Carta de Edificação Irmã Cecília
Carta de Edificação Irmã Cecília
Carta de Edificação Irmã Cecília
Irmã
O que não sabíamos era que essa Palavra se cumpriria e se faria realidade no seio de
nossa comunidade. Três dias após o início do Ano Jubilar, nossa Irmã Cecília Maria é
inesperadamente visitada por uma enfermidade grave, que seis meses depois – em 23 de junho
de 2016 – culminaria com sua Páscoa.
(Vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=L9NFmvTD5gw)
Era uma criança muito alegre e risonha. Quando começou a andar (demorou muito
tempo, porque era muito preguiçosa), tornou-se um pequeno “demônio”: muito caladinha,
sempre alegre e sorridente, não deixava de fazer bagunça. Com uma pequena cadeira a seu
lado, ia a todos os lugares... Um dia ficou intoxicada com alguns remédios que conseguiu
alcançar. Esteve em estado grave, em terapia intensiva durante uma noite inteira, mas o
Senhor quis deixá-la viver....
Na escola, era muito estudiosa e, à medida que ia crescendo, fazia mais amigas.
Um dia, na casa da avó, em Buenos Aires, estava brincando com suas primas de jogar
laranja na rua. A primeira a conseguir que a laranja fosse amassada por um carro seria a
vencedora. Viu que não era tão fácil como parecia: a laranja rolava debaixo dos carros, mas
continuava intacta, o que estava ficando chato. Então fez sinal para um motorista de ônibus.
Este parou e ela lhe pediu que passasse por cima da laranja. Suas primas não podiam acreditar
no que estava fazendo; o motorista acelerou, irritado, e a laranja permaneceu intacta ... Ceci,
com sua cara travessa, abriu os olhos com aquele sorriso, como se dissesse: “O que há de
errado?” É que ela sempre pressupunha que as pessoas fossem boas, por isso não as temia.
Isso a ajudava a ser muito sincera e dizer o que pensava; às vezes, acabava sendo
“imprudente".
Aos 16 anos, a família foi transferida para Rio Mayo, Província de Chubut; para uma
adolescente, era como ir ao fim do mundo. Era um lugar inóspito por seu clima desértico, com
fortes ventos. No entanto, Ceci, que tinha tanta vida própria, soube aproveitar bem. Decidiu
fazer uma pequena horta entre pedras e ventos, o que era como plantar batatas na lua.Com sua
tenacidade, porém, conseguiu cultivar algumas alfaces. À força de muito regar, teve êxito,
apesar de os irmãos rirem de seus esforços. Fez-se muito amiga de uma colega de classe, filha
de uma família indígena, que falava muito pouco, mas Ceci se entendia bem com ela. Morava
num vilarejo ao final da aldeia, e Ceci ia sem problemas levar aos irmãos dessa amiga as
roupas que os seus irmãos já não usavam. A família gostava muito dela. Ceci convidava-a
muitas vezes à sua casa e, ao cabo de dois anos, tiveram que partir para um novo destino.Essa
amiga (que morreu dois anos depois) não parou deescrever a ela e a toda a família, movida
pela imensa gratidão que sentia por eles.
Já em Buenos Aires, cursou o 5º ano do ensino médio em uma escola católica. Não lhe
custou nada a adaptação no que diz respeito à relação
com os professores e alunos; imediatamente conquistou
todos os seus colegas. Estes lembram-se de sua discrição,
não se importando com a moda. Era muito simples,
franca e natural; era ela mesma, sem fingir o contrário.
Sempre tinha uma observação a fazer, às vezes de um
modo “inconveniente”, do qual normalmente se dava
conta e reparava como podia, sempre pedindo desculpas
se tivesse agido com indiscrição ou passado da conta.
Deus se serviu de um professor de teologia que, através
de suas aulas, a fez conhecer e amar Santa Teresa de
Jesus, despertando nela uma crescente sede de intimidade
com Cristo e o desejo de consagrar-se a Ele. Sua avó,
talvez adivinhando seus desejos, deu-lhe de presente uma
viagem à Europa, pensando que assim a dissuadiria. O
certo é que naquela viagem, estando no mosteiro da
Dois dias antes de ingressar em nossa
Encarnação de Ávila, sentiu fortemente o chamado ao
comunidade.
Carmelo.
Vídeo : https://www.youtube.com/watch?v=4YW8NoQpw0Y.
Após o retorno, tentou estudar para exercer alguma profissão e, passado ano e meio, entrou no
Carmelo de Corpus Christi, em Buenos Aires. Ali permaneceu cinco meses. Gostava de lá,
mas não se sentia em seu lugar. Saiu, com toda a dor e obscuridade de sua alma, pensando que
o Carmelo tinha sido uma ilusão sua, não um chamado verdadeiro. No entanto, apesar de
todos os esforços, não conseguia esquecê-lo e, com o conselho e orientação de seu diretor
espiritual – um frade carmelita –, pediu para ser admitida em nossa comunidade de Santa Fe,
que na realidade sempre a atraíra. Mas teve que esperar, já que nós e seus pais lhe pedimos
que fizesse um curso antes. Escolheu o de Enfermagem. Após 3 anos, com o diploma na mão,
entrou no dia 8 de dezembro de 1997, com seus 24 anos recém-completados.
POSTULADO
Quando ingressou, havia uma postulante e uma noviça. Integrou- se com facilidade ao
pequeno grupo e, de maneira simples e sem fazer barulho, era a que unia as Irmãs. Tinha o
dom de reconciliar as pessoas com uma palavra, um gesto, uma piada... Sua piedade era algo
muito natural, como sua respiração.
NOVICIADO
Em 20 de Junho de 1998,
recebeu o hábito da Virgem. Sua
inclinação para o Carmelo deveu-se em
grande parte ao fato de que ela queria
ser da Virgem e que “o Carmelo é todo
de Maria”. Um ano depois, em 5 de
junho de 1999, fazia sua profissão de
votos temporários de obediência,
castidade e pobreza, por três anos. E
como frequentemente acontece no
Carmelo, após o tempo do “primeiro
amor”, começa para ela o tempo
do“combate espiritual”, no qual surgem suas dificuldades e lutas.
Era obediente, mas ao mesmo tempo manifestava sem rodeios toda a rebelião que
muitas coisas ou circunstâncias lhe causavam. Sendo impulsiva, sofreu devido ao seu
temperamento, mas não deixava de lutar para corrigir-se das reações de raiva e cólera. Lutou
corpo a corpo com seus limites, trilhando um caminho de humildade sem possíveis evasões,
pois suas limitações eram sempre expostas, dado o seu caráter simples, sem duplicidade. Era
extremamente distraída, não com as pessoas, mas com as coisas e trabalhos. Certa vez, estava
preparando o presépio de Natal no oratório do noviciado e a chamaram. Desceu
imediatamente, sem perceber que deixava acesas as pequenas luzes que estava arrumando,
encostando em vários papéis (embora tivessem explicado que isso era muito perigoso por
causa do calor de Santa Fe). Depois de um tempo, começou um verdadeiro incêndio, que só
por Deus não atingiu o telhado da capela, todo de madeira... Reconheceu e assumiu a
responsabilidade pelos danos e começou a remodelar as imagens que haviam sido queimadas.
Era muito rápida para dar sua opinião diante do que acontecia, quer gostassem ou não.
Por exemplo, nos ensaios de canto, quando estávamos aprendendo algum, não demorava a dar
a sua opinião. Desde que ingressou, sempre aderiu ao que era resolvido comunitariamente,
embora às vezes protestasse ou se sentisse chateada. Sua simplicidade muitas vezes a fez
experimentar seus limites e fraquezas nos atritos diários com as Irmãs, devido às
“imprudências” no que dizia ou fazia.
Custava-lhe assumir seus limites, fraquezas e falhas, e isso levava-a a ficar com raiva
de si mesma ou a pedir perdão com muita frequência. Tinha uma vontade forte, mas ver-se tão
imperfeita lhe causava sofrimento e, diante das contínuas e repetidas tentativas de procurar
superar-se, só experimentava frustração, o que lhe dava desânimo e tristeza.
Sentia-se incapaz e inútil para realizar certos trabalhos. Havia uma conoviça muito
habilidosa e criativa, o que aumentou seu sentimento de não poder nem valer nada. No
entanto, soube pedir-lhe ajuda e, pouco a pouco, começou a desenvolver sua criatividade,
chegando a modelar imagens de cerâmica muito bonitas, como a de uma bela cena da fuga
para o Egito.
Mostrava-se muito entusiasmada com a formação que recebia. Havia nela uma busca
sincera e constante de tudo o que a ajudasse no caminho de união com Deus. Em suas lutas e
dificuldades, era aberta a pedir ajuda, ouvindo atentamente e esforçando-se para seguir os
conselhos que lhe davam. No entanto, também experimentou a dificuldade de expressar-se
com seus superiores, reconhecia sua falta de liberdade interior para isso. A tensão que lhe
causavam seu desejo e sua incapacidade de atingir o coração do outro – e que, ao mesmo
tempo, constituía seu verdadeiro dom –, foi para ela uma purificação. Seu incrível dom de
empatia foi posto a dura prova.
Durante esses anos no Carmelo, ela tinha uma vontade a toda prova, em seu constante
desejo de responder ao Senhor. Era tenaz e perseverante em praticar a virtude em meio às
frequentes quedas e fraquezas que lhe sucediam na vida comunitária. Essas ocasiões
introduziram-na no lento e cansativo caminho da humildade. Vez ou outra, viam-na pedindo
perdão, reconhecendo suas fortes reações impulsivas diante do que a incomodava ou tirava de
seus esquemas. No entanto, nunca guardou rancor ou ressentimento para com as Irmãs da
comunidade.
A Irmã Cecília Maria era calorosa, próxima e acolhedora. Tinha grande habilidade
com pessoas, grande capacidade de relacionamento, interessando-se sempre pelas pessoas.
Era muito solícita com as pessoas com quem se encontrava e se preocupava quando via uma
Irmã sofrendo. Era uma verdadeira irmã. Mesmo que estivesse passando por um momento
difícil, nunca se isolava. Tinha uma necessidade própria e vital de compartilhar-se com o
outro. Desse modo, nos trabalhos, que sempre empreendia com outra pessoa, mostrava não
apenas a sua própria riqueza, mas a do outro. Não era nada autorreferencial nas coisas que
fazia.
Lutava contra sua ansiedade de concluir logo algum trabalho ou com a falta de
flexibilidade diante de uma mudança de planos ou contra a tendência a irritar-se com alguma
Irmã, por ter respondido mal ou não viver como desejava seu coração. Já doente no hospital,
confidenciou a um irmão: “Meu grande pecado era sempre fazer o que eu queria, meus
caprichos... Algumas vezes fiquei com a cara tão amarrada, que tive medo de mim mesma”. O
contraste entre o ideal do que queria ser e o que realmente era provocava-lhe tensão e
ansiedade. Buscando canalizá-la, expressou à priora o desejo de aprender a tocar algum
instrumento, no que foi incentivada. Começa suas primeiras aulas de violino, demonstrando
incrível força de vontade e tenacidade para aprender, dia a dia, a tocar esse instrumento
difícil. No início, o som parecia um trem que todas nós escutávamos milhares de vezes! Mas
valeu a pena, porque logo começou a tocar na liturgia, aprimorando-a e embelezando-a.
No entanto, continuavam suas lutas com o seu temperamento: “Senti todos os dias
como que uma repugnância em ser generosa, em aceitar as contrariedades. Senti raiva por
dentro e protestei por fora”. Pouco a pouco, foi encontrando seu caminho – o caminho da
doce obediência, como gostava de dizer –, o caminho da transfiguração que a levou a aceitar
humildemente suas próprias limitações e reconciliar-se com elas. Chegou a encontrar Cristo
precisamente aí. O retiro anual do ano de 2012 marcou o antes e o depois em sua vida.
ACUSAÇÃO DE SI MESMA
DISCRIÇÃO
Sua maneira de ser, tão próxima e empática, levou-a a dizer as coisas de um modo
frontal, sem respeito humano, sempre buscando o bem do outro. Foi sempre muito sincera
nesse ponto, sem se importar com “o que dirão”. Falava coisas “sem filtro”, o que às vezes a
levou a ser imprudente ou incompreendida. Embora sofresse quando lhe apontavam que tinha
sido imprudente em algo que havia dito, sua sinceridade sem duplicidade e seu desejo de fazer
o bem se lhe impunham. Manteve esse traço de personalidade até ao final de sua vida. Já
hospitalizada, quase sem poder falar, continuou a ser “imprudente” em seu ardente desejo de
ajudar a todos que se aproximavam dela. Nos últimos anos de sua vida, mostrou-se totalmente
reconciliada e em paz com esse “defeito”. No último triênio, sua Priora comentou que
hesitava em colocá-la na roda, porque a Santa Madre pede que a rodeira tenha caridade e
discrição. Dirigindo-se à Irmã, disse-lhe: “Tens caridade, mas discrição, zero. Reconheces?”
E ela, com naturalidade e serenidade, respondeu: “totalmente”. Essa resposta foi o suficiente
para confirmar à Priora que poderia colocá-la como rodeira. Anos antes, ter-se-ia justificado,
pedindo uma nova oportunidade. Isso tornou possível que, sendo imprudente por natureza,
alcançasse a virtude da “discrição”, a mãe das virtudes, assim como a docilidade e a
transparência, abrindo-se e descobrindo seus "pensamentos" ou “movimentos” a quem a
guiava.
ESCUTA
OBEDIÊNCIA
Muitos ficaram impressionados com a alegria de nossa Irmã durante sua enfermidade.
Estando no hospital, revelou seu segredo para um de seus irmãos: “A alegria é um dom do
Espírito Santo. Eu nunca me propus ter alegria ... Penso que, para que Deus faça Sua obra
em ti, tu deves começar a escutá-lo e obedecer-lhe. Ouvir e obedecer é a mesma coisa. A
alegria é um dom que nos vem do Alto. A obediência nos torna mais ternos, humildes,
transparentes e todas aquelas coisas boas que vêm do alto”.
Tudo isso foi preparando-a para acolher a visita de Deus em sua enfermidade com uma
atitude obediente e de fé. Esse caminho de humilde aceitação de sua humanidade levou-a a ir
ganhando a capacidade de entregar-se, como demonstrou no Carmelo de Azul. Nessas três
semanas, trabalhou intensamente, sem descanso, apesar de o problema de sua boca começar a
tornar-se cada vez mais visível em sua dificuldade para falar e comer. Numa dessas noites em
Azul, ofereceu-se para ficar à espera de uma Irmã que deveria chegar de madrugada e que,
afinal, não chegou. Sua dedicação passava despercebida, ninguém podia suspeitar o heroísmo
que escondia. Ao final de novembro, retornou à nossa comunidade, e foi então que o
problema de sua boca começou a se manifestar abertamente, com dores intensas.
SUA ENFERMIDADE
Durante esses meses, ela havia feito várias consultas médicas a respeito de suas feridas
e, aparentemente, não eram nada de importante. Em seu retorno de Azul, foi ao dentista
(crônica de 11 de dezembro:
https://drive.google.com/file/d/0BxqAyKyUYOEyc1I0bTdzamFnNkE/view?usp=sharing),
que, ao ver sua língua enrijecida, imediatamente a encaminhou para um especialista de cabeça
e pescoço. O médico, após examiná-la, disse-lhe: “Eu sei que vocês rezam pelos outros, se
oferecem pelos demais, se ocupam dos outros... Mas vou te pedir um grande favor: agora vais
cuidar de ti”. Ordenou-lhe com urgência uma tomografia computadorizada da língua e do
pescoço. Ela, ao ver a ordem médica, percebeu que o diagnóstico dizia CA da língua (câncer
de língua). Seus olhos encheram-se de lágrimas. Em seguida, reanimou-se e disse para a
benfeitora que a acompanhava: “Quanta coisa para oferecer .... Pensar que meu tio tem
câncer e está sofrendo muito”. Chegando ao convento e adentrando a porta da clausura, não
podíamos acreditar, porém ela disse, com um rosto que irradiava grande paz e entrega: “O
Senhor me escolheu e eu disse ‘FIAT’. Não posso fazer mais nada”.
Cada vez que nos encontrávamos, ela se deixava abraçar e beijar, e era ela que, com
sua paz e sorriso, nos sustentava e levantava. Ao mesmo tempo, demonstrava o amor que
tinha por nós com abraços, palavras e gestos. Naqueles dias, escreveu uma carta para todos:
“Eu não sei se estou no ar, mas apesar da dor, que já se vai anunciando mais e mais e que me
tira bastante o sono, sinto-me agora animada e contente. Suponho que virão momentos de um
pouco de escuridão e desespero, mas não estou sozinha, poderemos juntos seguir o Cordeiro”
(carta de 17 de dezembro de 2016).
Poucos dias antes da biópsia, organizou uma reunião para
que se fundasse um grupo pró-vida aqui em Santa Fe, que nasceu
no mesmo dia da biópsia. Após esta, em 22 de dezembro, o
médico informou que o tumor tinha 10 centímetros e aconselhou
que o tratamento fosse em Buenos Aires, dada a complexidade do
caso, devido ao tamanho e localização. Comprometia o centro da
fala e a deglutição: o nervo trigeminal e grande parte dos nervos
da cabeça. Sua família, que vivia em Buenos Aires, foi de grande
ajuda e companhia em todo os momentos. Seu desejo de ser
tratada em Santa Fe foi o primeiro grande desprendimento que
Deus lhe pediu. Em meio à dor da pós-biópsia, a sós com a Priora,
pediu-lhe que rezasse o terço e citava intenções muito específicas,
Dia da biópsia
acrescentando: “Em ação de graças”. A Priora perguntou: “Por
tudo?” –“Sim, por tudo”.
https://drive.google.com/file/d/1lOiY3oUGE1BbDNIafPqMrAhqkHBmOdx7/view?usp=shari
ng
Transferiu-se ao Carmelo de
Lisieux, em Buenos Aires, por dois
meses, acompanhada de sua Priora e,
quando foi necessário, de outra Irmã, só
que de nossa comunidade. Também
ajudou a cuidar dela, especialmente à
noite, sua irmã religiosa, vinte anos mais
jovem que ela, a quem suas superioras
Com as Irmãs de Lisieux
designaram com essa finalidade para
Buenos Aires por seis meses. Antes de iniciar o tratamento de radioterapia e quimioterapia,
foi colocado um botão de gastrostomia em 21 de janeiro, devido à sua grande dificuldade para
comer. Estando hospitalizada, ela contraiu pneumonia devido à aspiração brônquica. Como
estava com muitas dores, as visitas foram restringidas. Chegou um homem a quem ela havia
ligado, porque queria conhecê-lo, já que ele não acreditava na vida contemplativa de clausura.
Quis atender essa pessoa, apesar de sua condição. Ao entrar, o homem olhou para seu rosto de
felicidade, de paz e de alegria, e sentiu como se estivesse vendo alguém que não estava doente
e que estava feliz. Ela deu-lhe a bênção e ele saiu chorando, impressionado pelo modo como a
felicidade e a dor podem ser compatíveis em alguém. Saiu com outra impressão sobre o que
ele pensava.
Em 25 de janeiro, foi informada de que não poderia ingerir mais nada pela boca, o que
lhe custou muitas lágrimas na frente de todos os médicos presentes. Resistia a esse momento
que tinha chegado. Sua primeira reação foi de angústia e tristeza, porém seu segredo foi que
não se fechou nelas, mas, com coração aberto, entregou a Jesus essa angústia, essa dor, sem
forçar nada, mas aceitando o que estava vivendo e sentindo. No dia seguinte, pediu perdão aos
médicos que haviam presenciado sua reação. E a todas as pessoas que entravam em sua sala
contava, achando graça, o que havia acontecido, expondo abertamente sua fragilidade. E
dizia: “Já está oferecido”, sem protestos, nem queixas, nem lágrimas, alcançando tal
liberdade interior, que não só podíamos deixar-lhe à vista a água e a comida, mas também
perguntava o que tínhamos comido, que lhe contássemos com todos os detalhes. Um dia,
acordou muito feliz, comentando: “À noite, sonhei que estava comendo uns sanduíches de
presunto e queijo e que estavam deliciosos!” Por isso, soube aconselhar os que atravessavam
esses estados: “Jesus carregou tua angústia. Quando voltares a sentir angústia, não tenhas
medo, não tens que querer fugir. Tens que ficar aí, dizendo: ‘Jesus, eu confio em Vós’. E o
diabo também se aproveita, porque nos faz crer que esses momentos nunca passarão”.
Sempre foi muito realista com a sua enfermidade e estimava os médicos que, vendo-a
com tanta alegria, diziam-lhe toda a verdade do que ia acontecer, porque assim ajudavam-na a
preparar-se. Por essa razão, considerava-os “muito humanos”.
Em uma de suas primeiras sessões de radioterapia, disseram-lhe que lhe faria bem um
caramelo ácido para depois da sessão, razão pela qual havia uma cesta de doces na recepção.
Ela os viu e disse: “Que legal isso!” E guardou-o no bolso. Quando saiu, começou a tirar a
embalagem, mas sua irmã religiosa lhe disse que não podia. “Tem certeza? Disseram-me que
podia”. “Não, Ceci, tu não podes”. E deixou escapar um suave “Está bem”, sereno e
conformado... humilde e obediente, enrolou-o e devolveu- o à cesta.
O tratamento causou mais feridas em sua boca: doía-lhe não somente a língua, mas o
palato, deixando-a incapaz de mover a língua e dar um beijo, mas continuava com seu sorriso.
A missa diária do convento foi ficando cheia com sua grande família, que queria acompanhá-
la, embora não pudesse vê-la. A princípio, após a missa, recebia alguns deles por um
momento, apesar das dores intensas.
Na última semana do
tratamento, antes da separação,
quisemos compartilhar uma recreação
teresiana com as Irmãs que nos
hospedavam, já que nesses dias Irmã
Cecília Maria não estava presente.
Ensaiamos em sua sala durante a
manhã, para distraí-la. Ela, que não
tinha tocado seu violino durante todo o
tratamento (apoiava-o na área do
tumor, agora irradiada), com o desejo
de alegrar a comunidade e fazendo um grande
esforço, tocou-o, enquanto cantávamos: "Na
Cruz está a vida e o consolo".
Poucos dias depois de chegar, apresentou um quadro de bronquite e febre; para pesar
de todas, tivemos que interná-la em Santa Fe no dia 24, Sábado Santo. Ela confidenciou, com
lágrimas, a uma Irmã: “Não posso mais”. Durante a internação, estando muito fraca e cansada
(teve uma pneumonia), acolhia a todos com um grande sorriso. Visitaram-na os seminaristas,
interessando-se muito por eles. Certa vez, à meia-noite, veio uma enfermeira que, vendo-a,
disse sentir tanta paz, que lhe deu vontade de chorar sem parar. Olhava-a e chorava,
confessando que estava muito afastada da Igreja, contando-lhe seus problemas familiares e
dizendo que se fazia de forte, carregando tudo sozinha. Irmã Cecília Maria, deixando de lado
sua dor na boca, disse-lhe que não precisava guardar tantas coisas em seu coração, porque iria
adoecer, que tinha que saber perdoar e não carregar cruzes que Deus não lhe pedia: “Deus não
nos quer tristes. Acontece-me que, quando dói a minha
boca, toda a minha vida gira em torno dela, e parece que é
a única coisa no mundo, porém temos que aprender a dar a
cada coisa o seu lugar... é um exemplo bobo, porque as
dores do coração não são como as do corpo. O mais
importante para ter paz, gozo e alegria é estarmos muito
unidos a Jesus. Eu sei que a paz que tenho não é minha paz,
mas a paz de Jesus; não é minha alegria, mas a alegria de
Jesus. É que, se todos vivemos unidos a Ele, nós nos
tornamos outros Cristos”. A enfermeira sorria e chorava ao
mesmo tempo, e disse-lhe: “Eu vim para cuidar de ti e...”
Irmã Cecília, com o último fio de voz, disse: “É que somos No Sanatório Garay, preparando
irmãos, certo? Nós nos ajudamos”. A enfermeira se uma injeção para sua irmã, que
estaba cuidando dela.
despediu, muito agradecida, e saiu com um terço, que
rezava todos os dias. Quando veio a bioquímica, Ceci aconselhou-a em seu namoro, dizendo-
lhe: “Pelo amor que tens a ele, casa-te e convida-me para o casamento”. “Sabes que ontem
mesmo estava contando ao meu noivo que, toda vez que eu entro para colher sangue, me
encho de tanta paz, que depois preciso espalhá-la pelas outras salas”.
Como tínhamos estampas de Jesus Misericordioso, cuja festa era no dia seguinte,
propôs a uma de nossas Irmãs que estava cuidando dela que visitasse os outros doentes e
distribuísse as imagens. Saíram com todo o aparato de alimentação, toda a comida, soro etc. A
companheira hesitou em entrar num quarto de homens, porque não estavam muito vestidos.
No entanto, Ceci arrastou-a, sem hesitação, e entrou. Participou do diálogo apenas
cumprimentando e com seu sorriso. Um dos pacientes permanecia em silêncio e, graças a
algumas perguntas, contou-lhes que tinha um tumor na cabeça. Imediatamente, Irmã Cecília
Maria exclamou, pegando-o pela mão: “Meu irmão!”, com o que o diálogo se tornou mais
profundo. Foram a várias salas e voltaram, por causa de seu grande cansaço. De regresso, suas
irmãs casadas de Buenos Aires chegaram e ela lhes disse: “Tenho minha língua partida, estou
com muitas dores e cheia de catarro”. Mesmo assim, conversou com elas toda aquela tarde
acerca do sangue que corria em suas veias. Sentiam-se unidas por sensações comuns, que
foram batizadas de “leão na jaula”. E compartilhava com elas o caminho por onde o Senhor a
tinha conduzido: “É mais fácil conhecer alguém quando as misérias ficam expostas, porque
se pode experimentar e viver a humilhação e depois, com humildade, pedir perdão. Por outro
lado, quando alguém, por natureza, tende a se guardar e se esconder, como se nada tivesse
acontecido, corre o risco de ficar doente e deixar de ver. Isso torna difícil o verdadeiro
conhecimento de si mesmo e, assim, não se pode experimentar a Misericórdia de Deus, que é
deixar-nos amar por Ele em nossa fraquez, e deixar que Ele faça sua obra em nós”.
Concluíram com Vésperas e, ao chegar às intenções livres, ela pediu pela organização pró-
vida que se estava fundando em Santa Fe e concluiu com os braços levantados e com um
grande sorriso, dizendo em voz alta: “E viva o câncer!”, por três vezes. Depois de um tempo,
sua Madre priora chegou e disse que não lhe dariam alta no dia seguinte, que era o Domingo
da Misericórdia. Irmã Cecília, abraçada à sua Madre priora, como manso cordeiro, sem
queixas, apenas expressou seu descontentamento em tom suave e calmo: “Bem... aqui presa
me deixas... primeiro voltaria no
sábado, depois no domingo, agora na
segunda-feira, depois será terça,
quarta, quinta, sem Páscoa e sem festa
de Misericórdia... bom... Nossa Madre,
não acredito em mais nada”. Sorria. A
Madre lhe respondeu: “Que grande
festa, filha da minha alma, viver a
Misericórdia no hospital. Pensa, minha
filha, quantas almas vais poder ajudar daqui com a tua oferta”. E ela respondeu: “Presa,
presa!!! Tu me deixas...” A Madre lhe disse que também ela sofria e que não lhe dissera isto:
“... e deixa-me, mamãe, dizer-te o que sinto, porque, se não compartilho aqui contigo, onde o
farei?” No dia seguinte, Domingo da Misericórdia, acordou cheia de dores na boca, com tosse
e catarro, somado ao desânimo de permanecer ali. Todavia, nesse dia, mais do que nunca, pôs
de lado suas dores, deu à faxineira uma grande estampa de Jesus Misericordioso. Dentro de
alguns minutos, eram várias faxineiras e enfermeiras de outros setores que vinham para
cumprimentar e reclamar suas estampas. Ela, apontando para o Coração de Jesus, dizia-lhes:
“Aqui, no Coração de Jesus, de onde sai água e sangue, em seu peito, estamos todos nós:
estamos tu, teus filhos, tua família, a Igreja, dali Ele nos abraça e cuida de nós”.
Na segunda-feira, retorna ao seu amado Carmelo. Depois de alguns dias, quis que lhe
diminuíssem as drogas para a dor, para não ficar sonolenta o tempo todo, mas a dor aumentou.
Era sua escolha, que foi respeitada. Tinha grande desejo de que o tratamento feito desse
resultado. Tentou tomar café com leite, que ela apreciava muito, o que demorou uma hora,
pela dor que lhe causava; no entanto, estava feliz. Porém, ao fazer o teste de deglutição, não
deu certo e teve que voltar a não ingerir nada pela boca. Foi uma decepção para ela. Nesse
mesmo dia, numa reunião comunitária de ressonância da Palavra de Deus, compartilhou do
mais profundo de seu coraçãoa sua oração: “Obrigada, Pai, porque posso entregar-te algo
que eu nunca teria escolhido: não comer nem beber mais...”
Após a visita, foi à consulta alternativa, que seria supostamente para aliviar a dor.
Submeteu-se a um laser, que durou mais de uma hora de dor intensa. Ao finalizar, o doutor
ofereceu-lhe uma injeção de ozônio, ao que ela respondeu mansamente: “Já que estamos no
baile, vamos continuar bailando”. Contudo, deu um grito asfixiado e que fez sangrar a língua.
Já de volta ao Carmelo, sua Madre priora comentou com ela: “Como foi tremendo o que
tiveste que passar hoje!" E ela respondeu: "Viste que estamos na semana da unidade dos
cristãos?”
Nos dias que antecederam a nova biópsia, um sacerdote amigo que vinha de Roma
passou para visitá-la. Trazia um terço que o Papa tirou do seu bolso para dar de presente a ela
e entregou-lho, dizendo: “Dou-te este terço para que rezes por mim, porque necessito muito e
te peço que ofereças teus sofrimentos por mim”.
Nesses mesmos dias, Irmã Cecília Maria confidenciava à sua irmã religiosa: “Quando
estava rezando a via-sacra, na terceira queda, eu sempre pedia a graça de ser forte em minha
fraqueza... Creio que Deus me concedeu essa graça, mostrou- me minhas limitações,
ensinou-me a amá-las e, pela doce obediência, levou-me por seu caminho... por isso, agora
posso aceitar e oferecer de novo estas novas
limitações, porque Jesus me pede para não
comer, não falar ... A graça que Lhe peço é a
alegria, a alegria profunda”.
Tudo estava pronto para voltar a Santa Fe e poder morrer lá. No dia anterior, ela
contraiu uma pneumonia e precisou continuar hospitalizada. A febre fazia piorar a dor, mas
isso não a impedia de estar atenta aos demais. Nesse dia, já muito cansada e cheia de dores,
preparava-se para descansar. A noiva de um médico apareceu. Apenas escutou a sua voz, quis
que a deixassem entrar e tiveram uma conversa, como se não sentisse dor. Recebeu-a,
tomando-a pelas mãos. A noiva, também médica, disse-lhe: “Meu noivo me disse que eu tinha
que te conhecer, que transmites muita paz”. Irmã Cecília Maria fazia sinais com as mãos em
direção ao céu: “Isso é de Deus, não é meu”. A noiva abriu seu coração, confidenciando-lhe o
que a incomodava. Entre outras coisas, Irmã Cecilia lhe disse: “Faz algum curso de culinária,
pensa na maternidade... ele é um tesouro, percebe-se que te ama muito, pensa em formar uma
família”. A noiva chorava e aprovava, sem desviar o olhar dela, como se estivesse
maravilhada. “Tu és muito carinhosa, teu noivo me contou, redobra tua ternura e ajuda-o.
certo?” A noiva, totalmente emocionada, aprovava tudo, e Irmã Cecília Maria, com o último
fio de voz, disse-lhe: “O mais importante para estar sempre em paz é a missa, a confissão, o
terço ... ajuda-o nisso”. E terminaram com um grande abraço: “Já gosto de ti como se
fôssemos amigas, e eu não teconheço”. A jovem saiu da sala emocionadíssima. E assim foram
aparecendo outras noivas de médicos, até mesmo as enfermeiras de outros andares
aguardavam sua vez para poder conhecê-la e experimentar a paz que ela irradiava e
comunicava.
Chegado a esse ponto, ao contrair uma nova pneumonia por aspiração brônquica, viu-
se a necessidade da traqueostomia, com a qual concordou livremente, sendo que era o que
mais temia no início da enfermidade. O médico de
paliativos, enquanto falava com ela sobre o assunto, dizia-
lhe: “Vão ser muitos dias de hospitalizaçãoe nunca mais vais
falar coisa alguma”. Ao que ela respondeu: “Mal posso já
fazê-lo, vai me custar, mas é inevitável; sinto, já não vou
falar muito tempo mais de qualquer maneira”. Ele, então, a
aconselhou: “Tens que começar a mover-te, porque muito
tempo na cama não vai te fazer bem”. Ela respondeu, com
um sorriso travesso: “Já estive vendo pela janela outros
lugares para passear”. Após esse diálogo, o capelão do
hospital celebrou uma missa em seu quarto. A Priora
entoou: “Vamos ao Senhor cantando hinos de alegria”. E
Irmã Cecilia Maria cantou junto! Na última música – Madre
del Carmelo – confundiram a letra, ficando o canto cortado, e foi ela quem continuou a letra,
e todas puderam retomar o canto. Sendo tão concreta como sempre, foi a única que teve a
ideia de socorrer o padre, que tinha respingado toda a sua batina ao querer guardar as velas.
Ela o fez aproximar-se e começou a esfregá-la, muito concentrada.
Na véspera da traqueostomia,
todos os sobrinhos da Irmã Cecília
Maria, com sua irmã religiosa à frente,
organizaram para ela uma surpresa no
jardim, que ela viu da janela: cartazes
segurados por cada sobrinho e que
formavam as palavras, CECI, NÓS TE
AMAMOS MUITO, e muitos balões
lançados ao céu
(https://www.youtube.com/watch?v=WpdYe-suROI&t=41s). Enquanto contemplava o
espetáculo, divertiu-se como uma criança, apesar de sua condição deteriorada. Acabava de
pedir um pouco mais de morfina, e assim ficou saudando com os braços para o alto, como se
nada estivesse acontecendo. Um dos médicos mandou uma mensagem que dizia: “Nunca, em
dez anos de hospital, vi algo semelhante”. E muitos perguntavam se havia um aniversário aqui
ou o quê. Toda a família foi à capela, rezando e cantando.
Nesses momentos, era ela que dominava a situação, mostrando ser uma mulher de
grande decisão, autodeterminação, reflexão e serenidade. Nela se uniam a docilidade externa a
uma grande força interior; e, embora a Priora fosse sua conselheira e mãe espiritual, era ela
que decidia. Estava claro que falava com Jesus a cada etapa. Temia duas coisas com essa
intervenção: a dor e não poder voltar a Santa Fe. Na missa desse dia, havia oferecido pela
primeira vez o sacrifício de não retornar à nossa comunidade, algo que custava tanto a ela
quanto a nós. Nesse dia, a leitura do Ofício Divino foi tirada da epístola aos Filipenses:
"Tenham os mesmos sentimentos de Jesus Cristo... que obedeceu, e obedeceu até à morte da
cruz". Essas palavras, que a haviam orientado desde o início da doença, foram as que a
fizeram ver claramente que Deus lhe pedia essa cirurgia, permanecendo muito tranquila
depois de tomar a decisão. Jesus escolhia para ela o caminho da sua Cruz e ela aceitou-a em
sua totalidade.
No dia 7, à noite, houve uma reunião
virtual com sua comunidade, como fazíamos
com frequência. Nesse dia, saudavam-na
especialmente por ser o aniversário de sua
profissão solene e a véspera de sua cirurgia,
que todas apoiávamos, embora significasse
não poder retornar mais à nossa comunidade.
Foi então que uma Irmã lhe disse: “Tudo
está oferecido”, com o que ela começou a
chorar. Outra Irmã, vendo-a chorar,disse-lhe:
“Ceci, quanto amas a nossa Comunidade!”;
isso a fez chorar mais ainda. Para consolá-la, todas cantaram para ela a canção de Natal: “Não
chores mais, vida minha”. Foi um momento intenso de alívio para nossa Irmã, que começava
a despedir-se da perspectiva de poder voltar à sua comunidade.
Essa cirurgia aliviou-a no princípio, reduzindo sua asfixia por causa do excesso de
catarro. Saiu com dois tubos de drenagem. Sangue e água
fluiriam de seu lado permanentemente, até sua morte, o que lhe
causou uma sede ardente e insaciável.
O cirurgião recomendou-lhe
que fizesse exercícios para respirar
plenamente com os pulmões,
levantando os braços. Fez isso todos os
dias, com um esforço incrível, até três
dias antes de morrer.
https://drive.google.com/file/d/1T8AZgKuk46wcZY0tS8EitFspX7XwWpB1/view?usp=shari
ng
Quando todos se retiraram, ficou a sós com sua priora e, vendo todo o pesar de sua
humanidade, escreveu com uma certa angústia em seu olhar: “Isso parece eterno”. E
manteve-se em profundo silêncio, com os olhos fechados. Nesse momento, entrou um
fisioterapeuta que despertava nela toda a sua maternidade, porque crescera sem mãe. Ficou
olhando-a em silêncio. Quando ela abriu os olhos e o viu, sorriu-lhe de orelha a orelha e,
pegando seu caderno, escreveu: “Sempre me sinto contente quando te vejo”. No dia seguinte,
quando ele voltou, esforçando-se muito, saiu da cama muito determinada, com todos os seus
tubos, e foi direto para uma mesinha onde havia alguns biscoitos. Separando-os em duas
bandejas, embrulhou uma e entregou-lhe, fazendo sinais para compartilhá-lo com seus
companheiros.
Seu sorriso continuava intacto, apesar do cansaço e da fraqueza. Não saturava bem o
oxigênio e a alimentação diminuiu, já que à noite tinha vômitos por causa dos catarros, e
tampavam-lhe a traqueostomia, o que lhe dava medo, porque despertava de repente asfixiada,
e não apreciava a ideia de morrer assim. No entanto, não deixava de fazer seus exercícios
respiratórios com um esforço heroico, sempre dócil ao conselho dos médicos. Além disso, a
sede que sentia levou-a a passar ela mesma a seringa de água, lutando com tenacidade contra
o tremor de suas mãos.
Vendo que sua partida estava próxima e que definitivamente não voltaria à sua
comunidade de Santa Fe, graças ao oferecimento e disponibilidade de dois de seus irmãos,
esta deslocou-se em dois grupos no sábado, 18 de junho, para o Hospital de Buenos Aires,
para poder despedir-se da Irmã.
Nesse dia, tínhamos agendado uma missa surpresa para o meio-dia. Seria celebrada
pelo Delegado Geral dos Carmelitas da Argentina, com a presença de duas Irmãs da
Associação Nossa Senhora de Luján do Carmelo de San Juan, que estavam participando de
um curso de formação permanente, e o grupo de nossas irmãs da Comunidade que estava
chegando.
Foi todo um desafio manter essa surpresa em segredo e convencê-la a não desperdiçar
suas forças levantando-se antes do meio-dia. Mas Irmã Cecília Maria, em meio ao seu estado
deteriorado, saiu da cama e, lutando contra o sono, permaneceu sentada. Sua irmã religiosa,
que a acompanhava, disse-lhe para deitar-se. E ela lhe respondeu com sinais: “Primeiro
fazemos o desjejum, depois rezamos Laudes, depois os exercícios e depois para a cama”.
Enquanto rezavam Laudes, sua madre priora entrou e, vendo-a sentada, disse-lhe que era
conveniente que ela fosse para a cama se quisesse ir à missa ao meio-dia. Sem fazer qualquer
sinal, nem mesmo terminar as Laudes, foi para a cama como um cordeirinho dócil.
Logo nossas irmãs da Comunidade acabaram de chegar. Irmã Cecília Maria abriu seus
grandes olhos com o sorriso mais radiante do que nunca. Olhava-as e, segurando a cabeça,
começou a fazer sinais de "Estão loucas!" Cada uma a abraçava, enquanto a Madre entoava o
Magnificat, e o resto já não pôde continuar, eram muitas emoções. Irmã Cecília Maria
levantava os braços, olhava de um lado para o outro e sorria, feliz.
E as Irmãs, apontando para seu irmão, que as tinha trazido: “Foi
ele!” E ela o olhava com gratidão e imenso carinho.
Nessa mesma tarde, apareceram de surpresa nossas irmãs do Carmelo de Lisieux, que
a acolheram durante esses meses. Ela, pegando seu caderno, comovida, escreveu-lhes:
“Sempre uma ternura, uma surpresa... Abri os olhos às 11 horas da manhã e apareciam todas
as monjas de Santa Fe... e agora abro os olhos à noite e aparecem todas as monjas de Lisieux,
além de Topi” (Irmã do Carmelo de San Juan). Uma Irmã apontou que não tinham vindo
“todas”, porém ela escreveu: “Para mim, não falta nenhuma, no meu coração estão todas!
Quanto as amo, Deus as abençoe!”
Vídeo:https://drive.google.com/file/d/1p3zAIJpAn2rLcZXpvKYri3cOmFlvSXrJ/view?usp=s
haring
No domingo, 19, veio o segundo grupo de nossas irmãs de Santa Fe. Dessa vez, a Missa foi na
sala, pois irmã Cecília Maria estava exausta de tanta agitação e emoção.
Vídeo:
https://drive.google.com/file/d/1ZovHjYdrVIPacWoJUvpvrbpeiAnK6q9W/view?usp=sharing
Dentro de algumas horas nossas Irmãs voltaram para Santa Fe, tinham se despedido
dela nesta terra. Nessa mesma noite, escreveu: “Não sei quando irei ao Paraíso, porém é
verdade que eu gostaria de ir primeiro a Santa Fe”.
Depois rezamos o terço e ela colocou a intenção: “pela unidade dos cristãos, pela
unidade do Carmelo e para que toda a Igreja seja o berço da verdade, ternura e misericórdia,
para quem dela necessita”.
Nessa noite, sua madre priora e a Irmã “V” ficaram para acompanhá-la. A partir dessa
noite, duas ficariam para cuidar dela. Vendo que o fim estava próximo e que a Irmã Maria
Cecília ainda estava lúcida, não estava plenamente consciente da iminência de sua partida, a
Madre priora queria dizer-lhe, sabendo que ela nunca quis que se ocultasse nada. Esperou o
momento oportuno. À meia-noite, entrou a enfermeira, que a despertou. Ao retirar-se esta, sua
priora, abraçando-a, sussurrou-lhe ao ouvido: “Minha queridíssima filha, Jesus está à porta, já
vem buscar-te, tu és a noiva radiante de beleza, adornada com suas joias e com ouro de Ofir
(segundo os Santos Padres, é a caridade) e Ele já quer desposar-se contigo para sempre. Ele te
ama muito, já não pode esperar mais! As bodas do Cordeiro estão se aproximando, tu és a sua
esposa que já está preparada... Tua
família está disposta à entrega e
também nossa comunidade”. Ela lhe
escreveu: “Não saias nenhum momento,
não me deixes sozinha”. Enquanto a
abraçava muito forte, sua Madre priora
começou a cantar o Cântico dos
Cânticos: “Levanta-te, amiga minha,
levanta-te e vem, o inverno passou, as
chuvas se foram. As flores brotam na
terra, chega o momento de cantar. Levanta-te, levanta-te, deixa-me ouvir tua voz”. Até que
seus braços foram deslizando, e adormeceu ...
Na manhã seguinte, a primeira coisa que escreveu à sua madre priora foi: “Totus tuus”.
Nesse momento, entrou uma faxineira, que exclamou: “Que rosto radiante tens hoje!” Depois
entrou um médico, que perguntou como ela estava, ao que escreveu: “De dia não encontro
alívio, se desperto me encontro com minha dor, à noite...”
À hora da sesta, Irmã Cecília Maria, com a mesma Irmã que a acompanhava, rezou o
Ofício de Leituras de São Luís Gonzaga. A Irmã recordava-lhe o quanto a havia ajudado
quando, estando juntas na enfermaria, haviam assistido à morte de duas de nossas Irmãs
idosas, encorajando-a a não ter
medo e dizendo que iriam para o
Céu. E perguntou-lhe: “Hoje,
como estás te sentindo?” E, escrevendo a palavra “Como”,
desenhou uma linha reta marcada e remarcada que termina
com a palavra “Céu”.
Vídeo:
https://drive.google.com/file/d/1zWnPjsZlrtN-_UaoixRsuFrOHYf5lhyX/view?usp=sharing
Depois que saíram, Irmã “V” segurou-lhe as mãos e, quando se inclinou para ela,
apareceu a Cruz que temos no hábito. Ela cravou os olhos e começou a acariciá-la com muita
ternura. Isso deu a oportunidade de entabular um diálogo com ela: “Querida Ceci, quando
fores com Jesus para o Céu, darás muito trabalho”. Ela sorria. Acrescentou: “Que noviciado
nos levou a fazer todo este tempo, à Madre, à tua irmã Maria da Ternura e a mim!” Ela, atenta
a cada palavra, sorria. E continuou: “Agora foste para mim Madre, Mestra de Noviças...que te
parece que é importante na formação do Noviciado?” Ela a tomou pelos ombros e começou a
abraçá-la com muita ternura, pelo espaço de alguns minutos, como uma mãe muito terna e
doce. E depois, olhando-a nos olhos, eu lhe disse: “Mas, Ceci, também não te parece que tens
que fazer correções, fazendo o movimento de puxar as orelhas”. Ela assentiu com o sinal de
fazer "chacha" com a mão. Mas depois continuou, dando-lhe outro abraço cheio de ternura,
dando a entender de imediato que, para a formação, é necessário a combinação de ternura e
firmeza... mas, na realidade, esse abraço já era uma despedida.
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