Serviço Social e Dona Ivone Lara
Serviço Social e Dona Ivone Lara
Serviço Social e Dona Ivone Lara
Graziela Scheffer
Professora da Faculdade de Serviço Social (UERJ), mestre e doutora em Política Social e
Serviço Social (UFRJ), especialista em Saúde Mental Integrada e Coletiva (ESP-RS),
pesquisadora do Ceoi (UERJ), do Neps (UERJ) e do Projeto Transversões (UFRJ).
graziela.uerj@gmail.com
Resumo: O artigo é fruto de estudo exploratório Abstract: This article is an exploratory study
concluído na tese de doutorado, na qual apresen- of fruit completed the doctoral thesis we present
tamos parte do resultado sobre a história das part of the result on the history of Rio de Janeiro’s
pioneiras cariocas do Serviço Social, onde desta- social service pioneer that highlight one of the
camos uma das primeiras assistentes sociais negras first black social workers from Brazil, Dona
do Brasil, Dona Ivone Lara. Ivone Lara.
Palavras-chave: Serviço Social. Dona Ivone Lara. Keywords: Social Work. Dona Ivone Lara. Profes-
História profissional. sional history.
Introdução
E
studar Dona Ivone Lara enquanto assistente social negra da primeira gera-
ção vai para além dos muros internos da profissão: “[...] uma das primeiras
assistentes sociais do país; ou ainda, uma das primeiras mulheres negras a
adquirirem educação no nível de terceiro grau” (Santos, 2005, p. 27). Além disso,
“ela é uma das poucas representantes vivas de uma manifestação cultural popular
brasileira — o samba — que moldou e continua dando formas ao que se quer en-
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http://dx.doi.org/10.1590/0101-6628.081
tender como sendo a debatida identidade nacional” (Idem). “Dona Ivone se meta-
morfoseia em dona de casa, assistente social, mãe e na personagem que mais exige
empenho: a de artista” (Burns, 2009, p. 21). Em 1965 entrou para história da mú-
sica brasileira como a primeira mulher assinando a composição do enredo de esco-
la de samba. Para entendermos a trajetória da pioneira negra, buscamos identificar
as raízes da laicização das profissões consideradas de “mulheres”, situando, nesse
debate, as lutas feministas inauguradas no período de 1889 a 1930. Também apre-
sentamos a criação do Serviço Social e as percepções da primeira geração de assis-
tentes sociais acerca do movimento feminista de sua época.
[...] que muitos clérigos se tornaram psicanalistas, psicólogos, assistentes sociais etc.,
e exercem novas formas de curas das almas com um estatuto de leigos e sob forma
laicizada; assiste-se então a uma redefinição dos limites do campo religioso, à disso-
lução do religioso em um campo mais amplo, que se acompanha de uma perda de
monopólio da cura das almas no sentido antigo, pelo menos ao nível da clientela
burguesa. (Bourdieu, 2002, p. 122)
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três campos: educação — professora, saúde — enfermeira e serviços sociais —
assistente social, sendo que essas fronteiras profissionais muitas vezes apresentavam-
-se intimamente interligadas ou até mesmo diluídas. Esse fato não excluiu os
conflitos e disputas entre Igreja, Estado e sociedade civil. Almeida (2006) destaca
que o tempo pós-republicano foi irradiado por valores da igualdade de oportunida-
des, abrindo espaço para o magistério primário, que se tornou um dos principais
caminhos de instrução e formação das moças. Esse processo de feminização do
trabalho na educação é oriundo da expansão das escolas normais para moças, que
conseguiu avançar, apesar da oposição inicial dos segmentos masculinos mais
conservadores. Os conservadores eugenistas discordavam que as mulheres estives-
sem aptas ao exercício do magistério, alegando que eram portadoras de cérebro
pouco desenvolvido pelo seu desuso e tinham uma “psicologia” semelhante à de
uma criança, sendo todas despreparadas. Em contraponto a esses argumentos, os
grupos favoráveis, como higienistas, apontavam as qualidades inatas das mulheres
no sentido da entrega, da doação e do amor. Entretanto, o discurso da pureza femi-
nina e das qualidades morais da mulher acabava também reforçando o mito da
inferioridade biológica (Almeida, 2006).
A mulher, para o magistério, foi a expansão da lei de obrigatoriedade da es-
colaridade. Dessa forma, “a necessidade de mestras para cuidarem das classes fe-
mininas possibilitou a abertura de lugar na educação escolarizada para as mulheres”
(idem, p. 64). Do ponto de vista da autora, a feminização da profissão de educado-
ra está vinculada aos padrões patriarcais e econômicos que vinham se reestruturan-
do em finais do século XIX e nas primeiras décadas do XX.
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participação militar nos dois conflitos mundiais, estiveram no centro do imaginário
que definiu um novo lugar para a mulher na cultura e na sociedade do século XX na
Europa e nos Estados Unidos. Logo, a enfermeira tornou a personagem feminina
mais louvada da guerra. Os trabalhos da enfermagem estiverem pautados nos atri-
butos de abnegação angelical e maternal. A imagem da enfermeira estava ligada ao
ato piedoso de consolo na cabeceira dos doentes e substituíram as religiosas que
tradicionalmente cuidavam dos enfermos. Essa imagem divinizada e racional foi
constantemente reforçada pela Cruz Vermelha (Cytrynowicz, 2000). No processo
de laicização houve uma ruptura da religiosa enfermeira “empírica, a serviço de
Deus” para mulher-cidadã cuidadosa da civilização, munida de aparato técnico.
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As únicas que em maior número se vão libertando desse jugo, ou dispensando o
auxílio do homem e fugindo aos deveres humanos propagadores da espécie, conser-
vando o celibatário, ou repelindo os companheiros que lhe não satisfazem as aspira-
ções [...] são as professoras primárias, funcionárias públicas. (Luz, apud Carone,
1984, p. 467-468)
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quanto no discurso operário da época projetavam uma imagem da mulher sob viés
romântico das classes dominantes, fundamentadas pelo saber médico, que concebia
a mulher como encarnação das emoções e sentimentos.
Há uma “sutil” observação sobre a distinção acerca da constituição da ci-
dadania entre homens e mulheres no Brasil. Os primeiros passos do reconheci-
mento da cidadania das mulheres foram direitos sociais vinculados à educação
e à saúde-trabalho, ao passo que os homens já tinham seus direitos civis e polí-
ticos “garantidos”. Recordamos que os direitos civis das mulheres eram limita-
dos, pois ficavam sob tutela do pai e depois do marido; elas não tinham autono-
mia em suas escolhas.
Um importante aspecto da participação das mulheres na arena política brasi-
leira foi durante a Guerra Civil de 1932 e na Campanha Constituinte, que contribuiu
para criar uma visão simbólica da mulher paulista a partir das suas mobilizações
do período, vejamos:
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também o de trabalho. Além de exercerem suas funções cotidianas, tão pouco reco-
nhecidas socialmente, “de reprodução da força de trabalho, ainda produziam para o
mercado nesse mesmo espaço, exercendo função doméstica de lavadeira, engoma-
deira, doceira; algumas eram cartomantes e muitas prostitutas” (Soihet, 1989, p. 9).
De modo que a falta de infraestrutura que possibilitasse desonerar a mulher de suas
atividades domésticas condenou-a a uma dupla jornada acrescida de discriminação
salarial. A autora também coloca que a falta de comida, as doenças e a dificuldade
de trabalho levavam muitas delas a ocupar espaços “condenados” — as cartomantes,
bicheiras, prostitutas, sem falar naquelas que passaram a vagar pelas ruas do Rio de
Janeiro sem qualquer possibilidade de ocupação, chamadas de vagabundas e vadias
pelas autoridades. Sobre todas recaía o peso da repressão policial.
As mulheres operárias nesse período são e se sentem exploradas pelo sistema
capitalista; já as da classe média e da elite vivem e sentem a opressão intelectual,
cultural e moral. Ainda sobre a diferença de classe na constituição das lutas pelos
direitos das mulheres brasileiras, esse legado “sinhazinha-escrava” produziu, entre
as mulheres, uma hierarquia de classe-raça que abriu fendas culturais entre as mu-
lheres brasileiras.
A questão da mulher no capitalismo é gestada numa relação pendular entre a
exploração e a opressão, unificadas nos domínios de desigualdades sociais da do-
minação burguesa. As diferenças de classe entre as mulheres delimitaram suas
formas e o conteúdo de suas demandas. Em suma, as operárias lutavam por melho-
res condições de vida, e as de classe média reivindicavam avanços no modo de vida
da mulher, por meio da inserção no mercado de trabalho, da profissionalização, da
educação e do divórcio.
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se de um lado buscou “reforçar” a construção simbólica higienista da mulher com
base nos atributos “submissão” biológica, estética, subjetiva e social, de outro
proporcionou a oportunidade de elas construírem as primeiras reflexões sobre sua
condição política no plano cultural.
o projeto de criação do Serviço Social no país é que ele parecia se dar a contrapelo
das diretrizes mais gerais do governo na época, ao mesmo tempo em que absorvia a
retórica que as expressava como que criando uma proteção ideológica para profissio-
nalização feminina ao revesti-la desse halo de continuidade da função materna. (Idem,
p. 88-89)
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A intervenção feminina no âmbito social aceita, entretanto, estava circunscri-
ta à política dos homens, visto que a participação da mulher estava respaldada
simbolicamente na ênfase maternal e benevolente, “naturalmente” feminina, bem
como no fato de que a questão social não era “plenamente” legitimada pelo poder
dominante do Estado, não sendo considerada uma “questão propriamente política”
(Werle, 2010).
Mas nem tudo foram “flores” para as mulheres, pois se instaurou em 1937 a
ditadura varguista, momento de perseguição aos comunistas, aos intelectuais da es-
querda e às organizações de lutas feministas. Durante esse período ditatorial, muitas
mulheres foram presas e torturadas, como Olga Prestes, Elisa Berger, Maria Werneck
de Castro, Nise da Silveira, Pagu etc. O registro da prisão e tortura de algumas delas
é apresentado no livro Memórias do cárcere, de Graciliano Ramos (2004, p. 277):
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Vejo que às vezes há exagero nesse movimento feminista. Eu sempre defendi o direi-
to das mulheres e nunca considerei que os homens devessem ter mais liberdade; fiquei
surpresa quando fui nomeada assistente do professor Zbrozek, eu uma mulher...
(Maria Amélia Arouzo — UFRJ, 2005, s/p.)
Eu disse: “Doutor Rubens, mulher é diferente. Eu vou fazer uma sala grande para as
mulheres. Mas aí eu quero cortina cor-de-rosa, eu quero cadeira de vime, [riso] eu
quero isso, aquilo, aquilo outro”. E fiz uma sala enorme em que, na hora que elas
acabavam de comer, vinham ali, sentavam, falavam umas das outras etc. e tal, levavam
crochê, trabalhos de mão… E depois eu inventei uma cozinha de sobremesas. Porque
comida... não dava tempo de aprender um prato de sal num intervalo. Mas um sorve-
te dava. Então, olha, eu fiz o máximo, americano [riso]. Uma cozinha só para as
mulheres de lá. E tinha uma que era cozinheira, não é, a Maria, que ensinava. Elas
gostavam muito. E elas faziam, às vezes elas comiam, às vezes levavam para casa.
(Ferreira, Maria da Glória L. — Instituto Social, 2002, s/p.)
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2. Dona Ivone Lara: o cuidar e o assistir na passarela do samba
Dona Ivone Lara, carioca, enfermeira, assistente social, especialista em tera-
pia ocupacional, mulher de origem pobre, negra e com família oriunda do subúrbio,
é considerada a dama do samba e uma das primeiras assistentes sociais negras do
Brasil. Consideramos nossa pioneira herdeira do legado ancestral da resistência das
mulheres negras em suas manifestações africanas no Rio — o samba, a capoeira,
as danças de roda, a religiosidade da umbanda. Na música da pioneira “Lamento”
podemos identificar essas matrizes da opressão e exploração do negro e suas formas
de resistências:
A “raiz do samba” de nossa profissional tem sua origem nas casas das tias
baianas, nas batidas do pandeiro e da faca no prato no quintal de tia Ciata, onde o
primeiro samba foi gravado em 1916. A organização das festas de sambas na Re-
pública Velha foi marcada pela ativa participação das mulheres negras e mestiças,
chamadas de tias. Durante as festas nas casas das tias, na sala de visita era execu-
tado o choro, o samba. E, após o jantar, eram realizados o batuque e o candomblé,
com os cantos dos orixás. Pelo ângulo da resistência ao trabalho capitalista surge
no universo simbólico, principalmente no Rio de Janeiro, a figura do boêmio ma-
landro carioca. Afinal, como diz Oswald de Andrade: “O contrário do burguês não
é proletariado, é boêmio”.
Os boêmios eram vistos como a cigarra que cantava e se divertia no prazer do
samba do hoje e por isso contrapunha os valores da formiga burguesa do trabalho
dignificante do homem, da família e do poupar para o amanhã. “O violão, instru-
mento por excelência, companheiro das serenatas e dos boêmios, foi identificado
com a vadiagem. [...] incentivando-se contra ele o seresteiro e a perseguição policial”
(Soihet, 1989, p. 58).
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No Brasil, a proibição dos rituais africanos fez com que houvesse um sincre-
tismo religioso entre santos católicos e a mitologia africana, enquanto estratégia de
resistência dos negros na manutenção de seus cultos (Soihet, 1989). Os médicos
higienistas rotulavam os devotos do candomblé como sujeitos mentalmente dese-
quilibrados, devendo ser fichados na polícia e submetidos a exames periódicos para
avaliar a estabilidade intelectual e psicológica. E as filhas de santos eram muitas
vezes comparadas com as prostitutas.
O malandro carregava para os anos 1930 o preconceito que pairava com relação ao
trabalho, sobretudo manual, desde o período escravocrata. Desta feita, porém, a aver-
são ao labor, ainda associada à “coisa de preto”, ancorava-se na mestiçagem e vincu-
lava-se à nova imagem da vagabundagem. [...] o acento já não recai na distinção
biológica, e sim na cultural. (Schwarcz, 2012 p. 68)
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telligentsia proletaroide, que se caracterizava por estabelecer uma relação com a vida
boêmia, os escritores e artistas existentes desde a época romântica. Embora fosse um
segmento de parte da classe dominante, mas ligada ao ethos dos dominados, ele
apresenta uma ambiguidade estrutural de sua posição na estrutura da classe dominan-
te. Há a manutenção de uma relação ambivalente, tanto com as frações de classe
dominantes (os “burgueses”) como com as classes dominadas (o “povo”) (Bourdieu,
2011, p. 192); 2) inserção das mulheres no mercado de trabalho sob o lastro da do-
minação burguesa. Desta forma, as escolhas profissionais circunscrevem-se a este-
reótipos do que é ser o trabalho de mulher — enfermeira, professora e assistente
social —, entre outras categorias ligadas ao universo “doméstico e religioso”.
Dona Ivone Lara andava entre dois mundos: de um lado a realidade da classe
média vivenciada na escola e na universidade; de outro, o da família pobre de tra-
dição cultural negra. Portanto, era fruto de diferentes influências de classe e de
tradição cultural. “Encontrava na escola as meninas de classes sociais diferentes da
sua e, quando voltava para casa, se deparava com realidade das casas pobres do
subúrbio do Rio de Janeiro. Convivia com negros, brancos, com pessoas de eleva-
da formação escolar ou gente sem qualquer estudo” (Burns, 2009 p. 37). Concor-
damos com Darcy Ribeiro quando afirma que cultura afro-brasileira é
Uma cultura feita de retalhos do que o africano guardara no peito nos longos anos de
escravidão, como sentimentos musicais, ritmos, sabores e religiosidade. A partir des-
sas bases precárias, o negro urbano veio a ser o que há de mais vigoroso e belo na
cultura popular brasileira. [...] o nosso Carnaval, o culto de Iemanjá, a capoeira [...].
(Ribeiro, 2008, p. 204-205)
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Sua trajetória profissional teve início na enfermagem, como visitadora social
na Escola Anna Nery (EAN). Após trabalhar durante seis anos, foi fazer o curso de
Serviço Social, concluído em 1947.
Lara passou a integrar outra profissão onde a presença de negros, pelo menos no Rio
de Janeiro, sempre foi majoritária: a área de enfermagem. Ela teria exercido esta
profissão por seis anos apenas, porque tempos depois começaria no Rio de Janeiro o
curso de Serviço Social para formação de assistentes sociais. Lara então volta para os
bancos escolares para fazer os cursos complementares que lhe confeririam o título de
assistente social, profissão que exerceu com orgulho e dedicação por trinta e sete anos
até o momento de sua aposentadoria, em 1977. (Santos, 2005, p. 16; grifos nossos)
Em 1942 havia 222 alunas matriculadas na Escola Anna Nery, no Rio de Janeiro,
sendo que 75 (que não eram internas) faziam o “curso de guerra”. Em 1942, a Cruz
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Vermelha Brasileira (que se instalara no país desde 1908) ofereceu 44 cursos de en-
fermagem que formaram cerca de 2.500 voluntárias. O voluntariado destas enfermei-
ras não profissionais conotava sua disposição de servir à pátria. Provavelmente estas
mulheres voluntárias não tinham relação com as tradicionais enfermeiras de carida-
de, ligadas a ordens religiosas, cujo discurso centrava-se na ajuda ao próximo, mas
sem apelo patriótico. (Cytrynowicz, 2000, s/p.; grifos nossos)
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1947 até 1977. Cabe também frisar que quem era “assistente social psiquiátrica”
no período desfrutava de enorme prestígio e bom retorno financeiro, pois havia um
enorme reconhecimento do “capital simbólico” da profissão, no sentido dado por
Bourdieu, com potencialidades de também abrir novas chances de valorização
econômica para os profissionais (Vasconcelos, 2000, p. 169).
Durante esse período trabalhou com a dra. Nise da Silveira, que foi sua su-
pervisora e estava iniciando uma proposta terapêutica inovadora, ligada à arte.
Doutora Nise da Silveira era minha supervisora no Serviço Social. Ela ainda não tinha
fundado a Casa das Palmeiras nem começado a fazer tratamentos revolucionários,
mas já sabia que era importante avaliar a família dos pacientes. (Lara, apud Burns,
2009, p. 86)
[...] chamou-nos atenção pelo ambiente acolhedor da obra. Os clientes têm inteira
liberdade de locomoção, as portas são mantidas abertas, sem vigia, há um inter-
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-relacionamento entre os membros da equipe e os doentes, na realização das ativida-
des, promovendo o clima terapêutico, indispensável à reabilitação do enfermo mental.
(Silva e Simas, 1961, p. 18, apud Gomes, 1997, p. 156)
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Como síntese do material apresentado, podemos verificar que Dona Ivone
Lara estava situada “entre dois mundos”, do “velho” modelo de mulher abrindo-se
ao “novo” da profissão, que contribuíram de forma diferenciada para um novo
alvorecer do pensar e do praticar o Serviço Social brasileiro.
Considerações finais
As pioneiras partilhavam as transformações societárias advindas do capitalis-
mo, da urbanização, das guerras, bem como da inserção da mulher no trabalho e na
vida pública, refletidas na criação das políticas sociais e da própria profissão. O
estudo sobre Dona Ivone Lara nos proporcionou um reconciliamento com a histó-
ria da primeira geração profissional, ao humanizar as pioneiras e nos humanizarmos
em nosso tempo “maduro”. Elas não foram feministas, não eram de esquerda; foram,
sim, mulheres reformistas em sua maioria, que contribuíram para a criação do
Serviço Social brasileiro e para o avanço das políticas sociais nos limites da época:
histórica, social, política e cultural, cadenciadas em suas trajetórias subjetivas.
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