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Políticas Públicas

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Políticas Públicas

no Século

Organizadoras
Kelly Gianezini
Adriane Bandeira Rodrigues

1
2019©Copyright UNESC – Universidade do Extremo Sul Catarinense
Av. Universitária, 1105 – Bairro Universitário – C.P. 3167 – 88806-000 –
Criciúma – SC
Fone: +55 (48) 3431-2500 – Fax: +55 (48) 3431-2750

Reitora
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Vice-Reitor
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Conselho Editorial
Dimas de Oliveira Estevam (Presidente)
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Merisandra Côrtes de Mattos Garcia
Miguelangelo Gianezini
Nilzo Ivo Ladwig
Reginaldo de Souza Vieira
Ricardo Luiz de Bittencourt
Richarles Souza de Carvalho
Vilson Menegon Bristot
Criciúma
UNESC
3 2019
Editora da UNESC

Editor-Chefe: Dimas de Oliveira Estevam

Revisão Ortográfica e Gramatical: Márcia R. P. Sagaz, sob a coordenação da Gráfica


e Editora Copiart

Projeto gráfico, diagramação e capa: Victor Felipe Buratto Machado, sob a


coordenação da Editora da Unesc

As ideias, imagens e demais informações apresentadas nesta obra são de inteira


responsabilidade de seus(uas) autores(as) e de seus(uas) organizadores(as).

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação


Dados Internacionais de Catalogação na Publicação

P769 Políticas públicas no século XXI [recurso


eletrônico] / Organizadoras Kelly Gianezini,
Adriane Bandeira Rodrigues. – Criciúma, SC :
UNESC, 2019.
322 p. : il.

Modo de acesso: <http://www.unesc.net/portal/


capa/index/300/5886/>.
DOI: dx.doi.org/10.18616/pps
ISBN: 978-85-8410-111-5

1. Políticas públicas. 2. Desenvolvimento


econômico – Aspectos ambientais. 3. Iniquidade
social. 4. Programas de sustentação de renda –
Brasil. 5. Brasil – Política social. 6. Direito da
criança e do adolescente. 7. Direito à educação.
8. Direito à saúde. 9. Medicamentos de alto custo
– Política pública. 10. Educação – Política
pública. 11. Ensino superior – Política pública.
I. Título.
CDD – 22.ed. 320.6
Bibliotecária Eliziane de Lucca Alosilla - CRB 14/1101
Bibliotecária
BibliotecaEliziane de Lucca
Central Prof.Alosilla
Eurico– CRB
Back14/1101
- UNESC
Biblioteca Central Prof. Eurico Back – UNESC

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra poderá ser reproduzida,
arquivada ou transmitida por qualquer meio ou forma sem prévia permissão por
escrito da Editora da Unesc.
PREFÁCIO
Nas últimas décadas, no Brasil, o estudo de políticas públicas tem
ganhado vigor; sendo encontrada, na atualidade, uma multiplicidade de
produções que cobrem variadas áreas da atuação do Estado. São estudos
do Estado em Ação que examinam conteúdos das políticas, atores,
instituições e ideias que as delimitam, ora cobrindo todo o ciclo das
policies, ora priorizando a certa fase – da formação da agenda, passando
pela formulação, implementação ou resultados.
A produção acadêmica de análise de políticas públicas ganhou
impulso no período de transição democrática, a partir de diferentes
disciplinas, na trilha da construção de todo um novo arcabouço
político-institucional que, mesmo com o processo continuado de
mudanças, desafiava a pensar as decisões e ações estatais com base em
problematizações acerca dos direitos de cidadania, das responsabilidades
e das omissões públicas para com a garantia desses direitos, de normas
e práticas de relações intragovernamentais, intergovernamentais e do
Estado com a sociedade e com o mercado.
De lá para cá, conforme já assinalado, os estudos proliferaram,
na academia e fora dela, com orientações teóricas e objetivos diversos,
com caráter mais ou menos aplicado. É, portanto, uma área plural em
abordagens teórico-metodológicas e em expectativas de apropriação ou
disseminação do conhecimento produzido. Políticas públicas passou a
ser reconhecida como área disciplinar, o que pode ser constatado, por
exemplo, na abertura de cursos de graduação e de pós-graduação, na
constituição de áreas de políticas públicas setoriais em departamentos
ou instâncias similares nas universidades e no crescimento no número de
grupos de pesquisa. É uma área desafiada pela complexidade crescente e
mutações contínuas das ações estatais, desde os níveis locais, ao nacional
e internacional.
Este livro insere-se no contexto assinalado, de intensificação
na geração de conhecimento sobre políticas públicas. Organizado pelas
professoras Kelly Gianezini e Adriane Bandeira Rodrigues, reúne 14 textos
de pesquisadores de vários estados brasileiros; as áreas ou setores de
políticas públicas enfocados são os de meio ambiente, combate à pobreza
e à desigualdade social, tutela ao direito das crianças e dos adolescentes,
saúde e educação. É de destacar a autoria de pesquisadores com
diferentes níveis de titulação, com a maioria dos capítulos escritos em
coautoria. Contamos aqui com uma relevante produção, que possibilita o
diálogo entre disciplinas e abordagens e que pode inspirar outros estudos
ou modos de olhar as políticas.

Nalú Farenzena
Professora Permanente do Programa de
Pós-Graduação em Educação da UFRGS
SUMÁRIO

12
Apresentação
Kelly Gianezini
Adriane Bandeira Rodrigues

15 GESTÃO SUSTENTÁVEL DO MEIO AMBIENTE

Ecodesenvolvimento e Políticas
Públicas Redistributivas: Perspectivas

16 de Implementação do ICMS-E em Santa


Catarina
Andreza da Cruz
Miguelangelo Gianezini
Kelly Gianezini

51
COMBATE À POBREZA E À
DESIGUALDADE SOCIAL

Renda Básica de Cidadania, Definida


na Lei Nº 10.835/2004: Desafios

52 e Oportunidades para Inclusão


Socioeconômica
Amanda Rutineia Cunha
Angélica Pereira Possamai
Yduan de Oliveira May
75 TUTELA AO DIREITO DAS CRIANÇAS
E DOS ADOLESCENTES

Políticas de Proteção às Crianças e

76
Adolescentes Acolhidos: Novas Diretrizes
para Acolhimento Familiar
Gláucia Borges
Ismael Francisco de Souza

Quando o Trabalho Impede a Educação:

94
Trabalho Infantojuvenil no Brasil, Direito à
Educação e Políticas Públicas
Karyna Batista Sposato
Marcelo Oliveira do Nascimento

117 DIREITO À SAÚDE

O Direito Fundamental à Saúde da Criança


e do Adolescente: Uma Análise do Plano

118
Municipal de Saúde do Município de
Sombrio/SC, com Base na Teoria da Proteção
Integral e Princípio da Prioridade Absoluta
Nathalia Flôres de Oliveira
Daniel Ribeiro Preve
A Judicialização de Políticas Públicas

139
Relacionadas aos Medicamentos
de Alto Custo
Adriane Bandeira Rodrigues
Liliane Satiro Borges

162 POLÍTICAS PÚBLICAS E EDUCAÇÃO

Estado, Desenvolvimento Econômico e

163
Políticas Públicas: Uma Análise da Lei
Nº 12.858/2013 e o Financiamento da
Educação no Brasil
Francisco Cláudio Oliveira Silva Filho
Cynara Monteiro Mariano

Políticas Públicas de Inclusão: Percepções,


181 Limites e Desafios na Educação Básica
Luciana Campos Golarte

A Questão de Gênero e Diversidade Sexual


192 nas Políticas Públicas Educacionais
Pedro Henrique Cardoso Hilário
Sheila Martignago Saleh
Políticas Públicas Educacionais e a
Avaliação do Ensino nos Estado da Região

217 Sul do Brasil: Uma Análise a Partir do


Princípio Federativo
Michel Alisson da Silva
Pedro Henrique Cardoso Hilário

241 POLÍTICAS PÚBLICAS E EDUCAÇÃO SUPERIOR

Ações Afirmativas na Universidade:


Retratos de uma Pesquisa sobre a

242 Inserção da Política de Cotas em uma


Faculdade Pública de Direito
Erli Sá dos Santos
Matheus Guarino Sant’Anna Lima de Almeida
Heloisa de Faria Pacheco

A Implementação de Políticas Públicas


de Ingresso no Ensino Superior e a
263 Judicialização do Sistema de Cotas na
Universidade Federal da Bahia
Isabel Bezerra de Lima Franca
Política Fiscal, Gestão e PROUNI: Uma
Revisão Sistemática no Período
288 de 2005 a 2018
Marlon Acassio Casagrandi Cardoso
Letícia Anselmo Manique Barretto
Kelly Gianezini

Políticas Públicas, Direito e Proteção


Social: Dinâmica de Sala de Aula
299 e Desafios aos Pesquisadores do
Campo do Direito
Carlos Alberto Lima de Almeida

318 SOBRE OS AUTORES


SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO
O Curso de Direito da Universidade do Extremo Sul Catarinense
(UNESC), fundado no ano de 1996, tem como objetivo a “[...] formação
de profissionais com consciência jurídica crítica, habilitados não só para o
exercício da técnica-jurídica, como para pensar o Direito em seus aspectos
científico, filosófico, histórico, sociológico e político.” e, nessa perspectiva,
é da sua tradição oferecer à comunidade acadêmica a Coleção Pensar
Direito, que alcança com esta obra o seu sexto volume.
A presente, intitulada “Políticas Públicas no Século XXI”, traz
como eixo central os debates teóricos acerca das políticas públicas do
Brasil da contemporaneidade. Está estruturada em seis partes principais,
focadas nos seguintes eixos das políticas públicas: (I) gestão sustentável
do meio ambiente; (II) combate à pobreza e à desigualdade social; (III)
tutela ao direito das crianças e dos adolescentes e (IV) direito à saúde, (V)
políticas públicas e educação e (VI) políticas públicas e educação superior.
Cada parte é composta de seus respectivos capítulos, totalizando 14 ao
longo de toda a obra, desenvolvidos por 27 pesquisadores (doutores,
mestres, bacharéis e acadêmicos de iniciação científica) de seis estados
federados (Bahia, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, São
Paulo e Santa Catarina).
No campo das políticas públicas voltadas à gestão sustentável
do meio ambiente, estão os seguintes trabalhos: “Ecodesenvolvimento,
políticas públicas redistributivas e justiça social: perspectivas de
implementação do ICMS-E em Santa Catarina”, de autoria de Andreza da
Cruz, Miguelangelo Gianezini e Kelly Gianezini.
Na área das políticas públicas relacionadas ao combate à pobreza
e à desigualdade social, consta o trabalho “Renda básica de cidadania,
definida na Lei n. 10.835/2004: desafios e oportunidades para inclusão
socioeconômica”, dos autores Amanda Rutineia Cunha, Angélica Pereira
Possamai e Yduan de Oliveira May.
Na órbita das políticas públicas relativas à tutela ao direito
das crianças e dos adolescentes, os trabalhos são: “Políticas públicas

12
de proteção a crianças e adolescentes acolhidas: novas diretrizes para
acolhimento familiar”, de autoria de Gláucia Borges e Ismael Francisco de
Souza; “Quando o trabalho impede a educação: trabalho infantojuvenil no
Brasil, direito à educação e políticas públicas”, de Karyna Batista Sposato
e Marcelo Oliveira do Nascimento; “O direito fundamental à saúde da
criança e do adolescente: uma análise do plano municipal de saúde do
município de Sombrio/SC, com base na teoria da proteção integral e
princípio da prioridade absoluta”, de autoria de Nathalia Flôres de Oliveira
e Daniel Ribeiro Preve.
Sob o enfoque das políticas públicas referentes ao direito à saúde,
há o seguinte trabalho “A judicialização de políticas públicas relacionadas
aos medicamentos de alto custo”, das autoras Adriane Bandeira Rodrigues
e Liliane Satiro Borges.
Por fim, os estudos apresentados tratam das políticas públicas
referentes à educação, nos quais constam os seguintes trabalhos:
“Estado, desenvolvimento econômico e políticas públicas: uma análise
da Lei n. 12.858/2013 e o financiamento da educação no Brasil”, dos
autores Francisco Cláudio Oliveira Silva Filho e Cynara Monteiro Mariano;
“Políticas públicas de inclusão: percepções, limites e desafios na educação
básica”, da autora Luciana Campos Golarte; “A questão de gênero e
diversidade sexual nas políticas públicas educacionais”, de autoria de
Pedro Henrique Cardoso Hilário e Sheila Martignago Saleh; “Políticas
públicas educacionais e a avaliação do ensino nos estados da Região
Sul do Brasil: uma análise a partir do princípio federativo”, de Michel
Alisson da Silva e Pedro Henrique Cardoso Hilário; “Ações afirmativas na
universidade: retratos de uma pesquisa sobre a inserção da política de
cotas em uma faculdade pública de direito”, de autoria de Erli Sá dos
Santos, Matheus Guarino Sant’Anna Lima de Almeida e Heloisa de Faria
Pacheco; “A implementação de políticas públicas de ingresso no ensino
superior e a judicialização do sistema de cotas na Universidade Federal da
Bahia”, da autora Isabel Bezerra de Lima Franca; “Política fiscal, gestão e
Prouni: uma revisão sistemática no período de 2005 a 2018”, dos autores
Marlon Acassio Casagrandi Cardoso, Letícia Anselmo Manique Barretto
e Kelly Gianezini; “Políticas públicas, direito e proteção social: dinâmicas
de sala de aula e desafios aos pesquisadores do campo do direito”, de

13
Carlos Alberto Lia de Almeida. Todos (as) os (as) autores (as) e coautores
(as) afirmam, por meio de declaração, que não há conflitos de interesse
na publicização deste material, sendo eles (as) responsáveis por suas
opiniões expressadas e registradas no livro.
Agradecemos especialmente à Universidade do Extremo Sul
Catarinense (UNESC), que por meio da incondicional colaboração da
reitoria com vistas à promoção da pesquisa científica no Curso de Direito,
financiou esta obra. Também ao Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq), à Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior (Capes) pelo apoio dado a algumas pesquisas
apresentadas neste livro. Merece destaque o apoio prestado pela
Coordenação do Curso de Direito, na pessoa do professor João Carlos
Medeiros Rodrigues Júnior e da professora Márcia Lírio Piazza, e pelos
professores Lucas Machado Fagundes e Gustavo Borges, na concretização
desta publicação. Agradecemos aos mestrandos do Programa em
Desenvolvimento Socioeconômico (PPGDS), Mariana Westrup e Fernando
Locks Machado, pelo laboro na formatação final da presente obra.
Desejamos uma ótima leitura e que esta obra sirva de inspiração
para reflexões e novas produções científicas voltadas ao tema das políticas
públicas, por se tratar de um objeto de estudo complexo, que demanda
análise contextualizada à dinâmica da realidade econômica, social e
política do País.

As Organizadoras
Março de 2019

14
PARTE I
GESTÃO SUSTENTÁVEL
DO MEIO AMBIENTE IO
R
Á
M
U
S
DOI: dx.doi.org/10.18616/pps01

ECODESENVOLVIMENTO E POLÍTICAS
PÚBLICAS REDISTRIBUTIVAS: PERSPECTIVAS
DE IMPLEMENTAÇÃO DO ICMS-E EM SANTA
CATARINA
Andreza da Cruz
Miguelangelo Gianezini
Kelly Gianezini

INTRODUÇÃO SUMÁRIO
A preocupação com a qualidade ambiental do planeta, bem
como a evolução da sociedade e a maneira como está se utiliza dos
recursos naturais, é motivo de discussão e estudo em diversos níveis
educacionais, organizacionais e governamentais. Assim, os propalados
impactos das mudanças climáticas têm demandado de governos,
universidades, empresas e Organizações não Governamentais, propostas
de soluções para os atuais problemas ambientais (GIANEZINI et al., 2012).
Tais questões ganharam, nos últimos anos, maior abrangência tanto nos
países desenvolvidos, como nos em desenvolvimento (incluindo-se o
Brasil), onde os problemas ambientais têm reflexos na população, com
destaque para os grupos em maior vulnerabilidade socioeconômica.
No cenário brasileiro, observando a cronologia da legislação
ambiental, em 1965, foi aprovada pelo Senado Federal a Emenda
Constitucional n. 18 que, por conseguinte, foi incorporada à Constituição
Federal de 1967. Com eficácia de lei complementar, tal dispositivo tratava
da Reforma do Sistema Tributário, que seria então a gênese do Código
Tributário Nacional (CTN). Foi na referida emenda constitucional que
nasceu o Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICM) e em 1988,
com a atual Constituição Federal, foram incorporadas novas bases de
incidências, passando chamar Imposto sobre Circulação de Mercadorias e
sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal
e de Comunicação (ICMS).

16
O ICMS é, portanto, um imposto de competência dos estados
e do Distrito Federal, regulamentado pelo artigo 155 da Constituição
Federal. O artigo 158 da Carta Magna trata sobre a repartição das
receitas tributárias advindas desse imposto, sendo que 25% do montante
arrecadado devem ser distribuídos aos seus municípios, conforme critérios
constitucionais. Desse montante, 25% dividem-se em duas parcelas:
75% do valor adicionado fiscal1 (VAF) nas operações que incidem ICMS
em seus territórios e restante (25%) conforme dispuser a Lei estadual
(BRASIL, 1988). Em Santa Catarina, com a Lei n. 8.203, de 26 de dezembro
de 1990, estabeleceu-se que 85% do ICMS que pertence aos municípios
deve ser divididos conforme o VAF e 15% em partes iguais a cada um dos
municípios (SANTA CATARINA, 1990).
Percebe-se que a repartição estipulada pela legislação
privilegia os municípios com maior desenvolvimento econômico, os mais
industrializados que têm maior capacidade de gerar o imposto em análise.
Porém, é na autonomia do estado em utilizar parte do recurso conforme
lhe convier, que aparece o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e
sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal
e de Comunicação Ecológico (ICMS-E).2 Trata-se de uma política pública
tributário-ambiental, que estimula a preservação e conservação do meio
ambiente, buscando a construção de um novo modelo de desenvolvimento
sustentável para os municípios, que garantam melhor distribuição dos
recursos e justiça social.

BREVE PROBLEMATIZAÇÃO E REFERENCIAL

Foi no século XX que iniciaram diversos movimentos na busca


de conscientização ambiental por parte da sociedade e dos governos,
por exemplo, em nível mundial, em 1949, a Conferência Científica da
Organização das Nações Unidas (ONU) sobre a Conservação e Utilização
1
O cálculo do valor adicionado fiscal que corresponde aos Municípios encontra-se expresso
na Lei Complementar n. 63/1990, no artigo 3º, parágrafo 1º, inciso I. “[...] ao valor das mer-
cadorias de saída, acrescido do valor das prestações de serviços, no seu território, deduzido
o valor das mercadorias entradas, em cada ano civil.” (BRASIL, 1990).
2
Durante a pesquisa bibliográfica e documental, deparou-se com a sigla grafada de duas
formas: “ICMS-E” e “ICMS-e”. Neste estudo, optou-se pelo uso da caixa alta.

17
de Recursos e, em 1968, a Conferência sobre Biosfera, realizada em Paris.
A publicação do Relatório Limites do Crescimento, elaborado pelo Clube
de Roma3 e a Conferência de Estocolmo em 1972 buscaram conscientizar
os países sobre a necessidade de exploração sustentável dos recursos
naturais. Em 1987, um relatório foi elaborado pela Comissão Mundial para
o Desenvolvimento e Meio Ambiente (CMDM), o Relatório Brundtlandt
ou Our common future (Nosso futuro comum), no qual foi apresentada
a definição de Desenvolvimento Sustentável,4 colocando a temática na
agenda política internacional (BARBIERI, 2011).
Em 1992, foi realizada, no Rio de Janeiro, a II Conferência das
Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio 92), essa
conferência foi o marco para as discussões sobre gestão ambiental em
nível global. A Rio 92 seria a reafirmação da Declaração da Conferência
de Estocolmo e a partir dela o conceito de desenvolvimento sustentável
foi disseminado pelo mundo. No final daquela década, em 1997, outro
evento importante que ocorreu foi o Protocolo de Quioto,5 que tinha por
objetivo diminuir de 2008 a 2012 em média 5% as emissões de gases
que provocam efeito estufa na atmosfera em relação aos níveis de 1990
(BRASIL, 1997).
Essas demandas guiaram muitas ações em diversos países, que
estabeleceram políticas e programas voltados a essa questão. Contudo,
o desafio maior reside nos países em desenvolvimento com diversidades
regionais, como é o caso do Brasil, onde a inter-relação entre as esferas
de organização administrativa federal, estadual e municipal ocorre por

3
O Clube de Roma foi fundado em 1966 pelo industrial italiano Aurélio Peccei e pelo cientista
escocês Alexander King. O Roma reunia um grupo de pessoas para debater assuntos rela-
cionados à política, economia internacional, dando ênfase ao meio ambiente e o desenvolvi-
mento sustentável (ALVES; ALBUQUERQUE, 2016).
4
Conforme o Relatório, a humanidade tem a capacidade e habilidade de promover o desen-
volvimento de forma sustentável, assegurando o atendimento das necessidades presentes
sem comprometer a capacidade das futuras gerações de suprir as suas. Do original em in-
glês: “Humanity has the ability to make development sustainable to ensure that it meets the
needs of the present without compromising the ability of future generations to meet their
own needs.” (BRUNDTLAND, 1987, p. 24, tradução livre).
5
O Protocolo de Quioto constitui um tratado complementar à Convenção-Quadro das Na-
ções Unidas sobre mudança do clima, definindo metas de redução de emissões para os pa-
íses desenvolvidos e os que, à época, apresentavam economia em transição para o capita-
lismo, considerados os responsáveis históricos pela mudança atual do clima (BRASIL, 1997).

18
meio do cumprimento de direitos e deveres constantes na legislação e
nas políticas públicas e sociais.
Ademais, ressalta-se que o Brasil possui 26 estados e um Distrito
Federal, sendo que desses, há dezesseis estados que já implementaram o
ICMS-E. Todavia, a lei que disciplina o ICMS em cada estado é autônoma,
conforme competência outorgada pela Constituição Federal (art. 155,
inciso II), assim possibilita os entes a criarem critérios conforme suas
necessidades. Em 2003, no estado de Santa Catarina foi proposto o Projeto
de Lei Complementar n. 010 que tratava dos critérios de distribuição
da parcela de receita do ICMS pertencente aos municípios, porém esse
projeto não está mais em andamento (ICMS ECOLÓGICO, 2017).6
Com base em dados do Conselho Nacional de Política Fazendária,
em dezembro de 2017, o total geral da receita tributária do Estado foi
de R$ 1.907.055.487,00, e desse montante R$ 1.766.484.217,00 foram
o total de arrecadação do ICMS, o que perfaz um percentual de 92,63%,
confirmando ser o tributo de maior importância (CONFAZ, 2018).
Esses dados e informações contribuem para compreensão de que os
recursos não devem ter, apenas, o caráter arrecadatório, reforçando o
entendimento de sua utilização na geração de benefícios socioambientais.
E, esse novo olhar traduz a necessidade de outra postura da sociedade em
relação ao meio ambiente, harmonizando o binômio desenvolvimento e
sustentabilidade.
Em alguns municípios, existe limitação quanto ao uso de seu
território por haver locais que são protegidos ambientalmente, tornando
esses municípios pouco produtivos e com isso sua participação na
redistribuição do imposto será menor do que os municípios com menor
área de conservação e maior atividade industrial, carecendo assim de
políticas – como a que foi o objeto deste estudo – para modificar essa
realidade. Neste ponto, por entender que a legislação é meio e não fim,
observa-se uma lacuna a qual este trabalho pretendeu preencher, qual

6
Aqui, cabe esclarecer que houve outro Projeto de Lei Complementar (n. 375/2011) idealiza-
do na mesma perspectiva do ICMS-E. No entanto, tal projeto não foi discutido na Assembleia
Legislativa de Santa Catarina, pois sequer chegou ser aprovado na Comissão de Constituição
e Justiça (CCJ). Desse modo, ao proposta consta em trechos deste texto (uma vez que foi
mencionado por alguns dos entrevistados), contudo não foi objeto deste estudo.

19
seja, a de estudos empíricos acerca das políticas públicas tributário-
ambientais cujas propostas estejam alinhadas ou não com os princípios
do ecodesenvolvimentismo e da justiça social.
Observando a condição catarinense nesse contexto, o estudo
propôs alguns questionamentos, a saber: quais as principais ações e
agentes envolvidos na proposta de implantação do ICMS-E em Santa
Catarina? Por que o mesmo ainda não foi implementado? E, considerando
a sua não obrigatoriedade, quais as perspectivas positivas (avanços) e
negativas (retrocessos e limitações) desse processo?
Para responder a estas questões foram estabelecidos objetivos
voltados à compreensão da proposta de implantação do ICMS-E no
estado de Santa Catarina (SC) e avaliação das perspectivas para a sua
implementação, incluindo-se aqui: promover um levantamento das
características dos modelos de estados que já implementaram o ICMS-E;
compilar os requisitos e as informações relacionadas às ações de
implantação do ICMS-E em SC junto aos órgãos competentes e associações;
averiguar os avanços e retrocessos no processo de implantação dessa
política governamental; e analisar os argumentos para implementação ou
não do ICMS-E em SC.
Diante desse contexto, foi proposto este estudo acerca
da implantação do ICMS-E em SC evidenciando, em perspectiva, as
contribuições do ecodesenvolvimentismo em Sachs (1993; 1994; 1995;
2009b; 2012) e das possibilidades das políticas públicas, adaptadas a
partir de um rol de autores como Lasswell (1936), Lowi (1972), Sabatier e
Jenkins-Smith (1993), Ferreira (1998), Frey (2000), Souza (2006), Saraiva
(2006), Schmidt (2008), Lukic (2012), Raeder (2014), Secchi (2015) e
Gianezini et al. (2017) – por meio da investigação das discussões e ações
em consonância com a legislação do ICMS e quais práticas que estão
sendo adotadas em relação ao ICMS-E no referido estado.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Para a consecução desta pesquisa pretendeu-se englobar um
estudo exante exploratório, aplicado e qualitativo. Há estudiosos que

20
propõem as políticas públicas possam ser avaliadas como ex post ou ex
ante (FERREIRA, 1998; FREY, 2000; SARAIVA, 2006; SOUZA, 2006; SCHMIDT,
2008; RAEDER, 2014; SECCHI 2015; GIANEZINI et al., 2017). A opção aqui
escolhida foi pela avaliação ex ante, com o fito de compreender e avaliar
à decisão de implementar ou não o ICMS-E em SC. Destaca-se, nesse tipo
de avaliação, o diagnóstico (ou estudo da situação), quando se mapeiam
as necessidades e são realizados estudos de factibilidade que orientarão
a formulação de uma política ou programa.
Em complemento, Khandker, Koolwal e Samad (2010) explicam
que se podem realizar estudos prospectivos (ex ante), com intuito de
dimensionar os possíveis benefícios ou obstáculos de uma intervenção,
simulando-se situações futuras (com e sem a implementação da política),
e de se utilizar o modelo de análise estrutural que identifica os principais
agentes envolvidos (indivíduos, comunidades, governos, dentre outros),
suas interações e os diferentes contextos que influenciam os resultados
do programa. Para os autores, tais procedimentos colaboram com
“[...] o refinamento das ações antes mesmo da sua implementação, ao
prever seus efeitos potenciais em diferentes ambientes.” (KHANDKER;
KOOLWAL; SAMAD, 2010, p. 3). Além das políticas públicas, a avaliação ex
ante também é recorrente em uma de suas variantes, que são os projetos
sociais (GIANEZINI et al., 2017), sendo realizada antes da execução do
programa/projeto.7
Em relação aos objetivos, a pesquisa foi predominantemente
exploratória, haja vista que até o presente momento não se constatou
publicação de estudo específico sobre a política pública selecionada para
a pesquisa em SC. Além disso, pode-se dizer que esse tipo de pesquisa
busca proporcionar maior familiaridade com o problema, tornando-o
mais explícito e (re)conhecido no meio acadêmico-científico como objeto
de estudo e pesquisa (SELLTIZ et al. 1967).

7
Nestes casos, segundo Cohen e Franco (2007, p. 18), sua finalidade é “[...] proporcionar
critérios racionais para uma decisão qualitativa crucial: se o projeto deve ou não ser im-
plementado. Também permite ordenar os projetos segundo sua eficiência para alcançar os
objetivos perseguidos”. Podem-se mencionar outras variantes e terminologias como a ava-
liação “marco zero” também encontradas na literatura, uma vez que “[...] ocorrem antes da
instalação de um determinado programa e servem para orientar a equipe responsável por
ele no planejamento das ações, garantindo o máximo de proximidade às reais necessidades
e expectativas dos futuros usuários.” (CHIANCA; MARINO; SCHIESARI, 2001, p. 18).

21
Por conseguinte, a pesquisa realizada teve abordagem qualitativa,
apontada por Creswell (2010, p. 26) como “[...] meio para explorar e
para entender o significado que os indivíduos e grupos atribuem a um
problema”. Além disso, a abordagem qualitativa permitiu analisar os dados
indutivamente em “[...] análise construída a partir de particularidades para
temas gerais e interpretações feitas pelo pesquisador acerca do significado
dos dados.” (CRESWELL, 2010, p. 26). Tal abordagem foi fundamental para
de Santa Catarina, localizado
o delineamento do no Suldedoestudo,
lócus Brasil,qual
com umo estado
seja território
de de 95.737,895
Santa Catarina, km² (IBGE
2017) e 295localizado no população
municípios, Sul do Brasil, com umdeterritório
estimada 6.910.553de e95.737,895
densidadekm² (IBGE,
demográfica de 65,29
2017) e 295 municípios, população estimada de 6.910.553 e densidade
hab./Km² (IBGE, 2017). Diante desses dados, foram coletados documentos e informações qu
demográfica de 65,29 hab./Km² (IBGE, 2017). Diante desses dados, foram
auxiliaram acoletados
compor odocumentos
referencialeeinformações
parte dos resultados, incluindo
que auxiliaram a apresentação
a compor o referencial do ICMS-E
bem como, eum parte dos resultados, incluindo a apresentação do ICMS-E, bem como,
framework ilustrativo, para melhor representação dos elementos do estudo
um framework ilustrativo, para melhor representação dos elementos do
contribuindoestudo,
para a delimitação
contribuindoda coleta
para e análise da
a delimitação doscoleta
dados.e análise dos dados.

Figura 1 – Framework representativo do estudo


Figura 1 – Framework representativo do estudo

Fonte: Adaptado de Gonçalves, Gianezini e Estevam (2018)


Fonte: Adaptado de Gonçalves, Gianezini e Estevam (2018)

No framework, observam-se as esferas governamentais, as


No framework, observam-se
políticas tributárias as esferas
e ambientais como governamentais, as campo
setoriais dentro do políticas
das tributárias
políticas
ambientais como públicas,
setoriais os do
dentro atores,
campoo recorte, objeto
das políticas de estudo
públicas, (ICMS-E)
os atores, eo
o recorte, objeto d
lócus catarinense, sendo todos esses elementos enquadrados na moldura
estudo (ICMS-E) e o lócus catarinense, sendo todos esses elementos enquadrados na moldur
22
do Desenvolvimento Socioeconômico e Gestão social, em diálogo com o Ecodesenvolvimento.
do Desenvolvimento Socioeconômico e Gestão social, em diálogo com o
Ecodesenvolvimento.

PROCEDIMENTOS DE COLETA E ANÁLISE DE DADOS

Preliminarmente, buscaram-se subsídios para a compreensão da


temática e referencial, a partir de estudo bibliográfico (que em parte já
está publicado), pois se baseia em livros, periódicos científicos e websites
que se entende terem sido relevantes ao trabalho. Nesse contexto, a
pesquisa bibliográfica sistemática ocorreu em livros e artigos científicos
disponíveis nas bases de dados Scientific Electronic Library Online
(SciELO) e Google Scholar®, realizada no primeiro semestre de 2017,
utilizando-se especialmente as seguintes palavras-chave em português:
ecodesenvolvimento e ICMS-ecológico. A posteriori, de agosto de 2017
a janeiro de 2018, houve uma segunda parte que abrangeu o estudo
junto aos órgãos e agentes, valendo-se da técnica de levantamento e
pesquisa documental (de gabinete e a campo), além, de entrevistas
semiestruturadas com agentes envolvidos no processo de implantação da
política (ICMS-E).
O contato, a coleta de informações e as entrevistas com os agentes
envolvidos nas iniciativas em prol da implantação e implementação do
ICMS-E em SC foram essenciais para alcançar os objetivos propostos.
Inicialmente, o contato se deu com funcionários da Assembleia Legislativa
de SC na busca por legislação e informações sobre o trâmite de votação
do projeto, como forma de compreender as variadas etapas até o seu
arquivamento. Em um primeiro momento, houve a abordagem telefônica
com um funcionário que disponibilizou via e-mail os arquivos relacionados
aos projetos sobre o ICMS-E que por lá tramitaram, iniciando assim a
pesquisa documental. Paralelamente, a pesquisa bibliográfica estava em
fase de conclusão.
Colhidas tais informações, o passo seguinte foi o de identificação
das pessoas para as entrevistas. A amostra caracterizou-se como
autogerada tendo sido escolhidas aquelas que participaram ativamente
na fase de elaboração e trâmite do Projeto de Lei Complementar n.
010/2003. Cabe ressaltar que, nessa seleção, foi detectado outro projeto

23
sobre a mesma temática – Projeto de Lei Complementar n. 035.7/2011 –
que nem mesmo chegou a ser discutido por apresentar “vício de origem”8
e consequentemente reprovado pela Comissão de Constituição e Justiça
(CCJ). Entretanto, por opção desta pesquisa o deputado responsável pela
propositura foi entrevistado, afinal, o objetivo de tal projeto era distinto
do projeto inicial.
Por conseguinte, foram realizadas as demais entrevistas.
Inicialmente com o deputado responsável pela elaboração do primeiro
projeto, em 2003, bem como seu assessor, que por deter maior
conhecimento na área ambiental, foi quem coordenou todas as etapas.
Foi entrevistada também, a funcionária da Fundação de Amparo à
Tecnologia e Meio Ambiente (FATMA), que à época da implantação
desenvolvia tese de doutorado sobre ICMS-E. E por fim, a entrevista com
o presidente da Federação Catarinense de Municípios (FECAM), no intuito
de compreender a diversidade de percepções dos policymakers envolvidos
na implementação. Cabe salientar que cada entrevista foi precedida de
apresentação do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Assim,
todas as informações prestadas pelos entrevistados foram utilizadas
unicamente para a compreensão acerca do objeto de estudo, seguindo os
questionamentos semiestruturados.
Eis os perfis dos entrevistados, com seus respectivos cargos
atuais e os cargos que ocupavam no período da implantação e tentativas
de implementação da política estudada: E1 – Prefeito; 47 anos; mestre em
Geografia; na época assessor do deputado responsável pela propositura
do Projeto de Lei Complementar n. 010/2003; E2 – Empresário; 55 anos;
graduado em Gestão Pública; na época deputado estadual, autor do Projeto
de Projeto de Lei Complementar n. 010/2003; E3 – Aposentada; 58 anos;
doutora em Engenharia Florestal; funcionária da FATMA na época em que
ocorreu a elaboração do Projeto; E4 – Deputado, 47 anos; graduado em
Jornalismo; na época autor do projeto de Projeto de Lei Complementar
n. 035.7/2011; e E5 – Funcionário Público; 57 anos; graduado em Ciência
da Computação e Administração de Empresas; presidente da FECAM na

8
O vício de origem apresentado neste projeto foi que a iniciativa deveria partir do Poder
Executivo, conforme preceitua a Constituição Estadual de Santa Catarina e neste caso foi
proposto pelo Poder Legislativo, sendo assim rejeitado pelo CCJ.

24
época em que ocorreu a propositura do Projeto de Lei Complementar n.
010/2003.
A coleta a campo contemplou dados primários e secundários. A
coleta de dados secundários ocorreu em documentos oficiais e publicações
fornecidas pelos agentes (ou solicitadas) nos órgãos/instituições visitadas.
E, como já mencionado, os dados primários foram obtidos por meio de
entrevistas, realizadas nos locais previamente escolhidos, observando
roteiro estabelecido em questionário semiestruturado.
Vale destacar que as entrevistas foram realizadas no segundo
semestre de 2017 e início de 2018, nas cidades de Braço do Norte,
Florianópolis e Araranguá. Considerando a distância, duas das entrevistas
foram realizadas com auxílio do software Microsoft Skype™. As entrevistas
foram gravadas e transcritas, sendo posteriormente encaminhado para o
e-mail de cada entrevistado para a aprovação do conteúdo, retornando o
texto devidamente revisado e autorizado a sua publicação.
As entrevistas e documentos foram analisados, sendo então
conduzida a extração de excertos que corroboraram na resposta ao
problema e consecução dos objetivos propostos. Foram transcritos trechos
das entrevistas compilados de acordo com categorias e confrontados com
o referencial teórico para a discussão. Aqui cabe mencionar o caráter
indutivo do estudo e como tal, a partir de seus achados emergiram as
categorias de análise ligadas ao referencial.

ESTADOS QUE IMPLEMENTARAM O ICMS-E E A


INICIATIVA CATARINENSE
O primeiro objetivo proposto, foi o de promover um levantamento
dos estados que já implementaram o ICMS-E, a fim de compreender quais
critérios de distribuição desse imposto foram utilizados por eles (onde e
de que forma), quais porcentagens direcionadas a cada critério (quanto),
bem como identificar o marco legal (como) e a data de implementação
(ano). Os resultados do levantamento estão sintetizados no Quadro 1.

25
Quadro 1 – Estados que já implementaram o ICMS Ecológico no Brasil
% de
Legislação instituidora e suas restituição do
Estados Ano Critérios de repartição
alterações ICMS
arrecadado
Lei n. 9.491, 21/12/1990; Lei Comp. n.
59, 01/10/1991; Lei Comp. n. 67,
Paraná - Áreas protegidas;
1990 08/01/1993; Decreto n. 2.791, 5%
(PR) - Mananciais de abastecimento.
27/12/1996; Dec. n. 3.446, 14/08/1997
e Dec. n. 1.529, 02/10/2007
Lei Complementar n. 057, 4/01/1991; - Terras indígenas homologadas;
Mato Grosso do Sul L.C. n. 077, 7/12/1994; Lei n. 2.193, - Unidade de Conservação;
1991 5%
(MS) 18/12/2000; Lei n. 2.259, 9/07/2001 e - Plano de gestão (coleta seletiva e
Decreto Lei n. 10.478, 31/08/2001 disposição final de resíduos sólidos).
São Paulo Lei n. 8.510, de 29 de dezembro de
1993 0,5% - Unidades de Conservação.
(SP) 1993 e Lei n. 12.810, 21/02/ 2008
- Índice de Saneamento Ambiental;
Lei n. 12.040, de 28 de dezembro de
Minas Gerais - Índice de Conservação;
1995 1995; Lei n. 13.803, 27/12/2000 e Lei n. 1,10%
(MG) - Ocorrência mata seca município/área
18.030,12/01/2009
total
Rondônia Lei Complementar n. 147, 15/01/ 1996 e
1996 5% - Unidades de conservação.
(RO) Decreto n. 11.908, 12/12/ 2005
Amapá
Lei n. 322, de 23 de dezembro de 1996 1,4% - Unidades de Conservação.
(AP)
Rio Grande Sul (RS) 1997 Lei n. 11.038, 14/11/1997 7% - Unidades de Conservação.
Lei Complementar n. 73, 07/12/2000; - Unidades de Conservação;
Mato Grosso
2000 Decreto n. 2.758, 16/07/2001 e Lei 7% - Territórios Indígenas;
(MT)
Complementar n. 157, 20/01/2004. - Saneamento Ambiental.
Lei n. 1.530, 22/01/2004; Decreto n.
Acre - Unidades de Conservação;
2004 4.918, 29/12/2009 e Decr. n. º 5.053, 5%
(AC) - Terras Indígenas.
19/02/2010
Lei n. 14.023, 17/12/2007; Decreto n. - Educação (18%);
Ceará
2007 29.306, 5/06/2008 e Decreto n. 25% - Saúde (5%);
(CE)
29.881, 31/08/ 2009 - Meio Ambiente (2%)
Lei n. 11.899, 21/12/2000; Lei n. - Unidades de Conservação;
12.206, 20/05/2002; Lei n. 12.432, - Tratamento ou destinação final de
29/09/2003; Decreto n. 23.473, resíduos sólidos;
Pernambuco 2000 8%
10/08/2001, Decreto n. 25.574, - Saúde;
(PE)
25/06/2003 e Decreto n. 26.030, - Educação;
15/10/2003 - Receita Tributária Própria.
- Política Municipal de Meio
Ambiente;
Lei n. 1.323, 4/04/2002 e Decreto n. - Unidade de conservação e terras
Tocantins 1.666, 26/12/2002 indígenas;
2002 13%
(TO) - Controle de queimadas e
incêndios;
- Conservação do Solo;
- Saneamento básico;
- Unidades de Conservação;
Rio de Janeiro Lei n. 5.100, 04/10/2007 e Decreto n.
2007 2,5% - Qualidade da Água;
(RJ) 41.844, 04/05/2009
-Administração dos Res. Sólidos.
-Gestão de resíduos sólidos
- Mananciais;
Piauí Lei n. 5.813,03/12/2008 e Decreto n.
2008 5% - Redução do desmatamento;
(PI) 14.348, 13/12/2010
-Identificação de fontes de poluição;
- Unidades de Conservação.
- Unidade de Conservação
Paraíba Públicas/Privadas (5%);
2011 Lei n. 9.600, 21/12/2011 10%
(PB) - Tratamento do Lixo Domiciliar
(5%).
Goiás
(GO)
2011 Lei Complementar n. 90, 22/12/2011 5%
- Unidades de Conservação;
- Mananciais Públicos. 26
Fonte: Elaborado pelos autores deste capítulo
- Unidades de Conservação
- Unidade de Con
Rio de Janeiro Lei n. 5.100, 04/10/2007 e Decreto n. Públicas/Privadas (5%);
- Unidades de Conservação;
2011 Lei n.(RJ)9.600, 2007
21/12/2011
41.844, 04/05/2009 10% 2,5% - Qualidade da Água;
- Tratamento
-Administração dos Res. Sólidos. do Lixo D
-Gestão de resíduos sólidos
Piauí Lei n. 5.813,03/12/2008 e Decreto n.
% de (5%).
- Mananciais;
2008 Legislação instituidora e suas restituição
5% do - Redução do desmatamento;
Estados
(PI) Ano 14.348, 13/12/2010 Critérios de repartição
Lei Complementar n. alterações
90, ICMS
- Unidades de Conservação
-Identificação de fontes de poluição;
2011 5%
arrecadado - Unidades de Conservação.
22/12/2011 Lei n. 9.491, 21/12/1990; Lei Comp. n. - -Unidade
Mananciais de Públicos.
Conservação
Paraíba 59, 01/10/1991; Lei Comp. n. 67, Públicas/Privadas (5%);
Paraná
(PB)
(PR) Fonte:
1990 Elaborado
08/01/1993; pelos
2011 Lei n. 9.600, 21/12/2011
Decreto n. autores
2.791,
27/12/1996; Dec. n. 3.446, 14/08/1997
5%deste
10%
capítulo
- Áreas protegidas;
- Tratamento
- Mananciais
(5%).
do Lixo Domiciliar
de abastecimento.

Goiás e Dec. n. 1.529, 02/10/2007 - Unidades de Conservação;


2011 Lei Complementar n. 90, 22/12/2011 5%
(GO) Lei Complementar n. 057, 4/01/1991; - Mananciais Públicos.
Terras indígenas homologadas;
Mato Grosso do Sul L.C. n. 077,Fonte:
7/12/1994; Lei pelos
Elaborado n. 2.193,
autores deste - Unidade de Conservação;
1991 5% capítulo
(MS) 18/12/2000; Lei n. 2.259, 9/07/2001 e - Plano de gestão (coleta seletiva e
meio da pesquisa documental foi possível identificar que dos 26 estados bras
Fonte:
DecretoElaborado pelos autores deste capítulo
Lei n. 10.478, 31/08/2001 disposição final de resíduos sólidos).
São Paulo Por meioLei
da n. 8.510, documental
pesquisa de 29 de dezembro de identificar que dos 26 estados brasileiros
foi possível
1993 0,5% - Unidades de Conservação.
o Federal), 16 já Por
implementaram ode dezembro
ICMS-E depois
- Índice de 1991Ambiental;
(ICMS ECOL
(SP) 1993 e Lei n. 12.810, 21/02/ 2008
(e o Distrito Federal), 16 já implementaram o ICMS-E depois de 1991 (ICMS ECOLÓGICO, 2018)
meio Lei
dan.pesquisa
Minas Gerais
12.040, de 28documental de foi possível identificar que dos
de Saneamento
e são utilizados diversos
1995 1995; critérios
Lei n. 13.803,de distribuição,
27/12/2000 levando
e Lei n. em conta a- realidade
1,10%
Índice de Conservação;
de cada um.
26 estados
ão utilizados diversosbrasileiros
critérios (e ode Distrito Federal), 16levando
distribuição, já implementaram
- Ocorrência mata secao ICMS-E
total em conta a realidade de
(MG) município/área
18.030,12/01/2009
depois de 1991 (ICMS
Rondônia ECOLÓGICO,
Lei Complementar 2018)
n. 147, 15/01/ 1996 ee são utilizados diversos critérios
1996 Figura 2 – Estados que já implementaram o ICMS-E,
5% 2018 (em verde)
- Unidades de conservação.
de distribuição,
(RO)
levando em conta a realidade de cada um.
Decreto n. 11.908, 12/12/ 2005
Amapá
Lei n. 322, de 23 de dezembro de 1996 1,4% - Unidades de Conservação.
(AP)
Figura Rio2 Grande
– Estados
Sul (RS) 1997que jáqueimplementaram
Lei n. 11.038,
Figura 2 – Estados
14/11/1997 o ICMS-E,
7%
já implementaram o ICMS-E, 2018 (em 2018verde) (em verde)
- Unidades de Conservação.
Lei Complementar n. 73, 07/12/2000; - Unidades de Conservação;
Mato Grosso
2000 Decreto n. 2.758, 16/07/2001 e Lei 7% - Territórios Indígenas;
(MT)
Complementar n. 157, 20/01/2004. - Saneamento Ambiental.
Lei n. 1.530, 22/01/2004; Decreto n.
Acre - Unidades de Conservação;
2004 4.918, 29/12/2009 e Decr. n. º 5.053, 5%
(AC) - Terras Indígenas.
19/02/2010
Lei n. 14.023, 17/12/2007; Decreto n. - Educação (18%);
Ceará
2007 29.306, 5/06/2008 e Decreto n. 25% - Saúde (5%);
(CE)
29.881, 31/08/ 2009 - Meio Ambiente (2%)
Lei n. 11.899, 21/12/2000; Lei n. - Unidades de Conservação;
12.206, 20/05/2002; Lei n. 12.432, - Tratamento ou destinação final de
29/09/2003; Decreto n. 23.473, resíduos sólidos;
Pernambuco 2000 8%
Fonte: Elaborada
10/08/2001, Decreto pelos autores deste capítulo
n. 25.574, - Saúde;
(PE)
25/06/2003 e Decreto n. 26.030, - Educação;
15/10/2003 - Receita Tributária Própria.
Na compilação, pode-se destacar a variação nos percentuais de restituição
- Política do ICMS
Municipal de Meio
Ambiente;
arrecadado. O percentual mais baixo, de 0,5% está no estado de SP e o mais elevado encontra-
Lei n. 1.323, 4/04/2002 e Decreto n. - Unidade de conservação e terras
Tocantinsse no estado do
1.666, indígenas;
26/12/2002 25%. O percentual de 5% foi o mais
CE, totalizando comum entre os estados
2002 13%
(TO) - Controle de queimadas e
incêndios;
- Conservação do Solo;
- Saneamento básico;

Fonte:
Fonte:Elaborada pelos autores
Elaborada pelosdeste capítulo
autores deste capítulo

27
a compilação, pode-se destacar a variação nos percentuais de restituição d
Na compilação, pode-se destacar a variação nos percentuais de
restituição do ICMS arrecadado. O percentual mais baixo, de 0,5% está no
estado de SP e o mais elevado encontra-se no estado do CE, totalizando
25%. O percentual de 5% foi o mais comum entre os estados do PR, de MS,
de RO, do AC, do PI e de GO. Sobre os critérios de distribuição, embora
o estado do CE tenha o maior percentual de restituição do ICMS-E,
foi o único estado que não apresentou em seus critérios unidade de
conservação, apenas consta como a destinação de 2% ao meio ambiente
de modo geral. Todos os demais apresentam em seus critérios unidade
de conservação. Ressalta-se a experiência dos estados de MS, de MT e
do AC que em seus critérios apresentam as terras indígenas, bem como o
TO que utilizou o controle de queimadas e o PI o critério desmatamento,
reforçando assim, a utilização critérios conforme necessidade apresentada
em cada território.
Por conseguinte, para complementar os resultados desta seção,
também são apresentados trechos das entrevistas, nos quais os agentes
entrevistados mencionam as experiências inicialmente consultadas
como subsídio ou exemplo para o projeto catarinense. O estado de Santa
Catarina buscou no início da discussão, mais precisamente na fase de
elaboração do projeto, auxílio com outro estado (Mato Grosso), que já
houvera implementado o ICMS-E. Entretanto, conforme informações
prestadas por um dos entrevistados (E1), o modelo mato-grossense ia de
encontro das necessidades de Santa Catarina.

[...] alguém orientou a gente ir ao Mato Grosso e por


incrível que pareça nós fomos no pior modelo, no início,
[...] eles tinham já uma lei que estava em prática, só
que os critérios de distribuição eram complexos, então
tinham vários quesitos de distribuição, tinha: território,
unidade conservação, manancial, até estrada [...] Eu não
sei se eles continuam com esse mesmo projeto, mas de
todos que havia naquela época e havia muitos eu não
lembro agora quantos estados já tinham aderido, [...] já
tinham essa lei, mas talvez este fosse o pior exemplo, ele
era muito complexo, não sei nem se estavam colocando
em prática. (E1).

28
Posteriormente, por ser um modelo inadequado para as
necessidades que se apresentavam na época, a equipe procurou novas
experiências em busca de implementar o projeto. Nesse momento
descobriu-se o estado pioneiro do ICMS-E no Brasil. Trata-se do estado
do Paraná.

[...] depois, quando a gente descobriu o do Paraná, já


mudou um pouquinho de foco, se viu que o Paraná era
muito mais centrado, era também um projeto mais
enxuto e assim, não era tão conflituoso, porque era
um projeto que atendia a necessidade dos municípios
[...] e que havia sóz dois critérios, que seria unidade
conservação e mananciais de abastecimento público,
então pra nós, era aquilo que a gente precisava, não
precisava tudo aquilo que tinha lá no projeto do Mato
Grosso. (E1).

Observando as distintas experiências compiladas no quadro


síntese, aliadas às declarações mencionadas é possível compreender que
a criação de um projeto de lei, para implementar o ICMS-E nos estados,
deve levar em consideração sua realidade e necessidade, seja ela social,
econômica ou ambiental, não se valendo de modelos prontos aplicados a
macro realidades distintas. Essa constatação, ainda que guarde obviedade,
vai ao encontro do que assevera a proposta ecodesenvolvimentista de
Sachs (2009b), em especial no que tange à necessidade de planejamento
no nível micro. Ou seja, um planejamento local e preferencialmente
participativo, envolvendo não apenas as autoridades locais, mas também
comunidades e associações de cidadãos envolvidos na proteção das áreas.
Assim, tendo em conta a realidade de cada estado, cabe relembrar
Souza (2006), para quem a formulação de políticas públicas requer
envolvimento multidisciplinar, pois que seus resultados repercutirão em
diversas áreas como economia, ciência política, gestão, antropologia,
geografia, planejamento, sociologia, entre outras.

29
MOTIVAÇÕES, REQUISITOS E INFORMAÇÕES ACERCA DAS
AÇÕES DE IMPLANTAÇÃO DO ICMS-E EM SANTA CATARINA

Nesta seção, apresentam-se as motivações que levaram a


propositura do projeto em análise. Cada entrevistado abordou de
maneira distinta suas intenções. O idealizador do projeto original, aqui
identificado como E2 (à época era deputado estadual, autor do Projeto de
Lei Complementar n. 010/2003), explica suas motivações:

Quando nós definimos um planejamento para o mandato,


[...] nós iriamos focar o meio ambiente, começamos a
estudar, pesquisar tudo que eram alternativas no Brasil
e apresentar para Santa Catarina. E, o que me levou a
apresentar esta ideia especificadamente, foi justamente
ter nascido em um município como Imaruí, uma cidade
muito pobre, que tem uma dificuldade muito grande [...]
ajudar esses pequenos municípios a desenvolverem e
saber que esse desenvolvimento ia atingir diretamente
o cidadão que mora ali, porque esse cidadão teria uma
qualidade de vida melhor. Então era isso que nos motivou
a ajudar quem mais precisava. (E2).

Para tanto, alcançar sucesso foi definida como “bandeira de luta


o meio ambiente” (E2), expõe o entrevistado a necessidade de colaboração
de outros agentes, que nesse caso em especial, foi a participação de seu
assessor, hora representado como E1:

Levei para trabalhar na minha assessoria [...], que é


um amigo pessoal que eu tenho, é até hoje um grande
amigo, vice-prefeito de Imaruí, formado nesta área,
enfim, um especialista. Esse cara me ajudou muito e nós
fomos atrás de ideias boas para Santa Catarina, e uma
delas e a que melhor veio ao encontro daquilo que a
gente queria, que se propunha na época, é [...], que era
a participação popular para a questão ambiental, foi a
ideia para o ICMS Ecológico. (E2).

Ao questionar E1 (à época assessor do deputado responsável


pela propositura do Projeto de Lei Complementar n. 010/2003) sobre suas

30
motivações em coordenar tal Projeto com tanto afinco (conforme relatou
E2 em suas declarações) observa-se que se trata de uma motivação muito
influenciada por suas convicções pessoais, originadas ainda na infância.

Primeiro porque eu já tinha uma certa tendência assim


na questão ambiental, [...], uma outra coisa, porque eu
nasci em Imaruí, e lá tinha o parque. Este parque cobre
75% do território, a ideia da preservação dos mananciais
era super importante para nós, porque nós tinha dentro
do parque vários mananciais que abasteciam Imaruí,
que abastece Imaruí, várias comunidades abastece
Imbituba [...] ai em 2003, no auge deste projeto teve
uma estiagem, quase todos os mananciais que estavam
fora do parque secaram e os do parque continuaram,
então aquilo ajudou bastante a gente [...] a gente ficou
bastante sensibilizado com aquilo, olha só, se a gente
não tivesse o parque, eu sou defensor do parque [...] até
hoje defendo o parque, se não tivesse o parque hoje aqui
nós teríamos perdido bastante vegetação e teria perdido
os mananciais do parque. (E1).

Com a mesma tendência voltada às questões ambientais, a


entrevistada E3 (à época funcionária da FATMA), relatou que fazia um
trabalho em comunidades de SC sobre a necessidade de preservação
e conservação ambiental, na qual aquelas regiões que conservavam e
protegiam acabavam por ficar sem os recursos que consequentemente o
meio ambiente proporcionava a elas.

Tinham umas 40 famílias e nós fomos entrevistar as


famílias, eu comecei a notar [...] o que eles não têm,
que eles não têm escola, que eles não têm dentista, que
eles têm que sair da cidade deles, da localidade, para
ser muitas vezes favelados, não só em Santo Amaro
como na região de Florianópolis, eu comecei a me dar
conta daquilo que eu te falei, que eles estão pagando
pelo nosso bem-estar e que seria justo uma parte desse
recurso voltar pra eles. Foi essa minha motivação
principal nasceu na Vargem do Braço. Fiz na Vargem do
Braço um projeto de microbacias, foi lá que nasceu, que

31
eu comecei a ver se eu estou gerando bem-estar para
alguém continuadamente, alguém tem que me pagar
por isso, porque eu não posso viver pobre [...] enquanto
eu estou gerando água para outras pessoas, que eu
estou gerando manutenção hídrica, regulação de chuva,
todos os benefícios da preservação. (E3).

E, com relação à motivação do responsável pelo segundo projeto


de lei apresentado na Assembleia Legislativa em 2011 (PL 35.7/2011),
o entrevistado E4 (à época deputado estadual, autor do projeto de
projeto de lei citado) declarou que buscou atender ao pedido de parte da
população, que se preocupa com a questão ambiental.

Eu sempre fui aquele canal de ouço aqui e levo aqui.


Eu trouxe isso pro meu mandato. Esse projeto do ICMS
ecológico, ele é um dos resultados de um trabalho
que fiz sobre o gerenciamento dos resíduos sólidos.
[...] em 2010 eu fiz uma série de viagens, porque nós
tínhamos prazos para apresentar nosso plano estadual,
os municípios tinham os prazos deles, o estado tinha
e eu decidi fazer uma contribuição. [...] Neste estudo
meu do gerenciamento de resíduos sólidos eu conheci
uma engenheira ambiental que me trouxe esse projeto
do ICMS ecológico, foi uma bandeira dela também,
ela é lá de Joinville, ela criou e eu olhei e achei muito
interessante. (E4).

Observadas essas motivações, passa-se a apresentação dos


requisitos e as informações relacionadas às ações de implantação do
ICMS-E em Santa Catarina junto aos órgãos competentes e associações.
Para tal foram entrevistados a funcionária da FATMA e o presidente da
FECAM da época, como subsídio para compreender a não implementação
desse projeto. Segundo os entrevistados foram efetuados diversos debates
para apresentação do projeto e eventuais resultados no caso de sua
implementação. Conforme dito pelo entrevistado E5 (à época presidente
da FECAM quando se deu a propositura do Projeto de Lei Complementar
n. 010/2003):

32
A sistemática era a seguinte: eram organizadas pautas
no âmbito estadual e no âmbito regional das associações
regionais de municípios, tá! E em Santa Catarina isso é
bem estruturado, os municípios se organizam no âmbito
de associações regionais e ali discutem os interesses
com a União. E no âmbito estadual, essas associações,
então, se juntam associação de município, para discutir
no contexto da FECAM, da Federação Catarinense de
Municípios. Então eram feitas pautas regionais e de
interesse regional e de interesse estadual. O órgão
estadual que liderava isso era a FATMA, fundação de
apoio de tecnologia e meio ambiente. E a FATMA dava
o suporte no sentido de bem orientar, né! Porque eles
são os especialistas, na verdade. É a parte técnica. Como
o município participava com a sua área ambiental,
diretoria, sua secretaria, dependendo do porte do
município, a sua fundação de meio ambiente, muitos
municípios tinham isso estruturado, então, se juntavam
regionalmente. E no âmbito estadual também. E estava
bem avançado essa matéria, até não sei por que que não
aprovaram isso, né! (E5).

Essas pautas descritas pelo entrevistado E5, representam a


segunda fase do ciclo das políticas públicas, a agenda-setting ou a inserção
na agenda. Conforme assevera Schmidt (2008, p. 2.316), esta fase ocorre
quando “[...] problemas e assuntos que chamam a atenção do governo
e dos cidadãos. [...] não se trata de documento escrito ou formal, e sim
do rol das questões debatidas pelos agentes públicos e sociais com forte
repercussão na opinião pública”. Por fim, nessas discussões que ocorriam
das mais variadas formas, eram apresentadas simulações efetuadas pela
Fazenda Estadual, para que os prefeitos, muitas vezes representados
pelas Associações de Municípios com o acompanhamento da FECAM,
pudessem visualizar quais seriam suas perdas ou ganhos. Esse momento
foi essencial para compreender o terceiro e quarto objetivos específicos
apresentados.

33
PERCEPÇÕES E ARGUMENTAÇÕES À IMPLEMENTAÇÃO DO
ICMS-E

Alguns entrevistados (E1 e E3) entenderam que a apresentação


dos valores (simulação de demonstrativos de resultado) representou um
retrocesso, embora na própria representação restava evidente se tratar
de um valor considerado insignificante para um município de grande
porte, sendo isso possível ser detectado na declaração do E1 e E3,
respectivamente:

Para os municípios que iam perder a gente não levou.


Mas iam perder tão pouco, praticamente insignificante
porque nos municípios maiores por exemplo [...] imagina
o seguinte, o Município de Imaruí recebe R$ 3.500.000,00
de ICMS por ano, se viesse R$ 200,000,00 a mais já
estava muito bom pra nós, só que R$ 200.000,00 no
Município de Joinville, que recebe milhões, sei lá cento
e pouco, duzentos mil, [...] não é nada, não vai fazer
diferença para eles. Do mesmo modo Blumenau, é isso
que a gente levava para eles. Tu imaginas o seguinte, o
Município de São Martinho, o ICMS deles é menor que o
nosso ainda, mas se eles ganhassem R$ 500.000,00 ou
R$ 300.000,00 de ICMS para eles era muita coisa. (E1).

Santa Catarina a arrecadação é mais baixa, então em


um percentual muito pequeno [...] tem municípios que
não fariam diferença nenhuma, mas a questão que
a gente usou a simulação para mostrar do que sai de
Blumenau, vai para Pomerode, fica na região. Então,
continua beneficiando, só que melhor distribuído, mas
justamente, menos injustamente. Mas a gente fez várias
reuniões em Blumenau, em Joinville, na verdade o que
mais impediu o município que se colocou contra mesmo,
e que era na época o município do governador, foi
Joinville. (E3).

Entretanto, o entrevistado E5, representante da FECAM,


manifestou posicionamento contrário com relação aos interesses
dos municípios maiores, que concentravam grandes indústrias e

34
consequentemente pelo Valor Adicionado (VA) recebiam maior retorno
do ICMS.

Eu acho que os municípios maiores, eles também têm


interesse na aprovação, só que o que estava, talvez o lobby
que viesse a ocorrer em cima dos critérios de distribuição.
Os municípios menores têm menos barganha política, né?
Mas, digamos assim, o interesse maior, o critério maior de
distribuição, focava em áreas de preservação permanente,
que em parte, enfim [...], reservas, no âmbito do território
do munícipio e os municípios maiores, onde cediam
as grandes indústrias, os grandes empreendimentos
industriais queriam que também priorizassem esses
critérios, que dessa mais prioridade pra esses critérios,
digamos assim. Então essa era a discussão política [...]
(E5).

Para a entrevistada E3 o retrocesso em relação a não aprovação


do Projeto de Lei foi exclusivamente por falta de interesse da FECAM,
sendo possível detectar no excerto declarado.

[...] convencer o prefeito, é muito difícil. É mais fácil


conversar com a FECAM, porque eles têm mais
conhecimento. Mas eles são mais conservadores. E quem
manda na FECAM não é governador, não é político, não
é prefeito, são eles mesmos. Então, o principal empecilho
foi a FECAM. Foi a própria FECAM. (E3).

O critério de distribuição proposto pelo projeto não foi


acolhido de maneira positiva pela FECAM, entendendo trazer prejuízos
aos municípios que já apresentavam dificuldades financeiras e que
tal redistribuição poderia agravar ainda mais a situação. Isso pode ser
apreciado nas declarações dos entrevistados E1 e E3, respectivamente.

[...] a FECAM queria que fosse dos 75%, então no final


assim, quando fechou o Projeto e a FECAM veio e disse:
“não, a gente não aceita que seja dos municípios”
[...] a FECAM, Federação dos Municípios, eles tinham

35
comprado a briga dos municípios maiores e falou tudo
bem, a gente aceita o projeto mais não aceitamos que o
projeto que o recurso seja dos 25%, nós queremos que o
recurso seja dos 75%, ou seja, da parte do Estado. (E1).

Talvez tivesse que ser assim, mas mesmo porque mexer


nesses 25% do município [...], o município já é pobre
de receita, né? Então, compromete e precisa assistir a
população com isso, preservar o meio ambiente. Então,
tem que ter mais recurso, tem que ter novo recurso, tem
que ter nova forma de distribuição, mexer nesse atual não
vai surtir efeito, o município vai passar mais dificuldade
ainda e aí não vai conseguir preservar o meio ambiente,
como gostaria. (E5).

Em tais declarações, ficou demonstrado que a FECAM tinha


interesse em aprovar o projeto, desde que não modificasse os percentuais
já utilizados como distribuição (VA), mudando assim o percentual
arrecadado pelo estado de Santa Catarina. Por um lado, em relação aos
retrocessos, foi possível detectar nos trechos apresentados uma tendência
para não aprovação do Projeto por parte dos munícipios maiores e da
própria FECAM. Já por outro lado, os agentes entrevistados demonstraram
percepções similares de modo geral, em relação a não implementação da
lei em SC, quais sejam, os municípios maiores não evidenciavam interesse
por terem como consequência a diminuição de sua arrecadação. Por fim,
outra peculiaridade importante – sinalizado na declaração do entrevistado
E2 – foi em relação à falta de apoio encontrado por parte do governo. Isso
alcançou o último objetivo específico proposto, no qual buscava analisar
os argumentos para implementação ou não do ICMS-E em SC.

[...] o governo não demonstrou facilidades, o governo não


disse em nenhum momento que queria aquilo. É claro, se
é um governo parceiro e diz [...] “deputado, vá em frente
que eu quero esse projeto” [...] se dissesse isso para os
prefeitos com certeza teria facilitado e muito, mas não teve
essa compreensão de um governo como um todo, nem do
secretário de meio ambiente. (E2).

36
Muito embora, os agentes envolvidos participaram com
motivações diferentes, ao se comentar sobre as expectativas, o resultado
era unânime, qual seja, utilizar da política pública tributário-ambiental –
ICMS-E, para assim cuidar da qualidade do meio ambiente, desenvolver-se
sustentavelmente e manter o equilíbrio socioeconômico. Essas motivações
distintas dos agentes envolvidos na fase de implantação dessa política
pública tributária-ambiental corroboram com a abordagem proposta por
Sabatier e Jenkins Smith (1993), chamada coalizão de defesa, na qual uma
diversidade de atores compartilham crenças, valores e ideias distintas na
busca de um único propósito, nesse caso, o meio ambiente.
Com relação ao Projeto de Lei Complementar n. 035.7/2011, a
proposta era completamente distinta, indo ao encontro do que os municípios
e a FECAM buscavam. Todos desejavam não modificar a distribuição dos 25%
que era repassado conforme VA, mas sim utilizar-se dos 75% que fica para
o estado, ou seja, seria uma nova forma de arrecadação. Ocorre que, nesse
caso, por alterar a forma de tributação do estado, foi considerado pela CCJ
com vício de origem, sendo rejeitado e por isso encontra-se arquivado.
Com base nas declarações do E4, esse projeto encontra-se “[...] nos
bastidores de entidades aptas a propositura do Projeto e fazendo assim o
caminho inverso”. Segue ainda declarando que “[...] é mais fácil convencer
apenas um, o governador, do que convencer 295 prefeitos com prioridades
distintas.” (E4). Portanto, foi possível perceber que existiam muitos obstáculos
nesse caminho, em especial, a força dos municípios maiores e a FECAM em
não aprovar pelo motivo já exposto, qual seja, diminuir a sua arrecadação.

PERSPECTIVAS DO ICMS-E COMO POLÍTICA PÚBLICA EM SC

Como observado nas declarações dos entrevistados, o ICMS-E é


uma ferramenta que pode ser revertida em ganhos para os estados que
a implementarem em seus territórios. Entretanto, diversos podem ser os
obstáculos, como demonstrado na experiência de SC. Ainda assim, mesmo
que a preservação e conservação ambiental precisem ser vistas como
prioritárias, cabe mencionar que não são as únicas razões motivadoras.
Isso porque não se trata de uma questão idílica, havendo outras
necessidades como o desenvolvimento e sustentabilidade das localidades,

37
por exemplo. A concretização de ideias do ecodesenvolvimento ocorre
de várias formas, sendo algumas mais ou menos fiéis aos seus preceitos.
Portanto, ainda que parcialmente, a política do ICMS-E vai ao encontro
do ecodesenvolvimentismo, no sentido de utilizar-se de um instrumento
tributário ambiental para a preservação e/ou conservação do meio
ambiente e consequentemente fomentar o desenvolvimento econômico e
social das regiões que o implementarem.9 Nesse sentido, conforme Sachs
(2009a, p. 75), “[...] geralmente, essas negociações são dolorosas devido
aos interesses
conforme antagônicos
Sachs (2009a, p. 75), “[...][...]”, afinal,essas
geralmente, a proposta dosãoprojeto
negociações dolorosasinicial
devidoera
aos
justamente modificar os critérios de redistribuição do ICMS. Isto
interesses antagônicos [...]”, afinal, a proposta do projeto inicial era justamente modificar os
faria
com que os municípios com maior arrecadação, mais industrializados,
critérios de redistribuição do ICMS. Isto faria com que os municípios com maior arrecadação,
suprimissem parte do repasse para compensar os municípios impedidos
mais industrializados, suprimissem parte do repasse para compensar os municípios impedidos
de produzir por possuírem em seu território áreas que deviam ser
de produzir por possuírem em seu território áreas que deviam ser protegidas. Logo, os
protegidas. Logo, os municípios mais industrializados, consequentemente
municípios mais industrializados, consequentemente com maior retorno em relação ao VA,
com maior retorno em relação ao VA, não apresentaram interesse em tal
não apresentaram
instrumento. interesse
Nesse em talno
sentido, instrumento.
Quadro 2Nesse sentido,
a seguir, no Quadro 2 a os
apresentam-se seguir,
12
municípios
apresentam-seselecionados
os 12 municípiosem relaçãoem
selecionados à maior
relação àparticipação no produto
maior participação no produtoda da
arrecadação do ICMS
arrecadação do ICMS em SC,em SC, conforme
conforme critério do VA.
critério do VA.

Quadro 2 – Índice dos 12


Quadro 2 – municípios
Índice dos 12 com a maior
municípios com participação no produto da arre-
a maior participação
cadação do ICMS para o exercício de 2018
no produto da arrecadação do ICMS para o exercício de 2018

Participação dos
Municípios Valor Adicionado Território (Km2) População
municípios (%) –
Ano 2016 Censo 2016 Censo 2010
2018

Joinville 17.872.590.550,20 8,6036147 518,497 309,011


Itajaí 15.264.456.096,58 7,2333176 288,286 183,373
Blumenau 10.425.972.242,48 4,8145518 1.126,106 577,077
Florianópolis 6.022.704.482,95 2,8849813 675,409 421,240
Jaraguá do Sul 5.563.823.036,05 2,7989040 529,447 143,123
Chapecó 5.003.794.820,49 2,4303405 626,060 183,530
São José 4.865.530.541,99 2,3702849 150,453 209,804
Lages 4.062.904.583,22 1,9329042 2.631.504 156,727
9
Mas quando um município cede parte de seu território à proteção e/ou conservação, essa
parcela deixa de produzir3.634.660.189,12
Criciúma bens e riquezas, que retornam
1,8468707a ele por meio dos tributos,
235,701 nesse
192,308
caso, o ICMS. Reiterando, os critérios de rateio do estado de Santa Catarina ocorrem, nos
Brusque 3.449.504.168,76 1,6775529 283,223 105,503
termos da Lei Estadual n.. 8.203 de 1990. Dos 100% da arrecadação, 75% ficam no estado
e os
São25% são assim
Francisco do Sul divididos: 85% distribuídos de
3.057.594.486,35 forma proporcional
1,4156277 ao valor adicionado
498,646 42,520
realizado em cada município e 15% distribuídos de forma igualitária entre os municípios.
Palhoça 2.399.777.308,23 1,1695281 395,133 137,334
Fonte: Elaborado pelos autores deste capítulo a partir de Santa Catarina (2018) e IBGE (2016, 2017)
38
No Quadro 3, consta os 12 municípios com as menores participações no produto de
arrecadação do ICMS em SC, conforme critério do VA.2018
Joinville 17.872.590.550,20 8,6036147 518,497 309,011
Itajaí 15.264.456.096,58 7,2333176 288,286 183,373
Quadro 2 – Índice dos 12 municípios com a maior participação
Blumenau 10.425.972.242,48 4,8145518 1.126,106 577,077
no produto da arrecadação do ICMS para o exercício de 2018
Florianópolis 6.022.704.482,95 2,8849813 675,409 421,240
Participação dos
Jaraguá do Sul
Municípios Valor Adicionado
5.563.823.036,05 2,7989040 Território
529,447(Km ) População
2
143,123
municípios (%) –
Ano 2016 Censo 2016 Censo 2010
Chapecó 5.003.794.820,49 2018
2,4303405 626,060 183,530
São José
Joinville 4.865.530.541,99
17.872.590.550,20 2,3702849
8,6036147 150,453
518,497 209,804
309,011
Lages
Itajaí 4.062.904.583,22
15.264.456.096,58 1,9329042
7,2333176 2.631.504
288,286 156,727
183,373
Criciúma
Blumenau 3.634.660.189,12
10.425.972.242,48 1,8468707
4,8145518 235,701
1.126,106 192,308
577,077
Brusque
Florianópolis 3.449.504.168,76
6.022.704.482,95 1,6775529
2,8849813 283,223
675,409 105,503
421,240
São Francisco
Jaraguá do Suldo Sul 3.057.594.486,35
5.563.823.036,05 1,4156277
2,7989040 498,646
529,447 42,520
143,123
Palhoça
Chapecó 2.399.777.308,23
5.003.794.820,49 1,1695281
2,4303405 395,133
626,060 137,334
183,530
Fonte: Elaborado pelos autores deste capítulo a partir de Santa Catarina (2018) e IBGE (2016, 2017)
São José 4.865.530.541,99 2,3702849 150,453 209,804
Fonte: Elaborado pelos autores deste capítulo a partir de Santa Catarina (2018) e
Lages 4.062.904.583,22
IBGE (2016,1,9329042
2017) 2.631.504 156,727
No Quadro 3, consta
Criciúma os 12 municípios com
3.634.660.189,12 as menores participações
1,8468707 235,701 no produto
192,308de
arrecadação
Brusque do ICMS, conforme a Secretaria da Fazenda
3.449.504.168,76 do estado de Santa
1,6775529 Catarina (SEFAZ).
283,223 105,503
No Quadro 3, consta os 12 municípios com as menores
São Francisco do Sul 3.057.594.486,35 1,4156277 498,646 42,520
participações no produto de arrecadação do ICMS, conforme a Secretaria
Palhoça 2.399.777.308,23 1,1695281 395,133 137,334
da Fazenda
Fonte: Elaborado
arrecadação,
doficam
estado
75%pelos autores de
no estado
Santa
deste Catarina
e oscapítulo
25% sãoaassim de (SEFAZ).
partirdivididos:
Santa 85%
Catarina (2018) edeIBGE
distribuídos (2016,
forma 2017) ao
proporcional
valor adicionado realizado em cada município e 15% distribuídos de forma igualitária entre os municípios.

Quadro
No 3Quadro
– Índice
3, dos
Quadro 12 municípios
3 –os
consta Índice
12 dos 12 com acom
menor
municípios
municípios com aparticipação no produto
menor participação
as menores participações da arre-
no produto de
cadação do ICMS para o exercício de 2018
no produto da arrecadação do ICMS para o exercício de 2018
arrecadação do ICMS, conforme a Secretaria da Fazenda do estado de Santa Catarina (SEFAZ).
Índice de participação
Valor Adicionado Território (Km2) População
Municípios dos municípios (%) –
Ano 2016 Censo 2016 Censo 2010
2018
arrecadação, 75% ficam no estado e os 25% são assim divididos: 85% distribuídos de forma proporcional ao
Pescaria Brava 21.254.460,78 0,0647281 105,169 9980
valor adicionado realizado em cada município e 15% distribuídos de forma igualitária entre os municípios.
Rio Rufino 23.207.427,92 0,0656092 282,504 2.436
Presidente Nereu 22.760.305,67 0,0661196 225,661 2.284
Irati 30.954.483,64 0,0666459 77,276 2.096
Celso Ramos 31.104.194,51 0,0674686 208,323 2.771
Matos Costa 33.982.389,35 0,0680849 433,073 2.839
Barra Bonita 32.716.420,45 0,0682671 93,108 1,878
Cerro Negro 38.101.600,10 0,0683027 417,335 3.581
Balneário Arroio do
33.238.573,87 0,0686755 95,259 9.586
Silva
Santiago do Sul 34.438.996,46 0,0695016 73,836 1.465
Anitápolis 36.918.018,78 0,0704170 542,120 3.214
Balneário Gaivota 37.504.191,74 0,0705123 145,762 8.234
Fonte: Elaborado pelos autores deste capítulo a partir de relatórios de Santa Catarina (2018) e IBGE
Fonte: Elaborado pelos autores deste(2016,
capítulo
2017)a partir de relatórios de Santa Catari-
na (2018) e IBGE (2016, 2017)

Analisar a distribuição do VA, com base na extensão territorial de um município 39


bem
como em relação à população que nele reside, conforme Gerber (2004, p. 86), [...] é muito
Analisar a distribuição do VA, com base na extensão territorial
de um município bem como em relação à população que nele reside,
conforme Gerber (2004, p. 86), [...] é muito importante para a avaliação
dos impactos das mudanças nos critérios de distribuição do imposto
[...] se analisar isoladamente pode não conter respostas para inúmeras
perguntas, mas a sua correlação com outras variáveis pode ser elucidativa”.
Portanto, existem municípios que possuem grande extensão territorial ou
um número populacional considerável, mas contam com pouca produção,
e consequentemente terão um valor menor de distribuição do produto do
ICMS.
Nesse aspecto, o ICMS-E caminha juntamente com os preceitos
do ecodesenvolvimento, cujos objetivos “[...] são sempre sociais, há
uma condicionalidade ambiental que é preciso respeitar, e finalmente,
para que as coisas avancem, é preciso que as soluções pensadas sejam
economicamente viáveis.” (SACHS 2009a, p. 232). Para tanto, por si só,
o cuidado ambiental não ocorre e aí então o ICMS-E se apresenta como
“[...] o mais importante mecanismo compensatório ou de incentivo à
preservação existente no país.” (GERBER, 2004, p. 89).
Por fim, cabe ressalvar que a preservação e/ou conservação
ambiental não deve ser encarada como redução no crescimento econômico
e a exploração do meio ambiente não é garantia de desenvolvimento da
economia, conforme a teoria ecodesenvolvimentista. E aqui, encontrar-
se-ia então o fundamento do ICMS-E, que objetiva o equilíbrio entre
ambos, para assim desenvolver-se de forma sustentável, atendendo às
necessidades das presentes e futuras gerações, nas dimensões econômica,
espacial/territorial, cultural, ecológica, ambiental, social e política.

40
DISCUSSÃO ACERCA DO ECODESENVOLVIMENTO
E POLÍTICAS PÚBLICAS REDISTRIBUTIVAS PERANTE
AS PERSPECTIVAS DE IMPLEMENTAÇÃO DO ICMS-E
EM SC
Analisar a discussão para a implementação de uma política
tributário-ambiental requer cautela. Seja porque se trata de um tema
sensível num país que já possui uma das cargas tributárias mais elevadas
do mundo, seja porque ele envolve a questão ambiental, expressa como
um direito fundamental previsto no artigo 225 da Constituição Federal
(THOMÉ DA SILVA, 2015).
Entretanto, não há percepção de um cenário de discussão de
políticas públicas tributário-ambientais tanto nos espaços políticos
quanto da sociedade em geral. Esse desinteresse criou uma vacância de
novas políticas ambientais no Brasil, trazendo como exemplo a política
pública objeto deste estudo, que teve sua última implementação no
estado de Goiás no ano de 2011, passando-se assim, oitos anos sem novas
implementações (ICMS ECOLÓGICO, 2017).
Como essa análise está para uma perspectiva futura, com sua
implementação, o projeto de SC iria ao encontro da dupla proposição do
ecodesenvolvimento, “solidariedade com as gerações presentes e futuras”
e também a exigência de critérios de “sustentabilidade social e ambiental
e de viabilidade econômica” (SACHS, 2008, p. 36). Isso porque, desde
a década de 1970 há debates sobre os problemas ambientais e ações
precisaram ser colocadas em prática. Em razão dos problemas com o meio
ambiente em nível global, houve uma “[...] ampla reconceitualização do
desenvolvimento, em termos de ecodesenvolvimento.” (SACHS, 2008, p.
36) com destaque para a primeira década deste século XXI.
Por envolver variadas esferas governamentais e englobar
diversos pontos de divergência, é possível, nesse caso, avaliar o valor das
políticas públicas, “[...] como meio de atender às demandas prementes
e promover possíveis avanços e mudanças sociais a partir das decisões
tomadas, das escolhas feitas e dos caminhos traçados, em relação às

41
estratégias de intervenção realizadas.” (GIANEZINI, K. et al., 2017, p.
1.066). Nesse cenário – que Sabatier e Jenkin-Smith (1993) se referem
como um sistema ou subsistema de política pública, por haver uma
pluralidade de atores/agentes envolvidos no processo de implantação – a
abordagem de “coalizão de defesa” se faz presente, afinal são crenças,
valores e ideias que podem se concertar entre os envolvidos.
Por conseguinte, cabe mencionar que nessa trajetória de
construção e tentativa de implementação, houve reuniões, fóruns de
discussões e simulações, criados na tentativa de mostrar à sociedade o
grau de importância das áreas de proteção ambiental que constam em
seus territórios em relação ao desenvolvimento local. Todo esse trâmite
da época foi apurado na pesquisa documental e consta em documentos
disponibilizados na Assembleia Legislativa de SC.
Assim, em conclusão a esta última subseção, são apresentadas a
seguir duas destas “propostas” identificadas nas falas e complementadas
com a documentação pesquisada.
A primeira é o Projeto de Lei Complementar n. 010/2003, na qual
em sua fase de elaboração ocorreram diversas alterações para escolher
os melhores critérios de distribuição, restando assim a seleção daqueles
considerados essenciais ao nosso estado: Receita Própria; População; Área
do Município; Cota Igual; Educação Ambiental; Saneamento Ambiental;
Mananciais de Abastecimento Público e Unidades de Conservação/Terras
Indígenas. Nessa proposta, os critérios recaiam sobre os 25% que já é
distribuído aos municípios e que nesse caso, alterava a redistribuição
existente, criando assim, critérios ecológicos.
Já a segunda proposta, o Projeto de Lei Complementar n.
035.7/2011, veio com outra “roupagem”, criando outros critérios e forma
de distribuição. Nesse, o valor de distribuição do ICMS seria da parte
que fica com o estado, os 75% e os critérios além de todos os elencados
no projeto inicial, apresentava a proposta de educação ambiental, com
iniciativas nos colégios espalhados pelo estado.
Ocorre que, esse projeto de lei visava a alterar as receitas
orçamentarias do estado e nesse caso, por tal alteração, a propositura
não pode ser via poder legislativo, mas sim pelo poder executivo com

42
base no artigo 165 da Constituição Federal. Portanto, sendo o ICMS
a maior fonte de renda na esfera estadual (SANTA CATARINA, 2018) e,
consequentemente, responsável por parte do orçamento dos estados, ao
passar pela CCJ o projeto foi arquivado por vício na origem.
Um dos fatos mais relevantes constatados na pesquisa de campo
e nas entrevistas com os agentes, foram as reiteradas tentativas distintas
de implementação. Contudo, constatou-se que a falta de interesse por
parte dos municípios e da FECAM que impossibilitou alcançar o objetivo,
ficando aqui caracterizada a inexistência de uma coalizão de causa como
preconizado pelo modelo ACF (LUKIC, 2012). Sendo assim, enquanto tal
política pública tributário-ambiental não é implementada, a realidade
que se apresenta é a de municípios mais industrializados, que continuam
mantendo suas atividades e consequentemente com maior valor
redistribuído a título de ICMS, enquanto que os municípios que possuem
área de preservação e/ou conservação continuam limitados de produzir,
arcando com o ônus de tal responsabilidade.
Mesmo que não seja sua responsabilidade constitucional
assinalam-se ações isoladas em alguns pequenos munícipios, que lutam
para contemplar – em maior ou menor grau, de forma direta ou indireta,
consciente ou inconscientemente – em seus planos de desenvolvimento,
as dimensões de sustentabilidade (econômica, espacial/territorial,
cultural, ecológica, ambiental, social e política) preconizadas pelo
ecodesenvolvimento.
Tal constatação encontra ao final desta seção, uma reflexão
resultante de interpretação da Constituição Federal de 1988, no que
concerne ao disposto no artigo 170, inciso VI, aliado com a previsão
contida no artigo 155, parágrafo 2º, inciso III.

Art.170 A ordem econômica, fundada na valorização


do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por
fim assegurar a todos existência digna, conforme os
ditames da justiça social, observados os seguintes
princípios: [...] VI – defesa do meio ambiente, inclusive
mediante tratamento diferenciado conforme o impacto
ambiental dos produtos e serviços e de seus processos
de elaboração e prestação. (BRASIL, 1988, grifo nosso).

43
Considera-se assim, que o ICMS-E também pode ser utilizado
como instrumento de ordenação político-econômico, estimulando a
prática de operações ou prestações ambientalmente desejadas, tendo
como fim a busca por um meio ambiente ecologicamente equilibrado
previsto no artigo 225.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
As leituras e o levantamento documental prévio ao estudo
demonstravam que dos 26 estados do Brasil (e o Distrito Federal), 16
já implementaram o ICMS-E como instrumento de política pública
tributário-ambiental, para compensar os territórios que possuem áreas
de preservação e/ou conservação, com restituição financeira por tal
atitude. Essa prévia representa também o ponto de partida da pesquisa e
agora encontra as considerações.
O primeiro específico era promover um levantamento, com
mapeamento dos estados que já implementaram o ICMS-E. O quadro-
síntese e figura constando o mapeamento foram apresentados na seção de
resultados, incluindo o ano de implementação, as alterações legislativas,
percentual de repasse e os critérios ecológicos de distribuição foi o
recurso encontrado para contemplar essa etapa e serviu para confrontar
a condição de SC perante os demais estados.
O segundo era compilar os requisitos e as informações
relacionadas às ações de implantação do ICMS-E em Santa Catarina junto
aos órgãos competentes e associações. O terceiro necessitava averiguar
os avanços e retrocessos no processo de implantação dessa política
governamental. Para tanto, recorreu-se ao levantamento documental,
aliado à percepção dos entrevistados, o que revelou uma participação
limitada e por vezes individualizada (ou mesmo isolada) dos agentes da
proposta.
O quarto e último objetivo proposto foi analisar os argumentos
para implementação ou não do ICMS-E em Santa Catarina. Os argumentos
evidenciados dentre os agentes envolvidos foi que os municípios maiores
não possuem interesse em tal implementação, pelo fato de diminuir

44
sua parcela de ICMS previsto constitucionalmente. Carecendo então de
novas medidas para essa problemática. Constatou-se que o processo
de implantação contou com o apoio de determinadas organizações –
como a FATMA e a FECAM – e representantes da sociedade. Destaca-se
que, embora fosse importante em decorrência da natureza complexa
da temática, não houve um significativo engajamento da sociedade em
geral. Depois de sua elaboração, o processo tramitou na Assembleia
Legislativa até ser arquivado por falta de aprovação, em 22 de fevereiro
de 2011. E como não se realizou uma análise comparada e nem se
estudou especificamente o caso de cada estado-membro, se observou um
contexto no qual há a percepção de que sua aprovação ainda é utópica,
pois, atualmente, não existe nenhum projeto tramitando sobre ICMS-E
no estado.
Os agentes envolvidos no projeto de proposição de implantação
do Projeto de Lei Complementar que buscava implementar o ICMS
Ecológico em Santa Catarina (n. 010/2003), foram essenciais para a
construção e conclusão deste estudo. Isso porque, foi por meio das
informações declaradas nas entrevistas que se conseguiu compreender
o objeto pesquisado. Neste ponto cabe mencionar que a entrevista
semiestruturada foi fundamental e se revelou a técnica mais apropriada
para a pesquisa de campo, permitindo a compreensão doo ciclo
desse projeto – desde a motivação que levou a propositura até o seu
arquivamento.
Reitera-se aqui a ideia de que o ICMS é um instrumento muito
importante para a preservação e/ou conservação ambiental, podendo ser
vista como uma política pública tributária-ambiental aliada não apenas
nas questões ambientais, mas também nas questões sociais e econômicas.
Por conseguinte, acredita-se que uma possível contribuição deste estudo
para o estado de SC, está no fato de apresentar abordagem interdisciplinar
e discussão acerca das políticas públicas e do ecodesenvolvimento. E,
finalmente, em âmbito regional, o trabalho pode contribuir para uma
compreensão acerca do seu papel e participação na proteção do meio
ambiente para contribuir no desenvolvimento socioeconômico local.
Caracterizando-se como um estudo ex ante, entende-se que
a pesquisa apresentou algumas limitações, em especial o tempo que

45
ocorreram as discussões do projeto do ICMS-E. Outro fator limitante
foi o fato de existir apenas um projeto de lei apto a ser estudado, haja
vista que o segundo projeto não superou a fase de aprovação na CCJ.
A existência de outros projetos poderia conferir uma percepção mais
consistente e indicaria maior propensão à implementação do ICMS-E em
SC. Ademais, pode-se mencionar alguns pontos nas entrevistas: por se
tratar de um projeto relativamente “antigo”, houve participantes que não
se recordavam de situações ocorridas naquele contexto e que poderiam
contribuir na acurácia dos resultados dessa pesquisa.

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PARTE II
COMBATE À POBREZA
E À DESIGUALDADE
SOCIAL IO
R
Á
M
U
S
DOI: dx.doi.org/10.18616/pps02

RENDA BÁSICA DE CIDADANIA, DEFINIDA


NA LEI N. 10.835/2004: DESAFIOS E
OPORTUNIDADES PARA INCLUSÃO
SOCIOECONÔMICA
Amanda Rutineia Cunha
Angélica Pereira Possamai
Yduan de Oliveira May

INTRODUÇÃO SUMÁRIO
O enfrentamento contra a pobreza no Brasil não é algo recente,
esse tema vem sendo discutido durante anos e ganhou força expressiva
com o projeto de lei que culminou na Lei n. 10.835, de 8 de janeiro de
2004, sancionada pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Tendo o
presente artigo como objetivo geral estudar a renda básica na perspectiva
dos programas de garantia de renda mínima (PGRM), suas formas de
aplicação no Brasil e no exterior, versando sobre os tipos de renda básica,
trazendo exemplos de países onde existe a aplicação do PGRM, sobretudo,
exemplos nacionais de recursos públicos destinados a essa função.
Sendo possível adiantar que os PGRM têm em comum,
independente do país de origem, o mecanismo de combate à pobreza,
permitindo aos seus beneficiários o mínimo de sobrevivência com o
objetivo de suprir suas necessidades básicas. Nesse contexto, a principal
motivação deste artigo é analisar os desafios e oportunidades atuais para
a inclusão socioeconômica por meio da Lei n. 10.835 de 8 de janeiro de
2004 e a sua dificuldade de execução no atual quadro econômico. Além
de apontar as principais críticas que esse tema segue enfrentando.
A fim de executar os objetivos propostos, adotou-se o método
de abordagem dedutivo, o monográfico como método de procedimento,
por meio da técnica de pesquisa em documentação indireta em pesquisa
bibliográfica de fontes secundárias como doutrinas e legislações, com
objetivo descritivo e explicativo (LAKATOS; MARCONI, 2001).

52
RENDA BÁSICA E A SOCIEDADE
A renda básica é o complemento para as propostas de
subsistência do Estado de Bem-Estar Social, devendo ser somada aos
serviços públicos de saúde, educação através do ensino público, tendo
como objetivo fornecer a cada indivíduo uma renda mínima necessária
para sanar as necessidades básicas em prol da sua dignidade humana,
operando como um mecanismo de combate à pobreza e à desigualdade
social (INSTITUTO RECIVITAS, 2018).
Um sistema que concede incondicionalmente um benefício a
todos os seus cidadãos, sem qualquer tipo de exclusão, está intimamente
ligado ao princípio da igualdade, o qual implícita que todos os indivíduos
são iguais e, portanto, devem receber os mesmos recursos provenientes
do “dividendo social”, caracterizando um novo modelo de intervenção
estatal assentado no bem-estar coletivo, independentemente de
pressupostos de condicionalidade, como aponta Opielka (2008, p. 4):

Nos últimos vinte e cinco anos tem se discutido sob


diversas ópticas o trabalho e o emprego, alguns
observadores apontam que com o desenvolvimento
do mercado o desemprego se corrigirá por sí só, outros
argumentam que a atual crise no mercado de trabalho
é indicativo de uma mudança social mais profunda,
abrindo espaço para a ideia de uma renda básica
garantida a todos, baseada nos direitos humanos sem
depender do mercado de trabalho. Desta forma, aponta
o caminho para um novo contrato social baseado na
ética e direitos humanos.

Diferentemente da renda mínima ou de outros programas de


compensação, voltados a um determinado público-alvo que cumpre uma
série de requisitos, a renda básica sustenta a ideia de um dever inalienável
que proporciona para cada indivíduo o direito de equilibrar a sua vida em
liberdade, propagando a sustentabilidade da sociedade. Esse novo tipo
de contrato exige amadurecimento dos indivíduos para entender que a
renda básica é um investimento de longo prazo, que substitui subsídios

53
burocráticos, ineficazes e tradicionais, oferecendo a cada um o direito de
priorizar o que é importante para si (OPIELKA, 2008). Acrescentando:

A renda básica não se destina a encorajar as pessoas a


se excluir da sociedade, mas sim capacitá-las a decidir
por si próprias pelo que desejam optar. [...] A falta de
discriminação, no entanto, irá seriamente melhorar
a situação cultural e mental de todos aqueles que [...]
procuram trabalho e acabam no desespero (embora
sejam oferecidos trabalho social e serviços terapêuticos).
Incentivo em vez de exclusão: isso seria ao mesmo
tempo democrático e liberal. (OPIELKA, 2008, p. 6-7).

Contudo para que sua implementação seja eficaz é necessário


haver o incentivo da grande maioria, evitando a discriminação. As
principais subdivisões da renda básica estão expostas a seguir.

RENDA BÁSICA UNIVERSAL


A renda básica universal trata-se de uma renda incondicional
paga a todos os indivíduos sem qualquer tipo de condição estabelecida,
sem estar relacionada ao trabalho, caracterizada como um direito
incondicional pago sistematicamente aos ricos e aos pobres. Promove a
desburocratização, diminuindo a corrupção e privilégios, e aumentando a
eficiência, pois não haveria custos com fiscalização, é viável se os recursos
públicos forem utilizados em prol do interesse público. Como cita Van
Parijs (1997) (apud DINIZ, 2007, p. 108), a renda básica universal atende
muito embora atenda aos princípios de justiça distributiva, ela tem de
enfrentar as seguintes problemáticas de aplicabilidade:

Que a adoção de uma renda básica universal atende


a princípios igualitários parece não haver dúvidas. No
entanto, uma questão importante é a de como atender
a princípios de justiça em sociedades pobres? Embora
Van Parijs (1994) seja um fervoroso defensor da renda
básica universal incondicional, ele não recomenda a
introdução de uma renda básica a todas sociedades.

54
Para ele, somente em sociedades que se livraram da
fome, ou que podem fazê-lo sem violação à propriedade
de si mesmo, é que vale a pena falar em renda básica. Há
pelo menos dois problemas a serem enfrentados no que
diz respeito à adoção de uma renda básica universal em
sociedades pobres: número excessivo de beneficiários e
poucos recursos a serem distribuídos.

Existem inúmeras preocupações sobre os impactos desse modelo


de renda básica, principalmente, por não estar vinculada a qualquer tipo
de condição, dessa forma, o número de beneficiários seria o número de
pessoas do país de aplicação, o que poderia iniciar uma crise econômica.
Outro ponto alvo de críticas é que desestimularia os indivíduos a trabalhar,
além de ser injusto pensar que “aqueles que não precisam” os ricos,
também seriam beneficiados.
No entanto, temos que levar em consideração, primeiramente, que
a aplicação desse tipo de modelo é algo relativamente novo, ora, os países
que forem aderir à renda básica universal farão as devidas modificações no
projeto para que se encaixe com as suas condições econômico-financeiras
para fins de concessão aos seus cidadãos, a qual poderia ser aumentada
sucessivamente na medida em que a disponibilidade de recursos também
fosse maior. Quanto à desestimulação ao trabalho, acrescenta Bregman
(2017), em seu estudo sobre o capitalismo:

A renda básica seria fundamental, pois permitiria pela


primeira vez na história que as pessoas pudessem
recusar trabalhos que não quisessem realmente fazer.
Hoje em dia esse é um privilégio ao alcance apenas dos
mais ricos, mas, caso se implementasse a renda básica,
seria um direito de todos. Hoje se diz às crianças que
elas precisam estudar para alguma profissão que lhes dê
dinheiro. Com a renda básica, elas poderiam fazer o que
bem entendessem na vida.

Bregman complementa que “[...] as pesquisas mostram que


todos nós queremos realizar os nossos sonhos. E o grande desperdício dos
nossos dias são os milhões de pessoas que estão presas à pobreza ou a um

55
trabalho inútil.” (BREGMAN, 2017), logo, a renda básica proporcionaria o
desenvolvimento de atividades laborais realmente úteis, maximizando as
oportunidades de crescimento aos países que aderirem este modelo.

RENDA BÁSICA GARANTIDA


A renda básica garantida propõe o mesmo que a renda universal,
além de assegurar a continuidade do seu pagamento e garantir o
recebimento a todos os cidadãos do território nacional, sejam natos ou
naturalizados, tornando-se, portanto, uma garantia social.
É o que pretende o Projeto de Lei do Programa de Garantia de
Renda Mínima no Brasil, apresentado ao Senado brasileiro em 1991 e
concretizado na Lei de n. 10.835 de 2004, que dispõe em seu artigo 1º: “É
instituída, a partir de 2005, a renda básica de cidadania, que se constituirá
no direito de todos os brasileiros residentes no País e estrangeiros
residentes há pelo menos 5 (cinco) anos no Brasil, não importando
sua condição socioeconômica, receberem, anualmente, um benefício
monetário”. (BRASIL, 2004).
Consiste em um valor igualitário para todos os beneficiários,
ricos e pobres, sem distinções, sendo garantido conforme estipula o
parágrafo 2º do artigo 1º, “O pagamento do benefício deverá ser de
igual valor para todos, e suficiente para atender às despesas mínimas de
cada pessoa com alimentação, educação e saúde, considerando para isso
o grau de desenvolvimento do País e as possibilidades orçamentárias.”
(BRASIL, 2004), como explica Diniz (2007, p. 111):

A lei que cria uma renda básica de cidadania (RBC)


consiste no direito de todos os brasileiros residentes
no país, além de estrangeiros que vivem há pelo
menos cinco anos no Brasil, a uma renda mínima,
não importando a sua condição socioeconômica. O
pagamento do benefício deverá ser de igual valor para
todos e suficiente para atender às despesas mínimas
de cada pessoa com alimentação, educação e saúde,
considerando para isso o grau de desenvolvimento
do país e as suas possibilidades orçamentárias. O

56
pagamento do benefício poderá ser feito em parcelas
iguais e mensais. Trata-se ainda de benefício não
tributável para efeito do imposto de renda.

Sendo assim, assegura o pagamento de uma renda básica


incondicional a todos os brasileiros, atendendo aos preceitos de uma
sociedade mais justa. A referida lei assegura em seu parágrafo 1º, artigo
1º, que concessão do pagamento do benefício será voltada, inicialmente,
as camadas carentes da população, nos seguintes termos: “A abrangência
mencionada no  caput  deste artigo deverá ser alcançada em etapas, a
critério do Poder Executivo, priorizando-se as camadas mais necessitadas
da população.” (BRASIL, 2004).
No entanto, não está disposto o valor inicial do pagamento,
apenas que este será definido pelo Poder Executivo de acordo com as
possibilidades orçamentárias do país, conforme restou determinado no
artigo 2º “Caberá ao Poder Executivo definir o valor do benefício, em
estrita observância ao disposto nos arts. 16 e 17 da Lei Complementar
n. 101, de 4 de maio de 2000 - Lei de Responsabilidade Fiscal.” (BRASIL,
2004).
Para a execução deste programa os recursos seriam pagos
pela União e pretendia-se desativar outros programas de política social
compensatória, concentrando toda a alocação de recursos disponíveis
para este programa (DINIZ, 2007).
Para cumprir com objetivo geral de combate à pobreza e à
desigualdade social é necessário que o valor destinado a cada indivíduo
deve suprir as suas despesas mínimas, esta que está atrelada ao “mínimo
existencial”, intimamente ligado com o direito universal da dignidade da
pessoa humana (WEBER, 2013).
Segundo Weber (2013, p. 198), o mínimo existencial “[...] refere-
se à preservação e garantia das condições e exigências mínimas de uma
vida digna. Isso significa dizer que o direito ao mínimo existencial está
alicerçado no direito à vida e na dignidade da pessoa humana.”, sendo
que, deve ser protegido e promovido pelo Estado, complementando:

57
Os direitos fundamentais, sobretudo os sociais, são,
nesse caso, a expressão do conteúdo da dignidade
humana e a sua realização efetiva nas instituições sociais.
É, portanto, a partir da dignidade, como fundamento
constitucional, que se justifica e até mesmo se impõe
o reconhecimento do direito ao mínimo existencial.
[...] A definição do conteúdo desse mínimo existencial
é, no entanto, objeto de muita divergência. Entendê-lo
como a satisfação das necessidades básicas da vida -
uma espécie de sobrevivência física - é restrito demais.
Sarlet, referindo-se à efetivação da dignidade da pessoa
humana, chama a atenção para o mínimo existencial
como um direito fundamental, que diz respeito não só
a “um conjunto de prestações suficientes apenas para
assegurar a existência (a garantia da vida) humana,
[...] mas uma vida com dignidade, no sentido de vida
saudável”. Coloca, portanto, em sua base, a dignidade
e suas formas de concretização e não reduz o mínimo
existencial ao “mínimo vital”. (WEBER, 2013, p. 199).

Portanto, o mínimo existencial não engloba somente


prestações materiais para a garantia da sobrevivência, mas, também, o
desenvolvimento de tudo o que for necessário à vida. O apelo à dignidade
tem se mostrado recorrente nas decisões de diversos tribunais sobre
diferentes matérias:

[...] ignorar a existência e a validade jurídica das uniões


homoafetivas é o mesmo que as pôr em situação de
injustificada desvantagem em relação às uniões estáveis
heterossexuais. Compete ao Estado assegurar que a lei
conceda a todos a igualdade de oportunidades, de modo
que cada um possa conduzir sua vida autonomamente
segundo seus próprios desígnios e que a orientação
sexual não constitua óbice à persecução dos objetivos
pessoais. [...] Essa ordem de ideias remete à questão
da autonomia privada dos indivíduos, concebida, em
uma perspectiva kantiana, como o centro da dignidade
da pessoa humana. [...] [a] previsão de que o indivíduo
mereça do Estado e dos particulares o tratamento de
sujeito e não de objeto de direito, respeitando-se-lhe a
autonomia, pela sua simples condição de ser humano.
(FRIAS; LOPES, 2015 apud STF, 2011, grifo nosso).

58
[...] As violações ambientais mais graves recentemente
testemunhadas no plano internacional e no Brasil,
repercutem de modo devastador na esfera dos direitos
humanos e fundamentais de comunidades inteiras. E as
graves infrações ambientais podem constituir, a um só
tempo, graves violações de direitos humanos, máxime
se considerarmos que o núcleo material elementar
da dignidade humana “é composto do  mínimo
existencial,  locução que identifica o conjunto de
bens e utilidades básicas para a subsistência física e
indispensável ao desfrute da própria liberdade. Aquém
daquele patamar, ainda quando haja sobrevivência, não
há dignidade”. (FRIAS; LOPES, 2015 apud STF, 2017).

As ações e serviços na área de saúde têm por diretriz


o atendimento integral do indivíduo, o que consiste
no fornecimento de medicamentos necessários à
preservação da vida, ainda que não sejam padronizados
pelo SUS. Conforme relatório médico subscrito por
profissional inscrito no Conselho Regional de Medicina,
não há no país insumo semelhante ou genérico, o que
corrobora a imprescindibilidade do suplemento.  Os
princípios informadores da administração pública e a
cláusula da reserva do possível não se aplicam quando
se está diante de direitos fundamentais, em que se
busca preservar a dignidade da vida humana. (FRIAS;
LOPES, 2015 apud STF, 2017, grifo nosso).

Portanto, é a partir da dignidade da pessoa humana que se justifica


a necessidade de ser assegurado o mínimo existencial aos indivíduos,
contexto que justifica a implementação do PGRM, garantindo a qualidade
de vida e dando margem de escolha aos indivíduos, garantindo a liberdade.
Com base nisso, surge a construção de uma sociedade mais justa e capaz
de implementar a justiça distributiva, a partir da garantia da igualdade
socioeconômica, com ações e diretrizes que proíbem a insuficiência dos
direitos fundamentais básicos, permitindo que cada cidadão possa gozar
de seus direitos por meio de programas socioeconômicos, como este da
renda básica.

59
PROGRAMA DE GARANTIA DE RENDA MÍNIMA NOS
PAÍSES DESENVOLVIDOS
Os países desenvolvidos também aderiram ao programa de
garantia de renda mínima como forma de compensação, complemento
de renda e meio para proporcionar uma melhor qualidade de vida aos
seus cidadãos. Sendo que

[...] a implantação de programas dessa natureza não é


recente. Na Europa Ocidental, na Dinamarca, o programa
foi implantado em 1933, na Inglaterra em 1948, na
Alemanha em 1961, na Holanda em 1963, na Bélgica em
1974, na Irlanda em 1977, em Luxemburgo em 1986 e na
França em 1988. (LAVINAS; VARSANO, 1998 apud DINIZ,
2007, p. 106).

Há um núcleo comum nos programas desses países:

a) destinam-se a todos aqueles que se encontram em


situação de necessidade decorrente de insuficiência
de renda – respeitam, portanto, um princípio de
universalidade; b) o benefício é atribuído com base
em uma demanda feita pelo próprio interessado; c)
implicam no respeito a certas prerrogativas e, em
alguns casos, a contrapartidas; d) o benefício tem seu
valor modulado pelo montante das demais prestações
sociais e pela renda individual ou familiar do requerente.
(DINIZ, 2007, p. 106).

A aplicação dessas formas de PGRM possui requisitos para a sua


concessão ligados ao número de filhos, à idade dos filhos e ao nível de
rendimentos, como mencionam Suplicy e Cury (1994, p. 103):

Os países desenvolvidos atualmente possuem diversas


formas de PGRM, a exemplo, na Inglaterra, Alemanha e
Holanda, os pais das crianças de até 16 anos recebem
um benefício mensal, que na Alemanha é de 50 marcos,
na Inglaterra é de 9,65 libras (semanais) para crianças

60
que forem mais velhas, e de 7,80 libras para das demais,
este benefício é pago até os 19 anos, se a criança estiver
estudando. Na França todos os seus cidadãos, cuja
renda for inferior a 2.184,79 francos, e de idade igual
ou superior a 25 anos, recebem a “Renda Mínima de
Inserção” até aquele valor máximo, por três meses,
podendo ser ampliado por até 12 meses. Nos Estados
Unidos, está implantada, desde 1975, uma forma de
imposto de renda negativo chamada Earned Income
TaxCredit (EITC), para famílias com renda inferior a US$
23.760 e que possuam pelo menos um filho vivendo com
elas, os que possuem dois ou mais filhos, recebem um
crédito que equivale a 25% de US$ 7.990, o que resulta
num crédito de US$ 1.998 anuais, permanecendo neste
nível até que os rendimentos ultrapassem US$ 12.570,
sendo diminuído gradativamente até que atinjam US$
23.760.

Se os países desenvolvidos atenderam à discussão sobre uma


renda mínima, sendo que possuem uma realidade muito diferente da
brasileira, podemos imaginar o quanto um PGRM mais focalizado e com
maiores recursos podem atender ao déficit socioeconômico no Brasil.

PROGRAMA DE GARANTIA DE RENDA MÍNIMA NO


BRASIL
Suplicy e Cury (1994) afirmam que a ideia de um complemento
para renda surgiu no século XVI com a Lei dos Pobres, primeiramente,
por meio das paróquias e, mais tarde, como responsabilidade da nação,
ao contrário do que citam nos livros, essa lei na sua forma de vigor (antes
da emenda de 1834) não reduzia a eficiência dos trabalhadores agrícolas,
não estimulava o crescimento da população ou destruía pequenos
proprietários rurais, ao contrário, era um instrumento para lidar com
as questões do desemprego e dos baixos salários no setor rural ainda
subdesenvolvido, contribuindo para uma forma de “estado de bem-estar”
e expansão econômica.

61
Expondo que o país padece sobre o fenômeno da exclusão social,
o deputado Paulo Bernardo, em seu voto no projeto da referida lei objeto
deste artigo, exemplifica que:

Em nosso País, assim como em outros, a pobreza


é histórica e estrutural. Ela é resultado de uma
longa trajetória de exclusão social de segmentos
populacionais determinados. Para a sua configuração,
fatores como a indigência econômica, a falta de acesso
a serviços sociais básicos — como educação e saúde —,
o desconhecimento de princípios básicos de cidadania,
a desestruturação familiar e pessoal associam-se e
reforçam-se mutuamente. O fenômeno da exclusão
social no Brasil, onde sequer conformou-se um Estado de
Bem-Estar Social nos moldes dos países desenvolvidos,
além de significar falta de cidadania, é fortemente
agravado pela alta concentração de renda e de riquezas,
como já assinalamos. (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2003,
p. 12).

Explicando ainda que:

Em um artigo publicado em 2001 pelo Instituto de


Pesquisa Econômica Aplicada, Barros, Henriques e
Mendonça concluem que, no Brasil atual, a pobreza é
mais sensível à desigualdade do que ao crescimento
econômico. Segundo eles, malgrado seja o crescimento
da economia uma importante via de enfrentamento da
pobreza, ela é lenta. Para cada 3% de incremento anual
da renda per capita, os níveis de pobreza demoram dois
anos para decrescerem em apenas 1%. De acordo com
os autores, se fosse alterado o perfil de desigualdade
brasileiro para um padrão condizente com nosso
desenvolvimento econômico, haveria uma redução
da ordem de 36% na pobreza brasileira, ainda que
inexistisse crescimento da economia. (CÂMARA DOS
DEPUTADOS, 2003, p. 9-10).

No Brasil, o combate à pobreza não é um debate recente,


visto que está entre os principais países com o maior número de

62
desigualdades de distribuição de renda, que sempre existiu na história do
País, e, eclodiu com o Milagre Brasileiro, que proporcionou crescimento
econômico concentrado no polo das camadas mais ricas da sociedade e
a pauperização do polo oposto, visto que, a legislação pouco explorava
questões de política social, como Draibe (1989 apud DINIZ, 2007, p. 108)
vem a aludir:

Entre os anos 1930 e 1940, a legislação social tratava,


quase que exclusivamente, de questões previdenciárias
e trabalhistas, e tinha como objetivo, embora nem
sempre tenha sido alcançado, assegurar proteção
aos trabalhadores urbanos, tendo em vista os baixos
valores das aposentadorias e pensões. As outras áreas
englobadas sob o rótulo de política social (educação,
saúde, assistência social e, por último, habitação)
tomaram formas mais institucionalizadas entre 1945 e
1964.

Draibe (1989 apud DINIZ, 2007, p. 108) menciona que “[...] o


processo constituinte de 1988 acenou com a possibilidade de um novo
modelo de política que privilegiasse medidas de justiça social. Durante o
período da ‘Nova República’ cresceu o número de programas assistenciais
sem base contributiva [...]”, e complementa que “[...] esboçaram-se os
primeiros passos em caminho à descentralização, principalmente na área
da saúde, e começava a tomar corpo o debate quanto à necessidade de
garantir a todos os cidadãos uma renda mínima”. Sendo que a adoção
de uma política de renda mínima no Brasil é justificada a partir de três
argumentações.

A adoção de uma política de renda mínima no Brasil,


de acordo com Ramos (1998), vem sendo justificada
a partir de três argumentações. A primeira delas é
que um programa desta natureza romperia com a
prática amplamente disseminada na política brasileira,
de intermediação, pelos políticos profissionais,
dos benefícios sociais de caráter estatal. Um dos
desdobramentos de uma renda mínima garantida seria
uma contribuição às mudanças nas práticas políticas e

63
à democracia, na medida em que a utilização pessoal
ou partidária de recursos públicos deixaria de ser uma
ferramenta de campanha eleitoral. Em segundo lugar, as
pessoas que estão fora do mercado formal de trabalho
passariam a ter acesso a, pelo menos, um benefício
mínimo. Por fim, a renda mínima poderia se tornar um
instrumento de distribuição de renda. (RAMOS, 1998
apud DINIZ, 2007, p. 109).

Na atualidade, muitos países desenvolvidos introduziram o


PGRM, como forma de combate à pobreza, no Brasil, essa ideia foi
apresentada em 1991 com o projeto de lei do então senador Eduardo
Suplicy, por meio da forma de Imposto de Renda Negativo.

No Brasil, em 1991, foi apresentado ao senado brasileiro


um projeto de lei criando o PGRM, no qual todos os
residentes no Brasil com idade igual ou superior a 25
anos, com a renda mensal inferior a Cr$ 45.000,00
(cruzeiros) em torno de US$ 140, possuem direito a
um imposto de renda negativo de 30% da diferença
entre essa quantia e sua renda. Ficando vinculado à
disponibilidade de recursos do poder Executivo. [...]
Para que o PGRM possa operar no Brasil, deverá ser
financiado com recursos federais, sendo cortados os
programas que não sejam eficientes, os indivíduos que
possuam rendimento acima de certo patamar terão que
pagar imposto de renda variando de 15% a 25% de seus
rendimentos. O benefício será concedido para as pessoas
com idade igual ou superior a 60 anos, no primeiro ano,
em seguida contemplará àqueles com idade igual ou
superior a 55 anos e assim sucessivamente, até que no
oitavo ano, todos os cidadãos com mais de 25 anos de
idade terão direito ao PGRM. Se for viável este programa
pode ser implementado em toda a sua totalidade e o
índice de 30% poderá ser aumentado. (SUPLICY; CURY,
1994, p. 103-104).

Ao longo dos anos, diversos programas de renda mínima


foram implementados no Brasil, visando a diminuir os abismos sociais e

64
econômicos, sendo que estes possuíam requisitos para a sua concessão,
como a permanência das crianças na escola, dos quais se destacam:

Em janeiro de 2004, o presidente Lula sancionou o seu


principal programa social – o Bolsa Família (PBF), criado
pela Lei n. 10.836/04, a partir de uma medida provisória
editada pelo Executivo. Essa lei unificou o Bolsa Escola
(Lei n. 10.219, abril de 2001), o Programa Nacional de
Acesso à Alimentação (Lei n. 10.689, de junho de 2003),
o Bolsa Alimentação (Medida Provisória n. 2.206-1, de
setembro de 2001), o Auxílio-Gás (Decreto 4.102, de
janeiro de 2002) e o Cadastramento Único do Governo
Federal (Decreto n. 3.877, julho de 2001). No mesmo
ano de sanção do PBF, 2004, a Presidência da República
também sancionou o projeto de lei do senador Suplicy,
Lei 10.835/04 que dispõe sobre o Programa Renda
Básica de Cidadania. (DINIZ, 2007, p. 111).

Desde que a Lei n. 10.835/2004 foi sancionada ainda não


houve a sua devida aplicação em nível federal, nem mesmo da primeira
etapa do projeto. O Orçamento Geral da União de 2005 até o ano de
2018 não promoveu nenhum tipo de diretriz especificando as despesas
necessárias para a execução da referida lei, muito embora se acredite que
tal programa será mais eficiente no combate à pobreza e à desigualdade
social, pois teria um alcance muito mais satisfatório na distribuição do
benefício. Porém, o PGRM irá ser apresentado para aplicação no estado
de São Paulo.

PROGRAMA DE RENDA MÍNIMA NO MUNICÍPIO DE


SÃO PAULO
Na prática brasileira o PGRM exige o cumprimento de requisitos
para a sua concessão, sendo transferido a famílias de baixa renda que
possuam dependentes menores de 14 ou de 16 anos, ou seja, recebem tal
benefício a instituição familiar, com filhos dependentes com faixa etária
escolar. Argumentando Pochmann (2002, p. 86) que o programa atinge
tais objetivos:

65
Ao longo desses anos (1995-2001) a experiência brasileira
tem sido marcada por condicionar o repasse de recursos
às famílias pobres e ao ingresso e à permanência de
suas crianças na rede escolar. Oferecer meios para que
as famílias possam dispensar a contribuição de suas
crianças e adolescentes à renda familiar e comprometê-
las com a frequência escolar de seus filhos tem sido a
tônica dos programas. Vale dizer que esse é o núcleo dos
programas, eles ainda têm como objetivos: erradicar
o trabalho infantil, retirar as crianças das situações de
vulnerabilidade a que estão submetidas nas ruas das
cidades, combater a desnutrição infantil, entre outros.

Pochmann (2002, p. 87) menciona que iniciativas municipais e


estaduais associaram-se ao PGRM associado a Ações Socioeducativas,
estabelecido pela Lei n. 9.533/97, sendo que a referida lei autorizou
ao Poder executivo disponibilizar apoio financeiro aos municípios que
aderissem ao PGRM agregado a ações socioeducativas, sendo entendida
“[...] como a possibilidade de uma intervenção um pouco mais equalizadora
da desigual capacidade dos municípios para implantarem programas de
distribuição de benefício monetários.” Explicando que a Lei n. 12.651, de
6 de maio de 1998, regulamentada pelo Decreto n. 40.400, de 5 de abril
de 2001, indica que estão aptas para aderir ao Programa de Garantia de
Renda Familiar Mínima Municipal as famílias que atendam às seguintes
condições (POCHMANN, 2002, p. 88):

[...] tenham crianças e adolescentes entre 0 e 14 anos;


(2) residam em São Paulo há, no mínimo, dois anos;
(3) aufiram renda bruta mensal inferior a três salários
mínimos; (4) atendam às obrigações estabelecidas em
Termo de Responsabilidade e Compromisso. [...] Para
serem beneficiadas e seguirem como tal, a legislação
do programa ainda estabelece como condições a serem
observadas pelas famílias a assiduidade à escola para
as crianças e os adolescentes e a retirada destes das
situações de risco (trabalho nas ruas, por exemplo).

Concluindo que, o PGRM além de ser um meio de distribuição de


renda, também, possui como objetivo assegurar a formação intelectual

66
de crianças e de adolescentes, não apenas distribuindo renda, mas
buscando amenizar o ciclo de reprodução de pobreza, para que as crianças
tenham igualdade de oportunidades para o alcance de uma vida digna,
visando ainda, em curto prazo, à redução de crianças e adolescentes
nas ruas já inseridas em atividades ilícitas ou em situações de risco,
proposta que, então, além de melhorar a qualidade de vida das famílias
brasileiras erradicando a pobreza, garante a igualdade de oportunidades
a fim de reduzir as desigualdades socioeconômicas, assegurando o
desenvolvimento pleno nacional.

PROGRAMA DE RENDA MÍNIMA NA ALDEIA MORRO


DA SAUDADE EM SÃO PAULO
Nos anos de 2003 e 2004, foi instituído o programa de renda
mínima na Aldeia Indígena Morro da Saudade em São Paulo, pela
Prefeitura do Município de São Paulo (SP), no intuito de promover a
inclusão socioeconômica dessa comunidade que vive em situação de
vulnerabilidade.
Uma vez que, como menciona Fabbri e Ribeiro (2007, p. 62-63),
as “[...] influências e pressões produzem um efeito desagregador sobre
a cultura, a organização social e a economia destes grupos, tornando-
os vítimas da exclusão social e da carência de recursos [...]”, tornando o
PGRFM (Programa de Renda Familiar Mínima) uma forma de melhora na
condição de vida dessa comunidade. Explicando as peculiaridades desse
programa, uma vez que a inserção de tal programa em aldeia indígena
envolve problemáticas antropológicas:

Para a inclusão da comunidade indígena nos


programas sociais foi necessária a contratação de uma
assessoria antropológica para conciliar o direito ao
acesso a programas oficiais municipais com o direito
constitucional dos índios de terem seus costumes
e tradições respeitadas. Da análise realizada pela
assessoria, em conjunto com a comunidade indígena,
concluiu-se que, dos programas sociais de transferência
de renda, o Programa de Garantia de Renda Familiar

67
Mínima (PGRFM) era o que mais atendia às expectativas
dessas comunidades. (FABBRI; RIBEIRO, 2007, p. 62-63).

Para a aplicação do PGRFM foram utilizados requisitos de


concessão como o número de filhos, se frequentavam ou não a escola
e o tempo de moradia na aldeia, contextualizando a realidade da
implementação de tal programa:

As lideranças identificaram as famílias que não


preenchiam os requisitos contidos na legislação do
programa (famílias sem filhos, ou filhos acima de 15 anos
de idade ou fora da escola), e outras que não deveriam
ingressar no programa pelo fato de não morarem na
aldeia por mais de dois anos. O total de famílias na
aldeia Morro da Saudade anterior ao cadastramento,
registrado em relatório antropológico no ano de 2003,
informava a existência na aldeia de 130 famílias. Desse
total, 89 foram cadastradas e outras 41 não o foram
por não terem comparecido. Uma das razões pode ter
sido o fato de não preencherem algum critério, não
terem filhos na faixa de idade exigida, ou os filhos não
estarem estudando, ou ainda estarem em deslocamento
para outras aldeias, ou alguma outra situação. (FABBRI;
RIBEIRO, 2007, p. 65).

Era imprescindível respeitar os padrões culturais da aldeia e


designar um teto mínimo de renda familiar. Com implementação do
programa houve um aumento superior ao dobro na renda das famílias
indígenas, como esclarece Fabbri e Ribeiro (2007, p. 68-69):

A introdução do PGRFM na aldeia Morro da Saudade


trouxe um significativo e abrupto aumento da renda das
famílias indígenas. Tomando como parâmetro as rendas
pré-existentes (declaradas no cadastramento), no valor
médio de R$ 5.931,00 por mês para a totalidade das
67 famílias, podemos concluir que houve um aumento
superior ao dobro para o total da renda das famílias
selecionadas, e também para a renda per capita dos seus
integrantes. Isso significa que a circulação de receitas

68
de posse das famílias integrantes do PGRFM aumentou
substancialmente e que a circulação de bens na aldeia
também aumentou. Significa, também, em termos
qualitativos, que o PGRFM provavelmente introduziu
algumas diferenças sociais importantes ao nível da
renda das pessoas, o que, na ausência de uma política
intersetorial para o conjunto da população da aldeia,
pode ter contribuído para colocar em questão tanto as
relações igualitárias entre seus membros como a própria
relação das famílias com as lideranças indígenas. [...] Os
objetivos do programa renda mínima se concentram na
melhoria das condições atuais de vida do seu público-alvo
preferencial, as crianças e os adolescentes. Para atender
esses objetivos realiza-se uma transferência monetária
às respectivas famílias, com o compromisso de estas
assegurarem a permanência e um bom desempenho das
crianças e dos adolescentes na rede pública de ensino,
contribuindo com o aumento dos anos de escolaridade.

Verificando que os principais meios de subsistência da aldeia


são os pequenos cultivos, artesanato e doações, o PGRFM impulsiona
uma grande melhora na qualidade de vida do grupo, porém ainda falha
na sua concessão por haver requisitos e condições, propaga a injustiça
para àqueles que não se adequam a concessão do benefício. Dessa forma,
concluíram que:

[...] seria importante dizer que o Programa de Garantia


de Renda Familiar Mínima voltado para a sociedade
indígena condiciona a transferência de renda às famílias
mais pobres da aldeia a certas exigências, obrigando os
beneficiários a se submeterem a averiguações de toda
a sorte. Esse processo pode ser visto sob duas óticas:
a primeira é a da busca de equidade, por meio da qual
critérios de justiça e de objetividade são plasmados,
tornando possível ajustar o benefício a determinadas
normas e instituições sociais que fazem parte da
sociedade envolvente e são comumente aceitas por ela;
a segunda é a burocratização da concessão do benefício,
por meio da constituição de um aparelho, operando
dispositivos e controles, para referendar a aplicação
concreta da referida lei. Nesse caso, há indiretamente o

69
risco de cometer e propagar injustiças, as quais ficarão
perdidas nos desvãos da Lei. (FABBRI; RIBEIRO, 2007, p.
70).

Diferentemente seria se houvesse a aplicação da Lei de Renda


Básica de Cidadania, Lei 10.835/2004, que prevê a desburocratização e
pretende eliminar requisitos para a sua concessão, estando, portanto, ao
alcance de todos. Explicando que o cenário se encontrava da seguinte
forma:

Em 2007, o programa continua com as mesmas


características e o número de beneficiários teve em
pequeno aumento. Diferente seria o caso da aplicação,
nas aldeias indígenas, da Lei de Renda Básica de
Cidadania de autoria de Suplicy (2002) que prevê uma
renda básica incondicional, que será de igual valor para
cada cidadão brasileiro ou estrangeiro residente há
pelo menos cinco anos no Brasil, pagável mensalmente,
e suficiente para cobrir as despesas mínimas com
alimentação, habitação, educação e saúde, levando em
consideração o grau de desenvolvimento do país e suas
possibilidades orçamentárias. (FABBRI; RIBEIRO, 2007, p.
74-75).

Desta forma, a aplicação do programa nos termos da Lei de


Renda Básica de Cidadania, ao invés da maneira como foi introduzido na
Aldeia Morro da Saudade em São Paulo proporcionaria um maior número
de beneficiários, devido à desburocratização do programa, atingindo de
maneira mais abrangente os objetivos gerais almejados, quais sejam,
combate à pobreza e à desigualdade social, no entanto é importante
mencionar que para tanto há exigência da existência de orçamento
público.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir da pesquisa desenvolvida sobre a renda básica foi
possível observar que a Lei n. 10.835/2004 – que constituiu a renda

70
básica em todo o território nacional como direito de todos os cidadãos
residentes no País e estrangeiros residentes há pelo menos 5 anos
– não está sendo devidamente implementada no Brasil por motivos
orçamentários, ineficiência estatal, não se tornando-se uma política
pública, inexistindo ação governamental para assegurar e promover a lei
sancionada, apesar de ser pautada no melhor interesse do ser humano,
qual seja, a erradicação da pobreza, da marginalização e da redução das
desigualdades entre as classes.
Sobretudo, destaca-se que a renda básica pode vir a cumprir
com a norma programática constitucional prevista no artigo 3º, a qual
determina como objetivo da República Federativa Brasileira a construção
de uma sociedade livre, justa e solidária, a diminuição da pobreza e das
desigualdades sociais e regionais. No entanto, o que ficou evidente é
que até o presente momento foram implementados somente programas
burocráticos, os quais não atingem o objetivo de forma abrangente e
eficiente, acabando por refletir ainda mais o problemático quadro político-
econômico brasileiro ineficiente, bagunçado, vergonhoso, que sofre com
os recorrentes escândalos de corrupção com o desvio de verbas públicas.
Também se verificou que não há espaço na mídia para a divulgação
desse direito social, visto que esse assunto nunca foi divulgado, fazendo
com que a grande parte da população desconheça tal direito garantido
por lei. Sendo importante afirmar que o Brasil é um país rico, ou seja,
possui riquezas a serem distribuídas, no entanto, é um país extremamente
desigual, com um governo desorganizado e corrupto. A pobreza e a
desigualdade social devem ser combatidas, pois dão imperativos de uma
social-democracia, em prol da justiça distributiva, porém, tais fatores são
obstáculos para a concretude de tal direito.
Muito embora existam programas com caráter de distribuição
de renda, estes foram implementados em nível local não federal, sendo
políticas públicas que não alcançaram os resultados desejados, sendo a
desigualdade social no Brasil ainda latente, conforme estatísticas sociais
publicadas em 29 de novembro de 2017 pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), com última atualização em 1º de dezembro
de 2017, sob o uso do coeficiente de Gini, que varia de zero (perfeita
igualdade) até um (desigualdade máxima), estando o Brasil com índice

71
de 0,549, índice altíssimo, que expressa a triste realidade brasileira com
relação à desigualdade social (IBGE, 2017).
Todavia, o ordenamento jurídico brasileiro já traz alternativas
socioeconômicas para tal fim, como é o caso da Lei n. 10.835, de 8 de
janeiro de 2004 que institui a renda básica de cidadania.
Sendo assim, tem-se um cenário em que o País tem elevado
número de pobreza e políticas públicas ineficientes, as quais excluem um
grande número de pessoas devido aos requisitos que burocratizam os
programas, mesmo frente à necessidade de realmente desafiar e melhorar
o histórico de injustiça social que marginaliza grande parte da população,
que faz com que não tenham acesso a condições mínimas igualdade de
oportunidades. Há indícios de que os PGRM afetam positivamente as
famílias beneficiadas, no entanto, a viabilização de recursos para esses
programas precisa ser ainda mais abrangente e o programa em si precisa
ser mais focalizado.
Conclui-se, portanto, que a renda básica seria uma forma mais
eficaz de combate às desigualdades do que os programas já implementados,
pois é concebida de maneira universal a todos os cidadãos, o que otimiza
o acesso dos beneficiários aos recursos, além de dar liberdade as pessoas
na escolha do seu trabalho, diminuir custos com fiscalização, assegurar o
mínimo existencial, proporcionar expansão econômica, melhorar a vida
daqueles que se encontram em situações de risco e também melhorar a
qualidade de vida de todas as famílias.
Tamanha a importância, portanto, da implementação desse
programa nos moldes previstos na referida lei, no entanto, ainda que a
Constituição Federal brasileira seja pautada na garantia de igualdade entre
os indivíduos, os interesses privados continuam a se sobressair sobre os
interesses públicos, o que gera a má distribuição de renda, aumentando o
abismo entre as classes sociais brasileiras, e, por fim, limita a distribuição
de recursos para projetos que realmente beneficiem o corpo de cidadãos
brasileiros, o que faz com que a execução da lei continue em processo de
regularização há 13 anos.

72
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74
PARTE III
TUTELA AO DIREITO
DAS CRIANÇAS E DOS
ADOLESCENTES IO
R
Á
M
U
S
DOI: dx.doi.org/10.18616/pps03

POLÍTICAS PÚBLICAS DE PROTEÇÃO ÀS


CRIANÇAS E ADOLESCENTES ACOLHIDAS:
NOVAS DIRETRIZES PARA ACOLHIMENTO
FAMILIAR
Gláucia Borges
Ismael Francisco de Souza

INTRODUÇÃO SUMÁRIO
O advento da Proteção Integral, devidamente firmado pelas
Nações Unidas na Convenção dos Direitos da Criança, em 1989, trouxe
uma série de mudanças no ordenamento jurídico brasileiro, passando a
reger todas as normas e atos do Estado, impondo a este, juntamente com
a família e a sociedade, a responsabilidade pelo cumprimento e garantia
dos direitos da população infantoadolescente.
É indiscutível, portanto, que desde então as crianças e os
adolescentes se tornaram verdadeiros sujeitos de direitos, possuindo
especial proteção em decorrência do seu peculiar estado de
desenvolvimento e passando a ser detentoras de prioridade absoluta, o
que foi reconhecido pelos Estados-membros que ratificaram a Convenção.
Nessa lógica, mesmo sendo incontestáveis as diretrizes da teoria,
bem como por já terem se passado quase 30 anos desde o surgimento
da Convenção, ainda assim nos deparamos com diversas violações de
direitos desse grupo social.
Apesar de ser uma regra geral, que disciplina todos os atos da
tríplice responsabilidade compartilhada, ou seja, do Estado, da família
e da sociedade, temos que os serviços de proteção especial de alta
complexidade da Assistência Social merecem extraordinário cuidado,
por se tratarem de serviços que demandam peculiar proteção, como o
próprio nome adotado revela.

76
Por essas razões, ao analisar a Família Acolhedora, que é
um serviço advindo das políticas públicas da Assistência Social, no
campo dos ditos serviços de proteção especial de alta complexidade,
verificamos que o Estatuto da Criança e do Adolescente pouco (ou quase
nada) o regulamenta, deixando em aberto às entidades e municípios
que o implantarem estabelecerem suas próprias normas, o que,
presumivelmente poderá ser uma inobservância da teoria da Proteção
Integral no campo da normatização dessa política pública, vez que incorre
em desproteção e falta de garantias às crianças e adolescentes.
Para possibilitar a verificação dessa consideração, o trabalho
será dividido em três partes, sendo que, na primeira, será tratado sobre as
políticas públicas para as crianças e adolescentes acolhidas, na segunda,
sobre o acolhimento familiar em si e seu surgimento, adentrando
no recém-reconhecido em lei, serviço de Família Acolhedora como
resultado da política de acolhimento e, por fim, se averiguará se a falta
de normatização do acolhimento desrespeita os preceitos da teoria da
Proteção Integral.
O método aplicado foi o dedutivo e, os de procedimento, histórico
e monográfico, utilizando-se para tanto da pesquisa bibliográfica.

AS POLÍTICAS PÚBLICAS E AS CRIANÇAS E


ADOLESCENTES ACOLHIDAS: AS POLÍTICAS DA
ASSISTÊNCIA SOCIAL
Para fins de concretização e garantia dos direitos consagrados
em âmbito nacional e também das normas internacionais recepcionadas
no ordenamento jurídico brasileiro, é imprescindível nos preocuparmos
com o sistema de políticas públicas.
As políticas públicas são como ferramentas das decisões do
governo e, qualquer teoria a respeito deve explicar as inter-relações entre
Estado, política, economia e sociedade, pois repercutem diretamente
nessas relações. Trata-se de um campo do conhecimento que busca,
ao mesmo tempo, colocar o governo em ação e/ou analisar essa ação

77
e propor mudanças no rumo ou curso dessas ações, se necessário for
(SOUZA, 2007).
Apesar de muitos doutrinadores não haverem formulado um
conceito único sobre as políticas públicas, podemos dizer que são:

[...] diretrizes, princípios norteadores de ação do poder


público; regras e procedimentos para as relações
entre poder público e sociedade, mediações entre
atores da sociedade e do Estado. São, nesse caso,
políticas explicitadas, sistematizadas ou formuladas em
documentos (leis, programas, linhas de financiamentos)
que orientam ações que normalmente envolvem
aplicações de recursos públicos. Nem sempre, porém,
há compatibilidade entre as intervenções e declarações
de vontade e as ações desenvolvidas. Devem ser
consideradas também as ‘não-ações’, as omissões, como
formas de manifestação de políticas, pois representam
opções e orientações dos que ocupam cargos. (TEIXEIRA,
2002, p. 2).

Para analisar as políticas públicas é importante compreender


que estas são um ciclo deliberativo, formado por vários estágios
(definição de agenda, identificação de alternativas, avaliação das opções,
seleção das opções, implementação e avaliação) e se constituem num
processo dinâmico e de aprendizado bem como se dividem em: políticas
distributivas, nas quais as decisões do governo privilegiam certos grupos
sociais ou regiões; políticas regulatórias, sendo mais visíveis e que envolvem
burocracia, políticos e grupos de interesse; políticas redistributivas, que
atingem a grande maioria, impondo perdas a curto prazo para certos
grupos e ganhos futuros para outros; e, por fim, políticas constitutivas, as
quais definem as regras do jogo político, lidando com os procedimentos
(SOUZA, 2007).
As políticas públicas possuem como objetivo “[...] ampliar e
efetivar direitos de cidadania, também gestados nas lutas sociais e que
passam a ser reconhecidos institucionalmente.” (TEIXEIRA, 2002, p. 3) e,
segundo Souza (2007), depois de formuladas, se transformam em planos,
programas, projetos, bases de dados ou sistema de informações e grupos

78
de pesquisa e, quando em andamento, são submetidas a sistemas como
os de acompanhamento e avaliação.
Nesse sentido, as políticas públicas são desenhadas para a
garantia e a efetivação dos direitos ou resolução de problemas, que
seguem uma trajetória na formulação, delimitando o papel dos indivíduos,
grupos e instituições que estão envolvidos e que por ela serão afetados
(SOUZA, 2007), sendo uma importante ferramenta do governo.
Alcançando essa compreensão sobre as políticas públicas de
maneira geral, passaremos ao foco principal deste trabalho, quer seja,
as políticas públicas destinadas às crianças e adolescentes acolhidos.
De acordo com Veronese (2015), falar de direito das crianças e dos
adolescentes é, entre outros, falar em políticas públicas.
Dentro do Sistema de Garantias de Direitos das crianças e dos
adolescentes, no Estatuto da Criança e do Adolescente, temos as políticas
de prevenção (art. 70 ao 85), das políticas de atendimento (art. 86 ao 97),
de proteção (art. 98 a 140) e de promoção e justiça (art. 141 e seguintes).
No campo das políticas públicas para as crianças e adolescentes
acolhidos é importante entendermos que se encontram dentro das
Políticas de Proteção da Assistência Social, conforme preceitua o artigo
203, da Carta Magna1 e das medidas de proteção do artigo 98, do
Estatuto.2
Por muito tempo as Políticas da Assistência Social foram vistas
sob o viés da caridade e clientelismo. Apesar de existir desde o Brasil
Colônia, muito foi confundida com um dever moral, religioso, de práticas
eleitoreiras, de caridade, assistencialismo, ao invés de ser considerada um
dever do Estado e um direito de todos os cidadãos, o que passou a mudar
com o advento da Constituição Federal de 1988 (PEREIRA, 2007). Na qual,

1
Art. 203 A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de
contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: I - a proteção à família, à maternidade,
à infância, à adolescência e à velhice; II - o amparo às crianças e adolescentes carentes; [...]
2
Art. 98 As medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que os
direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados: I - por ação ou omissão da
sociedade ou do Estado; II - por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável; III - em
razão de sua conduta.

79
[...] a assistência social foi definitivamente reconhecida
como um direito do cidadão e dever do estado com
os objetivos de proteção à família, à maternidade, à
infância, adolescência e à velhice, a garantia de proteção
e integração ao mercado de trabalho, a proteção e o
atendimento às pessoas com deficiência, bem como,
a garantia de benefícios àqueles que enfrentam as
condições de pobreza com vistas à universalização dos
direitos sociais básicos. (CUSTÓDIO; SOUZA, 2013, p.
200).

Foi, portanto, um grande avanço recepcionar a Assistência


Social como “[...] direito de cidadania, política pública, prevendo ações
de combate à pobreza e promoção do bem-estar social, articulada às
outras políticas, inclusive a econômica.” (TEIXEIRA, 2002, p. 9). Contudo,
não há como deixar de destacar que, apesar dos avanços, muitos ainda as
entendem apenas como assistencialismo e não como um direito universal,
mas “[...] caridade e filantropia representam o avesso do reconhecimento
de direitos e tendem a aprofundar os processos de desigualdade
econômica,” (CUSTÓDIO, 2013, p. 18), o que pode representar um
retrocesso.
O Sistema Único de Assistência Social (SUAS) divide sua
organização entre a proteção social básica e a especial e essa última se
divide ainda em média e alta complexidade.
A proteção social básica embarca no campo da prevenção de
situações de risco e vulnerabilidade, operacionalizando por meio dos
Centros de Referência da Assistência Social (CRAS) e, de maneira indireta,
nas entidades e organizações de assistência social, com programas e
serviços específicos de atendimento, sendo exemplo os serviços que
potencializam a família como unidade de referência, fortalecendo seus
vínculos internos e externos de solidariedade (CUSTÓDIO; SOUZA, 2013,
p. 202-203).
Já a proteção social especial, como o próprio nome já diz,
refere-se a atendimentos especializados e está ligada ao atendimento
assistencial posterior a violação dos direitos, nas situações de risco
pessoal e social, como o abandono, os maus tratos, o uso de substâncias

80
psicoativas, situação de rua, prática de ato infracional, entre outras, por
meio dos Centros de Referência Especializados da Assistência Social
(CREAS) (CUSTÓDIO; SOUZA, 2013, p. 204).
Como dito, esta última se divide ainda em serviços de média e
de alta complexidade. Extraindo o conceito da Norma Operacional Básica
do SUAS, por proteção social especial de média complexidade entende-se
como “[...] aqueles que oferecem atendimentos às famílias e indivíduos
com seus direitos violados, mas cujos vínculos familiar e comunitário
não foram rompidos.” (BRASIL, 2005, p. 38) e, de alta complexidade “[...]
aqueles que garantem proteção integral [...] para famílias e indivíduos que
se encontram sem referência e, ou, em situação de ameaça, necessitando
ser retirados de seu núcleo familiar e, ou, comunitário.” (BRASIL, 2005, p.
38).
Nesse caso, as políticas públicas de proteção às crianças e aos
adolescentes acolhidos, seja em acolhimento familiar ou institucional,
se encontram nos serviços de proteção especial de alta complexidade,
diante do rompimento dos vínculos familiares.
Das políticas públicas de acolhimento familiar, adveio o serviço
que aqui será discutido, Família Acolhedora, que trata do acolhimento de
crianças e adolescentes que se encontram com o poder familiar suspenso,
encaminhando-as para famílias devidamente cadastradas, ao invés de
submetê-las imediatamente ao acolhimento institucional.
Para esse tipo de serviço, as equipes da Assistência Social são
definidas conforme as características específicas do serviço, implicando
na necessidade de profissionais específicos, sendo que, para a Família
Acolhedora, se faz imprescindível equipe de atendimento psicossocial
vinculada ao órgão gestor (CUSTÓDIO; SOUZA, 2013).
Destaca-se, assim, a relevância e o grau de peculiaridade do
tema, diante da posição que é colocado o serviço, como especial e de alta
complexidade, merecendo não somente a atenção prioritária e integral
do Estado, como todas as demais políticas públicas voltadas às crianças e
adolescentes já merecem, mas uma ainda maior cautela e zelo.

81
ACOLHIMENTO FAMILIAR: NOVAS DIRETRIZES
Não faz muito tempo que o Direito à Convivência Familiar
e Comunitária sequer existia e, anteriormente, como regra, a
população infantojuvenil em situação de abandono foi marcada pela
institucionalização (LIMA; PAGANINI, 2017). Nossa Carta Magna, em seu
artigo 2273, consagra esse direito às crianças e aos adolescentes, dispondo
que deve ser assegurado pela tríplice responsabilidade compartilhada,
quer seja, a família, a sociedade e o Estado, com prioridade absoluta. Já
o Estatuto da Criança e do Adolescente, dedicou um capítulo inteiro a
este tema, dentro do título dos direitos fundamentais, confirmando a sua
devida importância.
O Direito à Convivência Familiar e Comunitária nada mais é do
que uma preocupação do legislador com as relações afetivas e familiares
de todas as crianças e adolescentes, surgindo como uma garantia a estes
(PAGANINI; VIEIRA, 2015).
Nos últimos anos, o Estatuto sofreu uma série de inclusões,
emendas e vetos, especialmente nos títulos destinados à matéria dos
Direitos à Convivência Familiar e Comunitária; em especial, destacam-
se a alterações trazidas pela Lei n. 12.010 de 2009, que possibilitou que
o Direito à Convivência Familiar ocorresse de maneiras diversas das
anteriormente previstas. Foi então, com o advento dessa normativa,
que tivemos o surgimento do acolhimento familiar feito por famílias
substitutas, antes sem previsão legal.
Apesar da nomenclatura recebida de “Lei da Adoção”, foi a Lei
n. 12.010/2009 que elegeu a família natural como prioridade (art. 1º,
parágrafo 2º), dispondo que, apenas em caso de absoluta impossibilidade
de manutenção com esta, mediante decisão judicial fundamentada, a
criança ou o adolescente serão colocados em acolhimento familiar ou
institucional (parágrafo 1º) (BRASIL, 2009a), trazendo maiores incentivos

3
Art. 227 É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente
e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao
lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência fa-
miliar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão.

82
à manutenção da criança ou do adolescente com sua família natural que
para a adoção em si (ARPINI, 2016, p. 125), certamente buscando prevenir
a quebra dos vínculos biológicos sem a devida fundamentação, depois da
formulação deste novo tipo de acolhimento, diverso do institucional.
Foi por meio das medidas de proteção do Sistema de Garantias
das crianças e dos adolescentes que a Lei n. 12.010/2009 trouxe a
possibilidade do acolhimento familiar.
Conforme o artigo 98, inciso II, do Estatuto da Criança e do
Adolescente, as medidas de proteção serão aplicadas sempre que os
direitos reconhecidos no Estatuto forem ameaçados e violados por falta,
omissão ou abuso dos pais ou responsáveis. Prosseguindo, nas medidas
específicas de proteção, o artigo 101, inciso VIII do Estatuto dispõe que,
em caso de ocorrência de qualquer das hipóteses trazidas pelo artigo 98, é
medida aplicável a inclusão da criança ou do adolescente em acolhimento
familiar, conforme redação dada pela Lei n. 12. 010/2009 (BRASIL, 1990).
O acolhimento familiar é uma medida protetiva, excepcional e
provisória, que se dá diante da impossibilidade de manutenção da criança
ou do adolescente em sua família natural ou extensa (BRASIL, 1990),
visando, antes de tudo, que estes mantenham preservado o Direito à
Convivência Familiar e Comunitária enquanto o processo judicial de
suspensão ou perda do poder familiar esteja em andamento.
Quanto às políticas públicas às crianças e adolescentes, em
situação de acolhimento, que estão dentro dos serviços de proteção
social especial de alta complexidade da Assistência Social, tomado pela
possibilidade dada no artigo 101, inciso VIII, do Estatuto, foi reconhecido
em lei o acolhimento familiar, direcionado a crianças e adolescentes cujo
poder familiar dos genitores se encontre suspenso, sendo enviadas ao
acolhimento familiar.
Ocorre que, apesar da complexidade da situação que se
encontram as crianças e adolescentes acolhidos por Família Acolhedora,
quer seja, de vulnerabilidade, apenas os parágrafos 2º, 3º e 4º do artigo

83
34,4 e o parágrafo 3º do artigo 197-C,5 todos do Estatuto, tratam
especificamente sobre o acolhimento. No que diz respeito ao acolhimento
familiar, de maneira geral, encontramos outros dispositivos pelo código,
mas, sobre o Família Acolhedora em si (regras, disposições, formas de
funcionamento) quase não há.
Assim, das únicas regras expostas no Estatuto da Criança e
do Adolescente (BRASIL, 1990), dispõe o artigo 34, parágrafo 2º, que o
acolhido poderá ser recebido mediante o instituto da guarda. O parágrafo
3º informa que a implementação do acolhimento familiar, enquanto
política pública que é, deverá ter o apoio da União, impondo a necessidade
de equipe que organize o acolhimento temporário, determinando que as
famílias sejam selecionadas, capacitadas e acompanhadas. Além do mais,
essas famílias não podem estar no cadastro de adoção, ou seja, não serve
como preparação para adoção. O parágrafo 3º, ainda, deixa a cargo das
equipes a organização da Família Acolhedora (BRASIL, 1990).
O parágrafo 4º, do artigo 34, trata sobre os recursos e, por fim,
o parágrafo 3º, do artigo 197-C, aduz que as crianças e adolescentes
acolhidas por Família Acolhedora deverão ser preparadas por equipe
multidisciplinar antes de serem incluídas nas famílias adotivas (BRASIL,
1990), ou seja, preparação apenas posterior e para serem deslocadas
para outra família (nesse caso, a terceira), não havendo determinação
de preparação prévia para colocação na própria Família Acolhedora, que
seria de grande importância, diante do caráter de provisoriedade que

4
Art. 34 [...]
§ 2º Na hipótese do parágrafo 1º deste artigo a pessoa ou casal cadastrado no programa de
acolhimento familiar poderá receber a criança ou adolescente mediante guarda, observado
o disposto nos arts. 28 a 33 desta lei.
§ 3º A União apoiará a implementação de serviços de acolhimento em Família Acolhedora
como política pública, os quais deverão dispor de equipe que organize o acolhimento tem-
porário de crianças e de adolescentes em residências de famílias selecionadas, capacitadas e
acompanhadas que não estejam no cadastro de adoção.
§ 4º Poderão ser utilizados recursos federais, estaduais, distritais e municipais para a ma-
nutenção dos serviços de acolhimento em família acolhedora, facultando-se o repasse de
recursos para a própria Família Acolhedora.
5
Art. 197-C. [...]
§ 3º É recomendável que as crianças e os adolescentes acolhidos institucionalmente ou por
Família Acolhedora sejam preparados por equipe interprofissional antes da inclusão em fa-
mília adotiva.

84
o serviço possui, fazendo-se necessário que as crianças e adolescentes
sejam preparadas a ponto de entender que os vínculos que lá serão
formados serão temporários.
Não há nenhuma regulamentação do tema na Norma Operacional
Básica do Sistema Único de Assistência Social  (NOB/SUAS), sendo que a
Família Acolhedora é apenas citada duas vezes como um serviço oferecido
pela proteção social especial.
No mais, foi criado em 2009 o Manual de Orientações Técnicas
sobre os Serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes do
Ministério do Desenvolvimento Social e do Combate à Fome, que trata
sobre o acolhimento de crianças e adolescentes de maneira geral e, dentro
desse contexto, define o Família Acolhedora como um serviço e dispõe
sobre algumas regras de aplicação, sendo a única orientação que traz
um pouco mais de regras ao acolhimento familiar. De todo modo, ainda
tratamos, aqui, apenas de um manual e não de legislação competente.
Por esse motivo, apesar do reconhecimento que o serviço em
Família Acolhedora visa a garantir o Direito à Convivência Familiar e
Comunitária, sendo uma forma de execução da nova perspectiva de
acolhimento trazida pela Lei n. 12.010 de 2009, que é diversa da temida
institucionalização, diante da alta complexidade advinda da situação de
vulnerabilidade que se encontram as crianças e adolescentes acolhidas e,
em observância as normas e princípios que regem os direitos das crianças
e adolescentes no Brasil, a insuficiente regulamentação existente pode se
tornar inoficiosa, conforme se verá a seguir.

INEFICIÊNCIA NO CAMPO DA NORMATIZAÇÃO DA


POLÍTICA PÚBLICA: INOBSERVÂNCIA DA TEORIA
DA PROTEÇÃO INTEGRAL
A Constituição Federal Brasileira de 1988 é uma importante
representação das mudanças na forma de proteção das crianças e
adolescentes, uma vez que recepcionou a teoria da Proteção Integral e
seguiu os preceitos da Convenção Internacional dos Direitos da Criança

85
(LIMA; PAGANINI, 2017), influenciando todo o nosso ordenamento,
que abandonou a Doutrina da Situação Irregular exposta nos códigos
menoristas, se reordenou e rompeu culturas e estigmas. Posteriormente e
por sua vez, o advento do Estatuto foi construído sob o alicerce da teoria,
assegurando seu conceito já em seus primeiros dispositivos.
Fundamentalmente, portanto, com base na Convenção sobre
os Direitos das Crianças (recepcionado pelo Brasil por meio do Decreto
n. 99.710/1990), em nossa Constituição e no Estatuto, crianças e
adolescentes são sujeitos de direitos, passando de sujeitos “menores”
(estigma dos códigos menoristas) para sujeitos cidadãos, diante do seu
peculiar estado de desenvolvimento (VERONESE, 2015), o que determina
comprometimento de todas as legislações, políticas públicas, programas,
projetos, etc.
A Proteção Integral fez com que a população infantoadolescente
se tornasse prioridade absoluta, o que determina, “[...] pela análise
gramatical de seus termos, a primazia incondicional dos interesses e
direitos relativos à infância e à juventude.” (SILVEIRA; VERONESE, 2015,
p. 116).
Trouxe, também, o advento do princípio do melhor interesse da
criança e do adolescente, preconizando que todos os atos, seja da família,
da sociedade ou do Estado, devem ser feitos em benefício das crianças e
dos adolescentes.
Contudo, apesar de todas estas melhorias, “[...] a sociedade
pouco a pouco passou a compreender que não mais é suficiente que o
ordenamento jurídico contemple direitos, antes é imprescindível que estes
sejam efetivados [...]” (VERONESE, 2015, p. 35) e, “[...] a concretização de
direitos sociais depende objetivamente de políticas públicas sociais que
sejam capazes de transformar ideias em realidade.” (CUSTÓDIO, 2013, p.
9).
Assim, atentando-se aqui para os preceitos da Proteção Integral,
que determinam especial atenção do Estado às crianças e adolescentes
e, principalmente, prioridade absoluta, não haver ainda a devida
regulamentação do Serviço em Família Acolhedora é uma forma de
desatenção à teoria.

86
Apesar de a Lei da Adoção incorporar de maneira diferente o
Direito à Convivência Familiar e Comunitária, criando essa modalidade de
acolhimento que não apenas o institucional, o Estatuto da Criança e do
Adolescente não explica como se darão os processos de acolhimento pela
Família Acolhedora, deixando em aberto (até hoje, ou seja, quase 10 anos
depois do advento da Lei n. 12.010/2009) os encaminhamentos para cada
município ou entidade, conforme o parágrafo 3º do artigo 34 do Estatuto,
o que se mostra uma grande ineficiência no campo da normatização da
política pública de acolhimento.

Daí surge a necessidade de se fixar novas bases para


pensar estratégias de políticas públicas brasileiras que
possam garantir a concretização dos princípios e regras
constitucionais alicerçados no princípio da dignidade
da pessoa humana e da preservação da garantia de
condições adequadas de desenvolvimento humano
integral. (CUSTÓDIO, 2013, p. 8).

A normas da Constituição possuem eficácia plena e imediata e,


por isso, devemos nos atentar que as crianças e adolescentes já possuem
prioridade e devem estar em primeiro lugar na preocupação dos nossos
governantes, o que independe de qualquer norma infraconstitucional
para sua validade (SILVEIRA; VERONESE, 2015), o que inclui a preocupação
na regulamentação de programas, para que eles sejam eficientes e não
violem duplamente os direitos das crianças e/ou dos adolescentes que já
se encontram em situação de vulnerabilidade.
Dessa maneira, o Estado se abstém de sua responsabilidade
compartilhada, focalizando a mesma na família (nesse caso, a acolhedora)
e na sociedade o que, segundo Sposati (2012, p. 51):

A inexistência desse conjunto de serviços tende a


onerar a família e a desonerar o Estado, o que torna a
primeira uma gente de proteção substitutivo ou mesmo
editando uma nova forma de subsidiariedade. A antiga
subsidiariedade do Estado, exercida junto a entidades
sociais, passa a ser, também, diretamente exercida
pelas famílias. Portanto, ao mesmo tempo em que

87
é significativa a ruptura com as instituições totais, é
preciso entender que isto provoca uma nova demanda
de proteção social para as famílias que precisa ser
examinada.

Além do mais, deixando à lei federal a possibilidade de que


cada entidade ou município regulamente por si o serviço, o Manual de
Orientações Técnicas sobre os Serviços de Acolhimento para Crianças
e Adolescentes criado pelo Ministério do Desenvolvimento Social e do
Combate à Fome poderá não ser acolhido, ficando em aberto como cada
criança e/ou adolescente acolhido será tratado.
Essa liberdade dada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente
para que cada município que resolva implementar o serviço em sua cidade
e crie sua própria legislação, faz com que haja regulamentações esparsas
e diferentes por todo o território brasileiro, o que pode configurar
desproteção às crianças e adolescentes. Mesmo que diante do princípio
da descentralização político-administrativo, deve-se ter em conta que,
para questões complexas como essas, cabe à união definir diretrizes claras
dentre a ótica da proteção integral.
A propósito, foi a própria Lei da Adoção que também incluiu na
redação do Estatuto, no capítulo sobre as medidas especiais de proteção,
os princípios que regem a sua aplicação:

Art. 100 [...]


Parágrafo único: [...]
I - condição da criança e do adolescente como sujeitos
de direitos: crianças e adolescentes são os titulares dos
direitos previstos nesta e em outras Leis, bem como na
Constituição Federal;
II - proteção integral e prioritária: a interpretação e
aplicação de toda e qualquer norma contida nesta Lei
deve ser voltada à proteção integral e prioritária dos
direitos de que crianças e adolescentes são titulares;
III - responsabilidade primária e solidária do
poder público: a plena efetivação dos direitos
assegurados a crianças e a adolescentes por esta Lei
e pela Constituição Federal, salvo nos casos por esta
expressamente ressalvados, é de responsabilidade

88
primária e solidária das 3 (três) esferas de governo,
sem prejuízo da municipalização do atendimento e da
possibilidade da execução de programas por entidades
não governamentais;
IV - interesse superior da criança e do adolescente:
a intervenção deve atender prioritariamente aos
interesses e direitos da criança e do adolescente,
sem prejuízo da consideração que for devida a outros
interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos
interesses presentes no caso concreto;
[...] (BRASIL, 1990b, grifo nosso).

De fato, não seria necessário o reforço desses princípios no


título sobre as Garantias dos Direitos, especialmente no capítulo das
medidas especiais de proteção, afinal, todo o Estatuto é regido pela teoria
da Proteção Integral, que já garante às crianças e aos adolescentes a
determinação da cobertura desses direitos transcritos, e o próprio nome
das medidas já deixa claro que são especiais e demandam atenção da
tríplice responsabilidade compartilhada.
Contudo, volta-se a afirmar, tão especiais e complexas são as
situações das crianças e adolescentes acolhidas, que a Lei n. 12.010/2009
resolveu estampar mais uma vez a regência dos princípios, todavia, ainda
notamos a falta de cuidado do Estado no que diz respeito à ineficiente
regulamentação do serviço em Família Acolhedora.
Adentrando nesse debate sobre as Garantias dos Direitos, o
Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA)
elaborou a Resolução 113, em 19 de abril de 2006, dispondo sobre os
parâmetros para a institucionalização e fortalecimento do Sistema de
Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente (BRASIL, 2006).
O parágrafo 1º, do artigo 1º, da Resolução, impõe que o sistema
de garantias deve se articular com todos os demais sistemas nacionais de
operacionalização de políticas públicas, citando especialmente algumas
áreas e, dentre elas, a da Assistência Social (BRASIL, 2006). No entanto,
frisa-se: a Resolução do CONANDA (2006) veio antes mesmo da Lei da
Adoção (2009), o que se conclui por mais uma norma desrespeitada. Nessa
ótica, então, “[...] é preciso entender que proteção social como direito

89
significa a provisão de cuidados e serviços, e isto não está absolutamente
viabilizado.” (SPOSATI, 2012, p. 52).
Percebemos, assim, que apesar da nossa legislação, em especial,
a Carta Magna e o Estatuto, tratar os direitos das crianças e adolescentes
como fundamentais, esses “[...] continuam ainda sendo violados, sendo
meninas e meninos desrespeitados diariamente, caracterizando um
regresso tanto para o ordenamento jurídico brasileiro quanto para a
sociedade em geral.” (PAGANINI; VIEIRA, 2015, p. 162-163).
Portanto, percebe-se que, apesar de todos os princípios
e diretrizes que estruturam e disciplinam a área da infância e da
adolescência, especialmente a teoria da Proteção Integral, mesmo estando
devidamente consagrados em nossa Constituição, no Estatuto da Criança
e do Adolescente, em legislações pertinentes, resoluções, entre outros,
ainda não são de todo respeitados e a falta de regulamentação específica
do acolhimento familiar é um desrespeito à teoria, que determina que
crianças e adolescentes sejam prioridade absoluta e detenham proteção
integral, o que pode resultar em consequências às próprias crianças e
adolescentes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apesar de todos os avanços apresentados pela legislação
brasileira nos últimos anos, em virtude dos apontamentos trazidos,
verifica-se que muito ainda temos para aprimorar na questão relativa ao
amparo, garantias e cuidados com relação às crianças e adolescentes.
Levando-se em consideração esses aspectos, vemos que
políticas públicas devem ser bem alicerçadas e fundamentadas para que
seu resultado principal seja alcançado. Percebe-se que, ao ser criado
um serviço como o da Família Acolhedora para cumprir com as novas
modalidades de acolhimento familiar e garantir o Direito à Convivência
Familiar e Comunitária, deve ser atentado que as crianças e adolescentes
acolhidos já estão vulneráveis diante da ruptura dos laços familiares e que
esta modalidade deveria se dar como forma de proteção, o que necessita
de maior cautela para que mais direitos não sejam violados.

90
Contudo, tendo em vista que o Estatuto da Criança e do
Adolescente pouco regulamenta o acolhimento familiar, acaba deixando
crianças e adolescentes atendidos pelo Serviço em Família Acolhedora a
mercê de milhares de vozes e opiniões divergentes bem como deixa de
garantir a este tratamento igualitário e até mesmo garantidor.
Nesse sentido, tal fragilidade legal se mostra como verdadeira
inobservância da Proteção Integral que determina que as crianças e
adolescentes sejam prioridade absoluta por serem sujeitos de direitos
especiais, merecendo peculiar atenção.
Dado o exposto, entende-se que é imprescindível que todos
se conscientizem (família, sociedade e Estado) de que é preciso dar a
devida atenção às crianças e adolescentes, especialmente àquelas que
necessitam de serviços de proteção de alta complexidade, por já terem
tido direitos violados, não podendo o Estado se abster de controlar a
forma como serão tratadas.

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91
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93
DOI: dx.doi.org/10.18616/pps04

QUANDO O TRABALHO IMPEDE A


EDUCAÇÃO: TRABALHO INFANTOJUVENIL
NO BRASIL, DIREITO À EDUCAÇÃO E
POLÍTICAS PÚBLICAS
Karyna Batista Sposato
Marcelo Oliveira do Nascimento

INTRODUÇÃO SUMÁRIO
O trabalho infantojuvenil é uma mazela de proporções globais
que afeta milhões de crianças e adolescentes. Fatalmente, toda a forma
de trabalho, com ou sem remuneração, que não respeite a situação
peculiar de desenvolvimento de crianças e adolescentes, e que viole
direitos humanos, impedindo que menores de 18 anos deixem de viver as
experiências adequadas a sua fase de vida, pode ser considerado trabalho
infantojuvenil irregular. Esse tipo de trabalho se caracteriza pela execução
de atividades impróprias para a estrutura física e mental das crianças e
adolescentes, contrariando as normas.
Impelir crianças e adolescentes ao trabalho inadequado para
sua condição etária e estrutural pode causar diversos danos irreversíveis a
elas, comprometendo até mesmo o futuro na busca por uma vida melhor.
O ingresso de adolescentes em atividades laborais deve acontecer de
forma lenta e progressiva, respeitando cada fase de vida. Já as crianças não
devem exercer qualquer tipo de labor, mesmo em qualquer circunstância.
É por meio do trabalho que o ser humano atribui propósitos a
sua vida, se constrói, cria vínculos, estabelece relações sociais e interage
com seus semelhantes. Por isso, o trabalho é de suma importância para a
existência humana, haja vista, também, a sua importância na estruturação
do psiquismo humano (OZELLA, 2003).
Esta pesquisa pretende adotar uma interpretação dinâmica e
totalizante da realidade, tendo em vista que, conforme Gil (2008, p. 14),

94
fatos sociais não podem ser considerados isoladamente. Para isso, se faz
necessário investigar os dados recentes sobre o trabalho infantojuvenil
e esboçar um panorama acerca dos seus principais aspectos teóricos e
normativos no Brasil. Assim, será possível entender como se apresenta a
situação das crianças e adolescentes frente à perspectiva do trabalho bem
como quais são suas principais causas e consequências na vida desses
indivíduos. Por isso, foi utilizado o método de revisão bibliográfica e a
análise quantitativa de dados como principal fonte da pesquisa.
Na primeira parte do trabalho será possível compreender os
aspectos teóricos e normativos acerca do trabalho infantojuvenil, o
conceito de criança e adolescente no mundo e no Brasil, por meio da
Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança e o Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA) brasileiro, além de também vislumbrar os
enlaces que envolvem a problemática do trabalho infantojuvenil no Brasil,
suas causas e efeitos e dados recentes sobre o tema.
Já no segundo capítulo, a problemática discutida será a da
constitucionalização do direito da criança e do adolescente no Brasil,
importante fenômeno na tutela de direitos fundamentais desses
indivíduos, e que consequentemente afeta o modo de aplicação da
legislação infraconstitucional sob o prisma ubíquo da Constituição
Federal de 1988, causando impacto direto na concepção do trabalho
infantojuvenil no Brasil, por meio da influência do Princípio da Proteção
Integral, que também será discutido neste tópico do trabalho. Por fim, o
terceiro capítulo da pesquisa abordará a garantia do direito à educação
na legislação brasileira e suas bases formais e principiológicas. Ainda,
será encarado como o trabalho infantojuvenil pode ser um empecilho
na educação de crianças e adolescentes brasileiros, além das políticas
públicas de enfrentamento ao trabalho infantojuvenil no Brasil.

ASPECTOS TEÓRICOS E NORMATIVOS ACERCA DO


TRABALHO INFANTOJUVENIL
A estruturação social no mundo globalizado traz a premente
necessidade do estabelecimento de algumas normas e direcionamentos

95
universais para um maior equilíbrio e harmonia nas relações entre os
seres humanos. No tocante ao Direito do Trabalho, a internacionalização
tornou-se inevitável e culminou na criação de determinados organismos
internacionais, dentre eles a Organização Internacional do Trabalho (OIT)1,
que reconhece o trabalho infantil como uma mazela de proporção global
e que afeta tanto países desenvolvidos como subdesenvolvidos.
No Brasil, os dados oficiais do IBGE, na Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios Contínua – PNADC, de 20162 apontam para 1,8
milhão de crianças e adolescentes em situação de trabalho, com faixa
etária entre 5 e 17 anos de idade, o que demonstra que o Brasil possui
uma taxa de trabalho infantojuvenil de 4,6%, haja vista que o país
conta com uma população de jovens entre 5 e 17 anos de 40,1 milhões.
Contudo, é importante ressaltar que para adequar o conceito de trabalho
infantojuvenil aos padrões internacionais, o IBGE modificou a definição
a partir do PNADC 2016, eliminando dos dados estatísticos o trabalho
realizado por crianças e adolescentes para consumo próprio. Assim, o
IBGE passou a contabilizar este tipo de trabalho não mais como trabalho
infantil, mas sim como “outras formas de trabalho”, que inclui a categoria:
“produção para próprio consumo”.
A modificação citada no parágrafo anterior gerou uma
diminuição substancial dos dados acerca do trabalho infantil de 2016, com
relação ao ano anterior, quando o IBGE ainda utilizava a metodologia de
contabilização estatística que incluía o trabalho para o próprio consumo
de crianças e adolescentes também como trabalho infantil. Assim, se a
produção para próprio consumo fosse considerada, o Brasil passaria a ter
cerca de 2,5 milhões de crianças e adolescentes, de 5 a 17 anos, realizando
atividades laborais.

1
A OIT é uma agência multilateral da Organização das Nações Unidas (ONU), especializada
nas questões de trabalho e criada em 1919 pelo Tratado de Versalhes. Conforme destaca
Mazzuoli (2011, p. 1.015), a OIT possui alguns motivos para sua criação, dentre eles é cabível
destacar o sentimento de justiça social, a necessidade de normatizações internacionais no
tocante a temas trabalhistas e de direitos humanos bem como a finalidade de assegurar um
mínimo de direitos irrenunciáveis aos cidadãos trabalhadores.
2
Todos os dados acerca do trabalho infantojuvenil colacionados neste trabalho, com refe-
rência da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC), de 2016, foram
extraídos do III Plano Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção
ao Adolescente Trabalhador, elaborado em 2018, com vigência para os anos de 2019 e 2022.

96
Em se tratando apenas dos dados referentes à faixa etária de 5 a
15 anos, idade em que o Brasil proíbe terminantemente o trabalho desses
indivíduos, o País possui um total aproximado de 1,026 milhão de crianças
e adolescentes trabalhando, de um universo populacional de cerca de
32 milhões de pessoas na mesma faixa etária. Assim, a taxa de trabalho
infantil seria de 3,2%. Apesar do número alarmante, há uma notável
melhora nessa situação desde a década de 1990. Isso pode ser entendido
como resultado de alguns avanços na legislação brasileira, como o advento
do Estatuto da Criança e do Adolescente, por exemplo. Além disso, foram
criadas ações pautadas na erradicação do trabalho infantil, como o Fórum
Nacional para a Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI) e o Programa
para a Eliminação do Trabalho Infantil (IPEC) da OIT.

DEFINIÇÃO DE CRIANÇA E ADOLESCENTE NO BRASIL

Antes de adentrar na temática do trabalho infantil, importante


elucidar o conceito jurídico de criança e adolescente. A Convenção
Internacional sobre os Direitos da Criança (ratificada pelo Brasil em 24
de setembro de 1990)3 define criança como todo o indivíduo menor de
18 anos de idade. Contudo, o Brasil decidiu estabelecer uma divisão,
puramente etária, entre criança e adolescente. Para o ECA, criança é o
indivíduo que possui até 12 anos de idade incompletos, já o adolescente
é aquele com idade entre 12 e 18 anos de idade4.
Para a legislação brasileira, conceitualmente, criança e
adolescente possuem significados distintos em decorrência de cada fase
de desenvolvimento mental e físico que possuem. Nesse sentido, o ECA
tratou de diferenciar criança e adolescente para melhor resguardar seus
direitos e garantias conforme as diferentes etapas de vida do indivíduo.

3
Artigo 1º da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança: para efeitos da presente
Convenção considera-se como criança todo ser humano com menos de 18 anos de idade,
a não ser que, em conformidade com a lei aplicável à criança, a maioridade seja alcançada
antes.
4
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Art. 2º Considera-se criança, para os efeitos
desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e
dezoito anos de idade.

97
O tratamento dado à pessoa nas suas diferentes fases de
desenvolvimento infantojuvenil refletirá drasticamente na sua condição
de futuro adulto. Por isso, a criança e o adolescente precisam ter suas
necessidades atendidas em suas mais variadas formas. Para que cada
momento da vida do indivíduo seja respeitado, as atividades inseridas
devem ser moderadas e adequadas à faixa etária.

A PROBLEMÁTICA DO TRABALHO INFANTOJUVENIL

Toda a forma de trabalho, independentemente da remuneração,


que espolia crianças e adolescentes de gozarem e viverem as experiências
adequadas a sua idade e asseguradas pelos direitos humanos e
fundamentais pode ser considerado trabalho infantojuvenil irregular. Este
tipo de trabalho quase sempre está atrelado ao exercício de atividades
inadequadas e impróprias para a estrutura física e psicológica das crianças
e adolescentes.
O trabalho em condições impróprias para sua condição etária
pode causar diversos problemas e comprometer até mesmo o futuro
das crianças e adolescentes, isto porque o trabalho é fator importante
na construção psíquica e social do ser humano. Assim, o ingresso no
mercado de trabalho deve ser feito considerando as suas condições
físicas e intelectuais, respeitando a proteção dos seus direitos e garantias
fundamentais constitucionalmente instituídos, de modo que não lhes
cause prejuízo futuro.
A iniciação ao trabalho é, inegavelmente, um momento
imprescindível na vida dos menores de 18 anos, porém esse ingresso deve
acontecer, saudavelmente, na fase correta correspondente a sua vida. De
acordo com Ozella (2003), é possível entender como o homem produz
seus bens, ideias e a si próprio a partir do trabalho e das relações sociais
que os jovens estabelecem em seu cotidiano. O referido autor continua
refletindo sobre a importância no trabalho como fonte de construção
social e psíquica:

A partir do trabalho, o homem não somente se constrói


como, também, cria relações com outros homens.

98
Nesse Processo único, os homens se reconhecem como
tal, enquanto trabalhadores, cidadãos. Portanto, o
trabalho como atividade humana, como constituição
de si mesmo ou como produção material, propicia
o caminhar lado a lado das construções concretas e
intelectuais. Deste modo, todo e qualquer trabalho
contribui para a estruturação do psiquismo e existência
humana. (OZELLA, 2003, p. 278).

Comumente, o trabalho de crianças e adolescentes é


vislumbrado sob a ideia de crianças frágeis sendo escravizadas em
carvoarias ou em canaviais. Mesmo que isso lamentavelmente aconteça,
tal cena emblemática não pode atrair toda a atenção e ofuscar outras
formas de exploração do trabalho de menores de 18 anos no Brasil, como
por exemplo, a exploração de crianças e adolescentes em mercados e
feiras livres, em trabalhos domésticos, ou até mesmo artísticos, situações
também violadoras de direitos e garantias fundamentais de crianças e
adolescentes.
A problemática da exploração do trabalho de crianças e
adolescentes perpassa por uma análise do tema como advindo das
relações sociais, culturais e trabalhistas protegidas pelos direitos
humanos. Explorar o trabalho de menores de 18 anos e submetê-los à
condição incompatível com seus direitos e garantias fundamentais é
também ferir visceralmente o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.
Buscando medir e comparar a valoração desse princípio, assim reflete
Piovesan (2013, p. 90):

[...] infere-se que o valor da dignidade da pessoa humana


e o valor dos direitos e garantias fundamentais vêm a
constituir os princípios constitucionais que incorporam
as exigências de justiça e dos valores éticos, conferindo
suporte axiológico a todo o sistema jurídico brasileiro.

A dignidade da Pessoa Humana constitui-se em importante


princípio norteador das atividades laborais dos adolescentes. Mas, não
somente isso, o valor desse princípio é luz que clareia toda a ordem

99
jurídica, sendo ponto de partida e de chegada à tarefa da interpretação
normativa contemporânea (TREVISAM, 2015).
Em conformidade com a dignidade da pessoa, a atividade
laborativa, no Brasil, é terminantemente proibida para crianças e
regulamentada para os adolescentes a partir de 14 anos de idade, sendo
considerado um direito fundamental na medida em que é capaz de
propiciar meios para uma existência digna.

TRABALHO INFANTOJUVENIL E O ORDENAMENTO JURÍDICO


BRASILEIRO

No tocante à regulamentação do trabalho, é vedado, pela


legislação brasileira, qualquer tipo de trabalho noturno, insalubre ou
perigoso para os indivíduos com idade inferior aos 18 anos de idade, e de
qualquer trabalho às pessoas com menos de 16 anos, com exceção dos
que se encontrarem como aprendizes legais (a partir dos 14 anos).5
Além disso, por força da legislação, também é proibido o trabalho
penoso para os menores de 18 anos e o trabalho em subsolos para os
menores de 21 anos de idade. Segundo Alice Monteiro de Barros (2016),
essas restrições se justificam devido ao organismo do indivíduo não
reagir como o de um adulto, haja vista que ainda está em crescimento,
necessitando de uma defesa mais madura. Já Flávia Pessoa e Otávio Sousa
(2016) complementam que tal proteção deriva do interesse público da
preservação da mão de obra futura e higidez das crianças, adolescentes
e jovens.
Dispondo sobre a proteção integral à criança e ao adolescente, o
ECA, em consonância com os preceitos constitucionais, assegura, em seu
artigo 15, o direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas
em processo de desenvolvimento e como sujeitos civis, humanos e sociais.
No entendimento de Dupret (2015), o direito à liberdade da criança e do
adolescente é visto em sentido amplo e compreende diversos aspectos,
5
Constituição Federal, Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de ou-
tros que visem a melhoria de sua condição social: XXXIII - proibição de trabalho noturno,
perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis
anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos.

100
como liberdade de expressão e crença religiosa; possibilidade de brincar,
praticar esportes e divertir-se; participação da vida familiar e comunitária
sem discriminação; busca de refúgio, auxílio e orientação; liberdade de ir,
vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários, ressalvadas
as restrições legais.
Seguindo a amplitude desse raciocínio de Dupret (2015), o
direito ao respeito presente no artigo 15 do ECA consiste também na
inviolabilidade da integridade física, moral e psíquica da criança e do
adolescente, incluindo também a preservação da imagem, da identidade,
da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos
pessoais.

TRABALHO INFANTOJUVENIL: CAUSAS E EFEITOS

Ao confrontar o teor de dados tão alarmantes acerca do


trabalho infantojuvenil com a legislação brasileira, observa-se um enorme
descompasso entre a realidade fática e as previsões normativas.
É certo que o trabalho de crianças e adolescentes em condições
degradantes viola direitos fundamentais e as despoja do desfrute de uma
infância e adolescência saudáveis e propícias ao momento da vida e do
melhor desenvolvimento social, mental e físico. Em suas formas mais
extremas, crianças e adolescentes são expostas a riscos e doenças que
atentam contra a sua vida, fazendo com que elas deixem de exercer,
inclusive, a sua liberdade ao se enquadrarem em situações análogas à
escravidão.
Existem diversos motivos para que as crianças e adolescentes
ingressem no mercado de trabalho de forma precoce e irregular. A
condição financeira, atrelada à expectativa do mercado de trabalho
capitalista por mão-de-obra barata, pode ser considerada um desses
motivos. Outro fator que pode ser apontado como causa do trabalho
infantojuvenil é a condição de pobreza a que está submetido o menor
de 18 anos, que precisa trabalhar para ajudar a compor a renda familiar.
Ainda, o trabalho precoce alimenta um grande ciclo vicioso que corrobora
para a perpetuação da exclusão e da pobreza e que acarreta numa série
de problemas físicos e psicológicos para o futuro adulto.

101
O trabalho infantojuvenil não possui apenas fatores econômicos
atrelados a sua causa, isto porque também é possível constatar o
trabalho de crianças e adolescentes em famílias economicamente mais
estruturadas. É o caso do trabalho doméstico, realizado em sua maioria
por crianças e adolescentes do sexo feminino e ligado a um fator cultural
da sociedade patriarcal atual, que vê nas meninas a responsabilidade de
cuidar dos afazeres domésticos e dos mais jovens membros da família.
Há ainda o trabalho infantojuvenil causado pelo fetichismo
da indústria cultural, que coopta crianças e adolescentes, atraídos
pelas câmeras, luzes, palcos e pela possibilidade da fama, para atender
demandas de diversão e entretenimento do público-alvo. Esse tipo
de trabalho pode estar atrelado à pobreza ou a fatores culturais, mas
também mantém uma forte ligação com as pulsões do desejo do indivíduo
ou dos seus familiares, que os influencia. Por isso, por mais glamoroso
que seja a atividade laboral, se violar direitos e garantias fundamentais,
ferindo o ordenamento jurídico brasileiro e impedindo que a criança ou o
adolescente desfrute do seu desenvolvimento físico e mental adequado
a sua fase de vida, será considerado trabalho irregular tanto quanto os
outros mais graves e penosos.
Submeter crianças a qualquer tipo de trabalho, ou adolescentes
a trabalhos irregulares pode causar danos irreversíveis a saúde física e
mental desses indivíduos, comprometendo seu pleno desenvolvimento
ao afetar a capacidade de aprendizagem ou socialização. O trabalho
infantojuvenil irregular representa a negação de direitos às crianças
e adolescentes, além de condená-las a um tipo de vida que elas não
puderam escolher.
Por meio do tripé (Estado, família e sociedade) de
responsabilidade da proteção de crianças e adolescentes, o encargo da
crueldade e da exploração desses jovens não se restringe ao Estado, mas
também às famílias e a toda a sociedade, que devem estar imbuídos
no sentimento de erradicação dessas formas de trabalho. Entidades
nacionais e internacionais esforçam-se para minimizá-lo e erradicá-lo,
mas o esforço deve ser coletivo, principalmente quando essas formas
laborais impedirem a efetivação do direito à educação.

102
A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO DA
CRIANÇA E DO ADOLESCENTE NO BRASIL E O
PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO INTEGRAL
O fenômeno da constitucionalização do Direito é obra do
chamado neoconstitucionalismo,6 caracterizado, dentre suas mais
variadas especificidades, pela incorporação de orientações políticas e
princípios constitucionais fundamentais, em especial destaque para
os atinentes à dignidade da pessoa humana, no ordenamento jurídico
(SPOSATO, 2015).
Em se tratando do neoconstitucionalismo, as constituições
mostram-se ubíquas no ordenamento jurídico, impregnando e
condicionando as decisões normativas, as jurisprudências, a legislação e
as ações da administração pública e privada às normas constitucionais,
de modo a irradiar valores e princípios fundamentais com hierarquia
superior à legislação infraconstitucional.
Todo o arcabouço de proteções insculpidas no ECA ganha
maior importância quando se remete à constitucionalização do direito
da criança e do adolescente no Brasil, isso porque esta é operada pela
Constituição Federal de 1988, que adota de forma clara e taxativa um
sistema especial de proteção aos direitos fundamentais de crianças e
adolescentes (SPOSATO, 2015).
Situando-se no topo do ordenamento jurídico, a Constituição
Federal serve como um filtro de validade para as demais normas do
ordenamento jurídico brasileiro, operando assim o fenômeno da filtragem
constitucional. Baseado nessa premissa, o Direito Constitucional serve
de parâmetro para o desenvolvimento e comento dos demais ramos do
Direito, de modo que toda a ordem jurídica deve ter uma interpretação à
luz da Constituição (SARMENTO, 2006).
Conforme Virgílio Afonso da Silva (2014, p. 49), a
constitucionalização do Direito “[...] recoloca a Constituição como
6
O conceito de neoconstitucionalismo, tomando por referência a obra de Miguel Carbonell
(2003), compreende as mudanças e transformações ocorridas no modelo de Estado Consti-
tucional, em especial em vários países depois da Segunda Guerra Mundial.

103
inegável norma de referência do ordenamento jurídico. Nesse sentido,
o eixo essencial da ordem jurídica deixa de ser a lei e passa a ser a
Constituição”. Esse fato é capaz de unificar a ordem jurídica, fazendo com
que o texto constitucional se torne fundamento comum dos ramos do
Direito, relativizando a ideia de Direito Público e Direito Privado, além de,
consequentemente, ocasionar a simplificação da ordem jurídica (SILVA,
2014).
No contexto geral, a visão de Daniel Sarmento (2006) é a de que
a constitucionalização do Direito tem sido fundamental na construção de
um ordenamento jurídico mais sólido e coeso porque provoca uma análise
do Direito à luz da Constituição, por meio dos direitos fundamentais e
princípios constitucionais gerais, que se irradiam pelos demais ramos do
Direito, a exemplo da ubiquidade das normas constitucionais no campo
das relações trabalhistas aos menores de 18 anos.
O constitucionalizado direito da criança e do adolescente no
Brasil apresenta-se como alternativa eficaz para a construção de uma
infância e adolescência condizentes com a necessidade peculiar de
desenvolvimento sadio de cada indivíduo.
A Constituição Federal de 1988 possui uma atenção especial
com a criança e o adolescente em seu artigo 227, indicando um tripé de
proteção aos direitos de infantes e jovens, considerando a família, família
e sociedade como entes responsáveis por assegurar direitos fundamentais
tais quais: direito à vida, à saúde, à dignidade, à liberdade.7 Dessa forma,
a Constituição reconhece os menores de 18 anos como sujeitos de direito
próprios e asseguradamente protegidos pelo ordenamento jurídico por
meio do Princípio da Proteção Integral.
Acerca desse princípio, Luís Fernando de França Romão destaca
uma mudança de paradigma e da forma de pensar o direito da criança
e do adolescente no Brasil, tornando-os sujeitos de direito, e não mais
indivíduos em situação irregular:

7
Constituição Federal, Art. 227 é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à
criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à
liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

104
A inovação característica desse momento, portanto, é a
pretensão da proteção ser integral, isto é, não bastam
mais medidas protetivas, estas devem ser de ordem
integral, buscando contemplar todas as crianças e
adolescentes e não destinando uma normativa a um
determinado grupo conforme a classe social (“menores”
em situação irregular). Crianças e adolescentes não são
mais objetos de intervenção, mas titulares de direitos,
na condição de pessoas em peculiar desenvolvimento
integral, tendo, pois, o Estatuto da Criança e do
Adolescente sintetizado o pensamento do legislador
constitucional, bem como contemplado os preceitos
dos diplomas internacionais e de proteção aos direitos
humanos de crianças e adolescentes. (ROMÃO, 2016, p.
89).

Assim, crianças e adolescentes, devido a sua condição peculiar


de desenvolvimento, recebem do ordenamento jurídico brasileiro uma
proteção integral e são classificados como sujeitos de direitos, que
também possuem obrigações.
No que diz respeito ao aspecto trabalhista, a proteção integral
assegura aos menores de 18 anos o direito à profissionalização por meio de
programas de integração social, com treinamento e aperfeiçoamento para
o trabalho, sempre condizentes com o arcabouço de normas trabalhistas e
possibilitando que o indivíduo consiga conciliar seu trabalho aos estudos,
conforme o artigo 227, parágrafo 3º, incisos I, II e III, da Constituição
Federal de 1988. Destaca-se a preocupação do texto constitucional com
a inserção de jovens no mercado de trabalho, além da atenção dada aos
jovens para que o trabalho não seja obstáculo à educação.
Conforme Sposato (2015), os Direitos das crianças e adolescentes
devem sempre coadunar com as normas constitucionais, estabelecendo
assim uma importante conexão por meio da constitucionalização do
Direito, que reconhece a Proteção Integral como um importante princípio
– doutrina – que visa a proteger crianças e adolescentes em decorrência
de sua condição peculiar de desenvolvimento. É por meio da Proteção
Integral que devem ser pensadas as políticas públicas e demais ações
estatais que afetem crianças e adolescentes.

105
GARANTIA DO DIREITO À EDUCAÇÃO E POLÍTICAS
PÚBLICAS DE ENFRENTAMENTO AO TRABALHO
INFANTOJUVENIL NO BRASIL
A educação para o homem moderno8, em especial o do
século XXI, tem sido representada por um conjunto de processos de
aprendizagem que percorre toda a vida humana. Nesse sentido, a
obtenção de conhecimento pelo ser humano é algo que vai desde o seu
nascimento até a sua morte.
Em sua etimologia, a palavra educação é derivada do português
educar, que por sua vez vem do latim educare, proveniente de ex (algo
exterior) e ducere (instruir, conduzir, guiar). Etimologicamente, educação
significa guiar para fora, conduzir alguém para o mundo exterior, para
fora de si. A educação é uma das formas pela qual o homem adquire
conhecimento.
Para empiristas como David Hume e Jonh Locke, por exemplo,
o conhecimento pode ser adquirido por meio da experiência, o que faz
a educação se tornar um processo fundamental nessa tarefa, visto que
proporciona o contato entre o ser humano e o conteúdo cognoscível da
experiência. Para Locke (1999), a mente humana é como uma folha de papel
em branco, que recebe conteúdos por meio de impressões sensoriais e a
partir das experiências de cada indivíduo, que não possui nenhuma ideia
inata, salvo a própria capacidade de conhecer. No emprego dessa analogia
feita por Locke, a educação é ferramenta importante na construção da
escrita dessa folha em branco, permitindo ao homem a construção e o
aprimoramento de conceitos, desenvolvimento de habilidades, criação
hábitos ou corroborando na adaptação e sobrevivência do indivíduo ao
meio ambiente.
Educar, no sentido hodierno, é instruir e tornar o homem mais
consciente de seus direitos e deveres enquanto cidadão. A escola é uma
das instituições que possuem a finalidade de transmitir à criança e ao

8
O conceito de modernidade adotado no texto encontra-se na obra Crítica da modernidade,
de Alain Touraine, sendo definida, dentre outros aspectos, pela destruição das ordens anti-
gas e pelo triunfo da racionalidade.

106
adulto o conteúdo necessário para a obtenção do conhecimento. Para
que isso aconteça, a instituição de ensino não deve encarar seus alunos
como meros espectadores e receptores de informação, sob pena de
aprisionar o indivíduo na ignorância. No tocante ao tema, Paulo Freire
(1987) faz importante reflexão sobre chamada educação bancária.9 Para
o autor, a educação deve ser crítica, participativa, emancipadora e capaz
inserir o sujeito no mundo para transformá-lo, negando as aceitações das
opressões de forma passiva.
Dada a importância da educação, o Direito se incumbiu da difícil
missão de protegê-la, assegurá-la e, por meio de imposições legislativas,
efetivá-la. No Brasil, o direito à educação é garantia constitucional e se
insere no rol dos direitos fundamentais, haja vista se tratar de um direito
inerente ao desenvolvimento do indivíduo e peculiar à condição humana.
O Estado deve garantir plenamente esse direito por meio de ações
positivas, criando programas de fomento à educação em todo o País.
Elevado ao status de Direito Social pela Constituição brasileira de
1988, o direito à educação aparece no artigo 205 da Carta Magna como
um direito assegurado a todas as pessoas e um dever do Estado e da
família, cujo objetivo é o desenvolvimento do ser humano e suas funções
de cidadão qualificado para o trabalho10. Assim, em que pese o Estado
seja o principal responsável pela garantia desse direito, é possível inferir
da Constituição Federal brasileira de 1988 um tripé de entes responsáveis
pela garantia dos direitos das crianças e adolescentes (a família, o Estado
e toda a sociedade), que devem colaborar, promover e incentivar a
educação.
Outros dispositivos no texto constitucional também versam
sobre a educação e de que modo esta deve ser promovida no território
nacional, a exemplo do artigo 23, inciso V, que estabelece como
competência da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios
a ação de proporcionar os meios de acesso à educação, cultura e ciência.
9
Teoria criada por Paulo Freire para conceituar o tipo de educação em que o professor depo-
sita o conhecimento em um aluno desprovido de seus próximos pensamentos.
10
Constituição Federal, Art. 205 A educação, direito de todos e dever do Estado e da família,
será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desen-
volvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o
trabalho.

107
À dimensão constitucional se acrescem leis que regulamentam
e complementam o direito à Educação: o Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA) e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB). O
que demonstra que não bastava que o direito à educação constasse
expressamente na Constituição Federal, era preciso tratar do assunto em
suas mais variadas vertentes e possibilidades, de modo que este direito
pudesse dispor de normas para sua delimitação e concretização. É fato
que precisamos garantir a educação, mas de que forma? Qual o tipo de
adulto o Brasil pretende formar? E como pensar num direito à educação
que não ficasse apenas no papel? Que contemplasse todos os brasileiros
e que estivesse esquematizado para travar batalhas contra os empecilhos
factuais do cotidiano?
Em consonância com a Constituição Federal o ECA estabelece,
em seu artigo 53, o direito à educação como forma de desenvolvimento da
pessoa humana, qualificação para o trabalho e preparo para exercer a sua
vida como um cidadão. O ECA também estabelece igualdade de condições
de acesso e permanência na escola, o que compõe parte importante
da efetivação do Direito à educação, haja vista que num país desigual
como o Brasil, diversos são os desafios enfrentados pela população
economicamente menos favorecida para permanecer e acessar o ensino
educacional, dificuldades que vão além da disponibilidade de vagas.
Acesso à escola pública e gratuita próxima de sua residência e
direito de ser respeitados por seus educadores também fazem parte do rol
de garantias da educação no artigo 53 do ECA. Ainda, é dever do Estado,
conforme artigo 54 do ECA, garantir ensino fundamental, obrigatório e
sem custos, inclusive para as pessoas que não conseguiram acessar esse
direito na idade adequada e específica, promovendo atendimento no
ensino fundamental por meio de políticas públicas que visem à garantia
do material didático necessário para o aprendizado, além de alimentação
e fornecimento de transporte gratuito. Tais previsões legislativas foram
criadas a partir da leitura de que, no Brasil, não é necessário apenas
que se disponibilize o ensino gratuito para que a população acesse à
educação, mas que o Estado crie políticas públicas que possam romper
com as dificuldades a que se submete o povo brasileiro, em especial o
mais pobre.

108
BASES FORMAIS E PRINCIPIOLÓGICAS DO DIREITO À
EDUCAÇÃO NO BRASIL

O artigo 206 da Constituição Federal elenca alguns princípios11


que devem reger o ensino no Brasil. São eles: 1) igualdade de condições
para o acesso e permanência na escola; 2) liberdade de aprender, ensinar,
pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; 3) pluralismo de ideias
e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e
privadas de ensino; 4) gratuidade do ensino público em estabelecimentos
oficiais; 5) valorização dos profissionais da educação escolar; 6) gestão
democrática do ensino público; 7) garantia de padrão de qualidade e
8) piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação
escolar pública.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n.
9.394/1996) replica referidos princípios da Carta Magna e adiciona
três novos, previstos nos incisos X, XI e XII12 do artigo 3º, quais sejam
respectivamente: 1) valorização da experiência extraescolar; 2) vinculação
entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais e 3) consideração
com a diversidade étnico-racial.
Quando o inciso I prevê a igualdade (também conhecida como
isonomia), é fundamental distinguir as modalidades formal e material. Do
ponto de vista do reconhecimento pelas instituições estatais, trata-se da
igualdade formal, num sentido de oficialidade, com parâmetro na lei, tal
qual previsto no artigo 5º da Constituição: “Todos são iguais perante a lei,
sem distinção de qualquer natureza [...]” (BRASIL, 1988). Ou seja, todos
os indivíduos devem merecer o mesmo tratamento do Estado no aspecto
legislativo.

11
O conceito aqui adotado de princípio, num sentido jurídico, é o de Robert Alexy (2002), que
o entende como norma revestida da natureza de mandamento de otimização, que pode ser
cumprido em graus variados de intensidade, a depender das condições. Por ser dotado de
maior abstração, um princípio não estabelece uma solução unívoca para cada caso concreto,
mas serve de vetor de aplicação da norma, a merecer o devido sopesamento conforme as
circunstâncias.
12
Art. 3º O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: X - valorização da
experiência extra-escolar; XI - vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas
sociais; XII - consideração com a diversidade étnico-racial.

109
Compreendida num sentido material, a concepção atenta para
o reconhecimento de que, na prática, no mundo dos fatos, nem todos
os seres humanos são efetivamente iguais, por diversas razões: situação
econômica, gênero, origem étnico-racial, orientação sexual, localização
geográfica, dentre muitos outros fatores que influenciam na singularidade
das pessoas. Negar isso é perpetuar a injustiça social.
Assim, Celso Antônio Bandeira de Mello (2008) aduz critérios
para, no caso concreto, estabelecerem-se distinções que assegurem
a igualdade material. Exemplo aceito pela jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal (STF) é a instituição de cotas para acesso às instituições
públicas superiores de ensino.
Contudo, em que pese o dispositivo prever igualdade de condições
no âmbito escolar, entende-se que deve ser estendido a todos os níveis de
ensino, a exemplo da política de cotas para acesso às instituições públicas
superiores de ensino, considerada constitucional pelo STF.
O que se pretende é, não apenas oportunizar a todas as
crianças e os adolescentes a entrada na escola, mas também garantir
que nela permaneçam até o cumprimento integral do ciclo. Sabe-se que,
infelizmente, a realidade brasileira aponta para altos índices de evasão dos
jovens, seja pela necessidade de contribuírem na economia doméstica,
ou pelo desestímulo em frequentar o ambiente escolar.
Como assevera Carlos da Fonseca Brandão (2007), o cumprimento
integral do direito à educação apenas é possível caso se possa ingressar
na escola e nela permanecer, e a existência de vagas para todos é uma das
medidas aplicáveis para tanto. Outrossim, a exteriorização por meio de
um princípio flexibiliza a exigibilidade em relação ao Estado.
Assim, destaca-se a imprescindibilidade de medidas que tornem
a rotina educacional mais atrativa e lúdica, com melhoria das condições
de aprendizado, como a escola em tempo integral, ou pelo reforço da
merenda escolar, que muitas vezes é a única refeição diária do educando.
A via constritiva também pode ser aplicada em algumas situações, como
a exigência de frequência escolar para recebimento de benefícios como o
Bolsa Família.
Como aponta Vital Didonet (2008), uma determinação, prevista
no artigo 12 da Lei de Diretrizes e Bases, que visa a assegurar a permanência
110
na escola é a notificação obrigatória por parte dos estabelecimentos de
ensino ao Conselho Tutelar, ao juiz e ao Ministério Público dos nomes
dos estudantes que se ausentarem por mais de metade dos dias letivos
do total permitido. Apesar de soar num primeiro momento como uma
medida persecutória, pretende identificar as razões das faltas, e garantir
o direito à educação.
Outro ponto importante que na aniquilação de empecilhos para
a garantia do direito à educação são as ações de erradicação do trabalho
infantojuvenil. As referidas ações também contribuem para a eliminação
do analfabetismo infantil, podendo ser colocadas em práticas pelo Estado
com o auxílio da iniciativa privada, do terceiro setor, da família e de toda
a sociedade.

POLÍTICAS PÚBLICAS: SOLUÇÃO AO ENFRENTAMENTO DO


TRABALHO INFANTOJUVENIL NO BRASIL

Por mais que o Estado invista em fiscalização e repressão para


combater a exploração da mão de obra infantojuvenil, os números cada
vez maiores sobre esse tipo de trabalho mostram que a solução não passa
apenas por medidas intimidatórias.
No enfretamento ao trabalho infantojuvenil, um dos principais
desafios do Estado, da família e da sociedade consiste em efetivar
políticas públicas que rompam com o ciclo de exclusão social ao qual estão
submetidas às crianças e aos adolescentes no Brasil. A falta de programas
que efetivem os direitos de crianças, adolescentes e de suas famílias, ou
a ausência de universalização de políticas e serviços públicos contribuem
para o baixo estímulo da educação infantojuvenil, corroborando para que
crianças e adolescentes não se comprometam com os estudos e com seu
próprio desenvolvimento pessoal.
Como já debatido neste trabalho, a falta de perspectiva de vida,
a pobreza, além de fatores individuais, culturais e sociais levam a criança e
o adolescente a iniciarem a vida no trabalho de forma precoce e irregular.
Nesse sentido, a educação é fundamental para que isso não ocorra.
Entretanto, como a educação pode ser um agente eficaz no combate ao
trabalho infantojuvenil se é o próprio trabalho que as afasta da educação?

111
A educação é uma saída para combater o trabalho precoce, mas
o trabalho impede à educação. Para resolver esse problema, uma das
saídas é apelar para a promoção de políticas públicas sociais. Uma dessas
políticas para erradicar o trabalho precoce foi o Programa de Erradicação
do Trabalho Infantil (PETI), que atuava em três vertentes: a) transferência
direta de renda; b) acompanhamento familiar e c) serviço de convivência
familiar.
Criado pela Portaria n. 458/2001, o PETI possui o objetivo de
erradicar o trabalho infantil nas atividades perigosas, insalubres, penosas
ou degradantes nas zonas urbana e rural. Para isso o programa conta com
a integração do terceiro setor, do Estado e da iniciativa privada. Ainda,
o programa tem como finalidade específica a intenção de possibilitar o
acesso, a permanência e o melhor desempenho escolar de crianças e
adolescentes. O PETI também concede uma complementação de renda
às famílias e proporciona orientação e apoio a todos os membros.13
Outro exemplo é o programa Jovem Aprendiz, do Governo
Federal, criado a partir da lei de aprendizagem e que determina que
empresas contratem adolescentes e jovens, dando-lhes a oportunidade de
uma experiência de trabalho ao passo que estudam. Essa política pública
possui o objetivo de capacitar profissionalmente jovens e adolescentes
por meio de realização de cursos profissionalizantes, permitindo a
oportunidade do primeiro emprego. Segundo a Lei da Aprendizagem,
as empresas de grande e médio porte devem contratar de 5% a 15% de
jovens aprendizes, sempre considerando as atividades que prestigiem a
formação profissional e possibilidade de conciliação com as atividades
escolares dos jovens.
O contrato com o jovem aprendiz deve possuir prazo
determinado de, no máximo, dois anos e ser celebrado sempre por
escrito. É de responsabilidade de o empregador garantir ao jovem uma
formação técnico-profissional que seja compatível com a capacidade física
e psicológica dos jovens. O contrato do jovem aprendiz deve respeitar
as regras trabalhistas da legislação brasileira, de modo que a jornada de
13
Para facilitar o acesso, o Governo Federal disponibiliza todas as informações referentes ao
Programa em http://mds.gov.br/assuntos/cadastro-unico/o-que-e-e-para-que-serve/pro-
grama-de-erradicacao-do-trabalho-infantil-peti.

112
trabalho deva ser de seis horas diárias para os que estão cursando o ensino
fundamental e de no máximo oito horas diárias para os que já concluíram,
para que assim o jovem possa se dedicar aos estudos ao passo que realiza
atividades culturais necessárias a sua formação intelectual.
Pelo descompasso da realidade fática frente às previsões
normativas, além dos dados apresentados, fica claro que somente reprimir
comportamentos não resolverá o problema do trabalho infantojuvenil.
Assim, uma das possibilidades para a solução é tentar eliminar a condição
que gere a necessidade do trabalho por parte das crianças e adolescentes
com políticas públicas semelhantes ao PETI e ao Programa Jovem Aprendiz.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por meio do estudo de dados quantitativos da PNADC, do IBGE
e da análise bibliográfica dos aspectos teóricos e normativos acerca do
trabalho infantojuvenil, foi possível compreender seus conceitos, causas e
efeitos. É fundamental que o adolescente tenha sua iniciação ao trabalho de
modo saudável e adequado a sua condição física e psicológica, conforme já
prevê a legislação, para que não tenha seu desenvolvimento prejudicado.
Caso seja inserido de forma incorreta na vida de adolescentes, ou de
qualquer forma na vida de crianças, o trabalho pode ser um obstáculo
ao direito à educação (garantia constitucional que deve ser promovida e
incentivada pelo Estado).
A análise dos dados demonstrou um completo descompasso
entre as previsões normativas e a realidade. O trabalho infantojuvenil
continua sendo uma mazela da sociedade moderna. Diversas são as
pesquisas científicas apontando para os seus variados e irreversíveis
prejuízos causados às crianças e aos adolescentes.
O trabalho infantojuvenil deve continuar sendo combatido por
meio de políticas públicas que corroborem para assegurar o direito à
educação. É por intermédio desse nobre direito que o ciclo de perpetuação
da pobreza pode ter fim, ajudando assim a diminuir a desigualdade
social, aumentando a renda familiar e consequentemente erradicando –
minimizando – o trabalho infantojuvenil.

113
As políticas públicas como o PETI e a Lei da Aprendizagem
representam esperanças no combate contra o trabalho infantojuvenil
no Brasil. Elas conseguem reinserir crianças e adolescentes nas escolas,
auxiliar na renda familiar mensal para que elas não precisem trabalhar
como adultos e ainda contribuem na inserção gradativa do adolescente
ao trabalho, conforme sua condição peculiar de desenvolvimento e sua
necessidade de brincar, praticar esportes, estudar, e se envolver em
atividades culturais. Por isso, é essencial a criação de novas políticas
públicas nesse sentido, além da manutenção e melhoramento das que já
existem, por meio de investimentos públicos que criem o envolvimento
e o compromisso da sociedade e da família na intenção de erradicar
fatalmente o trabalho infantojuvenil.

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116
PARTE IV
DIREITO À SAÚDE
IO
R
Á
M
U
S
DOI: dx.doi.org/10.18616/pps05

O DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE DA


CRIANÇA E DO ADOLESCENTE: UMA ANÁLISE
DO PLANO MUNICIPAL DE SAÚDE DO
MUNICÍPIO DE SOMBRIO/SC, COM BASE NA
TEORIA DA PROTEÇÃO INTEGRAL E PRINCÍPIO
DA PRIORIDADE ABSOLUTA1
Nathalia Flôres de Oliveira
Daniel Ribeiro Preve

INTRODUÇÃO SUMÁRIO
A Proteção Integral e a Prioridade Absoluta que são conferidas
à criança e ao adolescente decorrem da condição peculiar de pessoas em
processo de desenvolvimento; principalmente aquelas que se encontram
em uma situação de vulnerabilidade. Diante disso, o presente trabalho tem
por objetivo realizar uma reflexão acerca da importância da preocupação
que o Estado, família e sociedade devem dispor para efetivar o direito
fundamental à saúde da criança e do adolescente.
Nesse sentido, a presente pesquisa se insere na linha do Direito
da Criança e do Adolescente com enfoque no direito fundamental à
saúde e a partir da análise do Plano Municipal de Saúde de Sombrio quer
identificar se esse direito fundamental é assegurado em sua plenitude
pelo município. Assim, pretendeu-se averiguar na doutrina e na legislação
quais os princípios constitucionais que tutelam os direitos fundamentais
da criança e do adolescente, a fim de constatar como o Poder Público
deve agir frente a esses princípios.
1
Artigo extraído do Trabalho de Conclusão de Curso intitulado “O direito fundamental à
saúde da criança e do adolescente: uma análise do plano municipal de saúde do município
de Sombrio/SC, com base na teoria da proteção integral e princípio da prioridade absoluta”,
da acadêmica Nathália Flôres de Oliveira, orientado pelo Prof. Me. Daniel Ribeiro Preve, e
apresentado na Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC), Curso de Direito, em de-
zembro de 2017.

118
O estudo dos direitos fundamentais, com ênfase no direito
à saúde, é de extrema relevância, pois permitirá a reflexão acerca da
importância da responsabilidade que a sociedade como um todo possui
frente à garantia desses direitos.
Ademais, pretende-se oferecer contribuição original quanto
ao destaque da relevância de se elaborar um Plano Municipal de Saúde
que tenha por objetivo promover e proteger a saúde da criança e do
adolescente em sua plenitude. Um plano que garanta que esse direito
fundamental seja efetivado tanto por meio da implementação de políticas
públicas de saúde, quanto pela participação da família, sociedade e Estado,
observando-se os princípios da prioridade absoluta e proteção integral.

A TEORIA DA PROTEÇÃO INTEGRAL E O PRINCÍPIO


DA PRIORIDADE ABSOLUTA
Em que pese a discussão sobre direitos da criança e do adolescente
tenha iniciado antes da promulgação da Constituição da República, o
marco sobre os direitos fundamentais de crianças e adolescentes no
Brasil se deu em 1988, por meio do artigo 227 da Constituição Federal
brasileira, (CFB) mais tarde, surge o Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA) para reafirmar e normatizar a garantias desses direitos (HELENO;
RIBEIRO, 2010).
A conquista desses direitos elencados como fundamentais
igualmente no ECA foi resultado de mobilização social ocorrida depois do
período da ditadura militar, que envolveu desde movimentos sociais até os
legisladores pátrios. Ao adotar a Teoria da Proteção Integral e determinar
que o Estado, a família e a sociedade possuem o dever de assegurar com
absoluta prioridade os direitos vistos como essenciais para uma vida
com dignidade, o ECA se tornou um marco crucial para o processo de
redemocratização do Brasil (MOREIRA; SALUM; OLIVEIRA, 2016).
Conforme entendimento de Ramos (2014, p. 35), “[...] os
direitos humanos asseguram uma vida digna, na qual o indivíduo possui
condições adequadas de existência, participando ativamente da vida
de sua comunidade”. Embora já existisse uma breve preocupação em

119
conferências e declarações internacionais acerca dos direitos da infância
e juventude, o direito internacional somente reconheceu a criança e o
adolescente como pessoa em processo de desenvolvimento a partir da
Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, que preceituava
a inexperiência, ingenuidade e fragilidade desses indivíduos (MENDES,
2006).
Na declaração, foram instituídos direitos sociais básicos que
deveriam ser assegurados pelos Estados-membros, sendo que o direito
à saúde apareceu em seu artigo XXV como o “[...] direito a um padrão
de vida capaz de assegurar a si e sua família saúde e bem-estar, inclusive
alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais
indispensáveis.” (RAMOS, 2014, p. 59).
No mesmo artigo, é assegurado que “[...] a maternidade e a
infância têm direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças
nascidas dentro ou fora do matrimônio gozarão da mesma proteção
social.” (ONU, 1948), demonstrando a inserção da teoria da proteção
integral à criança e ao adolescente no âmbito internacional.
Em 1959, é aprovada a Declaração Universal dos Direitos
da Criança; segundo Veronese e Costa (2006), essa declaração foi o
documento que inseriu de uma forma mais direta a Teoria da Proteção
Integral no direito internacional, sendo representada por quatro
instrumentos básicos: a) a Convenção Internacional da ONU sobre os
Direitos da Criança (20/11/89); b) as Regras Mínimas das Nações Unidas
para Administração da Justiça Juvenil (Regras de Beijing), de 29/11/85; c)
as Regras Mínimas das Nações para os Jovens Privados de Liberdade e d)
As Diretrizes das Nações Unidas para Prevenção da Delinquência Juvenil
(Diretrizes de Riad), de 28/2 a 1º/03/1988 (VERONESE, COSTA, 2006).
Mas é somente com a Convenção Sobre os Direitos da Criança,
de 1989, que a Teoria da Proteção Integral se tornou o instrumento
fundamental para o embasamento dos direitos da criança e do adolescente,
revelando-se a Convenção mais importante sobre os direitos da infância e
juventude na comunidade internacional (LIMA, 2001).
No próprio preâmbulo da Convenção Sobre os Direitos da
Criança (1989) já é esclarecido que a criança não possui maturidade física

120
e mental para ser independente em sociedade e, por isso, estabelece a
necessidade de ser assegurada a sua proteção, inclusive com cuidados
especiais e proteção legal. Ainda no artigo 3º da Convenção Sobre
os Direitos da Criança (1989), está definido que os Estados-membros
da convenção possuem o dever de assegurar à criança a proteção e o
cuidado que sejam necessários para a promoção da vida com dignidade
e bem-estar, sendo que, para a efetivação dessa proteção, os Estados se
comprometem a usar todos os mecanismos adequados, sejam legislativos
ou administrativos.
Não bastasse, a Convenção, em seu artigo, 19 destaca sobre a
proteção da criança contra qualquer violência, abuso ou negligência. É
evidente que a Convenção trouxe como fundamento basilar a Teoria da
Proteção Integral, a fim de romper a visão anterior que era subdivida na
garantia de direitos a crianças e adolescentes privilegiados e a repressão
aos chamados “menores irregulares” (LIMA, 2001).
Todos esses esforços no âmbito internacional surtiram efeitos,
ainda que gradativamente, no decorrer da história, e as primeiras
providências foram tomadas. A partir dessa luta travada no direito
internacional, vários países modificaram suas constituições e adotaram
a Teoria da Proteção Integral e o Princípio da Prioridade Absoluta em sua
legislação interna, reconhecendo os direitos fundamentais da criança e
do adolescente (MENDES, 2006).
No Brasil, o ECA estabelecido na Lei n. 8.069 de 13/07/1990,
teve como base a preocupação do legislador e da comunidade frente à
realidade vivida por crianças e adolescentes, e em decorrência das suas
peculiaridades como pessoa em processo de desenvolvimento, o Estatuto
tem como fundamento a proteção integral e prioritária (VERONESE;
COSTA, 2006).
O Direito da Criança e do Adolescente se fundamenta nas
diretrizes da CFB e do ECA, que ao superar os velhos paradigmas da
infância e juventude, consagrou a política emancipatória e humanitária
e por meio dos direitos humanos e o próprio direito internacional
reconheceu a condição específica da criança e do adolescente como ser
em desenvolvimento (RAMIDOFF, 2008).

121
Não fosse apenas isso, o artigo 8º do ECA assegura à gestante
o atendimento pré e perinatal, deixando claro que é dever do Estado
permitir um nascimento e desenvolvimento sadio por meio de políticas
públicas de saúde. Isso significa que a Proteção Integral atende àqueles
que ainda não nasceram, mas já foram concebidos (VERONESE, 2006).
Outro critério a ser utilizado para garantir os direitos fundamentais
da criança e do adolescente está baseado no Princípio da Prioridade
Absoluta previsto igualmente no artigo 227 da CFB e artigo 4º do ECA.
Esse princípio determina que o Estado, a família e a sociedade possuem
o dever de assegurar os direitos fundamentais, determinando que a sua
realização seja com absoluta prioridade (CUSTÓDIO; VERONESE, 2009).
No próprio artigo 3º do ECA está previsto que a criança e o
adolescente gozam de todos os direitos inerentes à pessoa humana, o
que significa que a proteção integral lhes garante os mesmos direitos de
qualquer outra pessoa, porém estabelece que a efetivação desses direitos
deve ser realizada com absoluta prioridade (VERONESE, 2006).
Não obstante, a prioridade absoluta não se restringe apenas aos
critérios acima relacionados, existindo inúmeras outras situações em que
esse princípio deve ser respeitado. O que deve ser consolidado firmemente
é que a criança e o adolescente devem estar em primeiro lugar no que se
refere às preocupações do Estado e da sociedade e, enquanto não lhes
forem garantidos os direitos fundamentais de que gozam, nenhuma outra
ação secundária poderá ser concretizada (VERONESE, 2006).
Por outro lado, em que pese o princípio ser claro quanto às
exigências de preferência na execução de políticas públicas sociais, o
Poder Público muitas vezes parece se eximir de suas responsabilidades,
sendo omisso frente a direitos fundamentais básicos que deveriam
ser garantidos com a mais absoluta prioridade, como o direito à saúde
(VERONESE; SILVEIRA, 2011).
Além de servir como garantidor de direitos fundamentais,
o princípio da prioridade absoluta visa à universalização dos serviços
públicos, uma vez que direciona o Estado para uma reordenação
institucional e, assim, por meio de um conjunto de práticas e serviços
que irão promover a defesa desses direitos, reconhece a assistência social

122
como um importante instrumento na concretização de políticas públicas
(CUSTÓDIO, 2009). Toda a proteção que o ECA proporciona à criança e ao
adolescente é resultado da sua condição peculiar de pessoa em processo
de desenvolvimento, sendo necessária a garantia de todos os cuidados
que uma pessoa adulta merece, porém, acrescentando cuidados especiais
(VERONESE, 2006).
Assim, embora o texto constitucional e o ECA sejam claros quando
se referem à proteção e à prioridade que a criança e o adolescente possuem
frente a qualquer outra preocupação, todos os esforços se tornarão em
vão se o Estado não implementar as políticas públicas necessárias e a
família e sociedade restarem inertes (VERONESE; SILVEIRA, 2011).
Em que pese o Brasil tenha sido um dos primeiros países a
sancionar a Convenção Sobre os Direitos da Criança e atualizar a legislação
interna para estar de acordo com o pactuado na Convenção, a realidade
de nossas crianças e adolescentes não condiz com o texto legal, eis que
direitos básicos são violados diariamente e o Estado, a família e a sociedade
nada fazem para mudar esse cenário (VERONESE; COSTA, 2006).
Deve se existir um compromisso pessoal por parte do Estado,
família e sociedade na garantia dos direitos fundamentais da criança e
do adolescente, e por meio da política de proteção integral à criança e
ao adolescente, propiciar uma qualidade de vida digna e com o mínimo
para o pleno desenvolvimento (RAMIDOFF, 2008). Ainda, quando uma
política pública for implementada, ela deve atender ao princípio da
descentralização política-administrativa e, assim, proporcionar um alcance
maior de crianças e adolescentes, facilitando o acesso a todo e qualquer
serviço que vise à promoção de direitos básicos (CUSTÓDIO, 2009).
Outra consideração é que não cabe ao Poder Público escolher se
irá implementar políticas públicas para a garantia de direitos fundamentais
da infância e juventude, uma vez que o princípio da prioridade absoluta
vincula essa obrigação ao Estado, e o poder executivo só poderá adotar
a discricionariedade depois de efetivar os direitos básicos para o pleno
desenvolvimento de crianças e adolescentes (VERONESE; SILVEIRA, 2011).
Cada sistema garantidor dos direitos fundamentais da criança
e do adolescente deve se organizar no sentido de efetivar os direitos

123
fundamentais, e assim proporcionar que outros sistemas consigam
alcançar essa efetivação, essa integração entre os sistemas garantidores
é chamada de rede de proteção, uma vez que todos devem trabalhar de
forma harmoniosa na promoção e proteção de direitos (RAMIDOFF, 2008).
A participação popular é fundamental para a construção de
políticas públicas; por intermédio da fiscalização direta da sociedade e
dos Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente será possível
o controle de qualidade e quantidade de políticas públicas (CUSTÓDIO,
2009).
Contudo, ainda é uma realidade social a omissão por parte
do Estado no que se refere à garantia e implementação de políticas
públicas voltadas para a criança e o adolescente, sendo notória a falta
de hospitais, escolas e outras necessidades básicas que a CFB e o ECA
elencam como mínimo existencial. Essa violação de direitos não atinge
somente a população jovem e infantil, mas reflete diretamente no
modelo social desigual e ineficaz (FIRMO, 1999). Quando o Poder Público
deixa de garantir direitos vistos como essenciais e ignora a prioridade
absoluta conferida pela Carta Magna, ele condena milhões de crianças e
adolescentes a viverem em situações degradantes e talvez irreparáveis,
além de comprometer o futuro de todo o País (VERONESE; SILVEIRA,
2011).

O DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE DA CRIANÇA E


DO ADOLESCENTE E SUA EFETIVAÇÃO NO PLANO
MUNICIPAL DE SAÚDE DE SOMBRIO/SC
O município de Sombrio está localizado no estado de Santa
Catarina, mais precisamente na Região da Associação dos Municípios do
Extremo Sul Catarinense (AMESC) e faz divisa com os municípios de Santa
Rosa do Sul, Araranguá, Ermo, Jacinto Machado e Balneário Gaivota. Os
dados do último Censo, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), de 2010, demonstram que o município conta com uma
área territorial de 143,329 km², e uma população de 26.613 habitantes,
sendo a estimativa para 2017 de 29.710 habitantes.

124
Dessa população, o último Censo apontou que 6.326 habitantes
estão na faixa etária de 0 a 14 anos de idade, enquanto 2.593 têm de
15 a 19 anos de idade (IBGE, 2010). O relatório realizado pela gestão do
munícipio no ano de 2013 apontou alguns dados diferentes, informando
que 6.458 habitantes estão na faixa de 0 a 14 anos de idade, enquanto
2.646 têm de 15 e 19 anos de idade (SOMBRIO, 2014).
Ainda o próprio Plano Municipal de Saúde aponta que da
população total do município, aproximadamente 70% reside em área
urbana e 30% na área rural. O IBGE (2010) informou que o município
conta com 13 estabelecimentos de saúde do Sistema único de Saúde (SUS)
e o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) é de 0,728.
Ainda, a pesquisa do IBGE (2010) indicou que o salário médio mensal da
população era de 1.9 salários mínimos no ano de 2015.
No que se refere à mortalidade infantil, a pesquisa apontou
que em 2014 a estimativa era de 4.56 óbitos por mil nascidos vivos
(IBGE, 2010). O município ainda conta com uma economia baseada na
agricultura em sua maior parte, destacando-se na produção de arroz,
fumo e banana, além da criação de gado. As confecções de vestuário e
calçados também predominam na região, e ainda o comércio por meio
dos centros atacadistas localizados às margens da BR 101 (SOMBRIO,
2014).
A Constituição Federal determinou em seu artigo 30, inciso VII,
que é um dever dos municípios serviços de atendimento à saúde, embora
contem com a cooperação dos estados e da União (BRASIL, 1988).
A Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990, conhecida como Lei
do SUS, tem como princípio basilar, em seu artigo 7º, a descentralização
dos serviços de saúde para os municípios, sendo que, no artigo 8º, dispõe
que a organização no âmbito municipal se dará pela Secretaria de Saúde
(BRASIL, 1990). Na mesma lei, o artigo 15, inciso VIII, fala sobre a obrigação
da União, estados e municípios da elaboração e atualização periódica do
Plano de Saúde (BRASIL, 1990). E, no inciso X, a lei dispõe sobre “[...]
elaboração da proposta orçamentária do Sistema Único de Saúde (SUS),
de conformidade com o plano de saúde.” (BRASIL, 1990).
A portaria n. 2.135, de 25 de setembro de 2013, conceitua o Plano
de Saúde em seu artigo 3º como sendo um: “[...] instrumento central de

125
planejamento para definição e implementação de todas as iniciativas no
âmbito da saúde de cada esfera da gestão do SUS para o período de quatro
anos, explicita os compromissos do governo para o setor saúde e reflete,
a partir da análise situacional, as necessidades de saúde da população e
as peculiaridades próprias de cada esfera. ” (BRASIL, 2013).
O Plano Municipal de Saúde do Município de Sombrio (PMS) foi
elaborado pela administração, Secretaria de Saúde e Conselho Municipal
de Saúde, para os anos de 2014 a 2017, com o objetivo de organizar as
ações voltadas para a saúde do município, conforme as necessidades da
população (SOMBRIO, 2014, p. 8).
O PMS começa expondo os aspectos gerais do município, como a
história, a localização, economia, a fauna e a flora, aspectos demográficos,
estruturas, segurança pública, organização política e social e até mesmo
o turismo. O plano traz os dados referentes às unidades de saúde do
município, informando que contam com uma unidade central e sete
unidades de saúde familiar espalhadas pelos bairros (SOMBRIO, 2014).
Na unidade central, onde também funciona a Secretaria
Municipal de Saúde, funcionam os serviços de atendimento nas clínicas
básicas, como pediatra, ginecologia/obstetra, clínica geral e pequenas
cirurgias (SOMBRIO, 2014). A unidade central conta com três pediatras,
dois ginecologistas/obstetra, três clínicos gerais, um cirurgião de pequenas
cirurgias ambulatoriais, um odontólogo, dois assistentes sociais, um
fisioterapeuta, uma psicóloga e um farmacêutico, além de enfermeiros e
técnicos de enfermagem.
Segundo o PMS, em cada equipe de saúde familiar constam uma
enfermeira, um médico, dois auxiliares de enfermagem, um odontólogo,
um técnico de higiene dental e um auxiliar de saúde bucal, além de 51
agentes sanitários espalhados pelas unidades (SOMBRIO, 2014). Ainda, as
despesas com recursos próprios em ações e serviços de saúde, no ano de
2014, foram de R$ 5.420.100,00 de reais (SOMBRIO, 2014).
O município conta com convênio no SUS em hospital geral;
todavia, a gestão do hospital não é feita pelo município, em decorrência
da complexidade alegada no PMS (SOMBRIO, 2014). No que se refere às
instalações das unidades, a melhor estruturada é a Unidade Central, que

126
conta com uma equipe maior de profissionais, salas, recursos, áreas de
atendimentos, realização de exames, consultórios, farmácia e realização
de pequenas cirurgias: A Unidade de Saúde Central, localizada no centro
do município, conta com profissional enfermeiro (responsável técnico),
que coordena e normatiza a assistência de enfermagem nos serviços
de saúde. Essa unidade atende às referências em gineco-obstetrícia,
pediatria, homeopatia, clínica geral, clínica geral em saúde mental,
psiquiatria, pneumologista/tisiologista, psicologia, ultrassonografia,
eletrocardiograma, colposcopia, criocauterização, pequena cirurgia,
dermatologia. As instalações dispõem de cinco consultórios médicos,
um consultório odontológico, um ambulatório, uma sala para pequena
cirurgia, uma sala de vacinas, sala para ultrassonografia, dermato e
eletrocardiograma, sala para atendimento do hipertenso e diabético,
sala do programa saúde mental, preventivo do câncer do colo do útero
e mamas, sala do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN),
Vigilância Sanitária, Epidemiologia e Sistematização da Assistência de
Enfermagem  (SAE), sala do Serviço Social, fisioterapia, farmácia, sala de
esterilização, sala de coleta, sala de espera, sala de cadastro/triagem,
almoxarifado, administração, banheiros, cozinha, lavanderia e área
exclusiva para armazenamento de resíduos de saúde (SOMBRIO, 2014).
Entre os objetivos gerais do PMS, é citada a implantação de
políticas de saúde voltadas para a prevenção, promoção e redução de
riscos de saúde, assegurando o acesso universal e integral a todos da
população (SOMBRIO, 2014).
No que se refere aos objetivos específicos, o PMS aponta a
capacitação e contratação de mais profissionais, convênios, melhoria
da estrutura, aquisição de equipamentos e ampliação dos serviços,
implantação de novos programas de saúde, participação popular,
educação de saúde, além de dar continuidade aos serviços já prestados
(SOMBRIO, 2014).
O PMS ainda dispõe sobre os serviços de atenção específica,
citando: atenção à saúde da criança, atenção à saúde da mulher, programa
nacional de suplementação de ferro, atenção à saúde do homem, atenção
aos ostomizados, programa de tabagismo, Serviço de Atendimento
Móvel de Urgência (SAMU), atenção e controle da hipertensão arterial e

127
diabetes (HIPERDIA), programa de tuberculose e hanseníase, programa
saúde bucal, programa de saúde da família, serviço de saúde mental,
programa de imunização, programa DST/HIV/AIDS e hepatites virais, polo
de aplicação e referência ao tratamento de hepatites virais, assistência
ao idoso, programa de combate à dengue, Núcleo de Apoio à Saúde da
Família (NASF), vigilância sanitária, serviço social e Tratamento Fora-
Domicílio (TFD), serviços de transportes, assistência farmacêutica básica
e assistência à população em geral (SOMBRIO, 2014).
A vigilância epidemiológica faz o estudo, por meio de um
conjunto de ações, das doenças que atingem a população, para que sejam
possíveis a prevenção e a recuperação da saúde. Conforme dados do
PMS, a neoplasia é a causa mais comum de óbito no município (SOMBRIO,
2014).
Por fim, o PMS apresenta uma série de programas que serão
implementados na gestão 2014-2017 bem como as medidas que serão
adotadas para essa efetivação, além do recurso orçamentário que será
investido nessas ações.
Os serviços de atenção específica, mais precisamente no
item 8.1, destinam-se à saúde da criança do munícipio. O PMS informa
que conta com os programas: SISVAN; Atenção Integrada às Doenças
Prevalentes na Infância (AIDPI), que considera um direito da criança o
acesso a um bom atendimento que observe a criança como um todo,
priorizando a identificação precoce de todas as crianças gravemente
doentes, e que visa a orientar os pais quanto a cuidados essenciais,
encontros educativos que fortaleçam a prevenção e a promoção da saúde;
Assistência médica/pediátrica e de enfermagem, incluindo puericultura;
Assistência farmacêutica (farmácia-básica) conforme RENAME; Teste do
Pezinho; Imunização, preconizada e disponibilizada pelo Ministério da
Saúde (SOMBRIO, 2014).
No que se refere às imunizações aplicadas a menores de um ano
de idade, nos anos de 2005 a 2013, tem-se: poliomielite, tetravalente,
BCG, Hepatite B, Rotavírus, alcançando quase sempre mais de 80% das
crianças do município (SOMBRIO, 2014). No subitem de 9.1 de vigilância
epidemiológica, o PMS aponta as taxas de mortalidade infantil e seus
componentes (SOMBRIO, 2014).

128
Sobretudo, o PMS não apresenta as doenças que mais atingem
a população infantil do município, tampouco as medidas a serem
adotadas para a prevenção e recuperação da saúde. No que concerne à
programação das ações que seriam realizadas na gestão 2014-2017, item
10 do PMS, não existe nenhum programa, política pública ou ação voltada
diretamente para à saúde da criança e do adolescente do município.
No que se refere à saúde do adolescente, é necessário esclarecer
que, em nenhum momento, o PMS apresenta ações ou medidas ligadas
diretamente à saúde dos adolescentes. Na realidade, as palavras
“adolescente” ou “adolescência” sequer aparecem no Plano.
Quanto ao atendimento especial voltado para crianças e
adolescentes portadores de deficiências, nada é mencionado no PMS. É
evidente que o PMS não tinha por objetivo implementar novas políticas
públicas que possibilitassem, de uma forma direta, a prevenção, promoção
e recuperação da saúde da criança e do adolescente do município.
Ademais, em que pese o PMS contar com alguns programas
destinados à saúde infantil, esses se resumem à assistência pediátrica,
assistência farmacêutica, vigilância alimentar e nutricional e imunizações,
não abrangendo, de uma forma específica, quais as necessidades da
população infantojuvenil.
O PMS, elaborado pela Administração Pública, Secretaria de
Saúde e Conselho Municipal de Saúde, não apresentou, em nenhum
momento, quais os planos e ações que seriam adotados dentro dos quatro
anos de vigência do Plano, que teriam por objetivo assegurar, aprimorar e
até mesmo ampliar o direito à saúde da criança e do adolescente. Embora
o PMS tenha apresentado uma programação das ações que visavam
à melhoria das condições de saúde do município, o fez de uma forma
ampla, sem especificar quais delas alcançariam a população infantil e
adolescente do município, ainda que esses sejam protegidos pela mais
absoluta prioridade recepcionada na Constituição e no próprio ECA.
No que se refere à saúde mental do município, o plano
psicossocial é apresentado no item 10.1.2, que visa a oferecer atendimento
à população regional, beneficiando pacientes portadores de transtornos
mentais severos e/ou persistentes e a população em geral (SOMBRIO,
2014).

129
Mais uma vez, o PMS aborda o tema de uma forma generalizada,
sem preconizar o atendimento a crianças e adolescentes que, porventura,
necessitem de apoio psicológico. Ainda que o PMS vise ao atendimento
da população em geral, não direciona o programa de uma forma mais
específica no que se refere à saúde mental da criança e do adolescente.
É cristalino, na presente análise, que o PMS não viabiliza a
Prioridade Absoluta da criança e do adolescente, nas palavras de Custódio
(2009, p. 35):

Além de servir como critério interpretativo na solução


de conflitos, o princípio da prioridade absoluta reforça
verdadeiramente diretriz de ação para a efetivação de
direitos fundamentais, na medida em que estabelece
a prioridade na realização nas políticas sociais públicas
e a destinação privilegiada dos recursos necessários à
sua execução. Para que seja possível a efetiva realização
dos direitos proclamados, as políticas públicas precisam
alcançar um patamar diferenciado das práticas
historicamente estabelecidas na tradição brasileira, por
isso a importância do princípio da ênfase as políticas
públicas sociais básicas, pois esta é a determinação do
Estatuto da Criança e do Adolescente em seu artigo 87,
inciso I, que o incorpora como uma de suas linhas de
ação.

Ainda que a administração pública detenha a discricionariedade


das ações públicas, tal faculdade não pode, em hipótese alguma, impedir
que os princípios constitucionais sejam respeitados, como no caso da
primazia da prioridade absoluta no que se refere aos direitos da criança e
do adolescente (VERONESE; SILVEIRA, 2011).
O PMS de Sombrio conta com poucas ações e políticas públicas
específicas para a criança e o adolescente, sendo que, no período de
quatro anos de vigência do Plano, nenhum programa voltado para saúde
de meninos e meninas foi colocado como objetivo e prioridade.
O item 8.2 do PMS é destinado à saúde da mulher. Nesse contexto,
está prevista a atenção à saúde da gestante por meio da assistência pré-

130
natal e nascimento humanizado, programa SISPRENATAL, rede cegonha,
teste rápido de gravidez e exames (SOMBRIO, 2014).
O município ainda conta com o Programa de Suplementação de
Ferro, que atende crianças de seis a 18 meses de idade, gestantes a partir
da 20ª semana, mulheres de até três meses de pós-parto e pós-aborto;
o suplemento é financiado pela farmácia do município (SOMBRIO, 2014).
No que se refere à programação das ações no período de
vigência do PMS, nada é mencionado sobre políticas públicas voltadas
para a gestante e o nascituro, visando a garantir a promoção, prevenção
e recuperação da saúde nesse ciclo da vida. O artigo 8º do ECA dispõe de
uma série de direitos voltados para a gestante e o nascituro, para assegurar
todas as condições de sobrevivência da criança, incumbindo ao Poder
Público adotar medidas que irão proporcionar uma gestação saudável e a
garantia do nascimento com vida e saúde (CUSTÓDIO; VIEIRA, 2011).
Como visto, alguns direitos fundamentais previstos no artigo 8º
do ECA e garantidos à gestante e o nascituro não aparecem no PMS, como:
o planejamento reprodutivo, nutrição adequada, atenção ao puerpério e
atendimento pós-natal integral no âmbito do SUS bem como assistência
psicológica à gestante e à mãe, no período pré e pós-natal (BRASIL, 1990).
Mais uma vez, o PMS se mostra frágil com relação às políticas
públicas voltadas para a garantia da saúde da criança e do adolescente,
incluindo, ainda, a saúde no período gestacional, uma vez que o plano,
além de contar com poucas ações específicas para a gestante e o nascituro,
nada menciona sobre as políticas públicas a serem implementadas nos
seus quatro anos de vigência.
Da análise do PMS de Sombrio, restou constatado que as políticas
públicas voltadas para a atenção à saúde da criança e do adolescente
são frágeis. Quando a Constituição Federal e o ECA recepcionaram a
Teoria da Proteção Integral, foi com o objetivo de proporcionar o pleno
desenvolvimento da criança e do adolescente, haja vista a sua condição
e peculiaridades. Assim o legislador e a própria sociedade tiveram como
preocupação proteger integral e prioritariamente os direitos fundamentais
da infância e juventude (VERONESE; COSTA, 2006).

131
O interesse superior da criança e do adolescente deve ser
sempre levado em conta e em primeiro lugar, uma vez que a necessidade
de implementação desse princípio no ordenamento jurídico brasileiro é
fruto da desigualdade social criada pelo sistema capitalista (CUSTÓDIO,
2009).
Depois da demonstração das políticas públicas voltadas à atenção
da saúde da criança e do adolescente, foi constatado que o PMS não está
fundamentado na Teoria da Proteção Integral e no Princípio da Prioridade
Absoluta, haja vista que não trata a saúde da criança e do adolescente
como uma preocupação superior por parte do Poder Público.
Os programas e ações do PMS se resumem à atenção pré-natal
da gestante; depois do nascimento, a imunização de algumas doenças
específicas, teste do pezinho, programa de saúde nutricional e atenção
a doenças prevalentes na infância, de uma forma bem ampla e sem
indicadores (SOMBRIO, 2014, p. 37).
Ademais, o PMS não trouxe a análise situacional da saúde da
criança e do adolescente do município e seu perfil epidemiológico,
desrespeitando uma norma que regulamenta a elaboração do plano
municipal (ORTIGA et al., 2011).
Como um planejamento das ações voltadas para a saúde de
um determinado município pode não dar a devida atenção às crianças
e adolescentes que o habitam? Quando o Poder Público deixa de aplicar
corretamente uma política pública garantida no texto Constitucional,
o Poder Judiciário apreciará a medida que lesou o direito, pois a
discricionariedade do administrador não afasta essa prerrogativa do
Judiciário (VERONESE; SILVEIRA, 2011).
O PMS de Sombrio foi bem limitado quanto à formulação e
execução de políticas públicas de saúde para a população infantojuvenil,
sendo que não apresentou quais as doenças que atingem essa faixa-
etária ou as medidas que poderiam ser implementadas para prevenção,
recuperação e promoção de saúde.
Não bastasse, o inciso II do artigo 227 da CFB determina a criação
de programas de prevenção e atendimento especializado para as pessoas

132
portadoras de deficiência física, sensorial ou mental (BRASIL, 1988), outro
direito garantido na Carta Magna que não aparece como preocupação no
PMS de Sombrio. Registra-se que, na programação de ações do PMS, não
há evidências de programas ou políticas voltadas para crianças e jovens
portadores de deficiência ou necessidades especiais, demonstrando
que o Poder Público não possui interesse em integrar essas pessoas em
sociedade.
O ordenamento jurídico brasileiro foi constituído de uma forma
hierarquizada, sendo que os fundamentos mais elevados que embasam
a Constituição são aqueles que resguardam a vida com dignidade. Não
podem o Poder Público e o administrador tomar decisões e medidas que
se desvirtuem dos parâmetros principiológicos e ferem a Lei Suprema
(VERONESE; SILVEIRA, 2011).
A base do ECA está intrinsicamente ligada à dignidade da
pessoa humana e aos próprios direitos humanos. Assim, é evidente que,
ao interpretar a norma contida no ECA para formulação e execução de
políticas públicas, o administrador deve atentar-se ao melhor interesse
da criança e do adolescente, tendo em vista a sua condição peculiar de
pessoa em desenvolvimento (CUSTÓDIO, 2009).
Nesse sentido, conclui-se que, para a plena efetivação do direito
à saúde da criança e do adolescente no município de Sombrio, necessária
será a realização de um estudo aprofundado acerca das necessidades
de saúde dessa população. Assim, quando da criação dos próximos
PMSs, deve estar evidenciada a preocupação concreta do Poder Público
em prevenir, promover e recuperar a saúde de meninos e meninas do
município, sendo baseados plenamente na Teoria da Proteção Integral e
no Princípio da Prioridade Absoluta que regem os direitos fundamentais.
Sem a efetividade da saúde da população mais jovem de um determinado
lugar, não há como conseguir alcançar a saúde em níveis posteriores,
uma vez que, se uma população nasce e cresce com sérios problemas e
riscos, a sociedade como um todo caminha para a saúde frágil em todas
as etapas da vida.

133
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo abordou a questão de que o direito à saúde da
criança e do adolescente é um direito fundamental que exige uma tríplice
responsabilidade do Estado, família e sociedade na efetivação desse
direito. Nesse sentido, o Poder Público deve dar preferência à garantia
dos direitos fundamentais da criança e do adolescente frente a qualquer
outra preocupação do Estado, não podendo o administrador deixar de
implementar políticas públicas nessa área sob o pretexto de existir outros
interesses mais relevantes.
Os resultados da pesquisa demostraram que o PMS de Sombrio
possui limitações no que se refere às ações e serviços voltados para a
saúde da criança e do adolescente, pois o município não realizou uma
análise mais aprofundada da situação e das necessidades de saúde que a
população jovem e infantil vivência.
Quando o município não identifica esses fatores primordiais para
a formulação e execução de políticas públicas, ele deixa de garantir direitos
fundamentais e atender necessidades básicas, destinando os recursos
públicos para ações talvez menos importantes ou mesmo desnecessárias.
Não fosse apenas isso, o PMS não atende aos elementos da Teoria
da Proteção Integral e Princípio da Prioridade Absoluta, uma vez que não
demonstra que a saúde da criança e do adolescente é uma preocupação
prioritária por parte do Poder Público do município, sendo que as ações e
programas contidos no PMS são frágeis e limitadas.
O PMS nada menciona sobre a saúde do adolescente, bem
como pessoas deficientes ou portadoras de necessidades especiais,
demonstrando dificuldades do munícipio em atender a saúde desses
indivíduos ou mesmo integrá-los em sociedade. Dessa forma, o PMS
não atende a sua real função: a de planejamento das ações e serviços de
saúde, tendo em vista que a sua formulação deixou várias lacunas no que
se refere à saúde da criança e do adolescente.
Não se pode investir os recursos públicos sem, contudo,
identificar os problemas enfrentados em sociedade, pois se torna apenas
transferência dos recursos públicos e não em investimento necessário.

134
A saúde da criança e do adolescente é uma responsabilidade de todos,
família, sociedade e principalmente o Estado, pois se tratando de pessoas
em uma situação peculiar, é necessário que seja proporcionado à criança e
ao adolescente todos os meios adequados para o pleno desenvolvimento
físico, mental, espiritual e social, conforme o disposto nos artigos 227 da
Constituição da República Federativa do Brasil, e artigo 4º do ECA.
Finalmente, pretendeu-se demonstrar com o presente trabalho
a importância da formulação adequada de um PMS e suas diretrizes, a fim
de atender às necessidades reais de um município, além de proporcionar
a destinação correta do orçamento público.

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138
DOI: dx.doi.org/10.18616/pps06

A JUDICIALIZAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS


RELACIONADAS AOS MEDICAMENTOS DE
ALTO CUSTO1
Adriane Bandeira Rodrigues
Liliane Satiro Borges

INTRODUÇÃO SUMÁRIO
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
(CRFB/1988) prevê a saúde como um direito social fundamental e impõe
em seu artigo 196 que seja assegurado esse direito pelo Estado por meio
de políticas públicas, garantindo a todos acesso igualitário e universal.
As políticas públicas no âmbito da saúde devem ser tratadas
de forma abrangente, levando em consideração as necessidades da
população, cujas ações devem estar voltadas à promoção, prevenção e
recuperação da saúde.
Sob este prisma o Sistema Único de Saúde (SUS) foi implementado
por meio da Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990, denominada “Lei
Orgânica da Saúde” tendo como objetivo administrar os serviços e as
ações na área da saúde, inclusive a assistência farmacêutica conforme
artigo 6º, inciso I, alínea “d” (BRASIL, 1990).
Este trabalho tem como objetivo o estudo da “Judicialização
de políticas públicas relacionadas a medicamentos de alto custo”.
Verificará os critérios definidos pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para
a imposição do fornecimento dos fármacos pelo Estado, o que ocorreu no
julgamento da STA n. 175. Em seguida será analisada a decisão proferida
no Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas n. 0302355-
11.2014.8.24.0054/50000 pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina e os
1
Artigo extraído do Trabalho de Conclusão de Curso intitulado “A insuficiência de políti-
cas públicas referentes a medicamentos de alto custo, frente ao processo de judicialização:
Uma análise com relação à dimensão de saúde coletiva”, da acadêmica Liliane Satiro Borges,
orientado pela Prof. Ma. Adriane Bandeira Rodrigues e apresentado na Universidade do Ex-
tremo Sul Catarinense (UNESC), Curso de Direito, em julho de 2018.

139
critérios determinados no respectivo julgado. Por fim, será instrumento
de análise o Recurso Especial n. 1.657.156, com o seguinte tema objeto de
afetação: “obrigatoriedade do poder público de fornecer medicamentos
não incorporados em atos normativos do SUS”.

JUDICIALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS


Inicialmente, cumpre observar o sentido do termo judicialização.
Conforme Barroso (2012) algumas indagações de ampla repercussão
política e social, ao invés de serem decididas pelos poderes convencionais:
o Congresso Nacional e o Poder Executivo, estão sendo decididas pelo
Poder Judiciário.
Atualmente aglomeram-se pedidos judiciais requerendo a
contribuição por parte do Estado para assegurar o direito à saúde, inclusas
nessas ações inúmeras solicitações de medicamentos, que na sua maioria
não são providos pelo SUS (CHIEFFI, BARATA, 2010).
Assim sendo, segundo Barroso (2012), um dos motivos centrais
para a judicialização no País, originou-se do processo de redemocratização
do Estado, que teve como ápice a promulgação da Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988. Nos últimos anos o Judiciário
tornou-se um legítimo poder político, atribuindo eficácia às leis e à
Constituição Federal.
De acordo com Rodrigues (2016), nesse aspecto, questiona-se
a legitimidade da atuação do Poder Judiciário no que tange às decisões
voltadas às políticas públicas, visto que os magistrados não foram
escolhidos pelo povo a partir do processo democrático, nos termos da
CRFB/1988. Entretanto, face aos vícios de representação no País, torna-
se legítimo o controle judicial, conforme os ditames do próprio texto
constitucional, que assegura a inafastabilidade do controle jurisdicional,
princípio esse previsto no artigo 5º inciso XXXV, nos seguintes termos:
“A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a
direito.” (BRASIL, 1990).

140
A respeito, leciona Grau (2004, p. 335):

O Poder Judiciário é o aplicador último do direito.


Isso significa que, se a Administração Pública ou um
particular ou mesmo o Legislativo - de quem se reclama
a correta aplicação do direito, nega-se a fazê-lo, o Poder
Judiciário poderá ser acionado para o fim de aplicá-lo.

Assim, hodiernamente, o objeto de debate deixa de ser a


legitimidade do controle judicial na seara das políticas públicas para tratar
dos limites e conteúdo das decisões judiciais (BUCCI, 2013). Nesse tocante
o STF se pronunciou na ADPF n. 45, da relatoria do Ministro Celso de
Mello, entendendo que nos casos de abuso ou omissão estatal é legitima
a atuação do Poder Judiciário (STF, 2004).
Dessa forma, as decisões judiciais proferidas nos processos
onde são postulados medicamentos de alto custo deverão ser criteriosas,
diante da demanda crescente capaz de gerar riscos ao gerenciamento das
ações e serviços públicos de saúde, pondo em risco a dimensão coletiva
da saúde (CHIEFFI; BARATA, 2010).
Conforme entendimento de Barroso (2009), tal fato decorre do
crescente volume de ordens judiciais determinando que o Estado custeie
tratamentos de elevado valor, cuja necessidade e eficácia em muitos
casos são questionadas, sobretudo porque em muitas hipóteses tratam-
se de medicamentos em fase experimental (sem comprovação científica
de eficácia) ou se tratam de tratamentos alternativos. Tal demanda gera
impactos financeiros ao Estado, diante da necessidade de pessoal e
despesas processuais. Aliado a isso provoca o incremento do volume de
processos em trâmite perante o Poder Judiciário.
Nesse sentido, esclarece Barroso (2009, p. 35):

Tais excessos e inconsistências não são apenas


problemáticos em si. Eles põem em risco a própria
continuidade das políticas de saúde pública,
desorganizando a atividade administrativa e impedindo
a alocação racional dos escassos recursos públicos. No
limite, o casuísmo da jurisprudência brasileira pode

141
impedir que políticas coletivas, dirigidas à promoção
da saúde pública, sejam devidamente implementadas.
Trata-se de hipótese típica em que o excesso de
judicialização das decisões políticas pode levar a não
realização prática da Constituição Federal.

Os medicamentos pleiteados, em diversas hipóteses, são


fármacos inovadores, e de alto custo, levando-se em consideração outras
terapias indicadas para o tratamento da patologia, e, ainda, podem não
estar disponíveis no mercado nacional. Não obstante, são objetos de
prescrição como única alternativa de tratamento para a doença. Referida
conduta dos médicos pode estar relacionada, em alguns casos, à influência
promovida pelo poderio financeiro da indústria farmacêutica que realiza
elevados investimentos na área do marketing perante os profissionais da
área da saúde com fulcro a obtenção de lucratividade, sobretudo para
viabilizar o retorno financeiro dos grandes investimentos exigidos para a
inovação tecnológica (CHIEFFI; BARATA, 2010).
Segundo o CONASS:

Da mesma maneira como em outras áreas da saúde,


também, nas questões relacionadas aos medicamentos,
é importante que se tenha presente os vários interesses
das indústrias, que precisam fazer investimentos
cada vez maiores para obter um novo produto que se
caracterize como um efetivo avanço terapêutico. Muitos
dos lançamentos no mercado são de medicamentos
com pequenas alterações ou adições nas moléculas já
disponíveis. Essa é uma das estratégias utilizadas pelas
empresas farmacêuticas para a obtenção de uma nova
patente para determinado produto, o que assegura sua
exclusividade na fabricação e comercialização. Por meio
de estratégias de marketing, tais medicamentos são
apresentados à classe médica e, até mesmo, a grupos
específicos de usuários, como inovadores, ressaltando-
se de forma desproporcional suas vantagens em relação
à terapêutica instituída ou a produto já ofertado pelo
SUS. Frequentemente, apresentam preços elevados,
com custo/tratamento significativamente superiores ao
seu antecessor e desproporcionais em relação à resposta
obtida no tratamento. (BRASIL, 2003).

142
No campo das políticas públicas o que gera preocupação é a
grande margem de discricionariedade que os juízes dispõem ao proferirem
as decisões. Percebe-se que com o objetivo de promover a justiça social
são concretizados direitos individuais, sem, “[...] contudo realizar uma
análise do caso concreto contextualizada à realidade social, econômica e
política do País, o que pode gerar graves prejuízos à própria continuidade
da política pública e à saúde do ponto de vista coletivo.” (RODRIGUES,
2016).
Nesse tocante, os estudiosos discutem os limites do direito de
os cidadãos demandarem o Estado com vistas à obtenção de prestações
positivas que atendam os seus direitos sociais fundamentais, os quais
podem pertencer a duas categorias: direitos originários e direitos
derivados a prestações (RODRIGUES, 2016).
Segundo Canotilho (2003), são direitos originários aqueles que
decorrem de normas que impõem ao Estado um dever e, de outro lado,
asseguram ao cidadão o direito de exigir prestações positivas.
De outro lado, ainda conforme ensina Canotilho (2003), os
direitos derivados a prestações são aqueles em que se atribui legitimidade
ao cidadão de exigir prestações do Estado que não estejam contempladas
em política pública ou lei, mas que decorrem de dever do Estado,
Pertencem ao campo das prestações derivadas das ações
judiciais referentes aos medicamentos que, embora não previstos na
Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME), dispensados
à população, são objeto de pedidos perante o Poder Judiciário, sob o
fundamento de que devem estar inseridos no dever do Estado de garantir
a todos o direito social fundamental à saúde.
Portanto, mister o estabelecimento de critérios a serem
observados pelas decisões judiciais, sob pena de os pedidos referentes aos
medicamentos de alto custo serem deferidos em demandas individuais,
causando prejuízo à coletividade, que continua dependente das políticas
públicas. Nesse desiderato, foram estabelecidos alguns critérios a serem
observados pelos magistrados, conforme será demonstrado.

143
PARÂMETROS FIXADOS PELO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL PARA O DEFERIMENTO DOS PLEITOS
O julgado do STF na STA n. 175, de 17 de março de 2010, é
paradigmático no que tange ao tema, visto que apontou os critérios que
deveriam ser observados para o proferimento das decisões judiciais nos
pedidos referentes a medicamentos e foram estabelecidos os seguintes
parâmetros.
O primeiro critério refere-se à necessidade de exame da
existência ou não de política pública referente à prestação almejada: Na
hipótese de haver política pública do SUS contemplando a prestação, é
reconhecido o direito subjetivo público do requerente; caso contrário,
não havendo previsão da prestação na política pública, há três hipóteses
a serem averiguadas: I - omissão legislativa ou administrativa; II - decisão
administrativa no sentido de não dispensar o medicamento; e III - existência
de proibição legal de dispensa. Nesse último caso, dispõe o artigo 12 da Lei
Federal n. 6.360/1976 que “[...] nenhum dos produtos de que trata esta
Lei, inclusive os importados, poderá ser industrializado, exposto à venda
ou entregue ao consumo antes de registrado no Ministério da Saúde.”
(BRASIL, 1976). Assim sendo, o medicamento não poderá ser consumido
sem o registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que
atua na proteção da saúde da população por intermédio da fiscalização
sanitária sobre a produção e a comercialização de produtos e serviços
que se sujeitam à vigilância sanitária (STF, 2010 apud RODRIGUES, 2016,
p. 147/148).
O segundo critério trata da motivação para a negativa de
fornecimento do fármaco pelo sistema público de saúde. Nesse tocante,
o Ministro Relator Gilmar Mendes apresenta duas hipóteses: 1) o SUS
fornece terapia alternativa, mas não adequada a determinado paciente
e 2) o SUS não dispõe de tratamento específico para determinada
patologia. Na primeira situação é entendido que o Poder Judiciário pode
deferir o pedido apesar de o fármaco não estar contemplado na política
pública, caso demonstrada a ineficácia da alternativa terapêutica para
o requerente, mas trata-se de medida de exceção, visto que deve ser

144
prestigiado o uso dos fármacos disponíveis na rede pública, com custo
menor para o Estado; já na segunda hipótese, não havendo tratamento
alternativo para a patologia na rede pública, os pedidos judiciais podem ser
concedidos, desde que não versem sobre medicamentos experimentais
(STF, 2010).
O terceiro critério impõe a devida produção de provas no
processo, considerando que os casos concretos não são idênticos. Assim,
as circunstâncias fáticas demandam minucioso exame a fim de que as
decisões possam conciliar as duas esferas do direito à saúde, quais sejam:
a objetiva e a subjetiva. Segundo o Relator, a exigência da instrução
probatória tem por objetivo evitar a “[...] produção padronizada de
iniciais, contestações e sentenças, peças processuais que, muitas vezes,
não contemplam as especificidades do caso concreto examinado.” (STF,
2010).
No que tange aos parâmetros estabelecidos pela decisão
paradigmática, Rodrigues (2016, p.150) entende que a “[...] decisão
proferida pelo plenário do órgão de cúpula do Poder Judiciário, que
ratificou os parâmetros fixados pela decisão monocrática da presidência
do tribunal, os quais sevem de sugestão para as decisões referentes às
demandas que envolvam direito à saúde”.
Destarte, para que sejam atendidos os propósitos deste trabalho
se analisará a decisão proferida no Incidente de Resolução de Demandas
Repetitivas n. 0302355-11.2014.8.24.0054/50000 pelo Tribunal de Justiça
de Santa Catarina, destacando-se os critérios estipulados pelo julgado.
Importa destacar-se a relevância da análise da aludida decisão neste
trabalho, visto que tal tese deve ser observada pelos juízes e demais
órgãos do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, pois tal incidente tem
por propósito a uniformização da jurisprudência, nesse caso no âmbito do
estado de Santa Catarina.

145
A TESE FIXADA NO INCIDENTE DE RESOLUÇÃO
DE DEMANDAS REPETITIVAS N. 0302355-
11.2014.8.24.0054/50000 PELO TRIBUNAL DE
JUSTIÇA DE SANTA CATARINA
Tramitou perante a Vara da Fazenda Pública, Acidentes do
Trabalho e Registros Públicos da Comarca de Rio do Sul determinada
ação onde um cidadão ingressou em face do Município de Agronômica
e do estado de Santa Catarina pleiteando o fornecimento dos fármacos:
Vildagliptina + Metformina (GalvusMet), Levotiroxina, Ezetimiba +
Sinvastatina e Carvedilol, por ser portador de Diabetes Melito Tipo II
(CID10: E11 e E10.5), hipertensão, dislipidemia e hipotireoidismo (TJSC,
2016).
Restou concedida a tutela provisória para determinar
a concessão dos medicamentos postulados. Citado, o município
apresentou contestação arguindo preliminarmente sua ilegitimidade
passiva, e no mérito, alegou a falta de recursos públicos para o custeio
de medicamentos excepcionais e, por fim, requereu a produção de prova
pericial e testemunhal (TJSC, 2016).
Ainda, o ente estatal, defendeu, preliminarmente, a ausência
de interesse de agir quanto aos medicamentos Carvedilol, Levotiroxina
e Glicazida porquanto fornecidos pelo Programa de Assistência
Farmacêutica na Atenção Básica, sustentou, no mérito, a impossibilidade
de fornecimento de medicação distinta da padronizada nos programas
oficiais, uma vez que se encontra disponibilizada pelo SUS alternativa
terapêutica compatível com a medicação solicitada. Argumentou, ainda,
que a receita médica foi fornecida por profissional particular, o que não
encontra abrigo na Recomendação da COMESC n. 01 de 30.07.2012, expôs
sobre a essencialidade da realização de perícia e sobre a falta de provas
quanto à hipossuficiência do postulante bem como sobre a necessidade
da fixação de contracautela (TJSC, 2016).
Depois da realização de exame pericial, o Magistrado julgou
procedente o pedido, ratificando a decisão que deferiu a tutela provisória,
e condenou os réus ao fornecimento dos insumos, sob pena de “[...] multa

146
mensal no valor equivalente a dois meses de uso dos medicamentos, a
serem adquiridos nas farmácias da região, valor este que será sequestrado
dos cofres [...], mediante comprovação dos gastos.” (TJSC, 2016).
O estado apelou, apontando a ausência de interesse de agir
quanto aos medicamentos padronizados, alegando que o requerente
possui condições de arcar com os custos do tratamento; já o município
apelou, alegando não possuir recursos econômicos para atender à
condenação solidária, destacando a escassez de suas receitas (TJSC, 2016).
Depois da apresentação das contrarrazões, os autos ascenderam
ao Tribunal de Justiça de Santa Catarina.
Distribuído o recurso ao relator, este entendeu de requerer de
ofício, a instauração do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas
(IRDR), sob a perspectiva constitucional da isonomia e da segurança
jurídica, e por essa razão retirou o processo da pauta, uma vez que o
mesmo entendeu por bem ampliar o debate sobre a questão, visto que
havia quase 25 mil ações na área da saúde em trâmite no estado de Santa
Catarina tratando da mesma questão de direito, tudo visando a obter a
uniformização do entendimento da Corte diante da divergência acerca
do tema. Com esse intuito, decidiu por afetar o julgamento ao Grupo de
Câmaras de Direito Público (TJSC, 2016).
Destaca-se que os requisitos legais para a instauração do IRDR
estavam presentes no caso em tela, conforme o artigo 976 do Código de
Processo Civil:

É cabível a instauração do incidente de resolução de


demandas repetitivas quando houver, simultaneamente:
I - efetiva repetição de processos que contenham
controvérsia sobre a mesma questão unicamente de
direito;
II - risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica.
(BRASIL, 2015).

O processamento do IRDR foi admitido pelo Grupo de Câmaras


de Direito Público, na sessão de julgamento do dia 11 de maio de 2016,
e em cumprimento ao disposto nos artigos 979, 982 e 983 do Código de

147
Processo Civil, foram suspensos todos os processos pendentes (coletivos e
individuais) que versavam sobre a temática. Na sequência, foi intimado o
Ministério Público, assim como as partes, para a realização das respectivas
manifestações (TJSC, 2016).
Foi determinado pelo relator que se oficiasse com cópia do
despacho e do acórdão da instauração do IRDR, para que querendo se
manifestassem acerca do oficio, as entidades a seguir relacionadas:

Secretaria de Estado da Saúde de Santa Catarina;


Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina;
Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina; Ordem
dos Advogados do Brasil, Seccional de Santa Catarina
(OAB/SC); Defensoria Pública do Estado de Santa
Catarina; Programa de Proteção e Defesa do Consumidor
(PROCON/SC); Federação Catarinense de Municípios
(FECAM); Associação Catarinense de Medicina (ACM);
Associação Brasileira de Saúde Coletiva – Abrasco;
Associação de Defesa dos Usuários de Seguro, Planos e
Sistema de Saúde (Aduseps); Rede Humaniza SUS – RHS;
Associação dos Usuários do Sistema Único de Saúde
(ASSUS). (TJSC, 2016).

Depois das manifestações, de algumas entidades, os autos foram


encaminhados à Procuradoria Geral de Justiça, cujo parecer da lavra da
Exma. Dra. Gladys Afonso, aponta no sentido de que qualquer tratamento
disponível na rede pública (prestações originárias) deve estar acessível
a todos independentemente da situação financeira. Entretanto, para as
terapias e insumos não protocolares (prestações derivadas) deve-se exigir
o preenchimento do requisito hipossuficiência financeira, dentre outros
critérios. Ao final propõe que o cidadão esgote primeiramente a esfera
administrativa antes de recorrer ao Poder Judiciário (TJSC, 2016).
Com o intuito de facilitar a compreensão, no julgamento do IRDR
foi realizada uma subdivisão do entendimento, levando em conta o fato
de as prestações caracterizarem-se como originárias ou derivadas:
1. Demandas referentes a prestações originárias: tendo
em vista que diante da hipótese em que o direito fundamental
à saúde encontra-se regulado, ou seja, havendo uma política

148
pública posta em prática, como no que diz respeito às terapias
e medicamentos incluídos nas listas e protocolos oficiais do
SUS, a função do Poder Judiciário, nesse caso, é garantir a sua
efetividade, situação essa que se trata de direito subjetivo
individual, em que o cidadão tem o poder de exigir do Estado
(TJSC, 2016).
Nessa hipótese, em que a demanda é voltada ao recebimento
de insumo ou terapia protocolar, é suficiente o receituário médico
indicando a patologia e a necessidade de seu uso ou implementação do
tratamento, cujo profissional pode ser ou não dos quadros públicos, aliada
à demonstração de impossibilidade de obtenção na via administrativa
(TJSC, 2016).
Diante da situação apresentada, restaram eleitos dois requisitos
para a concessão judicial de remédio ou tratamento constante do
rol do SUS: “1) a necessidade do fármaco perseguido e adequação à
enfermidade apresentada, atestada por médico; e, concomitantemente,
2) a demonstração de impossibilidade de obtenção na via administrativa.”
(TJSC, 2016).
Nesse caso, resta claro que quando o objeto da demanda
for o fornecimento de fármaco padronizado não há necessidade de
comprovação da hipossuficiência financeira, sendo suficiente preencher
os dois requisitos citados.
2. Demandas referentes a prestações derivadas: nessa
hipótese, como se objetiva o fornecimento de fármaco ou
tratamento ainda não abrangido por política pública, alguns
requisitos devem anteceder ao reconhecimento do direito
subjetivo do indivíduo e, em contrapartida, a obrigação do Estado
em fornecê-lo. Diante desse contexto, lista-se como requisito
essencial a comprovação da “hipossuficiência financeira do
doente e de seu núcleo familiar”, de modo que seja impossível
arcar com custeio da terapia necessária (TJSC, 2016).
Nesse caso, para comprovar a carência financeira não basta a
simples declaração do paciente, uma vez que não se trata de hipótese similar
a que permite a gratuidade judiciária, onde o Estado deixa de arrecadar

149
recurso, mas, “[...] ao contrário, está-se diante de reconhecimento de
obrigação positiva por parte do Estado, ensejando despesa imprevista a
incidir em um orçamento já escasso para a implementação das políticas
públicas existentes.” (TJSC, 2016).
No caso em comento, não basta a simples declaração do enfermo,
é necessário produzir provas claras dessa alegação, sendo indispensável a
comprovação da hipossuficiência inclusive do núcleo familiar.
Assim, nessa perspectiva compete ao autor demonstrar a alegada
carência financeira, pois tal requisito se traduz em fato constitutivo do
direito subjetivo. Caso haja dúvidas com relação à hipossuficiência do autor
e de seu núcleo familiar, nesse caso deve ser determinada a realização de
estudo social tendo em vista que essa é a ferramenta capaz de apontar
as peculiaridades de cada caso concreto, o que auxiliará o julgador na
elucidação da capacidade financeira do demandante. Entretanto o próprio
interessado pode reunir provas que sejam capazes de indicar de plano
sua impossibilidade de arcar com os custos do tratamento pretendido,
deixando o estudo social somente para as hipóteses mais nebulosas (TJSC,
2016).
Conforme posicionamento firmado no IRDR (TJSC, 2016) “[...]
assenta-se a comprovação da hipossuficiência financeira como requisito
imprescindível ao nascimento da obrigação estatal de custear fármaco
não padronizado pela rede pública”.
Juntamente com o requisito da demonstração da hipossuficiência
soma-se a demonstração da necessidade do medicamento reclamado,
aliada à inexistência na listagem oficial do SUS de fármaco de atuação
idêntica ou similar, que possa tratar a doença referida. E, caso o paciente
já tenha utilizado o medicamento fornecido pelo SUS, a comprovação de
sua ineficácia. Nesse caso, faz-se necessária a realização de perícia médica
com o objetivo de subsidiar a decisão judicial na matéria (TJSC, 2016).
Porém, deve-se diferenciar a pretensão voltada à garantia
do mínimo existencial, daquela referente ao máximo desejável. Nesse
sentido, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina se manifestou:

150
Quando o remédio ou procedimento postulado refere-
se à enfermidade para a qual inexiste política pública,
permitindo-se aferir que tal omissão atinge a dignidade
da pessoa humana, na medida em que condiz com os
ditames básicos de cuidados à saúde, estar-se-á diante
de pretensão condizente com a noção de mínimo
existencial. Ao contrário, quando houver política
pública disponibilizando droga diversa da perseguida
judicialmente, ou a ausência de política se der em
razão de se tratar de fármaco experimental ou de custo
exorbitante, há que se aprofundar a análise. Isso porque
a decisão judicial estará influindo diretamente na seara
da Administração, de modo a, obrigatoriamente, ter-se
que ponderar as consequências práticas do comando
emanado pela autoridade judiciária, devendo-se, pois,
sopesar a pretensão com o princípio da reserva do
possível. (TJSC, 2016).

Portanto, quando se tratar de medicamentos não listados


pelo sistema público de saúde, além da necessidade de comprovação
da hipossuficiência financeira do postulante e do grupo familiar, haverá
também a necessidade de se comprovar a inexistência ou ineficácia da
política pública referente à doença, devendo-se analisar se a pretensão
almeja o mínimo existencial ou o máximo prometido, neste último caso,
sujeitando-se ao exame relativo à reserva do possível.
Entretanto, com relação aos medicamentos constantes na
RENAME, não há necessidade de comprovação de hipossuficiência
financeira, porém, deverá ser comprovada a necessidade do medicamento
solicitado e adequação à enfermidade apresentada, atestada por médico,
e simultaneamente a demonstração de impossibilidade de obtenção na
via administrativa (TJSC, 2016).
Diante do exposto foram firmadas as seguintes teses jurídicas:

Para a concessão judicial de remédio ou tratamento


constante do rol do SUS, devem ser conjugados os
seguintes requisitos: (1) a necessidade do fármaco
perseguido e adequação à enfermidade apresentada,
atestada por médico e, concomitantemente; (2) a
demonstração, por qualquer modo, de impossibilidade

151
ou empecilho à obtenção na via administrativa (Tema
350 do STF).
Para a concessão judicial de fármaco ou procedimento
não padronizado pelo SUS, são requisitos
imprescindíveis: (1) a efetiva demonstração de
hipossuficiência financeira; (2) ausência de política
pública destinada à enfermidade em questão ou sua
ineficiência, somada à prova da necessidade do fármaco
buscado por todos os meios, inclusive mediante perícia
médica; (3) nas demandas voltadas aos cuidados
elementares à saúde e à vida, ligando-se à noção de
dignidade humana (mínimo existencial), dispensam-
se outras digressões; (4) nas demandas claramente
voltadas à concretização do máximo desejável, faz-se
necessária a aplicação da metodologia da ponderação
dos valores jusfundamentais, sopesando-se eventual
colisão de princípios antagônicos (proporcionalidade
em sentido estrito) e circunstâncias fáticas do caso
concreto (necessidade e adequação), além da cláusula
da reserva do possível. (TJSC, 2016, grifo do autor).

Assim sendo, depois do julgamento do IRDR, pelo Tribunal de


Justiça de Santa Catarina, estabeleceram-se critérios a serem observados
pelos magistrados frente às demandas referentes ao direito à saúde, a
fim de uniformizarem-se as decisões proferidas, para que não haja mais
discrepância sobre o tema, conforme artigo 985 do Código de Processo
Civil:

Art. 985 Julgado o incidente, a tese jurídica será aplicada:


I - a todos os processos individuais ou coletivos
que versem sobre idêntica questão de direito e que
tramitem na área de jurisdição do respectivo tribunal,
inclusive àqueles que tramitem nos juizados especiais
do respectivo Estado ou região;
II - aos casos futuros que versem idêntica questão
de direito e que venham a tramitar no território de
competência do tribunal, salvo revisão na forma do art.
986.
§ 1º Não observada a tese adotada no incidente, caberá
reclamação.

152
§ 2º Se o incidente tiver por objeto questão relativa
a prestação de serviço concedido, permitido ou
autorizado, o resultado do julgamento será comunicado
ao órgão, ao ente ou à agência reguladora competente
para fiscalização da efetiva aplicação, por parte dos entes
sujeitos à regulação, da tese adotada. (BRASIL, 2015).

Depois da análise do julgamento do IRDR se passará ao estudo


do Recurso Especial n. 1.657.156, com o objetivo de verificar os critérios
estabelecidos pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre a matéria. É
importante destacar que por se tratar de Recurso Especial Repetitivo,
os tribunais e juízes em todo o território nacional deverão observar os
parâmetros estabelecidos na referida decisão nas demandas relacionadas
à matéria.

O RECURSO ESPECIAL N. 1.657.156 E OS SEUS


TRÂMITES
O caso tratado no recurso refere-se a uma paciente, recorrida,
portadora de glaucoma crônico bilateral (CID 440.1), que necessita fazer
uso contínuo dos seguintes medicamentos: Colírios: Azorga 5 ml, Glaub
5 ml e Optive 15 ml, conforme prescrição fornecida por médico em
atendimento pelo SUS. A Corte de origem entendeu que foi devidamente
demonstrada a necessidade da paciente em receber os fármacos
pleiteados bem como sua hipossuficiência financeira para aquisição
dos medicamentos. Entretanto, o estado do Rio de Janeiro, recorrente,
alegou que a assistência farmacêutica do estado somente pode ser
prestada por meio da entrega de medicamentos prescritos em acordo
com os Protocolos Clínicos incorporados ao SUS ou, “[...] na hipótese
de inexistência de protocolo, com o fornecimento de medicamentos
constantes em listas editadas pelos entes públicos”. Requereu ainda que
seja reconhecida a possibilidade de substituição do fármaco demandado
por outros já padronizados e disponibilizados (STJ, 2018).

153
O presente recurso preencheu os pressupostos de
admissibilidade, o que viabilizou a apreciação e julgamento da tese em
recurso repetitivo.
É importante destacar que, o tema afetado, “obrigatoriedade
do poder público de fornecer medicamentos não incorporados em atos
normativos do SUS” se refere unicamente ao fornecimento de fármacos,
previsto no inciso I do artigo 19-M da Lei n. 8080/1990 que consiste na
dispensação de medicamentos de interesse para a saúde, sendo que a
prescrição deve estar em consonância com as diretrizes terapêuticas
dispostas em “protocolo clínico para a doença ou o agravo à saúde a ser
tratado ou, na falta do protocolo, em conformidade com o disposto no
artigo 19-P.” (BRASIL, 1990).
A temática acerca do fornecimento de medicamentos possui
ampla jurisprudência no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo
Tribunal Federal. Ambos os tribunais têm firmado entendimento nas ações
que têm por objeto o fornecimento de medicamentos, no sentido de ser
devido o provimento de fármacos não incorporados em atos normativos
do SUS (STJ, 2018).
Diante desse contexto, restaram fixados os parâmetros na
tese firmada no respectivo julgamento, sendo que o primeiro exige
que seja demonstrado pela parte autora por meio de laudo médico
circunstanciado e devidamente fundamentado, expedido por médico que
assiste o paciente, que o medicamento receitado lhe seja imprescindível.
É necessário também comprovar a ineficiência dos medicamentos
disponibilizados pelo SUS para o tratamento pretendido (STJ, 2018).
O Enunciado n. 15 da I Jornada de Direito da Saúde realizada
pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) dispõe que o laudo médico deve
conter algumas informações essenciais:

O medicamento indicado, contendo a sua Denominação


Comum Brasileira (DCB) ou, na sua falta, a Denominação
Comum Internacional (DCI); o seu princípio ativo,
seguido, quando pertinente, do nome de referência
da substância; posologia; modo de administração;
e período de tempo do tratamento; e, em caso de

154
prescrição diversa daquela expressamente informada
por seu fabricante, a justificativa técnica. (CNJ, 2014).

O segundo critério fundamenta-se na necessidade de


comprovação da hipossuficiência daquele que pleiteia o medicamento.
Vale destacar que não se exige a comprovação de miserabilidade ou
pobreza, mas a demonstração de que o requerente não possui condições
financeiras de arcar com os custos referentes à aquisição do fármaco
prescrito (STJ, 2018).
O terceiro e último critério, é que o fármaco pretendido já tenha
sido aprovado pela Anvisa (STJ, 2018), conforme imposição legal, do
artigo 19-T, inciso II, da Lei n. 8.080/1990: “Art. 19-T. São vedados, em
todas as esferas de gestão do SUS: [...] II - a dispensação, o pagamento,
o ressarcimento ou o reembolso de medicamento e produto, nacional ou
importado, sem registro na Anvisa.” (BRASIL, 1990).
Cumpre destacar-se que o presente recurso foi julgado no dia 25
de abril de 2018 e publicada a decisão no dia 4 de maio de 2018, e diante
do exposto foram firmadas as seguintes teses jurídicas:

Constitui obrigação do Poder Público o fornecimento de


medicamentos não incorporados em atos normativos
do SUS, desde que presentes, cumulativamente, os
requisitos fixados neste julgado, a saber:
I - Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado
e circunstanciado expedido por médico que assiste o
paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do
medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento
da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS;
II - Incapacidade financeira de arcar com o custo do
medicamento prescrito; e III - Existência de registro na
ANVISA do medicamento. (STJ, 2018, grifo do autor).

Além da fixação dos referidos critérios, restou determinado


que, depois do trânsito em julgado, os órgãos julgadores, comuniquem
ao Ministério da Saúde e à Comissão Nacional de Tecnologias do SUS
(Conitec) que procedam a estudos quanto à viabilidade de incorporação
do medicamento no âmbito do SUS (STJ, 2018).

155
É importante destacar que no caso concreto foi estabelecida a
modulação dos efeitos desse julgamento, sendo que os tribunais e juízes
deverão observá-lo para os processos que forem distribuídos a partir da
sua conclusão (STJ, 2018).
Vale destacar que a decisão proferida no Recurso Especial
também gera impactos nos processos que envolvem pedidos de
medicamentos propostos em Santa Catarina, embora haja a decisão
proferida no IRDR que também estabelece critérios para o deferimento
dos pedidos, aplicável exclusivamente no território do estado.
Ocorre que o Superior Tribunal de Justiça se trata de tribunal de
hierarquia superior com relação aos tribunais estaduais e tem o papel de
uniformizar a interpretação da lei infraconstitucional em todo o território
nacional.

IMPACTOS DA JUDICIALIZAÇÃO SOBRE A


DIMENSÃO DA SAÚDE COLETIVA
Conforme demonstrado no decorrer do presente trabalho existe
um número crescente de ações judiciais individuais que visam à obtenção
de medicamentos, mas esse modelo de ação contempla a dimensão
individual da saúde uma vez que a decisão judicial favorecerá somente o
autor da demanda.
As ações individuais, via de regra, beneficiam quem tem mais
conhecimento, mais acesso e informação, desse modo o atendimento
de demandas individuais e a judicialização não favorece os menos
esclarecidos, que ficam na sujeição da política pública, o que ofende o
princípio da universalidade do SUS (CRF-SC, 2016).
Portanto, a tutela individual não está em conformidade com o
tratamento dado à saúde pela Constituição da República Federativa do
Brasil de 1988, pois, segundo Rodrigues (2016, p.203), após a Constituição
restou [...] elevada à categoria de direito social fundamental do cidadão,
caracterizando-se como um bem pertencente a toda sociedade brasileira,
ou seja, é de titularidade de cada cidadão e de todos, coletivamente”.

156
As políticas públicas têm por objetivo a prestação coletiva pelo
Estado, visto que destinadas a toda população, dessa maneira observa-se
que a judicialização da saúde gera impactos sobre a dimensão coletiva
da saúde, uma vez que as demandas individuais exigem altos custos para
a administração pública além de dispêndios ao Poder Judiciário. Assim
a verba pública que poderia ser utilizada para a ampliação de políticas
públicas e consequentemente atender um maior número de cidadãos,
contemplando a dimensão coletiva de saúde, é utilizada em demandas
individuais.
Nesse contexto, vale destacar-se a importância da determinação
do STJ de expedição de ofícios aos órgãos competentes após o trânsito em
julgado das decisões que deferem pedidos de medicamentos. Tal medida
servirá para que haja estudos sobre a viabilidade da implementação dos
fármacos com o maior índice de pedidos judiciais na lista de medicamentos
disponibilizados pelo SUS, o que poderá contribuir para o fortalecimento
da saúde do ponto de vista coletivo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esse capítulo se propôs estudar a judicialização de políticas
públicas relacionadas aos medicamentos de alto custo, visto que embora
haja a RENAME, instrumento de orientação para a dispensação de
fármacos, a mesma é considerada incompleta. Desse modo, as políticas
públicas de medicamentos são insuficientes para atender às demandas
existentes. Diante desse cenário tem-se o processo de judicialização
da política, no qual a atuação do Poder Judiciário é tida como legítima
principalmente frente ao princípio da inafastabilidade do controle
jurisdicional, consagrado no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição da
República Federativa do Brasil de1988.
Entretanto, há limites para a atuação do Poder Judiciário, uma
vez que se tenta evitar interpretações desprovidas de critério que possam
colocar em risco o orçamento público, acarretando prejuízos ao direito
coletivo à saúde.

157
A presente pesquisa destacou os critérios estabelecidos no
julgamento do Agravo Regimental na STA n. 175 pelo Supremo Tribunal
Federal em março de 2010. É importante observar que essa decisão
constitui em um marco emblemático ao delimitar os requisitos a serem
adotados nas ações em que são requeridas prestações e serviços na área
da saúde, estabelecendo: a verificação quanto à existência ou não de
política pública referente à prestação pretendida: caso o medicamento
não seja fornecido, os motivos pelos quais não consta nas listas públicas
e a necessária instrução probatória, tendo em vista que os casos não são
iguais, devendo ser comprovada à necessidade e eficácia do tratamento
pretendido.
Em seguida se passou à análise dos critérios estabelecidos na
decisão proferida no IRDR n. 0302355-11.2014.8.24.0054/50000 pelo
Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Restou demonstrada a relevância da
análise da tese fixada, tendo em vista que deverá haver uma uniformização
da jurisprudência, sendo que os tribunais e juízes deverão observá-la nos
julgamentos referentes à matéria, observando os seguintes critérios:
em se tratando de fármaco ou tratamento constante do rol do SUS,
deve-se comprovar a necessidade do medicamento pretendido além da
demonstração da impossibilidade de obtenção pela via administrativa. Para
a obtenção pela via judicial de fármaco ou procedimento não padronizado
pelo SUS, faz-se necessária a comprovação da hipossuficiência financeira,
a ausência de política pública referente à enfermidade, juntamente com
prova da necessidade do medicamento.
Por último se analisou o Recurso Especial n. 1.657.156 com o
objetivo de verificar os critérios estabelecidos. Tal recurso foi analisado
por representar um marco nas decisões referentes ao fornecimento de
medicamentos, uma vez que se trata de Recurso Especial Repetitivo e a
tese firmada nesse julgamento deverá ser observada pelos tribunais e
juízes quando se tratar demandas relacionadas à matéria. Os critérios
estabelecidos foram: há obrigação do Poder Público em fornecer o
fármaco não incorporado no SUS, desde que atenda, ao mesmo tempo,
a comprovação da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento,
assim como da ineficácia dos medicamentos fornecidos pelo SUS, a

158
hipossuficiência financeira para arcar com o custo do tratamento e a
existência de registro do fármaco na Anvisa.
Ainda resultante da decisão do Recurso Especial se destacou a
determinação de que depois do trânsito em julgado, os órgãos julgadores,
comuniquem ao Ministério da Saúde e à Comissão Nacional de Tecnologias
do SUS que procedam a estudos quanto à viabilidade de incorporação do
medicamento no âmbito do SUS.
Considera-se esse um grande avanço, visto que o objetivo dessa
determinação é permitir a análise dos medicamentos com maior incidência
de pedidos judiciais para verificação da possibilidade de implementação
no rol de fármacos disponibilizados pelo SUS. Isso porque o aumento de
ações individuais pleiteando medicamentos é reflexo da insuficiência
de políticas públicas, uma vez que no cenário atual essas demandas
favorecem exclusivamente ao autor da ação, contribuindo assim para a
dimensão individual do direito à saúde em detrimento da coletividade.
Assim, a judicialização das políticas públicas relacionadas aos
medicamentos de alto custo não é a melhor alternativa para a consolidação
da dimensão coletiva da saúde, porém no futuro poderá contribuir para
o seu fortalecimento na medida em que a política pública comece a
contemplar os medicamentos objeto de reiterados pedidos judiciais em
ações individuais.

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160
RODRIGUES, A. B. A Judicialização do fornecimento de medicamentos fren-
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preceito fundamental n. 45. Requerente: Partido da Social Democracia Bra-
sileira (PSDB). Requerido: Presidente da República. Relator: Ministro Celso
de Mello. Brasília, DF, 29 abr. 2004. Disponível em: http://www.stf.jus.br.
Acesso em: 8 jan. 2018.

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Tutela Antecipada. Agravante: UNIÃO. Agravado: Ministério Público Federal
e outros. Relator: Ministro Gilmar Mendes. Brasília, DF, 17 mar. 2010. Dispo-
nível em: http://www.stf.jus.br. Acesso em: 8 jan. 2018.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF). STA/175. Requerente: União. Reque-


rido: Tribunal Regional Federal da 5ª Região (Apelação Cível n. 408729-CE-
2006.81.00.003148-1). Relator: Ministro Gilmar Mendes. Brasília, DF, 18 set.
2009. Disponível em: http://www.stf.jus.br. Acesso em: 8 jan. 2018.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA (TJSC). IRDR n. 0302355-


11.2014.8.24.0054/50000. Relator: Desembargador Rolnei Danieli. Florianó-
polis, 2016. Disponível em: http://www.tjsc.jus.br. Acesso em: 2 jun. 2018.

161
PARTE V
POLÍTICAS PÚBLICAS
E EDUCAÇÃO IO
R
Á
M
U
S
DOI: dx.doi.org/10.18616/pps07

ESTADO, DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO


E POLÍTICAS PÚBLICAS: UMA ANÁLISE DA
LEI N. 12.858/2013 E O FINANCIAMENTO DA
EDUCAÇÃO NO BRASIL
Francisco Cláudio Oliveira Silva Filho
Cynara Monteiro Mariano

INTRODUÇÃO SUMÁRIO
As políticas públicas, o projeto de Estado social e os direitos
sociais são interligados conceitualmente a facetas do mesmo processo
histórico. Essas noções partem do reconhecimento da existência de
necessidades humanas fundamentais e que demandam ações políticas
efetivas para seu atendimento.
No Brasil, a positivação de direitos sociais remonta à Constituição
de 1934. Mas é a partir do contexto social e jurídico inaugurado com a
promulgação da Constituição de 1988 que podemos compreender as
políticas públicas como meios para efetivação de direitos, especialmente
de caráter social. A Constituição de 1988 foi precedida por um amplo
processo de mobilização social, pela luta contra a ditadura militar e por
reivindicações pela democratização da política. Essas circunstâncias,
dentre outros fatores, fizeram com que o texto constitucional expressasse
um conjunto de reivindicações, necessidades, reformas estruturais e
projetos coletivos, consubstanciados na forma de direitos sociais, como
educação, saúde, alimentação, proteção aos trabalhadores, moradia,
reforma agrária, proteção do meio ambiente e previdência social.
Para além da estreiteza das concepções liberais do direito, o
constitucionalismo social, característico da atual constituição brasileira,
reclama a intervenção do Estado para garantia e efetivação de direitos.
A escolha de políticas públicas, como meio para efetivação de direitos
sociais, exige necessariamente uma decisão política e a intervenção

163
deliberada do Poder Público. Dentre os direitos sociais enumerados na
Constituição de 1988, especialmente no artigo 6º, o direito à educação
aparece de forma relevante. Também é assumida como direito de todos
e dever do Estado e da família e que será promovida e incentivada com a
colaboração da sociedade, como dito no artigo 205 da Constituição. Esses
elementos trazidos pelo texto constitucional sobre a educação exigem
uma atuação deliberada do Estado, por meio de ações políticas concretas.
Além do reconhecimento da educação como direito social,
a Constituição Federal, com alterações da Emenda Constitucional n.
59, de 2009, determina a elaboração de um plano nacional decenal
para educação. Esse plano deve conduzir, dentre outros objetivos, ao
estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em educação
como proporção do Produto Interno Bruto (PIB), conforme o artigo 214,
inciso VI, da Carta Constitucional.
A intervenção do Estado para concretização de direitos sociais
implica necessariamente na aplicação de recursos públicos. Assim,
com objetivo de garantir recursos para o cumprimento das metas
constitucionais, foi promulgada a Lei n. 12.858, de 9 de setembro de
2013, que trata da destinação, para as áreas de educação e saúde, de
parcela da participação no resultado ou da compensação financeira pela
exploração de petróleo e gás natural. A finalidade dessa disposição é
cumprir as metas constitucionais do Plano Nacional de Educação (PNE).
Essa lei foi promulgada no contexto da descoberta de gigantescas reservas
de petróleo e gás natural na camada do pré-sal, localizada em vasta região
do litoral brasileiro. Assim, discutiremos a relação entre políticas públicas
e efetivação do direito social à educação no Brasil, tendo como foco a
análise da Lei n. 12.858/2013, especialmente quanto à destinação dos
royalties oriundos da exploração do petróleo para o cumprimento das
metas de recursos para o PNE.

ESTADO SOCIAL E POLÍTICAS PÚBLICAS


A temática das políticas públicas é oriunda da Ciência Política e da
Ciência da Administração Pública e, na Ciência do Direito, tem sido objeto

164
da Teoria do Estado e em disciplinas de Direito Público. Portanto, conforme
Bucci (2006), analisar políticas públicas como objeto de estudo do direito
é necessariamente realizar uma abertura para interdisciplinaridade.
O paradigma do positivismo jurídico, típico da formação do
Estado liberal, foi fundamental para delimitação e autonomia da ciência
jurídica, porém o desafio atual, na compreensão de Bucci (2006), é
superar o problema do esvaziamento do Direito Público, na sua função
de articulação entre Estado, Administração Pública e sociedade. O
positivismo jurídico levou a um processo de distanciamento em relação
a uma realidade em permanente transformação. Nesse sentido, a mesma
autora defende que o instrumental jurídico liberal e positivista não é o
adequado para captar o caráter eminentemente dinâmico e funcional das
políticas públicas (BUCCI, 1996). É necessário, portanto, compreender as
políticas públicas, no contexto das transformações sociais, que implicaram
em redefinições do papel do Estado, e que têm, atualmente, como uma
de suas principais funções, a efetivação de direitos sociais.
As políticas públicas, assim como os direitos sociais, são
realidades que surgem com a formação do Estado social. Porém, é
importante ressalvar que quando analisamos as mudanças que ocorrem
no Estado, não significa a ocorrência de uma ruptura estrutural ou a
supressão de uma forma de Estado por outra, no caso o Estado social
sobre o Estado liberal. Ao contrário, o Estado moderno mantém, ao longo
de sua história, a mesma essência.
O Estado é caracterizado, em última instância, na compreensão
de Weber (2011), pelo monopólio legítimo do exercício da força ou da
violência. No sentido exposto pelo sociólogo alemão, a política, que tem
no Estado moderno a sua principal forma de organização e expressão,
é entendida como conjunto de esforços com objetivo de influenciar o
poder dentro do Estado (WEBER, 2011). Em sentido semelhante, Bobbio
(2003) entende o poder como capacidade que um sujeito possui de
condicionamento e determinação do comportamento de outro indivíduo.
Tal como Max Weber, Norberto Bobbio estabelece como critério mais
adequado para distinguir as diversas formas de poder os meios utilizados
para obter os efeitos desejados. Assim, para Bobbio (2003), o poder
político é delimitado pelo uso da força como meio para alcançar seus fins,

165
ainda que em última instância. Por outro lado, para o jurista italiano, há
uma passagem do poder de fato, em última instância a força direta, para
o poder de direito. É a manutenção do exercício do poder, ou seja, sua
continuidade, que determina a juridicidade do exercício do poder, e não
apenas sua institucionalização sob a forma de Estado.
Ocorre que a partir do século XIX, especialmente na primeira
metade do século XX, diversas transformações sociais, econômicas
e jurídicas conformaram novas funções para o Estado, como o
reconhecimento de demandas sociais na forma de direitos e políticas
públicas. A afirmação de necessidades coletivas, consubstanciada em
direitos sociais, é uma das principais características do direito no início
do século XX. As revoluções liberais burguesas foram fundamentais para
o reconhecimento e positivação de direitos e garantias individuais, como
as liberdades de ir e vir, de pensamento, de expressão, de associação etc.
No entanto, as contradições do desenvolvimento econômico e social,
especialmente depois da Revolução Industrial, implicaram em novos
e complexos direitos. Para além de aspectos individuais, os conflitos
sociais geraram demandas e necessidades como moradia, proteção aos
trabalhadores, previdência social, educação e saúde pública.
O conflito social, especialmente entre classes sociais
proprietárias e de trabalhadores, típica da sociedade capitalista, não
é algo alheio ao direito. Ao contrário, faz parte do seu processo de
desenvolvimento histórico. Bucci (2006) aponta que os conflitos são
um aspecto do constitucionalismo no século XX. Para autora, “[...] os
conflitos sociais não são negados e mascarados sob o manto de uma
liberdade individual idealizada. […] ganham lugar privilegiado, nas arenas
de socialização política.” (BUCCI, 2006, p. 6). O contexto de conflitos
sociais e políticos gerou a conformação do Estado social, que pode ser
definido, conforme Kerstenetzky (2012, p. 61), “[...] como um conjunto
histórico e institucionalmente moldado de intervenções públicas visando
à promoção do bem-estar e envolvendo redistribuição”.
A ideia de um Estado social não é isenta de crítica. Bauman
(2014) destaca o aspecto contraditório da formação do Estado social que
teria o real objetivo de manter os trabalhadores em condições mínimas
de presteza. Nesse sentido, o Estado social, durante um determinado

166
período da história, passou a ser defendido tanto por forças de esquerda
como de direita. Além disso, o Estado precisa proteger o capitalismo
das próprias contradições e consequências fruto da voracidade de lucro
(BAUMAN, 2014). Para isso, com suas novas funções, passou a reconhecer
necessidades sociais, estabelecendo limites e proteção jurídica para
demandas dos trabalhadores, sob pena de tornar insustentável para o
desenvolvimento do capitalismo os conflitos entre as classes sociais.
De toda forma, a caracterização do Estado moderno extrapola
sua essencialidade de uso da força de forma organizada e legítima. Ao
longo do século XX, em especial depois das duas Guerras Mundiais, o
Estado passou por profundas redefinições. Por um lado, a crise capitalista
em 1929 e da destruição das principais economias mundiais em razão
das guerras, fez com que os grupos políticos dominantes reavaliassem
o papel do Estado no desenvolvimento econômico. Por outro lado, os
movimentos reivindicatórios de trabalhadores e a ocorrência de processos
revolucionários, como do México (1910) e da Rússia (1917), geravam
tensionamentos e contradições que tiveram expressões nas concepções
de Estado e de constituição. Exemplo disso é a constituição mexicana de
1917 que incorporou, pela primeira vez, direitos sociais, resultados dos
avanços da revolução precedente.
O paradigma dos direitos sociais está relacionado necessariamente
com prestações positivas do Estado, o que significa um distanciamento
das teorias liberais do direito. Desse modo, Bucci (2006) entende que não
há um modelo jurídico de política social apartado do modelo de políticas
públicas econômicas. Ao contrário, a nova compreensão sobre o direito e
as políticas públicas tem a mesma origem histórica, que é a formação do
Estado intervencionista.
Seguindo a classificação de Bonavides (2003) para o
desenvolvimento histórico dos direitos humanos, podemos estabelecer
uma relação entre a concepção de Estado liberal abstencionista, que
corresponde às teorias liberais predominantes no século XIX, e a
afirmação dos chamados direitos de primeira geração, que exigem uma
prestação negativa do Estado. Por outro lado, a partir das novas demandas
e necessidades surgidas no início do século XX, grupos e classes sociais
reivindicam um Estado intervencionista, provedor de uma prestação

167
positiva para efetivação de direitos sociais, ou de direitos de segunda
geração.
Isso demonstra um esgotamento das concepções liberais sobre
Estado. Em termos históricos, o liberalismo clássico cumpriu a função de
afirmação de direitos de liberdade, especialmente para classe burguesa.
No entanto, Martins (2011, p. 144-145) entende que “[...] para as pessoas
desprovidas de condições mínimas para usufruir a liberdade […] o Estado
Liberal é inútil. O avanço foi inevitável: a substituição do Estado Liberal
pelo Estado Social, do Estado de Polícia pelo Estado Prestador de Serviços”.
As mudanças nas teorias do Estado e do Direito implicam na
afirmação, conforme Medauar (2003), que as atividades as quais são
essenciais à coletividade, como é o atendimento aos direitos sociais,
não podem ficar subordinadas apenas ao livre mercado. Assim, há uma
oposição entre atendimento de demandas sociais e liberalismo. Medauar
(2003) destaca a atualidade do pensamento da Escola Francesa de Direito
Administrativo, no início do século XX, ao defender a noção de serviço
público (conceito contido na expressão política pública) como expressão
uma atividade submetida não às únicas leis do mercado, mas a um
regime jurídico de Direito Público, que impõem exigências ao próprio
Estado. Portanto, é o elemento de garantia de proteção às classes menos
favorecidas.
Em outra perspectiva, Chauí (2007, p. 27) também tece críticas
ao que chama do “[...] encolhimento do espaço público e o alargamento
do espaço privado sob a ação da economia e dos governos chamados
neoliberais”. O neoliberalismo implica na destruição de direitos
econômicos, sociais e políticos garantidos pelo poder público, em proveito
dos interesses privados. A filósofa define o que seria a substituição da
política por questões aparentemente técnicas, como efeito da “ideologia
da competência”. Assim, a política é considerada uma questão técnica
que passa a ser abordadas por especialista competentes, cabendo ao
cidadão, segundo a visão crítica de Chauí (2007), confiar na competência
dos técnicos e reduzir sua participação política ao momento do voto nas
eleições. Em sentido semelhante, Nunes (2011) afirma a incompatibilidade
do neoliberalismo com as políticas sociais, direitos sociais e a própria
democracia. A ideologia neoliberal aponta como uma necessidade a

168
redução do estado ao estado mínimo. Mas não esconde que ele tem de
ser suficientemente forte para realizar a privatização de todos os serviços
públicos (NUNES, 2011).
Para o constitucionalista português, o ideário liberal nega o
objetivo das constituições modernas de redução das desigualdades
sociais. Segundo ele, “[...] as políticas que buscam realizar a justiça social
distributiva são sempre encaradas como um atentado contra a liberdade
individual.” (NUNES, 2011, p. 129). Essa noção é um retrocesso à tese
liberal de que o mercado realiza, por si, a liberdade, a eficiência econômica
e a equidade social. Avelãs Nunes reafirma sua crítica ao liberalismo e
aos neoliberais contemporâneos de forma contundente. O avanço de
políticas neoliberais, além destruírem as políticas sociais, é contrária à
cultura democrática do Estado social e ao sistema de seguridade pública,
pregando o retorno ao individualismo econômico e social. Para Nunes
(2011, p. 131), “[...] os neoliberais voltam, assim, as costas à cultura
democrática e igualitária da época contemporânea, caracterizada não
só pela afirmação da igualdade civil e política para todos, mas também
pela busca da redução das desigualdades entre os indivíduos no plano
económico e social”. Ou seja, no objetivo mais amplo de libertar a
sociedade e os seus membros da necessidade e do risco, objetivo que
está na base dos sistemas públicos de segurança social.
Portanto, a afirmação do Estado social – e consequentemente
a crítica às concepções liberais e neoliberais – é necessária para o
reconhecimento dos direitos sociais e das políticas públicas. O elemento
que caracteriza o Estado social, no qual são expressados direitos sociais, é
“[...] a existência de um modo de agir dos governos ordenado sob a forma
de políticas públicas, um conceito mais amplo que o de serviço público,
que abrange também as funções de coordenação e de fiscalização dos
agentes públicos e privados.” (BUCCI, 1996, p. 135).
As políticas públicas são expressão concreta das diretrizes
políticas mais gerais do Estado social. Nesse sentido, a análise das
transformações e concepções sobre a política e o Estado evidencia que a
fruição dos direitos sociais implica na ampliação de medidas concretas do
Poder Público.

169
O Estado se alarga cada vez mais “[...] de forma a disciplinar
o processo social, criando modos de institucionalização das relações
sociais que neutralizem a força desagregadora e excludente da economia
capitalista e possam promover o desenvolvimento da pessoa humana.”
(BUCCI, 2006, p. 4). Por tudo isso, podemos concluir pela relação intrínseca
entre a defesa do Estado social e as condições para realização de políticas
públicas. Essas políticas, por sua vez, são fundamentais para efetivação
dos direitos sociais.

POLÍTICAS PÚBLICAS E DIREITOS SOCIAIS


Políticas públicas são um meio de efetivação de direitos sociais.
Quando tratamos de políticas públicas, estamos afirmando, seguindo
a compreensão de Pereira (2013) uma política que tem por definição o
fato de ser pública, ou seja, de todos. Isso implica que a atuação política
não será direcionada ou promovida em razão de um indivíduo ou por
interesses particulares, mas sim para o atendimento de necessidades
sociais.
Nesse contexto, também surge a discussão sobre as políticas
públicas, em especial as políticas sociais, mais diretamente voltadas
para as demandas de natureza coletivas. É o sentido proposto por Demo
(1984), quando afirma que a política social deve ser contextualizada como
um projeto planejado para enfrentar as desigualdades sociais. Da mesma
forma, os direitos sociais são resultados do reconhecimento de legítimas
demandas de grupos e classes sociais. Para a efetivação desses direitos é
imprescindível a intervenção do Estado, de forma que se possam realizar
situações de igualdade material.
Bucci (2006) entende as políticas públicas como um programa ou
conjunto articulado de ações e governamentais com escopo de concretizar
objetivos de ordem pública, ou em sentido jurídico, concretizar direitos.
Da mesma forma, Pereira (2009) afirma que as políticas públicas visam à
concretização de direitos sociais e que esses direitos só têm aplicabilidade
por meio das políticas públicas que, por sua vez, são operacionalizadas por
meio de programas, projetos e serviços. Os direitos sociais são entendidos

170
como conquistas de determinados grupos e classes sociais e positivadas
pelo direito.
Em uma análise que ressalta aspectos jurídicos e formais,
Grinover (2009) entende políticas públicas como conjunto de atividades
do Estado tendentes a seus fins, de acordo com metas a serem atingidas.
Trata-se, assim, de um conjunto de normas (Poder Legislativo), atos
(Poder Executivo) e decisões (Poder Judiciário) que visam à realização dos
fins primordiais do Estado.
O surgimento dos direitos sociais deu-se, no século XX, por meio
da existência de um Estado social forte e atuante. Assim, nos termos
de Pereira (2013), os direitos sociais reclamam a atuação do Estado na
sociedade e a proteção pública dos direitos sociais. Portanto, “[...] eles
[direitos sociais] não se reduzem a um mero sistema institucional de
garantias de prevenção e de assistência, […] mas devem legitimar e dar
cobertura legal às políticas sociais universais mediante as quais eles se
materializam.” (PEREIRA, 2013, p. 56). Dessa forma, as políticas públicas
são resultadas da tomada de decisões políticas. Essa assertiva considerada
que o reconhecimento e atendimento das necessidades humanas, na
forma de direitos sociais, não cabem à esfera privada, como o mercado.
As concepções teóricas que defendem que a “mão invisível do mercado”
é suficiente para o atendimento das necessidades sociais fazem crer que
o papel do mercado é de “[...] agência-mor de provisão, e o consumidor
(e não o cidadão) como alvo de satisfação, inclusive públicas.” (PEREIRA,
2009, p. 41). Assim, a discussão sobre a realização das políticas públicas
como meio de concretização de direitos sociais esbarra frontalmente com
as concepções liberais da política e da economia.
Como forma de atendimento de necessidades sociais, a
relevância e atenção que o Estado e a sociedade proclamam sobre os
direitos sociais podem variar por questões históricas, econômicas e
culturais. As demandas sociais não são abstratas, mas são resultadas de
contextos históricos concretos. No caso do Brasil, a educação é um dos
direitos sociais que a sociedade mais reclama atenção. A primeira vez que
a educação foi tratada como direito social no Brasil foi na Constituição
de 1934 que, apesar de contemplar em seu texto o interesse de grupos
conservadores, especialmente ligados à Igreja Católica, conforme Andreotti

171
(2006), procurou atender demandas sociais, defendendo a educação
como direito de todos e dever do Estado. Também é nesse período que
se inaugura o entrelaçamento das políticas de desenvolvimento social e a
efetivação do direito à educação. Porém, é a partir da Constituição de 1988
e nas décadas posteriores que haverá a possibilidade de universalização
da educação no Brasil.

A DESCOBERTA DO PRÉ-SAL, A LEI N. 12.858/2013


E (A PROMESSA) DA EFETIVAÇÃO DO DIREITO À
EDUCAÇÃO NO BRASIL
Como analisado, há uma imbricada relação entre Estado e
direitos sociais, sendo as políticas públicas um meio para concretização
desses direitos. No Brasil, Kerstenetzky (2012) afirma a existência de
três períodos de ampliação dos direitos sociais no Brasil. O primeiro
que denomina de bem-estar corporativo, entre 1930 e 1964, com a
implementação das legislações trabalhistas e previdenciárias; o segundo,
denominado de universalismo básico, de 1964 a 1984, quando se
estendeu, de modo diferenciado, a cobertura previdenciária para grupos
sociais tradicionalmente excluídos e se criou um sistema de saúde
combinando setor privado e público; e, por fim, o período pós-1988,
com a institucionalização da assistência social, a fixação de um mínimo
social, a extensão da cobertura previdenciária não contributiva, a criação
do Sistema Único de Saúde (SUS) e a política de valorização do salário-
mínimo, prenunciando, com limitações, um universalismo estendido.
Desde a década de 1930, as constituições brasileiras incorporaram
a questão da educação em um projeto de desenvolvimento do País.
Na Constituição de 1934, no artigo 149, afirmava-se que a educação é
direito de todos e deve ser ministrada, pela família e pelos Poderes
Públicos. Além disso, deveria possibilitar eficientes fatores da vida moral
e econômica da Nação, e desenvolva num espírito brasileiro a consciência
da solidariedade humana.
A atual Constituição brasileira também aborda a questão
da educação no sentido de relacioná-la com o desenvolvimento

172
socioeconômico do País. A Constituição Federal de 1988 definiu, no artigo
6º, a educação como direito social. Já no artigo 205, afirma ser um direito
de todos e dever do Estado e da família, e será promovida e incentivada
com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da
pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para
o trabalho.
Além de afirmar a educação como um direito social, a Constituição
detalhou diversos outros aspectos, como princípios do ensino (art. 206),
princípios das universidades (art. 207), o dever do Estado em relação
aos diversos níveis de educação e ao cumprimento de metas (art. 208),
ensino em instituições privadas (art. 209), conteúdos mínimos para o
ensino fundamental (art. 210) e repartição de competência no sistema
educacional (art. 211).
Porém, merece destaque a determinação de aplicação
orçamentária e o planejamento da educação, exposta do artigo 212 ao
214, especialmente o estabelecimento de PNE. O presente artigo trata em
especial no inciso VI, que foi incluído pela Emenda Constitucional n. 59,
de 2009. O artigo dispõe o seguinte:

Art. 214 A lei estabelecerá o plano nacional de educação,


de duração decenal, com o objetivo de articular o
sistema nacional de educação em regime de colaboração
e definir diretrizes, objetivos, metas e estratégias
de implementação para assegurar a manutenção e
desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis,
etapas e modalidades por meio de ações integradas dos
poderes públicos das diferentes esferas federativas que
conduzam a:
I - erradicação do analfabetismo;
II - universalização do atendimento escolar;
III - melhoria da qualidade do ensino;
IV - formação para o trabalho;
V - promoção humanística, científica e tecnológica do
País;
VI - estabelecimento de meta de aplicação de recursos
públicos em educação como proporção do produto
interno bruto. (BRASIL, 2009).

173
Em 1996, foi promulgada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Brasileira (LDB), Lei n. 9.394. A LDB, em conjunto com o PNE, corroborou
para estruturar o sistema educacional do País e definir de forma objetiva
o financiamento para o cumprimento das metas prevista na Constituição.
Com o estabelecimento de metas de aplicação de recursos orçamentários
proporcionais ao produto interno bruto (PIB), movimentos sociais,
estudantis e sindicais em defesa da educação passaram a reivindicar
participação no processo de elaboração dos planos nacionais de
educação, além de exigir aplicação dos recursos financeiros necessários
para efetivação do direito social.
Quase dez anos depois da promulgação da LDB, um fato novo
reacendeu os debates sobre os investimentos do Estado em políticas
públicas educacionais. Em 2005, ocorreu a descoberta de imensas reservas
de petróleo e de gás natural no litoral brasileiro, localizadas na camada do
pré-sal. As estimativas iniciais, logo depois da descoberta dessas jazidas de
petróleo, colocaram o Brasil como uma das maiores reservas petrolíferas
do mundo. Essa expectativa gerou profundas disputas políticas e jurídicas
em torno da distribuição dos recursos que seriam oriundos da exploração
do pré-sal. Diante da magnitude das novas reservas, discutiu-se no âmbito
do Governo Federal e do Congresso Nacional a necessidade de alterações
no marco legal sobre o petróleo. Cabe ressaltar o intenso debate que
ocorreu sobre a destinação dos royalties oriundos da exploração do
petróleo.
Os royalties são participações nos recursos financeiros da
extração do petróleo estabelecidos para os estados e municípios
produtores como forma compensação pela perda dos recursos minerais,
bem como por danos ambientais, ainda que potenciais, decorrentes
dessa atividade. Porém, a maior parte das reservas da camada do pré-sal
estão na plataforma continental, ou seja, são bens da União, nos termos
do artigo 20 da Constituição Federal. Ademais, ainda no calor dos debates
políticos sobre a destinação dos volumes financeiros advindos dos
royalties, em especial entre estados e municípios detentores de petróleo
e aqueles em que não há extração, surgiu a discussão sobre a destinação
desses recursos para o atendimento de direitos sociais.

174
É nesse contexto que foi promulgada a Lei n. 12.858, de 9
de setembro de 2013, também conhecida como Lei dos Royalties do
Petróleo, que regulamentou a destinação dos recursos oriundos dos
royalties do pré-sal, encerrando, nesses termos, as disputas entre os
entes federativos. Essa lei, em seu artigo 2º, afirma expressamente que o
objetivo da destinação dos recursos é o cumprimento da meta prevista no
inciso VI, do artigo 214 e no artigo 196, da Constituição. Os incisos I e II do
artigo 2º, tratam das receitas provenientes dos royalties e da participação
especial decorrente da extração do petróleo no pré-sal. O inciso III do
mesmo artigo, afirma que serão destinados 50% dos recursos recebidos
pelo Fundo Social, criado pela Lei n. 12.351/2010. A Lei dos Royalties do
Petróleo determina, ainda, a repartição destes recursos na proporção de
75% para investimentos na educação e 25% para saúde.
Segundo Prado (2016), os repasses para educação poderiam
chegar em 2022, quando se deve encerrar o atual PNE, em torno de R$
84 bilhões de reais, o que poderia ser um investimento extremamente
significativo para políticas públicas educacionais. Porém, a exploração
de recursos minerais como petróleo implica em complexas contradições
sociais, econômicas e ambientais. Se por um lado a extração do petróleo
gera grandes volumes de recursos financeiros, por outro é um recurso
natural limitado. Além disso, sua extração e processamento causam,
ainda que potencialmente, grandes riscos ambientais. Nesse sentido, para
Bercovici (2011) os recursos gerados pela exploração do petróleo devem
ser destinados à persecução de objetivos públicos, como a compensação
de seus efeitos danosos, a justiça intergeracional e a democratização
econômica.
As políticas públicas educacionais certamente são uma das
formas mais proveitosas para investimentos de vultosos recursos como
os oriundos do pré-sal. Em uma sociedade contraditória como a brasileira,
a definição dos recursos públicos para efetivação de políticas e direitos
sociais é decisiva para o desenvolvimento econômico e social do País.
Porém, recentes alterações no regime de exploração do petróleo na
camada pré-sal reduziram drasticamente as expectativas iniciais sobre
os recursos que seriam destinados à educação e saúde. Essas alterações
demonstram os embates que são travados em um setor estratégico

175
para a economia e para o desenvolvimento social. Explicita também as
dificuldades que ainda se enfrenta para destinação de recursos para
financiamento de políticas públicas e efetivação de direitos sociais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Procurou-se demonstrar a relação existente entre a afirmação
dos direitos sociais e o surgimento das políticas públicas como meio para
realização concreta desses direitos. Essas categorias surgem no contexto
das transformações que ocorreram nos Estados, ampliando sua esfera de
intervenção social e econômica. O Estado social não significa um “novo”
Estado, mas a constituição de mecanismo institucionais que visam à
efetivação de políticas de bem-estar e o atendimento às necessidades
básicas da sociedade, em especial para grupos sociais vulneráveis.
As teorias liberais e suas repercussões no direito positivo
foram importantes para afirmação de direitos de primeira geração,
mas se demonstraram insuficientes logo em seguida, diante das novas
reivindicações sociais, principalmente com os conflitos advindos com o
capitalismo industrial. Isso se mostrou mais evidente com a crise econômica
do final da década de 1920 e com as duas Guerras Mundiais. Os direitos
sociais surgem, portanto, não como meras concessões parlamentares,
inovações doutrinárias ou afirmações em tratados internacionais. Essa
categoria de direitos, que marca o constitucionalismo do século XX, é
resultado de profundas contradições e embates, da crise do liberalismo
e da necessidade da intervenção estatal para o cumprimento de medidas
sociais e econômicas.
Se, por um, lado as crises econômicas assolavam as parcelas
mais vulneráveis da sociedade, por outro, as lutas reivindicatórias e os
processos revolucionários, como no México (1910) e na Rússia (1917), para
citar apenas duas experiências do início do século passado, provocaram
mudanças que implicaram na afirmação dos direitos sociais. Não caberia
ao Estado e ao direito apenas uma postura abstencionista, mas deveria
agir no sentido da promoção de igualdades materiais. Necessidades
básicas como moradia, alimentação, previdência social, proteção aos

176
trabalhadores, saúde e educação, dentre outras, passam ao status de
direitos, e são positivadas em normas constitucionais.
O Brasil acompanha esse processo de ampliação das funções do
Estado e da afirmação de direitos sociais. Tendo como marco temporal a
década de 1930, diversos direitos de natureza coletiva são incorporados
ao texto das constituições. Desde 1934, a educação é elencada entre
os direitos sociais mais relevantes. A educação ganhou destaque na
Constituição de 1988, que não apenas estabeleceu diretrizes e sua
organização como sistema nacional, mas especificou de forma detalhada
metas orçamentárias. O financiamento das políticas públicas permanece
como condição fundamental para efetivação dos direitos sociais. Porém,
em 2005, ocorre algo que seria imprevisível quando da promulgação da
Constituição, a descoberta do petróleo no pré-sal, que colocou o Brasil
entre as maiores reservas petrolíferas do mundo.
Diante da potencial riqueza, passou-se a discutir a partilha dos
royalties da exploração do petróleo no pré-sal. A solução proposta pelas
Leis n. 12.351/2010, que criou o Fundo Social, e n. 12.858/2013, Lei dos
Royalties do Petróleo, seria a destinação integral desses recursos para as
áreas da educação e da saúde, com especial atenção à primeira. Seria a
realização da promessa de efetivação do direito à educação no País?
No entanto, é na esfera da política que se tomam as decisões
acerca dos direitos sociais e das políticas públicas. Nos últimos anos,
principalmente a partir das eleições gerais de 2014, a política brasileira
passa por um período de profunda crise, tendo como auge o impedimento,
em 2016, da presidenta eleita democraticamente. Uma das primeiras
medidas legislativas tomadas pelo Congresso Nacional, depois do processo
de impeachment, foi a alteração do marco regulatório da exploração
do petróleo no pré-sal, que implicou na diminuição considerável da
distribuição dos royalties para educação.
Concluímos que a promessa constitucional, que remonta à
década de 1930, efetivação material da educação como direito social
permanece extremamente atual. As modificações legislativas da
exploração do pré-sal realizadas no contexto da crise política brasileira,
demonstram que a efetivação ou não do direito social à educação, por

177
meio de recursos oriundos do petróleo brasileiro, ainda está indefinida.
Será na arena da política, com suas contradições e interesses de grupos
e classes sociais, que se decidirá a destinação dessa riqueza nacional.
Esperamos que, conforme o projeto constituinte de 1988, a educação seja
priorizada como condição necessária para construção do desenvolvimento
socioeconômico nacional.

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ção e a produção de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos
fluidos, sob o regime de partilha de produção, em áreas do pré-sal e em
áreas estratégicas; cria o Fundo Social (FS) e dispõe sobre sua estrutura e
fontes de recursos; altera dispositivos da Lei n. 9.478, de 6 de agosto de
1997; e dá outras providências. Brasília, DF, 2010. Disponível em: http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Lei/L12351.htm. Aces-
so em: 12 jun. 2018.

178
BRASIL. Lei n. 12.858, de 9 de setembro de 2013. Dispõe sobre a destinação
para as áreas de educação e saúde de parcela da participação no resultado
ou da compensação financeira pela exploração de petróleo e gás natural,
com a finalidade de cumprimento da meta prevista no inciso VI do caput do
art. 214 e no art. 196 da Constituição Federal; altera a Lei n. 7.990, de 28
de dezembro de 1989; e dá outras providências. Brasília, DF, 2013. Dispo-
nível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Lei/
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180
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POLÍTICAS PÚBLICAS DE INCLUSÃO:


PERCEPÇÕES, LIMITES E DESAFIOS NA
EDUCAÇÃO BÁSICA
Luciana Campos Golarte

INTRODUÇÃO SUMÁRIO
Há mais de duas décadas no Brasil ocorrem vários debates acerca
da inclusão das pessoas com deficiências no espaço escolar. Esses debates
transcorrem no bojo das ações realizadas pelo Estado a partir de variadas
Políticas Públicas. A inclusão passou a ser um paradigma necessário ao
momento vivido no País e ganhou maior visibilidade nos anos de 1990
quando o Brasil entrava no chamado mundo globalizado. O mundo global
trouxe a necessidade de se afirmar o diálogo com diferentes culturas e
saberes mediado, sobretudo, pelos meios de comunicação.
Essa necessidade leva toda a estrutura social a mudar lógicas,
formas e práticas de interação humana. Ao mesmo tempo, ampliam-se os
debates acerca da diversidade e os movimentos sociais ganham destaque,
principalmente porque reivindicam por espaços até então negados. Esses
movimentos buscam a ampliação do acesso e participação das chamadas
minorias “[...] daqueles grupos que de algum modo e em algum setor
das relações sociais, se encontram numa situação de dependência ou
desvantagem em relação a um outro grupo majoritário, ambos integrados
na sociedade.” (CHAVES, 1970, p. 149). Assim, no contexto de muitas
mudanças no cenário social e político do Brasil, as Políticas de Inclusão
são construídas pelo Estado e pensadas não somente na/para sociedade,
mas também para o âmbito da escola pública.
A escola pública, laica e gratuita deve não apenas matricular
os alunos ditos normais, mas também os que possuem limitações de
natureza física, fisiológica, cognitiva. Conforme se ampliam o número de
alunos com deficiências, mais a escola tem a necessidade de efetivar uma
prática inclusiva, contudo, ao mesmo tempo ela esbarra em uma série de
desafios.
181
Cada vez mais, problematizam-se as concepções de conhecimento
e aprendizagem, as relações entre professor-aluno, currículo, adaptação
escolar, planejamento educacional entre outros objetivos. Pode dizer
que a partir dessas reflexões que nascem da Prática em Orientação
Educacional na Educação Básica é colocada em destaque a necessidade
de haver um aprofundamento teórico sobre a inclusão, principalmente,
visando a compreender a temática a partir das relações humanas.
Na primeira parte deste artigo, pretende-se refletir sobre o
conceito de política pública, ressaltando algumas das várias iniciativas
realizadas no Brasil e no contexto mundial a partir de 1990, amparando-
se em leis e decretos, ligados à inclusão escolar. Em seguida, busca-se
refletir sobre a escola congregando as concepções presentes sobre tal
instituição ao lado da reflexão sobre inclusão; e por fim, trazer algumas
considerações subjetivas provenientes das observações e experiências
observadas na prática profissional, que estão em processo de construção.

POLÍTICAS PÚBLICAS E CONCEPÇÕES DE


INCLUSÃO
Pode-se dizer que o termo inclusão vem sendo usado com muita
frequência nos últimos anos no conjunto das políticas públicas existentes
no Brasil. Alguns autores, dentre os quais Frigotto (1989) e Fonseca (2014)
aludem ao tema baseando-se não somente no sujeito, mas também no
contexto social. Ou seja, a estrutura da sociedade, as relações de trabalho
e as suas tensões servem como foco para se discutir a inclusão. Para
tanto, ambos têm grande fundamentação nos estudos provenientes
do Materialismo Histórico dialético, que possui como precursores Karl
Marx e Friedrich Engels. Tal concepção filosófica permite, dentre outras
coisas, fazer uma análise dialética dos processos sociais indo além do que
se mostra e analisando as contradições, principalmente, na relação do
homem e os meios de produção do mundo do trabalho.
Com isso, o conceito “inclusão” ganha forma quando se verifica
o seu oposto, ou seja, a exclusão social presente, principalmente, no
contexto do mercado de trabalho e no campo dos direitos sociais. A

182
partir de Frigotto (1989), é necessário repensar tal conceito dentro de um
contexto contraditório e marcado por desigualdades econômicas e sociais.
O autor acredita que incluir significa promover emancipação humana e
isso consiste em romper e transformar com tal realidade excludente e
desigual. Ainda pode-se apontar, segundo Fonseca (2014, p. 237), que:
“[...] o rótulo de excluídos passa a ser referido às minorias étnicas, aos
negros, aos sem teto, [...] – um elenco interminável de situações de
origens e naturezas históricas diversas”. Esses sujeitos, assim, estariam
excluídos do acesso aos direitos básicos, do exercício efetivo de direitos
sociais, tendo em vista a condição econômica, aparência física e origem
sociocultural.
Oliveira e Rizek (2007) compreendem que o termo exclusão não
significa propriamente a ideia de se estar fora do sistema capitalista. Na
verdade, os indivíduos não incluídos no mercado de trabalho servem
para alimentar a dinâmica do mesmo sistema. Esses ajudam a engrossar
variados tipos de trabalho informal, tido metaforicamente, como um “[...]
‘colchão de molas’, pois, amortece e regula a expansão do exército reserva.”
(OLIVEIRA, 2007, p. 426). Dentro desse grupo há os trabalhadores que
exercem atividades profissionais sem garantias ou segurança social. Estão,
assim, imersos às demandas do momento e vivem o tempo presente com
poucas perspectivas para o futuro.
As políticas de inclusão assim dialogam com a escola pública até
porque se entende que esse espaço se relaciona a todo o tempo com a
sociedade e os seus meios de produção e subsistência. Tem-se, na Lei n.
9394/1996, Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), sancionada em
20 de dezembro de 1996, uma clara constatação, no artigo 1º, inciso II em
que diz: “[...] educação escolar deve estar vinculada ao mundo do trabalho
e a prática social.” (BRASIL, 1996). Sendo assim, a escola precisará a todo
o tempo, estar adaptada ao ideal da inclusão e responder às necessidades
de produção e trabalho e às demandas de um contexto histórico marcado
movimentos sociais que lutam por direitos até então negados. Para tanto,
mais uma vez verificamos na mesma lei, no artigo 58, inciso I, que a escola
precisa estar adaptada e aberta para os mais diferentes alunos, inclusive,
àqueles que necessitem de um atendimento especial e adaptado, neste
ínterim:

183
[...] haverá, quando necessário, serviços de apoio
especializado para atender as peculiaridades da clientela
de educação especial. Ainda afirma a necessidade
de atender os alunos em classes, escolas ou serviços
especializados, sempre que, em função das condições
específicas dos alunos não for possível a sua integração
nas classes comuns do ensino regular. (BRASIL, 1996).

Tanto a LDB quanto a Política Nacional de Educação Especial


no Brasil, instituída pelo Decreto n. 3.298, de 20 de dezembro de 1999,
apontam para uma educação inclusiva em toda a educação básica, sendo:
“A Educação especial uma modalidade transversal a todos os níveis e
modalidades de ensino” (BRASIL, 2008).
A reflexão sobre a necessidade de incluir também ocorreu em
outros países, dentre os quais a Espanha, quando no dia 10 de junho
de 1994, na cidade de Salamanca, foi reafirmado o compromisso com
a educação inclusiva em todo o mundo. E em 1990, foi elaborada a
Declaração Mundial de Educação para todos em Jomtien, na Tailândia.
Esses movimentos ocorridos no Brasil e em outros países evidenciam
o caminho histórico e as conquistas pelos direitos e a ampliação do
olhar para as desigualdades e as diferentes formas de exclusão social.
As políticas públicas de inclusão educacional sintetizam a percepção da
educação como direito de todos, sendo a escola o lugar em que é preciso
materializar essas concepções.
As políticas públicas, em seu sentido mais amplo, podem
ser compreendidas como as “[...] atividades dos governos que agem
diretamente ou através de delegações, e que influenciam a vida dos
cidadãos.” (PETERS, 1986 apud SOUZA, 2006, p. 24). Pode-se dizer que
as políticas voltadas para a educação são de responsabilidade do Estado,
conforme preconiza a Constituição Federal de 1988, em seu capítulo III,
artigo 205 em que expressa:

A educação, direito de todos e dever do Estado e família,


será promovida e incentivada com a colaboração da
sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da
pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e
qualificação para o trabalho. (BRASIL, 1988).

184
Nesse sentido, a inclusão é necessária ao próprio sistema social
e ao mercado de trabalho. E, na escola, se espera que todos os alunos
tenham o acesso garantido e todas as condições necessárias ao pleno
desenvolvimento escolar e para a vida. Contudo, ao refletirmos sobre
a instituição escolar, algumas questões são colocadas em destaque e
revelam que leis e decretos nem sempre são capazes de fazer com que
a inclusão de fato ocorra. As concepções da escola, seus projetos, seus
ritmos e estrutura nem sempre são capazes de atender às diferentes
demandas de seus alunos sejam eles com deficiência ou não, portanto,
diferentes mudanças são necessárias. Sobre isso se pretende discorrer a
seguir.

A ESCOLA E AS POLÍTICAS DE INCLUSÃO


A escola é uma das construções da modernidade que vem
resistindo ao tempo. De imediato, nota-se a existência daquela escola
marcada pelo controle, disciplina, organização e rotinas. Às vezes parece
que nada mudou e que tudo se mantém devidamente no seu lugar.
Em alguns estudos baseados nas reflexões sobre o sistema
escolar, a partir de Pierre Bourdieu (NOGUEIRA, 2006), é afirmado que
a escola se baseia em notas e conceitos para caracterizar o bom ou mau
aluno. De um lado são colocados os detentores do saber e de outro os que
ainda estão distantes da aprendizagem e poderão, portanto, fracassar no
sistema. Isso porque, o sucesso escolar, também passa pela capacidade
de o aluno conseguir se apropriar da cultura legitimada pelos grupos que
detêm o capital econômico e cultural.
Ainda, segundo Nogueira e Nogueira (2006), embora a cultura
escolar tenha um significativo valor de classe, apresenta-se como
neutra. Tal suposta neutralidade acaba favorecendo o discurso de que
existe equidade, pois em tese todos teriam as mesmas condições de
aprendizagem, visto que o ensino seria ofertado sem distinção. Os alunos
das classes populares ou menos favorecidas, por exemplo, deveriam,
assim, dentro da lógica escolar, possuir os instrumentos necessários para
garantir a compreensão da linguagem, do vocabulário provenientes dos
seus professores e dos conteúdos apresentados. O sucesso escolar, nesse

185
aspecto, também passa pela aquisição de comportamentos valorizados
pelo trabalho pedagógico. Os critérios externos, como: a postura corporal,
aparência física, dicção, dialetos, sotaques entre outros são verificados
durante o processo facilitando ou não o desenvolvimento escolar. Há
um universo implícito em que os discursos enfatizam a neutralidade
pedagógica.
A escola e a sua relação com o sistema reprodutor das
desigualdades e formas de exclusão vem sendo desafiada a mudar sua
prática. Ou seja, ao mesmo tempo em que se constitui como um lugar
da reprodução de normas e condutas existentes na sociedade, a escola
também precisa ser espaço de formação humana e social e estar para
além de uma dimensão puramente técnica. Ela deve, assim, repensar o
conhecimento, percebendo-o de modo interdisciplinar, vinculado com o
mundo, com a sociedade e com a cultura em seu sentido plural. A escola
aos poucos vem sendo levada a valorizar os diferentes tipos de saberes,
com isso romper com a especialização exacerbada do conhecimento, que
se fecha em si mesma sem permitir a integração em uma problemática
global. Isso porque, se verifica que precisa cada vez mais levar em conta a
“[...] aptidão para problematizar a ligação dos conhecimentos.” (MORIN,
2004, p. 46). E, com isso, é mister que o currículo sofra mudanças e
influencie as formas de promoção da sociabilidade, de modo, assim
viabilizar a convivência em um ambiente comum e plural. Pode-se afirmar
que as políticas públicas vão mobilizar de um modo ou de outro o olhar
para os sujeitos até então excluídos do sistema escolar, que devido as
suas dificuldades estariam à margem da escola. Aos poucos, por meio de
diferentes ações governamentais e não governamentais, a escola vem
sendo levada a se abrir para criança, jovem, adulto ou para àquele com
qualquer limitação.
A Política de Inclusão vai sintetizar a percepção de Educação
como direito de todos, sendo a escola o lugar em que isto deve ocorrer,
porém, tem-se o desafio cotidiano de repensar a tal abertura escolar e
os seus sentidos. Esses sentidos são analisados a partir do cotidiano e
esbarram na dimensão subjetiva e nas representações de cada sujeito,
estando para além de leis ou decretos. Afirma-se que a inclusão/exclusão
não ocorre somente para os que têm deficiências e limitações, mas para

186
todos os que não conseguem passar pelo crivo da escola. Os efeitos do
processo da inclusão são múltiplos e sobre isso se pretende discorrer na
próxima seção.

OBSERVAÇÕES E EXPERIÊNCIAS EM CONSTRUÇÃO


NO INTERIOR DA ESCOLA SOBRE OS EFEITOS DA
INCLUSÃO NAS RELAÇÕES HUMANAS
Os “efeitos” das políticas de inclusão são perceptíveis por
meio das experiências provenientes da prática profissional, atualmente
realizada na função de orientadora educacional na educação básica. Nessa
ação, a escola é percebida como um todo complexo, no qual é necessário
dialogar com os sujeitos, (alunos, professores, familiares, funcionários e
comunidade) sobre as demandas do cotidiano.
Nessas observações, alguns indícios sobre o processo da inclusão
são revelados. Nota-se sentimentos de resistência, medo, insegurança e
anseios na relação pedagógica, principalmente, quando se trata de aluno
com limitações/deficiências. O direito de ser incluído na escola, apesar
das limitações/deficiências existentes, não garante por si só a efetivação
da política no contexto escolar. Conforme se matriculam alunos com
deficiências, mais a escola é levada a buscar novas ações e sair do lugar
instituído no qual se manteve há tanto tempo.
Uma reflexão sobre tal processo só é possível quando existe não
somente a adaptação da escola com rampas, mobílias, salas de recursos
e professor especializado na área da educação especial, contudo, se faz
necessário que o conjunto (professores, profissionais e gestores) possa
olhar para o aluno e pensar maneiras de potencializar a construção
do conhecimento. É preciso enxergar o sujeito como um ser capaz de
aprender apesar de suas limitações.
Alguns professores diante da necessidade de lidar com um aluno
com deficiência revelam grande dificuldade de favorecer a inclusão, o
relacionamento e integração. Medos e dúvidas fazem parte da intervenção
do professor, até porque, se sabe que foram formados para lidar com os

187
ditos alunos normais sem nenhuma deficiência e agora precisa mudar a
prática, pensar o currículo e a forma de executar o ensino para todos os
alunos. Desse modo, o processo da inclusão acaba sendo um meio capaz
de favorecer a análise da ação pedagógica.
Essa necessidade de adaptação e recondução do processo,
também é notada frente aos alunos que não conseguem avançar no
processo de ensino e dominar os conteúdos. Justifica-se por meio de
algumas observações e discursos que a dificuldade revelada pelo aluno
se liga à família, que não acompanha e nem se compromete com ele.
Ainda se enfatiza os problemas sociais, no bairro que é violento, no
sistema entre outros, mas pouco se percebe que a prática, a formação e
o planejamento de ensino são meios possíveis de facilitar aprendizagem
escolar. E, por fim muitos alunos acabam saindo da escola, abandonando
o ensino e engrossando as estatísticas da evasão.
Por outro lado, observa-se que faltam instrumentos teóricos
e formação pedagógica para saber integrar, educar, atender e formar
o aluno com limitações. Embora mesmo havendo um apoio técnico do
profissional da educação especial, percebe-se que não é suficiente para
que ocorra mudança de práticas, pois há insegurança do próprio educador
em construir novos métodos de ensino.
Nas observações cotidianas, também se nota a necessidade de
efetivar, no âmbito da escola, um espaço de fala-escuta do profissional da
educação. Assim, as formações e encontros pedagógicos servem como
espaços possíveis para que esse profissional possa também expor suas
ideias, sentimentos e angustias em relação ao processo vivido. Nesses
momentos, pode ser possível o educador também construir novas análises
sobre o real, aprofundar o questionamento sobre o sentido da inclusão e
buscar respostas para novas perguntas.
No processo da inclusão, mostra-se necessário um olhar para
os profissionais de educação. Esses precisam de instrumentação técnica
e teórica, de adaptação da escola e formação continuada. Pode-se dizer
que conforme ocorre a aplicação das políticas de inclusão na escola: “[...]
a previsibilidade, a homogeneidade, a ordem que caracterizam o processo
formativo entram em choque com a imprevisibilidade, heterogeneidade

188
e o caos que se fazem presentes nas relações humanas.” (ESTEBAN;
ZACCUR, 2002, p. 19). E, com isso uma mudança de toda escola é possível,
principalmente quando se entende que cada aluno tem o direito de
conviver, ser e aprender para além das dificuldades que possuem.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
As políticas de inclusão provocam um avanço no que se fala,
pensa e se estuda sobre a escola pública. A escola, que na sua constituição
histórica foi pensada para lidar com a homogeneidade, previsibilidade e
controle, agora, precisa repensar essa mesma estrutura, humanizando-
se. É preciso lidar com as variadas necessidades humanas, sejam para
pessoas deficientes ou não. Para tanto, exige-se uma densa discussão
sobre a diversidade e os variados processos de exclusão por anos e anos
realizados mediante a criação de modelos de normalidade.
Os professores, equipes pedagógicas e gestores são levados a
pensar sobre a estrutura, a organização do conhecimento e as práticas
capazes de favorecer a aplicação e efetivação das políticas. Conforme
esse processo ocorre, vai sendo delineado o questionamento sobre qual
sociedade queremos, que tipo de pessoas vão ser formadas para o hoje e
as próximas gerações.
Estamos avançando nesse percurso, que visa à inclusão, por meio
das leis, decretos e resoluções dos governos desde os anos de 1990. Não
há como negar, porém, que esses não são suficientes para garantir que
aconteça a inclusão, visto que ainda é preciso romper costumes, refazer
caminhos, problematizar a própria prática. E, ainda é necessário, garantir
dentro da própria escola, os suportes, materiais e equipe de profissionais
para que as crianças, adolescentes, jovens e adultos possam ter acesso a
uma educação de qualidade.
Por fim, considera-se que incluir significa o exercício de direitos
humanos, sociais e políticos do educando para além do espaço escolar.
Efetiva-se conforme o estudante é capaz de conviver no contexto social
em diferentes espaços, por meio do trabalho, do lazer, relacionamentos
afetivos, de amizades, enfim, vivendo e convivendo independente das
diferenças ou dificuldades.

189
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191
DOI: dx.doi.org/10.18616/pps09

A QUESTÃO DE GÊNERO E DIVERSIDADE


SEXUAL NAS POLÍTICAS PÚBLICAS
EDUCACIONAIS1
Pedro Henrique Cardoso Hilário
Sheila Martignago Saleh

INTRODUÇÃO SUMÁRIO
A população lésbica, gay, bissexual, travesti, transexual e
transgênero (LGBT)2 sofre grande preconceito na sociedade e os índices
de violência contra esse grupo social são alarmantes. Lésbicas, gays,
bissexuais, travestis e transexuais são oprimidos e violentados apenas
pelo fato de existirem e viverem de uma forma considerada fora do
padrão pela sociedade conservadora. Conforme dados revelados por
pesquisas, apenas no período de 1 de janeiro de 2018 até 10 de abril de
2018, ocorreram 126 crimes violentos contra LGBTs que terminaram em
morte.
O presente artigo tem como objetivo apresentar e discutir sobre
as políticas públicas educacionais (ou a falta dessas) acerca da questão
de gênero e diversidade sexual. Com o fim de atingir o objetivo proposto,
dividiu-se o artigo em quatro tópicos: o primeiro versa sobre os direitos
humanos, em especial os direitos à diversidade sexual e de gênero; o
segundo tópico discute sobre a LGBTfobia no Brasil e as políticas públicas
nacionais de combate à violência contra a população LGBT; o terceiro,
sobre o Plano Nacional de Educação (PNE) de 2014 e de como a supressão

1
Artigo extraído do Trabalho de Conclusão de Curso intitulado “Educação, gênero e diversi-
dade sexual: Os direitos humanos na população LGBT, da criança e do adolescente”, do aca-
dêmico Pedro Henrique Cardoso Hilário, orientado pela Profa. Ma. Sheila Martignago Saleh
e apresentado na Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC), Curso de Direito, em
julho de 2018.
2
Neste trabalho será utilizada a sigla LGBT ao se referir a lésbicas, gays, bissexuais, travestis,
transexuais e transgêneros, por ser o termo mais aceito e utilizado pelos grupos e associa-
ções que apoiam a causa. Sabe-se, no entanto, que há outras siglas que representam a comu-
nidade, como LGBTQ (na qual o “Q” significa Queer) e LGBTI (na qual o “I” significa intersex).

192
dos termos “gênero” e “orientação sexual” deu força ao discurso a favor
no Movimento Escola Sem Partido e contra a “ideologia de gênero”; por
fim, o quarto analisa como a educação, por meio de políticas públicas
educacionais, pode garantir dignidade aos sujeitos sociais em situação
de vulnerabilidade, em especiais à população LGBT, às crianças e aos
adolescentes. Em seguida, apresenta-se a conclusão sobre o estudo
realizado.
Utilizou-se o método dedutivo, com o auxílio das técnicas da
pesquisa documental-legal, assim como doutrinas e jurisprudências sobre
o tema.

DIVERSIDADE SEXUAL E DE GÊNERO COMO UM


DIREITO HUMANO
Os direitos humanos são direitos que devem contemplar todos os
seres humanos, sem distinção de cor, etnia, sexualidade, gênero, religião,
classe social ou qualquer outra característica pessoal. Assim como todo
ser humano, a população LGBT busca ser respeitada e não discriminada,
haja vista serem iguais a qualquer outro cidadão.
A diversidade sexual e de gênero demorou para ser incluída
na pauta das instituições internacionais como um direito humano
consolidado, pois não é parte integrante da Declaração Universal dos
Direitos Humanos assinada em 1948. No entanto, foi progressivamente
englobada em várias constituições e tratados, entre eles o Tratado
Constitucional da União Europeia (ALMEIDA, 2010).
No ano de 2006, um grupo de especialistas em direitos humanos
de 25 países, com suas experiências diversas, depois de reunião com
discussões e debates realizada na Universidade de Gadjah Mada, em
Yogyakarta, Indonésia, de 6 a 9 de novembro, elaborou um conjunto de
princípios jurídicos internacionais “[...] sobre a aplicação da legislação
internacional às violações de direitos humanos com base na orientação

193
sexual e identidade de gênero”, denominados “Princípios de Yogyakarta”3
(YOGYAKARTA, 2006).
A introdução aos Princípios de Yogyakarta diz que “Todos os
seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. [...] A
orientação sexual e a identidade gênero são essenciais para a dignidade e
humanidade de cada pessoa e não devem ser motivo de discriminação ou
abuso.” (YOGYAKARTA, 2006, p. 7).
Partindo da ideia de que todos os seres humanos são iguais,
independentemente de suas especificidades, a Constituição da Republica
Federativa do Brasil de 1988 traz o princípio da igualdade como um direito
humano fundamental. Tal princípio está fixado no caput artigo 5º, que
diz: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade [...]” (BRASIL, 1988).
O princípio constitucional da igualdade vem no sentido de tratar
de forma justa todos os cidadãos. Ferreira Filho (2003, p. 74) afirma que
“[...] não há dificuldade em reconhecer que todos os seres humanos
são iguais em natureza, portanto, em dignidade. Assim, todos são iguais
quanto aos direitos fundamentais [...] como enumera o artigo 5º caput da
Constituição brasileira”.
Em 2013, a Organização das Nações Unidas (ONU) lançou uma
cartilha onde explana que lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros devem
ter os mesmos direitos que qualquer ser humano usufrui, haja vista
o direito à igualdade e o direito da não discriminação serem dois dos
princípios fundamentais dos direitos humanos:

A extensão dos mesmos direitos usufruídos por todos


para pessoas lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros
(LGBT) não é radical e nem complicado. Ela apoia-se em
dois princípios fundamentais que sustentam o regime

3
“Os Princípios de Yogyakarta tratam de um amplo espectro de normas de direitos humanos
e de sua aplicação a questões de orientação sexual e identidade de gênero. Os Princípios
afirmam a obrigação primária dos Estados de implementarem os direitos humanos.” (YO-
GYAKARTA, 2006, p. 8).

194
internacional de direitos humanos: igualdade e não
discriminação. As palavras de abertura da Declaração
Universal dos Direitos dos Humanos são inequívocas:
“todos os seres humanos nascem livres e iguais em
dignidade e direitos”. (ONU, 2013, p. 7).

Apesar de a Constituição Federal de 1988 tentar regular e ordenar


uma sociedade pautada na igualdade de todos e livre de quaisquer tipos
de preconceitos e discriminações, não há, em seu texto, regras específicas
acerca da diversidade sexual e de gênero (BARROSO, 2010).
Em relação à discriminação da população LGBT, Silva (2011, p. 224)
expõe que se buscou incorporar à Constituição uma norma que a vedasse
expressamente, mas não foi possível, pois, “[...] não se encontrou uma
expressão nítida e devidamente definida que não gerasse extrapolações
inconvenientes”. Segundo o autor, houve receio do legislador em incluir o
termo “igualdade, sem discriminação de orientação sexual”, pois poderia
ser prejudicial a terceiros.
Muito bem pontua Sarmento (2010, p. 620) que já há a “[...]
superação de certas visões preconceituosas e anacrônicas sobre a
homossexualidade, como a que a concebia como ‘pecado’ [...] ou a
que a tratava como ‘doença’, hoje totalmente superada no âmbito da
Medicina e da Psicologia.”, mas que, apesar disso, o Código Civil manteve
o entendimento de que a união estável e o casamento são instituições
formadas pela união de pessoas de sexos opostos.

Sem embargo, em um Estado Democrático de Direito,


regido por uma constituição em cujo vértice situa-se o
princípio da dignidade da pessoa humana, a efetivação
de direitos fundamentais não pode ficar à mercê
da vontade ou da inércia das maiorias legislativas,
sobretudo quando se tratar de diretos pertencentes a
minorias estigmatizadas pelo preconceito – como os
homossexuais – que não são devidamente protegidas
nas instâncias políticas majoritárias. Afinal, uma das
funções básicas do constitucionalismo é exatamente a
proteção dos direitos das minorias diante do arbítrio
ou do descaso das maiorias. (SARMENTO, 2010, p. 621-
622).

195
Muito embora não haja dispositivo legal no ordenamento jurídico
brasileiro tratando sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal (STF), em
2011, reconheceu, na decisão da ADI 4277, a união homoafetiva como
entidade familiar, fato que representou uma vitória para a comunidade
LGBT, haja vista ter seus direitos humanos respeitados e pode consolidar
seus relacionamentos da mesma forma que os casais heterossexuais
sempre puderam. Em seus votos, os ministros reforçaram a importância do
respeito ao princípio da igualdade e do direito à busca da felicidade. Vale
transcrever aqui parte da ementa da decisão histórica:

[...] PROIBIÇÃO DE DISCRIMINAÇÃO DAS PESSOAS


EM RAZÃO DO SEXO, SEJA NO PLANO DA DICOTOMIA
HOMEM/MULHER (GÊNERO), SEJA NO PLANO DA
ORIENTAÇÃO SEXUAL DE CADA QUAL DELES. A
PROIBIÇÃO DO PRECONCEITO COMO CAPÍTULO DO
CONSTITUCIONALISMO FRATERNAL. [...] LIBERDADE
PARA DISPOR DA PRÓPRIA SEXUALIDADE, INSERIDA
NA CATEGORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO
INDIVÍDUO, EXPRESSÃO QUE É DA AUTONOMIA DE
VONTADE. DIREITO À INTIMIDADE E À VIDA PRIVADA.
CLÁUSULA PÉTREA. [...] Proibição de preconceito, à
luz do inciso IV do art. 3º da Constituição Federal, por
colidir frontalmente com o objetivo constitucional de
“promover o bem de todos”. Silêncio normativo da
Carta Magna a respeito do concreto uso do sexo dos
indivíduos [...]. Reconhecimento do direito à preferência
sexual como direta emanação do princípio da “dignidade
da pessoa humana” [...] (BRASIL, 2011b, grifo do autor).

No mesmo ano dessa decisão, em 2011, o Supremo Tribunal


Federal reforçou o entendimento sobre o tema ao decidir o Recurso
Extraordinário n. 477.554, fundamentando sua decisão nos precedentes
da própria Corte, como a ADI 4277, e nos Princípios de Yogyakarta (2006),
mencionando que todas as pessoas possuem o direito de constituir família,
“independente de sua orientação sexual ou identidade de gênero”. Para,
além disso, o Ministro Relator salientou a importância do respeito ao
princípio da dignidade da pessoa humana:

196
[...] RECONHECIMENTO E QUALIFICAÇÃO DA UNIÃO
HOMOAFETIVA COMO ENTIDADE FAMILIAR. – O Supremo
Tribunal Federal apoiando-se em valiosa hermenêutica
construtiva e invocando princípios essenciais (como
os da dignidade da pessoa humana, da liberdade,
da autodeterminação, da igualdade, do pluralismo,
da intimidade, da não discriminação e da busca da
felicidade) - reconhece assistir, a qualquer pessoa,
o direito fundamental à orientação sexual, havendo
proclamado, por isso mesmo, a plena legitimidade ético-
jurídica da união homoafetiva como entidade familiar,
atribuindo-lhe, em consequência, verdadeiro estatuto
de cidadania. [...] O princípio constitucional da busca
da felicidade, que decorre, por implicitude, do núcleo
de que se irradia o postulado da dignidade da pessoa
humana [...] (BRASIL, 2011c, grifo do autor).

Além da decisão no Supremo Tribunal Federal sobre o tema,


o Conselho Nacional de Justiça, na Resolução n. 175/2013, vedou
expressamente as autoridades competentes de recusarem a “[...]
habilitação, celebração de casamento civil ou de conversão de união
estável em casamento entre pessoas de mesmo sexo.” (BRASIL, 2013b).
Ainda que tenha sido proferida decisão na Corte Suprema, não
há nenhuma norma legal nacional que positive o direito conquistado. As
relações homoafetivas são uma realidade social e o reconhecimento ou
não do Estado sobre esse fato não fará com que o afeto essas pessoas
existam ou deixem de existir. As uniões afetivas entre dois homens ou
duas mulheres são um fato natural da vida e diz respeito à individualidade
de cada ser humano. Tendo ou não o reconhecimento jurídico positivo do
Estado, as relações homoafetivas continuarão existindo (BARROSO, 2010).
O reconhecimento da união homoafetiva pelo Supremo Tribunal
Federal e pelo Conselho Nacional de Justiça foi apenas um passo para
assegurar os direitos humanos da população LGBT. Outra conquista
histórica ocorreu recentemente, quando Corte Constitucional decidiu, na
ADI n. 4.275, que transgêneros têm o direito de alterar seu registro civil
independente de cirurgia de redesignação sexual, tratamento hormonal
ou autorização judicial, podendo a alteração ser realizada diretamente no
cartório competente (BRASIL, 2018e). Essa decisão se mostrou de suma

197
importância, pois protege a dignidade das pessoas transgêneros, fazendo
com que seu registro civil contenha o nome e o gênero em que se sintam
confortáveis em serem identificadas.
A única legislação federal que menciona, ainda que de forma
tímida, algo relacionado ao direito de não discriminação pelo fato de
ter uma orientação sexual divergente do padrão aceito socialmente é
o Estatuto da Juventude, instituído pela Lei n. 12.852, de 5 de agosto
de 2013. O Estatuto, em seu artigo 17, inciso II, traz que “[...] o jovem
tem direito à diversidade e à igualdade de direitos e de oportunidades
e não será discriminado por motivo de [...] orientação sexual, idioma ou
religião.” (BRASIL, 2013a).
Dessa forma, percebe-se que, apesar do legislador ser resistente
em incorporar os direitos da população LGBT à letra da lei e, mesmo
quando o faz, faz de forma tímida – quase inexistente –, há um esforço
(lento, mas progressivo) da jurisprudência pátria em dar cada vez mais
dignidade e igualdade a todos os cidadãos, sem distinção de gênero e
orientação sexual.

LGBTFOBIA NO BRASIL E AS POLÍTICAS DE


COMBATE À VIOLÊNCIA CONTRA A POPULAÇÃO
LGBT
O preconceito mata. Conforme dados revelados pelo Grupo Gay
da Bahia (GGB),4 445 pessoas LGBT morreram no Brasil em 2017, ano com
maior registro de mortes desde 1980, quando foi criado o grupo. Dessas
445 pessoas, 387 morreram assassinadas por LGBTfobia, ao passo que 58
pessoas se suicidaram. Com essas informações, o Brasil ganhou um título
indigesto: o país que mais mata a população LGBT no mundo (GGB, 2018).
Ressalta-se que esses números se baseiam apenas com os dados
coletados pelo GGB, que colhe informações de notícias publicadas na mídia

4
O Grupo Gay da Bahia (GGB) foi fundado em 1980 e é uma das mais antigas organizações
LGBT no Brasil. Todos os anos o grupo divulga relatórios com informações sobre a LGBTfobia
no País (LINS; MACHADO; ESCOURA, 2016, p. 68).

198
impressa, digital e televisionada, além de informações pessoais. Isto é:
não há um banco de dados oficial do governo brasileiro, pois a federação
se omite quanto às mortes da população LGBT no Brasil. Conclui-se, dessa
forma, que, se existissem e fossem analisados dados oficiais, o número
seria superior ao já estabelecido, o que é motivo de preocupação e faz
com que seja necessária a análise e criação de medidas e programas para
que os índices diminuam e a população LGBT não precise temer.
Como forma de combater a homofobia notória e evidente
da sociedade e na intenção de ter seus direitos humanos garantidos,
surgem nos Estados Unidos da América, na década de 1960 os primeiros
movimentos liderados por homossexuais, influenciados, principalmente,
pelos movimentos da resistência negra e pelo feminismo (FERNANDES,
2012). No Brasil, foi a partir da década de 1970 que os movimentos
em favor dos direitos da população LGBT começaram a se organizar: a
princípio, para discutir, principalmente, sobre a violência, sobre a Aids e
algumas outras categorias (KOEHLER, 2013).
Em abril de 1980, na cidade de São Paulo, foram realizados o
I Encontro de Grupos Homossexuais Organizados, evento restrito a
homossexuais e a convidados, e o I Encontro Brasileiro de Homossexuais,
que contou com cerca de 600 pessoas participantes (FACCHINI, 2005).
Esses encontros foram fundamentais para debater as problemáticas
situações relacionadas à comunidade LGBT.
Acompanhando os passos do movimento LGBT, políticas
públicas foram criadas no Brasil com a intenção de possibilitar, estimular e
assegurar os direitos humanos de lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros.
A primeira iniciativa foi a criação do Programa Brasil sem Homofobia,
pelo Governo Federal (DIAS, 2011). Esse programa, lançado em 2004, foi
“[...] um marco histórico na luta pelo direito à dignidade e pelo respeito à
diferença.” (GONÇALVES, 2014).
O Programa Brasil sem Homofobia possui alguns princípios,
dentre eles destacam-se inclusão, nas políticas públicas do Governo
Federal, em perspectivas que promovam os direitos humanos da
população LGBT e não discrimine nenhum cidadão por conta de sua
orientação sexual; implantação de políticas públicas que combatam a

199
violência e discriminação relacionadas à orientação sexual; e reafirmação
de que o combate à homofobia se inclui da defesa dos direitos humanos
e é um compromisso do Estado e da população em geral (CONSELHO,
2004).
Tais tipos de programas são essenciais para o combate ao
preconceito, além de chamar a atenção à realidade de que durante o
tempo em que houver pessoas com direitos fundamentais violados, por
qualquer que seja o motivo, “[...] não se pode afirmar que a sociedade
brasileira é justa, igualitária, democrática, tolerante e plural.” (GONÇALVES,
2014).
No ano de 2008, ocorreu em Brasília a 1ª Conferência Nacional
que tratou sobre direitos humanos e políticas públicas voltadas para
garantia de cidadania à população LGBT. Em consequência positiva a
essa conferência, em 2009 foi lançado o Plano Nacional de Promoção
da Cidadania e Direitos Humanos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis
e Transexuais, ação da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da
Presidência da República (DIAS, 2011). Esse Plano possui como objetivo
geral o auxílio à “[...] construção de políticas públicas de inclusão social
e de combate às desigualdades para a população LGBT, primando pela
intersetorialidade e transversalidade na proposição e implementação
dessas políticas.” (BRASIL, 2009).
O Decreto n. 7.388, de 9 de dezembro de 2010, estrutura o
funcionamento do Conselho Nacional de Combate à Discriminação
(CNCD). Logo em seu artigo 1º,5 o decreto define o que é o CNCD e expõe
que sua finalidade está na formulação e proposição de “[...] diretrizes
de ação governamental, em âmbito nacional, voltadas para o combate à
discriminação e para a promoção e defesa dos direitos de Lésbicas, Gays,
Bissexuais, Travestis e Transexuais (LGBT).” (BRASIL, 2010). Em 2011,
foi lançado o projeto Escola sem Homofobia, que visava à contribuição

5
Art. 1º O Conselho Nacional de Combate à Discriminação (CNCD), órgão colegiado de na-
tureza consultiva e deliberativa, no âmbito de suas competências, integrante da estrutura
básica da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, tem por finalidade,
respeitadas as demais instâncias decisórias e as normas de organização da administração
federal, formular e propor diretrizes de ação governamental, em âmbito nacional, voltadas
para o combate à discriminação e para a promoção e defesa dos direitos de Lésbicas, Gays,
Bissexuais, Travestis e Transexuais (LGBT) (BRASIL, 2010).

200
para a “[...] implementação e a efetivação de ações que promovam
ambientes políticos e sociais favoráveis à garantia dos direitos humanos
e da respeitabilidade das orientações sexuais e identidade de gênero no
âmbito escolar brasileiro.” (BRASIL, 2011a, p. 9). O material do projeto
Escola sem Homofobia era composto de um caderno, que continha as
atividades para uso do corpo docente, além de “[...] seis boletins para
discussão com alunos(as) e três audiovisuais, cada um com um guia, um
cartaz e cartas de apresentação para gestores(as) e educadores(as).”
(VIANNA, 2015, p. 13).
Porém, a bancada religiosa do Congresso Nacional passou a
exercer pressão contra o projeto, alegando que o que eles denominaram
de kit gay (referência ao material do projeto Escola Sem Homofobia)
incentivava o “homossexualismo” e tornaria as crianças “presas fáceis
para pedófilos” (GLOBO, 2011). Em consequência da pressão dos grupos
conservadores, a presidenta Dilma Rousseff decidiu por vetar o material
e suspender sua distribuição, argumentando que o material estaria
inadequado (VIANNA, 2015). Percebe-se, assim, que, apesar de haver
iniciativas do Governo Federal com intuito de combater a discriminação
à população LGBT, não se vê o mesmo intuito vindo do Poder Legislativo,
como já debatido anteriormente. Dias (2011) traz sua revolta sobre a
questão dizendo que perante os “[...] comandos constitucionais que
consagram o respeito à dignidade humana, os princípios da igualdade
e da liberdade, além de reiteradamente defender uma sociedade não
discriminatória, é difícil justificar a inércia do Poder Legislativo”.
Além da inércia do Legislativo, verifica-se que há oposição de
parte dos legisladores em relação aos projetos que objetivam a diminuição
da violência e opressão à população LGBT, o que trava e cria obstáculos
à garantia de dignidade daqueles que possuem orientação sexual ou
identidade de gênero diversa do padrão comumente aceito. Portanto,
ao invés do Poder Legislativo barrar a tramitação de pautas contra a
discriminação e violência, poderia tentar discutir a melhor a forma desse
combate. Assim, um projeto essencial como o Escola sem Homofobia
poderia ser aprimorado e efetivado, sem precisar que fossem criadas e
rediscutidas novas políticas públicas de combate à discriminação.

201
O PNE DE 2014 E A PROIBIÇÃO DA “IDEOLOGIA DE
GÊNERO”
O PNE foi instituído pela Emenda Constitucional n. 59, de 2009,
que alterou a redação do artigo 214 da Constituição Federal.6 O atual PNE
foi aprovado pela Lei n. 13.005, de 25 de junho de 2014, e tem vigência
por 10 (dez) anos a partir da sua publicação, conforme exposto no artigo
1º, desta mesma Lei.7
Logo em seu artigo 2º, inciso III, a Lei n. 13.005/14 traz que uma
de suas diretrizes é a “superação das desigualdades educacionais, com
ênfase na promoção da cidadania e na erradicação de todas as formas
de discriminação” (BRASIL, 2014a), sem, porém, especificar qualquer tipo
específico de discriminação.
Quando o projeto de lei referente à Lei n. 13.005/14 estava em
trâmite do Congresso Nacional, porém, havia especificações em relação
ao tema. O texto aprovado na Câmara dos Deputados continha, no artigo
2º, inciso III, que a superação das desigualdades teria ênfase na promoção
da igualdade de gênero, racial, além de orientação sexual. Porém, ao ser
realizada a votação no Senado Federal, o texto foi substituído pelo atual
(BRASIL, 2014b).
Além disso, durante toda a redação da lei aprovada na Câmara
dos Deputados, a flexão de gênero nos vocábulos foi respeitada, como
“[...] por exemplo, os/as profissionais da educação, indicando claramente
a intenção do Plano em ser um instrumento de promoção da sensibilização
quanto à equidade de gênero, deixando de se referir às pessoas apenas
no masculino.” (REIS; EGGERT, 2017, p. 15).
6
Art. 214 A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração decenal, com o objeti-
vo de articular o sistema nacional de educação em regime de colaboração e definir diretrizes,
objetivos, metas e estratégias de implementação para assegurar a manutenção e desenvol-
vimento do ensino em seus diversos níveis, etapas e modalidades por meio de ações integra-
das dos poderes públicos das diferentes esferas federativas que conduzam a: I - erradicação
do analfabetismo; II - universalização do atendimento escolar; III - melhoria da qualidade do
ensino; IV - formação para o trabalho; V - promoção humanística, científica e tecnológica do
País. VI - estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em educação como
proporção do produto interno bruto. (BRASIL, 1988).
7
Art. 1º É aprovado o Plano Nacional de Educação (PNE), com vigência por 10 (dez) anos, a
contar da publicação desta Lei, na forma do Anexo, com vistas ao cumprimento do disposto
no artigo 214 da Constituição Federal. (BRASIL, 2014a).

202
Porém, ao fim do ano de 2013, o Senado Nacional fez alterações
no texto do projeto de lei, retirando toda a flexão de gênero originalmente
adotada, utilizando-se a forma masculina de tratamento, além de remover
o trecho do artigo 2º que se referia à igualdade racial, regional, de gênero
e orientação sexual. Ao retornar à Câmara dos Deputados, iniciaram-se os
debates a respeito da “famigerada” ideologia de gênero (REIS; EGGERT,
2017). Mas, afinal, o que seria a ideologia de gênero? Antes disso, qual o
conceito de ideologia?
Conforme Marx e Engels, a ideologia é a forma com que uma
classe dominante mantém o domínio em relação às outras classes. O
domínio é realizado pela imposição de suas próprias ideias, como se
esta fosse a verdade absoluta e que deveria predominar sobre toda as
outras. Assim, dizem que “[...] quase toda a ideologia se reduz ou a uma
concepção distorcida da história, ou a uma abstração completa dela.”
(MARX; ENGELS, 1977, p. 24).
A função de uma ideologia, para Wolkmer (2003), é de grande
importância social, haja vista os indivíduos tenderem a acreditar em uma
série de símbolos e mitos para tentarem aceitar, concordar e compreender
uma “existencialidade material”.
Assim, a ideologia de gênero surgiria como a imposição de uma
ideia que quer doutrinar a sociedade, ensinando a concepção de que o
gênero é uma construção social, e não inerente a todo ser humano, o
que, na visão dos fundamentalistas religiosos e conservadores, seria uma
afronta aos princípios da família e iria totalmente contra a moral e os bons
costumes.
Louro (2003) bem comenta que as pessoas e instituições que
negam a educação sexual nas escolas argumentam que tal ensinamento
deve ser função exclusiva das famílias, não cabendo à escola esse papel,
haja vista que esse conhecimento possui princípios morais e religiosos.
Assim, os grupos contrários defendem o silenciamento do tema nas salas
de aula, tendo a falsa ideia de que, se a escola não trata sobre o assunto,
as crianças e os adolescentes estarão livres de tomarem ciência das
questões de gênero e sexuais.

203
Há, também, quem afirme que a chamada “ideologia de gênero”
irá legitimar a pedofilia. As palavras do Cardeal Arcebispo de São Paulo
mostram isso. Em artigo publicado no portal digital do jornal O Estado de
S. Paulo, Scherer (2015) diz que:

Na educação, a ideologia de gênero traz diversos


inconvenientes. Nas crianças e nos adolescentes, ela gera
confusão no processo de formação de sua identidade
pessoal; pode despertar uma “sexualização” precoce
e promíscua, na medida em que a ideologia de gênero
propugna por uma diversidade de experiências sexuais
em vista da formação do próprio gênero. Além disso,
essa ideologia poderia abrir um caminho perigoso para
a legitimação da pedofilia, uma vez que a orientação
pedófila também poderia ser considerada um tipo
de gênero. É sabido que a banalização da sexualidade
humana leva ao aumento dos índices de violência sexual.

Para Reis e Eggert (2017), formou-se uma união entre os


fundamentalistas religiosos, evangélicos e católicos mais ortodoxos, além
da parcela mais conservadora e reacionária da sociedade, todos em busca
da defesa do que eles chamam de “família e costumes tradicionais”. Com
essa união, eles visam à disseminação de informações deturpadas para
que a equidade de gêneros e o respeito à diversidade sexual não sejam
alcançados.
Dentre esses discursos, surgiu o Programa Escola sem Partido,
que tem como bandeira parar com a suposta “doutrinação política
e ideológica em sala de aula”, pois isso “[...] ofende a liberdade de
consciência do estudante; afronta o princípio da neutralidade política
e ideológica do Estado; e ameaça o próprio regime democrático.”, haja
vista que essa doutrinação tem como objetivo impor a ideia do professor
(parte dominadora) sobre o aluno (parte dominada) (ESCOLA ..., 2018).
O Programa Escola sem Partido surgiu de um movimento
nacional, no ano de 2004, e teve como estratégia “[...] a judicialização
da relação entre professores e alunos, tendo, em seguida, passado a
pressionar as assembleias estaduais e municipais por projetos de leis que

204
legitimassem suas ideias, processo que vem se intensificando.” (MACEDO,
2017, p. 508).
Dentre esses projetos de leis municipais,8 alguns foram
aprovados. Um dos projetos de lei aprovados foi o que originou a Lei
Municipal n. 3.468/2015, do Município de Paranaguá/PR.9 Pode-se
perceber que o artigo 3º, inciso X, da referida lei, veda expressamente a
política de ensino com informações sobre gênero ou orientação sexual10
(PARANAGUÁ, 2015). Ocorre que, ao vedar a adoção de programas de
educação que tratem sobre gênero e orientação sexual, o legislador acaba
por impedir que crianças e adolescentes tenham conhecimento sobre o
assunto sob uma visão mais ética e igualitária.
Por ter encontrado vícios na Lei Municipal mencionada,
o Procurador Geral da República ingressou com uma Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), que tramita no
Supremo Tribunal Federal sob o n. 461 (BRASIL, 2017). O intuito principal
da ADPF 461 é apontar a inconstitucionalidade da lei aprovada no
município de Paranaguá/PR. Conforme a ementa da decisão liminar
proferida pelo relator do caso, Ministro Roberto Barroso, a lei municipal
viola a “[...] competência privativa da União para legislar sobre diretrizes
e bases da educação nacional (CF/1988, art. 22, inciso XXIV), bem como
à competência deste mesmo ente para estabelecer normas gerais
em matéria de educação (CF/1988, art. 24, inciso IX)”. Além disso, não
houve, segundo o Ministro, observância “[...] dos limites da competência
normativa suplementar municipal (CF/1988, art. 30, inciso II).” (BRASIL,
2017).
O Relator também não se furtou em adentrar ao mérito da
redação do dispositivo atacado. Extrai-se da ementa da decisão liminar
8
Outras duas leis municipais que dispõem sobre os planos municipais de educação e foram
discutidas em ADPF em razão dos termos “gênero” e “orientação sexual” no STF são: Lei
Municipal n. 6.496/2015, de Cascavel/PR, e Lei Complementar n. 994/2015, de Blumenau/
SC, tratadas nas ADPFs n. 460 e 462, respectivamente.
9
Lei n. 3.468, de 23 de junho de 2015. “Dispõe sobre a aprovação do Plano Municipal de
Educação de Paranaguá e dá outras providências.” (PARANAGUÁ, 2015)
10
Art. 3º São diretrizes do PME: [...] X - promoção dos princípios do respeito aos direitos hu-
manos, à diversidade e à sustentabilidade socioambiental, sendo vedada entretanto a ado-
ção de políticas de ensino que tendam a aplicar a ideologia de gênero, o termo “gênero” ou
“orientação sexual”. (PARANAGUÁ, 2015).

205
que o dispositivo da lei municipal desrespeita o direito fundamental à
educação que, conforme a Constituição Federal de 1988, deve ter alcance
pleno e emancipatório, além de comprometer o papel transformador que
a educação possui. Fala, também, que a vedação ao ensino de gênero
e diversidade sexual mantém “[...] grupos minoritários em condição de
invisibilidade e inferioridade.” e viola o princípio da proteção integral,
haja vista a “[...] importância da educação sobre diversidade sexual para
crianças, adolescentes e jovens.”, que são indivíduos vulneráveis e devem
estar protegidos de toda forma de opressão e discriminação (BRASIL,
2017).
Analisando-se o inteiro teor da decisão, vê-se a preocupação do
ministro em frisar as diferenças entre sexo, gênero e orientação sexual,
bem como seu entendimento de que a vedação das políticas educacionais
que tratem sobre esses temas (sexo, gênero e orientação sexual) significa
impossibilitar que seja tratada, nas escolas, essa temática. Assim, impede-
se que os alunos sejam orientados sobre o assunto, mesmo que as
diversidades estejam tão presentes no cotidiano da sociedade e todos
lidarão com essa situação em algum momento da vida. E arremata:

A educação é o principal instrumento de superação da


incompreensão, do preconceito e da intolerância que
acompanham tais grupos ao longo das suas vidas. É o
meio pelo qual se logrará superar a violência e a exclusão
social de que são alvos, transformar a compreensão
social e promover o respeito à diferença. Impedir a
alusão aos termos gênero e orientação sexual na escola
significa conferir invisibilidade a tais questões. Proibir
que o assunto seja tratado no âmbito da educação
significa valer-se do aparato estatal para impedir a
superação da exclusão social e, portanto, para perpetuar
a discriminação. Assim, também por este fundamento
– violação à igualdade e à dignidade humana – está
demonstrada a plausibilidade do direito postulado.
(BRASIL, 2017).

Assim, o Programa Escola sem Partido, ao se colocar numa


posição firmemente contrária ao que chama de “ideologia de gênero”,
mostra-se, além de inconstitucional, um projeto que visa a cercear o

206
direito à educação, ceifar os direitos humanos, e tirar da criança e do
adolescente o direito de crescer em uma sociedade mais igualitária e livre
de violência.

POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS COMO


FORMA DE GARANTIA DE DIGNIDADE A SUJEITOS
SOCIAIS VULNERÁVEIS
Visando à proteção dos direitos humanos da criança e do
adolescente bem como da população LGBT, além de promover a igualdade
e objetivar a diminuição do preconceito na sociedade, é necessário
incentivar a implementação de políticas públicas educacionais que
promovam o respeito à diversidade de gênero e sexual nas escolas.
Quando se fala em educação, a sociedade direciona a
responsabilidade para a escola. No entanto, a família e a sociedade
exercem papel fundamental nessa tarefa. Como está disposto no artigo
205, caput, da Constituição Federal, a educação é um “[...] direito de
todos e dever do Estado e da família [...]” (BRASIL, 1988). Portanto, não
somente a escola e os professores têm papel importante na educação da
criança, como também os pais, avós e todos os que pertencem ao núcleo
familiar dessa criança.
O modelo tradicional de família, hoje, como é visto pela
sociedade, é composto do pai, da mãe e dos filhos e filhas, e se baseia na
premissa de que há papéis fixos para cada membro do núcleo familiar: o
homem tem o papel de ser o mantenedor da casa, que precisa trabalhar
para promover o sustento do lar, ao passo que a mulher deve cuidar da
casa, da limpeza e dos filhos. Esse foi o modelo estruturado culturalmente
e que é socialmente aceito e visto como sendo o “normal” (LINS;
MACHADO; ESCOURA, 2016).
Esse modelo reforça os estigmas sociais, com um padrão
imposto que deve ser seguido pelo homem e pela mulher e que deve
servir de exemplo para as crianças: o menino deve se espelhar no pai,
protetor da casa e responsável pelo sustento, enquanto que a menina

207
tem como referência o papel da mãe, que deve ser carinhosa e cuidar do
lar. Beauvoir (1980) ressalta o quanto a educação e o ambiente familiar
influenciam na criação dos filhos.
A educação sobre gênero e sobre diversidade sexual visa à
libertação dos preconceitos impregnados na sociedade. Silva (2013)
afirma que a discussão sobre sexualidade nas escolas tem o objetivo de
garantir a proteção dos direitos fundamentais de todo ser humano. Além
disso, outro propósito desse tipo de educação é gerar debate sobre a
discriminação e a violência contra pessoas de orientação sexual diversa
do padrão e, principalmente, promover o amor, o respeito e a tolerância.
Assim, torna-se indispensável

[...] discutir o preconceito sexual, a violência contra a


orientação sexual “homo”, a discriminação, a exclusão
de grupos ditos “minoritários” [...] e, especialmente,
[...] discutir o amor ao outro, o respeito, o ser tolerante
e, sobretudo, conviver em harmonia com todos os
grupos e sujeitos sociais que compõe a grande massa
de cidadãos-trabalhadores que foram culturalmente
“educados” sob a pecha do machismo, [...] e de nuances
que, ao contrário de combater o ódio social contra o
que a sociedade intitula de “diferente” ou “anormal”,
aprofunda ainda mais a reprodução do preconceito
e da falta de informação que condiciona o “padrão”
coercitivo que culminam nos fatos da discriminação
social e da negligência intelectual e política e que na
verdade, precisam de uma “libertação social” que
tanto buscamos e que, por vezes, nos acomodamos por
motivos diversos. (SILVA, 2013, p. 20).

É fundamental pensar em novas políticas públicas que incluam


a questão da diversidade sexual e de gênero para coibir a perpetuação
de padrões sexistas e homofóbicos. Além disso, importante se mostra a
inclusão de estudos de gênero ao se realizarem os cursos de formação
do corpo docente. Em sala de aula, pode-se analisar, de forma crítica, a
dicotomia masculino/feminino, o padrão imposto pela sociedade e mídia,
além de discutir a respeito da homossexualidade e heterossexualidade
(DINIS, 2008).

208
Essa abordagem em sala é essencial para que a criança e o
adolescente cresçam livres de pensamentos sexistas e homofóbicos. O
Ministro Roberto Barroso, em sua fundamentação da decisão liminar da
ADPF 461, que tramita no Supremo Tribunal Federal, ponderou que

[...] não se deve recusar aos alunos acesso a temas com


os quais inevitavelmente travarão contato na vida em
sociedade. A educação tem o propósito de prepará-los
para ela. Além disso, há uma evidente relação de causa
e efeito entre a exposição dos alunos aos mais diversos
conteúdos e a aptidão da educação para promover o
seu pleno desenvolvimento. Quanto maior é o contato
do aluno com visões de mundo diferentes, mais amplo
tende a ser o universo de ideias a partir do qual pode
desenvolver uma visão crítica, e mais confortável tende
a ser o trânsito em ambientes diferentes dos seus.
[...]. Não tratar de gênero e de orientação sexual no
âmbito do ensino não suprime o gênero e a orientação
sexual da experiência humana, apenas contribui para
a desinformação das crianças e dos jovens a respeito
de tais temas, para a perpetuação de estigmas e do
sofrimento que deles decorre. (BRASIL, 2017).

Assim, ao garantir o respeito, a igualdade e a dignidade à


criança e ao adolescente, a educação sobre gênero e diversidade sexual
vai ao encontro do que dispõe a teoria da proteção integral, pois é “[...]
fundamental para permitir que se desenvolvam plenamente como seres
humanos”. Abordar esses temas em sala de aula auxiliará esses alunos a
“[...] compreender a sexualidade e protegê-los contra a discriminação e a
violência.” (BRASIL, 2017).
A educação é considerada um valor central e é necessária
a reflexão a respeito do padrão de escola desejada. Verifica-se que
a escola é composta de uma sociedade carregada de desigualdades,
entre elas a de gênero. Assim, deve-se “[...] defender uma proposta
pedagógica de intervenção nessas questões.”, caso contrário, “[...] ela
somente reproduzirá injustiças, violências, discriminações, exclusões e
marginalizações.” (LINS; MACHADO; ESCOURA, 2016, p. 101-102).

209
A inclusão e a igualdade devem caminhar lado a lado com a
educação, para que esta seja o rumo para a emancipação. Por conta disso,
para Lins, Machado e Escoura (2016, p. 102), os “[...] profissionais da
educação têm um lugar privilegiado de mudança social, quando engajados
na transformação de preconceitos e discriminações”. É a partir deles e por
causa deles que a educação pode promover “[...] as diversas formas de
conhecimento: com letras, palavras, números, histórias, afetos e valores”.
A educação é um meio fundamental para que o preconceito
e a intolerância possam ser superados. É o instrumento que se buscará
vencer a violência e a exclusão social, objetivando sempre a promoção
do respeito a qualquer tipo de diferença. Ao não permitir que os temas
relacionados a gênero e diversidade sexual sejam tratados no âmbito
escolar, o legislador ajuda a perpetuar a discriminação (BRASIL, 2017).
Nas palavras de Gorczevski (2009, p. 221), “[...] seria ingenuidade
imaginar-se que a educação resolverá todos os problemas atuais da
sociedade”. Pode, porém, auxiliar no entendimento das causas desses
problemas para que sejam tomadas atitudes que os amenizariam.
Conforme o autor, “Educar para os direitos humanos é criar uma cultura
preventiva, fundamental para erradicar a violação dos mesmos”. Custódio
(2009, p. 53) segue o mesmo pensamento, fazendo a consideração de que,
no processo de desenvolvimento da criança e do adolescente, a educação
não é “tudo”, mas “[...] sem educação a perspectiva do desenvolvimento
integral não se concretiza”.
Portanto, garantir a educação relacionada a gênero e diversidade
sexual como meio de promover o respeito, a igualdade e a dignidade
humana é essencial para que a violência e opressão vistas diariamente
contra a população LGBT sejam contidas, sufocadas e exterminadas.
Crianças e adolescentes têm o direito de receber ensino da melhor
qualidade, e isso inclui não somente as disciplinas tracionais. A construção
deve ser diária e precisa começar das bases para que seja alcançada uma
sociedade mais justa, onde a população seja livre e não sofra quaisquer
tipos de preconceito.

210
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No ordenamento jurídico nacional não há lei específica que
disponha sobre os direitos da população LGBT. No entanto, várias são
as decisões dos tribunais que versam sobre o tema. Uma das mais
importantes foi a decisão do Supremo Tribunal Federal na ADI 4.277,
em 2011, momento em que a união civil homoafetiva foi reconhecida.
Com a decisão, os casais homoafetivos tiveram os direitos à igualdade e à
dignidade assegurados, haja vista sua união produzir os mesmos efeitos
jurídicos os quais os casais heteroafetivos já possuíam.
O Brasil é o país com os mais elevados índices de violência contra
LGBT. Em 2017, 445 pessoas morreram vítimas de LGBTfobia. Como forma
de promover a igualdade e diminuir as taxas de violência, foram criadas
algumas políticas públicas pelo Governo Federal, dentre os quais se
destaca o Programa Brasil sem Homofobia, em 2004, e o Plano Nacional
de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos de LGBT, em 2009. Tentou-
se, sem sucesso, implementar o projeto Escola sem Homofobia, que,
devido a pressões da bancada conservadora do Poder Legislativo Federal,
foi vetado pela presidenta Dilma Rousseff.
Alguns projetos de lei municipal, tendo como referência o
movimento Escola sem Partido, tentam proibir o ensino a respeito de
gênero e diversidade sexual aos alunos. Quem defende essa proibição
argumenta que existiria uma “ideologia de gênero” na educação, que
promoveria a sexualização precoce da criança e poderia incentivar a
pedofilia.
Portanto, necessário se faz pensar e implementar políticas
públicas educacionais como forma de combater o preconceito impregnado
na sociedade. Apesar de alguns programas já terem sido implementados,
outros não conseguiram sair do papel por conta da oposição feita pela
bancada religiosa a políticas que tentam garantir dignidade à população
LGBT.
A abordagem de questões de gênero e diversidade sexual nas
escolas possui o intuito de libertar crianças e adolescentes de preconceitos
e fobias sociais, garantindo-lhes dignidade e promovendo o respeito e

211
a igualdade. Ao se abordar o tema na escola, crianças e adolescentes
podem crescer livres de intolerância e se preparar para uma vida justa e
igualitária, sem semear ódio e sem propagar preconceito.

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POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS E


AVALIAÇÃO DO ENSINO NOS ESTADOS DA
REGIÃO SUL DO BRASIL: UMA ANÁLISE A
PARTIR DO PRINCÍPIO FEDERATIVO
Michel Alisson da Silva
Pedro Henrique Cardoso Hilário

INTRODUÇÃO SUMÁRIO
O presente artigo científico tem como propósito caracterizar
o princípio federativo no ordenamento jurídico brasileiro à luz da
Constituição Federal de 1988. A partir disso, busca-se compreender o
federalismo a partir do seu aspecto jus-filosófico, histórico e social do
modelo clássico estadunidense; identificar o processo de implantação do
princípio federativo no Brasil e seu desenvolvimento até a Constituição
Federal de 1988; e analisar as políticas educacionais brasileiras à luz do
princípio federativo. Este trabalho apresenta-se de natureza aplicada
e tem como método adotado o indutivo. Quanto aos procedimentos
metodológicos, em primeiro lugar, foi realizada a revisão bibliográfica das
origens do federalismo e de sua implantação no País. Em segundo momento
foi realizado um recorte sobre as políticas educacionais analisadas sob
a ótica do princípio federativo. O artigo está dividido em quatro tópicos,
a saber: formas de Estado e o surgimento do federalismo, o Estado de
bem-estar social brasileiro, o direito à educação como um direito social e
políticas públicas educacionais como forma de aplicação dos dispositivos
constitucionais.
No decorrer do desenvolvimento deste artigo serão apresentadas
as formas existentes de Estado, analisando-se de forma mais detalhada
a criação e as características do Estado federal. O Brasil, enquanto uma
República Federativa, organizou sua estrutura interna com a distribuição de
competências privativas e concorrentes. À União e aos Estados-membros
foi atribuída a competência concorrente sobre a educação superior,

217
cabendo a primeira a competência privativa de legislar especificamente
sobre as diretrizes e bases da educação nacional. Será abordada, também,
a importância do Estado de bem-estar social para que haja garantia de
direitos sociais à população. Quanto aos direitos sociais, a educação terá
enfoque principal, abordando-se, depois, os indicadores educacionais
que visam à melhoria do sistema de educação no Brasil.
O estado de bem-estar social surge como uma garantia social com
o intuito de fornecer alguns direitos essenciais, como renda, alimentação,
saúde a todos os cidadãos. Dentre os direitos assegurados à população,
está o direito social fundamental à educação, assegurado no artigo 6º da
Constituição Federal de 1988. Para garantir que esse direito social seja
aplicado à população, necessárias são as políticas públicas em educação,
que visam à melhoria do sistema educacional no País.

FORMAS DE ESTADO E O SURGIMENTO DO


FEDERALISMO
Para entender o Federalismo é necessário, antes de tudo,
entender o conceito de Estado. Kelsen (1992, p. 183), pontua que:

Devido à variedade de objetos que o termo normalmente


denota, definir “Estado” torna-se difícil. Às vezes, a
palavra é usada em um sentido bem amplo, para indicar
a “sociedade” como tal, ou alguma forma especial de
sociedade. Mas a palavra também é com frequência
usada com um sentido bem mais restrito, para indicar
um órgão particular da sociedade – por exemplo, o
governo, ou os sujeitos do governo, uma “nação”, ou o
território que eles habitam.

Visando a afastar qualquer confusão entre definição de


Estado e sociedade, Dallari (2011, p. 30) afirma que “[...] a sociedade
é resultante de uma necessidade natural do homem, sem excluir a
participação da consciência e da vontade humanas”. Fala também que o
contratualismo possui grande influência na formação da sociedade e na
ideia contemporânea de democracia.

218
Já sobre o Estado, Dallari (2011, p. 59) o conceitua como “[...]
situação permanente de convivência e ligada à sociedade política.”, e
informa que esse conceito aparece pela primeira vez na obra “O Príncipe”,
de 1513, escrita por Nicolau Maquiavel. Apesar de esta denominação só
emergir no século XVI, a maioria dos estudiosos dizem que, antes disso,
o Estado já existia, porém, com nomes diferentes. Então, “[...] todas as
sociedades políticas que, com autoridade superior, fixaram as regras de
convivência de seus membros.” são consideradas como Estado.
As “formas estatais pré-modernas” são identificadas por Streck e
Morais (2000, p. 20) como: 1) Estado Antigo, que é “[...] uma forma estatal
definida entre as antigas civilizações do Oriente ou do Mediterrâneo,
onde a família, a religião, o Estado e a organização econômica formavam
um conjunto confuso, sem diferenciação aparente”; 2) Estado Grego, que
possuía as cidades-Estado (polis), e tinha como objetivo a autossuficiência,
além de possuir uma elite política com grande participação nas
deliberações do Estado e 3) Estado Romano, que tinha uma “base familiar
de organização” e “a noção de povo era restrita, compreendendo apenas
faixa estreita da população”.
Os autores classificam, ainda, o Estado Medieval como sendo a
principal forma de Estado pré-moderna. Para Streck e Morais (2000, p. 20-
21), o cristianismo, as invasões bárbaras e o feudalismo caracterizam esse
período, que foi marcado também por permanente instabilidade política,
econômica e social, conflito entre poder espiritual e poder temporal bem
como a fragmentação do poder.
Depois do período medieval, surge o chamado Estado Moderno.
Conforme Bobbio (2001, p. 67), o nome Estado é “[...] um novo nome
para uma realidade nova: a realidade do Estado precisamente moderno,
a ser considerado como uma forma de ordenamento tão diverso dos
ordenamentos precedentes”. Por esse motivo, deve ser denominado de
forma diversa das anteriores.
O Estado Moderno, então, deixa de ter as características das
formas estatais pré-modernas e passa a derivar da “[...] institucionalização
do Poder, sendo que suas condições são o território, a nação, mais
potência e autoridade. Esses elementos dão origem à ideia de Estado.”
(STRECK; MORAIS, 2000, p. 26-27). Essa nova concepção de Estado pode

219
ser organizada, basicamente, em duas formas: a forma federada e a forma
unitária. Para Streck e Morais (2000, p. 147), a Federação surge apenas a
partir do século XVIII, em 1787, quando os Estados Unidos dão origem ao
Estado Federado, com a transformação de Confederação em Federação.
Sobre o surgimento do federalismo na nação norte-americana, pontua-se
que:

[...] o ponto de maior distinção entre o novo sistema


para os Estados Unidos e o existente na Grécia, na Itália
medieval, na Suíça, na Alemanha ou na Holanda, é que,
antes de 1787, o governo central nas federações ou,
mais propriamente, nas confederações, não passava
de um agente dos Estados. Em nenhum caso ele teve
uma existência própria independente, nem o poder
para regulamentar os negócios dos cidadãos, criar ou
arrecadar impostos dos indivíduos. Não há exemplo de
existência de um sistema independente de cortes de
justiça ou uma assembleia legislativa eleita pelo povo de
toda a confederação. A Constituição de 1787 tem uma
antiga ascendência, mas adota um tipo novo de governo
federal. (WRIGHT, 1984, p. 49).

Kelsen (1992, p. 309) afirma que “[...] apenas o grau de


descentralização diferencia um Estado unitário dividido em províncias
autônomas de um Estado federal”. Complementa, ainda, sua assertiva
colocando que, “[...] do mesmo modo que um Estado federal se
distingue de um Estado unitário, uma confederação internacional de
Estados se distingue do Estado federal apenas por meio de um grau de
descentralização maior”.
Quando da análise da implantação do federalismo nos Estados
Unidos, considerado o Modelo Clássico de Federalismo, Hamilton,
Madison e Jay (1984, p. 383) afirmaram que:

Os poderes delegados ao governo federal pela


Constituição proposta são poucos e definidos; os que
permanecem com os governos estaduais são numerosos
e imprecisos. Aqueles serão exercidos principalmente
sobre tópicos externos, tais como guerra, paz,

220
negociações e comércio exterior, com o qual o poder
de taxação estará mais intimamente ligado. Os poderes
reservados aos Estados se estenderão sobre todos os
tópicos que, no curso normal da vida do país, dizem
respeito às liberdades e bens do povo, à ordem interna e
aos aperfeiçoamentos e progresso do Estado.

No entanto, devido a vários fatores, tal entendimento foi


paulatinamente mudando. Schwartz, em análise mais recente sobre o
federalismo norte-americano, defende que “[...] o ponto de partida do
sistema americano pode [...] ter sido o conceito do federalismo duplo,
de acordo com o qual o estado e a Nação eram vistos como iguais”. Diz
ainda que cada um possui uma área determinada na qual podia atuar.
Segundo o mesmo autor, “[...] este conceito foi mantido em seus aspectos
essenciais durante mais de um século por uma série de decisões da Corte
Suprema que invalidaram tentativas do Governo Federal de invadir o
campo reservado aos estados”, sendo “[...] o equilíbrio entre o poder
estadual e o poder federal [...] alterado drasticamente (somente) durante
[...] (o) século (XX)”. Aponta, ainda, que “[...] a necessidade do exercício
do poder nacional para atender às exigências governamentais dos dias
atuais levou ao abandono da noção da igualdade governamental como
a pedra angular da estrutura do federalismo americano.” (SCHWARTZ,
1984, p. 73). E complementa:

O federalismo, nos Estados Unidos, caracteriza-se agora


pelo predomínio da autoridade federal. O sistema social
e econômico americano tem estado sujeito cada vez mais
à regulamentação e ao controle por Washington. O poder
do Governo nacional sobre o comércio é interpretado
de modo a sujeitar até mesmo empreendimentos com
somente efeito remoto sobre a economia nacional
a minuciosas normas federais. E, à medida que a
autoridade da Nação a este respeito cresceu, a dos
estados sofreu correspondente decréscimo, pois a ação
estadual, no sistema americano, é barrada quando é
validamente exercido o poder federal incompatível com
ela. (SCHWARTZ, 1984, p. 74).

221
Fazendo uma análise comparativa entre o federalismo norte-
americano e o brasileiro, Borges Netto (1999, p. 42) diz que a principal
diferença “[...] reside no aspecto histórico de o Estado Federal, em terras
brasileiras, não ter surgido da manifestação de vontade das antigas
províncias, posteriormente transformadas em Estados-membros”. O
autor, assim como vários estudiosos, entende que “[...] não houve,
entre nós, livre consentimento das entidades federadas para a formação
da aliança federal, pois a implantação do federalismo se deu da ordem
jurídica central (União) para as ordens jurídicas periféricas (Estados-
membros).” (BORGES NETTO, 1999, p. 42).
Nesse sentido, Cavalcanti (1983, p. 122) também argumenta
que:

O ato do governo revolucionário, que autenticou a


proclamação da República Federativa, e declarou, que
as províncias do Brasil, reunidas pelo laço da federação,
ficavam constituindo os “Estados Unidos do Brasil”, não
os investiu, só por isso, de direitos próprios, irredutíveis,
que lhes dessem o caráter de Estados independentes;
e o Congresso Constituinte, que veio, logo depois, e
aprovou os intuitos e atos do movimento revolucionário,
também não consignou na Constituição federal nenhum
poder ou prerrogativa, em favor dos Estados, além do
que parecera indispensável para dar-lhe autonomia,
com membros da Federação.

A descentralização política é apontada por Borges Netto (1999,


p. 46) como o cerne do federalismo ao propor que “[...] a própria razão
de ser do Estado Federal reside na característica da descentralização
política”. Segundo o seu conceito, essa descentralização política significa
a “[...] repartição constitucional da capacidade de emissão de normas
jurídicas, para que cada esfera de poder possa controlar as condutas dos
agentes públicos e dos cidadãos em determinada comunidade jurídica”.
Considera, ainda, essa característica do Estado Federal como o “ponto
central da organização federativa”.
Horta (2003, p. 346) nos diz que a Constituição Federal de 1988
apresenta uma “nova repartição de competências”, que não apresenta

222
“prejuízo dos poderes soberanos e nacionais da União”. Segundo o autor,
“[...] foram acrescidos (aos poderes da União) [...] expressivas atribuições
novas.”, e ficou criado o “[...] domínio autônomo da legislação concorrente,
abastecido com matérias próprias, e não com matérias deslocadas da
competência legislativa da União, [...] para que sejam elas objeto da
legislação federal de normas gerais e da legislação suplementar”. Ainda
argumenta que as legislações estaduais têm autonomia para aperfeiçoar
a legislação federal, para que, assim, possa atender às especificidades e
exigências locais.
Ramos (2000, p. 189), no entanto, alerta que a autonomia dos
Estados-membros é “[...] excessivamente limitada por vários dispositivos
constitucionais”.
Nesse mesmo sentido, Almeida indica que “[...] em termos
técnicos, cabe fazer uma crítica quanto à inclusão, no artigo 22 (da
Constituição Federal de 1988), de matérias que serão objeto de normas
gerais ou de diretrizes estabelecidas pela União.”, como é o caso das
“diretrizes e bases da educação nacional” (ALMEIDA, 2000, p. 103).
Conforme o autor bem aponta, essa falha técnica apresenta consequências
reais, trazendo prejuízo à competência de legislar dos estados (ALMEIDA,
2000, p. 104).
Rodrigues (2002, p. 55-56), por sua vez, afirma que:

Para que se possa efetivar uma adequada leitura da


legislação educacional brasileira, no que se refere
especificamente ao tema pertinente à definição das
diretrizes curriculares, necessário se faz ressaltar
três dentre os princípios gerais estabelecidos pela
Constituição Federal de 1988, em seu artigo 206: O ensino
será ministrado com base nos seguintes princípios:
[...] II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e
divulgar o pensamento, a arte e o saber; III – pluralismo
de ideias (sic) e de concepções pedagógicas [...]; VII –
garantia de padrão de qualidade. [...] Em resumo, a
ordem constitucional brasileira garante a liberdade e o
pluralismo, mas exige a preservação da qualidade. Para
garantir que essa qualidade seja mantida, estabelece a
necessidade da avaliação, por parte do Poder Público.

223
Isso significa que o Poder Público tem de garantir,
de um lado, flexibilidade suficiente para que as IESs
possam, nas suas propostas pedagógicas, realizar os
mandamentos constitucionais e, de outro, que essa
flexibilidade possui como limites, também fixados pelo
Poder Público, os padrões de qualidade a serem exigidos
mediante processos avaliativos oficiais.

Uma possível crise para o federalismo é vista por Cavalcanti, que


aponta três causas para isso, o que implicaria na quebra da unidade ou de
extinção. O primeiro seria “[...] o desrespeito da Constituição, das leis e
atos do poder federal, por parte dos Estados, seja por fatos diretos, seja
por omissão voluntária”; o segundo seria o “[...] predomínio de um ou
mais Estados sobre os outros, em vista da sua importância política, da sua
população, ou da sua força e riqueza”; e o terceiro, “[...] a exorbitância do
poder central, procurando absorver as autonomias locais.” (CAVALCANTI,
1983, p. 290).
O federalismo atual também é criticado por Pinto Filho, não em
função de sua estrutura em si, mas em função do seu mau uso. Segundo
ele:

A descentralização, politicamente tão identificada


com os momentos democráticos, não tem sido a
regra nestes tempos de retorno à democracia. O que
mais melindra o federalismo que defendemos não é
a sua centralização histórica. É, verdadeiramente, a
disparidade dos discursos de nossos governantes que
por tanto tempo atacaram o regime anterior como
autoritário e centralizador e agora usam das mesmas
regras daquele para minar as autonomias estaduais e
municipais, mas com uma agravante: utilizam-se das
regras e dos discursos democráticos para praticarem
aquilo que sempre foi objeto de suas defenestrações.
(PINTO FILHO, 2002, p. 211).

Segundo Motter e Gomes, em posfácio do livro de Planck sobre


a política educacional no Brasil, em função dos últimos anos (leia-se
Governo Fernando Henrique Cardoso), a “[...] estrutura descentralizada

224
do sistema educacional brasileiro” pode ser entendida como um “[...]
mito [...] em razão da ‘recentralização’ de funções nas mãos do Ministério
da Educação (MEC) promovida pela legislação educacional”. Completa
dizendo que isso lhe dá “[...] um poder incontrastável na formulação
das políticas de educação básica e no controle das redes estaduais e
municipais de ensino.” e faz isso “[...] através de sistemas nacionais de
avaliação, das diretrizes e parâmetros curriculares nacionais, dos critérios
de distribuição de verbas federais, etc.” (PLANCK, 2001, p. 197-199).

O ESTADO DE BEM-ESTAR SOCIAL BRASILEIRO


Assim como a ideia de Estado Federal, o conceito de Estado
de bem-estar social (ou welfarestate) surgiu nos Estados Unidos, tendo
suas primeiras raízes na década de 1930 com o plano new deal, aplicado
pelo então presidente do país Franklin Roosevelt, quando houve “[...] um
apoio maciço a programas de obras públicas, regulamentação de crédito,
controle sob a produção agrícola; regulação das horas de trabalho; salários
mínimos; negociação coletiva; sistema abrangente de seguros sociais.”
(STRECK; MORAIS, 2000, p. 59).
O welfarestate se destaca de forma definitiva, segundo Streck
e Morais (2000, p. 68-69), “[...] como consequência geral das políticas
definidas a partir das grandes guerras”. Na primeira guerra mundial,
o Estado se inseriu na produção e distribuição de bens de consumo; já
em 1929, por conta da crise financeira, houve interferência estatal na
economia; e, em 1940, a atitude interventiva é consolidada com a ideia
de que deve haver a proteção de todo o cidadão.
Com a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), as práticas
intervencionistas do Estado nas questões econômicas e sociais foram
ainda mais estimuladas. Dallari (2011, p. 275) explica que isso se deu
devido à necessidade estatal de controlar recursos sociais e otimizar da
melhor forma a verba pública, haja vista as urgências geradas pela guerra.
Gomes (2006, p. 203) define o Estado de bem-estar social da
seguinte forma:

225
A definição de welfarestate pode ser compreendida
como um conjunto de serviços e benefícios sociais
de alcance universal promovidos pelo Estado com a
finalidade de garantir uma certa “harmonia” entre o
avanço das forças de mercado e uma relativa estabilidade
social, suprindo a sociedade de benefícios sociais que
significam segurança aos indivíduos para manterem um
mínimo de base material e níveis de padrão de vida, que
possam enfrentar os efeitos deletérios de uma estrutura
de produção capitalista desenvolvida e excludente.

Entende-se o Estado de bem-estar social, segundo Benevides


(2011, p. 17), como “[...] o reconhecimento do papel do Estado na busca do
bem-estar dos indivíduos, baseando-se nos direitos sociais dos mesmos”.
A autora completa afirmando que cada país implementou esse sistema de
acordo com suas especificidades históricas, haja vista cada nação ter suas
próprias características.
Há dois modelos de intervenção social do Estado que são
considerados base para todos os outros que vieram a surgir posteriormente:
o inglês e o alemão. Na Inglaterra, pode-se perceber uma forte associação
entre a centralização do poder, típico dos Estados absolutistas; a dispensa
da mão de obra camponesa, devido à mercantilização das terras; e o
acolhimento oferecido à população mais pobre. Isso deu origem a um tipo
pioneiro de assistencialismo. Já no modelo alemão, nota-se aproximação
entre a legislação bismarckiana e o movimento de oposição ao socialismo.
Além disso, percebe-se grande distinção entre o assistencialismo e todas
as outras formas anteriores de ajuda mútua (FIORI, 1997).
No Brasil, como nos outros países, o surgimento do Estado de
bem-estar social teve suas próprias características. Segundo Lobato
(2016, p. 89), as políticas sociais implementadas durante a história no
Brasil possuíam grande ligação a projetos econômicos e políticos, “[...]
deixando a um plano secundário a adoção de estratégias para a melhoria
efetiva das condições de vida e criação de padrões mínimos de igualdade
social”.
Conforme Bonevides (2011, p. 62), os programas de proteção
social, nessa época, foram regidos pelo autoritarismo, pois tinha a intenção

226
de conduzir questões referentes à “[...] organização dos trabalhadores
assalariados dos setores mais modernos da economia, utilizando-se da
antecipação de algumas necessidades, de modo a reduzir a legitimidade
das lideranças trabalhistas em suas reivindicações”.
Lobato (2016, p. 90) diz que, com o decorrer do tempo,
o processo de democratização no Brasil, que teve seu ápice com a
promulgação da Constituição Federal de 1988, trouxe um novo conceito
de cidadania. A autora ainda pontua que a Constituição de 1988 traz um
capítulo específico para falar sobre os direitos sociais (saúde, assistência,
previdência, educação, dentre outros).
Algumas conquistas trazidas pela nova Constituição são
destacadas por Bonevides (2011, p. 65), dentre elas: “[...] a criação do
Sistema Unificado de Saúde (SUS), apoiado no direito universal à saúde;
a definição de um piso mínimo para os benefícios; a criação do seguro-
desemprego; e a extensão da previdência rural”.
Apesar de reconhecer a promulgação da Constituição como
o ápice do processo de democratização brasileiro, Kelsen (1992 apud
LOBATO, 2016, p. 90) faz uma crítica ao atual modelo de Estado de bem-
estar, ao dizer que:

A Constituição representou uma ruptura legal baseada


em noções pouco sólidas na estrutura social brasileira,
como cidadania, democracia e solidariedade social.
Constitucionaliza-se ali um novo pacto social, mas suas
bases foram frágeis. A ordem social prevista impunha
uma nova forma de Estado em uma sociedade com
baixos níveis de organização social, antidemocrática
em suas instituições estatais e sociais e profundamente
desigual. Do ponto de vista organizacional, a política
social apresentava uma potente estrutura de oferta e
garantia de bens sociais, mas de baixa cobertura, restrita
às parcelas médias e ao mercado formal, burocratizada,
permeada por particularismos e com alto grau de
corrupção. O modelo constitucional teria que conviver
com o passado das políticas sociais, com os projetos
governamentais que lhe sucederam e com os valores da
sociedade que o adotou.

227
Mas não se pode negar que o movimento de redemocratização
no Brasil e a promulgação da Constituição da República Federativa do
Brasil em 1988 foram fatos históricos que fizeram com que o Estado de
bem-estar social fosse implementado no Brasil, garantindo aos cidadãos
diversos direitos sociais.

O DIREITO À EDUCAÇÃO COMO UM DIREITO


SOCIAL
Os direitos sociais começaram a ser visados no período pós-
guerra, junto com o surgimento do Estado de bem-estar social, quando o
Estado passou a garantir condições mais dignas de vida à população. No
Brasil, a Constituição de 1934 foi a primeira a tratar sobre esses direitos,
dando maior ênfase ao direito do trabalho (SALES; PACHÚ, 2015).
Na Constituição Federal de 1988, os direitos sociais são elencados
em seu artigo 6º. São eles “[...] a educação, a saúde, a alimentação, o
trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social,
a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados,
na forma desta Constituição.” (BRASIL, 1988).
Conforme Moraes (2014, p. 203), os “[...] direitos sociais são
direitos fundamentais do homem.”, e têm como objetivo melhorar a
qualidade da vida da população, buscando a igualdade social.
Silva (2014, p. 288-289) ratifica os dizeres de Moraes ao dizer
que os direitos sociais são uma extensão dos direitos fundamentais, e
“[...] que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos
que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais”. O
autor completa afirmando que tais direitos se caracterizam por serem
prestações positivas realizadas de forma direta ou indireta pelo Estado e
que estão expressas na Constituição Federal.
Ressalta-se que os direitos sociais estão inclusos no Título
II da Constituição Federal. Ou seja, são considerados como direitos
fundamentais do cidadão.

228
Os Direitos Sociais se constituem direitos fundamentais
do homem, inerentes aos indivíduos, configurando-se
doutrinariamente como direitos de segunda dimensão.
Cabe ressaltar, apenas o reconhecimento da importância
de tais direitos não é suficiente, faz-se necessário
sua efetivação. Nesse ínterim, as políticas públicas
constituem instrumento de viabilização dos direitos
básicos da população e enfatiza o caráter ideológico do
Direito, busca-se a política de legitimação do poder. A
teoria crítica, preconiza a atuação concreta do operador
do direito, na concepção do conhecimento não somente
como interpretação do mundo, e, sim, transformação.
(SALES; PACHÚ, 2015, p. 28).

Dentre os direitos sociais, encontra-se o direito à educação. A


primeira vez que a educação é vista internacionalmente como um direito
é na Declaração Universal dos Direitos Humanos, assinada na Assembleia
Geral da Organização das Nações Unidas em 1948. O preâmbulo da
Declaração diz que “[...] cada indivíduo e cada órgão da sociedade tendo
sempre em mente esta Declaração.” deve se esforçar “[...] por meio
do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e
liberdades.” (ONU, 1948).
Em âmbito nacional, o direito à educação está disposto no artigo
6º da Constituição Federal. Para além do artigo 6º, esse direito social
aparece também nos artigos de 205 a 214. Conforme o artigo 205, a
educação é um “[...] direito de todos e dever do Estado e da família” e
terá incentivo “[...] com a colaboração da sociedade, visando ao pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e
sua qualificação para o trabalho.” (BRASIL, 2018a).
Dessa forma, o Estado necessita de organização e aparelhamento
para fornecer a todos e de forma indistinta os serviços de educação,
sempre respeitando os princípios constitucionais constantes no artigo
206, da Constituição Federal de 1988, visando cada vez mais à ampliação
das possibilidades para que todos os cidadãos tenham acesso ao ensino
(SILVA, 2014).
É dever do Estado, conforme artigo 208, inciso I, garantir “[...]
educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete)

229
anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que
a ela não tiveram acesso na idade própria.” (BRASIL, 1988). Segundo Silva
(2014, p. 317), essa garantia se traduz num direito público subjetivo e “[...]
equivale reconhecer que é direito plenamente eficaz e de aplicabilidade
imediata, isto é, direito exigível judicialmente, se não for prestado
espontaneamente”.
O artigo 22, inciso XXIV, determina é que de competência
privativa da União legislar sobre as diretrizes e bases da educação (BRASIL,
1988). Porém, o dever com a educação é de todos os entes federativos.
Assim como o dever com a educação, o regime de colaboração também é
mútuo e recíproco:

A Constituição Federal determina, com caráter de


obrigatoriedade, que a União aplique, anualmente,
nunca menos de 18%, e os Estados, o Distrito Federal
e os Municípios 25%, no mínimo, da receita resultante
de impostos, compreendida a proveniente de
transferências, na manutenção e no desenvolvimento
do ensino, excluindo-se a parcela da arrecadação
de impostos transferida pela União aos Estados, ao
Distrito Federal e aos Municípios, ou pelos Estados aos
respectivos Municípios. A distribuição dos recursos
públicos assegurará, nos termos da EC n. 59/09,
prioridade ao atendimento das necessidades do ensino
obrigatório, no que se refere a universalização, garantia
de padrão de qualidade e equidade, nos termos do
plano nacional de educação. (MORAES, 2014, p. 857).

A Constituição Federal de 1988 também prevê, como fonte


adicional de financiamento à educação básica pública, a contribuição
social do salário-educação, conforme dita o parágrafo 5º do artigo 212
(BRASIL, 1988).
Para além dos investimentos em educação, deve-se atentar
às políticas públicas educacionais, que são formas de fazer com que o
disposto na Constituição Federal atinja seu objetivo.

230
POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS COMO
FORMA DE APLICAÇÃO DOS DISPOSITIVOS
CONSTITUCIONAIS
O termo “política pública” se refere a questões coletivas e
integra a esfera pública, o que não significa dizer que é necessariamente
algo estatal, pois, apesar de o Estado estar voltado totalmente para a
esfera pública, há organizações sociais que também possuem finalidades
públicas expressas, mas que não são estatais (SCHMIDT, 2008).
Políticas públicas, conforme Schmidt (2008, p. 2.311), nada mais
são do que o resultado de uma política institucional, e “[...] se materializam
em diretrizes, programas, projetos e atividades que visam a resolver
problemas e demandas da sociedade”. Dentro das diversas políticas
públicas desenvolvidas nacionalmente, há as políticas educacionais e,
dentre essas, há as que avaliam os índices da educação básica no Brasil.
A avaliação da qualidade educação pública e privada é garantida
pela Constituição de 1988 em seus artigos 206, inciso VII, e 209. O artigo
206, inciso VII, traz que um dos princípios do ensino no Brasil é a “[...]
garantia de padrão de qualidade”, enquanto que o artigo 209 diz que a
iniciativa privada é livre para implementar o ensino, desde que autorize o
Poder Público realizar avaliação de qualidade (BRASIL, 1988).
Com isso, o MEC lançou, em abril de 2007, o Plano do
Desenvolvimento da Educação (PDE), plano esse que foi normatizado
pelo Decreto Presidencial n. 6.094, e explana sobre o “Plano de Metas
Compromisso Todos pela Educação”. Essa política pública possui como
objetivo aprimorar a qualidade da educação básica, prevendo ações e
políticas para os diversos níveis de ensino em todos os entes federativos
(OLIVEIRA, 2014).
Naquele mesmo ano e em decorrência do PDE, foi criado o Índice
de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB),

[...] que se propõe a medir a qualidade da educação


brasileira nos âmbitos nacional, estadual, municipal e
em cada escola. O IDEB é um indicador de qualidade

231
educacional que agrega os resultados de desempenho
dos estudantes brasileiros (obtidos pela Prova Brasil) e
rendimento escolar - taxa média de aprovação na etapa
de ensino (obtidos pelo Censo Escolar). É, portanto,
resultado do produto entre a média padronizada da
Prova Brasil (da escola/ rede de ensino/município),
ajustada para expressar valores entre 0 e 10, e o número
de anos que os alunos levam para concluir uma série.
(OLIVEIRA, 2014, p. 412).

O IDEB foi formulado pelo Instituto Nacional de Estudos e


Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e seu objetivo é medir a
qualidade do ensino e criar metas para melhorá-lo. Assim, o IDEB opera
“[...] como um indicador nacional que possibilita o monitoramento da
qualidade da Educação pela população por meio de dados concretos, com
o qual a sociedade pode se mobilizar em busca de melhorias.” (BRASIL,
2016).
No portal oficial do Inep podem-se analisar os dados do IDEB,
que são colhidos a cada dois anos, sempre nos anos ímpares. No ano
de 2005, foram traçadas metas bienais para que se atinja, até o ano
de 2021, o objetivo educacional da Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE), que é a nota 6,0 (INEP, 2018a).
A tabela a seguir colacionada traz os dados do IDEB de cada um
dos três estados integrantes da Região Sul do Brasil, quais sejam: Paraná,
Rio Grande do Sul e Santa Catarina, a partir do ano de 2005 (os índices em
destaque foram os que alcançaram a meta estabelecida para o período de
avaliação).
Tabela 1 – IDEB obtido nos estados da Região Sul do Brasil
Tabela 1 – IDEB obtido Estado
nos estados da Região Sul do Brasil
do Paraná
Estado do Paraná
4ª série/5º ano
4ª série/5º ano
Ideb Observado Metas Projetadas

E 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2
Estado 005 007 009 011 013 015 007 009 011 013 015 017 019 021

Paraná 4.6 5.0 5.4 5.6 5.9 6.2 4.7 5.0 5.4 5.6 5.9 6.2 6.4 6.6

8ª série/9º ano

Ideb Observado Metas Projetadas


232
E 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2
Estado 005 007 009 011 013 015 007 009 011 013 015 017 019 021
E 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2
Estado 005 007 009 011 013 015 007 009 011 013 015 017 019 021
Tabela 1 – IDEB obtido nos estados da Região Sul do Brasil
Paraná 4.6 5.0 5.4 5.6 5.9 6.2 4.7 5.0 5.4 5.6 5.9 6.2 6.4 6.6
Estado do Paraná
4ªsérie/9º
8ª série/5ºano
ano
8ª série/9º ano
Ideb Observado Metas Projetadas
Ideb Observado Metas Projetadas
E 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2
Estado E 005 2
007 2
009 2
011 2
013 2
015 2
007 2
009 2
011 2
013 2
015 2
017 2019 2021 2
Estado 005 007 009 011 013 015 007 009 011 013 015 017 019 021

Paraná 3.6 4.2 4.3 4.3 4.3 4.6 3.6 3.7 4.0 4.4 4.8 5.1 5.3 5.6
Paraná 4.6 5.0 5.4 5.6 5.9 6.2 4.7 5.0 5.4 5.6 5.9 6.2 6.4 6.6

3ª série/3º 8ª série/9º ano


anodo
ensino médio
3ª série/3º ano ensino médio
IdebObservado
Ideb Observado MetasProjetadas
Metas Projetadas

EE 22 22 22 22 22 22 22 22 22 22 22 22 22 22
005
Estado 005 007
007 009
009 011 013 015 007 009 011 013 015 017 019 021
Estado 011 013 015 007 009 011 013 015 017 019 021

Estado do Rio Grande do Sul


3.6
Paraná 3.6 4.2
4.0 4.3
4.2 4.3
4.0 4.3
3.8 4.6
3.9 3.6
3.6 3.7
3.7 4.0
3.9 4.4
4.2 4.8
4.5 5.1
5.0 5.3
5.2 5.6
5.4
Paraná
4ª série/5º ano
Estado do Rio Grande do Sul
Estado
Ideb Observado do Rio
3ª série/3º Grande
4ª série/5º
ano do Sul
ano médio
ensino
Estado do Rio Grande do Sul
Metas Projetadas

E 2 2 Ideb
Ideb2Observado
2
Observado
4ª24ªsérie/5º
série/5º
2 ano
ano
2 2 2 Metas
Metas2Projetadas
2
Projetadas 2 2 2
Estado 005 007 009 011 013 015 007 009 011 013 015 017 019 021
EE 22 22 Ideb2Observado
2 22 22 22 22 22 22Metas 2Projetadas
2 22 22 22 22
Estado
Estado 005
005 007
007 009009 011 011 013 013 015015 007007 009009 011011 013013 015 015 017 017 019019 021021
Rio
Grande E4.3 4.62 4.92 5.12 5.62 5.72 4.32 4.72 5.12 5.32 5.62 5.92 6.12 6.42 2
Estado
do Sul 005 007 009 011 013 015 007 009 011 013 015 017 019 021
Rio
Paraná 3.6 4.0 4.2 4.0 3.8 3.9 3.6 3.7 3.9 4.2 4.5 5.0 5.2 5.4
Grande 4.3 4.6 4.9 5.1 5.6 5.7 4.3 4.7 5.1 5.3 5.6 5.9 6.1 6.4
do Sul
Rio
Grande 4.3 4.6 4.9 5.1 5.6 5.7 4.3 4.7 5.1 5.3 5.6 5.9 6.1 6.4
do Sul
8ª série/9º ano

Ideb Observado 8ª8ªsérie/9º


série/9º ano
ano Metas Projetadas

E 2 2 Ideb2Observado
2 28ª série/9º
2 ano
2 2 2 Metas 2Projetadas
2 2 2 2
Estado 005 007 009 011 013 015 007 009 011 013 015 017 019 021
E 2 2 Ideb2Observado
2 2 2 2 2 2 Metas 2Projetadas
2 2 2 2
Estado 005 007 009 011 013 015 007 009 011 013 015 017 019 021
Rio
Grande E3.8 3.92 4.12 4.12 4.22 4.32 3.92 4.02 4.32 4.72 5.12 5.32 5.62 5.82 2
Estado
do Sul 005 007 009 011 013 015 007 009 011 013 015 017 019 021
Rio
Grande 3.8 3.9 4.1 4.1 4.2 4.3 3.9 4.0 4.3 4.7 5.1 5.3 5.6 5.8
do
RioSul
Grande 3.8 3.9 4.1 4.1 4.2 4.3 3.9 4.0 4.3 4.7 5.1 5.3 5.6 5.8
do Sul
3ª série/3º
3ª série/3º anoanodo
ensino médio
ensino médio
3ª série/3º ano ensino médio
Ideb Observado Metas Projetadas

E 2 2 Ideb2Observado

2 série/3º
2 ano
2 ensino
2 médio
2 2 Metas 2Projetadas
2 2 2 2
Estado 005 007 009 011 013 015 007 009 011 013 015 017 019 021
E 2 2 Ideb2Observado
2 2 2 2 2 2 Metas 2Projetadas
2 2 2 2
Estado 005 007 009 011 013 015 007 009 011 013 015 017 019 021
Rio
Grande E3.7 3.72 3.92 3.72 3.92 3.62 3.82 3.92 4.02 4.32 4.62 5.12 5.32 5.52 2
Estado 005
do 007 009 011 013 015 007 009 011 013 015 017 019 021
RioSul
Grande 3.7 3.7 3.9 3.7 3.9 3.6 3.8 3.9 4.0 4.3 4.6 5.1 5.3 5.5
do
RioSul
Grande 3.7 3.7 3.9 3.7 3.9 3.6 3.8 3.9 4.0 4.3 4.6 5.1 5.3 5.5
do Sul
233
Estado de Santa Catarina
Estado de Santa Catarina
4ª série/5º ano
Estado 4ªdo
Estado de Santa Catarina
Santa ano
série/5º Catarina
Ideb Observado 4ª4ªsérie/5º ano
série/5º ano
Metas Projetadas
Ideb Observado Metas Projetadas
E 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2
Ideb Observado Metas Projetadas
Estado E005 007
2 009
2 011
2 013
2 015
2 007
2 009
2 011
2 013
2 015
2 017
2 019
2 021
2 2
Estado 005 007 009 011 013 015 007 009 011 013 015 017 019 021
E 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2
005
Estado 4.4 007 009
Santa 4.9 5.2 5.8011 6.0013 6.3015 4.5007 4.8009 5.2011 5.5013 5.8015 6.0017 6.3019 6.5021
Catarina
Santa 4.4 4.9 5.2 5.8 6.0 6.3 4.5 4.8 5.2 5.5 5.8 6.0 6.3 6.5
Catarina
Santa 4.4 4.9 5.2 5.8 6.0 6.3 4.5 4.8 5.2 5.5 5.8 6.0 6.3 6.5
Catarina

8ª série/9º ano
8ª série/9º ano
8ª série/9º ano
Ideb Observado Metas Projetadas
8ª série/9º ano
Ideb Observado Metas Projetadas
E 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2
Ideb Observado Metas Projetadas
Estado E005 007
2 009
2 011
2 013
2 015
2 007
2 009
2 011
2 013
2 015
2 017
2 019
2 021
2 2
Estado 005 007 009 011 013 015 007 009 011 013 015 017 019 021
E 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2
005
Estado 4.3 007 009
Santa 4.3 4.5 4.9011 4.5013 5.1015 4.3007 4.5009 4.7011 5.1013 5.5015 5.7017 6.0019 6.2021
Catarina
Santa 4.3 4.3 4.5 4.9 4.5 5.1 4.3 4.5 4.7 5.1 5.5 5.7 6.0 6.2
Catarina
Santa 4.3 4.3 4.5 4.9 4.5 5.1 4.3 4.5 4.7 5.1 5.5 5.7 6.0 6.2
Catarina
3ª série/3º ano ensino médio
3ª série/3º ano ensino médio
3ª série/3º ano ensino médio
Ideb Observado Metas Projetadas
3ª série/3º ano ensino médio
Ideb Observado Metas Projetadas
E 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2
Ideb Observado Metas Projetadas
Estado E005 007
2 009
2 011
2 013
2 015
2 007
2 009
2 011
2 013
2 015
2 017
2 019
2 021
2 2
Estado 005 007 009 011 013 015 007 009 011 013 015 017 019 021
E 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2
005
Estado 3.8 007 009
Santa 4.0 4.1 4.3011 4.0013 3.8015 3.8007 3.9009 4.1011 4.4013 4.7015 5.2017 5.4019 5.6021
Catarina
Santa 3.8 4.0 4.1 4.3 4.0 3.8 3.8 3.9 4.1 4.4 4.7 5.2 5.4 5.6
Catarina Fonte: INEP (2018b)
Santa
Catarina
3.8 4.0 4.1 4.3 4.0 Fonte:
3.8
Fonte:INEP
3.8 (2018b)
INEP 3.9
(2018b) 4.1 4.4 4.7 5.2 5.4 5.6

Fonte: INEP (2018b)


Analisando-se os índices disponibilizados pelo IDEB, verifica-se que cada estado da
Analisando-se
Analisando-se osdisponibilizados
os índices índices disponibilizados peloqueIDEB,
pelo IDEB, verifica-se verifica-
cada estado da
Região Sul possui metas diferentes a serem alcançadas, conforme a realidade de cada
se que cada estado
Analisando-se os da
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disponibilizadospossui
pelo metas
IDEB, diferentes
verifica-se que
Região Sul possui metas diferentes a serem alcançadas, conforme a realidade de cada cada a serem
estado da
região. Assim, um exemplo que se pode observar é que, para os alunos de 4ª série/5º ano, a
alcançadas,
Região
região. Assim, conforme
Sul possui
um exemplo a realidade
metas diferentes
que se pode de cada
a observar
serem região.
alcançadas,
é que, osAssim,
paraconforme um
alunos ade 4ªexemplo
realidade que
deano,
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meta para o estado do Paraná em 2015 era 5,9, para o Rio Grande do Sul era 5,6 e, para
se pode
região. observar é que, para os alunos de 4ª série/5º ano, a
meta para o estado do Paraná em 2015 era 5,9, para o Rio Grande do Sul era 5,6 e, paraa
Assim, um exemplo que se pode observar é que, para os alunos de 4ª meta
série/5º para
ano,
oSanta
meta
Catarina,
estado
para do 5,8, sendoem
Paraná
o estado
que2015
do Paraná
todas as
era
em 2015
metas para
5,9,5,9,
era para o referido
ooRio ano foram do
Grande atingidas.
SulSul
era era
5,6 e,5,6 e,
Santa Catarina, 5,8, sendo que todas as metas parapara Rio ano
o referido Grande doatingidas.
foram para
para Santa Catarina, 5,8, sendo que todas as metas para o referido ano
Santa Catarina, 5,8, sendo que todas as metas para o referido ano foram atingidas.
foram atingidas.
Extrai-se da análise dos dados que, em relação aos primeiros anos
do ensino fundamental, o estado do Paraná possui as metas educacionais
mais elevadas, seguido por Santa Catarina. O estado do Rio Grande do Sul,

234
por sua vez, possui as metas do IDEB mais baixas em relação aos outros
dois estados da Região Sul do Brasil.
A média dos índices reais do IDEB para cada período apurado
refletiu o esperado das metas: o IDEB do estado do Paraná obteve as
maiores notas, seguido pelo estado de Santa Catarina e, por fim, o Rio
Grande do Sul.
Para as últimas fases do ensino fundamental, há mudança de
situação. Nesse cenário, Santa Catarina surge como o estado com as
metas mais elevadas, seguido pelo Rio Grande do Sul e, mais abaixo,
Paraná. Para o ensino médio a situação não se altera.
Porém, ao apurar o IDEB real de cada estado para essas fases
de ensino (últimas fases do ensino fundamental e ensino médio), vê-se
que o estado do Paraná supera os índices obtidos pelo Rio Grande do
Sul. Enquanto isso, Santa Catarina permanece em destaque como sendo
o estado com o maior IDEB da Região Sul do Brasil.
Ainda há de se atentar ao fato de que nenhum dos três estados
atingiu as metas para os últimos anos do ensino fundamental e ensino
médio nos últimos dois biênios analisados (2013 e 2015). Todos ficaram
aquém do objetivo estipulado, situação que deve gerar alerta aos
gestores públicos para que seja averiguada a real situação da qualidade
da educação em cada região.
Apesar de ser um índice oficial do Governo Federal, o IDEB é
cercado de críticas e questionamentos relacionados ao método utilizado
para a avaliação da educação. Freitas (2007, p. 971-972) diz que:

É importante saber se a aprendizagem em uma escola


de periferia é baixa ou alta. Mas fazer do resultado o
ponto de partida para um processo de responsabilização
da escola via prefeituras leva-nos a explicar a diferença
baseados na ótica meritocrática liberal: mérito do
diretor que é bem organizado; mérito das crianças
que são esforçadas; mérito dos professores que são
aplicados; mérito do prefeito que deve ser reeleito etc.
Mas e as condições de vida dos alunos e professores?
E as políticas governamentais inadequadas? E o que
restou de um serviço público do qual as elites, para se

235
elegerem, fizeram de cabide de emprego generalizado,
enquanto puderam, sem regras para contratação ou
demissão? O que dizer da permanente remoção de
professores e especialistas a qualquer tempo, pulando
de escola em escola? O que dizer dos professores
horistas que se dividem entre várias escolas? O que
dizer dos alunos que habitam as crescentes favelas sem
condições mínimas de sobrevivência e muito menos
para criar um ambiente propício ao estudo? Sem falar
do número de alunos em sala de aula.

E arremata: “[...] escolher apenas uma variável, desempenho


do aluno, para analisar a educação básica brasileira, como o IDEB faz, é
certamente temerário em face deste complexo de variáveis.” (FREITAS,
2007, p. 972).
Em contraponto, Machado e Alavarse (2014, p. 422) pontuam
que, apesar de o IDEB trazer uma ideia de qualidade baseada em
números, sem incluir outros fatores de avaliação e não contemplar
pontos importantes do processo pedagógico, este índice possui outros
aspectos positivos. Um desses aspectos é que o IDEB tem a capacidade de
facilitar a análise da realidade da educação brasileira, mesmo não fazendo
isso de uma forma ampla e completa. Além disso, incentiva a melhora
desempenho escolar, gerando, em tese, mais qualidade na educação.
Assim, vê-se que possuir índices educacionais para avaliar a
educação brasileira é necessário, porém, a discussão acerca do método de
avaliação se mostra fundamental para que se tenham índices confiáveis de
análise para que, dessa forma, sejam pensadas políticas públicas efetivas
para a melhora na educação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A conceituação de Estado não é unânime entre a doutrina. Para
alguns autores, definir seu conceito se torna difícil pelo fato de que há
uma grande variedade de objetos que o vocábulo abrange. O termo é
comumente vinculado à sociedade.

236
O Estado de bem-estar social surge no período pós-guerra como
uma forma de garantir um mínimo de renda, saúde, educação e habitação
para todos os cidadãos. Apesar de constituições anteriores versarem algo
sobre esses direitos sociais, foi apenas na Constituição Federal de 1988
que esses direitos foram consolidados como direitos fundamentais do
cidadão.
A educação aparece na Carta Magna no artigo 6º, que versa
sobre os direitos sociais, e também nos artigos 205 e seguintes. Para
assegurar a implementação desses direitos, surgem as políticas públicas
educacionais, que dão voz à Constituição e visam à melhoria da qualidade
da educação no Brasil.
Para medir os índices educacionais brasileiros, há os indicadores
do IDEB, criado em 2007. Analisando os resultados, percebe-se que os
estados da Região Sul brasileira possuem especificidades próprias, fato
que faz com que as metas educacionais sejam diversas para cada estado.
Santa Catarina, de modo geral, destaca-se dentre os outros dois estados
da região, porém, vê-se que os três estados estão com os resultados do
IDEB aquém da meta estipulada para os últimos dois biênios analisados.
Há críticas relacionadas ao IDEB, pois o índice não retrata a real qualidade
da educação brasileira, haja vista não levar em consideração uma série de
variáveis.

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240
PARTE IV
POLÍTICAS PÚBLICAS
E EDUCAÇÃO
SUPERIOR IO
R
Á
M
U
S
DOI: dx.doi.org/10.18616/pps11

AÇÕES AFIRMATIVAS NA UNIVERSIDADE:


RETRATOS DE UMA PESQUISA SOBRE A
INSERÇÃO DA POLÍTICA DE COTAS EM UMA
FACULDADE PÚBLICA DE DIREITO
Erli Sá dos Santos
Matheus Guarino Sant’Anna Lima de Almeida
Heloisa de Faria Pacheco

INTRODUÇÃO SUMÁRIO
Este artigo é resultado de pesquisa realizada de 2015 a 2016,
acerca da implementação e recepção das ações afirmativas na Faculdade
de Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF). Mais precisamente,
a pesquisa buscava investigar tantos dados sobre o sistema de ações
afirmativas implementado na UFF, quanto dados objetivos relacionados
às ações afirmativas na Faculdade de Direito dessa universidade, assim
como dados subjetivos ligados às percepções dos diferentes seguimentos
da comunidade acadêmica dessa faculdade quanto à implementação das
ações afirmativas, compreendendo alunos de graduação, pós-graduação,
professores e servidores.
O sistema de reserva de vagas por cotas para o ingresso no
ensino superior em universidades federais foi implementado em seu
modelo atual por meio da Lei n. 12.711/2012, a chamada Lei de Cotas.
Anteriormente a ela, algumas universidades federais já adotavam outros
modelos de ações afirmativas para grupos minoritários, por critérios
de renda ou raça e etnia. Na UFF, havia anteriormente um sistema de
acréscimo de pontos na nota do vestibular para os autodeclarados pretos
e pardos, sistema esse que foi abandonado com a implementação da lei
atual.
Pela Lei de Cotas, são reservados “[...] em cada concurso seletivo
para ingresso nos cursos de graduação, por curso e turno, no mínimo 50%

242
(cinquenta por cento) de suas vagas para estudantes que tenham cursado
integralmente o ensino médio em escolas públicas.” (BRASIL, 2012a).
Desse percentual, 50% deverão ser reservados aos estudantes oriundos
de famílias com renda igual ou inferior a um salário-mínimo e meio. Ainda,
desse percentual, serão reservadas vagas aos autodeclarados pretos,
pardos, indígenas e pessoas com deficiência na população da Unidade da
Federação onde a universidade estiver situada, de acordo com o censo da
Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os outros
50% de vagas do total serão destinados aos estudantes não cotistas, ou
seja, aqueles que fazem o processo seletivo em ampla concorrência.
Dessa maneira, a reserva é realizada atualmente em quatro
modalidades, de acordo com o artigo 14 da Portaria n. 18, de 11 de outubro
de 2012, do Ministério da Educação (MEC) (BRASIL, 2012b), que regula a
aplicação da Lei de Cotas. A primeira modalidade (chamada L1) engloba
os candidatos com renda familiar bruta per capita igual ou inferior a um
salário mínimo e meio que tenham cursado integralmente o ensino médio
em escolas públicas. A segunda modalidade (L2) engloba os candidatos
autodeclarados pretos, pardos ou indígenas, com renda familiar bruta per
capita igual ou inferior a um salário mínimo e meio e que tenham cursado
integralmente o ensino médio em escolas públicas. A terceira modalidade
(L3) engloba os candidatos que, independentemente da renda, tenham
cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas. E a quarta
modalidade (L4) engloba os candidatos autodeclarados pretos, pardos
ou indígenas que, independentemente da renda, tenham cursado
integralmente o ensino médio em escolas públicas.
De acordo com o artigo 8º do Decreto n. 7.824/2012 (BRASIL,
2012c), a implementação de 50% de reserva de vagas se deu de maneira
progressiva, sendo aplicadas 12,5% de reserva de vagas a cada ano, até
agosto de 2016, quando houve a integralização da reserva de vagas. Dessa
maneira, os períodos mais iniciais apresentam maior quantidade de
cotistas do que os períodos mais avançados (aqueles próximos de concluir
o curso).
A motivação inicial da pesquisa foi realizar uma investigação
ampla sobre a inserção e recepção do sistema de reserva de vagas na
Faculdade de Direito da UFF, investigando como a comunidade acadêmica

243
entendia as mudanças na faculdade a partir de sua implementação,
relacionando possíveis resultados dessa política pública a questões como
o combate racismo, a inclusão, à diversidade e a formação educacional do
profissional de Direito.
A pesquisa partiu de um entendimento pressuposto no senso
comum de que a Faculdade de Direito é considerada um ambiente
geralmente elitista, conservador, opressor e racista (percepção essa que
acabou por ser corroborada pelos diversos depoimentos trazidos na
pesquisa), e se justifica pela necessidade de gerar dados sobre a situação
dos ingressantes por ações afirmativas na Faculdade de Direito, sobre
seus sentimentos de pertencimento, e sobre a percepção de toda a
comunidade acadêmica acerca de temáticas ligadas às ações afirmativas
e ao racismo, além das mudanças que a Faculdade teria passado com o
decorrer da implementação do sistema de cotas.
A pesquisa foi realizada ao longo dos anos de 2015 e 2016, sob
a coordenação do professor Delton Meirelles. Participaram da pesquisa,
de início, alunos voluntários, e ao longo de 2016, durante os períodos
de 2016.1 e 2016.2, alunos inscritos na disciplina optativa “Grupo de
pesquisa em Direitos Humanos, Governança e Poder”.
O presente artigo traz alguns dados e reflexões sobre a pesquisa,
sendo dividido em quatro partes. Na primeira, será explicada a construção
da pesquisa, a maneira de coleta e interpretação de dados, e algumas
reflexões sobre eles. Na segunda parte, serão expostos e analisados
alguns dos dados objetivos coletados pela pesquisa, provenientes dos
bancos públicos de dados da Universidade, oriundos de dados cedidos
pela coordenação de curso da Faculdade de Direito, e coletados a
partir dos questionários semiestruturados. A terceira parte realizará
uma breve análise das respostas abertas dos questionários, sobre a
percepção da comunidade acadêmica quanto ao sistema de cotas.
Por fim o encerramento traz algumas reflexões sobre o silenciamento
do debate acerca do racismo e das ações afirmativas, entendendo o
silenciamento como a materialidade do silêncio. Tomando por base os
referenciais teóricos da Análise de Discurso de matriz francesa, por meio
dos conceitos desenvolvidos por Eni Orlandi (1995), será apresentado
o resultado de um esforço interpretativo que buscou compreender os

244
discursos apurados na pesquisa. Assim, com essa base teórica, o silêncio
no contexto universitário representa uma categoria que significa, porque
por trás dele há uma história, que possibilita sua compreensão.

A CONSTRUÇÃO METODOLÓGICA DA PESQUISA


Como colocado, a pesquisa foi realizada nos anos de 2015 e
2016 e contou com diversas etapas. A primeira etapa consistiu na coleta
e tabulação objetiva de dados nos bancos públicos da UFF e de dados
fornecidos pela Coordenação do Curso de Direito da UFF.
Primeiramente, foi realizado um mapeamento do corpo
estudantil da UFF e das formas de ingresso dos estudantes de 2010
a 2015. Para o mapeamento, foram utilizados dados públicos da
Coordenação de Seleção Acadêmica da UFF (COSEAC-UFF) e do SISU/
ENEM1 do MEC. Esses dados foram cruzados com dados fornecidos
pela Coordenação de Curso da Faculdade de Direito da UFF, que traziam
informações como Coeficiente de Rendimento (CR) (média de notas do
aluno ao longo do curso), trancamento e reprovação de disciplinas, idade,
abandono, nota de ingresso no ENEM. Também foram obtidos dados
gerais sobre notas de corte, notas na última chamada, desistência de
vaga, cancelamento,2 porcentagem de alunos que continuam cursando o
curso e os que estão com a matrícula trancada, sendo todos esses dados
discriminados por semestre de ingresso e por forma de ingresso (cada
tipo de reserva de vagas ou ampla concorrência). Esses dados, conforme
será demonstrado, nos ajudaram a desfazer uma série de pré-concepções
sobre o aproveitamento dos alunos ingressantes por ação afirmativa em
comparação com os ingressantes por ampla concorrência, assim como
mapear uma série de desafios para a concretização dos fins do sistema
ações afirmativas.
1
SISU é o Sistema de Seleção Unificada para o ingresso no ensino superior, generalizado para
a maior parte das universidades brasileiras, por meio das notas obtidas no Exame Nacional
do Ensino Médio (ENEM), realizado anualmente pelo Ministério da Educação (MEC).
2
Os cancelamentos foram discriminados em trancamentos por indeferimento de avaliação
socioeconômica, por alteração de matrícula, por mudança de curso, por rematrícula ou por
solicitação oficial. Se realizados com os dados do ano de 2017, também haveria dados.

245
A partir dessa etapa inicial, os pesquisadores envolvidos
puderam discutir e elaborar as questões a constarem nos formulários que
seriam distribuídos para a comunidade acadêmica, tomando como base
as reflexões tiradas da análise dos dados coletados, e reflexões acerca da
problemática das ações afirmativa das questões raciais e sociais internas
à Faculdade de Direito e ao campo jurídico.
Em um segundo momento, então, foi realizada pesquisa por
meio de questionários semiabertos, distribuídos por meio eletrônico, a
serem respondidos pelos diversos setores da comunidade acadêmica.
Dessa maneira, foram elaborados questionários diferentes para os alunos
de graduação,3 para os alunos de pós-graduação, para os professores e
para os servidores, além de um formulário específico para os graduandos

3
A título de exemplo, o formulário dos graduandos (ingressantes por ampla concorrência ou
por ação afirmativa) possuía onze perguntas objetivas e uma de resposta aberta. Todas as
perguntas objetivas, com exceção das perguntas 4 e 8, consistiam em uma afirmação, à qual
se questionava o nível de concordância (concordo integralmente, concordo parcialmente,
discordo parcialmente, discordo integralmente ou não tenho opinião formada). Eram elas: 2)
Com relação à frase a Universidade deveria considerar exclusivamente o mérito intelectual
como critério de acesso aos cursos de graduação; 3) Com relação à frase a Universidade de-
veria selecionar estudantes que representassem fielmente a diversidade econômica e étnica
de nossa sociedade; 5) Com relação à frase reservar vagas para estudantes de baixa renda di-
minui a qualidade do Curso de Direito; 6) Com relação à frase reservar vagas para estudantes
egressos de escolas pública (ensino médio) diminui a qualidade do Curso de Direito; 7) Com
relação à frase reservar vagas para estudantes indígenas, negros e pardos; 9) Com relação à
reserva de vagas para bolsas no Curso de Graduação em Direito da UFF (monitoria, extensão,
PIBIC etc.); 10) Com relação a reserva de vagas para ingresso nos Cursos de Pós-graduação
stricto sensu (mestrado e doutorado) vinculados à Faculdade de Direito da UFF; 11) Com
relação à reserva de vagas nos concursos para professor efetivo do Curso de Direito da UFF:
diminui a qualidade do Curso de Direito; e 12) Com relação à reserva de vagas nos concur-
sos para carreiras jurídicas (magistratura, Ministério Público, Defensoria Pública, Advocacia
Pública etc.). As duas perguntas que possuíam opções de respostas diferentes eram: 4) Em
sua opinião, a reserva de vagas por política de ação afirmativa (pode marcar mais de uma
opção), com as seguintes possibilidades de resposta: a) Não deveria existir; b) Deve incluir es-
tudantes que cursaram ensino médio em escolas públicas; c) Deve incluir estudantes pobres;
d) Deve incluir estudantes por critérios étnicos (indígenas, negros e pardos); e) Não tenho
opinião formada; e 8) Em sua opinião, qual seria um percentual justo de reserva de vagas, no
Curso de Direito da UFF, para políticas de ação afirmativa?, com as seguintes possibilidades
de resposta: a) 0% (todos devem disputar em igualdade de condições); b) 1% a 10%; c) 11% a
25%; d) 26% a 50%; e) 51% a 75%; f) 76% a 90%; g) 91% a 99%; h) 100%; i) Não tenho opinião
formada. A pergunta aberta era: Qual é a sua opinião sobre reserva de vagas para o Curso
de Direito da UFF, em razão de políticas de ação afirmativa (cotas). Os outros formulários
distribuídos aos professores, servidores e estudantes de pós-graduação traziam perguntas
sobre os conhecimentos, percepções e opiniões dessas pessoas acerca do sistema de cotas,
sua inserção na Faculdade de Direito, e sobre outras políticas de ações afirmativas.

246
ingressantes por reserva de vagas. Os questionários respondidos pelos
ingressantes por ação afirmativa possuíam também perguntas de
caráter socioeconômico, e perguntas que buscavam as experiências
e anseios desses alunos sobre o Curso de Direito e a Universidade.4
Depois da distribuição dos questionários, foram realizados também, em
dois encontros, grupos focais com os alunos cotistas, onde, reunidos,
conversaram sobre o sistema de cotas, sobre racismo, sobre a Faculdade
de Direito e sua experiência nela.

4
Constavam como perguntas específicas para este questionário: 1) Em qual escola você con-
cluiu o ensino médio? (resposta aberta); 2) Em que ano você concluiu o ensino médio? (res-
posta aberta); 3) Você frequentou algum curso preparatório para o ENEM? (com as possíveis
respostas: a) não; b) Sim, curso preparatório gratuito ou com taxa de valor baixo, incluindo
pré-vestibular comunitário, ou c) Sim, curso preparatório pago; 4) Em qual município você
morava ao optar, no vestibular/SISU, pelo Curso de Direito/UFF? (resposta aberta); 5) Você
permanece morando no mesmo município, atualmente? (com as possíveis respostas: a sim;
b) Não, ao longo do curso, mudei-me com minha família (pais, casamento, união estável etc.);
c) Não, ao longo do curso, mudei-me para morar sozinho; e d) Não, ao longo do curso, mu-
dei-me para morar com outras pessoas (ex. república estudantil); 6) Exerce alguma ocupação
além dos estudos? (com as possíveis respostas: a) Não, sou estudante em tempo integral; b)
Sim, faço estágio extraoficial não remunerado; c) Sim, faço estágio extraoficial remunerado;
d) Sim, faço estágio oficial em instituição pública (MP, Defensoria, Juizado etc.); e) Sim, faço
estágio oficial em escritório de advocacia; f) Sim, trabalho em órgão público (servidor ou
terceirizado); g) Sim, trabalho em empresa privada com carteira de trabalho; h) Sim, sou
profissional liberal e/ou trabalhador informal; i) Prefiro não responder a esta pergunta; h)
Outros); 7) Você cursou outra graduação antes de se matricular no Curso de Direito da UFF?
(com as possíveis respostas: a) Não; b) Sim, cursava graduação em Direito em instituição par-
ticular, com financiamento estudantil; c) Sim, cursava graduação em Direito em instituição
particular, sem financiamento estudantil (FIES); d) Sim, cursava graduação em Direito em
outra universidade pública; e) Sim, na própria UFF, e me graduei em outro curso; f) Sim, na
própria UFF, sem concluir outro curso de graduação; g) Sim, em outra universidade pública,
concluindo a graduação em outro curso; h) Sim, em outra universidade pública, sem concluir
o outro curso de graduação; j) Sim, em instituição particular (com FIES) concluindo a gradu-
ação em outro curso; h) Sim, em instituição particular (com FIES), sem concluir outro curso
de graduação; i) Sim, em instituição particular (sem FIES), concluindo a graduação em outro
curso; k) Sim, em instituição particular (sem FIES), sem concluir outro curso de graduação;
8) Por que você decidiu cursar Direito? (resposta aberta); 9) Atualmente, o que mais motiva
você a concluir a graduação em Direito? (resposta aberta); 10) Com relação aos estudos no
ensino médio, você considera o Curso de Direito da UFF (com as possíveis respostas: a) Com
maior exigência e rigor nas avaliações; b) Com praticamente o mesmo nível de exigência do
Ensino Médio; c) menos exigente que o Ensino Médio; 11) Ao longo do Curso, você obteve
algum tipo de apoio financeiro e/ou acolhimento? (com as possíveis respostas: a) Não, e não
faria diferença para mim; b) Não, e isto seria importante para minha vida acadêmica; c) Sim,
fui/sou bolsista (monitor, iniciação científica, extensão, acolhimento etc.); d) Sim, moradia
estudantil; e) Sim, obtive apoio financeiro eventual para participação em eventos acadêmi-
cos, esportivos e/ou culturais; f) Outros). Por fim, também era perguntado no questionário,
se o aluno se disponibilizaria para participar de grupo focal com o grupo de pesquisa, o que
resultou nos dois grupos focais descritos ao longo do texto.

247
A pesquisa mapeou 193 ingressantes por ação afirmativa por
bônus ou reserva de vaga com matrícula ativa no segundo semestre
de 2015. A distribuição dos formulários por via eletrônica obteve 115
respostas para este seguimento. Quanto ao resto da comunidade
acadêmica, obteve-se a resposta de 16 professores, 20 servidores/
técnicos, 317 graduandos5 e 34 pós-graduandos.
Uma vez coletados e sistematizados os dados e as respostas
das pesquisas, estes foram discutidos pelo grupo de pesquisa, e levados
junto ao Centro Acadêmico Evaristo da Veiga (CAEV - Centro Acadêmico
da Faculdade de Direito da UFF) ao Colegiado de Curso da Faculdade,
resultando em uma série de discussões com os membros do colegiado,
que culminaram na aprovação de ações afirmativas e recomendações
com o intuito de incentivar a permanência e as discussões acerca das
temáticas de ações afirmativas e racismo na Faculdade.
A observação dos dados coletados possibilitou a identificação
de marcas (formas) de silêncio: ausências, apagamentos, não ditos,
negações. As ferramentas da Análise de Discurso, presentes nas obras
de Eni Orlandi, possibilitam entender que essas manifestações (ou não
manifestações) são especialmente significativas, já que são elementos
discursivos. Nesse contexto acadêmico, considerado de elite, em que os
interesses hegemônicos são perpetuados em especial pela relação entre
poder e dominação, é muito possível a compreensão da presença de
racismo.

ALGUNS DADOS OBJETIVOS OBTIDOS NAS


RESPOSTAS DOS QUESTIONÁRIOS
A pesquisa coletou e mapeou dados objetivos provenientes dos
bancos de dados públicos, da COSEAC-UFF e do SISU/ENEMdoMEC, e
fornecidos pela coordenação da Faculdade de Direito da UFF referentes
aos estudantes cotistas com matrícula ativa no segundo semestre de 2015.
5
A pesquisa zelou para que fosse obtido um mínimo de respostas para cada período da
graduação, de modo a não haver uma contaminação de respostas da pesquisa por muitas
respostas de alunos de um período, e menos de outro, uma vez que com o processo gradual
de implementação do sistema de cotas, as turmas mais antigas possuem menos cotistas.

248
Nesse período, 193 estudantes que ingressaram por bônus ou reserva de
vagas entre o primeiro semestre de 2013 e o segundo semestre de 2015
permaneciam cursando a Graduação em Direito.
Por meio dos dados provenientes da COSEAC-UFF e do SISU/
ENEM, foi possível mapear a nota de corte de ingresso pela ampla
concorrência e por reserva de vagas. Mapeando a nota de corte do SISU
entre o primeiro semestre de 2014 e o segundo semestre de 2015, as
maiores notas de corte na primeira chamada foram todas da ampla
concorrência, sinalizando que essa nota é superior à dos ingressantes
por reserva de vagas em geral. Nesse período, a maior nota de corte na
primeira chamada da ampla concorrência foi 756,42 pontos no primeiro
semestre de 2015 para o turno integral, enquanto a maior nota para
reserva de vagas nessa seleção foi 733,10 pontos na modalidade L3
para o turno integral. Já maior nota de corte na primeira chamada da
reserva de vagas nesse período foi 741,22 pontos na modalidade L3 no
primeiro semestre de 2014 para o turno integral, enquanto a nota de
corte para ampla concorrência foi 754,82 pontos nesse processo seletivo.
Em contrapartida, a menor nota de corte na ampla concorrência nesse
período foi 732 pontos no segundo semestre de 2014 para o turno
noturno, enquanto a menor nota de corte para reserva de vagas foi 671,64
pontos foi no segundo período de 2015, modalidade L2.
A diferença de notas para o ingresso por meio da ampla
concorrência e da reserva de vagas muitas vezes reafirma a preconcepção
de que os estudantes cotistas não teriam condições de acompanhar o
curso ou prejudicariam a qualidade dele. Entretanto, apesar da diferença
de notas no ingresso pelo SISU, os dados sobre o CR dos ingressantes por
ampla concorrência e por reserva de vagas sinalizam que o aproveitamento
desses estudantes não diverge ao longo do curso. Nesse sentido, o maior
CR médio no primeiro semestre de 2013 foi 8,62 pontos dos estudantes
ingressantes pela modalidade L3 de reserva de vagas; no segundo semestre
de 2013 foi 9,07 pontos dos cotistas ingressantes pela modalidade L1; no
primeiro semestre de 2014 foi 9,04 pontos dos cotistas ingressantes pela
modalidade L4; no segundo semestre de 2014 foi 9,01 pontos dos cotistas
ingressantes pela modalidade L4; no primeiro semestre de 2015, 8,81
pontos dos estudantes cotistas ingressantes por meio da modalidade L3

249
de reserva de vagas. Ao contrário do senso comum, os dados sinalizaram
que os estudantes cotistas apresentam maior Coeficiente de Rendimento
Médio ao longo de todo o período da pesquisa, apontando que, apesar
do déficit na formação básica, os ingressantes por reserva de vagas
não possuem um aproveitamento inferior aos ingressantes por ampla
concorrência.
Além dos dados sobre as notas de ingresso por meio do SISU
e do aproveitamento dos graduandos ao longo do curso, a pesquisa
também possibilitou o mapeamento do perfil dos estudantes cotistas,
como a idade, a escola em que ele concluiu o ensino médio, se ele realizou
algum curso preparatório para o vestibular, a participação em programas
de assistência estudantil ou apoio financeiro, entre outros dados. O
mapeamento desses dados ocorreu por meio da coleta de informações por
meio de questionários eletrônicos com 12 perguntas gerais, respondidos
por 115 estudantes cotistas.
A pesquisa possibilitou mapear se os estudantes que ingressaram
por ações afirmativas receberam algum tipo de apoio financeiro ou
acolhimento estudantil ao longo do curso. Das 115 respostas recebidas,
28 estudantes (24,3%) responderam que não receberam auxílio e que esse
apoio não faria diferença para eles; 53 estudantes (46,1%) responderam
que não receberam auxílio e que esse apoio seria importante para a vida
acadêmica deles; 27 estudantes (23,5%) responderam que receberam
apoio, pois receberam bolsa de monitoria, iniciação científica, extensão,
acolhimento estudantil etc.; 1 estudante (0,9%) respondeu que morava
na moradia estudantil; 2 estudantes (1,7%) responderam que obtiveram
apoio financeiro para participação em eventos acadêmicos, esportivos
e/ou culturais; e 13 estudantes (11,3%) deram outras respostas, como
participação em projetos de extensão ou auxílio financeiro dos pais.
O questionário também possibilitou mapear se os estudantes
cotistas frequentaram algum curso preparatório para realizar o ENEM/
Vestibular. Das 115 respostas recebidas, 68 estudantes (59,1%)
responderam que não realizaram qualquer tipo de curso preparatório; 23
estudantes responderam que frequentaram curso preparatório gratuito
ou com taxa de valor baixo, incluindo-se pré-vestibular comunitário; e 24

250
estudantes (20,9%) responderam que frequentaram curso preparatório
pago.
A pesquisa também buscou mapear se os estudantes cotistas
conciliavam a graduação em Direito com alguma outra ocupação. Das 115
respostas recebidas, 43 estudantes (37,4%) responderam que estudavam
em tempo integral; 5 estudantes (4,3%) responderam que realizavam
estágio extraoficial não-remunerado; 13 estudantes (11,3%) responderam
que realizavam estágio extraoficial remunerado; 18 estudantes (15,7%)
responderam que realizavam estágio oficial em instituição pública, como
o Ministério Público, a Defensoria Pública etc.; 4 estudantes (3,5%)
responderam que realizavam estágio oficial em escritório de advocacia;
24 estudantes (20,9%) responderam que era servidor ou terceirizado
de órgão público; 3 estudantes (2,6%) responderam que trabalham em
empresa privada com carteira assinada; 5 estudantes (4,3%) responderam
que eram profissional liberal ou trabalhador informal; 7 estudantes
(6,11%) sinalizaram outras respostas.
Em um segundo momento, foi realizada uma pesquisa com os
diversos setores da comunidade acadêmica (servidores, professores,
graduandos e servidores/terceirizados) buscando observar a percepção
desses segmentos sobre diversos aspectos da implementação das
ações afirmativas no Curso de Direito da UFF, como o conhecimento da
comunidade acadêmica sobre o modelo de reserva de vagas; a percepção
sobre a qualidade do curso; sobre a reserva de vagas para monitoria,
extensão, PIBIC etc.; sobre a reserva de vagas para ingresso nos cursos de
pós-graduação stricto sensu; sobre a reserva de vagas nos concursos para
professor efetivo e para as carreiras jurídicas.
Apesar da implementação da Lei de Cotas a partir de 2013, 21,1%
dos servidores/terceirizados e 18,8% dos professores desconheciam a
existência de política de ações afirmativas no Curso de Direito; 31,6%
dos servidores/técnicos e 31,3% dos professores pensavam que o critério
era reserva de vagas apenas para candidatos provenientes de escolas
públicas de ensino médio; 26,3% dos servidores/terceirizados e 43,8% dos
professores acreditavam que o critério existente era de reserva de vagas
apenas para candidatos negros, pardos e indígenas; e 21,1% dos servidores/

251
técnicos e 6,3% dos professores pensavam que o critério era reserva de
vagas somente para candidatos vulneráveis socioeconomicamente.
No que tange às percepções da comunidade acadêmica sobre
a alteração do perfil dos discentes da graduação em Direito, a pesquisa
mapeou que 30% dos servidores/terceirizados e 25% dos professores
não identificam qualquer diferença no perfil dos estudantes ao longo dos
últimos anos; 20% dos servidores/terceirizados e 25% dos professores
pensam que há mais estudantes negros do que antes; 35% dos
servidores/terceirizados e 37,5% pensam que há mais estudantes pobres
do que antes; e 15% dos servidores/terceirizados e 12,5% dos professores
afirmaram que não tinham opinião formada.
Por fim, a pesquisa possibilitou mapear a opinião da comunidade
acadêmica sobre outras políticas de ações afirmativas, como a reserva de
vagas para bolsas de monitoria, extensão, PIBIC; para o ingresso na pós-
graduação e nos concursos públicos para o magistério e para as carreiras
jurídicas.
Com relação à reserva de vagas para bolsas no Curso de Graduação
(monitoria, extensão, PIBIC etc.), 20% dos servidores/terceirizados, 56,3%
dos professores e 27,5% dos estudantes indicaram discordância integral;
40% dos servidores/terceirizados, 6,2% dos professores, 42,4% dos pós-
graduandos e 32,5% dos graduandos responderam que concordam com a
reserva apenas para estudantes com renda familiar inferior a um salário-
mínimo e meio; 30% dos servidores/terceirizados, 37,5% dos professores,
54,5% dos pós-graduandos e 21,9% dos graduandos concordam com
a reserva de vagas apenas para pobres, indígenas e negros; e 10% dos
servidores/terceirizados e 17,5% dos graduandos não tem opinião
formada.
Com relação à reserva de vagas para ingresso nos cursos de pós-
graduação stricto sensu (mestrado e doutorado) vinculados à Faculdade
de Direito da UFF, 20% dos servidores/terceirizados, 50% dos professores
e 34,7% dos graduandos discordam integralmente com a reserva de
vagas; 30% dos servidores/terceirizados, 20,6% dos pós-graduandos e
23,4% dos graduandos concordam com a reserva de vagas apenas para
candidatos com renda familiar inferior a um salário mínimo e meio;

252
35% dos servidores/terceirizados, 50% dos professores, 55,9% dos pós-
graduandos e 28,4% dos graduandos concordam que haja reserva de vagas
para candidatos pobres, indígenas negros e pardos; 15% dos servidores/
terceirizados.
Com relação à reserva de vagas nos concursos para professor
efetivo do Curso de Direito da UFF, 45% dos servidores/terceirizados,
50% dos professores, 23,5% dos pós-graduandos e 47,5% graduandos
discordam integralmente; 20% dos servidores/terceirizados concordam
que haja reserva apenas para candidatos pobres (renda familiar inferior
a um salário mínimo e meio); 12,5% dos professores, 14,7% dos pós-
graduandos concordam que haja reserva de vagas apenas para candidatos
indígenas, negros e pardos; 20% dos servidores/terceirizados, 37,5%
dos professores, 47,1% dos pós-graduandos e 25,9% dos graduandos
concordam que haja reserva de vagas para candidatos pobres, indígenas,
negros e pardos. Os demais não possuem opinião formada.
Com relação à reserva de vagas nos concursos para carreiras
jurídicas (magistratura, Ministério Público, Defensoria Pública, Advocacia
Pública etc.), 45% dos servidores/terceirizados, 43,8% dos professores,
20,6% dos pós-graduandos e 43,4% dos graduandos discordam
integralmente. 10% dos servidores/terceirizados, 12,5% dos professores,
17,6% dos pós-graduandos; 35% dos servidores/terceirizados, 43,8% dos
professores, 50% dos pós-graduandos e 27,8% dos graduandos concordam
que haja reserva de vagas para candidatos pobres, indígenas, negros e
pardos. Os demais não possuem opinião formada.

RESPOSTAS ABERTAS
Como já exposto, os questionários distribuídos para todos os
seguimentos (graduandos, pós-graduandos, servidores e técnicos e
professores) portavam uma pergunta de resposta aberta, a ser respondida
livremente. A pergunta proposta era “Qual é a sua opinião sobre reserva
de vagas para o Curso de Direito da UFF, em razão de políticas de ação
afirmativa (“cotas”)?”.

253
Dos questionários enviados para os graduandos, foram obtidas
320 respostas no total. Para os professores, servidores/técnicos e pós-
graduandos, foram obtidas, respectivamente, 15, 20 e 33 respostas.
Nesse tópico, abordaremos brevemente6 as principais recorrências nas
respostas, destacando alguns elementos para a análise. Centraremos
a análise nas respostas oferecidas pelos graduandos, uma vez que este
seguimento realizou um número muito superior de respostas, que torna
a análise mais abrangente e representativa.
Nesse seguimento, das 320 respostas, 281 se mostravam
favoráveis à reserva de vagas, 32 se mostraram contra e 7 delas
não expressaram qualquer opinião de que fosse possível retirar um
posicionamento. Dentre as favoráveis às ações afirmativas, 58 delas
apresentaram algum tipo de ressalva à reserva de vagas.
Os argumentos favoráveis às cotas articulam diferentes
“estratégias discursivas”,7com o objetivo de justificar a existências dessa
política pública. Podemos identificar dois principais tipos de argumento
em defesa das ações afirmativas, no qual foram agrupados as respostas, os
argumentos de “reparação” e os argumentos de “diversidade”. Conforme
assinala Thula Pires:

O argumento da diversidade admite a adoção de políticas

6
Pretende-se que uma análise mais profunda destas respostas seja alvo de publicação es-
pecífica.
7
Para a análise, entendemos as respostas como um modo de organização argumentativo,
articulando categorias da análise do discurso de matriz francesa. O modo de organização
argumentativo se baseia em alguns fatores. Basicamente, pode-se dizer que é necessário
que exista “[...] uma proposta sobre o mundo que provoque um questionamento, em al-
guém quanto à sua legitimidade (um questionamento quanto à legitimidade da proposta).”
(CHARAUDEAU, 2014, p. 205), além de um sujeito engajado em defender essa proposta e um
sujeito-alvo a ser convencido dela. Além disso, toda argumentação parte de “[...] uma busca
de racionalidade” que tende a um ideal de verdade quanto à explicação de fenômenos do
universo”, além de “[...] uma busca de influência que tende a um ideal de persuasão, o qual
consiste em compartilhar com o outro (interlocutor ou destinatário) um certo universo de
discurso até o ponto em que este último seja levado a ter as mesmas propostas.” (CHARAU-
DEAU, 2014, p. 205). Nas respostas analisadas, veremos que as argumentações têm como
tema as ações afirmativas, elaborando diferentes estratégias discursivas para legitimarem
um posicionamento de defesa ou repulsa a reserva de vagas. Por estratégias discursiva, en-
tende-se a maneira, consciente ou não, que o discurso se constrói, quais informações e ar-
gumentos articula.

254
de ações afirmativas como mecanismos de garantia
da pluralidade em ambientes de ensino, trabalho,
repartições públicas, entre outros. É a possibilidade
de conviver com as diferenças que avalizaria medidas
em processos seletivos, por exemplo. Quando se fala
em reparação, por sua vez, defende-se a correção da
injustiça gerada pelo legado escravista através de ações
públicas voltadas à promoção da igualdade dos negros.
(PIRES, 2013, p. 231).

Os argumentos de diversidade, ligados à ideia de que a pluralidade


de alunos de diferentes origens causa um ganho para todo o ambiente
acadêmico, foram menos recorrentes, sendo encontrados em apenas 25
respostas dos graduandos. Os argumentos ligados à ideia de reparação,
ou seja, de que as cotas vêm para reparar uma injustiça histórica ou uma
desigualdade presente por motivos sociais ou raciais, são mais presentes,
aparecendo em 69 respostas.8
A maior parte dos argumentos de reparação analisados se
limitava a falar de reparação em um sentido mais amplo, sem especificar
exatamente o que estava sendo reparado. Muitas respostas identificam
especificamente o déficit educacional brasileiro, colocando como ponto
central da reparação o fato de que o ingressante por ações afirmativas em
questão não teve direito a uma educação adequada. Essas respostas, em
geral, mesmo que favoráveis, identificam nas cotas uma política paliativa,
uma vez que o principal problema seria a falta de qualidade das escolas
públicas brasileiras.
Menos recorrente que os argumentos que falam da reparação por
causa do déficit de ensino foram as respostas que criavam a argumentação
da reparação histórica com base em uma dívida histórica que a sociedade
tem com o povo negro. Dessas, apenas duas citam explicitamente o
passado escravocrata da sociedade brasileira. Algumas poucas respostas
articulavam categorias ligadas ao racismo, de modo que a maior parte das

8
A maior parte das respostas, 187 delas não articularam nenhum tipo de argumentação con-
sistente, limitando-se a preencher o campo com afirmações como “sou a favor”, “positiva”
e “perfeito”.

255
respostas baseadas em reparação histórica não abordava a questão racial
inerente às ações afirmativas do sistema de cotas.9
Os argumentos de diversidade articulam outras ideias. Um
primeiro aspecto das respostas é a percepção de que o Curso de Direito
é tradicionalmente um curso elitista, vendo na reserva de vagas uma
maneira de alterar esse perfil, sendo interessante notar que várias
respostas já identificam nas turmas mais novas, com maior número de
cotistas, essas mudanças. As respostas dão a entender que alunos cotistas
estariam mais interessados em um aspecto social do Direito, e não teriam
apenas interesses individuais e profissionais.
Outra recorrência é a proposição de que a presença de alunos de
diferentes origens traria um benefício geral para a universidade. Os cotistas
seriam pessoas que trariam suas vivências diferenciadas para o ambiente
universitário, de modo a contribuírem para uma produção acadêmica
diferenciada, pluralizando o ambiente acadêmico e o tornando mais rico
e inovador. A diversidade também seria um elemento de luta contra o
racismo e a exclusão dentro do ambiente acadêmico, e contribuiria, com
a formação de profissionais e intelectuais negros, pardos e indígenas, ou
de classes sociais diversas, para a criação de um mercado de trabalho e
uma sociedade mais inclusiva.
Mesmo entre os argumentos favoráveis, como colocado, foram
diversas as ressalvas às cotas. A primeira, já apresentada, consiste em
ressaltar o caráter paliativo ou temporário das cotas, explicando que,
apesar de ser a favor do sistema de reserva de vagas, entende que ele deve
ser realizado junto com outras medidas, como o combate à pobreza ou a
melhoria do sistema educacional. Importante notar que esses argumentos
nunca articulam o racismo como um problema em si, identificando sempre
como principal problema a desigualdade socioeconômica. As outras
duas ressalvas dentre as respostas favoráveis são a ampla possibilidade

9
De maneira diversa em relação ao argumento que se baseia apenas na debilidade do ensino
público, o argumento que tem como base a dívida histórica por causa do passado escravocra-
ta se baseia em aspectos muito mais diversos, como genocídio da juventude negra, baixos sa-
lários, encarceramento e violência e racismo. Dessa maneira, aqueles que se baseiam nesse
argumento veem nas cotas uma solução para problemas sociais mais profundos e amplos do
que a simples equiparação no acesso à universidade. A cota seria uma maneira lutar contra
o racismo e a desigualdade racial brasileira.

256
de fraude às cotas,10 e os problemas ligados à permanência dos alunos
cotistas, que articulam a ideia de que o simples ingresso desses alunos
não garante a sua permanência, que encontra outras dificuldades para
continuar na faculdade.
Todas as ressalvas feitas pelas pessoas favoráveis às cotas também
estão presentes nos argumentos das pessoas contrárias a elas. Dessa
maneira, muitas respostas contrárias às cotas reconhecem os mesmos
problemas que os defensores das cotas enxergam, mas simplesmente
entendem que as cotas não são um caminho para solucionar esses
problemas.
Das respostas contrárias, dois são os elementos centrais. O
primeiro deles é a identificação do principal problema a ser combatido.
Este seria a desigualdade social, que seria resolvida com políticas públicas
de combate à pobreza, e por um ensino básico de qualidade. Dessa
maneira, o debate racial em geral não é citado, e quando é citado, é citado
em subordinação à questão social. Resolvendo um, se resolveria o outro.
A segunda questão central é a ideia de “mérito”. Os argumentos
contrários às cotas em geral articularam ideias ligadas ao mérito, com base
em uma ideia específica de igualdade formal. Todos devem ter condições
iguais de ingresso (um vestibular sem reserva de vagas) para que o mérito
seja testado.
Interessante notar que uma resposta cita expressamente a
oposição a uma “igualdade material sofismática” dos defensores das
cotas, de modo a reconhecer a oposição entre os conceitos de igualdade
presentes. Na análise das respostas, é possível notar como muitas
das respostas favoráveis e contrárias às cotas se articulam com base
nos mesmos termos, utilizando apenas interpretações diferentes dos
mesmos conceitos. Assim, noções de igualdade formal são levantadas
pelos opositores das cotas, enquanto noções de igualdade material
são levantadas pelos defensores das cotas, com ideias diferentes de
mérito sendo articuladas pelos dois grupos. O debate racial, porém, é

10
Como já dito, a pesquisa foi realizada antes da instauração da Comissão Verificadora de
Cotas pela UFF, que veio para combater estes tipos de fraudes no que tange à reserva de
vagas por critérios étnico-raciais.

257
um recurso argumentativo das pessoas favoráveis as cotas, e é negado
pelos opositores, que subordinam a questão aos problemas sociais e
econômicos.
A análise das respostas abertas demonstra que, em parte, a
constituição desses discursos antagônicos se fundamenta na disputa
da significação de alguns conceitos-chave, como “igualdade, mérito,
raça, desigualdade social e pobreza”. Enquanto os dois primeiros são
articulados por ambos os grupos, porém com significados diferentes, os
conceitos ligados à raça são basicamente defendidos como relevantes
para o debate por aqueles que defendem as cotas. Para o grupo que
é contrário as cotas, é possível, então, identificar um “silenciamento
da questão racial”, que normalmente é colocada como inerente à
desigualdade social e à pobreza. Nesse sentido, para os opositores das
cotas, desigualdades raciais e racismo seriam causados apenas por
motivos de desigualdade socioeconômica e pobreza. Resolvendo-se o
problema da pobreza e desigualdade socioeconômica, o racismo estaria
automaticamente resolvido. Questões raciais, portanto, seriam um falso
problema para essas pessoas, e poderiam ser solucionados por medidas
universalistas que combatessem a desigualdade socioeconômica sem
se atentar a questões como racismo desigualdade racial. A partir dessa
constatação, partimos para algumas reflexões quanto ao silenciamento
do debate racial constado por meio da pesquisa.

A MATERIALIDADE DO SILÊNCIO EM UMA PESQUISA


Um texto é um tecido cujas linhas podem ser constituídas
por palavras (se texto verbal) ou outros signos não linguísticos (texto
não verbal), sua essência reside no significar. Um texto é uma unidade
significativa. E, numa situação comunicativa, seja verbal ou não verbal, os
interlocutores comprometem-se, mesmo que inconscientemente, com a
significação, com o político, já que um texto é discurso. Deve, assim, ser
compreendido como materialização de um processo histórico-ideológico,
presente na sua construção, porque toda palavra integra um contexto,
por isso tem história. Essa afirmativa é essencial para se interpretar o
silêncio, porque “Sem considerar a historicidade do texto, os processos de

258
construção dos efeitos de sentidos, é impossível compreender o silêncio”
(ORLANDI, 1995, p. 47). Essa unidade de sentido, que sempre diz algo,
utiliza determinadas formas/maneiras para dizer, porque o tecido não é
apenas produto, mas, sobretudo, processo. Ler um texto é, portanto, um
movimento de atribuição de sentido. Deve o leitor atentar não só para o
resultado, mas para o como, por que, para que e para quem se diz.
Considerando-se que a ideologia está presente no texto (que é
discurso) e que o dizer é um enunciado produzido por um sujeito que
é motivado a dizer e, portanto, o dito tem uma finalidade, o mesmo
pode ser afirmado quando ao não dizer, ao silêncio, compreendido como
elemento comunicativo, portanto, como categoria de sentido.
Na pesquisa, foi possível identificar formas de não dizer
significativas, elementos discursivos que, no contexto de implementação de
uma política afirmativa de inclusão social e étnico-racial, podem simbolizar
mais que ausência de conhecimento, mas, talvez, não reconhecimento,
constituindo-se o silêncio que torna não aparente, o que está presente. É
o que podemos evidenciar na fala de um dos entrevistados em entrevista
(grupo focal) promovida pelo grupo de pesquisa:

A faculdade de Direito é uma faculdade bem elitista,


apesar das exceções, mas é uma faculdade bem elitista,
a parte das políticas de ações afirmativas, as pessoas
não gostam de tocar no assunto, pelo ao menos eu
senti assim, as pessoas da minha turma são ótimas,
mas ninguém toca no assunto, as pessoas falam de
colocação, políticas de ações afirmativas ninguém toca
muito, assim, eu não sei muito bem quem entrou por
política de ação afirmativa ... Há comentários, eu já ouvi
assim, a maioria não gosta a maioria com quem eu tive
contato, mas isso não é verbalizado. (Entrevistado 1 –
Aluno de Graduação).

Os dados apresentados nas seções 3 e 4 deste artigo demonstram


a problemática na recepção das ações afirmativas na Faculdade de Direito.
Apesar do número elevado de apoiadores do sistema de reserva de
vagas, um número razoável de pessoas discordava da utilização de ações
afirmativas para diversas outras áreas da vida acadêmica ou profissional.

259
Também foi demonstrado um grande desconhecimento acerca do próprio
funcionamento da política de cotas, tanto nas respostas abertas quanto
fechadas.
Na construção da pesquisa, a própria dificuldade de obtenção
dos dados, uma vez que os formulários foram distribuídos pela internet,
demonstraram uma dificuldade na inserção das pessoas no debate sobre
o tema. Houve resistência em responder o questionário, e diversos
questionamentos sobre o objetivo de pesquisar ações afirmativas.
O silêncio, então, se mostrou como uma maneira de resistência
ao debate, na materialização de sentidos específicos sobre a temática.
O silêncio se mostrou então como parte integrante da constituição dos
discursos, principalmente no que tange à resistência ao debate sobre cotas,
e na negação da existência de desigualdades raciais nos questionários
abertos, por parte daqueles que eram contrários ao sistema de reserva
de vagas.
Nas palavras de Orlandi (1995, p. 48), “Os sentidos são dispersos,
eles se desenvolvem em todas as direções e se fazem por diferentes
matérias, entre as quais se encontra o silêncio”. O silêncio se mostrou como
parte constitutiva dos discursos sobre ações afirmativas na universidade,
onde os não ditos muitas vezes revelavam tanto quanto o que era dito.
Ora, um índice de 17,5% de graduandos que dizem não ter
opinião formada (opinião silenciada) sobre um assunto relativo a uma
importante forma de viabilizar materialmente a trajetória acadêmica de
alunos cotistas indica um não reconhecimento de determinadas condições
de permanência no curso, específicas dos alunos cotistas (negros e índios,
inclusive), uma realidade do outro, sobre a qual não se pensou (ainda?).
Contrapor isso ao resultado relativo à reserva apenas para candidatos
pobres (índice de 32,5%), e à área do gráfico (quase imperceptível)
ocupada pelos que concordaram com a reserva étnico-racial evidencia
o apagamento da participação de negros e indígenas, nesse processo. O
racismo estrutural explica a não associação desses modos de dizer e não
dizer a uma forma de distinção naturalizada e, portanto, não questionada.
Enfim, nessas poucas linhas permitidas pelo espaço de um artigo,
é possível afirmar, à guisa de conclusão dessa sessão, que tanto a ausência

260
de palavras quanto algumas (muitas) das palavras ditas, como parte de
um processo de comunicação, de troca de sentidos entre pessoas. O ato
de comunicação (pelo dizer ou pelo silêncio), entendido na perspectiva
da função social, é ferramenta de interação pelo discurso, e representa
o olhar sobre o mundo, expondo modos de ser e de estar nesse lugar.
Identifica o sujeito como ser social. Liga-se à história e à ideologia e
aponta, portanto, para uma realidade que se estrutura pelas relações por
ela responsável: as relações de poder hegemônico e dominação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa desenvolvida possibilitou avaliar a mudança do perfil
dos estudantes ingressantes na Faculdade de Direito da UFF, desfazendo
pré-concepções e ressaltando desafios da comunidade acadêmica e da
universidade para combater o racismo e garantir a permanência e inclusão
dos estudantes cotistas na universidade. Nesse sentido, apesar de a
pesquisa mapear que os estudantes ingressantes por ações afirmativas
possuem desempenho acadêmico equivalente aos ingressantes por ações
afirmativas, ela também ressalta o desafio para incluí-los nos programas
de monitoria, pesquisa, extensão e de auxílio à permanência.
Os dados coletados e sistematizados e as respostas da pesquisa
ampliaram a discussão e as ações afirmativas foi objeto de debates nos
órgãos colegiados e reuniões departamentais na Faculdade de Direito da
UFF. O Colegiado de Curso realizado no dia 21 de junho de 2016 debateu o
tema e culminou na aprovação de ações afirmativas e recomendações que
buscavam incentivar a permanência e o debate sobre ações afirmativas
e racismo na universidade. Na reunião departamental ordinária do
Departamento de Direito Processual (SDP) no dia 29 de agosto de 2016
foi aprovada a reserva de vagas da monitoria para os estudantes cotistas.
Por unanimidade foi aprovado que o edital de monitoria para o ano de
2017 reservaria 20% das vagas para os alunos cotistas; e que o edital de
2018 contemplaria a reserva de 50% das vagas para estudantes cotistas.
Nesse sentido, a pesquisa cumpre a sua função social: gera dados, coloca
em debate, provoca, revela questões não ditas, embora vitais, e serve

261
ao combate contra o racismo e à melhor compreensão da recepção do
sistema de reserva de vagas nas universidades públicas.

REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei 12.711, de 29 de agosto de 2012. Dispõe sobre o ingresso nas
universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível
médio e dá outras providências. Brasília, DF, 2012a. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12711.htm.
Acesso em: 21 ago. 2019.

BRASIL. Ministério da Educação. Portaria Normativa n. 18, de 11 de outu-


bro de 2012. Dispõe sobre a implementação das reservas de vagas em insti-
tuições federais de ensino de que tratam a Lei n. 12.711, de 29 de agosto de
2012, e o Decreto n. 7.824, de 11 de outubro de 2012. Brasília, DF. 2012b.
Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cotas/docs/portaria_18.pdf. Acesso
em: 21 ago. 2019.

BRASIL. Decreto n. 7.824, de 11 de outubro de 2012. Regulamenta a Lei n.


12.711, de 29 de agosto de 2012, que dispõe sobre o ingresso nas universi-
dades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio.
Brasília, DF, 2012c. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_
ato2011-2014/2012/Decreto/D7824.htm. Acesso em: 21 ago. 2019.

CHARAUDEAU, P. Linguagem e discurso: modos de organização. 2. ed. São


Paulo: Contexto, 2014.

ORLANDI, E. P. Análise de discurso: princípios & procedimentos. 8. ed. Cam-


pinas: Pontes, 2009.

ORLANDI, E. P. As formas do silêncio: no movimento dos sentidos. Campi-


nas: Unicamp, 1995.

PIRES, T. R. de O. A discussão judicial das ações afirmativas étnico-raciais no


Brasil. In: PAIVA, A. R. Ação afirmativa em questão: Brasil, Estados Unidos,
África e França. Rio de Janeiro: Pallas, 2013. p. 210-239.

262
DOI: dx.doi.org/10.18616/pps12

A IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS


DE INGRESSO NO ENSINO SUPERIOR E A
JUDICIALIZAÇÃO DO SISTEMA DE COTAS NA
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
Isabel Bezerra de Lima Franca

INTRODUÇÃO SUMÁRIO
A Constituição Federal de 1988, ao prever normas de cunho
programático, deixou para o legislador ordinário a tarefa de regular essas
políticas, vinculando à administração a sua implementação e, ao mesmo
tempo, atribuindo ao Poder Judiciário o controle e a fiscalização desse
processo. Essa nova dinâmica desencadeou um processo de judicialização
que levou muitos atores ao Judiciário em busca da implementação de
políticas públicas ou para corrigir o rumo daquelas que haviam sido
implementadas, principalmente nos serviços sociais de saúde e educação
(AVRITZER; MARONA, 2014).
No ensino superior, a partir de 1999, as disposições da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação (LDB), Lei n. 9.394/1996, começaram a
produzir efeitos propiciando a formulação e implementação de diversas
políticas públicas para fomentar o ensino superior nas universidades
federais. A partir de 2003, no governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva,
esse processo atinge seu ápice com a implementação de diversas políticas
públicas voltadas ao financiamento das ações de ensino em instituições
privadas, além de investimentos e incentivos para reestruturação e
democratização das universidades federais (DE CARVALHO, 2014).
Nas universidades federais, essas políticas foram criadas por
meio de Ações Afirmativas, cujo objetivo era sanar o grande déficit
educacional que o Brasil tinha em relação a estudantes negros e pobres.
Nesse sentido, as universidades federais passaram a receber incentivos
para implementar políticas de inclusão social visando a democratizar

263
esse nível de ensino. Contudo, o processo de implementação dessas
políticas públicas não foi pacífico, pois as primeiras universidades que
implementaram tais políticas optaram por criar cotas raciais subtraindo
vagas do seu processo seletivo regular, provocando reações em razão da
insuficiência do número de vagas (APRILE; BARONE, 2009).
A Universidade Federal da Bahia (UFBA) foi a terceira
universidade federal a implementar uma política pública de ingresso,
sendo a Universidade de Brasília (UnB) a primeira e a Universidade Federal
do Paraná (UFPR) a segunda (MULHOLLAND, 2006). No entanto, essas
universidades instituíram como critério para participação no sistema
de cotas a condição de afrodescendente, enquanto a UFBA, ciente de a
população da Bahia ser composta na maior parte por afrodescendentes,
decidiu adotar como filtro preliminar os estudantes de escola pública
para a partir daí adotar o critério racial. Assim, depois de um conturbado
processo decisório, o sistema de cotas da UFBA começou a ser
implementado provocando um aumento substancial nas ações judiciais de
estudantes contra a universidade, pois tanto alunos favoráveis à medida
quanto contrários a ela passaram a disputar seu ingresso na universidade
por meio do Judiciário (SANTOS, 2012).
Diante disso, esse trabalho buscou, por meio da análise das
decisões judiciais do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1),
verificar o processo de judicialização da implementação da política de
cotas na UFBA, visando a conhecer os argumentos utilizados pelos alunos
para justificarem seus pedidos bem como os fundamentos utilizados pelo
Judiciário para o seus deferimento ou indeferimento. Para isso, a pesquisa
utilizou o banco de dados do TRF1 a fim de, em primeiro lugar, conhecer
os temas discutidos nos tribunais e em seguida, o site do Conselho da
Justiça Federal para analisar as ementas da jurisprudência unificada desse
órgão sobre esses temas. Assim, o trabalho foi dividido em três partes:
a primeira discorrendo sobre as políticas públicas de ensino, a segunda
sobre o processo decisório da implementação da política de cotas na
UFBA e a terceira apresentando um levantamento dos processos contra a
universidade e os fundamentos das decisões judiciais.

264
A EDUCAÇÃO SUPERIOR E AS POLÍTICAS PÚBLICAS
DE DEMOCRATIZAÇÃO DO ENSINO
Nas últimas décadas, o Brasil passou por diversas transformações
na área de educação, visto que a ênfase dada ao direito à educação na
Constituição de 1988 foi reforçada pelas recomendações da Organização
das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco)1 e
por uma política de incentivos gerenciadas pelo Banco Mundial (WARDE,
1996).
Embora a Constituição Federal de 1988 apresente poucos artigos
disciplinando a educação superior, referindo-se apenas à autonomia
universitária e à indissociabilidade do ensino, pesquisa e extensão,
remeteu à legislação ordinária a regulamentação das normas relativas
ao ensino superior, de modo que, essa aparente deficiência acabou
compensada pela ampliação desses dispositivos na LDB (MOROSINI;
FRANCO; SEGENREICH l, 2011).
Segundo Ranieri (2010), existem diversas diferenças nas normas
contidas na Constituição Federal de 1988 em relação ao ensino básico e
ao ensino superior, pois, para o primeiro, ela preconizou a universalização
do ensino, por considerá-lo direito público subjetivo cuja ausência de
implementação caracteriza omissão do poder público, enquanto em
relação ao segundo delegou sua normatização à legislação ordinária.
Dessa forma, a fruição do direito à educação no ensino superior,
especialmente por parte da população que possui dificuldade de acesso a
esse nível de ensino, dependia da implementação de políticas públicas que
possibilitassem a democratização da educação superior, especialmente
nas instituições públicas (CAÔN; FRIZZO, 2010).
Nesse sentido, diante da relevância das políticas públicas para a
fruição do direito à educação, torna-se essencial apresentar um conceito
de políticas públicas, que delimite seu âmbito de atuação. Assim, para
Gavilanes (2010, p. 156),
1
A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) foi
constituída depois da Segunda Guerra Mundial com o propósito de contribuir para a
construção da paz mundial. Suas áreas de atuação compreendem a área da educação,
das Ciências Naturais, Humanas e Sociais, da cultura, da comunicação e informação e
conta com a participação de mais de 190 Estados-membros (UNESCO, 2019).

265
[…] política pública es un proceso integrador
de decisiones, acciones, inacciones, acuerdos e
instrumentos, adelantado por autoridades públicas
con la participación eventual de los particulares, y
encaminhado a solucionar o prevenir una situación
definida como problemática. La política pública hace
parte de un ambiente determinado del cual se nutre y
al cual pretende modificar o mantener.

Esse autor apresentou quatro elementos essenciais para compor


o conceito de políticas públicas: o primeiro, um processo integrador de
decisões, ações, omissões, acordos e instrumentos; o segundo, um
processo promovido pelas autoridades públicas com a participação
eventual de indivíduos sociais; o terceiro, um processo para evitar ou
reestabelecer uma situação definida como problema e o quarto, a natureza
da política pública enquanto parte de um determinado ambiente no qual
ela atua alterando ou mantendo seu status quo (GAVILANES, 2010).
Gavilanes (2010) chama a atenção para esses elementos
enfatizando que não se pode perder a noção de políticas públicas de forma
abrangente, pois essa classificação apesar de trazer uma noção descritiva
não apresenta uma visão normativa, de modo que a definição proposta por
ele reconhece o aspecto político da política pública, porém não confunde
esses dois elementos que ela apresenta. Para o autor, a palavra “política”
expressa a arte e a ciência de governar visando a adquirir poder na tomada
de decisões para produzir consenso. Por essa razão, o processo de decisão
política se torna muito abrangente, englobando ações, omissões, acordos
e instrumentos impulsionados pelas autoridades públicas, cujo intuito é
resolver ou prevenir situações definidas como problemáticas.
Diante disso, o conceito desenvolvido por Parada (2002, p.
13) define implementação de políticas públicas como “[...] o conjunto
deliberado e sequencial de atividades governamentais voltadas a alcançar
metas e objetivos de uma política, visando a transformar os objetivos em
resultados”. Esse conceito permite considerar maior número de elementos
porque engloba todo o ciclo das políticas públicas.
No mesmo sentido, Subirats (1994) afirma que não se pode
bloquear o conceito de política pública, considerando-o exclusivamente

266
por uma ótica positiva, já que no discurso de Heclo (1981) a política
pública também engloba atividades passivas nas quais os policy makers
podem decidir que a melhor opção para o momento é não fazer nada.
De acordo com Subirats (1994), reconhecer esse tipo de
ausência de decisão é um fator essencial para a construção de “agendas”
ou programas de ação pública. Em vista disso, a inclusão na análise de
políticas públicas dos impactos ou resultados não esperados como os
efeitos da política que podem ser desencadeados em seu processo de
implementação devem ser contingenciados.
Embora as políticas públicas apresentem essa característica
abrangente, pode se afirmar que foi o seu aspecto ativo que tornou
possível a implementação dos programas e políticas públicas descritos nas
disposições da LDB, aspecto esse justificado por Cury (1997) pelo fato do
grande número de dispositivos relativos ao ensino superior, englobando
desde o artigo 43 até o 57, representando 16,3% do total dos 92 artigos
contidos nessa legislação.
Conforme esse autor, os dispositivos trazidos pela Lei n.
9.394/1996 se assentaram em duas prerrogativas: a primeira representada
por conferir maior autonomia às instituições de ensino superior e a
segunda, por acrescentar maior flexibilidade a essa atuação. Assim,
enquanto “[...] os artigos 43-50 se ocupam da educação superior de modo
geral, os restantes se encarregam da prerrogativa Universitária” (CURY,
1997, p. 12).
Em vista disso, depois da edição da LDB, foram criados
diversos instrumentos normativos para implementar suas disposições,
especialmente no governo do Presidente Lula, propiciando uma clara
expansão no ensino superior público (DE CARVALHO, 2014).
Segundo De Carvalho (2014), a política de expansão e
financiamento do ensino superior promovida nos dois mandatos do
Presidente Lula (2003-2010) obteve prioridade na agenda governamental
porque foi articulada com base em programas assentados sobre dois
eixos: o primeiro com base no aumento da oferta de ensino por meio
de expansão das universidades federais por meio do programa de
Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni) e do Plano

267
Nacional de Assistência Estudantil (PNAES) – e o segundo, visando ao
aumento da oferta de ensino por meio de financiamento em instituições
de ensino privadas pelo Fundo de Financiamento Estudantil (FIES) e pelo
Programa Universidade para Todos  (Prouni).
O Reuni foi instituído pelo Decreto n. 6.096, de 24 de abril de
2007, e teve como principal objetivo ampliar o acesso e a permanência na
educação superior, criando condições, no nível de graduação, para melhor
aproveitamento tanto por meio da estrutura física das universidades,
quanto dos recursos humanos existentes nelas.
No mesmo sentido, o PNAES foi criado como uma política pública
do Ministério da Educação (MEC) que visa a auxiliar a permanência de
jovens de baixa renda matriculados em cursos de graduação presencial
nas Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) (ZAGO, 2006). Segundo
o artigo 2º do Decreto n. 7.234, de 19 de julho de 2010, são objetivos do
PNAES:

I – democratizar as condições de permanência


dos jovens na educação superior pública federal;
II - minimizar os efeitos das desigualdades sociais e
regionais na permanência e conclusão da educação
superior; III - reduzir as taxas de retenção e evasão; e
IV - contribuir para a promoção da inclusão social pela
educação. (BRASIL, 2010).

Além do Reuni e do PNAES, outras alterações importantes


relacionadas à expansão do ensino superior decorreram da edição das
seguintes leis: Lei n. 10.260/2001, que regulamentou o FIES e Lei n.
11.096/05, que instituiu o Prouni. O FIES, criado em 2001, foi totalmente
reestruturado em 2005, para como o Prouni, ampliar o número de
estudantes beneficiados.
No setor privado, o Prouni se tornou a principal iniciativa do
governo federal para facilitar o acesso de alunos carentes ao ensino
superior. Criado em 2004, oferecia bolsas de estudos de 50% ou de 100%
na mensalidade em faculdades particulares aqueles que não conseguiram
entrar em uma instituição pública (CATANI et al., 2006).

268
No entanto, é possível afirmar que uma das medidas mais
importantes para a democratização e expansão do ensino superior foi
a concessão de incentivos para que as universidades federais públicas
adotassem políticas compensatórias para permitir o acesso de uma
parcela da população que não possuía meios nem condições de ingressar
em uma universidade pública (CAÔN; FRIZZO, 2010).
No entanto, esse processo de democratização do ensino superior
por meio de políticas públicas foi instituído de acordo com a autonomia
universitária, permitindo que cada universidade implementasse suas
políticas segundo sua disponibilidade, pois, de acordo com o artigo 207 da
Constituição Federal de 1988, “[...] as universidades gozam de autonomia
didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e
obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e
extensão” (BRASIL, 1988, art. 207, caput.).
Diante disso, verifica-se que embora o processo de
implementação da política de cotas se deu respeitando a autonomia
universitária, a ausência de critérios claros para enquadramento dos
estudantes estabelecidos pela universidade pode ser considerado um dos
fatores que contribuíram para desencadear o processo de judicialização
que ocorreu no período da implementação da política pública em análise.

A IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS E A


CRIAÇÃO DAS COTAS NA UFBA
O campo de implementação de políticas públicas é recente,
visto que seus estudos datam de aproximadamente 30 anos. No entanto,
a análise da implementação de políticas públicas vem ocorrendo sob
diversas perspectivas, englobando estratégias e metodologias diferentes
em suas áreas temáticas, proporcionando uma ampliação nos padrões de
avaliação e na delimitação de seus conceitos (WINTER, 2012).
De acordo com Winter (2012), os estudos sobre implementação,
apesar de relativamente novos, vêm contribuindo para acrescentar novas
perspectivas a abordagem de políticas públicas, porque na medida em que
colocam o foco no fazer, permitem avaliar como elas são transformadas

269
no processo de execução, revelando muitas barreiras e fatores que podem
alterar o seu sucesso.
O autor afirma que, embora precisemos de mais pesquisas sobre
o design de políticas públicas e os resultados de sua implementação, a
utilização de um processo para explicar variações na implementação
exige a combinação de três perspectivas teóricas diferentes: “[...] uma
teoria sobre a definição de metas, uma teoria sobre o desempenho e
uma teoria sobre a relação entre a definição de metas e o desempenho”
(WINTER, 2012, p. 77). Pois, do contrário, generalizações na análise dos
resultados de uma política pública podem acarretar sua invalidade por
permitir relativizações nessa avaliação.
Segundo Matland (1995), na medida em que as pesquisas sobre
implementação evoluíram, duas escolas de pensamento se desenvolveram
como modelos para estudar e descrever o processo de implementação:
o modelo top-down e o bottom-up. Contudo, esses modelos receberam
diversas críticas e, em razão disso, foram feitas inúmeras tentativas para
combinar essas duas principais perspectivas a fim de criar outras sobre a
implementação.
A abordagem top-down recebeu três espécies de críticas: a
primeira devido à utilização de linguagem estatutária como ponto de
partida; a segunda em razão de a execução ser vista como um processo
puramente administrativo, ignorando os aspectos políticos ou tentando
eliminá-los; e a terceira por dar ênfase exclusiva aos arquitetos dos
estatutos considerando-os atores-chave. Dessa forma, os modelos top-
down, acabam vendo os atores locais como impedimentos para uma
implementação bem-sucedida, ou seja, agentes cujo comportamento
precisa ser controlado (MATLAND, 1995).
Os modelos bottom-up argumentam que os objetivos, estratégias,
atividades e contatos entre os atores envolvidos na implementação
devem ser compreendidos para entender os fatores que interferem nesse
processo. Por essa razão, os estudos sobre os “burocratas no nível de rua2”

2
Burocratas de nível de rua refere-se ao termo “Street-level bureaucrac” criado por Michael
Lipsky para designar o papel dos burocratas no atendimento a sociedade quando sua posição
permite grande discricionariedade nessa atuação.

270
representam um dos principais estudos relacionados a essa abordagem.
Em vista disso, a influência da política sobre a ação dos “burocratas de
nível de rua” deve ser avaliada a fim de que se possa prever o efeito da
política pública que está sendo avaliada (LIPSKY, 2010).
As críticas a esse modelo são de duas ordens: uma normativa,
outra metodológica. A normativa aponta que em um sistema democrático,
o controle político deve ser exercido por atores cujo poder deriva da
capacidade de sua prestação de conta aos eleitores e o burocrata não tem
legitimidade porque não foi eleito. A crítica metodológica enfatiza o nível
de autonomia local, pois as variações decorrentes das ações podem ser
explicadas pelas diferenças de autonomia em nível local (WEATHERLEY;
LIPSKY, 1977).
Os desacordos acerca dessas abordagens levaram ao
desenvolvimento de formas de análise com base na teoria organizacional,
nas quais os teóricos passaram a verificar como a “ambiguidade e o
conflito” afetavam a implementação das políticas. Por meio desses
elementos, podem ser feitas previsões verificáveis sobre como o processo
de implementação se desenvolverá, principalmente, quando há conflitos
substanciais e uma política ambígua, em que tanto o modelo top-down
quanto bottom-up têm alguma relevância.
No entanto, para Matland (1995), a ambiguidade não deve ser
vista como uma deficiência em uma política, pois não é nem um mal nem
um bem, apesar de muitas vezes causar falhas em sua implementação,
mas apenas uma característica da política, sem que a isso se possa atribuir
qualquer valor normativo.
Nesse sentido, as ambiguidades que envolveram o processo
decisório para a implementação do sistema de cotas na UFBA
demonstraram que a medida não foi isenta de conflitos, pois, apesar de
esses fatores terem causado considerável atraso na execução da política,
não afetaram substancialmente o resultado dela, contribuindo para a
alteração do status quo na educação superior.
A UFBA foi a terceira universidade federal a implementar uma
política de cotas e, no levantamento dos processos da universidade,
verificou-se que houve um aumento substancial nas ações judiciais de

271
estudantes que levou alunos favoráveis e contrários à política a disputarem
seu ingresso na universidade por meio do Judiciário (MATTOS, 2006).
Nesse aspecto, a implementação de ações afirmativas na
UFBA se mostrou conturbada desde o início do processo decisório,
pois, segundo Santos (2012), em 2002, o grupo de trabalho constituído
para estudar e sistematizar a implementação da política, apresentando
propostas para as estratégias de inclusão social, não conseguia entrar em
acordo. Diante disso, o grupo de trabalho responsável por esse processo
promoveu uma intensa troca de e-mails com a comunidade acadêmica,
porque ela, também, se encontrava dividida em posições antagônicas que
acarretava, por um lado, defesas acirradas às cotas raciais e por outro,
posições extremamente contrárias a elas (SANTOS, 2012).
Por fim, o Grupo de Trabalho pesquisou outras universidades
que já haviam implementado a política de cotas, como a UnB, a UFPR e
a Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul (UEMS) a fim de verificar
os problemas que a implementação das cotas haviam acarretado para
apresentar aos Conselhos Superiores uma proposta que fosse aprovada
ainda em 2004 para ingresso no vestibular de 2005 (SANTOS, 2012).
O resultado desse levantamento resultou na criação de um
projeto denominado “Programa de Ação Afirmativa” na UFBA, uma
versão preliminar de 18 de junho de 2003 da política pública para ser
apresentada pelo pró-reitor de Graduação ao Conselho da universidade.
Segundo Santos (2012, p. 43), esse projeto trazia propostas de ações
de inclusão que foram divididas em quatro eixos: preparação, ingresso,
permanência e pós-permanência.
A partir daí, em 3 de outubro de 2003, foi estabelecido um
calendário temático compostos desses quatros eixos definindo debates
sobre os seguintes aspectos: sub-representação dos negros e dos
estudantes de escolas públicas no ensino superior público; necessidade
de reserva de vagas para negros e/ou estudantes de escola pública; “[...]
a questão do mérito versus a inclusão social; a questão da permanência;
além de pontos relacionados pós-graduação e a inclusão social” (SANTOS,
2012, p. 48).

272
No entanto, o eixo das discussões girava em torno da decisão
entre cotas raciais ou socioeconômicas, por essa razão a universidade
elaborou um questionário socioeconômico visando a angariar dados para
auxiliar a tomada de decisão. Enquanto isso, o Programa “A Cor da Bahia”
encaminhou à Reitoria da Universidade um pedido para que fosse incluído
o quesito “cor” nesse questionário, argumentando sobre a necessidade
de incorporar no estudo a reflexão sobre as relações raciais (SANTOS,
2012).
O estudo elaborado pelo Programa “A cor da Bahia”
demonstrou que mais de 80% da população do estado era composta
de afrodescendentes e em vista disso, a UFBA acabou optando por
implementar cotas sociais para estudantes de escolas públicas e, somente
a partir desse filtro, acrescentar um percentual para os estudantes de
descendência negra (FERES; DAFLON; CAMPOS, 2011).
Dessa forma, a UFBA tornava-se a terceira universidade federal
do País a implantar um sistema de cotas. Se a UnB decidiu por um
percentual para candidatos negros, sem especificar a origem escolar, e
a UFPR por percentuais distintos para negros e estudantes oriundos do
sistema público, assim como vagas para indígenas, a UFBA implantou
um sistema no qual a origem escolar – sistema público – era o ponto de
partida, mas a partir disso, determinava um percentual para negros de
85% e outro para não negros de 15% (FERES; DAFLON; CAMPOS, 2011).
No entanto, a opção por esse filtro preliminar composto por
estudantes de escolas públicas acabou sendo responsável por um aumento
substancial nas ações contra a universidade, na medida em que alunos de
escolas filantrópicas e comunitárias, por serem de origem pobre, também
passaram a buscar o Judiciário solicitando a equiparação dessas escolas
com as escolas públicas.

A JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA DE COTAS NA


UFBA
O sistema de cotas para estudantes negros e/ou oriundos de
escola pública foi a política pública que mais levou estudantes aos tribunais,

273
especialmente no caso da UFBA, onde as cotas foram insuficientes e até
mesmo alunos que ficaram acima da nota de corte não conseguiram
ingressar na universidade no ano de criação da política pública.
Diante disso, esse trabalho procurou mapear os processos dessa
universidade, mas em razão do grande número de processo, optou-se por
contabilizar apenas intervalos regulares de 5 anos em 5 anos, a fim de
verificar quais eram as solicitações feitas ao Judiciário e qual a posição
deste. A pesquisa foi executada em dois bancos de dados: o primeiro,
o site do TRF1, para onde são encaminhados os recursos das decisões
relativas à UFBA, e o segundo, o site do Conselho da Justiça Federal (CJF),
no qual pôde ser verificado o teor das ementas das decisões judiciais
relativas aos processos de estudantes contra a universidade.
No primeiro banco de dados, a pesquisa retornou 512 processos,
de 1999 a 2014, dentre os quais foi possível observar o assunto sob o
qual o processo foi cadastrado, permitindo comparar ações de estudantes
com outros temas, a fim de averiguar a evolução dessas ações, conforme
demonstra o Gráfico 1.

Gráfico 1 – Comparativo entre ações de estudantes e outros processos na UFBA

Ações da UFBA
120%
100%
80%
60%
40%
20%
0%
1994 1999 2004 2009 2014 TOTAL
AÇÕES DE ESTUDANTES AÇÕES DIVERSAS

Fonte: Elaborado
Fonte: Elaboradopela autoradeste
pela autora deste capítulo
capítulo a partir
a partir de dados
de dados do CJF (1994-
do CJF (1994-2014)
2014)

O Gráfico 1 apresenta,
O Gráfico de acordo de
1 apresenta, comacordo
os intervalos
com escolhidos nesta escolhidos
os intervalos pesquisa, um
nesta de
número pesquisa,
ações 14 um
vezesnúmero
maior no de
anoações
de 200914
emvezes maior
relação ao anono
deano
2004,de 2009 em
demonstrando
relação
que, ao ano
a partir de 2004,
de 2005, demonstrando
primeiro que, a partir
ano da implementação de 2005,
da política primeiro
de cotas, ano
houve um
da implementação
crescimento contínuo nosda políticadede
processos cotas, houve
estudantes. um crescimento
Dessa forma, de acordo comcontínuo
o Gráfico 1,
pode-se observar que em 1999 as ações de estudantes praticamente não existiam,
274
representando apenas 5% do total de ações. Contudo, em 2009, essas ações equivaliam a
57% do total de processos, percentual esse que voltou a cair somente em 2014 para 25%
nos processos de estudantes. Dessa forma, de acordo com o Gráfico 1,
pode-se observar que em 1999 as ações de estudantes praticamente não
existiam, representando apenas 5% do total de ações. Contudo, em 2009,
essas ações equivaliam a 57% do total de processos, percentual esse que
voltou a cair somente em 2014 para 25% depois da Resolução n. 3, de
12 de novembro de 2012, da UFBA ter alterado o artigo 3º e o artigo
5º da Resolução n. 01/04 do CONSEPE visando a reduzir as controvérsias
existentes em torno do termo “escola pública”.
Depois do levantamento dos processos da UFBA no site do
TRF1, utilizaram-se os temas encontrados como critério de busca para
a jurisprudência do site do CJF, a fim de, por meio das ementas desse
Conselho, verificar os pedidos que os estudantes levavam ao Judiciário
e os argumentos dele para deferir ou indeferir tais pedidos. No site do
CJF, foram analisadas 151 decisões judiciais proferidas pelo TRF1, nas
quais foram observados os seguintes aspectos: se o tema das ações era
condizente com o conteúdo discutido na ação judicial e se os pedidos
relativos ao mesmo tema obtiveram respostas semelhantes do Judiciário
(Tabela 1). Assim, a Tabela 1 apresenta uma divisão de assuntos discutidos
nas ações de estudantes, localizados a partir do nome da UFBA e do tema
localizado no campo assunto do TRF1 conferido a ação no momento de
sua distribuição pela Secretaria desse Tribunal.

Tabela 1 –1 Classificação
Tabela dasdas
– Classificação ações de estudantes
ações por assunto
de estudantes por assunto
Tema das ações Qtde. %
Ingresso no ensino superior 4 3%
Lei de Cotas n° 10.558/02 5 3%
Ensino fundamental e médio 3 2%
Ensino superior 2 1%
Jubilação 1 1%
Matrícula 128 85%
Transferência de estudante 2 1%
Vestibular 6 4%
Total 151 100%
Fonte: Elaborada
Fonte: pela
Elaborada autora
pela autoradeste
destecapítulo
capítuloaapartir
partirde
de dados
dados do CJF (1994-2014)
do CJF (1994-2014)
Tabela 2 – Conteúdo discutido nas decisões intituladas Matrícula
Matrícula Qtde. % 275
Ausência de documentos 6 4%
Grade de ensino 1 1%
Conforme a Tabela 1, cerca de 85% dos processos de estudantes
encontrados nessa universidade foram intitulados como “Matrícula”,
Tabela
mas isso não 1 – Classificação
significa que todosdas ações de estudantes
os processos por assunto
tratassem apenas de
assuntos relacionados
Tema das ações à matrícula, pois esse montante
Qtde. englobava
% desde
os óbices para no
Ingresso ingressos no ensino superior até problemas
ensino superior 4 relacionados
3% à
permanência, materializados
Lei de Cotas n° 10.558/02 em impedimento à permanência5 3%em razão
da jubilação
Ensino do aluno . e médio
3
fundamental 3 2%
Ensino superior
Dessa 2
forma, apesar de o tema matrícula representar 1% 85% dos
Jubilação 1
processos encontrados, depois de verificar o teor das decisões 1% judiciais,
Matrículaque a maioria delas se referia, na verdade,
constatou-se 128 85%
aos critérios
Transferência
adotados de estudante
pela universidade para implementação de sua2 política 1%de cotas,
já que,Vestibular
das 128 ações intituladas como matrículas, 108 delas 6 4%
discutiam os
Total 151 100%
requisitos escolhidos para ingresso pelo sistema de cotas (Tabela 2).
Fonte: Elaborada pela autora deste capítulo a partir de dados do CJF (1994-2014)
Tabela22––Conteúdo
Tabela Conteúdodiscutido
discutidonas
nasdecisões
decisões intituladas
intituladas Matrícula
Matrícula
Matrícula Qtde. %
Ausência de documentos 6 4%
Grade de ensino 1 1%
Jubilação 1 1%
Disciplina pré-requisito 1 1%
Processo seletivo de mestrado 1 1%
Trancamento de matrícula 1 1%
Transferência de estudante 9 7%
Sistema de cotas 108 84%
Total 128 100%
Fonte: Elaborada
Fonte: pela
Elaborada autora
pela a partir
autora dede
a partir dados dodo
dados CJF (1994-2014)
CJF (1994-2014)
Tabela 3 – Ações relativas à política de cotas da UFBA
Depois de uma segunda triagem a partir da leitura dos outros
temasSistema
das ementas judiciais, considerando o teor das
de cotas decisões %
Qtde. a partir dos
assuntos listados na Tabela 2, verificou-se que do total
Matrícula 108 das 89%
128 decisões
judiciais, 122 tratavam especificamente da política de
Lei 10.558/02 5 cotas4%que havia
sido implementada
Ingresso no ensinona superior
UFBA conforme pode ser observado 4 na
3%Tabela 3.
Vestibular 5 4%
Total 122 100%
3
Ação que consiste na perda do direito de se matricular num curso, normalmente universi-
tário, por possuir muitas reprovações. Disponível em: https://www.dicio.com.br/jubilacao.

Fonte: Elaborada pela autora deste capítulo a partir de dados do CJF (1994-2014)
276
Esse montante de 122 decisões foi analisado e categorizado considerando-se os
Transferência de estudante 9 7%
Sistema de cotas 108 84%
Total 128 100%
Fonte: Elaborada pela autora a partir de dados do CJF (1994-2014)
Tabela3 3– Ações
Tabela – Ações relativas
relativas à política
à política de da
de cotas cotas
UFBAda UFBA
Sistema de cotas Qtde. %
Matrícula 108 89%
Lei 10.558/02 5 4%
Ingresso no ensino superior 4 3%
Vestibular 5 4%
Total 122 100%

Fonte: Elaborada pela autora deste capítulo a partir de dados do CJF (1994-2014)
Fonte: Elaborada pela autora deste capítulo a partir de dados do CJF (1994-2014)

Esse montante de 122 decisões foi analisado e categorizado


considerando-se
Esse montante de 122 os seguintes
decisões aspectos: se ae parte
foi analisado era favorável
categorizado ou
considerando-se os
contrária ao sistema de cotas; se favorável, qual o pedido elaborado ao
seguintes aspectos: se a parte era favorável ou contrária ao sistema de cotas; se favorável,
Judiciário, qual o argumento utilizado para sustentar esse pedido, qual o
qual o pedido elaborado
provimento ao Judiciário,
do Judiciário qual aoele
em relação argumento utilizado para desse
e qual a fundamentação sustentar esse
órgão
pedido, qual para conceder
o provimento doou negar o pedido
Judiciário pleiteado
em relação a elenae ação.
qual a fundamentação desse
A análise das decisões judiciais demonstrou que 66% dos
órgão para conceder ou negar o pedido pleiteado na ação.
pedidos interpostos no Judiciário pertenciam a alunos favoráveis às cotas
que buscavam seu enquadramento nos critérios elencados pela política
pública e o restante, ou seja, 34% foram processos interpostos por
alunos contrários ao sistema de cotas que se sentiam prejudicados pela
implementação dessa política.
No entanto, para analisar os pedidos desses alunos optou-se por
fazer a separação considerando apenas os argumentos que eles utilizaram
para justificar seu pedido ao Judiciário e não a posição deles em relação
à política de cotas, pois a partir dos argumentos era possível observar a
posição do Judiciário tanto em relação aos alunos contrários quanto aos
favoráveis. Assim, conforme Tabela 4, os pedidos foram divididos em sete
tópicos, de acordo com o argumento utilizado pelos alunos para solicitar
sua matrícula ao Judiciário, discutidos a seguir.

277
acordo com o argumento utilizado pelos alunos para solicitar sua matrícula ao Judiciário,
discutidos a seguir.

Tabela 4 – Assuntos
Tabela discutidos
4 – Assuntos nasnas
discutidos decisões
decisõessobre
sobrepolítica decotas
política de cotasdadaUFBA
UFBA
Item Pedido do Aluno Qtde. %
1 Conclusão do Enem 4 3%
2 Equiparação à escola pública 65 53%
3 Falta de vagas 13 10%
4 Aluno graduado 2 2%
5 Extinção do processo 2 2%
6 Preenchimento incorreto 2 2%
7 Resolução n. 1/04 da UFBA 34 28%
Total 122 100%
Fonte: Elaborada pela autora deste capítulo a partir de dados do CJF (1994-2014)
Fonte: Elaborada pela autora deste capítulo a partir de dados do CJF (1994-2014)

No primeiro tópico da Tabela 4, são encontradas quatro ações pleiteando o diploma


No primeiro tópico da Tabela 4, são encontradas quatro ações
de ensino médio, conforme regulamentado pela Portaria MEC n. 807/2010 que autoriza ao
pleiteando o diploma de ensino médio, conforme regulamentado pela
aluno maior de 18
Portaria anos
MEC a obter o certificado
n. 807/2010 que autoriza deao
conclusão de curso
aluno maior de 18do ensino
anos médio com
a obter
o certificado
base na nota obtida node conclusão de curso do ensino médio com base na nota
Enem.
obtida no Enem.
O item 2 apresenta 65 pedidos de equiparação de escolas privadas, cenecistas,
O item 2 apresenta 65 pedidos de equiparação de escolas
comunitárias, filantrópicas
privadas, cenecistas, e supletivos visando
comunitárias, ao enquadramento
filantrópicas do visando
e supletivos aluno noaorequisito:
enquadramento
“estudantes que tenham do aluno todo
cursado no requisito:
o ensino“estudantes
médio e peloquemenos
tenham cursado
uma série entre a
quinta e todo o ensino
a oitava médio
do ensino e pelo menos
fundamental uma série
na escola entre a quinta
pública”(UFBA, e a oitava
Resolução dop.1).
01/04,
ensino fundamental na escola pública”(UFBA, Resolução 01/04, p.1).
Esse item se mostrou muito controverso, pois, como a Resolução n. 01/2004 da UFBA
Esse item se mostrou muito controverso, pois, como a Resolução
n. 01/2004 da UFBA não delimitava o universo da escola pública, a UFBA
ficou à mercê do entendimento do Judiciário acerca dessa questão.
Nesse aspecto, haviam 36 pedidos de equiparação de supletivo
público ao ensino médio regular, os quais o Judiciário deferiu 100% deles
a favor do estudante sob o argumento de que o termo “escola pública”
não diferenciava o ensino supletivo do ensino regular.
Nas outras 29 decisões, foram encontrados pedidos de
equiparação de escolas cenecistas, filantrópicas comunitárias e particular
subsidiadas por convênios celebrados com o poder público, além de
pedidos de alunos que cursaram o ensino básico ou médio parcialmente

278
em instituições privadas com bolsas de estudo. Nessas ações, a posição
do Judiciário se mostrou muito dividida, pois, em 66% dos casos, os
pedidos foram deferidos e em 34% indeferidos. Na fundamentação
dessas decisões, verificou-se que, os juízes que decidiam considerando
a hipossuficiência do aluno, deferiu o sistema de cotas mesmo que o
estudante tivesse estudado alguns anos em escola particular como
bolsista, enquanto que aqueles que olhavam apenas para a qualidade do
ensino obtido negaram o ingresso pelo sistema de cotas, mesmo que o
estudante tivesse frequentado a escola particular por falta de vagas na
rede pública de ensino e seus estudos tivessem sido subsidiados pelo
estado.
O terceiro item apresentou 13 ações de alunos que obtiveram
nota acima da nota de corte do Enem, mas estavam acima do número de
vagas. Nesses casos, os juízes deferiram o ingresso em 54% dos alunos,
sob o fundamento de que os alunos que obtiveram nota suficiente para
ingressar pelo sistema geral poderiam participar pela ampla concorrência,
mesmo que tivesse se inscrito pelo sistema de cotas. No entanto, em
46% desses casos, os alunos tiveram seus pedidos indeferidos porque o
Judiciário argumentou ausência de preenchimento dos requisitos para
que o aluno pudesse participar por meio do sistema de cotas.
No quarto item, dois alunos tentaram ingressar por meio do
sistema de cotas, mas, como já possuíam graduação anterior, seus pedidos
foram indeferidos pelo Juiz sob o argumento de que o aluno graduado
não se encontrava em situação de desvantagem para ingresso no ensino
superior por meio de cotas.
O item 5 apresentou dois casos em que houve o processo foi
extinto sem o julgamento do mérito: o primeiro, porque a universidade
atendeu ao pedido do estudante, levando à perda do objeto da ação
e, o segundo, porque o próprio aluno desistiu da matrícula que estava
pleiteando.
No sexto item, dois alunos alegaram erro no preenchimento
da ficha de inscrição e os pedidos foram deferidos porque o Tribunal
entendeu que a retificação do formulário foi efetuada dentro do prazo
previsto no edital.

279
No último tópico, 34 alunos se insurgiram contra a Resolução
n. 01/2004, publicada em julho de 2004 pela UFBA para regulamentar
a política de cotas. Desse total, 50% dos estudantes argumentaram
direito intemporal4 e outros, 50% discutiam a legalidade e/ou
inconstitucionalidade da política, alegando que o sistema de cotas feria
o Princípio Constitucional da Igualdade contido na Constituição Federal
de 1988.
Nas ações alegando direito intemporal, os estudantes
argumentaram que, como a normativa da UFBA fora publicada em junho
de 2004, não poderia ser aplicada ao vestibular de agosto do mesmo
ano, devendo, portanto, respeitar o prazo de vigência estabelecido
pelo Decreto-lei n. 4.657/1942, que regulamenta as normas do Direito
Brasileiro. Diante disso, o Judiciário deferiu 95% dos pedidos, uma vez
que, segundo ele, a não observância desse lapso temporal fere o Princípio
da Segurança Jurídica. No entanto, os 5% cujo pedido foi indeferido
argumentaram que

[…] tendo sido editada resolução para regulamentar


o sistema de cotas pela autoridade competente com
antecedência suficiente para que todos os candidatos
tomassem ciência dos critérios que seriam adotados
no vestibular seguinte, não há que se falar em
ilegalidade do ato, tampouco na sua invalidação após
os aprovados, dentro das vagas dos cotistas e das dos
não cotistas, já estarem estudando. (BRASIL, 2007).

Em relação aos pedidos de inconstitucionalidade e/ou ilegalidade


da Resolução n. 01/2004 da UFBA, as decisões sobre a matéria se dividiram,
pois 65% das decisões deferiram os pedidos levando os membros do
Tribunal a suscitarem um “incidente de inconstitucionalidade”5 para

4
O termo direito intemporal é utilizado no Direito para explicar a vigência da lei a partir de
sua publicação. No caso da Resolução n. 1/2004 da Universidade Federal da Bahia (UFBA), se
os alunos ingressassem por meio de cotas em agosto de 2004 a norma que regulamentava a
política pública não teria completado o prazo exigido na lei para entrar em vigor.
5
O incidente de inconstitucionalidade pode ser suscitado por qualquer juiz ou
tribunal para declarar a inconstitucionalidade de uma lei por meio do controle de
constitucionalidade difuso, conforme artigo 97 da Constituição Federal de 1988.

280
conceder uma liminar no processo que permitia o ingresso do aluno
prejudicado, enquanto nos 35% restantes, os pedidos dos estudantes
foram indeferidos porque o Judiciário considerou a política constitucional
argumentando que as cotas representavam uma medida de equidade
entre desiguais e portanto, não feria a igualdade expressa na Carta Magna.
Entretanto, mesmo depois da decisão do Supremo Tribunal
Federal (STF) na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental
(ADPF) n. 186, de 31 de julho de 2009, declarando a constitucionalidade
das normativas que regulamentavam os sistemas de cotas, em muitas
decisões, o Tribunal foi obrigado a deferir o recurso do aluno que alegou
inconstitucionalidade da Resolução n. 01/2004 porque o juiz de primeiro
grau havia concedido uma medida liminar para o ingresso e, ao tempo do
julgamento do recurso, o aluno já havia se formado, não restando ao TRF1
alternativa senão deferir o pedido alegando que a situação de fato havia
se consolidado.
Apesar de ter ocorrido um atraso de seis meses na implementação
da política pública da UFBA, já que pretendia iniciar as cotas de agosto de
2004, a universidade conseguiu implementar sua política de cotas para
os ingressantes no início de 2005, embora grande parte dos estudantes
aprovados por esse sistema não ter conseguido efetuar sua matrícula em
razão da insuficiência de vagas destinadas à essa política.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na redemocratização do Estado brasileiro, a implementação de
políticas públicas desencadeou um processo de judicialização, que alterou
as relações horizontais entre os três poderes. Esse processo encontrou
respaldo principalmente nas políticas públicas de saúde e educação.
No ensino superior, embora o problema orçamentário
também exista, na maior parte das vezes, o Judiciário foi acionado não
antes da implementação das políticas públicas, mas no curso de sua
implementação, pois a maioria das disposições constitucionais relativas a
esse nível de ensino é constituída por normas programáticas, cuja inércia
do administrador muitas vezes depende da legislação ordinária que fica a
cargo do Legislativo.

281
No entanto, a premente necessidade de conferir eficácia também
a essas normas programáticas levou grupos de interesse e movimentos
sociais a provocarem os órgãos jurisdicionais como forma de aumentar
a pressão social para que fossem formuladas políticas públicas que
possibilitassem o exercício desses direitos, além de buscarem, por meio
deles, corrigir o curso das políticas existentes.
A implementação da política de cotas, a princípio, não exigiu um
aporte orçamentário imediato, tendo em vista que as vagas destinadas
às cotas nas universidades foram suprimidas daquelas que já existiam.
No entanto, a manutenção desses estudantes passou a exigir aporte
financeiro posterior para viabilizar sua permanência, daí a resistência por
parte da universidade em implementar tais políticas.
Em vista disso, a resistência de determinados setores da
sociedade desencadeou um processo de judicialização que até então as
universidades não tinham experimentado. Nesse sentido, esta pesquisa
constatou que a UFBA obteve um crescimento exponencial do número
de ações que ela possuía, na medida em que os alunos favoráveis e
contrários a políticas passaram a discutir os critérios de ingresso por meio
do Judiciário. Isso pode ser explicado por dois aspectos. Em primeiro
lugar, devido ao seu conteúdo polêmico de ações afirmativas e, em
segundo lugar, porque as vagas destinadas às cotas foram suprimidas
da concorrência geral, que por si só já eram insuficientes para absorver
todos os alunos que se formavam no ensino médio, de modo que, com a
implementação desse sistema, a disputa se tornou ainda mais acirrada.
Nesse aspecto, não se pode esquecer que esse processo foi
desencadeado tanto por atores interessados em participar do sistema
quanto por aqueles contrários à política, que buscaram por meio do
Judiciário assegurar uma vaga em uma instituição pública de ensino. Além
disso, o fato de a universidade utilizar o filtro de estudantes de escola
pública como pré-requisito para as cotas raciais sem delimitar o conceito
na Resolução n. 01/2004 permitiu que alunos de escolas privadas sem
fins lucrativos e bolsistas buscassem a equiparação de sua condição ao
requisito de escola pública.
No entanto, esta pesquisa constatou que demandas judiciais
utilizando esse argumento perderam força a partir da publicação da Lei

282
de Cotas, Lei n. 12.711, de 29 de agosto de 2012, uma vez que a UFBA
adequou sua Resolução a essa Lei delimitando de forma precisa o
conceito de escola pública. Apesar disso, até o momento de elaboração
deste trabalho ainda é possível encontrar processos utilizando esses
argumentos, pois as ações pesquisadas se encontram em grau de recurso
e, por essa razão, deve ser considerado o lapso temporal existente entre
o ingresso da ação e o julgamento do recurso.

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284
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ensino médio, demonstra domínio dos princípios científicos e tecnológicos
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DOI: dx.doi.org/10.18616/pps13

POLÍTICA FISCAL, GESTÃO E PROUNI: UMA


REVISÃO SISTEMÁTICA NO PERÍODO DE 2005
A 20181,2
Marlon Acassio Casagrandi Cardoso
Letícia Anselmo Manique Barretto
Kelly Gianezini

INTRODUÇÃO SUMÁRIO
Por ser uma política pública, originada por um processo histórico
de construção social que se modificou como estrutura de amparo e
desenvolvimento social e econômico, caracterizando formas de ampliação
ao desenvolvimento humano e concebendo condições que possibilitam o
bem-estar da sociedade, o Programa de Universidade para Todos (Prouni)
surgiu como Medida Provisória de n. 213, de 10 de setembro de 2004 e
se converteu na Lei n. 11.096, de 13 de janeiro de 2005, com objetivo
de possibilitar a inclusão e a permanência de jovens em universidades
privadas. O Programa – caracterizado como uma política pública de
expansão e financiamento do ensino superior – atua no setor privado pelo
modelo da Parceria Público-Privada (PPP). Esse modelo prevê a instituição
de licitação e contrato em face à parceria público-privada na demanda por
serviços privados nas esferas da União, dos estados, do Distrito Federal

1
Este artigo está vinculado à linha de pesquisa Desenvolvimento e Gestão Social do Progra-
ma de Pós-Graduação em Desenvolvimento Socioeconômico (PPGDS) da Universidade do Ex-
tremo Sul Catarinense (UNESC) e faz parte de um projeto maior intitulado “Políticas Públicas
e Educação Superior em Santa Catarina” o qual recebeu fomento por meio da Fundação de
Amparo à Pesquisa do Estado de Santa Catarina (FAPESC). As autoras agradecem aos colegas
pesquisadores – professores e estudantes – pela atenta leitura crítica e criteriosa do material
e consequentemente contribuíram com sugestões relevantes que, na medida do possível,
foram incorporadas para a versão final do texto.
2
Agradecemos ao Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq), à Coordenação de Aperfeiçoa-
mento de Pessoal de Nível Superior (Capes), à Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação
do Estado de Santa Catarina (FAPESC), ao Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento
Socioeconômico (PPGDS/UNESC) e à Rede GEU pelo apoio na realização da pesquisa. Os pes-
quisadores afirmam que não há conflitos de interesse na publicação desse material.

288
e dos municípios, segundo a Lei n. 11.079, de 30 de dezembro de 2004
(LIMA; PAULA; PAULA, 2005).
O Prouni, segundo sua lei de criação, tem por finalidade a
concessão de bolsas de estudo integral e parcial para alunos de graduação
em instituições privadas de ensino superior. É um Programa, sob a
responsabilidade de gestão do Ministério da Educação (MEC), o qual foi
instaurado nas universidades privadas oferta de bolsas de estudos para
estudantes de baixa renda (art. 1º, inciso I) como também surgiu como
função de política de ação afirmativa (art. 7º) (BRASIL, 2005).
A educação sendo um direito que deve ser assegurado pelo
Estado, a sua prevenção por parte de quem a compreende em forma de
estudo se faz necessária para a educação sempre ser pauta nos meios
de produção acadêmica. Para tanto, viu-se a necessidade de averiguar a
produção sobre o Prouni e adiante elaborar novos estudo que contribua
para a ampliação da disseminação da informação de que é relevante o
estudo sobre as políticas públicas para o ensino superior.
O objetivo é apresentar uma pesquisa qualitativa efetuada em
uma base de dados online acerca do Prouni. A delimitação temporal
compreendeu a produção bibliográfica publicizada do ano de 2005 ao de
2018. Este trabalho teve como procedimento metodológico a pesquisa
bibliográfica, pela capacidade de se obter material de pesquisa de forma
mais ampla e mais acessível, no qual fundamenta a identificação de
trabalhos encontrados no Portal de Periódicos da Capes, considerando
somente os artigos para fins da pesquisa. A ênfase desta pesquisa é a
identificação de trabalhos que produzem acerca do Prouni com base
nas áreas de política fiscal e gestão. O intuito dessa varredura era
obter informações acercado quanto esse Programa é tomado por
pesquisadores(as) brasileiros(as) como objeto de estudo e identificar
possíveis lacunas para desenvolver novas pesquisas aprofundadas a
respeito do tema em mote.
Para revelar os achados da pesquisa, foi estruturado em
três partes. Na primeira, revelou-se o objetivo, a problematização, os
procedimentos metodológicos e a forma como foi organizado. Na segunda
parte, apresentaram-se os resultados obtidos por meio da investigação no

289
Banco de Dados dos Periódicos da Capes. E, na última parte, constatou-se
a defasada produção acadêmica sobre o tema revelando que o assunto
não desperta mais o mesmo interesse nos pesquisadores.
Optou-se pela busca de palavras-chave conjunta em dois quadros,
sendo i) Prouni e Política Fiscal e ii) Prouni e Gestão. Para melhor delimitar
os resultados da pesquisa utilizou-se o Portal de Periódicos da Capes como
fonte de dados. Definiu-se por esse Portal por possuir uma significativa
produção de trabalhos brasileiros em periódicos e, paralelamente, é um
meio de comunicação científica que vem se destacando nacionalmente
fazendo jus a sua utilização.
Destaca-se a delimitação da pesquisa para adequação dos
procedimentos metodológicos. Para cada quadro de busca estabeleceu-se
Destaca-se
a opção a delimitação
“qualquer” para buscada da
pesquisa
palavrapara adequaçãodedos
(ou conjunto procedimentos
palavras) que
estivesse nos
metodológicos. Paracampos do resumo
cada quadro de buscaou nas palavras-chave.
estabeleceu-se Na informação
a opção “qualquer” do da
para busca
“tipo
palavra (oudeconjunto
material” foi aplicado
de palavras) que a escolhanos
estivesse porcampos
“artigos”, da mesma
do resumo ou nasforma
palavras-
que se delimitou o período da busca, estabelecendo os anos de 2005
chave. Na informação do “tipo de material” foi aplicado a escolha por “artigos”, da mesma
a 2018, justificando-se por ser o período que compreende o processo
forma que se delimitou o período da busca, estabelecendo os anos de 2005 a 2018,
histórico da criação e implementação do Programa até os dias atuais,
justificando-se
conforme por ser1:o período que compreende o processo histórico da criação e
Figura
implementação do Programa até os dias atuais, conforme Figura 1:
Figura 1 1– –Buscador
Figura Buscadordo
do Portal dePeriódicos
Portal de PeriódicosdadaCapes
Capes

Fonte: Elaborada pelos autores deste capítulo a partir do Portal de Periódicos da Capes (2019)
Fonte: Elaborada pelos autores deste capítulo a partir do Portal de Periódicos da
Capes (2019)
Iniciando as buscas pelos trabalhos produzidos no Portal de Periódicos da Capes foi
Iniciandopreliminar,
obtido como resultado as buscas pelos
diante trabalhos
da consulta produzidos
realizada no Portal
pelo buscador de o
do portal,
Periódicos
número da Capes
de trabalhos foi obtido
publicados como resultado
em periódicos. preliminar,
Com a primeira diante
busca da a
utilizou-se
consultada realizada
delimitação pelo
pesquisa por doisbuscador
temas em do portal,
conjunto, o número
“Prouni” de trabalhos
e “políticas públicas”, que
levaram ao resultado de 31 publicações. Seguidamente, para a busca por publicações nos
2901.
temas “Prouni” e “gestão” obteve-se o resultado de 83 publicações, conforme a Tabela
Tabela 1 – Busca geral sobre os temas Prouni, Política Fiscal e Gestão
publicados em periódicos. Com a primeira busca utilizou-se a delimitação
da pesquisa por dois temas em conjunto, “Prouni” e “políticas públicas”,
que levaram ao resultado de 31 publicações. Seguidamente, para a busca
por publicações nos temas “Prouni” e “gestão” obteve-se o resultado de
83 publicações, conforme a Tabela 1.

Tabela 1 – Tabela
Busca1 geral
– Buscasobre
geral sobre os temasProuni,
os temas Prouni, Política
PolíticaFiscal e Gestão
Fiscal e Gestão

Fonte: Elaborada pelos autores deste capítulo a partir do Portal de Periódicos da Capes (2019)
Fonte: Elaborada pelos autores deste capítulo a partir do Portal de Periódicos da
Base de Dados Capes (2019)
Filtos da Busca Quantidade

Periódicos da Capes “ProUni” “Política Fiscal” 31

Dessas publicações, contendo considerações relevantes


“ProUni” e “Gestão” 83 à
pesquisa, foram selecionadasTOTAL as que conduzem análises em conformidade
114

com o tema proposto pela pesquisa, no qual, em leitura preliminar dos


resumos pode-se determinar os artigos que melhor se definem como
Dessas publicações, contendo considerações relevantes à pesquisa, foram
objeto de estudo.
selecionadas as que conduzem análises em conformidade com o tema proposto pela
O objetivo desta pesquisa atenta-se em estabelecer como se
pesquisa, no qual, em leitura preliminar dos resumos pode-se determinar os artigos que
encaminha a produção de estudos sobre políticas públicas, voltadas para a
melhor se definem como objeto de estudo.
educação superior, e em trazer de forma interdisciplinar a questão fiscal e
O objetivo desta pesquisa atenta-se em estabelecer como se encaminha a produção
gestão para a área das Instituições de Educação Superior (IES). Posto isso,
de estudos sobre políticas públicas, voltadas para a educação superior, e em trazer de forma
o seguinte se estrutura em quantificar os resultados por ano de publicação
interdisciplinar a questão fiscal e gestão para a área das Instituições de Educação Superior
e classificar os trabalhos por sua temática a ponto de identificar os que se
(IES). Posto isso, o seguinte se estrutura em quantificar os resultados por ano de publicação
enquadram no proposto como objetivo principal desta pesquisa.
e classificar os trabalhos por sua temática a ponto de identificar os que se enquadram no
proposto como objetivo principal desta pesquisa.

RESULTADOS
2 RESULTADOS
Aplicando o procedimento de pesquisa bibliográfica no Portal de
Periódicos da Capes
Aplicando foi obtido
o procedimento o resultado
de pesquisa deno114
bibliográfica Portalpublicações,
de Periódicos da somando
Capes
foi obtido o resultado de 114 publicações, somando os dois quadros de busca, e assim,
antepostos os resumos que apresentam indicativos sobre os temas pesquisados. Destes,
291
os dois quadros de busca, e assim, antepostos os resumos que apresentam
indicativos sobre os temas pesquisados. Destes, foram selecionados os
que configuram a relação entre a função da política pública para o ensino
superior e a atribuição da política fiscal como articulação dos resultados
tributários das IES em benefício ao funcionamento e como financiadora
do ensino superior nas universidades privadas, como também, a
questão da gestão como método de aperfeiçoamento das estratégias
de administração das IES, com finalidade de garantia de crescimento e
continuidade das instituições (COSTA, 2004).
Na primeira busca, “Prouni” e “política fiscal”, foram selecionados
os resumos que possuem articulação com os temas propostos, de forma
que as temáticas se complementam ou são tratadas de formas isoladas,
mas com grau de complementaridade, que justifique a seleção do trabalho.
Entre os 31 resultados obtidos na primeira busca em definições gerais,
que resultaram das palavras-chave de forma esparsa que, a priori, haveria
uma inter-relação entre as temáticas, foram selecionados, pela leitura
dos resumos, três trabalhos que apresentam a relação entre política fiscal
e o Prouni, contemplando o entendimento de uma política pública em
caráter de financiamento, como expõe a Quadro 1:

Quadro 1 –1 Entendimento
Quadro dePolítica
– Entendimento de Política Fiscal
Fiscal
Artigo/Ano Entendimento de Política Fiscal
Política de financiamento e a expansão da Política fiscal como meio de ajuste fiscal.
educação superior no Brasil: o público e o Beneficiamento das IES privadas por parte
privado em questão (CHAVES, 2015). da política de isenção fiscal pelo Prouni.

Política fiscal como incentivo ao


O Prouni no governo Lula e o jogo político em
financiamento da política pública (Prouni)
torno do acesso ao ensino superior (CARVALHO,
para a educação superior nas instituições
2006).
privadas.

Entendimento da política fiscal como


ampliação do financiamento da educação
Dívida pública e financiamento da educação
superior nas IES privadas em comparação à
superior no Brasil (CHAVES; REIS; GUIMARAES,
educação superior pública que possuem
2018).
menor pauta que o financiamento da dívida
pública.
Fonte: Elaborado pelos autores deste capítulo a partir de Portal de Periódicos da Capes (2019)
Fonte: Elaborado pelos autores deste capítulo a partir de Portal de Periódicos da
Capes (2019)
Esses artigos apresentam compreensões acerca da temática política fiscal que vão de
encontro ao que se tem como conceituação de ações do poder público em auferir mudanças
no panorama econômico-social no Brasil. Tal política pode ser utilizada pelo poder do Estado
292
como ferramenta de garantia de direitos, na transformação social, ou como controle
Esses artigos apresentam compreensões acerca da temática
política fiscal que vão de encontro ao que se tem como conceituação de
ações do poder público em auferir mudanças no panorama econômico-
social no Brasil. Tal política pode ser utilizada pelo poder do Estado como
ferramenta de garantia de direitos, na transformação social, ou como
controle monetário das variáveis econômicas que compõem todo o
arcabouço estrutural das contas nacionais. Suas concepções podem variar
entre o uso de políticas que almejam o estoque de receita e manutenção
do orçamento público ou políticas que utilizam das verbas públicas para a
aplicação ao investimento público em políticas de cunho social (CORDILHA,
2015). Conquistar formas de melhor desempenho frente às adversidades
econômicas é uma das demandas das instituições privadas que observam
no Estado o provimento de concessão de subsídios ou incentivos fiscais
que financiam a educação.
Conforme observado nos três artigos selecionados, a
compreensão de política fiscal e sua aplicação para o Prouni e as IES
demonstra o benefício da ação estatal em desempenhar um papel de
financiador das questões sociais, sendo a educação um direito reservado
que deve ser assegurado pelo Estado, mas que suporta uma fragilidade
por aspectos da mercantilização do ensino superior (PEREIRA; KERN,
2017, p. 17). No entanto, observa-se, dentro dessas temáticas, uma
problematização do grau de financiamento do Estado para a educação de
ensino superior, mais evidente no artigo dívida pública e financiamento
da educação superior no Brasil (CHAVES; REIS; GUIMARÃES, 2018), que
constrói uma crítica sobre o nível de investimento no setor de ensino
privado e público, argumento que há uma contraposição das ações de
financiamento da educação superior entre o público e o privado, sendo
o setor privados das IES o mais beneficiado. De modo geral, há a posição
dos autores em assumir a compreensão sobre os temas.
Partindo para a segunda busca, “Prouni” e “gestão”, os resultados
foram semelhantes segundo a apropriação dos temas em estarem
conjuntos nos artigos pesquisados. Seguindo o que foi apresentado na
seção sobre metodologia, com o resultado de 83 publicações encontradas,
foram selecionadas as que compactuam com os objetivos desta pesquisa,
que é em averiguar a produção acerca do que se entende como gestão

293
Partindo para a segunda busca, “Prouni” e “gestão”, os resultados foram
semelhantes segundo a apropriação dos temas em estarem conjuntos nos artigos
pesquisados. Seguindo o que foi apresentado na seção sobre metodologia, com o resultado
de 83 publicações encontradas, foram selecionadas as que compactuam com os objetivos
parapesquisa,
desta a educação superior
que é em e asua
averiguar aplicação
produção acercanas IESseque
do que são como
entende vinculadas ao
gestão para
aProuni.
educaçãoA superior
Quadroe 2sua
apresenta a seleção
aplicação nas IES que de
são artigos que
vinculadas ao fundamentam
Prouni. A Quadro a2
temáticaa gestão
apresenta emartigos
seleção de aplicação no campoade
que fundamentam ensino
temática superior.
gestão em aplicação no campo
de ensino superior.
Quadro 2 –2Entendimento
Quadro deGestão/Governança
– Entendimento de Gestão/Governança
Artigo/Ano Entendimento Gestão/Governança
Responsabilidade social empresarial: Governança como ótica que orienta
classificação das instituições de ensino superior estratégias para IES com Responsabilidade
em reativas ou estratégicas sob a ótica da Social Empresarial (SER) a fim de obter maior
governança corporativa (LENNAN; SEMENSATO; transparência e aprimoramento da gestão
OLIVA, 2015). para o ensino superior.

Gestão como associação dos princípios


Os princípios instituídos pela organização das
organizacionais da profissão do
nações unidas para uma educação responsável
administrador, tendo por base os princípios
em gestão: uma proposta inovadora para o
para a Educação Responsável em Gestão
ensino de administração (FIATES, 2012).
(PRME).

Entendimento de gestão como efetividade


Os critérios de excelência Baldrige na eficácia da para o ensino superior em IES pelos critérios
gestão de Instituições de Educação Superior de excelência Baldrige (qualidade e gestão
(MENEZES; MARTINS; LIVEIRA, 2018). para melhoria de produtos, tecnologias e
patentes).

Compreensão de governança como relação


Governança e estratégia de cursos de graduação entre os atores humanos e não humanos
em administração na perspectiva da teoria ator- para as práticas sociais, na elaboração das
rede (MONTENEGRO; BULGACOV, 2015). estratégias e nas questões da relação entre o
humano e o material.
Fonte: Elaborado
Fonte: Elaborado pelos autores
pelos destedeste
autores capítulo a partir do
capítulo Portal do
a partir de Periódicos
Portal deda Capes (2019)
Periódicos da
Capes (2019)
Sendo o objetivo encontrar pesquisas que possam construir um panorama e
contribuir para o avanço desta pesquisa, observou-se que na busca por “gestão” e “Prouni”
Sendo o objetivo encontrar pesquisas que possam construir
um panorama e contribuir para o avanço desta pesquisa, observou-se
que na busca por “gestão” e “Prouni” o que se obteve foram resultados
que concebem a gestão como condição para o desempenho das IES,
mas que não aborda em exclusivo o Programa. Em suma, a noção
entendida nos artigos selecionados, posiciona o entendimento de gestão
e governança como estrutura para possibilitar condições de ampliação e
desenvolvimento das estratégias, a fim de manterem-se no mercado em
posição de concorrência, proporcionando arranjos estratégicos viáveis a

294
instituição, como maior transparência, efetividade e condicionamento da
relação entre o social e o material e autonomia (CUNHA, 2011). Dentro
do entendimento de gestão, as pesquisas aqui elencadas possuem clareza
na argumentação e na apropriação do tema abordado, mas, no entanto,
apesar de encontrar a palavra “Prouni” na pesquisa não é justificativa
para determinar como sendo o objetivo principal dessas pesquisas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa teve por objetivo a construção de um estudo
dentro da temática política pública enfatizando o Prouni em análise dos
temas “política fiscal” e “gestão”, que, para tanto, uma revisão sistemática
se fez necessária como princípio de um embasamento teórico. Foi
possível constatar a ênfase em que os artigos pesquisados trataram sobre
os temas, possibilitando averiguar o nível de profundidade da produção e
a que passo anda a necessidade de se pesquisar sobre políticas públicas
para o ensino superior.
Nos quadros apresentados, dos 114 artigos encontrados na
busca, apenas sete puderam ser determinados como adequados para
essa revisão sistemática. Esse número, dentro do Portal de Periódicos da
Capes, representa uma defasada produção acadêmica, assim se vislumbra
a necessidade de ampliação dos estudos acerca de políticas públicas para
o ensino superior, principalmente, nesse caso, por tratar de um Programa
que concede acesso aos jovens em situações de carência, o que sem tal
Programa, é presumível que não haveria essa possibilidade de ingressar
em uma IES.

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http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/2005/lei-11096-13-janeiro-
-2005-535381-normaatualizada-pl.html. Acesso em: 28 fev. 2019.

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Programa Universidade para Todos - Prouni, regula a atuação de entidades
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298
DOI: dx.doi.org/10.18616/pps14

POLÍTICAS PÚBLICAS, DIREITO E PROTEÇÃO


SOCIAL: DINÂMICAS DE SALA DE AULA E
DESAFIOS AOS PESQUISADORES DO CAMPO
DO DIREITO
Carlos Alberto Lima de Almeida

INTRODUÇÃO SUMÁRIO
Este artigo tem por objetivo relatar a experiência obtida por
intermédio de dinâmicas desenvolvidas na disciplina Políticas públicas,
direito e proteção social, ofertada aos alunos dos cursos de mestrado
e doutorado em direito da Universidade Estácio de Sá, no segundo
semestre letivo do ano de 2017 e que tiveram como desafio docente, uma
vez associadas à revisão de literatura indicada aos discentes, a construção
de um ambiente que proporcionasse condições aos discentes para
perceberem que as linhas de pesquisa nos Programas de Pós-Graduação
no campo das Políticas Públicas e das Políticas Sociais são aglutinadoras
de diferentes caminhos explicativos no âmbito das ciências humanas e
sociais aplicadas, razão da importância da construção da pesquisa num
contexto interdisciplinar, mesmo num campo muitas vezes refratário a
outras abordagens que se afastem do caráter dogmático e hierarquizado
dos saberes.

DINÂMICAS NAS DISCIPLINAS ENVOLVENDO


POLÍTICAS PÚBLICAS, DIREITO E PROTEÇÃO SOCIAL
O curso sobre Políticas públicas, direito e proteção social foi
iniciado nos encontros realizados nos dias 10 e 11 de agosto de 2017,
ocasião em que foi solicitada uma apresentação individualizada por partes
dos alunos. Estiveram presentes nos dois primeiros encontros 10 alunos,
sendo 7 inscritos em Tópicos especiais de políticas públicas, direito e

299
proteção social, disciplina do Mestrado em Direito com a carga horária de
45h (3 créditos); e 3 inscritos no Seminário temático: políticas públicas,
direito e proteção social, disciplina do Doutorado em Direito com a carga
horária é de 30h (2 créditos). Dois alunos cursavam as disciplinas como
isoladas (1 do mestrado e 1 do doutorado). Foram anotadas 4 ausências,
sendo 3 vinculadas à disciplina do mestrado e 1 à disciplina do doutorado.
A ementa, comum para as duas disciplinas, foi apresentada com
o seguinte teor: Políticas Públicas e Políticas Sociais: conceito, tipologia e
interface com o Direito. Pesquisa interdisciplinar sobre Políticas Públicas
e Políticas Sociais na Pós-graduação stricto sensu em Direito. Teoria do
Estado, Políticas Públicas e Políticas Sociais. Direito Financeiro, Políticas
Públicas e Políticas Sociais. Formulação, Implementação e Avaliação
de Políticas Públicas. A proteção social na Constituição de 1988 e a
judicialização das políticas públicas e sociais.
As disciplinas foram ofertadas com objetivo de contribuir para a
qualificação dos mestrandos e dos doutorandos do Curso de Pós-graduação
em Direito e de áreas afins, colaborando para a compreensão do processo
de desenvolvimento e contribuição da política social como política pública
e sua interface com o Direito, numa perspectiva interdisciplinar, com foco
na sociedade brasileira contemporânea.

KOYAANISQATSI

A primeira atividade desenvolvida em sala, após as apresentações


de cada um dos presentes, consistiu no preenchimento, por parte dos
alunos, de um questionário de contextualização na disciplina, por
intermédio do qual o docente buscou obter informações sobre (a) a
justificativa dos discentes para o interesse na disciplina, (b) a relação
da pesquisa de cada discente do PPGD-UNESA e a possível relação com
o conteúdo da disciplina, (c) se os alunos conheciam o significado de
Koyaanisqatsi, (d) as leituras já realizadas pelos discentes ou referências
sobre políticas públicas ou políticas sociais, bem como uma explicação
sobre o que são políticas públicas e políticas sociais. Finalmente, solicitou-
se que cada um elaborasse uma breve exposição sobre a percepção que
tinha sobre Políticas Públicas, Direito e Proteção Social.

300
Em relação à pergunta contida no questionário sobre o
significado de Koyaanisqatsi todos responderam negativamente, o que
foi positivo para que fosse desenvolvida a dinâmica planejada a partir do
documentário denominado “Koyaanisqatsi: Life out of balance” (1982),
dirigido por Godfrey Reggio com música do compositor Philip Glass.
No filme, paisagens naturais e urbanas são exibidas com o ritmo
ditado por uma trilha sonora que oferece um instigante momento de
reflexão relacionado as diferentes perspectivas relacionadas à passagem
do tempo, provocando, em cada telespectador, a possibilidade de
diferentes leituras e interpretações a partir de sua realidade concreta.
Assim, depois do preenchimento do questionário, o professor
procedeu à primeira dinâmica, provocando os alunos a assistirem um
trecho de 10 minutos do filme Koyaanisqatsi e a refletirem sobre o
conteúdo da disciplina. Desejava-se, a partir da proposta feita, que eles
conseguissem identificar, a partir das imagens projetadas, a relação
existente com o tema políticas públicas. Após o término da exibição foi
realizada uma rodada de pronunciamentos rápidos, porém os alunos não
identificaram de plano a relação existente. A aula foi paralisada por conta
da chegada do horário do almoço e foi feita a solicitação que os discentes
aproveitassem o tempo disponível para trocarem ideias sobre a relação
do filme com o tema políticas públicas.
Após o almoço, foi exibido mais um trecho de Koyaanisqatsi
seguido de novo debate. Nesta etapa, pouco a pouco, debate foi
crescendo e dois alunos declararam a dificuldade de conseguirem, a partir
das imagens exibidas no filme, estabelecer uma relação com as políticas
públicas.
Foram, então, apresentadas imagens estáticas a partir do power
point, com nova provocação para associação com políticas públicas.
Seguem as descrições das imagens e suas possíveis associações com
exemplos de políticas públicas no Brasil.

301
Koyaanisqatsi e a refletirem sobre o conteúdo da disciplina. Desejava-se, a partir da
proposta feita, que eles conseguissem identificar, a partir das imagens projetadas, a relação

Quadro 1 – Descrição
Quadro da da
1 – Descrição Imagem
ImagemeeAssociação
Associação dede Política
Política Pública
Pública pretendida
pretendida

Numeração Descrição da imagem Associação pretendida

Numa interpretação mais ampla, com


políticas públicas relacionadas aos recursos
naturais, tais como recursos minerais,
energéticos e hídricos, que guardem
1 Formação rochosa
relação com o meio ambiente. Noutra
perspectiva, com políticas nacionais para as
atividades integrantes do setor de
mineração.

Praia, com uma pessoa andando, lixo


2 Política Nacional de energia nuclear.
espalhado e uma usina ao fundo.
3 Pessoas numa estação lotada. Política Nacional de Mobilidade Urbana.
4 Vista aérea de rodovias. Política Nacional de Mobilidade Urbana.
Prateleiras de supermercado com
5 Política Nacional das relações de consumo.
diversos produtos.

Política Nacional de Segurança Alimentar e


Nutricional - PNSAN (Se a imagem fosse
Pessoas que parecem estar interpretada como associada à fome).
6 carregando sacas numa encosta de Políticas nacionais para as atividades
barro, observadas por outras pessoas. integrantes do setor de mineração (Se a
imagem fosse interpretada como associada
à garimpagem).

Quatro mãos segurando uma imagem


7 de água em círculo contendo a Política Nacional de Recursos Hídricos.
inscrição “waterwars”.
Fonte:
Fonte: Elaboradopelo
Elaborado pelo autor
autordeste
destecapítulo
capítulo

A imagem 1 (de uma formação rochosa) foi escolhida para provocar a reflexão dos
A imagem
alunos no sentido 1 (de uma
de sua associação com aformação rochosa)
Política Nacional foiAmbiente,
do Meio escolhida
seus para
fins e
provocar adereflexão
mecanismos dose aplicação,
formulação alunos no sentido
instituída deLeisua
pela associação
n. 6.938, de 31 decom a Política
agosto de 1981.
Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e
Tal tema também poderia ser enfrentado com a leitura da Medida Provisória n. 791, de 25
aplicação, instituída pela Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981. Tal tema
de julho de 2017, que criou a Agência Nacional de Mineração e extinguiu o Departamento
também poderia ser enfrentado com a leitura da Medida Provisória n.
Nacional de Produção Mineral, bem como pelo Decreto-lei n. 227, de 29 de janeiro de 1940,
791, de 25 de julho de 2017, que criou a Agência Nacional de Mineração
que instituiu o Código
e extinguiu de Minas.
o Departamento Nacional de Produção Mineral, bem como
pelo Decreto-lei n. 227, de 29 de janeiro de 1940, que instituiu o Código
de Minas.

302
A imagem 2 (de uma praia, com uma pessoa andando, lixo
espalhado e uma usina ao fundo) foi escolhida para tentar despertar a
atenção dos alunos em relação à Política Nacional de energia nuclear,
instituída pela Lei n. 4.118, de 27 de agosto de 1962, que dispõe sobre a
política nacional de energia nuclear, cria a Comissão Nacional de Energia
Nuclear, e dá outras providências.
As imagens 3 (de pessoas numa estação lotada) e 4 (vista
aérea de rodovias) autorizavam a associação com a Política Nacional de
Mobilidade Urbana, se associadas à Lei n. 12.587, de 3 de janeiro de 2012.
A imagem 5 (de prateleiras de supermercado com diversos
produtos) permitia a associação com a Política Nacional das relações de
consumo, se devidamente associada com o texto da Lei n. 8.078, de 11 de
setembro de 1990, que dispõe sobre a proteção do consumidor.
A imagem 6 (de pessoas que parecem estar carregando sacas
numa encosta de barro, observadas por outras pessoas) era mais
desafiadora, exatamente por permitir pelo menos duas associações:
Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – PNSAN (se a
imagem fosse interpretada como associada à fome) ou Políticas nacionais
para as atividades integrantes do setor de mineração (se a imagem fosse
associada à garimpagem). Na primeira hipótese, o desafio era associar a
imagem ao Decreto n. 7.272, de 25 de agosto de 2010, que regulamentou
a Lei n. 11.346, de 15 de setembro de 2006, que criou o Sistema Nacional
de Segurança Alimentar e Nutricional - SISAN com vistas a assegurar o
direito humano à alimentação adequada, e instituiu a Política Nacional de
Segurança Alimentar e Nutricional - PNSAN, estabelecendo os parâmetros
para a elaboração do Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional.
Na segunda hipótese, se a imagem fosse interpretada como associada à
garimpagem, o desafio seria sua associação com a legislação mencionada
na imagem 1.
Por fim, a imagem 7 (de quatro mãos segurando uma imagem de
água em círculo contendo a inscrição “waterwars”), pretendia que fosse
feita a associação com a Política Nacional de Recursos Hídricos, instituída
pela Lei n. 9.433, de 8 de janeiro de 1997.

303
Pouco a pouco, com o auxílio do professor, algumas associações
começaram a acontecer. Entretanto, era visível o incômodo de alguns
alunos, após a indicação da legislação, por não terem conseguido associar
as políticas existentes a partir da exibição dos trechos do filme ou mesmo
a partir das imagens.
A última etapa da dinâmica consistiu na exibição da parte final
de Koyaanisqatsi, na qual se revela que a palavra koyaanisqatsi, na origem
da língua Hopi, tem o sentido de “vida em desequilibrio”, “vida louca”.
Em mais uma rodada de debates, os alunos foram instigados
a perceberem que a vida moderna impõe um ritmo cada vez maior nas
relações do homem e que as situações do nosso dia a dia nos oferecem
uma sucessão de imagens permanentes que nos desafiam a utilização de
filtros para nossa interpretação.
Tratar de políticas públicas exige de seus estudiosos um olhar
atento para as dinâmicas sociais, para a complexidade dos temas a ela
relacionadas e, sobretudo, um olhar sensível sobre cada possível recorte
e a percepção do papel do Estado em relação a cada tema sob exame.
Neste contexto, o desafio proposto aos alunos foi afastar o olhar
estrito do campo do direito para ampliar o campo de observação de modo
a proporcionar, com o filtro correto na lente do intérprete, a associação
possível entre a imagem ou situação a ser interpretada no campo das
políticas públicas.

A PONTE

A segunda dinâmica proposta aos alunos se iniciou com a exibição


do curta metragem “A Ponte” (2010). Todos já estavam devidamente
esclarecidos quanto ao filtro a ser utilizado durante a exibição do filme.
Logo no início da animação, um alce e um urso se encontraram
no meio de uma ponte estreita, inviabilizando que cada pudesse seguir
em frente já que os dois animais eram grandes. Diante da situação, os
dois animais adotam uma postura de atrito, com gestos e expressões
que demonstram que nenhum dos dois está disposto a ceder, de modo a

304
viabilizar a passagem para o outro. O urso aponta, sugerindo que o alce
retorne para o lado da ponte de onde partiu. O alce se nega e aponta,
de igual maneira, para que o urso retorne para o lado de onde partiu. Eis
o conflito de interesses existente: ambos querem atravessar a ponte e
nenhum dos dois está disposto a ceder. Os dois animais grandes e gordos
apresentam expressões de ameaça, cada um buscando intimidar o outro.
Eis que atrás do urso aparece um pequeno guaxinim. Ele também deseja
cruzar a ponte, mas o urso emprega a força e atira o guaxinim de volta
para o ponto de partida, no início da ponte. Em seguida o urso empurra
o alce. Porém, logo atrás do alce estava um coelho, que logo se expressa
reclamando, pois também desejava cruzar a ponte. Seu destino foi igual
ao do guaxinim, ou seja, foi arremessado para o início da ponte pelo alce.
Enquanto o alce e o urso continuavam no meio da ponte, o
coelho e o guaxinim, cada um de um lado, tomam atitudes para viabilizar
que eles pudessem cruzar a ponte. De um lado, o coelho roeu uma das
cordas que amarrava a ponte, enquanto, do outro lado, o guaxinim
desamarrava a mesma corda. Resultado: a ponte virou e os dois brigões,
o alce e o urso, caíram, possivelmente no rio abaixo, pois se escuta o som
de água em seguida.
Eis que o coelho e o guaxinim começam a tentar cruzar a
ponte virada. Os pequenos animais se encontram no caminho e ao se
encontrarem no meio do caminho ao invés de brigarem, olham um para
o outro, em busca de uma solução. Eis que o guaxinim se curva para a
frente, de modo que o coelho pudesse usar seu corpo para saltar. O coelho
coloca as patas na cabeça do guaxinim e consegue saltar sobre seu corpo.
Os dois se despedem amistosamente e cada um segue o seu caminho.
Novamente os discentes foram provocados e pensar sobre a
política pública que poderia ser associada, agora tendo por referência o
curta metragem exibido e mesmo com a orientação sobre a necessidade
de colocar o filtro para ampliar a percepção sobre a situação exibida
tiveram uma dificuldade inicial.
Mas, no decorrer da dinâmica, uma aluna conseguiu associar
o conflito de interesses e com os meios de composição de conflitos de
interesse, permitindo que o raciocínio fosse conduzido para a Política

305
Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no
âmbito do Poder Judiciário, instituída pela Resolução n. 125 do Conselho
Nacional de Justiça.

SOBRE POLÍTICAS PÚBLICAS E POLÍTICAS SOCIAIS


NUMA PERSPECTIVA INTERDISCIPLINAR
Abordar o tema políticas públicas numa perspectiva
interdisciplinar envolve uma estratégia por parte do docente, de modo
que os alunos possam enfrentar o tema a partir das diferentes leituras
possíveis e não exclusivamente na perspectiva do direito.
Exatamente pelo fato das disciplinas propostas estarem inseridas
num Programa de mestrado e de doutorado em que os alunos são
desafiados a demonstrarem a matriz interdisciplinar de suas pesquisas,
a opção do docente foi no sentido de ampliar as referências, pensando
numa associação das políticas públicas com os direitos do homem na
perspectiva da proteção social.
Neste contexto, pesquisas na área do direito que pretendem
dialogar com o campo das políticas públicas, estão desafiadas a
estabelecerem um diálogo com diversas áreas. Um esforço de delimitação
conceitual do tema também estará sujeito às diferentes percepções
a partir do campo da produção do conhecimento. Para Souza (2006,
p. 24) “não existe uma única, nem melhor, definição sobre o que seja
política pública”. Por convergir com esse pensamento, foi ofertada uma
pluralidade de referências para leitura por parte dos alunos.

O termo público, associado à política, não é uma


referência exclusiva do Estado, como muitos pensam,
mas sim à coisa pública, ou seja, de todos, sob a égide
de uma mesma lei e o apoio de uma comunidade de
interesses. Portanto, embora as políticas públicas sejam
reguladas e frequentemente providas pelo Estado, elas
também englobam preferências, escolhas e decisões
privadas podendo (e devendo) ser controladas pelos
cidadãos. A política pública expressa, assim, a conversão
de decisões privadas em decisões e ações públicas, que

306
afetam a todos. (PEREIRA, 1994, apud CUNHA; CUNHA,
2002, p. 12).

Para tentar ampliar a reflexão sobre o que seriam políticas


públicas e políticas sociais a opção docente foi por sugerir inicialmente
uma revisão de literatura valendo-se de autores de diferentes áreas e
abordagens de conteúdo: Almeida (2014) com o artigo “O curso de direito e
a questão racial brasileira”, Boschetti et al. (2008) pela obra “Política Social
no Capitalismo: tendências contemporâneas”, Bravo e Pereira (2002) em
“Política Social e Democracia”, Canela Junior (2011) em “Controle Judicial
de Políticas Públicas”, Carvalho et al. (2002) pela coletânea “Políticas
Públicas”, Del Río e Marton (2016) pela obra “Os desafios das políticas
públicas no Brasil: um olhar interdisciplinar”, Falcão; Sposati e Teixeira
(2002) em “Os Direitos (dos desassistidos) sociais”, Gentili e Sader (2003)
pela obra “Pós-neoliberalismo: As políticas sociais e o Estado democrático”,
Herculano (2013) em “Políticas Ambientas: o ambiente é você... e você...
somos nós”, Mauriel (2011) em “Capitalismo, políticas sociais e combate à
pobreza”, Paula (2002) em “A Jurisdição como elemento de inclusão social:
revitalizando as regras do jogo democrático”, Rico (2009) em “Avaliação
de Políticas Sociais: Uma questão em debate”, Sales, Leal e Matos (2010)
em “Política Social, Família e Juventude: uma questão de direitos”, Valle
(2009) em “Políticas Públicas, Direitos Fundamentais e Controle Judicial”,
e Vieira (2004) em “Os Direitos e a Política Social”.
Após a organização inicial da disciplina foram incorporadas
outras sugestões: Domingues et al. (2015) em Direito Financeiro e Políticas
Públicas, Carvalho (2016) em Processos Coletivos e Políticas Públicas,
Secchi (2016) em Políticas Públicas: conceitos, esquemas de análise, casos
práticos, e ainda Morais e Brum (2016) em Políticas Públicas e Jurisdição
Constitucional.
Pouco a pouco, a partir dos debates e do desenvolvimento das
aulas, foi possível perceber que os alunos despertavam para o fato que
“definições de políticas públicas, mesmo as minimalistas, guiam o nosso
olhar para o locus onde os embates em torno de interesses, preferências e
ideias se desenvolvem, isto é, os governos” (SOUZA, 2006, p. 25). De certa
maneira era previsível que a sala de aula se transformasse, neste contexto,

307
num campo de disputas ideológicas, cada aluno defendendo seu ponto de
vista, em grande parte dos momentos, a partir de suas convicções políticas.
Moderar os debates, entretanto, não se revelou algo fácil, especialmente
por um fator que não havia sido adequadamente refletido pelo docente
quando da oferta das disciplinas: o momento de cada aluno na formação
acadêmica. Ao reunir alunos em diferentes momentos de formação,
o professor acabou desafiado a moderar os debates que era feito, em
muitos momentos, sem os referenciais de leitura desejados inicialmente.
Pouco a pouco, contudo, foi possível estabelecer a compreensão de que:

[...] do ponto de vista teórico-conceitual, a política


pública em geral e a política social em particular
são campos multidisciplinares, e seu foco está nas
explicações sobre a natureza da política pública e seus
processos. Por isso, uma teoria geral da política pública
implica a busca de sintetizar teorias construídas no
campo da sociologia, da ciência política e da economia.
As políticas públicas repercutem na economia e nas
sociedades, daí por que qualquer teoria da política
pública precisa também explicar as inter-relações entre
Estado, política, economia e sociedade. Tal é também
a razão pela qual pesquisadores de tantas disciplinas
– economia, ciência política, sociologia, antropologia,
geografia, planejamento, gestão e ciências sociais
aplicadas – partilham um interesse comum na área e
têm contribuído para avanços teóricos e empíricos.
(SOUZA, 2006, p. 25).

A associação da categoria “políticas públicas” com a categoria


“Estado” faz com que muitos alunos do campo do direito tenham uma
tendência natural a colocar o filtro de interpretação no campo da ciência
política, talvez com as lembranças da teoria geral do estado, o que acarreta
em recortes mais dogmáticos de abordagem, com argumentos extraídos
do direito constitucional e do direito administrativo.
Romper com essa lógica para conduzi-los para outra possibilidade
de abordagem foi outro momento muito instigante. Como existem vários
tipos de políticas públicas e o interesse docente estava em destacar as

308
denominadas como políticas sociais, valeu-se da abordagem de Cunha e
Cunha (2002, p. 12) para propor uma reflexão no sentido de que:

[...] a política social é um tipo de política pública cuja


expressão se dá através de um conjunto de princípios,
diretrizes, objetivos e normas, de caráter permanente e
abrangente, que orienta a atuação do poder público em
uma determinada área.

Em seguida, valendo-se de informação referente à classificação


das áreas do conhecimento, disponíveis na página da Coordenação de
aperfeiçoamento de pessoal de nível superior (Capes), expôs:

A classificação das Áreas do Conhecimento tem finalidade


eminentemente prática, objetivando proporcionar às
Instituições de ensino, pesquisa e inovação uma maneira
ágil e funcional de sistematizar e prestar informações
concernentes a projetos de pesquisa e recursos humanos
aos órgãos gestores da área de ciência e tecnologia.

A organização das Áreas do Conhecimento na tabela


apresenta uma hierarquização em quatro níveis, do
mais geral ao mais específico, abrangendo nove grandes
áreas nas quais se distribuem as 48 áreas de avaliação
da Capes. Estas áreas de avaliação, por sua vez, agrupam
áreas básicas (ou áreas do conhecimento), subdivididas
em subáreas e especialidades:

• 1º nível - Grande Área: aglomeração de diversas áreas


do conhecimento, em virtude da afinidade de seus
objetos, métodos cognitivos e recursos instrumentais
refletindo contextos sociopolíticos específicos;
• 2º nível – Área do Conhecimento (Área Básica):
conjunto de conhecimentos inter-relacionados,
coletivamente construído, reunido segundo a natureza
do objeto de investigação com finalidades de ensino,
pesquisa e aplicações práticas;
• 3º nível - Subárea: segmentação da área do
conhecimento (ou área básica) estabelecida em função
do objeto de estudo e de procedimentos metodológicos
reconhecidos e amplamente utilizados;

309
• 4º nível - Especialidade: caracterização temática
da atividade de pesquisa e ensino. Uma mesma
especialidade pode ser enquadrada em diferentes
grandes áreas, áreas básicas e subáreas. (CAPES, 2014).
Quando observada a Tabela de Áreas do Conhecimento percebe-
se que a política social se encontra em duas áreas de avaliação: CIÊNCIA
POLÍTICA E RELAÇÕES INTERNACIONAIS, em 70904006 POLÍTICAS
PÚBLICAS, e no SERVIÇO SOCIAL, especificamente em 61000000 SERVIÇO
SOCIAL. Tais referências se prestam para demonstrar a importância de
um olhar interdisciplinar, especialmente se considerado o Documento de
Área 2013 do Serviço Social:

INTERDISCIPLINARIDADE
O Serviço Social tem largo escopo de articulação com
outras áreas de conhecimento, sobretudo aquelas que
têm como fundamento o arcabouço teórico da área das
humanidades.

Já em sua formação profissional em nível de graduação


não prescinde das explicações teórico-metodológicas de
tais áreas que se encontram contempladas no processo
de formação. Os programas de Pós-Graduação na Área
situam-se entre aqueles cuja área de concentração é o
próprio Serviço Social e outros onde as Políticas Sociais e
Públicas são objetos dos programas.

Tanto em um quanto em outro a interdisciplinaridade


comparece como uma perspectiva fundamental para
alicerce do debate e da produção de conhecimento.
As linhas de pesquisa expressas nos Programas de Pós-
Graduação são aglutinadoras de diferentes caminhos
explicativos no âmbito das ciências humanas e sociais
aplicadas. Os temas tais como direitos sociais, políticas
sociais, cidadania, processos de trabalho presentes
na maioria dos Programas são, por excelência,
interdisciplinares. Além disso, é comum a composição
do corpo docente de pesquisadores de diferentes áreas
de formação, tais como a sociologia, economia, história,
antropologia, dentre outras. (CAPES, 2013, p. 5).

310
Exatamente por ter a clareza que políticas sociais e públicas têm
sido objeto de interesse de pesquisadores de diferentes áreas, a iniciativa
das disciplinas para um programa stricto sensu em direito apresentou
como principal desafio ao docente a construção de um ambiente que
proporcionasse condições aos discentes de perceber que as linhas de
pesquisa nos Programas de Pós-Graduação no campo das Políticas
Públicas e das Políticas Sociais são aglutinadoras de diferentes caminhos
explicativos no âmbito das ciências humanas e sociais aplicadas, como
habitualmente faz com alunos sob sua orientação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para Bobbio (1992, p. 24) “o problema fundamental dos direitos
do homem, hoje, não é tanto justificá-los, mas o de criar condições para
protegê-los. Trata-se de um problema não filosófico, mas político”.
Quando tomamos por referência a reflexão formulada pelo
Bobbio (1992) e contextualizamos no cenário brasileiro a partir da
Constituição Federal promulgada em 5 de outubro de 1988, temos o
desafio de pensar as políticas públicas neste cenário.

A constituição da República de 1988 instituiu um novo


modelo de Estado Social – como Estado Democrático
de Direito – abrangente e ambicioso, que traz muitas
promessas aprovadas que foram no âmbito de uma
Assembleia Nacional Constituinte forjada no contexto
do processo de (negociada) transição democrática
brasileira. Desde a construção de uma sociedade justa
e solidária até a erradicação da pobreza e a “redução”
das desigualdades sociais e regionais vêm expressas no
texto constitucional como objetivos da República, esta
também um princípio fundante do Estado brasileiro.
(MORAIS; BRUM, 2016, p. 9).

O projeto abrangente e ambicioso existente na Carta Política


de 1988 encontra em julho de 2018, portanto quase 30 anos depois, um
país polarizado ideologicamente e os reflexos são sentidos em diferentes
espaços sociais, inclusive na sala de aula.

311
Como explicado inicialmente, propor discussões que envolvam
as políticas sociais, mesmo no ambiente acadêmico, impõe ao docente
a capacidade de ouvir abordagens a partir de convicções pessoais. Isto
significa que é preciso ter, numa perspectiva pedagógica, o afastamento
ideológico necessário para propor reflexões e debates a partir dos
diferentes pontos de reflexão que são produzidos a partir das diferentes
áreas do conhecimento.
Na percepção deste autor, que teve sua graduação em direito e
atualmente faz estágio pós-doutoral em direito, mas que teve sua formação
dialogada com outros campos, as pesquisas no campo do direito muitas
vezes adotam caráter dogmático, limitando-se a recortes e reprodução de
assertivas do próprio campo, em muitos casos apresentando dissertações
e teses que mais se aproximam de manuais de direito do que relatórios
de pesquisa.
Se a área do direito revela diferentes possibilidades de exercício
profissional cujas relações são marcadas, muitas vezes, por relações
tacitamente hierarquizadas, torna-se fundamental que o espaço sala de
aula seja trabalhado de modo a desconstruir a lógica de hierarquização
dos saberes e de modo a proporcionar um ambiente saudável para o
diálogo entre as diferentes áreas do conhecimento.
Problematizar políticas públicas sociais deve conduzir o
pesquisador no sentido de que sejam ampliadas as possibilidades de
interpretação relacionadas ao ciclo da política, desde a fase da formulação,
passando pela implementação e posteriormente pela avaliação. Nesta
linha de reflexão:

Se admitirmos que a política pública é um campo


holístico, isto é, uma área que situa diversas unidades
em totalidades organizadas, isso tem duas implicações.
A primeira é que, como referido acima, a área torna-
se território de várias disciplinas, teorias e modelos
analíticos. Assim, apesar de possuir suas próprias
modelagens, teorias e métodos, a política pública,
embora seja formalmente um ramo da ciência política,
a ela não se resume, podendo também ser objeto
analítico de outras áreas do conhecimento, inclusive

312
da econometria, já bastante influente em uma das
subáreas da política pública, a da avaliação, que também
vem recebendo influência de técnicas quantitativas. A
segunda é que o caráter holístico da área não significa
que ela careça de coerência teórica e metodológica,
mas sim que ela comporta vários “olhares”. Por último,
políticas públicas, após desenhadas e formuladas,
desdobram-se em planos, programas, projetos, bases de
dados ou sistema de informação e pesquisas. Quando
postas em ação, são implementadas, ficando daí
submetidas a sistemas de acompanhamento e avaliação.
(SOUZA, 2006, p. 26).

Contudo, vale lembrar que a academia não é lugar para ingênuos.


Se for observada a advertência feita por Secchi (2016, p. 2) no
sentido de que “[...] qualquer definição de política pública é arbitrária”
o pesquisador deverá ter o cuidado de demonstrar a coerência teórica
com o campo e o necessário rigor metodológico no desenvolvimento da
pesquisa, isto se não desejar ser alvo de duras críticas quando diante da
banca.
É preciso estar bem contextualizado o lugar de fala do
pesquisador e se a pesquisa está sendo realizada no campo jurídico é
preciso ter o cuidado de se construir com clareza o diálogo com o campo.
Noutras palavras, o que se recomenda, em relação ao recorte
epistemológico, é o cuidado na demonstração do caminho do pensamento
adotado, com os correspondentes marcos teóricos do campo do direito
ou da área em que o pesquisador se propôs a dialogar, bem como atenção
em relação à metodologia da pesquisa.
Noutras palavras, ter em mente que esse interesse integral ou
mais ampliado sobre políticas públicas, denominado como holístico por
Souza (2006), ou no campo da proteção social com foco nas políticas
sociais, torna mais desafiador o trabalho de quem se propõe a uma
pesquisa com essa abordagem interdisciplinar e que enfrenta o exame das
políticas públicas entre direitos, deveres e desejos dos diversos sujeitos
que compõem a sociedade.

313
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317
SUMÁRIO

SOBRE OS AUTORES
Adriane Bandeira Rodrigues é Mestra em Desenvolvimento
Socioeconômico pela Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC).
Graduada em Direito pela Universidade Católica de Pelotas (UCPel).
Professora titular das disciplinas Direito Processual Civil III e IV e
Supervisora da Área de Direito Processual do Curso de Direito. Professora
do Programa de Pós-Graduação em Direito Civil e Direito Processual Civil
da UNESC.

Amanda Rutineia Cunha é Acadêmica de Direito pela


Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC).

Andreza da Cruz é Mestra em Desenvolvimento Socioeconômico


pela Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC). Pós-graduada em
Direito Civil com ênfase em Responsabilidade Civil e Contratos. Especialista
em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários
(IBET). Pós-graduada em Metodologia e Prática Interdisciplinar do Ensino
pela Faculdade Capivari (FUCAP). Graduada em Direito pela UNESC.
Graduada em Administração pela Escola Superior de Criciúma (ESUCRI)
e em Pedagogia pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC).

Angélica Pereira Possamai é Mestranda do Programa de Pós-


Graduação em Direito pela Universidade do Extremo Sul Catarinense
(UNESC). Graduada em Direito.

Carlos Alberto Lima de Almeida é Doutor e Mestre em Política


Social. Mestre em Educação. Especialista em prevenção às drogas e
escola. Especialista em Direito Processual Civil. Graduado em Direito.
Professor Permanente do Programa de Mestrado e Doutorado em Direito
da Universidade Estácio de Sá (UNESA).

318
Cynara Monteiro Mariano é Pós-doutora pela Universidade
de Coimbra. Doutora em Direito Constitucional pela Universidade de
Fortaleza. Mestre em Direito Público pela Universidade Federal do Ceará
(UFCE). Graduada em Direito pela UFCE. Professora da Graduação e do
Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da UFCE.

Daniel Ribeiro Preve é Doutorando em Direito pela Universidade


Federal de Santa Catarina (UFSC). Mestre em Ciências Ambientais pela
Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC). Especialista em
Direito Civil e Metodologia do Ensino Superior e da Pesquisa pela UNESC.
Graduado em Direito pela UNESC. Pesquisador do Grupo de Pesquisa em
Arqueologia e Gestão Integrada de Território e Vice-reitor da UNESC.

Erli Sá dos Santos é Mestranda em Sociologia e Direito. Bacharel


em Direito pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Especialista em
Leitura e Produção de Texto pela UFF. Licenciada em Letras-Português,
também pela UFF.

Francisco Cláudio Oliveira Silva Filho é Mestrando do Programa


de Pós-Graduação em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFCE).
Advogado e professor. Integrante do Grupo de Pesquisa Serviços Públicos
e Condições de Efetividade.

Gláucia Borges é Mestranda em Direito pela UNESC. Pós-


graduanda em Direito Civil e Processo Civil e graduada em Direito pela
Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC). Integrante do Núcleo
de Pesquisa em Estado, Política e Direito (NUPED) e do Núcleo de Pesquisa
em Direito da Criança e do Adolescente e Políticas Públicas. Bolsista da
Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina
(FAPESC).

Heloisa de Faria Pacheco é Graduanda em Direito pela


Universidade Federal Fluminense (UFF).

319
Isabel Bezerra de Lima Franca é Doutoranda em Ciências
Humanas e Sociais pela Universidade Federal do ABC (UFABC). Mestre
em Políticas Públicas pela UFABC. Graduada em Comunicação Social
pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP) e em Direito pela
Faculdade de Direito de Sorocaba (FADI).

Ismael Francisco de Souza é Doutor em Direito pela Universidade


de Santa Cruz do Sul  (UNISC). Mestre em Serviço Social pela Universidade
Federal de Santa Catarina (UFSC). Bacharel em Direito pela Universidade
do Extremo Sul Catarinense (UNESC). Professor Permanente do Mestrado
em Direito da UNESC. Pesquisador do Núcleo de Estudos em Estado,
Política e Direito (NUPED/UNESC).

Karyna Batista Sposato é Doutora em Direito pela Universidade


Federal da Bahia (UFBA). Mestra em Direito pela Universidade de São
Paulo (USP). Graduada em Direito pela USP.

Kelly Gianezini é Doutora em Educação pela Universidade Federal


do Rio Grande do Sul (UFRGS), com estágio de doutorado sanduíche pela
University of California Los Angeles (UCLA). Mestre em Sociologia pela
UFRGS. Bacharel em Ciências Sociais, também pela UFRGS. Licenciada
em Sociologia pela Pontíficia Universidade Católica (PUCRS). Bacharel em
Direito também pela PUCRS. Professora Permanente do Programa de Pós-
Graduação em Desenvolvimento Socioeconômico (PPGDS) e do Curso de
Direito da Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC).

Letícia Anselmo Manique Barretto é Graduanda em Direito pela


Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC).

Liliane Satiro Borges é Graduada em Direito pela Universidade


do Extremo Sul Catarinense (UNESC).

320
Luciana Campos Golarte é Mestre em Educação pela Universidade
Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Especialista em Orientação
Educacional pela Universidade Cândido Mendes (UNICAM). Especialista
em Educação Infantil pelo Instituto Superior de Educação (ISERJ).
Aperfeiçoamento em Políticas Públicas pela Universidade do Estado do
Rio de Janeiro (UERJ). Graduada em Pedagogia pela UNIRIO.

Marcelo Oliveira do Nascimento é Mestrando em Direito


pela Universidade Federal de Sergipe (UFS). Pós-graduando em Direito
do Trabalho e Previdenciário pela Faculdade Estácio Fase. Bacharel em
Direito pela UFS. Graduando em Psicologia também pela UFS.

Marlon Acassio Casagrandi Cardoso é Mestrando em


Desenvolvimento Socioeconômico. Graduado em Ciências Econômicas
pela Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC).

Matheus Guarino Sant’Anna Lima de Almeida é Mestrando em


Sociologia e Direito pela Universidade Federal de Sergipe (UFF). Bacharel
em Direito pela UFF. Graduando em Letras Português-Grego (licenciatura)
também pela UFF.

Michel Alisson da Silva é Professor Mestre do Curso de Direito


da Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC). Membro do Grupo
de Pesquisa em Inovação, Educação e Empreendedorismo Social (GIEES)
e Grupo Acadêmico de Estudos Livres (GAEL).

Miguelangelo Gianezini é Pós-doutor pela Universidade Federal


do Rio Grande do Sul (UFRGS). Doutor em Agronegócio pela UFRGS. Mestre
em Ciências Sociais Aplicadas pela UNISINOS. Bacharel em Administração
pela Universidade Católica de Brasília (UCB/DF). Graduado em Gestão de
Comércio Exterior também pela UCB/DF. Graduado em Ciências Sociais
pela Universidade Regional de Blumenau (FURB).

321
Nathalia Flôres de Oliveira é Graduada em Direito pela
Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC).

Pedro Henrique Cardoso Hilário é Mestrando em Direito pela


Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC). Pós-graduado em
Direito Penal e Processual Prático Contemporâneo pela Universidade de
Santa Cruz do Sul (UNISC). Bacharel em Direito, também pela UNESC.

Sheila Martignago Saleh é Mestra em Direito pela Universidade


do Vale do Itajaí-SC (UNIVALI). Professora do Curso de Direito da
Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC). Coordenadora do Programa de
Extensão do Território Paulo Freire e Coordena o Estágio Prático Simulado
do Curso de Direito da UNESC.

Yduan de Oliveira May é Doutor em Direito pela Universidade


Federal de Santa Catarina (UFSC). Professor permanente do Mestrado
em Direito da Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC). É
Coordenador do Grupo de Pesquisa em Direito e Inclusão Socioeconômica
(DISE).

322
A Constituição Federal de 1988 optou por perfilhar um modelo
de Estado Social, que tem por função precípua assegurar um
mínimo de prestações positivas aos cidadãos, sobretudo rela-
cionadas à garantia dos direitos sociais, por meio de políticas
públicas. Passados 30 anos de sua vigência, chega a hora,
no limiar do século XXI, desta obra se debruçar sobre
diversas áreas de atuação do Estado, a fim de pro-
porcionar a análise de algumas políticas públicas
voltadas à concretização destes direitos.

Direito
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