SAVA
SAVA
SAVA
2ª EDIÇÃO
SBA
Sociedade Brasileira de Anestesiologia
Rio de Janeiro
2018
Suporte Avançado de Vida em Anestesia - 2ª Edição
Copyright© 2018, Sociedade Brasileira de Anestesiologia
Proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer sistema, sem prévio consentimento da SBA.
Diretoria
Sérgio Luiz do Logar Mattos
Erick Freitas Curi
Tolomeu Artur Assunção Casali
Augusto Key Karazawa Takaschima
Armando Vieira de Almeida
Marcos Antonio Costa de Albuquerque
Rogean Rodrigues Nunes
Coordenação do livro
Waston Vieira Silva
David Ferez
Capa e diagramação
Marcelo de Azevedo Marinho
Supervisão
Maria de Las Mercedes Gregoria Martin de Azevedo
Revisão Bibliográfica
Teresa Maria Maia Libório
Auxiliar Técnico
Marcelo de Carvalho Sperle
Ficha catalográfica
S678s Suporte Avançado de Vida em Anestesia / Editores: Waston Vieira Silva, David Ferez, Sérgio Luiz do
Logar Mattos, Rogean Rodrigues Nunes, Lais Helena Navarro e Lima e Rodrigo Moreira e Lima.
Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Anestesiologia/SBA, 2018.
432 p.; 25cm.; ilust.
ISBN 978-85-98632-44-5
Vários colaboradores.
1. Anestesiologia – Estudo e ensino. I. Sociedade Brasileira de Anestesiologia. II. Mattos, Sérgio Luiz do
Logar. III. Nunes, Rogean Rodrigues. IV. Silva, Waston Vieira. V. Ferez, David. VI. Lima, Lais Helena
Navarro e. VII. Lima, Rodrigo Moreira e.
CDD - 617-96
Produzido em Janeiro/2019
David Ferez
• TSA – SBA, Membro da Comissão de Estatuto, Regulamentos e Regimentos da SBA.
• Instrutor do Curso SAVA.
• Professor da Disciplina de Anestesiologia, Dor e Medicina Intensiva da EPM/UNIFESP.
• Professor de Praticas Médicas da Universidade Anhembi-Morumbi.
• Coordenador da Residência Medica em Anestesiologia do Hospital São Joaquim da Benemérita.
• Responsável pelo CET Serviço de Anestesiologia do Hospital da Beneficência Portuguesa de São Paulo.
AUTORES/COAUTORES
Adeli Mariane Vieira Lino Alfano
• Médica anestesiologista do Grupo de Anestesiologistas Associados Paulista (GAAP).
• Instrutora associada do CET GAAP/Hospital São Camilo.
David Ferez
• TSA – SBA, Membro da Comissão de Estatuto, Regulamentos e Regimentos da SBA.
• Instrutor do Curso SAVA.
• Professor da Disciplina de Anestesiologia, Dor e Medicina Intensiva da EPM/UNIFESP.
• Professor de Praticas Médicas da Universidade Anhembi-Morumbi.
• Coordenador da Residência Medica em Anestesiologia do Hospital São Joaquim da Benemérita.
• Responsável pelo CET Serviço de Anestesiologia do Hospital da Beneficência Portuguesa de São Paulo.
Débora de Oliveira Cumino
• TSA – SBA, Presidente da Comissão de Ensino e Treinamento CET/SBA 2017.
• Instrutora corresponsável pelo CET da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.
• Doutora em Pesquisa em Cirurgia pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
• Coordenadora do Serviço de Anestesiologia Pediátrica-SAPE/ Hospital Infantil Sabará.
Flávio Annicchino
• TSA – SBA.
• Instrutor do Curso SAVA.
• Instrutor Corresponsável pelo CET do Hospital Vera Cruz.
Prefácio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
Capítulo 01
A História Recente da Reanimação Cardiopulmonar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
David Ferez
Capítulo 02
Níveis de Evidência na Reanimação Cardiopulmonar. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
David Ferez e Luiz Fernando dos Reis Falcão
Capítulo 03
Sistemas de Atendimento e Melhoria Contínua da Qualidade em Reanimação. . . . . . . . 31
Fábio Luís Ferrari Regatieri e Guinther Giroldo Badessa
Capítulo 04
Suporte Básico de Vida em Adultos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45
Maria Angélica Abrão e Antônio Cavazzani Neto
Capítulo 05
Terapias Elétricas e Desfibrilação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67
Thais Orrico de Brito Cançado, Lucas Wynne Cabral e Flávio Annicchino
Capítulo 06
Suporte Avançado de Vida em Adultos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79
Camila Lucena Carneiro de Albuquerque e Maria Angélica Abrão
Capítulo 07
Abordagem Sistemática do Paciente Crítico Pediátrico. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 107
Daniel Dongiu Kim, Débora de Oliveira Cumino e Luciana Cavalcanti Lima
Capítulo 08
Suporte de Vida em Pediatria. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 125
Daniel Dongiu Kim, Débora de Oliveira Cumino e Luciana Cavalcanti Lima
Capítulo 09
Reanimação Neonatal. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 141
Ana Cintia Carneiro Leão, Daniel Dongiu Kim, Débora de Oliveira Cumino e Luciana Cavalcanti Lima
Capítulo 10
Reanimação Cardiopulmonar na Gestante. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 153
Ruy Leite de Melo Lins Filho, Márcio de Pinho Martins e David Ferez
Capítulo 11
Parada Cardiorrespiratória em Anestesia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 175
Leandro Gobbo Braz
Capítulo 12
Anafilaxia Perioperatória. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 187
Gilberto Orlando de Assunção Portela Junior e Roberto Albuquerque Bandeira.
Capítulo 13
Intoxicação por Anestésicos Locais. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 195
Ana Maria Menezes Caetano, Bruno Mendes Carmona, Bruno Oliveira de Matos e Nádia Maria da
Conceição Duarte
Capítulo 14
Parada Cardiorrespiratória Associada a Distúrbios Hidroeletrolíticos. . . . . . . . . . . . . . . 211
Antônio Carlos Aguiar Brandão e Thaína Alessandra Brandão
Capítulo 15
Parada Cardiorrespiratória Relacionada à Intoxicação Exógena . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 221
Emílio Carlos Del Massa
Capítulo 16
Hipertermia Maligna. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 231
Helga Cristina Almeida da Silva e José Luiz Gomes do Amaral
Capítulo 17
Parada Cardiorrespiratória Durante o Cateterismo Cardíaco . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 243
Waston Vieira Silva e Bianca Jugurta Vieira de Lima Alves
Capítulo 18
Arritmias Cardíacas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 257
David Ferez
Capítulo 19
Síndromes Coronarianas Agudas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 319
Lais Helena Navarro e Lima e Antônio Cavazzani Neto
Capítulo 20
Choque Hemorrágico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 351
Cláudia Regina Fernandes
Capítulo 21
Choque Séptico. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 363
Antônio Carlos Aguiar Brandão e Thaína Alessandra Brandão
Capítulo 22
Cuidados Pós-Reanimação. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 377
Waston Vieira Silva e Igor Pelinca Calado
Capítulo 23
Aspectos Éticos e Legais da Reanimação Cardiopulmonar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 393
Luiz Fernando dos Reis Falcão e Paulo Alipio Germano Filho
Capítulo 24
Educação em Reanimação e Emergências Cardiovasculares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 399
Lais Helena Navarro e Lima, Luiz Fernando dos Reis Falcão e Adeli Mariane Vieira Lino Alfano
Apêndice
Algoritmos e tabelas utilizados no Curso SAVA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 407
PREFÁCIO
“Nenhum paciente cuja morte é evitável deveria morrer em uma sala de cirurgia ou
em um hospital – jamais. Nossos pacientes literalmente nos confiam as suas vidas”,
escreveu William R. Berry em seu editorial no Canadian Journal of Anaesthesia no ano
de 2012.
Apesar de a parada cardíaca súbita ser rara durante a anestesia, é um evento potencial-
mente catastrófico e é diferente da que ocorre em outros locais. Geralmente é presen-
ciada e frequentemente antecipada, já que os pacientes estão monitorizados, o acesso
venoso estabelecido e o equipamento de ressuscitação está à disposição imediatamente.
A anestesia tem o potencial de induzir alterações fisiológicas que podem resultar em
morbidade. Por isso, parte do treinamento em anestesiologia é direcionado à prevenção
dessas alterações.
O curso Suporte Avançado de Vida em Anestesia (SAVA) é um projeto educacional da
SBA que objetiva a qualificação em prevenção, diagnóstico e tratamento de situações
críticas em anestesia. Destina-se a todos os anestesiologistas, formados ou em forma-
ção, que buscam o aperfeiçoamento em competências que podem salvar vidas.
Por meio do desenvolvimento de habilidades técnicas e da abordagem dos aspectos
humanos no gerenciamento de crises que ameaçam a vida durante o período periope-
ratório é possível reduzir a morbidade e a mortalidade relacionadas com a prática da
especialidade, promovendo qualidade e segurança no atendimento ao paciente, seja
ele adulto, criança ou gestante.
O curso SAVA teve sua primeira edição em 2001 e já percorreu praticamente todos
os estados brasileiros, com cerca de 3.500 profissionais treinados. Até o fim de 2018, a
SBA completa a realização de 123 cursos SAVA, com a utilização de material e equipa-
mento próprios e a ativação de cinco polos regionais (SAESP, SAESC, SAEPE, SARGS
e SAEC), sob a supervisão da SBA para a realização dos cursos.
Nesses 18 anos, o SAVA atingiu a maioridade, com tecnologia moderna, aulas atuali-
zadas de acordo com as mais recentes diretrizes internacionais de reanimação, mais
de uma centena de instrutores qualificados espalhados por todas as regiões do país e
grande demanda de cursos por nossos associados, vislumbrando que, brevemente, to-
dos os médicos em especialização em nossos CET façam o curso durante sua formação.
Gostaria de agradecer a todos os coordenadores do SAVA que têm ajudado a escrever
nossa história nessas quase duas décadas, em especial a David Ferez, idealizador des-
se projeto, que divide conosco a editoração desta segunda edição do livro do SAVA.
Laís Navarro e Rodrigo Lima, com muito trabalho e dedicação, foram essenciais ao
longo do processo de elaboração e revisão desta obra.
Prefácio | 13
A todos os autores e coautores deste livro, que utilizaram as melhores ferramentas e
buscaram as mais recentes atualizações de diretrizes e revisões da literatura, com o
objetivo de levar a nossos associados as evidências mais relevantes sobre cada tema,
meu muito obrigado.
Sou grato aos coordenadores e instrutores que se dedicam fervorosamente a cada
edição do curso, deixando seus lares e suas famílias na busca de prover educação
continuada para que cada profissional desse país possa atender a nossa população
com qualidade e segurança.
Obrigado a todos os colaboradores da SBA e de todas as regionais que se esmeram e se
superam a cada curso, com o intuito de que cada edição seja melhor do que a anterior.
A todos os envolvidos na elaboração deste livro, muito obrigado.
À Diretoria da SBA agradeço o apoio incondicional a este projeto educacional.
Agradeço a Deus a oportunidade de realizar este trabalho e a compreensão de minha
família por todas as ausências, pois sem esse apoio nada seria possível.
Desfrutem desta obra que será atualizada com bastante frequência, pois as diretrizes
de reanimação não mais serão publicadas a cada cinco anos, mas assim que novas
evidências surjam na literatura.
INTRODUÇÃO
A história da reanimação cardiopulmonar (RCP) é inseparável da história da medi-
cina em geral. É correto afirmar que os futuros pesquisadores devem estudar pro-
fundamente sua história em razão do fato de que várias técnicas e medicações foram
testadas no passado, algumas até com sucesso, porém, por motivos desconhecidos,
foram esquecidas ao longo do tempo1.
A história da RCP pode seguir quatro divisões: a primeira é a história do controle da
via aérea e ventilação pulmonar, a segunda, da massagem cardíaca externa (MCE)
e circulação sanguínea. A terceira divisão é a da desfibrilação elétrica e, finalmente,
a junção das categorias anteriores, que pode ser definida como a história da RCP
moderna com seus guidelines e definição de conduta. Entretanto, como uma história
detalhada da RCP foge ao interesse geral, seguem-se os aspectos que foram conside-
rados de maior relevância.
Figura 2 - Método de desobstrução da via aérea estudado por Peter Safar em 1959. Fonte: Safar P, et al.
Upper airway obstruction in the unconscious patient. J Appl Physiol, 1959; 14:760-4.
Em 1660, na Inglaterra, funda-se a Royal Society, que adquire, entre suas inúmeras
atribuições, a da preocupação com o salvamento. Marshall Hall, no século seguinte,
publica seus estudos de ventilação sobre o selo dessa sociedade. Em 1774, também no
mesmo país, funda-se a Royal Humane Society, centrada em premiar heróis envolvi-
dos em salvar vítimas de afogamento, muito comum na época, e outros infortúnios
que levavam à PCR. Isto gerou publicações nos séculos XVII e XVIII com fulcro no
estudo e divulgação dos métodos existentes, como o da rolagem sobre um barril em
vítimas de afogamento (Figura 3).
A ventilação boca a boca gerou saturações arteriais de oxigênio até 97%. A ventilação
de pressão positiva endotraqueal, posteriormente, tornou-se um padrão de cuidados
para a manutenção da ventilação, utilizando válvulas de pressão positiva, tanto com
os ventiladores Bennett quanto com Bird. Esses ventiladores compactos obtiveram
vantagens de desencadeamento do paciente, maior acessibilidade e mobilidade, em-
bora ainda não previsibilidade da entrega de volumes específicos de ar ou oxigênio.
Posteriormente, o sistema balão-válvula-máscara (tubo) foi introduzido por Ruben
em 1958, seguido da adição do ressuscitador de válvula de demanda pneumática a
oxigênio em 1964, que adicionou avanços importantes para a respiração em configu-
rações de emergência. O Engstrom tornou-se o primeiro ventilador com controle de
volume prático. Paralelamente, o sistema balão-válvula-máscara (tubo) tornou-se o
principal dispositivo manual de ventilação de emergência para RCP e continua a ser
utilizado até o presente3,4,6.
Agora se tornou amplamente disponível para ser ensinado e utilizado fora do am-
biente intra-hospitalar. Assim, a MCI tornou-se obsoleta, exceto para determinadas
situações intraoperatórias ou pós-traumáticas. Uma combinação de compressão de
tórax fechado e ventilação mecânica formou a plataforma depois da década de 1960 e
permanece como a RCP atual. Um forte compromisso com a ventilação boca a boca ou
métodos alternativos de ventilação de rotina persistiram como tão importantes como
a MCE até o final do século XX8.
MÉTODOS ELÉTRICOS
A capacidade da eletricidade para estimular a contração do músculo foi claramente
descrita por Galvani em 1791. A fibrilação ventricular (FV) causada naturalmente pela
eletrocussão foi no início conduzida experimentalmente por Ludwig e Hoffa em 1850,
quando uma corrente elétrica alternada foi empregada diretamente no ventrículo do
FÁRMACOS HISTÓRICOS
A primeira demonstração cientificamente rigorosa dos efeitos vasopressores do extrato su-
prarrenal foi de George Oliver e Edward Schafer em 1894 no University College London.
REFERÊNCIAS
1. Safar PJ. On the history of modern resuscitation. Crit Care Med, 1996; 24:s3-11.
2. Rosen Z, Davidson JT. Respiratory resuscitation in ancient Hebrew sources. Anesth Analg, 1972;
51:502–5.
3. Ristagno G, Tang W, Weil MH. Cardiopulmonary resuscitation: from the beginning to the present
day. Crit Care Clin, 2009; 25:133-51.
4. Cooper JA, Cooper JD, Cooper JM. Cardiopulmonary resuscitation: history, current practice, and
future direction. Circulation, 2006; 114:2839-49.
5. Safar P, Escarraga LA, Chang F. Upper airway obstruction in the unconscious patient. J Appl Phy-
siol, 1959; 14:760-4.
6. DeBard ML. The history of cardiopulmonary resuscitation. Ann Emerg Med, 1980; 9:273–5.
7. Kouwenhoven WB, Jude JR, Knickerbocker G.G. Close-chest cardiac massage. JAMA, 1960; 173:1064-7.
8. Aitchison R, Aitchison P, Wang E et al. A review of cardiopulmonary resuscitation and its history.
Dis Mon, 2013; 59:165-7.
9. O’Connor RE. Heart arrest and cardiopulmonary resuscitation. Introduction. Emerg Med Clin
North Am, 2012; 30:xix–xxii.
10. Ball CM, Featherstone PJ. The early history of adrenaline. Anaesth Intensive Care, 2017; 45:279-81.
11. Zhang Q, Liu B, Zhao L et al. Efficacy of vasopressin-epinephrine compared to epinephrine alone
for out of hospital cardiac arrest patients: a systematic review and meta-analysis. Am J Emerg Med,
2017; 35:1555-60
INTRODUÇÃO
O processo utilizado para a criação da atualização das Diretrizes de Reanimação
Cardiopulmonar (RCP) publicadas em 2015 foi marcadamente diferente das edições
anteriores. A combinação de três importantes fatores foi utilizada: (1) seleção pela
International Liaison Committee on Resuscitation (ILCOR) de um número reduzido de
tópicos considerados de prioridade para revisão, (2) utilização da avaliação de Gra-
ding of Recommendations Assessment, Development and Evaluation (GRADE) e (3) união
das recomendações GRADE com o sistema de classificação atual da American Heart
Association (AHA) utilizando nível de evidência e classe de recomendação. Assim, a
atualização de 2015 foi mais enxuta quando comparada à de 2010 em razão do menor
número de tópicos. Foram publicadas 685 recomendações em 2010, comparadas às
315 recomendações das atualizações de 2015. Entretanto, a qualidade das revisões foi
superior e mais consistente em função do processo mais rigoroso de revisão e do uso
do sistema GRADE.
Ainda há uma lacuna substancial para as evidências na ciência da reanimação difi-
cultando a resposta de perguntas importantes. Das 315 recomendações, somente 3
(1%) são nível de evidência A e somente 78 (25%) são classificadas como classe de re-
comendação I (Tabela 1). A maior parte da diretriz é baseada em nível de evidência C
(218/315, 69%) ou classe de recomendação II (217/315, 69%).
Figura 1 – Graduação dos níveis de evidência de acordo com o sistema GRADE. Fonte: Elaboração GRA-
DE Working Group. http://www.gradeworkinggroup.org.
CLASSES DE RECOMENDAÇÕES
Para atualização das Diretrizes de RCP de 2015, o grupo de escritores utilizou para
classificação da recomendação e os níveis de evidências o formato da última versão
da AHA (Tabela 3). A classe de recomendação indica a força que o grupo de autores
NÍVEIS DE EVIDÊNCIAS
Em 2010, apenas três níveis de evidência foram utilizados para indicar a qualidade
dos estudos: A, B e C. O nível de evidência (NE) A indicava evidências a partir de
diversas populações, especialmente de estudos clínicos randomizados ou metaná-
lises. O NE B indicava uma limitação na população avaliada e a evidência era pro-
veniente de um estudo clínico randomizado ou estudos não randomizados. O NE C
indicava que havia limitação na população estudada ou evidências eram provenien-
tes de série de casos ou consenso de especialista. Em 2015 o NE B foi dividido em
NE B-R e NE B-NR, em que NE B-R (randomizado) indica evidência de qualidade
moderada de um ou mais estudos clínicos randomizados ou metanálise de estudo
clínico randomizado de qualidade moderada; e NE B-NR (não randomizado) indi-
cando evidência de qualidade moderada de um ou mais estudos não randomizados,
mas bem desenhados, estudos observacionais ou de registro, ou metanálise prove-
niente destes estudos.
O NE C-DL (dados limitados) foi utilizado para indicar estudos de registro ou obser-
vacionais randomizados ou não randomizados com limitações no método, metaná-
lises provenientes destes estudos ou estudos fisiológicos em humanos. O NE C-OE
(opinião de especialista) indica as evidências baseadas em consensos de especialistas
e quando as evidências são insuficientes, vagas ou conflitantes. Estudos em animais
também foram considerados como NE C-OE (Figura 3).
Desde a última publicação em 2015, as diretrizes de RCP da AHA passarão por revi-
sões contínuas, proporcionando maior agilidade na transmissão do conhecimento e
maior rapidez de implementação na prática clínica. O processo também irá melhorar
Figura 3 – Distribuição dos níveis de evidências das Recomendações de 2010 e 201511; A (alta qualidade),
B-R (randomizado), B-NR (não randomizado), C-DL (dados limitados) e C-OE (opinião de especialistas)
REFERÊNCIAS
1. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Departamen-
to de Ciência e Tecnologia. Diretrizes metodológicas: Sistema GRADE – manual de graduação da
qualidade da evidência e força de recomendação para tomada de decisão em saúde. Brasília: Minis-
tério da Saúde, 2014.
2. GRADE Working Group. Disponível em: http://www.gradeworkinggroup.org
3. Guyatt GH, Oxman AD, Vist GE et al. GRADE: an emerging consensus on rating quality of evidence
and strength of recommendations. BMJ, 2008; 336:924-6.
4. Balshem H, Helfand M, Schunemann HJ et al. GRADE guidelines: 3. Rating the quality of evidence.
J Clin Epidemiol, 2011; 64:401-6.
5. Guyatt GH, Oxman AD, Vist G et al. GRADE guidelines: 4. Rating the quality of evidence –study
limitations (risk of bias). J Clin Epidemiol, 2011; 64:407-15.
6. Guyatt GH, Oxman AD, Kunz R et al. GRADE guidelines: 7. Rating the quality of evidence –incon-
sistency. J Clin Epidemiol, 2011; 64:1294-302.
7. Guyatt GH, Oxman AD, Kunz R et al. GRADE guidelines: 8. Rating the quality of evidence –indi-
rectness. J Clin Epidemiol, 2011; 64:1303-10.
8. Guyatt GH, Oxman AD, Kunz R et al. GRADE guidelines 6. Rating the quality of evidence –impre-
cision. J Clin Epidemiol, 2011; 64:1283-93.
9. Guyatt GH, Oxman AD, Montori V et al. GRADE guidelines: 5. Rating the quality of evidence – pu-
blication bias. J Clin Epidemiol, 2011; 64:1277-82.
10. Guyatt GH, Oxman AD, Sultan S et al. GRADE guidelines: 9. Rating up the quality of evidence. J
Clin Epidemiol, 2011; 64:1311-6.
11. Morrison LJ, Gent LM, Lang E et al. Part 2: Evidence evaluation and management of conflicts of in-
terest: 2015 American Heart Association guidelines update for cardiopulmonary resuscitation and
emergency cardiovascular care. Circulation, 2015; 132:S368-82.
INTRODUÇÃO
A parada cardiorrespiratória (PCR) por causas anestésicas é um evento cada vez mais
raro no contexto do período perioperatório, entretanto apresenta alta morbidade e
mortalidade. No escopo de atuação do anestesiologista, as PCR em ambiente intra-
-hospitalar são as que têm maior importância.
Estudos americanos dão conta de que a sobrevivência média da PCR intra-hospitalar
situa-se por volta de 18% para adultos e 36% para a faixa etária pediátrica. Dentro do
hospital, há variações importantes na sobrevida dos pacientes, de acordo com o local
e horário em que ocorre a PCR. Assim, a sobrevida é maior do que 20% se o evento
ocorre entre 7 horas e 23 horas, mas inferior a 15% se ocorre entre 23 e 7 horas. Da
mesma forma, pode ser inferior a 9% se ocorre em quartos onde o paciente não está
monitorizado e acima de 37% se ocorre na sala de cirurgia ou na unidade de recupe-
ração pós-anestésica, onde os pacientes estão monitorizados.
Para o paciente que sofre uma PCR, a única esperança é a reanimação cardiopulmo-
nar (RCP) iniciada imediatamente após a ocorrência, e realizada com proficiência.
O reconhecimento precoce dessa condição e a ativação de um sistema que permita
entregar o tratamento adequado são essenciais para o sucesso das intervenções.
Há numerosas evidências na literatura dando conta de que a qualidade da RCP, com-
posta principalmente de compressões torácicas (CT) e ventilação sob pressão positiva
(VPP), desempenha papel essencial na reversão da PCR, no prognóstico e nas seque-
las dos pacientes que sofrem esta complicação.
A aplicação de protocolos e o treinamento de profissionais para prestar atendimento
à PCR são objeto de diversos cursos (ACLS, PALS, ATLS, SAVA). Todos reconhecem a
importância da avaliação e melhora contínua da qualidade da RCP a ser prestada pe-
los profissionais submetidos a esses treinamentos. Entretanto, também é reconhecida
uma lacuna enorme entre o conhecimento atual sobre a qualidade da RCP e sua efetiva
implementação, levando a crer que ocorrem muitas mortes que poderiam ser evitadas.
Um texto publicado1 pela ILCOR (International Liaison Committee on Resuscitation) no
já longínquo ano de 2003 alertava que a taxa de sobrevivência a uma PCR depende
não só da qualidade da educação dada a potenciais reanimadores, mas também da
validação dos guidelines e uma cadeia de sobrevivência que funcione perfeitamente.
Figura 2 – Distribuição física de um time de seis pessoas ao redor de um paciente, durante atendimento
a PCR
Ao distribuir funções e dar ordens, se possível o líder deve buscar contato visual e
dirigir-se a outros membros da equipe pelo nome. Deve manter comunicação, atuali-
zando o grupo continuamente. O líder do grupo dá o tom do atendimento, mostrando
controle comportamental e de voz, prevenindo estresse desnecessário para a equipe15.
Atualmente vários estudos avaliam como positiva a prática de promover debriefings
após os atendimentos. Tais práticas têm sido encorajadas, uma vez que parecem con-
tribuir para a melhora de qualidade da equipe19. O líder tem papel fundamental na
promoção dessa atividade.
CONCLUSÃO
A qualidade das manobras de reanimação influencia decisivamente o prognóstico
dos pacientes que sofrem PCR. Há um descompasso entre o conhecimento sobre
ressuscitação e a mortalidade dessa condição, tanto em ambientes extra-hospitala-
res quanto intra-hospitalares, o que significa que muitas mortes evitáveis aconte-
cem anualmente.
Os estudos e o desenvolvimento tecnológico têm contribuído para identificar e me-
lhorar, até mesmo em tempo real, a qualidade da RCP.
A formação de equipes especializadas em RCP melhora bastante a eficiência do aten-
dimento, entretanto, profissionais e instituições parecem oferecer uma certa resistên-
cia à implementação de protocolos que incluam times de reanimação. No Brasil, há
poucos hospitais onde estes grupos atuam de maneira consolidada.
REFERÊNCIAS
1. Chamberlain DA, Hazinski MF, European Resuscitation Council el al. Education in resuscitation.
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INTRODUÇÃO
O Suporte Básico de Vida no adulto (SBV) constitui a primeira e fundamental etapa no
atendimento às vítimas de Parada Cardiorrespiratória (PCR). Ele é composto pelas re-
comendações da American Heart Association (AHA), as quais foram revistas no últi-
mo consenso de 2015 da International Liaison Committee on Resuscitation (ILCOR)1,2.
CADEIA DE SOBREVIVÊNCIA
É constituída por elos que representam cada etapa da reanimação, aplicável a qual-
quer reanimador, leigo ou profissional da saúde. Os elos são interdependentes, o que
significa a necessidade de realização com qualidade de cada etapa ou elo, a fim de
garantir a execução da próxima tarefa. A cadeia de sobrevivência (Figura 1) mostra
a sequência de condutas apropriadas desde o momento em que alguém presencia a
PCR ou aborda a vítima em PCR, até a implementação dos cuidados pós-PCR3.
A vítima deve estar apoiada em uma superfície rígida, para que a força da compres-
são seja totalmente transmitida ao tórax. Nas situações em que a vítima está posicio-
nada sobre uma superfície macia, uma tábua rígida deve ser colocada no seu dorso.
Atenção para que essa manobra não cause muitas interrupções nas CT ou desloque
linhas venosas e dispositivos avançados para controle da via aérea. A posição ideal do
reanimador é de joelhos ao lado da vítima, os braços totalmente estendidos. Assim, o
quadril do reanimador funciona como um fulcro para transmitir o peso do seu corpo
para o tórax do paciente (Figura 3).
Profissionais da saúde
A meta é que todos os profissionais de saúde tenham treinamento no SBV. Os profis-
sionais de saúde são treinados para executar CT e ventilações. Além disso, é recomen-
dado que os profissionais de saúde adaptem a sequência das ações de resgate à causa
mais provável da PCR. Por exemplo, se um profissional de saúde solitário presencia o
colapso de um adolescente, pode assumir que a causa da PCR foi devido a uma arrit-
mia, e direcione o tratamento priorizando a desfibrilação.
Equipes integradas de socorristas devidamente treinados podem usar uma aborda-
gem coreografada que realize múltiplas etapas e avaliações simultâneas, em vez da
maneira sequencial usada por reanimadores individuais57. Este é conceito novo com
ênfase na Equipe de RCP. De modo integrado, um reanimador ativa o SME, enquanto
outro inicia as CT, um terceiro fornece ventilação e um quarto busca e configura o
desfibrilador. Além disso, os reanimadores treinados são encorajados a realizar si-
multaneamente algumas etapas como verificar a respiração e o pulso simultanea-
mente, em esforço para reduzir o tempo de início das primeiras CT. As avaliações e
ações do SBV para tipos específicos de reanimadores, leigo não treinado, leigo treina-
do e profissional da saúde, estão resumidas no Quadro 3.
Figura 8 – Manobra de desobstrução da via aérea superior na suspeita de trauma cervical: elevação do
ângulo da mandíbula e abertura da boca
VENTILAÇÕES NO SBV
As ventilações realizadas durante o SBV são feitas sem o auxílio de dispositivos avan-
çados de via aérea. Portanto, os métodos empregados consistem na aplicação de ven-
tilação boca a boca, boca-nariz ou boca-estoma. Durante o SBV, as ventilações são
realizadas em ciclos de duas insuflações pulmonares seguidas de pausa para 30 CT.
Cada insuflação deve ser acompanhada pela elevação do tórax, caso contrário, refaz-
-se a desobstrução da via aérea pelo reposicionamento.
É comum o socorrista leigo ou profissional de saúde hesitar em iniciar as ventila-
ções boca a boca quando não há dispositivos de barreira66-69. Porém, o risco de trans-
missão de doenças na ventilação com contato direto é muito baixo. A consideração
importante nesses casos é que o acesso e a colocação de dispositivos de barreira,
como, por exemplo, máscara de bolso e lenços de proteção, não retardem o início
das CT (Figuras 9 e 10).
Reconhecimento da OVACE
O reconhecimento da OVACE é fundamental para o sucesso no tratamento. Os princi-
pais sintomas de OVACE são: dispneia, cianose e perda da consciência.
POSIÇÃO DE RECUPERAÇÃO
A posição de recuperação é usada em adultos que apresentam padrão ventilatório e
circulação nitidamente normais. O posicionamento correto facilita a manutenção da
via aérea pérvia e diminui o risco de broncoaspiração. A vítima é posicionada em
decúbito lateral, com o membro superior de baixo à frente do corpo (Figura 14). A po-
sição de decúbito lateral favorece a respiração e a ejeção de vômitos e secreções, caso
ocorram, enquanto se aguarda a remoção da vítima.
Figura 14 – Posição de recuperação: mão embaixo do queixo para manter a boca aberta, perna superior
flexionada para a estabilização do corpo e antebraço superior flexionado para prevenção da rotação
anterior do corpo
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INTRODUÇÃO
A Atualização das Diretrizes de 2015 da American Heart Association (AHA) para res-
suscitação cardiopulmonar (RCP) e atendimento cardiovascular de emergência (ACE)
foi diferente dos processos realizados anteriormente.
As forças-tarefas da International Liaison Committee on Resuscitation (ILCOR) prio-
rizaram tópicos para revisão, selecionando aqueles em que havia novos conhecimen-
tos e controvérsias suficientes para suscitar uma revisão sistemática. As alterações
nas recomendações em relação à desfibrilação, à cardioversão e à estimulação em bra-
dicardias foram mínimas. A ênfase na desfibrilação precoce integrada à RCP de alta
qualidade continua sendo a chave para melhorar a sobrevivência à parada cardiorres-
piratória (PCR) súbita1-4.
Apresentaremos, neste capítulo, os principais pontos de discussão que foram aborda-
dos nas Diretrizes de 2010 da AHA para RCP e ACE e reconfirmadas na Atualização
de 2015 ou discutidas em 2010 e não revisadas em 2015, mantendo-se, portanto, as
orientações de 2010. São eles:
• programas comunitários dos desfibriladores externos automáticos (DEA) para so-
corristas leigos;
• consideração do uso dos DEA em hospitais;
• o uso dos DEA em crianças, se não houver um desfibrilador manual disponível;
• choque primeiro versus RCP primeiro na PCR;
• protocolo de um choque versus sequência de três choques em fibrilação ventri-
cular (FV);
• formas de onda de desfibrilação e níveis de energia;
• desfibrilação pediátrica;
• energia fixa ou intensificada no segundo choque e nos subsequentes;
• colocação de eletrodos;
• desfibrilação externa com desfibrilador-cardioversor implantado;
• cardioversão sincronizada;
• marca-passo transcutâneo.
DESFIBRILAÇÃO PEDIÁTRICA
Em pacientes pediátricos, a carga ideal de desfibrilação não é conhecida. Os dados
sobre a carga eficaz mínima ou sobre o limite superior para desfibrilação segura são
limitados. Uma carga de 2 J.kg-1 a 4 J.kg-1 pode ser usada para a energia de desfibrilação
inicial; porém, para facilitar o treinamento, pode-se considerar uma carga inicial de 2
J.kg-1. Para os choques subsequentes, os níveis de energia devem ser de, no mínimo, 4
J.kg-1, podendo ser considerados níveis de energia mais altos, desde que não excedam
10 J.kg-1 ou a carga máxima para adultos.
Motivo: há insuficiência de dados para implementar uma alteração substancial nas
atuais cargas recomendadas para a desfibrilação pediátrica. Cargas iniciais de 2 J.kg-1,
com formas de onda monofásicas, são eficazes na solução de 18% a 50% dos casos de
FV e não há evidência suficiente para comparar o êxito de cargas mais altas31-33. Em
um estudo observacional sobre PCR intra-hospitalar, energia inicial maior de 3 J.kg-1
a 5 J.kg-1 foi menos efetiva em atingir o retorno à circulação espontânea (RCE) do que
carga inicial entre 1 J.kg-1 a 3 J.kg-1 34. Outro pequeno estudo observacional demonstrou
que não há benefício em utilizar carga inicial específica para desfibrilação a fim de
atingir RCE35. Por sua vez, existem relatos de casos que documentam desfibrilações
bem-sucedidas com cargas de até 9 J.kg-1 sem efeitos adversos detectados36,37.
Usualmente, os desfibriladores manuais têm dois tamanhos de pás: adulto e infantil.
As pás infantis normalmente estão localizadas sob as pás para adultos. Os desfibrila-
COLOCAÇÃO DE ELETRODOS
Para facilitar a colocação e o treinamento adequado, a posição da pá anterolateral
segue o posicionamento padrão dos eletrodos (Figura 1).
Deve-se evitar a colocação das pás próximas umas das outras, impedindo a dissipa-
ção adequada da corrente elétrica aplicada durante o choque, conforme ilustrado na
Figura 2.
Qualquer uma das três posições alternativas das pás (anteroposterior, anteroinfraes-
capular esquerda e anteroinfraescapular direita) pode ser considerada, segundo as ca-
racterísticas de cada paciente46. A colocação das pás do DEA no tórax desnudo da víti-
Não foi identificado nenhum estudo que avaliasse diretamente o efeito do posiciona-
mento das pás adesivas ou manuais sobre o êxito da desfibrilação, com a meta de RCE.
CARDIOVERSÃO SINCRONIZADA
A cardioversão elétrica consiste na aplicação de um choque de corrente elétrica con-
tínua de forma sincronizada, isto é, cronometrada com o complexo QRS do eletrocar-
diograma (ECG). O instante em que a descarga é feita deve coincidir com a contração
dos ventrículos, ou seja, com o complexo QRS do ECG. Essa sincronização evita a
liberação do choque durante o período refratário relativo do ciclo cardíaco, quando
um choque pode produzir uma FV25.
MARCA-PASSO TRANSCUTÂNEO
O marca-passo transcutâneo não é rotineiramente recomendado para pacientes com
PCR em assistolia65-68. Em pacientes com bradicardia sintomática, é oportuno que os
profissionais de saúde estejam preparados para iniciar estimulação transcutânea na-
queles que não responderem à terapia medicamentosa69,70. Se a estimulação transcutâ-
nea falhar, a provável indicação será a estimulação transvenosa, iniciada por um profis-
sional treinado e com experiência em acesso venoso central e estimulação intracardíaca.
Para finalizar, apresentamos a Tabela 1, a seguir, com o resumo das recomendações
que foram revisadas na Atualização 2015 das Diretrizes de RCP e ACE com seu nível
de evidência, utilizando-se o Grading of Recommendations Assessment, Development and
Evaluation (GRADE – www.gradeworkinggroup.org).
INTRODUÇÃO
Principais alterações
O Suporte Avançado de Vida (SAV) recebeu poucas alterações nos guidelines de 2015
na terapêutica da parada cardiorrespiratória (PCR). As recomendações relativas à des-
fibrilação elétrica não mudaram. No tópico que se relaciona ao controle da via aérea
durante a reanimação cardiopulmonar (RCP), as revisões sistemáticas demonstraram
não haver diferença entre ventilação sob máscara, balão-válvula-máscara, dispositi-
vos supraglóticos e intubação traqueal1.
O ultrassom foi adicionado como um dispositivo útil com diversos benefícios diag-
nósticos no atendimento, podendo, em situações específicas, substituir o capnógrafo
na confirmação da intubação orotraqueal, como quando este não estiver disponível1.
O uso de vasopressores foi extensivamente revisado, o que resultou na retirada da
vasopressina do algoritmo do SAV, com base na falta de evidência de benefício adi-
cional, quando comparada à adrenalina isolada. O momento da administração da
adrenalina recebeu recomendação de que seja o mais precoce possível em pacientes
com ritmo não chocável1.
Embora não tenha havido novas recomendações para a monitorização fisiológica ou
com o uso do ultrassom no intuito de orientar os esforços de RCP, a inabilidade de
manter níveis de CO2 expirado (ETCO2) maiores que 10 mmHg em pacientes intu-
bados, por mais de 20 minutos, é um componente importante dentro de um critério
multimodal para decidir o término dos esforços de RCP1.
Os guidelines de 2015 reafirmam a circulação extracorpórea como terapia de resgate
nas PCR refratárias nas quais a etiologia seja reversível1.
Nos cuidados pós-PCR, o conceito mais relevante é o do controle direcionado da tem-
peratura. De acordo com os resultados de importantes estudos clínicos prospectivos e
randomizados, a temperatura-alvo compreende uma faixa mais liberal entre 32 e 36 ºC.
Não mais se recomenda o resfriamento pré-hospitalar com infusão de solução salina,
em virtude do baixo impacto terapêutico. Enfatiza-se a importância da angiografia das
artérias coronárias de forma precoce nos pacientes com infarto agudo do miocárdio
(IAM), com ou sem elevação do segmento ST1.
O algoritmo circular do SAV (Figura 2) se concentra no fato de suas ações serem reali-
zadas em torno de períodos ininterruptos de RCP. As pausas periódicas das compres-
sões torácicas (CT) devem ser curtas, com intervalos de tempo mínimos para verificar
o ritmo ao monitor ou desfibrilador, aplicar a desfibrilação elétrica quando indicada,
checar o pulso no momento apropriado do RCE ou garantir uma via aérea avançada.
O algoritmo no formato tradicional (Figura 3) visa facilitar o aprendizado e a memo-
rização e, sobretudo, enfatizar a importância de RCP de alta qualidade (Quadro 1).
A monitorização da qualidade da RCP é feita com a avaliação de parâmetros mecâ-
nicos (frequência e profundidade das CT, retorno total do tórax e pausas mínimas
nas CT) ou fisiológicos (ETCO2, pressão arterial na fase de relaxamento ou saturação
venosa mista de oxigênio) e continuam sendo variáveis importantes nos guidelines. Os
cuidados pós-RCE devem ser iniciados de forma precoce e aumentarão as chances de
sobrevivência sem sequela neurológica.
Desfibriladores
Os desfibriladores são classificados, quanto à forma da onda gerada, em monofásicos
ou bifásicos. Nos monofásicos, a corrente elétrica progride sempre no mesmo sentido,
ao passo que nos bifásicos flui numa direção positiva durante um tempo para, em se-
guida, se reverter em outra, negativa, durante o período restante da descarga elétrica
(Figura 4). Os desfibriladores bifásicos requerem menor nível de energia. A maioria
dos novos desfibriladores é do tipo bifásico, incluindo o DEA.
Embora ainda não seja comprovado o aumento de sobrevida com a aplicação de desfi-
briladores bifásicos, nota-se maior sucesso de RCE com a primeira desfibrilação elétrica.
Conforme o fabricante, as configurações de onda desses desfibriladores variam, por
isso o reanimador deve usar a energia recomendada em cada aparelho (120 a 200 J). No
desconhecimento, deve-se operar com a carga máxima2.
Por causa da falta de inovações desde os guidelines de 2010, na ausência de sucesso
na primeira desfibrilação elétrica se recomendam níveis equivalentes de energia nos
choques subsequentes, sendo aceito como razoável o aumento da carga, se necessário.
Nos desfibriladores monofásicos, a carga preconizada é de 360 J.
Vasopressores
Adrenalina
A adrenalina é o vasopressor de primeira linha no tratamento de todos os tipos de
PCR. Seu efeito benéfico resulta da ativação dos receptores alfa-adrenérgicos, com
efeito vasoconstrictor e aumento da pressão de perfusão coronariana e cerebral. En-
tretanto, seu efeito beta aumenta a contratilidade do miocárdio, gera maior consumo
de oxigênio e reduz a perfusão subendocárdica, correspondendo a efeitos indesejados
durante a RCP. A dose recomendada é de 1 mg, IV/IO, a cada três a cinco minutos. Do-
ses altas, consideradas na faixa de 0,1 a 0,2 mg.kg-1, não são recomendadas, em razão
dos efeitos indesejados no período de recuperação pós-PCR, que leva ao aumento do
trabalho cardíaco, com consequente elevação do consumo de oxigênio pelo miocár-
dio, injúria isquêmica e predisposição a arritmias1.
As recomendações específicas para doses maiores compreendem as intoxicações por
betabloqueador e bloqueador do canal de cálcio. Doses maiores de 2 a 2,5 mg também
estão indicadas nos casos do uso via traqueal, que, em virtude de sua absorção erráti-
ca, só deve ser escolhida se não se puder usar as vias intravenosa ou intraóssea2.
Enfatiza-se, nas recomendações de 2015, que a adrenalina deve ser administrada pre-
cocemente na PCR em assistolia ou AESP.
Vasopressina
Apesar de ser um potente vasoconstritor sistêmico, não adrenérgico, a vasopressina
combinada com adrenalina não oferece vantagem sobre o uso isolado de adrenalina.
Da mesma forma, a vasopressina não traz vantagem em relação à adrenalina quando
usada isoladamente. Por essas razões, e com o objetivo de simplificar o algoritmo, foi
retirada do tratamento da PCR1.
Antiarrítmicos
Os fármacos antiarrítmicos estão indicados nas FV/TV sem pulso refratárias. Conside-
ram-se refratárias quando não são convertidas a ritmo com pulso após o primeiro choque
ou quando ocorre recorrência. O uso desses fármacos deve ocorrer somente após a se-
quência de choque, RCP e vasopressor, sem sucesso na reversão do quadro. Sua função é
facilitar a ação terapêutica da descarga elétrica, pois isoladamente não teriam efeito.
A amiodarona ou a lidocaína podem ser consideradas para FV/TV sem pulso não
responsivas à desfibrilação23-25. O sulfato de magnésio tem emprego limitado a si-
tuações particulares1.
Lidocaína
Uma revisão sistemática de 2018 considerou o uso de amiodarona ou lidocaína
durante PCR por FV/TV sem pulso refratária. O grupo de redação avaliou um
novo ensaio clínico extra-hospitalar grande, controlado e randomizado, que com-
parou a amiodarona com a lidocaína ou placebo para pacientes com FV/TV sem
pulso refratária. Embora os estudos disponíveis não demonstrem melhora na so-
brevida à alta hospitalar (ou sobrevida neurologicamente intacta no momento da
alta) associada a qualquer dos fármacos, o RCE foi maior nos pacientes que recebe-
ram lidocaína em comparação ao placebo, e a sobrevida até a admissão hospitalar
foi mais alta com qualquer um desses fármacos em comparação ao placebo. Como
resultado, a lidocaína passou a ser recomendada como alternativa à amiodarona e
foi inserida no Algoritmo de SAV para tratamento de FV/TV sem pulso refratária
ao choque23-25. A dose inicial da lidocaína é de 1 a 1,5 mg.kg-1 IV e, se necessário,
se repete a dose de 0,5 a 0,75 mg.kg-1 IV, a cada cinco a dez minutos, até o máximo
de 3 mg.kg-1.
Sulfato de magnésio
O magnésio atua como vasodilatador e é um importante cofator na regulação do
fluxo de sódio, potássio e cálcio através das membranas celulares. Seu uso de rotina
não está recomendado. Na Torsades de Pointes, com intervalo QT longo, é o antiar-
rítmico de escolha3. Administra-se na dose de 1 a 2 g IV/IO, diluído em 10 mL de
soro glicosado 5%.
Esteroides
A metilprednisolona, quando associada à adrenalina e à vasopressina, simultanea-
mente, seguida da hidrocortisona após o RCE, melhorou a resposta de sobrevida sem
sequela neurológica em PCR intra-hospitalares. Em PCR extra-hospitalares, não ob-
teve esse resultado. Essa estratégia terapêutica pode ser usada com reservas nas PCR
intra-hospitalares, em razão da falta de uma forte evidência científica que balize seu
uso rotineiro. Seu benefício nas PCR extra-hospitalares é incerto2.
Naloxona
Em pacientes com suspeita ou diagnóstico de sobredose de opioides, além de prestar
os cuidados convencionais, devem-se administrar uma dose de 0,4 mg IV/IO/IM, ou
2 mg intranasal e reavaliar a cada quatro minutos a necessidade de repeti-la5.
Betabloqueadores
Os betabloqueadores atenuam a resposta adrenérgica após a PCR graças ao efeito
do alto nível sanguíneo de catecolaminas usadas na terapêutica, que não raro de-
sencadeia arritmias. Ao seu espectro de ações, adicionam-se a redução da injúria is-
quêmica e a estabilização de membranas. Não há evidências suficientes para apoiar
ou refutar o uso rotineiro de um betabloqueador imediatamente após o RCE (no
intervalo de 1 hora)24,25. Ademais, esses fármacos podem causar ou agravar a insta-
bilidade hemodinâmica, exacerbar a insuficiência cardíaca pós-injúria isquêmica e
causar bradiarritmias, efeitos muito indesejados no período imediato do RCE.
Lidocaína
Não há evidências suficientes para apoiar ou refutar o uso rotineiro de lidocaína ime-
diatamente após o RCE (no intervalo de 1 hora). Na ausência de contraindicações, o
uso profilático de lidocaína pode ser considerado em circunstâncias específicas (como
durante os serviços de transporte médico emergencial) quando o tratamento de FV/TV
sem pulso recorrente pode ser desafiador (Classe IIb, NE C-LD)23-25.
Bicarbonato de sódio
As razões para evitar o bicarbonato de sódio durante a RCP, somadas à falta de
evidência científica quanto ao seu benefício2, contraindicam sua administração.
Ao ser administrado, o bicarbonato causa uma série de desvantagens. A resistên-
cia vascular sistêmica é diminuída, o que pode comprometer a pressão de perfu-
são coronariana. A alcalinização do pH extracelular desvia a curva de dissocia-
ção da hemoglobina para a esquerda, aumenta a afinidade da hemoglobina pelo
oxigênio e diminui sua liberação aos tecidos. Hipernatremia e hiperosmolaridade
são achados frequentes.
O excesso de CO2 se difunde para o interior das células miocárdicas e cerebrais, cau-
sando acidose intracelular paradoxal. Algumas situações especiais admitem o uso do
bicarbonato em RCP, como acidose metabólica prévia, intoxicação por antidepressi-
vos tricíclicos e hiperpotassemia.
Cálcio
Os estudos clínicos mostram resultados variáveis com o uso do cálcio em relação ao
RCE e comprovam ausência de benefício quanto à sobrevivência extra e intra-hospitalar
no tratamento de PCR2, para o qual não é recomendado.
Fibrinolíticos
Os fibrinolíticos durante a RCP não são contraindicados. Seu uso é realizado prin-
cipalmente nas PCR por síndromes coronarianas agudas (SCA) com obstrução pro-
ximal de uma artéria e na embolia pulmonar maciça. Os resultados dos estudos são
conflitantes quanto à sobrevida9,10. A hemorragia intracraniana é descrita entre as
complicações do procedimento.
Marca-passo
A colocação de marca-passo durante as manobras de RCP, comprovadamente, não
aumenta a sobrevida ou o RCE. Os estudos observaram essa evidência em diversas
situações, como em PCR intra ou extra-hospitalares, no tipo de acesso (transcutâneo,
transvenoso ou transmiocárdico), na colocação precoce ou tardia ao momento da PCR
e nos tipos de ritmos (assistolia ou AESP)2.
A AHA, porém, recomenda o marca-passo transcutâneo (MPTC) para bradicar-
dia com instabilidade hemodinâmica. Atualmente, a maioria dos desfibriladores
tem a função de estimulação temporária – função marca-passo. Os eletrodos de
estimulação transcutânea devem ser aplicados sobre o tórax, conforme aplicamos
as pás para cardioversão ou desfibrilação. Estes estão ligados ao desfibrilador, que
deve ser ajustado para o modo marca-passo. Para usar o MPTC, deve-se seguir a
seguinte sequência11:
1. Colocar as placas adesivas na posição anterolateral (Figura 7) ou na posição
anteroposterior.
2. Selecionar a frequência do marca-passo.
3. Ajustar a miliamperagem necessária para conseguir a captura:
• selecionar a corrente de 0 a 200 mA;
• aumentar a corrente de 20 em 20 mA até a captura do ritmo cardíaco.
4. Escolher a modalidade do marca-passo:
• fixo (assincrônico): sempre na mesma frequência;
• demanda (sincrônico): estimulado apenas quando a frequência do paciente
fica abaixo de um valor de segurança selecionado.
Para garantir a captura ventricular, inicialmente se seleciona a energia máxima do
MPTC. O sucesso da captura é confirmado pelo ECG e pela pletismografia. A energia
de captura deve ser progressivamente reduzida até que não ocorra captura, indica-
da pela despolarização ventricular espontânea. O menor valor de energia capaz de
Acesso intratraqueal
O uso de fármacos por via intratraqueal (IT) tem absorção imprevisível por causa da
má perfusão pulmonar durante a RCP. Geralmente, os níveis plasmáticos alcançados
são inferiores aos obtidos pela absorção venosa ou intraóssea. Para compensar essa
absorção errática, preconiza-se o aumento em 2 a 2,5 vezes a dose IV/IO, e o fármaco
deve ser diluído em 5 a 10 mL de soro fisiológico. Atropina, lidocaína, naloxona e
adrenalina são os fármacos que podem ser administrados por essa via. Efeito beta-
-adrenérgico transitório, indesejado, pode ocorrer em razão da baixa concentração
plasmática obtida, como consequência da absorção imprevisível da adrenalina IT. A
vasodilatação produzida causa hipotensão e diminui a pressão de perfusão corona-
riana e a taxa de RCE, efeitos deletérios à RCP. A via IT é uma opção em situações
especiais. As vias IV/IO constituem a primeira e segunda opções, respectivamente.
Pressão cricoide
Em pacientes que não sofreram PCR e necessitam da ventilação sob máscara, a pres-
são cricoide pode oferecer alguma proteção contra a aspiração de conteúdo gástrico.
Dispositivos orofaríngeos
Não existem estudos que considerem especificamente o uso de cânulas orofaríngeas
em vítimas de PCR. Tais dispositivos facilitam a ventilação durante VBM, impedindo
a oclusão da via aérea por queda da língua. A inserção incorreta da cânula pode des-
locar a língua em direção à hipofaringe, obstruindo a via aérea. Para facilitar a VBM,
as cânulas orofaríngeas devem ser usadas somente em pacientes inconscientes, sem
reflexo de tosse, por profissionais treinados2.
Dispositivos nasofaríngeos
Cânulas nasofaríngeas são úteis nos pacientes que apresentam ou têm o potencial
de apresentar obstrução das vias aéreas. Seu uso é particularmente indicado quando
houver impossibilidade de abertura da boca. Elas são mais bem toleradas do que as
orofaríngeas, podendo ser inseridas em pacientes conscientes ou com reflexos. Para
facilitar a VBM, a cânula nasofaríngea pode ser empregada, caso haja obstrução da
via aérea.
O emprego dessas cânulas exige treinamento adequado e prática. Nenhum estudo
avaliou especificamente o uso desses dispositivos em vítimas de PCR. Sangramento
da via aérea ocorre na frequência aproximada de 30% dos casos. Em caso de fratura
da base do crânio suspeita ou reconhecida, assim como em coagulopatias, deve-se dar
preferência a cânulas orofaríngeas2.
Dispositivos supraglóticos
Têm o objetivo de manter a via aérea aberta e facilitar a ventilação. Sua inserção não
exige a visualização da glote nem a interrupção das CT. Tecnicamente, é mais sim-
ples do que a IT sob laringoscopia direta (LD). Os DSG estudados para RCP são: ML,
Combitube® e TL.
O controle avançado da via aérea é uma manobra delicada e pode ser tecnicamente
difícil. O treinamento frequente é essencial para evitar falhas. Não há evidências de
que a via aérea avançada melhore as taxas de sobrevida de PCR pré-hospitalar. Na
RCP promovida por socorristas treinados, os DSG são uma alternativa razoável à IT
e à VBM1. Alguns estudos observacionais foram realizados comparando os desfechos
neurológicos, de sobrevivência e alta hospitalar quando utilizada a ML antes da ten-
tativa de IT, considerando que, de modo geral, são posicionadas mais facilmente que
Combitube®
As vantagens deste dispositivo são semelhantes às do TT quando ambos são compa-
rados à VBM: isolamento da via aérea, menor risco de broncoaspiração, ventilação
com pressão positiva (VPP) mais confiável. Suas vantagens sobre o TT são direta-
mente relacionadas à facilidade em seu treinamento. A ventilação e a oxigenação são
comparáveis às obtidas com o TT. Em estudo retrospectivo, não houve diferença de
resultados entre pacientes tratados com os dois dispositivos8. O Combitube® é uma
alternativa aceitável à VBM e à IT em PCR atendidas por profissionais treinados2.
Complicações fatais podem ocorrer se a luz distal do Combitube® não tiver seu posi-
cionamento identificado corretamente. Outras complicações relacionadas a esse dis-
positivo incluem trauma do esôfago, com lacerações e enfisema subcutâneo.
Tubo laríngeo
As vantagens do TL são semelhantes às do Combitube®, mas o primeiro é mais com-
pacto e sua inserção, mais simples. Diferentemente do Combitube®, o TL só pode ser
inserido no esôfago. Até o momento, os dados sobre seu uso na PCR são escassos19,20.
Pode ser considerado uma alternativa razoável à VBM e à IT para o controle da via
aérea na PCR atendida por profissionais treinados1.
Máscara laríngea
A ML oferece ventilação mais segura e confiável do que a máscara facial. Conquanto
não garanta proteção contra broncoaspiração, estudos mostraram que a regurgitação
é menos comum sob seu uso do que com o dispositivo bolsa e máscara. Quando com-
parada ao TT, a ML oferece ventilação equivalente14.
Como sua inserção não exige visualização das cordas vocais, o treinamento para
seu posicionamento é mais simples do que o da IT. Outras vantagens incluem seu
uso nas seguintes situações: acesso limitado ao paciente, possível instabilidade da
coluna cervical e impossibilidade de posicionamento adequado para a IT. Mesmo
após inserção correta da ML, alguns poucos pacientes não podem ser ventilados. É
importante dispor de estratégia alternativa para o controle da via aérea. O treina-
mento e a prática desse dispositivo são essenciais. A ML pode ser considerada uma
alternativa aceitável à VBM e à IT para o controle da via aérea na PCR atendida por
profissionais treinados1.
Tubo traqueal
O TT já foi considerado o método ideal para o controle da via aérea durante a PCR,
porém hoje em dia se recomendam tanto os DSG quanto o TT como abordagem inicial
de via aérea avançada numa PCR3. No entanto, tentativas de IT por socorristas não trei-
nados podem causar graves complicações, como trauma de orofaringe, interrupção das
CT e da ventilação por longos períodos, hipoxemia decorrente de tentativas prolonga-
das e falha no reconhecimento do posicionamento inadequado do TT (esôfago).
Parâmetros fisiológicos
Desde os guidelines de 2010, enfatiza-se intensamente a monitorização do desempe-
nho de quem aplica as CT e dos parâmetros fisiológicos do paciente como ferramenta
imprescindível para medir a qualidade da RCP, que, em humanos, costuma ter como
parâmetros fisiológicos de monitorização a análise do ritmo cardíaco com ECG e a ve-
rificação do pulso para orientar a terapia empregada. Diversos estudos mostram que
a monitorização da ETCO2, da pressão de perfusão coronariana (PPC) e da saturação
de oxigênio do sangue venoso central (SvcO2) oferecem valiosas informações sobre as
condições do paciente e sua resposta à terapia.
Verificação do pulso
Médicos frequentemente tentam palpar pulsos arteriais durante as CT para avalia-
ção de sua eficácia, mas nenhum estudo mostrou a utilidade clínica dessa técnica.
Por não haver válvulas na veia cava inferior, o fluxo sanguíneo retrógrado do sis-
tema venoso pode causar pulsações femorais sem necessariamente haver fluxo na
artéria femoral. Pulsações carotídeas não são indicativas de perfusão cerebral ou
miocárdica durante a RCP. A palpação do pulso quando as CT são interrompidas
é indicador confiável de RCE, embora menos sensível do que outros parâmetros
fisiológicos citados.
Profissionais de saúde podem levar muito tempo na verificação do pulso e terem difi-
culdade para determinar se está presente ou ausente. Não há evidências, no entanto,
de que a procura por movimentos respiratórios ou dos músculos esqueléticos seja
superior para a detecção de circulação2. Por necessidade de as pausas nas CT serem
minimizadas, não se deve demorar mais do que 10 segundos na pesquisa do pulso.
Caso não tenha sido palpado ou haja dúvida após esse período, as compressões de-
vem ser reiniciadas imediatamente.
Figura 12 – Monitorização de intubação, RCP e RCE com capnografia quantitativa contínua com forma
de onda. (Fonte: Diretrizes da American Heart Association 2010 para RCP e ACE.)
Oximetria de pulso
Na PCR, a oximetria de pulso não fornece informações confiáveis, uma vez que não
há fluxo pulsátil nos leitos periféricos. No entanto, oximetria com pletismografia tem
potencial valor na detecção do RCE. A oximetria passa a ser útil, então, para garantir
oxigenação adequada após o RCE2.
Ultrassom
O ultrassom (US) pode ser usado durante as manobras de RCP para avaliar a contrati-
lidade miocárdica e efetuar diagnóstico de causas tratáveis, como tamponamento car-
díaco, tromboembolismo pulmonar, pneumotórax e hipovolemia. Ainda não se sabe,
entretanto, se seu uso rotineiro traria algum benefício nos diversos parâmetros de
recuperação, como RCE, alta hospitalar e sobrevida sem sequela neurológica. Mesmo
CUIDADOS PÓS-PCR
Hipoxemia, isquemia e reperfusão decorrentes de uma PCR podem causar danos a
múltiplos órgãos e sistemas. O atendimento efetivo após uma PCR consiste em identifi-
car e tratar a causa precipitante desse evento e, assim, atenuar a lesão pelo processo de
isquemia e reperfusão no organismo. Entre os principais cuidados, destacam-se: oxige-
nação e ventilação adequadas, suporte hemodinâmico, controle direcionado de tempe-
ratura, controle glicêmico, profilaxia e tratamento de convulsões, avaliação constante
do prognóstico neurológico e discussão sobre doação de órgãos, quando aplicado ao
caso3. Tais tópicos serão abordados no capítulo sobre cuidados pós-reanimação.
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INTRODUÇÃO
O momento de transição demográfica que ocorre no Brasil com redução das taxas de
natalidade associada ao aumento da expectativa de vida ao nascer determinou uma
situação paradoxal na assistência médica na faixa etária pediátrica. Se por um lado há
constante redução na taxa de natalidade no país e menor participação da faixa etária
pediátrica na estrutura etária da população, levando à redução do número absoluto
de atendimentos, houve também aumento expressivo dos custos de assistência à saú-
de nesta faixa etária1.
A maior demanda por assistência médica ocorre na faixa etária neonatal, represen-
tando até 70% das internações hospitalares em pediatria na rede do Sistema Único de
Saúde (SUS)1. Quando se exclui o grupo com faixa etária com menos de 1 ano de vida,
as causas mais comuns de internação hospitalar em pediatria são as doenças respira-
tórias2 e infectocontagiosas3, mesmo em países desenvolvidos4.
Neste contexto, é importante que o anestesiologista que atende a faixa etária pediátrica
saiba identificar e conduzir os casos de alterações respiratórias e estados de choque, a
fim de melhorar o prognóstico dos pacientes5. Por meio de avaliação sistemática e con-
dutas objetivas, é possível impedir a progressão de condições potencialmente fatais6.
AVALIAÇÃO INICIAL
A avaliação inicial é a primeira impressão do profissional sobre o estado geral da
saúde do paciente e tem como objetivo determinar sistematicamente se há risco de
deterioração do estado clínico7. A avaliação inicial pode ser simplificada por meio do
triângulo de avaliação pediátrica que leva em consideração três rápidas avaliações
clínicas: aparência, respiração e circulação8 (Figura 1 e Quadro 1).
AVALIAÇÃO PRIMÁRIA
A avaliação primária se baseia no mnemônico ABCDE: Vias Aéreas, Respiração, Cir-
culação, Disfunção e Exposição. Apesar de sua ampla utilização em diversos cursos
de suporte à vida, essa sistematização se baseia na opinião de especialistas, porém a
sistematização do atendimento melhora os resultados clínicos em pacientes críticos9.
VIAS AÉREAS
Verificar se as vias aéreas estão pérvias por meio da avaliação do acrônimo ver, ouvir
e sentir (Figura 2). Aumento do esforço inspiratório com retração ou sons respirató-
rios anormais como estridor ou roncos são sinais clínicos de obstrução de vias aéreas
superiores. Quando há sinais de obstrução de vias aéreas, manobras simples podem
ajudar, como posicionamento, elevação da mandíbula, aspiração ou uso de dispositi-
vos. Por vezes é necessário o uso de manobras avançadas, como ventilação não inva-
siva com pressão positiva ou mesmo intubação orotraqueal.
Quadro 6 – Localização dos pulsos centrais e periféricos de acordo com a faixa etária
Faixa etária Pulso central Pulso periférico
Até 2 anos Femoral, braquial
Radial, tibial posterior, dorsal do pé
Acima de 2 anos Femoral, carotídeo
Pressão arterial: para correta mensuração da pressão arterial, o manguito deve co-
brir entre 50% a 75% do comprimento do braço. Hipotensão é sempre um sinal de
alerta para descompensação dos mecanismos fisiológicos de preservação da perfu-
são. Como valor de referência utiliza-se o percentil 5 (P5%) da pressão arterial sistóli-
ca como limite para hipotensão21 (Quadro 8).
EXPOSIÇÃO
Remova a roupa do paciente e examine cabeça, tronco e extremidades com cuidado
para evitar perda de calor. Verifique lesões indicativas de trauma como queimaduras,
sangramentos ou ferimentos e, em caso positivo, somente mobilize o paciente em
bloco. Atenção para sinais de sepse como febre ou hipotermia, petéquias (redução
das plaquetas circulantes) ou púrpura (sangramento de capilares) durante avaliação.
AVALIAÇÃO SECUNDÁRIA
Depois de concluir a avaliação primária e todas as intervenções necessárias para es-
tabilização do quadro clínico inicial, procede-se a avaliação secundária, que consiste
em história clínica objetiva, exame físico e exames complementares.
História clínica objetiva: para sistematizar o atendimento recomenda-se o mnemô-
nico SAMPLE (Sinais/sintomas, Alergias, Medicamentos, Passado médico, Líquidos/
alimentos e Eventos) para ajudar a esmiuçar o evento clínico (Quadro 11).
Exame físico objetivo: neste momento, o exame físico deve se concentrar no órgão e/
ou sistema acometido pela doença ou lesão. Nos casos em que não há mais informa-
CHOQUE
Choque é um estado patofisiológico caracterizado pela inadequada relação entre ofer-
ta e demanda metabólica de oxigênio pelos tecidos periféricos33. Esse desequilíbrio é
causado por deficiência na oferta, aumento na demanda metabólica basal ou até mes-
mo pela combinação dos dois fatores34. A falta de perfusão leva à hipóxia tissular, ao
metabolismo anaeróbio, acúmulo de ácidos, à lesão celular irreversível culminando
com lesão de órgãos35.
A oferta de oxigênio para os tecidos (DO2) depende do conteúdo de oxigênio no san-
gue (CaO2), fluxo adequado de sangue para os tecidos (DC) e distribuição adequada
do fluxo sanguíneo determinado pela resistência vascular sistêmica (RVS).
DO2 = CaO2 .DC
A capacidade de transporte de oxigênio pelo sangue é proporcional à concentração de
hemoglobina, visto que a constante de diluição de oxigênio no sangue é muito baixa,
conforme fórmula a seguir.
CaO2 = 1,34.[Hb].SaO2 + 0,0031.PaO2
O débito cardíaco (DC) é o produto do volume sistólico (VS) multiplicado pela fre-
quência cardíaca (FC). Em estados fisiológicos normais a frequência cardíaca é o prin-
cipal mecanismo de manutenção do débito cardíaco.
DC = VS.FC
Choque Choque
Dependência
hipovolêmico cardiogênico Tamponamento Pneumotórax
Séptico Anafilaxia Neurogênico de ducto
cardíaco hipertensivo
arterial
Taquipneia
Taquipneia Redução
Respiração
com pressão de pulso Bradicardia com e sinais de Abafamento das das veias
redução da pré-ductal
aumentada (“fase pressão de pulso insuficiência bulhas cardíacas, cervicais,
pressão de maior que
quente”) ou reduzida aumentada cardíaca pulso paradoxal pulso
pulso pós-ductal
(“fase fria”) congestiva paradoxal
Aparência
Pele fria e
Pele fria e Petéquias ou Evidência de
Urticária cianose de Extremidades frias
pálida rash cutâneo lesão medular
extremidades
INTRODUÇÃO
A atuação do anestesiologista no Brasil ocorre majoritariamente no cuidado periope-
ratório em hospitais gerais, portanto, o atendimento a pacientes na faixa etária pe-
diátrica é uma realidade para a maioria dos profissionais do país. Nesse contexto, o
conhecimento sobre suporte de vida em pediatria é essencial para a prática médica
adequada e segura1, seu treinamento, uma exigência para diversas organizações de
acreditação hospitalar2.
Em diversos estudos envolvendo a faixa etária pediátrica, a parada cardiorrespira-
tória (PCR) é resultado da progressão de hipóxia e acidose tissular secundárias à
falência respiratória e/ou ao choque de qualquer origem3. Dessa forma, a identifica-
ção e o pronto atendimento no estágio inicial de um quadro respiratório ou estado
hipoperfusional é fundamental na prevenção da PCR. Para avaliar a evolução dos
pacientes de modo objetivo, algumas ferramentas – como o Pediatric Early Warning
Scores (PEWS) – ajudam a identificar a deterioração clínica na população pediátrica4,
porém mais estudos são necessários para mensurar o impacto dessas ferramentas na
redução do risco de PCR.
No ambiente hospitalar, as manobras de reanimação cardiopulmonar (RCP) apre-
sentam bons resultados, determinando taxas de sobrevida e alta hospitalar crescen-
tes em séries históricas6. O ritmo elétrico cardíaco inicial da PCR em mais de 80%
dos casos nesse grupo não se beneficia de terapêutica elétrica7 – atividade elétrica
sem pulso ou assistolia. Nos casos de fibrilação ventricular ou taquicardia ventricu-
lar sem pulso há associação com cardiomiopatia hipertrófica, anomalias da artéria
coronária, síndrome do QT longo, canaliculopatias, miocardites ou intoxicação exó-
gena, devendo-se suspeitar em todas as crianças com histórico de síncope ou morte
súbita na família8.
No período perioperatório, a incidência de PCR relacionada à anestesia na faixa etária
pediátrica é de cerca de 5 casos a cada 10.000 anestesias9,10, sendo as alterações respi-
ratórias (obstrução de vias aéreas), cardiovasculares (hipovolemia) e medicamentosas
(erro de dose) as principais causas, de acordo com diversos estudos11,12.
De forma congruente, os principais fatores de risco identificados para PCR são
a experiência do profissional em anestesiologia pediátrica e o estado físico do
paciente11-13. Em hospitais com equipe treinada e material disponível, a RCP com
Figura 4 – Técnicas de CT em menores de 1 ano e um socorrista (A), dois socorristas (B) e em crianças
maiores de 1 ano (C)
Frequência Não menos que 100 e não mais que 120 CT por minuto
Dois socorristas: 15 CT seguida de duas ventilações
Um socorrista: 30 CT seguida de duas ventilações
Figura 5 – Exemplos de pás descartáveis pediátricas com atenuador de carga (A), pás descartáveis ta-
manho adulto (B) e pás manuais com o tamanho pediátrico destacado (C)
6 H’s 5 T’s
Hipovolemia Tensão tórax
Hipóxia Tamponamento cardíaco
H+ (acidose) Toxinas
Hipoglicemia Trombose coronária
Hipo/hipercalemia Trombose pulmonar
Hipotermia
b) Via aérea avançada: atualmente, são aceitáveis tanto a intubação traqueal quanto
dispositivos supraglóticos34,35,36, e não há claro benefício na administração de atropina
antes da intubação37,38. Depois de confirmada a obtenção da via aérea por meio da vi-
sualização da passagem do tubo pelas cordas vocais, ausculta pulmonar, capnografia
positiva e ausência de insuflação gástrica, recomenda-se administrar uma ventilação
a cada seis segundos (10 ventilações por minuto), de forma não sincronizada com
as CT e com fração inspirada de 100% de oxigênio. Deve-se evitar hiperventilação
durante a RCP, pois reduz o retorno venoso e aumenta a pressão no átrio direito,
diminuindo a perfusão coronariana39,40. O valor da capnografia também serve como
parâmetro de qualidade das manobras de RCP, mas até o momento não há valores
estabelecidos que indiquem manobras de alta qualidade41.
ARRITMIAS CARDÍACAS
Nos casos de arritmias cardíacas, iniciar o atendimento por avaliação da estabilidade he-
modinâmica do paciente, manutenção de via aérea e ventilação, acesso vascular e moni-
torização cardíaca com cardioscópio. Depois da monitorização cardíaca, avaliam-se três
parâmetros: frequência cardíaca, regularidade e tamanho do complexo QRS (Tabela 8).
Tabela 8 – Características de normalidade da cardioscopia
Frequência Bradicardia: entre 60 a 100 bpm (de acordo com a faixa etária)
cardíaca Taquicardia: acima de 140 a 160 bpm (de acordo com a faixa etária)
Regularidade Regular: Intervalo RR constante
Irregular: Intervalo RR irregular
Complexo QRS Estreito: menor que 0,08 segundos
Largo: maior que 0,08 segundos
Bradicardia
Geralmente é secundária à hipóxia, à acidose ou à hipotensão grave, pode evoluir
rapidamente para PCR. Em casos de bloqueio de condução atrioventricular avançado,
pode-se considerar o uso de marca-passo elétrico (transcutâneo ou transvenoso) ou
medicamentoso (adrenalina e, eventualmente, atropina nos casos de comprovada es-
timulação vagal), desde que o paciente não esteja em PCR55 (Figura 7).
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Reanimação Neonatal
Ana Cintia Carneiro Leão
Daniel Dongiu Kim
Débora de Oliveira Cumino
Luciana Cavalcanti Lima
INTRODUÇÃO
Ao longo das últimas décadas, houve importante redução da mortalidade infantil no
mundo. Segundo estimativas da Organização das Nações Unidas (ONU), a mortalida-
de em crianças com menos de 5 anos reduziu 52% entre os anos 1990 e 2015. Tal redução
se deve, em grande parte, à melhoria na prevenção e no tratamento de doenças infecto-
contagiosas como infecções respiratórias, sarampo, tétano e doenças diarreicas1.
No Brasil, houve 78% de redução da mortalidade infantil no período entre 1990 e 2013,
o que levou o país a cumprir um dos oito objetivos de desenvolvimento do milênio
proposto pela Organização das Nações Unidas antes do prazo acordado2.
Quando analisado por faixa etária, observa-se crescimento das causas neonatais na
mortalidade infantil, passando de 37,6%, em 1990, para 45%, em 2015. As principais cau-
sas de mortalidade neonatal, estimadas no ano 2012, foram complicações relacionadas
com a prematuridade (36%), eventos relacionados com o parto (23%) e infecções (23%)3.
Em 2013, a mortalidade neonatal correspondeu a 69% da mortalidade infantil no Brasil.
A principal causa nesse grupo foi a asfixia perinatal, mesmo nos recém-nascidos (RN)
com peso adequado para a idade gestacional (IG) e sem malformações congênitas. Esse
fenômeno ocorre no país, apesar da alta taxa de partos hospitalares (98,4%) e assistidos por
médicos (88,7%), possivelmente relacionado com a baixa qualidade da assistência médica4.
Estima-se que 10% dos RN necessitam de assistência para iniciar respiração efetiva,
1% precisam de intubação traqueal (IT) e 0,1% requerem compressão torácica (CT) e/
ou medicações além da IT5. Considerando a atual taxa de natalidade no país, cerca
de 300.000 RN, por ano, necessitarão dessas manobras, e a probabilidade aumenta de
forma inversamente proporcional à IG e/ou ao peso ao nascimento6.
No país existe a exigência legal de um profissional para assistência ao RN, seja médico
ou enfermeiro, com capacitação em reanimação neonatal, de acordo com a portaria SAS
n° 371/2014, do Ministério da Saúde7. Em artigos publicados sobre anestesiologia obsté-
trica, há diversos relatos que abordam a participação do anestesiologista na reanimação
neonatal8. Esse fenômeno ocorre, sobretudo, em serviços com baixo volume de assistência
obstétrica, inclusive com demandas judiciais em casos de falha na assistência neonatal9,10.
As diretrizes para a reanimação neonatal se baseiam na revisão de 2015 da Interna-
tional Liaison Comittee on Resuscitation e as diretrizes do Programa de Reanimação
Algoritmo de assistência
a) Avaliação inicial: Gestação a termo? Respira ou chora? Bom tônus muscular?
Assegurar vias Manter cabeça com leve Somente aspirar vias aéreas por
aéreas extensão e estabilizada obstrução ou necessidade de
ventilação com pressão positiva
mesmo na presença de líquido
amniótico meconial
Falha na VPP: considera-se falha quando, após 30 segundos de VPP efetiva, não
há sustentação da FC acima de 100 bpm ou quando o RN não apresenta respiração
rítmica e regular. Em caso de falha, verificar o material de ventilação 42,43 (vaza-
mento entre a face do RN e a máscara facial), a permeabilidade das vias aéreas21,23
(aspirar secreções da orofaringe, manter a boca aberta e a cabeça em leve exten-
são) e se a pressão inspiratória é suficiente37 (variabilidade importante da compla-
cência pulmonar). Nesse momento, duas abordagens de vias aéreas são possíveis:
não invasiva (VPP com aumento progressivo de FiO2) ou invasiva (dispositivo
supraglótico ou IT). A IT é uma das formas de via aérea definitiva, porém, apre-
senta dificuldade técnica e morbidade durante sua execução, como dessaturação,
hipoxemia e bradicardia44,45. A máscara laríngea se mostra alternativa eficaz à IT,
principalmente nos neonatos com mais de 34 semanas e em equipes com menor
experiência com IT46,47.
HIPOTERMIA TERAPÊUTICA
Caso o RN apresente sinais de encefalopatia hipóxica isquêmica moderada ou grave e,
preferencialmente, mais de 36 semanas de IG, ele pode se beneficiar de hipotermia mode-
rada68. A terapêutica deve ser iniciada em até seis horas após o insulto hipóxico-isquêmico
com alvo de temperatura central de 33,5°C por 72 horas69. Em razão das possíveis com-
plicações inerentes à hipotermia moderada, como bradicardia sinusal, trombocitopenia
e alteração do metabolismo dos fármacos, esta deve ser realizada preferencialmente em
centros com equipes multidisciplinares treinadas nesse tipo de terapêutica70.
INTRODUÇÃO
Parada cardiorrespiratória (PCR) durante a gestação é o único cenário clínico que en-
volve dois pacientes: a mãe e o feto. O manejo deles demanda rápida abordagem mul-
tidisciplinar, incluindo anestesiologista, obstetras, neonatologista e, algumas vezes,
cirurgião cardiotorácico. Os algoritmos dos suportes básico e avançado de vida (SBV
e SAV) devem ser implementados. Contudo, as alterações anatômicas e fisiológicas da
gestação requerem modificações nesses protocolos.
Estudos randomizados sobre a abordagem da PCR na gestante são escassos. As reco-
mendações se baseiam em dados de pequenas séries de casos, em breves estudos de
coorte que abrangem gestantes submetidas à cesariana e na opinião de especialistas1.
A revisão sistemática de 2015 da International Liaison Committee on Resuscitation
(ILCOR) foi direcionada à questão do posicionamento da paciente durante as mano-
bras de reanimação cardiopulmonar (RCP) e ao papel da cesárea perimortem (CPM) no
manejo da PCR na segunda metade da gravidez2.
A PCR associada à gestação é rara em países desenvolvidos: aproximadamente
1:12.000, ou 8,5:100.000 admissões para o parto nos Estados Unidos3. Enquanto, em
2015, a mortalidade materna nessas nações foi de 12 para cada 100.000 nascidos vivos,
nos países em desenvolvimento atingiu 239 para cada 100.000 nascidos vivos. Segun-
do dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), todos os dias, aproximadamente
830 mulheres morrem de causas evitáveis relacionadas com a gestação e o parto. No-
venta e nove por cento dessas mortes ocorrem nos países em desenvolvimento. Ado-
lescentes jovens têm maior risco de complicações na gestação do que outras mulheres.
Entre 1990 e 2015, a mortalidade materna no mundo caiu 44%4.
No Brasil, esse número foi reduzido de 103,21, em 1996, para 59,90 para cada 100.000
nascidos vivos, em 2015 – dados obtidos perante a Coordenação Geral de Informações
e Análise Epidemiológica/Secretaria de Vigilância Sanitária/Ministério da Saúde –
CGIAE/SVS/MS. A mortalidade materna, contudo, representa apenas uma pequena
parte dos eventos críticos que ocorrem durante a gestação, o parto ou o puerpério
– período de até 42 dias após o parto –, pois não inclui os eventos que não levaram a
gestante a óbito (near miss). Conhecimento insuficiente e falta de habilidade nas ma-
nobras de RCP são importantes fatores que contribuem para o resultado desfavorável
no atendimento à PCR5.
Escore maior ou igual a 6 deve indicar necessidade de suporte em Unidade de Terapia Intensiva ou acionar
a equipe de resposta rápida e iniciar monitorização contínua dos sinais vitais. (Fonte: Adaptado de Example
of a color-coded early warning score chart based on the score developed by Carle et al10. Jeejeebhoy FM et al5.)
Compressões torácicas
Compressões torácicas de alta qualidade correspondem à pedra angular do pro-
cesso de ressuscitação. Os guidelines de 2015 da AHA sobre PCR em gestantes re-
A B
Figura 2 – Deslocamento uterino manual para a esquerda. A) técnica realizada com uma das mãos;
B) técnica realizada com ambas as mãos durante a RCP. (Fonte: Reproduzido de Manual LUD during
ressuscitation. Lavone et al2.)
Desfibrilação
As mesmas recomendações dos protocolos atuais para a desfibrilação em adultos, em
geral, devem ser usadas em gestantes. As alterações fisiológicas parecem não alterar
a impedância transtorácica ou a corrente transmiocárdica12. A paciente necessita ser
desfibrilada com choque bifásico de energia entre 120 e 200 J, com subsequente au-
mento da energia liberada, se o primeiro choque não for efetivo e o aparelho permitir
essa opção5.
Antes da desfibrilação, o equipamento de monitorização fetal precisa ser removido,
se ainda estiver instalado, a fim de evitar lesão por eletrocussão na paciente ou nos
reanimadores. Esse risco é teórico e de maior importância quando há eletrodos co-
locados no polo cefálico fetal1. As CT devem ser reiniciadas imediatamente após a
aplicação do choque elétrico.
Em ambientes hospitalares nos quais a equipe não tenha experiência com eletrocar-
diograma ou onde o desfibrilador não seja usado com frequência, como nas unidades
obstétricas, o desfibrilador externo automático (DEA) deve ser considerado.
O posicionamento anterolateral das pás do desfibrilador é recomendável, sendo que
a pá lateral deve ser colocada sob o tecido mamário, algo bastante importante na
paciente grávida. O uso de placas adesivas é recomentado para permitir a colocação
padronizada dos eletrodos5.
A B
Figura 3 (A e B) – Técnicas para posicionamento da máscara facial empregando as duas mãos. (Fonte:
Reproduzido de Emprego das duas mãos para adaptação da máscara facial ao rosto do paciente. Mar-
tins MP, Ferez D6.)
Gestantes, assim como mulheres no puerpério, têm risco aumentado para regur-
gitação e aspiração do conteúdo gástrico. Apesar disso, CT, oxigenação e descom-
pressão aortocava têm prioridade sobre técnicas para limitar essa ameaça – por
exemplo, pressão cricoide e intubação rápida5. Os guidelines da AHA de 2010 não re-
comendavam mais o uso de pressão cricoide durante RCP de não gestantes13, assim
como não há dados que apoiem seu uso no manejo das gestantes em PCR. Quando
ocorrer regurgitação antes da intubação, deve-se aspirar a orofaringe sem interrom-
per as CT5.
Capnografia contínua deve ser utilizada, se disponível, para avaliar o correto posicio-
namento do TT, a qualidade das CT, e diagnosticar o RCE. A confirmação desse posi-
cionamento é complicada porque a pressão parcial do CO2 expirado (ETCO2) diminui
até quase zero durante a PCR e aumenta apenas com o início das CT efetivas. Na
situação de ETCO2 decrescente, devem ser reavaliadas as CT, o DUE, o posicionamen-
to do dispositivo de via aérea, ou consideradas causas obstrutivas para a PCR, como
embolia pulmonar maciça, tamponamento cardíaco ou pneumotórax. Elevação súbita
da ETCO2 ocorre no RCE5.
Hiperventilação tem efeitos adversos e deve ser evitada na RCP de qualquer paciente.
Alcalose materna pode causar vasoconstricção uterina e levar a hipóxia e acidose fetais1.
Acesso venoso
O acesso venoso deve ser estabelecido acima da região femoral, uma vez que fárma-
cos administrados pela veia femoral podem não atingir o coração materno até que
o feto seja retirado. Acesso obtido em veia antecubital com cateter 14G pode ser tão
efetivo quanto o acesso venoso central para reposição de volume, embora não permita
monitorização hemodinâmica.
Fármacos
A terapêutica medicamentosa durante a PCR na gestante não deve ser diferente da-
quelas em pacientes adultos em geral. Todos os fármacos recomendados no SAV ne-
cessitam ser administrados nas doses recomendadas. O risco fetal do uso de fármacos
à gestante não deve ser considerado no cenário de PCR materna5.
Pacientes com FV ou TV sem pulso que não respondem à desfibrilação e à administra-
ção de adrenalina (após a segunda desfibrilação) devem ser tratadas com infusão rá-
pida de 300 mg de amiodarona, podendo ser repetida a dose de 150 mg, se necessário.
Adrenalina, na dose de 1 mg por via venosa ou intraóssea, deve ser administrada a
cada 3 a 5 minutos do início da PCR5. Para pacientes com ritmo não chocável, deve-
-se administrar adrenalina assim que possível. Àqueles com ritmo chocável, não há
evidências suficientes sobre o melhor momento para a administração de adrenalina,
pois a desfibrilação é a prioridade nesses casos. É razoável administrar adrenalina
em pacientes refratários à desfibrilação. A vasopressina foi removida do algoritmo
do SAV como terapia vasopressora6. Além disso, a vasopressina deve ser evitada em
razão dos efeitos sobre o útero5.
Atropina também não é mais indicada no SAV. Sua única indicação é o tratamento de
bradicardia5, de acordo com o algoritmo específico.
O sulfato de magnésio é muito usado em obstetrícia para uma variedade de indica-
ções: prevenção de convulsões eclâmpticas, neuroproteção fetal durante o trabalho
de parto prematuro, tocólise etc. Se uma intoxicação pelo sulfato de magnésio for
considerada a possível causa da PCR, sua infusão deve ser interrompida, com admi-
nistração imediata de cloreto de cálcio (10 mL da solução a 10%) ou gluconato de cálcio
(30 mL da solução a 10%) por via venosa ou intraóssea1.
Outros fármacos indicados em situações específicas, como antiarrítmicos e emulsão
lipídica, devem ser administrados quando indicados1.
INTERVENÇÕES ADICIONAIS1
Massagem cardíaca direta
Após 15 minutos de RCP sem sucesso com o tórax fechado, pode ser implementada
massagem cardíaca direta via toracotomia ou por meio do diafragma, se o abdome
estiver aberto. Isso resulta em perfusão sistêmica próxima à normal durante as com-
pressões, garantindo melhor fluxo sanguíneo miocárdico e cerebral.
Trombólise sistêmica
Trombólise sistêmica bem-sucedida foi relatada para o tratamento de embolismo
pulmonar maciço ou acidente vascular cerebral isquêmico na gestação. No entanto,
sangramento excessivo pode complicar uma provável cesariana ou o curso pós-ope-
ratório de pacientes que pariram recentemente.
Checklists
Os checklists podem ajudar os socorristas a terem acesso a informações cognitivas
temporariamente inacessíveis em momentos de intenso estresse e excesso de tarefas5.
Um estudo demonstrou que todas as ações importantes durante simulação de PCR
em obstetrícia só foram adotadas quando um membro da equipe responsável pela
leitura do checklist (cognitive aid) auxiliou o líder da equipe16. Exemplo de checklist está
representado no Quadro 6.
Esses checklists devem incluir, entre outros itens, número dos contatos, ramal dos
serviços auxiliares – banco de sangue e equipe de pediatria –, localização dos
equipamentos de emergência – como para cesariana – e os passos críticos du-
rante o atendimento. Para que esses instrumentos sejam de fundamental impor-
tância, a equipe deve estar familiarizada com seu conteúdo e uso, e eles preci-
sam ter sido escritos especificamente para aquela instituição, com a participação
de todos que estarão envolvidos no atendimento. As instituições devem, então,
criar seus checklists para auxiliar e guiar as intervenções críticas no decorrer de
emergências obstétricas 5.
Fármacos antiarrítmicos
Os fármacos antiarrítmicos necessários devem ser utilizados na gestante da mesma
forma que nos adultos em geral. Os betabloqueadores são em geral seguros, sendo o
metoprolol o preferido. Amiodarona também deve ser utilizada, quando indicada.
Possíveis causas de arritmias reversíveis, como disfunção tireoidiana, efeitos adver-
sos de medicamentos, distúrbios eletrolíticos, isquemia cardíaca e insuficiência car-
díaca devem ser investigadas e tratadas de rotina5.
Avaliação fetal
Quando a PCR materna for tratada sem a retirada do feto e a gestação for considerada
potencialmente viável, uma monitorização contínua da FC fetal com cardiotocografia
deve ser iniciada assim que possível, depois do RCE materna, e mantida até a estabi-
lização clínica da paciente. Além do diagnóstico de comprometimento fetal, como se
considera o feto o mais sensível a alterações no ambiente, o aparecimento de compro-
metimento fetal pode ser o primeiro sinal de deterioração da condição clínica mater-
na. Assim, sinais de não resposta fetal devem indicar reavaliação materna e fetal, de
modo que a cesariana deve ser considerada5.
Considerações finais
O atendimento à gestante precisa ser direcionado à prevenção, à identificação de pa-
cientes de alto risco e ao encaminhamento para o cuidado especializado. No entanto,
nem todos os eventos podem ser evitados. É necessário que os profissionais envolvi-
dos nesse estejam preparados. Preparação sistemática e treinamento das equipes são
a chave para o sucesso da resposta ao tratamento a esse evento tão raro e complexo.
As equipes de suporte que devem ser chamadas para o atendimento precisam desen-
volver e praticar rotinas institucionais padronizadas a fim de permitir a realização do
parto com tranquilidade durante a RCP2.
Sempre que uma PCR ocorrer, todos os passos tomados necessitam, posteriormente,
ser revisados e discutidos pelos responsáveis, bem como as deficiências devem ser
corrigidas em situações futuras, para que o sistema de atendimento melhore.
É importante que todos os profissionais envolvidos na RCP materna formem comitês
dentro de cada instituição para assegurar a implementação dos guidelines e treina-
mento, por meio de simulação, de todos.
Resumo e recomendações1
O recurso mnemônico A a H é útil para relembrar as causas de PCR na gestante:
A: Complicações Anestésicas, Acidente/trauma;
B: Sangramento (Bleeding): Bastante sangramento;
C: Cardiovascular;
D: Drogas;
E: Causas Embólicas;
F: Febre;
G: Causas Gerais (5 Hs e 5 Ts);
H: Hipertensão.
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INTRODUÇÃO
Os procedimentos anestésicos vêm apresentando demanda cada vez maior ao longo
do tempo. Estima-se que tenham sido realizadas aproximadamente 313 milhões de
cirurgias no mundo em 20121, um aumento de 38% – principalmente em países de bai-
xo e médio desenvolvimento – em relação a 20042, o que equivale a um procedimento
cirúrgico para cada 23 pessoas por ano1. Vale lembrar que o número de nascimentos
em 2012 foi de 140 milhões3.
Calcula-se que o número de eventos adversos perioperatórios fique em torno de 3%
a 16%, com mortalidade próxima de 0,4% a 0,8%4. Assumindo as taxas de complica-
ções mencionadas, todo ano, 7 milhões de pacientes submetidos a cirurgias acabam
expostos a algum evento adverso, e mais ou menos 1 milhão deles evoluem para óbito
no período perioperatório, demonstrando desagradáveis implicações à saúde pública.
Epidemiologia
Nesse contexto, a incidência de PCR pode ser utilizada como um indicador de qua-
lidade para promover melhorias à segurança do paciente no período perioperatório
quando o anestesiologista está presente6. A incidência de PCR é dada pela relação en-
tre o número de PCR (numerador) e o número total de anestesias realizadas durante
o período avaliado (denominador). A PCR é um evento raro durante a anestesia – a
incidência é apresentada na proporção por 10.000 anestesias, seguindo a padroniza-
ção internacional (número de PCR/10.000 anestesias).
Perioperatória: todos os fatores desencadeantes; SO: sala de operação; SRPA: sala de recuperação
pós-anestésica; NR= não reportado
Figura 1 – Metarregressão da PCR perioperatória pelo IDH. Cada círculo representa um estudo, e o diâ-
metro tem relação com o peso do estudo. A relação entre PCR perioperatória e IDH foi estatisticamente
significante (p = 0,005). (Fonte: Adaptação da imagem “Anesthesia-related and perioperative cardiac arrest
in low and high-income countries. A systematic review with meta-regression and proportional meta-analysis”, de
Koga et. al30 .)
Figura 2 – Metarregressão da PCR por fator anestésico pelo IDH. Cada círculo representa um estudo,
e o diâmetro tem relação com o peso do estudo. A relação entre PCR por fator anestésico e IDH foi es-
tatisticamente significante (p = 0,024). (Fonte: Adaptação da imagem “Anesthesia-related and perioperative
cardiac arrest in low and high-income countries. A systematic review with meta-regression and proportional
meta-analysis”, de Koga et. al30 .)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
De acordo com Eichhorn (2013)47, os desafios dos países desenvolvidos quanto à se-
gurança dos pacientes submetidos à anestesia remetem à consolidação de práticas e
condutas consagradas, à busca contínua por melhorias e aperfeiçoamento, bem como à
disseminação e à facilitação de sua aplicação em demais países, desenvolvidos ou não.
Um estudo evidenciou que medidas como relatórios de incidentes críticos, treinamen-
tos simulados, padronização de fármacos e suas apresentações, checklists dos proce-
dimentos cirúrgicos e anestésicos podem promover avanços no tocante à segurança
relacionada à anestesia48. Os autores ressaltam a importância de sua implementação
em centros de ensino e no setor assistencial. A falta de aplicação prática associada à de
conhecimento conduz a ocorrência de incidentes críticos, sobretudo em eventos raros
como a PCR perioperatória49.
Apesar de os estudos apresentarem avanços, principalmente nos países desenvolvi-
dos, em relação aos cuidados com os pacientes durante a anestesia, análises subse-
quentes de epidemiologia sobre PCR perioperatória e por fator anestésico devem ser
realizadas, a fim de prover contínua avaliação das práticas de segurança em nações
desenvolvidas e em desenvolvimento.
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Anafilaxia Perioperatória
Gilberto Orlando de Assunção Portela Junior
Roberto Albuquerque Bandeira
INTRODUÇÃO
De acordo com a European Academy of Allergy and Clinical Immunology (EAACI),
define-se anafilaxia como a reação grave e potencialmente fatal de hipersensibilida-
de1. A anafilaxia perioperatória é entidade importante no contexto dos eventos cirúr-
gicos adversos e requer habilidade em seu reconhecimento e tratamento, por causa
de suas diversas formas clínicas de apresentação. A prevalência estimada varia de
1:10.000 a 1:20.000 casos, com mortalidade entre 3-9%2, sendo mais comum em mu-
lheres do que em homens, na proporção de 3:13. A grande variabilidade em estimar
prevalência reflete a dificuldade em se determinar o número total de casos ocorridos.
Tal fato ocorre, muitas vezes, pela limitação no diagnóstico da anafilaxia e pela sub-
notificação dos casos. A anafilaxia perioperatória corresponde a cerca de 5-7% das
mortes relacionadas com a anestesia4-6.
FISIOPATOLOGIA
A anafilaxia é a síndrome multissistêmica aguda, potencialmente letal, resultante da
liberação rápida de mediadores inflamatórios de mastócitos e basófilos na circula-
ção sanguínea7. Atualmente, a Organização Mundial de Alergia classifica anafilaxia
como imunológica ou não imunológica (Tabela 1)8.
O mecanismo responsável pela maior parte dos casos de anafilaxia humana envolve
a imunoglobulina E (IgE) e os eventos que levam à sua produção específica contra o
antígeno (alérgeno) no indivíduo atópico são complexos. Resumidamente, os linfóci-
tos B são forçados a se diferenciar em células produtoras de IgE, via atividade do tipo
2 dos linfócitos T helper CD4 (Th2). Esse processo ocorre nos tecidos linfoides perifé-
ricos. Uma vez produzido, o complexo antígeno-anticorpo IgE-específico difunde-se
através dos tecidos e da parede vascular e ocupa receptores de alta afinidade IgE nos
mastócitos e nos basófilos. Quando os antígenos passam perto dos mastócitos ou dos
basófilos, interagem com qualquer superfície destes, ligada com a IgE. Ela é específica
para os antígenos. Certos antígenos são capazes de interagir com as moléculas do an-
ticorpo IgE da superfície dos mastócitos ou basófilos em dois ou mais receptores. As-
sim, causam cross-linking, fenômeno que leva os receptores a se agregarem e gerarem
sinal intracelular. Se o sinal intracelular for suficientemente forte, os mastócitos ou os
basófilos tornam-se ativados e iniciam o processo de degranulação de suas vesículas
AGENTES DESENCADEANTES
Os agentes desencadeantes mais comuns na anestesia são: bloqueadores neuromus-
culares (50-70%), látex (12-16,7%) e antibióticos (15%) – os betalactâmicos mostram-se
os mais comuns12. Na Tabela 212, apresentam-se as substâncias mais frequentemente
relacionadas com a anafilaxia utilizadas no perioperatório.
Os bloqueadores neuromusculares (BNM) mais associados à anafilaxia são o rocurônio
e a succinilcolina. A anafilaxia ocorre devido à sensibilização por IgE pelo grupamento
amônio quaternário, podendo haver reatividade cruzada com outros BNM. No estudo
realizado por Sadleir e col. (2013), os pacientes com anafilaxia pelo rocurônio tiveram
taxa de reatividade cruzada de 44% com a succinilcolina; 40%, o vecurônio; 20%, o atra-
cúrio; e 5%, o cisatracúrio. A taxa de reatividade cruzada de pacientes com anafilaxia
por succinilcolina foi de 24% com o rocurônio; 12%, o vecurônio; e 6%, o atracúrio13.
Não é comum, mas a anafilaxia pode ser provocada por clorexidina, coloides, co-
rantes azuis (isosulfano, azul patente V), heparina e protamina14. Anestésicos locais,
% % % %
QUADRO CLÍNICO
A anafilaxia perioperatória caracteriza-se por sua variabilidade de sinais clínicos, po-
dendo ser mascarada ou confundida com as alterações decorrentes da anestesia, difi-
cultando o diagnóstico12. Em 2001, a Sociedade Francesa de Anestesia e Reanimação
(SFAR) publicou a classificação da anafilaxia de acordo com a gravidade do quadro
clínico (Tabela 3)12,15.
O colapso cardiovascular perioperatório é a ocorrência mais comum (88% dos casos),
além de ser o sinal mais grave16. Assim, a anafilaxia pode ser fatal dentro dos primei-
ros minutos. Os quadros graves evoluem com hipotensão arterial por vasodilatação
e redução do volume intravascular. Os efeitos sobre o ritmo cardíaco variam desde
taquicardia sinusal, extrassístoles, bloqueios e ritmos ectópicos até fibrilação ventri-
cular. O quadro final caracteriza-se por aumento da viscosidade sanguínea, redução
do retorno venoso e queda do débito cardíaco12,16.
Frequentemente, o sistema respiratório é afetado, apresentando, muitas vezes, evolu-
ção grave com reação inflamatória das vias aéreas, edema da mucosa respiratória e
broncoespasmo. Pode ser observada redução da complacência pulmonar (aumento da
pressão das vias aéreas)12.
As manifestações cutâneas variam de leves e localizadas a generalizadas. Nas rea-
ções graves, com colapso cardiovascular, pode ocorrer urticária generalizada, além
de edema de mucosas, face, língua, faringe e laringe (edema de Quincke). O edema
torna-se visível quando maior que 1 mm (o que representa grande perda de volume).
Convém lembrar que, muitas vezes, o edema não é observado pelo anestesiologista,
pois o paciente encontra-se coberto pelos campos cirúrgicos12,14.
EXAMES DIAGNÓSTICOS
O diagnóstico da anafilaxia é, principalmente, clínico. Existem alguns exames que
podem auxiliar na confirmação das suspeitas diagnósticas, como a dosagem de trip-
tase e os níveis de histamina e IgE, mas nenhum tem exatidão absoluta17.
A triptase consiste em uma protease com várias isoformas maiores. A concen-
tração sérica da triptase, decorrente da degranulação dos mastócitos, é 300 a 700
vezes mais elevada que a liberada pelos basófilos. Assim, acima de 25 μg.L-1, con-
sidera-se indicador de anafilaxia18. Os níveis de triptase podem estar aumentados
por outras doenças, como mastocitose sistêmica, síndrome de ativação de mastó-
citos ou doenças hematológicas. Por outro lado, um nível normal de triptase não
descarta o diagnóstico de anafilaxia. A meia-vida da triptase é de 120 minutos 8, e
os níveis voltam ao nível basal em 24 horas19,20. Podem ocorrer falso-positivos por
estresse intenso, como traumatismo grave ou hipoxemia. Convém coletar a amos-
tra a partir de 15 minutos até 3 horas do início dos sintomas. Deve ser repetida em
24 horas. Coletam-se 5 a 10 mL de sangue, encaminhando-se os dados da história
clínica e o horário de coleta da amostra com relação ao início do quadro para
o laboratório19,20.
Os exames cutâneos podem identificar o agente causal, mas devem ser feitos após
um mês da apresentação da anafilaxia. Isso restringe sua utilidade em evitar
casos posteriores19,20.
TRATAMENTO
O diagnóstico e o tratamento precoces apresentam impacto considerável no desfecho
dos eventos anafiláticos. A terapêutica adequada será definida pela magnitude das
manifestações clínicas e envolve, basicamente, medidas gerais, reposição volêmica
vigorosa e administração de adrenalina12.
São medidas gerais a interrupção imediata do agente deflagrador do evento, a oferta
de O2 a 100%, a informação do evento adverso para a equipe cirúrgica e a solicitação
de ajuda12.
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INTRODUÇÃO
Anestésicos locais (ALs) produzem bloqueio reversível da transmissão de impulsos
nervosos periféricos, que causam perda temporária de sensação em área específica
do corpo. A intoxicação sistêmica por anestésicos locais (ISAL) é um evento raro, de
difícil tratamento e potencialmente fatal1-3.
Nos últimos 30 anos, o refinamento nas técnicas anestésicas, o uso de novas tecnologias
– como o aparelho de ultrassonografia – e os cuidados médicos por parte dos anes-
tesiologistas resultaram em redução significativa na prevalência de eventos adversos
relacionados à toxicidade por AL4, porém ainda não os preveniram por completo5.
O avanço nas técnicas anestésicas não foi acompanhado pela criação de novos AL com
menor toxicidade. Os AL6 de maior uso na prática clínica – lidocaína, bupivacaína e
ropivacaína – foram sintetizados há mais de 20 anos. Mesmo com a menor toxicidade
da ropivacaína e da levobupivacaína, quando comparadas à da bupivacaína, aciden-
tes cardiovasculares e no sistema nervoso central (SNC) continuam sendo relatados.
Apesar do uso generalizado de AL por várias especialidades, a ISAL continua sendo
um problema clínico potencial que não é de todo reconhecido e seus tratamentos re-
comendados ainda não foram adotados de maneira universal7.
INCIDÊNCIA DA ISAL
A incidência relatada de eventos maiores, como convulsões ou PCR, associados à
anestesia regional é muito baixa. Essas complicações diminuíram de modo acentuado
desde o início dos anos 1980, provavelmente por causa do aumento da conscientiza-
ção18,19 e da incorporação rotineira de medidas preventivas na prática clínica20,21.
Os dados sobre a incidência de ISAL vêm de estudos de relatos e revisões retrospectivas
de um grande número de anestesias regionais com números muito pequenos de eventos.
Uma análise retrospectiva de uma única instituição, de aproximadamente 80.600 blo-
queios nervosos periféricos (BNP), de 2009 a 2014, relatou três casos de convulsões
causadas por ISAL (0,04 por 1.000) e nenhum de PCR22.
Da mesma forma, um registro multicêntrico australiano e neozelandês de anestesia
regional (AURORA) incluiu dados de aproximadamente 25.300 BNP, realizados de
2008 a 20124. A incidência geral de eventos menores e maiores de ISAL foi de 0,87
por 1.000 bloqueios. Eventos maiores de ISAL aconteceram em oito pacientes (0,31
por 1.000), incluindo sete casos de convulsões ou inconsciência e um caso de PCR. A
anestesia guiada por ultrassom (USG) foi associada à redução do risco de ISAL – OR
0,36 para eventos menores e maiores de ISAL.
Já um relatório do serviço nacional francês de eventos em anestesia regional incluiu
complicações relacionadas a cerca de 150.000 anestesias regionais entre 1998 e 199923.
Foram relatadas sete convulsões durante anestesia peridural ou BNP (0,07 por 1.000)
e nenhuma PCR causada por ISAL.
Por seu turno, um estudo recente que avaliou a revisão de relatos e registros de casos
relacionados à ISAL entre 2010 a 2016 – 69 ocorrências em 251.325 procedimentos –
demonstrou incidência de 0,03%, ou 0,27 evento por 1.000 BNP (IC 95%, 0,21-0,35).
Sintomas maiores (convulsões) ou menores (premonitórios) ligados à ISAL foram, res-
pectivamente, de 0,20 (IC 95%, 0,15-0,26) e 0,08 (IC 95%, 0,05-0,12) por 1.000 BNP. Cin-
quenta dos 69 (72%) foram eventos maiores – 42 casos de convulsões e 8 de toxicidade
cardiovascular, incluindo uma PCR –, ao passo que houve 19 eventos menores (28%)
relacionados com a ISAL12.
Outras revisões também relataram baixa incidência de eventos maiores de ISAL24-27.
Um estudo apontou que essa incidência pode ser mais elevada com BNP do que com
bloqueio peridural23, mas essa conclusão se baseia num número muito pequeno de
eventos. Os eventos menores, como zumbido, dormência perioral e gosto metálico,
provavelmente ocorrem de maneira muito mais frequente do que os maiores, porém
não são sistematicamente relatados.
Tratamento
The Third American Society of Regional Anesthesia and Pain Medicine Practice
Advisory on Local Anesthetic Systemic Toxicity. Executive Summary 2017. Reg
Anesth Pain Med 2018;43:113-123
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INTRODUÇÃO
Alterações hidroeletrolíticas (HE) são causas importantes de arritmias cardíacas,
sobretudo decorrentes de mudanças dos íons potássio, magnésio e cálcio. Essas ar-
ritmias podem evoluir para instabilidade hemodinâmica com sinais de hipotensão,
alteração do nível de consciência, dor precordial, hipoperfusão tecidual, parada car-
diorrespiratória (PCR) e óbito. Quando detectadas, portanto, devem ser rapidamente
diagnosticadas e corrigidas. Essas alterações HE também contribuem para o desfe-
cho desfavorável após reanimação cardiopulmonar (RCP) e o retorno à circulação
espontânea (RCE), na medida em que compromete a estabilidade hemodinâmica dos
pacientes ressuscitados1,2.
POTÁSSIO (K+)2-7
Entre os distúrbios encontrados na prática clínica, os relacionados ao K+ são muito fre-
quentes e, muitas vezes, representam emergência clínica. O K+ é um íon predominan-
temente intracelular. Seu conteúdo corporal é de cerca de 50 mEq.kg-1, ou seja, cerca de
3.500 mEq para um adulto de aproximadamente 70 kg. A concentração intracelular de
K+ varia de 140 a 150 mEq.L-1, sendo o tecido muscular o maior depósito de K+. Apenas
2% do K+ corporal total se encontra no espaço extracelular, variando sua concentração
de 3,5 a 5,0 mEq.L-1. Graças à grande diferença entre as concentrações intra e extrace-
lulares de K+, os fatores que controlam sua distribuição transcelular são críticos para
a manutenção de níveis séricos normais. Os principais fatores são:
• pH: a acidose (pH < 7,35) promove movimento do K+ do meio intra para o extra-
celular, induzindo hipercalemia. O fenômeno contrário ocorre na alcalose (pH >
7,45). Para cada 0,1 unidade de alteração do pH sanguíneo, haverá alteração conco-
mitante do K+ sérico de 0,6 mEq.L-1.
• Insulina: exerce papel importante no funcionamento da bomba Na+-K+-ATPase,
contribuindo para a manutenção da distribuição sérica normal do K+. A insulina
aumenta a ação da bomba, deslocando o K+ para o meio intracelular, em especial
nas células musculares.
• Aldosterona: sua ação ocorre no ducto coletor, onde estimula a formação de canais
de Na+ e maior efetividade da bomba Na+-K+-ATPase, aumentando a reabsorção de
Na+ e causando maior secreção de K+.
As alterações da reserva corporal total do K+, por depleção (aumento das perdas ou
redução da ingesta) ou retenção de K+ (sobrecarga de K+ ou diminuição das perdas
renais), tem papel relevante nos distúrbios desse íon.
Hipocalemia
É definida como uma concentração plasmática de K+ inferior a 3,5 mEq.L-1. Avalia-
da em conjunto com dados clínicos e laboratoriais, contudo, a hipocalemia oferece
orientação quanto a etiologia, prognóstico e terapêutica. Perdas de 200 a 400 mEq
são necessárias para promover a queda do K+ sérico de 4,0 para 3,0 mEq.L-1, ao passo
que perdas subsequentes de 200 a 400 mEq são necessárias para levar a potassemia a
níveis abaixo de 2,0 mEq.L-1.
São decorrentes de distribuição interna do K+ entre os líquidos intra (LIC) e extra-
celular (LEC), depleção do K+ corporal total ou combinação desses fenômenos. A
causa mais comum da distribuição transcelular é a alcalose, seja respiratória, seja
metabólica, embora ocorra também com a administração exógena de glicose, insu-
lina ou beta-agonistas.
Os verdadeiros déficits de K+ resultam de perdas gastrintestinais ou renais, raramente
de perdas pelo suor. As causas renais mais comuns incluem terapêutica com diuréti-
cos ou estados de secreção excessiva de mineralocorticoide.
Em virtude de o K+ ser o cátion mais abundante no intracelular, sua ausência pro-
duz distúrbios em múltiplos órgãos e sistemas. Os principais sintomas decorrem
de aberrações na polarização das membranas que afetam a função dos tecidos
neural e muscular. Sinais e sintomas não aparecem habitualmente, até que a defi-
ciência seja significativa.
Hipercalemia
É definida como a concentração plasmática do íon K+ acima de 5,0 mEq.L-1. Quando
ocorre PCR secundária à hipercalemia, terapias adicionais adjuvantes podem ser ra-
zoáveis em adição aos protocolos do Advanced Cardiac Life Support (ACLS) (Classe
IIb. NE: C)8. Essas terapias serão discutidas posteriormente (Figuras 2 e 3).
A Tabela 1 mostra as causas possíveis de hipercalemia.
3. Eliminação do K+: há três maneiras para atingir tal objetivo: resinas de troca iônica,
diuréticos de alça e procedimentos dialíticos.
• Resinas de troca iônica - aderem ao K+ no tubo digestivo, trocando-o por Ca+2
ou Na+. Em nosso meio, a resina mais usada é o poliestirenossulfonato de cálcio
(Sorcal®), que troca K+ por Ca+2, sendo o primeiro eliminado nas fezes. Seu efeito
se inicia após uma ou duas horas, com duração de até seis. Pacientes que não
puderem usar a medicação por via oral podem ser tratados por enema de reten-
ção. O efeito colateral mais frequente é a obstipação intestinal, que necessita ser
tratada com catárticos (manitol ou sorbitol).
• Diuréticos de alça - os diuréticos de alça – furosemida 40 a 80 mg, por via venosa,
ou bumetanida 1 a 2 mg, venosa – aumentam a excreção renal de K+. Pacientes com
insuficiência renal moderada a grave – clearance de creatinina entre 10-50 mL.min-1
– podem ser medicados com esses fármacos, mas a resposta não é tão boa quanto
naqueles com função renal normal. Doentes com insuficiência renal terminal não
apresentam resposta satisfatória.
• Diálise - é muito efetiva ao retirar o K+, principalmente a hemodiálise, e pode
normalizar os níveis de K+ em 15 a 30 minutos. É indicada em insuficiência renal
aguda ou crônica. A principal desvantagem do tratamento dialítico é o tempo ne-
cessário para preparar o material e conseguir o acesso. Antes de preparar a diálise,
devem-se utilizar as medidas terapêuticas apresentadas acima1,4,9-11.
Hiponatremia
A hiponatremia é definida como a concentração plasmática de Na+ menor que 135
mEq.L-1. Os sintomas são inespecíficos, primariamente neurológicos e relacionados
com a rapidez da alteração da concentração plasmática do Na+. Na hiponatremia
leve (Na+ ~ 125 mEq.L-1), podem ocorrer anorexia, náuseas e mal-estar. Valores de
Na+ plasmático abaixo de 120 mEq.L-1 cursam com obnubilação e cefaleia. As formas
graves de hiponatremia (< 115 mEq.L-1) costumam induzir convulsões e coma.
Hipernatremia
A hipernatremia é definida quando o Na+ plasmático ultrapassa 145 mEq.L-1. É menos
frequente do que a hiponatremia e mais comum em pacientes bem jovens, velhos e
doentes, que não têm condição de ingerir líquido em resposta à sede em virtude da
incapacidade física. Invariavelmente, a hipernatremia evolui com hiperosmolaridade
hipertônica e sempre provoca desidratação celular. No quadro clínico, predominam
sinais e sintomas de disfunção do sistema nervoso central (SNC), consequente à desi-
dratação celular, com contração das células cerebrais, o que pode levar à laceração, à
hemorragia subaracnoidea e subcortical e à trombose dos seios venosos. As manifes-
tações iniciais da hipernatremia são agitação, letargia e irritação. Esses sintomas po-
dem ser seguidos de espasmos musculares, hiper-reflexia, tremores e ataxia. A forma
aguda é mais grave do que a crônica.
MÁGNÉSIO2,3,13-20
O magnésio (Mg+2) é um dos cátions intracelulares mais importantes, sendo um com-
ponente essencial de diversos sistemas enzimáticos e cofator dos ácidos nucleicos
indispensáveis para o funcionamento celular normal, a replicação e o metabolismo
energético. Já concentrações extracelulares normais, tanto do cálcio quanto do mag-
nésio, são essenciais para atividade neuromuscular normal. Assim como o cálcio, li-
ga-se à albumina, e seu nível sérico deve ser sempre interpretado em relação à con-
centração dessa proteína. Os valores séricos normais do Mg+2 estão na faixa de 1,7 a
2,4 mg.dL-1 (0,7 a 1,2 mmol.L-1; 1,5 a 2,0 mEq.L-1). Valores abaixo de 1,0 e acima de 4,9
mg.dL-1 são considerados críticos.
Hipomagnesemia
A hipomagnesemia é uma entidade clínica relativamente comum, que ocorre em 12%
dos pacientes hospitalizados. A incidência chega aos 60% naqueles em UTI. Os dois
principais mecanismos que levam à hipomagnesemia são perdas gastrintestinais e
renais. Situações nas quais se encontra hipomagnesemia com frequência são: diarreia
Hipermagnesemia
São duas as situações mais comuns que levam à hipermagnesemia: quando uma car-
ga excessiva de magnésio é dada – por via oral, venosa e enema – ou quando a função
renal não tem eficiência para eliminar o Mg+2.
A toxicidade neuromuscular é a complicação mais comum. Sintomas variam desde
reflexos tendíneos profundos diminuídos (4,8 a 7,2 mg.dL-1) até sonolência, perda de
reflexos e paralisia muscular. Sintomas cardiovasculares, como hipotensão e bradi-
cardia (4,8 a 6,0 mg.dL-1), podem ocorrer, associados a alterações no ECG, como pro-
longamento nos intervalos PR e QT e alargamento do QRS. No entanto, quadros mais
CÁLCIO2,3,20-24
O cálcio, assim como outros “elementos inorgânicos” nos sistemas biológicos, recebeu
muita atenção dos cientistas e do público em geral nas últimas décadas. Hoje em dia,
o íon cálcio (Ca+2) é vastamente estudado por seu papel de destaque em diversos pro-
cessos biológicos, como contração muscular, coagulação, condução cardíaca, glicólise,
gliconeogênese, transporte iônico, divisão celular, entre outros22. Sua associação com
a PCR é rara, e sua correção durante a RCP não é recomendada. Só é utilizado, de ma-
neira empírica, quando houver hipercalemia ou hipermagnesemia como suspeita da
causa da PCR. Nessa condição, administra-se 5 a 10 mL de cloreto de cálcio a 10%, ou
15 a 30 mL de gluconato de cálcio a 10% venoso, em infusão de dois a cinco minutos
(Classe IIb, NE: C)8.
Embora somente o Ca+2 ionizado seja metabolicamente ativo, a maioria dos laborató-
rios dá como resultado a concentração de Ca+2 sérico total, com valores normais, entre
8,5 e 10,5 mg.dL-1 (2,12 a 2,62 mEq.L-1). Os valores normais do Ca+2 ionizado variam
entre 4,65 a 5,25 mg.dL-1 (1,16 a 1,31 mEq.L-1)24.
A concentração do Ca+2 sérico total diminui ao redor de 0,8 mg.dL-1 para cada 1 g.dL-1
de redução da concentração de albumina sérica. Mesmo com a concentração de albu-
mina sérica normal, mudanças no pH sanguíneo alteram o equilíbrio do complexo
cálcio-albumina, com a acidose reduzindo a ligação e a alcalose a aumentando.
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INTRODUÇÃO
A parada cardiorrespiratória (PCR) e a morte por envenenamento são eventos raros,
porém as internações causadas por elas são comuns, representando até 140 mil por
ano no Reino Unido1. Na União Europeia, em 2008, cerca de 0,16% de todas as mortes
foram decorrentes de intoxicação por droga2. Diante de vários dados encontrados na
literatura2-4, deve-se salientar que as substâncias envolvidas variam de acordo com as
regiões geográficas e as circunstâncias socioeconômicas. Intoxicação com herbicidas
e pesticidas é mais comum nos países em desenvolvimento, enquanto aquela provo-
cada por medicamentos prescritos é predominante nos países ocidentais5.
PREVENÇÃO DA PCR
Em atendimento inicial devemos avaliar, identificar e corrigir condições que ofereçam
risco, visando suporte à vida e obedecendo às diretrizes recomendadas (CABDE). A
hipotensão induzida por drogas deve responder à hidratação venosa e, se necessário,
ao suporte vasopressor (noradrenalina). É causa comum de morte a redução do nível
de consciência, que leva à obstrução de vias aéreas e à parada respiratória após au-
toenvenenamento por benzodiazepínicos, álcool, opioides, antidepressivos tricíclicos
e barbitúricos6.
Nesses casos, a intubação traqueal precoce pode diminuir o risco de aspiração do con-
teúdo gástrico. Monitoração de gasometrias – arterial ou venosa central –, eletrólitos
– em especial o potássio – e glicemia é necessário. Amostras de sangue e urina devem
ser conservadas para análise, e as intoxicações graves precisam ser tratadas em UTI6.
Descontaminação
É o processo de remoção da toxina do corpo determinado pela via de exposição:
a) exposições dérmicas: o manejo consiste na remoção de roupas e na irrigação com
água, exceto em casos de metais alcalinos reativos inflamáveis;
b) lavagem gástrica: não é mais recomendada para descontaminação gastrintestinal.
É contraindicada em via aérea não protegida e/ou se houver ingestão de hidrocar-
boneto com alto potencial de aspiração ou substância corrosiva17;
c) carvão ativado: é o método preferido de descontaminação gastrintestinal e deve
ser administrado até uma hora depois da ingestão18. O carvão ativado não se liga
a lítio, metais pesados e álcoois tóxicos. Os efeitos colaterais mais comuns são vô-
mito e obstipação;
d) lavagem entérica: apesar dos riscos, pode ser indicada em ingestões acima de duas
horas quando o carvão for ineficaz. É usada na remoção de altas quantidades de
ferro, lítio, potássio e pacotes de drogas ilícitas. Está contraindicada em obstrução
intestinal, perfuração, íleo e instabilidade hemodinâmica16.
Eliminação melhorada
Após a absorção, para a remoção de uma toxina do corpo há diversas técnicas, como
administração de várias doses de carvão ativado (VDCA), alcalinização urinária e
eliminação extracorpórea.
Intoxicações específicas
Benzodiazepínicos
A sobredose pode causar perda de consciência, depressão respiratória e hipotensão.
O Flumazenil, antagonista competitivo, é usado para reversão da sedação quando
não houver história ou risco de convulsões. A reversão com Flumazenil pode ser
associada à toxicidade significativa – convulsões, arritmias, hipotensão e síndrome
de abstinência – em dependentes de benzodiazepínicos ou coingestão de antidepres-
sivos tricíclicos21. O flumazenil não é recomendado em paciente comatoso decorrente
de sobredose.
Opioides
A intoxicação está associada à depressão respiratória seguida de insuficiência respi-
ratória ou apneia, sendo esses efeitos revertidos rapidamente pela naloxona. Quando
imediatamente tratada com ventilação assistida, há menos eventos adversos antes
mesmo da administração do fármaco22-24. A naloxona pode evitar a intubação. Qual-
quer via de administração pode ser usada, tendo em vista que o acesso venoso pode
ser mais difícil em usuários de drogas venosas. Assim, o uso subcutâneo (SC), intra-
muscular (IM), intraósseo (IO) e intranasal (IN) pode ser uma alternativa viável, com
menor tempo até a administração da naloxona25.
A dose inicial de naloxona é de 0,4-2 mg IV, IO, IM ou SC e pode ser repetida a cada
dois ou três minutos. A dosagem de administração IN é de 2 mg – 1 mg em cada na-
rina –, repetida a cada cinco minutos. Doses adicionais, quando necessárias, devem
ser consideradas a cada 20-60 minutos, a fim de manter a vítima respirando e com
reflexos protetores das vias aéreas. Grandes intoxicações podem exigir dose total de
até 10 mg de naloxona22,25-27. O antagonismo imediato do opioide produz descarga
simpática e pode causar complicações como edema pulmonar, arritmias ventriculares
e agitação grave, portanto precisa ser realizado com cautela.
Cocaína
A superestimulação simpática, associada à toxicidade à cocaína, pode causar agita-
ção, taquicardia, crise hipertensiva, hipertermia e vasoconstricção coronária, levando
à isquemia miocárdica com angina. Em toxicidade cardiovascular grave, bloqueado-
res alfa (fentolamina)32, benzodiazepínicos (lorazepam, diazepam)33, bloqueadores
de canais de cálcio (verapamil)34, morfina35 e nitroglicerina sublingual32,33 podem ser
usados, conforme necessário, para controlar hipertensão, taquicardia, isquemia mio-
cárdica e agitação.
A evidência a favor ou contra o uso de drogas betabloqueadoras33,36, incluindo aque-
les betabloqueadores com propriedades de bloqueio alfa (carvedilol e labetalol) é li-
mitada37. Em taquiarritmias induzidas por cocaína, até o momento não é conhecido
antiarrítmico ideal para seu tratamento. Na presença de PCR realizar o protocolo de
RCP padrão.
Anestésicos locais
Sua toxicidade sistêmica envolve o sistema nervoso central (SNC) e o sistema cardio-
vascular (SCV). A intoxicação pode desencadear agitação grave, perda de consciên-
cia, convulsões, bradicardia, assistolia ou taquiarritmias ventriculares. A toxicidade
é muitas vezes associada à anestesia regional, quando um bolus de anestésico local é
injetado inadvertidamente numa artéria ou veia, levando à PCR. Há muitos relatos e
séries de casos de pacientes com retorno à circulação espontânea (RCE) após RCP e
administração venosa de emulsão lipídica (EL) 20%.
A evidência desse benefício já é bem conhecida, inclusive em relação ao uso em crian-
ças38. O tratamento é realizado com EL 20% IV, em dose padrão39. De início, adminis-
tra-se um bolus IV de EL 20% de 1,5 mL.kg-1 durante um minuto, seguido por infusão
contínua de 0,25 mL.kg-1.min-1. Usam-se no máximo dois bolus, repetidos em interva-
lo de cinco minutos, e continua-se a infusão ininterrupta, que pode ser dobrada para
0,5 mL.kg-1.min-1 até que o paciente esteja estável ou tenha recebido dose cumulativa
máxima de 12 mL.kg-1 de EL10,11,38.
Fármacos de uso padrão na RCP, como a adrenalina, devem ser administrados de
acordo com as diretrizes do SAV, pois estudos recentes em animais fornecem evidên-
Betabloqueadores
Sua toxicidade causa bradiarritmias e efeitos inotrópicos negativos, difíceis de tratar,
e podem levar à PCR. Evidências para tratamento são baseadas em relatos de casos
e estudos em animais. A melhora foi descrita com glucagon – 50-150 mcg.kg-1 –44,45,
altas doses de insulina e glicose (euglicemia)9 – 1 UI.kg-1, e 1 UI.kg-1.h-1 infusão –44,46,47,
EL 20% – 1,5 mL.kg-1 bolus e 0,25 mL.kg-1.min-1 em infusão contínua por 60 minutos
–44,46,48, inibidores da fosfodiesterase44,45, suporte de circulação extracorpórea e balão
intra-aórtico41. Alguns casos foram tratados com mais de uma conduta acima descrita
até a resolução do quadro46.
Digoxina
Os casos de intoxicação por digoxina são menos frequentes do que os decorrentes de
bloqueadores de canal de cálcio e betabloqueadores, mas a taxa de mortalidade por
digoxina é muito maior8. Fármacos como bloqueadores de canais de cálcio e amioda-
rona podem aumentar as concentrações plasmáticas de digoxina, elevando sua toxici-
Cianetos
A exposição ao cianeto ocorre com relativa frequência em pacientes com inalação de
fumaça de incêndios residenciais ou industriais. O cianeto causa hipóxia intracelular
por ligação reversível e inativação da citocromo oxidase mitocondrial (citocromo a3).
Inibe a respiração celular, mesmo na presença de suprimento adequado de O2 – satu-
ração de O2 normal. Os tecidos com as maiores necessidades de O2 – cérebro e coração
– são os mais afetados pela intoxicação aguda por cianeto.
Sinais e sintomas de intoxicação ocorrem menos de um minuto após a inalação e
dentro de alguns minutos depois da ingestão. Estes incluem: ansiedade, dor de cabe-
ça, vertigem, incapacidade de focalizar os olhos e midríase52, levando à redução dos
níveis de consciência, convulsões e coma. A toxicidade cardiovascular grave – insta-
bilidade cardiovascular, acidose metabólica, estado mental alterado ou PCR – causada
por envenenamento conhecido ou suspeito de cianeto deve receber terapêutica com
antídoto de cianeto, além da RCP padrão, incluindo oxigênio52.
A terapia inicial deve incluir um eliminador de cianeto – hidroxocobalamina 100
mg.kg-1 IV ou combinação de nitrito de sódio IV e nitrito de amilo inalado –, seguido o
mais rapidamente possível por tiossulfato de sódio IV53. A hidroxocobalamina é mais
segura porque não causa formação de meta-hemoglobina ou hipotensão53. Na RCP de
PCR causada por cianeto, o tratamento padrão não consegue restaurar a circulação
espontânea em razão do bloqueio da respiração celular, sendo necessário um antídoto
para a reativação da citocromo oxidase52.
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Hipertermia Maligna
Helga Cristina Almeida da Silva
José Luiz Gomes do Amaral
INTRODUÇÃO
A hipertermia maligna (HM), descrita em 1960, é uma doença farmacogenética, he-
reditária e latente, desencadeada por agentes inalatórios halogenados como sevoflu-
rano, isoflurano, halotano, desflurano, enflurano ou, ainda, pelo relaxante muscular
despolarizante succinilcolina1,2. A exposição a esses agentes, associada a alterações
genéticas subjacentes, altera a homeostase intracelular de cálcio, resultando em sín-
drome hipermetabólica, que pode ser rapidamente fatal quando não houver diagnós-
tico precoce e tratamento específico.
Enquanto na maioria dos pacientes a HM é uma doença subclínica que se manifesta
apenas na anestesia com agentes desencadeantes, alguns pacientes podem apresentar
hipertrofia muscular, aumento idiopático de creatinofosfoquinase (CPK), hipermeta-
bolismo desencadeado pelo esforço físico/calor ambiente ou dismorfismos e fraqueza
muscular por miopatia, como na síndrome de King Denborough e nas miopatias con-
gênitas do tipo central core ou multiminicore2.
A importância do reconhecimento da crise de HM pelos anestesiologistas se associa
não só ao sucesso do combate à crise no paciente sob seus cuidados, mas também à
orientação para os familiares igualmente sob risco, já que a HM tem herança autossô-
mica dominante, implicando em risco de 50% para familiares1.
EPIDEMIOLOGIA
Na epidemiologia, deve-se considerar tanto a incidência do estado de portador da
mutação, que leva à suscetibilidade à HM, quanto a da crise durante a anestesia. A
incidência de portadores de mutação ligada à HM na população é de uma a cada 400
pessoas2. Já a crise tem incidência relativamente baixa, mas muito variável, e depende
da frequência de indivíduos com a mutação na população. Assim, há crise de HM em
1:10.000, em crianças, e 1:250.000 em adultos2.
No Brasil, a ocorrência de 2,2:10.000 em adultos foi relatada em centro de referência
para HM3. Esse alto patamar, como em outros centros de referência no mundo, pode
estar associado à crescente atenção ao diagnóstico diferencial, sobretudo dos casos
atípicos, muitas vezes negligenciados4.
ETIOLOGIA
A HM está associada a uma série de mutações já identificadas em vários genes, sendo
as principais relacionadas aos genes rianodina (RYR1) e dihidropiridina, implicados,
respectivamente, em cerca de 50-70% e 1% das famílias com HM. O gene RYR1 codifi-
ca o receptor rianodina, ou canal de liberação intracelular de cálcio da fibra muscular,
responsável por liberar cálcio no citoplasma do músculo esquelético no momento da
contração muscular.
O gene dihidropiridina codifica o receptor de mesmo nome, ou canal de cálcio vol-
tagem dependente da fibra muscular, responsável por detectar a despolarização da
fibra muscular e ativar o receptor rianodina. Além da heterogeneidade genética, vá-
rios fatores dificultam o estudo genético da HM, como o grande tamanho do gene que
codifica o canal de rianodina e a presença de alterações benignas – não patogênicas
– nesses genes em indivíduos não suscetíveis à HM11,12.
FISIOPATOLOGIA
A contração muscular depende da liberação intracelular de cálcio do retículo sarco-
plasmático da fibra muscular. Esse processo se inicia com a transmissão do potencial
de ação do nervo motor à fibra muscular por meio da liberação de acetilcolina na
junção neuromuscular. Nessa região, a fibra muscular concentra os receptores nico-
tínicos com cinco subunidades, duas delas chamadas de subunidades alfa, com alta
afinidade pela acetilcolina, que, ao se ligar a essas duas subunidades do receptor ni-
cotínico, permite o influxo de sódio e cálcio e a saída de potássio, o que despolariza a
fibra muscular2.
A despolarização do sarcolema se propaga pelos túbulos T, que são invaginações da
membrana da fibra muscular. Neles, encontram-se as proteínas chamadas canais de
QUADRO CLÍNICO
O traço genético de suscetibilidade à HM tem expressão diversa por causa da pene-
tração variável da mutação. Essa expressão diversa se refere não somente ao fato de o
paciente ser ou não assintomático na sua vida diária, mas também à intensidade do
estímulo capaz de desencadear o hipermetabolismo e à expressão variável da crise.
Assim, o quadro clínico vai desde aqueles atípicos e abortivos até os fulminantes com
apresentação clássica.
Os quadros atípicos podem se apresentar como espasmo isolado de músculo masse-
ter, parada cardíaca súbita sem causa aparente após a utilização de agentes desen-
cadeantes ou insuficiência renal aguda no pós-operatório. A anestesia prévia com
agentes desencadeantes, mas sem relato de intercorrências, não afasta o diagnóstico
de HM, sendo referidas em média duas anestesias gerais prévias quando o paciente
apresenta a primeira crise13.
O início da crise vai desde o momento da exposição aos agentes desencadeantes até
o término da anestesia, passando pelo período pós-operatório precoce. Riazi e col.
descreveram oito pacientes que apresentaram os primeiros sinais da crise na unidade
de recuperação pós-anestésica depois da extubação15. Visio e col. relataram que, desde
1998, os sinais de HM tendem a se manifestar mais tarde, na segunda e na terceira
hora da anestesia16.
Os sinais da crise se manifestam mais precocemente com halotano do que com outros
halogenados. Entre os outros halogenados que não o halotano, as crises se manifes-
tam de maneira mais rápida com sevoflurano do que com isoflurano e desflurano. A
succinilcolina tende a encurtar o início da crise.
DIAGNÓSTICO LABORATORIAL
O padrão-ouro diagnóstico é o teste de contratura muscular em resposta ao halo-
tano-cafeína, realizado pela biópsia muscular22. No entanto, não há possibilidade
de realização desse teste frente a um episódio agudo. A biópsia deve ser feita fora
dos quadros de crise, com intervalo de pelo menos seis meses, pois o músculo
afetado agudamente pode apresentar resultado falso-negativo em razão da des-
truição recente de diversas fibras.
Destaca-se um aumento dos níveis de CPK/mioglobina após o quadro agudo, que
pode superar 20.000 UI.L-1 22. A succinilcolina está relacionada a aumentos mais acen-
tuados dos níveis de CPK. O tratamento específico não altera os níveis de CPK. Em até
30% dos casos de HM, a CPK permanece dentro do aumento esperado causado pelo
trauma cirúrgico e, portanto, pode não ser útil no diagnóstico.
Como já citado, o padrão-ouro é o teste de contratura muscular in vitro em resposta
ao estímulo com halotano-cafeína22. Esse teste é invasivo e necessita de anestesia re-
gional, espinhal ou venosa total, além de ser realizado em pouquíssimos locais. No
Brasil, só há dois: o Centro de Estudo Diagnóstico e Investigação da Hipertermia Ma-
ligna (CEDHIMA), na Universidade Federal de São Paulo, e o Centro Diagnóstico de
Hipertermia Maligna da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
O teste é realizado por meio da biópsia muscular e da análise desse músculo ainda
viável num máximo de cinco horas. O diagnóstico por meio do teste genético só é pos-
sível quando o paciente apresenta pelo menos uma das 36 mutações causais para HM
do gene rianodina, ou a mutação causal do gene dihidropiridina (www.emhg.org), de
forma que o teste genético negativo não afasta a suspeita de HM. Quando a investi-
gação genética revelar qualquer outra variação não causal nos genes rianodina e/ou
dihidropiridina, ainda assim é preciso realizar o teste de contratura muscular in vitro
em resposta ao halotano e cafeína.
TRATAMENTO
Em seguida ao diagnóstico precoce, algumas medidas inespecíficas devem ser toma-
das imediatamente enquanto se providencia o tratamento específico, ou seja, a admi-
nistração do dantrolene sódico.
Sinais de HM
• Aumento da ETCO2 / PaCO2.
• Rigidez de tronco e/ou membros.
• Espasmo do masseter ou trismo.
• Taquicardia/taquipneia.
• Acidose mista.
• Aumento da temperatura (sinal tardio).
• Colúria (mioglobinúria).
Parada cardíaca súbita/inesperada em pacientes jovens
• Suspeite de hipercalemia e inicie tratamento.
• Meça CPK, mioglobina e gasometria arterial até a normalização.
• Considere dantrolene sódico venoso.
• Geralmente secundária à miopatia oculta, como distrofia muscular.
• PCR pode ser de difícil reversão e prolongada.
Espasmo do masseter ou trismo com succinilcolina
• Sinal precoce de HM em muitos pacientes.
• Caso ocorra rigidez muscular nos membros, inicie tratamento com dantrolene.
• Para procedimentos de emergência, continue com agentes venosos, avalie e moni-
tore o paciente, considere dantrolene.
• Acompanhe o valor de CPK e mioglobina urinária (colúria) de seis em seis horas
por pelo menos 36 horas.
Fase pós-aguda
• Observe o paciente na UTI por pelo menos 24 horas, pois há risco de recrudescên-
cia da crise.
• Administre dantrolene 1 mg.kg-1 a cada quatro ou seis horas por pelo menos 24
horas ou infusão contínua de 0,25 mg.kg-1.h-1 – futuras doses podem ser indicadas.
• Acompanhe os sinais vitais e laboratoriais.
• Repita frequentemente as dosagens de gasometria arterial.
• Dose CPK de forma intermitente, a cada seis ou oito horas.
• Observe sinais de síndrome compartimental.
• Cheque mioglobina urinária e inicie terapia para prevenir precipitação de mio-
globina nos túbulos renais e o subsequente desenvolvimento de insuficiência re-
nal aguda. Nível de CPK acima de 10.000 UI.L-1 é sinal de alerta para rabdomió-
lise e mioglobinúria.
• Siga a terapia de cuidados intensivos padrão para rabdomiólise aguda e mioglo-
binúria: débito urinário > 2 mL.kg-1.h-1 por meio de hidratação e diuréticos, ao lado
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INTRODUÇÃO
Os modernos centros de cateterismo cardíaco são unidades complexas que possuem
equipamentos radiológicos sofisticados e atendimento clínico altamente especializa-
do. Atualmente são diversas as indicações de utilização do centro de hemodinâmica
em cardiologia, sendo o diagnóstico e o tratamento da doença arterial coronariana
os mais usuais, mas também o utilizam os portadores de doenças valvares e de car-
diopatias congênitas, tanto adultos quanto pediátricos. Os recentes progressos na te-
rapêutica intervencionista das arritmias cardíacas aumentaram ainda mais o uso do
centro de hemodinâmica, de modo que se observaram, nas duas últimas décadas,
mudanças importantes em seu perfil assistencial.
Por todos esses avanços, torna-se indispensável a avaliação pré-intervenção, a fim
de se identificar aqueles pacientes com maior risco de complicações e instabilidade
cardiovascular, incluindo a parada cardiorrespiratória (PCR), uma vez que a probabi-
lidade de desfechos negativos é função da gravidade das doenças subjacentes, tanto
de origem cardíaca como não cardíaca. Pacientes portadores de lesão valvar e doença
arterial coronariana concomitantes, por exemplo, têm maior chance de complicações
do que aqueles com tais doenças isoladamente1.
A PCR no laboratório de hemodinâmica durante intervenção coronariana percutânea
(ICP), ainda que rara, é frequentemente revertida com a instituição das manobras de
ressuscitação cardiopulmonar (RCP)2.
Com objetivo didático, o presente capítulo abordará os tópicos de maior interesse
sobre o tema PCR durante o cateterismo cardíaco separando-os por patologia, ou
seja: coronariopatias, valvopatias, cardiopatias congênitas e distúrbios graves do
ritmo cardíaco.
Procedimentos realizados
A incidência e a gravidade dos efeitos adversos durante o cateterismo cardíaco são
mais frequentes nos exames terapêuticos do que nos diagnósticos39-42. Diversos tipos
de complicações, se não adequadamente diagnosticadas e tratadas, podem evoluir
para PCR. Essas complicações podem ser comuns a todos os procedimentos ou espe-
cíficas para os tipos de intervenção.
A simples colocação de cateteres intracardíacos pode levar a PCR por diversos meca-
nismos. Desencadeamento de arritmias (taquiarritmias supraventriculares, taquicar-
dia ventricular, fibrilação ventricular, bloqueios atrioventriculares, bloqueios de ra-
mos e ritmo juncional), alterações valvares, perfuração de câmaras com consequente
tamponamento, perda sanguínea pelo uso de cateteres de grosso calibre ou ruptura
de vasos, embolização sistêmica e pulmonar são alguns exemplos43,44.
O uso de contraste hiperosmolar, por sua vez, pode provocar reações alérgicas graves,
HP e depressão miocárdica, que podem evoluir para PCR, sendo essas complicações
mais frequentes no paciente pediátrico43. O risco de morte em consequência do uso
do contraste é de 1:40.00044.
Causas de PCR
CONCLUSÕES
A PCR durante a ICP é rara, ocorrendo em aproximadamente 1,3% dos procedimen-
tos. Embora o risco de PCR esteja presente em procedimentos eletivos e de emer-
gência, a incidência é maior nos casos de emergência. Em geral, os pacientes que
desenvolvem PCR durante a ICP têm resultados superiores aos pacientes em PCR que
ocorrem em outras situações, incluindo unidades intra-hospitalares. Muitos pacientes
responderão às manobras de RCP padrão, incluindo RCP de alta qualidade e desfibri-
lação rápida. A desfibrilação rápida (dentro de 1 minuto) está associada à sobrevida
com taxas de alta hospitalar de até 100% nessa população9.
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Arritmias Cardíacas
David Ferez
INTRODUÇÃO
O estudo para o diagnóstico e o tratamento correto das principais arritmias cardíacas
que ameaçam a vida no perioperatório é fundamental para a adequada formação do
anestesiologista. A seguir, serão abordados tais aspectos, conforme a mais recente
orientação dos guias de conduta.
Quinidina8
Mecanismo de ação: esse fármaco tem efeitos vagolíticos leves. Também exibe algum
grau de bloqueio alfa-adrenérgico. Desse modo, convém cuidado quando se usam
vasodilatadores em pacientes que estão recebendo quinidina. Produz pós-despolari-
zação precoce e pode induzir efeitos pró-arrítmicos.
Indicações: a quinidina é um antiarrítmico utilizado em amplo espectro. Normal-
mente, indica-se no tratamento dos complexos prematuros supraventriculares e ven-
triculares. É empregada com relativo sucesso no tratamento de Flutter atrial e de FA.
Deve-se ressaltar que, em razão de seu efeito vagolítico, pode precipitar elevada res-
posta ventricular nestas indicações. Portanto, é fundamental o bloqueio parcial do
NAV prévio por meio do uso de digitálicos ou de algum betabloqueador. Pode ser
indicada na taquicardia juncional por reentrada.
Precauções: pode induzir Torsades de Pointes. Por causa de seu efeito vasodilatador pe-
riférico, pode levar à hipotensão (alfabloqueio). Pode elevar o débito cardíaco secun-
dário à diminuição da pós-carga. Sua administração intramuscular deve ser evitada,
em razão da absorção irregular e ao potencial desencadeamento de necrose tecidual.
Deve ser administrada lentamente por via venosa. A dose deve ser corrigida na fa-
lência hepática e renal. Os seus efeitos adversos mais comuns são os gastrintestinais,
como: náuseas, vômitos, diarreia, dor abdominal e anorexia. A toxicidade sobre o sis-
tema nervoso causa zumbido, perda da audição, distúrbios visuais, confusão mental
e delírio. O cinchonismo é o termo aplicado a tais sintomas clínicos. Podem ocorrer
anemia hemolítica, trombocitopenia e síncope.
Contraindicações: alergia ao fármaco. Contudo, a anafilaxia é rara.
Dosagem e administração: pode ser empregada por via venosa (não disponível no
Brasil) na dose de ataque de 6 a 10 mg.kg-1. Por via oral, a dose de ataque é de 800 a
1.000 mg; e a manutenção, de 300 a 600 mg a cada seis horas.
Farmacocinética: a concentração plasmática efetiva consiste em aproximadamente,
5 a 6 mcg.mL-1. Sua meia-vida é de cinco a seis horas e apresenta biodisponibilidade
de 60 a 80%. A principal via de eliminação se faz por meio da metabolização hepática
(80%) (via citocromo P450) e da excreção renal (20%). O pico plasmático da adminis-
tração oral ocorre entre duas e três horas.
Procainamida8
Mecanismo de ação: a procainamida lembra os efeitos da quinidina. Deprime a au-
tomaticidade pela diminuição na inclinação da fase 4 da despolarização, assim como
deprime a condução e a excitabilidade da célula miocárdica. Pelo aumento na refra-
tariedade (período refratário efetivo), pode evitar a reentrada pela conversão do blo-
queio unidirecional em bidirecional. Além disso, ao contrário da quinidina, exibe
fraca ação anticolinérgica, o que reduz os reflexos cardiovasculares e não afeta a au-
tomaticidade do NSA.
Disopiramida
Mecanismo de ação: embora estruturalmente diferente da quinidina e da procaina-
mida, a disopiramida produz efeitos eletrofisiológicos semelhantes in vitro. O fárma-
co causa bloqueio dos canais de Na+, de modo uso-dependente. A disopiramida tem
efeito vagolítico importante, dose-dependente, revertido pela neostigmina. Convém
estar consciente de que esse fármaco pode promover aumento na incidência de TSV.
Tal propriedade, junto com o considerável efeito inotrópico negativo, pode, às vezes,
precipitar ou exacerbar gravemente a insuficiência cardíaca congestiva (ICC). Portan-
Fármacos da classe IB
Lidocaína
Mecanismo de ação: em concentrações terapêuticas, o efeito principal da lidocaína
é diminuir o declínio da fase 4 de despolarização nas fibras de Purkinje, reduzindo
sua automaticidade. Obtém tal efeito por meio da diminuição da permeabilidade da
membrana ao K+, que ocorre naquela fase. Elevadas doses de lidocaína resultam na
lentificação da fase zero de despolarização, efeito resultante da inibição da entrada de
Na+, através da membrana celular da célula cardíaca. A lidocaína diminui o período
refratário da célula miocárdica normal. Por outro lado, na célula isquêmica, prolonga
o período refratário. Tais fenômenos levam à uniformização dos períodos da despo-
larização, inibindo o fenômeno de reentrada. A efetividade da lidocaína em inibir a
CVP resulta da diminuição na despolarização espontânea da fase 4 dessas células.
Por outro lado, ela não é efetiva nas contrações supraventriculares prematuras.
Mexiletina e tocainida
Mecanismo de ação: a mexiletina e a tocainida são análogos da lidocaína, mas com
a atividade anticonvulsivante. São administrados por via oral para o controle das
arritmias cardíacas ventriculares. Em doses elevadas, in vitro, encurtam a duração
do PA e do período refratário efetivo das fibras de Purkinje. Sua atividade é modesta
nas fibras miocárdicas e atriais. Em doses clínicas, não parece ocorrer modificações
importantes no intervalo QRS ao ECG.
Indicações: a mexiletina pode ser efetiva no tratamento das TV agudas ou crôni-
cas. Não apresenta nenhuma atividade nas TSV. Contudo, o sucesso do controle das
TV é muito variado, de 6% a 60%. Esse sucesso aumenta consideravelmente quando
associado a outro fármaco antiarrítmico, como procainamida, quinidina e betablo-
queadores, entre outros. A mexiletina é muito útil em crianças com doença cardíaca
Fenitoína
Mecanismo de ação: deprime a fase 4 de modo similar à lidocaína. Também é efeti-
va em abolir as arritmias desencadeadas pelos digitálicos após despolarização nas
fibras cardíacas de Purkinje, o que pode explicar sua eficácia contra certas arritmias
decorrentes da intoxicação digitálica. Alguns dos efeitos da fenitoína podem ser me-
diados por meio do SNC, pois têm a característica de modular a atividade simpática
e parassimpática.
Indicações: emprega-se no controle de crises convulsivas, sendo que sua ação como
agente antiarrítmico é limitada. Às vezes, é útil contra TV ou taquicardia paroxística
atrial (TPA) com BAV induzidas por digitálicos. CVP isoladas não justificam o trata-
mento com fenitoína.
Precauções: a administração rápida tem sido associada a parada respiratória, hipo-
tensão grave, ectopismo ventricular e morte. Outros importantes efeitos tóxicos são
torpor, nistagmo, vertigem e outros sinais cerebelares. Esses últimos sinais podem
ser mascarados pela anestesia. A administração IV periférica é dolorosa e pode levar
à flebite pelo elevado pH do fármaco. Pelo mesmo motivo anterior, contraindica-se a
aplicação intramuscular (IM), pois, além de dor intensa, provoca necrose muscular.
Contraindicações: a única contraindicação absoluta é a hipersensibilidade ao fármaco.
Dosagem e administração: a administração recomendada é por via IV, por meio de
cateter venoso central. A administração periférica pode causar dor e flebite grave,
Fármacos da classe IC
Flecainida
Mecanismo de ação: exibe marcado efeito de bloqueio dos canais rápidos de Na+ de
modo dose-dependente. A dissociação do canal é lenta (10 a 30 segundos). O marcante
efeito do fármaco sobre o desempenho cardiovascular deve-se a tal fato. Ela encurta
a duração do potencial de ação nas fibras de Purkinje e prolonga o das fibras mus-
culares. A situação pode melhorar ou piorar a arritmia. Em concentração elevada,
também inibe os canais de Ca++.
Indicações: a flecainida é liberada pelo Food and Drug Administration (FDA) para o
controle de arritmias ventriculares que ameaçam à vida, assim como diversas arrit-
mias supraventriculares.
Precauções: a flecainida é depressora da função sistólica ventricular, especialmente
dos pacientes que já se encontram com esta disfunção. A função ventricular esquerda
diminui mesmo após a administração oral. Especialistas sugerem que a introdução
do fármaco deve ser feita com o paciente hospitalizado e com monitorização do ECG,
por causa da ação pró-arrítmica. Agentes tipo IC têm alta incidência de efeito pró-
-arrítmico, particularmente em pacientes com infarto do miocárdico pregresso, TV
sustentada e/ou frações de ejeção diminuídas. Isso sugere que o ECG necessita ser
cuidadosamente monitorizado no período perioperatório.
Contraindicações: pacientes com déficit da função sistólica ventricular moderada
ou grave.
Dosagem e administração: a administração é feita apenas por via oral. Deve-se ini-
ciar com a dose de 100 mg a cada 12 horas. Quando houver necessidade de elevar a
Fármacos da classe II
Betabloqueadores
As propriedades antiarrítmicas dos betabloqueadores resultam, principalmente, da
inibição competitiva com as catecolaminas pelos receptores beta-adrenérgicos. Em
geral, eles reduzem o efeito do agonista (aminas simpáticas) nos tecidos sensíveis. Na
presença do betabloqueador, a curva dose-resposta do agonista adrenérgico é desvia-
da para a direita. Ou seja, convém concentração maior do agonista para se obter de-
terminada resposta. A estrutura química da maioria dos betabloqueadores apresenta
diversas características semelhantes ao agonista isoproterenol. Eles existem como pa-
res opticamente isoméricos e são comercializados na forma racêmica. As evidências
apontam que o estereoisômero dextrogiro positivo apresenta quase toda sua ativida-
de betabloqueadora.
De modo didático e superficial, pois foge ao escopo deste capítulo, os receptores das
aminas simpáticas foram divididos, conforme sua atividade e sua localização teci-
dual, em alfa-adrenérgicos e beta-adrenérgicos. Por sua vez, os receptores beta-adre-
nérgicos podem ser subdivididos em beta-1-adrenérgicos, localizados no coração, e
beta-2-adrenérgicos, presentes na circulação periférica e nos brônquios. Existem ou-
tros receptores e subdivisões que não têm interesse neste capítulo.
Os betabloqueadores também podem ser classificados em seletivos e não seletivos.
Tal classificação baseia-se nas habilidades de antagonizar as ações das aminas sim-
páticas em doses mais baixas em determinados tecidos (beta-1-seletivo ou beta-2-se-
letivo). Enfatiza-se que a seletividade de determinados betabloqueadores é parcial e
apenas observada em doses específicas, normalmente menores. Em geral, perde-se a
seletividade em doses elevadas.
Outra característica interessante dos betabloqueadores é que, por obra da estrutu-
ra química semelhante ao do isoproterenol, alguns apresentam agonismo parcial
nos receptores adrenérgicos em intensidade variável. Isso acontece mesmo quan-
do estão impedindo competitivamente a ação das catecolaminas sobre esses re-
ceptores. Tal fenômeno é conhecido como atividade simpaticomimética intrínseca
(ASI) do betabloqueador.
A ASI não interfere na atividade antiarrítmica de tal fármaco. Não considerando a
insuficiência cardíaca, mas apenas os tratamentos de arritmia, não se conseguiu es-
tabelecer, por meio de evidência científica, se os betabloqueadores que possuem ASI
Amiodarona e derivados
A amiodarona deriva do benzofurano iodinizado. Por sua capacidade de promover
vasodilatação periférica e coronariana, foi inicialmente idealizada para o tratamento
da isquemia coronariana, sendo, posteriormente, verificada sua atividade antiarrít-
mica. Assim, mostra-se eficaz para o tratamento de diversas arritmias ventriculares
e supraventriculares.
Mecanismo de ação: é complexo, pois apresenta várias atividades que se mesclam
com vários grupos de antiarrítmicos (Quadro 3).
Esse fármaco deve ser empregado com cautela nos casos de doença do NSA, bradi-
cardia e BAV. Convém lembrar que a bradicardia induzida pela amiodarona não é
responsiva à atropina. Merece cautela quando há insuficiência renal e/ou hepática.
Deve-se controlar a função da glândula tireoide a cada três meses. A automaticidade
do NSA e a condução nodal AV são deprimidas e, portanto, os betabloqueadores, an-
tagonistas do cálcio e digoxina devem ser utilizados com cuidado.
Contraindicações: além da hipersensibilidade ao fármaco, ainda são contraindica-
ções ao uso a doença do NSA, a bradicardia e o BAV de segundo ou terceiro graus, a
disfunção da glândula tireoide, a insuficiência hepática e a pneumonia intersticial.
Fármacos da classe IV
Verapamil
Mecanismo de ação: os bloqueadores dos canais de cálcio bloqueiam seletivamente
os canais lentos por inibição do influxo normal de Ca++ às células. Dentro do sistema
Digoxina
Mecanismo de ação: como os digitálicos, a digoxina reduz a frequência ventricular
na FA por prolongamento direto do período refratário efetivo no NAV e, também,
indiretamente por aumento na atividade vagal e redução da atividade simpática.
As frequências ventriculares são mais fáceis de controlar durante a FA do que no
Flutter atrial.
Adenosina
Mecanismo de ação: a adenosina é um nucleotídeo endógeno. Nos tecidos cardíacos
supraventriculares, ela aumenta a condutância ao K+, o que resulta no encurtamento
da duração do PA, com hiperpolarização, lentificação das células do NSA e depressão
do PA no NAV. Os efeitos concorrem para a capacidade da adenosina interromper
certos tipos de TSV.
Indicações: a adenosina tem sido utilizada para o tratamento de TSV. Especificamen-
te, ela é eficaz nas taquicardias reentrantes que usam o NAV como parte do circuito
reentrante, como: reentrada nodal AV e taquicardia recíproca AV. Nas arritmias como
o Flutter atrial e a FA, causa bloqueio transitório AV. Quando administrada na taqui-
cardia sinusal, ela resulta em lentificação transitória do NSA. A adenosina também
tem utilidade como instrumento diagnóstico. Por exemplo, em pacientes com taqui-
cardia de complexos alargados, sua interrupção com adenosina sugere TSV com a
aberrância na condução como mecanismo. O único tipo de TV que não responde à
adenosina é um tipo raro de arritmia causado por atividade anormal desencadeada
por catecolaminas. Como a adenosina pode, às vezes, precipitar Flutter atrial ou FA
Marca-passo
O uso clínico do marca-passo para o controle das bradiarritmias teve início na década
de 1960 e vem sendo adotado com sucesso para tal fim até hoje. Posteriormente, foi
utilizado também para o controle de determinadas taquiarritmias.
Técnica de cardioversão
Na cardioversão eletiva, deve ser realizado um completo exame físico, assim como
um ECG de 12 derivações antes e após o processo. O registro em fita do ECG do perío-
do antes e após a cardioversão é obrigatório. O paciente deve ser mantido em jejum e,
se possível, informado do procedimento. Convém a análise recente do perfil metabó-
lico e acidobásico. Qualquer desvio da normalidade deve ser corrigido previamente.
Obtém acesso venoso e inicia-se a administração de solução cristaloide. A desfibri-
lação é técnica emergencial e deve ser utilizada de rotina na TV sem pulso e na FV.
Fatores etiológicos
Nos casos das arritmias perioperatórias mais comuns, causas simples e facilmente re-
versíveis são mais prováveis. No entanto, outras causas habituais “suspeitas” devem
ser consideradas.
Dados anormais de análise sanguínea arterial devem ser levados em considera-
ção. São exemplos hipóxia com influência arritmogênica potente; isquemia mio-
cárdica, que estimula a liberação de catecolaminas e induz regiões de reentrada;
hipercapnia, a qual resulta em acidose respiratória e maior atividade do sistema
nervoso simpático; hipocapnia, que resulta em alcalose e desvio de K+ –a alcalose
respiratória leva à diminuição do K+ sérico, enquanto a acidose tem o efeito opos-
to –; acidose metabólica, com considerações semelhantes a hiper e hipocapnia; e
alterações eletrolíticas (particularmente K+ e Ca++)11-14. Desvios maciços de fluidos,
perdas sanguíneas e suas reposições, desvios acidobásicos e uso de soluções car-
dioplégicas em cirurgia cardíaca também são associados a distúrbios hidreletro-
líticos e arritmias15,16.
A temperatura também pode induzir as arritmias. Invariavelmente, a hipotermia leva
a bradicardia sinusal, FA ou Flutter atrial. Contudo, as arritmias ventriculares costu-
mam aparecer quando a temperatura é inferior a 30ºC17,18. Por outro lado, a hipertermia
leva à síndrome de Brugada19,20. Em particular, a hipertermia maligna induz arritmias
importantes que advêm de distúrbios metabólicos acidobásicos e do desenvolvimento
da síndrome de Brugada21. Nessa última situação, a taquicardia sinusal é, geralmente,
achado precoce. Também podem ocorrer arritmias ventriculares.
Há desequilíbrio autonômico, como a estimulação simpática, durante intubação,
anestesia superficial e hipoglicemia, entre outras situações. Todos esses eventos são
potenciais geradores de arritmias. Por outro lado, a estimulação parassimpática, nor-
malmente reflexa em sua natureza, é causa comum de bradiarritmias. Ela pode re-
sultar de tração visceral, laringoscopia (em crianças), massagem de seio carotídeo e
tração muscular extraocular22.
Quando se estudam os fármacos anestésicos, os agentes inalatórios, principalmente
o halotano, são lembrados como fonte geradora de arritmias cardíacas. No entanto,
o halotano não está sozinho em tais efeitos adversos. O sevoflurano e o desflurano
também podem ser responsabilizados23. O halotano interage com as catecolaminas,
causando arritmias ventriculares. Os anestésicos inalatórios, por afetarem a condu-
ção do estímulo elétrico, frequentemente provocam ritmos juncionais.
Os bloqueadores neuromusculares, como o pancurônio e a galamina, são vagolíti-
cos e podem estimular a atividade autônoma adrenérgica por bloqueio inibitório de
receptores muscarínicos localizados nos gânglios simpáticos. Doses sucessivas de
Alternativas Terapêuticas
É importante salientar que muitas arritmias são transitórias, não causam prejuízo
hemodinâmico e resolvem-se com o passar do tempo. A manutenção de oxigenação
e ventilação adequadas, a alteração da profundidade da anestesia, a manutenção do
equilíbrio hidreletrolítico e a diminuição dos reflexos inconvenientes são os meios
habituais de tratamento para estas arritmias. Quando ocorre comprometimento cir-
culatório, pode ser necessário suporte hemodinâmico farmacológico ou mecânico até
o restabelecimento do ritmo sinusal.
Taquicardia sinusal
Na taquicardia sinusal, observa-se morfologia normal dos complexos (onda P, com-
plexo QRS, intervalo RR, segmento ST e onda T). A frequência cardíaca encontra-se
superior a 100 bpm.
A hipovolemia é a causa mais comum. No entanto, hipóxia, hipercarbia, dor, febre,
sepse e aumento do metabolismo são causas possíveis de taquicardia sinusal.
O tratamento é a correção da causa. Fármacos com atividade parassimpática ou be-
tabloqueadores podem ser utilizados eventualmente no controle da FC. Devem ser
adotados critérios para a decisão sobre o tratamento mais agressivo. É importante
lembrar que alguns pacientes não toleram frequências elevadas, como aqueles com
doença coronária e estenose mitral (Figura 3).
Arritmia sinusal
Na arritmia sinusal, observa-se morfologia normal dos complexos (onda P, complexo
QRS, segmento ST, e onda T). Contudo, o intervalo RR é variável. A FC encontra-se
dentro dos limites normais.
A etiologia relaciona-se com a variação do tônus vagal, menor na inspiração, com au-
mento da FC, e maior na expiração, com diminuição desta. Esse tipo de arritmia não
requer tratamento (Figura 4).
Figura 6 – Extrassistolia
supraventricular com aberrância
de condução
Extrassistolia atrial
As extrassístoles atriais (EA) ocorrem em todas as faixas etárias. Entretanto, as evi-
dências indicam maior prevalência em indivíduos mais idosos na vigência ou não de
Ritmo juncional
No ritmo juncional, em consequência de alterações fisiopatológicas, as células de mar-
ca-passo da junção AV assumem o comando cardíaco. Geralmente, observa-se FC que
varia entre 40 e 110 bpm. A onda P está ausente ou é anormal (invertida e após o
complexo QRS) pela condução retrógrada aos átrios. O complexo QRS, o intervalo ST,
a onda T e o intervalo RR são normais.
Constitui ritmo comum durante o período de anestesia, sobretudo quando se em-
prega o halotano. Em geral, não é necessário tratamento. Caso ocorra deterioração
hemodinâmica, pode-se bloquear o tônus parassimpático com fármaco vagolítico. As
alternativas mais comuns são a atropina ou os vasopressores simpaticomiméticos,
como a efedrina (Figura 8).
Taquicardia supraventricular27
Muitas vezes, os pacientes atendidos em consulta ambulatorial com queixa de palpi-
tações descrevem sintomas com características sugestivas de taquicardia supraven-
Na TSV, as ondas P são anormais. Entretanto, elas são frequentemente coincidentes com
o QRS ou precedem as ondas T de forma não discernível. O QRS é normal, a menos que
haja condução aberrante, caso em que usualmente o padrão de bloqueio de ramo direito
está presente. O segmento ST e a onda T podem estar alterados nesta arritmia.
Frequentemente, é muito difícil distinguir a TSV com condução aberrante de uma TV.
Pode ser útil o reposicionamento dos eletrodos para melhorar a amplitude das ondas P.
A existência de dissociação atrioventricular (DAV) (com frequência ventricular mais
rápida do que a taxa atrial) ou complexos de fusão – que representa a dissociação da
ativação supraventricular com os impulsos de um ritmo ventricular – indica o diag-
nóstico de TV. Outros critérios são úteis, mas não determinam o diagnóstico destas
anormalidades da TSV. Por exemplo, a concordância dos complexos QRS precordiais,
de tal modo que todos sejam positivos ou negativos, sugere TV ou pré-excitação.
Considerando que os complexos QRS alargados, durante o episódio de TSV, são idên-
ticos aos observados durante o ritmo sinusal (p. ex., ritmo sinusal com bloqueio de
ramo direito), tal achado é consistente com TSV. Outros algoritmos foram desenvolvi-
dos para distinguir TV de TSV de complexo alargado, como os critérios de Brugada de
1991. Estes dependem do exame da morfologia do QRS nas derivações precordiais29.
Por outro lado, o algoritmo de Vereckei, de 2008, baseia-se no exame do complexo
QRS em AVR30 (Quadro 7).
A incapacidade de identificar corretamente a TV, conforme já foi dito, pode ser poten-
cialmente fatal, particularmente se o resultado do erro diagnóstico de TV for tratado
com verapamil ou diltiazem. Sugere-se a adenosina como tratamento31, se a taqui-
cardia de complexo alargado for monomórfica, regular e hemodinamicamente tole-
rada. Nesses casos, a adenosina pode ajudar a converter a ritmo sinusal e ajudar no
diagnóstico. Quando houver dúvida, mostra-se mais seguro presumir que qualquer
taquicardia de complexo alargado seja TV, especialmente em pacientes com doença
cardiovascular conhecida, como infarto do miocárdio prévio.
Se for observada dissociação entre as ativações atrial e ventricular, o diagnóstico de
TV é bem mais provável. São fatores precipitantes pré-operatórios da TSV e FA a
ansiedade, o fumo, o álcool e a cafeína. Condições para desencadeamento destas ar-
ritmias no intraoperatório já foram relatadas (hipoxemia, acidose e hipotensão, entre
outras), mas podem associar-se à doença da válvula mitral, à WPW ou à doença car-
díaca coronariana, hipertensiva ou, mesmo, congênita (Quadro 8).
Figura 9 – Taquicardia
supraventricular
Flutter atrial
Os aspectos diagnósticos do Flutter atrial são frequência atrial de 250 a 350 bpm, onda
P (onda F) com padrão serrilhado e frequência de condução AV normalmente de 2:1.
Fibrilação Atrial33
A FA é a arritmia cardíaca sustentada mais frequente. Sua prevalência aumenta com
a idade e, frequentemente, está associada a doenças estruturais cardíacas, trazendo
prejuízos hemodinâmicos e complicações tromboembólicas, com grandes implica-
ções econômicas e na morbimortalidade da população.
Aproximadamente 1% dos pacientes com FA têm menos que 60 anos de idade. En-
quanto isso, até 12% dos pacientes com FA têm de 75 a 84 anos de idade. Mais de um
terço dos pacientes com FA têm mais de 80 anos.
O risco de desenvolver FA depois de 40 anos de idade é de 26% para os homens e 23%
para mulheres. A FA costuma ser associada a doença cardíaca estrutural e outras
condições crônicas.
Existem diferentes fatores de risco para a ocorrência de FA. No estudo de Framingham,
a FA desenvolveu-se conforme o aumento da idade e com a ocorrência de diabetes,
hipertensão e valvulopatias. A FA está associada a aumento do risco de acidente vas-
cular cerebral (AVC), insuficiência cardíaca e mortalidade. A taxa de mortalidade é o
dobro em comparação com os pacientes com ritmo sinusal e está relacionada com a
gravidade da doença estrutural cardíaca.
Em estudos clínicos, envolvendo pacientes com insuficiência cardíaca, a FA é impor-
tante fator de risco independente para mortalidade e morbidade. A FA consiste em
uma das taquiarritmias supraventriculares com ativação atrial e contração descoor-
denadas e, consequentemente, ineficazes.
A atividade atrial irregular leva a consequências hemodinâmicas graves que podem
resultar em várias combinações. Os sintomas apresentados mais comuns são fadiga,
palpitações, dispneia, hipotensão, síncope ou ICC descompensada. No entanto, o sin-
toma mais comum de FA é a fadiga.
Na FA, o ECG demonstra linha de base ondulante com o intervalo R-R irregular.
Geralmente, a frequência ventricular varia de 60 a 170 bpm. O complexo QRS cos-
Classe IIa
• Para os pacientes com FA sem prótese cardíaca valvar que apresentem pontuação 0
no escore CHA2DS2-VASc, é razoável não indicar antitrombóticos (NE B).
• Para os pacientes com FA e sem prótese cardíaca valvar, que apresentem pontua-
ção 2 ou superior no escore CHA2DS2-VASc, em estágio de doença renal crônica
terminal (DRCT) (clearance de creatinina (CrCl) menor que 15 mL.min-1) ou em re-
gime dialítico, é razoável prescrever a varfarina como anticoagulação oral (RNI 2,0
a 3,0) (NE B).
Classe IIb
• Pacientes com FA sem prótese cardíaca valvar, com pontuação 1 no escore
CHA2DS2-VASc, nenhuma terapia antitrombótica com anticoagulante oral ou as-
pirina deve ser considerada (NE C).
• Pacientes com FA sem prótese cardíaca valvar, com moderada ou grave IRC (in-
suficiência renal crônica) e pontuação 2 ou superior no escore CHA2DS2-VASc, o
Classe IIa
• O controle de frequência cardíaca (FC em repouso < 80 bpm) é estratégia razoável
para o tratamento sintomático da FA (NE B).
• A amiodarona IV pode ser útil para o controle da frequência ventricular em pa-
cientes graves sem síndrome de pré-excitação (NE B).
Classe IIb
• A estratégia de controle da frequência leniente (FC de repouso < 110 bpm) pode ser
razoável, desde que os pacientes continuem assintomáticos e a função sistólica do
ventrículo esquerdo esteja preservada (NE B).
• A amiodarona VO pode ser útil para o controle da FC ventricular, quando outras
medidas não forem bem-sucedidas ou estiverem contraindicadas (NE C).
Classe IIa
• Nos pacientes com FA ou Flutter atrial, com tempo de duração de 48 horas ou mais,
ou quando a duração de FA for desconhecida, que não tiverem sido anticoagulados
nas últimas três semanas antes da cardioversão, é razoável executar ecocardiogra-
fia transesofágica (ETE) antes da cardioversão. Deve-se prosseguir com cardiover-
são se nenhum trombo atrial esquerdo for identificado, inclusive na aurícula do
átrio esquerdo. Além disso, deve-se providenciar que a anticoagulação seja inicia-
da mesmo antes da ETE e mantida após a cardioversão por, pelo menos, quatro
semanas (NE B).
• Para os pacientes com FA ou Flutter atrial, com tempo de duração de 48 horas ou
mais, ou quando a duração de FA for desconhecida, é razoável anticoagulação com
dabigatrana, rivaroxabana ou apixabana por, no mínimo, três semanas antes e por
quatro semanas após a cardioversão (NE C).
Classe IIb
• Nos pacientes com FA ou Flutter atrial, com tempo de duração inferior a 48 ho-
ras, que apresentam baixo risco para tromboembolismo, a anticoagulação (HNF,
HBPM ou novo anticoagulante oral) ou mesmo nenhuma terapia antitrombótica
pode ser considerada antes da cardioversão. Assim, não há a necessidade de anti-
coagulação pós-cardioversão (NE C).
Classe IIa
• É aceitável executar cardioversões repetidas em pacientes com FA persistente, des-
de que o ritmo sinusal seja mantido durante período clinicamente significativo
entre os procedimentos de cardioversão. A gravidade dos sintomas da FA e a pre-
ferência do paciente devem ser consideradas quando houver decisão por uma es-
tratégia que exija uma série de procedimentos de cardioversão (NE C).
Classe IIb, classe III sem benefícios e classe III com malefícios
• Recomendações ausentes.
Classe IIa
• A administração de amiodarona VO é opção razoável para a cardioversão farma-
cológica da FA (NE A).
• Propafenona ou flecainida (pill-in-the-pocket – “pílula-dentro-do-bolso”) associada
a um betabloqueador ou bloqueador do canal de cálcio não dihidropiridínico são
razoáveis para terminar a FA fora do ambiente hospitalar, pois esse tratamento
tem sido apontado como seguro em local monitorado em pacientes selecionados
(NE B).
Classe IIa
• A estratégia de controle do ritmo com terapia farmacológica pode ser útil em pacien-
tes com FA para o tratamento da cardiomiopatia induzida pela taquicardia (NE C).
Classe IIb
• É razoável continuar com o antiarrítmico usado na terapia medicamentosa quando
a FA for de pouca recorrência e bem tolerada, especialmente se o fármaco reduzir
a frequência ou os sintomas de FA (NE C).
Classe IIa
• A ablação por cateter para o tratamento da FA é razoável para alguns pacientes
com FA persistente refratária ou quando o indivíduo for intolerante a, pelo menos,
um medicamento antiarrítmico classes I ou III e a estratégia de controle de ritmo
for desejada (NE A).
• Em pacientes com FA paroxística sintomática recorrente, a ablação com cateter
para o controle do ritmo inicial é razoável antes de o tratamento com antiarrítmi-
cos, depois de pesar os riscos e os resultados dos fármacos e da terapia de ablação
(NE B).
Classe IIb
• A ablação por cateter pode ser considerada para a FA sintomática persistente de
longa permanência (> 12 meses) refratária, ou quando o paciente for intolerante a,
pelo menos, um medicamento antiarrítmico classes I ou III, e a estratégia de con-
trole de ritmo for desejada (NE B).
• A ablação por cateter pode ser considerada antes do início da terapia com fármacos
antiarrítmicos quando o paciente for intolerante a, pelo menos, um desses, perten-
centes às classes I ou III, e a estratégia de controle de ritmo é desejada (NE C).
Nos casos de FA aguda, é comum a resposta ventricular ser elevada. Isso leva alguns
pacientes à descompensação cardíaca (Figuras 12 e 13).
ARRITMIAS VENTRICULARES27,37
Extrassístoles ventriculares
As extrassístoles ventriculares (EV) podem ocorrer secundariamente a desvios me-
tabólicos, hipoxemia, hipotermia e isquemia coronariana, entre outras. O tratamento
do fator desencadeante é importante antes de se pensar em se aplicar fármacos an-
tiarrítmicos. Determinados padrões das EV devem alertar o médico de probabilidade
maior de ocorrer deterioração da situação observada.
Assistolia
Na assistolia, não se observa nenhuma atividade elétrica ou muscular do coração. O
padrão é de linha isoelétrica. Dos tipos eletrocardiográficos de PCR, este é o de pior
prognóstico. O tratamento consiste na RCP (Figura 19).
Figura 19 – Assistolia
Mobitz II
Os batimentos são consecutivamente conduzidos, até não se observar a condução.
Ocorrem com ondas P normais e intervalos P-R constantes antes do aparecimento do
batimento que não é conduzido. Com bloqueio avançado, múltiplas ondas P podem
ser vistas pelo complexo QRS. O QRS pode ser normal ou alargado.
Esse BAV é causado por doença degenerativa do sistema de condução abaixo do nível
do feixe de His. No entanto, também pode ser visto no IAM de parede anterior. Ele
frequentemente progride para o bloqueio cardíaco completo (BAVT).
Indica-se o tratamento, especialmente se a origem for isquêmica. A terapia será abor-
dada em detalhes no tópico sobre algoritmos de tratamento (Figuras 21 e 22).
INTRODUÇÃO
Infarto agudo do miocárdio (IAM) é uma complicação cardiovascular perioperatória
grave e comum em pacientes submetidos a cirurgias não cardíacas ao redor do mun-
do1. O IAM perioperatório está associado a alta taxa de mortalidade que, algumas
vezes, é maior do que após o IAM em pacientes não cirúrgicos. Morte por eventos car-
díacos é a principal causa de mortalidade nos primeiros 30 dias após cirurgia2, sendo
a principal causa de morbidade e mortalidade em pacientes submetidos a cirurgias
não cardíacas3. Apesar do aumento crescente, na literatura, de material sobre o tema,
a importância da incidência de IAM após cirurgia não cardíaca ainda é negligenciada
por muitos anestesiologistas.
Assim, o estudo das síndromes coronarianas agudas (SCA) por anestesiologistas é de
fundamental importância pela alta prevalência, mortalidade e morbidade da doença.
Apesar de frequente, temos presenciado declínio na mortalidade relacionada com as
SCA. A mortalidade intra-hospitalar, em torno de 30% antes de 1960, diminuiu para
16% com o advento das unidades coronarianas. Com o desenvolvimento dos fibrinolí-
ticos e da angioplastia primária houve declínio ainda maior das taxas nos primeiros
30 dias após o infarto4,5. Porém, o prognóstico desses pacientes depende fundamen-
talmente da agilidade em obter a reperfusão coronariana o mais rápido possível. As
principais metas para o tratamento dos pacientes com SCA são:
• reduzir a extensão da necrose miocárdica que ocorre em pacientes com IAM para
preservar a função ventricular esquerda, prevenir a insuficiência cardíaca e limi-
tar outras complicações cardiovasculares;
• prevenir importantes eventos cardíacos adversos como:
• morte;
• IAM não fatal;
• necessidade de revascularização urgente.
• tratar as complicações agudas e com risco de vida da SCA, como:
• fibrilação ventricular (FV);
• taquicardia ventricular (TV) sem pulso;
• taquicardias instáveis;
• bradicardias sintomáticas.
DIAGNÓSTICO
No contexto perioperatório, o diagnóstico das SCA pode ser feito com base no quadro
clínico, nas alterações eletrocardiográficas e na elevação dos marcadores bioquímicos
de necrose.
Assim, prestadores de serviço de saúde devem investigar a ocorrência de sinais clínicos
e sintomas convencionais de isquemia miocárdica, como dor precordial em aperto à es-
querda irradiada para o membro superior esquerdo, de forte intensidade e prolongada
(mais do que 20 minutos), que não melhora ou apenas tem alívio parcial com repouso ou
nitratos sublinguais. A irradiação da dor pode também estar presente na mandíbula, no
membro superior direito, no dorso, nos ombros e no epigástrio. É importante salientar que
em pacientes diabéticos, idosos ou no período pós-operatório, a isquemia pode ocorrer na
ausência de dor. Outros sinais e sintomas clínicos inespecíficos, entretanto, geralmente
estão presentes, como náuseas, mal-estar, dispneia, taquicardia ou confusão mental15.
Um exame físico criterioso deve ser realizado sempre que a suspeita de SCA estiver
presente. Geralmente, o paciente apresenta-se ansioso e com agitação psicomotora em
função do desconforto precordial. À ausculta cardíaca, é comum encontrar taquicardia,
que é fator de pior prognóstico, além de sopros valvares (em virtude de disfunção val-
var isquêmica) e terceira bulha (associada à insuficiência ventricular aguda). Hipoten-
são pode ser um sintoma de choque cardiogênico inicial e deve ser corrigida. Quando
estertores pulmonares são detectados em pacientes dispneicos, provável disfunção ven-
tricular importante está presente, principalmente em pacientes de alto risco15,16.
Tendo em vista que os sintomas são variados e, muitas vezes, inespecíficos e que a ele-
vação dos marcadores se inicia tardiamente (aproximadamente seis horas após o início
da dor), o ECG passa a ser instrumento diagnóstico fundamental e determinante da
conduta. A observação de alterações eletrocardiográficas, como supradesnivelamento
do segmento ST ou bloqueio agudo de ramo esquerdo, representa critério suficiente
para desencadear tentativa imediata de reperfusão coronária em paciente com histó-
ria clínica sugestiva. Os guidelines internacionais recomendam, portanto, que cardios-
copia contínua seja mandatória durante a anestesia e que um ECG de 12 derivações
seja considerado em pacientes de alto risco para eventos isquêmicos perioperatórios17.
Exame físico
Classificações do IAM
Classificações de IAM têm importância prática, visto que, com base nelas, condutas
são estipuladas e o grau de disfunção ventricular pode ser determinado. Além disso,
essas classificações podem auxiliar na estimativa do prognóstico do paciente. Citare-
mos três classificações extensamente utilizadas (Tabela 1)20.
Exames subsidiários
Eletrocardiograma (ECG)
É um exame importante no diagnóstico do IAM, pois é facilmente disponível e não
invasivo, além de ser facilmente realizado à beira do leito ou mesmo no ambiente
extra-hospitalar e interpretado por causa da rápida curva de aprendizado. Deve ser
feito de forma seriada nas primeiras 24 horas após os sintomas e diariamente após o
primeiro dia. O supradesnivelamento do segmento ST > 1 mm em duas derivações
contíguas determina o diagnóstico e correlaciona-se com a topografia do infarto25,26.
Achados como elevação transitória do segmento ST, depressão do segmento ST e/ou
inversão de ondas T também suportam alta probabilidade de SCA. Esses pacientes
necessitam de imediato e agressivo tratamento para SCA e devem ser avaliados para
possível angiografia coronariana precoce27.
Exemplos de ECG que se correlacionam com IAM típicos estão ilustrados nas
Figuras 1 a 5.
Pacientes que apresentam bloqueio agudo de ramo esquerdo (BRE) na vigência de dor
precordial também podem ter o diagnóstico de IAM inferido. A dificuldade se apre-
senta, entretanto, quando o BRE é antigo; assim, o diagnóstico eletrocardiográfico é
dificultado, mas possível se houver supradesnivelamento de ST > 1 mm concordante
com o QRS ou > 5 mm discordante do QRS.
Eletrocardiograma Pré-hospitalar
A obtenção do ECG no início da avaliação dos pacientes com possível SCA garante
que mudanças dinâmicas no ECG sugestivas de isquemia cardíaca sejam identifica-
das, mesmo que se normalizem antes do tratamento inicial30.
A avaliação precoce do ECG pode permitir que o IAMCSST seja reconhecido pre-
cocemente. Realizar o ECG pré-hospitalar e determinar a presença de SST permi-
te o melhor manejo do paciente com SCA. O ECG pré-hospitalar pode permitir a
identificação confiável do IAMCSST antes da chegada ao hospital31. Entretanto, se o
hospital para onde será encaminhado o paciente não for notificado, qualquer bene-
fício do reconhecimento do IAM pré-hospitalar é perdido. A aquisição de ECG pré-
-hospitalar, juntamente com a notificação hospitalar, reduz o tempo de reperfusão
(porta-balão, porta-agulha)32.
Ecocardiograma
Assim como o ECG, o ecocardiograma é exame de baixo custo, não invasivo, que
pode ser feito à beira do leito. Sua principal vantagem é que ele torna possível vi-
sualizar e quantificar uma disfunção segmentar do ventrículo, auxiliando no diag-
nóstico. Ainda, quando se avalia a evolução do quadro de IAM, se propicia a análi-
se quantitativa da função cardíaca, evidencia o envolvimento do ventrículo direito
e diagnostica complicações mecânicas valvares e miocárdicas, além de possíveis
trombos nos átrios e ventrículos (Figura 6). Por fim, pode auxiliar na exclusão de
diagnósticos diferenciais, como a dissecção da aorta, o derrame pericárdico ou a
embolia pulmonar maciça15,20.
Figura 6 – Infarto de ventrículo direito (VD). Ecocardiograma que evidencia dilatação de VD (morfo-
logia de lua crescente). Nas imagens em tempo real, observam-se hipocontratilidade e diminuição do
espessamento sistólico das paredes comprometidas
Marcadores de necrose
A coleta seriada de enzimas relacionadas com a necrose muscular, como a CKMB,
deve ser realizada. Entretanto, as alterações encontradas não indicam a necessidade
de reperfusão imediata, visto que sua elevação se inicia após algumas horas do início
dos sintomas. Deve-se analisar a tendência da curva originada pela coleta seriada
do biomarcador (a cada seis horas, por exemplo). É esperado que essa curva mostre
ascensão e descenso, como ilustrado na Figura 7. O pico do biomarcador costuma
ocorrer nas primeiras 24 horas e correlaciona-se com a extensão do infarto34.
As isoformas I e T da troponina cardíaca são os biomarcadores de preferência para o
diagnóstico bioquímico do IAM, por causa de sua alta sensibilidade e especificidade
para lesão miocárdica. Essas isoformas são detectáveis duas a três horas após a isque-
mia, com pico entre 24 e 48 horas35. O advento da isoforma T da troponina cardíaca
levou ao aumento de 20% no diagnóstico do IAM sem supradesnivelamento de ST e
concomitante redução no diagnóstico de angina instável36.
Estratificação do Risco
Estratificação precoce do risco de pacientes com IAM permite estabelecer prognóstico
e fazer a triagem para qual tratamento o paciente deve ser direcionado. Vários escores
Antiplaquetários
A introdução de dupla antiagregação plaquetária é recomendada para pacientes
com SCA. O uso de aspirina mostrou benefício em relação à mortalidade no estudo
ISIS-2, associada ou não à estreptoquinase47. Deve ser administrada imediatamente,
em doses de 200-325 mg VO, e mantida indefinidamente. Deve ser evitada em pa-
cientes com antecedente de alergia ao fármaco, insuficiência hepática grave, discra-
sia sanguínea ou úlcera hemorrágica. As diretrizes atuais recomendam tratamento
antiplaquetário duplo com clopidogrel (dose de ataque: 300 mg VO, seguida de 75
mg VO por dia), associado à aspirina em pacientes com SCA. Entretanto, as limita-
ções do clopidogrel incluem o fato de ser uma pró-droga, com intervalo para início
de ação, ter grande variabilidade de resposta entre os pacientes e ter efeitos anti-
plaquetários irreversíveis. Em casos de alergia, pode ser substituída por ticlopidina
(250 mg VO de 12/12h).
Três ensaios clínicos controlados randomizados não mostraram nenhum benefício
adicional na mortalidade em 30 dias e nenhum benefício ou dano adicional em
relação ao sangramento maior com administração pré-hospitalar em comparação
com a administração intra-hospitalar de um antagonista do receptor de adenosina
difosfato (ADP)48,49.
A dupla antiagregação plaquetária com aspirina associada a inibidores de ADP é es-
sencial para mitigar o risco de novos eventos isquêmicos, como aqueles decorrentes
de trombose do stent após ICP50,51. Os guidelines atuais recomendam a dupla antiagre-
gação plaquetária por período de pelo menos um ano após SCA, tanto após o trata-
mento clínico medicamentoso quanto após ICP e independentemente do tipo de stent
implantado pela ICP52,53. A duração ideal do tratamento com aspirina e inibidores de
ADP após um ano é ainda indefinida, pois alguns estudos mostram redução do risco
de novo episódio isquêmico e morte, enquanto outros estudos sugerem que não há
nenhuma diferença no risco de IAM, porém, existe aumento do risco de sangramento
quando o tratamento é continuado por tempo prolongado54-57.
Estudos evidenciaram resultados controversos em relação ao uso de inibidores de
glicoproteína IIb/IIIa57,58. Há a possibilidade de benefício angiográfico e clínico, espe-
cialmente em casos complicados por trombos ou angioplastias em pontes de safena.
Após o procedimento, o tirofiban deve ser mantido por 24 horas e o Abciximab, por
12 horas. Não há indicação rotineira de sua associação com fibrinolíticos.
Antitrombóticos
O tratamento antitrombótico deve ser iniciado prontamente em pacientes com SCA
suspeita ou comprovada, desde que não haja contraindicações para tal. A escolha do
fármaco para esse fim depende, principalmente, de dois fatores: 1) o planejamento
do tratamento agudo da SCA – se conservador ou invasivo; 2) o risco de o paciente
apresentar sangramento38. Além disso, os fármacos antitrombóticos apresentam van-
tagens e desvantagens que também devem ser consideradas no momento da escolha
para o tratamento (Tabela 8).
Tratamento de reperfusão
Princípios gerais
O tratamento de reperfusão emergencial para estabelecer o fluxo em pacientes que
apresentam IAM decorrente de obstrução reduz o tamanho do infarto e a mortali-
Quadro 3 – Apresentações clínicas úteis para guiar o momento ideal para reperfusão
nos pacientes com angina instável ou IAMSSST13
Fibrinólise pré-hospitalar
O benefício da fibrinólise pré-hospitalar ainda é controverso. Diversos estudos não
demonstraram benefícios significantes, porém, quando analisados em conjunto, de-
monstra-se pequena redução na mortalidade para o grupo pré-hospitalar76. De for-
ma geral, aconselha-se que a fibrinólise durante o transporte seja realizada quando
a previsão de tempo até a chegada ao hospital seja superior a 30 minutos. Acres-
centa-se que todo o aparato de ressuscitação e desfibrilação deve estar disponível
durante o transporte.
Controle do diabetes
Pacientes diabéticos podem ter infarto com apresentação atípica, nem sempre acom-
panhada de dor, mas com dispneia, sudorese e náuseas. Também são pacientes que
apresentam maior mortalidade, frequentemente por causa do acometimento de diver-
sas artérias.
O controle do diabetes no IAM demonstrou benefício em alguns estudos, inclusive
com redução da mortalidade79. Portanto, recomenda-se o controle rigoroso da glice-
mia durante a internação, com esquemas intensivos de insulina, buscando valores
próximos da normalidade.
Sangramento
Em razão do papel fundamental dos antiplaquetários e antitrombóticos no tratamen-
to de pacientes com SCA, o sangramento é complicação previsível, que deve ser con-
siderado em todos os pacientes que apresentam hipotensão arterial. Naqueles que
são submetidos à ICP, o local da inserção do cateter é o principal sítio provável de
sangramento, porém, outros locais são possíveis, como hemopericárdio, por exem-
plo. Enquanto a grande maioria dos episódios de sangramento é resolvida com com-
pressão local e interrupção do uso de anticoagulantes, no caso de hemopericárdio, a
pericardiocentese de emergência é primordial para evitar tamponamento cardíaco27.
Arritmias
Pacientes com SCA estão sob risco de uma variedade de bradiarritmias e taquiarritmias.
As arritmias mais comuns relacionadas com a SCA são os bloqueios AV e as arrit-
mias ventriculares.
O ritmo idioventricular acelerado ocorre em até 20% dos IAM, com frequência entre 60
e 120 batimentos por minuto (bpm), e não requer tratamento específico, além de não
ter implicação prognóstica e poder ser sinal de reperfusão miocárdica. As taquicardias
ventriculares não sustentadas (TVNS) e as extrassístoles ventriculares ocorrem em até
60% dos IAM dentro das primeiras 24 horas e não parecem aumentar a mortalidade
geral em um ano ou intra-hospitalar83. O tratamento medicamentoso não é obrigatório,
mas as TVNS podem melhorar com a administração de betabloqueadores.
As taquicardias ventriculares sustentadas são frequentemente polimórficas nas primei-
ras 48 horas e estão associadas à mortalidade intra-hospitalar de até 20%. Precocemente,
elas são relacionadas com a isquemia e no primeiro dia têm baixo valor preditivo para re-
corrência de arritmias. Tardiamente (mesmo dentro da primeira semana), as taquicardias
ventriculares sustentadas têm associação com disfunção ventricular e pior prognóstico.
Se associadas à instabilidade hemodinâmica, elas devem ser cardiovertidas eletricamen-
te; se estáveis, podem ser tratadas com amiodarona ou lidocaína. Em qualquer arritmia
ventricular, são mandatórias a verificação e a correção da causa de base, como isquemia e
distúrbios hidroeletrolíticos (especialmente de potássio e magnésio).
A fibrilação ventricular – também associada à isquemia aguda – é responsável pela
maior parte das mortes pré-hospitalares. Deve ser tratada imediatamente com desfi-
brilação elétrica e antiarrítmicos. Posteriormente, associa-se à disfunção ventricular e
maior risco de morte súbita, com provável benefício do uso do desfibrilador automá-
tico implantável16,68,84.
Os mecanismos pelos quais a SCA pode cursar com bloqueios AV incluem a isquemia
e o infarto dos sistemas de condução elétrica cardíacos ou o aumento da atividade
parassimpática. Bloqueios AV de primeiro grau e de segundo grau do tipo Mobitz 1
são comumente relacionados com a isquemia do nó AV (frequentemente vista em pa-
cientes com comprometimento isquêmico da artéria coronária direita). A bradicardia
encontrada nesses pacientes é geralmente autolimitada e não necessita de tratamen-
to, mesmo quando progride para bloqueio AV completo (BAVT), porque o ritmo de
escape juncional é, usualmente, estável27. Por outro lado, a isquemia do sistema de
His-Purkinje, geralmente decorrente de IAM extenso de parede anterior, pode gerar
bloqueio AV do tipo Mobitz 2, bem como BAVT. Os ritmos de escape juncional nesses
PCR
A angiografia coronária deve ser realizada de forma emergencial para pacientes com
PCR com suspeita de etiologia cardíaca e/ou elevação de ST no ECG (Classe I).
Convalescência e alta
Os períodos de internação e restrição ao leito dependem da evolução clínica e da gra-
vidade do infarto. Pacientes com infarto sem complicação podem deambular a partir
da normalização dos marcadores de necrose.
Geralmente, os pacientes recebem alta no quinto ou sexto dia de evolução. A estra-
tificação de risco deve ser feita no período da internação ou até posteriormente em
pacientes de baixo risco.
Situações especiais
Existem algumas situações clínicas que se enquadram como diagnósticos diferenciais
das SCA habitualmente encontradas na rotina clínica. Algumas dessas situações têm
papel importante no período perioperatório, pois podem ser desencadeadas por si-
tuações de estresse físico ou psicológico, comuns a esse período, como a cardiomiopa-
tia de Takotsubo. Outra causa de SCA no período perioperatório é aquela relacionada
com a reação alérgica ou anafilática (síndrome de Kounis). A variedade de fármacos
utilizados no período perioperatório é imensa, e o potencial alergênico acompanha
essa variedade de agentes antigênicos. Sendo assim, é importante que se conheçam
esses potenciais diagnósticos diferenciais no período perioperatório.
Cardiomiopatia de Takotsubo
A cardiomiopatia de Takotsubo é decorrente de estresse e foi descrita pela primeira vez
no fim do século passado85. Também conhecida como “síndrome do coração partido”,
foi inicialmente caracterizada pelo padrão único de anormalidade da motilidade da
parede do ventrículo esquerdo, culminando em abaulamento apical e hipercinesia
da base cardíaca, sem a presença de doença coronariana. Essa doença é mais comum
Síndrome de Kounis
As reações cardiovasculares em resposta à reação alérgica e à anafilaxia são há
muito conhecidas. Porém, em 1991, Kounis e Zavras descreveram a síndrome da
“angina relacionada à alergia” como o espasmo coronariano que progride para o
IAM após reação alérgica grave92. Essa síndrome é definida como a SCA associada
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Choque Hemorrágico
Cláudia Regina Fernandes
INTRODUÇÃO
Em todo o mundo, em áreas urbanas, o trauma é a principal causa de morte na popu-
lação com faixa etária abaixo dos 44 anos, sendo a hemorragia responsável por 40%
dos óbitos1. Em combates militares, a hemorragia é responsável por 80% das mortes
evitáveis2. Na tentativa de estabelecer mudanças nesse panorama, estratégias de rea-
nimação volêmica têm sido empregadas ao longo das últimas décadas, com avanços
mais significativos em tempos de guerra3,4.
Apesar dos avanços no manejo do trauma nas últimas décadas4, a hemorragia, no
cenário do trauma grave, continua sendo a principal causa de morbidade e mortali-
dade1. O distúrbio na coagulação sanguínea é complexo neste cenário em razão dos
mecanismos fisiopatológicos ainda não plenamente compreendidos, e é o principal
fator complicador5. O sangramento contínuo que não é rapidamente identificado e
corrigido resulta em hipoperfusão tissular global que, por sua vez, pode levar à dis-
função de órgãos e sistemas. Por este motivo é importante a avaliação clínica precoce,
monitorização da perfusão, da coagulação e tomada de decisão assertiva nos casos
com suspeita de perda sanguínea.
O presente capítulo tem por objetivo discorrer acerca das considerações atuais so-
bre a fisiopatologia do choque hemorrágico e a conduta terapêutica mais recente-
mente recomendada.
TRATAMENTO
O objetivo final da reanimação de pacientes vítimas de choque hemorrágico é evitar a
morte. Para atingir esse objetivo, a prioridade deve ser direcionada para identificar ra-
pidamente a hemorragia, alcançar e controlar a fonte de sangramento e prevenir mais
perda de sangue. Concomitante à abordagem da fonte de hemorragia, restaura-se o
volume efetivo circulante (VEC) com o objetivo primordial de restabelecer a perfu-
são de órgãos vitais, o suprimento de oxigênio, minimizando a extensão da hipóxia,
inflamação e disfunção orgânica dos tecidos. Idealmente, as medidas para recupe-
rar a perfusão não devem exacerbar os distúrbios fisiológicos induzidos pelo evento
traumático inicial ou pelo estado atual de choque (coagulopatia, acidose metabólica,
hipotermia), nem devem induzir mais perda de sangue (p. ex.: evitar interromper a
formação de coágulos)14.
O pilar da restauração do VEC e da perfusão tecidual envolve a reanimação por via ve-
nosa, muitas vezes usando várias combinações de fluidos (cristaloides isotônicos, solu-
ções salinas hipertônicas, coloides não proteicos) e hemoderivados. Outros adjuvantes
nesse processo de reanimação volêmica podem incluir vasopressores e antifibrinolíti-
cos (por exemplo, ácido tranexâmico ou ácido ε-aminocaproico) a fim de corrigir a coa-
gulopatia traumática aguda (CTA)13, sendo a monitorização da coagulação um impor-
tante instrumento para guiar condutas23,24. O objetivo final da reanimação de líquidos
é restaurar o VEC e a perfusão de órgãos vitais; contudo, deve-se atentar para os efeitos
adversos associados à reanimação (p. ex.: sobrecarga de fluido, síndrome compartimen-
tal abdominal, acidose metabólica hiperclorêmica, reações transfusionais)25.
Os objetivos finais específicos da reanimação diferem com base na gravidade da con-
dição do paciente e se a fonte de hemorragia está controlada ou não; portanto, a estraté-
gia utilizada deve ser adaptada a cada paciente individualmente. A normalização dos
parâmetros hemodinâmicos (reanimação normotensiva) é frequentemente o objetivo
quando a hemostasia definitiva é alcançada ou quando a lesão cerebral traumática está
presente, porém está contraindicada em pacientes com sangramento contínuo.
Os parâmetros tradicionais utilizados para avaliar a perfusão tissular (Tabela 1) são
principalmente um reflexo da macrocirculação, e não da microcirculação. Embora
a pressão arterial geralmente seja utilizada como alvo principal para a maioria dos
tratamentos de choque, é o débito cardíaco, e não a pressão arterial, que determina
o fornecimento de oxigênio. Em face da diminuição do débito cardíaco após hemor-
ragia importante, o organismo se empenha para manter a pressão sanguínea pelo
aumento da resistência vascular sistêmica. Como a pressão arterial não corresponde
diretamente ao fluxo sanguíneo, a correlação entre débito cardíaco, perda de sangue e
pressão arterial torna-se mal definida durante hemorragia vultuosa. Em jovens, uma
queda na pressão arterial sistêmica pode não ser detectada clinicamente até uma per-
REFERÊNCIAS
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Choque Séptico
Antônio Carlos Aguiar Brandão
Thaína Alessandra Brandão
INTRODUÇÃO
A sepse é uma síndrome extremante prevalente, acompanhada de anormalidades fi-
siológicas, patológicas e bioquímicas induzidas por infecção. Representa uma grande
preocupação de saúde pública, representando mais de 20 bilhões de dólares (5,2%)
dos custos hospitalares totais dos Estados Unidos em 20111. A incidência relatada
de sepse está aumentando2,3, provavelmente como reflexo do envelhecimento da po-
pulação associado a um maior número de comorbidades e ao reconhecimento mais
precoce da doença em alguns países4,5.
Embora a verdadeira incidência seja desconhecida, estimativas conservadoras indi-
cam que a sepse é uma das principais causas de mortalidade em todo o mundo6,7.
Além disso, há consciência crescente de que os pacientes que sobrevivem à sepse,
muitas vezes, têm deficiências físicas, psicológicas e cognitivas em longo prazo, com
importantes implicações sociais e de saúde. Seu reconhecimento precoce e tratamento
adequado são fatores primordiais para a mudança desse cenário.
CONCEITOS
A Conferência de Consenso de 19918, realizada por vários especialistas de diferentes
áreas – intensivistas, cardiologistas, anestesiologistas –, definiu a sepse como uma
síndrome de resposta inflamatória sistêmica (SIRS) associada a um foco infeccioso
suspeito ou documentado, ou seja, a sepse seria a SIRS infectada. A SIRS foi definida
como a resposta a uma agressão e se manifesta pela presença de dois ou mais dos
seguintes critérios descritos no Quadro 1.
SIRS com suspeita ou confirmação
de um processo infeccioso
Sepse (infecção)
Disfunção orgânica 1 ou +:
• cardiovascular, renal
• respiratória, hepática
• hematológica ou SNC
Sepse grave
Hipotensão refratária à reposição
de volume com necessidade do uso
de FVA
Choque séptico
Para contornar esse problema, foi sugerido o quickSOFA [qSOFA] (Quadro 3), com o
objetivo de priorizar e otimizar o tratamento dos pacientes sépticos, no momento da
triagem, em locais sem recursos para exames laboratoriais e nos quais só se usem
critérios clínicos obtidos à beira do leito. O qSOFA tem por finalidade identificar pa-
cientes com alto risco de mortalidade ou internação na UTI por mais de três dias. A
presença de dois ou mais critérios positivos (Figura 1) define o paciente de alto risco,
que deverá receber internação na UTI11,12.
Com base nesse novo consenso, o conceito de sepse grave desapareceu, ainda que
todos os casos de sepse devam ser considerados graves. O choque séptico é definido
como o subgrupo de pacientes com sepse que apresentam disfunções cardiovascula-
res, celulares e metabólicas, associadas a risco aumentado de óbito, comparado com
FISIOPATOLOGIA
O mecanismo fisiopatológico da sepse se deve à resposta do hospedeiro frente à agres-
são por agentes infecciosos – bactéria, fungo, protozoário, vírus. Essa resposta induz
à reação inflamatória, que inclui ativação de citocinas, produção de óxido nítrico e
radicais livres de oxigênio, bem como expressão de moléculas de adesão no endotélio.
Ocorrem também alterações importantes dos processos de coagulação e fibrinólise.
Deve-se entender que todas essas respostas têm o intuito fisiológico de combater a
agressão infecciosa e restringir o agente ao local onde se encontra. Ao mesmo tempo,
o organismo contrarregula esse feedback com o desencadeamento de outro, anti-in-
flamatório. O equilíbrio entre essas duas respostas é fundamental para o paciente se
recuperar16. O desequilíbrio entre as forças inflamatória e anti-inflamatória é o res-
ponsável pela geração de fenômenos que culminam em disfunções orgânicas.
De modo geral, temos alterações celulares e circulatórias, tanto na circulação sistêmi-
ca quanto na microcirculação. Entre as circulatórias, os pontos mais marcantes são a
vasodilatação e o aumento de permeabilidade capilar, que contribuem para a hipovo-
lemia relativa e a hipotensão.
Figura 3 – Relação entre o consumo (VO2) e a oferta de oxigênio (DO2) em pacientes em choque19
Figura 4 – Relação entre os marcadores de disóxia celular com DO2 crítica em pacientes em choque19
Quadro 4 – Pacotes de três e seis horas para manejo dos pacientes com sepse ou cho-
que séptico
Pacote de três horas
• Coleta de lactato sérico para avaliação do estado perfusional. Coleta de hemocultura antes
do início da antibioticoterapia.
• Início de antibióticos de largo espectro, por via venosa, nas primeiras horas do tratamento.
• Reposição volêmica agressiva precoce em pacientes com hipotensão ou lactato duas vezes
acima do valor de referência.
OUTRAS RECOMENDAÇÕES
Uso de corticosteroides
Os corticosteroides não são mais indicados rotineiramente, sendo recomendados so-
mente em pacientes com choque séptico refratário, ou seja, naqueles em que não se
consegue manter a pressão arterial alvo, a despeito da ressuscitação volêmica ade-
quada e de vasopressores. Outra indicação seria a suspeita de insuficiência adrenal.
O fármaco indicado é a hidrocortisona, na dose de 200 mg.dia-1, em infusão contínua
ou 50 mg a cada seis horas.
Ventilação mecânica
A intubação traqueal não deve ser postergada em pacientes sépticos com insuficiência
respiratória aguda e evidências de hipoperfusão tecidual. Os doentes que necessitarem
de ventilação mecânica devem ser mantidos em estratégia de ventilação mecânica pro-
tetora em razão do risco de apresentarem síndrome do desconforto respiratório agudo
(SDRA). A estratégia protetora envolve a utilização de baixos volumes correntes –
6 mL.kg-1 de peso ideal – e a limitação da pressão de platô abaixo de 30 cmH2O. A fração
inspirada de oxigênio deve ser suficiente para manter PaO2 entre 70 e 90 mmHg.
Da mesma forma, deve-se objetivar pressão de distensão (driving pressure = pressão
de platô - PEEP) menor que 15 cmH2O. A PEEP (pressão positiva no fim da expiração)
também é recomendada nos casos de síndrome do desconforto respiratório moderado
(PaO2/FiO2 < 200) ou grave (PaO2/FiO2 < 100). Manobras de recrutamento podem ser
necessárias em caso de hipoxemia refratária. Em pacientes com diagnóstico de SDRA
há menos de 48 horas, com relação PaO2/FiO2 < 100 e FiO2 ≥ 60%, a posição prona é
recomendada para unidades que tenham uma equipe com experiência na técnica.
Deve-se manter a cabeceira elevada, com ângulo de 30 a 45 graus, com a finalidade de
evitar aspiração e pneumonia associada à ventilação (PAV).
Controle glicêmico
O controle adequado da glicemia é recomendado por meio de protocolos específicos, vi-
sando à meta de 80-180 mg.dL-1 e evitando-se episódios de hipoglicemia e hiperglicemia.
Se glicemia > 180 mg.dL-1, deve-se prescrever insulina IV e controle rigoroso por meio de
medidas de glicemia capilar a cada uma ou duas horas, a fim de evitar hipoglicemia.
Transfusão de hemácias
Como citado, a transfusão de hemácias é indicada em casos de hemoglobina < 7 a
9 g.dL-1. Faz-se exceção a situações como isquemia miocárdica, choque e hemorragia
ativa, nas quais se optam por estratégias mais liberais.
Transfusão de plaquetas
A transfusão profilática de plaquetas está indicada em caso de valores < 10.000.mm-3.
Em caso de risco aumentado de sangramento, pode-se indicar a transfusão com valo-
res < 20.000.mm-3. Já em casos de realização de procedimentos cirúrgicos ou invasivos,
bem como quando houver sangramento ativo, devem-se manter valores plaquetários
> 50.000.mm-3.
Cuidados Pós-reanimação
Waston Vieira Silva
Igor Pelinca Calado
INTRODUÇÃO
Entre as principais questões e alterações feitas nas recomendações da atualização das
Diretrizes de 2015 para o tratamento da parada cardiorrespiratória (PCR) estão os
cuidados pós-PCR. São componentes críticos do suporte avançado de vida e podem
ser fator determinante no desfecho do paciente.
Apesar de a maioria das mortes ocorrer nas primeiras 24 horas após o retorno à cir-
culação espontânea (RCE), a PCR apresenta nos sobreviventes tardios morbidade
bastante elevada, independentemente da sua causa, com sobrevida baixa em que os
pacientes apresentam sequelas neurológicas permanentes. Estudos publicados repor-
tam taxa de sobrevida imediata que varia de 1% a menos de 20% para as PCR de
origem extra-hospitalar não traumática, e de 40% para as PCR que ocorrem ainda no
ambiente hospitalar. Porém, até 50% desses pacientes com RCE têm prognóstico neu-
rológico funcional muito ruim1.
Sabe-se que o fator determinante para o desfecho global desses pacientes é a presença
ou não de dano cerebral. Os déficits neurológicos são resultantes de lesões ocorridas,
tanto no período de ausência de circulação quanto secundário ao processo de isque-
mia-reperfusão que ocorre após o RCE. Ressalta-se então que a RCP não termina com
o RCE, mas sim com a recuperação da função cerebral normal do paciente e com sua
completa estabilização.
Estudos envolvendo medidas que visem identificar e otimizar práticas que melho-
rem os desfechos neurológicos dos pacientes estão sendo realizados em larga escala.
Sinais clínicos, medidas eletrofisiológicas, estudos de imagem, avaliação do fluido
cerebroespinhal e marcadores de lesão cerebral têm sido estudados com o objetivo de
determinar o prognóstico do paciente vítima de PCR. Contudo, apesar de todos os es-
forços empreendidos, o prognóstico do paciente pós-PCR ainda continua muito ruim.
Os processos fisiopatológicos relacionados com a isquemia-reperfusão implicam re-
percussões sistêmicas, e não apenas cerebral, nos diversos órgãos que podem resultar
em disfunção orgânica grave e falência de múltiplos órgãos se não forem implemen-
tadas e seguidas metas após o RCE. Portanto, a síndrome pós-PCR é um conjunto
de sinais e sintomas originados a partir da reperfusão tecidual que ocorre após um
período de isquemia orgânica, de duração variável, revertida com manobras de res-
suscitação cardiopulmonar (RCP) bem-sucedidas.
2. Metas hemodinâmicas
O paciente que retorna à circulação espontânea, geralmente apresenta instabilidade
hemodinâmica secundária ao processo de isquemia-reperfusão, com potencial de re-
tornar a um ritmo de PCR a qualquer instante. Torna-se fundamental adotar medidas
terapêuticas nesta fase com o objetivo de evitar a deterioração desse paciente.
Dados de prognóstico de acordo com a pressão arterial adotada após o RCE são pro-
venientes de estudos observacionais. Não há estudos de intervenção, controlados,
que determinem qual a melhor meta a ser adotada durante os cuidados pós-PCR
nem se uma modalidade de tratamento é superior a outra (fluidoterapia, inotrópicos
ou vasopressores).
Estudos observacionais detectaram que pressão arterial sistólica (PAS) abaixo de 90
mmHg ou acima de 100 mmHg, pode estar associada a aumento da mortalidade após
o RCE18-20. Assim, recomenda-se atualmente que a hipotensão arterial sistêmica (PAS
< 90 ou PAM < 65 mmHg) seja evitada após o RCE, embora os estudos não tenham
conseguido determinar objetivos exatos de pressão arterial para todos os pacientes.
É fundamental o julgamento clínico e a consideração da variabilidade individual entre
os pacientes, visto que pacientes diferentes e órgãos diferentes podem necessitar de
pressões arteriais diferentes para manter uma perfusão cerebral e orgânica adequada.
Não há até o momento, de acordo com os guidelines de RCP, metas hemodinâmicas
definidas ou marcadores de perfusão como lactato, saturação venosa mista de oxigênio,
excesso de bases ou débito urinário, a serem atingidos após o RCE. Metas devem ser
individualizadas de acordo com as características do paciente e de suas morbidades.
CONTROLE GLICÊMICO
O controle glicêmico em pacientes críticos permanece controverso. O controle glicê-
mico estrito com baixos níveis de glicose pode implicar risco aumentado de hipogli-
cemia, que pode ser mais prejudicial ao tecido cerebral do que a hiperglicemia.
Não há, até o momento, nenhuma evidência que recomende um alvo específico de
glicemia após o RCE que esteja associado à melhora do desfecho neurológico. Um
estudo randomizado avaliou controle glicêmico entre 72-108 mg.dL-1 versus 108-
144 mg.dL-1 e não houve diferença na mortalidade em 30 dias37-39.
Assim, não há intervalo específico para controle glicêmico nos cuidados pós-PCR.
Deve-se utilizar como parâmetro o manejo da glicemia em pacientes críticos, man-
tendo-se a glicemia entre 144-180mg.dL-1 e evitando a todo custo a hipoglicemia, que
pode ser extremamente deletéria para o tecido cerebral.
OXIGENAÇÃO
Oxigenoterapia é a terapia mais prescrita para pacientes críticos e pode representar
uma intervenção ameaçadora à vida. O uso de O2 suplementar em diversas situações
de emergência é sustentado por vários guidelines40-42.
Oxigênio a 100% é comumente administrado durante a realização de manobras de
compressões torácicas durante a RCP43. Esses benefícios, porém, devem ser confronta-
dos com os riscos de uma terapia com altas concentrações de O2, tais como toxicidade
pulmonar44-46, aumento da vasoconstrição com queda do débito cardíaco, lesões em
diversos órgãos provocadas por aumento da produção de radicais livres47, redução do
fluxo sanguíneo coronariano e do consumo de O2 pelo miocárdio48.
Associação entre hiperóxia e mortalidade tem sido demonstrada por diversos estudos
em populações de pacientes submetidos à ventilação mecânica49, pós-PCR50,51, trau-
matismo cranioencefálico52 e acidente vascular encefálico53.
A maioria dos estudos define hipóxia e hiperóxia, respectivamente, como PaO2 abaixo
de 60 mmHg e PaO2 acima de 300 mmHg. Os Guidelines de 2010 definiram hipoxe-
mia como SpO2 < 94%, e desde então não há novos dados publicados na literatura que
sugiram uma modificação neste limiar.
Evitar a hiperóxia deve ser confrontado contra a possibilidade de gerar hipoxemia
com consequente dano celular. Prevenir episódios de hipóxia é considerado mais im-
portante do que evitar a hiperóxia.
Para evitar a hipóxia após o RCE, é razoável utilizar a maior concentração possível de
O2 até que a saturação arterial de O2 ou a pressão parcial de O2 possam ser medidas.
Quando estes recursos estiverem disponíveis, recomenda-se titular a fração inspirada
de O2 para manter a saturação da oxiemoglobina em 94% (Figura 3).
Figura 4 - Algoritmo de prognóstico sugerido55. O algoritmo é iniciado ≥ 72 horas após o RCE se, após
a exclusão de confundidores (particularmente a sedação residual), o paciente está inconsciente com
Classificação Motora na Escala de Coma de Glasgow de 1 ou 2. A ausência de reflexos pupilares e cor-
neanos e/ou ausência bilateral na onda N20 do potencial evocado somatossensorial (PESS) indica que
um resultado ruim é muito provável. Se nenhuma das características estiver presente, aguardar pelo
menos 24 horas antes de reavaliar. Nesta fase, dois ou mais dos seguintes indicam que um resultado
ruim é provável: status de mioclonia ≤ 48 horas após o RCE; valores elevados de enolase específica
do neurônio (NSE); EEG não reativo com padrão surto-supressão ou estado epiléptico; lesão anóxica
difusa na tomografia computadorizada (TC) cerebral e/ou na RNM. Se nenhum desses critérios for
encontrado, considere continuar a observar e reavaliar (adaptado e traduzido de Sandroni C, Cariou A,
Cavallaro F et al. Prognostication in comatose survivors of cardiac arrest: An advisory statement from
the European Resuscitation Council and the European Society of Intensive Care Medicine. Resuscita-
tion, 2014; 85(12):1779-89)
Nenhum achado do exame físico ou teste pode predizer com razoável certeza a pos-
sibilidade de recuperação neurológica. Múltiplos testes, exames complementares, bio-
marcadores e achados radiológicos, em conjunto, podem ser utilizados para estimar o
prognóstico neurológico dos pacientes após RCE. São achados clínicos úteis associa-
dos a mau prognóstico neurológico:
a. ausência de reflexo pupilar à luz após 72 horas ou mais;
DOAÇÃO DE ÓRGÃOS
Todos os pacientes que são ressuscitados de uma PCR, mas que posteriormente evo-
luem para morte
ou morte cerebral, devem ser avaliados como possíveis doadores de
órgãos. Pacientes que não obtêm RCE e que, de alguma forma, teriam a ressuscitação
interrompida, podem ser considerados possíveis doadores de rim ou fígado em am-
bientes onde exista programas de rápida obtenção de órgãos.
CONCLUSÕES
Resumo dos principais pontos de discussão e alterações:
1. a angiografia coronária de emergência é recomendada para todos os pacientes que
apresentem supradesnivelamento do segmento ST e para pacientes hemodinâmi-
ca ou eletricamente instáveis sem supradesnivelamento do segmento ST, para os
quais haja suspeita de lesão cardiovascular;
2. as recomendações de CDT foram atualizadas com novas evidências que sugerem
ser aceitável uma faixa de temperatura que deve ser atingida no período pós-PCR;
3. finalizado o CDT, o paciente pode apresentar febre. Embora haja dados observacio-
nais conflitantes sobre os danos causados pela febre após o CDT, a sua prevenção é
considerada benigna e, portanto, deve ser almejada;
4. a identificação e a correção da hipotensão são recomendadas no período imediata-
mente após a PCR;
5. atualmente, recomenda-se o prognóstico em um prazo superior a 72 horas após a
conclusão do CDT; nos casos em que não haja esse tipo de controle, recomenda-se
avaliar o prognóstico em um prazo superior a 72 horas após o RCE;
6. todos os pacientes que evoluírem para morte cerebral ou circulatória após a PCR
inicial devem ser considerados possíveis doadores de órgãos.
REFERÊNCIAS
1. Lurie KG, Nemergut EC, Yannopoulos D et al. The physiology of cardiopulmonary resuscitation.
Anesth Analg, 2016; 122:767-83.
INTRODUÇÃO
A reanimação cardiopulmonar (RCP), quando indicada de maneira adequada, é um
procedimento no qual o consentimento do paciente e da família é presumido e uni-
versalmente aceito. No entanto, em pacientes terminais, sem perspectiva de cura ou
recuperação, quando preservar a vida não é mais factível, pode ser inútil e cruel.
A relutância dos profissionais de saúde em sugerir a não indicação da RCP em pacien-
tes terminais se deve, em parte, à sensação de que estarão desistindo deles. Em nosso
meio, porém, a isso se soma o medo de serem processados por omissão de socorro, o
que pode gerar consequências legais e na esfera dos Conselhos Regionais de Medicina.
É nesse contexto que a equipe médica, o paciente e seus familiares devem tomar deci-
sões, antes mesmo dos momentos de emergência, com base em conhecimentos cientí-
ficos e preceitos éticos, morais e legais.
Homicídio Simples – Matar alguém. Pena – reclusão de seis a vinte anos. §1°
- Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social
ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta
provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.
Outro termo associado à eutanásia é “distanásia”, que significa o prolongamento artifi-
cial do processo de morte, com sofrimento do doente. É uma expressão da “obstinação
terapêutica” pelo tratamento e pela tecnologia, sem a devida atenção em relação ao
ser humano. A distanásia pode ser motivada pela crença de que a vida biológica de-
verá ser prolongada a todo custo, mesmo que sem qualidade.
Além disso, está ligada ao desconhecimento dos familiares de que a agonia do pa-
ciente terminal não precisa ser prolongada, bem como à dificuldade da aceitação do
médico dos insucessos terapêuticos. Os doentes mais sujeitos à distanásia são aqueles
crônicos com remissões e pioras, os nascituros com peso inferior a 650 g e/ou 26 se-
manas de gestação e os pacientes terminais. Nessa situação, em vez da distanásia, a
ortotanásia deve ser considerada.
A palavra “ortotanásia” deriva de orto (correto) e thanatos (morte), portanto significa
morte correta, ou seja, o não prolongamento artificial do processo de morte além do
processo natural. A ortotanásia é uma conduta atípica diante do Código Penal Bra-
sileiro, mas não constitui crime. O médico não é obrigado a prolongar o processo de
morte do paciente por meios artificiais sem que este tenha requerido. Da mesma for-
ma, não é obrigado a prolongar a vida do paciente contra a vontade dele.
Caso, porém, não haja uma formalidade quanto ao desejo do paciente ou de algum
representante legal, conhecida como Diretiva Antecipada de Vontade (DAV), o médi-
co é obrigado a lançar mão de recursos para manter a vida, com exceção de práticas
que prolonguem inutilmente o processo de morte além de seu curso natural. Se forem
tomadas medidas contra a vontade do paciente, pode-se configurar o crime de cons-
trangimento ilegal.
TOMADA DE DECISÃO
As decisões de iniciar ou interromper as manobras de RCP devem se basear no con-
ceito de tratamento fútil ou desnecessário, que é aquele que não influencia a sobrevi-
da e a qualidade de vida do paciente. O Art. 14 do Código Brasileiro de Ética Médica
proíbe o médico de “praticar ou indicar atos desnecessários ou proibidos pela legisla-
ção do país”. A resolução n. 1.346/91 do CFM determina que a constatação de morte
encefálica equivale à morte. Nesses casos, prolongar indefinidamente a vida pode ser
um ônus psicológico e material, exceto em caso de doação de órgãos.
Educação em Reanimação e
Emergências Cardiovasculares
Lais Helena Navarro e Lima
Luiz Fernando dos Reis Falcão
Adeli Mariane Vieira Lino Alfano
INTRODUÇÃO
Como educadores médicos, temos enorme responsabilidade com alunos, pacientes e
sociedade. Devemos colaborar com nossos alunos no desenvolvimento de habilidades
para reconhecerem as próprias limitações e os erros de fixação e no fornecimento
de instrumentos para aperfeiçoamento e desenvolvimento do conhecimento. Quando
pensamos em situações críticas, com risco iminente de morte ou sequela permanente
para o paciente, esse saber deve ser desenvolvido e fixado de forma sistemática e efi-
ciente, a fim de que as medidas necessárias para evitar desfechos catastróficos sejam
imediatamente tomadas.
A anestesiologia vem há anos sendo comparada com a indústria da aviação1. Passa-
geiros confiam as vidas aos pilotos, assim como os pacientes submetidos à anestesia
confiam as suas ao anestesiologista. Ambos os cenários compreendem sistemas de
alto risco, com mínima tolerância a erros2. Nos dias atuais, a indústria da aviação tem
excepcional histórico de segurança, o que se deve sobretudo à introdução de simula-
dores para o treinamento de pilotos3.
Da mesma forma, a anestesiologia se desenvolveu de modo a priorizar a segurança
do paciente no período perioperatório. Felizmente, como consequência dessa preo-
cupação constante com qualidade e segurança, eventos críticos durante o manejo
anestésico são raros. Como, porém, nos acostumamos a ouvir informalmente pelos
corredores do centro cirúrgico, a anestesiologia é a especialidade das “horas de té-
dio combinadas a minutos de terror”.
Esses “minutos de terror”, quando acontecem, promovem pouca ou nenhuma opor-
tunidade de aprendizado sistematizada, em razão da natureza do ambiente em que
trabalhamos. Quando eventos adversos, situações críticas e/ou fatais acontecem, o
espaço para o ensino se torna exíguo, e a preocupação com possíveis ações de fórum
legal muitas vezes inibem as discussões sobre o caso com colegas e alunos4.
A simulação realística pode ser uma ferramenta importante para o desenvolvimento
do conhecimento nesses casos, propiciando que alunos e professores vivenciem os
eventos críticos em ambiente seguro e protegido, sem pôr o paciente em risco. Anes-
tesiologistas como o doutor David Gaba, da Universidade de Stanford, na Califórnia,
têm liderado o ensino baseado em simulação realística desde a década de 19805. Simu-
lação, segundo ele, pode ser definida como um processo institucional que substitui
REFERÊNCIAS
1. Helmreich RL, Davies JM. Anaesthetic simulation and lessons to be learned from aviation. Can J
Anaesth, 1997; 44:907-12.
2. Helmreich RL. On error management: lessons from aviation. BMJ, 2000; 320:781-5.
ANEXO 1