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Marx e Seu Método

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O MÉTODO EM MARX

O que é o método em Marx? Qual a relação sujeito/objeto proposta por


Marx? Como o método da economia política pode ter a pretensão de alcançar um
conhecimento concreto? O que é uma categoria para Marx? Por que o modo como
uma sociedade produz é central na análise de Marx?

1 O MÉTODO DA ECONOMIA POLÍTICA (1859)


Para começar a discutir o método em Marx, partiremos primeiramente da
introdução do Grundrisse, no texto O método da economia política. A importância
deste texto é fundamental. A aula de José Paulo Netto, sobre o método em Marx, se
baseia quase que inteiramente nas discussões deste texto. Assim como a primeira
aula do Caio Antunes. A leitura deste único texto me fez aprofundar na teoria
sociológica de uma maneira que nenhum outro texto fez. Eu finalmente entendi a
centralidade da discussão sujeito/objeto. E essa é a primeira questão a ser tratada
neste ensaio. Portanto, partiremos dos principais pontos deste texto para responder
essa questão, trazendo também o conteúdo das aulas de Paulo Netto e Caio A.
José Paulo Netto descreve o que é conhecimento teórico para Marx, da
seguinte forma: “reprodução ideal do movimento real do objeto”. O papel do sujeito
em relação ao objeto não é o de criar categorias ou leis através do pensamento,
mas o de reproduzir idealmente o movimento real do objeto. Aqui já temos um
primeiro elemento do método marxista: o sujeito não cria o objeto, de maneira
alguma. Ele somente reproduz idealmente na sua cabeça a existência deste objeto.
O sujeito não “inventa” a categoria de “trabalho”. Ele à retira, extrai da realidade
concreta. O objeto existe fora da cabeça do sujeito, e continua a existir tendo o
sujeito apreendido ou não seu movimento. É nesse sentido a crítica que Marx faz ao
pensamento de Hegel:

“Por isso, Hegel caiu na ilusão de conceber o real como resultado do


pensamento que sintetiza-se em si, aprofunda-se em si e movimenta-se a
partir de si mesmo; enquanto o método de ascender do abstrato ao concreto
é somente o modo do pensamento de apropriar-se do concreto, de
reproduzi-lo como um concreto mental.” (MARX, 1859, p. 54-55)
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Caio aborda o mesmo tópico no seu curso, mas de uma maneira diferente.
Ele cita uma famosa passagem de Marx: “a humanidade nunca se coloca problemas
(questões) que não tenha condições de responder”. Ou seja, quando pensamos isso
pela relação sujeito/objeto, ela é bastante óbvia, quase que uma reformulação
poética do que foi discutido neste texto. O sujeito não se coloca questões que já não
tenha condições historicamente dadas de responder, porque suas questões não são
frutos “naturais” da sua cabeça (Não se pari nem se defeca um problema), elas
emanam do objeto concreto, cujas possibilidades de compreende-lo se dão
justamente pela existência deste objeto em movimento (dentro de suas
determinações históricas).
Aqui realizarei um breve parêntese para explicitar o que significa “objeto em
movimento” para Marx. Apesar de eu achar de que, muito provavelmente, é um
termo retirado da teoria de Hegel e, portanto, com sentido que remete à esta teoria –
acredito que “objeto em movimento” para Marx nada mais é que determinado objeto
inserido em determinado momento histórico. O objeto nunca é ideal. Ele não “mora”
no céu dos objetos ideais. Ele é fruto de uma realidade histórica específica, e só
existe em conjunto com várias outras determinações sociais de seu tempo. Não há
possibilidade alguma de uma categoria existir sozinha ou separada de um contexto
amplo de outras determinações. Como Marx diz, qualquer categoria “não pode
jamais existir, exceto como relação abstrata, unilateral, de um todo vivente, concreto,
já dado”. [No curso do José Paulo Netto, ele aborda a questão do movimento em
Marx e Hegel. Aparentemente não é bem isso que eu escrevi]
Bem, mas como se ascende do abstrato ao concreto? Como se dá o contato
do sujeito com o objeto? Para responder isso, vamos observar as primeiras páginas
d’O método da economia política.
Se a teoria se propõe a analisar o objeto concreto, nada mais correto que
comecemos pelo imediato. Basicamente, o que Marx está falando é que ao partimos
de um “pressuposto efetivo”, de analisar a realidade concreta a partir de um ponto
político-econômico, consideremos o mais imediato que aparenta ser a totalidade, por
exemplo, a população. Da população eu chegaria à conceitos cada vez mais simples
que constituem este objeto. Este trecho descreve este bem este caminho de ida e de
volta do método da economia política:
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“A população é uma abstração quando deixo de fora, por exemplo, as


classes das quais é constituída. Essas classes, por sua vez, são uma
palavra vazia se desconheço os elementos nos quais se baseiam. P. ex.,
trabalho assalariado, capital etc. Estes supõem troca, divisão do trabalho,
preço etc. O capital, p. ex., não é nada sem o trabalho assalariado, sem o
valor, sem o dinheiro, sem o preço etc. Por isso, se eu começasse pela
população, esta seria uma representação caótica do todo e, por meio de
uma determinação mais precisa, chegaria analiticamente a conceitos cada
vez mais simples; do concreto representado [chegaria] a conceitos abstratos
[Abstrakta] cada vez mais finos, até que tivesse chegado às determinações
mais simples. Daí teria de dar início à viagem de retorno até que finalmente
chegasse de novo à população, mas desta vez não como a representação
caótica de um todo, mas como uma rica totalidade de muitas determinações
e relações.” (MARX, 1859, p. 54)

É difícil resumir isso sem repetir as palavras de Marx. O texto é curto e Marx
é bastante direto. Mas podemos ver que, numa primeira via, partindo de uma
representação plena (população), ela se volatiza em determinações abstratas
(classe, trabalho, capital, etc.). E na segunda via “as determinações abstratas levam
à reprodução do concreto por meio do pensamento”. E esta segunda via, Marx diz
que é o “método cientificamente correto”, pois:

“O concreto é concreto porque é a síntese de múltiplas determinações,


portanto, unidade da diversidade. Por essa razão, o concreto aparece no
pensamento como processo da síntese, como resultado, não como ponto de
partida, não obstante seja o ponto de partida efetivo e, em consequência,
também o ponto de partida da intuição e da representação.” (MARX, 1859,
p. 54)

Ou seja, o concreto é uma “síntese de múltiplas determinações”. Essa


síntese são as “categorias” retiradas da análise de uma totalidade concreta.
Marx avança no texto a discussão da relação sujeito/objeto. Ele nos
apresenta uma concepção do que é o pensamento científico e sua distinção de
outras formas de apropriação da realidade:

“O todo como um todo de pensamentos, tal como aparece na cabeça, é um


produto da cabeça pensante que se apropria do mundo do único modo que
lhe é possível, um modo que é diferente de sua apropriação artística,
religiosa e prático-mental.” (MARX, 1859, p. 55)

O todo aqui pode ser entendido com a "verdade". A máxima compreensão da


realidade, cujo modo de apropriação da realidade (diferente da arte e da religião) é
um produto da cabeça pensante que se apropria do mundo do único modo que lhe é
possível. Ou seja, consideremos, por exemplo, o conceito de gravidade da física. Ou
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o pensamento reproduz de maneira concreta a gravidade em si da única maneira


que é possível, ou ele não o representa. Não é possível existir duas definições
diferentes sobre a gravidade, ou diversas interpretações. Se elas existem e ambas
representam de maneira concreta esse fenômeno, quer dizer que nenhuma das
duas apreendeu a totalidade deste fenômeno da única maneira que lhe é possível.
Marx diria que a gravidade continua a existir “em sua autonomia fora da cabeça”.
O sujeito que pesquisa, recebe as categorias e as leis do objeto. Ele se
apropria do movimento real do objeto da única maneira que lhe é possível. E isso
não significa que o objeto é estático. Muito pelo contrário, as leis, regulamentações e
determinações do objeto estão em movimento. Isso não significa também que ele é
relativo ao ponto de estar aberto à múltiplas interpretações. Mas também não é
estático. Portanto, as leis e determinações deste objeto estão completamente
relacionadas com o caráter histórico do objeto.
Seguindo no texto, Marx faz a seguinte indagação:

“Mas essas categorias simples não têm igualmente uma existência


independente, histórica ou natural, antes das categorias mais concretas?
Isto depende.” (MARX, 1859, p. 55)

A discussão que se segue é de altíssima importância. Eu não pretendo


resumi-la aqui. Mas levantar a importância da questão para estudos que seguem o
método da economia política. A questão que Marx discute até o final do texto é saber
em que medida estas categorias simples podem explicar, e de que forma podem
explicar formas de sociedade específicas. Praticamente Marx discute o modo de
evitar cair num anacronismo histórico ao aplicar estas “categorias” simples em
realidade históricas concretas. A importância disso para o estudo das origens
agrárias do Estado brasileiro é absolutamente fundamental. É a partir dela que as
polêmicas questões da existência ou não do feudalismo no Brasil devem ser
confrontadas.
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“Esse exemplo do trabalho mostra com clareza como as próprias categorias


mais abstratas, apesar de sua validade para todas as épocas – justamente
por causa de sua abstração –, na determinabilidade dessa própria
abstração, são igualmente produto de relações históricas e têm sua plena
validade só para essas relações e no interior delas. A sociedade burguesa é
a mais desenvolvida e diversificada organização histórica da produção. Por
essa razão, as categorias que expressam suas relações e a compreensão
de sua estrutura permitem simultaneamente compreender a organização e
as relações de produção de todas as formas de sociedade desaparecidas,
com cujos escombros e elementos edificou-se, parte dos quais ainda
carrega consigo como resíduos não superados, parte [que] nela se
desenvolvem de meros indícios em significações plenas etc. A anatomia do
ser humano é uma chave para a anatomia do macaco. Por outro lado, os
indícios de formas superiores nas espécies animais inferiores só podem ser
compreendidos quando a própria forma superior já é conhecida. Do mesmo
modo, a economia burguesa fornece a chave da economia antiga etc. Mas
de modo algum à moda dos economistas, que apagam todas as diferenças
históricas e veem a sociedade burguesa em todas as formas de sociedade.
Pode-se compreender o tributo, a dízima etc. quando se conhece a renda
da terra. Porém, não se deve identificá-los. Como, ademais, a própria
sociedade burguesa é só uma forma antagônica do desenvolvimento, nela
são encontradas com frequência relações de formas precedentes
inteiramente atrofiadas ou mesmo dissimuladas. Por exemplo, a
propriedade comunal. Por conseguinte, se é verdade que as categorias da
economia burguesa têm uma verdade para todas as outras formas de
sociedade, isso deve ser tomado cum grano salis. Elas podem conter tais
categorias de modo desenvolvido, atrofiado, caricato etc., mas sempre com
diferença essencial.” (MARX, 1859, p. 58-59)

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