Moossad
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MICHAEL BAR-ZOHAR
A Amy Korman,
pelos conselhos,
pela inspiração,
e por ser o meu pilar de apoio.
NISSIM MISHAL
“Este livro conta o que devia ser sabido e não é — que a força oculta de Israel é tão formidável
quanto sua reconhecida força física.”
A Rimon não era uma equipe de assassinato […]. Não era o Faroeste,
onde todo mundo tem sempre o dedo no gatilho. Nunca fizemos mal a
mulheres ou crianças […] Atacávamos pessoas que eram assassinos
violentos. Eliminávamos essas e dissuadíamos outras. Para proteger os civis,
o Estado por vezes precisa de fazer coisas que são contrárias ao
comportamento democrático. É verdade que em unidades como a nossa os
limites podem tornar-se algo incertos. É por isso que temos de garantir que
os nossos homens sejam da melhor qualidade. As ações mais sujas devem ser
feitas pelos homens mais honestos.
Democrático ou não, Sharon, Dagan e os seus colegas aniquilaram
quase todo o terrorismo em Gaza e a zona manteve-se tranquila e pacífica
durante vários anos. Ainda assim, há quem mantenha que Sharon dizia, meio
a brincar, meio a sério, sobre o seu leal ajudante: “A especialidade do Meir é
separar a cabeça de um árabe do seu corpo.”
Contudo, muito poucos conheciam o verdadeiro Dagan. Este nasceu
Meir Huberman, em 1945, numa carruagem nos subúrbios de Herson, na
Ucrânia, enquanto a família fugia da Sibéria para a Polônia. A maioria da
família tinha perecido no Holocausto. Meir emigrou para Israel com os pais e
cresceu num bairro pobre em Lod, uma velha cidade árabe cerca de 25
quilômetros a sul de Tel Aviv. Muitos conheciam-no como um lutador
indomável; poucos sabiam das suas paixões secretas: era um leitor ávido de
livros de História, vegetariano, viciado em música clássica, e tinha como
passatempos a pintura e a escultura.
Dagan foi desde cedo um homem atormentado pelo sofrimento terrível
da sua família e do povo judeu durante o Holocausto. Dedicou a vida à defesa
do novo Estado de Israel. Conforme ia subindo na hierarquia do Exército, a
primeira coisa que fazia sempre que lhe atribuíam um gabinete novo era
pendurar numa parede uma fotografia grande de um velho judeu envolvido no
seu xaile de oração, ajoelhado diante de dois oficiais da SS, um segurando um
chapéu e outro uma arma. “Este velhote é meu avô”, dizia Dagan a quem o
visitava. “Olho para a imagem e sei que temos de ser fortes e defender-nos,
para que o Holocausto nunca mais aconteça.”
O velho era, de fato, avô de Dagan. Ber Ehrlich Slushni foi
assassinado em Lukov segundos depois de a fotografia ser tirada.
Durante a Guerra do Yom Kippur, em 1973, Dagan esteve entre os
primeiros israelenses a atravessar o canal do Suez numa unidade de
reconhecimento. Em 1982, na Guerra do Líbano, entrou em Beirute à cabeça
da sua brigada blindada. Depressa se tornou comandante da zona de
segurança do Sul do Líbano, e foi lá que o aventureiro lutador de guerrilha
reemergiu do seu engomado uniforme de coronel. No Líbano, Dagan
ressuscitou os princípios do secretismo, da camuflagem e do engodo dos seus
dias de Gaza. Os seus soldados inventaram um novo nome para o seu chefe
aventureiro e sigiloso. Chamaram-lhe “Rei das Sombras”. A vida no Líbano,
com alianças secretas, traições, crueldade, guerras secretas, era um local onde
estava à vontade. “Mesmo antes de a minha brigada de tanques ter entrado em
Beirute”, disse, “eu conhecia a cidade bem.” E depois de a Guerra do Líbano
acabar, Dagan não desistiu das suas aventuras secretas. Em 1984, foi
oficialmente repreendido pelo chefe de Estado-Maior Moshe Levy por ficar,
disfarçado de árabe, em Bahamdoun, o quartel-general terrorista.
Durante a Intifada (a revolta palestina de 1987 a 1993), quando foi
transferido para a Cisjordânia como conselheiro do chefe de Estado-Maior
Ehud Barak, Dagan retomou os seus velhos hábitos e até persuadiu Barak a
acompanhá-lo. Os dois disfarçaram-se com fatos de treino, como verdadeiros
palestinos, encontraram um Mercedes azul-bebé com placa local, e foram dar
uma volta na perigosa Nablus Kasbah. No regresso, suscitaram medo e
espanto às sentinelas do seu quartel-general quando reconheceram os
ocupantes do carro.
Em 1995, Dagan, então general-major, deixou o Exército e juntou-se
ao companheiro Yossi Ben-Hanan numa viagem de 18 meses de mota pelas
planícies asiáticas. A viagem foi interrompida pela notícia do assassinato de
Yitzhak Rabin. Regressado a Israel, Dagan passou algum tempo na direção da
autoridade antiterrorista, fez uma tentativa desapaixonada de entrar no mundo
dos negócios e ajudou Sharon na sua campanha eleitoral do Likud.
Depois, em 2002, retirou-se para a sua casa de campo na Galileia, para
os seus livros, os seus discos, a sua paleta e o seu cinzel de escultor.
Foi 30 anos depois de Gaza, já como general aposentado, que começou
a conhecer a sua família — “De repente, acordei e os meus filhos eram
adultos” —, quando recebeu um telefonema do seu velho amigo, agora
primeiro-ministro, Arik Sharon. “Quero que chefies o Mossad”, disse Sharon
ao seu velho amigo, então com 57 anos. “Preciso de um chefe do Mossad com
um punhal entre os dentes.”
Estava-se em 2002, e o Mossad perdia vigor. Vários fiascos nos anos
anteriores tinham desferido duros golpes a seu prestígio. O assassinato
fracassado, e muito noticiado, de um grande líder do Hamas em Amã, e a
captura de agentes israelenses da Suíça, no Chipre e na Nova Zelândia tinham
prejudicado seriamente a reputação do Mossad. O último chefe do
Mossad, Efraim Halevy, não esteve à altura das expectativas. Halevy era um
antigo embaixador da União Europeia em Bruxelas, bom diplomata e bom
observador, mas não era nem um líder nem um combatente. E Sharon queria
ter na chefia do Mossad um líder ousado e criativo que fosse uma força
formidável contra o terrorismo islâmico e o reator nuclear iraniano.
Dagan não foi bem recebido no Mossad. Era um intruso, concentrava-
se sobretudo nas operações, não se preocupava muito com análises
fundamentadas dos serviços secretos nem com as trocas diplomáticas
secretas. Vários altos funcionários do Mossad demitiram-se em protesto, mas
Dagan não se importou. Reconstruiu as unidades operacionais, estabeleceu
relações próximas com serviços secretos estrangeiros e ocupou-se da ameaça
iraniana. Quando a segunda e desastrosa Guerra do Líbano começou, em
2006, foi o único líder israelense que se opôs à estratégia baseada em
bombardeamentos pesados pela Força Aérea. Acreditava numa ofensiva
terrestre, duvidava de que a Força Aérea conseguisse ganhar a guerra e saiu
da guerra incólume.
Ainda assim, foi muito criticado pela imprensa em virtude da sua
atitude dura com os seus subordinados. Alguns oficiais frustrados do Mossad,
já reformados, correram a queixar-se à imprensa, e Dagan ficou sob fogo
constante. “Dagan Quê?”, escreveu ironicamente um colunista popular.
Até que, um dia, as parangonas mudaram. Os diários começaram a
encher-se de artigos elogiosos repletos de superlativos, louvando “o homem
que restaurou a honra à Mossad”.
Sob o comando de Dagan, o Mossad conseguira feitos até então
inimagináveis: o homicídio em Damasco de Imad Mughniyeh, assassino
louco do Hezbollah, a destruição do reator nuclear sírio, a liquidação de
líderes terroristas cruciais no Líbano e na Síria e, por último, mas não menos
importante, a campanha implacável e impiedosa contra o projeto secreto de
armas nucleares iraniano.
2. FUNERAIS EM TEERÃ
O erro
Contagem decrescente
Planejamento da fuga
Chegada do avião
Dia 19 de maio.
Nessa tarde, o avião da El Al aterrissou em Buenos Aires. Havia
funcionários do protocolo do Ministério dos Negócios Estrangeiros, judeus
locais efusivos e crianças com pequenas bandeiras azuis e brancas de ambos
os lados do tapete vermelho estendido no corredor de chegadas.
Poucas horas depois, Isser conversou com o piloto, Zvi Tohar, e um
executivo da El Al e marcou a hora de decolagem: meia-noite de 20 de maio.
Isser descreveu os seus planos. Após uma curta discussão, concordou-
se levar a cabo o plano A: Eichmann seria levado a bordo como membro
doente da equipe. O seu duplo, Yehuda Carmel, já tinha entregado à equipe do
Mossad o seu uniforme e documentos em nome de Ze’ev Zichroni, navegador
da El Al. Shalom Danny, o mestre falsificador da equipe, manipulou os
documentos, para que eles se ajustassem como uma luva a Eichmann. Carmel
recebeu documentos novos e foi informado de que em breve sairia da
Argentina.
Nessa noite, houve uma atividade frenética na “Base”. Após uma
semana de espera tensa, os agentes do Mossad voltaram a ganhar vida.
Eichmann foi drogado e adormeceu. Os agentes desfizeram
meticulosamente a casa. Os vários instrumentos e dispositivos foram todos
desmontados, os pertences pessoais embalados e a casa completamente
restaurada ao seu estado anterior. A altas horas da madrugada, nada restava
que pudesse dar a menor impressão do papel que a vivenda tinha
desempenhado nos oito dias anteriores. Em todas as outras casas se fizeram
ações similares.
Dia 20 de maio.
Isser saiu pela última vez do hotel, chamou um táxi para a estação
ferroviária e guardou a bagagem. Depois, retomou a rotina dos cafés dos dias
precedentes. O pessoal da El Al foi o primeiro a contactá-lo e, juntos,
prepararam um horário pormenorizado.
Ao meio-dia, começou a derradeira fase. Isser pagou a conta no último
café que visitou, foi buscar a bagagem e rumou ao aeroporto, para
supervisionar a operação de fuga. Caminhou pelo terminal, à procura do
melhor lugar para instalar o seu posto de comando. Passeou-se pelas zonas de
lojas e compra de bilhetes e finalmente descobriu o bar dos empregados do
aeroporto. Na rua, fazia um frio de rachar e o bar estava cheio de funcionários
de atendimento ao público, pessoal de terra e pessoal de voo, todos em busca
de uma bebida quente ou uma refeição ligeira. Isser ficou encantado. Era o
lugar ideal. Ninguém repararia nele nem daria conta das consultas apressadas
e sussurradas com os seus homens. Isser esperou até uma cadeira ficar vazia e
foi dela que começou a supervisionar os últimos movimentos em solo
argentino.
“Olá! El Al!”
Dia 22 de maio.
O avião aterrissou no aeroporto de Lod nas primeiras horas da manhã.
Às 9h50, Isser foi diretamente para Jerusalém. Yitzhak Navon,
secretário de Ben-Gurion, conduziu-o imediatamente ao gabinete do primeiro-
ministro.
Ben-Gurion ficou surpreso. “Quando chegou?”
“Há duas horas. Temos Eichmann.”
“Onde está ele?”, perguntou o Velho Homem.
“Aqui, em Israel. Adolf Eichmann está em Israel, e, se concordar, nos
o levaremos à polícia imediatamente.”
Ben-Gurion manteve-se em silêncio. Não explodiu em pranto, como
alguns jornalistas afirmaram mais tarde, nem desatou a rir triunfalmente,
como outros escreveram. Não abraçou Isser, nem mostrou emoção alguma.
“Tem certeza de que é Eichmann?”, perguntou. “Como o
identificaram?”
Isser respondeu que sim, surpreso. Descreveu a Ben-Gurion todos os
critérios pelos quais Eichmann fora identificado, e sublinhou que o próprio
prisioneiro tinha admitido ser Adolf Eichmann. Mas o Velho Homem não
ficou inteiramente satisfeito. Não basta, disse. Antes de poder autorizar novos
passos, queria que uma ou duas pessoas que tivessem conhecido Eichmann o
visitassem e identificassem formalmente. Precisava da certezas absolutas, e
não diria uma palavra sobre aquilo ao governo até que a tivesse.
Isser telefonou para seu escritório e ordenou ao pessoal que
descobrisse duas pessoas que pudessem identificar pessoalmente Eichmann.
Logo localizaram dois israelenses que tinham conhecido Eichmann. Foram
levados à cela onde estava o prisioneiro, falaram com ele e identificaram-no
formalmente.
Ao meio-dia, um enviado israelense irrompeu num restaurante de
Frankfurt e foi direto a uma das mesas, onde um homem de cabelo grisalho,
visivelmente nervoso e tenso, estava sentado sozinho. “Herr Bauer”, disse o
israelense, “temos Adolf Eichmann. Nossos homens o capturaram e levaram
para Israel. A qualquer momento haverá uma declaração do primeiro-ministro
no Knesset.”
Bauer, pálido e profundamente emocionado, pôs-se de pé. Tinha as
mãos trêmulas. O homem que dera à Mossad o endereço de Eichmann na
Argentina, o homem sem o qual, muito provavelmente, Eichmann nunca seria
descoberto, não conseguiu se conter. Explodiu em choro, agarrou o ombro do
israelense, abraçou-o e beijou-o.
16h — Na sessão plenária do Knesset, Ben-Gurion subiu ao palanque
do orador. Leu uma declaração curta com voz firme e clara: “Tenho a
informar ao Knesset que os serviços de segurança de Israel acabam de pôr a
mão num dos maiores criminosos nazistas de todos os tempos, Adolf
Eichmann, responsável, com outros líderes nazistas, pela chamada “Solução
Final”, ou seja, pelo extermínio de seis milhões de judeus europeus.
Eichmann está presentemente detido aqui, em Israel. Será em breve levado a
julgamento, em Israel, de acordo com a lei relativa aos crimes nazistas e seus
colaboradores.”
As palavras de Ben-Gurion foram recebidas com choque e admiração,
que se transformaram num aplauso enorme e espontâneo. O espanto e a
admiração espalharam-se pelo Knesset e por todo o mundo. No final da
sessão do Knesset, um homem levantou-se de um lugar atrás da bancada do
Governo. Poucos lhe conheciam o rosto ou o nome. Era Isser Harel.
O julgamento de Adolf Eichmann começou a 11 de abril de 1961, em
Jerusalém. A acusação apresentou 110 sobreviventes do Holocausto como
testemunhas. Algumas nunca tinham falado do seu passado, e contaram pela
primeira vez as suas histórias de horror. Foi como se todo o Estado de Israel
se colasse ao rádio e seguisse com grande dor e terror a história pavorosa que
emergia dos testemunhos. E como se todo o povo judeu se identificasse com o
procurador, Gideon Hausner, que confrontou o criminoso nazista como
representante dos seus seis milhões de vítimas.
A 15 de dezembro de 1961, Eichmann foi condenado à morte. O seu
recurso foi rejeitado pelo Supremo Tribunal e o perdão recusado pelo
presidente Yitzhak Ben-Zvi. A 31 de maio de 1962, Adolf Eichmann foi
informado de que o fim era iminente. Na cela, o condenado escreveu algumas
cartas à família e bebeu meia garrafa de vinho tinto Carmel. Por volta da
meia-noite, o reverendo Hull, pastor não-conformista, entrou na cela de
Eichmann, como tinha feito noutras ocasiões. “Hoje, não vou discutir a Bíblia
consigo”, disse-lhe Eichmann. “Não tenho tempo a perder.”
O pastor saiu, mas depois entrou um visitante inesperado na cela de
Eichmann. Rafi Eitan.
O sequestror parou de frente para o condenado vestido com um
uniforme castanho-claro. Eitan não disse uma palavra. Eichmann olhou para
ele e disse em alemão: “Espero que a tua vez chegue depois da minha.”
Os guardas levaram Eichmann para uma pequena divisão convertida
em sala de execução. O prisioneiro foi posicionado sobre um alçapão e
passaram-lhe um laço pelo pescoço. Um pequeno grupo de oficiais,
jornalistas e um médico, todos com permissão para presenciar a execução,
ouviu suas últimas palavras, ditas em conformidade com a tradição
nazista: “Voltaremos a nos encontrar […]. Vivi acreditando em Deus […].
Obedeci às leis da guerra e fui leal à minha bandeira […].”
Dois policiais atrás de um biombo apertaram simultaneamente dois
botões, dos quais apenas um acionava o alçapão. Nenhum sabia qual era o
botão de controle, para que o nome do carrasco de Eichmann se mantivesse
desconhecido. Eitan não viu a execução, mas ouviu o baque do alçapão.
O corpo de Eichmann foi incinerado num forno de alumínio no pátio
da prisão. “Viu-se fumaça negra subindo para o céu”, escreveu um jornalista
americano. “Ninguém disse uma palavra, mas foi impossível não recordar os
crematórios de Auschwitz…”
Pouco antes do amanhecer do dia 1º de junho de 1962, um navio
rápido da guarda costeira de Israel atravessou a fronteira das águas territoriais
israelenses. O motor foi desligado e enquanto o barco andava silenciosamente
à deriva, um policial jogou as cinzas de Eichmann no Mediterrâneo.
O vento e as ondas dispersaram os restos do homem que, 20 anos
antes, declarara alegremente: “Saltarei à gargalhada para o túmulo, feliz por
ter exterminado seis milhões de judeus.”
No leito da mãe moribunda, Zvi Malkin pensou na família massacrada,
na irmã Fruma e nos filhos pequenos dela, mortos no Holocausto. Inclinou-se
sobre a mãe e murmurou: “Mãe, peguei Eichmann. Eruma foi vingada.”
“Eu sabia que você não esqueceria sua irmã”, sussurrou a moribunda.
7. ONDE ESTÁ YOSSELE?
MICHAEL BAR-ZOHAR
NISSIM MISHAL
BIBLIOGRAFIA E FONTES
FONTES GERAIS
Livros em hebraico
Livros em francês
ENTREVISTAS