACIONAIS
PALAVRAS-CHAVE
Princípios éticos; Liderança; Ética educacional; Líderes educacionais
cristãos; Certo e errado; Comunicação; Honestidade; Integridade; Pureza;
Solidariedade.
INTRODUÇÃO
A lista de normas éticas e princípios correlatos que pode ser estabelecida
para os líderes educacionais é interminável, mas talvez as quatro áreas tratadas
neste artigo possam ser destacadas como de suprema importância para os
administradores superiores e para a adequada gestão de instituições educacio-
nais. A seleção se baseia na experiência própria e na apreensão subjetiva do
autor, levando em conta prescrições bíblicas testadas pelo tempo e ditos de
sabedoria que têm constituído o âmago da duradoura cultura judaico-cristã.
Uma vez que a lista prescrita para a liderança está relacionada com a ética, é
necessário que abordemos as normas com uma discussão inicial da questão
do discernimento entre ações certas e erradas.
58
FIDES REFORMATA XXI, Nº 2 (2016): 57-66
4 REBORE, R. W. The ethics of educational leadership. 2ª ed. Upper Saddle River, NJ: Pearson,
2014, p. 3.
5 Ibid., p. 39.
6 Ibid.
7 Ibid., p. 31.
59
SOLANO PORTELA, NORMAS ÉTICAS PARA LÍDERES EDUCACIONAIS
8 Ibid., p. 39.
9 BLACKABY, H. e KING, C. Experiencing God: How to live the full adventure of knowing and
doing the will of God. Nashville, TN: Broadman & Holman, 1994.
10 PEARSON, C. Ethics related to principle. Vídeo. Disponível em: https://download.liberty.edu/
courses/e691z.mp4.
11 BLACKABY e BLACKABY, Spiritual leadership, p. 34.
60
FIDES REFORMATA XXI, Nº 2 (2016): 57-66
12 Ibid., p. 147-179.
13 REBORE, The ethics of educational leadership, p. 143, 153.
61
SOLANO PORTELA, NORMAS ÉTICAS PARA LÍDERES EDUCACIONAIS
integral da cultura escolar, mas, antes disso, ele/ela deve ter esses princípios
profundamente arraigados em sua própria vida. De outro modo, a liderança
eficaz será prejudicada. Se a busca é pela justiça, o livro de Provérbios emite
a advertência de que “quando a verdade é dita, a justiça é feita, mas a mentira
produz a injustiça” (12.17, NTLH).
Ser honesto também significa ter a coragem de denunciar a desonesti-
dade. Rebore, escrevendo sobre normas e políticas, observa que isso inclui o
dever de todo empregado de denunciar transgressões “quando existe razoável
evidência de que houve uma violação de política ou lei”.14 Um exemplo disso
pode ser visto no Código de Ética do Estado da Virgínia, que, em seu ponto 7,
declara: “Expor mediante meios e canais apropriados qualquer evidência des-
coberta de corrupção, conduta imprópria ou negligência do dever”.15 Portanto,
a honestidade, a integridade e a pureza devem estar entrelaçadas no código
de ética de uma escola e ser parte de sua cultura, ao passo que a mentira não
deve ter parte na liderança educacional cristã.
Ultrapassar essas normas éticas pode ter consequências drásticas. Le Coz
relata sobre o diretor de uma escola primária do Mississipi que deu instruções
a alguns professores sobre como ajudar os estudantes a trapacear em seus tes-
tes de avaliação estadual.16 Como se pode esperar honestidade de estudantes
e professores, em suas disciplinas, se a liderança age dessa maneira? Rebore
trata de atitudes como essa dizendo que “ações não éticas de indivíduos podem
ter um poder que transcende o indivíduo e podem induzir outros a serem não
éticos”.17 As instituições educacionais precisam de estabilidade e fidedignidade.
“A liderança em última análise se baseia na confiança”, escrevem Blackaby e
Blackaby, e acrescentam: “Quando os líderes têm integridade, seus seguidores
sempre sabem o que esperar”.18 Certamente honestidade, integridade e pureza
são fundamentos necessários de comportamento ético para líderes educacionais.
14 Ibid., p. 175.
15
Department of Education of the State of Virginia. Code of Ethics, s/d. Disponível em: http://
www.doe.virginia. gov/about/vdoe_mission.pdf.
16 LE COZ, E. Ex-teachers at Miss. school allege unethical practices. USA Today, 25/05/2014.
Disponível em: http://www.usatoday.com/story/news/nation/2014/05/25/ex-teachers-miss-school-allege-
-unethical-practices/ 9572237/.
17 REBORE, The ethics of educational leadership, p. 25.
18 BLACKABY e BLACKABY, Spiritual leadership, p. 163.
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FIDES REFORMATA XXI, Nº 2 (2016): 57-66
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SOLANO PORTELA, NORMAS ÉTICAS PARA LÍDERES EDUCACIONAIS
64
FIDES REFORMATA XXI, Nº 2 (2016): 57-66
De fato, as mentes daqueles que estão sendo conduzidos são fechadas, assim
como a mente daquele que pretende conduzir.
A verdadeira humildade afasta o foco do líder de si mesmo, concedendo
sensibilidade para com as necessidades dos outros e motivando a solidariedade
e a generosidade. As ações serão guiadas por princípios como: “Quanto lhe
for possível, não deixe de fazer o bem a quem dele precisa. Não diga ao seu
próximo: ‘Volte amanhã, e eu lhe darei algo’, se pode ajudá-lo hoje” (Pv. 3.27s,
NVI). Certamente isso significa que o líder educacional precisa ser sensível
àqueles que possuem necessidades especiais. Esse conceito de liderança ser-
va tem sido desenvolvido e apreciado no mundo corporativo há quase duas
décadas,26 e, assim, “escritores seculares estão abraçando ensinos cristãos com
o fervor dos cristãos do primeiro século.27
Os líderes cristãos precisam saber que a verdade que liberta as pessoas
(Jo 8.31s) produz líderes que se apegam ao exemplo dado por Cristo de uma
liderança serva, e transforma as suas ações, porque a verdadeira liderança é
inseparável do amor (Sl 26.3). Van Brumellen coloca assim: a verdade “não
é só uma declaração correta, mas uma ação reta”.28 Os líderes cristãos devem
ter uma vida de oração, humildemente diante de Deus, mas, antes de orar pelos
outros, precisam orar muito por si mesmos. Paulo deu a sequência correta de
prioridades quando escreveu: “Atente bem para a sua própria vida e para a
doutrina” (1Tm 4.16). Quanto mais uma pessoa ora, mas ela se conscientizará
de sua dependência de Deus, a cada passo de sua vida, e mais será motivada
para servir os outros. Se os líderes abandonam a humildade e são tomados pelo
orgulho, eles “irão perder a compaixão por aqueles que estão conduzindo”.29
A advertência é clara: “O orgulho vem antes da destruição; o espírito altivo,
antes da queda” (Pv 16.18, NVI).
OBSERVAÇÕES FINAIS
A liderança educacional irá envolver muitas decisões, atitudes corretas
e um senso de certo e errado, para que ocorram bons resultados. Rebore diz
que “a dignidade humana de cada pessoa é o fundamento de toda tomada de
decisões”.30 Os líderes cristãos reconhecem a dignidade humana, porém com
base no ensino bíblico de que todo ser humano foi criado à imagem e semelhan-
ça de Deus e, portanto, sevem a Deus quando servem a humanidade (Mt 10.42).
26 HUNTER, J. C. The servant: A simple story about the true essence of leadership. Rocklin, CA:
Prima Pub., 1998.
27 BLACKABY e BLACKABY, Spiritual leadership, p. 19.
28 VAN BRUMMELEN, H. Steppingstones to curriculum: A biblical path. 2ª ed. Colorado Springs,
CO: Purposeful Design, 2002, p. 77.
29 BLACKABY e BLACKABY, Spiritual leadership, p. 320.
30 REBORE, The ethics of educational leadership, p. 318.
65
SOLANO PORTELA, NORMAS ÉTICAS PARA LÍDERES EDUCACIONAIS
ABSTRACT
This paper deals initially with the matter of discerning right and wrong
actions so that a correct path of leadership can be followed, and defends that
there are universal principles and values that must be followed and applied.
In the sequence, it presents four core ethical guidelines with principles for
educational leaders, selected from prescriptions provided by scholarly books,
journal articles and graduate lectures. The selection is based on the author’s
own experience and subjective apprehension of importance, taking into
consideration time-tested biblical injunctions and wisdom sayings that have
formed the core of the long-lasting Judeo-Christian culture. It then discusses
the following four ethical guidelines or areas of concern: (1) honesty, integrity
and purity; (2) proper communication management; (3) a right comprehension
of knowledge, truth and human development behavior; and (4) humility and
solidarity to those in need. Each guideline is explained and given its referen-
tial foundation. The purpose of this discussion is not only to record a personal
assessment, but to cause reflection about the utmost need that such guidelines
be followed and that their principles be thoroughly present in the lives and
actions of educational leaders.
KEYWORDS
Ethical principles; Leadership; Educational ethics; Christian educational
leaders; Right and wrong; Communication; Honesty; Integrity; Purity; Solidarity.
66
FIDES REFORMATA XXI, Nº 2 (2016): 67-96
RESUMO
O tratado de Jonathan Edwards sobre o livre arbítrio tem sido alvo de
debate recente quanto a ser ou não reformado em seu conteúdo. Avaliadas as
opiniões nesse debate, este artigo se propõe a resumir os pontos principais da
tradição reformada anterior a Edwards, além do contexto no qual ele escre-
veu o seu tratado, a fim de reunir informações suficientes para analisar a obra
desse teólogo e emitir uma opinião sobre o teor de sua antropologia. Ao final,
o autor suscita alguns argumentos de Edwards que podem ser utilizados em
debates hodiernos.
PALAVRAS-CHAVE
Teologia reformada; Jonathan Edwards; Livre arbítrio; Antropologia;
Compatibilismo; Determinismo; Arminianismo.
INTRODUÇÃO
No cenário brasileiro, Jonathan Edwards (1703-1758) é uma figura
popularmente conhecida como um avivalista1 ou por sua ênfase na glória de
1 Cf. LLOYD-JONES, D. M. Os puritanos: suas origens e seus sucessores. São Paulo: Publica-
ções Evangélicas Selecionadas, 1993, p. 354-377; PACKER, J.I. Entre os gigantes de Deus: uma visão
puritana da vida cristã. São José dos Campos, SP: Fiel, 2016, p. 513-543; MATOS, Alderi Souza de.
Jonathan Edwards: teólogo do coração e do intelecto. Fides Reformata 3:1 (jan.-jun. 1998): 72-87;
MATTOS, Luiz Roberto França de. Jonathan Edwards e o avivamento brasileiro. São Paulo: Cultura
Cristã, 2006; MCDERMOTT, Gerald R. 12 sinais da verdadeira espiritualidade: o Deus visível. São
Paulo: Vida Nova, 2011; LOGAN, Samuel T., Jr. Jonathan Edwards e o reavivamento dos anos de
67
HEBER CARLOS DE CAMPOS JÚNIOR, JONATHAN EDWARDS SOBRE A LIBERDADE HUMANA
1734-1735 em Northampton. In: LILLBACK, Peter (Org.), O calvinismo na prática: uma introdução
à herança reformada e protestante. São Paulo: Cultura Cristã, 2011, p. 169-204; FERREIRA, Franklin.
Pastorado, erudição e avivamento em Jonathan Edwards. Fé para Hoje 37 (jul. 2012): 5-12; SANTOS,
Gilson. Avivamento: as perspectivas de Jonathan Edwards e Charles Finney. Fé para Hoje 37 (jul. 2012):
13-24. Para as obras de Edwards em português que tratam de avivamento, além do famoso sermão pre-
gado durante o Primeiro Grande Despertamento, “Pecadores nas mãos de um Deus irado”, que possui
múltiplas versões em português, temos A genuína experiência espiritual. São Paulo: PES, 1991; A ver-
dadeira obra do Espírito: sinais de autenticidade. 2ª ed. São Paulo: Vida Nova, 2010; Uma fé mais forte
do que as emoções. Brasília: Palavra, 2008; A busca do avivamento. São Paulo: Cultura Cristã, 2010.
2 Cf. PIPER, John. A paixão de Deus por sua glória: vivendo a visão de Jonathan Edwards. São
Paulo: Cultura Cristã, 2008; PIPER, John e TAYLOR, Justin (Orgs.). Fascinado pela glória de Deus.
São Paulo: Cultura Cristã, 2011; LAWSON, Steven. As firmes resoluções de Jonathan Edwards. São
José dos Campos, SP: Fiel, 2010; BEEKE, Joel. Como Jonathan Edwards chegou a amar a soberania de
Deus. Fé para Hoje 37 (jul. 2012): 25-30.
3 De obras traduzidas do inglês, temos tratativas como a de SPROUL, R. C., Sola gratia: a
controvérsia sobre o livre-arbítrio na história. São Paulo: Cultura Cristã, 2001, p. 170-184; STORMS,
Sam, A vontade: acorrentada, mas ainda livre (o livre-arbítrio). In: PIPER, John e TAYLOR, Justin
(Orgs.), Fascinado pela glória de Deus: o legado de Jonathan Edwards. São Paulo: Cultura Cristã, 2011,
p. 173-189. Para publicações introdutórias de autores brasileiros, ver: CAMPOS, Heber Carlos de. O
ambiente teológico arminiano nos dias de Edwards. Fé para Hoje 37 (jul. 2012), p. 51-60; CASTELO,
Paulo Afonso Nascimento. Jonathan Edwards e o livre-arbítrio: uma breve análise de seus principais
conceitos e controvérsias. Fides Reformata XVIII-2 (2013), p. 65-74; ALEXANDRINO, Alan Renêe.
A influência filosófica de John Locke sobre Jonathan Edwards: uma breve incursão histórica. Revista
Teologia Brasileira 42 (2015). Disponível em: http://www.teologiabrasileira. com.br/teologiadet.
asp?codigo=455. Acesso em: 3 nov. 2016.
4 Na literatura, o nome abreviado utilizado para essa obra é Freedom of the Will.
5 Paul Ramsey chega a dizer que esse livro é suficiente para se considerar Edwards o maior
“filósofo-teólogo” da história americana. RAMSEY, Paul (Org.). Editor´s introduction. The Works of
Jonathan Edwards. Vol. 1: Freedom of the Will. New Haven, CT: Yale University Press, 1957, p. 2.
Daqui em diante, nos referiremos a essa coleção das obras de Edwards pela Universidade de Yale pela
sigla WJE, acompanhada do número do volume e da página (e.g., WJE 1:152). George Marsden faz
coro com outros estudiosos dizendo que antes da Guerra Civil não houve teólogo tão filosoficamente
forte como Edwards e que desde a Guerra Civil surgiram muitos bons filósofos nos Estados Unidos,
mas ninguém que era primordialmente um teólogo como Edwards. MARSDEN, George M. Jonathan
Edwards: A Life. New Haven, CT: Yale University Press, 2003, p. 446.
68
FIDES REFORMATA XXI, Nº 2 (2016): 67-96
colonial como na Escócia. Allen Guelzo, em seu livro Edwards on The Will,
conta a história de um século de debate teológico americano em torno do tema
sobre o qual o livro de Edwards era a referência para se concordar ou discordar.6
E. Brooks Holifield afirma que esse livro despertaria várias refutações e revi-
sões ao longo do século 19.7 A quantidade de livros e artigos em língua inglesa
sobre essa obra é por demais extensa para ser referendada neste pequeno ensaio.
No entanto, existe um debate específico sobre quão reformada é a doutrina
de Edwards, debate esse que tem sido ressuscitado em tempos recentes.8 Autores
como R. C. Sproul9 e C. Samuel Storms10 são apreciadores da obra de Edwards e
o enxergam em sintonia com a tradição reformada anterior quanto à doutrina da
liberdade humana. Em contrapartida, autores como Richard A. Muller11 e Philip
Fisk12 veem Edwards divergindo da tradição reformada nessa mesma doutrina.
6 GUELZO, Allen C. Edwards on the Will: A Century of American Theological Debate. The
Jonathan Edwards Classic Studies Series. Eugene, Oregon: Wipf & Stock, 2007.
7 HOLIFIELD, E. Brooks. Theology in America: Christian Thought from the Age of the Puritans
to the Civil War. New Haven: Yale University Press, 2003, p. 120.
8 O debate mais antigo apresenta nomes como o historiador William Cunningham e o teólogo
sistemático B. B. Warfield, que defendem Edwards como reformado em seu entendimento do livre-
-arbítrio contra outros que pensavam que Edwards teria se desviado da fé reformada. Cf. CUNNINGHAM,
William. The Reformers; and the Theology of the Reformation. Edimburgo: T&T Clark, 1862, p. 471-524;
WARFIELD, Benjamin Breckinridge. “Edwards and the New England Theology”. In: Studies in Theology.
Edimburgo: Banner of Truth, 1988, p. 515-538.
9 Para distanciar Jonathan Edwards de “determinismos” recentes, Sproul afirma que ele defendia a
“autodeterminação, que é a essência da volição humana”. SPROUL, Sola gratia, p. 176. Mas essa lingua-
gem pode confundir, já que Edwards quer combater a posição arminiana de “autodeterminação”. Sproul
cita WJE 1:141 para dizer que Edwards defende que a vontade é tanto determinada quanto determinante
(em aspectos e momentos diferentes), mas Edwards não endossa essa dicotomia no texto em questão.
Afinal, a expressão “poder autodeterminante” é usada por ele como posição arminiana mais adiante no
texto (WJE 1:164). Mais adiante no artigo, ficará claro como alguns reformados do século 17 falavam de
um aspecto em que a vontade é “autodeterminante”, embora o próprio Edwards julgasse essa terminologia
“arminiana”. Esse argumento de Sproul ilustra como ele quer apresentar Edwards o mais sintonizado
possível com a tradição reformada, ainda que, às vezes, por intermédio de uma leitura pouco cuidadosa.
10 A despeito de discordar da interpretação que Edwards apresenta para o pecado de Adão, Storms
aprecia sua explicação da liberdade humana e a conecta com a teologia de João Calvino. STORMS, A
vontade: acorrentada, mas ainda livre (o livre-arbítrio), p. 180. Para uma análise mais delongada do pen-
samento de Edwards sobre o livre-arbítrio, ver: STORMS, C. Samuel. Jonathan Edwards on the Freedom
of the Will. Trinity Journal vol. 3, NS (1982), p. 131-169. Nesse artigo, Storms cita com aprovação a
frase de Warfield que diz que a doutrina de Edwards é “calvinismo ‘padrão’ na sua totalidade” (p. 132).
11 MULLER, Richard A. Jonathan Edwards and the Absence of Free Choice: A Parting of Ways in
the Reformed Tradition. In: Jonathan Edwards Studies vol. 1, no. 1 (2011), p. 3-22; MULLER, Richard
A. Jonathan Edwards and Francis Turretin on Necessity, Contingency, and Freedom of Will. In Response
to Paul Helm. In: Jonathan Edwards Studies vol. 4, n. 3 (2014), p. 266-285.
12 FISK, Philip J. Jonathan Edwards’s Turn from the Classic-Reformed Tradition of Freedom of
the Will. New Directions in Jonathan Edwards Studies 2. Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 2016.
Fisk acredita que os debates e os cursos em Harvard e Yale no início do século 18 já demonstravam uma
mudança de paradigmas à medida que um dos materiais possivelmente utilizados por Edwards (anotações
de Charles Morton) teria modificado os conceitos da tradição representados por Adriaan Heereboord.
69
HEBER CARLOS DE CAMPOS JÚNIOR, JONATHAN EDWARDS SOBRE A LIBERDADE HUMANA
Fisk defende que as definições de Edwards não refletem as nuanças das distinções feitas pela ortodoxia
reformada, como “contingência” ou “necessidade”, já que Edwards adaptou os princípios de Isaac Newton
sobre movimento e ação, criando assim uma visão mecanicista de necessidade moral. Embora a conexão
com Newton não seja original, é preciso ter cuidado em concluir que conexões com pensadores dos seus
dias seja sinônimo de desvio da tradição. Afinal, vários puritanos preferiram a filosofia pedagógica de Petrus
Ramus em lugar do aristotelismo vigente na educação da época, e nem por isso se desviaram da tradição.
13 HELM, Paul. Jonathan Edwards and the Parting of the Ways? In: Jonathan Edwards Studies
vol. 4, n. 1 (2014), p. 42-60; HELM, Paul. Turretin and Edwards once more. In: Jonathan Edwards
Studies vol. 4, n. 3 (2014), p. 286-296. Helm acredita que a teologia de Edwards sobre a liberdade do
homem está teologicamente em consonância com Calvino e a Ortodoxia Reformada, embora seu método,
estilo e ênfase tenham sido diferentes. Ele não utiliza um estilo mais retórico de persuasão humanista
que Calvino usa nas Institutas, pois o estilo de Edwards é bem típico do século 18. Ele também utiliza
poucas distinções escolásticas do período da pós-Reforma. Ver: HELM, Paul. A Different Kind of
Calvinism? Edwardsianism Compared with Older Forms of Reformed Thought. In: CRISP, Oliver D. e
SWEENEY, Douglas A. (Orgs.). After Jonathan Edwards: The Courses of the New England Theology.
Oxford: Oxford University Press, 2012, p. 91-103.
14 McDermott chama Edwards de um calvinista “desenvolvimentista”, no sentido de defender
a tradição com novas formas. Ele acredita que Edwards desenvolveu a doutrina “dentro de linhas re-
formadas”, mas com seu próprio toque. MCCLYMOND, Michael J. e MCDERMOTT, Gerald R. The
Theology of Jonathan Edwards. Oxford: Oxford University Press, 2011, p. 356, 663-664, 666.
15 GUELZO, Edwards on the Will, p. 4-6. Não é que a discussão entre intelectualistas ou volunta-
ristas seja sem propósito. É possível discutir a funcionalidade das faculdades na tomada de decisão para
compreender melhor todo o processo. No entanto, esse paradigma não é útil para escolher a liberdade da
vontade ou do arbítrio; isto é, é possível ter arminianos intelectualistas e reformados intelectualistas, é
possível ter arminianos voluntaristas e reformados voluntaristas. McDermott segue a distinção de Guelzo,
mas acaba por comprovar como o processamento da decisão não determina a teologia de alguém quando
coloca François Turretini, Gisbertus Voetius e Peter Van Mastricht no grupo dos intelectualistas e Agos-
tinho, William Ames e Jonathan Edwards no grupo dos voluntaristas. MCCLYMOND e MCDERMOTT,
The Theology of Jonathan Edwards, p. 340.
16 WAINWRIGHT, William. Jonathan Edwards. In: Stanford Encyclopedia of Philosophy. Dispo-
nível em: http://plato.stanford.edu/entries/edwards/. Acesso em: 3 mar. 2016. Guelzo também apresenta
paradigmas contemporâneos anacrônicos para avaliar Jonathan Edwards, como o de determinismo suave,
libertarianismo e determinismo rígido. GUELZO, Edwards on the Will, p. 7-8.
70
FIDES REFORMATA XXI, Nº 2 (2016): 67-96
1. O DEBATE NA ACADEMIA
Richard Muller e Paul Helm escreveram dois artigos cada um, descreven-
do a doutrina de Jonathan Edwards sobre a liberdade do homem em comparação
com a tradição reformada que o antecedeu. Tais artigos foram publicados no
periódico Jonathan Edwards Studies e ilustram as complexidades de conside-
rar alguém dentro ou fora de uma tradição teológica. Seus argumentos serão
resumidos para suscitar questionamentos que precisam ser respondidos nesse
debate. Ao invés de seguir a ordem alternada dos artigos, os dois artigos de
Muller serão tratados primeiro por ele ter suscitado a reação de Helm.
Richard Muller argumenta que um desvio da tradição no tema da liberdade
humana aconteceu ainda no século 18 e que Jonathan Edwards faz parte dessa
mudança de rota. Muller referenda os estudos anteriores que demonstraram
que a argumentação de Edwards está mais sintonizada com Thomas Hobbes
(um materialista sem confissão religiosa) e John Locke (de tendência armi-
niana) do que com a tradição reformada anterior.17 Sua inovação, porém, está
em examinar dois debates sobre o “calvinismo” da doutrina de Edwards que
aconteceram em solo inglês (um no final do século 18 e outro em meados do
século 19), nos quais, em ambos os casos, os dois lados da questão concorda-
ram com os antecedentes filosóficos do pensamento de Edwards e chegaram
a conclusões distintas sobre quão reformada era a sua doutrina.18 Em outras
palavras, eles concordaram que Edwards defendia um determinismo filosófico,
mas discordam se isso estava em consonância com o calvinismo histórico.
Muller argumenta que enquanto alguns teólogos do final do período da
Ortodoxia Reformada – John Edwards e John Gill – ainda mantinham a distin-
ção clássica entre vontade (voluntas) e escolha (arbitrium), Jonathan Edwards
sustentou um argumento racionalista de que devemos falar de liberdade da
pessoa (não de uma faculdade da alma) e de que o arbítrio é determinado.19
17 MULLER, Jonathan Edwards and the Absence of Free Choice, p. 4, 17; MULLER, Jonathan
Edwards and Francis Turretin on Necessity, Contingency, and Freedom of Will, p. 267-270.
18 MULLER, Jonathan Edwards and the Absence of Free Choice, p. 5.
19 Ibid., p. 11.
71
HEBER CARLOS DE CAMPOS JÚNIOR, JONATHAN EDWARDS SOBRE A LIBERDADE HUMANA
20 Ibid., p. 13.
21 MULLER, Jonathan Edwards and Francis Turretin on Necessity, Contingency, and Freedom
of Will, p. 278.
22 Ibid., p. 282.
23 Ibid., p. 274.
24 MULLER, Jonathan Edwards and the Absence of Free Choice, p. 12.
25 MULLER, Jonathan Edwards and Francis Turretin on Necessity, Contingency, and Freedom
of Will, p. 272.
26 MULLER, Jonathan Edwards and the Absence of Free Choice, p. 14.
27 MULLER, Jonathan Edwards and Francis Turretin on Necessity, Contingency, and Freedom
of Will, p. 273.
28 MULLER, Jonathan Edwards and the Absence of Free Choice, p. 15.
72
FIDES REFORMATA XXI, Nº 2 (2016): 67-96
potencialidade primeira (in actu primo), está livre não só por ser espontânea
e não coagida (o que Edwards afirmava), mas também porque na sua raiz há
uma indiferença que permite que ela tenha liberdade de contrariedade (esco-
lher objetos opostos) e liberdade de contradição (escolher ou não escolher).29
Isto é, existe uma potencialidade primeira da vontade em direção a múltiplos
efeitos.30 Enquanto a vontade está passiva, ela pode tanto desejar A como não
desejar A. Num segundo momento (in actu secundo), tendo desejado A, A se
torna uma necessidade da consequência, com a qual Deus concorreu por seu
decreto eterno, embora Deus pudesse ter escolhido não realizar a escolha de A
(entra na esfera dos mundos possíveis). Porém, o fato de Deus concorrer para
essa escolha de A não cancela a capacidade do indivíduo de não desejar A, que
permanece na vontade conforme sua potencialidade primeira (in actu primo).31
Muller conclui dizendo que o abandono das distinções entre causalidade
primária e secundária, entre causalidade formal e final, entre necessidade e
contingência, e a livre escolha como uma espécie de contingência, por parte de
Edwards e daqueles que o seguiram, é que conduziu a teologia reformada a ter
a “reputação de ser uma forma de determinismo ou compatibilismo”, e não a
teologia que vai de Calvino a Turretini e Van Mastricht.32 Ainda que Edwards
apreciasse a teologia do século 17, ele abandonou a filosofia cristã aristotélica
da antiga ortodoxia e tomou um caminho filosófico bem diferente.33 Embora
Muller acredite que os termos “libertário” ou “compatibilista” não sejam des-
critivos do debate sobre causalidade divina e humana nos séculos 16 e 17,34
houve uma transição no entendimento desse assunto que lhe permitiu chamar
a posição de Edwards e seus sucessores de “compatibilista”.35
Paul Helm, em contrapartida, se considera um compatibilista e vê tal ex-
plicação em continuidade não só com Edwards, mas com a teologia reformada
anterior. Ele acredita que Edwards acrescentou argumentos não-escolásticos a
favor da posição compatibilista, mas que estão em consonância com a ortodoxia
29 Ibid., p. 19; MULLER, Jonathan Edwards and Francis Turretin on Necessity, Contingency, and
Freedom of Will, p. 280.
30 MULLER, Jonathan Edwards and the Absence of Free Choice, p. 20-21.
31 MULLER, Jonathan Edwards and Francis Turretin on Necessity, Contingency, and Freedom
of Will, p. 275-276.
32 MULLER, Jonathan Edwards and the Absence of Free Choice, p. 21; MULLER, Jonathan
Edwards and Francis Turretin on Necessity, Contingency, and Freedom of Will, p. 271.
33 MULLER, Jonathan Edwards and Francis Turretin on Necessity, Contingency, and Freedom
of Will, p. 271.
34 Para Richard Muller, a ortodoxia reformada do século 17 oferece um entendimento mais amplo
de livre escolha do que o “compatibilismo” moderno, mas também sustenta a causalidade primária de
Deus em todas as coisas e seu conhecimento prévio de contingências futuras em franco contraste com
o “libertarismo” contemporâneo. MULLER, Jonathan Edwards and Francis Turretin on Necessity,
Contingency, and Freedom of Will, p. 284.
35 Ibid., p. 267.
73
HEBER CARLOS DE CAMPOS JÚNIOR, JONATHAN EDWARDS SOBRE A LIBERDADE HUMANA
reformada.36 A conclusão a que Helm quer chegar é que ele concorda com grande
parte do que Muller pensa sobre Edwards, mas difere significativamente na lei-
tura que Muller faz de Turretini separando-o do pensamento de Edwards.37 Helm
tenta provar essa continuidade entre ambos analisando tanto o posicionamento
reformado contra o sentido de “indiferença” defendido pelos jesuítas, quanto o
que Turretini tem a dizer sobre “necessidade” e o critério para responsabilidade.
O jesuíta Luís de Molina defendia que uma vez que “todas as coisas re-
queridas para a ação” estivessem em seu lugar (tanto divinas quanto humanas),
o agente poderia tanto escolher A, como não escolher A, como escolher B (in-
diferença no sentido composto). Para os jesuítas é essencial que a vontade seja
indiferente em todos os momentos do processo de escolha, inclusive quando
todos os requisitos estiverem operando para a decisão (divinos e humanos).38
Mas enquanto a soberania divina para Molina é apenas uma concorrência geral
de Deus, para a ortodoxia reformada uma das coisas requeridas é o “decreto
particular” de que uma das três escolhas (A, não A, ou B) seja a escolhida. Para o
reformado, o decreto de Deus torna necessário (por uma necessidade hipotética)
que um dos três seja escolhido. Trata-se, contudo, de uma “livre necessidade”.39
O decreto divino é secreto para o agente humano, e qual das três possibilidades
está decretada não lhe é revelada antes de o agente tomar sua decisão.40 Helm
parece apresentar as contingências como epistemológicas antes que ontológicas.41
Helm questiona a tese de Muller de que em Turretini há uma “interação”
entre intelecto e vontade. Para o escolástico, diz Helm, a vontade responde ao
intelecto, mas nunca é dito que o intelecto responde à vontade.42 Helm chama
esse processo de “necessidade racional”.43 Para ele, tal explicação não elimina
a contingência:
74
FIDES REFORMATA XXI, Nº 2 (2016): 67-96
45 Ibid., p. 53.
46 Ibid., p. 53-54.
47 Entretanto, em outro texto Paul Helm afirma que a ênfase num princípio metafísico abrangente
de causalidade se dá por causa de seu “ocasionalismo” – o conceito de que Deus cria a realidade a todo
instante –, mais desenvolvido em sua obra sobre o pecado original. HELM, A Different Kind of Calvinism?
Edwardsianism Compared with Older Forms of Reformed Thought, p. 100-101, 103.
48 HELM, Jonathan Edwards and the Parting of the Ways?, p. 55-56.
49 HELM, Turretin and Edwards once more, p. 288.
50 HELM, Jonathan Edwards and the Parting of the Ways?, p. 57.
51 Ibid., p. 59.
52 Ibid., p. 60.
75
HEBER CARLOS DE CAMPOS JÚNIOR, JONATHAN EDWARDS SOBRE A LIBERDADE HUMANA
76
FIDES REFORMATA XXI, Nº 2 (2016): 67-96
57 Um exemplo clássico é o livro de Thomas Boston, Human Nature in its Fourfold State (A Na-
tureza Humana em seu Estado Quádruplo), originalmente publicado em 1720.
58 MULLER, Richard A. Dictionary of Latin and Greek Theological Terms drawn principally
from Protestant Scholastic Theology. Grand Rapids: Baker, 1985, p. 330.
59 GUELZO, Edwards on the Will, p. 10.
77
HEBER CARLOS DE CAMPOS JÚNIOR, JONATHAN EDWARDS SOBRE A LIBERDADE HUMANA
60 MULLER, Dictionary of Latin and Greek Theological Terms, p. 177. Esse conceito está presente
em seu tratado Nascido Escravo.
61 Cf. TURRETINI, François. Compêndio de Teologia Apologética. 3 vols. São Paulo: Cultura
Cristã, 2011.
62 Em carta a um de seus pupilos, Joseph Bellamy, Edwards exalta o valor de François Turretini
e principalmente de Peter Van Mastricht, outro escolástico que publicou sua obra magna no início do
século 18 (WJE 16:216-218).
63 VAN ASSELT, Willem J.; BAC, J. Martin e TE VELDE, Roelf T. (Orgs.), Reformed Thought on
Freedom: The Concept of Free Choice in Early Modern Reformed Theology. Grand Rapids, MI: Baker,
2010, p. 172.
64 TURRETINI, Compêndio de Teologia Apologética, vol. 1, X.i.4 (p. 818).
65 Ibid., vol. 1, X.ii.5 (p. 820-821).
78
FIDES REFORMATA XXI, Nº 2 (2016): 67-96
ainda assim optar pelo que condena (exemplo de Adão no Éden), mas nunca
pode ir contra o último juízo.66 Isto é, há uma complexa relação de primeiros
juízos e últimos juízos realizados pelo intelecto na qual ele é influenciado pela
vontade, e a vontade é livre para rejeitar os primeiros juízos, mas obrigada a
optar pelo que o intelecto resolve por último. Nenhuma faculdade está imune
à influência da outra. Nesse sentido, Turretini parece admitir mais interação
do que Helm admite haver.
Um segundo ponto estabelecido por Turretini é que liberdade não é
sinônimo de indiferença.67 Ele discorda de que a essência da liberdade seja a
indiferença, como defendem jesuítas, socinianos e remonstrantes.68 Indiferença
seria equivalente à vontade tanto poder agir como poder não agir mesmo diante
do decreto de Deus (em termos modernos, seria “autonomia”) e do juízo da
mente (em termos modernos, seria “neutralidade”). Em contrapartida, Turretini
discorre sobre como a vontade não age à parte da determinação da providên-
cia divina (extrínseca) ou do juízo do intelecto (intrínseca). Ele acredita que
a essência da liberdade está em sua “disposição racional”, ou espontaneidade
racional.69 Isto é, o ser humano sempre faz o que deseja, por intermédio de um
prévio juízo da razão.70
Essa liberdade de indiferença proposta por oponentes da fé reformada não
existe sequer em Deus – que é livre, mas necessariamente santo –, nem mesmo
nos anjos – que adoram a Deus com a maior disposição, mas o fazem por serem
necessariamente determinados ao bem –, nem mesmo nos demônios e répro-
79
HEBER CARLOS DE CAMPOS JÚNIOR, JONATHAN EDWARDS SOBRE A LIBERDADE HUMANA
bos – que pecam livremente, mas não conseguem não pecar.71 O conceito de
liberdade de indiferença cria vários problemas para se conciliar com a ideia
de orar pela nossa santidade ou com as promessas de Deus de nos santificar.
Pois se a vontade é indiferente, isto é, autônoma, Deus não consegue realizar
o que prometeu.72 Também não há indiferença no sentido de “equilíbrio”, de
indiferença moral, para qualquer criatura racional.73 Sempre há uma inclinação
dominante. A volição sempre acompanha a disposição suprema. Isto é, não
é possível não buscarmos o bem maior, pois ninguém deseja ser miserável.74
Em terceiro lugar, podemos observar como a liberdade é compatível com
alguns tipos de necessidade. Turretini interage com distinções medievais de
liberdade (Bernardo de Claraval e Pedro Lombardo) fazendo ainda mais dis-
tinções sobre “necessidade” para esclarecer a discussão. Ele faz uma sêxtupla
distinção: necessidade de coação (quando compelido por um agente externo),
necessidade física (que provém de impulso ou instinto), necessidade de depen-
dência de Deus (estar sob o governo da providência), necessidade de juízo do
intelecto prático (e.g., cobrir-se quando se está com frio), necessidade moral
de escravidão a hábitos, sejam eles bons ou maus, e necessidade da existên-
cia.75 As duas primeiras necessidades são incompatíveis com o livre arbítrio,
pois a primeira tira a disposição da vontade enquanto que a segunda elimina a
escolha do intelecto. Nesses dois pontos há concordância entre os reformados
e seus adversários.76 Contudo, o livre arbítrio não está livre das outras quatro
necessidades, sendo compatível com elas.
Vejamos como elas são compatíveis. Quanto à terceira necessidade, o
livre arbítrio pressupõe a dependência de Deus, do contrário a presciência de
Deus seria enganada e os decretos de Deus modificados.77 Quanto à quarta ne-
cessidade, ele acompanha a determinação do intelecto prático, pois o intelecto
sempre escolhe o que lhe parece melhor. O mal não é buscado como algo mau,
mas como algo que lhe parece bom.78 Quanto à quinta necessidade, o livre arbí-
trio não é isento de necessidade moral, pois agimos servilmente em relação aos
nossos hábitos. Por isso o homem natural é descrito como escravo do pecado,
embora ele peque livremente. Isto é, ele segue inclinações e apetites.79 Quanto
80
FIDES REFORMATA XXI, Nº 2 (2016): 67-96
81
HEBER CARLOS DE CAMPOS JÚNIOR, JONATHAN EDWARDS SOBRE A LIBERDADE HUMANA
89 Ibid.
90 Ibid., p. 245.
91 Ibid., p. 242-243.
92 Ibid., p. 245.
82
FIDES REFORMATA XXI, Nº 2 (2016): 67-96
a premoção física para agir é nada mais que o poder aplicado de Deus que
desperta a criatura que tem uma potência para o segundo ato... Ela é chamada
precursus ou premoção no que tange a Deus no primeiro momento estrutural
[i.e. causal, não cronológico] que nos move e desperta o mesmo poder (virtus)
que, em virtude do seu poder (vis) preservador, existe em nós... Ela é chamada
concursus no que tange a acompanhar a nossa ação e realizar o efeito como
primeira causa universal.96
Voetius acredita que a moção divina, que é causalmente primeira, não anula
o poder que temos de escolher o que queremos, ainda que, em última análise,
seja exatamente o que Deus ordenou. Ele diz que “a predeterminação move a
vontade docemente e, ao mesmo tempo, fortemente para aquele determinado
fim”.97 Esse é o sentido em que Voetius acredita que Deus é a causa eficiente de
atos dessa faculdade, mas nunca é a causa formal, do contrário seria a vontade
de Deus agindo. Então a vontade humana é autora de seus próprios atos (e.g.,
Ciro em Esdras 1.1).98
Tal panorama da tradição reformada anterior a Jonathan Edwards permite
uma análise mais cuidadosa dos argumentos do teólogo americano para consta-
tar se há um teor reformado em seu ensinamento. Porém, antes de analisar sua
obra, é necessário levantar alguns aspectos do contexto social e teológico no
qual Edwards escreveu, a fim de ressaltar ainda mais o propósito de sua escrita.
93 Ibid., p. 241.
94 Ibid., p. 245.
95 VAN ASSELT et al., Reformed Thought on Freedom, p. 149.
96 Ibid., p. 151.
97 Ibid.
98 Ibid., p. 149-150.
83
HEBER CARLOS DE CAMPOS JÚNIOR, JONATHAN EDWARDS SOBRE A LIBERDADE HUMANA
84
FIDES REFORMATA XXI, Nº 2 (2016): 67-96
Seu ensino de que a graça de Deus pode ser resistida abriu o caminho para uma
ênfase crescente sobre o ético e o humano entre arminianos posteriores. Isso se
transformou rapidamente em pelagianismo, que foca mais no exemplo de Cristo
do que na sua obra expiatória, e [desemboca] no deísmo ou religião natural, no
qual o ético e o humano ganham completa ascendência.105
85
HEBER CARLOS DE CAMPOS JÚNIOR, JONATHAN EDWARDS SOBRE A LIBERDADE HUMANA
Isaac Watts, embora próximo dos calvinistas em vários aspectos – assim, não
merece ser chamado de arminiano – na questão da liberdade concorda com
os arminianos.110 Portanto, o termo “arminiano” é um termo abrangente para
um conjunto de ideias relacionadas ao conceito de liberdade humana autode-
terminada.111
Thomas Chubb (1679-1747) era um artesão que virara filósofo. McCly-
mond e McDermott o chamam de deísta,112 mas Guelzo prefere designá-lo
como um unitarista, alguém que enxergava o cristianismo como corrompido,
não como errado. Deus não é responsável pela existência do mal, pois esta é
ocasionada por agentes livres. Motivos não são causas de ação, mas ocasiões
para o exercício de um poder automotor.113
Daniel Whitby (1638-1726) era um sacerdote anglicano que no final da vida
se tornou unitário. Ele cria que se Deus fosse manipulador de vontades humanas,
a moralidade seria vã. Sua proposta de funcionamento da vontade lhe dava
margem para dispensar a necessidade da graça na conversão. Guelzo discorda
da colocação de Sereno Dwight, bisneto de Edwards, de que Whitby era o seu
principal antagonista, pois Edwards gasta menos páginas com Whitby do que
com os outros oponentes.114
Isaac Watts (1674-1748), que Edwards não cita pelo nome, mas por sua
obra, era um dissidente com simpatias pelo calvinismo, por ser filósofo eclético,
mas que no final da vida também se inclinou para o unitarismo ao ler Samuel
Clarke sobre a trindade.115 Esses três personagens exerciam influência não só
na Inglaterra, mas também na Nova Inglaterra.116 Stephen Nichols afirma que
mais perto de Edwards, líderes eclesiásticos como Charles Chauncy e o presi-
dente de Harvard John Leverett eram proponentes de princípios arminianos e
influenciavam as igrejas congregacionais da Nova Inglaterra.117
86
FIDES REFORMATA XXI, Nº 2 (2016): 67-96
118 Em inglês, os termos que ele usa são “vulgar” ou “common”, no sentido de “próprio do povo”.
WJE 1:139, 148, 149, 150, 151, 155, 159, 161, 164, 181, 307, 343, 346, 348, 357, 363, 429, etc.
119 MARSDEN, Jonathan Edwards, p. 440.
120 HELM, A Different Kind of Calvinism? Edwardsianism Compared with Older Forms of
Reformed Thought, p. 99.
87
HEBER CARLOS DE CAMPOS JÚNIOR, JONATHAN EDWARDS SOBRE A LIBERDADE HUMANA
4.1 Definições
Edwards lida com a palavra “will” não como o ato de fazer uma escolha
(arbitrium), mas como uma das faculdades da alma (voluntas) em distinção do
entendimento (intellectus).121 Portanto, pensando nas categorias escolásticas dos
livros que Edwards lia, a expressão “free will” seria melhor traduzida como “li-
vre vontade” antes que “livre arbítrio”. Ele define a natureza da vontade assim:
88
FIDES REFORMATA XXI, Nº 2 (2016): 67-96
presente e a miséria futura, talvez ele prefira o prazer momentâneo. Mas ainda
que escolha abster-se, ele optou por aquilo que lhe pareceu melhor.126
Sproul faz ponderações equilibradas quando diz que tais motivos acom-
panham as oscilações de diferentes momentos. Ele comenta que Edwards
[...] sustenta que um homem nunca escolhe de forma contrária à sua vontade.
Isso significa que o homem sempre age de acordo com o seu desejo. Edwards
indica que o fator determinante em cada escolha é o “motivo mais forte” pre-
sente no momento.127
89
HEBER CARLOS DE CAMPOS JÚNIOR, JONATHAN EDWARDS SOBRE A LIBERDADE HUMANA
90
FIDES REFORMATA XXI, Nº 2 (2016): 67-96
ou do homem muito mau que é incapaz de ser benevolente para com o seu
inimigo ou desejar sua prosperidade.135
Edwards não está dizendo que a mulher casta é fisicamente incapaz de
prostituição, ou que o homem lascivo é fisicamente incapaz de refrear-se, ou
que um homem violento não possa frear a sua mão para não bater, ou que um
beberrão seja incapaz de abster-se de uma bebida.136 Se assim o fosse, eles
seriam naturalmente incapazes. Entretanto, Edwards está preparando o seu
argumento para dizer que as pessoas que agem pecaminosamente pela força de
seus impulsos (inabilidade moral), não o fazem por causa de alguma impossi-
bilidade natural de fazer o bem. Paul Ramsey diz que essa distinção é útil para
ensinar aos contemporâneos a diferença entre “determinismo” e “compulsão”.137
Na quinta e última seção da primeira parte, Edwards escreve sobre o que é
liberdade e agência moral. Ele afirma que liberdade não é atributo da vontade,
mas do agente. Não é a vontade que tem o poder de escolha, mas é o homem
que tem o poder de volição.138 Muller está correto em dizer que Edwards ig-
nora a distinção entre voluntas e arbitrium, mas o seu objetivo é construir o
argumento para falar da responsabilidade que nós temos como agente morais.
Ele sabe que a liberdade humana é livre de coação e de restrição,139
equivalentes às duas necessidades incompatíveis com a liberdade humana
em Turretini. Mas esse não é o sentido de liberdade defendido por “armi-
nianos” e “pelagianos”. Estes grupos falam que a liberdade consiste em
três coisas: a) um “poder autodeterminante” pelo qual a vontade é soberana
sobre si mesma; b) uma indiferença prévia ao ato da volição num estado de
equilíbrio; c) contingência como oposta a todo tipo de necessidade.140 Porém,
como Edwards rejeita esses componentes arminianos da liberdade humana,
ele prepara o conceito de sermos seres morais para, em partes subsequentes
do livro, argumentar porque nossas ações são dignas de louvor ou de culpa, de
recompensa ou de punição.
A preocupação de Edwards em gastar toda a primeira parte do tratado
com definições comprova a sua herança escolástica, ainda que ele se dê a
liberdade de fazer uso das tecnicalidades apenas quando necessário, pois seu
desejo é argumentar ao clérigo comum acerca dos conceitos necessários para
entender a liberdade humana.
135 WJE 1:160. George Marsden explica que até quem nega que a vontade é controlada pelo motivo
mais forte tem que concordar que às vezes um motivo pode ser tão forte que uma pessoa não consegue
superá-lo. Marsden entendeu que Edwards está usando exemplos prováveis de ação em conformidade
com a natureza para ilustrar necessidade moral. MARSDEN, Jonathan Edwards, p. 442.
136 WJE 1:162.
137 RAMSEY, Editor’s Introduction, WJE 1:37.
138 WJE 1:163.
139 WJE 1:164.
140 WJE 1:164-165.
91
HEBER CARLOS DE CAMPOS JÚNIOR, JONATHAN EDWARDS SOBRE A LIBERDADE HUMANA
A moção pode ser o próximo momento depois do repouso; mas não pode coe-
xistir com o mesmo, em qualquer parte, mesmo que seja a menor delas. Então
a escolha pode acontecer imediatamente após um estado de indiferença, mas
não pode coexistir com ele; até o próprio início dele não está num estado de
indiferença.146
141 WJE 1:172-173, 193-194. Guelzo explica dizendo que se a volição se apropria do motivo para
impulsionar a volição então surgem ainda mais contradições, pois a vontade não pode ser o agente e
o paciente ao mesmo tempo. Se há, porém, duas volições diferentes, então a primeira precisa ter um
motivo. GUELZO, Edwards on the Will, p. 58.
142 WJE 1:180-185.
143 WJE 1:186-202.
144 WJE 1:225-238.
145 WJE 1:164.
146 WJE 1:207.
92
FIDES REFORMATA XXI, Nº 2 (2016): 67-96
93
HEBER CARLOS DE CAMPOS JÚNIOR, JONATHAN EDWARDS SOBRE A LIBERDADE HUMANA
de Hobbes.153 Ainda assim, ele faz uma colocação típica de quem enxerga a
filosofia cética pela ótica da graça comum. Edwards afirma que nunca lera
Hobbes – isto é para escrever A Liberdade da Vontade, pois o nome de Hobbes
aparece nas Miscelâneas154 –, e que, mesmo assim, não se deve rejeitar a ver-
dade porque foi proferida por um homem mau.155
Quanto à acusação de tornar Deus o autor do mal, Edwards insistia que
o fato de Deus decretar um ato como pecaminoso não é o mesmo que decretar
que um ato seja pecaminoso. Deus decreta o ato pecaminoso pelo bem que
ele causará, enquanto que o homem o realiza pelo mal que ele intenta fazer.
Por exemplo, Deus decretou a crucificação de Cristo, mas até os arminianos
reconhecem os fins gloriosos desse ato mau.156
Em toda essa exposição resumida do pensamento de Edwards, é possível
constatar continuidade teológica com a tradição reformada anterior. Isso não
significa que Edwards está em perfeito acordo com a tradição anterior. Quando
ele tenta explicar o primeiro pecado de Adão, ele fala que esse pecado decorre
de uma “imperfeição que pertence propriamente a uma criatura”, para que Deus
não seja culpado de ser a causa positiva do mesmo.157 Sua lógica está em total
desacordo com a tradição reformada nesse quesito. Além de desacordo, ela de
fato não explica como o primeiro pecado surgiu, como Samuel Storms bem
destacou.158 No entanto, diferenças que tais não devem ser determinantes para
retirá-lo da tradição reformada. Até que ponto suas mudanças produziram um
desvio de rota na tradição que o seguiu (v.g., Teologia da Nova Inglaterra) é
tema de outro estudo que não pode ser contemplado neste artigo.
94
FIDES REFORMATA XXI, Nº 2 (2016): 67-96
Sproul está destacando que mesmo uma situação extrema não tira a nos-
sa escolha. Essa é a razão pela qual muitos cristãos perseguidos ao longo da
história sempre se viam protegidos em sua fé. Afinal, nenhum carrasco pode
necessariamente levá-lo a negar o que você crê.
Guelzo, porém, não entende assim. Ele é tão influenciado por catego-
rias modernas de personalidade, que julga que a descrição de Edwards sobre
a natureza humana é ingênua. Ele menciona psicanalistas que chamam de
“comportamento compulsivo” quando é inevitável que alguém faça algo.161
Mas será que o comportamento não é passível de mudança? E se não há mu-
dança de comportamento a não ser por medicação, isso não seria determinista?
Com todas as críticas que o calvinismo recebe quanto ao determinismo, não
se pode negar que ele não só assegura a liberdade de escolha no homem como
também oferece esperança de mudança comportamental naquele em quem
santos hábitos são desenvolvidos pelo Espírito.
A segunda lição a ser destacada é que a antropologia de Jonathan Edwards
prepara o terreno para aquilo que os reformados atuais dizem sobre inevita-
velmente seguirmos o nosso coração. “Seguir o coração” não significa um
emocionalismo que vai atrás de seus sonhos. A lição está em dizer que nunca
há neutralidade em qualquer uma de nossas escolhas. Elas sempre seguem
o ditame do nosso ser mais interior, comumente chamado “coração”. Em
outras palavras, nós somos o que amamos.162 Esse é o sentido em que Edwards
95
HEBER CARLOS DE CAMPOS JÚNIOR, JONATHAN EDWARDS SOBRE A LIBERDADE HUMANA
defendia que necessidade e liberdade não são incompatíveis. Se por um lado nós
sempre escolhemos segundo nossas inclinações mais fortes (necessidade),
nós sempre escolhemos exatamente o que queremos (liberdade).
Uma terceira lição está em reconhecer que a responsabilidade do homem
está associada à voluntariedade de suas escolhas, não à sua habilidade moral.
Edwards discorreu sobre pessoas que tinham inabilidade moral (cativos do
pecado), ainda que tivessem habilidade de escolher o que quisessem. Não
havia necessidade natural para se escolher o pecado (pois suas escolhas eram
livres), ainda que houvesse necessidade moral que conduzisse ao pecado. Essa
distinção ajuda na compreensão das categorias bíblicas de cativeiro do pecado
e juízo divino.
A quarta e última lição está em reconhecer que Edwards não é o único
de quem se pode aprender nessa história do debate sobre a liberdade humana.
A complexidade das distinções escolásticas entre os reformados do século 17
demonstra que há espaço para a teologia reformada moderna se desenvolver
a partir de distinções outrora esquecidas, inclusive por Edwards. É fato que
Edwards vivia um período de transição teológica. Mudanças de linguagem,
contudo, podem trazer pontos positivos e negativos. Positivos quando se
adaptam a um novo contexto que comunica ao público alvo; negativos quando
abandonam a precisão teológica a que chegaram os pensadores após séculos de
investigação. Como a tradição reformada é ampla e se apresenta de múltiplas
formas, vale ressaltar que a apropriação do que cada período tem de melhor
ajuda o pesquisador a se tornar versado em diferentes argumentos.
ABSTRACT
Jonathan Edwards’ treatise on free will has been the subject of recent debate
on whether its content is reformed or not. After evaluating the opinions in this
debate, the article summarizes the main emphases of the Reformed tradition
previous to Edwards, as well as the context in which Edwards wrote his treatise,
in order to gather sufficient information to analyze Edwards’ work and advance
an opinion about the tenor of his anthropology. In conclusion, the author raises
some of Edwards’ arguments that can be useful in current debates.
KEYWORDS
Reformed theology; Free will; Jonathan Edwards; Anthropology; Com-
patibilism; Determinism, Arminianism.
96
FIDES REFORMATA XXI, Nº 2 (2016): 97-123
RESUMO
Este artigo busca analisar o crescimento da igreja observando inicialmente
os perigos de assumir uma postura pragmática quanto a princípios e estratégias,
especialmente nos processos de revitalização de igrejas. Faz uma análise de
alguns autores do Movimento de Crescimento da Igreja, movimento esse que
tem ressurgido nos últimos anos buscando mesclar princípios das ciências so-
ciais com princípios bíblico-teológicos a favor de um crescimento numérico.
Por fim estabelece um ponto de partida para o diagnóstico da revitalização de
igrejas, evitando extremos que são perigosos em qualquer dimensão missionária
e em qualquer época da história da igreja.
PALAVRAS-CHAVE
Eclesiologia; Movimento de Crescimento da Igreja; Revitalização de
igrejas; Estratégias missionárias; Igrejas saudáveis.
INTRODUÇÃO
As propostas atualmente disponíveis na literatura acadêmica sobre cres-
cimento da igreja, especificamente sobre revitalização de igrejas, caminham
* O autor é bacharel em Teologia pelo Seminário Presbiteriano do Norte (Recife, 1987); em Direito
pela Faculdade de Direito do Vale do Rio Doce (Governador Valadares, 2006); mestre em Missiologia
(Teologia Pastoral) pelo Centro Evangélico de Missões (Viçosa, 2007); em Teologia Sistemática pela
Pontifícia Universidade Católica (São Paulo, 2016); doutor em Ministério pelo Seminário Teológico
Reformado – RTS/CPAJ (Jackson, EUA, 2009). É professor adjunto de teologia pastoral e coordenador
do Programa de Pós-Graduação em Revitalização e Multiplicação de Igrejas (RMI) no CPAJ. É o secre-
tário executivo do Plano Missionário Cooperativo (PMC-IPB) e pastor auxiliar da Igreja Presbiteriana
de Canoas (RS).
97
JEDEÍAS DE ALMEIDA DUARTE, OS PERIGOS DO MOVIMENTO DE CRESCIMENTO DA IGREJA (MCI)
em pelo menos três direções. A primeira busca resgatar princípios bíblicos que
normatizam a vida saudável de uma igreja local, organização missionária ou
denominação. Esses princípios possuem pressupostos e princípios teológicos
que buscam amparo nas Sagradas Escrituras e, assim, é possível encontrar
autores que vão desde o catolicismo romano até ramos bem específicos do
protestantismo. A ênfase assegurada nessa vertente é a saúde teológica de
uma igreja. Assim, ao se estudar sobre a revitalização de uma igreja, busca-se
analisá-la e aprová-la de acordo com os pressupostos ou princípios que podem
considerar uma igreja saudável sob o ponto de vista de uma vertente teológica.
Nesse sentido, duas perguntas podem brotar para o leitor: É possível estabe-
lecer uma única vertente para diagnosticar a saúde de uma igreja? Uma igreja
conforme uma perspectiva teológica terá necessariamente um crescimento
numérico seguro e por algumas gerações?
A segunda direção acolhe os princípios bíblicos; contudo, busca conectá-
-los com a prática diária e, assim, espera-se necessariamente um crescimento
numérico por algumas gerações. Em outras palavras, a saúde de uma igreja
local, organização missionária ou denominação deveria traduzir-se em cres-
cimento numérico. Princípios bíblicos somados a estratégia bíblica produzem
crescimento numérico. Também é possível levantar perguntas para esse grupo:
Por que algumas igrejas aplicam os princípios bíblicos e as estratégias derivadas
desses princípios e não crescem numericamente? Por que alguns grupos crescem
sem que haja uma ação proativa em prol do crescimento? A terceira direção
aponta esse crescimento espontâneo independente de proatividade segundo
alguns princípios ou estratégias. Assim, sem um rol especifico de princípios
aplicados ou estratégias utilizadas, algumas igrejas crescem por gerações e
sobrevivem aos dilúvios culturais, de modo totalmente independente da ação
planejada do homem.
Neste artigo, busca-se construir uma trajetória do crescimento da igreja
nos dias atuais observando preliminarmente as conexões dos movimentos
globais, nacionais e locais de plantio de igrejas, focando especificamente no
recente Movimento de Revitalização de Igrejas e nos perigos que experimentam
seus articuladores em face do Movimento de Crescimento da Igreja (MCI).
Esse movimento surgiu na segunda metade do século passado, ainda possui
expoentes em vários lugares do mundo e pode atrair muitos ao pragmatismo
de revitalizar buscando crescimento ou revitalizar buscando modelos ou, numa
reação contrária, desconsiderar toda a vida numa igreja que não seja saudável
à luz de alguns princípios ou fundamentos teológicos de um ou de outro ramo
do cristianismo.
A partir de uma análise histórica do MCI, mesmo sem desprezar algumas
críticas de autores reformados, buscar-se-á apontar que o movimento missio-
nário ainda possui raízes profundas do MCI, especialmente na formulação de
conceitos e estratégias e, em especial, na análise dos resultados do trabalho
98
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1 David Jacobus Bosch (1929-1992). Sua principal obra foi Transforming Mission: Paradigm
Shifts in the Theology of Mission (1991), publicada no Brasil pela Editora Sinodal, de São Leopoldo,
sob o título Missão Transformadora (2002).
2 Ibid., p. 301. Bosch afirma que os reformadores não conseguiam imaginar uma expansão mis-
sionária em países onde não houvesse um governo protestante.
3 Ibid., p. 309.
4 Ibid., p. 310.
5 Ibid.
99
JEDEÍAS DE ALMEIDA DUARTE, OS PERIGOS DO MOVIMENTO DE CRESCIMENTO DA IGREJA (MCI)
6 Ibid., p. 311.
7 Ibid.
8 Ibid., p. 312.
9 Ibid., p. 454.
10 Ibid. Cf. ALLEN, Roland. Missionary Methods: St. Paul’s or Ours: A Study of the Church in
the Four Provinces. Classic Reprint. Londres: Forgotten Books Publisher, 2015.
11 Ao se observar os critérios constitucionais para organização de uma igreja local na Igreja Pres-
biteriana do Brasil, percebe-se uma certa influência de Allen: “Art.5 – Uma comunidade de cristãos
poderá ser organizada em Igreja, somente quando oferecer garantias de estabilidade, não só quanto ao
número de crentes professos, mas também quanto aos recursos pecuniários indispensáveis à manutenção
regular de seus encargos, inclusive as causas gerais e disponha de pessoas aptas para os cargos eletivos”.
Manual Presbiteriano, Constituição da Igreja Presbiteriana do Brasil. São Paulo: Cultura Cristã, 1999.
100
FIDES REFORMATA XXI, Nº 2 (2016): 97-123
12 Edimburgo, 1910 – a busca da unidade da igreja nos campos missionários. Essa conferência
aconteceu ainda sob os efeitos do século 19 e do movimento missionário protestante, observando que
também recebeu a influência do liberalismo teológico. A busca do ecumenismo gerou em 1948 o Conse-
lho Mundial de Igrejas, fruto dos movimentos Vida e Obra (1925) e Fé e Ordem (1927). Outros eventos
foram Panamá, 1916; Berlim, 1966; Lausanne, 1974 e Manila, 1989.
13 Em 26 de outubro de 2002, o papa João Paulo II se expressou sobre o crescimento da Igreja
Romana através do trabalho dos leigos, utilizando documentos do Concílio Vaticano II, nos seguintes
termos: “Por sua vez, o papel fundamental que os leigos desempenham na missão da Igreja foi posto,
como sabemos, em evidência no Concílio Vaticano II e em numerosos documentos pós-conciliares. Eles,
lê-se na Lumen gentium, ‘são chamados como membros vivos a contribuir com todas as suas forças (...)
para o crescimento da Igreja’ (n. 31), à sua expansão entre os homens e os povos. Ainda mais explícito
e categórico é o Decreto sobre o apostolado dos leigos, que reafirma ‘a parte ativa que os leigos têm na
vida e na missão da Igreja’ (AA, 10). Por isso, a sua atividade apostólica não é facultativa, mas um de-
ver estrito que cabe a cada fiel, pelo simples fato de estar batizado. Todos ‘tenham uma consciência viva
das suas responsabilidades para com o mundo, fomentem em si um espírito verdadeiramente católico,
e ponham as suas forças ao serviço da obra da evangelização’ (Ad gentes, 41). A missão é única, mas
o modo de realizá-la é diferente, conforme os dons distribuídos pelo Espírito aos vários membros da
Igreja. A ação dos leigos é indispensável para que a Igreja possa ser considerada realmente constituída,
viva e operante em todos os seus setores, tornando-se plenamente sinal da presença de Cristo entre os
homens. Mas isto supõe um laicato amadurecido, em comunhão plena com a hierarquia e comprometido
a plasmar o Evangelho nas distintas situações em que se encontre”. Disponível em: http://www.vatican.
va/holy_father/john_paul_ii/speeches/2002/october/documents/hf_jp-ii_spe_20021026_brazil-nordeste-
-i-iv_po.html. Acesso em: 22 set. 2016.
14 Expressão utilizada por Paul Hiebert para referir-se à contextualização sem os devidos filtros da
Escritura sobre a cultura. O evangelho se amolda à cultura e caminha dentro do seu contexto de forma
sincrética.
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JEDEÍAS DE ALMEIDA DUARTE, OS PERIGOS DO MOVIMENTO DE CRESCIMENTO DA IGREJA (MCI)
15 Fundada pelos missiólogos Donald McGavran e C. Peter Wagner em 1986. Posteriormente re-
cebeu a adesão de George Hunter. Hoje denominada Great Commision Research Network (GCRNet), é
uma associação de líderes eclesiásticos que se dedica a analisar estudos de caso, ouvir líderes destacados
e ser uma rede de profissionais comprometidos em ajudar as igrejas locais a expandir o reino. Disponível
em: http://www.ascg.org/about_us. Acesso em: 23 set. 2009.
16 RAINER, Thom S. The Book of Church Growth. Nashville, TN: Broadman & Publishers, 1993,
p. 20.
17 Existem alguns fatos que não podemos deixar de ponderar: a reação da igreja nos Estados Uni-
dos e na Europa após a 2ª Guerra mundial, a influência do Concílio Vaticano II nas ações missionárias
protestantes, a reação missionária reformada diante das “aberturas” do ecumenismo nas décadas de 60
e 70, e ainda as faces da igreja no surgimento da pós-modernidade e na diluição da sociedade moderna.
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JEDEÍAS DE ALMEIDA DUARTE, OS PERIGOS DO MOVIMENTO DE CRESCIMENTO DA IGREJA (MCI)
24 Ibid.
25 Ibid. As palavras originais de Rainer são: “The typical Western approach to evangelism was to
preach an individualistic gospel and to expect decisions for Christ one by one. McGavran observed that
the greatest number became Christians by making individual decisions collectively: families, extended
families, villages, tribes, and so on. This process of conversion was called a ‘people movement’”.
26 Ibid., p. 37.
27 MCGAVRAN, Donald A. Ten Steps for Church Growth. New York: Harper & Row, 1977. Esse
livro marcou a publicidade e popularidade do MCI.
28 Segundo Rainer, entre 1970 e 1981 o MCI foi influenciado por vários acontecimentos: 1) a ecu-
menicidade evangelical, exemplificada nos congressos mundiais de Berlim em 1966 e de Lausanne em
1974; 2) o relacionamento entre as superigrejas que surgiram e cresceram dentro do movimento durante a
década de 70; 3) a coincidência com a década do treinamento de leigos e de instituições paraeclesiásticas
como Evangelismo Explosivo, Associação Evangelística Billy Graham e Campus Crusade for Christ,
que eram receptivas a este movimento; 4) a ênfase de que todos os crentes deveriam ser equipados para
o serviço da igreja; 5) o impacto do movimento neopentecostal; 6) o movimento de Keswick. The Book
of Church Growth, p. 41-49.
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JEDEÍAS DE ALMEIDA DUARTE, OS PERIGOS DO MOVIMENTO DE CRESCIMENTO DA IGREJA (MCI)
1) Deus deseja que seus filhos perdidos sejam encontrados; o MCI vem
da natureza da vida que Deus concede;
2) A pesquisa responsável sobre as causas e as barreiras do crescimento
da igreja deve ser conduzida como método de crescimento;
3) Deve-se desenvolver planos específicos, com bases nas pesquisas
feitas, para conquistar estrategicamente pessoas para Cristo.37
33 Ibid., p. 458.
34 Ibid., p. 497.
35 Questionamento para futuras pesquisas acadêmicas: Qual a relação entre o princípio das unidades
homogêneas e o estabelecimento da Janela 10x40?
36 MCINTOSH, Gary L. (Org.). Evaluating the Church Growth Movement: Five Views. Grand
Rapids, MI: Zondervan, 2004.
37 Ibid., p. 15s.
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38
TOWNS, Elmer. Effective evangelism view. In: MCINTOSH, Evaluating the Church Growth
Movement, p. 38s.
39 Ibid., p. 47.
40 ANGLADA, Paulo. Introdução à hermenêutica reformada. Ananindeua, Pará: Knox Publicações,
2006, p. 25-106. Anglada classifica as escolas de hermenêutica em subjetivista, racionalista e reformada.
41 TOWNS, Effective evangelism view, p. 47.
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JEDEÍAS DE ALMEIDA DUARTE, OS PERIGOS DO MOVIMENTO DE CRESCIMENTO DA IGREJA (MCI)
É a ciência que estuda o plantio, multiplicação, função e saúde das igrejas cristãs,
especificamente no que se relaciona com a implementação da Grande Comissão
de “fazer discípulos de todas as nações” (Mt 28.19)... É simultaneamente uma
convicção teológica e uma ciência aplicada, que procura combinar os princí-
pios eternos da Palavra de Deus com os conhecimentos contemporâneos das
ciências sociais, tendo como ponto de referência o trabalho fundamental feito
pelo Dr. Donald McGavran e seus colegas do Seminário Teológico Fuller.45
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FIDES REFORMATA XXI, Nº 2 (2016): 97-123
Wagner admite que o MCI se tornou parte das ciências sociais e, dentro
delas, apenas mais uma teoria. Esse aspecto consolida o seu distanciamento
das Escrituras:
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JEDEÍAS DE ALMEIDA DUARTE, OS PERIGOS DO MOVIMENTO DE CRESCIMENTO DA IGREJA (MCI)
igreja, e claramente tornou o seu pensamento como que uma heresia dentro
da realidade missionária da igreja cristã.
Acredito que, como pastor, devo ser um bom “gerente” administrador, diz a
Bíblia. Assim, deverei tratar com os líderes de minha igreja para que eles se-
jam meus colaboradores e não obstáculos. Para que, em vez de serem muro, sejam
cooperadores para fazer o trabalho.53
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54 Elmer Towns apud MCINTOSH, Evaluating the Church Growth Movement, p. 32, 33.
55 WAGNER, Peter. Plantar igrejas para a grande colheita. São Paulo: Abba Press, 1993, p. 111.
56 Ibid., p. 115.
57 Ibid.
58 Ibid., p. 116.
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JEDEÍAS DE ALMEIDA DUARTE, OS PERIGOS DO MOVIMENTO DE CRESCIMENTO DA IGREJA (MCI)
59 Ibid., p. 118-199.
60 Elmer Towns apud MCINTOSH, Evaluating the Church Growth Movement, p. 46.
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JEDEÍAS DE ALMEIDA DUARTE, OS PERIGOS DO MOVIMENTO DE CRESCIMENTO DA IGREJA (MCI)
Um dos problemas dos defensores do MCI é não pesquisar a partir das Escri-
turas as razões pelas quais a igreja não está crescendo. Toda pesquisa deveria
iniciar a partir das Escrituras, todos os questionamentos a serem feitos deve-
riam partir das Escrituras. O ponto de partida do MCI é a pesquisa social e o
planejamento estratégico e não uma reflexão teológica a respeito da ausência
de crescimento na igreja.64
64 G. Van Rheenen apud MCINTOSH, Evaluating the Church Growth Movement, p. 59.
65 Ibid., p. 60.
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JEDEÍAS DE ALMEIDA DUARTE, OS PERIGOS DO MOVIMENTO DE CRESCIMENTO DA IGREJA (MCI)
Nessa mesma esteira, outros pontos são criticados por esse autor, como a
necessidade da modelagem da teologia pela experiência.70 Acentua ainda duas
outras questões extremamente controvertidas que beiram à heresia. A primeira,
a liberalidade de empregar princípios das ciências sociais para formatar prin-
cípios de crescimento da igreja, tendo apenas a ausência de manifestação da
Escritura sobre o mesmo. Ou seja, uma vez que a Bíblia não menciona ou não
proíbe algo, qualquer princípio pode ser utilizado; a igreja torna-se, assim, um
laboratório de testes dos cientistas sociais. A segunda, a concepção da soberania
de Deus numa perspectiva pelagiana, oferecendo ao homem a responsabilidade
moral no processo de salvação, como observou Shelley:
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FIDES REFORMATA XXI, Nº 2 (2016): 97-123
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JEDEÍAS DE ALMEIDA DUARTE, OS PERIGOS DO MOVIMENTO DE CRESCIMENTO DA IGREJA (MCI)
Eu diria que a teologia bíblica deve constituir a lente através da qual podemos
ver a cultura. A cultura é a arena que nos coloca dilemas e questões que exigem
uma maior reflexão teológica... Ao longo dos anos, estou cada vez mais cético
em relação às perspectivas do crescimento da igreja. Nele a antropologia recebeu
maior consideração do que teologia e a ênfase recaiu sobre a conversão ao invés
de fazer discípulos. Portanto, as missões foram inicialmente avaliadas pelo
número de convertidos e de igrejas estabelecidas ao invés do desenvolvimento
da maturidade do corpo de Cristo.82
79 Ibid., p. 180.
80 Ibid., p. 184.
81 Ibid., p. 186-203.
82 Ibid., p. 169, 154, 155.
118
FIDES REFORMATA XXI, Nº 2 (2016): 97-123
De fato, dentro do MCI não existe uma preocupação maior com a men-
sagem que será pregada, mas com a metodologia que levará aos resultados
esperados ou planejados. Glasser enfileira-se entre aqueles que se preocupam
com o sistema criado por McGavran e observa que o sistema metodológico
no MCI não pode ser considerado um sistema organizado sob princípios já
existentes, mas um sistema que opera de acordo com normas particulares. Ele
considera McGavran um missiólogo e não um teólogo, cuja preocupação não é
descobrir na Bíblia prioritariamente a tarefa principal da igreja, havendo mais
uma sacralização do método em função dos resultados esperados.84
Para Glasser, o crescimento da igreja acontece pelo seu serviço interno
e externo, de forma individual através do uso dos dons e de forma coletiva
através do trabalho e vida dos santos – este é o chamado da igreja.85 No minis-
tério da igreja, Glasser mostra o crescimento interno através da adoração, do
compartilhar as necessidades uns dos outros, do ensino das Escrituras; exter-
namente, através do serviço para com os que são de fora da igreja, atendendo
necessidades físicas, sociais e espirituais.86
Hesselgrave87 faz uma crítica de grande importância para uma análise final
sobre o MCI e sobre outros movimentos que orbitam ao redor das ciências so-
ciais como fontes primárias de pesquisa. Colocar o crescimento da igreja como
prioridade no evangelismo e na teoria missionária pode trazer dificuldades para
os princípios teológicos.88 É possível que isto gere uma caminhada em direção
ao relativismo ou mesmo ao pluralismo axiológico. Entretanto, Hesselgrave
não exclui a possibilidade de as ciências sociais agirem como ferramentas para
o crescimento da igreja, sendo usadas como planejamento e estratégia, mas
não como o modus operandi do evangelismo da igreja.89
O MCI, tal como outros movimentos na história da igreja, perdeu a força
principalmente nos meios reformados e nos círculos acadêmicos conservadores
de maior representatividade. Parece-nos que tal fato não ocorreu por extinção
dos princípios ou substituição dos postulados.
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ABSTRACT
This article intends to analyze the growth of the church, initially by obser-
ving the dangers of taking a pragmatic stance on the principles and strategies,
especially in the church revitalization process. It includes an analysis of some
authors of the Church Growth Movement, which has experienced a resurgence
in recent years, endeavoring to merge the principles of the social sciences with
biblical-theological principles in favor of numerical growth. Finally, it establi-
shes a starting point for church revitalization diagnosis, avoiding extremes that
are dangerous in any missionary dimension and in any period of church history.
KEYWORDS
Ecclesiology; Church Growth Movement; Church revitalization; Mission
strategies; Healthy churches.
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FIDES REFORMATA XXI, Nº 2 (2016): 125-144
ABSTRACT
In this article, the author seeks to begin establishing biblical boundaries
for ethical discussions regarding entertainment. Recognized as a cultural for-
ce, leisure is an indelible part of the human experience. While embedded in a
sinful world, leisure has its legitimate and important role in Christian life. The
author argues that Christians should not refrain from partaking of this aspect
of human life. Rather, they should inform their hearts biblically and follow the
fourfold application of God’s law in choosing wisely how to live. The Christian
needs to look at the clear commandments of God, inform his own conscience,
be mindful of the weaker brethren, and be careful not to bring unnecessary
scandal to the culture around the church.
KEYWORDS
Entertainment; Ethics; Intercultural; Moral law; Law of love.
INTRODUCTION
This article seeks to begin establishing intercultural ethical bounda-
ries for the enjoyment of entertainment in Christian life. Many Christians
are oblivious to a sense of responsibility regarding their leisure time, while
others live with their consciences burdened and unsure of how to enjoy the
good things of life. This is a matter of pastoral concern, for it has to do with
* The author is a Presbyterian minister currently pastoring Igreja Presbiteriana Semear in Brasília,
Brazil. He completed his Ph.D. in Intercultural Studies at Reformed Theological Seminary, in Jackson,
Mississippi. Currently he is a visiting professor at Andrew Jumper Graduate Center in the area of practi-
cal theology. He teaches systematic theology at the Presbyterian Seminary in Brasília.
125
EMILIO GAROFALO NETO, TOWARDS A BIBLICAL ETHICS OF ENTERTAINMENT
teaching people how to obey all that Christ has commanded regarding life in
this world. It involves the difficult task of establishing patterns of behavior and
thoughtfulness concerning cultural products. In this world of major cultural
forces, how should we then live?1 It is important to set limits to this article.
Readers may be disappointed by the fact that this will not be an attempt to
determine what kind of entertainment is allowed or not on the Lord’s Day2,
for this would require an entire article in itself.
It also will not be about guidelines for producing Christian entertainment,
Christian movies, and the like. It will not be an attempt to exhaust what the
Bible says about entertainment, but an effort to find basic spheres that serve as
boundaries for an ethic of entertainment. It is also worth noticing right away
that some questions will be left unanswered, for they require work on the part
of the reader to examine his own heart and choose wisely before God. The
pharisaical way of setting up a list of rules that covers every possible case
simply does not work in the real world.
The article has three main sections. First, I will briefly investigate the role
and legitimacy of entertainment in human life. Secondly, I will seek biblical
boundaries for leisure. This section will consider immutable aspects of God’s
law, as well as the more tentative terrain of culturally relative issues. I will
look into intercultural elements, seeking to understand how a given activity
can be perfectly legitimate for a given cultural group, while an anathema for
another. I will deal with the matter of conscience, with the element of having
a good reputation in the church and not causing the brother to stumble, and also
with the issue of being salt and light in the culture.
1 “How should we then live” is the title of a book by Francis Schaeffer in which he explores the
history of art and the worldviews associated with the different artistic movements. He also produced a
film series based on the book. Watching this series along with dear cousins and mentors was likely the
first serious contact I had with cultural analysis from a Biblical standpoint. Daniel and Davi, thank you.
2 Interestingly, the Westminster Confession of Faith (XXI, 8) refers to what it calls lawful recreations
as permissible, except in the Lord’s Day. Obviously, this assumes that there is room for entertainment
in Christian life.
126
FIDES REFORMATA XXI, Nº 2 (2016): 125-144
broken world, entertainment is often the main relief valve of burdened hearts
looking for eternity.3
The 20th century4 marked an unprecedented development in the industry
of entertainment worldwide.5 While obviously always present in the history of
humankind, entertainment has now become a major cultural driving force. The
new possibilities that arose with globalization and the digital revolution mark
a new era in terms of diversity and demand of entertainment options. One can
tune their television sets to international media channels, use their Smartpho-
nes to play games, dwell in social media, watch videos produced by people
all over the Earth, and much more. One can travel inexpensively to several
parts of the globe and have unlimited access to all sorts of information. This
industry grows in all areas. From comic books to professional sports and from
American Idol to National Geographic Channel, the western world is permeated
by countless options for diversion and recreation. Parks, theme park, beaches,
movie theaters and many different places dedicated to the art of amusement are
built daily. In fact many people see their work not as a vocation, but purely as
means to get money for their entertainment, which is when they “really live.”
Entertainment is indeed “a cultural superpower”.6
Why talk about entertainment and culture at all? Usually we quickly go
to pragmatic questions regarding the benefits one will receive from it. And
there are many. As an example, thinking in terms of cultural leisure will help
the church understand its time and idolatries. In justifying his book on cultural
analysis, Kevin Vanhoozer7 argues that understanding the time and culture in
which one lives is essential to carry on the Great Commission. The church must
remember that the western world is a missionary field. It is also relevant to
consider that one does not need to justify partaking in a leisure activity by the
3 I deal more extensively with this matter in the article “A busca humana da diversão sob a ótica
bíblica de criação-queda-redenção” [The human search for leisure under the Biblical perspective of
creation-fall-redempetion]. Fides Reformata XVI-2 (2011): 27-49.
4 Of course, the 21st century has already brought forth new and improved ways for entertainment.
Those pertain to the digital revolution and are seemingly endless ways of procuring and consuming
entertainment.
5 While it is a worldwide phenomenon, it seems to have greater preeminence in the United States.
Las Vegas is the symbol of the American search for entertainment. It is much more than simply “Sin
City,” with the classic ideas of gambling and prostitution, for much of the entertainment there is directed
towards music concerts, theatrical productions, and shopping. The American production of entertainment
elements is transmitted to the whole world.
6 LAYTHAM, D. Brent. IPod, YouTube, Wii Play: Theological Engagements with Entertainment.
Eugene, Oregon: Cascade Books, 2012, p. 1.
7 VANHOOZER, Kevin J.; ANDERSON, Charles A., and SLESMAN, Michael J., eds. Everyday
Theology: How to Read Cultural Texts and Interpret Trends. Grand Rapids, MI: Baker Academic, 2007,
p. 8. A very interesting project. Seeks to present a model and use it to analyze several cultural trends.
Intends to be a starting point for further similar developments.
127
EMILIO GAROFALO NETO, TOWARDS A BIBLICAL ETHICS OF ENTERTAINMENT
How should the church of Jesus Christ relate to all this? Christians are, of
course, involved in the entertainment options. There is disagreement, however,
on how large this involvement should be. While some groups proclaim that
being involved with the culture in events of entertainment is nothing more than
worldliness, others uncritically assimilate all that is taught and sold by popular
culture. Both cultural anorexia and cultural gluttony are very real problems.
The issue of the relationship between Christians and culture deserves a much
fuller treatment than allowed in these pages, and hopefully a future article will
be solely dedicated to this purpose.10
128
FIDES REFORMATA XXI, Nº 2 (2016): 125-144
theological examination of popular cultural practices and products. The main proponents are Barry
Taylor, Craig Detweiller, and Robert K. Johnston. Sometimes, however, they go too far in their use of
postmodern categories. It is also well worth getting acquainted with the current Two Kingdoms debate,
hopefully a topic for a future article.
11 For an excellent introductory discussion on the topic of adiaphora, the origin of the term, the
uses and issues related, see DOUMA, Jochem. Responsible Conduct: Principles of Christian Ethics.
Phillipsburg, NJ: Presbyterian and Reformed, 2003, p. 157-174.
12 LAYTHAM, IPod, YouTube, Wii Play, p. 2.
13 The boycott to the Olympic Games in Moscow (1980) shows that politics is deeply related to
sport, as several studies demonstrate. The relationship of sports to politics and general culture is a fasci-
nating field of study. See, for example, KUPER, Simon. Soccer against the Enemy: How the World’s Most
Popular Sport Starts and Fuels Revolutions and Keeps Dictators in Power. New York: Nation Books,
2006. See also WEILAND, Matt; WILSEY, Sean, eds. The Thinking Man’s Guide to the World Cup.
New York: Harper Perennial, 2006. A collection of essays on each of the 32 countries that participated
in the Soccer World Cup 2006, with sociological elements, political analysis, cultural curiosities, and
much sports facts and discussion. There are many other books in the area. The Soccer World Cup 2014
in Brazil rekindled a lot of these discussions.
14 Jerry Solomon points out that when King Saul heard David play for him, it sometimes soothed
his heart (1 Sm 16:23) and in other occasions provoked his anger (1 Sm 18:10). The same activity can
have different outcomes depending on manifold factors. See SOLOMON, Jerry. Arts, Entertainment, &
Christian Values. Grand Rapids, MI: Kregel Publications, 2000, p. 113.
129
EMILIO GAROFALO NETO, TOWARDS A BIBLICAL ETHICS OF ENTERTAINMENT
must always consider the current entertainment industry in its historical and
economical aspects. It is part of the human search for diversion and meaning.
This entanglement of motives makes it hard to examine and a source of cons-
tant debate.15
We do not have the room here to address fully the biblical legitimacy of
entertainment. A previous article has addressed the reasons why people love
leisure.16 Sufficient is to say for now that such desire has its source in legiti-
mate creational desires, is distorted by the fallen human condition and finds
much of its impulse in the redemptive qualities that are experienced through it.
Christians have for a long time lived in a practically syncretistic blend of
Christianity and Platonism, where the spiritual realities take precedence and
in fact become the only important side of life.17 One must seek to live, body
and spirit, to the glory of God fulfilling his mission. As Jerry Solomon says:
A real man died in a real cross and was laid in a real, rock-hard tomb. The
Greek ideas of “otherworldliness” that fostered a tainted and debased view of
nature (hence, aesthetics) find no place in Biblical Christianity. Therefore the
dichotomy between sacred and secular is alien to biblical faith.18
Douma reacts against what he calls a pietistic attitude that would say that
a Christian should and could only find “enjoyment in a directly religious way
only by contemplation, prayer and spiritual music”.19 All leisure activities,
in order to be valid before God, would have to be in those areas or be useful
activities such as crafts and studying. Douma argues against this position with
Calvin to point to the fact that God would not have created flowers so beau-
tiful and aromatic and humans with the sense of smell and vision if he were
15 ROMANOWSKI, William D. Pop Culture Wars: Religion & the Role of Entertainment in
American Life. Downers Grove, IL: InterVarsity, 1996, p. 23. Historically it comes in a time in which
technologies have made communication easier and cheaper among parts of the world. The possibility
of technical reproduction of the works of art has led to a massification of cultural products, popu-
larization of its limits, and simplification of its goals. It is worth remembering how new technological
developments usually bring along a technophobia. See, for example, Walter Benjamin’s concern that
the possibility of technical mass reproduction of music might cause the lowering of the standards and
of cultural heritage. See Benjamin’s seminal work in cultural studies: BENJAMIN, Walter. The Work of
Art in the Age of Mechanical Reproduction, 1936. Accessed 08 September 2008. Available from http://
www.marxists.org/reference/subject/philosophy/works/ge/benjamin.htm. A classic text by one of the
major proponents of the Frankfurt School.
16 GAROFALO NETO, A busca humana de diversão.
17 This has roots in the Gnosticism that affected the early church. One sees flesh and the things
that pertain to the physical world as inferior to what is merely spiritual. An interesting evidence of this
distortion is the small percentage of current Christians who believe they will spend eternity in physical
bodies in a physical New Earth and New Heavens. Most assume some sort of eternity in ethereal form.
18 SOLOMON, Arts, Entertainment, & Christian Values, p. 104.
19 DOUMA, Responsible conduct, p. 163.
130
FIDES REFORMATA XXI, Nº 2 (2016): 125-144
against humans appreciating those things.20 Man was created with the need to
have rest and this is more than sleeping; it has to do with participating in the
enjoyment of God’s glorious creation.
It is wrong to assume that entertainment cannot be useful unless there
is a visible product. Leisure may fulfill the basic need for rest and fellowship
with other human beings. It is wrong to think that God cannot be glorified in
watching a movie or playing sports. It has to do again with the heart attitude
and how it is translated into actions. The desire to play, to entertain, to seek
leisure, rest for body and mind is inherent to humankind, does not seem to
result from the Fall. In all this we conclude that entertainment is an indelible
part of human life. The Christian ought not to try to abstain from leisure, but
rather seek to, as in everything else, enjoy it in a way that is glorifying to God
and in accordance to his revealed Word.
20 Ibid., p. 164.
21 Consider for example the event of the golden calf (Ex 32). It was an idol made to represent the
god who had brought Israel out of Egypt, perhaps an attempt of representing YHWH. When Moses went
up into the mountain, the people, under the leadership of Aaron, produced a golden calf, a clear violation
of God’s commandments. A purely aesthetical consideration would look at it as an object of art and try
to evaluate it as such. However, there are clearly moral and theological implications in making a golden
calf and claiming that it brought them out of the land of Egypt. The law of God in this example limits
the art and the entertainment.
22 Theologians of the Reformed tradition have for a long time pointed out how the religious heart,
created in the image of God, is always at the root of any kind of human activity. Begin with John Calvin
and his doctrine of the sensus divinitatis, as well as his ideas of man’s heart being a forge of idols. Look
at the works of Herman Dooyeweerd, Cornelius Van Til and others in their heritage. In particular, the
contemporary works of Biblical counselors such as David Powlison, Jay Adams, Paul David Tripp, and
Wadislau Gomes.
131
EMILIO GAROFALO NETO, TOWARDS A BIBLICAL ETHICS OF ENTERTAINMENT
discussion, however, will try to discern from the event its religious roots,
recognizing truth and beauty, but also error and idolatry. God’s evaluation of
the art object or leisure activity has often more to do with the intentions of the
heart than with the form it is presented, pointing to Christians a way to follow.23
Then it becomes possible for the believer to make an informed movement
towards the moral and aesthetical considerations.
132
FIDES REFORMATA XXI, Nº 2 (2016): 125-144
26 It is sadly the case that people seek to justify adultery and pornography as supposedly simply
forms of harmless entertainment. They are not strictly committing adultery, yet they do sin in their hearts
and this form of sin brings forth consequences that may last a long time.
27 Some might consider making a stage play with an actor representing Jesus to be wrong, while
others will accept it. Some would argue that one should not watch a movie if it involves any kind of repre-
sentations of God. This would include classics such as Ben-Hur and The Ten Commandments. Besides the
irony of thinking that the movie The Ten Commandments explicitly breaks one of them by displaying
the burning bush, one has to consider whether the representations of Jesus in movies like Ben-Hur violate
or not the commandment. While his face is never displayed, there is his hand and silhouette.
133
EMILIO GAROFALO NETO, TOWARDS A BIBLICAL ETHICS OF ENTERTAINMENT
the very important matter of the outworking of the general equity principle
(WCF, XIX:4). This principle deals with how the Old Testament law can be
universally applied outside of the time and space context of the people of
Israel. In its search for a proper biblical ethics, the church must turn to the Bible
and make an effort to see that it is all profitable for the man of God, seeking
to better define and study such matters.28 It is sufficient for our goals to state
that the ceremonial law has been abolished in Christ, and that it is the general
Reformed position that the civil laws do not apply outside of the theocratic
Israel. However, principles must be learned.
Leviticus presents an interesting example. While explaining how love
works, Moses explains that part of love is not putting an obstacle to cause
a blind man to stumble (Lev. 19:14). Because he is blind, he has no way of
knowing it is there and will eventually get hurt. And one can easily see how
people could derive great amusement from making people trip and fall. Although
an outworking of the moral law, this has civil contours as well. And a very
useful principle arises from it: that our entertainment should not be achieved
at the expense of the defenseless and helpless is obvious and must be present
in our own mind.
28 The issue is important for the life of the church and for missiology as well. See KREITZER,
Mark R. Universal Equity Principle: Toward an Intercultural Ethics. Unpublished class syllabus, 2008.
The intricacies of the discussion are very complex and for the sake of this article it is sufficient to say
that the law of God, whether in its clear commandments or in whatever it is that can be correctly inferred
as universal from the case laws, sets ethical boundaries for the world in all of life, including in the area
of entertainment. All of it can be used to infer binding rules and universal principles for all peoples of
the earth.
29 DOUMA, Responsible Conduct, p. 72-77.
134
FIDES REFORMATA XXI, Nº 2 (2016): 125-144
there is discussion and variation of interpretation of the moral law does not
change the fact that it is a limiting factor.
30 Putting the matter in a practical example: if a Christian thinks that drinking alcohol is wrong,
but still goes ahead and does it, the person has sinned in violating the conscience yet not necessarily in
drinking alcohol. Or consider an exaggerated example. Suppose a man believes that playing Super Mario
Bros to be a sinful thing considering that Mario eats mushrooms that give him powers and he stomps on
135
EMILIO GAROFALO NETO, TOWARDS A BIBLICAL ETHICS OF ENTERTAINMENT
defenseless creatures. Biblically there is no sin in playing Super Mario Bros. But if conscience accuses
this man and if he chooses to go forth and pick up the joystick he will sin in the matter of violating his
conscience. Later we will discuss the matter of informing the conscience so as to better adequate it to
the law of God.
31 Douma points out that the Bible presents the conscience as a fallible guide (DOUMA, Respon-
sible Conduct, p. 149). For instance, Paul said in 1 Cor 4:4 that he was as far as he knew free of guilt,
but that the judgment had to come from the Lord.
32 SOLOMON, Arts, Entertainment, & Christian Values, p. 138.
33 Which does not mean that one cannot rise above cultural sins and errors, only that the lens
through which one views the world is affected by family, culture, church, and God’s word, as well as
by how God’s word is interpreted by family, culture, and church.
34 The movie ratings in the United States are as follow: G – all ages admitted; PG – some material
may not be suitable for children; PG-13 – some material may be inappropriate for children under 13;
R – under 17 requires accompanying parent or adult guardian; NC-17 – no one 17 and under admitted. It
must be noted that there is always controversy about the rating of the movies that tend to be in the borders
of those ratings. The producers may always appeal to a given rate and often receive reduced grading.
For a history of the different codes of restriction and hot it came to this point, see ROMANOWSKI, Pop
Culture Wars, p. 28-30. In Brazil the system works differently.
136
FIDES REFORMATA XXI, Nº 2 (2016): 125-144
tempting for unmarried people. It may be the case she wanted to watch the
movie because she was interested in the plot and thought it would be good
entertainment, while he knew, and in fact hoped, that the content would lead
to a situation of arousal and erotic interest. Two people performing the same
activity, but the goal of the heart makes the ethical issue completely different.
Thus the conscience and the reasons of the heart form a set of elements that
limit what is to be considered a lawful leisure activity. Let us consider now
another limiting factor.
35 Douma points out that love to the neighbor is not the only thing to be considered as some distor-
tions of Christianity have done (Responsible Conduct, p. 128). He claims that we cannot speak of love
apart from the commandments; in fact, loving God with all of one’s heart, mind and soul comes as the
first great commandment (Mt 22:38).
36 While much prized by Christians in different degrees, the matter of Christian liberty must be
carefully considered not to end up in slavery. One can easily be so consumed by the liberty to smoke, or to
drink, or to watch movies that he ends up being enslaved to those matters. Paul wrote to the Corinthians
that “all things are lawful to me, but not all things are helpful. All things are lawful for me, but I will
not be enslaved by anything” (1 Cor 6:12).
37 For a good discussion of Christianity and its relationship to theater in history, see ROMANOSWKI,
Pop Culture Wars, p. 83-104.
137
EMILIO GAROFALO NETO, TOWARDS A BIBLICAL ETHICS OF ENTERTAINMENT
as merely entertainment. Yet, this is still the case in several parts of the world.
It is worth noticing that while some segments of the church have problems
with any form of art, others seem to make too big a separation between art and
entertainment, creating idiosyncrasies.38 How should a Christian who has no
pangs of conscience regarding going to the movies act if his church culture is
against it? In love and in truth. In love refraining from doing it if it will cause
brothers to stumble, and at the same time seeking to bring the truth of God’s
word to shed light in the matter, by teaching and changing mentalities. The
option of joining another church group is also to be considered.
It may be the case that the ecclesiastical community is setting forth bar-
riers around the commandments of God. This is dangerous, of course. One of
the major complaints that Christians have against film going has to do with the
issue of the amount of sexuality and violence in the movies. This is a serious
objection and should not be hastily brushed aside. Kappelman39 demonstrates
that there is a need of evaluating what is the purpose of the violence: is it
merely graphic diversion, or is it there to make a point and move the story to
important conclusions? A movie might very well use violence to demonstrate
the human depravity, the need for redemption, the power of God’s saving grace
(and his common grace), the futility of human life under the sun, and so forth.
A movie produced by unbelievers will necessarily come to conclusions about
life and its meaning.40 By God’s common grace some of those may be correct,
and Christians should value those moments. Even when the conclusions are
wrong they are valuable, for every fact in the world reveals God, even if in
the negative way. Every element of creation, even the distortion of creation, is
a possible starting point for apologetics and evangelism. It is interesting that
at times far more subtle ideas and themes are displayed in movies with lower
rating restrictions, and people do not seem to react so strongly to such. However
the issue at hand must be addressed. Some authors have demonstrated that the
Bible contains several instances of intense violence, foul language, and quite
38 One example is the Christian fundamentalist college Bob Jones University, in Greenville, SC.
While very strict it its entertainment code for its students, nevertheless it is not against every form of
art, having the largest collection of religious Christian art in the Americas. It is interesting to notice that
other Christian groups in the same town, while not having problems with most of the entertainment
options forbidden in BJU, nevertheless refrain from visiting the art museum in BJU because of the many
depictions of Jesus.
39 KAPPELMAN, Todd. Film and the Christian. In Arts, Entertainment, & Christian Values. Grand
Rapids, MI: Kregel Publications, 2000, p. 123.
40 This happens because unbelievers, while rebelling against the true God, still operate in his
world and largely usurp Biblical presuppositions in order to operate and create in the world. For further
discussion, see VAN TIL, Cornelius. The defense of the faith. 4th ed. Ed. K. Scott Oliphint. Phillipsburg,
NJ: Presbyterian and Reformed, 2008, p. 343. Van Til’s primary use for the idea was in the realm of
science, but this can be expanded to the whole of human activity.
138
FIDES REFORMATA XXI, Nº 2 (2016): 125-144
explicit sexuality. One could argue that if a movie was made out of the books
of Judges, Samuel and Kings, it would be forbidden for children.41
Yet there is the need to follow Romans 14 and abstain for what can be of
ruin to the faith of a weaker brother. There is also the issue of submitting to
the authority of the church which the person has voluntarily decided to join.
This makes a limiting boundary around what a Christian should enjoy in his
entertainment. In all this the believer has his liberty of entertainment limited
by what the church considers to be right and by the concern not to cause the
weaker brother to stumble.
41 Kappelman lists several examples of extreme violence, graphically described in the Bible, such
as the story of the Levite’s woman who is raped and killed, his husband then sending pieces of her to
the twelve tribes and generating more violence (Judges 19 and 20). See KAPPELMAN, Film and the
Christian, p. 125-127. Brian Godawa, a Christian screenwriter, has a whole appendix in which he lists
examples of explicit sexuality, violence and even of foul language in the Bible in a very interesting
discussion. See GODAWA, Brian. Hollywood Worldviews: Watching Films with Wisdom and Discern-
ment. Downers Grove, IL: InterVarsity, 2002. A very good discussion by a Reformed author. He is a
professional screenwriter and has many good points. Godawa has a very good discussion on difficulties
Christians have with movies, such as violence and foul language.
42 Called to be salt and light by Jesus in the Sermon on the Mount (Mt 5:13-16). Peter reflects
Exodus 19 in pointing out that the covenant community is to be a kingdom of priests, a holy nation.
Peter applies this to the missionary task of the church (1 Pe 2:9,10). On a note about individuals, Paul
says that those who desire to be elders must have a good reputation among the unbelievers (1 Tm 3:7).
In Titus 2 he shows how the behavior of the Christian individuals will either bring blasphemy to God’s
word (v. 5) or become an adornment to the Gospel (v. 10).
43 For example, some forms of killing of animals for entertainment (game hunting) are culturally
acceptable in the United States. In Brazil this is generally seen as wrong, at least among Christians. It
is considered by many to be bad stewardship of God’s resources just as much as gambling. A violation
of the 3rd commandment in making light use of something by which God reveals himself (his creation).
139
EMILIO GAROFALO NETO, TOWARDS A BIBLICAL ETHICS OF ENTERTAINMENT
44 Jerry Solomon wrestles with this same issue, coming to the conclusion that the basic modes of
entertainment (movies, novels, television, and videogames) are not evil in themselves, but in their content
they become so. Yet there are things that while being claimed as entertainment, such as pre-marital sex,
are in fact clearly out of the boundary of God’s word. See SOLOMON, Arts, Entertainment, & Christian
Values, p. 136.
45 For example the Roman gladiator games were clearly immoral recreation for they involved the
slaying of human life for the sake of entertainment. This brutality involved the breaking of God’s clear
commandments and also was a great display of human wickedness. It is possible to make a parallel
between those games and boxing. Many people enjoy and pay to watch fights that are bloody and in
certain situations result in death. Does the fact that the knockdown is the ending point instead of death
make it more acceptable to the Christian?
46 The matter might be different if he would buy the movie for private enjoyment.
47 To further complicate the matter, one has to make a distinction between what the law of the
country allows and what the culture considers to be wrong. It may be the case that a given form of
140
FIDES REFORMATA XXI, Nº 2 (2016): 125-144
entertainment is considered unlawful by the government and the society in general accepts it. For
example, a communist country that forbids the use of radio. Some people would want to use the radio
for entertainment and perhaps even to receive ideas from the outside world. Radio and television have
made ideas popular in areas where pure economic power could not penetrate, such as in the countries
controlled by the former Soviet Union in which “creativity flourished under the communist regimes of
Eastern Europe”. After some freedom was gained, the film industry in Czechoslovakia, Hungary and
Poland became even more prolific and distinguished. See HOBSBAWM, Eric. The Age of Extremes:
The Brief 20th Century 1914-1991. New York: Vintage Books, 1996, p. 506. (A very useful history of
the 20th century by a noted historian. Deals with economics, politics and culture, relating these aspects
masterfully.) Would it be wrong to seek this form of entertainment because the government forbids such?
It seems that here there must be considered the matter of the spheres of sovereignty, for the government
is overstepping its boundaries in trying to regulate matters of private liberty.
141
EMILIO GAROFALO NETO, TOWARDS A BIBLICAL ETHICS OF ENTERTAINMENT
1 – Moral Law
2 – Church
3 – Law of
parameters –
Conscience
Law of Love
4 – Cultural Limitations
The center of the diagram, where all the circles overlap, is the valid area
of entertainment for the Christian in a public form. When it comes to private
entertainment, the circles of church and society become less relevant, because
one can enjoy a given activity in private without violating the conscience or
God’s law.
A given activity may be allowed by the word of God, recognized as
legitimate by the believer’s conscience, legitimate in the eyes of society, and
yet be wrong in the eyes of the church. Other activities may be allowed by
the church, by the culture and by God’s law, yet a barrier for the believer’s
conscience. Maybe this person believes that any kind of film going experien-
ce is wrong, even though that person’s congregation has no problem with it.
Film going would then be outside of the lawful things, because it violates the
conscience and the person should refrain from it until the conscience changes
in the sanctification process.
Other activities may be allowed by the law of God, accepted by the church
and the person’s conscience, but bring shame to the gospel because the culture
sees that as wrong. There needs to be then careful consideration of why this
is so. It may be that the believer should do it anyway, or maybe should refrain
from it. If this is a matter commanded by the Bible (worship, marriage and so
forth) then one has to be counter-cultural and do it anyway. If, however, the
matter is not commanded by God, being only a matter of personal enjoyment
and entertainment, then it would be best not to make a scandal out of it.
142
FIDES REFORMATA XXI, Nº 2 (2016): 125-144
CONCLUSION
Entertainment is an indelible part of the present world. The church has
before her the choices of cowering away, of assimilating all without discrimina-
tion, or of seeking to appreciate and redeem the culture. In the difficult matter
of being relevant and not falling into sin, the ethical considerations of God’s
law, of the conscience, of the culture and of the weaker brother must be taken
into account. The Christian has the freedom to enjoy the entertainment available
in this world, but this freedom is not to sin, rather it is geared towards enjoying
God’s created beauty, truth, and love.
In an ideal situation, there would be only one circle. Man’s conscience
would be perfectly aligned to God’s expressed will. The society around would
also coincide. The pastoral task of ministering God’s word involves leading
Christians unto maturity, in a way that makes their consciences become better
aligned with God’s Word. By their common action it may be that society will
also to a certain degree get better aligned in its comprehension of what is lawful
leisure. And the church itself will get closer in tune to God’s word.
This article has attempted to put forth basic boundaries for the enjoyment
of the culture, and there is certainly still much to be said and examined in this
matter. This work is submitted as a humble attempt at clarifying some issues
and helping the church of Jesus Christ to be relevant in the culture and to be
salt and light in this beautiful yet fallen world.48
143
EMILIO GAROFALO NETO, TOWARDS A BIBLICAL ETHICS OF ENTERTAINMENT
RESUMO
Neste artigo, o autor quer começar a estabelecer os limites bíblicos das
discussões éticas sobre entretenimento. Reconhecido como uma força cultural,
o lazer é uma parte indelével da experiência humana. Ainda que enraizada em
um mundo pecaminoso, a diversão tem um papel legítimo e importante na vida
cristã. O autor argumenta que os cristãos não devem se abster de participar desse
aspecto da vida humana. Antes, devem informar seus corações biblicamente
e seguir a quádrupla aplicação da lei de Deus ao escolher sabiamente como
viver. O cristão precisa considerar os mandamentos claros de Deus, informar
sua própria consciência, ter em mente os irmãos mais fracos e tomar cuidado
para não trazer escândalo desnecessário à cultura em torno da igreja.
PALAVRAS-CHAVE
Entretenimento; Ética; Intercultural; Lei moral; Lei do amor.
Neil. Amusing ourselves to Death: Public Discourse in the Age of Show Business. New York: Elizabeth
Sifton Books, 1985. A useful yet a bit dated guide to how the entertainment industry affects the life of
society. SCHAEFFER, Francis A. How Should We Then Live?: The Rise and Decline of Western Thought
and Culture. Old Tappan, NJ: F.H. Revell, 1976. TURNAU, Ted. Popologetics: Popular Culture in
Christian Perspective. Phillipsburg, NJ: P&R, 2012. WELLS, David F. God in the Wasteland: The Reality
of Truth in a World of Fading Dreams. Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1994. WELLS, David F. Above all
Earthly Powers: Christ in a Postmodern World. Grand Rapids, MI: Eerdmans, 2005.
144
FIDES REFORMATA XXI, Nº 2 (2016): 145-148
resenha
Norma Cristina Braga Venâncio*
145
SAL DA TERRA EM TERRAS DOS BRASIS
dos conteúdos com alguma aparência de circularidade, que pode fazer com
que, de quando em quando, o leitor se pergunte se não estaria lendo de novo
alguma página, algum capítulo. Esse procedimento, que é excelente na prá-
tica do professor – para o francês Fernand Braudel, por exemplo, “ensinar é
repetir” –, pode se tornar um pouco cansativo em livro. Mas o risco vale a
pena quando pensamos na complexidade dos temas presentes.
E, de fato, Wadislau discorre sobre assuntos gigantescos, tais como: as
características do povo brasileiro desde sua formação, de base educacional
jesuítica, que aprendeu “a obediência como verdade”; o mimetismo da igreja
brasileira, que adere em boa medida tanto ao neopaganismo atual (com sua visão
gnóstica e sua prática cheia de pequenas magias para controlar forças ocultas,
uma negação do senhorio e da soberania do Deus bíblico) quanto a regras do
marketing moderno para promover aumento numérico sem qualidade; a falsa
oposição entre os dois extremos individualismo e coletivismo; a necessidade de
uma epistemologia teorreferente (termo cunhado por Davi Charles Gomes, filho
de Wadislau) que substitua nosso subjetivismo percepcional; a bela descrição
do trinômio “filho, irmão e servo” para sumarizar o crescimento individual e
coletivo da igreja (“o filho cresce para ser irmão dos pais e amadurece para
ser servo”, p. 126); a explanação do conceito de “autarquia” em oposição a
“autonomia”; a harmonização entre lei e graça, e a importância disto para a saúde
da igreja; a descrição de todos os sistemas humanos de pensamento e de arte
como religiosos em sua essência, já que objetivam algum tipo de redenção
intramundana; e muitos outros temas que, sozinhos, dariam cada um outro
copioso livro. Todo esse caráter multifacetado tem um aspecto positivo e um
negativo: de um lado, o leitor tem um contato abrangente com o que de melhor
tem sido pensado e produzido na literatura reformada; de outro, permanece um
gosto forte de “quero mais” cuja saciedade clama por mais fontes de leitura
e aprofundamento.
Contudo, essas fontes estão bastante presentes em momentos cruciais.
Por exemplo, quando trata do triperspectivalismo de John Frame – orientação
nova e ainda pouco compreendida, mas crucial para a reflexão da igreja em
nosso tempo –, Wadislau fornece ao leitor (p. 211) uma explicação resumida
da matéria. De fato, na Bíblia, os três aspectos normativo, situacional e exis-
tencial estão sempre entrelaçados, enquanto a força fragmentadora do pecado
nos faz sempre alijar algum ou alguns deles em determinados setores da vida.
Wadislau aplica ao livro de Jó a necessidade de retornar a esse entrelaçamento,
quando menciona que “Deus falou e foi ouvido em termos normativos”, mas
no final “Jó é alçado ao horizonte de Deus” e foi profundamente transformado
por aquela experiência. Para o leitor, permanece o contato mais vívido com
algo que já havia sido mencionado páginas antes: a negligência do aspecto
existencial na fé, uma conversão mental sem conversão do coração, que precisa
ser remediada pela Palavra viva de Deus.
146
FIDES REFORMATA XXI, Nº 2 (2016): 145-148
147
SAL DA TERRA EM TERRAS DOS BRASIS
Um homem que é chamado para fazer uso das palavras, como são os ministros,
e que ignora o aspecto estético delas a fim de se concentrar na “verdade”, está,
de fato, em guerra contra a verdade. Em vez de dar à mulher bonita um colar de
pérolas, ele lhe dá uma coleira canina, e depois finge que fez isso porque ama
e respeita essa mulher.
148
FIDES REFORMATA XXI, Nº 2 (2016): 149-152
resenha
Gustavo Vilela Monteiro*
* Ministro da Igreja Presbiteriana do Brasil, mestre em estudos teológicos (M.A.R.) pelo Westminster
Theological Seminary, em Filadélfia, e candidato ao PhD em Teologia Sistemática pela Universidade
de Edimburgo, na Escócia.
149
THE TRINITY AND THE VINDICATION OF CHRISTIAN PARADOX
Outros dois fatos destacam a presente obra. Ela é fruto de uma pesquisa
realizada fora do ambiente em que Van Til é normalmente considerado relevan-
te, tendo sido produzida numa universidade, não num seminário, e publicada
por uma editora igualmente “indiferente” ao pensamento de Van Til. Esses
fatos servem ao menos como indicativos da qualidade da obra e, ao proporcio-
nar um maior alcance e distribuição acadêmica, também devem servir como
encorajamento aos estudiosos que compartilham das mesmas perspectivas.
O livro se divide em quarto partes. Na primeira, Bosserman dá foco à
formação do pensamento de Van Til, apresentando – em três capítulos – suas
maiores influências intelectuais. A primeira é o ímpeto apologético e a doutrina
trinitária calvinista de “Old Princeton”.1 A segunda, o neocalvinismo de “Old
Amsterdam”,2 que concedia lugar central para a noção de mistério e à antítese
ética e epistemológica entre cristãos e não cristãos. A terceira, o método trans-
cendental e dialético do Idealismo absolutista. Reconhecer o antigo Princeton
e a antiga Amsterdã como influências em Van Til é lugar comum entre seus
intérpretes, mas, apesar de Bosserman não ser o primeiro a notar a importância
da influência do Idealismo nesse processo, o presente volume concede mais
peso e espaço a essa linha de influência do que é comumente concedido. A
contribuição singular de Bosserman, porém, se encontra na apresentação deta-
lhada e persuasiva de como Van Til consistentemente se apropriou dessas três
influências de forma original, assim alcançando o ideal de combinar teologia
sistemática, apologética e os paradoxos cristãos.
Especialmente útil é a tabela gráfica que sumariza o argumento de Bos-
serman sobre essa questão (p. 4). Ali, ele presenteia o leitor com uma visão
clara e direta da relação entre as três fontes formadoras de Van Til, apontando
precisamente para as áreas em que cada perspectiva forneceu e recebeu crí-
ticas mútuas. A escola de Old Princeton, com seu ímpeto apologético e uma
doutrina trinitária calvinista robusta, critica Old Amsterdam e o Idealismo
das seguintes formas: (1) Amsterdã por não ser suficientemente confiante
na capacidade apologética do pensador cristão; (2) o Idealismo por reduzir
Deus ao patamar de um ser finito, histórico e não-soberano. A escola de Old
Amsterdam, que concedia lugar central à noção de mistério e à antítese ética
entre cristãos e não-cristãos, critica Princeton e o Idealismo das seguintes for-
mas: (1) Princeton por fugir dos paradoxos da fé cristã em busca de estabelecer
um lugar comum entre cristãos e não-cristãos em questões filosóficas (tidas
1 “Old Princeton” (antigo Princeton) se refere à teologia produzida pelos professores do Seminário
de Princeton desde sua origem até o final dos anos 1920. Após esse período, o seminário passou por uma
transformação, assumindo um caráter menos confessional e, eventualmente, neo-ortodoxo. Os principais
teólogos de Old Princeton a influenciar Van Til foram Charles Hodge, B. B. Warfield e Geerhardus Vos.
2 “Old Amsterdam” (antiga Amsterdã) se refere à teologia produzida no período inicial da Uni-
versidade Livre de Amsterdã, especialmente por Abraham Kuyper e Herman Bavinck.
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FIDES REFORMATA XXI, Nº 2 (2016): 149-152
151
THE TRINITY AND THE VINDICATION OF CHRISTIAN PARADOX
152
FIDES REFORMATA XXI, Nº 2 (2016): 153-161
Resenha
Fabio Luciano Soares e Santos*
E quando o apóstolo menciona tantas e tão elevadas coisas, e então diz de todas
elas que de nada valem sem caridade, com razão podemos concluir que nada
há, absolutamente, que valha algo sem ela. Que uma pessoa possua o que bem
quiser, e faça o que quiser, isso, sem caridade nada significa; o que seguramente
implica que a caridade é grande coisa, e que tudo o que não contém a caridade,
* Bacharel em teologia pelo Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil (STBSB, 2004);
mestrando em teologia filosófica pelo Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper (CPAJ);
professor de apologética na Escola Teológica Reformada (ETR), no Rio de Janeiro; pastor da juventude
na Igreja Batista Betel de Mesquita (RJ).
153
CARIDADE E SEUS FRUTOS: UM ESTUDO SOBRE O AMOR EM 1 CORÍNTIOS 13
Dons e feitos grandiosos não tem efeito salvífico, mas sim o amor. O
amor cristão é virtude salvífica resultante da mesma ação do Espírito que
inclina o coração a amar a Deus (p. 26). Edwards neste ponto está em total
consonância com sua tradição calvinista. O amor de e por Deus precisa estar
enraizado no coração para produzir as obras do amor. Logo, ele conclui que o
amor resulta em cumprimento dos mandamentos, da lei de Deus (p. 28, 32), e
não o contrário. A verdadeira virtude só é possível graças a esse amor (p. 32).
Seguindo o estilo puritano, Edwards propõe um autoexame para ver se o amor
que alguém afirma ter tem resultado em louvor a Deus, amor pelos filhos de
Deus e amor pelos semelhantes (p. 38). Aquilo que pode impedir alguém de
amar seus semelhantes, como orgulho e contendas, também impedirá o exer-
cício de amor para com Deus (p. 45).
Em sua segunda exposição, pode-se perceber que sua visão do amor como
virtude tinha como centro Deus, especialmente no aspecto pessoal e relacional.
Não um amor centrado no homem. A caridade é apresentada como fruto da
ação ordinária do Espírito em todo cristão e como sendo de valor superior aos
mais extraordinários dos dons (p. 49, 55). Ele mostra que a ação santificadora
do Espírito resulta no amor cristão, que é superior aos dons extraordinários
desse mesmo Espírito. Para Edwards alguns dons tinham caráter temporário,
sendo necessários no início da igreja, enquanto que os ordinários permanecem
com a igreja (p. 51). Pode-se perceber um tipo de cessacionismo, talvez devi-
do à preocupação com falsos sinais do avivamento. Ele defende que os dons
extraordinários são um grande privilégio que Deus concede a uma pessoa
(p. 53-54), mas a graça salvífica é um privilégio maior (p. 64). Sua tese central
é que possuir a mente de Cristo torna o homem mais semelhante a Cristo do
que capaz de realizar sinais e prodígios (p. 58). Logo, o amor é um dom supe-
rior, pois tem conexão com a vida eterna (p. 60). Então conclui que se todos
os dons extraordinários visam a propagação do evangelho e a conversão de
homens de seus descaminhos para Deus, a fim de serem edificados em amor
(p. 62), os dons são meios, enquanto que o amor é o fim, deixando clara sua
preocupação com frutos duradouros diante da visitação especial do Espírito
no vale de Connecticut.
Ao tratar da esfera moral, Edwards se deterá em defender a inutilidade
das realizações humanas sem o amor cristão (p. 71). Ao mesmo tempo em
que doar para socorrer aos pobres é dever cristão, como ensina Paulo, é inú-
til sem a caridade, também afirma o apóstolo (p. 72). Ou seja, o ato de doar
não é necessariamente prova de amor. A motivação para os atos religiosos e
mesmo o sofrimento em nome da religião pode ser carnal (p. 75). Edwards
154
FIDES REFORMATA XXI, Nº 2 (2016): 153-161
chega a declarar que a mera ação externa não substitui o amor, pois Deus de
nada tem falta, nem por nada se impressiona (p. 77s). Quem dá tudo a Deus
exceto o coração, na verdade não deu nada (p. 79). Esse é um ponto chave em
sua busca da religião do coração. A teologia edwardsiana tem o amor como
suma de tudo, tendo sua sede no coração (p. 80). Ele está construindo sobre a
tradição agostiniana-calvinista e faz o alerta de que atos externos de exibição
de respeito sem amor no coração são hipocrisia e uma ofensa a Deus. Tal oferta
na verdade é dada a algum ídolo (p. 81). Edwards propõe critérios para uma
autoavaliação (p. 82-84): verdade, se o que é externo condiz com o que está
no coração; liberdade, obediência de filho que faz por que ama; integridade,
assumir por inteiro o compromisso e todas as suas implicações; pureza, sem
mistura ou mancha, em oposição à sujeira do pecado.
Depois dos fundamentos estabelecidos, a partir do quarto sermão
Edwards começa a tratar dos frutos da caridade, começando por paciência e
bondade (p. 87). Para ele, a paciência ou longanimidade é uma virtude cristã
que se deve aprender de Cristo. Seria suportar aquilo que os outros nos fazem
de mau (p. 88). As injúrias devem ser suportadas com paciência sem vingar-
-se ou nutrir espírito vingativo (p. 93s). O cristão não deve causar nenhum
dano ao ofensor e muitas vezes deve abrir mão do próprio direito de defesa,
se necessário (p. 96). Ele não nega a possibilidade de defesa, mas seria um
recurso usado depois do exercício de longanimidade. Sua fundamentação é
amplamente teológica: a longanimidade de Deus (p. 98) deve ser imitada como
filhos que imitam seus pais a quem amam. Assim, recusar-se a ser longânimo
seria o mesmo que desaprovar a longanimidade de Deus (p. 100). Cristo é o
maior exemplo de paciência, o qual suportou as maiores injúrias e injustiças
em nosso benefício (p. 106), além do exemplo de outros santos (p. 111). Tais
exemplos devem servir de encorajamento. Porém, Edwards apresenta o ponto
interessante de que, se não somos pacientes, não estamos prontos para viver
num mundo perverso e injusto (p. 107), o que mostra quão ortodoxa era a sua
doutrina da Queda, bem como sua visão sobre a depravação total. Esse ponto
estaria em total desacordo com o otimismo do espírito da época em que ele
estava inserido. Mesmo sendo um homem de seu tempo, Edwards se mantém
firme nas doutrinas basilares das Escrituras.
A teologia pública ou prática era um ponto importante para Edwards.
Por isso, em seu quinto sermão se disporá a mostrar como a caridade dispõe
o cristão para a prática do bem aos outros (p. 119). Para tanto, propõe dividir o
dever cristão de fazer o bem em: ato, objetos e modo (p. 119s), o que mostra
o rigor filosófico na construção de seus argumentos. Como ato, ele entende
fazer o bem ao coração (p. 120), abrindo os olhos do incrédulo ou encorajando
um irmão a voltar a frequentar a igreja (p. 121), ou agir em questões externas,
como prestar socorro diante de um sofrimento ou necessidade comum da vida
(p. 121s). Sua definição de objeto é cumprir o mandamento de amar ao próximo,
155
CARIDADE E SEUS FRUTOS: UM ESTUDO SOBRE O AMOR EM 1 CORÍNTIOS 13
sem escolher como próximo aquele que aparentemente merece (p. 123). Mesmo
os maus, inimigos e ingratos devem ser alvo da bondade cristã, pois conclui
que Deus é bondoso conosco mesmo nós sendo maus, seus inimigos e ingratos.
Por “modo”, Edwards quer dizer fazer atos de bondade de forma espontânea
(p. 125), sem interesse próprio e com alegria pelo simples fato de ter a oportu-
nidade. Assim como no exemplo do amor benevolente de Cristo, nosso amor
deve ser marcado por boa vontade para com os homens (p. 128). Ele lembra
seus ouvintes que toda bondade em socorro do pobre e fraco deve ser motivada
pelo amor e é retribuída por Deus, nesta vida ou na próxima (p. 133s).
Na sexta exposição, Edwards mostra que o amor cristão é o total oposto de
uma conduta invejosa (p. 135), que ele define como sendo a insatisfação com
a superioridade de outra pessoa em comparação consigo mesmo em qualquer
aspecto da vida (p. 136). A antropologia de Edwards fica evidente quando ele
defende que é natural ao homem sentir inveja, pois seu desejo pecaminoso é
ser superior (p. 136). Continua explicando que a inveja se manifesta na repulsa
por quem prospera. É prática comum difamar aquele que prospera para tentar
manchar sua honra, diminuí-lo, e não pode haver lugar na natureza cristã para
atos e sentimentos invejosos (p. 138-140). A caridade genuína vai mais longe
ao dispor o cristão a se alegrar com a prosperidade do outro (p. 140). Edwards
defende que cada um deve experimentar contentamento com a posição na
qual Deus o colocou (p. 140), o que deve ter causado desconforto naqueles
que desejavam ascensão social em sua comunidade, bem como naqueles que
começavam a sentir o desejo de romper com a Inglaterra de alguma maneira, o
que não era o caso de Edwards. Sua aplicação se baseia nos preceitos deixados
por Jesus contra a inveja, como a humildade e a mansidão (p. 141). Segundo
Edwards, a doutrina da encarnação e o projeto redentivo de Deus servem como
evidências de quanto o evangelho é contrário à inveja, que é identificada
como uma característica de Satanás (p. 143), já que o orgulho, o desejo de
superioridade, é a fonte da inveja. Ele rebate a objeção de alguém poder alegar
que o que prospera não é digno, mostrando como isto é característico de um
coração invejoso (p. 148). E o amor que procede de Deus deve resultar em
alegria pelo bem dos outros (p. 152).
Ao mesmo tempo em que a caridade impede que o cristão tenha inveja
daquilo que o outro tem, também o impede de se orgulhar daquilo que ele
mesmo possui (p. 153), como Edwards defenderá em seu sétimo sermão. A so-
berba usualmente fomenta inveja e o amor divino não condiz com atitudes
soberbas e um coração orgulhoso. O amor cristão torna o homem humilde
graças à percepção de sua pequenez diante da comparação com Deus. Edwards
argumenta que a verdadeira humildade não deve ser confundida com a inferio-
ridade que alguém sente em comparação aos outros, enquanto ignora a distância
entre si próprio e Deus (p. 157). É a percepção da majestade e glória de Deus,
em contraste com a vileza do coração, que produzirá humildade. Novamente
156
FIDES REFORMATA XXI, Nº 2 (2016): 153-161
157
CARIDADE E SEUS FRUTOS: UM ESTUDO SOBRE O AMOR EM 1 CORÍNTIOS 13
em alimentar a ira pecaminosa dando vazão a seu orgulho e egoísmo (p. 231),
enquanto que os cristãos devem se irar somente pelos acontecimentos que são
uma ofensa a Deus (p. 230s). Sua leitura parece ser que poucos se iram contra
aquilo que ofende a Deus, ao mesmo tempo em que acendem forte ira quando
se sentem ofendidos.
A caridade, segundo Edwards, tem como um de seus frutos o julgamen-
to caridoso ao invés de um espírito de censura (p. 236). O amor não leva o
cristão a pensar mal dos outros, seja quanto a seu estado, ou ignorando suas
qualidades, ou em suas ações, sem que haja evidência para tal (p. 236-241).
Edwards não nega a possibilidade ou necessidade de se emitir juízo quanto ao
comportamento de alguém, seja por função civil ou por prerrogativa de um
cargo de liderança (p. 242). Porém, defende que sempre precisa haver clara
e justa evidência para se emitir um juízo com intuito de correção, sem sentir
prazer em condenar (p. 243s). Este seria um dos pontos de sua divergência
com alguns líderes do Grande Despertamento que eram rápidos em julgar se
esta ou aquela pessoa era ou não regenerada. De forma coerente, ele observa a
dificuldade que um indivíduo tem em julgar a si próprio e aqueles a quem ama.
Edwards alerta quanto ao fato de que, na maior parte do tempo, o julgamento
se dá em meio à indisposição quanto àquele que é julgado. Para ele, o espírito
crítico é fruto de um coração dominado pelo orgulho (p. 245s). Não se deve
ser tão apressado em pensar o pior dos outros (p. 250). E sua regra de ouro é
que cabe ao homem julgar como está sua própria situação perante Deus antes
de julgar os outros, lembrando que naquilo que se julga a outro também se é
julgado (p. 251).
A décima primeira exposição deixa claro que o amor cristão não condiz
com a injustiça, mas está ligado à verdade (p. 254). Edwards afirma sem dú-
vida que o amor cristão dispõe o homem à prática daquilo que é santo, pois a
graça salvífica deve resultar em busca da santidade (p. 254). Seu argumento
basilar é que Deus elege homens, pela graça, com a finalidade de fazê-los
santos (p. 255). Ao mesmo tempo, a obra redentora de Cristo, a conversão
e o conhecimento espiritual têm a prática santa como objetivo (p. 256-258).
A graça resulta em prática e viver santo (p. 260). A verdadeira fé salvífica é
operosa, o que a distingue da falsa fé (p. 262-266). Para Edwards, as ações de
uma pessoa revelam seu amor verdadeiro, aquilo que ocupa o lugar central
em seu coração. Logo, a busca pelo viver santo é evidência de ter recebido a
graça da verdadeira caridade (p. 267-268). As graças cristãs que Paulo apre-
senta no texto, quando presentes no coração do homem, resultam em prática
de santidade, numa relação como a da raiz de uma planta com a planta em si
(p. 277). O deleite na prática da santidade é o que distingue a maneira de viver
do cristão da mera moralidade, é o que argumenta Edwards. O deleite em Deus
e na sua graça e glória são parte importante de sua teologia.
158
FIDES REFORMATA XXI, Nº 2 (2016): 153-161
159
CARIDADE E SEUS FRUTOS: UM ESTUDO SOBRE O AMOR EM 1 CORÍNTIOS 13
E a graça não somente permanecerá, mas no fim será vitoriosa. Ainda que ela
enfrente uma longa temporada de dolorosos conflitos, e venha a sofrer muitas
desvantagens e privações, contudo viverá; e não apenas viverá, mas finalmente
prosperará e prevalecerá e triunfará, e todos os seus inimigos serão subjugados
sob seus pés (p. 327).
Permanecerá e será vitoriosa, pois será sustentada por Deus (p. 329-335).
Ele lembra a sua congregação que a falsa graça, baseada somente em aparência
externa, não resiste aos ataques (p. 328). Para Edwards é impossível alguém cair
dessa graça, razão pela qual o diabo se opõe fortemente à conversão, porque
não pode recuperar domínio sobre os que foram alvos da salvação (p. 336).
Edwards traça na décima quinta exposição um claro contraste entre a
caridade e os outros dons comunicados pelo Espírito, pois, enquanto estes
têm um caráter temporário, o amor cristão permanecerá com a igreja de Cristo
mesmo após a glorificação (p. 341-343). Para ele, o Espírito é dado à igreja
como cumprimento da promessa de Deus em Cristo (p. 344). Apesar de os pri-
meiros pais, Adão e Eva, terem possuído o Espírito, eles o perderam já que não
o possuíam da mesma forma que a igreja. É a aliança em Cristo que garante a
presença perene do Espírito com o seu povo (p. 345). Os dons extraordinários
ou ordinários comunicados pelo Espírito têm tempo determinado para durar
(p. 346), pois, como explica Edwards, são meios de graça que não serão mais
necessários no céu (p. 347). Em contrapartida, a caridade permanecerá na igreja,
tanto nos indivíduos quanto em sua coletividade (p. 350-352). No estado mais
glorioso da igreja, o amor cristão, o mais excelente dos dons, se apresentará em
grau perfeito e não haverá necessidade dos outros dons (p. 357). Edwards alerta
quanto ao perigo de uma supervalorização de dons extraordinários, os quais,
por terem cessado após sua necessidade, no tempo presente não passariam de
ilusão (p. 358). Ele mostra sua preocupação de que sinais e prodígios sejam
usados como evidência da ação do Espírito. Para ele o cristão deve buscar o
mais excelente dom, a caridade, que permanecerá mesmo quando todos os
outros cessarem eternamente (p. 358s).
Na última exposição da série, Edwards faz uma comparação entre a igreja
antes do cânon e a atual, e depois entre o atual estado da igreja e seu perfeito
estado no céu (p. 362). Ele deixa transparecer certa ideia de progresso, típica
do espírito de sua época, contudo apoiada em pressuposto distinto, o milênio,
um estado mais glorioso da igreja antes da volta de Cristo. E no céu a igreja
atingirá o estado mais perfeito pelo preencher do Espírito. O resultado será
o amor divino, ou caridade, em seu estado mais pleno e como único dom a
permanecer (p. 363). A presença de Deus é a fonte desse mais perfeito amor
(p. 364). Ainda lembra que nada odioso permanecerá no céu, somente o que é
amável e em está em seu estado perfeito (p. 366s), e isto favorecerá o estado
de amor pleno. O amor perfeito flui de Deus para todos os corações (p. 370) e
o amor de Cristo pelos santos será perfeitamente entendido (p. 371). Edwards
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FIDES REFORMATA XXI, Nº 2 (2016): 153-161
lembra a seus ouvintes que o amor que há no céu é superior ao terreno porque
é espiritual e é perfeito (p. 372s). As relações serão mútuas e sem nódoa de
ciúme ou limitações físicas, emocionais ou espirituais para o perfeito fluir
deste amor (p. 376-390). Por contraste, devem se preocupar os que praticam
o que é contrário ao amor divino, sendo lembrado que não têm participação
na graça que leva ao céu (p. 391). Para Edwards, tal doutrina resultaria em
alegria e esperança para os que praticam o amor cristão (p. 393) e alerta para
os impenitentes ao perceberem o que perderão (p. 396). Seu desejo em rela-
ção a sua congregação era estimulá-la a buscar participar desse universo de
amor perfeito (p. 402), para que não fosse distraída pelas coisas deste mundo
(p. 405), nem ficasse desencorajada pelas dificuldades para lá chegar (p. 406),
permanecendo assim firme diante da promessa graciosa.
Em suma, Edwards está preocupado de que sua congregação, depois de
experimentar uma ação intensa do Espírito, não esteja demonstrando o efeito
principal e ordinário dessa ação, o amor. Contudo ele também não acredita
ser possível praticar o amor cristão sem a regeneração do Espírito. Assim é
possível afirmar que Caridade e Seus Frutos serve como alerta contra uma
teologia meramente especulativa e, ao mesmo tempo, contra qualquer esforço
de conferir às “obras de amor” um status salvífico. Para Edwards, não existia
qualquer dicotomia entre devoção e prática, pois sua teologia abrange tanto a
esfera privada como a pública, sem desassociar reflexão e práxis. Seu equilíbrio é
possivelmente o maior legado para o cenário atual do evangelicalismo brasileiro.
161
FIDES REFORMATA XXI, Nº 2 (2016): 163-174
Resenha
Donizeti Rodrigues Ladeia*
163
INVESTIGAÇÃO SOBRE A MENTE HUMANA SEGUNDO OS PRINCÍPIOS DO SENSO COMUM
fazer uma crítica de suas críticas. Para isso, devem ler Thomas Reid (1710-1796),
uma espécie de pioneiro nesse tipo de empreitada. Sua obra An Inquiry into
the Human Mind on the Principles of Common Sense, de grande valor e im-
portância no contexto britânico e americano, foi publicada em português por
Edições Vida Nova em 2013, o que representa uma excelente notícia.
Thomas Reid nasceu em 26 de abril de 1710 e faleceu em 7 de outubro
de 1796. Foi um filósofo escocês e também um pastor presbiteriano, contem-
porâneo de David Hume (1711-1776) e fundador da escola escocesa do Senso
Comum. Desempenhou um papel muito importante no chamado Iluminismo
Escocês. A obra Investigação Sobre a Mente Humana Segundo os Princípios
do Senso Comum, publicada em 1764, foi um forte ataque ao pensamento de
David Hume, principalmente depois do livro Tratado da Natureza Humana.
Esse livro de Thomas Reid pode ser visto como um ato de fé, uma ação
apologética, muito bem-vinda por sinal.3 Ele parece ser petulante por se propor a
desafiar um gigante como David Hume, considerando que para muitos, naquele
momento, Reid era apenas um “religioso”, um simples pastor de sua paróquia,
um ministro presbiteriano e estudioso das obras de Locke, Berkeley, Newton e
do próprio David Hume, contudo sem muita expressão no cenário filosófico.4
Ao invés de enfrentar o inimigo com poderosa armadura, com forte escudo e
afiada espada, ele apareceu no cenário filosófico com um punhado de cinco
pedras,5 o que fez com que o gigante se expressasse da seguinte forma: “Quem
dera os clérigos se ativessem à sua posição de cuidar das ovelhas e deixassem
para os filósofos a tarefa de perscrutar com temperança e boas maneiras”.6 Na
verdade, depois da pedra certeira, o grande filósofo disse que os escritos de
Reid “eram um sério desafio frente às ideias céticas”.7
Reid mesmo mostra esse respeito:
3 Thomas Reid tem sido estudado por muitos que se interessam por filosofia, principalmente por
estudiosos interessados em questões morais, epistemológicas e apologéticas. Hoje pode-se encontrar
a obra de Reid por meio de reedições de seus originais e por meio de seus manuscritos. O material de
língua inglesa garante acesso às principais obras, tais como os ensaios, obras essas importantes também
para outros campos, como o linguístico.
4 Tal pensamento é uma injustiça, devido à envergadura filosófica desse pensador. Sua filosofia
atingiu a Alemanha, a França e a América do Norte. Para maiores informações sobre a importância de
Thomas Reid, sugiro a excelente obra: WOLTERSTORFF, Nicholas. Thomas Reid and the story of
epistemology. Cambridge: Cambridge University Press, 2001.
5 Estou falando da obra analisada, que se concentra na pesquisa de Reid dedicada ao exame
dos cinco sentidos e das operações e capacidades da mente que são empregadas a fim de que os seres
humanos possam obter conhecimento.
6 Esse trecho se encontra em: BROOKES, Derek R. (Org.). The Edinburgh edition of Thomas
Reid. University Park, PA: Pennsylvania State University Press, 1997, p. 257.
7 BEANBLOSSOM, Ronald E.; LEHRER, Keith. Thomas Reid, Inquiry and Essays. Indianapolis,
Indiana: Hackett Publishing, 1983, p. 12. Reproduzido de: HAMILTON, William (Org.). The Work of
Thomas Reid. 6ª ed. Edimburgo: Maclachlan and Stewart, 1863.
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FIDES REFORMATA XXI, Nº 2 (2016): 163-174
Mas pode alguma mente ingênua admitir esse sistema cético sem relutância?
Certamente não pude, meu senhor: pois estou persuadido de que o ceticismo
absoluto não é mais destrutivo à fé de um cristão que à ciência de um filósofo
e à prudência de um homem de entendimento comum. Estou persuadido de
que os injustos vivem pela fé assim como os justos; de que, se todas as crenças
pudessem ser deixadas de lado, piedade, patriotismo, amizade, afeição familiar,
e virtude privada pareceriam tão ridículos quanto a cavalaria errante; e de que
a busca por prazer, ambição e avareza deve ser fundada na crença, bem como
aquela que é honrável e virtuosa (p. 16).
Tais faculdades, portanto, se têm alguma influência neste caso, devem produzir
a noção de uma existência distinta, não a de uma existência contínua; e, para
isso, devem apresentar suas impressões, seja como imagens e representações,
seja como essas próprias existências distintas e externas.8
Para Hume, portanto, podemos concluir com certeza que a opinião de uma
existência continuada e de uma existência distinta nunca surge dos sentidos.
Em outro lugar, Hume comenta sobre a natureza do corpo:
8 HUME, David. Tratado da natureza humana: uma tentativa de introduzir o método experi-
mental de raciocínio nos assuntos morais. Trad. Déborah Danowski. 2ª ed. São Paulo: Editora Unesp,
2009, p. 221.
165
INVESTIGAÇÃO SOBRE A MENTE HUMANA SEGUNDO OS PRINCÍPIOS DO SENSO COMUM
Então, podemos sem dúvida perguntar que causas nos induzem a acreditar
na existência do corpo. Mas é vão perguntar se há ou não corpo.9
A filosofia de Hume e seus axiomas se tornaram muito importantes. Ele
cresceu no conceito europeu e se tornou um expoente. Sua obra influenciou
ninguém menos que Kant, que, conforme sabemos, acordou de um sono
dogmático por meio dos passos do gigante, como ele mesmo disse.10 Basta
entender que aos poucos o Tratado se tornou uma fonte inspiradora e atraiu
muitos adversários, dentre eles o pastor presbiteriano Thomas Reid.
O livro Investigação Sobre a Mente Humana Segundo os Princípios do
Senso Comum é resultado da tentativa de responder uma questão epistemoló-
gica. Por isso, essa obra não deve ser lida apenas como um texto devocional.
Na verdade, trata-se de um profundo arrazoado filosófico que trata de rebater
os argumentos de um gigante do empirismo. Os leitores desse livro devem
estar preparados minimamente para isso, tendo relativa noção de Descartes,
Locke, Berkeley e principalmente David Hume.
O que se observa nas obras de Reid, principalmente na Investigação, é
como desde o passado, por meio de seu mestre George Turnbull (1698-1748),11
ele sentiu a necessidade de defender a capacidade humana de compreender
o mundo em que vive por meio de suas percepções. Ele atesta que lidar com o
assunto requer toda a atenção e dedicação, e sua preocupação com as recentes
movimentações filosóficas de seus dias lhe trazia a necessidade de escrever
mais sobre o assunto. 12
9 São intermináveis as baterias de argumentos de Hume contra as antigas crenças da igreja, tais
como: 1) é possível que a matéria seja auto-organizada e não organizada por um Criador; 2) é impossível
tirar conclusões sobre o todo a partir de uma parte; 3) não há relação de causa e efeito.
10 KANT, Emanuel. Prolegômenos a toda metafísica futura que queira apresentar-se como ciência.
Lisboa: Edições 70, 1981, p. 14.
11 Sobre a importância desse mestre, ler: BROADIE, Alexander (Org.). The Cambridge Companion
to the Scottish Enlightenment. Cambridge: University Press, 2003.
12 Para entender melhor a prodigiosa obra de Reid, recomendo: The Works of Thomas Reid. 5ª ed.
Edimburgo: Maclachlan and Stewart, 1858, livro fundamental para o estudo da filosofia desse pensador.
Essa edição de 914 páginas, com duas colunas em cada página, inclui todos os trabalhos de Reid, com
notas de Sir William Hamilton. Apresenta os textos oficiais revisados e corrigidos, com distinções úteis
e suplementos, material que somado faz desta obra a mais completa sobre a Filosofia do Senso Comum.
166
FIDES REFORMATA XXI, Nº 2 (2016): 163-174
13 McGrath identifica aqui a necessidade de ver o termo “racionalismo” com certa cautela, e perceber
que aqui ele não é usado somente para designar “o ambiente geral de otimismo com base na crença no
progresso científico e social que permeou grande parte deste período” e que de certa forma o melhor uso
do termo deveria ser quanto à ideia de que “o mundo externo pode ser conhecido única e exclusivamente
pela razão”. McGRATH, Alister E. Teologia histórica: uma introdução à história do pensamento cristão.
São Paulo: Cultura Cristã, 2007, p. 239. Este racionalismo surge em Hume também como uma crítica
à religião, pois “para Hume era axiomático que o testemunho humano não era adequado para provar a
ocorrência de um milagre na ausência de um análogo contemporâneo”. McGRATH, Teologia histórica,
p. 243.
14 REID, Works, p. 13. Recomendo a leitura de dois textos importantes nessa coletânea: “Ensaios
sobre os poderes intelectuais do homem” (1785) e “Ensaios sobre os poderes ativos do homem” (1788).
15 Francis Schaeffer chamaria de linha de desespero, uma forma de a natureza consumir a graça.
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certifica que seria incompreensível desestimular o uso dos sentidos como uma
forma de compreensão verdadeira das afirmações:
21 Aqui temos um ser em cuja existência podemos acreditar, algo diametralmente diferente da
percepção de Hume, que não acreditava na inexistência do próprio eu.
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faz com que o homem possa usar esse sentido como forma de convicção em
suas definições: o amargo sempre será amargo e o doce sempre será doce,
independente do julgamento quanto à quantidade. O mesmo ocorrerá quando
ele anexa ao tema a questão da memória que capacita o indivíduo a trabalhar
com o julgamento antes da simples apreensão.
No capítulo 4, quanto à audição, Reid toma o mesmo caminho dos outros
sentidos. Sua defesa é acerca das pessoas que distinguem alguns sons que
outras não conseguem captar. Ele argumenta: embora estejamos ouvindo,
tendo capacidade de percepção de harmonia e melodia, e de todos os encantos
da música, ainda parece que estes requerem uma faculdade mais elevada que
nós chamamos de ouvido musical. Este parece ter muitos graus diferentes,
naqueles que têm a faculdade pura e simples de ouvir de modo igualmente
perfeito, e então não devem ser classificados com os sensos externos, mas em
uma ordem mais alta.
Nesse quesito, ele se ocupa mais com a linguagem. Reid não tem pro-
blemas em dizer que sua compreensão sobre a linguagem está pautada no fato
de que há uma capacidade natural dada ao homem (p. 81), por isso ele não se
preocupa em trabalhar a história da linguagem. Porém, diante da importância
do assunto, ele aponta que essa parte é fundamental quando se trata de outros
aspectos ligados às representações por meio da língua (idioma): através do
idioma eu entendo todos esses sinais que o gênero humano usa para comunicar
os seus pensamentos e intenções, seus propósitos e desejos. E tais sinais podem
ser concebidos em dois tipos. Primeiro, como não tendo nenhum significado,
mas os que são anexados a eles de forma compacta os usam como sinais artifi-
ciais; segundo, como é comum, o idioma tem um significado que todo homem
entende pelos princípios da natureza. Tendo postulado essas definições, ela
pensa que é demonstrável que se os seres humanos não tivessem um idioma
natural eles nunca poderiam ter inventado um artificial pela razão e engenho-
sidade. Para toda linguagem artificial há um acordo que se supõe para anexar
certo significado aos sinais. Então deve haver compactos ou acordos antes
do uso de sinais artificiais, mas não pode haver nenhuma interação humana
sem sinais, nem sem idioma. Assim, devia haver um idioma natural antes de
qualquer linguagem artificial que pudesse ser inventada.
Realmente, até mesmo os brutos têm alguns sinais naturais pelos quais
eles expressam os seus próprios pensamentos, afetos e desejos, e entendem
tais sentimentos em outros. São animais que entendem, por natureza, que o
som das vozes humanas pode significar um sinal de ameaça (p. 82), ou seja,
os animais, que não têm nenhuma noção de contratos ou convenções, ou de
obrigações morais para executá-los, mesmo assim se expressam e por certo seus
instintos demonstram a necessidade de comunicação. E onde a natureza negou
essas noções, é impossível adquiri-las por arte, como é para um homem cego
adquirir a noção de cores. Alguns brutos são sensatos em honrar ou desonrar,
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eles têm ressentimento e gratidão, mas nenhum deles, até onde sabemos, pode
fazer uma promessa, ou mostrar fé, não tendo nenhuma noção da constituição
racional. E, se o gênero humano não tivesse essas noções por natureza, e sinais
naturais para expressá-las com toda sua inteligência e criatividade, se nunca
tivessem inventado um idioma, a linguagem seria desnecessária. Mas porque ela
faz parte de uma capacidade natural, o homem pode transmitir o conhecimento.
Reid não quer dizer que todos os que pintam ou escrevem seriam de fato
bons pintores ou bons escritores, mas o uso dos símbolos de comunicação é
na verdade uma necessidade natural deles, que os conduz à necessidade de
conversar, de estar juntos, de se comunicar. Os homens sempre usarão sinais,
e onde não puderem fazer isto através de sinais artificiais, eles o farão, até
onde possível, por meio de sinais naturais (p. 83). Para Reid, o uso de sinais
naturais deve ser o melhor juiz em todas as artes expressivas. Este é o seu
famoso argumento de “linguagem natural”.
No capítulo 5 temos o sentido do tato. Reid afirma que a sensação do toque
primeiro sugestiona as mesmas noções do corpo e suas qualidades. Quando
se fala de sensação de quente ou de frio, está-se usando a mesma concepção
de Newton quando ele descobriu a lei da gravitação e as propriedades da
luz (p. 84). Para ele, a obra de Newton é uma prova de que o valor do senso
comum se torna usual no dia a dia. Os homens sábios concordam ou devem
concordar em que não há senão um caminho para conhecer as obras da na-
tureza: o caminho da observação e do experimento. Pela nossa constituição,
somos fortemente levados a conduzir fatos e observações particulares, extrair
regras gerais e aplicar essas regras gerais para explicar outros efeitos ou para
nos orientar em sua produção. Esse procedimento do intelecto é familiar a toda
criatura humana nas questões comuns da vida e é o único meio através do qual
se pode realizar toda descoberta real em filosofia.
É importante ressaltar algumas expressões do livro que podem passar
despercebidas para muitos, como “princípio original de nossa constituição”,
que sugere à mente, por exemplo, a concepção de dureza quando cria a crença
nela, uma sensação que é um signo natural de dureza. Esses “signos naturais”
podem ser descobertos pela experiência e pelo aprimoramento da experiência,
que geram crença. Tais signos são fenômenos da natureza humana e não temos
como argumentar de forma contrária só por causa da hipótese do Tratado da
Natureza Humana, que acredita que o processo epistemológico é atomístico.
No capítulo 6, que é o mais extenso, temos o sentido da visão. Grande parte
da investigação de Reid é dedicada a esse sentido. Ele mostra que a descoberta
de Isaac Newton quanto ao conhecimento óptico, como um filósofo natural, é
uma forma de humilhar os modernos céticos que ao estudarem as descobertas
do mestre da física ficam emaranhados em contradições.
Reid faz muitas considerações sobre a visão, valorizando esse sentido
como um dos mais nobres. Para ele, a estrutura dos olhos, com toda a sua
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Uma conclusão prévia: quando se diz que a cor não é uma qualidade dos
corpos, mas apenas uma ideia na mente, nós temos que mostrar que a palavra
cor, como a usamos de forma vulgar, pode significar não apenas uma ideia
da mente, mas a permanente qualidade do corpo. Nós podemos mostrar que
há uma qualidade permanente do corpo, para que o uso comum da palavra
esteja exatamente de acordo.
Ao se ler a Investigação, percebe-se que o diapasão que acaba de ser
exposto é uma constante. Reid fala contra o pensamento de filósofos mo
dernos de sua época, como Locke e Hume. Isso porque todos seguiam a com-
preensão de que tudo já estava preordenado na mente e que os sentidos não
eram confiáveis. Todas as dificuldades apontadas por Reid, quando fala das
dificuldades de interpretação pelos sentidos, apresentam a possível existência
de um caminho mais fácil, e não que se trata apenas de “impressões”. Para ele,
nos sentidos também são encontradas dificuldades, como quase tudo na vida, e
para esclarecê-las são necessárias maiores pesquisas começando sempre pela
forma mais simples que é o senso comum. É desta forma que a raça humana
alcança o devido sucesso na busca pela verdade. É por isso que nesse capítulo
ele exalta as descobertas de Newton quanto aos avanços alcançados no co-
nhecimento da óptica, que, segundo ele, enobreceram não apenas a filosofia,
mas a natureza humana. Essas descobertas devem para sempre envergonhar
as tentativas ignóbeis dos céticos modernos de depreciar o entendimento hu-
mano e de desanimar os homens em sua busca pela verdade, representando
as faculdades humanas como não sendo aptas para nada, a não ser nos levar a
absurdos e contradições (p. 85).
Ele continua mostrando que as deficiências nos sentidos, como a cegueira,
podem ser superadas mediante o uso de outros sentidos. Isso é prova, segundo
Reid, de que abrir mão dos órgãos dos sentidos, ou diminuí-los, seria um gra-
ve erro: um homem cego pode conceber linhas esboçadas de muitos pontos
do objeto fazendo ângulos mentais. Ele pode conceber que o comprimento do
objeto será grande ou pequeno, na proporção do ângulo que é subentendido
na percepção, e que, de certa forma, a largura e a distância geral de qualquer
ponto do objeto a outro ponto qualquer irá aparecer como grande ou pequena
na proporção dos ângulos em que a distância será subentendida.
Destaca-se nesse capítulo a “teoria da percepção de Reid”. A percepção
ganha destaque na obra de Reid, que atesta que “é por causa da passagem”
imediata das sensações para a mente que há concepção e convicção do objeto
que nós concebemos por meio dela. Dessa maneira, a passagem dos sinais para
as coisas significadas ocorre nos sinais ou objetos externos para expressar a
função da natureza.
No capítulo 7 temos a conclusão. Ali Reid nos oferece um resumo his-
tórico da investigação da mente humana, dividindo tudo em dois momentos:
período antigo e moderno, filosofia antiga e nova. A ruptura foi causada por
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22 A importância de Thomas Reid se faz presente em várias áreas, como a antropologia. Ver, por
exemplo: GEERTZ, Clifford. O saber local. 8ª ed. São Paulo: Vozes, 2006; A interpretação das culturas.
São Paulo: LTC, 1989; Nova luz sobre a antropologia. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
23 Recomendo aos interessados as seguintes obras: PLANTINGA, Alvin. Self-Profile. Boston:
Reidel, 1985; NASH, Ronald. Questões últimas da vida: uma introdução à filosofia. Trad. Wadislau
Martins Gomes. São Paulo: Cultura Cristã, 2008; WOLTERSTORFF, Nicolas. Thomas Reid and the
Story of Epistemology. Cambridge: University Press, 2004; HORTON, Michael S. O cristão e a cultura.
São Paulo: Cultura Cristã, 1998.
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Excelência e Piedade a Serviço do Reino de Deus