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Sebenta de Direitos Fundamentais

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Conceito e Axiologia de Direitos Fundamentais

Introdução

Nesta cadeira vamos tratar dos direitos fundamentais da pessoa humana tal como surgem na
Constituição Portuguesa, isto é, os direitos mais importantes que uma pessoa têm no âmbito de
uma comunidade política, nesta caso da comunidade política portuguesa.

Teremos uma aproximação teórica aos problemas dos direitos fundamentais seguidos de uma
intensa visão jurisprudencial dos mesmos. Nesta cadeira vamos usar muito a jurisprudência como fonte
de estudo.
A ideia de que o precedente só vale na common law é errada, hoje em dia há aquilo que podemos chamar
uma cultura do precedente, cada vez mais as decisões dos tribunais são importantes para entendermos
uma determinada matéria. E são tão mais importantes quanto mais indeterminado forem os textos onde
as decisões se baseiam, para compreender letra vaga ou lata é preciso ver jurisprudência, que ilumina
qual o âmbito dessa letra. O texto dos direitos fundamentais é por via de regra bastante indeterminado,
o catálogo dos direitos fundamentais da nossa Constituição é algo indeterminado, hoje em dia sem
aproximações do texto dos direitos fundamentais à realidade concreta leva a que não haja um
entendimento dos conteúdos de cada direito, e essa aproximação é feita mediante a jurisprudência do
Tribunal Constitucional. Assim, a abordagem que vamos ter nesta cadeira vai ser fortemente
jurisprudencial.

Além disso, teremos uma disciplina largamente baseada em jurisprudência pois além de tratarmos dos
direitos fundamentais vamos tratar da justiça constitucional. Isto é saber de que modo é que estes
direitos fundamentais são ou não protegidos através do sistema jurisdicional. Já falamos em Direito
Constitucional da fiscalização da constitucionalidade, por isso aqui vamos apenas concretizar uma
matéria muito específica que é a mais relevante do ponto de vista prático: o recurso de
constitucionalidade.

Programa da Cadeira

I Conceito de Direitos Fundamentais – vamos tratar de saber o que são direitos fundamentais,
como se distinguem dos direitos humanos, que tipos de direitos fundamentais existem, em que sentido
é que se fala de gerações de direitos fundamentais, qual é que é a lista dos direitos fundamentais da
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nossa Constituição, os direitos fundamentais que possam não estar escritos na nossa Constituição e por
aí fora.

II Axiologia dos Direitos Fundamentais – Vamos falar no sentido ultimo dos direitos
fundamentais. Prende-se este sentido com a especial protecção da pessoa humana, o carácter intocável
da dignidade humana. Carácter esse que vamos ver que vai ter expressão em todos os direitos
fundamentais. Simplesmente há alguns casos em que não há nenhum direito fundamental que esteja
em causa e temos de nos perguntar o que é que determinaria o próprio Princípio da Dignidade da
Pessoa Humana.
Todos os direitos fundamentais protegem algo que é fundamental para a pessoa humana, e
por isso é que podemos dizer que em última analise temos de perguntar qual é que é o próprio sentido
da dignidade da pessoa humana. Aliás, do sentido da dignidade humana vai ser possível deduzir o
sentido de cada um dos direitos fundamentais.

III Força Normativa dos Direitos Fundamentais – Onde vamos ver que é a lei que existe em
função do direitos fundamentais e não os direitos fundamentais que existem em função da lei. Ou seja,
os direito fundamentais têm primazia sobre a própria lei. Depois da segunda guerra mundial a ideia que
ficou assente foi que os direitos fundamentais valem para além da lei.
Os direito fundamentais vão ser garantias ao nível dos diferentes ramos do direito.
Vamos ainda ver restrições aos direitos fundamentais, de forma pouco rigorosa, as restrições aos
direitos fundamentais são casos em que há uma derrogação do direito fundamental, isto é, apesar do
direito fundamental parecer valer para determinadas situações vai ser no entanto limitado em nome de
outros interesses ou valores que também sejam relevantes para o caso.
Não podemos deixar de ir tocar no tema da vinculação das entidades públicas e privadas que
vincula todas as entidades públicas.

IV Isonomia dos Direitos Fundamentais – Já falámos do Princípio da Igualdade várias vezes, o


princípio da igualdade é um dos princípios mais importantes de direito, há autores que dizem até que o
grande princípio de qualquer comunidade política é o princípio que os poderes públicos têm de tratar
aqueles que governa com respeito e consideração mas não apenas com respeito e consideração, têm de
tratar as pessoas com igual respeito e consideração. Todas as pessoas são igualmente dignas e não
apenas dignas.
Neste ponto do programa vamos ver dois casos como o crime de atos homossexuais com adolescentes e
a igualdade na contratação pública e privada.

V Regime Específico dos Direitos Sociais – Vamos ainda ver o regime dos direitos sociais, como
o subsídio de desemprego, a questão do arrendamento urbano do rendimento social de inserção e do
apoio judiciário.

VI Garantia Jurisdicional dos Direitos Fundamentais – Onde como já indicamos vamos ver
apenas brevemente a fiscalização da constitucionalidade e vamos focar-nos maioritariamente no
recuso de constitucionalidade. Isto é o que têm maior importância na vida prática de um jurista, a
fiscalização concreta, daí que esta cadeira seja tida como uma cadeira onde vamos trabalhar muito com
jurisprudência. Como já sabemos a fiscalização abstracta opera entre as entidades públicas é pedida ou
pelo Provedor de Justiça ou pelo Presidente da República ou pelo Procurador Geral da República etc…
sendo depois contestada ou não pelo órgão autor da norma, que pode ser a Assembleia da República ou
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o Governo, tudo isto se passa sem interferência de advogados ou juízes dos tribunais comuns, tudo isto
se passa ao mais alto nível institucional.
Já a fiscalização concreta interessa mais na prática. Qualquer que seja o ramo do direito em
questão pode surgir uma questão de direitos fundamentais que pode ser suscitada em primeira linha
perante os tribunais judiciais sendo que em última linha pode chegar ao Tribunal Constitucional, e é
precisamente neste processo que os direitos fundamentais revelam a sua importância prática na vida
de jurista advogado. Por exemplo: a acção de investigação de paternidade1 pode ser oposta, o reu pode
defender-se desta acção alegando que o prazo para tal acção já passou. No entanto por via dos direitos
fundamentais a outra parte pode defender-se pelos direitos fundamentais com base no direito
fundamental de conhecer os pais2, e os direitos fundamentais são imprescritíveis, não prescrevem.

Conceito

São os direitos das pessoas enquanto tais, individual ou institucionalmente consideradas, que
estão assentes na Constituição (formal e material) – noção de Jorge Miranda .

Partindo desta definição de Jorge Miranda, não nos afastando dessa noção, é possível dar uma
definição ligeiramente diferente: direitos fundamentais são os direitos de maior importância que
as pessoas têm no âmbito de uma comunidade política e que, por isso, estão consagrados na
constituição.
Partindo desta definição, podemos dizer que há 3 elementos fundamentais para que falemos em
direitos fundamentais:

1) A existência de uma esfera de liberdade ou autonomia das pessoas em face do Estado


- Não há direitos fundamentais onde a pessoa só existe no âmbito de posições jurídicas
concedidas por um estado que as absorve/que não lhes deixa espaço de liberdade, que
planeia e controla todos os aspetos da sua vida. Por isso, não há direitos fundamentais nos
estados totalitários e não têm também verdadeira eficácia os direitos fundamentais nos
estados autoritários.

2) Oposição ao Estado – os direitos fundamentais não são apenas esferas de liberdade das
pessoas por si mesmas consideradas, são esferas de liberdade das pessoas em face do
poder soberano/poder do Estado. Quanto muito, hoje entende-se que também deve haver
direitos fundamentais em face de entidades não públicas que estejam numa particular
posição de poder. Por exemplo: os direitos dos trabalhadores em face de uma empresa.
Mas isso é já uma extensão do sentido originário dos direitos fundamentais.
Originariamente, estes são direitos em face do estado/ de um estado que tem
simultaneamente de:

1 Acção em que alguém quer que o juiz declare o reu como pai de alguém.
2 Direito ao conhecimento da origem genética.
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a) Respeitar esses direitos fundamentais/ não invadir a esfera de autonomia


das pessoas;

b) Proteger adequadamente esses direitos fundamentais, ou seja, garantir,


nomeadamente através da lei, que essas esferas de liberdade responsável
são devidamente salvaguardadas. Por isso é que introduzimos na noção de
Jorge Miranda, a ideia de comunidade política , que está ausente na noção
deste.

3) A Constituição – a constituição é, antes demais, um texto que consagra a lei fundamental


de uma comunidade política, onde estão incluídos os direitos fundamentais que existem
nos membros dessa comunidade.

O que tem uma constituição? Essencialmente tem dois grandes elementos de base, de acordo
com o que se dizia na declaração dos direitos do homem e do cidadão de : um estado que não respeita
os direitos fundamentais e não tem separação de poderes não tem constituição3.
Logo, uma constituição tem de ser, fundamentalmente, uma lei superior da comunidade política
que organiza o exercício do poder no âmbito dessa comunidade e que reconhece um estatuto de
liberdade a cada pessoa. Assim, essencialmente, as constituições regulam, numa parte, a organização do
poder político e outra parte relacionada com os direitos fundamentais. Hoje em dia, muitas
constituições têm ainda um terceiro elemento, organização económica, mas este já não é
constitutivamente essencial para considerar um conjunto de normas como uma constituição material.

Direitos Fundamentais vs. Direitos do Homem

Estes direitos fundamentais distinguem-se, em alguma medida, dos chamados direitos do


Homem ou direitos humanos.

Quanto aos direitos humanos pensamos nos direitos das pessoas que têm uma pretensão
universal que ultrapassa as circunstâncias históricas e culturais de cada estado, embora não as
circunstâncias civilizacionais do tempo. Esses direitos humanos são uma espécie de mínimo ético
universal ou parauniversal, é como se, querendo nós dizer, o que é que é o padrão comum ético a todo
um espaço civilizacional encontrássemos esse mínimo denominador comum nos direitos do homem/
direitos humanos. Portanto, os direitos humanos são os direitos que são reconhecidos
internacionalmente à pessoa por força da sua humanidade. São direitos comuns ou tendencialmente
comuns a todos os seres humanos.
Podemos exemplificar, com catálogos de direitos, estas noções:

3 Lembrar a diferença entre Constituição Material e Formal dada a Constitucional.


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1) Direitos Fundamentais: Temos um catálogo de direitos fundamentais, por


exemplo na nossa Constituição não apenas do artigo 24º a 79º que se referem
especificamente a direitos fundamentais, mas também na CRP como um todo, onde
aparecem várias expressões de direitos da pessoa decorrentes da sua dignidade
e reconhecidos pelo Estado de direito democrático. Temos ainda um outro
catálogo de direitos fundamentais na carta de Direitos Fundamentais da UE 4,
aqui, é curioso que se fala ainda em direitos fundamentais e não em direitos do
homem, precisamente, porque a UE tem já todos os contornos de uma verdadeira
comunidade política. Na UE, não está em causa apenas uma comunidade de
direito internacional, mas uma verdadeira comunidade política,
tendencialmente equiparável aos Estados. Mas como não se sentiu a certeza de que
haveria uma verdadeira comunidade política, a carta foi aprovada apenas em
anexo ao TFUE5. É curioso porque se tivesse sido aprovada em conjunto com o
Tratado de organização do poder político da UE, nós teríamos aí todos os elementos
de uma verdadeira constituição. Seja como for, em anexo ou não, a verdade é que ela
está aprovada nos mesmos termos que o TFUE. Logo, vincula nesses termos.

2) Direitos do Homem: Começámos já a falar em direitos humanos ou do homem


quando passamos para o plano da comunidade internacional, aí temos o grande
catálogo de direitos humanos, que foi a matriz do catálogo de direitos da nossa CRP
que é a DUDH6. Esta DUDH, aprovada na Assembleia Geral das Nações Unidas, ainda
que não tenha poder vinculativo6. A DUDH tem um catálogo de direitos sociais, que
emergiu na sequência da bipolarização do mundo (II Grande Guerra), que pretende
ser o mínimo comum entre os 2 blocos e esse mínimo denominador comum universal
foi o que historicamente serviu de inspiração ao catálogo de direitos da CRP, em 1976.
É aliás, por isso, que a CRP diz, no seu artigo 16º nº2, que a CRP deve ser
interpretada e integrada de acordo com a DUDH. De grande relevância ainda, no
quadro dos direitos do homem, é a convenção europeia dos direitos do homem -
CEDH.7 Esta CEDH é, essencialmente, uma lista de direitos de liberdade e não prevê
direitos sociais. A sua preocupação é, fundamentalmente, garantir a liberdade da
pessoa em face do estado/em face do poder público. Essa convenção europeia prevê
um catálogo de direitos que tem sido amplamente desenvolvido pela jurisprudência
do TEDH 8 . Este conjunto (CEDH associada à jurisprudência que a concretiza e
explícita) deve ser, tal como a DUDH, um parâmetro de interpretação e integração da
nossa constituição. Não significa isto que não haja direitos do homem para além dessa
convenção 9 . Já se discutiu se essa convenção devia ou não ser parâmetro da
nossa constituição. António Cortês considera que deve ser. Já uma posição mais

4 Aprovada em anexo ao Tratado de Lisboa


5 Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia 6
Declaração Universal dos Direitos Humanos.
6 Porque a AG da ONU não tem poderes para aprovar medidas que vinculem os Estados.
7 A que Portugal aderiu em 1976, na sequência do 25 de Abril e da aprovação da nova CRP. Convenção Europeia

dos Direitos do Homem.


8 Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.
9 Por exemplo, os direitos do homem em face da biomedicina que estão previstos na Convenção de Oviedo.
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fechada como a do Tribunal Constitucional entende que a nossa CRP deve ser
auto-referencialmente entendida no quadro estrito do seu texto e, por isso, não
está aberta à ponderação do direito internacional. Isto significa a exclusão dos
direitos do homem como parâmetro de valoração do catálogo de direitos
fundamentais consagrados na CRP.

Portanto, hoje temos catálogos de direitos do Homem e temos catálogos de direitos


fundamentais. Discute-se qual o exato nível de abertura do catálogo de direitos fundamentais da nossa
CRP.

A diferença entre os dois conceitos nem sempre é fácil de traçar uma vez que os direitos
fundamentais e os direitos humanos coincidem muitas vezes, tanto no seu objecto como na sua
finalidade. A diferença estará talvez no facto dos direitos humanos serem pré-existentes e mais
abrangentes que os fundamentais, pois para que haja um direito fundamental tal como o definimos
supra é preciso que haja uma comunidade que os defina.

História

Este verdadeiro passo civilizacional que é a afirmação categórica dos direitos fundamentais e
dos direitos do homem veio verdadeiramente depois da Segunda Guerra Mundial. Jorge Miranda
defende que há uma pré-história dos direitos fundamentais que começa com a Antiguidade Clássica
que se estende durante a Idade Média com as regalias e privilégios estatutários concedidos pelo
monarca, que se prolonga durante a idade moderna com a afirmação do jusracionalismo e da existência
de direitos do homem, ainda que apenas no plano filosófico e que, verdadeiramente, só se podia falar
em direitos fundamentais com as constituições liberais do fim do séc. XVIII e XIX.

António Cortês discordando de Jorge Miranda, considera que, verdadeiramente, quando


falamos das constituições liberais, com a revolução Francesa, estamos ainda na ante-historia dos
direitos fundamentais porque só podemos falar em dirietos fundamentais com o significando pleno
após a Segunda Guerra Mundial.

Só há verdadeiros direitos fundamentais a partir do momento em que a liberdade da


pessoa não é totalmente disponível pelo poder legislativo , mas esses direitos fundamentais são
diretamente aplicáveis, mesmo acima da lei.

Logo, verdadeiramente, a história dos direitos fundamentais começa quando, como reação ao
momento zero desses direitos (o holocausto e genocídio nazi) surge a constituição de Bona (1948). É
esta constituição que, pela primeira vez, afirma que os direitos fundamentais são previstos na
constituição, directamente aplicáveis e valem mesmo acima da própria lei. Portanto, há aqui uma
afirmação absolutamente categórica de que a pessoa é primordial relativamente à lei. De que que,
primeiro importa cada pessoa e que essa lei só existe com validade ou verdadeira legitimidade se
estiver ao serviço das pessoas.
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A pré-história surge na Liberdade dos antigos, antiguidade clássica. A liberdade dos antigos
era a possibilidade que cada cidadão10 tinha de participar na vida da cidade. A sua liberdade só se
compreendia como uma liberdade de participação na vida da cidade. A sua esfera de autonomia
decorria das tradições e costumes. Mas, quando falamos em pré-história dos direitos fundamentais na
Antiguidade Clássica, o que estamos a pensar é na Grécia e Roma e na capacidade/ poder que as pessoas
tinham de participação na vida política votar e ser eleito para cargos públicos. É evidente que, aí, era
impensável uma lista de liberdade das pessoas. Jamais o direito da Grécia antiga ou o direito romano
tiveram uma lista de direitos das pessoas. Logo, o poder que as pessoas tinham em face do estado era o
poder de participarem na elaboração das suas leis.

Depois, na idade media, também não se pode verdadeiramente falar de direitos fundamentais.
Porquê? Porque as liberdades que as pessoas tinham eram concessões do monarca aos seus súbditos,
isto é, as pessoas não tinham o direito de exigir nada, o monarca é que podia, graciosamente/ por sua
vontade conceder liberdades às pessoas. Mas elas não tinham o poder de exigir nada, não tinham o
poder de reivindicar esferas de liberdade. Logo, não se pode falar em direitos fundamentais durante a
Idade Média.

A partir da modernidade ( séc. XVI), um jesuíta - Francisco Suarez ( 1640- responsável pela
Restauração da independência) defendeu que um rei que se torne tirano e não respeite as liberdades do
povo pode ser deposto. Em 1640, entendeu-se que os reis espanhóis não respeitaram as liberdades do
povo português e , por isso, o povo estaria legitimado para excluir o poder do rei. Há já aqui uma
afirmação do poder/ liberdades do povo sobre o estado. Francisco Suarez diz que O homem é live por
natureza , mas isto é ainda muito incipiente na afirmação do direitos fundamentais. Porque afirmar que
o homem é livre por natureza significa excluir a escravatura. Na altura, isto era um grande avanço pois
a escravatura era norma e é a forma mais radical de supressão da liberdade de uma pessoa. Mas , isto é
ainda um patamar mínimo. Por outro lado, a liberdade de depor os monarcas tirânicos é ainda uma
possibilidade muito radical, pois só quando monarca se torna tirânico é que se torna possível depô-lo.

Há quem diga que Locke e Hobbes terão sido a primeira afirmação, a nível jusfilosifico, de um
estatuto de liberdade próprio das pessoas.

De qualquer forma, há algo indubitável: mesmo para esses autores, a esfera de liberdade
das pessoas é apenas uma afirmação filosófica que tem por aspiração máxima transformar-se
em lei. Não e , ainda a verdadeira afirmação dos direitos como algo acima da lei.

Depois, chegamos à Revolução Francesa com a sua grande tríade : Liberdade, Igualdade e
Fraternidade. Porém, estes 3 grandes valores da Revolução Francesa ficaram todos em boa parte por
realizar durante o liberalismo.
O que nós assistimos no liberalismo foi um afirmação exponencial da liberdade individual e à
correlativa supressão, por exemplo, das liberdades coletivas ( proibição da liberdade de associação
ou a liberdade religiosa não abrangia a possibilidade de os crentes se reunirem em conventos. Ex: em

10 Exemplos os atenienses ou romanos


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Portugal, durante o liberalismo, foram extinguidas as ordens religiosas. A


igualdade também ficou por cumprir neste período do liberalismo, como diz um autor contemporâneo
todos são igualmente livres d dormir debaixo da ponte , uns podem evitar fazê-lo e outros não. Não
houve uma igualdade (mesmo em termos de participação política, as pessoas não tinham igual
capacidade de participação política; não havia qualquer preocupação em relação à
supressão da ignorância e da miséria humanas; toda e qualquer tipos e preocupação social em face dos
mais desfavorecidos esteve praticamente ausente).
A fraternidade também foi letra morta durante o período do liberalismo. Uma liberdade individual,
uma igualdade meramente formal e uma fraternidade que era palavra oca e vazia. Logo, em boa medida,
o atual sentido dos direitos fundamentais ficou por cumprir durante o período liberal.

Na nossa Constituição Liberal de 1922 havia um catálogo enorme de direitos; no artigo 144º da
Carta Constitucional de 1926 também há um catálogo relativamente extenso, embora não tão extenso,
de direitos fundamentais. Simplesmente esse catálogo não tinha garantia jurisdicional efetiva, e portanto
não tinha verdadeira força de direito, tinha uma força proclamatória, tinha uma força política, mas não
tinha verdadeira força de direito – esses catálogos de direitos fundamentais eram uma espécie de soft
law, direito sem garantia.

Estatuto de Liberdade das Pessoas

Se quiséssemos dizer o que a nossa CRP prevê em termos de estatuto de liberdade das
pessoas, o que são então para a nossa comunidade direitos fundamentais , poderíamos dizer que há
essencialmente 8 grandes setores de liberdade das pessoas:

1) Os direitos de personalidade- vida / integridade física / identidade pessoal...

2) As liberdades de comunicação- liberdade de expressão, liberdade de imprensa,


inviolabilidade da correspondência...

3) Direitos do trabalhador - direito à segurança no emprego, justa retribuição,


higiene e segurança no trabalho.

4) Direitos de propriedade e livre iniciativa privada- direitos das pessoas


usufruírem de bens que acumularam inclusivamente de meios de produção.

5) Garantias no âmbito da justiça criminal – princípio da legalidade criminal,


presunção de inocência, processo equitativo.

6) Garantias dos administrados em face da Administração Pública – direito ao


recurso contencioso (impugnação dos atos administrativos, direito à fundamentação
dos mesmos).

7) Direitos de participação política - nomeadamente, o direito de eleger e direito de


ser eleito para cargos públicos
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8) Direitos sociais – direitos a apoio do estado, em caso de necessidade: ensino,


segurança social

Direitos de Liberdade e Direitos Sociais

Este catálogo de direitos fundamentais que está na CRP tem uma espécie de subdivisio, uma
magna distinção, uma grande distinção que é a distinção entre 2 tipos de direitos:

1) Direitos de liberdade

2) Direitos sociais

Os Professores Rui Medeiros e Vasco Pereira da Silva (em termos ainda mais radicais):
defendem que há uma unidade entre direitos de liberdade e direitos sociais. Mas é importante termos
consciência também das diferenças, que são essencialmente duas (há diferenças também quanto ao
regime, mas isso são diferenças que decorrem destas duas diferenças fundamentais). O que é que
distingue os direitos de liberdade dos direitos sociais? São dois os critérios, a estrutura e o
princípio justificador.

1) Estrutura:

• Direitos de liberdade (direitos, liberdades e garantias): são direitos ao respeito


por uma esfera pessoal de existência de liberdade ou de ação, que pressupõe uma
correlativa abstenção, omissão ou não ingerência por partes dos poderes públicos.
São portanto esferas de liberdade salvaguardadas em face do poder público.
Simplificando, são esferas de autonomia que se realizam por si próprias, exigindo-se
do Estado apenas a sua não ingerência, impõem ao Estado apenas um dever de
abstenção. Exemplos: direito a integridade física; direito à intimidade da vida
privada; direito à liberdade de expressão; direito ao livre exercício de uma profissão;
direito a aceder a cargos públicos; direito a votar; direito de propriedade; e direito de
iniciativa económica privada – são tudo liberdades em que as pessoas não querem ter
ingerência por parte do Estado.

• Direitos sociais: são direitos a prestações sociais positivas, que têm como correlato
um dever de ação por parte do Estado. Exemplos: direitos a cuidados de saúde
tendencialmente gratuitos (direito que pessoa tem a que o Estado comparticipe,
pague uma parte, dos cuidados de saúde que as pessoas recebem – aqui está a tal
prestação por parte do Estado); direito a subsídio de desemprego (direito que as
pessoas têm no caso de ficarem sem trabalho, de durante determinado período
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limitado de tempo, terem acesso ao pagamento de uma prestação, que


corresponderá a uma percentagem do ordenado que a pessoa recebia antes de ficar
desempregada, dependendo dos casos); direito ao rendimento mínimo garantido
(hoje em dia já não se chama assim) – aqui as pessoas querem que o Estado as ajude.

É muito diferente haver um espaço de não ingerência e um espaço de ingerência. Por exemplo, a
pessoa tem direito à integridade física, não é preciso que o Estado preste um serviço para
garantir a integridade física, em princípio, é preciso é que salvaguardem essa integridade física
da agressão de terceiros, sejam pessoas, seja o Estado. Já quanto aos direitos sociais, estes são
direitos a um auxílio estatal ou, eventualmente, a um auxílio por parte da sociedade, porque os
direitos sociais também se realizam através da sociedade civil (ex: papel que em Portugal têm
as IPSS, Instituições Particulares de Solidariedade Social). É muito diferente as pessoas apenas
pretenderem que não interferiam na sua vida (cerne da ideia dos direitos de liberdade) ou
pretenderem precisamente o inverso, isto é, que interferiam na sua vida para serem ajudadas
(lógica dos direitos sociais).

Portanto de uma forma porventura dogmaticamente pouco rigorosa, mas mais coloquial e
porventura mais explicativa, os direitos de liberdade são direitos a não interferência do
estado, enquanto que os direitos sociais são direitos a um auxílio do Estado.

2) Princípio justificador: podemos dizer que o princípio justificador é diferente.

• Nos direitos de liberdade a sua ideia base é a limitação jurídica do poder.

• Nos direitos sociais a ideia de base é a organização da solidariedade. Não é a


dignidade da pessoa humana, porque isso é a ideia chave de todos os direitos
fundamentais. Quando a pessoa é ajudada pelo Estado em situação de necessidade,
como sucede nos direitos socais, está em causa também a sua dignidade. Será o
Estado Social? Direitos sociais realizam-se também através da sociedade civil, em
liberdade e pluralista – esta sociedade livre e pluralista deve ter um papel
fundamental na realização dos direitos socias. Portanto é mais amplo que a ideia de
Estado Social. Mas qual é a ideia específica dos direitos sociais? Qual é que é o
princípio justificador? A organização da solidariedade. Esta é feita nomeadamente
através do Estado, mas que pode também ser levada a cabo pela sociedade civil (ex:
IPSS)

Semelhanças entre os direitos de liberdade e os direitos sociais

Podemos identificar semelhanças estruturais e semelhanças axiológicas.


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1) Semelhança estrutural: esta distinção que fizemos na prática não é tão clara como à
primeira vista possa parecer. Isto porque? Porque em última análise, em alguma
medida, todos os direitos pressupõe deveres de protecção por parte do Estado.
Simplesmente no caso dos direitos de liberdade esses deveres de proteção não são o
próprio conteúdo do direito, são apenas acessórios, são apenas garantias da
possibilidade de realização efetiva de um direito. Exemplo: o direito de votar é um
direito de liberdade – mas seria possível alguma vez as pessoas votarem se não
houvesse por parte do Estado uma organização do sistema eleitoral? Sem esta
organização por parte do Estado, o direito de voto seria um direito absolutamente
vazio, meramente proclamatório, não teria nenhuma efetividade. Um direito
claramente direito de liberdade, como seja o direito de votar, no fundo pressupõe
também deveres de prestação por parte do Estado; simplesmente o conteúdo
desse direito não está nesses deveres de prestação, está sim na liberdade que a
pessoa tem em ir votar e não ser impedida de votar, o sistema de organização eleitoral é
acessório desta liberdade. Isto é o contrário do que sucede nos direitos sociais. Nos
direitos sociais as prestações estatuais são o próprio conteúdo do direito, o direito
consiste precisamente numa prestação de bens ou serviços por parte do Estado. Há
este ponto comum, mas apesar de tudo é possível distinguir direitos sociais de direitos
de liberdade. Nos direitos sociais a proteção do Estado não é apenas garantística
da liberdade, a proteção do Estado é aquilo que diretamente se pretende. Ex:
quando se institui o subsídio de desemprego, o direito a essa prestação é o conteúdo
do direito social, que é o direito à segurança social.

2) Semelhança axiológica: é evidente que para além de haver esta semelhança


estrutural, também há uma semelhança axiológica: de facto todos os direitos se
fundamentam na dignidade da pessoa humana. Isto é, na ideia de que cada pessoa
tem um valor único e inestimável. Na ideia de que a vida de cada pessoa é única e
insubstituível e tem um igual valor relativamente à vida de todas as outras pessoas. Em
que medida é que nos direitos de liberdade está em causa a dignidade da pessoa
humana? Na liberdade religiosa, no direito de voto, na liberdade de escolha da
profissão, na liberdade de constituir família, no direito ao livre desenvolvimento da
personalidade, na identidade pessoal, no direito à privacidade, no direito à integridade
física, onde podemos dizer que realmente se protege a dignidade da pessoa humana?
Porque para as pessoas serem tratadas na sua dignidade, isto é, no seu intocável valor,
têm que ser reconhecidas como polos originários de liberdade. É certo que essa
liberdade não é uma liberdade ilimitada, é uma liberdade que se compreende no
contexto dos valores fundamentais da vida em sociedade. Mas essa liberdade nunca
pode ser absorvida por uma instituição detentora do poder publico, como é o caso do
Estado, tem sempre que haver uma esfera de liberdade e só assim é que
verdadeiramente se reconhecem as pessoas na sua dignidade e autonomia, isto é,
reconhecendo-lhes uma esfera de liberdade no contexto dos valores fundamentais da
vida em sociedade. Mas como é que podemos dizer que também está em causa a
dignidade humana no caso dos direitos sociais? Porque é que está em causa a dignidade
humana quando a pessoa recebe cuidados de saúde comparticipados pelo Estado ou
quando a pessoa está desempregada e recebe um subsídio de desemprego ou quando a
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pessoa não tem nenhum meio de subsistência e o Estado lhe dá um rendimento


mínimo? Como é que isto se liga à dignidade humana? Só se trata as pessoas com
dignidade quando não só se reconhece um espaço de liberdade a essas pessoas
no contexto dos valores fundamentais da vida em sociedade, mas também
quando o Estado se preocupa com as pessoas, não se desresponsabilizando em face
das situações em que as pessoas por falta de meios materiais não têm capacidade por si
mesmas para assegurar uma existência ou uma vida condigna. Ou seja, a dignidade da
pessoa humana não significa apenas respeito pela autonomia no quadro de valores da
vida em sociedade, supõe também o auxilio em caso de necessidade, supõe também
uma responsabilidade em face do destino de cada pessoa. Isto é muito importante
porque corresponde no fundo a uma visão antropológica em que a existência da pessoa
não é isolada, isto é, as pessoas existem no contexto de uma determinada constelação
de relações (família, amigos, colegas, a própria comunidade em que vivem), supondo
um conjunto de relações com os outros, e no contexto de uma determinada comunidade
política. Cada pessoa é o que é neste contexto. A antropologia, isto é, a visão que temos
do homem, não pode mais ser a do ato isolado, cada pessoa é tudo menos um ato
isolado, cada pessoa é um ser em relação no contexto de uma comunidade. E faz sentido
ser assim, porque de facto o individualismo do séc. XIX não trouxe bons resultados.
Como é que se define a dignidade da pessoa humana? Não há propriamente
definição. E o Tribunal Constitucional jamais arriscou definir a dignidade da
pessoa humana. E na doutrina também se conseguem apenas estabelecer
exigências da dignidade da pessoa humana. Mas como não é fácil definir aquilo
que verdadeiramente é o homem, também não será fácil definir com exatidão o
que é a dignidade da pessoa humana. Contudo o artigo 1º CRP remete claramente
para a dignidade da pessoa humana. Ao estabelecer que Portugal é uma República
soberana baseada na dignidade da pessoa humana. Este artigo acrescenta algo mais;
essa dignidade da pessoa humana relaciona-se com o que no artigo 1º? Com a vontade
popular e com a ideia de construção de uma sociedade livre, justa e solidária. Ou seja, a
dignidade da pessoa humana só se compreende neste contexto de respeito pela vontade
do povo e de construção de uma sociedade livre, justa e solidária. Simplesmente nós
assumimos verdadeiramente este princípio supõe que essa dignidade seja vista como
algo de axiologicamente superior, como algo que tem que ser interpretado e não
construído pela vontade popular, no quadro da construção de uma sociedade livre,
justa e solidária. Esta sociedade livre, justa e solidária não é mais do que o espelho do
respeito pela dignidade da pessoa humana, isto é, só há verdadeiro respeito pela
dignidade da pessoa humana onde houver empenho na construção de uma sociedade
livre, justa e solidária. Portanto esta ideia de sociedade livre, justa e solidária não é uma
ideia desligada da ideia de dignidade da pessoa humana, pelo contrário é o correlato
político da ideia dessa dignidade da pessoa humana. E também o respeito pela vontade
popular não pode ser desligado da dignidade da pessoa humana. Devemos entender
que a vontade popular nunca pode sacrificar a pessoa enquanto ser único e
insubstituível – a vontade popular pode apenas interpretar o sentido e o alcance dessa
dignidade da pessoa humana, mas não pode sobrepor-se à ideia de dignidade da pessoa
humana, está subordinada à ideia de dignidade no sentido que apenas a pode
interpretar. A ideia da dignidade da pessoa humana tem a sua origem filosófica em
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Kant, que fez aquilo a que ele chamava a revolução coperniciana, isto é, colocou o
homem no centro do mundo e é essa ideia do imperativo categórico da moral kantiana.

i. Primeira fórmula do imperativo categórico da moral kantiana: age de tal


modo que possas sempre querer que a máxima da tua ação se converta
numa lei universal . A pessoa deve agir de tal forma que possa sempre
querer que a sua máxima de ação se possa converter numa lei geral ou
universal.

Exemplo: quando uma pessoa deita lixo para o rio está a agir mal não apenas
pelo facto de ter causado aquela poluição numa medida ínfima, mas também
pelo facto de ao fazer isso ter de aceitar que todas as outras pessoas possam
fazer o mesmo. Portanto partindo da ideia de igual valor de todas as pessoas,
quando agimos não podemos ter apenas em conta as consequências da
nossa ação no caso concreto, temos que ter conta as consequências da
generalização dessa ação a todas as pessoas que possam eventualmente a
praticar.

ii. Segunda fórmula do imperativo categórico da moral kantiana, o cerne da


ideia da dignidade da pessoa humana está na segunda fórmula do
imperativo categórico de Kant: age de tal modo que trates a humanidade,
quer na tua pessoa quer na pessoa de qualquer outro, sempre
simultaneamente como um fim em si e nunca apenas como mero meio.

Direitos Fundamentais

O que são os direitos fundamentais? São precisamente concretizações deste imperativo


categórico; são concretizações da ideia de tratar a humanidade em cada pessoa como um fim em si
e nunca apenas como um meio subordinado em interesses que são exteriores à pessoa. Portanto a
pessoa não pode ser instrumentalizada. Exemplo: trabalhador quando é utilizado como meio de
produção não está a ser instrumentalizado? Imaginando que trabalha numa fábrica a construir
automóveis, sendo que a única coisa que faz é dar meia volta a uma porca numa série infinita de
automóveis que vão passando – reduzido ao papel de uma máquina. Uma situação destas é óbvio que
contente com a dignidade da pessoa humana, a pessoa é um mero meio numa cadeia de produção. Mas
o imperativo categórico não impede que a pessoa tenha funções, que a pessoa se instrumentalize,
porque diz-se assim: age de tal modo que trates a humanidade, quer na tua pessoa, quer na pessoa de
qualquer outro, sempre simultaneamente como um fim em si e nunca como mero meio. Portanto se a
pessoa for tratada como meio, mas simultaneamente como fim em si, então já há respeito da
dignidade humana. Ex: se o trabalhador não for reduzido a papel de mero instrumento de produção,
mas lhe for dado um trabalho que lhe permita realizar-se como pessoa, já estará a ser tratado como um
fim em si – aquele trabalho não é apenas mais um momento no processo de produção, mas é também
uma forma de realização da pessoa, a pessoa está a ser tratada como um fim em sim.
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Baseado neste imperativo categórico kantiano, houve um autor alemão, Dürig, que estabeleceu
uma fórmula para sabermos quando é que a dignidade da pessoa humana estava a ser violada.
Teoria de Dürig: a dignidade humana é atingida sempre que o homem concreto é degradado à
condição de objeto de mero meio de uma medida fungível (substituível). Ou seja, a dignidade da
pessoa humana é posta em causa quando a pessoa não for tratada como alguém insubstituível, e for
tratada apenas como instrumento, ou objeto, não como um sujeito, mas como mero instrumento ou
objeto.

Casos Práticos
Caso prático 1.2 – Fundamentação dos Atos Administrativos

O Decreto-Lei nº 256-A/77, de 17 de Junho, emitido ao abrigo de autorização legislativa, veio


estabelecer o dever de fundamentação adequada de todos os atos administrativos que afetassem
direitos ou interesses legalmente protegidos dos particulares. Posteriormente, o Decreto-Lei nº
356/79, de 31 de Agosto, (diploma emanado sem autorização legislativa), veio estabelecer que os
atos de transferência e exoneração de funcionários do escalão superior da Administração Pública,
quando praticados legalmente no uso de poderes discricionários, se deviam considerar
suficientemente fundamentados com a simples invocação de conveniência de serviço . Entretanto,
ao abrigo deste último diploma, o Ministro dos Negócios Estrangeiros exonerou do cargo de adido
cultural em Viena o maestro António Vitorino, invocando exclusivamente a existência de
conveniência de serviço . Inconformado, o maestro António Vitorino recorreu da decisão para o
Supremo. Tribunal Administrativo, que anulou o ato recorrido com fundamento na
inconstitucionalidade orgânica do Decreto-Lei nº 356/79. Tendo o Ministério Público recorrido da
decisão para o Tribunal Constitucional, este decidiu pela inconstitucionalidade material do mesmo
Decreto-Lei nº 356/79. Nota: no texto original da Constituição, o direito dos administrados à
fundamentação dos atos administrativos não estava expressamente consagrado, tendo sido
introduzido apenas com a revisão constitucional de 1982.

Onde é que estão consagrados os direitos fundamentais? Na Parte I da CRP (24º a 79º)
temos o chamado catálogo de direitos fundamentais, é aqui que encontramos a generalidade dos
direitos fundamentais do ordenamento constitucional português. Aqui é importante saber que a nossa
constituição se divide em 2 categorias de direitos fundamentais:

1)Direitos, Liberdades e Garantias – são direitos fundamentais reforçados, beneficiam de um


regime característico na nossa constituição. Esse regime aplica-se aos DLG previstos, como aos
direitos fundamentais que sejam considerados análogos aos DLG
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2)Direitos Económicos e Sociais

Existem mais direitos fundamentais para além dos que temos neste catálogo? Em primeiro lugar
cingindo-nos à constituição, para além dos direitos elencados neste catálogo, existem mais direitos
fundamentais na nossa CRP, são chamados direitos fundamentais dispersos ao longo da
constituição. Exemplo: 268º nº3º direito fundamental à fundamentação dos atos
administrativos

Este caso trata de dois DLs, um que foi emitido ao abrigo de autorização legislativa, e outro que
foi emanado sem a tal autorização legislativa.
Esta matéria é de reserva relativa, o que significa, que à partida só a AR pode legislar, exceto
nos casos em que a AR emana uma lei de autorização que habilita o governo a fazer um DL autorizado.

O que é que estava em causa nesta hipótese? Em 77 entrou em vigor o Decreto-Lei no 256A/77
que vem estabelecer que todos os atos administrativos que afetassem direitos ou interesses legalmente
protegidos dos particulares, deveriam ter uma fundamentação adequada. Contudo, surgiram
dúvidas sobre o alcance deste dever de fundamentação relativamente aos actos administrativos
praticados pela Administração no âmbito do seu poder discricionário, isto é, no âmbito do poder que a
Administração beneficia onde tem uma certa margem de apreciação para tomar decisões. Para
esclarecer estas dúvidas entrou em vigor um 2º DL, o nº356/79, de 31 de Agosto que vem esclarecer o
alcance deste dever de fundamentação relativamente a uma categoria especifica de atos praticados pela
Administração no uso deste poder discricionário, que eram os atos de transferência e exoneração de
funcionários do escalão superior da Administração publica.

Basicamente, este DL vem estabelecer que relativamente a este tipo de actos administrativos o
dever de fundamentação se deveria considerar cumprido com a simples invocação de conveniência de
serviço . Apoiando-se neste 2º DL o Ministro dos Negócios estrangeiros exonerou do cargo de adido
cultural o maestro António Vitorino, invocando simplesmente a conveniência de serviço. António
Vitorino recorre desta decisão para o Supremo Tribunal Administrativo, invocando a invalidade do acto
administrativo de desoneração pelo facto do mesmo se basear num DL, o de 79, que é inconstitucional
– Tanto o Supremo Tribunal Administrativo como o TC vieram a dar-lhe razão.

Qual o direito fundamental que pode estar aqui em causa?

1º - Direito fundamental à impugnação dos atos administrativos – 268/4 + 20º

2º - Direito fundamental à fundamentação dos atos administrativos – Vimos que está previsto
no 268/3, no entanto este caso não ocorreu hoje, hoje em dia seria simples, o ato de exoneração
do funcionário é um ato que afeta um direito ou interesse legalmente protegido, e a invocação
de conveniência de serviço não chega a ser uma fundamentação adequada.

O problema, deve se ao facto, de que quando o ato administrativo foi praticado, este direito
fundamental à fundamentação de atos administrativos não tinha ainda sido incorporado na
constituição, foi incorporado em 1982, como tal vamos esquecer que este direito está consagrado
na constituição para o caso.
Portanto, temos um direito que foi consagrado no 1º DL que vem estabelecer um dever à
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administração de fundamentar de forma adequada todos os atos administrativos que afetassem direitos
ou interesses legalmente protegidos.
A questão que se coloca, é que este direito que se encontra previsto à data num simples DL,
pode ser considerado um direito fundamental ou não? Será que temos aqui já um direito
fundamental autónomo?

A questão que é colocada é se é possível admitir a existência de direitos fundamentais que


não estão previstos na constituição, mas estão previstos em legislação interna. E, a verdade é que
sim, é possível. Está previsto na CRP que existem direitos fundamentais fora da mesma, no artigo 16º.

Temos aqui consagrado no 16/1 o princípio da cláusula aberta ou principio da não


tipicidade dos direitos fundamentais, portanto a enumeração de direitos fundamentais feita na
constituição não é uma enumeração taxativa, ou seja, podem existir outros em Leis ou regras
aplicáveis de Direito Internacional.

Estes direitos que não estão formalmente consagrados na constituição, são chamados de
direitos fundamentais materialmente constitucionais. São materialmente constitucionais porque a
sua fundamentalidade não decorre do facto desses mesmos se encontrarem formalmente positivados
na constituição como acontece com os demais direitos fundamentais, mas sim do seu conteúdo material.

Mas como é que sabemos se um direito que está consagrado numa lei é um direito
fundamental? Pois, nem todos os direitos subjetivos consagrados em Leis são fundamentais. Qual é o
critério que devemos seguir?

Professor Jorge Miranda – para este, o direito que está previsto na lei tem de ser reconduzível a
um dos dois princípios fundamentais que estruturam o nosso sistema jurídico-constitucional:

i)Principio da dignidade da pessoa humana – Artigo1º CRP

ii)Principio do Estado de direito – Artigo2º CRP

O direito à fundamentação que está previsto no DL de 77, é ou não um direito fundamental?


Vamos ver se se encontram preenchidos os pressupostos:

1º - Esse direito encontra-se previsto num DL, logo cumpre o 16/1.

2º - Tem de decorrer de 1 dos 2 princípios estruturantes do direito constitucional português –


Neste caso deve ser aplicável o Principio do Estado de Direito, visto que a logica que está
subjacente a esse principio é a limitação do poder do estado através do direito. E um dos
princípios fundamentais do estado de direito é o principio da legalidade da administração, isto
é, que a administração está sempre sujeita ao direito mesmo no seu domínio discricionário.

O direito da fundamentação dos actos administrativos, é uma garantia face à administração e


que é particularmente importante no domínio do poder discricionário, principalmente quando estão em
causa atos de transferência e exoneração de funções. É relevantíssimo que o acto administrativo seja
fundamentado, porque para que o sujeito se possa defender de um acto administrativo que lhe é
desfavorável tem de conhecer o fundamento do mesmo. Portanto, concluímos que este direito que
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estava previsto no DL de 77 é suscetível de ser considerado um direito fundamental, mesmo antes de


vir a ser integrado na constituição.

A necessidade de autorização legislativa não se aplica a todos os direitos fundamentais,


aplica-se apenas aos DLG ou direitos fundamentais de natureza análoga (17º). Esses direitos
análogos podem ser direitos fundamentais dispersos pela constituição (direitos fundamentais fora do
catalogo) ou então, pelo menos pela opinião maioritária da doutrina e jurisprudência, direitos
materialmente constitucionais. Também esses, quando sejam análogos a DLG podem beneficiar, pelo
menos parcialmente, o regime dos DLG.

Como é que sabemos se um direito fundamental é análogo ou não a um DLG? Os DLG


caracterizam-se pelo facto de serem direitos de defesa, de proteção do cidadão face ao estado. São
tendencialmente direitos negativos que impõem um dever de abstenção ao estado. Enquanto os direitos
económicos e sociais, em regra, são direitos positivos.

Será que o direito de fundamentação dos actos administrativos se insere nesta categoria?
Sim, foi a decisão do TC, este direito à fundamentação é um direito material constitucional(fora da
constituição) e é suscetível de considerar um direito análogo a um DLG, pois é uma garantia dos
cidadãos perante o Estado. E tal como vimos, é um direito que decorre diretamente do principio do
estado de direito.

Características fundamentais do regime dos DLG:

1º - DLG apenas podem ser restringidos por Lei da AR ou DL ao abrigo de uma lei de autorização
– 165º.

2º - Qualquer restrição está sujeita ao principio da proporcionalidade, isto é, qualquer restrição


que o legislador ao DLG tem de passar o teste da proporcionalidade, composto por 3
componentes – restrição tem de ser adequada, necessária e proporcional em sentido estrito.

Voltando ao caso prático, em 79 o DL veio restringir ou até eliminar, se considerarmos que


inconveniência de serviço não é fundamentação nenhuma, este direito fundamental. Poderia fazê-lo
nos termos que foram feitos?

Não, por uma razão de inconstitucionalidade orgânica. Uma restrição a um DLG ou a um


direito análogo a um DLG, que é o caso, como tal, teria de ser um Lei da AR ou DL autorizado. O
Governo se quisesse restringir este direito fundamental, teria de emanar este DL ao abrigo de uma
autorização legislativa. Também se levantaria uma questão de inconstitucionalidade material
dificilmente ultrapassaria o teste da proporcionalidade.

Havia uma 2º forma de resolver o caso prático, o direito à impugnação de atos


administrativos, recorrer a este direito fundamental que já estava consagrado na altura na
constituição. Poderíamos considerar este direito, pois este está intimamente ligado ao direito à
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fundamentação. Podia se entender que o direito à fundamentação decorre diretamente do direito


fundamental à impugnação dos atos administrativos, foi o que o TC disse. Este direito à
fundamentação fazia ainda parte do âmbito do direito a impugnação contenciosa dos atos
administrativos, a restrição do direito à fundamentação afetava diretamente a eficácia do direito à
impugnação.

Existiam, portanto, dois caminhos para resolver este caso prático:

1º - Seria considerar que o direito à fundamentação dos atos administrativos é um direito


fundamental autónomo na data em que estes atos foram práticos. É autónomo porque estava
expressamente previsto no DL, e por via da clausula aberta do 16/1 da CRP este direito poderia
ser considerado um direito materialmente constitucional.

2º - Considerar que este direito à fundamentação fazia parte do âmbito de garantias do direito
fundamental à impugnação de atos administrativos, já consagrado na CRP. Esse direito
fundamental à impugnação de atos administrativos é análogo aos DLG, portanto, beneficia do
regime previsto no artigo18º por força do artigo17º. Como tal, a restrição tinha de obedecer a
requisitos que não obedeceu.

Caso 1.1 - Provas proibidas em processo penal

Os direitos fundamentais alastraram particamente todos os ramos do direito, tradicionalmente


eram-no essencialmente ao nível do direito penal e processual penal e ao nível do direito
administrativo. Hoje em dia alastraram-se para o direito civil, responsabilidade civil, processo civil,
direito do trabalho e direito da família.
Mas um dos campos em que tipicamente são e sempre foram relevantes, pelo menos desde as
primeiras constituições do fim do século XVIII, é o campo da justiça criminal.

Resumo do caso:

• dois crimes de homicídio qualificado

• colhidos no local do crime vestígios biológicos do seu provável autor

• identificado um suspeito e constituído arguido. proferido despacho pelo Ministério


Público a ordenar que o arguido comparecesse nas instalações do Instituto Nacional de
Medicina Legal do Porto para realização de zaragatoa bucal com vista à identificação do
seu perfil genético e à comparação com o dos vestígios biológicos acima referidos.

• Este recusou prestar o seu consentimento à realização do mencionado exame. Tendo


sido dito ao arguido que o exame se realizaria, mesmo que fosse necessário o recurso à
força física, o arguido fez então uma declaração escrita, dizendo que se opunha
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expressamente ao exame e que apenas o iria tolerar para evitar ser coagido através da
violência física.

• O arguido requereu ao Juiz de Instrução Criminal que fosse declarada ilegal a prova
obtida através da sua sujeição coativa à colheita de saliva realizada no dia anterior.
Alega o arguido que é inconstitucional a norma constante do artigo 172º, nº 1, do Código
de Processo Penal, quando interpretada no sentido de possibilitar, sem autorização
do juiz, a colheita coativa de vestígios biológicos de um arguido para
determinação do seu perfil genético, quando este último tenha manifestado a sua
expressa recusa em colaborar ou permitir tal colheita; e que é também inconstitucional
a norma constante do artigo 126º, nºs 1, 2 alíneas a) e c) e 3, do Código de Processo
Penal, quando interpretada em termos de considerar válida e, por conseguinte,
suscetível de ulterior utilização e valoração a prova obtida através da colheita realizada
nos moldes anteriormente descritos.

• A questão chegou ao Tribunal Constitucional, que esclareceu o seguinte: Intimamente


ligado ao direito à reserva da intimidade da vida privada, embora frequentemente
objecto de um tratamento autónomo, surge ainda o direito à autodeterminação
informacional, que uma parte da doutrina faz decorrer dos artigos 26º e 35º da
Constituição e que, em síntese, tem sido definido como o direito de cada cidadão a ser
ele próprio a decidir quando e dentro de que limites os seus dados pessoais podem ser
revelados. Ora, quer se entenda que daqueles preceitos constitucionais decorre, com
autonomia, um direito, liberdade e garantia à autodeterminação informacional, quer se
veja nele apenas a configuração de um habeas data, quer se acentue a tónica da
confidencialidade, em conexão com o direito à reserva da intimidade da vida privada, o
certo é que o comportamento em causa contende, também nesta vertente, com direitos,
liberdades e garantias.

• Alega ainda o recorrente que as normas questionadas contendem com o privilégio


contra a auto-incriminação, cuja consagração constitucional decorre, no seu
entendimento, dos artigos 2º, 26º e 32º, nºs 2 e 4, da Constituição da República
Portuguesa. Vejamos, se terá aqui razão. Em primeiro lugar, é inquestionável que o
citado princípio tem consagração constitucional, conforme resulta da jurisprudência
este Tribunal.

• O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) concluiu que o citado direito à não
auto-incriminação se refere, em primeira linha, ao respeito pela vontade do arguido em
não prestar declarações, ao direito ao silêncio, acrescentando que esse direito se não
estende ao uso, em processo penal, de elementos obtidos do arguido por meio de
poderes coercivos.

• Tratam-se de 2 crimes de homicídio qualificado, que, juntamente com os crimes de


tráfico de droga e terrorismo são os 3 crimes mais graves do nosso OJ e os únicos 3 para
os quais está prevista a pena máxima de 25 anos.
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• No local do crime foram encontrados vestígios biológicos de uma pessoa, que permitem
recolha do ADN. Essa recolha de ADN permite que se compare o ADN com o de um
suspeito. Sendo que hoje em dia já há uma base de dados de ADN de pessoas
condenadas a determinado tipo de crime.

• Por outras vias foi descoberto um suspeito, ora era necessário comparar as amostras de
ADN do suspeito com as do local do crime, por forma a descobrir se este esteve ou não
no local do crime, não implicando prova imediata de que cometeu o crime. O ADN
permite também determinar o momento aproximado em que esteve no local do crime

• A policia não pode ordenar uma prova de ADN, tem sim de fazer a investigação
submetida ao ministério publico, é este que dirige a investigação- o magistrado do MP
proferiu um despacho a dizer que o suspeito se devia deslocar ao Instituto de Medicina
Legal (IML) e submeter-se a uma zaragatoa bucal.

• O arguido chegou ao IML e recusou-se a fazer o teste, dizendo que ofendia a sua
integridade física, intimidade e identidade genética.

• Em abstrato o poder coercivo do direito consegue obriga-lo a fazer a recolha. Então, a


policia disse que a amostra seria retirada, nem que com recurso a força física e violência.

• Perante isto, o suspeito escreveu uma declaração dizendo que apenas se submetia ao
teste para evitar que a recolha fosse feita de forma violenta, mas que era contra a sua
vontade que era recolhida essa amostra

• Foi retirada a amostra e no dia seguinte o arguido recorreu para o juiz de instrução
criminal, que é o juiz que no processo de investigação criminal determina as medidas
que possam ser lesivas dos direitos fundamentais das pessoas- nomeadamente medidas
probatórias e de coação- nestes casos não pode ser o MP a ordenar, tem de ser este juiz

• Artigo 32 CRP- Garantias do processo criminal: Nº 4: Toda a instrução é da


competência de um juiz, o qual pode, nos termos da lei, delegar noutras entidades a
prática dos actos instrutórios que se não prendam directamente com os direitos
fundamentais - todos os atos que se prendam com direitos fundamentais e que tenham a
ver com investigação criminal têm de ser praticados por um juiz, só pode delegar se não
se prenderem com direitos fundamentais

• Ora, para decidir a primeira coisa que o juiz de instrução tem de fazer é ver se foram ou
não lesados direitos fundamentais do arguido

 Direito à integridade física- a integridade física é afetada, nos termos da CRP:

• se a policia bater em alguém há violação deste direito

• se for tirado sangue com consentimento não há, mas se for sem há, pois
há uma pequena lesão no corpo da pessoa
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• no teste do balão não há lesão, pois nada está a ser introduzido no corpo
da pessoa

• no caso da zaragatoa bocal não se provoca nenhuma lesão, é dúbio se há


ou não ofensa à integridade física, pois invade-se o corpo da pessoa.

• A mera ameaça não ofende a integridade física, quanto muito a


integridade moral. O direito penal pune a tentativa grave, mas a mera
ameaça não ofende a integridade física, ofende quanto muito a
integridade moral.

• Aqui o TC apresentou um conceito muito exigente de ofensa à


integridade física, disse que a integridade física é violada não
apenas quando o corpo sofre uma lesão contra o seu
consentimento, mas também quando é introduzido no corpo da
pessoa contra o seu consentimento algum objeto exterior a esse
corpo- como a zaragatoa- pois basta que contra a vontade da pessoa
se ultrapassem os limites da pele e dos músculos, assim há partes
corporais cuja integridade é salvaguardada pelo direito, a ponto de
haver salvaguarda, não apenas em face de lesões como também da
inserção de corpos estranhos sem consentimento da pessoa. Se
consentir exclui a ilicitude.

• De acordo com este conceito amplo do TC a integridade física era


atingida neste caso

 Direito à identidade genética- surgiu na nossa CRP na sequência da clonagem


do primeiro animal, assim o legislador constitucional acautelou-se com esta
disposição que visa em primeira linha proibir a clonagem, este direito significa o
direito de cada um a ter um património genético único e irrepetível. No caso da
clonagem há uma violação deste direito à identidade pessoal porque o
património genético da pessoa é copiado e reproduzido totalmente no ser
clonada, passando a haver 2 pessoas com o mesmo património genético

• Mas neste direito não está acautelado um direito à reserva dos dados
pessoais relativos a essa identidade genética, o que esta é a própria
identidade genética, temos de limitar o direito.

 Direito à autodeterminação corporal- é um direito não escrito, implícito no


direito ao livre desenvolvimento da personalidade- artigo 26 CRP:

• a pessoa pode dispor do seu corpo se assim o entender, pelo menos


dentro de determinados limites

• Exemplo- mercador de Veneza- garante divida com os seus órgãos, usa o


próprio corpo para garantir a dívida- o direito não permite este tipo de
garantias, pois os bens patrimoniais nunca têm importância suficiente
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para que se empenhe um bem não patrimonial e estritamente pessoal


como o corpo da pessoa.

 Mas mais do que a disponibilidade do corpo, aqui está-se, ao permitir a inserção


da zaragatoa, a pôr em causa a intimidade corporal da pessoa, é aí que se liga
esta indisponibilidade do corpo. A CRP não defende a intimidade corporal da
pessoa de forma explícita, no entanto, no artigo 26/1 fala-se da reserva da
intimidade da vida privada e familiar, no fundo, o direito ocupa uma esfera de
ação livre da interferência evasiva de terceiros. O que está aqui em causa é o que
historicamente justifica esta intimidade da vida privada é que não sejam
revelados factos da vida da pessoa, acontecimentos, é garantida uma esfera de
vida privada. Mas se se garante uma esfera de ação privada na vida das pessoas,
por maioria de razão também se deve garantir que a própria intimidade do
corpo deve ser protegida. Portanto, apesar da constituição falar apenas da
intimidade corporal e familiar, a proteção da intimidade corporal resulta da
constituição material- conjugação entre defesa da integridade física e da
intimidade da vida pessoal- direito implícito nos artigos 25º e 26º da CRP.

 Direito a que não sejam revelados dados pessoais da pessoa sem o seu
consentimento- no acórdão fala-se de um direito não escrito na constituição,
direito à autodeterminação informacional- direito fundamental na sociedade
de informação e tecnologia informática como a nossa- considera-se implícito na
intimidade da vida privada, na proteção de dados prevista também no 26 e na
proteção de dados em face da informática- artigo 35- nenhum destes artigos fala
dela expressamente, mas este direito está-lhes subjacente

• De acordo com a doutrina e com a decisão do tribunal é o direito de cada


um decidir quando, como e a quem os seus dados pessoais podem ser
revelados, inclusive os seus dados genéticos.

• No nosso caso, ao ser retirado o perfil genético contra a sua vontade


estase a violar este direito do arguido, depois pode ou não ser
justificado, aqui é em nome dos interesses superiores da descoberta da
verdade em processo penal

 Direito à não autoincriminação- mais um direito não explícito na CRP- o


direito que a pessoa tem de não colaborar com a justiça num processo em que
possa vir a ser criminalmente condenada:

• O sentido deste direito prende-se com uma afirmação exponencial do direito da


pessoa, pois a liberdade pode ser radicalmente afetada através de uma pena de
prisão, aí a pessoa é totalmente livre de participar ou não no processo

• Este direito entende-se implícito no artigo 32 da CRP:


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• Garantidos todos os meios de defesa em processo penal, inclusive o caso


extremo de não participar no processo, e está garantido que a pessoa é tratada
como inocente até que seja proferida a decisão

• Para definir a extensão do direito, o TC recorreu à jurisprudência do Tribunal


Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) no qual decorreram casos sobre este
direito- colocando a nossa cosntituição à luz da Convenção Europeia dos
Direitos do Homem e da jurisprudência que em torno dela se formou- e esta
jurisprudência diz que o direito à não incriminação engloba o Direito ao
silêncio- direito da pessoa a manter-se calada durante o processo penal, sem que
dai o juiz possa retirar nenhuma conclusão sobre a sua culpabilidade ou n. Mas
já n engloba o direito da pessoa a recusar quaisquer provas que tenham o seu
corpo como objeto, porque isso seria na prática inviabilizar todos os interesses
da investigação criminal.

• Pegando nesta jurisprudência, o TC concluiu que neste caso não havia violação
deste direito

• Este caso permite ver como num domínio em que os direitos fundamentais são
essenciais, o processo penal, podemos ter de lidar com vários direitos
fundamentais, as fronteiras e o âmbito de proteção de cada um desses direitos
não está na própria constituição, e quando se interpreta a constituição pode ser
útil recorrer a parâmetros internacionais, como a CEDH e a jurisprudência do
TEDH.

• Este caso foi resolvido em 3 passos:

• Verificar que direitos podiam eventualmente ter sido atingidos

• Verificar se se justificava a restrição desses direitos, nomeadamente à luz do


superior interesse da descoberta da verdade em processo penal, o TC concluiu
que justificava uma restrição proporcional desses direitos

• Quem podia autorizar essas restrições, e aí o TC vem dizer que não pode ser o
MP pois nos termos do 32/4 da CRP, sempre que estejam em causa direitos
fundamentais tem de haver intervenção de um juiz. Os tribunais são a
salvaguarda última do sistema de direitos fundamentais, e isto deve ser assim
também nos processos penais. É por isso que o MP não pode punir ninguém,
nem declarar medidas de coação, nem medidas probatórias que afetem direitos
fundamentais, isso tem sempre de ser determinado por um juiz

O acórdão julgou inconstitucional o artigo 172/1, do CPPenal por violação do disposto nos
artigos n.ºs 25.º, 26.º e 32.º, nº 4, da Constituição, quando interpretada no sentido de possibilitar,
sem autorização do juiz, a colheita coactiva de vestígios biológicos de um arguido para determinação
do seu perfil genético, quando este tenha manifestado a recusa em colaborar ou em permitir a colheita.
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Caso 1.3 - Direito ao esquecimento

O caso prático em questão tem a particularidade de versar sobre jurisprudência do Tribunal de


Justiça da União Europeia e não do tribunal constitucional como na maioria dos restantes casos desta
cadeira. O direito ao esquecimento que se toca neste caso consiste em requerer aos operadores dos
motores de busca online que ocultem certas informações pessoais dos mesmos nas pesquisas.

Factos do caso: em 1998 um cidadão espanhol que tinha dívidas na segurança social foi alvo de
um arresto de bens destinados a garantir o pagamento do valor em dívida. Para que tal venda se
realizasse foram publicados anúncios com o objecto em questão e o preço de venda etc. Em 2010, este
cidadão faz uma queixa curiosa: sempre que alguém pesquisava o nome dele na Internet o que aparecia
nos resultados dos motores de busca, neste caso do Google, era esta situação. Apareciam nos resultados
de pesquisa do Google duas ou três ligações da notifica de um jornal onde tinha sido publicada a notifica
da venda. Assim quem escreve-se o nome deste senhor na internet ficava logo a saber que há 12 anos
atrás o mesmo tinha tido problemas com a segurança social espanhola e que lhe tinham sido arrestado
bens e desta venda que aconteceu para pagar as mesmas.
Posto isto o cidadão formulou dois pedidos: O primeiro que este jornal espanhol fosse ordenado
a eliminar as páginas online com as informações e o segundo foi que a Google retira-se dos resultados
de pesquisa estas ligações que apareciam sobre a notícia.
Chamada a pronunciar-se, a Agencia Espanhola da Protecção de Dado deu parcialmente razão
a este senhor, ordenando a Google a retirar os resultados de pesquisa referidos, mas não ao jornal a
retirar a página online. A justificação para não dar razão ao pedido na parte que diz respeito ao jornal
foi o direito à liberdade de expressão do mesmo que no caso da notifica existia face às circunstâncias do
sujeito à época da notícia, prosseguindo a notícia uma finalidade legítima. Este
processo chegando aos tribunal espanhois foi submetido pelos mesmos ao reenvio prejudicial para 11

o TJUE. O pedido de reenvio foi saber se à luz das normas vigentes à época de Direito da União Europeia
os resultados em motores de busca de informações verdadeiras e publicadas legalmente por terceiros
deveriam ser retirados com fundamento apenas no direito ao esquecimento, isto é por desejar apenas
que as informações sejam esquecidas no domínio virtual. A resposta do TJUE foi
afirmativa, deveriam ser retirados do motor de buscar tais resultados nas pesquisas. O Tribunal
baseou-se em vários pressupostos:

1) O efeito de ingerência na vida pessoal das pessoas era muito maior quando estavam em
causa informações resultantes de dados encontrados em motores de busca

11Como estudamos em DUE, um pedido de reenvio prejudicial é o pedido feito quando no âmbito de um litígio
que corre num tribunal nacional o juiz tenha dúvidas quanto à interpretação ou validade de uma norma do direito
da UE pode submeter a questão ao TJUE. Não é, em rigor, um meio de resolução de litígios, mas um meio de
interpretação ou de legalidade. O Tribunal de Justiça da União resolve essa questão específica, dá resposta ao
Tribunal nacional, mas é este que resolve o litígio de acordo com esta fórmula. Neste caso, as partes são as
envolvidas no litígio nacional. O pedido de reenvio é feito pelo Tribunal Nacional que se encontra a decidir o caso,
dirigido ao Tribunal de Justiça da União Europeia. Neste caso da Google o pedido de reenvio é então o pedido
de interpretação, pois na altura estava em vigor um regime de protecção de dados da UE e por esta em
causa o artigo 7º e o artigo 8º da Carta dos Direitos Fundamentais da UE.
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comparativamente a anúncios em jornais mesmo quando estes estão online como era o
caso.

2) É mais intrusivo para a vida privada de um cidadão o resultado encontrado num motor de
busca pois estes têm no fundo um efeito amplificador da notícia, enquanto a mera
publicação em jornal só é encontrada casuisticamente, isto é, uma pessoa só encontra a
notícia se folhear as páginas do jornal.

3) É diferente uma pessoa encontrar uma página de jornal e uma página ir ter com a pessoa
que é o que acontece nos motores de busca.

4) Uma notícia de 1998 para ser encontrada por alguém sem um motor de buscar teria de ser
procurada nos arquivos do Jornal, teria de se saber o que se estava a procurar. Não há
dúvida então para o tribunal que o problema aqui é o efeito amplificador do Google e não a
notícia em si.

Posto isto, o TJUE entendeu que como a notícia era verdadeira e tinha sido legitimamente
publicada não deveria ser retirada da internet, apenas teria de ser retirada dos resultados de pesquisa
do Google, o jornal poderia nesta situação usar o direito à liberdade de expressão.

Dizer ainda que o direito a ser esquecido12 não pressupõe que o objecto daquilo que se
deseja esquecer tenha de ser ilícito ter sido publicado, nem que tenha causado um prejuízo para a
pessoa necessariamente. A questão do direito de esquecimento prende-se apenas com a vontade de
certa pessoa em que certa informação da sua vida seja esquecida volvido algum tempo.

O Tribunal de Justiça Europeu deu ainda critérios para que se pudesse identificar se certa
notícia ou informação devesse ser ou não ocultada por direito a esquecimento. O tribunal entendeu
então que:

1) Deveria ser sempre uma ponderação entre direitos e interesses contrapostos em


cada caso concreto: de um lado o respeito à vida privada da pessoa afectada do outro
lado o interesse económico da outra parte em difundir a informação.

2) Considerar o interesse público geral em poder aceder a informação. Isto não quer dizer o
interesse do público,14 estamos a falar de interesse público.

3) Considerar ainda:

a) A natureza da informação em causa

b) A sensibilidade para a vida privada da pessoa em causa

c) Interesse público na difusão da informação que pode variar em função da pessoa


em causa (o seu papel na vida pública).

12O direito a ser esquecido foi aprovado, tal como enunciado pelo tribunal neste acórdão, no novo regulamento de
protecção de dados da UE que entrará em vigor em Maio de 2018 no artigo 17º. 14 fofoquice no fundo.
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Aplicando estes critérios o TJUE decidiu então pelo prevalência do direito do cidadão espanhol.
Isto porque, no que respeita a natureza da informação (3) a)) os juízes fizeram notar que a mesma não,
tinha passados 16 anos, qualquer interesse, além disso no que toca a sensibilidade para a vida privada
da pessoa em causa (3) b)) os juízes notaram que era um assunto sensível para a pessoa em causa,
sensibilidade justificada no caso. Tão pouco se percebeu ainda o interesse público na difusão desta
informação (3) c)).

Interessa agora ver se esta matéria de jurisprudência do TJUE, o direito ao esquecimento, pode ser
considerado um direito fundamental à luz do Direito Constitucional Português.

Existem dois grupos de direito fundamentais: 1) os previstos no catálogo: artigos 24º a 79º da
CRP e 2) os fora do catálogo mas previstos na Constituição e por fim 3) os direitos fundamentais
materiais: direitos que estão fora da constituição, previstos em leis ou regras aplicáveis de direito
internacional e que adquirem natureza de direito fundamental por aplicação da cláusula aberta do
artigo 16º nº1 da CRP.

O direito ao esquecimento não está no grupo 1) nem 2). Assim sendo, o direito ao esquecimento
é um direito fundamental à luz da constituição? Talvez possamos assumir que é uma decorrência do
direito à vida privada previsto no artigo 26º da CRP. Assim, além dos direitos que se encontram nos
grupos 1), 2) e 3) supra expressados temos ainda um 4) grupo, o grupo dos direitos fundamentais
implícitos.13
No Código Civil o direito à vida está também tutelado. Como estudámos no primeiro ano em
Fundamentos do Direito Civil e das Pessoas o direito à vida privada é um direito previsto
autonomamente pelo artigo 80º do Código Civil e é um direito de personalidade. O artigo 26º da
CRP tutela vários direitos de personalidade como fundamentais, e está dentro do catálogo de direitos
da CRP (1)).
Poderia também ser discutido que o direito ao esquecimento é implícito do direito ao
desenvolvimento da personalidade16 também sediado no artigo 26º. Isto é, o direito de uma pessoa
desenvolver a sua vida sem estar sempre a ser lembrada do passado e presa a este.
Como estes dois direitos fundamentais previstos no catálogo da Constituição podemos dizer que o
direito ao esquecimento está afinal previsto na Constituição no grupo 1) por decorrer destes, por
ser um direito implícito destes dois.

Temos no entanto outro caminho para afirmar que o direito ao esquecimento é um direito
fundamental à luz do Direito Constitucional Português. Outra via seria então aplicar a cláusula aberta
do artigo 16 nº1 da CRP e dizer que estávamos perante um direito fundamental material (grupo
3)). Como já vimos há dois pressupostos para podermos aplicar esta cláusula aberta, um formal e um
material. O formal é o direito estar previsto numa regra de direito internacional ou estar previsto
numa lei. Este direito como vimos no caso estava previsto num regulamento da união europeia que é
uma regra de direito internacional, se o direito não tivesse sido positivado já era muito mais discutível

13Que como iremos ver de seguida seria na verdade uma parte do grupo 1) ou 2) que acabámos de referir. 16 Que
no entender do Professor (epa malta esqueci-me do nome do professor, mas é o das segundas-feiras) é uma
revelação da vertente dinâmica do direito geral de personalidade prevista na lei civil no artigo 70º do CC
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se o critério se aplicaria aqui. Quanto ao pressuposto material que também referimos na aula passada
este consiste, segundo o Professor Jorge Miranda, o critério material é verificar se o direito em causa é
resultante do princípio da dignidade da pessoa humana ou do estado de direito democrático, isto é, se é
decorrente de um desses princípios. No caso do direito ao esquecimento este parece decorrer do
princípio da dignidade da pessoa humana.

Na nossa opinião se no futuro o Tribunal Constitucional for resolver um caso destes irá seguir a primeira
via e não a segundo. Isto porque a figura do direitos fundamentais implícitos é mais vantajosa por no
fundo nos dizer que o direito está na Constituição ainda de que forma não explícita. É preferível esta via
pois por um lado se um direito está consagrada na Constituição e for fundamental dá-lhe mais força
jurídica por outro também nos livra de vários problemas de verificação no que toca a direitos
fundamentais fora da constituição, desde logo todas as questões de saber se podem beneficiar do
mesmo regime em bloco que os direitos liberdades e garantias previstos na CRP e o preenchimento os
critérios materiais e formais.

Posto tudo isto, ao escolhermos um ou outro caminho ficam sempre por definir certo conteúdo
do direito em causa. Temos de o integrar no sistema, de certa forma ver como é que o direito vai
coexistir neste sistema de direitos fundamentais com os restantes direitos.
Desde logo temos de limitar os contornos do novo direito/nova vertente do direito14 que
aparece no sistema, este direito vai desde logo conflituar com outros direitos, uma colisão de direitos
acabará sempre por acontecer. Então neste caso concreto teríamos logo uma colisão com os direitos
fundamentais da liberdade de expressão e da informação.

Na parte final do caso prático temos dois exemplos disto mesmo, desde logo o exemplo dos políticos que
não querem ver o seu nome associado a uma determinada informação. No que toca a estas limitações é
preciso percebermos que não estamos perante uma forma de censura, estamos aqui a discutir a questão
do efeito amplificador dos motores de busca. O Tribunal referiu que quando estamos a ter em conta o
interesse público temos de olhar à pessoa sobre quem versa a notícia, quanto mais uma pessoa aparece
no espaço público mais se justificará que haja este interesse. É preciso contrabalançar o interesse público
ao direito da pessoa em questão e verificar caso a caso se o interesse público releva para que certa
informação seja conhecida.

Quanto aos criminosos, também referidos no caso, terão direito ao esquecimento sobre
informações acerca dos crimes cometidos? Um caso que levanto muitas dúvidas neste sentido foi o caso
da lista de pedófilos. Será que deveria estar disponível via motores de busca online como o Google? O
regime consagrado em Portugal não foi o de uma lista pública, o que acontece é que o pais das
crianças por exemplo, quando têm uma suspeita concreta podem perguntar às autoridades se tiverem
receio. Assim o acesso só poderá ser feito por intermediário das autoridades Portuguesas. As penas em
Portugal são orientadas para a ressocializam do agente e para isso é importante que as pessoas não
estejam a ser constantemente lembradas do crime. O mesmo acontece quando os empregadores
querem verificar o cadastro de alguém, para o fazerem têm de pedir às autoridades.

14 Vertente no caso de ser um direito implícito.


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Caso 1.4. - Ensino da Religião e Moral nas escolas Públicas

Este caso foi escolhido para trabalhar agora quando falamos em catálogo de direitos
fundamentais porque é importante para percebermos a relação entre direitos de liberdade e
direitos sociais, isto é, percebermos que os direitos de liberdade não estão desligados dos direitos
sociais e devem ser interpretados à luz desses direitos sociais.

É certo que uma posição mais tradicionalista veria o catalogo de direitos de liberdade como algo
separado dos direitos sociais. Hoje em dia, pelo contrário, há um certo consenso doutrinal no sentido de
que o catálogo de direitos fundamentais é um todo unitário que deve ser compreendido na sua
unidade. Portanto, não há uma separação estanque entre direitos de liberdade e direitos sociais
mas, pelo contrario, uns forçam-se aos outros e devem ser livres uns à luz dos outros.

A questão da alínea a) é a questão mais complicada e que temos de discutir com maior
desenvolvimento. A da alínea b) já é uma questão de saber até que ponto é que vai a liberdade religiosa
enquanto direito que salvaguarda uma esfera de autodeterminação. Na alínea c) a questão é a de saber
ate que ponto é que vai o direito à liberdade religiosa na sua dimensão positiva e de que forma é que os
direitos sociais interferem na interpretação do alcance dessa mesma liberdade religiosa.

A CRP estabelece uma proibição de confessionalidade do ensino publico no artigo 43º nº3 mas
o professor António Cortês considera que o facto de haver uma única disciplina de religião e moral nas
escolas não chega ao ponto de violar a não confessionalidade de todo o ensino. Porque o ensino
confessional é mais do que isto, é um ensino em que, há não apenas uma disciplina de religião e moral
mas em que todo o ensino tem uma matriz religiosa, é um ensino em que a oração faz parte do dia a dia,
as festas das escolas são festas religiosas, em que há culto religioso semanal obrigatório, em que as
crianças se têm de confessar, etc. Isto é categoricamente proibido pela nossa CRP nas escolas
publicas.
Há também um princípio de separação entre a Igreja e o Estado (artigo 41º nº4). Esta liberdade
religião é a liberdade de ter uma religião, de praticar uma religião, mas é também a liberdade negativa
de não ter religião nenhuma e de não praticar religião nenhuma. É uma dupla liberdade. Esta liberdade
é considerada pela nossa CRP como uma liberdade inviolável.

Mas a questão é: a disciplina era meramente facultativa; será que não se viola, ainda assim, a
liberdade religiosa ou, pelo menos, a separação entre a igreja e o Estado?
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Não se está a permitir o acesso a todas as religiões em condições de igualdade. Como só permito
aos alunos o acesso àquela cadeira, estou de alguma forma a impor-lhes que se inscrevam naquela
cadeira. Poderia daí resultar uma espécie de pressão dos outros alunos. O Professor António Cortês diz
que o professor Jorge Miranda considerava que poderia dizer-se que havia uma inconstitucionalidade
por omissão pelo facto de não estar consagrado relativamente a outras religiões.

Outra posição será dizer que não só não há uma violação da liberdade religiosa, isto seria uma
forma do Estado facultar meios para as pessoas de determinada religião poderem pratica-la e ter
formação sobre ela. Quando se fala em separação entre a Igreja e o Estado, esta não implica
antagonismo em relação à Igreja, significa que a Igreja pode existir no quadro deste Estado e as pessoas
não se sentem coagidas a aderir. O professor António Cortês considera que o modelo da nossa CRP não
é um modelo de extinção de qualquer forma de religião da esfera publica15 e o modelo da nossa CRP
também não é o do estado confessional, como acontece por exemplo nos países islâmicos. A nossa CRP
aceita que faz parte da liberdade religiosa haver afirmações religiosas no espaço publico.

Não há duvida de que pode haver formas de pressionar as pessoas a aderir a certa religião ou ao
ensino de uma determinada religião. Um exemplo de uma forma de pressionar as pessoas a aderirem ao
ensino da disciplina de religião e moral católica: majorar a quota da nota na média final. Além desse
exemplo, na alínea b) do caso vemos que os alunos se presumem inscritos na cadeira e, se não quiserem
estar inscritos, têm de fazer um requerimento para serem excluídas da disciplina. António Cortês
considera que há aqui uma criação de pressão para aderir à cadeira, logo, há violação da liberdade
religiosa na sua dimensão negativa. Mas, se a lei estabelecer que as pessoas têm de se inscrever
expressamente na disciplina a situação já é diferente. Porquê? Porque, aí, a pressão é inversa/ a
participação na disciplina é que está dependente de um ato.
Se a lei estabelecer que as pessoas têm que se inscrever expressamente na disciplina, já não haveria
o mesmo problema de inconstitucionalidade, a pressão seria inversa. Não era a lei que criava esta
pressão, se houvesse era uma pressão social.

A disciplina poderá também ter um conteúdo cultural, no sentido em que permitirá conhecer
outras religiões. De facto, quando se trata de aprender o conteúdo das religiões em geral, há benefícios
culturais. Se a disciplina for ministrada numa perspetiva cultural, podemos ver que há um direito à
cultura, consagrado na CRP (Artigo 73). Portanto, tudo depende do conteúdo que a cadeira vai ter. Se
considerar EMRC enquanto uma disciplina que permite alargar a cultura, isso não deve excluir que
sejam retiradas as pessoas a oportunidade de conhecer as características culturais inerentes a
determinada religião. É isto que resulta da interpretação da liberdade religiosa em conjugação com
o direito á cultura previsto no Artigo 73.

Quanto aos pais católicos que querem que os filhos tenham o ensino de uma religião,
sentir-se-ão ajudados pela existência desta disciplina? Isto também poderá ajudar pais católicos
que pretendem que os filhos tenham uma educação sobre a sua religião, na escola pública. Ou seja, o
Estado permite que estes pais, que não têm oportunidade para colocar os filhos em escolas privadas de
confissão católica, possam dar aos filhos uma educação sobre isto que é uma tendência cultural histórica
- católica. Será que não podemos admitir uma conciliação entre liberdade religiosa / direito à cultura

15 Seria o modelo correspondente ao estado ateu, na antiga união soviética, por exemplo
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num justo equilíbrio numa disciplina facultativa? António Cortês considera que o facto de ser
facultativa a torna constitucional. Isto não se apresentará como uma violação da liberdade religiosa.

Nós não podemos presumir o predomínio de uma religião. Os direito fundamentais servem,
essencialmente, para proteger as minorias. Portanto, mau seria que, pelo facto de um país ter um
predomínio de uma religião, não desse a mesma oportunidade às demais religiões. A CRP, quando fala
em liberdade de religião, desde logo, é a liberdade das pessoas terem uma religião diferente da
maioritária / a liberdade de não ter qualquer religião. Por isso, quando fala em cultara, esse direito à
cultura abrange também o direito a conhecer os conteúdos culturais de uma religião.

O ponto é este: o conteúdo da disciplina não será fortemente religioso. Não o sendo, parece ser
mais aceitável à luz da Liberdade religiosa. Logo, temos de nos basear nos parâmetros constitucionais.
António Cortês considera que devemos interpretar estes DLG à luz dos direitos sociais. Mas mais, não
há só o direito à cultura, há também o direito a prestações por parte do estado/ direito social / o estado
deve auxiliar os pais a educar os filhos (Artigo 67/2/ c CRP). Então, Ou seja, o direito de liberdade
religiosa tem de se interpretar à luz dos direitos sociais (direito à cultura).

Efetivamente, não devemos ver a liberdade religiosa totalmente separada deste direito social
que os pais têm ao auxilio do estado na educação dos filhos. A questão é: o estado está a ajudar os pais
que querem dar uma educação católica aos filhos a dar a oportunidade de frequência facultativa de
EMRC (educação moral religiosa e católica)? Sim.

É indiscutível que há uma Inconstitucionalidade por omissão no caso de o estado só


permitir o ensino de religião católica nas escolas.

Decisão do TC no acórdão deste caso: Não declara a inconstitucionalidade das normas dos
artigos 1.º, 3.º, 4.º, 5.º e 6.º do Decreto-Lei n.º 323/83, de 5 de Julho, e declara a inconstitucionalidade,
com força obrigatória geral, da norma do artigo 2.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, na parte em que
exige daqueles que não desejam receber o ensino da religião e moral católicas uma declaração expressa
em tal sentido, por violação do disposto nos artigos 168.º, n.º 1, alínea b), e 41.º, nos 1 e 3, da
Constituição e das normas dos n.os 2 e 3 do mesmo artigo 2.º, enquanto representam mera
consequência da parte da norma que, anteriormente, foi havida por inconstitucional

Caso 2.3 - Princípio da culpa

Temos nesta hipótese um crime de pesca em época de defeso, isto é, é um período do ano
em que as atividades da pesca e de caça são proibidas ou condicionadas.
Nesta hipótese temos 2 senhores que são apanhados a pescar durante esta época.

Qual é o grande problema de fundo deste caso prático? Temos aqui uma pena fixa prevista
na lei, isto é, temos uma pena que está taxativamente consagrada na lei, são penas aplicadas a nível
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abstrato pelo legislador. Era o que tínhamos neste caso, visto que temos uma norma penal que
determinava que quando se verificasse uma determinada circunstância agravante, prevista na lei, o juiz
deveria obrigatoriamente aplicar a pena máxima prevista na lei. Portanto, o que vamos ver aqui é de que
forma é que estas penas fixas se compatibilizam com o principio da culpa em direito penal. Vamos falar
aqui dos fins das penas no Direito Penal – podemos agrupar as várias teorias em:

1)Teorias absolutas – Conhecidas como teorias retributivas, isto porque a pena é vista como a
justa paga que a sociedade impõe ao agente pela prática do crime. Corresponde àquela ideia
tradicional de olho por olho, dente por dente – aquilo que o agente fez de mal à sociedade, ele
irá pagar quando cumprir a sua pena. Estas teorias deixaram uma marca bastante importante,
pois chamar à atenção para um principio fundamental que vai estar presente na aplicação de
qualquer pena.

Principio da culpa – este principio é um legado destas teorias retributivas.

O que é que é a culpa? É o juízo que é feito pela sociedade em relação ao agente pela prática de
um facto, esse juízo que é um juízo de censura – é um juízo de censura feito pela sociedade ao agente,
por não se ter comportado de acordo com o direito. As conceções retributivas fundam a aplicação de
uma pena neste juízo de censura que é feito ao agente. A pena tem como objetivo fazer o agente pagar
pelo mal que causou.

2)Teorias Relativas – Defendem que a pena cumpre outras finalidades que são exteriores ao
agente ao contrário das teorias absolutas. A pena não é apenas vista como a justa paga que a sociedade
dá ao agente por ter cometido o crime, há mais finalidades: Finalidades de prevenção, sendo que a
vertente especifica de prevenção que é procurada quando se aplica a pena, depende da vertente
especifica que estejamos a falar. Podemos ter:

1)Prevenção geral - que pode ser positiva ou negativa:

1)Positiva – Ao aplicar-se a pena visa-se restaurar a paz jurídica da comunidade, para confirmar
a vigência da norma.

2)Negativa – Pena tem um efeito de intimidação geral para a comunidade

2)Prevenção especial - que pode ser positiva ou negativa:

1)Positiva – aplica-se uma pena ao agente para o reintegrar na sociedade

2)Negativa – aplica-se uma pena ao agente para o neutralizar, tira-lo da sociedade.

Atualmente quais são as finalidades das penas? Artigo40/1º do Código Penal: 1)Prevenção geral
positiva; 2)Prevenção especial positiva. Estas teorias preventivas são também alvo de críticas, sendo uma
delas, o facto de que estas poderiam conduzir à instrumentalização do agente de um crime. Porque a
partir do momento em que se priva alguém da sua liberdade, para satisfazer finalidades que lhe são
exteriores, corre-se o risco de estar a tratar a pessoa como um instrumento. Corre-se o risco de contrario
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o principio da Humanidade, segundo o qual cada pessoa é um fim em si mesmo, como tal, uma pessoa
não pode ser usada como um meio para atingir um fim.

Como é que o sistema penal moderno procurou impedir que o criminoso seja
instrumentalizado? Combinando estas finalidades preventivas com uma ideia fundamental que está
inerente às teorias retributivas, o princípio da culpa. Hoje em dia não se segue uma Teoria relativa pura,
mas sim uma Teoria relativa que vai buscar esta ideia da culpa.

Como é que o princípio da culpa atua aqui? A culpa vem moderar as finalidades
preventivas que presidem à aplicação de uma sanção. Moderam visando que o agente seja
instrumentalizado para satisfazer as exigências do estabelecimento da paz jurídica da comunidade.
Isto é, mesmo que num caso concreto as exigências do estabelecimento da paz jurídica
da comunidade determinassem a aplicação de certa pena, ainda assim a aplicação dessa pena irá ser
limitada pela culpa do agente.

Embora a culpa não seja atualmente fundamento para a aplicação de uma pena no nosso sistema
sancionatório, isto é, não sancionamos para fazer o agente pagar pela prática de um crime como
determinam as concepções preventivas. Sancionamos para satisfazer finalidades de prevenção, apesar
de não ser fundamento a culpa, ainda assim desempenha funções importantes.Que funções são essas?

1)Exerce uma função de limite para a aplicação da pena – a medida concreta da pena nunca
poderá exceder a culpa do agente - 40/2 CP

2)Não há pena sem culpa, é um pressuposto – tem de ser imputável ao agente a titulo de dolo ou
negligência

Portanto, as duas formas para determinação da pena são prevenção e culpa, sendo estas duas
vertentes relevantes porque:

1º - Através da exigência da prevenção veem se realizar as finalidades das penas no caso


concreto.

2º - Através das exigências da culpa visa-se acentuar a vertente pessoal do crime, isto é,
garantir a dignidade do agente. Esta dignidade nunca pode ser ultrapassada pelas exigências
da prevenção.

Como é que estas duas vertentes se relacionam na aplicação de uma pena? O juiz tem uma
moldura penal, por ex, se alguém comete um crime de homicídio, o juiz tem uma moldura de 8 a 16
anos. Como é que o juiz dentro desta moldura penal chega à pena concreta?

1º - Dentro desta moldura penal, temos de fazer uma segunda moldura – Moldura da
prevenção – Esta moldura da prevenção vai ser exclusivamente determinada em função das exigências
da prevenção geral positiva, de restabelecimento da paz jurídica da comunidade que foi abalada com o
crime. Portanto, se o crime tiver grande impacto social, o juiz previsivelmente vai fixar uma moldura
com um limite mínimo mais gravoso. Ex: moldura de 8 a 16, e ele estabelece um limite mínimo de 11
anos e o limite máximo de 15 anos.
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2º - Ter em conta o grau de culpa do agente, pois essa é um limite para a aplicação de qualquer
pena. O juiz vai ter de ver dentro da moldura penal que fixou qual é o limite na aplicação da sanção, sem
exceder o nível de culpa do agente. Imaginando que o nível de censura social da conduta do agente não
é elevado, estabelecendo o limite da culpa que a pena não pode exceder os 13 anos de prisão.

3º - E é dentro desta moldura que ele vai determinar a medida concreta, tendo em conta as
exigências da prevenção especial positiva.

É neste contexto que surge o problema das penas fixas – O que é que é preocupante
nestas penas fixas? Porque se temos esta construção teórica dos juízes fazerem uma 2º moldura de
prevenção geral positiva, depois ver o limite da culpa e depois dentro dessa moldura que faz escolher a
medida concreta em função da ressocialização. Naturalmente, quando a pena já está abstratamente
fixada na lei o juiz não pode atender às exigências de prevenção no caso concreto, o que não é tão grave
como não poder atender à culpa. Porque, o legislador quando estabelece uma moldura penal já está a
atender às exigências de prevenção geral, como tal, não é tão agravoso como no caso da culpa, pois essa
só pode ser determinada em concreto. Quando se estabelecem circunstâncias agravantes para os
crimes, estas podem ter a ver com circunstâncias relativas:

1)À ilicitude de facto, questão mais objetiva

2)À culpa do agente – ex: Crime de homicídio qualificado

Contudo, em grande parte dos casos, a intensidade da censura que pode ser feita à conduta, só em
concreto é que pode ser conseguido.No nosso caso temos uma norma penal que penalizava a pesca em
época de defeso, prevendo várias circunstancias agravantes, sendo uma delas o facto da conduta ocorrer
durante a noite. E, tínhamos uma segunda norma que vinha dizer que sempre que se verificasse uma
destas circunstâncias agravantes previstas na lei, o juiz tinha necessariamente de aplicar a pena máxima
prevista na lei.

Os arguidos foram apanhados em flagrante delito, e como estavam a pescar durante a noite,
verificava-se uma das causas agravantes previstas na lei. Por isso, o juiz estava obrigado a aplicar a
pena máxima prevista na Lei. Nota: O juiz recusou-se a aplicar a pena máxima por
inconstitucionalidade desta norma, e depois o ministério recorreu e foi assim que a questão chegou ao
TC

O principio da culpa tem dignidade constitucional? Não temos principio da culpa


expressamente consagrado na nossa constituição, como tal, não estando ele consagrado de forma
expressa, será que podemos considerar que é um principio com dignidade constitucional, ao ponto de
termos de dizer que uma norma que consagra uma pena fixa é inconstitucional por violar o principio da
culpa? Podemos considerar que decorre do principio da dignidade da pessoa humana ,do principio
do estado de direito e do principio da proporcionalidade.
O principio da culpa tem vindo a ser reconhecido pela doutrina e pela jurisprudência
constitucional como um principio constitucional implícito porque decorre diretamente do
principio da dignidade da pessoa humana que está consagrado no artigo1º da CRP.
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Porquê o principio da dignidade da pessoa humana? Para evitar o risco de


instrumentalização do agente criminoso porque a partir do momento em que se obriga o juiz a ter em
conta o grau de culpa do agente no caso concreto, estamos a assegurar que o mesmo nunca vai ser
instrumentalizado para satisfazer finalidades de prevenção.

Porquê o principio do estado de direito? Há quem entenda que esta ideia de culpa é uma
limitação do poder do estado. Há ainda quem invoque o principio da proporcionalidade na
restrição de direitos fundamentais, artigo18º CRP – entende-se que, uma vez que a aplicação de
uma pena se traduz numa restrição de direitos fundamentais, que é necessário que haja
proporcionalidade entre a sanção concreta que é aplicada e o grau de culpa do agente.

Voltando ao caso. Será que esta pena fixa se coaduna com o principio da culpa?

1)Podemos considerar que isto viola o princípio da culpa porque é uma pena fixa

2)Ou podemos considerar que isto não viola o principio da culpa porque embora seja uma pena
fixa, nada impede que o juiz lance mão de outros mecanismos que estão previstos no CP.

O TC entendeu que esta pena fixa não violava o princípio da culpa porquê? O tribunal entendeu
que se deveria distinguir aqui entre 2 conceitos de penas fixas:

1)Pena fixa no sentido mais rígido – Segundo o TC a pena fixa tem um sentido rígido quando
o juiz está automaticamente obrigado a aplicar a pena que é fixada na lei. O juiz nestes casos
tem apenas poder de condenar ou absolver o arguido, sendo que nos casos em que condena tem
necessariamente de aplicar o que está na lei.

2)Pena fixa com um sentido moderado – Penas em que o montante exato já está fixado na lei,
mas em que o juiz pode adaptar ao caso concreto, fazendo mão de outros mecanismos gerais de
aplicação da pena que estão previstos no CP.Que mecanismos são esses?

1º - Mecanismo da atenuação especial da pena – 72º CP – esta norma estabelece uma


clausula geral que permite que o juiz possa em determinados casos excecionais atenuar
a pena do agente quando se verifiquem certas circunstancias que diminuam a gravidade
da ilicitude de facto, a culpa do agente ou necessidade da pena. Com base nisto ele pode
decidir fazer uma atenuação especial da pena.

2º - Dispensa da pena – 74º CP – esta norma permite que o tribunal possa em


situações pontuais declarar uma pessoa como culpada da prática de um crime, mas não
o condenar a qualquer pena. Isto em casos em que a gravidade do crime e a culpa do
agente sejam diminutas e o dano tenha sido reparado.

Exemplo: Uma pessoa vai a um supermercado e furta um chocolate e depois é apanhado pelo
segurança e é obrigado a devolver o chocolate. O supermercado pode apresentar queixa no MP e dar
indicio a um procedimento criminal contra a pessoa que cometeu o furto – o processo pode chegar a
fase de julgamento e o juiz pode declarar que a pessoa é culpada, mas não condena-la a qualquer pena,
pois a gravidade é pequena e o dano foi reparado.
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Neste caso concreto, o TC considerou que a existência destes dois mecanismos gerais que
permitem de certa forma ao juiz atenuar ou dispensar a pena, permitem de certa forma ajustar
esta pena tendencialmente fixa ao caso concreto. Como tal, concluiu que não violava o principio
da culpa.

Será que o facto de haverem estes mecanismos livram a norma da violação do P.culpa?
Não, o TC entretanto já abandonou esta argumentação de penas tendencialmente fixas e penas
rigidamente fixas – Acórdão 95/01 – o tribunal volta a apreciar esta norma. Nesse acórdão o TC
decide que a norma é inconstitucional, mas como foi em sede de fiscalização concreta a norma não saiu
automaticamente do ordenamento jurídico.

No Acórdão nº 2/03 + Acórdão nº 124/2004 – ao fim de 3 fiscalizações concretas no


sentido de inconstitucionalidade, o MP é obrigado a recorrer a um processo especial e o tribunal
volta a apreciar a norma para a excluir do ordenamento. Esta distinção de penas rigidamente fixas e
penas tendencialmente fixas não tem viabilidade, porque uma norma penal a partir do momento em
que obriga o juiz a aplicar uma pena específica prevista na lei, estamos perante uma pena fixa ponto.
Não é o facto que haverem esses mecanismos especiais que fazem com que o juiz tenha um poder para
graduar a pena e ajustar ao caso concreto de acordo com as exigências da prevenção geral e de acordo
com o limite imposto pelo princípio da culpa. Porque estes mecanismos que falamos, são
mecanismos excecionalíssimos e não permitem ao juiz controlar a pena aplicável ao caso concreto. O
juiz não tem qualquer poder para graduar a pena que é aplicada. Hoje em dia qualquer norma penal do
nosso sistema jurídico que verificando-se um crime tem de se aplicar a pena x, ou que verificando-se
uma circunstancia agravante o juiz tem de aplicar o limite máximo da moldura, qualquer norma que
seja assim é uma norma inconstitucional por violação do principio da culpa.

Do principio da culpa porque tal como vimos, a culpa é um limite que as exigências de
prevenção não podem ultrapassar. E em nome da dignidade do agente, do direito de não ser usado
como um instrumento para satisfazer as finalidades de prevenção, a sua culpa tem necessariamente de
ser tida em conta no caso concreto. Este principio da dignidade da pessoa humana tem uma relevância
brutal na construção do direito constitucional penal, pois há muitos princípios de direito penal basilares
que não estão escritos na constituição, mas derivam da dignidade da pessoa humana:

1º - Principio da subsidiariedade – foi no principio da dignidade da pessoa humana que o TC


se fundou para afirmar a dignidade constitucional deste principio. Doutrina e a jurisprudência
vão mais pelo P.proporcionalidade para afirmar que esta vertente da subsidiariedade tem
dignidade constitucional.

2º - Principio da Humanidade – Foi também afirmado com base na dignidade da pessoa


humana, para invocar a legitimidade da extradição de cidadãos estrangeiros que estivessem em
Portugal, quando fossem extraditados para um país que aplicava a pena de morte.

Portanto, o principio da dignidade da pessoa humana é um principio absolutamente essencial na


construção no nosso sistema de construção de direitos fundamentais. Apesar de ter um conteúdo tão
amplo que acaba por não ser convocado de forma autónoma para fundar juízos de inconstitucionalidade,
mas por ter este conteúdo muito amplo, acabam por se fundar determinados princípios constitucionais
intermédios.
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Caso 2.1- Crime do lenocínio

A questão que se coloca é a inconstitucionalidade do artigo 170 do CP nos termos do qual o


facilitar, suportar ou apoiar com intenção lucrativa a prática da prostituição é punido, a questão é a
conformidade disto a constituição. Não há duvida que nesta questão temos um problema de
mentalidades. Mas o que nos interessa é se há direitos ou princípios jurídicos que afetem esta questão.
No nosso sistema a prostituição não é punida. O direito refere-se sempre à relação de uma pessoa com
a comunidade, e não à relação consigo próprio, do ponto de vista jurídico o facto de alguém se prostituir
pode incluir-se na liberdade de profissão, mas o aproveitamento dessa prostituição por parte de outros
faz passar um degrau de juridicidade, e é isso que o legislador pune, a questão que se levanta é saber se
é inconstitucional criminalizar o lenocínio. Neste caso a requerente, B, pretendia que fosse declarada
inconstitucional, por violação de liberdade de escolha de profissão ou género de trabalho e liberdade de
consciência.

Artigo 47º nº1- liberdade de escolha da profissão- Todos têm o direito de escolher livremente
a profissão ou o género de trabalho, salvas as restrições legais impostas pelo interesse coletivo ou inerentes
à sua própria capacidade - pode haver restrições, mas isso não diz que pode ser proibida por ser
considerada menos digna, pode ser restringida em nome do interesse coletivo. Há vários problemas
relacionados com a prostituição- consumo de drogas, propagação de doenças.

No acórdão diz-se que a punição ou não desta atividade é uma questão de política criminal, o
legislador deve ponderar os interesses em presença, para perceber se se justifica ou não a proibição.
Mas a B entende que não pode ser uma questão de opção política, pois a CRP consagra a liberdade de
consciência e a liberdade de escolha da profissão, como tal o legislador não tem legitimidade de opções
politicas.

É verdade que as concepções morais se vão alterando com os tempos, mas o direito tem
princípios fixos, e dois deles são sem dúvida a liberdade de consciência e a liberdade de escolha da
profissão. Com estes 2 direitos, não choca que a prostituição seja permitida, para alguém com uma
perspetiva moral utilitarista.

O direito tem também em conta o principio da dignidade da pessoa, que cria uma moralidade
especifica do direito, e essa moralidade é importante. O TC vem dizer que a norma que pune o lenocínio
está a salvaguardar a degradação da dignidade de uma pessoa por parte de terceiros que o fazem com
intenção lucrativa- não parece correto indicar simplesmente a moral, pois a moral do direito é uma
moralidade da liberdade e da dignidade da pessoa humana.

Do ponto de vista jurídico a dignidade da pessoa humana não permite que terceiros lucrem com
estas atividades, mas não o será se o fizer por iniciativa própria, o que continuaria no entanto a chocar
com a moral. O relevante é a promoção por parte de pessoas que promovem a instrumentalização de
outros. O TC vem dizer que não é ilegítimo do ponto de vista constitucional o legislador punir a
participação de terceiros na degradação da dignidade de uma ou várias pessoas, é uma moralidade
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especifica do direito. Figueiredo Dias daria razão a B, pois para ele há um principio implícito, o
principio do bem jurídico, e esse principio diz-nos que só é legitimo estabelecer um crime quando
identificarmos um bem jurídico especifico que se visa proteger- vida, integridade física, etc., já n é
legitimo criminalizar comportamentos por razões meramente morais.
Neste caso o bem jurídico poderia ser a autodeterminação sexual, a defesa da liberdade sexual
da pessoa decorre da lógica da constituição, logo a pessoa não pode ser obrigada a ter relações sexuais
contra a sua vontade. Efetivamente a questão aqui é se as pessoas estão a agir com liberdade, ou
obrigadas pelas circunstâncias, e na esmagadora maioria dos casos agem fortemente condicionadas
pelas circunstâncias. Se elas o fazem porque precisam de dinheiro para subsistir, ou para drogas, nesses
casos elas não estão a ser verdadeiramente livres, não estão a exercer a sua autodeterminação sexual.
Nesses casos, a punibilidade do lenocínio irá tutelar a sua autodeterminação sexual, logo parece que
será legitima a punição. Já nos casos em que parece haver plena autodeteminação, já ai há mais dúvidas
quanto à punibilidade do lenocínio.

Figueiredo Dias entende que para não ser inconstitucional teria de ser acrescentada uma
frase no tipo de crime que tornasse claro que só há punição quando há aproveitamento da
situação de necessidade da pessoa que se prostitui, já o TC parece admitir a punibilidade em
termos mais amplos.
O aproveitamento da situação de necessidade, para o TC era mais uma agravante para
aumentar a pena, do que um elemento do tipo criminal. O TC diz que se o legislador partiu do
pressuposto de que na maioria dos casos haveria uma situação de fragilidade, então o lenocínio não
será punível, por interpretação desse mesmo tipo, nos casos em que não há aproveitamento. A questão
é como se prova, o legislador presume-o e isto não parece ilegítimo à luz do princípio da dignidade e da
ideia de que as pessoas devem sempre ser tidas como fim em si e não como instrumentos. Partindo da
posição do Professor Figueiredo Dias, que obriga a que se identifique o objeto de proteção, então não é
legitimo criminalizar, quando não haja aproveitamento de situações de necessidade, mas a posição do
MP, e que acaba por ser a do TC, é que por detrás o lenocínio não está apenas em causa a proteção da
autodeterminação sexual, está também a da dignidade da pessoa no seu todo, e essa última não coincide
apenas com a liberdade da vontade, quanto muito é com a liberdade autêntica, e nestes casos em que se
pune a ação de terceiros no sentido de influenciar a liberdade da pessoa, não se está a restringir essa
liberdade, está-se quanto muito a impedir essa pessoa de decidir sob a influência de terceiros. Nos
casos que fujam à regra, podemos dizer que não há ofensa do bem jurídico protegido, mas neste caso as
pessoas eram na generalidade compelidas pelas circunstâncias.

Decisão do acórdão: Tribunal Constitucional decide não julgar inconstitucional, por violação
dos artigos 41.º, n.º 1, 47.º, n.º 1, e 18.º, n.º 2, da Constituição, a norma constante do artigo 170.º, n.º 1,
do Código Penal.

Caso prático - 2.4 Relação do bebé medicamento/ irmão dador

As PMA s podem ser utilizadas em casos:


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1. Infertilidade de um ou ambos os membros do casal

2. Tratamento de doença grave;

3. Evitar a transmissão de doenças genéticas hereditárias ou infecciosas: Neste caso é utilizado


por casais férteis de forma a diminuir e até a eliminar o risco de transmissão de doenças
contagiosas/infeciosas para o embrião. Isto é feito através do diagnóstico genético
préimplantação (DGPI), e é utilizado de forma conjugada com a técnica de fertilização em
vitro. Nestes casos, depois do embrião ser criado em laboratório, é aplicada uma forma
especificada de diagnostico pré-natal, denominado de DGPI. É onde se retiram células a este
embrião de modo a aferir se o mesmo é saudável ou se padece de alguma doença. Se não for
saudável nem chega a ser implementado no útero, sendo destruído (na maioria das vezes).
A utilização deste meio implica a criação de embriões sedentários, já que implica a sua
destruição.No caso PMA´s para tratamento de doença grave, esta doença refere-se a um
familiar, e não do próprio embrião. Assim o é, já que a possibilidade de utilização da PMA´s
no caso anterior (tratamento de doença grave) já visa prevenir a situação de doença do
embrião. Esta possibilidade está prevista no artigo 7º nº3 da Lei da PMA, que estabelece
quais são a finalidades proibidas da PMA. De acordo com este artigo, uma dessas exceções é
precisamente a que temos neste caso prático, onde se visa utilizar a PMA para tratamento
das doenças graves de terceiros. Grupo HLA: Tem a ver com a compatibilidade sanguínea. É
um complexo genético que codifica o sistema de histocompatibilidade humana. Este
sistema é fundamental para vários efeitos, nomeadamente para questões de transplante de
órgãos ou de medula óssea. Não sendo uma pessoa compatível ao nível do HLA com outra, o
organismo da pessoa que é transplantada rejeita essa transplantação.

Quando não havia ninguém que fosse compatível, e houvesse uma criança que necessitasse de
um transplante, o que acontecia nestes casos em vários países é que os Pais queriam ter outro filho, e
depois era necessário que esse filho nascesse saudável e que tivesse um grupo HLA compatível com o
seu irmão para poder ser seu dador de medula óssea.

Actualmente é possível uma segunda solução mais eficaz nestes casos. Em vez de o casal ter um
segundo filho de forma natural, esperando que, por sorte, os pontos anteriores se verifiquem, é possível
através de PMA assegurar que o embrião é, não só saudável, como assegurar que este 2º filho é
compatível com a pessoa que está doente e que necessita de transplantação. E consegue isto de acordo
com as técnicas anteriormente referidas.

Ou seja, neste caso, a PMA tem o intuito primacial de criar uma criança-dador que vem ao
Mundo com a única finalidade de salvar o seu irmão, e não com as finalidades já faladas e previstas
na Lei. Em muitos casos, esta função de bebé-medicamento dá-se logo aquando do nascimento, através
da transmissão de células estaminais presentes no cordão umbilical, sendo que daí para a frente tudo
fica normal para a saúde de ambos, não precisando de haver mais qualquer doação ao longo da sua vida.
Em casos mais complicados nem sempre é assim, e podem ser necessárias ao longo da vida do irmão
doente, mais doações deste género, sendo que nesses casos é quando estas situações se tornam mais
complicadas.

Em 2016 o legislador introduziu na Lei das PMA´S a questão da gestação de substituição –


Artigo 4º nº3 Lei da PMA. Mas também se alargou o âmbito de aplicação destas PMA´s a casais
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homossexuais, e a mulheres solteiras. O problema coloca-se porque nestes casos, já não se aplicam as
exceções ou situações que vimos antes de admissibilidade das PMA´s.

Em 2009 o Tribunal Constitucional foi chamado a apreciar a compatibilidade constitucional


desta possibilidade com o princípio da dignidade da pessoa humana, e com outros direitos
fundamentais, nomeadamente os do embrião.

O Tribunal Constitucional diz que apenas são titulares de direitos as pessoas. Neste caso,
estamos apenas perante embriões não implantados no útero materno. Não faz por isso sentido
invocar aqui questões relacionadas com os direitos fundamentais nomeadamente, como o
Direito à Vida, à Integridade física do embrião, etc.

Contudo, o Tribunal tem vindo a reconhecer a existência de proteção da vida intrauterina, e


que acarreta uma ponderação gradualista que atende às diferentes fases de desenvolvimento do
nascituro. Não estamos aqui perante um caso de vida intra-uterina porque o embrião ainda não foi
implementado no útero neste momento em que se averigua se ele tem ou não doenças e onde se vê se
ele é compatível com o grupo HLA.

O TC disse que a única forma de ver se esta perspetiva utilitarista do embrião ofende o Principio
da dignidade da pessoa humana é partir do pressuposto que o embrião é susceptível de potenciar
a existência de vida humana.

O TC interpretou então este artigo 7º/3 por referência ao artigo 1º da CRP, mas ainda por
referência ao artigo 67º, que é um artigo importante face às técnicas de PMA, que versa sobre a família e
que estabelece diversos deveres a cargo do Estado para a proteção da família, sendo que um desses
deveres, previsto no artigo 67º nº2 e), é o de regulamentar a PMA em termos que salvaguardem a
dignidade da pessoa humana. Existe aqui como que um limite que o legislador impõe às técnicas de
PMA´S.

A questão desta gestação de substituição é esta, no que diz respeito à gestante e à criança que
vem a nascer.

Chamado a apreciar a compatibilidade desta norma, com estas duas outras normas da CRP, o TC
diz que esta dignidade da pessoa humana deveria ser valorada neste caso concreto, por
referência a um direito contraposto, o direto à proteção da saúde, neste caso à proteção da
saúde de um 3º que se encontre em perigo de vida.
Ou seja, esta solução legal corresponde ao cumprimento por parte do Estado de um dever de proteção
da saúde numa vertente positiva, ou seja, o dever de assegurar a adoção de medidas que visem a
prevenção e o tratamento de doenças. Decorre do artigo 64º nº1 da CRP.

O TC alega, assim, que esta instrumentalização do embrião, através da criação do


bébémedicamento, podia ser justificada pela prevalência destes valores contrapostos também com
tutela constitucional.

O TC também não deixou de denotar que não existem quaisquer provas de que uma criança que
nasça nessas condições tenha mais problemas de índole psicológica do que outra que nasça
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Caso 2.2 – o anão-bala

A questão que se levanta no caso é a inconstitucionalidade ou não de uma norma. No caso


concreto: o despacho normativo que interdita o jogo de arremesso do anão é inconstitucional ou não? 16
Que direitos ou princípios é que podem, eventualmente, estar a ser violados?

É importante ter em consideração todos os direitos e princípios que são de aplicação plausível
e não apenas os que dão resposta final ao caso.

Em primeiro lugar temos por um lado a liberdade escolha da profissão, confrontar com a
dignidade da pessoa humana que pode levar a soluções contrarias. Pode entender-se que o anão deve ter
liberdade de escolha da profissão, mas que isto não pode ser feito em termos tais que viole a dignidade
da pessoa humana. O professor António Cortês considera este caso diferente do lenocínio mas essa
diferença não parece ser suficiente para justificar uma decisão diferente. O que foi dito no caso anterior,
de que em certas situações a própria pessoa não sabe a situação em que se está a colocar (fazendo-se
uma comparação com a escravatura) poderia justificar que não estivéssemos aqui perante uma restrição
excessiva do livre exercício da profissão. Isto pode ser entendido como uma posição mais paternalista do
Estado.

Mas será que é necessariamente mau o Estado ser paternalista? O Direito muitas vezes é, da
forma mais legitima possível, paternalista. Exemplo: quando defende as pessoas em face da coação, do
erro, da falta de esclarecimento de uma determinada decisão da vontade, quando estabelece
incapacidades, vícios do negócio resultantes da inexperiência das pessoas, quando legisla algo como as
cláusulas contratuais gerais, direito do trabalho, etc. O professor António Cortês considera que a ideia
de que não há paternalismos no direito, que é uma ideia absolutamente comum e generalizada, tem de
ser vista com algum sentido de interrogação.

Aqui, já não poderia ser procedente a equiparação da vida do anão a uma escravatura de vida .
No caso do lenocínio há uma entrega permanente e reiterada da intimidade da pessoa a estranhos a
troco de dinheiro. Aqui não há uma abdicação tao ampla da vida da pessoa, não é algo que tenha efeitos
tao fortes e tao intensos na vida e integridade psíquica da pessoa. Por isso, o professor Cortês acha que
este argumento que o tribunal invocou não vale neste caso.
Se atentarmos à fórmula da dignidade de pessoa humana de Düring, esta diz que a dignidade
humana é degradada quando a pessoa é reduzida à condição de mero meio de um mero objeto de uma
medida fungível (substituível) . Ou seja, quando a humanidade em cada pessoa não é tratada como fim
em si. Não parece haver maior forma de instrumentalização de uma pessoa do que ela ser atirada como
um saco de batatas ou como uma bola.

16Há que seguir sempre uma metódica na resolução dos casos práticos. A primeira exigência metódica é sempre
identificar qual a norma cuja constitucionalidade está a ser apreciada.
O segundo passo é ver que direitos ou princípios é que podem estar então a ser violados.
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Poderia estar em risco a integridade física? No caso semelhante julgado em França


demonstrou-se que não estava em causa a integridade física da pessoa. Mesmo se estivesse em causa a
integridade física, na liberdade de escolha da profissão não está excluído que a pessoa ponha ate certo
ponto em risco a sua integridade física. Poderia, contudo, haver certos comportamentos de acréscimo
de risco, uma vez que isto é feito em ambiente onde há álcool envolvido. Tem o Estado ou não o poder
de limitar riscos? Se houvesse risco para a integridade física, haveria aqui uma norma que visava
eliminar estes riscos. É legitimo eliminar riscos contra a integridade física? Sim. O Estado pode proibir,
por ex., que pessoas com menos de 2 anos de prática de um desporto não executem os percursos mais
difíceis, desde que essa restrição seja proporcional. Desde que se demonstre que há razoabilidade
nessas restrições.
Temos de dar por adquirido que aqui no caso não há risco para a integridade física. Os riscos
que houvesse seriam mínimos e seriam salvaguardados de outra maneira (ex. um segurança que
verifica que as pessoas que estão a atirar o anão não o atiram para fora do colchão, etc.).

O que nos podemos perguntar é se há aqui um jogo que humilha a condição das pessoas, porque
as pessoas atiram o anão, riem-se do anão, gozam com o anão. A integridade psíquica da pessoa pelo
mero facto de ser lançada não será assim tao atingida, mas talvez já seja mais atingida se todos os dias
tiver pessoas à volta, a gozar com ele.

A nível de dignidade da pessoa humana: no circo as pessoa está a ser simultaneamente


tratada como um fim em si. Ela está também a ser vista como alguém que projeta um específico valor
(naquele caso, o de alguém que consegue produzir um espetáculo com determinada beleza). Aqui, não
parece haver esta componente dignificante do espetáculo, há pura e simplesmente o atirar da pessoa. O
professor admite, contudo, que o próprio modo como se processa o espetáculo pudesse alterar a nossa
posição sobre o espetáculo e os termos em que ele pode ou não violar da dignidade da pessoa humana.O
que estamos a analisar no caso é a atividade em que as pessoas vão para os bares atirar anões para cima
de um colchão. Como prática privada não há legitimidade para se proibir que o anão seja lançado, a
questão que estamos a debater só se levanta se virmos isto como espectáculo publico. De
facto, enquanto no lenocínio os bordeis normalmente se aproveitam da situação de necessidade da
pessoa que se prostitui para a instrumentalizar, aqui neste caso concreto, esta situação de necessidade
não é tão clara, é o anão que simplesmente quer trabalhar desta forma. Há aqui uma certa
autonomia, o anão é adulto e de uma forma esclarecida decide isto.

Imagem social do anão:Poderíamos ver até que ponto, um jogo como este, em que se permite
que se lance um anão, não pode ajudar a promover uma determinada imagem de inferioridade de uma
pessoa que deve ser tratada como igual. Quando o estado faz esta norma não o faz para uma pessoa
concreta, está a dizer que aquela pratica projeta uma determinada imagem das pessoas, de que elas
podem ser instrumentalizadas, uma imagem que o estado não quer ver projetadas na sociedade. Uma
coisa é falarmos na liberdade de uma pessoa levar a vida como bem entende e fazer o que bem entende;
outra coisa é fazer disso espetáculo publico porque isso projeta uma determinada imagem social. Não
está em causa o anão sozinho, está em causa a pessoa que lança o anão, a discoteca que lucra com isso,
está em causa todo um espetáculo publico e, na opinião do professor, estes efeitos simbólicos não
podem ser negligenciados. O poder publico, portanto, parece ter legitimidade para, dentro de
estreitos limites, salvaguardar uma imagem das pessoas e da pessoa humana, em face de
espetáculos públicos que possam degradar essa pessoa à condição de mero instrumento ou
objeto. Não se diz que o poder publico está obrigado a faze-lo, mas tem legitimidade para o fazer.
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Força Normativa dos Direitos Fundamentais

A cláusula aberta e os direitos implícitos

O Tribunal Constitucional tende a preferir a ideia de que existem direitos implícitos na CRP, isto
é, direitos que apesar de não constarem expressamente do disposto na CRP, decorrem ainda de uma
concretização ou aplicação analógica, prefere isto a utilizar a cláusula geral do artigo 16º nº1, Os
direitos fundamentais consagrados na Constituição não excluem quaisquer outros constantes das leis e das
regras aplicáveis de direito internacional , são muito poucos os casos em que o Tribunal Constitucional
recorre a esta cláusula.
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Geralmente quando levanta a hipótese de estarmos perante um direito fundamental, à luz da


cláusula geral do 16º nº1, o TC tende sempre a afirmar que é apenas guardião da CRP e que esta tem
autonomia relativamente quer as leis quer às convenções internacionais.
Quando se remete para as leis temos de ter um critério material para saber se o direito
consagrado na lei é ou não fundamental. Esse critério material está na CRP, nomeadamente nos 2
princípios nucleares da mesma, Dignidade da Pessoa Humana e Estado de Direito e Democrático.
Em última análise o que é decisivo para saber se o direito previsto na lei é fundamental ou não, é a CRP.
Essas leis ajudam-nos a concretizar a CRP, mas o que temos de saber é se é uma concretização da
dignidade da pessoa humana ou da ideia de estado de direito democrático. Nem
sempre assim sucede, por exemplo, no Código do Trabalho há um direito expressamente consagrado à
não redutibilidade do salário, colocou-se ao TC a questão de saber se baixar os salários da função
pública violaria o direito fundamental à não redutibilidade do salário. O TC concluiu que não, pois este
não era um direito fundamental, dado que não decorria com evidência da dignidade da pessoa humana,
o que esta exige é um salário mínimo, que permita uma vida condigna, exige ainda uma retribuição
justa em função da quantidade e qualidade do seu trabalho, mas não exigi que seja sempre o mesmo.
Temos aqui um exemplo de um direito que decorre de uma lei, que se perguntou se era um direito
fundamental ao abrigo da cláusula geral do 16º nº1 e que o TC considerou que não, pois não se podia
considerar que este direito fosse uma concretização das ideias de estado de direito democrático nem de
dignidade da pessoa humana

Também quanto às convenções internacionais o TC tem sido relativamente restritivo, por


exemplo na lei da procriação medicamente assistida, em que a inconstitucionalidade foi suscitada por
violação da Convenção de Oviedo, e o TC veio dizer duas coisas: das duas uma, ou esses direitos
previstos na convenção são absorvidos pelo amplíssimo catálogo de direitos fundamentais da nossa
constituição, sendo esse amplo catálogo uma das particularidades do constitucionalismo português e
logo é inútil recorrer a essas convenções, ou então esses direitos não se podem reconduzir a CRP e tem
o mero valor de direito internacional convencional, o mero valor de legalidade reforçada, mas não de
constitucionalidade, valor supra legal mas infra constitucional, logo o TC vem dizer que o único critério
de aferição da fundamentalidade destes direitos é a própria CRP. Claro que, sendo a nossa constituição
tão ampla não é difícil aceitar isto, pois temos os tais dois princípios supra abrangentes, temos cláusulas
gerais como por exemplo a garantia de todos os meios de defesa do arguido (32º), direito ao livre
desenvolvimento da personalidade (26º), direito ao processo equitativo (20º), entre outras, e que,
além disso, é uma Constituição que se considera não apenas formal mas também material, é uma
Constituição que não é apenas um texto, mas é um texto que tem que ser interpretado e integrado e a
Constituição material é precisamente o resultado dessa interpretação e integração da Constituição
formal, de acordo com uma adequada metodologia formal quanto material, não é apenas um texto,
mas é um texto que tem de ser interpretado e integrado, e é dessas tarefas que decorre a
constituição material. A grande sede da constituição material são os artigos que definem a
constituição material 204º e 277º.

Porque é que o TC tem sempre a necessidade de reconduzir direitos fundamentais à CRP e não
às leis? O TC olha para as leis como objeto de fiscalização da constitucionalidade, e não como
parâmetro de aferição. A cláusula aberta do artigo 16º poderia criar, ao referir-se às leis como fonte
de direitos fundamentais, uma confusão: as leis que normalmente são objeto da fiscalização da
constitucionalidade tornar-se iam parâmetro, e isto cria o risco de degradarmos a força normativa da
CRP, e passarmos a vê-la como dependente das leis e não o inverso. Não é isto que acontece.
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As convenções internacionais devem entender-se como auxiliares de interpretação e integração


de uma constituição aberta a um contexto global, nas palavras de Rui Medeiros, mas não tem sido esta a
postura do TC, este continua a entender a CRP como um sistema autónomo, ao qual se subordinam as
convenções internacionais, salvo raras exceções. Para António Cortês, e em conformidade com a opinião
de Rui Medeiros, a postura do TC deveria ser mais aberta ao direito internacional. Mas
esta questão da cláusula aberta e de o TC não querer que as leis sejam parâmetro de
constitucionalidade tem que ver com os temas da aplicabilidade direta e das restrições aos direitos
fundamentais

Aplicabilidade direta dos direitos fundamentais17

Expressamente reconhecida no artigo 18º nº1 da CRP: os preceitos constitucionais relativos a


direitos, liberdades e garantias são diretamente aplicáveis e vinculam entidades publicas e privadas . Dizer
que os direitos são diretamente aplicáveis significa que eles são aplicáveis independentemente de
lei que os concretize, não carecem de lei concretizadora. Quase todos os direitos fundamentais
têm leis que os concretizam, há por exemplo uma lei da liberdade religiosa, disposições no código penal
que concretizam o direito à vida, a liberdade de imprensa é concretizada no estatuto dos jornalistas,
direito à segurança no trabalho (53 CRP) é
concretizado no CT, o CPP é todo ele uma concretização do artigo 32 da CRP quando diz que aos
arguidos são garantidos todos os meios de defesa.
No entanto pode verificar-se uma contradição entre essas leis e os direitos fundamentais, não
apenas os que concretizam, mas ainda outros. Por exemplo, um código das expropriações que exclua a
indemnização em determinado tipo de casos pode violar o direito de propriedade, artigo 62º. O mesmo
pode acontecer com a eutanásia e o direito à vida.

Esta ideia de direta aplicabilidade vale mesmo naqueles casos em que as normas que consagram
os direitos liberdades e garantias são normas não exequíveis por si mesmas, normas que dizem que
um determinado direito vale nos termos da lei.
Por exemplo, 41º nº6, direito a objeção de consciência, o direito a não participar num
determinado ato por forca de convicções filosóficas morais ou religiosas, esse direito tem de ser
regulado pela lei. Mas este direito pode valer em certa medida para além da lei que o concretize,
isto é, se uma lei o vier regular em termos tais que se considere que não salvaguarda o núcleo
essencial desse direito nos termos da CRP, essa lei será inconstitucional.
A expressão nos termos da lei vem impor o dever de legislar, para que esse direito tenha uma
garantia mais efetiva. Mas esse dever de legislar tem de ser cumprido de maneira a respeitar o
conteúdo essencial desse direito e de forma a não impor restrições desproporcionais a esse
direito. O direito vale para além da lei. A referência final aos termos da lei apenas vem impor um dever
de legislar para dar consistência prática a esse direito fundamental, mas esse dever tem de ser

17Este assunto é uma novidade que surgiu com a Constituição de Bona de 1949, que afirma no artigo 1, nº3 a
aplicabilidade directa dos direitos fundamentais
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cumprido de tal forma que não ponha em causa o conteúdo essencial do direito e que não o restrinja
desproporcionalmente.

Em certo sentido a verdadeira história dos direitos fundamentais só começa com esta
aplicabilidade direita, até aí as constituições faziam apenas listas de direitos fundamentais, mas jamais
se deixaria de aplicar uma lei por violação de um direito fundamental. Em Portugal, não houve um único
caso deste género até 1976. Estes direitos fundamentais eram apenas diretrizes para o legislador,
proclamações inspiradoras da atividade legislativa, tinham não um valor normativo ou jurídico, mas
sim político. Hoje podemos dizes que eram uma espécie de soft law, direito formalmente proclamado,
mas sem meios de garantia efetiva.

Hoje não é assim, vingou a fórmula de Krüger, não são os direitos fundamentais que se
movem no âmbito da lei, mas a lei que deve mover-se no âmbito dos direitos fundamentais, ou
seja, os direitos fundamentais orientam a aprovação das leis, embora nem todas sejam concretizadoras
de direitos fundamentais, e não é a lei ordinária a definir por si mesma o sentido e alcance dos direitos
fundamentais, são eles que o autodefinem.
Jorge Miranda, parafraseando Krüger, diz que se antes os direitos fundamentais só existiam no
quadro das leis, hoje as leis só valem no quadro dos direitos fundamentais, há uma inversão de
perspetiva, o foco passou da multiplicidade das leis, hoje o acento tónico está nos princípios
constitucionais, nomeadamente nos que são expressão mais direta da dignidade da pessoa humana e dos
estado de direito democrático, os direitos fundamentais

As restrições aos direitos fundamentais

Os direitos fundamentais não valem ilimitadamente, têm limites imanentes, podem ser
condicionados e restringidos.

Limites Imanentes
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Os que decorrem ou das próprias exigências inerentes ao exercício do direito ou de regras morais
comummente aceites e reconhecidas como direito são limites imanentes. Por exemplo é limite
imanente à liberdade de exercício da profissão, não se poder exerce-la sem ter adquirido as
competências necessárias para tal, nomeadamente através do ensino. O mesmo se passa com a não
violação de regras morais básicas reconhecidas pelo direito não se pode entender que a liberdade
religiosa abrange a liberdade de sacrifícios humanos, pois a proibição de matar faz parte do núcleo moral
da sociedade.

Condicionamentos

Quanto aos condicionamentos, limites ao exercicio do direito quanto ao tempo espaço ou


modo, mas que não impedem o exercício desse mesmo direito, por exemplo, se quisermos fazer uma
manifestação: artigo 45º da CRP- 1.Os cidadãos têm o direito de se reunir, pacificamente e sem armas,
mesmo em lugares abertos ao público, sem necessidade de qualquer autorização. 2.A todos os cidadãos é
reconhecido o direito de manifestação. este direito obriga a um pedido de autorização às autoridades,
pedido esse que apenas pode ser negado se o exercício desse direito puser em causa o exercício de
direitos ou outros interesses constitucionalmente protegidos, por exemplo o direito à circulação. Ora
estes dois direitos relacionam-se com certas condicionantes, como o caso deste dito pedido, e aí a
administração pública tentará organizar o trânsito da zona de modo a permitir o exercício do outro
direito.

Restrições

Impedimento ao exercício de um direito, a diferença entre este e o condicionamento é de grau,


a restrição afeta o direito em maior medida.

Esta distinção entre 3 categorias é uma distinção tradicional, hoje em dia, nomeadamente após a
tese de doutoramento do professor Reis Novais há uma tendência para assumir um sentido amplo
de restrições que abrange quer os condicionamentos , quer os limites imanentes. A crítica que Reis
Novais fez à doutrina tradicional foi que quando essa falava em limites imanentes e condicionamentos
não fazia o teste de proporcionalidade, isto é, admitia que o direito fosse condicionado, sem invocar
outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que legitimassem esse condicionamento,
isso era comum por exemplo nas decisões do TC.

Em ultima análise, tanto os limites imanentes como os condicionamentos estão


justificados no exercício de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, por
exemplo, na questão do direito de escolha da profissão, artigo 47º, no caso de um advogado, este
defende o património e a liberdade das pessoas, direitos constitucionalmente protegidos pelos artigos
27 e 62 estes direitos não estariam adequadamente salvaguardados se os advogados não conhecessem
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o direito. Nos condicionamentos, nomeadamente no pré-aviso de manifestação, estão por detrás dessa
exigência interesses relacionados com o artigo 44º liberdade de circulação

Uma restrição a um direito, liberdade ou garantia, no sentido mais estrito do termo, é uma
norma que dificulta ou impede o exercício do direito. Mas é evidente que isto tem que ter alguns limites,
é por isso que falamos de um carácter restritivo das restrições.
Se os direitos liberdades e garantias são um bem, se são um bem maior, se são no fundo aquele
núcleo essencial de exigências do direito que mais diretamente se relacionam com a possibilidade de
realização das pessoas enquanto pessoas, então restringir esses direitos deve ser sempre tido como
a exceção e nunca como a regra. É claro que seria impraticável um sistema jurídico em que não
houvesse restrições aos direitos fundamentais em nome quer de outros direitos, quer de outros
interesses comunitários, mas é preciso que essas restrições sejam feitas com uma série de cautelas.

Cautelas relativamente às restrições

Cautela orgânico-formal: as restrições têm que constar de lei, não podem ser estabelecidas
por regulamento ou por ato administrativo. As restrições são normas que têm que constar de uma lei é
isto que nos diz precisamente o artigo 18º nº2 e nº3 CRP, estes artigos dizem indiretamente que as
restrições têm que constar de lei, porque dizem que a lei só pode restringir direitos, liberdades e
garantias e as leis restritivas de direitos, liberdades e garantias, deve-se entender que está aqui
pressuposto que só a lei pode restringir direitos, liberdades e garantias.

E mais, se compatibilizarmos o artigo 18º nº2 e nº3 com o artigo 165º, b) CRP vemos que o
regime dos direitos, liberdades e garantias está na reserva de competência relativa da AR, o que
significa que esta lei tem que ser uma lei da AR ou então um Decreto-Lei devidamente autorizado.

Artigo 165º, b): diz que não apenas as restrições aos direitos, liberdades e garantias, mas mais
em geral a regulamentação dos direitos, liberdades e garantias, incluindo portanto as concretizações,
explicitações, meros condicionamentos, qualquer tipo de regulamentação, tudo isso deve constar de lei
da AR.
Essa lei da AR, tratando-se de direitos, liberdades e garantias, deve sempre revestir caráter

geral e abstrato. Isto é, em matéria de direitos, liberdades e garantias não pode por princípio haver leis
individuais, nem atos administrativos sob a forma de lei. É isto que nos diz o artigo 18º nº3 CRP: As leis
restritivas de direitos, liberdades e garantias têm que revestir caráter geral e abstrato.

É evidente que as leis restritivas de direitos, liberdades e garantias nunca podem regular em
termos absolutos, em termos absolutamente pormenorizados, os direitos, liberdades e garantias e as
situações concretas da vida em que os direitos, liberdades e garantias são restringidos. Mas o que é que
é necessário? É necessário que elas tenham densidade normativa suficiente, isto é, que tenham um nível
de concretização ou de especificação suficiente. Não podem ser meras cláusulas gerais, não podem
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ser conceitos excessivamente indeterminados, essas leis têm que ter um grau médio
indeterminação. Não pode também ser, pelo contrário, leis absolutamente concretas, têm que ter
um grau médio de abstração. Isto não exclui que em algumas situações a lei preveja a possibilidade de
um órgão administrativo dentro das balizas bem traçadas pela lei ter poderes de concretização e
aplicação dessa mesma lei.

A primeira exigência é por isso a da legalidade das restrições.

A segunda exigência é a de autorização constitucional expressa: lendo o artigo 18º nº2


CRP vemos que se diz que a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos
expressamente previstos na CRP. Há casos em que a CRP prevê expressamente restrições a direitos,
liberdades e garantias.
Exemplo: a propósito da liberdade de escolha da profissão o artigo 47º nº1 CRP diz que: Todos têm o
direito de escolher livremente a profissão ou o género de trabalho, salvas as restrições legais impostas pelo
interesse colectivo ou inerentes à sua própria capacidade. é a própria CRP a prever que a
liberdade de escolha da profissão deva ter restrições impostas quer pelo interesse coletivo quer pela
capacidade própria de cada pessoa.
Exemplo: direito à greve (artigo 57º nº3 CRP): depois de se dizer que é garantido o direito à greve no
artigo 57º nº1, diz-se no artigo 57º nº3 que: A lei define as condições de prestação, durante a greve, de
serviços necessários à segurança e manutenção de equipamentos e instalações, bem como de serviços
mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação de necessidades sociais impreteríveis. Aqui não se utiliza
a palavra restrição, mas é evidente que as normas que regulam a satisfação de necessidades sociais
impreteríveis durante a greve são normas restritivas do direito à greve e que estão expressamente
previstas na CRP.
Exemplo: livre iniciativa económica privada (artigo 61º CRP): artigo º/ diz que A iniciativa económica
privada exerce-se livremente nos quadros definidos pela Constituição e pela lei e tendo em conta o interesse
geral. Prevê-se aqui expressamente que esta livre iniciativa económica privada tenha restrições
decorrentes do interesse geral, apesar de não se utilizar a palavra restrição – mas a remissão para o
interesse geral é no fundo a consagração da possibilidade de haver restrições à livre iniciativa económica
privada em nome do interesse comunitário.

São relativamente poucos os casos em que ao mesmo tempo que se consagra um direito se
consagram também restrições ou limites a esse direito, no mesmo artigo. São poucos os casos em que
no artigo em que se consagra o direito se prevêem limites e restrições a esse direito. O
que é mais comum suceder é as restrições direitos decorrerem ou de outros direitos ou de interesses
constitucionalmente protegidos que apenas estão indiretamente consagrados na CRP. 1)
Restrições que decorrem de outros direitos – exemplo: a liberdade de expressão é um direito que
está consagrado no artigo 37º CRP, não estão aqui previstos nenhuns limites nem nenhumas
restrições, e no entanto é evidente que em concreto esta liberdade de expressão do pensamento, pela
palavra, imagem ou qualquer outro meio, pode poder em causa desde logo muitos dos direitos de
personalidade previstos no artigo 26º CRP, e nomeadamente o direito ao bom nome e reputação,
direito á imagem, direito à palavra ou o direito à reserva da intimidade da vida privada. Portanto uma
norma penal como por exemplo a norma que prevê as gravações ilícitas ou a norma que prevê o crime
de injúria e de difamação, são normas restritivas da liberdade de expressão. São normas que impedem
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que essa liberdade de expressão ultrapasse um determinado limite. Temos que perguntar o que é que
justifica essas normas. Não podemos consagrar pura e simplesmente restrições como o crime de
gravações ilícitas ou crime de injúria18 sem ter um fundamento em outros direitos ou interesses
constitucionalmente protegidos. Neste caso há direitos expressamente consagrados, o direito ao bom
nome e à reputação, estes direitos justificam o crime de injúria e difamação e que justifica a restrição à
liberdade de expressão. Ou seja, esta restrição em que consiste o crime de injúria e difamação está
expressamente autorizada porque existe um direito expresso, o direito ao bom nome e à
reputação, que legitima esta restrição. Pode-se dizer que esta restrição não aparece como nos primeiros
casos em que vimos diretamente ligada no artigo em que se prevê a liberdade de expressão, mas nem
por isso deixa de estar expressamente autorizada pela CRP.

2) Restrições que decorrem de interesses constitucionalmente protegidos que apenas


estão indiretamente consagrados na CRP: às vezes as restrições decorrem de outros
direitos expressamente consagrados, mas apenas de interesses constitucionalmente
protegidos. Dois interesses em específico que não aparecem na lista dos direitos
fundamentais, mas que podem ser relevantes para a restrição a esses direitos fundamentais:

a. Interesse na boa administração da justiça (artigo 202º/2 CRP): na primeira


parte Na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos
direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos … dirimir os conflitos de
interesses públicos e privados. – os tribunais na administração da justiça têm que
fazer a defesa dos interesses públicos de modo a compatibiliza-los com interesses
privados e têm que defender os interesses dos cidadãos. Não há aqui nenhuma
tipificação de que interesses são esses. Há uma abertura para uma série de interesses
que podem ser relevantes para a administração da justiça. Deste artigo resulta o
interesse na administração da justiça – o artigo 202º a respeito dos tribunais resulta
que é um interesse constitucionalmente protegido o interessa da administração da
justiça através dos tribunais e para administrar bem a justiça podem ser necessárias
medidas restritivas dos direitos, liberdades e garantias. Por exemplo para descobrir
a verdade nos processos penais podem ser necessárias normas que prevejam meios
de prova, exames, escutas, buscas domiciliárias, etc., que seja restritivos de direitos,
liberdades e garantias.

b. Artigo 272º/1 CRP: fala da polícia. Vemos aqui um exemplo do que é um interesse
constitucionalmente consagrado. A segurança interna, a propósito da polícia,
consagra-se expressamente como um interesse constitucionalmente protegido a
segurança pública a segurança interna. E essa segurança pode legitimar que se
restrinjam direitos, liberdades e garantias.

Ou seja, a CRP autoriza expressamente que se restrinjam direitos, liberdades e garantias em


nome da administração da justiça ou em nome da segurança pública. É certo que por muito esforço que
façamos em tentar reconduzir os direitos e interesses que legitimam restrições aos direitos, liberdades
e garantias, há no texto de CRP (estes dois casos dados, o interesse na administração da justiça e o

18 Restrições à liberdade de expressão


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interesse da segurança pública, sentimos que já estaremos a fazer algum esforço para reconduzir isto ao
texto da CRP), mas podemos dar um exemplo de um caso em que se restringe um direito,
liberdade e garantia com base num interesse que não está na CRP e nem por isso essa restrição
deixa de ser menos legítima.
Pensemos por exemplo que uma lei sobre experimentação com animais impede a experimentação com
primatas, onde é que a nossa CRP protege direitos dos animais? Em artigo nenhum. Não há o mais
íntimo sinal na nossa CRP de defesa de interesses ou direitos relativos a animais. E pelo contrário há
um direito à investigação científica, que resulta do artigo 42º CRP – aqui considera-se que está
incluindo um direito à investigação científica, que é um direito fundamental que se considera incluído
na liberdade de criação científica, é aliás a forma por excelência da liberdade de criação científica. Essa
investigação científica é um direito, liberdade e garantia. Pode ter limites? É evidente que se a
investigação científica utilizar como meios, por exemplo, a integridade física das
pessoas, a restrição à investigação científica é legítima pelo facto de estar expressamente consagrado o
direito à integridade física no artigo 25º CRP.
Mas já quanto por exemplo aos animais, podem-se fazer experiencias com animais que ponham
em causa a integridade física destes? Não há absolutamente nada na CRP que impeça isto. Será legítimo
restringir essa investigação científica com base num interesse que não está expressamente na CRP? O
que tem dito a doutrina é que quando a CRP fala em interesses constitucionalmente protegidos,
isso tem uma intenção, tem uma teleologia, e a teleologia fundamental é a garantir as fronteiras
entre o direito e a moral, ou seja, só se pode restringir direitos, liberdades e garantias com base
em interesses que se possam considerar especificamente jurídicos, mas já não com base em
interesses que se possam considerar apenas éticos ou morais. Portanto seria esta a razão de ser
desse artigo 18º CRP.
Simplesmente esta fronteira entre o direito e a moral não é algo de tão estanque como às vezes
possa parecer, porque a verdade é que o direito é o mínimo ético, o que o direito não protege são as
chamadas morais abrangentes19, ou seja, as morais com elevados níveis ou patamares de exigência não
compartilhados consensualmente pela sociedade. Mas o direito protege mínimos éticos, isto é, o direito
tem exigências éticas elementares que se reconduzem àquelas que se podem considerar incluídas no
que John Rawls chama um consenso por sobreposição, isto é, exigências que são comumente aceites, ou
pelo menos, defensáveis como devendo ser reconhecidas pela generalidade das pessoas. Neste sentido
não está excluído que possa haver interesses ou valores que, apesar de não estarem
expressamente previstos na CRP, tenham relevância jurídica.
Um exemplo disso mesmo seriam os interesses dos animais, em especial daqueles que são mais
semelhantes ou mais próximos do homem.

Já vimos duas exigências: legalidade e autorização constitucional expressa.

A terceira exigência é a proporcionalidade: estas restrições aos direitos, liberdades e


garantias têm que ter um caracter restritivo, isto é, devem-se limitar ao mínimo. E devem
nomeadamente ser adequadas, necessárias e proporcionais em sentido estrito:

19 Expressão de John Rawls


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1) Adequação: quando é que uma restrição é adequada? Quando existe uma relação
de aptidão entre meio e fins. Isto é, quando a medida restritiva é adequada a
alcançar o fim que legitima a restrição. Por exemplo:

• Meio idóneo: escutas telefónicas, é uma medida restritiva do direito à


privacidade. Para que é que elas existem? Para alcançar o fim da descoberta
da verdade material para efeitos de boa administração da justiça. São um
meio idóneo a alcançar esse fim ou não? Sim.

• Meio não idóneo: pode suceder por vezes que o meio não seja adequado a
alcançar o fim. Um exemplo: fundamentando a medida legislativa na
intenção de restringir ou de limitar o risco de ataques terroristas, proíbe-se
a comercialização de jogos de computador explicitamente violentos. É
evidente que não há nenhuma relação causal entre a proibição de jogos de
computador violentos e evitar ataques terroristas. Não é pelo facto de as
pessoas jogarem jogos de computador violentos que vão acontecer mais ou
menos ataques terroristas. Esta medida não é idónea ou adequada. Estamos
a ter em conta o princípio da idoneidade ou da adequação

Hoje em dia é cada vez mais importante ler o preâmbulo das leis e a explicação que
essas leis dão para as normas que estabelecem. Isto porque pode verificar-se que as
normas estabeleçam um determinado regime restritivo de direitos, liberdades e
garantias, mas que os fins que invocam no preâmbulo sejam fins legítimos, mas não
sejam alcançados por força das regras da experiência comum ou das regras
experiência científica através daquelas normas restritivas de direitos, liberdades e
garantias. Nesse caso a norma não respeita o princípio da proporcionalidade, é uma
restrição desproporcional, é uma restrição arbitrária porque não tem fundamento
suficiente por falta de adequação

2) Necessidade: ausência de alternativas à restrição igualmente eficazes, mas menos


onerosas. Exemplo: se se pode evitar que o suspeito de um crime fuja durante o
processo aplicando-lhe uma medida de coação de pulseira eletrónica, não é
necessário aplicar-lhe prisão preventiva. A medida tem que ser necessária, uma
medida que tenha alternativas igualmente eficazes mas menos onerosas não é
necessária. Nem sempre se tem muito cuidado com este requisito porque este exige
a ausência de alternativas à restrição igualmente eficazes, mas menos onerosas. Pode
suceder por vezes que as tais alternativas apesar de serem pouco mais onerosas,
sejam também claramente mais eficazes, e nesse caso a medida ainda é necessária.
Ou seja, pode suceder que as medidas sejam mais onerosas que outras alternativas,
mas sejam também claramente mais eficazes e nesse caso a media não deixa de ser
necessária.

Por exemplo: todas as normas do Código da Estrada são no fundo restrições à


liberdade geral de ação e à liberdade de circulação ou de deslocação, que aliás têm
uma consagração expressa na parte dos direitos, liberdades e garantias (artigo 44º
CRP), e podem-se deslocar pelos meios que entenderem. Mas têm que o fazer dentro
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de determinadas regras estabelecidas em nome dos interesses da segurança


rodoviária, nomeadamente de interesses de segurança, para não proem em risco a
vida e integridade física das outras pessoas. Imaginemos uma norma de velocidade:
norma estabelece que a velocidade máxima é de 120 km/h, esta norma é necessária
para acautelar a segurança rodoviária, a vida e integridade física das pessoas, na
medida em que uma alternativa menos onerosa à liberdade de deslocação das
pessoas, que seria a velocidade máxima ser 150 ou 180 km/h, não seria igualmente
eficaz para salvaguardar a segurança, a integridade física e a vida das pessoas. E
portanto esta medida é necessária.

3) Proporcionalidade em sentido estrito: temos que garantir que a importância dos


bens sacrificados não deve ser em concreto superior à dos bens salvaguardados
com a restrição. Tem que se fazer uma ponderação custo-benefício no caso concreto
– isto é muito difícil, mas apesar de tudo a CRP não nos abandona completamente
neste juízo concreto de ponderação. Desde logo há duas indicações importantes na
CRP: artigo 19º nº6: A declaração do estado de sítio ou do estado de emergência em
nenhum caso pode afectar os direitos à vida, à integridade pessoal, à identidade
pessoal, à capacidade civil e à cidadania, a não retroatividade da lei criminal, o direito
de defesa dos arguidos e a liberdade de consciência e de religião. O que é que nos diz
este artigo? Diz-nos que estes direitos são tão importantes e de tal maneira
primordiais no quadro do sistema constitucional de direitos fundamentais que não
podem ser afetados nem sequer em estado de sítio ou de emergência, isto é, nem
sequer quando fosse mais necessário afetá-los. E portanto por princípio, quando se
estabelecem restrições a estes direitos, as restrições devem ser o mais restritivas
possível.

Artigo 20º nº5: Para defesa dos direitos, liberdade e garantias pessoais, a lei
assegura aos cidadãos procedimentos judicias caracterizados pela celeridade e
prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações
desses direitos. Ou seja, este artigo estabelece um regime privilegiado de defesa dos
chamados direitos, librardes e garantias pessoais. Estes são aqueles que, como a
vida, a integridade física e moral das pessoas ou a honra, educação, identidade
pessoal, o desenvolvimento da personalidade, etc., mais estreitamente se ligam à
dignidade humana e mais estritamente se ligam á personalidade humana e à proteção
dessa personalidade. Portanto aí também devemos ser extremamente cautelosos
quando ponderamos os bens.

É claro que se houver uma medida mínima de restrição de direitos de personalidade


ou de um daqueles direitos que não podem ser suspensos em estado de sítio e houver
um grande benefício em termos de interesses comunitários, como por exemplo a
segurança pública ou a boa administração da justiça, então a restrição passe o teste
de proporcionalidade em sentido estrito. Mas é preciso que haja sempre esta
assimetria entre uma afetação mínima destes direitos mais nucleares das pessoas e
um benefício grande do ponto de vista de interesses ou valores comunitários, ou do
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ponto de vista de outros direitos que não sejam estes direitos estritamente pessoais
ou os direitos que não podem sequer ser suspensos em estado de sítio ou emergência.

A quarta exigência é a não afetação do conteúdo essencial: é ainda necessário que as


restrições não afetem o conteúdo essencial dos direitos, liberdades e garantias. A doutrina tem
dificuldades em definir o que é que significa o conteúdo essencial dos direitos, liberdades e garantias e
não há nenhuma fórmula mágica para nos dizer quando é que em concreto é afetado o conteúdo
essencial dos direitos, liberdades e garantias.
Diz-se portanto que esta expressão tem uma função de sinalização, diz-se que é um topus argumentativo
de última instância, uma barreira última, uma barreira definitiva que nunca pode ser ultrapassada. Para
sabermos quando é que essa barreira nunca pode ser ultrapassada, por vezes a CRP dá-nos uma ajuda.
Na verdade há casos em que a própria CRP prevê expressamente situações em que é afetado o núcleo
essencial do direito. Por exemplo:

1) Depois de estabelecer o direito à vida, diz-nos a CRP que em caso algum haverá pena de morte.
Esta proibição categoria corresponde ao conteúdo essencial do direito à vida – está incluída no
conteúdo essencial do direito à vida, é uma barreira definitiva.

2) E a mesma coisa quanto à proibição da tortura: a CRP diz-nos que todos têm direito à
integridade física, e depois estabelece uma proibição da tortura, esta está incluída também no
conteúdo essencial do direito à integridade física.

3) Na liberdade de expressão (artigo 37º nº2 CRP) diz-se que é proibida qualquer forma de
censura e esta proibição está incluída no núcleo essencial do direito á liberdade de expressão.

Por vezes a própria CRP dá-nos dados, mas outras vezes a CRP não nos dá dados e ai temos que
dizer que o conteúdo essencial de um direito é afetado quando esse direito é posto em causa de uma
forma particularmente evidente, manifesta ou notória. É claro que isto resulta de um esforço de
fundamentação, de demonstrar que pela própria história do direito, que do ponto de vista do direito
comparado, do ponto de vista da axiologia subjacente ao sistema de direitos fundamentais, há uma
afetação particularmente notória e manifesta daquele direito a ponto de dizermos que ali já não pode
ser atingido. Portanto o conteúdo essencial de um direito corresponde a um conjunto de proibições
nucleares inerentes à defesa desse direito. Por exemplo:

1) A proibição de eliminação do crime de homicídio – eliminar o crime de homicídio seria


atingir o próprio conteúdo essencial do direito à vida.

2) Eliminar o crime de ofensas à integridade física seria atingir o próprio conteúdo essencial
do direito à integridade física

3) Já por exemplo estabelecer uma pena demasiada reduzida ara a ofensa à integridade física
não afeta o conteúdo essencial do direito à integridade física, mas pode constituir uma
restrição excessiva a esse direito à integridade física.
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Vinculação das Entidades Públicas aos Direitos de Fundamentais

Expressamente consagrada no artigo 18º nº1 da Constituição, que diz que os direitos
fundamentais são diretamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas.
Essencialmente os direitos fundamentais são direitos contra o Estado, o que aliás é típico é que
sejam posições de liberdade face o poder do Estado, serem direitos das pessoas contra o estado. As
formas mais típicas e graves de ofensa aos direitos fundamentais estão normalmente associadas à
atuação do Estado, por exemplo a ofensa:

1) À vida: forma mais explícita de ofensa à vida é a pena de morte, está expressamente
consagrada e vincula o estado, quem aplicaria a pena de morte seria obviamente o Estado
com o poder punitivo.

2) À integridade física: está proibida pela Constituição por exemplo a tortura, historicamente
as polícias dos Estados do Antigo Regime e do Estado Novo em Portugal utilizavam a tortura
como meio de investigação, por isso, pelo menos originalmente esta é uma proibição
essencialmente dirigida aos Estados.

3) À liberdade de expressão: Proibição da censura, algo que acontecia também nos Estado
Novo por exemplo por parte do Estado.

4) Ao Direito de Propriedade: a forma mais típica de ofensa é a expropriação da propriedade


sem justa justificação, está dirigida ao Estado, pois ninguém tem o poder de expropriar sem
ser o Estado, e Constitucionalmente o estado tem de com justificação e pagar um preço.

A nossa Constituição diz que os direitos fundamentais são directamente aplicáveis20, mas
além disso que vinculam as entidades públicas. O que se pretende dizer com entidades públicas é
desde logo que os direitos fundamentais vinculam o Estado mas não só, vinculam também: Regiões
Autónomas, Autarquias Locais, e Entidades Administrativas Independentes, Tribunais, Órgãos
do Poder Político e o Legislador. Ao vincular órgãos do Estado temos desde logo duas consequências
muito importantes:

1) Quando os órgãos do Estado celebram tratados têm de ter em consideração os direitos


fundamentais, a assinatura têm de ter em conta os direitos fundamentais, a assinatura é
uma opção política, mas é uma opção política vinculada pelos direitos fundamentais.

2) O legislador não é totalmente livre de aprovar ou não aprovar uma legislação porque existe
um instituto que é o da inconstitucionalidade por omissão, se estiverem reunidas as
condições económico sociais necessárias para aprovação de uma medida legislativa que
proteja direitos económicos e sociais, o Presidente da República deve e não apenas pode,
caso não haja aprovação de uma medida legislativa adequada, pedir ao Tribunal
Constitucional que se pronuncie no sentido de uma inconstitucionalidade por omissão. Não
é muito relevante na nossa democracia, porque até hoje só houve 7 ou 8 casos de pedidos
deste tipo de inconstitucionalidade, e só em 3 ou 4 é que o Tribunal se pronunciou no

20 E já vimos que isso quer dizer que eles valem independentemente e acima da lei.
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sentido da existência de uma inconstitucionalidade por omissão, ao contrário do que era a


intenção originária da Constituição, porque a Constituição dava um destaque enorme à
Constituição, olhava para a Constituição como programática que deveria orientar a atuação
de todos os órgãos políticos, não foi essa a prática subsequente, e ainda bem, porque a
política tem que ter uma lógica democrática que não se pode esgotar no cumprimento das
normas da constituição, mas de qualquer forma se calhar a inconstitucionalidade por
omissão poderia ter maior papel do que tem no nosso sistema.

A forma típica de limitação do poder do Estado através dos direitos fundamentais é precisamente
a obediência e sujeição da legislação a esses direitos fundamentais. Naturalmente, os tribunais estão
também vinculados aos direitos fundamentais, eles aliás são os guardiões dos direitos fundamentais. Ao
invés do legislador que visa prosseguir interesses públicos, os tribunais visam apenas garantir o direito
e esse núcleo do direito que é o catálogo dos direitos fundamentais. Os tribunais garantem os direitos
fundamentais de duas formas distintas:

1) Artigo 204º da CRP: os tribunais devem recusar a aplicação de normas que infrinjam o
disposto na Constituição ou os princípios nela consignados, naturalmente que os direitos
fundamentais fazem parte do disposto na Constituição e são também um catálogo de
princípios que estão consignados na Constituição.

2) Os Tribunais podem não recusar a aplicação de uma norma por violação de direitos
fundamentais, podem limitar-se a aplicar uma lei, mas essa lei tem de ser interpretada em
conformidade com os direitos fundamentais.

Temos ainda a questão da vinculação da administração pública. A grande regra é a de que a


administração pública obedece à lei, a isto chamamos o princípio da legalidade administrativa e isto
tem razões que se prendem com a garantia de segurança jurídica, de igualdade e até de imparcialidade
na aplicação do Direito.
Tradicionalmente entendia-se que a administração pública tinha sempre de aplicar estritamente
as leis: se eventualmente houvesse alguma uma ofensa a um direito fundamental, a administração
pública aplicava a lei ainda que era violadora de um direito fundamental, o particular impugnava o ato
da administração em tribunal e só os tribunais poderiam reconhecer a prevalência do direito
fundamental sobre a lei. Ideia de que a chave do funcionamento da administração pública era a
legalidade e que esta não era compatível com a possibilidade de os órgãos da administração estarem a
analisar as questões particularmente complexas como aquelas que respeitam direitos fundamentais,
que são questões que respeitam a princípios, questões que para serem resolvidas têm de o ser tendo em
conta parâmetros indeterminados e abertos. Entendia-se que não se deveria dar à administração
pública o poder de estar a aplicar o direito com base em princípios, a administração pública deveria
apenas aplicar regras estritas em nome da segurança, igualdade e imparcialidade. Assim o que se
defende na ideia tradicional é no fundo que a administração pública deve aplicar a lei mesmo
quando esta é aparentemente contrária a direitos fundamentais. Esta posição mais tradicional é
defendida pela linha de Marcello Caetano, Afonso Queiroga, mas há pelo menos 3 posições diferentes
contrárias a esta ideia tradicional:

1) Posição do Professor Rui Medeiros: entende que há um princípio de


constitucionalidade da Administração Pública e portanto a Administração pode
conhecer todos e qualquer questões de constitucionalidade, incluindo naturalmente,
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as questões relativas a direito fundamentais. Portanto, um órgão da administração


pública pode recusar a aplicação de uma norma com fundamento na sua
inconstitucionalidade. O professor Rui Medeiros acha no entanto que não são todos
e qualquer órgãos que podem não aplicar uma norma por razões de
inconstitucionalidade, os órgãos devem sempre remeter para o órgão hierárquico
superior. Assim, segundo a posição de Rui Medeiros são só os órgãos superiores da
administração pública que podem apreciar questões de constitucionalidade.

2) Vieira de Andrade: a Administração Pública apenas pode conhecer questões de


constitucionalidade se estiver em causa a ofensa a direitos liberdades e garantias
que seja particularmente evidente, não pode ser uma violação muito discutível.
Não define em concreto quando é que há estas questões de constitucionalidade
evidente, mas dá nos dois critérios essenciais:

a. Quando haja um precedente judicial que tenha já considerado existir


em situações semelhantes uma violação de direitos liberdades ou
garantias. Pode ser um precedente dos tribunais comuns, mas
tipicamente será um precedente do Tribunal Constitucional.

b. Se através da fundamentação da sua decisão a Administração Pública


demonstrar que se verifica uma violação evidente de direitos
fundamentais.

António Cortês tende a concordar mais com esta posição, pois tem uma formulação
ampla que permite evitar que as ofensas mais graves a direitos fundamentais possam
ocorrer no quadro da atividade administrativa, e portanto permite que haja uma
tutela prévia dos direitos fundamentais no quadro daquilo que foi chamada por
Webber de sociedade aberta dos intérpretes da Constituição .

3) Jorge Miranda: Mais próxima da visão tradicional. O professor Jorge Miranda defende que
há essencialmente três situações em que a administração poderia recusar a aplicação de
uma norma com fundamento em violação da constituição e em especial pela violação de
direito fundamentais:

i) Violação de Direitos Liberdades e Garantias que são tão


importantes que nem sequer em estado de sítio podem ser
suspensos, por exemplo os direitos do artigo 19º nº6 da CRP.

ii) Tratarem-se de normas que já tenham sido declaradas


inconstitucionais com força obrigatória geral pelo Tribunal
Constitucional, e aqui vê-se a abordagem restritiva que o
professor Jorge Miranda faz dos poderes da administração pública
em matéria de fiscalização da constitucionalidade e da
conformidade aos direitos fundamentais, pois podem até haver já
um acórdão do tribunal constitucional, tirado em secção por 5
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juízes, mas que se não tiver força obrigatória geral, isso não é
suficiente para a administração desaplicar a norma legal. Ela terá
que aplicar a norma legal, e o particular que se entenda lesado
recorrerá aos tribunais instaurando uma ação administrativa para
ver reconhecido o seu direito fundamental. Exemplo: Norma que
se entenda que viola a liberdade

de acesso à ordem dos advogados, que é aplicada pela Ordem dos


advogados, que é uma associação pública, é um órgão público e já foi
julgada inconstitucional no caso pelo Tribunal Constitucional. Tal não
seria suficiente para que a Administração Pública desaplicasse aquela
norma. Só quando o Tribunal Constitucional declarasse com força
obrigatória geral a inconstitucionalidade daquela norma é que a
ordem dos advogados poderia deixar de aplicar aquela norma.

Há um argumento literal retirado da Constituição contra o argumento da constitucionalidade da


administração pública retirado do 204º da Constituição. Este artigo diz que os tribunais podem
recusar a aplicação de normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela
consignados.
Pode-se retirar daqui e há quem o faça, a contrario, que os órgãos da administração pública não
poderiam recusar a aplicação de normas que infrinjam o disposto na constituição ou os princípios nela
consignados.
O Professor António Cortez acha que a utilização de argumentos a contrário é sempre falaz,
insuficiente, e que para além disso a CRP tem outra norma que aponta em sentido contrário ao
argumento dado, a norma que resulta do artigo 3º nº3 da Constituição que diz que todos os órgãos
do Estado estão submetidos à constituição, além disto há ainda o 266º diz também que a
administração pública deve atuar na obediência à constituição, e não apenas à lei.

Vinculação das Entidades Privadas aos Direitos Fundamentais

Como foi dito, o artigo 18º nº1 prevê expressamente que as entidades privadas também estão
vinculadas aos direitos fundamentais, isto é algo de relativamente único no mundo, é um caso
relativamente isolado no mundo, como foi dito o que é típico nos direitos fundamentais é serem direitos
da liberdade em face do poder do Estado, mas o que sucede é que por vezes as próprias entidades
privadas também aparecem em posições de poder. Pode haver uma verdadeira assimetria de poder
entre entidades privadas, desde logo existem entidades privadas que atuam com poderes públicos,
como concessionárias, e que por isso estão vinculadas ao direitos fundamentais.
Há depois as entidades privadas que atuam sem poderes públicos, mas que têm uma posição de
poder relativamente aos seus trabalhadores por exemplo. A vinculação das entidades privadas é por
isso pensada desde logo em primeira linha para aquelas entidades privadas que atuam numa posição
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jurídica face a certas pessoas ou até apenas de poder económico-social face a algumas pessoas. É esta a
ideia essencial do artigo, embora não seja exclusivamente essa. Mesmo nas relações de igualdade entre
particulares, por exemplo relações contratuais, as pessoas estão vinculadas a direitos fundamentais,
não posso fazer um contrato por exemplo em que contraio um empréstimo de € e dou como
garantia a minha mão, é óbvio que isto seria um incentivo para pagar a dívida, sob pena de perder a sua
mão, mas seria um contrato que claramente violaria um direito básico: o direito à integridade física das
pessoas. Assim entende-se que em princípio não se pode dispor por contrato, de um direito básico
como um direito à integridade física. Pode-se dispor de outros direitos comunicacionais como a
imagem, a palavra, a privacidade, etc... mas não de estes direitos fundamentais nomeadamente quando
estejam em causa lesões irreversíveis.

Nesta questão da vinculação a direitos fundamentais de entidades privadas há essencialmente duas


teorias:

1) A Teoria da Eficácia Imediata - as entidades privadas estão diretamente vinculadas às


disposições constitucionais que consagram direitos fundamentais.

2) A Teoria da Eficácia Mediata - as entidades privadas só estão vinculadas à lei, mas essa lei
tem que ser aplicada em conformidade com os direitos fundamentais. Os direitos
fundamentais acabam por vincular, desde logo por mediação das cláusulas gerais como os
bons costumes ou a ordem pública, e eventualmente através de conceitos indeterminados.

Porque é que um contrato em que alguém dá como garantia de uma dívida uma parte do corpo
não é válido? Porque viola o direito à integridade física de uma pessoa, esta seria a resposta da teoria da
eficácia imediata. Pela teoria mediata vai-se dizer que este contrato é nulo porque viola os bons
costumes nos termos do 280º CC, e viola os bons costumes/ordem pública porque a primeira exigência
destes é o respeito pelos direitos fundamentais. Em qualquer circunstância, em termos de efeitos
práticos a diferença não é muito grande. Mesmo que admitamos a teoria da eficácia mediata,
devemos interpretar as cláusulas gerais como os bons costumes e a ordem pública no sentido de
incorporarem todo o sistema de direitos fundamentais, e nessa medida as cláusulas gerias
parecem já ser uma garantia suficiente dos direitos fundamentais como privados, mas é uma
questão discutível.

Qual das teorias é preferível? Em termos de resultados práticos a teoria da eficácia imediata tem
uma dificuldade, pois os direitos fundamentais tal como previstos na constituição, só preveem
consequências para a sua violação no caso de atos do poder publico. Nos casos das entidades privadas
essa vinculação tem de se exprimir de outra forma, tem de ter outras consequências jurídicas, que podem
ser a nulidade do contrato, invalidade do consentimento, responsabilidade civil etc.. O que determina
em última analise a violação de direitos fundamentais acaba por ser uma norma legal, nesse sentido, a
teoria da eficácia mediata parece ser mais plausível. De qualquer forma a teoria da eficácia imediata
traz uma ideia importante, a ideia de que os direitos fundamentais existem e têm eficácia acima das
próprias normas legais.

Temos de encontrar aqui um equilíbrio, no sentido de aceitarmos a teoria da eficácia mediata


porque só ela nos diz quais são as consequências jurídicas da violação de um direito fundamental, mas
por outro lado ter em conta que a teoria da eficácia mediata vem tornar mais claro, que os direitos
fundamentais vinculam mesmo nas relações entre privados com um sentido próprio que está para além
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da mera interpretação das normas legais. Exemplo: Imaginando um NJ, duas pessoas celebram um
contrato de trabalho, nesse o trabalhador obriga-se a não exercer direitos políticos, obriga-se a não
casar, obriga-se a permitir que todos os seus dados pessoais sejam livremente divulgados pela empresa
a quem quer que seja. Porque é que este contrato será nulo?

1º - Porque violam os bons costumes – 280º CC – o sentido de bons costumes tem sempre de
incluir a aplicação dos direitos fundamentais. É contrário aos bons costumes aquilo que viola
um direito fundamental ou o restrinja desproporcionalmente.

2º -Quando dizemos que o consentimento penal justifica o crime, há um limite que é o dos bons
costumes. O consentimento não é valido se for contrário aos bons costumes.

O que se entende por bons costumes?

Posição tradicional – viola os bons costumes aquilo que violar a moral social dominante

Teoria dos direitos fundamentais – dá uma coloração jus fundamental a esta expressão. O
consentimento não é valido quando ele implicar uma violação de direitos fundamentais ou uma
renúncia desproporcional a esses direitos fundamentais.

Temos de interpretar também com teor jus fundamental uma norma como o 483º do CC, que
determina que quem de forma ilícita e culposa lesar outra deverá indemnizar. Neste conceito
indeterminado de ilicitude, os direitos fundamentais têm um papel fundamental. Será ilícito o acto que
viole direitos fundamentais. Uma das formas típicas de responsabilização de violação de direitos
fundamentais é a indemnização por danos não patrimoniais – grande parte dos direitos fundamentais
não tem um conteúdo patrimonial. Como tal, o 496º vai dar tutela a uma serie de situações de violação
de direitos fundamentais. Portanto, as entidades privadas na sua actividade também estão vinculadas
aos direitos fundamentais, ainda que apenas mediatamente através do sistema de normas legais.

António Cortês não rejeita totalmente a importância das teorizações imediatas porque trazem a ideia
da vinculação das entidades privadas presente no artigo 18º de que os direitos fundamentais vinculam
com um sentido jus-fundamental que lhe é próprio, e isto significa que quando interpretamos uma
cláusulas comos os bons costumes não vamos dizer que os diretos fundamentais têm que se acomodar
à moral social dominante, dizemos o contrário, que a moral social dominante tem que respeitar os
direitos fundamentais na sua autonomia de sentido, e nesse sentido os direitos fundamentais vinculam
imediatamente, apesar de não vincularem imediatamente na medida em que não preveem as
consequências da sua violação o que prevê essas consequências são as normas legais.

Proibição do défice de proteção

O artigo 18º nº1 da CRP diz que os preceitos constitucionais respeitantes aos DLG são
diretamente aplicáveis. Uma parte da doutrina e da jurisprudência têm a partir daqui construído um
principio – Principio da Proibição da Proteção Insuficiente.
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De acordo com este princípio, quando a constituição consagra um direito fundamental, ela exige
que o legislador tome medidas adequadas para a proteção efectiva desse direito fundamental, a
constituição não consagra direitos fundamentais para eles apenas estarem no papel, mas sim para terem
efetividade prática.

Uma meia dúzia de acórdãos do TC tratam desta questão, quanto à doutrina há pouca doutrina a
defender expressamente esta teoria da proibição da proteção insuficiente.

O Professor Jorge Pereira da Silva defende a ideia de que há um principio da proibição da


proteção insuficiente dos direitos fundamentais. Isto é, o professor defende que quando a constituição
consagra um direito fundamental, isso tem uma implicação que é a de que o Estado está vinculado a
proteger esse direito fundamental, essa vinculação do estado pode por vezes implicar deveres de
legislar. Esses deveres de legislar, estão algumas vezes diretamente previstos na CRP21.

Pode haver deveres de legislar que estão apenas implícitos nos direitos fundamentais. Existem
quando estiver em causa uma dimensão especialmente importante do direito fundamental, isto é:

- Quando uma possível ofensa ao direito fundamental for particularmente grave.

- Quando houver um risco acentuado de violação desse direito fundamental

- Quando a possível vítima de violação desse direito fundamental for especialmente


vulnerável.

O que é que significa esta proteção do défice? E como é que ganham expressão estes
deveres de proteção dos direitos fundamentais? Eles ganham expressão através de normas de
proteçã, podem ser normas:

1) Penais - Quanto às normas penais, há uma relação de analogia entre o catálogo de


direitos fundamentais e o conjunto de bens jurídicos protegidos pelo Direito Penal.

2) Contraordenacionais - isto são normas administrativas que estabelecem multas


em caso da sua violação.

Para além das normas sancionatórias, podem proteger ainda os direitos fundamentais:

3) normas de organização – Artigo 38º CRP prevê a liberdade dos meios de


comunicação social, liberdade de programação na televisão. Isto significa, que a
televisão pública não deve ficar sujeita a ordens do governo sobre a sua
programação, deve ter uma programação independente. Não pode ser o governo
quais vão ser os programas da RTP.

Exemplo – Houve um caso onde a Lei da televisão previa que quando se escolhessem
os diretores de informação dos canais, isso devia ser objeto de um parecer
vinculativo de um órgão independente, para assegurar a independência desse
direto. O legislador revogou esta disposição, o que significava na pratica que o

21 Exemplo: identidade genética vale nos termos da lei – isto é um dever de legislar
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diretor passava a ser meramente nomeado pelo governo. O TC considerou


inconstitucional esta revogação da norma que previa o parecer vinculativo do órgão
independente por violação do principio da violação da proteção deficitária.

4) Normas de procedimento – Também estas são normas de proteção. Exemplo – Foi


aprovada uma norma que descriminaliza a interrupção voluntaria da gravidez desde
que praticada até às 10 semanas de gestação e em estabelecimento de saúde
devidamente autorizado e desde que fosse praticada na sequência de um
procedimento que visasse garantir a liberdade de escolha da mulher gravida. A
interrupção voluntaria da gravidez é descriminalizada sobre esta tripla exigência,
mas a questão que se levantou no TC foi saber se o procedimento que a lei
consagra é suficiente para proteger o bem vida. A maioria dos juízes entendia

que bastava um procedimento meramente informativo. Outra parte dos juízes


entendia que devia haver um verdadeiro procedimento de aconselhamento positivo.
Tendo em conta a importância do valor vida que a nossa CRP assume, isso implicaria
que devesse haver uma consulta de aconselhamento pró-vida. O procedimento seria
encaminhado no sentido de tentar aconselhar a mulher a levar a gravidez por diante,
se depois entendesse que não queria, era livre de o fazer. Esta outra parte, entende
que o procedimento tal como existe, violaria a proibição da proteção insuficiente –
defendem que não era necessário criminalizar a interrupção voluntaria da gravidez,
mas era pelo menos necessário que o procedimento no âmbito do qual essa
interrupção da gravidez é descriminalizada fosse um procedimento orientado para a
proteção da vida.

5) Normas de responsabilidade civil – Por exemplo, a norma relativa à indemnização


por dano morte e por danos não patrimoniais. Vamos ver um caso em que se
discutiu se a interpretação do artigo 496º do CC no sentido de que a morte de um
nascituro, não merecia tutela num caso de morte desse nascituro em virtude de um
atropelamento, que isto violaria a proibição do défice de proteção da vida.

Onde é que está a diferença entre esta proibição do défice e a proibição de restrições
desproporcionais? Desde logo, na proibição de restrições desproporcionadas, nós fazemos o teste de
proporcionalidade de acordo com: a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido
estrito.

Na proibição do défice só verificamos se o direito fundamental tem um mínimo de efectividade


para o professor António Cortês esta questão é anterior à questão das restrições aos direitos
fundamentais porque nós só devemos perguntar se há uma restrição ao direito fundamental, se
previamente já tivermos garantido que a proteção mínima desse direitot está garantida.

Por outro lado, há uma diferença total entre proibição do défice e proibição da restrição
excessiva de direitos fundamentais.
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A diferença é que a proibição do défice impõe que se adotem normas que protejam de forma suficiente
os direitos fundamentais. Já a proibição da restrição excessiva proíbe que se adotem normas que
restrinjam direitos fundamentais numa forma inadequada, desnecessária ou desproporcional em
sentido estrito. Quando a constituição consagra um direito fundamental, por exemplo, a liberdade de
expressão, há uma proibição de proteção insuficiente. Isto é, o legislador tem de adotar medidas
mínimas de proteção dessa liberdade de expressão. Se não o fizer haverá uma inconstitucionalidade por
violação da proibição do défice.
Adotadas essas medidas mínimas, há uma liberdade de conformação do legislador na escolha
dos meios mais adequados para proteção dessa liberdade de expressão mas, essas medidas não podem
ir tão longe na proteção de um determinado direito fundamental que restrinjam de modo inadequado,
desnecessário ou desproporcional em sentido estrito outros direitos ou interesses constitucionalmente
protegidos. Se se consagrar a liberdade de expressão em termos tais que isso implique a violação
sistemática de direitos de personalidade, isso seria uma proteção excessiva do direito fundamental,
e correlativamente uma restrição excessiva de outros direitos ou interesses constitucionalmente
protegidos.

É uma proteção excessiva porque correlativamente é uma restrição excessiva de outros


direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.

Regime específico dos direitos, liberdades e garantias

1) Regime orgânico: artigo 165º, b) CRP – há uma reserva de competência relativa da AR em


matéria de direitos, liberdades e garantias, o que significa que por princípio só a AR ou o Governo
devidamente autorizado pode legislar sobre aquela matéria. Para Governo legislar tem que ter
uma lei de autorização legislativa, que tem a função instrumental de autorizar esta legislação.

2) Artigo 17º CRP. O regime dos direitos, liberdades e garantias aplica-se aos enunciados do
título 2 (artigos 24º a 57º, catálogo formal de direitos, liberdade e garantias) e esse regime
tem, nomeadamente a aplicabilidade direta, o caráter restritivo das restrições, o direito
de resistência, a não suspensão em estado de sítio dos referidos no artigo 19º nº6 CRP,
etc.

3) Aplica-se também aos direitos de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias. O
que são direitos de natureza análoga aos direitos, liberdade e garantias? São essencialmente os
direitos cujo conteúdo consiste numa esfera de liberdade e de autodeterminação a corresponde
um dever do Estado de se abster de intervir nesses direitos. Enquanto os direitos
económicosociais têm como conteúdo prestações positivas por parte do Estado, os direitos,
liberdades e garantias são direitos de liberdade, direitos de defesa de uma esfera de autonomia.
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Haverá direitos com esta estrutura de liberdade, de defesa de uma esfera de autonomia que
exigem a abstenção por parte do Estado de intervir, no catálogo dos direitos económico-sociais? Dois
exemplos clássicos.

• Artigo 61º: livre iniciativa económico-privada (liberdade empresarial) – para que esta livre
iniciativa económico-privada se realize é preciso que seja respeitada uma esfera de autonomia
das empresas, e esse respeito é de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias.
Consequentemente é diretamente aplicável e só pode ser restringido nas condições e nos
termos do artigo 18º CRP. Há direito de resistência no caso de haver violação e não ser
possível recorrer às autoridades públicas. Pode haver queixas ao Provedor de Justiça no caso
de violação deste direito.

• Direito de propriedade privada: o proprietário não pede nada ao Estado, ele quer é que o
seu terreno ou a sua casa não sejam ocupados ou expropriados pelo Estado, o que ele quer é
ter direito a uma esfera de liberdade correspondente ao prédio de que é proprietário – se
Estado decidir intervir através de expropriação terá que pagar uma indeminização e justificar,
em termos de utilidade pública, essa expropriação. Direito de propriedade privada é
também direito de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias.

Há uma pequena diferença no regime dos direitos, liberdades e garantias do catálogo dos
artigos 24º a 57º e dos direitos de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias.
Quanto ao regime orgânico dos direitos de natureza análoga tem-se entendido que ao contrário do que
sucede nos direitos, liberdades e garantias em que, em princípio, todo o regime deve estar regulado com
densidade normativa suficiente por lei da AR ou DL autorizado, já quanto aos direitos de natureza
análoga o TC, apercebendo-se da dificuldade que seria na prática lei da AR ou DL autorizado estar
a regular toda a matéria, que é marcada por pormenores técnicos, vem dizer
que quanto a estes direitos só o conteúdo essencial (o que quer que isso seja, TC nunca explicou)
tem que ser regulado por lei da AR ou DL autorizado.
Surge uma margem de incerteza porque ninguém sabe o que é o conteúdo essencial. O que se pode
dizer é que os aspetos primários deveriam ser regulados por estas duas vias. Já os aspetos mais
secundários deveriam ser regulados por DL pura e simplesmente.

A jurisprudência do TC parece ser um bocado mais restritiva porque quando fala do conteúdo
essencial parece dar ideia de que certos aspetos primários do regime, mas não essenciais, podem ser
regulados apenas por DL, sem necessidade de autorização da AR.

Casos Práticos

Caso 3.2 – Período Experimental


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Qual é que é o objecto da apreciação da constitucionalidade neste caso? É a norma constante da


alínea a) do nº 1 do artigo 112º do Código do Trabalho, na revisão aprovada pelo Decreto n.º 255/X
da Assembleia da República.22 Este decreto foi discutido na Assembleia da República e aprovado na
mesma e estava para ser promulgado pelo Presidente da República, no entanto este exerceu o seu papel
de remeter o mesmo para o Tribunal Constitucional.

O decreto pretende criar um novo período experimental de trabalho com prazo de 6 meses, isto
é matéria de Direito do Trabalho uma vez que está em causa aqui uma relação de trabalho. Assim
convém vermos rapidamente o que é um contrato de trabalho, contrato que rege este tipo de relação.
O artigo 11º do código de trabalho, diz-nos basicamente que um contrato de trabalho é um
acordo de vontades mediante o qual alguém se obriga a prestar trabalho a outrem sob a direção desta
que por sua vez lhe pagará uma retribuição.
Não iremos agora ver em pormenor todas as razões que levam a que o direito tenha criado este
tipo de contrato para proteger os trabalhadores, isso é matéria de Direito do Trabalho, mas no fundo
um contrato de trabalho dá a segurança e estabilidade ao trabalhador, pois perante um contrato de
trabalho este não pode ser despedido apenas por vontade da entidade empregadora, tem de se
verificar uma das causas de despedimento, um motivo válido para cessar o contrato. Isto dá uma
segurança enorme às pessoas, o que é muito importante uma vez que o trabalho é tanto uma
forma de realização pessoal como de subsistência. Além disto um trabalhador que seja despedido
tem muitas vezes direito a indemnização, mesmo no caso de justa causa para o despedimento.23 Posto
isto a CRP quis proteger este vínculo de relação laboral no seu artigo 53º como um direito
fundamental. Assim um trabalhador só pode ser despedido por justa causa objectiva ou subjectiva.24 O
facto de existir esta garantia de que um trabalhador possa só ser despedido nestes casos dá aos
trabalhadores estabilidade e segurança.

Posto isto, podemos por então em causa a constitucionalidade do contratos de trabalho a


termo? É que são uma forma de não haver esta segurança e estabilidade, dado que depois de um certo
prazo os trabalhadores podem ser despedidos. No nosso sistema isto é no entanto proibido. Tempos
uma restrição a um direito fundamental.
Esta restrição tem de ser justificada. Uma das razões pode ser a própria natureza do trabalho em si,
há trabalhos nitidamente temporários, por exemplo: Numa empresa recebem mais encomendas
durante 6 meses, prevendo esse facto a empresa contrata mais trabalhadores para esses 6 meses por
contrato a termo. Só é possível a restrição à segurança no emprego através de contratos a termo quando
se vise garantir necessidades temporárias ou transitórias de produção de uma empresa.

Até aqui estivemos a dar uma introdução ao caso. Passando agora ao nosso caso prático e à
pergunta de se a norma é ou não constitucional.
Neste caso foi aprovada uma norma que determina que a regra geral nos contratos por termo

22 O objecto da inconstitucionalide é sempre uma norma, temos de olhar para os casos e ver qual é a norma em
causa.
23 Por exemplo uma indemnização correspondente a 1 mês de ordenado por cada ano que o empregador teve ao

serviço
24 A justa causa subjectiva está relacionado com o não cumprimento das ordens do empregador geralmente, já a

objectiva com a incapacidade do trabalhador cumprir as necessidades de certo emprego.


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indeterminado é terem um período experimental de 6 meses. (180 dias) A pergunta é: esta norma é
constitucional ou não?

Em primeiro lugar vamos ver quais é que são os direitos que podem estar a ser afetados. Neste caso é a
segurança no emprego, artigo 53º da CRP. Há aqui um direito à segurança no emprego. Isto porque este
instituto do período experimental permite à entidade empregadora que despeça sem justa causa, por
mera vontade, durante o período de 6 meses. Parece que isto é contrário ao artigo 53º, e que não pode
haver período experimental, pois o artigo diz que não podem existir despedimentos sem justa causa, mas
esta nova norma vem permitir exactamente que isso aconteça. Por isso esta norma é nitidamente
contrária ao artigo 53º e ao direito que nele é contemplado.
Será por isso a norma necessariamente inconstitucional? Não. Como sabemos não podemos usar apenas
um artigo isolado da Constituição. Aliás, esta norma que prevê o período exprimental é,
dogmaticamente, uma restrição ao direito fundamental e a própria CRP prevê no artigo 18 nº2
que possam haver restrições aos direitos fundamentais. Isto pode acontecer desde que as ditas
restrições cumpram os requisitos previstos para tal. São eles:

1) Lei - não podem resultar de um regulamento ou ato administrativo

2) A restrição tem de ser autorizadas pela Constituição - são raros os casos em que a CRP
prevê expressamente restrições aos direitos fundamentais. Normalmente o que sucede é que
há outros direitos ou outros interesses constitucionalmente protegidos que legitimam a
restrição, e esses direitos ou interesses têm de estar expressa ou tacitamente na CRP.

3) - Ser uma restrição proporcional – Adequada, Necessária e proporcional em sentido


estrito.

Temos por isso de verificar se no nosso caso temos ou não algum direito ou interesse na CRP
que legitime a restrição em causa e se há ou não aqui proporcionalidade, pois de uma lei já sabemos
pelo que dissemos acima na introdução do caso que a restrição vai resultar de uma lei.

Temos o direito contido no artigo 61º da CRP. Esta liberdade é uma liberdade de criação e
organização de empresa, assim é de questionar como é que se poderá relacionar este período
experimental com esta liberdade. Este período experimental é no fundo um período em que a empresa
verificará se o trabalhador é ou não apeto para o trabalho, isto é, se é um investimento certo. Este
período experimental serve por isso os interesses da empresa, desde logo o fim de dar lucro. 25
Assim aqui: uma liberdade do artigo 61º e um direito "contrário" no artigo 53º temos agora de ver se
há não proporcionalidade.

Quanto à Proporcionalidade temos de ir sucessivamente pelos três passos por nós já conhecidos
do Princípio da Proporcionalidade:

i. Adequação - para ser adequada a medida tem der eficaz ao fim que prentede prosseguir. O
fim imediato neste caso é verificar se o trabalhador é apto para o trabalho, o fim mediato é
ter uma gestão de recursos humanos eficientes (em nome da liberdade de empresa e dos
interesses da empresa). Este meio de criar um período experimental é adequado para

25 Contratar um trabalhado que valha o preço de forma segura.


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atingir esse fim? Sim. O empregador vai ter 6 meses para ver como o trabalhador é e
desenvolve as suas funções, e por isso esta medida é adequada aos fins do artigo 61º da
CRP

ii. Necessidade - Verificamos neste passo se há ou não medidas igualmente adequadas mas
que sejam menos onerosas, se houverem medidas menos onerosas que não lesam a eficácia
da medida (adequação) então a medida não será necessária. Aqui uma das opções é ver se
o período de tempo pode ser diferente na medida, podemos reduzir o tempo de
exprimentação, o que levaria a que a medida fosse menos onerosa para o lado do
trabalhador: exemplo: concluir que não necessários 6 meses para averiguar se o trabalhado
é apto ou não, mas que apenas em 3 meses se conclui que o trabalhador é apto, aí esta
medida de 6 meses é desnecessária logo chumbaria este teste da necessidade (na
proporcionalidade em sentido latu). O Professor António Cortez acha que 6 meses é um
tempo desnecessário para este fim, significando que este tempo é desproporcional e que
por isso temos uma violação do princípio da proporcionalidade e uma restrição que não é
constitucional.

iii. Proporcionalidade em sentido estrito – não é necessário recorrer a este passo uma vez
concluído que não é necessária a restrição.

Alías veja-se, se esta norma avançasse para a frente a empresa estaria sempre a fazer a rotação
de trabalhadores: antes do prazo terminar os trabalhadores eram despedidos sem mais e outros eram
contratados, fazendo isto a empresa estava constantemente desvinculada de quase todos os deveres de
um contrato de trabalho: ao despedir trabalhadores sempre sem ser necessária justa causa estaria a
evitar pagar indemnizações e podia despedir sem mais os trabalhadores quando quisesse. Isto vai
fortemente contra o que dissemos e seria uma fraude à lógica do direito do trabalho.

Caso 3.3 - Acesso a Metadados pelos Serviços de Informações

No nosso caso estamos perante um processo de fiscalização preventiva da


constitucionalidade, porque ocorre antes da norma entrar em vigor. Contrapõe-se aos processos de
fiscalização sucessiva. Normas objeto de fiscalização ainda não entraram em vigor. Em que fase essa
fiscalização podem ser requeridas? Leis e DL tem que ser promulgados pelo Preisdente, que pode fazer
uma de 3 coisas:

1) Promulgar, se concordar com solução contida no diploma

2) Veto político- discorda da solução contida no diploma


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3) PR tem dúvidas sobre constitucionalidade de alguma solução prevista no diploma, pode


fazer um pedido de fiscalização preventiva para o TC

Decisão do TC fará que o Presidente promulgue ou não:

1) Inconstitucional: veta norma por inconstitucionalidade

2) Constitucional: pode promulgar ou usar o veto político

Serviços de informação e segurança (SIS): são os nossos serviços secretos. Têm a função de produção
e recolha de tratamento de informações confidenciais necessárias para garantir a segurança nacional.

Este decreto visava aprovar regime jurídico destes serviços de informação. Artigo 78º nº2
gerava dúvida de constitucionalidade: qual o aspeto específico desta norma que levanta dúvidas de
constitucionalidade? Vem a permitir aos trabalhadores do SIS algo que parecia não ser compatível com
a CRP, permitia que no âmbito da prevenção de crimes de especial gravidade, os oficiais dos serviços
secretos pudessem aceder a determinados dados dos cidadãos, metadados, termo coloquialmente
utilizado, dados sobre outros dados, não é a possibilidade de acederem ao conteúdo das conversas dos
cidadãos, tal nunca esteve autorizado por esta norma. Apenas cabia na previsão os metadados:

Dados de tráfego: fornecem informações circunstâncias, instrumentais, sobre as


circunstâncias em que as comunicações são efetuadas. Ex.: com quem falou, a que horas,
com que frequência.

Dados de localização: fornecem indicação sobre a localização geográfica do dispositivo


usado para a comunicação.

Ou seja, o conteúdo da conversa estaria sempre excluído. Mas poderia saber os dados de tráfego
e de localização – dados circunstâncias fornecidos pela comunicação. Ora este acesso seria concedido
mediante o preenchimento de 2 requisitos:

Requisito 1: decreto permitia acesso a estes dados quando os mesmos fossem necessários para
prevenir crimes com especial gravidade.

Requisito 2: autorização de uma comissão administrativa, comissão de controlo prévio,


integrada por 3 juízes do STJ

Dúvidas constitucionalidade devidas em 2 questões:

1) Se os metadados se encontravam incluídos no âmbito de telecomunicações usado no


artigo 34º/4 CRP. Saber se metadados estão protegidos pelo Direito Fundamental
de inviolabilidade das telecomunicações. O legislador quando criou a norma
apenas se estava a referir aos dados de conteúdo. Resposta TC: disse que sim,
metadados protegidos também pelo DF de inviolabilidade das
telecomunicações. Resposta pacífica na doutrina e jurisprudência. TC disse que
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apesar de no momento em que norma foi feita, legislador constituinte não ter pensado
especificamente nos metadados, os juízes entenderam que nos dias que correm tem
que se aceitar que os metadados também beneficiam desta proteção. Isto porque TC
entendeu que o simples facto de as autoridades públicas poderem aceder a estes
dados circunstâncias já constitui uma ingerência efetiva na vida privada das pessoas.
Porque é que é uma ingerência? O facto de terem acesso a todos estes dados, permite
fazerem um perfil mais ou menos detalhados sobre a pessoa em questão, com quem
se relaciona, locais que frequenta, etc. Todas informações que isoladamente podem
parecer inofensivas, todas juntas permitem no fundo ter acesso a detalhes íntimos da
vida da pessoa.

2) Regime ao acesso destes metadados se encontrava em conformidade com o artigo


34º/4 CRP. Apenas apreciar se responder positivamente à pergunta 1). Regime
previsto neste decreto respeita artigo 34º/4? Partindo dos pressupostos que os
metadados estão protegidos por este direito fundamental, a possibilidade dos
serviços secretos acederem a estes dados, constitui restrição ao direito fundamental,
temos que averiguar se essa restrição é feita de acordo com o que a CRP prevê,
nomeadamente em processo penal. Saber se esta restrição ao direito de
inviolabilidade das telecomunicações se encontra em consonância com o previsto na
CRP (apenas em processo criminal).

A CRP está a anunciar o único caso taxativamente como a restrição pode ser feita? Ou está a
anunciar apenas um dos casos em que a restrição pode ser feita, sem impedir outro tipo de restrições,
por exemplo, para tutelar outros interesses constitucionalmente tutelados, sem ser processo penal? TC
disse que restrição é taxativa, apenas em matéria de processo criminal. Os Juízes entenderam que
quando legislador constituinte formulou esta norma tomou posição clara entre 2 interesses
contrapostos: 1. Direito que todos temos, concretamente reserva da vida privada, de que as
autoridades públicas não possam imiscuir-se nas nossas conversas; 2. Interesses de processo criminal-
restabelecimento da paz jurídica, paz material, garantia da segurança coletiva, etc. O Legislador
Constituinte ponderou estes 2 interesses e afirmou que apenas nestes casos é que o Direito
Fundamental em causa pode ser restringindo. Assim, a questão de fundo passou a ser determinar
se o regime previsto no decreto cumpria esta restrição, restrição em matéria criminal – TC disse
que não cumpria por 3 razões fundamentais:

a) A atividade dos serviços secretos não é uma atividade levada a cabo num processo
penal. No processo penal temos a investigação de um crime que já foi cometido, toda a
recolha de informações tem o objetivo especifico de verificar se foi ou não cometido crime,
quem foi o seu ator e se este pode ser responsabilizado. A lógica prosseguida pelos serviços
de informações é a prevenção de crimes e não depois de um crime ser cometido, atuam
antes do crime ser cometido. Se processo penal só se inicia após a prática do crime, não há
duvida que estes dois âmbitos não se confundem. Investigações preventivas que não
entrariam no âmbito de qualquer processo criminal.

b) Não ia sequer ser feita no âmbito de um processo judicial, não seria entidade judicial a
conceder autorização, mas sim entidade administrativa, comissão de controlo prévio.
Restrição com base autorização administrativa, não é por ser composta por juízes que é
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judicial, só é judicial no âmbito do tribunal. No CPP apenas são autorizadas escutas


telefónicas após autorização expressa do tribunal.

c) Procedimento não oferecia garantias análogas às do processo penal. O CPP estabelece


um regime garantístico que limita a possibilidade de escutas telefonicas

Com bases nestes 3 argumentos, levou juízes a responder negativamente à 2ª pergunta


formulada pelo Presidente da República. E a afirmar que a restrição não cumpre a exigência do
artigo 34º/4, parte final. Declarou norma inconstitucional.

Isto foi em 2015. Esta questão está outra vez na ordem do dia. O ano passado o parlamento
aprovou uma nova versão deste diploma: a maior parte dos problemas foram resolvidos, agora estamos
perante uma autorização dada pelo STJ (processo judicial) e regime passou a oferecer garantias
análogas às do processo penal, desapareceram o segundo e o terceiro argumento. O Legislador sem
fazer coincidir procedimento com o processo penal, tentou aproximar o mais possível do processo
penal para satisfazer o Artigo 34º/4, parte final. PR decidiu promulgar o diploma.

Há cerca de 3 meses um grupo de deputados entendeu que esta 2ª versão do diploma era ainda
inconstitucional e agora este diploma está no TC para apreciação da constitucionalidade. Isto porque? b
e c cumpridos. Problema é o a , é que por mais que se tente mudar os nomes às coisas, não estamos
ainda dentro de um processo penal e tal nunca vai acontecer, porque no nosso caso está em causa atuar
a título preventivo. Mas também ninguém questiona a necessidade dos serviços secretos terem acesso a
estes dados, especialmente notório aos ataques terroristas, pois neste caso não podemos esperar que o
crime seja cometido, aliás Portugal era antes da aprovação do diploma o único pais europeu que não
conferia aos serviços secretos a possibilidade de aceder a estes dados. O grande problema é saber se a
nossa CRP permite essa possibilidade, porque parece que só admite em processo criminal.

Será que esta 2ª versão do diploma que continua sem ser procedimento em âmbito de processo criminal
continua a ser inconstitucional? Professor António Abrantes diz que se podem invocar restrições
implícitas, invocar interesses constitucionalmente tutelados. Pode ser este um caminho possível para
dizer que a 2ª versão é possível? Artigo 34º/4 CRP parece de facto ser taxativa. O problema é que a
norma como está feita parece efetivamente que legislador quis ser taxativo. A figura das
restrições implícitas parece estar excluída.

Ora, o artigo 18/2 parece que também admitir restrições implícitas, será que podemos ir por
essa via? Isto não parece viável, ado que a norma aparenta ser efetivamente taxativa.

Uma terceira via, expressa conselheira Maria Lúcia Amaral numa declaração de voto neste
acórdão: quando existe autorização constitucional expressa para a restrição de um direito
fundamental, como neste caso, não estamos aqui propiamente perante uma regra e uma exceção,
quando legislador constituinte permite essa restrição, não está a criar regime excecional, mas está a
antecipar a possibilidade haver ocorrência futura de interesses contrapostos constitucionalmente
tutelados e a remeter para o legislador a possibilidade de resolver tais conflitos. Uma vez que neste caso
concreto o interesse constitucionalmente tutelado contraposto seriam os valores prosseguidos no
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âmbito do processo penal- segurança coletiva, etc.- como aqui os interesses seriam os mesmos a
conselheira entendeu que se poderia aceitar que apesar da atividade não se inserir no âmbito
do processo criminal, tem uma natureza muito próxima da do processo penal, estamos sempre
âmbito de combate à criminalidade; uma vez que existe esta proximidade e que a restrição é menos
lesiva nesta hipótese, temos que admitir por maioria de razão, que se CRP admite restrições mais
gravosas para processo penal, também que teria que admitir esta restrição menos gravosa.

Tendo em conta esta nova versão do diploma, o TC pode decidir agora de 2 maneiras:

1) Ou mantém a sua posição e entende que ou é processo penal ou n e admissível,


numa interpretação positivista.

2) Ou então adota uma posição mais flexível e abrangente e entende que é possível que
a mesma tenha lugar em casos próximos do processos penal como nestes casos dos
serviços secretos.

Caso 3.4 - Prazos da ação de investigação da paternidade

Qual é o objeto de apreciação da constitucionalidade neste caso? Qual é o objeto de apreciação


do processo de fiscalização da constitucionalidade? O objeto do processo é sempre uma norma. Qual é a
norma neste caso? É a 1817.º/1 do CC, que trata da caducidade do direito de investigar a paternidade,
que ocorre em 10 anos a partir da maioridade ou emancipação.

Ou seja, no fundo, a partir dos 28 anos as pessoas deixam de poder investigar a


paternidade (ou seja, se por exemplo antes de fazer 28 anos já souber que tem um pai diferente
daquele com quem cresceu, e só tiver interesse de investigar e estabelecer um vínculo jurídico
de paternidade com o seu pai após fazer os 28 anos, a lei não permite). Isto será constitucional ou
inconstitucional?

O direito à identidade genética, que está consagrado no artigo 26.º/3, visa reagir
essencialmente contra duas coisas, contra a clonagem e contra a manipulação/criação genética. este
direito apareceu historicamente na sequência de se ter conseguido clonar pela primeira vez um
mamífero, a ovelha Dolly. O direito à identidade genética visa garantir o direito à integridade genética, e
o direito que cada pessoa tem a ter um património genético único, algo que é negado pela clonagem. Um
clone fica com o património genético idêntico ao do seu progenitor. Em suma, o direito à identidade
genética é essencialmente um direito a não ser clonado e um direito a não ser geneticamente manipulado
(como acontece na procuração medicamente assistida).
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Falamos também de outro direito, direito à identidade pessoal, artigo 26.º/1 CRP. Esse
direito à identidade pessoal parece compreender, segundo a doutrina, o direito de conhecer os pais.26

Este direito a conhecer os pais é apenas um direito à identidade pessoal, ou pode estar aqui em
causa outro direito? Direito a constituir família, que está expressamente consagrado no artigo
36.º CRP, consagra o direito a casar, ter pais, ter filhos.
Mas nós não devemos olhar para a CRP apenas nas suas expressões literais, aquilo que
está protegido nesse artigo 36.º é um bem jurídico que é a família. Podemos falar num direito não só
de constituir família (casar e ter filhos), mas num direito à família, a ter pais. O direito à família inclui o
direito a ter uma mulher/marido, filhos, mas também o direito a ter pais.

Hoje em dia nós sabemos que os testes de ADN dão com uma certeza de 99,9% a filiação de uma
pessoa, comprovam com uma certeza de 99,9% que determina pessoa é filho de outrem. Se nós
podemos saber com uma certeza praticamente absoluta se alguém é filho biológico de outrem ou não, se
ter pais corresponde a um direito à identidade pessoal, e se ter pais é um direito decorrente da
identidade pessoal, e se ter pais corresponde ao direito à família, então o direito a conhecer os pais
parece ser decisivo e não parece bem que haja um limite para propor uma ação de investigação de
paternidade.
Aliás, há muitos países em que as ações de investigação de paternidade são imprescritíveis, não
há prazo para propor uma ação de investigação da paternidade (no nosso CC 1867 também era este o
regime, não havia prazo). A pergunta que agora se faz é esta: podem estabelecer-se prazos limite
para investigação da paternidade ou não?

Podemos dizer que há um direito do pretenso pai (já pode ter uma família, outros filhos)
de não ver estabelecidos vínculos de paternidade tardios, e a ver salvaguardada a segurança e a
estabilidade da sua vida familiar e reserva da sua vida privada. O TEDH decidiu um pouco neste
sentido.
Há pelo menos duas situações em que a ordem jurídica reconhece que há vínculos sociais que
prevalecem sobre os vínculos biológicos: adoção e procriação medicamente assistida, que ocorre
por doação de gâmetas. Mesmo nestes casos, a verdade é que aqui há um vínculo na mesma, e neste
caso que estamos a analisar estamos a proibir a pessoa de descobrir mais sobre o vínculo que se cria
com a paternidade. Contudo há uma diferença: nestes dois casos a pessoa tem um pai e uma mãe,
enquanto nos casos de investigação da paternidade só é possível instaurar uma ação de investigação
da paternidade quando a pessoa não tem mãe ou não tem pai. 27

Atenção: o artigo 1817.º/4 diz-nos que se for descoberto após esse prazo dos 10 anos que
existe um pai, pode ser instaurada uma ação de investigação da paternidade, e o filho tem um prazo de

26 Os pais ajudam na construção do nosso eu , a pessoas constroem muito a sua identidade pela relação eu têm
com os pais. Portanto, os pais são uma referência incontornável na construção da identidade pessoal de qualquer
pessoa. Ao não ter paternidade reconhecida não temos essa referência. Conhecer os pais parece ser um direito que
integra o direito à identidade pessoal. Conhecer os pais não é apenas conhecer o progenitor biológico (como
sucede na procriação medicamente assistida), conhecer os pais trata-se mais da identidade pessoal, do que da
identidade genética, não é apenas conhecer o ADN, mas conhecer um ascendente, alguém que devia ser uma
referência na construção da identidade pessoal. As pessoas constroem muito a sua identidade em relação aos pais,
tanto na mesma medida como de maneira oposta. Os pais são uma referência na identidade da pessoa.
27 As situações em que mais frequentemente há investigação da paternidade são situações de relações múltiplas,

ou de relações ocasionais. Contudo, qualquer casal, mesmo nas situações ocasionais, tem de ter consciência que
sempre que têm relações sexuais existe a hipótese da mulher engravidar.
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3 anos para investigar a paternidade, após se descobrir o facto que deu origem à paternidade, ou seja,
após se ter descoberto que afinal havia um pai. Neste acaso, temos por exemplo uma pessoa não fazia
ideia que tinha um pai, e de repente descobre que tem pai. O prazo dos 28 anos é para os casos em que
uma pessoa já sabia que aquela pessoa podia ser o seu pai, mas não instaurou a ação de investigação da
paternidade nesse período temporal.
Esclarecendo: a norma em questão aplica-se aos casos em que a pessoa por exemplo aos 20
anos sabe da existência de um possível pai, sabe que existe um vínculo de paternidade, mas não exerce
o seu direito de instaurar a ação de investigação da paternidade, e mais tarde, aos 28 anos, esse direito
caduca. Mas imaginando que aos 29 anos eu não tenho nenhuma presunção de paternidade sobre mim,
não faço ideia que tenha um pai, mas descubro que afinal existe um pai e quero vir exercer o 1817.º/4.
Posso? Se nunca tive conhecimento da possível existência de um pai posso instaurar a ação. A questão
aqui é saber se o prazo ser até aos 28 anos é ou não constitucional.

Metade dos juízes do TC entenderam que não podia fixar-se um prazo para a investigação
da paternidade porque a pessoa pode não estar interessada em estabelecer esse vínculo de
paternidade aos 20 anos, e de repente aos 40 anos ficar interessado.

Não esquecer o que discutimos: o direito à identidade pessoal e o direito à família são
suficientes para determinar que o direito a investigar a paternidade não devia ter um prazo? O
prazo dos 28 anos acaba por ser uma restrição ao direito da investigação da paternidade,
impede que o direito seja exercido, e nós queremos saber se essa restrição é ou não aceitável. 28

Qual é a relevância prática dos 10 anos (18anos+10anos=28anos limite)? Há situações em que a


pessoa tem uma desconfiança de que eventualmente tem um pai. O prazo de 10 anos tem imensa
relevância prática, faz o equilíbrio entre a entidade pessoal e o direito à família do pertenço do
filho e o valor da segurança jurídica do pai e a estabilidade da sua família. Faz um equilibro
porque permite que ao longo de 28 anos prevaleça o direito à identidade pessoal e da família do
pretenso filho, sendo que ao fim dos 28 anos determina que o direito à identidade pessoal, direito à
estabilidade familiar e direito à segurança jurídica do pretenso pai.

O prazo dos 3 anos extra é para quando o prazo dos 28 anos já passou, mas a pessoa descobre
mais tarde da existência de um pai (mas aos 28 anos não tinha ideia que tinha um pai, não existia a
suspeita). Exemplo: mãe, no leito da morte, diz ao filho que o seu pai não é aquele que o educou a vida
toda, é outro homem com quem a mãe teve uma relação extraconjugal. Portanto estas situações
geralmente não estão relacionadas com casamentos e uniões de facto porque aí há presunções de
paternidade, mas sim com incestos, relações extraconjugais.

É muito mais importante que o vínculo de paternidade se estabeleça durante a infância e


juventude, do que na idade adulta da pessoa, mas não significa que não possa ser também importante. O
que este prazo estabelece no fundo é o seguinte: quando é verdadeiramente importante do ponto de
vista da identidade pessoal e do direito á família as pessoas estabelecerem o seu vínculo de paternidade

28NOTA: e eu tiver uns pais adotivos que morrem quando eu tenho 30 anos, e eu depois da sua morte quiser
descobrir quem são os meus pais biológicos eu posso, só não posso é estabelecer um vínculo de paternidade. Só se
pode estabelecer um vínculo jurídico de paternidade se não tiver pai e mãe, portanto se eu for adotada, tiver 28 e
os meus pais morrerem e quiser conhecer os meus pais biológicos tenho o direito a conhecer as minhas origens
genéticas, mas não tenho direito a estabelecer um novo vínculo jurídico de paternidade com os meus novos pais,
não posso duplicar os pais.
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é durante a infância e a juventude, digamos até aos 28 anos. É um prazo razoável para a pessoa
instaurar uma ação de investigação da paternidade.

Depois dessa idade, tem de haver alguma segurança nas relações familiares. Portanto a pessoa
teve oportunidade de investigar até aos 28 naos, se não o quis fazer até aos 28 anos, não pode
tardiamente, tipo 50 anos, querer investigar para efeitos meramente sucessórios. É importante
sabermos o que decidiu o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Como é que o TEDH entendeu?
Podem haver prazos ou que não podem haver prazos? O TEDH entendeu que podem haver prazos, e
a razão pela qual entendeu isto foi pelo interesse na segurança jurídica e das relações familiares
do pertenço pai, isto é, salvaguardar a convivência e a estabilidade familiar do potencial pai.
Mas estes são interesses que têm tutela constitucional? 29

Voltando à questão, podem estabelecer-se prazos limite para investigação da paternidade ou


não? O direito à família e à identidade são suficientes para declarar o limite inconstitucional? O direito a
constituir família e o direito à identidade pessoal são suficientes para determinar que o direito a
investigar a paternidade é imprescritível ou não?
O prazo é uma restrição ao direito, impede o exercício ao direito em determinadas condições,
neste caso o direito pode ser exercido durante 28 anos. A questão aqui é saber se esta restrição é
aceitável ou não.
Podem haver restrições aos direitos? Sim. O que é necessário? Que se funde num interesse ou
direito expressamente previsto na CRP (a restrição em si não tem de estar ela própria expressamente
prevista na CRP).
Neste caso há algum interesse ou direito expressamente previsto na CRP que legitime esta
restrição? Sim, o direito à intimidade da vida privada e familiar, artigo 26.º CRP. Durante 20 não
houve numa relação com o pretenso pai, e entretanto o pretenso pai tem outra família, e portanto isso
também faz parte da sua identidade pessoal.
Agora a questão é saber qual dos direitos/ interesses é que deve prevalecer: deve prevalecer o direito
do filho a conhecer o pai mesmo numa idade mais avançada, ou o direito do pai a salvaguardar os laços
de convivência familiar que entretanto tiver estabelecido (segurança jurídica)? 7 juízes do TC
entenderam que deve haver uma restrição a este direito à investigação da paternidade, o direito
do pertenço pai pode prevalecer porque é uma restrição proporcional. Um das razões usadas foi a
segurança jurídica, não se pode estar a discutir a todo o tempo a hipótese de haver um pretenso pai. A
segurança jurídica é um interesse constitucionalmente protegido? O direito à vida privada e familiar está
no artigo 26.º. E a segurança jurídica? Não está expressamente na CRP, mas é uma base da própria ideia
de direito, por isso dizemos que é um valor que decorre do princípio do Estado de Direito (artigo 2.º CRP).
Segundo este principio da segurança jurídica, não se pode discutir tudo a todo o tempo, há momentos
para próprios para se discutir vínculos de filiação. Outros 6 juízes do TC discordam.

Esta é uma discussão muito difícil e há um grande número de pessoas a entender a prevalência
do direito à entidade pessoal ao interesse do filho, mesmo numa idade tardia, deve prevalecer. Pode
haver restrições de direitos fundamentais que não se fundem em direitos ou interesses expressamente
previstos, mas em valores globais (como o da segurança jurídica) que resultam do Estado de Direito.

29Se quiser registar uma criança sem pai, o que é que acontece? Hoje me dia não pode acontecer! O MP é obrigado
a abrir um processo de averiguação oficiosa da paternidade para descobrir quem é o pai, em defesa da tutela do
direito do menor. Muitas vezes não se consegue descobrir nada.
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O que o professor António Cortês queria mostrar com este caso é que podem haver restrições
a Direitos Fundamentais que se fundam em direitos e interesses constitucionalmente previstos
(é o que geralmente acontece), mas também existem restrições que se podem fundar também
em valores mais globais do ordenamento jurídico, como o da segurança jurídica, que resultam
apenas da ideia de Estado de Direito.
Portanto neste caso, os dois grandes argumentos a favor da existência de um prazo seriam por um lado
à segurança jurídica, e por outro lado direito à identidade pessoal e à estabilidade das relações familiares
do pretenso pai. No TC isto foi 6 vs 7 juízes, em 13 juízes, logo podemos dizer que o TC ficou literalmente
dividido. Portanto é de facto uma discussão difícil.

Caso 3.1 - Exame de acesso ao estágio de advocacia

Vimos já que os direitos, liberdades e garantias beneficiam de um regime especial em


matéria da sua restrição previsto no artigo 18º/2 e 3 CRP. Quais os 3 requisitos previstos no artigo
18º/2 para a restrição dos direitos, liberdades e garantias? Alguns expressamente previstos, outros
implícitos.

1) Tem que ser uma Lei ou um DL autorizado. Conjugando o artigo 18º/2 com o artigo 165º/1,
b) terá que ser por lei ou DL autorizado. Ou seja, um direito, liberdade e garantia só pode
restringido por lei ou por DL autorizado. O regime geral consta do artigo 165º, mas temos que
ver se a regulação do direito em questão não cai na reserva absoluta da AR, artigo 164º, que é o
regime especial.

2) Tem que estar expressamente previsto na CRP: a CRP fala nos casos expressamente
previstos na CRP. Vimos que este requisito consiste na autorização constitucional para a
restrição de direitos, liberdades e garantias. Qualquer restrição tem que se fundar na CRP. Esta
norma tem vindo a ser interpretada, tanto pela doutrina como pela jurisprudência
constitucional, de forma ampla, ou seja, não abrange apenas os casos em que a própria CRP
expressamente permita a possibilidade ou ela própria faça a restrição, mas também
abrange as denominadas restrições implícitas, isto é, em que a CRP não diz nada, mas em que
a restrição se impõe ainda assim para salvaguardar outros interesses constitucionalmente
tutelados, que se contrapõem, ou outros direitos fundamentais. Ou seja, o segundo requisito é
a autorização constitucional para a restrição, pode ser expressa ou pode ser implícita.

3) Obediência ao princípio da proporcionalidade: as restrições têm que limitar-se ao


necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
Caso relativo ao período experimental do contrato de trabalho. Este princípio desdobra-se em 3
diferentes testes ou requisitos:

• Adequação
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• Necessidade

• Proporcionalidade em sentido estrito

Temos depois mais 3 requisitos previstos no artigo 18º/3:

1) Caráter geral e abstrato. Qual a diferença entre generalidade e abstração? Será que
são sinónimos ou será que há diferença entre estas duas palavras? Há uma diferença
importante. No fundo a generalidade tem um âmbito subjetivo, isto é, o legislador
quando diz que a lei deve ser geral está a dizer que a lei deve ser suscetível de ser
aplicada a um número indeterminado ou indeterminável de pessoas. Inversamente
quando fala em abstrata está a situar-se no âmbito objetivo, está a referir-se a
situações, ou seja, quando a CRP diz que a lei tem que ser abstrata o que está a dizer
é que a mesma deve ser suscetível de ser aplicável a um número indeterminado
ou indeterminável de situações. Decorrem desta exigência duas consequências em
particular:

• Consequência da generalidade: não pode haver leis restritivas de direitos,


liberdades e garantias que apenas restrinjam os direitos, liberdades e
garantias de uma determinada pessoa específica ou de um determinado
grupo de pessoas. Ex: imaginemos que António, com ideais extremistas se
quer candidatar a eleições e que o parlamento entendia que seria perigoso
que António se candidatasse, e então emana lei a restringir os direitos
políticos desta pessoa em particular para que o mesmo não se candidate. Isto
não é possível de fazer. A lei tem que ser geral, não pode incidir sobre uma
determinada pessoa concreta ou sobre um determinado grupo de pessoas.
No fundo isto é uma decorrência do próprio princípio da igualdade.

• Consequência da abstração: a lei não pode restringir direitos, liberdades e


garantias que se verifiquem numa determinada situação concreta, não pode
incidir sobre determinadas situações específicas. Ex: lei que proíbe uma
manifestação específica que ocorra num certo dia com fundamento em
possíveis desacatos. A lei não pode fazer isto. O que a lei pode fazer é
estabelecer condições gerais para que o exercício de manifestação possa ser
feito, mas essas condições aplicam-se a todas as situações, não podem
aplicar-se a uma situação específica.

2) Não podem ter efeito retroativo. O que é que significa que uma lei não pode ter
efeito retroativo? Não se pode aplicar a situações passadas. Isto é um dos casos em
que a CRP proíbe expressamente a retroatividade de leis. Qualquer lei restritiva de
um direito, liberdade e garantia tem que dispor para o futuro, não pode dispor para
o passado. O fundamento desta exigência é o princípio segurança jurídica.

3) Não pode diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos


constitucionais. Este é o requisito mais difícil de definir, há uma grande discussão
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na doutrina sobre qual é concretamente a sua amplitude e o seu impacto. No fundo o


que está aqui em causa é uma válvula de salvaguarda do sistema constitucional em
matéria de restrições a direitos, liberdades e garantias. Este último requisito é uma
válvula de segurança que visa assegurar sobretudo que qualquer restrição a um
direito, liberdade e garantia não tenha um impacto tal, uma intensidade tal que seja
suscetível de aniquilar o próprio conteúdo do direito. Ou seja, quando estamos a
falar de restrições estamos a falar de simples limitações a um direito, liberdade e
garantia, uma simples compressão, o direito nunca é eliminado, nunca é suprimido.
Se uma lei restritiva for suscetível de afetar o próprio núcleo essencial do direito,
liberdade e garantia, estamos aqui a entrar numa zona em que é a própria existência
do direito, liberdade e garantia que fica em causa. Isto é uma matéria que está
vedada ao legislador ordinário: através de uma lei restringir de uma forma tal o
direito, liberdade e garantia que acaba por aniquilar o próprio direito. Esta é uma
matéria que nem sequer está dentro do campo de legitimidade do próprio legislador
revisor da CRP: os direitos, liberdades e garantias fazem parte dos limites materiais
de revisão constitucional – estes limites materiais estabelecem as matérias que
nunca podem ser revistas no âmbito de um revisão constitucional, e os direitos,
liberdades e garantias são uma delas. Se o próprio poder derivado de rever a CRP
não pode eliminar os direitos, liberdades e garantias, naturalmente que o legislador
ordinário também não o pode fazer através de uma lei restritiva. No fundo esta ideia
do conteúdo essencial é que qualquer restrição deve preservar o núcleo do próprio
direito e não pode ter uma intensidade tal que o elimine. Exemplo: lei que
estabelece a pena de morte ou a pena de prisão perpétua. Uma lei desta natureza
seria suscetível de visar o núcleo essencial do direito à vida ou do direito à liberdade
respetivamente. Se admitirmos a prisão perpétua de uma pessoa, no fundo o direito
à liberdade dessa pessoa está a ser restringido de forma definitiva, a pessoa nunca
mais vai ter direito à liberdade. Uma coisa é condenar uma pessoa a 25 anos de
prisão30 e esse direito à liberdade é restringido, mas a pessoa não o perde pois a
pessoa ao fim de 25 anos, eventualmente antes sairá em liberdade condicional, sabe
que irá voltar para a vida em sociedade, irá ver reposto o seu direito à liberdade.
Agora se a condenarmos à prisão perpétua o direito à liberdade deixa simplesmente
de existir, é um direito que essa pessoa deixa de ter. Seria uma lei que afetaria o
conteúdo essencial do direito à liberdade. E o mesmo poderá ser dito relativamente
à pena de morte e ao direito à vida, com as devidas adaptações.

Passos para resolver um caso:

1) Estamos perante um direito fundamental? Sim. Qual o direito fundamental em causa?


Liberdade de escolha da profissão, artigo 47º/1 CRP.

30 Limite máximo previsto na lei.


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2) Classificar esse direito fundamental: direito fundamental dentro do catálogo, porque


está inserido dentro do catálogo de direitos fundamentais previstos nos artigos 24º a
79º CRP.

3) Natureza do direito fundamental: é um direito, liberdade e garantia. Como estamos


perante um direito dentro do catálogo é muito simples, para a sua classificação
seguimos um critério formal.

• Direito, liberdade e garantia: previsto nos artigos 24º a 57º

• Direito económico, social e cultural: previsto nos artigos 58º a 79º

No nosso caso era muito simples dizer qual a natureza do direito fundamental. As dúvidas
podem colocar-se quando não estamos perante um direito, liberdade e garantia dentro do catálogo, ou
seja, quando estamos perante um direito económico, social e cultural ainda dentro do catálogo,
quando estamos perante um direito fundamental fora do catálogo, ou quando estamos perante
um direito fundamental material, isto é, que está fora da CRP.
Porquê? Porque nestes casos não estamos perante um direito, liberdade e garantia, só são
direitos, liberdades e garantias efetivos aqueles que estão previstos nos artigos 24º a 57º – mas o
que temos que ver é se esse direito no fundo é suscetível de ser considerado um direito
fundamental análogo a um direito, liberdade e garantia. E porque é que isto é importante? Porque
por força do artigo 17º CRP os direitos fundamentais análogos a direitos, liberdades e garantias
beneficiam do regime especial destes direitos, nomeadamente o regime das restrições31.

No nosso caso prático estamos perante um direito, liberdade e garantia dentro do catálogo,
aplicando-se o regime especial deste tipo de direitos. E um desses regimes especiais é o regime das
restrições. Se estamos perante um direito, liberdade e garantia qualquer restrição a este direito tem
que obedecer aos requisitos previstos no artigo 18º.

Vamos olhar melhor para o direito fundamental em causa: liberdade de escolha de profissão
prevista no artigo 47º/1. Este direito não consiste apenas na liberdade de escolher uma profissão, vai
mais além do que isto, também inclui a liberdade no exercício da própria profissão. Portanto temos
tanto a liberdade de escolha, como a liberdade de exercício.

A doutrina e a própria jurisprudência constitucional têm vindo a definir que este direito
fundamental tem uma natureza dinâmica, isto é, abrange vários níveis de realização – é um direito que
se vai realizar ao longo do tempo. Tem 4 grandes etapas:

1) Direito à obtenção das habilitações necessárias35 para o exercício da profissão em causa.

2) Liberdade de ingresso na profissão: começar a exercer a profissão.

3) Liberdade de exercício da profissão (depois do ingresso).

31Embora seja discutido se beneficiam de forma ampla de todos os aspetos do regime ou só determinados
aspetos, o que dependerá do tipo de direito fundamental em questão e da posição doutrinal que se siga. 35
Académicas, técnicas, etc.
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4) Liberdade de progresso na carreira profissional.

Qual seria a dimensão posta em causa neste caso prático? Liberdade de ingresso na profissão.
Esta liberdade estava a ser restringida pela Ordem dos Advogados.

O que é a Ordem do Advogados? No plano do direito administrativo em que é que consiste a


Ordem dos Advogados? Trata-se de uma Associação Pública Profissional. E estas inserem-se em que
forma de administração estadual? Administração autónoma (Regiões Autónomas, Autarquias Locais e
Associações Públicas). As Associações Públicas Profissionais são também designadas de Ordens
Profissionais, estas têm poderes públicos atribuídos pelo Estado para exercer a sua atividade. E para que
é que servem estas Ordens Profissionais? Regulam o acesso à profissão. E porque? Determinas profissões
dado o seu relevo para a sociedade não podem ser exercidas de uma qualquer forma, há profissões que
têm um relevo tão grande para a sociedade que têm que ser reguladas. E quem faz essa regulação? Numa
lógica de uma administração que se quer cada vez mais centralizada, o que tem vindo a acontecer de há
uns anos para cá é que o Estado tem preferido conferir os poderes de supervisão de uma determinada
atividade profissional aos próprios profissionais dessa classe. No fundo, o Estado entende que a melhor
forma de supervisionar uma determinada atividade profissional é deixar que sejam os próprios
profissionais a fazer essa supervisão, porque têm um conhecimento mais adequada da prática, têm
conhecimentos técnicos mais adequados para fazer regulação e têm uma posição muito mais próxima da
prática e daquilo que a realidade da profissão exige. No fundo o Estado quando cria uma Ordem
Profissional o que está a fazer é criar uma nova entidade e a ceder-lhe poderes soberanos, portanto
poderes públicos, para que esta ordem prossiga também uma missão de interesse público, que é a de
garantir que uma determinada profissão é exercida de forma adequada, dada a sua relevância à
sociedade.

Qual é o primeiro problema que temos aqui? É que a própria existência de ordens profissionais
é já uma restrição da liberdade de escolha da profissão. A própria estratégia do Estado de criar uma
ordem profissional já está a restringir este direito fundamental. Isto porque? Porque por um lado temos
o artigo 47º CRP que diz que todos têm direito a escolher livremente a sua profissão. Contudo, ao
mesmo tempo, para o exercício de determinadas profissões temos estas ordens profissionais que vêm
estabelecer condições de ingresso na profissão, portanto só podem exercer a profissão quem esteja
inscrito na ordem profissional e para se inscrever, por regra, tem que fazer um período de estágio,
sujeito a avaliações, e mesmo depois do ingresso, no próprio exercício da atividade, é condicionado de
forma constante pela ordem profissional, desde logo pela sujeição ao código deontológico. Nesta
medida vemos que o facto de existir uma ordem profissional está a restringir este direito fundamental.

Vimos também que qualquer restrição a um direito, liberdade e garantia, nos termos do artigo
18º, tem que estar prevista pela CRP, expressamente ou implicitamente. Neste caso a CRP prevê
expressamente a possibilidade de este direito, liberdade e garantia ser restringido através da criação de
ordens profissionais, que regulam e limitam o acesso às profissões? Há uma autorização constitucional
para a restrição deste direito, liberdade e garantia prevista no artigo º/ : Salvas as restrições legais
impostas pelo interesse coletivo . Isto porque? Uma vez que este direito pode ser restringido para
salvaguardar o interesse coletivo é legítimo que o Estado crie uma ordem profissional e atribua a esta a
missão de garantir esse interesse coletivo (interesse público).
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E porque é que a profissão da advocacia é uma profissão sujeita a esta necessidade de supervisão
e de compatibilidade com o interesse coletivo? Boa administração da justiça. No fundo há aqui interesses
públicos de grande relevo na profissão de advogado. O advogado é um agente essencial para a
administração da justiça e ainda para o exercício de outros direitos fundamentais por parte dos cidadãos.
O advogado no fundo é um garante do exercício efetivo de determinados direitos fundamentais por parte
da comunidade em geral, desde logo a garantia do acesso ao Direito, de acesso aos meios jurídicos
adequados, e também o direito à tutela jurisdicional efetiva32. E o advogado é um garante do exercício
destes direitos, porque naturalmente o comum do cidadão não tem conhecimentos técnico-jurídicos
suficientes para poder ir a tribunal e numa ação cível defender os seus interesses. A presença de um
advogado num processo penal é tão importante que chega mesmo ter natureza de um verdadeiro direito
fundamental, artigo 32º CRP (defensor = advogado). Há determinados casos em que essa assistência
chega mesmo a ser obrigatória – ex: a partir do momento em que haja uma acusação definitiva no final
do inquérito, o arguido passa obrigatoriamente a ter de ter um advogado para o defender e se ele próprio
não o constituir por falta de meios económicos, o Estado encontra-se obrigado a nomear um advogado
oficioso. Portanto no fundo, o advogado visa garantir uma série de direitos fundamentais e próprio
interesse geral de uma boa administração da justiça, fazendo com que o exercício da profissão não possa
ser exercido de qualquer maneira e por qualquer pessoa. Desde logo só pode exercer a advocacia quem
se encontre inscrito na ordem dos advogados e por outro lado durante todo o exercício da profissão o
advogado está sujeito a regras impostas pelo código deontológico, fazendo com o que o exercício seja
compatível com o interesse público da comunidade.

Polémica que surgiu em 2009 e que preocupou muito os alunos finalistas de Direito. Isto porque
até a alteração deste regulamento qualquer pessoa licenciada em Direito se podia inscrever na Ordem
dos Advogados para fazer o estágio de advocacia e no final do estágio tornava-se advogado. Mas com
esta alteração regulamentar passou a ser criada uma barreira adicional ao acesso ao estágio: exame de
acesso ao estágio. Na altura foi justificado pelo Bastonário da Ordem pela necessidade de garantir a
qualidade dos profissionais que exercem a advocacia. Restringir antes da própria profissão.

Qual foi o argumento invocado pelos requerentes, um grupo de deputados, que levou este
diploma ao TC para defender a inconstitucionalidade deste regulamento? Porque falta um dos
requisitos do artigo 18º, conjugado com o artigo 165º: exigência de lei formal. Esta restrição foi feita
por um regulamento de uma Ordem Profissional. Nunca poderia existir uma restrição originária a este
direito, liberdade e garantia por um simples regulamento.

O Bastonário da Ordem invocou que este exame foi criado ao abrigo de uma lei, que é o estatuto
da Ordem dos Advogados, que regula os poderes desta. Invoca que este estatuto confere à Ordem
poderes para regular o estágio da advocacia e as condições de acesso à profissão de advogado. Sendo
assim este regulamento não estabelecia qualquer restrição originária e a existir uma restrição seria
uma restrição prevista na própria lei. Em segundo lugar, a Ordem invocava também que a previsão de
um exame de acesso não constitua uma restrição propriamente dita a este direito fundamental porque
qualquer pessoa poderia fazer o exame e desde que tivesse aprovação poderia aceder ao estágio. Exame
destinado a prosseguir os próprios interesses que a Ordem visa tutelar.

32 Direito de aceder a tribunais para poder resolver as suas causas.


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Qual foi a decisão do TC? Inconstitucionalidade deste regulamento, isto porque tocava no núcleo
fundamental deste direito, liberdade e garantia, no segundo momento do ingresso na profissão. Sendo
uma restrição que se relacionava diretamente com esta zona nuclear do direito, liberdade e garantia, a
mesma nunca poderia constar de um regulamento administrativo, teria que ser feita por lei. O TC
também disse que o estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado por lei, não contemplava em parte
nenhuma a necessidade de ser feito um exame para se aceder ao estágio. O estatuto apenas diz que a
Ordem pode regular as condições de acesso o estágio, mas não que pode criar uma barreira adicional. O
TC entendeu que estávamos perante um regulamento que fazia uma restrição originária de um direito,
liberdade e garantia e portanto seria inconstitucional.

TC falou também que o princípio da reserva de lei visava prevenir um risco muito específico que
se verifica quando estão em causa ordens profissionais: evitar um risco de regulamentação de índole
corporativista. Evitar que as ordens profissionais se transformem em ordens que defendem apenas os
interesses corporativos da própria associação de profissionais. Se uma ordem profissional pudesse
regular de forma livre quem é que pode aceder a essa ordem, teríamos aqui um problema, porque
naturalmente para limitar a concorrência essa ordem poderia favorecer quem já está na profissão e
limitar o ingresso a outras pessoas.

Em 2013 foi aprovada a Lei das Associações Públicas que estabeleceu requisitos uniformes para
o acesso às ordens profissionais. E numa das suas normas veio estabelecer que apenas poderá ser feito
um único exame e final para aceder a uma profissão de uma ordem profissional.

Caso 4.3 - Vinculação e renúncia aos direitos de personalidade

Atender ao artigo 81º do Código Civil. A limitação dos direitos de personalidade será válida ou
não em função de considerarmos que o direito fundamental é disponível ou não e em que medida.
Ordem pública é o conjunto de valores inerentes ao sistema de direitos fundamentais. Antigamente,
este conceito tinha o sentido de ordem moral objectiva. Actualmente, é um pouco difícil definir este
conceito, uma vez que as concepções sociais alteraram-se. Há uma interiorização da lógica dos direitos
fundamentais dentro da cláusula geral da ordem pública, como dentro da cláusula geral dos bons
costumes. Temos de definir esta ordem pública com base nos direitos fundamentais. Trata-se de uma
expressão de um sistema de direitos fundamentais objectivos e subjectivos.

O processo penal é direito constitucional concretizado. Temos de assumir um pouco isto para
todos os ramos do direito. Não significa que haja uma omnipresença do Direito Constitucional, mas há
muitas vias por onde o sistema de direitos fundamentais penetra nos vários ramos do direito,
nomeadamente no direito privado. Cláusulas gerais como a ordem pública e bons costumes são um
exemplo disto. Para sabermos se viola os princípios da ordem pública, temos de saber se pode haver
disponibilidade dos direitos fundamentais.

A regra é a de que os direitos fundamentais não são disponíveis. O Professor Jorge Pereira
da Silva tem opinião contrária, pelo menos em face das entidades privadas. Os
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direitos fundamentais são em ampla medida indisponíveis. O direito à vida não é, em princípio,
disponível. Ninguém pode fazer um contrato em que autorize outra pessoa a matá-lo. É nulo um
contrato de empréstimo em que dou como garantia uma parte do meu corpo (ex: cortar os dedos). É
certo que há excepções a este princípio (ex: contrato de boxe). Mas, neste caso do desporto, como o
boxe, a pessoa pode limitar o seu direito porque se pode defender. O risco de ser lesado depende da sua
habilidade. É uma prática comumente conhecida como uma prática socialmente aceitável. As lesões, em
princípio, não são desproporcionadas e irreversíveis.

Não se pode dispor do direito a votar, muito menos me posso comprometer a não votar num
determinado partido político. Não posso dispor da minha liberdade de profissão. A pessoa pode não
exercer o direito, mas não se pode autolimitar/vincular a dispor antecipadamente de um direito
fundamental.

Artigo 81º nº1: Parece estabelecer a regra inversa, isto é, parece admitir que os direitos de
personalidade são disponíveis, salvo se isso for contrário à ordem pública. E quando isso acontece?
A limitação do direito de personalidade será mais contrária à ordem pública quanto mais
irreversível e grave for a lesão. Mas será preciso fazer outra distinção. Qual a diferença entre os vários
direitos vida, integridade física, imagem, privacidade… ? A lesão dos direitos poderá ter implicações
negativas diferentes consoante o direito de que se trate. As consequências serão distintas.

Quem cede a imagem é uma pessoa adulta e responsável. São pessoas livres e responsáveis
pelas suas acções. Se uma pessoa aceita participar, ela sabe que está a ser filmada, e isso pode
condicionar o seu comportamento.

Os direitos fundamentais são irrenunciáveis, mas pode haver uma autolimitação, desde que haja
consentimento e vontade livre e esclarecida. Se estes requisitos estivessem preenchidos, então a actriz
não teria direito a uma indemnização, pois celebrou o contrato, sabendo para o que era. Poderia desistir
da participação no programa, mas teria de indemnizar a empresa/televisão.

Há um princípio de indisponibilidade dos direitos fundamentais. Mas há direitos fundamentais


que, por sua natureza, parecem ser direitos disponíveis, e esses direitos fundamentais são,
nomeadamente, de 2 tipos: direitos fundamentais que se relacionam com bens comunicacionais (bens
cujo aproveitamento se relaciona com a interacção social e com o relacionamento de cada um com todos
os outros: direito à imagem, direito à privacidade, bom nome, palavra… e os direitos patrimoniais
(direito à propriedade ou outros direitos reais menores). Os direitos de personalidade, na medida em
que correspondam a bens comunicacionais, também são susceptíveis de serem disponíveis e alienados
por um preço.

A pessoa dispôs do seu direito à imagem, e deveria condicionar e controlar os seus


comportamentos se não quer as implicações consequentes. Ela tem o poder de domínio sobre a sua
imagem.

Poderíamos equacionar a possibilidade de uma interpretação sistemática para acautelar


também o limite dos bons costumes. No entanto, ainda que entendamos que deveríamos ter em conta a
cláusula dos bons costumes, essa cláusula não pode ser interpretada apenas como ordem de valores
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moral e objectiva, assim como a cláusula de ordem pública. Não podem ser interpretadas com o
sentimento social dominante, tem de haver um crivo jurídico.Temos de demonstrar que há violação
de um direito ou princípio constitucional.

Ora, este caso poderá conduzir a uma objectificação da pessoa que contenda com o conteúdo
essencial da dignidade humana e uma situação de humilhação manifesta. Isto significa que praticamente
tudo pode ser legitimamente filmado e que o direito à imagem, por princípio, é livremente disponível,
desde que isso não ponha em causa, de uma forma grave, o conteúdo essencial da dignidade das pessoas.

Este critério não pode ser entendido de formal tão ampla que fira a capacidade da pessoa de
tomar decisões sobre a sua vida e escolhas sobre o modo de viver, ganhar dinheiro e dispor do seu
corpo.

Poderemos considerar atentatório contra a dignidade da sociedade, mas a verdade é que os


espectadores podem escolher não ver o programa.

Mas: há uma diferença ente dispor de um direito e de publicitar esse direito ex: em Portugal o
aborto é possível, embora não haja anúncios televisivos a promover a interrupção da gravidez)

Nota: Não confundir, o direito à imagem não é o direito à honra/reputação e bom nome. Este
segundo é a limitação da disponibilidade do direito à imagem.
A lei tem de ser interpretada à luz dos direitos fundamentais. É uma lei ordinária que tem de ser
interpretada com base na CRP. Há uma margem de interpretação plural do sistema de direitos
fundamentais. Numa sociedade plural, saber exactamente aquilo que viola os direitos de personalidade
de cada pessoa depende, em ampla medida, da opinião da própria pessoa. Daí ser talvez a razão que
leva o Professor Jorge Pereira da Silva a admitir a disponibilidade dos direitos fundamentais.

Os direitos fundamentais são irrenunciáveis mas aqui ela não renuncia, apenas limita o seu
exercício ao direito. Não se pode renunciar ao conteúdo essencial do seu direito de forma ilimitada e
sem delimitação temporal. Não se pode renunciar à titularidade de um direito fundamental- pode é
dispor-se do exercício desse direito fundamental.

Nestes bens de personalidade, em princípio, a limitação, sendo voluntária, comporta a


responsabilização da própria pessoa. Neste caso, tal como nos diz o artigo 81º/2, embora a limitação
seja revogável, ou seja, embora ela tenha toda a legitimidade de sair do programa, terá de indemnizar a
empresa pelos prejuízos causados com a frustração da expectativa que tinha. Quando a empresa pede
uma indemnização, está em causa um incumprimento contratual. É revogável porque dispor de um
direito não significa renunciar à sua titularidade, mas tal não exonera do cumprimento das obrigações
que tenha assumido.

Quanto à segunda situação:

Factos: paparazzo, recorrendo a um moderno drone , tira várias fotografias altamente


comprometedoras de Antonieta na companhia de um amigo, no jardim de sua casa.
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Estamos perante uma colisão de direitos- desde logo, entre o direito à intimidade da esfera
privada e direito à imagem e, por outro lado, o direito à informação e o direito à liberdade de imprensa.
Teremos três esferas integradas, dentro do âmbito de proteção do direito:

- vida pública;

- vida privada;

- vida pessoal ou pessoalíssima.

Por um lado, está-se perante uma figura pública, logo a sua esfera da vida pessoal ou
pessoalíssima será mais lata, aberta, continuando, contudo, a existir vida privada.

Quanto à questão do local, desde logo, está relacionado com o âmbito de proteção, na medida
em que esta se encontra em casa. Estamos na zona da vida pessoal, e o grau de violação é máximo.

As figuras públicas não têm direito à imagem nos mesmos termos que as outras pessoas, mas já
têm direito à intimidade da vida privada nos mesmos termos que as outras pessoas. Se for num espaço
público, não é preciso o consentimento. No entanto, no espaço privado, na sua casa, tem um direito à
vida privada nos mesmos termos que as outras pessoas. Tem direito à intimidade da sua vida privada.

A Antonieta poderia tomar medidas para impedir a publicação das fotografias. Poderia haver a
destruição das fotografias através de uma providência cautelar nos Tribunais Comuns. O Tribunal
Comarca está ao serviço da protecção de direitos fundamentais

Caso 4.1 - Atividade de segurança privada

Temos uma lei que estabelece que as empresas do ramo apenas podiam contratar, para exercer
funções de segurança, indivíduos que fossem de nacionalidade portuguesa e que não tivessem
antecedentes criminais. Consequentemente, numa ação de fiscalização realizada à empresa ESEGUR, a
Inspeção Geral do Trabalho verificou que esta tinha ao seu serviço vários trabalhadores estrangeiros a
desempenhar funções de segurança privada.
Temos aqui uma restrição de um direito, liberdade e garantia que não respeita um princípio
constitucional (igualdade ou, mais correctamente, princípio da universalidade).

Saber se este Inspector Geral do Trabalho poderá não aplicar a norma, pois pensa que é
inconstitucional, ou seja, se tem de cumprir a lei, segundo o princípio da legalidade, ou se pode
desaplicar normas inconstitucionais. A questão prende-se em saber se um órgão da Administração pode
ou não recusar a aplicação de uma lei quando entenda que a mesma é inconstitucional e, em particular,
quando a mesma é inconstitucional por violar um direito, liberdade e garantia.
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Um dos aspectos dos direitos, liberdades e garantias, que está previsto no artigo 18º/1, é o
facto de serem directamente aplicáveis (aplicabilidade directa) e vincularem as entidades públicas.
Portanto, como deve atuar a Administração Pública, tendo em conta o nº1 do artigo 18º e aplicabilidade
direta? O grande ponto aqui é a vinculatividade das entidades públicas.

O artigo 18º estabelece, no nº2 e no nº3, um regime específico para a restrição de direitos,
liberdades e garantias. No nº1 estabelece:

• Aplicabilidade directa: Os direitos, liberdades e garantias valem sem lei. Não é necessário que
uma lei concretize um direito, liberdade e garantia para que o mesmo seja aplicável nas relações
entre os particulares e a Administração, ou nas relações entre os particulares. Para além disso,
os direitos liberdades e garantias valem contra a lei. O facto de eles estarem previstos na
Constituição faz com que uma lei que viole um direito, liberdade e garantia, possa ser
considerada inconstitucional.

• Vinculatividade/vinculação das entidades públicas e privadas (este é o aspecto que se


coloca na nossa hipótese): determina que uma entidade pública, seja o legislador, seja a
Administração Pública, seja os Tribunais, encontra-se obrigada, no exercício da sua actuação, a
respeitar os direitos, liberdades e garantias, ou seja, deve exercer a sua actividade de forma a
garantir o cumprimento de normas constitucionais que consagram direitos, liberdades e
garantias.

Neste caso vamos apenas analisar o regime de vinculação das entidades públicas. A questão da
vinculação das entidades privadas foi analisada no caso do reality show.

Neste caso, a entidade pública de que se trata é a Administração Pública. Até que ponto a
Administração Pública pode recusar a aplicação de uma lei quando suspeite que essa lei viole direitos,
liberdades e garantias? O que pode a Administração fazer? Esquema de resposta a esta questão:

1) Verificar se há um problema de inconstitucionalidade

2) Em caso afirmativo, saber o que pode fazer a entidade pública

1. Verificar a constitucionalidade da norma (decreto-lei) Fases:

1- Verificar se estamos perante um direito fundamental: Neste caso, está em causa a liberdade
de acesso à profissão (direito de escolha da profissão- artigo 47º da CRP)

2- Classificação do direito fundamental: Estamos perante um direito fundamental dentro do


catálogo, e é um direito, liberdade e garantia (natureza do direito).

3- O direito de escolha de profissão compreende 4 níveis diferentes de realização (é um direito


dinâmico). Neste caso, o nível em causa é o nível de ingresso na profissão.

4- Este decreto-lei consagra uma restrição a este direito, liberdade e garantia. Está a
comprimir a liberdade de escolha da profissão. Quando há uma restrição de um direito,
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liberdade e garantia, temos de ver se estão verificados os pressupostos para a restrição no


artigo 18º/2 e 3.

 Requisito Formal: Restrição feita por uma lei da Assembleia da República ou


decreto-lei autorizado pela AR (decreto-lei do Governo emanado ao abrigo de uma
lei de autorização (artigo 165º/1, d) da CRP)

 Requisitos Materiais: Autorização constitucional para a restrição deste tipo de


direito (expressa ou implícita) e o ponto seguinte.

 Princípio da Proporcionalidade

 Carácter geral e abstracto

 Não podem ter efeito retroactivo

 Não podem atingir o conteúdo essencial dos preceitos constitucionais e,


nomeadamente, do direito, liberdade e garantia restringido

5- Estes requisitos são cumulativos. Basta que não seja cumprido um para que a norma seja
inconstitucional.

6- Análise dos requisitos na hipótese prática:

• Na hipótese não se refere que o decreto-lei tenha sido autorizado, pelo que falta o
pressuposto formal (orgânico).

• A exigência de nacionalidade portuguesa afecta o cumprimento do princípio da


proporcionalidade. Os cidadãos estrangeiros são titulares de direitos fundamentais
(artigo 12º- princípio da universalidade- e artigo 15º da CRP- princípio da
equiparação). Ora, a Constituição permite e autoriza o legislador a estabelecer
outros casos em que só os cidadãos portugueses são titulares de um direito
fundamental. Contudo, o legislador não é livre, e para restringir o direito, liberdade
e
garantia, tem de demonstrar que está a prosseguir um fim necessário que
justificasse essa restrição. Relativamente a segurança privada, não se percebe
porque é que se exige nacionalidade portuguesa. Não há um fundamento/razão
justificável.

• Quanto à exigência de não existência de antecedentes criminais, parece violar o


artigo 30º/4 da CRP, segundo o qual "nenhuma pena envolve como efeito necessário
a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos" (princípio da
proibição dos efeitos automáticos das penas). Ora, o que o diploma em análise faz é
precisamente estipular em sentido contrário à CRP, estabelecendo automaticamente
uma pena acessória e automática à pena resultante da condenação por decisão
judicial, atingindo, assim, o gozo de um direito fundamental (liberdade de
profissão).
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• A aplicação de uma pena implica a restrição de um direito fundamental (prisão:


direito à liberdade; multa: direito à propriedade). Este artigo diz que a pena tem de
ficar por aí no que toca à restrição de efeitos fundamentais. No fundo, o simples
facto de alguém ser condenado não pode ser argumento para, automaticamente, lhe
serem retirados outros direitos fundamentais.

• Nota: Isto não significa que para o acesso a determinadas profissões não se exija que
a pessoa não tenha cometido um determinado tipo de crimes. Pode haver um
interesse em limitar o acesso à profissão relativamente a determinados crimes.
Exemplo 1: Se uma pessoa que tenha sido condenada a um crime de pedofilia se
quer candidatar a trabalhar numa escola, é justificável que não se admita. Exemplo
2: Se uma pessoa se quer candidatar a ser taxista e tiver cometido crimes contra a
vida ou contra a integridade física, pode justificar-se que não se autorize.

• Contudo, tem de existir certos critérios (que têm vindo a ser definidos pelo Tribunal
Constitucional):

 Não pode ser qualquer tipo de crimes (a lei tem de especificar)

 Tem de haver uma relação entre o crime cometido e a profissão em questão

 Tem de ser feita uma ponderação no caso concreto que justifique ou não que
a pessoa seja privada de aceder à profissão (para evitar o efeito automático).

Tem de haver uma mediação por parte de uma autoridade administrativa


para verificar se se justifica ou não que a pessoa seja privada de exercer a
profissão em função de uma condenação anterior.

 Pode ser demonstrado que a pessoa foi reabilitada, para lhe dar uma
oportunidade de reinserção na sociedade, e há a possibilidade de a
autoridade administrativa considerar que, tendo em conta o tempo
decorrido entre a prática do crime e o momento em que se esteja a
candidatar, não se justifica a restrição (o crime pode ter sido cometido há 20
anos).

 Estes requisitos pretendem evitar o efeito automático das penas

Acórdão: Será, porventura, razoável que a Administração, habilitada pela lei, pondere no caso
concreto a idoneidade moral e cívica de cada candidato que pretende exercer funções no âmbito da
actividade de segurança privada, mas não é de todo admissível a previsão mecânica que a lei faz no
normativo em foco, desencadeando os efeitos precisamente contrários aos que a Constituição pretende
salvaguardar com o teor do nº 4 do seu artigo 30º2.

Conclusão: Temos indícios fortes/conjuntivos para afirmar a inconstitucionalidade deste


decreto-lei.
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2. Saber o que pode fazer a Administração Pública perante uma norma inconstitucional

Questão: O Inspector Geral do Trabalho pode não aplicar esta norma ou encontra-se obrigado a
aplicar? Importa saber: O Inspector Geral do Trabalho não tem legitimidade para reenviar este diploma
para o Tribunal Constitucional. Esta é uma questão muito debatida na doutrina.

O intérprete, neste caso a AP, tem de aplicar a lei mas temos um problema: por um lado, a lei
que diz que tem de aplicar uma sanção às empresas; por outro lado, a Constituição diz que os preceitos
relativos aos direitos, liberdades e garantias têm aplicabilidade direta – o problema está em saber se a
AP tem a opção de não os aplicar, isto é, poderá ser sancionada se não o fizer? A questão é saber o que
é que pode a AP fazer perante uma lei que potencialmente viola a Constituição.

A AP está subordinada e vinculada à lei, devendo prosseguir o interesse público tal como está
definido por lei, de acordo com o disposto no artigo 266º nº1. Estão consagrados, na primeira parte
deste artigo, 2 princípios muito importantes: o princípio da constitucionalidade da Administração +
princípio da legalidade da Administração.

 Princípio da legalidade da Administração: A AP tem sempre de actuar em conformidade com a


lei. A AP, durante a sua actividade, não é livre de decidir se se aplica ou não uma determinada
lei. Tem de aplicar a lei. Este princípio é também concretizado pelo artigo 3º, que diz que os
órgãos da AP devem actuar em obediência à lei. A AP encontra-se vinculada e subordinada à lei.

 Princípio da constitucionalidade da Administração: A AP está também vinculada e subordinada


à Constituição.

Acontece que, neste caso concreto, estes 2 princípios contrapõem-se. Por um lado, o
Inspector do Trabalho tem de aplicar a lei. Por outro lado, está obrigado a respeitar a Constituição. Por
força deste princípio, se uma norma é inconstitucional, não deveria aplicar a lei. A lei manda fazer uma
coisa e a Constituição manda fazer outra. Temos de resolver este dilema.

Poderíamos invocar aqui a hierarquia normativa para defender a aplicação da Constituição, que
vale mais do que a lei no plano hierárquico das fontes normativas. Contudo, o problema não é assim tão
simples. O problema é que há também princípios constitucionais que podem ser invocados para defender
a solução pelo princípio da legalidade da Administração. Um desses princípios é o princípio da segurança
jurídica.

Ora, neste caso, esta norma parece ser inconstitucional por violar direitos, liberdades e
garantias, pelo que teremos também de invocar o princípio da vinculatividade/vinculação das entidades
públicas aos direitos liberdades e garantias. Logo, a dificuldade surge devido ao artigo 18º nº1, que nos
diz que os direitos fundamentais são diretamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas, e a AP é
uma entidade pública. Temos de apurar se a AP está sempre vinculada ao princípio da legalidade ou se,
em certos casos muito limitados, pode exercer a fiscalização administrativa da constitucionalidade, com
base no artigo 18º nº1.
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Tipos de posições:

1. Posição Clássica: deve prevalecer sempre a obrigação de a Administração aplicar a lei, mesmo
que entenda que a lei seja inconstitucional e mesmo que o fundamento seja a violação de um
direito, liberdade e garantia. A Administração tem sempre de aplicar a lei.

3 argumentos:

a) Princípio da separação de poderes: Não cabe à AP fiscalizar a constitucionalidade de


leis, tarefa que compete exclusivamente ao poder judicial. Só o Tribunal Constitucional
e os Tribunais em geral podem fazer juízos sobre a possível inconstitucionalidade de
uma norma- artigo 204º da CRP. Não se encontra uma regra prevista com esta natureza
para a Administração. Para esta doutrina, a omissão dessa norma é intencional. A AP,
para poder decidir se aplica ou não uma lei, tem de apreciar, fazer um juízo sobre a
compatibilidade constitucional. E isso é algo que a AP não pode fazer. Seria admitir que
a AP pudesse exercer uma função judicial. Seria um caminho perigoso, pois seria
concentrar todos os poderes na AP. A AP já tem poder legislativo e executivo.
Estaríamos a conceder mais uma vertente do poder judicial.

b) Princípio da legalidade da Administração Pública: Admitir que AP pudesse


desvincular-se da lei quando entendesse que a mesma é inconstitucional seria dar carta
branca à AP para não aplicar a lei quando assim o entendesse. O princípio da legalidade
não pode ser derrubado de qualquer maneira.

c) Princípio da segurança jurídica: Obrigar a AP a aplicar a lei ajuda a criar segurança


para os cidadãos, pois estes conseguem prever as normas e orientar os seus
comportamentos/condutas conforme o que é previsto na lei. Esta abertura de
desaplicação da norma pela AP poderia gerar o caos. O cidadão deixaria de prever a
aplicação da lei ao caso concreto. Seria introduzir um nível de indeterminabilidade e
incerteza que não se pretende.

2. Posição do Professor Rui Medeiros: A AP nunca pode aplicar uma lei quando suspeite que a
mesma viole a Constituição. Não faria sentido que a Administração, achando que uma lei seria
inconstitucional, a aplicasse, mesmo estando a antever que, provavelmente, o acto
administrativo iria ser declarado nulo em Tribunal. Estaria a aplicar uma norma, sabendo que a
mesma seria desaplicada posteriormente. Não há aqui nenhuma lógica. O Professor Rui
Medeiros funda-se, principalmente, no princípio da constitucionalidade da Administração
(artigo 266º CRP)

3. Posição intermédia (Professores Jorge Miranda e Vieira de Andrade):

a) Vieira de Andrade: Por um lado, entende que não pode estar em causa a violação de
qualquer norma da Constituição, tem de estar em causa a violação de direitos, liberdades
e garantias. Não pode estar em causa a violação de qualquer norma, mas de violação de
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direitos, liberdades e garantias. Apenas serve o fundamento de inconstitucionalidade que se


funde na violação de direitos, liberdades e garantias. Neste primeiro ponto, o Professor
fundamenta o seu entendimento em 3 princípios: o princípio da constitucionalidade da
Administração, o princípio da aplicabilidade directa dos direitos, liberdades e garantias e o
princípio da vinculação das entidades públicas aos direitos, liberdades e garantias. Sendo os
direitos, liberdades e garantias directamente aplicáveis, ou seja, valem contra a lei, a AP não
pode aplicar uma lei que infrinja estes direitos. Se as entidades públicas são obrigadas a
respeitar os direitos, liberdades e garantias, se entendem que uma lei viola os direitos,
liberdades e garantias, não devem aplicar.

Por outro lado, a violação da constitucionalidade tem de ser particularmente evidente-


violação evidente- (precedente judicial ou fundamentação da AP). Tem de haver uma
violação flagrante que não deixe dúvidas sobre a inconstitucionalidade da norma. Não pode
ser dada carta branca à AP para admitir qualquer tipo de violação. Daí o carácter evidente da
violação. A AP só pode não aplicar a lei quando esteja em causa uma violação evidente de um
direito, liberdade e garantia.

b) Jorge Miranda: Em regra, deve defender-se que a Administração deve cumprir a lei, mesmo
que suspeite que a mesma viole a Constituição ou direitos, liberdades e garantias, por força
dos princípios da separação de poderes, legalidade da Administração e segurança jurídica.
Contudo, o professor Jorge Miranda admite excepções:

• Direitos fundamentalíssimos que não podem ser suspendidos mesmo em estado


de sítio (artigo 19º/6 da CRP) (a AP tem de respeitar estes direitos e não pode
aplicar a lei);

• Quando se trate de normas que já tenham sido declaradas inconstitucionais com


força obrigatória geral pelo Tribunal Constitucional (aqui a AP não aplica a
norma, uma vez que esta saiu do ordenamento jurídico);

• Quando existam 2 normas diferentes e o Tribunal Constitucional declare 1 delas


inconstitucional mas a outra se mantenha em vigor, embora tenha conteúdo
semelhante (a AP pode não aplicar a norma que ainda esteja em vigor).

Nestes casos, o Professor admite que a Administração possa não aplicar a lei.

1. Aplicação da Posição Clássica: o Inspector Geral do Trabalho deve aplicar a lei.

2. Aplicação da Posição do Professor Rui Medeiros: O Inspector Geral do Trabalho não deve
aplicar a lei.

3. Aplicação da Posição do Professor Vieira de Andrade: Verificar os 2 requisitos que ele


estabelece. Neste caso, estamos perante um direito, liberdade e garantia, e o Professor António
Abrantes considera haver aqui uma violação evidente, desde logo por faltar o pressuposto
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formal (decreto-lei não autorizado), mas depende também da ponderação dos pressupostos
materiais, e através da demonstração de jurisprudência do Tribunal Constitucional. O TC tem
uma jurisprudência consolidada muito grande. Aplicando o entendimento que o TC já e
pronunciou várias vezes sobre esta questão, podemos afirmar aqui também o carácter de
evidência desta violação. Concluindo, neste caso concreto, a AP não se encontra obrigada a
aplicar a lei.

4. Aplicação da Posição do Professor Jorge Miranda: A regra geral é a de que a AP deve sempre
aplicar a lei. Tínhamos de ver se se verificava alguma das excepções. Não estamos perante um
direito fundamentalíssimo (não se encontra no artigo 19º/6). Não sabemos se o TC já tinha
declarado como inconstitucional alguma norma com força obrigatória geral sobre esta matéria.
(No exame não sabemos, mas podemos presumir, podemos argumentar nos dois sentidos).

O Professor António Abrantes aconselha a adoptar uma posição intermédia, mas cada um é livre
de defender a sua posição. Se tivesse de aplicar a lei, o que poderia a empresa e o segurança fazer?
Poderiam exercer o direito de resistência (artigo 21º da CRP).

Caso prático 5.2 – Testamento Vital

O que é um testamento vital? O testamento vital faz parte das diretivas antecipadas de vontade.
O que está em causa no testamento vital é o direito de qualquer pessoa, desde que seja maior e capaz,
de poder declarar de forma antecipada o que quer que lhe aconteça no futuro relativamente a um
assunto muito complicado e sensível - pessoa pode declarar que cuidados médicos de saúde é que
deseja/não deseja receber caso um dia seja necessário tomar uma decisão relativamente à
administração destes cuidados e a pessoa não se encontre capacitada para prestar o seu
consentimento/a sua vontade.

Na ausência de testamento vital, geralmente são os familiares que tomam estas decisões em
nome da pessoa. Contudo, o testamento vital só é possível quando a pessoa está consciente (ou seja, é
capaz) de dizer o que quer que lhe aconteça na eventualidade de ser necessário tomar uma decisão
desta natureza. Isto tem algumas semelhanças com o testamento civil. No testamento civil o que
acontece é que uma pessoa enquanto é viva declara de forma antecipada aquilo que quer que aconteça
ao seu património depois de morrer. No testamento vital passa-se mais ao menos a mesma coisa porque
a pessoa vem declarar de forma antecipada, enquanto ainda é capaz, os cuidados médicos que quer ou
não quer receber caso um dia venho a precisar.

A possibilidade de celebrar testamentos vitais é atualmente legal em Portugal? Sim, essa


possibilidade está prevista na Lei 25/2012. O tema do testamento vital tem estado muito em voga em
parte por causa do tema da eutanásia. Contudo, apesar de serem coisas que podem estar relacionadas,
importa deixar claro que são coisas completamente distintas.

Em que é que consiste, de forma muito geral, a eutanásia? A eutanásia consiste em pedir uma
morte antecipada, e apenas é permitida em determinados países e em determinadas situações. Por
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exemplo quando a pessoa está numa condição em que não existe esperança de cura, e está em grande
sofrimento. Devido a este sofrimento, esta pede para morrer. A eutanásia é um pedido para morrer.

O testamento vital é um simples documento em que a pessoa expressa de forma


antecipada quais são os cuidados médicos que quer/ não quer que lhe sejam administrados.

A possível relação entre as duas coisas é que nos países onde a eutanásia é permitida por lei, as
pessoas podem deixar expresso no seu testamento vital que, caso se verifiquem certas situações,
querem que lhes seja administrada a eutanásia (morte assistida). Nos ordenamentos jurídicos em que a
eutanásia não é permitida, o testamento vitral nunca pode incluir o pedido de eutanásia.

Então, mas se o testamento vital, em PT, não pode inclui o pedido de eutanásia, que pedidos é
que podem incluir? Pode pedir a ortotanásia morte natural , ou seja, não se pede uma morte
antecipada, deixar a morte vir na altura em que tem de vir (deixar a natureza - ou Deus para quem for
crente - fazer o seu trabalho), sem prologar a vida da pessoa com recurso a meios artificiais
(comprimidos, máquinas). Eutanásia: comportamento ativo por parte dos médicos vs ortotanásia:
comportamento passivo por parte dos médicos.

A ortotanásia é legal em PT. Efetivamente, no nosso caso prático temos artigos referentes à
ortotanásia (os dois primeiros artigos da lei em análise).

Quais são os pressupostos gerais para que o testamento possa ser válido? Estão citados no
artigo 4.º da lei que está no caso prático.

No nosso caso prático, o cumprimento deste 3º requisito está em causa. Basicamente o que a
Ordem dos Médicos considera é que uma pessoa não é capaz de manifestar no seu testamento vital o
seu consentimento, livre e esclarecido, se não for aconselhada por um médico no momento em que faz
este testamento. Existe uma omissão legislativa a exigir como obrigatório que o testamento vital
seja redigido apenas após a pessoa ser aconselhada por um médico, e a Ordem dos Médicos
entende que a norma deste diploma que não estabeleceu esta obrigatoriedade é inconstitucional. E
como tal apresentou uma queixa ao Provedor de Justiça.

O que é o Provedor de Justiça pode fazer quando haja dúvidas de inconstitucionalidade de uma
norma? O Provedor de Justiça é uma das entidades que tem legitimidade para requerer ao TC que
aprecie a constitucionalidade das normas que estão em vigor no ordenamento jurídico (artigo 281/2,
d) da CRP) - fiscalização abstrata sucessiva. Portanto, o provedor de justiça é uma entidade competente
para ouvir as queixas dos cidadãos e para fazer chegar essas queixas ao TC sobe a forma de apreciação
de constitucionalidade.

1) Qual é o possível problema de inconstitucionalidade que temos aqui? O facto de se


argumentar que a falta de consulta médica prévia à feitura do testamento vital conduz a um
consentimento não livre e esclarecido não faz com que a norma seja automaticamente
inconstitucional, pois para que uma norma seja inconstitucional é preciso que ela viole um
determinado princípio ou uma norma da CRP. Portanto, o que importa saber é se esta omissão
legislativa poderá levar à violação de algum princípio constitucional ou norma da CRP.
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2) Que princípio constitucional é que poderá estar a ser violado? O Estado não está
por ação a violar o direito à vida ou à integridade física, a pessoa é que está a prejudicar estes direitos
ao dispor de forma não totalmente esclarecida sobre assuntos que podem afetar esses direitos. E
falamos aqui de um princípio constitucional - princípio da proibição do défice de um direito
fundamental. Este princípio assenta na ideia de que existe o dever positivo do Estado de proteger os
diretos fundamentais dos cidadãos.

Esse dever de proteção tem de ser cumprido de forma satisfatória, tem de assegurar o mínimo
de proteção, de forma a não o deixar excessivamente desprotegido, ou vulnerável a violações por parte
de terceiros, ou mesmo por limitações por parte do seu próprio titular. Quando um nível de proteção
de um direito fundamental, por parte do Estado, fica abaixo desse limiar limite de proteção
podemos estar perante um a violação do princípio da proibição do défice.

Este é um princípio constitucional implícito no princípio do Estado de Direito (artigo 2º).


Isto faz sentido porque o princípio da proibição do défice corresponde à compreensão que temos
atualmente do princípio do Estado de Direito como um princípio em sentido material. Nós hoje não
compreendemos o princípio do Estado de Direito formal, mas sim como princípio do Estado de Direito
material, e só no horizonte do Estado de Direito material é que faz sentido um princípio como o da
proibição do défice.

Qual a diferença subjacente a uma ideia de Estado de Direito material e Estado de Direito
formal? O Estado de direito quando surgiu era entendido em sentido formal porque era visto como um
individuo da sociedade, e exigia-se ao Estado comportamentos negativos de abstenção, o Estado nunca
podia atuar de forma a violar os direitos. Mais tarde, com a conceção material de Estado de Direito, o
Estado deixou de ser visto como um inimigo da sociedade/cidadãos, e passou a ser visto como uma
entidade com um papel essencial para a promoção desses mesmos direitos, e, portanto, começaram a
ser afirmados deveres positivos do Estado relativamente aos direitos fundamentais (promoção e
proteção). Temos vários reflexos desta conceção na nossa CRP: artigo 9, al. b) e d). O que acontece é que
os direitos, liberdades e garantias são também entendidos como direitos que não se compreendem no
sentido de exigirem uma simples abstenção por parte do Estado, também exigem um dever de ação, de
forma o Estado proteger estes mesmos direitos.

Esta função do Estado no contexto de Estado de Direito material obrigou a que também se
reponderasse um outro principio fundamental que decorre deste principio - o princípio
proporcionalidade. Isto porque quando o princípio da proporcionalidade foi criado tinha também esta
vertente negativa, da proibição do excesso. Entendia-se que as restrições aos direitos fundamentais não
se podiam situar acima de determinado limite, não podiam ser desproporcionais. A partir do momento
em que afirmamos que o estado tem este dever positivo de proteção dos direitos fundamentais, este
princípio da proporcionalidade passou também a ser mobilizado no sentido diverso, de forma a medirse
se o nível de proteção que é conferido a um direito fundamental é suficiente para que a proteção seja
efetiva.

O professor Jorge Miranda explica isto muito bem no seu manual: enquanto que a violação da
proibição do excesso corresponde a um caso de desproporcionalidade positiva, a violação do p.
do proibição do défice corresponde a um traço de desproporcionalidade negativa. Enquanto a
proibição do excesso, que corresponde ao entendimento clássico do princípio da proporcionalidade,
visa prevenir que a restrição de um direito fundamental vá para além do necessário, o p. da proibição
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do défice diz-nos que a proteção que é dada ao direito não pode ficar aquém daquilo que é necessário
para a sua efetivação.

No fundo, de forma mais simples, podemos fazer a seguinte consideração: enquanto a proibição
do excesso nos dá um limite máximo que não pode ser ultrapassado na restrição de qualquer dto
fundamental, o princípio da proibição do défice estabelece um limite mínimo que o Estado está
obrigado a assegurar. No fundo, é entre este limite máximo e mínimo que o Estado pode
regulamentar um dto fundamental.

Tanto é censurável que o Estado, através do seu comportamento, imponha uma carga excessiva
ao direito fundamental, como também é censurável que, através de um comportamento omissivo, não
proteja de forma satisfatória determinado direito fundamental.

O conteúdo deste princípio tem vindo a ver desenvolvido pela doutrina, e ao mesmo tempo
desenvolvido pela jurisprudência constitucional. Há inclusive um acórdão muito importante em que o
TC centrou a sua apreciação na possível violação deste princípio, Ac. de 75/2010 - aborda a questão do
aborto.

Neste acórdão, um dos pontos de apreciação da constitucionalidade residiu na compatibilização


da solução (permissão do aborto) com o princípio da proibição do défice. Qual podia ser o valor
constitucional que é posto em causa com o aborto? A vida intrauterina. Ao legalizar a interrupção
voluntária da gravidez até às 10 semanas, estava a deixar-se excessivamente desprotegida a vida
intrauterina.

O TC chegou à conclusão que o legislador não tinha violado o princípio da proibição do


défice neste caso concreto porque o TC entendeu que quando falamos deste principio, em nome do
principio da separação de poderes, o legislador tem uma ampla margem de conformação para
decidir que tipo de proteção é que quer dar ao dto fundamental/valor constitucional em causa, e o TC
entendeu que só em casos de erro manifesto por parte do legislador é que será possível uma
apreciação de constitucionalidade que diga que ocorreu a violação do p. da proibição do défice. Neste
caso o TC entendeu que não havia erro manifesto.

Isonomia dos Direitos Fundamentais

Princípio da Universalidade

Consagrado no artigo 12º da CRP, determina que todos os cidadãos gozam dos direitos e dos
deveres consignados na Constituição. Não é apenas dos direitos, isso é o que está no artigo 12º é de
todos os direitos e de todos os deveres. Portanto, todos os cidadãos gozam de todos os direitos e de
todos os deveres consignados na CRP.
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Este artigo refere-se primordialmente aos cidadãos portugueses, isto é, às pessoas que, de
acordo com a lei da nacionalidade, têm cidadania portuguesa.

Isto significa que mesmo até pessoas que não tenham capacidade jurídica gozam dos direitos
consignados na CRP, isto é, dos direitos fundamentais. Veja-se por exemplo um afloramento deste
princípio da universalidade a respeito dos cidadãos portadores de deficiência, artigo71º: 1. Os cidadãos
portadores de deficiência física ou mental gozam plenamente dos direitos e estão sujeitos aos deveres
consignados na Constituição, com ressalva do exercício ou do cumprimento daqueles para os quais se
encontrem incapacitados.

Portanto, uma pessoa que sofra de grave deficiência mental provavelmente não terá capacidade
para votar, mas tem capacidade para o gozo de todos os direitos de personalidade: a vida, integridade
física, imagem, privacidade, honra e reputação, o direito a aprender; poderá eventualmente ver limitado
o seu direito de exercer livremente uma profissão em razão da capacidade, mas em princípio terá todas
as liberdades.

A generalidade das pessoas tem todos os direitos e podem exercê-los.

Princípio da Equiparação

Complementar deste princípio da universalidade, é o princípio da equiparação, nos termos do


qual, por princípio, os estrangeiros têm os mesmos direitos fundamentais que os portugueses. E
isto vale não apenas para os direitos, liberdades e garantias, mas também para os direitos sociais.

Por exemplo o rendimento social de inserção à partida é um direito social a que mesmo os
estrangeiros terão direito, o próprio direito a cuidados de saúde gratuitos vale também para
estrangeiros. Mas no caso dos direitos sociais há uma ressalva, é que esses direitos sociais são
financiados através dos impostos e através das contribuições para a segurança social. Em princípio, os
estrangeiros só terão direito a esses direitos sociais se tiverem contribuído para o sistema de
segurança social e se estiverem inscritos no sistema fiscal, no fundo, se tiverem número de
contribuinte.

Contudo, há direitos sociais, como o direito ao apoio judiciário33, pedido por alguém que pede
asilo político que não depende dessa pessoa ter contribuído já alguma vez para o sistema de segurança
social ou de pertencer ao sistema fiscal. Porque é assim? Porque voltamos à regra de que os cidadãos
por princípio, todos os cidadãos, gozam de todos os direitos consagrados na CRP. Este direito ao
asilo político aplica-se a pessoas que se pretendem refugiar em Portugal e é exemplo de um direito que,
pelo facto de, em condições normais, a pessoa o pretender exercer independentemente de ter residido
primeiro a Portugal, não depende de essa pessoa ter alguma vez contribuído para a Segurança Social ou
de ter pertencido ao Sistema Fiscal.

33 Direito a ser ajudado pelo Estado quando não se tem dinheiro para instaurar uma ação em tribunal .
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Isto para dizer que até nos direitos sociais a grande regra é que os próprios estrangeiros
beneficiam desses direitos, muito mais ainda do que dos direitos, liberdades e garantias.

Por exemplo, um estrangeiro arguido em Portugal pela prática de um crime goza de todas as
garantias que a CRP consagra para arguidos, um estrangeiro que entre em contacto com a
Administração Publica em Portugal goza de todas as garantias dos administrados; um estrangeiro que
esteja em Portugal goza de todos os direitos de personalidade, das liberdades de profissão, de criação
científica, de todos os direitos.

Isto resulta do artigo 15º da CRP, que estabelece no seu nº1: Os estrangeiros e os apátridas
que se encontrem ou residam em Portugal gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres do cidadão
português.

Esta é a grande regra. Só há 3 exceções, que estão no artigo15º nº2:

1) Exercício de direitos políticos - Isto é, o direito a eleger e a ser eleito para cargos políticos. Por
princípio, os estrangeiros não gozam de direitos políticos. Não têm o direito a eleger pessoas
para cargos políticos nem o direito a serem eleitos para cargos políticos.

2) Exercício de funções públicas que não tenham carácter predominantemente técnico -


Imagine-se por ex. uma função publica que não seja propriamente um cargo político, mas que
não tenha um caracter técnico. Um diretor geral de um ministério como o da saúde, parece que
exerce uma função pública com carácter essencialmente técnico. Não está excluído que possa
ser estrangeiro a faze-lo porque não parece ser um cargo político. Já um secretário de estado ou
um ministro é obviamente um cargo político. Um exemplo de uma função pública que não tenha
carácter predominantemente técnico e que não seja cargo político é o dos diplomatas
embaixadores. Ser embaixador é exercer uma função pública que não tem carácter
iminentemente técnico, mas também não é cargo político. Portanto, a regra é que os
estrangeiros não podem exercer direitos políticos e depois há esta extensão: para além disso,
também não podem exercer funções públicas, a não ser as que tenham carácter meramente
técnico. Ou seja, os estrangeiros podem ser funcionários públicos, mas não podem ter funções
públicas que extravasem funções meramente técnicas, isto é, que impliquem opções

institucionais, como sucede por ex. com os embaixadores ou com o procurador geral da
república ou provedor de justiça.

3) Alguns direitos, muito raros, só podem ser exercidos por portugueses nos termos
expressos da CRP. É o que sucede por exemplo com o direito à não expulsão e com o direito à
não extradição para fora do território nacional, que está no artigo 33º da CRP.

O artigo 33º diz que não é admitida a pena de expulsão a cidadãos portugueses . Há alguns crimes
em que se prevê como pena acessória a pena de expulsão. Se um estrangeiro cometer um crime
em Portugal, pode eventualmente aplicar-se uma pena de expulsão para fora do território
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nacional, desde que esse crime tenha uma determinada gravidade. Mas isso não se pode aplicar
a um português, por mais grave que o crime cometido seja.

O mesmo quanto à extradição. A extradição consiste em entregar cidadãos a autoridades


estrangeiras para serem julgados em processo penal ou para cumprirem pena de prisão noutro
país. Exemplo: uma pessoa comete um homicídio em França e foge para Portugal. Ele pode ser
extraditado para França para ser julgado lá. Mas se esse homicida for português, a regra é a de
que não é possível extraditar cidadãos portugueses para fora do território nacional. Só há
raríssimas exceções como no caso do crime de terrorismo, como está previsto no artigo 33ºnº3
da CRP:A extradição de cidadãos portugueses do território nacional só é admitida, se isso tiver
estabelecido em convenção internacional, nos casos de terrorismo e de criminalidade internacional
organizada, e desde que a ordem jurídica do Estado requisitante consagre garantias de um processo
justo e equitativo.

Pode até, num crime de terrorismo não ser possível extraditar um cidadão português se o
estado que pede a extradição não tem nenhuma convenção a prever esta extradição.

Este artigo 15º tradicionalmente só tinha os dois primeiros números, mas fruto de várias
revisões constitucionais foram adicionando os outros números e esses visaram dar a possibilidade a
cidadãos de língua oficial portuguesa e a cidadãos da EU, de ter alguns direitos políticos.

Quanto aos cidadãos de língua oficial portuguesa, podem ter alguns direitos políticos desde
que iguais direitos políticos sejam reconhecidos aos portugueses nesses países.
Depois, nos termos do nº4, a lei pode conferir a cidadãos estrangeiros residentes em território
nacional, em condições de reciprocidade, capacidade eleitoral ativa e passiva para eleição dos
titulares dos órgãos das autarquias locais. Isto acontece quanto aos cidadãos da União Europeia,
que podem votar e ser eleitos nas eleições para as autarquias locais. Por exemplo um francês
ou um alemão desde que cumpra dados requisitos pode votar nas eleições autárquicas e pode ser
inclusivamente eleito para presidente de Câmara.
Estas são os dois principais alargamentos aos direitos políticos de estrangeiros.

Pessoas Colectivas

Ainda a respeito do princípio da universalidade, costuma-se tratar a questão das pessoas


colectivas como titulares de direitos fundamentais. Diz-se que o princípio da universalidade
determina, nos termos do artigo 12º nº2, que as pessoas coletivas gozam dos direitos e estão sujeitas
aos deveres compatíveis com a sua natureza. Portanto, uma pessoa colectiva como uma sociedade
comercial ou uma associação privada sem fins lucrativos, pode ser titular de direitos fundamentais, tais
como o direito ao bom nome, o direito à privacidade, o direito ao sigilo na correspondência, entre
outros. Mas só podem ser titulares dos direitos que sejam compatíveis com a sua natureza.
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Qual a natureza da pessoa coletiva? A pessoa coletiva caracteriza-se por ser um constructo
jurídico, e por não ter realidade física nem psíquica, por isso é que têm de ser representadas por quem
tenha essa realidade física e psíquica. Há direitos que não são compatíveis com esta natureza das
pessoas coletivas. Por exemplo, o direito à vida não é compatível com a natureza de mero constructo
jurídico da pessoa coletiva, porque supõe um determinado substrato físico que a pessoa coletiva não
tem. E o mesmo quanto ao direito à integridade física e à integridade moral, que supõem determinada
base física ou psíquica que a pessoa coletiva não tem. O mesmo ainda quanto aos direitos políticos
(direito de votar ou ser eleito), também supõem determinado substrato físico ou psíquico, ou ate o
direito à família, que supõe determinado tipo de relações humanas que as pessoas coletivas não
conseguem estabelecer por sua própria natureza.

Portanto, se formos ver bem, os direitos fundamentais das pessoas coletivas são mais a exceção
do que propriamente a regra, embora pareça que é ao contrário.
A maioria dos direitos fundamentais são pensados para pessoas com substrato físico e psíquico
e não para meros constructos jurídicos, na prática não são muitos os direitos que a pessoa coletiva pode
gozar. Mas há alguns: bom nome e reputação; direito à livre iniciativa económica privada; direito de
propriedade; garantias em processo penal (uma vez que uma pessoa coletiva pode ser julgada em
processo penal).
Na prática, são muito raros os casos em que têm sido invocados direitos fundamentais de
pessoas coletivas, porque os direitos fundamentais são direitos pensados para as pessoas de carne e
osso, no seu substrato físico e psíquico, e que têm por referente último a dignidade da pessoa humana.
Ora, só por analogia é que se pode admitir extensão destes direitos fundamentais a pessoas que não têm
este substrato humano, são meras construções do Direito.

Princípio da Igualdade

Está no artigo 13º da CRP tipificado o princípio da igualde e aparece também em diversas
outras disposições ao longo da CRP34.
Há várias situações em que aflora este princípio, mas a consagração geral está no artigo 13º. Este
artigo determina no seu nº1 que todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante
a lei.

O que é que implica ser igual perante a lei? Implica que as situações iguais ou semelhantes
sejam tratadas de forma igual. É claro que este princípio não exclui que possa haver diferenciações não
arbitrárias, isto é, diferenciações que tenham razão material suficiente que as sustente, que tenham um
fundamento material suficiente. Mas aí, o nº2 do artigo 13º vem dar um catálogo de situações em que, à
partida, se presume que não há fundamento material suficiente: Ninguém pode ser privilegiado,
beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência,

34 Artigo 59, artigo 266, artigo 26


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sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação
económica, condição social ou orientação sexual.

São as chamadas categorias suspeitas porque qualquer diferenciação em função de um destes


é presumida de violar o princípio da igualdade. É possível eventualmente provar o contrário, mas isso
implica sempre um ónus da prova que é muito difícil de cumprir nestes casos. À partida, quando
estamos perante diferenciação que invoque como fundamento um destes fatores, há violação do
princípio da igualdade. Pode, eventualmente não ser assim. Exemplo: estatutos de associação privada
de defesa de direitos das mulheres estabelecem que a presidente terá de ser uma mulher. Aqui, é
discutível até que ponto não é legítimo esta diferenciação. Exemplo: Para efeitos de acesso à função
publica estabelece-se que a pessoa tem que falar português fluente; ou para efeito do concurso para a
embaixada da China em Portugal, terá de falar chines fluente. Estas distinções não são arbitrárias, têm
justificação material suficiente.

A violação do princípio da igualdade, em princípio, redunda numa violação da proibição do


arbítrio, a respeito deste princípio, uma questão que se pode levantar é a de saber até que ponto é que
este princípio da igualdade admite a possibilidade de discriminações positivas, isto é, de tratamento
preferencial de pessoas que se encontram numa situação de particular vulnerabilidade.
Aqui, a nossa CRP prevê expressamente dadas situações de discriminação positiva, por exemplo no
artigo 59º nº2, al. c) prevê-se a discriminação positiva das mulheres grávidas no trabalho. Outro
exemplo está no artigo69º nº2 onde se prevê a especial proteção dos órfãos, das crianças abandonadas
ou privadas de ambiente familiar normal.
Outra questão é a de saber se não será possível haver discriminações positivas mesmo para
além destas situações, em que a CRP expressamente prevê. Por exemplo na proteção da
participação das mulheres na vida pública. Atualmente, há uma lei (lei das quotas) que estabelece que
tem de haver uma percentagem mínima de cada um dos sexos, até agora era 33%, em cargos políticos.
Por exemplo, para as listas de deputados, para cada 2 homens teria de haver no mínimo 2 mulheres.Isto
é uma discriminação positiva, é o princípio da igualdade a atuar positivamente. De alguma forma, ainda
tem apoio na CRP quando se estabelece no artigo 9º, al. h) que o Estado deve promover a igualdade
entre homens e mulheres. Está aí uma indicação que deve haver promoção ativa da igualdade, não é
apenas não discriminar arbitrariamente as pessoas, mas de promover ativamente essa
igualdade.

O que é que acontece se houver violação do princípio da igualdade? Imagine-se por


exemplo que uma determinada lei prevê uma pensão de sobrevivência para viúvas e não prevê para
viúvos. Havendo violação deste princípio, o que é que deve fazer o Tribunal Constitucional? Há em
abstrato 3 hipóteses:

1) Declarar inconstitucional a norma por violação do princípio da igualdade com a


consequência de que fica toda a gente sem pensão de sobrevivência. Esta hipótese tem sido
rejeitada pelo nosso Tribunal Constitucional.

2) Quando há violações do princípio da igualdade, o TC faz sentenças aditivas, que são talvez o
único caso em que o tribunal constitucional em vez de se limitar a eliminar a norma
inconstitucional ou a não aplicar uma norma inconstitucional, estende o regime dessa
norma a uma categoria de pessoas não previstas na norma. São sentenças aditivas porque o
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Tribunal não se limita a fazer o que o legislador tinha dito, eliminando a norma ou não a
aplicando, mas adiciona efeitos à norma, manda aplicar a a norma para alem dos casos
expressamente previstos, estava prevista para viúvas e o tribunal manda aplicar também para
viúvos. Alarga-se a norma à categoria de pessoas que são discriminadas pela norma.

3) Declarar inconstitucionalidade por omissão - Isto é, dizer que faltava o legislador estabelecer
uma lei ou norma idêntica para o grupo de casos não abrangidos (no caso, para viúvos). O
professor António Cortes diz que esta solução não faz sentido porque a lei tem um conteúdo
suficientemente determinado para que o tribunal possa estender o seu regime à categoria de
pessoas discriminadas sem que se possa por isso dizer que ele está propriamente a legislar. Alm
disso, a inconstitucionalidade por omissão tem uma grande desvantagem que é:se o tribunal
declarar a inconstitucionalidade por omissão e o legislador nada fizer, mantem-se pura e
simplesmente a inconstitucionalidade. A pronúncia da inconstitucionalidade por omissão deixa
totalmente nas mãos do legislador a possibilidade de fazer ou não alguma coisa, o que significa
que a decisão do TC pode ficar letra morta se o legislador nada fizer. Partindo desta ideia, e quer
contra esta possibilidade da inconstitucionalidade por omissão, quer contra a solução que o TC
tem dado às violações do princípio da igualdade – estender o regime à categoria de pessoas
discriminadas, o professor Rui Medeiros vem apresentar solução: o TC declara a
inconstitucionalidade da norma por violação do princípio da igualdade, mas limita os
efeitos para o futuro, nos termos do artigo 282º nº4, isto é, diz por exemplo, que os efeitos de
inconstitucionalidade só se irão produzir dali a um ano, e, portanto, durante esse ano a norma
continua em vigor. Se ao fim desse tempo o legislador não alterar a norma ela passa a ser inválida,
por inconstitucionalidade. A ideia subjacente a esta posição é deixar liberdade ao legislador
perante uma violação do princípio da igualdade entre alargar ou estender a solução prevista na
lei à categoria de pessoas discriminada, ou, pura e simplesmente eliminar a solução prevista na
lei. O TC não tem seguido esta posição. O TC segue normalmente a posição de não deixar ao
legislador margem para decisão, e determinando que o regime que o legislador estabeleceu
apenas para dada categoria de pessoas, com base numa diferenciação arbitraria, se adite/se
alargue também às pessoas que foram arbitrariamente discriminadas por esta norma.

Casos Práticos

Caso 6.2 - Aplicação da pena acessória de expulsão

Qual é a norma objeto de apreciação da constitucionalidade? A norma para efeitos de


fiscalização da constitucionalidade podem ser 3 coisas:

1. Um preceito ou artigo legal


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2. Uma parte de um preceito ou artigo legal

3. Uma interpretação normativa – um artigo na medida em que aplica a determinado tipo de


situações ou não; um artigo quando interpretado num determinado sentido

Neste caso a norma objeto de fiscalização da constitucionalidade não é apenas um artigo ou uma
parte do mesmo, é uma interpretação normativa, ou seja, é o artigo 101º na medida em que permite
e expulsão de cidadãos estrangeiros que tenham a seu cargo filhos menores portugueses.

O artigo 101º não fala em parte nenhuma de se ter ou não filhos menores portugueses a cargo,
pura e simplesmente permite a expulsão de cidadãos estrangeiros.

Os parâmetros de apreciação da constitucionalidade são as disposições constitucionais ou os


princípios consignados na constituição (artigo 204º e o artigo 277º da CRP). Temos a indicação clara do
que é o objeto e do que são os parâmetros de apreciação da constitucionalidade. Artigo 204º da CRP, está
em causa a não aplicação de norma, sendo certo que o tribunal tem estendido de tal forma este conceito
de norma que não se aplica só a artigos legais, mas também interpretação normativa desses artigos legais

Este artigo 101º estabelece uma pena acessória de expulsão. Esta norma não viola nenhum
direito, liberdade e garantia. Porquê? Será uma violação do artigo 13º da CRP? Isto apenas permite
a expulsão de estrangeiros.O artigo 13º determina que viola o princípio da igualdade discriminar a
pessoas tendo em conta o pais de origem.
Se dizemos que a constituição admite a diferenciação expressamente no artigo 33 nº1, que diz
que os cidadãos portugueses não podem ser expulsos do território nacional, ad contrario os cidadãos
estrangeiros podem. Este artigo é muito claro a reservar o direito a não ser expulso do território
nacional aos cidadãos portugueses.

Este artigo é uma exceção ao quê?Ao princípio da equiparação do artigo 15º.O quê que diz o
princípio da equiparação?Um cidadão estrangeiro, não é qualquer cidadão estrangeiro, mas o que
reside (mais direitos) ou se encontre em Portugal, goza dos mesmos direitos que um cidadão português,
esta é a grande regra.

A exceção prevista no artigo 33º justifica-se? Porquê que será excessivo expulsar um
português de Portugal? Há uma alternativa menos onerosa, a prisão.

Este artigo parte do princípio de que a expulsão do território nacional pode ser inclusivamente
pior do que a própria pena de prisão, porque a pessoa vive e existe numa determinada comunidade.Há a
preocupação da pessoa que se insere numa determinada comunidade, os estrangeiros já não tem esse
grau de integração comunitária que têm os portugueses então admite-se eventualmente a pena de
expulsão, se eles puserem em perigo bens jurídicos tão importantes que a sua violação da origem a uma
pena criminal. Este artigo não seria inconstitucional.

Há no entanto uma dificuldade adicional neste caso, este estrangeiro tem filhos
portugueses. Pode-se aplicar a pena de expulsão a este estrangeiro? Se o estrangeiro for expulso os
filhos, como são menores a cargo, terão de ir com o pai e acabam por ser expulsos indiretamente
(sofrem o efeito da expulsão). No fundo estaríamos a dizer que o artigo 33 nº1 proíbe literalmente
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que sejam expulsos do território nacional os cidadãos portugueses, mas proíbe analogicamente que se
chegue a um cidadão em que embora o cidadão português não seja sujeito a uma pena de expulsão na
prática tenha de sair do território nacional se quiser sobreviver juntamente com as pessoas com que
vive a cargo. Estamos a ir ao espírito do artigo 33º mais do que há sua letra, de que os cidadãos
portugueses não podem ser expulsos.Esses filhos menores a cargo podem ficar em Portugal, com a
mãe ou os avós, ninguém os obriga a sair do território nacional.

Artigo 36 nº6 da CRP – a grande regra é de que os filhos não podem ser separados dos pais.
Isto é um princípio inerente ao direito à família, não é o direito a ter abstratamente uma família, mas
também de viver em proximidade, nomeadamente com os pais. A constituição e o catálogo de direitos
fundamentais são uma garantia das condições de que as pessoas precisam para se realizarem e se
desenvolverem enquanto pessoas. Esta relação familiar mais estreita de todas, entre filhos e pais, por
princípio não pode ser posta em causa, a menos que esteja posto em causa o superior interesse da
criança. Como é que este caso se resolve? O artigo 36 nº6 diz claramente que os filhos não podem ser
separados dos pais e vice-versa. Podemos invocar o artigo 67º a ajudar a aplicar o artigo 36 nº6, que diz
que os filhos não podem ser separados dos pais, e o artigo 67º vem reforçar esta ideia explicando o
porquê (a família é fundamental no desenvolvimento da personalidade de cada uma das pessoas que a
integra e na realização dessas mesmas pessoas).

Este artigo é inconstitucional? A nossa constituição não se interessa apenas com a aplicação de
normas abstratas, como qualquer lei ela interessa-se em que na prática se realize o espírito que ela
incorpora. Na prática se for aplicada a pena de expulsão deste estrangeiro das duas uma:

1. Violar a norma que proíbe a expulsão de cidadãos portugueses

2. Violar a norma que proíbe a separação de pais e filhos

Temos um bom exemplo de como se formos muito literais e lógicos, mas pouco práticos,
diríamos que não há violação do artigo 33º, porque o cidadão que está a ser expulso é um estrangeiro,
os menores não estão a ser expulsos, também não há violação do artigo 36 nº6 porque os menores
podem ir com o pai. Se nos limitássemos a aplicar separadamente estes dois artigos chegávamos à
conclusão de que não era violada nenhuma norma da constituição.Se formos práticos e olharmos para a
realidade constatamos que a realidade económica e social a vida dos menores depende económica e
socialmente dos pais, o que significa que tendo em conta este facto não podemos chegar a uma situação
prática em que os filhos sejam indiretamente expulsos do território nacional ou sejam separados dos
pais (atendendo ao espírito da constituição como um todo).

O TC Declara assim a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas


constantes dos artigos 101.º, n.os 1, alíneas a), b) e c), e 2, e 125.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º
244/98, de 8 de Agosto, na sua versão originária, da norma do artigo 68.º, n.º 1, alíneas a), b) e
c), do Decreto-Lei n.º 59/93, de 3 de Março, e da norma do artigo 34.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º
15/93, de 22 de Janeiro, enquanto aplicáveis a cidadãos estrangeiros que tenham a seu cargo
filhos menores de nacionalidade portuguesa residentes em território naciona
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Caso 6.1 - Direitos das pessoas colectivas

Quais são os problemas centrais que temos aqui neste caso prático?

1) Pessoas Coletivas podem ser titulares de Direitos Fundamentais? Ou se pelo contrário


só as Pessoas Singulares é que podem ser titulares destes direitos?

2) Saber se pessoas estrageiras, PS ou PC, podem também ser titulares dos DF previstos na
CRP?

Primeiro problema: Estamos aqui perante um problema de direitos fundamentais, quais?


Direito ao bom nome e reputação é um direito fundamental tutelado pela nossa CRP? Artigo
26º/1, consagra vários direitos pessoais. Trata-se de um DF dentro do catálogo e para além disso é um
Direito, Liberdade e Garantia.

Liberdade de iniciativa económica é um DF? Artigo 61º CRP consagra o direito à iniciativa
privada, direito que integra o catálogo de direitos sociais e económicos.

As PC podem ser titulares de DF? Artigo 12º consagra o princípio da universalidade, que dá
resposta a uma questão muito importante, saber quem pode ser titular de DF. Artigo
12º/1: refere-se às PS, regra geral que todos os cidadãos gozam de DF.
Artigo 12º/2: PC, gozam dos direitos e deveres compatíveis com a sua natureza. Este artigo não
estabelece uma verdadeira equiparação entre PS e PC, o nº2 é uma verdadeira limitação, enquanto PS à
partida gozam de todos os DF da CRP, para as PC isso em princípio não acontece, mas apenas os
compatíveis com a sua natureza. Temos que ver caso a caso se o DF em questão é compatível com a
natureza da PC, apreciação em 2 níveis:

1) Apreciação em abstrato: se esse direito é compatível com uma PC enquanto tal, qualquer
que seja a sua natureza. Isto porque há determinados DF que só fazem sentido para as PS.

• Ex: direito à vida, direito a constituir família. E relativamente aos diretos


previstos no artigo 26º CRP (direitos de personalidade), será que faz sentido
para as PC? Ex: direito ao desenvolvimento da personalidade será compatível?
A ideia de o ser humano ir desenvolvendo a sua personalidade ao longo do
tempo, o entendimento maioritário é que não faz sentido quanto às PC.

• Mas e o direito ao bom nome e à reputação? As PC têm também uma identidade


própria e uma reputação. É um direito compatível com a sua natureza enquanto
PC a titularidade desse direito, no desenvolvimento das finalidades a que estão
adstritas precisam ainda disso.

2) Apreciação em concreto: ver se o DF em questão faz sentido para aquela PC em concreto. Há


DF que podem fazer sentido para sociedades comerciais, mas que já não farão sentido para
uma fundação.
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• Princípio de direito civil muito importante: princípio da especialidade do fim, artigo


160º/1 CC, as PC não são titulares de capacidade de gozo de todos os direitos que
existem no OJ, apenas os necessários para a prossecução dos seus fins.

• Será o direito ao bom nome compatível em concreto com esta empresa? Fará sentido
que esta empresa seja titular do direito ao bom nome e à reputação? Direito que à
partida, se calhar até sempre, faz sentido para todo o tipo de PC, que têm uma
identidade, um nome e uma reputação e precisam desse nome e reputação para
prosseguir as finalidades a que se destinam, senão pode ter problema com
consumidores e fornecedores.

O artigo 12º/2: fala não apenas da compatibilidade em abstrato e de uma compatibilidade em


concreto. Fazer remissão para 160/1 CC. Liberdade de empresa faz sentido para PC que exerçam a sua
atividade na área da comunicação social, já não fará para fábrica de calçado Assim a resposta do
primeiro problema é clara, as PC beneficiam de DF.

O artigo 12º fala também dos deveres compatíveis com a sua natureza, vamos ver se a PC
também é objeto desses deveres:

1) Dever de respeito pelo ambiente, artigo 66º/1 CRP.

2) Dever de pagar impostos, artigo 103º CRP.

Estes deveres são compatíveis com a natureza desta PC? Começando pelo ambiente: claro que
tem um dever de proteção do ambiente, os principais agentes poluidores são precisamente as PC (ex.:
fábricas), logo as PC estão sujeitas ao dever de respeito e de defesa do ambiente. E quanto ao dever de
pagar impostos? Também é dever compatível com a natureza das PC, que varia com o imposto em
questão e com a sede das PC. PC não sediadas em Portugal, mas que aqui exerçam a maior parte da sua
atividade não sujeitas a IRC, mas sujeitas a outros impostos. Neste caso temos um a empresa sediada na
Alemanha com fábrica em Portugal e um imposto ambiental com o objetivos de reduzir as emissões
poluentes das fabricas, naturalmente está sujeita e a este imposto Livre iniciativa económica- 61 CRP:
também compatível com a natureza da PC.

NOTA: aplicação do princípio da universalidade há duas questões debatidas pela doutrina:

1) Saber se apenas PC podem ser titulares de DF ou também entidades sem personalidade


jurídica podem ser titulares deste tipo de direitos? A generalidade da doutrina diz que
em certos casos podemos admitir que sim, apesar de não estearem no artigo 12. E em
alguns casos é a própria CRP que atribui DF a estas entidades, ex artigo 54º (comissões
de trabalhadores), artigo 265º (organizações de moradores)

2) Saber se esta norma apenas abrange as PC privadas ou se também abrange as PC


públicas? À partida não faz sentido que entidades públicas sejam titulares de DF, estes
pela sua natureza nasceram para proteger os cidadãos faces aos poderes públicos. A
maior parte da doutrina entende que em regra as PC públicas não podem ser titulares de
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DF. Há autores que admitem exceções, por exemplo, prof. JM: associações públicas
profissionais, ordens profissionais e as universidades públicas podem ser titulares.

Segundo problema (pessoas estrangeiras, sejam PC ou PS, podem ser titulares do direito de
queixa ao provedor de justiça?): direito de queixa ao provedor de justiça é um DF previsto na CRP? Vem
previsto no artigo 23º/1. Ora, o catálogo começa no artigo 24º, assim temos um DF fora do catálogo.

Artigo 15º CRP: estabelece um princípio da equiparação dos estrageiros e apátridas que se
encontrem em Portugal, adstritos aos mesmos deveres e gozam em principio dos mesmos direitos. Para
tal têm de estar em território português ou ter em Portugal a sua residência habitual.

E relativamente ao princípio da igualdade? O Princípio de equiparação é um corolário, consequência do


princípio da igualdade. Princípio equiparação vem dizer que essa pessoa em princípio também é titular
desses DF. Equiparação é uma decorrência do princípio da igualdade, para não prejudicar pessoas em
função da sua nacionalidade. Mas há exceções ao princípio da equiparação, art 15º/2:

1) Direitos políticos: o que são direitos políticos? Desde logo os direitos expressamente
previstos no catálogo de DLG de natureza política. Há outrso espalhados pela CRP, como o
167/2

2) Exercício das funções públicas que não tenham carácter predominantemente técnico:
funções de magistratura, militar, carreira diplomática. Na prática em alguns casos não é
respeitado quando universidade contrata professor estrangeiro.

3) Direitos e deveres reservados pela CRP exclusivamente aos cidadãos portugueses: como
por exemplo o artigo 14º,artigo 33º/1 e 3

4) Direitos e deveres reservados pela lei exclusivamente aos cidadãos portugueses: a CRP
admite que o legislador possa fazer restrições, possa reservar determinados DF apenas a
portugueses para além dos casos expressamente previstos na CRP. Legislador não
inteiramente livre, temos uma restrição do DF em matéria de titularidade:

• Restrição a um DLG logo temos que respeitar os 6 pressupostos do artigo 18º/2


e 3. Interpretação no sentido de ser uma autorização constitucional expressa de
restrição de um DLG, é ai que entra o 15/2, que vem dar essa mesma autorização.
Temos ainda de respeitar o principio da proporcionalidade e a reserva relativa
da AR. Pressuposto esse cumprido que é cumprido no presente caso. Mas temos
que ver se os outros 5 requisitos estão cumpridos.---- remete-se para o caso dos
seguranças que vimos em aula anterior

• Relativamente aos DF em geral temos outro limite mais amplo para o legislador.
O Princípio da igualdade, toda a atividade do legislador tem de respeitar este
principio, tem de haver uma justificação material para a descriminação
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• As 2 normas finais do artigo 15 vêm estrelecer exceções ao numero 2, há direitos


que pelo numero 2 estariam atribuídos apenas a portugueses mas que por força
destes números o legislador pode atribuir.

Voltemos ao caso.
O que podemos concluir? Esta PC estrangeira é titular deste direito de queixa? A menos que se
aplique uma das exceções do artigo 15º/2, temos que concluir que é titular. A única duvida é se será um
direito político? Não, o direito de queixa não tem uma natureza política, não pressupõe ser exercido
com motivações politicas. Assim sendo os estrangeiros beneficiam deste direito de queixa, aplicando-se
o regime geral do artigo 15º/1.
Esta interpretação tem também sido feita quanto a um DLG dentro do catalogo dos de natureza
política, artigo 52º: tem sido interpretado no sentido de que não é um direito de natureza política, pelo
menos em abstrato, logo estrangeiro titular do direito. Instrumento de tutela de DF. Se for usado no
caso concreto com motivos políticos obviamente que não pode.

Conclusão:

1) Direito ao bom nome: provedor de justiça não tem razão, pois a pessoa coletiva pode
ser titular deste direito, tanto pelo artigo 12 que estabelece o principio da
universalidade como pelo 12/2

2) Direito de queixa ao Provedor de Justiça: provedor não tem razão, porque a mesma é
titular deste direito porque o princípio da equiparação, artigo 15, diz que à partida os
estrangeiros têm mesmos direitos dos portugueses.

Imaginando que o Provedor de Justiça decide receber a queixa. O que é que este pode fazer, se é
que deve fazer alguma coisa? O Provedor de Justiça não tem poder decisório, pode apenas fazer
recomendações que entenda necessárias aos órgãos competentes, para prevenir ou reparar eventuais
injustiças. Será que o Governo pode publicar lista com empresas que devem ao fisco? Apesar da
divulgação de listas afetar efetivamente o direito ao bom nome da PC, estamos a fazer restrição a um DLG,
que pode ser feita desde que se cumpram os pressupostos do artigo18º/2 e 3 e estes estão cumpridos:
interesse público relevante que é o combate à evasão fiscal. A empresa não tem razão relativamente à
questão do imposto violar a iniciativa económica privada- 61 CRP. Mas é a própria CRP que
estabelece a possibilidade de serem criados impostos como contrabalanço da atividade das
empresas.
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Regime Específico dos Direitos Sociais

Já falamos da ideia de Estado Social, e estes direitos sociais não são mais que concretizações
desta ideia.

A expressão direitos sociais é uma expressão abrangente que visa incluir todos os direitos
económicos socais e culturais que estão na nossa CRP, desde o artigo 58º até ao artigo 79º. São
cerca de 20 artigos dedicados a esta questão. Este catálogo divide-se na própria sistemática da CRP em:

1) Direitos económicos: Livre iniciativa económica privada, o Direito de propriedade e os direitos


dos trabalhadores. – Têm que ver com a vida económica

2) Direitos sociais propriamente ditos: São o direito à segurança social, direito à habitação,
direito à família (também tem uma dimensão de DLG presente no artigo 36º) e os vários
direitos de proteção em situações de particular vulnerabilidade: infância, juventude, doença
(direito à saúde ou cuidados de saúde tendencialmente gratuitos), velhice e deficiência.

3) Direitos culturais: direito ao ensino e direito à fruição e criação cultural.

Existe depois um direito que, apesar de estar dentro deste catálogo, não encaixa muito bem
dentro destes direitos sociais: O Direito ao Ambiente tem uma natureza sui generis, porque não se trata
propriamente de um direito ao apoio do Estado, ao contrário dos demais direitos. O direito ao ambiente
é o direito à salvaguarda de um bem sem titulares determinados, de um bem comunitário, daí inserir-se
no campo dos direitos sociais.

Em todos os casos destes direitos sociais, está em causa uma ideia chave, ideia de que as pessoas
não existem apenas enquanto indivíduos isolados, existem também no contexto de uma comunidade
que as apoia em situações de necessidade.
Enquanto os direitos de liberdade se relacionam com a salvaguarda de uma esfera de
autonomia, nos direitos sociais o que está em causa essencialmente é a ideia de organização da
solidariedade e da entreajuda.
Nos direitos de liberdade o que se exige é uma abstenção por parte do estado, ou seja, exige-se
que o Estado não intervenha na esfera de autonomia das pessoas (e quem diz o Estado diz qualquer
poder público), no caso dos direitos sociais a lógica é a inversa: e exige-se que o Estado intervenha
para apoiar as pessoas, nomeadamente através da prestação de bens ou serviços.

Assim, os direitos sociais têm essencialmente uma atuação positiva, pressupõem uma atividade
por parte do Estado, mas há quem diga, e com razão, que eles têm também secundariamente uma
dimensão secundariamente negativa, por duas razões:

1) Não é legítimo impor a ninguém contra a sua vontade os direitos sociais.


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2) Os poderes públicos e os particulares não podem prejudicar o aproveitamento de direitos


sociais.

Os direitos sociais estão associados a tarefas do Estado, e uma das principais tarefas do Estado
enunciada no artigo 9º é a de promover os direitos socias. Diz-se, também, no artigo 81º a). Há a ideia
de preferência pelas pessoas mais desfavorecidas que está de alguma forma subjacente aos direitos
sociais.
Cada direito social aparece como um grande objetivo da comunidade política, que por sua vez é
efetivado através de tarefas muito concretas do Estado. Para além da tarefa global do Estado de
promoção dos direitos sociais, há tarefas concretas e específicas de promoção dos direitos sociais.
Exemplo do direito à saúde: Artigo 64º/1: Diz que todos têm direito à saúde, o Nº 2 já diz que para se
realizar o direito à saúde, haverá um sistema nacional de saúde, garantindo-se a participação do Estado
no custo das consultas e no custo dos medicamentos. O Estado tem a obrigação, para garantir o direito à
saúde, de fiscalizar os hospitais privados e clínicas privadas. Ou seja, descrevem-se tarefas que têm de
ser realizadas para efetivar o direito à saúde, que de outra forma ficaria apenas como uma utopia.

Estes direitos sociais têm um caráter essencialmente programático. Isto significa que, a não
realização ou violação de um direito social implica, em princípio, apenas uma inconstitucionalidade
por omissão. Assim, os direitos socias, ao contrário dos de liberdade e garantia, dependem na sua
realização das condições económicas e sociais que permitam a sua efetivação. É necessário que
haja, desde logo, condições financeiras, para se concretizarem os direitos sociais. Não é possível dar
cuidados de saúde tendencionalmente gratuitos às pessoas se não houver dinheiro.
Estes direitos sociais dependem, em ampla medida, das condições económicas e sociais efetivamente
existentes. Simplesmente, é o legislador que tem o principal papel na verificação dessas condições.
Portanto, nos direitos sociais há uma ampla margem de conformação do legislador, ao contrário dos
direitos de liberdade em que a margem de conformação do legislador é muito mais estreita, tal como
o controlo jurisdicional da legalidade.

A lógica tradicional dos direitos sociais é: consagra-se um direito social com caráter
essencialmente programático, não havendo razões para crer que não há condições para realização desde
direito económico e social, e neste caso concreto estando ele já realizado relativamente à maioria da
população, entende-se que o legislador tem o dever de legislar no sentido de concretizar esse direito
económico e social, e se não o fizer haverá uma inconstitucionalidade por omissão.

Hoje em dia, no entanto, há quem defenda a ideia de uma aplicabilidade direta dos direitos
sociais, no que respeita ao seu conteúdo essencial (Jorge Miranda) ou ao seu conteúdo mínimo (Vieira
de Andrade). Exemplo: Imagine-se que se faz uma lei sobre subsídio de desemprego, em que se estabelece
que o valor deste subsídio corresponderá a 5% da remuneração que a pessoa recebia enquanto estava
com emprego. Se a pessoa recebia €, vai receber € de subsídio de desemprego. Esta lei pode ser
inconstitucional, não por omissão, já que há lei, mas sim por ação, pois esta lei não cumpre em termos
minimamente suficientes a exigência constitucional de apoio às pessoas em situação de desemprego.
Porque o subsídio de desemprego visa garantir a subsistência económica de uma pessoa num patamar
semelhante ou quase equivalente àquele que ela tinha enquanto tinha o emprego, e esta lei não o garante.
Não tem que haver uma equivalência total, mas não pode haver uma desconformidade tao grande quanto
esta.
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Para além disso, em princípio, a realização de um direito económico e social depende da


elaboração de uma lei que concretize a realização desse direito social. Ex: O direito à segurança social
não se pode aplicar diretamente, como é que se vai saber quanto é que a pessoa recebe de reforma? É
necessária uma lei da segurança social. A mesma coisa relativamente ao direito à saúde: Para se
concretizar esse direito à saúde deve existir, nos termos da Constituição, um serviço nacional de saúde.
Devem existir hospitais e centros de saúde públicos que prestem serviços de saúde de forma
tendencionalmente gratuitas.

Mas deve haver uma lei que determine em que condições funcionam estes hospitais e
centros, que direitos e deveres existem neste âmbito, como se determinam as taxas moderadoras,
etc. Ou seja, tem que haver leis a concretizar esta intenção geral da Constituição que é a de que todas as
pessoas tenham direito a cuidados de saúde.

Princípio do Não Retorno

Simplesmente, uma vez concretizado o direito social através de legislação, por exemplo, uma
vez concretizado o direito à segurança social através de uma lei da segurança social, já só é possível
pôr em causa essas concretizações dentro de determinados limites. Não é possível, pura e
simplesmente, eliminar a lei sem mais – princípio do não retorno das concretizações.
Está aqui em causa a ideia de progresso económico e social, a partir do momento em que a
sociedade considera ter condições para dar apoio às pessoas que dele necessitam, não é
possível voltar atrás.

Trata-se de um princípio do não retorno das concretizações: Pode significar duas coisas
diferentes, nomeadamente que existe um princípio do não retrocesso social, ideia de que estamos em
conquistas e processo constantes, sempre numa ideia de melhoria do Estado social.

Este era um Princípio aceite pela nossa doutrina e jurisprudência, pelo menos até aos anos 80,
que decorria do artigo 1º da Constituição, que estabelecia como objetivo a realização de uma sociedade
marxista, sem classes. Esta proibição do retrocesso social tinha a ver com a ideia marxista de que a
história seria um progresso contínuo a caminho da sociedade sem classes, onde todas as pessoas de
uma forma igual teriam as suas necessidades básicas satisfeitas. Feita uma conquista no sentido desta
sociedade sem classes, já não seria possível voltar atrás.
Como é que se definia este conceito de proibição de retrocesso social? No Acórdão 39/84 que citava
Gomes Canotilho e Vital Moreira na sua Constituição anotada, dizendo-se uma vez dada satisfação a um
direito social através da sua concretização por lei, esse direito transforma-se num verdadeiro direito
negativo ou direito de defesa. O Estado tem uma obrigação positiva de dar satisfação ao direito social, mas
uma vez cumprida essa obrigação passa a estar obrigado a abster-se de atentar contra a realização desse
direito. É a ideia de que o Estado tem a obrigação de concretizar o direito social através de lei, mas a partir
do momento em que faz a lei da segurança social, o Estado passaria a ter o dever de se abster de
revogar essa lei da segurança social, ou de a alterar, piorando a condição dos direitos sociais. – Ac.
509-2002.
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3 críticas fundamentais a este princípio:

1) Parte de uma visão linear da história e do desenvolvimento das sociedades


sempre para melhor, ignorando que há ciclos económicos recessivos, crises.
Durante décadas a Europa e o mundo viveram em ciclos económicos de crescimento
continuo em que as crises eram momentâneas e rapidamente passavam, simplesmente
esta visão de constante progresso económico é ingénua, porque demasiado linear.

2) O desrespeito pela alternância de prioridades na realização dos direitos sociais


por parte do poder democraticamente eleito em cada momento. É o argumento da
liberdade de conformação legislativa. O poder/legislador democraticamente eleito deve
ter a liberdade, em cada momento e em função das necessidades dos eleitores, quais os
direitos sociais aos quais vai dar prioridade. Isto é o próprio debate democrático. Uma
das chaves de discussão de qualquer eleição é precisamente onde é que vão alocar os
recursos. Ora, esta proibição do retrocesso social vinculava o legislador a alocar os
recursos financeiros precisamente aos direitos sociais a que os Governos anteriores
tinham alocado os seus recursos financeiros, cada Governo ficava vinculado às opções
dos Governos anteriores. Este princípio transformaria as concretizações legislativas
infraconstitucionais em direitos com força constitucional. Se quando se faz uma lei de
concretização de um direito social já não se pode revogar essa lei, essa lei passa a ter um
valor constitucional e supra-legal. Uma mera medida legislativa aprovada por uma
maioria conjunturalmente eleita, passaria a ter o mesmo valor se tivesse sido aprovada
com forma constitucional, o que é um absurdo, nomeadamente o mesmo valor que o
próprio direito liberdade e garantia. Isto é cristalizar de forma rígida o direito social.

3) Pode significar que existe uma resistência às alterações em matéria de direitos


sociais imposta por uma série de princípios tais como o princípio da igualdade, o
princípio da proteção da confiança e o princípio do mínimo de existência.É uma posição
mais flexível, onde se admite que possa haver prioridades diversas em relação à
concretização dos direitos sociais, e, portanto, é possível por em causa concretizações
legislativas desses direitos sociais (é possível alterar a lei da segurança social para pior
desde que se respeitem as três exigências) – igualdade, proteção da confiança
legítima e uma exigência de garantia do mínimo de existência.

É por estas 3 críticas que hoje, a maioria da doutrina e jurisprudência acolhe a ideia de que
não existe um princípio autónomo de não retrocesso social, mas sim um princípio de resistência
dos direitos sociais às alterações, e uma resistência que opera essencialmente através de três
princípios:

1º Princípio da igualdade: Se um direito social está concretizado relativamente a


determinadas categorias de situações, não é possível eliminá-lo relativamente a situações
semelhantes, análogas ou praticamente iguais.

2º Princípio de proteção da confiança: Se as pessoas criaram legitimamente expectativas de


que determinado direito social existia, só é possível alterar esse direito ou eliminá-lo, se houver
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um interesse público tão forte que justifique que sejam postas em causa essas expectativas.
Quanto mais forte forem as expectativas, mais forte terá de ser o interesse público. Quanto mais
ténues forem as expectativas, menos intenso terá que ser o interesse público. Ou seja, este
princípio da confiança apela, em última análise, para um princípio de proporcionalidade.

3º Direito ao mínimo de existência: Ideia de que deve ser sempre salvaguardado um mínimo
de satisfação de necessidades básicas que garantam uma existência minimamente condigna.

Casos Práticos

Caso 8.3 – Rendimento Social de Inserção

Pergunta: o PR requereu a fiscalização preventiva de constitucionalidade de diploma,


quid iuris? Qual é que é a norma cuja inconstitucionalidade está a ser apreciada? A questão é básica,
está na alínea b) do caso, rendimento social de inserção. Foi aprovado pela AR e foi enviado para
promulgação para o PR. Quando a AR pretende aprovar uma lei, o que ela faz é que aprovar o decreto
que é enviado para o PR para promulgação como lei, uma vez promulgada transforma-se em lei; antes
de promulgado apenas existe um decreto de AR.

Essa norma cuja inconstitucionalidade está a ser apreciada estabelece o que? Antes estabelecia
que o rendimento mínimo garantido poderia ser atribuído a todas as pessoas que não tivessem meio de
subsistência, portanto, que não tivessem emprego, não tivessem salário, não tivesse sequer subsídio de
desemprego, não tivessem outros meios de subsistência, não tivessem a casa que arrendassem e de
onde recebessem a renda, não tivessem qualquer rendimento. Tudo isto prova-se através de declaração
fiscal.
Todas as pessoas com mais de 18 anos tinham direito ao rendimento mínimo garantido, é o que
estava na lei anterior. Simplesmente, esta nova lei, vem alterar isso, estabelecendo que, a partir
de agora, só a partir dos 25 anos é que aquelas pessoas têm direito ao rendimento mínimo garantido.

Que direito é que pode estar aqui em causa? Direito à segurança social, artigo 63 CRP. Em
que é que consiste esse direito à segurança social? Consiste no direito ao apoio do Estado em situações
de vulnerabilidade, tais como velhice, doença ou invalidez. Ou ainda, outras situações de falta de meio
de subsistência, como é esse caso. Portanto, outras situações em que, apesar de a pessoa não estar numa
situação de velhice, nem de invalidez, nem estar a beneficiar da situação de desemprego, está numa
situação de falta de meio de subsistência. Tradicionalmente, questiona-se esse direito à segurança
social: é o direito essencial a quê? O direito à segurança social aplica-se diretamente? Não, tem se
concretizar a norma constitucional através de lei. Mas a norma constitucional é uma norma
programática. Portanto, isso significa que está norma dá a indicação do que é que o Legislador tem de
fazer. E o que é que legislador devia fazer? O legislador devia concretizar direito à segurança social.

Como é que se concretiza direito à segurança social? Faz-se uma lei de base de segurança social
onde define os vários tipos de prestações e apoios que segurança social deve dar. E depois faz -se uma
lei de desenvolvimento - pode ser DL de desenvolvimento a definir, por exemplo, as condições em que
reserva cada um desses apoios e, nomeadamente, a fórmula de calcular esses apoios, as condições para
perceber cada um desses apoios.
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Ora bem, essa lei que define rendimento mínimo garantido é precisamente uma lei
concretizadora de direito à segurança social. Mas como dissemos, a doutrina formulou um princípio que
vem, de alguma forma, dar melhor consistência aos direitos sociais. Isto é: vem dizer que antes de direitos
sociais ser concretizados por lei, há uma obrigação positiva de Estado de concretizar esses direitos sociais
e, portanto, se essa obrigação não foi cumprida, então isso dá lugar a uma situação de
inconstitucionalidade por omissão.

Além disso, uma vez concretizados os direitos sociais através de uma lei, passa a haver a
obrigação negativa do Estado de se abster de alterar para pior os direitos sociais concretizados
na lei. Nesse caso, podermos dizer que foi eliminar para pessoas entre 18 e 25 anos ou, mais
globalmente, que a lei de rendimento mínimo garantido foi alterado para pior. Porquê? Porque passa a
haver um conjunto de pessoas (os tais cidadãos entre 18 e 25 anos) que deixa de ter acesso a esse
rendimento mínimo garantido ou rendimento social de inserção.
Se efetivamente nós aceitamos o princípio de proibição de retrocesso social, parece que o
caso já está resolvido. Ou seja, nós verificamos que houve uma alteração legislativa que eliminou
direitos sociais que estavam na lei para determinado conjunto de pessoas, para pessoas de 18 e 25
anos, e que alterou para pior as condições em que eram concedidos esses direitos sociais. Logo, à luz de
princípio de proibição de retrocesso social, essa nova lei é inconstitucional, será assim?

A doutrina mudou o nome do princípio de proibição de retrocesso social para princípio


de não retorno de concretizações, e esse princípio de não retorno de concretizações tem 4
parâmetros fundamentais para aferir se há violação de princípio de não retorno de concretizações de
direitos sociais:

1. Princípio de proteção de confiança

2. Princípio de igualdade

3. Princípio de aplicabilidade direta de direitos sociais e no seu conteúdo mínimo.

4. Direito ao mínimo de existência.

O 3 e 4 estão ligados. No caso concreto do direito à segurança social, o princípio de aplicabilidade


direta do direito à segurança social no seu conteúdo mínimo (3) e o direito ao mínimo de existência (4)
conduz exatamente ao mesmo resultado. No fundo, são a mesma coisa. Mas, pode haver situações em que
nós digamos que o mínimo de existência não coincide totalmente com o conteúdo mínimo de direitos
sociais.

No fundo, basta que verifiquemos se efetivamente há uma violação do direito social no seu
conteúdo mínimo ou do direito ao mínimo de existência porque conduz ao mesmo resultado. A
doutrina tem acrescentado tem dito que não há violação de princípio de proibição de retrocesso social
se for criado alterativa equivalente.

Neste caso concreto, o que é que poderia ser alterativa equivalente ao rendimento mínimo
garantido? Em que caso é que haveria? Por exemplo se disse-se todas as pessoas entre 18 e 25 anos têm
direito a formação profissional na área escolherem com uma remuneração ou uma bolsa de estudo.
Portanto, nesse caso, a lei não seria inconstitucional à luz de proibição de retrocesso social.
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A lei nova envolve retrocesso social porque havia pessoas que tinham direito ao rendimento
mínimo garantido (as pessoas entre 18 e 25 anos) e que agora deixam de ter esse direito. Há retrocesso
social à luz da definição que é tradicionalmente dada do princípio de proibição de retrocesso social ou
não? Há retrocesso social ou não? Sim, há. Mas, a questão é: qual é o critério para verificar que há
retrocesso social?

É olhar para a lei antiga, verificar em que termos é que ela concedia determinado benefício ou
determinado direito social. E, depois, olhar para a lei nova: se a lei nova vai conceder esse benefício em
condições piores do que a lei antiga, há retrocesso social.

O problema é que o princípio de proibição de retrocesso social, hoje em dia, já não é


aceite pela doutrina. É um princípio que deixou de ter aceitação doutrinal e jurisprudencial. A
nossa doutrina substituiu a apreciação de constitucionalidade, guiando-se por 4 critérios:

1. Princípio da proteção de confiança – à luz da qual, as situações consolidadas do passado não


podem ser postas em causa; a menos que haja interesse público suficientemente forte que o
justifique.

2. Princípio de Igualdade – de acordo com a qual: qualquer diferenciação em termos de


construção de benefícios sociais deve ter uma justificação razoável.

3. Princípio de aplicabilidade direta do conteúdo mínimo dos direitos sociais – de acordo


com qual as normas de direitos sociais não têm conteúdos apenas programáticos. No que
respeita ao seu conteúdo mínimo, são diretamente aplicáveis, tais como normas relativas a
Direitos, Liberdades e Garantias.

4. Direito ao mínimo de existência – de acordo com qual todas as pessoas têm, à luz de princípio
de dignidade de pessoa humana, direito ao mínimo de meios materiais necessários à satisfação
das suas necessidades básicas. Isto é têm direito ao mínimo de existência condigna (existência
aqui é o sentido de subsistência material, têm direito ao mínimo de meios de subsistência
material correspondente a uma vida condigna). Porquê? Porque a dignidade de pessoa
humana não se respeita apenas respeitando a personalidade de pessoa, respeita-se também
garantindo às pessoas o mínimo de meios materiais de subsistência. Uma pessoa na miséria,
uma pessoa com fome, uma pessoa a morrer de frio/ um sem abrigo na rua não está a ter a sua
dignidade respeitada pelo Estado porque o Estado só respeita essa dignidade se apoiar na
miséria, na situação de miséria, de fome, de falta de abrigo, etc. A dignidade da pessoa existe
não apenas no que respeita ao direito à imagem, ao direito à reputação, ao direito à vida, ao
direito à integridade física, mas também no que respeita às necessidades básicas do dia-a-dia
das pessoas.

Porque é que o tribunal rejeitou aplicação de princípio de proibição de retrocesso social, porque
é que acabou por recorrer a esses 4 critérios? Qual é qual foi razão para rejeitar o princípio de proibição
de retrocesso social? Qual é que o defeito de princípio de proibição de retrocesso social? E,
principalmente, qual é que o grande defeito que o acórdão aponta?
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É a ideia de que a própria livre conformação de legislador democraticamente eleito que é


posta em causa. As decisões de uns governos vinculariam os governos posteriores. De facto, é a
liberdade de opção política da maioria democraticamente eleita em cada momento que também é posta
em causa. É legítimo que um governo diferente tenha um programa diferente para cada momento
histórico; é legítimo que um governo, por exemplo, de tendência mais esquerdista, pretenda, por
exemplo, financiar mais sistemas de saúde, financiar mais segurança social e que, por exemplo, um
governo mais à direita pretenda, pelo contrário, reduzir mais desse serviço social e em compensação
baixar os impostos.
Portanto, se nós aceitarmos o princípio de proibição de retrocesso social, o que nós estaríamos a aceitar
seria, no fundo, a inevitabilidade de ganhar sempre a tendência mais à esquerda e de não poder o governo
estabelecer diferentes prioridades. Aliás, mesmo dentro dos partidos de esquerda haveria limitações,
pois podiam, em cada programa querer estabelecer prioridades diferentes. Pode haver um que, por
exemplo, pretende dar prioridade a saúde, e outro pretende dar prioridade ao ensino. Ora bem, isso é
apresentado em cada programa de governo e isso é votado por eleições democráticas. É legítimo haver
diferentes programas. Ora, esse princípio de proibição de retrocesso social cristaliza a legislação que
concede benefícios sociais, não permitindo que o novo governo e nova maioria parlamentar tenham
diferentes prioridades em termos de realização desses direitos sociais. Portanto, o princípio nem é
aceitável enquanto princípio constitucional.

Essa lei que excluiu rendimento mínimo garantido para pessoa entre 18 e 25 anos, viola o
princípio de proteção de confiança? O princípio de proteção de confiança não impede a alteração
legislativa ao contrário de princípio de proibição de retrocesso social. Não impede, nomeadamente,
que sejam eliminados direitos sociais concedidos. O que impede é que seja posta em causa uma
situação consolidada no passado sem uma razão de interesse público suficientemente forte.
No acórdão diz que as pessoas que já estavam a receber o subsídio, de acordo com a lei,
continuariam a recebe-lo. Portanto, se a pessoa fundou a vida na expetativa de poder de receber
rendimento mínimo garantido, e se criou a expetativa legítima de receber esse rendimento mínimo
garantido enquanto não tiver outro meio de subsistência, isso não é posto em causa. Porquê? Porque a
lei só vale para situações futuras. Assim, como a situação passada fica salvaguardada, não fica
afetado o princípio de proteção de confiança.

A nossa jurisprudência tenta recorrer muito mais ao princípio de igualdade do que ao princípio
de universalidade. Porque, de alguma forma, é sempre possível reconduzir as questões do princípio de
universalidade ao princípio de igualdade.
Portanto, poderia, eventualmente, haver uma violação do princípio de igualdade pelo facto de,
por um lado, existir pessoas que já estavam a receber à luz da lei antiga e continuam a receber porque a
lei nova só se aplica às situações futuras. E, por outro, existir pessoas que virão a estar em casos
semelhantes às que começaram a receber à luz da lei antiga e continuam a receber à luz da lei nova e
essas, porque essa situação só se constitui ao abrigo da lei nova, não recebem nada. Aqui, a nossa
jurisprudência constitucional dá uma resposta: o princípio de igualdade, em princípio, só vale
sincronicamente, não vale diacronicamente. Ou seja, não se podem comparar situações ocorridas em
momentos temporais diferentes.
O tribunal, partindo do princípio de que o princípio da igualdade só opera sincronicamente,
isto é, relativamente a uma situação ocorrida no mesmo momento temporal. No fundo, a ideia é
que não opera diacronicamente, isto é, relativamente a uma situação ocorrida num momento temporal
diferente. A ideia é que não se pode comparar a situação de uma pessoa de 90 que recebia rendimento
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mínimo garantido com a pessoa que nunca criou validamente essa expetativa de receber rendimento
mínimo garantido. Portanto, julgou-se poder fazer a distinção.

Quanto ao princípio de igualdade: A igualdade entre as pessoas que têm menos de 25 anos e as
pessoas tem mais de 25 anos. No mesmo momento temporal as pessoas com mais de 25 anos que não
têm meio de subsistência vão receber rendimento mínimo garantido. Diferentemente, as pessoas que
têm menos de 25 anos não vão receber rendimento mínimo garantido.

Há violação de princípio de igualdade? Se a pessoa tiver a estudar, os pais têm, até 25 anos da
pessoa, a obrigação de alimentos, enquanto ele tiver a estudar. Portanto, o problema é que essas
pessoas têm sempre a subsistência de necessidades básicas assegurada. O problema coloca-se se a
pessoa já não estiver a estudar.

A situação de pessoa entre 18 e 25 anos que não tem outro meio subsistência, se a pessoa viver
na dependência de pais, terá meio de subsistência porque vive como dependente com agregado familiar.
Mas, se não viver na dependência dos pais, já não terá meio de subsistência. O que é que verdadeiramente
está aqui em causa, mais do que propriamente do que a violação de princípio de igualdade? O que é que,
verdadeiramente, esta revogação da norma que permitia que a pessoa possa receber o rendimento
mínimo garantido entre 18 e 25 anos põe em causa? Pode pôr em causa, desde logo, o direito ao mínimo
de existência condiga. Este é um direito não escrito/ não está em parte nenhuma escrita na CRP, mas que
a nossa doutrina deduz de princípio de dignidade de pessoa humana. artigo 1 da CRP. Mas o tribunal não
foi só pôr aí.

O tribunal achou que não era suficiente apoiar-se apenas o princípio de dignidade de pessoa
humana. Portanto, apoiou-se também no artigo 63 direito à segurança social. Que diz que todos têm
direito à segurança social . É uma norma que, no seu conteúdo normativo, é essencialmente
programática. Portanto, estabelece o princípio de que todos têm direito à segurança social. Por isso, é
necessária outra norma tem conteúdo mais determinado e estabelecer o conteúdo mínimo de direito à
segurança social.
Que norma é essa? Artigo 63/3. Situações de diminuição de meio de subsistência não está ali em
causa o conteúdo mínimo de direito à segurança social. Se a pessoa recebe menos reforma, se a recebia
ordenado de 1000 euros e passar a receber ordenado de 800, isso não parece pôr em causa o conteúdo
mínimo de direito à segurança social. Se se afetar necessidades básicas de subsistência de pessoa, a tal
situação de falta de meio de subsistência, art. 63, então, ali há certeza absoluta de que se está em causa
o conteúdo mínimo do direito à segurança social. Porque o direito à segurança social é o direito ao
apoio de Estado nas situações de vulnerabilidade (em que as pessoas não têm capacidade de satisfazer
as suas necessidades básicas). Ora, quanto mais básicas forem do ponto vista de subsistência, as
necessidades mais estará em causa o conteúdo mínimo de direito à segurança social. Não está em causa
o conteúdo mínimo de direito à segurança social se o valor de reforma diminuir de 2000 para 1000
euros; não está em causa o conteúdo mínimo de direito à segurança social se o subsídio de desemprego
passa a ser não de 2000, mas de 700 euros, mas está em causa o mínimo subsistência se a pessoa não
tiver 150 euros para comprar comida e substituir e pagar água e luz de casa todos os meses.

Atualmente o valor de rendimento mínimo garantido era de 199 euros - valor médio. Mas esse
valor poderia ser menor ou maior, por exemplo, se a pessoa vive em economia comum com outra
pessoa que também tivesse rendimento ou com outra pessoa que não tivesse rendimento.
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Como é que calculado esse valor de rendimento mínimo garantido? Era calculado, a nível
internacional, o critério de pobreza é viver com 1 dolar/dia. Quem vive com menos 1 dólar/dia, vive
abaixo do limiar da pobreza. Quem vive com mais 1 dólar/dia, vive em acima do limiar da pobreza.

É obvio que isso não pode valer para Portugal. Nós não podemos pretender ter o mesmo
patamar de exigência em Portugal, que existe na Alemanha ou que existe Etiópia. Portanto, há
efetivamente um critério que tem a ver com uma estimativa daquilo que uma pessoa gasta, por dia, em
bens básicos como o pão, o leite, uma quantidade razoável de carne, uma quantidade razoável de
alimentação, um gasto normal de água e luz. Tudo isto tendo em conta o índice de venda ao consumidor.

Agora, não há dúvida que, no valor concreto de rendimento mínimo garantido, o legislador tem
que ter alguma margem livre de conformação. Mas o que está em causa neste caso é o facto de, pura
e simplesmente, se eliminar totalmente o rendimento mínimo garantido para certas pessoas.
Ora, aqui já não é discutível, aí a pessoa não tem acesso de forma nenhuma a bens que permitam
satisfazer as suas necessidades básicas elementares.

Assim como não haveria discussão nenhuma se se estabelecesse para rendimento mínimo
garantido, o valor 30 ou 40 euros. Quanto é que custar o almoço de cantina? 4 euros e tal. Ora bem, a
maior parte de pessoa tem 3 refeições ou 4 refeições por dia. No mínimo, a pessoa tem 2 refeições por
dia. Logo, 4 euros não dá sequer por uma pessoa ter almoço numa cantina, portanto, isso seria
manifestamente insuficiente, haveria aqui a violação de conteúdo mínimo essencial nessa
determinação.

Se tiver em causa optar entre 250 a 199 euros, ali há margem de livre de conformação de
legislador, sem dúvida nenhuma.

Nesse caso, pura e simplesmente, é eliminar o subsídio para aquela pessoa. Por isso, não há a
mínima duvida de que se está a afetar o conteúdo mínimo essencial do direito à segurança social.
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Garantia Jurisdicional dos Direitos Fundamentais

A primeira garantia dos direitos fundamentais é uma garantia democrática, é a garantia de


que pelo menos os DLG quando são regulamentados, são-no por lei da Assembleia da República ou
por Decreto-lei autorizado e isso resulta do artigo 165º nº1 alínea b onde se estabelece que os DLG
são matéria da reserva relativa da Assembleia da República.

Isto tem ainda uma especificação quanto as restrições aos DLG porque resulta do artigo18º nº2
e nº3 que as restrições são feitas por lei. Simplesmente, é evidente que é impossível a lei da
Assembleia ou o Decreto- lei autorizado regulamentar tudo que tenha a ver com direitos, liberdades e
garantias e portanto o que a lei tem que ter é densidade normativa suficiente, tem de ter um grau
razoável de concretização mas não está excluído que os pormenores fiquem para regulamentos de
execução.

Quanto aos direitos económicos e sociais é evidente que o modo fundamental da sua
garantia é através da aprovação por leis concretizadoras por parte da Assembleia ou do
Governo. Aqui já não há nenhuma reserva de competência da Assembleia da República. Quer o
Governo, quer a Assembleia podem legislar sobre essa matéria. Isto resulta desde logo à contrário do
artigo 165º, isto é, pelo facto de em parte nenhuma do artigo 165º e 164º, que prevêem as matérias
que são reservadas a Assembleia da Rep. se falar nos direitos económicos e sociais e portanto é uma
matéria que cabe na competência concorrencial dos órgãos legislativos.

Simplesmente, num Estado de direito a garantia dos direitos fundamentais não cabe apenas
ao poder legislativo, cabe antes de mais aos tribunais. Cabe aos tribunais que têm o poder de fiscalizar
a constitucionalidade das normas, sejam elas constantes de leis, decretos-leis, decretos legislativos
regionais, tratados internacionais ou regulamentos administrativos. Uma violação de direitos
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fundamentais é sempre uma forma de inconstitucionalidade porque os direitos fundamentais são


direitos assentes ou consagrados na Constituição por definição.

Ora bem, no sistema judicial português todos os tribunais podem apreciar a


constitucionalidade das normas jurídicas, isso resulta do artigo 204º CRP, é aquilo a que
geralmente se chama a um sistema de fiscalização difusa da constitucionalidade, isto é, a
competência para apreciar a constitucionalidade das normas não está concentrada apenas no Tribunal
Constitucional mas está difusa / difundida por todos os tribunais.
Este artigo204º é muito interessante porque ele diz-nos que os tribunais devem recusar a
aplicação de normas que infrinjam o disposto na constituição ou os princípios nela consignadas.
Este artigo define simultaneamente aquilo que é o objetivo de fiscalização da constitucionalidade e
aquilo que são os parâmetros de fiscalização da constitucionalidade.

Objecto da Fiscalização da Constituicionalidade

Qual é que é o objeto de fiscalização da constitucionalidade? O objeto de fiscalização da


constitucionalidade são normas. Não são decisões concretas por exemplo dos tribunais ou actos
administrativos. Em Portugal não existe um sistema de queixa constitucional como na Alemanha ou de
recurso de amparo como em Espanha e portanto não é possível fiscalizar a constitucionalidade de
decisões judiciais concretas ou de actos administrativos, só é possível apreciar a
constitucionalidade de normas, isto está desde logo no artigo204º.

O que que pode ser esta norma ? Esta norma do 204º pode ser 1 de 3 coisas:

1) Pode ser 1 preceito legal, um artigo na lei

2) Pode ser a parte de um preceito legal por exemplo, quando se diz que o preceito é
inconstitucional na parte em que diz x ou y, excluindo esta parte o artigo não será
inconstitucional. Por exemplo, segundo alguns juízes do TC o artigo 1577º do Código Civil
que define o casamento era inconstitucional na parte em que estabelecia que o casamento
era o contrato celebrado entre pessoas de sexo diferente mas se se retirasse esta expressão
de sexo diferente , já a restante definição de casamento era constitucional.

3) Norma que pode ser também um critério interpretativo com elevado grau de
generalidade e abstração, isto é, norma para efeitos de fiscalização da constitucionalidade
pode ser a interpretação normativa de um determinado preceito legal. Por exemplo o artigo
126º do código do processo penal era inconstitucional quando interpretado no sentido de
autorizar a realização de exames genéticos ao arguido sem prévia autorização judicial. Ora
bem, esta parte final (referencia aos exames genéticos e a autorização judicial) não está lá
no artigo 126º, isto foi a interpretação que o tribunal fez ao aplicar esse mesmo artigo,
mas como essa interpretação tem um elevado grau de generalidade e abstração não se
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considera que seja apenas uma interpretação concreta da norma mas uma interpretação
normativa com elevado grau de generalidade e abstração. O artigo 101º de um DecretoLei
é um preceito legal mas vimos que nesse caso o que era objeto de fiscalização da
constitucionalidade não era apenas o próprio preceito legal mas uma interpretação
normativa desse preceito legal. Era esse preceito legal quando interpretado no sentido de
permitir a expulsão de cidadãos estrangeiros que tivessem a seu cargo filhos menores
portugueses, isto não está la no texto da lei, foi a interpretação que o Tribunal fez ao aplicar
essa norma.

Quando se recorre para o TC, grande parte dos recursos são rejeitados porque o tribunal
considera que não se trata de uma questão normativa, o que o tribunal considera é que se está apenas a
apreciar em concreto o conteúdo de uma decisão judicial, isto é, aplicação da lei ao caso concreto. Ora,
não pode ser a aplicação da lei ao caso concreto o objecto da fiscalização da constitucionalidade,
o objeto tem de ser a própria lei e quanto muito uma interpretação dessa lei em termos gerais e
abstratos.

Parâmetros de Fiscalização

E quanto aos parâmetros de fiscalização da constitucionalidade ? A Constituição começa


por dizer que é inconstitucional aquilo que infringir aquilo que está disposto/escrito na
constituição mas depois acrescenta ainda que é inconstitucional aquilo que está contra os
princípios nela consignados, isto é, contra aquilo que se pode induzir ou inferir da constituição.

A ideia dessa expressão ou os princípios nela consignados é dizer-nos no fundo que também há
uma constituição não escrita, que há parâmetros normativos que se podem inferir do texto
constitucional embora não estejam no próprio texto. Por exemplo: O princípio da proporcionalidade, o
principio da proteção da confiança ou o direito a auto determinação internacional, não estão no texto da
constituição e no entanto a nossa Jurisprudência tem considerado que eles ainda decorrem da CRP.

A generalidade dos Tribunais pode apreciar a constitucionalidade das leis mas o órgão
que tem especificamente a função de apreciar questões de constitucionalidade é o Tribunal
Constitucional.
Ora bem, de acordo com a lei do Tribunal Constitucional que segue uma arrumação ligeiramente
diferente da própria constituição, há essencialmente 2 tipos de fiscalização da constitucionalidade:

1) A fiscalização abstrata em que questiona directamente a constitucionalidade de uma


norma ou a falta de norma.

2) A fiscalização concreta em que se questiona incidentalmente a aplicação de uma norma


numa decisão judicial e portanto por via de recurso dessa decisão judicial daí chamar-se a
essa fiscalização concreta também recurso de constitucionalidade.
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Fiscalização Abstrata

Quanto a fiscalização abstrata há essencialmente 3 tipos:

A fiscalização preventiva - em que se aprecia a constitucionalidade de uma norma


constante de um decreto enviado para o Presidente para ser aprovado como lei ou
decretolei, artigo278º nº1. Há outros casos de fiscalização preventiva nomeadamente
decretos legislativos regionais e o de leis orgânicas mas o caso anteriormente referido de
envio de diplomas para o PR é o caso mais típico. Exemplo: Acórdão relativamente ao
rendimento social de inserção era um caso de fiscalização preventiva. O Presidente da
Republica pediu ao TC que apreciasse a constitucionalidade de um decreto vindo da
Assembleia da República para promulgação como lei. Ora bem, nesta fiscalização
preventiva quem é o requerente ? Tipicamente será apenas o Presidente. Quanto aos
decretos legislativos regionais podem também ser os representantes da republica e quanto
as leis orgânicas o presidente da republica ou 1/5 os deputados da Assembleia da República
- artigo278º. Tipicamente a fiscalização preventiva é requerida pelo presidente.

Qual será a ideia de ser apenas o presidente da republica a poder requer esta
fiscalização preventiva? A ideia é esta, estando e causa a constitucionalidade de leis
aprovadas por órgãos como o Governo ou Assembleia da República com legitimidade
democrática ( no caso da AR com legitimidade democrática direita e no caso do Governo com
legitimidade democrática indireta ) faz sentido que antes da aprovação dessa norma
apenas a possa discutir um órgão que também tenha legitimidade democrática que
será o Presidente da República. Se a lei é enviada para promulgação quem promulga é o
Presidente, portanto compreende-se que só este possa por principio pedir a fiscalização da
constitucionalidade da norma.
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Se o Presidente enviar hoje para o TC uma lei, quanto tempo tem o Tribunal para decidir
esta questão ? O TC tem apenas 25 dias. O processo tem que chegar, tem que ser distribuído
a um relator, o relator tem que preparar o projeto de decisão, tem que apresentar esse
processo de decisão a todos os outros juizes que por sua vez têm de estudar esse projeto de
decisão para depois se marcar a discussão do projeto de decisão, pois de atacada a
discursava, discute-se efetivamente esse projeto de decisão e depois é necessário ainda fazer
a versão final do acórdão tendo em conta aquilo que foi discutido. Ora bem, se quisermos ter
um exemplo de fiscalização preventiva da constitucionalidade basta vermos o acórdão 509
de 2002 que é o acordão do rendimento social de inserção.

A fiscalização Abstrata Sucessiva - regulada no artigo 281º da CRP. Quem pode pedir
esta fiscalização abstrata sucessiva ?No fundo, entidades públicas relacionadas com a
aplicação do Direito. Podem ser, para além do Presidente da República, o Presidente da
AR, o primeiro ministro, o provedor de justiça e também 1/10 dos deputados a AR
(artigo281º nº2 g) - basta que sejam no mínimo 23 deputados ) .

Discutiu-se muito se podiam apenas ser 23 deputados. Houve quem entendesse que esta
percentagem de deputados da Assembleia da República devia ser mais alargada por
exemplo 1/5. Porque que se permite que apenas 23 deputados possam requerer a
fiscalização da constitucionalidade ? Como forma de dar expressão as minorias no
processo de fiscalização da constitucionalidade . A fiscalização da constitucionalidade
não é um privilégio das maiorias, aliás as maiorias não precisam da fiscalização da
constitucionalidade porque elas têm o poder de aprovar normas e a fiscalização da
constitucionalidade é precisamente para por em causa essas normas. A maioria não precisa
de se proteger, ela protege-se através da lei. Portanto, é importante que no processo de
fiscalização da constitucionalidade se dê voz as minorias e precisamente por isso é
que basta 1/10 dos deputados (23 em 230 deputados). Já agora porque que razão é pelo
menos 1/10 dos deputados e não apenas 1 deputado ?
Para não banalizar a fiscalização da constitucionalidade.

O artigo 281º a) diz que se pode apreciar a constitucionalidade de quaisquer normas. Qual
a consequência de uma declaração de inconstitucionalidade ? Artigo 282º CRP.
A norma é expurgada do ordenamento jurídico. É preciso ter muita atenção para o facto
de esta norma poder ser a tal interpretação normativa.
A norma pode ser o tal artigo 101º da lei que permite a expulsão de estrangeiro quando
interpretada no sentido de permitir a expulsão de estrangeiros com filhos menores
portugueses a cargo. Ora bem, se assim é, o artigo101º não é expurgado do ordenamento
jurídico. A norma que é expurgada do ordenamento jurídico é apenas o artigo 101º
numa determinada interpretação.

Depois há outros efeitos tal como a repristinação da norma anteriormente em vigor, da


norma revogada pela norma declarada inconstitucional e há a possibilidade nos termos do
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artigo 282º nº4, de por razões de equidade e de segurança do interesse publico restringir
os efeitos da declaração de inconstitucionalidade.

Em matéria de direitos fundamentais será muito raro restringirem-se os efeitos da


inconstitucionalidade. Porquê? Por exemplo quando se declara inconstitucional uma lei
fiscal. Durante x anos se cobrou um imposto. Se de repente se delira inconstitucional essa
norma com efeitos restritivos isso pode criar um buraco orçamental gigantesco, ou seja,
grandes problemas em termos de finanças públicas. Nestes casos sé hábito restringir os
efeitos da inconstitucionalidade. Agora, por exemplo está em causa um direito fundamental
como a liberdade de expressão, o direito a vida ou a integridade física. Por regra os
direitos fundamentais fundam-se na dignidade da pessoa humana. Ora, a dignidade
da pessoa humana prevalece sobre o interesse público, sobre a segurança jurídica e
sobre a equidade. Em principio só em casos muito excepcionais podemos admitir uma
restrição de efeitos em caso de violação de direitos fundamentais.

Inconstitucionalidade por omissão - Neste caso o tribunal verifica nos termos do artigo
283º o não cumprimento da constituição por omissão das medidas legislativas para
tornar exequíveis normas constitucionais.

Vimos o exemplo do subsídio de desemprego na função pública. Há 2 normas, o artigo 59º e


o artigo63º da CRP que estabelecem o direto a assistência material em situação de
desemprego. Ora bem, faltando normas legais que concretizem esse direito a assistência
material em situação de desemprego e havendo condições, nomeadamente financeiras para
concretizar essas normas constitucionais haverá uma inconstitucionalidade por omissão
como já houve na nossa história constitucional pelo facto de não se aditarem as normas
legais necessárias a dar realidade prática, a concretizar, a tornas exequíveis estes 2
programas constitucionais do artigo59º e 63º que dizem que há um direito a assistência
material em situação de desemprego.

Portanto, a inconstitucionalidade por omissão também é ainda uma forma de


fiscalização abstrata da constitucionalidade ainda que muito diferente da fiscalização
preventiva e da fiscalização abstrata sucessiva.
É muito específica e como já referido não houve mais do que 7 ou 8 casos em toda a historia
constitucional portuguesa de pedidos de inconstitucionalidade por omissão.

Fiscalização Concreta

Ripo de fiscalização que em termos práticos mais importa para os juristas na sua maioria. Está
regulada na constituição no artigo 204º e 280º.
No artigo 204º no que se refere a generalidade dos tribunais e no artigo 280º no que se refere ao
Tribunal constitucional e está regulada também na lei do TC do artigo 69º ao artigo 84º.
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Ora bem, em que consiste esta fiscalização concreta de constitucionalidade ou este


recurso de constitucionalidade? Este recurso de constitucionalidade verifica-se essencialmente
em 3 situações. Há outras situações análogas a estas que serão referidas mas são essencialmente 3
situações de recurso de constitucionalidade:

1) Artigo280º nº1 a), o tribunal recusa a aplicação de uma norma com fundamento na
sua inconstitucionalidade - Por exemplo , o tribunal recusa aplicação do artigo 1817º
do CC que estabelece um prazo de caducidade para as ações de investigação de
paternidade por entender que esse artigo viola o direito a identidade pessoal e o direito
a família. Nesse caso, nos termos do artigo 280º nº3 há recurso obrigatório para o
ministério público em defesa da lei / em defesa da legalidade que vai directamente para
o TC. Se virmos o acórdão 411 de 2011 vamos verificar que nesse caso o tribunal de 1ª
instancia recusou a aplicação do artigo 1817º do CC e que por isso, em defesa da
legalidade o ministério publico interpôs recurso direto para o TC. Nos termos desde logo
deste artigo 280º nº3.

2) 2ª hipótese de fiscalização concreta da constitucionalidade que resulta do artigo280º


nº1 alínea b) Diz-se que cabe recurso para o TC de decisões dos tribunais que
apliquem norma cuja inconstitucionalidade tenha sido suscitar pelas partes. Por
exemplo, imaginemos que o TC tinha aplicado a tal norma do 1817º que prevê um prazo
de caducidade de 10 anos para as ações de investigação da paternidade que portanto
tinha absolvido réu do pedido e mas uma das partes tinha invocado a
insconstitucionalidade da normal. Ora bem, nesse caso haverá recurso e haverá em

última análise recurso para o TC mas só quando já se tiverem esgotado todos os


meios de recurso ordinário. É isso que resulta do artigo 70º nº2 da lei do TC.

Portanto neste caso, na primeira instância o juiz decidiu aplicar o artigo 1817º do CC
que estabelece que a ação de investigação da paternidade caduca ao fim de 10 anos e
portanto considerou que já não podia ser instaurada aquela aça de investigação da
paternidade mas uma das partes diz que essa norma é inconstitucional. Deve essa parte
recorrer para o Tribunal da Relação e deste para o Supremo Tribunal de Justiça. Só da
decisão do STJ haverá recurso para o TC, isso resulta do artigo 70º nº2 da lei do TC.

3) Há uma terceira situação muito importante também de recurso para o TC que é a que está
prevista no artigo 280º nº5. Cabe ainda recurso para o Tribunal Constitucional
obrigatório para o Ministério Público de decisões dos tribunais que apliquem
norma anteriormente julgada inconstitucional pelo próprio TC.

Está aqui em causa a existência de um acórdão prévio do TC que em sede de


fiscalização concreta tenha julgado inconstitucional aquela norma.
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Se já há um acórdão do TC a julgar inconstitucional aquela norma e se ela é aplicada é


normal que haja um recurso direto para o TC para que te diga se mantém ou altera a sua
jurisprudência.

Portanto, esta situação tem muita importância em especial num sistema como o nosso
onde a CRP tem um caracter fortemente jurisprudencial, isto é, onde a jurisprudência
do Tribunal é decisiva naquilo que é a interpretação do sentido da constituição.

Ora bem, essas normas da constituição são de alguma forma replicadas na lei do
TC.

O que que é necessário para o processo entrar no TC? É necessário que o recurso seja
entreposto dentro do prazo ( 10 dias ), é necessário que se trate de uma questão de
constitucionalidade, portanto se for colocar ao tribunal a questão de saber se um regulamento
administrativo de execução é conforme ou contrario a uma lei, isto obviamente nunca chega ao TC por
ser uma questão de legalidade e não uma questão de constitucionalidade. A questão de
constitucionalidade será a questão de conformidade de uma norma directamente a constituição, nunca
a questão e conformidade de uma forma em face de uma lei ordinária. Eventualmente, se virmos as
outras alienas do artigo 70º permitem-se também que se apreciem questões de legalidade
reforçada, por exemplo a contradição de uma norma com uma lei orgânica ou com uma lei de
autorização mas a grande regra é tratar-se questões de constitucionalidade.
Têm de se tratar de questões normativas. Não podem ser objeto de fiscalização da
constitucionalidade por exemplo a aplicação da medida concreta de uma pena de prisão. Se o
tribunal disser aplicando as regras do código penal que a pena de prisão deve ser de 5 anos isto não é
objecto de fiscalização da constitucionalidade porque está em causa uma decisão concreta com mas
numa norma legal e não a constitucionalidade da norma legal.

Casos Práticos

Caso Prático 9.1 - Presunção de inocência e prova indireta em processo penal

Num primeiro tipo de casos, é comum chegar casos de recurso ao TC em que o objetivo é
apenas ganhar meses e o erguido ficar em liberdade.

Num segundo tipo de casos, o recurso efetivamente tem uma razão de ser, mas, como está
mal formulado (erros do ponto de vista processual), o TC não o pode reconhecer. Muitas vezes, a pessoa
até tem razão do ponto de vista substancial, mas como há esse erro processual, o TC, mesmo que
quisesse não o podia conhecer. Sendo obrigado a fazer uma decisão de não conhecimento e o recurso
morre nesse momento. Isto acontece porque os recursos não são fáceis de fazer.

Por isso, vamos dedicar esta parte do caderno a ver como funcionam os recursos de
fiscalização concreta da constitucionalidade.
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Em parte da CRP é que estão os processos de fiscalização? Parte IV da CRP regula a garantia
da constituição. A fiscalização da constitucionalidade serve para garantir, para assegurar o respeito
pelas normas constitucionais.

Assim: o primeiro título da parte IV é inteiramente dedicado a esta garantia, processos de


fiscalização da constitucionalidade, artigo 277º a 283º CRP. O 2º título é dedicado à revisão.

Temos de conjugar estes artigos com a Lei de Organização e Funcionamento e Processo de


Tribunal Constitucional (regula de forma prática aspetos processuais destes recursos/ destes
processos no TC). Existem 2 grandes processos de fiscalização da constitucionalidade no nosso
ordenamento jurídico:

• Fiscalização abstrata – apreciação da constitucionalidade de uma norma em abstrato, ou seja,


independentemente da sua aplicação a um caso concreto num dado processo judicial. Este tipo de
fiscalização tem 3 variantes:

o preventiva de constitucionalidade (ocorre antes da norma entrar em vigor; quando a lei é


enviada para promulgação pelo PR, o PR pode fazer um pedido ao TC para que aprecie
preventivamente a sua constitucionalidade); o sucessiva de constitucionalidade
(fiscalização é feita depois da norma entrar em vigor);

o por omissão (está em causa a omissão de medidas legislativas necessárias para garantir
uma norma/ princípio da constituição. Aqui a inconstitucionalidade não decorre de uma
certa norma que existe. O que acontece é que o facto de não existir uma dada norma ou da
mesma existir em termos defeituosos não se assegura uma norma / princípio da CRP. Estes
casos são raros. )

• Fiscalização concreta – a constitucionalidade da norma está a ser discutida a propósito da sua


aplicação a um dado caso concreto. É no âmbito de um processo que é alegada a sua pressuposta
inconstitucionalidade. Os processos de fiscalização concreta são processos de fiscalização:

o Normativa – a fiscalização incide sobre normas, logo, só pode ser invocada a


inconstitucionalidade de uma dada norma vigente no nosso ordenamento jurídico: seja ela
constante de tratados internacionais, DL, DLR, L, regulamentos administrativos... Não pode é
ser invocada a inconstitucionalidade de um Ato Administrativo, nem de uma decisão
judicial. O processo de fiscalização é sempre centrado na norma.

o Difusa - o controlo não está concentrado no TC. Qualquer tribunal do nosso ordenamento
jurídico pode fazer fiscalização concreta de constitucionalidade, ou seja, pode apreciar, no
caso concreto que é chamado a julgar, se uma dada norma que é aplicável a esse processo é
ou não compatível com a CRP. E se considerar que não é compatível, o juiz não a pode
aplicar ao caso. Os nossos tribunais são mini-tribunais constitucionais. Diferentemente, os
processos de fiscalização abstrata têm o controlo centrado no TC/ só o TC é que pode fazer a
fiscalização abstrata de normas. Aqui, na fiscalização concreta, o controlo já não está
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concentrado no TC. Esta fiscalização concreta de constitucionalidade feita pelos tribunais


não é uma faculdade, é um verdadeiro dever (Artigo 204). Portanto, se os tribunais,
quando são chamados a julgar uma causa, se tiverem duvidas sore a constitucionalidade de
uma norma, eles não a podem aplicar ao caso concreto. Ou o juiz ou as partes levantam a
questão de inconstitucionalidade. A partir do momento em que se levanta essa questão, o
juiz tem de decidir se a norma é ou não inconstitucional e, consequentemente, se a aplica ou
não. O juiz tem de fazer um juízo de constitucionalidade. E é isto que dá origem aos
processos de fiscalização concreta de constitucionalidade.

o Incidental - a questão de constitucionalidade da norma só pode ser invocada na medida em


que essa norma seja determinante para o caso concreto.

Exemplo: no caso supra da atividade de segurança privada em que havia um DL que estabelecia
que só os cidadãos portugueses podiam exercer essa profissão. Imaginemos que era aplicada uma
norma a uma empresa por ter cidadãos estrangeiros. Esta empresa podia impugnar a multa nos TA e,
uma vez iniciado o processo judicial, esta empresa podia invocar a inconstitucionalidade da norma que
estabelecia a proibição de cidadãos estrangeiros poderem exercer o cargo de segurança privada. Aqui, a
questão de fundo é a aplicação de uma coima a uma empresa. A título incidental temos a questão de
constitucionalidade e essa norma é relevante para o caso concreto: é essa norma que determina/
fundamenta a aplicação da multa. Logo, esta questão de constitucionalidade é relevante para o caso
concreto. Assim, é incidental para que o juiz possa decidir, no caso concreto, se a multa foi ou não
aplicada de forma legal. A consequência não é de a norma ser extinta do ordenamento juridico. Em
regra, nos casos de fiscalização concreta a norma nunca sai do ordenamento jurídico/ é desaplicada ao
caso concreto em que está a ser discutida. No caso de o TC confirmar que é inconstitucional em sede de
recurso, a norma só sai do ordenamento juridico quanto o TC emita 3 decisões em que considere a
norma inconstitucional, em processo de fiscalização concreta. Isto dá origem a um processo
especial de fiscalização abstrata para retirar a norma do ordenamento juridico.

Diferentes Fases dos Processos de Fiscalização Concreta:

1) Tribunais ordinários – a ideia é que o processo se inicia sempre num tribunal que não o TC.
Temos um processo que está a decorrer em tribunal e o juiz está a julgar o processo. Uma das
partes invoca que uma norma que está a ser aplicada ao caso é inconstitucional. Ora, nos termos
do artigo 204º, o juiz tem de tomar uma decisão: quando entenda que a norma é efetivamente
inconstitucional, o juiz profere uma decisão positiva de acolhimento do juízo de
inconstitucionalidade e não a aplica ao caso concreto;

2) Entendendo que não é inconstitucional, o juiz emite uma decisão de decisão de não
acolhimento e aplica-a ao caso concreto. Qualquer que seja a decisão, cabe sempre recurso
para o TC (Artigo 280º nº1). No fundo, os termos em que o recurso tem de ser feito para o
TC variam consoante estejamos perante uma decisão positiva/ de acolhimento ou decisão
negativa/ de rejeição da inconstitucionalidade: Ver na LOFPTC
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(Artigos 70 e segs.)

a. Quando o tribunal emite uma decisão de inconstitucionalidade, os termos do


recurso para o TC são mais amplos. Ou seja, qualquer uma das partes pode recorrer, em
termos facultativos, e pode optar por recorrer diretamente para o TC ou podem optar
por fazer exaustão de recursos (TR, STJ e TC). Para o MP é sempre obrigatório o recurso
para o TC quando esteja em causa a norma que constem de DL, L, DLR, 280/3 CRP e
72/3 LTC. Aqui o recurso é direto para o TC. Uma vez que há uma decisão que é
entendida como inconstitucional, é urgente que o TC se pronuncie e é por isso que se
obriga o MP a recorrer.

b. Quando é decisão negativa (dizem que não há inconstitucionalidade): os termos


para o recurso são mais exigentes. Porquê? Já não é tão urgente que o TC se pronuncie
porque já houve um tribunal (ordinário) que apreciou a questão e entendeu que não era
inconstitucional. Logo, só a parte que invocou a questão de inconstitucionalidade é que
pode recorrer para o TC e só pode fazê-lo por exaustão de recursos, artigo 280/4 CRP,
conjugado com o Artigo 75 LTC

Esta é a regra, sendo que há apenas uma exceção a esta regra: quando esteja em causa uma
decisão negativa do Tribunal ordinário que contrarie uma decisão prévia já emitida pelo TC.
Isto é possível porque, em sede de fiscalização concreta, a norma continua em vigor no
ordenamento jurídico. Logo, é possível que, depois de o TC dizer que é inconstitucional, num
outro processo, o tribunal ordinário decida em sentido contrário ao TC. Aqui, é o é obrigatório o
recurso para o TC por parte do MP (artigo 280/5 CRP).

3) O recurso para o TC é sempre feito no tribunal onde a questão foi suscitada, ou seja, nunca
é diretamente apresentado no TC– Artigo 76 LOFTC.:

i. Cabe a esse tribunal ordinário decidir se o recurso é ou não admissível (se se cumprem
os pressupostos processuais para que o TC se possa pronunciar).

ii. Se se entender que é admissível, segue para o TC. Se se entender que não é admissível, a
parte pode sempre reclamar dessa decisão para o TC – Artigo 77 LTC.

iii. Quando chega ao TC, o relator vê se o recurso cumpre os pressupostos processuais ou se


é simples (já existe jurisprudência a dizer que a norma não é inconstitucional). Quando
aconteça uma destas situações, o juiz relator profere uma decisão sumária em que não
conhece o recurso e o processe acaba logo aí – Artigo 78-A LTC. A maior parte das
decisões do TC são estas decisões sumárias em que o juiz relator entende que ou não
estão preenchidos os pressupostos processuais ou já existe jurisprudência nesse sentido
e ele só tem de fazer uma decisão sumária a remeter para essa jurisprudência

iv. Pode sempre recorrer para conferência de 3 juízes para que apreciem o fundamento da
decisão sumária.
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Indo agora ao caso prático.

Resumo Acórdão 807/2017: Arguido foi condenado pela 1º instância a pena de prisão,
recorreu para o TC invocando a inconstitucionalidade de um artigo aplicado no caso -o Artigo 127 CPP.
Este artigo consagra o princípio da livre apreciação da prova por parte do juiz ( pode chegar livremente
à sua decisão final; em regra, ele não está vinculado a valorar uma prova de dada maneira ou de outra)
Ora, este erguido foi condenado em 1º instância com fundamento exclusivo na prova indireta , que
integra a prova por presunções judiciais. A prova por presunções judiciais é quando o juiz parte de
dados factos que foram provados/ de meios indiretos (relatório técnico, prova testemunhal,
documental, prova pericial...) para dar como provados outros factos de que não foi feita prova/
desconhecidos. Ele usa os factos provados como indício para dar como provados os factos de que não
foram feitos prova. Ora, para fazer isto, os indícios têm de demonstrar, segundo um raciocínio lógico,
que esses factos desconhecidos foram efetivamente cometidos. Há dados facto que o simples facto de
serem provados fazem presumir que outros também foram - prova por presunções judiciais.

O arguido recorreu para o TRP e invocou que este artigo 127 CPP era inconstitucional na parte
em que este artigo permitia essa conclusão, mesmo que fosse possível formular outras hipóteses e mais
benéficas partindo desses factos dados como provados. Ou seja, o que era contestado era que o juiz
pudesse partir de fatos provados para factos presumidos e prejudiciais, mesmo quando, nesse caso
concreto, ele pudesse também partir desses factos provados para presumir factos presumidos que já
eram benéficos.

Invocou, assim, a inconstitucionalidade deste artigo na parte em este artigo permitia essa
possibilidade. Ele não invocou a inconstitucionalidade da norma em sim, mas sim a
inconstitucionalidade de uma dada interpretação desta norma. A norma limita-se a consagra um
princípio amplo. Simplesmente, esta norma deixa em aberto a possibilidade de ser interpretada neste
sentido juiz partir de factos para dar como provados outros prejudiciais quando também podiam
presumir factos benéficos .

O TRP disse que este artigo se limitava a consagrar o princípio da livre apreciação da prova e
que essa interpretação desta norma não violava qualquer parâmetro da CRP. O arguido não se
conformou com esta decisão (não acolhimento) e recorreu para o TC. O juiz relator emitiu uma decisão
sumária de não conhecimento, o recurso foi para a conferência (3 juízes), que confirmou a decisão do 1º
juiz. Recorrendo a 2 argumentos para não conhecer este recurso:

1. O arguido estava a recorrer de uma decisão concreta judicial e não de uma norma prevista no
ordenamento juridico. Não estava em causa a apreciação da constitucionalidade do artigo 127,
mas sim a apreciação da decisão judicial. E o TC não aprecia decisões constitucionais, mas
apenas normas. Comentário do professor A. Abrantes: A forma como o recurso estava feito era
claro que o arguido não pretendia recorrer da norma em si, mas sim da decisão judicial
que o tinha condenado. Ora, como o TC só pode apreciar a constitucionalidade de normas,
o recorrente tentou criar uma ficção normativa. Isto é, como ele tinha de encontrar uma norma
que desse base a essa decisão, tinha de ter uma norma. Já não estava a ser discutida a
constitucionalidade do artigo 127, mas sim da decisão e o TC não pode conhecer. É
recorrente que isto aconteça: em que se invoca a inconstitucionalidade da interpretação dada a
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uma norma para justificar que está em causa um problema de inconstitucionalidade normativa,
mas o que a pessoa realmente quer é uma reapreciação de uma decisão judicial.

2. Este artigo 127 não tinha sido o critério (ratio decidiendi) - estes recursos são
instrumentais/ incidentais, apenas são possíveis quando a norma seja aplicada ao caso
concreto/ enquanto essencial para a questão de fundo. Comentário A. Abrantes: O 2º problema
era o de que esta interpretação dada ao artigo 127 não tinha sido feita pelo TRP. O TRP apreciou
a constitucionalidade desta norma, mas na seguinte interpretação: o tribunal só deve dar como
provado um facto desconhecido com base numa pluralidade de dados indiciários provados que,
segundo um raciocínio lógico, convirjam no sentido da prática do facto probando . Logo, o TR
disse que só se podia apreciar a inconstitucionalidade desta norma neste sentido referido (em
que admitia que se pudesse recorrer a presunções judiciais). O TC decidiu que a interpretação
de que o arguido estava a recorrer não tinha sido a interpretação dada pelo Tribunal recorrido
(TR); sendo que tem de haver convergência entre as duas interpretações (do tribunal de que se
recorre e pelo recurso). A norma tem de ter sido aplicada ao caso concreto enquanto critério
para a decisão, logo, tem de estar em causa a interpretação exata.

Caso 9.2 - Penhora de salário mínimo

Vamos continuar a analisar fiscalização concreta. Vamos analisar esta decisão de forma
processual, à luz da lei do TC.

Temos uma decisão do tribunal da Relação de Lisboa em que julgou uma norma inconstitucional
e como consequência não a aplicou ao caso concreto e o Ministério Público recorreu dessa decisão para
o Tribunal Constitucional. Há três caraterísticas fundamentais destes processos que temos de ter em
conta:

- Normativa: tem de estar em causa a inconstitucionalidade de uma norma e não de outro ato que não
seja uma norma, como por exemplo a decisão judicial em si;

- Difusa: qualquer tribunal pode fazer este tipo de fiscalização;

- Incidental: o problema da inconstitucionalidade é colocado a propósito de uma outra questão que é


a principal que está a ser discutida. A questão da inconstitucionalidade só interessa na medida em
que a mesma seja relevante para o caso.

Estes processos desenrolavam-se em duas diferentes fases:


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1. É a fase acontece sempre, é a fase dos tribunais ordinários (tribunais com competência
genérica) até eventualmente o próprio STJ. O que interessa é que começa sempre num tribunal
que não o Tribunal Constitucional.

2. Esta fase é eventual, ocorre no Tribunal Constitucional porque só acontece quando é feito um
recurso da decisão do tribunal ordinário para o Tribunal Constitucional.

Nesta primeira fase temos um processo que está a decorrer de um tribunal ordinário e uma das
partes invoca que uma das normas que é suscetível de ser aplicada ao caso é inconstitucional, o próprio
juiz apercebe-se oficiosamente que uma das normas pode ser inconstitucional, uma vez levantada a
questão ele tem de tomar uma decisão, nos termos do artigo 204º da Constituição da República
Portuguesa, não pode aplicar normas sobre as quais tenha dúvida de constitucionalidade.

A partir do momento em que a decisão é levantada: os juízes tem de tomar uma decisão e pode
tomar uma de duas possíveis decisões, decisão positiva de acolhimento de inconstitucionalidade,
positiva porque diz que a norma é efetivamente inconstitucional, dá resposta afirmativa, e como tal
julgando a norma inconstitucional não a aplica ao caso concreto.

Pode também ter o entendimento contrário que é o de uma decisão negativa, de rejeição da
inconstitucionalidade entende, que não é inconstitucional e como tal aplica a norma ao caso
concreto.

Qualquer que seja a decisão, é sempre passível de recurso ao Tribunal Constitucional, dando
origem a uma outra fase destes processos. Isto é nos dito pelo artigo 280º da constituição da
república portuguesa, o nº1 alínea a) e b), estão aqui enunciados os dois tipos de recursos mais
frequentes que podem ocorrer.

Na alínea a) está em causa o recurso de decisões positivas dos tribunais ordinários, as


decisões em que o tribunal recusa a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua
inconstitucionalidade, e como tal não a aplica.

Ou então o tribunal pode decidir no sentido contrário, decisão negativa que diz que a
norma não é inconstitucional e então aplica a norma ao caso concreto.

Esta formulação é repetida no artigo 70º/1 alíneas a) e b) da lei do Tribunal


Constitucional. Deve ser feita uma remissão do artigo 280º/1 da constituição da república
portuguesa para o artigo 70º/1 da lei do Tribunal Constitucional.

No nosso caso, é ao abrigo do artigo 70 nº1 alínea a) da lei do TC, porque estamos perante
um decisão positiva emitida pelo tribunal da relação de Lisboa, que diz que a norma é inconstitucional,
porque violadora do princípio da dignidade da pessoa humana, e não a aplicou ao caso concreto.

Dessa decisão foi interposto um recurso por parte do Ministério Público. O Ministério Público
nem sequer é parte nesse processo que estava a ocorrer pelo tribunal da relação, era um processo
executivo e em regra apenas tem duas partes que é o executado e o exequente, garantia que o credor
efetivamente vê ressarcido o seu direito de crédito.
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Contudo foi o Ministério Público que interpôs recurso para o Tribunal Constitucional da decisão
do tribunal da relação, este recurso feito pelo Ministério Público para o Tribunal Constitucional mesmo
não sendo parte é possível? Qual a norma que dá legitimidade ao Ministério Público para recorrer?
Resposta está no artigo 72º/1/a) da lei do Tribunal Constitucional regula a legitimidade para recorrer
para o Tribunal Constitucional. Temos aqui no artigo o Ministério Público; ou as partes no processo.

O recurso feito pelo Ministério Público é obrigatório, artigo 280º/3 Constituição da República
Portuguesa, estabelece que quando a norma cuja aplicação tiver sido recusada constar de convenção
internacional, ato legislativo ou decreto-regulamentar, os recursos previstos na alínea a) do nº1 são
obrigatórios para o Ministério Público. Quando a norma constar de um destes instrumentos normativos
é obrigatório o recurso para o Tribunal Constitucional, e porque é que será assim? Temos uma
dimensão do princípio do Estado de Direito, que é o princípio da presunção da constitucionalidade das
leis e dos atos de valor equivalente.

O que é que isto significa? No âmbito do Estado de Direito presume-se que as leis emanadas
pelo poder legislativo ou poderes equivalentes estão conformes à constituição, e essa presunção
faz com que as pessoas aceitem a vinculatividade da lei. O que é que acontece? Se um tribunal entender
que uma norma constante destes instrumentos normativos é inconstitucional acaba com esta presunção
e se acaba com essa presunção é urgente que o Tribunal Constitucional se pronuncie para dizer de forma
definitiva se tem ou não razão.

Quando estiver em causa uma decisão positiva tanto pode recorrer o Ministério Público como
qualquer uma das partes no processo, artigo 72º/1 da lei do Tribunal Constitucional.

Quando há decisão negativa; de não ser inconstitucional, os termos para fazer o recurso
dessa decisão são mais restritivos, desde logo relativamente à legitimidade de quem pode
recorrer, e isto é-nos dito desde logo pelo artigo 72 nº2 da Lei do TC. Quando é decisão negativa;
rejeição de inconstitucionalidade, só podem as partes, e não o MP.

Quando a norma em questão julgada inconstitucional constar de uma convenção internacional ou


de acto legislativo (lei ou DL, ou decreto-regulamentar) e a decisão é positiva, que são os especificados
no 280º/3 a constituição diz que esse recurso é obrigatório para o Ministério Público, esta mesma
norma está replicada no artigo 72º/3 da lei do Tribunal Constitucional. Deve ser feita uma remissão
para estas duas normas pois ambos os artigos devem ser interpretados em conjunto.

O MP é portanto obrigado a recorrer. Prof pergunta se fazemos ideia do porquê. Está aqui em
causa um princípio, que é o princípio da presunção da constitucionalidade das leis e dos atos de
valor equivalente. É uma dimensão do princípio de Estado de Direito. Presume-se que uma lei ou ato
de valor equivalente é conforme à constituição Portanto, no nosso caso prático, que é uma decisão
positiva, há mesmo uma obrigação do MP de recorrer; verdadeira obrigatoriedade.

Isto é assim para as decisões positivas, para as negativas, os termos do recurso já não são assim,
são muito mais restritivos, porque relativamente à legitimidade não se aplica a regra geral prevista no
72º/1, aplica-se uma regra especial prevista no 72º/2 da lei do Tribunal Constitucional, que nos diz que
os recursos previstos no nº1 da alínea 70º, que são os recursos das decisões negativas. Estes recursos
são muito mais restritivos só podem ser interpostos pela parte que suscitou a inconstitucionalidade
nesse processo. O Ministério Público apenas pode recorrer se for uma parte no processo e se tiver sido
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ele a levantar a questão da inconstitucionalidade, no processo penal o Ministério Público é sempre uma
parte no processo. Artigo 280º/4 deve ser feita uma remissão para o artigo 72º/2 da lei do Tribunal
Constitucional.

Porque é que os termos para o recurso devem ser mais restritivos? Se o tribunal disse que a
norma não era inconstitucional, mantém-se a presunção da inconstitucionalidade e não era tão urgente
que se pronuncie sobre esta questão. Isto também serve para evitar expedientes dilatórios, para evitar
que as partes recorram para o Tribunal Constitucional apenas para atrasar o processo.

Há apenas uma exceção a esta regra, é a que está prevista no artigo 280º/5 da constituição da
república portuguesa. Como é que isto pode acontecer? Porque em sede de fiscalização concreta mesmo
que o Tribunal Constitucional diga que a norma é inconstitucional ela não desaparece do ordenamento
jurídico, continua em vigor e o único efeito é a sua decisão ao caso concreto. Portanto pode
acontecer que o Tribunal Constitucional diga que a norma é inconstitucional no caso concreto e passado
alguns meses a lei é aplicada noutro processo e o juiz tem que tomar uma decisão, e tome uma decisão
contrária ao que o Tribunal Constitucional decidiu, pode fazê-lo.

Neste caso uma vez estar aqui em causa o princípio da prevalência das decisões do Tribunal
Constitucional sobre as decisões dos outros tribunais em matéria de constitucionalidade, é também
obrigatório que o Ministério Público recorra para o Tribunal Constitucional para que este se pronuncie
sobre a questão.

No 2º parágrafo da hipótese estamos a ver a fase em que o processo dá entrada no Tribunal


Constitucional, tem início a segunda fase de um processo de fiscalização concreta. Quantos juízes é que
o Tribunal Constitucional tem? Tem 13 juízes. O que acontece é que o Tribunal Constitucional está
dividido em 3 diferentes secções, são secções não especializadas, têm competências generalizadas e não
estão diferenciadas relativamente à área do Direito.

O que é que acontece? Estes 13 juízes encontram-se divididos nestas 3 secções sendo que cada
uma delas tem 5 juízes, não há um erro matemático o presidente e o vice presidente do Tribunal
Constitucional surgem repetidos em 2 secções.

Ao contrário do que acontece com os processos de fiscalização abstrata que são processos
julgados em plenário pelos 13 juízes, seja preventiva, sucessiva ou por omissão. Os processos de
fiscalização concreta são julgados nas secções, em regra só por 5 juízes. Quando um processo de
fiscalização concreta dá entrada no Tribunal Constitucional, o primeiro passo é ser distribuído para
uma das 3 secções, aleatoriamente.

Em 1989 foi revista a lei do Tribunal Constitucional e foi acrescentado um artigo muito importante
que é o artigo 78º-A, que trata do exame preliminar. O que acontece nos dias de hoje é que o processo
quando dá entrada no Tribunal Constitucional é distribuído para uma secção, e dentro dessa secção é
distribuído para um único juiz dentro dessa secção que é o juiz-relator, a quem cabe fazer um primeiro
exame, um exame preliminar para decidir se o processo/recurso deve ou não continuar para que seja
conhecido o seu mérito, o seu conteúdo.

Se o juiz relator entender que o processo pode continuar, nos termos do nº5 do 78º-A manda
notificar o recorrente para apresentar alegações e o processo prossegue.
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Contudo o juiz relator pode entender que o processo não deve continuar, que são os casos mais
frequentes, emite uma decisão sumária de não reconhecimento, prevista no 78º-A/1, e quando é
que pode tomar esta decisão sumária de não reconhecimento? Basicamente nos casos enunciados no
nº1:

1. Quando entender que não pode conhecer-se do objeto do recurso, não estão reunidos os
pressupostos processuais. Caso previsto no nosso enunciado, são os casos mais frequentes.

9 em cada 10 recursos que


entram no Tribunal
Constitucional ficam logo nesta primeira fase e não
passam para a segunda
fase.

2. Quando a decisão a decidir é simples, a própria norma dá dois exemplos, quando já existir uma
jurisprudência consolidada pelo tribunal relativamente a essa norma, aqui remete para as decisões
do Tribunal Constitucional.

Ou então pode entender que o recurso é manifestamente infundado, isto acontece quando o
recurso é apenas um expediente dilatório. (A menos que haja uma reclamação para a conferência o
processo acaba logo ai)

Foi isto que aconteceu no caso prático, o recurso chegou ao Tribunal Constitucional foi entregue
a um juiz relator de uma secção e este fez uma decisão sumária a dizer que não devia tomar
conhecimento do recurso e invocou aqui 3 argumentos, o primeiro era o de que não estavam esgotados
os recursos ordinários da decisão, basicamente o que o juiz relator disse é que o Ministério Público
recorreu diretamente para o Tribunal Constitucional quando podia ainda ter recorrido para o STJ.

Aqui a grande questão é saber se uma parte pode recorrer diretamente para o Tribunal
Constitucional de uma decisão de um tribunal ordinário que desaplica a norma ou se tem de seguir uma
via de exaustão de recursos. A resposta encontra-se na lei do Tribunal Constitucional, artigo 70º/2
estabelece uma regra de exaustão de recursos para as decisões negativas, previstas na alínea b).

Para o Ministério Público isto não é assim quando o recurso é obrigatório, casos previstos no nº3
do 280º e 72º/3, aqui não pode optar, é uma das razões da urgência para que o Tribunal Constitucional
se pronuncie sobre esta questão, aliás o Ministério Público intervém aqui como garante da
constitucionalidade da norma.
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- Decisão positiva, as partes podem optar por exaustão de recurso ou recurso direto, nos casos de
força obrigatória.

- Decisão negativa, tem sempre de haver exaustão de recursos ( excepto naquela exceção do
recurso obrigatório para o Ministério Público em que deve também ser direto)

Chegamos à conclusão que o juiz relator não tem razão porque este é um recurso ao abrigo do
artigo 70º/1/a), é um recurso de uma decisão positiva, logo é um recurso a que não se aplica o artigo
70º/2 e portanto pode ser feito diretamente para o Tribunal Constitucional, nestes casos não só pode,
como deve, porque estamos perante um caso de recurso obrigatório para o Ministério Público.

Segundo argumento no caso prático, o juiz relator diz que não se trata de uma verdadeira
questão normativa, saber se a questão se refere ou não a uma norma, tem de estar em causa a
inconstitucionalidade de uma norma e não uma questão de apreciação da inconstitucionalidade de uma
decisão judicial.

O grande problema que temos, é que acontece muito na fiscalização concreta, é que é raro que a
norma seja invocada em si mesmo considerada.

Qual a fronteira, de estarmos a discutir a norma para estarmos a decidir a própria decisão
judicial?

Ex. uma norma que diga que é permitida a pena de morte, e num determinado processo judicial
o Ministério Público queria aplicar a pena de morte e o juiz que iria recusar a aplicação da norma
dizendo que é inconstitucional, haveria recurso direto do Ministério Público para o Tribunal
Constitucional em que iria ser invocada a norma em si mesma.

O que acontece é o seguinte a norma não é invocada, não é questionada em abstrato mas sim na
interpretação que lhe é dada no caso concreto, uma determinada possibilidade de interpretação que é
deixada em aberto.

Isto é, uma vez que está em causa a aplicação de uma norma nesse processo, muitas vezes a
norma é discutida numa determinada interpretação que lhe foi dada ou que lhe pode ser dada nesse
caso, e quando estamos a discutir dimensões interpretativas da norma estamos a entrar num campo em
que por vezes é difícil de saber se estamos a discutir a constitucionalidade da norma ou se já estamos
aqui a discutir a decisão.

No nosso caso: era invocada a inconstitucionalidade de normas do código do processo civil, o


artigo 824º/1/a) e nº2, falavam na altura da impenhorabilidade de salários, estabeleciam limites para a
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penhora de salários. Havia uma segunda norma que dizia ser possível o juiz reduzir o limite de
impenhorabilidade se as condições económicas do executado o justificassem.

Neste caso prático a aplicação destas normas ao caso concreto, mais particularmente o 824º/1/a)
fez com que fosse penhorado o salário do executado de forma a que este ficasse com um montante inferior
ao salário mínimo nacional para viver. Era invocado aqui que a pessoa ficar com € para viver, valor
inferior ao salário mínimo nacional era violador do princípio da dignidade da pessoa humana pois ficaria
numa situação de pobreza, pois viveria com um salário abaixo daquele que é considerado pelo Estado um
mínimo para sobreviver de forma condigna.

As normas cuja inconstitucionalidade é invocada não falam na questão do salário mínimo


nacional, portanto podemos questionar se um recurso como este está a atacar a inconstitucionalidade
das normas ou se está já a atacar a constitucionalidade da decisão judicial.

E eventualmente o facto de o juiz não ter dado uso a esta faculdade do nº2 de permitir reduzir o
limite de 1/3 para 1/6, pois aqui se calhar ficaria mais próximo do salário mínimo.

Temos de ver se estamos perante um problema de inconstitucionalidade ou não? Será que o juiz
deveria ter usado a sua faculdade do nº2? O que acham?

Parece ser um problema normativo porque ao limitar-se a proibir que sejam penhorados 2/3 do
salário sem estabelecer um limite mínimo que a pessoa não possa ficar com menos que o salário
mínimo para viver as normas estão no fundo a deixar em aberto a possibilidade da pessoa efetivamente
ficar com menos dinheiro para viver do que o salário mínimo, colocando em causa a sua dignidade. E
mesmo o facto de umas das normas atribuir ao juiz a possibilidade de reduzir esse limite não garante
que a pessoa na prática fique com um vencimento superior ao salário mínimo, porque o juiz pode não
exercer essa faculdade, tal como não o fez na hipótese prática.

O novo artigo 738º do código do processo civil diz nos hoje no nº3 que a impenhorabilidade dos
2/3 tem como limite máximo o montante equivalente a 3 salários mínimos nacionais e como limite
mínimo quando o executado não tenha outro rendimento o montante equivalente a um salário mínimo
nacional. Isto parece demonstrar efetivamente que era um problema normativo, tanto assim era que o
legislador interveio para acabar com a questão e estabelecer um limite expresso. Foi isto que o Tribunal
Constitucional entendeu também no acórdão 96/2004.

Há ainda um terceiro argumento invocado que é o da ratio decidendi, o que é isto da ratio
decidendi?

Ratio decidendi:
fundamento da

decisão
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O que está em causa neste tipo de questões é saber que isto é uma consequência da caraterística
da incidentalidade, ou seja, o problema da constitucionalidade só tem relevância na medida em que seja
pertinente para a resolução do caso concreto. A norma tem de ser aplicada ou desaplicada ao caso
concreto enquanto fundamento da decisão, algo determinante da decisão. Não pode ser simplesmente
alguma norma com relevância para a apreciação do caso mas não para a decisão determinante.

Aquilo que o juiz relator diz é que o fundamento da decisão do tribunal da relação é
simplesmente o artigo 824º/1/a), apenas esta norma, que permite a penhora qualquer que seja o seu
valor. O enunciado diz que o tribunal da relação de Lisboa recusou a aplicação da norma do artigo
824º/1/a) e 2, ambas as normas fazem parte da ratio decidendi do tribunal da relação de que se
recorre, não é verdade que se diga que esta ratio decidendi é apenas o 824º/1/a), eram as duas normas.
E depois a interpretação também não é a que o juiz relator diz, a primeira frase do penúltimo parágrafo
da hipótese é a ratio decidendi, e é desta ratio decidendi que o Ministério Público vem interpor o
recurso.

Logo o juiz relator não tem razão porque há efetivamente uma relação entre a decisão de
não aplicação do tribunal da relação e o recurso feito por parte do Ministério Público. No fundo o
problema de constitucionalidade suscitado no processo e que leva a uma decisão do tribunal ordinário
tem que ser exatamente o mesmo problema invocado no recurso, a norma tem que ser exatamente a
mesma e a interpretação invocada no tribunal ordinário tem de ser a mesma que é objeto de recurso, e
muitas vezes acontece que é invocada a inconstitucionalidade de uma determinada norma e o juiz do
tribunal ordinário não dá razão, então a parte que vem a recorrer para o Tribunal Constitucional invoca
outra norma para ver se cola isto não é possível fazer, o mesmo sucede com a interpretação.

Chegamos à conclusão que nenhum dos três argumentos invocado pelo juiz relator tem
procedência. Nota: este caso é inventado! Nenhum juiz relator diria isto.

O que é a conferência? Artigo 78º-A/3, é constituída por três juízes, para que a reclamação
possa ser decidida pela conferência é necessário que os três juízes estejam de acordo, basta haver 1 que
não concorde que é necessário reunir toda a secção, ou seja os cinco juízes, e é por isso que é dito no
caso prático que ao gerar-se o desacordo entre os juízes reuniu-se a secção.

Portanto, em regra acontece que é mais comum haver acórdãos da conferência quando seja para
manter o sentido da decisão sumária e isto porquê? Porque para haver um acórdão da conferência por
unanimidade dos três para dar razão à reclamação é necessário que o juiz relator mude a sua decisão e
isso pode acontecer, pode chegar a acordo com os outros dois juízes para isso acontecer, mas à partida é
difícil se já tem uma primeira decisão naquele sentido, é difícil que ele próprio vá contrariar a sua
decisão.

Das duas uma ou os outros dois juízes lhe dão razão e fazem os três um acórdão e acaba aí o
recurso, ou então os três juízes estão em desacordo, não lhe dão razão e ele à partida não irá mudar a
sua posição então tem à partida de chamar os 5 juízes a quem lhes cabe decidir. Consoante seja a secção
ou a conferência a decidir as possibilidades em aberto são as mesmas do que quando está em causa o
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exame preliminar não sumário, entende que o processo deve prosseguir e aplica-se o nº5, se a
conferência e a secção entenderem que não há razão para a reclamação o processo acaba aí.

Neste caso concreto a reclamação considerou procedente a reclamação, deu razão ao


recorrente, e portanto o processo foi para fase de alegações, artigo 79º da lei do Tribunal
Constitucional, na sequência destas alegações cabe a toda a secção, é o pleno da secção que faz um
acórdão para decidir a questão, tomar uma decisão. O julgamento é regulado no artigo 79º-B, as
decisões são tomadas por maioria, foi o que aconteceu neste caso, pois três juízes estavam de
acordo e dois não estavam e fizeram voto de vencido.

Quais são os efeitos da decisão do Tribunal Constitucional? Artigo 80º da lei do Tribunal
Constitucional:

1- O primeiro efeito encontra-se no nº1 e diz que a decisão do recurso faz caso julgado no
processo, é definitiva a esse processo só e não pode voltar a ser discutida a questão da
constitucionalidade.

2- O segundo efeito é que os efeitos só se produzem no caso concreto, a norma continua em


vigor no ordenamento jurídico. É portanto, simplesmente desaplicada ao caso concreto ( se
for decisão de inconstitucionalidade). Estamos em sede de fiscalização concreta.

3- O terceiro efeito é que temos de distinguir.

O que acontece ao processo? Isto depende. Depende se a decisão inicial do tribunal recorrido
era uma decisão positiva ou negativa. Se foi uma decisão positiva, e portanto é o nosso caso, e o TC
confirma essa decisão.

Podem acontecer duas situações. Se a decisão ainda admitir recurso, que é o caso, pode ir para o
Supremo Tribunal de Justiça, começam a correr os prazos para a interposição do recurso, e é isso que
nos é dito pelo artigo 80 nº4, parte final.

Se tiver já havido uma exaustão de recursos, e o TC for a última jurisdição a pronunciar-se, aqui
a decisão transita em julgado, é logo dito no início do nº4.

Quando o TC tem uma decisão negativa, portanto, entendeu que a norma não era
inconstitucional, e o Tribunal Constitucional venha depois a mudar esta decisão, os efeitos estão no nº2.
Isto acontece também na decisão contrária.

Os efeitos estão restritos à decisão de constitucionalidade ou não. Não diz se a parte tem razão
ou não. Cabe depois ao tribunal julgar o processo de acordo com a decisão de
constitucionalidade/inconstitucionalidade.
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Última nota: Só quando o Tribunal Constitucional emita três decisões de inconstitucionalidade


relativamente à mesma norma em sede de fiscalização concreta é que é dado início a um processo
especial de fiscalização abstrata para que a norma seja extinta do ordenamento jurídico. Artigo 82º da
Lei do TC, e artigo 281 nº3 TC

Há ainda então uma última questão colocada no último parágrafo, neste caso num primeiro
acórdão que é este de 96/2004, o Tribunal Constitucional disse que a norma era inconstitucional e
portanto foi desaplicada ao caso concreto mas a norma continua em vigor, portanto pode perfeitamente
ocorrer que seja aplicada num outro processo mais tarde e portanto a questão volte a ser discutida
outra vez, pode voltar a Tribunal Constitucional e este decida num sentido totalmente oposto ao que
tinha sido decidido antes e foi o que aconteceu.

Em 2004 o Tribunal Constitucional decidiu que era inconstitucional e em 2006 foi parar ao
Tribunal Constitucional no âmbito de um outro processo e o Tribunal Constitucional aqui já disse que
não era inconstitucional. Como é que isto é possível? Neste caso não estava em causa uma alteração
substancial dos juízes porque estes mudam de 9 em 9 anos. Estes processos são julgados em secções, o
processo quando vai a primeira vez pode ir para a secção 1 e depois quando volta pode ir para a secção
3, os juízes não são os mesmos, são diferentes. Pode acontecer que uma secção a maioria dos juízes se
incline para uma determinada interpretação e depois outra já tenha a interpretação oposta.

Nestes caso para evitar uma contradição de julgados é obrigatório um recurso para o plenário
do Tribunal Constitucional, previsto no artigo 79º-D da lei do Tribunal Constitucional.
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Índice

Conceito e Axiologia de Direitos Fundamentais .................................................................................................................. 2


Introdução ...................................................................................................................................................................................... 2
Programa da Cadeira ................................................................................................................................................................. 2
Conceito ........................................................................................................................................................................................... 4
Direitos Fundamentais vs. Direitos do Homem ......................................................................................................... 5
História ............................................................................................................................................................................................ 7
Estatuto de Liberdade das Pessoas ...................................................................................................................................... 9
Direitos de Liberdade e Direitos Sociais .................................................................................................................... 10
Semelhanças entre os direitos de liberdade e os direitos sociais ................................................................... 11
Direitos Fundamentais ........................................................................................................................................................... 14
Casos Práticos ............................................................................................................................................................................ 15
Caso prático 1.2 – Fundamentação dos Atos Administrativos ......................................................................... 15
Caso 1.1 - Provas proibidas em processo penal...................................................................................................... 19
Caso 1.3 - Direito ao esquecimento.............................................................................................................................. 25
Caso 1.4. - Ensino da Religião e Moral nas escolas Públicas .............................................................................. 29
Caso 2.3 - Princípio da culpa ........................................................................................................................................... 31
Caso 2.1- Crime do lenocínio .......................................................................................................................................... 37
Caso prático - 2.4 Relação do bebé medicamento/ irmão dador..................................................................... 38
Caso 2.2 – o anão-bala ....................................................................................................................................................... 41
Força Normativa dos Direitos Fundamentais ................................................................................................................... 43
A cláusula aberta e os direitos implícitos ....................................................................................................................... 43
Aplicabilidade direta dos direitos fundamentais ........................................................................................................ 45
As restrições aos direitos fundamentais......................................................................................................................... 46
Limites Imanentes............................................................................................................................................................... 46
Condicionamentos .............................................................................................................................................................. 47
Restrições ............................................................................................................................................................................... 47
Cautelas relativamente às restrições .......................................................................................................................... 48
Vinculação das Entidades Públicas aos Direitos de Fundamentais ..................................................................... 55
Vinculação das Entidades Privadas aos Direitos Fundamentais .......................................................................... 58
Proibição do défice de proteção ......................................................................................................................................... 60
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Regime específico dos direitos, liberdades e garantias ............................................................................................ 63


Casos Práticos ............................................................................................................................................................................ 64
Caso 3.2 – Período Experimental .................................................................................................................................. 64
Caso 3.3 - Acesso a Metadados pelos Serviços de Informações ....................................................................... 67
Caso 3.4 - Prazos da ação de investigação da paternidade ................................................................................ 71
Caso 3.1 - Exame de acesso ao estágio de advocacia ............................................................................................ 75
Caso 4.3 - Vinculação e renúncia aos direitos de personalidade ..................................................................... 81
Caso 4.1 - Atividade de segurança privada ............................................................................................................... 84
Caso prático 5.2 – Testamento Vital ............................................................................................................................ 91
Isonomia dos Direitos Fundamentais ................................................................................................................................... 94
Princípio da Universalidade................................................................................................................................................. 94
Princípio da Equiparação ................................................................................................................................................. 95
Pessoas Colectivas............................................................................................................................................................... 97
Princípio da Igualdade ........................................................................................................................................................... 98
Casos Práticos .......................................................................................................................................................................... 100
Caso 6.2 - Aplicação da pena acessória de expulsão ........................................................................................... 100
Caso 6.1 - Direitos das pessoas colectivas ............................................................................................................... 103
Regime Específico dos Direitos Sociais .............................................................................................................................. 107
Princípio do Não Retorno .............................................................................................................................................. 109
Casos Práticos .......................................................................................................................................................................... 111
Caso 8.3 – Rendimento Social de Inserção .............................................................................................................. 111
Garantia Jurisdicional dos Direitos Fundamentais ....................................................................................................... 117
Objecto da Fiscalização da Constituicionalidade ...................................................................................................... 118
Parâmetros de Fiscalização ................................................................................................................................................ 119
Fiscalização Abstrata ....................................................................................................................................................... 120
Fiscalização Concreta....................................................................................................................................................... 122
Casos Práticos .......................................................................................................................................................................... 124
Caso Prático 9.1 - Presunção de inocência e prova indireta em processo penal .................................... 124
Caso 9.2 - Penhora de salário mínimo ...................................................................................................................... 129
Índice ................................................................................................................................................................................................ 139

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