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Moossad

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Por

heróis não cantados,


Por batalhas não narradas,
Por livros não escritos,
Por segredos não revelados,
E por um sonho de paz jamais abandonado, jamais esquecido.

MICHAEL BAR-ZOHAR

A Amy Korman,
pelos conselhos,
pela inspiração,
e por ser o meu pilar de apoio.

NISSIM MISHAL
“Este livro conta o que devia ser sabido e não é — que a força oculta de Israel é tão formidável
quanto sua reconhecida força física.”

SHIMON PERES, presidente de Israel


INTRODUÇÃO

SOZINHOS NO COVIL DOS LEÕES

Em 12 de novembro de 2011, uma explosão tremenda destruiu uma


base de mísseis secreta perto de Teerã, matou 17 guardas revolucionários e
reduziu dezenas de mísseis a um amontoado de ferro carbonizado. O general
Hassan Tehrani Moghaddam, “pai” dos mísseis de longo alcance Shehab, e
homem responsável pelo programa de mísseis iraniano, morreu na explosão.
O alvo secreto do atentado, porém, não era Moghaddam, mas um foguete de
combustível sólido capaz de transportar um míssil nuclear por mais de 10.000
quilômetros, para o outro lado do mundo, desde os silos subterrâneos do Irã
até o território dos Estados Unidos.
O novo míssil planejado pelos líderes do Irã visava deixar de joelhos
as grandes cidades dos Estados Unidos e transformar o Irã numa potência
dominadora do mundo. A explosão de novembro atrasou por vários meses o
projeto.
Ainda que o alvo do novo míssil de longo alcance fosse os Estados
Unidos, as explosões que destruíram a base iraniana foram provavelmente
desencadeadas pelos serviços secretos israelenses, o Mossad. Desde o seu
início, há mais de 60 anos, o Mossad lutou intrepidamente e corajosamente
contra os perigos que ameaçam Israel e o Ocidente. E, mais do que nunca, as
informações conseguidas pelo Mossad e as suas operações afetam a segurança
dos Estados Unidos, tanto no estrangeiro como no seu próprio território.
Neste preciso momento, segundo fontes estrangeiras, o Mossad desafia
a promessa franca e explícita da liderança iraniana de limpar Israel do mapa.
Ao travar nas sombras uma guerra obstinada contra o Irã, com a
sabotagem de instalações nucleares, assassinato de cientistas, fornecimento
aos complexos de equipamento e matérias-primas defeituosos por via de
empresas fictícias, organização de deserções de altas patentes militares e de
figuras de topo da pesquisa nuclear, introdução de vírus terríveis nos sistemas
informáticos do Irã, o Mossad está alegadamente a combater a ameaça de um
Irã nuclear e o que isso significaria para os Estados Unidos e o resto do
mundo. Embora o Mossad tenha atrasado vários anos a bomba nuclear
iraniana, a sua batalha subterrânea está a chegar ao limite antes de serem
empregues medidas de último recurso — um ataque militar.
Na luta contra o terrorismo, o Mossad tem capturado e eliminado
inúmeros terroristas importantes nos seus baluartes em Beirute,
Damasco, Bagdá e Tunes, e nas suas estações de batalha em Paris, Roma,
Atenas e Chipre, desde a década de 1970. Em 12 de fevereiro de 2008,
segundo a imprensa ocidental, os agentes do Mossad emboscaram e mataram
Imad Mughniyeh, líder militar do Hezbollah, em Damasco.
Mughniyeh era um arqui-inimigo de Israel, mas também ocupava o
primeiro lugar da lista dos Mais Procurados do FBI. Planeou e executou o
massacre de 241 fuzileiros americanos em Beirute. Deixou atrás de si um
rastro coberto de sangue de centenas de americanos, israelenses, franceses e
argentinos. Neste preciso momento, há líderes da Jihad Islâmica e da Al–
Qaeda a ser perseguidos por todo o Oriente Médio.
E, porém, quando o Mossad avisou o Ocidente de que a Primavera
Árabe podia transformar-se num Inverno Árabe, ninguém, ao que parece, deu
ouvidos. Durante 2011, o Ocidente festejou o que acreditou ser o raiar de uma
nova era de democracia, liberdade e direitos humanos no Oriente Médio. Na
esperança de obter a aprovação dos egípcios, o Ocidente pressionou o
presidente Mubarak, o seu melhor aliado no mundo árabe, a abdicar do poder.
Porém, as primeiras multidões que ocuparam a Praça Tahrir, no Cairo,
queimaram a bandeira americana; depois, irromperam pela Embaixada de
Israel, exigiram o fim do tratado de paz com Israel e prenderam ativistas de
ONG americanas. As eleições livres no Egito puseram a Irmandade
Muçulmana no poder e, hoje, o Egito está à beira da anarquia e da catástrofe
econômica. Na Tunísia, começou a brotar um regime islâmico
fundamentalista, e a Líbia provavelmente seguirá seus passos. O Iêmen está
em polvorosa. Na Síria, o presidente Bashar Al-Assad massacra seu próprio
povo.
As nações moderadas, como Marrocos, Jordânia, Arábia Saudita e
Emirados Árabes Unidos, sentem-se traídas pelos aliados ocidentais. E as
esperanças de direitos humanos, direitos das mulheres e democratização das
leis e do governo que inspiraram essas revoluções históricas foram extirpadas
por partidos religiosos fanáticos, mais bem organizados e mais ligados às
massas.
Este Inverno Árabe transformou o Oriente Médio numa bomba-relógio
que ameaça o povo israelense e seus aliados no mundo ocidental. À medida
que a História se desenrola, as tarefas do Mossad serão mais arriscadas mas
também mais vitais para o Ocidente. O Mossad parece a melhor defesa contra
a ameaça nuclear iraniana, contra o terrorismo, contra o que quer que se
desenvolva a partir do caos do Oriente Médio. Mais importante, o Mossad é a
última salvaguarda antes da guerra aberta.
Os guerreiros anônimos do Mossad são a força vital da organização,
homens e mulheres que arriscam a vida, que vivem com identidades falsas
longe das famílias, que fazem operações ousadas em países inimigos, onde o
menor erro pode conduzir à prisão, à tortura ou à morte. Durante a Guerra
Fria, o pior destino de um agente secreto capturado no Ocidente ou no bloco
comunista era ser trocado por outro agente nalguma ponte fria e enevoada de
Berlim. Fosse russo ou americano, britânico ou leste-alemão, o agente sabia
sempre que não estava sozinho, que havia sempre alguém que o traria do frio.
Porém, para os guerreiros solitários do Mossad, não há trocas nem pontes
enevoadas; para eles, a audácia paga-se com a vida.
Neste livro, trazemos à luz do dia as maiores missões e os heróis mais
corajosos do Mossad, assim como os erros e fiascos que, por mais de uma
vez, mancharam a imagem da agência e lhe abalaram os fundamentos. Estas
missões moldaram o destino de Israel e, de várias formas, o destino do
mundo. E, porém, o que todos os agentes do Mossad têm em comum é um
amor profundo e idealizado pelo seu país, uma devoção total à existência e
sobrevivência dele, uma prontidão para correr os riscos mais dramáticos e
enfrentar os perigos mais graves. Por amor a Israel.
1. REI DAS SOMBRAS

No final do verão de 1971, uma tempestade violenta açoitou a costa


mediterrânica e o litoral de Gaza foi fustigado por ondas altas. Os pescadores
árabes ficaram prudentemente em terra; não era dia para aventuras no
mar traiçoeiro. Foi com estupefação que viram um barco periclitante emergir
subitamente das ondas em fúria e aportar pesadamente na areia molhada.
Alguns palestinos, com as roupas e keffiyehs enrugados e encharcados,
saltaram e caminharam até terra. Os seus rostos com barbas por fazer
revelavam a fadiga de uma longa jornada no mar; porém, não tiveram tempo
de descansar, pois fugiam pela própria vida. Dos mares furiosos, emergiu um
torpedeiro israelense transportando soldados completamente equipados para
combate. Aproximou-se da costa a velocidade máxima e os soldados saltaram
para as águas pouco profundas enquanto disparavam sobre os palestinos em
fuga. Um par de jovens gazanos que brincavam na praia correu para os
palestinos e conduziu-os para a segurança de um pomar próximo; os soldados
israelenses perderam-lhes a peugada, mas espalharam-se pela praia à procura
dos fugitivos.
Mais tarde, nessa mesma noite, um jovem palestino armado de
kalashnikov entrou furtivamente no pomar e encontrou os fugitivos aninhados
juntos num canto remoto.
— Quem são, irmãos? — perguntou.
-membros da Frente Popular de Libertação da Palestina — chegou a
resposta. — Do campo de refugiados de Tiro, no Líbano.
— Marhaba, bem-vindos — disse o jovem.
— Sabe o que aconteceu a Abu-Seif, nosso comandante? Enviou-nos
para encontrarmos os comandantes da Frente Popular em Beit Lahia [um
baluarte terrorista no Sul da Faixa de Gaza]. Temos dinheiro e armas e
queremos coordenar as nossas operações.
— Ajudarei em tudo — disse o jovem.
Na manhã seguinte, vários terroristas armados escoltaram os recém-
chegados a uma casa isolada no campo de refugiados de Jabalia. Foram
conduzidos a uma sala espaçosa e convidados a sentar-se.
Pouco depois, entraram os líderes da Frente Popular. Trocaram
cumprimentos calorosos com os irmãos libaneses e sentaram-se frente a
frente.
— Podemos começar? — perguntou um jovem encorpado e meio
careca com um keffiyeh vermelho, aparentemente o líder do grupo libanês. —
Estão todos aqui?
— Todos.
O libanês levantou a mão e olhou para o relógio. Era o sinal
combinado.
Subitamente, os “enviados libaneses” puxaram de pistolas e abriram
fogo.
Em menos de um minuto, os terroristas de Beit Lahia estavam mortos.
Os “libaneses” correram da casa, abriram caminho através de becos sinuosos
do campo de Jabalia e das apinhadas ruas de Gaza e depressa entraram em
território israelense. Nessa noite, o homem do keffiyeh vermelho, o capitão
Meir Dagan, comandante da Rimon, uma unidade secreta de operações
especiais das Forças Armadas israelenses, informou ao general Ariel
(Arik) Sharon de que a “Operação Camaleão” fora um êxito. Todos os líderes
da Frente Popular de Beit Lahia, um mortífero grupo terrorista, tinham sido
assassinados.
Dagan tinha apenas 26 anos, mas já era um guerreiro lendário. Tinha
planejado toda a operação: o seu disfarce de terroristas libaneses numa velha
embarcação vinda de Ashdod, um porto em Israel; a longa noite escondidos; o
encontro com os líderes terroristas e a rota de fuga após os assassinatos; tinha
organizado até a perseguição encenada por um navio torpedeiro israelense.
Dagan era a imagem do homem de guerrilha, careca e criativo, e não alguém
que cumprisse as regras. Yitzhak Rabin disse uma vez: “Meir tem a
capacidade única de inventar operações antiterroristas que parecem filmes de
ação.”
O futuro chefe do Mossad Danny Yatom recordava Dagan como um
jovem encorpado e com uma enorme juba castanha, que tentara aderir à
unidade de operações especiais mais respeitada de Israel, a Sayeret Matkal, e
espantara toda a gente com o seu jeito para o lançamento de facas. A sua
enorme faca cortava o ar e acertava em cheio em qualquer alvo que ele
escolhesse. Porém, embora fosse um excelente atirador, chumbara nos testes
para a Sayeret Matkal e tivera, inicialmente, de se contentar com as asas de
prata de paraquedista.
No início da década de 1970, foi enviado para a Faixa de Gaza, que
fora conquistada por Israel na Guerra dos Seis Dias, em 1967, e desde então
se tornara um ninho de vespas, um mortífero centro terrorista. Os terroristas
palestinos assassinavam diariamente israelenses na Faixa de Gaza e em Israel
com bombas, explosivos e armas de fogo; as Forças Armadas israelenses
tinham perdido o controle sobre os violentos campos de refugiados. A 2 de
janeiro de 1971, quando as adoráveis crianças Arroyo, Avigail, de cinco anos,
e Mark, de oito anos, foram desfeitas em pedaços quando um terrorista lançou
uma granada de mão para o carro em que estavam, o general Ariel (Arik)
Sharon decidiu que tinha de pôr cobro ao massacre sangrento em curso.
Recrutou alguns velhos amigos da sua juventude guerreira, assim como vários
soldados mais novos. Dagan foi um deles. Um oficial de cara redonda,
baixinho, encorpado, que mancava por ter pisado uma mina terrestre na
Guerra dos Seis Dias. No hospital de Soroka, em Berseba, tinha-se
apaixonado pela enfermeira Bina, que o tratara. Casaram-se quando ele
recuperou.
A unidade de Sharon não existia oficialmente. A sua missão era
destruir as organizações terroristas em Gaza por meio de métodos arriscados e
pouco convencionais. Dagan costumava percorrer a Gaza ocupada com uma
bengala, um doberman e várias pistolas, revólveres e pistolas-metralhadoras.
Há quem diga que o viu disfarçado de árabe, montando
descontraidamente um burro nos traiçoeiros becos de Gaza. A enfermidade
não refreou a sua determinação em levar a cabo as operações mais arriscadas.
Os seus pontos de vista eram simples. Existem inimigos — árabes maus que
nos querem matar — e portanto temos de os matar primeiro.
Dentro da unidade, Dagan criou a Rimon, a primeira unidade secreta
de operações especiais israelense, que atuava sob disfarce árabe e em
profundidade nos baluartes inimigos. Para se movimentarem livremente entre
as multidões árabes e chegarem aos seus alvos, trabalhavam disfarçados. Os
membros da equipe rapidamente se tornaram conhecidos como a “equipe
assassina do Arik” e, segundo alguns rumores, era frequente matarem a
sangue-frio terroristas capturados. Dizia-se que, por vezes, acompanhavam
um terrorista a um beco escuro e lhe diziam “Tens dois minutos para fugir”.
Quando ele tentava, matavam-no com um tiro. Ocasionalmente,
deixavam um punhal ou uma pistola no caminho e, quando o terrorista tentava
deitar-lhe a mão, matavam-no. Alguns jornalistas escreveram que todas as
manhãs Dagan saía para o campo, usava uma mão para urinar e a outra para
disparar sobre uma lata de Coca-Cola vazia. Dagan negou tais histórias. “Há
mitos que não nos largam”, disse, “mas parte do que foi escrito é
simplesmente falso.”
A pequena unidade de operações especiais israelenses travava uma
guerra dura e cruel em que arriscava diariamente a vida. Quase todas as noites
os membros da equipe de Dagan se disfarçavam de mulheres ou pescadores e
procuravam terroristas conhecidos. Em meados de janeiro de 1971, fizeram-se
passar por terroristas árabes no Norte da Faixa de Gaza e conseguiram atrair e
montar uma emboscada a membros da Fatah. No tiroteio que se seguiu, os
terroristas da Fatah foram mortos. A 29 de janeiro de 1971, já de uniforme,
Dagan e os seus homens viajaram em dois jipes até as redondezas do campo
de Jabalia (um campo de refugiados palestinos). Acabaram por se cruzar com
um táxi, e Dagan reconheceu entre os passageiros um terrorista famoso
chamado Abu Nimer. Ordenou aos jipes que travassem e os seus soldados
rodearam o táxi. Dagan aproximou-se e no mesmo momento Abu Nimer saiu
mostrando uma granada de mão. Puxou a patilha de olhos postos em Dagan.
“Granada!”, gritou Dagan, mas em vez de sair dali para se proteger, saltou
para cima do homem, prendeu-lhe os braços e tirou-lhe a granada da mão.
Recebeu a Medalha de Coragem por esse feito. Porém, há quem diga que,
depois de lançar a granada para longe, Dagan matou Abu Nimer com as
próprias mãos.
Anos mais tarde, numa rara entrevista ao jornalista israelense Ron
Leshem, Dagan disse:

A Rimon não era uma equipe de assassinato […]. Não era o Faroeste,
onde todo mundo tem sempre o dedo no gatilho. Nunca fizemos mal a
mulheres ou crianças […] Atacávamos pessoas que eram assassinos
violentos. Eliminávamos essas e dissuadíamos outras. Para proteger os civis,
o Estado por vezes precisa de fazer coisas que são contrárias ao
comportamento democrático. É verdade que em unidades como a nossa os
limites podem tornar-se algo incertos. É por isso que temos de garantir que
os nossos homens sejam da melhor qualidade. As ações mais sujas devem ser
feitas pelos homens mais honestos.
Democrático ou não, Sharon, Dagan e os seus colegas aniquilaram
quase todo o terrorismo em Gaza e a zona manteve-se tranquila e pacífica
durante vários anos. Ainda assim, há quem mantenha que Sharon dizia, meio
a brincar, meio a sério, sobre o seu leal ajudante: “A especialidade do Meir é
separar a cabeça de um árabe do seu corpo.”
Contudo, muito poucos conheciam o verdadeiro Dagan. Este nasceu
Meir Huberman, em 1945, numa carruagem nos subúrbios de Herson, na
Ucrânia, enquanto a família fugia da Sibéria para a Polônia. A maioria da
família tinha perecido no Holocausto. Meir emigrou para Israel com os pais e
cresceu num bairro pobre em Lod, uma velha cidade árabe cerca de 25
quilômetros a sul de Tel Aviv. Muitos conheciam-no como um lutador
indomável; poucos sabiam das suas paixões secretas: era um leitor ávido de
livros de História, vegetariano, viciado em música clássica, e tinha como
passatempos a pintura e a escultura.
Dagan foi desde cedo um homem atormentado pelo sofrimento terrível
da sua família e do povo judeu durante o Holocausto. Dedicou a vida à defesa
do novo Estado de Israel. Conforme ia subindo na hierarquia do Exército, a
primeira coisa que fazia sempre que lhe atribuíam um gabinete novo era
pendurar numa parede uma fotografia grande de um velho judeu envolvido no
seu xaile de oração, ajoelhado diante de dois oficiais da SS, um segurando um
chapéu e outro uma arma. “Este velhote é meu avô”, dizia Dagan a quem o
visitava. “Olho para a imagem e sei que temos de ser fortes e defender-nos,
para que o Holocausto nunca mais aconteça.”
O velho era, de fato, avô de Dagan. Ber Ehrlich Slushni foi
assassinado em Lukov segundos depois de a fotografia ser tirada.
Durante a Guerra do Yom Kippur, em 1973, Dagan esteve entre os
primeiros israelenses a atravessar o canal do Suez numa unidade de
reconhecimento. Em 1982, na Guerra do Líbano, entrou em Beirute à cabeça
da sua brigada blindada. Depressa se tornou comandante da zona de
segurança do Sul do Líbano, e foi lá que o aventureiro lutador de guerrilha
reemergiu do seu engomado uniforme de coronel. No Líbano, Dagan
ressuscitou os princípios do secretismo, da camuflagem e do engodo dos seus
dias de Gaza. Os seus soldados inventaram um novo nome para o seu chefe
aventureiro e sigiloso. Chamaram-lhe “Rei das Sombras”. A vida no Líbano,
com alianças secretas, traições, crueldade, guerras secretas, era um local onde
estava à vontade. “Mesmo antes de a minha brigada de tanques ter entrado em
Beirute”, disse, “eu conhecia a cidade bem.” E depois de a Guerra do Líbano
acabar, Dagan não desistiu das suas aventuras secretas. Em 1984, foi
oficialmente repreendido pelo chefe de Estado-Maior Moshe Levy por ficar,
disfarçado de árabe, em Bahamdoun, o quartel-general terrorista.
Durante a Intifada (a revolta palestina de 1987 a 1993), quando foi
transferido para a Cisjordânia como conselheiro do chefe de Estado-Maior
Ehud Barak, Dagan retomou os seus velhos hábitos e até persuadiu Barak a
acompanhá-lo. Os dois disfarçaram-se com fatos de treino, como verdadeiros
palestinos, encontraram um Mercedes azul-bebé com placa local, e foram dar
uma volta na perigosa Nablus Kasbah. No regresso, suscitaram medo e
espanto às sentinelas do seu quartel-general quando reconheceram os
ocupantes do carro.
Em 1995, Dagan, então general-major, deixou o Exército e juntou-se
ao companheiro Yossi Ben-Hanan numa viagem de 18 meses de mota pelas
planícies asiáticas. A viagem foi interrompida pela notícia do assassinato de
Yitzhak Rabin. Regressado a Israel, Dagan passou algum tempo na direção da
autoridade antiterrorista, fez uma tentativa desapaixonada de entrar no mundo
dos negócios e ajudou Sharon na sua campanha eleitoral do Likud.
Depois, em 2002, retirou-se para a sua casa de campo na Galileia, para
os seus livros, os seus discos, a sua paleta e o seu cinzel de escultor.
Foi 30 anos depois de Gaza, já como general aposentado, que começou
a conhecer a sua família — “De repente, acordei e os meus filhos eram
adultos” —, quando recebeu um telefonema do seu velho amigo, agora
primeiro-ministro, Arik Sharon. “Quero que chefies o Mossad”, disse Sharon
ao seu velho amigo, então com 57 anos. “Preciso de um chefe do Mossad com
um punhal entre os dentes.”
Estava-se em 2002, e o Mossad perdia vigor. Vários fiascos nos anos
anteriores tinham desferido duros golpes a seu prestígio. O assassinato
fracassado, e muito noticiado, de um grande líder do Hamas em Amã, e a
captura de agentes israelenses da Suíça, no Chipre e na Nova Zelândia tinham
prejudicado seriamente a reputação do Mossad. O último chefe do
Mossad, Efraim Halevy, não esteve à altura das expectativas. Halevy era um
antigo embaixador da União Europeia em Bruxelas, bom diplomata e bom
observador, mas não era nem um líder nem um combatente. E Sharon queria
ter na chefia do Mossad um líder ousado e criativo que fosse uma força
formidável contra o terrorismo islâmico e o reator nuclear iraniano.
Dagan não foi bem recebido no Mossad. Era um intruso, concentrava-
se sobretudo nas operações, não se preocupava muito com análises
fundamentadas dos serviços secretos nem com as trocas diplomáticas
secretas. Vários altos funcionários do Mossad demitiram-se em protesto, mas
Dagan não se importou. Reconstruiu as unidades operacionais, estabeleceu
relações próximas com serviços secretos estrangeiros e ocupou-se da ameaça
iraniana. Quando a segunda e desastrosa Guerra do Líbano começou, em
2006, foi o único líder israelense que se opôs à estratégia baseada em
bombardeamentos pesados pela Força Aérea. Acreditava numa ofensiva
terrestre, duvidava de que a Força Aérea conseguisse ganhar a guerra e saiu
da guerra incólume.
Ainda assim, foi muito criticado pela imprensa em virtude da sua
atitude dura com os seus subordinados. Alguns oficiais frustrados do Mossad,
já reformados, correram a queixar-se à imprensa, e Dagan ficou sob fogo
constante. “Dagan Quê?”, escreveu ironicamente um colunista popular.
Até que, um dia, as parangonas mudaram. Os diários começaram a
encher-se de artigos elogiosos repletos de superlativos, louvando “o homem
que restaurou a honra à Mossad”.
Sob o comando de Dagan, o Mossad conseguira feitos até então
inimagináveis: o homicídio em Damasco de Imad Mughniyeh, assassino
louco do Hezbollah, a destruição do reator nuclear sírio, a liquidação de
líderes terroristas cruciais no Líbano e na Síria e, por último, mas não menos
importante, a campanha implacável e impiedosa contra o projeto secreto de
armas nucleares iraniano.
2. FUNERAIS EM TEERÃ

Em 23 de julho de 2011, às 4h30 da tarde, dois homens armados


montados em motas pararam na Rua Bani Hashem, no Sul de Teerã, tiraram
armas automáticas dos casacos de pele e dispararam sobre um homem que
entrava em casa. Desapareceram após o assassinato, muito antes da chegada
da polícia. A vítima era Darioush Rezaei Najad, professor de Física de 35
anos e figura crucial do projeto nuclear secreto do Irã. Era responsável pelo
desenvolvimento de interruptores eletrônicos necessários à ativação de uma
ogiva nuclear.
Rezaei Najad não foi o primeiro cientista iraniano a conhecer
recentemente uma morte violenta. Oficialmente, o Irã estava a desenvolver
tecnologia nuclear com fins pacíficos e afirmava que o reator de Bushehr,
uma importante fonte de energia construída com ajuda russa, era uma prova
das suas boas intenções. Porém, além do reator de Bushehr, tinham sido
descobertas outras instalações nucleares clandestinas, todas profusamente
guardadas e praticamente inacessíveis. Ao fim de um tempo, o Irã teve de
admitir a existência de alguns desses centros, embora negasse as alegações de
desenvolvimento de armas. Contudo, por essa altura, os serviços secretos
ocidentais e as organizações clandestinas locais haviam desmascarado vários
dos melhores cientistas das universidades do Irã, que tinham sido
selecionados para construir a primeira bomba nuclear iraniana. No Irã, o que
se pode identificar como “grupos desconhecidos” travavam uma guerra brutal
para parar o programa secreto de armas nucleares.
A 29 de novembro de 2010, às 7h45 da manhã, uma mota emergiu por
detrás do carro do Dr. Majid Shahriyari, diretor científico do projeto nuclear
iraniano, no Norte de Teerã. Ao passar pelo carro, o motociclista, de capacete,
prendeu um dispositivo ao para-brisas traseiro do carro. Passados uns
segundos, o dispositivo explodiu, matou o físico de 45 anos e feriu a sua
mulher. Enquanto isso, na Rua Atashi, no Sul de Teerã, outro motociclista
fazia o mesmo ao Peugeot 206 do Dr. Fereydoun Abassi-Davani, outro
preeminente cientista nuclear. A explosão feriu Abassi-Davani e a mulher.
O Governo iraniano apontou imediatamente o dedo à Mossad. Os
papéis que os dois cientistas desempenhavam no projeto de armas atômicas
iraniano estavam envoltos num espesso véu de secretismo, mas Ali Akbar
Salehi, diretor do projeto, declarou que o ataque transformara Shahriyari em
mártir e privara a equipe da sua “mais querida flor”.
Também o presidente Ahmadinejad expressou de forma engenhosa o
seu reconhecimento às duas vítimas: assim que Abassi-Davani recuperou das
feridas, Ahmadinejad nomeou-o vice-presidente do Irã.
Os homens que atacaram os cientistas não foram descobertos.
A 12 de janeiro de 2010, às 7h50 da manhã, o professor Masoud Ali
Mohammadi saiu de casa, na Rua Shariati, no bairro de Gheytarihe, no Norte
de Teerã. Ia a caminho do seu laboratório na Universidade de Tecnologia de
Sharif.
Quando tentou abrir a porta do carro, uma enorme explosão abanou o
tranquilo bairro. As forças de segurança que acorreram ao local encontraram
o carro de Mohammadi despedaçado pela explosão e o corpo do cientista
desfeito em pedaços. Fora morto por uma carga explosiva escondida num
motociclo estacionado junto do seu carro. A imprensa iraniana afirmou que o
assassinato fora responsabilidade de agentes do Mossad. O presidente
Ahmadinejad declarou: “O assassinato lembra os métodos sionistas.”
O professor Mohammadi, de 50 anos, era especialista em física
quântica e conselheiro do projeto de armas nucleares iraniano. Alguns meios
de comunicação social europeus noticiaram que ele pertencera aos Guardas
Revolucionários, o exército paralelo pró-governo. A vida de Mohammadi, tal
como a sua morte, cobria-se de mistério. Vários amigos sustentaram que ele
só estava ligado à pesquisa teórica e nada tinha que ver com projetos
militares; alguns também defenderam que ele apoiava os movimentos
dissidentes e tinha participado em protestos contra o governo.
Porém, o fato é que cerca de metade das pessoas presentes no seu
funeral eram Guardas Revolucionários. O seu caixão foi carregado por
oficiais dos Guardas Revolucionários. As investigações subsequentes
mostraram que Mohammadi estivera, sem dúvida, profundamente
envolvido no desenvolvimento das ambições nucleares do Irã.
Em janeiro de 2007, o Dr. Ardashir Hosseinpour foi alegadamente
assassinado por agentes do Mossad com veneno radioativo. O Sunday Times
de Londres divulgou a notícia do assassinato, citando informações do Stratfor,
um grupo independente de reflexão sobre estratégia e serviços de informações
sediado no Texas. Os representantes do Governo iraniano ridicularizaram a
notícia, afirmando que o Mossad nunca conseguiria levar a cabo uma
operação desse tipo no interior do Irã, e que o “professor Hosseinpour morreu
sufocado pela inalação de fumo dum fogo em sua casa”.
Também insistiram que o professor de 44 anos não era senão um
renomado especialista em eletromagnetismo e não estava envolvido de forma
alguma nos projetos nucleares do Irã.
Porém, soube-se que Hosseinpour trabalhava num local secreto em
Isfahan, onde se convertia urânio bruto em gás. O gás era então usado para
enriquecimento de urânio por meio de uma série (“cascatas”) de
centrifugadoras em Natanz, uma instalação subterrânea fortificada e remota.
Em 2006, Hosseinpour ganhou o mais alto prêmio iraniano de ciência
e tecnologia, mas dois anos antes fora galardoado com a mais alta distinção
do seu país para a investigação militar.
Os assassinatos dos cientistas nucleares iranianos eram apenas uma
frente de uma guerra muito mais alargada. Segundo o londrino Daily
Telegraph, o Mossad de Dagan tinha dado livre curso a uma força de assalto
de agentes duplos, equipes de assassinato, sabotagem, empresas de fachada, e
empregado todos os esforços durante anos e anos de operações secretas contra
o programa de armas nucleares iraniano. Reva Bhalla, diretora de análise da
Stratfor, era citada da seguinte forma: “Com a cooperação dos Estados
Unidos, as operações secretas israelenses concentraram-se tanto na
eliminação dos elementos humanos fundamentais envolvidos no programa
nuclear quanto na sabotagem da cadeia de fornecimento iraniana.” Israel,
afirmou ela, recorrera a táticas semelhantes no Iraque, no início da década de
1980, quando o Mossad matou três cientistas nucleares iraquianos,
prejudicando assim a conclusão do reator atômico de Osiraq, perto de Bagdá.
Na sua guerra dissimulada contra o programa nuclear iraniano, o
Mossad de Dagan estava a conseguir atrasar o desenvolvimento de uma
bomba nuclear iraniana e, assim, a esquivar-se ao maior perigo para a
existência de Israel desde a sua criação: as ameaças de Ahmadinejad de que
Israel devia ser aniquilada.
Não obstante, estas pequenas vitórias não redimem o pior erro da
história do Mossad: a sua incapacidade de expor desde o início o projeto
nuclear secreto do Irã. Havia já vários anos que o Irã estava a edificar o seu
poder nuclear — e Israel não desconfiou de nada. O Irã investiu enormes
quantias de dinheiro, recrutou cientistas, construiu bases secretas, fez testes
sofisticados — e Israel não soube de nada. A partir do momento em que
decidiu tomar-se uma potência nuclear, o Irã de Khomeini recorreu à
dissimulação, a ardis e estratagemas que enganaram na perfeição os serviços
secretos ocidentais, o Mossad incluída.
Na verdade, fora o xá iraniano Reza Pahlavi quem começara a
construir dois reatores nucleares, com propósitos tanto pacíficos como
militares. O projeto do xá, iniciado na década de 1970, não causou alarme em
Israel; afinal de contas, Israel era o aliado mais próximo do Irã na altura. Em
1977, o general Ezer Weizman, ministro da Defesa de Israel, recebeu o
general iraniano Hasan Toufanian, oficial responsável pela modernização do
Exército do Irã, no Ministério da Defesa em Tel Aviv — como aliados que
eram, Israel forneceu ao Irã equipamento militar moderno. Segundo as
transcrições do seu encontro ultrassecreto, Weizman ofereceu ao Irã o
fornecimento de mísseis superfície-superfície de última geração, enquanto o
Dr. Pinhas Zusman, diretor-geral do ministério, impressionou Toufanian ao
dizer que os mísseis israelenses podiam ser adaptados para transportar ogivas
nucleares. Todavia, a Revolução Iraniana transformou as relações entre Israel
e o Irã, antes de os oficiais porem em prática os seus planos. O Governo
revolucionário islâmico massacrou os apoiantes do xá e virou-se contra Israel.
O debilitado xá fugiu do país, que sucumbiu ao controle do aiatolá Khomeini
e ficou nas mãos dos seus leais mulás.
Khomeini pôs imediatamente termo ao projeto nuclear, que
considerou “anti-islâmico”. A construção dos reatores parou e o equipamento
foi desmantelado. Mas então, na década de 1980, desencadeou-se uma guerra
sangrenta entre o Iraque e o Irã. Saddam Hussein usou gás tóxico contra os
iranianos. O recurso do seu mais vil inimigo a armas não-convencionais
obrigou os aiatolás a repensar a sua política. Mesmo antes da morte de
Khomeini, o seu aparente herdeiro, Ali Khamenei, ordenou aos seus militares
que desenvolvessem armas novas — biológicas, químicas e nucleares — para
responderem às armas de destruição maciça que o Iraque tinha lançado contra
o Irã. Passado pouco tempo, os complacentes líderes religiosos exortaram dos
seus púlpitos que se abandonasse a proibição às armas “anti-islâmicas”.
Em meados da década de 1980, começaram a circular notícias esparsas
acerca dos esforços do Irã. Com o colapso da União Soviética em 1989, a
Europa foi inundada de rumores sobre as tentativas iranianas de comprar
bombas e ogivas nucleares a funcionários públicos desempregados ou
cientistas famintos do antigo sistema militar soviético. A imprensa ocidental
descreveu com pormenores dramáticos o desaparecimento de cientistas e
generais russos de suas casas, aparentemente recrutados pelos iranianos.
Alguns repórteres com imaginação mais fértil escreveram sobre
caminhões fechados que cruzavam estradas secundárias europeias a grande
velocidade, em direção ao Leste, contornando os controles fronteiriços para
chegarem ao Oriente Médio. Algumas fontes em Teerã, Moscou e Pequim
revelaram que o Irã assinara um acordo com a Rússia para construir um reator
atômico em Bushehr, na costa do golfo Pérsico, e outro acordo, para construir
dois reatores menores, com a China.
Estas notícias perturbaram sobremaneira os Estados Unidos e Israel,
que espalharam pela Europa várias equipes de agentes especiais, à caça das
bombas soviéticas vendidas ao Irã e dos cientistas desempregados que o país
recrutara. Não encontraram nada. Os Estados Unidos exerceram uma imensa
pressão sobre a Rússia e a China, para que cancelassem os acordos com o Irã.
A China recuou e cancelou o seu tratado com o país. A Rússia decidiu
avançar, mas protelou o acordo inúmeras vezes. A construção do reator
demorou mais de 20 anos, e a sua utilidade foi limitada por controles russos e
internacionais rigorosos.
Israel e os EUA, porém, deviam ter expandido a sua busca quando as
pistas desapareceram. Tanto as chefias do Mossad como as da CIA foram
incapazes de perceber que os reatores russos e chineses não eram senão uma
cortina de fumo para “os melhores serviços secretos do mundo”. O Irã lançara
sub-repticiamente um gigantesco projeto destinado a fazer do país uma
potência nuclear.
No outono de 1987, houve uma reunião secreta em Dubai. Oito
homens encontraram-se num escritório pequeno e poeirento: três iranianos,
dois paquistaneses e três peritos europeus (dois dos quais alemães), pagos
pelo Irã.
Os representantes do Irã e do Paquistão assinaram um acordo
ultrassecreto. Uma importante soma de dinheiro foi transferida para os
paquistaneses ou, mais precisamente, para o Dr. Abdul Qadeer Khan, chefe do
programa oficial de armas nucleares do Paquistão.
Alguns anos antes, o Paquistão lançara o seu próprio projeto nuclear,
para ficar em pé de igualdade militar com o seu arqui-inimigo, a índia. O
Dr. Khan precisava impreterivelmente das substâncias físseis necessárias à
montagem de uma bomba nuclear. Porém, escolheu não recorrer ao plutônio,
que é extraído nos reatores nucleares clássicos, mas utilizar urânio
enriquecido. O minério de urânio contém apenas 1 por cento de urânio-235,
vital para a produção de armas nucleares, e 99 por cento de urânio-238, que é
inútil. O Dr. Khan desenvolveu um método de converter o urânio natural num
gás e de abastecer uma linha de centrifugadoras ligadas numa cadeia chamada
cascata com esse gás. Com as centrifugadoras a virar o gás de urânio a uma
velocidade estonteante de 100.000 rotações por minuto, o urânio-235, mais
leve, separa-se do urânio-238, mais pesado. Pela repetição do processo
centenas de vezes, as centrifugadoras produzem urânio-235 enriquecido. Esse
gás, quando convertido em matéria sólida, toma-se a substância necessária a
uma bomba nuclear.
Khan roubara os planos das centrifugadoras à Eurenco, uma empresa
europeia onde trabalhara no início dos anos 70, e depois começara a fabricá-
las no Paquistão. Khan depressa se transformou num “negociante da morte”,
vendendo os seus métodos, fórmulas e centrifugadoras. O Irã tornou-se o seu
maior cliente. A Líbia e a Coreia do Norte também eram suas compradoras.
Os iranianos compraram centrifugadoras a outras fontes e depois
aprenderam a fabricá-las no próprio país. Enormes carregamentos de urânio,
centrifugadoras, materiais eletrônicos e peças sobresselentes chegavam ao Irã
de vez em quando. Constmíram-se grandes instalações para tratar o urânio em
bruto, para abrigar as centrifugadoras e converter o gás novamente em
matéria sólida. Os cientistas iranianos deslocaram-se ao Paquistão e os
especialistas paquistaneses ao Irã. E ninguém soube de nada.
Os iranianos tiveram o cuidado de não apostar tudo numa única
jogada.
Dispersaram o projeto nuclear por todo o país, em bases militares,
laboratórios disfarçados e instalações remotas. Enterraram algumas
profundamente e rodearam-nas de baterias de superfície para mísseis terra-ar.
Foi erigida uma central em Isfahan, outra em Arak; a mais importante
— a instalação com as centrifugadoras — foi estabelecida em Natanz e uma
quarta central na cidade santa de Qom. Ao menor indício de que a localização
podia ser descoberta, os iranianos deslocavam as instalações militares para
outro local, chegando a remover camadas de terra que pudessem ter sido
irradiadas com substâncias radioativas. Também foram hábeis a ludibriar e
iludir os inspetores da Agência Internacional de Energia Atômica. O
presidente da agência, o egípcio Dr. Mohamed El-Baradei, pareceu acreditar
em todas as declarações falsas dos iranianos e publicou relatórios
complacentes que permitiram ao Irã prosseguir o seu esquema mortífero.
Em 1º de junho de 1988, as autoridades americanas perceberam pela
primeira vez a verdadeira extensão da obra dos iranianos. Um dissidente
paquistanês apareceu aos investigadores do FBI em Nova York e pediu asilo
político. Apresentou-se como Dr. Iftikhar Khan Chaudhry e revelou a
dimensão completa da cooperação secreta entre o Irã e o Paquistão.
Denunciou o Dr. Khan, descreveu as reuniões em que participara e
nomeou especialistas paquistaneses que tinham contribuído para o projeto
iraniano.
Os fatos revelados por Chaudhry foram verificados e confirmados pelo
FBI. A agência recomendou, na verdade, que o Governo permitisse a
Chaudhry permanecer nos EUA como refugiado político, mas o seu incrível
testemunho nunca originou nenhuma ação. Os manda-chuvas americanos
arquivaram as transcrições das palavras de Chaudhry, não ordenaram
nenhuma ação nem avisaram Israel. Passaram outros quatro anos até a
verdade sobre o Irã ver a luz do dia.
Subitamente, em agosto de 2002, o grupo dissidente clandestino
iraniano Mujaidines el Khalq (MEK) revelou a existência de duas instalações
nucleares em Arak e Natanz à mídia mundial. Nos anos seguintes, o MEK
continuou a dar a conhecer mais fatos sobre o projeto nuclear iraniano, o que
levantou a suspeição de que as informações vinham de fontes exteriores. A
CIA continuou cética e presumiu que os israelenses e os britânicos estavam a
tentar envolver os Estados Unidos em operações arriscadas. Aparentemente, a
CIA acreditava que o Mossad e o MI6 forneciam ao MEK informações
secretas que tinham obtido da oposição iraniana, que esperavam ser uma fonte
credível. Segundo fontes israelenses, foi na verdade um membro atento do
Mossad que descobriu a gigantesca instalação de centrifugadoras em Natanz,
nas profundezas do deserto. No mesmo ano, 2002, a resistência iraniana fez
chegar à CIA um computador portátil carregado de documentos. Os
dissidentes não disseram como tinham conseguido o computador e os céticos
americanos desconfiaram de que os documentos tinham sido recentemente
digitalizados e inseridos no computador. Acusaram o Mossad de ter carregado
o computador de documentos obtidos de fontes próprias e de o passarem aos
líderes do MEK, para que o entregassem ao Ocidente.
Mas acumulavam-se outros indícios nas secretárias dos americanos e
dos europeus, que tinham finalmente aberto os olhos. Espalharam-se por todo
o mundo rumores sobre os negócios lucrativos e mortíferos do Dr. Khan.
Finalmente, em 4 de fevereiro de 2004, Dr. Khan apareceu, choroso, no canal
paquistanês de televisão e confessou que de fato vendera conhecimentos,
competências e centrifugadoras à Líbia, à Coreia do Norte e ao Irã, fazendo
milhões com o negócio. O governo paquistanês apressou-se a conceder um
perdão total ao “Dr. Morte”, pai da sua bomba nuclear.
Israel tomou-se a principal fonte de informação sobre o Irã. Meir
Dagan e seu Mossad forneceram aos serviços secretos americanos
informações frescas sobre a infraestrutura secreta que os iranianos tinham
construído em Qom. Israel também esteve alegadamente envolvida na
deserção de vários altos funcionários dos Guardas Revolucionários e do
projeto atômico. O Mossad deu a vários países informações atualizadas e
instou-os a reter, nos seus portos, os navios que transportassem equipamento
nuclear iraniano.
Porém, para Israel, a mera obtenção dessas informações secretas não
bastaria. Enquanto o fanático Irã a ameaçava abertamente com a aniquilação,
o resto do mundo abstinha-se de qualquer ação vigorosa. Israel ficou sem
alternativa senão lançar uma guerra clandestina total contra o programa
nuclear iraniano.
Após 16 anos de uma ignorância colossal dos seus predecessores,
Dagan decidiu agir.
Em janeiro de 2006, um avião caiu no centro do Irã. Todos os
passageiros morreram. Entre eles, estavam altas patentes dos Guardas
Revolucionários, incluindo Ahmed Kazami, um dos comandantes. Os
iranianos insistiram em que a queda se deveu ao mau tempo, mas a Stratfor
insinuou que o avião fora sabotado por agentes ocidentais.
Apenas um mês antes, um cargueiro militar caíra sobre um prédio em
Teerã. Morreram os 94 passageiros. Muitos também eram oficiais dos
Guardas Revolucionários e influentes jornalistas favoráveis ao regime. Em
novembro de 2006, caiu outra aeronave militar durante a decolagem de Teerã
— e morreram 36 Guardas Revolucionários. O ministro iraniano da Defesa
declarou na rádio que, “segundo algum material de fontes secretas, podemos
afirmar que os responsáveis pelas quedas foram agentes americanos,
britânicos e israelenses”.
Entretanto, discretamente e sem menção pública, Dagan tomara-se o
principal estrategista da política israelense com o Irã. Acreditava que Israel
podia não ter outra hipótese senão acabar por fazer um ataque total e intenso
ao Irã. Essa ação porém, achava Dagan, devia ser um último recurso.
A sabotagem começara em fevereiro de 2005. A imprensa
internacional noticiara uma explosão numa infraestrutura nuclear em Dialem,
que fora atingida por um míssil lançado de um avião não identificado. Nesse
mesmo mês, deu-se uma explosão perto de Bushehr, num gasoduto de
abastecimento do reator nuclear de construção russa.
Outra infraestrutura a ser atacada foi Parchin, um local de testes
próximo de Teerã. Os especialistas iranianos desenvolviam ali a “lente
explosiva”, o mecanismo que transformaria o núcleo da bomba numa massa
crítica e desencadearia a reação em cadeia de uma explosão atômica. A
resistência iraniana afirmou que a explosão em Parchin causara enormes
danos aos laboratórios secretos.
Em abril de 2006, o sanctum sanctorum — as instalações centrais em
Natanz — foi palco de um encontro festivo. Um grande grupo de cientistas,
técnicos e diretores do projeto nuclear reuniu-se debaixo de terra, onde
milhares de centrifugadoras trabalhavam incessantemente. Vieram dispostos a
celebrar o primeiro teste de ativação de uma nova centrifugadora em cascata.
Todos esperaram pelo momento teatral quando as centrifugadoras fossem
ligadas. O chefe de engenharia premiu o botão… e a enorme câmera foi
sacudida por uma enorme explosão. Os tubos explodiram num golpe
ensurdecedor e toda a cascata se desfez.
Furiosos, os diretores do projeto nuclear ordenaram uma investigação
meticulosa. Aparentemente, “desconhecidos” tinham instalado partes
defeituosas no equipamento. A CBS noticiou que as centrifugadoras tinham
sido destruídas por pequenas cargas explosivas nelas introduzidas pouco antes
do teste. Também afirmou que os serviços secretos israelenses tinham ajudado
agentes americanos a provocar a explosão de Natanz.
Em janeiro de 2007, as centrifugadoras foram novamente alvo de uma
sabotagem sofisticada. Os serviços secretos ocidentais tinham estabelecido
empresas de fachada no Leste europeu que fabricavam materiais de
isolamento utilizados nos duetos entre as centrifugadoras. Os iranianos não
podiam comprar os seus no mercado aberto, dadas as limitações impostas pela
ONU, por isso viraram-se para as empresas falsas do Leste europeu, dirigidas
por exilados russos e iranianos que trabalhavam secretamente para os serviços
secretos ocidentais. Só depois de a insulação ter sido instalada é que os
iranianos se aperceberam de que era defeituosa e não podia ser utilizada.
Empossado em maio de 2007, o presidente George W. Bush assinou
ordem presidencial secreta que autorizava a CIA a iniciar operações
clandestinas para atrasar o projeto nuclear iraniano. Pouco tempo depois, os
serviços secretos ocidentais tomaram a decisão de sabotar a cadeia de
fornecimento de peças, equipamento e matérias-primas para o projeto. Em
agosto, Dagan reuniu-se com o subsecretário de Estado americano Nicolas
Bums para discutir a sua estratégia no que tocava ao Irã.
Nos últimos sete anos, têm ocorrido contratempos, sabotagens e
explosões em infraestruturas de todo o Irã. Um misterioso obstáculo causou
problemas no sistema de arrefecimento do reator de Bushehr que atrasaram
dois anos a sua conclusão; em maio de 2008, uma explosão numa fábrica de
cosméticos em Arak provocou prejuízos significativos à infraestrutura nuclear
adjacente; outra explosão arrasou um complexo de alta-segurança em Isfahan,
onde se convertia urânio em gás.
Em 2008 e 2010, o New York Times revelou que os Tinners, uma
família suíça de engenheiros, tinham ajudado a CIA a expor os programas
nucleares da Líbia e do Irã, e recebido 10 milhões de dólares da agência. A
CIA também ajudou a protegê-la da perseguição das autoridades suíças pelo
tráfico ilegal de componentes nucleares. O pai, Frederic Tinner, e os dois
filhos, Urs e Marco, haviam vendido aos iranianos uma instalação defeituosa
para fornecimento elétrico à infraestrutura de Natanz que destruiu 50
centrifugadoras. Os Tinners compraram à empresa alemã Pfeiffer Vaccum
bombas de pressões, que alteraram no Novo México e depois venderam aos
iranianos.
A revista Time afirmou que o Mossad esteve envolvido no desvio do
navio Arctic Sea, que zarpara da Finlândia para a Argélia com tripulação
russa e sob bandeira maltesa, transportando “um carregamento de madeira”.
Em 24 de julho de 2009, dois dias após o início da viagem, a embarcação foi
tomada por oito piratas. Só depois de um mês é que as autoridades russas
declararam que uma unidade de operações especiais russa tinha tomado o
navio. Os londrinos Times e Daily Telegraph garantiram que o Mossad dera o
alerta.
Os homens de Dagan, diziam, tinham informado os russos de que o
navio transportava um carregamento de urânio vendido aos iranianos por um
antigo oficial russo. O almirante Kouts, que lidera a luta contra a pirataria na
União Europeia, porém, contou à revista Time a sua versão. A única
explicação plausível, afirmou, era que o navio foi desviado pelo Mossad para
interceptar o urânio.
Contudo, a despeito desses ataques contínuos, os iranianos não se
deixaram ficar. De 2005 a 2008, em segredo total, construíram uma nova
infraestrutura perto de Qom. Planearam instalar 3000 centrifugadoras nos
novos corredores subterrâneos. Contudo, a meio de 2009, os iranianos
perceberam que as organizações secretas dos Estados Unidos, Grã-Bretanha e
Israel sabiam tudo sobre a fábrica de Qom. O Irã reagiu imediatamente.
Em setembro de 2009, Teerã surpreendeu o mundo quando informou
precipitadamente a IAEA da existência da infraestrutura de Qom. Algumas
fontes afirmaram que os iranianos haviam apanhado um espião
ocidental (talvez um agente do MI6) que tinha reunido informações
fidedignas sobre Qom. Assim sendo, revelaram a existência dela, para
diminuir a sua vergonha.
Passado um mês, Leon Panetta, diretor da CIA, contou à Time que a
sua organização sabia da existência de Qom havia três anos e que Israel
estivera ligada à detecção.
A descoberta de Qom permitiu um vislumbre da aliança secreta que
fora forjada entre três grupos comprometidos na batalha contra o Irã: a CIA, o
MI6 e o Mossad. Segundo fontes francesas, os três serviços atuaram em
conjunto: o Mossad fazia operações no Irã, e a CIA e o MI6 ajudavam os
israelenses. O Mossad foi responsável por várias explosões, em outubro de
2010, que mataram 18 técnicos iranianos numa fábrica, na cordilheira de
Zagros, que montava mísseis Shehab. Com a ajuda dos seus aliados britânicos
e americanos, o Mossad também eliminou cinco cientistas nucleares.
A aliança fora estabelecida, em grande medida, pelos esforços de Meir
Dagan. A partir do momento em que se tomou diretor do Mossad, tinha
pressionado seus subordinados a estabelecer cooperação próxima com os
serviços secretos estrangeiros. Seus assistentes aconselharam-no a não revelar
os segredos do Mossad a estrangeiros, mas ele menosprezou os argumentos.
“Deixem de tolice e trabalhem com eles!”, resmungou.
Além dos britânicos e dos americanos, Dagan tinha outro aliado
importante que forneceu informações preciosas do interior do próprio Irã: os
líderes da resistência iraniana. Em conferências de imprensa invulgares, os
líderes do Conselho Nacional de Resistência Iraniana revelaram o nome do
cientista que liderava o projeto iraniano. A sua identidade fora secreta até
então. Mohsen Fakhri Zadeh, de 49 anos, era professor de Física na
Universidade de Teerã. Contava-se que era um homem misterioso e esquivo.
A resistência revelou muitos pormenores sobre ele, incluindo a sua adesão aos
Guardas Revolucionários aos 18 anos, o endereço — Rua Shahid Mahallalti,
Teerã —, os números de passaporte —.0009228 e 4229533 — e mesmo o
número de telefone de casa, 021-2448413. Fakhri Zadeh era especialista no
complexo processo de criar uma massa crítica dentro do dispositivo atômico
para desencadear a reação em cadeia e a explosão nuclear. A sua equipe
também trabalhava na miniaturização da bomba, para que coubesse na ogiva
de um míssil Shehab.
Após estas revelações, Fakhri Zadeh foi proibido de entrar nos Estados
Unidos e na União Europeia, e as suas contas bancárias no Ocidente foram
congeladas. A resistência descreveu em pormenor todas as suas funções,
revelou os nomes dos cientistas que trabalhavam com ele e até a localização
dos seus laboratórios secretos. A abundância de pormenores e o meio de
transmissão levam-nos a crer que, uma vez mais, “um certo serviço secreto”
coligiu meticulosamente estes dados sobre o cientista iraniano e os passou à
resistência iraniana, que os transmitiu ao Ocidente. A exposição de Fakhri
Zadeh visou avisá-lo de que poderia ser o seguinte na lista de assassinatos e
levá-lo a procurar refúgio ou a escolher a melhor solução — desertar para o
lado do Ocidente.
O general Ali Reza Asgari, antigo vice-ministro da Defesa do Irã,
desapareceu em fevereiro de 2007, numa viagem com destino a Istambul.
Tinha estado profundamente envolvido no projeto nuclear. Os serviços
iranianos procuraram-no por todo o mundo, mas não o conseguiram
encontrar. Quase quatro anos depois, em janeiro de 2011, Ali Akbar Salehi,
ministro dos Negócios Estrangeiros do Irã, dirigiu-se ao secretário-geral das
Nações Unidas e acusou o Mossad de ter sequestrado e aprisionado o general
em Israel.
O Sunday Telegraph londrino garantiu que Asgari tinha desertado para
o lado do Ocidente; o Mossad tinha planejado a sua deserção e sido
responsável pela sua proteção na Turquia. Outras fontes asseguraram que ele
fora interrogado pela CIA e que fornecera informações valiosas sobre o
programa nuclear iraniano.
Um mês depois do desaparecimento de Asgari, em março de 2007, foi
a vez de outro alto funcionário do Irã. Amir Shirazi servia na unidade Al-
Quds, a força de elite dos Guardas Revolucionários, responsável pelas
operações secretas além da fronteira do Irã. Uma fonte iraniana revelou ao
Times londrino que, além dos desaparecimentos de Asgari e Shirazi, sumira
outro oficial de alta patente: Mohammad Soltani, comandante dos Guardas
Revolucionários no golfo Pérsico.
Em julho de 2009, o cientista nuclear Shahram Amiri juntou-se à lista
de dissidentes. Amiri trabalhava em Qom e desapareceu na Arábia Saudita
durante uma peregrinação a Meca. Os iranianos exigiram que os sauditas
descobrissem o que lhe tinha acontecido. Amiri surgiu uns meses mais tarde
nos Estados Unidos, foi intensamente interrogado, recebeu cinco milhões de
dólares e identidade e casa novas no Arizona. Algumas fontes da CIA
revelaram que há anos que ele era informante dos serviços secretos ocidentais
e que lhes fornecera informações secretas “originais e substantivas”. Amiri
revelou que a Universidade de Tecnologia Malek-Ashtar, onde ensinara,
servira como cobertura acadêmica de uma unidade de pesquisa que concebia
as ogivas dos mísseis de longo alcance iranianos.
Fakhri Zadeh dirigia a universidade.
Depois de um ano na América, Amiri mudou de ideia e decidiu
regressar ao Irã. Presume-se que não conseguiu aguentar a pressão da nova
vida.
Num vídeo caseiro mostrado na Internet, afirmou ter sido sequestrado
pela CIA.
Passadas horas, disponibilizou outro vídeo renegando o primeiro, e
depois produziu um terceiro vídeo, renegando o segundo. Entrou em contato
com a embaixada paquistanesa, que representava os interesses iranianos nos
Estados Unidos, e pediu para ser transportado de volta ao Irã. Os
paquistaneses ajudaram. Em julho de 2010, Amiri aterrissou em Teerã.
Apareceu numa coletiva de imprensa, acusou a CIA de sequestro e
maus-tratos — e desapareceu. Alguns observadores acusaram a CIA de ter
fracassado, mas um porta-voz da agência comentou: “Ficamos com
informações importantes e os iranianos ficaram com Amiri; quem fez melhor
negócio?”
Apesar de tudo, os iranianos tinham seus recursos contra o Mossad.
Em dezembro de 2004, o Irã prendeu 10 suspeitos de espionagem para Israel
e Estados Unidos; três trabalhavam nas infraestruturas nucleares.
Em 2008, os iranianos anunciaram que tinham desmantelado outra
célula: o Mossad tinha treinado três cidadãos iranianos no uso de sofisticado
equipamento de comunicação, armas e explosivos. Em novembro de 2008,
enforcaram Ali Ashtari, de 43 anos, considerado culpado de espionagem para
Israel. No decurso do seu julgamento, Ashtari admitiu ter-se reunido com três
agentes do Mossad na Europa. Aparentemente, deram-lhe dinheiro e
equipamento eletrônico. “Os agentes do Mossad queriam que eu vendesse
carregamentos de computadores e equipamento eletrônico aos serviços
secretos iranianos e colocasse dispositivos de escuta em instrumentos de
comunicação que vendia”, testemunhou Ashtari.
Em 28 de dezembro de 2010, no sinistro pátio da prisão de Evin, em
Teerã, os oficiais iranianos enforcaram outro espião, Ali-Akbar Siadat,
considerado culpado de trabalhar para o Mossad e fornecer-lhe informações
sobre o poderio militar iraniano e o programa de mísseis dos Guardas
Revolucionários. Durante os seis anos anteriores, Siadat encontrara-se com
agentes israelenses na Turquia, na Tailândia e na Holanda, e recebera
pagamentos entre 3000 e 7000 dólares americanos por cada encontro.
Os oficiais iranianos prometeram que se seguiriam mais prisões e
execuções.
O ano de 2010, porém, revelou-se um período de tremendos reveses
para o projeto nuclear iraniano. Terá sido devido à falta de peças de alta
qualidade para o equipamento iraniano? Devido a peças e metais defeituosos
que as empresas de fachada do Mossad vendiam aos iranianos? Devido à
queda de aviões, incêndios em laboratórios, explosões nas instalações de
mísseis e nucleares, deserção de altos cargos, morte de cientistas cruciais,
revoltas e reviravoltas entre os grupos minoritários — em suma, todos os
acontecimentos e fenômenos que o Irã atribuía (correta e incorretamente) aos
agentes de Dagan?
Ou foi devido ao último “grande golpe” de Dagan, segundo a imprensa
europeia? No verão de 2010, milhares de computadores que controlavam o
projeto nuclear iraniano foram infetados com o pérfido vírus Stuxnet.
Classificado como um dos vírus mais sofisticados do mundo, o Stuxnet
atacou computadores que controlavam as centrifugadoras de Natanz e
espalhou o caos. Percebeu-se sem sombra de dúvida que, devido à sua
complexidade, o vírus fora produzido por uma larga equipe de especialistas e
exigira fundos consideráveis para o seu desenvolvimento. Uma das suas
características distintivas era que podia direcionar-se a um sistema específico,
sem causar estragos noutros. A sua presença num computador também era
difícil de detetar. Uma vez no sistema iraniano, era capaz de alterar, sem que
ninguém se desse conta, a velocidade de rotação de um centrifugadora,
tornando o seu produto inútil. Alguns observadores falaram de dois países que
teriam a capacidade de levar a cabo esse ataque cibernético: os Estados
Unidos da América e Israel.
No Irã, o presidente Ahmadinejad tentou minimizar o efeito do Stuxnet
e declarou que o Irã controlava a situação. A verdade, porém, era que no
início de 2011 cerca de metade das centrifugadoras iranianas estavam
imobilizadas.
Os agentes de Dagan atrasaram, alegadamente, o programa de armas
nucleares do Irã com incessantes ataques em variadas frentes ao longo de
muitos anos: pressão diplomática e sanções impostas pelo Conselho de
Segurança da ONU; contraproliferação (impediram que os iranianos
conseguissem as matérias necessárias ao fabrico da bomba); guerra
econômica (proibiram os bancos do mundo livre de fazerem negócios com o
Irã); mudança de regime, apoiando e fomentando a agitação política e
inflamando as divisões étnicas dentro do Irã, onde curdos, azerbaijanos,
usbeques, árabes e turcos constituem 50 por cento da população; e, mais
imediatamente, medidas clandestinas, operações especiais e obscuras contra o
projeto iraniano.
Não podiam, contudo, travá-lo permanentemente, por melhores que
fossem, nem por muito que cooperassem. “O Dagan é o mais acabado James
Bond”, disse um analista superior israelense, mas nem James Bond
conseguiria salvar o mundo neste caso. Conseguiria, quando muito, atrasar os
iranianos.
Só uma decisão governativa iraniana ou um enorme ataque exterior
podiam pôr fim ao sonho de criar um formidável gigante nuclear no lugar
onde se erguera outrora o Império Persa.
E, quando Dagan foi nomeado ramsad (abreviatura de rosh hamossad,
“chefe do Mossad”), os especialistas previram que o Irã teria poder nuclear
em 2005; a data foi subsequentemente adiada para 2007, 2009 e 2011. E
quando Dagan deixou o cargo, em 6 de janeiro de 2011, passou uma
mensagem a seu país: o projeto nuclear iraniano fora atrasado, pelo menos,
até 2015. Assim sendo, recomendou a continuação das mesmas ações, tão
eficazes nos últimos oito anos, e o congelamento de qualquer ataque militar
ao Irã. Só quando a lâmina da adaga começar a cortar a pele, disse, é que
devemos atacar.
Ora, a lâmina da adaga estava ainda a quatro anos de distância.
Dagan foi ramsad durante oito anos e meio — mais do que qualquer
outro diretor do Mossad. Foi substituído por Tamir Pardo, oficial veterano do
Mossad que começou a sua carreira operacional como adjunto de Yoni
Netanyahu, o herói do raide israelense de 1976 em Entebbe, e que mais tarde
se destacou como agente ousado, especialista em novas tecnologias e
estrategista criativo de operações invulgares.
Quando passou o testemunho a Pardo, Dagan falou da terrível solidão
dos agentes do Mossad em ação em países inimigos, onde não têm a quem
recorrer, ninguém que os salve em caso de necessidade. Também admitiu com
franqueza os seus fracassos, o mais importante dos quais foi a incapacidade
de descobrir o local onde o Hamas tinha aprisionado o soldado israelense
Gilad Shalit, raptado havia cinco anos. Contudo, a despeito desses fracassos,
os feitos de Dagan conferem-lhe a honra de ser o melhor ramsad até a data. O
primeiro-ministro Benjamin Netanyahu agradeceu-lhe “em nome do povo
judeu” e deu-lhe um caloroso abraço. Os ministros do Governo israelense,
numa reação espontânea e inédita, levantaram-se e aplaudiram o ramsad de 65
anos. George W. Bush saudou-o numa carta pessoal.
Mas o mais importante tributo a Dagan aconteceu um ano antes, vindo
de uma fonte estrangeira, o diário egípcio Al-Ahram, conhecido pela sua
crítica virulenta e hostil contra Israel. A 16 de janeiro de 2010, o jornal
publicou um artigo do conhecido escritor Ashraf Abu El-Haul. “Sem Dagan”,
escreveu El-Haul, “há anos que o projeto nuclear iraniano estaria concluído
[…]. Os iranianos sabem quem esteve por detrás da morte do cientista nuclear
Masud Ali Mohammadi. Todos os líderes iranianos sabem que a palavra-
chave é “Dagan”. Só um punhado de pessoas conhece o nome do diretor do
Mossad israelense. Ele trabalha discretamente, longe da atenção da mídia.
Mas nos últimos sete anos infligiu penosos reveses ao projeto nuclear iraniano
e travou seu avanço”.
“O Mossad é responsável por várias operações ousadas no Oriente
Médio”, escreveu ainda El-Haul, e mencionou alguns dos feitos de Dagan
contra a Síria, o Hezbollah, o Hamas e a Jihad Islâmica (ver Capítulos 18 a 20
).
“Tudo isto”, concluiu, “fez de Dagan um Super-Homem do Estado de
Israel”.
Não havia super-homens em redor do berço dos serviços secretos
israelenses quando estes nasceram em maio de 1948 — só uma mão-cheia de
veteranos do Shai, que já tinha adquirido muita experiência em espionagem e
operações secretas como serviço de informações do Haganah, o grande grupo
militar clandestino da comunidade judaica na Palestina. No seu primeiro ano,
esses modestos e empenhados combatentes clandestinos que formavam o
recém-nascido serviço secreto militar foram abalados por violência, disputas
intestinas, crueldade e assassinatos, no que ficou conhecido como caso Be’eri.
3. ENFORCAMENTO EM BAGDÁ

Isser Be’eri, também conhecido como Grande Isser, era um homem


alto e desengonçado, com cabelo grisalho que rareava. As suas sobrancelhas
frondosas escudavam globos oculares escuros e cavernosos, e um sorriso
sardônico rodeava frequentemente os seus lábios finos. Natural da Polônia,
tinha a reputação de ser um homem ascético e modesto, de uma integridade a
toda a prova, mas os seus rivais diziam que era um megalomaníaco perigoso e
feroz. Membro desde há muito do Haganah, Grande Isser era diretor de uma
empresa privada de construção em Haifa. Era solitário, reservado e pouco
sociável, e vivia com a mulher e o filho numa casa pequena e exposta aos
ventos da cidade costeira de Bat Galim.
Pouco depois da criação de Israel, Be’eri fora nomeado para diretor do
Shai pelos comandantes do Haganah. Quando se declarou a independência, a
14 de maio de 1948, Israel foi atacada por todos os lados pelos seus vizinhos,
e Be’eri tornou-se diretor dos recém-nascidos serviços secretos militares.
Be’eri era ativo na ala esquerda do movimento trabalhista e tinha
excelentes ligações políticas. Os seus amigos e colegas elogiavam a sua
dedicação à defesa de Israel. A Guerra da Independência duraria até abril de
1949.
Contudo, pouco depois de Be’eri se ter tomado diretor dos serviços
secretos, começou uma série de acontecimentos estranhos e arrepiantes,
aparentemente sem relação.
Um par de caminhantes no monte Carmelo fez uma descoberta
macabra.
Num barranco profundo no sopé da montanha, encontraram um
cadáver semienterrado, crivado de balas. Foi identificado como Ali Kassem,
um conhecido informante árabe dos serviços. Os seus assassinos tinham-no
alvejado e depois tentado queimar o cadáver.
Poucas semanas depois, numa reunião secreta com o primeiro-ministro
Ben-Gurion, Grande Isser acusou Abba Hushi, um influente líder do Mapai
— o partido de Ben-Gurion —, de ser um traidor e agente britânico. Ben-
Gurion ficou aturdido. A Grã-Bretanha tinha sido a potência dominante na
Palestina antes do estabelecimento do Estado de Israel; o Haganah conduziu
uma luta clandestina contra as restrições impostas à comunidade judaica. Os
agentes dos serviços secretos britânicos tentaram muitas vezes introduzir
espiões na liderança judaica. Ainda assim, acusar Abba Hushi, um dos pilares
da comunidade judaica e o líder carismático dos trabalhadores de Haifa, de
traição? Parecia impossível. A princípio, os líderes de Israel que souberam
dela descartaram, indignados, a acusação de Be’eri. Porém, este tinha
descoberto dois telegramas confidenciais enviados pelos serviços secretos
britânicos do posto dos correios de Haifa, em maio de 1948. Be’eri deixou-os
na mesa de trabalho de Ben-Gurion — eram provas irrefutáveis da traição de
Hushi.
Ao mesmo tempo, Be’eri ordenou a prisão de Jules Amster, amigo de
Hushi. Be’eri mandou que Amster fosse levado para um depósito de sal em
Atlit, às portas de Haifa, fosse espancado e torturado durante 76 dias, e
pressionado a admitir que Hushi era um traidor desprezível. Amster recusou-
se a ceder, e acabou por ser libertado já como homem desfeito. Não lhe
restavam dentes, tinha as pernas cobertas de feridas e cicatrizes, e era
atormentado por medos constantes.
A 30 de junho de 1948, enquanto fazia compras num mercado de Tel
Aviv, o capitão do Exército Meir Tubiansky foi preso e levado para Beth Giz,
uma aldeia árabe recentemente ocupada. Os serviços secretos militares
suspeitavam de que Tubiansky, durante o tempo que passou em Israel, tinha
revelado informações ultrassecretas a um cidadão britânico que, por sua vez,
as transmitira à Legião Árabe, o Exército da Jordânia. A artilharia jordaniana
agira com base nas informações e bombardeara fortemente vários alvos
estratégicos espalhados por Jerusalém. Num conselho de guerra sumário, que
durou menos de uma hora, foi acusado de ser espião dos árabes, considerado
culpado e condenado à morte. O pelotão de fuzilamento, reunido à pressa,
executou-o em frente de um grupo de soldados israelenses aturdidos.
(Tubiansky seria a única pessoa executada em Israel, além de Adolf
Eichmann.)
Os inquéritos sobre mortes e tortura conduziram os investigadores ao
responsável: Grande Isser. Este tinha suspeitado de que Ali Kassem era um
agente duplo e ordenado o seu assassinato.
Após este homicídio, tramou Abba Hushi. Segundo vários
investigadores, Grande Isser tinha contas pessoais a ajustar com Hushi.
Talvez tivesse conseguido, se o principal forjador dos serviços secretos,
assolado pela culpa, não tivesse confessado aos seus superiores que tinha
falsificado, por ordens diretas de Be’eri, os telegramas que implicavam Abba
Hushi.
E também fora Be’eri quem ordenara a apressada prisão e execução do
capitão Tubiansky.
O primeiro-ministro Ben-Gurion agiu de imediato. Be’eri foi julgado
num tribunal militar, depois num tribunal civil, despromovido da sua patente,
dispensado sem honra das Forças Armadas israelenses e declarado culpado
das mortes de Ali Kassem e Meir Tubiansky.
Os líderes israelenses ficaram estupefatos. Os métodos de Be’eri
pareciam transpostos diretamente do infame KGB; a sua personalidade
sinistra, as suas ordens de falsificação, tortura e assassinato eram uma nódoa
nos princípios morais e humanos sobre os quais Israel fora fundada.
O caso Be’eri deixou uma cicatriz pavorosa nos serviços secretos e
teve um profundo impacto na sua evolução. Se, em tempo de guerra, os
líderes civis tivessem evitado condenar Be’eri, os serviços secretos poderiam
ter tomado características completamente diferentes. Poderiam muito bem ter-
se tornado uma organização à imagem do KGB, para quem a incriminação, a
falsificação, a tortura e o assassinato eram práticas rotineiras. Ao invés, os
métodos de Be’eri foram proibidos. Os serviços secretos definiram limites ao
seu próprio poder e basearam as suas operações futuras em princípios legais e
morais que garantissem os direitos dos indivíduos.
Com o afastamento de Be’eri, outro homem, o exato oposto de Be’eri,
subiu ao palco principal do mundo de sombras israelense: Reuven Shiloah.
Reuven Shiloah, na casa dos 40, voz suave, reservado, era um homem
de mistérios. Dono de uma cultura rica, uma mente perspicaz e analítica, e
conhecimentos profundos do Oriente Médio árabe, as suas tradições tribais,
clãs dominantes, alianças efêmeras e vinganças sanguinolentas. Um dos seus
admiradores chamou-lhe “a rainha no tabuleiro de xadrez de Ben-Gurion”,
durante o tempo em que foi conselheiro político de David Ben-Gurion.
Houve quem o comparasse ao ardiloso cardeal Richelieu de França;
outros viam-no como um manipulador subtil, um mestre da manipulação, um
homem que sabia como puxar os cordelinhos nos bastidores. Shiloah passara
toda a vida em missões secretas e trabalho clandestino.
Filho delicado e cortês de um rabino, Shiloah nascera na Velha
Jerusalém.
Sempre formalmente vestido, o elegante jovem meio careca viajara em
missão a Bagdá, muito antes da criação de Israel. Passou três anos no Iraque,
onde se fez passar por jornalista e professor e estudou a política do país. Mais
tarde, serviu como conselheiro político de David Ben-Gurion. Na Segunda
Guerra Mundial, negociou com os britânicos o estabelecimento de um Corpo
de Comando Judeu encarregue de operações de sabotagem na Europa
ocupada. Ajudou a criar duas unidades especiais judaicas desse gênero: uma
foi o batalhão alemão, equipado com armas e uniformes alemães, que
conduziu operações ousadas atrás das linhas inimigas na Europa; a outra foi o
batalhão árabe, cujos membros falavam árabe, se vestiam como árabes e
foram treinados para operar no interior profundo do território árabe. Também
convenceu os britânicos a largarem paraquedistas judeus voluntários da
Palestina sobre a Europa ocupada, para que estes organizassem focos de
resistência judaica local aos nazistas. Shiloah foi o primeiro a estabelecer
contatos com o OSS (Office of Strategic Services, Escritório de Serviços
Estratégicos), percursor da CIA. Na véspera da Guerra da Independência
israelense, viajou para as capitais árabes vizinhas em missões secretas e
trouxe consigo um troféu inestimável: os planos de invasão dos exércitos
árabes.
A necessidade compulsiva de Shiloah de agir sob um espesso manto de
silêncio tornou-se fonte de uma miríade de lendas. Os amigos costumavam
gozar que, quando ele apanhava um táxi e o motorista perguntava “Para
onde?”, Shiloah respondia: “É segredo de Estado.”
Durante a Guerra da Independência, Shiloah dirigiu o serviço de
informações políticas externas. Era um de vários grupos de informações
secretas semi-independentes criados antes do nascimento de Israel. Todavia,
em 13 de dezembro de 1949, Ben-Gurion emitiu uma ordem para o
estabelecimento de “um instituto [em hebraico, mossad] para coordenar as
agências de informações do Estado”, a ser dirigido por Reuven Shiloah.
Porém, foram necessários mais dois anos de atrasos e disputas para que
o Mossad fosse criado. Uma unidade de informações chamada
“departamento político”, cujos membros reuniam informações secretas no
estrangeiro enquanto desfrutavam de generosos recibos de despesas e
levavam vidas deslumbrantes, revoltou-se e recusou-se a continuar a espionar
para Israel ao saber do plano para sua extinção e incorporação ao Mossad. Só
depois que seus membros foram admoestados — e, a maioria, despedidos —
é que Shiloah pôde criar o Mossad.
O nome acabaria por ser mudado para “Instituto de Informações e
Operações Especiais” e o seu lema, escolhido do livro dos Provérbios, 11-
14: “Por falta de governo, arruína-se o povo; onde há muitos conselheiros, aí
haverá salvação.”
Mas nem o novo nome nem o lema tornavam o Mossad singular.
Shiloah estava determinado a conferir-lhe um caráter excecional. O Mossad
seria não só o braço longo de Israel, mas também o braço longo de todo o
povo judeu.
Numa reunião com os seus primeiros recrutas, o ramsad declarou:
“Além de todas as funções de um serviço secreto, temos outra tarefa crucial:
proteger o povo judeu, onde quer que se encontre, e organizar a imigração
dele para Israel.” Com efeito, nos anos subsequentes, o Mossad ajudou
secretamente a criar unidades de autodefesa em locais onde as comunidades
judaicas corriam perigo: Cairo, Alexandria, Damasco, Bagdá e algumas
cidades sul-americanas. Jovens judeus militantes foram sub-repticiamente
trazidos para Israel e treinados pelo Exército e pelo Mossad, armas foram
clandestinamente passadas para países instáveis ou inimigos e escondidas,
judeus locais foram organizados em unidades de autodefesa, para criar forças
capazes de proteger a comunidade judaica de ataques de uma turba ou de
grupos armados irregulares — pelo menos até chegar ajuda de forças
governamentais ou organizações internacionais.
Na década de 1950, o Mossad levou para Israel dezenas de milhares de
judeus ameaçados de países árabes no Oriente Médio e de Marrocos; e, anos
mais tarde, na década de 1980, foi novamente o Mossad que organizou o
salvamento de judeus aprisionados no Irã de Khomeini e possibilitou o êxodo
em massa dos judeus da Etiópia para Israel. Na primeira operação clandestina
da organização no Iraque, porém, deu-se o desastre.
No grande armazém Orosdi Bak de Bagdá, na Rua Rashid, um jovem
chamado Assad explorava uma banca de gravatas. Era refugiado da Palestina,
por ter deixado a sua casa em Acre depois que o Exército israelense capturou
a cidade. Pouco antes de deixar Israel, fizera um favor ao primo, garçom num
café perto do complexo militar local; o primo ficou doente e pedira-lhe que
tomasse seu lugar. Durante uma semana, Assad percorreu os corredores do
quartel militar, com uma bandeja de latão ornamentado servindo pequenas
xícaras de forte café turco aos oficiais do Exército israelense. Os rostos de
alguns desses jovens oficiais perduraram em sua memória.
Naquele 22 de maio de 1951, enquanto observava os clientes
passeando pelo armazém, reparou num rosto conhecido. Não pode ser, pensou
no início, é impossível! Mas lembrava-se efetivamente do homem que estava
olhando, não de camisa e calça de verão, como nesse dia, mas de uniforme
caqui. Assad alertou imediatamente a polícia. “Acabo de ver um oficial do
Exército israelense! Aqui mesmo, em Bagdá!”
A polícia não demorou a deter o homem de aspecto europeu, que se
fazia acompanhar por um judeu iraquiano magro e desinteressante, de óculos.
Chamava-se Nissim Moshe e disse à polícia que era mero funcionário
do Centro Comunitário Judeu. “Conheci este turista ontem num concerto”,
explicou, “e ele pediu que lhe mostrasse as lojas”. Quando chegaram ao
quartel-general da polícia, os dois homens foram separados. Os detetives
iraquianos interrogaram Moshe brutalmente sobre o homem identificado
como israelense. Moshe manteve sua história: só tinha conhecido o turista na
véspera. Nas masmorras escuras do quartel-general da polícia, os
interrogadores penduraram Moshe pelos pés e depois pelas mãos,
espancaram-no e ameaçaram matá-lo. O esquálido prisioneiro, porém, parecia
nada saber. Após uma semana de tortura, os iraquianos decidiram que Nissim
Moshe era um zé-ninguém e o libertaram.
O outro prisioneiro repetiu à exaustão que era iraniano, que se
chamava Ismail Salhun, e mostrou aos captores seu passaporte iraniano, mas
continuou a ser torturado. Não parecia iraniano e não falava uma palavra de
persa.
Finalmente, confrontaram-no com Assad, o palestino que o
identificara. “Meu sangue congelou nas veias quando o vi”, disse mais tarde o
prisioneiro. Vergou-se e admitiu: seu nome era Yehuda Taggar (Yudke
Tadjer), era israelense e capitão das Forças Armadas israelenses. Os detetives
arrastaram-no para seu apartamento, destruíram a mobília, esquadrinharam as
paredes e descobriram documentos escondidos: uma pasta volumosa, colada
ao fundo de uma gaveta da mesa.
E o pesadelo começou. Não só para Taggar, mas para toda a
comunidade judaica de Bagdá.
Havia várias organizações israelenses e judaicas clandestinas ativas em
Bagdá, incluindo uma unidade de emigração ilegal, um grupo de autodefesa e
alguns movimentos sionistas e de jovens. Alguns tinham sido criados ainda
antes do nascimento do Estado de Israel. Ao redor de Bagdá, em vários
esconderijos, guardavam armas e documentos, alguns na sinagoga central de
Mas’uda Shemtov. As mais recentes adesões a esses grupos era um punhado
de redes de espionagem, estabelecidas às pressas antes da criação do Mossad;
a compartimentação era quase inexistente, e a queda de uma podia facilmente
significar a queda de todas as outras. Os judeus iraquianos estavam sentados
num barril de pólvora: o Iraque era o mais vil dos inimigos do jovem Estado
de Israel e o único que se recusara a assinar acordo de armistício com ele.
Todos os membros das redes judaicas secretas sabiam que os iraquianos não
mostrariam piedade e que suas vidas estariam por um fio.
Yehuda Taggar viera precisamente por essa razão: separar a rede de
espionagem de todas as outras. Taggar servira nas forças de elite Palmach,
tinha 27 anos, uma madeixa rebelde caída na testa e um sorriso fácil.
Aquela era sua primeira missão no estrangeiro e, antes da captura, dera
seu melhor para isolar a rede que chefiava dos demais grupos, embora alguns
de seus homens continuassem a participar de outras atividades secretas. Outro
israelense, com passaporte britânico verdadeiro, Peter Yaniv (Rodney, o
Hindu), conduzia uma rede separada, mas mantinha contato com Taggar.
As comunicações entre Taggar e Tel Aviv passavam pelo comandante
de todos os grupos operacionais em Bagdá: um homem discreto cuja
identidade poucos conheciam. Seu nome falso era Zaki Haviv, mas na
verdade chamava-se Mordechai Ben-Porat, israelense nascido em Bagdá,
antigo oficial na Guerra da Independência de Israel. Mostrara-se avesso a
voltar a Bagdá e estava prestes a se casar com uma moça que conhecera no
Exército, mas acabou por ceder à pressão da comunidade de serviços secretos
e aceitar a arriscada missão.
Nos dias seguintes à prisão de Taggar, toda a organização secreta
desmoronou. Unidades especiais da polícia iraquiana prenderam hordas de
judeus. Alguns sucumbiram aos interrogatórios e conduziram os captores a
seus esconderijos. Os iraquianos descobriram documentos que ligavam certos
judeus a espionagem. Sob as lajes da sinagoga de Shemtov, a polícia
descobriu enorme esconderijo de armas, construído ao longo de vários anos,
após pogrom sangrento em 1941, quando 179 judeus haviam sido
massacrados, 2.118 feridos e centenas de mulheres estupradas. O número de
armas impressionou os iraquianos: 436 granadas, 33 pistolas-metralhadoras,
186 revólveres, 97 carregadores de metralhadora, 32 facas de combate e
25.000 balas.
Durante o feroz interrogatório iraquiano, houve um nome
crescentemente mencionado: Zaki Haviv, o misterioso homem no topo da
clandestinidade.
Mas quem era ele? E onde estava? Finalmente, um jovem detetive
perspicaz estabeleceu a ligação: Zaki Haviv não podia ser senão Nissim
Moshe, o apagado companheiro preso com Taggar e mais tarde libertado.
Hordas de agentes assaltaram a casa de Moshe, mas não encontraram
ninguém. Promoveu-se uma caçada ao homem, de proporções épicas, por toda
a cidade de Bagdá, mas Zaki Haviv desaparecera.
Na verdade, estava no único local em que a polícia nem sonhara
procurá-Io. Estava… na prisão.
Poucos dias depois de sua libertação da prisão com Taggar, Ben-Porat
acordou com fortes pancadas na porta. “Abra, é a polícia!”, gritavam os
agentes. Ben-Porat achou que era o fim. A casa não tinha outra saída e
ninguém em Bagdá puderia salvá-lo agora. E sabia que para um homem em
sua posição só podia haver um veredicto nos tribunais iraquianos: a forca.
Resignou-se e abriu a porta. Lá fora, estavam dois agentes. “Está preso”, disse
um deles.
Ben-Porat fingiu-se surpreso. “Mas o que eu fiz?”
“Oh, nada de grave”, disse o policial. “Só um acidente de carro. Vá,
vista-se.”
Ben-Porat nem queria acreditar. Esquecera completamente o acidente
de meses antes. Havia ignorado as intimações do tribunal, e agora tinha de
enfrentar a justiça iraquiana. O julgamento foi rápido, durou pouco mais de
uma hora. O juiz sentenciou-o a duas semanas de cadeia. Portanto, enquanto
um exército de agentes iraquianos estava em alerta total a sua procura, Zaki
Haviv pagava dívida com a sociedade numa prisão iraquiana.
Antes da sua libertação, duas semanas mais tarde, foi levado ao
quartel-general da polícia, para que tirassem impressões digitais e o
fotografassem. Sabia que estaria condenado, se isso
acontecesse. Conseguiriam identificá-lo como Zaki Haviv e a sentença não
seriam duas semanas de cadeia. Seguiu a pé com seus dois guardas pelas ruas
de Bagdá até o quartel-general, a alguma distância. No caminho, passaram
pelo apinhado mercado de Shurja, exótico, repleto de pequenas lojas escuras,
mercadores apregoando a qualidade dos seus produtos, becos estreitos e
sinuosos. Ben-Porat esperou até o momento certo e empurrou suas escoltas,
mergulhou na multidão e desapareceu. Os policiais nem tentaram persegui-lo.
Afinal de contas, seria libertado daí a uma hora, portanto, para que dar-se ao
trabalho?
Contudo, quando prestaram contas do incidente, o mundo caiu.
Tinham deixado fugir Zaki Haviv, o homem mais procurado do Iraque! A
imprensa de oposição descobriu e atacou a incompetência do Governo com
manchetes indignadas. “Onde está Haviv?”, perguntou um jornal, para
responder logo a seguir: “Haviv… em Tel Aviv!”
Em Tel Aviv, os chefes de Ben-Porat preparavam meticulosamente sua
fuga do Iraque. Enquanto ele se escondia na casa de um amigo, o plano
arrojado era posto em prática. Estava em marcha uma gigantesca ponte aérea
para o transporte de toda a comunidade judaica do Iraque para Israel, com
passagem por Chipre. Havia cerca de 100.000 judeus em fuga do Iraque e
enormes aviões decolavam quase todas as noites.
Na noite de 12 de junho, Ben-Porat vestiu a melhor roupa que tinha e
chamou um táxi. Os amigos tinham-no encharcado de araca, um licor local, e,
a tresandar de álcool, Ben-Porat caiu sobre o banco de trás do táxi e fingiu
adormecer. O motorista ajudou o seu cliente embriagado a sair, deixou-o
numa ruela próxima do aeroporto de Bagdá e foi embora. Uma vez sozinho,
Ben-Porat apressou-se a chegar à vedação do aeroporto; sabia exatamente
onde tinha sido cortada e entrou despercebido. Na pista, um avião acabara de
carregar emigrantes e esperava a sua vez para decolar.
Subitamente, o piloto apontou as luzes à torre de controle, cegando
momentaneamente os controladores aéreos. O avião ganhou velocidade, a
porta traseira abriu, já a três metros do chão, e dela pendeu uma corda.
Vindo da escuridão, Ben-Porat correu na direção do aparelho, agarrou-
se à corda e foi puxado para o avião, que levantou voo logo a seguir. Nem as
equipes de terra nem os passageiros repararam nesta fuga aparentemente saída
de um filme de ação.
Enquanto o avião sobrevoava a cidade, as suas luzes ligaram-se e
desligaram-se três vezes. “Deus seja louvado”, murmuraram alguns homens
reunidos num telhado. O amigo estava são e salvo, a caminho de casa.
Poucas horas depois, Haviv estava, realmente, em Tel Aviv.
Casou-se com a namorada e nos anos seguintes virou-se para a
política, tornou-se deputado, ministro, e é, hoje em dia, um líder venerado dos
judeus iraquianos em Israel.
Quem ficou para trás não teve tanta sorte. Inúmeros judeus foram
presos, espancados e torturados. Taggar e outros 21 judeus foram acusados de
subversão. Dois proeminentes judeus de Bagdá, Shalom Salach e Joseph
Batzri, foram acusados da posse de explosivos e armas e condenados à morte.
Pouco antes de seu julgamento começar, Taggar foi acordado no meio
da noite e rodeado por policiais em sua cela. “Vai ser enforcado esta noite”,
anunciou um chefe de investigação.
“Mas não podem enforcar um homem sem julgamento!”, protestou
Taggar.
“Ah não? Já sabemos tudo sobre você; é oficial israelense, espião. Não
precisamos saber mais.”
Um rabino de longas barbas entrou, sentou-se ao lado de Taggar e
começou a ler os Salmos. Às três e meia da manhã, os oficiais levaram Taggar
para a câmara de execução. Caminhou entre eles, boquiaberto. Poucas semana
antes, tinha visitado a família em Jerusalém e, no caminho, aproveitara os
prazeres de Paris e Roma. E agora seria pendurado na ponta de uma corda.
Os iraquianos obrigaram-no a assinar vários formulários — a máquina
da burocracia, até num momento daqueles —, depois o carrasco levou seus
anéis e o relógio. Taggar pediu que seu cadáver fosse enviado para Israel.
O carrasco posicionou-o sobre um alçapão e prendeu sacos de areia a
seus pés.
Depois, Taggar foi obrigado a virar as costas para o carrasco, que lhe
passou o laço pelo pescoço e segurou a alavanca que controlava o alçapão.
Taggar rejeitou o capuz negro com que tentaram cobrir-lhe a cabeça. O
carrasco olhou para seu superior, um dos vários que esperavam em frente ao
homem que ia morrer. Taggar pensou na família, na sua Jerusalém natal, na
vida que poderia ter tido. Será que meu pescoço vai quebrar? perguntou-se, e
sentiu que o tomava um medo devorador.
E então, de repente, os oficiais saíram. Taggar foi afastado do alçapão.
O carrasco, mal-humorado, retirou os sacos de areia dos pés de Taggar e o
laço de seu pescoço, resmungando que tinha perdido o salário daquela noite.
Taggar, estupefato, percebeu que não morreria! Tudo, tudo até o mais ínfimo
pormenor, fora um truque. Tinham esperança de que ele sucumbisse e
revelasse mais detalhes de seus cúmplices. Mas agora, conforme se arrastava
para a sua cela, ainda vivo, Taggar encheu-se de certeza de que não morreria
numa prisão iraquiana. Os amigos conseguiriam tirá-lo dali.
Quando o julgamento terminou, foi condenado à morte, mas a sentença
foi imediatamente transformada em prisão perpétua. Batzri e Salach foram
enforcados. Passaram sua última noite na Terra com Taggar tentando animá-
los.
Foi então que começou a Via Dolorosa a que, de algum modo,
“Yudke” conseguiu sobreviver. Mesmo na companhia de assassinos,
prisioneiros políticos e guardas sádicos em variadas prisões iraquianas, nunca
deixou de acreditar que não morreria em cativeiro. Um dia seria livre!
Teve de esperar nove anos. Em 1958, o general Abdul Karim Kassem
tomou o poder num golpe de Estado, depois de assassinar o primeiro-ministro
iraquiano e a família real. Dois anos depois, porém, alguns de seus mais
próximos aliados forjaram um plano para assassiná-lo (o que conseguiriam
em poucos anos). O Mossad soube do plano e o ramsad estabeleceu
imediatamente contato com os aliados de Kassem, e conseguiu chegar a um
acordo com eles: daria os nomes dos conspiradores em troca da liberdade de
Yehuda Taggar.
Taggar estava em sua cela escura e sombria quando os guardas lhe
entregaram uma muda de roupa caqui. “Vista isto!”, ordenaram. “Vai para
Bagdá.”
Um carro da polícia levou o aturdido Taggar ao palácio real, e um
grupo de soldados escoltou-o até um enorme gabinete. Sentado atrás de uma
mesa ornamentada estava uma figura familiar — o próprio presidente
Kassem. Taggar percebeu subitamente: iam libertá-lo! Kassem demorou-se a
estudar o rosto do israelense. “Diga-me”, acabou por dizer, “se for declarada
guerra entre Iraque e Israel, lutará contra nós?”
“Quando voltar ao meu país”, respondeu Taggar, “farei tudo ao meu
alcance para semear o entendimento e a paz entre Israel e os Estados
árabes. Mas se estourar a guerra, lutarei por Israel, tal como você lutou muitas
vezes por seu país”.
Kassem deve ter gostado da resposta. Levantou-se. “Quando chegar
em casa”, declarou, “diz a seu povo que o Iraque, agora, é um Estado
independente. Já não somos os lacaios do imperialismo”.
Do palácio, Taggar foi levado de carro para o aeroporto. Mal podia
acreditar. Puseram-no num avião para Beirute, depois num voo para Nicósia,
Chipre, até finalmente aterrissar em Israel. No aeroporto, esperavam-no
amigos e colegas. Estavam esperando um homem abatido, um farrapo
humano, mas o sujeito que desceu do avião era o mesmo rapaz vigoroso,
extrovertido e sorridente que tinham visto pela última vez mais de nove anos
antes. Como aguentou? perguntaram. Como manteve a sanidade, o otimismo?
“Sabia que me tirariam de lá”, respondeu Yudke, simplesmente.
Ao trazerem Taggar para casa, as chefias do Mossad tinham cumprido
outro dos princípios forjados no seu início: não se poupam esforços, não se
poupam meios, não se poupam sacrifícios para trazer os nossos de volta a
casa.
Em Israel, Taggar casou-se, construiu família e, após uma brilhante
carreira diplomática no estrangeiro, tomou-se professor universitário.
Reuven Shiloah não teve nenhum envolvimento na tragédia de Bagdá.
E, contudo, no final de 1952, demitiu-se. Foi substituído por uma
estrela recém-emergida no mundo de sombras dos serviços secretos
israelenses.
4. UM INFILTRADO SOVIÉTICO E UM
CADÁVER NO MAR

Ze’ev Avni ansiava por se tornar agente do Mossad.


Enquanto fazia o caminho para a sede do Mossad, naquele dia chuvoso
de abril de 1956, desejava de todo o coração sair de lá como empregado da
organização. Havia anos que tentava ser um dos poucos escolhidos, era o
objetivo mais importante da sua vida.
Nascido com o nome de Wolf Goldstein em Riga, na Letônia, crescera
na Suíça, servira no Exército suíço na Segunda Guerra Mundial e emigrara
para Israel em 1948. Mudara de nome, para o hebraico Ze’ev Avni e,
passados dois ou três anos a viver e trabalhar no kibbutz Hazorea, tinha
entrado no Ministério dos Negócios Estrangeiros e sido colocado em
Bruxelas.
Apresentável, culto, fluente em várias línguas, encantara os seus
superiores com as suas boas-maneiras e diligência; e também com a sua
disposição a voluntariar-se, qualquer que fosse a tarefa, especialmente se
envolvesse o Mossad. Sempre que era preciso que um diplomata funcionasse
como mensageiro secreto, para uma viagem urgente para outra cidade, para
entregar documentos classificados a uma unidade secreta do Mossad nalgum
ponto da Europa, Avni era o primeiro a oferecer-se. A sua cooperação
frequente com o Mossad fazia dele informalmente um dos homens da
organização na Europa, e essa colaboração intensificou-se quando Avni foi
transferido para a Embaixada de Israel em Belgrado, na Iugoslávia. Em várias
cartas ao ramsad Isser Harel, Avni sugeriu o estabelecimento de uma célula
do Mossad em Belgrado. Harel recusou — o Mossad não tinha necessidade de
uma célula na Iugoslávia — mas Avni não desistiu. Em abril de 1956,
regressou a Israel para fazer uma visita particular e pediu para ser recebido
pelo ramsad. O pedido foi aceito e naquele dia ia encontrar-se com Isser Harel
pela primeira vez.
Entrou tenso e nervoso no gabinete de Harel, situado numa casa velha
na antiga colônia alemã em Tel Aviv. Harel fora nomeado ramsad havia
menos de quatro anos, mas já era uma lenda. As pessoas admiravam e
receavam aquele homem baixo e enigmático; corriam pelos corredores meio
iluminados do Mossad histórias tanto verdadeiras como falsas sobre ele.
Avni ouvira isto e aquilo sobre Harel, apelidado o “Pequeno Isser”,
para se distinguir do “Grande Isser”. Avni receou o encontro, dados os
rumores sobre a teimosia do Pequeno Isser, suas maneiras desabridas e
intuição fantástica.
Contudo, o homem baixo, esguio e meio careca, de camisa de mangas
curtas, que recebeu Avni em sua sala monástica, era gentil e afável. Admitiu-
se impressionado pela conduta e esperteza política de Avni.
Perguntou a Avni por que voltara a Israel naquela hora e ele explicou
que a filha que tinha do primeiro casamento pedira que a visitasse.
“Que idade tem sua filha?”, perguntou Isser, sorriso no rosto.
“Oito anos.”
“Oito anos?” Isser pareceu surpreso. Achou estranho que um
diplomata no estrangeiro corresse para casa só porque a filha pequena o tinha
chamado. Avni começou então a explicar em detalhes as relações complexas
que tinha com a primeira mulher, a filha e a atual mulher. Isser mostrou-se
impaciente, interrompeu-o e disse que não haveria nenhuma célula do Mossad
em Belgrado. Quanto ao futuro de Avni, o que disse foi: “Veremos, depois de
ter cumprido a sua missão na Iugoslávia.” Avni ficou esmagado.
No entanto, antes de Avni sair, Isser ofereceu-se para nova reunião,
passados poucos dias. “Mas não neste edifício. Há demasiadas pessoas a
entrar e a sair. Encontramo-nos no meu escritório secreto do centro da cidade.
O meu motorista leva-o lá.”
Ainda havia esperança, pensou Avni. Caso contrário, porque é que
Isser havia de o querer ver novamente?
Poucos dias depois, Avni entrou num apartamento corriqueiro no
centro de Tel Aviv. Já não tinha motivos para temer Isser. Afinal, ele tinha
sido simpático na primeira reunião.
Isser esperava-o e conduziu-o a uma sala grande: paredes despidas,
uma mesa de trabalho, um par de cadeiras, janelas com persianas corridas.
Avni sentou-se e Isser metamorfoseou-se de repente num touro enraivecido. O
seu rosto contorceu-se, bateu com os punhos na mesa e berrou: “És um agente
soviético! Confessa! Confessa!” E novamente: “Confessa!” Continuou a bater
com os punhos cerrados na mesa, aos gritos: “Sei que foram os soviéticos que
te mandaram! Sei que és um espião! Confessa!”
Avni ficou petrificado. Sentiu-se incapaz de dizer uma palavra que
fosse.
“Confessa! Se colaborares comigo, tentarei ajudar-te, senão…”
O coração de Avni batia-lhe desgovernadamente no peito. Estava
coberto de um suor frio e a língua pesava-lhe como chumbo. Estava certo de
que tinha chegado a sua hora e que Isser o mandaria matar.
Por fim, ganhou força para pronunciar algumas palavras.
“Confesso”, murmurou. “Trabalho para os russos.”
Isser abriu uma porta secreta, para deixar entrar dois dos seus melhores
agentes e um policial. Este prendeu Avni, que foi levado para uma sala de
interrogatório. Depois, gradualmente, Avni revelou a sua identidade e o seu
verdadeiro objetivo. Comunista fervoroso desde a adolescência, tinha sido
recrutado pelo GRU soviético (o serviço de espionagem do Exército
Vermelho) enquanto vivia na Suíça e tinha espionado para a União Soviética
durante a Segunda Guerra Mundial. Pouco depois, tinha sido aconselhado a
emigrar para Israel e esperar. Ia tomar-se um infiltrado de longa duração.
Aguardou uma mensagem de Moscou durante muitos anos, mas as
chefias da espionagem russa tinham esperado e só o haviam contactado
depois de ser colocado em Bruxelas. De lá, Avni passou-lhes informações
importantes sobre os negócios de Israel com a FN, um fabricante de
armamento da Bélgica, forneceu-lhes os códigos do Ministério dos Negócios
Estrangeiros israelense e até revelou os nomes de dois antigos nazistas
alemães que espionavam para Israel no Egito. Para surpresa dos seus contatos,
os dois alemães tinham sido apressadamente expulsos do Egito. Mas, para os
funcionários russos responsáveis por Avni, era preciso mais. Queriam que o
seu homem se infiltrasse no Mossad. E era isso que Avni tentava a todo o
custo conseguir, até o momento em que Isser lhe gritara: “Confessa!”
E, quando confessou, Avni não sabia a parte mais chocante: podia ter
saído ileso da armadilha de Isser! O ramsad não tinha um único indício contra
ele, apenas suspeições; nem a menor prova de que Avni era espião. Era
verdade que há já muito tempo que alguém comentara com Isser que Avni
fora expulso do seu kibbutz devido às suas ideias comunistas.
Mas… espião soviético?
Isser agira por pura intuição. Os esforços incansáveis de Avni para
entrar no Mossad; a visita aparentemente estranha à filha; as tentativas de
convencer Isser a estabelecer uma célula do Mossad em Belgrado… Todas
essas pequenas ocorrências se juntaram na mente perspicaz de Isser e
conduziram-no a uma conclusão improvável: um espião, um traidor, quase
penetrara no sanctum sanctorum de Israel.
No julgamento, Avni confessou tudo e foi condenado a 14 anos de
prisão.
Saiu em liberdade condicional ao fim de nove, tornou-se um cidadão
exemplar e psicólogo. Isser disse ao seu biógrafo que Avni foi o espião mais
perigoso alguma vez apanhado em Israel, mas também o “mais charmoso”, e
falou calorosamente dele como o “espião cavalheiro”.
O próprio Avni contou-nos que, ao longo dos anos, algumas das mais
altas patentes policiais e interrogadores do Shabak (mais ou menos
equivalente ao FBI americano) se tornaram seus grandes amigos.
A “Operação Pigmalião”, como o caso Avni foi apelidado, foi, durante
muitos anos, um dos segredos mais bem guardados do Mossad. Mas para os
poucos que o sabiam, era mais uma prova dos incríveis instintos de Isser.
Mas quem era o Pequeno Isser? Taciturno, tímido, teimoso como uma
mula, terá nascido na velha cidade fortificada de Dvinsk, na Rússia imperial;
dizia-se que, quando emigrara para Israel, com 18 anos, transportara na
mochila um pão dentro do qual tinha um revólver. Pequeno Isser começou por
estabelecer-se no kibbutz Shefayim, onde se casou com uma divertida
cavaleira chamada Rivka. Duro, teimoso e decidido, deixou o kibbutz, por
razões desconhecidas, com a mulher, a filha e a roupa do corpo. Durante a
Segunda Guerra Mundial, juntou-se ao Haganah e depressa se tornou chefe do
departamento judeu do Shai, que descobria traidores e dissidentes. Os
“dissidentes” eram dos grupos Irgun e Stern, duas organizações clandestinas
de direita que contestavam a autoridade e a política de David Ben-Gurion e da
comunidade judaica organizada. Após a demissão do Grande Isser, o Pequeno
Isser tornou-se diretor do Serviço de Segurança Interna, o Shabak.
O Mossad mal tinha começado a funcionar quando Ben-Gurion, numa
decisão súbita, aceitou a demissão de Reuven Shiloah e nomeou Isser diretor
do Mossad. A razão oficial da mudança foi um acidente de viação que teria
deixado Shiloah incapacitado, mas o rumor que correu no Mossad foi que
Isser tinha pressionado Shiloah a sair, depois de convencer Ben-Gurion de
que o ramsad era um tipo culto e simpático, mas incapaz de liderar agentes
duros e delinear operações secretas.
Sob o comando de Isser, a comunidade dos serviços de informação
adquiriu a sua forma definitiva. Era composta por cinco serviços: o Mossad, o
Shabak, a Aman (serviços secretos militares), o ramo especial da polícia, e a
divisão de investigação do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Destes,
apenas o Mossad, a Aman e o Shabak eram importantes; os outros dois não
eram tão considerados. Os diretores dos cinco serviços e os seus adjuntos
formavam o “Comitê dos Chefes dos Serviços”. Isser foi designado como
presidente. Ben-Gurion também criou um título especial para ele: memunneh,
presidente dos serviços de segurança. Logo depois de nomear Pequeno Isser
para esse novo cargo, Ben-Gurion comentou: “Claro que continuará a dirigir
o Shabak, ainda que agora você tenha o Mossad.” Isser escolheu um novo
diretor do Shabak, embora o controle global do Mossad e do Shabak
permanecesse em suas mãos.
Foi assim, portanto, que o Pequeno Isser se tornou o czar dos serviços
de inteligência de Israel.
A “Operação Pigmalião” foi apenas uma das várias operações cruciais
que Isser dirigiu nos primeiros anos de existência de Israel, quase todas contra
espiões soviéticos, muitos dos quais foram capturados, presos ou expulsos.
Mas os espiões não trabalhavam todos para os soviéticos. E nem todas
as histórias de espionagem têm um final feliz.
Numa tarde do início de dezembro de 1954, um cargueiro solitário
voava pelos céus do Mediterrâneo Oriental. Quando os pilotos confirmaram
que não havia navios de alto-mar na área, abriram uma das portas do avião e
deixaram cair um grande objeto no mar — um cadáver.
O avião regressou e, uma hora depois, aterrissou em Israel. Foi assim
que a “Operação Engenheiro” (nome fictício) terminou, uma operação que
permaneceu ultrassecreta por mais de 50 anos.
Em 1949, chegaram a Haifa três irmãos de uma família judaica da
Bulgária. O mais velho, Alexander Israel, acabara recentemente a Faculdade
de Engenharia em Sófia. Alistou-se no Exército, foi-lhe atribuído o posto de
capitão e destacaram-no para a Marinha israelense. O capitão Israel era um
jovem bonito e extremamente charmoso. Estimado pelos seus superiores, foi
posto a fazer pesquisa ultrassecreta em guerra eletrônica e desenvolvimento
de novas armas. Detentor de autorizações de alta segurança, tinha acesso a
materiais extremamente sensíveis. Mudou o primeiro nome para o nome
hebraico Avner e, em 1953, casou-se com Matilda Arditi, uma jovem bonita
de origem turca. O jovem casal instalou-se em Haifa, perto da maior base
naval israelense. Matilda estava profundamente apaixonada pelo seu
carismático marido, mas inconsciente dos aspectos menos encantadores da
sua personalidade.
Não sabia que ele tinha um longo e variado cadastro na polícia. Avner
Israel fora acusado de alugar o mesmo apartamento a mais de um arrendatário
em simultâneo, de fingir ser representante de uma empresa de frigoríficos e
recolher adiantamentos de frigoríficos nunca entregues, e outras queixas do
gênero. Um caso chegou a tribunal, e o acusado foi intimado a testemunhar a
8 de novembro de 1954.
Matilda, grávida, não sabia das fraudes do marido, nem do caso dele
com uma bonita secretária do consulado italiano em Haifa. Avner chegou a
pedi-la em casamento, e a jovem italiana concordou com uma condição:
primeiro, Avner tinha de se converter ao catolicismo.
Para o jovem Avner, não havia problema de maior. Já se convertera
uma vez, na Bulgária, quando foi forçado a casar-se com outra moça cristã
que seduzira. A família dela, furiosa, exigira — quase sob a ameaça de arma
— que ele se convertesse e se casasse com a jovem. Logo após o casamento,
Avner fugiu de Sófia, a sua mulher suicidou-se e ele voltou a Sófia e ao
judaísmo.
Agora, voltou a fazê-lo. Viajou para Jerusalém com a amante, foi
batizado no convento da Terra Santa e mudou o nome para Ivor. Com
documentos fornecidos pela Igreja, o charmoso capitão registrou-se no
Ministério do Interior e conseguiu um passaporte com o seu novo nome,
Alexander Ivor.
Ele e a namorada italiana estabeleceram o dia 7 de novembro como
data do casamento. A sessão de julgamento em Haifa estava marcada para 8
de novembro. Avner Israel, ou Alexander Ivor, não fazia tenções de honrar
nenhum destes compromissos. Chegara o momento de desaparecer.
No final de outubro, o capitão Israel tirou uma licença de duas
semanas.
Não tinha visto de saída, mas Alexander Ivor tinha, assim como todos
os documentos, alguns autênticos, outros falsos. Comprou um bilhete de avião
para Roma e, em 4 de novembro, foi embora. Nem a mulher nem a “noiva”
souberam da partida. Desaparecido o noivo, a italiana deu início a uma busca
ansiosa. Acabou por se virar para a polícia de Haifa; com a ajuda da polícia,
descobriu o endereço dele e foi em choque que lá encontrou Matilda Israel, no
sétimo mês de gravidez.
Em Roma, Avner Israel desapareceu, mas não por muito tempo. O
agente local do Mossad no terreno tinha boas fontes na comunidade
diplomática
árabe em Itália. A 17 de novembro, chegava um telegrama urgente ao
quartel-general do Mossad, em Tel Aviv: “Um oficial israelense, Alexander
Ivor ou Ivon ou Ivy, está cá a tentar vender informações militares ao adido
militar egípcio.”
O ramsad e Amos Manor, novo diretor do Shabak, uniram forças para
descobrir quem era o responsável. Em poucos dias, descobriram a sua
identidade e ficaram consternados ao saber que se tratava de um oficial naval
israelense. Outro telegrama de Roma foi ainda mais perturbador: o agente do
Mossad informava que Israel vendera aos egípcios planos pormenorizados de
uma grande base das Forças Armadas israelenses em Israel, e tinha recebido
1500 dólares americanos, que depositara no banco Credit Suisse.
Dizia-se que tinha prometido mais informações aos egípcios e
concordara ir ao Egito para uma reunião local.
Poucos dias depois, outro telegrama: “A Embaixada do Egito comprou
dois bilhetes para o Cairo, para final de novembro, na agência da TWA.
Parece que os dois passageiros serão o adido militar egípcio e o oficial
israelense.”
O quartel-general do Mossad ficou em polvorosa. Para Isser, havia
uma enorme diferença entre uma reunião de um informante com um adido
militar num país estrangeiro e a transferência desse mesmo informante para a
capital egípcia, onde seria interrogado por especialistas que conseguiriam
obter dele informações mais pormenorizadas e perigosas. Isser estava
determinado a evitar — a todo o custo — o voo de Avner Israel para o Cairo.
Decidiu enviar a sua equipe operacional para Roma. Nesses primeiros
tempos, o Mossad ainda não tinha um departamento de operações e servia-se
da unidade operacional do Shabak. O seu comandante, um dos melhores
agentes que Israel tinha, era uma lenda para os seus homens — chamava-se
Rafi Eitan. Nascera num kibbutz e era um tipo jovial, baixinho, atarracado, de
óculos, mas também audaz, inventivo e implacável. Fora combatente do
Palmach nos anos que precederam a independência, estivera profundamente
envolvido na Aliya Beth, a organização secreta que fazia entrar
clandestinamente judeus na Palestina, a despeito das restrições britânicas.
Tinham de fugir da Europa em barcos periclitantes, evitar os navios de
guerra britânicos que patrulhavam a costa palestina, desembarcar em praias
desertas e depois misturar-se com a população judaica local. A façanha mais
famosa de Rafi fora a destruição à bomba das instalações de radar britânicas
no monte Carmelo, perto de Haifa, que detetavam a aproximação das
embarcações da Aliya Beth. Para chegar ao radar, Rafi rastejara por esgotos
nojentos e ganhara o apelido “Rafi, o Malcheiroso”. As suas subsequentes
atividades durante a Guerra da Independência confirmaram a sua bravura e
ardilosa inteligência. Quando reuniu a sua equipe operacional, Isser recrutou
pessoas com passados variados: sobreviventes do Holocausto, antigos
combatentes do Palmach e do Haganah, antigos membros dos grupos Irgun e
Stern — militantes de direita que ele tinha perseguido durante a luta pré—
independência. (Um dos recrutas do Mossad foi Yitzhak Shamir, antigo líder
do Stern e futuro primeiro-ministro.)
Não demorou que Rafi fosse nomeado chefe da equipe operacional.
Partiu para Roma, juntamente com os agentes Raphael Medan e
Emmanuel (Emma) Talmor. Pouco depois chegaram outros agentes.
Montaram imediatamente uma emboscada no aeroporto Fiumicino, de
Roma.
Na última reunião antes da partida, Isser ordenara que segurassem
Avner Israel no aeroporto. “Ele não deve, em hipóstese alguma, entrar
naquele avião. Finjam uma confusão, dominem o homem, machuquem se
preciso for. E, se nada mais der certo, atirem para matar!”
Foi a primeira vez que os agentes israelenses tiveram licença para
matar.
Mas o ataque no aeroporto nunca aconteceu. A informação sobre a
viagem ao Egito era, aparentemente, errônea. Israel continuou em Roma
durante algum tempo e, depois, subitamente, foi embora e começou a viajar
pela Europa, com a equipe de Eitan nos calcanhares. Como se tentasse
desembaraçar-se de quem o perseguia, foi a Zurique, Genebra, Gênova, Paris,
Viena…
E depois, subitamente, o capitão Israel desapareceu. Os agentes do
Mossad procuram-no por todo o lado, sem êxito. Mas, então, a sorte habitual
de Rafi Eitan manifestou-se. Vivia em Viena um representante especial
israelense de uma organização secreta chamada Nativ, cuja missão era
acelerar a fuga de judeus da Rússia e do Bloco de Leste — e levá-los para
Israel. O homem da Nativ mantinha ligações próximas com o Mossad. Um
dia, em dezembro, sua mulher, de origem búlgara, tinha uma surpresa para
ele.
“Não vais acreditar nisto”, disse ela, entusiasmada. “Esta manhã,
encontrei um amigo meu de Sófia na rua. Não o via há anos. Estivemos juntos
na escola, na mesma turma! Que coincidência, não é?”
“Não me diga! Como se chama ele?”, perguntou o marido.
“Alexander Israel. Vamos almoçar juntos amanhã.”
O representante da Nativ sabia que Eitan procurava um homem que
correspondia à descrição de sua mulher e alertou-o imediatamente. No dia
seguinte, dois agentes do Mossad foram almoçar no mesmo restaurante, e
sentaram-se perto da mesa onde Alexander Israel e a amiga de infância
trocavam recordações. Quando Israel se afastou os agentes colaram nele como
sombras.
Alguns dias mais tarde, “Alexander Ivor” embarcou num avião das
linhas aéreas austríacas rumo a Paris. No lugar a seu lado estava uma mulher
jovem e atraente. Ivor, mulherengo incurável, começou a conversar com ela,
que respondeu de bom grado. Decidiram encontrar-se de novo em Paris, para
jantar. Mesmo antes de aterrissar, ela perguntou ao oficial: “Uns amigos meus
vêm me buscar no aeroporto. Quer carona? Tenho certeza de que haverá
espaço no carro.”
Ivor ficou satisfeitíssimo. No aeroporto, dois cavalheiros bem vestidos
esperavam a senhora. Entraram os quatro no carro e dirigiram-se para Paris.
Ivor sentou-se ao lado do motorista. A noite caíra. O motorista reparou
num homem à espera num cruzamento mal iluminado, acenando, como se
pedisse carona. “Vamos levá-lo”, disse. Parou o carro e, subitamente, o
homem que pedia carona e alguns outros homens, surgidos das sombras,
convergiram para o veículo, enquanto outro carro parava atrás dele.
“Estamos sendo sequestrados!”, gritou Ivor. Subitamente, o homem
atrás dele apertou-lhe a garganta. Ivor lutou freneticamente contra o controle
do atacante. A porta do carro abriu e o homem lá fora saltou sobre Ivor e
dominou-o. Depois, puxou uma arma e gritou em hebraico: “Mexa-se e
morre!”
Ivor não mexeu um músculo. Uma mão com algodão embebido em
clorofórmio caiu sobre seu rosto, e Ivor adormeceu profundamente.
Avner foi sub-repticiamente levado para um esconderijo em Paris,
onde Rafi Eitan e seus homens o interrogaram. Admitiu que tinha vendido
documentos ultrassecretos aos egípcios, e que o fizera por dinheiro. De Israel,
Isser enviou telegrama com ordem para que o levassem a Israel. Até o traidor
mais comum, considerava, devia ser julgado e ter seus direitos legais
respeitados. Eitan e seus homens arrastaram Avner, puseram-no numa grande
caixa de transporte e o carregaram para um avião de carga Dakota, da Força
Aérea israelense, que costumava voar uma vez por semana de Paris para Tel
Aviv.
O caminho até casa foi longo e desgastante. O avião teve de
reabastecer o depósito em Roma e Atenas. Com o grupo, viajava um
conhecido médico — um anestesista chamado Yona Elian. Antes de cada
aterragem e decolagem, o médico administrava um soporífero ao passageiro.
Depois da decolagem de Atenas, contudo, deu-se o desastre. Avner Israel,
inconsciente, começou de repente a respirar ofegantemente; a pulsação
acelerou e o coração desatou a bater descompassado. O Dr. Elian fez esforços
frenéticos para o estabilizar e controlar o ataque, incluindo tentar reanimar
Avner, já com convulsões, por meio de respiração artificial, mas sem êxito.
Muito antes de o avião aterrissar em Israel, o prisioneiro morreu.
Imediatamente depois da chegada, os agentes de Mossad telefonaram a
Isser e informaram-no da morte de Israel. O ramsad ordenou-lhes que
deixassem o cadáver a bordo e disse ao piloto que voltasse a decolar. Longe
da costa de Israel, o cadáver foi atirado do avião.
Este percalço inesperado originou um tumulto na sede do Mossad.
Isser apressou-se a apresentar-se no gabinete do primeiro-ministro Moshe
Sharett, e pediu-lhe que nomeasse uma comissão de inquérito para investigar
a morte do oficial. Sharett nomeou uma comissão de dois homens, que
desresponsabilizou os agentes do Mossad de qualquer irregularidade. Tudo o
que tinham feito, determinou a comissão, fora trazer o homem para
julgamento; não eram culpados da sua morte. A principal causa de morte,
concluíram, fora aparentemente uma sobredosagem do soporífero que o
médico injetara. Quando lhe perguntaram, anos mais tarde, o médico
continuou a afirmar que a morte fora causada por mudanças abruptas na
pressão do ar dentro da aeronave. (Em 1960, participou, mais uma vez como
anestesista, na captura de Eichmann na Argentina.)
Os agentes de Isser verificaram os papéis de Avner Israel e
descobriram declarações e cartas de recomendação da Igreja Católica de
Jerusalém.
Depois de vender segredos aos egípcios, Avner planeava fugir para a
América do Sul; na sua bagagem havia um bilhete marítimo para o Brasil.
Outro problema que Isser tinha de resolver era a família de Israel.
Devia ter convidado Matilda a visitá-lo e ter-lhe contado a verdade. Mas os
chefes do Mossad, embaraçados com o triste final da história, preferiram
enterrar o assunto e tiveram o apoio total do primeiro-ministro Sharett. O
Mossad fez circular pelos jornais histórias fabricadas sobre o capitão Avner
Israel. Estas davam a entender que Avner tinha fugido de Israel depois de se
enredar em dívidas e aventuras românticas. As histórias saíram nas primeiras
páginas dos jornais.
Durante muitos anos, Matilda, os irmãos do marido e o filho dos
dois, Moshe Israel-Ivor, não souberam o que verdadeiramente aconteceu.
Achavam que ele morava em outro lugar, talvez na América do Sul.
Foi uma mentira imperdoável.
A primeira falha da missão foi a maneira como trataram Israel —
embora este fosse um traidor —; a segunda foi a conspiração de silêncio, a
expunção do nome de Israel dos registros militares, e o engano da sua mulher
e irmãos pelo Mossad. Rafi Eitan e vários agentes do Mossad opuseram-se
veementemente à decisão do ramsad de atirar o cadáver ao mar e enganar a
família, mas tinham as mãos atadas. “O Pequeno Isser era o rei dos serviços
de segurança naquele tempo”, disse-nos Eitan. “Era o senhor absoluto dos
serviços secretos e a comunidade de informações nunca contrariava as
decisões dele.”
A publicação desta história, anos depois, demonstra como é difícil
obliterar a existência de uma pessoa. Mesmo depois de mortas, por vezes as
pessoas falam-nos do além-túmulo.
5. “OH, ISSO? É O DISCURSO DE
KHRUSHCHEV…”

Tudo começou com um caso amoroso.


Na primavera de 1956, Lucia Baranovski estava perdidamente
apaixonada por um belo jornalista chamado Victor Grayevski. O seu
casamento com o vice-primeiro-ministro da Polônia comunista estava na mó
de baixo, e os dois mal se viam. Lucia trabalhava como secretária de Edward
Ochab, secretário-geral do Partido Comunista polonês. Os membros do
gabinete deste já estavam habituados às visitas frequentes do encantador
Victor à sua bela namorada. O que Lucia sentia por aquele jovem
deslumbrante não era segredo.
Victor era chefe editorial na Agência Noticiosa polonesa (a PAP),
responsável pelos assuntos soviéticos e leste-europeus. Na verdade, era judeu
e chamava-se Victor Shpilman. Anos antes, quando entrara no Partido
Comunista, os amigos deram-lhe a saber que o nome Shpilman não o levaria
longe. Assim, mudou-o para Grayevski, que parecia mais polonês.
Quando o Exército alemão invadiu a Polônia, na Segunda Guerra
Mundial, Victor era pequeno. A família conseguira entrar na Rússia e fugir
por pouco ao Holocausto. Depois da guerra, tinham regressado à Polônia.
Em 1949, os pais e a irmã mais nova de Victor emigraram para Israel.
Mas ele, comunista seguro e fervoroso, ficou. Admirava Stalin e ansiava por
ajudar a criar um paraíso para os trabalhadores.
Contudo, nem os amigos nem os colegas, nem mesmo a sua amada,
sabiam que o desencanto começara a devorar o coração do jovem comunista.
Em 1955, visitou a família em Israel e viu outro mundo; livre,
progressista, uma nação judaica democrática, uma espécie de sonho,
completamente diferente da propaganda comunista a que estivera exposto. De
volta à Polônia, Victor, já com 30 anos, começou a pensar em emigrar para
Israel.
Naquela manhã no início de abril de 1956, Victor foi, como
habitualmente, visitar a sua querida ao escritório do secretariado do partido.
No canto da mesa dela viu uma pasta com capa vermelha, numerada e
carimbada com a inscrição “Ultrassecreto”.
“Que é isto?”, perguntou ele.
“Oh, é só o discurso do Khrushchev…”, respondeu ela, com
indiferença.
Victor ficou petrificado. Já ouvira falar do discurso de Khrushchev,
mas nunca conhecera ninguém que tivesse ouvido ou lido uma única frase.
Era um dos segredos mais bem guardados do Bloco Comunista.
O que Victor sabia era que Nikita Khrushchev, o todo-poderoso
secretário-geral do Partido Comunista Soviético, fizera um discurso no
XXº Congresso do Partido, em fevereiro, no Kremlin. Em 25 de fevereiro,
pouco antes da meia-noite, todos os convidados e chefes de partidos
comunistas estrangeiros foram solicitados a deixar o recinto. À meia-noite,
Khrushchev subiu ao pódio e falou aos 1.400 delegados soviéticos. O
discurso, dizia-se, era uma surpresa e um terrível choque para todos os
presentes.
Mas o que ele tinha dito? Segundo um jornalista americano que dera a
primeira notícia ao Ocidente, o discurso tinha durado quatro horas, e
Khrushchev descrevera em detalhes os terríveis crimes do homem adorado
por milhões de comunistas no mundo inteiro — Stalin. Segundo diziam os
rumores, Khrushchev acusara Stalin do massacre de milhões de pessoas.
Houve quem dissesse que, enquanto ouviam o discurso, muitos
delegados tinham chorado e puxado os cabelos em desespero; alguns
desmaiaram e tiveram ataques cardíacos. Pelo menos dois se suicidaram
depois daquela noite.
Porém, nem uma palavra sobre as revelações de Khrushchev foi
publicada pela imprensa soviética. Os rumores corriam por Moscou, e
algumas passagens do discurso foram lidas em sessões fechadas dos corpos
máximos do Partido. Contudo, o texto integral do discurso era bem guardado,
como um segredo de Estado. Alguns jornalistas estrangeiros tinham dito a
Victor que os serviços secretos ocidentais estavam a fazer um esforço
tremendo para obter o texto. A CIA oferecia mesmo uma recompensa de um
milhão de dólares. Estimou-se que a publicação do texto, no auge da Guerra
Fria entre o Ocidente e o Bloco Soviético, pudesse gerar um terremoto
político nos países comunistas e desencadear uma crise sem precedentes.
Centenas de milhões de comunistas, dentro e fora da Rússia, dedicavam uma
adoração cega a Stalin. A exposição dos seus crimes podia destruir a sua fé e
talvez até provocar o colapso da União Soviética.
Porém, todos os esforços por conseguir o discurso falharam. Ele
continuava a ser um enigma.
Recentemente, Victor soubera que Khrushchev decidira enviar
algumas cópias numeradas a líderes do Partido Comunista na Europa de
Leste, razão pela qual aquela pasta de capa vermelha chegara à mesa de
trabalho de Lucia.
Quando a viu, Victor Grayevski teve uma ideia louca. Pediu a Lucia
que lhe emprestasse a pasta por um par de horas, para que a pudesse ler em
casa, sem o alvoroço do escritório. Para sua surpresa, ela concordou. Gostava
de lhe agradar… “Podes levá-la”, disse, “mas tens de a trazer antes das quatro
da tarde, para eu a guardar no cofre”.
Em casa, Victor leu o discurso. Era, efetivamente, assombroso.
Khrushchev estilhaçou, corajosamente e sem piedade, o mito de Iosif
Vissarionovich Stalin. Khrushchev revelou que Stalin, durante os seus anos
no poder, tinha cometido crimes monstruosos e ordenado o assassinato de
milhões de pessoas. Lembrou à audiência que Lênin, pai da Revolução
Bolchevique, avisara o Partido para que tivesse cuidado com Stalin.
Khrushchev condenara o culto da personalidade do homem que fora
saudado como “o Sol das Nações”. Revelou o deslocamento forçado de
grupos étnicos na União Soviética, que conduzira a inúmeras mortes; os
“grandes pogroms” (1936-1937), quando um milhão e meio de comunistas
foram presos, e 680.000, executados. Dos 1966 delegados no XVII Congresso
do Partido, 848 tinham sido executados a mando de Stalin, assim como 98 de
138 candidatos ao Comitê Central. Khrushchev também falou sobre o “Golpe
dos Médicos”, as acusações forjadas contra alguns médicos judeus que
alegadamente tinham conspirado para assassinar Stalin e outros líderes
soviéticos. As palavras de Khrushchev revelaram Stalin como um assassino
de massas, responsável pelo massacre de milhões de russos e pessoas de
outras nacionalidades, muitas das quais comunistas leais. Em quatro horas, o
Messias metamorfoseou-se num monstro.
O discurso de Khrushchev acabou com as últimas ilusões que Victor
tinha do comunismo. E Victor percebeu que tinha na mão um dispositivo
explosivo, que podia abalar os fundamentos do campo soviético. Decidiu
devolver a pasta vermelha a Lucia, mas a caminho, pensou melhor, e os
passos levaram-no antes a outro sítio — à Embaixada de Israel. Entrou cheio
de confiança, e a muralha de policiais poloneses e agentes dos serviços
secretos abriu e deixou-o passar. Poucos minutos depois, estava no gabinete
de Yaacov Barmor, oficialmente primeiro-secretário da embaixada, mas, na
realidade, representante do Shabak na Polônia.
Grayevski entregou-lhe a pasta vermelha. O israelense leu-a
atentamente e ficou de boca aberta. “Importa-se de esperar um pouco?”,
perguntou, e agarrou na pasta e saiu do gabinete. Voltou uma hora depois.
Grayevski percebeu que Barmor a tinha fotocopiado, mas não fez perguntas.
Pegou na pasta, escondeu-a no casaco e saiu. Chegou a tempo ao escritório de
Lucia, e ela guardou-a no cofre. Ninguém o incomodou nem lhe perguntou
sobre a sua visita imprevista à Embaixada de Israel.
Na sexta-feira 13 de abril de 1956, ao início da tarde, Zelig Katz
entrou na sala de Amos Manor, diretor do Shabak. Katz era assistente pessoal
de Manor. A sede do Shabak ficava num velho edifício árabe em Jaffa, não
muito longe do pitoresco mercado de quinquilharias. Manor fez a Katz a
pergunta que lhe fazia todas as sextas-feiras: “Alguma coisa do Leste
europeu?” Sexta-feira era o dia em que a mala diplomática trazia relatórios
dos agentes do Shabak posicionados do outro lado da Cortina de Ferro.
Zelig observou, com indiferença, que poucos minutos antes recebera
de Varsóvia “um discurso qualquer de Khrushchev no congresso…”. Manor
saltou da cadeira. “Quê?!”, gritou. “Traga-me isso imediatamente!”
Manor, um jovem alto e bonito, emigrara para Israel poucos anos
antes. Arthur Mendelovitch, nascido na Romênia em família abastada, foi
enviado para Auschwitz, onde toda a família — pais, irmã e dois irmãos —
fora assassinada. Ele sobreviveu, mal pesando 40 quilos quando o campo foi
libertado. De volta a Bucareste, trabalhou para a Aliya Beth, ajudando a fazer
entrar clandestinamente refugiados judeus na Palestina sob controle inglês.
Adotou o nome de guerra Amos, e vários outros nomes, para cobrir as pistas.
Quando chegou a hora de ele próprio ir para Israel, em 1949, as autoridades
romenas não quiseram deixá-lo sair. Conseguiu fugir com um passaporte
checo falso, em nome de Otto Stanek. Os amigos começaram a chamá-lo “o
homem dos mil nomes”. Em Israel, tornou-se Amos Manor.
Subiu depressa na hierarquia dos serviços secretos. Isser sentia-se
fascinado por ele. Manor era o contrário de si. Isser, pequeno; Manor, grande.
Isser, duro e rude; Amos, delicado e cortês. Isser não fazia nenhum desporto,
enquanto Manor nadava, jogava futebol, tênis, voleibol. Isser falava russo e
iídiche; Manor falava sete línguas. Isser era um devoto membro do Partido
Trabalhista; Amos não se interessava por política. Isser vestia-se de modo
modesto; Amos tinha um estilo polido, europeu. Porém, além de tudo isso, era
inteligente e engenhoso. Isser recrutou-o para o Shabak em 1949; ainda mal
tinham passado quatro anos, Ben-Gurion nomeou-o diretor, por
recomendação de Isser. Também foi posto no comando das relações secretas
entre a comunidade de informações israelense e a CIA.
Naquela sexta-feira chuvosa, Manor atirou-se sobre a pilha de
fotocopias. Não teve dificuldade em lê-las — uma de suas sete línguas era o
russo. À medida que lia as páginas, percebeu a enorme importância do
discurso de Khrushchev. Correu para o carro e acelerou até a casa de Ben-
Gurion.
“Tem que ler isto”, disse ele ao primeiro-ministro. Ben-Gurion, que
sabia russo, leu o discurso. Na manhã seguinte, sábado, convocou Manor com
urgência. “Isto é um documento histórico”, disse, “e quase prova que, no
futuro, a Rússia se tornará uma nação democrática”.
Isser recebeu o discurso em 15 de abril e percebeu imediatamente que
ele podia ser uma mais-valia para Israel. Era um meio de aprofundar os laços
do Mossad com a CIA, estabelecidos pela primeira vez em 1947. Em 1951,
numa visita aos Estados Unidos, Ben-Gurion tinha recorrido ao general
Walter Bedell Smith, que conhecera na Europa, no fim da Segunda Guerra
Mundial. Bedell Smith era diretor da CIA (e prestes a ser substituído por
Allen Dulles, veterano do OSS e irmão do futuro secretário de Estado).
Bedell Smith concordou, hesitantemente, em estabelecer uma
cooperação limitada entre a CIA e o Mossad. O principal elemento era a
inquirição dos israelenses a emigrantes soviéticos e do Bloco de Leste.
Muitos eram engenheiros, técnicos e até oficiais do Exército que tinham
trabalhado em instalações da URSS ou de países pertencentes ao Pacto de
Varsóvia e podiam fornecer informações pormenorizadas sobre as
capacidades dos exércitos do Bloco Comunista. Esta informação era
regularmente transmitida e impressionava os americanos; a CIA nomeou
como ligação com Israel uma figura lendária — James Jesus Angleton, chefe
dos serviços de contrainformações da CIA. Angleton visitou Israel e acabou
por conhecer todos os diretores dos seus serviços. Estabeleceu uma relação
amigável com Amos Manor, e os dois chegaram a passar alguns serões no
pequeno apartamento de duas assoalhadas deste último, na companhia de
garrafas de uísque.
Porém, desta vez, Isser e Amos ofereceram-lhe muito mais do que
informações dadas por emigrantes. Decidiram entregar o discurso de
Khrushchev aos americanos — não pelo homem da CIA em Tel Aviv, mas
diretamente, em Washington. Manor enviou uma cópia do discurso por um
correio especial para Izzi Dorot, o representante do Mossad nos Estados
Unidos, que se apressou a chegar à sede da CIA em Langley e a entregou a
Angleton. A 17 de abril, Angleton levou o discurso a Allen Dulles, e ainda
nesse dia, mais tarde, o documento estava sobre a mesa de trabalho do
presidente Eisenhower.
Os peritos americanos em serviços secretos ficaram boquiabertos.
Os ínfimos serviços secretos de Israel tinham conseguido o que os
gigantescos e sofisticados serviços dos Estados Unidos, Grã-Bretanha e
França não conseguiram. Céticos, os altos funcionários da CIA ordenaram
que o documento fosse analisado por peritos, que concluíram,
unanimemente, que era genuíno. Com base nisso, a CIA passou-o ao New
York Times, que o publicou na primeira página em 5 de junho de 1956. A
publicação provocou uma espécie de terremoto no mundo comunista e fez
milhões de pessoas virarem as costas à União Soviética. Alguns especialistas
defendem que as insurreições espontâneas contra os soviéticos na Polônia e
na Hungria, no outono de 1956, foram motivadas pelas revelações de
Khrushchev.
O ardil originou enorme aprofundamento das relações do Mossad com
sua homóloga americana, e a modesta pasta que a doce Lucia mostrara a seu
belo Victor rodeou o Mossad israelense de uma aura de lenda.
Em Varsóvia, ninguém suspeitava de que Victor Grayevski tinha feito
chegar clandestinamente o discurso de Khrushchev aos Estados Unidos. Em
janeiro de 1957, Victor emigrou para Israel. O agradecido Amos Manor
ajudou-o a conseguir emprego no departamento do Leste europeu do
Ministério dos Negócios Estrangeiros. Pouco tempo depois, Victor também
foi contratado como editor e repórter na secção polonesa da Kol Israel, a rede
de radiodifusão estatal.
Porém, Victor conseguiu um terceiro emprego. Pouco depois de chegar
a Israel, conhecera alguns diplomatas soviéticos numa ulpan, escola especial
onde imigrantes e estrangeiros aprendiam hebraico. Um dos diplomatas
russos encontrou-o por acaso num corredor do Ministério dos Negócios
Estrangeiros e ficou impressionado pela posição importante alcançada por
aquele novo imigrante. Pouco tempo depois, um agente do KGB apareceu a
caminhar como que por acaso ao lado de Grayevski numa rua de Tel Aviv.
Conversou com Victor Grayevski e lembrou-lhe o passado na Polônia como
antinazista e comunista. Depois, fez-lhe uma oferta: torna-te agente do KGB
em Israel. Grayevski prometeu pensar no assunto e depois foi direto para a
sede do Mossad. “O que faço?”, perguntou.
O pessoal do Mossad ficou encantado. “Maravilha”, disseram.
“Aceite!”
Fariam de Victor Grayevski um agente duplo que passaria informações
falsas aos russos.
Assim começou uma nova e longa carreira para Victor. Durante muitos
anos, forneceu aos russos informações fabricadas e alteradas pelo Mossad.
Os seus contatos do KGB encontravam-se com ele em florestas nos
arredores de Jerusalém e Ramallah, em igrejas e mosteiros russos em Jaffa,
Jerusalém e Tiberiades, em encontros “fortuitos” em restaurantes e recepções
diplomáticas muito concorridas. Nem por uma vez, nos 14 anos que
Grayevski foi agente duplo, os soviéticos suspeitaram de que ele os usasse.
Elogiaram-no inúmeras vezes pelos excelentes materiais que lhes fornecia; na
sede do KGB em Moscou, corria o rumor de que a União Soviética tinha um
agente no interior dos círculos governamentais de Israel.
Ao longo de todos esses anos, os soviéticos confiaram em Grayevski e
nunca questionaram a sua credibilidade. A exceção aconteceu em 1967,
quando ignoraram as suas conclusões. Ironicamente, foi a única vez que lhes
passou informações inteiramente verdadeiras. Aconteceu durante o “período
de espera”, em 1967, antes da Guerra dos Seis Dias. O presidente egípcio
Gamai Abdel Nasser acreditava, erroneamente, que Israel tencionava atacar a
Síria em maio. Assim sendo, reuniu as suas tropas no Sinai, expulsou as
forças de manutenção de paz das Nações Unidas, fechou os estreitos do mar
Vermelho aos navios israelenses e ameaçou aniquilar Israel. Israel não tinha
nenhuma intenção de atacar e estava, pelo contrário, ansiosa por impedir uma
guerra com o Egito. O primeiro-ministro Eshkol pediu à Mossad que
informasse os soviéticos de que, se o Egito não cancelasse as suas medidas de
agressão, Israel teria mesmo de entrar em guerra. Esperava que a União
Soviética, cuja influência sobre o Egito era enorme, travasse Nasser.
Grayevski passou ao KGB um documento com os pormenores das
verdadeiras intenções de Israel. Contudo, a URSS fez uma avaliação errônea
da situação; Moscou ignorou o relatório de Grayevski e encorajou a
beligerância de Nasser.
O resultado foi que Israel, num ataque preventivo, destruiu os exércitos
do Egito, da Síria e da Jordânia e conquistou muitos dos seus territórios.
Também a União Soviética perdeu muito: as suas armas provaram ser
inferiores, o país renegou suas promessas e foi incapaz de apoiar seus aliados
duramente derrotados.
Não obstante, a longa relação entre Grayevski e o KGB culminou
nesse ano. Grayevski foi convocado para uma reunião com o seu contato
soviético numa floresta no centro de Israel. O agente do KGB informou-o
solenemente de que o Governo soviético queria agradecer-lhe os seus serviços
dedicados e decidira atribuir-lhe a sua mais alta distinção, a… Medalha de
Lênin!
O russo desculpou-se por não poder pôr a medalha na lapela de
Grayevski em Israel, mas assegurou-lhe que a medalha estava a sua espera em
Moscou, e que ele a receberia quando lá se deslocasse. Grayevski preferiu
ficar em Israel.
Em 1971, retirou-se do jogo da espionagem.
Porém, não foi esquecido. Em 2007, foi convidado à sede do Shabak,
onde foi recebido por um grupo seleto, que incluía os diretores atuais e
anteriores do Shabak e do Mossad, assim como muitos de seus amigos,
colegas e parentes. Foi então que Yuval Diskin, diretor do Shabak, agraciou-o
com um prêmio prestigioso por seus ilustres serviços — e Victor Grayevski
tornou-se o único agente secreto a ser condecorado duas vezes: por seu
próprio país, que serviu com devoção toda a vida, e pelo inimigo de seu país,
que ele ludibriou apesar dos riscos.
Um jornalista chamou-o “O homem que deu início ao fim do Império
Soviético”, mas Grayevski não concordou com a ideia. “Não sou um herói e
não fiz História”, comentou. “Quem fez História foi Khrushchev. Eu só me
cruzei com a História um par de horas, após as quais nossos caminhos se
dividiram.”
Morreu aos 81 anos. E, em algum lugar do Kremlin, numa pequena
caixa forrada de veludo vermelho, sua medalha, gravada com o perfil de
Vladimir Ilyich Lênin, talvez ainda o espere.
6. “TRAGAM EICHMANN, VIVO OU
MORTO!”

“E como é seu nome?”, perguntou a moça.


“Nicolas”, respondeu o sorridente pretendente. “Mas meus amigos me
chamam de Nick. Nick Eichmann.”

A filha do judeu cego

No final do outono de 1957, Isser Harel recebeu uma estranha


mensagem de Frankfurt. Dizia ela que o Dr. Fritz Bauer, procurador-geral de
Hesse, solicitava a permissão de transmitir uma informação secreta ao
Mossad. Isser sabia quem era Bauer, uma figura muito respeitada na
Alemanha. Alto, carismático, com um maxilar aguerrido, era conhecido por
perseguir agressivamente criminosos nazistas. A sua juba de cabelo grisalho
tornava-o vagamente parecido com David Ben-Gurion. Também Bauer era
judeu e um lutador dos quatro costados. Em 1933, com a ascensão ao poder
de Hitler, foi preso num campo de concentração. A experiência de horror,
porém, não lhe dobrou o espírito. Conseguiu, mais tarde, fugir para a
Dinamarca e depois para a Suécia. No final da guerra, decidiu dedicar a vida à
perseguição e punição dos criminosos nazistas. A sua insatisfação com as
autoridades da Alemanha Ocidental, que pouco faziam para extirpar o
nazismo, era pública.
Em novembro de 1957, Isser enviou Shaul Darom, funcionário dos
serviços de segurança israelenses, para se encontrar com Bauer. Chegado a
Frankfurt, Darom teve uma longa conversa com o procurador-geral. Passados
poucos dias, entrou no gabinete de Isser em Tel Aviv. “O Dr. Bauer disse-me
que o Eichmann está vivo e escondido na Argentina”, contou Darom.
Isser sobressaltou-se. Tal como milhões de judeus, sabia que o coronel
da SS Adolf Eichmann era a encarnação do horror nazista. O
Obersturmbannfiihrer Eichmann tinha dirigido pessoalmente a “Solução
Final”, o plano de aniquilação dos judeus europeus. Tinha dedicado a vida ao
massacre meticuloso de seis milhões de judeus e desaparecido depois da
guerra, e ninguém sabia onde estava; falava-se da Síria, do Egito, do Kuwait,
da América do Sul…
Darom reproduziu em pormenor a sua conversa com Bauer. Alguns
meses antes, Bauer tinha recebido uma carta da Argentina, enviada por um
emigrante alemão, meio judeu, que sofrerá às mãos dos nazistas durante a
guerra. Já tinha lido notícias nos jornais sobre a implacável perseguição de
Bauer aos criminosos nazistas e sabia que no topo da lista de homens mais
procurados estava Adolf Eichmann. Quando Sylvia, a sua bela filha, lhe
contou que andava a sair com um jovem chamado Nick Eichmann, ficou
estupefato. Pensou imediatamente que o jovem Nick tinha de ter alguma
relação com o desaparecido assassino. Escreveu a Bauer e garantiu que podia
conduzir os seus agentes ao esconderijo de Eichmann; este, ao que parecia,
vivia em Buenos Aires, sob identidade falsa.
Bauer já sabia que Eichmann tinha fugido da Alemanha depois da
guerra.
A sua mulher, Vera, e os três filhos tinham ficado na Áustria, mas
poucos anos depois também eles haviam desaparecido. Mais tarde, Bauer
descobriu que tinham emigrado para a Argentina, onde Vera tinha voltado a
casar.
Bauer estava convencido de que ela se tinha reunido a Eichmann e o
seu segundo casamento era fictício. O “segundo marido” tinha de ser o
próprio Eichmann, que a esperara.
Bauer receava perder Eichmann, se solicitasse ao Governo alemão que
fizesse um pedido de extradição à Argentina. Não confiava no sistema
judiciário alemão, ainda repleto de antigos nazistas. Também suspeitava de
alguns empregados na embaixada alemã de Buenos Aires. Bauer temia que,
ainda antes de o pedido de extradição oficial ser entregue aos argentinos,
alguém na embaixada ou na Alemanha avisasse Eichmann e este
desaparecesse para sempre.
Bauer falou abertamente com Shaul Darom. Queria que o Mossad
descobrisse se aquele homem em Buenos Aires era realmente Eichmann; se
sim, Israel devia pedir a sua extradição ou iniciar uma operação clandestina e
raptar Eichmann.
“Falo-lhe depois de muitos dias e noites de busca interior”, admitiu
Bauer.
“Só um homem na Alemanha sabe que decidi passar-lhe esta
informação, o ministro-presidente de Hesse, Georg August Zinn [social-
democrata e futuro presidente do conselho federal alemão, o Bundesrat].”
Regressado a Israel, Shaul Darom depositou sobre a mesa de trabalho
de Isser uma única folha de papel, com o esconderijo de Eichmann. Os olhos
de Isser concentraram-se numa frase: “4261, Calle Chacabuco, Olivos,
Buenos Aires.”
No início de janeiro de 1958, um jovem descia a Calle Chacabuco. Era
Emmanuel (Emma) Talmor, membro das operações especiais do Mossad.
Isser enviara-o para que avaliasse a veracidade da mensagem de Bauer.
Emma não gostou do que viu. Olivos era um bairro pobre,
maioritariamente habitado por operários. De ambos os lados da Calle
Chacabuco, não pavimentada, erguiam-se barracões decrépitos, entre os quais
se contava a porta 4261. No pequeno pátio desse número, Talmor reparou
numa mulher gorda e maltrapilha.
“Não acredito que aquela possa ser a casa de Eichmann”, disse Talmor
a Isser, em sua sala em Tel Aviv poucos dias depois. “Tenho certeza de que
Eichmann transferiu um caminhão de dinheiro para a Argentina, assim como
todos os líderes nazistas, que prepararam a fuga muito antes da queda do
Reich. Não acredito que ele viva naquela barraca e naquela favela. Nem que
aquela mulher gorda no pátio seja Vera Eichmann.”
As objeções de Talmor não convenceram o ramsad. Isser quis
continuar a investigação, mas precisava entrar em contato com a fonte de
Bauer.
Falou com Bauer, que revelou imediatamente o nome e o endereço de
seu informante: Lothar Hermann. Entretanto, este tinha se mudado para outra
cidade, Coronel Suarez, a cerca de 450 quilômetros de Buenos Aires. Bauer
enviou a Isser uma carta de apresentação que pedia a Hermann que fizesse
tudo para ajudar o portador da carta.
E, em fevereiro de 1958, chegou um visitante estrangeiro a Coronel
Suarez — Efraim Hoffstetter, chefe de investigação da polícia de Tel Aviv.
Estava, por acaso, na Argentina para uma conferência da Interpol e
concordou em cooperar com Isser. Com cautela, quando bateu na porta da
Avenida de la Libertad, apresentou-se como Karl Huppert, alemão. Na sala,
viu um homem cego, vestido de forma humilde, com as mãos pousadas sobre
uma enorme mesa de madeira. Quando Hoffstetter entrou, o cego ouviu-lhe os
passos e virou-se na direção dele, estendendo-lhe a mão. Era Lothar
Hermann.
“Sou amigo de Fritz Bauer”, disse Hoffstetter. E deu a entender que
estava ligado aos serviços secretos alemães.
Hermann contou que era judeu e que fora policial até os nazistas
tomarem o poder. Os pais tinham sido assassinados e ele enviado para
Dachau, onde tinha perdido a vista; mais tarde, tinha emigrado para a
Argentina com a mulher alemã. Quando por acaso ouvira o nome Eichmann,
contatara Bauer.
Seu único motivo era, afirmou, ajudar a punir os criminosos nazistas
que tinham massacrado a sua família.
“Na verdade”, disse ele, tocando o braço da sua encantadora filha
Sylvia, que entrara, “foi ela que descobriu Eichmann”.
A moça corou e contou com hesitação sua história a Hoffstetter.
Há um ano e meio, disse, ela e a família viviam no bairro Olivos, em
Buenos Aires. Fora lá que conhecera Nick Eichmann, um tipo simpático com
quem saíra algumas vezes. Não lhe contara que era de origem judaica, já que
se sabia que os Hermanns eram uma família ariana. Mas Nick não media as
palavras. Certo dia, comentara com ela que os alemães deviam ter terminado
o trabalho e aniquilado os judeus todos. E, noutra ocasião, mencionara que o
pai tinha sido oficial da Wehrmacht durante a Segunda Guerra Mundial e que
tinha cumprido o seu dever para com a pátria.
Nick partilhava com à-vontade as suas opiniões com Sylvia, mas
nunca a convidou para sua casa. Mesmo quando a família dela saiu de Buenos
Aires e os dois começaram a trocar cartas, ele escondeu o endereço de casa e
pediu-lhe que escrevesse para o endereço de um amigo.
Este comportamento estranho levou Lothar Hermann a suspeitar que
Nick fosse filho de Eichmann. Viajou com a filha a Buenos Aires e apanhou
um ônibus para Olivos. Sylvia, com a ajuda de alguns amigos, descobriu o
endereço de Nick Eichmann e até conseguiu entrar na casa da Calle
Chacabuco. Nick, porém, não estava em casa. Sylvia conheceu antes um
homem quase careca, com óculos e um bigode fino. Este disse-lhe que era pai
de Nick.
Hermann disse a Hoffstetter que concordava em ir novamente a
Buenos Aires com Sylvia e ajudar a investigação. Sylvia tinha
necessariamente de acompanhar o seu pai cego a todo o lado, e de escrever e
ler a sua correspondência. Hoffstetter deu-lhe uma lista de coisas de que
precisava para fazer a identificação definitiva de Eichmann: uma fotografia,
nome atual, local de trabalho, documentos oficiais sobre ele e impressões
digitais.
Hoffstetter e Hermann estabeleceram então um sistema seguro para se
corresponderem, e Hoffstetter deu a Hermann dinheiro para despesas.
Finalmente, tirou um postal ilustrado do bolso e rasgou-o ao meio.
Entregou uma metade a Hermann. “Se alguém lhe trouxer a outra metade,
pode contar-lhe tudo. Será um de nós”, disse.
Hoffstetter saiu, regressou a Israel e informou Isser.
Passados poucos meses, as informações de Hermann chegaram à sede
do Mossad. Este relatava com entusiasmo que descobrira tudo sobre
Eichmann.
A casa na Calle Chacabuco fora construída por um austríaco chamado
Francisco Schmidt, havia dez anos. Schmidt tinha arrendado a casa a duas
famílias: Daguto e Klement. Hermann afirmava enfaticamente que Schmidt
era Eichmann. Acreditava que Daguto e Klement eram apenas coberturas do
verdadeiro Eichmann.
Isser pediu ao seu agente na Argentina que confirmasse as informações
de Hermann. O telegrama de resposta foi: “Não há dúvida de que Francisco
Schmidt não é Eichmann. Ele não vive nem nunca viveu na casa na Calle
Chacabuco.”
Isser concluiu que Hermann não era credível e decidiu pôr fim à
investigação.

O erro

A decisão de Isser foi um enorme erro e podia ter estragado a


oportunidade de capturar Eichmann. A incompetência que caracterizou as
primeiras fases da operação salta à vista. Como é que uma investigação
secreta e tão complexa foi confiada a um homem idoso, cego e amador?
Como é que o Mossad levou a sério a sua identificação errônea de
Eichmann? Como é que Isser pôde ignorar o fato de Sylvia ter visitado a
Calle Chacabuco e conhecido o pai de Nick Eichmann? Em vez de enviar um
investigador profissional para Buenos Aires que pudesse atestar as
identidades dos dois inquilinos e do senhorio, Isser pura e simplesmente pôs o
assunto de parte. Este erro grave em particular não era nada habitual em Isser.
Um ano e meio depois, Fritz Bauer foi a Israel. Não se quis reunir com
Isser Harel, que culpava por ter falhado a captura de Eichmann, pelo que se
encontrou diretamente com o procurador-geral Haim Cohen, em Jerusalém.
Deu largas à raiva quando descreveu a Cohen o miserável tratamento
que a investigação recebera por parte do Mossad.
Haim Cohen convocou Isser e Zvi Aharoni, o chefe de investigação do
Shabak, a Jerusalém. Bauer esperava-os no seu gabinete e acusou Isser Harel
de dar cabo da investigação. Também ameaçou que, se o Mossad fosse
incapaz de executar a missão, seria obrigado a pedir às autoridades alemãs
que a cumprissem. Porém, não foi a sua ameaça que persuadiu Isser Harel a
reabrir o caso. Foi uma nova informação que Bauer lhe trouxera: duas
palavras que pareciam desvendar o enigma. O nome fictício de Eichmann na
Argentina, revelou Bauer, era Ricardo Klement.
Subitamente, Isser percebeu o seu erro e o engano dos seus homens.
Eichmann era mesmo um dos arrendatários da Calle Chacabuco. Mas,
em vez de Schmidt, era Klement.
A filha de Hermann tinha realmente saído com o filho de Eichmann e a
família Eichmann vivia mesmo na Calle Chabacuco. Porém, Hermann não
sabia que Eichmann tinha mudado o nome para Klement, e tinha-o
erradamente identificado como Francisco Schmidt. Se Isser tivesse feito o que
devia e enviado agentes experientes para investigar a história de Hermann,
teria há muito descoberto a verdadeira identidade de Eichmann.
Isser sugeriu então a Cohen e a Bauer que Zvi Aharoni dirigisse a
investigação. Aharoni era um homem alto e magro com uma testa larga,
bigode quadrado e mente aguçada. Era, ele próprio, judeu alemão e tinha uma
relação próxima com Cohen, mas não tanto com Isser. Aharoni continuava
zangado por, em 1958, quando fora a Buenos Aires a propósito de outro caso,
Isser não o ter encarregado de verificar o testemunho de Hermann. O assunto,
porém, tinha de ser esquecido. Agora, Isser precisava desesperadamente da
competência de Aharoni.
Assim, em fevereiro de 1960, Aharoni aterrissou em Buenos Aires.
Pediu a um amigo, judeu local, que fosse espreitar a casa da Calle Chacabuco.
O homem regressou transtornado. A casa estava vazia, informou. Alguns
pintores e pedreiros estavam a remodelar um dos dois apartamentos, na
verdade a antigo endereço dos Klements. Estes tinham partido para parte
desconhecida. Aharoni tinha portanto de encontrar uma maneira de localizar
Klement sem levantar suspeitas.
No início de março, um jovem argentino com uniforme de mensageiro
bateu à porta da casa na Calle Chacabuco. Trazia um pacote pequeno e
embrulhado, dirigido a Nicholas Klement. Continha um isqueiro caro e um
cartão perfumado com uma pequena inscrição: “Querido Nick, parabéns pelo
teu aniversário.” Parecia um presente de anos enviado por uma mulher que
pretendia permanecer anônima.
O mensageiro entrou no apartamento, onde alguns pintores ainda
trabalhavam, e perguntou pela família Klement, mas a maioria dos
trabalhadores não fazia ideia de quem eram os Klements. Um dos pintores,
contudo, disse ao mensageiro que achava que eles se tinham mudado para o
bairro de San Fernando, no outro lado de Buenos Aires. Depois, conduziu o
mensageiro a uma oficina próxima, onde o irmão de Nick Eichmann
trabalhava. Era um tipo louro chamado Dieter. Este foi bem-educado, mas
recusou-se a dar a novo endereço dos Klements. Porém, Dieter era tagarela e
revelou ao mensageiro que o pai trabalhava temporariamente na cidade
longínqua de Tucumã.
O mensageiro regressou à Calle Chacabuco e continuou a importunar
os pintores com perguntas incessantes. Finalmente, um deles acabou por
lembrar-se vagamente de um novo endereço dos Klements. “Tem que pegar o
trem até a estação de San Fernando”, disse. “Depois, pegue o ônibus 203 e
desça em Avijenda. Do outro lado da rua, há um quiosque. À direita dele, um
tanto afastada das outras casas, verá uma pequena casa de tijolo. É a casa dos
Klements.”
Feliz da vida, o mensageiro apressou-se a voltar para informar
Aharoni. No dia seguinte, Aharoni pegou o trem para San Fernando, seguiu as
indicações do pintor e encontrou imediatamente a casa. No quiosque vizinho,
parou e perguntou como se chamava a rua.
“Calle Garibaldi”, respondeu o velho vendedor.
A investigação estava novamente no caminho certo.
Calle Garibaldi

A meio de março, Aharoni vestiu um fato e dirigiu-se a uma casa na


Calle Garibaldi, a que ficava precisamente em frente da casa dos Klements.
“Sou representante de uma empresa americana”, disse à mulher que abriu a
porta. “Produzimos máquinas de costura e pretendemos construir uma fábrica
nesta zona. Gostávamos de comprar a sua casa.” E depois acrescentou,
apontando para a casa dos Klements: “E aquela casa também. Quer vender?”
Enquanto conversava com a mulher, Aharoni premiu múltiplas vezes
um botão escondido na pega de uma pequena pasta que trazia consigo. Este
ativava uma câmera oculta que tirou fotos da casa dos Klements de vários
ângulos.
No dia seguinte, Aharoni consultou os arquivos da cidade e descobriu
que o lote em que ficava a casa dos Klements pertencia a Vera Liebl de
Eichmann, uma prova de que Vera não voltara a casar e que, de acordo com o
costume argentino, registrara a propriedade com o nome de solteira e o nome
de casada. Ricardo Klement parecia ter preferido não ser mencionado em
documentos oficiais.
Aharoni regressou à Calle Garibaldi várias vezes, a pé, em carros
particulares e numa van pequena, e tirou fotografias da casa, de Vera e do
menino pequeno que viu a brincar no quintal. Não viu Klement, mas decidiu
esperar por uma data especial: 21 de março. O arquivo de Aharoni indicava
que esse seria o 25.° aniversário de casamento de Adolf Eichmann e Vera
Liebl. Previu que Eichmann regressasse de Tucumã para celebrar com a
família.
A 21 de março, Aharoni voltou com a máquina fotográfica. No quintal,
viu um homem magro e quase careca, altura média, lábios finos, nariz grande,
bigode, óculos. Esses traços condiziam todos com a descrição constante no
arquivo dos serviços secretos.
Eichmann.
Em Israel, Isser dirigiu-se a casa de Ben-Gurion. “Localizamos o
Eichmann na Argentina”, disse. “Julgo que conseguimos capturá-lo e trazê-lo
para Israel.”
Ben-Gurion respondeu imediatamente. “Tragam-no vivo ou morto”,
disse.
Depois, pensou um pouco e acrescentou: “Seria melhor trazê-lo vivo.
Será muito importante para os nossos jovens.”

A chegada da equipe avançada

Isser formou então a equipe operacional. Os 12 membros foram todos


voluntários. Alguns eram sobreviventes do Holocausto e tinham números dos
campos de concentração tatuados nos antebraços. O núcleo da equipe era a
unidade operacional dos serviços de segurança. À sua frente estavam os dois
melhores agentes do Shabak. Rafi Eitan foi nomeado comandante. Tinha
como ajudante Zvi Malkin, que Eitan descreveu como “corajoso, fisicamente
forte e dotado de criatividade tática”. Era um homem careca com
sobrancelhas frondosas, maxilar largo e olhos fundos, melancólicos,
conhecido como o melhor espião capturador do Shabak. Nunca andava com
arma (“uma pessoa pode ser tentada a usá-la”), confiava no “senso comum,
criatividade e improvisação”, e tinha desmascarado vários dos melhores
agentes soviéticos. Passara parte da infância na Polônia e emigrara com a
família para Israel após um pogrom sangrento na cidade de Krasnik Lubelski.
Só a sua irmã Fruma e a família dela haviam ficado lá; todos eles, bem como
outros familiares de Zvi, tinham morrido no Holocausto. Zvi cresceu em
Haifa e lutou na Guerra da Independência. Entre os seus muitos talentos,
estavam a pintura, a escrita “compulsiva” e a representação.
Durante uma estada em Nova York, tornara-se amigo próximo de Lee
Strasberg, diretor do Actors Studio, e aprendera com ele muito acerca da arte
da representação. “Em muitas operações do Mossad em que participei”, disse
mais tarde, “atuei como se estivesse num palco, inclusive usando disfarces e
maquilhagem. Noutras operações, senti que estava a dirigir uma
peça. Escrevia as minhas ordens como roteiros.”
Outro membro da equipe era Avraham (Avrum) Shalom, nascido em
Viena, entroncado, de poucas falas, adjunto de Eitan e, mais tarde, diretor do
Shabak. Alguns dos outros eram Yaacov Gat, um operacional de campo
discreto, baseado em Paris; Moshe Tavor, antigo soldado no Exército
britânico que pertencera ao grupo secreto “Vingadores”, que caçou
criminosos nazistas no final da guerra, e que matara, ele mesmo, alguns; e o
discreto e reservado Shalom Danny, um pintor talentoso e “um gênio” da
falsificação de documentos. Havia quem dissesse que ele fugira de um campo
de concentração nazista por ter falsificado uma autorização em papel
higiênico.
A maioria dos homens era casada, tinha família.
A equipe também estava bem composta em termos profissionais.
Incluía Efraim Ilani, um tipo que conhecia bem a Argentina e as ruas de
Buenos Aires. Era um serralheiro talentoso, um homem de grande força física
e um agente com uma cara muito “honesta”, que inspirava confiança a
qualquer pessoa. Yehudith Nissiyahu, religiosa, a melhor agente do Mossad,
também se oferecera. Yehudith era discreta, tímida, comedida, algo obesa e
modesta.
Era casada com um ativista do Partido Trabalhista chamado Mordechai
Nissiyahu. Recebeu várias vezes um dos autores deste livro; nada no seu
comportamento parecia fora do comum.
O Dr. Yona Elian, médico que já participara em várias operações do
Mossad, foi para ajudar a trazer Eichmann para Israel. Zvi Aharoni, o
investigador, também se juntou ao grupo. Mas o primeiro voluntário da
equipe foi o próprio Isser. Adorava liderar os seus homens em operações
perigosas no estrangeiro. Porém, desta vez sabia que, no decurso da ação,
haveria decisões imediatas a fazer e que só os responsáveis máximos as
poderiam tomar. E tudo aquilo podia ter consequências políticas graves. Era,
portanto, crucial que os israelenses fossem liderados por alguém que pudesse
tomar decisões políticas, se necessário. Isser sentiu que tinha de tomar o
comando.
No final de abril, uma equipe avançada de quatro agentes chegou
à Argentina vinda de diferentes direções. Fizeram entrar clandestinamente no
país equipamento essencial, como walkie-talkies, ferramentas e instrumentos
eletrônicos, material médico e uma parte do laboratório ambulante de Shalom
Danny, equipado para fabricar passaportes, documentos e autorizações.
Alugaram um apartamento em Buenos Aires (nome de código
“O Castelo”), onde vários membros da equipe viveriam e trabalhariam, e
abasteceram-no de comida. No dia seguinte, alugaram um carro e foram os
quatro a San Fernando, onde chegaram às 7h40 da tarde.
A noite caíra entretanto, e tiveram uma grande surpresa. Enquanto
circulavam tranquilamente na estrada 202, viram de repente, a caminhar
diretamente na sua direção, Ricardo Klement! Este não lhes prestou atenção e
simplesmente virou e entrou em casa.
Os agentes concluíram que, provavelmente, Klement chegava a casa
sempre por volta daquela hora e que a captura ocorreria naquela mesma
estrada escura entre a estação dos ônibus e a casa.
Naquela noite, mandaram um telegrama encriptado para Israel:
“Operação viável.”

Um avião para Abba Eban

Isser sentia-se em maré de sorte. Soube que a 20 de maio a Argentina


celebraria o 150.° aniversário da sua independência. Chegariam de todo o
mundo delegações de alto nível, para participar nos festejos. Uma delegação
israelense chefiada pelo ministro da Educação Abba Eban também iria. Abba
Eban ficou contentíssimo por saber que a El Al poria à sua disposição um
avião especial — um Britannia “Whispering Giant”. Ninguém disse a Eban
que a verdadeira razão da generosidade da El Al era a “Operação Eichmann”.
O voo 601 de Buenos Aires estava marcado para 11 de maio. A
tripulação foi cuidadosamente selecionada e Isser só revelara o segredo a dois
dos altos funcionários da El Al, Mordechai Ben-Ari e Efraim Ben-Artzi. O
piloto, Zvi Tohar, foi aconselhado a levar consigo um mecânico qualificado,
para o caso de o avião ter de levantar voo subitamente, sem assistência de
uma equipe local argentina.
Na madrugada de 1º de maio, Isser aterrissou em Buenos Aires com
um passaporte europeu. As pistas do aeroporto eram varridas por um vento
gelado. Na Argentina, o inverno estava próximo. Passados oito dias, na noite
de 9 de maio, vários israelenses entraram sub-repticiamente num edifício alto
em Buenos Aires. Subiram até um apartamento arrendado uns dias
antes (nome de código “Alturas”). Todos os membros da unidade operacional
estavam presentes. Antes daquele dia, tinham ficado em variados hotéis
espalhados pela cidade. O último a entrar foi Isser; pela primeira vez, “os 12”
estavam juntos.
Desde a chegada à Argentina, Isser tinha estabelecido um modo
original de comunicar com a sua equipe: no bolso, trazia uma lista de 300
cafés em Buenos Aires, com moradas e horário de funcionamento. Todas as
manhãs, iniciava uma volta a pé por esses cafés, seguindo um itinerário e um
horário pré-concebido por si. Assim, os seus agentes sabiam exatamente onde
o podiam encontrar em todos os momentos do dia. O único grande
inconveniente do sistema eram os litros de café argentino forte que o ramsad
tinha de ingerir nesses circuitos diários. Foi dos cafés que Isser dirigiu os
preparativos para a captura.
Foram dias de atividade febril: transportar e preparar o equipamento
necessário para manter um prisioneiro; alugar carros para fazer vigilância e
para a captura; alugar outros apartamentos e vivendas isolados nos arredores
da cidade, onde Eichmann pudesse ficar preso. A vivenda mais
importante (“A Base”) ficava a caminho do aeroporto. Estava arrendada a
dois agentes do Mossad que se faziam passar por turistas. Um deles era
Yaacov Meidad (Mio), um homem corpulento, nascido na Alemanha, que
perdera os pais no Holocausto e lutara no Exército britânico durante a guerra.
A mulher que fazia de sua companheira era Yehudith Nissiyahu. Na vivenda,
os agentes construíram um esconderijo para Eichmann e o seu guarda, se a
polícia local aparecesse para investigar. Prepararam um segundo apartamento
como alternativa.
O plano era agora capturar Eichmann a 10 de maio, o avião chegar a
11 de maio e, a 12, partir para Israel.
Porém, uma mudança de última hora estragou o plano. Dado o grande
número de visitantes para os festejos do aniversário, o Departamento de
Protocolo do Ministério dos Negócios Estrangeiros argentino informou a
delegação israelense de que teria de atrasar a sua chegada até o dia 19, às duas
da tarde. Para Isser, isso significava atrasar a captura de Eichmann até 19 de
maio ou executar o plano no dia 10 e depois esperar no esconderijo com o
prisioneiro durante nove ou dez dias. Isso podia ser muito arriscado,
especialmente se a família dele pedisse uma procura intensiva do
desaparecido Eichmann. Nesse caso, correriam o risco real de Eichmann e os
seus captores israelenses serem descobertos pela polícia.
Apesar das reservas, Isser decidiu avançar com o plano original; mas,
devido à fadiga dos seus agentes, decidiu adiá-lo um dia. A hora H foi
marcada para as 19h40 de 11 de maio.
O plano operacional estava feito e preparado ao minuto: Eichmann
regressava do trabalho todas as noites por volta das 19h40, saía do ônibus 203
no quiosque e caminhava até casa pela Calle Garibaldi. A rua era escura e o
trânsito escasso. A operação seria conduzida por agentes em dois carros: uma
equipe para o sequestro, outra para segurança e proteção. O primeiro carro
estaria estacionado à beira da estrada, com a capota levantada e os agentes
fariam de conta que o consertavam. Quando Eichmann passasse, saltariam
sobre ele, dominá-lo-iam e atirá-lo-iam para dentro do carro. Este arrancaria
de imediato, com o outro carro no seu encalço. O médico viajaria no segundo
carro, para estar perto, caso o prisioneiro tivesse de ser sedado.
Isser deu ordens precisas em tom severo. “Se houver algum problema”,
disse, “não larguem Eichmann, mesmo se forem parados. Se a polícia os
prender, digam que são israelenses, que estão agindo por conta própria, e que
querem levar o criminoso nazista à justiça”. Todos os que conseguissem
evitar a prisão, acrescentou, sairiam do país seguindo o plano inicial.
Isser também instruiu Meidad e Yehudith Nissiyahu a mudarem-se
para a casa e comportarem-se como um casal de turistas. “De vez em quando,
saiam e descontraiam no gramado, comendo e lendo jornais.”
Todos os outros agentes receberam ordens para saírem dos seus hotéis
e mudarem-se para esconderijos previamente alugados.

Contagem decrescente

Dia 11 de maio, manhã.


A unidade operacional concluiu os preparativos. Mesmo antes da hora
H, os homens já tinham começado a apagar as peugadas. A maioria dos
veículos alugados foi devolvida. Todos os membros do grupo tinham os seus
disfarces preparados — maquilhagem, bigodes, barbas e perucas falsos.
Todos receberam documentos de identificação novos, adequados às suas
novas caras. Os 12 que tinham chegado a Buenos Aires dias antes, percorrido
as suas ruas, alugado carros e apartamentos, dado entrada em hotéis e vigiado
a casa na Calle Garibaldi desapareceram; outros 12, de aspecto diferente e
portadores de documentos diferentes com nomes diferentes, tomaram as suas
posições.
Também Isser deixou o hotel em que estava, guardou a bagagem na
estação ferroviária e regressou à cidade. Como todos os dias, tinha de fazer a
volta pelos cafés. Os seus movimentos daquele dia foram numa zona de
negócios e diversão, onde os cafés distavam escassos cinco minutos a pé uns
dos outros.
13h00 — Isser, Rafi Eitan e alguns dos operacionais mais destacados
encontraram-se para uma reunião final, num grande restaurante no centro da
cidade. À sua volta, argentinos bem-dispostos riam, bebiam e devoravam
carnes locais grelhadas. Às 14h, a equipe dispersou.
14h30 — Os agentes entraram no carro de captura, estacionado havia
alguns dias num grande parque de estacionamento na baixa da cidade, e
levaram-no para “A Base”. O segundo carro partiu de outro parque de
estacionamento.
15h30 — Os dois carros estavam estacionados em “A Base”, prontos a
entrar em ação.
16h30 — Última reunião em “A Base”. Os homens da unidade
operacional trocaram de roupa, pegaram nos papéis e prepararam-se para sair.
18h30 — Partida dos dois carros. Quatro agentes seguiam no carro de
captura: Zvi Aharoni, motorista; Rafi Eitan, comandante; Moshe Tavor e Zvi
Malkin. Outros três agentes iam no segundo carro: Avraham Shalom, Yaacov
Gat e o Dr. Elian, que tinha consigo medicamentos, instrumentos e
substâncias soporíferas.
Os carros chegaram separadamente e encontraram-se num cruzamento,
não muito longe da casa dos Klements. Os agentes verificaram a zona e
certificaram-se de que não havia postos de controle nem forças policiais por
perto.
19h35 — Os dois carros estacionaram na Calle Garibaldi. O local já
estava completamente escuro. O carro de captura, um Chevrolet preto, estava
estacionado na berma, virado para a casa dos Klements. Dois agentes saíram e
levantaram a capota; Aharoni continuou ao volante e o quarto homem
escondeu-se no interior, atento ao ponto de onde Eichmann emergiria da
escuridão. Um dos homens calçou luvas finas, para o caso de ter de tocar em
Eichmann; a ideia de lhe tocar bastava para o encher de nojo. Do outro lado
da rua, estava o segundo carro, um Buick preto. Dele saíram dois agentes,
fingindo-se ocupados à volta do carro. O terceiro permaneceu no assento do
motorista, pronto a acender os faróis e cegar Klement quando este se
aproximasse. A armadilha estava montada.
Klement, porém, não apareceu.
19h40 — O ônibus 203 parou na esquina, mas ninguém desceu.
19h50 — Passaram mais dois ônibus. Klement não saiu de nenhum. Os
agentes foram tomados pela ansiedade. Que acontecera? Teria ele mudado de
hábitos? Teria sentido o perigo e fugido?
20h00 — Na reunião anterior, Isser dissera ao grupo que, se Klement
não chegasse até as oito, deviam abortar o plano e ir embora. Rafi Eitan,
contudo, decidiu esperar até as oito e meia.
20h05 — Outro ônibus parou junto à curva. Primeiro, os israelenses
não viram nada. Mas Avrum Shalom, da segunda equipe, discerniu de súbito
uma silhueta a descer a Calle Garibaldi. Klement! Ligou os faróis, apontando
o foco à figura que se aproximava.
Ricardo Klement caminhava para casa. Os faróis dirigiam-se-lhe à
cara, pelo que desviou o olhar. Continuou a andar. Reparou num carro
estacionado
— provavelmente com o motor empanado — e algumas pessoas a
tentar arranjá-lo. Nesse momento, um dos homens parados junto do Chevrolet
virou-se para ele. “Momentito, señor”, disse. Era Zvi Malkin e aquelas eram
as duas únicas palavras espanholas que conhecia.
Klement tentou tirar a lanterna que tinha no bolso e que usava muitas
vezes naquela zona escura da rua. Depois, aconteceu tudo à velocidade da luz.
Malkin receou que Klement estivesse a puxar de uma arma. Saltou sobre ele e
atirou-o para o piso poeirento da estrada. Klement soltou um grito alto e
agudo. Do carro, outro homem e mais outro saltaram sobre ele. Uns braços
fortes dominaram-lhe a cabeça e taparam-lhe a boca. Puxaram-no para a parte
de trás do carro e deitaram-no, aturdido, no chão do veículo. O motorista
ligou o motor e acelerou. Entre o momento em que Klement apareceu e o
carro partiu mal tinha passado meio minuto.
Segundos depois, o outro carro avançou atrás do primeiro.
As mãos e os pés de Klement foram rapidamente atados por mãos
ágeis. E alguém lhe pôs um trapo na boca. Tiraram-lhe os óculos e
substituíram-nos por óculos negros opacos. Uma voz ladrou em alemão,
próximo da orelha do prisioneiro: “Mexes-te e morres!” Ele obedeceu; não se
mexeu na viagem inteira. Entretanto, duas mãos deslizaram-lhe sob a roupa e
palparam-lhe a pele. As mãos de Rafi Eitan estavam à procura das cicatrizes:
uma debaixo da axila esquerda e outra no lado direito da barriga. Eitan olhou
para Malkin e assentiu com a cabeça. Deram um aperto de mãos. Tinham
Eichmann.
Eitan pensou ter os sentimentos controlados, mas apercebeu-se
subitamente de que estava a cantarolar a música dos guerrilheiros judeus na
guerra contra os nazistas, e a repetir o refrão: “Chegamos! Chegamos!”
O carro deslocou-se rapidamente, até parar subitamente, ainda com o
motor a trabalhar. Klement não tinha como saber que atravessavam uma
passagem de nível. Os dois carros tiveram de esperar longos minutos até que
o interminável trem de mercadorias passasse. Os agentes sentiram que aquele
momento foi o mais crítico de toda a operação. Estavam rodeados de outros
carros, todos à espera de que a barreira fosse levantada. De fora, chegavam
vozes, mas Klement não se atreveu a mexer-se. Nenhum dos argentinos
parados ao lado deles reparou em nada de estranho deitado no chão do carro.
Passados uns minutos, as barreiras foram levantadas e os carros passaram
ordeiramente.
20h55 — Os dois carros pararam na entrada de “A Base”. Klement,
arrastado como um cego entre os sequestradores, foi levado ao interior da
casa.
Não objetou quando os homens que o seguravam começaram a despi-
lo.
Exigiram, em alemão, que ele abrisse a boca. Obedeceu. Procuravam
uma cápsula de veneno entre os dentes. Ainda de óculos opacos, Eichmann
não via absolutamente nada, mas sentia que alguém examinava novamente
seu corpo e tocava suas cicatrizes. Mão experiente passou por baixo de seu
braço esquerdo e descobriu a pequena cicatriz deixada pela remoção, anos
antes, da pequena tatuagem com seu tipo de sangue, característica distintiva
dos oficiais da SS.
Subitamente, uma voz falou em alemão.
“Tamanho de chapéu… de sapatos… data de nascimento… nome do
pai… nome da mãe…”
Como um robô, Eichmann respondeu em alemão. Mesmo quando lhe
perguntaram “Qual é o número de sua carteira do Partido Nazista? E o
número da SS?”, ele não ficou calado.
Primeiro número: 45.326. O outro: 63.752.
“Nome?”
“Ricardo Klement.”
“Nome”, repetiu a voz.
Tremeu.
“Otto Heninger.”
“Nome?”
“Adolf Eichmann.”
Em volta, caiu o silêncio. Ele o rompeu. “Meu nome é Adolf
Eichmann”, repetiu. “Sei que estou nas mãos de israelenses. Também sei falar
um pouco de hebraico, estudei a língua com um rabino em Varsóvia…”
Lembrou alguns versos da Bíblia e começou a recitá-los, tentando
dizer as palavras hebraicas com a pronúncia correta.
Ninguém falou.
Os israelenses fitavam-no, estupefatos.

Um mensageiro para Sdeh Boker

Isser andava de café em café. A noite ia avançada, quando entrou em


outro café e se afundou numa cadeira de frente para a porta. De repente, viu
dois de seus homens na entrada. Pôs-se imediatamente de pé. “Nós o
pegamos”, disse Aharoni, resplandecente. “Foi identificado sem sombra de
dúvida e confessou que é Adolf Eichmann.”
Isser deu-lhes um aperto de mãos e saíram do café. Tinha de regressar
à estação de trens, levantar a mala e dar entrada num hotel novo, sob
identidade nova, como se tivesse acabado de chegar a Buenos Aires. O ar da
noite estava frio; Isser decidiu caminhar. Estava com uma ligeira febre e a
braços com uma constipação, mas naquele momento sentia-se lindamente.
Caminhou sozinho, no escuro, aproveitando o ar fresco da noite e
sentindo-se revigorado — um sentimento cujo sabor inebriante jamais
esqueceria.
No dia seguinte, um carro estacionou numa cabana de madeira no
kibbutz Sdeh Boker. Um homem magro, de óculos, saiu dele, mostrou
documentos de identificação aos guardas e entrou na sala de Ben-Gurion. Era
Yaacov Caroz, assistente pessoal de Isser.
“Isser me mandou”, anunciou. “Recebemos um telegrama dele. Temos
Eichmann.”
O Velho Homem não se pronunciou. Depois, perguntou: “Quando Isser
volta? Preciso dele.”

Bastou a Isser ver os rostos perturbados de seus homens para perceber


que a mera presença de Eichmann os deprimia. O monstro alemão estava
junto deles, entre si havia apenas uma parede fina — e isso enervava aqueles
homens duros e enchia-os de repugnância. Não se conseguiam habituar a
tomar conta de um homem que, no entender de todos, era o símbolo do mal;
que fora o assassino de muitos dos seus parentes mais próximos — pais,
mães, irmãos e irmãs, todos desaparecidos em crematórios. E tomar conta de
Eichmann significava tratar dele 24 horas por dia. Não podiam dar-lhe uma
navalha, por isso barbeavam-no; não podiam deixá-lo um único momento
sozinho, para que não se suicidasse; tinham de estar com ele mesmo quando
ia à retrete. Yehudith Nissiyahu cozinhava e servia as refeições a Eichmann,
mas recusava-se a lavar os pratos onde ele comera. A repulsão que ela sentia
era incontrolável. Zvi Malkin, sentado a um canto, lutou contra a repugnância
por meio de desenhos que fez de Eichmann num velho exemplar de um Guia
da América do Sul. Os guardas, revezados a cada 24 horas, estavam
completamente esgotados, e Isser sentiu que tinha de dar a todos um dia de
folga. Deixá-los andar por Buenos Aires, pensou, desfrutar da vida
efervescente daquela grande cidade, e esquecer por algumas horas a obscena
realidade de “A Base”.
Aqueles tomaram-se os 10 dias mais longos das suas vidas —
escondidos num país estrangeiro e a viver com medo de que o menor erro
pudesse desencadear uma busca policial e um escândalo internacional.

Planejamento da fuga

Eichmann sentava-se numa sala vazia, sem janelas, iluminada dia e


noite por uma lâmpada solitária. Era obediente e cumpria prontamente as
instruções dos guardas. Parecia que se tinha resignado a seu destino. O único
que falava com ele era Aharoni, que o interrogou sobre a sua vida antes da
captura. Eichmann respondeu a todas as perguntas. Disse a Aharoni que,
depois da derrota da Alemanha, em maio de 1945, se apropriara da identidade
de um soldado raso da Luftwaffe, de nome Adolf Karl Barth.
Mais tarde, passou por tenente da 22ª Divisão de Cavalaria das
Waffen-SS Otto Eckmann, e esteve encarcerado num campo de prisioneiros
de guerra.
No fim desse ano, quando o seu nome foi mencionado em Nuremberg
nos julgamentos dos líderes nazistas, fugiu do campo. Viveu como Otto
Heninger até 1950 em Zelle, na Baixa Saxônia, e nesse ano fugiu para a
Argentina, via Itália, por uma das rotas de fuga dos criminosos nazistas.
Nove anos tinham passado desde que desembarcara na Argentina,
vestindo camisa branca e sobretudo, usando óculos de sol e bigode finíssimo.
Passou quatro meses com amigos na Pensão Jurmann, num subúrbio de
Buenos Aires, e outros quatro meses na casa de um contato alemão chamado
Rippler. Só então arriscou se deslocar sozinho e partiu de Buenos Aires para
Tucumã, cidade pequena a 950 quilômetros.
Uma vez lá, empregou-se na Capri, empresa de construção pouco
conhecida, suspeita de ser firma de fachada cuja missão era dar emprego a
fugitivos nazistas.
Em 4 de abril de 1952, Eichmann recebeu o seu bilhete de identidade
argentino em nome de Ricardo Klement, nascido em Bolzano, na Itália,
solteiro e mecânico de profissão.
Um ano antes, no início de 1951, Eichmann, sob nome falso, enviara
uma carta à mulher, na Áustria. Informava-a de que “o tio dos seus filhos, o
homem que ela julgara ter morrido, estava vivo e de boa saúde”. Vera Liebl
reconheceu imediatamente a sua caligrafia e disse aos filhos que o tio
Ricardo, primo do seu falecido pai, os tinha convidado a viver com ele na
Argentina.
Vera Liebl conseguiu passaportes legais para ela e os filhos. A máquina
secreta nazista entrou num frenesi e tratou de encobrir e apagar as peugadas
de Vera. Quando os agentes secretos israelenses finalmente conseguiram o
arquivo sobre Vera Liebl nos arquivos austríacos, o que descobriram foi
apenas uma pasta vazia cujo conteúdo se tinha aparentemente evaporado.
Em junho de 1952, Vera Liebl e os três filhos, Horst, Dieter e Klaus,
desapareceram de casa sem deixar rastro. No início de julho, apareceram
brevemente em Gênova e a 28 de julho aportaram a Buenos Aires. A 15 de
agosto, saíram do trem na poeirenta estação de Tucumã.
“Vera Eichmann”, escreveu Moshe Pearlman no seu livro, “ainda
trazia na memória a imagem do oficial nazista elegante que tanto a
impressionava com o seu uniforme de gala e botas reluzentes. Mas o homem
que a aguardava na plataforma de Tucumã era um homem de meia-idade,
vestido de modo modesto, de rosto pálido e enrugado, expressão deprimida e
passos lentos. Era aquele o seu Adolf”.
O terrível Eichmann tomara-se irreconhecível. Tinha emagrecido e
começava a ficar careca, tinha as maçãs do rosto encovadas e a cara perdera o
aspecto arrogante que tanto a caracterizara. Parecia resignado e ansioso; só os
seus lábios finos sugeriam ainda crueldade e malícia.
Em 1953, a Capri abriu falência e Eichmann teve de procurar emprego.
Primeiro, tentou abrir uma lavanderia em Buenos Aires, com mais dois
nazistas, depois trabalhou numa quinta de coelhos, e mais tarde numa fábrica
de enlatados de sumo. Finalmente, com a ajuda de outra organização secreta
nazi, Ricardo Klement foi nomeado capataz da fábrica de montagem da
Mercedes-Benz em Suárez. Nessa altura, começara finalmente a acreditar que
passaria o resto da vida em tranquilidade. Até 11 de maio de 1960.
Entretanto, os filhos de Eichmann procuraram-no pelos hospitais,
morgues e esquadras da polícia. Pediram ajuda à organização juvenil fascista-
peronista Tacuara, que se juntou à busca. Porém, depressa os filhos de
Eichmann concluíram que os israelenses deviam ter capturado o pai.
Tentaram então, sem êxito, convencer as organizações pró-nazistas a tomar
medidas drásticas, como raptar o embaixador israelense e mantê-lo cativo até
a libertação do pai. Os argentinos se recusaram a fazê-lo.
Isser instruiu os seus homens sobre o que deveriam fazer se o
esconderijo fosse localizado pela polícia. Se cercassem “A Base”, disse-lhes
Isser, Eichmann deveria ser levado para a câmara secreta que havia sido
preparada na casa. Se a polícia fizesse uma busca exaustiva, Eichmann
deveria ser retirado por uma saída secundária preparada para emergências.
Vários agentes deviam fugir com Eichmann, enquanto os outros fariam todo o
possível para retardar a busca, fossem quais fossem os perigos envolvidos.
A todos que vigiavam Eichmann na época, Isser disse: “Se a polícia
descobrir o esconderijo e entrar, algeme-se a ele e dê sumiço na chave para
que não consigam separá-lo de você. Diga que é israelense e capturou, com
ajuda de amigos, o criminoso mais odiado do mundo, Adolf Eichmann, para
que o pudesses levar a tribunal. Depois, diz à polícia o meu nome verdadeiro
[Isser Harel], assim como a minha identidade falsa, e o nome do hotel onde
estou hospedado. Se eles te prenderem a ti e ao Eichmann, eu também tenho
de ser preso.”
Uns dias mais tarde, Eichmann concordou em assinar um documento
em que estipulava estar disposto a ser levado para Israel e julgado lá. Dizia
ele:

Eu, abaixo assinado Adolf Eichmann, de minha livre vontade declaro:


agora que a minha verdadeira identidade foi descoberta, reconheço que de
nada mais vale tentar fugir à justiça.
Concordo em ser levado para Israel e julgado por um tribunal
qualificado. Subentende-se que me será prestada assistência por um
advogado e que me será permitido descrever em tribunal, sem deturpação dos
fatos, um relato dos meus últimos anos de serviço na Alemanha, para que
uma descrição verdadeira desses acontecimentos possa ser passada às
gerações vindouras. Faço esta declaração de livre vontade. Nada me foi
prometido e não fui alvo de ameaças. O meu desejo é encontrar finalmente a
paz interior.
Uma vez que sou incapaz de recordar todos os pormenores e poderei
confundir-me na explanação dos fatos, peço que os documentos e
testemunhos relevantes sejam postos à minha disposição, para ajudarem os
meus esforços de estabelecimento da verdade.
Adolf Eichmann, Buenos Aires, maio de 1960

Esta declaração, como é óbvio, não tinha valor probatório.

Chegada do avião

Dia 18 de maio de 1960, 11h.


Teve lugar uma cerimônia formal no aeroporto internacional de Lod,
próximo de Tel Aviv. Muitas personalidades de alto nível, incluindo o chefe
de Estado-Maior, general Laskov, o diretor-geral do Ministério dos Negócios
Estrangeiros e o embaixador argentino em Israel, foram despedir-se da
impressionante delegação enviada à Argentina, para a comemoração do 150.°
aniversário do país. O Whispering Giant da El Al decolou, transportando
passageiros regulares, destinados a escalas ao longo do caminho.
Poucos passageiros repararam que, em Roma, entraram outros três
civis a bordo. Passadas duas ou três horas, esses novos passageiros tinham-se
transformado em assistentes de bordo e deslocavam-se pelos corredores
usando uniformes da El Al. Na verdade, eram agentes do Mossad a caminho
de Buenos Aires, para ajudar os colegas. Um deles era Yehuda Carmel, um
tipo careca com um nariz proeminente e um bigode fino. Não estava muito
contente por fazer aquela viagem. Sabia que tinha sido escolhido, não pelo
seu talento, mas pela sua aparência. Uns dias antes, fora chamado ao gabinete
do seu superior, onde viu duas fotos na secretária: uma sua e uma de um
homem que não conhecia. Eram muito parecidos. Quando lhe disseram que o
homem desconhecido era Adolf Eichmann, tremeu e ficou ainda mais
chocado por saber que fora escolhido para atuar como duplo de Eichmann. O
plano de Isser era levar Carmel à Argentina como membro da tripulação de
cabine da El Al, pegar no seu uniforme e nos documentos e depois usá-los
para fazer Eichmann entrar, sedado, no avião.
Isser também tinha preparado um plano B. Com a ajuda de um
intermediário, recrutou um jovem membro de um kibbutz, Meir Bar-Hon, que
estava de visita a familiares em Buenos Aires. Meir pediu-lhe que fosse ao
Bar Gloria, na Avenida Bartolome Mitre, onde o esperavam dois
homens: Isser e o Dr. Elian. Isser instruiu-o: “Quando voltares a casa dos teus
familiares, chama um médico e diz-lhe que tiveste um acidente de carro, e que
estás com tonturas, náuseas e fraqueza geral. O médico deverá concluir que
sofreste uma contusão e mandar-te para o hospital. A 19 de maio, de manhã,
dizes-lhe que te sentes muito melhor e pedes para ir para casa. Vão dar-te alta
e o hospital vai passar-te um papel que certifica que recebeste tratamento a
uma contusão.”
O Dr. Elian informou depois Meir de que sintomas específicos de
contusão devia queixar-se.
Meir saiu do Bar Gloria e cumpriu as instruções de Isser. Ficou
internado a gemer durante três dias num grande hospital de Buenos Aires. A
19 de maio, teve alta. Uma hora depois, Isser tinha na mão um documento
oficial do hospital, entregue a Meir Bar-Hon, que certificava que lhe tinham
dado alta depois de um acidente de carro.
Assim, se o plano de levar Eichmann para fora da Argentina como
membro da tripulação da El Al falhasse, Isser pô-lo-ia numa maca e certificar-
se-ia de que ele entrava no avião como Meir Bar-Hon, um doente ainda a
sofrer de uma contusão grave.

Dia 19 de maio.
Nessa tarde, o avião da El Al aterrissou em Buenos Aires. Havia
funcionários do protocolo do Ministério dos Negócios Estrangeiros, judeus
locais efusivos e crianças com pequenas bandeiras azuis e brancas de ambos
os lados do tapete vermelho estendido no corredor de chegadas.
Poucas horas depois, Isser conversou com o piloto, Zvi Tohar, e um
executivo da El Al e marcou a hora de decolagem: meia-noite de 20 de maio.
Isser descreveu os seus planos. Após uma curta discussão, concordou-
se levar a cabo o plano A: Eichmann seria levado a bordo como membro
doente da equipe. O seu duplo, Yehuda Carmel, já tinha entregado à equipe do
Mossad o seu uniforme e documentos em nome de Ze’ev Zichroni, navegador
da El Al. Shalom Danny, o mestre falsificador da equipe, manipulou os
documentos, para que eles se ajustassem como uma luva a Eichmann. Carmel
recebeu documentos novos e foi informado de que em breve sairia da
Argentina.
Nessa noite, houve uma atividade frenética na “Base”. Após uma
semana de espera tensa, os agentes do Mossad voltaram a ganhar vida.
Eichmann foi drogado e adormeceu. Os agentes desfizeram
meticulosamente a casa. Os vários instrumentos e dispositivos foram todos
desmontados, os pertences pessoais embalados e a casa completamente
restaurada ao seu estado anterior. A altas horas da madrugada, nada restava
que pudesse dar a menor impressão do papel que a vivenda tinha
desempenhado nos oito dias anteriores. Em todas as outras casas se fizeram
ações similares.

Dia 20 de maio.
Isser saiu pela última vez do hotel, chamou um táxi para a estação
ferroviária e guardou a bagagem. Depois, retomou a rotina dos cafés dos dias
precedentes. O pessoal da El Al foi o primeiro a contactá-lo e, juntos,
prepararam um horário pormenorizado.
Ao meio-dia, começou a derradeira fase. Isser pagou a conta no último
café que visitou, foi buscar a bagagem e rumou ao aeroporto, para
supervisionar a operação de fuga. Caminhou pelo terminal, à procura do
melhor lugar para instalar o seu posto de comando. Passeou-se pelas zonas de
lojas e compra de bilhetes e finalmente descobriu o bar dos empregados do
aeroporto. Na rua, fazia um frio de rachar e o bar estava cheio de funcionários
de atendimento ao público, pessoal de terra e pessoal de voo, todos em busca
de uma bebida quente ou uma refeição ligeira. Isser ficou encantado. Era o
lugar ideal. Ninguém repararia nele nem daria conta das consultas apressadas
e sussurradas com os seus homens. Isser esperou até uma cadeira ficar vazia e
foi dela que começou a supervisionar os últimos movimentos em solo
argentino.

“Olá! El Al!”

21h — N’“A Base”, estavam todos prontos. Eichmann foi lavado,


barbeado, vestido num uniforme da El Al, e foi-lhe posto no bolso uma
identificação em nome de Ze’ev Zichroni. O seu rosto estava tão bem
disfarçado que nem um filho o reconheceria. O médico e dois agentes também
vestiam uniformes da El Al. O médico administrou a Eichmann uma injeção
que, em vez de o pôr a dormir, lhe toldou os sentidos. Conseguia ouvir e ver, e
até caminhar, mas era incapaz de falar e entender inteiramente o que estava
acontecendo.
Aharoni, também trajando uniforme da El Al, pôs-se ao volante do
carro com um agente no banco de trás. Eichmann foi sentado no banco de
trás, entre o médico e outro agente do Mossad. O carro arrancou.
À mesma hora, outros dois carros partiam de um popular hotel no
centro da cidade. Esses, sim, transportavam a verdadeira tripulação da El Al.
A viagem para o aeroporto foi meticulosamente sincronizada com o progresso
dos veículos do Mossad.
Isser, no seu posto de comando improvisado, recebia atualizações
minuto a minuto. Ordenou que a bagagem dos seus agentes fosse trazida ao
aeroporto. Tinha preparado rotas de fuga individuais para todos, mas se o
plano principal corresse sobre rodas, poderiam deixar a Argentina juntos no
avião da El Al. Não muito longe de Isser, Shalom Danny bebericava uma
caneca fumegante de café. Quem passava não fazia ideia da lata daquele
passageiro: tinha montado o seu laboratório de falsificação à vista de todos, e
estava atarefado a alterar os passaportes dos agentes do Mossad, a pôr todos
os selos necessários e a escrever tudo o que lhes permitisse partir sem
problemas.
23h00 — Um homem juntou-se a Isser. Já chegaram todos os carros do
Mossad e da El Al, informou ele. Isser foi imediatamente ao parque de
estacionamento e verificou os carros da El Al. Os membros da tripulação
mantiveram-se em silêncio. Pressentiam que estavam a participar em algo
extraordinário, mas não faziam ideia do que era. Ouviram calmamente as
instruções de Isser e não fizeram perguntas. Isser espreitou para dentro do
terceiro carro, onde Eichmann dormia entre os dois escoltas. “Avancem”,
disse. “Boa sorte!”
Os três carros avançaram, enquanto Isser voltava ao terminal. A
pequena caravana de veículos chegou à barreira das linhas aéreas argentinas.
O avião israelense estava parado no lote delas. “Olá! El Al!”, exclamou
alegremente um dos israelenses. Os guardas reconheceram-no e, na verdade,
estavam habituados a ver os israelenses entrar e sair o dia inteiro do seu lote.
Deitaram uma vista de olhos cansada aos passageiros dos três veículos, todos
vestidos com uniformes da El Al. Em dois dos carros, os passageiros
cantavam, riam e conversavam animadamente, enquanto os do terceiro carro
tinham adormecido nos assentos.
A barreira foi levantada e os três carros seguiram para junto do avião.
Quando as portas se abriram, cerca de uma dúzia de homens de
uniforme deslocou-se em grupo pelo corredor de embarque. Eichmann
arrastava-se no meio, largamente escondido entre os outros. Seguravam-no
dois homens, que o ajudaram a subir as escadas e o puseram à janela, na zona
da primeira classe. O médico e a equipe de segurança espalharam-se pelos
lugares em volta dele e fingiram dormir. Se os oficiais de imigração
argentinos entrassem e verificassem os documentos de identificação de todos,
ser-lhes— ia dito que aqueles homens eram os responsáveis pelo segundo
turno e precisavam de descansar antes da fase seguinte do voo.
23h15 — Isser, ainda sentado no bar, ouviu o rugido característico dos
motores do Whispering Giant. O avião deslocou-se para o terminal e parou na
sua porta de embarque. Isser foi depressa à zona de partidas e olhou em volta.
Viu os seus homens espalhados pelos mais diversos sítios, com as bagagens a
seu lado. Isser caminhou entre eles e, ao aproximar-se de cada agente,
sussurrou: “Entrem no avião.” Estes começaram a caminhar
descontraidamente e juntaram-se à fila de controle dos passaportes. Todos
tinham os documentos prontos. E Shalom Danny fizera um belo trabalho com
eles.
23h45 — Depois de passar pela imigração e pela alfândega sem
problemas, o grupo atravessou a porta de embarque e caminhou para o avião.
Isser foi o último a pegar a bagagem, passar pelos controles e entrar no avião,
que começou quase imediatamente a deslocar-se para a pista.
0h00 — Noite de 20 para 21 de maio. O avião parou. A torre de
controle ordenou um compasso de espera. Os agentes ficaram tensos e
ansiosos. Teria acontecido alguma coisa? Teria a polícia argentina recebido
uma denúncia de última hora? Será que seriam ordenados a regressar?
Contudo, ao cabo de uns minutos de ansiedade terrível, o avião teve
autorização de partida. O Whispering Giant decolou sobre as águas prateadas
do Rio de la Plata.
Isser respirou de alívio.

“Tenho de informar o Knesset…”

Dia 22 de maio.
O avião aterrissou no aeroporto de Lod nas primeiras horas da manhã.
Às 9h50, Isser foi diretamente para Jerusalém. Yitzhak Navon,
secretário de Ben-Gurion, conduziu-o imediatamente ao gabinete do primeiro-
ministro.
Ben-Gurion ficou surpreso. “Quando chegou?”
“Há duas horas. Temos Eichmann.”
“Onde está ele?”, perguntou o Velho Homem.
“Aqui, em Israel. Adolf Eichmann está em Israel, e, se concordar, nos
o levaremos à polícia imediatamente.”
Ben-Gurion manteve-se em silêncio. Não explodiu em pranto, como
alguns jornalistas afirmaram mais tarde, nem desatou a rir triunfalmente,
como outros escreveram. Não abraçou Isser, nem mostrou emoção alguma.
“Tem certeza de que é Eichmann?”, perguntou. “Como o
identificaram?”
Isser respondeu que sim, surpreso. Descreveu a Ben-Gurion todos os
critérios pelos quais Eichmann fora identificado, e sublinhou que o próprio
prisioneiro tinha admitido ser Adolf Eichmann. Mas o Velho Homem não
ficou inteiramente satisfeito. Não basta, disse. Antes de poder autorizar novos
passos, queria que uma ou duas pessoas que tivessem conhecido Eichmann o
visitassem e identificassem formalmente. Precisava da certezas absolutas, e
não diria uma palavra sobre aquilo ao governo até que a tivesse.
Isser telefonou para seu escritório e ordenou ao pessoal que
descobrisse duas pessoas que pudessem identificar pessoalmente Eichmann.
Logo localizaram dois israelenses que tinham conhecido Eichmann. Foram
levados à cela onde estava o prisioneiro, falaram com ele e identificaram-no
formalmente.
Ao meio-dia, um enviado israelense irrompeu num restaurante de
Frankfurt e foi direto a uma das mesas, onde um homem de cabelo grisalho,
visivelmente nervoso e tenso, estava sentado sozinho. “Herr Bauer”, disse o
israelense, “temos Adolf Eichmann. Nossos homens o capturaram e levaram
para Israel. A qualquer momento haverá uma declaração do primeiro-ministro
no Knesset.”
Bauer, pálido e profundamente emocionado, pôs-se de pé. Tinha as
mãos trêmulas. O homem que dera à Mossad o endereço de Eichmann na
Argentina, o homem sem o qual, muito provavelmente, Eichmann nunca seria
descoberto, não conseguiu se conter. Explodiu em choro, agarrou o ombro do
israelense, abraçou-o e beijou-o.
16h — Na sessão plenária do Knesset, Ben-Gurion subiu ao palanque
do orador. Leu uma declaração curta com voz firme e clara: “Tenho a
informar ao Knesset que os serviços de segurança de Israel acabam de pôr a
mão num dos maiores criminosos nazistas de todos os tempos, Adolf
Eichmann, responsável, com outros líderes nazistas, pela chamada “Solução
Final”, ou seja, pelo extermínio de seis milhões de judeus europeus.
Eichmann está presentemente detido aqui, em Israel. Será em breve levado a
julgamento, em Israel, de acordo com a lei relativa aos crimes nazistas e seus
colaboradores.”
As palavras de Ben-Gurion foram recebidas com choque e admiração,
que se transformaram num aplauso enorme e espontâneo. O espanto e a
admiração espalharam-se pelo Knesset e por todo o mundo. No final da
sessão do Knesset, um homem levantou-se de um lugar atrás da bancada do
Governo. Poucos lhe conheciam o rosto ou o nome. Era Isser Harel.
O julgamento de Adolf Eichmann começou a 11 de abril de 1961, em
Jerusalém. A acusação apresentou 110 sobreviventes do Holocausto como
testemunhas. Algumas nunca tinham falado do seu passado, e contaram pela
primeira vez as suas histórias de horror. Foi como se todo o Estado de Israel
se colasse ao rádio e seguisse com grande dor e terror a história pavorosa que
emergia dos testemunhos. E como se todo o povo judeu se identificasse com o
procurador, Gideon Hausner, que confrontou o criminoso nazista como
representante dos seus seis milhões de vítimas.
A 15 de dezembro de 1961, Eichmann foi condenado à morte. O seu
recurso foi rejeitado pelo Supremo Tribunal e o perdão recusado pelo
presidente Yitzhak Ben-Zvi. A 31 de maio de 1962, Adolf Eichmann foi
informado de que o fim era iminente. Na cela, o condenado escreveu algumas
cartas à família e bebeu meia garrafa de vinho tinto Carmel. Por volta da
meia-noite, o reverendo Hull, pastor não-conformista, entrou na cela de
Eichmann, como tinha feito noutras ocasiões. “Hoje, não vou discutir a Bíblia
consigo”, disse-lhe Eichmann. “Não tenho tempo a perder.”
O pastor saiu, mas depois entrou um visitante inesperado na cela de
Eichmann. Rafi Eitan.
O sequestror parou de frente para o condenado vestido com um
uniforme castanho-claro. Eitan não disse uma palavra. Eichmann olhou para
ele e disse em alemão: “Espero que a tua vez chegue depois da minha.”
Os guardas levaram Eichmann para uma pequena divisão convertida
em sala de execução. O prisioneiro foi posicionado sobre um alçapão e
passaram-lhe um laço pelo pescoço. Um pequeno grupo de oficiais,
jornalistas e um médico, todos com permissão para presenciar a execução,
ouviu suas últimas palavras, ditas em conformidade com a tradição
nazista: “Voltaremos a nos encontrar […]. Vivi acreditando em Deus […].
Obedeci às leis da guerra e fui leal à minha bandeira […].”
Dois policiais atrás de um biombo apertaram simultaneamente dois
botões, dos quais apenas um acionava o alçapão. Nenhum sabia qual era o
botão de controle, para que o nome do carrasco de Eichmann se mantivesse
desconhecido. Eitan não viu a execução, mas ouviu o baque do alçapão.
O corpo de Eichmann foi incinerado num forno de alumínio no pátio
da prisão. “Viu-se fumaça negra subindo para o céu”, escreveu um jornalista
americano. “Ninguém disse uma palavra, mas foi impossível não recordar os
crematórios de Auschwitz…”
Pouco antes do amanhecer do dia 1º de junho de 1962, um navio
rápido da guarda costeira de Israel atravessou a fronteira das águas territoriais
israelenses. O motor foi desligado e enquanto o barco andava silenciosamente
à deriva, um policial jogou as cinzas de Eichmann no Mediterrâneo.
O vento e as ondas dispersaram os restos do homem que, 20 anos
antes, declarara alegremente: “Saltarei à gargalhada para o túmulo, feliz por
ter exterminado seis milhões de judeus.”
No leito da mãe moribunda, Zvi Malkin pensou na família massacrada,
na irmã Fruma e nos filhos pequenos dela, mortos no Holocausto. Inclinou-se
sobre a mãe e murmurou: “Mãe, peguei Eichmann. Eruma foi vingada.”
“Eu sabia que você não esqueceria sua irmã”, sussurrou a moribunda.
7. ONDE ESTÁ YOSSELE?

Enquanto Isser, os seus agentes e o prisioneiro Eichmann esperavam


nas suas casas de segurança em Buenos Aires pela chegada do Britannia de
Tel Aviv, o ramsad estava a braços com outro projeto. Isser decidira investigar
os rumores de que havia outro criminoso nazista escondido na cidade.
Tratava-se do Dr. Josef Mengele, o Anjo da Morte, o médico monstruoso que
recebia os trens de judeus na plataforma de Auschwitz e mandava com
indiferença os saudáveis trabalhar e os mais fracos, as mulheres, as crianças e
os velhos para as câmaras de gás. Mengele tornara-se um símbolo da
crueldade e insanidade do Terceiro Reich. Desaparecera depois da guerra,
muito possivelmente para a Argentina.
Mengele vinha de uma família abastada. Agora que vivia escondido,
ela continuava a sustentá-lo, canalizando grandes somas de dinheiro. O
caminho do dinheiro, seguido por agentes do Mossad, conduzia a Buenos
Aires; contudo, até então, todos os esforços para descobrir Mengele tinham
fracassado.
Contudo, os israelenses tiveram um golpe de sorte. Em maio de 1960,
pouco antes de o Britannia aterrissar em Buenos Aires, os agentes de Isser
descobriram o endereço de Mengele. Vivia em Buenos Aires com o nome
verdadeiro! Aparentemente, tinha a certeza de estar bem protegido. Isser
enviou o seu melhor investigador, Zvi Aharoni, verificar o endereço, mas
Mengele não estava em casa. Os vizinhos disseram a Aharoni que o casal
Mengele tinha saído por uns dias, mas que regressaria em breve.
Entusiasmado, Isser convocou Rafi Eitan. “Vamos observá-lo e segui-
lo”, disse-lhe. “Quando o Mengele voltar, raptamo-lo também e levamo-lo
para Israel com o Eichmann.”
Rafi recusou. Disse que a “Operação Eichmann” era muito
complexa; “capturamos um e temos todas as hipóteses de o conseguir pôr no
avião e levar para Israel”. Outra operação para a captura de um segundo
homem aumentaria tremendamente os riscos. Seria um enorme erro.
Isser cedeu, mas Rafi fez-lhe uma proposta alternativa: “Se levarem
Eichmann para Israel e mantiverem a captura dele em segredo durante uma
semana, eu levo Mengele.”
“Como vai fazer isso?”, perguntou Isser.
“Ainda temos algumas casas de segurança em Buenos Aires da
“Operação Eichmann”, que ninguém conhece. Podemos mantê-las. Quando
decolarem com Eichmann, a caminho de Israel, eu estarei voando com Zvi
Malkin e Avraham Shalom para um país vizinho. Vocês chegam a Israel e
mantêm a captura do Eichmann em segredo; ninguém saberá que
conseguimos, e ninguém estará a nossa procura. Nessa hora, voltamos a
Buenos Aires, pegamos Mengele e o mantemos numa das nossas casas. Ao
fim de uns dias, levamos para Israel.”
Isser concordou. Quando o Britannia, com Eichmann a bordo, levantou
voo para Israel, Eitan, Shalom e Malkin voaram para Santiago, a capital do
vizinho Chile. Tencionavam regressar a Buenos Aires após um ou dois dias,
se a captura de Eichmann fosse mantida em segredo, e lançar a “Operação
Mengele”.
Contudo, na manhã seguinte, a impresa mundial anunciou nas
primeiras páginas que os israelenses tinham capturado Eichmann na
Argentina. Estava fora de questão que alguns dos melhores agentes do
Mossad voltassem ao país e concretizassem outro sequestro. Rafi e os amigos
tiveram de abandonar o projeto e voltar a Israel.
Isser Harel disse mais tarde a Rafi que pedira a Ben-Gurion para
manter o sequestro de Eichmann em segredo por uma semana, mas o Velho
Homem se recusara a fazê-lo. “Já há pessoas demais que sabem”, teria dito
Ben-Gurion a Isser. “Não vamos conseguir manter o segredo por mais tempo.
Decidi informar o Knesset da captura dele ainda esta tarde.”
A captura de Eichmann foi anunciada — e Israel perdeu a
oportunidade de levar a julgamento um dos criminosos mais sádicos da
História.
Pouco depois do sequestro de Eichmann, Mengele sentiu o chão que
pisava começar a ferver. Mudou-se para o Paraguai e desapareceu, até morrer
de ataque cardíaco, quase 20 anos depois, em fevereiro de 1979.
No início de março de 1962, Isser Harel foi chamado por Ben-Gurion.
O Velho Homem recebeu-o calorosamente e discutiu com ele vários assuntos.
“Que será que ele quer?”, perguntou-se Isser. Conhecia Ben-Gurion
bem e tinha a certeza de que ele não o convidara para uma conversa de
circunstância. Os dois homens gostavam um do outro e eram algo parecidos.
Eram ambos baixos, teimosos e decididos, líderes natos, dedicados à
segurança de Israel. Nenhum dos dois estava habituado a perder tempo e
palavras. Desde a captura de Eichmann, tinham-se aproximado ainda mais.
Subitamente, no meio da conversa, Ben-Gurion virou-se para Isser:
“Diga-me uma coisa: consegue encontrar a criança?”
Não disse de que criança se tratava, mas Isser entendeu imediatamente.
Nos dois anos anteriores, havia um assunto que emergia
constantemente em Israel, saído das primeiras páginas dos jornais, gritado do
palanque do Knesset, e lançado furiosamente por jovens seculares contra os
judeus ultraortodoxos: “Onde está o Yossele?”
Yossele era Yossele Schuchmacher, um menino de oito anos da cidade
de Holon que fora raptado por judeus ultraortodoxos, chefiados pelo seu
próprio avô. O velho hassídico queria educar Yossele segundo a tradição
ultraortodoxa, e tirara a criança aos pais. Desde então, o menino desaparecera
sem deixar rastro. A cada dia que passava, a disputa em volta da criança
crescia, de um assunto de família para um escândalo nacional e uma
confrontação progressivamente violenta entre os judeus seculares e os judeus
ultraortodoxos. Havia quem receasse a erupção de uma guerra civil que
dividisse a nação. Ben-Gurion voltou-se para Isser, como último recurso.
“Tentarei, se assim quiser”, respondeu Isser. Regressou ao seu gabinete
e mandou abrir um arquivo operacional. Chamou-lhe “Operação Cria de
Tigre”.
Yossele era uma criança bem-parecida e vivaz. O seu único erro,
aparentemente, era ter escolhido mal os pais. Assim julgava o avô, Nahman
Shtarkes. O velho Shtarkes, esquelético, barbudo, de óculos, era um hassídico
fanático, um homem duro e teimoso. Ninguém o conseguira dobrar, nem os
brutamontes do KGB, nem os campos de trabalho soviéticos, na Sibéria
gelada, onde passara parte da Segunda Guerra Mundial. Na Sibéria, perdera
um olho e três dedos, devido às queimaduras provocadas pelo frio, mas o seu
moral permaneceu intacto. As vicissitudes por que passara só alimentaram o
seu ódio aos soviéticos, que atingiu o auge em 1951, quando um grupo de
rufias esfaqueou e matou um dos filhos.
Encontrou consolo nos outros dois filhos, Shalom e Ovadia, e na filha,
Ida, que era casada com um alfaiate.
O jovem casal viveu durante algum tempo na velha casa de Shtarkes
em Lvov, onde se tinham instalado depois de vaguearam pela Rússia e pela
Polônia. Lá, em 1953, nasceu o segundo filho da família
Schuchmacher, Yossele.
O menino tinha quatro anos quando emigrou para Israel com os pais. O
avô e a avó Shtarkes e um dos filhos, Shalom, tinham chegado a Israel uns
meses antes. Nahman Shtarkes, membro da seita hassídica de Breslau,
estabeleceu-se em Mea Shearim, o setor ultraortodoxo de Jerusalém. Era
outro mundo, um mundo de homens vestidos com sobretudos ou cafetões de
seda negros e compridos, chapéus negros ou chapéus de pelo, barbas
frondosas e longas patilhas; de mulheres com vestidos empertigados
compridos, de cabelo coberto com perucas ou lenços; um mundo de yeshivas,
sinagogas, cortes de rabinos famosos. Shalom juntou-se a uma yeshiva; o seu
irmão Ovadia mudou-se para Inglaterra.
Ida e Alter Schuchmacher instalaram-se em Holon. Finalmente, Alter
arranjou emprego numa fábrica têxtil nos arrabaldes de Tel Aviv e Ida foi
contratada por um fotógrafo. Compraram um pequeno apartamento e viviam
com dificuldades. Acabaram enormemente endividados. Para conseguirem
pagar as contas, mandaram a filha, Zina, para uma instituição religiosa em
K’far Habad, e confiaram Yossele aos avós.
Ida e Alter Schuchmacher passaram por duras necessidades e
escreveram a amigos na Rússia que talvez não devessem ter ido para Israel.
Algumas das respostas às queixas do casal chegaram às mãos do velho
Nahman Shtarkes.
Este concluiu que os Schuchmachers tencionavam regressar à Rússia
com os filhos. A ferver de raiva, Nahman Shtarkes decidiu não devolver
Yossele aos pais.
Porém, no final de 1959, a situação econômica dos Schuchmachers
tinha melhorado. Viviam melhor e decidiram reunir a família. Em dezembro,
Ida foi a Jerusalém buscar o filho, mas nem Yossele nem o avô estavam em
casa.
“Amanhã o teu irmão Shalom leva-te o menino”, disse a mãe de
Ida. “Agora, está com o avô na sinagoga e não deves incomodá-los.”
No dia seguinte, porém, Shalom chegou a Holon sozinho e disse à irmã
que o pai decidira não devolver Yossele. A consternada Ida correu para
Jerusalém com o marido. Passaram o fim de semana na casa de Shtarkes, e
dessa vez Yossele estava lá. Ao fim da tarde de sábado, quando se
preparavam para sair com a criança, a mãe de Ida objetou: “Está muito frio lá
fora”, disse. “Deixem o menino dormir aqui e amanhã eu vou entregá-lo.”
Os pais concordaram. Ida beijou o filho, que se enrolou na cama, e foi
embora na companhia do marido. Mal ela sabia que se passariam anos até que
voltasse a ver o filho.
No dia seguinte, nem Yossele nem a avó apareceram em Holon. Mais
uma vez, Ida e Alter puseram-se a caminho de Jerusalém. Mas em vão. A
criança tinha desaparecido e o velho Shtarkes recusou-se abertamente a
devolvê-la, a despeito das lágrimas de Ida. O filho tinha desaparecido.
Após mais algumas viagens, Ida e Alter perceberam que o velhote não
lhes devolveria o filho nem revelaria o seu paradeiro. Em janeiro de 1960,
decidiram pedir ajuda à justiça. Apresentaram queixa contra Nahman
Shtarkes no tribunal rabínico de Tel Aviv. Shtarkes não respondeu. E o
pesadelo começou….
Dia 15 de janeiro — O Supremo Tribunal de Israel ordena a Nahman
Shtarkes que entregue a criança aos pais dentro dos 30 dias seguintes e
convoca-o para tribunal. Este responde passados dois dias: “Não posso
comparecer, devido à minha débil saúde.”
Dia 17 de fevereiro — A família apresenta queixa na polícia e pede
que Nahman Shtarkes seja preso e mantido sob custódia até devolver o
menino.
O Supremo Tribunal ordena à polícia que procure a criança. Passados
10 dias, a polícia abre um arquivo em nome de Yossele e dá início à busca.
Dia 7 de abril — A polícia não consegue encontrar vestígios do rapaz e
pede ao Supremo Tribunal para ser dispensada da procura.
Dia 12 de maio — O Supremo Tribunal ordena, indignado, que a
polícia continue a busca e que Nahman Shtarkes seja finalmente preso. Este é
detido no dia seguinte.
Porém, se alguém estava à espera de que uns dias na prisão
persuadissem o velho Shtarkes a desistir, estava bem enganado. O duro
velhote não disse uma única palavra.
Tornou-se rapidamente evidente que Shtarkes não tinha escondido a
criança sozinho e que fora ajudado por uma rede de judeus ultraortodoxos que
tinham enganado a polícia. Estavam todos empenhados numa missão
sacrossanta: frustrar o plano pérfido de levar a criança para a Rússia e
convertê-la ao cristianismo (pelo menos era isso que Shtarkes lhes contara).
Até o rabino Frank, rabino máximo de Jerusalém, publicou um decreto
de apoio ao velho Shtarkes exortando a comunidade ortodoxa a ajudá-lo da
maneira que pudesse.
A questão surgiu na agenda do Knesset em maio de 1960 e a imprensa
adorou o assunto. Os primeiros a perceberem as implicações profundas da
matéria foram os representantes dos partidos religiosos. Shlomo Lorenz,
membro do Knesset, sentiu que o sequestro da criança podia desencadear uma
guerra religiosa em Israel. Ofereceu-se como intermediário entre Shtarkes e a
família Schuchmacher. Levou a Shtarkes, ainda na cadeia, o esboço de um
acordo em que os pais prometiam dar uma educação ortodoxa ao filho.
Shtarkes concordou em assinar o papel com uma condição: que o
rabino Meizish, um dos rabinos mais fanáticos de Jerusalém, o ordenasse a
fazê-lo.
Lorenz correu para Jerusalém e encontrou-se com o rabino. Meizish
deu a entender a Lorenz que daria consentimento à assinatura do acordo, na
condição de os sequestrores não serem perseguidos pela justiça.
Lorenz dirigiu-se então ao chefe de polícia, Joseph Nahmias.
“Concordo”, disse Nahmias. “Leve o meu carro e traga o menino. O senhor
tem imunidade parlamentar, e ninguém seguiria o meu carro, de qualquer
forma, por isso as pessoas envolvidas permanecerão anônimas.”
Lorenz regressou, feliz da vida, ao rabino Meizish, mas este mudara de
ideia. Lorenz voltou à estaca zero. Sabia que a criança estava provavelmente
escondida numa das comunidades religiosas, escolas talmúdicas ou aldeias
ortodoxas. Mas todas elas se protegiam com uma parede de silêncio.
Descobrir a criança ali seria uma missão impossível.
A 12 de abril de 1961, Nahman Shtarkes foi libertado da cadeia, “por
razões de saúde”, depois de ter prometido tentar encontrar a criança. Porém,
não cumpriu a promessa, e o Supremo Tribunal mandou prendê-lo
novamente, declarando que o sequestro era um “crime chocante e
desprezível”.
Em agosto de 1961, foi criado um Comitê Nacional para o Regresso de
Yossele, que começou a distribuir panfletos, a organizar reuniões públicas e a
alertar a imprensa. Milhares de pessoas assinaram as petições. No horizonte,
pairava a sombra sinistra de uma guerra cultural.
Em agosto de 1961, a polícia invadiu a aldeia hassídica de Komemiut e
descobriu que o pássaro lhe fugira entre as mãos. Yossele estivera escondido
na aldeia um ano e meio antes, em dezembro de 1959, quando o tio Shalom o
tinha levado para casa de um tal Zalman Kot. A criança estivera escondida
com o nome de “Israel Hazak”.
Entretanto, porém, a criança fora levada para outro lugar e Shalom
Shtarkes deixara o país e instalara-se na comunidade hassídica de Golders
Green, em Londres. A pedido da polícia israelense, Shtarkes foi preso pelos
ingleses. Quando o seu primeiro filho, Kalman, nasceu, a família levou o bebé
à prisão, onde o ritual de circuncisão foi levado a cabo.
Contudo, Yossele desaparecera sem deixar rastro. Algumas pessoas
achavam que tinha sido levado para fora do país, outras que tinha adoecido e
morrido. A polícia tornou-se alvo de chacota. Irromperam conflitos violentos
entre judeus seculares e judeus ortodoxos. Alunos de yeshivas eram
apanhados e agredidos na rua por transeuntes. Jovens seculares
atormentavam jovens ortodoxos com gritos de “Onde está o Yossele?”.
A fúria do público israelense chegou a um ponto de ebulição. O
Knesset foi sacudido por debates acessos.
Foi então que Ben-Gurion chamou Isser.
Quando concordou tomar a seu cargo a busca de Yossele, Isser Harel
não imaginava estar a aceitar a missão mais difícil e complicada da sua
carreira.
Nunca discutia assuntos operacionais com a mulher, Rivka, mas desta
vez disse-lhe: “Está em causa a autoridade do Governo.” Avraham Shalom,
um dos seus melhores agentes, tinha uma opinião diferente: “Isser quis provar
que conseguia fazer o que a polícia não conseguia.”
A polícia ficou mais do que contente por se ver livre da tarefa
indesejada.
Joseph Nahmias, chefe da polícia, perguntou a Isser: “Acredita mesmo
que é possível encontrar a criança?” Amos Manor, diretor do Shabak e
colaborador próximo de Isser, opunha-se a todo o projeto e tinha o apoio de
muitos dos funcionários superiores do Mossad e do Shabak. Todos
acreditavam que os seus deveres não incluíam aquela tarefa. Trabalhavam
para a segurança de Israel, não para andar a procurar um menino em escolas
hassídicas. Ao contrário de Isser, não julgavam que os serviços secretos
existissem para preservar a reputação do Estado judeu. Porém, assim que Isser
tomou a decisão, não a contestaram. A autoridade dele era absoluta.
Isser e os seus assistentes criaram uma força de ação com cerca de 40
agentes — os melhores investigadores do Shabak, membros da equipe de
operações, agentes religiosos ou pessoas que se faziam passar como tal, e até
civis que se voluntariaram para a operação. A maioria dos voluntários eram
membros da comunidade ortodoxa que perceberam o perigo que o sequestro
de Yossele constituía para a nação. Porém, as suas primeiras operações
acabaram num rotundo fracasso. Tentaram desastradamente penetrar nos
bastiões ultraortodoxos e foram imediatamente reconhecidos, gozados e
rejeitados. “Era como se eu tivesse aterrado em Marte”, disse um dos agentes
de Isser, “e fosse obrigado a misturar-me com uma multidão de homenzinhos
verdes sem dar nas vistas.”
Isser estudou pacientemente o arquivo, lendo e relendo cada
documento.
Não havia rastro de Yossele em parte nenhuma de Israel. Isser chegou
finalmente a uma conclusão: a criança tinha sido levada do país.
Mas levada do país para onde? A atenção de Isser foi despertada por
uma notícia peculiar. A meio de março de 1962, um grande grupo de judeus
hassídicos viajou da Suíça para Israel. Vieram inúmeros homens, mulheres e
crianças acompanhar o caixão do seu estimado rabino e enterrá-lo na Terra
Santa. Isser desconfiou de que o funeral fosse apenas uma desculpa para fazer
sair Yossele do país, quando o grupo voltasse à Suíça umas semanas depois.
Isser colocou homens no aeroporto e enviou para Zurique uma pequena
equipe chefiada por Avraham Shalom, para que seguissem os hassídicos
quando estes chegassem. Os agentes do Mossad chegaram a visitar o colégio
interno das crianças e entraram muitas vezes no pátio, de noite, para espreitar
pelas janelas e escrutinar todas as crianças. “Chegamos a uma yeshiva no
meio da floresta”, recorda Shalom. “Espreitamos às janelas; sabíamos que ele
podia estar disfarçado, mas procuramos um menino da mesma idade.” Depois
de uma semana de aventuras noturnas, Shalom teve de informar Isser de que
Yossele não estava seguramente entre as crianças suíças.
Isser decidiu tomar o comando da operação. Confiou todos os assuntos
pendentes aos seus assistentes, instalou-se num quartel-general improvisado
em Paris e enviou os seus homens para todos os cantos do mundo. Estes
fizeram investigações na França, Itália, Suíça, Bélgica, Inglaterra, América do
Sul, Estados Unidos e Norte de África. Usando diferentes disfarces, tentaram
penetrar em comunidades e yeshivas ortodoxas, para que pudessem listar os
centros onde a criança podia estar escondida. Um jovem judeu ortodoxo de
Jerusalém chegou à famosa yeshiva do rabino Soloweichik, na Suíça,
fazendo-se passar por um aluno ansioso por estudar a Tora com o renomado
mestre. Uma religiosa modesta, pia e devota chegou a Londres, levando
consigo cartas calorosas de recomendação da sogra de Shalom Shtarkes, cuja
confiança conseguira conquistar. Foi convidada pela família Shtarkes a ficar
com ela, como sua hóspede. O que a família não sabia era que a mulher era
Yehudith Nissiyahu, a melhor agente de Isser e participante no sequestro de
Eichmann.
Yehudith não era a única agente do Mossad trabalhando em Londres
naquele tempo. Londres era um importante centro de hassídicos
ultraortodoxos da seita Satmar (o nome vem da aldeia romena Satu Mare,
onde a seita teve origem). Isser mandou outra equipe de agentes para os
bairros residenciais da seita em Londres. Outra equipe foi enviada para a
Irlanda. Durante as operações em Inglaterra, os homens de Isser tinham
descoberto um jovem casal religioso que arrendara subitamente uma casa
isolada na Irlanda. Os agentes do Mossad calcularam que o casal se serviria
da casa como novo esconderijo para Yossele e prepararam um plano
pormenorizado para capturar a criança. Não perderam tempo a alugar
apartamentos e carros, a contrabandear equipamento e a preparar documentos
falsos. A operação foi planejada ao mais ínfimo pormenor.
E depois começaram os fracassos.
A primeira equipe a regressar a casa cheia de frustrações foi a da
Irlanda.
Afinal, o “casal religioso” era mesmo um casal religioso. Tinham pura
e simplesmente decidido tirar férias na Irlanda. Yehudit Nissiyahu também foi
incapaz de obter informações da família Shtarkes, e o jovem que foi estudar
as Sagradas Escrituras na Suíça regressou iluminado, mas de mãos vazias.
De todo o mundo chegavam respostas negativas ao quartel-general de
Isser.
A criança tinha desaparecido.
O pior destino foi o que aguardou a equipe que tentara penetrar na
comunidade hassídica da Satmar em Londres. Alguns estudantes jovens e
perspicazes da yeshiva no bairro de Stamford Hill descobriram
imediatamente quem eram os visitantes não convidados e confrontaram-nos,
gritando: “Vêm aí os sionistas! Venham, o Yossele está aqui!” Chegaram a
chamar a polícia londrina. Os assistentes de Isser tiveram de se esmerar para
libertar os colegas da prisão de Sua Majestade.
Um após outro, os apoiantes mais aguerridos de Isser perderam a
esperança. Disseram-lhe: “Isser, não vai funcionar. Desiste da busca. Estás à
procura de uma agulha num palheiro. Não vamos encontrar o menino.”
Mas Isser não desistiu. Teimoso como um mula, afastou todas as
dúvidas e queixas e continuou, obcecado pela procura e confiante de que
descobriria a criança, por mais ínfimas que fossem as probabilidades.
Ainda em Paris, convocou Yaacov Caroz, diretor da célula local do
Mossad. Caroz, nascido na Romênia, perdera os pais no Holocausto e
envolvera-se em assuntos de espionagem e segurança desde que estudara na
Universidade Hebraica de Jerusalém. Esguio, com uma testa larga, traços
delicados e óculos, Caroz parecia claramente um intelectual. Tinha sido
antigo diretor do Tevel (“Universo”), o departamento do Mossad responsável
pelas relações secretas com serviços de informações estrangeiros, e forjara
algumas das mais secretas e incríveis alianças de Israel. Tinha ajudado a
construir um “pacto periférico” entre Israel e o Irã, a Etiópia, a Turquia e até o
Sudão; tinha estabelecido uma cooperação próxima com os chefes dos
serviços secretos franceses, britânicos e alemães; conseguira uma aliança com
o formidável general Oufkir, o temido ministro do Interior de Marrocos, e
visitava em segredo o rei Hassan; havia mesmo ajudado o imperador etíope,
Haile Selassie, a esmagar uma tentativa de golpe dos seus ajudantes mais
próximos. Durante uma missão clandestina na Argélia, Caroz tinha-se
apaixonado por uma jovem chamada Juliette (Yael), que se tornara sua
mulher. Caroz, delicado e aparentemente educado, era um espião brilhante
com fato e gravata que nunca atuara como agente de campo; porém, a sua
qualidade de homem mundano que falava fluentemente francês e inglês
tornava-o uma mais-valia para Isser.
Isser trabalhava incessantemente. Alugara um quarto de hotel, mas
passava a maior parte dos seus dias e noites no apartamento que tinha
transformado no seu quartel-general de operações. Os assistentes
compraram-lhe uma cama desdobrável (“a cama do Yossele”, como lhe
chamavam) e, de vez em quando, Isser caia sobre ela para sestas curtas. Foi
assim durante vários meses. A maior parte do tempo era ocupada a estudar
relatórios, escrever telegramas e falar com os seus homens, dispersos por toda
a Europa. De madrugada, Isser saía do escritório e ia ao hotel, onde tomava
banho e se refrescava antes de voltar ao trabalho. Na primeira noite em que
voltou ao hotel às primeiras horas do dia, o porteiro lançou-lhe um sorriso
apreciativo. Aquele cavalheiro baixinho, pelos vistos, tirara o máximo partido
da vida noturna de Paris. Na segunda noite, o porteiro permitiu-se lançar uma
amigável piscadela de olho ao cavalheiro. Mas quando as aventuras noturnas
continuaram durante uma terceira, uma quarta e uma quinta noites, o porteiro
não se conseguiu conter mais. Quando Isser voltou, ao nascer do dia, com os
olhos vermelhos por privação de sono, a barba por fazer e a roupa amarrotada,
o porteiro tirou o chapéu, num gesto teatral, fez uma vênia e declarou: “Tem o
meu respeito, monsieur.”
E então, numa manhã de abril, os agentes do Mossad receberam uma
informação curiosa. Fora remetida por um jovem judeu ortodoxo chamado
Meir, enviado para Antuérpia. Conhecera lá um grupo de mercadores
religiosos de diamantes que dedicavam grande respeito ao velho rabino
Itzikel, considerado um homem sagrado. Quando queriam resolver as suas
querelas de negócios, não procuravam a ajuda dos tribunais estatais, antes
pedindo ao rabino que fosse seu mediador e juiz — frequentemente em
negócios de muitos milhões. A palavra dele era lei. Até na Europa moderna
este grupo observava os costumes dos tempos antigos.
Meir conseguiu penetrar no círculo de seguidores do rabino e descobrir
que, durante a Segunda Guerra Mundial, tinham funcionado como grupo de
resistência antinazi e salvado muitos judeus da Gestapo. Depois da guerra, o
grupo continuou a usar os mesmos métodos e a servir-se da experiência
adquirida como organização clandestina, para se dedicar a aventuras
comerciais em todo o mundo. Os mercadores de diamantes contaram a Meir
uma história extraordinária sobre uma francesa loura de olhos azuis, católica,
que pertencera à sua organização durante a guerra e os ajudara a salvar judeus
das garras de Hitler. A mulher tinha sido profundamente influenciada pelo
carisma do rabino, pelo que se converteu ao judaísmo e se tornou uma
ortodoxa devota e, sobretudo, uma mais-valia de valor incalculável para o
grupo. Os seus anos na clandestinidade tinham-lhe ensinado muita coisa; era
esperta, corajosa e sabia como encobrir rastros, disfarçar-se e usar o seu
charme natural como arma. Além disso, tinha um jeito instintivo para os
negócios e uma inteligência nata. Tinha percorrido o mundo em missões para
o grupo de Antuérpia com o seu passaporte francês. “É uma mulher santa”,
contaram os judeus de Antuérpia a Meir. Contaram-lhe ainda que ela já tinha
visitado Israel, que o filho do seu primeiro casamento, chamado Claude,
também se tinha convertido e, depois de estudar em yeshivas na Suíça e em
Aix-les-Bains, era agora aluno de uma escola talmúdica em Jerusalém. Mas
nem mesmo as pessoas de Antuérpia sabiam o paradeiro atual da fabulosa
mulher santa.
A história despertou a imaginação de Isser. À primeira vista, não havia
nada no relatório que ligasse a francesa a Yossele. Mas, para Isser, a mulher
parecia uma pessoa com enorme potencial, uma mulher de mil caras. Podia
ser uma dádiva dos céus para os líderes ortodoxos, se precisassem de alguém
para cumprir missões secretas relacionadas com Yossele.
Isser decidiu seguir o instinto, abandonar todas as outras pistas e
concentrar-se na misteriosa convertida. Telegrafou para Israel todos os
pormenores que conhecia e instruiu o serviço a encontrar o filho e a mãe.
Poucos dias depois, chegou a resposta. O filho chamava-se agora Ariel
e estava realmente em Israel. Contudo, ninguém sabia onde parava a mãe. O
seu nome de nascimento era Madeleine Ferraille. Em Israel, era conhecida
como Ruth Ben-David.
Os relatórios que chegaram ao quartel-general de Isser pintaram um
perfil mais preciso de Madeleine Ferraille. A bela jovem tinha estudado
História e Geografia na Universidade de Toulouse e na Sorbonne, em Paris.
Tinha-se casado com o namorado da faculdade, Henri, e o filho nascera pouco
depois da deflagração da Segunda Guerra Mundial. Madeleine juntou-se aos
Maquis durante a guerra, e as suas atividades clandestinas levaram-na a entrar
em contato com judeus franceses e belgas, entre os quais o grupo de
Antuérpia.
No final da guerra, acabou por iniciar umas aventuras conjuntas de
importação e exportação com alguns deles.
Em 1951, divorciou-se de Henri, depois de se apaixonar por um jovem
rabino numa pequena cidade alsaciana. O rabino, um sionista fervoroso, quis
emigrar para Israel, e os dois amantes decidiram casar-se lá. A conversão dela
ao judaísmo deveu-se, portanto, não tanto ao amor que sentia pela religião
propriamente dita, mas mais ao amor que sentia por um dos seus crentes. Ruth
Ben-David, recém-convertida, atou o cabelo louro com um lenço, trocou as
suas roupas elegantes pelos trajes sem forma de uma judia ortodoxa e seguiu
o noivo para a Terra Santa. Porém, em Israel, o romance azedou; o rabino
deixou-a e ela ficou sozinha, deprimida e frustrada. A sua crise pessoal, ao
que parece, motivou-a a aproximar-se dos círculos mais extremistas em
Jerusalém e do seu líder, o rabino Meizish. Ruth conquistou muito respeito
nos círculos religiosos depois de usar o passaporte francês para entrar no setor
jordaniano de Jerusalém e rezar no Muro das Lamentações.
No início da década de 1950, Ruth regressou a França e recomeçou a
fazer longas viagens. Os agentes do Mossad descobriram que ficava muitas
vezes em Aix-les-Bains, ou numa instituição de religiosas próxima de Paris.
Porém, não tinha endereço permanente.
As autoridades de imigração informaram os homens de Isser de que,
nos últimos anos, Ruth visitara Israel por duas vezes. Na segunda, a 21 de
junho de 1960, saíra de Israel com uma menina, cujo passaporte dizia ser sua
filha.
Tinha saído do país num voo da Alitalia e o seu destino final fora
Zurique.
Mas quem era a menina? Ruth Ben-David não tinha filhas. Isser sentiu
que estava na pista certa. “Descobre-a!”, disse a Yaacov Caroz.
Armado com uma descrição pormenorizada da mulher, Caroz e outro
agente puseram-se a caminho de Aix-les-Bains. Ora, conforme chegavam à
pequena cidade, nem queriam acreditar no que viram: Ruth Ben-David — ou,
neste caso, Madeleine Ferraille —, elegantemente vestida, estava à beira da
estrada a pedir boleia! Ficaram boquiabertos. Francesas elegantes e refinadas
a pedir boleia nas estradas de França não são propriamente algo que se veja
todos os dias, como é óbvio. O motorista fez imediatamente uma inversão de
marcha e acelerou de volta à senhora, mas outro carro parou a sua frente e
partiu com a beldade.
Os agentes voltaram de Aix-les-Bains de mãos vazias; mas, por outra
fonte, souberam que Ruth Ben-David tinha uma relação bastante chegada com
Joseph Domb, um abastado mercador de joias de Londres. Tinha sido vista
sentada sozinha com Domb num automóvel, o que não era próprio de um
homem hassídico. Isser já ouvira falar de Domb: era um inimigo convicto do
Estado de Israel. Pertencia à seita hassídica Satmar, era confidente próximo
do rabino da Satmar em Nova York e conhecia os maiores líderes da Satmar
em várias comunidades na Europa. “Se o rabino da Satmar em Nova York é o
papa”, disse um especialista a Isser, “Domb é o arcebispo dele”.
Isser apercebeu-se de que todos os caminhos conduziam a Londres.
Era lá que viviam os dois filhos do velho Shtarkes. Era lá que estava baseada
uma comunidade ativa da seita Satmar, liderada por Domb. Fora lá que ele
fora visto com Ruth Ben-David, que podia ter feito sair clandestinamente
Yossele de Israel. Isser não tinha dúvidas: o sequestro da criança fora
certamente orquestrado pelos hassídicos da Satmar em Israel e na Europa.
Domb encarregara-se da operação. Ruth Ben-David fora fundamental no
sequestro, devido às suas capacidades, experiência e passaporte francês;
talvez ela soubesse onde estava escondida a criança.
As suspeitas foram confirmadas por um agente do Shabak que
interceptou várias cartas que Ruth Ben-David escrevera ao filho. Continham
algumas alusões veladas a Yossele Schuchmacher.
Porém, Isser precisava de mais informações e, portanto, decidiu
penetrar no mundo dos hassídicos da Satmar. Os seus agentes de Londres
comunicaram-lhe a existência de um mohel — rabino especializado na
circuncisão de recém-nascidos judeus — chamado Freyer (nome fictício). Era
um tagarela, um homem que apreciava os prazeres da vida sob um manto de
retidão e, por último e mais importante, um homem próximo de Domb e que
afirmava conhecer o paradeiro de Yossele.
Isser lançou uma operação complicada, destinada a trazer Freyer para
Paris: um dos seus homens fez-se passar por príncipe marroquino, aproximou-
se discretamente de Freyer e disse-lhe que se apaixonara por uma moça judia.
Tinham-se casado em segredo e mantido fiéis ao judaísmo em casa, em
Marrocos. Agora, a mulher dera à luz um menino e ambos queriam que ele
fosse circuncidado, mas não o podiam fazer em Marrocos; a sua família
assassiná-lo-ia se soubesse… A mulher e o filho estavam em Paris.
Será que o rabino Freyer podia ir circuncidar o bebê? Seria
graciosamente recompensado.
Freyer concordou prontamente e chegou a Paris alguns dias depois.
Assim que entrou no apartamento do “príncipe marroquino”, foi retido pelos
agentes do Mossad. Estes escoltaram-no até uma sala vazia, onde foi
interrogado durante várias horas por Victor Cohen, chefe do departamento de
investigação do Shabak. O mohel apanhou um susto de morte, não ofereceu
resistência e mostrou-se pronto a falar. Mas quando lhe perguntaram sobre
Yossele, ergueu as mãos. “Peço imensas desculpas”, disse, “mas não sei
absolutamente nada”.
No fim das contas, a verdade era que Freyer nada sabia sobre a criança
sequestrada e a fanfarronice era apenas uma maneira de impressionar os
amigos.
Mais uma vez, os esforços de Isser levaram a um beco sem saída.
Para sua surpresa, saiu a sorte grande a outra equipe de agentes seus.
Com a ajuda dos serviços secretos franceses, conseguiram interceptar várias
cartas enviadas a Madeleine Ferraille, e numa delas encontraram a
oportunidade que procuravam. Era uma resposta a um anúncio que ela pusera
no jornal para vender a sua casa de campo em Orleães, uma bela cidade no
“Jardim de França”, o vale do Loire. Remeteram uma carta para a caixa postal
referida no anúncio e ofereceram a Ferraille mais dinheiro do que ela pedia
pela casa.
Diziam ser empresários austríacos à procura de um local onde passar
férias.
Madeleine Ferraille respondeu e deu-lhes o endereço da casa. Pouco
depois, eles responderam-lhe que tinham visitado a casa e que ela se adequava
às suas necessidades. Marcaram um encontro para fechar o negócio a 21 de
junho de 1962, no átrio de um grande hotel de Paris.
Uns dias antes do encontro, os homens de Isser chegaram separados a
Paris e iniciaram uma atividade intensa. Alugaram carros e casas de
segurança em Paris e nos seus arrabaldes, estabeleceram rotas de fuga,
prepararam documentos e equipamento, e fizeram vir de Israel especialistas
em vigilância e interrogatórios.
Isser também decidiu que a melhor maneira de obrigar Ruth Ben-
David a revelar os seus segredos era por via do filho. Ariel estudava numa
yeshiva em Israel e, ao que parecia, sabia muita coisa sobre Yossele. Isser
decidiu prendê-lo ao mesmo tempo que raptassem a mãe em França. Ariel era
ortodoxo, mas menos fanático do que a mãe. Isser estabeleceu um sistema de
comunicação que permitiria aos agentes do Mossad sincronizar o
interrogatório de Ruth com o interrogatório do filho em Israel, para que
pudessem usar as respostas do filho para questionar a mãe.
E, de fato, na manhã de 21 de junho, uma mulher alta, elegante e de
uma beleza impressionante entrou no hall do hotel. Era Madeleine Ferraille.
A encantadora francesa apresentou-se aos dois austríacos que a
esperavam. Um deles chamava-se Herr Furber e o outro Herr Schmidt. Ela
falava um inglês excelente e também dominava o alemão. Nunca suspeitou da
identidade dos dois compradores. O grupo rapidamente chegou a acordo sobre
a venda da casa, mas o advogado estava atrasado. Furber foi ligar-lhe de uma
das cabines telefônicas do hotel e, quando regressou, disse que o advogado se
tinha desculpado profusamente; ficara retido em casa, dissera ele, devido a
vários assuntos urgentes. Perguntara se podiam passar por sua casa, na cidade
de Chantilly, perto da capital, e deu a Furber o endereço e indicações
pormenorizadas. Recebê-los-ia imediatamente e assinariam todos os papéis ali
mesmo.
“Vamos?”, perguntou Furber.
Madeleine concordou. Entraram no carro alugado dos dois austríacos e
deslocaram-se à villa do advogado. Porém, o charme da francesa quase deitou
toda a operação a perder. Furber, o agente ao volante, ficou tão extasiado com
Madeleine que passou um semáforo vermelho. O silvo estridente de um apito
fê-lo regressar à realidade. Viu um policial gordo e zangado correndo na
direção deles, apitando ao mesmo tempo que apontava para o semáforo
vermelho.
Furber parou o carro, acometido por maus pressentimentos. Que devia
fazer? Estava num país estrangeiro, com documentos falsos, a guiar um carro
alugado com uma mulher que estava prestes a desaparecer. Passariam uma
multa de trânsito, a polícia iniciaria um processo contra ele, e…
Porém, Madeleine Ferraille, a origem dos seus problemas, foi também quem o
salvou. Deitou a cabeça de fora da janela e atirou um sorriso encantador ao
polícia. “Monsieur Vagent”, disse ela, docemente, “este senhor é um turista.
É de um país estrangeiro, está a viajar com uma mulher e a tentar
diverti-la com as suas histórias… Estou certa de que compreenderá a situação.
Por favor desculpe-o…” Também o polícia foi seduzido pelo charme da
mulher e deixou os agentes em pânico seguirem viagem sem lhes passar
nenhuma multa.
O carro não demorou a chegar à bonita cidade de Chantilly, onde
o “advogado” vivia. Entraram no caminho de acesso à villa e pararam antes
da entrada principal. Os dois empresários ajudaram gentilmente a convidada a
sair do carro, acompanharam-na até casa e as portas abriram. Ela entrou. Foi
levada ao “escritório do advogado”.
O papel de advogado foi desempenhado por Yaacov Caroz.
“Madame”, disse ele, em francês, “não está aqui para discutir sobre a sua casa
de Orleães, mas sobre outro assunto”.
“Como? Que vem a ser isto?”
“Quero falar com você sobre uma criança chamada Yossele
Schuchmacher.”
Nesse momento, apareceram a seu lado outros dois homens. Quando
ela se virou para trás, percebeu que os dois “empresários” tinham
desaparecido sem deixar rastro. Foi tomada pelo medo.
“Caí numa armadilha!”, murmurou, com a voz quebrada, em francês.
“Caiu nas mãos dos serviços secretos israelenses, madame”, disse
Caroz.
Nesse preciso momento, Ariel Ben-David, filho da francesa, era preso
por policiais na cidade de Be’er Yaacov, em Israel.
Em Chantilly, Caroz dirigiu-se a Ruth Ben-David. “Madame, está
envolvida no sequestro de Yossele Schuchmacher. Queremos a criança!”
“Não sei nada e não direi nada”, respondeu ela firmemente. Após o
choque inicial, tinha recuperado rapidamente. Caroz levara consigo a
cunhada, enfermeira experiente, para intervir em caso de emergência.
“A enfermeira não foi necessária”, recorda.
“A mulher era muito inteligente”, acrescenta Shalom. “Percebemos
imediatamente que ela sabia muito mais do que estava disposta a revelar.”
Os israelenses sabiam que Ruth era a sua última esperança. Contudo,
também presumiam que aquela dama de ferro não cederia facilmente e que o
assunto podia demorar algum tempo. Ruth foi passada a Yehudith Nissiyahu,
chegada de Londres. Nissiyahu tratou-a bem e cuidou das suas necessidades
de mulher crente. Forneceu-lhe livros de oração e velas para o Sabbath;
cozinhou-lhe refeições kosher. A ala que a prisioneira ocupava era interdita a
homens. A enfermeira ocupava o quarto ao lado do dela.
O interrogatório começou. A convertida foi confrontada durante horas
pelos agentes, quase sempre Yaacov Caroz e Victor Cohen, que se lhe
dirigiam em francês. Ficou espantada por descobrir que os israelenses sabiam
tudo sobre ela, mas recusou-se teimosamente a revelar informações sobre
Yossele. “Não direi nada”, repetiu incessantemente. Chamou a Victor
Cohen “flic”, o equivalente a “tira”, na gíria francesa. Negou obstinadamente
ter qualquer ligação que fosse com o sequestro.
“Por isso, comecei a falar com ela sobre todo tipo de assunto”, recorda
Victor Cohen, “só para amolecê-la. Queria entender como uma jovem cristã
se tornara ortodoxa fanática. São dois mundos bem diferentes. No início,
quando começamos a falar, ela insistia em que houvesse uma mulher na sala.
Depois, concordou em ficar apenas comigo, mas insistia em que a porta
ficasse aberta”.
Um dos interrogadores era responsável pela desagradável missão de
lhe fazer acusações insultuosas, para que ela perdesse a calma. Os homens do
Mossad tinham esperança de que ela reagisse impulsivamente e
desembuchasse palavras que não pretendia dizer; tudo podia ser usado no
interrogatório simultâneo do filho dela, em Israel.
E, com efeito, o interrogatório de Ariel Ben-David, em Israel, começou
a dar frutos. O chefe de investigação em Israel era Avraham Hadar, um tipo
duro com nome de código incongruente, Pashosh (Melro). Este disse ao
jovem que a mãe tinha capitulado. “Sua mãe confessou tudo”, disse ele. “Suas
mentiras não levarão a lugar nenhum. Diga a verdade!”
E, pouco depois, Ariel vergou. Disse que sabia o que tinha acontecido
à criança e que falaria “apenas se minha mãe e eu tivermos imunidade”.
Pashosh respondeu “É sua!” e levou-o imediatamente a Amos Manor,
chefe do Shabak. Assim que o viram, Manor gritou para Ariel: “Concordo
com o que quer que seja que Pashosh prometeu. Agora, diga: onde está o
menino?!” Ariel estremeceu. Acabou por admitir que a mãe tinha levado
clandestinamente Yossele para fora de Israel, disfarçando-o de menina. Tinha
falsificado o passaporte, em que ainda constava o nome antigo do filho,
Claude. Mudara o nome para Claudine e alterara ainda a data de nascimento,
para que esta se adequasse à idade de Yossele. Ariel também sabia que a
criança fora levada para a Suíça.
A confissão de Ariel foi imediatamente remetida a Chantilly, e os
interrogadores de Ruth Ben-David confrontaram-na com os novos fatos.
“Ariel está em nossas mãos”, disse-lhe Victor Cohen. “Ele enfrenta uma
punição muito dura. Confessou tudo. Não quer saber do destino de seu filho?”
“Já não é meu filho”, murmurou ela. E permaneceu inquebrável. Os
interrogadores não podiam deixar de admirar a tremenda força daquela
mulher.
Gradualmente, a situação tornou-se insustentável. A solução parecia
tão próxima e, contudo, os interrogadores sentiam que tudo podia acabar num
tremendo fracasso.
Finalmente, Isser decidiu que chegara o momento de tomar, ele
mesmo, o comando.
Na sala escura e despojada, Isser Harel e Ruth Ben-David enfrentaram-
se com a mesa de permeio. Alguns agentes do Mossad estavam de pé atrás
deles; Cohen e Caroz serviram de intérpretes.
Isser acreditava firmemente que aquela mulher ferozmente
determinada não cederia a ameaças. A única maneira, concluíra, era
convencê-la com argumentos morais. Ela era religiosa, sem dúvida, mas daria
ouvidos à lógica. Afinal de contas, não fora uma judia ultraortodoxa toda a
vida e não lhe corria no sangue o fanatismo de gerações anteriores. Era uma
mulher inteligente e astuta, e devia ser tratada enquanto tal.
“Represento o Estado de Israel”, disse Isser, sopesando cada palavra.
“O seu filho contou-nos tudo, e temos muitas outras informações sobre
você. Conhecemos a maioria dos seus segredos. Lamentamos ter sido
obrigados a mantê-la aqui pela força. A senhora converteu-se ao judaísmo, e o
judaísmo é sinônimo de Israel. Sem Israel, o judaísmo não sobreviveria. O
sequestro de Yossele representou um terrível golpe para a comunidade
religiosa em Israel. Fez emergir sentimentos de fúria contra os ortodoxos. A
senhora pode ser a causa de um banho de sangue e de uma guerra civil. Se
não devolver a criança, o resultado pode ser um libelo de sangue. Peço-lhe
que pense no que pode acontecer à criança! Ele pode adoecer, até morrer.
Como é que a senhora e os seus cúmplices enfrentariam os pais dele, caso isso
acontecesse? Seria algo que vos atormentaria até o fim da vida. E jamais
serão absolvidos!
“É mulher e é mãe. Se alguém desaprovasse a maneira como educou o
seu filho e lho levasse para longe de si, como se sentiria? Conseguiria dormir
à noite?
“Não estamos lutando contra a religião. O nosso único propósito é
encontrar a criança. Assim que a tivermos, a senhora será libertada, o seu
filho será libertado — e Israel estará novamente unida.”
Isser fitava o rosto de Ruth, que começou a revelar o seu conflito
interior.
Parecia dividida por sentimentos contraditórios. Ruth estava sob uma
tremenda tensão, a lutar contra si própria, como só uma pessoa forte consegue
quando confrontada com um dilema extremo.
Os agentes do Mossad estavam imóveis como estátuas. Também eles
acreditaram que o momento da verdade chegara.
Ruth ergueu a cabeça. “Como saber que é um representante genuíno do
Estado de Israel? Como posso confiar em você?”
Sem pensar duas vezes, Isser puxou seu passaporte diplomático,
emitido no seu verdadeiro nome, e entregou-o a Ruth Ben-David.
Os seus homens ficaram estarrecidos. Será que ele enlouquecera? Dar
nome e passaporte… era um tremendo risco! Isser, contudo, sentiu que só
tinha chance de êxito se lhe mostrasse que era sincero e confiava nela.
Por um longo momento, Ruth observou o selo branco de Israel no
passaporte. Mordeu os lábios até pingae sangue da boca.
“Não aguento mais”, murmurou. “Vou ceder…”
Depois, subitamente, ergueu a cabeça. “A criança está com a família
Gertner, no número 126 da Penn Street, no Brooklyn, em Nova York. Eles o
chamam de Yankele.”
Isser ergueu-se de supetão. “Será libertada assim que tivermos a
criança.”
E saiu da sala.
Uma troca intensa de telegramas alertou Jerusalém, depois Nova York
e Washington. Isser telefonou a Israel Gur-Arie, o responsável de segurança
das missões diplomáticas israelenses na América do Norte. Gur-Arie, que
vivia em Nova York, investigou o endereço em Brooklyn e confirmou, por
telegrama, que o endereço estava certa e que a família Gertner vivia numa
zona largamente habitada por hassídicos da Satmar. Jerusalém enviou um
telegrama para Avraham Harman, embaixador de Israel em Washington,
instruindo-o a contactar o FBI e a pedir-lhe que encontrasse a criança e a
devolvesse a Israel.
Gur-Arie telefonou, ele próprio, ao seu homólogo do FBI e informou-o
de todos os pormenores: “o que a criança come, o que veste”, etc. Os agentes
do FBI responderam: “Se sabe tanto sobre ele, vá buscá-lo.” Gur-Arie
respondeu: “Deem-me autorização.” Os agentes do FBI recusaram-se a fazê-
lo.
O quartel-general de Isser começou a receber uma leva de telegramas
perturbadores. Os americanos estão hesitantes, informaram Gur-Arie e o
embaixador israelense. Perguntaram: Têm certeza absoluta de que a criança
está naquele endereço? Que aconteceria se invadíssemos a casa e não
encontrássemos a criança? O FBI deu a entender que suas reticências se
deviam às iminentes eleições para o Congresso. A seita Satmar controlava
quase 100.000 votos, e a administração não queria correr o risco de perdê-los.
Em Chantilly, Isser começava a perder a paciência. À meia-noite
pegou o telefone. “Liguem-me com Harman, em Washington”, ordenou.
Quando a ligação foi estabelecida, foi direto ao assunto. “Harman”,
disse, “fala Isser Harel. Quero que entre em contato com o procurador-geral
Robert Kennedy, imediatamente, e diga-lhe, em meu nome, que o FBI deve
buscar o menino agora mesmo”.
Harman ficou chocado. “Isser, como pode falar dessa maneira?” Deu a
entender que os serviços secretos americanos podiam estar acompanhando a
conversa.
“Tanto melhor”, disse Isser. “Não falo apenas com você.” Esperava
que os americanos estivessem na escuta, e a sua posição firme os levasse a
agir.
Harman continuou a hesitar e tentou avisar Isser sobre as possíveis
complicações diplomáticas. “Não lhe pedi opinião”, informou Isser,
rispidamente. “Diga-lhes que, se não agirem imediatamente, serão
responsabilizados por tudo o que acontecer.”
Poucas horas depois, Isser foi chamado ao telefone. Era de Nova York.
Os funcionários do consulado informaram-no de que Robert Kennedy
tinha agido de imediato. Uma equipe de agentes do FBI, acompanhada pelo
responsável da segurança israelense, deslocara-se ao Brooklyn. A criança foi
de fato encontrada e levada para um local seguro. Era Yossele.
Um jovem jornalista chamado Elie Wiesel (o futuro vencedor do
Prêmio Nobel) telefonou a Gur-Arie. “Ouvi dizer que encontraram a criança.”
Gur-Arie, que tinha jurado manter segredo, negou veementemente. Wiesel
levou anos para perdoá-lo.
O 4 de julho de 1962 também foi dia de festa nacional em Israel,
porque foi nessa data que o avião que transportava Yossele para casa
aterrissou no aeroporto de Lod. A imprensa louvou entusiasticamente a
eficiência dos serviço secreto. Israel estava rapidamente se tornando o único
país do mundo em que aquele tipo de organização-sombra era amado e
admirado por toda a nação. Um conhecido advogado israelense, Shlomo
Cohen Zidon, escreveu carta de agradecimento a Ben-Gurion por ter
descoberto a criança. Ben-Gurion respondeu: “Deve agradecer ao nosso
serviço secreto e, principalmente, a seu diretor, que dedicou vários dias e
noites à missão e não descansou, mesmo quando os assistentes quase
desistiram, até encontrar a criança e a levar do seu esconderijo, o que também
não foi nada fácil.”
Enquanto todo Israel celebrava o salvamento de Yossele, Isser estava
em Paris, onde os seus homens prepararam uma festa modesta em sua honra.
Um dos agentes ergueu o copo “à criança devolvida à pátria, ao homem de
ferro que a descobriu, ao Estado que tão bem sabe proteger seus cidadãos”.
Outro agente ofereceu a Isser um pequeno tigre de pelúcia, como
recordação da operação. Os colegas fizeram chegar a sua casa em Tel Aviv a
“cama de Yossele”, na qual ele passara tantas noites insones.
Uma vez o menino descoberto, toda a verdade emergiu.
Tudo começara com um telegrama.
Na primavera de 1960, quando Yossele passava clandestinamente de
uma yeshiva para outra em Israel, Ruth Ben-David recebeu um telegrama do
seu amigo rabino Meizish: “Venha imediatamente para Jerusalém, tenho um
bom desafio para você.” Quando chegou, Ruth descobriu que o “desafio” era,
na verdade, uma missão secreta: levar clandestinamente Yossele para fora de
Israel.
Ruth voltou a França, alterou o seu passaporte, mudou o nome do filho
de Claude para Claudine e a data de nascimento dele de 1945 para 1953.
Depois, mudou de roupa e de nome e tornou-se Madeleine Ferraille.
Voou para Gênova e comprou uma passagem para um navio que navegaria
para Israel transportando passageiros e novos imigrantes.
Na doca de Gênova, começou a brincar, como que por acaso, com a
filha de oito anos de uma família de imigrantes. Quando o embarque começou
e os imigrantes se ocupavam com a bagagem e as malas, a encantadora
Madeleine levou a menina pela mão e conduziu-a ao convés do navio. Os
agentes italianos de imigração verificaram o seu passaporte e registraram a
sua entrada a bordo com uma menina. Em Israel, ela repetiu o procedimento e
a imigração israelense anotou, como era seu dever, que ela saíra do navio com
a filha pequena.
Poucos dias depois, Madeleine Ferraille entrou a bordo de um avião no
aeroporto de Lod, com a “filha Claudine”, que era nem mais nem menos que
Yossele Schuchmacher, trajando um belo vestido de menina e saltos altos de
cabedal.
Yossele passou quase dois anos em colégios internos ultraortodoxos na
Suíça e em França. Mas, quando a busca de Yossele em Israel ganhou uma
proporção maior, Madeleine apareceu no colégio interno de Meaux, onde a
criança estava então escondida sob o nome de “Menachem, órfão de pais
suíços”.
Vestiu-o novamente com roupa de menina e levou-o de avião para a
América. Uma vez lá, foi ajudada pelo líder da seita Satmar, rabino Joel
Teitelbaum, que ordenou a um distribuidor de leite chamado Gertner que
levasse “Yankele” para sua casa e o fizesse passar por um primo da Argentina
que viera para uma visita prolongada.
Os especialistas do Mossad perceberam que a rede clandestina
ultraortodoxa espalhada por toda a Europa e América se comparava às
organizações secretas dos melhores serviços de informações do mundo. E,
acima de tudo, ficaram abismados com Ruth Ben-David. Esta cumpria à risca
as regras da conspiração, nunca tinha umo endereço permanente, transportava
todos os seus documentos importantes na sua mala de senhora, mudava de
identidade tão facilmente como qualquer pessoa muda de roupa. A bonita
francesa era a Mata Hari do mundo ortodoxo.
Porém, enquanto Israel regozijava pela devolução de Yossele aos pais,
Ruth Ben-David sentia-se abatida e derrotada. “Sou culpada”, dizia ela
aos amigos, chorando. “Traí a nossa causa. Nunca me perdoarei. Confiaram-
me um tesouro precioso e eu não consegui mantê-lo.”
Porém, Madeleine Ferraille/Ruth Ben-David tinha demonstrado tão
admiravelmente as qualidades necessárias para se ser agente secreto, que Isser
Harel decidiu oferecer-lhe emprego no Mossad. Mas chegou tarde. Ruth
regressou a Jerusalém e desapareceu no mundo ultraortodoxo. Três anos
depois, casou-se com o rabino Amram Blau, o líder de 72 anos da mais
fanática das seitas, a Neturei Karta.
Isser Harel e Yossele Schuchmacher conheceram-se apenas nove anos
depois, quando um dos autores deste livro deu uma festa em honra de Isser e
convidou Yossele. Yossele — hoje em dia, segundo-cabo numa divisão de
tanques — apertou a mão de Isser e declarou: “Estou profundamente
comovido. Isser Harel é a pessoa mais importante da minha vida. Sem ele, eu
não estaria aqui entre vocês.”
8. UM HERÓI NAZISTA A SERVIÇO DO
MOSSAD

Num sufocante dia de agosto de 1963, dois homens entraram nos


escritórios de uma empresa de engenharia em Madrid e pediram para falar
com o dono, um austríaco chamado Otto Skorzeny. Apresentaram-se como
funcionários dos serviços de informações da NATO e disseram-lhe que
vinham por recomendação da mulher, de quem se separara. Tinham uma
proposta irrecusável a fazer-lhe…
Em breve o respeitável empresário percebeu que os seus visitantes
sabiam tudo sobre si e o seu passado. Durante a Segunda Guerra Mundial, o
oficial da SS Skorzeny fora um dos grandes heróis -se não o maior herói —
da Alemanha nazista. Atleta alto e carismático, de rosto marcado por uma
cicatriz de um duelo de esgrima, tornara-se um oficial de comando temerário
que conduzia operações espetaculares. A 12 de setembro de 1943, aterrissou,
com um batalhão de paraquedistas transportados por planadores, no cume do
Gran Sasso, o pico mais alto dos Apeninos italianos; irromperam pelo Hotel
Campo Imperator, onde o antigo ditador fascista Benito Mussolini fora preso
por um novo Governo italiano antinazista. O capitão da SS Skorzeny salvou
Mussolini e levou-o para junto do agradecido Hitler, que o cobriu de
medalhas e promoções. Na Batalha das Ardenas, no final de 1944,
Skorzeny — naquela altura já coronel das Waffen SS — passou
sorrateiramente pelas linhas da frente juntamente com duas dezenas dos seus
homens, todos vestidos de soldados americanos, e provocou desordem e
confusão nas fileiras aliadas.
As suas operações valeram-lhe a reputação de “homem mais perigoso
da Europa”. Após a sua absolvição dos julgamentos de Dachau no final da
guerra, mudou-se para Espanha, onde desfrutou da proteção do ditador
fascista Franco, e fundou a sua empresa.
Os seus visitantes naquele dia de 1963 não perderam tempo com
conversa de circunstância. “Não somos exatamente da NATO”, admitiu um
deles, num alemão perfeito. “Na verdade, pertencemos aos serviços secretos
israelenses.” Os dois homens eram Rafi Eitan e o líder da célula do Mossad
na Alemanha, Avraham Ahituv.
Skorzeny empalideceu. Ainda nem um ano antes, os israelenses tinham
enforcado Adolf Eichmann. Agora queriam-no a ele? Ele fora declarado
inocente nos julgamentos de guerra, mas houve quem o acusasse de ter
participado na queima de sinagogas judaicas durante a Kristallnacht, em
novembro de 1938.
No entanto, o homem baixo sentado à sua frente dissipou os seus
receios.
“Precisamos da sua ajuda”, disse. “Sabemos que tem bons
conhecimentos no Egito.” Depois, passou a explicar ao coronel da SS a razão
por que o Estado judeu precisava dos seus serviços.
Em 21 de julho de 1962, tão-só duas semanas após o regresso triunfal
de Yossele a Israel, o Egito espantou o mundo ao lançar quatro mísseis. Dois
eram do tipo Al-Zafir (O Vencedor), com um alcance de 280 quilômetros, e
dois do tipo Al-Qahir (O Conquistador), com um alcance de 560 quilômetros.
Os enormes mísseis, envolvidos em bandeiras nacionais egípcias, desfilaram
orgulhosamente pelas ruas do Cairo no Dia da Revolução, 23 de julho. O
presidente Gamai Abdel Nasser vangloriou-se a uma multidão em êxtase de
que os seus mísseis eram capazes de chegar a qualquer alvo a “sul de
Beirute”.
Ao sul de Beirute, os líderes israelenses foram tomados pelo espanto e
pela ansiedade. Os mísseis de Nasser podiam realmente atingir qualquer alvo
em Israel. Representaram uma completa surpresa para Israel e, nos corredores
do poder, ouviram-se palavras furiosas dirigidas à atuação de Isser Harel.
Enquanto Nasser construía os seus foguetes mortíferos, diziam os
críticos, o Pequeno Isser andava ocupado a procurar Yossele. Enquanto a
existência do Estado judaico era ameaçada por perigos terríveis, os melhores
agentes de Isser corriam de yeshiva em yeshiva, disfarçados de judeus
ultraortodoxos.
Ben-Gurion, preocupado, convocou Isser Harel, que prometeu
conseguir todas as informações sobre o projeto egípcio logo que possível. No
seu quartel-general, Isser pôs os seus melhores agentes a trabalhar na missão e
ativou os infiltrados e informantes no Egito. E, de fato, a 16 de agosto, menos
de um mês passado sobre o lançamento dos quatro mísseis, entregou um
relatório pormenorizado a Ben-Gurion.
Os mísseis estavam a ser construídos por cientistas alemães, informou
Isser.
Descobriu que, em 1959, Nasser decidira estabelecer um arsenal
secreto de armas não-convencionais. Nomeou o general Mahmoud Khalil,
antigo comandante dos serviços secretos da Força Aérea, diretor da Agência
de Programas Militares Especiais, responsável pelo desenvolvimento de
armas modernas ultrassecretas — caças, foguetes e mísseis, bem como
substâncias químicas e radioativas. Foi concedido um enorme orçamento à
agência.
A primeira tarefa de Khalil foi contratar pessoal para fabricar as armas.
E sabia onde o encontrar.
Os seus agentes começaram a recrutar centenas de especialistas e
cientistas alemães, a maioria dos quais trabalhara nos institutos de pesquisa e
locais de teste de foguetes e aviação da Alemanha nazista. Mais de 300
alemães, atraídos pelos salários altos, contrapartidas e uma miríade de
privilégios, chegaram clandestinamente e a conta gotas ao Egito, e ajudaram
Nasser a construir três instalações secretas.
A primeira foi a “Fábrica 36”, onde o genial construtor de aeronaves
Willy Messerschmitt montava um caça egípcio. Messerschmitt foi o pai dos
mortíferos caças da Luftwaffe, a força aérea nazista, durante a Segunda
Guerra Mundial. Mahmoud Khalil assinara contrato com ele a 29 de
novembro de 1959.
Na segunda fábrica, conhecida pelo código “135”, um engenheiro
chamado Ferdinand Brandner construía motores a jato para a aeronave de
Messerschmitt. Brandner passara vários anos na Rússia e, após o seu regresso
à Alemanha, Khalil entrara em contato com ele com a ajuda do Dr. Eckart, um
dos diretores da Daimler-Benz.
Porém, a mais secreta era a “Fábrica 333”, escondida numa área
remota no deserto. Lá, os antigos “meninos-prodígio” de Hitler construíam
agora as armas-prodígio de Nasser, os mísseis de alcance intermédio.
Segundo as fontes de Isser, o projeto egípcio acelerara a fundo em
dezembro de 1960. Nesse mês, um avião de reconhecimento U-2 americano
fotografara um enorme local em construção em Dimona, Israel, que parecia
um reator nuclear. A imprensa mundial anunciou a descoberta nas
parangonas. Ninguém acreditou nas declarações rebuscadas de Israel de que a
estrutura era uma fábrica têxtil. O Egito e várias outras nações árabes fizeram
ameaças furiosas a Israel. Mas as ameaças não bastavam, e o Egito esperava
neutralizar o projeto nuclear secreto de Israel com o desenvolvimento das
suas próprias armas não-convencionais.
O líder dos cientistas de foguetes alemães no Egito era o professor
Eugen Sänger, diretor do Instituto de Pesquisa de Propulsão a Jato em
Stuttgart.
Sänger tinha passado alguns anos na França, depois da guerra, e foi lá
que construíra o míssil Veronique, uma réplica medíocre do míssil V-2
alemão.
Chegou ao Egito com os seus assistentes — professor Paul Goerke,
especialista em eletrônica e sistemas de orientação, e Wolfgang Pilz, antigo
engenheiro nas instalações de Peenemünde, onde o brilhante Wernher von
Braun tinha desenvolvido os mísseis V-2 da Alemanha nazista. Outro perito
em sistemas de orientação e controle que tinha uma colaboração próxima com
os seus colegas no Egito era o Dr. Hans Kleinwachter, cujo laboratório para
desenvolvimento de sistemas de orientação de mísseis ficava na pitoresca
cidade alemã de Lörrach, perto da fronteira com a Suíça. O departamento de
química era chefiado pelo Dr. Ermin Dadieu, antigo oficial da SS. Os alemães
e os egípcios montaram várias empresas de fachada — Intra, Intra-Handel,
Patwag e Linda — que compraram peças e materiais para o projeto dos
mísseis. O diretor administrativo da Intra-Handel era o Dr. Heinz Krug, que
também geria o Instituto de Pesquisa de Propulsão a Jato, em Stuttgart.
Hassan Kamil, um milionário egípcio residente na Suíça, também
estava envolvido, como intermediário. Com a sua ajuda, os egípcios
formaram duas companhias-fantoche na Suíça: a MECO (Mechanical
Corporation) [Sociedade Mecânica] e a MTP (Motors, Turbines and Pumps)
[Motores, Turbinas e Bombas], cuja tarefa era adquirir materiais básicos,
aparelhos elétricos e ferramentas de precisão; também recrutaram
especialistas e peritos. Os três diretores dessas empresas eram Messerschmitt,
Brandner e Kamil.
Em 1961, Sänger e várias centenas de engenheiros, técnicos e
empregados locais egípcios tinham começado a construir os mísseis egípcios.
Contudo, no final desse ano, o Governo alemão descobriu a ligação secreta
entre o projeto egípcio e o Instituto de Pesquisa de Propulsão a Jato em
Stuttgart.
As autoridades alemãs obrigaram Sänger a demitir-se, regressar à
Alemanha e cessar toda e qualquer atividade. O Professor Pilz sucedeu-lhe
como chefe do projeto egípcio.
Em julho de 1962, a Fábrica 333 já tinha produzido 30 mísseis. Quatro
deles foram lançados com grande pompa perante uma assistência seleta de
convidados governamentais e jornalistas; outros 20 (alguns dos quais
fantoches) foram exibidos pelas ruas do Cairo envolvidos na bandeira
nacional egípcia.
Quando se reuniu com Ben-Gurion em agosto, Isser Harel mostrou-lhe
uma carta de Pilz a Kamil Azzab, o diretor egípcio da Fábrica 333, que Rafi
Eitan e os seus homens tinham conseguido copiar. Era um pedido de 3,7
milhões francos suíços para comprar peças de máquinas e outros
equipamentos necessários à construção de 500 mísseis de tipo 2 e 400 mísseis
de tipo 5.
Ao todo, 900 mísseis! O relatório de Isser causou uma profunda
ansiedade na comunidade de defesa. Os especialistas israelenses acreditavam
que os egípcios não tinham intenção de carregar as ogivas dos mísseis com
explosivos convencionais; não teriam gastado milhões de dólares a construí-
los se quisessem apenas que os mísseis transportassem meia tonelada de
dinamite. Um bombardeiro podia fazê-lo com mais precisão. Era claro para
eles que o Egito carregaria as ogivas com bombas atômicas ou outras
substâncias proibidas pela lei internacional, como gás tóxico, culturas
microbiológicas ou desperdícios radioativos mortais.
Segundo Isser, os cientistas alemães tinham um plano pérfido para
destruir Israel: estavam a desenvolver armas apocalípticas, mísseis colossais,
ogivas radioativas capazes de “matar qualquer ser vivo” e envenenar o ar em
Israel durante muitos anos; até estavam a trabalhar em raios mortíferos e
outros tipos de maquinetas infernais.
“Levámo-los demasiado a sério”, admitiu posteriormente o general Zvi
Zur, então chefe de Estado-Maior. “Os nossos cientistas eram amadores e não
sabiam interpretar as informações.” Ainda assim, os israelenses descobriram o
calcanhar-de-aquiles do projeto egípcio — os alemães ainda não tinham
conseguido desenvolver um sistema de orientação adequado, para dirigir os
mísseis até os seus alvos. Uma vez que esse obstáculo não fosse transposto, os
mísseis não podiam ser utilizados.
Isser Harel já não era o mesmo homem que as pessoas conheciam e
admiravam. Tinha passado por uma profunda mudança desde a captura de
Eichmann. O homem de cabeça fria e conhecido por ter nervos de aço via
agora a Alemanha como o eterno inimigo de Israel e do povo judeu.
Acreditava resolutamente que o Governo alemão apoiava os cientistas
no Egito e os ajudava secretamente nos seus esforços de destruição de Israel.
O ramsad pediu a Ben-Gurion que alertasse o chanceler alemão Konrad
Adenauer e exigisse que este agisse imediatamente para travar as atividades
dos cientistas. Ben-Gurion recusou-se a fazê-lo. Muito recentemente, a
Alemanha dera a Israel um enorme empréstimo de 500 milhões de dólares
para desenvolver o deserto de Negev; Ben-Gurion e Adenauer tinham
estabelecido relações pessoais de confiança e respeito mútuo; Adenauer e o
seu ministro da Defesa, Franz Josef Strauss, haviam fornecido a Israel
enormes quantidades de armas modernas, no valor de centenas de milhões de
dólares — tanques, canhões, helicópteros, aviões —, tudo de forma gratuita,
num esforço secreto por expiar o Holocausto e os crimes da Alemanha contra
o povo judeu. Ben-Gurion confiava no Governo alemão, e não queria pôr em
risco as relações de Israel com o país, com o lançamento de acusações e
exigências de intervenção na crise egípcia. Deu instruções a Shimon Peres,
vice-ministro da Defesa, para que escrevesse uma carta pessoal a Strauss e lhe
pedisse discretamente ajuda.
Mas isso não bastava para Isser, que decidiu lançar a sua própria
campanha enérgica para interromper as atividades alemãs no Egito.
A 11 de setembro de 1962, às 10h30 da manhã, um moreno com traços
característicos do Oriente Médio entrou nos escritórios da Intra, na
Schillerstrasse de Munique. O secretário que o conduziu ao gabinete do
diretor da empresa, Dr. Heinz Krug, ouviu-o dizer que fora enviado pelo
coronel Nadim, um oficial egípcio que mantinha contatos próximos com
Krug. Meia hora depois, o egípcio saiu do edifício na companhia de Krug.
Uma hospedeira das United Arab Airlines viu os dois homens
passarem pela bilheteira da companhia. Foi a última pessoa a ver Krug.
Na manhã seguinte, a mulher de Krug foi informada pela polícia de
que o marido estava desaparecido. Passados dois dias, a polícia encontrou o
Mercedes branco de Krug abandonado nos arredores de Munique. O carro
estava coberto de lama e o tanque vazio. Uma chamada anônima para a
polícia anunciou: “O Dr. Krug está morto.” Porém, algumas informações de
outras fontes levaram a polícia a crer que Krug fora raptado e levado para
Israel por agentes do Mossad. Atualmente, não restam dúvidas de que Krug
morreu.
A 27 de novembro, Hannelore Wende, secretária de Pilz na Fábrica
333, viu um envelope gordo no correio da manhã. O remetente era um
conhecido advogado de Hamburgo. Hannelore abriu o pacote e o gabinete foi
abanado por uma explosão ensurdecedora. A secretária de Pilz foi levada,
gravemente ferida, para o hospital, onde passou alguns meses antes de sair,
cega, surda e com o rosto terrivelmente marcado por cicatrizes.
No dia seguinte, chegou à Fábrica 333 uma grande encomenda com a
indicação “Livros”. Quando um funcionário egípcio a abriu, o pacote
explodiu e matou cinco pessoas. O endereço do remetente, um editor de
Stuttgart, era, afinal, falso.
As encomendas-bomba continuaram a chegar nos dias seguintes.
Algumas foram enviadas da Alemanha, outras do Egito. Algumas
explodiram e provocaram mortos; outras foram desarmadas por especialistas
do Exército egípcio, alertados por oficiais da Fábrica 333. A identidade dos
remetentes não foi oficialmente estabelecida, mas os egípcios e os jornalistas
tinham certeza de que as bombas haviam sido preparadas e enviadas para o
Cairo pelo Mossad israelense. Muito mais tarde, concluiu-se que várias cartas
tinham sido remetidas pelo Espião do Champanhe. Este agente israelense,
chamado Ze’ev Gur-Arie, operava no Egito sob o nome “Wolfgang Lutz”, o
dono alemão de haras perto do Cairo. Fazia-se passar por antigo oficial das
SS que se estabelecera no Cairo com a mulher alemã, e formara ligações
próximas com a alta sociedade egípcia e seus chefes militares.
As cartas-bomba perturbaram profundamente os cientistas alemães,
que viam suas vidas correndo perigo. Muitos receberam chamadas anônimas
com ameaças a eles e a suas famílias, se continuassem a trabalhar no projeto
de Nasser. As três “fábricas” no Egito, assim como suas empresas-irmãs na
Europa, aplicaram medidas rígidas de segurança.
Quando visitavam a Europa, os cientistas tinham de se deslocar em
grupos grandes acompanhados por oficiais de segurança alemães. Esta prática
provavelmente salvou o Professor Pilz na viagem que fez à Europa no fim de
1962. Um grupo de estranhos seguiu-o na Alemanha e na Itália, mas não teve
oportunidade de se aproximar.
Isser passou o outono e o inverno de 1962 na Europa, enquanto dirigia
várias operações do Mossad que visavam obter informações mais precisas e
atualizadas. Rafi Eitan conseguiu penetrar numa missão diplomática que
tratava do correio dos cientistas alemães. Estas operações eram as suas
preferidas. “É muito melhor do que recrutar agentes”, disse. “Quando
recrutamos um agente, temos de treiná-lo, montar-lhe uma cobertura à prova
de bala, pô-lo em ação e dar-lhe tempo para estabelecer contatos… Mas ler o
correio dos nossos inimigos é muito melhor — temos resultados imediatos e
materiais de primeira categoria.”
Para as suas operações não-convencionais, Eitan precisava de
equipamento eletrônico muito sofisticado, mas não sabia onde o arranjar. O
equipamento, utilizado pela CIA e outros serviços de informações, não se
vendia nas lojas. Enquanto lia o jornal no seu gabinete em Paris, Eitan
reparou numa pequena nota sobre o famoso mafioso judeu Meyer Lansky,
chefe da máfia de Miami. Na mente calculista de Eitan, aquilo pareceu uma
oportunidade. Ligou logo para as informações telefônicas: “Quero o número
de Meyer Lansky, em Miami!”
Passados três minutos, Lansky estava do outro lado da linha.
“Shalom, Meyer”, disse Eitan. “Sou israelense, estou a trabalhar em Paris, e
preciso que ajude o Estado sionista.”
“Mas com certeza”, respondeu Lansky. “Daqui a um mês, vou a
Lausana, na Suíça. Encontramo-nos lá.”
Eitan encontrou-se com Lansky em Lausana, e disse-lhe o que
precisava.
Lansky deu-lhe o endereço de um homem em Chicago. “Ele arranja-
lhe o que quer”, disse. Uma semana depois, Eitan aterrissou em Chicago e
dirigiu-se à morada. “O equipamento eletrônico que o tipo nos arranjou
serviu-nos muito bem nas nossas operações contra os cientistas alemães”,
resumiu Eitan.
Uma das operações deu a conhecer um novo nome a Isser Harel: Dr.
Otto Joklik. Segundo as informações das fontes, Joklik era um cientista
austríaco especializado em radiação nuclear. Estava alegadamente envolvido
num projeto ultrassecreto egípcio para obter armas nucleares em tempo
recorde.
Os egípcios tencionavam fundar uma empresa de fachada, a Austra,
na Áustria, que compraria materiais radioativos para o projeto de Joklik e os
enviaria para o Egito. A Austra estaria separada da Intra, para evitar qualquer
investigação das autoridades alemãs. Joklik devia conduzir dois testes
nucleares para o Egito e produzir várias bombas atômicas a inserir nas ogivas
dos mísseis.
Tudo isto indicava que Joklik era um homem muito perigoso, talvez o
mais perigoso dos cientistas alemães. Todas as células do Mossad na Europa
receberam uma ordem urgente: “Descubram o Joklik!”
Porém, Isser teria uma surpresa atordoante. Em 23 de outubro de 1962,
um estranho bateu à porta de uma embaixada de Israel na Europa, pediu para
ver o responsável de segurança e disse-lhe: “Chamo-me Otto Joklik. Estou
pronto a dar um relatório completo das minhas atividades para o esforço de
guerra egípcio.”
Duas semanas depois, Joklik aterrissou em Israel no mais profundo
secretismo.
Passados muitos meses, quando a deserção de Joklik se tornou pública,
alguns jornalistas europeus escreveram que Joklik contactara os israelenses
provavelmente devido ao desaparecimento do diretor da Intra, Heinz Krug.
Joklik mantinha um contato próximo com Krug, um dos poucos que
conheciam o papel de Joklik nos “programas militares especiais” do Egito.
Quando Krug desapareceu, Joklik entrou em pânico. E se Krug tivesse
sido raptado pelos israelenses? Talvez falasse e revelasse as tarefas secretas
de Joklik. E isso, como Joklik bem sabia, era uma sentença de morte. Por
conseguinte, decidiu atravessar as linhas de batalha e render-se aos
israelenses.
Assim, esperava ele, conseguiria ao menos salvar a vida.
Joklik passou quatro dias em Israel. Ficou em isolamento restrito, em
instalações de segurança máxima do Mossad. Isser decidiu usá-lo para duas
tarefas principais: como fonte de informações sobre o projeto egípcio e como
agente duplo que regressaria ao Egito e trabalharia para o Mossad.
Otto Joklik disse aos israelenses que tinha sido recrutado por um
funcionário superior alemão das United Arab Airlines, que o apresentara ao
general Mahmoud Khalil, que os cientistas alemães apelidavam “Herr Doktor
Mahmoud”. O seu encontro com o Herr Doktor resultou em dois projetos: o
“íbis” e o “Cleópatra”. O segredo desses projetos foi partilhado apenas com o
Professor Pilz e o Dr. Krug.
A “Operação íbis” visava dotar o Egito de uma arma radiológica capaz
de espalhar radiações nucleares perigosas. Joklik definiu como seu objetivo
obter grandes quantidades de um isótopo radioativo, o cobalto-60, e fazer
experiências com ele no Egito. Se estas corressem bem, Joklik tentaria obter
mais cobalto, que seria colocado nas ogivas dos mísseis e espalharia radiações
mortais após o impacto.
O propósito do seu segundo projeto, “Cleópatra”, era produzir duas
bombas atômicas. Joklik sugeriu um método original de fabrico das bombas:
comprar urânio enriquecido a 20 por cento nos EUA ou na Europa; enriquecê-
lo a 90 por cento com centrifugadoras especiais, desenvolvidas na Alemanha
e na Holanda pelos cientistas Dr. Wilhelm Groth, Dr. Jacob Kistemaker e Dr.
Gernot Zippe; e fabricar a bomba com o urânio enriquecido.
Joklik foi aos EUA, onde tentou obter urânio enriquecido. Também se
encontrou com vários cientistas alemães e convidou-os a construírem
centrifugadoras no Egito. Ao mesmo tempo, comprou cobalto-60 na Europa e
enviou-o para uma ginecologista do Cairo, chamada Dr.a Khalil, irmã do Herr
Doktor Mahmoud…
Quando o interrogatório de Joklik em Israel terminou, o seu
testemunho foi mandado para vários especialistas, para revisão e avaliação.
Os relatórios que estes fizeram, por alguma razão, não receberam a devida
atenção.
Quanto ao projeto “Cleópatra”, disseram os especialistas, as hipóteses
de Joklik conseguir urânio enriquecido a 20 por cento eram quase nulas.
Ainda que o conseguisse, o Egito precisaria de pelo menos cem
centrifugadoras da mais alta qualidade para produzir, em dois a três anos, o
urânio necessário para fabricar uma bomba. E, mesmo que construíssem a
bomba, esta não espoletaria, dado que as fórmulas de Joklik estavam
incorretas. Os especialistas também descartaram a importância da “Operação
íbis” e das armas radiológicas, cujo impacto, disseram, não seria maior do que
o de uma bomba normal.
O tom tranquilizador dos relatórios não acalmou a liderança da nação.
Pelo contrário, esta ficou ainda mais alarmada pelas informações de
que os egípcios também estavam a desenvolver armas químicas. A 11 de
janeiro de 1963, os seus medos mostraram-se justificados, quando os egípcios
usaram gás tóxico na sua guerra no Iêmen. A ministra dos Negócios
Estrangeiros Golda Meir encontrou-se com o presidente Kennedy e falou-lhe
do perigo de os egípcios armarem os mísseis com ogivas não-convencionais;
pediu-lhe que interviesse, mas Kennedy não o fez.
As ogivas não-convencionais eram, de fato, muito perigosas, mas a
prioridade máxima foi perturbar o desenvolvimento dos sistemas de
orientação dos mísseis.
No inverno de 1963, o Dr. Kleinwachter, especialista em sistemas de
orientação da Fábrica 333, passava umas semanas na Alemanha. Ao início da
noite de 20 de fevereiro, saiu do seu laboratório em Lõrrach e conduziu até o
estreito caminho na entrada de sua casa. O caminho estava escuro e deserto,
coberto de neve espessa. Subitamente, emergiu de uma rua transversal um
carro que bloqueou a passagem com um chiar de pneus. Dele saiu um homem
que se dirigiu a Kleinwachter. O cientista vislumbrou um terceiro homem no
carro.
“Onde vive o Dr. Shenker?”, perguntou o homem que saiu. Sem
esperar resposta, sacou de um revólver equipado com silenciador e disparou.
A bala despedaçou o para-brisas e alojou-se no cachecol de lã do cientista.
Kleinwachter tateou o guarda-luvas em busca do seu revólver, mas o
assaltante correu de volta para o outro carro, que desapareceu imediatamente
de vista.
A polícia descobriu o primeiro carro abandonado a cerca de 110 metros
da cena do ataque. Os três homens haviam fugido noutro carro. Tinham
deixado para trás um passaporte com o nome Ali Samir, um dos chefes dos
serviços secretos egípcios. O fato, afinal, era uma falsa pista: no dia do
ataque, Samir estava no Cairo e fora fotografado com um jornalista alemão.
Os homens que atacaram Kleinwachter nunca foram descobertos. Contudo, a
opinião unânime da imprensa foi que a tentativa de assassinato fora conduzida
por israelenses, e redundara em fracasso.
Poucas semanas depois, o Mossad voltou a tentar — tendo desta vez
como alvo o Dr. Paul Goerke, alemão, na Suíça.
Goerke, como Kleinwachter, trabalhava num sistema de orientação
para os mísseis egípcios no seu laboratório na Fábrica 333. Era tido como
muito importante pelos egípcios — assim como pelo Mossad. A sua filha
Heidi vivia em Friburgo, uma cidade alemã próxima da fronteira com a Suíça.
Pouco depois do atentado à vida de Kleinwachter, o Dr. Joklik telefonou a
Heidi e disse-lhe que conhecera o pai dela no Egito, onde este trabalhava no
desenvolvimento de armas terríveis que visavam a destruição de Israel.
Joklik insinuou que, se não cessasse as suas atividades, Goerke se
exporia a riscos sérios. Se, pelo contrário, saísse do Egito, ficaria incólume.
“Se ama o seu pai”, concluiu Joklik, “venha no sábado, 2 de março, às quatro
da tarde, ao Hotel Les Trois Rois, em Basileia, e eu apresento-a a um dos
meus amigos.”
Heidi, assustada, contactou imediatamente H. Mann, antigo oficial
nazista, que fora contratado pelos egípcios para garantir a segurança dos
cientistas.
Mann alertou a polícia de Friburgo, que notificou as autoridades
suíças. E assim, quando Joklik e o amigo entraram no Hotel Les Trois Rois,
tinham à espera vários carros da polícia estacionados nas traseiras do edifício,
detetives a deambular pelo átrio e gravadores instalados perto da mesa onde
Heidi Goerke se sentou.
Joklik e o amigo — o agente do Mossad Joseph Ben-Gal — caíram em
cheio na ratoeira. Não suspeitaram de nada, e falaram com Heidi Goerke uma
hora, com o cuidado de não fazer ameaças diretas, mas aludindo ao perigo
que o pai dela corria, se continuasse a construir as suas armas terríveis.
Ofereceram a Heidi um bilhete de avião para o Cairo, para que persuadisse o
pai a regressar à Alemanha, onde ele e a família estariam a salvo.
Quando o encontro terminou, os dois homens deixaram o hotel e
apanharam o trem das seis para Zurique, onde tomaram caminhos diferentes.
Porém, enquanto aguardava outro trem na plataforma, Joklik foi preso por
polícias à paisana. Ben-Gal foi detido perto do consulado israelense.
Nessa noite, a polícia alemã pediu à homóloga suíça que extraditasse
os dois homens suspeitos de ameaçar Heidi Goerke e, ainda, de ter
participado no ataque ao Dr. Kleinwachter.
Do seu quartel-general na Europa, Isser ativou os seus contatos e
tentou persuadir os suíços a libertarem Ben-Gal e Joklik, mas estes
recusaram-se, devido ao pedido de extradição alemão. Isser regressou a Israel
e encontrou-se com a ministra dos Negócios Estrangeiros Golda Meir.
Tinham-se tornado muito próximos e nutriam a mesma hostilidade e
suspeição para com a Alemanha. Golda sugeriu que Israel abordasse o
chanceler Adenauer e exigisse que a Alemanha Ocidental retirasse o pedido
de extradição.
Isser conduziu imediatamente para Tiberiades, onde o primeiro-
ministro Ben-Gurion passava férias. Urgiu-o a mandar um enviado especial a
Bona, a capital da Alemanha Ocidental. O enviado apresentaria a Adenauer
provas das atividades atrozes dos cientistas alemães no Egito, e exigiria uma
retirada do pedido de extradição.
Ben-Gurion recusou.
Isser não desistiu. “Tem de decidir o que fazer se a captura se tornar
pública. Nessa altura, todo o assunto explodirá.”
“Como assim, explodirá?”, perguntou Ben-Gurion.
“Assim que a prisão de Ben-Gal for conhecida, virá à luz toda a
história dos cientistas alemães no Egito. Israel terá de explicar porque é que
Ben-Gal fez o que fez. Também teremos de revelar que os egípcios têm
andado a comprar à Alemanha equipamento para construir mísseis e outros
projetos militares.”
Ben-Gurion pensou por momentos e acabou por dizer: “Assim seja.”
Foi o início da rutura entre os dois homens.
Ao início da noite de quinta-feira, 15 de março de 1963, a United Press
anunciou a prisão de Joklik e Ben-Gal, “por suspeita de ameaça da filha de
um cienasta alemão que trabalha para o Egito”. Isser Harel convocou uma
reunião secreta com os chefes de edição dos jornais diários e descreveu-lhes
os antecedentes da detenção de Ben-Gal. Teve o cuidado de sublinhar a
participação de Joklik no caso, o tipo de trabalho que este fizera no projeto
egípcio e o fato de ele ter voluntariamente mudado de lado e estar a tentar
reparar os danos que provocara.
Durante os dias seguintes, os adjuntos de Isser informaram em segredo
três jornalistas israelenses: Naftali Lavi, do Haaretz; Shmuel Segev, do
Ma’ariv; e Yeshayahu Ben-Porat, do Yedioth Aharonoth. A todos foram dados
os fatos, as moradas da Intra, da Patwag e do Instituto de Stuttgart.
Os três homens partiram então para a Europa, para reunir dados sobre
os cientistas alemães e enviá-los para os seus jornais em Israel. Isser achou
que as notícias sobre o projeto dos cientistas alemães teriam mais
credibilidade se chegassem da Europa. Outros homens do Mossad foram
mandados para o estrangeiro para informar jornalistas pró-Israel.
Isser Harel não percebeu que o tópico alemão era um dos mais
sensíveis em Israel. O seu ataque desenfreado à Alemanha começou uma
avalancha que não podia ser travada, uma torrente de acusações contra os
cientistas que provocou um verdadeiro pânico em Israel.
A 17 de março, já a imprensa israelense e estrangeira estava envolta
num mar de parangonas sensacionalistas: havia cientistas alemães, a maioria
dos quais antigos nazistas, produzindo armas mortíferas no Egito. Estavam a
preparar armas biológicas, químicas, nucleares e radioativas. Estavam a
desenvolver gás tóxico, micróbios terríveis, raios mortíferos, ogivas
equipadas com bombas atômicas ou resíduos radioativos que espalhariam
radiações letais.
Os jornais competiam entre si com a publicação de histórias que
pareciam plagiadas dos livros aos quadradinhos de Flash Gordon: o raio
mortífero que chiava e queimava tudo à sua passagem… o ar sobre Israel, que
ficaria envenenado durante 90 anos, no mínimo… os micróbios que
espalhariam pragas atrozes, etc. A campanha também acusou o Governo da
República Federal Alemã de se coibir de pôr fim às atividades diabólicas dos
seus cidadãos que trabalhavam para o Egito, mas que na verdade seguiam a
peugada de Hitler. Os jornalistas enviados para a Europa lançaram mais achas
para a fogueira, uma vez que todos os dias “descobriam” novos pormenores
sobre o plano diabólico dos cientistas.
O julgamento de Ben-Gal e Joklik em Basileia acabou com sentenças
leves para os dois homens — dois meses de prisão, já cumpridos. Mas teve
um resultado secundário com enormes implicações.
Durante o julgamento, o juiz reparou, subitamente, que um dos
espectadores estava armado.
“Como se atreve a entrar no meu tribunal com uma arma?”, perguntou,
indignado.
“Tenho licença para porte constante de armas. Sou o responsável pela
segurança dos cientistas alemães no Egito”, respondeu o homem.
Identificou-se como H. Mann — o homem que fora contactado por
Heidi Goerke após o telefonema de Joklik e que efetivamente alertara a
polícia alemã.
Um informante infiltrado do Mossad saiu imediatamente da sala de
audiências e comunicou o incidente aos superiores. Quando ouviu o relato, o
agente veterano do Mossad Raphi Medan apanhou o primeiro trem para Viena
e correu para casa do famoso caçador de nazistas Simon Wiesenthal.
Wiesenthal concordou imediatamente em ajudar o Mossad.
“Sabe alguma coisa sobre um alemão chamado H. Mann?”, perguntou
Medan.
Wiesenthal lançou-se à consulta dos seus vastos arquivos. Após
algumas horas, regressou à presença de Medan com um arquivo na mão. “Foi
oficial da SS durante a guerra”, disse. “Trabalhou numa unidade de operações
especiais sob as ordens do coronel Otto Skorzeny.”
Medan levou a informação ao omnipresente Rafi Eitan e a Avraham
Ahituv. Este era um homem quase careca e bronzeado, de bigode e óculos,
nascido na Alemanha com o nome de Avraham Gotfried e emigrado com os
pais devotos para Israel com cinco anos. Aos 16, já era membro do Haganah
e, aos 18, foi um dos fundadores do Shabak. Extremamente inteligente,
concluíra os estudos durante o seu serviço, e licenciara-se em Direito, summa
cum laude. Em 1955, apanhara o mais importante espião egípcio em Israel,
Rifat El Gamai, que operava sob a identidade israelense de Jack
Bitton.
Ahituv fez El Gamai mudar de campo e tornou-o um dos melhores
agentes duplos do Mossad. El Gamai forneceu informações especializadas
manipuladas aos egípcios durante mais de 12 anos. Em 1967, na véspera da
Guerra dos Seis Dias, El Gamai informou os egípcios de que Israel ia lançar
um ataque terrestre antes de ativar a aviação; a resultante lassidão da Força
Aérea egípcia facilitou a sua destruição em terra pelos jatos israelenses.
Ahituv acabaria por ser um dos melhores diretores de sempre do Shabak,
altamente apreciado pelos seus esforços por integrar os árabes israelenses na
sociedade israelense.
Naquele início de noite de maio de 1963, depois de ouvir o relatório de
Medan sobre Mann e Skorzeny, Ahituv virou-se para Eitan: “Porque não
tentamos recrutar o Skorzeny?”
A princípio, a ideia parecia fantasiosa, mas tinha a sua lógica: se
Skorzeny falasse com Mann, talvez conseguisse obter material altamente
classificado do seu antigo subordinado. A questão era agora como contactar
Skorzeny.
Uma pesquisa rápida mostrou que a mulher de Skorzeny, de quem ele
estava separado, se mantivera em contato próximo com ele e geria uma
empresa especializada em comércio de metais. Os agentes do Mossad
descobriram um empresário israelense, Shlomo Zablodovitch, que trabalhava
na mesma área, e contactaram-no. Sim, disse ele, conhecia a Sr.a Skorzeny.
Apresentou-os a ela, que lhes contou tudo o que precisavam de saber.
Foi assim que Eitan e Ahituv apareceram no escritório de Skorzeny em
Madrid. Pediram ao antigo herói do Terceiro Reich que se tornasse seu agente
e providenciasse à Mossad informações sobre as atividades dos cientistas
alemães no Egito. Além de H. Mann, Skorzeny conhecia alguns chefes da
comunidade alemã no Egito, muitos dos quais tinham sido seus colegas.
“Como é que posso confiar em vocês?”, perguntou Skorzeny. “Como é
que posso ter a certeza de que não me perseguirão mais tarde?” Receava que
os vingadores israelenses o descobrissem, como tinham descoberto
Eichmann, e o seu destino fosse o mesmo deste.
Rafi Eitan encontrou imediatamente a solução. “Temos o poder de lhe
oferecer liberdade do medo”, disse. Pegou numa folha de papel e escreveu
uma carta a Skorzeny, em nome do Estado de Israel, que lhe
garantia “liberdade do medo” e lhe assegurava que não seria submetido a
nenhum tipo de perseguição nem violência.
Skorzeny leu atentamente o documento e, depois, emudeceu.
Levantou-se e caminhou de trás para a frente e de frente para trás, imerso em
pensamentos.
Por fim, virou-se para os israelenses. “Concordo.”
Nos meses seguintes, Skorzeny forneceu aos seus contatos do Mossad
informações de valor incalculável sobre as atividades dos cientistas alemães
no Egito. Com a ajuda de H. Mann e dos seus antigos compinchas, obteve
listas pormenorizadas dos cientistas alemães e suas moradas, relatórios sobre
o progresso dos projetos, planos e diagramas dos mísseis, correspondência
sobre as tentativas frustradas de montar o sistema de orientação dos mísseis.
Isser Harel, porém, já não estava lá para ler os relatórios de Skorzeny.
Entretanto, a mídia israelense avançava, desenfreada.
Matérias, editoriais, cartoons e até poemas exaltados anunciavam que a
Alemanha de 1963 era a mesma Alemanha de 1933; e a mesma Alemanha
que tinha massacrado seis milhões de judeus ajudava agora o Egito a preparar
um novo Holocausto. No Knesset, Menachem Begin, líder da oposição,
pronunciou uma tirada incendiária contra Ben-Gurion: “Vocês andam
vendendo uzis aos alemães — e eles mandam micróbios para os nossos
inimigos.” Num discurso, Golda Meir, aliada de Isser, acusou os alemães no
Egito de produzirem armas “cujo objetivo era destruir todos os seres vivos”.
Estas acusações eram exageradas, quase totalmente afastadas da
realidade.
Amos Manor, diretor do Shabak e amigo próximo de Isser, contou-
nos: “Durante esse período, quando dirigiu a campanha contra os cientistas
alemães, Isser era um homem desequilibrado. Era muito mais do que uma
obsessão. Não se conseguia ter uma conversa normal sobre o assunto com
ele.”
Shimon Peres, vice-ministro da Defesa, regressado a Israel a 24 de
março de uma viagem a África, deu-se imediatamente conta do tremendo
perigo que a cruzada de Isser Harel podia ter nas relações germano-
israelenses.
Também percebeu que as histórias sobre as armas “que matam todos
os seres vivos” eram simplesmente absurdas. A Aman, o ramo de informações
das Forças Armadas israelenses, apresentou-lhe uma apreciação totalmente
diferente. “Reunimos tudo o que conseguimos”, disse o chefe de informações
das Forças Armadas, general Meir Amit, “e, pouco a pouco, algo se tornou
claro: esta história foi muito exagerada […]. O nosso pessoal diz que isto não
pode ser verdade; não pode ser algo tão grave.”
O pessoal de Amit não descobriu nenhuma indicação de que os
cientistas alemães estivessem a desenvolver armas químicas ou
bacteriológicas; as histórias sobre armas apocalípticas pareciam tiradas de
livros de ficção científica; as quantidades de cobalto que tinham entrado no
Egito eram ínfimas. Também ficou provado que o Dr. Otto Joklik, cujo
testemunho desempenhara um papel importantíssimo naquela história toda,
não passava de um oportunista em quem não se podia confiar.
O relatório da Aman chegou à mesa de trabalho de Ben-Gurion a 24 de
março. Este convocou imediatamente Isser Harel e questionou-o sobre as suas
fontes. Exigiu respostas completas e rigorosas. Isser admitiu ter enviado
jornalistas para a Europa, com instruções minuciosas; também admitiu não ter
informações sobre gás tóxico, radiologia, bombas de cobalto.
No dia seguinte, Ben-Gurion encontrou-se com Shimon Peres, que
veio acompanhado do chefe de Estado-Maior e do general Amit. O relato
pormenorizado feito pelo chefe da Aman pintou uma imagem clara: os
cientistas que trabalhavam no Egito eram medíocres e estavam construindo
mísseis obsoletos. Suas atividades eram, com efeito, perigosas, mas o pânico
que se espalhara pelos círculos executivos de Israel, incluindo o Ministério da
Defesa e as Forças Armadas, era absolutamente exagerado.
Ben-Gurion convocou Isser mais uma vez. A conversa foi tensa, e
Ben-Gurion expressou dúvida quanto à exatidão dos relatórios e das
avaliações de Isser. A confiança total que caracterizava as relações entre os
dois homens foi substituída por um debate furioso que tocou outros aspectos
das relações germano-israelenses. Isser regressou, colérico, a seu gabinete e
despachou uma carta de demissão para Ben-Gurion.
Ben-Gurion tentou convencê-lo a não renunciar, mas Isser não cedeu.
“Demito-me”, disse, “e é uma decisão final”.
Foi o fim de uma era.
Ben-Gurion pediu então a Isser que ficasse até que encontrasse um
substituto.
Isser recusou. “Diga a Ben-Gurion que envie imediatamente alguém, e
fique com as chaves”, disse à secretária de Ben-Gurion. O primeiro-ministro
teve de encontrar imediatamente um substituto para o mítico ramsad. “Ligue
já para Amos Manor”, disse à secretária, que correu para o telefone.
Contudo, o diretor do Shabak estava incomunicável, a caminho do
kibbutz Maagan no vale do Jordão, para visitar a família, e os celulares ainda
não tinham sido inventados.
“Então, ligue-me ao Meir”, disse Ben-Gurion, impacientemente. O
general Meir Amit estava a meio de uma viagem de inspeção no Negev, mas
foi contactado por rádio e convocado a Tel Aviv. À chegada, soube que ia ser
nomeado diretor do Mossad até que um novo chefe tomasse as rédeas da
organização. Poucas semanas depois, a nomeação de Amit tornou-se
definitiva.
Após a carta discreta de Shimon Peres a Franz Josef Strauss, a
Alemanha encarregou o Professor Boehm, um especialista respeitado, de
divisar meios de trazer os cientistas do Egito. A Alemanha conseguiu,
efetivamente, tentar muitos dos cientistas com ofertas de emprego em
instituições de investigação no seu território. Os outros deixaram
gradualmente o Egito. Não conseguiram construir mísseis, os sistemas de
navegação falharam, as ogivas de mísseis não foram preenchidas com
materiais radioativos, e nem o avião de Messerschmitt levantou voo.
Um dos autores deste livro viajou até Huntsville, no Alabama, e
encontrou-se com o menino dos olhos da NASA, Dr. Wernher von Braun.
Von Braun consultou exaustivamente as listas de cientistas alemães no
Egito e dos seus alegados projetos e concluiu que as hipóteses de aqueles
cientistas de segunda linha conseguirem fabricar mísseis eficazes eram muito
diminutas.
O projeto do Herr Doktor Mahmoud terminou num completo fracasso.
O assunto dos cientistas alemães originou a queda de Isser Harel e a
ascensão de Meir Amit. Harel desenvolveu um repúdio profundo para com o
seu sucessor e combateu-o amargamente durante os anos de Amit como
ramsad. O assunto dos cientistas alemães também minou o poder político de
Ben-Gurion, que se demitiu poucos meses depois.
No Cairo, os serviços secretos egípcios desmascararam Wolfgang
Lutz, o Espião do Champanhe, e prenderam-no em 1965. Contudo, foram
incapazes de desmascarar o seu disfarce alemão; foi simplesmente condenado
a pena de prisão e libertado após dois anos e meio.
O fim do assunto também foi o fim da colaboração do Mossad com
Otto Skorzeny, o agente mais improvável alguma vez ao serviço do Estado
judaico.
9. NOSSO HOMEM EM DAMASCO

Minha querida Nadia, minha querida família,


Escrevo estas últimas palavras na esperança de que continuem
eternamente unidos.
Peço a minha mulher que me perdoe, que se cuide e dê boa educação
a nossos filhos […]. Minha querida Nadia, pode voltar a se casar, para que
nossos filhos tenham pai.
Está absolutamente livre a esse respeito. Peço que não chore pelo
passado, mas olhe para o futuro. Envio meus últimos beijos. Por favor reze
pela minha alma.
O seu,
Elie

Esta carta chegou à mesa de trabalho do novo ramsad, Meir Amit, em


maio de 1965. Elie Cohen, um dos espiões mais audazes da História da
espionagem, escrevera-a com uma mão trêmula, poucos minutos antes de a
sua vida chegar a um final abrupto nas masmorras de Damasco.
A vida secreta de Elie Cohen começara mais de 20 anos antes. Cohen,
um judeu egípcio jovem e bonito, ia a caminho de casa numa tarde úmida a
meio de julho de 1954. Contava 30 anos, era de altura mediana, usava um
bigode preto aparado e tinha um sorriso desarmante. Encontrou um velho
amigo polícia numa rua do Cairo. “Vamos prender uns terroristas israelenses
hoje”, confidenciou o polícia. “Um deles chama-se Shmuel Azar.” Elie fingiu
espanto e admiração, mas, assim que se despediu do polícia, correu para o seu
apartamento alugado e tirou de lá a pistola, os explosivos e os documentos.
Elie estava profundamente envolvido em atividades clandestinas. Planeava
rotas de fuga e preparava documentos falsos de famílias judaicas que queriam
emigrar para Israel. Também era membro de uma organização judaica
clandestina que conduzia uma operação ambiciosa mais tarde conhecida como
“Caso Lavon”.
No início de 1954, os líderes israelenses tinham ficado ao corrente da
decisão do Governo britânico de se retirar completamente do Egito. O Egito
era o mais forte dos países árabes e um inimigo confesso de Israel. Enquanto
o Exército britânico estivesse presente no Egito e mantivesse bases e
aeródromos militares ao longo do canal do Suez, Israel podia contar com a
sua influência moderadora sobre a junta militar que governava o país. Com a
decisão de evacuar o Egito, essa influência evaporaria instantaneamente; além
disso, cairiam nas mãos do Exército egípcio bases modernas, aeródromos e
enormes aglomerados de equipamento e materiais bélicos.
Israel, então com apenas seis anos, podia tornar-se alvo de agressão de
um Exército egípcio maior e mais bem equipado que procurava vingança da
sua vergonhosa derrota na Guerra da Independência de Israel, em 1948.
Poderia a decisão britânica ser revogada? Ben-Gurion já não estava à
frente de Israel; tinha-se retirado para o kibbutz Sdeh Boker. Fora substituído
por um líder moderado mas fraco chamado Moshe Sharett. Pinhas Lavon,
ministro da Defesa, disputava abertamente a autoridade de Sharett. Sem o
conhecimento de Sharett, e sem informar o Mossad, Lavon e o coronel
Benyamin Gibli, chefe dos serviços de informação militares (Aman),
congeminaram um plano perigoso e insensato. Descobriram uma cláusula no
acordo britânico-egípcio que permitia à Grã-Bretanha regressar às suas
antigas bases em caso de crise grave, e julgaram ingenuamente que, se várias
bombas terroristas rebentassem pelo Egito, a Grã-Bretanha concluiria que os
líderes do Egito não conseguiam manter a lei e a ordem. Por conseguinte, os
britânicos cancelariam a decisão de se retirar do país. Lavon e Gibli decidiram
então fazer rebentar várias bombas no Cairo e em Alexandria, visando
bibliotecas e centros culturais americanos e britânicos, cinemas, postos de
correio e outros edifícios públicos. Os agentes secretos da Aman no Egito
recrutaram alguns jovens judeus locais, sionistas fervorosos, prontos a dar a
vida por Israel. Ao fazê-lo, a Aman infringiu a regra sacrossanta da
comunidade de serviços secretos israelense: nunca usar judeus locais em
operações hostis, uma vez que isso pode pôr em grave risco não só as vidas
dele, como a vida de toda a comunidade judaica. Para cúmulo, os jovens
rapazes e moças não receberam treino preliminar para aquele tipo de
operações.
As bombas eram rudimentares, feitas em estojos de óculos em que se
depositava uma substância química. Introduzia-se outra substância química
num preservativo posto dentro do estojo; o químico, altamente corrosivo,
queimava o preservativo e entrava em contato com a outra substância dentro
do estojo, produzindo assim um pequeno foco de incêndio. O preservativo era
usado como ferramenta temporal, para permitir que a pessoa que deixava o
dispositivo incendiário fugisse antes da explosão.
O plano estava condenado à partida. Em 23 de julho, após um par de
operações menores, uma das bombas explodiu no bolso de Philip Natanson,
membro da rede sionista, à entrada do Cinema Rio, em Alexandria. Natanson
foi detido pela polícia e, nos dias seguintes, todos os membros da rede foram
apanhados.
Elie Cohen também foi preso, mas as buscas ao seu apartamento não
conduziram à descoberta de nenhum indício incriminatório; Cohen foi
libertado, mas a polícia egípcia abriu um arquivo em seu nome. Este incluía
três fotografias e a história de Elie Shaul Jundi Cohen, nascido em 1924 em
Alexandria, filho de Shaul e Sophie Cohen, que tinham emigrado para um
destino desconhecido em 1949, com as duas irmãs e cinco irmãos de Elie. O
suspeito terminara o liceu francês e estudara na Universidade Farouk, no
Cairo.
Os egípcios não sabiam que a família de Elie tinha emigrado para
Israel e ficado em Bat Yam, um subúrbio de Tel Aviv.
A despeito das detenções, Elie decidiu ficar no Egito e não fugir.
Receando o pior para os amigos, coligiu todas as informações sobre o
encarceramento, maus-tratos e torturas que eles sofreram na prisão egípcia.
Em outubro, os egípcios tornaram pública a prisão de “espiões
israelenses” e, a 7 de dezembro, começou o julgamento destes no Cairo. Max
Bennet, agente secreto israelense preso com o restante grupo, matou-se
cortando os pulsos com um prego enferrujado que tirou da porta da cela. No
julgamento, a acusação pediu a pena de morte para alguns dos detidos. Os
pedidos de clemência que chegaram do núncio papal, do ministro dos
Negócios Estrangeiros francês, dos embaixadores americano e britânico, dos
membros da Câmara dos Comuns britânica Richard Crossman e Maurice
Auerbach, do rabino máximo do Egito… foram todos em vão. A 17 de janeiro
de 1955, o Tribunal Militar Extraordinário anunciou as sentenças: dois dos
acusados foram considerados inocentes; dois foram condenados a sete anos de
prisão com trabalhos forçados, outros dois a 15 anos, e dois a prisão perpétua.
Os dois chefes da rede, o Dr. Moshe Marzuk e o engenheiro Shmuel Azar,
foram condenados à morte e enforcados quatro dias depois, no pátio da prisão
do Cairo. Em Israel, o Governo foi abalado por um tremendo escândalo
político. Quem dera a ordem estúpida e criminosa para aquela operação?
Várias comissões de inquérito foram incapazes de dar uma resposta clara.
Lavon e Gibli atiraram as responsabilidades um para o outro.
Lavon, ministro da Defesa, foi forçado a demitir-se e substituído por
Ben-Gurion, que regressou da reforma. O coronel Gibli nunca foi promovido
e, passado pouco tempo, teve de abandonar o Exército.
No Egito, Elie Cohen perdera alguns dos seus melhores amigos.
Embora continuasse a ser suspeito aos olhos das autoridades, permaneceu no
Cairo e prosseguiu as suas atividades clandestinas. Só em 1957, após a Guerra
do Suez, emigrou para Israel.
“Os Mártires do Cairo”. Assim se chama uma rua sossegada e sombria
em Bat Yam. Elie passava por ela todos os dias, quando ia visitar a família.
Os primeiros passos que deu em Israel não foram fáceis. Durante algumas
semanas, andou à procura de trabalho. Graças à sua fluência em
línguas (árabe, francês, inglês e até hebraico), conseguiu emprego: traduzir
revistas semanais e mensais para a Aman. O seu escritório numa rua de Tel
Aviv estava disfarçado como agência comercial. Elie recebia um salário
modesto: 170 libras israelenses (95 dólares americanos) por mês. Ao cabo de
alguns meses, foi despedido. Um dos amigos, também ele judeu egípcio,
arranjou-lhe outro emprego: contabilista na cadeia de lojas Hamashbir. O
emprego era entediante, mas o salário, maior. Por essa altura, o irmão
apresentou-o a uma jovem enfermeira bonita e inteligente de origem
iraquiana. Um mês depois de a conhecer, Elie casou-se com Nadia, irmã de
um intelectual em ascensão chamado Sami Michael.
Certa manhã, entrou um homem no gabinete de Elie. “Chamo-me
Zalman”, disse. “Trabalho nos serviços secretos. Quero oferecer-lhe
emprego.”
“Que tipo de emprego?”
“Na verdade, muito interessante. Vai viajar muito à Europa. Talvez
tenha de ir a países árabes como nosso agente.”
Elie recusou. “Acabei de me casar”, disse. “Não quero viajar para a
Europa nem para sítio nenhum.”
Foi o fim da conversa, mas não o fim do assunto. Nadia engravidou e
teve de deixar o emprego que tinha. A Hamashbir foi reestruturada e despediu
alguns empregados. Elie foi um deles. Não conseguiu encontrar outro
trabalho. E então, como por mero acaso, bateu à porta do seu apartamento
alugado um visitante inesperado.
Era novamente Zalman.
“Porque é que se recusa a trabalhar para nós?”, perguntou a Elie.
“Pagamos 350 libras [195 dólares] por mês. Recebe formação durante
seis meses. Depois, se gostarmos de si, fica. Senão, é livre de ir embora.”
Desta vez, Elie não disse que não. E tornou-se agente secreto.
Alguns veteranos da Aman contam uma versão diferente. Segundo
eles, quando chegou a Israel, Elie não arranjou emprego na Aman, porque os
testes psicológicos por que passou mostraram que era demasiado confiante.
Era, sem dúvida, dotado de muita coragem e uma memória excelente,
mas tendia a sobreavaliar as suas capacidades e a correr riscos desnecessários.
A combinação desses traços tornava-o inadequado para a Aman.
Mas no início da década de 1960, as coisas mudaram. A Unidade 131
da Aman, a unidade de operações especiais do ramo de informações das
Forças Armadas israelenses, começou a procurar urgentemente um agente
altamente qualificado para Damasco, capital da Síria. Nos anos anteriores, a
Síria tornara-se o mais agressivo dos países árabes, e inimigo confesso de
Israel, que não perdia uma oportunidade para atacar. A Síria confrontou Israel
em batalhas sangrentas nos montes Golã, e nas margens do lago da Galileia;
espalhou esquadrões de terroristas ao longo da fronteira israelense. E, agora,
planeava um grandioso projeto de engenharia cujo objetivo era desviar
as águas dos afluentes do rio Jordão e cortar o abastecimento de água de
Israel.
No final da década de 1950, Israel lançara um projeto de construção de
enormes tubos e canais que transportariam uma parte da água do Jordão até
a árida região de Negev. A água foi retirada da parte do rio que passava por
território israelense. O projeto de água desencadeou uma série de
conferências árabes. As nações árabes decidiram solenemente desviar os
afluentes do Jordão e matar o projeto israelense. A tarefa foi atribuída à Síria.
Israel não podia sobreviver sem a água do Jordão. Não podia deixar
que a Síria fosse bem-sucedida, e começou a planejar uma resposta. Precisava
de um agente em Damasco, alguém de confiança, seguro de si e audaz. As
mesmas características que tinham levado a Aman a rejeitar Elie faziam a
Unidade 131 recebê-lo de braços abertos. (Cinquenta anos depois, veio a
saber-se que a Aman tentara recrutar outra pessoa para o trabalho — Sami
Michael, irmão de Nadia Cohen! Michael recusou, permaneceu em Israel e
tornou-se um dos seus grandes poetas.)
A formação de Cohen foi longa e exaustiva. Todas as manhãs, sob
qualquer pretexto, Elie saía de casa e dirigia-se ao centro de treinamento da
Aman. Durante várias semanas teve apenas um instrutor: um homem
chamado Yitzhak. Elie começou por aprender a memorizar coisas. Yitzhak
lançava uma dúzia de objetos na mesa — um lápis, um molho de chaves, um
cigarro, uma borracha, clipes. Elie olhava-os por um ou dois segundos.
Depois, tinha de fechar os olhos e descrevê-los. Também aprendeu a
identificar o tipo e o fabricante de tanques, aviões e canhões. “Vamos dar uma
volta”, dizia-lhe Yitzhak. Os dois saíam para passear nas ruas apinhadas de
Tel Aviv. “Estás a ver aquela banca de jornais?”, murmurava Yitzhak.
“Agora, vai lá e finge que estás a ver os jornais, mas ao mesmo tempo
tenta descobrir quem te está a seguir.” Quando regressavam ao centro,
Yitzhak ouvia o relatório de Elie e atirava um punhado de fotos na mesa.
“Acertou neste; realmente seguiu-o, mas e este aqui, junto à
árvore? Também andava atrás de você.”
Certa manhã, Zalman apresentou-o a outro instrutor, Yehuda, que
ensinou a usar um transmissor de rádio pequeno e sofisticado. Depois,
mandou Elie fazer uma série de exames médicos e testes psicológicos. Após
os testes, Zalman apresentou Elie a uma jovem chamada Marcelle Cousin.
“Chegou a hora de um teste decisivo, Elie”, disse-lhe Zalman.
“Marcelle vai dar-lhe um passaporte francês em nome de um judeu egípcio
que emigrou para a África e agora veio a Israel como turista. Com este
passaporte, vai a Jerusalém e fique lá dez dias. Marcelle vai dar todos os
pormenores de sua identidade falsa — seu passado no Egito, sua família, seu
trabalho na África. Em Jerusalém, só vai falar francês e árabe. Vai conhecer
pessoas, fazer amizades e estabelecer contatos novos sem revelar sua
verdadeira identidade. Também tem de se certificar de que não é seguido.”
Elie passou 10 dias em Jerusalém. No regresso, deram-lhe uns dias de
folga. Nadia acabara de dar à luz uma filha, Sophie. Depois do Rosh Hashana
— o ano novo judeu —, Zalman apresentou-o a dois homens, que não se
identificaram. “Passaste o teste em Jerusalém, Elie”, disse um deles, sorrindo.
“É hora de começar a tratar de assuntos sérios.”
Numa sala despida das instalações da Aman, Elie conheceu um xeque
muçulmano, que lhe ensinou pacientemente o Alcorão e as preces
muçulmanas. Elie tentou concentrar-se, mas não parava de cometer erros.
“Não se preocupe”, disseram-lhe os instrutores. “Se alguém começar a
fazer perguntas, diga que não é um muçulmano devoto e que só tem
memórias religiosas vagas dos dias de escola.”
Depois, Elie recebeu uma antevisão da sua missão: estava prestes a ser
enviado a um país neutro e, após mais formação, seguiria para a capital de um
país árabe.
“Qual?”, perguntou.
“A seu tempo saberá.”
Foi Zalman que disse: “Vai se fazer passar por árabe, criar contatos
locais e estabelecer uma rede de espionagem israelense.”
Elie concordou sem hesitações. Confiava que conseguiria cumprir a
missão.
“Vai receber passaporte sírio ou iraquiano”, disseram-lhe mais tarde os
instrutores.
“Por quê? Não sei nada sobre o Iraque. Arranjem documentos
egípcios.”
“É impossível”, disse Zalman. “Os egípcios têm registros atualizados
da população e de todos os passaportes que emitiram. É perigoso demais.
O Iraque e a Síria não têm registros assim. Não conseguiriam investigá-lo.”
Passados dois dias, Zalman e os colegas revelaram a Elie sua nova
identidade. “Seu nome é Kamal. Seu pai erae Amin Tabet, por isso seu nome
completo será Kamal Amin Tabet.”
Os funcionários que trabalhavam no caso de Elie tinham preparado
uma lenda — uma história falsa — pormenorizada para o seu novo agente. “É
filho de pais sírios. Sua mãe chamava-se Saida Ibrahim. Teve uma
irmã. Nasceu em Beirute, no Líbano. Quando tinha três anos, sua família saiu
do Líbano e mudou-se para o Egito, para Alexandria. Não se esqueça: sua
família é síria. Um ano depois, sua irmã morreu. Seu pai era negociante de
têxteis. Em 1946, seu tio emigrou para a Argentina. Pouco depois, escreveu
seu pai e convidou a família para juntar-se a ele em Buenos Aires. Em 1947,
chegaram todos à Argentina. Seu pai e seu tio estabeleceram uma parceria
com uma terceira pessoa e abriram uma loja de têxteis, mas foram à falência.
Seu pai morreu em 1956 e, seis meses depois, morreu também sua mãe. Você
vivia com o tio e trabalhavas numa agência de viagens. Mais tarde, entrou no
mundo dos negócios e se saiu muito bem.”
Elie precisava agora de uma história para contar à própria família.
“Arranjei emprego numa empresa que trabalha com os Ministérios da
Defesa e dos Negócios Estrangeiros”, disse ele a Nadia, quando regressou a
casa.
“Precisam de alguém que viaje pela Europa, compre ferramentas,
equipamento e materiais para a Ta’as [a indústria militar de Israel] e descubra
mercados para os produtos deles. Virei muitas vezes para casa, em licenças
prolongadas. Sei que a separação vai ser dura — para ambos, mas receberá
meu salário integral aqui, e em poucos anos compramos mobília na Europa e
montamos o apartamento.”
No início de fevereiro de 1961, um carro descaracterizado levou Elie
para o aeroporto de Lod. Um jovem que se apresentou como “Gideon” deu-
lhe um passaporte israelense com o nome verdadeiro dele, 500 dólares
americanos e uma passagem de avião para Zurique.
À chegada a Zurique, Elie foi recebido por um homem de cabelo
grisalho que lhe ficou com o passaporte e deu o passaporte de um país
europeu, noutro nome. Esse passaporte tinha um visto de entrada no Chile e
um visto de trânsito na Argentina. “Em Buenos Aires, o nosso pessoal
prolonga-te o visto de trânsito”, disse o homem, pondo na mão de Elie um
bilhete de avião para Santiago, com escala em Buenos Aires. “Amanhã
chegas a Buenos Aires. No dia seguinte, às 11 da manhã, deve ir ao Café
Corrientes. O nosso pessoal encontra você lá.”
Elie chegou à capital da Argentina e deu entrada num hotel. Na manhã
seguinte, às 11 em ponto, um homem idoso sentou-se à sua mesa no
Café Corrientes, e apresentou-se como Abraham. Cohen recebeu ordens para
se instalar num apartamento mobiliado, já alugado em seu nome. Um
professor local entraria em contato com ele e ensinar-lhe-ia espanhol. “Não
terá outras preocupações”, disse Abraham. “Eu trato de suas finanças.”
Três meses depois, Elie estava pronto para a fase seguinte. Falava um
espanhol aceitável, conhecia Buenos Aires bem, vestia-se e comportava-se
como milhares de imigrantes árabes que viviam na capital argentina. Outro
tutor ensinou-o a falar árabe com sotaque sírio.
Abraham encontrou-se novamente com ele num café e entregou-lhe
um passaporte sírio em nome de Kamal Amin Tabet. “Tem de mudar de
endereço até o fim da semana”, disse Abraham. “Abra uma conta bancária
nesse nome. Comece a frequentar os restaurantes árabes, os cinemas em que
passem filmes árabes e clubes culturais e políticos árabes. Tente fazer o maior
número possível de amigos, estabelecer contatos com os chefes da
comunidade árabe. É um homem abastado, um comerciante e um empresário
brilhante. Trabalha no negócio das importações e exportações, mas também
está envolvido em transportes e investimentos. Faça contribuições generosas
para os fundos de caridade da comunidade árabe. Boa sorte!”
O espião israelense tinha realmente muita sorte. Em poucos meses,
Elie Cohen foi capaz de penetrar no âmago da comunidade sírio-árabe de
Buenos Aires. O seu charme, confiança, bom senso e fortuna atraíram muitos
árabes, entre os mais importantes. Depressa se tornou uma figura conhecida
nos círculos árabes. A grande oportunidade aconteceu no clube muçulmano,
numa noite em que conheceu um cavalheiro de ar digno, bem vestido, quase
careca, cujo rosto era adornado por um bigode farfalhudo. Este apresentou-se
como Abdel Latif Hassan, chefe de edição da revista Mundo Árabe, publicada
na Argentina. Hassan ficou profundamente impressionado com a
personalidade séria do “imigrante sírio” e os dois tornaram-se amigos
próximos.
Aos acontecimentos culturais nos clubes seguiram-se reuniões mais
íntimas na companhia de líderes da comunidade árabe. Elie ganhou lugar na
lista de convidados da embaixada síria, e era solicitado para festas e recepções
finas. Numa recepção oficial na embaixada, Hassan conduziu o amigo Tabet
até um funcionário imponente, trajado com um uniforme de general sírio.
“Permita-me que lhe apresente um verdadeiro e devoto patriota sírio”,
disse Hassan ao general. E depois, virando-se para Elie, acrescentou:
“Apresento-lhe o general Amin el-Hafez, adido militar da embaixada.”
Elie parecia ter concluído a última fase de estabelecimento de sua
história.
Chegara a hora da verdadeira missão de espionagem. Foi informado de
tudo num encontro breve e sub-reptício com Abraham em julho de 1961. No
dia seguinte, entrou no gabinete de Hassan. “Estou farto de viver na
Argentina”, admitiu. Amava a Síria acima de tudo, e queria regressar. Será
que Hassan podia ajudá-lo, escrevendo algumas cartas de recomendação? O
editor escreveu imediatamente quatro cartas: uma para o cunhado, em
Alexandria, duas para amigos em Beirute (um dos quais um banqueiro
muitíssimo influente) e a carta para o filho, em Damasco. Elie visitou os seus
outros amigos árabes, e não tardou a encher a mala com cartas de
recomendação entusiásticas, escritas pelos líderes da comunidade de Buenos
Aires.
Em julho de 1961, Kamal Amin Tabet foi para Zurique, trocou de
avião e seguiu para Munique. No aeroporto da capital bávara, foi abordado
por um agente israelense chamado Zelinger. Este entregou a Elie o seu
passaporte israelense e um bilhete de avião para Tel Aviv. No início de
agosto, Elie chegou a casa. “Vou ficar alguns meses em casa”, disse ele a
Nadia.
Os meses seguintes foram passados em treino intensivo. A história de
Elie era perfeita e ele identificava-se completamente com a sua nova
personalidade. Yehuda, o seu instrutor de rádio, voltou a aparecer para o
ensinar a fazer transmissões de rádio em código. Passadas poucas semanas,
Elie era capaz de receber e transmitir entre 12 e 16 palavras por
minuto. Leu compulsivamente livros e documentos sobre a Síria, o seu
exército, armas e estratégia. Após uma miríade de reuniões com especialistas,
ele próprio se tornou especialista em política interna síria.
Em dezembro de 1961, Elie regressou a Zurique. Porém, o seu destino
final era Damasco, a toca do lobo.
A tensão na fronteira entre a Síria e Israel crescera devido à fraqueza
interna do regime sírio. Desde 1948, o país fora abalado por uma longa série
de golpes militares. Passou a ser raro que um ditador sírio tivesse o privilégio
de morrer de causas naturais — morriam na forca, em frente de um pelotão de
fuzilamento, ou pelos bons serviços de um assassino. O instável país vivia em
constante tumulto. Muito frequentemente, ansiosos por distrair a opinião
pública dos problemas internos, os líderes sírios causavam deliberadamente
incidentes fronteiriços. As execuções públicas eram uma cena comum nas
praças de Damasco. Um após outro, os carrascos tiravam a vida de pessoas
rotuladas como conspiradoras, espiãs, inimigas do Estado e apoiadores do
regime anterior. Pouco tempo antes de Elie chegar, um golpe, em 28 de
setembro de 1961, pusera fim à breve união sírio-egípcia, pomposamente
chamada “República Árabe Unida”.
Antes de iniciar a sua missão, Elie encontrou-se com o eterno Zalman,
que lhe deu instruções pormenorizadas: “Vai receber um transmissor de rádio
do Zelinger, seu contato em Munique. Depois de chegar a Damasco, será
contactado por um empregado da empresa de radiodifusão síria.
Também ele é um “imigrante” que, como você, instalou-se
recentemente na Síria. Não conhece sua verdadeira identidade. Não tente
encontrá-lo! Ele determinará o momento certo para estabelecer contato com
você.”
Em Munique, Zelinger ofereceu-lhe um pacote impressionante de
equipamento de espionagem: folhas de papel em que a chave do código de
transmissão fora escrita com tinta invisível; livros que serviam como códigos
de transmissão; uma máquina de escrever especial; um transistor em que fora
inserido um transmissor; uma máquina de barbear cujo cordão servia de
antena para o transmissor; barras de dinamite escondidas em sabão Yardley e
cigarros; e alguns comprimidos de cianeto, para suicídio, caso fosse preciso…
Elie perguntou-se como conseguiria entrar com todo aquele
equipamento na Síria, onde a alfândega e os controles de imigração eram
minuciosos e severos.
Zelinger tinha a resposta: “Vai comprar uma passagem no SS Astoria
que navegará de Gênova para Beirute no início de janeiro. Alguém entrará em
contato com você no navio e vai ajudar a passar os controles fronteiriços na
Síria.”
Elie embarcou no Astoria. Certa manhã, quando estava sentado perto
de um grupo de passageiros egípcios, um homem aproximou-se e murmurou:
“Segue-me.” Elie levantou-se e afastou-se do grupo. O homem
disse: “Mei nome é Majeed Sheikh El-Ard. Tenho carro.” A dica era que ele
conduziria Elie até Damasco.
El-Ard era um homem baixo e tímido, empresário internacional e um
conhecido — e dúbio — empresário de Damasco. Era casado com uma judia
egípcia e, contudo, escolhera passar os anos da Segunda Guerra Mundial na
Alemanha nazista. A sua personalidade instável e gananciosa fazia-o parecer
um mau parceiro, que foi precisamente o que atraiu a atenção dos serviços
secretos israelenses. Estes não tardaram a fazer dele seu agente, pese embora
ele não se apercebesse disso. Acreditava que trabalhava para sírios de
extrema-direita a atuar clandestinamente. Acreditou piamente na história de
Kamal Amin Tabet e nos anos seguintes seria uma enorme ajuda para o espião
israelense.
A sua primeira tarefa foi certificar-se de que a bagagem de Tabet
passaria incólume pelos controles sírios.
Dia 10 de janeiro de 1962. O carro de El-Ard, vindo de Beirute, foi
parado na fronteira síria. No porta-bagagens, estavam as malas de Elie Cohen,
cheias de equipamento de transmissão e outros objetos incriminatórios. Elie
viajava sentado no assento do pendura, ao lado de Sheikh El-Ard.
“Está ali o meu amigo Abu Khaldun”, disse El-Ard a Elie, quando se
aproximaram da fronteira. “Ele por acaso está com problemas financeiros.
Quinhentos dólares americanos vão certamente melhorar a situação
dele.”
E, assim, viajaram rapidamente 500 dólares da carteira do agente
israelense para o bolso de Abu Khaldun, inspetor da alfândega síria. A
barreira foi levantada e o carro rumou ao deserto. Elie Cohen estava na Síria.
Na agitada Damasco, repleta de mesquitas apinhadas e souks
coloridos, não era difícil imergir na multidão. Mas Elie queria exatamente o
oposto.
Queria sobressair, e depressa. Alugou uma villa de luxo no bairro
chique de Abu Ramen, próximo do quartel-general do Exército sírio. Da
varanda da villa, Elie conseguia ver a entrada da casa de hóspedes oficial do
Governo sírio. A sua própria casa ficava entre embaixadas estrangeiras,
moradias de ricos homens de negócios e residências oficiais dos líderes da
nação. Elie guardou imediatamente o seu equipamento secreto em vários
esconderijos espalhados pela casa. Para evitar o risco da entrada de
informantes ou traidores em sua casa, decidiu viver sozinho e abster-se de
contratar empregados.
E teve novamente sorte. Chegara a Damasco no momento certo. O
colapso da República Árabe Unida foi visto pelo presidente Nasser, no Cairo,
como uma afronta pessoal e uma humilhação para o Egito. Os líderes sírios,
tanto os políticos como os militares, estavam obcecados com a possibilidade
de um golpe de Estado inspirado pelos egípcios, e a espionagem israelense
não estava na agenda de prioridades. Além disso, precisavam
desesperadamente de aliados, apoiantes e fontes de financiamento novos, quer
na Síria quer entre os emigrantes sírios. Kamal Amin Tabet, o leal milionário
nacionalista, armado com excelentes cartas de recomendação, era o homem
certo à hora certa.
Cohen estabeleceu contatos com rapidez e eficácia. As cartas de
recomendação abriram as portas da alta sociedade, dos bancos e dos círculos
comerciais que tinham inspirado o golpe de Estado de 28 de setembro. Os
seus novos amigos apresentaram Elie a funcionários de topo do Governo,
altas patentes do Exército e líderes do partido do poder. Dois ricos homens de
negócios cortejaram o jovem e bonito milionário, na esperança de que ele
casasse com uma das suas filhas. Numa demonstração de generosidade,
Tabet contribuiu com uma soma substancial de dinheiro para a
construção de uma cozinha pública para os pobres de Damasco. A sua nova
popularidade abriu-lhe o caminho dos círculos de governação; porém, Elie
absteve-se de se identificar com os novos governantes sírios, pois intuiu que a
situação era temporária. A Síria ainda atravessaria grandes abalos internos
após a separação do Egito.
Um mês após a sua chegada a Damasco, Elie foi visitado por George
Salem Seif, um apresentador de rádio que conduzia as transmissões da Rádio
Damasco para os emigrantes. Era o homem que Zalman mencionara na última
reunião de informação de Elie em Israel. Seif tinha “regressado” à Síria um
pouco antes de Tabet. Em virtude da sua posição, podia fornecer a Elie
informações privilegiadas sobre a situação política e militar. Seif também
mostrou a Elie as linhas de orientação secretas que o ministro da Propaganda
lhe dava, definindo o que podia difundir e o que tinha de esconder da sua
audiência. Nas festas na casa de Seif, Elie conheceu vários altos cargos e
políticos conhecidos.
Seif, como El-Ard, não fazia ideia da verdadeira identidade de Elie
Cohen. Também ele acreditava que Tabet era um nacionalista fanático com
uma agenda política pessoal.
Elie Cohen percebeu que se tornara o espião mais solitário do mundo -
sem um único amigo e confidente; não sabia se havia outra rede israelense a
operar em Damasco. Precisava de nervos de aço para suportar a pressão da
terrível solidão e desempenhar um perigoso papel 24 horas por dia. Sabia que
nem durante as suas raras visitas a casa podia partilhar o segredo com a
mulher e que também a tinha de enganar.
Começou a transmitir as suas mensagens para Israel diariamente, às
oito da manhã — e às vezes também à noite. As suas transmissões eram feitas
sob uma proteção infalível. O transmissor estava na sua villa, muito perto do
Quartel-General do Exército, uma fonte de transmissões infindáveis.
Ninguém conseguia distinguir entre as transmissões de Elie e a miríade
de mensagens emanadas do centro de comunicações do Exército.
Seis meses depois de chegar à Síria, Kamal Amin Tabet tornara-se uma
figura conhecida na alta sociedade de Damasco. Depois, decidiu ir ao
estrangeiro “em negócios”. Primeiro, voou para a Argentina, onde se
encontrou com vários dos seus amigos árabes, depois foi para a Europa,
mudou de avião e de identidade, e aterrissou no aeroporto de Lod numa noite
quente de verão. O “caixeiro-viajante” chegou carregado de presentes ao seu
apartamento modesto em Bat Yam, onde Nadia e Sophie o esperavam.
No final do outono, Elie Cohen apanhou um avião para a Europa.
Poucos dias depois, Kamal Amin Tabet chegou a Damasco. Durante a sua
estada em Israel, os seus superiores da Aman tinham-lhe dado uma
minicâmera, para que ele pudesse fotografar locais e documentos. Teve de
esconder os microfilmes em caixas caras de peças de gamão. As caixas eram
feitas de madeira polida ornamentada com um mosaico de nácar e marfim. O
ornamento em mosaico podia ser retirado da madeira polida, e reinserido após
o microfilme ter sido colocado na cavidade. Tabet enviaria os jogos de gamão
para “amigos na Argentina”, que os mandariam para Israel na mala
diplomática.
Alguns dos primeiros documentos que Elie enviou foram relatórios
internos secretos sobre o crescente descontentamento no Exército e o poder
ascendente do partido socialista Ba’ath (Ressurreição). Elie sentiu uma
profunda mudança de ambiente na Síria e deixou-se guiar pela intuição.
Estabeleceu contatos próximos com os líderes do Ba’ath e contribuiu
com grandes quantias de dinheiro para o partido.
Agira bem. A 8 de março de 1963, Damasco foi sacudida por um novo
golpe de Estado. O Exército depôs o Governo e o partido Ba’ath tomou o
poder na Síria. O general Hafez, amigo de Elie desde Buenos Aires, foi
nomeado ministro da Defesa do gabinete de Salah Al-Bitar. Em julho, deu-se
novo golpe, dessa vez dentro do regime. Hafez tornou-se presidente do
Conselho Revolucionário e chefe de Estado. Os melhores amigos de Tabet
foram nomeados para posições cruciais no Governo e na hierarquia militar.
O espião israelense era agora membro do círculo íntimo do poder.
Uma festa charmosa em Damasco. Um após outro, os carros luxuosos
de ministros e generais chegaram à enorme villa. Uma longa fila de
convidados em fatos de noite e uniformes resplandecentes entra na casa, onde
o anfitrião recebe calorosamente os seus convidados. A lista parece um
diretório de “quem é quem em Damasco”: vários ministros, incluindo o
ministro da Defesa e o ministro da Reforma Agrária, vários generais e
coronéis, os líderes de topo do Ba’ath, empresários e magnatas. Muitos deles
rodeiam o coronel Salim Hatum, o oficial que conduziu os seus tanques até
Damasco na noite do golpe de Estado, e deu efetivamente a presidência ao
general Hafez.
O presidente Hafez chega mais tarde e cumprimenta calorosamente o
seu anfitrião e amigo Kamal Amin Tabet. Vem acompanhado pela mulher,
deslumbrante no casaco de marta que Tabet lhe ofereceu como sinal da
admiração dos emigrantes sírios pelo presidente e a sua mulher. Não é a única
que recebe presentes dispendiosos de Tabet. Muitas mulheres usam joias e
vários altos cargos conduzem carros oferecidos por Tabet.
Importantes responsáveis políticos depositaram dinheiro dele nas suas
contas.
Na sala, um grupo de funcionários governamentais e oficiais do
Exército regressados da fronteira com Israel discute a situação militar; são
acompanhados por empresários e engenheiros que trabalham no ambicioso
projeto de desvio dos afluentes do rio Jordão. No espaçoso átrio, reúnem-se
os diretores da Rádio Damasco, a rádio estatal, e os diretores do Ministério da
Propaganda. Tabet é agora um deles, uma vez que o Governo lhe pediu que
fizesse umas transmissões de rádio para as comunidades emigrantes.
Tabet tem outro programa de rádio, em que analisa assuntos políticos e
econômicos.
Aquele partido, como muitos outros, custa uma fortuna a Tabet, mas
este nem pestanejou. Atingiu o cume do êxito, e parece que não há porta que
não consiga abrir. Tem bons amigos do Quartel-General do Exército e
participa regularmente em reuniões de decisão política do Ba’ath.
Elie continuou a transmitir para Israel relatórios de caráter militar,
nomes e funções de funcionários de topo do Governo, ordens militares
ultrassecretas e outros assuntos. Fotografou e enviou para a Aman mapas
militares, a maioria dos quais diagramas pormenorizados das fortificações ao
longo da fronteira israelense. Também enviou relatórios sobre novas armas
introduzidas no Exército sírio. Descreveu a capacidade síria de absorção de
novas armas.
Meses depois, um general sírio admitiria amargamente: “Não havia
segredo do Exército que Elie Cohen desconhecesse…”
Elie transmitia todas as manhãs para Israel e não receava ser apanhado,
graças à rede protetora das transmissões do Exército sírio do quartel-general
adjacente. Porém, certa vez recebeu uma visita-surpresa de um amigo, o
tenente do Exército Zaher Al-Din. Elie conseguiu esconder o transmissor, mas
ficou na mesa um molho de papéis com o código secreto, sob a forma de
grelhas cheias de letras.
“Que é isto?”, quis Zaher saber.
“Oh, são palavras-cruzadas”, disse Elie.
Além das transmissões e das caixas de gamão para os seus “amigos
argentinos”, Elie desenvolveu uma terceira via de comunicação com Israel: a
Rádio Damasco. Divisou com os seus superiores em Tel Aviv um código de
palavras e expressões que inseriu nos seus programas de rádio e que eram
devidamente descodificadas pela Aman.
Elie deu ainda outro passo nos seus esforços de obtenção de
informações ultrassecretas. Começou a correr um rumor nos círculos
governamentais em Damasco de que Tabet organizava festas de sexo ilícito na
sua villa. Só os seus amigos mais próximos e íntimos eram convidados para
as festas, onde conheciam variadas mulheres bonitas. Algumas eram
prostitutas de rua e outras meninas de boas famílias. Os convidados de Tabet
apreciavam o sexo selvagem, mas o seu anfitrião era o único que não perdia a
calma.
Cohen também fornecia secretárias atraentes — e generosas — aos
seus amigos em posições de topo. Um deles era o coronel Salim Hatum, cuja
amante passava a Tabet cada palavra que ouvia do seu coronel.
Tabet mostrava um fervor patriótico extremo quando falava sobre
Israel, que definia como “o mais vil inimigo do nacionalismo árabe”. Urgia os
líderes da Síria a aumentar a propaganda anti-israelense e a abrir
uma “segunda frente” contra Israel, depois do Egito. Até acusou os amigos de
não fazerem tudo o que podiam contra o agressor israelense. Ao fazê-lo,
alcançou o seu objetivo. Os amigos militares ficaram determinados a mostrar-
lhe que se enganara e a provar-lhe que estavam preparados para combater o
inimigo.
Levaram-no por três vezes a visitar as posições sírias ao longo da
fronteira israelense. Deixaram-no ver as fortificações e os bunkers,
mostraram-lhe as armas concentradas na zona e descreveram-lhe os seus
planos defensivos e ofensivos. O tenente Zaher Al-Din levou-o ao campo
militar El-Hama, onde estavam armazenadas grandes quantidades de armas
novas. Na sua quarta visita à fronteira israelense, Tabet foi o único civil num
grupo de altos dirigentes sírios e egípcios. O grupo era liderado pelo chefe
militar árabe mais respeitado de todos, o general egípcio Ali Amer, cabeça do
Comando Árabe Unido, que dirigia — pelo menos no papel — as forças
combinadas do Egito, da Síria e do Iraque.
Logo após a visita de Amer, os líderes do Ba’ath encarregaram Tabet
de uma incumbência vital: foi enviado numa missão de reconciliação com
Salah Al-Bitar, o idoso líder do Ba’ath, que fora deposto pelo general Hafez e
estava desde então “numa cura” em Jericó. Tabet foi à Jordânia e passou
alguns dias com o antigo primeiro-ministro. Regressado a Damasco, Tabet
acompanhou ao aeroporto o doente presidente Hafez, que ia a caminho de
Paris para fazer tratamento médico. Quando Hafez voltou, passadas umas
semanas, Tabet estava novamente na recepção de boas-vindas que aguardava
na pista. A sua missão fora inteiramente conseguida.
Em 1963, houve uma importante mudança em Israel. Meir Amit, o
novo ramsad que substituíra o Pequeno Isser, estava havia uns meses à frente
quer da Aman quer do Mossad. Amit decidiu abolir a Unidade 131 e transferir
todos os homens e operações dela para o Mossad. Elie Cohen soube certa
manhã que seu empregador mudara e que era agora agente do Mossad.
Nesse mesmo ano, Nadia deu à luz sua segunda filha, Íris. Porém, em
novembro de 1964, durante a segunda visita a Israel naquele ano, Elie viu seu
sonho secreto concretizar-se: Nadia teve um terceiro bebê, um menino!
Chamaram-no Shaul.
“Durante aquela visita, notamos que Elie tinha mudado”, disseram
mais tarde os membros da sua família. “Estava introvertido, nervoso e
lúgubre. Perdeu a calma várias vezes. Não queria sair, não queria encontrar
amigos. “Logo me despeço”, disse ele. “No ano que vem, regresso a Israel.
Não vou deixar novamente a minha família.”
No final de novembro, Elie deu um beijo de despedida à mulher e aos
três filhos, e foi novamente embora. Nadia não sabia que aquele era o último
adeus.
O dia 13 de novembro de 1964 era uma quarta-feira. As posições sírias
na fronteira israelense, perto de Tel-Dan, abriram fogo sobre tratores
israelenses que trabalhavam na zona desmilitarizada. A reação israelense foi
extraordinária. Tanques e canhões ripostaram com fogo intensivo e, minutos
mais tarde, aviões Mirage e Vautour juntaram-se à batalha. Os aviões
fustigaram as posições sírias, depois desceram em direção ao local de desvio
das águas do Jordão e rebentaram os canais escavados pelos sírios.
Destruíram sistematicamente equipamento mecânico pesado,
escavadoras, tratores e pás. A Força Aérea síria não interferiu, pois ainda não
dominava os seus recém-comprados jatos soviéticos MiG.
A imprensa mundial legitimou quase unanimemente a resposta
israelense à agressão síria. Meses depois, os dirigentes sírios diriam que um
dos arquitetos do ataque israelense fora Elie Cohen, que estava em Israel
durante a batalha. Graças a Cohen, os israelenses estavam inteiramente a par
do pobre estado da Força Aérea síria e da sua incapacidade de travar uma
batalha naquela fase. Os israelenses também tinham conhecimento
pormenorizado das fortificações sírias e dos trabalhos de desvio de água.
Sabiam exatamente que tipo e que quantidade de armas estavam posicionados
em cada base e bunker.
Mas Elie Cohen sabia muito mais do que isso. Tinha conseguido travar
amizade com um empresário saudita que fora contratado para planejar e
escavar os primeiros canais do projeto sírio. Graças a essa amizade, os
israelenses souberam, com meses de antecedência, onde se fariam as
escavações, que profundidade e largura teriam os canais, que equipamento
seria utilizado, e outros pormenores técnicos. O empreiteiro também informou
o seu amigo Tabet sobre a capacidade dos canais para suportar
bombardeamentos aéreos e toda a extensão das medidas de segurança. O bom
amigo de Cohen chamava-se Bin Laden, pai do pequeno Osama. Graças às
informações pormenorizadas que este deu ao espião, Israel atacou o projeto
várias vezes, até os países árabes decidirem abandoná-lo de vez em 1965.
A meio de janeiro de 1965, poucas semanas depois de Elie ter deixado
Israel, a caixa de correio de Nadia Cohen recebeu um bonito postal. “Minha
querida Nadia”, escreveu Elie em francês, “escrevo-te estas pequenas linhas
para te desejar um Feliz Ano Novo, que espero que traga felicidade a toda a
família. Muitos beijos para os meus queridos Fifi [Sophie], íris e
Shaikeh’ [Shaul], e para ti, do fundo do meu coração — Elie.”
Quando Nadia recebeu o postal, Elie jazia, espancado e torturado, no
duro chão empedrado da prisão de Damasco.
Há vários meses que o Mukhabarat -serviço secreto — sírio estava em
alerta. O alarme fora acionado pelo chefe Tayara, diretor do departamento
palestino do Mukhabarat. Tayara reparou que, desde o verão de 1964, quase
todas as decisões tomadas pelo Governo sírio ao final da tarde ou até durante
a noite eram transmitidas no dia seguinte nos programas de língua árabe da
Kol Israel, a rádio pública israelense. Além disso, Israel tornara públicas
algumas decisões ultrassecretas, tomadas em reuniões restritas. Tayara
também ficou pasmado com a precisão dos bombardeamentos israelenses
durante o incidente de 13 de novembro. A sua conclusão lógica foi que os
israelenses tinham conhecimento exato dos destacamentos do Exército sírio
nas linhas da frente, e sabiam precisamente o que atingir e como. Ficou
convencido de que Israel tinha um espião nos mais altos níveis do Governo
sírio. A Kol Israel transmitia as informações do espião numa questão de
horas. Isso significava que ele enviava os seus relatórios por rádio. Mas onde
estaria o transmissor?
No outono de 1964, Tayara e os colegas empreenderam grandes
esforços de localização do transmissor secreto com equipamento soviético,
mas falharam.
Em janeiro de 1965, tiveram sorte.
Um navio soviético descarregou no porto de Latakiyeh uns contentores
enormes carregados de equipamento de comunicação novo, que substituiria os
instrumentos obsoletos do Exército sírio. A troca de equipamento teve lugar a
7 de janeiro de 1965. Para que os novos dispositivos pudessem ser instalados
e verificados, todas as comunicações do Exército foram suspensas durante 24
horas.
E, então, quando o silêncio caiu sobre todas as comunicações do
Exército do país, um oficial de serviço num receptor militar discerniu uma
transmissão solitária e tênue. A transmissão do espião. O oficial pôs-se
imediatamente ao telefone.
Esquadrões do Mukhabarat equipados com localizadores soviéticos
lançaram-se imediatamente na busca da fonte da transmissão. Infelizmente, a
transmissão parou antes de chegarem ao local. Porém, os cálculos febris dos
técnicos apontaram numa direção: a casa de Kamal Amin Tabet.
“É um erro”, determinou um dirigente do Mukhabarat. Era impensável
que Tabet, que os líderes do Ba’ath queriam nomear ministro no Governo
seguinte, pudesse ser espião. Tabet estava acima de qualquer suspeita.
Mas, nessa noite, a transmissão fez-se novamente notar. O Mukhabarat
pôs-se novamente em campo e chegou ao mesmo resultado.
Às oito da manhã em ponto, num dia ensolarado de janeiro, quatro
agentes do Mukhabarat forçaram a entrada na esplêndida casa do bairro Abu
Ramen.
Arrombaram a porta principal, arrancando-a dos gonzos, e correram
para o quarto, de armas na mão. O espião estava lá, mas não dormiar. Foi
apanhado em flagrante delito, em meio a uma transmissão. Ergueu-se
imediatamente e encarou os agentes; não tentou fugir e não resistiu aos
captores. Pela primeira vez, a sorte estava contra ele. “Kamal Amin Tabet”,
tonitruou o agente no comando, “está preso!”
A notícia se alastrou como fogo por Damasco. Uma fantasia, um
absurdo, impossível, disparate! Não havia palavras que expressassem o
choque e a incredulidade dos líderes sírios quando ouviram as notícias.
Poderia um dos dirigentes do partido de Governo, amigo pessoal do
presidente, milionário e membro da alta sociedade ser… um espião?!
As provas, porém, eram irrefutáveis. O transmissor que Tabet guardava
atrás das portadas da janela, o pequeno transmissor de reserva escondido no
grande candelabro da sala, os microfilmes, os cigarros cheios de dinamite, as
páginas com códigos… O homem era, efetivamente, um traidor.
Perfeitamente em pânico, as cabeças do regime ordenaram uma
investigação aturada. Que sabia ao certo Tabet? Será que podia incriminá-los?
O próprio presidente Hafez foi interrogá-lo à cela. “Durante o interrogatório”,
testemunhou Hafez mais tarde, “quando fitei Tabet nos olhos, fui subitamente
assaltado por uma terrível suspeição. Senti que o homem à minha frente não
era sequer árabe. Muito cautelosamente, fiz-lhe algumas perguntas sobre
religião muçulmana, sobre o Alcorão. Tabet mal conseguiu citar alguns
poucos versos. Tentou defender-se dizendo que tinha saído da Síria ainda
muito jovem e que a sua memória o traia. Mas naquele momento percebi: ele
é judeu.”
Os torturadores de Damasco encarregaram-se do resto. Enquanto Tabet
jazia na sua cela escura, desmaiado, com o rosto e o corpo cobertos de feridas
terríveis, já sem unhas, a sua confissão chegava às mãos do general Hafez. O
homem não se chamava Tabet. Chamava-se Elie Cohen e era um judeu
israelense.
Em 24 de janeiro de 1965, Damasco anunciou oficialmente “a prisão
de um importante espião israelense”. Um alto cargo, lívido de raiva, rugiu na
conferência de imprensa: “Israel é o diabo, e Cohen o agente do diabo!”
O pânico espalhou-se por Damasco. Seria Cohen um lobo solitário, ou
o chefe de uma rede de espiões? Uma após outra, 69 pessoas foram presas; 27
eram mulheres. Entre os suspeitos estavam Majeed Sheikh El-Ard, George
Salem Seif, o tenente Zaher Al-Din, altos cargos do Ministério da
Propaganda, prostitutas e outras mulheres cuja identidade não foi revelada.
Foram ainda interrogadas outras 400 pessoas que tinham estado em
contato com Tabet. A investigação expôs alguns problemas difíceis. Muitos
dos líderes políticos, militares e de negócios da Síria estavam entre os amigos
mais chegados de Cohen. Os investigadores não lhes podiam tocar. Os nomes
deles não podiam ser mencionados, já que qualquer alusão pública a eles
podia criar a impressão de que estavam envolvidos na espionagem de Tabet.
Os sírios também descobriram que Tabet fizera todos os possíveis por evitar a
publicação de qualquer contato entre os seus vários informantes; assim, era
muitíssimo difícil estabelecer a extensão da rede de espionagem.
Em Israel, a censura militar impôs um bloqueio total a qualquer
menção à prisão de Cohen. Os israelenses ainda tinham esperança de o salvar
e estavam determinados a impedir que as notícias sobre ele chegassem à
mídia local. Mas havia algumas pessoas que tinham o direito de saber. Certo
fimal de tarde, um estranho visitou os irmãos de Elie. “Seu irmão foi preso
em Damasco e acusado de espionagem para Israel”, disse o homem. Os
irmãos ficaram boquiabertos. Um deles, Maurice, correu para casa da mãe em
Bat Yam. “Mãe, tem de ser forte”, disse. “Elie foi preso na Síria.”
A velhota ficou sem palavras. Finalmente, conseguiu falar. “Na Síria?
Como? Atravessou a fronteira por engano?” Quando Maurice lhe
explicou o que Elie faziar em Damasco, a pobre senhora caiu prostrada.
Nadia ficou entre os três filhos, estupefata. Embora sempre tivesse
suspeitado de que o marido não lhe revelava tudo, nunca suspeitara do tipo de
trabalho em que ele estava envolvido. Os colegas de Elie tentaram acalmá-la.
“Vamos pôr a família imediatamente num avião para Paris”, disse-lhe um
deles. “Vamos contratar os melhores advogados. Vamos fazer todo o possível
para salvá-lo.” Meir Amit encarregou-se pessoalmente dos esforços de
salvamento de Cohen.
A 31 de janeiro, Jacques Mercier, um dos melhores advogados de
França, chegou a Damasco. Oficialmente, fora contratado pela família de
Cohen. Na verdade, era o Estado de Israel que lhe cobria as despesas. Chegou
à Síria com uma missão impossível. “Percebi desde o meu primeiro dia em
Damasco”, disse ele mais tarde, “que o destino de Elie Cohen estava traçado.
Seria enforcado. Agora, tudo o que eu podia fazer era ganhar tempo e
pensar num acordo que lhe salvasse a vida.”
A princípio, Mercier tentou evitar o julgamento. Reuniu-se com líderes
do regime e pediu que lhe fosse permitido ver Cohen, para que este assinasse
a sua nomeação como advogado.
O seu pedido foi categoricamente rejeitado.
Porém, Mercier depressa descobriu que tinha alguns aliados em certos
círculos governamentais que tratavam a opinião pública mundial com
respeito. Queriam um julgamento em que os direitos do acusado fossem
protegidos. Eram apoiados — por razões totalmente diferentes —
pelos “falcões” do sistema militar, inimigos confessos de Hafez, que queriam
expor em pleno tribunal os laços próximos entre o presidente e Tabet. Aquele
julgamento, achavam eles, tornaria pública a corrupção do regime e minaria a
sua posição.
Esta abordagem, porém, era ferozmente combatida por outro grupo —
todos aqueles que haviam mantido laços pessoais com Tabet. Sabiam que um
julgamento público podia mandá-los, também a eles, para a forca. A fação
tinha um único objetivo: evitar um julgamento público a todo o custo e
eliminar Cohen tão depressa quanto possível.
O julgamento acabou por se realizar perante um tribunal militar
especial, à porta fechada, frente a uma sala vazia; só algumas porções,
devidamente selecionadas, foram transmitidas pela televisão estatal. Não
houve advogados de acusação nem de defesa. Quando Cohen pediu ao
tribunal um advogado de defesa, o juiz-presidente explodiu: “Não precisa de
um defensor. Toda a imprensa corrupta está do seu lado e todos os inimigos
da revolução são seus defensores.” O juiz-presidente avocou-se as funções de
interrogador, advogado de acusação e juiz. Mas o pior foi a identidade do juiz
— era o general-brigadeiro Salah Dali, antigo bom amigo de Tabet. O coronel
Salim Hatum, outro amigo próximo, mesmo íntimo, de Tabet estava entre os
juizes.
Para refutar qualquer rumor das suas ligações com Cohen, perguntou-
lhe: “Conhece Salim Hatum?” E o acusado, como ator que segue um roteiro
pormenorizado, virou-se para a sala de tribunal vazia, depois fitou Hatum nos
olhos e respondeu: “Não, não o vejo nesta sala.”
Essa parte passou na televisão. “Toda a cidade de Damasco riu com
este episódio”, disse Mercier. “Aquilo não foi um julgamento. Foi uma
tragicomédia, um circo.”
As câmeras de televisão mostraram os codefensores de Elie Cohen: El-
Ard, Al-Din, Seif, algumas prostitutas. Mas quem eram as outras
mulheres? Esposas de altos cargos? “Secretárias”? Amigas de Tabet e dos
líderes do Ba’ath? E que segredos tinha Cohen comunicado a seus contatos
israelenses? Era acusado de espionagem, mas ao longo do julgamento nem
uma palavra foi dita sobre as coisas que fez nem o conteúdo das suas
transmissões. A única coisa que as câmeras não puderam dissimular foi o
tremor nervoso de um músculo na maçã esquerda do rosto de Cohen, e uma
contínua e acentuada inclinação da cabeça. Ambas resultavam da tortura com
eletrodos inseridos no corpo e na cabeça.
Israel acompanhou o julgamento em silêncio. Todas as noites, a família
de Elie reunia-se em frente ao televisor que o Mossad lhes emprestara. As
crianças, Nadia, os irmãos choravam baixinho quando viam o rosto de Elie na
tela. A mãe, num impulso, beijou a tela e encostou no rosto de Elie a pequena
estrela de David que trazia pendurada no peito. Sophie exclamou: “É meu pai!
É um herói!” Nadia chorou em silêncio.
Em Damasco, Mercier acordava no meio da noite, encharcado em suor
frio e atormentado por pesadelos horríveis. A sua impotência deprimiu-o
profundamente. A 31 de março, o Tribunal Militar publicou o veredito: Elie
Cohen, Majeed Sheikh El-Ard e o tenente Zaher Al-Din foram condenados à
morte.
Mercier fez um novo esforço. Nos meses de abril e maio de 1965,
visitou Damasco três vezes. Na mala, levou ofertas substanciais de Israel. A
primeira foi um acordo: Israel estava pronta a entregar à Síria medicamentos e
equipamento de agricultura pesado, avaliado em milhões de dólares, pela vida
de Cohen. Os sírios rejeitaram a oferta. Israel fez outra: enviar para o vizinho
os 11 espiões sírios que tinham sido capturados e presos em Israel.
Os sírios também rejeitaram essa oferta, mas deram a entender que o
perdão presidencial não estava fora de questão.
Em 1º de maio, a sentença de El-Ard foi alterada para prisão perpétua.
Em 8 de maio, a sentença de Elie Cohen foi oficialmente publicada. O
Mossad fez um último esforço. Em Paris, Nadia Cohen apresentou um pedido
de clemência à embaixada síria. Chegaram outros pedidos do resto do mundo.
Vinham assinados por figuras mundialmente famosas, como o papa
Paulo VI, o filósofo britânico Bertrand Russell, homens de Estado como o
francês Edgar Fauré e Antoine Pinay, a rainha-mãe Elisabeth da Bélgica e o
político belga Camille Huysmans, o canadense John Diefenbaker, cardeais e
ministros italianos, 22 membros do Parlamento britânico, a Liga dos Direitos
Humanos, a Cruz Vermelha Internacional… Se tivesse sabido deles, Elie ter-
se-ia recordado dos pedidos similares que tentaram em vão salvar as vidas dos
seus amigos no Cairo, 11 anos antes.
Em 18 de maio, no meio da noite, Elie Cohen foi acordado pelos
carcereiros. Vestiram-lhe uma túnica branca comprida e levaram-no para o
mercado de Damasco. Deixaram-no escrever uma carta à família e trocar
algumas palavras com Nissim Andabo, rabino de Damasco. Em seguida, os
soldados sírios prenderam-lhe ao peito um cartaz enorme em que sua sentença
estava escrita em grandes letras árabes. As câmeras de TV e os jornais
concentraram-se no homem solitário que subiu as escadas para a forca entre
duas fileiras de soldados armados.
O carrasco estava à espera e passou rapidamente o laço em volta do
pescoço de Elie. Depois, fez o condenado subir num banco rasteiro.
Elie olhou a multidão, em silêncio, resignado, mas não derrotado. A
multidão susteve a respiração. Ouviu-se distintamente o baque quando o
banco foi puxado debaixo dos pés do condenado; homens e mulheres gritaram
de prazer ao ver os espasmos do espião israelense.
Grandes multidões de damascenos, misteriosamente acordados às
primeiras horas da manhã, passaram pela forca nas seis horas seguintes para
ver o corpo. Em Israel, o pesado véu de silêncio foi levantado de um
momento para o outro. Em poucas horas, Elie Cohen transformou-se em herói
nacional. Centenas de milhares de pessoas partilharam o pesar da família.
Escolas, ruas e parques receberam o nome dele. Artigos e livros descreveram
seus feitos. Nadia não voltou a se casar.
Até hoje, 46 anos depois da morte de Elie Cohen, a Síria recusa-se a
devolver o cadáver para que seja enterrado em Israel. Elie Cohen é
considerado um dos heróis do Mossad. Mas muitos apontam um dedo
acusador à organização. A sua família e vários autores defendem que o
Mossad usou Elie com extrema imprudência, ao fazê-lo difundir os seus
relatórios todos os dias, por vezes duas vezes por dia; o Mossad chegou a
ordenar-lhe que transmitisse regularmente os debates do Parlamento sírio,
muito embora a sua importância fosse quase nula. Foi uma tarefa irrelevante
que fez Elie correr riscos desnecessários.
Elie Cohen foi um grande espião; e o seu fim foi o fim de todos os
grandes espiões.
A sua confiança excessiva e as exigências imprudentes dos seus
responsáveis conduziram-nos à morte.
10. “QUERO UM MiG-21 ”

Meir Amit, o sucessor de Isser Harel, era um homem especial. Era


firme, decidido, por vezes franco e queixoso, mas também afável, charmoso,
soldado entre os seus soldados e homem de muitos amigos. Moshe Dayan
disse-nos: “Foi o único amigo que alguma vez tive.”
A história de vida de Meir Amit simbolizou a mudança na liderança do
Mossad. Isser Harel nasceu na Rússia e pertenceu à geração pioneira; já Meir
Amit, sabra (nascido em Israel), foi o primeiro de uma longa linha de generais
israelenses que lutaram nas guerras de Israel e entraram no Mossad após
muitos anos de uniforme. Isser pertencia à geração discreta, de poucas
palavras, envolta numa sombra de anonimidade, conspiração e ocultação.
Meir Amit era um homem do Exército, com muitos amigos e colegas
que sabiam o que ele fazia. A vida nas sombras não era para ele. E embora o
Pequeno Isser tivesse carisma e uma aura de mistério a seu favor, Amit e os
seus sucessores tinham a franqueza e a autoridade brutais que o posto e o
uniforme lhes deram.
Nascido em Tiberiades, criado em Jerusalém, e finalmente membro do
kibbutz Alonim, Meir passara a maior parte da vida de uniforme. Membro do
Haganah desde os 16 anos, e comandante de batalhão quando as Forças
Armadas israelenses nasceram, fora ferido na Guerra da Independência de
Israel e depois fizera uma brilhante carreira no Exército. Comandante da
brigada de elite Golani, chefe de operações durante a Campanha do Sinai,
chefe do Comando do Sul e, a seguir, do Comando Central, Meir estava
certamente a caminho de se tornar chefe do Estado-Maior; mas um malfadado
salto de paraquedas imobilizou-o durante um ano numa cama de hospital.
Parcialmente recuperado, após uma longa convalescença e alguns estudos na
Universidade de Columbia, foi nomeado diretor da Aman. E foi lá que Ben-
Gurion o apanhou naquela dramática tarde de abril de 1963, quando precisou
de um substituto para o Pequeno Isser.
Os primeiros passos de Meir no Mossad não foram fáceis. Muitos dos
colegas de Isser Harel, como Yaacov Caroz, não suportavam os modos
abruptos e a autoconfiança de Meir. Alguns demitiram-se imediatamente,
outros demoraram mais tempo. Sob a liderança de Amit, iniciou-se uma
mudança de guarda. Mas o tumulto interno contra o novo ramsad não foi nada
comparado com o que o Pequeno Isser lhe fez.
No final da primavera de 1963, Ben-Gurion demitiu-se do Governo e
foi substituído, enquanto primeiro-ministro e ministro da Defesa, por Levi
Eshkol, seu aliado próximo. Eshkol lançou várias iniciativas que enfureceram
o seu predecessor. Uma foi a nomeação do Pequeno Isser como seu
conselheiro para os assuntos de serviços secretos. O Pequeno Isser estava
amargurado e desapontado desde o seu afastamento do Mossad. E, quando
ouviu que Meir Amit fizera um favor invulgar aos marroquinos, atacou o
adversário sem dó nem piedade.
O Mossad de Meir Amit estabelecera relações muito próximas com o
reino de Marrocos.
A aproximação com Marrocos tinha começado ainda durante o
mandato de Isser. As primeiras ligações com os marroquinos tinham sido
feitas por Yaacov Caroz e Rafi Eitan. No inverno de 1963, Isser disse a Eitan,
na mais estrita confidência: “O rei de Marrocos, Hassan II, receia que o
presidente Nasser do Egito planeie assassiná-lo, por causa das políticas pró-
ocidentais dele. Quer que o Mossad se encarregue da sua segurança pessoal.”
A história parecia fantasiosa. Um rei árabe pede ajuda aos serviços
secretos israelenses? Rafi Eitan, o eterno prático, e outro agente, David
Shomron, apanharam imediatamente um voo para Rabat, a capital
marroquina, com passaportes falsos; foram conduzidos por uma entrada
secreta no palácio do rei. Recebeu-os o formidável general Oufkir, ministro
do Interior do rei, cujo simples nome fazia as pessoas tremer. Oufkir era
conhecido pela sua crueldade, uso de tortura contra os inimigos do rei e por
ser responsável pelo estranho desaparecimento de muitos oponentes do
regime. Contudo, era o conselheiro mais valorizado pelo rei em matéria de
serviços secretos, e qualquer acordo entre Israel e Marrocos precisava de
obter a sua aprovação. Recebeu Eitan com o seu adjunto, o coronel Dlimi.
Eitan e Oufkir chegaram a acordo ali mesmo: o Mossad e os serviços
secretos marroquinos estabeleceriam ligações próximas e escritórios
permanentes em ambos os países; o Mossad treinaria os serviços secretos
marroquinos e Marrocos daria aos agentes do Mossad uma cobertura infalível
em todo o mundo; criar-se-ia um corpo especial de obtenção de informações
secretas conjuntas; o Mossad também formaria a unidade especial encarregue
da segurança do rei. O acordo foi selado com uma visita ao rei; Eitan fez uma
vênia desajeitada e beijou-lhe a mão — e o Mossad ganhou o primeiro aliado
no mundo árabe.
Duas semanas depois, Oufkir estava em Israel. O general, habituado a
palácios sumptuosos e hotéis finos, passou a sua longa visita no pequeno
apartamento de três assoalhadas de Eitan, num bairro modesto de Tel Aviv.
Eitan conseguiu, pelo menos, a ajuda de Philip, o lendário chef do
Mossad, para alimentar o seu convidado marroquino. Oufkir foi e veio várias
vezes, e as relações dos dois serviços melhoraram. Em 1965, Oufkir pediu a
Meir Amit um favor especial.
O maior líder da oposição e mais perigoso inimigo do rei era um
marroquino chamado Mehdi Ben-Barka. Depois de ser acusado de conspirar
contra o rei, Ben-Barka exilara-se, mas continuou as atividades subversivas
dos seus esconderijos. Condenado à morte in absentia, Ben-Barka sabia que a
sua vida corria perigo, pelo que operava com precaução extrema e os homens
de Oufkir tinham sido incapazes de o encontrar. Será que o Mossad podia
ajudar?
Os homens de Amit ajudaram realmente. Sob um pretexto engenhoso,
estabeleceram contato com Ben-Barka na Suíça e convenceram-no a ir a Paris
para uma reunião importante. À porta do famoso restaurante Brasserie Lipp,
na Rive Gaúche, foi detido por dois polícias franceses que — soube-se mais
tarde — constavam da lista de pagamentos de Oufkir. Ben-Barka foi entregue
a Oufkir e desapareceu, mas uma testemunha afirmou ter visto Oufkir
apunhalá-lo até a morte. Foi o próprio Meir Amit que informou o primeiro-
ministro Eshkol: “O homem está morto.”
Em França, o desaparecimento de Ben-Barka originou um escândalo
político inaudito. O presidente De Gaulle ficou possesso de raiva, e, na sua
fúria, não poupou Israel, quando soube do seu papel no sequestro. Isser Harel
ficou estarrecido. Como é que o Mossad podia participar num caso daqueles?
Como é que Amid podia desempenhar um papel numa operação
criminosa e imoral — e pôr em perigo a aliança próxima que Israel tinha com
a França?
Pediu a Eshkol que despedisse imediatamente Amit. Eshkol hesitou,
mas depois nomeou duas comissões de inquérito, que não encontraram bases
para a tomada de medidas contra Amit. Afinal de contas, Amit atraíra Ben-
Barka até Paris, mas não participara no sequestro e assassinato. O Pequeno
Isser demitiu-se e exigiu a demissão imediata tanto de Eshkol como de Amit.
Tentou lançar uma campanha na imprensa, mas a censura militar proibiu
estritamente qualquer menção ao caso.
Isser continuou teimosamente a lutar contra Amit. Porém, o ramsad já
estava envolvido noutra operação de importância crucial na defesa de Israel.
Tratava-se da aliança secreta que os seus homens tinham forjado com
os curdos no Iraque.
“No final de 1965”, escreveu Amit nas suas memórias, “o nosso sonho
começou a tomar-se realidade. O incrível aconteceu. Uma delegação oficial
israelense estabeleceu-se no campo do mulá Mustafa Barzani [líder dos
rebeldes curdos no Norte do Iraque].”
A chegada de agentes do Mossad ao Curdistão foi considerada uma
tremenda vitória dos serviços de informações israelenses. Pela primeira vez,
estabeleceu-se contato com um dos três componentes da nação iraquiana —
os curdos, que travavam uma guerra obstinada e interminável contra o
Governo de Bagdá. (Os outros dois componentes eram os muçulmanos xiitas
e sunitas.) Os rebeldes, liderados por Barzani, controlavam uma grande
área dentro do Iraque. Se o Mossad conseguisse transformar os
rebeldes curdos numa força militar forte, os líderes iraquianos seriam
forçados a concentrar esforços nos problemas internos e a sua capacidade de
combater Israel diminuiria. A aliança com os curdos podia tornar-se uma
verdadeira bonança para Israel.
Os primeiros dois agentes do Mossad passaram três meses no
Curdistão.
Barzani incluiu-os no seu círculo íntimo, levava-os onde quer que
fosse, e contava-lhes todos os seus segredos. Esse primeiro encontro lançou as
bases de uma cooperação próxima que duraria muitos anos. Barzani e os
chefes militares curdos visitaram Israel; Meir Amit e os seus adjuntos foram
ao Curdistão; Israel forneceu armas aos curdos e defendeu os interesses deles
em fóruns internacionais.
Beni Ze’evi, o agente superior israelense que foi o primeiro a visitar o
Curdistão, deixara a mulher Galila em Londres, grávida. O filho Nadav
nasceu quando o pai seguia Barzani nas montanhas acidentadas do Curdistão.
Ze’evi recebeu um telegrama codificado. Vinha assinado “Rimon” —
nome de código de Meir Amit — e dizia:

“Mãe e filho estão de excelente saúde.


Mazal Tov!”
Quando soube do nascimento do bebé, Barzani pegou em quatro
pedras e marcou um pedaço de terra com elas. “Este é o meu presente para o
seu filho”, disse a Ze’evi. “Quando ele crescer, pode vir ao nosso país e
reivindicar seu pedaço de terra.”
E enquanto as suas relações com os curdos se desenvolviam, Meir
Amit começou a planejar outra grande operação do Mossad, nome de
código “Yahalom” (Diamante), a operação de que provavelmente mais se
orgulhou.
No ano que precedeu a morte de Amit, nós o encontramos várias vezes
em sua casa de Ramat-Gan. “A história começou numa das minhas reuniões
com o general Ezer Weizmann, que na época era comandante da Força
Aérea”, começou a contar. “Tomávamos café de duas em duas ou três em três
semanas. Numa dessas reuniões, perguntei a Ezer o que podia fazer por ele
enquanto ramsad. Ele respondeu imediatamente: “Meir, quero um MiG-21.”
Eu disse: “Enlouqueceu? Nem no mundo ocidental há um avião desses.”
O MiG-21 era o mais sofisticado dos caças soviéticos na época. Os
russos forneceram muitos aos Estados árabes.
Mas Ezer não vacilou: “Precisamos de um MiG-21, e você não deveria
poupar esforços para nos conseguir um.”
Amit decidiu confiar a operação a Rehavia Vardi, um oficial de
operações veterano que já antes tentara arranjar um MiG-21 no Egito ou na
Síria.
“Passamos muitos meses a trabalhar nesta operação”, disse Vardi anos
mais tarde. “O nosso principal problema foi como transformar a ideia numa
operação.”
Vardi espalhou “antenas” por todo o mundo árabe. Passadas muitas
semanas, recebeu uma informação de Yaacov Nimrodi, adido militar de Israel
no Irã. Nimrodi escreveu-lhe sobre um judeu iraquiano chamado Yossef
Shemesh, que dizia conhecer um piloto que podia levar um MiG-21 para
Israel. Shemesh era solteiro, inteligente, mulherengo e bon vivant, e tinha
uma capacidade misteriosa de fazer amizades e levar as pessoas a confiar
nele. “Tinha lábia e conseguia ser muito persuasivo”, disse Nimrodi.
“Recrutou o piloto da maneira mais profissional que se imagine.
Trabalhou nele durante um ano. Só ele conseguia fazer uma coisa dessas,
mais ninguém.” Nimrodi decidiu testar Shemesh. Ordenou-lhe que fizesse
algumas operações de espionagem secundárias. Shemesh passou o teste com
distinção, obtendo excelentes informações secretas. Depois, Nimrodi deu-lhe
luz verde para lançar a operação.
Em Bagdá, Shemesh tinha uma amante cristã. Camille, a irmã dela, era
casada com Munir Redfa, piloto da Força Aérea iraquiana e também cristão.
Shemesh sabia que Redfa se sentia frustrado e amargurado; pese
embora fosse um excelente piloto de MiG-21, não era promovido de posto.
Além disso, tinha ordens de pilotar um MiG-17 antiquado para cumprir uma
missão repugnante: o bombardeamento de aldeias curdas. Redfa encarava-o
como uma humilhação e uma despromoção. Queixou-se aos seus superiores,
que lhe deram a entender que, por ser cristão, nunca seria promovido nem se
tornaria chefe de esquadrão. Redfa era um homem muito ambicioso e,
portanto, concluiu que deixara de fazer sentido viver no Iraque.
Durante quase um ano, Shemesh manteve longas conversas com o
jovem piloto, até finalmente o convencer a fazer uma curta viagem a Atenas.
Usando toda a sua eloquência e poder de persuasão, Shemesh explicou
às autoridades iraquianas que Camille, a mulher de Redfa, sofria de uma
doença grave e que a única maneira de a salvar era levá-la para ser examinada
por médicos ocidentais. Ela tinha de ir imediatamente à Grécia, disse ele, e
pediu que fosse dada ao marido autorização para a acompanhar, uma vez que
era a única pessoa da família que falava inglês.
As autoridades capitularam, e Munir Redfa recebeu autorização para
viajar com a mulher para Atenas. Foram recebidos por outro piloto — coronel
Ze’ev Liron (Londner), oficial da Força Aérea israelense. Liron nascera na
Polônia, sobrevivera ao Holocausto e era chefe de informações da Força
Aérea. O Mossad pedira a sua ajuda no caso de Redfa. Liron e Redfa
encontraram-se várias vezes. Liron fingiu ser um piloto polonês a trabalhar
para uma organização anticomunista. Munir Redfa falou-lhe da família, da
vida no Iraque e da sua profunda decepção com os seus superiores, por lhe
terem ordenado o bombardeamento de aldeias curdas. Todos os homens
curdos capazes estavam fora, a combater, disse ele, e nas aldeias restavam
apenas mulheres, crianças e idosos. Eram pessoas assim que tinha de matar?
Fora a gota de água que o levara a tomar a sua decisão final: sairia de
vez do Iraque.
Seguindo ordens do Mossad, Liron convidou Munir a juntar-se-lhe
numa pequena ilha grega. O Mossad deu a Redfa um nome de código:
“Yahalom”
(Diamante). Na atmosfera serena e tranquila da ilha, os dois homens
continuaram a conversar e tomaram-se bons amigos. Certo final de
noite, Liron perguntou a Redfa o que aconteceria se ele saísse do Iraque com
seu avião.
“Me matariam”, disse Redfa. “Além disso, nenhum país me daria
asilo.”
“Há um país que o receberá de braços abertos”, disse Liron, e revelou
a verdade a seu perplexo amigo: “Não sou um piloto polonês, mas
israelense.”
Longo silêncio.
“Vamos falar sobre isso amanhã”, disse Liron, e despediram-se até o
dia seguinte. De manhã, Redfa disse a Liron que decidira aceitar a oferta. Os
dois começaram então a discutir as condições da deserção de Redfa e a
quantia de dinheiro que receberia.
Redfa foi muito modesto. “Meir Amit disse que oferecesse a Redfa
uma certa quantia”, disse Liron mais tarde, “e que a duplicasse se
necessário. Mas Redfa aceitou imediatamente minha oferta inicial.
Concordamos que a família se reuniria a ele em Israel.”
Da ilha grega, viajaram para Roma. Shemesh e a amante chegaram de
Bagdá. Poucos dias depois, chegou Yehuda Porat, agente do serviço de
informações da Força Aérea, que começou a dar todas as informações a
Redfa.
“Era educado, muito gentil, um homem de honra”, recorda Porat.
“Corajoso, pouco falador; não tinha as inibições que se poderiam
esperar de um homem naquela situação.”
Em Roma, Liron e Redfa discutiram métodos de comunicação.
Concordou-se que, quando Redfa ouvisse na rádio Kol Israel a popular
canção árabe “Marhabtein Marhabtein”, ela seria o sinal para que se pusesse a
caminho. O que Redfa, contudo, não sabia era que, enquanto se reunia com os
seus contatos em vários cafés de Roma, estava a ser observado pelas chefias
do Mossad.
“Decidi”, contou-nos Meir Amit, “dar eu próprio uma olhadela ao
piloto antes de a operação entrar na fase final. Apanhei o avião para Roma e
fui ao café onde o piloto iraquiano e os meus homens se encontrariam. Sentei-
me numa mesa próxima e esperei. Depois, entraram muitas pessoas no café. O
sujeito deixou boa impressão, fiz sinal ao nosso homem sentado ao lado dele
de que estava tudo bem, e fui embora.”
Durante o nosso encontro, Amit insistiu em ler uma passagem do seu
livro De Frente, em que descreve o grupo que entrou no café em Roma: “O
pinga-amor judeu (Shemesh), de chinelos por causa de uma ferida no pé, a
amante dele, uma senhora gorda e quase feia (não percebi o que ele via nela),
e o Diamante (nome de código de Munir), um homem baixo, robusto, de
ombros largos e cara séria. Não sabiam que estavam sendo testados.”
Só quando se convenceu de poder confiar no Diamante é que Amit deu
a Rehavia Vardi a ordem de prosseguir para a fase seguinte — dar instruções
ao piloto iraquiano em Israel. Liron e Redfa voltaram a Atenas, para apanhar
um voo para Tel Aviv. Porém, um equívoco no aeroporto de Atenas quase
estragou a operação. Por engano, Redfa entrou num voo para o Cairo, em vez
de Tel Aviv. Só quando embarcou no voo da El Al é que Liron descobriu que
Redfa tinha desaparecido.
“Fiquei desesperado”, descreveu Liron mais tarde. “Convenci-me de
que estava tudo perdido. Mas, após alguns minutos, Munir apareceu a meu
lado. As aeromoças do voo para o Cairo contavam sempre os passageiros,
descobriram que havia um a mais, verificaram as passagens e mandaram
Munir para o voo de Tel Aviv.”
Redfa passou 24 horas em Israel. Foi informado de tudo e chegou a
ensaiar o itinerário do voo para Israel. Nas instalações do Mossad, ensinaram-
lhe um código secreto; os seus novos amigos levaram-no depois a dar um
passeio na Rua Allenby, uma das principais artérias de Tel Aviv e, ao
princípio da noite, convidaram-no para um restaurante fino em Jaffa, “para
que se sentisse em casa”.
Redfa regressou a Atenas, trocou de avião e aterrissou em Bagdá,
preparado para a fase final.
Porém… “naquele momento, quase tive um ataque cardíaco”,
relembrou Amit. “Uns dias antes da deserção, o piloto iraquiano decidiu
vender a mobília de casa. Agora, imaginam o significado de uma súbita venda
de garagem de um piloto de caças. Morrí de medo de que o
Mukhabarat [serviço de segurança] iraquiano descobrisse e interrogasse
Redfa, o prendesse e a operação falhasse completamente. Graças a Deus,
Mukhabarat não soube de nada, e a estúpida venda dos bens daquele sovina
não conduziu à prisão dele…”
Depois, houve outro problema: como tirar a família do piloto do
Iraque, primeiro para a Inglaterra e depois para os Estados Unidos? Redfa
tinha irmãs e cunhados que era preciso retirar antes do dia do voo. Quanto à
sua família imediata, fora acordado que pegaria um avião para Israel. A
mulher de Redfa não sabia absolutamente nada sobre aquilo, pois ele tinha
medo de contar a verdade. Só contou que iam para a Europa, para uma longa
estada. Ela pegou um avião, com os dois filhos, para Amsterdã, e o pessoal do
Mossad que os esperava lá levou-os para Paris, onde Liron os recebeu. Ela
continuava sem saber que pessoas eram aquelas.
“Ficaram num apartamento pequeno com uma cama de casal”,
recordou Liron. “Sentamos nessa cama e, ali mesmo, na noite da véspera do
voo para Israel, revelei que era funcionário do Governo israelense, e que o
marido dela ia aterrissar em Israel no dia seguinte e que nós também íamos
para lá.”
A reação dela foi terrível. “Chorou e gritou toda a noite”, contou Liron
aos superiores. “Disse que o marido era um traidor; que aquilo era traição ao
Iraque, que os irmãos dela matariam Munir quando descobrissem o que ele
tinha feito.
“Quis ir imediatamente à embaixada iraquiana e contar o que o marido
tencionava fazer. Não parou de gritar e chorar a noite inteira. Tentei acalmá-
la; disse que se quisesse vê-lo novamente teria que vir para Israel comigo.
Ela percebeu que não tinha outra saída. Entrou no avião de olhos
inchados e com um filho doente, e fomos para Israel.”
Em 17 de julho de 1966, uma das células do Mossad na Europa
recebeu uma carta encriptada de Munir informando que a fuga era iminente.
Em 14 de agosto, levantou voo, mas uma avaria no sistema elétrico do avião
obrigou-o a voltar e aterrissar na base aérea de Rashid. “Mais tarde”, disse
Amit, “descobriu que não era nada grave. A cabine encheu-se subitamente de
fumaça por causa de um fusível queimado; se ele continuasse o voo, teria
chegado sem problemas, mas não queria correr risco e voltou à base,
ganhando mais uns cabelos brancos…”
Dois dias depois, Munir Redfa levantou novamente voo. Cingiu-se à
rota planejada, até que apareceu naos telas dos radares israelenses um
pontinho que indicava aproximação de um avião estranho no espaço aéreo do
país. O novo comandante da Força Aérea, general Mordechai (Motti) Hod,
partilhara o segredo com apenas um par de pilotos, que iam escoltar o avião
iraquiano até a base. A todas as outras unidades, pilotos, esquadrões e bases
da Força Aérea Hod deu uma ordem: “Hoje, vocês não fazem nada, mas
absolutamente nada, sem uma ordem verbal minha. E todos conhecem a
minha voz.” Hod não queria que um piloto excessivamente zeloso abatesse
a “aeronave inimiga” que violasse a soberania de Israel.
O MiG-21 penetrou no espaço aéreo israelense. Ran Pecker, um dos
ases da Força Aérea, fora escolhido para escoltar Redfa. “O nosso convidado
está desacelerando”, transmitiu Ran à torre de controle da Força Aérea. “Fez-
me sinal com o polegar que quer aterrissar; e também balançou as asas, que é
o código internacional indicador de que se vem em paz.” Às oito da manhã,
65 minutos depois de levantar voo de Bagdá, Redfa aterrissou na base da
Força Aérea de Hatzor, em Israel.
Um ano depois do início da operação, e dez meses antes da Guerra dos
Seis Dias de 1967, a Força Aérea recebeu seu MiG-21. Os dois caças Mirage
que o escoltaram desde a fronteira aterrissaram com ele. Meir Amit e seus
homens tinham conseguido o impossível. O MiG-21, nesse tempo
considerado a joia da coroa do arsenal soviético e encarado como a principal
ameaça às forças aéreas ocidentais, estava nas mãos de Israel.
Depois de aterrissar, ainda perplexo e confuso, Munir foi levado para
casa do comandante da base de Hatzor. Vários oficiais superiores organizaram
uma festa, numa desconsideração indesculpável dos sentimentos do homem.
“Munir ficou surpreendido e, a princípio, sentiu que tinha entrado
inadvertidamente na festa de casamento de alguém”, recordou Meir Amit.
“Sentou-se a um canto e manteve-se em silêncio.”
Após um curto descanso, quando lhe foi assegurado de que a mulher e
os filhos já estavam num avião da El Al a caminho de Israel, Munir Redfa foi
levado para uma conferência de imprensa. Na sua declaração, falou sobre a
perseguição aos cristãos no Iraque, os bombardeamentos dos curdos e as
razões por que desertara.
Após a conferência de imprensa, Munir foi levado para Herzliya, uma
cidade banhada pelo oceano, a norte de Tel Aviv, para se juntar à família.
“Fizemos o que pudemos por acalmá-lo, encorajá-lo e elogiá-lo pela
operação”, escreveu Meir Amit. “Prometi-lhe fazer tudo o que estivesse ao
meu alcance para ajudá-lo a ele e à família a recuperar, mas receei a fase
seguinte, pois sabíamos que a família do Munir era muito problemática.”
Poucos dias depois de Munir aterrissar o seu MiG em Hatzor, o irmão
da sua mulher — oficial do Exército iraquiano — chegou a Israel. Vinha
acompanhado por Shemesh e a sua amante Camille. O oficial estava louco de
raiva. Haviam-lhe dito que tinha de visitar urgentemente a irmã, que estava
muito doente na Europa, e, para seu espanto, fora levado para Israel. Quando
se encontrou com Munir, perdeu as estribeiras, chamou-lhe traidor, lançou-se
a ele e tentou esmurrá-lo. Também acusou a irmã de ter estado ao corrente dos
planos do marido, o que a tornava cúmplice de um crime inqualificável.
Ela negou as acusações, mas em vão. Poucos dias depois, o irmão
deixou Israel.
A primeira pessoa a pilotar o MiG foi Danny Shapira, um famoso
piloto da Força Aérea e o melhor piloto de teste de Israel. Motti Hod
convocou-o no dia seguinte à aterragem do avião e disse-lhe: “Vais ser o
primeiro piloto ocidental a voar um MiG-21. Começa a estudar o avião, voa
com ele tanto quanto puderes e aprende as suas capacidades e fraquezas.”
Shapira encontrou-se com Munir. “Falamos em Herzliya uns dias
depois de ele chegar”, disse Danny Shapira. “Quando nos apresentaram, ele
parece que despertou. Encontrámo-nos depois em Hatzor, junto ao avião.
Mostrou-me os botões, revimos as etiquetas, que estavam todas em russo e
árabe, e, passado uma hora, eu disse-lhe que ia pilotar o avião. Ele ficou
espantado.
Disse: “Mas não fez nenhuma formação!” Expliquei que era piloto de
teste.
Ele pareceu-me muito preocupado e pediu para estar no avião quando
eu levantasse voo. Prometi-lhe que assim seria.”
Todas as altas patentes da Força Aérea foram a Hatzor ver o voo
inaugural. Ezer Weizmann, até muito recentemente comandante da Força
Aérea, também lá foi. “O Ezer chegou-se ao pé de mim, bateu-me no ombro,
e disse: “Danny, nada de acrobacias, traz o avião de volta, está bem?”
O Redfa também lá estava. Eu levantei voo, fiz o que tinha a fazer, e depois
de aterrissar, ele veio para mim e abraçou-me. Tinha lágrimas nos olhos:
“Com pilotos como você”, disse ele, “os árabes nunca vencerão”.”
Ao cabo de alguns voos de teste, os especialistas da Força Aérea
perceberam porque é que o Ocidente tinha em tão alta consideração o MiG—
21. Voava muito alto e muito depressa. Pesava menos uma tonelada do que os
Mirages III franceses e israelenses.
A operação do MiG-21 chegou às primeiras páginas da imprensa
mundial.
Os americanos ficaram boquiabertos. Não tardaram a enviar para Israel
uma delegação de técnicos e pedir para estudar o avião. Israel, contudo,
recusou-se a deixá-los aproximar-se do aparelho antes de os Estados Unidos
partilharem com o país o que sabiam sobre o SAM-2, o novo míssil antiaéreo
dos soviéticos. Os americanos acabaram por concordar e enviaram para Israel
pilotos americanos, que inspecionaram e pilotaram o MiG-21.
Aprender os segredos do MiG-21 foi uma ajuda tremenda para a Força
Aérea israelense e essencial para preparar o confronto com os MiG que
acabou por acontecer passados 10 meses, na Guerra dos Seis Dias de junho de
1967.
“Aquele MiG desempenhou um importante papel na vitória da Força
Aérea israelense sobre as forças aéreas árabes, e em particular na destruição
da Força Aérea egípcia em poucas horas”, declarou Amit, orgulhosamente.
O Mossad e a Força Aérea israelense tinham efetivamente alcançado
uma tremenda vitória, mas quem pagou o preço foi Munir Redfa e a sua
família.
“Após a chegada, o Munir teve uma vida muito dura, miserável e
triste”, disse um alto funcionário do Mossad. “Construir uma vida nova para
um agente [fora do seu país] é uma missão quase impossível. O Munir senti -
se frustrado, mas a família dele também sofreu. A família ficou destroçada.”
Durante três anos, Munir tentou fazer de Israel a sua casa, e chegou a
pilotar aviões Dakota das petrolíferas israelenses até o Sinai. A família vivia
em Tel Aviv; foi-lhes dada uma identidade falsa de refugiados iranianos. Mas
a mulher de Munir, católica devota, foi incapaz de fazer amigos, sentiu-se
isolada e não conseguiu adaptar-se à vida em Israel. Acabaram por se mudar
para um país ocidental, sob identidades falsas. Mesmo lá, longe de casa e dos
familiares, rodeados por agentes de segurança locais, sentiam-se sozinhos e
receavam o longo braço do Mukhabarat iraquiano.
Em agosto de 1988, 22 anos após a deserção, Munir Redfa morreu em
casa, de um ataque cardíaco súbito. A mulher, chorosa, telefonou a Meir Amit
(que deixara o Mossad havia muito) e disse-lhe que, nessa manhã, o marido
descera do segundo andar da casa e, com o filho a seu lado, tinha subitamente
caído no átrio e morrido instantaneamente.
O Mossad organizou um serviço fúnebre para Munir Redfa. Os agentes
mais velhos não conseguiram reter as lágrimas. “Foi uma cena surreal”, disse
Liron. “O Mossad israelense a chorar um piloto iraquiano…”
Após o êxito da “Operação Diamante” e a subsequente e surpreendente
vitória na Guerra dos Seis Dias, Meir Amit viu uma oportunidade de lançar
outra operação. Pediu aos seus superiores que exigissem a libertação dos
prisioneiros do caso Lavon, no quadro de uma troca de prisioneiros de guerra.
Aqueles jovens estavam a apodrecer na prisão há 13 anos, sem hipótese de
perdão ou libertação antecipada. Israel parecia tê-los esquecido.
Agora que a Guerra dos Seis Dias terminara, Israel estava a negociar
com o Egito. Afinal, Israel capturara 4.338 soldados egípcios e 830 civis —
enquanto o Egito capturara apenas 11 israelenses. Porém, os egípcios
recusaram-se firmemente a incluir os prisioneiros do caso Lavon no acordo.
Meir Amit não desistiu. “Esqueça, Meir”, disse Moshe Dayan, o
ministro da Defesa, ao seu amigo. “Os egípcios nunca vão libertá-los.”
Eshkol, o primeiro-ministro, tinha a mesma opinião. Mas Amit recusou-se
obstinadamente a desistir. Acabou por enviar nota pessoal ao presidente
Nasser, “de soldado para soldado”, e exigiu a libertação dos prisioneiros,
assim como a de Wolfgang Lutz, o Espião do Champanhe, que fora detido
durante o problema dos cientistas alemães.
Ao mesmo tempo, Amit negociou uma troca de prisioneiros de guerra
com os sírios. Também nessa negociação tinha um interesse pessoal: pediu
aos sírios que o ajudassem a libertar Shula Cohen da prisão libanesa. Shula
Cohen (nome de código “A Pérola”) era um dos espiões mais lendários do
Mossad. Simples dona de casa, tinha estabelecido relações com altos cargos
no Líbano e na Síria, organizado a emigração clandestina de milhares de
judeus sírios e libaneses, e dirigido uma rede de espionagem altamente eficaz.
Para seu espanto, o pedido a Nasser deu certo e os sírios seguiram o
exemplo pouco tempo depois. Meir Amit venceu. Os prisioneiros do caso
Lavon, Lutz e Shula Cohen foram devolvidos clandestinamente a Israel.
Por vezes, as missões para trazer de para casa os filhos de uma nação
são as mais relevantes.
11. OS QUE JAMAIS ESQUECERÃO

No início de setembro de 1964, um homem careca, robusto, na casa


dos 40, de óculos de sol, chegou à estação ferroviária de Roterdão, na
Holanda, saído do expresso de Paris. Deu entrada no luxuoso Rheinhotel no
centro da cidade, com o nome de “Anton Künzle”, empresário austríaco. A
seguir, foi a um posto de correios próximo e alugou uma caixa postal com o
mesmo nome. Do posto de correios seguiu para o banco Amro, abriu uma
conta e depositou 3000 dólares americanos. Numa loja de cópias,
encomendou cartões de visita e papel timbrado em nome de Anton Künzle,
gestor de uma empresa de investimentos em Roterdão. Depois, dirigiu-se
apressadamente para o consulado brasileiro e preencheu formulários para
obter um visto de turismo para o Brasil. Numa clínica médica, fez exames de
rotina e recebeu um certificado médico acerca da sua saúde, depois visitou o
optometrista, fez batota durante o teste e mandou fazer óculos graduados
grossos, muito embora não precisasse deles para nada.
Na manhã seguinte, fez uma curta viagem a Zurique e abriu uma conta
no Credit Suisse, na qual depositou 6000 dólares. Depois, regressou a Paris,
onde um maquilhador lhe colou um bigode farfalhudo à cara; posou para um
fotógrafo com os seus novos óculos e este deu-lhe um conjunto de fotografias
de passaporte. Novamente em Roterdão, levou as fotos ao funcionário que
tratava dos vistos no consulado brasileiro, e o visto de turista para o Brasil foi
carimbado no seu passaporte austríaco. Agora, podia comprar o bilhete de
avião para o Rio de Janeiro, com voos de ligação até São Paulo e Montevidéu,
no Uruguai. Onde quer que fosse, o verboso Künzle falava dos seus negócios
prósperos na Áustria. As gorjetas generosas que espalhou pelo caminho, a sua
escolha dos melhores hotéis e dos mais exclusivos restaurantes falavam por si
— Künzle era, efetivamente, um empresário rico e bem-sucedido.
Com estas ações aparentemente simples, o agente do Mossad Yitzhak
Sarid (nome fictício) construiu uma cobertura infalível. Algures entre
Paris, Roterdão e Zurique, Yitzhak Sarid evaporou-se sem deixar rastro e
emergiu no seu lugar um homem novo: Anton Künzle, um empresário
austríaco com morada em Roterdão, contas bancárias, cartões de visita, um
visto e uma passagem de avião para o Brasil.
Poucos dias antes, em 1º de setembro, Yitzhak Sarid fora convocado
para um encontro em Paris. Sarid era membro da equipe operacional do
Mossad, nome de código “Caesarea”. Num esconderijo na avenue de
Versailles, encontrou-se com o comandante da Caesarea, Yoske Yariv, um
homem robusto e musculoso admirado pelos seus subordinados. Yariv, antigo
oficial do Exército, substituíra Rafi Eitan na direção da equipe operacional.
Eitan fora nomeado diretor da célula europeia, com base em Paris.
Yariv começou por dizer que, dentro de poucos meses, o Parlamento
da Alemanha Ocidental adotaria um estatuto de limitações no que respeitava
aos crimes de guerra, o que significava que os criminosos nazistas — que até
então viviam na clandestinidade — poderiam reemergir dos esconderijos e
retomar uma vida normal, como se nunca tivessem cometido as suas
atrocidades.
Yariv disse que muitos alemães queriam virar a página e deixar o
passado hediondo da Alemanha para trás das costas. Mesmo outras nações
que haviam sofrido às mãos dos alemães não estavam ansiosas por continuar
à procura de criminosos nazistas. Desde a captura de Eichmann, havia quatro
anos, a sensibilização para os crimes nazistas diminuíra, como se o
julgamento e a execução de Eichmann tivessem fechado um capítulo na
História mundial. Era imperativo, disse Yariv, garantir que o estatuto de
limitação dos crimes nazistas não fosse aprovado. O mundo tinha de ser
lembrado de que ainda havia monstros à solta.
“Deviamos matar um dos maiores criminosos nazistas”, disse Yariv a
Sarid.
Um agente do Mossad em missão na América do Sul descobrira-o.
O Carniceiro de Riga, um nazista letão culpado do massacre de 30.000
judeus, fora identificado com alto grau de segurança. Estava a viver no Brasil
sob o verdadeiro nome: Herberts Cukurs. O ramsad Meir Amit dera luz verde
à operação.
Yariv virou-se então para Sarid. E não apenas devido à sua folha de
serviço como agente inteligente e engenhoso que participara na operação de
Eichmann. Também sabia que Sarid nascera na Alemanha e que os pais
tinham morrido no Holocausto. Sarid fugira para a Palestina, mas jurara lutar
contra Hitler e fora um dos primeiros voluntários palestinos no Exército
Britânico durante a guerra. Yariv não tinha portanto de preocupar-se com a
motivação de Sarid.
“Quero que construas uma identidade como empresário austríaco”,
disse o comandante da Caesarea a Sarid. “A tua tarefa será ir ao Brasil,
encontrar o Cukurs e ganhar-lhe a confiança. Esse é o primeiro passo para a
execução dele.” Na reunião de informação pormenorizada que se seguiu,
Yariv deu a Sarid o seu novo nome: “Anton Künzle”.
Dez dias depois da reunião em Paris, Anton Künzle embarcou num
avião da Varig para o Rio de Janeiro. Estava entusiasmado mas, ao mesmo
tempo, perturbado pela sua missão. Nunca se encontrara numa situação
daquelas.
Tinha de operar, completamente sozinho, num país estrangeiro, e tentar
travar amizade com um monstro com sentidos apurados e que estava pela
certa à espera de que, um dia, alguém o tentasse matar. Künzle sabia muito
bem que um simples erro podia estragar toda a operação; um simples passo
em falso podia custar-lhe a vida.
Durante o voo, Künzle leu atentamente uma pasta volumosa com
documentos, testemunhos e recortes de imprensa sobre a história de Herberts
Cukurs. Este tornara-se famoso na década de 1930, como piloto dotado e
ousado que voara da Letônia para a Gâmbia, em África, num avião pequeno
que construíra com as próprias mãos. De um dia para o outro, o jovem e
bonito piloto transformara-se num herói nacional na Letônia. Foi-lhe atribuída
a Medalha Internacional Santos Dumont, nome do pioneiro da aviação
brasileira. A imprensa chamou-lhe “a Águia da Letônia” e “o Lindbergh
letão”. O Museu da Guerra em Riga foi assaltado por multidões ávidas por
ver o avião de Cukurs lá exibido.
Cukurs era um nacionalista letão de direita. Contudo, tinha muitos
amigos judeus. Chegou mesmo a viajar à Palestina e a regressar
profundamente impressionado pelos feitos sionistas. Os seus discursos
entusiásticos sobre os pioneiros na Palestina pintavam-no como um aliado dos
judeus letões.
Porém, quando a Segunda Guerra Mundial deflagrou, as coisas
mudaram subitamente. A Letônia começou por ser ocupada pelos soviéticos,
que rapidamente conquistaram o ódio do povo e perseguiram gente como
Cukurs.
Porém, o Exército Vermelho retirou-se após Hitler invadir a Rússia —
e a Letônia foi conquistada pelo Exército alemão. Cukurs metamorfoseou-se
completamente. Enquanto nacionalista convicto e líder de uma organização
fascista fanática chamada “Cruz do Trovão”, que se ofereceu para servir os
nazis, Cukurs tornou-se o assassino mais cruel e sádico dos judeus de Riga.
Logo no início, ele e os seus soldados reuniram 300 judeus numa
sinagoga local e puseram-lhe fogo, matando todos os ocupantes. Cukurs
prendeu judeus, espancou-os até a morte com o revólver, fuzilou centenas de
outros, humilhou e assassinou judeus ortodoxos, esmagou as cabeças de bebês
contra as muralhas da cidade. Certa noite, obrigou uma menina judia a despir-
se em frente de um grupo de prisioneiros judeus, depois forçou um velho
rabino a afagá-la e a lamber-lhe o corpo todo, ao som das gargalhadas
embriagadas dos guardas letões. No verão, ordenou o afogamento de 1200
judeus no lago Koldiga e, em novembro de 1941, conduziu 30.000 judeus de
Riga ao local de abate na floresta de Rumbula, onde os judeus foram despidos
por soldados alemães e fuzilados a sangue-frio.
Künzle ficou em profundo choque quando leu os depoimentos de
alguns judeus que sobreviveram por milagre. Os documentos da pasta
descreviam a fuga de Cukurs para França no fim da guerra, com documentos
falsos. Fez-se passar por “camponês” e conseguiu embarcar num navio com
destino ao Rio de Janeiro. Levou consigo uma estranha “apólice de seguro”
— uma jovem judia chamada Miriam Keitzner, que ele protegera durante a
guerra. Miriam, que agora atuava como sua defensora, falou por todo o Brasil
do seu nobre “salvador de Riga”.
No Rio, Cukurs rapidamente estabeleceu relações calorosas com
muitos judeus brasileiros. Adorava descrever a quem o ouvisse a história
fascinante de Miriam. “Os nazis apanharam-na na Letônia”, costumava dizer.
“Ia ter uma morte horrível, mas eu salvei-a, arriscando a minha própria vida.”
Era raro que um tão bravo herói e salvador de judeus chegasse ao Rio de
Janeiro, e os judeus da cidade faziam o que podiam por mostrar ao bravo letão
o valor que davam aos seus nobres feitos.
Cukurs tornou-se muito popular na comunidade judaica — até a noite
em que o bravo letão bebeu mais do que devia. O álcool desatou-lhe a língua,
e o inebriado Cukurs contou então uma história assaz diferente à sua
audiência.
Com efeito, falou de judeus, mas agora chamava-os de porcos e
escória.
Falou com entusiasmo dos meios que ele e os seus amigos nazis
tinham usado para massacrar os judeus da Europa, de judeus que foram
queimados, afogados, fuzilados e espancados até a morte… Os amigos judeus
do letão ficaram estupefatos; começaram a investigar — e os resultados da
pesquisa foram aterradores.
Quando a sua verdadeira identidade foi exposta, Cukurs desapareceu.
Não saiu do Rio, mas mudou-se para um bairro distante do centro da grande
cidade. Abandonou Miriam Keitzner, de quem já não precisava. Miriam viria
a casar com um judeu local e a integrar-se na sociedade brasileira. Quanto a
Cukurs, mandou vir a mulher e teve três filhos.
Dez anos passaram. Cukurs era o respeitado dono da empresa “Táxi
Aéreo”. Mas então, por acaso, foi novamente descoberto pela comunidade
judaica do Rio de Janeiro, que decidiu despertar a opinião pública com um
grande protesto. Estudantes irromperam pelos escritórios da “Táxi Aéreo”,
partiram janelas, destruíram equipamento e esvaziaram gavetas… Cukurs saiu
imediatamente do Rio de Janeiro com a família e foi para São Paulo.
Embora lá ninguém o incomodasse, Cukurs continuou a sentir-se em
perigo. Era atormentado por medos e suspeitava de todos os estranhos que o
abordavam. Em junho de 1960, alguns dias após a captura de
Eichmann, Cukurs foi ao quartel da polícia de São Paulo e pediu proteção. O
pedido foi aceito — mas também foi divulgado na mídia, e os parentes das
vítimas de Cukurs espalhados pelo mundo ficaram sabendo onde ele morava.
À medida que os anos se passaram, os medos de Cukurs não fizeram
senão crescer. Contou à mulher e aos filhos que vingadores judeus podiam
descobrir seu paradeiro e vir assassiná-lo. Chegou a preparar uma lista dos
inimigos mais perigosos, a maioria dos quais judeus brasileiros importantes
do Rio de Janeiro. No topo da lista estavam Aharon Steinbruck, senador;
Alfredo Gartenberg; Marcus Constantino; Israel Skolnikov; Sr. Klinger e Sr.
Pairitzki.
Cukurs manteve o nome verdadeiro, mas construía suas casas como
fortalezas e, aparentemente, pagava subornos substanciais pela proteção da
polícia e de seguranças.
Lançou-se em várias aventuras de negócios, mas falhou. Segundo o
arquivo de Künzle, a último endereço de Cukurs era uma marina num lago
artificial às portas de São Paulo. Cukurs costumava alugar barcos e levar
turistas em passeios aéreos sobre a cidade no seu hidroavião.
Künzle sabia muito bem que, se tentasse abordar Cukurs diretamente,
certamente lhe levantaria suspeitas, por isso passou alguns dias no Rio de
Janeiro. A sua estada na deslumbrante cidade brasileira contrastou
tremendamente com a missão sombria que tinha iniciado. Caminhou pelas
praias de Copacabana e Ipanema, observou as bonitas mulatas em biquínis
mínimos, olhou para o inefável Pão de Açúcar e a enorme estátua de Cristo no
topo do monte Corcovado, viu uma macumba (o vudu brasileiro), absorveu o
sol quente e os ritmos do samba. Foi o turista típico, mas conheceu vários
funcionários governamentais de topo e investidores privados no negócio do
turismo, foi recebido pelo ministro do Turismo local, e apresentou-se como
investidor interessado em empresas turísticas no Brasil.
Recebeu algumas cartas de recomendação de grandes figuras do
negócio turístico de São Paulo.
Künzle chegou a São Paulo e encontrou imediatamente a marina de
Cukurs. Junto do cais, ligeiramente afastado dos barcos de recreio, viu um
velho hidroavião. A seu lado, estava um homem alto e magro, vestido com
um macacão de piloto. Era Herberts Cukurs.
Künzle dirigiu-se à bela jovem alemã que vendia bilhetes para as
excursões de barco de Cukurs e pediu-lhe informações sobre o turismo na
zona. Na altura, não sabia que a jovem era mulher do filho mais velho de
Cukurs. Ela admitiu que não sabia muito sobre turismo, mas apontou para o
homem de macacão. “Pergunte-lhe, que ele ajuda-o.”
Künzle dirigiu-se ao piloto e apresentou-se como investidor austríaco.
Fez algumas perguntas profissionais, a que Cukurs respondeu com relutância;
mas a atitude dele mudou quando Künzle perguntou se podia contratar o
avião para dar um passeio sobre a cidade. Poucos minutos depois, estavam no
ar. Os dois homens tiveram uma conversa longa e amigável. Künzle sabia
como fazer amigos. No regresso, Cukurs convidou-o a ir ao seu barco, para
tomarem um brandy.
Enquanto bebiam, Cukurs irrompeu de súbito numa diatribe furiosa
contra os seus acusadores. “Fui um criminoso de guerra?!”, gritou. “Salvei
uma menina judia durante a guerra.” Künzle suspeitou que a indignação de
Cukurs era falsa e que o letão só queria provocar uma reação sua.
“Combateu na guerra?”, perguntou Cukurs.
“Sim”, disse Künzle, “na frente russa”. Porém, o tom da resposta
pareceu indicar o oposto, ou seja, Künzle tinha servido no Exército, mas
certamente não na frente russa. Depois, desabotoou a camisa e mostrou a
cicatriz que tinha no peito a Cukurs. “Da guerra”, disse ele, sem mais
explicações.
Künzle fez uma rápida avaliação do seu anfitrião. Cukurs estava numa
situação econômica má: o macacão puído, o avião periclitante, o pobre estado
dos seus barcos todos indicavam um nível de vida baixo. Percebeu que tinha
de levar Cukurs a crer que ele, Künzle, era uma oportunidade de superar os
problemas, o homem que podia ajudá-lo a fazer grandes lucros.
Assim sendo, continuou a falar da sua empresa e dos seus parceiros, e
dos projetos grandiosos de investir muito dinheiro no turismo da América
Latina.
Deu a entender que Cukurs talvez pudesse juntar-se ao grupo, já que
conhecia bem a cena turística brasileira.
Cukurs pareceu interessado nas palavras do seu convidado, mas
Künzle levantou-se de repente. “Bom”, disse, “não devia incomodá-lo mais.
O senhor deve estar muito ocupado”.
“Não, de todo”, disse Cukurs, e sugeriu que Künzle fosse a sua casa,
num dos dias seguintes, depois do trabalho, para poderem “discutir interesses
comuns”.
O contato foi estabelecido. A isca, lançada. Agora, Cukurs tinha de ser
persuadido a engoli-lo.
Ao início dessa noite, Künzle despachou um telegrama codificado para
Yoske Yariv. Usou pela primeira vez o nome de código que Yariv escolhera
para Cukurs: “O Falecido.”
Também Cukurs escreveu umas linhas nessa noite. Pegou na lista dos
seus inimigos mais perigosos e acrescentou um nome à lista.
Anton Künzle.
Uma semana depois, um táxi parou diante de uma rua no bairro da
riviera paulista. A casa era modesta, mas protegida como uma fortaleza:
estava rodeada por uma muralha e arame farpado, a entrada era barrada por
um portão de ferro, e junto dele estava um jovem com um cão de ar agressivo.
Künzle pediu ao rapaz — que, afinal, era um dos filhos de Cukurs —
que informasse o piloto da sua chegada. Cukurs recebeu-o calorosamente,
mostrou-lhe a casa, apresentou-o à mulher Milda, depois abriu uma gaveta e
mostrou a Künzle cerca de 15 medalhas da altura da guerra; muitas delas
estavam adornadas por uma suástica.
Cukurs abriu outra gaveta e mostrou ao espantado Künzle o seu
armamento privado: três revólveres de alto calibre e uma espingarda
semiautomática. Cukurs revelou-lhe orgulhosamente que os serviços secretos
brasileiros lhe tinham dado autorização de porte de todas as armas. “Sei como
me defender”, acrescentou.
Künzle tomou as palavras de Cukurs como uma ameaça velada: se me
tentares prejudicar, parecia o anfitrião dizer-lhe, ficas a saber que tenho
armas, sou perigoso.
Cukurs teve subitamente uma ideia. “Porque não fazemos uma viagem
até às minhas quintas? Ficam no campo; podemos passar a noite lá.”
Künzle concordou prontamente. No entanto, a caminho do hotel, parou
numa loja de ferragens e comprou um canivete. Não fosse ser preciso.
Uns dias depois, os dois entraram no carro alugado de Künzle e
dirigiram-se para as montanhas.
Foi uma viagem sinistra e tensa. Ali estava Anton Künzle, armado com
uma simples faca, receando Cukurs e, porém, determinado a tentá-lo com
propostas de dinheiro fácil e conduzi-lo à morte.
E, sentado no carro a seu lado, estava Herberts Cukurs, forte, sensato,
mas pobre, suspeitando do seu novo amigo, armado com um revólver de alto
calibre, mas incapaz de resistir ao isco que Künzle lhe mostrava.
Ocorreu a Künzle que talvez fosse ele a vítima naquele jogo do gato e
do rato; talvez Cukurs não acreditasse na sua história, talvez estivesse a levá-
lo para as montanhas para o assassinar.
De caminho, visitaram uma quinta negligenciada. Subitamente, Cukurs
tirou da mala a espingarda semiautomática. Künzle sobressaltou-se. Porque é
que Cukurs tinha trazido tanto a pistola como a espingarda?
“E que tal um concurso de pontaria?”, perguntou-lhe Cukurs. Künzle
compreendeu imediatamente: Cukurs queria testar as suas capacidades
enquanto antigo combatente na frente russa e ver se ele sabia disparar. O letão
fixou um alvo de papel a uma árvore, carregou a espingarda e disparou 10
balas em catadupa. Os disparos formaram uma aglomeração com dez
centímetros de diâmetro. Cukurs tirou da mala um segundo alvo de papel,
recarregou a espingarda e passou-a a Künzle. Este era veterano do Exército
britânico e das Forças Armadas israelenses, um excelente atirador. Pegou na
arma e disparou sem demora as 10 balas. O resultado foi uma aglomeração
com três centímetros. Cukurs acenou a cabeça em jeito de aprovação.
“Excelente, Herr Anton”, disse.
Voltaram ao carro e continuaram até uma segunda quinta. Era muito
maior e incluía uma floresta densa e um rio, onde alguns jacarés se
espraiavam preguiçosamente. Cukurs conduziu-o à floresta e Künzle foi
novamente assaltado por medos. Seria uma armadilha? Será que Cukurs o
levara ali para o poder assassinar sem deixar pistas?
Continuou a caminhar ao lado de Cukurs. Subitamente, pisou uma
rocha que fez um prego soltar-se no seu sapato e penetrar-lhe o calcanhar.
Dobrado de dor, Künzle ajoelhou-se e tirou o sapato. Havia sangue a pingar
da ferida no calcanhar.
Cukurs dobrou-se e puxou a pistola. Künzle estava exposto,
completamente indefeso. Acabou-se, pensou, chegara o seu último momento.
O letão o abateria como um cão. Mas Cukurs deu-lhe a arma. “Use a
coronha”, disse, “martele-o para baixo”.
Künzle pegou a arma. Subitamente, os papéis tinham-se invertido.
Estavam sozinhos sítio no meio da montanha. Não se via vivalma em
vários quilômetros em seu redor. A arma estava carregada. Podia acabar com
Cukurs naquele preciso instante. Bastava apontar a arma e premir o gatilho.
Em vez disso, agachou-se e martelou a ponta afiada do prego, após o
que devolveu a arma ao dono.
Ao cair da noite, os dois chegaram a uma cabana decrépita e
improvisaram o jantar com alguma comida que tinham levado. Estenderam os
sacos-camas em duas camas velhas de ferro. Künzle viu Cukurs meter a arma
debaixo da almofada. Perturbado por pensamentos funestos, tirou a faca do
bolso e manteve-se preparado, mas foi incapaz de dormir.
A meio da noite, ouviu um som vindo da cama de Cukurs. O nazista
levantou-se, pegou na arma e saiu silenciosamente. Porquê, pensou Künzle?
Tentou ouvir o som que vinha lá de fora, e subitamente ouviu um ruído
fácil de reconhecer. Cukurs saíra para urinar. E tinha levado a arma muito
provavelmente devido aos animais selvagens que rondavam por ali.
Regressaram no dia seguinte, sãos e salvos, a São Paulo. Künzle
suspirou de alívio quando entrou no hotel.
Durante a semana seguinte, Künzle convidou Cukurs para bons
restaurantes, clubes noturnos caros e bares. Reparou no olhar esfomeado de
Cukurs e apercebeu-se de que o homem há anos não saboreava todos aqueles
prazeres que o dinheiro comprava. O seu passo seguinte foi pedir a Cukurs
que lhe fizesse companhia em vários voos domésticos, a expensas de Künzle,
evidentemente. Visitaram alguns grandes locais turísticos e Cukurs desfrutou
da melhor alimentação e alojamento.
Foi então que Künzle sugeriu que fossem a Montevidéu, a capital do
Uruguai. Os seus parceiros, disse, queriam estabelecer o centro de negócios
da América do Sul e ele ia ver que escritórios e instalações estavam
disponíveis. Chegou a pagar o passaporte novo de Cukurs.
Künzle apanhou o avião para Montevidéu e, dias mais tarde, Cukurs
juntou-se-lhe. Mas as suspeitas do letão não tinham desaparecido; este levou a
máquina fotográfica. Assim que saiu do avião no aeroporto de Montevidéu,
viu Künzle à espera. Cukurs puxou da máquina e tirou várias fotografias de
Künzle, apanhando-o de surpresa. O amigo, parceiro e patrocinador tornara-
se, aos olhos de Cukurs, o maior suspeito num plano para o assassinar.
Entretanto, Künzle alugara um grande carro americano. A cor — rosa-
choque — deixava-o envergonhadíssimo, mas aquele era o único carro
disponível na agência de aluguel. Também reservou quartos para ambos no
melhor hotel da cidade, o Victoria Plaza. Passaram alguns dias em
Montevidéu, à procura de um edifício que pudesse servir como sede da
empresa de Künzle. Não encontraram nada, mas desfrutaram de umas férias
de sonho. Künzle convidou Cukurs para os melhores restaurantes, levou-o a
clubes noturnos, em viagens turísticas e ao casino, onde partilhou os ganhos
com ele. Cukurs andava encantado. Finalmente, acabaram por se separar, e
Künzle foi para a Europa, depois de prometer a Cukurs que voltaria daí a
poucos meses, para continuar a desenvolver o projeto dos dois. Cukurs
regressou a São Paulo, mas disse à mulher que alguém o seguira em
Montevidéu e que, portanto, tinha de se manter alerta e pronto a defender-se.
Em Paris, Künzle encontrou-se novamente com Yariv e os amigos, e
todos começaram imediatamente a preparar a operação. Decidiram que
Cukurs seria executado em Montevidéu, por algumas razões: no Brasil,
Cukurs era protegido pela polícia local, e isso podia levantar alguns
problemas; além disso, também vivia no Brasil uma grande comunidade
judaica e esta ficaria vulnerável a ataques dos neonazis ou alemães que
procurassem vingança; e, finalmente, a pena de morte ainda estava em vigor
no Brasil, e se alguma equipe de assassinato fosse apanhada e julgada, as suas
vidas correriam perigo.
A equipe de assassinato consistia em cinco agentes e era chefiada pelo
próprio Yoske Yariv. Um dos agentes era Ze’ev Amit (Slutzky), primo do
ramsad Meir Amit; os outros eram Künzle, Arye Cohen (nome fictício) e
Eliezer Sudit (Sharon), que também recebeu passaporte austríaco em nome de
Oswald Taussig.
Os membros da equipe chegaram a Montevidéu em fevereiro de 1965.
Oswald Taussig alugou um Volkswagen verde e uma casa pequena, a
Casa Cubertini, na Calle Cartagena, no bairro Carrasco. No último momento,
Yariv encarregou-o de uma tarefa arrepiante: comprar um baú grande,
como os baús de viagem usados no século XIX. Serviria como caixão para o
cadáver do nazista quando a operação terminasse.
Künzle convidou Cukurs a voltar a Montevidéu.
Em 15 de fevereiro de 1965, Cukurs foi à esquadra da polícia.
Recebeu-o aí um agente chamado Alcides Cintra Bueno Filho. “Sou
empresário”, disse o letão. “Há vários anos que estou sob a proteção da
polícia brasileira, porque tenho boas razões para recear pela minha vida.
Agora, um parceiro de negócios europeu pediu-me que viajasse a Montevidéu
com ele. Que acha disto? Posso ir ao Uruguai? Não é arriscado?”
“Não vá!”, respondeu firmemente o agente. “Aqui, está em paz porque
o protegemos. Mas não se esqueça de que, uma vez fora do Brasil, deixa de
estar protegido. Expõe-se aos inimigos. E, se tem inimigos, presumo que eles
não o tenham esquecido.”
Cukurs pensou um pouco, pareceu hesitar, mas acabou por se levantar
e dizer: “Sempre fui um homem corajoso. Não tenho medo. Sei defender a
minha vida. Ando sempre armado. E, acredite, apesar dos anos que passaram,
ainda tenho uma pontaria certeira.”
Künzle recebeu Cukurs em Montevidéu a 23 de fevereiro. A armadilha
estava montada. Künzle levou Cukurs num Volkswagen preto que tinha
alugado até a Casa Cubertini, onde a equipe de assassinato esperava. Pelo
caminho, fizeram várias paragens, “para ver” outras casas que podiam servir
de escritório da empresa. Por fim, chegaram à Casa Cubertini. Viram uns
homens a trabalhar em obras na casa do lado. O carro verde de Taussig,
também um Volkswagen, estava estacionado na casa. Künzle desligou o
motor, saiu do carro e caminhou com determinação para a porta. Cukurs
seguiu-o. Künzle abriu a porta e viu uma cena aterradora: na casa escura, os
membros da equipe de assassinato estavam encostados às paredes, vestidos
apenas com roupa interior. Sabiam que não podiam dominar Cukurs sem uma
luta sangrenta e tinham despido a roupa para que esta não se sujasse com o
sangue daquele. Havia qualquer coisa de chocante naquela visão de um grupo
de gente em roupa interior, esperando a vítima na escuridão.
Künzle abriu passagem e Cukurs seguiu-o para dentro de casa. Assim
que ele entrou, Künzle fechou a porta. Três homens saltaram sobre Cukurs.
Ze’ev Amit tentou agarrá-lo pela garganta, como tinha treinado em Paris. Os
outros assaltaram-no de ambos os lados.
O letão deu luta. Conseguiu desenvencilhar-se dos atacantes e correr
para a porta. Puxou a maçaneta e tentou tirar a pistola que tinha no bolso,
enquanto gritava em alemão “Lassen sie mich sprechen!” (“Deixem-me
falar!”).
Durante a luta, Yariv tentou cobrir a boca de Cukurs com a mão, para o
impedir de gritar. Cukurs mordeu-a violentamente e quase arrancou um dedo
de Yariv. Este gritou de dor. Naquele momento, Amit pegou uma marreta e
desferiu uma pancada na cabeça de Cukurs. Jorrou sangue da ferida. Os
corpos dos atacantes e da vítima converteram-se numa massa em convulsão
no chão, enquanto Cukurs tentava desesperadamente puxar a pistola. Foi uma
questão de segundos. Arye encostou a arma na cabeça de Cukurs e disparou
duas vezes. O silenciador abafou o som dos disparos.
O corpo de Cukurs caiu prostrado. O sangue fluiu por suas roupas e
pelos mosaicos do chão. Os membros da equipe estavam cobertos de sangue.
Oswald Taussig correu para o pátio e ligou a torneira central da casa.
Os amigos lavaram o sangue, depois limparam o chão e as paredes; ainda
assim, os mosaicos da casa continuaram manchados.
Um dos membros da equipe de assassinato afirmou mais tarde que a
intenção do grupo era capturar Cukurs com vida e levá-lo a um tribunal
marcial improvisado, antes de o executar. Contudo, devido ao planejamento
defeituoso ou à subestimação grosseira da força física do letão, a missão
transformou-se num repulsivo banho de sangue imprevisto e desnecessário. O
agente do Mossad tinha alugado a casa na Calle Cartagena na última hora; o
baú de viagem foi comprado igualmente na última hora. Em vez de saltarem
sobre a vítima, os agentes do Mossad podiam tê-lo alvejado imediatamente.
Contudo, como alguns membros da equipe nos disseram, a missão foi
cumprida.
Os agentes puseram o cadáver de Cukurs no baú, para fazer a polícia
crer que tencionavam raptá-lo e retirá-lo clandestinamente do Uruguai.
Depois, deixaram no cadáver uma carta datilografada em inglês, preparada
antecipadamente:
“Tendo em consideração a gravidade dos crimes pelos quais Herberts
Cukurs foi acusado, particularmente sua responsabilidade pessoal no
homicídio de 30.000 homens, mulheres e crianças, e a terrível crueldade
demonstrada por Herberts Cukurs na prossecução dos seus crimes,
condenamos o dito à morte. O acusado foi executado em 23 de fevereiro de
1965 por “aqueles que jamais esquecerão”.”

A equipe saiu da casa e partiu nos dois Volkswagens alugados. Na casa


ao lado, os operários continuavam a martelar e trabalhar; não tinham ouvido
absolutamente nada. Yariv sofreu de dores terríveis na mão. Até morrer,
nunca mais conseguiria mexer devidamente um dedo. Taussig e Künzle
devolveram os carros e saíram dos hotéis. Toda a equipe deixou Montevidéu
por rotas tortuosas para a Europa e Israel. Ze’ev Amit voltou a Paris “ferido
no corpo e magoado na alma”. Durante muitos meses, foi atormentado por
pesadelos terríveis, incapaz de superar o choque e a dor.
Quando todos os membros da equipe de assassinato tinham saído da
América Latina, um agente do Mossad telefonou às agências noticiosas
alemãs e noticiou a execução de um criminoso nazista em Montevidéu,
por “aqueles que jamais esquecerão”.
Os jornalistas que receberam a mensagem descartaram-na logo,
acreditando que era uma partida. Ao ver que nada acontecia, os agentes do
Mossad prepararam uma mensagem muito mais pormenorizada e credível, e
mandaram-na para as agências noticiosas e para um repórter de um jornal de
Montevidéu, que alertou a polícia. A 8 de março, mais de 10 dias depois de
Cukurs ser morto, a polícia chegou finalmente à Casa Cubertini.
No dia seguinte, a imprensa mundial anunciou, em grandes cabeçalhos,
a descoberta do cadáver de Cukurs numa casa vazia em Montevidéu. Nas
notícias, foram apontados dois nomes como suspeitos do homicídio: Anton
Künzle e Oswald Taussig. Poucos dias depois, um semanário de Rio de
Janeiro publicou uma enorme fotografia de Anton Künzle tirada por Cukurs.
A revista chamou a Künzle “o austríaco sorridente”. A fotografia foi
reproduzida na primeira página do jornal israelense Maariv. Alguns amigos
do agente do Mossad identificaram imediatamente Anton Künzle.
Passados uns dias, chegou uma carta à casa de Cukurs. Era um esforço
algo pobre de Anton Künzle para encobrir as pistas.
Caro Herberts,
Com a ajuda de Deus e de alguns dos nossos compatriotas, cheguei
em segurança ao Chile. Descanso agora, depois de uma viagem cansativa, e
estou certo de que também você chegará em breve a casa. Entretanto,
descobri que fomos seguidos por duas pessoas, um homem e uma mulher.
Temos de ter muito cuidado e tomar todas as precauções. Como eu sempre
disse, você corre um grande risco por trabalhar e viajar com seu nome
verdadeiro.
Pode vir a ser desastroso para nós, e também levar à descoberta de
minha verdadeira identidade.
Espero, portanto, que as complicações no Uruguai tenham ensinado a
você uma lição para o futuro, e que passe a ser mais prudente. Se reparar em
algo suspeito dentro ou em redor de sua casa, lembre-se do conselho que dei
— saia e se esconda com os homens de Von Leeds [líder nazista que tinha
fugido para o Cairo com um grupo de exilados alemães] durante um ou dois
anos, até que haja uma anistia definitiva.
Quando receber esta carta, por favor responda para o endereço que
conhece, em Santiago, no Chile.
Teu, Anton K.

A carta, claro, não enganou ninguém. Milda, a mulher de Cukurs, ficou


convencida: Künzle era o assassino.
Quase todos os participantes do assassinato de Cukurs morreram.
Ze’ev Amit, que os autores deste livro conheceram bem, morreu na Guerra do
Yom Kippur, em 1973.
A missão deu frutos. Os parlamentos da Alemanha e da Áustria
rejeitaram o estatuto de limitação dos crimes nazistas.
Anos mais tarde, o antigo ramsad Isser Harel telefonou a um dos
autores deste livro e contou que um bom amigo dele queria conhecê-lo. Não
deu mais pormenores, tão-só umo endereço no Norte de Tel Aviv. O autor
encontrou uma pequena e bonita casa. Um homem robusto, careca e de óculos
abriu a porta.
Disse-lhe: “Guten Abend, Herr Künzle.”
12. À PROCURA DO PRÍNCIPE
VERMELHO

Em 5 de setembro de 1972, às quatro e meia da manhã, oito terroristas


armados e com as caras cobertas com máscaras de esqui arrombaram o
apartamento da equipe israelense nos Jogos Olímpicos de Munique. Mataram
Moshe Weinberg, treinador da equipe de luta livre, que tentou barrar-lhes a
passagem, e Joe Romano, campeão de levantamento de pesos. Alguns atletas,
acordados pelos gritos e o tiroteio, conseguiram fugir saltando das janelas;
nove foram levados como reféns pelos terroristas.
A polícia alemã chegou, seguida por jornalistas, fotógrafos e equipes
de televisão que acompanharam o drama que se desenrolava na aldeia
olímpica.
Pela primeira vez na História, o mundo assistiu a um ataque terrorista
sangrento transmitido ao vivo nas telas de televisão. Também Golda Meir,
primeira-ministra de Israel, o viu, depois de ser acordada pelo seu adjunto
militar. Golda sentiu-se encurralada: o ataque aconteceu num país amigo e a
responsabilidade pelo salvamento dos reféns recaia sobre os ombros dos
alemães. As autoridades do Estado da Baviera, onde o ataque ocorria,
rejeitaram educadamente a sugestão israelense de enviar a Sayeret Matkal, a
melhor unidade de operações especiais do país. “Não têm com que se
preocupar”, disseram os alemães aos representantes israelenses, “vamos
salvar todos os reféns”. Mas a Alemanha não tinha a experiência, a
criatividade e a coragem de enfrentar uma organização terrorista mortífera e
astuta. Após um dia inteiro de negociações esgotantes entre os terroristas e as
autoridades alemãs, os terroristas e os reféns foram conduzidos ao aeroporto
de Fürstenfeldbruck, às portas de Munique. Os alemães tinham prometido aos
terroristas que poderiam embarcar num avião que os levaria até o destino que
escolhessem. Porém, a polícia tinha planejado uma armadilha infantil e
amadora no aeroporto. Tinha puxado um avião vazio e sem tripulação da
Lufthansa até o centro do aeroporto. Nos telhados, tinham sido posicionados
franco-atiradores incompetentes. O líder dos terroristas foi inspecionar o
avião. Era aquele avião, sem tripulação, com os motores frios, que ia levantar
voo daí a poucos minutos? Os terroristas perceberam imediatamente que
estavam a ser enganados. Abriram fogo e lançaram granadas de mão. Durante
o tiroteio que se seguiu com a polícia, assassinaram todos os reféns. Um
polícia alemão também foi morto na troca de tiros, assim como cinco dos oito
terroristas (os outros seriam capturados, mas libertados pouco depois, após o
desvio de um avião da Lufthansa pela organização terrorista). O general
israelense Zvi Zamir, que tinha substituído recentemente Meir Amit como
ramsad, assistiu impotentemente, da torre de controle, ao drama sangrento.
Fora enviado para Munique pela primeira— ministra Golda Meir, mas sem o
direito de intervir na operação alemã. Os seus anfitriões insistiram
incessantemente que o plano era excelente, e que ele tinha apenas de ver para
crer. O que o ramsad viu foi o massacre dos atletas israelenses. Percebeu
então que Israel tinha um novo inimigo: uma organização terrorista que
chamava a si própria “Setembro Negro”.
Setembro Negro.
Foi assim que os terroristas palestinos rebatizaram o mês de setembro
de 1970, quando o rei Hussein da Jordânia massacrou milhares de palestinos
no seu reino. Nos anos desde a Guerra dos Seis Dias, em 1967, os terroristas
tinham conquistado gradualmente controle sobre largos pedaços de território
jordaniano e muitos bairros na capital, Amã; cidades e aldeias ao longo da
fronteira israelense tornaram-se para eles bases exclusivas em cujas ruas
andavam armados. Rejeitavam a autoridade do rei Hussein e, pouco a pouco,
haviam-se tornado os verdadeiros donos da Jordânia. O rei sabia tudo isso,
mas não fazia nada. Numa das suas visitas a um campo do Exército, viu um
soutien voar como uma bandeira na antena de um tanque.
“Que é isto?”, inquiriu, zangado.
“Significa que somos mulheres”, respondeu o comandante do tanque.
“Vossa Majestade não nos deixa lutar.”
Hussein não aguentou mais. Não podia continuar a enterrar a cabeça na
areia, enquanto o seu reino lhe escapava entre os dedos. A 17 de setembro de
1970, o rei lançou o Exército contra as bases e campos terroristas. Foi um
massacre terrível. Os terroristas foram fuzilados nas ruas, perseguidos,
capturados e executados sem julgamento. Alguns encontraram refúgio nos
campos de refugiados palestinos, mas a artilharia jordaniana bombardeou os
campos sem uma ponta de remorso e matou milhares de pessoas. Bandos de
terroristas em pânico atravessaram o rio Jordão e renderam-se ao Exército
israelense. Preferiam apodrecer em prisões israelenses a morrer com armas
jordanianas. Durante o massacre, a maioria dos terroristas sobreviventes fugiu
para a Síria e o Líbano. Até hoje, o número de terroristas mortos durante o
Setembro Negro permanece desconhecido; os números rondarão 2000 a 7000
pessoas.
Yasser Arafat, chefe da Fatah, a maior organização terrorista palestina,
ficou obcecado com a vingança. Criou, no interior da Fatah, uma organização
secreta, uma espécie de organização clandestina dentro da organização
clandestina. Os normais membros e comandantes da Fatah nem sequer sabiam
da sua existência. Arafat chamou-lhe “Setembro Negro”. Esta não se pautava
pelas linhas de conduta “respeitáveis” que Arafat tentava na altura impor ao
seu grupo, para conseguir o reconhecimento e a compaixão internacionais.
Aquele seria um grupo cruel e livre que atacaria os “inimigos do povo
palestino” de todas as maneiras possíveis, sem piedade.
Formalmente, o Setembro Negro não existia e Arafat podia negar
qualquer ligação com ela, mas secretamente era o seu criador e líder. Nomeou
Abu Yussef, um dos comandantes superiores da Fatah, como diretor do
Setembro Negro; para chefe de operações, selecionou Ali Hassan Salameh,
um jovem com pontos de vista fanáticos, mas nem por isso menos corajoso e
inteligente. Ali era filho de Hassan Salameh, que fora o último comandante
supremo das forças palestinas, durante a Guerra Israel-Árabe de 1948.
Hassan Salameh fora morto em combate e o filho Ali jurara continuar
a luta do pai.
As primeiras operações do Setembro Negro não preocuparam
demasiado Israel, uma vez que foram maioritariamente dirigidas contra a
Jordânia. Os terroristas puseram uma bomba nos escritórios de Roma da
companhia aérea nacional jordaniana; atacaram a embaixada jordaniana em
Paris com coquetéis Molotov; desviaram um avião jordaniano para a Líbia;
sabotaram a embaixada jordaniana em Berna, uma fábrica de material
eletrônico na Alemanha, e reservatórios de petróleo em Hamburgo e
Roterdão; na cave de uma casa de Bona, assassinaram cinco agentes secretos
jordanianos. A sua operação mais aterradora até então fora o assassinato do
antigo primeiro-ministro jordaniano Wasfi Al-Tal, no átrio do Hotel Sheraton
do Cairo. Um dos assassinos agachou-se sobre o cadáver e sorveu o sangue da
vítima.
Dada a vitória de Israel na Guerra dos Seis Dias de 1967, os terroristas
tomaram a si a tarefa de continuar a guerra contra o Estado judeu. Desviaram
aviões, atravessaram as fronteiras de Israel e assassinaram civis, puseram
bombas e cargas explosivas nas grandes cidades. O Shabak e o Mossad
tinham de lutar agora contra um inimigo novo, penetrar nas suas organizações
terroristas, frustrar os planos delas, e prender os ativistas. Era a Fatah, não o
Setembro Negro, a maior organização contra a qual Israel tinha agora de lutar.
Porém, o Setembro Negro foi muito rápida a transpor os limites que
tinha originalmente definido para as suas atividades e começou a lutar contra
as nações ocidentais, mas primeiro e principalmente contra Israel.
O massacre de Munique foi a primeira agressão sangrenta da
organização.
E foi assim que Ali Hassan Salameh conquistou o seu título. Foi ele o
cérebro por trás da operação de Munique. Os rumores sobre a sua obsessão
com assassinato e sangue espalharam-se entre os terroristas, que começaram a
chamar ao filho de Hassan Salameh Príncipe Vermelho.
No início de outubro de 1972, dois generais aposentados solicitaram
uma reunião com a primeira-ministra Golda Meir, que substituíra Levi
Eshkol, após a morte súbita deste em 1969. Eram eles o novo ramsad, Zvi
Zamir, e o conselheiro da primeira-ministra para o contraterrorismo e antigo
chefe da Aman, Aharon Yariv.
Golda Meir ficou absolutamente traumatizada com a “noite de
Munique”, quando os atletas israelenses foram assassinados. “Uma vez mais,
matam-se judeus presos e amarrados em solo alemão”, dissera ela. Golda era
uma mulher forte e dura. Era claro que não deixaria que o massacre de
Munique ficasse sem castigo.
E foi exatamente isso que Zamir e Yariv lhe propuseram.
Zvi Zamir era um homem magro, quase careca, sardento, com traços
bem definidos numa cara triangular, antigo combatente do Palmach, mas não
era visto como um general excecional. O mais alto cargo a que subira durante
o seu serviço militar fora comandante da frente sul. Mais tarde, exerceu o
cargo de adido militar e representante do Ministério da Defesa na Grã-
Bretanha. Em 1968, foi nomeado ramsad, no lugar de Meir Amit, que chegara
ao fim do mandato. Muita gente criticou a nomeação de Zamir. Era um
homem brando e tímido, sem experiência de operações secretas. Faltava-lhe
carisma, e ele próprio não se considerava chefe do Mossad, como Harel e
Amit antes de si. Preferia agir como uma espécie de presidente da
administração e delegar autoridade em muitos assistentes. Só durante a
Guerra do Yom Kippur (ver Capítulo 14) é que ganharia fama, mas em 1972
não podia gabar-se de nenhum êxito substancial. Além disso, alguns dos mais
antigos agentes do Mossad, como Rafi Eitan, não gostavam dele e
abandonaram os cargos em protesto.
Yariv, como Zamir, era mais um homem das sombras do que um
homem das luzes da ribalta. Fora um extraordinário chefe da Aman durante a
Guerra dos Seis Dias, mas era sobretudo admirado pela sua mente culta e
analítica.
Homem magro, delicado, com óculos sobre uma testa larga, Yariv, com
os seus bons modos, mais parecia um professor erudito do que um mestre da
espionagem.
Yariv e Zamir tinham muito em comum. Presumia-se que fossem
rivais, devido às suas funções similares, mas trabalhavam em harmonia e
confiança mútua. Eram ambos tranquilos, discretos, reservados e algo
tímidos.
Detestavam ser o centro das atenções e eram muito cautelosos nas suas
análises e planos. Contudo, a ideia que descreveram a Golda Meir naquela
tarde de outubro era surpreendentemente brutal: os serviços secretos tinham
de identificar e localizar os líderes do Setembro Negro, e matá-los. Todos.
Desde Munique que os dois tinham iniciado uma atividade intensiva e
reunido informações secretas de alta qualidade sobre o Setembro Negro.
Foram preparados para a reunião com Golda Meir. o Setembro Negro,
disseram, tencionava lançar uma guerra total contra Israel. Era um grupo que
jurara matar tantos judeus quanto possível — militares, civis, mulheres e
crianças. A única maneira de travar o Setembro Negro era matar todos os seus
líderes, um por um. Esmagar a cabeça da serpente.
Golda Meir hesitou. Não era fácil para ela tomar uma decisão que
significaria enviar jovens numa arriscada campanha de assassinato. Israel
jamais o fizera. Ficou sentada em silêncio durante muito tempo. Depois,
começou a falar com uma voz quase inaudível, como se conversasse consigo
mesmo.
Mencionou a terrível memória do Holocausto e a trágica marcha do
povo judeu ao longo das eras, sempre perseguido, acossado e massacrado.
Finalmente, ergueu a cabeça e olhou para Yariv e Zamir. “Enviem os
rapazes”, disse.
Zamir começou imediatamente a preparar a operação. Chamou-a “Ira
Divina”.
Contudo, Golda Meir também interveio. Enquanto primeira-ministra
de um Estado judaico e democrático, Golda Meir não podia confiar apenas na
promessa feita por Yariv e Zamir de que “os rapazes” não atacariam senão os
líderes e os principais militantes do Setembro Negro. As promessas não
bastavam. Ela sabia muito bem que aquela operação cairia fora do escopo da
lei e que se o controle civil sobre as ações do Mossad fosse afrouxado, correr-
se-ia um real perigo de algumas pessoas inocentes também serem mortas.
Assim sendo, decidiu estabelecer um controle apertado sobre a “Ira Divina”.
Criou um comitê secreto que incluía, além de si mesma, o ministro da Defesa
Moshe Dayan, e o vice-primeiro-ministro, Yagal Allon, um brilhante general
aposentado. Os três transformaram-se numa espécie de tribunal secreto que
tinha de rever e aprovar cada caso individual da operação. Chamaram-lhe
Comissão X. Yariv e Zamir tinham de submeter todos os arquivos e nomes ao
trio, e só após a obtenção de aprovação é que a equipe de assassinato do
Mossad podia entrar em cena.
A Massada (Caesarea), o departamento operacional do Mossad, foi
designada como responsável pela persecução da “Ira Divina”. Era chefiada
por Mike Harari, um agente moreno, áspero e reservado. Quase todos os
assassinatos aconteceriam na Europa, onde o Setembro Negro tinha colocado
os seus homens, todos protegidos por coberturas sofisticadas.
Harari escolheu os agentes entre os homens do Kidon, a equipe
operacional da Massada. Cada unidade enviada contra um operacional do
Setembro Negro era composta de várias equipes secundárias. Uma equipe de
seis homens e mulheres seria responsável por identificar e seguir os suspeitos.
Tinham de se certificar de que cada homem que visavam era o homem
pretendido, o lobo com pele de cordeiro. Chegariam à cidade onde o suspeito
terrorista operava, seguiam-no, fotografavam-no às escondidas, estudavam os
seus hábitos, localizavam os amigos que tinha, descobriam o endereço exata
dele, os bares e restaurantes que frequentava, a sua rotina diária, hora após
hora. Uma unidade menor, na maioria dos casos constituída apenas por um
homem e uma mulher, ficava responsável pela logística — aluguel de
apartamentos, quartos de hotel e carros. Outra equipe pequena tratava das
comunicações com o quartel-general operacional avançado, que normalmente
se estabelecia na cidade europeia em causa e com a sede do Mossad, em
Israel.
A equipe de assassinato propriamente dita consistia em vários agentes
do Mossad, que eram os últimos a chegar à cidade. A sua tarefa era dirigir-se
a uma certo endereço, a dada hora, e matar o homem cuja fotografia e outros
pormenores identificadores tinham recebido. Enquanto trabalhavam na cidade
do alvo, eram protegidos por outra equipe — um conjunto de agentes armados
e motoristas, estacionados na sua proximidade, com veículos prontos a sair, e
rotas de fuga planejadas e ensaiadas. A sua tarefa era proteger, se preciso
fosse com armas, os membros da equipe de assassinato.
Imediatamente após o fim da operação, todos os membros da equipe de
assassinato e seus seguranças saíram do país.
A equipe que identificava e seguia os suspeitos saiu antes da operação.
Os outros ficavam mais uns dias, para apagar rastros, embalar equipamento e
devolver os carros alugados usados na operação.
A primeira cidade escolhida para uma operação “Ira Divina” foi Roma.
Na Cidade Eterna, a equipe avançada identificou e seguiu um homem
que ninguém acusaria de terrorismo: um funcionário inferior na Embaixada
da Líbia, palestino de 38 anos, nascido em Nablus, chamado Wael Zwaiter.
Era um homem magro, afável e delicado, filho de um conhecido homem de
letras e tradutor árabe. Já Wael era conhecido pelas suas excelentes traduções
de ficção e poesia do árabe e para o árabe. Era além disso um grande amante
de arte. Trabalhava como intérprete na embaixada líbia, por um magro salário
mensal de 100 dinares líbios, levava uma vida muito modesta e morava num
pequeno apartamento na Piazza Annibaliano. Os amigos conheciam-no como
homem moderado que rejeitava qualquer forma de violência e
frequentemente expressava repúdio por terrorismo e assassinatos.
Porém, nem os amigos mais chegados de Zwaiter sabiam do seu
segredo; o bom amigo era um fanático cruel que comandava as operações do
Setembro Negro em Roma com uma determinação implacável. Muito
recentemente, tinha engendrado e levado a cabo uma operação pérfida:
descobriu duas jovens inglesas que passavam os primeiros dias das suas férias
em Roma, antes de seguir para Israel. Zwaiter instruiu dois jovens palestinos
bonitos e charmosos a estabelecer contato com as moças e a tentar seduzi-las.
E, com efeito, os jovens Casanovas não tardaram a acabar nas camas das
inglesas. Quando se despediram das suas amantes, um dos palestinos pediu à
sua que levasse para Israel um pequeno gira-discos, como presente para a
família dele na Cisjordânia. A insensata moça concordou prontamente, e o
gira-discos foi devidamente enviado com a restante bagagem das senhoras no
balcão da El Al no aeroporto de Roma. O que elas não sabiam era que
Zwaiter e seus encantadores amantes as tinham mandado para a morte. Sob
supervisão de Zwaiter, o pessoal do Setembro Negro desmontou o toca-
discos, encheu-o de explosivos e voltou a colocá-lo numa caixa novinha em
folha. O dispositivo estava programado para explodir assim que o avião
alcançasse a altitude de cruzeiro. O avião e todos os seus passageiros estavam
condenados.
Felizmente, os terroristas não sabiam que, depois de um avião
transatlântico da Swissair destinado a Israel ter explodido devido a um
dispositivo semelhante, os compartimentos de bagagem dos aviões da El Al
tinham sido revestidos de proteção espessa para que nenhuma explosão
conseguisse destruir o avião. O toca-discos explodiu efetivamente, mas o
rombo foi contido pela armadura. O piloto da El Al, alertado por uma luz
vermelha intermitente, regressou imediatamente ao aeroporto.
As atordoadas moças inglesas foram interrogadas e revelaram seu
envolvimento com os deslumbrantes amantes palestinos. Contudo, os dois há
muito que tinham saído de Itália, após sua dolorosa despedida das moças que
tinham enviado à morte.
Os primeiros grupos da equipe de assassinato chegaram a Roma e
seguiram Zwaiter durante vários dias. Um jovem casal passeou em frente à
embaixada líbia e a mulher acionou uma câmera escondida na mala sempre
que Zwaiter entrava ou saia. Alguns “turistas” chegaram a Roma em vários
voos. Um deles, um canadense de 47 anos chamado Anthony Hutton, alugou
um carro na Avis e disse ao empregado que estava hospedado no Hotel
Excelsior, na Via Veneto. Se tivesse verificado a informação, o empregado
descobriria que não havia ninguém com aquele nome no Excelsior, como
também não estavam lá outros “turistas” que alugaram carros nessa mesma
semana e deram endereços falsos às locadoras.
Na noite de 16 de outubro, Zwaiter regressou a casa e estava prestes a
pôr uma moeda de 10 liras para acionar o elevador. A entrada era escura e
alguém no terceiro andar tocava uma melodia melancólica no piano.
Subitamente, dois homens emergiram das sombras e enfiaram 12 balas
de Beretta 0.22 no corpo de Zwaiter. Ninguém ouviu os disparos; os dois
agentes saltaram para um Fiat 125 estacionado na Piazza Annibaliano. Poucas
horas depois já tinham saído do país.
Agora que Zwaiter fora assassinado, sua cobertura deixava de ser
necessária. Um jornal de Beirute publicou o obituário, assinado por várias
organizações terroristas que choraram Zwaiter como “um dos nossos
melhores combatentes”.
O líder da pequena equipe que matou Zwaiter era um israelense na
casa dos 20 anos chamado David Molad (nome fictício). Nascera na Tunísia e
emigrara para Israel ainda criança. Dos pais, ambos professores e sionistas,
herdara um domínio perfeito do francês, um amor profundo e intensamente
emocional pelo Estado de Israel e um patriotismo ardente. Desde tenra
idade, David sonhara servir Israel, mesmo que para isso tivesse de correr risco
de vida. No Exército, oferecera-se para uma equipe de elite de operações
especiais das Forças Armadas israelenses e impressionara os comandantes
com a sua coragem e criatividade. Depois da recruta, entrara no Mossad e
rapidamente se tornara um dos seus melhores agentes, participando nas
operações mais perigosas. Devido à sua fluência em francês, podia facilmente
tomar uma identidade francesa, belga, canadense ou suíça. Casou jovem e não
tardou a ser pai de um menino. Isso, porém, não acalmou a sua ânsia de servir
na linha da frente das lutas do Mossad.
Depois da morte de Zwaiter, David passou uns dias em Israel, após os
quais apanhou um avião para Paris.
Passaram poucos dias até o telefone tocar num apartamento do número
175 da rue d’Alésia, em Paris. O Dr. Mahmoud Hamshari atendeu a chamada.
“Fala o Dr. Hamshari, representante da OLP [Organização de Libertação da
Palestina] em França?” A voz tinha um forte sotaque italiano.
O homem apresentou-se como jornalista italiano que simpatizava com
a causa palestina e pediu para entrevistar Hamshari. Concordaram encontrar-
se num café longe da casa de Hamshari.
O Dr. Hamshari, um respeitado historiador que vivia em Paris com a
sua mulher francesa, Marie-Claude, e a menina de ambos, tomara sérias
precauções nos últimos tempos. Quando caminhava pela rua, procurava
continuamente pessoas que pudessem estar a segui-lo; saía dos cafés e
restaurantes antes de receber tudo o que pedira; inquiria muitas vezes os
vizinhos sobre estranhos que pudessem ter perguntado por ele.
À primeira vista, não tinha nada com que se preocupar. Era um
acadêmico, homem moderado, bem integrado nos círculos intelectuais
parisienses. “Não precisa de tomar nenhuma precaução”, escreveu Annie
Francos no semanal Jeune Afrique, “porque não é perigoso. Os serviços
secretos israelenses sabem-no bem”.
Todavia, os serviços secretos israelenses sabiam mais coisas. Por
exemplo, que Hamshari participara na tentativa gorada de assassinar Ben-
Gurion na Dinamarca, em 1969; que estivera envolvido na explosão em pleno
ar de um avião da Swissair em 1970, que tirara a vida a 47 pessoas; que tinha
ligações a misteriosos jovens árabes que costumavam entrar sorrateiramente
no seu apartamento, à noite, transportando malas pesadas.
Os serviços secretos israelenses também sabiam que Hamshari era
agora o segundo nome na linha de comando do Setembro Negro na Europa.
Portanto, no dia em que Hamshari saiu de casa para ser entrevistado
pelo jornalista italiano, uma duplas entrou sorrateiramente no apartamento e
saiu 15 minutos depois.
No dia seguinte, os estranhos esperaram que a mulher e a filha de
Hamshari saíssem do apartamento e ele ficasse lá sozinho. O telefone tocou, e
Hamshari pegou no receptor.
“Dr. Hamshari?”, perguntou novamente o jornalista italiano.
“Sim, é o próprio.”
Naquele instante, Hamshari ouviu um uivo agudo — e logo a seguir
uma explosão estrondosa. Uma carga explosiva escondida sob sua mesa
explodiu e Hamshari caiu, gravemente ferido. Poucos dias depois, morreu no
hospital, não sem antes acusar o Mossad de sua morte.
Poucas semanas após a morte de Hamshari, Mike Harari e um homem
chamado Jonathan Ingleby chegaram à ilha de Chipre. Deram entrada no
Hotel Olympia, em Nicósia. O Chipre tornara-se recentemente um campo de
batalha entre agentes israelenses e árabes, devido à sua localização, próxima
de Israel, Síria, Líbano e Egito. Desta feita, os dois agentes israelenses
seguiam um palestino de nome Hussein Abd el Hir. Poucos meses antes, Abd
el Hir tinha sido nomeado representante do Setembro Negro no Chipre.
Também tinha a seu cargo as relações com a União Soviética e as nações do
Bloco de Leste que se haviam convertido num paraíso e abrigo para os
terroristas. Na Rússia, na Checoslováquia, Hungria e Bulgária, havia
terroristas palestinos a treinar nas instalações do exército e unidades de forças
especiais. Desses países, chegavam carregamentos de armas e equipamento
para as organizações terroristas; e havia uma boa quantidade de líderes
palestinos, crentes entusiásticos na ideologia soviética, que estudavam na
Universidade Patrice Lumumba, em Moscou.
Abd el Hir também era responsável pela infiltração de terroristas em
Israel e pela eliminação de espiões árabes que fossem ao Chipre encontrar-se
com os seus contatos israelenses. O Comitê X sentenciou-o à morte.
Naquela noite, Abd el Hir entrou no quarto de hotel, apagou as luzes e
foi se deitar. Jonathan Ingleby certificou-se de que o homem adormecera e,
depois, apertou um botão num controle remoto. O hotel tremeu com uma
explosão avassaladora. Num quarto no terceiro andar, um casal de israelenses
em plena lua de mel refugiou-se imediatamente debaixo da cama. O
recepcionista correu ao quarto de Abd el Hir. Quando a fumaça se dissipou, a
cena terrível que viu o fez desmaiar: a cabeça sangrenta de Abd el Hir fitava-
o, presa no vaso.
A vingança do Setembro Negro foi instantânea.
Em 26 de janeiro de 1973, um israelense de nome Moshe Hanan Ishai
encontrou-se com um amigo palestino no Morrison Pub, na Calle Jose
Antonio, em Madrid. Depois de saírem, apareceram à frente deles dois
homens que lhes bloquearam a passagem. O palestino fugiu e os dois homens
puxaram de armas, cravejaram Ishai de balas e desapareceram.
Só alguns dias depois é que se soube que o verdadeiro nome de Ishai
era Baruch Cohen, agente veterano do Mossad que tinha estabelecido uma
rede de estudantes palestinos em Madrid. O jovem com quem se encontrara
no pub era um dos seus informantes, que na verdade tinha sido introduzido na
rede pelo Setembro Negro. Os camaradas vingaram a morte de Abd el Hir
com a de Baruch Cohen.
O Setembro Negro também foi dado como responsável pelo atentado a
Zadok Ophir, outro agente israelense, num café de Bruxelas, e pelo
assassinato do Dr. Ami Shechori, adido da Embaixada de Israel em Londres,
por carta-bomba.
Duas semanas após a morte de Abd el Hir, o Setembro Negro nomeou
um agente novo no Chipre. Mal tinham passado 24 horas desde a sua chegada
a Nicósia quando o palestino se encontrou com o contato do KGB, regressou
ao hotel, apagou a luz — e morreu da mesma maneira que o predecessor.
Arafat e Ali Hassan Salameh decidiram, por conseguinte, levar a cabo
um ato de vingança desmedido. Planearam desviar um avião, carregá-lo de
explosivos e fazer um comando suicida pilotá-lo até Israel. O avião
despenhar-se-ia então no centro de Tel Aviv, com a morte de centenas de
pessoas. Foi uma versão preliminar do ataque do 11 de setembro às Torres
Gêmeas, em Nova York.
Os informantes do Mossad tiveram conhecimento dos preparativos, e
vários agentes começaram a seguir em Paris um grupo de palestinos que
estavam, aparentemente, a cargo do projeto. Certa noite, os agentes repararam
num velho que se juntara ao grupo. Enviaram fotos do homem para o quartel-
general do Mossad e o estranho foi identificado como Basil Al-Kubaissi, líder
de topo do Setembro Negro. Al-Kubaissi era um jurista muito conhecido,
professor de Direito na Universidade Americana de Beirute, um acadêmico
respeitado. Porém, também ele, à semelhança de Zwaiter, Hamshari e alguns
outros, era um lobo disfarçado de cordeiro. Em 1956, tentara assassinar o rei
Faisal do Iraque com um carro cheio de explosivos lançado no caminho da
caravana real. A bomba explodiu prematuramente e Al-Kubaissi fugiu para o
Líbano e, depois, para os Estados Unidos. Uns anos mais tarde, tentou
assassinar Golda Meir, então de visita ao mesmo país. Quando esse objetivo
falhou, tentou assassinar Meir na reunião da Internacional Socialista em Paris.
Novo fracasso. Al-Kubaissi não desistiu. Aderiu à Frente Popular de
Libertação da Palestina e tornou-se adjunto de George Habash, chefe desse
grupo terrorista. Participou no planejamento do massacre de 30 de maio de
1972, em que passageiros inocentes no aeroporto de Lod foram atacados por
terroristas árabes e japoneses. Morreram 26 pessoas no ataque, a maioria das
quais peregrinos porto-riquenhos à Terra Santa. Posteriormente, Al-Kubaissi
aderiu ao Setembro Negro, e estava então em Paris, provavelmente para
comandar a operação do avião suicida. Deu entrada num pequeno hotel na rue
des Arcades, perto da Place de la Madeleine.
Em 6 de abril, depois de jantar no Café de la Paix, Al-Kubaissi fez o
caminho de regresso ao hotel. A equipe de assassinato do Mossad esperava-o
na place de la Madeleine. Duas pessoas estavam na rua e outras duas num
carro. Uma usava uma peruca loura. Quando Al-Kubaissi se aproximou, os
dois agentes caminharam para ele, desengatando as armas. E foi quando o
inesperado aconteceu. Um carro ostentoso parou junto a Al-Kubaissi e uma
jovem bonita debruçou-se da janela. Os dois trocaram umas frases e Al-
Kubaissi entrou no carro, que se afastou imediatamente. Os agentes frustrados
perceberam que a mulher era uma prostituta que acabara de seduzir Al-
Kubaissi.
Toda a operação falharia redondamente por causa de uma prostituta!
Porém, o comandante da equipe, ali presente, acalmou os seus
desapontados guerreiros. Esperem, que ela já o traz de volta, disse ele,
sensatamente. Não lhe perguntaram como é que ele tinha a certeza disso, mas
o fato é que acertou. Mal 20 minutos tinham passado quando o carro
regressou. Al-Kubaissi despediu-se da prostituta e começou a caminhar para o
hotel. Dera poucos passos quando dois homens emergiram da sombra e lhe
bloquearam a passagem. Um deles era David Molad.
Al-Kubaissi percebeu imediatamente. “Não!”, gritou em francês.
“Não! Não façam isso!”
O corpo de Al-Kubaissi foi perfurado por nove balas e caiu aos pés da
Igreja da Madeleine. Os agentes do Mossad saltaram para dentro do carro de
fuga e fugiram da praça.
No dia seguinte, tal como no caso de Zwaiter, o porta-voz da Frente
Popular de Libertação da Palestina revelou o verdadeiro papel do professor de
Direito.
Nos meses seguintes, Molad e os membros do Kidon mataram vários
enviados do Setembro Negro que tinham ido à Grécia comprar navios,
carregá-los com explosivos e navegá-los até portos israelenses.
Mas uma pergunta continuava sem resposta: Onde estava o arquiteto
do atentado de Munique? Onde estava Salameh?
Salameh estava no seu quartel-general, em Beirute, a planejar as
jogadas seguintes. A primeira era a tomada da Embaixada de Israel na
Tailândia por uma equipe do Setembro Negro. Contudo, a operação saiu
gorada; ameaçados pelos duros generais tailandeses e pressionados pelo
embaixador egípcio em Banguecoque, os terroristas libertaram os seus reféns
e saíram da Tailândia completamente humilhados.
A operação seguinte de Salameh foi mais irrefletida: seus homens,
armados até os dentes, irromperam pela embaixada saudita em Cartum, no
meio de uma festa de despedida de um representante europeu, e capturaram
quase todo o corpo diplomático da capital sudanesa. Por ordem de Arafat,
libertaram a maioria dos reféns e mantiveram apenas o embaixador
americano, Cleo A. Noel, o chefe da missão americana, George C. Moore, e o
embaixador belga, Guy Eid. Cumprindo instruções de Salameh, assassinaram-
nos com uma crueldade terrível, disparando primeiro nos pés e nas pernas das
vítimas e subindo depois lentamente os canos das espingardas de assalto
kalashnikov até abrirem o peito das vítimas.
Os terroristas foram presos após o massacre, mas o Governo sudanês
libertou-os semanas depois.
O mundo reagiu com fúria e repugnância ao assassinato chocante dos
diplomatas. Israel sentiu que era tempo de desferir um golpe fatal ao
Setembro Negro.
Em Jerusalém, Golda Meir deu luz verde para a “Operação Fonte da
Juventude”, uma nova fase da “Operação Ira Divina”.
A 1 de abril de 1973, um turista belga de 35 anos chamado Gilbert
Rimbaud, deu entrada no Hotel Sands, em Beirute. No mesmo dia, Dieter
Altnuder, outro turista, registrou-se no mesmo hotel. Os dois homens não
sabiam, aparentemente, nada um do outro; a ambos foram dados quartos com
vista para o oceano.
A 6 de abril, chegaram mais três turistas ao hotel. O garboso e
impecavelmente vestido Andrew Whichelaw era britânico; David Molad, que
chegou duas horas depois no voo de Roma, apresentou um passaporte belga
em nome de Charles Boussard. George Elder, que chegou ao início da noite,
também era britânico, mas assaz diferente do seu compatriota. Charles Macy,
outro turista britânico, deu entrada no Hotel Atlântico, na praia de El-Baida.
E, como um verdadeiro inglês, fazia perguntas sobre a previsão
meteorológica duas vezes por dia.
Os seis homens visitaram Beirute, caminharam pelas ruas e
familiarizaram-se com as principais artérias de trânsito, cada um por si. Nas
agências Avis e Lenacar, alugaram três Buick Skylarks, uma van Plymouth,
um Valiant e um Renault-16.
A 9 de abril, uma esquadrilha de nove navios lança-mísseis e
embarcações de patrulha da Marinha israelense navegaram rumo ao mar-alto
e entraram nas linhas de trânsito internacionais. O MB Mivtah transportava
uma unidade paraquedista, sob o comando do coronel Amnon Lipkin, que
devia atacar o quartel-general da Frente Popular de Libertação da Palestina.
Outras duas unidades vinham no MB Gaash: outro pelotão paraquedista e a
unidade de elite Sayeret Matkal, sob ordens do coronel Ehud Barak. Tinham
uma missão diferente. Antes de embarcar, todos tinham recebido fotografias
de quatro pessoas: três eram Abu Yussef, comandante supremo do Setembro
Negro; Kamal Adwan, comandante das maiores operações da Fatah e
responsável pelas operações do Setembro Negro nos territórios ocupados
pelos israelenses; e Kamal Nasser, principal porta-voz da Fatah. Os três,
segundo se disse aos soldados, moravam no mesmo edifício, na rue Verdun.
A quarta fotografia era de Ali Hassan Salameh. Ninguém sabia onde
ele estava.
Os comandos trajavam roupa civil. Às nove e meia da noite, conforme
os navios se aproximaram de Beirute, puseram perucas e vestuário hippie.
Ehud Barak pôs um vestido, para parecer uma morena voluptuosa; no soutien,
levava escondidas várias cargas explosivas.
Do escuro emergiram várias balsas de borracha, na praia deserta de
Beirute, trazendo os paraquedistas dos navios. À sua frente, estes viram os
seis carros, com cada um dos “turistas” escondido atrás de cada volante.
Todos os soldados sabiam em que carro deviam entrar. Numa questão de
minutos, os carros tomaram direções diferentes. Alguns viraram para o
quartel-general da Frente Popular. Outros veículos, um dos quais conduzido
por Molad, dirigiram-se para o edifício onde os líderes do Setembro Negro
viviam.
A unidade militar de operações especiais que se dirigiu para o quartel
— general da Frente Popular tinha ensaiado o ataque num edifício em
construção num subúrbio de Tel Aviv. Certa noite, quando assistira ao treino,
o chefe de Estado-Maior David (Dado) El’azar abordara um tenente jovem e
bonito chamado Avida Shor. “Vamos usar 120 quilos de explosivos para
mandar abaixo o edifício em Beirute”, disse Avida. “Mas isso é desnecessário
e perigoso. A explosão vai afetar edifícios vizinhos, e há lá muitos civis.”
Tirou um bloco de notas do bolso. “Fiz umas contas. Deviamos usar apenas
80 quilos de explosivos. Isso manda o edifício abaixo, sem ferir pessoas
inocentes em outras casas.” El’azar mandou verificar os cálculos e concordou
com a sugestão de Shor. Instruiu o comandante da operação a usar uma carga
máxima de 80 quilos.
Os paraquedistas chegaram ao quartel-general da Frente Popular. Após
um curto tiroteio em que dois comandos israelenses perderam a vida, os
paraquedistas tomaram a entrada do edifício e deixaram lá 80 quilos de
explosivos. A explosão transformou o edifício numa pilha de ruínas e matou
muitos terroristas. Nenhum edifício vizinho foi atingido.
Um dos comandos que morreram foi o tenente Avida Shor.
Ao mesmo tempo, outras unidades paraquedistas e comandos navais
atacavam vários campos terroristas a sul de Beirute, num movimento de
diversão cujo intuito era provocar uma resposta dos terroristas e do Exército
libanês. Não houve resposta nenhuma.
Entretanto, os comandos da Sayeret Matkal chegavam ao edifício da
rue Verdun. Estavam prestes a entrar, quando passaram dois polícias
libaneses.
Estes viram apenas um casal de namorados ternamente abraçados na
calçada.
O Romeu era nada mais nada menos que Muki Betzer, um dos
melhores lutadores da Sayeret, e a sua curvilínea Julieta era Ehud Barak.
Assim que os policiais dobraram a esquina, os israelenses entraram no
edifício. Arrombaram em simultâneo os apartamentos de Kamal Adwan, no
segundo andar, de Kamal Nasser, no terceiro, e de Abu Yussef, no sexto.
Os líderes terroristas não tiveram hipótese. Quando os paraquedistas
arrombaram a porta dos seus apartamentos, lançaram-se em busca das armas
mas os soldados foram mais rápidos. Em poucos minutos, os três terroristas
estavam mortos. A mulher de Abu Yussef tentou protegê-lo com o corpo e
também foi atingida. Outra baixa foi uma velhota italiana que vivia no
apartamento em frente ao de Adwan. Quando ouviu os disparos, abriu a porta
e foi atingida por uma saraivada de balas.
Durante a operação, os comandos tomaram posse de documentos que
encontraram nos armários e gavetas dos líderes do Setembro Negro. Depois,
pegaram nos feridos e nos mortos e correram para os carros que
regressariam à praia, onde as balsas de borracha os esperavam.
Na praia, os seis “turistas” do Mossad estacionaram os carros alugados
numa fila ordenada, deixando as chaves na ignição. Pouco tempo depois, as
empresas de aluguel receberam o pagamento via American Express.
A força de ação reuniu-se no navio-mãe e navegou para Israel. A
operação foi um êxito. O quartel-general da Frente Popular de Libertação da
Palestina foi apagado do mapa e os líderes do Setembro Negro foram mortos;
entre eles, estava Abu Yussef, comandante da organização.
O que os comandos não sabiam, porém, era que Ali Hassan Salameh
dormia tranquilamente num apartamento discreto a uns meros 50 metros da
casa da rue Verdun. Não foi incomodado. No dia seguinte, quando a morte de
Abu Yussef foi anunciada, Salameh tomou-se líder do Setembro Negro.
A “Operação Fonte da Juventude” anunciou o fim do Setembro Negro.
A organização nunca recuperaria. Afinal de contas, tinham morrido todos os
seus líderes.

Todos menos um.


Em Tel Aviv, os documentos conseguidos durante a “Operação Fonte
da Juventude” ajudaram a resolver um mistério que tinha preocupado o
Mossad nos dois anos anteriores. Era o caso Páscoa.
Em abril de 1971, duas bonitas jovens francesas aterrissaram no
aeroporto de Lod e tentaram passar pelos serviços da imigração com
passaportes franceses falsos. A segurança do aeroporto já fora avisada da
chegada delas. As moças foram levadas para uma sala secundária, onde foram
revistadas por mulheres-polícia e oficiais femininos do Shabak. A busca
revelou algo estranho: a roupa das mulheres, inclusive a roupa interior, pesava
o dobro do que seria de esperar. As mulheres-polícia descobriram que o
vestuário das francesas estava saturado com um pó branco. Parecia que as
roupas tinham sido imersas numa solução espessa que continha o pó branco.
Quando se sacudia e esfregava a roupa, caiam grandes quantidades de pó.
Encontrou-se ainda mais pó branco nos saltos dos sapatos requintados das
senhoras. As duas jovens carregavam cerca de cinco quilos de pó branco que
revelou ser um explosivo plástico muito forte. Numa caixa de tampões, numa
das malas das jovens, a polícia encontrou vários detonadores.
As moças não resistiram ao interrogatório e admitiram que eram irmãs,
filhas de um empresário rico de Marrocos. Chamavam-se Nadia e Madeleine
Bardeli. Tinham sido contactadas por um homem, em Paris, e, aventurosas
por natureza, concordaram contrabandear o pó.
“E quem são os vossos cúmplices?”, perguntaram os detetives da
polícia.
Nessa tarde, vários policiais percorreram o pequeno Hotel Commodore
em Tel Aviv e prenderam um velho casal francês chamado Pierre e Edith
Bourghalter. Quando desmontaram o transistor do casal, descobriram que o
seu interior fora preenchido por fusíveis de ação retardada, para o fabrico de
cargas explosivas. Pierre Bourghalter desatou a chorar.
No dia seguinte, o comandante da operação também aterrissou cheio
de confiança em Israel: era uma francesa atraente, de 26 anos, na posse de um
passaporte em nome de Francine Adeleine Maria. Na verdade, chamava-se
Evelyne Barges e o Mossad conhecia-a como terrorista profissional, uma
marxista fanática que já participara em vários ataques terroristas na Europa.
Quando interrogados pela polícia, os membros da chamada “Equipa
Páscoa” confessaram que a sua intenção era rebentar as cargas explosivas
plásticas em nove grandes hotéis de Tel Aviv, na época alta do turismo, e
matar tantos turistas e israelenses quanto possível, desferindo um golpe
fortíssimo contra Israel.
O simpático grupo foi preso, mas o homem que puxava os cordelinhos
não fora apanhado. Chamava-se Mohammad Boudia, um argelino encantador,
diretor de um teatro de Paris e, ele próprio, ator. Mais uma vez, um Dr. Jekyll
e Mr. Hyde: um homem de cultura, intelectual e artista cuja vida em palco não
era senão uma cobertura das suas atividades criminais. Era amante de Evelyne
Barges e estava envolvido em tantos casos amorosos que os agentes do
Mossad lhe chamaram “Barba Azul”.
Boudia começara por receber ordens de George Habash e da Frente
Popular de Libertação da Palestina. Um ano depois de a Equipa Páscoa ter
sido capturada, Boudia aderira à Setembro Negro e fora nomeado chefe da
organização em França. Esteve envolvido no homicídio de Khader Kanou, um
jornalista sírio em Paris que se suspeitava ser informante do Mossad.
Boudia também tinha a seu cargo as operações do Setembro Negro na
Europa e planeava um ataque a um campo de transição para imigrantes judeus
na Rússia. Depois do assassinato de Hamshari, Boudia tomou precauções
extremas. Segui-lo tomou-se incrivelmente difícil.
Em maio de 1972, uma equipe de assassinato do grupo da Massada
chegou a Paris e tentou encontrar Boudia. Sabiam o nome e o endereço da
nova namorada de Boudia. Os agentes esperaram pacientemente na esquina
do edifício onde ela vivia. Finalmente, Boudia saiu do nada e entrou
sorrateiramente. Contudo, no dia seguinte, quando os moradores saíram para
trabalhar, ele não estava entre eles! Só após um mês frustrante, quando
compararam as notas que tomaram, é que os agentes repararam num
pormenor estranho: todas as manhãs que se seguiam às noites tórridas de
Boudia com a amante, havia entre as pessoas que saiam do prédio uma
mulher alta e grande. Por vezes, era loura, por vezes morena… Por fim, os
agentes desvendaram o enigma: com o seu talento de ator, Boudia disfarçava-
se de mulher antes de sair do edifício.
Mas agora, por alguma razão, ele deixara de visitar a namorada, e o
Mossad perdeu-lhe o rastro. A única pista que tinham era que ele ia de metro,
todas as manhãs, para as suas reuniões, e apanhava o trem na estação Etoile,
sob o Arco do Triunfo. Essa estação de metro era enorme, passavam por ela
quantidades infindáveis de trens; milhões de pessoas percorriam as suas
passagens subterrâneas para trocar de linhas. Como é que iam descobrir
Boudia, “o homem das mil caras”?
Não havia outra escolha, contudo. O Mossad alertou os seus agentes
espalhados pela Europa. Inúmeros israelenses receberam as fotografias de
Boudia e posicionaram-se nos corredores, passagens, átrios e plataformas da
gigante estação Etoile. Passou um dia, depois dois e três, e nada aconteceu.
Mas, ao quarto dia, um dos agentes viu Boudia — disfarçado, mas
ainda assim o homem que procuravam. Dessa vez, colaram-se-lhe como
sombras até ele entrar no carro, estacionado perto da saída do metro.
Seguiram o carro e vigiaram-no durante a noite, enquanto Boudia estava
numa casa na rue des Fossés Saint-Bernard, provavelmente o endereço da sua
nova namorada. Na manhã seguinte, a 29 de junho de 1973, Boudia
aproximou-se do carro, inspecionou-o exaustivamente do exterior, espreitou
sob o chassis e, aparentemente satisfeito, abriu a porta e sentou-se ao volante.
Uma explosão ensurdecedora transformou o carro numa pilha de metal
revirado e negro, matando Boudia. Segundo jornalistas europeus, Zvi Zamir,
o ramsad, assistiu à explosão de uma esquina próxima.
Mas os chefes do Mossad não tiveram tempo de festejar o seu êxito.
Chegara uma mensagem urgente ao quartel-general: um mensageiro
especial do Setembro Negro, o argelino Ben Amana, recebera ordens para se
encontrar com Ah Hassan Salameh. Ben Amana atravessara a Europa numa
rota estranha e tortuosa, e chegara a Lillehammer, uma cidade de veraneio na
Noruega.
Uns dias depois, a equipe de assassinato do Kidon, sob o comando de
Mike Harari, estava em Lillehammer. Ninguém fazia ideia do que Salameh
fazia na pacata cidade montanhosa. O primeiro grupo seguiu Ben Amana até a
piscina da cidade e viu-o estabelecer contato com um homem que parecia ser
do Oriente Médio. Três membros do grupo observaram as fotografias que
tinham e concluíram que o homem era, indubitavelmente, Salameh.
Rejeitaram a opinião do quarto colega, que tinha ouvido o homem falar
com outras pessoas e sublinhara que era impossível que Salameh falasse
norueguês.
Mas os agentes estavam arrogantemente seguros de sua identificação.
Seguiram Salameh pelas ruas de Lillehammer e viram-no na
companhia de uma jovem norueguesa grávida.
A operação entrou na fase final. Chegaram mais agentes de Israel; Zvi
Zamir estava entre eles. A eliminação de Salameh seria o último passo na
destruição total do Setembro Negro, e Zvi Zamir queria assistir ao grande
final. Os assassinos seriam o eterno Jonathan Ingleby, Rolf Baehr e Gerard
Emile Lafond. David Molad, porém, não participou na operação. O grupo
auxiliar alugou carros e quartos de hotel. Alguém fez notar que os moradores
da cidade repararam imediatamente na atividade incomum. A presença em
Lillehammer de tantos “turistas” com carros acelerando em todas as direções
não era uma visão muito comum em Lillehammer durante o verão.
Em 21 de julho de 1973, Salameh e a sua amiga grávida saíram de um
cinema onde tinham visto Clint Eastwood, em O Desafio das Águias. O casal
pegou o ônibus e desceu numa rua calma e deserta. Subitamente, um carro
branco freou a seu lado. A seguir, dois ou três homens saltaram de armas
Beretta na mão, e pulverizaram o corpo de Salameh com 14 balas.
O Príncipe Vermelho estava morto.
Assim que a operação terminou, Mike Harari ordenou a seus homens
que saíssem imediatamente da Noruega. A retirada decorreu conforme as
regras: os assassinos saíram primeiro, abandonando o carro branco no centro
de Lillehammer, e embarcado nos primeiros voos para fora de Oslo, a capital.
A maioria dos agentes e Mike Harari partiram a seguir, deixando para
trás a equipe encarregada de esvaziar as casas de segurança e devolver os
carros alugados. Porém, uma ocorrência inesperada virou tudo do avesso.
Uma mulher que morava perto do local do tiroteio reparou na cor — branco
— e na marca — Peugeot — do carro dos assassinos. Um policial responsável
por um bloqueio de estrada entre Lillehammer e Oslo viu um Peugeot branco
dirigido por uma mulher muito atraente e anotou a placa do carro. No dia
seguinte, quando o carro foi devolvido na locadora do aeroporto, a polícia
prendeu os ocupantes, Dan Aerbel e Marianne Gladnikoff. Seu interrogatório
levu à captura de mais dois agentes, Sylvia Raphael e Avraham Gemer.
Outros dois agentes foram presos no mesmo dia. Aerbel e Gladnikoff
cederam sob o interrogatório intensivo.
Revelaram informações ultrassecretas da operação, endereços de casas
de segurança na Noruega e pela Europa toda, regras de conspiração, números
de telefone, e modus operandi do Mossad. A polícia foi a um apartamento em
Oslo e descobriu uma vasta coleção de documentos. E descobriu também que
Ig’al Eyal, responsável de segurança da Embaixada de Israel, tinha uma
ligação com o Mossad. Foi um desastre.
No dia seguinte, a imprensa da Noruega publicou a notícia das prisões
dos agentes israelenses. Foi um golpe terrível no prestígio e na credibilidade
do Mossad. Mas a imprensa publicou outra notícia, ainda mais devastadora do
que a primeira: o Mossad matara o homem errado.
O homem assassinado em Lillehammer não era Ali Hassan Salameh.
Chamava-se Ahmed Bushiki e era um garçom marroquino que viera
para a Noruega à procura de trabalho. Casara-se com uma norueguesa loura
chamada Torril, que estava entretanto grávida de sete meses.
Os jornais de todo o mundo fizeram parangonas sensacionalistas. Os
agentes capturados foram julgados, e alguns condenados a longas penas de
cadeia. Um deles, Sylvia Raphael, causou grande impacto nos noruegueses,
pela sua aparência orgulhosa e nobre. O julgamento proporcionou-lhe um
prêmio inesperado: apaixonou-se pelo seu advogado norueguês e, após a
libertação da cadeia, casou-se com ele e viveu feliz até morrer de cancro, em
2005.
Após o fiasco de Lillehammer, os chefes do Mossad foram obrigados a
limpar a casa — mudar regras de conspiração, abandonar casas de segurança,
estabelecer novos contatos… Tiveram de admitir a sua responsabilidade pela
morte da Ahmed Bushiki e pagar 400.000 dólares à família. O pior, porém,
era que a lenda da gloriosa e invencível Mossad fora estilhaçada.
Golda Meir ordenou a Zvi Zamir que terminasse imediatamente
a “Operação Ira Divina”. Porém, não tardou que o fracasso fosse obscurecido
por acontecimentos mais dramáticos. Em 6 de outubro, os exércitos do Egito
e da Síria lançaram um ataque-surpresa a Israel. Começara a Guerra do Yom
Kippur. (Ver Capítulo 14.)

Passaram-se dois anos.


Numa noite amena de primavera, em 1975, uma família de Beirute
recebia a mulher mais bonita do mundo. Georgina Rizk merecia, sem sombra
de dúvidas, o título, uma vez que fora eleita, quatro anos antes, “Miss
Universo” no vistoso concurso de beleza de Miami Beach, na Florida. A
lindíssima beleza libanesa conquistara fama, prêmios, viagens, encontros com
líderes mundiais. De volta ao Líbano, desenvolvera uma carreira brilhante
como supermodelo e proprietária de lojas de moda.
Nessa noite, na casa dos amigos, conheceu um jovem atraente e
carismático. Apaixonaram-se. Dois anos depois, em 8 de junho de 1977,
casaram-se. O feliz noivo era Ali Hassan Salameh.
A carreira dele também tinha corrido de vento em popa nos anos
anteriores. No final de 1973, o Setembro Negro deixou de existir. A despeito
do colapso de sua organização, Salameh tornara-se o braço-direito de Arafat e
seu “filho adotivo”. Corria um rumor de que seria nomeado sucessor de
Arafat como chefe da OLP.
Depois da queda do Setembro Negro, Salameh foi nomeado chefe
da “Força Dezessete”, responsável pela segurança pessoal dos líderes da
Fatah e por todos os golpes de mão heterodoxos. Salameh acompanhou Arafat
numa viagem a Nova York. Arafat entrou na Assembleia Geral das Nações
Unidas com um ramo de oliveira na mão mas trazendo uma arma no cinto.
Salameh também esteve ao lado de Arafat quando este foi a Moscou e
se encontrou com líderes mundiais poderosos. Para espanto de Israel, foi
sondado pela CIA.
Em mais um dos seus grandes descuidos, a CIA decidiu ignorar o
passado sangrento do Príncipe Vermelho, o papel dele no massacre de
Munique, o assassinato selvagem de diplomatas americanos em Cartum que
ele planejara, o simples fato de ser um dos terroristas mais perigosos do
mundo, e recrutou Salameh como informante. A CIA esperava que Salameh
se tornasse um leal servidor dos interesses americanos. A agência ofereceu
centenas de milhares de dólares a Salameh, mas este recusou. Em
contrapartida, concordou em passar longas férias com Georgina no Havai, a
expensas da agência.
A vida de Salameh mudou, e os seus amigos tinham começado a
acreditar que ele já não corria risco de vida. Mas Salameh sentia que tinha os
dias contados. Não parava de falar sobre a morte. “Eu sei”, disse ele a um
jornalista, “que, quando o meu destino for traçado, o fim chegará. Ninguém
poderá me salvar”.
E Israel decidiu traçar seu destino.
Desde a queda do Setembro Negro, tinha havido muitas mudanças em
Israel. Golda Meir saíra, o seu sucessor Yitzak Rabin demitira-se e estava no
poder um novo primeiro-ministro, Menachem Begin. Zvi Zamir fora
substituído no lugar de ramsad pelo general Yitzhak (Haka) Hofi, antigo
comandante da região norte. O terror palestino contra Israel continuou, em
ataques esporádicos. Em 1976, o desvio de um avião da Air France para
Entebbe, no Uganda, resultara numa audaz incursão de salvamento por
paraquedistas israelenses e membros da Sayeret Matkal. Em 1978, terroristas
da Fatah aterrissaram em Israel, apoderaram-se de um ônibus civil e seguiram
para Tel Aviv. Foram travados num bloqueio de estrada, às portas da cidade,
e, finalmente, dominados, não sem antes assassinarem 35 passageiros civis.
Outros civis, homens, mulheres e crianças, foram brutalmente assassinados
numa série de incursões terroristas ao território israelense.
Menachem Begin achava que nenhum terrorista com sangue nas mãos
podia ser deixado em paz. No final da década de 1970, o nome de Salameh
estava novamente na lista dos vingadores.
Um agente do Mossad foi enviado clandestinamente a Beirute e
conseguiu inscrever-se no ginásio em que Salameh treinava. Certo dia, ao
entrar na sauna, viu-se, frente a frente, com Salameh, nu.
A formidável descoberta desencadeou um debate aceso no quartel-
general do Mossad. Salameh, nu, no ginásio, era uma presa fácil. Por outro
lado, qualquer tentativa de o matar ali podia causar a morte de civis. O plano
foi, por conseguinte, abandonado.
É então que entra Erika Mary Chambers.
Erika era uma inglesa solteira, excêntrica e estranha, que vivera na
Alemanha durante os quatro anos anteriores. Chegara a Beirute e alugara um
apartamento no oitavo andar de um edifício, na esquina entre a rue Verdun e a
rue Madame Curie. Os vizinhos tinham-lhe dado a alcunha de Penélope.
Ela contara que trabalhava como voluntária para uma organização
internacional que cuidava de crianças pobres. E era vista, realmente, em
hospitais e agências humanitárias. Houve quem dissesse mesmo que ela
conhecia Ali Hassan Salameh. Parecia uma mulher muito solitária. Sempre de
cabelo desgrenhado e roupa maltrapilha, Penélope saía para a rua com pratos
cheios de comida para os gatos vadios; também se dizia que o apartamento
estava cheio de seus amigos felinos. Penélope também era amante da pintura,
mas quem via as suas telas rapidamente se dava conta de que o talento dela
era limitado.
Além de pintar paisagens libanesas, porém, o que realmente
interessava a Miss Chambers era o intenso tráfego que passava na estrada sob
suas janelas e, especificamente, a passagem diária de dois carros: uma van
Chevrolet, sempre seguida de um jipe Land Rover. Emcódigo, Erika anotava
escrupulosamente as horas e direções dos movimentos dos veículos. Todas as
manhãs eles vinham do bairro de Snoubra, desciam as ruas Verdun e Curie, na
direção sul, para o quartel-general da Fatah.
Regressavam à hora de almoço e voltavam a aparecer ao início da
tarde, novamente na direção do quartel-general.
Observando os carros com binóculos, Erika identificou Salameh
sentado no banco de trás do Chevrolet, entre dois guarda-costas armados; no
Land Rover que seguia, vinham sempre muitos outros terroristas armados.
Os guarda-costas de Salameh talvez o pudessem proteger, mas não
podiam salvá-lo do pior inimigo de um agente secreto: a rotina. Desde o
casamento com a bela Georgina, a vida de Salameh caíra num padrão
constante: mudara-se com a mulher para uma casa no bairro de Snoubra, e ia
trabalhar, como um funcionário público, à mesma hora todos os dias, vinha a
casa almoçar e descansar, regressava ao trabalho depois da sesta. Estava a
descurar as regras básicas do secretismo: nunca desenvolver hábitos
regulares, nunca ficar no mesmo endereço muito tempo, nunca usar o mesmo
itinerário duas vezes, nunca viajar à mesma hora do dia.
Em 18 de janeiro de 1979, um turista britânico chamado Peter Scriver
chegou a Beirute, deu entrada no Hotel Mediterranee e alugou um
Volkswagen Golf azul na agência Lenacar. No mesmo dia, Scriver encontrou-
se com um turista canadense chamado Ronald Kolberg, que ficou no Royal
Garden Hotel e alugou um Simca Chrysler, também na Lenacar.
Kolberg era nada mais nada menos do que David Molad. Um terceiro
cliente da popular locadora entrou no escritório no dia seguinte. Era Erika
Chambers, que pediu um carro “para uma viagem às montanhas”. Deram-lhe
um Datsun, que ela estacionou perto de casa.
Nessa noite, três navios lança-mísseis aproximaram-se de uma praia
deserta entre Beirute e o porto de Jounieh, e deixaram na areia molhada uma
grande carga de explosivos. Kolberg e Scriver estavam lá e carregaram os
explosivos para a mala do Volkswagen.
Em 21 de janeiro, Peter Scriver pagou a conta e saiu do seu hotel,
conduziu o Volkswagen azul para a rue Verdun e estacionou-o de forma que
Erika Chambers o visse da janela. Depois, apanhou um táxi para o aeroporto e
embarcou num voo para o Chipre. Ronald Kolberg também saiu do seu hotel
e mudou-se para o Hotel Montmartre, em Jounieh.
Às quatro menos um quarto da tarde, como habitualmente, Ali Hassan
Salameh entrou no Chevrolet. Os seus guarda-costas tomaram o Land Rover e
a pequena caravana de carros dirigiu-se para o quartel-general da Fatah. Os
carros desceram a rue Madame Curie e viraram para a rue Verdun.
Do oitavo andar do edifício na esquina das duas ruas, Erika Chambers
observava a aproximação dos carros. Molad estava a seu lado, com um
controle remoto na mão.
O Chevrolet passou tranquilamente pelo Volkswagen azul. Nesse
momento, Molad apertou o interruptor no controle remoto.
O Volkswagen explodiu e transformou-se numa enorme bola de fogo.
O Chevrolet, engalfinhado nas chamas, explodiu a seguir. Foram projetados
para cima enormes pedaços de metal e estilhaços de vidro. As janelas nas
casas vizinhas ficaram despedaçadas e sobre a rua choveram fragmentos de
vidro. Os transeuntes viram horrorizados os corpos dos passageiros do
Chevrolet espalhados entre os detritos fumegantes.
Chegaram carros da polícia e ambulâncias ao local e os paramédicos
retiraram do chassis retorcido do Chevrolet os corpos do motorista, dos dois
guarda-costas e de Ali Hassan Salameh.
Em Damasco, um mensageiro perturbado entregou um telegrama
urgente a Yasser Arafat, que presidia a uma reunião no Hotel Meridien. Arafat
leu o telegrama completamente chocado e começou a chorar.
Nessa mesma noite, uma balsa de borracha, lançada de um navio
lança-mísseis, deu à costa na praia de Jounieh. Ronald Kolberg e Erika
Chambers saltaram para a balsa, que os levou para o navio. Poucas horas
depois, estavam em Israel. A polícia libanesa encontrou os carros alugados
estacionados na praia, com as chaves na ignição.
Erika Mary Chambers era o nome verdadeiro de uma agente do
Mossad, judia britânica que vivera em Inglaterra e Austrália antes de emigrar
para Israel, e fora recrutada pelo Mossad na Universidade Hebraica.
Regressou a Israel e nunca mais se ouviu falar dela.
Foi o fim da busca e o fim da “Operação Ira Divina”.
O Setembro Negro estava eliminado.

Muitos anos depois, conheceram-se alguns pormenores da operação. O


general Aharon Yariv admitiu numa entrevista televisiva que aconselhara a
primeira-ministra Golda Meir “a matar tantos líderes do Setembro Negro
quanto possível”. Admitiu que ficou surpreendido pelo fato de “uma operação
militar das nossas forças em Beirute e alguns assassinatos na Europa terem
bastado para que os líderes da Fatah travassem o terrorismo no estrangeiro.
Isso prova que fizemos bem em usar este método por algum tempo”.
Porém, o assunto melindroso teve um epílogo surpreendente e
promissor.
Certo dia, em 1996, o jornalista israelense Daniel Ben-Simon foi
convidado por amigos para uma animada festa em Jerusalém. Uma vez lá,
conheceu um palestino jovem e simpático, impecavelmente vestido e falante
de inglês.
Este apresentou-se como “Ali Hassan Salameh”.
“Esse é o nome do homem que planejou o massacre dos atletas
israelenses em Munique”, disse Ben-Simon.
“Era o meu pai”, disse o jovem. “Foi assassinado pelo Mossad.”
Contou ao estupefato Ben-Simon que morou muitos anos com a mãe na
Europa e finalmente viera para Jerusalém como convidado de Yasser Arafat.
“Nunca acreditei que um dia estaria dançando com jovens israelenses
numa festa em Jerusalém”, acrescentou. Descreveu a sua viagem por Israel, a
amável hospitalidade dos israelenses que conhecera e expressou o desejo de
conciliar israelenses e palestinos.
“Sou um homem de paz, cem por cento”, disse o jovem Salameh.
“Meu pai viveu em tempos de guerra e pagou o preço com a vida. Agora,
começou uma nova era. Espero que a paz entre israelenses e palestinos seja o
acontecimento mais importante da vida dos dois povos.”
13. AS VIRGENS SÍRIAS

Numa noite tempestuosa de novembro de 1971, um navio lança-


mísseis da Marinha israelense lutava contra as ondas furiosas do
Mediterrâneo, enquanto abria caminho até a costa síria. Tinha saído da grande
base naval em Haifa ao início da noite, navegado ao longo da costa libanesa, e
entrado em águas territoriais sírias. O navio escurecido passou pelo porto
iluminado de Latakiyeh e manteve o seu rumo ao Norte. Por fim, acabou por
amarrar a uma distância segura de uma praia deserta, perto da fronteira turca.
Do navio em extrema oscilação, emergiram comandos navais da Esquadrilha
13, que lançaram algumas balsas de borracha à água.
Quando estavam prontos a partir, a porta de uma cabine secundária
fechada abriu e deixou sair três homens vestidos com roupa civil. Tinham os
rostos cobertos com keffiyehs axadrezados e nos sacos impermeáveis
transportavam pequenos transreceptores, passaportes falsos, bens pessoais e
revólveres carregados. Sem dizer uma única palavra, saltaram para as balsas
que iam para a praia. Os comandos ignoravam a identidade deles ou a razão
por que os levavam para a Síria. Quando se aproximaram da costa, pouco
antes do amanhecer, os três civis mergulharam nas águas geladas e nadaram
até a praia. Agacharam-se na zona da rebentação até verem a silhueta de um
homem à sua espera na areia. Nadaram os últimos metros e foram ao seu
encontro. O homem chamava-se Yonatan, nome de código “Próspero”, seu
líder. Trouxera roupa enxuta para os amigos encharcados, que se trocaram
imediatamente. A seguir, levou-os até o carro, escondido ali perto. Um
estranho, aparentemente um ajudante local do Mossad, esperava ao volante.
Ligou o carro e misturou-se habilmente com o tráfego numa das
principais estradas sírias. Poucas horas depois, entraram em Damasco.
registraram-se em dois hotéis. Após um longo sono, reuniram-se e
passaram ao reconhecimento da capital síria. Eram todos antigos comandos da
Esquadrilha 13, e agora agentes do Mossad, e estavam a meio da missão mais
invulgar das suas vidas. Entre eles, estava David Molad.
A operação tinha sido planejada umas semanas antes, no quartel-
general do Mossad em Tel Aviv. O ramsad Zvi Zamir, o diretor da Caesarea
Mike Harari, e alguns chefes de outros departamentos reuniram-se com os
quatro jovens, cujas idades iam de 23 a 27 anos. Eram amigos próximos e
tinham participado em várias operações juntos, combinando as suas
competências de comandos navais com a formação do Mossad. Todos eram
naturais do Norte de África, e falavam impecavelmente francês e árabe.
Chamam a si mesmos
“Cosa Nostra”, como a máfia siciliana. Zamir começou a informá-los
da operação.
Dois anos antes, chegara à Mossad uma mensagem da Síria. Fora
enviada pelos líderes da minguante comunidade judaica. O regime autocrático
do presidente Hafez El-Assad, que tomara o poder em 1970, oprimia e
perseguia os judeus locais. Pouco a pouco, muitos tinham saído do país,
deixando para trás uma comunidade pequena e envelhecida. A maioria dos
homens jovens e capazes tinha fugido da Síria, deixando para trás moças
judias sem esperança de encontrar maridos. A melhor opção para elas era
fugir para Israel.
Algumas das jovens, disse Zamir aos Cosa Nostra, tinham tentado
fugir pelo Líbano, com a ajuda de traficantes. Algumas tinham sido
capturadas, maltratadas, torturadas e até fuziladas. Poucas tinham conseguido,
apesar de tudo, chegar a Beirute. Todas tinham o endereço de um esconderijo
na capital libanesa. Os colaboradores locais do Mossad tinham cuidado delas
até elas poderem seguir para Israel.
Certa noite, no inverno de 1970, um navio lança-mísseis israelense
aproximou-se do porto de Jounieh, a norte de Beirute, e uns pescadores locais
levaram até ele as 12 moças que tinham fugido da Síria.
O comandante do navio israelense era um velho lobo dos mares e
tripulante de submarinos: coronel Avraham (Zabu) Ben-Ze’ev. Antes da
operação, ele e os seus homens tinham treinado intensivamente num modelo
construído numa base da Marinha. A formação fora excelente e a
transferência das 12 moças judias para bordo fora calma e eficaz. Zabu
ordenou aos seus homens que dessem cobertores às moças, que tremiam
terrivelmente assustadas, e lhes servissem sandes e café. A seguir, navegaram
a todo o vapor para Haifa. Ben-Ze’ev aportou às quatro da manhã e, para sua
grande surpresa, viu a figura inconfundível da primeira-ministra Golda Meir à
espera no cais, juntamente com o chefe de Estado-Maior das Forças Armadas
israelenses, general Haim Bar-Lev, e o seu adjunto, general David
(Dado) El’azar. Golda Meir deu uma festa modesta em honra das moças sírias
e ficou profundamente abalada pelas suas histórias. Durante o ano
seguinte, Ben-Ze’ev e o seu sucessor no cargo, Amnon Gonen, levaram a
cabo mais algumas operações para trazer mais jovens sírias da costa libanesa
para Israel. Mas, aparentemente, o cruzamento da fronteira sírio-libanesa
tornara-se muito perigoso, e não se podia confiar nos traficantes e pescadores
árabes.
Golda Meir decidiu então trazer as restantes moças diretamente da
Síria para Israel.
Chamou Zamir e ordenou-lhe que salvasse as moças sírias.
Na reunião com os Cosa Nostra, Zamir disse aos quatro jovens: “Têm
de trazer aquelas meninas. É essa a vossa missão.”
Começou um debate aceso na sala de reuniões. “Será este um trabalho
para agentes do Mossad?”, perguntou um dos rapazes. A tarefa devia ser dada
à Agência Judaica. Outro acrescentou, algo zangado, que o Mossad não era
uma agência matrimonial e os seus agentes não deviam arriscar a vida no
mais perigoso e cruel país árabe do mundo só para assegurar que umas poucas
virgens judias encontrassem noivos.
O ramsad manteve-se inflexível. Relembrou aos seus homens que
salvar as comunidades judaicas em países inimigos era uma das missões do
Mossad desde o início.
A operação recebeu o nome de código “Smicha”, que significa
“cobertor” em hebraico.
Um dia depois de terem chegado ao território sírio, a autoconfiança
dos membros do Cosa Nostra melhorou. Caminharam pelas ruas de Damasco
conversando em francês. Investigaram o meio à sua volta e certificaram-se de
que não estavam a ser seguidos pelo Mukhabarat, o temível serviço secreto da
Síria. Nesse mesmo dia, passearam pelos mercados iluminados da cidade, e
entraram numa joalharia. “Próspero” e “Claudie” (Emanuel Allon) estavam a
observar as joias, a conversar em francês, quando o comerciante se debruçou
na direção deles e murmurou: “São do Bnai Amenu [“nosso povo”, em
hebraico], não são?”
Os agentes ficaram boquiabertos. Se a sua identidade era tão
facilmente reconhecida, corriam risco de vida. Ignoraram o comentário do
comerciante, saíram rapidamente da loja e desapareceram no meio da
multidão.
As notícias sobre a oportunidade de fugir da Síria e chegar a Israel
propagaram-se entre as jovens da comunidade judaica. “A nossa situação na
Síria era muito má”, disse mais tarde Sara Gafni, uma das jovens.
“Estávamos sob pressão para nos casarmos… mas com quem? Não
havia ninguém. Ouviamos muitas histórias e rumores, e ficamos obcecadas
com a ideia: chegar a Israel, à terra dos judeus.”
“Próspero” recebeu uma mensagem secreta: amanhã à noite, as moças
estarão à espera numa van pequena não muito longe dos vossos hotéis.
Na noite seguinte, com efeito, os Cosa Nostra encontraram a pequena
van, com a caixa coberta com uma napa, estacionada numa rua escura.
Os agentes já tinham saído dos hotéis e levavam as malas. Dois dos
membros da Cosa Nostra sentaram-se na frente do carro e outros dois nas
traseiras, sob a cobertura de napa, onde os esperavam várias moças entre os
15 e os 20 anos e ainda um rapaz adolescente. Os Cosa Nostra estavam
novamente com keffiyehs a cobrir-lhes a cabeça e deixando não mais de uma
estreita abertura para os olhos. Sabiam que o Exército e a polícia estabeleciam
frequentemente barreiras e postos de controle nas estradas sírias. Decidiram
que, se a polícia os parasse, diriam que a van levava as moças numa excursão
do liceu.
O ajudante local do Mossad que lhes levara a van ia ao volante.
Apanhou algumas moças em localizações predeterminadas e depois
rumou ao Norte, em direção a Tartus. Chegaram a uma praia deserta e os
jovens judeus sírios e agentes esconderam-se numa cabana abandonada.
Longe da praia, esperava-os um navio lança-mísseis da Forças
Armadas israelenses. “Próspero” fez sinal ao navio com uma lanterna e
contactou-o por rádio. As balsas de borracha, ocupadas por comandos da
Esquadrilha 13, fizeram-se à praia.
De repente, ouviram-se disparos muito perto de “Próspero” e dos seus
amigos. Estes protegeram-se imediatamente, mas depressa perceberam que os
disparos não os visavam a eles. Quem estava a disparar? Teriam os sírios
detetado as balsas da esquadrilha? “Sarilho na praia”, comunicou o chefe do
comando naval, Gadi Kroll, por rádio para Israel. Porém, não desistiu.
Ordenou às balsas da esquadrilha que regressassem e rumou para
Norte, para uma praia alternativa previamente escolhida. Enquanto isso,
“Próspero” e os seus homens puseram as moças rapidamente na van,
conduziram para norte e contactaram novamente o navio da Marinha. Dessa
vez, a praia estava calma. As moças e os homens da Cosa Nostra, com os
keffiyehs novamente a cobrir-lhes a cara, meteram-se na água até a cintura e
saltaram para as balsas, que os levariam para o mar-alto. Após uma longa e
turbulenta viagem nas águas tempestuosas, finalmente abordaram o navio da
Marinha e rumaram a Israel. Os agentes desapareceram numa cabine; as
moças foram levadas para outra e instruídas a nunca dizer nada a ninguém
sobre a sua fuga da Síria. Tinham deixado as famílias em Damasco e, se a sua
fuga para Israel fosse descoberta, os pais podiam correr risco de vida.
O ajudante local conduziu a van de volta a Damasco, para preparar a
operação seguinte.
O navio lança-mísseis chegou a Haifa sem mais nenhum incidente.
Porém, antes de enviar os rapazes na missão seguinte, o Mossad tentou
descobrir quem disparara naquela noite na praia. O departamento de
informações secretas analisou relatórios de espiões, ativou os seus agentes
adormecidos na Síria, contactou as suas fontes no Exército. Tudo em vão.
Concluíram que o incidente podia ter sido uma emboscada mal planejada ou
uma resposta nervosa dos soldados sírios a movimentos suspeitos na água.
Na vez seguinte, os Cosa Nostra chegaram a Damasco por ar. Foram
de Paris e fingiram ser estudantes de Arqueologia de visita às antiguidades da
Síria. Tinham documentos falsos e os bolsos cheios de bilhetes do metrô
parisiense, moedas, recibos de cafés e restaurantes, e outras provas tangíveis
da sua presumível identidade. Os documentos estavam em ordem, mas
sentiam-se nervosos e tensos. E se o Mukhabarat tivesse descoberto as suas
identidades falsas? Passaram os controles da imigração sem problemas e,
contudo, foram incapazes de se acalmar. Atravessaram o apinhado átrio de
chegadas do aeroporto e viajaram para a cidade em táxis diferentes.
Instalaram-se em vários hotéis. “Claudie” deu entrada no Hilton de
Damasco.
A primeira noite que passaram em Damasco foi tensa. Os quatro
jovens sabiam muito bem que, se fossem apanhados, tinham o destino
traçado: tortura e uma morte horrível. Pediram ao ajudante local do Mossad
que os levasse à praça onde, anos antes, os sírios tinham enforcado o maior
espião israelense de sempre, Elie Cohen. A ida ao local onde o corpo de
Cohen estivera pendurado na forca, enquanto uma multidão fanática festejava
e mostrava os punhos, foi demais para eles. “Claudie” deixou os amigos e
regressou a correr ao hotel. Ficou profundamente abalado com a experiência.
Atormentado pela imagem sinistra da praça, “Claudie” virava-se e
revirava-se na cama, incapaz de dormir. Subitamente, à meia-noite, ouviu um
ruído na porta e percebeu imediatamente o que era: uma chave a ser inserida
na fechadura. “Acabou-se”, pensou. “Apanharam-me. Vou ser o próximo a ser
enforcado na praça.” Correu para a porta e espreitou pela vigia. E o que viu
foi uma turista americana já entradote a tentar abrir a porta. Após várias
tentativas falhadas, a senhora foi embora. Afinal, tinha saído do elevador no
andar errado. “Claudie” sentiu-se renascer.
Enquanto esperavam que o grupo seguinte de moças se preparasse,
caminharam pelas ruas de Damasco e frequentaram cafés e restaurantes. Os
empregados de mesa olhavam admirados o quarteto de franciús (franceses)
que se partiam a rir durante as refeições. A culpa era de “Claudie”, que
conseguia sempre dissipar a tremenda tensão dos colegas — e a sua — com a
improvisação de discursos bombásticos em francês, em que inseria palavras e
piadas em calão hebraico.
A operação seguinte e várias outras correram sobre rodas, até o dia em
que “Próspero” e os amigos repararam no invulgar tráfego e grandes
concentrações de tropas ao longo da praia. Não sabiam qual era a razão, mas
não podiam arriscar uma operação naquela costa tão profusamente patrulhada.
“Próspero” decidiu, portanto, mudar o itinerário.
“Vão para Beirute!”, disse ele ao seu colaborador, e todos foram para a
capital libanesa, a cem quilômetros dali. Depois de atravessarem a fronteira
com o Líbano, “Próspero” viajou para Jounieh, um porto a norte de Beirute
habitado sobretudo por cristãos. Não tardou a conseguir alugar um barco, na
verdade um iate de tamanho médio, depois de explicar ao dono que queria
levar 15 convidados numa viagem de recreio ao oceano. Ia ser uma “festa—
surpresa” para um amigo que fazia anos. Uma vez garantido e preparado o
barco para a partida, enviou um telegrama codificado para os seus superiores
em Paris e informou-os da mudança de planos. Não tardou a receber uma
confirmação pela mesma via.
Nessa noite, a van chegou de Damasco, transportando a habitual carga
de jovens judias. “Claudie” ia ao volante. A van parou a poucos quilômetros
da fronteira libanesa e desfez-se da carga humana. “Claudie” continuou,
sozinho na van, mostrou os documentos no posto de controle fronteiriço e
entrou no Líbano. Pouco mais à frente, parou a van na beira da estrada e
esperou. As jovens, carregadas com as suas malas pesadas e escoltadas pelos
agentes do Mossad, caminharam no escuro durante horas, tropeçando no chão
repleto de pedras e contornando a barreira do controle fronteiriço. Após uma
marcha esgotante, alcançaram a estrada, do outro lado da fronteira, e
encontraram “Claudie”, que as conduziu a Jounieh. Entraram uma por uma no
iate, até finalmente o barco de recreio as levar na sua “viagem de festa de
aniversário”. Em alto-mar, as moças foram transferidas para um navio da
Marinha.
Os Cosa Nostra passaram o dia seguinte em Beirute, a passear e a fazer
compras. De noite, regressaram a Damasco da mesma maneira que tinham
vindo; uns quilômetros antes da fronteira, três dos agentes saíram e
continuaram pelos campos escuros à volta do posto de controle fronteiriço.
“Claudie” atravessou legalmente com o carro, encontrou-se com os
amigos mais à frente na estrada e levou-os para Damasco.
No dia seguinte, regressavam a Paris e, depois, a Tel Aviv.
A operação terminou em abril de 1973, quando Golda Meir se
deslocou à base naval de Haifa para agradecer pessoalmente a “Próspero”,
“Claudie” e os seus amigos, por tudo o que tinham feito. Entre setembro de
1970 e abril de 1973, o Mossad e a Marinha tinham conduzido cerca de 20
operações de transporte de jovens judeus e judias da Síria, através das praias
de Tartus e da costa libanesa. Todas as operações correram bem e cerca de
120 jovens foram levados para Israel. A operação foi um segredo durante
mais de 30 anos.
Com o fim da operação, acabou também a Cosa Nostra. Os seus
membros dedicaram-se a atividades mais pacíficas, como negócios, turismo e
serviço público, embora fossem chamados para operações especiais do
Mossad de vez em quando.
O tempo passou e Emanuel Allon (“Claudie”) foi convidado para o
casamento de um parente seu. Foi apresentado à noiva e reconheceu-a
imediatamente: era uma das virgens que tinha ajudado a trazer da Síria.
Perguntou-lhe: “De onde é?”
A moça empalideceu. Ainda se sentia obrigada a preservar o segredo
do passado. Allon sorriu: “Não veio da Síria? Por mar?”
A mulher, de tão aturdida, quase desmaiou, mas depois, subitamente,
agarrou-se a Allon, abraçou-o e beijou-o ternamente. “Foi o senhor”,
murmurou ela. “Tirou-me de lá!”
“Aquele momento”, disse Allon mais tarde, “valeu por todos os riscos
que corremos”.
14. “HOJE VAMOS ENTRAR EM
GUERRA!”

Era uma da madrugada de 5 de outubro de 1973, quando o agente do


Mossad “Dubi” recebeu um telefonema do Cairo. Dubi era um alto
funcionário que operava a partir de um esconderijo em Londres. O telefonema
foi um choque tremendo. Do outro lado estava o agente mais importante e
mais secreto do Mossad, um agente cuja existência era do conhecimento de
apenas um punhado de escolhidos. Era conhecido como “Anjo” (em alguns
relatórios, seu nome de código era “Rashash” ou “Hot’el”). Anjo pronunciou
poucas palavras, mas uma delas fez Dubi estremecer. A palavra foi
“químicos”. Dubi telefonou imediatamente para o quartel-general do Mossad,
em Israel, e transmitiu a palavra-código.
Assim que ela chegou ao ramsad, Zvi Zamir, este disse a Freddie Eini,
seu chefe de gabinete: “Vou para Londres.”
Zvi Zamir sabia que não tinha tempo a perder, pois o
código “químicos” continha uma mensagem funesta: “Esperem um ataque
imediatoa Israel.”
Israel aguardava um ataque dos vizinhos árabes desde a Guerra dos
Seis Dias, em 1967, em que ganhara grandes parcelas de território: a
península do Sinai e a Faixa de Gaza ao Egito, os montes Golã à Síria, a
Cisjordânia e Jerusalém à Jordânia. As Forças Armadas israelenses estavam
então dispostas nos montes Golã, na costa oriental do canal do Suez, e ao
longo do rio Jordão. Os países árabes brandiam os sabres, prometiam
vingança, mas na guerra de atrito que se seguira às batalhas dos Seis
Dias, Israel tinha o poder. Todos os esforços de trocar os territórios recém-
conquistados pela paz haviam sido furiosamente rejeitados pelos
Estados árabes. Entretanto, o impetuoso presidente Nasser do Egito morrera e
fora substituído por Anwar Sadat, um homem sem carisma, visto pelos peritos
de Israel como fraco, irresoluto e incapaz de conduzir o seu povo a uma nova
guerra. Após a morte do primeiro-ministro Eshkol, a liderança de Israel fora
depositada nas mãos fortes da carismática Golda Meir, uma estadista dura e
poderosa, ajudada pelo mundialmente famoso ministro da Defesa Moshe
Dayan. Parecia que a segurança de Israel não podia estar em melhores mãos.
Semanas antes do telefonema, o rei Hussein da Jordânia deslocara-se a
Israel no maior dos segredos e avisara Golda Meir de que os egípcios e os
sírios estavam a planejar um ataque a Israel. Hussein era agora um aliado
secreto de Israel e estava envolvido em negociações intensas com enviados de
Golda Meir. Porém, nessa ocasião, Golda Meir não ficou preocupada com os
avisos de Hussein. Estava muito mais interessada nas eleições iminentes, e o
lema de campanha do seu partido trabalhista era “No canal do Suez, tudo
calmo.”
Porém, naquela noite, escassas 18 horas antes do Yom Kippur, parecia
que, no canal do Suez, nada estava calmo. Zvi Zamir levou muito a sério o
aviso do Anjo. Segundo procedimentos preestabelecidos desencadeados pela
palavra de código, o ramsad devia encontrar-se com o seu agente em Londres
assim que recebesse sinal.
Zamir apanhou o primeiro voo para Londres. O Mossad tinha uma
discreta casa secreta no sexto andar de um edifício na capital britânica,
próximo do Hotel Dorchester. O apartamento estava equipado com sistemas
de escuta, servido e protegido por agentes do Mossad. Tinha sido adquirido e
equipado com um só fim: os encontros com o Anjo. Assim que Zvi Zamir
chegou, um destacamento de 10 agentes do Mossad ocupou posições em
redor do edifício, para proteger o seu chefe no caso de o sinal do Cairo fazer
parte de um plano para o capturar ou ferir. O chefe da unidade era o veterano
Zvi Malkin, o lendário agente que ajudara a apanhar Eichmann na Argentina.
Zamir esperou todo o dia, tenso e inquieto, pelo Anjo. Ao que parecia,
o agente tinha feito uma escala em Roma, no regresso do Cairo, e só chegou a
Londres à noite. Os dois homens encontraram-se no esconderijo às 11 da
noite.
Entretanto, o Yom Kippur — o feriado de prece, jejum e expiação —
ocupara Israel. Todo o trabalho parara, a televisão e a rádio tinham
interrompido as suas emissões, não havia carros nas estradas. As fronteiras do
Estado judeu eram patrulhadas por unidades mínimas do Exército.
A reunião entre Zamir e o Anjo durou duas horas. Dubi anotou todas as
palavras.
Era perto da uma da madrugada quando a reunião terminou. Dubi
convidou o Anjo a passar a outra divisão, onde lhe pagou os costumeiros
honorários de 100.000 dólares. Zamir estava frenético e apressou-se a compor
um telegrama urgente para Israel, mas os agentes do Mossad não conseguiram
localizar o codificador da embaixada, para transmitir a mensagem vital. Zamir
acabou por perder a calma e telefonou para casa de Freddie Eini. As
chamadas não foram atendidas e o operador, já irritado, disse-lhe: “Desculpe,
mas ninguém atende. Acho que hoje é um feriado importante em Israel.”
“Tente novamente!”, vociferou Zamir. Por fim, o toque acordou o seu
chefe de gabinete, que atendeu o telefone. Parecia ainda meio adormecido.
“Enche uma bacia com água fria”, disse-lhe Zamir. “Ponha os pés lá
dentro e pegue caneta e papel.” Quando Freddie cumpriu a ordem, Zamir
ditou-lhe a frase de código: “A empresa vai assinar o contrato no fim do dia.”
Depois, Zamir acrescentou: “Agora vista-se, vá para a sede e acorde
todo mundo.”
Freddie seguiu à risca as ordens de Zamir. Começou a telefonar para
todos os líderes militares e políticos de Israel. A mensagem que lhes
transmitiu podia resumir-se numa frase: “Hoje vai começar uma guerra.”
Pouco depois, o telegrama que Zamir escrevera chegou finalmente a
Tel Aviv: “Segundo o plano, os egípcios e os sírios vão atacar ao fim da tarde.
Sabem que hoje é feriado e acham que podem desembarcar [no nosso lado do
canal do Suez] antes de escurecer. O ataque será conduzido segundo o plano
que conhecemos. Ele [o Anjo] acredita que o Sadat não pode adiar o ataque
por causa da promessa que fez aos outros chefes de Estado árabes, e quer
manter inteiramente o compromisso que fez. A fonte calcula que, apesar da
hesitação de Sadat, a probabilidade de que o ataque aconteça é de 99,9 por
cento. Eles acreditam que vão vencer, e por isso é que têm medo de uma fuga
de informação que provoque uma intervenção exterior. Isso poderá dissuadir
alguns dos parceiros, que reconsiderariam a sua posição. Os russos não
participarão na operação.”
A informação dramática do ramsad não foi aceito como válida por toda
a gente. O general Eli Zeira, o atraente e confiante chefe da Aman, estava
convencido de que não havia perigo de guerra, a despeito das informações
preocupantes transmitidas pelas fontes secretas. Estava convencido de que as
enormes concentrações de soldados e armamento egípcio na costa africana do
canal do Suez não eram senão uma grande manobra do Exército. Zeira
também admitiu, em conversa com Zamir, que não tinha “nenhuma
explicação” para um relatório da Unidade 848 (posteriormente renomeada
Unidade 8200; a 848 era a instalação de escuta e monitorização das Forças
Armadas israelenses). A unidade informava que as famílias dos conselheiros
militares russos na Síria e no Egito estavam a sair desses países com urgência
— uma indicação mais que certa de guerra iminente.
O chefe da Aman e a maioria dos líderes da comunidade de Defesa
acreditavam fortemente na “concepção”, uma teoria de que o Egito não
atacaria Israel senão sob duas condições: a primeira era que o país recebesse
jatos de combate da União Soviética capazes de fazer frente ao caça
israelense, assim como bombas e mísseis que conseguissem chegar aos
centros populacionais de Israel; e a segunda era a garantia de participação dos
outros países árabes na investida. Sem a verificação dessas duas condições,
dizia a “concepção”, a probabilidade de o Egito atacar era nula. O Egito faria
ameaças, seria impertinente e provocatório, conduziria manobras
gigantescas, mas não entraria em guerra.
A teoria, porém, já tinha falhado uma vez, em 1967. Nesse ano, uma
grande parte do Exército egípcio estava no Iêmen, onde travava há muito uma
guerra contra o Exército real. Israel estava convencida de que o Egito não
iniciaria nenhuma ação provocatória ou agressiva se parte do seu Exército
estivesse presa nas areias movediças do Iêmen. Porém, a 15 de maio de 1967,
as unidades de elite do Exército egípcio atravessaram de repente o Sinai e
alcançaram a fronteira israelense, enquanto o presidente Nasser expulsava os
observadores das Nações Unidas e fechava os estreitos do mar Vermelho à
navegação israelense. Os especialistas israelenses deviam ter percebido a
falha da sua lógica, mas no esplendor da incrível vitória na Guerra dos Seis
Dias tudo foi esquecido.
A teoria da “concepção” também pairou sobre a reunião extraordinária
do Governo convocada às primeiras horas de 6 de outubro de 1973. Além de
Zeira, vários ministros do Governo duvidaram das informações sobre um
iminente ataque de surpresa egípcio-sírio. Por duas vezes no passado, em
novembro de 1972 e maio de 1973, o Anjo tinha avisado Israel de um ataque
iminente. Era verdade que ele se retratara no último momento, mas em maio
de 1973 chegaram a mobilizar-se de urgência grandíssimos números de
soldados na reserva, e a operação custara a Israel a assombrosa soma de 34,5
milhões de dólares.
Naquela reunião matinal do Governo, todos tinham consciência da
gravidade da situação. Não obstante, só decidiram fazer uma mobilização
parcial dos reservistas. Os ministros decidiram ainda não lançar nenhum
ataque preventivo contra as enormes concentrações militares egípcias ao
longo do canal.
Zamir regressou a Israel e manteve-se firme: a guerra é iminente!
Citou o aviso do Anjo sobre uma ofensiva conjunta dos exércitos egípcio e
sírio pouco antes do anoitecer.
Às duas da tarde, Zeira convocou os correspondentes militares do seu
gabinete e declarou que a probabilidade de início de uma guerra era baixa.
Ainda discursava quando um adjunto entrou no gabinete e lhe entregou
uma pequena nota. Zeira leu-a e, sem dizer palavra, pegou na boina e saiu
espavorido.
Pouco depois, o gemido das sirenes de ataque aéreo despedaçou o
silêncio do Yom Kippur. A guerra começara.
Depois da guerra, alguns oficiais superiores da Aman acusaram
furiosamente o Anjo de ter ludibriado Zamir com a menção do fim do dia
como a hora do ataque, quando a verdadeira ofensiva tinha começado a meio
da tarde. Só mais tarde se veio a descobrir que a hora H fora alterada
no último momento, numa conversa telefônica entre os presidentes da Síria e
do Egito. O Anjo já estava no avião a caminho de Londres.
Parece estranho que os chefes da Aman fossem perturbados pelo erro
do Anjo, ou pelos seus prévios avisos errados. Aparentemente, os chefes da
Aman viam o Anjo, não como uma fonte de informações secretas, mas como
representante do Mossad no gabinete do presidente egípcio, que devia
descrever, ao mais ínfimo pormenor, tudo o que lá acontecia. Ignoraram o fato
de, apesar do seu alto cargo, o Anjo ser “apenas” um espião que produzia
excelentes relatórios, mas nem sempre sabia tudo, como qualquer outro
espião.
Durante a Guerra do Yom Kippur, que rebentou nesse dia, o Anjo
continuou a fornecer informações de alta qualidade a Israel. Quando os
egípcios dispararam dois mísseis Scud contra concentrações das tropas
israelenses, surgiu um relatório tranquilizador do Anjo. O Exército egípcio
não fazia intenção de usar mais mísseis durante as batalhas, dizia ele, e o
Egito não intensificaria a guerra contra Israel.
A Guerra do Yom Kippur terminou a 23 de outubro. O Exército sírio
fora esmagado nos montes Golã e os canhões israelenses posicionaram-se a
30 quilômetros de Damasco. No Sul, os egípcios tinham ocupado uma estreita
faixa de 7,5 quilômetros na costa israelense do canal do Suez, mas o seu
Terceiro Exército foi completamente rodeado pelos israelenses, que
estabeleceram uma cabeça de ponte em território egípcio, furaram as linhas
egípcias e conquistaram posições novas a uns meros 100 quilômetros do
Cairo.
Apesar de tudo isso, Israel não pôde rejubilar com a sua vitória. A
guerra custara 2656 vidas, 7251 feridos e a destruição do mito do seu superior
poder.
Contudo, os israelenses e os egípcios iniciaram negociações e
assinaram acordos, primeiro para o fim das hostilidades, depois para o
estabelecimento de uma paz duradoura entre as duas nações. A Síria recusou
juntar-se ao processo de paz.
Zvi Zamir completou o mandato e foi substituído pelo general
Yitzhak (Haka) Hofi.
Zamir reformou-se entre elogios generalizados aos seus feitos. Foi
aclamado por ter sido o único na comunidade das secretas a avisar sobre os
preparativos militares dos sírios e dos egípcios, e por ter providenciado a
informação crucial sobre o ataque iminente a Israel. Se os líderes de Israel
tivessem prestado mais atenção aos avisos de Zamir, e ordenado um imediato
ataque preventivo, é altamente provável que os resultados da guerra tivessem
sido bem melhores para o país. Alguns ministros do Governo mantiveram que
Israel se abstivera de iniciar ações preventivas para que ninguém a acusasse
de começar a guerra. Não só o argumento parece forçado, como a decisão
parece míope. Com efeito, o que é mais importante: que Israel não seja
“acusada” de desencadear a guerra, ou que se proteja por todos os meios ao
seu alcance?
E, contudo, o Dr. Uri Bar-Yossef, um historiador israelense, continua a
defender que o aviso do Anjo salvou os montes Golã. Na manhã de 6 de
outubro, segundo escreveu, mobilizaram-se de urgência unidades blindadas a
seguir à informação do Anjo; essas equipes chegaram aos Golã durante a
tarde e conseguiram impedir o avanço sírio no setor de Nafah.
No final da guerra, após uma pressão pública inaudita, o Governo de
Israel nomeou uma comissão de inquérito, chefiada por Shimon Agranat, juiz
do Supremo Tribunal que investigou o processo de tomada de decisões
durante a Guerra do Yom Kippur. A comissão ordenou a exoneração imediata
do Exército do general Eli Zeira (e de muitos outros oficiais, incluindo o
chefe de Estado-Maior David El’azar).
Mas quem era o Anjo? Ao longo dos anos, publicou-se um infindável
rol de histórias, informações e livros — todos eles errôneos — sobre a sua
identidade. Era óbvio que o Anjo era alguém muito próximo dos círculos
governamentais e do comando supremo do Exército egípcios. Porém,
ninguém conseguiu penetrar a muralha de secretismo que protegia a
verdadeira identidade do Anjo. Tanto os jornalistas como os analistas lhe
chamaram vários nomes de código e pintaram uma figura abençoada com
talentos lendários. O Anjo tornou-se o herói de muitas histórias de espiões e
até de alguns romances muito vendidos.
Após sua exoneração, o general Zeira carregava uma frustração
profunda. Ficou determinado a provar a sua inocência e expor ao mundo a sua
versão dos acontecimentos de 1973.
Por fim, decidiu escrever um livro e explicar, ele mesmo, porque tinha
rejeitado a informação do Anjo.
O general escreveu que o Anjo era nada mais nada menos do que um
agente duplo que fora introduzido no Mossad pelos astutos egípcios, como
forma de ludibriar os israelenses.
Alguns jornalistas acreditaram na história de Zeira e escreveram que o
Anjo era, de fato, um agente duplo par excellence. O papel do Anjo,
explicaram, fora, durante algum tempo, passar informações secretas
verdadeiras e exatas a Israel, para ganhar a confiança do país — e, depois,
quando o Mossad estivesse praticamente a comer-lhe da mão, fornecer-lhe
uma mentira monstruosa que destruísse o país.
Era, realmente, uma grande história. Explicava tudo, ou quase…
Porque tanto Zeira como os seus seguidores escolheram desprezar um simples
fato: todas as informações do Anjo, desde o início ao fim, haviam sido
absolutamente exatas. Onde estava a mentira?
E quando o Anjo pôde, efetivamente, ludibriar Israel e dizer que o
imenso deslocamento de tropas na margem do canal do Suez era apenas
exercício, e não havia perigo de guerra, o “agente duplo” escolheu a solução
oposta: telefonou ao adjunto de Zamir na Inglaterra, deu-lhe o aviso —
“químicos” —, depois foi para Londres e avisou Zamir de que o ataque-
surpresa era iminente.
Não obstante, era impossível frear Zeira. Em 2004, quando foi
publicada uma nova edição do seu livro, Zeira avançou ainda mais e revelou
publicamente a identidade do Anjo. Numa série de entrevistas que
culminaram com o programa de notícias televisivo do jornalista veterano Dan
Margalit, Zeira pronunciou o verdadeiro nome do Anjo.
Ashraf Marwan.
O nome espantou todos aqueles que conheciam os círculos políticos
egípcios. Mal conseguiam acreditar que Marwan pudesse ser um espião
israelense.
Mas quem era este mestre da espionagem? Quem era Ashraf Marwan?
Em 1965, uma moça egípcia meiga e tímida conheceu, no campo de
tênis de Heliopolis, um jovem charmoso e bonito. A moça, chamada Muna,
era a terceira filha da sua família e não propriamente a mais inteligente. A
irmã Huda era mais dotada e uma excelente aluna do liceu de Gizé. Porém,
Muna era bonita, encantadora e a favorita do pai. O jovem que ela conhecera
vinha de uma família respeitável e endinheirada, e ele próprio tinha acabado
de concluir um bacharelato em Química e entrado no Exército.
E Muna apaixonou-se perdidamente.
Não demorou muito a apresentar o namorado à família. Foi assim que
o jovem conheceu o pai de Muna, o presidente do Egito, Gamai Abdel Nasser.
Nasser não ficou com muita certeza de a filha ter encontrado o par
ideal, mas ela não lhe deu alternativa. Nasser acabou por convidar o pai do
jovem, oficial superior na Guarda do Presidente, a encontrá-lo em seu
gabinete, e os dois homens concordaram que os filhos deviam se casar.
Um ano depois, em julho de 1966, os jovens se casaram. Pouco depois,
o marido de Muna foi colocado no departamento de Química da Guarda
Republicana e, no fim de 1968, era transferido para o departamento
presidencial de ciência.
O nome do genro do presidente era Ashraf Marwan.
O jovem, ao que parecia, não estava satisfeito com o novo emprego,
pelo que pediu a Nasser permissão para continuar seus estudos em Londres.
Nasser concordou e Ashraf Marwan instalou-se, sozinho, na capital
inglesa, sob a supervisão apertada da Embaixada do Egito.
Porém, a supervisão parece não ter sido suficiente. Ashraf Marwan
gostava de se divertir, de festas, de aventura — e Londres, na década de 1960,
fornecia tudo isso com generosidade. Não tardou que o jovem egípcio
gastasse todo o dinheiro que recebera. Precisava de outra fonte de
financiamento dos seus prazeres noturnos — e não demorou a encontrá-la.
Ela se chamava Suad e era casada com o xeque do Kuwait Abdallah
Mubarak Al-Sabah. Ashraf seduziu a romântica senhora e ela, por seu turno,
abriu a bolsa. Contudo, o envolvimento dos dois não durou. O caso foi
descoberto e o furioso Nasser obrigou o rapaz malcomportado a regressar
coberto de vergonha. Nasser exigiu que Muna se divorciasse do adúltero, mas
ela se recusou, intransigente. O pai acabou por decidir que Marwan ficaria no
Egito e só teria permissão de ir a Londres para entregar trabalhos aos
professores. Marwan tinha ainda de pagar todo o dinheiro que recebera de
Suad Al-Sabah. Arranjaram emprego para ele no gabinete de Nasser, e, uma
vez por outra, Marwan era encarregado de tarefas e missões insignificantes.
Em 1969, Ashraf Marwan regressou a Londres para entregar um
trabalho para a universidade. Porém, também aproveitou a ocasião para
começar a trair o sogro. A humilhação que o presidente do Egito lhe infligira
deixara-o amargurado e frustrado. Não hesitou: telefonou para a Embaixada
de Israel e pediu para falar com o adido militar. Quando um funcionário
atendeu, Marwan identificou-se com o nome verdadeiro e disse abertamente
que queria trabalhar para Israel. Pediu que a sua oferta fosse participada às
pessoas que tratavam desse tipo de atividade. O funcionário que recebeu a
chamada não o levou a sério e não participou a chamada. O segundo
telefonema de Marwan também ficou por responder. Mas, nessa fase, a
história chegou aos ouvidos de alguns agentes do Mossad. O chefe da célula
europeia do Mossad, Shmuel Goren, recebeu um telefonema de Marwan.
Goren sabia quem Marwan era, estava ciente da sua importante
posição, e pediu-lhe que não ligasse mais para a embaixada. Deu-lhe um
número particular e alertou imediatamente alguns colegas.
O relatório ultrassecreto de Goren foi passado a Zvi Zamir e a Rehavia
Vardi, chefe do Tzomet, o departamento do Mossad que trata do recrutamento
de agentes. Os dois nomearam uma equipe especial para verificar a oferta de
Marwan ao pormenor. Por um lado, a oferta de Marwan tinha todas as
características de uma esparrela clássica: alguém bem posicionado na
organização inimiga oferece-se como agente, não é necessário esforço algum
de recrutamento. Parecia altamente suspeito. O homem podia ser um agente
duplo, enviado como isco pelos serviços egípcios.
Por outro lado, o mesmo raciocínio podia conduzir a uma conclusão
oposta. Alguém bem posicionado da organização inimiga oferece-se como
agente. Tem certamente acesso a materiais ultrassecretos que mais ninguém
pode fornecer. Talvez, afinal de contas, ele fosse o agente ideal, aquele por
que todos os serviços secretos do mundo sonham. Além do mais, os homens
de Vardi sabiam quem Marwan era: um jovem ambicioso, hedonista; por
conseguinte, alguém que ama dinheiro. A tentação era grande para os
recrutadores do Mossad.
Goren regressou a Londres e pediu a Marwan que o encontrasse.
Este apareceu elegantemente vestido, o epítome do jovem atraente.
Marwan disse abertamente a Goren que ficara profundamente desapontado
pela derrota egípcia na Guerra dos Seis Dias, em 1967, e que decidira juntar-
se ao vencedor. Mas, além desse motivo “ideológico”, Marwan pediu muito
dinheiro: 100.000 dólares americanos por cada encontro em que entregasse
um relatório aos seus contatos.
Goren inclinou-se para a aceitação da proposta, apesar dos enormes
honorários. Jamais um agente do Mossad recebera tal quantidade de dinheiro.
Mas, primeiro, Goren precisava de uma prova tangível de que Marwan
merecia o esforço. Pediu-lhe uma amostra dos documentos secretos que podia
oferecer. A entrega dos documentos também ligaria Marwan à Mossad,
porque seriam incriminatórios e uma prova sólida de que Marwan se tornara
um agente israelense. Do ponto de vista egípcio, isso faria dele um traidor e
um agente inimigo.
Marwan não deixou Goren esperar muito tempo e forneceu à Mossad
as minutas integrais das conversas do presidente Nasser com os líderes da
União Soviética, em Moscou, em 22 de janeiro de 1970. Na visita, Nasser
exigiu que os soviéticos lhe entregassem bombardeiros de longo alcance
modernos e capazes de fazer bombardeamentos profundos em Israel.
O documento deixou estupefatos todos os que o leram. Nunca tinham
visto um documento como aquele; a sua autenticidade era indubitável. Os
chefes do Mossad perceberam que tinham um tesouro fabuloso nas mãos.
Nomearam Dubi como contato de Marwan e mandaram-no para
Londres.
Também tomaram imediatamente todas as medidas necessárias: alugar
um apartamento em Londres para os encontros com o Anjo, equipá-lo com
escutas secretas e dispositivos de gravação, garantir a segurança do sítio e
estabelecer um fundo especial para financiar o seu agente mais precioso. O
jogo podia começar.
Os encontros eram convocados pelo próprio Marwan, sempre que tinha
algo a informar. Segundo as regras acordadas com Dubi, Marwan fazia um
telefonema a um intermediário (há fontes que afirmam que ele ligava a
mulheres judias em Londres), e o Mossad era alertada. Marwan forneceu aos
seus contatos muitíssimas informações secretas e documentos políticos e
militares ultrassecretos. O coronel Meir Meir, diretor do Ramo 6 (Exército
egípcio) da Aman, participou em vários desses encontros. Meir ia a Londres a
coberto de uma identidade falsa. Todas as etiquetas da sua roupa eram
arrancadas. Meir costumava andar por Londres durante horas, a pé, em táxis e
ônibus, para ter a certeza absoluta de que não era seguido, depois chegava
finalmente ao apartamento e subia até o sexto andar. Quando visitou o
apartamento pela primeira vez, encontrou um homem bonito mas
desagradável, que o desprezou abertamente e o olhou com ar
condescendente. Marwan só amoleceu quando percebeu que Meir era um
homem com conhecimentos e experiência vastos. Certa vez, o seu amigo do
Mossad pediu a Meir que levasse uma pasta a Marwan. Quando Meir
perguntou o que estava dentro dela, o amigo piscou-lhe o olho e
respondeu “um apartamento de luxo na Praça Hamedina” (o bairro mais caro
de Tel Aviv), insinuando que a pasta continha uma soma fabulosa de dinheiro.
Segundo estimativas do Mossad, as informações de Marwan durante o
seu serviço secreto a Israel custaram ao Estado judeu mais de três milhões de
dólares.
Nasser morreu a 28 de setembro de 1970 e foi substituído por Anwar
Sadat. O professor Shimon Shamir, um dos acadêmicos mais preeminentes do
Egito em Israel, analisou o caráter de Sadat a pedido do Mossad. Era um
homem fraco, monótono, disse Shamir, e sublinhou que Sadat não
permaneceria muito tempo no poder nem entraria em guerra. Muitos líderes
egípcios pensavam exatamente o mesmo, mas Marwan decidiu apoiar
incondicionalmente Sadat. Tirou à mulher as chaves do cofre pessoal de
Nasser, pegou nos arquivos e documentos mais importantes e levou-os ao
novo presidente.
Em maio de 1971, apoiou-o novamente, quando alguns líderes
egípcios conspiraram para levar a cabo um golpe de Estado pró-soviético.
Entre os conspiradores estavam alguns dos nomes mais famosos do Egito: Ali
Sabri, antigo vice-presidente; Mahmoud Fawzi, antigo ministro da Guerra;
Sharawi Guma, ministro do Interior, e outros ministros e deputados. O plano
era assassinar Sadat durante a sua visita à Universidade de Alexandria.
Porém, Sadat antecipou-se e prendeu todos os conspiradores. Marwan apoiou-
o e ajudou-o quando Sadat esmagou a conspiração.
Os resultados não tardaram a chegar. A posição de Marwan na
hierarquia egípcia melhorou enormemente. Foi nomeado secretário
presidencial de informação e conselheiro especial do presidente.
Acompanhava Sadat nas suas viagens pelo mundo árabe e participava em
conversações políticas de alto nível.
O estatuto de Marwan melhorou e o mesmo aconteceu aos seus
relatórios.
Em 1971, Sadat viajou várias vezes a Moscou e ofereceu a Leonid
Brezhnev uma lista de compras de armas de que precisava para atacar Israel.
A lista incluía, entre outras coisas, um MiG-25. Marwan passou a lista
aos seus contatos do Mossad. Quando estes lhe pediram as minutas das
conversas entre Sadat e Brezhnev, Marwan também lhas facultou. Zvi Zamir
ficou profundamente impressionado pelos relatórios de Marwan, e conheceu-
o pessoalmente.
O material passado por Marwan era distribuído a alguns altos
funcionários do Mossad e oficiais da Aman, ao chefe de Estado-Maior das
Forças Armadas israelenses e ao seu adjunto, à primeira-ministra Golda Meir,
ao ministro da Defesa Moshe Dayan, e ao confidente de Golda, o ministro
sem pasta Israel Galili.
Aparentemente, parte do material de Marwan também aterrissou nas
mesas de trabalho de outros serviços secretos. Marwan abordou os serviços
secretos italianos e ofereceu-se para trabalhar com eles; segundo uma fonte,
também estabeleceu contato com o MI6 inglês. Isso explica porque é que,
naquele fatídico dia 5 de outubro, quando ia a caminho de se encontrar com
Zvi Zamir em Londres, Marwan fez uma escala em Roma: também informou
os italianos da guerra iminente.
Já antes um dos seus relatórios chegara aos italianos, mas por via do
Mossad. Um mês antes da Guerra do Yom Kippur, a Líbia pedira ajuda ao
Egito. Os terroristas palestinos ao serviço do líder líbio Muammar Khaddafi
tencionavam abater um avião da El Al durante a sua decolagem do aeroporto
de Roma.
O ato tinha como objetivo castigar Israel por ter abatido — por
acidente — um avião líbio civil sobre o Sinai, em fevereiro de 1973. O
Mossad obtivera provas de que alguns terroristas palestinos planeavam
desviar um avião, carregá-lo com explosivos e fazê-lo cair sobre uma das
grandes cidades israelenses (ver Capítulo 12). Quando um avião que voava
com cores líbias surgiu sobre o Sinai e se recusou a identificar-se e a deixar o
espaço aéreo israelense, os controladores da Força Aérea israelense
concluíram que aquele era o avião dos terroristas. Lançaram dois ou três jatos
de combate, que abateram o aparelho. Mais tarde, descobriu que o avião se
desviara da rota devido a uma tempestade de areia no Sinai. Os socorristas
israelenses encontraram 108 corpos entre os restos fumegantes do avião.
Khaddafi jurou vingar as vítimas. A equipe designada para cumprir a
operação somava cinco terroristas da Fatah, chefiados por Amin Al-Hindi. O
presidente Sadat decidiu ajudar os líbios e ordenou a Marwan que entregasse
dois mísseis Strella de fabricação russa aos terroristas. Marwan enviou os
mísseis terra-ar para Roma pela mala diplomática. Em Roma, Marwan pôs os
mísseis na mala do carro, encontrou-se com Al-Hindi numa sapataria na
famosa Via Veneto, entrou com ele numa loja de tapetes e comprou dois
tapetes grandes. Depois, envolveu os mísseis nos tapetes e transportou tudo de
metrô até o esconderijo dos palestinos… Os terroristas prepararam-se para
lançar os mísseis, ignorando que Marwan já tinha alertado o Mossad, e esta os
italianos. A 6 de setembro, o esquadrão antiterrorismo da polícia italiana
arrombou o apartamento em Óstia, perto do aeroporto de Roma. Os italianos
prenderam alguns membros da equipe terrorista e apreenderam os mísseis. Os
outros membros da equipe foram capturados num hotel de Roma.
A imprensa italiana nomeou o Mossad como fonte que tinha alertado
os serviços italianos; houve quem dissesse que, durante a operação, o próprio
Zvi Zamir estivera em Roma.
Um mês depois, eclodiu a Guerra do Yom Kippur.

Após a guerra, Marwan continuou a cumprir enormes tarefas secretas a


mando de Sadat. Viajou como enviado deste a capitais árabes, e participou
ativamente na separação de forças entre a Síria e o Egito — e Israel. Também
presenciou as conversas entre o secretário de Estado americano Henry
Kissinger e o rei Hussein da Jordânia, em Amã. A separação de forças deu a
Marwan a oportunidade de se ligar a outros serviços secretos — a CIA
americana, que procurava informações secretas credíveis sobre as políticas
egípcias depois dos acordos provisórios com Israel. Segundo fontes
americanas, as relações secretas de Marwan com a CIA duraram quase 25
anos. Marwan visitou os Estados Unidos várias vezes, para receber
tratamentos médicos, e desfrutava sempre de uma hospitalidade calorosa e
generosa oferecida pela CIA.
Porém, até a sua posição superior e as suas atividades secretas
perderam o encanto, e Marwan começou uma segunda carreira no mundo dos
negócios.
Comprou um apartamento de luxo, em Londres, no número 24 de
Carlton House Terrace, e começou a investir dinheiro em vários projetos. Em
1975, Ashraf Marwan foi nomeado presidente da União Industrial Árabe —
uma organização fundada pelo Egito, Arábia Saudita e Emirados do Golfo
para produzir armas convencionais pelos métodos ocidentais. O projeto
falhou, mas ajudou Marwan a estabelecer contatos valiosos no mundo dos
negócios. Após um curto mandato, Marwan foi afastado do cargo, e em 1979
mudou-se para Paris. Passados dois anos, após o assassinato do presidente
Sadat por terroristas fanáticos, mudou-se para Londres e começou uma
carreira de negócios brilhante, que fez dele um homem muito rico. Recebeu
Dubi, seu contato do Mossad, num hotel do qual era dono em Maiorca, nas
ilhas Baleares, e fez-lhe saber que se ia retirar do mundo da espionagem. Há
quem defenda que, no final da década de 1970, Marwan sentia o chão egípcio
arder-lhe sob os pés, e que já se suspeitava de que ele mantinha laços secretos
com Israel, pelo que decidira deixar o Egito e o Mossad.
Nos anos seguintes, Marwan alcançou uma série de feitos negociais
fabulosos. Investiu bem o dinheiro e não tardou a comprar parte da equipe de
futebol do Chelsea, e mesmo a competir com Muhammad El-Fayed, pai de
Dodi, namorado da princesa Diana, pela compra dos luxuosos armazéns
Harrods, de Londres. Como no passado, Marwan mantinha um estilo de vida
hedonista, andava sempre bem vestido e deixava no seu rastro um rol de casos
amorosos. Alguns agentes da CIA que o visitaram uma vez no hotel de
Marwan em Nova York tiveram de esperar à porta, até que a sua mais recente
conquista se vestisse e saísse da suíte.
Na década de 1980, o nome de Marwan foi associado a vários
negócios de tráfico de armas para o regime de Khaddafi, na Líbia, e para os
terroristas no Líbano. Um jornalista americano afirmou que Marwan
convidou um agente da CIA a sua casa, conduziu-o ao terraço e apontou para
um Rolls Royce resplandecente estacionado à porta de casa. “Foi um presente
do Khaddafi”, disse.
A história da ligação de Marwan a terroristas parece a mais pura
invenção.
Marwan não teria feito negócios com terroristas e arriscado ter
problemas com o Mossad, que podia expor o passado dele como agente
israelense a qualquer instante e assim sentenciá-lo a uma morte certa. Se
Marwan se envolveu realmente em negócios obscuros com a Líbia ou os
terroristas, só pode ter sido em completa cooperação com o Mossad.
Porém, os anos passaram e, em 2002, foi publicado em Londres um
livro chamado Uma História de Israel. O livro tinha assinatura do acadêmico
israelense Ahron Bregman, e mencionava o espião que tinha avisado Israel da
iminente Guerra do Yom Kippur. Bregman chamou ao espião “o genro”. Era
uma pista de que o espião era alguém próximo de uma personalidade
importante; e o Anjo fora, realmente, genro de Nasser. Bregman escreveu que
o homem fora um agente duplo que fornecera a Israel informações falsas.
O livro não revelou o nome de Marwan, mas não deixou de despertar
sua fúria. Marwan reagiu com uma entrevista ao jornal egípcio Al-Ahram, em
que desdenhava da investigação de Bregman e a chamava “uma história
estúpida de detetives”.
Bregman, ofendido, decidiu defender a honra e, numa entrevista a Al-
Ahram, afirmou abertamente que “o genro” era de fato Ashraf Marwan. Era
uma acusação grave, mas faltavam provas. Não teve impacto algum… até o
dia em que Eli Zeira declarou que o agente duplo que “enganara” Israel era
efetivamente Ashraf Marwan.
Nunca antes tal coisa acontecera em Israel. A identidade de antigos
espiões não era revelada, em muitos casos, mesmo depois de sua morte.
E Ashraf Marwan estava vivo, era vulnerável, presa fácil para os assassinos
do Mukhabarat egípcio. Zvi Zamir regressou de 30 anos de aposentadoria e
tentou entrar em contato com Marwan, mas o Anjo recusou-se a falar com ele.
“Não quis”, disse Zamir, pesaroso, “porque sentiu que eu não o protegi. Fiz
tudo o que pude para protegê, mas não consegui.”
Após as revelações de Zeira, Zamir rompeu o silêncio autoimposto e
atacou severamente o antigo chefe da Aman. Acusou-o de revelar segredos de
Estado. Zeira rebateu com a afirmação de que o antigo ramsad protegia um
homem que não era senão um agente duplo.
Ronen Bergman, jornalista israelense que assistia a uma transmissão
televisiva ao vivo de uma cerimônia oficial no Egito, viu o presidente Hosni
Mubarak dar um caloroso aperto de mão a Marwan, que o acompanhou na
deposição de uma coroa de flores no túmulo de Nasser. Após a transmissão,
Bergman escreveu que Marwan tinha sido agente duplo. O presidente
Mubarak apressou-se a defender Marwan e rejeitou firmemente os rumores
que o davam como espião israelense.
Israel viu-se engolfada numa torrente de acusações e contra-acusações.
A Mossad e a Aman nomearam duas comissões de inquérito que chegaram à
mesma conclusão: Marwan não era agente duplo e não causou prejuízo algum
a Israel. Zeira não desistiu e processou judicialmente Zamir. O antigo juiz
Theodore Or, nomeado como árbitro pelo tribunal, decretou com firmeza que
a versão de Zamir era a verdadeira.
Aparentemente, Zeira e os seus seguidores tinham escolhido ignorar o
fato de Marwan ter sido uma das figuras mais destacadas do Governo egípcio,
genro de Nasser e conselheiro próximo de Sadat. Os líderes do Egito não
queriam admitir que um dos seus fora um traidor e espião sionista. Tal
admissão teria espantado a opinião pública egípcia e abalado a confiança dos
egípcios em seus líderes. Assim, escolheram outra abordagem: elogiar e
enaltecer Marwan em público, mas selar secretamente seu destino.
No início de junho de 2007, o juiz Or publicou suas descobertas.
Em 12 de junho, um tribunal israelense confirmou oficialmente a
história de Zamir sobre o papel de Marwan a serviço do Mossad. Duas
semanas depois, em 27 de junho, o corpo de Marwan foi encontrado na
calçada sob o terraço de sua casa.
Alguns observadores israelenses acusaram o serviço secreto do Egito
pelo assassinato. Muitos acusaram Zeira, pois seu comportamento
irresponsável provocara a morte de Marwan. Por outro lado, a viúva de
Marwan, em declaração que dificilmente surpreenderia, acusou o Mossad de
assassinar o marido. Testemunhas oculares declaram ter visto homens com
traços do Oriente Médio ao lado de Marwan, no terraço, poucos minutos antes
de sua morte.
A Scotland Yard fechou e reabriu o caso até finalmente declarar que
era incapaz de descobrir os responsáveis. Os assassinos do Anjo continuam
em liberdade.
15. UMA ARMADILHA COR DE ROSA
PARA O ESPIÃO ATÔMICO

Tirando andar com um cartaz de “Sou Espião”, Mordechai Vanunu


parecia fazer tudo o que podia para expor a sua vida secreta.
Mordechai Vanunu era técnico no reator atômico de Dimona, as
instalações mais secretas e seguras de Israel. A imprensa, assim como muitos
governos estrangeiros, estava convencida de que Israel fabricava armas
nucleares naquele complexo ultrassecreto. Qualquer pessoa que se
candidatasse a um emprego em Dimona tinha de passar por um longo e
rigoroso processo de preenchimento de papelada, interrogatórios, exames de
especialistas do Shabak e outros especialistas de segurança, até — ao cabo do
procedimento exaustivo -ser autorizada a entrar no complexo secreto. A
vigilância intensiva e o escrutínio apertado continuavam ao longo de todo o
período profissional dos empregados em Dimona.
Vanunu candidatou-se a um trabalho em Dimona depois de ver um
anúncio num jornal diário. Preencheu um formulário nos escritórios
das “instalações de pesquisa nuclear” na cidade próxima de Berseba, foi
submetido a uma investigação rotineira de segurança e conseguiu o emprego
sem problema algum.
Como pôde isso ser? Vanunu era um radical de esquerda, os amigos
eram membros árabes do partido comunista e antissionista Rakah, ele
participava em ações de protesto ao lado deles, fora fotografado em
manifestações extremistas pró-palestinos, transportava cartazes, fazia
discursos e dava entrevistas à imprensa.
Também recebia militantes do Rakah no seu pequeno apartamento de
Berseba, e pediu-lhes para se juntar à célula universitária deles,
exclusivamente composta por jovens radicais árabes, abertamente hostis ao
Estado de Israel. Na Universidade Ben-Gurion, onde estava matriculado como
aluno, era conhecido pelas suas ideias radicais.
Era um jovem talentoso mas instável. Antes de se tornar apoiante do
Rakah, fora extremista de direita e admirador do rabino racista Kahane. Mais
tarde, apoiou o partido de extrema-direita Hatechiya (Ressurgimento) e votou
no Likud até, finalmente, aterrissar na extrema-esquerda. Segundo Vanunu, a
controversa Guerra do Líbano de 1982 levou-o a modificar as suas opiniões
políticas. Solitário e quase sem amigos, Vanunu acreditava firmemente que
era discriminado devido às suas origens marroquinas. Essa convicção cresceu
quando Vanunu chumbou nos testes de admissão para a Academia da Força
Aérea e foi colocado no Corpo de Engenharia. Após a sua dispensa das
Forças Armadas de Israel, Vanunu começou a estudar Engenharia em Tel
Aviv, mudou de ideia e foi morar em Berseba, onde começou a estudar
Economia, mudou outra vez de ideia e transferiu para Filosofia. Tornou-se
vegetariano e, depois, vegano.
Os seus colegas de aulas ficavam impressionados pela sede de dinheiro
de Vanunu. Ele gabava-se de não ter de trabalhar, mas simplesmente de
investir com inteligência no mercado bolsista. No seu diário, dava “prioridade
máxima” ao mercado bolsista, à frente da Filosofia e do Inglês. Tinha um
Audi vermelho, fazia algum dinheiro como modelo nu e, numa festa de
alunos, baixou as cuecas para ganhar um prêmio.
O estilo de vida de Vanunu dizia respeito apenas a ele, claro, mas a sua
atividade política como simpatizante do Rakah e apoiante dos palestinos
devia ter acionado mil alarmes. Em vez disso, foi chamado para comparecer
numa reunião com agentes do Shabak, que lhe disseram para parar as
atividades e assinar um documento em que declarava que fora avisado. Ele
não assinou. E não parou.
O Shabak descreveu as atividades de Vanunu num relatório de rotina
para o diretor de segurança do Ministério da Defesa. O diretor transmitiu o
relatório ao diretor de segurança do reator de Dimona, que o arquivou numa
das suas pastas. E o assunto ficou por aí. Não se atuou, nem se iniciou
nenhuma vigilância a Vanunu. Foi um lapso incrível. Toda uma cadeia de
pessoas — agentes do Shabak locais e nacionais, e os diretores de segurança
do ministério e de Dimona — falhou o cumprimento do seu dever.
Vanunu continuou as suas atividades políticas e não voltou a ser
incomodado.
Vanunu era “operador” no Instituto 2, o departamento mais secreto no
complexo de Dimona. Dos 2.700 empregados de Dimona, só 150 tinham
permissão de entrar no Instituto 2. Vanunu tinha dois cartões de identificação:
o número 9567-8 para entrar nas instalações de Dimona, e o 320 para entrar
no Instituto 2.
Do lado de fora, o instituto parecia um modesto edifício de dois
andares que podia funcionar como local de armazenamento ou uma unidade
marginal de serviços públicos. Porém, alguém com espírito indagador teria
reparado numa estrutura de elevador no telhado plano e perguntado por que
precisaria um edifício de dois andares de um elevador. A chave desse mistério
residia no verdadeiro segredo do Instituto 2: o elevador era necessário, não
para subir, mas para descer para os seis andares subterrâneos engenhosamente
escondidos. Vanunu era responsável pelo turno da noite e conhecia bem o
edifício. O primeiro andar dividia-se entre vários gabinetes e um bar. Alguns
portões no piso térreo eram utilizados para transferência de barras de urânio
destinadas ao reator; no mesmo andar, havia mais escritórios e alguns
laboratórios de montagem. No primeiro andar subterrâneo, armazenavam-se
tubos e válvulas. No segundo, ficavam a sala de controle central e uma
espécie de terraço, a que se chamava “varanda da Golda”. Os visitantes
importantes que usufruíssem de autorização máxima de acesso podiam ver da
varanda o pavilhão de produção abaixo de si. No terceiro andar subterrâneo,
estavam técnicos que trabalhavam nas barras de urânio vindas de cima. No
quarto andar, um espaço subterrâneo grande que ascendia à altura de três
andares, situavam-se a unidade de produção e os equipamentos de separação,
onde o plutônio produzido no reator era extraído das barras de urânio. O
quinto andar abrigava o departamento metalúrgico e o laboratório onde os
componentes das bombas eram produzidos. No sexto andar subterrâneo, os
desperdícios químicos eram carregados para contentores especiais.
Vanunu sabia que, durante a operação normal do reator nuclear, a
reação em cadeia produzia plutônio que se acumulava nas barras de urânio.
Depois de ser “raspado” das barras, este era usado nos pisos quatro e cinco, e
servia para a montagem das armas atômicas de Israel.
Certo dia, por nenhuma razão especial, Vanunu levou uma câmera para
o Instituto 2. Levou-a na pasta, entre os livros de que mais tarde precisaria nas
aulas, na Universidade Ben-Gurion. Se os controladores de segurança lhe
perguntassem porque é que trouxera uma câmera para Dimona, Vanunu
tencionava dizer que a levara para a praia e que se tinha esquecido dela na
pasta. Mas ninguém verificou a sua pasta, ninguém fez perguntas, e Vanunu
guardou a câmera no armário pessoal. Durante os intervalos de almoço e
tarde, quando não havia ninguém no edifício, Vanunu passou a deambular
pelos andares subterrâneos, fotografar os laboratórios, o equipamento e os
corredores, desenhar esboços pormenorizados, entrar em gabinetes vazios e
vasculhar documentos em cofres abertos. Ninguém o via e ninguém
suspeitava dele. Parecia que os responsáveis da Segurança se tinham
evaporado. Os chefes de Vanunu não faziam ideia do seu perigoso
passatempo e tinham-no como um técnico discreto, sério e diligente.
No final de 1985, Vanunu foi despedido, após nove anos em Dimona.
A demissão não se deveu às suas atividades políticas, mas antes a cortes no
orçamento de Dimona. Vanunu foi despedido em conjunto com muitas outras
pessoas. Recebeu uma indemnização por despedimento de 150 por cento e
oito meses de salário como “bolsa de adaptação”. Porém, Vanunu ficou, uma
vez mais, zangado e frustrado. Decidiu ir para o estrangeiro, fazer uma longa
viagem — e talvez nunca mais voltar, se conseguisse encontrar uma nova
casa, à semelhança dos 12 milhões de judeus que viviam fora de Israel.
Vendeu o apartamento e o carro, e liquidou as contas bancárias.
Vanunu, então com 31 anos, pôs a mochila às costas e partiu em
viagem.
Já tinha feito viagens longas antes, uma à Europa e outra aos Estados
Unidos.
Desta vez, rumou ao Extremo Oriente. Na mala levava os dois rolos
que tinha fotografado em Dimona.
A sua primeira paragem foi a Grécia, depois a Rússia, a Tailândia e o
Nepal. Em Katmandu, Vanunu conheceu uma israelense e cortejou-a de forma
acanhada. Apresentou-se como “Mordy” e admitiu com franqueza que era um
pacifista de extrema-esquerda e que talvez não regressasse a Israel.
Visitou um templo budista e brincou com a ideia de se tornar, ele
mesmo, budista.
Depois de Katmandu, Vanunu viajou pelo Extremo Oriente, até
finalmente aterrissar na Austrália. Durante alguns meses, fez biscates em
Sydney, mas sentia-se quase sempre solitário e triste. Certa noite, caminhou
por um dos bairros menos recomendáveis da cidade, um abrigo para
prostitutas, ladrões e vendedores de droga. Da escuridão, à sua frente,
emergiu o pináculo da Igreja de São Jorge, um conhecido refúgio de almas
atormentadas: pessoas desesperadas, criminosos, vagabundos sem abrigo,
homens e mulheres pobres e oprimidos. Vanunu entrou e conheceu o padre
anglicano John McKnight. O bom padre percebeu imediatamente que Vanunu
estava à procura de casa e família. Estabeleceu uma relação próxima e
calorosa com o seu hóspede tímido e inseguro. Nas semanas seguintes, os
dois tiveram conversas longas e honestas, e finalmente — em 17 de agosto de
1986 — Vanunu foi batizado como cristão e escolheu um nome: John
Crossman.
Foi uma enorme mudança para um judeu praticante, nascido em
Marraquexe, que passara a juventude em escolas talmúdicas e yeshivas em
Berseba. É verdade que o seu zelo religioso diminuíra havia anos, mas a
conversão foi mais produto da sua instabilidade e confusão do que do seu
desapontamento com o judaísmo. Se não tivesse entrado na Igreja de São
Jorge e conhecido o padre McKnight, poderia ter-se convertido ao budismo
ou a qualquer outra religião. Mas, voltando as costas ao judaísmo, também
virava as costas a Israel; a aversão ao seu país tornou-se, gradualmente, um
dos maiores motivos das suas ações futuras.
Um dia, durante um encontro social na igreja, Vanunu contou aos seus
novos amigos o trabalho que tivera em Israel, descreveu o reator de Dimona e
ofereceu-se para fazer uma apresentação de diapositivos com as fotografias
que tirara. Os amigos olharam-no desinteressadamente; não faziam ideia do
que ele estava a falar. Mas um homem na audiência ficou intrigado com as
palavras: Oscar Guerrero, um viajante colombiano e jornalista ocasional.
Vanunu e Guerrero tinham pintado a vedação da igreja juntos e vivido
no mesmo apartamento durante algum tempo. Guerrero percebeu a
importância das fotografias e incendiou a imaginação de Vanunu com
promessas de fortuna e glória.
Vanunu queria dinheiro, desesperadamente, mas também achava que
podia usar a prometida glória para promover a paz entre judeus e árabes. Não
era o seu plano original: não saíra de Israel e transportara os dois rolos de
película pelo mundo durante meses para fazer a paz. Contudo, fazer a paz e
salvar o mundo da bomba atômica israelense tornaram-se um motivo
alegadamente nobre das suas ações. A sua guerra privada contra o projeto
nuclear israelense ganhou ímpeto à medida que os dias passaram, e
transformou-se numa razão de peso para a publicação das fotografias de
Dimona. Mas Vanunu também sabia que se o fizesse deixaria de ser
israelense.
Nunca mais poderia regressar em segurança a Israel, onde seria
rotulado de traidor e inimigo do Estado.
Ainda assim, a tentação era enorme. Vanunu e Guerrero foram juntos a
uma loja de fotografia em Sydney. Revelaram as imagens que Vanunu tirou
no Instituto 2 e tentaram vendê-las aos escritórios locais de revistas
americanas e a estações de televisão australianas, mas em vão. Foram tidos
por excêntricos ou vigaristas a tentar ganhar dinheiro fácil. Ninguém
acreditou que aquele jovem tímido e ascético tivesse o maior segredo de
Israel nas mãos.
Finalmente, Guerrero foi a Espanha e Inglaterra, e dessa vez saiu-lhe a
sorte grande. Os editores do londrino Sunday Times que ouviram a história
perceberam o dramático potencial de uma história sobre o reator israelense,
com base em fotografias e desenhos exclusivos. Contudo, tinham de ser
extremamente cautelosos. Pouco tempo antes, tinham sido gravemente
prejudicados pela compra dos “diários de Hitler”, afinal um embuste de
segunda categoria. Por conseguinte, pediram autorização para analisar
exaustivamente o material que Guerrero lhes levara.
Entretanto, um funcionário da televisão australiana entrou em contato
com a Embaixada de Israel em Camberra e inquiriu se o homem estranho que
lhes oferecera fotografias do reator de Dimona era realmente cidadão
israelense. A história chegou aos ouvidos de um jornalista israelense que a
escreveu para o seu jornal de Tel Aviv.
E, como um raio, um abalo atordoador atingiu os serviços secretos de
Israel: um antigo operador do Instituto 2 em Dimona está a tentar vender o
segredo mais vital de Israel. “O sistema falhou, não chegamos a ele a tempo”,
admitiu desanimadamente Haim Carmon, então diretor de segurança do
Ministério da Defesa.
As notícias foram logo comunicadas ao “Clube dos Primeiros-
Ministros” — o primeiro-ministro Peres e os antigos primeiros-ministros
Rabin e Shamir —, que eram membros do Governo de Unidade Nacional.
Estes decidiram encontrar e trazer Vanunu imediatamente para Israel. Alguns
adjuntos sugeriram matar Vanunu em vez de o trazer, mas a ideia foi
abandonada. O primeiro-ministro pegou no telefone e ligou ao ramsad.
O Mossad tinha um novo diretor desde 1982: Nahum Admoni. Após
quase 20 anos de generais caídos de paraquedas das Forças Armadas
israelenses para o leme do Mossad, a organização tinha finalmente um novo
chefe, um chefe que tinha subido na hierarquia da próprio Mossad. Nahum
Admoni, nascido em Jerusalém, era veterano do Shai e da Aman. Fora
adjunto de Yitzhak Hofi e alcançara o cobiçado cargo de ramsad depois de
Hofi se retirar em 1982. Admoni passaria sete anos como ramsad, mas eles
não seriam os melhores anos das secretas. Entre 1982 e 1989, vários
incidentes envergonharam o Mossad: o caso Pollard, que surgiu quando um
analista civil judeu dos serviços de informações foi preso em Washington por
espionar para uma unidade de informações secretas israelense; depois, foi o
caso Irã-Contra, em que Israel estava envolvido; seguiram-se as capturas de
alguns agentes do Mossad em países estrangeiros por erros negligentes; mas o
que mais prejudicou Israel foi, certamente, Mordechai Vanunu. Assim que
Peres lhe telefonou, Admoni lançou uma operação para capturar Vanunu. O
computador do Mossad vomitou o nome de código da operação: “Kaniuk”.
Nahum Admoni enviou com urgência uma unidade de Caesarea para a
Austrália, para que encontrasse Vanunu. Contudo, na chegada, os agentes
descobriram que estavam atrasados. O passarinho já voara do ninho — para a
Inglaterra.
Pouco depois de entrevistar Guerrero, o editor do Sunday Times
enviou Peter Hounam, uma estrela da secção “Insight” do semanário, à
Austrália, para se encontrar com Vanunu. Quando embarcou no avião,
Hounam já sabia que os cientistas britânicos tinham analisado algumas das
fotografias mostradas por Guerrero e confirmado a sua autenticidade. A
reunião com Vanunu em Sydney também convenceu Hounam de que a
história era verdadeira. Hounam ficou particularmente impressionado por
Vanunu negar as afirmações exageradas de Guerrero de que ele era “um
cientista israelense”.
Vanunu contou-lhe a verdade: fora apenas um técnico em Dimona.
Vanunu e Hounan foram para Londres e deixaram Guerrero para trás.
Em Londres, Vanunu foi submetido a vários interrogatórios intensivos pelo
pessoal do Sunday Times. Contou-lhes tudo o que sabia e revelou aos
britânicos que Israel também estava a desenvolver uma bomba de neutron,
capaz de destruir seres vivos mas deixar edifícios e estruturas intactos.
Descreveu ainda o processo de montagem das bombas no Instituto 2.
Porém, Vanunu pareceu assustado e nervoso ao longo de todo o processo.
Receava ser morto ou raptado pelos serviços israelenses. Os responsáveis do
Sunday Times tentaram acalmá-lo. Mudaram-no para outro hotel e recrutaram
todo o pessoal para que servisse, por turnos, como babysitter do seu precioso
convidado. Insistiram — em vão — para que não fosse passear sozinho na
rua.
Quando os interrogatórios terminaram, ofereceram-lhe um negócio
fantástico: 100.000 dólares pela história e pelas fotografias, 40 por cento dos
direitos de distribuição dos artigos do jornal e 25 por cento dos direitos do
livro, se fosse escrito. Também lhe disseram que Rupert Murdoch,
proprietário do Sunday Times, era proprietário da empresa cinematográfica
20th Century Fox, e que estava a pensar fazer um filme sobre a vida de
Vanunu. O papel principal seria desempenhado por Robert de Niro.
Os anfitriões de Vanunu em Londres ofereceram-lhe todas as tentações
possíveis, exceto uma: uma mulher. Vanunu ansiava por sexo e pelo calor de
uma mulher, e não conseguia. Quando Rowena Webster, funcionária da
Insight, lhe fazia companhia, ele tentava desesperadamente levá-la para a
cama, mas ela resistia. O sexo era o calcanhar de Aquiles de Vanunu, mas os
espertos editores do Sunday Times não perceberam.
Também não perceberam que o medo de Vanunu dos serviços secretos
israelenses era justificado. Um dos repórteres da Insight foi enviado a Israel
para descobrir se Vanunu era efetivamente quem dizia ser.
Falou sobre ele com um jornalista israelense, que alertou
imediatamente o Shabak. Poucas horas depois, vários membros da equipe
operacional do Mossad aterravam em Londres. A equipe era chefiada por
Shabtai Shavit, adjunto do ramsad. A operação foi comandada pelo segundo
adjunto do ramsad e chefe da Caesarea, Beni Ze’evi.
Dois agentes do Mossad fizeram-se passar por fotógrafos da imprensa
e andaram pelo edifício do Sunday Times a tirar fotografias a trabalhadores
que por acaso protestavam e faziam greve. Passados uns dias, viram e
fotografaram Vanunu, que depois seguiram pelas ruas de Londres, pelo
método da “vassoura” desenvolvido por Zvi Malkin, agente veterano do
Mossad. Além de seguirem o seu “alvo”, os agentes “varriam” as áreas que
ele provavelmente visitaria e estabeleciam-se lá antes de ele chegar. E assim,
a 24 de setembro, Vanunu chegou a Leicester Square, local favorito dos
turistas e visitantes da cidade. Numa banca de jornais, Vanunu viu uma moça
“que era a cara escrita da Farrah Fawcett, a estrela do programa televisivo
“As Panteras”.
Era uma loura bonita e, para Vanunu, parecia “linda e angelical”.
Vanunu observou-a demoradamente, enquanto ela esperava na fila da banca
de jornais. Ela virou a cabeça e olhou-o, num olhar prolongado e carregado de
sentido. Os olhos dos dois cruzaram-se por momentos, mas a vez dela chegou,
pelo que comprou o jornal e se foi embora. Vanunu também se virou noutra
direção, mas, depois de se encher de coragem, regressou e perguntou-lhe se
podia falar com ela. Ela concordou com um sorriso. Seguiu-se uma conversa
banal entre os dois. Ela apresentou-se como Cindy, uma beleza judia de
Filadélfia, em viagem turística pela Europa.
Vanunu ficou desconfiado. Os dias anteriores tinham-no deixado com
os nervos em frangalhos. O pessoal do Sunday Times continuava a interrogá-
lo interminavelmente e a adiar a publicação da história. O seu receio dos
serviços secretos israelenses aumentou, depois de ter sabido que o Sunday
Times ia pedir à Embaixada de Israel em Londres que comentasse a história.
Explicaram que um jornal respeitável como o Sunday Times tinha
sempre de pedir os comentários do outro lado da história. Ele não ficou
convencido.
Sentia-se só, zangado e impaciente.
E, de repente, aparecia Cindy.
“Você é do Mossad?”, perguntou, meio brincando.
“Não, não”, disse ela. “Não. O que é Mossad?”
Ela perguntou o nome dele.
“George”, respondeu. Era o nome que usara para se registrar no hotel.
Ela sorriu. “Oh, não acredito”, disse. “Você não se chama George.”
Quando se sentaram num café, ele revelou o verdadeiro nome e contou
sobre o Sunday Times e seus problemas. Cindy sugeriu imediatamente que ele
fosse a Nova York, onde ela podia indicar advogados bons.
Ele, contudo, não a ouviu, nem por sombra. Mordechai Vanunu
apaixonou-se à primeira vista. Encontrou-se com Cindy várias vezes nos dias
seguintes, e, segundo ele, foram os melhores dias de sua vida. Caminharam
em parques de mãos dadas, foram ao cinema e viram A Testemunha, com
Harrison Ford, e Hannah e as suas Irmãs, de Woody Allen. Também
assistiram a um musical chamado 42nd Street e beijaram-se a rodo. Ele jamais
esqueceria aqueles abraços quentes e beijos doces.
Cindy dava beijos doces, mas se recusava firmemente a dormir com
ele. Disse-lhe que não podia convidá-lo para o hotel onde estava porque
partilhava o quarto com outra moça. Também se recusou a ir ao quarto de
hotel dele. “Anda tenso e nervoso”, dizia constantemente, “assim não dá
certo. Pelo menos não em Londres”.
Até que ela teve uma ideia. “Por que não vem comigo a Roma? Minha
irmã mora lá, tem um apartamento, podemos nos divertir muito, e pode
esquecer os problemas.”
A princípio, ele recusou. Mas ela estava determinada a ir a Roma e
comprou passagem em classe executiva. Quando conseguiu finalmente
convencê-lo, comprou uma passagem igual. “Paga depois”, disse.
E ele sucumbiu à tentação.
Se fosse um homem mais sério e razoável, teria percebido
imediatamente que caia numa “armadilha cor de rosa”, a expressão que os
serviços secretos usam para designar uma sedução feita por uma mulher.
Assim, do nada, Vanunu conhece uma moça na rua, ela apaixona-se
perdidamente por ele e prontifica-se a fazer tudo por ele: levá-lo para casa da
irmã em Roma, comprar-lhe um bilhete de avião muito embora mal o
conheça. Não pode dormir com ele em Londres, mas pode dormir com ele em
Roma. Um homem sensato teria concluído que a história de Cindy era
suspeita, até ridícula. Mas, desta vez, os psicólogos do Mossad tinham feito
um excelente trabalho. Sabiam exatamente o que Vanunu queria, e previram
que ele ficaria cego pelos beijos doces e promessas ainda mais doces de uma
mulher linda e atraente.
Peter Hounam, do Sunday Times, era um homem sensato. Assim que
ouviu falar de Cindy, percebeu que algo não batia certo. Deu o seu melhor por
persuadir Vanunu a não se encontrar mais com ela, mas de nada valeu.
Vanunu já tinha engolido o isco e nada no mundo o faria mudar de
ideia.
Certa vez, pediu a Peter que lhe desse boleia até o café onde Cindy o
esperava, e Peter entreviu a jovem (mais tarde, conseguiria fazer um esboço
da cara dela, com base no seu breve encontro). Quando soube da intenção de
Vanunu de sair de Londres “por uns dias”, Peter tentou novamente convencê-
lo a mudar de ideia, mas em vão. Ainda assim, avisou Vanunu de que não
saísse de Inglaterra e que não deixasse o passaporte entregue aos empregados
da recepção do hotel. Contudo, Peter Hounam estava longe de imaginar que
Vanunu ia mesmo apanhar um avião para Roma e poder assim, finalmente,
dormir com a sua Cindy.
Cindy concordara em dormir com Vanunu em Roma por uma razão
bem diferente. Israel não queria raptar Vanunu em solo britânico. O primeiro-
ministro Peres não queria confrontar a formidável Dama de Ferro Margaret
Thatcher. Tal como ele, o Mossad não se sentia à vontade na Grã-Bretanha.
Poucos meses antes, as autoridades alemãs tinham encontrado uma
pasta com oito passaportes falsos britânicos numa cabine telefônica.
Infelizmente, a pasta tinha uma etiqueta que indicava a identidade do
proprietário e a sua ligação à Embaixada de Israel. O Governo britânico ficou
furioso. O Mossad prometeu não infringir novamente a soberania britânica.
Assim, nem Peres nem o Mossad queriam sequer imaginar o lançamento de
uma operação secreta na Grã-Bretanha.
Foi assim que Roma se tornou a escolha de eleição. As relações entre o
Mossad e os serviços secretos italianos eram próximas e sólidas. O ramsad
Nahum Admoni e o almirante Fulvio Martini, chefe dos serviços secretos
italianos, eram bons amigos. E, com o caos crônico que reina na Itália, era
quase certo que os italianos nunca conseguiriam provar que Vanunu fora
raptado no seu território.
E foi assim que Cindy e Mordy embarcaram de mãos dadas no voo
504 da British Airways para Roma, a 30 de setembro de 1986. Quando
aterrissaram, às nove da noite, os dois amantes foram recebidos por um jovial
italiano com um enorme ramo de flores na mão. Este levou-os para o carro,
em direção a casa da irmã de Cindy. Ao longo da viagem, Cindy cobriu o seu
ditoso Mordai de abraços e beijos.
O carro parou junto de uma casa pequena. Uma moça abriu-lhes a
porta. Vanunu foi o primeiro a entrar. Subitamente, a porta fechou-se e dois
homens saltaram para cima dele, bateram-lhe sem piedade e atiraram-no ao
chão. Reparou que um deles era louro. Enquanto lhe atavam as mãos e os pés,
a moça debruçou-se sobre ele e enterrou-lhe uma agulha no braço.
Ficou tudo enevoado e Vanunu mergulhou num sono profundo.
Uma van comercial transportou Vanunu, inconsciente, para o Norte do
país. O veículo viajou durante várias horas. Ao lado de Vanunu iam dois
homens e uma mulher. Ao cabo de umas horas, Vanunu recebeu outra injeção.
Cindy desaparecera. O carro chegou ao porto de La Spezia e Vanunu, deitado
numa maca, foi levado para bordo de uma lancha rápida que rumou ao alto-
mar, onde um cargueiro israelense de nome Tapuz esperava (segundo uma
fonte, chamava-se SS Noga). A tripulação do navio recebeu ordens de entrar
na cabine e não espreitar. Quem estava de serviço, porém, viu a lancha chegar.
Uma escada de corda foi lançada borda fora e dois homens e uma mulher
subiram cautelosamente a bordo. Transportavam consigo um homem
inconsciente, que levaram para a cabine do adjunto do comandante.
Trancaram a porta depois de entrarem. O navio navegou imediatamente para
Israel.
Vanunu passou a viagem toda trancado na pequena cabine. Não via
Cindy.
Estava preocupado com ela, sem saber o que lhe tinha acontecido. Não
percebeu que ela pertencia à equipe do Mossad; tinha-o levado até o
esconderijo e provavelmente saíra de Itália na mesma noite. A mulher que
acompanhou Vanunu a bordo do navio era a médica e continuou a
administrar-lhe anestésicos durante a viagem.
O navio lançou âncora não muito longe da costa israelense e Vanunu
foi então transferido para um lança-mísseis da Marinha israelense. Foi
recebido por oficiais da polícia e agentes do Shabak, que o prenderam
formalmente e o conduziram à prisão de Shikma, em Ashkelon.
Durante o seu primeiro interrogatório, Vanunu ficou a saber que,
enquanto ia a caminho de Israel, o Sunday Times começara a publicar a série
baseada nas suas revelações. Os artigos, melhorados por fotografias e
desenhos, foram reproduzidos em múltiplos jornais de todo o mundo. O
Sunday Times revelou que todas as estimativas feitas acerca da força nuclear
de Israel tinham sido erradas. Até então, os especialistas julgavam que Israel
possuía entre 10 e 20 bombas atômicas primitivas. Porém, as informações
fornecidas por Vanunu provavam que Israel se tornara uma potência nuclear e
que o seu arsenal continha pelo menos 150 a 200 bombas sofisticadas.
Também tinha a capacidade de produzir hidrogênio e armas de neutron.
Vanunu assustou-se com as revelações sensacionalistas. Receou que os
israelenses o matassem; e receava também por Cindy, não acreditando que ela
fizesse parte de um plano contra ele.
Durante cerca de 40 dias, o mundo não soube o que acontecera a
Vanunu.
A imprensa publicou várias histórias sensacionalistas que não tinham
uma ponta de verdade. A mídia britânica descreveu em detalhes como ele
tinha sido sequestrado em Londres e levado clandestinamente para Israel num
“caixote diplomático”. Outros jornais citavam “testemunhas” que o haviam
visto embarcar, na companhia de uma jovem, num iate que o levara para
Israel. Os deputados em Londres exigiram investigação e medidas graves
contra Israel.
Vanunu foi acusado oficialmente em meados de novembro e apareceu
em tribunal muitas vezes. Isso levou-o à decisão de passar a perna aos seus
carcereiros. Vanunu sabia exatamente onde os jornalistas estavam à espera
quando era levado a tribunal. Numa das suas idas à casa da justiça, Vanunu,
sentado no banco de trás do carro da polícia, esperou que este parasse em
frente da multidão de jornalistas e fotógrafos. Depois, subitamente, encostou a
palma da mão na janela do carro. Repórteres e fotógrafos da imprensa
mundial conseguiram ler a frase que Vanunu escrevera nela: vanunu foi
raptado em roma, itl, 30.9.86. 21:00. veio para roma no voo ba 504.
A revelação não prejudicou as relações de Jerusalém com Londres,
pois deixou claro que Vanunu deixara a Grã-Bretanha de livre vontade, num
voo comercial. Em Roma, contudo, os diretores dos serviços secretos ficaram
zangados e frustrados, mas após algum tempo os israelenses conseguiram
compensar os estragos.
Vanunu foi acusado de espionagem e traição. Foi condenado a 18 anos
de prisão.
No exterior, porém, não foi considerado nem espião nem traidor.
Por toda a Europa e América emergiram associações e ligas em seu
nome, e Vanunu foi retratado como um intrépido lutador pela paz, um mártir
que arriscara a vida para travar o projeto nuclear de Israel.
Vanunu, evidentemente, não fora nada disso. Os bordões heroicos e
ideológicos não serviam senão para encobrir as ações confusas do operador
frustrado do Instituto 2. O fato é que ele não tentou combater o projeto
nuclear israelense enquanto trabalhou em Dimona. Se não tivesse sido
despedido, talvez ainda lá trabalhasse hoje. Mesmo quando saiu do país, não
se apressou a iniciar a sua guerra santa, antes viajou pelo mundo, fez turismo
no Nepal e na Tailândia, foi batizado na Austrália. Se não tivesse conhecido
Guerrero, talvez tivesse mantido as fotografias da “varanda da Golda” e dos
laboratórios de montagem das bombas no fundo da mochila.
Porém, muitas pessoas boas e ingênuas por todo o mundo viram-no
como um lutador contra o perigo atômico israelense. Um casal enternecedor
dos Estados Unidos adotou-o como filho — pese embora a família dele ainda
fosse viva — e outros bons cristãos continuaram a nomeá-lo como candidato
ao Prêmio Nobel da Paz.
Quando foi liberto da prisão, após 18 anos, Vanunu escolheu viver
numa igreja de Jerusalém. Hoje em dia, continua a exibir o seu ódio por
Israel, recusa-se a viver lá, recusa-se a falar hebraico, só responde pelo nome
John Crossman, e publica anúncios de procura de uma noiva árabe ou
palestina (“Desde que não seja israelense”) nos jornais árabes.
E Cindy? O fato é que, dada a urgência da operação em Londres, o
Mossad não teve tempo de criar uma cobertura sólida para ela. A mulher usou
o nome da irmã, Cindy Hanin, e o passaporte desta, e isso ajudou os
jornalistas britânicos e israelenses a descobrirem a sua verdadeira identidade.
Descobriram que, na verdade, ela se chamava Cheryl Ben-Tov, nome
de solteira Hanin, e era filha de um milionário americano que tinha feito
fortuna no negócio dos pneus. Era uma sionista devota e emigrara para Israel
com 17 anos. Servira nas Forças Armadas israelenses e casara-se com um
antigo oficial da Aman. Um agente do Mossad recrutou-a para a organização.
Tinha um QI alto e uma enorme motivação, e o passaporte americano
ajudava. Fez um curso de formação exaustiva de dois anos antes de ser levada
de urgência para Londres, com outros membros da “Operação Kaniuk”. Após
o sequestro de Vanunu e a explosão de publicidade à sua volta, Cheryl teve de
se demitir da atividade operacional.
Hoje em dia, Cheryl Hanin Ben-Tov vive em Orlando, na Florida. Ela
e o marido trabalham no negócio imobiliário e são um modelo de família
judaico-americana. O caso Vanunu impossibilitou que Cindy continuasse a ser
agente do Mossad. Os colegas lamentam profundamente que a mulher
inteligente, bonita e engenhosa já não trabalhe com eles. Com efeito, Cindy
conseguiu tirar Vanunu de Inglaterra sem infringir nenhuma lei.
Margaret Thatcher controlou facilmente seus tumultuosos deputados,
quando se tornou claro que não fora cometido nenhum ato ilegal em território
britânico.
Porém, não tardou que o Mossad voltasse aos seus velhos hábitos.
Dois anos depois, Arie Regev e Yaacov Barad, agentes do Mossad, puseram
um palestino em Londres como agente duplo. O palestino foi preso e Thatcher
fechou o polo do Mossad em Londres, além de expulsar Regev e Barad.
Mais uma vez, o Mossad prometeu comportar-se. E assim fez… até o
caso Mahmoud Al-Mabhouh…
16. O SUPERCANHÃO DE SADDAM

Em 23 de março de 1918, no auge da Primeira Guerra Mundial, um


enorme projétil de artilharia explodiu no centro da Place de La République de
Paris.
Uma hora depois, outro projétil atingiu o centro de Paris e matou oito
pessoas. As explosões aterrorizaram os parisienses, que presumiam que a sua
cidade, longe da frente de combate, fosse segura. O comandante do distrito de
Paris ordenou imediatamente que as florestas em redor da capital, onde
provavelmente a unidade de artilharia alemã se escondera, fossem passadas a
pente fino por vários esquadrões. Porém, a busca acabou sem resultados. Os
franceses supuseram que os projéteis tinham sido lançados de um dirigível,
embora ninguém tivesse comunicado o avistamento de um zepelim. Seis dias
depois, numa Sexta-Feira Santa, explodiu outro projétil em Paris. Desta vez,
atingiu em cheio a Igreja de Saint Gervais, no 4.° bairro de Paris. A explosão
matou 91 pessoas e feriu 100.
O pânico espalhou-se pela cidade. As patrulhas militares que saíram da
capital não encontraram nada. Nunca ninguém ouvira falar de um canhão que
conseguia atingir Paris de uma distância tão grande. Os jornais compararam o
monstro que os bombardeou à distância ao enorme canhão que o escritor Júlio
Verne descrevera no livro Da Terra à Lua. O canhão ficcional de Júlio Veme
conseguia disparar uma nave espacial para a Lua.
Os franceses tiveram sorte. A guerra acabou nesse mesmo ano com a
vitória dos Aliados sobre a Alemanha imperial. As informações sobre o
terrível canhão que espalhara morte e pânico na capital francesa começaram a
chegar a conta-gotas. Havia quem lhe chamasse o “Canhão de Paris”, outros
apelidavam-no “Canhão de Wilhelm”, por causa do nome do imperador
alemão, Guilherme (Wilhelm) II. Afinal, descobriu que o canhão tinha sido
desenvolvido pela indústria de armamento pesado Krupp, que produzira três
unidades do misterioso canhão. Este tinha um alcance inédito de 128
quilômetros. Os seus projéteis tinham quase um metro de comprimento e a
carga de pólvora chegava aos três metros e meio. Os projéteis subiam a uma
altura de 42 quilômetros, um recorde que só foi batido pelos mísseis V-2
alemães, na Segunda Guerra Mundial. A Krupp montou os três supercanhões
no maior dos segredos. Os canhões eram puxados por trens especiais que se
deslocavam de uma posição para outra quase diariamente. Cada um era
operado por 80 soldados de artilharia, todos proibidos de falar sobre o canhão
a quem quer que fosse. Era imperativo cobrir os canhões monstruosos com
um espesso véu de secretismo.
Conforme a guerra se aproximou do fim, a capacidade de manobra dos
supercanhões rapidamente se deteriorou. A aviação britânica descobriu os
enormes canhões, perseguiu-os ao longo dos carris e bombardeou-os sem
cessar. Também os franceses dispararam sobre eles de posições próximas das
linhas da frente. Contudo, nenhum dos ataques foi certeiro. O único canhão
neutralizado foi um que explodiu enquanto fazia um disparo. Matou cinco
soldados. Os outros dois canhões desapareceram sem deixar rastro no final da
guerra. O que lhes aconteceu ainda hoje é um mistério. Podem ter sido
desmantelados ou escondidos nalguma gruta profunda ou mina abandonada.
Os supercanhões converteram-se em lendas e muitos pensaram que o
mistério nunca seria desvendado. Contudo, em 1965, uma idosa alemã chegou
ao Canadá e encontrou-se com o Dr. Gerald Bull, um cientista de 37 anos que
chefiava o HARP (High Altitude Research Program — Programa de Pesquisa
de Altas Altitudes) na Universidade McGill, em Montreal. A mulher era
parente de Fritz Rausenberger, defunto diretor de design das fábricas Krupp.
Entregou a Bull um manuscrito perdido que descobrira nos arquivos de
família e que descrevia ao pormenor o grande canhão e a forma como ele
funcionava.
O manuscrito deu asas à imaginação de Bull. Este tinha reputação de
ser um gênio: concluíra o doutoramento com 23 anos e era o mais jovem
doutorado de sempre de uma universidade canadense. Bull sonhava em
construir supercanhões que disparassem projéteis contra alvos a centenas de
quilômetros de distância e lançasse mesmo satélites no espaço exterior. Bull
serviu-se do manuscrito que a senhora alemã lhe trouxera como base de um
livro sobre os canhões de Wilhelm e as possibilidades que eles ofereciam aos
cientistas do futuro.
O livro, porém, não bastava. Bull conseguiu financiamento dos
governos americano e canadense, assim como da sua universidade. Instalou o
seu enorme canhão — o canhão mais comprido alguma vez construído —,
num campo de testes nos Barbados. O canhão tinha 36 metros de
comprimento e um calibre de 424 milímetros. Centenas de trabalhadores,
técnicos e engenheiros, muitos dos quais autóctones, participaram na
construção e teste do formidável canhão.
O canhão de Bull portou-se de forma extraordinária nos testes de
disparo e lançou cargas pesadas a altitudes inauditas. Bull afirmou que se em
vez de projéteis armasse o seu canhão com mísseis propulsionados a
combustível sólido conseguiria disparar um míssil de 100 quilos a uma
distância de 4000 quilômetros ou uma altitude de 250 quilômetros.
O canhão de Bull foi um grande feito, mas os governos americano e
canadense decidiram, por várias razões, parar de financiar o projeto. Em
1968, Bull foi forçado a sair dos Barbados. A frustração que o invadiu foi
imensa. Bull atacou, cheio de rancor e ódio, os “burocratas” que tinham
abortado o seu projeto.
Durante algum tempo, Bull produziu projéteis de artilharia e até
exportou para Israel 50.000 projéteis, para utilização com armas fabricadas
nos EUA.
Chegaram mesmo a atribuir-lhe a cidadania americana. Contudo, Bull
tinha um fusível a menos, nem sempre controlava o que lhe saía da boca, e
conseguia entrar em conflito com a maioria dos oficiais e funcionários
públicos superiores que conhecia. A humilhação que sentira pelo fecho do
campo de testes nos Barbados continuava a corroê-lo, e Bull estava disposto a
tudo para construir os seus grandes canhões. Tornou-se uma obsessão, e nada
o podia travar.
Primeiro, construiu um obus GC-45, a arma mais avançada do seu
tempo, com um alcance de 40 quilômetros. Bull vendeu a arma a todos os que
a quiseram comprar. Apesar do embargo das Nações Unidas à venda de
armas à África do Sul, Bull vendeu os seus canhões ao exército desse país,
que precisava deles para combater Angola. Bull também vendeu à África do
Sul uma licença para construir os canhões no seu próprio território.
Há quem defenda que a CIA apoiou secretamente as atividades ilegais
de Bull. Contudo, assim que o assunto veio a público, os amigos da CIA de
Bull desapareceram e ele ficou sozinho, exposto às acusações das Nações
Unidas de se ter tomado um traficante cínico e impiedoso. Bull foi obrigado a
regressar aos Estados Unidos, onde teve uma surpresa desagradável: um
tribunal americano considerou-o culpado de negócios de armas ilegais e
condenou-o a seis meses na cadeia. Quando foi libertado e regressou ao
Canadá, Bull apanhou uma multa de 55.000 dólares. Zangado e
amargurado, Bull mudou-se para a Bélgica, onde fundou uma nova empresa,
em associação com as Poudreries Réunies de Belgique (União das Fábricas de
Pólvora da Bélgica).
Porém, a sua obsessão não diminuiu. Bull continuou a sonhar com a
construção de um supercanhão digno da imaginação de Júlio Veme. Como o
Fausto de Goethe, estava disposto a vender a alma ao diabo para concretizar o
seu sonho. E, de fato, encontrou o diabo: o megalômano ditador do Iraque,
Saddam Hussein.
Naquele tempo, o Iraque travava uma guerra implacável contra o Irã.
Bull vendeu aos iraquianos 200 obuses GC-45, fabricados na Áustria e
contrabandeados pelo porto de Aqaba, na vizinha Jordânia. Isso, porém, foi
apenas o início.
Saddam Hussein, como Bull, ficou profundamente frustrado depois de
Israel ter bombardeado o reator nuclear de Tamuz e desfeito o seu sonho de
tornar o Iraque uma potência nuclear. Saddam também sentia uma inveja
imensa de Israel, que estava à beira de lançar satélites para o espaço.
Bull ofereceu a Saddam a construção do maior e mais longo
supercanhão do mundo. Com esse canhão, prometeu Bull, Saddam
conseguiria lançar satélites para o espaço, disparar projéteis a uma distância
superior a mil quilômetros. Saddam percebeu que poderia assim atingir os
centros populacionais de Israel e aceitou de bom grado a oferta. Bull chamou
ao seu empreendimento “Projeto Babilônia”.
Bull esboçou os planos do “Babilônia”: um canhão de 150 metros de
comprimento, com um peso de 2.100 toneladas e calibre de um metro!
Contudo, antes de construir o seu canhão colossal, Bull decidiu montar
um protótipo menor, para testes. Chamou o canhão menor de “Pequena
Babilônia”, embora a “pequena” fosse maior do que todos os antecessores. O
canhão tinha 45 metros de comprimento, e o comandante de artilharia de
Saddam ficou boquiaberto com o seu desempenho. E, todavia, aquilo não era
nada, comparado com o verdadeiro canhão que emergia no deserto do Iraque.
Bull quis colocar seu canhão gigante num monte despido,
posicionando os componentes do canhão mais longo e pesado do mundo
numa vertente ascendente. Depois de escolher o local, Bull encomendou as
partes do canhão de várias fábricas de aço europeias. O componente principal
era, evidentemente, o cano, que Bell tencionava montar com vários e enormes
tubos de aço. Mandou vir os tubos da Inglaterra, da Espanha, da Holanda e da
Suíça. As encomendas foram camufladas como “partes de um grande
oleoduto”. Estando o Iraque sujeito a restrições internacionais draconianas de
importações de matérias-primas estratégicas, uma vez mais as encomendas
foram feitas em nome da vizinha Jordânia.
Os canos começaram a chegar. O aspecto mais incrível de toda a
operação foi que a maioria dos Estados e das empresas envolvidas na
produção dos canos percebia perfeitamente que os canos não eram senão
peças de uma gigantesca arma letal. Contudo, seu cinismo e ganância, assim
como sua indiferença pelas guerras no Oriente Médio, levaram-nas a cooperar
sem problemas. Os enormes canos receberam licenças de exportação, foram
postos em cargueiros e enviados ao destino. Muitos deles chegaram ao Iraque
sem nenhum contratempo.
O exército privado de técnicos e engenheiros de Bull começou a
montar as peças do canhão, todas apontando para o ocidente, para Israel. Bull,
contudo, ainda não estava satisfeito. Construiu dois canhões autopropulsados
para os iraquianos: Al-Majnoon e Al-Fao. Al-Majnoon (O Louco) foi
imediatamente integrado à artilharia do Iraque.
Bull também concordou em melhorar os mísseis Scud no arsenal de
Saddam, e modificar-lhes as ogivas. Conseguiu estender o alcance dos Scud e
aperfeiçoar-lhes o desempenho. Esses mesmos mísseis seriam usados contra
Israel durante a primeira Guerra do Golfo.
Era demais. Segundo o testemunho do filho de Bull, agentes
israelenses avisaram Bull para que parasse com suas atividades perigosas.
Bull recusou-se a ouvir. Mas Israel não estava sozinha no objetivo de travar o
cientista. A CIA e o MI6 andavam preocupados. E os iranianos também
tinham contas a ajustar com Bull: durante a Guerra Irã-Iraque, os iraquianos
tinham usado contra eles os canhões construídos por Gerald Bull. Ao que
parecia, não faltavam inimigos a Bull; e eles estavam determinados a pôr fim
a seus projetos.
Como Bull ignorou os avisos, os agentes estrangeiros intensificaram as
atividades. Várias vezes durante o inverno de 1990, o apartamento de Bull no
bairro Uccle de Bruxelas foi arrombado por desconhecidos. Nenhum levou
nada, mas revirou a mobília e esvaziou armários e gavetas, deixando marcas
claras da sua visita. Era outro aviso para Bull: Estamos aqui. Podemos entrar
e sair de sua casa a nosso bel-prazer, e chegar ainda mais longe do que isso.
Uma vez mais, Bull ignorou os avisos e continuou a brincar com fogo.
As partes dos canhões continuaram a chegar, e foram montadas, uma
após outra, no monte. Parecia que nada podia travar o “Projeto Babilônia”.
Exceto uma coisa.
Em 22 de março de 1990, Bull regressou a seu apartamento de
Bruxelas e, enquanto procurava no bolso as chaves, um homem surgiu do
corredor escuro, com uma pistola com silenciador na mão, e disparou cinco
tiros na nuca de Bull. O pai do grande canhão caiu e morreu
instantaneamente.
A imprensa mundial lançou-se em especulações sobre a identidade dos
assassinos. Houve quem dissesse que os assassinos tinham sido mandados
pela CIA, outros apontaram o MI6, Angola, Irã… mas a maioria dos
observadores concordou que se tratava de Israel. A polícia belga começou a
investigar, mas não concluiu nada. Os assassinos de Gerald Bull nunca foram
encontrados.
Com a morte de Bull, a construção do grande canhão parou
imediatamente. Seus assistentes, pesquisadores, compradores espalharam-se
pelos quatro cantos do mundo. Conheciam partes do projeto, mas o plano
geral estava guardado na cabeça de Bull, e só ele sabia como proceder. A
morte dele foi também a morte do “Projeto Babilônia”.
Duas semanas depois da morte de Bull, as autoridades britânicas
emergiram da sua longa letargia. Finalmente destacaram para o porto de
Teesport uma equipe alfandegária que apreendeu oito enormes canos de aço
de Sheffield, definidos nos papéis de exportação como “oleodutos”. A
iniciativa foi boa, mas tardia: já havia outros 44 “oleodutos” em serviço no
Iraque. Nas semanas seguintes, mais componentes do canhão gigante foram
apreendidos em outros cinco países europeus. Uma investigação oficial na
Inglaterra tentou esclarecer como empresas respeitáveis como a Sheffield
Forge Masters [Fundições de Sheffield] ignoravam os objetivos pérfidos de
Saddam Hussein e forneciam canos de aço para o grande canhão.
Quando o Exército americano conquistou o Iraque em 2003, descobriu
pilhas de enormes canos enferrujando na sucata de Al-Iskanderiya, cerca de
50 quilômetros ao sul de Bagdá. Os enferrujados canos foram tudo o que
ficou dos grandiosos planos do Dr. Gerald Bull.
O assassinato de Gerard Bull deu-se numa época em que o caráter do
Mossad passava por uma profunda mudança. O novo ramsad, o agente
veterano do Mossad Shabtai Shavit, encontrou uma realidade diferente
quando entrou em funções em 1989. Por ser um antigo combatente da Sayeret
Matkal e chefe da Caesarea, parecia o homem certo para o trabalho.
A partir da década de 1970, com a eliminação sistemática dos líderes
do Setembro Negro, e ainda mais nas décadas de 1980 e 1990, a ênfase da
atividade do Mossad mudou das informações secretas para as operações
especiais. O Mossad teve gradualmente de assumir a maioria das operações
contra os perigos civis e não-convencionais que ameaçavam o Estado de
Israel. Os órgãos formais do Estado eram incapazes de derrotar eficazmente o
terrorismo. Os líderes terroristas viviam no estrangeiro, em relativa
segurança, planeavam os ataques e enviavam homens para ataques contra
instituições ou cidadãos israelenses em todo o mundo. Mesmo quando sabia
quem eles eram e o que andavam a fazer, Israel não podia prendê-los e levá-
los à justiça. A única alternativa que restava à Mossad era encontrá-los e
matá-los. Eram ações brutais e absolutamente penosas para homens como
David Molad, que as tinham de levar a cabo; não obstante, cumpriam os seus
fins, quando o assassinato dos líderes terroristas aniquilava ou imobilizava as
suas organizações durante muitos anos. A caça dos líderes do Setembro Negro
foi o melhor exemplo. O caso de Gerard Bull teve resultados semelhantes.
Muito embora os assassinos nunca tenham sido oficialmente identificados, a
morte de Bull foi a morte dos seus projetos diabólicos.

Foi também o caso de Wadie Haddad.


Tudo começou com uma caixa de chocolates.
O Dr. Wadie Haddad, dirigente da Frente Popular de Libertação da
Palestina, era um dos mais perigosos inimigos de Israel. A sua operação mais
famosa tinha sido o desvio de um avião da Air France de Tel Aviv para Paris,
a 27 de junho de 1976. Vários terroristas, árabes, alemães e sul-americanos,
forçaram o piloto a aterrissar em Entebbe, capital do Uganda, e exigiram a
troca dos reféns judeus e israelenses pelos terroristas mais perigosos do
mundo.
Numa heróica operação de socorro, comandos israelenses voaram
centenas de quilômetros, aterrissaram em Entebbe, mataram os terroristas e
libertaram os reféns. Depois de Entebbe, Haddad percebeu que a sua vida
corria perigo e mudou o seu quartel-general para Bagdá, onde se sentia em
segurança. Do Iraque, continuou a lançar operações terroristas contra Israel.
O Mossad estava determinado a matar o arquiterrorista. Mas como?
Lançou-se uma operação meticulosa, com o objetivo de descobrir tudo
sobre Haddad, principalmente os seus pontos fracos e vícios.
Um ano depois do salvamento de Entebbe, os agentes do Mossad
descobriram que Haddad adorava chocolate, especialmente chocolate belga de
qualidade. A informação sobre o vício secreto de Haddad foi dada por um
palestino em que o Mossad confiava, infiltrado na Frente Popular de Haddad.
O ramsad, Yitzhak Hofi, apresentou a informação ao novo primeiro-
ministro de Israel, Menachem Begin, que autorizou imediatamente a
operação. Os agentes do Mossad conseguiram depois recrutar um adjunto da
confiança de Haddad, que andava em missão pela Europa. Quando este
regressou, levou ao patrão uma grande caixa de chocolates Godiva, daqueles
de deixar água na boca. Os especialistas do Mossad injetaram um veneno
biológico fatal nos chocolates com recheio cremoso. Presumiram que Haddad,
que adorava chocolates Godiva, devoraria todos os chocolates sozinho e nem
pensaria partilhá-los com alguém.
O agente entregou a caixa embrulhada a Haddad, que, logo que se viu
sozinho, engoliu os chocolates todos. Em poucas semanas, o gorducho
Haddad começou a perder apetite e peso. As análises ao sangue feitas pelos
seus médicos indicaram uma grave deficiência imunitária. Ninguém em
Bagdá percebia o que estava a passar-se com o líder da Frente Popular.
A saúde de Haddad piorou. Tomou-se fraco, esquelético e confinado à
cama. Quando o seu estado se agravou, Haddad foi transferido para uma
clínica da Alemanha Oriental. Como a maioria dos países do Bloco Soviético,
a Alemanha Oriental oferecia apoio generoso, formação, armas e refúgio aos
terroristas palestinos. Contudo, os seus conhecimentos de primeira linha de
nada valeram. Os médicos da Alemanha Oriental não conseguiram salvar
Haddad e, a 30 de março de 1978, este morreu “de causas desconhecidas”. O
líder terrorista de 48 anos deixou à irmã milhões de dólares que acumulara
enquanto conduzia a sua guerra patriótica pela Palestina.
O diagnóstico dos médicos alemães foi que Haddad tinha morrido por
causa de uma doença terminal que lhe atacara o sistema imunitário. Ninguém
suspeitou do Mossad. Alguns adjuntos próximos de Haddad acusaram as
autoridades iraquianas do envenenamento, por Haddad se estar a tornar
demasiado incômodo para o regime. Só após muitos anos, os escritores
israelenses tiveram permissão de publicar que o Mossad estivera por detrás da
morte extemporânea de Haddad. Quando Yasser Arafat morreu 30 anos
depois, os seus adjuntos acusaram Israel de ter provocado a morte. Essa
acusação nunca foi provada, apesar dos exames e testes exaustivos feitos
pelos médicos franceses de Arafat.
Com a morte de Haddad, a sua organização letal colapsou. Os ataques
do grupo de Haddad contra Israel pararam quase completamente, e a longa
batalha de Israel com um dos seus mais vis inimigos terminou
definitivamente.
Depois de Bull e Haddad, foi a vez de Shaqaqi.
Em meados do século XIX, o sultão do Império Otomano enviou o
comandante da Marinha imperial, um almirante famoso e admirado, para
conquistar a ilha mediterrânica de Malta. O almirante fez-se ao mar e navegou
durante muitos meses pelo Mediterrâneo.
Mas não encontrou Malta.
O almirante regressou a Istambul e anunciou ao sultão “Malta Yok!”,
ou seja, “Malta não existe”, em turco.
Contudo, na nossa época, houve quem encontrasse Malta, e
encontrasse não só a ilha, mas também um homem que lá chegara disfarçado,
sob identidade falsa, e a viajar em total secretismo. Era o Dr. Fathi Shaqaqi,
chefe da organização terrorista Jihad Islâmica.
Em 26 de outubro de 1995, no fim da manhã, Fathi Shaqaqi saiu do
Hotel Diplomat na cidade de Selma, em Malta. Ia fazer compras antes de
regressar a Damasco, onde vivia desde há uns anos. Shaqaqi usava uma
peruca e tinha passaporte líbio em nome de Ibrahim Shawush. Sentia-se bem
seguro na serena cidade maltesa. Não sabia que vários agentes do Mossad o
seguiam há uma semana, quando viajara de Malta para a Líbia, para participar
de conferência das organizações palestinas clandestinas.
Nove meses antes, em 22 de janeiro, dois homens-bomba da Jihad
Islâmica de Shaqaqi tinham se suicidado perto de uma estação de ônibus no
nó rodoviário de Beit Lid, não muito longe da cidade de Netanya.
Morreram 21 pessoas, a maioria das quais soldados, e 68 ficaram
feridas. Foi um dos ataques terroristas mais sangrentos da História israelense.
O primeiro-ministro Yitzhak Rabin acorreu imediatamente a Beit Lid e ficou
profundamente chocado pela carnificina. A fúria de Rabin culminou quando
leu que Shaqaqi se vangloriara a um jornalista da revista Time:
[…] Este foi o maior ataque militar de sempre no interior da Palestina
[excluindo as guerras israelo-árabes].
Time : Isso parece dar-lhe alguma satisfação.
Shaqaqi: Dá satisfação ao nosso povo.
Rabin, em fúria, ordenou ao ramsad Shabtai Shavit, oficial de carreira
do Mossad, que matasse o dirigente da Jihad Islâmica.
Havia muito que Shavit perseguia Shaqaqi.
Segundo a revista semanal Der Spiegel, o Mossad propôs atingir
Shaqaqi no quartel-general de Damasco. Rabin, porém, recusou a ideia.
Estava secretamente envolvido em conversações de paz com o presidente
sírio, Hafez Al-Assad, e não queria gorar as já magras hipóteses de pôr fim ao
conflito com o vizinho setentrional de Israel. Rabi pediu à Mossad que
sugerisse planos alternativos para a operação. Era uma missão muito
complicada, explicou Shavit, uma vez que Shaqaqi sabia que estava na mira
do Mossad. Era precisamente por isso que muito raramente saía da Síria.
Apesar de tudo, Rabin recusou-se a autorizar o ataque em Damasco e
ordenou que se conduzisse a operação fora das fronteiras sírias.
Mas onde? Durante algum tempo, os líderes do Mossad não souberam
o que fazer. Por fim, acabaram por ter sorte: Shaqaqi foi convidado para uma
conferência de organizações terroristas palestinas na Líbia. A princípio,
respondeu que não iria, mas depois soube que o seu arquirrival Said Mussa,
chefe da odiada organização Abu Mussa, tencionava participar na
conferência. Os especialistas do Mossad presumiram que Shaqaqi não daria a
vantagem ao adversário e iria à conferência, custasse o que custasse. E, de
fato, um relatório secreto de Damasco confirmou-o: Shaqaqi ia à Líbia. Em
Jerusalém, Rabin deu a luz verde.
Há fontes europeias que afirmam que os preparativos para o
assassinato começaram quando os especialistas em terrorismo do Mossad
verificaram os registros de voos anteriores de Shaqaqi para a Líbia.
Descobriram que ele fazia sempre escala em Malta, quando voava para
Trípoli. O ramsad decidiu operar em Malta, não na Líbia. Malta era um local
mais conveniente e tranquilo. Os agentes do Mossad esperaram no aeroporto
de Valletta por Shaqaqi, que presumivelmente pararia lá a caminho da Líbia.
Shaqaqi quase conseguiu enganar os seus perseguidores, porque aterrissou em
Malta apenas no terceiro voo do dia proveniente de Damasco, e bem
disfarçado. Demorou-se nas chegadas e apanhou o voo de ligação para a
Líbia.
Em 26 de outubro, ao início da manhã, Shaqaqi regressou a Malta e
deu entrada no Hotel Diplomat, onde já antes ficara. Recebeu o quarto 616 e
saiu imediatamente do hotel. Dois agentes do Mossad montados numa mota
azul seguiram-no por todo o lado. Shaqaqi passou algumas horas a visitar
lojas e mercados. Ia a caminho do hotel, quando a mota azul parou a seu lado.
Um dos agentes, mais tarde descrito como um homem com traços do Oriente
Médio, aproximou-se dele e abateu-o com seis balas, à queima-roupa e com
silenciador. Shaqaqi caiu no passeio, enquanto o seu assassino corria para um
beco próximo, onde o esperava o companheiro montado na mota, já ligada.
Aceleraram para a praia ali perto e saltaram para uma lancha que os
levou para um cargueiro que aguardava em alto-mar. O navio transportava,
oficialmente, cimento de Haifa para Itália. Mas, além de cimento, levava
outra carga: o próprio Shabtai Shavit, que monitorou a operação de um posto
de comando improvisado a bordo. A rota de fuga fora bem planejada.
Ninguém seguiu os dois agentes, que chegaram sãos e salvos ao navio.
Após a morte de Shaqaqi, os seus adjuntos da Jihad Islâmica tentaram
desvendar um enorme mistério: quem fora o traidor que passara os
pormenores da sua viagem à Mossad? Os assassinos sabiam tudo: a data da
sua partida para Malta, o número do voo, a identidade falsa, a data do
regresso a Malta e Damasco… Depois de uma investigação que durou cinco
meses, os líderes da Jihad Islâmica prenderam um estudante palestino que era
assistente próximo de Shaqaqi, e acusaram-no de traição. O estudante cedeu
no interrogatório e confessou: tinha sido recrutado pelo Mossad enquanto
estudava na Bulgária. Os seus contatos tinham-no instruído a mudar-se para
Damasco e juntar-se ao grupo de Shaqaqi. Nos quatro anos seguintes,
conseguiu ganhar a confiança de Shaqaqi e tornar-se um dos poucos que
conheciam as atividades de Shaqaqi.
Ao contrário do Hamas e do Hezbollah, que investiam uma grande
parte dos seus recursos em atividades sociais, a Jihad Islâmica tinha um único
propósito: o terror. Baseava-se num número muito pequeno e
compartimentalizado de células, compostas por palestinos que não tinham
outro propósito senão combater Israel. O próprio Shaqaqi era tido pela
diáspora palestina como o pai ideológico do terrorismo suicida. Foi o
primeiro a descobrir nos ensinamentos sagrados do islão uma legitimação de
atentados a bomba e assassinatos.
A organização de Shaqaqi foi responsável por uma longa lista de
ataques terroristas sangrentos: 16 mortos no ataque a um ônibus da linha 405,
na estrada de Tel Aviv para Jerusalém, em de julho de 1989; nove mortos no
ataque a um ônibus de turistas israelenses perto do Cairo, em 4 de fevereiro
de 1990; oito mortos num atentado a bomba contra um ônibus em Kfar
Darom, no Sul de Israel, em novembro de 2000; três soldados mortos no
ataque suicida ao bloqueio de estrada de Netzarim, na Faixa de Gaza, em 11
de novembro de 1994; e a terrível bomba em Beit Lid que matou 21 soldados,
em 22 de janeiro de 1995. Shaqaqi fez por merecer a sentença de morte que o
Mossad executou numa rua de Malta. Depois de Shaqaqi morrer, a Jihad
Islâmica quase se esboroou e levou anos a recuperar parcialmente da morte do
seu líder.
Israel nunca admitiu a responsabilidade do assassinato. O primeiro-
ministro Yitzhak Rabin disse: “Não sabia do assassinato, mas se é verdade
não o lamentarei.”
Pouco tempo depois, o próprio Yitzhak Rabin foi assassinado, não por
um terrorista palestino, mas por um fanático judeu.
17. FIASCO EM AMÃ

“Baba! Baba!” (“Pai! Pai!”), exclamou a menina, e saltou do jipe preto


e correu atrás do pai, para um altíssimo edifício de escritórios no centro de
Amã, na Jordânia.
“Baba!”, exclamou ela, e desencadeou um dos maiores fiascos da
história do Mossad.
A operação tinha sido magistralmente planejada. Muito embora
parecesse algo trôpega, tinha tudo para dar certo. O objetivo era matar Khaled
Mash’al, o recém-nomeado chefe do Gabinete Político do Hamas. Mash’al
era um engenheiro informático de 41 anos, homem atraente, com uma barba
negra bem aparada. Era um dirigente em ascensão no Hamas, que, nos anos
anteriores, se tornara o maior inimigo de Israel. Essa organização terrorista,
alimentada pelo fanatismo islâmico, tinha substituído a OLP na luta
impiedosa contra Israel, depois de Yasser Arafat e Yitzhak Rabin darem um
passo para a paz, com a assinatura dos Acordos de Oslo, em setembro de
1993. Os altos funcionários do Mossad tinham proposto Mash’al como alvo a
abater depois de um atentado a bomba em Jerusalém, em 30 de julho de 1997.
Dois terroristas fizeram-se explodir no apinhado mercado de Mahane-Yehuda,
matando 16 israelenses e ferindo outros 169. O primeiro-ministro Benjamin
(Bibi) Netanyahu convocou uma reunião de emergência do Governo, que
decidiu matar um dos líderes do Hamas. O ramsad, general Danny Yatom,
nomeado para o lugar em 1996, foi encarregado por Netanyahu de designar o
homem a morrer.
Yatom tinha uma longa carreira militar. Era um homem musculoso,
careca, com um sorriso sempre pronto. Tinha sido combatente e vice-
comandante da Sayeret Matkal, depois oficial do Corpo de Blindados, e chefe
do Comando Central de Israel com a patente de major-general. Tinha uma
devoção, de corpo e alma, ao primeiro-ministro Yitzhak Rabin e fora seu
secretário militar. Depois da morte de Rabin, para surpresa de muita gente, foi
nomeado diretor do Mossad. Todos os que o conheciam apreciavam a sua
eficiência e currículo militar, mas ninguém descortinava nenhuma das
qualidades necessárias a um dirigente de uma organização secreta. A sua
nomeação parecia mais um tributo ao falecido Rabin do que uma escolha do
melhor homem para a função.
Após a sua reunião com Netanyahu, no início de agosto de 1997,
Yatom convocou uma reunião de emergência na sede do Mossad, em Tel
Aviv. Os dirigentes dos maiores departamentos do Mossad foram chamados à
sala de reuniões. Eram eles: Aliza Magen, adjunto de Yatom; B., diretor da
Caesarea, o departamento de operações especiais; Yitzhak Barzilai, diretor do
Tevel, responsável pela cooperação com serviços secretos estrangeiros; Ilan
Mizrahi, diretor do Tzomet, o departamento de recolha de informações
secretas; D., diretor do Neviot, especializado na penetração em alvos
inimigos; e os diretores dos departamentos de pesquisa e terrorismo (as
pessoas designadas por uma letra, em vez do nome, ainda estão ao serviço).
No início, a discussão conduziu a um beco sem saída. O Mossad não
tinha uma lista completa dos líderes do Hamas. O mais preeminente dirigente
do Hamas era Mousa Mohammed Abu Marzook, mas o homem tinha um
passaporte americano e qualquer ataque contra ele podia criar complicações
com os Estados Unidos. Khaled Mash’al, por seu lado, era unanimemente
considerado como um bom alvo, mas o escritório deste ficava em Amã.
Depois de assinar um acordo de paz com a Jordânia, em outubro de 1994, o
primeiro-ministro Rabin tinha proibido todas as operações do Mossad nesse
país. Enquanto foi secretário militar de Rabin, o general Yatom seguiu as
ordens de Rabin à risca, mas, depois de ser nomeado ramsad, Yatom decidiu
ignorar as instruções do falecido Rabin e propôs o nome de Mash’al ao
primeiro-ministro Netanyahu. A sugestão foi apoiada pelo chefe da Caesarea
e o seu oficial de informação, Mishka Ben-David.
Netanyahu concordou. Porém, determinado a evitar uma crise com a
Jordânia, ordenou que se fizesse uma operação “discreta”, não um golpe que
desse nas vistas. Yatom encarregou o grupo Kidon — a unidade de elite da
Caesarea — da execução da operação. Um doutorado em Bioquímica,
membro do departamento de pesquisa do Mossad, sugeriu o uso de um
veneno mortal que fora desenvolvido no Instituto de Biologia em Ness Ziona.
Poucas gotas desse veneno caídas na pele de uma pessoa causar-lhe— iam a
morte. O veneno não deixava vestígios e era impossível de detetar mesmo
com autópsia. Já fora usado um veneno semelhante no caso dos chocolates
Godiva contra Wadie Haddad, chefe da Frente Popular de Libertação da
Palestina (ver Capítulo 14).
“A ideia do veneno não o incomodou?”, perguntou o jornalista
israelense Ronen Bergman a Mishka Ben-David anos mais tarde. “É uma
maneira tão repugnante de se morrer…”
“Acha que uma bala na cabeça ou um míssil disparado contra um carro
é mais humano do que veneno?”, perguntou Ben-David. “Teria sido melhor,
evidentemente, se não fosse preciso matar pessoas, mas, na guerra contra o
terror, isso é inevitável. A decisão do primeiro-ministro de levar a cabo uma
operação ‘discreta’ para não prejudicar as relações com a Jordânia foi lógica.”
No verão de 1997, alguns transeuntes numa rua de Tel Aviv viram dois
jovens agitando latas de Coca-Cola e depois arrancando os fechos para abrir.
A bebida gaseificada esguichava com um som borbulhante. Durante um
momento, as pessoas olhavam muito aborrecidas para os dois jovens, mas
depois seguiam caminho. Não podiam adivinhar que eram ambos agentes do
Mossad ensaiando o assassinato de Mash’al: um deles abriria uma lata de
Coca-Cola quando ele passasse, para distraí-lo, enquanto o outro lhe jogaria
gotas de veneno na nuca.
Seis semanas antes da operação, em agosto de 1997, os primeiros
agentes chegaram à Jordânia. Tinham passaportes estrangeiros e seguiam a
rotina diária de Mash’al: quando saía de casa, quem ia com ele no carro de
manhã, que rota tomava, onde ia, como estava o tráfego àquela hora.
Contavam o tempo que Mash’al demorava a sair do carro e a entrar neste ou
naquele edifício, verificavam se ele parava para conversar com alguém antes
de entrar nos edifícios, e reuniram todas as informações que pudessem
influenciar os planos operacionais.
O relatório da equipe avançada para a sede do Kidon resumiu os
resultados da missão preliminar: todas as manhãs, Mash’al saía de casa sem
guarda-costas. Entrava num automóvel utilitário preto conduzido pelo
assistente, e dirigia-se para o Gabinete de Apoio Palestino, no edifício do
Centro Shamia, em Amã. Depois de Mash’al sair, o motorista partia com o
carro. Mash’al caminhava uma curta distância até o edifício e entrava.
“Gabinete de Apoio Palestino” era um nome que camuflava o que na
realidade era o quartel-general do Hamas na capital jordaniana.
O relatório de vigilância da equipe avançada também sugeriu a melhor
maneira de chegar a Mash’al: de manhã, no passeio, quando ele saía do carro
e caminhava até o edifício.
Os preparativos continuaram por todo o verão: vigilância, envio de
outras equipes auxiliares para Amã, aluguel de casas de segurança e de
veículos.
Subitamente, em 4 de setembro, Jerusalém foi abalada por outro ataque
terrorista: três membros do Hamas fizeram-se explodir na Rua Ben-Yehuda,
matando cinco israelenses e ferindo 181. Israel não podia esperar mais, era
tempo de agir.
No dia 24 de setembro de 1997, véspera da operação. Um casal de
turistas descontrai junto da piscina de um grande hotel de Amã. O homem
tem um roupão de banho branco vestido. Diz aos empregados do hotel que
está a recuperar de um ataque cardíaco; os seus passos vagarosos, cautelosos,
provam que ainda sofre dos efeitos secundários da doença. A jovem que está
com ele é médica. De vez em quando, verifica-lhe a pulsação e a pressão
arterial. Estão quase sempre deitados nas cadeiras à beira da piscina. O
“paciente cardíaco” é nada mais nada menos que Mishka Ben-David,
encarregado da comunicação entre o quartel-general do Mossad e os agentes
no local. A mulher, também agente do Mossad, é mesmo médica e transporta
consigo uma injeção do antídoto do veneno destinado a matar Mash’al. O
antídoto neutraliza o efeito do veneno. Seria usado se algum agente do Kidon
fosse exposto acidentalmente a algumas gotas do veneno, durante a operação.
Uma injeção imediata do antídoto seria a única forma de o salvar de uma
morte certa.
Enquanto o pseudopaciente e sua médica esperam junto da piscina, a
equipe de assassinato faz os últimos preparativos. Nos dias anteriores, vários
agentes chegaram a Amã. Vão conduzir os veículos de fuga e desempenhar
outros papéis secundários. Depois deles, chega a própria equipe de
assassinato: dois agentes do Kidon, que se fazem passar por turistas
canadenses chamados Shawn Kendall e Barry Beads. Os dois dão entrada no
Hotel Intercontinental. Em retrospetiva, levantam-se perguntas perturbadoras
sobre estes dois: Porque foram escolhidos, pese embora nunca tivessem
trabalhado num país árabe? E porque é que receberam passaportes
canadenses, se mesmo a mais superficial das inspeções provaria que não eram
canadenses? O inglês era artificial, o sotaque era israelense e a história falsa
seria certamente desmontada ao cabo de uma investigação séria. Porém, tudo
isto é pouco, se comparado com o erro da equipe de vigilância, patente apenas
depois de a operação ser iniciada.
O golpe teria presumivelmente lugar na entrada do edifício do Centro
Shamia, onde ficava o gabinete de Mash’al. O encontro entre os agentes do
Kidon e Mash’al seria rápido e mortal. “Shawn” e “Barry” tinham de
aproximar-se de Mash’al, deitar-lhe o veneno líquido na nuca e fugir num
veículo que os esperava ali perto. Os dois “canadenses” estavam bem
preparados, depois do seu treino nas ruas de Tel Aviv. Shawn ia segurar a lata
de Coca-Cola. Quando chegasse perto de Mash’al, tinha de puxar a patilha e
dirigir “acidentalmente” o jorro da lata na direção dele. A lata, contudo, não
era a protagonista da história. Barry, que tinha consigo o pequeno recipiente
com o veneno, era a principal figura da operação; numa questão de segundos,
tinha de deitar o veneno na direção de Mash’al. A lata de Coca-Cola devia
distrair a atenção de Mash’al, para que ele não visse o jorro venenoso. O
líquido espalhar-se-ia na pele e matá-lo-ia de “ataque cardíaco”.
Outros dois “turistas”, um homem e uma mulher, deviam esperar no
átrio do edifício, para o caso de a equipe de assassinato precisar de ajuda. Por
exemplo, Mash’al podia caminhar demasiado depressa em direção ao edifício,
e os dois canadenses talvez não o conseguissem atingir. Nesse caso, o casal de
“turistas” devia sair do edifício e chocar contra Mash’al, atrasando-o até que
os membros da equipe de assassinato chegassem.
Assim, não haveria confronto com os jordanianos, acreditavam os
planejadores do Mossad.
A chave do êxito era a situação no local propriamente dito: zona livre
de guarda-costas, membros da família, conhecidos, polícias, militantes do
Hamas e outras pessoas que pudessem frustrar o golpe. E, de fato, as
instruções dos oito agentes enviados à Jordânia eram claras: conduzir as
operações apenas se todas as condições supracitadas fossem cumpridas.
Danny Yatom mantém que disse aos agentes: “Se as condições
divergirem do plano original, podemos sempre fazer a execução numa data
posterior.”
Ao que sabemos, foi isso que realmente aconteceu. Os agentes
deslocaram-se várias vezes ao local, mas abortaram o assassinato devido a
problemas inesperados: a presença de polícias jordanianos, de guarda-costas
que escoltavam Mash’al, ou a decisão de último minuto de Mash’al de não ir
ao escritório nesse dia.
25 de setembro de 1997, dia D.
O comandante da operação ocupa a sua posição do outro lado da rua,
frente ao edifício. Decidiu-se não usar celulares nem instrumentos de
comunicação eletrônica na zona, e os agentes teriam de comunicar com as
mãos ou o corpo. Em caso de necessidade de abortar a operação, o
comandante avisaria os dois agentes tirando o boné.
Atrás do edifício, o carro de fuga espera pelos dois assassinos.
Shawn e Barry estão prontos, tal como o casal no hall do edifício.
Está tudo a postos.
Na casa de Mash’al, a rotina da manhã é quase perfeita, à exceção de
uma pequena mudança de última hora. A mulher de Mash’al pede-lhe que seja
ele a levar os dois filhos à escola, ao contrário dos outros dias, quando é ela
que trata disso. As crianças entram no carro com o pai, mas a equipe de
vigilância do Mossad não as vê, e informa o pessoal do Kidon que Mash’al
está a caminho, sozinho no carro com o motorista. Os agentes não reparam
nas duas crianças sentadas no banco de trás. As janelas do carro são
escurecidas e é impossível ver as crianças do exterior.
Mash’al chega ao Centro Shamia, sai do carro, cruza a rua e começa a
subir a escadaria que conduz à entrada do edifício. Os dois assassinos
aproximam-se dele — dez, cinco, três metros… Subitamente, a filha de
Mash’al emerge do carro. “Baba! Baba!”, exclama, e começa a correr para o
pai. O motorista sai do carro e segue a criança. O comandante da operação,
posicionado do outro lado da rua, repara na criança. Tira o boné e tenta fazer
sinal para seus homens, para que abortem a operação. Contudo, nesses
segundos críticos, os dois agentes estão atrás de uma das pilastras de cimento
na entrada do edifício e, por momentos, perdem contato com o comandante.
E, pior, não veem a menina e o motorista correndo atrás dela.
Os assassinos prosseguem em sua missão. Alcançam Mash’al, e
Shawn agita a lata de Coca-Cola e tira o fecho. Naquele dia, pela primeira
vez, o fecho sai mas a lata não abre. A manobra de distração não dá certo.
Barry ergue a mão, para jorrar o veneno no pescoço de Mash’al.
Segundo contratempo: o motorista de Mash’al, que corre atrás da criança, vê
o estranho erguer a mão e pensa que ele quer apunhalar o patrão. Começa a
gritar, corre na direção de Barry, e tenta bater-lhe com um jornal dobrado.
Mash’al ouve os gritos do motorista e vira-se para trás. Nesse
momento, Barry lança o veneno e umas gotas atingem o ouvido de Mash’al.
Este só sente uma ligeira picada, mas percebe que algo não está bem e
começa a fugir o mais depressa que consegue. Shawn e Barry correm para o
carro de fuga.
Nessa altura, entra outra personagem em cena: Muhammad Abu Seif,
militante do Hamas a caminho de entregar alguns documentos a Mash’al.
Ouve os gritos e vê o confronto entre o seu líder e os dois agentes.
Enquanto Mash’al foge para proteger a própria vida, Abu Seif tenta segurar
Shawn e Barry, que estão prestes a entrar no carro de fuga. Luta com Shawn,
que lhe bate com a lata que não abriu. Shawn e Barry conseguem entrar no
carro, que se põe imediatamente em fuga.
E, depois, os dois cometem o erro mais crucial da operação. O
motorista diz a Shawn e Barry que viu Abu Seif anotar a placa do carro. Os
assassinos decidem imediatamente abandonar o veículo. Receiam que Abu
Seif alerte a polícia e que sejam presos ao chegar ao hotel de carro, conforme
planejado. Não têm nenhum esconderijo, nenhuma rota de fuga.
Barry e Shawn saem do carro ao fim de alguns quarteirões e o
motorista segue caminho, para se livrar do veículo.
Mas Abu Seif, veterano dos mujahedins que lutara contra os russos no
Afeganistão, ainda não desistiu. Obstinado e ágil, correu atrás do carro dos
israelenses. Shawn e Barry, que saíram do carro e caminham agora de ambos
os lados da calçada, não reparam nele até que Abu Seif salta sobre Barry,
agarra sua camisa e começa a gritar que aquele homem tentou matar Mash’al.
Shawn, que caminha do outro lado da rua, cruza a estrada e corre para ajudar
o companheiro. Bate em Abu Seif, ferindo-o ligeiramente na cabeça, e joga-o
numa vala à beira da estrada. A luta continua, e não tarda a formar-se ao redor
dos três uma multidão que converge sobre os dois estrangeiros que parecem
estar batendo num árabe.
Um policial aparece em cena, dispersa a multidão, para um táxi e
obriga os dois estrangeiros e Abu Seif, muito ferido, a entrar. O táxi dirige-se
para a central.
Na polícia, os agentes a princípio pensaram que Abu Seif tinha atacado
os dois estrangeiros, mas, depois de ter se recuperado da luta, este os acusa de
atacar Mash’al. Os investigadores jordanianos verificam os passaportes dos
dois homens e, quando percebem que eram canadenses, alertam o cônsul. O
diplomata fala durante pouco tempo com Shawn e Barry, e diz aos
jordanianos: “Não sei quem são esses caras, mas de uma coisa tenho certeza
— não são canadenses!”
Os jordanianos, ainda sem saber o tesouro que tinham em mãos,
decidiram manter os dois estrangeiros detidos e permitem que deem um
telefonema. Os agentes telefonam para o quartel-general operacional do
Mossad na Europa e informam que estão presos. Simultaneamente, uma
agente que fizera parte da operação e vira a cena em frente ao Centro Shamia
percebeu o grave erro que ocorrera e decidira alertar o “doente cardíaco”,
Mishka Ben-David, o alto funcionário do Mossad na capital jordaniana. Corre
ao hotel. Quando a viu, Ben-David percebeu imediatamente que tinha
acontecido o pior. As ordens naquela operação eram que nenhum agente devia
aproximar-se dele senão em caso: se a operação tivesse falhado e todos os
agentes tivessem de ser imediatamente retirados do país.
Ben-David desfez-se do roupão de banho, vestiu-se rapidamente e
acorreu ao local de reunião secreto, previamente preparado. Pouco depois,
chegou o comandante da operação. Também ele tinha consciência do
fracasso. Porém, nenhum dos dois podia imaginar o caos que estava prestes a
desenrolar-se.
Mishka enviou um relatório imediato para o quartel-general do
Mossad. O ramsad Danny Yatom discutiu a situação com os chefes dos
departamentos e decidiu ordenar aos agentes que procurassem abrigo na
Embaixada de Israel em Amã e não utilizassem a rota de fuga que tinham
ensaiado de antemão.
Na Jordânia, todos deixaram o local de reunião e rumaram à
embaixada. Só a médica ficou no hotel.
Entretanto, noutro bairro de Amã, o veneno começava a atuar
fatalmente sobre Mash’al. Este desfaleceu e foi levado para o hospital. Os
israelenses sabiam que, se não recebesse o antídoto, Mash’al morreria em
poucas horas.
Netanyahu soube das más notícias no carro, quando ia a caminho de
uma festa de Ano Novo judeu na… sede do Mossad. Foi uma coincidência
fantástica. Yatom informou o primeiro-ministro, que ficou estarrecido.
Netanyahu decidiu que o ramsad devia apanhar imediatamente um
avião para Amã, encontrar-se com o rei Hussein e contar-lhe tudo, sem
subterfúgios nem mentiras. Da sede do Mossad, o primeiro-ministro ligou ao
rei Hussein e disse-lhe que ia enviar o ramsad, a respeito de um assunto muito
importante. O rei concordou imediatamente, embora não fizesse ideia do que
se tratava.
Quem estava com Netanyahu diz que ele foi tomado pela ansiedade e
instruiu Yatom a concordar com qualquer exigência que o rei fizesse em troca
do regresso dos agentes a Israel. Também ordenou a Yatom que oferecesse o
antídoto aos jordanianos e salvasse Mash’al da morte certa. Sharon diria mais
tarde: “Vi Netanyahu no caso Mash’al. Ele veio-se completamente abaixo e
tivemos de o voltar a pôr no lugar… Estava sob pressão e pronto a abdicar de
tudo…”
O rei Hussein ouviu consternado o relato de Yatom e ordenou ao seu
pessoal que se informasse do estado de Mash’al. O diagnóstico chegou
imediatamente: o homem estava a definhar rapidamente. O rei ordenou que
ele fosse imediatamente transferido para o hospital real e aceitou a oferta de
Yatom do antídoto que poderia salvá-lo. Numa absurda reviravolta deste caso
penoso, os israelenses e os jordanianos iniciaram uma guerra contra o tempo,
para salvar a vida de um inimigo comum, na verdade, um arquiterrorista.
Mishka Ben-David regressou ao hotel. Tinha a ampola do antídoto no
bolso. “Eu andava por ali na posse do antídoto”, disse numa entrevista
posterior a Ronen Bergman, “sabendo que ele já não valia de nada, pois
nenhum dos nossos homens fora afetado pelo veneno. Só o nosso alvo estava
em estado crítico. Decidi destruir o antídoto, pois receei ser apanhado com
ele. Mas depois recebi uma chamada do comandante da unidade em Israel.
Perguntou-se se ainda tinha o antídoto e, quando eu disse que sim,
pediu-me que descesse ao átrio do hotel. Um comandante do Exército
jordaniano estava lá à minha espera, disse-me ele, e tinha de levar
imediatamente o antídoto para o hospital.”
Porém, surgiu outro problema: a médica que devia administrar o
antídoto ao moribundo Mash’al recusou-se a fazê-lo se não fosse o próprio
ramsad a dar-lhe a ordem. Danny Yatom, que deixara o palácio real e ia a
caminho da embaixada, telefonou-lhe e ordenou-lhe que acompanhasse
Mishka.
Contudo, quando os dois chegaram ao hospital, os jordanianos
opuseram-se à ideia de a médica israelense injetar o antídoto. Talvez
receassem que ela tentasse terminar o trabalho…
Para complicar ainda mais o caso, o médico do rei, encarregue da
tarefa de salvar a vida a Mash’al, recusou-se a administrar o antídoto sem
saber a fórmula química do veneno e do antídoto. Não queria assumir
responsabilidade pela vida de Mash’al, não fossem os israelenses passar-lhe a
perna e matar o homem. Rebentou nova crise. Ambos os lados ficaram
entrincheirados nas suas posições, com os jordanianos a exigirem as fórmulas
e os israelenses a recusarem-se a entregá-las.
O estado de Mash’al piorou rapidamente. Deixou de respirar e foi
ligado a uma máquina de respiração artificial nos cuidados intensivos do
hospital real.
Todos os envolvidos se aperceberam de que a morte de Mash’al seria
um desastre para as frágeis relações dos dois países. O rei, profundamente
magoado com os israelenses, chegou a ameaçar dar ordens ao Exército para
que irrompesse na embaixada e prendesse os quatro agentes do Mossad que lá
se tinham refugiado. Também disse que poria fim a qualquer cooperação
política e militar com Israel.
As horas passaram e a tensão continuou a crescer. O rei anunciou que,
se Mash’al morresse, condenaria à morte os assassinos — os dois agentes
detidos pela polícia jordaniana. Também fez uma chamada urgente ao
presidente americano Bill Clinton.
Os americanos começaram imediatamente a pressionar Israel para que
entregasse a fórmula aos jordanianos. Netanyahu mergulhou numa maratona
de reuniões com vários grupos de conselheiros e ministros do Governo, até
finalmente ceder e entregar a fórmula aos jordanianos.
O médico jordaniano administrou o antídoto a Mash’al. A reação foi
imediata. Mash’al abriu os olhos.
Quando as notícias da recuperação de Mash’al chegaram a Israel,
todos suspiraram de alívio, como se seu próprio irmão na Jordânia tivesse
sido salvo, pela graça de Deus!
Mishka Ben-David e a médica conseguiram sair da Jordânia. Seis
agentes do Mossad continuaram em Amã, quatro na embaixada e dois sob
custódia da polícia jordaniana.
No serviço de cuidados intensivos, o estado de Mash’al continuou a
melhorar. Israel enviou para Amã uma delegação de alto nível, que incluiu o
primeiro-ministro Netanyahu, o ministro dos Negócios Estrangeiros Ariel
Sharon e o ministro da Defesa Yitzhak Mordechai. O rei Hussein, contudo,
recusou-se a receber a delegação e enviou o irmão Hassan a seu encontro.
O Governo também convocou Efraim Halevy, antigo adjunto do
ramsad e amigo do rei Hussein. Halevy era, então, embaixador de Israel na
União Europeia, em Bruxelas. Viajou imediatamente para Amã e fez uma
proposta ao rei. Em troca dos quatro agentes da embaixada, Israel libertaria da
prisão o xeque Ahmed Yassin, carismático fundador e líder do Hamas. O rei
concordou e os quatro agentes regressaram a Israel com Halevy.
As negociações finais foram confiadas a Ariel Sharon, que tinha uma
relação próxima com o rei.
Sharon exigiu a libertação dos dois agentes do Kidon que ainda
estavam presos. A Jordânia impôs em troca a libertação de 20 prisioneiros
jordanianos detidos em Israel. Sharon concordou. Porém, na última hora, os
jordanianos mudaram de ideia e exigiram mais concessões de Israel. Sharon
perdeu a calma na presença do rei. “Se isto continua assim”, disse irritado, “o
nosso povo fica em suas mãos, cortamos sua água [que Israel fornecia à
Jordânia] e matamos novamente o Mash’al.”
A explosão de Sharon revelou-se eficaz, e chegou-se a um acordo.
Dois helicópteros israelenses aterrissaram na Jordânia. Um deles trouxe os
dois agentes do Kidon para Israel; o outro levou o xeque Yassin, libertado da
prisão.
Os israelenses e a mídia mundial criticaram e ridicularizaram a
operação do Mossad na Jordânia. Netanyahu também foi duramente atacado
por sua gestão do assunto e não teve alternativa senão nomear uma comissão
de inquérito para investigar “a falha operacional na Jordânia”.
A comissão livrou completamente o primeiro-ministro, mas culpou o
ramsad pelas “falhas de desempenho” e por lançar uma operação destinada a
correr mal desde o início. Porém, não pediu a demissão de Yatom.
Depois do fiasco de Amã, as relações da Jordânia com Israel ficaram
piores do que nunca. Khaled Mash’al, que ainda era uma figura menor no
Hamas, conquistou estatuto na organização e tomou-se um dos seus maiores
dirigentes. Depois da morte do xeque Yassin, Mash’al subiu à liderança
suprema do Hamas. O prestígio do Mossad em Israel e no mundo — e mesmo
aos olhos dos seus dirigentes e agentes — ficou gravemente beliscado. Danny
Yatom, que falhou em toda a operação, foi abertamente criticado por muitos
altos funcionários do Mossad. Aliza Magen, adjunta de Yatom, disse, sem
papas na língua, que ele não tinha qualificações para ser ramsad.
Apesar das críticas, Yatom não se demitiu. A única pessoa que assumiu
responsabilidade pelo fiasco foi o diretor da Caesarea, que se demitiu
imediatamente. Só passados cinco meses, em fevereiro de 1998, quando um
agente do Mossad foi preso na Suíça quando tentava pôr um aparelho de
escuta na linha telefônica de um membro do Hezbollah, é que Yatom
finalmente cedeu. “Assumi a responsabilidade de comandante”, disse numa
entrevista ao jornal Haaretz, “e decidi me demitir devido aos reveses na
Jordânia e na Suíça”.
Foi substituído por Efraim Halevy, antigo adjunto do ramsad que tinha
conseguido negociar com o rei Hussein a libertação dos quatro agentes
envolvidos no fiasco do caso Mash’al.
18. DA COREIA DO NORTE, COM AMOR

Num agradável fim de tarde em Londres, em julho de 2007, um


hóspede saiu do seu quarto num hotel em Kensington. Apanhou o elevador
para o átrio e saiu direto a um carro que o esperava à porta. Era um alto
funcionário sírio que chegara de Damasco naquela mesma tarde. Ia a caminho
de uma reunião.
Assim que ele passou pela porta giratória, dois homens levantaram-se
de uns cadeirões na outra ponta do átrio. Sabiam exatamente onde ir. Depois
de chegarem à porta do quarto do sírio, entraram com um dispositivo
eletrônico especial. Estavam preparados para vasculhar metodicamente o
quarto, mas desta vez a tarefa foi facilitada. Havia um computador portátil em
cima da secretária. Os dois homens ligaram-no e poucos momentos depois
tinham instalado uma versão sofisticada de um programa de espionagem. Este
permitia-lhes monitorar e copiar à distância todos os arquivos guardados na
memória do computador. Depois do trabalho feito, os dois homens saíram do
hotel sem que ninguém reparasse neles.
Quando estudaram os arquivos do computador, os especialistas do
Mossad em Tel Aviv ficaram boquiabertos. Numa reunião de emergência das
chefias dos departamentos, descreveram a informação de valor incalculável
que lhes tinha caído nas mãos: uma coleção de arquivos, fotografias, esboços
e documentos que expunham, pela primeira vez, o programa nuclear
ultrassecreto da Síria. O material tinha uma importância suprema e incluía os
planos de construção de um reator nuclear numa área desértica remota,
correspondência entre o Governo sírio e oficiais de alto nível da
administração norte-coreana, e fotografias que mostravam o reator revestido
de cimento. Uma fotografia mostrava dois homens, um dos quais veio a ser
identificado como um alto funcionário do projeto atômico norte-coreano, e o
outro como Ibrahim Othman, chefe da Comissão de Energia Atômica Síria.
As descobertas confirmaram várias notícias esparsas que tinham
chegado à comunidade de informações secretas de Israel em 2006 e 2007. As
notícias indicavam que o Governo sírio estava a construir, no mais absoluto
segredo, um reator nuclear na região desértica de Dir Al-Zur, no extremo
nordeste do país. O local isolado era adjacente à fronteira turca, e distava
algumas centenas de quilômetros do território iraquiano. Talvez a revelação
mais surpreendente fosse o fato de as instalações da Síria serem planejadas e
supervisionadas por especialistas nucleares da Coreia do Norte e financiadas
pelo Irã.
A cooperação próxima entre a Síria e a Coreia do Norte começara com
a visita do presidente norte-coreano Kim Il-sung a Damasco, em 1990.
Durante a visita, por instigação do presidente sírio Hafez Al-Assad, os
dois países tinham assinado um acordo de cooperação militar e tecnológica.
Muito embora o assunto nuclear tenha sido discutido em conversas dos
dois chefes de Estado, Assad decidiu dar-lhe prioridade secundária naquela
altura e preocupou-se principalmente com o desenvolvimento de armas
químicas e biológicas. Cancelou mesmo os planos de comprar reatores
nucleares à Rússia. Em fevereiro de 1991, durante a “Operação Tempestade
no Deserto”, chegou à Síria o primeiro carregamento de mísseis Scud da
Coreia do Norte. As informações sobre a existência dos mísseis chegaram a
Moshe Arens, ministro da Defesa israelense. Vários generais do Exército
recomendaram a Arens que se iniciasse um ataque militar para destruir os
Scud antes de estes ficarem operacionais. Arens descartou a ideia, uma vez
que queria evitar outra conflagração na região.
No funeral de Hafez Al-Assad, em junho de 2000, o seu filho e
sucessor, Bashar Al-Assad, encontrou-se com outra delegação da Coreia do
Norte. As duas partes discutiram em segredo a construção de um complexo
nuclear na Síria, a ser supervisionado pela Agência de Pesquisa Científica
Síria. Em julho de 2002, houve outro encontro secreto em Damasco, com a
participação de altos funcionários da Síria, do Irã e da Coreia do Norte, em
que se chegou a um acordo tripartido. A Coreia do Norte construiria um reator
nuclear na Síria, com financiamento do Irã. O custo de todo o projeto, desde a
mesa de desenho até a produção de plutônio destinado a fins militares, foi
calculado em dois mil milhões de dólares.
Nos cinco anos seguintes, apesar de algumas informações que
chegaram de Damasco, nem a CIA nem o Mossad tinham conhecimento do
projeto sírio. Houvera uns sinais de alarme esporádicos, mas tinham sido
ignorados.
Os serviços secretos americanos não foram capazes de compreender o
significado das informações que tinham acumulado, enquanto o Mossad e a
Aman foram enganadas pelas suas próprias estimativas de que a Síria não
tinha nem capacidade nem desejo de obter armas nucleares. Ninguém
procurou desafiar esse equívoco, apesar dos muitos indícios: em 2005, o
Andorra, um navio que transportava um carregamento de cimento da Coreia
do Norte para a Síria, afundou-se perto da cidade costeira israelense de
Nahariya; em 2006, outro cargueiro norte-coreano, navegando sob a bandeira
panamiana, foi detido no Chipre com um carregamento de cimento e uma
estação de radar portátil; em ambos os casos, o “cimento” era evidentemente
equipamento para o reator nuclear. No final de 2006, os especialistas
nucleares iranianos visitaram Damasco para inspecionar o progresso da
construção das instalações. Os serviços secretos israelenses e americanos
tiveram conhecimento da visita, mas não perceberam que estava ligada ao
projeto de Dir Al-Zur.
Os sírios usaram de extrema precaução para manter o projeto em
segredo.
Impuseram uma proibição total de comunicações a todo o pessoal que
trabalhava na área. A posse de celulares e dispositivos de satélite era
estritamente proibida e todas as comunicações eram levadas por mensageiros,
que transportavam as cartas e mensagens e as entregavam em mão. A
atividade na área não foi identificada do espaço, apesar de os satélites
americanos e israelenses continuarem a passar por cima dela.
E então, subitamente, em 7 de fevereiro de 2007, um passageiro saiu
de um avião no aeroporto de Damasco. Era Ali Reza Asgari, general iraniano,
ex— vice-ministro da Defesa e antigo líder dos Guardas Revolucionários (ver
Capítulo 2). Ficou no aeroporto até receber confirmação de que a família
tinha saído do Irã. A seguir, foi para a Turquia. Pouco depois de aterrissar em
Istambul, desapareceu.
Um mês depois, soube-se que Asgari tinha desertado para o Ocidente
numa operação organizada pela CIA e o Mossad. Asgari foi interrogado e
informado numa base americana na Alemanha, onde revelou a existência dos
planos nucleares sírio-iranianos e do acordo entre a Coreia do Norte, o Irã e a
Síria. Contou aos seus interlocutores que o Irã estava não só a financiar o
projeto de Dir Al-Zur, mas também a exercer forte pressão sobre a Síria para
o concluir o mais depressa possível. Forneceu à CIA e à Mossad uma
quantidade riquíssima de pormenores sobre o progresso do projeto e
identificou os principais envolvidos, tanto na Síria, como no Irã.
As novas informações obrigaram o Mossad a entrar imediatamente em
modo operacional. O ramsad era, desde 2002, Meir Dagan, que substituíra
Efraim Halevy (ver Capítulo 1). Segundo fontes estrangeiras, Dagan destacou
unidades e agentes para confirmarem as informações dadas por Asgari. O
primeiro-ministro Ehud Olmert convocou para uma reunião os chefes de
Estado-Maior do Exército, o ministro da Defesa e os serviços de informações.
Concordou-se, por unanimidade, conduzir uma operação urgente para obter
informações sólidas e irrefutáveis sobre o complexo de Dir Al-Zur. Israel não
podia aceitar que a Síria, o seu inimigo mais implacável e agressivo, se
transformasse numa potência capaz de fabricar armas nucleares.
Passaram-se apenas cinco meses após a deserção de Asgari quando os
agentes do Mossad adquiriram uma enorme vantagem — o laptop do alto
funcionário sírio. As chefias do Mossad e da Aman puderam então apresentar
ao primeiro-ministro Olmert as provas definitivas de que o Governo
necessitava.
Pouco depois, Dagan conseguiu alegadamente outro trunfo. Um alto
funcionário do Mossad, numa operação ousada e criativa, recrutou um dos
cientistas que trabalhavam no reator. Este fotografou extensivamente o reator,
tanto por dentro como por fora, e até fez um vídeo das estruturas e do
equipamento que havia nelas. Eram as primeiras fotografias tiradas na própria
área que o Mossad recebia do reator. As imagens revelaram uma grande
estrutura cilíndrica com paredes finas, mas sólidas e reforçadas.
Outras mostravam um andaime externo destinado a fortalecer as
paredes exteriores do reator. Havia ainda fotografias de um segundo edifício,
menor, equipado com bombas de petróleo e à volta do qual vários caminhões
podiam estacionar. Uma terceira estrutura era aparentemente uma torre que
abastecia o reator de água.
O Mossad manteve os americanos a par de tudo e deu-lhes cópias de
todos os relatórios e fotografias, incluindo imagens de satélite e transcrições
de telefonemas entre a Síria e a Coreia do Norte. Sob intensa pressão de
Israel, os Estados Unidos puseram os próprios satélites ao serviço do caso.
Tanto as imagens de satélite como o rasteio eletrônico da troca de telefonemas
indicaram que os sírios estavam a construir a uma velocidade vertiginosa.
Em junho de 2007, o primeiro-ministro Olmert foi a Washington com
todo o material que Israel tinha coligido. Encontrou-se com o presidente Bush
e disse-lhe que Israel decidira que o reator sírio tinha de ser destruído.
Olmert sugeriu que os Estados Unidos lançassem um ataque aéreo
contra o reator, mas o presidente americano recusou-se a fazê-lo. Segundo
fontes americanas, a Casa Branca respondeu que “os Estados Unidos
escolhem não atacar [o reator]”. A secretária de Estado Condoleezza Rice e o
secretário de Defesa Robert Gates tentaram persuadir Israel “a confrontar [os
sírios], não atacar”. Bush e o conselheiro de Segurança Nacional Steve
Hadley expressaram o seu apoio de princípio a uma ação militar, mas pediram
que qualquer operação fosse adiada até se obterem informações indicadoras
de uma ameaça mais clara.
Em julho de 2007, Israel fez algumas excursões aéreas a alta altitude e
programou o seu satélite espião Ofek-7 para tirar fotografias pormenorizadas
do reator. Essas fotografias, quando analisadas por especialistas americanos e
israelenses, mostraram claramente que a Síria estava a construir um reator
idêntico ao complexo nuclear da Coreia do Norte em Yongbyon. Um vídeo
que Israel partilhou com os Estados Unidos mostrava que os núcleos dos dois
reatores eram idênticos, incluindo a maneira como as barras de urânio
estavam colocadas no interior da estrutura. Outros vídeos mostravam mesmo
os rostos de engenheiros norte-coreanos que trabalhavam dentro do reator.
Além disso, o departamento de interceptação da Aman, a Unidade
8200, fez transcrições completas de conversas intensas entre Damasco e
Pyongyang.
Todas estas evidências foram enviadas para Washington, mas os
Estados Unidos continuaram a exigir provas irrefutáveis de que o complexo
era realmente um reator nuclear e de que havia materiais radioativos no local.
Israel sentiu que não tinha outra hipótese senão conseguir também
essas informações.
Em agosto de 2007, Israel encontrou a prova definitiva de que o
complexo em Dir Al-Zur era um reator nuclear. Esta foi obtida por uma
unidade de operações de elite, a Sayeret Matkal, numa operação que pôs em
perigo as vidas de muitos soldados israelenses. Os comandos da Sayeret
Matkal foram à Síria, em dois helicópteros, durante a noite. Tinham
uniformes do Exército sírio vestidos. Passaram por áreas povoadas, bases
militares e estações de radar, e aterrissaram sem ser detetados perto de Dir Al-
Zur, depois aproximaram-se da zona do reator e recolheram amostras do solo
à volta do reator. Uma vez analisadas em Israel, essas amostras revelaram ser
altamente radioativas, provando irrefutavelmente que havia substâncias
radioativas no local.
As novas provas foram apresentadas a Steve Hadley. Depois de os seus
peritos terem analisado as amostras de solo, Hadley percebeu que o assunto
era grave. Convocou os seus conselheiros mais próximos, e as conclusões
foram apresentadas ao presidente Bush, na reunião diária com Hadley, na Sala
Oval. Hadley conversou depois com Dagan e concluiu que o reator
representava realmente um perigo claro e imediato. Os Estados Unidos
aceitaram que o reator sírio tinha de ser eliminado e batizaram a operação de
Dir Al-Zur como “O Pomar”. Nas suas memórias, George W. Bush escreveu
que, durante algum tempo, pôs a hipótese de atacar o reator, mas, depois de
discutir as opções com a sua equipe de segurança nacional, acabou por decidir
não o fazer. Sentiu que “bombardear um país soberano sem aviso nem
justificação anunciada criaria graves reveses”. Também excluiu um ataque
secreto de soldados americanos.
Contudo, Olmert telefonou ao presidente Bush e pediu-lhe que
destruísse o reator. Durante a conversa telefônica, Bush estava na Sala Oval,
rodeado pelos seus conselheiros mais próximos: a secretária de Estado
Condoleezza Rice, o vice-presidente Dick Cheney, Steve Hadley e o seu
adjunto Elliott Abrams, entre outros. Nas consultas preliminares, Condoleezza
Rice convencera-os a rejeitar o pedido de Israel.
“George, peço-lhe que bombardeie o complexo”, disse Olmert.
“Não posso justificar um ataque a uma nação soberana”, respondeu
Bush, “a menos que as minhas agências de informações intervenham e digam
que se trata de um programa de armas”. Bush recomendou o “recurso à
diplomacia”.
“Sua estratégia é muito perturbadora para mim”, disse Olmert
francamente. “Farei o que acho necessário para proteger Israel.”
“Esse cara tem peito”, disse Bush mais tarde. “É por isso que gosto
dele.”
Segundo o londrino Sunday Times, o primeiro-ministro Olmert
encontrou-se com o ministro da Defesa Ehud Barak e o ministro dos
Negócios Estrangeiros Zippi Livni. Os três, juntamente com os chefes das
comunidades de defesa e informações, discutiram as novas provas, assim
como as possíveis repercussões de um ataque militar. Finalmente, os dados
foram lançados: o reator sírio seria eliminado. O primeiro-ministro informou
o líder da oposição Benjamin Netanyahu e recebeu o seu apoio incondicional.
A data do ataque foi estabelecida para a noite de 5 de setembro de
2007.
No dia anterior, segundo uma notícia posterior do Sunday Times,
chegara à área de Dir Al-Zur outra unidade de elite, o Shaldag (Pica-Peixe).
Os homens passaram quase um dia escondidos nas proximidades do reator. A
sua missão era iluminar o reator com raios de laser na noite seguinte, para que
os jatos da Força Aérea pudessem visar diretamente o alvo. Às 11 da noite de
5 de setembro, 10 aviões F-15 decolaram da base aérea de Ramat David e
dirigiram-se para ocidente, sobre o Mediterrâneo. Trinta minutos depois, três
dos aviões receberam ordens para regressar à base. Os outros sete foram
instruídos a dirigir-se para a fronteira entre a Turquia e a Síria, e virar para
sul, para Dir Al-Zur. Pelo caminho, bombardearam a estação de radar,
impossibilitando as defesas aéreas sírias de identificar a aproximação de
aeronaves estrangeiras. Poucos minutos depois, chegaram a Dir Al-Zur e, de
uma distância cuidadosamente calculada, lançaram mísseis ar-terra Maverick
e bombas com meia tonelada, acertando no seu alvo com precisão.
O reator sírio, cujo fim era construir bombas atômicas para a
destruição de Israel, foi obliterado em poucos segundos.
O primeiro-ministro Olmert, ansioso por evitar uma reação militar
síria, estabeleceu contato urgente com o primeiro-ministro da Turquia, Tayyip
Erdogan, e pediu-lhe que transmitisse uma mensagem ao presidente Assad.
Israel não tinha intenção de entrar em guerra com a Síria, sublinhou
Olmert, mas não podia aceitar uma Síria nuclear à porta de sua casa. Porém, a
garantia de Olmert provou ser desnecessária. Na manhã após o
bombardeamento, a reação de Damasco foi o silêncio total. O porta-voz do
Governo não disse uma única palavra. Só às três da tarde é que a agência
noticiosa síria emitiu uma declaração oficial. Esta dizia que aviões israelenses
tinham penetrado no espaço aéreo sírio à uma da madrugada. “A nossa Força
Aérea forçou-os a retirar-se, depois de [eles] terem lançado munições sobre
uma área deserta. Não foram prejudicadas nem pessoas nem equipamentos.”
A imprensa de todo o mundo queria desesperadamente saber como o
Mossad tinha conseguido obter fotos e até vídeos do interior do reator sírio. O
canal de televisão ABC noticiou que ou Israel tinha posto um agente no reator
sírio ou o Mossad tinha recrutado um dos engenheiros e este fornecera as
imagens do complexo.
Em abril de 2008, sete meses depois da destruição do reator, a
administração americana anunciou finalmente que o complexo sírio tinha sido
um reator nuclear construído com apoio da Coreia do Norte e que “não fora
concebido para fins pacíficos”. George W. Bush considerou que a “execução
do ataque” de Olmert contra o reator sírio tinha restaurado a confiança que ele
perdera nos israelenses durante a guerra de 2006 contra o Líbano, que Bush
sentiu inepta.
Funcionários da comunidade de informações americana mostraram aos
espantados congressistas e senadores diapositivos que tornaram clara a
semelhança entre o reator da Síria e o reator coreano de Yongbyon; uma
apresentação com fotografias de satélite, esboços e plantas — assim como
vídeos — estabeleceu a proveniência dos materiais.
Israel só conseguiu manter o segredo durante duas semanas, durante as
quais negou ter atacado o reator. Mas depois o líder da oposição Benjamin
Netanyahu, entrevistado num programa noticioso ao vivo, declarou: “Quando
o Governo age em nome da segurança de Israel, dou-lhe todo o meu auxílio…
e também neste caso fui um parceiro desde o primeiro momento e ofereci meu
apoio absoluto.”
Onze meses depois, em 2 de agosto de 2008, o projeto nuclear sírio
teve um último episódio. Nessa noite, havia um jantar festivo no espaçoso
terraço de uma casa de praia em Rimai el-Zahabiya, a norte do porto sírio de
Tartus. A casa, próxima da praia, tinha uma vista espantosa sobre o
Mediterrâneo. O terraço, de frente para as ondas escuras, era um ditoso
refúgio da umidade da costa síria. Uma suave brisa marinha refreava o
sufocante calor do verão.
Os convidados, sentados a uma mesa oblonga, eram amigos próximos
do dono da villa, o general Muhammad Suleiman, que os tinha convidado
para passar um fim de semana tranquilo.
Suleiman era o conselheiro mais próximo do presidente Assad, em
matéria militar e de defesa. Tinha supervisionado a construção do reator e
geria a sua segurança. Nos mais altos círculos de poder na Síria, era visto
como uma sombra de Assad. O seu gabinete ficava no palácio, adjacente ao
gabinete do presidente. Porém, só uns poucos escolhidos o conheciam, tanto
dentro como fora do país.
A imprensa síria nunca citou o nome dele, mas o Mossad sabia quem
ele era e seguia atentamente suas atividades.
Suleiman, então com 47 anos, tinha estudado Engenharia na
Universidade de Damasco, onde conhecera e se tornara amigo de outro aluno,
Bassel Al-Assad, filho preferido e herdeiro natural do presidente Hafez Al-
Assad.
Quando Bassel morreu num acidente de viação, em 1994, Assad
apresentou Suleiman ao filho mais novo, Bashar. Assad morreu de cancro em
2000 e Bashar substituiu-o como presidente. Depois, nomeou Suleiman como
seu confidente e fiel assistente.
Suleiman depressa se tomou um dos homens mais poderosos da Síria.
O presidente Assad fê-lo responsável por todos os assuntos militares
sensíveis.
Suleiman acabou por ser a principal ligação entre o presidente e os
serviços secretos iranianos, especialmente em matérias que respeitassem à
cooperação secreta com organizações terroristas no Oriente Médio. Também
era o principal contato sírio com o Hezbollah e mantinha uma relação
próxima com Imad Mughniyeh, chefe militar dessa organização. Depois de
Israel se ter retirado da zona de segurança no Sul do Líbano, em maio de
2000, Suleiman encarregou-se da transferência de armas do Irã e da Síria para
o Hezbollah, especialmente a entrega de mísseis de longo alcance. Durante a
Segunda Guerra do Líbano, em 2006, um desses mísseis atingiu em cheio as
oficinas ferroviárias de Israel, em Haifa, e matou oito trabalhadores. Mais
tarde, Suleiman forneceu ao Hezbollah mísseis terra-ar fabricados na Síria,
pondo assim em perigo as atividades aéreas de Israel no Líbano.
E Suleiman ocupava outro cargo único e ultrassecreto: era membro
superior do Comitê de Pesquisa Sírio que trabalhava no desenvolvimento de
mísseis de longo alcance, armas químicas e biológicas, e pesquisa nuclear.
Tinha supervisionado a ligação com a Coreia do Norte, coordenado o
envio das partes constituintes do reator para a Síria, e dirigido as medidas de
segurança que isolavam os técnicos e engenheiros norte-coreanos que
trabalhavam na construção do reator.
A destruição israelense do reator foi um golpe pesado, mas não fatal,
para Suleiman. Depois de recuperar do choque inicial, Suleiman começou a
planejar a construção de outro reator, cuja localização ainda não fora definida.
Porém, Suleiman percebeu que tinha a vida mais dificultada, pois sabia
que agora era procurado tanto pelos serviços secretos americanos como pelos
serviços secretos israelenses. Assim, antes de embarcar na fase seguinte, tirou
uns dias de licença na sua casa em Rimai El-Zahabiya. Um fim de semana
tranquilo com amigos chegados e comida de excelência pareciam o melhor
remédio para aliviar a pressão.
Do centro da sua grande mesa, Suleiman via as ondas chegarem à
praia.
Porém, escaparam-lhe à atenção duas figuras imóveis agachadas na
água a uns 150 metros. Tinham nadado para a costa desde um barco que as
largara a cerca de quilômetro e meio da casa de Suleiman. Esses comandos
navais e franco-atiradores israelenses transportavam equipamento de
mergulho e tinham avançado água dentro, até a praia frente à casa. Quando os
pés já tocavam solo, ergueram-se e procuraram a casa de Suleiman. As
informações que tinham estavam certas. Analisaram bem a casa e o terraço,
observaram todas as pessoas sentadas à mesa, e concentraram-se no alvo: o
general sentado entre os convidados.
Às nove da noite, os franco-atiradores calibraram as miras e ajustaram
a distância. O terraço estava bastante apinhado, e os dois convidados
indesejados dos fatos de mergulho negros queriam certificar-se de que
conseguiam alvejar o general sem ferir mais ninguém. Emergiram da água,
deram alguns passos e depois apontaram as armas equipadas com
silenciadores à cabeça de Suleiman. Um sinal eletrônico soou nos seus
altifalantes e eles dispararam em simultâneo. Os disparos foram fatais. A
cabeça de Suleiman voou para trás e todo o corpo caiu para a frente, sobre a
mesa coberta de comida. Os convidados, a princípio, não perceberam o que
tinha acontecido. Só quando repararam no sangue que pingava da cabeça de
Suleiman é que perceberam que ele tinha sido alvejado. Gerou-se pânico no
terraço, alguns a tentar ajudar Suleiman, outros baixando-se com medo ou a
correr desorientados de um lado para o outro, aos gritos. Durante o alvoroço,
os franco-atiradores desapareceram.
O Sunday Times publicou uma versão ligeiramente diferente do
acontecimento. Disse que os franco-atiradores eram membros do comando
naval israelense Esquadrilha 13, que tinham chegado à costa síria a bordo de
um iate de um empresário israelense e regressado imediatamente após o
cumprimento da missão.
A notícia causou um choque tremendo em Damasco, mas o Governo
manteve o silêncio e não respondeu à cobertura da imprensa. Os dirigentes
militares e de segurança ficaram confusos. Como é que a equipe de
assassinato tinha chegado a Tartus, a 220 quilômetros de Damasco? Como é
que tinha fugido? Não haveria lugar na Síria onde os líderes do país
estivessem em segurança?
Só ao cabo de alguns dias é que foi emitido um comunicado lacônico:
“A Síria está a conduzir uma investigação para encontrar os responsáveis por
este crime.” Porém, a imprensa noutros países árabes não tinha esperado pela
reação oficial. Fizera desde o início uma cobertura extensa com notícias
pormenorizadas e especulação sobre a identidade dos assassinos. A imprensa
árabe se concentrou em quem teria interesse em eliminar aquele general e
apontou o dedo acusador para Israel, afirmando que Tel Aviv determinara o
assassinato devido ao papel de Suleiman no reator de Dir Al-Zur.
A reação dos serviços secretos ocidentais foi diferente. Nenhum verteu
lágrimas pela morte de Suleiman. Em junho de 2010, a Esquadrilha 13 foi
condecorada pelo chefe de Estado-Maior das Forças Armadas israelenses
por “vários feitos militares”, cuja natureza não foi revelada.
Pode-se especular se as honras concedidas à unidade de operações
especiais navais não são, pelo menos em parte, um reconhecimento
da “Operação Suleiman”.
19. AMOR E MORTE NO FIM DA TARDE

A 12 de fevereiro de 2008, vários homens dispersaram-se sub-


repticiamente em volta de um edifício habitacional de um bairro luxuoso de
Damasco. Ao fim da tarde, viram um Mitsubishi Pajero prateado estacionado
junto do prédio. Um homem de fato preto, com uma barba bem aparada, saiu
do carro e entrou no edifício. Não vinha acompanhado de guarda-costas. Os
agentes dispostos na rua murmuraram para minitransmissores que “o homem”
tinha chegado a Damasco e estava a caminho do apartamento.
Sabiam que o homem de preto estava prestes a encontrar-se em
segredo com a amante, Nihad Haidar, uma síria que o esperava no seu
apartamento. O homem levava um presente à lindíssima Nihad, que festejava
naquela semana o seu trigésimo aniversário.
Os dois amantes passaram umas horas no apartamento de luxo posto à
sua disposição por Rami Makhlouf, um empresário bem-sucedido e primo do
presidente sírio Bashar Al-Assad.
Pouco antes das 10 da noite, o homem de preto saiu do edifício e
entrou no Pajero prateado. Ia a caminho de uma reunião num esconderijo
discreto, no bairro Kfar Sousa, onde costumava encontrar-se com enviados
iranianos, sírios e palestinos.
Segundo o Sunday Express londrino, os agentes que o seguiam
observaram nas telas dos celulares uma fotografia atualizada do homem, para
se certificarem de que não se enganavam na identificação. Mantiveram linhas
de transmissão abertas e participaram cada movimento do “alvo” ao posto de
comando do Mossad.
Quando ele saiu do edifício onde passara algumas horas com Nihad, os
agentes tiveram uma excelente oportunidade de comparar o rosto com aquele
que viam nas fotografias de suas telas. Confirmaram a identificação aos
colegas em Damasco e ao quartel-general em Tel Aviv. Instalou-se uma
tensão imensa no Mossad. Os chefes dos departamentos reuniram-se no
gabinete de Meir Dagan, onde havia todo o equipamento necessário à
monitorização da operação em tempo real.
O homem ligou o Pajero prateado.
“Ele vai a caminho”, murmurou um dos agentes para o seu
minimicrofone.
O homem no Pajero prateado era Imad Mughniyeh e há anos que
deixava uma trilha sangrenta atrás de si.
Dia 15 de novembro de 2001.
Após o ataque às Torres Gêmeas, o FBI divulga um grande cartaz com
a lista dos “terroristas mais procurados” do mundo.
O cartaz tem os selos do FBI, do Departamento de Estado e do
Departamento de Justiça americanos.
A lista contém 22 nomes e 22 fotografias.
O primeiro nome é o mais perigoso de todos.
O prêmio pela sua captura é cinco milhões de dólares.
Até ao ataque às Torres Gêmeas, ele tinha sido considerado
responsável pelas mortes de mais americanos do que qualquer outro terrorista
vivo.
Imad Mughniyeh.
18 de abril de 1983: atentado a bomba na Embaixada dos Estados
Unidos em Beirute, no Líbano — 63 mortos.
23 de outubro de 1983: atentado a bomba no quartel-general dos
fuzileiros americanos em Beirute — 241 mortos.
23 de outubro de 1983 (mesmo dia): atentado a bomba no quartel-
general dos paraquedistas franceses em Beirute — 58 mortos.
E o sequestro e assassinato de William Buckley, agente da CIA; vários
ataques
à Embaixada dos Estados Unidos no Kuwait; desvio de um avião da
TWA e de dois aviões das linhas aéreas do Kuwait; assassinato do coronel W.
R. Wiggins, do grupo de observadores das Nações Unidas no Sul do Líbano;
massacre de 20 soldados americanos na Arábia Saudita…
Quando a lista acima foi enviada para Israel, o Mossad acrescentou
seus próprios dados:

• 4 de novembro de 1983: atentado a bomba ao quartel-general das


Forças Armadas israelenses em Tiro, no Líbano — 60 mortos.
• 10 de março de 1985: ataque a uma escolta das Forças Armadas
israelenses em Metula, na fronteira israelo-libanesa — 8 mortos.
• 17 de março de 1992: atentado a bomba à Embaixada de Israel na
Argentina — 29 mortos;
• 18 de julho de 1994: atentado a bomba ao Centro Comunitário
Judaico de Buenos Aires — 86 mortos.

E… o sequestro e assassinato de três soldados israelenses no setor


fronteiriço de Har Dov; o sequestro do empresário israelense Elhanan
Tannenbaum; um atentado a bomba próximo do kibbutz Matzuba; e, o mais
destruidor de todos, o sequestro e assassinato dos soldados Regev e
Goldwasser na fronteira israelo-libanesa, que desencadeou a Segunda Guerra
do Líbano.
Imad Mughniyeh, o arquiterrorista por trás de todos esses crimes, era
um homem misterioso em permanente deslocação entre as capitais do Oriente
Médio. Iludia os fotógrafos e recusava dar entrevistas. Os serviços secretos
ocidentais sabiam muita coisa sobre as suas atividades, mas quase nada sobre
a sua aparência física, os seus hábitos e esconderijos. Sabiam que tinha
nascido em 1962, numa das aldeias do Sul do Líbano. Segundo informações
fragmentárias, os pais eram xiitas devotos e na adolescência Mughniyeh
tinha-se mudado para Beirute e crescido num bairro pobre e habitado
maioritariamente por palestinos apoiantes da OLP. Tinha desistido do liceu e
aderido à Fatah, o ramo terrorista da OLP. Mais tarde, tomara-se guarda—
costas de Abu Ayad, adjunto de Arafat, e fora membro da Força 17, a unidade
de segurança especial da Fatah formada na década de 1970 e comandada por
Ali Hassan Salameh, o Príncipe Vermelho (ver Capítulo 12).
Porém, em 1982, Israel lançou a Guerra do Líbano, chamada
“Operação Paz na Galileia”, invadiu o Líbano e esmagou a OLP. Os membros
sobreviventes, chefiados por Yasser Arafat, exilaram-se na Tunísia.
Mughniyeh, todavia, decidiu ficar e juntar-se ao primeiro grupo de
fundadores do Hezbollah.
O Hezbollah, literalmente “Partido de Deus”, era uma organização
terrorista xiita criada em 1982, em resposta à invasão israelense do Líbano.
Inspirado pelo aiatolá Khomeini, formado e apoiado pelos Guardas
Revolucionários do Irã, o Hezbollah tornou-se o vil inimigo de Israel e
definiu como seu objetivo principal “a saída definitiva de Israel do Líbano,
como prelúdio da sua obliteração final”. O Hezbollah envolveu-se em atos de
terrorismo violentos contra Israel desde o primeiro dia de existência. E
Mughniyeh foi um recruta ideal para o grupo recém-nascido.
Como verdadeiro homem de sombras, escolheu trabalhar em segredo e
abster-se de aparecer em público. As informações sobre ele eram
fragmentárias e frequentemente contraditórias. Uma fonte descrevia-o como
guarda-costas do xeque Fadlallah, líder espiritual do Hezbollah, enquanto
outra dizia que era o chefe de operações da organização, o cérebro por detrás
das operações mais arriscadas e sangrentas do Hezbollah. Ao contrário do
atual líder do Hezbollah, o xeque Nasrallah, Mughniyeh nunca aparecia na
televisão e nunca fazia discursos inflamados de ódio. Porém, na realidade, era
bem mais perigoso do que o loquaz xeque. Depressa subiu à posição de
terrorista mais eficiente e esquivo do mundo, como Carlos no seu tempo, e
como o seu colega e grande admirador Osama bin Laden.
Mughniyeh era um terrorista cruel e criativo. Deu subitamente nas
vistas, quando planejou e comandou vários massacres no Líbano, no final
da “Operação Paz na Galileia”. Tinha apenas 21 anos nesse dia de outubro de
1983 em que enviou caminhões carregados de explosivos e conduzidos por
homens-bomba para os complexos dos fuzileiros americanos e dos
paraquedistas franceses em Beirute. Poucos dias depois, repetiu o cenário
contra o quartel-general das Forças Armadas israelenses em Tiro. Aos 22,
conduziu um grupo de terroristas num ataque contra a Embaixada dos Estados
Unidos, fortificada, no Kuwait e depois desviou também lá o seu primeiro
avião. Após cada uma das operações, desaparecia sem deixar rastro.
Aos 23 anos, Mughniyeh desviou um avião da TWA que ligava Atenas
a Roma e obrigou o piloto a aterrissar no aeroporto de Beirute. Durante o
desvio, assassinou o mergulhador naval Robert Dean Stethem e atirou o corpo
deste pela porta da cabine de pilotagem. Mughniyeh fugiu depois da operação
de desvio do avião, que durou 17 dias, mas dessa vez deixou para trás uma
recordação: a impressão digital na casa de banho do avião.
Quase nada se sabia sobre a sua vida privada, exceto que era casado
com uma prima que lhe dera um filho e uma filha. Mughniyeh soube desde
tenra idade que era um alvo de atenção de vários serviços secretos ocidentais,
e tentou esconder a sua identidade. Submeteu-se a uma cirurgia plástica
rudimentar na Líbia, deixou crescer a barba e afastou-se das luzes da ribalta.
Só uma fotografia confirmada de Mughniyeh — gordo, barbudo, com
óculos e um boné com viseira — chegou aos serviços secretos ocidentais. A
sua descrição também era imperfeita — o FBI retratava-o como “nascido no
Líbano, falante de árabe, cabelo e barba castanhos, 1,70m, 60kg”. É difícil
imaginar como é que as dimensões generosas de Mughniyeh conseguiram
encolher e caber num corpo de modelo de 60 quilos… Mas a descrição só
confirmava que Mughniyeh se protegia bem e conseguia iludir os inimigos.
Depois de todos os ataques, atentados à bomba e desvios que
fez, Mughniyeh tornou-se um admirado herói do Hezbollah. Era conhecido
pela sua sofisticação, coragem e talentos operacionais, tudo o que fazia os
serviços secretos mundiais recearem o braço militar do Hezbollah. À medida
que o seu poder aumentou, Mughniyeh tornou-se um enorme alvo a abater
para Israel e o Ocidente. Mughniyeh percebeu-o e transformou-se num
paranoico em constante fuga, desconfiado de tudo e todos (incluindo os
conselheiros mais próximos), que mudava frequentemente de guarda-costas e
dormia todas as noites em locais diferentes. As suas viagens entre
Beirute, Damasco e Teerã ocorriam sob o mais absoluto secretismo.
Segundo o perfil preparado por Israel e outros serviços
secretos, Mughniyeh era um solitário muito carismático, muito impulsivo e
muito conhecedor das mais recentes engenhocas e instrumentos eletrônicos.
Tinha uma capacidade excecional de mudar de identidade e aparência, o que
lhe permitia enganar os inimigos; os agentes secretos israelenses chamavam-
lhe “o terrorista com nove vidas”.
David Barkai, oficial da Aman e antigo major na Unidade 504 dos
serviços secretos que compilou o arquivo sobre o perfil de Mughniyeh, disse
numa entrevista ao jornal britânico Sunday Times: “Tentamos derrubá-lo
várias vezes no final da década de 1980. Acumulamos dados sobre ele, mas,
quanto mais perto chegávamos, menos informações colhíamos — não havia
pontos fracos, mulheres, dinheiro, drogas… nada.”
A caça a Mughniyeh durou muitos anos. Em 1988, as autoridades
francesas quase o apanharam, quando o avião em que ele seguia fez uma
escala em Paris. A CIA tinha passado informações sobre Mughniyeh aos
franceses, incluindo uma fotografia e alguns pormenores sobre o passaporte
falso dele. Contudo, os franceses recearam que a captura pudesse levar ao
assassinato dos reféns franceses detidos no Líbano na altura, por isso
escolheram ignorar a presença de Mughniyeh e deixaram-no seguir. Os
serviços americanos tentaram prendê-lo na Europa, em 1986, e na Arábia
Saudita em 1995. Todavia, ele conseguiu desaparecer, como sempre.
Durante esses anos, Mughniyeh esteve profundamente envolvido no
planejamento e execução de ataques a israelenses e judeus na Argentina. Em
1992, organizou o atentado a bomba à Embaixada de Israel em Buenos Aires,
por um caminhão repleto de explosivos conduzido por um shaheed. Morreram
29 pessoas. Alguns dirigentes do Mossad viram a operação como um ato de
vingança pelo assassinato do xeque Abbas Al-Musawi, líder do Hezbollah,
num ataque de helicóptero no Sul do Líbano.
Passados dois anos, outro atentado a bomba abalou Buenos Aires,
dessa vez no Centro Comunitário Judaico, e provocou 86 mortos. Alguns
especialistas acharam novamente que o Hezbollah estava vingando o
sequestro pelos israelenses de um de seus dirigentes, Mustafa Dirani, no
Líbano.
As equipes dos serviços secretos dos Estados Unidos e de Israel que
foram a Buenos Aires para investigar os dois atentados concluíram que havia
ligação. O modus operandi era idêntico — carregar um caminhão com
explosivos e enviá-lo para o alvo com um suicida ao volante.
Mughniyeh tinha usado exatamente o mesmo método em Beirute e em
Tiro, no início da sua carreira. Os investigadores provaram que os serviços
secretos iranianos e os seus colaboradores locais também estavam envolvidos
nos atentados. Pelo menos um dos caminhões, o que servira para o atentado à
embaixada, fora vendido aos terroristas por um vendedor de carros xiita de
Buenos Aires chamado Carlos Alberto Taladin. A trilha levava claramente a
Imad Mughniyeh.
Durante esses anos, Mughniyeh passou longos períodos de tempo no
Irã.
Depois do assassinato do xeque Al-Musawi, Mughniyeh receou que
Israel o tentasse matar também. Criou uma equipe operacional em Teerã,
composta por combatentes do Hezbollah e membros dos serviços de
informações iranianos. Os colegas que o ajudaram a criar a unidade foram
Mohsen Rezaee, comandante supremo dos Guardas Revolucionários, e Ali
Fallahian, ministro de Informações. Ao que parece, essa unidade foi
responsável pelos dois ataques mortíferos em Buenos Aires. Os ataques
tiveram um resultado:
Mughniyeh tornou-se o homem mais procurado por Israel. Sentenciou-
se a si mesmo à morte pelos seus atos. Porém, muitos anos passariam antes de
a sentença de morte ser executada.
Em dezembro de 1994, Mughniyeh foi visto em Beirute. Pouco tempo
depois, escapou a uma tentativa de assassinato com um carro-bomba num
bairro do Sul da cidade. A polícia libanesa publicou as descobertas que fez:
fora deixada uma carga explosiva debaixo de um carro estacionado perto da
mesquita onde o xeque Fadlallah lia o seu sermão. A explosão destruiu a loja
de Fuad Mughniyeh, irmão de Imad, cujo cadáver foi encontro entre os
destroços. Imad, porém, que devia lá estar, mudou de ideia à última hora,
decidiu não ir, e sobreviveu. As suas nove vidas salvaram-no mais uma vez.
Semanas depois do atentado a bomba, os serviços secretos, agindo em
conjunto com o Hezbollah, prenderam vários civis suspeitos de envolvimento
no ataque, como colaboradores do Mossad. O principal suspeito foi um
homem chamado Ahmed Halek.
Segundo a declaração oficial da polícia, “Halek e a mulher
estacionaram o carro perto da loja de Fuad Mughniyeh. Halek entrou na loja
para se certificar de que Fuad lá estava, apertou-lhe a mão, regressou ao carro
e ativou a bomba”. O jornal libanês As-Safir, citando fontes de confiança,
disse que Halek tinha participado numa reunião com um alto funcionário do
Mossad no Chipre. O oficial do Mossad deu-lhe instruções sobre a utilização
da bomba e pagou-lhe cerca de 100.000 dólares. Halek acabou por ser
executado.
Dessa vez, Mughniyeh fugiu, mas os agentes do Mossad não
desistiram.
Coligiram meticulosamente todos os pormenores que encontraram,
compilaram relatórios de serviços secretos estrangeiros e estudaram os
métodos pessoais de Mughniyeh. Em 2002, o Mossad recebeu um relatório
sobre Mughniyeh que o ligava ao envio de 50 toneladas de armamento para
terroristas palestinos. Depois, porém, ele desapareceu novamente, apesar de
correrem rumores de que era agora comandante supremo do Hezbollah e
provável sucessor do xeque Nasrallah. A sua principal ligação era a que
mantinha com os serviços secretos iranianos, e dizia-se que atuava com as
Brigadas Al-Quds (o nome árabe de Jerusalém) dos Guardas
Revolucionários, acusadas de cooperação com comunidades xiitas de todo o
mundo e com organizações terroristas controladas por iranianos. O alto
estatuto de Mughniyeh obrigou-o a aumentar as suas medidas de segurança.
Persistiam rumores de que mudara novamente de aparência,
possivelmente com outra cirurgia plástica.
Segundo fontes europeias, no final da Segunda Guerra do Líbano, o
Mossad recrutou vários palestinos que viviam no Líbano mas se opunham
veementemente ao Hezbollah. Um deles tinha uma prima na aldeia de
Mughniyeh. Foi ela que disse ao agente recém-recrutado que Mughniyeh
tinha viajado à Europa e regressado ao Líbano com um rosto totalmente
diferente.
O Mossad tinha portanto um novo desafio — espionar clínicas de
cirurgia plástica por toda a Europa.
O golpe de sorte inesperado aconteceu em Berlim. Segundo o autor
britânico Gordon Thomas, o agente residente do Mossad em Berlim, Reuven,
conheceu um informante alemão que tinha ligações discretas a pessoas da
antiga Berlim Oriental. O informante transmitiu que Imad Mughniyeh se tinha
submetido recentemente a várias cirurgias plásticas que lhe tinham mudado
totalmente as características faciais. O tratamento tivera lugar numa clínica
que pertencera à Stasi, os antigos serviços secretos da Alemanha Oriental. A
Stasi servira-se da clínica para remodelar os rostos de agentes e terroristas
enviados em missões clandestinas ao Ocidente.
Após uma negociação difícil, Reuven concordou pagar ao colaborador
alemão uma quantia substancial em troca de um arquivo com 34 fotografias
atualizadas de Mughniyeh.
Os especialistas de Meir Dagan que analisaram as fotografias
concluíram que Mughniyeh tinha feito operações aos maxilares: a mandíbula
fora cortada e depois enxertara-se nela material ósseo próprio, para se
conseguir um maxilar mais estreito, o que o fazia parecer mais magro e
emaciado.
Vários dentes da frente tinham sido substituídos por dentes artificiais
com formas diferentes. Os olhos também foram alterados pelo estreitamento
da pele em seu redor. O tratamento terminou com a mudança de cor de cabelo
para grisalho e a substituição dos óculos por lentes de contato. Mughniyeh já
não parecia o “original”, e todas as velhas fotografias coligidas pelos serviços
secretos ocidentais desde a década de 1980 tomaram-se irrelevantes.
Segundo fontes estrangeiras, o Mossad começou logo a planejar o
assassinato de Mughniyeh. Meir Dagan convocou os seus melhores agentes,
incluindo o diretor da Caesarea, o comandante da equipe do Kidon, e vários
outros altos funcionários que trabalhavam no caso de Mughniyeh. Depressa se
percebeu que seria impossível apanhar Mughniyeh num país não—
muçulmano. Ele viajava muito raramente ao Ocidente e só se sentia em
segurança no Irã e na Síria. Os israelenses sabiam que qualquer ação nesses
territórios implicaria enormes riscos. Era verdade que Israel já tinha operado
em países árabes e levado a cabo golpes em Beirute, durante a sua campanha
contra o Setembro Negro; que os seus comandos tinham chegado tão longe
quanto Tunes, onde tinham alegadamente matado o líder terrorista Abu Jihad.
Contudo, Teerã e Damasco eram cidades muito mais desconfiadas, armadas e
perigosas do que Beirute e Tunes. Por outro lado, Meir Dagan percebeu o
tremendo impacto que uma operação bem-sucedida teria. A morte do líder
terrorista mais mortífero do mundo em Damasco, refúgio e fortaleza dos
inimigos de Israel, provaria que ninguém podia fugir ao longo braço do
Mossad — espalharia confusão, medo e insegurança entre os restantes líderes
terroristas.
Segundo o jornal Independent de Londres, o plano que emergiu das
discussões no quartel-general do Mossad baseou-se na probabilidade de
Mughniyeh ir a Damasco a 12 de fevereiro de 2008. Presumia-se que nesse
dia ele se encontraria com altos cargos iranianos e sírios que iam participar na
celebração do aniversário da revolução iraniana.
Depois de um estudo das possibilidades, decidiu-se que se estacionaria
um carro-bomba diretamente ao lado do carro de Mughniyeh.
O Mossad mergulhou numa atividade frenética para conseguir
informações pormenorizadas de todas as suas fontes, incluindo os serviços
estrangeiros. Será que Mughniyeh iria realmente a Damasco? E, se sim, que
identidade escolheria? Em que carro se deslocaria? Onde ficaria? Quem o
acompanharia? A que horas chegaria à reunião marcada com os
representantes sírios e iranianos? Seriam as autoridades sírias informadas da
sua chegada? Estariam os líderes do Hezbollah a par dos planos de viagem?
O relatório que fez pender a decisão em favor do projeto de assassinato
chegou de uma fonte muito fidedigna, que confirmou a intenção de
Mughniyeh de viajar a Damasco. A informação foi corroborada, segundo o
jornal libanês El-Balad, por agentes que tinham posto dispositivos de
localização nos carros de Mughniyeh e dos dirigentes do Hezbollah.
Foi então que a máquina bem oleada da Caesarea entrou em ação. Por
rotas tortuosas, as várias equipes do Kidon chegaram a Damasco. Uma equipe
especial fez entrar clandestinamente os explosivos na capital síria.
À última hora, um informante de longa data do Mossad passou
informações cruciais. Sempre que ia a Damasco, dizia o relatório,
Mughniyeh ia visitar a amante. Pela primeira vez, os mestres de
espionagem do Mossad ficaram a saber que Mughniyeh tinha um caso
amoroso secreto. A bela mulher, de nome Nihad Haidar, esperava Mughniyeh
num apartamento discreto na cidade. Nihad sabia de antemão as datas de
chegada de Mughniyeh a Damasco, de Beirute ou de Teerã. Ele costumava ir
sozinho ao ninho de amor dos dois, dispensando os guarda-costas e o
motorista.
Os observadores já no local foram alertados por mensagens urgentes.
Será que Mughniyeh visitaria a amante desta vez? Saberia antecipadamente a
proprietária do apartamento da vinda dele?
Os membros da equipe de assassinato chegaram a Damasco na véspera
da operação. Foram de avião para a capital síria depois de passarem por várias
cidades europeias. Segundo o Independent, a equipe era constituída de três
agentes: um chegou de Paris, num voo da Air France, o segundo decolou de
Milão com a Alitalia, e o terceiro apanhou um voo menor de Amã, com a
Royal Jordanian. Os documentos falsos dos três agentes indicavam que eram
empresários, dois deles na indústria automóvel e o terceiro um agente de
viagens. Declararam, à chegada, que tinham ido passar umas curtas férias na
Síria, e passaram pela imigração sem problemas. Chegaram de carro à cidade,
em separado, e juntaram-se só depois de se certificarem de que não estavam a
ser seguidos. Posteriormente, encontraram-se com alguns auxiliares que
tinham chegado de Beirute e foram conduzidos para uma garagem escondida,
onde os esperava um carro alugado e, junto deste, uma carga de explosivos
que incluía cargas plásticas e pequenas bolas de metal.
Os três assassinos fecharam-se na garagem, prepararam a carga
explosiva e instalaram-na no carro alugado. A carga não foi posta — como
alguns jornais diriam mais tarde — no apoio de cabeça do assento de
Mughniyeh, mas no compartimento de rádio do veículo alugado.
Outra equipe de observadores do Mossad esperou pela chegada de
Mughniyeh a Beirute. O seu papel era segui-lo a toda a hora, ficar sempre nas
imediações do apartamento onde ele se encontraria com a amante, e dar a
notícia da sua partida. Tinham de o seguir e garantir que ele chegava ao
encontro em Kfar Sousa. Entre as pessoas com quem se ia encontrar estavam
o novo embaixador iraniano em Damasco e o homem mais sigiloso da Síria, o
general Muhammad Suleiman. Suleiman, entre outras pessoas, era
responsável pela transferência de armas do Irã e da Síria para o Hezbollah e
mantinha relações próximas com Imad Mughniyeh. (Suleiman, envolvido
como estava no secreto projeto nuclear sírio, só tinha seis meses de vida; seria
misteriosamente assassinado a 2 de agosto, durante um jantar com amigos na
sua casa de praia. Ver Capítulo 16.)
No mesmo fim de tarde, a Embaixada do Irã tinha marcado uma
comemoração do aniversário da revolução, no Centro Cultural Iraniano em
Kfar Sousa, muito perto do esconderijo onde Mughniyeh se ia encontrar com
os altos cargos iranianos e sírios. Contudo, Mughniyeh decidiu não participar
nas comemorações, mas apenas conferenciar com os parceiros e sair de
Damasco.
A 12 de fevereiro, de manhã, as equipes do Mossad estavam a postos.
Os observadores ocuparam as suas posições em redor do prédio, o primeiro
destino de Mughniyeh. Ao final da tarde, informaram que Mughniyeh tinha
chegado ao apartamento de Nihad — e ao princípio da noite informaram os
seus superiores de que ele se tinha posto a caminho do segundo destino. A sua
esperança era que também fosse o último.
O Pajero atravessou Damasco e chegou a Kfar Sousa. Os observadores
seguiam Mughniyeh como sombras e informavam continuamente sobre todos
os seus movimentos. O carro-bomba tinha sido levado para a zona onde
Mughniyeh ia estacionar. O sinal de ativação seria dado a uma grande
distância, por equipamento eletrônico. Os agentes que tinham preparado o
carro há muito que haviam deixado o local e já estavam a caminho do
aeroporto.
Os sensores eletrônicos seguiram o carro prateado. Este parou e o
homem de negro saiu. Um auxiliar estacionou o carro-bomba perto do Pajero
prateado.
Pouco antes das 10 da noite, uma explosão estrondosa sacudiu o bairro
de Kfar Sousa, não muito longe da escola iraniana (fechada àquela hora) e
junto a um parque público. Exatamente no momento em que Mughniyeh saiu
do jipe, o carro a seu lado explodiu.
Mughniyeh morreu.
A morte abalou profundamente o Hezbollah. Foi um terrível golpe para
o Governo sírio, poucos meses depois de o seu reator nuclear secreto ter sido
pulverizado.
Em novembro de 2008, poucos meses após a morte de Mughniyeh, as
autoridades libanesas anunciaram a descoberta de uma rede de espionagem do
Mossad. Uma das pessoas presas, Ali Jarrah, de 50 anos, oriundo do vale de
Bekaa, tinha trabalhado para o Mossad nos últimos 20 anos, por um salário
mensal de 7000 dólares. Foi acusado de ir frequentemente à Síria, em missões
para o Mossad. Em fevereiro de 2008, poucos dias antes da operação, foi a
Kfar Sousa. Os serviços secretos libaneses que prenderam Jarrah descobriram
no carro dele uma pilha de equipamento fotográfico sofisticado, uma câmera
de vídeo e um GPS, todos habilmente escondidos.
Jarrah cedeu sob a pressão do interrogatório e confessou que os
contatos do Mossad lhe tinham ordenado que vigiasse, fotografasse e
coligisse informação sobre os bairros que Mughniyeh visitaria, incluindo o
ninho do amor em que se encontraria com Nihad.
Israel negou qualquer ligação ao assassinato, mas o porta-voz do
Hezbollah acusou repetidamente “os sionistas israelenses” do assassinato do
“herói da Jihad, que morreu como um shahid [mártir]”.
Sean McCormack, porta-voz do Departamento de Estado americano,
não expressou a mesma opinião. Descreveu Mughniyeh como “um homicida
insensível, um assassino em série e um terrorista responsável pelo fim de
inúmeras vidas”.
“Sem ele, o mundo é um lugar melhor”, concluiu McCormack.
20. AS CÂMERAS ESTAVAM GRAVANDO

No início de janeiro de 2010, dois Audi A6 pretos passaram pelo


portão fortificado de um edifício cinzento empoleirado numa colina no Norte
de Tel Aviv. O edifício, chamado “O Instituto”, era na verdade o quartel—
general do Mossad. O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu foi recebido
pelo ramsad, Meir Dagan, quando saiu do segundo carro. Havia pouco tempo,
Netanyahu tinha prolongado o mandato de Dagan por mais um ano.
Dagan e os dirigentes do Mossad sentiam-se otimistas e confiantes
depois do êxito das suas últimas operações: a destruição do reator sírio e os
assassinatos de Mughniyeh e Suleiman. O mais urgente agora era cortar outra
ligação entre o Irã e os terroristas, e essa ligação chamava-se Al-Mabhouh.
Segundo o jornalista Ronen Bergman, o nome de código do Mossad
para a caça a Al-Mabhouh era “Tela de plasma”.
Na sala de reuniões, Dagan e os seus auxiliares superiores
apresentaram o plano de assassinato de Mahmoud Abdel Rauf Al-Mabhouh,
líder do Hamas e elemento fundamental no sistema de contrabando de armas
do Irã, via Sudão, Egito e península do Sinai para a Faixa de Gaza. Al-
Mabhouh, disseram os homens de Dagan, seria morto em Dubai, um dos
Emirados Árabes Unidos no golfo Pérsico.
Netanyahu aprovou a execução da “Operação Tela de Plasma” e os
preparativos começaram imediatamente. O plano era matar Al-Mabhouh num
quarto de hotel em Dubai. O Sunday Times londrino garantiu que os membros
da equipe de assassinato do Mossad ensaiaram o golpe num hotel de Tel Aviv
sem avisar a gerência do hotel.
Mahmoud Al-Mabhouh, ou “Abu Abed”, nasceu em 1960 no campo
de refugiados de Jabalia, no Norte da Faixa de Gaza. No final da década de
1970, aderiu à Irmandade Muçulmana e, como muçulmano fervoroso,
participou na sabotagem de cafés árabes onde se praticava jogo. Em 1986, foi
preso pelo Exército israelense por posse de uma espingarda automática AK47,
mas foi libertado em menos de um ano e aderiu à Brigada Izz Ad-Din Al-
Qassam, o braço militar do Hamas.
Salah Shehadeh, comandante de Al-Mabhouh, confiou a este e a
muitos outros terroristas do Hamas uma missão especial: raptar e matar
soldados israelenses. A 16 de fevereiro de 1989, Al-Mabhouh e outros
membros do Hamas roubaram um carro, vestiram-se de judeus
ultraortodoxos, e ofereceram boleia a um soldado chamado Avi Sasportas,
que pedia transporte para casa num cruzamento. Quando Avi entrou no carro,
Al-Mabhouh virou-se para trás e deu-lhe um tiro na cara. Al-Mabhouh e os
seus acólitos enterraram Avi depois de se fazerem fotografar com o cadáver.
Três meses depois de assassinar Avi, Al-Mabhouh e outros membros do
Hamas raptaram Ilan Saadon, outro soldado, no cruzamento de Reem, e
assassinaram-no também. Al-Mabhouh admitiu posteriormente numa
entrevista à Al-Jazeera o seu papel nos assassinatos e no enterro dos soldados
mortos.
Depois do segundo assassinato, Al-Mabhouh fugiu para o Egito,
depois para a Jordânia, e continuou as suas atividades terroristas,
maioritariamente pelo tráfico de armas e explosivos para Gaza. De volta ao
Cairo, foi preso pelos egípcios, passou quase um ano inteiro — 2003 — numa
cadeia egípcia, e mais tarde fugiu para a Síria. Era já rotulado como terrorista
perigoso, procurado pela polícia de Israel, do Egito e da Jordânia. Os seus
superiores consideravam-no um organizador de excelência e Al-Mabhouh
subiu na hierarquia do Hamas, concentrando quase todos os seus esforços no
tráfico de armas do Irã para a Faixa de Gaza.
Al-Mabhouh sabia que era um homem procurado pelo Mossad, devido
às suas funções; também sabia que Israel não se esqueceria nem perdoaria o
assassinato dos seus dois soldados. Como tal, Mabhouh tomava precauções
extremas, mudava frequentemente de identidade e fazia-se passar por
empresário a viajar entre cidades do Oriente Médio em negócios legítimos.
Disse a um amigo que, quando ficava num hotel, costumava barricar a
porta do quarto com cadeirões, “para evitar surpresas desagradáveis”.
Numa rara entrevista à rede Al-Jazeera, Mabhouh apareceu com a
cabeça coberta com um pano preto. “Tentaram apanhar-me três vezes”, disse
ele, “e quase conseguiram. Uma vez em Dubai, uma vez no Líbano, há seis
meses, e uma terceira na Síria, há dois meses, depois do assassinato de Imad
Mughniyeh. É o preço que pagam todos os que lutam contra os israelenses.”
Na verdade, Al-Mabhouh deu a entrevista contrariado; achou que era
um risco desnecessário, mas teve de obedecer a ordens explícitas da liderança
do Hamas. Alguns garantiriam mais tarde que a entrevista ajudou o Mossad a
encontrá-lo. Al-Mabhouh tinha concordado aparecer à frente das câmeras sob
uma condição: que a sua cara fosse completamente distorcida na imagem.
Depois da gravação da entrevista, a cassete de vídeo foi enviada para Gaza,
para inspeção. Afinal, a distorção da cara falhou e ele foi instruído a gravar
novamente a entrevista. A transmissão da nova entrevista foi adiada (só seria
feita depois da morte de Al-Mabhouh). Al-Mabhouh quis saber o que tinha
acontecido à primeira gravação, e foi-lhe dito que a cassete de vídeo estava
guardada nos arquivos do Hamas. Há quem acredite que essa cassete chegou
às mãos dos agentes que andavam à procura de Al-Mabhouh.
Umas semanas depois da gravação, um membro superior do Hamas
recebeu uma chamada de um árabe que dizia estar ligado a um grupo que
traficava armas e lavava dinheiro. Este fez ao Hamas faminto de armas
algumas ofertas que a organização não podia recusar, e pediu para se
encontrar com Al-Mabhouh em Dubai. Era estranho que tivesse escolhido o
Dubai como local de encontro; a agitada cidade dos Emirados era, na verdade,
o local onde Al-Mabhouh estava reunido com os seus homólogos iranianos.
Este telefonema misterioso pode ter sido a sentença de morte de Al-Mabhouh.
E então deu-se um episódio inaudito na história das guerras de
espionagem: a eliminação do “Tela de Plasma” foi filmada, registrada e
imortalizada por um circuito fechado de câmeras de vigilância instalado em
toda Dubai, desde os balcões do aeroporto aos halls, corredores e elevadores
dos hotéis.
As fitas são um testemunho singular do desenrolar da operação e suas
fases subsequentes: permitiram a centenas de milhões de espectadores de todo
o mundo, confortavelmente instalados em suas poltronas, seguirem a
operação secreta e fatal de uma equipe de assassinato.

Segunda-feira, 18 de janeiro de 2010.

Vários agentes do Mossad aterram em Dubai. São os percursores de


uma grande equipe de 27 agentes que chegarão, um por um, a Dubai nas 24
horas seguintes. Doze tinham passaportes britânicos, quatro franceses, quatro
australianos, um alemão e seis irlandeses.
Os agentes registram-se em diferentes hotéis da cidade.

Terça-feira, 19 de janeiro de 2010.


00h09 — Dois agentes do Mossad, meio carecas, Michael
Bodenheimer, de 43 anos, com passaporte alemão, e o seu amigo James
Leonard, com passaporte britânico, aterrissam em Dubai. Segundo a polícia
local, são a equipe avançada do grupo responsável pelo assassinato de Al-
Mabhouh.
00h30 — O comandante da operação, Kevin Daveron, com barbicha e
óculos, chega a Dubai a bordo de um voo direto de Paris. Vem acompanhado
da sua adjunta, Gail Folliard, uma ruiva vivaz. Têm ambos passaportes
irlandeses.
01h21 — Gail Folliard dá entrada no hotel de luxo Jumeriah e recebe
um quarto no 11.° andar. Quando a recepcionista lhe pergunta pelo endereço,
ela responde sem hesitar: Memmier Road, 78, Dublin, Irlanda. Mais tarde,
ficariam sabendo que este endereço não existia.
01h31 — Kevin Daveron, o comandante, junta-se à adjunta e registra-
se no Jumeriah. Fica no quarto 3308.
02h29 — Peter Elvinger, coordenador de logística da operação, chega
a Dubai com um passaporte francês. É magro, tem barba, usa óculos
elegantes. Segundo a polícia, transporta uma pasta “suspeita”.
02h36 — No aeroporto, Peter encontra-se com outro membro da
equipe e, juntos, dirigem-se para um hotel na cidade.
10h15 — Mahmoud Al-Mabhouh sai de Damasco em direção a Dubai,
num voo direto das linhas aéreas Emirates. No Dubai, deverá coordenar com
um enviado iraniano um novo envio clandestino de armas para Gaza.
10h30 — Peter, coordenador da operação, sai do hotel e encontra-se
com a equipe de assassinato num grande centro comercial.
10h50 — Kevin e Gail, comandante e sua ajudante, juntam-se ao
encontro no centro comercial. Kevin não usa os óculos e a pera desapareceu.
12h18 — A reunião termina e a equipe dispersa-se. Kevin regressa ao
Hotel Jumeriah e faz o registro de saída. As câmeras de segurança mostram-
no a entrar noutro hotel, onde põe uma peruca, óculos e um bigode falso.
14h12 — Dois agentes, vestidos com equipamento de tênis, entram no
luxuoso Hotel Al-Bustan Rotana. São observadores que esperarão por Al-
Mabhouh, que deverá chegar na hora seguinte.
15h12 — Gail também sai do Hotel Jumeriah.
15h15 — Mahmoud Al-Mabhouh aterra em Dubai. Mostra um
passaporte iraquiano falso no posto de controle de imigração e declara que
trabalha no negócio da importação de têxteis.
15h25 — Gail passa para outro hotel, onde muda de roupa, põe
maquiagem e uma peruca.
15h28 — Al-Mabhouh chega ao Hotel Al-Bustan Rotana. No balcão
de registro, pede um quarto com janelas seladas e sem varanda. Dão-lhe o
quarto 230, no segundo andar. Apanha o elevador para o segundo andar, sem
perceber que os dois jogadores de tênis que o acompanham na viagem são
observadores do Mossad.
15h30 — Os observadores informam, por um dispositivo de
transmissão especial, que Al-Mabhouh entrou no quarto e que o quarto em
frente é o número 237.
15h53 — Peter, o coordenador, chega ao hotel de Al-Mabhouh e vai
para o centro de negócios. Telefona para a recepção e reserva o quarto 237.
16h03 — Uma nova equipe de observadores substitui a primeira e
espera que Al-Mabhouh saía do quarto.
16h14 — Todos os membros da equipe de assassinato estão já no Hotel
Al-Bustan Rotana.
16h23 — Al-Mabhouh sai do quarto, observa o átrio do hotel para se
certificar de que o local é “seguro” e sai do hotel. Os observadores seguem-
no.
16h24 — Os observadores transmitem para o comandante da equipe
pormenores acerca do carro que levou Al-Mabhouh para a baixa da cidade.
16h27 — Peter, o coordenador, entra no átrio do hotel e entrega a
Kevin Daveron a sua pasta, que provavelmente contém os objetos necessários
para assassinar Al-Mabhouh.
16h33 — Peter vai à recepção, registra-se e recebe a chave do quarto
237, frente ao quarto de Al-Mabhouh. paga a soma de 400 dólares.
16h40 — Peter dá a chave do quarto a Kevin e sai do hotel para um
destino desconhecido.
16h44 — Kevin entra no quarto 237. Inspeciona a janela e a vigia da
porta, pela qual poderá ver Al-Mabhouh entrar no quarto.
17h06 — Gail entra no quarto 237. Ela e Kevin reveem os horários e
continuam a receber informações sobre os movimentos de Al-Mabhouh na
cidade.
17h36 — Um dos observadores entra no hotel com um boné. A um
canto de um corredor vazio, substitui o boné por uma peruca.
18h21 — Gail sai do quarto 237 com a pasta que Kevin entregara a
Peter.
Vai ao parque de estacionamento do hotel e entrega a pasta a um dos
membros da equipe de assassinato.
18h32 — O primeiro elemento da equipe de assassinato sai do parque
de estacionamento e entra no átrio do hotel.
18h34 — O segundo elemento da equipe de assassinato entra no hotel
e instala-se nos cadeirões e sofás no canto extremo do luxuoso átrio, tão longe
quanto possível do primeiro elemento.
18h43 — O primeiro destacamento de observadores, os agentes que
trajam roupa de tênis, sai do hotel.
19h30 — Peter, coordenador de logística, sai de Dubai num voo para
Munique, na Alemanha.
20h00 — Uma empregada do hotel que limpou o segundo andar sai do
local. Um elemento da equipe de assassinato tenta entrar no quarto de Al-
Mabhouh.
20h04 — Kevin, posicionado perto dos elevadores, faz sinal aos
membros da equipe de assassinato para entrarem no quarto, quando um
elevador para no segundo andar e um hóspede sai. O sistema de controle
eletrônico registra uma tentativa de entrada forçada no quarto 230, o quarto de
Al-Mabhouh.
20h20 — Al-Mabhouh regressa ao hotel. Os observadores informam
Kevin de que ele se dirige ao elevador.
20h27 — Al-Mabhouh entra no quarto. Kevin e Gail estão de guarda
no corredor do segundo andar, junto dos elevadores. No quarto 230, dá-se o
assassinato.
20h46 — Quatro membros da equipe de assassinato saem do hotel.
20:47 — Gail e outro membro da equipe de assassinato saem do hotel.
20h51 — Kevin entra no quarto de Al-Mabhouh depois do assassinato
e pendura o sinal “Não incomodar” na maçaneta da porta.
20h52 — Os observadores saem do hotel.
22h30 — Kevin e Gail deixam o Dubai num voo direto para Paris. Por
volta da mesma hora, todos os membros da equipe partem para destinos
diversos.

Às 10 da noite, a mulher de Al-Mabhouh liga-lhe para o celular. O


telefone toca e o atendedor de chamadas responde. Ela liga novamente, várias
vezes. Um amigo chegado também tenta falar com Al-Mabhouh, sem êxito.
As mensagens de texto enviadas para Al-Mabhouh continuam sem resposta.
O tempo passa e Al-Mabhouh não dá sinal de vida. A mulher, já desesperada,
liga para vários altos funcionários do Hamas, que decidem enviar o seu
representante em Dubai ao Hotel Al-Bustan Rotana. O homem vai à recepção
e liga para o quarto 230. Ninguém responde.
Depois da meia-noite, os empregados do hotel vão finalmente ao
quarto de Mabhouh, destrancam a porta e encontram o corpo. Um médico
chamado de urgência examina o cadáver e conclui que a causa de morte foi
uma paragem cardíaca.
O Hamas publica uma declaração oficial que atribui a morte de Al-
Mabhouh a “razões médicas”. Contudo, a família de Al-Mabhouh rejeita o
diagnóstico médico e insiste que Al-Mabhouh foi assassinado pelo Mossad.
O corpo foi enviado para um médico legista de Dubai, enquanto uma
amostra do sangue seguiu para um laboratório em França. O relatório do
laboratório chegou passados nove dias. O Hamas anuncia então que Al-
Mabhouh foi assassinado por agentes do Mossad, que começaram por
atordoá-lo com um aparelho de choque elétrico e depois o sufocaram com
uma almofada. Ao mesmo tempo, a polícia de Dubai anuncia que não foram
encontrados vestígios de veneno no sangue de Al-Mabhouh. Contudo,
rapidamente chegam à conclusão de que o Mossad matou Al-Mabhouh em
seu território. Em 31 de janeiro, 12 dias depois da morte, o Sunday Times
londrino publica uma história sobre o envenenamento. Os jornalistas afirmam
que os assassinos de Israel entraram no quarto de Al-Mabhouh e injetaram um
veneno que simula ataque cardíaco, fotografaram todos os documentos que
ele tinha e saíram do quarto depois de pendurar o sinal “Não perturbe” na
maçaneta da porta.
E 28 de fevereiro, o adjunto do comandante da polícia de Dubai
informa à imprensa que o laboratório francês encontrou no sangue de Al-
Mabhouh vestígios de um analgésico forte, usado em anestesia antes de
cirurgias. A substância, diz ele, provoca relaxamento muscular seguido de
perda de consciência. Pressupôs que os assassinos injetaram o anestésico na
vítima e depois a sufocaram, para que a morte parecesse natural.
O jornalista Gordon Thomas publica no Telegraph de Londres artigo
sobre “a licença para matar do Mossad”. Thomas afirma que o modus
operandi na morte de Al-Mabhouh foi semelhante a outros assassinatos
executados pelo Mossad no passado. Acrescenta que os 11 membros da
equipe de assassinato, seis dos quais mulheres, foram escolhidos entre 48
membros da unidade operacional Kidon. Yossi Melman, do jornal Haaretz,
também sublinha que os movimentos dos assassinos, como refletem as
câmeras de vigilância e outras descobertas, eram idênticos aos de operações
prévias do Mossad: chegada em diferentes voos de várias partes do mundo,
estadas em hotéis diversos, telefonemas feitos através de operadores
internacionais, vestuário que dificulta a identificação e esforço por passar por
turistas ou empresários genuínos que juntam negócios com prazer.
Contudo, outros especialistas descartam essa teoria, dizendo que os
métodos são exatamente os mesmos usados pela maioria dos serviços secretos
ocidentais, pelo que era impossível estabelecer claramente quem levara a cabo
o assassinato.
A revista semanal alemã Der Spiegel revela que a agência secreta
alemã, a BND, informou aos deputados do seu Parlamento que Al-Mabhouh
foi morto por agentes do Mossad. Der Spiegel também descreve como
Michael Bodenheimer, nascido em Israel, tinha pedido em 2009 passaporte
alemão por ter pais nascidos na Alemanha. Com seu novo passaporte tinha
embarcado num avião, em 8 de novembro de 2009, de Frankfurt para Dubai e
depois para Hong Kong, itinerário idêntico ao que fez antes e depois do
assassinato. Segundo Der Spiegel, outros nove agentes tinham rumado para
Dubai nesse mesmo dia de novembro de 2009, de vários aeroportos europeus.
Aparentemente, era um ensaio geral da verdadeira operação, levada a cabo em
janeiro de 2010.
Numa entrevista ao jornal AI-Arabiya, o comandante da polícia de
Dubai, Dhahi Khalfan Tamim, explicou por que tinha certeza de que Al-
Mabhouh fora morto pelo Mossad: “Em primeiro lugar, temos algumas
amostras de ADN e impressões digitais. Em segundo, todos [os membros da
equipe de assassinato] tinham passaportes estrangeiros verdadeiros com
pormenores falsos e, quando se descobre que alguns dos donos [dos
passaportes] eram de Israel, o que se conclui? Que a “Paz Agora” assassinou
Al-Mabhouh?… Foi o Mossad, com certeza absoluta!”
O comandante da polícia de Dubai depressa se tornou uma estrela da
imprensa, passando horas em frente às câmeras de televisão de todo o mundo
dando entrevistas a quem se dispusesse a ouvir. Os jornalistas televisivos
passaram a adorá-lo, maioritariamente graças às câmeras de vigilância de
Dubai. Mostrou à imprensa um vídeo montado a partir de cassetes de câmeras
de vigilância espalhadas pelo Dubai. Tamim explicou e mostrou de forma
inteligente como os membros da equipe de assassinato tinham andado pelo
emirado e entrado e saído dos hotéis, centros comerciais e aeroporto, nos seus
esforços por vigiar Al-Mabhouh, frequentemente mudando de roupa e
disfarces.
Segundo Tamim, o núcleo da equipe de assassinato compôs-se de 11
membros: três cidadãos irlandeses, seis britânicos, um francês e um alemão.
Estes chegaram a Dubai em vários voos de muitos aeroportos
europeus, alguns dos quais na noite de véspera da operação, outros ao mesmo
tempo que Al-Mabhouh, e alguns umas escassas horas antes da operação. As
648 horas de vídeo das câmeras de vigilância ajudam a polícia de Dubai a
reconstruir os acontecimentos que culminaram com a morte de Al-Mabhouh.
As cassetes e as fotografias tiradas pelas autoridades de imigração a
todos os passageiros que entraram e saíram de Dubai levaram o comandante
da polícia de Dubai à conclusão de que, não 11, mas muitos mais agentes do
Mossad participaram na operação. O número oficial que mencionou foi 27,
mas Tamim acrescentou posteriormente mais alguns nomes à sua lista de
suspeitos.
Porém, as suas conclusões suscitaram várias perguntas. O Mossad não
sabia que havia uma rede de câmeras de vigilância espalhadas pelo Dubai?
Segundo Tamim, os agentes israelenses tinham visitado o Dubai várias
vezes para preparar a operação. Não viram as câmeras de vigilância? E, se
viram, talvez grande parte das entradas e saídas dos hotéis, a troca de roupa,
perucas e bigodes não fosse senão um espetáculo para as câmeras, e vários
participantes não interviessem na operação mas fossem usados apenas para
ludibriar quem mais tarde analisasse as cassetes.
E há outra dúvida: o comandante da polícia gabou-se de todos os
membros da equipe de assassinato terem sido fotografados quando passaram
pelos serviços de imigração. O Mossad não sabia que isso acontecia sempre
em Dubai? Não se certificou de que as caras dos seus agentes estariam
alteradas e disfarçadas para ser impossível reconhecê-los posteriormente?
E há uma terceira pergunta. Como as câmeras de vigilância registraram
cada fotograma e cada segundo dos movimentos dos agentes secretos exceto
dois, a entrada e a saída da equipe de assassinos no quarto de Al-Mabhouh?
O comandante Tamim revelou à imprensa que a equipe de assassinato
utilizou um número de telefone austríaco para algumas comunicações.
Depois de analisar registros telefônicos, Tamim conseguiu estabelecer
as identidades dos estrangeiros que usaram o número e eram, aparentemente,
membros do Mossad. Também sublinhou que vários agentes tinham pago as
suas despesas em Dubai com cartões de crédito MasterCard recarregáveis da
Payoneer, uma empresa sediada no Iowa mas com um centro de pesquisa e
desenvolvimento em Israel.
A revelação mais intrigante da investigação é que a maioria dos
membros da equipe de assassinato tinha usado passaportes verdadeiros de
cidadãos israelenses com dupla nacionalidade e muito poucos passaportes
falsos.
Aparentemente, havia uma razão — a equipe de assassinato estava a
trabalhar num país árabe considerado território inimigo. Se os membros da
equipe de assassinato fossem capturados, podiam pedir proteção aos cônsules
da Grã-Bretanha, da Alemanha, da França e da Austrália… Se os cônsules
verificassem os registros, descobririam que aquelas pessoas existiam mesmo e
concordariam em ajudá-las. Se, pelo contrário, a equipe de assassinato tivesse
usado passaportes falsos, o logro teria sido imediatamente exposto e os
agentes ficariam desprotegidos.
Depois de se saber tudo isto, Israel foi duramente criticada pelas
nações cujos passaportes tinham sido usados em Dubai. A Grã-Bretanha, a
Austrália e a Irlanda expulsaram os representantes do Mossad do seu
território. A Polônia prendeu no aeroporto de Varsóvia um homem chamado
Uri Brodsky e extraditou-o para a Alemanha. Brodsky era suspeito de ajudar
o agente Michael Bodenheimer a obter um passaporte alemão sob um pretexto
falso.
(Brodsky acabou por ser libertado pela Alemanha após o pagamento de
uma multa de 60.000 euros. Bodenheimer nunca foi encontrado.) Outros
países expressaram indignação e fúria. Essas reações pareciam revestir-se de
hipocrisia, pois a utilização de passaportes falsos ou alterados é prática
corrente da atividade de qualquer serviço secreto; as nações que apontaram o
dedo a Israel usaram e continuam a usar passaportes falsos, tal como o
Mossad. Apesar disso, quando uma rede de espionagem russa foi
desmantelada nos Estados Unidos, no final de 2010, ninguém acusou os seus
membros de utilizarem documentos falsos britânicos e americanos.
As notícias da imprensa mundial criaram a impressão de que a
operação de Dubai correu efetivamente bem, mas foi afetada por um erro
grave decorrente da forma como os israelenses subestimaram tanto o Dubai
como as nações ocidentais que envolveram. Foi um golpe duro para a imagem
internacional de Israel — mas não para as suas atividades secretas. Os
enviados do Mossad expulsos foram rapidamente substituídos. As promessas
do comandante da polícia de Dubai de que os membros da equipe de
assassinato seriam em breve capturados, uma vez que as suas identidades
eram conhecidas em todo o mundo, não se materializaram. Nem um agente do
Mossad da equipe de Dubai foi identificado e detido pelas polícias
internacionais.
Porém, o Dubai tornou-se um símbolo dos novos desafios que todos os
serviços secretos enfrentam num mundo em mudança. A era dos métodos
escondidos acabou definitivamente. As câmeras de vigilância, as fotografias e
as impressões digitais dos serviços de imigração, as rápidas verificações dos
passaportes, o ADN… todos exigem meios e métodos muito mais sofisticados
dos espiões do mundo, quando iniciam as suas missões obscuras e sinistras.
A 7 de abril de 2011, uma aeronave não identificada disparou um
míssil contra um carro de passageiros, numa estrada 15 quilômetros a sul de
Porto Sudão, no Estado africano do Sudão. Segundo fontes israelenses, o
carro foi atacado por um Shoval não-tripulado, que consegue transportar uma
carga com uma tonelada e voar 4000 quilômetros sem reabastecer. O Shoval
pertence a uma nova geração de aviões não-tripulados que Israel utiliza em
missões arriscadas além-fronteiras e que substituem os aviões pilotados. Os
aviões não-tripulados israelenses estão entre os melhores do mundo e
cumprem missões de ataque e de informações secretas por todo o Oriente
Médio.
Uma das duas pessoas que morreram no ataque ao carro no Sudão foi,
ao que se diz, um dirigente do Hamas. O Hamas utilizava a estrada sudanesa
para traficar armas do Irã para Gaza. As armas vinham de barco, eram
descarregadas em Porto Sudão e procediam numa caravana de veículos
através do Egito e do Sinai para Gaza, atravessando as fronteiras e os postos
de controle com subornos.
O Governo sudanês acusou imediatamente Israel pelo golpe.
Israel fora designada como culpada noutro ataque misterioso a uma
caravana de armas em janeiro de 2009. Os caminhões que transportavam
armas, mísseis e explosivos foram destruídos e morreram 40 pessoas que
conduziam a caravana.
Um dos homens alegadamente mortos foi o dirigente do Hamas
responsável pelo tráfico de armas do Irã para Gaza.
21. DA TERRA DA RAINHA DE SABÁ

Um grupo de crianças etíopes, de pele negra e vestidas de branco,


entrou no palco da enorme sala de audiências em Jerusalém. As crianças,
abençoadas com uma espécie de beleza singular, observavam o público com
os seus grandes olhos negros repletos de curiosidade e orgulho. Shlomo
Gronich, o famoso compositor israelense, estava sentado ao piano. As suas
primeiras notas navegaram delicadamente sobre a multidão silenciosa, e uma
canção lindíssima e ao mesmo tempo arrepiante emergiu do coro infantil:

A Lua observa lá em cima


Às costas, uma pequena bolsa de comida
O deserto que pisamos não tem fim à vista
E minha mãe promete a meus irmãozinhos
“Só mais um pouco, mais um pouco,
Levantem as pernas, façam um esforço final,
Na direção de Jerusalém.”

Era a canção da “Viagem” do poeta Haim Idissis, que descrevia a


viagem épica dos judeus etíopes até a Terra Prometida, até Israel. O público
aplaudiu, animado. Talvez a intenção de Idissis não fosse aquela, e talvez as
multidões entusiasmadas não reparassem, mas a canção infantil descrevia o
capítulo mais comovente — e mais terrível — da emigração dos judeus
etíopes para a terra dos seus pais:
O luar logo apareceu A nossa saca de comida perdeu-se …
E à noite os bandidos atacaram Com uma faca e uma espada afiada No
deserto, o sangue da minha mãe A Lua é minha testemunha e prometo aos
meus irmãozinhos:
“Só mais um pouco, mais um pouco O sonho vai concretizar-se Em
breve chegaremos à Terra de Israel.”
Nenhuma comunidade israelense sofreu tão terrivelmente como a tribo
etíope no seu caminho para Israel.
Tornaram-se uma lenda viva.
A própria existência da tribo parecia tirada de um livro de histórias.
Tratava-se de uma tribo judaica, isolada do resto do mundo, enraizada
no coração de África. Viviam nas montanhas e vales da Etiópia, a terra da
rainha de Sabá. Durante milhares de anos, a tribo agarrou-se teimosamente a
sua fé, uma religião bíblica pura e inocente.
Essa tribo discreta e tímida perdera-se na História. Os líderes, os
kessim, anciãos venerados que se vestiam de branco, comandavam o seu
rebanho segundo as regras ancestrais do judaísmo e os costumes básicos da
vida moderna. Era uma tribo que em tempos vivera em paz e serenidade entre
os vizinhos e que noutros tempos fora perseguida por governantes cruéis. Mas
também teve de enfrentar a triste humilhação de rabinos e especialistas
teológicos judaicos do mundo exterior que haviam decidido que os judeus
etíopes, normalmente conhecidos como falasha, não eram verdadeiros judeus.
Apesar de tudo, os judeus etíopes não desistiram. E, geração após
geração, inspirados pelas tradições passadas de pais para filhos e de mães para
filhas, sonharam com o dia em que partiriam rumo à Terra de Israel.
Muito poucos etíopes foram para Israel nos primeiros 30 anos de
existência do país. Mesmo durante o reinado do imperador Haile Selassie, o
Leão da Judeia, grande amigo e aliado de Israel, não se fez nenhum esforço
sério para levar os judeus da Etiópia para o Estado judeu. As coisas
começaram a mudar em 1973, quando Ovadia Yosef, rabino máximo de
Israel, publicou uma halacha inequívoca que ditava que os judeus etíopes, que
se chamavam a si mesmos “Beta Israel”, eram judeus de pleno direito.
Passados dois anos, o Governo de Israel decidiu aplicar a Lei do
Regresso aos judeus etíopes. E quando se tornou primeiro-ministro em
1977, Menachem Begin convocou o general Yitzhak (Haka) Hofi, diretor do
Mossad.
“Traga-me os judeus da Etiópia!”, disse Begin ao ramsad.
Na estrutura do Mossad, havia uma unidade especial, a Bitzur,
responsável pela defesa dos judeus em países inimigos e pela organização de
imigrações desses países para Israel. A Bitzur — mais tarde rebatizada
Tzafririm — pôs-se imediatamente em ação.
Pouco depois de Begin dar a ordem a Haka, David (Dave) Kimhi
aterrissou em Adis Abeba, capital da Etiópia. Dave era vice-diretor do
Mossad e chefe do Tevel, departamento responsável pelas relações
internacionais secretas.
Foi encontrar-se com o governante da Etiópia, Mengistu Haile
Mariam.
Naquela época, as portas de saída da Etiópia estavam fechadas à
emigração judaica. A nação estava dilacerada por uma guerra civil e Mengistu
pediu a Israel que o ajudasse a combater os rebeldes. Kimhi recusou-se lutar
contra os rebeldes pelo lado de Mengistu, mas prometeu fornecer-lhe armas…
sob uma condição — que Mengistu permitisse a emigração judaica.
“Exigimos”, disse Kimhi, “que cada avião Hércules israelense que aterrisse
aqui carregado de equipamento militar decole carregado de judeus”. Mengistu
concordou. E o êxodo de judeus da Etiópia começou.
O acordo durou seis meses, até ser destruído em fevereiro de 1978 por
um lapsus linguae do então ministro do Exterior Moshe Dayan.
Dayan disse a um jornal suíço que Israel fornecia armas ao exército de
Mengistu. Houve quem dissesse que Dayan o fizera de propósito, por se opor
ao acordo de armas com o regime marxista e pro-soviético de Mengistu.
Mengistu ficou furioso. Não podia admitir publicamente que mantinha
relações secretas com Israel e cancelou imediatamente o acordo com o
Mossad. O canal direto para a emigração judaica ficou bloqueado, mas a
ordem de Begin para Haka continuava em vigor.
As portas da Etiópia estavam novamente fechadas, mas o quartel-
general do Mossad recebeu uma carta vinda de Cartum, capital do Sudão,
vizinho da Etiópia, que ofereceu subitamente outra rota de fuga para os judeus
etíopes.
A carta vinha assinada por Fereda Aklum, um professor judeu etíope
que conseguira atravessar a fronteira para o Sudão. Para Israel, o Sudão era
um país inimigo. Era amaldiçoado pela fome, pela seca e por guerras tribais e
religiosas. Havia milhares de refugiados de várias partes do país — e da
vizinha Etiópia — reunidos em campos de tendas esquálidos. Aklum enviou
várias cartas a Israel e a organizações humanitárias de todo o mundo, numa
tentativa desesperada de conseguir ajuda urgente para a emigração dos judeus
etíopes. Uma das cartas de Aklum acabou por ir parar ao quartel— general do
Mossad e atraiu a atenção de um alto funcionário. “Estou no Sudão”, escreveu
Aklum, “mandem-me um bilhete de avião”. Em vez de um bilhete de avião, o
Mossad enviou ao Sudão Danny Limor, um dos seus homens, para se
encontrar com Aklum.
Quando se encontraram, concordaram que Aklum tentaria encontrar
judeus nos campos de refugiados e informaria Danny. Em poucos
meses, Aklum localizou realmente 30 judeus, e o Mossad organizou
discretamente a sua emigração para Israel. Passado um mês, Aklum foi
integrado no Mossad e encarregado de localizar judeus em Cartum. Contudo,
não encontrou nenhum judeu na capital e o enviado do Mossad decidiu
regressar a Israel.
Antes de ir embora, Limor instruiu Aklum a também emigrar para
Israel.
Aklum, porém, quis ficar e continuar à procura de judeus noutras
zonas do Sudão. Limor, não obstante, foi inflexível. Ordenou a Aklum que
pusesse fim às suas atividades e fosse para Israel ao cabo de uma semana.
Aklum desobedeceu à ordem e começou a viajar de cidade em cidade,
de campo de refugiados em campo de refugiados, na esperança de encontrar
judeus. Não encontrou um único, mas sabia bem que se regressasse a Israel
naquele momento a emigração de judeus etíopes pelo Sudão terminaria.
Assim, compôs um relatório falso, mencionando os nomes de muitos
judeus que alegadamente encontrara no Sudão, enviou-o para o Mossad e
anunciou que ficava no Sudão “para tratar deles”.
Na verdade, os judeus que Aklum listou existiam mesmo, mas não
estavam no Sudão. Ainda viviam nas suas aldeias na Etiópia. Aklum começou
um trabalho solitário na Etiópia. Visitou as aldeias e tentou convencer os
judeus locais a emigrarem para a Terra de Israel. O rumor de que havia uma
via secreta para Jerusalém espalhou-se como um fogo incontrolável. A
princípio, surgiram uns poucos homens, depois foram famílias e, finalmente,
aldeias inteiras embalaram os seus magros pertences e puseram-se a caminho.
Milhares de pessoas, incluindo velhos, mulheres e crianças, saíram da Etiópia
em segredo. Eram inspirados por um sonho messiânico, pelas promessas
bíblicas de regresso à terra do leite e do mel.
Prepararam alimentos e água, atravessaram a fronteira e começaram
uma viagem esgotante e perigosa no deserto. Caminhavam durante a noite e
durante o dia escondiam-se em grutas e recantos de rochas. Muitos adoeceram
e morreram. Houve bebês que morreram de desidratação nos braços das mães.
Um pai perdeu quatro filhos durante a terrível viagem.
Algumas pessoas foram mordidas por cobras e escorpiões, outras
morreram de doenças infecciosas. A água e a comida que tinham levado
consigo foram insuficientes. Vários grupos foram atacados por ladrões que
lhes roubaram os bens e frequentemente deixaram para trás pilhas de
cadáveres. Anos mais tarde, a atriz Mehereta Barush, que participou na
viagem, descreveu o preço terrível que pagaram. Segundo ela, todas as
manhãs os viajantes contavam os cadáveres dos amigos. Por vezes, havia 10
corpos estendidos na areia, outras vezes 15. Não houve uma família que não
tivesse perdido pelo menos um filho.
No verão de 1981, Danny Limor e a sua equipe do Mossad voltaram
clandestinamente ao Sudão. Chamaram a si mesmos “os hafis”, abreviatura de
“Forças de Haka no Sudão”. O seu objetivo era estabelecer contato com os
judeus etíopes do Sudão.
Todavia, os judeus sobreviventes enfrentavam outras dificuldades
quando tentavam entrar em contato com os enviados do Mossad. Mesmo
quem conseguia chegar aos campos de refugiados de Cartum chegava de
coração partido. Tinham de esconder a sua religião judaica, mas ao mesmo
tempo evitavam comer os alimentos não kosher que as agências humanitárias
distribuíam aos refugiados. As mulheres eram violadas e as jovens raptadas
por rufias e criminosos que agiam como verdadeiros donos dos campos. Um
grupo de cem moças foi raptado e desapareceu. Os familiares que as
procuraram descobriram que tinham sido vendidas à Arábia Saudita, onde
cerca de 120.000 mulheres eram mantidas como escravas. Vários judeus
foram identificados como tal pelos seus vizinhos nos campos e presos e
torturados pela polícia sudanesa. Muitos ficaram meses e mesmo anos nos
campos de refugiados antes de conseguirem fugir para Israel.
Os judeus etíopes pagaram um preço muito alto pelo seu sonho de
passar as portas de Jerusalém. Morreram mais de 4000 judeus durante as
várias fases da viagem. Henry Gold, um judeu canadense que trabalhou como
voluntário nos campos do Sudão e da Etiópia, ficou profundamente chocado
com a situação dos judeus que lá encontrou e criticou duramente os enviados
israelenses por não cumprirem devidamente a sua missão.
Porém, o Mossad estava efetivamente a procurar estabelecer uma via
segura de levar os judeus para Israel. O êxodo do Sudão começou com voos
comerciais normais, com passaportes falsos, mas o Mossad depressa decidiu
levar os refugiados para Israel por mar e enviou navios que os levassem pelo
mar Vermelho e pelos estreitos de Tirão, até o porto de Eilat.
Como disfarce, o Mossad montou na Europa uma empresa de turismo
e viagens. “Para navegar naquela área é preciso ter uma história preparada”,
disse Yonatan Shefa, agente do Mossad e um dos diretores da operação,
“porque, se não se tiver uma história, ao fim de uma semana eles
perguntam “Que andam a fazer aqui? São turistas? Que é que há aqui para
ver?” A empresa alugou uma estância balnear abandonada perto de Porto
Sudão, chamada “Arous”, e assinou um acordo com o Governo sudanês para
o desenvolvimento de desportos marítimos no mar Vermelho. Todos os
trâmites administrativos foram confiados a Yehuda Gil, então tido como um
dos melhores oficiais do Mossad. Gil foi a Cartum, encontrou-se com
funcionários do regime e, com muita argúcia, explicou, convenceu e
subornou, até finalmente conseguir todas as autorizações e licenças
necessárias para explorar a estância de Arous.
O homem encarregado do estabelecimento e gestão da estância foi
Yonatan Shefa, que participara em muitas operações do Mossad. Arous estava
na verdade construído como uma aldeia, com bangalôs individuais e alguns
edifícios comuns. Vários agentes do Mossad foram enviados de Israel, com
passaportes falsos, e tornaram-se instrutores e funcionários da estância.
Encheram a loja da estância de equipamento, tanques de mergulho,
máscaras, barbatanas e tubos de snorkel. Havia um transmissor escondido da
loja, que estava em contato permanente com o quartel-general do Mossad.
Emanuel Allon, que tinha participado em muitas operações com Shefa,
incluindo o salvamento das virgens sírias, recebeu uma chamada de Yonatan.
“Disse-me: “Preciso de você para uma coisa especial. Desta vez, é uma
operação sem mortes; uma coisa especial, uma coisa humana. Estou falando
com você e ficando emocionado. Quero fundar uma aldeia numa estância no
Sudão.” A aldeia estava aberta ao público e havia cartazes publicitários
espalhados pelas paredes de agências de viagens europeias.
Muitos turistas passaram férias em Arous e, pelo menos desse ponto de
vista, a estância foi um êxito. Durante o dia, mergulhavam, nadavam e
desfrutavam da praia no mar Vermelho. Mas o que os turistas não sabiam era
que quase todas as noites os agentes do Mossad partiam da aldeia para trazer
judeus dos campos de refugiados. Os “instrutores de mergulho” inventaram
uma história para encobrir tudo aos empregados da estância, todos sudaneses.
Diziam aos locais que iam passar a noite com as enfermeiras suecas do
hospital da Cruz Vermelha na cidade de Cassala. Quando as alegres partidas
alcançaram uma frequência duvidosa, os empregados locais começaram a
suspeitar de que se passava alguma coisa, mas, desde que recebessem os seus
salários generosos, preferiam fazer vista grossa.
As viagens noturnas eram feitas em quatro vans velhas. Os agentes do
Mossad, sob o comando de Danny Limor, conduziam até junto dos campos.
Os jovens membros de uma organização etíope secreta, o Comitê,
reuniam grupos de judeus e levavam-nos para as vans.
Porém, isso não era fácil. Os israelenses corriam muitos perigos. David
Ben-Uziel, um dos chefes da operação, classificou a aproximação aos campos
como “a parte mais perigosa” da missão. “Ficávamos muito perto dos
campos”, disse. “Podíamos ser apanhados e, como tal, tínhamos de acabar
essa fase assim que possível.”
Embora o Comitê tentasse localizar os judeus nos campos de
refugiados, muitos abstinham-se de se identificar, por medo da polícia
sudanesa. Os judeus das aldeias montanhosas na Etiópia nunca tinham visto
um homem branco. Recusavam-se a acreditar que os israelenses fossem
judeus que os tivessem vindo salvar, pois não sabiam que também havia
judeus brancos. Só quando Danny Limor rezou com eles é que começaram a
acreditar que ele era judeu — um tanto estranho e com um modo de rezar
invulgar, mas judeu ainda assim.
Receando uma fuga de informação, os agentes do Mossad não
avisavam previamente os judeus. Os membros do Comitê diziam-lhes que se
preparassem para partir a qualquer momento e que, quando fossem
contactados, tinham de deixar tudo e ir embora. E assim, noite após noite,
grupos de judeus saiam sorrateiramente dos campos e caminhavam às
escondidas até o ponto de encontro numa pequena ravina próxima, onde os
agentes do Mossad os esperavam.
A caravana de quatro vans viajava centenas de quilômetros até a costa
do mar Vermelho. Pelo caminho, tinham de passar por postos de controle do
Exército e da polícia. Danny subornava os guardas e as vans tinham
autorização para continuar. No ponto de encontro na costa, esperava-os a
Marinha israelense.
Havia um navio ancorado a alguma distância e os comandos navais
vinham até a costa em balsas de borracha para receber os judeus e levá-los
para bordo do navio principal. O navio que vinha todas as semanas até a costa
sudanesa era o Bat-Galim. Nenhum dos agentes do Mossad e dos comandos
navais esqueceria o encontro emocional com os seus irmãos etíopes e a sua
dramática partida para Israel. O agente do Mossad David Ben-Uziel
descreveu a transferência dos judeus para os navios num gravador portátil. “O
mar está tempestuoso”, diz. “Temos cada um dos nossos irmãos nos braços,
para que nenhum se afogue. As emoções dos nossos homens estão à flor da
pele. Alguns dizem que a cena lhes lembra os próprios pais, que foram para
Israel como imigrantes ilegais; ficaram à beira das lágrimas quando viram os
nossos irmãos entrar no navio.”
“Eles chegavam em completo silêncio”, acrescenta Gadi Kroll, o
comandante da força naval. “Velhos, mulheres e bebês nos braços.
Navegávamos em mares tempestuosos. Sentavam-se e não
murmuravam uma única palavra.” Os navios da Marinha levavam-nos para
Eilat.
Certo dia, o voluntário Henry Gold, judeu canadense, foi à estância.
Estava exausto do trabalho árduo nos campos de refugiados e alguns
amigos convenceram-no a tirar uns dias de folga, tomar sol, nadar e
mergulhar. Não fazia ideia das atividades secretas em curso dentro e fora de
Arous. Porém, quando passeou pela estância, sentiu que havia qualquer coisa
estranha: teve a impressão de que estava rodeado de agentes do Mossad. O
pessoal parecia muito estranho. “Tinham um sotaque esquisito. Uma mulher
apresentou-se-me como suíça, mas não tinha sotaque suíço, e os iranianos não
tinham sotaque iraniano. Ao jantar, punham nas mesas uma salada finamente
cortada. Eu já tinha estado em muitos lugares do mundo, mas aquelas saladas
só se serviam em Israel.” Na manhã seguinte, Gold não hesitou mais e virou-
se para o instrutor de mergulho perguntando em hebraico: “Pode dizer-me o
que é que vocês fazem aqui?” O homem, estupefato, corou e caiu numa
cadeira. Por fim, perguntou a Gold, também em hebraico: “Quem é você?”
Nesse mesmo dia, chegou um alto funcionário do Mossad e teve uma
conversa privada com Gold. Gold confrontou-o com irritação sobre o
tratamento dado aos judeus nos campos de refugiados.
Numa das operações, em março de 1982, enquanto vários barcos
transportavam etíopes para o navio, na mais cerrada escuridão, uma balsa com
quatro agentes do Mossad ficou presa entre umas rochas perto da praia.
Nesse momento, emergiu subitamente da praia um esquadrão de
soldados sudaneses armados com espingardas automáticas AK47 apontadas à
pequena embarcação.
Danny Limor conseguiu controlar-se e lançou-se num ataque aos
soldados, gritando em inglês para o comandante: “Está louco ou quê? Vai
disparar contra turistas?” Continuou a falar aos berros sobre os turistas que
vinham fazer mergulho para a estância, sobre a contribuição de Arous para o
turismo do Sudão, depois ameaçou apresentar queixa em Cartum contra o
comandante do esquadrão. O oficial, estupefato, desculpou-se e explicou que
presumira que as pessoas no barco fossem contrabandistas. Ordenou aos seus
soldados que abandonassem imediatamente o local.
Os agentes do Mossad saíram ilesos, mas as partidas por mar, ao que
parecia, não podiam continuar. Tinha de se descobrir uma nova maneira de
transportar os judeus para Israel. Certa manhã, os turistas de Arous acordaram
e descobriram que todo o pessoal estrangeiro desaparecera, à exceção de
alguns funcionários locais que tinham ficado a preparar o pequeno-almoço
dos convidados. Na noite anterior, os agentes do Mossad tinham abandonado
a aldeia. Deixaram cartas pedindo desculpa e dizendo que a estância fechara
devido a problemas orçamentais. Os turistas receberiam o dinheiro de volta
quando regressassem aos seus países. Assim foi, e todos os mergulhadores
foram reembolsados nas semanas seguintes.
Depois de longas discussões na sede do Mossad, o ramsad decidiu que
os transportes seguintes seriam feitos por ar, com aviões de transporte Rhinos-
Hércules C130 da Força Aérea israelense. Era uma jogada arriscada,
implicava penetrar no espaço aéreo sudanês e aterrissar repetidamente
soldados israelenses no território de um país inimigo. Mas Israel não tinha
alternativa: os judeus etíopes tinham de ser salvos.
Em maio de 1982, os agentes do Mossad voltaram ao Sudão. A sua
primeira missão foi localizar possíveis zonas de aterragem a sul de Porto
Sudão. Descobriram um aeródromo britânico abandonado e concertaram a
pista, para que fosse possível aterrissar nela os pesados Rhinos. O primeiro
grupo de judeus foi levado do ponto de encontro até o local. Utilizaram-se
tochas para iluminar a faixa de aterragem. Porém, quando o enorme Rhino da
Força Aérea aterrissou, os judeus etíopes quase morreram de susto. O gigante
pássaro de metal que viram pela primeira vez na vida aterrissou com um
rugido dos motores que levantou nuvens de poeira e parecia vir direto a eles.
Muitos fugiram a sete pés e só concordaram regressar após esforços
esgotantes de persuasão do pessoal do Mossad. Outros recusaram-se
teimosamente a entrar na barriga do monstro de aço. A aeronave que devia
partir logo a seguir acabou por finalmente partir com uma hora de atraso, com
213 judeus a bordo.
Os agentes receberam um telegrama de felicitações da sede, mas
aprenderam uma importante lição. No futuro, as vans esperariam até o Rhino
ter aterrado e aberto a rampa, e depois então fariam o caminho até a parte de
trás do avião, para que os judeus entrassem imediatamente na barriga aberta
do avião.
A estratégia foi um êxito, mas não durou muito tempo. As autoridades
sudanesas aperceberam-se do estranho tráfego na pista de aterragem
abandonada e os agentes do Mossad tiveram de encontrar outra zona de
aterragem. Não tardaram a encontrar uma pista alternativa, 46 quilômetros a
sudoeste de Porto Sudão. Dessa vez, o Mossad decidiu levar a cabo uma
grande operação de salvamento com sete voos Hércules, cada um
transportando 200 judeus.
A “Operação Irmãos” aconteceu sob o comando pessoal do ramsad
Haka e do general Amos Yaron, comandante do Corpo de Paraquedistas. Nos
dois anos seguintes, desde meados de 1982 até meados de 1984, levou para
Israel 1500 judeus etíopes.
A operação, embora coroada de êxito, quase acabou em fracasso. Um
informante das forças de segurança sudanesas identificou o homem de contato
do Mossad nos campos de refugiados. Addis Solomon, judeu etíope, foi
detido e torturado durante 42 dias pelos sudaneses. Queriam saber os nomes
dos seus contatos e os locais de encontro com os agentes do Mossad.
Solomon, contudo, não cedeu e não revelou o segredo.
No final de 1984, a situação nos campos piorou. A fome e as doenças
infecciosas causaram muitas mortes entre os etíopes. O Sudão era assolado
por uma guerra civil que ameaçava o regime de Jaafar Nimeiry, ditador da
nação. A sobrevivência deste dependia de uma concessão urgente de ajuda
financeira e alimentos dos Estados Unidos.
Israel pediu a Washington que ajudasse o Sudão, se o país permitisse
que o resgate aéreo israelense prosseguisse. A administração concordou e o
embaixador americano em Cartum foi instruído a negociar segundo essas
diretrizes. O resultado foi um compromisso: os judeus não seriam levados
diretamente para Israel mas antes via um terceiro país; Israel não se
envolveria na operação; a compensação para o Sudão seria entregue na forma
de alimentos e combustível.
A Embaixada dos Estados Unidos em Cartum informou Washington de
que os judeus podiam ser retirados do Sudão dentro de cinco ou seis semanas.
Foi assim que nasceu a “Operação Moisés”.
Entretanto, o ramsad Haka fora substituído pelo seu adjunto Nahum
Admoni, que se distinguira nos anos anteriores pelos seus esforços enérgicos
de organização da emigração dos judeus etíopes. Admoni autorizou os seus
homens a levar os judeus para a Bélgica. Um empresário judeu que detinha
uma pequena empresa de voos fretados concordou em ajudar com os seus
Boeing.
E, assim, em 18 de novembro de 1984, à 1h20 da manhã, aterrissou no
Sudão o primeiro avião belga. Nele entraram 250 refugiados esfaimados,
exaustos e gravemente traumatizados. Porém, o piloto belga recusou-se a
decolar, por o avião só estar equipado com 210 máscaras de oxigênio,
insuficientes para os 250 passageiros. O agente do Mossad responsável pela
operação chamou-o à parte e murmurou-lhe tranquilamente mas de forma
firme: “Faça o favor de escolher e decidir quem vive e quem morre!” Depois,
acrescentou, menos tranquilamente: “Se não entras na cabine e ligas os
motores, lanço-te do avião e ponho outro piloto no teu lugar.”
Foi um argumento muito persuasivo. O piloto entrou na cabine e, às
2h40 da manhã, o primeiro voo da “Operação Moisés” decolou para Israel,
com uma escala em Bruxelas. Durante os 47 dias seguintes, os Boeing
fizeram 36 voos secretos e transportaram 7.800 judeus etíopes.
Em Israel, a censura militar fez esforços desesperados para impedir
qualquer fuga de informação sobre a operação. Os esforços foram bem—
sucedidos até Arie Dulzin, presidente da Agência Judaica, publicar uma
declaração de que “uma das tribos judaicas está prestes a regressar à nossa
pátria”. Na sequência desse comunicado, o New York Jewish Press publicou
os pormenores da operação. Seguiu-se o Los Angeles Times.
Passados três dias, o primeiro-ministro Shimon Peres declarou no
Knesset: “O Governo de Israel agiu, e continuará a agir, até o limite dos seus
poderes e para lá deles, para continuar a operação até que o último judeu
etíope chegue à sua pátria.” Nesse mesmo dia, os sudaneses cancelaram os
voos e a operação foi interrompida. Os sudaneses ficaram furiosos, não com
os artigos na imprensa, mas com o discurso do primeiro-ministro, que
confirmou a história. “Se os israelenses tivessem ficado calados mais um
mês”, observou um oficial americano em Washington, “teria sido possível
salvar todos os judeus na Etiópia”.
O vice-presidente George H. W. Bush ficou profundamente
impressionado pela “Operação Moisés” e pelos esforços de Israel para levar
os etíopes, a despeito dos enormes riscos. Decidiu intervir. Umas semanas
depois do cancelamento da “Operação Moisés”, sete aviões Hércules da Força
Aérea americana aterrissaram no aeródromo sudanês de Al-Qadarif. Levavam
a bordo vários agentes da CIA. A força de ação americana lançou a
“Operação Rainha de Sabá” e transportou os 500 judeus etíopes que restavam
no Sudão diretamente para a base da Força Aérea israelense, em Mitzpeh
Ramon, no Negev.
Dois meses depois, Jaafar Nimeiry foi deposto por uma junta militar.
Os oficiais dos serviços secretos líbios partiram imediatamente para o Sudão,
para pegar agentes do Mossad que ainda estivessem em Cartum. Os últimos
três agentes foram descobertos pelos líbios e conseguiram fugir, na última
hora, para a casa de um agente da CIA. O americano escondeu-os em sua casa
e mais tarde o colocou em caixotes de transporte que enviou de avião para
Nairobi, capital do Quênia. David Molad, que fora um dos altos funcionários
do Mossad no Sudão, escapou discretamente do país. O salvamento dos
judeus etíopes seria uma de suas últimas operações antes de se aposentar do
Mossad.
Nas operações “Moisés” e “Rainha de Sabá”, a cooperação entre
americanos e israelenses fora perfeita, quase idílica. Infelizmente, pouco
depois destes acontecimentos, o caso Pollard explodiu em
Washington: Jonathan Pollard, funcionário judeu da comunidade secreta
americana, foi preso por espionar em favor de Israel. O Governo americano
ficou incrédulo e furioso; os diretores da CIA sentiram-se traídos pelo aliado
que tinham ajudado e que, em troca, os espionava.
O Governo israelense pediu desculpas efusivas e devolveu os
documentos roubados por Pollard aos Estados Unidos. Porém, as relações
secretas entre Jerusalém e Washington sofreram um terrível revés. Um dos
contatos de Pollard era nada mais nada menos do que Rafi Eitan, o lendário
agente do Mossad que agora chefiava uma organização secreta obscura no
Ministério da Defesa. A organização, a Lakam, (Gabinete de Relações
Científicas) foi imediatamente desmantelada e Washington iniciou
procedimentos judiciais contra Eitan. Ainda hoje, Eitan não pode entrar nos
EUA, por receio de ser detido.
A “Operação Moisés” foi grandemente criticada por muitos judeus
etíopes, pois tirou a vida a cerca de 400 pessoas. Também no Mossad, os
oficiais da Caesarea, chefiada na altura por Shabtai Shavit, desaprovaram
fortemente o planejamento e execução da operação pelo Bitzur. Shavit e os
seus homens afirmaram que o Bitzur era um departamento marginal que não
estava preparado para empreender uma operação da enorme magnitude
da “Moisés”. O pessoal do Bitzur insistiu que a operação correu bem
precisamente devido ao seu caráter espontâneo e improvisado. Também
sublinharam que recrutaram alguns dos melhores agentes do Mossad para
tratar das várias fases da “Moisés”.
As lutas internas não mudaram o fato de milhares de judeus terem
regressado à Terra de Israel. E, porém, mesmo depois de finalizadas as
operações “Moisés” e “Rainha de Sabá”, milhares de judeus continuavam na
Etiópia. Também eles queriam emigrar para Israel, mas as portas estavam
fechadas. Israel sentiu que era imperativo trazê-los, por razões ideológicas e
sionistas, mas também humanas: muitas famílias tinham sido divididas e
dilaceradas; tinham chegado a Israel filhos sem pais, pais sem filhos, maridos
sem mulheres… Esta separação originou terríveis problemas de adaptação e
muitas tragédias pessoais, como suicídios de jovens incapazes de lidar com a
nova realidade sem o apoio das famílias. Os emissários da Agência Judaica
transferiram milhares de judeus para campos em redor da capital Adis Abeba,
e os judeus etíopes continuaram a rezar por um milagre que os levasse para a
Terra de Israel.
E o milagre aconteceu.
Seis anos após a “Operação Moisés”, em maio de 1991, foi lançada
a “Operação Salomão”. Foi conduzida no auge da guerra civil, enquanto os
rebeldes contrários à junta militar no poder se aproximavam de Adis Abeba
por todos os lados. A operação foi tornada possível por um acordo de última
hora, apadrinhado pelos Estados Unidos, entre o Governo de Israel e o sitiado
governante Mengistu, nos últimos dias antes do seu colapso.
O acordo foi negociado graças à atividade secreta de Uri Lubrani, um
dos “homens misteriosos” de Israel, que fora enviado especial ao Irã e ao
Líbano. Israel concordou em pagar à Etiópia 33 milhões de dólares pela
emigração dos judeus, enquanto os Estados Unidos prometeram a algumas
das altas figuras do Governo de Mengistu asilo político na América. Em
simultâneo, chegou-se a um entendimento com os líderes dos rebeldes de que
aceitariam umas tréguas na luta por um tempo limitado, enquanto Israel
conduzia a sua operação. Ao fim de 36 horas, a operação terminou.
A execução da “Operação Salomão” foi atribuída às Forças Armadas
israelenses. O vice-chefe de Estado-Maior, general Amnon Lipkin-Shahak,
tomou a si o comando da ação. Sob ordens suas, Israel enviou para Adis
Abeba “tudo o que conseguisse voar”. A companhia aérea El Al mandou para
a Etiópia 30 aviões comerciais. A Força Aérea mandou muitos dos seus
aviões. Foram enviados para Adis Abeba esquadrões de elite do Shaldag
(Pica-Peixe). A ajudá-los, tinham centenas de soldados de infantaria e
paraquedistas de origem etíope que tinham emigrado para Israel ainda
crianças havia poucos anos. Foram colocados nos confins do aeroporto e
conduziram os judeus até os aviões. Em 34 horas, foram levados 14.400
judeus para o aeroporto. Embarcavam nos aviões à velocidade da luz e
decolavam logo para Israel. Durante a operação, bateu-se um recorde
mundial: um Boeing 747 da El Al embarcou 1.087 emigrantes, mas, ao
aterrissar, contava 1.088. Nascera um bebê durante o voo.
Ao verem os jovens soldados etíopes que tinham chegado de Israel
para salvar seus irmãos, os emigrantes eram arrebatados por emoções
tremendas. Mesmo os duros paraquedistas etíopes, nos seus uniformes verdes,
boinas vermelhas e botas das Forças Armadas israelenses, desatavam a
chorar.
Hoje, mais de 20 anos depois da “Operação Salomão”, ainda há muitos
judeus na Etiópia, e fazem-se esforços para trazê-los para Israel. Contudo, a
adaptação dos etíopes à sociedade israelense não tem sido fácil, muitas vezes
devido à disparidade entre a comunidade africana rural e uma nação ocidental
moderna, mas também devido à discriminação aberta ou a reivindicações
hediondas de alguns líderes religiosos de que os etíopes não sejam judeus
verdadeiros.
Como diz a última estrofe da canção da “Viagem”:

Na Lua A imagem da minha mãe me observa.


Mãe, não desapareça!
Se ao menos estivesse a meu lado,
Ela seria capaz de convencê-los de que sou judeu.
EPÍLOGO

GUERRA COM O IRÃ?

Aeroporto de Entebbe, Uganda, 4 de julho de 1976


É noite cerrada quando quatro aviões Hércules israelenses, não
detetados pelo radar ugandês, aterram sub-repticiamente no aeroporto de
Entebbe.
Voaram 4.000 quilômetros desde a sua base em Israel e transportam a
bordo a unidade de operações especiais Sayeret Matkal e várias outras
unidades de elite do Exército. Uma semana antes, terroristas árabes e alemães
desviaram um avião comercial da Air France que saíra de Tel Aviv em
direção a Paris, e aterrissaram-no em Entebbe. Protegidos e apoiados pelo
ditador ugandês, o general Idi Amin, os terroristas mantêm reféns 95 civis
israelenses. Israel decide lançar uma operação ousada no coração de África,
para salvar os reféns.
Poucos minutos depois de aterrissarem, os comandos israelenses
espalham-se pelo aeroporto. Yoni Netanyahu, comandante da Sayeret Matkal,
lidera os seus homens num assalto ao terminal onde os reféns estão. No
intenso tiroteio que irrompe, Yoni cai subitamente, apanhado por uma bala.
Outro oficial da Sayeret, o capitão Tamir Pardo, debruça-se sobre o seu
comandante caído, liga o microfone e chama os camaradas. “O Yoni foi
atingido”, diz ele. “Muki, conduz tu!” O adjunto de Yoni, Muki Betzer, toma
o comando e prossegue a missão. Poucos minutos depois, a batalha acaba. Os
terroristas foram mortos, os reféns, salvos, e os pesados aviões Hércules
descolam a caminho de Israel.
O salvamento dos reféns, tão longe de casa, está prestes a tornar-se
lendário. Porém, pagou-se um preço: três reféns morreram no tiroteio. Tal
como um soldado, o tenente-coronel Yoni Netanyahu, irmão do futuro
primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. Toda a nação de Israel chora a morte
de Yoni. Nessa noite, Tamir Pardo, o oficial de comunicações da Sayeret, bate
à porta da família Netanyahu em Jerusalém; foi enviado para informar os
familiares de Yoni das circunstâncias da sua morte. Florescerá uma relação
calorosa entre a família Netanyahu e Tamir Pardo, que esteve ao lado de Yoni
nos seus últimos momentos.
Passados 35 anos, Tamir Pardo, com 57 anos, é nomeado ramsad,
substituindo Meir Dagan.
Nascido em Tel Aviv numa família judaica de origens turca e
sérvia, Tamir ofereceu-se com 18 anos para os paraquedistas, formou-se na
academia de oficiais e serviu nas unidades de operações especiais Sayeret
Matkal e Shaldag (Pica-Peixe). Quatro anos após Entebbe, entrou no Mossad,
participou em várias operações anônimas e recebeu três vezes o Prêmio de
Segurança de Israel. Em 1998, foi nomeado presidente da comissão de
inquérito do Mossad que investigou a tentativa de assassinato frustrada de
Khaled Mashal, em Amã. Pouco depois, tornou-se diretor do Nevioth, o
departamento do Mossad responsável pela compilação eletrônica de
informações secretas em países estrangeiros. Especializou-se em novas
tecnologias e planejamento criativo. Em 2002, quando Dagan foi nomeado
ramsad, Pardo tornou-se um dos seus dois adjuntos e durante os quatro anos
seguintes chefiou o departamento de operações do Mossad; em 2006, porém,
passou um ano como general das Forças Armadas israelenses, aconselhando o
Estado-Maior sobre operações especiais. Diz-se que planejou várias missões
ousadas durante a Segunda Guerra do Líbano. Pardo foi chamado de volta
para junto de Dagan em 2007. Esperava ser nomeado ramsad quando o
mandato de Dagan chegasse ao fim, em 2009, mas o Governo, impressionado
com os feitos de Dagan, prolongou os seus serviços por mais um ano. Pardo,
desapontado, demitiu-se do Mossad e foi trabalhar para uma empresa de
serviços médicos. Isso não durou muito. A 29 de novembro de 2010, o
primeiro-ministro Netanyahu nomeou-o como ramsad seguinte, e Pardo
iniciou funções em janeiro de 2011.
Sob várias perspetivas, Pardo seguiu as peugadas do seu predecessor.
A implacável guerra sub-reptícia contra o Irã continuou. Em novembro e
dezembro de 2011, várias explosões abalaram uma base militar onde eram
testados os mísseis Shehab e um subúrbio de Isfahan onde o gás de urânio,
separado nas centrifugadoras em cascata, era novamente convertido em
matéria sólida. Mais tarde, outro cientista, o Dr. Mostafa Ahmadi-Roshan,
vice-diretor do complexo subterrâneo de Natanz, foi morto enquanto conduzia
pelas ruas de Teerã. O modus operandi foi semelhante ao de vários
assassinatos anteriores.
O Irã acusou Israel dos ataques e jurou vingança. Pela primeira vez, os
serviços secretos iranianos tentaram levar a cabo vários golpes contra alvos
israelenses na Ásia: um atentado a bomba a um carro em Nova Deli feriu a
mulher de um diplomata israelense; um atentado semelhante em Tbilisi, na
Geórgia, falhou; houve várias explosões em Banguecoque, na Tailândia, uma
das quais feriu o autor, de nacionalidade iraniana. Os serviços secretos
egípcios desmantelaram um plano de agentes iranianos para fazer explodir um
navio israelense que navegava pelo canal do Suez. A guerra sub-reptícia entre
Israel e o Irã emergia à luz do dia. Os inspetores de polícia de Nova Deli,
Banguecoque e Cairo apontaram o dedo aos serviços secretos do Irã.
A imprensa mundial descreveu em pormenor as tentativas algo coxas
de espiões iranianos de atacar alvos israelenses no estrangeiro.
Também se conheceram novos pormenores sobre as operações
israelenses dentro do Irã. Algumas fontes ocidentais afirmaram que o Mossad
tinha estabelecido bases operacionais no Azerbaijão e no Curdistão, mesmo
junto à fronteira iraniana. Estas serviam como campos de treino e de partida
de agentes para o território iraniano. As mesmas fontes afirmaram que muitos
dos agentes do Mossad a trabalhar dentro do Irã eram, na verdade, membros
da oposição MEK, muçulmanos iranianos que podiam misturar-se melhor
com a população local do que qualquer oficial israelense. Muitos militantes
do MEK tinham sido treinados em instalações secretas em Israel, e até
ensaiado algumas operações em modelos construídos de propósito — como
uma rua de Teerã onde montariam uma emboscada a um carro de um cientista
nuclear iraniano ou deixariam uma bomba, perto da casa deste.
Noutros casos, os dissidentes iranianos eram abordados por meios
diferentes. Vários memorandos da CIA chegaram a afirmar que os oficiais do
Mossad levavam a cabo missões de recrutamento “Bandeira Falsa”. Os
israelenses, fazendo-se alegadamente passar por agentes da CIA, recrutavam
militantes da organização terrorista paquistanesa Jundallah e mandavam-nos
em missões de sabotagem e de assassinato no interior do Irã. Segundo os
memorandos da CIA, os israelenses faziam-se passar por agentes secretos
americanos para ultrapassar a objeção dos devotos muçulmanos de servir o
Estado judaico.
Na primavera de 2012, observadores internacionais preocupados
afirmaram que o projeto nuclear iraniano estava perto do fim, e fontes da
Agência Internacional de Energia Atômica chegaram a declarar que o Irã
produzira 109 quilos de urânio enriquecido, o bastante para montar quatro
bombas atômicas.
Se Israel decidisse desferir um grande golpe sobre o projeto iraniano
com o lançamento de um ataque total contra os seus centros nucleares, a
guerra sub-reptícia daria lugar a uma guerra aberta.
Segundo a imprensa mundial e muitos porta-vozes verbosos, Israel não
estava sozinha na sua ponderação de uma opção militar. Em Jerusalém e
Washington, fontes oficiais confirmaram que Israel e os Estados Unidos
agiam em conjunto, mas discordavam num ponto crucial: quando é que o Irã
tinha de ser travado por todos os meios necessários — militares ou outros. Os
americanos diziam que seria o momento em que o enriquecimento de urânio
do Irã chegasse aos 80 por cento, uma fase crucial no desenvolvimento do seu
poderio nuclear. O urânio enriquecido a esse nível podia ser muito
rapidamente melhorado para 97 por cento, o grau necessário para montar uma
bomba atômica.
O calendário de Israel era diferente, baseado em informações do
terreno e detecção por satélite. O Mossad descobrira que o Irã estava
empenhado numa caótica corrida contra o tempo, a construir um grande
número de instalações subterrâneas enterradas a centenas de metros de
profundidade.
Estava a transferir todos os seus materiais cindíveis e os seus
laboratórios secretos para debaixo de terra. Relatórios secretos obtidos pelo
Mossad, com a ajuda da organização de resistência MEK, diziam que o Irã
tinha construído um novo complexo subterrâneo perto de Fordo. Nas enormes
paredes do novo complexo, os iranianos planeavam instalar 3000
centrifugadoras novas, muito mais rápidas e sofisticadas do que o
equipamento de que se serviam até então. Nesse complexo, os iranianos
podiam alimentar as centrifugadoras com urânio enriquecido a 3,5 por cento e
continuar a enriquecê-lo até ele estar pronto a ser usado. Israel estava
convencida de que aquela gruta do apocalipse, como muitas outras bases e
laboratórios, tinha de ser destruída antes de as centrifugadoras serem
instaladas e estarem completamente protegidas contra um ataque aéreo.
“Quando eles chegarem à fase crítica do enriquecimento”, disseram os
enviados israelenses aos americanos, “será demasiado tarde para os atacar.
Terão entrado na “era imune”, quando nenhuma bomba será capaz de destruir
o projeto deles. O tempo de agir é agora, na primavera de 2012”.
Washington não ficou convencida e quis tentar uma campanha de
sanções duras. Israel não acreditava que o Irã pudesse ser travado com
sanções.
Numa cúpula em Washington no início da primavera de 2012, o
presidente Obama e o primeiro-ministro Netanyahu elogiaram a firme aliança
estratégica entre as suas duas nações, mas não conseguiram pôr-se de acordo
sobre o passo seguinte contra o projeto nuclear iraniano. Os relatórios do
Mossad continuavam a indicar que Teerã procurava incansavelmente tornar-se
uma potência atômica. Ao mesmo tempo, os líderes iranianos não deixavam
de ameaçar Israel de aniquilação total. Bastava a ideia do que o Irã fanático e
nuclear representava para Israel e o mundo para recordar aos israelenses o
velho adágio talmúdico: “Se alguém te vem matar, ergue-te e mata-o
primeiro.”
Israel sentiu que, mais uma vez, estava só. E, como em 1948, o ano da
sua criação, e em 1967, na véspera da Guerra dos Seis Dias, Israel enfrenta
novamente a decisão mais fatídica de sua existência.
AGRADECIMENTOS

Em 2010, foi publicada em Israel uma versão inicial de Mossad que


ficou na lista de livros mais vendidos durante 70 semanas e recebeu prêmios
de ouro, platina e diamante por bater recordes de vendas. Queremos
agradecer, antes de mais nada, ao nosso editor israelense, Dov Eichenwald,
diretor-geral da Yedioth Ahronoth, que concebeu a ideia e depois nos
encorajou e apoiou ao longo do caminho.
Estamos profundamente gratos aos antigos diretores e agentes da
comunidade de serviços secretos — só pudemos nomear um punhado deles —
que nos ajudaram com informações e conselhos.
Os nossos assistentes de pesquisa, Oriana Almassi e Nilly Ovnat,
fizeram um esforço tremendo para dar vida ao projeto. Nilly Ovnat também
nos ajudou enormemente na preparação da versão inglesa, reescrita e
atualizada, de Mossad.
Nos Estados Unidos, deu-nos muito prazer colaborar com Dan
Halpern, da HarperCollins/Ecco, e com os nossos empenhados editores,
Abigail Holstein e Karen Maine. Também queremos agradecer à nossa
revisora, Olga Gardner Galvin, pelos seus olhos de Raios x e lápis
questionador.
Este livro é publicado quase que simultaneamente em mais de 20
países de todo o mundo, e agradecemos enormemente os esforços dos nossos
agentes, a Writers’ House de Nova York, e especialmente os do “Mr
Writers’ House”, Al Zuckerman, e a infatigável diretora de direitos de autor
no estrangeiro Maja Nikolic.
Finalmente, agradecemos a nossas esposas, Galila Bar-Zohar e Amy
Korman, pelos conselhos, pelas leituras, pelas correções, pelas sugestões,
pelas discussões — e por, aparentemente, ainda não terem desistido de nós.

MICHAEL BAR-ZOHAR
NISSIM MISHAL

BIBLIOGRAFIA E FONTES

Mossad baseia-se numa grande variedade de fontes, livros,


documentos, artigos de imprensa e entrevistas. Uma vez que respeita a
materiais secretos, a importância de fontes fidedignas e sólidas é crucial. A
maioria das fontes em hebraico foram documentos inéditos e entrevistas de
fundo a muitos dos maiores atores neste mundo de sombras. Também
recorremos a muitas fontes em inglês, depois de tentar separar as informações
fidedignas das invenções fantasiosas de mentes férteis. Esperamos ter sido
bem-sucedidos nessa aventura.
Quanto aos livros e artigos em hebraico mencionados nas referências
bibliográficas, os títulos foram traduzidos para o português. As fontes
marcadas com um “(H)” são originalmente escritas em hebraico.
Entre as muitas e diferentes fontes deste livro, os autores utilizaram as
seguintes publicações do Dr. Ronen Bergman:
O Capítulo 1, “Rei das Sombras”, baseia-se, entre outras fontes, no
seguinte:
“Ao Serviço de Sua Majestade”, Ronen Bergman, Yedioth Ahronoth, 5
de fevereiro de 2010 (H).
“Dagan Semeou o Caos”, Ronen Bergman, Yedioth Ahronoth, 7 de
outubro de 2005 (H).
“Instituição Fechada”, Ronen Bergman, Yedioth Ahronoth, 3 de julho
de 2009 (H).

O Capítulo 2, “Funerais em Teerã”, baseia-se, entre outras fontes, no


seguinte:
Bergman Ronen, Ponto sem Retorno, Zmora-Bitan Dvir, Kinneret,
2007, pp. 32, 454-56, 470-71, 473, 478, 481-82, 491-92 (H).
“Um Incidente Fantástico”, Ronen Bergman, Yedioth Ahronoth, 7 de
dezembro de 2007 (H).
“O Espião Que Falou”, Ronen Bergman, Yedioth Ahronoth, 12 de
setembro de 2009 (H).
“O Cérebro”, Ronen Bergman, Yedioth Ahronoth, 19 de março de
2010 (H).

O Capítulo 4, “Um infiltrado soviético e um cadáver ao mar”, baseia-


se, entre outras fontes, no seguinte:
“Foi assim Que o Mossad Matou o Meu Pai (e Mentiu à Minha
Mãe)”, Ronen Bergman, Yedioth Ahronoth, 26 de maio de 2006 (H).

O Capítulo 14, “Hoje vamos entrar em guerra!”, baseia-se, entre outras


fontes, no seguinte:
“O Homem Deles no Cairo”, Ronen Bergman, Yedioth Ahronoth, 6 de
maio de 2005 (H).
“Nome de Código Hatuel”, Ronen Bergman, Yedioth Ahronoth, 7 de
setembro de 2007 (H).

O Capítulo 16, “O supercanhão de Saddam”, baseia-se, entre outras


fontes, no seguinte:
“Cortem-lhe a Cabeça, Versão Mossad”, Ronen Bergman, Yedioth
Ahronoth, 8 de junho de 2007 (H).

O Capítulo 17, “Fiasco em Amã”, baseia-se, entre outras fontes, no


seguinte:
“Mais Raciocínio Que Sorte”, Ronen Bergman, Yedioth Ahronoth, 7
de julho de 2006 (H).

O Capítulo 18, “Da Coreia do Norte, com amor”, baseia-se, entre


outras fontes, no seguinte:
“O Plano Nuclear de Assad”, Ronen Bergman, Yedioth Ahronoth, 4 de
abril de 2008 (H).
“O General Nuclear Morto à Beira-Mar”, Ronen Bergman, Yedioth
Ahronoth, 4 de agosto de 2008 (H).
“Wikileaks: o Ataque à Síria”, Ronen Bergman, Yedioth Ahronoth, 24
de dezembro de 2010 (H).

O Capítulo 20, “As câmeras estavam gravando”, baseia-se, entre outras


fontes, no seguinte:
“Desliguem o Plasma”, Ronen Bergman, Yedioth Ahronoth, 31 de
dezembro de 2010 (H).
“The Anatomy of Mossad’s Dubai Operation”, Ronen Bergman,
Christopher Schult, Alexander Smoltczyk, Holger Stark e Bernard
Zand,
Spiegel Online, 17 de janeiro de 2011.

O Capítulo 21, “Da terra da rainha do Sabá”, baseia-se, entre outras


fontes, no seguinte:
“Preço: 4000 Mortos”, Ronen Bergman, Yedioth Ahronoth, 3 de julho
de 1998 (H).

Capítulo 1: Rei das Sombras


Meir Dagan
“Meir Dagan, the Mastermind Behind Mossad’s Secret War”, Uzi
Mahanaimi, Sunday Times, 21 de fevereiro de 2010.
“The Powerful, Shadowy Mossad Chief Meir Dagan Is a
Streetfighter”, Times, 18 de fevereiro de 2010.
“Mossad Chief Meir Dagan Is a “Streetfighter”, Nation (Paquistão), 18
de fevereiro de 2010.
“Vegetarian, Painter… Spy Chief”, Uzi Mahanaimi, Sunday Times, 21
de fevereiro de 2010.
“Mossad — The World’s Most Efficient Killing Machine”, Gordon
Thomas, Rense.com, 12 de setembro de 2002.
“Abu Jabel Apanha o Mossad”, Yigal Sarna, Yedioth Ahronoth, 13 de
setembro de 2002 (H).
Mike Eldar, Associação Sayeret Shaked, “A Herança”, sinopse do livro
Unidade 424, a história da Sayeret (Unidade de Operações Especiais) Shaked,
publicado pela Associação Shaked (H).
“Dagan Quê?”, Sima Kadmon, Yedioth Ahronoth, 30 de novembro de
2001 (H).
“Mossad em Espera”, Ron Leshem, Yedioth Ahronoth, 18 de janeiro
de 2002 (H).
“As Primeiras Liquidações”, Yigal Sarna e Guy Leshem, Yedioth
Ahronoth, 26 de setembro de 1997 (H).
“Para ti, Avô”, Amos Shavit, Yedioth Ahronoth, Dia do Holocausto, 12
de abril de 2010 (H).
“Podia-se Rebentar”, Amir Oren, Haaretz, 28 de março de 2010 (H).
“Até os Melhores Generais da Guerra do Yom Kippur Se Enganaram”,
Ron Leshem, Yedioth Ahronoth, 14 de janeiro de 2000 (H).
“Sharon Promoveu Dagan”, Nahum Barnea, Yedioth Ahronoth, 13 de
setembro de 2002 (H).
“O Bravo Funcionário Que não Se Priva de Matar”, Yedioth Ahronoth,
11 de setembro de 2002 (H).
“Meir Dagan: o Super-Homem de Israel”, Smadar Periy, Yedioth
Ahronoth, 17 de janeiro de 2010 (H).
“Israel Conduz Uma Campanha de Liquidação no Oriente Médio”,
Dana Herman, Haaretz, 14 de fevereiro de 2010 (H).
“O Trabalho da Vida Dele”, Yoav Limor e Alon Ben-David, YNET, 4
de junho de 2005 (H).
“Na Sombra, Não É Mau Ser Chefe do Mossad: Meir Dagan”, Amir
Oren, Haaretz, 23 de março de 2010 (H).
“Até Nasrallah Receia os Métodos de Dagan”, Aluf Ben, Haaretz, 26
de setembro de 2008 (H).
“Perfil Especial — O Homem Que Devolveu a Israel o Seu Elemento
Disuasor”, Alon Ben-David, 4 de fevereiro de
2010, News.nanalO.co.il/article (H).
“Um Político Corre Riscos (sobre Meir Dagan)”, Stella Korin-
Lieber, Globes, 18 de fevereiro de 2010 (H).
“Quem Vai Lidar com o Projeto Nuclear Iraniano”, Aluf Ben, Haaretz,
26 de agosto de 2003 (H).
“Sharon Delega ao Diretor do Mossad a Resolução da Ameaça Nuclear
Iraniana”, Aluf Ben, Haaretz, 4 de setembro de 2003 (H).

Ataques a líderes terroristas na Síria e no Líbano


“Islamic Jihad Leader Killed in Lebanon”, Bassem Mroue, Associated
Press, Washington Post, 26 de maio de 2006.
“Syria Blast Kills Hamas Militant”, BBC News, 26 de setembro de
2004.
“Notícia: Secretária de Mashal Assassinada na Síria”, Yoav Stern,
Haaretz, 9 de setembro de 2008 (H).
“A Explosão em Beirute Visava o Oficial do Hamas Osama Hamdan”,
Zvi Yechezkeli, Nana 10, 27 de dezembro de 2009 (H).
“Notícia: Membros do Hezbollah Mortos na Explosão em Beirute”,
Roie Nachmias, YNET, 13 de dezembro de 2009 (H).
“Notícia: 3 Feridos na Tentativa de Assassínio de Membro do
Hezbollah”, Roie Nachmias, YNET, 13 de janeiro de 2010; Haaretz, 20 de
junho de 2010 (H).
“Netanyahu Agradeceu a Dagan em Nome do Povo Judeu”, Shlomo
Zesna, Israel Hayom, 3 de janeiro de 2011 (H).
“Querido Meir, É o George”, Itamar Eichner, Yedioth Ahronoth, 14 de
janeiro de 2011 (H).

Capítulo 2: Funerais em Teerã


Geral
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Khomeini e as armas nucleares “anti-islâmicas”


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1977: Israel oferece mísseis balísticos ao Irã


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O Dr. Khan e o programa nuclear secreto do Irã


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A deserção do Dr. Chauhdry


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Várias transcrições das conferências de imprensa do Dr. Iftikhar Khan
Chauhdry a 1 de julho de 1998, nos escritórios de Wildes & Weinberg,
advogados, 515 Madison Avenue, Nova York.

Israel e a deserção de Askari e Amiri do Irã


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desertou para os EUA”, Reuters, 31 de março de 2010 (H).
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Dr. Mohsen Fakhrizadeh (“O Cérebro”)


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Israel e Estados Unidos: colaboração e disputas


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enforcado por espionar para Israel, que lhe pagou 60.000 dólares”, Smadar
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Capítulo 3: Enforcamento em Bagdá


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Teveth, Shabtai, Ben-Gurion’s Spy, The Story of the Political Scandal
that Shaped Modem Israel, Columbia University Press, Nova York, 1990.
Strasman, Gavriel, Regresso das Masmorras, Yedioth Ahronoth
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Bar-Zohar, Michael, Spies in the Promised Land, Houghton Mifflin,
Boston, 1972.
Entrevistas com Shlomo Hillel, Yehuda Taggar, Mordechai Ben-Porat.

Capítulo 4: Um infiltrado soviético e um cadáver ao mar


O caso Avni Avni, Ze’ev, False Flag: The Soviet Spy Who Penetrated
the Israeli Secret Intelligence Service, St. Ermin’s Press, Londres, 2000.
Capítulo censurado e não publicado sobre Ze’ev Avni, conforme Isser
Harel, preparado por Michael Bar-Zohar para o livro Spies in the Promised
Land.
Entrevistas a Ze’ev Avni, ao antigo ramsad Isser Harel, ao antigo
diretor do Shabak Amos Manor, a membros do Mossad e do
Shabak (anonimamente).
Um cadáver ao mar Capítulo censurado e não publicado sobre
Alexander Israel, “O Traidor”, preparado por Michael Bar-Zohar para o livro
Spies in the Promised Land.
Entrevistas a Isser Harel, Amos Manor, Rafi Eitan, Raphi Medan,
família e amigos de Alexander Israel (anonimamente).
Michael Bar-Zohar, “O Primeiro sequestro do Mossad”, Anashim
[Revista Popular], n° 14, 15-19 de abril de 1997 (H).

Capítulo 5: “Oh, isso? É o discurso do Khrushchev…”


Entrevistas a Victor Grayevski, Amos Manor, Isser Harel, Yaacov
Caroz.
Khrushchev, Nikita, The Secret Speech — on the cult of personality,
Fordham University, Modern History Sourcebook.
“The Day Khrushchev Denounced Stalin”, John Rettie, BBC, 18 de
fevereiro de 2006.
“Khrushchev’s War with Stalin’s Ghost”, William Henry
Chamberlin, Russian Review, vol. 21, n° 1, 1962.
“Dreams into Lightning: Victor Grayevsk”, Michael Ledeen,
asher813typepad.com/dreams_into_lightning/2007/ll/victor-grayevsk.html, 5
de novembro de 2007.
“The Man Who Began the End of the Soviet Empire”, Abraham
Rabinovich, Australian, 27 de outubro de 2007.
“Victor Grayevsk”, Telegraph.co.uk, 1 de novembro de 2007.
“The Secret About Khrushchev’s Speech”, Tom Perfit, Guardian,
conforme citado no Harretz, 27 de fevereiro de 2006 (H).
Shimron, Gad, O Mossad e o Mito, Keter, Jerusalém, 2002 (H).
“Há Um Discurso de Khrushchev ao Congresso”, Yossi Melman,
Haaretz, 10 de março de 2006 (H).
“O Nosso Homem no KGB”, Yossi Melman, Haaretz, 22 de setembro
de 2006 (H).
“Mudança total (inversão) na transmissão com a entrada de Victor
Grayevski”, Kol Israel (H), www.iba.org.il/ kolisrae!70.

Capítulo 6: “Tragam Eichmann, vivo ou morto!”


Capítulos baseados em entrevistas e documentos de Isser Harel
censurados e não incluídos no livro de Michael Bar-Zohar Spies in the
Promised Land mas saídos no Yedioth Ahronoth em 1970, e no livro de
Michael Bar-Zohar Dia do Juízo Final, Tepper, 1991 (H).
Harel, Isser, A Casa na Rua Garibaldi, Maariv, 1975 (H).
Bascomb, Neal, A Caça a Eichmann, Miskal Books, Yedioth
Ahronoth, Tel Aviv, 2010 (H).
Malkin, Peter Z., Eichmann nas Minhas Mãos, Revivim, Tel Aviv,
1983 (H).
“Mito em Operação, a Captura de Adolf Eichmann”, Avner
Avrahami, Haaretz, 7 de maio de 2010 (H).
“O Homem da Seringa”, Dr. Yona Elian, Etty Abramov, Yedioth
Ahronoth, 13 de maio de 2010 (H).
“A Idade e o Truque (Rafi Eitan)”, Yael Gvirtz, Yedioth Ahronoth, 31
de março de 2006 (H).
“Zvi Malkin: o homem que capturou Eichmann”, Eli Tavor, Yedioth
Ahronoth, 15 de março de 1989 (H).
“Cinquenta anos depois da captura e ida de Adolf Eichmann para
Israel, os seus sequestrores dissipam alguns mitos sobre a operação e contam
o que sentiram quando apanharam o maior dos nazistas”, Avner
Avrahami, Haaretz, 8 de maio de 2010 (H).
“Yehudith Nessyahu É Dina Ron, a Mulher Que sequestrou
Eichmann”, Uri Blau, Haaretz, 19 de setembro de 2008 (H).
A Operação De Captura de Adolf Eichmann, publicação oficial do
Shabak e do Mossad, 1960 (H).
“Peter Zvi Malkin, Israeli Agent Who Captured Adolf Eichmann,
Dies”, Margalit Fox, New York Times, 3 de março de 2005.
“Mãe, Apanhei o Eichmann”, Michal Daniel, YNET, 27 de maio de
2003 (H).
“Uma Recordação Espinhosa”, Etty Abramov, Yedioth Ahronoth, 24
de junho de 2011 (H).

Capítulo 7: “Onde está Yossele?”


Harel, Isser, Operação Yossele, Idanim, Tel Aviv, 1983 (H).
Entrevistas a Isser Harel, Yaacov Caroz, Amos Manor.
“A Convertida da Neturei Karta”, Yair Etinger, Haaretz, 9 de julho de
2010 (H).
“Para eles, ele continua a ser o Yossele: 45 anos depois da operação, os
combatentes não se esqueceram daqueles dias”, Eyal Levi, Maariv NRG, 18
de outubro de 2005 (H).

Capítulo 8: Um herói nazista a serviço do Mossad


Entrevistas a Haim Israeli, Rafi Eitan, Raphi Medan, Isser Harel, Meir
Amit,
Amos Manor, Wemher von Braun.
Julgamento de Otto Skorzeny e outros, Tribunal Militar Geral da Zona
Americana da Alemanha, 18 de agosto a 9 de setembro de 1947, documento
dos serviços secretos britânicos.
“Liquidação de Um Cientista Alemão nos Anos 60”, Shlomo
Nakdimon,
Moshe Ronen, Yedioth Ahronoth, 13 de janeiro de 2010 (H).
Harel, Isser, O Caso dos Cientistas Alemães 1962-1963, Maariv, Tel
Aviv, 1982 (H).
Bar-Zohar, Michael, La Chasse aux Savants Allemands, Fayard, Paris,
1965.
Bar-Zohar, Michael, Shimon Peres: The Biography, Random House,
Nova York, 2007.
Capítulo 9: Nosso homem em Damasco
Entrevistas à família, irmãos e mulher de Eli Cohen, e a Jacques
Mercier.
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Capítulo 10: “Quero um MiG-21!”


Entrevistas a Meir Amit, Ezer Weizman.
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Capítulo 11: Aqueles que jamais esquecerão


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Capítulo 12: À procura do Príncipe Vermelho


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Capítulo 13: As virgens sírias


Entrevistas a Avraham (Zabu) Ben-Zeev, Emanuel Allon, Amnon
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Capítulo 14: “Hoje vamos entrar em guerra!”


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Capítulo 15: Uma armadilha cor de rosa para o espião atômico


“Vanunu partilhou informações “para impedir um segundo
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“Sobre os Protocolos no Julgamento de Vanunu”, Yossi Melman,
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“História da Captura de Vanunu Publicada Esta Manhã em Israel”,
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“Amigos Falam sobre Cindy”, Zadok Yechezkeli, Yedioth Ahronoth, 8
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“Governo Italiano Continuará a Investigar o sequestro de Vanunu”,
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“Fui sequestrado em Roma — Escreveu Vanunu na Palma da Mão”,
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Tentação”, Ohad Sharav, Yedioth Ahronoth, 17 de novembro de 1986 (H).
“A Rapariga Que Tentou Vanunu Chama-se Cheryl Ben-Tov e É de
Nataniya”, Yohanan Lahav, Yedioth Ahronoth, 21 de fevereiro de 1988 (H).
“A Rapariga Que Tentou Vanunu Vive 18 Anos à Sombra Dele: Cindy
tem medo”, Anat Tal-Shir e Zadok Yechezkeli, Yedioth Ahronoth, 20 de abril
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“Sunday Times: são estes os segredos atômicos de Israel. Sob um
armazém abandonado, 35 metros abaixo do chão, constroem-se bombas
atômicas”, Yedioth Ahronoth, 6 de outubro de 1986 (H).
“Ele Tornou a Fazê-lo”, Ron Ben-Ishai, Yedioth Ahronoth, 25 de
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“Foi Assim Que Fotografei o Reator Nuclear (segunda parte da
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“Mordechai Vanunu: “Não há democracia em Israel”, Gad Lior,
Yedioth Ahronoth, 6 de junho de 2004 (H).
““E depois apareceu o tipo louro que me bateu.” Vanunu testemunha
acerca do seu sequestro em tribunal”, Michal Goldberg, Yedioth Ahronoth, 24
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“A Cindy do Caso Vanunu Está a Vender o Apartamento Que Tem na
Florida”, Sunday Times, citado no Yedioth Ahronoth, 20 de abril de 2004 (H).
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“Mordechai Vanunu: foi assim que me raptaram”, Shlomo Nakdimon e
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“Eu Avisei Vanunu: cuidado com a Cindy”, Michal Goldberg, Yedioth
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Capítulo 16: O supercanhão de Saddam


Ascensão e queda de Gerald Bull
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Os assassinatos de Wadie Haddad e Fathi Shaqaqi
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Capítulo 17: Fiasco em Amã


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“Regresso ao Local do Crime”, Yossi Melman, Haaretz, 26 de
setembro de 2007 (10.° aniversário do fiasco) (H).
“O caso Mossad (Mash’al): recapitulação completa dos
acontecimentos”, Anat Tal-Shir; “Netanyahu enterrará o chefe do Mossad
devagar mas de forma sofisticada”, Nahum Bamea; “Notícia de última hora:
os jordanianos ameaçam entrar à força na embaixada em Amã. Israel obrigada
a entregar a fórmula secreta da arma química”, Shimon Shiffer; “Hussein
exige que o Mossad despeça todos os envolvidos no caso, caso contrário a
Jordânia não permitirá a entrada de nenhum agente israelense”, Smadar
Perry; “Devido a êxitos anteriores, o Mossad achou que uma operação como
esta era infalível”, Ron Ben-Ishai; “Danny Yatom foi deixado sozinho; agora,
todos lhe voltam as costas”, Ariela Ringel Hoffman e Guy Leshem; “A
rivalidade entre agências secretas passa para os níveis inferiores; oficial
superior de segurança: “Se não parar imediatamente, vamos pagar caro”, Alex
Fishman, Yedioth Ahronoth, edição especial, 10 de outubro de 1997 (H).

Capítulo 18: Da Coreia do Norte, com amor


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“Morte do Construtor e Responsável de Segurança Norte-Coreano do
Reator Sírio”, site Debka, 9 de agosto de 2008 (H).
“Wikileaks: Syria Believes Israel Killed Top Assad Aide”, Lahav
Harkov, Jerusalem Post, 24 de dezembro de 2010.
“Antigo Diretor da CIA: o secretismo que envolve o ataque ao reator
sírio não se justifica”, Amir Oren, Haaretz, 9 de julho de 2010 (H).

Capítulo 19: Amor e morte no fim da tarde


“Profile: Imad Mughniyeh”, Ian Black, Guardian, 13 de fevereiro de
2008.
“US Official: World “Better Place” with Death of Hezbollah Figure”,
Associated Press, 13 de fevereiro de 2008.
“Mossad Most Wanted: A Deadly Vengeance (Imad Mughniyeh)”,
Gordon Thomas, Independent, 23 de fevereiro de 2010.
“Comentário: uma mensagem clara de Nasrallah e do Hezbollah”,
Amir Oren, Haaretz, 13 de fevereiro de 2010 (H).
“Relatório do Hezbollah Acerca da Liquidação de Mughniyeh”,
documento Debka, 28 de fevereiro de 2008 (H).
“Da Argentina à Arábia Saudita, Andavam Todos à Procura de
Mughniyeh”, Yedioth Ahronoth, 13 de fevereiro de 2008 (H).
“Síria: a liquidação de Mughniyeh é um ato terrorista”, Yoav Stern e
Yossi Melman, Haaretz, 13 de fevereiro de 2008 (H).
“Os Ataques Terroristas Que Puseram Mughniyeh no Mapa”, Yossi
Melman, Haaretz, 13 de fevereiro de 2008 (H).
“Retaliação pelo Assassínio de Mughniyeh É Uma Questão de
Tempo”, Roy Nachmias, Yedioth Ahronoth, 30 de junho de 2008 (H).
“Comentário: ele estava acima de Nasrallah na lista dos mais
procurados”, Yossi Melman, Haaretz, 13 de fevereiro de 2008 (H).
“Irã — o assassinato de Mughniyeh é um exemplo do terrorismo
israelense”, Dudi Cohen e Roy Nachmias, Yedioth Ahronoth, 13 de fevereiro
de 2008 (H).

Capítulo 20: As câmeras estavam gravando


“Assassins Had Mahmoud al-Mabhouh in Sight as Soon as He Got to
Dubai”, Hugh Tomlinson, Times (Reino Unido), 17 de fevereiro de 2010.
“Mahmoud al-Mabhouh Was Sedated Before Being Suffocated, Dubai
Police Say”, Times (Reino Unido), 1 de março de 2010.
“Informação do Sunday Times: PM autorizou assassinato de
Mabhouh”, YNET, 21 de fevereiro de 2010 (H).
“Inquiry Grows in Dubai Assassinations”, Robert F. Worth, New York
Times, 24 de fevereiro de 2010.
“O Primeiro-Ministro Britânico Ordenou a Investigação aos
Passaportes Falsos; Embaixador israelense Chamado para Dar Explicações”,
Barak Ravid e Dana Herman, Haaretz, 18 de fevereiro de 2010 (H).
“Resultado: nenhum fiasco, grande feito”, Eitan Haber, Yedioth
Ahronoth, 18 de fevereiro de 2010 (H).
“Equipa de Assassínio Fez Três Visitas a Dubai”, Smadar Perry,
Yedioth Ahronoth, 19 de fevereiro de 2010 (H).
“A Última Liquidação do Gênero; Não Haverá Muitas mais como
Esta”, Yossi Melman, Haaretz, 19 de fevereiro de 2010 (H).
“Netanyahu para a Equipa de Assassínio: o povo de Israel confia em
vocês, boa sorte”, Yedioth Ahronoth, 21 de fevereiro de 2010 (H).
“Gail Está de Saída (do Hotel)”, Noam Barkan e Benjamin Tubias,
Yedioth Ahronoth, 22 de fevereiro de 2010 (H).
“Dubai Expõe mais 15 Agentes; Dez Deles Têm Nomes de Cidadãos
israelenses”, Haaretz, 25 de fevereiro de 2010 (H).
“Liquidação em Dubai: oito israelenses com passaportes falsos serão
chamados a testemunhar por investigadores britânicos”, Modi Kreitman, Zvi
Zinger e Eitan Glickman, Yedioth Ahronoth, 28 de fevereiro de 2010 (H).
“Embaixador israelense na Austrália Foi Chamado para Dar
Explicações”, Dana Herman e Barak Ravid, Haaretz, 25 de fevereiro de 2010
(H).
“Londres Não Espera o Mossad”, Itamar Eichner, Yedioth Ahronoth, 4
de maio de 2010 (H).
“Relatório dos Serviços Secretos Australianos: o Mossad é responsável
pela falsificação”, Yedioth Ahronoth, 25 de maio de 2010 (H).
“Passaportes Falsos: diplomata israelense expulso da Irlanda”, Modi
Kreitman e Itamar Eichner, Yedioth Ahronoth, 16 de junho de 2010 (H).
“Assassinos do Oficial Superior do Hamas Estão na Lista dos
“Procurados” da Interpol”, Avi Issacharov e Dana Herman, Haaretz, 19 de
fevereiro de 2010 (H).
“Não Resistiu à Tentação — estrangeira suspeita de o ter feito abrir a
porta”, Smadar Perry e Roni Shaked, Yedioth Ahronoth, 1 de fevereiro de
2010 (H).
“Dubai Apresenta os Assassinos: foi assim que ele foi morto. Uma
agente à porta”, Smadar Perry, Yedioth Ahronoth, 16 de fevereiro de 2010
(H).
““Graças a Deus, Sei Tomar Precauções”, Mabhouh, em entrevista à
Al-Jazeera”, Smadar Perry, Yedioth Ahronoth, 12 de fevereiro de 2010 (H).
“Um Abraço de Dubai — retrato de Dhahi Khalfan”, Smadar Perry,
Yedioth Ahronoth, 5 de março de 2010 (H).
“Informação: Alemanha emite um mandado de prisão de um suspeito
de ajuda no ataque de Dubai”, Ofer Aderet e Yossi Melman, Haaretz, 16 de
janeiro de 2011 (H).
““Agente do Mossad” Multado em 60.000 Euros na Alemanha É Uri
Brodsky, Acusado de Envolvimento na Liquidação de Mabhouh”, Eldad
Beck, Yedioth Ahronoth, 16 de janeiro de 2011 (H).
“O Homem Morto — “um oficial superior do Hamas”, Smadar
Perry, Yedioth Ahronoth, 7 de abril de 2011 (H).
“Dubai Police Allege Assassination Team in Hamas Commander’s
Slaying Used Credit Cards Issued by Iowa Bank”, John McGlothlen, News
Hawk, Statewide News, 24 de fevereiro de 2010.
“Dubai Police Release New Suspects in Hit Squad Killing”, Simon
McGregor-Wood, Vic Walter e Lara Setrakian, ABC News Dubai, 10 de
fevereiro de 2010.
Caso de estudo Elance, www.payoneer.com/CS.Elance.aspx.
“Israel Atacou no Sudão”, Yossi Yehoshua, Yedioth Ahronoth, 6 de
abril de 2011 (H)
“Israel Atacou no Sudão”, Smadar Perry, Yedioth Ahronoth, 7 de abril
de 2011 (H).
“Sudan to File a Complaint Against Israel to the UN Over the Air
Strike”, “Israel Attacked in Sudan to Prevent Arms Smuggling to
Gaza”, Nile_tv_international.net, 20 de abril de 2011.
Aljazeera.net, 7 de abril de 2011.

Capítulo 21: Da terra da rainha de Sabá


Das muitas fontes deste capítulo, a mais útil foi o livro de Gad
Shimron Tragam-me os Judeus da Etiópia. Como o Mossad Trouxe os Judeus
Etíopes do Sudão, Maariv (Hed Arzi), Or Yehuda, 1988 (H).
The History of the Ethiopian Jews, Jewish Virtual Library,
jewishvirtuallibrary.org.
“Israel to Speed Immigration for Jews in Ethiopia”, Greg Myre, New
York Times, 1 de fevereiro de 2005.
“Distant Relations”, Uriel Heilman, Jerusalem Post, 8 de abril de 2005.
Falasha: Exile of the Black Jews of Ethiopia, documentário de Simcha
Jacobovici, 1983.
“A Emigração dos Judeus Etíopes, Operação Moisés, 1984, e Operação
Salomão, 1991”, www.jafi.org.il/ JewishAgency/Hebrew (H).
“Operação Moisés”, Ainao Freda Sanbato, Haaretz, 11 de março de
2006 (H).
“Depois, Perguntei em Hebraico “Que Estão a Fazer Aqui?”, David
Shalit, Haaretz, 17 de maio de 1996 (a história de Harry Gold) (H).
“O Êxodo da Etiópia”, Tudor Parfitt, Yedioth Ahronoth, 25 de outubro
de 1985 (H).
“Esquadrilha 13 nas Costas Sudanesas”, Yedioth Ahronoth, 15 de
março de 1994 (H).
“Esquadrilha 13 aterrissou no Sudão”, Arie Kizel, Yedioth Ahronoth,
18 de março de 1994 (H).
“Última Paragem: Sudão”, Shahar Geinosar, Yedioth Ahronoth, 27 de
junho de 2003 (H).
“Primeiro, Tragam Umas Amostras”, Yigal Mosko, Yedioth Ahronoth,
12 de outubro de 2001 (H).
“Amante Israel”, Dani Adino Ababa e Zimbabwe (Mengistu Haile
Mariam), “Seguido no Deserto”, Smadar Shir, Yedioth Ahronoth, 17 de junho
de 2009 (H).
“Nas Pradarias de Etiópia”, David Regev, Yedioth Ahronoth, 19 de
março de 2010 (a história de David Ben-Uziel) (H).
“Hamasa L’Eretz Israel” (“Viagem para a Terra de Israel”): letra de
Haim Idissis, música de Shlomo Gronich.
“25 Anos da Operação Moisés: entrevistas a Emanuel Allon, Gadi
Kroll, David Ben-Uziel e Yonathan Shefa”, Nir Dvori, The News, Channel 2,
15 de junho de 2010 (H).
“Operação Salomão — tragam os judeus etíopes”, Harel e Eran
Duvdevani, sky-high.co.il (H).
Yedioth Ahronoth, 23 de setembro de 2005 (H).

FONTES GERAIS

Livros em hebraico

Amidror, Yaacov, Serviços de Informações da Teoria à Prática, Edições


do Ministério da Defesa, 2006.
Bar-Zohar, Michael (ed.), 100 Homens e Mulheres de Coragem,
Edições do Ministério da Defesa, 2007.
Edelist, Ran, O Homem Que Montou Um Tigre, Zmora-Bitan, 1995.
Fine, Ronald, O Mossad, Or-Am, 1991.
Gilon, Carmi, Shin-Beth entre os Cismas, Miskal Yedioth
Ahronoth, Tel Aviv, 2000.
Golan, Aviezer; Pinkas, Danny Nome de Código: A Pérola, Zmora-
Bitan-Modan, 1980.
Golan, Aviezer, Operação Susanna, Yedioth Ahronoth, 1990.
Halevi, Efraim, Um Homem nas Sombras, Matar, 2006.
Kimche, David, A Última Opção, Miskal Yedioth Ahronoth, Tel Aviv,
1991.
Melman, Yossi (ed.), Relatório da CIA sobre os Serviços Secretos
israelenses, Zmora-Bitan, Tel Aviv, 1982.
Melman, Yossi; Haber, Eitan Os Espiões: as guerras de
contraespionagem de Israel, Miskal Yedioth Ahronoth, Tel Aviv, 2002.
Sagi, Uri; Tal, Rami (eds.), Luzes no Nevoeiro, Yedioth Ahronoth,
1998.
Shimron, Gad, O Mossad e o Mito, Keter, Jerusalém, 2002.
Thomas, Gordon, Os Espiões de Gideão: a história secreta do Mossad,
Or-Am, 2008.
Westerby, Gerald, Um Agente do Mossad em Território Hostil, Matar,
1988.
Livros em inglês

Bar-Zohar, Michael, Spies in the Promised Land, Houghton Mifflin,


Boston, 1972.
Landau, Eli; Dan, Uri; Eisenberg, Dennis, The Mossad, Paddington
Press, Nova York, 1978.
Posner, Steve, Israel Undercover: Secret Warfare and Hidden
Diplomacy in the Middle East, Syracuse University Press, Syracuse, Nova
York, 1987.
Raviv, Dan; Melman, Yossi Every Spy a Prince: The Complete History
of the Israeli Intelligence Community, Houghton Mifflin, Boston, 1990.

Livros em francês

Bar-Zohar, Michael, Les vengeurs, Fayard, Paris, 1968.


Dan, Uri, Mossad: 50 ans de guerre secrete, Presses de la Cité, Paris,
1995.

ENTREVISTAS

Isser Harel, Yaa’cov Caroz, Izzi Dorot, Yitzhak Shamir, Amos


Manor, Meir Amit, Anton Künzle, Menachem Barabash, Victor Grayevski,
Yitzhak Rabin, Ezer Weizman, Haim Israeli, Dr. Pinhas (Siko) Zusman, Uri
Lubrani, Wernher von Braun, Rafi Eitan, Raphi Medan, Yitzhak Sarid, Eli
Landau, Hanoch Saar, Avraham (Zabu) Ben-Zeev, Emanuel Allon, Amnon
Gonen, família de Elie Cohen, família de Alexander Israel, Ze’ev Avni, e
muitas outras pessoas que preferiram manter o anonimato.
EXTRATEXTO

Instalações nucleares de Natanz — graças ao zelo de um oficial de


informações do Mossad. (Google Earth)
Ali Mohammadi. Explosivos numa moto. ( Wikipédia)
Meir Dagan. Seus soldados o chamavam “Rei das Sombras”. (Dan
Balilti)

Dagan: “Este velhote é meu avô.” (Cortesia de Yad Vashem)


Isser Harel. Ben-Gurion lhe disse: “Tragam Eichmann, vivo ou
morto!” (Amit Shabi)
Adolf Eichmann julgado em Jerusalém. (Gabinete de Imprensa do
Governo de Israel)
Madeleine Ferraille, também conhecida como Ruth Ben-David — a
Mata Hari do mundo judeu ultraortodoxo. (Arquivos do Yedioth Ahronoth)
Yossele Schuchmacher com os pais, depois de ser encontrado e
regressar a Israel. À direita, Yechezkel Adiram, repórter do Yedioth
Ahronoth. (David Rubinger)
Al-Qahir, “O Conquistador”, o míssil que os cientistas alemães
construíram no Egito. (Arquivos do Yedioth Ahronoth)

Professor Eugen Sanger com Otto Joklik.

O ditador italiano Benito Mussolini e o seu salvador Otto Skorzeny.


Elie Cohen e a família num raro momento de felicidade.
“Kamal Amin Tabet” na companhia de oficiais sírios nas colinas de
Golã. (Arquivos do Yedioth Ahronoth)
Elie Cohen julgado em Damasco.
Anton Künzle fotografado por Herbert Cukurs. “Se eu for assassinado,
meu assassino está nestas fotografias.”
Primeira página do Yedioth Ahronoth de 7 de março de 1965
anunciando o assassinato de Cukurs.

O baú onde o corpo de Cukurs foi encontrado em Montevidéu.


MiG-21. Ezer Weizman queria um. (Zvika Tishler)

Diretores do Mossad (ramsads) Meir Amit e Efraim Halevi. (Michael


Kremer)
Golda Meir: “Enviem os rapazes.” (David Rubinger)
O Príncipe Vermelho e a mulher mais bonita do mundo.

O funeral do Príncipe Vermelho. Yasser Arafat e o filho de Ali Hassan


Salameh.
Zvi Zamir: “Hoje vamos entrar em guerra!” (Gabinete de Imprensa do
Governo de Israel)

Ashraf Marwan, nosso homem no gabinete do presidente egípcio.


(Wikipédia)
Yitzhak (Haka) Hofi. As forças de Haka no Sudão. (David Rubinger)
Gerald Bull, o homem que vendeu a alma ao diabo. (Wikipédia)
Nahum Admoni, no encalço de Vanunu. (Arquivos do Yedioth
Ahronoth)

O etemo Rafi Eitan recebe certificado de mérito pela captura de


Eichmann. (Gabinete de Imprensa do Governo de Israel)
“John Crossman” (Mordechai Vanunu) sai da cadeia. (Gabinete de
Imprensa do Governo de Israel)
Diretores do Mossad: Danny Yatom e Shabtai Shavit. (Meir Partush)

Uma armadilha cor de rosa chamada “Cindy”. (Arquivos do Yedioth


Ahronoth)
Imad Mughniyeh, primeiro nome na Lista dos Mais Procurados do
FBI. (Hezbollah)
Khaled Mash’al. A trapalhada que lhe salvou a vida. (Gabinete de
Imprensa do Governo de Israel)

O reator nuclear sírio, antes e depois da visita da Força Aérea


israelense. (Governo dos EUA)
Mahmoud Al-Mabhouh. As câmeras estavam gravando. (Wikipédia)
Os agentes do Mossad em ação. (Cortesia da polícia de Dubai)

“O sonho vai se realizar/Em breve chegaremos à Terra de Israel.”


(Elad Gershgoren)
Tamir Pardo, ramsad. (Tomeriko)

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