Revista Do Museu de Arqueologia e Etnologia USP
Revista Do Museu de Arqueologia e Etnologia USP
Revista Do Museu de Arqueologia e Etnologia USP
de
A rq u eo lo g ia e Etn o lo g ia
U n iv e r sid a d e de S ã o P aulo
N2 10 I m a e| 2000
REVISTA DO MUSEU DE ARQUEOLOGIA E ETNOLOGIA
Editora Responsável
Conselho Editorial
Pede-se permuta
We ask fo r exchange
R ev ista do M useu
de
A r q u eo lo g ia e Etn o lo g ia
U n iv e r s id a d e d e S ã o P a u l o
publicação anual
N 2 10
2000
S ã o P a u l o , B rasil
Sumário
ARTIGOS
ESTUDOS BIBLIOGRÁFICOS
NOTAS
345 Rosaria Ono, Gedley Belchior Braga, Deise - Planos de emergência para proteção do
Cavalcante Lustosa Patrimônio Histórico-Cultural contra
desastres
ARTICLES
175 André Leonardo Chevitarese - Woman and fruit harvest in the Athenian
pólis: iconographic analisys of the
Athenian black and red figure vases
189 Leila Maria França - Primitive money and the study of value
BIBLIOGRAPHICAL STUDIES
337 Denise Maria Cavalcante Gomes - Archaeology of the Big Quequen river
(Pampean region, Argentina)
345 Rosaria Ono, Gedley Belchior Braga, Deise - Emergency plans for protection of the
Cavalcante Lustosa Historical Cultural Heritage against
disasters
Nos últimos anos tem sido meu propósito (Morais 1999b), tentando destacar um corpo
enfatizar alguns processos interdisciplinares de problemas pré-definido enquanto regulador
envolvendo a Arqueologia e algumas especiali da construção de algumas hipóteses e da
dades do campo das Geociências (Morais formulação de um leque de objetivos ligados
1999a, 1999b, 2000), convergindo para a conso às iniciativas futuras. Assim, como objeto de
lidação de uma subdisciplina conhecida como discussão eu formulo, neste momento, ques
Arqueologia da Paisagem. De fato, a práxis tões da seguinte ordem:
arqueológica pelos lados do Paranapanema, 1) Em que medida os processos interdis-
iniciada por Luciana Pallestrini há mais de trinta ciplinares envolvendo a Arqueologia, a Geo
anos (Pallestrini 1975), sempre privilegiou grafia, a Geomorfologia e a Geologia são im
questões de ordem geoambiental, configurando portantes para o encaminhamento da inves
um panorama técnico e científico onde o fator tigação arqueológica, especialmente aquela
geo (Morais 1999a) determinou os matizes de de caráter regional?
uma Arqueologia pioneira no interior paulista. 2) Em que medida, os fatores de ordem
Nesta oportunidade, retomo alguns ambiental colaborarão para a compreensão
pontos da abordagem iniciada anteriormente dos padrões de estabelecimento, para a
caracterização sócio-econômica e cultural
das comunidades ou para a recomposição
(*) Museu de Arqueologia e Etnologia da Universida dos cenários de ocupação humana de
de de São Paulo. determinadas regiões?
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Que tal pensarmos que, além de cacos e muito ainda que ser feito, com a concorrên
mais cacos, houve critérios para a cia dos órgãos oficiais de proteção.
escolha dos locais de assentamento, 8) Otimização do uso das geotecno-
manejo agro-florestal, alterações pai logias para localizar, registrar e facilitar o
sagísticas. Enfim, cérebros e comporta gerenciamento do patrimônio arqueológico
mentos humanos. Então, porque não e paisagístico. Pontuo aqui um grande
acolher dois sistemas regionais de avanço que permite, inclusive, a relocali-
povoamento aparentados - Guarani e zação precisa de sítios anteriormente
Tupinambá - desdobrando a ‘arqueológi pesquisados. No caso do Projeto Parana-
ca’ (e um tanto convencional) tradição panema, todos os sítios anteriormente
Tupiguarani, assumindo uma desejável e registrados foram corretamente inseridos
possível postura etnoarqueológica? Não no sistema de posicionamento global com
seria mais interessante considerar a o uso de receptores GPS, colocando-o no
chamada tradição Itararé como um elenco bastante restrito de projetos de
sistema regional Kaingang, já que esta Arqueologia Brasileira que contam com a
etnia é tida como herdeira da tradição? totalidade dos sítios plenamente georrefe-
No embalo da mudança, por que não me renciados.
inspirar em José Proença Brochado 9) Retomada dos procedimentos
(comunicação pessoal, 1997) e propor ligados às técnicas arqueométricas,
justiça às populações indígenas que, principalmente as datações por termolumi-
cultivando a batata (dentre outros nescência e por luminescência óticamente
vegetais) mudaram os hábitos alimentares estimulada, com o propósito de inserir
dos europeus. Por que chamá-los de cronologicamente as ocupações humanas
horticultores, já que o termo é mais do passado. No caso do Paranapanema, a
apropriado aos plantadores de hortaliças? consecução deste objetivo permitiu
Seria pelo fato de não cultivarem espécies sensível avanço na consolidação do
exóticas, nos moldes da agricultura quadro cronológico dos estratos arqueoló
comercial introduzida pelos conquistado gicos componentes dos diferentes sítios
res europeus? O justo é chamá-los, sim, regionais.
de agricultores praticantes de uma
agricultura de subsistência (e, ao que
parece, exercitaram com sucesso o manejo Desenhando uma metodologia
da floresta).
6) Identificação e registro dos fatores Em outra oportunidade (Morais 2000)
de risco que afetam os sítios, os locais e as afirmei que vez por outra alguém reclama, com
paisagens de interesse arqueológico, certa veemência, a existência de lacunas
propondo medidas para a mitigação in situ graves na Arqueologia regional e nacional,
dos impactos aos quais estão sujeitos. mormente girando em tomo da expressão
7) Proposição de ações de manejo e ‘perda do bonde da história’, aplicada à
gestão das áreas de interesse arqueológi discussão dos novos paradigmas da disciplina
co e paisagístico, mapeando os seus (fala-se em atrasos da ordem de uma ou duas
componentes. O mapeamento é o procedi dezenas de anos!). Mas o fato é que a Arqueo
mento básico inicial. Tenho insistido que a logia Brasileira existe e está por aí criando e
instrumentalização dos Municípios e dos recriando o longo percurso dos povos indíge
Estados da União com mapas georrefe- nas e da sociedade nacional, tentando consoli
renciados, elaborados em ambiente dar uma cor local que promova sua melhor
eletrônico, é uma maneira de conscientizar identificação no cenário internacional. Nesse
o poder público local com relação às suas sentido, talvez possamos digerir as ‘lacunas’
responsabilidades no sistema de federalis como etapas (mal) queimadas, no momento em
mo cooperativo de gerenciamento do que somos atropelados pela frente ‘pós-pós-
patrimônio arqueológico. Neste sentido, há processualista’, na letra de Hodder:
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co e das paisagens notáveis de interesse Não é meu propósito fazer escola ou impor
para a arqueologia. Representa o registro definições que, muitas vezes, poderiam não ser
paisagístico mais compreensivo dos sítios, apropriadas em outras situações. Assim, para
das ocorrências ou dos geoindicadores os exclusivos efeitos da Arqueologia da
arqueológicos selecionados no nível Paisagem em prática na bacia do Parana-
anterior. As geotecnologias são usadas panema, são entendidos os seguintes termos:
com maior ênfase no sentido de propiciar o Patrimônio arqueológico: conjunto de
manejo e a gestão dos registros arqueoló expressões materiais da cultura referentes às
gicos nas condições in situ e ex situ, sociedades indígenas pré-coloniais e aos
diametralmente opostas, porém absoluta diversos segmentos da sociedade nacional
mente interdependentes. A geração de (inclusive as situações de contato inter-
modelagens digitais de terreno é em escala étnico), potencialmente incorporáveis à
de detalhe. Os produtos resultantes do memória local, regional e nacional, compondo
levantamento mitigatorio incluem o parte da herança cultural legada pelas gera
mapeamento na forma de construções ções do passado às gerações futuras.
isométricas do terreno ou edificações e Patrimônio arqueológico histórico-
maquetes. O desenvolvimento do nível 3 arquitetônico: segmento que compreende as
permite escolher se o manejo e o gerencia estruturas construídas e respectivos contextos
mento detalhado de cada registro arqueo referentes à sociedade nacional, dotadas de
lógico será na sua inserção natural, como significado histórico local ou regional, com
parte de uma matriz arqueológica (preser pondo parte da herança cultural legada pelas
vação in situ), ou como patrimônio gerações do passado às gerações futuras.
resgatado de suas origens virtualmente Patrimônio paisagístico: paisagens
recomponíveis em ambiente digital (preser notáveis reconhecidas ou não por diplomas
vação ex situ). A opção pela preservação legais, de significância para as comunidades
in situ é preferível em função da natureza regionais. Inclui qualquer tipo de unidade de
finita dos bens arqueológicos enquanto conservação estabelecida pela legislação
recursos culturais, principalmente no caso competente.
do registro arqueológico pré-colonial. Registro arqueológico: referência genérica
Nesta opção há de se pontuar o efetivo aos objetos, artefatos, estruturas e construções
comprometimento dos órgãos oficiais de produzidas pelas sociedades do passado,
proteção e da sociedade em geral, com a inseridas em determinado contexto. Conceito
responsabilidade da preservação in situ. amplo que independe da posterior classificação
Em contrapartida, na opção pelo resgate do registro como sítio, ocorrência ou geoin-
do registro arqueológico, pontua-se a dicador arqueológico. Refere-se aos objetos
responsabilidade do exercício profissional, naturalmente inseridos no meio ambiente físico
pois a qualidade da preservação ex situ ou às estruturas implantadas nas paisagens
dependerá do georreferenciamento preciso urbanas e rurais. Abrange as matrizes arqueoló
e detalhado de cada elemento inserido na gicas, as expressões arqueológicas evidentes
matriz arqueológica literalmente desmonta (um conjunto funerário, por exemplo) e as
da pelas intervenções de campo. expressões arqueológicas latentes (por exem
plo, as assinaturas físico-químicas no solo que
corroboram estruturas funerárias praticamente
Navegando por alguns conceitos invisíveis). Inclui certos arranjos paisagísticos
(como aqueles decorrentes do manejo das
A leitura do texto talvez venha esbarrando formações florestais por agricultores indíge
em alguns termos nem sempre de uso corrente. nas), bem como os elementos do meio físico-
Desse modo, convém colocá-los e explicá-los biótico de interesse para a Arqueologia (por
de forma mais precisa. Esclareço outrossim exemplo, os diques elásticos ou as cascalheiras
que se trata da emissão de conceitos estrita que serviram de fonte de matéria-prima para as
mente presos ao escopo e às idéias exaradas. indústrias líticas).
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investigação arqueológica sem o uso das diante da fragilidade dos elementos que
geotecnologias disponíveis, especialmente o permitiriam a sua identificação precisa. Na ótica
sistema de posicionamento global. das ‘tradições’, o que fosse Humaitá apareceria
Georreferenciamento: é o ato de estabele no registro arqueológico do Paranapanema por
cer a ligação entre a informação literal (banco volta de 1.000 a.C., permanecendo até aproxima
de dados) ou gráfica (vetor ou bitmap) e a sua damente 750 d.C., quando desaparece frente à
posição específica no globo terrestre por meio consolidação do sistema regional Guarani. A
de suas coordenadas. O georreferenciamento carência no que toca à melhor identidade dos
mais comum e obrigatório no processo de humaitás com relação aos umbus fica por conta
investigação arqueológica é a amarração dos da ausência de marcadores locacionais que
registros arqueológicos no sistema de posicio diferenciem os dois sistemas no Paranapanema.
namento global por meio de um receptor GPS. Ambos se instalaram preferencialmente nos
Sistema regional de povoamento: a terraços marginais da coleção hídrica de maior
coordenação entre sítios ou conjuntos de porte. Locais de atividades minerárias (explora
sítios pautada por relações sociais, econômi ção de diques de arenito silicificado intratra-
cas e culturais (considerando sua contempo- piano) marcam sítios com características de
raneidade, similaridade ou complementaridade) oficinais líticas. As diferenças ficariam por
define um sistema regional de povoamento. conta do design dos artefatos líticos: pequenos
Por exemplo: a maior parte dos sítios lito- e leves para os umbus, grandes e pesados para
cerâmicos colinares remanescentes de assenta os humaitás. Este design, porém, tem mais a ver
mentos de agricultures indígenas pré-coloniais com a massa volumétrica das pré-formas
do Paranapanema, com datação em tomo de disponíveis (seixos grandes ou pequenos,
mil anos antes do presente, compõe o sistema diques de arenito silicificado de espessura
regional Guarani. variável etc.), que forçaram o uso de técnicas de
Sistemas regionais de caçadores-coletores processamento adequadas para cada caso,
do Paranapanema: formados por comunidades facilmente reconhecíveis em análises de cadeia
nômades pré-históricas originárias do sul, operatoria. De qualquer forma, não considero
migrantes pelas calhas dos afluentes da margem válidos para a eventual distinção entre as duas
esquerda do Paranapanema. Vistos em conjunto situações aqueles pressupostos relacionados
compõem um macro-sistema regional de com ‘artefatos-guias’, sustentados por
caçadores-coletores. Até o presente estágio eventuais assinaturas tipológicas (presença
das investigações, as primeiras hordas datam, ou ausência de pontas-de-projétil). Outra
aproximadamente, do ano 6.000 a.C. No registro agravante para a não identificação de um
arqueológico compõem evidências possivel provável sistema regional Humaitá seria a sua
mente vinculadas àquilo que tem sido definido confusão, nas datas mais recentes, com
como ‘tradições’ de caçadores-coletores Umbu oficinas líticas e áreas de lascamento correta
e Humaitá pelos arqueólogos do Rio Grande do mente atribuíveis ao sistema regional Guarani
Sul. Ao que parece, na perspectiva dos siste (neste caso, pontuo a fragilidade da ‘ausência’
mas regionais de povoamento seria possível de um outro ‘artefato-guia’, a cerâmica; ou
consolidar um sistema regional Umbu, presente seja, nem todo sítio sem cerâmica seria,
na região entre 6.000 e 2.000 a.C. (assunto necessariamente, atribuível aos caçadores-
retomado adiante). Sua frente de expansão coletores ditos humaitás).
máxima, possivelmente situada na bacia do Sistemas regionais de agricultores do
Tietê, integrou uma faixa de tensão com siste Paranapanema: formados por comunidades
mas de caçadores possivelmente originários da sedentárias originárias do sudoeste e do sul,
bacia do alto Tocantins e do Alto São Francis migrantes pelas calhas do Paranapanema e de
co. Nesta faixa predominariam influências seus afluentes da margem esquerda, capazes
recíprocas de ordem social, econômica e do manejo agro-florestal. Numa visão de
cultural, provocando certa identidade ‘frontei conjunto, compõem um macro-sistema regio
riça’ nos sistemas envolvidos. Não há porque nal. A grande invasão tem início por volta do
definir um possível sistema regional Humaitá início da Era Cristã, marcada no registro
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arqueológico pelos remanescentes das aldeias para os quais são definidas as políticas públi
do sistema regional Guarani. Na Bacia Superi cas locais de patrimônio cultural e ambiental,
or, a implantação se fez em colinas permeadas inclusive o patrimônio arqueológico.
por pequenos canais de drenagem. Na Bacia Unidade Geográfica de Manejo Patrimonial
Média, este padrão continua, ampliado por - UGMP: corresponde à fração de terreno
uma rede de acampamentos e oficinas de onde são executados os procedimentos de
lascamento junto às calhas hidrográficas de reconhecimento de área, levantamento,
grande porte. Na Bacia Inferior, continua a prospecção e escavação arqueológica. Abran
ocupação dos relevos colinares somada à ge diferentes escalas, podendo ser uma micro-
edificação de aldeias nos grandes terraços bacia hidrográfica, um módulo arqueológico,
marginais do Paranapanema. No caso dos segmentos de um espaço definido como área
sistemas regionais de agricultores, a faixa de diretamente afetada por empreendimento
tensão fronteiriça fica no quadrante sudeste, potencialmente lesivo ao meio ambiente etc.
nos limites das bacias do Ribeira e do Tietê Módulo arqueológico: porção de terreno
médio-superior. Aí se deparam os sistemas balizada por coordenadas planas de referência
Tupinambá, Guarani e Kaingang. O primeiro, (UTM) que encerra um sistema local ou um
ainda carente de estudos que lhe permitam conjunto de geoindicadores arqueológicos.
melhor identidade regional, resulta do desdo Modelo locacional: formulado para o
bramento da antiga tradição Tupiguarani. O Projeto Paranapanema, a partir da construção
último se relaciona com a tradição Itararé que de um modelo empírico, resultante da práxis
regionalmente apresenta sítios com idades rotineira. No caso, assinaturas arqueológicas
entre os anos 400 e 800 d.C. Os sistemas repetidamente gravadas em alguns comparti
regionais de agricultores do Paranapanema mentos da paisagem sugerem escolhas bem
foram desmantelados pelas várias frentes de sucedidas, determinadas por condições
invasão ibérica, a partir do século XVI. ambientais favoráveis. O modelo empírico se
Ciclos regionais: na perspectiva dos construiu pela detecção, consolidação e
sistemas regionais de povoamento são mapeamento dessas assinaturas em seus
acolhidos os ciclos regionais de desenvolvi respectivos suportes. A partir daí, os suportes
mento econômico consolidados no âmbito da são assumidos como geoindicadores arqueoló
História Social e Econômica. Quando for o gicos. O modelo preditivo, denominado
caso, particularidades locais poderão ser TocacionaT, consiste no mapeamento dos
consideradas na definição de ciclos micro- suportes assumidos como geoindicadores
regionais. Por exemplo, o pequeno ciclo arqueológicos, por meio da interpretação de
canavieiro que deu origem à cidade de Piraju, registros de sensores orbitais e sub-orbitais.
na bacia do Paranapanema médio. Desse modo, são cartografados compartimen
Sistema local: o conjunto de registros tos da paisagem potencialmente aptos a
coordenados pela presença de um ou mais apresentarem assinaturas dos povos indígenas
geoindicadores arqueológicos constitui um pré-coloniais. Cascalheiras de litologia diversi
sistema local. É comum, por exemplo, a existên ficada, corredeiras, afloramentos de rochas de
cia de sítios e ocorrências arqueológicas de boa fratura conchoidal, barreiros, trechos de
caçadores-coletores e agricultores pré- manejo agro-florestal, terraços marginais, vaus
coloniais articulados pela conjunção de alguns de rios são, dentre outros, geoindicadores
geoindicadores, tais como diques de arenito arqueológicos.
silicificado intratrapiano, cascalheiras (ambos Padrão de assentamento: é a distribuição
utilizados como fonte de matéria-prima para as dos registros arqueológicos em determinada
indústrias líricas), e acidentes do leito dos rios área geográfica, refletindo as relações das
que compõem uma seqüência de saltos comunidades do passado com o meio ambiente
cachoeiras e corredeiras, ambiente propício à e as relações entre elas próprias no seu
apanha sazonal de peixes migratórios. contexto ambiental. Estratégias de subsistên
Unidade Geográfica de Gestão Patri cia, estruturas políticas e sociais e densidade
monial - UGGP: território de cada município da população foram alguns dos fatores que
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conceitos se relacionam com ‘unidades José Proenza Brochado houve por bem
arqueológicas artificiais’, que não podem ser desarticular a arqueológica tradição Tupigua-
confundidas com culturas, mesmo porque, na rani. Concordo que não é correto mesclar
maioria dos sítios arqueológicos (principal tupinambás e guaranis pré-coloniais (grafados
mente os pré-cerâmicos), as condições ambien no plural, como qualquer outro gentílico da
tais reduziram os elementos da cultura material língua portuguesa) sob o estranho rótulo de
a raros vestígios (Kem 1981). Considero este ‘tupiguarani’ (sem hífen), como se a cerâmica
pensamento válido apenas nos estreitos pudesse ser um fator de fusão de dois povos.
limites da arqueografia per se: a idéia de fase e A Arqueologia não deve preocupar-se com a
tradição apóia-se em objetos e, vez por outra, simples organização e o agrupamento de
(tropegamente) em algumas características cacos. Que uma boa arqueografia encaminhe
físicas do registro arqueológico, como chamou procedimentos preliminarmente válidos é
a atenção Solange Caldarelli (1983). Ora, os aceitável. Todavia, não há porque insistir em
objetos são meios e podem gerar classifica mantê-los permanentemente.
ções aplicáveis a eles próprios. Porém, é
complicado transpor a idéia de uma ‘unidade
arqueológica artificial’, gerada a partir do Cenários de povoamento do
artifício da seriação de objetos, para algo maior Paranapanema paulista
e mais complexo como são os antigos sistemas
de povoamento. Também não há porque ignorar o que foi
De início, a inspiração francesa que feito antes. O ponto de partida para se compre
alicerçou o Projeto Paranapanema indicou a ender o design dos grandes sistemas regionais
não utilização do jargão pronapiano na sua de povoamento do Paranapanema será a
rotina científica. A investigação encaminhada arqueografia das tradições arqueológicas.
sob os auspícios do projeto continua não Embora percorra este caminho, não estarei
acolhendo os termos fase e tradição arqueoló simplesmente substituindo o termo ‘tradição’
gica, posto que eivados de um artificialismo por ‘sistema regional de povoamento’.
classificatório exacerbado, de todo incompatí Primeiramente, há de se definir dois macro-
vel com uma postura que busca, dentre outros sistemas que se sucederam no grande lapso de
propósitos, levantar e analisar os cenários das tempo, marcado pelo início do povoamento da
ocupações humanas do passado. Reconheço, América pelas populações de origem mon
porém, que a arqueografia que inventou (e gólica e pela invasão européia do século XVI.
denominou) as fases e as tradições acabou por O macro-sistema regional de povoamento dos
distinguir características peculiares em conjun caçadores-coletores perdurou por mais de
tos de materiais arqueológicos e isto é prelimi cinco milênios, sucedido por um outro, de
narmente louvável. Mas não deveria ter parado menor expressão temporal, de dois milênios,
por aí. atribuído aos agricultores. Esta grande divisão
Assim, a chamada tradição Umbu é parte de fatores de ordem econômica e social
marcada por um traço-diagnóstico (como foi nas suas grandes linhas. Até o momento, a
entendido seu artefato caracterizador, quase Arqueometria indica que o macro-sistema
um fóssil-guia), a ponta-de-projétil. Na pers regional de caçadores-coletores do Paranapa
pectiva da Arqueologia da Paisagem do nema paulista se encontra balizado entre,
Paranapanema, um eventual sistema regional aproximadamente, 6.000 a.C. e o início da Era
Umbu deverá ser, no mínimo, diagnosticado Cristã. Após um período de convivência e
pela cadeia operatoria que produziu a sua inter-relação, impõe-se nova ordem social e
tralha lítica, plenamente inserida nas condicio econômica com o avanço dos agricultores
nantes sociais e ambientais em vigor. Para sobre os territórios dos caçadores-coletores.
alçar o estatuto de sistema regional de povoa Esta situação perdurarou até a invasão ibérica,
mento, Umbu, Humaitá ou Itararé, deverão na virada do século XV para o XVI.
preencher requisitos mais sofisticados e Os macro-sistemas regionais de povoamen
complexos. to anteriores à formação da sociedade nacional
1?
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nas terras do Paranapanema incluem identida tradições consolidadas na Região Sul, cujo
des sócio-culturais em vários estágios de correspondente povoamento talvez tenha
definição. Certamente, as identidades compo avançado para o norte, até os interflúvios
nentes do macro-sistema regional de agriculto entre os rios Tietê e Grande. Retomo a questão
res são melhor definidas, principalmente em dos umbus e humaitás, sobejamente descritos
face das correlações arqueológicas, etnoar- por arqueólogos gaúchos (Mentz Ribeiro 1999,
queológicas, etno-históricas e etnográficas. Por Schmitz 1999). Na sua região nuclear, umbus e
outro lado, os registros arqueológicos remanes humaitás foram definidos e diferenciados
centes têm sido mais intensamente estudados. basicamente pela tipologia das suas indústrias
Desta forma, despontam o sistema regional líticas (para melhor se inteirar das discussões
Guarani e o sistema regional Kaingang. Este recentes acerca da crise das tradições meridio
último seria correlacionável à tradição Itararé nais, sugiro a leitura dos trabalhos de Schmidt
(prefiro aproximar o jargão arqueológico do Dias, 1994 e Hoeltz, 1997). Minha intenção é
passado recente aos nomes etnográficos; daí a submeter essas tradições ao olhar dos siste
opção por tomar o gentílico kaingang, em mas regionais de povoamento, considerando
substituição ao topónimo ‘Itararé’). explicitamente a forte influência da Geografia
O macro-sistema regional de caçadores- nesta aproximação.
coletores é de caracterização bem mais comple Não creio ser possível sustentar a
xa em face da sua longevidade. As tentativas identidade de dois sistemas regionais de
de subdivisão ainda são claudicantes. A povoamento no Paranapanema, a partir da
literatura arqueológica proveniente dos definição das tradições Umbu e Humaitá.
estados do sul, principalmente o Rio Grande Como frisei anteriormente, as diferenças
do Sul e o Paraná (Schmitz 1981, Kern 1982) tipológicas expressas na tralha lítica parecem
tem consolidado idéias em tomo da existência muito mais determinadas pela massa volumé
de duas grandes tradições de caçadores- trica da pré-forma das matérias-primas disponí
coletores - Umbu e Humaitá - que se per veis. No máximo, seria o caso da adaptação
meiam no tempo e se estendem até as latitudes das técnicas indígenas às ofertas da natureza.
do atual território paulista. Neste caso, a Adicionalmente, a demarcação espacial entre
Arqueologia de São Paulo lidaria com uma umbus e humaitás sugere uma configuração
faixa de fronteira (ou interação) entre as aparentemente caótica posto que seus marca
tradições líticas meridionais e centro-orientais dores territoriais se interpenetram ao sabor de
do subcontinente (é interessante que o mesmo motivos vários. Assim, separar dois sistemas
pode ser afirmado com relação ao macro- em um mesmo espaço geográfico, tentando
sistema de agricultores). desenhar ‘fatias’ territoriais com base no perfil
de pedúnculos de pontas-de-projétil, perde
sentido na medida que se submetem as
Macro-sistema de indústrias líticas envolvidas ao olhar da cadeia
caçadores-coletores do Paranapanema operatoria e sua ambiência.
Quando acionados, alguns parâmetros de
natureza ambiental corroboram a fragilidade da
À vista dos dados arqueológicos recentes
distinção entre umbus e humaitás enquanto
e da releitura dos resultados anteriores,
candidatos ao estatuto de sistemas regionais
considero o território paulista de modo geral e
de povoamento, como pode ser vislumbrado
a bacia do Paranapanema de modo particular
em seguida.
‘arqueológicamente meridionais’. Assim, se
existem episódios arqueológicos que possam 1) Morfología e função dos assenta
ser qualificados como ‘tradições do sudeste’, mentos: os sítios do macro-sistema
pouco abrangerão o território paulista (Calda- resultam de acampamentos com funções
relli 1983). No máximo, as latitudes paulistas ‘habitacionais’ ou onde se realizavam
seriam uma ‘terra de fronteiras’. atividades minerárias. A determinante para
Caracterizar os caçadores-coletores do a escolha do locus foi a fonte de matéria-
Paranapanema, significa discutir aquelas duas prima, geralmente cascalheiras de fitología
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diversificada (sílex, quartzito, arenito Tietê. A expansão humaitá teria vindo logo
silicificado) ou afloramentos de arenito depois (porém mesclada com a primeira por
silicificado (diques elásticos). longo intervalo de tempo) não ultrapas
2) Técnicas e tipologia lítica: os líticos sando as vertentes setentrionais do
constituem o traço característico do Paranapanema. Os pequenos ciclos de
macro-sistema. Se há uma característica climas quentes e localmente mais secos,
que marque alguma diferença a partir do ocorrentes entre 3.050 e 2.050 a.C. (Ab’Sáber
olhar sobre as indústrias líticas, são as 1989), talvez tenham refreado a expansão
técnicas do processamento da matéria- da tradição Umbu para o norte.
prima, diagnosticáveis por meio da adoção 6) Parâmetros locacionais: os sítios do
do modelo cadeia operatoria. É interessan macro-sistema podem ser encontrados
te notar que tipos (considerando-se os indistintamente em terraços, patamares de
quadros tipológicos tradicionais) ‘umbus’ vertentes, cabeceiras de nascentes e topos
e ‘humaitás’ encontram-se mormente de interflúvios (parâmetros locacionais
presentes em um único sítio. Neste caso, ligados à função morar, com características
reitero o que foi dito anteriormente a de geoindicadores, no modelo preditivo).
respeito da adaptação da técnica indígena Quase sempre estão associados a cas-
à oferta da matéria-prima pela natureza. calheiras, diques elásticos ou pavimentos
3) Hidrografia e topografia: os rema detríticos (locais de extração mineral para a
nescentes dos acampamentos do macro- indústria lítica) e corredeiras, cachoeiras
sistema surgem tanto nas grandes ou ou saltos (locais de apanha de peixes
pequenas calhas fluviais, como em colinas, migratórios).
colos e platôs mais interiorizados, distribuí
No presente estágio da investigação
dos por várias cotas altimétricas.
4) Geologia e geomorfologia: os arqueológica nesta faixa de fronteiras que é o
acampamentos, sem distinção, tendem a se território paulista, teria pouco fundamento a
localizar junto a afloramentos ou depósitos manutenção da dicotomia Umbu-Humaitá.
de matérias-primas aptas para o lascamento. Existe categoricamente um macro-sistema
5) Fitoecologia: a territorialidade da regional de caçadores-coletores ainda indi
tradição Umbu e e da tradição Humaitá, no viso, que pode ser rotulado com um termo já
espaço geográfico do Paranapanema, consagrado - ‘Umbu’. A existência de ‘tradi
dependeu menos das adaptações ambien ções’ líticas no seio do macro-sistema é um
tais que do distanciamento das áreas preciosismo tipológico mal amparado, que
nucleares situadas bem mais ao sul. Se a sucumbe na perspectiva da análise da cadeia
identidade separada for fato consumado, operatòria, conforme afirmei anteriormente.
ambas as tradições se alternaram nos
mesmos locais, como comprovam os
vários sítios multicomponenciais das Agricultores do Paranapanema
bacias do Paranapanema e do Tietê. Isto
contraria as afirmações de alguns arqueó Novas observações, principalmente
logos do Sul que frisam que as comunida aquelas feitas por arqueólogos do Sul do Brasil
des portadoras da tradição Umbu teriam (José Proenza Brochado, Francisco Noelli e
vivido em áreas de campo aberto, hábito André Soares, dentre outros), têm provocado
herdado dos caçadores nômades mais bases sólidas para a consolidação da chamada
antigos. Ao contrário, as comunidades tradição Guarani, que resulta do desdobramento
portadoras da tradição Humaitá teriam daquilo que foi a tradição Tupiguarani (o outro
vivido em regiões de mata densa, princi componente vem sendo identificado como
palmente nas margens dos rios. Neste tradição Tupinambá). Aproximações arqueoló
modelo, a expansão umbu teria alcançado gicas, etnoarqueológicas, etno-históricas e
antes o Paranapanema, ultrapassando-o etnográficas corroboram francamente a adoção
até as vertentes setentrionais da bacia do da perspectiva dos sistemas regionais de
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MORAIS, J.L. Tópicos de Arqueologia da Paisagem. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 10.
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Cândido frag, de
(0,20 m) do estrato M ota cerâm ica 2000
arqueológico 1, Sistema
Regional Guarani no
Sítio Figueira
Camargo Guarani term olum inescênc 1530 d.C. IF-USP, 1980 450 ± 40 M orais,
cd
horizonte intermediário Piraju frag, de
(0,30 m) do estrato cerâm ica 1980
arqueológico 1, Sistema
Regional Guarani
no Sítio Camargo
cd
term olum inescênc 1520 d.C. FATEC, 2000
cd
(0,20 m) do estrato cerâm ica 2000
arqueológico 1, Sistema (núcleo de
Regional Guarani solo antro-
no Sítio Piracanjuba pogênico 1)
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term olum inescênc 1502 d.C. IF-USP, 1972 P a lle s tr in i,
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470 ± 50
(0,10 m) do estrato cerâmica 1972
arqueológico 1, Sistema
Regional Guarani
no Sítio Almeida
Campina horizonte interme- Campina Guarani frag, de term olum inescênc 1460 d.C. FATEC, 2000 540 ± 50 M orais,
diário (0,20 m) do M .Alegre cerâm ica 2000
estrato arqueológico 1,
Sistema Regional
Guarani no Sítio
Campina
MORAIS, J.L. Tópicos de Arqueologia da Paisagem. Revista do Museu de A rqueologia e Etnologia, São Paulo, 10:
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Regional Guarani
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Regional Guarani
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Guarani no Sítio Alvim
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Guarani no Sítio (urna 1)
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(0,10 m) do estrato M. Alegre cerâm ica 1970
arqueológico 2, Sistema
Regional Guarani
no Sítio Jango Luís
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Fonseca estrato arqueológico 1, Itapeva Guarani frag, de term olum inescência 960 d.C. IF-USP, 1970 i Pallestrini,
Sistema Regional cerâm ica 1970
Guarani no Sítio (urna 1)
Fonseca
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A lves data média do estrato Piraju Guarani 949 d.C. 1.021 ± 10( Pallestrini,
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Guarani no Sítio Alves
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Camargo horizonte intermediá- Piraju Guarani carvão de radiocarbono 920 d.C. LFR-MÔNACO, 1.030 ± 10C M orais,
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Regional Guarani
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Ragil horizonte intermediá- Iepê Guarani frag, de term olum inescência 338 d.C. FATEC, 1998 1.660 ± 170 Faccio, o
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MORAIS, J.L. Tópicos de Arqueologia da Paisagem. Revista do Museu de A rqueologia e Etnologia, São Paulo, 10:
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MORAIS, J.L. Tópicos de Arqueologia da Paisagem. R evista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 10:
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28
MORAIS, J.L. Tópicos de Arqueologia da Paisagem. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 10:
3 -3 0 , 2 0 0 0 .
Referências bibliográficas
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MORAIS, J.L. Tópicos de Arqueologia da Paisagem. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 10:
3 -3 0 , 2 0 0 0 .
30
Rev. d o M useu de A rqu eologia e Etnologia, São Paulo, 1 0 • 31-68, 2000.
O material ósseo humano, objeto deste do MAE- USP situado em Piraju, onde estava
artigo, deu entrada no Museu de Arqueologia depositado desde o seu achado, em outubro
e Etnologia da Universidade de São Paulo em do mesmo ano.
dezembro de 1999, vindo do Centro Regional Consta de um indivíduo enterrado em uma
de Arqueologia Ambiental, base operacional vasilha cerâmica, que foi utilizada como uma
funerária. Foi encontrado e exumado por não
arqueólogos, no Sítio Arqueológico Panema,
(*) Trabalho desenvolvido no Projeto “Arqueologia da localizado na Fazenda Prados do Panema, nos
Paisagem, Cenas do Paranapanema Paulista: da pré- arredores de Campina do Monte Alegre, SP (Fig. 1).
história ao ciclo do café” - ProjPar, coordenado pelo Posteriormente ao achado, a equipe do
Prof. Dr. José Luiz de Morais e financiado pela FAPESP.
projeto, sob a Coordenação de Marisa Coutinho
(**) ProjPar - Museu de Arqueologia e Etnologia da
Universidade de São Paulo.
Afonso, fez duas visitas ao sítio, ocasião em
(***) Laboratório de Estudos e Pesquisas Arqueológi que foram realizadas sondagens para sua
cas da Universidade Federal de Santa Maria, RS. delimitação, coleta de material para datação,
31
PIED A D E, S.C.; SO A RES, A.L.R. C onsiderações sobre um enterramento Guarani: alterações e hipóteses etno-
históricas. R evista do Museu de A rqu eologia e E tn ologia, São Paulo, 10: 31-68, 2000.
32
PIED A D E, S.C.; SO A RES, A.L.R . C onsiderações sobre um enterramento Guarani: alterações e h ip óteses etno-
históricas. R evista do M useu de A rqu eologia e E tn ologia, São Paulo, 10: 31-68, 2000.
Iniciamos pela limpeza do material com Cada peça foi analisada com lente de
escova macia e água para a retirada do sedi aumento manual sob iluminação incandescente.
mento impregnante. As partes que se apresen Segundo Bunn 1982 (apud White 1992), a
tavam erodidas ou com ausência do tecido iluminação fluorescente é difusa, subdividindo
ósseo compacto, expondo o tecido esponjoso, detalhes topográficos, fundamentais na inter
foram delicadamente escovadas a seco. pretação das alterações na superfície do osso.
Em seguida, encaminhamos as três etapas de Constatamos a veracidade desta afirmação,
triagem. A primeira consistiu no reconhecimento verificando que várias alterações, não perceptí
e agrupamento dos ossos pelas partes anatômi veis sob iluminação fluorescente, se tomavam
cas, isto é, fragmentos de crânio, de costelas, claramente visíveis na iluminação incandescen
ossos longos etc. e identificação de lateralidade. te. Posteriormente foi utilizada lupa binocular
Na segunda, identificamos os ossos principais para auxiliar na caracterização das alterações,
que apresentavam as alterações (sulcos, depres construindo-se uma ‘classificação paradigmá
sões, faixas raspadas) e na terceira triagem os tica’, conforme proposto por Dunnell (1971).
pequenos fragmentos (> lcm) pelas característi Fizemos ainda observações de detalhes das
cas anatômicas e cor de queima. Uma vez triados, alterações no sistema de análise óptico e
passamos à reconstituição provisória do que foi tratamento digital de imagem Leika Q 550 IW,
possível e, posteriormente, para a definitiva, marca Zeiss Stemi Sv 11} Elaboramos o inven-
utilizando cola branca PH Neutral Adhesive.
Os ossos foram identificados com a sigla
do sítio (Pa-1) e numerados para facilitar a
(1) Equipamento do Projeto de A poio à Infra-
referência: cada parte anatômica recebeu um
Estrutura de Pesquisa - M odernização do Laboratório
número e seus diversos fragmentos letras (por
de Sed im entologia/P rocesso Fapesp 1997/1 0 6 6 9 -0 ),
exemplo, o crânio recebeu o n° 1 e seus frag sob a responsabilidade de Paulo César Fonseca
mentos IA, IB, 1C; a mandíbula o n° 2 e seus Giannini, do Instituto de G eociências da USP, a quem
fragmentos 2A, 2B etc.) agradecem os a disponibilização do equipamento.
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PIED A D E, S.C.; SO AR ES, A.L.R. C onsiderações sobre um enterramento Guarani: alterações e hipóteses etno-
históricas. R evista do Museu de A rqu eologia e Etnologia, São Paulo, 10: 31-68, 2000.
34
PIED A D E, S.C.; SO A R ES, A .L.R . C onsiderações sobre um enterramento Guarani: alterações e h ip óteses etno-
históricas. R evista do Museu de A rqu eologia e E tn ologia, São Paulo, 10: 31-68, 2000.
2 - Dente (5 ul)
3 - Fíbula (5 ul)
4 - Crânio (5 ul)
8 -B la n k (5 ul)
9 - Blank (5 ul)
11 - C. 9 (Analr)
12 -C.Cf(Alex)
Fig.4 - Determinação do sexo através do locus amelogenina resultando em perfil masculino (XY).
Note na coluna n° 7 (crânio) o resultado idêntico à coluna n° 12 (Cf - Alex).
35
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D escrição Quebra Queima Sulcos Outras D im ensões Observação
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26 frag. não SIM. Superfície exocraniana Superfície exocraniana mais
—<
NÃO NÃO 1 a 3 cm
identif. = > 285°C e superfície queimada que a superfície
endocraniana = < 185° C endocraniana
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Frag. de ramo E A ntiga SIM, c/ rachaduras e queima SIM, simples, finos NÃO 8.4 x 3, 9cm
próx. ao côndilo. Cor: paralelos, na porção
10YR 8/4 (~185°C) e anterior do osso
próximo ao côndilo 7YR 6/6
(> 185°C)
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Frag. do ramo D
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Recente (?) SIM, c/ finas rachaduras e SIM, no bordo um SIM (superf. inter.) 3.2 x l,4cm Possível percussão que
(bordo inferior) finas linhas de contração. pouco acima do culminou na quebra
Cor: 10YR 8/4: ~185°C ângulo e espalhados
(am arelo) pela superf. do osso
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Frag. de corpo E Antiga e SIM. C/ finas rachaduras e NÃO NÃO 8.4 x 4 ,lc m Ausência do bordo inf.
recente descamação. Cor: 10YR 8/4: Articulado frag. do 1° molar
~185°C e alvéolo do 2o pré- molar
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Região escapular Antiga SIM, com rachaduras.
Q.
SIM, no colo do NÃO 15.2 x 6,0cm Os sulcos atingem o tecido
frag. (colo do Porção anterior mais acrômio e no bordo ósseo esponjoso
acrômio) e queimada que a posterior. lateral
recente Cor: escura ( 7,5YR 4/3 =
~285°C ) clara (7,5YR 7/4 =
~ 185°C )
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Frag. da espinha Antiga SIM, c/ rachaduras e descam. NÃO NÃO 8.7 x 2,9 cm
D,
CQ
da escápula Idem 3A
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3
Frag. nas extr., A ntiga, SIM, c/ rachaduras e SIM, bem marcados, SIM, depressão 7.8 x 1,5 cm
W
Os sulcos apresentam erosão
na porção anter. transversa, descamação. Cor: marrom oblíquos ao eixo provocada por vários nas bordas. A área c/ sulcos
à extr. acromial e na p orção avermelhado (285° C a 525° principal do osso sulcos juntos vai até a fragmentação, o que
na porção anter. mediai e re C); cód. de cor 2 (ligeira deve ter fragilizado o osso
à impressão para cente, irre mente queimado) e cor
o ligam ento gular nas ex predominante: 10 YR 6/2
costo-clavicu lar tremidades
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Descrição Quebra Queima Sulcos Outras D im ensões Observação
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5A Diáfise, frag. Ocor- Antigas,
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[M, c/ rachad. longit. e SIM, na extrem. [M, faixas raspadas, 14,0 X 2,4 cm Provavelmente a fragmen-
JJ
reu transver. p/ queima etas de contr. Cor predom.: distai, perpend, e ngitudinais, ao tação ocorreu por fragili-
W) —
JJ
e longit. ao eixd e recentes )YR 6/2 (285°C a 525°C). oblíquos ao eixo ngo da diáfise zação pela queima. Linhas de
U
princ. do osso (exumação) ódigo de queima n° 2 principal do osso fraturas curvas e trans-
versais
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5B Antiga, SIM, bem marcados;
W
Frag, na diáfise [M, com rachad., gretas de [M, faixa raspada na 8,0 X 3,7 cm Apresenta ainda uma parte
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(próx. à metàfise oblíqua, na >ntr. e descam.. Cor: mar- perpend, ao eixo irte posterior, próx] da diáfise que recebeu o n°
D, /Cd
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distal). Extrem, diáfise >m avermelhado (285°C a princ. do osso, próx. frag, da diáfise 5C. Preservada parte da
distal, c/ frag, da 525° C); ÍOYR 6/2 (Estágio à frag, da diáfise fossa olecraniana
M
epífise I- 525°C); cód. de cor 2
O
ig. queimado)
O
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5C Frag, de diáfise Antiga e NÃO 7,5 X 2,0 cm O sulco se apresenta com
C/3
[M, com rachauras, gretas SIM. Duplo, isolado,
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oblíqua nas de contração e descamação. oblíquo ao eixo morfologia diferente dos
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OQ
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e
extrem id. principal do osso demais
5
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cd
Q
Frag, na porção Presença da epífise pro-
C
Antiga, [M, c/ rachad. longit. e NÃO NÃO 13,5 X 3,5cm
VO
mesial da diáfise irregular iscam.. Cor:amarelo pálido xim al
:0°C a 285 °C); 10YR 8/3
stágio I: ~ 185°C); código
-
= (ligeir. queimado- creme/
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Uh
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G
6B Frag, na altura da Antiga, [M, com rachad. e gretas de SIM, sulcos longos e 1M, faixa raspada, 16,2 X 2,4cm Os sulcos apresentam erosão
O
C/3
metáfise prox. e transversa. intr. Cor: marrom finos na lateral da íperposta aos sulcos dos bordos
cd
na diáfise distai (prox.) e /ermelhado (285 °C a diáfise. Bem bem marcados
oblíqua 525°C); cód.de cor 2 -ligeir. marcados, perpen-
(distai) diculares ao eixo
O*
jeim.); 10YR 6/2 (estágio
in
in
princ. do osso
CN
SIM. Sulcos feitos
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7A Diáfise frag. Antiga. 1M, c/ rachad. e gretas de NÃO 12,6 X l,6 cm Ausência das epífises. Sulcos
depois da queima
o
Distai e mtr. Cor: marrom c/ erosão dos bordos
cd
prox. irreg.; /ermelhado (285°C a
recente e 525°C); código de cor 2
w
irreg. na igeir. queim.); cor predomi-
c
porção inte: 10YR 6/2: ~ 525°C
mesial da
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Ossc D escrição Quebra Observação
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Queima Sulcos Outras
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Diáfise frag. na Antiga- irregular Ausência das epífises
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SIM, c/ rachad. longit. e
O
NÃO SIM, faixa raspada,
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metàfise prox. e (distai)/ recente gretas de contr. Cor: marrom longitudinal ao eixo
na distai na região irregular (prox.) averm. (285° C a 525° C); principal do osso e
que antecede a transver. (diáfi- 10YR 6/2 (estágio III- depressão causada
m etàfise se mesial) 525°C); cód. de cor 2 por vários sulcos
(ligeiramente queimado)
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8A Manúbio, c/ Recente na NÃO NÃO Ausência do corpo. Presença
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NÃO
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rachad. na face posterior da apófise xifóide (frag.).
chanfrad. jugular Manúbio - 8A Apófise
xifóide - 8B
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9A 10 ossos Antigas e SIM, c/ Tachaduras longitudi- NÃO NÃO
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m ãos completos e 48 recentes; nais e descamação
fragm entos transversas e
irregulares
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O
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27 (astrágalos, Antigas e
C/D
NÃO NÃO
C/D
C/D
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9B SIM, c/ Tachaduras longitudi-
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Fragmentos SIM, variam do amarelo
C/D
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Antigas e NÃO NÃO Fragmentos de 1,0 a 3,0 cm
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SIM, variam do amarelo
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Fragmentos
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Antigas e NÃO Fragmentos de 3,1 a 6,0 cm.
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Antigas e SIM, variam do amarelo SIM, localizados SIM
C/D
10C Fragmentos de 3,1 a 5,0 cm.
C/D
8 fragm entos
1
O
recentes, (inter.) ao marrom na face interna, Faces internas c/ aparência
transversas e avermelhado, c/ descamação extema e nos mais lisa, menos queimadas
irregulares e Tachaduras longitudinais bordos
(ex t.)
TABELA 1 - Inventário e levantamento das alterações (cont.)
Alterações
0
Osso D escrição Quebra Queima Sulcos Outras D im ensões Observação
O
Q
Costelas 26 fragmentos Antigas e SIM, d rachaduras longitudi SIM, algumas d SIM, faixa raspada Fragmentos de 1,0 a 3,0 cm.
recentes nais sulcos na A maioria apresenta o tecido
superfície inter., ósseo compacto das faces
outros na extr. externas fragmentados
ou nos bordos
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Vértebras 11 fragmentos: 2 Antigas e SIM. Processos espinhosos - NÃO NÃO
proces. espinho recentes (2) Cor: marrom escuro (c/
sos frag.;5 frags. manchas) e rachaduras
de corpo; 1 (~285°C a 525°C)
fragmento de
apófise transv.; 3
fragm. não iden
tificados; axis
03
Vértebras 2 processos Antigas e 2 c/a cor amarela e 1 SIM NÃO
espinhosos; 1 recentes marrom avermelhada (~285°
fragmento não a 525°C)
identificado
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Presença do
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Osso do A ntiga SIM, leve, d rachadura NÃO NÃO 4,5 x 4,0cm
quadril tubérculo da
crista ilíaca E
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Fêmur D Diáfise d Extrem.proximal SIM, marrom escuro, com SIM, nas SIM, faixas raspadas 15.0 x 4,0 cm Os sulcos apresentam
fragmento nas fragm. antiga, gretas de contr. em toda a extremidades. feitas pós queima características diferentes dos
extremidades curva e transv., superfície do osso e racha Prox. (parale demais (longos e finos)
na altura do duras longitudinais. Cor los) oblíquos ao
colo. Na distai, predom.: 10YR 5/6 (mais eixo principal
frag. antiga, escura) 10YR 4/3 (285°C a do osso
transv. 525° C)
m
Fêmur E Diáfise com epífi Antiga e SIM, principalmente nas NÃO NÃO 30.0 x 8,0 cm Epífise do fêmur esquerdo
CQ
se distai (a porção recente. Prox.: extremidades. Na proximal recebeu o n° 13C. Superf. do
anter. está frag.). irreg., transv. e houve “amputação” da osso d aspecto vítreo, sem
A epífise prox. a distai: irreg. epífise. Cor predominante Tachaduras ou gretas de
“amputada” por (10YR 7/6= ~20°C a 185°C). contração (apenas na
queima (presente) Cor das extremidades: extremidade proxim al)
marrom avermelhado (10YR
5/8= ~360°C )
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Osso D escrição Quebra Queima Sulcos Outras D im ensões Observação
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Tíbia E Diáfise fragmen Prox.: recente/ Na faixa anter., c/ rachad. NÃO NÃO 22,5 X 4,0 cm
tada nas porções irregular; distai: longit., leves gretas de contr.
que precedem as recente/ e descam. intensa. Cor:
m etáfises irregular amarelo- 10YR 7/6: ~ 185°C.
Na faixa posterior, o osso
está melhor preservado (cor
amarela)
^
aa
Tíbia D Diáfise fragmen antiga/irregular; Na faixa longit. anter., d rachad. NÃO Faixa raspada, 12.2 X 3,0cm Com provável percussão
tada recente/irregular longit., leves gretas de contr. e longitudinal ao eixo que causou a fragmenta
desc. intensa. Cor: amarelo- principal do osso. ção na diáfise
10YR 7/6 (~ 185° C). Na (2 8 x 5 m m )
faixa poster., o osso está
melhor preserv. (cor amarela)
^
<
Fibula D Frag. de diáfise Extr. prox.: SIM. Cor: amarelo, com NÃO NÃO 10.0 X 1,2 cm 15C- epífise distai
m
oblíqua e irreg.; rachaduras longitudinais -
na extr. distai: 10YR 7/4: ~ 185° C
irreg.
^
NÃO NÃO 8.2 X 2,4 cm
en
Fibula E Frag. de diáfise na diáfise: SIM, c/ leves rachaduras
com epífise distai irreg.; na longitudinais. Cor: amarela
epífise: erosão 10YR 7/4: -185° C
v
Q
Frag. Frag. de diáfise Antiga e recen SIM. Cor: amarela - (~185° C) NÃO NÃO 10.0 X l,lc m
~)
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fibula sem determinação te, transversas c/ rachaduras longitudinais e
de lateralidade descamação
w
NÃO NÃO Osso enviado para o
i—t
Fibula Frag. de diáfise s/ Idem 15D Idem 15D
determ. de lateral. laboratório p/ análise de
Idem 15 D DNA (determinação de
sexo) e posteriorm ente
para datação
d) cd
extremamente m odifica-
mente ocasionadas na
osso desidratado (bem
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PIED A D E, S.C.; SO A RES, A .L.R . C onsiderações sobre um enterramento Guarani: alterações e hipóteses etno-
históricas. R evista do Museu de A rqu eologia e E tn ologia, São Paulo, 10: 31-68, 2000.
Queima
Quebras
Para a caracterização da queima nos ossos,
Para caracterizar as fragmentações presen nos valemos, inicialmente, da metodologia
tes, utilizamos a classificação proposta por Mello proposta por Shipman, Foster e Shoeninger
(1999), que é semelhante a de White (1992), com (1984). Estes autores associam as cores pre
pequenas diferenças de nomenclatura. dominantes do tecido ósseos compacto,
As quebras nos ossos nos fornecem classificadas por meio da tabela de Munsell e
excelentes indicadores da época em que relacionadas às temperaturas de queima. Ainda
ocorreram (se antes da morte, na época da subdividem o material em 5 estágios de calor em
morte ou posteriormente). A quebra em ângulo tecidos ósseos e os correlacionam com obser
reto ou oblíquo significa que foi feito em osso vações da morfologia microscópica do osso,
seco; em ângulo agudo, obtuso e de contorno com o auxílio do Microscópio Eletrônico de
arredondado e em espiral, em osso fresco. A Varredura. Tal descrição foi utilizada por
presença de sedimento incluso nas trabéculas Machado (1990) no trabalho desenvolvido
é testemunho do ambiente em que o osso sobre as práticas funerárias de cremação e sua
esteve inserido, podendo auxiliar na inferência variação em grutas do norte e noroeste de
dos processos de deposição ocorridos. Minas Gerais. Concordamos que esta meto
O material em questão apresenta quebras dologia é um pouco subjetiva e não aceita por
recentes, provavelmente causadas por ocasião diversos autores, porém, foi o recurso disponí
da exumação do indivíduo e, na maioria dos vel e os resultados foram satisfatórios.
ossos, quebras antigas, testemunhada pela Iniciamos pela separação dos ossos de
presença de sedimento incluso e aderido às acordo com as tonalidades apresentadas pela
trabéculas, com a mesma cor do restante da superfície. Em seguida, utilizando a tabela de
peça, indicando sua ocorrência antes ou Munsell, determinamos os códigos referentes às
durante o envolvimento sedimentar. As fraturas cores predominantes e às secundárias, reportan
post- mortem refletem o grau de hidratação do do o resultado para a temperatura de queima
osso no momento em que aconteceram. No Pa constante na tabela de Shipman, Foster e
ri o conjunto da fragmentação é preferencial Shoeninger, conforme apresentado no inventário.
mente transversa (Mello 1999) ou perpendicular O material mostra diversificação de cor e
típica (White 1992) e irregular, indicando quebra conseqüentemente de queima ao longo dos
ocorrida já no osso desidratado, podendo ter ossos, com manchas escuras e claras alterna
sido causado por pressão da deposição. Esta das. Em geral, as cores predominantes são as
evidência é um dos dados que possibilita o mais claras e as secundárias, mais escuras,
descarte das hipóteses de ritual antropofágico com uma variação que vai do amarelo claro ao
ou de ataque de animais carnívoros por ocasião marrom avermelhado, acusando uma tempera
da morte do indivíduo (caso contrário, os ossos tura de queima de 185°C a 525°C. Em alguns
43
PIED A D E, S.C ., SO A RES, A .L.R . C onsiderações sobre um enterramento Guarani: alterações e hipóteses etno-
históricas. R evista do Museu de A rqu eologia e E tn ologia, São Paulo, 10: 31-68, 2000.
ossos, como fragmentos da calota craniana, além das gretas de contração longitudinais e
escápula e costelas, por exemplo, a superfície transversais, um leve arqueamento do osso
interna é bem mais clara que a externa; em (Ubelaker 1989). Pelas características apresen
outros como o fêmur, a extremidade proximal tadas, podemos inferir que a queima ocorreu
apresenta-se bem mais queimada que o com os ossos já desidratados, diretamente nas
restante do osso, com conseqüente amputação chamas, em fogueira simples.
da epífise. Observando o material na lupa binocular,
Descrevemos também as categorias de com aumento de 60x, notamos concentrações
queima com base na superfície macroscópica e de micro-fragmentos de carvão aderidos à
na cor, considerando sete níveis (que vão de superfície dos ossos, porém se apresentam
zero a seis), inspirados nas experimentações e ausentes ou bem esparsos nas faixas raspadas,
análise de ossos fragmentados encontrados nos sulcos e nas depressões. Provavelmente
em abrigos no Paleolítico (Stiner et al. 1995). foram transferidos para as alterações por
Aplicando esta metodologia ao material em ocasião da limpeza dos ossos.
questão, obtivemos como resultado os níveis Para sistematização e visibilidade dos
de zero a dois, que significam material não dados levantados, elaboramos mapeamento de
queimado, levemente queimado ou ligeiramen queima na Fig. 7 (modificado de Rubio-Fuentes
te queimado, respectivamente. 1975), onde registramos as duas faixas de
Na observação macroscópica, os ossos temperaturas detectadas.
que apresentam temperatura de queima mais A Tabela 2 apresenta as principais infor
baixa, de 185°C a 360°C, mostram na superfície mações sobre a queima.
rachaduras longitudinais, descamação e em
alguns casos, finas gretas de contração
(Fig.5), enquanto que, nos mais queimados, - Sulcos, faixas com ‘raspagem’ e depressões
525° C - as gretas de contração são mais
marcadas e os ossos visivelmente mais friáveis Assim que detectamos nos ossos as
(Fig.6). As Tachaduras se caracterizam por estranhas e intrigantes alterações, iniciamos a
rupturas na superfície do osso que podem ou busca de situações semelhantes na literatura
não alcançar extremidades opostas e as gretas especializada. Porém, os trabalhos consulta
e fendas podem ser paralelas ao seu eixo dos tratavam de quebras, queimas e cortes
principal - no caso do osso fresco- e transver causados por ritual antropofágico, limpeza dos
sais, quando ocorre no osso seco. Além disso, ossos para enterramento secundário, descar-
constatamos que a queima não se deu com os namento de ossos de animais para consumo da
ossos envoltos em tecido mole o que causaria, carne ou ataque por carnívoros, todos eles
44
PIEDA DE, S.C.; SO AR ES, A.L.R. C onsiderações sobre um enterramento Guarani: alterações e h ip óteses etno-
históricas. R evista do M useu de A rqu eologia e E tnologia, São Paulo, 10: 31-68, 2000.
Fig. 6 - Aspecto de fragm ento do úmero esquerdo, com queima mais acentuada,
apresentando rachaduras longitudinais, gretas de contração e tecido ósseo com
pacto bem friável.
apresentando marcas de cortes ou de dentes fêmur direito. Nos ossos longos estão localiza
em ossos frescos, não se assemelhando à dos preferencialmente nas diáfises, conforme
maioria das alterações encontradas no material demonstra o mapeamento de alterações (Fig.8).
em questão, que foram provocadas nos ossos Os sulcos apresentam-se por vezes paralelos,
já desidratados ou secos. cruzados, retilíneos ou desenhando curvas. Em
As marcas de cortes provocadas em ossos alguns casos são simples, em outros, duplos,
frescos mostram-se mais estreitas, com compostos, em V ou isolados. São mais
estrutura semelhante a uma linha. Além disso, profundos na região central, ficando mais
tanto para descarnamento (para consumo da rasos conforme se aproximam das extremida
carne), como para desmembramento (corte dos des, que, em geral, terminam em ponta (mais
ligamentos dos ossos) e sua limpeza com estreitas que a largura central). Não apresen
finalidade de enterramento secundário, as tam lingüetas nas extremidades. Em secção
marcas podem ocorrer nas diáfises dos ossos; transversal, o sulco tem a forma de U. Em
porém, localizam-se preferencialmente nas alguns casos, as bordas se apresentam
metáfises e nas epífises (White 1992, Ubelaker erodidas, principalmente nos ossos mais
1989, Binford 1981). queimados.
Ao analisar o material, utilizando lupa No fêmur direito, na mandíbula (Fig.9), em
binocular com aumento de lOx, detectamos três alguns fragmentos de costelas e no fragmento
tipos de alterações: sulcos, faixas raspadas e do osso do quadril, os sulcos apresentam
depressões, muitas delas não visíveis a olho nu. morfologia ligeiramente diferente dos demais,
Os sulcos, que se assemelham a cortes, assemelhando-se a cortes feitos em ossos
foram predominantes (63,8%) e ocorrem em ainda frescos.
quase todo o esqueleto, ou seja, nos fragmen Em diversos ossos notamos que os sulcos
tos de crânio, de mandíbula, de escápula não foram feitos com o intuito de cortá-los,
esquerda, de clavícula esquerda, do úmero pois atingem apenas o tecido ósseo compacto
direito e esquerdo, da ulna esquerda, do rádio e nem sempre estão próximos à fragmentação
direito, além de trinta e quatro fragmentos de (Fig. 10). A exceção fica por conta de alguns
costelas, três fragmentos de vértebras e no fragmentos de costelas e do úmero esquerdo,
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PIED A D E, S.C.; SO ARES, A.L.R. C onsiderações sobre um enterramento Guarani: alterações e hipóteses
históricas. R evista do Museu de A rqueologia e E tnologia, São Paulo, 10: 31-68, 2000.
Proj Par
Sítio Panema
Campina do Monte Alegre
Enterramento: Pa -1
Queima
Legenda:
M 20°C a 285° C
■ 285°C a 525°C
Obs; foram mapeados apenas as
queimas ocorridas nos fragmentos
ósseos identificados e com
referência de lateralidade.
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históricas. R evista do M useu de A rqu eologia e E tn ologia, São Paulo, 10: 31-68, 2000.
Proj Par
Sítio Panema
Campina do Monte Alegre
Enterramento: Pa -1
Legenda
• Sulcos
▲ Faixas raspadas
■ depressões
Obs 1: foram mapeadas apenas as
alterações nos fragmentos ósseos
identificados e com referência
de lateralidade.
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históricas. R evista do M useu de A rqu eologia e E tn ologia, São Paulo, 10: 31-68, 2000.
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Fig. 15 - Detalhe da faixa raspada na tíbia direita (Fig. 5), com aumento de 6x.
movimentos. Estão localizadas na clavícula ou seja, sulcos feitos pelos dentes superiores
esquerda, ulna esquerda e em um fragmento de e inferiores (a ação de roer envolve tanto os
costela (Fig. 16). caninos como as cúspides dos molares
Analisando o conjunto de informações superiores e inferiores).
obtidas, concluímos que a maioria dos sulcos, as Se, por um lado, as evidências não nos
faixas raspadas e as depressões foram feitas com permitem afirmar se tratar de processo tafonô-
os ossos já desidratados e posterior à queima, mico, por outro, não descartamos a possibili
conforme atesta a Fig. 17, cujo detalhe mostra dade de alteração antrópica.
uma greta de contração causada pela ação Como não há tradição de pesquisa neste
térmica, apresentando superfície polida. Porém, assunto em Arqueologia Brasileira, o que
encontramos também marcas semelhantes à de provoca a ausência de coleções experimentais
descamamento, que sugerem terem as alterações de referência, não possuímos parâmetros para
ocorrido em dois momentos, isto é, antes da comparação. Por isso estes sulcos foram
queima, com os ossos ainda frescos e posterior apenas descritos e incluídos na seqüência em
mente, nos ossos já desidratados (Figs. 17 e 18). que ocorreram as alterações.
Os sulcos feitos posteriormente à queima Em alguns ossos, como no úmero direito,
apresentam algumas características que deixam por exemplo, constatamos que as marcas são
dúvidas quanto à sua origem. Se tafonômicas, interrompidas pela fragmentação e, mesmo
as marcas se assemelham, em alguns casos, às depois de reconstituído o osso, os sulcos não
deixadas por dentes de carnívoro, isto é, passam para o complemento (Fig. 19). Isto
curvas, em S, compostas de forma cruzada ou significa que o osso foi quebrado antes de
superpostas (caóticas). Entretanto, faltam os ocorrer a alteração e posteriormente os
esperados e tradicionais furos circulares fragmentos foram cuidadosamente recolhidos
causados por dentes caninos, as extremidades e depositados na uma funerária, numa ação
dos ossos roídas e as marcas de bipolaridade, inquestionavelmente antrópica.
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Fig. 19 - Úmero direito. Note-se que os sulcos não passam para o complemento,
significando que o osso já estava quebrado quando foram feitos.
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grandes, no caso as panelas utilizadas como mento ou ao corte dos ligamentos entre os
umas funerárias, eram semelhantes entre os ossos e os nervos, cartilagens ou ligamentos
Guaranis do Rio Grande do Sul e os Tupinam- que uniam o esqueleto aos músculos. Neste
bás de São Paulo, conforme seu levantamento sentido, podem ser interpretados como prová
bibliográfico de formas de vasilhas cerâmicas vel descamamento os ossos do maxilar inferior,
do leste da América do Sul. Da mesma forma, costela e fêmur, que apresentam cortes finos em
ainda segundo Brochado, as diferenças e coincidência com músculos e ligamentos.
disparidades das informações não permitem Os tipos de corte encontrados, no entanto,
nenhuma afirmação definitiva, uma vez que não se reduzem a cortes de descamamento. A
qualquer descrição será praticamente única no hidratação do osso em situação peri mortem
cenário arqueológico do sul do Brasil, não deixaria cicatrizes semelhantes ao já observado
sendo o mesmo em outros estados. em outros rituais para fins de enterramento ou
A localização geográfica do município antropofagia. Em nosso caso, existem sulcos e
sugere uma provável ocupação Guarani, mas cortes de caráter antrópico ou tafonômico
sujeita a uma série de indagações, como por diferentes do descamamento. Nossa observa
exemplo, influência de outros grupos, Guarani- ção no Laboratório de Estudos e Pesquisas
zação, contato interétnico predominante, entre Arqueológicas - LEPA/UFSM -, em dois
outras possibilidades. enterramentos anteriormente exumados, nos
Até o momento desta revisão bibliográfica, municípios de São Gabriel6 (formação geológica
os dados utilizados são compostos de três do Escudo Cristalino ou Sul Rio-Grandense) e
tipos de informações não excludentes, mas não no município de São Martinho da Serra7
necessariamente complementares, que devem (formação geológica da Serra Geral) nos
ser tomadas com diversas ressalvas para que apresentaram evidências de descamamento,
não se caia no reducionismo. nas quais este, no momento da morte - peri
- As informações dos viajantes e jesuítas mortem - , propicia um tipo de marca no osso
dos séculos XVI ao XVIII, tratando dos índios hidratado, deixando vestígios específicos
de forma exótica ou pejorativa, sem preocupa diferentes dos cortes realizados no osso seco.
ção propriamente descritiva, ainda mais se O material ósseo apresenta uma série de
tratando do assunto em questão; alterações dignas de nota do ponto de vista
- As informações dos viajantes de meados histórico, etno-histórico e arqueológico
do século XIX e início do século XX, que são Guarani. As informações existentes sobre os
tratadas desconsiderando-se os efeitos Guaranis serão tratadas a partir da análise dos
nefastos dos contatos, que necessariamente ossos, não com o intuito de direcionar a
modificaram as formas tradicionais de vida e interpretação, mas, ao contrário, que sejam
socialização das informações em questão; possíveis leituras distintas frente às diferentes
- As informações de autodidatas, etnógra possibilidades que as informações viabilizam
fos e antropólogos do nosso século, cientifi sobre o material proposto.
camente elaboradas, porém, em contato com A partir das características descritas
realidades distintas das tradicionais. supra-citadas, buscaremos construir uma
Sendo assim, é praticamente impossível hipótese sobre várias possibilidades relativas
considerar estas informações, seja em nível de ao enterramento, considerando as especificidades
analogia direta ou etnográfica, mas que dos grupos Guarani já conhecidas, como por
poderão ser tomadas como base para especu exemplo, enterro primário e/ou descamamento,
lações que deverão ser comprovadas em enterramento em uma, entre outras:
outras oportunidades, quando uma maior
quantidade de enterramentos forem escavados
de forma sistemática, controlada e fartamente (6) Urna funerária com ossos humanos encontrados
por um agricultor em um cerrito, trabalho de campo
documentada. coordenado por Saul Milder, 1998.
Em primeiro lugar, os ossos provavelmente (7) Um a funerária resgatada por André Soares e
sofreram descamamento, ou seja, houve cortes equipe do LEPA, dezembro de 1998, IV Congresso
em certos ossos que remetem ao descama Internacional de Estudos Ibero-Am ericanos, no prelo.
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históricas. R evista do Museu de A rqueologia e E tnologia, São Paulo, 10: 31-68, 2000.
- Uma única etapa, em que os ossos foram Embora seja assunto extremamente delicado,
descarnados, cortados e, em seguida, proces em face da completa ausência de escavações
sos pós-deposicionais perturbaram e/ou ou exumações controladas em umas funerárias
alteraram os cortes. Queima de ossos por Guaranis, acreditamos que se trata, em virtude
incêndio ou queima intencional; das distintas etapas pelas quais passaram os
- Duas etapas, nas quais o indivíduo ossos, de uma ‘violação’ ou queima intencio
passa por um processo de descarnamento; nal seguida de retirada de pó ou pequenos
posterior ‘violação’ do sepultamento e realiza fragmentos dos ossos.
ção de cortes, fraturas e queimas.
- Quatro etapas, nas quais o indivíduo foi
descarnado para enterramento; recolhido para Documentação do século XVII
queima com posterior abandono; alterações
tafonômicas e/ou antrópicas (carnívoros e Deve-se observar, primeira e principalmen
raspagens) e; enterramento final em uma. te, que não possuímos qualquer registro,
- Quatro etapas, com exposição do arqueológico, histórico ou etnográfico, de
cadáver à intempérie, descarnamento e limpeza queima dos ossos, cremação de cadáver ou
dos ossos, queima parcial e enterro na vasilha; queima de ossos intencionalmente entre os
- Cinco etapas, com exposição do cadáver Guaranis. Em nenhuma das parcialidades
à intempérie; descarnamento e limpeza dos estudadas, ao longo de cinco séculos de
ossos - uma vez decomposto o cadáver; contato, existem registros, informações ou
enterro em uma; queima parcial; re-enterro em citações de queima em ossos, salvo a hipótese
urna; colocada a seguir.
Centrar-nos-emos na terceira hipótese, Para que esta hipótese tenha sustentação
devido aos seguintes argumentos: é necessária uma digressão relativa aos tipos
A primeira hipótese é inválida por que os de enterramentos conhecidos, à importância
cortes de descarnamento não são contemporâ do enterramento e da conservação dos ossos,
neos aos outros cortes, realizados em ossos já e à fragilidade dos dados etno-históricos para
secos e sem tecidos musculares; ao mesmo um texto consistente de fato.
tempo, as fraturas decorrentes dos cortes Começaremos pelo último:
evidenciam um período bem depois da morte As informações históricas utilizadas são
em que os ossos já estavam desidratados. sempre fragmentadas, no sentido descritivo,
A segunda hipótese não é inviável, mas étnico e cultural: com isto estamos afirmando
seria uma coincidência bastante grande que os que as existentes provêm de grupos muitas
ossos escolhidos para serem cortados fossem vezes descritos com forte carga eurocèntrica,
os mesmos já queimados em momentos sem precisão do grupo com que se trabalha e
idênticos, face principalmente ao fato dos sem aprofundamento sócio-temporal, quer dizer,
cortes serem posteriores à queima, como sem integração social ou tempo suficiente para
atestam as deposições de carvão na superfície conhecer a sociedade a fundo.8 Isto não quer
dos ossos e esparsas dentro das áreas raspa dizer que esses dados não possam ser utiliza
das e cortadas, de forma que trabalharemos dos: apenas que eles não podem ser tomados
como eixo norteador a hipótese três. As como verdade última ou absoluta, frente ao fato
hipóteses quatro e cinco, embora viáveis, não que não sabemos, exatamente, de quem esta
cabem nos procedimentos conhecidos para os mos falando. Os Guaranis têm sido tratados
Guaranis, ou seja, exposição à intempérie do como uma massa homogênea que vai contra a
cadáver, muito embora existam marcas que identidade étnica das diversas parcialidades e
poderiam conduzir a este raciocínio.
Os elementos que disporemos agora serão
no sentido de apontar que dois fatores devem (8) Esta proposição não é nova: diversos autores
ser observados na problemática levantada: os trabalham com a inconsistência e fragilidade das
cortes devem ser posteriores ao descar inform ações, com o M elià (1988), N oelli (1993),
namento e, em segundo lugar, à queima. Soares (1 996,1997) entre outros.
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PIEDADE, S.C.; SO AR ES, A.L.R . C onsiderações sobre um enterramento Guarani: alterações e hipóteses etno-
históricas. R evista do Museu de A rqu eologia e Etnologia, São Paulo, 10: 31-68, 2000.
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[EDADE, S.C.; SO ARES, A.L.R. C onsiderações sobre um enterramento Guarani: alterações e hipóteses etno-
stóricas. R evista do Museu de A rqu eologia e Etnologia, São Paulo, 10: 31-68, 2000.
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todos los ejem plos anotados guardan relación Dicionários de M ontoya.13 A ausência
con el culto del esqueleto de párvulo” (ibid, 160);
completa dos assuntos religiosos dos índios
“ro ñ e m b o ’e rezar referente a, rezar por;
T ak u a V era C h y E te o g u e r o ñ e m b o ’e y v y r a ’i
nos dicionários e Anuas justifica-se porque
kanga - Takua Vera Chy Ete rezo referente al sempre foram tomados como costumes
esqueleto (Leyenda de Takua Vera Chy Ete)” pagãos a serem redimidos, por isso sua total
(ibid, 161); ausência na bibliografia jesuítica, citados
“T akua V era C hy E te heroína divinizada
esporadicamente como exemplos da ausência
que obtuvo a g u y je la perfección danzando y
entonando him nos em honor de y v y r a ’i
da fé e da barbárie indígena.
kãngua los huesos de un hijo que se la había Infelizmente, as únicas informações sobre
m uerto”(ibid, 166); queima de ossos secos provêm do procedi
“ta k u a ry v a i k ãn ga ‘nombre relig io so ’ del mento dos padres jesuítas em relação ao culto
esqueleto humano (fem inino); ta k u a ry v a i aos ossos. Tanto os padres do Colégio de ‘La
kãn ga m itã ’i ‘nombre r elig io so ’ del esqueleto
Rioja’ em 1637 como Montoya, em 1639,
de urna niña.” (ibid, 166)
comentam, rapidamente, como os ossos
Certamente trata-se de uma coincidência, destinados aos cultos são queimados, prefe
mas Montoya, em sua Conquista Espiritual rencialmente em praça pública, em fogueiras
(1639 [1989]) relata urna casa na qual se (abertas, não em buracos ou fomos). Parado
realizava o culto de ossos que, segundo o xalmente, e ao mesmo tempo, não se registrou
pajé, retomaria à vida, fazendo que os paren- que os ossos tenham sido queimados até a
tes conservassem o seu corpo defumado em pulverização ou somente como fim de culto
uma rede. pagão. Tampouco aparece o destino dos ossos
“..de aquel monte descubrieron un templo
após a fogueira.
adonde eran honrados aquellos huesos secos.(...) Até aqui teríamos uma hipótese plausível
Recogieron los Padres los huesos, plumas y para a queima dos ossos, no sentido que,
arreos...(..) descubrimos unos hediondos huesos pertencendo a um objeto de culto por parte
que aunque adornados con vistosas plumas nunca dos Guaranis, o esqueleto foi profanado por
perdieron su sucia fealdad” (M ontoya [1639]
padres e levado à fogueira como forma de
1989: 132, 134)
terminar o culto.
Mas, ressalvada a importância que os Restam ainda as alterações que não
ossos e os restos mortais possuem, cabe a pertencem ao descarnamento, como as faixas
pergunta: qual o motivo dos cortes, raspagens raspadas. Considerando a inexistência de
e queima do estudo de caso? Ao que tudo informações como dados utilizáveis, poder-se-
indica, e a análise dos ossos aponta para isto, os ia supor que a completa ausência ao tratamen
cortes, raspagens e queimas foram realizados to dado aos ossos, bem como o que levaria um
em algum momento após a extinção dos indivíduo a ter seus ossos quebrados, raspa
tecidos moles, não compondo, desta forma, dos e queimados, seja assunto fora da alçada
parte do descarnamento com fins de sepulta- da religião cristã, leia-se feitiçaria (especifica
mento. O estado de conservação dos ossos mente no período anterior ao contato com os
aponta, ainda, para dois momentos de cortes, europeus). Desta forma, considerando os
um com esses ainda frescos e outro com os atributos supracitados (de raspagem e queima
ossos secos. de ossos) como ausentes da bibliografia
Não sabemos o que levaria um indivíduo corrente tanto dos séculos XVI como XVII,
a ‘profanar’ o túmulo de outro. As informa XVIII e XIX, cremos ser possível inferir que
ções históricas já trabalhadas em momentos este assunto refere-se a um domínio cultural
anteriores (Soares 1997) não relatam nenhuma que não pôde ser acessado ou descrito, que
ação específica ou causa para tal ‘profana poderíamos entender como a religião ou as
ção’. Dentro do exercício especulativo,
sabemos que o maior número de informações
a respeito dos Guaranis históricos encontram- (13) Sobre a importância dos dicionários de M ontoya
se naquelas descritas pelos padres da compa para a etno-história Guarani, ver M elià (1988),
nhia de Jesus, os jesuítas e especialmente, os N oelli e Landa (1990) e N oelli (1993).
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PIEDA DE, S.C.; SO A RES, A .L.R . C onsiderações sobre um enterramento Guarani: alterações e hipóteses etno-
históricas. Revista do Museu de A rqu eologia e E tn ologia, São Paulo, 10: 31-68, 2000.
formas de expressão relacionadas à ligação do enfrentada nem pelo chefe mais audacioso,
homem com o sobrenatural. como atestam os documentos.15
Adentrando no funil, cada vez mais tênue, Não nos cabe neste momento apresentar
das informações que temos, devemos buscar as hierarquias entre os pajés localizadas nos
na possibilidade da religião indígena uma documentos,16 mas apontar que estas figuras
hipotética explicação para a ‘profanação’ são tão benquistas quanto temidas. Se pensar
encontrada. Esta elástica ida-e-vinda na mos na segunda possibilidade e no que, em
bibliografia histórica e antropológica só pode breves exertos, significa a pajelança, podere
ser considerada dentro da total ausência de mos esboçar uma tímida e incipiente idéia do
informações e, ao mesmo tempo, da fragilidade papel do pajé.
das analogias e inexistência de dados mais "... el poder impositivo de los shamanes
concretos. dominadores de las fuerzas mágicas desconocidas.
En contraste con los guaraníes historíeos,
culturalmente marginados e ideológicamente
Papel dos pajés consciente y dominantemente su “tekó porá”
vivencial y sy “teko kaví” socio-cultural, siendo
los shamanes en su rol de “yeri kyhara” verdade
Em que caso poder-se-ia molestar um ros impulsores del dinámico “o guaitá” y, no
indivíduo no post mortem, haja vista a preocu menos, del agresivo “marándekó”. (Susnik 1979/
(14) Ver também citação acima de Maeder, 1984. (15) Para tima leitura extensa, ver Manuscritos da
Devem os lembrar que, todavia, nesta mesma passa Coleção de Angelis, Jesuítas e Bandeirantes no Itatim;
gem , em outro lugar, M ontoya refere-se a três no Uruguai; no Tape; no Guairá.
esqueletos que eram objeto de culto, enquanto ele (16) Em Soares (1997), apresentamos a hierarquia
relata o destino de apenas um deles. Curiosamente, horizontal que ocupam os pajés ‘sopradores’,
não aparece o destino dos outros ossos queimados. ‘chupadores’ e os karaí ambulantes.
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PIEDA DE, S.C.; SO ARES, A.L.R . C onsiderações sobre um enterramento Guarani: alterações e hipóteses etno-
históricas. R evista do Museu de A rqu eologia e E tnologia, São Paulo, 10: 31-68, 2000.
vingança a ser efetuada sobre o próprio pajé, Uma hipótese seria, então, isolarmos os
com penalidades variando com as atribuições ossos do enterramento segundo a ótica dos
dos males por ele causados. Novamente verbetes b/e , e teríamos, assim, um indivíduo
exporemos uma longa lista de verbetes advin que, tendo utilizado a feitiçaria, foi morto e,
dos dos dicionários de Cadogan para que não cessando o efeito de seu malefício, em
esbocemos analogias tímidas: seus ossos foram realizadas ‘numerosas
feridas em seu antebraço’ para uma punição
“a) ipoataa rupigua cosa o ser que se halla
fuera de nuestro alcance; m b a ’evyk ya ip oataa exemplar. Talvez isto explique, ainda que de
rupigua h echicero que, por pertenecer a otro forma simplória e especulativa, a ‘profanação’
grupo, no puede ser alcanzado físicam ente; para de um túmulo, caso diferenciado do verbete c,
castigar-le, se recurre a la hechicería, (p. 57) no qual não se encontra a explicação para as
b) m ondyi espantar, escarmentar; poroa- raspagens nos ossos.
vyk ya o ik ó r a m o ñ a m o n d y i v a ip a v a ’erá,
ip o a p y ru p i ñ a ik y ch im b a i v a ’erá si hay
Outra hipótese, ainda mais remota, seria
brujos, debem os escarm entarlos ejemplarmente: buscar a explicação justamente pela existência
debem os inferirles numerosas heridas en el das escarificações nos ossos que foram mais
antebrazo, (p. 100) queimados. As raspagens são notadamente
c) m b a ’e gu ach u “cosa grande”, ‘nombre alterações antrópicas, das quais não temos
relig io so ’ del cadáver humano; m b a ’e guachu
referências na bibliografia histórica ou arqueo
m b o a v a i’eya profanador de cadáveres; los que,
en vez de resucitar al héroe solar, intentaron
lógica. Desta forma, buscamos possibilidades
asarlo y devorarlo, siendo convertidos en uruvu na bibliografia recente para tentar explicar a
buitres (mito del robo del fuego), (p. 103) realização das raspagens após a queima dos
d) m b a ’ek u aa sabiduría, conocim iento de mesmos ossos. A coincidência entre queima e
las cosas; también designa la ciencia perniciosa - raspagens nos leva a especular a utilização
conocim ientos de brujería - com o el la venácula;
destes ossos como componentes para uma
o im e a m o n g u e k a r a i g u a p ic h a re te iré
o m b a ’ek u a a o ip o r u , ta tá p y o m b o jech a a
ação culturalmente desconhecida, eliminada a
veces hay chamanes que usan sus conocim ientos possibilidade de perturbação tafonômica. Em
contra (los cuerpos de) sus prójimos haciendo se tratando da confecção do cachimbo ritual,
que el fuego les abrase (que se encuentren en el esta é assim descrita por Garlet e Soares17
fuego - con fuego o fiebre mortífera), (p. 104) (1998:251-274):
e) tem b ia v y k y k u e victim a de embru
jamiento, “el que ha sido objeto de herida o “Os petyngua que se destinam ao uso ritual
manuseo furtivo”, em b iavyk u e la victim a de su normalmente contém ossos em sua pasta. O
hechicería; iñ a r a n d u vai v a ’e rem b ia v y k y k u e animal preferido é o porco do mato, koxi
o m a n ó r a m o , ja ju k a etev e i v a ’erá si muere la (ta ja ssú ) considerado ñ a n d eru rym b a (anim al
victim a de un brujo, debem os matarlo” (p. 175) dom éstico de N osso Pai), (p. 155). Também
referem -se aos ossos do k agu aré (tamanduá),
Buscando analisar o enterramento encon outro animal que emprestaria maiores poderes ao
trado à luz destes verbetes, observamos cachimbo. O tratamento dado aos ossos consiste
em torrá-los junto à fogueira e pulverizá-los no
(sempre afirmando tratar-se de uma especula
p ilão : ñ a ’e ’u ñ a m o p iru k ã n g u e k u ’i k a ig u e
ção acadêmica e de analogia um tanto forçada, r e v e , j a ja p o p e ty n g u a , ñ a m o c h y i k ã n g u e
mas única à disposição) que os feiticeiros são reve ñ am b ojy, ‘m ezclam os arcilla con huesos
respeitados mas, em caso de utilização maléfi calcinados pulverizados, hacemos la pipa, la
ca do seu conhecimento, duramente castiga pulimos con un hueso y la cocinam os’. (Cadogan
1992: 140). C onstata-se, portanto, que o
dos. Se colocássemos em ordem as punições,
processo de produção de cachimbo, desde as
teríamos inicialmente o verbete a, sendo o observações feitas por Cadogan aos dias atuais,
feiticeiro de outra aldeia, apela-se, segundo a permanece inalterado. Apesar da dificuldade em
Lei de Talião, para outro feitiço. Caso haja no encontrar alguns elem entos im prescindíveis a sua
próprio grupo o conhecimento do uso maléfico
de feitiçaria, usam a punição exemplar, como
no verbete b, que sinaliza para uma punição do (17) Garlet, Ivori; Soares, André Luis R. In: P.P.
tipo corretiva, ou seja, aplicar feridas no braço. Funari (Org.) Cultura M aterial e A rqueologia
Em caso de morte, como no verbete e, conti H istórica. Coleção Idéias. IFCH - Unicamp, 1989:
nua vigorando a Lei de Talião. 2 5 1 -2 7 4 .
63
PIEDA DE, S.C ., SO ARES, A.L.R. C onsiderações sobre um enterramento Guarani: alterações e hipóteses etno-
históricas. R evista do Museu de A rqu eologia e E tn ologia, São Paulo, 70: 31-68, 2000.
confecção, ainda que do ponto de vista sim bóli utilizada pelos não-acadêmicos, podemos
co. Os mbya do RS não tendo à disposição ossos perceber que diversos ossos foram cortados,
de koxi, incursionam com freqüência pela
raspados e queimados em um conjunto claro
Argentina e Paraguai com a finalidade exclusiva
de adquirir, junto aos seus parentes, petyngua de atividades seqüenciais que não devem ser
confeccionados com ossos deste animal. Tais atribuídas ao acaso. Ampliando a especulação,
cachim bos constituem -se em verdadeiras a título de curiosidade, é importante salientar
raridades, tendo sua circulação e uso restrito que os ossos são considerados elementos que
entre os líderes religiosos.” (p. 256). ampliam o poder do cachimbo: não se poderia
Deve ser dada uma especial atenção a que imaginar que os ossos de um pajé - considera
o verbete de Cadogan não fala a quem perten do enquanto divindade18 - tivessem o mesmo
ce o osso, apenas que é utilizado. Da mesma efeito? São possibilidades.
forma, Garlet e Soares apresentam a importân
cia do cachimbo feito com tais ossos. Não se
poderia, hipoteticamente, profanar um túmulo Conclusões
para obter os ossos a fim de serem calcinados
e pulverizados para a confecção de um cachim Podemos arrolar os seguintes itens de
bo? Não encontraria eco, desta forma, nas conclusão:
maneiras antes antropofágicas de ‘aquisição’
de poder espiritual? E, estando o osso já 1. Esqueleto humano enterrado em vasilha
calcinado, não seria utilizável o osso como cerâmica, utilizada como uma funerária, com
amuleto e seu pó como antiplástico? tratamento de superfície do tipo Corrugado,
O cachimbo dos atuais Mbyá-guaranis é pertencendo à Tradição Tupiguarani, segundo
uma peça anômala em diversos sentidos. Em TERMINOLOGIA (1976) do PRONAPA.
comunicação pessoal, Brochado afirma que Segundo outras classificações pode também ser
nunca foram encontrados cachimbos de enquadrada na Tradição Policrômica Amazôni
cerâmica em escavações arqueológicas como ca, Subtradição Guarani (Brochado 1984),
aqueles confeccionados pelos Mbyás. Ao Cultura Arqueológica Guarani (Soares 1997) ou
mesmo tempo, é provável que anteriormente Sistema Regional Guarani (Morais 1999);
fizessem seus cachimbos de madeira, face a 2. Trata-se de indivíduo adulto do sexo
sua completa ausência do registro arqueológico. masculino, identificado por meio do locus
Explica-se a anomalia do cachimbo de amelogenina. Indígena, comprovado pela
cerâmica: presença de dente incisivo em forma de pá,
- Sua confecção é realizada por característica morfológica freqüente em grupos
homens (ao contrário das mulheres), com de origem mongolóide;
nomes específicos, sendo vedada sua 3. No estudo da integridade óssea consta
produção a determinados nomes; tamos a presença de quebras recentes, causa
- A técnica utilizada é o esculpido em das provavelmente pela exumação do material
todas as suas etapas (ao invés de modelado por não arqueólogo e quebras antigas, teste
ou acordelado, como é a técnica tradicional munhadas pela inclusão de sedimentos
de confecção cerâmica entre os guaranis); aderidos às trabéculas. As fragmentações
- O antiplástico utilizado é preferenci antigas são, na maior parte, transversas e
almente o osso e, no caso descrito por irregulares, indicando sua ocorrência no osso
Garlet e Soares, de animais domésticos da já desidratado;
divindade, ao invés das ofertas locais de
areia ou minerais usuais.
Na mesma esteira da especulação anterior, (18) Paul Banh, em seu M anual do B lefador “Tudo o
que você gostaria de saber sobre Arqueologia e jamais
se partirmos das raspagens e queimas realiza teve coragem de perguntar”, EdiOuro, SP, 1989,
das sobre os ossos, percebemos uma ‘inten- afirma que os arqueólogos sentem -se irresistivelm ente
cionalidade’ na realização das raspagens. atraídos a explicar com o religioso TUDO aquilo que
Excetuando-se aqueles atribuídos à técnica ele não tem a mínima idéia do que se trata.
64
PIEDA DE, S.C.; SO ARES, A.L.R. C onsiderações sobre um enterramento Guarani: alterações e hipóteses etnu-
históricas. R evista do Museu de A rqu eologia e Etnologia, São Paulo, 10: 31-68, 2000.
65
[EDADE, S.C.; SO ARES, A.L.R . C onsiderações sobre um enterramento Guarani: alterações e hipóteses etno-
stóricas. R evista do Museu de A rqu eologia e E tnologia, São Paulo, 10: 31-68, 2000.
Referências bibliográficas
6
P IED A D E, S.C.; SO ARES, A.L.R. C onsiderações sobre um enterramento Guarani: alterações e hipóteses etno-
históricas. R evista do M useu de A rqu eologia e E tn ologia, São Paulo, 10: 31-68, 2000.
67
PIEDA DE, S.C.; SO A RES, A.L.R. C onsiderações sobre um enterramento Guarani: alterações e hipóteses etno-
históricas. R evista do M useu de A rqu eologia e Etnologia, São Paulo, 10: 31-68, 2000.
Suzanne K. Fish*
Paulo De Blasis**
Maria Dulce Gaspar***
Paul R. Fish*
FISH, S.K.; BLASIS, P.; GASPAR, M .D.; FISH, P.R. Eventos incrementais na construção
de sambaquis, litoral sul do estado de Santa Catarina. Revista do Museu de A rqueolo
gia e E tnologia, São Paulo, 10: 69-87, 2000.
69
-ISH, S.K.; BLASIS, P.; GASPAR, M.D.; FISH, P.R. Eventos incrementais na construção de sambaquis, litoral sul do
“stado de Santa Catarina. R evista do Museu de A rqueologia è Etnologia, São Paulo, 10: 69-87, 2000.
:ada uma de suas etapas anteriores, e menores, de posteriores (Tabela 1). Dos sambaquis visitados
:onstituição. Portanto, a chave para a compreen na área de estudo, Jabuticabeira II representou
são de um mound monumental é a reconstituição uma oportunidade única para a compreensão, de
io formato e contexto cultural dos eventos modo rápido e eficiente, da estratigrafía e
incrementais presentes na sua construção. estrutura de um exemplar de grande porte. A
A percepção de sambaquis monumentais mineração predatória encetada anteriormente
snquanto símbolos altamente visíveis em proporcionou os meios para um grande estudo
paisagens culturais desafia as interpretações das características estruturais do sambaqui com
anteriores dos enormes sambaquis da costa sul um mínimo de danos adicionais.
brasileira, que os entendiam como empilhamen-
tos gigantes de restos de cozinha e outros restos
de atividades (shellmiddens), ou plataformas As pesquisas em
para residência seca e elevada, ou mesmo outras Jabuticabeira II (1997 e 1998)
atividades. É improvável que o esforço necessá
rio para criar “montes” massivos dé conchas de Jabuticabeira II cobre uma área de aproxima
até 30 metros de altura e centenas de metros de damente 84.000 metros quadrados e se eleva ao
diâmetro tenha sido incidental ou sem um máximo de 8 metros em dois picos de mesma
propósito contundente. O conceito de samba altura (Fig. 2). Sua base tem cerca de um metro
quis imensos como marcadores territoriais e sob a superfície atual. Assenta-se sobre areia
construções intencionais, conforme articulado branca que contém uma grande quantidade das
por Maria Dulce Gaspar e Paulo De Blasis (1992), mesmas conchas que são proeminentes na matriz
foi fundamental em nossas pesquisas recentes do sambaqui. Seus principais componentes são
em Jaguaruna, Santa Catarina (Figura 1). conchas e areia. Um depósito de aproximadamen
te um a três metros de solo orgânico escuro
recobre as camadas dominadas por conchas,
Contexto da pesquisa sobrepondo-se a parcelas significativas, talvez por
inteiro, do topo e da lateral leste do sambaqui.
A seguinte descrição da seqüência de Nesse manto de solo escuro as conchas estão
desenvolvimento de um sambaqui de Santa limitadas apenas a pequenas inclusões.
Catarina é um relato sintético do trabalho de No passado, Jabuticabeira II esteve sujeito
campo em julho e agosto de 1997, comple à mineração extensiva com equipamento
mentado por intervenções pontuais em outubro pesado. A remoção de conchas e outros
de 1998. As escavações em Jabuticabeira II materiais produziu cavidades enormes, confor
fazem parte de um projeto mais amplo que inclui me indicado nas áreas cinzentas da Figura 2. O
o estudo dos sistemas de assentamento em maquinário atuava a partir do exterior do samba
âmbito regional, subsistência e pesquisa qui e de uma estrada que o atravessa. O segmen
etnoarqueológica, entre outros aspectos. to do sambaqui ao sul da estrada foi seriamente
Selecionamos Jabuticabeira II como foco de alterado mas sua conformação original ao norte
nossos principais trabalhos de escavação a partir ainda pode ser discernida. As atividades de
de um reconhecimento dos sambaquis, realizado mineração cortaram faces praticamente verticais
em 1995, de uma área de estudo situada nos no interior das áreas escavadas. Duas dessas
entornos da lagoa do Camacho, nos municípios cavidades, Locus 1 e Locus 2, foram seleciona
de Jaguaruna, Laguna e Tubarão. Já se encontra das para pesquisa intensiva (Figura 2).
vam disponíveis registros de 23 sambaquis em Trabalhadores locais limparam cuidadosa
uma área de cerca de 420 kilometros quadrados mente e aplainaram manualmente as superfícies
(Rohr 1984), o que forneceu o arcabouço para o feitas com o maquinário. Com a ajuda de uma
refinamento do estudo de padrões de assenta rede feita de corda de nylon com malha de um
mento. Uma série de datas obtidas em estudos metro quadrado, suspensa de modo a justapor-
arqueológicos anteriores revelam que as ocupa se ao perfil, registrou-se a estratigrafía ao longo
ções sambaquieiras concentraram-se entre 2000 e de 50 metros lineares em Locus 1 e 75 metros em
4000 anos atrás, com ocorrências anteriores e Locus 2. A altura dos perfis variou entre 2 a
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FISH, S.K.; BLASIS, P.; GASPAR, M.D.; FISH, P.R. Eventos incrementais na construção de sambaquis, litoral sul do
estado de Santa Catarina. R evista do Museu de A rqu eologia e E tn ologia, São Paulo, 10: 69-87, 2000.
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FISH, S.K.; BLASIS, P.; GASPAR, M.D.; FISH, P.R. Eventos incrementais na construção de sambaquis, litoral sul do
estado de Santa Catarina. R evista do Museu de A rqueologia e E tnologia, São Paulo, 10: 69-87, 2000.
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FISH, S.K.; BLASIS, P.; GASPAR, M.D.; FISH, P.R. Eventos incrementais na construção de sambaquis, litoral sul do
estado de Santa Catarina. R evista do Museu de A rqu eologia e E tn ologia, São Paulo, 10 : 69-87, 2000.
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FISH, S.K.; BLASIS, P.; GASPAR, M.D.; FISH, P.R. Eventos incrementais na construção de sambaquis, litoral sul do
estado de Santa Catarina. R evista do Museu de A rqueologia e E tnologia, São Paulo, 10: 69-87, 2000.
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FISH, S.K.; BLASIS, P.; GASPAR, M.D.; FISH, P.R. Eventos incrementais na construção de sambaquis, litoral sul do
estado de Santa Catarina. R evista do Museu de A rqu eologia e E tnologia, São Paulo, 10: 69-87, 2000.
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FISH, S.K.; BLASIS, P.; GASPAR, M.D.; FISH, P.R. Eventos incrementais na construção de sambaquis, litoral sul do
estado de Santa Catarina. R evista do Museu de A rqueologia e E tnologia, São Paulo, 10: 69-87, 2000.
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FISH, S.K.; BLASIS, P.; GASPAR, M.D.; FISH, P.R. Eventos incrementais na construção de sambaquis, litoral sul do
estado de Santa Catarina. R evista do Museu de A rqu eologia e E tnologia, São Paulo, 10: 69-87, 2000.
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SH, S.K., BLASIS, P.; GASPAR, M.D.; FISH, P.R. Eventos incrementais na construção de sambaquis, litoral sul do
tado de Santa Catarina. R evista do Museu de A rqu eologia e Etnologia, São Paulo, 10: 69-87, 2000.
de um ciclo das atividades mortuárias, iniciava-se ritual mortuário no solo escuro parece apresentar
um novo episódio de construção. Mais uma vez, poucas mudanças em relação aos anteriores.
estas decisões parecem estar relacionadas ao Os estilos dos artefatos utilitários e dos
próprio ritual mortuário. Em alguns casos, os ornamentos pessoais enterrados com os mortos
construtores empilhavam pequenos montes de também exibem continuidade com os acompa
conchas sobre sepulturas individuais (Figura 3). nhamentos anteriores. Um punhado de frag
Com mais frequência, agrupamentos de sepulturas mentos cerâmicos dispersos foi recuperado na
eram recobertos por camadas monticulares. Essas superfície do sambaqui e neste depósito de
construções mais abrangentes podem ter sido solo escuro: alguns raros cacos também foram
executadas com o trabalho cooperativo de encontrados no estrato de conchas superior,
aparentados ou grupos vizinhos para celebrar mas podem ser reflexo de perturbação estrati
seus mortos em comum. As repetições de ciclos gráfica. A cerâmica pode representar contato
de enterramento, ritual e construção resultaram na ocasional com outros grupos próximos, mas
altura e extensão finais, atuais, do sambaqui nunca está associada a enterramentos e parece
Jaboticabeira II. Seu crescimento ocorreu tanto não ter desempenhado um papel significativo na
vertical como horizontalmente ao longo do tempo, tecnologia de cozimento de moluscos e peixes,
sendo que cada episódio incrementai localizado representados por vestígios abundantes.
contribuiu para o volume total do sambaqui. Há indicações de funções ocupacionais em
Jabuticabeira II, neste último intervalo deposi-
cional representado pela camada escura que
Regimes deposicionais contrastantes recobre o sambaqui, que não são evidentes na
fase anterior onde predominou a construção
A transição dos principais constituintes da conchífera. O solo escuro apresenta bolsões
matriz sambaquieira, de conchas para o solo com materiais típicos de espaços funcionais de
escuro, é dramática. Camadas conchíferas não ocupação, tais como grande quantidade de
mais são empilhadas sobre as sepulturas, carvões (incluindo madeira e sementes) e
separando as superfícies sucessivas às quais também concentrações de restos de peixe
pertenciam as covas mortuárias. O depósito carbonizados. Em contraste, na porção mais
escuro é espesso o suficiente para sugerir a antiga do sambaqui, as concentrações de ossos
adição intencional de sedimento a qualquer de peixe e conchas queimados estavam confina
acúmulo de despojos gerado por atividades dos, quase sempre, às antigas superfícies
diversificadas. Embora o entendimento da escuras dos estágios monticulares de constru
estratigrafía interna seja ainda preliminar, a ção. Artefatos dissociados de enterramentos
presença de camadas monticulares não é são mais numerosos e esparsos na parte
aparente de imediato, e a maior parte do depósi superior de solo escuro, embora, em períodos
to parece ter se acumulado de modo relativa mais antigos, estivessem confinados, principal
mente plano. Uma concreção bastante endureci mente, nos antigos níveis de superfície. Muitas
da, esbranquiçada e, ao que parece, de natureza covas, à primeira vista não relacionadas a
pós-deposicional, se formou em muitas partes sepulturas e, em alguns casos, contendo pedras
do sambaqui nos pontos de contato entre os rachadas pelo fogo, súgerem, nos episódios
estratos de conchas e de solo escuro. deposicionais finais do sítio, funções mais
Datações radiocarbônicas são mais ou diversificadas incluindo em larga escala ativida
menos contínuas nesta horizontalmente ampla des culinárias e talvez outras mais envolvendo
transição estratigráfica, apontando a inexistência utensílios líricos diversos.
de hiato temporal significativo no uso do
sambaqui. Também a indicar continuidade
ocupacional e temporal está o fato de que a taxa Cronologia e contemporaneidade
de enterramentos em Jabuticabeira II não diminui
na camada escura superior - ao contrário, parece Um conjunto de datações radiocarbônicas
aumentar. Além do desaparecimento dos empilha- de Jabuticabeira II, obtidas a partir de carvão
mentos de conchas sobre os enterramentos, o de madeira, recai entre 2800 e 1800 AP (Antes
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[SH, S.K.; BLASIS, P.; GASPAR, M.D.; FISH, P.R. Eventos incrementais na construção de sambaquis, litoral sul do
¡tado de Santa Catarina. R evista do Museu de A rqueologia e E tnologia, São Paulo, 10: 69-87, 2000.
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Garopaba 10032 Ga 2681 240 240 2767 Perfil da parte baixa do sambaqui carvão
Garopaba 9888 Ga 2816 70 70 2920 Perfil do topo do sambaqui carvão
Garopaba 9888 Ga 2816 70 70 2918 Perfil do topo do sambaqui carvão
Garopaba 9888 Ga 2816 70 70 2880 Perfil do topo do sambaqui carvão
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9892 Ja2 1871 185 185 1816 Locus 1 Estrutura 1.15.6 carvão
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85 85 1983 Locus 1 camada 36 carvão
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9881 Ja2 2051 65 65 1990 Trincheira 4. Base do sambaqui. carvão
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10637 Ja2 2165 75 75 Locus l/estrato 1 l/trincheira 19 carvão
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10635 Ja2 2180 105 100 Locus 1/estrato 2/trincheira 17
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Jabuticabeira II 9893 Ja2 2186 2146 Locus 1 camada 36 carvão
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Jabuticabeira II 1 0 244 Ja2 2210 Trincheira 8 carvão
Jabuticabeira II 9883 Ja2 2216 170 170 2300 Trincheira 8. Base do sambaqui carvão
cd
Jabuticabeira II 9883 2216 170 170 2260 Trincheira 8. Base do sambaqui carvão
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Jabuticabeira II 9883 Ja2 2216 170 170 215 5 Trincheira 8. Base do sambaqui carvão
Jabuticabeira II 9898 Ja2 2246 75 75 2312 Locus 2 carvão
Jabuticabeira II 9898 2246 75 75 2227 Locus 2 carvão
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carvão
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Jabuticabeira II 9898 2246 75 75 2210 Locus 2
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Jabuticabeira II 9890 Ja2 2261 45 45 2318 Locus 2. camada acima da camadEi 10 carvão
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2322 Locus 2. Camada 31 carvão
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Jabuticabeira II 9891 2271
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Jabuticabeira II 1 063 4 Ja2 2280 Locus l/trincheira 18/estrato 10 carvão
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Jabuticabeira II 10245 2285 45 45 Trincheira 11 co n ch a
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carvão
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Jabuticabeira II 106 32 2310 70 70 Locus 5/trincheira 13/Estrato 7
Jabuticabeira II 9889 Ja2 2321 105 105 2341 Locus 2. Perto da base do perfil carvão
Jabuticabeira II 10246 Ja2 233 5 35 35 Trincheira 13 co n ch a
Jabuticabeira II 10245 Ja2 2370 35 35 Trincheira 11 co n ch a
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Jabuticabeira II 9882 2446 55 55 2465 Trincheira 5. Base do sambaqui carvão
Jabuticabeira II 10247 Ja2 2470 55 55 Trincheira 17 carvão
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CS
Jabuticabeira II 102 44 2490 35 35 Trincheira 8 co n ch a
Jabuticabeira II 9894 Ja2 2500 155 155 Locus 1. Camada 7 carvão
Jabuticabeira II 106 36 Ja2 2655 105 100 Locus l/trincheira 17/estrato 5 a 6 carvão
Jabuticabeira II 10247 Ja2 2795 35 35 Trincheira 17 co n ch a
cd
CS
Jabuticabeira II 10631 2855 105 100 Locus 5/trincheira 13/Estrato 8 co n ch a
Jabuticabeira II 9880 Ja2 2856 75 75 2951 Trincheira 1. Base do sambaqui carvão
Jabuticabeira II 10633 Ja2 2890 55 55 Locus 5/Trincheira 13/Estrato 7 co n ch a
3
Juventus 10638 4420 50 50 Camada arqueológica co n ch a
09 09
Mato Alto 1
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10643 224 5 perfil 2 (Base) carvão
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Mato Alto 1 1064 4 253 5 165 160 perfil l/estrato 2 carvão
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Mato Alto 2 10645 4685 160 155 perfil l/estrato 4 carvão
M orrote 9887 Mo 1951 115 115 1879 60 cm abaixo da superfície no peirfil carvão
M orrote 9886 Mo 2051 110 110 1900 32 cm abaixo da superfície no peirfil carvão
FISH, S.K.; BLASIS, P.; GASPAR, M.D.; FISH, P.R. Eventos incrementais na construção de sambaquis, litoral sul do
estado de Santa Catarina. R evista do Museu de A rqu eologia e E tn ologia, São Paulo, 10: 69-87, 2000.
1 e 2,
Fig. 5 - lntercalação gráfica das datações obtidas para este projeto. Os sítios são Congonhas 1,2 e 3, Garopaba do Sul, Jabuticabeira
Juventus, Mato Alto 1 e 2, Morrote.
83
FISH, S.K.; BLASIS, P.; GASPAR, M.D.; FISH, P.R. Eventos incrementais na construção de sambaquis, litoral sul do
estado de Santa Catarina. R evista do Museu de A rqueologia e Etnologia, São Paulo, 10: 69-87, 2000.
documentação da profundidade basal obtida mortuário. Com as datações que estão por vir
na escavação e em uma estimativa razoável e um cálculo refinado de individuos por cova
do volume removido pela mineração moder mortuária, será possível elaborar estimativas
na, pode-se calcular, seguramente, o volume mais confiáveis para o tamanho das popula
total de Jabuticabeira II em 320.000 metros ções viventes que enterraram seus mortos em
cúbicos. Jabuticabeira II.
A projeção total dos enterramentos
TABELA 4 existentes em Jabuticabeira II é surpreendente
Bases para estimar o total de mente grande, e um tanto inesperada. Portan
enterramentos em Jabuticabeira II to, é muito importante procurar ensejo para
comparações quantitativas (Tabela 4). Tal
M etros N° de enter comparação foi propiciada por pesquisas
cúbicos ram entos ín d ice
realizadas em 1950 e 1951 em Cabeçuda (Castro
Escavação em Cabeçuda 1190 191 0 ,1 6 0 Faria 1959: 99-102), um sambaqui maior locali
E scavação em zado a aproximadamente 17 km a nordeste,
Jabuticabeira II 3731 51 0,137 próximo de Laguna. Aqui, 191 sepultamentos
Projeção Total em foram recuperados em um bloco escavado
Jabuticabeira II medindo 10 x 14 x 8,5 metros. Estes números
(com base na taxa de
fornecem um índice de 0,160 enterramentos por
Jabuticabeira) 320.000 43.840 0,137
metro cúbico, bastante similar à estimativa
P rojeção Total em
conservadora de 0,137 enterramentos por
Jabuticabeira II (com ba
se na taxa de Cabeçuda) 320.000 51.200 0,160
metro cúbico obtida em Jabuticabeira II.
Quando a taxa de Cabeçuda é aplicada em
(1) Metros cúbicos projetados com base no número de
Jabuticabeira II, a projeção total aumenta de
metros quadrados do perfil registrado.
43.840 para 51.200 enterramentos. As escava
ções de Alan Bryan (1993: 3, 89) em Forte
Se este cálculo médio, conservador, para Marechal Luz, no litoral norte de Santa Cata
os enterramentos por metro cúbico (derivada rina, fornecem mais uma indicação do caráter
a partir dos perfis de Locus 1 e Locus 2) é
realista de nossas estimativas. Bryan encon
representativo, aproximadamente 43.840
trou 79 enterramentos numa área escavada de
pessoas foram incorporadas durante a
aproximadamente 240 metros cúbicos, gerando
construção de Jabuticabeira II. À primeira
um número ainda mais elevado de 0,329
vista, parece um número surpreendente para
enterramentos por metro cúbico.
uma população forrageira, mesmo no mais
favorável dos ambientes. Um fator crítico para
avaliar com eficiência a magnitude popu
Conclusões
lacional é tempo. Com os resultados atuais
das amostras radiocarbônicas, podemos
considerar a duração e a taxa de enterramen A comparação com Cabeçuda e Forte
tos. Pode-se postular um intervalo de tempo Marechal Luz fundamenta nossa interpretação da
de 700 anos com base nas datações mais função primordialmente mortuária e das estima
antiga, mais recente e intermediárias na tivas para os enterramentos de Jabuticabeira II.
seqüência estratigráfica (Tabela 3 e Fig. 5). De Se tais números de enterramentos em sambaquis
acordo com esta duração, o número de não são anômalos, quais são as implicações
pessoas enterradas por ano teria sido 63. Em sobre a população e a organização na época de
um intervalo de gerações da ordem de 25 sua construção? Sem um inventário sistemáti
anos, 1550 pessoas teriam sido enterradas. co de sambaquis na região e datações sufici
Mesmo números assim fragmentados suge entes para refletir sobre sua contemporanei-
rem populações relativamente densas de dade, não é viável abordar as densidades
pescadores-caçadores-coletores no território populacionais com precisão. Todavia, magni
circundante e uma unidade social de tamanho tudes impressionantes são sugeridas com
apreciável compartilhando deste monumento veemência para esta área de pesquisa. Rohr
84
FISH, S.K.; BLASIS, P.; GASPAR, M.D.; FISH, P.R. Eventos incrementais na construção de sambaquis, litoral sul do
estado de Santa Catarina. R evista do Museu de A rqu eologia e E tnologia, São Paulo, 10: 69-87, 2000.
(1984: 87-109) elencou 23 sambaquis dentro de algum setor ainda inexplorado, embora seja
nossa área de pesquisa de aproximadamente duvidoso que a residência local assuma
420 km2 e em nossos trabalhos de campo qualquer fração significativa do sambaqui, ou
recentes (1997-1999) foram (re)cadastrados um responda pela totalidade da população
total de 31 sambaquis, mas ainda há outros por enterrada. Entretanto, a maioria dos mortos
registrar. A concentração de datações radio- devem ter vivido suficientemente próximos a
carbônicas regionais na Tabela I implica em Jabuticabeira II de modo a que pudessem ser
uma sobreposição cronológica substancial. transportados rotineiramente para o sepulta-
Uma questão fundamental ao avaliar o mento; no clima úmido da região, a preserva
significado da enorme quantidade de enter- ção dos corpos seria comprometida por um
ramentos em Jabuticabeira II e, ao que parece, sepultamento postergado.
também em Cabeçuda e Forte Marechal Luz, é Considerando que os sambaquis mais
se a maioria dos sambaquis das vizinhanças próximos em um raio de 5 km, e sem datação,
serviram a uma função especializada de mesmo são parcialmente contemporâneos a Jabuticabei
tipo e se continham índices similares de enter- ra II, pode-se admitir que o território associado a
ramentos por volume. Outras escavações este sítio é, de fato, densamente populoso. A
publicadas (Beck 1973, Hurt 1974, Rohr 1984) e distâncias um pouco maiores há grandes samba
nossas próprias observações não deixam dúvidas quis ainda bastante vizinhos a Jabuticabeira II,
de que há um grande número de enterramentos tanto para o interior como ao longo da costa.
na maioria dos sambaquis das cercanias. Infeliz Embora estas observações per se não indiquem
mente, a informação disponível é, na maioria dos sedentarismo, elas sugerem territórios relativa
casos, insuficiente para estimar as freqüências de mente circunscritos e populosos para pescado-
enterramentos em volumes determinados. res-caçadores-coletores, uma perspectiva
Os achados em Jabuticabeira II nos bastante reforçada por recentes estudos
proporcionam insights diretos em apenas envolvendo características paleopatológicas
alguns aspectos da sociedade de seus cons da população esqueletal de Jaboticabeira II
trutores, mas oferecem informações novas e (Storto, Eggers, Lahr 1999).
intrigantes relacionadas a outros ângulos do Considerando-se o transporte em embarca
mundo social. Um deles é o tamanho da ções, poucas incursões externas às residências
população. Ainda que continuemos a refinar não poderiam ser realizadas em menos de um dia
nossas estimativas quantitativas e, provavel de viagem. Outra implicação, reforçada pelos
mente, venhamos a proceder a ajustes nas estudos zooarqueológicos em andamento
estimativas atuais, é ponto pacífico que um (Klõkler & Figuti 1999), é a exploração intensiva
grande número de pessoas foi enterrado em de recursos lacustres e costeiros, que os estudos
Jabuticabeira II. As informações disponíveis etnoarqueológicos, ainda preliminares, demons
sugerem também que Jabuticabeira II não é tram ser bastante abundantes e acessíveis.
diferente dos demais neste aspecto, embora O exame de mais de 50 enterramentos, e dos
ainda não se tenha demonstrado que todos os objetos que constituíam seu acompanhamento
sambaquis da região tenham tido funções funerário, forneceu pouca evidência sobre
idênticas. Ademais, uma grande população no diferenciação social. Posses ou oferendas para
território imediatamente vizinho a Jabuticabeira os falecidos podem ter sido dispostas tanto nas
II compartilhou a construção deste edifício fogueiras como nas sepulturas. Pelo menos um
monumental onde, por um período de tempo zoólito bem trabalhado, em exibição em uma
considerável, seus antepassados foram mostra de artefatos sambaquieiros (recolhidos
regularmente depositados. por João Alfredo Rohr) preparada pelo Instituto
Os resultados de Jabuticabeira II implicam de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
em um grau de sedentarismo, apesar do fato de (IPHAN/1 Ia CR), foi achado neste sítio. A
não termos encontrado evidências de ativida quantidade de sepulturas em Jabuticabeira II e
des residenciais corriqueiras na maior parte do em outros locais sem tal acompanhamento
sambaqui. Aventamos a possibilidade de que salienta o fato de que essas efígies elaboradas
os vestígios residenciais possam ocorrer em eram reservadas a muito poucos indivíduos. A
8*
SH, S.K.; BLASIS, P.; GASPAR, M.D.; FISH, P.R. Eventos incrementais na construção de sambaquis, litoral sul do
:ado de Santa Catarina. R evista do Museu de A rqueologia e Etnologia, São Paulo, 10: 69-87, 2000.
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102, 2 0 0 0 .
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B aixo Ribeira durante a ocupação sambaquiera. Revista do Museu de A rqueologia e E tnologia, São Paulo, 10. 89-
102, 2 0 0 0 .
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Baixo Ribeira durante a ocupação sambaquiera. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 10: 89-
102 , 2000 .
Fig. 2 - Curvas de variação do nível do mar. (A) Litoral de Cananéia-Iguape, segundo Martin et al.
1979. (B) Litoral de Paranaguá e de Cananéia, segundo Angulo & Lessa 1997.
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Baixo Ribeira durante a ocupação sambaquiera. Revista do Museu de A rqueologia e E tnologia, São Paulo, 10: 89-
102, 2 0 0 0 .
ataques químicos com HC1 a 10% para elimina 1,20 e 1,90 m de altitude, indica que o mar
ção dos carbonatos, KOH a 10% para eliminação recobria a região. Isso significa que seu nível
dos ácidos húmicos e dispersão da matéria ficou permanentemente mais alto que o atual
orgânica, acetólise, separação dos minerais de pelo menos 1 a 2 m durante esse período,
com Cl-jZn em licor denso. ou seja, entre 4360 e 3250 anos AR
Seis pastilhas de esporos de Lycopodium
clavatum foram adicionadas a cada amostra, Análises palinológicas
no início do tratamento, para calcular a con
centração polínica absoluta por unidade de O diagrama polínico é caracterizado por
volume e de peso de sedimento (Stockmarr uma forte predominância de pólens de plantas
1971). Foram contados no mínimo 350 grãos de arbóreas, que ultrapassam 80 %. Não se nota
pólen por amostra. nenhuma variação importante no diagrama
Os mesmos níveis foram preparados para a sintético AP/NAP (Fig.3), o qual indica um
análise das diatomáceas. A metodologia empre ambiente de floresta ao longo de todo o perfil
gada foi a técnica de Von Stosch (Carmelo estratigráfico. Todavia, o diagrama detalhado
1997): lavagem da amostra com água destilada, (Figs.4a/b) e o diagrama de concentração
remoção da água por decantação, adição de 20 (Fig.5) permitem separar cinco zonas polínicas.
ml de ácido nítrico com aquecimento por 30 Zona 1 - da base até 200 cm (4400 a 3250
minutos, lavagem por decantação com água anos AP): Esta zona é caracterizada por baixas
destilada até obter um pH neutro. Montagem das concentrações de todos os palinomorfos, por
lâminas com resina (Naphrax). freqüências relativas de pólens de herbáceas
Quatro datações radiométricas foram realiza mais altas do que no resto do diagrama e por
das sobre a matéria orgânica total pelo método do
porcentagens altas de espécies pioneiras e de
14C. Os resultados são apresentados na Tabela 1
ambientes abertos, como Alchornea (30 a 50 %),
em datas convencionais, datas calibradas e datas
Moraceae e Ulmaceae. Os pólens de Myrtaceae e
calendário (Scheel-Ybert, 1999). O cálculo das
Palmae apresentam suas frequências mais baixas.
datas calibradas foi feito usando o programa As Chenopodiaceae estão presentes no topo
CALIB 3.0 (Stuiver & Reimer 1993).
dessa zona; as Amaranthaceae, Compositae e
Gramineae apresentam suas maiores porcenta
Resultados gens; os esporos de Pteridophyta têm porcenta
gens elevadas.
Análises diatomológicas A presença de diatomáceas marinhas e a
baixa concentração de pólens e esporos indicam
Foram encontradas diatomáceas somente que a região era ocupada por uma enseada ou
na base do testemunho, entre 280 e 210 cm (Tab. uma laguna. A presença de água salgada explica
2). As espécies determinadas indicam um as freqüências mais altas de Chenopodiaceae e
ambiente salobro com influência marinha e de Amaranthaceae do gênero Gomphrena, e a
aportes de água doce. escassez das Cyperaceae. O conjunto polínico
A presença de diatomáceas marinhas entre dominado por taxa arbóreos heliófilos e as taxas
280 e 210 cm de profundidade, ou seja, entre maiores de pólen de plantas herbáceas indicam
TABELA 1
Nível estratigráfico Data convencional Data calibrada (2 o) Data calendário Código laboratório
“anos BP” “anos cal BP” “anos AD / BC”
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Baixo Ribeira durante a ocupação sambaquiera. Revista do Museu de Arqueologia e E tnologia, São Paulo, 10: 89-
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TABELA 2
Nível estratigráfico em cm
Ambiente Especie 210 220 230 240 250 260 270 280
Actinocyclus sp. * *
Actinoptychus hookeri *
Actinoptychus senarius *
Actinoptychus splendens * * * *
^ Actinoptychus vulgaris * *
Biddulphia rhombus *
£ Diploneis bombus * * *
^ Nitzschia panduriformes *
Polymixus coronalis *
Raphoneis sp. *
Thalassiosira sp. * *
Triceratium patagonicum * * *
Litoral Cyclotella stylorum * * *
marinho; Paralia sulcata * * * * * * * *
Estuarino Triceratium favus * * * * *
Litoral Achnanthes brevipes * *
marinho; Achnanthes longipes * *
Estuarino; Cyclotella striata *
Continental Surirella rorata * * * *
salobro Terpsinoe musica * * *
Agua doce Eunotia diodon * *
Continental Cocconeis placentula * *
Achnanthes sp. *
Actinoptychus sp. *
Amphora sp. *
Caloneis sp. *
Cocconeis sp. * * *
^ Coscinodiscus sp. * * * * * *
g Cyclotella sp. * *
C, Cymbella sp. * * *
u
-a Epithemia sp. * * *
o Eunotia sp. * * * * * *
ice
¡z; Gomphonema sp. * *
Gyrosigma sp. *
Melosira sp. * * * *
Nitzschia sp. * * * *
Pinnularia sp. * * *
Synedra sp. * * * * * *
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Baixo Ribeira durante a ocupação sambaquiera. Revista do Museu de A rqueologia e E tnologia, São Paulo, 10: 89-
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de pântanos
Pólen de plantas
Pteridófitas
Esporos de
herbáceas (NAP)
Pólen de plantas
arbóreas (AP)
Pólen de plantas
Profundidade
palinológicas
Zonas
estratigráfica
Coluna
anos BP
Idade em
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Fig. 4a - Diagrama palinológico da turfeira da Fazenda Boa Vista - Iguape. Frequência relativa dos grãos de pólen das plantas arbóreas.
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B aixo Ribeira durante a ocupação sambaquiera. R evista do Museu de A rqu eologia e E tnologia, São Paulo, 10: 89-
102, 2000.
Fig. 4b - Diagrama palinológico da turfeira da Fazenda Boa Vista - Iguape. Frequência relativa dos grãos de pólen e dos esporos das plantas herbáceas.
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Baixo Ribeira durante a ocupação sambaquiera. Revista do Museu de Arqueologia e E tnologia, São Paulo, 10: 89-
102 , 2000 .
Fig. 5 - Diagrama palinológico da turfeira da Fazenda Boa Vista - Iguape. Concentração em milhares de grãos por cm3 de sedimento.
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ABSTRACT: Pollen and diatoms analyses in a peat bog from the Baixo
Ribeira do Iguape region (São Paulo State, Brazil) showed expressive changes in
the environmental conditions. Brackish waters connected to the sea covered this
site before 3.250 years BP; after that a swamp forest developed. Sea presence is
due to the marine transgression that culminated at 5.100 years BP. Lowering of
sea level has been gradual from 5.100 years BP to the present, without major
oscillations. This drastic change in environmental conditions can explain the
distribution of the archaeological sites in this region, specially the presence of
shell mounds 50 km away from the coast.
Referências bibliográficas
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103
CHAVES, S.A .M . Estudo p alinológico de coprólitos pré-históricos holocenos coletados na Toca do Boqueirão do
Sítio da Pedra Furada. Contribuições paleoetnológicas, paleoclimáticas e paleoambientais para a região sudeste do
Piauí - Brasil. R evista do M useu de A rqueologia e Etnologia, São Paulo, 10: 103-120, 2000.
Brasil são ainda raros. Esta pesquisa será o No início dos anos de 1980, já existiam
primeiro estudo palinológico do paleoambiente dados suficientes para explicar os possíveis
holocênico da região Sudeste do Piauí. quadros paleoclimáticos existentes entre
Tivemos a possibilidade de desenvolver os 13.000 e 20.000 A.P. para o continente sul-
primeiros trabalhos palinológicos no sítio pré- americano (Ab’Saber 1980, Absy e Suguio
histórico de Pedra Furada, a partir dos pólens 1975, Servant et al. 1989). Esses dados foram
encontrados nos coprólitos humanos e aprofundados com as pesquisas palinológicas
animais. O sítio onde foram coletados esses e antracológicas realizadas nos anos 90 e
coprólitos é o sítio de referência da região: a permitiram fornecer numerosas informações
Toca do Boqueirão do Sítio da Pedra Furada, sobre os períodos mais distantes, como há
situado no Sudeste do Piauí, na região Nor 30.000 A.P. (Absy et al. 1991, Ledru et al. 1996,
deste do Brasil. Vemet et al. 1994, Van der Hammen e Absy
A região Sudeste do Piauí tornou-se 1994, Behling 1995).
conhecida depois de 1970, devido à riqueza de O quadro paleoambiental do Pleistoceno
seus sítios de arte rupestre. Esse complexo para essa região era caracterizado por um clima
arqueológico é atualmente considerado como mais úmido que o atual, com uma vegetação
um dos mais importantes do continente denominada de “savanas abertas e arboriza
americano (Emperaire 1984). das”, ecologicamente favorável aos grandes
Paralelamente às pesquisas arqueológicas mamíferos, que estão bem representados por
e às descobertas artísticas, outros estudos seus fósseis em alguns sítios da região (Guerin
revelaram-se também importantes. As pesqui 1991).
sas sobre os coprólitos humanos e não A preexistência de um clima árido regional
humanos por exemplo, possibilitaram o seria então uma constante no paleoclima da
desenvolvimento de linhas de pesquisas região, sempre relacionado com a forma do
relacionadas à paleoecologia, à paleoepide- continente e a orientação dos ventos alísios
miologia e à paleoparasitologia, entre outras, do hemisfério sul. Porém, no passado, qual
tendo os resultados desses trabalhos já sido teria sido a duração dos eventos climáticos de
publicados em revistas nacionais e estrangei aridez? Em quais ambientes teriam vivido/
ras. Vários estudos multidisciplinares estão em sobrevivido os homens e animais que habita
andamento na região de São Raimundo ram/visitaram em várias épocas o abrigo de
Nonato, no Sudeste do Piauí, a 700 km da Pedra Furada? A partir de 1970, as sínteses
capital do estado, Teresina, por uma equipe de paleoecológicas e paleoclimáticas sobre o
pesquisadores. continente se reportavam, seja à teoria dos
As primeiras escavações arqueológicas do refúgios, seja às mudanças climáticas, seja à
sítio de Pedra Furada não indicaram a presença ação antrópica para responder a essas ques
de pólens nas amostras sedimentares - todas tões. E também nessa mesma época que a New
essas amostras mostraram-se estéreis. Da Archeology e sua tentativa metodológica de
mesma forma, também não existiam dados um enfoque paleoetnológico revela uma nova
sobre os restos de ossos humanos ou animais, e importante forma no “olhar” dos vestígios
em razão da natureza ácida do solo desse sítio, arqueológicos. Não poderíamos mais estudar
o que implica em uma má donservação do tais vestígios de maneira independente, ou
material arqueológico. No que diz respeito aos seja, sem relacioná-los ao seu ambiente natural
estudos antracológicos, o estágio atual das e cultural. Essa nova forma de interpretar os
pesquisas não fornece ainda resultados elementos naturais/culturais da Arqueologia,
concretos. Dessa maneira, os únicos elemen através da reunião das ciências como a
tos que poderiam contribuir para o conheci Etnologia, a Antropologia e as ciências
mento das fases climáticas holocênicas, assim paleoambientais, ampliou consideravelmente o
como do paleoambiente regional, dependia, universo das pesquisas em pré-história. O
então, da palinologia dos coprólitos (material objetivo principal desse trabalho é a recons
que apresenta, naturalmente, uma excelente e tituição do paleoambiente holocênico no
eficaz conservação dos grãos de pólen). Sudeste do Piauí, assim como contribuir com
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A Toca do Boqueirão do
Sítio da Pedra Furada
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possui equivalente para o Novo Mundo. As galets. Les deux phénomènes se situent dans h
datações dessas amostras resultaram em cadre d ’une grande stabilité technique
valores que variam entre 5.000 anos (no topo pendant le Pléistocène fin a l”.
do perfil estratigráfico) a mais de 48.000 anos Ainda segundo Guidon et al. (1994), “les
A.P. (Parenti 1993). industries des niveaux holocènes (phases
A partir dos estudos elaborados por Serra Talhada 1 et 2, et phase Agreste), tout
Parenti (1993), podemos distinguir, no corte de en continuant Vexploitation des galets
referência do sítio, dez unidades estratigrá- disponibles sur place, montrent une plus
ficas: 1 - areia fina com carvões e macrorestos grande différenciation typologique et l ’utili
vegetais atuais; 2 - areia média apresentando sation de matière première exogène (notam
algumas perturbações devido aos cupins; 3 - ment de calcédoine provenant des massifs de
seixos de tamanho médio; 4 - areias finas com calcaire métamorphique). Elles comprennent
perturbações devido aos cupins; 5 - areia fina un outillage ‘léger’ mis en forme hors du site
apresentando carvões e cinzas; 6 - areia et fabriqué essentiellement en calcédoine et
média; 7 - lentes de cinzas e de carvões; 8 - silex, avec des racloirs de types variés, des
areia média apresentando cinzas e carvões; 9 - limaces et des perçoirs. Il s ’agit de formes trèi
areia média com seixos de tamanho pequeno; définies qui présentent de grandes analogies
10 - seixos de tamanho médio a pequeno; avec les industries déjà connues dans d ’au
raros são os seixos de tamanho grande; tres sites du Nord-est brésilien. Elles com
presença de blocos de granito. prennent aussi un outillage plus lourd, galeh
Os resultados desses estudos demonstra taillés (dont 20% seulement à taille bifacia
ram também uma grande riqueza de seixos nas le), rabots, entames retouchées, qui est en
unidades superiores holocênicas. continuité directe avec les techniques de
O conjunto das unidades estratigráficas taille utilisées dans les niveaux paléoli
permitiu-nos definir as três fases pleistocêni- thiques. Il semble qu’il y a eu un traitement
cas principais: Pedra Furada 1, Pedra Furada 2 thermique postérieur à la taille et antérieur à
e Pedra Furada 3 - com uma duração mínima la retouche à partir de 10.000 ans B.P
total de 40.000 anos - e das fases holocênicas (Niveaux Serra Talhada)”.
- Serra Talhada 1, Serra Talhada 2 e Agreste. Os sítios nos arredores de Pedra Furada
A fase Serra Talhada 2 terminou há 6.000 anos alcançam o número de 49, mas, se considerar
e a fase Agreste, há 5.000 anos A.P.. mos a área arqueológica de São Raimundo
No que diz respeito aos utensílios líticos Nonato em sua totalidade, o número de sítios
recolhidos em Pedra Furada, foram repertoriadas sobe para mais de 400.
aproximadamente 600 peças líticas pleisto- A ocupação humana de Pedra Furada se
cênicas e 6.600 peças holocênicas. efetuou em diferentes períodos. Os coprólitos
Segundo Guidon et al. (1994), “les indus humanos que estudamos nesse trabalho, por
tries paléolithiques (phases Pedra Furada 1, 2 exemplo, foram recolhidos no que chamamos
et 3) sont des galets taillés (la taille bifaciale de fases Serra Talhada 1 e Serra Talhada 2, que
concerne environ la moitié des pièces), des se caracterizam pela presença de fogueiras que
fragments utilisés, des éclats corticaux, des foram reutilizadas inúmeras vezes.
racloirs, de rares perçoirs et denticulés. Elles
se caractérisent par une faible exploitation
des galets de quartz et de quartzite, présents Metodologia
sur le site, et par une technique de taille non
pré-determinée. Au Paléolithique, des éclats Coletas
de taille et des fragments d ’origine naturelle
ont été aussi indéniablement repris et utilisés. Os 31 coprólitos analisados neste trabalho
D ’un point de vue technologique, les tendan foram coletados manualmente, com a ajuda de
ces principales montrent une diminution pequenas espátulas, no interior das decapa-
progressive de la taille bifaciale et aussi une gens sucessivas do sítio estudado. No
augmentation régulière de l ’exploitation des laboratório, após a identificação, a pesagem, a
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encontradas a longas distâncias. Esses pólens utilizando partes de flores e/ou folhas de
são trazidos por correntes de ar. algumas plantas selecionadas. Essas desco
Toma-se, então, necessário termos uma bertas mostram a utilização de medicamentos
grande prudência em nossas interpretações encontrados no seu ambiente. Essas plantas
dos diagramas polínicos. Um diagnóstico são, ainda hoje, utilizadas no tratamento de
errado, não levando em conta principalmente verminoses, diarréias, doenças oculares e
esses dois tipos de impregnação dos copró problemas respiratórios (Chaves 1998).
litos pelos pólens, pode levar nossas interpre Os resultados paleoetnológicos estão
tações ecológicas a conclusões errôneas e apresentados no histograma (Fig. 1). Eles
precipitadas. colocam em evidência a presença, nos dejetos
fósseis dos homens de Pedra Furada, de
pólens de plantas com uso alimentar e/ou
Resultados das análises dos terapêutico.
coprólitos hum anos O histograma apresenta, para cada
amostra, os taxa AP (Arboreal Pollen) e NAP
Os coprólitos humanos e animais recolhi (Non Arboreal Pollen), detalhando, da
dos em Pedra Furada eram, de uma maneira esquerda para a direita, a descoberta de nove
geral, bem conservados, e nos possibilitaram taxa e seis famílias arbóreas, e de dez taxa
construir dois diagramas polínicos. No que diz acompanhados de cinco famílias não arbó
respeito ao conteúdo polínico dessas amos reas, de filicales, dos taxa indetermináveis e
tras, 90% dos coprólitos estudados apresenta da relação AP/NAP.
ram uma boa quantidade de pólens (mais de No histograma (Fig. 1), notamos a presen
6.000 grãos). ça significativa dos taxa Borreria sp. (“cabe-
A análise polínica dos excrementos ça-de- velho”), Sida sp. (“malva-benta”) e
humanos fósseis nos permite apresentar Terminaba sp. (“maçarico”), que podem ter
interessantes informações. Do ponto de vista sido utilizados com os seguintes fins: as folhas
paleoetnológico, por exemplo, os resultados de Sida sp., no tratamento de feridas e, em
das análises polínicas dos coprólitos nos infusão, como facilitador da digestão; da mesma
permitiram apresentar uma gama de plantas forma, para a digestão, utilizaram a infusão das
utilizadas pelos homens que ocuparam/ folhas de Borreria sp.; contra a desinteria, a
visitaram o sítio de Pedra Furada. Podemos, infusão de folhas de Terminaba sp.
então, a partir dos pólens descobertos nos Descobrimos também outros taxa que
coprólitos estudados, colocar em evidência colocam em evidência uma utilização seletiva
algumas plantas utilizadas pela população e que são ainda utilizados nos dias atuais, de
local na pré-história. acordo com os trabalhos etnobotânicos de
Emperaire (1983). Por exemplo: a partir da
Descoberta de plantas com uma casca de Anadenanthera sp. (“angico”),
utilização terapêutica e/ou alimentar prepara-se uma infusão tônica e depurativa
utilizada no tratamento da tuberculose e das
Essas descobertas permitem, sobretudo, infeções das vias respiratórias. Sua casca
aprofundar nossos conhecimentos relativos raspada, aplicada sobre os dentes, acalma a
aos “tratam entos” de doenças pela população dor. A infusão da casca de Bauhinia sp.
humana pré-historica da Toca do Boqueirão (“miróró”) é tônica e vermífuga. A infusão da
do Sítio da Pedra Furada. Da mesma maneira, casca de Caesalpinia sp. (“pau-ferro”) é
nosso trabalho permitiu confirmar o que cicatrizante. A infusão das folhas de Cecropia
Ferreira et al. (1987) afirmaram sobre a sp. (“embaúba”) é utilizada contra as dores. A
presença de pequenos vermes parasitas nos folha de Croton sp. (“marmeleiro”) é utilizada
coprólitos humanos dessa mesma população. contra a gripe e a bronquite. A folha de
Podemos, então, provar que esses habitantes, Chenopodium sp. (“mentruz”) é muito
que foram parasitados há 9.000 anos A.P., utilizada como remédio de base, sendo ainda
procuravam se livrar desses vermes parasitas fortificante e vermífugo.
109
110
| litologia
datações
5 ri9 da amostra
l profundidade cm
Pedra Furada
Alchornea
Altitude 400 m
1 MELASTOMATACEAE 1
' CO M B RE TA CE AE
' A N A C A R D IAC EA E
' A PO C Y N A C E A E
Mimosa verrucosa
■ Piptadenia
Piptadenia monoliformis
■ M ELIACEAE
Saiacia
Emmotum
■ SAPINDACEAE 1
- M O RA CE A E
Guazuma
Ximenia
M IM O SACEAE
Fig. 1 - Diagrama polínico do sítio “Pedra Furada”.
í O PILIAC EA E
MYRTACEAE
1 PALMAE
^ BOM BA C A C E A E
EUPHORBIACEAE 1
‘ M A LPIG H IA C EA E
Styrax
Helicteres
Strychnos
Cassia type 1
Protium heptaphyllum
Mimosa
And ira
Stryphnodendron
Mimosa scabrella
Pisonia
Cassia type 2
Serjania
Anacardium
Hancornia
Lithraea
Cordia
Pera
Agonandra type
Couepia
Mimosa caesalpiniaefolia
Copaifera
Erythrina
C A E S A LP IN IA C E A E
Acacia
S TER C U LIAC E A E
Sclerobium
RUTACEAE
Schrankia
Spondias
Bompax
Eriotheca
Erythroxyium
Kietmeyera
Peixotoa
Byrsonima
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Byrsonima
Miconia
Tabebuia
Matayaba
Tocoyena
SOLONACEAE1
BORAGINACEAE
EBENACEAE
CHRYSOBALANACEAE
Annona
Camarea
BIGNONIACEAE
EUPHORBIACEAE 2
Anadenanthera
Casearia
Caesalpinia
Fig. 1 - Diagrama polinico do sítio
Tabernaemontana
LOGANIACEAE
ICACINACEAE
RUBIACEAE
Cybianthus
Neea
Vochysia
Cestrum
Allophyllus
Bauhinia
Dipladenia
MYRSINACEAE
Connarus type
Phaseotus type
Arrabidae
Alternanthera
Aiternanthera polygonoides
POACEAE
MALVACEAE
AMARANTHACEAE
SOLANACEAE 2
LAMIACEAE
COMMELINACEAE
Hyptis
Acalypha
Mansoa
Ipomoea
Euphorbia
Portuiaca
Bredemeyera
Tragia
Chenopodium
iHORB^ACEAE 2
CONVOLVULACEAE
LYTHRACEAE
MELASTOMATACEAE 2
AGAVACEAE
Diplusodon
Cuphea
“Pedra Furada” (continuação).
DP & hampia
Diodia
Ruellia
ULMACEAE
E volvulus
Merremia
ESPOROS MONOLETES
INDETERMINADOS
A P /N A P
Soma de Base (AP+NAP)
Soma Total
ZONAS
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Entre os taxa inventariados, alguns representados nesses níveis, porém com fracas
tiveram um uso exclusivamente alimentar. É o percentagens.
caso de Phaseolus sp. (“feijão-bravo”), A análise do diagrama polínico de Pedra
Anacardium sp. (“cajuzinho”) e alguns taxa Furada possibilita interpretações particular
das famílias Cucurbitaceae e Convolvulaceae mente interessantes nesses níveis. A alta
que não foram ainda determinados no nível de percentagem (mais de 60%) de pólens de
gênero e/ou de espécie. árvores nesses níveis inferiores indica que
Uma ressalva deve ser feita no que diz essa região, durante a época de ± 8.450 A.P.,
respeito aos taxa da família Palmae. Essa no que concerne ao quadro ambiental, era bem
família deve ser considerada como uma família mais arborizada e mais úmida do que nos dias
de árvores extremamente importante, na atuais. A ocorrência de taxa pertencentes às
medida em que mantém uma relação privilegia famílias Myrtaceae, Leguminosae, Rutaceae e
da com o Homem. Esse último as utiliza de de outros taxa característicos de uma certa
maneiras múltiplas, como na alimentação, umidade (Gomphrena e Bauhinia) reforçam
através de seus frutos, na produção de fibras e essa conclusão.
trançados, na construção de cabanas etc.. Por outro lado, os taxa Kielmeyera e
Erythroxylum típicos e característicos do
cerrado, foram encontrados no meio dessa
Resultados das análises dos zona, a 147 cm. Nos dias atuais, as espécies
coprólitos animais Erythroxylum deciduum, Erythroxylum
suberosum e Erythroxylum anguifugum são
A análise polínica dos coprólitos animais encontradas no ecossistema denominado
também nos permitiu apresentar interessantes cerradão. Esses taxa estão relacionados a
informações do ponto de vista paleoclimático índices de chuvas de aproximadamente 1.500
e paleoambiental. Os resultados das análises mm/ano (Pott e Pott 1994).
polínicas desses coprólitos são apresentados A zona B (coprólitos n° 362, 345, 363, 350 e
no diagrama seguir (Fig. 1). 360), entre 135 cm e 127cm, é caracterizada pela
A partir da base do nosso diagrama, nos presença de taxa representativos da savana
níveis inferiores a 157 cm, para uma data de arbustiva densa: Agonandra, Miconia tipo,
8.450 A.P., dividimos nosso diagrama (Fig. 1) Mimosa verrucosa, Piptadenia e Piptadenia
em 6 zonas. Os critérios de distinção das zonas monoliformis, assim como de taxa das famílias
polínicas foram estabelecidos em função dos Combretaceae e Myrtaceae. A abundância das
valores dos AP e dos NAP, expressos em Mimosaceae, assim como a forte percentagem
percentagem. (53%) do taxa Byrsonima nessa zona, sugere
A primeira zona, a zona A (coprólitos n° uma vegetação do tipo cerrado. Esta zona
357, 356, 359, 347, 344 e 358), entre 157 cm e também se caracteriza por um decréscimo
145 cm, apresenta um grupo de taxa arbóreos significativo de 20% dos taxa arbóreos nos
que domina até o nível de 147 cm. As associa coprólitos n° 362 e 360, onde se observa um
ções de Mimosa, Mimosa verrucosa e os taxa pique de floração de Asteraceae (21%). Essa
da família Combretaceae, encontrados nos zona sugere a existência de um paleoambiente
níveis a 155 cm, são característicos dos arbóreo, característico da vegetação do cerrado.
períodos de chuvas. E importante acrescentar Na zona C (coprólitos n° 346, 349, 354 e
a essas associações a presença de Apocyna- 351), entre 117 cm e 103 cm, a representação
ceae, característica de climas úmidos e de dos AP aumenta de uma maneira relativamente
solos argilosos. Todos esses taxa citados homogênea. A percentagem do taxa Mimosa
acima estão relacionados a espaços arbóreos. verrucosa aumenta (mais de 16%); observa
É importante também frisar a ocorrência, nessa mos também o aumento de Myrtaceae (de 3%
zona, de um pique de floração de Sida linifo- para 12%), assim como o aumento da percenta
lia, que alcança uma percentagem muito gem dos taxa Piptadenia e Piptadenia
importante (67%). Os taxa pertencentes às monoliformis que alcançam seus mais altos
famílias Poaceae e Asteraceae estão também valores nessa zona (5,7% e 8,0%, respectiva
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mente). Alguns taxa pertencentes às famílias vegetação encontrada nos dias atuais no
Melastomataceae-Combretaceae nos fazem interior dos boqueirões. Esse estrato é também
inferir a presença de espécies pioneiras, composto de um estrato frutescente e de um
símbolo de uma provável substituição da estrato arbóreo.
vegetação ocorrida nessa zona. Essa conclu Nesses níveis, as percentagens dos AP
são é reforçada observando-se o aumento das diminuem significativamente - mas podemos
Asteraceae (mais de 7%), das Caryophyllaceae observar ainda alguns piques de floração de
(6%) e dos taxa Alternanthera polygonoides Mimosa, assim como algumas fracas percenta
(11%) e Borreria (4%). gens dos taxa Copaifera, Sclerobium, Schran-
Na zona D (coprólitos n° 337, 759, 620 e kia, Miconia, Caesalpinia, Anacardium,
342), entre 101 cm e 78 cm, a percentagem dos Bauhinia e dos taxa pertencentes às famílias
NAP aumenta de maneira significativa (mais de Melastomataceae, Combretaceae, Sapindaceae,
60%). Nessa zona, os pólens das plantas Palmae e Myrtaceae.
herbáceas - Sida linifolia, Borreria, Alter Por outro lado, observamos associações
nanthera e Alternanthera polygonoides - , arbóreas Mélastomataceae-Combretaceae e a
assim como os pólens das familias Asteraceae presença dos taxa Miconia e Tocoyena, entre
e Caryophyllaceae, dominam claramente. As outros, sempre relacionados à floresta mesófila
percentagens dos pólens das associações semi-decídua (o cerradão). Da mesma forma, a
Combretaceae-Leguminosae (mais de 36%) ocorrência dos taxa Piptadenia monoliformis,
sugerem também uma vegetação do tipo Sclerobium, Bombax, Acacia, Mimosa scabre-
relativamente aberta. Por outro lado, o taxa lla, Mimosa verrucosa e Bauhinia indica a
Caesalpinia está relacionado à localização de possível existência de uma vegetação de
refúgios florestais; o que nos faz pensar na transição entre o cerrado e a caatinga arbusti
existência de uma vegetação aberta, com um va durante esse período.
clima ameno no interior desses refúgios. As análises dos pólens encontrados nos
Podemos observar na zona E (coprólitos n° coprólitos animais permitiram também demons
341 e 340), entre 51 cm e 47 cm, uma nova alta trar a época de floração de algumas plantas,
da percentagem dos taxa arbóreos (mais de conhecendo-se mesmo seus picos de floração
50%). A abundância desses taxa pertencentes durante o ano, como por exemplo: Mimosa
às famílias Leguminosae, Myrtaceae, Sapin- verrucosa, Mimosa sp., Byrsonima, Alternan
daceae, Euphorbiaceae, Rutaceae, Rubiaceae e thera polygonoides, Pavonia, Borreria, Sida
Palmae, assim como a presença dos taxa linifolia e alguns pólens pertencentes às
Erythrina, Kielmeyera, Pisonia, Cassia, famílias Mimosaceae, Myrtaceae, Caryophy
Sclerobium, Acacia, Bauhinia, Piptadenia e llaceae e Asteraceae.
Serjania demonstra, nesses níveis, uma boa Pudemos também precisar, de uma maneira
riqueza taxonómica. Esses resultados confir geral, no que diz respeito à paleovegetação e ao
mam a floração contemporânea dessas associ paleoclima regional, que os taxa identificados no
ações, comprovando-se, então, o “restabe sítio de Pedra Furada estão em relação com a
lecimento” da vegetação do tipo cerrado. vegetação do cerrado e, de certa forma, com a
A zona F (coprólitos n° 115, 114, 113 e vegetação de transição entre o cerrado e a
606), entre 31 cm e 11 cm, apresentou uma caatinga. Pensamos, então, que, entre 8.450 anos
amostra estéril em sua base - o coprólito de n° e 7.230 anos A.P., existiram nessa região algumas
115. Nessa última zona, os NAP estão mais formações abertas com retomadas temporárias
uma vez bem representados. As percentagens das vegetações do cerrado e do cerradão.
dos NAP aumentam, sobretudo em relação
àquelas dos taxa Alternanthera, Borreria e
Sida. As percentagens das. Asteraceae (13%), Os parasitas nos
das Caryophyllaceae (61%) e das Poaceae coprólitos de Pedra Furada
(mais de 20%) são também significativas
nesses níveis. Dessa forma, pensamos que O estudo parasitológico dos coprólitos de
esse estrato herbáceo é característico da Pedra Furada forneceu importantes informa
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CHAVES, S.A.M . Estudo palinológico de coprólitos pré-históricos h olocen os coletados na Toca do Boqueirão do
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ções sobre as relações hóspede-parasita, hipótese segundo a qual esses parasitas foram
assim como alguns dados sobre a existência de introduzidos pelas populações vindas da Ásia
novas espécies de vermes parasitas até então pelo estreito de Behring. Por outro lado, a
não identificadas (Chame 1988). existência desses parasitas nos coprólitos
Vejamos alguns exemplos (Fig. 2): humanos é fundamental para que possamos
confirmar a hipótese segundo a qual essas
- A amostra n° 362, pequeno coprólito
levas migratórias humanas teriam chegado à
discóide de 2,5 cm de diâmetro, provavelmente
América do Sul pelo mar (Ferreira et al. 1991,
eliminado por um animal de porte médio. Esse
Chaves 2001). E importante notar que esses
coprólito continha um ovo de Trichuris sp. de
dois parasitas foram encontrados, respectiva
100,20 X 46,76 pm. Essas dimensões são
mente, no interior de dois coprólitos humanos:
excepcionais para o gênero, o que nos faz
o de n° 352 e o de n° 337.
pensar em espécies ainda não descritas, uma
Além disso, a descoberta de ovos de
vez que, na América do Sul, os ovos dessas
espécies de Trichuris sp. já descritas, são Trichuris nos coprólitos de pequenos roedo
normalmente menores (Ferreira et al. 1988). res - Kerondon rupestris, nas imediações do
- Os coprólitos da amostra de n° A -114 sítio da Toca do Boqueirão da Pedra Furada,
eram constituídos de várias unidades cilíndri datados de 9.000 anos A.P. - e a ausência
cas de 1,5 cm de comprimento por 0,5 cm de desses parasitas nas populações atuais desses
espessura e continham também ovos de roedores evocam uma mudança climática entre
Trichuris sp. Esses coprólitos foram provavel 10.000 e 8.000 anos A.P (Araújo et al. 1993).
mente eliminados por roedores cavemícolas De uma maneira geral, a fauna pré-histórica
conhecidos por “mocó” (Kerodon rupestris), encontrada nos arredores do sítio de Pedra
bastante comuns na região. As dejeções atuais Furada parece caracterizar um clima mais
desse roedor são muito parecidas com aquelas úmido que aquele observado nos dias atuais.
encontradas nessa amostra. Podemos, então, Encontramos também algumas características
suspeitar que esses ovos são de uma espécie evocando uma paisagem de savana entrecor
ainda não estudada, uma vez que esses tada de zonas florestais.
parasitas não são normalmente encontrados
parasitando tais mamíferos de pequeno porte.
As dimensões dos oito ovos encontrados Conclusão
nesses coprólitos (64,88-60,0 pm X 35,0-30,75
pm) não são nem mesmo compatíveis com as Ao final deste trabalho, a partir das
medidas dos hospedeiros encontrados nessa análises polínicas dos coprólitos animais e
localidade, nos dias atuais. humanos, assim como dos outros restos
- A amostra de n° A-358 continha frag orgânicos vegetais encontrados no sítio de
mentos disformes de coprólitos de 1 a 2,5 cm Pedra Furada, podemos estabelecer a seguinte
(na sua maior dimensão), que podem, então, hipótese: entre 8.700 e 7.000 A.P, na região
ser atribuídos a animais de tamanho médio a Sudeste do Piauí, houve atenuação da última
grande. No interior desses fragmentos, crise árida holocênica. Nesta época, a paisa
encontramos ovos de Trichuris sp. com as gem da região de São Raimundo Nonato era
seguintes medidas: 60,12 X 33,4 pm e 53,44 X muito diferente da que conhecemos hoje em
26,72 pm. Apesar de um desses ovos apresen dia. Nos diagramas que apresentamos, os
tar dimensões dos ovos de T. gracilis (50-59 registros polínicos mostram uma forte percen
pm X 23-28 pm), normalmente encontrados nos tagem de taxa arbóreos, assim como de
coprólitos do roedor Dasyprocta agouti associações típicas que confirmam a existên
(“cotia”), não somos capazes de confirmar a cia, no passado, de uma vegetação do tipo
identificação desses parasitas. cerrado-cerradão. Esses registros revelam
Segundo Confalonieri (1983), a presença também a existência de um clima ligeiramente
de Trichuris trichiura, assim como a de mais frio e menos seco que o clima atual. Os
ancilostomídeos, encontrados nas populações homens que habitavam essa região naquele
humanas pré-colombianas, não confirma a período beneficiavam-se de uma vegetação
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CHAVES, S.A .M . Estudo palinológico de coprólitos pré-históricos holocenos coletados na Toca do Boqueirão do
Sítio da Pedra Furada. Contribuições paleoetnológicas, paleoclim áticas e paleoambientais para a região sudeste do
Piauí - Brasil. R evista do M useu de A rqu eologia e E tnologia, São Paulo, 70: 103-120, 2000.
Merremia
POACEAE
ASTERACEAE
CUCURBITACEAE
LAMIACEAE
CONVOLVULACEAE
Cyperus
Terminalia
Myrcia type
LEGUMINOSAE
MYRTACEAE
PALMAE
Anacardium
Bauhinia
Euphorbia
SAPINDACEAE
BOMBACACEAE
BIGNONIACEAE
Anadenanthera
Altitude 400 m
Pedra Furada
Cecropia
Alchornea
Caesalpinia
cm p r o fu n d id a d e s
a m o s tr a n° da
d a ta ç õ e s
l it o lo g ia
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CHAVES, S.A .M . Estudo p alinológico de coprólitos pré-históricos holocenos coletados na Toca do Boqueirão do
Sítio da Pedra Furada. Contribuições paleoetnológicas, paleoclim aticas e paleoam bientais para a região sudeste do
Piauí - Brasil. R evista do M useu de A rqu eologia e E tnologia, São Paulo, 10: 103-120, 2000.
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v_HAVES, S.A .M . Estudo palinológico de coprólitos pré-históricos holocenos coletados na Toca do Boqueirão do
Sítio da Pedra Furada. Contribuições paleoetnológicas, paleoclimáticas e paleoambientais para a região sudeste do
Piauí - Brasil. R evista do Museu de A rqu eologia e E tnologia, São Paulo, 10: 103-120, 2000.
rica e heterogênea, sempre relacionada a um assim como à fauna que lhes foi contemporâ
ambiente favorável à presença de uma fauna nea. Nessa mesma época, esses paleoíndios já
diversificada. Os pólens identificados nos teriam atravessado as paisagens ocidentais da
permitiram também conhecer qual a estação do Amazônia. Talvez essas populações tenham se
ano em que se dava a floração de algumas encontrado diante de uma escolha capital:
plantas e/ou de determinadas associações permanecer nos cerrados amazônicos; partir
vegetais. em direção de novas fronteiras, como o
A riqueza e a heterogeneidade dessa Nordeste ou o Planalto Central brasileiro; ou
vegetação estava, então, relacionada a um mesmo tomar o caminho em direção ao litoral
índice de chuvas superior a 1.500 mm/ano - e é Sudeste do Brasil. Atualmente, nossos
o que nos fazem pensar as marcas deixadas por conhecimentos sobre esses prováveis movi
uma antiga e volumosa queda d ’água que mentos de populações pré-históricas são ainda
existiu há milhares de anos no sítio de Pedra escassos. As atuais escavações em andamen
Furada. Essa queda d’água, hoje extinta, teria, to nos inúmeros sítios de diferentes regiões do
provavelmente, chamado a atenção das Brasil (no Nordeste, na Amazônia, no Planalto
populações humanas e dos animais para esse Central etc.) permitirão obter respostas mais
abrigo. precisas sobre essas rotas migratórias.
E importante também frisar a existência, no A importância da análise palinológica dos
interior da caatinga do Nordeste do Brasil, de coprólitos como uma ferramenta a mais nos
inúmeros morros suficientemente altos que estudos paleoetnológicos e paleoambientais é
permitiriam o estabelecimento de uma vegeta indiscutível. Torna-se necessário lembrar o
ção densa e úmida, chamada localmente de caráter inédito e pioneiro dessa pesquisa: pela
brejos. Os brejos, ainda existentes nos dias primeira vez obtivemos dados confiáveis que
atuais, são isolados uns dos outros e também permitirão precisar o paleoambiente holoceno
das grandes áreas de florestas. No interior dos no Sudeste do Piauí. Se outros pesquisadores,
brejos, encontramos as espécies vegetais da anteriormente a nós, demonstraram a existên
Amazônia, típicas da floresta úmida, como por cia de um quadro climático e vegetacional
exemplo: Gallezia gorarema, Huberia ovalifo- diferente daquele dos dias atuais, foi possível,
lia, Manilkaria rufula, Myrocarpus fastigia- a partir de nosso estudo palinológico, confir
tus e Phyllostyllon brasiliensis. Durante os mar tais afirmações.
períodos secos, esses “refúgios” demonstram Os coprólitos vêm a ser, assim, objetos
a existência, no passado, de áreas úmidas. imprescindíveis nesse gênero de pesquisa, e, a
A análise polínica dos coprólitos humanos palinologia, uma ferramenta incontornável para
nos permitiu demonstrar uma possível utiliza todos aqueles que necessitam aperfeiçoar os
ção medicinal das plantas no período citado conhecimentos sobre a paleovegetação de
(entre 8.700 e 7 000 A.P.). Da mesma forma, a uma dada região. Como já frisamos anterior
presença, no interior desses coprólitos, de mente, os coprólitos foram as únicas testemu
taxa pertencentes às famílias Cucurbitaceae, nhas orgânicas que puderam resistir à acidez
Fabaceae, Chenopodiaceae, Convolvulaceae e do solo do sítio de Pedra Furada.
de outros taxa “hortícolas” indica, como No final deste trabalho, esperamos ter
vimos, uma utilização alimentar dessas plantas. contribuído e também apresentado novos
Ao terminar este artigo, gostaríamos de dados sobre a pré-história dessa região do
enfatizar algumas questões de âmbito geral Nordeste do Brasil. No nível paleoetnológico,
que merecem destaque. São aquelas relaciona conseguimos demonstrar a provável utilização
das às possíveis rotas migratórias das popula de certas plantas selecionadas pelas popula
ções pré-históricas do Brasil. Como demons ções pré-históricas do Piauí. No nível paleocli
tramos, há 8.000 anos, no Nordeste do Brasil, màtico e paleoambiental, esperamos, através
uma rica vegetação caracterizava um novo de nossos resultados, ter aberto novas
período na evolução do ambiente regional. Foi perspectivas de trabalho, no que diz respeito
ela que constituiu um verdadeiro e substancial ao conhecimento do paleoambiente da região
aporte nutricional aos paleoíndios da região, Nordeste do Brasil durante o Holoceno.
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Sítio da Pedra Furada. Contribuições paleoetnológicas, paleoclim áticas e paleoambientais para a região sudeste do
Piauí - Brasil. R evista do Museu de A rqueologia e E tnologia, São Paulo, 10: 103-120, 2000.
ABSTRACT: This work presents the results of the pollen analyses made
on animal and human coproliths collected from the rock-shelther “Toca do
Boqueirão do Sítio da Pedra Furada”. These coproliths were identified by
researchers from the National School of Public Health (ENSP) and were treated
according to the methodology described by Chaves (1994, 1996, 1997) and
Chaves & Renault-Miskovsky (1996). The results have generated data which
permited us to elaborated a palaeoclimatological and palaeoenvironmental
scene of the studied region. From the palaeoethnobotanical point of view, the
results from the pollen analysis in human coproliths allowed us to demonstrate
the variety of plants used by the prehistoric men who inhabited the region
around 8.000 years B.P..
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121
MARTINS, G.R.; KASHIMOTO, E.M. Arqueologia do contexto do rio Jauru (MT) impactado pelo gasoduto Bolívia-
Mato Grosso. R evista do M useu de A rqu eologia e E tnologia, São Paulo, 10: 121-143, 2000.
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MARTINS, G.R.; KASHIMOTO, E.M. Arqueologia do contexto do rio Jauru (MT) impactado pelo gasoduto Bolívia-
Mato Grosso. R evista do M useu de A rqu eologia e E tnologia, São Paulo, 70: 121-143, 2000.
contexto do rio Jauru e a área entre o rio Para obra. As pesquisas foram executadas por um
guai e a Província Serrana de Cáceres, registran grupo de trabalho multidisciplinar sob a coorde
do-se, nesses locais, a ocorrência de sítios pré- nação da Profa. Dra. Joana Aparecida Fernandes
coloniais e históricos, estes últimos localizados da Silva da UFMT - Universidade Federal de
na área serrana e também nas proximidades de Mato Grosso. Esses estudos geraram um relató
Cuiabá. rio intitulado “Estudo Etno-Histórico e Pesquisa
Este artigo aborda, especificamente, a região de Campo de Comunidades Chiquitanas na Área
do médio curso do rio Jauru. Para identificar e de Influência do Gasoduto Bolívia - Mato
tentar compreender quem foram os produtores Grosso”, o qual passou a integrar o Projeto
dos vestígios arqueológicos localizados durante Básico Ambiental-PBA (Gasocidente/Prime,
o desenvolvimento do PSAGBM, utilizou-se, 1998) com o objetivo de obter-se a licença
preliminarmente, uma leitura regressista sobre o ambiental prévia para a implantação da obra.
processo histórico de povoamento humano na Oficialmente, segundo o estudo acima
área afetada pela construção do gasoduto. Dessa citado, hoje, no sudoeste de Mato Grosso,
forma, na tentativa de verificar se existe alguma existem as seguintes Terras Indígenas (TI): TI
relação arqueológica entre os índios que, no Umutina, localizada no município de Barra dos
momento, vivem no sudoeste mato-grossense e Bugres a 80 km ao norte do traçado do gasoduto;
os sítios arqueológicos localizados pelos 77 Perigara, comunidade de índios Bororo,
trabalhos do PSAGBM, partiu-se de uma caracte localizada a 115 km ao sul do traçado; 77 Tereza
rização e diagnóstico da atual realidade etnográ Cristina, comunidade de índios Bororo, localiza
fica da área influenciada pela obra. Com o da a 120 km ao sul do traçado; 77 Figueiras,
mesmo objetivo, efetuou-se um levantamento comunidade de índios Paresi, localizada a 160
das principais fontes bibliográficas produzidas km ao norte do traçado e 77 Sararé, comunidade
por cronistas, no passado, e ainda uma revisão de índios Nhambiquara, localizada a 180 km a
da bibliografia etno-histórica regional. noroeste do traçado. Segundo o mesmo estudo
Sendo a cerâmica o vestígio numericamente nenhuma dessas comunidades indígenas sofrerá
predominante e mais conservado da cultura qualquer tipo de interferência direta ou indireta
material das populações indígenas pré-coloniais com a construção do gasoduto, devido à distân
dessa região de Mato Grosso, a mesma foi usada cia que essas T h se encontram da área influencia
como o referencial principal para se tentar da pelo empreendimento.
estabelecer um vínculo entre os dados arqueoló Por outro lado, o grupo de trabalho acima
gicos coletados pelo PSAGBM e o processo referido identificou a presença de 20 comunida
etno-histórico do espaço percorrido pelo gaso des de índios Chiquito na área fronteiriça entre
duto. No entanto, outros itens da cultura material Mato Grosso e Bolívia, no segmento Casalvasco/
pretérita indígena devem ainda contribuir na Corixa Grande (MT), onde o gasoduto, proveni
identificação cultural dos produtores desses ente de San Matias (Bolívia), penetra em
vestígios, entre eles líticos, sepultamentos e território brasileiro. Dessas comunidades, 11
adornos. estão localizadas a menos de 60 km de distância
do gasoduto, totalizando, aproximadamente, 650
pessoas (Gasocidente/Prime, 1998).
A atual realidade etnográfica regional No Oriente Boliviano vive, atualmente, uma
população superior a quarenta e quatro mil
Com vistas a detectar, no presente, a índios Chiquito, distribuídos por 323 comunida
existência de índios na área a ser impactada des localizadas no Departamento de Santa Cruz,
direta ou indiretamente pela obra, a Gasocidente, integrando, em termos de etnologia territorial o
empresa responsável pela obra do gasoduto, Etnoconjunto Del Oriente (que abarca todas as
contratou os serviços especializados de consul Províncias de Santa Cruz, exceto a de Cor
toria técnica-científica da PRIME Engenharia. dillera) (Cimar 1996).
Os trabalhos de levantamento etnográfico, em Quanto à presença de outras etnias indíge
campo, foram realizados em novembro de 1998, nas, nas proximidades da área afetada pelo
sem se limitar à área afetada diretamente pela gasoduto, o grupo de trabalho acima citado
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MARTINS, G.R.; KASHIMOTO, E.M. Arqueologia do contexto do rio Jauru (MT) impactado pelo gasoduto Bolívia-
Mato Grosso. R evista d o Museu de A rqueologia e E tn ologia, São Paulo, 10: 121-143, 2000.
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MARTINS, G.R.; KASHIMOTO, E.M. Arqueologia do contexto do rio Jauru (MT) impactado pelo gasoduto Bolívia
Mato Grosso. R evista do M useu de A rqu eologia e E tnologia, São Paulo, 10 : 121-143, 2000.
Cabeça de Vaca e Schmiedl. O contato pioneiro as várias hordas comprendidas sob o nome
de europeus com alguma tribo chiquitana foi o genérico de Manacicas. Coberta de espes
efetuado por Aleixo Garcia, no início da segunda sas florestas se achava parte de seu país, e
década do século XVI, com os índios Tara- em vastas planícies a maior parte do ano
pecoci. consistia a outra, pelo que não podia haver
Alguns relatos de cronistas descrevem a falta de caça e de peixe, nem dos frutos que
existência de grandes aldeias, às vêzes subdivi a terra produz. Fértil é o solo e abundantes
didas em bairros. Conforme Maldi (1989), os de ordinario as colheitas.(...) Conta-se que
índios Chiquito habitavam aldeias cercadas por eram as suas aldeias edificadas com algum
paliçadas, destacando-se, no conjunto, a casa dos gosto, regulares as rúas e bem proporciona
solteiros. Suas aldeias possuíam chefias indepen das as praças. Habitavam o cacique e os
dentes e “templos” ou “casas de bebidas” onde maiorais edificios grandes, divididos em
consumiam coletivamente a chicha. Isto pode diferentes aposentos, que também serviam
ajudar a compreender a ocorrência arqueológica para reuniões públicas, banquetes e
de grandes vasilhas de cerâmica que, segundo os templos. Tão pouco eram mal construídas
cronistas, seria uma cerâmica de alta qualidade. as casas dos particulares, apesar de ali ser
Os homens usavam tembetás enfeitados com o machado de pedra o único instrumento
penas sob o lábio inferior; os cabelos eram conhecido. Hábeis tecelãs eram as mulhe
mantidos longos e atados à nuca. Tinham como res, cuja obra de olaria, de singular
armas flechas envenenadas e bordunas. Para os perfeição, tinia como metal ao tocar-se.
espanhóis que percorreram a região no século Deixava-se ficar o barro, antes de servir,
XVI, os “chefes” das aldeias chiquitanas muito tempo a amadurecer, sendo este o
pareciam ser uma espécie de “reis”, os quais principio que os chins se diz que têm
concentravam, conforme o tamanho da aldeias, enterrado muitos anos o que destinam ao
grande poder. fabrico de sua louça mais fina. ” (p. 105/6).
No olhar de D ’Orbigny (1945):
Em 1547, Ñuflo de Chávez, seguido por 223
“Estaban gobernados por una muche espanhóis e mais de 3.500 índios Guarani,
dumbre de jefecillos o Iriabos, elegidos por iniciou a colonização da região do “Mar de
el consejo de ancianos, y conduciendo cada Xaraiés”, formada por grandes lagoas no
uno su pequeña tribu, al mismo tiempo que Pantanal do Alto Paraguai. Esta área era habitada
ejercían las funciones de médicos. A menudo por tribos denominadas Xaraié, porém essa
atacaban a sua vecinos com el único objeto expedição desviou-se desses índios e seguiu em
de labrarse una reputación de bravura. Se direção ao Peru, entrando em território Chiquito.
frecuentaban poco y rara vez hacían causa No ano de 1550, a cidade de Santa Cruz de
comum; diseminados en centenares de la Sierra foi fundada pelo conquistador acima
secciones, no formaban, hablando com citado em local próximo à atual San José de los
exactitud, un cuerpo nacional. Chiquitos. Alguns anos depois, em 1591,
Reducíase su religión a la creencia en ocorreu o translado dessa cidade para o assenta
outra vida, lo que motivaba la costumbre, mento atual. Entre esta última data e a fundação
generalmente extendida entre ellos, de da primeira redução jesuítica, 1692, quase não
enterrar armas y víveres com los muer houve contato entre os índios e as frentes
tos. (...)”. (p. 1247) colonizadoras ibéricas na área chiquitana.
Ao iniciar-se o século XVII, o modelo
Na sua expressiva obra sobre a Historia do
colonizador castelhano já estava consolidado em
Brasil, escrita no início do século XIX, Southey
toda a bacia Platina, materializando-se por meio
(1981) produziu um relato etnográfico onde
da fundação de cidades como Buenos Aires,
aborda aspectos da cultura material dos indios
Assunção, Santa Cruz de la Sierra, Santiago de
Manacica, constituindo-se num trabalho de
Xerez, entre outras. Ao contrário da região
relevante interesse etno-arqueológico:
andina, onde a economia colonial firmou-se com
“Do mesmo tronco, como as que o incremento das atividades de mineração de
compunham as missões dos Chiquitos, eram metais preciosos, na bacia Platina o comércio e
126
MARTINS, G.R.; KASHIMOTO, E.M. Arqueologia do contexto do rio Jauru (MT) impactado pelo gasoduto Bolívia-
Mato Grosso. R evista do Museu de A rqu eologia e E tn ologia, São Paulo, 10: 121-143, 2000.
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MARTINS, G.R.; KASHIMOTO, E.M. Arqueologia do contexto do rio Jauru (MT) impactado pelo gasoduto Bolívia-
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MARTINS, G.R.; KASHIMOTO, E.M. Arqueologia do contexto do rio Jauru (MT) impactado pelo gasoduto Bolívia-
Mato Grosso. R evista do M useu de A rqu eologia e E tnologia, São Paulo, 10: 121-143, 2000.
ceños hacia los Tamacocis de las llanuras “O povo de S. Matias fica a sete
del R. Guapay” (p. 16) quilômetros e meio da Corixa do Destaca
mento. E uma pequena povoação de mais ou
O local acima foi registrado pelo PSAGBM
menos duzentas almas, índios quase todos
como sitio arqueológico Baía Caiçara 1, sendo
chiquitanos, e alguns bororós. Compõe-se,
que os vestígios cerâmicos aí coletados podem
como todas as missões jesuíticas, de uma
estar correlacionados com esse contexto históri
praça retangular, tendo numa das faces a
co, pois sabe-se que os indios Saraveka, proveni
igreja e nas outras as habitações. ”(pag.
entes da Missão de Santana, eram descendentes
384/5)
de índios Aruak. Pode-se apontar como reforço a
“São estas bandas povoadas pelos
essa hipótese o fato de que ainda hoje, conforme
restos das nações dos chiquitos e bororós,
o que foi constatado pelos antropólogos que
aldeiados outrora pelos jesuítas espanhóis.
participaram do PBA (Gasocidente/Prime 1998),
S. Matias é toda de chiquitanos. Os homens,
no local vive uma comunidade de indios que se
conquanto andem inteiramente à vontade
identifica como chiquitana.
entre os seus, quando saem para os povoa
Nas primeiras décadas do século XIX, o
dos vestem camisa, calça e chapéu, senão
quadro sócio-político da região da bacia do Alto
também a sua jaqueta, trazendo sempre na
Paraguai passou por um período de grande
cintura uma banda ou faixa vermelha muito
instabilidade devido às convulsões sociais
apreciada em todos os países castelhanos, e
provocadas pelas guerras de independência na
aqui por tal forma, que dir-se-á usarem de
América espanhola. A região das Missões de
calças só para terem o prazer de lhe
Chiquitos, a exemplo de outras realidades da
passarem a cinta. Uma faca de ponta ou um
Bacia Platina foi palco de diversos eventos
facão é complemento obrigatório do traje
bélicos entre as forças pró e contra a independên
de viagem.
cia. Os índios ficaram no meio do fogo cruzado e
Falam estas gentes mais ou menos
sofreram pesadas baixas demográficas, agravadas
quatro idiomas: o chiquitano, o bororó, o
no pós-guerra pelo agudo empobrecimento da
espanhol e o português. Ora, de um povo,
região e pelos surtos epidêmicos provenientes das
que dispõe assim de tão vastos conhecimen
péssimas condições sócio-econômicas. A popula
tos lingüísticos, longe deve ir a idéia de
ção indígena teve sua infra-estrutura produtiva
dizê-lo curto de civilização. ” (p. 384/5)
(economia missioneira) desmantelada com o
estabelecimento da nova ordem política-nacional Em 1880, com o auge da produção da
(surgimento do Estado boliviano). Em decorrên borracha natural no oriente boliviano, milhares
cia dessas conturbações, novas ondas migratórias de índios Chiquito morreram ou dispersaram-se
de índios Chiquito dirigiram-se para o Mato devido às péssimas condições de trabalho nos
Grosso durante o século XIX. Em 1831, os índios seringais das Províncias de Nuflo de Chávez e
da Missão Santana estavam reduzidos a cerca de Velasco.
oitocentas pessoas. Nessa mesma época, em Max Schmidt (1942), em junho de 1901, ao
Casalvasco, Mato Grosso, havia aproximadamen descer o rio Cuiabá em direção à serra do
te trezentas famílias indígenas chiquitanas. Amolar, na atual divisa entre os Estado de Mato
Quando D ’Orbigny visitou a região, em Grosso e Mato Grosso do Sul, observou em uma
1831, o quadro demográfico na área chiquitana propriedade rural, nas proximidades da confluên
reunia cerca de vinte mil índios, distribuídos cia com o rio São Lourenço, a presença de vinte
entre as tribos, Koraveka, Kurave, Tapii, índios Chiquito trabalhando para um indivíduo
Kurukaneka, Paikoneka, Saraveka, Otuke, denominado João Paiz. Não forneceu maiores
Kuruminaka, Samucu e Chiquito. detalhes.
No ano de 1875, João Severiano da Fonseca No início deste século, entre 1907 e 1911,
(1986), ao percorrer a região do Alto Paraguai, Rondon comandou a instalação da linha telegrá
assim descreveu a realidade etnográfica que fica entre Cáceres e Vila Bela, em Mato Grosso,
encontrou em San Matias, na divisa da Bolívia ocasião em que fez várias referências à região de
com Mato Grosso, local de entrada do gasoduto Cáceres como sendo habitada por diversas
em território brasileiro: famílias de índios Chiquito. Ele esteve também
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MARTINS, G.R.; KASHIMOTO, E.M. Arqueologia do contexto do rio Jauru (MT) impactado pelo gasoduto Bolívia-
Mato Grosso. R evista do Museu de A rqu eologia e Etnologia, São Paulo, 10: 121-143, 2000.
na Fazenda Facão, em Cáceres, onde há um sítio sócio-cultural a que são submetidos, historica
arqueológico, mas não se referiu a ela sob o mente, pela sociedade envolvente.
ângulo etnográfico e arqueológico. Dentre as comunidades chiquitanas identifi
Quando da ocasião da construção da estrada cadas pelo grupo de trabalho Gasocidente/Prime
de ferro entre Corumbá e Santa Cruz de la (1998), as que mais se aproximam da área
Sierra, no começo do século XX, reproduzindo o influenciada pelo gasoduto são as do “Limão”
antigo caminho das Missões de Chiquitos para (30 famílias), localizada na margem esquerda do
Santa Cruz/Peru, muitos índios foram submeti rio Jauru e “Beira de Estrada” (9 famílias),
dos a rigorosas condições de trabalho, fato que localizada na margem direita da rodovia Cáce-
provocou muitos danos aos índios, sobretudo a res-San Matias, antes do rio Padre Ignácio.
desterritorialização. Ambas comunidades estão situadas a uma
Nas primeiras décadas do século XX, novo distância da faixa de serviço do gasoduto menor
episódio bélico fomenta o fluxo migratório que um quilômetro.
desses índios para Mato Grosso, ou seja, a Como já foi explicitado anteriormente, em
Guerra do Chaco, que na década de trinta termos de cultura material tradicional, o presente
envolveu o Paraguai e a Bolívia em disputa desses índios contrasta sensivelmente com o
territorial pela região do Chaco Boreal. O passado. Os objetos e artefatos utilizados no
desfecho do conflito foi desfavorável à Bolívia, cotidiano atual são obtidos no mercado da
que perdeu extensas porções de seu território sociedade envolvente, não havendo, portanto,
para o país vizinho, além de sofrer pesadas uma personalização étnica dos mesmos. Isso é
baixas humanas. Mais uma vez a população compreensível se considerado o processo
indígena das terras baixas bolivianas viu-se entre histórico de desterritorialização a que essas
o fogo dos exércitos nacionais beligerantes e comunidades foram submetidas nos últimos
sofreu sérias conseqüências demográficas e duzentos anos. Em localidades mais distantes do
culturais, o que motivou novo êxodo de dezenas traçado do gasoduto o mesmo grupo de trabalho
de famílias para a região abrangida pelas bacias (Gasocidente/Prime (1998)) constatou a perma
do rio Jauru e do Alto Paraguai, no município de nência residual de alguns elementos da cultura
Cáceres. material indígena tradicional, sobretudo cestaria
Em termos sócio-culturais, o grupo de (abanicos e peneiras), alguma peças de cerâmica,
trabalho da Gasocidente/Prime (1998) caracteri redes de dormir e padrão das habitações. Mesmo
zou a situação das comunidades indígenas assim, os elementos da cultura material indígena
chiquitanas existentes na área influenciada pelo observados e descritos por esses antropólogos
gasoduto, da seguinte maneira: as comunidades não auxiliam na analogia com os vestígios
indígenas apresentam contextos atuais diferenci arqueológicos registrados durante os trabalhos
ados, isto conforme a trajetória histórica percor do PSAGBM.
rida por cada uma delas; nenhuma tem a sua Nas comunidades indígenas de Alambrado e
situação fundiária legalizada enquanto Terra de Corixa Grande, foram encontrados fragmen
Indígena pela FUNAI; algumas famílias, tos de cerâmica lisa, sendo que alguns cacos
isoladamente, possuem títulos particulares de eram “pintados” de vermelho na face externa e
propriedade da terra onde habitam; há uma preto na face interna (Gasocidente/Prime 1998).
tendência populacional em estabilizar-se o índice Por essa descrição, mesmo que sucinta, observa-
demográfico dessas comunidades em um se que essa cerâmica se assemelha àquela
quantum médio de oito famílias; a sobrevivência coletada pelo PSAGBM, nos sítios Rio Jauru,
econômica está baseada em um modelo campo Riacho São Sebastião 1, 2, 3 e 4. As datações
nês de subsistência, associado à prestação de obtidas através do método da termo! umines-
serviço temporário em fazendas vizinhas, ou cência em amostras de cerâmica coletadas nestes
mesmo, com trabalho assalariado nas cidades sítios são anteriores ao início da colonização do
próximas, sobretudo em Cáceres; no que diz Brasil, portanto, não concordantes com a
respeito à auto-identificação étnica foi registrada trajetória etno-histórica recente desses índios no
uma tendência em renegar suas origens, talvez Estado de Mato Grosso. Ainda na Corixa
como uma forma de evitar a discriminação Grande, conforme o trabalho acima citado,
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Mato Grosso. R evista do M useu de A rqu eologia e E tn ologia, São Paulo, 10: 121-143, 2000.
porém, para elas, as evidências arqueológicas nenhum tipo de contextualização científica sobre
enquadradas na Tradição Descalvado não estão as condições em que foram encontrados ou
relacionadas ao passado desses índios, sendo coletados esses vestígios. Com o início dos
mais provável, conforme as mesmas, que as estudos ambientais/culturais avaliadores dos
vinculações culturais dos produtores da cerâmica impactos da construção do gasoduto, fizeram-se
Descalvado sejam atribuídas originariamente a os primeiros registros técnico-científicos de
contextos culturais do oriente boliviano, ou material arqueológico na região (Gasocidente/
mesmo da área amazônica. Prime 1998, Natrontec/Entrix 1998), quando
Quanto às principais características da foram localizados fragmentos de cerâmica
cerâmica Descalvado as autoras acima descre arqueológica na área de Corixa Grande e na
vem o seguinte: margem direita do rio Jauru, em ponto próximo
ao local em que este foi seccionado pela obra
“O material arqueológico destes sítios
(Sítio Rio Jauru).
compreende grandes recipientes piriformes
O médio curso do rio Jauru, pesquisado no
com um gargalo biconvexo, urnas piriformes
âmbito do PSAGBM, caracteriza-se por possuir
apenas com gargalo infletido, tigelas fundas
margens pantanosas, intercaladas por diques
e rasas, além de potes médios e pequenos. En
fluviais e terraços estruturais, como é o caso do
quanto a maioria dos recipientes cerâmicos é
local onde está implantado o sítio Rio Jauru. A
lisa, observa-se a presença de engobo verme
partir da margem direita, no segmento onde incide
lho interno e/ou externo, raramente apêndi
o traçado do gasoduto, tem início um extenso
ces ou uma decoração ponteada. São poucos
interflúvio plano, com algumas dezenas de
os recipientes conhecidos (tigelas rasas) com
quilômetros, que se conclui no vale do Corixa
boca circular ou elipsoide que apresentam na
Grande divisa com a Bolívia. A cobertura vegetal
sua superfície interna uma pintura vermelha
é predominantemente formada por uma Floresta
com motivos geométricos, sendo listas, triân
Estacionai Semidecidual Antropizada (Gasoci-
gulos e pequenas cruzes os motivos mais fre
dente/Prime 1998). Por todo esse espaço as
qüentes. ”
drenagens secundárias são raras, destacando-se
Ocorrem ainda rodelas de fuso, bem
nessa paisagem, quase singularmente, a microba-
como cachimbos tubulares com apliques de
cia do riacho São Sebastião, afluente direito do
figuras zoomorfas e decoração incisa. Pre
rio Jauru. Apesar de apresentarem escassas redes
valece nos sítios do curso superior do Rio
de drenagens permanentes, paradoxalmente,
Paraguai o tempero de caco moído, enquan
partes consideráveis desses terrenos permanecem
to em direção à região mais alagada aumen
alagados por águas pluviais vários meses no ano.
ta o tempero de concha triturada. A espessu
Isto se deve à baixa profundidade do lençol
ra da parede dos recipientes cerâmicos varia
freático e à planura da superfície. Em alguns
de 1 a 3 cm, sendo o acabamento externo
trechos, topográficamente não inundáveis, por
freqüentemente polido.” (1994: 49/50)
vezes distante centenas de metros das margens
O rio Jauru é um afluente da margem direita dos leitos fluviais permanentes (Corixa Grande,
do rio Paraguai, sendo que a área aqui enfocada riacho São Sebastião e Jauru), implantaram-se, no
contextualiza-se a noroeste dos sítios abordados período Pré-colonial, extensos aldeamentos de
pelos trabalhos acima citados. grupos indígenas agricultores, fabricantes de
Antes da construção do gasoduto, as recipientes de cerâmica possuidores das caracte
referências sobre ocorrências arqueológicas na rísticas da Tradição Descalvado. Essas ocupações
região entre o Distrito de Porto Limão (rio estão sobrepostas a outros níveis arqueológicos
Jauru), em Cáceres e San Matias (fronteira do que talvez possam incluir a presença de caçado
Brasil com a Bolívia) limitavam-se a relatos res/coletores.
orais, por parte de moradores da área, sobre Como exemplos dessas evidências pode-se
achados isolados de concentrações superficiais citar o sítio Rio Jauru, localizado em um terraço
de fragmentos ou, mais raramente, sobre grandes elevado sobre uma concavidade da margem direita
potes de cerâmica enterrados no interior de áreas do rio Jauru, nas proximidades do povoado
agrícolas. Essas observações foram feitas sem conhecido como Porto Limão, ou ainda os sítios
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Riacho São Sebastião 3 e Riacho São Sebastião 4, Durante os trabalhos de resgate acima
todos com mais de 1 km de eixo maior. Estes sítios descritos coletaram-se significativos conjuntos
localizam-se próximos uns dos outros em média de material arqueológico. Os vestígios são
três quilômetros. Devido a problemas técnicos, predominantemente fragmentos de cerâmica, dos
específicos da obra, não foi possível desviar o quais, nos níveis superiores, um número signifi
traçado do gasoduto desses sítios arqueológicos, cativo é composto por peças que apresentam
optando-se, portanto, como alternativa mitigadora, vestígios de engobo vermelho, típico da Tradi
pelos trabalhos de resgate arqueológico. ção Descalvado. Algumas amostras desse
Os procedimentos de resgate arqueológico material foram enviadas para datações radiomé-
restringiram-se à faixa de serviço do gasoduto. tricas. Também foram coletadas algumas lascas
Os trabalhos desenvolveram-se por meio da de sílex, havendo retoques em algumas delas.
abertura de furos de sondagem, bem como de Após 1,5 metro de profundidade, encontraram-se
trincheiras e áreas de decapagem, sendo os dados somente algumas lascas. Na área estudada, a
arqueológicos coletados e registrados quanto à densidade de estruturas de combustão foi
sua localização tridimensional e inserção na insignificante.
estratigrafía do solo. Foram processadas, até o momento 22
Segundo Gasocidente/Prime (1998), o solo datações radiométricas, empregando-se o método
da margem direita do rio Jauru, pesquisado nas da termoluminescência, no Laboratório de
escavações arqueológicas, apresentava argila Vidros e Datações da Faculdade de Tecnologia
limosa com pouca areia, variando de cor cinza de São Paulo-FATEC (LVD), sob a coordenação
clara a amarela. Essa classificação é extensiva ao da Profa. Dra. Sonia Hatsue Tatumi, obtendo-se
contexto dos três sítios aqui analisados. os resultados apresentados a seguir:
A partir da associação com os dados As datações obtidas no sítio Rio Jauru,
arqueológicos, observou-se que a estratigrafía mesmo as relativas às camadas superficiais,
dos sítios pesquisados era composta por duas mostram que essas ocupações são, pelo menos
camadas principais: a primeira camada, cinza, trezentos anos anteriores ao início da coloniza
com espessura média de 40 cm e a segunda, ção ibérica na região. Esses vestígios arqueológi
amarela, atingindo mais de 1,5 m de profundida cos poderiam estar associados ao universo
de. O horizonte cerâmico localizava-se, aproxi chiquitano Pré-colonial, cujos produtores teriam
madamente até 50 cm de profundidade. sido deslocados pela instabilidade etno-espacial,
no oriente boliviano, provocada pelo advento do
Tawantinsuyu. A relação das datações do sítio
1. Escavações arqueológicas no Sítio Rio Jauru/ Jauru-setor 4, com a visualização dos níveis
Setor 4 (JU1) - UTM E390667/S8213700 estratigráficos, sugere a existência de pelo
menos dois momentos distintos, subseqüentes,
Após o trabalho de sondagens arqueológicas, de ocupações por grupos ceramistas pré-
por uma extensão de mais de 350m na faixa de coloniais, sendo o horizonte correspondente à
serviço, a partir do ponto onde tem início o “furo Tradição Descalvado (camada cinza e início da
direcional”, definiu-se o contexto que deveria ser amarela) o mais recente e mais denso em termos
objeto das escavações de resgate arqueológico. de material arqueológico. Observou-se também a
Assim, foi aberta sobre a área projetada para ser a presença de uma camada de material arqueológi
vala da tubulação, uma trincheira com 200 m de co que deve corresponder a ocupações de
extensão por 1 m de largura, atingindo, em vários caçadores/coletores. Isto foi evidenciado por
segmentos, 2m de profundidade. Perpendicular meio de uma discreta ocorrência de material
mente a essa trincheira principal (Tl) foram lítico lascado a uma profundidade maior que 1
abertas outras 9 trincheiras, pretendendo-se com metro (camada amarela). A sobreposição de
isso contemplar a largura da faixa de serviço e os ocupações, aparentemente consecutiva por mais
limites das concentrações de material arqueológi de 600 anos, confere ao local do sítio Rio Jauru
co (v. Fig. 1). A abertura dessas trincheiras atributos ambientais que devem ter sido muito
permitiu também a visualização do perfil estrati- significativos na atração e fixação de populações
gráfico do sítio. nativas.
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TABELA 1
Amostra (código LVD) superfície do fragmento trincheira metro profundidade (cm) Datação (AP)
As datações relativas aos sítios Riacho São No trecho onde foi observada a maior
Sebastião 3 e 4, estão, no momento, sendo concentração de material foram abertas trincheiras
processadas no LVD. Assim que estiverem e áreas de decapagem. Na área de decapagem 1
concluídas, permitirão análises comparativas foi evidenciada uma estrutura de sepultamento
entre os três sítios pesquisados, ocasionando composta por dois recipientes intactos, tampados,
melhores condições de leitura temporal e cuja superfície externa apresenta vestígios de
espacial das relações intra-sítios e intersítios. engobo vermelho típico da Tradição Descalvado.
Um destes recipientes era uma uma funerária que
continha em seu interior um tembetá, contas de
2. Escavações arqueológicas no Sítio Riacho São colar e vestígios de ossos (muito friáveis, não
Sebastião 4 (SE4) - UTM E385667/S8211537 permitiram a sua identificação) (v. Fig. 2). Dentre
os demais vestígios cerâmicos coletados desta
O sítio Riacho São Sebastião 4, situado na cam-se ainda uma estatueta zoomorfa, diversas
alta vertente da margem esquerda do riacho São alças de recipientes e uma base, localizados entre
Sebastião apresentou, durante os trabalhos de 30 e 60cm de profundidade, (v. Figs. 3 e 4).
levantamento, expressivas concentrações de
fragmentos de cerâmica distribuídas na superfí
cie. Efetuou-se uma coleta sistemática de 3. Escavações arqueológicas no Sítio Riacho São
superfície, definindo-se para tal 275 quadrículas Sebastião 3 (SE3) - UTM E383810/S8210764
de 25m2 cada uma, o que abrangeu uma área
total de 6.875m2. Conjuntamente foram abertos O sítio Riacho São Sebastião 3, implantado
98 furos de sondagem, espaçados em 5m, na alta vertente da margem direita de um corixo
cobrindo uma extensão de 490m. (microbacia do riacho São Sebastião), apresen
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tou afloramento de material cerâmico por mais gico, evidenciados durante as sondagens, foram
de lkm de extensão, isto considerando-se abertas trincheiras e áreas de decapagem.
somente o que foi observado na faixa de serviço. Dentre o material coletado, destacam-se
O procedimento adotado foi uma coleta fragmentos de parede de cerâmica com engobo
sistemática de superfície em toda a largura da vermelho e/ou linhas incisas, além de peças com
faixa de serviço, abrangendo uma área total de alça, duas pequenas estatuetas - uma antropo
26.250m2. A delimitação das concentrações de morfica e outra zoomórfica - , dois “pingentes”,
material baseou-se também na abertura de 211 uma rodela de fuso, um carimbo, todos com
poços de sondagem, espaçados em 5m, totalizan superfície alisada, sem engobo (v. Figs. 3, 4 e 5).
do uma extensão de 1.055m. Nos locais onde A maior parte do material encontrava-se princi
havia maior concentração de material arqueoló palmente entre 30 e 60cm de profundidade.
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seriam de três tipos distintos: sítios habita que diz respeito aos locais preferenciais para
cionais e cemitérios, os quais estariam, na sua ocorrência dos sítios da Tradição Descalvado é
maioria localizados sobre barrancos do rio que os mesmos não estão restritos às margens do
Paraguai e alguns sítios com sepultamentos rio Paraguai. Os trabalhos de levantamento e as
secundários instalados em aterros. escavações realizadas durante o desenvolvimen
O que os trabalhos do PSAGBM, entre to desse projeto ampliaram o conhecimento que
outros aspectos, ilustraram, até o momento, no se tinha até então, mostrando que esses sítios se
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fizeram presentes, tanto na área rural de termos de morfologia esses sítios seriam
Cárceres (sítio Serra da Chapadinha 2, na lineares e paralelos às margens de grandes
estrada para Barra do Bugres), distante da rios. Outra contribuição ao melhor conheci
margem esquerda do rio Paraguai, como na mento da Tradição Descalvado foi a descober
área do riacho São Sebastião, afluente direito ta de objetos cerâmicos antropomórficos,
do médio curso do rio Jauru, ou seja, afasta carimbo, novos formatos de recipientes e
dos das margens de um grande rio. Este é o alguns tipos de adornos, que no futuro
caso também do Sítio Facão, em Cáceres. Isso servirão para uma melhor caracterização dessa
sugere uma reconsideração da idéia de que em tradição.
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A extensão dos sítios localizados pelo do Jauru não foi visitada durante o primeiro
PSAGBM e considerados como sendo filiados século da colonização. Assim, é possível supor
à Tradição Descalvado, sobretudo aqueles que a dispersão das tribos chiquitanas orientais,
situados na região do rio Jauru, mostrou que antes da colonização, poderia abranger o
estes sítios correspondem a grandes aldeias de território brasileiro entre San Matias e o rio Jauru,
índios ceramistas, agricultores, tecelões e ou mesmo as margens do Paraguai, nas proximi
portadores de complexas manifestações sócio- dades de Cáceres, mesmo não tendo os atuais
culturais. Chiquito da região, traços culturais que permitam
Os resultados obtidos com os trabalhos de a sua associação direta aos sítios arqueológicos
resgate contribuíram para o aprofundamento pesquisados.
de uma abordagem científica da realidade Várias questões permanecem abertas. É
arqueológica do Alto Paraguai, pois permitiram necessário ressaltar que as escavações
a aquisição de uma expressiva amostra de realizadas durante o desenvolvimento do
itens integrantes da cultura material de popula PSAGBM ficaram limitadas, precisamente, à
ções instaladas pretéritamente nessa região e área impactada pela obra, o que, portanto, não
hoje desaparecidas. Considerando-se que não permite generalizações no tratamento de
havia nenhum conhecimento anterior referente problemáticas tais como: Há relação da
a esse contexto (médio curso do Jauru), o Tradição Descalvado com os índios Chiquito
trabalho aí desenvolvido permitiu levantar uma pré-coloniais? Qual a relação dos Chiquito de
série de problemas a serem considerados em San Matias com a realidade arqueológica do
pesquisas futuras. Foi ainda possível estabele médio curso do rio Jauru? Há relação dos
cer uma relação arqueológica com os outros índios Chiquito das Missões de Santana, San
sítios existentes na área influenciada pela Miguel, Santo Ignácio e San Rafael, as quais
bacia do rio Jauru, em seu médio curso, os estão localizadas a uma distância não superior
quais também foram identificados pelo PSAGBM, a 250 quilômetros dos sítios do rio Jauru, com
porém fora da faixa do gasoduto e, por isso, os vestígios arqueológicos registrados em San
não escavados. Matias e no Jauru? Como explicar a origem e
O etnônimo Chiquitos é um produto da extinção dos índios Bororo da região entre San
visão geopolítica colonial ibérica que resume e Matias e Cáceres? Existe cerâmica Descalvado
camufla a diversidade e complexidade étnica no oriente boliviano, além de San Matias, ou
existente em uma região de grande significado ao norte de Cáceres, ou ainda na cabeceira do
geográfico e arqueológico, isto enquanto área de rio Jauru? Os índios Otuke, que segundo
confluência ou dispersão de culturas indígenas. alguns autores teriam alguma relação lingüísti
Na realidade Pré-colonial não havia o contorno ca com os índios Bororo, e que, ainda no
fronteiriço que, no presente, caracteriza a começo deste século, viviam nas proximidades
Província de Chiquitos como uma área cultural da ferrovia entre Corumbá e Santa Cruz de La
indígena do oriente boliviano (Etnoconjunto Del Sierra, poderiam também ter ocupado a região
Oriente). A pluralidade de grupos indígenas era do rio Jauru, sendo antepassados dos Bororo
tão expressiva que possivelmente o território Ocidentais os quais foram citados por viajan
utilizado por esses grupos deveria ser bem mais tes no século XIX?
extenso do que o definido a partir do Período As interrogações, no momento superam em
Colonial. Os relatos dos cronistas do século XVI muito as respostas. Pesquisas arqueológicas no
e início do XVII nada informaram sobre a oriente boliviano são fundamentais para clarear
realidade etnográfica da área entre a barra do esses problemas, no entanto, a região chiqui-
Jauru e o Alto Paraguai. As expedições espanho tana é uma área ainda pouco conhecida pela
las, antes de adentrarem no Chaco, tinham o arqueologia boliviana que concentra suas
Porto de Los Reys, ao sul da lagoa Gaíba, como ações, até o momento, de forma mais intensa,
meta setentrional, ou seja, toda a área da bacia sobre a problemática andina.
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Mato Grosso. R evista do M useu de A rqu eologia e E tnologia, São Paulo, 10: 121-143, 2000.
MARTINS, G.R.; KASHIMOTO, E.M. Archaeology o f the Jauru River (MT) context,
impacted by the Bolivia-M ato Grosso gas pipeline. R evista do Museu de A rqueo
logia e E tnologia, São Paulo, 10: 121-143, 2000.
Referências bibliográficas
141
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143
Rev. do M useu de A rqu eologia e Etnologia, São Paulo, 10: 145-161, 2000.
NATURA MORTA*
R o lf Winkes**
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WINKES, R. Natura M orta. R evista do Museu de A rqueologia e E tnologia, São Paulo, 10: 145-161, 2000.
isolados, mas sim como parte da decoração de folhas já murcharam um pouco, indicando que o
uma parede inteira e pretendem ser interpreta processo da morte já se iniciou. Para reforçar o
dos no contexto de um esquema decorativo ponto, a maçã da frente exibe um buraco de
completo. Ambos, Caravaggio e a natureza- bicho-de-maçã e nós sabemos que, caso abrísse
morta da Campânia, podem nos relembrar do mos a fruta, provavelmente a encontraríamos em
aspecto transitorio da vida, mas em um caso é parte, se não totalmente, estragada. Com essas
o ambiente de um cenário epicureano que insinuações acerca da morte, Caravaggio escolhe
conduziu a essa representação e no outro foi a um tema que encontramos desde o início na
tradição da linguagem figurativa cristã. natureza-morta holandesa.
Há outras diferenças básicas: enquanto Esta é uma insinuação que todo esse
sabemos o nome do pintor renascentista, esplendor irá passar e desaparecer por completo.
raramente sabemos o nome de um artista romano. Esta é uma técnica artística que se origina de um
Mesmo que os afrescos da Campânia possam conceito cristão cuja tradição se iniciou já na
ocasionalmente nos impressionar como obras- Idade Média: a vanitas. Uma das representações
primas dignas de um mestre, estes não eram em mais populares desse tema é a natureza-morta na
sua maioria pintados pelos artistas mais impor qual um crânio faz parte da composição (Milman
tantes da época. Naturezas-mortas não reprodu 1982: 66, Monneret 1993:116, Bryson 1990: 131)
zem necessariamente grandes obras originais. (Fig. 2). Encontramos crânios em algumas
Alcançamos, através de fontes literárias e do naturezas-mortas não apenas em conexão com
contexto no qual a decoração das paredes se alimentos mas também com objetos que sugerem
insere, um entendimento relativamente preciso atividade intelectual. E ainda, apesar de toda
do seu significado. E este é consideravelmente essa erudição, não há escapatória. Na Holanda, a
diverso do significado das naturezas-mortas do natureza-morta parece sempre ter uma outra lição
período posterior italiano e das naturezas-mortas a ensinar além da observação da natureza. Por
holandesas. Vários trabalhos acadêmicos exemplo, a sabedoria cristã era baseada na
recentes auxiliam a compreensão da natureza- vigilância como São Mateus (25,1 - 3) descreve
morta holandesa em particular e mostram na parábola das virgens sábias e tolas. A partir
existirem diferentes níveis de significado que não daqui o tema dos cinco sentidos decola na
são necessariamente excludentes. natureza-morta holandesa. Uma continuação do
Por exemplo, no quadro de Caravaggio de tema do olfato na exposição dos cinco sentidos
1596, Cesta de Frutas, atualmente na Pinacoteca na natureza-morta é a natureza-morta com motivo
Ambrosiana em Milão (Bryson 1990: 68), a de flores. No entanto, existem também outros
natureza-morta está inserida em um espaço que é aspectos a considerar.
consideravelmente diferente não apenas do A representação exuberante de flores é um
exemplo da Campânia mas também da representa dos temas prediletos da natureza-morta holande
ção do objeto no espaço na sua própria época, sa. Encontramos vários buquês per se, sempre
quando panoramas e cenários facilmente agregando uma grande variedade de flores (Fig.
discemíveis eram as técnicas usuais e todas as 3). Além de se situar na tradição do motivo do
pessoas e objetos podiam ser posicionados em olfato, as flores também poderiam ser interpreta
um espaço claramente definido. Vemos aqui uma das, é claro, como parte do banketje e serem,
cesta de vime com frutas, diante de um fundo assim como a opulenta exibição de comida no
amarelo indefinido, sobre uma linha que poderia banketje, uma expressão do nível de vida que se
ser uma tábua, o beirai de uma janela ou algum experimentava na época na Holanda. Além disso,
outro objeto que não pode ser identificado as flores representadas não são aquelas que se
claramente pelo espectador. Apesar de o vime e a podia colher no jardim. Estas variedades de flores
parte de trás das folhas de parreira mostrarem não podiam ser vistas em muitos jardins holande
que a luz incide sobre a cena pela esquerda e ses da época. Eram, entretanto, encontradas nos
pela frente, não vemos sombras. Todos esses Jardins Botânicos e havia um grande interesse no
detalhes fazem com que a atenção do espectador aspecto científico das flores (Segai: 186-187). A
seja assim concentrada na cesta de frutas. tulipa foi levada da Turquia para a Holanda em
Apesar de as frutas parecerem frescas, algumas 1573 (Taylor 1995: 2) e muitas outras flores fizeram
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W INKES, R. Natura M orta. R evista do Museu de A rqu eologia e E tn ologia , São Paulo, 10: 145-161, 2000.
Fig. 1 - Caravaggio, Cesta com Frutas, 1596. Biblioteca Ambrosiana. (Propriedade da Biblioteca Ambrosiana, Milão. Todos os
direitos são reservados e proibidas outras reproduções).
WINKES, R. Natura M orta. R evista do Museu de A rqueologia e E tn ologia, São Paulo, 10: 145-161, 2000.
Fig. 2 - Jacob II de Gheyn, Vanitas, 1621. Yale University Art Gallery, Presente dos Associates in Fine Arts (permissão para
reprodução deve ser solicitada por escrito).
WINKES, R. N atura M orta. R evista do M useu de A rqu eologia e E tn ologia, São Paulo, 10: 145-161, 2000.
parte dos itens colecionados quando se explora cenas de mercado do século XVI nos quadros de
vam e se colonizavam países em cantos distantes Pieter Aertsen. Falkenburg as chamou de retórica
do mundo. O buquê é, assim, quase um estudo visual e comparou os alimentos representados
científico e, novamente, uma alusão à abundância com evidências dos alimentos consumidos na
obtida graças ao vitorioso comércio holandês. época. Essas evidências surgiram do exame de
Esses tipos de flores podiam ser vistos e estuda sementes e resíduos de plantas encontrados em
dos nos Jardins Botânicos Reais, aonde eram fossas que foram escavadas. Os alimentos na
obviamente estudados pelos artistas e a cuja natureza-morta de Aertsen eram uma alusão ao
variedade não reflete razões artísticas. Encontra comportamento mundano dos camponeses,
mos obras de referência que nos ensinam detalha onde aspectos libidinosos são inerentes não
damente sobre a flora. apenas às mercadorias mas também a quem as
Nos anos que se seguiram à Guerra dos vende. Aertsen favorece as composições
Trinta Anos, encerrada com a Paz de Westfalia “grosseiras”, cuja utilidade é a de demonstrar o
em 1648, a maioria da população holandesa subjacente “domínio das convenções e das
experimentou um alto nível de vida, como nunca regras da arte” (Falkenburg 1996: 23).
antes visto. Dessa época em diante encontramos A natureza-morta não foi sempre considera
a natureza-morta. A vida representada nesses da uma forma de arte elevada; mesmo no tempo
quadros é a vida dos burgueses, da burguesia, de Caravaggio esta não era normalmente vista
que foi a maior beneficiada pela nova riqueza e como uma obra digna de um artista célebre. Se
que substituiu a sociedade aristocrática anterior. analisarmos o famoso período da natureza-morta
O burguês gosta de mostrar que leva uma holandesa, verificamos, no entanto, que esta não
vida tão esplêndida quanto aquela de um estava na dianteira do establishment artístico, do
aristocrata e, assim, temas aristocráticos, como qual, aliás, as mulheres estavam em sua maioria
alusões a caçadas, são introduzidos na icono excluídas. Havia, entretanto, um número conside
grafia. Burgueses, e não mais somente nobres, rável de mulheres que pintava naturezas-mortas.
participavam de caçadas e possuíam áreas de A maioria, no entanto, nunca chegou a expor seu
caça. As naturezas-mortas incluem não apenas trabalho nas exibições das sociedades artísticas
iguarias como frutas, carnes, frutos do mar e e essa situação se manteve por várias gerações.
sobremesas, mas também a suntuosa exibição de No virar do século vinte, detectamos
recipientes de metais variados e de porcelana. E, elementos de natureza-morta no Quarto Vermelho
em breve, os próprios recipientes poderiam ser de Matisse, um quadro atualmente no Hermitage
decorados com natureza-morta alusória a suas (Gardner 1985: 958). Ainda assim, o tema princi
funções, como podemos ver nas porcelanas do pal do quadro é o espaço propriamente dito.
acervo do Museu Paulista. Os burgueses tinham Matisse, por outro lado, toma a mulher o
meios para possuir tais objetos preciosos e a principal e único soberano deste espaço. E ela
exposição destes se tomou inerente a sua não está mais exilada na cozinha: é a mesa que
expressão de auto-estima, sucesso e orgulho. está sendo posta que é mostrada aqui, é o
Embora seja claro por parte do contexto da equivalente ao banketje. O peso da história
natureza-morta, e certamente por outros contex relativa ao envolvimento com o espaço domésti
tos, que os alimentos e a cozinha eram vistos co permanece um assunto de interesse para
como parte do domínio feminino, muitas nature artistas como Cézanne (Bryson 1990: 164-165).
zas-mortas mostram objetos que sugerem Ele escolhe usar, além do tema vanitas, nature
sucesso masculino ou atividades masculinas zas-mortas representando maçãs nas quais o
como a caça. Como demonstrou Bryson, os ambiente é obscuro e não influi em nada, nem há
artistas gostam de associar símbolos masculinos qualquer ênfase no sucesso e no papel masculi
com a extravagância das representações; cenas nos. Podemos observar o mesmo nas obras de
de cozinha menos elaboradas permanecem na Braque e Picasso (Bryson 1990: 85).
esfera feminina (Bryson 1990: 136-178) (Fig. 4). Depois desse tour de force com ênfase na
Mais recentemente, Falkenburg investigou a natureza-morta holandesa, gostaria de retornar
natureza-morta em um ambiente diferente: a para a natureza-morta romana a qual, como já
exuberante representação de alimentos nas citei, é freqüentemente comparada com e
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W INKES, R. Natura M orta. R evista do Museu de A rqueologia e Etnologia, São Paulo, 70: 145-161, 2000.
Fig. 3 - Abraham Mignon, Bouquet de flores com relógio de bolso, 1670. D ire ito s de
rep rodu ção H erzog Anton Ulrich-M useum , B raunschweig.
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WINKES, R. N atura M orta. R evista do Museu de A rqu eologia e E tn ologia, São Paulo, 10: 145-161, 2000.
Fig. 4 - Adriaen van Niedland, Natureza-morta de grande cozinha, 1616. Direitos de reprodução Herzog Anton Ulrich-
151
Museum, B rau n sch w eig.
WINKES, R. Natura M orta. R evista do Museu de A rqu eologia e E tn ologia, São Paulo, 70: 145-161, 2000.
interpretada da mesma maneira que a natureza- Dessa maneira, aqueles que viajavam ficavam
morta holandesa pela maioria dos académicos. hospedados com o se estivessem na sua própria
casa, podendo viver nesses apartamentos com
No entanto, essa comparação só pode ser feita
privacidade e em total liberdade.
para alguns elementos.
Em um trabalho anterior (Winkes 1983: 237), Também são citadas as descrições de
agrupei as naturezas-mortas da Campânia em Filostrato-o-Velho, do final do segundo ao
três tipos de acordo com o assunto. Elas início do terceiro século d.C. (Eikones II, 26,
mostram: Xenia ):
1. Alimentos para o consumo humano A lebre dentro da jaula é um prêmio da rede
do caçador. Ela está sentada nas patas traseiras,
(Fig. 5)
movendo delicadamente suas patas dianteiras, e
2. Animais vivos, peixes ou aves vagarosamente erguendo as orelhas; mas ela olha
3. Objetos ao redor tão atentamente quanto pode, e deseja
4. Oikos asaratos. Relacionados de que pudesse ver também o que está por detrás dela,
uma certa maneira, embora não façam parte por causa de suas dúvidas e medo constante. Outra
lebre foi pendurada em um carvalho envelhecido,
dos afrescos, estão os mosaicos que
com a barriga dilacerada e [sua pele] puxada sobre
decoram o chão de algumas salas de jantar
as patas traseiras; ela é um testemunho da rapidez
e que mostram as sobras após uma do cachorro, que senta sob o carvalho descansan
refeição e antes de o chão ser varrido. do e mostrando que ele pegou a lebre sem ajuda
Sabemos como estes mosaicos eram alguma. E quanto aos patos que estão perto da
chamados, oikos asaratos, e também quem lebre (conte-os, há dez deles) e aos gansos, dos
quais há o mesmo número que o de patos, não é
é suposto tê-los criado, Sosos de Pér-
necessário apertá-los. Já que neles a parte ao redor
gamo. do peito, onde nas aves aquáticas há mais gordura,
foi completamente arrancada. Se você gosta de
As naturezas-mortas romanas foram
filões de pão crescido ou de filões de oito partes,
chamadas de xenia por quase todos os eles também estão por perto na cesta funda.
acadêmicos, já que as descrições feitas pelos Agora, se você sente necessidade de uma refeição
autores da antigüidade parecem, à primeira elaborada, você tem esses mesmos pães - já que
vista, se referir ao tipo de representação que estes foram temperados com funcho e salsa e
encontramos nos afrescos da Campânia. também com sementes de papoula, que é o
tempero do sono - e se você deseja um [segundo]
Mesmo Bryson, que apresentou excelentes
prato, submeta-se nesse respeito aos cozinheiros,
análises da natureza-morta holandesa, parece e se volte para a comida que não precisa ser
estar de alguma maneira influenciado por preparada. Por que, por exemplo, não se serve das
visões tradicionais das fontes da antigüidade frutas maduras, das quais há uma pilha alta na
(Bryson 1990: 17-22). É normalmente citado um outra cesta? Não percebe que em pouco tempo
famoso trecho de Vitrúvio De Architectura (VI, não as encontrará mais nas mesmas condições,
mas que elas já terão perdido sua frescura? E não
7,4):
despreze as sobremesas, especialmente se você
Eles erguem, à direita e à esquerda desses gosta ao menos um pouco do fruto da árvore de
ed ifícios com peristilo, outras casas menores, néspera e das bolotas de Zeus [castanhas doces], as
com portas privativas e contendo salas e quartos quais aquela árvore tão lisa produz em uma casca
muito confortáveis, destinados a receber os espinhuda - um problema para descascar. Deixe que
estrangeiros, os quais não eram hospedados nos até o mel seja posto de lado, já que temos à mão
apartamentos do peristilo. Porque entre os este palathe (ou como quer que seja que queira
gregos, aqueles que eram ricos e grandiosos chamá-lo). Este é, com certeza, um doce delicioso.
possuíam apartamentos com todas as com odida Suas próprias folhas o envolvem, dessa maneira
des reservados para receber aqueles que tinham acrescentando uma atrativa frescura ao palathe.
vindo de longe para se hospedarem com eles. O Acredito que essa pintura transmita ‘presentes de
costume era que somente no primeiro dia eles os anfitrião’ [xenia] ao senhor da fazenda. Ele está se
recebiam à sua mesa; depois disso eles lhes banhando e talvez imagine o vinho de Pramne ou
enviavam todos os dias um presente que consistia de Thasia. Mas está ao alcance dele tomar o vinho
de coisas recebidas do campo, com o galinhas, verde doce que está sobre a mesa, o resultado disso
ovos, ervas e frutas. D isto vem que, os pintores sendo que, ao voltar à cidade, ele irá rescender a
que reproduziam essas coisas que comumente se uvas esmagadas e ócio e poderá arrotar diante das
enviavam aos hóspedes, as chamaram Xenia. pessoas da cidade.
152
Fig. 5 -Ainé, R. Herculano e Pompéia, Coleção Geral das Pinturas, Bronzes, Mosaicos, etc., vol. I, 1863, Pranchas 4, 5. Fotos Ms. Brooke Hammerle.
WINKES, R. N atura M orta. R evista do Museu de A rqu eologia e E tn ologia, São Paulo, 10: 145-161, 2000.
WINKES, R. Natura M orta. R evista do Museu de A rqueologia e E tnologia, São Paulo, 10: 145-161, 2000.
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WINKES, R. N atura M orta. R evista do Museu de A rqu eologia e E tn ologia , São Paulo, 10: 145-161, 2000.
a cozinha portátil que acompanhava o sofistica suficiente que seu livro seja capaz de esclarecer
do Túlio em público (Horácio, Sermonum: I, VI, e substanciar alguns pontos básicos. Encontra
16). E então há as pinturas nas quais animais mos várias receitas para o preparo de galinhas e
vivos aparecem, o que levou Eckstein a clas lebres. Encontramos receitas para o preparo de
sificá-las como estudos naturais. Alguns dos patos e aves de caça. O pavão aparece com
animais representados têm os pés amarrados, bastante freqüência nos afrescos da Campânia
há um lagostim morto e um polvo junto a uma e talvez possa, em alguns exemplos, simbolizar a
oinochoe (jarra de vinho). Estas são referências vida após a morte, mas também pode ser
a uma receita de peixe e, como os animais com entendido como uma referência à comida.
os pés amarrados, devem ser interpretados Marcial (XIII: Epigram LXX) admira a beleza do
como animais destinados à alimentação. pavão e considera cruel o homem que o entrega
Realmente, a pintura com a ave morta, frutas no para o cozinheiro insensível. Trimalcião no
peitoril da janela e uma lebre mordiscando uvas Satiricon não tem nada mais profundo a
dão - à primeira vista - a impressão de uma acrescentar que seu verso que afirma: o pavão
mistura entre natura morta e pintura de gênero. espera a morte em sua gaiola para agradar ao
O mesmo parece ser o caso nas muitas pinturas paladar romano. Juvenal (Sat.: I, 143) escreve
nas quais galos, galinhas ou outras aves que aquele que entra nas termas depois de
domésticas mordiscam uvas ou maçãs. Entre comer pavão em demasia é punido pela refeição
tanto, a narrativa deveria nos alertar: sabemos pesada. Mesmo papagaios não são excluídos
que galinhas ou lebres normalmente não da mesa romana, e uma receita destes utiliza os
mordiscam uvas ou maçãs. Columella menciona mesmos ingredientes que uma outra para
a dieta apropriada para pequenos animais como flamingos. Mesmo que uma receita para o
a lebre. Esta consistia de sementes de grãos, preparo de doninhas não seja mencionada, não
chicória selvagem, alface e ervilhas púnicas, as devemos esquecer que o rato do campo era
quais, principalmente para os animais jovens considerado uma iguaria. Do mesmo modo que
que não se dão bem com rações secas, deveri a galinha era uma parte predileta da alimentação
am ser deixadas de molho na água. Ele escreve romana, também o eram as frutas. Uma pintura
que galinhas deveriam ser alimentadas com no Museu Nacional de Nápoles é particular
milhete, cevada, ervilhas, farelo de trigo e trevo, mente interessante: um galo de pés atados está
mas previne quanto à utilização de cascas de deitado ao lado de um pinhão e um pouco de
uvas. Cascas de uvas deveriam fazer parte da erva ou verdura (Fig. 8). Atrás do galo, no alto
ração no período do ano em que elas não de um degrau, há um ovo e um cyathos apoia
estivessem botando ovos. Lendo Columella, do. A faca à direita frisa o destino do galo. Uma
parece pouco provável que os animais estejam receita chamada Galinha a La Varro em Apicius
comendo nos afrescos o que eles costumavam {De re coq. VI, IX, 11) é lida como se segue:
comer normalmente. Claro que isso poderia ser
uma referência divertida ao fato de os animais Pullum coques iure hoc: liquamine, oleo,
uino <cui mittis> fasciculum porri, coriandri,
estarem fazendo uma travessura e, sendo assim,
satureiae. Cum coctus fuerit, teres piper, núcleos
este tipo de narração poderia derivar realmente ciatos duos et ius de suo sibi suffundis (et
da pintura de gênero. Porém, uma doninha fascicules proicies), lac temperas. Et reexinanies
mordiscando uma noz pede uma explicação já mortarium supra pullum, ut ferueat. Obligas
que este é um animal carnívoro. Um exame mais eundem albamentis ouorum tritis, ponis in lance
cuidadoso confirmará que apenas alguns et iure supra scripto perfundis. Hoc ius candidum
appelatur.
elementos de narrativa são usados nas compo
sições destinadas ao consumo. Podemos Cozinhe uma galinha dessa maneira: em um
descobrir isso através de Apicius e de outros caldo de garu m , óleo e vinho suave, junto com
um buquê de alho-poró e coriando. Depois de
autores que descrevem hábitos culinários.
cozida, pegue pimenta, o centro de dois pinhões,
Apicius é ainda mais útil já que ele é contempo o caldo em que se cozinhou a galinha (rem oven
râneo das naturezas mortas da Campânia. E do o buquê) e acrescente leite. Ponha essa
possível que Apicius seja uma compilação de preparação sobre a galinha e deixe ferver. Pique
várias fontes sob um mesmo nome, mas é as claras de ovo, ponha em um prato e acrescen-
155
W INKES, R. Natura M orta. R evista do Museu de A rqu eologia e E tn ologia , São Paulo, 10: 145-161, 2000.
Fig. 6 - Ainé, R. Herculano e Pompéia, Coleção Geral das Pinturas, Bronzes, Mosaicos,
etc., vol. V, 1872, Prancha 48. Foto Ms. Brooke Hammerle.
156
W INKES, R. N atura M orta. R evista do Museu de A rqu eologia e E tn ologia, São Paulo, 10: 145-161, 2000.
Fig. 7 - Ainé, R. Herculano e Pompéia, Coleção Geral das Pinturas, Bronzes, Mosaicos, etc., vol. V, 1872, Prancha 50. Foto Ms.
157
Brooke Hammerle.
WINKES, R. N atura M orta. R evista do M useu de A rqueologia e E tn ologia, São Paulo, 10: 145-161, 2000.
Fig. 8 - Ainé, R. Herculano e Pompéia, Coleção Geral das Pinturas, Bronzes, Mosaicos,
etc., vol. I, 1863, Prancha 9. Foto Ms. Brooke Hammerle.
158
W INKES, R. Natura M orta. R evista do Museu de A rqu eologia e E tn ologia, São Paulo, 10: 145-161, 2000.
te o m olho explicado acima. Este é chamado de cita vários tipos de tábuas de escrita, caixas de
m olho branco. marfim ou madeira para guardar dinheiro, uma
caixa de stylos, uma estante para livros e um
Este afresco poderia ser uma ilustração
Virgilio em pergaminho. Muitos outros também
para o livro de receitas de Apicius caso tais
são mencionados. Eles incluem pássaros como
ilustrações existissem como nos livros de
um papagaio, um corvo ou um rouxinol. Para
receitas modernos, o que não acontecia.
onde quer que viremos, tudo parece apontar
Parece claro pela evidência que as nature
para costumes culinários contemporâneos.
zas-mortas com objetos misturados se basea
Eles simbolizam - como no caso das naturezas-
vam na comida consumida na época, na
mortas holandesas - a riqueza. Porém, no caso
cozinha contemporânea. Entretanto, este
holandês, eram a expressão de uma riqueza
fenômeno poderia ser examinado sob um outro
vivenciada pelos burgueses que encomenda
ponto de vista. Certamente não tem o mesmo
vam essas pinturas. As naturezas-mortas
significado da natureza-morta holandesa, já
refletiam, até um certo ponto, a realidade das
que Horácio considerava luxuosas comidas suas vidas, mas também incorporavam vários
tais como ostras lucrine, aves africanas ou outros significados que aludiam à inteligência
faisões jônicos (Epode II, 49 ff.). A quinta do criador. Elas às vezes serviam como uma
sátira de Juvenal é repleta de comparações expressão do interesse científico, como no
entre a comida do homem de sociedade e a caso dos buquês de flores, ou aludiam a ou
comida daqueles das classes mais baixas. Na eram comparadas a uma tradição existente de
sua décima primeira sátira se encontra a virtudes cristãs. Afrescos romanos com
descrição dos pratos dos serviços de mesa e representações arquitetônicas devem, pelo
de outros objetos que rodeiam a mesa de menos até a época de Augusto, ser entendidos
jantar. Os comerciantes de Pompéia eram como uma cópia embelezada da arquitetura
consideravelmente prósperos em comparação contemporânea. Este tratamento particular do
com comerciantes em outras partes do Império tema surgiu em conexão ao renascimento do
e certamente em comparação com a maioria das epicurismo no Golfo de Nápoles, onde a
pessoas que não pertenciam à aristocracia. A aristocracia vivia uma vida de ócio, longe da
maior parte das pessoas comia muito pouco, agitação de Roma, longe do negotium. Este é o
não possuía uma cozinha e fazia as refeições contraste entre vida contemplativa e vida
na popina esquina. Cozinhas eram raras nos ativa; o aristocrata possuía ambas. Referências
prédios de apartamento em Óstia. Assim como ao epicurismo é o paralelo na antigüidade das
as referências a xenia se referiam à comida e alusões holandesas às tradições cristãs.
aos hábitos dos ricos, as receitas de Apicius e Mesmo que as naturezas-mortas nas duas
a comida representada nas naturezas-mortas culturas sejam aparentemente muito parecidas,
da Campânia são um reflexo de um estilo de elas são em essência muito diferentes. En
vida abastado. Juvenal considera Apicius a quanto os holandeses eram precisos e meticu
personificação da gula (Sat. XI, 2-3). São raras losos no seu interesse científico, os romanos
as naturezas-mortas apenas de objetos, da Campânia eram detalhistas nas suas
pintados do mesmo modo que poderiam ser referências aos costumes culinários contempo
vistos na casa de uma pessoa abastada; estas, râneos. Na arquitetura romana ilusionista era
porém, também se referem aos hábitos culinári representada uma arquitetura contemporânea
os já que mostram pratos e taças. Entretanto, que agradava ao comerciante mas que este não
há ainda o fenômeno da representação de podia ter e, por isso, decorava sua casa com
tábuas de escrita e instrumentos. Deverão ser esta ilusão. A comida aqui representada
interpretados como os livros nas naturezas- estava, da mesma maneira, fora de seu alcance,
mortas holandesas, que pretendem evocar o era um sonho. Só pessoas vulgares como
tema da vanitasl Certamente não. Marcial Trimalcião adotavam o comportamento
(Epigram XIV) nos fornece uma lista de inadequado para uma pessoa da sua classe e
apophoreta. Estes são presentes que os ofereciam jantares que podiam rivalizar em
convidados podem pegar e levar para casa. Ele abundância com os jantares da aristocracia.
159
W INKES, R. Natura M orta. R evista do Museu de A rqueologia e E tn ologia, São Paulo, 10: 145-161, 2000.
160
W INKES, R. N atura M orta. R evista do M useu de A rqu eologia e E tn ologia, São Paulo, 10: 145-161, 2000.
Referências bibliográficas
161
Rev. do Museu de A rqueologia e Etnologia, S. Paulo, 10: 163-174, 2000.
SELOS-CILINDROS MESOPOTÂMICOS
- UM ESTUDO EPIGRÁFICO
167
POZZER, K.M.P. S elos-cilin d ros m esopotâm icos - um estudo epigráfico. R evista do M useu de A rq u eo lo g ia e
E tn ologia, São Paulo, 10: 163-174, 2000.
homem de negócios, na cidade de Larsa, daqueles que chegaram até nós, pois, como
localizada na Baixa Mesopotâmia, no período sabemos, os envelopes conservam-se com
paleobabilônico situado entre 1.822 e 1.763 a.C. maior dificuldade.
Nosso propósito é determinar as ligações No reino de Larsa, os contratos conti
sociais existentes entre os indivíduos e compre nham uma cláusula referente aos selos - kisib
ender, dentro dos limites de nossas fontes, as lú-inim-ma-bi-mes íb-ra ou, simplesmente,
razões da utilização desse tipo de prática. kisib-a-ni íb-ra, cuja tradução é “o selo das
Em seu estudo sobre os selos da época testemunhas foi aposto” ou “o selo foi
paleobabilônica, Leemans (1982: 221) estabele aposto”. Essas fórmulas colocam em destaque
ceu que eles podiam ter as seguintes funções: o papel das testemunhas no negócio, o qual
pode ser interpretado como um reforço da
1. indicar a propriedade de alguma coisa,
autenticação do ato econômico. De fato,
2. proteger alguma coisa contra infrações,
3. certificar a qualidade, o peso, a medida ou o quanto mais impressões de selos de testemu
conteúdo de alguma coisa, nhas houvesse, mais difícil seria contestar o
4. identificar o portador de um selo no senti documento, ainda mais que essas testemunhas
do b ou indicá-lo com o representante, desfrutavam, geralmente, de uma importante
5. dar conhecimento do fabricante ou expedi posição social.
dor de alguma coisa,
Quando o documento era selado por
6. confirmar um escrito - contrato, declara
ção, carta etc. - seja em lugar ou ao lado da assina uma das partes contratantes, esta era quem,
tura, pelo contrato, renunciava a um direito ou
7. autenticar um escrito, às vezes, coincidin assumia uma obrigação. Era, assim, o benefi
do com 6, ciário da transação que apunha seu selo no
8. aprovar um ato por uma p essoa ou uma caso dos recibos de prata ou de bens, o
autoridade,
devedor que o fazia no caso de empréstimos e
9. indicar (provar) a presença de alguém a um
o vendedor, no de vendas.
ato.
Sabemos, também, que os selos pessoais
Deduzimos, pois, que o selo aposto a um podiam ser transmitidos de uma geração a
contrato tinha, por finalidade, autentificar o outra e que o filho mais velho herdava o
documento. direito de utilizar o selo de seu pai após a
Na época de Isin-Larsa (2.004-1.792 a.C.), a morte deste (Charpin 1990: 62).
maioria dos contratos eram selados pelas Entre os selos presentes em nossa docu
testemunhas, encontrando-se apenas algumas mentação, pudemos reconhecer três tipos,
raras exceções, nas quais o próprio proprietá conforme a classificação estabelecida por Gelb
rio do selo era uma das partes contratantes, a (1977: 117): pessoais, bur-gul e de inscrições
exemplo do que era o usual nos tempos de Ur religiosas. Os primeiros caracterizam-se pela
BI (2.112-2.004 a.C.). presença de três linhas, a saber-se, “nome
Os contratos eram redigidos do ponto de próprio” (NP), “filho de [segundo nome
vista do comprador e não das testemunhas, próprio]” (NP2), “servidor de [nome de divin
como o afirma Renger (1977: 75), uma vez que dade]” (ND). Os segundos, em geral, não
esses documentos tornavam-se o título de apresentam iconografia; o proprietário é,
propriedade do adquirente (Charpin 1985: 20). simplesmente, identificado através da fórmula
Por sua vez, os selos eram apostos, na maioria “NP filho de NP2” e as inscrições consistem em
das vezes, sobre o envelope3 e não sobre o sinais maiores e gravados mais grosseiramen
tablete, o que explica o reduzido número te, tratando-se de selos confeccionados
especialmente para determinada ocasião
(Whiting 1977: 67). Os últimos selos compor
tam, freqüentemente, duas linhas (ND, ND2),
(3) O envelope tinha por função a proteção do sobre cada uma das quais está escrito um
tablete. Após a secagem do tablete, ele era recoberto
nome divino.
com uma fina camada de argila m ole onde se inscrevia
um resumo do conteúdo do tablete, se fazia o
Charpin (1990: 72-74), que, em seu estudo
“endereçam ento”, no caso de tratar-se de uma carta, das inscrições dos selos-cilindros de diversas
e se apunha o selo-cilindro. famílias babilónicas, interessou-se pelo
164
POZZER, K.M.P. S elos-cilin d ros m esopotâm icos - um estudo ep igráfico. R evista do M useu de A rq u eo lo g ia e
E tn o lo g ia, São Paulo, 10: 163-174, 2000.
selos a) dEN.Z\J-e-ri-ba-am
Sêp-Sin foi um importante mercador,
ir dnin-subur
segundo vasta documentação oriunda da
cidade-estado de Larsa (Anbar 1975 e 1978).
b) dnin-subur
Ele praticou compra e venda de terrenos e
[x x]-an-na
campos, de escravos, mas se especializou no
empréstimo de prata. Analisaremos em seguida
''5 Ili-gimlanni, é o seu nome, Sêp-Sin
alguns destes documentos,4 que consideramos
recebeu em filiação dele mesmo. Ele o tomou
representativos da diversidade deste dossiê.
seu herdeiro. 6 /2 No futuro, se Ili-gimlanni
Os arquivos de Sêp-Sin contêm vários docu
disser à Sêp-Sin, seu pai: “tu não és meu pai”,
mentos selados. Assim, o documento n° 1
ele será vendido (como escravo). ,3'17 E se Sêp-
(YOS VIII, 120) é um contrato de adoção,
apresentando dois selos. Sin disser à Ili-gimlanni: “tu não és meu filho”,
ele perderá seu direito sobre a casa e os bens.
18-20 Eles juraram por Sin, Sarnas e o rei Rlm-Sin.
N° 1 (20/IX/RS 39)
2I'26 Diante de Sin-iribam, cozinheiro, diante de
1i-lí-gi-im-la-an-ni mu-ni
Sapriya, jardineiro, diante de Samas-etir,
2 ki ní-te-na
jardineiro, diante de Ana-panI-ili, escriba. O
'se20-ep-AEN.ZU
selo das testemunhas foi aposto.
4 nam-dumu-ni-sè su ba-an-ti a) Sin-eribam, servidor de Ilabrat;
nam-ibila-ni-sè in-gar b) Ilabrat, [xx]-anna
6 u-kúr-sè
4
u 4-na-me-a-ak
tukum -bi Este texto é um típico contrato de adoção,
8 1i-lí-gi-im-la-an-ni com cláusulas que prevêem as sanções para
cada uma das partes, se vierem a negar o
nam se20-ep-áEN.ZU ad-da-ni
contrato ali redigido. No caso do filho renegar
o pai, ele será vendido como escravo. Mas, se
(4) Apresentamos a transcrição dos tabletes, linha a o pai renegar o filho adotivo, ele perderá seus
linha, indicando-se somente os números de linhas pares, próprios bens. O juramento é feito em nome do
as laterais com o símbolo (L) e o anverso com (A). rei de Larsa, Rím-Sin e por duas divindades
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POZZhiK, K..M.P. S elo s-cilin d ros m esopotâm icos — um estudo epigràfico. R evista do M useu de A rq u eo lo g ia e
E tn o lo g ia , São Paulo, 10: 163-174, 2000.
N° 2 (-/TV/RS 47)
- f p r n f W , ' & F * ¥ L> X R £ Z t & ^ ' 1 esè iku a-sà kankal
2 ús-sa-rá a-sà s/-//-dEN.ZU
ús-sa-rá 2-kam \x-ni-sa-nu-um
-f- 4 sag-bi e-sa-mu-um
sa ka-al-ba-na-nu-um
6 a-sà Aw\.w-na-pa-al-ti
ki Ax>A\x-na-pa-al-ti
8 lugal-a-sà-ga-ke4
-f- IdEN.ZU-be-el-ap-lim ù se20-ep-AEN.ZU
10 in-si-in-sám
22 % Y ^ m 3 A £ h *
11 2/3 gin kù-babbar
É$E 12 sám-til-la-ni-sè
in-na-an-lá
14 inim-rgáP-la-a-bi a-sà
li\xt\x-na-pa-ral-tP
* r J Q í J # t f ¥
166
POZZER, K.M.P. S elos-cilin d ros m esopotâm icos - um estudo ep igráfico. R evista do M useu de A rq u eo lo g ia e
E tn o lo g ia , São Paulo, 10: 163-174, 2000.
16 rban-ni-ib-gi4-[g iJ
inim-gál-la a-sà ú-ul [x]
18 i-rta a-bu-um-ma
1 esè iku a-sà ¡-na suku káa-Ii /-[xx]
20 u4-kúr-sè u4-nu-me-a-ak inim nu-gá-gá-a
nu-ub-ta-bal-e
22 mu dnanna dutu ú dr/-/>77-dEN.ZU lugal
in-pàd-me-es
24 igi dEN.ZU-ma-gir
igi mu-na-wi-rum
26 igi dut u - / -in-rma' -tim
igi a-hu-um
28 igi a-hu-ia-tum
igi ip-qú-ú-tum
30 igi la-a-lum
igi ip-qú-sa
32 igi i-dí-nam
ritf su-numum-a
34 mu ki-18 i-si-in-naki
ba-an-dib
envelope
4 sag-bi e-sa-mu-um
27 igi a-hu-ú-a-tum
28 igi dutu-a-bi
30 igi ta-ri-bu-um
31 igi ap-Ium
32 igi a-lí-wa-aq-rum
As linhas 26, 29 e 31 foram omitidas.
s e lo s a) a-hu-um
durnu ka-lu-mu-um
ir dlu g a l-g ú !-d u 8-a
b) iEH.Z\J-ma-gir
dumu sí-na-tum
ir dn in -si4-an-na
c) àutu-na-pa-al-ti
dum u dingir-í//77-/77a
ir dMAR.TU
h6 6 iku8 de um campo inculto, ao lado
do campo de Silli-Sín; o segundo lado (faz
vizinhança com o) de Warad-nisanum, seu
pequeno lado9 dá sobre o esam um 10 de
Kalbanãnum, campo de Samas-napalti. 7'13
Sin-bêl-aplim e Sêp-Sin compraram de
Samas-napalti, o proprietário do campo. Eles
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POZZER, K.M.P. S elos-cilin d ros m esopotâm icos - um estudo epigráfico. R evista do Museu de A rq u eo lo g ia e
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N° 2 - Envelope N° 2 - Selos
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N° 3 (30/XI/RS 55)
13 ma-<na> kú-Hbabbar1
2 ugu mu-na-wi-rum
lse-ep-áEN.ZU
4 in-tuk
inim-ta lsà-ar-ri-qum
6 iti sig4-a
1sà-ar-ri-qum
8 kú i-la-é
A. igi \x-zi-ib-nim
10 igi dMAR.TU-/7a-5/r
T tab-si-Jum
12 'li-pí-it-dinanna
xa-wi-lum
14 ldka-di-sa-£//-/
aga-ús dnin-urta-/7/-sw
16 kisib-a-ni íb-<ra>
iti zíz-a u4-30-kam
18 mu ki-26 gis-tukul-mah
i-si-inki
20 in-dib-ba
selos a) su-um-su-nu-rurrP
ir dnin-subur
ú dmas-tab-ba
b) mu-na-wi-ru-um
dumu dutu-[...]-[x] [...]
a) Sumsunum, servidor de Ninsubur e de
ir d[...]
M astabba;
b) Munawwirum, filho de Samas-[...],
u? Sêp-Sín emprestou 13 minas14 de prata
servidor de [...].
para Munawwirum,15 por intermédio de Sarri-
O documento de empréstimo de prata foi
qum. g-16 No mês Simânu Sarriqum deverá
selado pelo devedor e por uma pessoa que não
pagar a prata. Diante de Warad-zibnim, diante
é nominada no texto, sendo que o selo desta
de Amurrum-nasir, Tâb-sillum, Lipit-Istar, Awllum,
última tem a particularidade de apresentar dois
Istaran-sadi, soldado de Ninurta-nisu. Seu selo
nomes de divindade.
foi aposto.
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POZZER, K.M.P. S elo s-cilin d ros m esopotâm icos - um estudo epigráfico. R evista do M useu de A rq u eologia e
E tn o lo g ia , São Paulo, 10: 163-174, 2000.
N° 4 (5/XII/RS 55)
as-sum é sa I5Íe2í,-e/>-[dEN.ZU]
2 ki dEN.ZU-uru,4 isa-bi-su i-sa-mu
i-sa-mu
4 ldEN.ZU-uru4
ib-qú-ur-su-ma
6 um-ma su-ú-makú-babbar ú-ul gu-mu-ra
lu-bar-áutu
8 im-hu-ru-ú-ma
ra-mr é dnin-mar-ki
10 it-ru-da-as-su-nu-rtP -ma
di-ku5-mes sa é dnin-mar-ki
12 di-nam ú-sa-hi-zu-su-nu-ti-ma
xse20-ep-áEN.ZU
14 a-na ni-is dingir id-di-nu-ú-ma
lse20-ep-àEH.Z\J
16 ku-nu-uk é sa i-sa-mu
il-qé-e-ma
L. 18 ki-a-am iz-kur um-ma su-ma
sa p i-i ku-nu-uk-ki-im
20 an-ni-im
A. kú-babbar ga-am-ra-am
22 lu na-ad-na-ku
sí-it-tum e-li-ia
24 la ib-ba-su-ú-ma
igi dingir-su-i-bi-<su> di-ku5
26 igi dEN.ZU -sar-rum di-ku5
X\x-zi-ib-nu-um nu-bànda
28 xma-nu-um sagin
xa-na-pa-ni-à\ng\r nu-gis-kiri6
30 xa-hu-wa-qar aga-ús
1u-bar-dutu selos a) dEN.ZU-sar-ru-um
32 IdEN.ZU-uru4 dub-sar dumu mu-sa-a
ir Ai-sum
iti se-kin-ku5 u4-5-kam
34 mu ki-26-kam i-si-inki b) dingir-su-i-bi-su
ba-an-dib dumu a-rhi?-[x\
170
POZZER, K.M.P. S elos-cilin d ros m esopotâm icos - um estudo epigráfico. R e vista do M useu de A rq u eo lo g ia e
E tn ologia, São Paulo, 10: 163-174, 2000.
16 (Documento) sobre a casa que Sêp-Sin Temos aqui um segundo documento (YOS
comprou de Sin-eris, um servidor de seu pai. VIII, 151) referente à empréstimo de prata.
Sin-eris reivindicou-lhe a casa, ele disse
assim: “a prata não foi completamente versa- N° 5 (9/XII/RS 56)
da”.16 7 /0 Eles foram encontrar Ubar-Samas,
1 gin igi-6-gál 6 se kü-[babbar]
(e) ele os enviou ao templo de Nin-marki.17 u'24
2 ki se20-ep-áEN.ZU
Os juizes do templo de Nin-marki renderam-
ldEN.ZU-uru,
lhes uma sentença, eles liberaram Sêp-Sin por
4 su ba-an-ti
causa do juramento pelo deus. Sêp-Sin tomou
iti sig4-a
(para si) o documento selado da casa que ele
6 ku i-lá-e
comprou e jurou assim: “segundo o conteúdo
igi puzur4-dutu
deste tablete selado, eu dei completamente a
prata,18 não há nenhum débito de minha 8 igi bé-el-su-nu
parte”. 25'32 Diante de Ilsu-ibbisu, juiz, diante kisib lú-ki-inim-ab-bi-mes
de Sín-Sarrum, juiz, Warad-zibnum, tenente, 10 ib-ra-as
Manüm, governador, Ana-panI-ili, jardineiro, iti se-kin-ku,5 u.-O-Tcanf
4
Ahuwaqar, soldado, Ubar-Samas, Sin-eris, 12 mu ki-27 i-si-rin-nakn
escriba.
envelope
a) Sin-Sarrum, filho de Musaya, servidor
1 gin igi-6-gál 6 se kü-babbar
de Isum;
b) Ilsu-ibbisu, filho de Ahu[...].
selos a) puzur4-dutu
Este documento ilustra bem a prática de dumu nu-úr-áutu
resolução de uma disputa sobre propriedade. ir dutu
Na ausência de documentos e de testemunhas
que presenciaram o negócio, as partes em b) bé-el-su-nu
litígio dirigem-se à um dos templos da cidade19 dumu dEN.ZU-/-r^/-5a1-[â/w]
e prestam juramento diante do deus. Depois ir d[...]
disso, os juizes do templo proclamam uma
sentença que deve ser cumprida. U6 1 1/6 siclos 6 se de prata Sin-eris
O texto é selado por duas testemunhas, recebeu de Sêp-Sin. No mês Simânu ele pagará
ambas juizes de profissão. Ao analisarmos a a prata. 710 Diante de Puzur-Samas, diante de
constituição dessas testemunhas vemos que, Bêlsunu. Os selos das testemunhas foram
com exceção de um soldado e um jardineiro, apostos.
todos os outros pertencem às mais altas
categorias sociais, o que pode ser um indício a) Puzur-Samas, filho de Nür-Samas,
do círculo de amizades e da própria condição servidor de Sarnas;
social de Sêp-Sin, como importante homem de b) Bêlsunu, filho de Sin-iqisam, servidor
negócios da cidade de Larsa. de [...].
171
r u Z / t c R , JS..M .K se lo s-cilin d ro s m esopotâm icos - um estudo epigráfico. R evista do M useu de A rq u eo lo g ia e
E tn ologia, São Paulo, 10: 163-174, 2000.
N°6
N° 6 (20/XII/RS 58)
T pi se
2 e-zi-ib p í-i ku-nu-[ki-si\
ki se20-ep-áEN.ZU
4 M\á-Ia-ma-s[f\
dam ku-ru-us-sis
L.6 su ba-an-ti
A. iti sig4-a
8 kú i-lá-[e]
igi [x] (20) Unidade de medida de capacidade eqüivalendo a
10 rigf 60 litros.
172
POZZER, K.M.P. S elos-cilin d ros m e„opoiâm icos - um estuao ep igráfico. R e vista do M useu de A rq u eo lo g ia e
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negras e vermelhas. Rev. do Museu de A rqu eologia e Etnologia, São Paulo, 10: 175-187, 2000.
do próprio silêncio, pensado aqui como um Os argumentos utilizados para demonstrar este
não-dito, dos textos antigos, têm permitido ao aspecto são basicamente três: a produção
pesquisador contemporâneo construir hipóte agrícola, o calendário agrícola que ditava o
ses, a partir de novas bases teóricas, descor ritmo do ano e o fato de a população ser
tinando um universo feminino, mesmo para as majoritariamente camponesa. Estes argumen
filhas e esposas dos KaAoí KayaOo'i, bem tos, muito embora, na minha opinião, estejam
diferente do que aquele idealizado pelos corretos, aparecem de uma forma um tanto
autores gregos.1 quanto superficial, sem uma discussão apro
No campo da historiografia, constata-se fundada. Verifica-se, assim, um tipo de afirma
uma preocupação excessiva com objetos e ção estéril, já que carece de uma reflexão mais
temas marcadamente urbanos. Este aspecto cuidadosa, na maior parte dos discursos
serve mesmo para demonstrar a forte depen historiográficos, qual seja: ao mesmo tempo
dência que os historiadores da Antigüidade em que a x ^p a adquire importância por causa
grega têm dos textos antigos. Muito embora dos três fatores apontados acima, ela aparece
possam ser citadas algumas dezenas de vazia e sem vida. Em outras palavras, não é
pesquisas em curso ou já concluídas sobre os possível ver na maior parte dos discursos
espaços rurais de inúmeras póleis gregas, históricos o camponês como agente transfor
estas ainda não foram capazes de alterar a mador da sua x^poc, muito menos perceber as
relação presente nos livros sobre antigüidade relações que ele estabeleceu com seus vizi
grega, qual seja: pólis como sinônimo de nhos, o seu envolvimento na política do dêmos
cidade, de espaço urbano. Os recentes traba e da pólis, se ele utilizou ou não a mão-de-obra
lhos relacionados à x ^P a antiga parecem escrava, se a sua mulher e filhos estavam
ainda leituras distantes de muitos pesquisado diretamente envolvidos no processo produtivo
res preocupados em reforçar a urbanidade do (Chevitarese: 1997).
mundo políade, seja através das ágoras, O pequeno número de referências sobre o
acrópoles, teatros e outras construções tema deste trabalho se deve muito mais à
magníficas, por um lado, seja através das característica dos textos antigos gregos e à
festas, jogos, procissões e espetáculos, por escolha dos objetos desenvolvidos nas
outro (Snodgrass 1987: 67, Osbome 1987: 3). recentes pesquisas históricas, do que propria
Todos estes elementos ajudam a reforçar mente a inexistência de pomares ou o número
apenas um aspecto constituinte da pólis, qual insignificante de indivíduos envolvidos com a
seja, a aoru. É no seu interior que o ttoAíttjc, atividade de colheita de frutas na pólis
se torna civilizado. Neste caso, ser civilizado é ateniense. Constata-se, de fato, o pouco
ser citadino, é viver no espaço urbano. Este interesse dos autores antigos gregos em falar
aspecto projeta um quadro de violenta oposi sobre a disseminação de árvores frutíferas,
ção ao âypoiKOç, à vida na x ^ p a . Constata- exceção feita às videiras e às oliveiras, entre os
se, porém, um ponto sempre presente nos agricultores áticos.2
atuais discursos historiográficos: a importân Tomando ainda mais explícita a razão para
cia do espaço rural para a sociedade políade. um número inexpressivo de informações acerca
da relação entre mulher e colheita de frutas
nos textos antigos, podem ser apontados dois
(1) Aguarda-se o resultado da pesquisa de doutorado de
aspectos não necessariamente excludentes,
Fábio de Souza Lessa, desenvolvida atualmente no mas complementares: de imediato, aqueles que
Programa de Pós-Graduação em História Social, do realizavam as colheitas de fmtas eram, em
Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universida muitos casos, pequenos agricultores, detento
de Federal do Rio de Janeiro. A sua pesquisa, denomi res da cidadania ateniense, que se tornavam
nada preliminarmente M élissa e R edes S ociais
Inform ais na P ó lis A teniense, procura demonstrar, a
partir das análises teóricas de Michel de Certeau, que a
participação da esposa bem -nascida em grupos (2) Uma leitura atenta das comédias de Aristófanes, do
informais representa uma de suas táticas para Econômico de Xenofonte e De Causis Plantarum de
subverter a dominação cultural m asculina no interior Teofrasto deixa transparecer a presença de figueira,
de Atenas durante o período clássico. macieira, romãzeira, marmeleiro e amendoeira.
176
CHEVITARESE, A.L. Mulher e colheita de frutas na p ó lis ateniense: análise iconográfíca dos vasos áticos de figuras
negras e vermelhas. Rev. do Museu de A rqueologia e E tn ologia, São Paulo, 10: 175-187, 2000.
177
CHEVITARESE, A.L. Mulher e colheita de frutas na p ó lis ateniense: análise iconográfica dos vasos áticos de figuras
negras e vermelhas. Rev. do Museu de A rqu eologia e Etnologia, São Paulo, 10: 175-187, 2000.
áticos de figuras vermelhas, muito embora ela grandes grupos de imagens relacionados com
estivesse ausente na técnica anterior, a enócoa a colheita de frutas: videiras, oliveiras e
e a ánfora representando respectivamente árvores frutíferas não especificadas.
14,28% das cenas deixam de ser utilizadas Com relação ao primeiro grupo - colheita
como suporte para as cenas de mulheres de uvas - observa-se a existência de apenas
colhendo frutas nos vasos de figuras verme uma única cena diretamente relacionada com
lhas; por fim, não deve ser perdido de vista esta atividade na cerâmica ática de figuras
que o número de cenas envolvendo colheita negras e vermelhas (CVA, France, 5, pis. 29, 3 e
de frutas, no particular, e o de cenas rurais, no 30, 3; Malagardis 1988: 127, figura lld ;
geral, é extremamente reduzido, principalmente Bertrand e Brunet 1993: 178). Trata-se de uma
se comparado com outros temas desenvolvi imagem raríssima, já que ela é inclusive
dos pelos pintores de vasos entre o sexto e realizada por homens. Observam-se jovens por
quarto séculos.4 entre os galhos, suspensos por estacas
Um maior detalhamento dos dados (xàpaKsç,), colhendo enormes câchos de
advindos dos Quadros 1 e 2 será de grande uvas, enquanto outros quatro colheiteiros,
valia para uma melhor compreensão da relação localizados no chão, colhem outros. Dois
envolvendo mulheres e colheita de frutas na grandes cestos já estão cheios de frutos. É
cerâmica ática. Este aprofundamento se dará a digno de menção o instrumento utilizado pelo
partir de duas questões básicas: primeira, qual trabalhador que está localizado no extremo
seria o período de tempo coberto pelas cenas esquerdo da cena. Ele segura um utensílio
de mulheres colhendo frutas nos vasos áticos? encurvado, um tipo de faca, denominada de
Sobre esta questão, deve ser observada, de S p én a vo v ou ãpnq. O que mostra a esma
imediato, uma certa dificuldade em datar de gadora maioria das imagens, no entanto, são
forma absoluta os vasos relacionados com cachos de uvas já colhidos, acondicionados
esta temática. Eles podem ser situados, no em cubas (cn<á<pai) (Beazley 1963: 569, 39;
entanto, entre 510 e 450. Observa-se, assim, Sparkes 1976: 64, figura 26) ou cestas (tpoppoí
que as referidas cenas cobrem um período de ou KÓtpivoi) (Sparkes 1976: 62, figura 20)
tempo relativamente curto, coexistindo inclusi prontas para serem apisoadas. Observa-se,
ve o emprego das técnicas de figuras negras e com relação às cenas de apisoamento das
vermelhas, principalmente através do pintor uvas, um reduzidíssimo número de representa
Haimon. Segunda questão: quais seriam as ções diretamente associadas com seres
informações passíveis de serem extraídas das humanos. Há apenas uma cena situada no
imagens de mulher e colheita de frutas? Esta primeiro quartel do quinto século (Chevitarese
pergunta pode começar a ser respondida a 1997: 353), de um total de trinta e uma imagens
partir de uma rápida comparação entre os três (quinze de figuras negras e dezesseis de
figuras vermelhas), onde aparecem homens,
nunca mulheres, envolvidos no processo de
(4) Identifiquei, na minha Tese de Doutorado, um
apisoamento das uvas. Esta quase ausência de
total de 103 vasos relacionados com cenas rurais, representações humanas seria decorrência do
cobrindo um total de oito temas (caça, apisoamento caráter ritual contido na imensa maioria das
das uvas, colheita de frutas, pesca, cruzamento e imagens, com suas estreitas ligações com o
caracterização dos animais de tiro, cenas pastoris, dionisismo. Esta questão ajudaria a explicar,
mulheres retirando água de poços rurais, caracteriza
ção dos cam poneses áticos) na cerâmica ática de
inclusive, o grande número de sátiros, mêna-
figuras vermelhas. A minha atual pesquisa, que ainda des e do próprio Dioniso nestas representa
está em curso, já identificou 248 vasos relacionados ções (Chevitarese 1997: 210).
com cenas rurais, cobrindo um total de quatorze Com relação ao segundo grupo - colheita
temas (caça, colheita de frutas, apisoamento das uvas, de azeitonas - , identifica-se um total de quatro
pastores e rebanhos, trabalho agrícola, colheita de
cenas. Três delas são exclusivas do universo
azeitona, apicultura, caça aos pássaros, fabricação e
venda do azeite, fabricação da farinha e do pão,
masculino e uma outra relacionada com
pesca, colheita de uva, fonte campestre, banho de mulheres. Todas as imagens deste segundo
mar ou rio) na cerâmica ática de figuras negras. grupo fazem parte da cerâmica ática de figuras
178
CHEVITARESE, A.L. Mulher e colheita de frutas na pólis ateniense: análise iconográfica dos vasos áticos de figuras
negras e vermelhas. Rev. do Museu de A rqueologia e E tn olog ia, São Paulo, 10: 175-187, 2000.
negras. Verifica-se, em duas delas, a presença necem no chão observando a sua companhei
de um jovem por entre os galhos das oliveiras ra. Esta cena se aproxima muito daquelas
recolhendo os seus frutos (para a primeira imagens identificadas mais acima com o
imagem, ver: CVA, USA, 7, pl. 3, 1-3; Mala- processo de colheita da uva e da azeitona,
gardis 1988: 131, figura 13a; sobre a segunda onde aparecem também jovens nos troncos ou
imagem, ver: Beazley 1956: 270, 50; Malagardis nos galhos das videiras e das oliveiras.
1988: 123, figura 10c). Há uma outra caracterís Com relação ao terceiro grupo - mulheres
tica comum presente nas duas cenas represen colhendo frutas de árvores não especificadas -
tadas em ánforas que seria o emprego de há um total de trinta e duas imagens. Elas estão
grandes varas, sustentadas por pessoas que sempre localizadas junto às árvores. Elas podem
estão de pé, junto à oliveira ou mesmo pelo colher diretamente as frutas (ver catálogo A
jovem que está no galho (para a primeira número 5 e B número 4 - ver neste trabalho a
imagem, ver: CVA, Great Britain, 5, British Figura 2), ou lançar mão do emprego de varas
Museum, 4, pl. 55; Beazley 1956: 273,116; (ver catálogo B número 6 - ver neste trabalho a
Amouretti 1986: 74, figura 8; Malagardis 1988: Figura 3) para retirar os frutos situados nas
123, figura 10b; Boardman 1991: figura 186; partes mais altas e extremas da árvore. Esta
sobre a segunda imagem, ver: Beazley 1956: última técnica é exatamente igual àquela
270,50; Malagardis 1988: 123, figura 10c). Elas aplicada à colheita de azeitona, onde o emprego
servem para derrubar os frutos da árvore. Em de varas também é utilizado não só para acessar
ambas as cenas aparecem jovens abaixados, as partes mais altas, como, também, as pontas
junto ao tronco da oliveira, recolhendo os dos galhos. O emprego das varas, em ambos os
frutos do chão. Com relação à única cena casos, substituindo a presença de uma pessoa
envolvendo mulheres neste tipo de atividade nos locais de difícil acesso, pode estar direta
(ver catálogo A número 27 - ver neste traba mente relacionado com a preservação da
lho a Figura 1), verifica-se uma jovem subindo própria capacidade produtiva da árvore frutífe
no tronco da oliveira para recolher os seus ra, evitando, pelo emprego desta técnica, que
frutos, enquanto outras seis mulheres perma os galhos se quebrassem.
179
CHEVITARESE, A.L. Mulher e colheita de frutas na pólis ateniense: análise iconográfica dos vasos áticos de figuras
negras e vermelhas. Rev. do M useu de A rqu eologia e Etnologia, São Paulo, 10: 175-187, 2000.
A maioria das cenas de colheita de frutas do as informações advindas dos dois outros
ocorre com duas mulheres (ver catálogo A grupos de imagens envolvendo a colheita da uva
números 1 ,2,3,4,6,7,8,9,11,13,14,15,17,18, e da azeitona, este processo parece ocorrer em
19,20,21,22,23,24,26 e B números 4,5). Elas equipe. Verifica-se um bom número de imagens
aparecem nos extremos, com a árvore localizada relacionadas com grupos de três a sete partici
no centro da imagem. Existem apenas três cenas pantes (ver catálogo A números 5, 10, 12, 25 (ver
envolvendo apenas uma única colheiteira (ver neste trabalho a Figura 4), 27 e B número 1, 6)
catálogo A número 16 e B números 2, 3). Isto realizando esta atividade. Nas cenas envolvendo
representa apenas 9,09% do total de trinta e três uma ou duas mulheres, elas podem aparecer
imagens. Considerando este dado e acrescentan sentadas em cadeiras ou em pé junto às árvores,
180
CHEVITÀRESE, A.L. Mulher e colheita de fintas na p ólis ateniense: análise iconográfica dos vasos áticos de figuras
negras e vermelhas. Rev. do Museu de A rqu eologia e E tn ologia, São Paulo, 10: 175-187, 2000.
segurando em uma das mãos pequenos cestos atender às necessidades imediatas do consumo
com ou sem alça, ou tendo perto de si grandes familiar; 2a. Trata-se de cenas rituais, onde a
cestos depositados no solo, onde os frutos são esposa do senhor do o/Vcç, sozinha ou acom
depositados. Em algumas cenas as mulheres panhada da filha, por exemplo, ao colher uma
podem não estar realizando a colheita de frutas, fruta simboliza o início dos trabalhos agrícolas
mas o fato de elas estarem sentadas perto ou relacionados com a colheita. O segundo
próximas às árvores com (ou sem) cestos, sugere processo está associado com aquelas imagens
que a referida atividade rural já foi realizada, está envolvendo grupos maiores de mulheres. A
em curso ou será executada em breve (Webster leitura, neste caso, está diretamente relacionada
1972: 244). Nestas cenas nunca é utilizado o com a realização de uma atividade agrícola
trabalho de varas. Estas só aparecem em imagens disseminada por todo o espaço rural ateniense.
envolvendo um grupo maior de participantes. Os elementos presentes nestas cenas ajudam a
Constata-se, neste último grupo de cenas, uma reforçar esta interpretação: a presença das
clara divisão do trabalho. Existem aquelas varas e dos grandes cestos repletos de frutos,
mulheres que retiram os frutos das partes mais por um lado, a visível divisão de tarefas e o
altas e das pontas dos galhos mais externos com esforço da jovem que sobe no tronco da árvore
o auxílio de varas; há uma segunda equipe de para colher frutos, por outro. Todos estes
colheiteiras que colhe os frutos das partes mais elementos deixam transparecer, da mesma forma
baixas da árvore ou aqueles caídos no chão que as cenas relacionadas com o processo de
depositando-os nos grandes cestos; uma colheita da uva e da azeitona, uma nítida
terceira equipe fica responsável por carregar os preocupação do pintor em construir não uma
cestos repletos de frutos. cena ritual, mas uma atividade rural bem
Parece então que as cenas envolvendo disseminada pela Ática.
mulheres e colheita de frutas podem sofrer dois Estas conclusões devem ser vistas com
processos distintos de leituras ou de interpreta cautela. Este cuidado se deve a três fatores
ção: o primeiro está relacionado com aquelas básicos: as informações contidas na documenta
imagens que mostram uma ou duas mulheres ção antiga grega, relativas aos pomares e à
segurando com uma das mãos pequenos vasos, colheita de frutas, são esparsas e superficiais; há
com ou sem alças. Constatam-se, nestas cenas, poucos estudos realizados até o momento sobre
duas possíveis leituras: Ia. Trata-se de uma o tema em questão; a minha pesquisa ainda está
rápida ida ao pomar com o claro objetivo de em curso, logo os resultados obtidos não são
colher uma pequena quantidade de frutas para conclusivos, mas parciais e preliminares.
181
CHEVITARESE, A.L. Mulher e colheita de frutas na p ó lis ateniense: análise iconográfica dos vasos áticos de figuras
negras e vermelhas. Rev. do Museu de A rqu eologia e Etnologia, São Paulo, 10: 175-187, 2000.
A. Figuras Negras de touca, deixando apenas uma parte deles caindo por
detrás da nuca. Atrás dela está uma outra mulher,
1 - L écito ático de figuras negras. Baltim ore, Walters voltada para a esquerda, cabelos presos na altura da
Art Gallery. Inventário: 48.2 4 5 . M anner o f the cabeça, vestindo quíton e manto, observando
H aim on Group. atentam ente o trabalho das suas duas colegas. Aquela
B ib lio g ra fia : B eazley 1956: 554, 401; W ebster situada na esquerda, voltada à direita, usa quíton e
1972: 2 4 7 (b). manto, o rosto está encoberto pelos cabelos, tem o
D escriçã o : mulheres no pomar balançando árvore seu braço direito com pletam ente esticado, buscando
frutífera. recolher um fruto preto.
2 - L écito ático de figuras negras. Paris, M usée du 6 - L écito ático de figuras negras. Viena, Universität.
Louvre. Inventário: C A 2913. The Group o f Brussels Inventário: 739, 6. The Kalinderu Group.
A 1311. B ib liografia: CVA, Deutschland, 5, pl. 6, 11; B eazley
B ib lio g ra fia : B ea zley 1956: 4 88, 3; Webster 1972: 1956: 503, 2; Webster 1972: 246 (b).
2 4 6 (b); M alagardis, 1988: 130, nota 150. D escrição: no centro da cena está uma árvore
Descrição: mulheres sentadas junto a uma árvore frutífera. frutífera com os seus galhos marcados por pontos
escuros (frutos?). Entre ela, há duas mulheres sentadas
3 - L écito ático de figuras negras. A tenas, National em divfroi colhendo frutas. Elas estão usando quíton
M useum . Inventário: 1098 (CC. 925). Prov. Mégara. e manto. Há um cesto no chão, junto aos galhos,
The Kalinderu Group. entre as duas mulheres.
B ib lio g ra fia : B ea zley , 1956: 503, 1; Webster, 1972:
2 4 6 (b). 7 - L écito ático de figuras negras. Atenas, National
D escriçã o : m ulheres sentadas junto a uma árvore M useum . Inventário: E 1833. The Kalinderu Painter.
frutífera. B ib liografia: B eazley 1956: 504, 1; Webster 1972:
246 (b).
4 - L écito ático de figuras negras. Palermo, C ollezio- D escrição: m ulheres sentadas junto a uma árvore
ne M orm ino (B anco di Sicilia). Inventário: 684. frutífera, com um veado entre elas.
Data: in ício do quinto século.
B ib lio g ra fia : CVA, Italia, 50, pl. 12, 1-2. 8 - L écito ático de figuras negras. A tenas, É cole
D escriçã o : no centro da cena está uma árvore Française. Inventário: V 75. Prov. Thera (?). Data:
frutífera repleta de frutos pretos e brancos. Há duas 5 2 5 -4 7 5 . The H aim on Painter.
m ulheres colhendo frutas. A da direita, voltada para a B ib liografia: B eazley 1956: 554, 403; Carpenter
esquerda, usa quíton e manto, tem o cabelo preso, 1989: 135; W ebster 1972: 247 (b); M affre 1972: 52
caindo por detrás da nuca, está sentada em um banco (n° 95) e 53, fig. 37 a-b (p. 51).
(ou um pequeno tronco de árvore?) por entre os D escrição: no centro da cena está uma árvore
galhos da árvore colhendo os frutos. A quela situada na frutífera plantada em um grande vaso (ttíOoç?). A sua
esquerda, voltada à direita, usa quíton e manto, tem volta, estão duas mulheres sentadas em Sí<j>poi,
o s cab elos presos na altura da nuca, está sentada em vestindo quíton e manto. Os ramos da árvore
um banco branco (?) colhendo os frutos. Am bas as esparramam-se pelo chão.
m ulheres depositam o s frutos em um grande cesto,
9 - L écito ático de figuras negras. Paris, M usée du
situado entre elas, que já está ch eio até a boca.
Louvre. Inventário: F 456. Manner o f the Haimon
5 - L écito ático de figuras negras. Braunschweig, Painter.
H erzog Anton Ulrich - M useum. Inventário: P 2. B ib liografia: B eazley 1956: 554, 404; W ebster
Prov. Eretria. M anner o f the Haim on Painter. 1972: 247 (b).
B ib lio g ra fia : CVA, D eutschland, 4, pis. 10, 18 e 11, D escrição: m ulheres sentadas junto a uma árvore.
9; B ea zley 1956: 554, 400.
D escriçã o : no centro da cena está uma árvore 10 - L écito ático de figuras negras. Havard, Univer-
frutífera. Ela tem, por entre os seus lon gos galhos, sity, F ogg M useum . Inventário: 6.1908. The Class o f
pequenos frutos. Identificam -se, também, outros Athens 581. Data: 5 0 0-475.
frutos m aiores brancos e pretos. Há três mulheres B ib liografia: CVA, U S A , 8, pl. 21, 6; B eazley 1956:
colhendo estes últim os frutos. Duas delas estão 505, 1; Webster 1972: 247 (b).
localizadas à direita da árvore. A quela próxim a ao D escrição: no centro da cena está uma árvore
tronco está voltada para a esquerda, com a cabeça frutífera com o tronco retorcido. Há três m ulheres,
virada para cim a, com o se estivesse procurando frutos sendo que duas delas estão colhendo frutas. A da
por entre os galhos mais altos, usa quíton e m anto e direita, voltada para a esquerda, usa quíton e manto,
tem praticamente o s seus cabelos presos por um tipo sentada em um banco (5íc)>poç), tem uma fita na
182
CHEVITARESE, A.L. Mulher e colheita de frutas na p ó lis ateniense: análise iconográfica dos vasos áticos de figuras
negras e vermelhas. Rev. do Museu de A rqueologia e E tn ologia, São Paulo, 10: 175-187, 2000.
cabeça. O seu braço direito alcança os galhos m ais D escrição: (a) N o centro da cena está uma mulher,
altos da árvore. Há uma mulher, atrás da que está voltada para a direita, sentada em um banco (5í<j>poç),
sentada. Ela tem o braço direito levantado e o vestindo quíton e manto, com a sua m ão esquerda
esquerdo no quadril. A quela situada na esquerda, estendida. À sua direita está uma cepa de vinha, cujos
voltada para a direita, cabeça virada para trás, usa ram os estão carregados de cach os brancos que se
quíton, está em pé, tem os dois braços levantados e espalham pelo chão.
uma fita na cabeça. (b ) U m a cena m uito parecida. N o centro está uma
m ulher sentada em um banco (Stcjjpoç), voltada para
11 - L écito ático de figuras negras. Rom an Market.
a direita, vestindo quíton e manto. Parece existir, em
M anner o f the Em porion Painter.
frente a esta mulher, traços im precisos de uma outra
B ib lio g ra fia : B ea zley 1956: 586, 10.
personagem (?).
D escriçã o : mulheres no pomar.
17 - Â nfora ática de figuras negras. Sevres, M usée
12 - Lécito ático de figuras negras. R io de Janeiro,
Ceram ique. T he Edinburg Painter.
M useu N acional. The H aim on Painter. Data: 500-
B ib lio g ra fia : H aspels 1936: 2 20, 75; W ebster 1972:
475.
2 46 (b); M alagardis 1988: 130, nota 150.
B ib lio g ra fia : Sarian e Leal, s/data, 84, fig. 10 (p.
D escrição: m ulheres sentadas junto a um a árvore
8 5 ).
frutífera.
D escrição: no centro está uma árvore frutífera com
seus ramos marcados por pontos brancos e pretos 18 - E nócoa ática de figuras negras. M unique,
(frutos?). À sua volta, há quatro mulheres colhendo M useum Antiker K leinkunst. Inventário: 1998
frutas: duas de cada lado da árvore. N a parte m ais à (J. 1140). M anner o f the H aim on Painter.
direita da cena está uma mulher voltada para a direita, B ib liografia: B eazley 1956: 558, 473; H aspels
com uma fita verm elha ao redor da cabeça, vestindo 1936: 246, 95; Webster 1972: 247 (b); Lau, Brunn
quíton e manto. Ela está situada entre dois galhos. and K ell 1877: plate 19, 6.
M ais ao centro da cena, está uma outra mulher D escrição: mulheres junto a árvore frutífera (lado A).
voltada para a esquerda, com uma fita verm elha ao
redor da cabeça, vestindo quíton e manto, com as 19 - E nócoa ática de figuras negras. Paris, M u sée du
duas m ãos junto ao tronco. N o extrem o esquerdo da Louvre. Inventário: F 248. M anner o f the H aim on
cena, há uma terceira m ulher voltada para a direita, Painter.
com uma fita verm elha ao redor da cabeça, usando B ib liografia: B eazley 1956: 558, 475; H aspels
quíton e manto, por entre os galhos, com a mão 1936: 246, 3; W ebster 1972: 247 (b).
direita buscando pegar um fruto. N o centro da cena, D escrição: m ulheres sentadas junto a uma árvore
uma mulher voltada para a direita, com uma fita frutífera.
verm elha ao redor da cabeça, vestindo quíton e
20 - E nócoa ática de figuras negras. O nce Tynem outh
manto, tendo próxim a de si m uitos galhos repletos de
H all. Manner o f the H aim on Painter.
frutos. Junto ao tronco estão duas cestas com frutos.
B ib lio g ra fia : B ea zley 1956: 55 8 , 4 74.
13 - L écito ático de figuras negras. Atenas, Cerami- D escrição: m ulheres sentadas junto a umas árvores
que. Inventário: “Stais” 1896. The H aim on Painter. frutíferas.
B ib lio g ra fia : B eazley 1956: 553; H aspels 1936:
21 - E nócoa ática de figuras negras. Paris, M u sée du
244, 62; W ebster 1972: 247 (b).
Louvre. Inventário: F 4 27. Manner o f the H aim on
D escriçã o : m ulheres no pomar.
Painter.
14 - Ânfora ática de figuras negras. Once Roman, American B ib lio g ra fia : B eazley 1956: 558, 476; M alagardis
Academy. Inventário: 547. The Red-Line Painter. 1988: 130, nota 150.
B ib lio g ra fia : B ea zley 1956: 6 04, 67. D escrição: m ulheres sentadas junto a uma árvore
D escrição: mulheres no pomar sacudindo as árvores. frutífera.
15 - Ânfora ática de figuras negras. M unique, 22 - Taça ática de figuras negras. Londres, British
M useum Antiker Kleinkunst. Inventário: 1643 M useum . Inventário: B 4 44. Prov. Cam iros. Manner
(J.540). Prov. Vulci. The Red-Line Painter. o f the H aim on Painter.
B ib lio g ra fia : B ea zley 1956: 604, 68. B ib liografia: B eazley 1956: 5 61, 531; W ebster
D escriçã o : mulheres no pomar colhendo frutas. 1972: 247 (b).
D escrição: m ulheres no pomar.
16 - Ânfora ática de figuras negras. Copenhagen,
National M useum . Inventário: Chr. VIII 318. The 23 - Taça ática de figuras negras. Nauplia, M useum .
Kalinderu Group. Prov. Atenas. Inventário: 529. M anner o f the H aim on Painter.
B ib lio g ra fia : CVA, Danemark, 3, pl. 109, 1 a-b; B ib liografia: B eazley 1956: 561, 620; W ebster
B eazley 1956: 504; W ebster 1972: 247 (b). 1972: 247 (b).
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CHEVITARESE, A.L. Mulher e colheita de frutas na p ó lis ateniense: análise iconográfica dos vasos áticos de figuras
negras e vermelhas. Rev. do Museu de A rqu eologia e E tnologia, São Paulo, 10: 175-187, 2000.
D escriçã o : duas m ulheres sentadas junto a uma D escrição: no centro da im agem está uma árvore
árvore (lado A). frutífera (oliveira?) com os seus galhos marcados por
pontos brancos e pretos (frutos?). Há sete mulheres
24 - Taça ática de figuras negras. Genebra, M usée
(todas em pé, vestindo quíton e manto, com os pés
d ’Art et d ’H istoire. Inventário: H 235. Manner o f
the H aim on Painter. pintados de branco) envolvidas no processo de colheita
B ib lio g ra fia : B ea zley 1956: 561, 621; W ebster de frutas. D a direita para a esquerda até o centro da
1972: 247 (b). cena: na parte mais externa está uma mulher com a
D escrição: duas mulheres sentadas junto a uma árvore. cabeça voltada à esquerda, com uma fita em tom o da
cabeça, cabelos presos, com o braço direito com pleta
25 - Esquifo ático de figuras negras. M oscou, Pushkin m ente visível, apoiando em sua cabeça urq enorme
State M useum o f Fine Arts. Inventário:TI lb dep. 25. cesto. À sua frente está uma outra mulher, corpo
M anner o f the H aim on Painter. Data: 49 0 -4 8 0 . com pletam ente de perfil, voltada para a esquerda,
B ib lio g ra fia : CVA, Rússia, 1, pl. 52, 6. cabeça ligeiramente levantada para cima, uma fita ao
D escrição: (a) N o centro da cena, há quatro redor da cabeça que desce em forma de trança por
mulheres sentadas em bancos (Sícjjpoi), tendo uma
detrás da nuca alcançando as suas costas, braços
videira no fundo, com os seus ramos marcados por
estendidos e voltados para cima. M uito embora a maior
pontos escuros (frutos?). Da direita para a esquerda:
parte do seu rosto esteja faltando, todos os seus
mulher, voltada para a direita, usa quíton e manto,
m ovim entos parecem estar relacionados com a jovem
cabelo preso na altura da cabeça com um pequeno
que está subindo no tronco da árvore. M ais para o
coque, a m ão direita levantada. U m a segunda mulher,
centro cena, encontra-se uma outra mulher, com a
corpo representado de frente, cabeça voltada para a
parte inferior do corpo voltada para a direita, cabeça e
esquerda, usa quíton e manto, cabelo preso na altura
tronco voltados para a esquerda. Ela tem uma fita ao
da cabeça com um pequeno coque, braço direito
redor da sua cabeça e tem o seu braço direito visível.
levantado, com a m ão tocando no ramo da videira.
Em pé no tronco da árvore está uma mulher, corpo
Um a terceira mulher, voltada para a direita, usa
quíton e manto, cabelo preso na altura da cabeça com voltado para a direita, braço esquerdo por entre os
galhos, com o se estivesse recolhendo azeitonas (?),
um pequeno coque, tem o braço esquerdo levantado,
com a mão esquerda tocando no fruto, e o outro enquanto o braço direito, com pletam ente visível,
braço esticado, com a m ão direita parecendo tocar no parece estar segurando no tronco da árvore. D o lado
ramo da videira. N o extrem o esquerdo da cena, uma esquerdo até o centro da cena: na parte m ais externa
mulher voltada para a direita, usa quíton e manto, está uma m ulher representada de perfil, virada para a
cabelo preso na altura da cabeça com um longo coque, direita, cabelo preso, observando atentamente o
parecendo estar com pletam ente absorvida na m ovim ento das com panheiras. À sua frente encontra-
realização da sua atividade. A s suas m ãos estão se uma mulher, corpo representado de frente, cabeça
tocando o ramo da videira. ligeiram ente inclinada para o alto, observando
atentamente a jovem em pé no tronco da árvore.
26 - Esquifo ático de figuras negras. Atenas, Agora. Q uase no centro da cena está uma mulher, corpo
Inventário: P 1319. Prov. Atenas. The Kalinderu Group.
voltado para a direita, cabeça voltada para cima,
B ib lio g ra fia : B eazley 1956: 504, 2; Webster 1972:
braço esquerdo esticado e voltado para cima, enquan
247 (b); Vanderpool 1946, 296, pl. 47, n° 97.
to que a sua mão direita segura a ponta do quíton,
D escriçã o : (a) N o centro da cena está uma árvore
esticando-o para frente. Ela parece estar bastante
frutífera. Há duas mulheres colhendo frutas. A da
en volvid a com a sua com panheira que está no tronco
direita, voltada para a esquerda, tendo apenas parte do
da oliveira (?).
seu corpo preservado, usa quíton e manto, está
Há inscrições: OIATO , POAE, IIM Y A [E], T Y N II
sentada em um banco (ôí<|)poç) colhendo frutas.
(T u v v íç ), KOPINO (= K opivvió) KAAE, K A O II I,
A quela situada na esquerda, apenas parte da figura está
K O P E N I.
preservada, usa quíton e manto, tem o seu braço
direito (?) esticado, objetivando colher uma fruta.
B. Figuras Vermelhas
(b) Parte de uma árvore frutífera. N a direita, uma
mulher sentada (faltam os seus pés e a m aior parte do
1 - Taça ática, figuras vermelhas. M usée de Compiègne.
banco - ou um tronco de árvore?), voltada para a
Inv. 1090. Prov. Vulci. The Wedding Painter. Data: 475.
esquerda, usa quíton e manto, está colhendo frutas.
B ib liografia: CVA, France, 3, pl. 17, 9; B eazley
27 - Hídria Á tica de figuras negras. M unique, M useum 1963: 922, 1; Bérard et Vemant 1984: 91, fig. 129.
A ntiker K leinkunst. Inventário: 1712A (J.142). D escrição: Um a árvore frutífera está localizada no
Prov. V ulci. The A . D . Painter. centro da cena. A o seu redor, cin co m ulheres estão
B ib lio g ra fia : B ea zley 1956: 334, 6; Webster 1972: colhendo frutas. Duas estão localizadas próxim as à
246 (b); M alagardis 1988: 131, fig. 13b. árvore. A da esquerda, corpo coberto por quíton e
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CHEVITARESE, A.L. Mulher e colheita de frutas na p ó lis ateniense: análise iconográfica dos vasos áticos de figuras
negras e vermelhas. Rev. do Museu de A rqueologia e E tn ologia, São Paulo, 10: 175-187, 2000.
manto, fita na cabeça, cab elo com prido preso, braço cabeças. A quela situada à esquerda segura com a sua
direito estendido para frente, em direção à árvore, m ão esquerda, pela alça, uma cesta, com três pezin h os
segura com a m ão esquerda, pela alça, um cesto, com na sua base, e na sua m ão direita uma fruta. A outra
três pezinhos na base. A quela situada à direita, corpo mulher, localizada à direita da cena, tem o braço
coberto com quíton e manto, fita na cabeça, cabelo direito ligeiram ente levantado para frente em direção
com prido preso, usa o próprio m anto com o receptá de sua companheira. Ela segura uma fruta em cada
culo para as frutas que caem da árvore. Encontram -se, uma das m ãos.
atrás dela, duas outras m ulheres. Elas parecem estar Há inscrições: TIZTOXXENOZ, [XjYPIZKOX,
conversando. A quela voltada para a direita tem o ETOI[EZ]EN, XOPO, AI.
corpo coberto por quíton e m anto, in clu sive a nuca. (b) N o centro da cena está uma árvore frutífera. Duas
A sua companheira, virada para a esquerda, usa quíton m ulheres estão colhendo frutas. Elas usam quíton,
e manto, fita na cabeça, braço direito levantado, segura manto, cabelos presos e tiaras nas cabeças. A quela
na mão esquerda, pela alça, uma cesta, com dois situada à esquerda, braço esquerdo ligeiram ente
pezinhos na sua base. N o extrem o do lado esquerdo da levantado, segura com a m ão esquerda, pela alça, um
cena, há uma outra mulher. Ela veste quíton e manto, cesta, com três pezinhos na sua base, e com a m ão
fita ao redor da cabeça, braço direito levantado, direita uma fruta. A outra mulher, localizada à direita
segurando na mão esquerda, pela alça, uma cesta, com da cena, braço direito voltado para baixo, segura com
os pezinhos na base, e na m ão direita uma fruta. a m ão direita uma cesta sem alça (ou ela estaria
dobrada, conform e parece sugerir o primeiro arco
2 - Taça ática, fundo branco. Londres, British
pintado na cesta?) e na m ão esquerda uma fruta.
M useum . Inv. D. 6. Inv. A tenas. The Sotades Painter.
Data: 4 7 0 -6 0 . 5 - Hídria ática, figuras verm elhas. S ch loss Fasanerie
B ib liog ra fia : B ea zley 1963: 7 63, 1; Pfuhl 1955: 63- (A dolphseck). Inv. 39. The Perseus Painter (Earlier
64, fig. 82; Robertson 1992: 188, fig. 198; Robertson M annerists). Data: 4 60-50.
1975: 2 64. B ib liografia: CVA, Deutschland, 11, tafel 29, 4;
D escrição: O centro da im agem é ocupado por uma B eazley, 1963: 582, 19.
árvore frutífera, cuja base está faltando, bem com o a D escrição: N o centro da cena está uma árvore
maior parte do seu lado esquerdo e da sua área central. frutífera. Há duas m ulheres colhendo frutas. A da
N o lado direito está uma mulher, voltada para a direita, voltada para a esquerda, usa quíton e manto,
esquerda, cabeça voltada para cim a, circundada por estica o seu braço direito com a intenção de pegar o
uma fita, cabelos presos, usando um vestid o transpa fruto nos galhos da árvore. A quela situada na
rente, o qual d eixa ver partes do seu corpo. Ela está esquerda, voltada à direita, usa quíton e manto, touca
apoiada na ponta dos pés, braço direito estendido por na cabeça, segura com a m ão esquerda, pela alça, um
entre os galhos, com a nítida intenção de pegar uma cesto e, com a m ão direita, uma fruta.
fruta. O seu braço esquerdo está voltado para baixo,
6 - Cratera ática, figuras verm elhas. N ova Iorque,
com a sua m ão segurando levem en te a ponta do
M etropolitan M useum o f Art. Inv. 0 7 .2 8 6 .7 4 . The
vestid o.
Há inscrições: M EAIII [XOTAJAEZ ETOIEXEN. Orchard Painter. Data: 460.
B ib liografia: B eazley 1963: 523, 1; Richter 1936:
3 - L écito ático, figuras verm elhas. Copenhaguen, 117, fig. 87.
M usée National. Inv. Chr. VIII 863. Prov. Atenas. D escrição: N o centro da cena está uma árvore
The L.M . Painter. frutífera. Duas mulheres, próximas da árvore, estão
B ib lio g ra fia : CVA, Danemark, 4, pl. 167, fig. 4. recolhendo frutos em um grande cesto (de vim e?)
B eazley, 1963: 1364, 2. com pletam ente cheio, localizado no solo. A da direita,
D escrição: U m a mulher, voltada para a direita, voltada para a esquerda, usa quíton e manto, cabeça
corpo ligeiram ente inclinado para frente, usa quíton e ligeiram ente levantada, circundada quatro vezes por um
fitas para prender o s cabelos. O seu braço direito está
fio que prende os seus cabelos. Ela tem o braço direito
esticado em direção de uma planta localizada no solo.
levantado, segurando com a mão direita uma fruta e
Ela segura na sua m ão esquerda uma flor (ou um
com a esquerda outras três. Entre a sua mão direita e a
fruto?), enquanto a sua m ão direita está colhendo uma
sua cabeça, uma fruta que parece estar caindo. Aquela
flor (ou um fruto?).
localizada à esquerda da árvore, voltada para a direita,
4 - Esquifo ático, figuras verm elhas. C oleção Privada. usa quíton e manto, fita passada três vezes ao redor da
The P.S. Painter. Data: 480 -7 0 . cabeça, mantendo os cabelos presos. O seu braço
Bibliografia: Beazley 1971: 353,1; Boardman 1991: direito está esticado para frente com a m ão aberta, de
113-14, fig. 205; Robertson 1992: 136, fig. 139. m odo a pegar duas frutas que caem da árvore. Encon-
D escriçã o : (a) N o centro da cena está uma árvore tra-se, atrás dela, uma mulher com quíton e manto,
frutífera. D uas m ulheres estão colhendo frutas. Elas voltada para a direita, fita ao redor da cabeça, cabelos
usam qu íto n , m anto, cabelos presos e tiaras nas com pridos e soltos. Ela segura, com a m ão direita, uma
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CHEVITARESE, A.L. Mulher e colheita de frutas na pólis ateniense: análise iconográfica dos vasos áticos de figuras
negras e vermelhas. Rev. do Museu de A rqu eologia e E tnologia, São Paulo, 70: 175-187, 2000.
grande vara usada, talvez, para derrubar as frutas esforço, visto que o tronco do seu corpo está visivel
localizadas nos galhos mais altos da árvore, de m odo mente arqueado para frente, um cesto (de vim e?)
que eles possam ser recolhidos pelas demais assistentes. repleto de frutos. Atrás dela está localizada uma
Há duas outras mulheres no lado direito da cena. Uma mulher, voltada para a esquerda, usando quíton e
delas, voltada para a direita, p e p lo com pregas e manto, fita ao redor da cabeça, com os cabelos
dobras, fita passada duas vezes ao redor da cabeça, tem com pridos. Ela tem o braço direito levantado, com a
os cabelos presos. Ela está carregando, com enorme sua m ão prestes a segurar um fruto.
CHEVITARESE, A.L. Woman and fruit harvest in the Athenian pólis: iconographic
analisys of the Athenian black and red figure vases. Rev. do Museu de Arqueo
logia e Etnologia, São Paulo, 10: 175-187, 2000.
ABSTRACT: When raising the fruit harvest scenes in the Athenian black
and red figured vases systematically, one notices a direct relation between the
practice of this agriculturist activity and the women. One intends with this
paper to establish possible explanations of this association, at first not very
common for the Athenian culture patterns, from the examination of Athenian
vases and the literary tradition.
R e f e r ê n c ia s b i b l io g r á f i c a s
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CHEVITARESE, A.L. Mulher e colheita de frutas na p ó lis ateniense: análise iconográfica dos vasos áticos de figuras
negras e vermelhas. Rev. do M useu de A rqu eologia e E tn ologia, São Paulo, 10: 175-187, 2000.
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Rev. do M useu d e A rqueologia e Etnologia, S. Paulo, 1 0 : 189-196, 2000.
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FRANÇA, L.M. O estudo da noção de valor e o universo de aplicação do dinheiro prim itivo. Rev. do Museu de Arqueo
logia e E tn o lo g ia , São Paulo, 70: 189-196, 2000.
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FRANÇA, L.M. O estudo da noção de valor e o universo de aplicação do dinheiro prim itivo. Rev. do Museu de A rqueo
lo g ia e E tn o lo g ia , São Paulo, 10: 189-196, 2000.
Esses e outros tantos exemplos que meios para se atingir os fins: por trás desse
poderiam ser citados reforçam a idéia de que o raciocínio está implícita a idéia de mercado -
relacionamento do homem com o dinheiro - em objeto da disciplina conhecida como economia.
nosso caso, o dinheiro primitivo - é algo O segundo significado refere-se à economia
muito mais complexo e impregnado de um valor empírica como uma atividade institucio
que é incompreensível à luz das categorias nalizada de interação entre o homem e seu
marxistas - embora elas não possam ser meio que dá lugar a um suprimento contínuo
descartadas. de meios materiais para a satisfação de
Tendo em vista tudo o que foi dito até aqui, necessidades (1976: 293).
se quando da sua origem, ou seja, num estágio A separação entre essas duas esferas de
mais recuado de desenvolvimento das socieda compreensão do econômico foi fundamental para
des, o dinheiro primitivo esteve estreitamente o estudo das diversas economias existentes, uma
vinculado às esferas descritas acima, é de se vez que somente ela pode proporcionar os
supor, com o mínimo de razão, que em períodos instrumentos adequados às Ciências Sociais na
posteriores - sobretudo anteriormente à predo análise das economias não regidas pelo mercado.
minância do mercado observada por Karl Assim, enquanto persistia a análise econômica
Polanyi (1980) - esses laços tenham se afrouxa baseada no sistema de mercado, pouco se podia
do em função do desenvolvimento das atividades apreender sobre as reais condições dos demais
comerciais, mas em hipótese alguma, se extin tipos de economia nas quais o mercado não
guido. existe ou não prevalece.
Tanto é verdade que ainda hoje utilizamos A partir, então, da noção de economia real foi
expressões que denotam esse passado como possível perceber que a economia humana está
‘Idade de Ouro’ ou conservamos práticas como integrada e submersa em instituições de tipo
jogar uma moedinha na fonte para fazer um econômico e extra-econômico, sendo estas últimas
pedido, evocando consciente ou inconsciente de fundamental importância (idem: 295). Na
mente, alguma entidade sobrenatural. ausência de um mercado controlador não há,
Mesmo nas chamadas sociedades arcaicas - portanto, a predominância do econômico sobre as
na qual tanto a presença do Estado quanto de um demais instâncias das sociedades. Assim, os
comércio extremamente desenvolvido poderia elementos da economia estão agora integrados em
nos desmotivar a encontrar tais traços - podemos instituições não econômicas. Todo o processo
observar inúmeros exemplos dessa relação econômico está regido institucionalmente através
indissociável entre o valor econômico e o valor do parentesco, o matrimônio, os grupos de idades,
tradicional, fundamentado em fatores extra- as sociedades secretas, as associações totêmicas e
econômicos. as solenidades públicas. O termo ‘econômico ’
carece aqui de significado claro (idem: 117).
Dentro desse tipo de organização, um
O lugar do econômico nas sociedades indivíduo não pode identificar como econômicas
‘primitivas’ e arcaicas2 determinadas experiências, nem perceber algum
interesse especial por seu próprio sustento o que
Foi Karl Polanyi quem formulou de maneira se explica, inclusive, pela ausência total de
clara a separação semântica da palavra economia vocábulos para expressar o conceito de econômi
em seus significados formal e real. O primeiro, co (idem).
de natureza racional, tem como pressuposto a Mareei Mauss ao analisar o Potlatch dos
escassez e se desenvolve a partir da eleição de indígenas do noroeste americano - um contex-
(2) Embora reconheçamos a inadequação do termo lógica evolucionista, utiliza-se o primitivo como relativo
prim itivo, não poderíamos prescindir dele pelo fato de que à sociedade simples em oposição a arcaico - sociedade
adquire sentido dentro do corpus teórico adotado, devido que atesta a presença do Estado, num estágio de desenvol
ao seu conteúdo conceituai. Na obra de Polanyi e seus vimento mais avançado. No estudo dos aspectos
seguidores, cujos estudos se inscrevem dentro de uma econôm icos, essa distinção é extremamente importante.
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logia e E tn o lo g ia , São Paulo, 10: 189-196, 2000.
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logia e E tn o lo g ia, São Paulo, 10: 189-196, 2000.
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logia e E tn ologia. São Paulo, 10: 189-196, 2000.
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logia e E tn ologia, São Paulo, 10: 189-196, 2000.
numerosas sociedades alguns objetos são de diferentes daquelas às quais estamos habitua
uso exclusivo das camadas dirigentes como os dos dentro do raciocínio econômico e, por isso
colares de contas na Nova Caledônia e o ébano mesmo, devem ser objeto de muita atenção.
em comunidades africanas; em outras, os Embora o estudo da esfera econômica nas
objetos têm seu uso restrito ao sexo masculino sociedades primitivas e arcaicas envolva
ou feminino, como entre os Yap, onde as grandes dificuldades teórico-metodológicas
conchas de madre pérola têm seu uso restrito à que nos obrigam, muitas vezes, a utilizar
mulheres, ou em diversas partes da África em categorias inadequadas para a apreensão do
que as pontas de lanças e flechas reservam-se econômico, não se pode perder de vista a
ao uso exclusivo dos homens (Einzig 1966). especificidade desses sistemas sócio-culturais
Com relação às limitações econômicas, ou que se caracterizam pela integração e totalidade.
seja, tendo como parâmetro a economia capitalis Considerações acerca do dinheiro primiti
ta, são considerados como limitantes os seguintes vo, por mais precisas e consistentes que possam
fatores: 1) a ocorrência de um volume de comér ser, não podem prescindir desse olhar antropoló
cio muito pequeno em determinadas comunidades gico, o qual, aliás, não nos permite rotular todos
devido à sua organização ou estágio de desenvol esses fatores - justamente eficazes dentro de sua
vimento; 2) prática muito difundida de troca estrutura de funcionamento - como limitantes,
direta de mercadorias, que dispensaria o uso do mas como particularidades relativas ao seu
meio de troca ou dinheiro; 3) aceitação do desempenho nessas sociedades.
dinheiro primitivo que nem sempre é automática, O dinheiro primitivo - sob forma dos mais
pois como se sabe, o dinheiro é antes de tudo, variados objetos - caracteriza-se, acima de tudo,
uma convenção e objeto de unanimidade, pelo valor simbólico resultante de seu desempe
condição que nem sempre é plenamente atendida nho nas diversas esferas da vida social, o que
na ausência de Estado como interventor; 4) determina, inclusive, a sua eleição como instru
aceitação restrita a alguns tipos de mercadoria e mento monetário. Embora seu uso envolva um
serviços, de acordo com as necessidades locais; consenso em tomo de seu valor, não é absoluta
5) existência de diversos objetos que concorrem mente uma convenção, como o dinheiro moder
entre si dentro da mesma esfera ou fora dela, que no. Ao contrário deste último - impessoal, capaz
não propicia a uniformização do sistema (idem) . de subjugar toda espécie de bens e de relações
Todos esses fatores são considerados ao mercado - o dinheiro primitivo possui um
limitações pelo fato de que impedem a existência valor intrínseco, vinculado a contextos extra-
de um equivalente universal, uma visão, como já econômicos que o tomam um objeto único
vimos, nascida da perspectiva econômica que dentro de esferas específicas de circulação.
não consegue pensar no fenômeno dinheiro Finalmente, o estudo da noção de valor
independentemente do comércio e do mercado. constitui um instrumento importante na análise
Paul Einzig reconhece que essas limitações das sociedades. Na medida em que o uso dos
- que chamaríamos particularidades -reduzem a objetos monetários extrapola a esfera econômica,
importância do dinheiro nessas sociedades mas o estudo de sua trajetória e funcionamento
não interferem em seu desempenho. Segundo ele dentro de uma dada cultura pode, sem dúvida,
as limitações surgidas da estrutura social de ampliar nosso conhecimento sobre a sociedade
uma comunidade simplesmente significam que o em seu conjunto. O mesmo ocorre com a temática
meio de troca está operando de acordo com os da mudança cultural: as poucas análises do
requisitos daquela estrutura, (idem: 435). E processo de substituição monetária demonstra
nesse sentido que Polanyi reconhece o dinheiro ram a possibilidade de abordar aspectos antes
primitivo como símbolo...de situações sociais pouco visíveis em contextos de conquista e
definidas (1968b: 176). colonização, como por exemplo, a relação
existente entre a introdução da moeda e a
Considerações finais desestruturação das relações sociais tradicionais
através de sua simplificação à lógica do mercado,
O universo de aplicação do dinheiro fenômeno ainda pouco explorado, mas cujo
primitivo propõe, portanto, questões muito estudo poderá produzir excelentes resultados.
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FRANÇA, L.M. O estudo da noção de valor e o universo de aplicação do dinheiro prim itivo. Rev. do Museu de Arqueo
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PORRO, A. Contatos transpacíficos entre Á sia e M esoam érica: uma questão em aberto. R e vista do M useu de
A rq u eolo g ia e E tn o lo g ia , São Paulo, 10'. 197-209, 2000.
pelos autores para explicá-los, foram recebidos uma série de correspondências cosmológicas e
com frieza pela maioria dos americanistas, que iconográficas entre a China da idade do bronze
se de um lado aceitam a tese do povoamento do (Shange Chou) e a Mesoamérica. E ainda antes
continente a partir da Asia por caçadores de Heine-Geldern, Marchai (1934) havia
paleoíndios, não admitem, de outro, que os assinalado semelhanças estilísticas entre a arte
contatos com a Ásia oriental tenham se repetido Khmer do Camboja e as da Polinésia e da
muito mais recentemente dando origem, ou pelo América.
menos influenciando, o desenvolvimento das Uma questão fundamental com que se
civilizações da Mesoamérica. Há nisso, ao que defrontam as hipóteses de contatos transpa
parece, um fator emocional (a my tribe syndrome cíficos é a da cronologia. Diversos elementos e
já denunciada com aguda autocrítica por um motivos artísticos comuns aos dois continen
etnólogo norteamericano), como se influências tes distribuem-se ao longo de um enorme
externas fossem reduzir a importância da sua espaço de tempo, mas não parecem apresentar
área de estudos. Mas há também a crítica padrões regulares de ocorrência e cronologia
objetiva face à ausência, na América, de elemen relativa que dêem sustentação à tese dos
tos fundamentais da tecnologia e da economia contatos transpacíficos. Não há espaço, aqui,
asiática como o uso do ferro, a roda, o tomo de para a análise e demonstração dessas seme
oleiro, o cavalo e o boi. Daí a prudência daque lhanças e muito menos para a discussão dos
les que preferem esperar a prova dos fatos; e problemas cronológicos que elas envolvem;
além daquelas ausências, a prova ainda não uns poucos exemplos serão porém suficientes
apareceu. Nenhum artefato produzido na Ásia para dar uma idéia da questão. As espirais e
foi até hoje encontrado em contextos arqueológi volutas geometrizadas dos bronzes Chou
cos americanos e tampouco consta que materiais tardios (700 a 200 a.C.) têm contrapartidas
pré-colombianos tenham sido encontrados na quase idênticas nos baixos-relevos do Clássi
Ásia (ou em qualquer outra parte do mundo) co médio e tardio de Tajín (Veracruz), entre 600
antes de 1500. Isto vale também para as coleções e 900 d.C. e nos vasos mayas de mármore
de museus, muitas vezes sem documentação de encontrados no vale do rio Ulúa (Honduras),
origem embora geralmente de procedência provavelmente da mesma época. Neste e em
geográfica conhecida. O resultado disso é que, outros casos em que a ocorrência asiática é
passado meio século da sua divulgação nos muito mais antiga que a americana foi sugerida
meios acadêmicos, os indícios de contatos a possibilidade, já admitida pela maioria dos
culturais entre Ásia oriental e Mesoamérica arqueólogos, de que os motivos decorativos e
continuam a ser virtualmente ignorados na simbólicos mesoamericanos já estivessem
maioria dos compêndios de Arqueologia da presentes na arquitetura e na escultura em
Mesoamérica (Adams 1991, Adams ed. [1977] madeira que teriam antecedido o uso da pedra
1989, Fiedel 1992, Hammond [1982] 1988, e do estuque. Um caso inverso é o do estilo
Sabloff 1990, Sharer 1994). arquitetônico de Angkor, no Camboja, que
Além das semelhanças em motivos simbóli remete inclusive funcionalmente ao do Clássi
cos e decorativos, outros paralelismos já haviam co maya, mas que é pelo menos setecentos
sido encontrados, alguns deles há muito tempo, anos mais tardio do que este. Se a semelhança
em certas instituições, crenças, rituais e jogos dos dois estilos (templos-pirâmides, escadari
dos dois lados do Pacífico. Há mais de cem anos as, torres com rostos humanos gigantescos)
Tylor (1879, 1896) havia comparado o patolli, não for um caso de singular convergência, e
jogo mexicano praticado num tabuleiro crucifor uma vez que a civilização do Camboja é
me que remete aos quatro pontos cardeais e ao sabidamente resultado da colonização indiana
calendário, com o pachisi, jogo difundido em no sudeste asiático, caberá até mesmo a
todo o sul e leste da Ásia com características hipótese, até agora só sugerida como “teorica
semelhantes. Graebner (1921) apontou parale mente concebível” (Heine-Geldern 1966), de
lismos estruturais entre os calendários mesoa- influências mayas trazidas pelos próprios
mericanos e do sudeste asiático (China, Tailân navegantes asiáticos no retorno de suas
dia e Java). Rock (1922) analisou em detalhes supostas expedições à América.
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A tese das navegações transpacíficas da skepticism ... which essentially claims that we
Ásia para a América, vigorosamente refutada cannot learn about a past reality ... we can only
pela grande maioria dos americanistas, é funda create a past in ‘our image’.” (Binford 1995: 61).
mentada pelos seus defensores na conhecida Apesar de praticamente estacionária nos
tradição chinesa de comércio marítimo. As últimos vinte anos e ainda à espera de provas
fontes históricas sobre a navegação chinesa de arqueológicas, a discussão sobre contatos
alto mar pelo oceano Índico e pelo Pacífico transpacíficos levou a uma melhor avaliação do
ocidental só recuam, na melhor das hipóteses, ao problema e a relativizar uma das principais
fim do primeiro milênio d.C., mas as tradições críticas que a tese recebia dos “isolacionistas”.
literárias chinesas fazem referência a episódios Argumentava-se que a maioria dos padrões
marítimos muito mais antigos, possivelmente até tecno-econômicos, das soluções arquitetônicas e
do século III a.C., embora geograficamente urbanísticas, dos estilos cerâmicqs e artísticos e
indefinidos (Ekholm 1964: 507, Heine-Geldem mesmo das expressões de vivência religiosa das
1966: 293). No tocante à técnica de navegação civilizações americanas já estavam documenta
oceânica não parece haver razões para questionar dos, em sua origem e desenvolvimento local, nos
a capacitação dos marinheiros chineses; a sua períodos Formativos da Mesoamérica e dos
influência nos arquipélagos do Pacífico ociden Andes; e que tratando-se de áreas culturais
tal durante o primeiro milênio d.C. e talvez antes resultantes de tradições, ou co-tradições,
já foi comprovada arqueológicamente e as arqueológicamente identificadas, não havia por
navegações oceânicas dos polinésios são que procurar a sua origem em supostos ou tênues
historicamente documentadas. A essa tradição indícios de influências externas (Phillips 1966).
marítima veio se somar, nos primeiros séculos da O fato é que, colocadas nesses termos, as
nossa Era, a expansão indiana pelo sudeste influências asiáticas são um falso problema; o
asiático continental e insular impulsionada pelo próprio caráter esporádico ou não sistêmico da
comércio de especiarias e outros produtos presença de elementos asiáticos nas civilizações
exóticos. (Para uma boa discussão do proble da Mesoamérica, bem como a sua aparente
ma das navegações oceânicas e da possível inserção em tradições locais pré-existentes,
difusão de elementos culturais na antigüidade, sugere mais, como aliás vinha sendo sugerido
veja-se Jett 1971). por Ekholm, Heine-Geldem e outros, que o
A partir de meados dos anos 70 os debates caráter ocasional e limitado dos contatos
sobre contatos transpacíficos foram esmorecen transpacíficos tenha tido um efeito seletivo nos
do, em parte esgotados pelo não aparecimento de empréstimos culturais, atingindo principalmente
provas arqueológicas, mas também devido às a elite em suas manifestações artísticas e
mudanças teóricas e programáticas da Arqueolo religiosas. Pode-se comparar esse processo com
gia norteamericana a partir dos anos 80. O o das influências helenísticas na arte e na
interesse pelos processos de longa duração e de iconografia budista da índia e do Afganistão;
grande escala que havia orientado tanto o com o simbolismo indígena pré-colombiano nos
difusionismo como o neoevolucionismo, e o crucifixos e nas imagens religiosas do México
rigoroso empirismo da Nova Arqueologia, deram colonial; com os motivos heráldicos e militares
lugar a novas prioridades e metodologias. Pós- europeus incorporados como elementos decorati
processualismo, contextualismo e cognitivismo, vos ao artesanato de diversas tribos africanas; ou
se de um lado tiveram o mérito de denunciar com os floreados e o preciosismo rococó com
certa ilusão positivista subjacente à ecologia que as índias do baixo Amazonas, no século 18 e
cultural e ao neoevolucionismo, levaram de por influência missionária, substituíram os
outro a minimizar a própria possibilidade de desenhos geométricos tradicionais na decoração
conhecimento objetivo do passado: “ a new de suas cuias.
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Fig. 4 - À esquerda, máscara de bronze, Shang, China. À direita, desenho gravado no altar 4,
Cultura Olmeca, La Venta (Tabasco), México. (Meggers 1975: 15).
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Fig. 7 - Acima, um Makara, monstro lendário que combina traços de réptil e de mamífero, de cuja
boca emerge uma figura humana, Mysore, índia. (Heine-Geldern 1964: fig. 12). Abaixo, dragão
Maya de duas cabeças, com os mesmos caracteres anatômicos e uma cabeça humana saindo da
sua boca anterior. Relevo de Copan, Honduras (Spinden 1957: 53).
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Fig. 9 - Acima, relevo, Amaravati, índia. Abaixo, relevo, Chichen Itzá (Yucatan), México. (Heine-
Geldern 1964: figs. 1, 2).
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Fig. 12 - À esquerda, um Bodhisatt\>a sentado na característica posição com uma perna fle xio
nada; ao seu lado, em destaque, uma flor-de-lótus. Período Pala, nordeste da índia. À direita,
baixo-relevo Maya do Clássico tardio, represetando um chefe ou dignitário na mesma postura e
segurando o talo de uma planta aquática. Palenque (Chiapas), México. (Ekholm 1964b: 506).
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Rev. do M useu de A rqu eologia e Etnologia, S. Paulo, 10: 211-229, 2000.
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E tn o lo g ia, São Paulo, 10: 211-229, 2000.
Souza, Sílvio de Souza, Mariano Tupã Mirim, rivalidades históricas entre si.4 Hoje, em São
Yldo Veríssimo, Márcia Fernandes, Célio de Paulo, há terras indígenas Guarani no litoral,
Souza, Danilo Silveira, Basílio Silveira, Claudio como Itaóca e Aguapeú, que não foram demar
da Silva e Hugo Fernandes, jovens Guarani do cadas e homologadas, apenas identificadas.
subgrupo Mbyá da Aldeia Teko Wy’á Pyau, na Outras, como Pindoty em Pariquera-açu e
TI Itaóca. As ilustrações foram coletadas por Pacurity em Iguape, não estão sequer em
Mariana Leal Ferreira e Mona Suhrbier.2 processo de identificação. A maior parte das
áreas indígenas Guarani de São Paulo é formada
por terras inférteis e devolutas do Estado,
Situação Política oferecidas aos índios por seu baixo valor no
mercado imobiliário. Este é o caso da Terra
Indígena Rio Branco II, em Cananéia. De outro
Os Guarani são o grupo indígena mais
lado, há aldeias como Rio do Azeite e Capoeirão,
populoso do Brasil. São mais de 30 mil indiví
na TI Serra do Itatins, município de Itariri, que
duos dos subgrupos Mbyá, Nhandeva e
estão localizadas no entorno da Estação Ecológi
Kaiowá vivendo nos estados de São Paulo,
ca da Juréia. Apesar da fartura de recursos neste
Rio de Janeiro, Mato Grosso, Mato Grosso do
santuário, que se contrapõe à aridez da área
Sul, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do
indígena, os índios estão proibidos de caçar,
Sul (ISA 1996). Em São Paulo há 1752 Guarani
pescar, fazer roça ou coletar palmito e outros
localizados em 15 terras indígenas no litoral e
frutos silvestres (Ferreira 1998, 2000, 2001).
no interior do estado.3 Na Terra Indígena
Expulsão de territórios ancestrais e confina-
Itaóca, de onde provêm os desenhos mais
mento em reservas diminutas e improdutivas
recentes, vivem 117 Mbyá e 67 Nhandeva
traumatizaram de modo severo comunidades
(Ferreira 2000:28). Na Área Indígena Panambi,
Guarani no sul do Brasil. Fome, doenças
no Mato Grosso do Sul, onde vivia Mirin-
infecto-contagiosas, como o sarampo e a
guasu em 1950, há cerca de 100 Kaiowá. É o
tuberculose, bem como a desesperança provo
estado brasileiro com maior população Guara caram mortalidade acentuada entre crianças e
ni, com quase 25 mil índios (ISA 1996:721-723).
adultos, bem como o uso perverso do suicídio,
Duas situações políticas bastante distintas
entre os Kaiowá, como “apelo para a vida”
caracterizam os períodos históricos em que as (Meihy 1994).5 Perder o controle da terra onde
ilustrações foram produzidas. Os Guarani de os Guarani caçavam, coletavam e plantavam,
1950 e os Guarani de 1999/2000 fizeram uso de criavam seus filhos e enterravam os mortos, e
estilos contrastantes, porém complementares, estabeleciam relações de troca entre as várias
de representar o presente pensando num aldeias, significou, para várias lideranças
futuro poético e idealizado. religiosas - os karaí, ou profetas Guarani - a
chegada de um cataclisma. De acordo com
Schaden (1963) e Métraux (1948), os Guarani
1950 interpretaram a forte presença do homem
branco em territórios indígenas como o fim do
O processo de colonização do sul brasi mundo. Em reação a essa e outras crises, os
leiro reduziu amplos territórios Guarani a Guarani do sul brasileiro têm partido em movi
diminutas reservas, muitas vezes divididas mentos migratórios, em maior ou menor escala,
com os Kaingang e Terena, grupos com sempre em direção ao norte e tendo o Oceano
Atlântico como principal referência.
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E tn o lo g ia , São Paulo, 10: 211-229, 2000.
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E tn o lo g ia , São Paulo, 70: 2 1 1-229, 2000.
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E tn o lo g ia , São Paulo, 10: 211-229, 2000.
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E tn o lo g ia , São Paulo, 10: 211-229, 2000.
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E tn o lo g ia , São Paulo, 10: 211-229, 2000.
Ilustração 1. Miringuasu. Quando as terras foram loteadas, Pai Chiquinho rezou para
destruir o mundo 1950
Ilustração 1.
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E tn ologia, São Paulo, 70: 211-229, 2000.
os jovens deixam clara a importância da vida dedicam a cultivar. O desenho “Vida de criança
ritual para o bem-estar do povo. Neste sentido, na aldeia,” de Mariano Tupã Mirim, mostra
a opy ou casa de reza, bem como as atividades crianças Guarani trabalhando com enxadas,
dos xamãs aparecem com destaque nos carregando palmito, estendendo roupa lavada
desenhos, enquanto cenas de pronto-socorros (Ilust. 2).
e hospitais, tão freqüentes na vida dos jovens Em outras ilustrações, os jovens dedicam-
da aldeia, são obliteradas. Por outro lado, os se à construção da escola, que não existia até
jovens propõem mudanças estruturais básicas fins de 2000, ou ao plantio de milho, abóbora,
à economia de reciprocidade Guarani, sugerin feijão e batata doce. Em todos os desenhos, a
do que o trabalho humano, ao contrário da comunidade aparenta boa saúde e está invaria
vida contemplativa, é condição de ascensão ao velmente bem vestida. Jovens e adultos
paraíso mítico. A agricultura sedentária dedicam-se a práticas rituais e demonstram
aparece, nos desenhos, como atividade atitude respeitosa frente aos líderes cerimoniais.
desejável, bem como o desenvolvimento de Mulheres e homens trabalham juntos para a
técnicas de caça antigas e modernas. Como prosperidade da aldeia, em vez de dedicar-se à
afirmou o líder da aldeia Luiz de Souza Karaí, coleta de restos de alimentos para comer e latas
“morrer [de fome] não leva a lugar nenhum, só de alumínio para vender, no lixão da cidade. A
ao cemitério.” Ao contrário da crença cristã na arte contemporânea Guarani não é, neste
morte como condição de ascenção ao paraíso, sentido, um modelo em miniatura ou em peque
■para os Guarani “a morte é o fim”. na escala do mundo, seguindo a definição de
Os desenhos revelam aspectos idílicos da Claude Lévi-Strauss (1966:23). Pelo contrário, a
vida na aldeia Teko Wy’a Pyau. O mundo arte Guarani moderna faz uma crítica à socie
natural e social é representado de forma dade humana à medida que representa os
idealizada, ensolarado, coberto com farta desejos atuais de jovens Guarani, desejos estes
vegetação e agricultura que as crianças se que os próprios jovens tentam materializar.
Ilustração 2.
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E tn o lo g ia , São Paulo, 10: 211-229, 2000.
Ilustração 3.
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E tn o lo g ia , São Paulo, 10: 2 1 1-229, 2000.
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E tn ologia, São Paulo, 10: 211-229, 2000.
Ilustração 5.
Ilustração 6.
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E tn o lo g ia, São Paulo, 70: 211-229, 2000.
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E tn o lo g ia , São Paulo, 10: 211-229, 2000.
Ilustração 8.
Ilustração 9.
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E tn o lo g ia, São Paulo, 10: 211-229, 2000.
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E tn o log ia , São Paulo, 10: 211-229, 2000.
Ilustração 10.
Ilustração 11.
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livros didáticos do ensino fundamental. R evista do M useu de A rqu eologia e E tn ologia, São Paulo, 10: 231-238,
2000.
5. História e Vida
Para a pesquisa, foram selecionados dez Autor: N elson Piletti e Claudino Piletti
livros didáticos atualmente em uso pelas Editora Ática, vol. I, 1997.
escolas públicas e privadas do Ensino Funda Capítulo 2: “Há milhares de anos”
mental, que possuem distribuição nacional.
Os critérios utilizados para a escolha de 6. História: Passado e Presente- Brasil
tais livros basearam-se em dois aspectos: C olônia
A u tores: S ôn ia Irene do Carm o e E lian e
- Mercadológico: os livros mais vendidos (por Frossard Bittencourt Couto
tanto, os mais adotados e/ou indicados pelas esco Editora Atual, vol. I, 1994.
las) segundo informações obtidas junto às respec Unidade II: “Povoando o mundo, construin
tivas editoras; do a história”
- Oficial: os livros aprovados pelo Programa Capítulo 5: “Os índios do Brasil”
Nacional do Livro Didático da FNDE/MEC (1999),
que orientam e determinam a escolha dos profes 7. Fazendo a História: As sociedades
sores das escolas públicas1 que receberão estes li americanas e a Europa na época moderna
vros gratuitamente para o trabalho junto aos seus Autores: Rubim Santos L. de Aquino, Nivaldo
alunos. Jesus Freitas de Lemos e Oscar G. P. Campos Lopes
Editora Ao Livro T écnico, 7a série, 1990.
Os livros analisados e os respectivos Capítulo 1: “D e onde vieram os índios?”
capítulos que abordam a temática do Período Capítulo 2: “Como vivia a maioria dos indí
Pré- Colonial são os seguintes: genas?”
Capítulo 3: “Quais eram as sociedades mais
1. Brasil: história em construção
organizadas?”
Autores: Ricardo de Moura Faria, Adhemar
Martins Marques e Flávio Costa Berutti. 8. História e Companhia
Editora Lê, vol I, 1998. Autores: Ricardo de Moura Faria, Adhemar
Tema: “ A Am érica encontrada pelos Martins Marques e Flávio Costa Berutti.
europeus” Editora Lê, vol. I, 1996.
“O que era a América” Unidade I: “Os seres humanos antes da escrita”
“O encontro da Am érica com os europeus” Capítulo 2: “Os caçadores e os coletores”
2. História Capítulo 3: “Os pastores e os agricultores”
Autor: José Roberto Martins Ferreira
9. História Integrada: da Pré-História à
Editora FTD, 5a e 6a série, 1994.
Tema: “Pré- H istória” Idade Média
Capítulo 10: “Andando e les descobriram o Autor: Cláudio Vicentino
Brasil” (5a série) Editora Scipione, 5a e 6a série, 1996.
Capítulo 5: “Enquanto isso no Brasil” (6a série) Capítulo 1: “A Pré-História” (5a série)
Capítulo 6: Portugal: o senhor dos mares e do Capítulo 5: “A América Pré-Colombiana” (6a
com ércio” (6 a série) série)
233
VASCONCELLOS, C M.; ALONSO, A.C.; LUSTOSA, P.R. A abordagem do período pré-colonial brasileiro nos
livros didáticos do ensino fundamental. R evista do Museu de A rqu eologia e E tn ologia, São Paulo, 10: 231-238,
2000.
23 4
VASCONCELLOS, C.M.; ALO NSO, A.C.; LUSTO SA , P.R. A abordagem do período pré-colonial brasileiro nos
livros didáticos do ensino fundamental. R evista do M useu d e A rqu eologia e E tn ologia, São Paulo, 10: 231-238,
2000.
235
VASCONCELLOS, C.M.; ALONSO , A.C.; LUSTO SA , P.R. A abordagem do período pré-colonial brasileiro nos
livros didáticos do ensino fundamental. R evista do M useu de A rqu eologia e E tn ologia, São Paulo, 10: 231-238,
2000.
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VASCONCELLOS, C.M.; ALONSO, A.C.; LUSTOSA, P.R. A abordagem do período pré-colonial brasileiro nos
livros didáticos do ensino fundamental. R evista do M useu de A rqu eologia e E tn ologia, São Paulo, 10: 231-238,
2000.
4) N ão citam fonte nenhuma: a m etade das ser um mero “transmissor” de informações para
obras analisadas. assumir o papel de mediador da relação entre o
Temos que levar em consideração que tais conhecimento, a sua construção e o aluno.
autores são, na maior parte das vezes, historiado Levando-se em conta que os Parâmetros
res que não possuem nenhum vínculo com a Curriculares Nacionais e outras propostas
Arqueologia e tampouco com a produção pedagógicas decorrentes definem que o objetivo
científica realizada pela comunidade arqueológi maior das escolas é formar o cidadão,11 a tarefa
ca brasileira. do educador, especialmente do professor de
Desta maneira, não podemos cobrar-lhes o História, é ser o articulador do pensamento
acerto teórico, mas sem dúvida podemos sugerir crítico de seus alunos, e não aceitar e repassar a
uma aproximação maior entre os arqueólogos e informação recebida e pronta.
estes autores que acabam se tomando uma referên É necessário, portanto, desconstruir e
cia, muitas vezes única, no universo dos nossos analisar criticamente a informação e ensinar seus
alunos e, em muitos casos, de nossos professores. alunos a fazerem o mesmo, de modo que, ao
Finalmente, a análise das imagens e ilustra final do processo escolar, eles estejam aptos a
ções presentes nas obras didáticas demonstrou um realizar reflexões semelhantes sem a mediação
lado positivo em termos de variedades existentes de outrem.
e na relação com os textos apresentados. Ampliar o acesso aos museus de Arqueolo
A partir de mapas, fotos de escavações, gia, responsáveis por uma extensa produção
pinturas rupestres, desenhos, croquis etc, foi acadêmica, mantenedores de cursos de extensão,
possível dinamizar a leitura dos capítulos e dar exposições e serviço educativo sistemático de
maior agilidade ao processo de apreensão do atendimento aos professores de Ensino Básico,
assunto abordado. seria uma alternativa à deficiência apresentada
Porém, uma ressalva muito importante: em nos livros didáticos.
algumas obras analisadas os autores utiliza Os museus permitem o contato com a
ram-se de fotos etnográficas para se referir ao cultura material, com o aspecto concreto dos
modo de vida das sociedades pré-coloniais objetos, contribuindo para a superação de muitos
(Martins 1944, Carmo & Couto 1994 e Silva preconceitos em relação às culturas indígenas,
1996). Isto é gravíssimo e pode gerar uma uma vez que estas instituições trabalham com
visão distorcida e preconceituosa de que as fontes específicas e diferenciadas, que podem,
sociedades indígenas são estáticas no tempo e inclusive, contrapor-se à visão apresentada nos
que, da época pré-colonial até os dias atuais, livros didáticos.
muito pouco ou quase nada foi alterado nas Sendo instituições de educação não-formal,
estruturas destas sociedades, reforçando um com objetivos voltados ao mesmo tempo para o
conceito equivocado de cultura. público acadêmico e escolar, os museus têm um
grande potencial de ampliação do referencial do
professor ao se deparar com o ensino do
Conclusões período pré-colonial brasileiro.
Eis o grande desafio do professor: unir e dar
Entendemos ser necessário que o professor as devidas dimensões à linguagem e aos parâme
desperte a atenção de seus alunos ao observar tros oferecidos pelos dois veículos de comunica
problemas tais como os elencados neste texto e ção - o livro didático e o museu - enriquecendo
utilize o livro didático como instrumento para sobremaneira o estudo da temática da pré-história
discussões que, ao invés de construir ou consoli brasileira dentro e fora dos limites da sala de aula.
dar preconceitos, sirvam para derrubá-los, o que
é essencial no processo educativo.
Neste momento de intensa informatização,
(11) O cidadão completo é entendido aqui com o aquele
quando os meios de comunicação levam e trazem
que além de cumprir seus deveres eticamente, reivindica
notícias de forma rápida, atualizada e muito mais seus direitos, tem consciência destes e se posiciona
atrativa do que a “velha” sala de aula, o papel do ideologicamente baseado em fundamentos e em
professor toma-se mais evidente. Ele deixa de reflexões críticas.
237
VASCONCELLOS, C.M.; ALONSO , A.C.; LUSTO SA, P.R. A abordagem do período pré-colonial brasileiro nos
livros didáticos do ensino fundamental. R evista do M useu de A rqu eologia e E tn ologia, São Paulo, 10: 231-238,
2000.
Referências bibliográficas
TRATAMENTO E ORGANIZAÇÃO DE
INFORMAÇÕES DOCUMENTÁRIAS EM MUSEUS
Embora tida como uma atividade tão antiga L ’Office International des Musées (O.I.M)1
quanto as instituições que a abrigam, a procuraram dar a essa documentação uma
documentação de museus desenvolveu-se feição mais especializada, ainda que num
lentamente, ficou à margem ou à deriva primeiro momento de forma indireta, pois
durante muito tempo, realizada sem método e nesse período privilegiavam-se mais os
considerada como a “parente pobre” dentre as registros de posse e propriedade das chama
atividades dessas instituições (Olcina 1986: das obras de arte, como garantia e salvaguarda
307). A partir do início do século XX, na contra roubos. Mas, por causa da necessidade
Europa, especialmente entre 1927 e 1945, de descrever e intercambiar tais obras, ainda
organismos de porte internacional como o nessa época, surgem as primeiras propostas de
normatização para registros voltadas principal
mente para catálogos iconográficos (Aubert
(*) Museu de Anatomia Veterinária da Faculdade de
M edicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de
São Paulo.
(**) Departam ento de B ib liotecon om ia e D ocu m en (1) Órgão internacional com sede em Paris, parte do
tação da Escola de Com unicações e Arte da U niversi In tern ational In stitute o f In telectu al C ooperation ,
dade de São Paulo. este um desdobramento da Liga das Nações.
241
CERAVOLO, S.M .; TÁLAM O , M.F.G.M . Tratamento e organização de inform ações docum entárias em m useus.
R evista do Museu de A rqu eologia e E tn ologia, São Paulo, 10: 241-253, 2000.
1948). No entanto, a documentação ainda não descrevendo objetos de museu (Olcina 1986:
era pensada como uma atividade especializada 311 ss.). Nesses anos, o tema “documentação”
com procedimentos e objetivos particulares, é incluído em cursos sobre museus, caso
sendo este um dos focos de discussões e de daquele ministrado por G. H. Rivière, em Paris.
tentativas de implementação de sistemas Aos poucos, a documentação assume um
durante o decorrer de décadas do século XX. estatuto significativo no interior dos museus, quer
O ICOM (Conselho Internacional de como suporte para as atividades administrativas,
Museus) substitui, a partir de 1946, o O.I.M., e quer como elemento de apoio para a pesquisa
na década de 50 forma-se no âmbito daquele científica neles desenvolvidas. Toma-se consenso
Conselho, o Comitê Internacional de Docu que as coleções são o seu ‘coração’ (Pearce 1986),
mentação (CIDOC), secretariado pelo Centro foco principal de suas atividades, e ponto
de Documentação UNESCO-ICOM, cujos nevrálgico para a documentação, mesmo com as
primeiros passos foram moldados por Yvonne mudanças ocorridas no conceito de “museu” e de
Oddon,2 bibliotecária e colaboradora de “objeto museológico” (Menchs 1989) ao longo
George Henri Rivière.3 Na década de 60, o das décadas posteriores à Segunda Guerra.5
CIDOC tratou de questões relativas a padrões Coleções de objetos permanecem como sendo o
para os registros de museus como também da elemento característico e diferenciador entre
compatibilidade entre eles, mas não sem museus, bibliotecas e arquivos.
problemas, uma vez que a imensa diversidade À medida que aumentam as tarefas ao
de tipos de objetos é traço característico tanto redor das coleções, a documentação, durante a
das coleções como das instituições que as década de 80, será considerada como um
abrigam. A partir de 1967, ainda este organis conjunto complexo de ações direcionadas
mo defrontou-se com discussões embrionárias sobre aqueles conjuntos, e como sugere Klaus
sobre o uso de técnicas informatizadas. Schreiner (1985: 59-60), deveriam estar direta
Contudo, o maior empenho dirige-se para a mente envolvidas com a pesquisa acadêmica,
configuração básica dos chamados ‘sistemas tendo o objetivo de tomar eficiente o trabalho
de documentação’, que serão difundidos nos de pesquisadores.
anos 80, quando florescem propostas de Essa visão não é homogênea no panorama
sistemas dessa natureza. No decorrer dos anos geral dos museus. Observam-se ao menos
70, ainda no âmbito desse organismo, grupos duas tendências no trato da documentação.
de trabalho concluem a favor de procedimen Uma mais “reflexiva” debruça-se sobre a
tos informatizados como auxiliar para o importância do objeto como documento e
armazenamento, organização e comunicação de suporte de informações significativas para as
informações, mas eram muitas as dificuldades, pesquisas científicas. Essa perspectiva
entre elas os problemas para identificar, definir poderia ser considerada como uma linha
e estabelecer um conjunto mínimo de dados4 especialmente francesa, desenvolvida princi-
(2) Oddon, entre outras atividades na área de documen Working Group (formado em 1992), tinha com o
tação de museus, compilou um esquema de classificação projeto no ano anterior estabelecer um guia para a
para assuntos relativos a museus para ser usado por padronização desses dados m ínim os, temporariamente
bibliotecas e Centros de Documentação, ministrou denom inados de “M inimum Information Categories
cursos de treinamento, um dos quais resultou no for Museum O bjects” (MICMO), tendo por base a
E lem ents de docum entation m uséographique4 datado identificação, localização e contabilidade de seus
de 1968, e, ainda hoje, considerado com o um trabalho objetos e espécim es (CIDOC - COMITÊ IN TERNA
de referência na área (Olcina 1986). TIO NAL POUR LA DOCUM ENTATION, ICOM,
(3) George Henri Rivière foi diretor do ICOM por anos 1995: 3 4 -3 6 ).
consecutivos. Desempenhou um papel marcante na (5) Passa-se a admitir um conceito de museu não mais
área de museus e é tido como introdutor de novas idéias restrito a quatro paredes e suas coleções. Fala-se na
para essa área. {La M uséologie Selon G.H.R., 1989). m usealização de territórios e participação de
(4) O problema dos dados mínimos ainda não se comunidades, contexto no qual a idéia de objeto
encontra totalm ente resolvido. Toni Petersen, em m useológico passa a englobar qualquer expressão
1995, então presidente do D ata an d Term inology cultural.
242
CERAVOLO, S.M .; TÁLAM O , M .F.G.M . Tratamento e organização de inform ações docum entárias em m useus.
R evista do M useu de A rqu eologia e E tnologia, São Paulo, 10: 241-253, 2000.
pálmente sob a égide das propostas de Rivière manteve nas décadas seguintes vista como
e por ele disseminada para outros países meta ideal a ser alcançada. Para isso não
através do ICOM, já que foi seu presidente por faltaram precursores, instituições ou projetos,
muitos anos. No bojo dessas propostas, nasce nos quais a alavanca temática era informatizar
a concepção de que museus podem ser as informações sobre as coleções. Visava-se,
considerados como ‘Centros de Documenta principalmente, agilizar o cruzamento, busca e
ção’ em potencial, tendo na própria documen recuperação de dados, como também elencá-
tação o alicerce para criar o “museu-laborató- los para formar os tão desejados catálogos de
rio”, uma associação entre o “museu cultural” museus (Chenhall 1975). No entanto, para que
(musée culturel) e o “museu-científico” (musée isso pudesse ocorrer usando-se com plenitude
scientique) (La Muséologie Selon G.H.R., os computadores, urgia, em primeiro lugar,
1989: 175 e 179). Uma outra tendência da compreender o que Lenore Sarasan chamou de
documentação em museus pode ser chamada “teoria da documentação” e os “sistemas de
de “tecnicista”, pois visa em primeiro lugar o documentação”, elementos a serem obrigatori
acesso rápido aos objetos e seus respectivos amente definidos antes da implantação de
registros. Aqui busca-se preferencialmente o qualquer sistema informatizado (Sarasan
controle das coleções por meio da conexão 1981:45), ou mesmo manual. No final da década
entre registros, fichas e fichários, com referên de 80, e no início dos anos 90, a ênfase recai
cias cruzadas para que possam ser recupera sobre a importância do controle de vocabulári
dos. O escrivão (registrar), é a figura profissi os e de terminologias descritivas especializa
onal responsável pela criação, manutenção e das.6 No entanto, essa importância vincula-se
cuidado permanente com os registros, e os mais à necessidade de operacionalizar a
curadores pela pesquisa do objeto e sua informatização das coleções e menos à preocu
catalogação (Dudley et alii 1976). Esta pação de tomar acessíveis para um amplo
tendência desenvolve-se com força em público as informações sobre as coleções.
território norte-americano. O foco diferen- Leonard Will, em 1993, considera que a
ciador entre uma e outra instala-se na aborda documentação em museus ainda está na sua
gem do objeto de museu e nas funções da infância, pois estas instituições não se vêem
documentação uma privilegiando a necessida como prestadores de serviços de informação
de de compreendê-lo, desvendando e regis (Light, Roberts, Stewart 1986).
trando em detalhes, e a outra enfatizando os
aspectos administrativos onde o documentar
coleções vincula-se fortemente à idéia de (6) Em 1987, form a-se o Grupo de Trabalho para o
eficiência no seu gerenciamento. Controle T erm inológico (T erm inology C on trol
Tal como em outras áreas, os museus Working Group), ligado ao CIDOC. Segundo este
também não escaparam da idéia de que a órgão, há 43 tesauri para museus, elaborados para
auxiliar a descrição de objetos, nas áreas de: agricultu
informática poderia resolver tudo, ou quase
ra, armas, arqueologia, arquitetura, artes decorativas,
tudo, do acesso aos objetos à elaboração de cerâmica, construções, cultura material de forma
catálogos, atribuindo-se as possíveis ou geral, cutelaria, engenharia, esculturas, ferramentas e
futuras possibilidades de informatização a transportes, film es e fotografias, indumentária,
organização e recuperação das informações instrumentos marítim os, instrum entos m usicais,
sobre as coleções. Envolvida na aura da jóias, livros, manuscritos, material etnográfico,
m obiliário, moedas, objetos cerim oniais, objetos de
informatização, no decorrer dos anos 80, a
m etal, objetos eclesiásticos, objetos históricos,
‘informação’ passou a ser considerada como objetos relacionados à ciência e tecnologia, pinturas,
fator de evidência (Lewis 1986: V). Na visão de relógios, tapeçaria, têxteis, trabalhos em papel e
alguns autores, os museus deixariam de ser um outros tipos de impressos, e termos para designar a
show-room, na medida em que poderiam amarração e costura em livros raros. Em língua
prover seus públicos com outros subsídios portuguesa contamos com o Tesauro p a ra a cervo s
m u seológicos, publicado em 1987 por H elena D.
informativos (Elisseff 1970/1:5).
Ferrez e Maria Helena S. Bianchini (D irectory o f
De fato, comenta-se sobre as possibilida thesauri f o r ob ject names, CIDOC, 1994). A década
des de informatização no universo dos museus de 80 concentrou, até agora, o maior número dessas
desde o final da década de 60, idéia que se publicações.
243
CERAVOLO, S.M .; TÁ LAM O, M.F.G.M . Tratamento e organização de inform ações documentárias em museus.
R evista do Museu de A rqu eologia e E tn ologia, São Paulo, 10: 241-253, 2000.
Pode-se dizer que na esteira das tecnolo denominaram de “informação racional” (ver La
gias de informatização abriram-se possibilida Muséologie Selon G.H.R., 1989), sem entretan
des mais amplas de padronização e integração to defini-la. Oddon entende a documentação
de vocabulários na área de museus, com o museogràfica compartimentalizada em “servi
objetivo de descrever objetos. Não se pode ços” similar ao das Bibliotecas: os serviços de
esquecer que essa possibilidade, no entanto, registros, os de inventário, os de catálogo, a
se fazia presente com restrições, por causa da fototeca, a filmoteca, a fonoteca e a biblioteca
disponibilidade de equipamentos existentes, (Oddon 1968:1).
da dependência de grupos de trabalho, em Com base nos manuais da área, entende-se
alguns museus de grande porte, e em alguns que a palavra ‘documentação’ abarca uma
países em particular. idéia abrangente do “ato de documentar”,
atribuindo-lhe a função de abordar as coleções
de museus. Num sentido mais restrito, a
Sistemas de documentação em documentação de museus parece se aproximar
museus (SDMs) e o controle das coleções da elaboração de registros escritos, considera
dos fundamentais para a manutenção do
Vê-se que a documentação em museus controle das coleções tal como recomendava
trilhou etapas sucessivas de complexidade no Chenhall (1975:7), o que nos leva, nessa
percurso de sua formação, o mesmo ocorrendo direção, a conhecer a quantidade e localização
com a implantação dos ‘sistemas’ propriamen das peças sob guarda da institução. Cari
te ditos. Nos idos anos 60, não é a idéia de Guthe, por sua vez, ressaltava a importância da
sistema que está presente, mas sim a necessi conexão entre o “objeto e seu registro”,
dade de singularizar a documentação como referindo-se à necessidade de criação de uma
algo próprio dessa instituição. Yvonne Oddon identidade para os objetos a partir de ‘símbo
a chamará de ‘documentação museógrafica’ e, los de identificação’, que seriam, neste caso,
transportando técnicas biblioteconômicas para números (Guthe apud Chenhall 1975: 7).
a documentação de museus, sugere etapas de Já o termo ‘sistema’, presente na denomi
processamento técnico, propõe modelos de nação ‘sistema de documentação em museus’
fichas e procura caracterizar os ‘instrumentos (SDMs) implica idéias diferentes,9 tais como:
documentários’ que descrevem e classificam método, esquema, estruturação de trabalho em
os objetos. Do processamento técnico resulta, etapas, passos a serem seguidos, encadeamen-
como conseqüência, o recenseamento dos to de registros, como se observa na proposta
bens da instituição, ao mesmo tempo em que de sistema sugerida por Porta et alii (1982:
se obtém um alicerce para a documentação 12,13 e 19); ou suscita um processo rígido,
científica. Para o estudo das coleções, ela limitado, dirigido ao exterior ou por ele impos
sugeria outros instrumentos de “classificação to, sem espaço para o espírito criativo, segun
e análise”, compreendidos como ‘fundos’,8 do comentário de Cameron (1970). Em menor
acompanhados de fichas alfabéticas, sistemáti grau, o termo sublinha a importância da
cas e dossiês, permitindo que o utilizador informação para a tomada de decisões.10
acesse o maior número de registros e docu O processamento técnico da documenta
mentos sobre os objetos, e, assim, compreenda ção de museus divide-se em etapas sucessivas
as suas múltiplas referências. Para Oddon e e por vezes concomitantes, na dependência do
Rivière, os instrumentos de recuperação, como tamanho da instituição e da equipe que ela
os catálogos, são o meio de obter o que possui. A partir da entrada do objeto no
244
CERAVOLO, S.M .; TÁLAM O, M.F.G.M . Tratamento e organização de inform ações docum entárias em m useus.
R evista do Museu de A rqu eologia e E tnologia, São Paulo, 10: 241-253, 2000.
245
CERAVOLO, S.M .; TÁLAM O , M .F.G.M . Tratamento e organização de inform ações documentárias em m useus.
R evista do Museu de A rqu eologia e E tn ologia, São Paulo, 10: 241-253, 2000.
ou por qualquer outra entrada determinada por espécie de guia das tarefas seqüenciais a
prioridades institucionais. serem executadas, e no seu bojo instalam-se
Podemos dizer que do ponto de vista da os registros escritos.
documentação de museus, que executa ou Tudo o que foi dito nos leva a concluir
acompanha toda essa movimentação dos que essa documentação funde-se ou mesmo
objetos, abrem-se dois caminhos paralelos: de confunde-se com registros, e esses com os
um lado há as ações direcionadas ao suporte SDMs. Nos anos 70 e 80, a documentação
e, de outro, ao conteúdo, pois essa documen estará caminhando par e passo com a noção de
tação se responsabiliza pela elaboração, enfoque sistêmico.13 Autores como^Robert
manutenção e recuperação dos registros, o Chenhall (1975), esforçaram-se para diferenciar
que equivale, em última instância, a promover não só uma etapa de procedimento da outra,
o acesso às informações. mas especificar a função de registros e fichas,
Quanto às funções do SDM, percebe-se mostrando que cada um deles tem um objetivo
que a ele compete de certa forma modelar a determinado e não podem ser confundidos,
organização da própria documentação, ou seja, mesmo que compartilhem de atividades
o ‘sistema’ forma a estrutura arquitetônica correlatas. Recomendava-se igualmente que os
através da qual perpassam as diferentes sistemas fossem elaborados e implantados
etapas de acompanhamento do suporte para serem ativados manualmente, como um
(objeto), e não da informação propriamente momento necessário e prévio para sua posteri
dita, até que aquele possa ser armazenado em or informatização.
reservas técnicas, ou apresentado em exposi Para recuperar os registros, sugeria-se a
ções. Assim, o ‘sistema’ funciona como uma princípio o uso de palavras-chave, com base
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R evista do M useu de A rqu eologia e E tnologia, São Paulo, 10: 2 4 1-253, 2000.
na seleção de nomes ou classes de objetos, coleção deve ter índices cruzados de tantas
acompanhadas de números, e textos livres para formas quantas sejam possíveis ou as informa
descrições sintéticas (Chenhall 1975, Light et ções contidas nos registros não poderão ser
alii 1986). O controle de vocabulário e a usadas” (Chenhall 1975:9). Portanto, a recupe
normatização de terminologias ficaram depen ração das informações nos SDMs dependia
dentes da necessidade de informatizar, com o desses índices remissivos, embora fossem
propósito de recuperar as informações e vistos como lugar de fixação de dados trans
facilitar seu intercâmbio. postos de um registro para outro. Se tais
Embora raramente na década de 80 use-se referências aos índices correspondem ao
a expressão “sistemas de informação”, o fato controle de vocabulário, sabe-se que esta
significativo é que os sistemas de documenta operação é algo que o sistema não pode
ção de museus passam a ser imprescindíveis realizar por si sem o aporte da Análise Docu
para essas instituições garantindo o controle e mentária (AD). É função da AD tratar da
o acesso às coleções. Observa-se, entretanto, análise, síntese e representação da informação,
que na estruturação dos sistemas, tal como se para que seja recuperada e disseminada,
apresentam, não há distinção entre o tratamen caracteriza-se como uma atividade metodoló
to dos dados para acompanhamento do objeto gica específica no interior da Documentação
(suporte) e o tratamento e organização das (Cintra et alii 1994:24). Por outro lado, o
informações propriamente dito, ainda que simples uso de recursos informatizados não
ambos não prescindam da linguagem no poderia executar por si tais remissivas. Natu
sentido amplo. As etapas dos SDMs ficaram ralmente, tal perspectiva de ‘sistema’ influi
muito vinculadas ao trajeto que o objeto sobre os procedimentos de produção, organi
percorre no interior da instituição museu, zação, manutenção e recuperação da informa
tomando-se como idêntico o acompanhamento ção em museus.
do percurso do objeto e a informação sobre o
objeto, dando a ambos um tratamento global.
No entanto, a ação documentária (ciclo e Ausência de princípios
tratamento documentários) baseia-se, em documentários em museus: exemplos
primeiro lugar, na distinção entre agente
(suporte/objeto), e consecutivamente nas Há no âmbito da documentação de museus
metodologias envolvidas nesses proces ações que são por natureza documentárias, e,
samentos, sendo que para cada uma delas há caso não estejam conceituadas, corre-se o
uma linguagem controlada a ser usada. Disto risco de emprestar palavras da Documentação,
decorre que não há previsão nos SDMs de sem, no entanto, conhecer o seu conteúdo
etapas específicas, com metodologias também conceituai.
particulares para o tratamento da informação, Isto pode ser observado no contexto dos
sendo este tratamento uma conseqüência manuais de documentação de museus, nos
posterior. De fato, não priorizava-se uma significados atribuídos à ‘catalogação’, e ao
Política de Informação para esses sistemas. ‘catalogar’. ‘Catalogação’, refere-se à pesquisa
Conclui-se, portanto, que os SDMs do objeto (ou coleções) e parece ser consenso
operam na direção do controle das coleções, que se trate de função de especialistas (ou
atuando preferencialmente sobre o eixo curadores) (Dudley et alii: 1979). Quanto ao
administrativo/gerencial. Tais sistemas não ‘catalogar’ percebem-se divergências: Chen
podem ser caracterizados como sistemas de hall (1975: 9) remete à associação entre regis
informações documentárias (SIDMs). Apesar tros e um objeto, e entre este e objetos simila
disso, deduz-se que exista alguma operação res, com base num sistema de classificação;
para o tratamento da informação, ainda que de para Dudley et alii (1979: 31), é uma função da
modo implícito. Tal fato pode ser inferido da classificação e os fichários devem ser manti
afirmação de Chenhall quando comenta a dos por ‘registradores’ tendo por base infor
importância dos índices remissivos: “(...) mações fornecidas pelos curadores; para
qualquer documentação de objetos numa Scheiner (1985: 57), trata-se de uma questão
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R evista do Museu de A rqu eologia e E tn ologia, São Paulo, 10: 241-253, 2000.
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R evista d o Museu de A rqu eologia e E tn ologia, São Paulo, 10: 241-253, 2000.
OBJETO
D E C O D I F I C A Ç Ã O DO OBJETO
ORGANI ZAÇÃO
TRATAMENTO DO SUPORTE TRATAMENTO DA INFORMAÇÃC
Notações para Controle SISTEMA DE SIDM
Técnica
Classificação
INFORMAÇÃO
Indexação
I NFORMAÇÕES DOCUME NT Á RI A S
RECUPERAÇÃO
(16) Inform ação docu m en tária depende de procedi (Kobashi 1994: 50). D istingue-se assim, sob a
m entos m eto d o ló g ico s exp lícitos, “é uma representa perspectiva da A nálise Docum entária (A D ), das
ção construída a partir de um objeto efetivam ente ‘inform ações brutas’, ‘principais’, ‘sign ificativas’ ou
presente, que o substitui para certas finalidades” ‘essen cia is’.
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R evista do M useu de A rqu eologia e E tn ologia, São Paulo, 10: 241-253, 2000.
(17) Lembrando que se encontram na área de museus (18) Termo tem com o definição: “uma designação
recom endações para o controle de vocabulário com o por meio de uma unidade lingüística de uma noção
m eio de obter consistência e coerência (glossários - definida numa língua de especialidade” (ISO: 1087, 5).
Camargo-Moro: 1989; vocabulários controlados - (19) Este ensaio fundou-se na organização do acervo
Dudley et alii: 1979; terminologias - Ligth et alii de peças anatômicas sob guarda do Museu de Anato
1986), reforça-se a idéia de que tal operação é mia Veterinária da FMVZ/USP, para o qual a técnica
fundamental, no entanto, não há nesses manuais anatômica aplicada m odifica e cria a evidência nela
m étodos explicitados para realizá-los. observável.
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VOCABULÁRIO CONTROLADO
4
4 1
LD INFORMAÇÃO
ASSOCIADA
1
DESCRITOR -► RIM *4-PEÇA
a n a tô m ic a
RECUPERAÇÃO
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R evista do Museu de A rqu eologia e E tn ologia, São Paulo, 10: 241-253, 2000.
Referências bibliográficas
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CERAVOLO, S.M .; TÁLAM O , M .F.G.M . Tratamento e organização de inform ações docum entárias em m useus.
R evista do M useu de A rqu eologia e E tn ologia, São Paulo, 10: 241-253, 2000.
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Rev. do M useu de A rqueologia e Etnologia, S. Paulo, 70: 25 5-270, 2000.
Rita Am aral**
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AM ARAL, R. A coleção etnográfica de cultura religiosa afro-brasileira do Museu de Arqueologia e Etnologia da
Universidade de São Paulo. R evista do Museu de A rqu eologia e E tn ologia, São Paulo, 10: 255-270, 2000.
minisséries, filmes, exposições, pinturas e tais objetos estão inseridos como verdadeiros
esculturas e, mais recentemente, CD-ROMs e ícones de cultura, a partir dos quais é possível
sites na Internet. As Ciências Sociais, por sua recontar a história dos cultos religiosos de
vez, dedicam-se a compreender o papel do origem africana no Brasil (Bastide 1978;
negro na sociedade nacional, onde ainda é Gonçalves 1954; Lody 1974, 1977,1979, 1982,
discriminado enquanto indivíduo ao mesmo 1984,1985a, 1985b; Oliveira Neto 1968; Rodrigues
tempo em que suas práticas culturais são 1982; Valladares 1969 e outros).
absorvidas de modo quase apaixonado. Tendo sido a cultura negra, durante muito
Apesar disto, a memória do desenvolvi tempo, uma cultura dominada, suas manifesta
mento desta cultura, matriz e produto ao ções religiosas foram duramente perseguidas
mesmo tempo do processo de desenvolvimen pelo poder político e sua polícia e também pelo
to histórico nacional que deu origem à “cultura catolicismo, hegemônico durante longos anos.
brasileira” (que não se separa da “afro- A memória religiosa só se nfanteve às custas
brasileira”) em seu aspecto religioso ou da transmissão de tradição oral, de pais para
profano, não tem encontrado lugar nos filhos. Do ponto de vista oficial, a história dos
museus e instituições oficiais que visam negros é uma história de escravos, que muitas
preservar a memória dos grupos e suas artes e vezes escamoteia significados e interpreta
técnicas; sua história enfim. Esta cultura, vista mais do que explica. Nos museus, à parte
até bem pouco tempo como “cultura domina acervos de peças referentes ao processo
da”, raras vezes se vê representada em seus escravagista, como grilhões, mordaças,
valores próprios. Em geral aparece nas leituras pelourinhos, não há quase registros materiais
e releituras dela feitas por artistas plásticos, de sua cultura em liberdade, colocando-se
escritores e músicos, mas pouco se conhece e novamente a cultura afro-brasileira em situa
valoriza, por exemplo, o simbolismo de arte ção de inferioridade diante da cultura de
sacra afro-brasileira e nem mesmo se dá a ela origem européia, que erigiu imensos acervos
tal nome, talvez por seu pequeno valor materi para preservar os elementos significativos de
al, talvez pelo desconhecimento da riqueza sua história. Para a cultura de origem africana,
simbólica, mitológica e histórica implícita e transformada em cultura afro-brasileira pelo
explícita nos grafismos de um adê de Oxum processo histórico, entretanto, pouca memória
(espelho da deusa dos rios dos ritos de origem material existe. E os grupos afro-descendentes
ioruba), ou no trançado de um bilala de em muito se ressentem disto. Em minha
Oxóssi (chicote de couro do deus caçador), do pesquisa de Mestrado, sobre o estilo de vida
significado do modo de amarrar na cabeça os dos adeptos do candomblé paulista (Amaral
ojá-oris (turbantes) que indicam a senioridade 1992), várias vezes encontrei pais e mães de
no culto, o grau de conhecimento, também santo preocupados com a criação de “museus”
explicitados pelos brajás (colares de conta de em seus terreiros, que visassem, no mínimo,
louça, em gomos, cheios de riquezas numero- manter a memória de sua história se não a de
lógicas relacionadas aos mitos), do significado todo o candomblé. Roupas ricamente bordadas
das vestimentas, memórias da vida colonial e com signos religiosos, peças em metal traba
da escravidão. lhado, ícones de memória das práticas que
Alguns estudos têm se dedicado a orientam suas vidas lhes pareciam escapar das
colecionar e catalogar imagens ou objetos mãos com o tempo. A idéia de “criar um
recolhidos em alguns terreiros e delegacias museu” era sempre a de preservar-se, a de não
(que os mantêm desde os tempos da repressão desaparecer no processo de modernização que
ao culto, quando fechavam os terreiros e tanto transforma as práticas e os valores,
recolhiam os objetos rituais como provas do impedindo assim que o futuro venha a apagar
“crime” de “feitiçaria”) e analisá-los tecnica toda a memória de sua existência, caso a
mente em termos da transformação da matéria- evidência material não seja preservada como
prima e das técnicas de produção, sendo testemunho de sua existência. Preservar sua
menor o número os estudos que se dedicam a crença, implicaria, portanto, preservar também
avaliar os aspectos sócio-religiosos nos quais algo do aparato material sobre o qual ela se
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Universidade de São Paulo. Revista do Museu de A rqu eologia e E tnologia, São Paulo, 10: 255-270, 2000.
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Universidade de São Paulo. R evista do Museu de A rqueologia e E tn ologia, São Paulo, 10: 255-270, 2000.
(Krebs 1988, Corrêa 1992, Oro 1994 etc.), divinização de elementos da natureza. No
candomblé baiano (Rodrigues 1935, Carneiro segundo, as histórias dos santos se relaciona
1978, Bastide 1978; Verger 1981; Pierson 1967; vam de modo coerente com vários mitos
Landes 1967; Lima 1977; J. Santos 1977; Braga africanos de orixás (deuses do grupo sudanés)
1988, 1995; Barros 1993; J. Santos 1995 etc.), e inkices (deuses do grupo angolano). Ao se
candomblé carioca (Binon-Cossard 1971, reorganizarem no Brasil, portanto, as religiosi
Augras 1983, Birman 1995 etc.), candomblé dades africanas estabeleceram um diálogo
paulista: (Prandi 1991, Amaral 1992, Silva 1995 entre si, com a religiosidade indígena e com o
etc.), umbanda (Camargo 1961, Velho 1975, Ortiz catolicismo a que todas estavam submetidas.
1978, Negrão 1996) e estes estudos têm subli Evidentemente houve, ao longo dos quatro
nhado as singularidades dos processos de séculos, diferentes pfocessos, de certo modo
desenvolvimento destas religiões através da condicionados pelas especificidades regionais
focalização de aspectos diversos delas, como o de onde estas religiosidades se desenvolveram
transe, a estrutura religiosa e mitológica, a e, assim, diferentes conseqüências com
culinária, o estilo de vida, suas relações com a diferentes feições. Após o advento da aboli
metrópole etc. Apesar da riqueza etnográfica ção da escravatura e da República tomaram-se
atual no que diz respeito às formas de religiões visíveis várias expressões religiosas de origem
afro-brasileiras nas diferentes regiões do país, africana (Amaral e Silva 1996).
poucos trabalhos têm tentado dar conta dos A cultura material das religiões afro-
aspectos materiais destas religiões e delinear, brasileira mostra claramente as marcas deste
numa perspectiva antropológica, as relações processo através dos signos de que vão sendo
destes com o sistema religioso e sua transfor impregnados os objetos: cmzes, cálices,
mação através das mudanças sofridas pelas balanças e vários outros associados aos santos
diferentes denominações em sua relação com a católicos e elementos da cultura indígena.
2
cultura brasileira. Para avaliar a relevância da “O p rocesso abolicion ista e a instauração
criação e organização de um Acervo de Cultura da República enfatizou a necessidade de se
Afro-Brasileira no MAE, é preciso compreender pen sa r a construção de uma iden tidade
o processo histórico que trouxe para o Brasil, brasileira diante da necessária convivência dos
vários segm entos sociais e étnicos. O m odelo de
no período Colonial, sob o sistema escravista, p a ís que as elites da época desejavam adotar
diferentes grupos étnicos, principalmente pu blicam en te con trapu n h a-se à realidade, p o is
bantos e sudaneses, com diferentes práticas m esmo “co m p a rtilh a n d o ” os ideais da cultura
culturais, inclusive religiosas. européia iam sendo en volvidas p o r aspectos da
cultura a frica n a j...]. D eparan do-se com esta
O Brasil do período Colonial escravista era
realidade, as elites intelectuais e científicas
uma sociedade regida pelos valores do dedicaram -se, então, a en ten der o legado dos
catolicismo português, religião obrigatória vários grupos que compunham a cultura
para todos. Um catolicismo fortemente magici- nacional. O legado africano tornou-se, então,
zado, com imenso aparato simbólico materiali objeto de interesse científico e, dentro deste, as
zado no uso de velas, escapulários, bentinhos, p rá tica s religiosas foram vistas com o um dos
prin cipais fo c o s de análise, uma vez que ela
medalhinhas, óleos santos, tercinhos etc.,
marcado pela devoção aos inúmeros santos
mártires e pela crença da interferência destes
no cotidiano (Ewbank 1979). Sob a hegemonia
(2) Com a abolição da escravidão, os negros incharam
deste catolicismo conviviam as tradições as cidades em busca de melhores condições de vida, e
religiosas dos vários grupos indígenas e os serviços pesados, braçais e o pequeno comércio
africanos. As recorrências estruturais existen foram suas principais atividades. As mulheres negras,
tes entre as cosmovisões destes três grupos tidas por exím ias cozinheiras, quando não continua
permitiram a tradução e a reinterpretação de ram com o empregadas domésticas na casa de seus
antigos donos, estabeleceram-se vendendo em seus
umas pelas outras. O politeísmo africano tabuleiros doces, acarajés, abarás e outras comidas da
identificou-se com o politeísmo indígena e com culinária africana. Neste contexto, a cultura de origem
o culto aos santos católicos. No primeiro caso, africana encontrou maiores possibilidades de expressão
a tradutibilidade se dava inclusive pela e foi ganhando aos poucos mais visibilidade.
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Universidade de São Paulo. R evista do Museu de A rqu eologia e E tnologia, São Paulo, 10: 255-270, 2000.
p erm ea va todo o cotidian o dos descen den tes de de dos negros (politeísmo, transe etc.), em prol
africanos no Brasil. No entanto, num prim eiro de uma reinterpretação histórica e cultural desta.
mom ento, o p o liteísm o, o “an im ism o ”, o tran se
Pela primeira vez estas religiões foram tratadas
e o ca rá ter “m á g ico ” das religiões africanas
fo ra m in terpretadas com o sin al de “p rim itiv is como tais e amplamente investigadas e valoriza
mo" e “a tra so”3 (Amaral e Silva 1996: 202). das. Mário de Andrade organizou a “Missão de
Pesquisas Folclóricas” que percorreu o Nordeste
A contradição entre a discriminação social e o Norte do Brasil registrando em gravações e
e a adoção dos valores culturais dos negros fotos as principais manifestações religiosas afro-
pela sociedade brasileira surgiu também em brasileiras. No Recife e em Salvador, aconteceram
outras instâncias da vida cultural do país. Na os primeiros congressos afro-brasileiros, que
literatura, por exemplo, após a crítica de alguns reuniram religiosos, cientistas e políticos num
autores aos preconceitos e às condições
evento oficial, divulgado pela imprensa (Amaral
vergonhosas de vida da população negra, o
e Silva 1996:205.)
movimento modernista valorizou as caracterís
O caráter nacional da religiosidade afro-
ticas do povo brasileiro como elementos
brasileira foi tomado pela umbanda como
centrais para a expressão da cultura nacional.
bandeira e usado como uma de suas mais
Jorge Amado, escritor mundialmente lido,
valorizadas estratégias de crescimento e
tematizou o candomblé em suas obras, divul
legitimação. Teve sua origem com as feições
gando-o nacional e internacionalmente. Em
atualmente predominantes por volta da década
“Compadre de Ogum”, por exemplo, Amado
de 1920, quando espíritas kardecistas de
mostra as dificuldades da dominação católica
classe média passaram a juntar elementos de
na Bahia, onde até mesmo o padre é descen
dente de africanos, filho de Ogum, não poden origem africana à sua religião, defendendo
do portanto afrontar os que acreditavam nos publicamente tal sincretismo. Ao panteão
orixás nem ser afrontado por estes. Nas artes africano traduzido para o catolicismo (Iansã é
plásticas o negro aparece nas telas de pintores Santa Bárbara, Oxum é Nossa Senhora Aparecida),
famosos como Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti a umbanda acrescentou os pretos-velhos,
e Cândido Portinari. Na música popular índios (caboclos) boiadeiros, ciganos, baia
brasileira, Dorival Caymmi e outros, cantaram nos, marinheiros, divinizando e valorizando os
temas do cotidiano popular, entre eles o brasileiros representantes dos grupos margi
candomblé. (Amaral e Silva 1996). Capistrano nalizados. Buscou, no processo de “nacionali
de Abreu descreve famílias brancas, pobres, zação”, apagar os traços associados ao
vivendo como as famílias negras, dormindo em “primitivismo” dos cultos africanos, como o
esteiras no chão, comendo com as mãos, sacrifício de animais e o uso de atabaques que
dançando as músicas dos negros e freqüen importunassem a vizinhança. Com isso,
tando o candomblé, sinal de que a religião e os cresceu significativamente e tomou-se a mais
hábitos já não eram exclusivamente de negros, popular das religiões afro-brasileiras, ocupan
mas de brasileiros. (Abreu 1988). do importantes espaços no campo religioso
“Neste contexto, o que havia sido designado urbano do sudeste e, depois, de todo o país
até então como “africano” passa a ser compreen (Camargo 1961, Ortiz 1978, Brumana & Martínez
dido como “afro-brasileiro” ou “brasileiro”. Em 1991, Amaral & Silva 1996, Negrão 1996).
vez do termo “seitas africanas” passa-se a falar Nos anos 60, as influências externas em
em “religiões afro-brasileiras” e os estudos nossa cultura dos acontecimentos mundiais
centrados nestas religiões adquirem nova (movimento Black Power, Hippie e outros)
direção. Artur Ramos (1940) e, posteriormente, cresceram e com este crescimento também os
Édison Carneiro (1978,1981) e Roger Bastide movimentos de conscientização política, como
(1978,1985), abandonaram definitivamente a os dos negros, e os estéticos, como o Tropica-
associação entre inferioridade racial e religiosida lismo, que revalorizaram a identidade nacional.
A cultura afro-brasileira envolveu em sua aura
de misticismo e sensualidade os grandes
(3) Ver, por exem plo, os trabalhos de Nina Rodrigues centros urbanos do sudeste e artistas reco
(1 9 3 5 , 1977). nhecidos, quase todos descendentes de
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Universidade de São Paulo. R evista do Museu de A rqueologia e Etnologia, São Paulo, 10: 255-270, 2000.
negros. Caetano Veloso, Gilberto Gil, Maria vezes organizando-os mesmo. Associações
Bethânia, Martinho da Vila, Clara Nunes e destes grupos foram reconhecidas pelo Estado
outros, em geral ligados ao candomblé e à como de utilidade pública (Prandi 1991; Amaral
umbanda, cantaram para todo o Brasil os 1992,1998; Silva 1995; Amaral & Silva 1996).
nomes e as lendas dos orixás e outras divinda Como se vê, a história da formação do
des afro-brasileiras, legitimando nacionalmente campo religioso afro-brasileiro se confunde
uma prática cotidiana do universo popular. A com a própria formação da sociedade nacional
aceitação da cultura religiosa afro-brasileira e a perspectiva a ser empregada no projeto de
também foi ampliada pela atração de seus organização da coleção e um eventual futuro
ritmos e danças nas grandes festas populares Acervo de Cultura Afro-Brasileira deve
brasileiras, fazendo com que estas ganhassem considerar tantos os aspectos particulares do
visibilidade na mídia em nível nacional. Os campo afro-brasileiro em si, como as conexões
xangôs que saem às ruas do Recife através do que ele mantém com as demais esferas da
ritmo e estética dos maracatus, grupos carna cultura brasileira, uma vez que a cultura
valescos intimamente ligados aos terreiros material é um aspecto da sociedade que não
tornaram-se populares como os afoxés, pode ser isolado e analisado de forma inde
versões profanas dos cultos aos orixás, que se pendente de outras esferas da cultura. Assim,
apresentam no carnaval, saídos dos candom atribuir valor material às peças da cultura afro-
blés de Salvador. As escolas de samba cario brasileira presentes no Museu é um dos
cas, que se organizaram em tomo da vida pontos complexos, pois o que deve ser
social dos terreiros ganharam destaque considerado, no caso, não é seu valor material
nacional e internacional, dando oportunidades (as peças são feitas de materiais relativamente
de projeção e ascensão a compositores e baratos) ou antigüidade, mas a relevância do
carnavalescos que tematizaram a cultura afro- objeto dentro do sistema religioso, deste na
brasileira, pondo em evidência sua relevância cultura envolvente e todo o processo trans-
na formação da cultura brasileira (Ortiz 1986, formativo em que se insere. Os aspectos mais
Tinhorão 1988, Moura 1983, Mota 1977, Brown especificamente materiais, como estilo, função,
1977, Risério 1981, Amaral & Silva 1996). trabalho artístico e a idade do objeto também
Nos anos de 1980/1990, o prestígio das devem ser considerados, sempre em relação
religiões afro-brasileiras cresceu significativa com seu “papel” no sistema sócio-religioso.
mente e consolidaram-se como religiões de Do relacionamento destas peças com o
conversão universal, conquistando espaços de contexto em que são ou eram utilizadas, e
reconhecimento. Brancos, negros, mulatos, deste com o contexto mais amplo da história
imigrantes, pobres, ricos, artistas, intelectuais, do Brasil e dos próprios cultos é que propo
converteram-se a estas religiões. Terreiros de nho extrairmos tal valor. Finalmente, os bens
candomblé foram tombados pelos órgãos do materiais, vistos como palavras numa lingua
Patrimônio Histórico Nacional, em reconhecimen gem, devem ser considerados em seu contexto
to da importância e legitimidade destes gmpos e em sua associação a gestos: no caso do
na história e na cultura brasileiras.4 As festas e candomblé, danças, reverências, cumprimen
os líderes das religiões afro-brasileiras ocuparam tos, cantigas, momentos rituais etc., captando-
a mídia, e os órgãos governamentais dirigiram se a totalidade do que pretendem suportar
sua atenção à elaboração de políticas públicas como significado e transmitir como mensagem.
que contemplassem os grupos negros, entre os
quais se localizavam os grupos religiosos, muitas
As Coleções Pierre Verger, Breziat e
Guimarães e a Coleção Registro Sertanejo,
(4) Entre os terreiros que foram tombados ou que têm do MAE
recebido ajuda dos órgãos governamentais para
garantir a manutenção de seu patrimônio físico e de
suas tradições religiosas estão a Casa Branca do
O Acervo de Cultura Afro-Brasileira do
Engelho Velho em Salvador, o Axé Ilê Obá em São MAE é composto basicamente de três cole
Paulo e a Casa de Nagô em São Luís. ções, ou conjuntos de peças. Uma delas, a
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A M ARA L, R. A coleção etnográfica de cultura religiosa afro-brasileira do Museu de A rqueologia e Etnologia da
Universidade de São Paulo. R evista do Museu de A rqu eologia e E tn ologia, São Paulo, 10: 255-270, 2000.
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Universidade de São Paulo. R evista do Museu de A rqu eologia e E tnologia, São Paulo, 10: 255-270, 2000.
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AM ARAL, R. A coleção etnográfica de cultura religiosa afro-brasileira do Museu de Arqueologia e Etnologia da
Universidade de São Paulo. R evista do Museu de A rqueologia e E tn ologia, São Paulo, 10: 255-270, 2000.
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Universidade de São Paulo. Revista do Museu de A rqu eologia e Etnologia, São Paulo, 10: 255-270, 2000.
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Universidade de São Paulo. R evista do Museu de A rqueologia e E tnologia, São Paulo, 10: 255-270, 2000.
A Coleção Registro Sertanejo Pública, o que indica que devam ter sido
apreendidas durante o período de repressão
Durante o processo da pesquisa da policial ao culto. Esta coleção é extremamente
coleção Verger/Breziat/Guimarães, proposta valiosa, não apenas por representar aspectos
no projeto de Pós-Doutorado, soube, através múltiplos do culto, como por seu caráter
da Profa. Dra. Marta Salum, do setor de artesanal, constituindo peças únicos. Os
Etnologia Africana do Museu, de uma pequenos ilus de cerâmica, as contas de
“gavetinha” com pequenas pecinhas afro- Iemanjá, feitas em biscuit e pintadas à mão
brasileiras, vindas do Museu Paulista quando com delicadas flores, as espadas de madeira,
da criação do MAE, que ela julgava que os ilus escavados a fogo e formão no tronco
poderiam vir a ser acrescentadas ao estudo. da árvore, cuja pele se amarra ao corpo com
Falei sobre isto com a Profa. Nobue Myazaki, cipó, as guardas de espada feitas com latas
do setor de Etnologia Brasileira, que conse industriais recicladas, o xaxará de Omolu,
guiu que a Reserva Técnica fosse aberta para feito com simples taliças unidas pela base
que eu visse estas peças. Logo foi possível num pequeno saquinho de tecido são
constatar a importância delas e sua antigüida exemplares de um momento histórico do
de. Regivaldo Dias Leite, técnico da área de culto em São Paulo e testemunhas da exis
tência de um candomblé organizado que se
Conservação disse-me, então, que havia
rtiuitas outras peças afro-brasileiras mais, pensava não ter existido em São Paulo antes
espalhadas pela Reserva Técnica, todas dos anos 60, mas já apontado por Liana
vindas do Museu Paulista, e que a listagem Trindade em 1991.
das peças se encontrava num caderno, no Nem todas as peças constantes da
setor de Documentação. Conversei então com listagem enviada ao MAE pelo Museu Paulista
a responsável pelo setor de Documentação, foram encontradas. Até o momento foram
Marilucia Botallo, que o encontrou e me catalogadas as peças constantes na tabela ao
entregou. Coincidentemente, quando eu lado (ver Tabela).
consultava este caderno e algumas folhas
soltas com documentação incompleta, Conclusão
conheci a Profa. Dra. Sonia Dorta, que tendo
trabalhado no Museu Paulista, conhecia esta A riqueza e significado histórico, simbóli
coleção, e que afirmou que havia uma lista co, etnográfico e social destas coleções, a
gem que deveria estar ali mesmo no setor de demanda dos grupos que representam, sempre
Documentação, pois fora enviada por ela, inferiorizados diante da cultura hegemônica e a
pessoalmente. Esta listagem, onde constam proposta educativa do MAE, ao qual se
os dados principais das peças, mas de modo integram, parecem compensar o investimento
incompleto, foi encontrada. A partir dela e do Museu na formação de um Acervo de
com a ajuda inestimável de Regivaldo Dias, Cultura Afro-Brasileira ou mesmo de toda uma
foram encontradas 187 das 252 peças listadas, área de Cultura Afro-Brasileira, uma vez que o
datadas do princípio do século, de cultos acervo que a representa não se esgota nos
afro-brasileiros sediados principalmente no objetos de cultura religiosa e nem mesmo
interior de São Paulo. unicamente nos objetos de candomblé. A
Segundo informações contidas nesta Universidade de São Paulo tem produzido
listagem, algumas peças foram levadas ao sistematicamente conhecimento sobre os
Museu Paulista em 1914. Outras em 1938 e grupos afro-brasileiros e um acervo como o
outras ainda em 1943. São originárias de proposto viria a enriquecer em muito o apren
cultos do interior de São Paulo (Tietê, Pira- dizado na própria USP e se tomar, também,
pora, Araraquara, Jundiaí) e foram doadas ao importante referência para a educação nestas
Museu Paulista pela Secretaria de Segurança áreas.
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Peças do Museu Paulista catalogadas (cont.) Peças do Museu Paulista catalogadas (cont.)
N°no N° no
Inventário Objeto Inventário Objeto
Geral Geral
RS245 Atabaque “Lé” de madeira RS547 Colar de contas verdes listradas de verme
lh o
RS246 Atabaque “Lé” de madeira
RS548 Colar de contas azuis
RS 247 Atabaque Rum de madeira
RS549 Colar de miçangas vermelhas e brancas
RS249 Atabaque Rumpi de cerâmica
RS550 Colar de miçangas amarelas
RS349 Peça a duas folhas de ferro
RS551 Colar de contas brancas/avermelhadas/
RS351 M achadinho
verm elhas
RS357 Arpão duplo de ferro
RS552 Colar de contas brancas
RS534 Colar rongafé [runjebe]
RS590 Oito cachimbos de barro
RS535 Colar de Oxum
RS650 Espada de Ogum, madeira
RS536 Colar de Oxalá
Colar de Inhansan RS651 Espada de Ogum, madeira
RS537
Colar de contas de Sta. Bárbara RS652 Espada de Ogum, madeira
RS538
Colar de contas de Inhansan RS653 Espada de Ogum, madeira
RS539
RS540 Colar de contas de Oxum RS654 Espada de Ogum, madeira
RS542 Colar de contas de Oxumaré RS657 Cordão branco com 3 nós na extrem i
dade
RS543 Colar de contas de Oxum
RS669 ídolo africano, madeira, mãos no peito
RS544 Colar de contas de Iemanjá
RS670 ídolo africano, madeira, mãos na barriga
RS545 Colar de contas azuis
RS679 Alguidar de estanho
RS546 Colar com 13 grupos de 4 contas brancas
sep/amarela RS698 Figura antropomorfa de ferro [Iemanjá]
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Referências bibliográficas
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Universidade de São Paulo. R evista do Museu de A rqueologia e E tn ologia, São Paulo, 70: 255-270, 2000.
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Rev. do Museu de A rqueologia e Etnologia, S. Paulo, 10: 271-288, 2000.
Orlando Sampaio-Silva**
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Porém, uma informação original e surpre de subordinação nos seringais a que estiveram
endente referente à mitologia Tükúna se submetidos e têm grande parte de suas terras
encontra em Alveano (1943: 19), segundo a regularizadas e sob seu domínio.
qual esses índios acreditariam em dois princí
pios, a saber, o do bem, encarnado em Tupã, e
o do mal, presente em Jurupari. Segundo A “Festa da Moça Nova”
nossa interpretação, Tupã e Jurupari são
termos que sugerem a idéia de uma crença Os Tükúna, a par das fortes influências
desses índios paralela à sua mitologia tradicio culturais exógenas que se têm exercido sobre
nal, ou, então, a possibilidade de eles cor sua sociedade - como o último surto messiâ
responderem aos heróis culturais d yo ’i e e:pi nico registrado nessa tribo a partir de 1972 - ,5
que, no caso, seriam eles mesmos dissimula encontram nos mitos e rituais tradicionais
dos sob essas outras denominações, em uma sustentáculos para a preservação de sua vida
adaptação ou arranjo cultural. Estas entidades social tribal e o fortalecimento de sua identida
sobrenaturais (Tupã e Jurupari), com suas de étnica. As cerimônias mais marcantes dos
denominações em língua Tupi, corresponde Tükúna são ritos de iniciação e de passagem,
riam a Deus e ao diabo (a oposição binária do como a nominação das crianças e o ritual
bem e do mal) da teologia cristã e foram referente à puberdade das meninas, regional
levados também a sociedades indígenas não mente conhecida como “festa da moça nova”.
falantes de línguas Tupi (como os Tükúna, que Estes rituais se realizam em períodos de
falam uma língua isolada) em decorrência de abundância de peixes, oportunidades em que
contatos intertribais ou da ação catequética se reúnem parentes e convidados, em uma
católica ao longo da história. No caso dos confraternização de caráter mítico-religioso,
Tükúna, certamente esta última hipótese com a ocorrência de danças, consumo de
corresponde mais aos fatos históricos relacio alimentos e de bebidas (o pajuaru e a caiçu-
nados com este povo, de vez que os Tükúna ma, ambas preparadas da mandioca). A “festa
não têm vizinhos próximos que falem língua da moça nova” é também conhecida pela
filiada ao tronco Tupi, mas têm uma longa denominação “festa da pelação”, porque a
história de contatos com a sociedade inclusiva. jovem reclusa, além de submeter-se a restri
Oliveira Filho (1988: 21) se reporta a que ções alimentares, tem seus cabelos extirpados.
“Apesar de três séculos de contato com os Das danças participam os personagens
brancos, os Tucuna mantêm viva a sua língua, m ascarados.
sendo raros os casos de índios ou mestiços No período de reclusão atinente ao evento
que, criados por civilizados, não falam a língua da puberdade, a jovem Tükúna passa por
nativa”. Nimuendaju (1948: 713) refere que os experiências místicas extraordinárias, tais como
Tükúna foram mencionados pela primeira vez o contato com seres sobrenaturais. A propósi
por Cristóbal d ’Acuña em 1641, e Cardoso de to destes acontecimentos, Nimuendaju revela:
Oliveira (1964: 43) informa que a “conjunção
“At her first menstruation, a girl is secluded
interétnica” em que têm estado envolvidos in the house loft. This is not so cruel as certain
esses índios teve início “por volta do século travelers (Bates 1863, 2: 406) proclaim . Every
XVII” e foi “incrementada ao longo dos girl submits w illingly, convinced that her peculiar
séculos XVIII e XIX”. Este último autor condition requires it and that its om ission would
(ibidem) analisa cuidadosamente a inserção
desses índios na economia da produção da
borracha desde o século XIX, em situação (5) A sociedade dos índios Tükúna, dadas suas
assimétrica no confronto com a sociedade características culturais endógenas e às circunstâncias
nacional, como mão-de-obra explorada nos históricas de seus contatos com a sociedade inclusiva,
tem sido campo fértil para a erupção de surtos
seringais, em muitos casos, no interior das
m essiânicos. A propósito dessas m anifestações
terras indígenas, cujo processo caracteriza m ísticas, consultar: Curt Nimuendaju, op. cit. 1948;
como sendo de “fricção interétnica”. Presente Maurício Vinhas de Queiroz 1963; Ary Pedro Oro,
mente, os Tükúna estão livres desta situação op. cit. 1978, e Orlando Sam paio-Silva 1997.
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A pesquisa
(6) N ossas estadas em aldeias dos índios Tükúna,
muito embora objetivassem o estudo de situações de
Desde o mês de maio de 1999, estamos contato das comunidades indígenas visitadas com a
desenvolvendo um projeto de estudo de sociedade inclusiva - cf. os trabalhos de nossa autoria
publicados em 1985/86 e op. cit. 1997 - , perm iti
máscaras ritualísticas dos índios Tükúna ram-nos a observação de máscaras, inclusive uma
existentes no acervo do Museu de Arqueolo máscara para a cabeça sendo confeccionada, e outras
gia e Etnologia-MAE, da Universidade de São peças produzidas por esses índios, esculpidas e/ou
Paulo. pintadas.
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os artistas indígenas e - também como na dante, como árvores e flores,7 ou, objetos de
pesquisa ora relatada - com os pesquisadores- seu uso cotidiano, como, p. ex., um facão ou
coletores dos objetos estudados, que poderi uma embarcação etc. Há máscaras inteiriças,
am, aqueles e estes dar informações e explica recobrindo o usuário-dançarino da cabeça aos
ções sobre, p. ex., os significados de desenhos pés, ou compostas de duas peças, separadas,
e pinturas, por outro lado, o contato direto e mas articuladas entre si, uma para a cabeça e a
exclusivo do hermeneuta com cada objeto de outra para o corpo. As caras são pintadas no
estudo em situação de acervo de museu, pede alto das máscaras inteiriças ou em máscaras
deste observador, como um desafio, o uso separadas para as cabeças ou são esculpidas
intenso da imaginação e da intuição na em madeira e pintadas e agregadas àquelas
formulação de hipóteses, situação que instiga coberturas de líber para as cabeças. As
a sua capacidade interpretativa e explicativa. A diferentes formas das máscaras, em face de
mediação de trabalhos publicados de autoria seus significados simbólicos, recebem denomi
de outros pesquisadores que também estive nações, tais como, cf. nossa constatação
ram no campo estudando a cultura e a socieda pessoal e de diferentes pesquisadores cujos
de dos índios Tükúna propiciou-nos um pano textos estamos consultando na elaboração
de fundo de dados empíricos e elementos deste artigo: mãe do vento (o ’ma), pai do
etnológico-etnográficos que se tornaram vento, jurupari, maguari, macaco, onça e
indispensáveis ao desenvolvimento de nosso outras denominações.
estudo. A perspectiva que objetiva a compre A seguir, exporemos os resultados de
ensão do significado simbólico das máscaras nossa observação referente a quatro exempla
Tükúnas estudadas, na complexidade de suas res de máscaras Tükúna, que estudamos no
formas e combinações de cores, isto é, no desenvolvimento do projeto de estudo em
conjunto da arte gráfica nelas contida, orien andamento. No início de cada explanação
tou o desenvolvimento de nosso estudo e a específica, registraremos em caracteres itálicos
formulação dos textos explicativos particulares as anotações constantes das fichas correspon
a cada uma, conforme a seguir. dentes às peças existentes no acervo do MAE.
Máscara N° 1
As máscaras R G : 2836
O bjeto: M áscara de entrecasca (M ávi)
C oleção: Curt Nim uendaju
Meses antes da festa da moça nova, os
Grupo étnico: Tukuna - A lto Solim ões
convidados a participar do ritual iniciam a O bservação: P erm utado, vindo do M useu Em ílio
preparação de suas máscaras. Estas são G o eld i
fabricadas de entrecasca - líber - de certas Ano: 1942.
espécies de árvores (cf. Gruber 1992: certas
espécies de Ficus ou “tururi”, como é deno Descrição
minado regionalmente: 255, ou Ficus radula, - Altura: l,90m
Poulsenia armata e outras, idem: 256; cf. - Largura máxima: 0,56m
Nimuendaju: Ficus sp. 1948: 719, e Frei Alvia-
no se refere simplesmente aos tururys, “tape Trata-se de uma máscara inteiriça fabricada
tes que fazem com uma casca de árvore”, 1943: de líber de árvore destinada a encobrir a
14). As máscaras, por um lado, por sua nature cabeça e o corpo de uma pessoa adulta.
za intrínseca, têm por finalidade tomar anôni
ma a identidade do seu usuário, e, por outro
lado, têm a função de simbolizar um clã ou
(7) Harald Schultz (1962: 24) informa que “A ctually
sub-clã Tükúna e/ou entidades demoníacas,
the tree represents the embodiment o f all the evil
espíritos maléficos da natureza, “fantastic spirits o f the forest, but as a mask it does not seem to
animais” (cf. Nimuendaju 1948: 719), ou, ainda, possess all these evil characteristics, for like all the
servem ao senso estético do manufator para other masked figures, it is there to add jollification to
representar exemplares da natureza circun the feast and to amuse the guests”.
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de palha da palmeira buriti. A máscara - com o Percebe-se que a pintura total existente na
pescoço ou gola - é formada de uma lâmina de máscara foi executada na peça de entrecasca
líber com 1,16m de largura em média (a lâmina aberta, ou seja, antes de ser a mesma costura
aberta apresentaria esta dimensão). da em uma de suas laterais, tal é a continuida
A máscara, não contendo cabeça, não de das linhas e das formas na passagem de
apresenta outros indícios claros do que uma para a outra face.
poderiam ser indicadores da parte da frente e
da parte do dorso. Contém apenas em um dos
lados uma abertura para a passagem de um dos Aspectos estéticos
braço do usuário-dançarino. Como o grande Interpretações
desenho é mais amplo em uma das faces da
vestimenta e se combinamos este dado com a A referida pintura é composta de uma faixa
localização da passagem para o braço, que se com 0,08m de largura, que circunda toda a
encontra à direita desta face, pode-se supor vestimenta na altura da cintura, como uma
que esta seja a parte frontal da máscara. larga cinta colorida. Tomando-se esta faixa
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Na análise desta peça é praticamente pontas, que pode ter sido desenhada com uma
impossível e é mesmo irrelevante a definição única linha quebrada e contínua, a qual, em sua
de qual é a face frontal e qual a dorsal. Os configuração, entrecorta-se sobre si mesma.
desenhos e pinturas existentes em uma e na Que simboliza esta estrela? O sol - o lugar
outra face não servem a esta classificação. mítico que se reporta ao herói cultural dyo’il A
Uma ou a outra ocupar esta ou aquela posição estrela da manhã? Gruber (1992: 256) refere que
dependeria de o usuário indígena fazer passar os Tükúna desenham em suas máscaras a
pelo orifício existente com esta finalidade o estrela da manhã. A faixa superior é composta
seu braço direito ou o esquerdo. Ante este de quadriláteros, que se dispõem lado a lado.
fato, desprezamos tal classificação e optamos Cada uma destas figuras geométricas contém
por marcar as faces por letras, sendo uma a em seu espaço interno duas faixas curvas com
Face A e a outra a Face B. as concavidades voltadas para o centro, uma
contra a outra. Estas faixas internas ora se
Face A tocam, ora não. Os espaços constantes destes
desenhos são pintados com as cores preta,
O desenho desta face se compõe de quatro amarela, marrom, alaranjada, verde escuro e
faixas que se tocam nas extremidades. As faixas verde claro, figurando lado a lado com estas
de cima e de baixo são retas e as laterais, curvas colorações a cor natural amarelada do líber nas
com as concavidades para o interior do espaço partes não pintadas.
central formado pelas quatro faixas. No centro Deve-se notar o diálogo cromático entre as
deste espaço se localiza uma estrela de sete figuras e o fundo sobre o qual estas estão
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compostas. Os espaços vazios não pintados, em cor preta, que se dispõe paralela à anterior
em geral, têm como valor crómico a cor natural e que apresenta seis formas triangulares, que
da tela, ou seja, o amarelado, importante na estão divididas ao meio pela linha, do que
coloração das diferentes imagens. As diversas decorre a duplicação dos triângulos, que ficam
cores apresentam múltiplas tonalidades, que dispostos para cima e para baixo do eixo
são, certamente, conseqüência da mistura de geométrico divisor; estes triângulos apresen
tintas ou da maior ou menor intensidade de tam-se nas tonalidades amarela, verde forte e
sua aplicação ou, ainda, da composição verde claro, e marrom claro e escuro.
destas, por transparência ou por sombra, com Estas linhas retas pretas articuladas com
a cor natural do fundo. O verde é evidente triângulos multicoloridos podem ser apenas,
decorrência da pintura com tinta natural azul na criação plástica, figuras geométricas que
por composição com o fundo amarelo. A partir estão na peça com fins, por assim dizer,
destas combinações, intensidades e diafani decorativos enquanto tal; no entanto, estes
dades, tomam corpo o marrom claro e escuro, e dois conjuntos pictóricos podem simbolizar
o cinzento, cores que têm em sua composição partes de vegetais estilizados, nas quais as
originária o preto modificado pela luminosi linhas seriam talos e os triângulos coloridos,
dade assimilada conseqüente da combinação folhas ou mesmo grandes espinhos, símbolos
com outras cores claras. Estas junções cromá pictóricos que podem aludir, diacriticamente,
ticas estão presentes nos diversos desenhos ao cenário natural, e têm sua razão de ser no
que esta peça apresenta nas duas faces. ambiente artístico Tükúna, que é intimamente
A faixa inferior se compõe de triângulos e permeado pela exuberante natureza envol
losangos, porém como figuras geométricas de vente, em seu mundo vital.
formas irregulares, todos internos à faixa. No espaço constituído entre as duas
Externamente, voltadas para baixo, encontram- figuras acima descritas, encontram-se dois
se articuladas figuras semicirculares. desenhos, uma estrela e um pássaro. A estrela
A faixa lateral externa (considerando a peça contém oito pontas formadas por triângulos
como se encontra, aberta) contém em seu coloridos em amarelo, verde claro e verde
interior espaços que lembram formas geométri forte, e marrom, os quais se dispõem em tomo
cas tais como triângulos, losangos e quadra de um quadrado central. De cada lado deste
dos, porém deformados em suas configurações. quadrado se encontram duas pontas. Que
A faixa lateral interna é composta de representa este astro, o sol, a estrela da
triângulos cujos vértices se alternam, voltados manhã? É ele um sinal do Mundo Superior da
para um e para o outro lado. Nas extremidades cosmogonia Tükúna? São hipóteses possíveis.
da faixa encontram-se figuras quadrilaterais A figura do pássaro dá nítida idéia de vôo,
irregulares. pois está com as asas abertas, o bico esticado
para a frente e os pés estendidos para trás.
Face B Esta ave pode simbolizar o clã e o sub-clã do
qual faz parte o pintor-dançarino; neste caso,
O lado B se compõe de um conjunto de tratar-se-ia de um signo atinente a um dos
três desenhos constituídos de formas polico- grupos sociais da metade aves, quem sabe o
loridas e um quarto desenho, sendo este jaburu ou o tuiuiu ou o gavião-real... Se
unicolor, preto. compreendermos estes dois desenhos cen
Na parte de cima da peça, encontra-se uma trais, a estrela e o pássaro, como constitutivos
grossa linha transversal em cor preta, com de uma concepção representativa integrada,
0,0lm de largura, à qual se articulam, para cima podemos aí visualizar a simbolização mesma do
e para baixo, alternadamente, cinco triângulos Mundo Superior, lugar cósmico onde o urubu-
para cada lado, pintados com diferentes cores, rei habita, conforme a mitologia Tükúna. As
tais sejam, o amarelo, o verde claro e o verde duas linhas, a de cima e a de baixo, constariam
forte, e o marrom claro e escuro. na obra pintada como moldura ou linhas
Em contraposição, no setor mais baixo da limítrofes da concepção estética principal,
peça, registra-se uma linha fina e transversal pairando esta no universo mítico Tükúna, que
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partem do quadrado central e vão até as baixa da peça se encontra uma franja fabricada
extremidades onde se encontram. de casca desfiada de madeira, que está costu
A cara, certamente, não é humana, ou, se o rada ao corpo da máscara. Este apresenta em
é, está caracterizada para representar um ser da um de seus lados uma costura, que fecha a
natureza; ela está inserida em uma estrela, vestimenta, dando à mesma a forma de um
como se fosse a imagem de uma entidade vestido; constam, também, na porção superior
cósmica. Porém, muito provavelmente, ela é um e de cada lado, aberturas destinadas às
signo da filiação ciánica do pintor-usuário. passagens dos braços do dançarino indígena.
Pode representar a pintura facial correspon A parte mediana da máscara corporal apresen
dente ao clã onça. O desenho da cara particu ta grandes desenhos coloridos em ambas as
larmente os detalhes da boca indiciam esta faces - a frontal e a dorsal. Cada uma destas
possibilidade. figurações contém largas faixas, que se
estendem longitudinalmente, as quais, se
O corpo tocando, promovem a integração entre as
imagens das duas faces da máscara. Em cada
Como a cabeça, o corpo é manufaturado face, entre as faixas se encontram amplos
de líber de cor marrom. Na extremidade mais espaços com 0,50m de altura e que ocupam
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toda a largura da peça. Nestes espaços se figura articulada com o desenho estilizado e
encontram concepções estéticas de desenhos colorido de uma grande flor que se encontra na
coloridos. Percebe-se com muita clareza que a faixa inferior do dorso da máscara, em uma
peça foi desenhada de forma contínua de continuidade integrada dos dois desenhos.
extremidade a extremidade da entrecasca (no Neste caso, o desenho da parte frontal poderia
sentido horizontal), quando esta ainda se ser um talo folheado da flor da outra face.
encontrava aberta, ou seja, antes de ser Todas as linhas dos contornos dos
procedida a costura lateral, em uma grande desenhos são em cor preta.
concepção artística com dupla imagem, isto é, O desenho do dorso da máscara, em
ocupando o espaço total meio a meio. continuidade ao da face frontal, exibe outra
Estando a máscara da cabeça afixada a concepção artística, que, embora diferente, se
uma das faces da máscara corporal, constata- prende à arquitetura básica que conforma a
se qual das duas faces desta é a frente e qual é outra face. São'duas faixas, uma acima e a
o dorso, pois a cara constante da cabeça outra abaixo, tendo o espaço intermediário
indica qual é a face frontal da máscara corpo cortado por linhas que se entrecruzam e que
ral. A cabeça da máscara está presa à parte da promovem a ligação entre as duas grandes
frente daquela. No alto do dorso da máscara faixas. As faixas superior e inferior, como as da
corporal encontram-se dois chumaços de outra face, compõem-se de núcleos centrais
casca de árvore desfiada (compostos do principais, marginados por sub-faixas mais
mesmo material da franja), aos quais estão estreitas. As duas sub-faixas do desenho de
amarradas as extremidades do barbante de cima, apresentam-se com tonalidades arroxea-
fibra vegetal, que prende a cabeça ao corpo da da uma e em cor amarela a outra. O núcleo
máscara e que também serve para estreitar este largo central é cortado por linhas retas parale
sobre os ombros do dançarino. las e inclinadas, as quais constituem forma
O desenho da face frontal apresenta uma ções losangulares dispostas lado a lado, em
faixa larga superior e outra faixa larga inferior, uma alternância de cores, tais sejam o amarelo,
as quais estão interligadas por duas faixas o roxo, o marrom e a cor natural marrom clara
estreitas, que gizam em sentidos diagonais o da entrecasca.
espaço formado entre as primeiras faixas. Estas A faixa larga inferior, tripartida, contém,
faixas estreitas interiores, sendo uma em cor marginando o núcleo central, uma faixa estreita
amarela e a outra em roxo forte, apresentam-se em cor amarela e a outra em marrom. Conforme
na forma de dois grandes ângulos, que se referido acima, consta do núcleo central mais
entrecruzam nas porções medianas, formando largo o desenho de um grande ramo vegetal
um grande losango central em cor rósea. A estilizado, em forma alongada, contendo folhas
faixa superior se compõe de um núcleo mais em cores amarela, roxa, marrom e vermelha e,
largo em cor roxa clara, que vem marginado na extremidade, uma flor roxa.
acima e abaixo por sub-faixas estreitas em cor De pontos da faixa de baixo partem dois
amarela. O arroxeado da cor da porção mais ramos vegetais com folhas verdes, amarelas,
larga da faixa deve ser conseqüência de roxa e marrom. Estes ramos logo se entre
provável combinação de cores conseqüente cruzam, ao se dirigirem em direções opostas.
do uso de tinta vermelha vegetal sobre o Uma das folhas de um dos ramos toca suave
fundo marron claro do líber. mente a faixa superior.
A faixa inferior também se subdivide em uma As figuras vegetais sugerem a possibilida
secção central mais larga e duas sub-faixas mais de de, além de seu caráter decorativo, simboli
estreitas que marginam a porção principal, acima, zarem a filiação ciánica do pintor Tükúna, na
em cor roxa clara, e abaixo, em cor amarela. Esta metade plantas. Esta hipótese é compatível
faixa larga tem seu espaço nuclear totalmente com a ocorrência do desenho da cara, que se
ocupado por um desenho em cor preta, com encontra na cabeça da máscara, de vez que
figuração pouco inteligível certamente em este pode ser o signo do clã onça, um dos
decorrência do envelhecimento da peça. Porém, grandes grupos sociais desta sociedade que
em um esforço analítico, pode-se supor estar esta se insere na metade plantas.
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SAMPAIO-SILVA, O. Máscaras de Dança Tükúna. Rev. do Museu de A rqueologia e Etnologia, São Paulo, 70: 271-
288, 2000.
ABSTRACT: The artistic paradigm of the Tiikuna Indians from the high
Solimoes river is discussed in a study, which belongs to the field of Aesthetic
Anthropology. We address the question of the researche involving pieces
of a museum collection. Ritual Tiikuna masks from the MAE-USP collection
are analyzed and presented, as well as interpreted in their symbolic
meanings.
Referências bibliográficas
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SAMPAIO-SILVA, O. Máscaras de Dança Tiikúna. Rev. do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 10'. 271 -
288, 2000.
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Estudos Bibliográficos
R evista d o M useu de A rqu eologia e E tn ologia , São Paulo, 10: 291-301, 2000.
Julian Steward e a sua obra dispensam e regionais sobre demografia histórica indíge
apresentações, sendo supérfluo falar sobre a na no período colonial, pois ainda não há um
amplitude da sua contribuição ao desenvolvi estudo ou, melhor, um conjunto de estudos
mento da etnologia dos povos indígenas que tenham efetivamente superado as idéias e
situados nas Américas do Sul e Central. Nas as abordagens de Steward e daqueles que o
duas últimas décadas, contudo, suas idéias e seguiram, revelando outras estatísticas
proposições vêm passando por um contínuo coloniais baseadas nas fontes disponíveis.
processo de análise e crítica, sendo disseca Também, devido ao fato de que muito se repete
das e, em muitos casos, demolidas pela onda as concepções de Steward sem lê-lo, desco
de novas pesquisas que vêm revelando, de nhecendo o que o próprio Steward lembrou no
modo “formidável”, uma massa enorme de texto traduzido acima. Considerando as
informações inimagináveis até poucos anos publicações disponíveis ao redor de 1949, ele
atrás, como disse recentemente Claude Lévi- concluiu que a maioria das estimativas até
Strauss (1998: 122). As engrenagens do que aquela data foram baseadas em “chutes” (by
Viveiros de Castro (1996) chamou de “modelo sheer guess, Steward 1949a: 655).
standard” de Steward, mostram como se pode Visando superar a lacuna em demografia
construir grandes teorias sem a devida base de histórica indígena para o atual território brasilei
dados, constituindo um exemplo clássico de ro, a tradução acima é uma contribuição que
pesquisa com motivação indutiva. pretende incentivar o estudo das idéias demo
Publicado há meio século, “A População gráficas de Steward, muitas vezes lidas indireta
Nativa da América do Sul” é o artigo seminal de mente, pela mão de seus discípulos e exegetas
Julian Steward sobre demografia indígena na mais influentes no Brasil, como Betty Meggers,
América do Sul. Sua base é formada com dados Clifford Evans, Darcy Ribeiro e Eduardo
coligidos pelos quase cem autores dos artigos Galvão, ou através de muitos outros pesquisado
que compõem os seis grossos volumes do res ativos entre o pós-guerra e 1980. Conhecê-lo
monumental Handbook o f South American melhor, em primeira mão e auxiliado pelas
Indians, publicados pelo Bureau o f American leituras e análises dos seus críticos, é a melhor
Ethnology da Smithsonian Institution, entre 1946 maneira de não mais repetir acriticamente suas
e 1949. O volume 7, “Index”, foi publicado uma concepções, enraizadas profundamente na
década depois, em 1959. Etnologia e Arqueologia praticadas no Brasil.
Qual seria a razão de traduzir e publicar no Outras publicações de Steward também mereci
Brasil um trabalho cujos dados e idéias já são am ser traduzidas, de modo que o acesso fosse
obsoletos, graças ao contínuo desenvolvimento direto e funcionasse como uma explícita contri
das pesquisas em demografia histórica indígena buição ao estudo da história das idéias da
desde o final dos anos 50? As razões são etnologia indígena americanista.
basicamente duas: 1) facilitar o acesso, tanto
A importância desse artigo sobre demografia
lingüístico, quanto da própria publicação, há histórica indígena, no meu entender, não reside
muito esgotada, aos graduandos brasileiros que somente nos números populacionais, que
não lêem inglês; 2) estimular pesquisas locais
figuram no artigo para reforçar o que pensava e
defendia Julian Steward naquela época.
Creio que sua importância reside na repre
(*) Laboratório de Arqueologia, Etnologia e Etno-Histó- sentação das densidades populacionais para cada
ria da Universidade Estadual de Maringá. Paraná, PR. território, usada para justificar o modelo ecológi-
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Estudos Bibliográficos: Ensaios - Revista do Museu de A rqueologia e E tnologia, São Paulo, 10: 291-301, 2000.
co sobre a ocupação humana do leste da ciosa” das fontes (Borah 1964, [1976] 1992;
América do Sul. Como é amplamente sabido, Lovell 1992). Isto é, Steward ignorou solene
especialmente no caso do Brasil, o modelo é mente uma larga série de informações históricas
baseado em uma generalizante dicotomia que disponíveis, bem como desconsiderou diver
pretendeu reduzir a imensa gama de ecótonos sas perspectivas que permitiam perceber uma
do leste da América do Sul entre “várzea” e densidade populacional muito maior que a
“terra firme” (Steward 1948, 1949b). Na várzea apresentada nas suas sínteses marcadamente
as populações seriam um pouco mais densas, evolucionistas (cf. Steward 1949b, 1949c;
devido ao aumento da capacidade de sustento Steward e Faron 1959). Uma das principais
em função das ofertas mais abundantes de analistas <^o modelo de Steward, Anna Roosevelt
pescado e outros animais dos cursos d ’água. (1991: 104), não teve dúvidas ao afirmar que
Na terra firme, isto é, afastados dos cursos “A teoria [do determinismo ecológico] está
d’água maiores e dos seus recursos, haveria virtualmente errada em vários aspectos impor
agrupamentos menos densos, bem como tantes e apesar disso, as implicações desses
menos desenvolvidos em termos culturais, erros não foram ainda levadas em consideração
políticos e sociais, em função da oferta menor adequadamente por muitos pesquisadores’'.
de alimentos protéicos e da necessidade de ir Isto se aplica perfeitamente ao Brasil. Em
atrás da caça e da coleta, sendo obrigados a relação aos séculos XVI e XVII, período que
mudar constantemente de território. Em suma, na ainda não foi exaustivamente pesquisado com
perspectiva do determinismo ecológico de Steward, abordagens do tipo “fonte-a-fonte para cada
inspirado no pensamento degenerâcionista de área”, aderiu-se acriticamente à teoria do
Martius ([1847] 1982, [1839] 1905), os então determinismo ecológico. A maioria dos estudos
imaginados solos pobres das áreas'“Marginal” e demográficos históricos indígenas posteriores a
“Floresta Tropical”, cobertos por campo ou por Steward adotou a dicotomia “várzea X terra
densa floresta, seriam adversos à ocupação humana firme” para justificar esta ou aquela densidade
e o fator causai de uma imaginada baixa densidade em função dos solos e da cobertura vegetal,
demográfica. E, principalmente, explicariam o simplesmente desconsiderando todas as fontes
“baixo desenvolvimento” sociológico e antropoló existentes em prol de alguma mais à mão, a
gico dos povos ocupantes dessas regiões, classifi exemplo da “pura suposição” de John Hemming
cados nos últimos patamares do modelo evolucio (pure guesswork, 1978: 491). Ainda que raros,
nista de Steward. os estudos demográficos históricos sobre os
Em que pese sua reconhecida erudição, séculos XVI e XVII contribuíram para a constru
Steward, deixou-se cair refém das construções ção de um prédio sem fundações, pois, mesmo
históricas defasadas e incompletas da maioria que bem intencionados, vários pesquisadores
dos capítulos do Handbook, aceitando franca sugeriram estimativas despidas de uma sólida e
mente os resultados e argumentos apresentados. convincente base de dados que lhes sustentas
Na maioria dos capítulos, os autores, de fato, sem, com são os casos de Pierre Clastres ([1973]
não dominavam as fontes, criando imagens 1978) e John Hemming (1978). William Denevan
distorcidas e empobrecidas das diversas áreas, (1966, [1976] 1992a, 1992b, 1996), Antonio
como foi constatado posteriormente por várias Porro ([1981] 1995), Warren Dean (1985) e
pesquisas regionais de demografía histórica Thomas Myers (1988, 1992) estão em uma
indígena (ver abaixo, sugestões de leitura). As posição intermediária, pois, apesar de adotarem
exceções do Handbook, considerando os dois mais ou menos explicitamente o modelo de
autores que tiveram a preocupação de manipular Steward e não terem feito uma completa utiliza
o máximo possível de fontes, parecem restringir ção das fontes disponíveis, são partidários de
se aos artigos de George Kubler e de John Rowe números populacionais algo mais elevados.
no volume 2, sobre os Andes (cf. Cook 1981). Na atualidade, nestes tempos da efeméride
Steward também enredou-se nas perspecti sobre o “descobrimento do Brasil”, o que se
vas das estimativas hemisféricas sugeridas até repete na academia e na mídia são meras
1945, especialmente por Alfred Kroeber, que alegorias ao invés de números de demografía
não considerava o efeito das epidemias, e Ángel histórica indígena obtidos através de cálculos
Rosenblat, famoso pela sua abordagem “tenden apoiados por dados levantados pacientemente
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Estudos Bibliográficos: Ensaios — R evista do Museu de A rqu eologia e E tn ologia, São Paulo, 10\ 291-301, 2000.
nos arquivos e nos documentos publicados, presentes são meros cálculos e devem ser
bem como em campo, nos sítios arqueológicos. consideradas preliminares”.
Até hoje, simplesmente, não foi publicada Atualmente o ambiente acadêmico para
nenhuma estimativa demográfica histórica em estas pesquisas é mais favorável e menos
nível local, regional ou global que apresente preconceituoso, pois, parece que a velha prática
números confiáveis para o século XVI ou XVII, de fazer ciência sem base de dados efetivos
excetuando um estudo preliminar de Bartomeu está em extinção no Brasil. Felizmente, a
Melià (1988), sobre a região do antigo Guairá. tradição indutiva e as grandes explicações e
Melià, analisando parte da documentação generalizações teóricas estão caindo em
relativa ao início do século XVII, quase sem desuso, substituídas por pesquisas com
cálculos adicionais e sem considerar o que subsídios que permitam estabelecer novos
ocorreu no século XVI, revelou indicadores de dados, modelos e concepções, como revelam os
que apenas a população Guarani daquela diversos balanços sobre a obra e a influência
porção do atual estado do Paraná estaria entre do pensamento de Julian Steward (cf. Roosevelt
800.000 e 1.000.000 de habitantes. 1980,1991,1995; Viveiros de Castro 1996;
À medida em que novos estudos forem Hackenberger 1998, 1999; Wüst 1998; Wüst e
desenvolvidos certamente haverá um grande Barreto 1999; Neves 1988,1995,1998).
impacto sobre o que se pensa ou supõe ser o Enfim, a esperança reside na possibilidade
tamanho global da população indígena ao tempo de que a demografia histórica indígena feita no
dos primeiros contatos em cada região. Ainda Brasil cresça com o conjunto das pesquisas e das
deveremos esperar mais alguns anos, até que novas abordagens interdisciplinares em desen
comecem a aparecer os novos cálculos, devida volvimento no continente, de modo a produzir
mente acompanhados de detalhada e ampla um panorama que consiga dar conta dos proces
pesquisa dos processos históricos e biológicos sos vivenciados pelos povos indígenas desde o
que contribuíram para transformar radicalmente final do século XV. E que, também, ao longo
o panorama sócio-cultural do que hoje chama desta nova etapa, sejam sucessivamente produzi
mos Brasil. Não podemos esperar mais para dos números e apresentados processos históricos
iniciar as novas pesquisa, pois continuaremos que paulatinamente reconstruam o complexo e
ignorando o que Steward (1949a: 658) disse multifacetado quebra-cabeças da população e da
sobre seus próprios cálculos: “as estimativas depopulação indígena nas Américas.
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APÊNDICE
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296
Estudos Bibliográficos: Ensaios — R evista do M useu de A rqu eologia e E tn ologia, São Paulo, 10. 291-301, 2000.
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Julian H. Steward**
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TABELA 1
Estimativas das Populações Nativas Americanas
Estim ativa Populacional con form e1
Norte do M éxico 2 .0 0 0 .0 0 0 - 3 .5 0 0 .0 0 0 1 .0 0 0 .0 0 0 1 .0 0 0 .8 8 0 1 .0 0 0 .8 8 0
M éx ico 1 2 .0 0 0 .0 0 0 - 1 5 .0 0 0 .0 0 0 4 .5 0 0 .0 0 0 3 .0 0 0 .0 0 0 4 .5 0 0 .0 0 0
índias Ocidentais 3 .0 0 0 .0 0 0 - 4 .0 0 0 .0 0 0 3 0 0 .0 0 0 2 0 0 .0 0 0 2 2 5 .0 0 0
3
Am érica Central 5 .0 0 0 .0 0 0 - 6 .0 0 0 .0 0 0 8 .0 0 0 .0 0 0 7 3 6 .0 0 0
V
Total 2 0 .0 0 0 .0 0 0 - 2 5 .0 0 0 .0 0 0 5 .6 0 0 .0 0 0 5 .4 6 1 .8 8 0
América do Sul
A ndes4 1 2 .0 0 0 .0 0 0 - 1 5 .0 0 0 .0 0 0 4 .7 5 0 .0 0 0 3 .0 0 0 .0 0 0 6 .1 3 1 .0 0 0
Restante da América
do Sul 3 .0 0 0 .0 0 0 - 5 .0 0 0 .0 0 0 2 .0 3 5 .0 0 0 3 .3 3 4 .0 0 0 2 .8 9 8 .0 0 0
Total 1 5 .0 0 0 .0 0 0 - 2 0 .0 0 0 .0 0 0 6 .7 8 5 .0 0 0 4 .3 0 0 .0 0 0 9 .1 2 9 .0 0 0
Total para o
H e m is f é r io 3 7 .0 0 0 .0 0 0 - 4 8 .5 0 0 .0 0 0 1 3 .3 8 5 .0 0 0 8 .4 0 0 .0 0 0 1 5 .5 9 0 .8 8 0
cálculos de Mooney; para outras áreas foram períodos foram dadas principalmente por
feitas através de uma comparação com a soldados e missionários e, às vezes, por
América do Norte, levando em consideração as administradores. A suspeita de Kroeber sobre
áreas culturais e naturais. Kroeber supõe que: tais cálculos é justificável no caso de soldados
1) a maioria das estimativas contemporâneas, que, com certeza, exageraram no número de
feitas especialmente pelos primeiros adminis seus inimigos. As estimativas missionárias de
tradores e missionários espanhóis, eram muito tribos independentes tendem ao exagero. A
altas; 2) o etnólogo competente poderia contagem cuidadosa de índios nas estações
corrigir tais estimativas no caso de uma área missionárias parece ser confiável e freqüente
bem conhecida; 3) as populações modernas mente é a nossa única fonte; esses cálculos
dão alguma indicação das populações nativas, não enumeram os índios isolados; e existe a
mas a taxa de crescimento não é a mesma em tendência de colocar juntos os índios de tribos
todos os lugares; 4) uma ecologia rica geral diferentes. O valor das estimativas dos
mente significa uma maior densidade de administradores varia: nos Andes centrais
nativos, mas fatores como ferramenta de ferro parece que foram baseadas em cálculos
e solos friáveis devem ser levados em conside cuidadosos de censos, mas a taxa de pagado
ração quando se comparam as densidades res de tributo para a população inteira variava
moderna e nativa; 5) uma rica cultura é normal de 5 a 1 para 2 a 21 (Rosenblat 1945).
mente indício de uma alta densidade. Referente à floresta tropical e às áreas do
Dados sobre a demografía na América do Caribe temos muito poucas estimativas
Sul mostram que as estimativas feitas por contemporâneas. Os primeiros números podem
qualquer método apenas se aproximam da variar entre cinqüenta a duzentos anos após a
exatidão, e a margem de erro sempre será muito tribo ter sido inicialmente contatada pelos
grande, talvez até cinqüenta por cento. As brancos; doenças, guerras, escravidão,
estimativas contemporâneas para os primeiros assimilação cultural racial e outros fatores já
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Mapa 1
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TABELA 2
Números das populações nativas e densidades das tribos da América do Sul
Tamanho em Pessoas
Área População Fontes e comentários
unidades de 100 km2 p/ 100 km2
Tribos M arginais
Marginais do Sul
Arquipélago 9. 000 1.051 9 C hono, 1.000; A lak alu f, 4 0 0 após 1900;
Yaghan, 3.000, 1875; Ona, 2.000, 1875-1900
Pampa - Patagônia 3 6 .1 2 5 1 4 .4 5 0 2 .5 Várias estimativas no século XIX
Querandí 4 .0 0 0 1 .0 0 0 4
Comechingón-Huarpe, etc.. 5 2 .5 5 0 3 .5 7 0 15 Estimativa dos Comechingón nativos: 30.000
(Serrano 1945)
Charrua-Caracara 9. 000 3 .0 0 0 3 Por analogia com os Pampa
M arginais da A m azönia
Mura 3 0 .0 0 0 1 .4 0 0 21 Redução à metade da estimativa mais antiga
de 60.000 habitantes nativos
Provincia de Mainas 4 2 .5 0 0 1.9 0 0 22 Estimativas de missionários
Carijona 1 9 .4 0 0 970 20 Analogia; sem dados
Outros Incluídos com tribos vizinhas por carência
de dados
Total, M a rg in a is da 9 1 .9 0 0 4 .2 7 0
A m a z ô n ia
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Estudos Bibliográficos: Ensaios - R evista do Museu de A rqu eologia e E tn ologia, São Paulo, 70: 303-315, 2000.
TABELA 2 (cont.)
Números das populações nativas e densidades das tribos da América do Sul
Tamanho em P essoas
Área População Fontes e com entários
unidades de 100 km2 p/ 100 km2
Tribos da Floresta Tropical
Chaco Oriental:
Abipones e vizinhos 5 0 .2 5 0 3 .3 5 0 15 Totais m ais an tigos das p rincipais tribos
(Métraux 1946)
Payaguá, Chané, Mbayá 3 0 .0 0 0 900 33 Totais mais antigos (Métraux 1946)
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Estudos Bibliográficos: Ensaios - R evista do Museu de A rqu eologia e Etnologia, São Paulo, 10: 303-315, 2000.
TABELA 2 (cont.)
Números das populações nativas e densidades das tribos da América do Sul
Tamanho em P essoas
Área População Fontes e comentários
unidades de 100 km2 p/ 100 km2
Bolívia O riental
Tacanans 2 5 .0 0 0 1 .2 5 0 20 Estimativa total das m issões entre 40 e 150
anos atrás: 18.000; talvez 2/3 seriam em missões
Província de Chiquitos 4 2 .0 0 0 2 .0 0 0 21 Estimativa de 23.788 em 1766, 200 anos
depois do contato
Província de Mojos 6 .0 0 0 400 15 Estim ativa para 1680
Paresí 5 .0 0 0 50 10
Yungas 3 1 .0 0 0 1 .5 5 0 20 Estimativas são muito baixas; densidade de
20 por 100 km2 é por analogia
Chiriguano 4 8 .0 0 0 800 60 Estimativa mais antiga razoavelmente acurada
Total da Bolívia Oriental 1 5 7 .0 0 0 6 .5 0 0
Total da M on tañ a 2 0 8 .7 5 0 1 0 .0 7 5
N o ro este da Am azônia
Am azonas-Rio Negro 7 1 .2 5 0 2 .5 0 0 25 Foi usada com o amostra uma estimativa
nativa mais conservadora
Tukanos ocidentais 1 6 .0 0 0 800 20 Estimativa de 1635 deu densidade de 15 por
100 km2, ajustada para 20
W itoto, etc.. 6 7 .0 0 0 1 .0 0 0 67 Cf. Handbook, v. 3, estimativas são para
cima, comparadas aos vizinhos
Uauapés-Caquetá 4 5 .0 0 0 2 .2 5 0 20 Total dos Tukano em 1900 é 8, 700 ou 10 pessoas
por 100 km2; densidade nativa é provavelmente
o dobro
Colôm bia Oriental 7 0 .5 0 0 3 .5 2 5 20 Por analogia
T otal, N o ro este da
A m a z ô n ia 2 6 9 .7 5 0 1 0 .0 7 5
G u ian as
Norte da Amazônia,
Guianas, 2 1 3 .7 5 0 1 4 .2 5 0 15 Amostras modernas dão densidades ao redor
de 10 pessoas por 100 km2; nativos devem
ser o dobro, talvez mais
Incluindo Marginais
Warrau 6 .3 0 0 5 25 12 Gumilla 1791
Total d a s G u ia n a s 2 2 0 .0 5 0 1 4 .7 7 5
31 0
Estudos Bibliográficos: Ensaios - R evista do Museu de A rqu eologia e E tnologia, São Paulo, 10: 303-315, 2000.
TABELA 2 (cont.)
Números das populações nativas e densidades das tribos da América do Sul
Tamanho em Pessoas
Àrea População Fontes e com entários
unidades de 100 km2 p/ 100 km 2
N oroeste da Am erica
do Sul
M otilones e vizinhos 4 0 .0 0 0 1 .0 0 0 40 Densidade recente dos Motilones é 25 pessoas
por 100 km2
Goajiro 3 1 .3 0 0 113 277 Estimativa do século 20
Costa Colombiana do
P acifico 1 5 .0 0 0 600 25 Estimativa Chocó recente deu densidade de
17 pessoas por 100 km2
Total, N o ro este da
A m érica do S u l 8 6 .3 0 0 1 .7 1 3
Tribos Sub-Andinas
Venezuela, norie do
O rinoco 1 4 4 .0 0 0 3 .2 0 0 45 Estimativa de Humboldt (1822-27) deu 38
pessoas por 100 km2 em 1800
Colombia:
Chibcha 3 0 0 .0 0 0 240 1 .0 7 0 Estim ativa nativa
Terras Altas do resto da
Colombia 7 0 0 .0 0 0 3 .8 0 0 184 Tolerância de 1.000.000 para a Alta
Colômbia, menos 300.000 Chibcha
Total d os S u b -A n d in os 1.144.000 7 .2 4 0
Tribos Andinas
Equador 5 0 0 .0 0 0 1 .8 0 0 300 Handbook, v. 2
Andes meridionais:
A tacam eno 4 0 .0 0 0 3 .0 0 8 13 Salar de Atacama, 13 pessoas por 100 km2,
1581; total em 1800, 7.400 (Boman 1908)
Diaguita 4 1 .0 0 0 3 .1 6 0 13 Por an alogia com A tacam a, estim ativa
provavelm ente muito baixa
Chiloé 5 0 .0 0 0 90 555 Cooper, Handbook, v. 2
Total d a s trib os
a n d in a s 1.631.000 11.7 0 8
T otal, A n d es C en tra is 3 .5 0 0 .0 0 0 8 .9 6 5
Total da
A m érica d o S u l 9. 228.735 1 8 2 .5 0 7
311
Estudos Bibliográficos: Ensaios - R evista do M useu de A rqu eologia e Etnologia, São Paulo, 10: 303-315, 2000.
TABELA 2 (cont.)
Números das populações nativas e densidades das tribos da América do Sul
Tamanho em Pessoas
Área População Fontes e com entários
unidades de 100 km2 p/ 100 km2
A m érica Central
Paramá Oriental 1 5 0 .0 0 0 500 300 Densidade provável próxima dos Kuna moder
nos, 350 por 100 km2
Panamá Ocidental 7 4 .6 0 0 373 200 População do Panamá adelgaçando em direção
ao Ocidente, com a densidade Chanaguena de
125 em 1709
Costa Rica 119. 400 597 200 Provavelmente a mesma densidade do Paramá
Ocidental
Costa oriental de N ica
ràgua e Honduras 1 8 0 .0 0 0 1 .1 8 0 100 Densidade de Mosquito agora é 55; nativa
foi certamente o dobro
Costa norte de Honduras 2 5 .0 0 0 500 50 Densidade Jicaque, 20 em 1674; densidade
Paya, 50 em 1800
Terras Altas de Hondu
ras e El Salvador 1 8 7 .5 0 0 750 250 Densidade moderna dos Lenca ao redor de
190; Kroeber dá 292 para El Salvador
T otal p a ra A m érica
C en tra l 7 3 6 .5 0 0 3 .9 0 0
Antilhas
Cuba 8 0 .0 0 0 1 .1 4 7 69 Rosenblat
Jamaica 4 0 .0 0 0 115 348 Rosenblat
Bahamas 2 0 .0 0 0 114 175 Metade da estimativa nativa
Haiti e Santo Dom ingo 1 0 0 .0 0 0 767 555 Rosenblat
Porto R ico 5 0 .0 0 0 90 555 Rosenblat; De Hostos (Handbook, v. 4), deu
200.000. Algumas estimativas chegaram até
6 0 0 .0 0 0
Baixas Antilhas 3 5 .0 0 0 70 500 2.000 em Saint Vicent em 1700; se 3.000
são nativos, a densidade de Saint Vicent é
750, a densidade da Dominica é 375
ção que pode se agregar em grupos sócio- estimado que nos Andes meio alqueire de terra
políticos. Supondo que os presentes números cultivada era necessária para sustentar cada
são aproximadamente corretos, as densidades pessoa, em contraste à necessidade de um
parecem variar significativamente entre os alqueire no México e nos Estados Unidos
grupos culturais. Considerando os Andes Oriental (Kroeber 1939: 146-147, 163) e 7/10 de
centrais como medida padrão, estima-se que alqueire em Yucatán (Ricketson e Ricketson
têm 44 vezes a densidade do arquipélago 1937: 16-17). As outras maiores densidades
chileno, 14 a 40 vezes a densidade das outras estavam na área ao redor do Caribe, onde as
tribos Marginais, 20 vezes a densidade dos pessoas se apoiavam nas fontes marinhas e na
povos da Floresta Tropical, e cerca de 2 vezes agricultura. A situação é comparável à costa
a densidade do Caribe, das terras altas da pacífica da América do Norte que, apesar da
Colômbia, e da América Central. ausência de agricultura, tinha uma das popula
Em termos ecológicos, as maiores densida ções mais densas do continente. Ao redor do
des estavam nos Andes semi-áridos onde a Caribe, as fontes adicionais agrícolas susten
subsistência baseava-se na agricultura tavam muito mais pessoas do que as costas da
intensiva, com irrigação e fertilizantes. Foi América do Norte. As áreas da costa e dos
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Estudos Bibliográficos: Ensaios - R evista do Museu de A rqu eologia e E tn ologia, São Paulo, 10: 303-315, 2000.
rios das Guianas e do Brasil eram mais rara Brasil, das Guianas, da Venezuela, da Colôm
mente povoadas do que a área ao redor do bia, da América Central e do Equador, embora
Caribe, provavelmente por causa da baixa numerosíssimos, foram rapidamente derrota
intensidade da agricultura. Tem-se a impressão dos; ao longo dos rios Amazonas e Orinoco,
de que vastas regiões de terras, potencialmen eles tiveram um declínio vertiginoso. Nestas
te aráveis, jamais foram utilizadas e de que a áreas seu lugar foi parcialmente tomado por
população poderia ter estado se expandindo negros vindos da África. Na maioria das áreas
no período da conquista. Nas terras de do litoral e dos rios, a própria identidade das
savana, ao redor das bacias do Amazonas e do tribos nativas é duvidosa. Nas ilhas do
Orinoco, e na parte do Brasil oriental e do Caribe, consideradas inteiramente litorâneas,
Grande Chaco, onde as raízes tropicais não os índios foram quase completamente extintos
podiam crescer e, onde as tribos eram caçado- no período de um século e meio. Las Casas
ras-coletoras, a população era extremamente estimou que a população nativa de Porto Rico
esparsa. A densidade mais baixa estava nas e da Jamaica havia diminuído de 3.000.000, um
planícies da Argentina que, embora bem número extremamente alto, em 1509, para 200
adaptada para animais e para a agricultura de em 1542. Como os Europeus penetraram o
arado, não serviam para os métodos agrícolas interior ao longo dos rios Amazonas e
dos índios. Orinoco, os índios foram gradualmente
rendidos, alguns morrendo, outros cultural
mente assimilados e misturando seu sangue
Tendências populacionais ao sangue dos brancos e dos negros para
formar populações mistas. Atualmente a
A população nativa da América do Sul sobrevivência principal dos índios se restrin
está estimada em cerca de 9.000.000, dos quais ge às áreas de difícil navegação, ou seja, no
aproximadamente a metade estava nos Andes grande U que fica em torno da bacia Amazôni
Centrais (Tabela 3). Atualmente, cerca de ca e inclui o encontro das águas do Amazo
7.000.000 de pessoas são classificadas como nas e Orinoco, o Nordeste do Amazonas,
índios, especialmente por causa de razões Montaña, Mato Grosso, partes do Chaco e a
culturais (algumas estimativas dobram este planície no leste Brasileiro. Era esta a área das
número). Há muitos milhões de caboclos, tribos Marginais e semi-Marginais que, na
crioulos e mestiços de vários tipos que, época pré-colombiana, havia ficado compara
embora predominantemente índios em sua tivamente não influenciada pelo tipo de
raça, não são classificados como índios no cultura da floresta tropical que também
censo. Biologicamente, há mais de 7 milhões chegava pelos rios. Em outros lugares, nas
de pessoas de ascendência índia. De fato, a florestas tropicais e ao redor do mar do
raça índia é indubitavelmente tão numerosa Caribe, os índios sobreviventes hoje vivem
quanto à época da conquista e, ainda, prova principalmente nas áreas inadequadas para a
velmente tem feito ganhos substanciais. O ocupação européia, como os pântanos do
ganho contudo é tributável inteiramente aos delta do Orinoco e da costa de Mosquito na
Andes. Em outros lugares, as populações Nicarágua e nas áreas montanhosas da
foram reduzidas, embora não sempre tanto Venezuela ocidental e da América Central
quanto o censo indique. A perda, que é (Tabela 3).
primariamente uma função da intensidade e da Na Argentina e no Uruguai onde a
duração do contato com o europeu e da população nativa era esparsa, as tribos da
densidade da população nativa, varia de área costa foram as primeiros a sucumbir. Mais
em área (Mapa 2). tarde, os europeus entraram no interior e
A maior redução aconteceu ao longo do encontraram o lugar adaptado para sua
litoral e dos grandes rios para onde os economia. Praticamente, os índios quase
europeus, tendo chegado de navio e manten desapareceram. No Chile, a história se repetiu,
do contato com a pátria, invadiram com forças com a exceção dos Araucano, os quais,
impressionantes. Os índios da costa do empurrados para o sul, mas sem se renderem,
313
Estudos Bibliográficos: Ensaios - R evista do Museu de A rqu eologia e E tnologia, São Paulo, 10: 303-315, 2000.
Mapa 2
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foram finalmente isolados numa reserva vida econômica e cultural. Talvez seja prematu
indígena. ro dizer se medidas sanitárias e os sistemas de
Havia inúmeros fatores para tal declínio e reservas indígenas sustarão tal declínio.
seu funcionamento nas várias localidades Contrastando-se às demais regiões da
produziu curvas populacionais dissimiles (veja América do Sul, os Andes, especialmente os
Rosenblat 1945). As doenças européias, muito Andes Centrais, atualmente contêm mais índios
devastadoras onde havia grandes concentra do que no período da Conquista. À semelhança
ções de índios, como nas missões e nas de outros lugares, a costa sofreu mais diante
colônias forçadas, extinguiram dentro de um dos contatos com o homem branco. Mais tarde,
século ou dois algumas tribos, enquanto os os brancos penetraram no interior e provavel
vizinhos imediatos sobreviveram com certo mente a população se reduziu à metade. Esta
vigor até os dias atuais. As guerras com os população, numerosa em seu aspecto indígena,
brancos e com as tribos que foram deslocadas estável culturalmente e, até certo ponto, não
pelá Conquista foram desastrosas. Os índios afetada pelas epidemias, já se recuperou e
também foram vítimas de uma ruptura na sua atualmente está maior e em ascensão.
TABELA3
População Indígena da América do Sul
População Indígena em Percentual da População
Localização
15 0 0 1940 N acional (1949)
Nações Meridionais
Chile 1 .0 0 0 .0 0 0 2 0 0 .0 0 0 9 .0
Argentina 3 0 0 .0 0 0 1 2 0 .0 0 0 1.0
Uruguai 2 0 .0 0 0 E xtin tos 0
Total 1.320.000 410.00
Nações Tropicais, Sub-tropicais e Circum-Caribe
Paraguai 1 0 0 .0 0 0 6 0 .0 0 6 .0
Brasil 1 .1 0 0 .0 0 0 5 0 0 .0 0 0 1 1 .0
Guianas 9 0 .0 0 0 1 1 .0 0 0 2 .4
Venezuela 3 5 0 .0 0 0 1 0 3 .0 0 0 3 .7
Antilhas 3 0 0 .0 0 0 E xtin tos 0
Terras Baixas da Colômbia 3 5 0 .0 0 0 1 0 5 .0 0 0 5 .7
Terras Altas da Colômbia 8 0 0 .0 0 0 6 0 .0 0 0 3 .2
Panam á 7 0 .0 0 0 4 2 .0 0 0 9 .0
Costa Rica 4 0 .0 0 0 3 .0 0 0 0 .6
Nicarágua, Honduras e El Salvador 1 0 0 .0 0 0 8 5 .0 0 0 9 .0
315
Rev. do M useu de A rqu eologia e Etnologia, São Paulo, 10: 317-319, 2000.
No final de 1998, Rita Scheel-Ybert apresen avaliação das interrelações entre ocupação
tou sua tese de doutorado na Université Mont- humana e meio, pesquisando as influências
pellier II, França. Observando que o conheci antrópicas no ambiente e, inversamente, a
mento que se tinha sobre as populações de influência eventual das variações ambientais e
pescadores-coletores-caçadores referia-se, climáticas sobre as populações e a interpretação
principalmente, às relações com o meio animal, paleoetnológica referente à utilização de madei
procurou identificar aquelas existentes com o ras (“ligneux”) pelas populações pré-históricas.
meio vegetal, através da antracologia. Embora Para se atingir estes objetivos, três
alguns pesquisadores já tenham apontado para a questões foram colocadas pela autora: 1. a
importância da coleta vegetal, como Tenório antracologia é uma ferramenta adequada aos
(1991), há ainda poucas pesquisas nesta linha. objetivos fixados?; 2. em que medida o estudo
A antracologia foi definida por Scheel, antracológico é aplicável aos meios tropicais?
Gaspar e Ybert (1996:3) como “o estudo e e 3. os métodos desenvolvidos para a análise
interpretação dos restos de madeira carboni antracológica dos meios mediterrânicos são
zados provenientes dos solos ou de sítios adaptáveis ao meio tropical?
arqueológicos. Esta disciplina, baseada na O estudo antracológico foi realizado em sete
identificação anatômica dos carvões, pode sítios arqueológicos localizados no litoral do
fornecer informações de cunho etnoarqueoló- Estado do Rio de Janeiro, entre Cabo Frio e
gico e paleoecológico”. Saquarema: os sambaquis do Forte, Salinas
O trabalho de Rita Scheel-Ybert é pioneiro Peroano, Boca da Barra e do Meio (Cabo Frio),
no Brasil e, na América do Sul, os estudos da Ponta da Cabeça (Arraial do Cabo), da Beirada
antracológicos começaram a ser realizados na e da Pontinha (Saquarema). Para esta região de
década de 90, na Patagônia e na Guiana estudo, a pesquisadora sintetizou o conhecimen
Francesa. No entanto, as ocorrências de to sobre clima, geomorfologia litorânea, vegeta
carvão em solos, sedimentos eólicos, lacustres ção e povoamento pré-histórico.
e paludiais têm sido registrados no Brasil e Os aspectos metodológicos foram ampla
estudados por quaternaristas desde a década mente desenvolvidos no Capítulo 2, onde
de 80 (Suguio, 1999: 275), interessados no abordou questões teóricas relacionadas à
estudo dos paleoclimas. representatividade paleoecológica dos carvões
Os principais objetivos da tese foram: a de madeiras arqueológicos e à análise das
reconstituição da evolução paleoambiental e amostras; as metodologias de campo e de
paleoclimática do litoral do Estado do Rio de laboratório e a validade da amostragem. Esta
Janeiro ao longo dos seis últimos milênios; a parte da tese é especialmente importante para
os arqueólogos brasileiros, porque apresenta
de forma clara como é feito o trabalho antra
cológico, seus alcances e limites.
(*) Museu de Arqueologia e Etnologia/Universidade de Para cada um dos sete sítios pesquisados,
São Paulo há uma síntese do quadro arqueológico com
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Estudos Bibliográficos: Resenhas - Rev. do Museu de A rqueologia e Etnologia, São Paulo, 10: 317-319, 2000.
base nas publicações dos arqueólogos A pesquisadora afirmou que é possível lançar
responsáveis pelas escavações: Lina Kneip, a hipótese de que as formações litorâneas, onde o
Osvaldo Heredia e Maria Cristina Tenório. componente pedológico é determinante, são
Estes sítios foram pesquisados nas décadas de resistentes às mudanças climáticas. Ela conside
70 (Forte), 80 (Salinas Peroano, Boca da Barra, rou que a estabilidade do ambiente foi um fator
do Meio e da Beirada) e no final de 80/início de decisivo para a manutenção do sistema sócio-
90 (Ponta da Cabeça e Prainha); foram ocupa cultural das populações sambaquieiras, que
dos na segunda metade do Holoceno, entre conservaram uma cultura por mais de 6.000 anos.
5500 e 1600 anos BP. Em cada um deles, foram Acreditando que a antracologia é uma
reabertos perfis estratigráficos para a coleta disciplina privilegiada para a reconstituição do
das amostras antracológicas. paleoambiente associado aos sambaquis, e
Um dos resultados mais interessantes também para a dedução dos diversos aspectos
obtidos por Rita Scheel-Ybert foi no sambaqui do paleoetnológicos das populações pré-históricas, a
Forte. Descoberto na década de 60 e pesquisado autora chegou a conclusões interessantes quanto
pela equipe de Lina Kneip (Museu Nacional/ aos carvões das fogueiras, à coleta de madeira
UFRJ) na década seguinte, este sítio representa para o fogo e aos produtos de origem vegetal na
um importante marco na arqueologia brasileira por alimentação dos grupos sambaquieiros.
ser um dos mais antigos da região sudeste e por A coleta de madeira morta, aleatória,
•ter sido objeto da primeira aplicação do método de forneceu o essencial para o fogo; no entanto,
decapagem horizontal de grandes superfícies por a abundância de Condalia sp, rara hoje na
camadas naturais em sambaqui. Lina Kneip restinga, sugere uma seleção cultural. Esta
identificou a existência de dois sambaquis escolha pode estar ligada às qualidades da
superpostos, separados por uma camada arenosa madeira para fins utilitários ou rituais. Rita
estéril, com espessuras variando de 0,50 a 1,70 m. Scheel-Ybert demonstrou que a coleta de
Esta camada foi considerada como o resultado de produtos vegetais pelos sambaquieiros era
um período de abandono do sítio, durante o qual significativa, como os numerosos fragmentos
houve deposição de areias por ação eólica. de frutos de palmeiras (coquinhos) carboniza
No entanto, Rita Scheel-Ybert observou que dos, grãos e resíduos de tubérculos de
a camada arenosa intercalada entre outras com monocotiledônias (gramíneas e/ou ciperáceas
muitas conchas é extremamente rica em fragmen e inhames) encontrados atestam.
tos de carvão, produtos de debitagem de quartzo As pesquisas de Levy Figuti (Figuti,
e marcas de fogueiras e concluiu que não pode 1992) demonstraram a maior importância da
ser considerada estéril. Ou seja, diferentemente pesca com relação à coleta de moluscos na
de Lina Kneip, considerou que o sítio foi alimentação das populações sambaquieiras; e
ocupado de forma contínua. Rita Scheel-Ybert comprovou a importância
Na síntese sobre as análises antracológicas dos produtos vegetais. Estes dois autores
nos sete sambaquis, Rita Scheel-Ybert obser oferecem um quadro bastante diferente do
vou que a região estudada foi ocupada no que se tinha até a década de 80 sobre a ali
Holoceno Superior por floresta de restinga, mentação dos grupos sambaquieiros e atestam,
floresta seca típica dos maciços rochosos de com suas pesquisas nas áreas de zooarqueo-
Cabo Frio e Floresta Atlântica, além do mangue- logia e antracologia, respectivamente, como o
zal. Apesar de terem sido registradas oscilações registro arqueológico pode ser enganoso em
climáticas na região, que afetaram a vegetação um primeiro momento de observação, devido à
do mangue, não foram encontrados indícios de conservação diferencial dos vestígios. Ou seja,
mudança notável no ecossistema vegetal. como as conchas são muito visíveis nos
Neste sentido, a tese de Rita Scheel-Ybert é sambaquis, as populações eram consideradas
importante para arqueólogos e outros profissio basicamente como coletoras de moluscos. As
nais quatemaristas porque demonstra que a pesquisas destes dois autores exemplificam a
correspondência entre mudanças climáticas e necessidade de uma especialização dentro da
nas formações vegetais não é uma norma e disciplina arqueológica e um cuidado maior com
pode ser identificada, ou não, como foi o caso amostragem e análise, para a produção de
estudado, pelas análises antracológicas. novos conhecimentos.
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Estudos Bibliográficos: Resenhas — Rev. do Museu de A rqu eologia e E tnologia, São Paulo, 10: 317-319, 2000.
Nas conclusões da tese, Rita Scheel-Ybert vários motivos: introduziu a análise antraco-
apresentou claramente os avanços da antraco- lógica nos sambaquis brasileiros, mostrando
logia e como seus estudos puderam contribuir que é possível ser realizada a coleta mesmo
para interpretações de ordem paleoambiental, após o término das escavações, facilitou
identificando o quadro fitogeográfico das futuros trabalhos antracológicos pela confec
populações pescadoras-coletoras-caçadoras e, ção de uma coleção de referência e a criação
também, para as relações entre as populações de um banco de dados informatizado; demons
pré-históricas e seu meio ambiente, com a trou que uma mudança climática não é acompa
formulação de observações paleoetnológicas nhada necessariamente por mudanças na
referentes à utilização da madeira e à alimenta cobertura vegetal (o clima não é o único fator
ção dos sambaquieiros. de alteração) e mostrou que a coleta de
A autora retomou as questões formuladas produtos vegetais foi bastante importante para
no início da tese para afirmar que: 1. os as populações sambaquieiras
sedimentos dos sambaquis contêm quase A autora contribui, junto com outros
sempre uma grande quantidade de fragmentos arqueólogos em pesquisas realizadas princi
de carvão provenientes de fogueiras domésti palmente nesta década, para uma visão
cas e os espectros antracológicos representam bastante diferente das populações samba
essencialmente a vegetação local; 2. os quieiras do que se tinha até a década de 80.
estudos antracológicos são aplicáveis em meio De um cenário com bandos nômades,
tropical, principalmente com a constituição de pouco numerosos, consumidores de moluscos,
coleções de referência de madeiras carboniza cujos sítios eram formados por resíduos de
das e bancos de dados informatizados; 3. a alimentação, “lixo” depositado aleatoriamente,
antracoanálise de material arqueológico das passou-se para um outro quadro, com popula
regiões tropicais fornece resultados confiá ções sedentárias, alimentação variada, mas
veis, mas adequações metodológicas deverão constituída principalmente pela pesca, coleta de
ser feitas para melhorar as interpretações moluscos e vegetais e caça, cujos sítios revelam
paleoambientais. que “o hábito de acumular restos alimentares
A tese de doutorado de Rita Scheel-Ybert e industriais, morar sobre eles e lá mesmo
muito colabora para a arqueologia brasileira e sepultar os mortos é expressão material de um
para outras pesquisas quaternaristas por sistema de regras sociais,, (Gaspar 1996: 82).
Referências bibliográficas
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Notas
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Notas — R evista do Museu de A rqu eologia e E tn ologia , São Paulo, 70: 323-327, 2000.
Trabalhos práticos.
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Notas - R evista do Museu de A rqu eologia e E tn ologia, São Paulo, 70: 323-327, 2000.
Seminário.
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Notas — R evista do M useu de A rqu eologia e E tn ologia, São Paulo, 10: 323-327, 2000.
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R evista do M useu de A rqu eologia e E tnologia, São Paulo, 1 0: 329-336, 2000.
A L G U N S D A D O S R E L A T IV O S A O PR O JETO D E
P E S Q U IS A “ A R Q U E O L O G IA D E U M S A N T U Á R IO :
O HERAION D E D E LO S , G R É C IA ”
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estranho que tanto o altar quanto boa parte do depósito votivo, quanto observamos fragmen
terraço do templo ficassem fora do recinto tos do período geométrico recente no material
sagrado. Daí, a interpretação acima, de que o proveniente sobretudo das sondagens de 1964
períbolo depende mais do Heraion I do que do realizadas por Jean Ducat. Seria preciso
Heraion II, poderá esclarecer esta questão. considerar melhor estes achados e levá-los em
Tal altar, pelo tipo de grampo em duplo T conta não só no que respeita ao início da
entre as lajes de mármore, por tratar-se de um prática cultuai mas também no que se refere às
altar dotado de frontões e pelo emprego de lajes estruturas do Heraion I.
de gneis no alicerce, parece datar do séc. IV a.C. A cronologia do templo mais recente, o
O conjunto de estruturas arquitetônicas é Heraion II, tem sido fixada entre o final do
enquadrado por um muro de sustentação do século VI a.C. e os primeiros anos do século V.
terraço, cujo aparelhamento oeste é visível e Mais uma vez, um reexame dos vasos e
caracterizado por enormes blocos de granito fragmentos cerâmicos, desta vez áticos de
com apenas a face externa sumariamente figuras negras e de figuras vermelhas, aponta
aplainada. A técnica deste muro de terraço para o final do primeiro quartel do século V
parece indicar uma data no período arcaico, a.C. (ou mesmo meados do séc. V a.C.) vale
porém a cronologia mais específica e melhor dizer, entre os anos 475 e 450 a.C.
determinada exigirá um estudo mais aprofun Os muros de períbolo e de sustentação têm
dado. uma cronologia insegura e devem ser estuda
Algumas questões cronológicas se dos quanto à técnica de construção e quanto
apresentam: em primeiro lugar, deve-se salien ao relacionamento com os templos de Hera.
tar que o Heraion, com todas as suas constru
ções, tem uma cronologia um tanto quanto 2. A coleção cerâmica
incerta: o Heraion I, como bem mencionamos conservada no Museu local
acima, tem sido datado do séc. VII a.C., com
base no depósito votivo que se compõe de As categorias cerâmicas identificadas por
inúmeros vasos cicládicos, protocoríntios e da Charles Dugas em 1928 incluem, em um total de
Grécia de Leste desse período. Ora, não só um milhar de exemplares (sem contar os
encontramos vasos geométricos, neste fragmentos), vasos cicládicos orientalizantes
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Notas - R evista do Museu de A rqu eologia e E tn ologia, São Paulo, 10: 329-336, 2000.
(alguns do final do geométrico); vasos orienta- figuras vermelhas), logo, um quadro cronológi
lizantes da Grécia de Leste; vasos protoco- co de mais de dois séculos e meio.
ríntios e corintios; vasos áticos. Poucos são
os exemplares de Creta, Chipre e outras raras
localidades ainda a serem determinadas. Nas Perspectivas
etapas de estudo de 1990, 1996 e 1999, foi
possível reexaminar estes vasos. Na etapa As pesquisas continuarão por ainda
deste ano, dediquei-me exclusivamente ao alguns anos. Inseridas no Plano Diretor
estudo dos fragmentos e de alguns pequenos quadrienal da École Française d’Athènes, são
vasos conservados na Reserva Técnica do parte substancial de um programa prioritário
Museu de Délos. Esta pesquisa foi desenvol mais amplo incluindo o estudo dos santuários
vida com a colaboração de dois dos meus de Delos: uma síntese sobre o santuário de
orientandos, Fábio Vergara Cerqueira e André Apoio em preparação sob a responsabilidade
Leonardo Chevitarese, os quais usufruíram de de Roland Etienne, Diretor da École Française
uma bolsa de estudos da Escola Francesa de d ’Athènes; as publicações do santuário de
Atenas, precisamente para esta finalidade. Anios por Francis Prost, ex-membro da EFA e
Assim sendo, fizemos a análise de material professor na Universidade de Rennes, e do
cerâmico contido em 18 gavetas, num total de santuário de Serapis por Hélène Siard, também
aproximadamente 550 exemplares entre peque ex-membro da EFA e professora da Universida
nos vasos e fragmentos, dentre os quais 50% de de Limoges.
foram também fotografados. No tocante ao Santuário de Hera, preten-
As categorias cerâmicas registradas são: de-se proceder a uma série de escavações (ver
1. C erâm ica cicládica: geom étrico, Fig. 1, indicações com hachuras) com o
orientalizante (Fig. 5) incluindo os importan
tes exemplares de pratos provavelmente de
Paros, vasos de Naxos, pínakes policroma
dos, e vasos de estilo “meliano”.
2. Cerâmica da Grécia de Leste: orien
talizante ródio, askoi de Rodes, taças jóni
cas, aríbalos e enócoas rodo-jônicos; buc-
chero jónico (Fig. 6).
3. Cerâmica de Corinto incluindo os
proto-coríntios e os corintios propriamente
ditos (Fig. 7).
4. Cerâmica ática, incluindo as técni
cas de figuras negras e de figuras verme
lhas (Figs. 8, 9, 10).
Na análise destes artefatos, levamos em
conta a caracterização e a coloração da argila e
do verniz, esta última baseada com rigor na
Notice sur le Code de Couleurs des Sois de A.
Cailleux (Boubée, Rondei Imp., s/l, s/d).
Por outro lado, muitas comparações foram
feitas com os vasos expostos nas vitrinas do
Museu, a maioria deles provenientes do Heraion
e pertencentes às mesmas categorias cerâmicas.
Vale ressaltar, finalmente, que as datas do
material analisado referem-se à 2a metade do
séc. VIII a.C. (cerâmica geométrica das C id a Fig. 5 - Fragmento de ánfora cicládica orienta
des) até meados do século V (cerâmica ática de lizante. Foto H. Sarian.
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Notas — R evista do M useu de A rqu eologia e E tn ologia , São Paulo, 1 0 : 329-336, 2000.
335
Notas - R evista do Museu de A rqu eologia e E tnologia, São Paulo, 10: 329-336, 2000.
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ARQUEOLOGIA E ARQUITETURA:
PROPOSTA DE REVITALIZAÇÃO DO
PORTO DO RIBEIRA
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(5) A vontade de melhorar a ligação dos dois portos, (7) Além das áreas públicas da Prefeitura Municipal
com a abertura de um canal, precipitou o colapso de Iguape, foram incorporados ao projeto os terrenos
econôm ico na região. Na verdade, a abertura do Valo próximos ao Valo Grande pertencentes ao DAE, que
não trouxe a melhoria esperada, ao contrário: as os cedeu para a reurbanização do local.
areias trazidas do rio Ribeira foram depositadas no (8) As áreas particulares relacionadas ao projeto são
Porto Grande, obstruindo e afastando o ancoradouro de diferente natureza. Os terrenos onde estão
de barcos da cidade. localizadas as estruturas do antigo Porto do Ribeira
(6) Estamos considerando a arqueologia histórica estão incorporados ao projeto harm ónicam ente,
como “o estudo dos aspectos m ateriais, em term os com pondo um único conjunto. Paralelo a esta
históricos, culturais e sociais concretos, dos efeitos do situação existem construções que deverão sofrer um
m ercantilhism o e do capitalism o que f o i trazido da processo de alteração na fachada para atender aos
Europa em fin s do século XV e que continua em ação critérios m ínim os de programação visual propostos
ainda hoje (Orser Jr. 1992: 23). pela com issão executora do projeto.
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instalou uma grande favela,9 sendo que cada A conscientização por parte da comunida
urna destas parcelas sofreu abordagens de do valor do seu patrimônio arqueológico e
diferenciadas. histórico coincide com a definição da vocação
No que se refere ao conceito de revitaliza da região, relacionada ao turismo ecológico e
ção de edificações históricas e arqueológicas, cultural.
a Carta de Burra10 indica alguns procedimen A arqueologia histórica como meio de
tos que devem ser considerados no processo. fornecer informação sobre o passado mais
Os procedimentos básicos envolvem: a recente contribuiu para reverter o quadro de
conservação do bem; o seu resgate e recons abandono e esquecimento de uma área,
trução; a restauração e a adaptação do mesmo. mostrando a sua importância no passado e no
Podemos acrescentar a estes itens, a devolução processo de desenvolvimento da cidade de
à comunidade do bem, resgatado, reconstruí Iguape, fazendo com que as antigas estrutu
do, restaurado e adaptado a um uso compatí ras, repensadas e reutilizadas no presente,
vel à sua vocação cultural. sejam conservadas para o futuro.
O cruzamento das informações arqueológi A dificuldade que a cidade de Iguape tem
cas com as arquitetônicas, norteou a formulação tido em conviver com os vestígios físicos do
das soluções de conservação e revitalização. passado pode ser minimizada com a valoriza
As estruturas existentes não se enqua ção deste e a possibilidade de sua utilização
dram na descrição genericamente feita para as para gerar recursos econômicos para a popula
construções do litoral, como pertencente a ção atual, ajudando na estruturação de uma
uma arquitetura singela, construída com a industria turística.
única intenção de abrigo, e sem uma preocupa
ção plástica. Ao contrário, o que tem sido
evidenciado pela pesquisa arqueológica no Agradecimento
local, e comprovado pela documentação
fotográfica existente, é uma arquitetura Gostaríamos de agradecer ao prefeito
elaborada, com sobrados, decorrente de um municipal de Iguape Capitão João Muniz
período econômico ligado ao comércio do Cabral, que acreditou na proposta e apoiou a
arroz. Esses sobrados abrigavam armazéns no realização deste projeto, igualando a cidade a
térreo e moradia no andar superior, e, de outras que desenvolveram posições semelhan
acordo com as informações bibliográficas, tes em relação à valorização e aproveitamento
seguiam a tradição pombalina importada de do patrimônio cultural.
São Paulo. Este tipo de construção associado
ao Porto do Ribeira confirma a sua importância
como pólo econômico regional.
A garantia da revitalização de um área é seu
uso e a incorporação social do espaço, pois Maria Cristina Mineiro Scatamacchia*
somente a utilização assegura a conservação. Marcelo Pini Prestes**
O trabalho no sítio arqueológico Porto do Silvestre de Lima Neto***
Ribeira está longe de representar um estudo Sérgio Moraes****
individual e isolado, pois está correlacionado Rivaldo Pavlawski****
ao entorno e à história econômica da região. Abel de Oliveira Rocha****
(9) Em um período anterior, o processo de desfa- (*) Museu de Arqueologia e Etnologia da Universida
velam ento no local já havia sido realizado pela de de São Paulo, Bolsista do CNPq.
iniciativa privada, sendo que na implantação deste (**) Museu de Arqueologia e Etnologia da Universi
projeto a prefeitura é que fará o translado dos dade de São Paulo. Pós-graduação em Arqueologia,
moradores para outro terreno. M estrado.
(10) IC O M O S-C onselho Internacional de M onum en (***) Centro Cultural do Porto do Ribeira.
tos e Sítios, Austrália, 1980. (****) Prefeitura M unicipal de Iguape.
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Notas - Revista do Museu de A rqu eologia e E tn ologia, São Paulo, 10\ 345-350, 2000.
como uma situação em que alterações intensas O objetivo desta atividade prévia era
nas pessoas, nos bens, nos serviços e no ambien introduzir as equipes nacionais ao tema e
te, causadas por um fator natural ou pela verificar a estrutura com que poderiam contar
atividade humana, excedem a capacidade de para o desenvolvimento de planos de emergên
resposta de uma comunidade afetada (Dorge & cia. Verificou-se que em todos os países aborda
Jones 1999 e material didático distribuído no dos existem órgãos em diferentes níveis,
Workshop). A atividade da Conservação conformados de diferentes maneiras, mas que
Preventiva nestes casos, como o próprio nome poderiam formar uma rede para situações de
indica, é tentar prever as possibilidades de emergência também para a proteção do patrimô
desastres (ou emergências) e todas as ações para nio histórico-cultural.
minimizar os riscos, assim como também a No caso do Chile, houve um dia do evento
administração de uma situação de emergência de especialmente dedicado ao exemplo chileno de
modo a evitar ou reduzir os danos ao patrimonio estrutura para enfrentar desastres, visto que este
cultural envolvido. país é vulnerável a um tipo de desastre bastante
Um dos tópicos mais discutidos ao longo do assolador e inevitável - o terremoto / maremoto.
workshop, entre os desastres que podem assolar As apresentações de vários especialistas de
museus e edifícios históricos, foi a questão do entidades como a ONEMI - Oficina Nacional de
incêndio, pois os acervos, quando atingidos por Emergencia de Ministerio de Interior e o Corpo
água ou fungos, podem ter danos bem menores e de Bombeiros Voluntários do Chile, mostrou o
hipoteticamente restaurados, mas a recuperação quanto estes podem ser sensibilizados quanto à
de acervos devastados por incêndio é, muitas importância da proteção do patrimônio histórico-
vezes, impossível (quase sempre com perda cultural e a distância hoje existente entre tais
total). Os instrutores mostraram a importância entidades e aquelas que efetivamente administram
desse tipo de abordagem, quando os participan este patrimônio.
tes puderam aprimorar a sensibilidade e o senso Mais uma vez, houve aí uma forte interven
de equilíbrio. Apenas desse modo seria possível ção dos instrutores quanto às atividades pró-
a elaboração de propostas de planos de emergên ativas que os envolvidos no tema deveriam
cia, criando subsídios para a tomada de ações tomar, uma vez que cada país / região possui
preventivas e para situações de avaliação de suas particularidades e seus problemas, mas
riscos / emergências. podem tentar interagir com outras entidades
O workshop já apontava para uma perspecti locais para a configuração de seu plano de
va de interatividade no seu planejamento, já que emergência. O trabalho de sensibilização foi
os representantes nacionais da Argentina, da enfatizado inúmeras vezes e parece ser a parte
Colômbia, de Cuba e do Brasil tiveram que mais difícil desta tarefa, pois ninguém pode
desenvolver, previamente ao evento, algumas desenvolver e colocar em efetividade um plano
tarefas, cujas apresentações ocorreram no de emergência eficaz sem o envolvimento
segundo dia de atividades. As tarefas consistiam, institucional. O engajamento das pessoas nas
basicamente, no levantamento de um caso de posições mais altas da hierarquia da entidade
desastre recente no respectivo país e pesquisa da onde se quer atuar, assim como o estímulo ao
estrutura de órgãos federais, estaduais, locais e trabalho voluntário, foram dois tópicos ressalta
privados que estão envolvidos com a questão da dos pelos instrutores como importantes para o
proteção patrimonial e da vida humana em sucesso de um plano de emergência. Aqui
situações de emergência. também foi lembrado que a conservação /
A equipe brasileira realizou um trabalho em restauração / proteção de um patrimônio cultural
grupo enfocando dados principalmente relativos pode, inclusive, fazer parte do importante
aos estados representados, ou seja, Minas Gerais processo de desenvolvimento da cidadania.
e São Paulo, além dos órgãos atuantes nos níveis Os vários exemplos de como proceder para a
regional e federal, utilizando-se dos dados formação de um plano de emergência foram
disponíveis nas instituições representadas, assim citados e comentados rapidamente, tendo como
como naqueles encontrados por busca na base o livro-texto “Building an Emergency
Internet. Plan”, que certamente é uma importante
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Uma das perdas mais marcantes no Brasil, Em todos os casos apresentados, perdas
de repercussão mundial, ocorreu no Museu de irrecuperáveis foram registradas, em diferentes
Arte Moderna do Rio de Janeiro em 9 de julho escalas, e pergunta-se: estes incêndios não
de 1978. Um incêndio destruiu 90% da coleção poderiam ser evitados ou seus danos amenizados?
do museu, que incluía aproximadamente 1000
obras de arte, além de pinturas emprestadas para
uma exibição especial. Em apenas 30 minutos o O desenvolvimento de planos
incêndio causou uma perda estimada em 50
milhões de dólares, em valores da época. O Um plano de emergência tem como objetivo
edifício, de arquitetura moderna e que não identificar a vulnerabilidade de um edifício ou
possuía sistema de detecção e alarme automático patrimônio cultural a situações de emergência,
ou de chuveiros automáticos, foi completamente antecipar seus efeitos potençiais (sobre os edifícios,
recuperado, porém o seu acervo nunca voltou a coleções e comunidade), indicar como preveni-los,
ser o mesmo e a lembrança da tragédia permane atribuir responsabilidades e propor um plano de
ce na memória da cidade e do mundo. ação e de recuperação em caso de emergências.
Em 1988, um incêndio no bairro histórico do É certo que qualquer tipo de edificação
Chiado, em Lisboa, destruiu 18 edifícios datados deveria possuir um plano para as várias emergên
de 1755, numa área conhecida como “Baixa cias que possam ocorrer, como uma emergência
Pombalina”, por ter sido reconstruída pelo médica, um transbordo ou vazamento de água, um
Marquês de Pombal após um grande terremoto vazamento de gás ou mesmo um incêndio. Planos
que assoLou Lisboa no século XVIII. A falta de de emergência são muito comuns, por exemplo,
compartirhentação corta:fogo nos edifícios, aliada em áreas susceptíveis a terremotos ou furacões,
à grande quantidade de material combustível onde o fenômeno natural pode gerar múltiplos
existente nos seus interiores e à dificuldade de efeitos secundários como o rompimento de
acesso dos bombeiros pelas ruas estreitas do tubulações de água e gás, queda no fornecimento
bairro, tomadas por veículos, permitiu o desenvol de energia elétrica, interrupção das vias públicas e
vimento do incêndio em grandes proporções. de meios de comunicação etc. No entanto, estes
Temos, ainda, como exemplo mais recente planos não são tão freqüentes como se desejaria
em nosso país, um incêndio na Igreja Nossa em países em desenvolvimento.
Senhora do Carmo da cidade de Mariana, O plano de emergência para casos de
tombada pelo IPHAN - Instituto Patrimônio incêndio em edifícios históricos ou que abrigam
Histórico e Artístico Nacional, que destruiu boa acervos histórico-culturais exerce um papel
parte do piso de madeira, dois altares laterais e importante na proteção do patrimônio, pois,
todo o telhado. A igreja, concluída em 1784 e além de um programa de prevenção contra
que tinha acabado de passar por um processo de incêndios, precisa contar com programa de
restauração de quatro anos, se destaca dentre as salvamento e recuperação do patrimônio. Não
construções coloniais mineiras pela peculiarida devemos esquecer que a prioridade em uma
de de sua arquitetura. Muitos objetos de arte e emergência é sempre a vida humana. Quando
imagens datadas do século XVIII foram resgata lidamos com conservadores e restauradores
dos pelos moradores no incêndio ocorrido em 20 muito envolvidos emocionalmente com as
de janeiro de 1999, e o edifício está sendo coleções pelas quais são responsáveis, devemos
recuperado. No entanto, a preciosa pintura frisar bastante este fato. Muitos conservadores
barroca do forro foi perdida para sempre. O seriam capazes de colocar suas próprias vidas em
posto de bombeiros mais próximo se localizava risco para salvar um bem cultural. São muitas as
na cidade vizinha de Ouro Preto, levando a uma perdas humanas com este tipo de reação heróica
considerável demora no atendimento da ocorrên de enfrentar o perigo (sem avaliar ou conhecer
cia. Este foi o fato escolhido por nós para a os riscos) para salvar algum objeto (principal
apresentação no Workshop, no Chile, por mente aqueles objetos carregados de valores
representar um exemplo de um dos maiores sentimentais e simbólicos). Portanto, é funda
riscos a que nosso Patrimônio Cultural está mental em um plano de emergência o estabeleci
submetido. mento bem preciso de prioridades e atribuições
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de responsabilidade. No exercício que pratica papel e esteja pronto para atuar conforme suas
mos com atribuições de diversos papéis hipotéti atribuições).
cos, Wilbur Faulk sempre perguntava who is in A elaboração e execução de um Plano de
charge of... (quem é o responsável por...) se Emergência devem contar com o apoio de toda
referindo aos diversos níveis de responsabilidade linha hierárquica e administrativa para que seja
e até que ponto uma pessoa interage com a outra. efetiva. Pode-se levar alguns anos até que toda a
O acervo pode ser salvo de um incêndio estrutura esteja montada e funcionando, pois
através de uma rápida ação de combate ao fogo, envolve desde a avaliação das condições de
no entanto, deve haver um plano que também segurança contra incêndio (NFPA 909), à análise
minimize os efeitos causados pelo próprio ato de de risco a desastres do local, à formação dos vários
supressão do incêndio ou de outros fatores grupos de ação e até à realização de treinamentos
gerados pela emergência. periódicos e simulações anuais, não só envolvendo
A água utilizada para o combate, por exem todos os funcionários, mas também o corpo de
plo, pode trazer outros danos, caso não seja bombeiros e a comunidade local (voluntários).
contida rapidamente. Além disso, o local pode Em resumo, a criação de um plano de
sofrer atos de vandalismo e saque, caso seu acesso emergência deve contemplar as seguintes
fique vulnerável ou seu acervo não seja rapida fases (Dorge 1999):
mente removido para um local seguro. A docu
1. Definir a filosofia de museu / edifício
mentação de todas as alterações relacionadas a histórico / sítio arqueológico quanto às eventuais
uma coleção é fundamental (o que aconteceu, situações de emergência
onde, quando, com o quê, de onde saiu, para onde 2. Decidir os responsáveis pela coordenação
foi). Um inventário bem feito dos bens culturais em situações de emergência
3. Definir as áreas de responsabilidade
se revela imprescindível nestes momentos.
(coordenador, áreas administrativa, de segurança,
O ato do combate ao fogo em si pode gerar do edifício, do acervo etc.)
grandes perdas caso o bombeiro não conheça o 4. Decidir a estratégia para o desenvolvimento
edifício e seu conteúdo. Enquanto os conservado do plano
res do patrimônio são os que melhor conhecem 5. Programar e realizar o treinamento de pessoal
6. Prever suprimentos e equipamentos
suas coleções e os cuidados para sua conservação
necessários para enfrentar uma emergência
e recuperação, os responsáveis pela segurança 7. Realizar exercícios simulados de evacuação,
patrimonial do edifício devem conhecer a primeiros socorros e eventos / incidentes inesperados
integridade e a vulnerabilidade do edifício, do
acervo e dos sistemas instalados. Por outro lado,
os bombeiros são aqueles que têm maior proprie Conclusões
dade em assuntos como técnicas de combate ao
fogo e salvamento de pessoas em caso de incên Procurou-se, nestes parágrafos, levantar a
dio, porém, geralmente possuem poucas informa discussão sobre a questão da proteção do
ções sobre os edifícios que vão adentrar e o tipo patrimônio histórico-cultural contra desastres e
de material que vão encontrar pela frente. situações de emergência. Verificamos a necessi
Daí a importância de um plano de emergên dade de um maior compromisso dos profissio
cia e da integração entre entidades responsáveis nais e dos órgãos envolvidos pois, como já foi
pela proteção do patrimônio histórico-cultural - comentado anteriormente, um desastre pode
as entidades mantenedoras e os órgãos públicos, causar prejuízos de dimensões desproporcionais
dentre eles o departamento de edificações e o e perdas irrecuperáveis para o patrimônio
corpo de bombeiros. cultural da humanidade. O papel dos conserva
Além desses personagens acima citados, as dores e o envolvimento dos responsáveis pelas
várias pessoas que exercem funções de impor instituições que mantêm acervos são primordiais
tância dentro do edifício também devem estar para o sucesso na implantação e manutenção de
envolvidas no plano de emergência, pois planos de emergência, os quais devem ser
responsabilidades devem ser atribuídas e específicos em função do tipo de acervo a ser
distribuídas, de modo que o plano tenha efeito protegido e das circunstâncias particulares de
como uma orquestra afinada (cada um saiba seu cada instituição.
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Objetos3 que nos possibilite utilizar os proce culturas estudadas por arqueólogos e etnó
dimentos acima. Assim, fica mais claro, para logos, que pesquisam principalmente os
quem estiver analisando os objetos, o que se vestígios materiais das sociedades que os
quer saber sobre eles e porque estamos produzem (Fotos 1 e 2).
fazendo a sua análise. A aprendizagem pode se Esta prática pedagógica leva em conta
desenvolver através de qualquer tipo de também objetivos mais específicos, tais como:
objeto. O importante é que se aplique este - Oferecer a oportunidade a alunos,
Roteiro primeiramente com objetos mais professores e outros públicos, de manusear,
próximos do grupo envolvido e posteriormente observar e analisar estes objetos;
com os de um “kit” temático. - Discutir a relação possível entre diferentes
documentos deixados ou usados pelo Homem:
Este tipo de atividade educacional deve
escritos, materiais e iconográficos, identificando as
ser realizado levando-se sempre em conta os contribuições, alcances e limitações de cada um
saberes que os educandos já possuem devido deles para o estudo e ensino principalmente de
a suas vivências anteriores. História;
O manuseio e a análise direta dos objetos - Mostrar a necessidade de os museus atuarem
nem sempre nos fornecem todas as informações também como laboratório pedagógico, experimen
tando e propondo formas alternativas de ensino e
sobre eles. Há necessidade de pesquisas posterio aprendizagem;
res mais aprofundadas, em livros, documentos, - Preparar professores para que estes motivem
vídeos, filmes, construções, museus etc. e o público escolar a visitar as exposições do MAE e
algumas vezes são levantadas hipóteses que não também de outras instituições museológicas;
são esclarecidas totalmente. - Experimentar os atributos educacionais de
diferentes recursos didáticos.
I a etapa
(3) Este Roteiro permite questionarmos o objeto quanto Esta etapa, que dura cerca de duas horas,
a: características físicas, construção, função/utilização, é o primeiro contato que os alunos têm com o
design, valor e sociedade que o produziu. conteúdo do “kit” e envolve:
(4) O “kit” contém cinco categorias de componentes:
a) Objetos arqueológicos e etnográficos (autênticos e a. Relaxamento (alunos sentados no chão, em
réplicas): instrumentos líticos (ponta de projétil lascada; círculo), tendo os objetos do “kit” no centro,
raspador lascado; furador lascado; lâmina de machado cobertos por um feltro) .
polida; bloco lascado e percutor para lascamento); b. Sondagem: troca de idéias entre os alunos e o
objetos cerâmicos (fragmento de vasilha; lamparina educador sobre seus conhecimentos a respeito da
greco-romana; utensílio Karajá) e pente Waiwai. instituição museu e sobre os museus que já visitaram.
b) Painéis sobre a produção de alguns de seus objetos c. Manuseio dos objetos: os alunos têm
(confecção de lamparinas e de objetos cerâmicos com a oportunidade de sentir os objetos e observarem as
técnica de roletes; lascamento de rochas; painel com suas características principais (Foto 3).
imagem de lamparina e textos contemporâneos à d. “As peças falam...”: os objetos são contex-
lamparina. tualizados através das questões que o professor passa
c) Textos contem porâneos à lamparina greco-romana. a fazer, e os alunos, na medida em que as respon
d) Subsídios teóricos para os professores trabalharem dem, com eçam a construir várias informações
com o “kit” pedagógico. sobre as sociedades que os produziram/usaram, tais
e) Feltro para espalhar os objetos antes do seu manuseio. como: matéria-prima, técnica de produção, função/
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utilização, quem usou ou quem fez etc.. Nesta fase educativo é bastante amplo e muito complexo para
são utilizados os painéis sobre a produção de alguns ser aplicado por professores ou outras pessoas
dos objetos do “kit” (Fotos 4 e 5).
interessadas sem uma preparação prévia, é
e. Formulação de conceitos (eles serão
construídos a partir da análise destes objetos e do necessário que haja uma orientação especializada
que os levou a ser resgatados e preservados): para o seu uso. São oferecidos Treinamentos para
Arqueologia, Etnologia, Museu, Cultura, Patrimô o público docente nos quais se desenvolvem
nio Cultural e outros. Sempre se considera a faixa várias atividades, tais como:
etária com a qual se está trabalhando para que esses
conceitos sejam compreendidos da forma mais 1. Discussão e análise de conceitos básicos:
adequada possível. Cultura, Diversidade Cultural, Arqueologia,
Etnologia, Patrimônio Cultural e outros, os quais
são fundamentais para a contextualização dos
2a etapa objetos do “kit” pedagógico.
2. Análise de diferentes objetos, inclusive os dos
“kits” do MAE: quando o professor se toma o
Esta etapa, que tem a duração aproximada
receptor da ação educativa o que o qualifica mais
de duas horas, se toma mais produtiva se for adequadamente para o seu trabalho com os seus
desenvolvida em um segundo dia e consta das alunos (Foto 7 ).
seguintes fases: 3. O professor adquire apostilas com textos
teóricos a partir dos quais poderá contextualizar
a. R ecordação do que foi v isto no contato mais profundamente os objetos arqueológicos e
anterior, procurando-se, principalm ente, destacar etnográficos do “kit”.
o objeto com o suporte de inform ações e os con
ceitos construídos a partir deles. O Treinamento tem a duração de quatro horas
b. Análise do utensílio lamparina (documento e, depois de participar de um deles, o professor
material),5 da representação de sua imagem em vaso
poderá tomar emprestado, por quinze dias, o
contemporâneo (documento iconográfico) (Foto 6) e
de textos sobre a sua utilização (documento escri
“kit”. Para tal, assina um Termo de Responsabili
to).6 Através desses três tipos de documentos, é pos dade e leva um Questionário de Avaliação que
sível discutir a potencialidade informativa de cada deve ser respondido após a utilização do material
um deles e a integração das informações para a m e pedagógico e devolvido juntamente com o “kit”.
lhor compreensão da sociedade que os produziu. No final de cada semestre, todos os participan
c. Avaliação da ação educativa desenvolvida
tes dos Treinamentos são convidados a retomarem
através deste recurso pedagógico por meio de: ques
tões, desenhos, dramatização, elaboração de textos,
ao MAE para trocarem as experiências que tiveram
montagem de museu na escola, construção de “sítio com a utiüzação do “kit” e discutirem alguns dos
arqueológico” para que seja escavado e analisado pontos levantados nos Questionários de Avalia
pelos alunos, e outras possibilidades. ção .7 É nesta ocasião que constatamos a versatili
dade deste material pedagógico. Os professores
nem sempre seguem o Roteiro sugerido durante o
Treinamento de Professores para Treinamento. Eles elaboram situações educativas
utilização dos “kits” pedagógicos de diferentes tipos , muito criativas.
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também como subsídio para o professor seus programas educativos, fazem parte da
preparar, em sala de aula, seus alunos para premissa que “cabe a esta instituição propiciar
uma visita livre ou monitorada à exposição de experiências inovadoras de aprendizagem de
longa duração “Formas de Humanidade” do forma a alargar o espaço destinado ao livre
MAE, capacitando-os para a apreciação e questionamento por parte dos estudantes,
análise dos bens culturais lá expostos. Estarão suscitando o aparecimento de idéias novas”;
trabalhando dentro dos princípios da Educa assim como “criar condições adequadas e
ção Patrimonial, cuja metodologia é seguida e estimulantes para o exercício das potencialidades
aplicada na ação educativa da DDC/MAE.8 do indivíduo, usando de linguagem que lhe é
Considera-se que os recursos pedagógicos própria, e que está expressa no seu acervo”
criados e divulgados por um museu, dentro de (Hirata, Demartini, Peixoto, Elazart 1989:15).
(8) A E ducação P a trim on ial se refere ao “ensino culturais com o fonte primária de ensino” (Grunberg
centrado nos bens culturais, com o a m etodologia que (1995: 6). Para um maior conhecim ento desta
toma estes bens com o ponto de partida para desen m etodologia e seus princípios teóricos, pode-se
volver a tarefa pedagógica; que considera os bens consultar Horta et al. (1999).
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Foto 4 - Painel com a técnica do lascamento de rochas. Foto 5 - Painel com a confecção de lamparinas em moldes.
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U n iv e r s id a d e d e S ã o P a u lo
Examples:
Instructions to the authors
BOCQUET, A.
The originals should be sent to the editor, in 1979 Lake bottom archaeology. Scientific Am eri
MS - DOS formatted diskettes, before May 31 of can, 2 4 0 (2): 56-75.
the publication year, preferably as files of MS - FOLEY, R. A.
Word, in standard equipm ent IBM - PC, or 1981 O ff site archaeology: an alternative approach
for the short sites. I. Hodder, G; Isaac and
compatible. A second file should contain name, N. Ham m ond (E d s.) P a tte rn o f th e P a st
address, e-mails, telephone and/or fax number, as S tu d ie s in H o n o r o f D a v id L. C la rk e.
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employed. This material will should contain one 1 5 7 -1 8 3 .
printed copy and will be not sent back to the SANOJA, M.; VARGAS, I.
1978 Antigas form aciones y modos de producción
authors.
venezolanos. Caracas: Monte Avila Editores.
A r tic le s a n d C u r a to r s h ip S tu d ie s B ib lio g r a p h ic a l S tu d ie s
Editoração Eletrônica:
F ábio B a tista d o s S an tos
Pró-Reitoria de Pesquisa
Pró-Reitor: Prof. Dr. Heman Chaimovich
M useu de A r q u e o l o g ia e E t n o l o g ia