A Instituição e As Instituições PDF
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A Instituição
e as Instituições
0701061085
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Tradução:
Joaquim Pereira Neto
Revisão Técnica:
Latife Yazigi
Título Original:
[ institution et la; 'iKtituíiotis - iludes psythonalyH|Mi
,
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-
1 £/££21
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.
Sumário
I .
REALIDADE PSÍQUICA E SOFRIMENTO NAS INSTITUIÇÕES
René Kaês.1
»1 2
. . A questão da instituição no campo da Psicanálise.5
2 .
Formações intermediárias e espaços comuns da realidade psíquica.13
21. . O agrupamento como comunidade de realização
do desejo e da defesa.18
. 2.2 "A
.
troca de uma parte de felicidade possível contra uma
"
parte de segurança : renúncia pulsional e advento da
comunidade civilizada.20
. 23
. .
A permanência a filiação e a manutenção do sujeito
,
. 25
. .
A estrutura psíquica inconsciente da instituição.29
3 .
Sofrimento e psicopatologia nas instituições .
30
.3 1
. .
Sofrimento das/nas instituições.30
. 32
. .
Sofrimento do inextricável e patologia institucional.32
33
. .
O sofrimento associado a uma perturbação da
fundação e da função instituinte._....34
Sistemacultris.56
yjjj A Instituição e as Instituições
34
. .
O sofrimento associado aos entraves para a realização
da tarefa primária.35
* 3.5. O sofrimento associado à instauração e à manutenção
do espaço psíquico...36
II. O GRUPO COMO INSTITUIÇÃO E O GRUPO NAS INSTITUIÇÕES
. losé Bleger...41
III. O TRABALHO DA MORTE NAS INSTITUIÇÕES
Eugenè Enriquez.53
. A análise das instituições revela o seu caráter paradoxal.53
. 1. As instituições: sistemas culturais, simbólicos e imaginários.56
. 11 . .
. 12 . .
Sistemas simbólicos.57
. 13 . . Sistemas imaginários.58
2. As características das instituições terapêuticas.59
. 21 . .
Encontro com o arbitrário.60
. 22 . . O excesso de proibições.
*
2.3. O déficit de proibições.
, 24 . . O labirinto das proibições.
3. A equipe de tratamento.
3.1. Seres marginais.
32 . . Pessoas preocupadas com os seus próprios problemas
psíquicos.67
. 33 . . Seres em mutação.68
4 .
O funcionamento institucional.69
« 41 . . A ideologia igualitária.69
42 . . O fantasma dos primeiros fundadores.70
43 . . A autonomização da vida fantasmática.71
44 . .
Efeitos do fechamento do sistema.72
* c a nnripnte s
. nela eauioe de tratamento.73
Sumário IX
46
. .
A instituição submetida ao processo de contágio da
. loucura.75
5 .
O rosto amável da morte.76
7 . Conclusões.106
V .
A 1NFRA-ESTRUTURA IMAGINÁRIA DAS INSTITUIÇÕES .
*
2.1. A história das origens e a imago materna . 113
3 .
O composto fantasmático cena primária deslocada, sedução.118
,
4 .
Os desorganizadores institucionais e seus tratamentos.120
. 41
. .
O quadro e as proibições edipianas. 120
43
. .
O sistema de reciclagem em segundo grau.124
44
. . 0 "contêiner radioativo".124
René Roussillon.133
2.2. O depósito.142
,
23
. . A cripta.. .. 142
- 22
. . Da proibição do incesto ao complexo de Édipo
" "
-
como organizador dos grupos de "familiares".163
Laborde.164
Bonneuil.166
"
» 2.3. G. Mendel ou o romance institucional do
"
" "
psicofamiliar .
167
;í
.
"
j . -
.,
r-
JiÉtiiSbsi.i ÿ i"À
Prefácio à Edição Brasileira
passou desde que foi editada em diversos tons uma regra imperativa: é preciso não
explicar os fatos sociais por causas psicológicas. Ela distingue cnlre si os
fenómenos humanos de maneira tão radical quanto a Biologia e a Física distin-
"
guem os fênomenos da vida e os da matéria. {La machine a faire de dieiíx, Paris,
Fayard 10S8). Do lado da Psicanálise, a interdição se refere, como sabemos, à
,
individual nem à soma das dinâmicas individuais Mas que fenómenos são esses,
.
A articulação teórica dos dois pólos impõe uma revisão de cada um deles .
Para
citar apenas dois autores lembremos que Moscovici nos conta que escreveu La
,
Evocándo mais uma vez Moscovici é possível verificar que outra oposição, aquela
,
divã", entre os quais se situam numa posição de destaque, os autores deste volume.
,
Psicanálise, instituição
chamados a "intervir" na instituição para aí efetuar, com alguns dos seus membros,
um trabalho sobre a realidade psíquica compartilhada, comum e singular que aí
está em sofrimento .
se produz e sobre a sua escuta sobre o pedido que aí se exprime e sobre o seu
,
objeto Cada uma dessas posições do psicanalista pode ser questionada como um
.
que a instituição é palco e, de certa forma, origem. Cada uma dessas pesquisas nos
Çonfronta com o inextricável: o que é sentido na experiência dolorosa de que nossa
subjetividade e nossa palavra são tomadas 011 seja, ahsorvidas irTas também foj;-
.
qual descobrimos que somos beneficiários e integrantes; é essa rede que, à menor
análise, se revela como o emaranhado complexo de componentes, de níveis e de
lógicas interferentes.
Como o nosso propósito aqui é estabelecer alguns elementos para uma abordagem
psicanalítica das instituições e do fato institucional, esta obra não tratará direta-
mente de questões que, de uma forma ou de outra, poderiam ser esclarecidas,
quanto ao seu objeto, pelas proposições que aqui são lançadas.
Esta série de estudos contribui para abrir um campo de trabalho. Quisemos propor
de uma maneira não sistemática um conjunto de formas de abordagem, de
1 O leitor poderá se reportar à obra de referência de G. Bléandonu e M. Despinoy (1974), Hôpitaux
de jour et psychiatrie dans la Comniunauté. Paris, Payot.
Prefácio XVII
questão de família".
René Kaês
I . Realidade Psíquica e Sofrimento nas
Instituições
René Kaès
11
. . Pensar a instituição: algumas dificuldades, sobretudo narcísicas
namos seres que falantes e desej antes porque ela sustenta a designação do
impossível: a proibição da posse da mãe-instituição a proibição do retorno à
,
Portanto, não se trata unicamente do confronto com o pensamento daquilo que nos
engendra, mas com o pensamento daquilo que, de uma maneira impessoal e des-
subjetivizada, se dispersa se perde, certamente, e germina num espaço fora de nós
,
que é uma parte de nós: essa exteriorização de um espaço interno é a nossa relação
mais anónima, mais violenta e mais forte que mantemos com as instituições. Ela
constitui espaços psíquicos comuns que são coextensivo aos agrupamentos de
diversos tipos. O correspondente interno desse espaço exte-riorizado comum in-
diferenciado é provavelmente um dos componentes do inconsciente e por essa
,
razão deve ser considerado como aquele fundo irredutível a partir do qual se
,
A fantasia da cena primária é uma tentativa para dar a esse irrepresentável ex-
teriorizado uma cena e uma posição do sujeito numa origem. A invenção do Pai
originário da figura do Ancestral é uma ancoragem subjetivizante, defensiva contra
,
essa perda de si num espaço que se vem a desaparecer, nos confronta com o caos.
,
da
O terceiro conjunto de dificuldades já não diz respeito ao pensamento
is-
instituição como objeto ou como não-Self no sujeito, mas à instituição como s
tema de vínculo do qual o sujeito é parte interessada e parte integrante. Pensar a
instituição requer entãojo 3ha"r,"r""" da ilusão monocentrista, a aceitaçao de que
"
de onde se
uma parte de nós mesmos não nos pertence propriamente, ainda que
encontrava a instituição possa surgir um Eu" nos limites do nosso necessário apòio
sobre aquilo que, a partir_dela. no&jconstitui. A dificuldade específica que apresen-
to é mais complexa do que aquela das relações bipolarizadas interno-externo, con-
tinente-conteúdo, determinante-determinado, parte-todo; estamos aqui num
sistema polinuclear e de encaixes no qual, por exemplo, o continente, (o grupo) do
sujeito é o conteúdo de um meta-continente (a instituição); ou ainda, estamos
diante de uma organização do discurso que se determina em redes de sentido
interferentes, cada uma organizando da "ma maneira própria as insistências do
desejo e as ocultações de suzunanifestação.
Por causa dessas dificuldades e dos interesses que as sustentam, um esforço cons-
tante para construir uma representação da instituição é desenvolvido nas
instituições. Mas a maior parte das representações sociais da instituição, míticas,
eruditas ou militantes, constituem a economia do pensamento da relação do sujeito
com a instituição. A sua função é por um curativo na ferida narcísica, evitar a
angústia do caos, justificar e manter os custos identificalórix)s.-preservar as funções.
dos ideais e dos ídolos.
Esse trabalho coletivo do pensar realiza uma das funções capitais das instituições
quejéjbrnccer representações comuns e matrizes identificadoras: dar um status às
relações da parte e do conjunto unir os estados não integrados, propor objetos de
,
nossa vida psíquica até então gerenciado pelas garantias metafísicas, sociais e cul-
,
talvez suicida, de que o homem não é mais a medida de tudo mas se vê tomado e
,
Ora, as instituições, assim como as civilizações por elas sustentadas não são imor- ,
tais. A ordem que impõem não é imutável os valores que proclamam são
,
Uma tal descoberta não deixa de apresentar riscos: sentimos os seus efeitos na
difícil questão das funções metafísicas das instituições e diante das suas fraquezas,
,
as atacamos porque somos traídos , entregues ao caos, abandonados por elas, cuja
presença silenciosa nem sequer percebíamos.
sustentados pelo imaginário utópico ora situados fora da história pela função do
,
quem devoret elas nos confrontam, inicialmente, com a angústia suscitada pelo
aumento de energia desvinculada e posta em movimento pela desagregação da
instituição revelando assim a sua função de ligação. Não podemos pensar esse
,
Mas já não podemos acreditar plenamente nisso como antes: vemo-nos en- ,
na sua verdade.
Nesse difícil percurso, talvez tenhamos descoberto que oscilamos entre duas
ilusões e que nos esforçamos por inscrevê-las na história: a primeira é que a
instituição é feita por cada um de nós pessoalmente, como a Providência; a segun-
da, que ela é propriedade de um senhor anónimo, mudo e todo-poderoso, como
Moloc. Recusemos uma e outra. No final das contas, a instituição nos confronta i-
uma quarta ferida a qual também é uma ferida narcísica, depois daquelas que as
,
Ao lado das dificuldades comuns de que acabo de falar e para cuja análise algumas
práticas psicanalíticas trazem uma luz importante - por exemplo, a análise das
formações grupais e familiais a análise das psicoses e a abordagem psicanalítica do
,
sustentar que a instituição enquanto tal pode ser um objeto teórico e concreto da
Psicanálise? Dever-se-á admitir que ela pode se constituir apenas como um qua-
dro ou um dispositivo para um trabalho de inspiração psicanalítica com sujeitos
singulares? Para sustentar a primeira eventualidade, é preciso definir as
características de um objeto analisável e de um dispositivo apto para manifestar os
efeitos do inconsciente em ação nesse objeto e capaz de produzir efeitos de "
A instituição é o conjunto das formas e das estruturas sociais instituídas pela lei e
pelo costume: a instituição regula as nossas relações, preexiste e se impõe a nós;
ela se inscreve na permanência. Cada instituição é dotada de uma finalidade que a
identifica e a distingue, e as diferentes funções que lhe são atribuídas se ordenam,
2 O leitor encontrará na tese de doutorado de J.P. Vidal(1982) uma apresentação crítica das
condições exigidadas para um trabalho psicanalítico nos grupos institucionais: suas principais idéias
estão expostas em duas contribuições (1984, 1987), essa última é a que apresentamos nesse livro.
3 Entre os autores que trataram dessa questão, assinalamos os trabalhos de V, Girard (1975), J. C.
Rouchy(1982), J. Dubost e col. (1980).
Realidade Psíquica e Sofrimento nas Instituições 7
a grosso modo nas três grandes funções reconhecidas por G. Dumézil na base das
instituições indo-européias: as funções jurídico-religiosas, as funções defensivas e
de ataque, as funções produtoras-reprodutoras. Se para a sociedade romana
Júpiter, Marte e Quirino encarnam cada uma dessas funções, devemos admitir que
um número considerável de instituições dependem da proteção do conjunto da
trindade latina: as instituições de tratamento que na cultura moderna dos.
terapeutas tendem a se tornar o paradigma da Instituição realizaram e ainda
realizam, com muita evidência, funções mistas e complexas . Mas enquanto a
plurifuncionalidade tradicional das instituições (como por exemplo, as instituições
caritativas ou educativas da Igreja) integrava atividades, normas e regras sub-
sumidas por valores e funções basicamente religiosos, e se identificava como uma
expressão da instituição eclesial, parte integrante da ordem social e cultural a ,
"
ou seja, o simbólico {op. cit., p. 162). O imaginário é a capacidade original de
produção e de operação dos símbolos que, na ordem social, estão ligados com a
história e evoluem. O imaginário é nesse sentido, a atribuição de significados
,
"
bífido" social e individual, do imaginário.
,
4 O fenómeno talvez seja ainda mais identificável hoje nas instituições da produção que desempe-
nham funções "marciais" (estratégia e táticas industriais no contexto de guarra económica) e
,
" "
1970, J.C. Rouchy, 1982; E. Enriquez 1983, 1987.) A organização teria um caráter
,
contingente e concreto , disporia não dos fins, mas dos meios para os atingir. Bleger
propõe que se considere a organização como a disposição hierárquica das funções
num conjunto definido Portanto, dar-se-á atenção à sinergia entre instituição e
.
qual podem estar depositadas e contidas algumas das partes da psique que es-
capam à realidade psíquica. Os trabalhos decisivos e clássicos de E Jacques (1955) .
vista, enriquecido pela abordagem das psicoses dos grupos e das famílias que se ,
centraliza sobre o sujeito na sua relação com a instituição vista ora como objeto no
,
desaparece a ponto de não deixar atrás de si um substituto qualquer que, por sua
vez, torna-se o ponto de partida de determinadas reações. Portanto, somos
obrigados a admitir que não há processo psíquico relativamente importante que
uma geração seja capaz de esconder àquela que a sucede" G.-W., IX, 191; trad, fr.,
p .
1825. Freud postula que, para que essa transmissão se efetue, cada um possui no
seu inconsciente um aparelho para significar/interpretar (eirt Apparat zu deuten)
para endireitar e corrigir as deformações que os outros imprimem à expressão dos
seus movimentos afetivos. Paralelamente, a obra mostra como se forma a
instituição originária da sociedade humana: memória e memorial do assassinato
fundador, estruturação dos vínculos de pertença pela identificação ao totem,
instauração do tabu, transmissão da narrativa pela via mítica e pelo aparelho que
serve para interpretar e dar significado aos costumes, às cerimónias, aos preceitos
e às representações construídas após o assassinato originário.
Psychologie des masses e analyse du Moi vai admitir, sem justificação, a instituição
como um dado primário da identificação e da formação do Eu. Freud não se
enganou a respeito desse eterno já dado, primário, ou seja, quanto ao inconsciente
imortal da instituição. Baseia a sua análise das relações entre as identificações e a
formação do Eu no estudo de duas instituições fundamentais que são o Exército e
a Igreja. Freud não analisa tal Exército ou tal Igreja mas a forma permanente e
,
imortal que o Exército e a Igreja assumem para o inconsciente. Essas formas ins-
titucionais prototípicas não são demonstradas elas são apresentadas.
,
Sabe-se , porque hoje é lido mais amiúde do que há alguns anos, que o texto de
1920-21 se abre com essa declaração que não pode ser tomada por um simples
enunciado de psicanálise aplicada: "A oposição da psicologia individual à
psicologia social ou à psicologia dos grupos, que pode nos parecer muito sig-
nificativa à primeira vista perde muito da sua acuidade quando examinada profun-
,
procura conhecer as vias pelas quais este busca obter a satisfação das suas
emoções pulsionais Mas, procedendo assim, só raramente, em condições excep-
.
cionais ela consegue fazer abstração das relações desse indivíduo (der Einzelne)
,
mente como modelo aliado e adversário e é por isso que a psicologia individual
,
sempre foi desde o início e simultaneamente uma psicologia social, nesse sentido
"
ampliado mas totalmente justificado (G.-W., XIII, 73).
Poderíamos evocar aqui outros textos fundamentais. Todos eles marcam o status
duplo do indivíduo apresentado por Freud no seu texto de 1914 Pour introduire le
"
narcissisme: O indivíduo efetivamente, leva uma dupla existência, na medida em
,
que é um fim para si mesmo e na medida em que é membro de uma cadeia à qual
está submetido se não contra a sua vontade, pelo menos sem a participação dela"
(G.-W., X, 143). Freud mostra constantemente, nesse texto e em outros, que esses
dois status se entrelaçam: o narcisismo primário apóia-se sobre o narcisismo da
cadeia familial, inter gerações, institucional (narcisismo da pequena diferença). A
questão do apoio aqui é central, do duplo apoio da realidade psíquica sobre as
f
suas duas margens, corporal e institucional Como o outro, a instituição precede o
.
na base do processo mas não poderia ser indiferente ao processo em si. É através
desses diferentes aspectos que o sujeito é sujeito da instituição e que a instituição
consiste numa dupla função psíquica: de estruturação e de receptáculo do in-
diferenciado.
sos psíquicos, e que principalmente aqueles que ela contribui para formar ou que
ela recebe em depósito (e que, desse modo, ela determina) serão particularmente
solicitados. Admitir-se-á, sobretudo, que formações psíquicas originais são
produzidas e mantidas pela vida institucional visando os seus próprios fins: isso
significa que se trata de fonnações que correspondem à dupla necessidade da
instituição e dos sujeitos que delas são partes integrante e beneficiária.
Freud nos introduziu nesse procedimento por mais de uma vez; apresentarei dois
exemplos que esclarecem o meu propósito A primeira vez foi em 1914, no texto
.
social: trata-se do ideal que reúne uma família, uma classe, uma nação A segunda
"
.
é dada na Psychologie des masses e analyse du Moi, quando nos propõe o paradig-
ma do sintoma compartilhado e do significante comum que fornece a base das
"
dentificações histéricas na instituição de moças. Tais formações têm por efeito o
reforço narcísico da parte e do conjunto fornecem referenciais identificatórios e o
,
retende,
sobretudo, sondar as suas articulações nos espaços psíquicos e aí en-
contrar os efeitos do inconsciente Isso equivale a não localizar o inconsciente
.
fpenas no espaço do sujeito singular (ou do indivíduo enquanto tal para retomar a
,
cionam em espaços que comunicam e interferem. É por isso que na lógica social
,
Nesse sentido ,se me parece legítimo considerar que toda emergência psíquica
possui a priori um valor de sintoma significativo para o conjunto institucional,
parece-me também que o nível em que ela se origina e a função não psíquica que
ela realiza permanecem sempre como uma questão aberta a ser estabelecida É .
forma, nas instituições uma parte considerável dos investimentos psíquicos é des-
,
tinada a fazer coincidir numa unidade imaginária essas ordens lógicas diferentes e
complementares a fim de fazer desaparecer o caráter conflitante que contém. As
,
com essa plurifuncionalidade com essa pluralidade espacial, com essas formações
,
psíquicas originais das quais passo agora a expor determinados aspectos. Uma
parte essencial do trabalho sobre o sofrimento psíquico que deriva da vida ins-
titucional recai sobre a constituição de um dispositivo capaz de neutralizar alguns
desses espaços a fim de que os efeitos da resistência, por deslocamento no espaço,
,
por reutilização dos enunciados caducos, por confusão dos níveis lógicos, possam
ser definidos e produzam efeitos de análise .
2 .
Formações intermediárias e espaços comuns da
realidade psíquica .
Tentarei ,
pois, analisar, nos termos das relações cruzadas que suponho existir entre
espaços psíquicos parcialmente heterogéneos (se o grupo é como um sonho, o
sonho não é o grupo, nem o grupo um sonho) e entre espaços psíquicos e espaços
nao psíquicos (a instituição é atravessada por ordens diferentes às quais correspon-
£r lógicas diferentes: sociais, políticas, psíquicas), a dupla articulação entre esses
espaços interferentes ligados pelo fato institucional Todavia, meu trabalho centrar-
.
timentos que ela exige dos seus sujeitos. Por outro lado, os interesses e os
benefícios que aí encontram, o prazer e o sofrimento que aí experimentam deverão
ser igualmente avaliados.
Poderíamos desenvolver essa análise nos termos das estratégias de desvio dos in-
vestimentos psíquicos e dos meios institucionais para o benefício de alguns dos
seus componentes, ou para a instituição considerada como um todo. Isso sig-
nificaria explicar as derivas e os desvios que compõem, não sem riscos perversos ,
quadrinhos de Moebius) .
7 O leitor poderá se reportar a um estudo no qual exponho a categoria do intermediário no pen-
samento de Freud, de Winnicott e de Roheim, procurando definir o seu emprego no campo
intrapsíquico e no espaço psíquico do agrupamento (Kaês R., 1985; e acessoriamente 1983).
8 Jean Moebius Giraud, autor francês de histórias em quadrinhos (N. do T.)
15
Realidade Psíquica e Sofrimento nas Instituições
Talvez, assim, aquilo que nos preocupa aqui e que exige o nosso trabalho nas
instituições - o sofrimento psíquico ligado ao fato institucional e o desprendimento
das potencialidades que contribuem para a realização da tarefa primária da
instituição (tratar ensinar, produzir) -, possa aparecer na sua singularidade.
,
mentais de sua vida. O fragmento que apresento foi objeto de uma análise que
procurou pôr em evidência a imbricação e a desvinculação das temporalidades
1i
individuais , grupais e institucionais nessa circunstância .
"
Durante sete anos , encontrei-me regularmente com os membros da equipe auxiliar
de tratamento de um hospital-dia para tentar analisar o seu funcionamento grupai
e institucional. O trabalho foi efetuado a partir daquilo que foi dito por cada um
deles.
"
O término da minha intervenção era posto em discussão a cada ano e certa vez ,
critérios que eu havia estabelecido para prever o fim da minha intervenção tinha ,
"
"
Deixar os doentes originários ("co-fundadores" e co-fundados ) irem embora, no
"
"
Nessas condições o trabalho dos últimos meses tratou da diferenciação dos tem-
,
o tempo imóvel do mito heróico do grupo originário: estar na vanguarda dos novos
tratamentos psiquiátricos A fantasia de cena originária na qual se fundavam (fusão
.
doentes e na transferência .
21
. .
O agrupamento como comunidade de realização do desejo e da defesa
Desordem.
1985d).
assassinato do pai originário é o que têm em comum; aquilo mesmo que trans-
mitem à sua geração pelo processo da identificação: a interdição de matar o animal
totêmico enquanto representante do pai. Depois ele retoma a análise da formação
do sintoma neurótico para mostrar como a comunidade dos sintomas entre Dora
e seu pai, e as identificações que a sustentam, exprimem a forma mais precoce e
mais original do vínculo afetivo. Nas condições próprias para a formação do sin-
toma e para a supremacia dos mecanismos do inconsciente, a escolha de objeto
torna-se identificação apropriando-se das qualidades do objeto. O sintoma per-
mite, por identificação, reencontrar o vínculo com a pessoa amada. Mas ele vai
mostrar também como a identificação faz abstração da relação objetal com a pes-
soa imitada. E ele dá este exemplo significativo que impõe a instituição como um
lugar de trabalho dos processos psíquicos fundamentais:
I
"
pela mesma crise, como dizemos, pela via do contágio psíquico. O mecanis-
mo é o de uma identificação fundada na capacidade ou na vontade de se
colocar numa situação idêntica As outras também gostariam de ter uma
.
uma simpatia preexistente bem menor que aquela que se estabelece habitual-
mente entre amigas de um pensionato Um dos Eu percebeu no outro uma
.
toma que um dos Egos produziu A identificação pelo sintoma se torna assim
.
um índice de um ponto de coincidência dos dois Egos, ponto que deve ser
mantido reprimido" (G W., 118; trad. fr. p. 170).
.
Fundar uma instituição, fazê-la funcionar, transmiti-la, tudo isso só pode ser sus-
tentado por organizadores inconscientes que trazem consigo desejos que a
instituição permite realizar. O exemplo clínico que propus nos orienta nesse ca-
" "
Em 1929, Freud prossegue a sua longa reflexão sobre a felicidade. Por que, ele se
pergunta, é tão difícil para os homens serem felizes? A essa questão complexa, ele
responde inicialmente pela consideração da vida psíquica. Se existe no homem
desconforto e mal-estar, isso está ligado antes à estrutura da psique: à oposição do
Ego hedônico primitivo ao objeto. Ele lembra como se forma o Ego-prazer. O
Senhor absoluto, o princípio de prazer, exige que se evite as sensações de dor e de
sofrimento e que se expulse do Ego tudo o que pode constituir uma fonte de
desprazer.
imaginação. É pelo fato de que a ilusão se denomina religião, arte ou ciência que
ela tem um futuro. Saberemos ulteriormente que o grupo e a instituição podem
alimentá-la.
Ora, constata Freud, enquanto buscamos os meios para nos defender contra as
duas primeiras fontes do nosso sofrimento, adotamos uma atitude diferente em
relação à terceira, o sofrimento de origem social (die soziale Leidensquelle). Ele
Realidade Psíquica e Sofrimento nas Instituições
Como o faz muitas vezes em Malaise dans la Civilisation Freud retoma e desen-
,
volve uma questão já elaborada em outras obras Ele já se perguntou como uma
.
dimensão: sobre o modelo das instituições de base (dos grupos convencionais que
sao o Exército e a Igreja) o agrupamento pelo qual se efetua a passagem do um ao
múltiplo e da pluralidade ao conjunto, repousa na identificação de cada um ao
C efe e secundariamente
,
,de cada um dos membros do grupo entre si.
que deriva a propriedade cultural comum dos bens materiais e dos bens ideais.
Fora as exigências da vida, foram os sentimentos familiais provenientes do erotismo
"
possível por uma parte de segurança Nessa troca, a passagem da pluralidade para
.
o agrupamento é decisiva. Ela forma a base da vida em comum. Freud escreveu: A "
ao passo que o indivíduo isolado ignorava qualquer restrição desse género (p. 44).
Mais adiante ele escreve: "O resultado final deve ser a edificação de um direito ao
qual todos, ou pelo menos todos os membros capazes de aderir à comunidade
tenham contribuído sacrificando seu impulso instintivo pessoal, e que, por outro
lado, não deixe que nenhum dentre eles se torne vítima da força brutal com
"
exceção daqueles que não aderiram a ela .
entre si tinham feito a experiência de que uma federação pode ser mais forte que o
indivíduo isolado. A civilização totêmica está baseada nas restrições que foram
obrigados a se impor para manter esse novo estado de coisas. As regras do tabu
constituíram o primeiro código de direito; a vida em comum dos seres humanos
tinha, pois, por fundamento: primeiramente a imposição do trabalho (der Zwang
zur Arbeit) criada pela necessidade exterior e, secundariamente, a força do amor,
esse último exigindo que nem o homem fosse separado da mulher, seu objeto
sexual, nem a mulher daquela parte separada dela mesma que é o filho. Eros e
Anankeii tornaram-se assim os pais da civilização humana cujo primeiro sucesso
foi que um número maior de seres puderam permanecer e viver em comum".
A instituição deve ser permanente: com isso ela assegura funções estáveis e
necessárias à vida social e à vida psíquica Para o psiquismo, a instituição encontra-
.
se, como a mãe na base dos movimentos de descontinuidade instaurado pelo jogo
,
Não somente a instituição deve ser estável mas o intercâmbio social e os movimen-
,
tos que a acompanham exigem de sua função que ela o estabilize É a funçáo do
.
ÿnstitui
ção é de direito divino. Encontrando-se na origem das sociedades, para os
Sfus membros, para o inconsciente a instituição é imortal. Todos participam,
,
assim,
da divindade que contra a morte e o seu trabalho de desligamento, assegura
,
°
vinculo narcísico de cada um com o conjunto e o emblematiza.
24 A Instituição e as Instituições
É nesse mesmo texto, como lembrei, e nesse contexto, que Freud insiste na dupla
existência do indivíduo: enquanto persegue o seu próprio objetivo e enquanto
membro de uma cadeia à qual está submetido sem uma escolha da sua parte.
Notar-se-á, ainda, aqui, que esse duplo status narcísico não define inicialmente
uma relação (de concordância ou de oposição) entre o intrapsíquico e o grupai,
mas uma bipolaridade interna que esboça a possível divisão daquilo que em cada
um de nós é singularidade e grupalidade. A instituição se baseia no duplo status do
narcisismo e naquelas formações intermediárias que é preciso chamar de trans-
psíquicas na medida que sustentam a relação necessária entre o sujeito singular e
o conjunto: a identificação, a comunidade dos sintomas, das defesas e dos ideais, o
co-apoio, constituem uma parte dessas formações. Mas também o contrato
narcísico e o pacto denegativo.
Três idéias devem ser guardadas: a primeira é que o indivíduo é em si mesmo o seu
próprio fim e que é ao mesmo tempo membro de uma cadeia à qual está sub-
metido. A segunda idéia é que os pais constituem a criança como a portadora dos
seus sonhos de desejo não realizados e que o narcisismo primário dela apóia-se no
dos pais, assim como foi através deles que o desejo e o narcisismo das gerações
precedentes sustentaram, positiva ou negativamente, a sua vinda ao mundo. Em
outras palavras, cada recém-nascido é investido da missão de assegurar a con-
tinuidade narcísica da geração. Um ano antes, Freud insistia sobre a transmissão
da culpa através das gerações; ele sublinha agora a transmissão narcísica. A ter-
ceira idéia é que o Ideal do Ego é uma formação comum à psique singular e aos
conjuntos sociais (família, instituições, nações).
Realidade Psíquica e Sofrimento nas Instituições
diz o mito O mito narra a origem fornece uma matriz identificadora, e um código,
.
por mais precário que seja para enfrentar a relação de desconhecido. Ele permite
,
de fundador na medida que ele refreia e ordena o caos provocado pela sua
criação. O mito fixa a narrativa desse tempo das origens e define a relação de cada
um com o Ancestral fundador e com a genealogia afiliativa que daí decorre . No
caso do hospital-dia, nesse período de rompimento das aderências narcísicas à
fundação as fantasias de que a própria instituição estaria destruída puderam ser
,
Quando a instituição não sustenta mais o narcisismo dos seus membros - quando ,
o inevitável fracasso narcísico dos heróis não deixou de produzir duas espécies de
efeitos conjugados: um ataque contra a instituição e um ataque contra a função de
tratamento. A análise da crise e a consideração do sofrimento narcísico que a
acompanha revelou a solidariedade dessas duas vertentes do narcisismo: a que diz
respeito ao sujeito na sua singularidade e a que diz respeito ao conjunto do qual é
parte ativa. Nesse caso, como em muitos outros, a crise pode vir a assumir o sen-
tido de uma ameaça da vinculação com o conjunto, na medida que haveria um
certo risco de que o sujeito viesse a perder o lugar que nela ocupa e conse- ,
O efeito dessa aderência é a suposição de que cada uma é capaz de pôr em perigo
o objeto comum compartilhado, a partir do momento em que se apropria de uma
parte dele, que por essa razão é subtraída da comunidade. O modelo psíquico
subjacente pode ser o da relação dos irmãos e irmãs no corpo da mãe; quando de ,
24
. . As armadilhas da instituição: pacto denegatório "não declarado" e
colmatagem do negativo
ros de defesa.
wsao e da diferença que todo vínculo comporta: o pacto faz calar aá diferenças; é
Por isso que se trata de um pacto cujo enunciado, como tal, jamais é formulado.
-
2Prdo tácito sobre um dizer que divide, ele é e deve permanecer inconsciente. O
Sobre a relação do pacto denegatório com o negativo e sobre a função na tópica a dinâmica e a
,
Essa noção pode ser confrontada com a da comunidade da recusa proposta por M .
Fain (1981). Ela explica uma modalidade da identificação do filho com a mãe
quando esta, não conseguindo se desvencilhar dele para situar, num outro ponto
que não no filho, um objeto de desejo, a recusa da existência do desejo do pai é, ao
mesmo tempo, característica do filho e da mãe. A comunidade da recusa entre a
mãe e o filho mantém dessa forma a sua não-separação. Um pacto denegatório
dessa espécie está na base dos vínculos que alguns auxiliares de tratamento
reproduzem com os primeiros pacientes de um hospital-dia: esses últimos ocupam
o lugar do objeto do desejo dos primeiros, na posição de co-fundador, ao invés da
instância instituinte.
Numa instituição de formação uma mulher que tardiamente dera a luz a um filho
,
único e que o tinha perdido não podia suportar a atenção e o cuidado que a
,
formações mistas que asseguram para os sujeitos e para os seus vínculos, os inves-
,
Elas também se fundam sobre o irrepresentado e sobre o silêncio radical - que não
se confunde com o não-dito. Fundam-se em vácuo sobre os elos perdidos da cadeia
das representações e das posições que elas organizam e que formam o seu relevo.
O "não declarado", segundo a expressão de J.-C Rouchy, deriva de duas fontes:
uma emana do irrepresentado e do negativo de cada sujeito singular. Para ele a
instituição tem a função de conservar uma parte desse irrepresentado mascarando-
o pelos sistemas de significação e de sentido que ela produz e que impõe, colocan-
do à disposição de todos um corpo de representações conhecidas, compartilhadas
e compartilháveis propondo ou impondo a representação da causa única: é a
,
15 Neste livro, R. Roussillon desenvolve com precisão o destino desse resto; cf. também o estudo de P.
Fustier sobre a função contêincr na instituição.
29
Realidade Psíquica e Sofrimento nas Instituições
função psíquica que o mito, a teoria, a ideologia realizam para a instituição e para
cada sujeito segundo modalidades específicas. A instituição não poderia privar-se
nem privar os seus membros de tudo isso.
Vê-se aqui que não se trata exatamente de um pacto denegatório, mas de uma
proteção contra o negativo. Essa proteção implica uma cooperação elementar: a
presença da instituição, pela positividade dos seus constituintes, da sua função
primária, dos seus dispositivos destinados a assegurar a permanência, o direito e a
ordem, é em si uma proteção contra o negativo para os seus membros e para si
mesma. Para si mesma: ela prova a si mesma ocupando-se com a vida dos seus
membros. É por isso que a exclusão da instituição ou a destruição da instituição
nos confronta com a morte.
25
. .
A estrutura psíquica inconsciente da instituição
De fato essa estrutura precede cada sujeito singular e cada instituição singular se
,
mais aprofundado Com efeito ela comanda a organização cada vez mais par-
.
,
.
CQ"tra a emergência desse recalcado e contra o reconhecimento desse incons-
ciente,
que para o sentimento do Eu é exteriorizado no instituído de um modo
a ,e"ft1e
que se estabelecem as defesas próprias da existência institucional e que
,
Esses poucos conceitos nos foram necessários para pensar as formações psíquicas
da vinculação, bifaces que constituem, ao mesmo tempo, a realidade psíquica do
sujeito singular e o conjunto institucional de que ele participa: foi possível es-
tabelecer assim o que a instituição exige dos seus membros e o que lhes propõe em
troca, quais aspectos da realidade psíquica são investidos na instituição e como,
dessa maneira, se pode levar à criação de espaços novos.
31
. . Sofrimento das/nas instituições
todo deslocamentos
,
condensações, reviravoltas: fato que pode ser percebido nas
,
Psíquico comum: ela propriamente não sofre. Nós sofremos pela nossa relação
,
j tivo
*
ÿ .
Designamos assim por projeção, o que está sofrendo nos sujeitos cfa
,
~
sofremos também com a sua falha, com o seu fracasso para garantir os termos dos
contratos e dos pactos, para tornar possível a realização da tarerfa primária que
motiva o lugar dos sujeitos no seu seio.
32. .
Sofrimento do inextricável e patologia institucional
processos e dos efeitos de sentido, graças a uma abolição dos limites do Self, uma
evanescência do sujeito, uma transversalidade da subjetividade. Somos então con-
frontados com os nossos núcleos indiferenciados, com a angústia diante daquilo
identidade.
que representam para nós de perigosamente desconhecido, de não-
Esse nível dos espaços psíquicos comuns sincréticos ou isomorfos são inextricáveis
O que provoca tais estados de sofrimento patológico quase sempre pode ser
relacionado com uma mudança/ou com uma ameaça de mudança no alicerce ins-
titucional no seu quadro que recebe como depósito as partes não diferenciadas e
,
çadas e elas afetam os sujeitos da instituição muito aquém dos seus vínculos atuais
no espaço psíquico institucional: elas lhes dizem respeito nos estratos fundamentais
do seu ser .
33
. . O sofrimento associado a uma perturbação da fundação e da
função instituinte
A maior parte dessas perturbações podem ser relacionadas com as falhas das
formações contratuais implicadas na função instituinte. Os fracassos manifestam
por excesso ou por falta, ou por inadequação. As instituições ou são demasiadas ou
são insuficientes, quando não são inadequadas para a sua função. Em todos esses
casos, essas perturbações por excesso, por falha ou por inadequação entre a
estrutura da instituição e a estrutura da tarefa primária conduzem a um sofrimento
ligado à instituição na sua singularidade.
Uma instituição nova não pode dispensar a ilusão de ser inovadora e conquis-
tadora. As equipes de um novo centro de tratamento são recrutadas na esperança
de participar dessa aventura. A ilusão sustenta o risco e os sacrifícios aceitos para
poder participar dessa nova instituição; ela é produtora do próprio resultado.
Quando mantida na recusa, a despeito da experiência, ela provoca o fracasso. O
sofrimento vem a ser o da desilusão, da renúncia ao fetiche. Quando esse doloroso
trabalho não se efetua, a instituição é atacada ou ataca os seus sujeitos (incom-
petentes...) ou a sua própria tarefa (burocratização, desvio para outros investimen-
tos,...). Num hospital-dia o retorno autoritário à medicação exprimia o fracasso da
,
34
. . O sofrimento associado aos entraves para a realização da tarefa
primária
sequência de tais derivas é que a instituição protege os seus sujeitos contra a rea-
lização da tarefa deles .
Veremos situações opostas em que a proteção não existe17 .
nesses dois tipos de instituições. Nas primeiras, ela se volta para a concorrência
exterior ou para as organizações da produção, para a direção, por exemplo. Nas
segundas ela se volta para o interior (estudantes
,
doentes, colegas) ou para as
,
instituições de tutela. Lançarei a idéia de que o risco narcísico não é o mesmo nos
ois casos
pois as identificações com os objetos da tarefa primária não mobilizam
,
"
ase aos processos reguladores da mícanica organizacional, entre os quais as funções psíquicas da
represe
ntação ideológica do objetivo da instituição
36 A Instituição e as Instituições
quais a ideologia até então havia protegido com o apoio da gestão grupai dos
,
eSÇJos Ela produz além disso, defesas específicas contra o que viesse a pôr em
.
perigo a sua existência ou a relação dos seus sujeitos com a tarefa primária que os
eUniU
Ela assegura enfim, defesas contra angústias cuja origem ou a fonte não
-
ta iza f
unções de defesa contra as angústias principalmente psicóticas, dos
,
38 A Instituição e as Instituições
membros da instituição, para cada indivíduo enquanto tal, para cada indivíduo
enquanto parte ativa na instituição, e para o espaço psíquico comum da instituição .
um hospital geral, mostra que os indivíduos se reúnem nas instituições para cons-
truir defesas comuns: essas defesas são elementos estruturais da instituição e fazem
parte da sua cultura e do seu modo de funcionamento. Isso significa que a
instituição assegura o sistema meta-defensivo para os sujeitos singulares e para os
grupos que a constituem. A articulação desses sistemas de defesa interligados é
objeto de uma atenção especial no trabalho com as instituições, pois aí se manifes-
tam os riscos das formações psíquicas bifaces contratuais que formam a estrutura
inconsciente da instituição. Fazem parte da cultura da instituição sua tarefa
primária, seu sistema de relação e de expressão quanto a seu espaço psíquico e os
seus objetos externos, seus mecanismos de defesa. A maneira pela qual cada um se
serve do espaço psíquico e pela qual a instituição torna possível essa utilização
qualifica a cultura e o modo de funcionamento da instituição.
utilizar uma defesa contra situações que representam alguns dos problemas in-
dividuais dos membros do grupo, mas também para evitar de tomar consciência
deles.
José Bleger
Ocupei-me com essa questão em outras ocasiões, tomando como ponto de partida
o problema da simbiose e do sincretismo: ou seja aqueles estratos da per- ,
sonalidade que permanecem num estado de não discriminação e que estão presen-
tes em toda constituição organização e funcionamento do grupo; eles existem
,
de Psiquiatria dinâmica de Porto Alegre, 1-2 de maio de 1970 e publicada em Temas de Psicologia
(Entrevista y grupos) , 1971, Buenos Aires, Nueva Vision, p. 89-104. Agradeço o dr. A. Eiguer pela
$"a contribuição nessa tradução e o dr. L. Bleger por ter-rne permitido precisar alguns conceitos
empregados por seu pai.
42
A Instituição e as Instituições
mente sobre uma determinada imobilização dos estratos sincréticos ou não dis -
instala entre esses dois estratos da personalidade (ou da identidade) uma forte
clivagem que os impede de se relacionarem Através de uma imobilização dos .
Poder-se-ia sustentar que mesmo que fosse realmente assim, isso não diminuiria
,
aqueles nos quais ela não existe como acontece, por exemplo, em determinados
,
em Synibiose et anibiguilé (trad fr. 1981) que a tradutora A. Morvan exprimiu de acordo com o
.
,
contexto
"
por formação da pessoa, formação da personalidade ou personificação. Segundo Bleger, a
,
personificación" designa a evolução da personalidade que vai desde a indiferenciação primitiva até
a discriminação total do Eu e do objeto No presente texto, trata-se da formação da personalidade
.
mais do que da representação de uni objeto ou de um traço sob a forma de uma pessoa (N . do T.
francês).
43
O Grupo como Instituição e o Griipo nas Instituições ,
is das
pesquisa, gostaria de fazer observar, numa outra ordem de coisas, que no ma
vezes n ão me ocuparei apenas com grupos terapêuticos como aqueles de que
temos experiência em psiquiatria, mas também de outros tipos de grupos, uns e
outros constituindo o campo da nossa competência em psiquiatria dinâmica.
Um grupo é um conjunto de pessoas que entram em relação entre si, mas além
disso e, fundamentalmente, um grupo é uma sociabilidade estabelecida sobre um
fundo de indiferenciação ou de sincretismo, no qual os indivíduos enquanto tais
não têm existência e entre os quais opera uma transitividade permanente. O grupo
terapêutico também se caracteriza por essas mesmas qualidades. Acrescentemos
que um dos um dos membros do grupo (o terapeuta) intervém com um papel
especializado e pré-determinado, mas que esse papel' (essa função) se realiza sobre
uma base na qual o terapeuta é incluído no mesmo fundo de sincretismo que o grupo.
Aparentemente, a lógica do senso comum nos mostra com evidência que um con -
junto de pessoas pode ser convocado a uma hora determinada e num lugar
definido por um terapeuta, e que o grup começa a funcionar quando essas pes-
soas distintas, até então separadas, se encontram a uma distância suficiente e
relativamente isoladas dos oiitros contextos para poder interagir.
>3
A esse respeito poderia lembrar a concepção de Sartre que sustenta que, até o
momento em que se estabelece a interação, o grupo, de fato, não é mais que uma
serialidade no sentido de que cada indivíduo é equivalente a um outro e que
" "
entre os membros do grupo Sem esse fundo, a interação não seria possível.
.
Nessa descrição assim como em outras que se seguirão, gostaria que se levasse em
,
,
44
A Instituição e as Instituições
Assim , há aqueles que vêem nesses dois pontos de vista posições que se excluem ao
passo que outros as consideram como posições complementares e outros (entre os ,
poderá servir para ilustrar o problema, não pretendendo nem demonstrar nem
englobar a sua totalidade Trata-se apenas de um exemplo
.
.
Numa sala encontra-se uma mãe lendo olhando para uma tela de televisão ou ,
costurando. Na mesma sala está o seu filho isolado e concentrado num jogo. Se ,
pessoas: elas não se falam, não se olham, cada uma age independentemente de ,
maneira isolada e podemos dizer que não há interação ou que elas não estão em
,
Prossigamos com esse exemplo: a mãe num determinado momento, deixa o que ,
está fazendo e sai da sala; o filho larga imediatamente o jogo e sai correndo para
icar perto dela Podemos então compreender que quando a mãe e o filho estavam
.
f
nível da interação havia entre eles, todavia, um laço profundo, pré-verbal que não
,
,
pelas palavras. Dito de outra forma, enquanto a interação não se produz e enquan -
to essas duas pessoas não se falam nem se olham, a sociabilidade sincrética está
presente: cadauma delas, que de um ponto de.vista naturalista acreditamos ser
uma pessoa isolada, se encontra num estado de fusão ou de não-discriminação.
Esse grupo pode servir de exemplo do que, muitas vezes, significa o silêncio no
grupo terapêutico, e do fato de que o modelo da comunicação verbal leva, às vezes,
a distorcer ou a ocultar a compreensão desse fenómeno. '
Para evitar todo mal-entendido, devo dizer que admito que uma mãe e um filho
que se comportam unicamente, exclusivamente e sempre dessa maneira provocam
uma série de perturbações no desenvolvimento da personalidade e da sua relação,
mas penso também que se falta esse nível de sociabilidade sincrética, também se
produz uma perturbação muito séria no grupo e no desenvolvimento da per-
sonalidade de cada um. A ausência de um quadro para essa sociabilidade
i
sincrética, encontro-a, por exemplo, nas personalidades psicopáticas, faafacías ,
Retomemos nosso exemplo: a criança que brinca isolada pode justamente estar
isolada e conseguir brincar (com tudo o que o jogo significa do ponto de vista
psicológico) enquanto está certa de manter clivada, em um depositário fiel, a
sociabilidade sincrética (simbiose).
Um dos exemplos apresentados por Sartre como tipo da serialidade é o de uma fila
de pessoas que esperam um ônibus. Ele supõe que a característica fundamental da
serialidade consiste no fato de que cada um dos membros dessa fila de espera é um
indivíduo totalmente isolado, intercambiável, como um número, um valendo o
outro. Para mim, mesmo no exemplo de uma fila" formada na espera de um
"
ônibus a sociabilidade sincrética está presente, ela está depositada nas regras e nas
,
normas que regem todos os indivíduos. E cada um dos membros da fila de espera
conta de tal forma com essa segurança, que nem sequer chega a ter consciência
dela e tanto que o próprio Sartre a negligenciou. Podemos nos comportar como
indivíduos em interação na medida que panicipamos de uma convenção de regras e
de normas que são mudas mas que estão presentes e graças às quais podemos
,
que estamos dizendo quando falamos das ansiedades paranoides, é o medo de não
continuar a reagir com as regras estabelecidas que se deve assimilar enquanto
pessoa; é o medo do encontro com uma sociabilidade que nos aniquila enquanto
pessoa e nos transforma num único meio homogéneo, sincrético, no qual cada um
não poderá emergir do fundo enquanto figura (como pessoa) mas ao contrário, ,
7 Para Wallon a noção de sincretismo designa um estado global e indiferenciado dos fenómenos
psíquicos e se aplica á afetividade, à sociabilidade, ao pensamento e ao comportamento. A
sociabilidade sincrética caracteriza o primeiro ano do desenvolvimento: para a criança a troca" se
,
"
efetua entre sujeitos não diferenciados e ela se modifica sob o efeito do ciúme e da simpatia A
,
sociabilidade é dita incontinente quando o medo do sexto mês em face dos estranhos desapareceu e
quando a criança estabelece contato com o primeiro que aparece" (H.Wallon, 1949. Les origines du
caractere echez 1,enfanL Paris, P.U.F.) (N. do T. francês).
47
O Grupo como Instituição e o Grupo nas Instituições
membros antes mesmo que parti, níveis que não aparecem nesses momentos mas
que estiveram presentes para seus membros antes mesmo que participassem do
grupo e desde o primeiro momento do encontro no grupo.
dizendo que quanto maior é o grau de filiação a um grupo maior será a identidade
grupai sincrética (em oposição à identidade por integração). Quanto maior for a
identidade por integração menor será a filiação sincrética ao grupo.
,
que reagem com pânico ou que se desintegram diante desses mesmos fenómenos.
Para introduzir uma maior clareza na exposição, gostaria de assinalar brevemente
tres tipos de grupos, ou melhor três tipos de indivíduos que podem ser membros de
grupos distintos ou de um mesmo grupo Um desses grupos é formado por
.
(1979), (N. do T .
francês)
48
A Instituição e as Instituições
Um terceiro tipo é constituído pelos indivíduos que jamais tiveram uma relação
simbiótica e que não vão tampouco estabelecê-la no grupo senão após um longo e
,
isso não é verdade Trata-se de pessoas que têm uma tendência para formar um
.
ou de grupos.
palavra organização.
O grupo é sempre uma instituição muito complexa; melhor ainda ele é sempre um ,
como uma organização com regras fixas e próprias O importante é o fato de que
.
quanto mais o grupo tende a se estabelecer como organização , mais ele visa existir
por si mesmo marginalizando o objetivo propriamente terapêutico do grupo ou ,
Esse fenómeno corresponde ao que eu considero como a lei geral das orga-
nizações, ou seja, que em toda organização os o
bjetivos explícitos pelos quais
foram criadas sempre correm o risco de passar p o segundo plano, colocando
ara
em primeiro plano a perpetuação da organização enquanto tal. E isso acontece nãol
somente para pro teger a estereotipia dos níveis de interação mas, fundamenta -
Nessa ordem de coisas, já assinalei que um grupo que deixou de ser um processo
para se estabelecer como organização se transformou de um grupo terapêutico
num grupo antiterapêutico9. Em outras palavras, poderia dizer que o grupo se
burocratizou: entendo por burocracia a organização na qual os meios se transfor-
mam em fins, e onde se deixa de lado o fato de haver recorrido a determinados
meios para atingir objetivos ou fins determinados.
forma permanente para que se torne um grupo dotado de uma grande mobilidade, mas
trata-se na realidade de uma mudança para não mudar: no fundo "não acontece nada".
Há em tudo isso ainda um aspecto de uma importância considerável que não quero
deixar de lado; poderia começar dizendo que qualquer organização tem tendência
a manter a mesma estrutura do problema que ela tenta enfrentar e pelo qual foi
criada Assim
.
um hospital acaba tendo, enquanto organização, as mesmas carac-
,
A sociedade tende a instalar uma clivagem entre o que se considera como sadio e
como doente , como normal e como anormal. Assim se estabelece uma clivagem
muito profunda entre ela (a sociedade "sadia") e todos aqueles que, como os
loucos ,
os delinquentes e as prostitutas acabam produzindo desvios e doenças que ,
supõe-se, não têm nada a ver com a estrutura social A sociedade se autodefende .
sua própria delinquência de sua própria prostituição; dessa maneira ela os coloca
,
,
fora de si mesma
ela os ignora e os trata como se lhe fossem estranhos e não lhe
,
No que nos diz respeitoi° mais diretamente acrescentarei apenas que o staff ,
com muita frequência as tensões e os conflitos entre os pais não aparecem no seu
próprio nível mas nos sintomas dos filhos E poderíamos continuar citando exem-
.
me parece que ela tem uma importância vital para o tema que estou desenvolvendo .
Nas nossas teorias e nas nossas categorias conceituais, opomos indivíduo a grupo e
indivíduos existem isolada-
organização a grupo, na medida que supomos que os
s e organizações. Nada disso é
mente e que eles se reúnem para formar grupo
correto, sendoapenas uma herança de concepções associacionistas e mecanicistas.
tido de perten-
O ser humano antes de ser uma pessoa é sempre um grupo, não no sen
lidade é um grupo. A esse
cer a um grupo mas no sentido de que a sua persona ÿ
homme orgaiúsation .
'
que isso explica bem a tendência para a burocracia e pfara a resistência à mudança.
,
52
A Instituição e as Instituições
essas técnicas devemos contar com uma estratégia geral da nossa intervenção bem
"
como com um diagnóstico" da situação da organização .
ganograma.
Não conheço erro mais grosseiro do que transferir com as técnicas grupais, o
,
A partir daí , fui levado a definir como as organizações dispõem dessa mesma
função de clivagem e como nossos conhecimentos e nossas técnicas grupais devem
ser precedidos se quisermos traba-lhar com a dinâmica grupai nas organizações,
,
assim como determinadas perspectivas para as quais deve tender nossa função no
campo da psiquiatria preventiva e da prevenção primária Mais do que um de- .
senvolvimento exaustivo essa exposição tem por função provocar, incitar ou es-
,
timular tanto uma mudança nas nossas estereotipias teóricas e técnicas quanto uma
mudança na gestão dos nossos meios.
III. O Trabalho da Morte nas Instituições
Eugène Enriquez
VJ*
1. Por um lado, são lugares pacificados, expressivos de um mundo que funciona
sob a égide de normas interiorizadas e onde reina, se não um consenso perfeito,
pelo menos um acordo suficiente para empreender e levar adiante uma obra
coletiva. Diferentemente das organizações que visam a produção delimitada,
cifrada e datada, de bens ou de serviços e que se apresentam como contingentes
(exemplo: uma empresa pode nascer ou morrer sem que esse nascimento ou esse
desaparecimento tragam consequências importantes para a dinâmica social), as
instituições na medida em que iniciam uma modalidade específica de relação so-
,
cial
, na medida em que tendem a formar e socializar os indivíduos seguindo um
mudar e talvez, criar o mundo à sua imagem. O seu objetivo é de existência, não de
,
Ci>da um dos atores sociais que mantêm com ele relações afetivas e vínculos in-
telectuais As instituições que facultam a entrada do homem num universo de
.
relações entre os seres humanos são consideradas então como totalmente frater -
toda razão nos perguntar se a compulsão para a repetição já não está cm ação
,
instituição vive sob o modelo comunial tende a evitar as tensões ou pelo menos a ,
mantê-las no nível mais baixo possível Ela funciona como um sistema então carac- .
minados casos , que o único caminho que resta é o retorno ao estado inorgânico (S.
Freud 1920). Poder-se-ia dizer, segundo A. Green, que ela promove um "narcisis-
,
mo de morte" (1Q83V Tânams ganha terreno exatamente onde Eros parecia levar a
melhor.
55
O Trabalho da Morte nas Instituições
2.
Por outro lado, as instituições são lugares que não podem impedir a emergência
daquilo que aconteceu no momento em que se originaram e contra o que desenvol-
passaram
a existir: a violência fundadora. Apesar dos esforços que as instituições
vem para mascarar as condições do seu nascimento, elas são e continuam sendo
herdeiras de um ou de vários crimes ("A sociedade repousa doravante sobre um
erro comum, um crime cometido em comum
"
. "(Foi) um ato memorável e
criminoso que serviu de ponto de partida para tantas coisas: organizações sociais,
restrições morais,religiões") (S. Freud, 1912, p. 163). Se renunciaram formalmente
à violência de todos contra todos, instauraram a violência legal. Esta, definindo a
esfera do sagrado e do profano, pronunciando as interdições, desenvolvendo o
sentido de culpa, enuncia-se, certamente, não como violência, mas como lei de
estrutura. Mas, ao fazer isso, ela mistifica os homens, pois exige deles sacrifícios
pelos quais não oferecem senão compensações derrisórias (S. Freud, 1927), ela
põe em situações de tensões intoleráveis, porque cria angústias e perigos
específicos. As instituições, além disso, indicam, vagamente, a possibilidade con-
stante do assassinato dos outros. Sabe-se, com efeito, que a interdição suscita o
desejo da transgressão, que o conflito e a rivalidade entre os irmãos, membros da
instituição, podem sempre romper a barreira instaurada pela necessidade do con-
senso. Frazer escrevia justamente: A lei proíbe apenas aquilo que os homens
"
das pulsões e dos objetos internos "que em não sendo assim, se tornariam fonte
,
em que se associam" (E Jaques, 1955, tr. fr. 1964, p. 546); ataques contra os
.
wente,
que devemos esperar encontrar nas relações de grupo manifestações de
realismo
ÿ anto às estrutura
clivagem, de hostilidade, de suspeita (R. Jaques, 1955, p. 547).
"
,
Se se admite que a instituição apesar das suas estruturas, não estabelece um an-
,
teparo suficiente para impedir que os seus membros se sintam mutuamente in-
vadidos pelas projeções de ambas as partes e que experimentem então um
sentimento de invasão da sua psique e de enxugamento dos seus pensamentos e
das suas emoções; que só com dificuldade ela consegue fazer com que seus
membros admitam a necessidade de dominar e de simbolizar a separação (eles têm
a tendência seja a negá-la seja a fixá-la em luta de poder e em agressividade); que
,
de abrir caminho para o desejo perverso o sonho mais louco e mais nocivo que
,
admitir que Tanatos (ainda que não exista "destrudo"1 autónomo no pensamento
freudiano) desempenha um papel essencial na vida da instituição .
Portanto uma reflexão sobre o trabalho da morte nas instituições se mostra ur-
,
tendencialmente se lhe designa e uma vez que a vida pode avançar pelo mesmo
caminho tomado pelo anjo da morte É para um jogo de máscara para um jogo de
.
,
vertigem (ilynx) que somos convidados É preciso pois, tentar organizar um pouco
.
,
isso para não se cair no desvario ainda que saibamos desde já que o impensado, o
,
palavra.
1 .
As instituições: sistemas culturais simbólicos e imaginários
,
1 1 Sistemas culturais
. .
111
. . . Eles oferecem uma cultura ou seja, um sistema de valores e de normas, um
,
agentes junto aos indivíduos que lhes são confiados ou que lhes pediram alguma
coisa.
112. Eles elaboram uma certa maneira de viver na instituição, uma armação
estrutura l (exemplo: reunião institucional, reunião sobre um problema específico,
reunião de pequenos grupos de especialistas, tipos de jogos com as crianças,
espaço concedido a cada um), que se cristaliza numa determinada cultura, ou seja,
em atribuições de postos, em expectativas de função, em comportamentos mais ou
menos estereotipados, em hábitos de pensamento e de ação, em rituais minuciosa-
mente observados, devendo facilitar a edificação de uma obra coletiva.
1.
13. Eles desenvolvem um processo de formação e de socialização dos diferentes
atores, a fim de que cada um dentre eles possa se definir em relação ao ideal
proposto.
1 2 Sistemas simbólicos
. .
Uma instituição não pode viver sem elaborar um ou mais mitos unificadores, sem
instituir ritos de iniciação de passagem e de realização, sem se atribuir heróis
,
legitimação e dar assim, sentido às suas práticas e às suas vidas. A instituição pode
,
então se oferecer como objeto ideal a ser interiorizado que dá vida, ao qual todos
,
Se nem todas as instituições podem ter um sistema simbólico tão fechado sobre si
mesmo e tão impositivo para os seus membros todas, inconsciente ou consciente-
,
mente
procuram edificá-lo. E isso, principalmente na medida em que se sentem
,
As instituições "sem histórias" têm, pois, os seus mitos, ritos e heróis, mas elas não
têm necessidade de os evocar constantemente. "Pai nosso que estais no céu/ ficai
"
por aí/ e nós, nós ficaremos na terra/ que às vezes é tão linda escrevia Prévert ,
Quando os pais ficam nos céus, quando o mito fica bem distante dos homens
quando ele não invade a vida cotidiana, desempenha o papel de fiador da viçja
psíquica e da vida social (E. Enriquez, 1986). Os homens podem cuidar dos seus
problemas e animar a instituição. Quando o mito começa a invadir (com o seu
cortejo de ritos, de sagas, de heróis), então ele envolve os seres num sentido pré-es-
tabelecido e lhes tira, no afã de lhes restituir a vida, qualquer possibilidade de
escapar ao desabamento que os espreita, mesmo que, temporariamente ele pareça ,
13
. .
Sistemas imaginários
pedidos), ela tende a substituir o seu próprio imaginário pelo deles. De um lado, a
instituição divina todo-poderosa única referência, que nega o tempo e a morte,
,
mãe que envolve e devora e igualmente mãe benévola e mãe nutriz, genitor,
,
gens mais contraditórias ou mais contrastadas, mas sempre aquelas que provocam
temor e tremor, amor e alienação, ela visa ocupar a totalidade do espaço psíquico
dos indivíduos que não podem mais se "separar" dela e imaginar outros compor-
59
0 Trabalho da Morte nas Instituições
mentos possíveis. Ela os sufoca e os abraça, ela os mata e os faz viver. No dia em
nue esse esconde-esconde imaginário perde a sua força ou é desmistificado, então
cada mem bro se põe a criar a sua própria brincadeira (com ou contra a instituição)
esta, desmascarada, se transforma numa simples organização de trabalho com
suas regras e com seus códigos, ou seja, num lugar onde as paixões se acalmam e
onde o imaginário já não tem vocação para reinar.
ganizado, não significa que não procurem perseverar no seu ser e que não se
"
coloquem de imediato, pela sua vontade totalitária e pela sua recusa da variedade
,
e da aceitação de uma alteridade radical, num registro que, visando fazer surgir
algo de vivo, de fato corre o risco de estar sob a égide do triunfo da morte.
Essas instituições a exemplo das suas similares, estão repletas de indivíduos que,
,
por natureza, ocupam posições assimétricas. Sabe-se que a instituição familiar, jus-
tamente pelo inacabamento da criança a coloca numa situação de dependência
,
total; que a escola institui uma separação entre um professor guardião do saber, e
,
ticadas e "clientes" que podem ser definidos, numa primeira análise, como objetos
dessas técnicas Mas elas oferecem uma modalidade de existência particular: se,
.
nas outras instituições, as relações são assimétricas apenas por um certo tempo, se
a criança pode vir a ser pai, o aluno um professor, o soldado um comandante, se
todas as outras instituições pegam o individuo à força e lhe atribuem um lugar que
ele jamais pediu (a criança não escolhe a sua família, nem o aluno a sua escola,
nem o soldado o seu exército etc.) o mesmo não se dá com as instituições de
tratamento .
60
A Instituição e as Instituições
São seres que, na própria vida como observa P. Aulagnier (1975), se defrontaram
,
com o arbitrário e não com uma lei estruturante. Com efeito passaram pela ,
indiferença dos pais (dos primeiros educadores) que os fazem viver numa situação ,
estruturantes nem com o amor positivo (ainda que todo amor seja ambivalente)
,
instância recalcante marcou a sua presença a sua atenção e o seu interesse afetivo
,
em relação àquele sobre quem ela age Esse recalque, se tivesse acontecido teria
.
,
Se não foi possível isso pode estar ligado ao fato de que o recalcado não foi posto
,
no seu devido lugar na casa dos próprios pais Não podem então se apresentar .
arbitrário (uma violência por excesso e não uma violência construtiva) impedindo a
fantasmatização e o encaminhamento do sentido É o que ocorre na psicose, se nos .
referimos à teorização proposta por P Aulagnier. Essa autora escreve: "No registro
.
traduzisse em palavras esse não-recalque É por isso que não pode haver, nesse
.
caso, uma aliança positiva estruturante, entre a ação recalcante operada pelo
,
a p 90). Num caso desses, nenhuma estrutura significativa pode ser constituída, o
que é instituído, ao contrário, é uma falta de esperança, associada a um aumento
das angústias de morte (angústias de devoração, do vazio, do desmoronamento), é
uma ausência de forma (M. Enriquez, 1976), é uma impossibilidade de aceder ao
desejo e às vezes até mesmo um ódio mortal do desejo: a violência destruidora e
auto-destruidora, a tentação do apocalipse ou a do Nirvana são os seus frutos.
Num e noutro casos, com mais ou menos acuidade, os indivíduos viverão, portanto,
a perda do sentido e da possibilidade, para eles, da construção do sentido. Não
podem ver nos outros, no social, senão uma ameaça sempre pronta para agir. É
verdade que nem todos os pacientes passaram por essas situações extremas. Al-
guns dentre eles, de uma forma ou de outra, foram colocados na presença de
interdições estruturantes. O seu pedido de ajuda é então ocasionado seja por um
excesso, seja por um déficit de proibições, quando não é pela impossibilidade de se
reencontrar e de se definir no labirinto das múltiplas proibições que lhes são im-
postas sem uma hierarquia.
22
. . O excesso de proibições
Excessos de proibições: passaram por isso os pacientes que tiveram uma educação
rígida de tipo puritana, onde o que estava em jogo não era apenas não transgredir
,
a proibição mas considerar aquilo que ela designa com horror, como a expressão
do demoníaco que se encontra escondido em cada ser esperando apenas por um
,
princípio do prazer não mais sabendo amar (se, ao contrário, na maior parte do
,
tempo eles são aptos para o trabalho minucioso, prontos a se sacrificarem por um
,
Dougall: "O caracterial do tipo normal criou para si uma carapaça que o protege
de qualquer despertar dos seus conflitos neuróticos e psicóticos. Ele respeita as
idéias transmitidas como respeita as regras da sociedade; e não as transgride nem
mesmo em imaginação. Nele o sabor da "
madeleine
"
2 não provoca nenhuma rea
ção
e ele não perderá o seu tempo em busca do tempo perdido. E no entanto ele
perdeu alguma coisa. Essa normalidade é uma carência relativa à vida fantasmática
e que distancia o sujeito de si mesmo. (Mac Dougall, 1978, p. 220).
"
fazer com que os que o rodeiam , a sua família e os seus subordinados, paguem
pelo seu estado de renúncia pulsional erótica. De fato, não poderão senão exercer
a sua vontade de controle, fazer com que os outros verguem sob o peso das suas
exigências, derramar sobre eles a sua pulsão agressiva Muitas vezes, também eles .
,
"
se tornarão seres rancorosos" e perseguidores. Quando ocorrer uma guerra quan- ,
do imigrantes vierem "invadi-los" poderão, com toda a boa-fé, projetar sobre eles a
,
sua violência que pede satisfação. De uma forma ou de outra um bom número ,
desse tipo de pessoa encontra-se entre os diretores das empresas e dos partidos .
Mas basta que uma falha se instale (provocada particularmente por uma rejeição a
que não estavam preparados: o abandono, o divórcio, a rejeição por parte dos
f lhos, o desemprego a necessidade de se reconverter), e eles vão viver como per-
i ,
seguidos, não compreenderão mais o que lhes está acontecendo e poderão escor- ,
regar para a loucura ou ser invadidos pela idéia do suicídio Pedirão ajuda mas a .
,
pulsão de morte que os anima os impedirá de abrir os olhos, de ter "os olhos
férteis" (Eluard) de atingir a reflexividade e o desejo criador.
,
Podem igualmente viver níveis de tensão tão elevados que de uma única vez, a ,
energia tão longamente comprimida transbordará e eles farão o que jamais tinham
ousado sonhar e que sempre haviam imputado aos seus adversários: sentirão cres-
cer neles emoções das quais não se acreditavam capazes e virão pedir assistência .
problema, justamente, é não ter podido admitir e aceitar considerar o seu conflito
e o seu sofrimento e que funcionam sob a égide de uma ideologia protetora que os
impede de viver e de pensar Homens do conformismo, homens do social e não da
.
cultura, estão sempre à mercê de uma "ruptura" que não sabem enfrentar.
23 . .
O déficit de proibições
a quem os pais não puderam servir de referência pois foram incapazes de enunciar
,
2 Espécie de bolinho cujo sabor na obra Em busca do tempo perdido, de Marcel Proust, leva o
,
exatamente, já não têm como pontos de apoio senão o grupo dos pares ou os ,
ideais que a mídia propõe à massa. "O que começou com o pai termina com a
massa. (S. Freud, 1929, p. 91). A massa inconstante, envolvida pelos discursos mais
grosseiros, pelas imagens mais violentas, imprópria à imaginação criadora, se
entrega aos ídolos mais efémeros, aos impulsos mais primários e vive sob a égide
do arcaico. Está povoada de seres que vivem no transitório, no encontro fortuito, e
que não têm a capacidade de se confrontar com a alteridade pelo fato de que a sua
jamais foi reconhecida. O outro só pode, pois, ser percebido enquanto objeto de
satisfação das suas necessidades mais diretas, menos metabolizadas. Se os in-
divíduos que sofreram um excesso de proibições são movidos por um sentimento
de culpa insuportável, estes, ao contrário, são inaptos para a culpa e para o remor-
so. Não tendo sofrido nenhum recalque (ainda quando tenham sofrido a re-
pressão), eles funcionam sob o registro da busca da satisfação imediata. Dão a
impressão de seres em estado de involução, procurando satisfazer as exigências do
Id, mas impotentes para as integrar num Eu voluntário, porque nada lhes permite
estabelecer uma diferença entre as exigência contraditórias do Id, posto que não
lhes foi proposta nenhuma consciência moral, nenhuma preocupação com um ideal "
amor ,como despertar neles a vontade de trabalhar como fazê-los despontar en-
,
Sofrem violentamente por jamais terem encontrado apoio ou proteção. Mas não
sabem disso Seria necessário que aprendessem a sofrer para passar da situação
.
,
capazes de pensar e de agir Hegel dizia: "É preciso ser lacerado para pensar". E
.
Se em alguns dos seus aspectos a nossa civilização exprime, sob o signo de uma
falsa liberação, uma ausência de proibições estruturantes, em outros (J. Laplanche
1967), ela multiplica as proibições e as obrigações carregadas de arbitrariedade Os .
indivíduos se vêem presos numa série de normas (e não num sistema de normas
apto para garantir aos sujeitos a sua coerência), não hierarquizadas (normas
jurídicas, normas de vida historicamente instituídas, normas de grupo que são
diferentes de um grupo para outro), que impedem que os indivíduos tenham pon-
tos de apoio, que alicercem a própria vida sobre uma base sólida. Assim , são
jogados de uma norma a outra, das normas oficiais ("é preciso trabalhar para ter
"
sucesso ), às normas insidiosamente evocadas ("para ter sucesso
considerando que ,
o único sucesso que conta é o sucesso financeiro convém confiar na sorte: jogos de
,
"
azar, loto, turfe, loteria esportiva, e nepotismo ) de normas de solidariedade a
,
caráter sagrado (E. Enriquez 1980). As únicas soluções (além da neurose) que se
,
esquerda para a direita mais virulenta quando não à extrema direita nazista. A
,
que adoraram, adoram aquilo que desprezavam, sem questionar essa necessidade
de referência a um pólo idealizado e sem se perguntar qual pode ser o significado
disso. Vão de ilusão em ilusão mas sempre muito seguras de caminhar na verdade.
,
"
Poderiam fazer sua a famosa frase: "Eu a verdade, falo , , mesmo que não se trate
sempre da mesma verdade.
3 Moi, je, no original, construção da língua oral que pela repetição do pronome põe em evidência a
pessoa do sujeito.
65
O Trabalho da Morte nas Instituições
Diga-nos como devemos nos comportar ), ou aos terapeutas para lhes permitir
"
"
nue se defrontem com os seus próprios conflitos neuróticos. Esses últimos são,
certamente, aqueles que menos são atravessados pela pulsão de morte, na medida
mesma que sentem aumentar em si a angústia da vida.
Qualquer que seja o tipo de sofrimento que opere na psique desses vários pa-
cientes, eles se apresentam como indivíduos desajustados, fragmentados (posto que
o princípio unificador tende a faltar), atravessados pela pulsão de morte dos outros
(e da sociedade) que interiorizaram e que fazem voltar contra si próprios e/ou
contra aqueles que estão ao seu redor, impelidos por um ódio de si e do outro (ou
pelo menos por uma interrogação dolorosa que questiona a possibilidade de estar
vivo, ou por outras palavras, de encontrar uma finalidade para si e de gostar de
realizar algo para si e para os outros) e às vezes pelo desaparecimento de todo
desejo. O seu estado de desamparo mais ou menos total, devido à situação de
cataclismo que vivenciaram, os conduz à beira do caos no qual podem cair (delírio)
ou naufragar lentamente. O seu psiquismo está em perigo de morte e sabemos que
a morte psíquica provoca inelutavelmente degradação lenta mas irreversível, ou a
morte física de si e dos outros. Aí estão eles, com o seu grito silencioso e esperam
que alguém os ouça, e faça ver, pela sua presença atenta, que pode acolher o
sentido (ou a ausência de sentido) de que são portadores, sem o saber.
3 .
A equipe de tratamento
sante ainda que elas sejam bastante conhecidas por todos aqueles que trabalham
,
nesse campo.
66 A Instituição e as Instituições
31 . . Seres marginais
dominar e de competir, essas pessoas atestam que não se interessam nem pela
produção, nem pela decisão ou pelo poder, portanto, por aquilo que é constitutivo
da existência dessa sociedade. Se um psicanalista, por exemplo, pode ter um poder
(e sabemos que ele pode ser exorbitante), o que o caracteriza como psicanalista é
o fato de não se utilizar desse poder; é também o fato de não decidir no lugar do
outro, de não querer adaptá-lo diretamente ao sistema social. Ser marginal sig-
nifica comportar-se de uma maneira não congruente com o sistema social e se
interessar por aquilo que quase não o preocupa: a verdade e a autonomia do
sujeito, pois o sistema social fundamentalmente é apenas um lugar de disfarce e de
hipocrisia que pede aos indivíduos que sejam apenas os produtores-consumidores
de que ele precisa para a sua própria perenidade.
Ora, uma tal posição marginal comporta sempre como possibilidade a negação ou
o esquecimento das exigências da sociedade e da realidade histórica na qual o
terapeuta e o paciente estão engajados. A relação terapêutica poderá ser
idealizada. A complacência para com a sua ação o interesse pela sua função
,
Sem dúvida, em geral, o terapeuta não cairá nessa armadilha. Mas a tentação é
grande, pois todo marginal aspira tornar-se central, fazendo prevalecer uma palav-
ra nova. Podemos até nos perguntar se não foi esse desejo que inicialmente o
constituiu como ser marginal. Se ele cai na tentação, tomará o paciente numa
relação de envolvimento na qual se tornará para ele pai mãe, amante real e na
,
de sentido e de desejo mas das quais ele não possui a chave (significantes
,
enigmáticos) (J. Laplanche, 1986, p. 18); sedução enquanto obstáculo que mantém
"
o paciente na idéia psicotizante de ter reencontrado o bom objeto perdido. Ele não
será, pois, capaz de cons-truir um objeto e de investi-lo. (A. Green, 1986).
terapeuta corre o risco igualmente de ser fascinado pelo seu paciente, de se iden-
tificar com ele e com suas normas ou, pelo menos, de estabelecer com ele uma
conivência tal que acabará contribuindo para criar uma situação na qual a análise
se tornará impossível.
32
. .
Pessoas preocupadas com os seus próprios problemas psíquicos
estrela dançante ? O terapeuta deve também "ter o caos em si" para permitir ao
"
Essas idéias são pertinentes. Porém, são insuficientes enquanto não se põe o dedo
no problema essencial vivido pelo terapeuta: o do seu mito pessoal. Todo mito diz
respeito à origem, todo mito tem por objetivo a identificação de um mundo. A
questão que se coloca ao terapeuta é a questão central a partir da qual se constitui
"
todo sujeito humano e que Freud trouxe à luz nas "teorias sexuais infantis (1950):
De onde vêm as crianças? Como eu nasci?
maneira lancinante Ela se expõe da seguinte maneira: quem eram meu pai e minha
.
mãe; eu fui desejado; posso aceitar ter sido criado por eles; qual é a parte de
masculino e a parte de feminino em mim; em que medida eu sou meu próprio
criador; de que forma eu próprio sou capaz de engendrar outros seres humanos;
eu sou um "verdadeiro" pai ou uma "verdadeira" mãe (em outras palavras , posso
assumir o papel de fiador simbólico); sou o filho daqueles que engendrei?
O terapeuta portanto, jamais está seguro de ter sido desejado pelos pais, de ter
,
dos outros do seu olhar, do seu amor, do seu reconhecimento, mas também do seu
,
ódio , das suas questões para saber que existe. Ocupando uma posição de quase-
mágico como o Próspero da Tempestade 4 ou o Alcandro da Ilusão Cómica,5 já que
institui uma relação ilusória que deve favorecer a emergência de uma realidade
ClUe não afasta a fantasmatização, ele se pergunta se ele próprio não é objeto do
ÿ Obra de Willian Shakespeare (N. do T.).
sonho que instaura. Como Tchouang-Tseu, ele pode se perguntar se está sonhando
com uma borboleta ou se ele é uma borboleta que está so-nhando com Tchouang -
Tseu. Por vezes, ele se manterá no interior dessa questão e se perderá na sua
posição ilusória. Mas, de qualquer maneira, está condenado a passar pelo encontro
com um outro, para ter uma chance de saber se ele existe, de quem é filho de ,
quem é pai. Não podendo tratar os seus próprios conflitos, o risco que corre e que
faz com que o seu cliente também corra é de se apresentar como referência o ,
único pai (estabelecendo uma ligação "delirante" entre pai real, pai imaginário pai ,
33 . . Seres em mutação
conta o seu próprio sucesso profissional não se deixar seduzir pela idéia da boa
,
forma a que deveria aceder seu cliente para que esse realize as suas possibilidades .
sempre temer que o cliente o arraste por caminhos não balizados, onde ambos
poderiam passar pela experiência "inominável", que nem um nem outro estaria
preparado para controlar.
relação com o outro projetos conscientes ou fantasias inconscientes (R. Kaês 1973,
,
irreparáveis". Outros modelos poderiam ser evocados. Eles não podem não con-
duzir a ação daquele que intervém. Mas o que precede mostra bem como esses
modelos e essas fantasias necessários à ação terapêutica não são inocentes. O
desejo de cura expresso profundamente e motor exclusivo da ação pode provocar
uma reação terapêutica negativa e levar o cliente a se fechar ainda mais nas suas
69
O Trabalho da Morte nas Instituições
Mas por detrás deles, discretamente, pode se esboçar o esforço para tornar o
outro louco para contribuir com a sua dissociação, para o submeter a injunções
"
,
paradoxais que, no mínimo, aumentam a sua confusão, quando já não reina mais
um esforço para tornar o outro morto. Não é fácil engendrar filhos e mesmo se é
amor que quer ser dado, nunca é seguro que a morte não se esconda por trás do
seu rosto, que esse amor não esteja envenenado e não impeça o outro de se tornar
aquele ser autónomo, capaz de desejo e de segredo. Qualquer indivíduo e qualquer
terapeuta, ainda mais, encontra-se numa situãçao de poder e pode ceder à
inclinação de abusar dele, mesmo sabendo conscientemente que deve resistir a ela.
Torna-se assim não um pai que desempenha o papel de um referente mas um
perseguidor que recusa e que castra os outros como o chefe da horda descrito por
Freud, um ser que manifesta a sua vontade de dominação e de instauração do
outro numa filiação persecutória (P. Aulagnier, 1980).
4 O funcionamento institucional
.
41 - .
A ideologia igualitária
estado de desamparo, e cada membro deve concorrer para esse trabalho comum.
70
A Instituição e as Instituições
A cooperação dos iguais é pois apresentada como uma necessidade Mas assim qÿe .
jetivo a resolução dos conflitos que poderiam surgir. É fazer pouco caso dos
diferentes poderes exercidos pelos diversos intervenientes: a palavra de alguns (por
exemplo: a dos psicanalistas) pode ter mais peso institucional do que a de outros
(por exemplo: a dos educadores); a palavra dos antigos (dos fundadores) mais que
a dos novos. Assim, num hospital psicoterapêutico evocar-se-á a oposição das
,
" "
em ateliês que se encontram no pátio). Essas relações de poder (que jamais podem
se exprimir tais como são - os psicanalistas escutam "formalmente" com muito in-
teresse o que dizem os educadores - os educadores escutam obrigados e forçados, ,
o discurso dos psicanalistas que muitas vezes não compreendem porque chega a ,
impossível o tratamento dos casos evocados. Essas reuniões, que visam "falar dos
,
"
problemas caem no ritual vazio. Os membros da instituição estão ali para falar é"
,
42
. .
O fantasma dos primeiros fundadores
sem problemas internos e que sabia o que queria já que era movida por um
,
422. Manter o poder dos fundadores que estão sempre presentes na instituição, e
,
43. .
A autonomização da vida fantasmática
Aquilo que de fato, é produto histórico das idéias, dos sentimentos, dos atos
,
realizados pelos membros da instituição não é reconhecido como tal e acaba viven-
do de uma vida fantasmática autónoma e para constituir um envelope ao mesmo
tempo protetor e angustiante que liberte das injunções às quais é impossível não
obedecer .
que são os verdadeiros atores e que a instituição não é outra coisa senão o que
fazem dela Consequentemente os indivíduos sentem-se culpados a cada vez que
.
,
$a° criativos porque ficam com o sentimento de transgredir valores sagrados aos
,
quais aderem ou dos quais têm medo As duas soluções possíveis que se lhes
.
apresentam são simples: ou obedecem a essas injunções vividas como lhes sendo
exteriores (mesmo se às vezes as interiorizaram); ou contornam as regras e se
comportam diferentemente do previsto, mas sem ousar dizê-lo, com medo de
serem avaliados negativamente: o segredo se instalará então, um segredo pesado,
72
A Instituição e as Instituições
posição ao qual todos concorrem, querendo ou não. O fato de que um tal processo
só chegue aos seus fins muito tempo depois da sua aparição, não desvia a
instituição da sua atração para um "fim interminável". Ela será invadida, durante
esse período em que acredita viver ou estar em estado de remissão, por metástases
que a levarão a deixar a situação de morta-viva por aquela de uma instituição
" "
vida e da morte psíquica ou física dos seus pacientes. Assim sendo, para ela é mais
fácil sucumbir aos atrativos mortíferos que os constituem do que lutar contra a
fascinação do nada.
45
. .
A utilização dos pacientes pela equipe de tratamento
clientes é naturalmente modelada pela reação que mantém com a sua instituição.
Já que podem ser aprisionados na repetição, o segredo opaco, na culpa e na
rivalidade, podem ser tentados a se servir dos seus pacientes para exprimir as suas
necessidades narcísicas e solidificar uma identidade continuamente ameaçada.
"
Duas "estratégias se lhes apresentam:
a- Não falar do próprio objeto do seu trabalho ou ainda fazê-lo falar à sua maneira
sem correr riscos.
451 .
A equipe de tratamento pode esquecer os pacientes.
. . No decorrer de
intervenções que realizamos em hospitais psiquiátricos ou em centros de
reeducação pudemos assistir a muitas reuniões em que, se os
, participantes dis-
cutiam sobre teorias analíticas sobre práticas educativas, sobre , a necessidade da
referência à leipor outro lado, praticamente, jamais falavam dos doentes, do seu
,
sem que esta com o seu cortejo de angústias e de violência jamais pudesse se
,
exprimir diretamente num espaço coletivo em que a sua palavra seria esperada e
,
ouvida .
"
titui a "normalidade o sistema cultural está falho, as interdições e as estruturas
,
Todas as pessoas estão sujeitas à morte. A equipe de tratamento não está livre dela .
Pode ser agredida fisicamente e psiquicamente pelos seus pacientes cuja loucura
lhe causa medo, e isso sobretudo porque a diferença que esses últimos exprimem
lhes parece monstruosa e capaz de a abalar, pois ela se concretiza num ataque
contra os vínculos (W. R. Bion, 1959), (tentativas de suicídio, atos delinquentes ,
atuações), que os coloca numa situação em que se sentem destruídos na sua ação e
no seu ser. A violência pode igualmente se produzir no caso inverso, ou seja, quan-
do há relações de confiança entre os membros da equipe de tratamento e os pa-
cientes (Ph. Jeammet, 1985). I\ido acontece como se esses últimos, reagindo ao
risco de uma possível penetração da sua psique, provocada por uma proximidade
muito grande entre eles e os membros da equipe de tratamento, só pudessem
externar a sua angústia e o seu protesto sob uma forma explosiva. Essa violência
indica que um objeto externo (por melhor que seja) permanece uma ameaça para a
psique de qualquer sujeito. A equipe de tratamento pode igualmente ser fascinada
pela doença dos seus pacientes, e entrar em colusão com o seu delírio. Eles
podem, querendo ajudá-los, se deixar manipular por eles e empreender, por essa
razão, ações irrefletidas que podem colocar em risco o seu próprio equilíbrio (não
existe paciente, por mais delirante que seja que, de alguma forma, não compreenda
"
sabe muito bem que diz em voz alta aquilo que o terapeuta poderia querer dizer e
de que não ousa tomar consciência, que exprime uma capacidade para violar a
interdição que existe em cada ser humano, já que, como diz Freud, "todas as "
sublimações não são suficientes para suprimir a tensão pulsional existente (S.
Freud , 1920, p. 87) que exige ser satisfeita. Observamos que as pessoas que mais se
encontram em perigo são os doentes. Entretanto, a equipe de tratamento se sente,
com razão, em perigo e procura criar mecanismos protetores.
"
assistidos de uma maneira diferente e contraditória. Alguns exercerão mais
"
75
O Trabalho da Morte nas Instituições
"
influência
"
que outros, ou ainda, fazendo falar os doentes, alegarão a preferência
expressa pelosdoentes a seu respeito. Assim, os doentes que vivem diretamente as
contradições na maneira com que cuidam deles, podem sofrer as consequências
dos conflitos de status, de referências teóricas, de perspectivas de ação, de per-
sonalidades. São tomados como testemunhas das divergências, tornam-se os
árbitros (manipulados, manipuladores) da situação. Vivendo uma situação
contraditória, colocados numa situação que os enlouquece e contra a qual nada
podem, correm o risco de serem arrastados num processo de fragmentação e não
de construção, não sendo sustentados na sua experiência por uma lei organizadora,
mas sentindo diretamente na sua psique e no seu corpo a violência da
fragmentação da instituição, encarnada pela rivalidade e a afirmação narcísica dos
seus membros.
lucidez de dar medo porque ouve, sem querer, o discurso inconsciente (os afetos
,
de uma missão salvadora; o perverso que convida cada um a seguir a lei do seu
desejo e a transgredir as leis estruturantes consideradas como regras arbitrárias
repressivas; o histérico que tende a erotizar o conjunto das relações sociais e que
abala pela capacidade de dramatização, o equilíbrio sexual-racional de cada um;
,
todo? podem pois, assegurar a função de líder e criar sentimentos coletivos dos
,
quais ninguém consegue se livrar: nem a equipe de tratamento que pode (como foi
observado anteriormente), ser envolvida por esses indivíduos excessivos e se iden-
tificar com eles, nem a fortiori o$ pacientes envolvidos ainda mais facilmente na
,
atmosfera mórbida por estarem menos protegidos contra ela do que a equipe de
tratamento e tão mais sensíveis à violência pulsional dos líderes quanto estes vêem
,
°eles um eco
privilegiado.
A escolha desse tipo de indivíduo como pessoa central se explica facilmente: são os
indivíduos mais desrealizantes portadores de uma mensagem do impossível, ini-
,
76
A Instituição e as Instituições
nados, como mágicos que sustentam as pulsões e as fantasias mais arcaicas e enun -
ciente de cada um e
portanto, à sua sede de imortalidade, de transgressão de
,
Uma instituição pode desde que treinada nesse caminho perigoso, "estabilizar-se"
,
não apenas de se manter mas de ser levada a seu paroxismo. Essa loucura - quer
,
seja gerada por uma pessoa central ou por um grupo e que pertençam ou não à
categoria da equipe de tratamento ou dos pacientes - atingirá os diversos
membros da instituição no mais íntimo de si mesmos e aumentará a coesão
mortífera e paradoxalmente "fragmentante" do conjunto Entretanto quando um
.
,
instituições podem pois, por esse trabalho de cura comum, colocar alguns dos seus
,
membros em perigo e fazê-los cair numa loucura individual irredutível, uma vez ,
história comum? Uma resposta precisa para essas questões não pode ser dada
neste texto. Para propor uma resposta cuja pertinência fosse verossímil preci-
saríamos falar também dos avatares e dos efeitos da pulsão de vida o que teria ,
por mais alusivas que sejam, devem ser indicadas a fim de que essas páginas pos-
sam ser uma abertura para outras reflexões.
77
O Trabalho da Morte nas Instituições
51
.
. A pulsão de vida a serviço da morte
5 2 1 No nível individual
. . .
falta) que a origem dos nossos primeiros instantes permanecerá sempre um enig-
,
ma plantado como um espinho no nosso coração que podemos querer lutar contra
,
o teir$o que passa "dar um sentido mais puro às palavras da tribo (Mallarmé), ou
"
forjar palavras novas tecer relações que, ainda que sejam efémeras, esboçarão o
,
perfil do nosso ser. Perfil movediço, instável, muitas vezes incoerente, arrastado no
fluxo e no refluxo fim do
, perfil amado, admirado, detestado, rejeitado, mas no
nosso percurso , perfil único cujos mínimos aspectos os escoliastas futuros, se exis-
tirem, poderão descrever graças à ilusão retrospectiva. É pela familiaridade com a
rorte, pela meditação sobre a morte e sobre a finitude que o vivo pode aceder à
ordem do vivo: criador sem ser paranóico transgressor sem se tornar perverso,
,
aPaixonado sem impulso histérico animado por uma idéia fixa sem cair na neurose
,
"
obsessiva E acreditando naquilo que faz sem ser um "sequestrado da crença (C.
.
78
A Instituição e as Instituições
Roy, 1978), tendo um ideal sem ter necessidade de ídolo (R. Kaês, 1980 b) encan- ,
tado pelas ilusões mas não capturado por elas. Simplesmente homem, preso numa \
teia relacional na qual respira e que faz viver.
b . Hegel nos preveniu: viver implica sempre uma luta pelo reconhecimento Quem .
diz luta pelo reconhecimento (dos seus desejos, da sua identidade, da sua força) , ÿ
diz violência na qual se encontra presente a possibilidade da nossa morte e da do
outro. Que se pense no engajamento total de Freud na enunciação das idéias e dos
métodos que considerava pertinentes e teremos uma idéia suficientemente clara do
que pode significar luta pelo reconhecimento. Freud podia aí perder a vida, a razão
(como dizia Van Gogh: "Pelo meu trabalho arrisco a minha vida, minha razão, nele ,
"
quase se perdeu ) e os seus vínculos. E no entanto (como os outros "criadores de
histórias"), ele não hesitou. Nessa luta (qualificada por Kojève de luta de morte por
puro prestígio, 1947), os outros estão igualmente engajados. Podem sofrer uma
derrota irremediável. (As relações sociais não são idílicas, aliás, raramente são
cooperativas.) Mas podem se defender, se eles próprios têm uma causa (não
idolatrada) à qual se dedicar .
É bom que seja assim. Senão o social, que aí já se vê
por demais comprometido, não seria mais que o lugar dos comprometimentos, dos
mais ou menos, das negociatas. A luta arranca assim cada um do seu dia-a-dia da ,
sua monotonia, da sua mesquinharia. O fato de que todos podem perder tudo só
{ aumenta o sabor da vitória. "A guerra torna a vida interessante" (S. Freud 1915, ,
p 29). Fazemos nossa essa frase, danclo-lhe um sentido preciso: a guerra franca
.
,
direta, de rosto descoberto onde cada um sabe que está arriscando tudo. Já a
guerra das nações oferece apenas uma caricatura dessa luta pelo reconhecimento
que é a marca do advento da consciência de si, como mostrou Hegel.
i| desfazer que tem maior chance de atingir realmente o que é" (M. de M'uzan 1977, ,
i .j
O Trabalho da Morte nas Instituições 79
Toda vez que uma instituição passou por uma crise, foi atravessada pelo medo de
voltar a cair no informe, deixou livre curso (sem recalque) à agressividade dos
indivíduos, e cada vez que soube que podia morrer e que se preparou para essa
eventualidade, de fato ela deu a si os meios para continuar vivendo. Naturalmente,
muitas instituições não conseguiram ultrapassar esse estágio de deslocamento e
sucumbiram. Certamente, elas não mereciam continuar vivendo, sobretudo porque
nenhuma razão de querer manter a qualquer preço uma instituição que está se
desagregando pode ser alegada validamente (no caso de um ser humano ao ,
contrário a questão pode e deve ser colocada). Mas ao conseguirem fazer dessas
,
continuar abrindo com mais humor e ironia, portanto com mais lucidez, o caminho
,
1
Franco Fornari
Gostaria de precisar, desde já, que preferi dar ao título do artigo um caráter geral
porque, ainda que a minha intenção seja principalmente a de tratar o tema de uma
instituição específica, ou seja, a instituição familiar e, em relação a ela o problema
da formação das classes sociais, tenho a intenção de fundar esse estudo sobre bases
mais gerais. É por isso que julguei necessário começar por algumas considerações
sobre a Psicanálise das instituições.
termo angústia primária e não "angústia psicótica" porque ainda que o conteúdo da
angústia primária seja precisamente aquele que encontramos na angústia psicótica ,
Freud descreve o Ego como sendo a parte organizada do Id razão pela qual o fato
,
1 Traduzido do italiano por Claude Lingagne Esse estudo foi preliminarmente publicado em francês
.
voz de uma exigência de valorização dos fatos culturais em relação aos conflitos
intrapsíquicos. Ao contrário definir as instituições sociais em termos de mecanis
,
-
mos de defesa contra a angústia primária que existe em todo indivíduo permite
construir uma abordagem do social que possibilita ver as relações entre os
indivíduos e a sociedade em termos dinâmicos numa relação recíproca. Em outras
,
palavras, do meu ponto de vista, em vez de fazer justiça tanto ao aspecto individual
quanto ao aspecto social, que sempre acompanham a experiência concreta ,
encontramos algo que parece abrir implicitamente essa pesquisa: é quando Freud
fala do problema da coabitação entre sogra e genro Ele se detém no fato de que
.
cultura atual
Freud observa que a nossa instituição cultural deixa a sogra e o
,
cientes. Ainda que como disse, não se encontre nos escritos de Freud pelo menos
,
,
Ora,
sabe-se que nessa obra Freud se refere à psicologia do Ego essencialmente
em relação aos processos de identificação Ainda que trate de um mecanismo de
.
natureza dos laços libidinais que unem os membros de um grupo ao seu chefe ou
os laços libidinais que se criam entre esses mesmos membros do grupo, colocando
o Eros sublimado entre os fundamentos do social .
aos fundamentos da tese que vê nas instituições sociais mecanismos de defesa con-
83
por uma Psicanálise das Instituições
que trata da parábola dos porcos espinhos, extraída de Parerga und Paralipomena
-
desèrita por Freud como característica que podemos encontrar tanto no indivíduo
quanto nos grupos, fazer aparecer o tema das angústias primárias persecutórias e
depressivas Portanto servindo-nos da parábola dos porcos-espinhos e do que
.
,
acontece nas suas relações podemos utilizar as espetadas que dão e o calor que
,
torna-se então o exemplo que permite ilustrar um contexto relacional no qual nos
encontramos frente a uma relação da qual emergem dois tipos de angústias: umas
são mobilizadas pelas espetadas recíprocas e estão ligadas com a possibilidade de
sofrer algum dano (angústia persecutória); as outras são mobilizadas
2
pela perda do
calor e a possibilidade de perder um bem (angústia depressiva) .
A essa altura nos perguntamos "qual a relação de tudo isso com o problema das
instituições?"
Aqui procuraremos
, explicar a definição básica segundo a qual as instituições
sociais constituem com a sua fundação, um meio de se tranquilizar frente às
,
lective et analyses du Moi de Freud. Sempre nesse livro, Freud se serve do romance
,
When it was dark para descrever a função do Cristo como chefe invisível da Igaeja .
Nesse romance um grupo de infiéis simula uma descoberta arqueológica que per-
mite desmentir a ressurreição do Cristo e consequentemente todos os fundamen-
,
José de Arimatéia declara que por piedade, retirou o corpo de Jesus Cristo do
,
2 O fato de tais angústias serem realmente mobilizadas (frio e picada) não impede a constituição,
para o homem, de angústias como angústias primárias ligadas aos objetos fantasmáticos internos.
3 Ver Parin P. , Morgenthaler F., Parin-Mathey, "Considerations psychanalytiques sur le moi de
groupe", Psychopathologie nfricnine, 1967, III, 2.
85
Por uma Psicanálise das Instituições
que a ressurreição do Cristo foi uma crença errónea, fruto de uma mistificação. No
romance, uma descoberta desse tipo leva dramaticamente ao desmoronamento da
cultura ocidental quando, dada a demonstração da falsidade dos pressupostos
religiosos sobre os quais se alicerça a civilização cristã, um estado geral de anomia
liza e não
se instaura com o extravasamento de uma criminalidade que se genera
pode ser contida. Freud, como já observei, se serve da trama desseira
romance para
como cami-
ilustrar a importância do chefe na estruturação do grupo e a mane
nha para uma autodestruição quando ocorre a perda, (nesse caso moral)_do chefe.
Entretanto, na minha opinião, para além do problema do chefe, podemos utilizar a
situação deanomia citada por Freud para ilustrar a relação entre as instituições
(nesse caso, da instituição religiosa) e o controle das angústias primárias persecu-
tórias e depressivas. A impossibilidade de continuar a ter confiança na instituição
religiosa desencadearia então uma série de catástrofes cujo significado fundamen-
tal é a perda de todo valor civil (angústia depressiva) e o aparecimento dos com-
portamentos criminosos (angústias persecutórias). Com efeito, assim que se
percebe que a descoberta arqueológica é uma falsificação, a ordem se restabelece,
os valores perdidos são reencontrados e a lepra da dissolução social desaparece.
Convém observar que, ainda que sob uma forma menos dramática, as angústias
ligadas à dissolução social concebida como perda de todos os valores e à mani-
festação de acontecimentos, cada um mais nefasto que o outro, são mobilizadas a
cada vez que uma determinada instituição entra em crise e surge a necessidade de
se elaborar uma outra instituição. Basta lembrar a esse respeito todos os slogans
referentes ao salto no desconhecido 4 durante o referendo ins-titucional sobre a
" "
instituição monárquica tenha amplamente mostrado que ela não poderia constituir ,
carregava , sua abolição foi fantasiada como algo que teria desencadeado uma série
de desgraças imaginárias interpretáveis como expressão de angústias básicas deter-
minadas angústias de fato meta-históricas, em relação às quais a instituição
,
moraárquica fazia o papel de mecanismo de defesa É por essa razão que valeria a
.
pena insistir no fato de que ainda que as angústias de base, em relação às quais
,
defesa ao contrário
, adquiriram um significado histórico como o do desenvol-
,
dimensão temporal. Essa precisão me parece importante para ressaltar, ainda uma
Vez,
a relação entre as funções das instituições sociais e as do Ego.
4 Salto nel buio
lit. Salto na noite (N. do T. Francês)
,
86 a Instituição e as Instituições
bações psíquicas na prática clínica, mas, tendo tido que efetuar tal procedimento
redutor como uma etapa obrigatória sem a qual não pode haver investigação
psicanalítica, é preciso que procure, depois da etapa redutora, o significado do
acontecimento social em termos de realidade, ou seja, em termos históricos Na .
minha opinião, isso cria uma diferença substancial entre a Psicanálise Aplicada ao
social e Psicanálise Clínica porque essa última pode deixar de lado o exame da
realidade que será integrado pelo sujeito depois que tiver sido posto frente ao seu
,
2 .
Reflexões sobre a contribuição de Bion
que Bion pensa que os três supostos básicos podem corresponder aos símbolos
típicos dos membros da família no sentido de que o grupo dependente poderia
corresponder ao símbolo materno o grupo luta-fuga ao grupo paterno e o grupo
,
Todavia Bion não se interessa tanto por essa redução quanto pelo fato de que os
,
leitura desse romance era recomendada como edificante pelo bispo de Londres .
Estudarei mais adiante a angústia subjacente ao suposto básico que Bion descreve
como grupo acasalamento com o tema da fundação das classes sociais .
instituição-guerra entra em crise na realização das suas funções (na medida que a
situação atómica tende a pôr em crise as funções vencer-perder enquanto acon -
aqui. A distinção novamente enfatizada por Alberoni, entre essas duas formas de
,
social das quais uma é fluida e a outra estruturada, pode conduzir à tese fun-
,
instituições são para o comportamento coletivo aquilo que o Ego (definido por
Freud como a parte "organizada" do aparelho psíquico) é para o Id (definido por
Freud como a parte da personalidade na qual as energias se encontram no estado
fluido). O fenómeno que designei como "tornar-se o Superego do pai" como vimos, ,
está relacionado com o fato de que as instituições entram em crise e então aparece
o comportamento coletivo; esse último se apresenta como valor alternativo ainda ,
que aqui o papel de Superego se assemelhe mais com o Superego kleiniano pré-
genital por oposição ao Superego estruturado. Isso permite aderir à tese de Al-
beroni, segundo a qual o comportamento coletivo enquanto social no estado fluido
6 Francesco Alberoni Stalus Nascendi, II Mulino, 1968, no qual a dinâmica dos fenómenos coletivos
,
de grupo parece apresentar-se numa perspectiva que pelo menos em parte, poderíamos enquadrar
,
em determinadas características do suposto básico do pairing group de Bion Parec-me que o que
.
Bion descreve como suposto básico constitui fenómenos coletivos em estado embrionário e a sua
observação nos pequenos grupos me parece particularmente interessante para o estudo do compor-
tamento coletivo.
89
por unia Psicanálise das Instituições
Essas reflexões situam o problema das instituições numa perspectiva mais com-
plexa do que aquela que não inclui a tese fundamental que desenvolvemos, segun-
do a qual as instituições são mecanismos de defesa contra as angústias primárias.
Com efeito, a instituição enquanto social estruturado que, como vimos, é
comparável às estruturas do Ego, teria uma relação profunda com o social no
estado fluido, comparável ao Id e portanto com o fundamento energia-dinamismo-
valor do social não estruturado. Da mesma maneira que uma concepção psica-
nalítica da personalidade vê no Id o fundamento originário da personalidade a
partir do qual as outras instâncias ter-se-iam diferenciado, e particularmente o
Ego as instituições, numa perspectiva sociodinâmica, estariam ligadas à expe-
,
riência originária do grupo como experiência que funda as diversas culturas de que
derivariam as instituições enquanto necessidades organizacionais secundárias ,
todas as culturas dá aos supostos básicos do grupo, descritos por Bion como
,
importante pelo fato de colocar o problema dialético não tanto no social no estado
fluido (suposto básico como comportamento coletivo tomado no estado embrio-
7 Ver Franco Fornari "Principie
, du plaisir et principie de réalité dans le mouvement beatnik
"
, in
Psychanalyse de la situation alomique.
® Ver a esse respeito a função das três instâncias no fenómeno guerra entendido como compor-
tamento coletivo (F. Fornari Psychanaiyse de la guerre, Feltinelli, 1966).
,
90 A Instituição e as Instituições
nário nos pequenos grupos) e no estado social estruturado, quanto nos supostos
básicos (sobretudo ligados a angústias específicas e portanto à necessidade das
instituições como mecanismos de defesa) e no grupo racional (sobretudo centrado
sobre as funções de manipulação da realidade e sobre a relação com o universo
externo em função da sua transformação). Num tal caso, podemos falar de aspec-
tos das instituições orientadas exclusivamente, ou principalmente, para a manipu-
lação das angústias como problema colocado pelo universo interno contrapondo-se
dialeticamente com os aspectos das instituições orientadas em direção à mani-
pulação do universo externo, das instituições de trabalho, ou seja, especificamente
submetidas ao princípio de realidade e às funções do pensamento como instância
de verificação do universo externo.
nas angústias básicas que se mobilizam nos grupos de trabalho (que se desenvol-
'
vem nas instituições de trabalho) é a de Elliott Jaques .
9 Ver Elliott Jaques, Les institutions sociales conime mecanismos de defense conlre 1'angoisse
paranoide el depressive, op. cit
91
Por uma Psicanálise das Instituições
3 .
Reflexões sobre a contribuição de Jaques
contfii as angústias primárias. Além disso, estaria demonstrado que a mudança nos
mecanismos culturais de uma instituição mobiliza as angústias independentemente
do risco concreto da realidade implicado pela mudança Para além da relação geral
.
mudança das instituições implica portanto, toda uma problemática particular que
,
grUPo face à mudança-conservação como suposto básico. Ele afirma de modo geral
lue o grupo se defende contra a mudança Entretanto o fato de que a mudança de
.
,
92
A Instituição e as Instituições
qual é estipulado que: O primeiro oficial deve recolher toda a imundície do navio
e aceitar se transformar nela. Um mecanismo cultural desse tipo é compreensível
"
Jaques não apenas descreveu no sentido em que foi brevemente exposto, o sig-
,
nificado das estruturas sociais e dos mecanismos culturais mas ressaltou igual- ,
vida das instituições se os homens não mudam Um fenómeno desse género pode
.
ser ilustrado pela permanência de uma categoria burocrática que não é modificada
pelas mudanças estruturais das instituições. O fato de permanecerem os mesmos
indivíduos pode explicar por que determinadas mudanças estruturais podem não
apresentar efeito apreciável no plano da mudança efetiva Ao contrário, a mudan-.
ça, mesmo de um único indivíduo, pode determinar uma grande mudança nas
instituições mesmo que as estruturas sociais permaneçam sem mudança. As duas
,
situações que citamos acima podem ser descritas na pesquisa do significado para a
história recente da Igreja da presença do papa João XXIII (no que se refefe à
mudança do indivíduo quando as estruturas permanecem intocadas) ou então na
.
,
sor provocou, na instituição eclesiástica, uma mudança que devia se traduzir pelo
Concílio Vaticano II. Ainda que esse, por sua vez, tenha significado uma mudança
nos mecanismos culturais da instituição eclesiástica, a presença de Paulo VI en-
quanto personalidade diferente do seu predecessor, parece orientar a Igreja para a
conservação apesar da mudança nos mecanismos culturais da instituição
eclesiástica. Da mesma forma, no que diz respeito ao stalinismo, a posição
autocrática expressa pela posição monárquica dos czares da Rússia poderia
reaparecer (como uma espécie de retorno do recalque na renovação), no interior
das instituições socialistas ainda que os seus mecanismos culturais tenham
mostrado uma mudança radical e revolucionária em relação aos mecanismos cul-
turais da instituição monárquica. Portanto, apesar da transformação dos mecanis-
mos culturais, ocorrida na passagem do Estado capitalista ao Estado socialista, a
presença no topo do poder de uma personalidade de tipo autocrático constituiu
um grave obstáculo para a instauração de uma sociedade não autocrática. Tudo
isso pode ser aplicado à situação burocrática já citada. Portanto, o fato de que, no
interior de determinadas hierarquias executivas burocráticas de Estado existe uma
certa inércia levando à conservação dos papéis por parte das mesmas pessoas,
independentemente da mudança dos mecanismos culturais operados pelas mudan-
ças sócio-históricas obriga a voltar ao problema das relações entre as instituições e
os mecanismos de defesa contra as angústias primárias no quadro daquilo que
propus chamar de suposto básico de grupo conservação-mudança. A disposição
para a conservação ou para a mudança varia, pois, de indivíduo para indivíduo. Já
que as angústias básicas são vividas no plano emocional por homens reais, de carne
e osso, se não temos modificações da experiência de vida dos homens de carne e
osso, no sentido de que eles elaborem diferentemente suas próprias angústias, as
mudanças de estrutura social podem ficar sem efeito no plano da mudança efetiva.
Um fato desse género leva a refletir sobre o significado da superestrutura no sen-
tido marxista e nos seus vínculos eventuais com o inconsciente.
4 .
Psicanálise da família enquanto instituição social
Depois de ter estudado o problema geral das instituições sociais em relação à sua
,
agora de examinar uma instituição particular a família, que pode ser considerada
,
do existe uma certa relação amorosa entre dois membros do grupo, ou entre um
membro do grupo e o líder, aparece no grupo uma expectativa, a premonição de
alguma coisa que deverá aparecer e que ele define, simbolicamente, como a expec-
tativa de um messias. Já ressaltei que essa é uma situação particular que ilustra o
suposto básico de Bion e que pode ser considerada como um correlato muito
estreito, no nível do micro-grupo, daquilo que os sociólogos descreveram como
movimentos messiânicos no quadro do comportamento coletivo. O caráter
embrionário no qual Bion deixa a descrição dos supostos básicos presta-se na ,
Bion não associa, pois, o suposto de grupo acasalamento à família mas antes à
,
Que relação existe, portanto, entre o que chamarei de família fantasmática (ou
seja, como é que as relações do sujeito com a sua própria família se traduzem nas
fantasias inconscientes) e a família sociall Para responder a essa questão gostaria
,
Analisando com F. Miraglia os sonhos das mulheres grávidas, pude constatar que a
expectativa-premonição da criança nas fantasias inconscientes, além de se cons-
tituir como expectativa da criança, objeto bom idealizado e superinvestido nar-
cisicamente, isto é, como salvador-messias, a criança que está para nascer aparece
também sob a forma de um objeto perseguidor. A fantasia da criança perseguidora
(que está ligada à fantasia do pênis perseguidor) se concentra na angústia do parto
sobretudo em relação à fase de dilatação. Entretanto, a angústia mais típica que
pode ser associada com a hostilidade para com a criança refere-se à elaboração
depressiva. Chamei de angústia genética a angústia da deterioração do produto da
concepção, traduzida, em cada mulher em trabalho de parto, pelo sonho que
dariam à luz uma criança defeituosa, doente, incapaz, monstruosa etc. Ainda que
essa angústia esteja ligada ao contexto dos sentimentos de culpa edipiana e às
simbolizações da criança como pênis e, portanto, ao complexo de castração, a
possibilidade de que o produto da concepção seja defeituoso é uma possibilidade
real. Isso está ligado à experiência da realidade do fato de que a escolha genética
escapa ao controle individual e pode facilmente estar exposta às leis do acaso, num
sentido negativo. Esse aspecto da realidade é, por assim dizer, o vértice social da
angústia genética, dado" com o qual é preciso contar. Esse aspecto social da
"
angústia genética, vamos encontrá-lo nos versos de Dante: Rade volte risurge ])er li
rami I umana probitade e questo mole quel che la dà, perché da lui si chiami . A
'
tema sobre o qual voltaremos O que me interessa agora precisar é que o que Bion
.
seus aspectos depressivos através da fantasia: "não é verdade que o meu filho será
um objeto perseguidor que me destruirá ou um bom objeto que eu estraguei A .
criança que vai nascer será o messias no sentido de que ela me tranquilizará do
medo da criança perseguidora assim como do medo de que eu que o engendro o
ten!»a estragado com os meus ataques De fato, a criança normal provoca uma
"
.
Martins São Paulo, Ed. Universidade de São Paulo, Ed. Itatiaia Ltda., 1979, p. 70).
,
96
A Instituição e as Instituições
Essa ênfase no sagrado parece-me importante para o tema que abordamos se nos
lembrarmos que L. Dumont (1966) considera a constituição das castas como fun-
damentalmente baseada na primazia do sagrado sobre a hierarquia no sentido de
primazia do ieros. Portanto, se aceitamos a definição do sagrado como o máximo
de presença positiva garantida por um mínimo de verificabilidade a constituição da ,
caráter ilusório de uma tal positividade já que a verificação fundada sobre o teste
,
uma estrutura social precisa Notemos então que, entre o suposto básico de grupo
.
exposta por Bion ou melhor, a identificação das angústias que estão por trás de
,
um tal suposto básico nos coloca frente à angústia genética do qual o suposto de
,
traduz. A esse respeito convém lembrar de Winnicott que afirma que "a família
,
vive como se ela estivesse continuamente à beira do desastre" e que cada família "
Por uma Psicanálise das Instituições
tem um cadáver no seu armário"12. Esse autor cita, além disso, o ditado segundo o
issemos
qual i
f
"
lho é desgraça": af irmação que podemos aproximar daquilo que d
acima a respeito dos aspectos persecutórios da criança que está para nascer,
aspectos que vimos ligados com a idealização messiânica. Gostaria, pois, de
aprofundar o significado da família fantasmática em relação a essa maneira de
viver da família como se estivesse sempre à beira do desastre. Afinal de contas, que
desastre é esse? Qual é o cadáver do armário que em geral a família esconde em
" "
si mesma?
Da história de Édipo sabemos que, tão logo nasceu, seus pais decidiram matá-lo
porque o oráculo de Édipo não era uma mensagem messiânica positiva mas um
funesto presságio: ele matará o pai e se casará com a mãe. Os pais, então, decidem
matar a criança. Portanto, desde o nascimento, a família pode ser destruída a
qualquer momento e já vimos como essa situação se reflete nas fantasias da criança
perseguidora cujos pais se sentem ameaçados por si mesmos e na sua união. Mas a
sua tentativa de se defender contra o filho perseguidor fracassou, conforme
sabemos. A criança sobreviveu, será ao contrário salva e adotada por pais ideais
que desmentem a existência dos pais infanticidas. Mas isso não resolverá o
problema. O parricídio e o incesto acontecerão realmente: Édipo matará real-
mente o pai e de fato, se casará com a mãe e tudo acabará com o desastre típico
,
da família inconsciente .
os favores dos deuses para a guerra de Tróia traz a marca de uma civilização
,
guerreira que mata os próprios filhos. Se os pais de Édipo não conseguem fazer
com que matem o seu filho Agamenon, ao contrário, consegue traduzir em ato o
,
pelo amante dela que representa a imagem do filho; a solidariedade entre Orestes
,
tendências iguais, sendo que o voto da deusa Atena é que salvará finalmente Ores -
Minha tese é que, face a essa desconcertante constatação através da qual a psica-
nálise nos faz compreender o contexto da angústia da família fantasmática, a famí-
lia social, a família enquanto instituição social, constitui-se como uma estrutura
defensiva: ela nos faz compreender, precisamente, como o Ego assume o sig-
nificado de uma estrutura defensiva em relação às pulsões e à angústia. Já vimos
como no nível do social não estruturado, ou seja, no nível do social no estado
embrionário, tal como se manifesta no suposto de acasalamento, o social (que
aparece na dinâmica do grupo) constitui uma elaboração defensiva contra a fan-
tasia da criança perseguidora exprimindo a idealização do filho messias. Gostaria
agora de apresentar a ideia de que o suposto básico de grupo dependência, segun-
do o qual todo mal que existe no grupo pode ser eliminado graças à dependência
em relação a uma personalidade protetora, onipotente simbolizável como imagem
materna constitui a elaboração defensiva graças à idealização face à mãe per-
,
pelo fato de que o pai vive como assassino do filho ou como sua vítima.
O que Bion descreve como suposto básico de grupo seria, por essa razão, a respos-
ta reparadora coletiva aos desastres da família fantasmática. Assim, o que Bion
descreve como suposto básico de grupo que relacionei com o social no estado
,
asseguramento de que não haverá desastre porque o filho não matará o pai nem a
mãe, mas será, ao contrário, o messias, o salvador; que a mãe não matará o pai
nem o filho mas ao contrário, os alimentará, fazendo com que vivam; e enfim, que
,
o pai não matará tampouco, nem o filho nem a mãe mas, ao contrário, lutará
contra as dificuldades e contra as instâncias inimigas (exteriores à família) que
ameaçam a sua existência e que sobre essas respostas reparadoras e reas-
seguradoras se concretizarão os papéis específicos do filho, da mãe e do pai.
Por uma Psicanálise das Instituições
Minha tese é que a família social autêntica enxerta-se sobre essas hipóteses fun -
damentais que contêm a primeira formulação idealizada do social como defesa con-
tra as angiístias básicas.
Portanto, é no nível das instituições que será elaborado o conjunto dos papéis e
dos mecanismos culturais específicos respectivamente do filho, da mãe e do pai.
Assim o papel do pai, que pode diferir de acordo com as diferentes culturas, de
uma maneira ou de outra, terá sempre a função de tornar manifesto a todos os
membros da família que o pai não é nem o assassino nem o assassinado, mas que,
ao contrário, desenvolve uma atividade que testemunha, num sentido reas-
segurador, o modo pelo qual ele "mantém a família". Um esquema análogo aplicar-
se-á aos papéis assumidos respectivamente pela mãe e pelo filho.
5 .
A angústia genética em relação à formação de castas
(ou das classes sociais)
Depois dessa integração entre a família fantasmática e a família social que quer
oferÿper um modelo sinérgico entre o individual e o social, gostaria de voltar ao
suposto básico do grupo acasalamento e à sua relação com a aristocracia, apresen-
tada por Bion Expressa em termos de grupo racional a institucionalização do
.
,
procria, a constituição das classes sociais, para além dos mecanismos purament e
sócio-econômicos, tem um fundamento genético-sexual Vistos sob esse prisma os
.
o pressuposto peio qual o prejuízo temido pelo filho pode ser fantasiado como
reparável graças a uma acumulação económica garantida pela transmissão
hereditária do patrimônio Se face a uma deterioração genética o homem se
.
fetiche genético-sexual .
rior do próprio grupo? Uma das respostas para essa questão pode ser dada toman-
do o exemplo da situação de casta em relação à qual já destacamos a referência ao
sagrado enquanto situação na qual se realiza o máximo de presença positiva com
um mínimo de verificação Portanto, na medida em que as castas dos brâmanes,
.
identificação projetiva Mas a expulsão dos aspectos maus e impuros dos produtos
.
seguidor pelo fato de que não aceita ser o receptáculo passivo do mal, vem a ser
controlado . A solução trazida pelo sistema de castas (que representa a situação
61085
102 A Instituição e as Instituições
sobre a outra casta (ou classe) dos aspectos maus da primeira e enfim o controle
,
aspectos maus ou deteriorados para a casta inferiorizada a maneira pela qual esta
,
eles são interiorizados - praticamente aceitos - pelos dois grupos , temos nm3
estabilização do sistema graças a uma sócio-dinâmica que se instaura e na qual o
grupo dominante efetua uma elaboração paranóide do conflito sobre o grupo
dominado e o grupo dominado interioriza um tal conflito cm si mesmo e se culpa
por um processo melancólico que leva à auto-agressividade e à negação de si. A
ruptura de uma tal estratificação sobrevêm no momento em que a casta (ou classe)
dominada (na qual foram colocados os aspectos maus e deteriorados dos produtos
da concepção da classe privilegiada) elimina mais uma vez tais aspectos maus e
deteriorados como a tripulação do Cuirassé Potemkine rejeita a carne podre Por .
como mecanismo cultural que mantém no interior da mesma casta (ou da mesma
classe) o produto da concepção idealizada o acasalamento endogâmico (na casta)
,
auto mantém. Isso poderia nos levar a compreender como a tendência para a
constituição das classes pode persistir como defesa contra a angústia inconsciente
do acasalamento mesmo onde (como na União Soviética) os privilégios econó-
micos de classe foram abolidos pela mudança dos mecanismos político-culturais.
que não sabe voar. Todos nós dizemos que ele está no nono mês e que seria
necessário salvá-lo para que ele tenha boas chances de viver. Ele está ferido apenas
no pescoço que está torcido e um pouco esfolado O cómico da história é que, no
.
entanto,sei que se trata de um basse e proponho a meu marido - que durante todo
o sonho está ausente e aparece apenas durante esse pensamento (e não fisica-
mente) - que o pegue O pequeno bassê se mostra amável para com o meu cachor-
.
animais Um dia
.
somos traiçoeiramente atacados por um bando rival composto
,
por jovens cruéis comandados por um chefe sem escrúpulos. Descemos então a um
vale para puni-los formando um longo cortejo em duas filas, composto por nós
mesmos e pelos animais No meio, há uma espécie de guilhotina. Há combates
.
Segando sonho: "Nesse sonho há duas tribos. Numa delas há alguns homens e
,
vemos dois deles escondidos no mato. Uma rainha comanda a outra tribo e há
muitos jovens que, com a rainha, vencem a primeira tribo. Depois disso levamos
,
Terceiro sonho: "Um gato ameaça os passarinhos numa gaiola. Assim que é tirado
da gaiola, o gato (que dentro dela era pequeno) torna-se grande e colocando a
pata entre as barras da gaiola ainda machuca os passarinhos. Depois, esses últimos
se transformam em cachorrinhos. Acontece então uma outra coisa estranha: os
passarinhos e os cachorrinhos transformam-se numa galinha ferida e sanguinolenta."
Esses três sonhos podem ilustrar suficientemente bem o que denominei "família
fantasmática". Fazendo uma análise puramente simbólica dos sonhos ao invés de
uma análise que se refira à história pessoal da mulher, podemos perceber como no
primeiro sonho a criança-passarinho está ameaçada na sua sobrevivência e o chefe
(ou seja, simbolicamente, o pai) morre. No segundo sonho, há uma espécie de
família matriarcal, comandada pela rainha coligada com jovens que vencem a tribo
dos homens. Temos, portanto a coligação da figura materna e dos filhos contra a
,
para o símbolo mãe. Encontramos, pois, nos três sonhos a ameaça de deterioração
de cada membro da família: os filhos o pai e a mãe, claramente representados. A
,
"
ela está no nono mês e que era preciso salvá-la ) No símbolo da criança-passari-
.
assim que nascesse fosse criticada por ser um Édipo recém-nascido pelo qual ,
seguinte, dessa maneira, a agressividade dos irmãos e dos pais para com o recém-
nascido (que inconscientemente é sentida como a causa da ferida do passarinho e
está ligada aos aspectos persecutórios e depressivos da angústia genética) é
"
ligação muito clara entre a angústia genética e aquilo que chamamos de elaboração
paranóide da luta contra o fenômeno-guerra. Isso aparece claramente no sonho
como se houvesse um saneamento de todas as relações no interior do grupo bom
onde reina solidariedade espírito de sacrifício, generosidade, operando num
,
entretanto numa clivagem entre os bons e os maus grupos mas também se manifes-
,
sob todos os aspectos) têm por origem um processo de clivagem social num con-
texto sócio dinâmico no qual dominantes e dominados constituem um sistema
-
fato, é a guerra entre os dois grupos. O sonho, portanto, evidencia mais a sócio-
dinâmica da Instituição-guerra do que a sócio-dinâmica da constituição das classes .
sentar, no fundo, a relação geral entre a angústia genética (ligada, por sua vez ao
,
penso eu, lançar uma luz insólita sobre a constituição das classes como instituições
sociais. As castas não são evidentemente as classes sociais que estamos habituados
a ver na civilização industrial. Dir-se-ia inclusive, que um dos aspectos mais sig-
,
7 Conclusões
.
A abordagem da psicanálise das instituições que propus não quer privilegiar ne-
nhuma função básica das instituições sociais em detrimento das outras disciplinas.
O relacionar as instituições com as angústias primárias que existem em todo
indivíduo revela-se importante para os problemas da mudança que se tornaram
Por uma Psicanálise das Instituições 107
urgentes em nossa época. A crise das instituições, que sob a pressão das mutações
das condições socioeconómicas históricas, torna-se sempre mais evidente e corre o
risco de provocar uma forte mobilização das angústias que, por sua vez, se oporão
às mudanças necessárias das estruturas sociais mesmo quando se supõe que essas
mudanças são racionalmente desejáveis. Deriva daí que o conhecimento das
ressonâncias inconscientes ligadas à história das instituições pode ser a contri-
buição da psicanálise para a compreensão daqueles aspectos dos prÿlemas sociais
que se revelam como sendo os mais inquietantes da nossa época.
Resumindo, a análise esboçada até aqui pode ser sintetizada da seguinte maneira:
1 .
As instituições sociais funcionam como defesas contra as angústias básicas
persecutórias e depressivas.
poder revisar os supostos básicos, descritos por esse autor, do núcleo original do
social no estado embrionário. Como núcleo original os supostos de Bion já contêm
,
4.
A possibilidade de considerar os supostos básicos de Bion como um contexto
fenomenológico no qual se exprimem os núcleos originários e dinâmicos do com-
portamento coletivo encontraria o seu contrapeso numa fenomeno-logia mais
profunda desse último como a de Smelser. O grupo dependente corresponderia à
tendência à satisfação entendida como um universo de poderes positivos e
protetores. O grupo luta-fuga corresponderia à tendência histérica (melhor definida
por Alberoni como tendência persecutória) e à crença hostil que implica que se
acredite na existência de um poder destruidor e na possibilidade de controlá-lo. O
grupo acasalamento enfim, cor-responderia à crença orientada para a mudança, o
,
5 Além dos supostos descritos por Bion, propus um outro suposto básico definido
.
,
6 .
A relação entre as angústias básicas e as instituições é constituída pela relação
entre o social no estado fluido e o social no estado estruturado.
7 .
A angústia genética constituiria a angústia específica do grupo acasalamento
que, por sua vez, seria a idealização do produto da concepção como segurança
contra a própria angústia genética.
acasalamento (por sua vez diretamente ligado com a família enquanto instituição
social) permite encontrar um certo vínculo entre a constituição das classes e a
família. Isso constituiria a possibilidade de uma síntese entre Psicanálise e marxis-
mo no sentido de que a filiação à família e a filiação à classe (social) seriam a
,
9.
A constituição da casta (secundariamente da classe) realiza fundamentalmente
todos os mecanismos defensivos implicados na posição esquizo-paranóide
(clivagem, idealização, identificação projetiva, controle sádico, onipotente,
negação etc.). Os conflitos de classe, na medida em que remetem à constituição de
,
as duas posições.
constituição das castas (e das classes) Uma tal definição está, no entanto in-
.
,
que, prossegue Guiducci citando Davis e Moore, "a desigualdade social é um meio
inconsciente, para a sociedade, de estar certa de que as posições mais importantes
são ocupadas conscientemente pelas pessoas mais qualificadas". Contra essa
posição funcionalista na qual Guiducci mostra com elegância a validação
tautológica do sistema, sustento nesse ensaio, partindo da constatação de que todas
as sociedades são estratificadas, que uma tal estratificação se funda em processos
de clivagem que têm por origem a angiístia genética e que dependem da função de
nomear para os cargos mais importantes as pessoas mais qualificadas. A explo-
ração do inconsciente humano não permite encontrar nada de semelhante ao que
"
ocupar o lugar do pai. Mas essa fantasia está presente em qualquer criança e isso
pode explicar melhor os conflitos sociais e os sentimentos de injustiça e de rebeldia
provocados pela auto-validação das classes dominantes do que a justificação dessa
auto-validação. E já que o desenvolvimento das capacidades é, no homem, função
dos recursos culturais ,
a função económica das classes sociais, entendida como
recurso cultural privilegiado vai mascarar a elaboração paranóide do conflito
,
ficação social Mas a fundação económica das classes sociais, por sua vez, mas-
.
A instituição pode, na nossa opinião, ser considerada como uma estrutura de três
patamares cujo modelo descreveremos brevemente, para aplicá-lo em seguida ao
"
setor Infância desajustada".
cos, do perfil e dos comportamentos profissionais dos seus membros. Ela é aquilo
que a instituição apresenta de si mesma quando se lhe descreve as modalidades.
produções inconscientes das quais convém lembrar que podem ser imagos ou fan-
tasias agem
,
"
por baixo na vida institucional. Elas abrandam as tarefas a serem
"
e referentes ideológicos vindos de fora e que a instituição vai utilizar para fun-
cionar de acordo com um racional oriundo do sistema percepção-consciência. Em
suma essa zona intermediária o é no sentido de R. Kaês (1979, 1983), na medida
,
X
ideologia militante como em nome de uma teoria espontânea ou erudita - a vida
institucional vai promover determinadas orientações e organizações e recusar outras.
\
\ Zona intermediária
Ideológico-teórica
Sistemas
sociais
ideológicos
e teóricos
Infra-estrutura
imaginária
dos organizadores
" "
pelas quais este ou aquele tipo de funcionamento foi escolhido. Mas a importância
desse nível ideológico-teórico para o nosso estudo provém do fato de que eleÿião
trabalha de maneira objetiva. "A montante", ele está infiltrado pelos organizadores
psíquicos que escolhem, recusam, modificam, e portanto organizam de maneira
original as informações externas. O que ele produz a jusante (um funcionamento " "
organizador psíquico).
A Infra-Estrutura Imaginária das Instituições... 113
2 .
Balizas para uma história imaginária da instituição-
infância desajustada
21
. .
A história das origens e a imago materna
"
1940/1945 e aos primeiros anos do pós- guerra. O clima era marcado pela
Ocupação: a ideologia de Vichy havia enfatizado a importância da Família como
valor social. A guerra deixava um grande número de jovens praticamente aban-
donados, em situação mais ou menos irregular. Alguns anos antes, depois das
"
Mostramos em outra parte (P. Fustier, 1972) que a reeducação de então constituiu-
se como uma ideologia da ordem, do clericato, privilegiando a não-separação da
vida privada e da vida profissional (presença 24 horas por dia), preconizando
" "
valores como a generosidade, o serviço a vocação (o que H. Joubrel, 1950b
" "
,
"
chama de apelo ao garoto ), a partilha, o viver com Esse clericato serve a
" " "
.
sidades da criança.
familiar Se lhes dermos uma família e pais que lhes sejam totalmente devotados
.
os meninos que nos são confiados mais têm necessidade (P. Lelièvre, 1951). Ou"
estar em casa, de ter um pai e uma mãe... Nossa conversa conjugal, aliás, está cheia
de contínuos quiproquós, quando dizemos nossos (sublinhado pelo autor) filhos"
(G. Berland, 1953). "Não sei se o meu ponto de vista é muito científico mas parece-
me que se pode resolver um certo número de problemas de reeducação partindo
dessa idéia muito simples: essas crianças são os meus filhos" (G. Senet, 1952).
semiliberdade; depois numa terceira etapa, quando, então, já havia saído, era
,
sonalidade total.
Estamos longe das teorias mais recentes que insistem, ao contrário na necessidade
,
de uma relação estável, mas parcial e lacunar, de forma que seja deixado um
espaço para a elaboração simbólica e para a fa 11a (T. Hochmann et ai ,1983). Essa
115
A Infra-Estrutura Imaginária das Instituições.
Não é de admirar. Winnicott (1956) mostra também que a criança carente busca o
objeto de amor do qual se sentiu desapossada e manifesta aos seus interlocutores a
esperança de o reencontrar. Com isso ela faz com que aqueles que lhe estão à volta
sintam a sua exigência e tende a colocar o adulto, a quem comove, numa posição
muito particular de mãe arcaica totalmente devotada. A criança busca a "ilusão de
que o mundo contém aquilo que ela imagina, a fim de poder colocar o que ela
evoca no exato lugar onde existe uma pessoa devotada na realidade exterior ou
compartilhada Apelo à devoção, retorno à ilusão, momento mágico de
"
.
recuperação absoluta e sem falha entre realidade e alucinação; "por pulsões in-
conscientes (a criança) obriga alguém a tomá-la pelamão (D. W. Winnicott, 1956)
"
"
nos (P. Le Moal et al., 1950); "dá-se ao guloso biscoitos para que divida com os
colegas, mas esses doces são em número ímpar: quem vai vencer a gulodice, a ,
com flash ou com infravermelho (P. Gleye, 1972), "centro transparente onde tudo é
"
pálido capaz de provocar uma excitação sexual nos homens perfeitamente heteros-
sexuais "
.
H. Joubrel (1950 b)' para qualificar o perverso falará de "anjo louro" , e no
mesmo ano P. Bize de "aspecto angélico" P. Dosda (1984), por outro lado mostrou .
,
" "
que a pulsão pedófila, que entra nesse mesmo movimento, deve ser considerada
"
como uma preocupação maior no mundo da reeducação (ver por exemplo,
"
que se constitui como uma defesa contra a sedução. A criança perversa serão
atribuídos todos os defeitos: "fujão mentiroso, vicioso... carrasco familiar, mártir
,
dos animais
amigo da chantagem (R. Gautier, 1948); "sádicos precoces...
,
"
devem ser marcados a ferro quente (H. e E Joubrel, 1950 b). Evitará assim os
"
"
contatos perniciosos", e "a mistura estarrecedora de crianças de todos os tipos...
juntas com perversos constitucionais (G. Mazo, 1944).
"
Lembremos todavia que essa segunda figura institucional da reeducação não faz
desaparecer o primeiro modelo que descrevemos. As duas instituições continuam
justapostas, recompensa de lutas a que se entregam os partidários de ambas. Com
efeito, mesmo entre aqueles que falam do Centro de Observação encontraremos
"
23 . . A corrente pós-68
"
vezes, são psicóticas ou autistas. São instituições dirigidas por adultos que escol -
rousseauniano" a uma vida boa porque natural longe de uma sociedade con-
" " "
siderada ruim retorno realizado por homens decididos a viver a própria paixão.
,
tecnicidade que fundamente uma prática junto a crianças; são as atividades ar-
tes.inais ou agrícolas e portanto, as competências nesses campos que são reco-
,
problemática da geração, e passando por uma busca utópica que faz lembrar a
ilusão grupai.
3 .
0 composto fantasmátíco, cena primária deslocada, sedução
dos casos, de acordo com uma modalidade original. Chamamo-la fantasia da cena
primária deslocada, no sentido em que se fala de um deslocamento de centro de
gravidade. No nível do cenário, com efeito, a ênfase não é colocada sobre o ter-
ceiro excluído e as suas tentativas de penetração na câmara fechada mas na "ver- ,
"
gonha dos personagens parentais que traduz a sua culpa em "assumir" essa
,
graças aos quais a diferença entre os adultos e os jovens possam ser mar-
cadas; por outro lado não se deve manter os privilégios indignos" ou "absur-
,
"
suntos pessoais e, naturalmente sem ser vigiados por detrás de uma porta
,
,
"
acabar sozi-nhos num lar que já não será atraente para elas será necessário nos ,
" " "
prostituirmos o vínculo afetivo é duradouro ) No exemplo que demos sobre a
, .
que é sedutor da criança (o que dará origem a cenários em que estará presente a
idéia de "forçar" evocando frequentemente uma situação de estupro).
41 . .
O quadro e as proibições edipianas
crianças" .
122
A Instituição e as Instituições
ta referente edipiano, ao passo que para nós essa dimensão é fundamental Com .
tabelecimento.
42 . .
Os elementos beta de origem institucional e o processo da
""
irrupção bordélica"
De maneira mais precisa diremos que essa ruptura já não permite aos elementos
,
que eles próprios são desorganizados, destruídos, reduzidos aos seus componentes
brutos que cessaram de ter sentido no interior dos processos de cena primária de
sedução.
O que surge então mas que não está nem contido (num quadro), nem é metabo-
,
lizado (no processo inconsciente de uma fantasia originária) , são os elementos Beta
de que fala Bion elementos incompreensíveis, constituídos de violência e de
,
esquisitice. Quando isso não destrói a instituição "intoxicada" mas apenas a desor- ,
ganiza, ela procura dar um nome a essa invasão construindo o que chamamos de
processo de "irrupção bordélica". O esquema é sempre o mesmo: a instituição vai
ser destruída porque ela se vê invadida por elementos que são violentos loucos,
"
,
bestialmente sexuais" .
Ilustraremos esse conjunto de proposições retomando os
exemplos citados anteriormente .
123
A Infra-Estrutura Imaginária das Instituições.
aquilo que, institucionalmente, constitui algo que apenas os pais têm direito
de ficar sabendo. A renúncia ao privilégio do telefone ocorrerá logo depois
desse incidente.
forma num verdadeiro "bordel" onde tudo é permitido, onde já não existe
controle. Num dado momento, haverá um intercâmbio geral sobre o tema do
domínio de si (domínio da sexualidade, dominar-se), como que para exor-
cizar a evocação de uma situação de monstruosa anarquia. A respeito do
telefone: "a coisa vai ficar complicada se todas as meninas começarem a
telefonar"; "a central telefónica vai ficar congestionada
"
; vamos receber uma
"
124 A Instituição e as Instituições
"
conta muito alta... ; as meninas ficam penduradas no telefone com seus
"
"
namorados Sexualidade
.
liberada, violência em estado bruto ("devemos chamar
"
a polícia? ), situação louca: "já não se compreende mais nada; parece que es -
43 . .
O sistema de reciclagem em segundo grau
Uma aparelhagem do segundo grau desse tipo (de que temos experiência a partir
dessa sua forma particular que é o seminário de análise institucional) poderia até
mesmo ser a garantia da mobilidade institucional. Enquanto invariante permite ,
transformações.
4 4 O "contêiner radioativo"
. .
4 Preferimos essa expressão aos outros termos discutidos por R Roussillon neste livro, para frisar
.
que, para nós, uma função essencial desse "lugar" é proteger o conjunto institucional de uma
contaminação ativa por elementos beta mal isolados; ainda que possa fracassar na sua realização ,
, ,
*
"irrupção bordélica os elementos beta institucionais de que falávamos acima
,
poderia exercer sobre elas uma influência. Colocada fora da lei, ela já não
seria contagiosa" (P Fustier, 1976, p. 82). Como diz Foucault (1961) a
.
também será evocada: "o que se pode pensar numa turma onde alguém está
bêbado como um gambá e pretende fazer a lei" mais ainda: que chega a ,
"
perversão.
Esses mesmos qualificativos são empregados na mesma época, mas dessa vez
,
"
que fala esquisito" que deve ser um grande sedutor que vive como um
,
"
,
" "
,
doutrina para um projeto revolucionário: "o seu projeto de pôr fogo no bar-
" " "
raco , ele quer quebrar o que existe (ver a esse respeito P. Fustier, 1976, pp.
41-53). Poderíamos fazer a mesma análise quanto à posição do suplente; ele
seria o "contêiner radioativo "
como se fosse preciso, por uma espécie de repetição do mecanismo, que as partí-
culas beta do conjunto institucional desorganizado pudessem, além do mais, ser
encerradas no interior de designações que são atribuídas a categorias de pessoas.
51 . .
Aparelhagens do segundo grau
destruídas pelos ataques no real (ataques sobre a parede externa do quadro), as-
sumindo a forma de "actings" Jamais se apresentam em estado puro, uma vez que
.
são infiltrados pelos elementos beta relacionais (aqueles que provêm da violência
ou da loucura das trocas entre educadores e educandos) .
Encontramos dois deles que agora podemos definir com maior precisão.
128 A Instituição e as Instituições
em 1955, que existem nas instituições papéis sociais, lugares e momentos que ser-
vem de depósitos para os objetos internos perseguidores e para as más pulsões de
determinados membros da instituição.
los e convertê-los para que produzam mobilidade institucional Isso supõe que os
.
elementos da crise sejam tolerados pela instituição que os aceita e tenta utilizá-los .
exemplo disso; o trabalho de análise institucional parece ser uma das suas formas
mais habituais.
»
no vínculo que se constituem, de volta, quando a mãe (ou o terapeuta) retém, por
um lado, e transforma, por outro, os elementos ruins, graças à função alfa. No seu "
Entretanto, precisamos constatar que a nossa experiência não nos permitiu obser-
var qualquer passagem entre uma aparelhagem institucional de segundo grau do
tipo do contêiner radioativo e uma aparelhagem do tipo "reciclagem". Tudo se dá
" "
que é projetado. Vê-se que esse recebedor, seja ele educador ou terapeuta, deve
aceitar ser num primeiro tempo, o continente no qual são expulsos os elementos
,
ruins e num segundo tempo, ser manipulado, sofrer então uma pressão para ser
,
retomando as análises de Searles precisa, com efeito, que se pede aos membros da
,
instituição que suportem as fases de espera sem contato durante as quais nada
acontece e a fase de simbiose ambivalente durante a qual os pacientes são iden-
tificados com o núcleo psicótico das pessoas que com eles se ocupam.
Nos textos que citamos trata-se de pacientes psicóticos, ao passo que a "clientela"
,
dos serviços de reeducação recobre uma população mais vasta. Não deixa de ser
"
verdade que o acompanhante cotidiano médico ou educador, por meio dessa
"
caracteriais das crianças que estão sob seus cuidados. Pensamos que os efeitos de
grupo acentuam, por exemplo, entre os adolescentes delinquentes, o que existe
neles como possibilidades de identificação projetiva.
Todas as vezes que o educador recebe da parte dos seus "clientes" muitos elemen-
tos ruins para que possa contê-los e aceitá-los ele os devolve aos interessados,
,
plana. Então ele já não está em condições de realizar o seu trabalho. Se está
lidando com psicóticos corre o risco de lhes comunicar de volta algo da ordem do
,
"
terror sem nome". Se está lidando com jovens com distúrbios de caráter ,
transmitirá violência suplementar que vai aumentar ainda mais entre esses jovem*
O alvo da substituição. Para tratar dessa situação que não pode ser tolerada por
muito tempo aparelhagens que chamaremos de primeiro grau serão implemen-
,
tadas pela instituição de acordo com uma problemática paralela àquela que ressal-
tamos relativa aos elementos beta de origem institucional.
,
não saia daí, é uma medida que faz com que a instituição comece a obstruir a
possibilidade de realizar qualquer projeto de reeducação ou de tratamento.
Em contrapartida, insistiremos mais longamente naquilo que chamamos de consti-
tuição de um alvo de substituição e que é o equivalente no primeiro grau, do
sistema de reciclagem do segundo grau. Quando os médicos e os educadores
recebem um excesso de elementos estranhos para poder contê-los e metabolizá-los,
eles os devolvem diretamente e sem transformação a quem os emite. A fim de se
evitar essa devolução agressiva do "pingue-pongue", esse "dente por dente, olho por
institui-se, com a ajuda de um "psiquista um espaço de reunião onde se fala das
"
"
olho ,
Falamos de alvo de substituição porque esse espaço de análise nos parece ser um
mecanismo cuja função essencial é modificar a trajetória e o alvo dos elementos
ruins, recebidos e devolvidos pelos educadores. Perseguidos" pelos elementos
"
desvio capaz de operar a contenção daquilo que farão "ricochetear nessa direção.
Num terceiro tempo o psiquista pode, por sua vez, reproduzir a situação dos
" "
,
uma superfície plana que rejeita sem metabolizar, as produções violentas e estra-
,
Por outro lado o alvo de substituição cumprirá o seu papel na instituição se ela se
,
pelo "psiquista" com outros elementos que provêm dele mesmo. Ele os pega em si,
os experimenta (W R. Bion 1959) e os devolve metabolizados pela função alfa,
.
,
6 Resumo
.
liberados pela perda do sentido Frente a essa situação de crise vemos aparecer
.
,
"
Não se deve confundir esses mecanismos que remetem a uma crise , com as apare-
lhagens de primeiro grau que são implementadas na instituição para tratar dos
elementos beta - esses de origem relacional - provocados pelo contato com os
desajustados. Trata-se principalmente daquilo que chamamos de "alvo de
substituição que toma a forma de reuniões de análise de casos ou de supervisão
"
elaboração mental da qual saiu; ele a envenena, fato que os delírios paranóides
procuram representar. Desde então, o processo se vê atacado e destruído por
aqjilo que lhe escapa - e aparece então como dejeto tóxico. Assim se desenvolve
uma "verdadeira cultura de pulsão de morte" que M. Klein procurou teorizar na
noção de ataque invejoso primário .
vimento .
1 Essa lei do funcionamento psíquico deve ser relacionada com o teorema da prova
"
"
de K. Gõdel.
134 A Instituição e as Instituições
reagrupar e se organizar de tal maneira que o que é dejeto de uma possa ser bom" "
mau para uma das instâncias psíquicas pode ser "bom" para outra. O masoquismo
" "
assim evocado aparece então como o guardião da vida psíquica e da sua organiza-
ção, ele abre a possibilidade de uma conflituosidade verdadeira, é a primeira forma
da complexificação tal como se esboça no momento da organização anal da pulsão .
dialética daquilo que se organiza se estrutura, e daquilo que escapa a esse proces-
,
so, não se efetua apenas na intimidade da vida psíquica individual; ela é também
uma exigência da elaboração grupai da vida coletiva e institucional. Conforme
mostraremos, nem todas as instituições atingem um grau de consenso e de orga-
nização suficiente para estruturar o que seria o equivalente grupai de um maso-
quismo guardião da vida psíquica, os dois outros destinos descritos por S. Freud
também se encontram aí.
tece, na instituição e nos processos daquilo que R. Kaés (1976 b) propôs que fosse
chamado de aparelho psíquico grupai com o que está em processo de estruturação
,
à cata de espaços onde "colocar-se de reserva" em latência. Aquilo que não pode
,
3 Foi R. Kaés (1976 b) quem primeiro formulou de maneira sistematizada a hipótese de um duplo
apoio do psiquismo.
135
Espaços e Práticas Institucionais... ,
reflexão, porque estão muito próximos das práticas dos psicólogos clínicos nas
instituições de tratamento: o "quarto de despejo" e o "interstício".
4
1 . O "quarto de despejo" ou o "galpão"
Trata-se às vezes, de uma espaço definido como tal, de uma reunião dita "ins-
,
tecem reuniões ditas "de serviço" ou "de informação" e que reúnem todos os que
estão interessados para tratar dos "problemas materiais" do serviço. Rapidamente ,
reuniões ditas "de síntese" ou "de casos" - que supostamente deveriam levar a
decisões ou a uma reflexão sobre uma criança ou um paciente - que acabam sendo ,
4 Em francês [como também em português] é difícil encontrar um único termo para definir a
"
natureza e a função desse espaço: ora é "lixão" ora é lixeira ora despensa" ou "quarto de
"
, ,
despejo" ou enfim "galpão [N. do T.] Deve-se relacionar essas noções, por um lado, com o
,
"
"
vaste-disposal" de que fala D W. Winnicott em Jogo e realidade, e por outro, com o conceito de
.
"
Estes são efeitos habituais da vida grupai e social: o encontro humano não pode ser
totalmente encerrado numa racionalidade programada Mas pode acontecer que
"
.
uma
dimensão completamente diferente: é o caso da reunião "quarto de despejo" cujo
ciclo de vida descreveremos rapidamente .
"
reunião : ainda que existam outras
a participação de todos, que é desejada é ,
,
,
"
A emoção se torna tão viva que uma "reunião" para falar do que está acon- ,
"
tecendo" acaba sendo marcada Essa reunião "não dá em nada" seu clima é.
,
Durante muitos anos pude acompanhar uma reunião "de pavilhão" num ser-
viço psiquiátrico de ciclo idêntico com a única diferença que os momentos ,
suprimida ,
obedece a um ciclo de variação na porcentagem de presença cujo
137
Espaços e Práticas Institucionais..
vários fatores.
desqualificada pelos seus membros que não chegam a captar o seu valor potencial,
nem a criar um sistema de sentido que tornaria aceitável a sua existência.
Além disso por mais imprecisa que seja, a função oficial da reunião
, de síntese é
úti"»em si mesma Numa instituição onde as relações com as crianças e
. com as suas
famílias são necessariamente fragmentárias devido ao porte do estabelecimento, se
,
5 Um tal espaço aparece então como um espaço-signo um pedaço de espaço-tempo, se mostra ser
" "
portador de um "pedaço de sentido", para formar um espaço-símbolo (ou signo), forma primeira de
um processo de simbolização O espaço sacrificado perde o seu valor próprio para se tornar por-
.
tador de uma função grupai que não se pode encontrar em outra parte, que é assim encontrada-
criada no aparelho psíquico grupai .
hores casos , ela se assemelha com a função alfa (ou função de devaneio materno) descrita por W.
Bion , ou com a função mitopoética descrita por R. Kaès (1976 a e b).
138 A Instituição e as Instituições
faz necessário um lugar onde possam circular as informações que dizem respeito a
essas relações.
os seus efeitos.
9
Numa outra instituição , o problema era constituído pela existência de uma
reunião institucional", mantida ao longo dos anos (diferentemente daquela
"
do I.M.P. que evocávamos antes), mas na qual "nos sentimos como um casal
de velhos que já não tem mais nada a se dizer". A intervenção, passada uma
"
Marinha inglesa que se encarna no princípio cultural seguinte: " O segundo deve
receber todo o lixo e deve estar preparado para ser lixo" .
minologia de D Meltzer, daquilo que não pode ser simbolizado no seio do apare-
.
as instituições que possuem uma "pessoa quarto de despejo" ou uma "função quar-
9 Intervenção animada conjuntamente com P. Fustier no seio do C. R. I. (Centre de Recherche sur
PInadaptation - Centro de Pesquisa sobre o Desajustamento) Universidade de Lyon II .
10 Para que um fenómeno de bode expiatório se institucionalize e, portanto, se constitua como tal, é
necessário que os mecanismos projetivos do grupo se engrenem com os processos introjetivos do
próprio bode expiatório.
140 A Instituição e as Instituições
,
"
maior parte dos casos, trata-se de uma pessoa ou de uma função tapa buraco" ,
hierarquia" que muitos psicólogos ocupam de fato (ao mesmo tempo que estão
" "
próximos culturalmente do pessoal hierárquico), mas também à sua presença em
determinados lugares institucionais que eles escolhem e que ao mesmo tempo em ,
muitos casos, lhes são impostos: propomos chamar esses lugares de espaços inter-
sticiais.
2 . Os espaços intersticiais
vividas como tais. Pode acontecer que esses lugares se encontrem fora dos muros
da instituição - "bar da esquina" restaurante onde se encontram todos ou parte dos
,
"
membros da instituição anexo como às vezes é chamado.
,
"
instituição. Esse tempo pode ir de alguns minutos a algumas horas de acordo com ,
por vezes, situado no exterior como o "anexo"), é vivido como uma extra-ter-
ritorialidade; pertence a todos ainda que nem todos se sintam necessariamente
,
etc.) e da situação arquitetônica reservada aos psicólogos. Se muitas vezes, essa função não é muito
,
agradável para o psicólogo - podendo "erotizá-lo" masoquistamente - ela pode, todavia, quando as
,
projeções não são demasiadamente excessivas ou aniquiladoras para o seu funcionamento psíquico,
fornecer-llie a base de uma prática de escuta e de intervenção no seio da instituição .
141
Espaços e Práticas Institucionais..
"
Esse espaço - sala de espera, trecho de corredor até a sala onde acontece a sessão,
parte dessa sala onde ocorre a sessão até o divã ou a poltrona hall diante da porta ,
precipitação fantasmática se faz então o "tarde demais para dizer ou fazer algo .
começou? Quando é que ela começa? Quando se está deitado no divã? Quando se
"
está em presença"?
do o último cartucho para reter um objeto que está fugindo para apresen- ,
,
"
"
nada pode fazer" pego de surpresa, impossibilitado de qualquer
,
2 1 A retomada
. .
feito para ser retomado ulteriormente e integrado nas cadeias associativas O agir .
atualização transferencial .
22 . .
O depósito
23
. .
A cripta .
Isso supõe uma clivagem estrita entre o tempo da sessão propriamente dito e o
fora-do-tempo. O que é dito ou feito no interstício é encriptado posto de lado, ,
damental que regula a capacidade de utilização dos interstícios e o valor que eles
podem assumir na regulação psíquica das relações inter-individuais e inter-grupais.
A análise dos processos grupais intersticiais não se separa dos processos grupais
da instituição estruturada quer o interstício e instituição estruturada estejam numa
,
"
14 Para ser mais rigoroso seria necessário falar de processos potencialmente transicionais mas a
"
,
,
repetido mais adiante, nos espaços oficiais a fim de que isso seja levado, trans-
,
mitido sem grande perigo, graças a uma distância que foi criada pela existência de
intermediários ou graças à ambiguidade do status do espaço intersticial a ,
outro que tornam possível que se peça a este ou àquele para sondar o terreno" no
que diz respeito a um determinado problema. Assim, ela evita prejuízos narcísicos
reais ou fantasiados, de uma palavra que correria o risco de se fazer ouvir e de
sofrer rejeição ou recusa. Dessa forma, a palavra pode ser tentada", para se con-
"
última consulta", que podem concomitantemente, fazer transbordar aquilo que não
,
recíproco ou que uma ou mais pessoas particulares aceitem ser utilizadas dessa
,
coisas são ditas para não serem repetidas. A cripta se aferrolha torna-se o espaço ,
16
do segredo guina inteiramente para o lado do privado Pode se tornar incon-
, .
"
veniente falar de trabalho" e de bom tom criticar este ou aquele ou excluir alguns ,
das conversas - sendo que isso varia de acordo com os hábitos culturais específicos
dos grupos sociais considerados17 .
41
. .
Preliminar metodológica
pendentemente dos seus efeitos sobre a vida grupai, sobre o aparelho psíquico
grupai e institucional. Esses determinantes macroscópicos e microscópicos con-
dicionam em parte as variações das redes de representações que circulam no
aparelho psíquico grupai, as flutuações da quantidade de excitações e de angústias
a elaborar, mas jamais são apreensíveis como tais; dão-se sempre a partir de sua
retomada - ou da carência dos processos de retomada - no seio do aparelho "
A partir daí, como pensar a questão dessa intervenção do seu "dispositivo"? Ainda ,
42
. .
A prática intersticial
em grupo amplo que deveria ser aqui mais fecundo ainda que a sua introdução no ,
àquilo que W. Bion e na sua esteira, R. Kaés (1976 a) denominaram de função alfa
,
(ou função de devaneio materno), tal como a análise transicional e suas regras (D.
Anzieu , 1979) aplicadas aos grupos permitem entrever.
"
18 A respeito de alguns desses pontos cf. ,
L'intervention analytique en institution". R. Roussillon
(1978).
147
Espaços e Práticas Institucionais...
Como se vê, as práticas intersticiais são muitas vezes decisivas no seio do paradoxo
que as constitui e para isso há motivos muito fortes. O interstício se dá como um
tempo de extra-territorialidade em que todos são tentados a diminuir a vigilância
profissional, a diminuir a vigilância": o caráter amigável, convivial, das atividades
"
interstício pode assim reinar uma impressão de troca mútua, fraterna, como que
liberada das tensões intertransferenciais ligadas ao trabalho em comum. Essa
mutualidade é certamente, muitas vezes útil ou utilizada para compensar as
,
Anzieu (1979) chama de interpretação "em primeira pessoa" da qual faz um dos ,
Muitas vezes é mais essencial que a intervenção possa contribuir para fazer sentir
um limite, uma representação-coisa do esteio refratante Muitas vezes é necessário
.
forma psicodramática que supõem muitas vezes que haja vários terapeutas
,
decididos a tentar essaatualização para serem eficazes, devem ser efetuadas numa
,
interação onde a natureza lúdica da troca precisa permanecer sensível (ou vir a
sê-lo pouco a pouco) mas implícita, não demonstrável. Frequentemente, ainda é
,
,
por um ato que assume o valor de símbolo que opera exatamente no ponto em que
se concretiza aquilo que inibe ou bloqueia o jogo que o terapeuta é levado a
,
dos auxiliares vivia uma relação de simbiose com as crianças mas essa relação
era simultaneamente negada Instaurou-se assim um círculo vicioso: as
.
crianças agridem os auxiliares que as rejeitam ainda mais, e assim por diaftte.
,
22 P. Dubor (1979) elaborou o termo "gestão grupai" no tratamento dos psicóticos para definir esse
tipo de interação "continente" .
.I
151
Espaços e Práticas Institucionais...
podia ser reintegrada nela sem caos nem destruição. O ato simbólico instaura de
"
uma às outras.
Com efeito , ora a Psicanálise permite, como para Fornari (1971), explicar a origem
da instituição familiar que se constitui como defesa contra o surgimento ou a
ressurgência das angústias primárias e supõe-se que aquele que conhece a origem
coRhece todo o resto ora é a família que é dada como modelo e o conhecimento
,
Seja como for esses diferentes projetos e as justificações que apresentam têm em
,
comum o fato de tomar a própria instituição como sujeito real É essa comunidade
.
de fins que pretende analisar a instituição e as aproximações que esta opera com
,
" "
154 A Instituição e as Instituições
a família - sendo que tudo, aliás, é desigual - que nos parece ser exemplar e mere-
cer um exame. Se num tal projeto, o que está em suspenso é a questão da aplicação
da psicanálise, o problema não deixa de ser deslocado da própria psicanálise para
a natureza do objeto ao qual se supõe que ela se aplique. De fato, o problema
subjacente e implícito em qualquer projeto desse tipo parece residir numa
preocupação inconfcssada de justificação epistemológica. De fato, parece claro, a
esse respeito, que sempre se responde a uma questão que ninguém se deu ao
trabalho de apresentar e que poderia ser formulada assim: "Sob que condição é
possível, ou mesmo legítimo, recorrer à psicanálise como prática teórica na in-
teligibilidade dos fenómenos sociais que são as instituições?" E a inevitável eterna
"
resposta: Sob a condição de poder reduzir qualquer instituição à instituição
familiar, que também pode ser ocasionalmente reduzida a um personagem familiar" .
"
1 1 "Contribuição
. .
à Psicanálise da escola como instituição
No texto de Peter Furstenaii (1964) que traz esse título é dito explicitamente que
,
existe um... parentesco(l) entre a escola e a família e que por essa razão, é per-
,
uma relação que não deixa de estar ligada com aquela que se estabelece na família .
relação educativa com as crianças (p. 57). Por outro lado, o campo privilegiado da
"
ocasião do conflito que opôs o professor na sua própria infância a seus pais .
desenvolver como esse sistema social visando obter a submissão e o controle das
pulsões, a formação do caráter, a regulação dos comportamentos, substitui os ÿais
no seu papel educativo e assim, define funções, cria papéis, induz a um estilo de
,
relações que fazem desse sistema uma instituição bem próxima da instituição
familiar. A esse respeito a instituição escolar se apresenta como uma instituição
,
específica. Ela pode até mesmo ser considerada no conjunto das instituições como
eminentemente marginal. Com efeito se ela se aproxima da família... (ela) se afas-
,
"
bado do seu projeto. Ela, na verdade, não lida com alunos mas com crianças ainda.
Dessa forma, não pode esperar deles um comportamento perfeitamente conforme
às normas da organização adaptada ao objetivo que a orienta, já que o seu objetivo
é justamente o de conduzir a criança a esse comportamento pela educação. Ela
não pode pressupor no início aquilo que só pode ocorrer no fim.
Ora, desse ponto de vista, é justamente porque essa instituição não é como as
outras que se justifica plenamente a utilização da psicanálise para a compreensão
do que acontece na escola entre os diversos atores institucionais (aqueles que mi-
nistram o ensino, aqueles que o recebem, aqueles que o controlam).
Mas a natureza irracional daquilo que aqui legitima o recurso à psicanálise exclui a
validade da sua utilização para outras instituições consideradas e definidas
juridicamente como "organizações de pura racionalidade e por essa razão, fora do
"
Admitamos em hipótese, que não são tanto as aproximações efetivas que têm
,
sentido que essa própria representação afeta de tal maneira a abordagem dos
,
processos institucionais que não se pode reconhecê-los e falar sobre eles senão sob o
prisma da família. A esse respeito, parece-nos profícuo considerar o texto relativo a
essas questões não como a exposição de um dado objetivo (o da instituição como
quí*dro social), mas antes como a expressão de uma representação sintomática. O
grupo familiar como objeto apresenta-se como imagem própria para representar ou
apta a reproduzir a instituição na fantasia inclusive na dos analistas.
...
1 2 "Por
. .
uma Psicanálise das instituições
"
O objetivo totalizante de F Fornari, no artigo que leva esse título (1971)1, parece-
.
nos
a esse respeito, particularmente exemplar. O seu trabalho, aqui, pretende ser
,
quanto a isso, esse último pretende justamente algo completamente diferente. Com
efeito, para E. Jaques não se poderia confundir a função social das instituições
com aquela que ela é capaz de realizar num determinado momento para os
indivíduos reais que garantem o seu funcionamento efetivo. Assim, ele distingue a
utilização psíquica que os indivíduos podem fazer de uma instituição da qual são
membros da sua utilidade social e objetiva.
Mas a mudança de perspectiva efetuada por Fornari não deixa de ser sintomática.
A sua demonstração se baseia no enunciado segundo o qual as instituições sociais
se constituíram e se organizaram como proteções naturais contra as angústias
primárias. Assim, a função essencial das instituições reside na ação defensiva que
realizam para os seus agentes ou os seus usuários. Nesse sentido Fornari pretende
,
Certamente, a família é representativa da sua tese, mas sobretudo diz ele, ela se
,
"
presta de maneira privilegiada ao estudo pela Psicanálise" (p. 104), estudo
específico que justamente vai permitir captar os processos por meio dos quais se
edificaram as diferentes organizações sociais básicas sobre as quais repousa a
sociedade no seu conjunto. Dessa forma ele pretende estabelecer como a
,
"
psicanálise aplicada à família torna inteligíveis os fundamentos das classes sociais
"
Enquanto o trabalho de Bion (1961) se apresenta como mais descritivo que ex-
"
plicativo, F. Fornari, por sua vez, pretende dar conta dos diferentes supostos
básicos" evidenciados por esse último e atribuir ao pressuposto do acasalamento
um lugar realmente fundamental É possível pensar que os "supostos básicos" se
.
Ora, em qualquer grupo onde todos são confrontados com a ansiedade e com o
medo, surge a ideia de que existe alguma coisa ou alguém capaz de acalmar a
ansiedade, de aplacar o medo. Esta é a função original do líder. Mas, quanto a
isso, o que caracteriza o grupo acasalamento, é que na circunstância o líder é
"
inexistente", ou em outras palavras: ainda não nasceu!
A esse respeito, é notável que a atmosfera que então reina no grupo de acasa-
lamento seja uma atmosfera de esperança e de expectativa confiante. Um acon-
tecimento vindouro ou um resultado próximo que se espera terão um efeito
" "
"
uma consequência dessa união engendrada por essa relação de acasalamento e
"
produto idealizado dela. Mas essa esperança necessária e confiante, essa crença na
vinda futura de um ser salvador aparece, certamente, como defesa reativa à
angústia e ao medo, para remediar sentimentos intoleráveis de ódio, de destruição,
de desespero.
Se Bion deixou essa questão em suspenso Fornari por sua vez, pretende apresen-
,
tar uma resposta. Essa angústia seria segundo ele, apenas a expressão da angústia
,
genética que vai ocupar um lugar central na génese das organizações sociais
originalmente ligadas a essa estrutura social fundamental que é a família a qual
,
não parece ter-se originado senão das necessidades e das modalidades de sua
gestão.
nascer é vivida:
- Mas essa criança que está para nascer também aparece nas fantasias que estão
associadas ao parto como objeto perseguidor fonte de dor, de dilaceramento
,
moral e físico já que esse nascimento pode provocar a morte da própria mãe.
Nesse caso o que aparece é a angústia persecutória característica de um aspecto da
,
criança que vai nascer será o messias no sentido de que me tranquilizará contra o
medo da criança perseguidora e também contra o medo de que eu que o engendrei
"
o tenha estragado com os meus ataques (p. 106).
Ora, o que vale para o grupo artificial vale para o comportamento coletivo no
estado embrionário: esse é um dos postulados epistemológicos de Fornari Em .
" "
outras palavras o grupo sobre o qual Bion trabalha reproduziria segundo For-
, ,
nari uma situação originalmente vivida no social no estado fluido, ou seja, antes da
,
É essa elaboração defensiva reacional a uma angústia genética que se veria ins-
titucionalizada no nível de determinadas organizações sociais Assim, essa
.
"
acasalamento endogâmico
"
(p. 114). Caímos então num "círculo vicioso a respeito
do qual podemos nos perguntar se sua causa não residiria no desconhecimento da
anterioridade lógica intransponível da angústia de castração da qual a angústia
genética não seria mais que um avatar.
Se de agora em diante estamos decididamente no campo do histórico fantasmado
não seria essa a consequência de um cegamento do imaginário edipiano? A
" "
Para Fornari, o que Bion descreve como a prerrogativa do messias, que consiste
em afastar qualquer desmentido excluindo a possibilidade de que a criança não
seja o que se espera, determinadas estruturas sociais o realizam prevenindo esse
risco. Assim, a aristocracia como organização eugênica se constitui pela e na
institucionalização da idealização do produto da concepção, declarado "aristos",
isto é, "bem-nascido", o "melhor".
Quanto à "família social autêntica (como primeira estrutura social elementar), (se
ela) se enxerta sobre essas hipóteses básicas que contêm a primeira formulação
idealizada do social como defesa contra as angústias básicas" (p. 110), ela conser-
varia a lembrança petrificada nas suas estruturas, na sua organização, mas também
nos seus mitos e no seu inconsciente angústias que originalmente aterrorizavam os
,
Segundo Fornari os supostos básicos identificados por Bion seriam outro tanto de
respostas (reparadoras e reasseguradoras) coletivas aos desastres fantasiados pela
160 A Instituição e as Instituições
que o casal - como o grupo, aliás - procederia à idealização da criança que está
para nascer. Essa criança maravilhosa que está por vir só o é na medida em que se
pode fantasiar o produto do mesmo como não castrado, ou seja, na medida em que
ele desmente a fantasia angustiante de uma cena primária sádica que atiça para a
luta o mesmo e o outro e que revela a diferença dos sexos (J. P. Vidal, 1978). De
forma que para nós, o suposto básico do acasalamento parece sobrevir como
,
2 .
A instituição como "problema de família"
impressão de ser evidente, nos pareceu sintomática, e isso tanto mais manifesta-
mente quanto os motivos que supostamente deveriam justificar o recurso à
psicanálise como sistema explicativo se verificariam diferentes, até mesmo con-
traditórios. Assim, as razões de Furstenaii a priori invalidam as de Fornari e, vice-
versa, as razões deste último fazem as do primeiro parecer insignificantes ou
superficiais, simplesmente porque estabelecidas sobre analogias.
Tudo isso nos leva a encarar de uma maneira diferente o discurso dos analistas
sobre a instituição. Assim sendo, agora faremos abstração da exposição manifesta
para o considerar e tratar como um material clínico, da mesma forma que o discur-
so produzido sobre a instituição pelos próprios agentes desta... Isso quer dizer que
não se trata tanto de determinar a validade desta ou daquela hipótese relativa à
natureza e à função da instituição ou às modalidades do seu funcionamento quanto
de se deter sobre a realidade fantasmática produzida em filigrana no discurso que
ela suscita.
rogado.
21
. .
Da instituição "mãe má" à instituição "estilhaçada"
Dessa representação que substitui uma realidade material postulamos que ela
,
de início que ao invés de ser simplesmente animado pelo desejo de a defender (ou
162 A Instituição e as Instituições
183). Essa é uma estranha maneira de falar que deixa bem claro que a instituição ,
tornando-se alguém, usurpa o lugar desse Outro que não existe, mas de onde o Id
fala. A instituição se torna pessoa e doravante o Id não pode mais falar.
tf
Com efeito, "a instituição... como uma espécie de pessoa... se alimentaria das pes-
"
soas que lhe são confiadas Assim ela assume um lugar de todo-poderosa; ela se
.
,
Ela se apresenta a seus filhos como "boa e amorosa", querendo o bem deles e ,
isso até no discurso que eles podem manter sobre ela; eles podem dizer tudo ,
"
exceto falar contra (ela) e a rejeitar Mostrar-se agressivo em relação a ela é
"
.
então como alguém que vai matar a mãe, aquela que o ama e quer o seu bem (id). "
segura algo como aquilo que Bion denomina "a função alfa" ou seja, a função ,
mãe!
Não contestamos que essas metáforas possam fazer sentido mas não podemos ,
evitar de nos espantar que até na prática das palavras (que se trate daquela da
linguagem banal ou daquela de uma linguagem especializada) seja tão natural não
se poder evocar a instituição sem se referir à família. Estabelece-se uma espécie
de correspondência necessária entre "o sistema do parentesco" e o sistema das
atitudes institucionais.
O Familialismo na Abordagem Analítica da Instituição 163
"
Falar de uma interdição de incesto nos grupos, escreve D. Anzieu (1975), implica
uma aproximação analógica, não um uso científico do conceito (p. 279). E, segun-
"
denota uma conclusão apressada, que tem a sua origem num deslocamento defen-
sivo contra a regressão pré-genital. Aqui, o complexo de Édipo asseguraria uma
função de pseudo-organizador destinada a esconder o vínculo inconsciente pré-
genital que organiza os grupos. Quanto ao clã ao qual S. Freud faz referência, ele
"
Édipo nos participantes" (p. 280). Algumas observações, ainda que bastante excep-
cionais dão prova disso. Entretanto, feitas essas reservas, D. Anzieu termina o
,
sentações a respeito das quais não nos preocupamos em saber se são teoricamente
fundamentadas ou não. Para nós é suficiente constatar que elas surgem efetiva-
mente, que se impõem e realmente determinam comportamentos, se infiltram nas
atitudes, informam discursos, definem, regem e justificam organizações que se
apresentam como consecutivas a essas representações e inteligíveis (analitica-
mente) graças a elas.
Certamente, pode-se supor, como D. Anzieu ou R. Kaés (1976 b, p. 83), que essas
organizações familiares que emergem assim nas representações (banais ou
" "
eruditas) do grupo institucional são apenas efeitos de superfície que dissimulam
"
"
organizações complexivas mais primitivas mas pretendemos reconhecer na sen-
,
" "
sibilidade desses efeitos de superfície um sintoma que nos inquieta, justamente .
e retira alguma coisa das suas próprias relações de filiação. Daí resulta a
mobilização inevitável e renovada do seu próprio romance familiar.
Laborde
considerações que não deixam de ser interessantes. Ela precisa que "o grupo D (o
O Familialismo na Abordagem Analítica da Instituição 165
como uma espécie de incesto cuja interdição é uma exigência "social" do grupo,
antes de ser uma prescrição médica noções que, nesse caso, são perfeitamente
" "
equivalentes (p. 88). E ela acrescenta numa nota: às vezes é difícil ajustar essa
"
Podemos compreender esse equívoco que parece ser provocado pela confusão
entre as regras que provocam a situação analítica e as da instituição. Com efeito,
introduzir a interdição do incesto como regra no seio de uma instituição - mesmo
de "tratamento" - é pressupor e induzir ao mesmo tempo, é pressupor a fim de
induzir. Não é porque determinadas instituições têm por vocação tratar ou então
produzir, administrar, educar ou distrair... que elas são essencialmente diferentes.
Assim sendo, quando se pressupõe e enuncia que os indivíduos são irmãos" e
"
"
irmãs", ou os "filhos" simbólicos de "pais" e de "mães" simbólicas, induz-se uns e
outros a se considerarem como tais. Mas, nesse contexto, quando se falta com a
regra, contentamo-nos em interpretar e apenas em interpretar ou temos também os
meios materiais para sancionar?
sato, ou seja, como lei (desejo recalcado). A razão funciona aqui ainda para
"
A Psicanálise não pode lidar unicamente com representações. E sobre tais repre-
sentações que ela pode ser exercida e é considerando as construções teóricas nesse
campo como construções ideológicas que metabolizam as fantasias que ela pode
continuar a ter um sentido como "ciência do inconsciente.
"
Esses modos de falar ou essas construções racionais que se julgam saber "analítico"
fora de qualquer situação propriamente analítica não emergem senão como
"
"
"
saber prévio do que de interrogar a própria representação. A Psicanálise não tem
por vocação determinar se os indivíduos têm ou não razão de acreditar nisto ou
naquilo, de agir deste ou daquele modo, conforme as exigências normativas oriun-
das do seu saber, mas, antes, examinar com indivíduos as suas representações e o
"
sentido que elas assumem para eles numa determinada situação. Assim sendo, ela
deixa a outros a preocupação de retomar o discurso analítico" (M. Mannoni, 1973 ,
p . 56).
Bonneuil
rapazes: namorem todas as moças que quiserem, mas não as da escola... (p. 82).
Seja como for um rapaz não deixa de se fazer a pergunta que precisa o registro
,
imaginário no qual nos situamos: "Não haverá entre as moças uma que certamente
é minha mãe?". "Quem pode garantir que a moça com a qual dormimos não é sua
"
mãe? (p. 83). O regulamento que, de agora em diante, distingue as mulheres que
são possíveis daquelas que não o são lhe parece (?) inquietante na medida em que
,
Se o discurso que ele usa a esse respeito tem a sua origem na problemática pessoal ,
não se pode nem por isso, dissociá-lo do lugar e das circunstâncias em que ele se
,
que revela a dimensão edipiana como recurso e, ao mesmo tempo, a defesa frente
a esse recurso. A segregação homens-mulheres à qual pretende dá prova de uma
O Familialismo na Abordagem Analítica da Instituição 167
sentações edipianas.
Mas, além disso, o discurso desse rapaz revela ainda outra coisa: o regulamento
não tem sentido em si mesmo; pode-se dizer que ele o recebe de outra parte. Isso
significa que as rarr.;<; que pretendem embasá-lo apagam-se por detrás do sentido
que lhe conferem aqueles a quem ele se aplica. E esse sentido não é unívoco: pode
variar ou se modificar de acordo com os momentos ou com as circunstâncias.
Assim começa a surgir um sentido para o regulamento que, dessa maneira, pode
,
assumir, para aqueles cuja coexistência ele administra, uma função correspondente
à "imagem" que formam do próprio grupo e dos seus lugares respectivos.
acordo com o modo familiar: tornam-se do tipo filhos-pais. A lógica que então se
instala é a do inconsciente lógica que tende a substituir aquela originada nas
,
"
e a (sua) atividade lhes dariam direito (1980, p. 264). Privada de um determinado
poder sobre seus atos, a pessoa não pode sair da infância, por não poder aceder a
um outro modo de existência mais conforme à situação real que deveria ser a sua .
"
Se, portanto, num grupo social predominam as representações familiares" e con-
,
Segue-se, sem que isso seja explicitamente enunciado que, para G. Mendel, a ,
não é perturbado pelo menos nas relações, nos intercâmbios, nas comunicações...,
,
Essa aberração pela qual a criança leva a melhor sobre a personalidade social
adulta constitui ao mesmo tempo, uma fonte de desordem e - sem que seja dito
,
via de consequência de colocar as coisas nos seus devidos lugares. Para isso é
,
,
a sua razão de ser o seu lugar e o seu poder, o indivíduo poderá então descobrir-
,
plenamente.
Quanto ao lugar privilegiado onde tudo o que o indivíduo pode fazer é aceder à
sua personalidade social conquistar o Eu do político" tornando-se verdadeira-
,
"
mente adulto , tal não pode ser senão na própria instituição como lugar de
produção micro-social.
Essa antropologia que tenta articular o fato social e o fato psíquico individual,
,
Pudemos observar através desses diversos trabalhos que a psicanálise não se jus-
tificava ou não se legitimava para falar da instituição ou para intervir no campo
institucional junto aos seus agentes ou de uma parte deles, senão para delimitar em
alguma parte uma estrutura de tipo familiar, seja para explicar a origem, a
constituição ou a função da instituição, seja para explicar a sua organização, o
funcionamento ou a disfunção seja ainda para elucidar as relações de fato ou de
,
direito dos indivíduos entre si ou com a instituição em pessoa (!), o sistema das
" "
Segue daí que nenhum desses "teóricos" descobre a família onde o outro a enxerga
e não reconhece na natureza e na força dessa estrutura efeitos idênticos. Ora,
simultaneamente e por um estranho paradoxo a maioria dessas teses pretendem
,
qual está subordinado à problemática específica que sustenta a sua prática. Com
isso se vê definida a originalidade do seu "objeto" que por conseguinte, não pode
,
" "
se confundir com o objeto de nenhuma outra ciência ainda que vizinha ou
contígua. Segue daí que a "instituição" da psicanálise - entendamos aquela da qual
ela pode ter o direito de dizer alguma coisa de pertinente porque é susceptível de
entrar no seu campo de "legibilidade" - não pode ser senão a instituição como
objeto. Em relação a esse ponto fixo de referência qualquer mudança de perspec-
,
Dessa forma, distinguiremos aqui "a família" de um lado, que não cessa de rea-
parecer - com ou sem razão - como o elemento aparentemente indispensável para
pensar a instituição, necessário para legitimar uma intervenção e, por outro lado, a
função e o uso desse modelo social Por falta de procurar se inscrever no único
.
a esse modelo se revela um recurso ideológico O sentido desse recurso merece ser
.
questionado, tanto do lado dos analistas quanto do lado dos agentes institucionais:
supomos com efeito, que independentemente dos conteúdos, os mecanismos
,
Vidal, 1984). Não seria tanto o caso de se apropriar da ideologia do (ou dos)
eventual interveniente, quanto de se apropriar dos meios próprios para produzi-la
com o objetivo de dominar e de consertar o que se desregula nesse lugar onde se
dão os conflitos de filiações a respeito das afiliações institucionais (cf. R. Kaês,
1984 e 1985 a).
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