Resenha - A Critica Do Jornal
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uso, distribuição e reprodução em qualquer meio, sem restrições desde que o trabalho original seja corretamente citado.
Emiliana CarvalhoI
https://orcid.org/0000-0002-6510-3700
I - UFBA.
Salvador (BA), Brasil
Resumo: Este artigo defende que a resenha é a crítica do jornal, fundada no campo jornalístico, nascida
juntamente com os princípios e valores do jornalismo moderno. Operamos a proposta de
critérios de definição de gênero: lógica enunciativa, força argumentativa, identidade discursiva
e potencialidades do mídium (SEIXAS, 2009). Observamos que as regularidades dos critérios
auxiliam a compreender o gênero, mas uma ação relativamente estável deve ser confrontada
com as propriedades da instituição da qual faz parte. Atualidade, periodicidade, objetividade
(GROTH, 2011; SCHUDSON, 2008, 2011; FRANCISCATO, 2003) agem na constituição da
resenha, voltada para o atual e o novo e de predominância argumentativa (ADAM, 1992).
Palavras-chave: resenha; crítica jornalística; gênero jornalístico.
Abstract: Review, the newspaper critique. This article argues that the review is the cultural critique
in newspapers, founded on the journalistic field, which came into being along with the
principles and values of modern journalism. We operate the proposal of criteria of definition
of gender: enunciative logic, argumentative force, discursive identity and potentialities of the
medium (SEIXAS, 2009). We observe that the regularities of the criteria help to understand the
genre, but a relatively stable action must be confronted with the properties of the institution
of which it is a part. Currency , periodicity, objectivity (GROTH, 2011, SCHUDSON, 2008,
2011, FRANCISCATO, 2003) act in the constitution of the review, oriented to the current
and the new and predominantly argumentative (ADAM, 1992).
Keywords: review; newspaper critique; journalistic genre.
Da crítica à resenha
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No Brasil, uma das mais utilizadas definições de resenha vem de José Marques de
Melo: “O gênero jornalístico que se convencionou chamar de resenha corresponde a
uma apreciação das obras-de-arte ou dos produtos culturais, com a finalidade de orientar
a ação dos fruidores ou consumidores” (MARQUES DE MELO,1994, p.125). Nessa
afirmação, o pesquisador reúne dois pontos importantes: primeiro, insere a resenha no
campo jornalístico; segundo, identifica uma de suas finalidades: orientar. Debruça-se sobre
a estrutura da resenha, ao passo que a inserção no campo jornalístico é investigada apenas
sob o critério de função da composição.
Nos produtos jornalísticos, o termo crítica define e marca essas composições
jornalísticas. “O termo resenha ainda não se generalizou no Brasil, persistindo o emprego
da palavra crítica para significar as unidades jornalísticas que cumprem aquela função e
crítico para designar quem as elabora” (MARQUES DE MELO, 1994, p.126). Esse hábito, por
assim dizer, vem justamente de suas origens, relacionadas à crítica literária, e se mantém
até então na cultura jornalística. O termo crítica carrega uma significação simbólica que
mantém e congrega em si um sentido de “legitimidade cultural” (BOURDIEU, 2007, p.155).
Os poucos estudos sobre resenha e crítica estão localizados em áreas diversas ao
campo do jornalismo, com ênfase na Linguística Aplicada. A partir da busca na Biblioteca
Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD), no Banco Digital de Teses e Dissertações
da Capes, nas revistas Galáxia, MATRIZes, FAMECOS e RBCC, anais da Intercom e da
SBPJor, além de uma investigação geral com as palavras-chave resenha, resenha crítica,
resenha jornalística e crítica jornalística, chegamos a 35 trabalhos que fazem referência
ao gênero. Destes, 16 dissertações, 4 teses e 1 artigo. Os trabalhos associam, em sua
maioria, as análises à obra de algum escritor, artista, a alguma expressão artística ou
produto cultural e midiático. Focalizam no caráter conceitual da resenha jornalística apenas
2 teses, 2 dissertações e 1 artigo. Ao final, notamos que, ainda que a resenha jornalística
encontre diversas denominações em diferentes autores (resenha crítica, crítica jornalística,
crítica militante de jornal, crítica de jornal, e crítica periodística), ao contrário da crítica
literária, a finalidade acaba sendo a mesma: orientar o leitor-consumidor de livros e outros
produtos culturais da atualidade.
Assim, o trabalho propõe uma definição de resenha jornalística por meio da
comparação de 36 textos sobre literatura: 1) Doze com chapéu crítica do caderno de
cultura diário Ilustrada do website noticioso de referência com circulação nacional Folha
de S. Paulo; 2) Doze resenhas literárias com chamadas na capa da recém-lançada revista
especializada em resenhas Quatro Cinco Um publicadas entre maio e outubro de 2017; e
3) Doze críticas literárias do renomado Álvaro Lins no cotidiano carioca Correio da Manhã
(RJ), década de 1940. O corpus selecionado representa a comparação entre: o período
em que ainda havia a publicação dos tradicionais rodapés de crítica literária nas páginas
principais de periódico cotidiano de grande circulação (Correio da Manhã – RJ/1940),
um produto contemporâneo especializado (Quatro Cinco Um) e um caderno de jornal
tradicional com seção exclusiva para veiculação de críticas de livros (Ilustrada).
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(BONINI, 1999). Embora a divisão não seja consensual na Linguística Aplicada, Adam
dividiu as sequências textuais em cinco tipos: narrativa, argumentativa, descritiva,
explicativa (também considerada expositiva por outros autores) e dialogal (ADAM, 1992).
Em linhas gerais, a sequência narrativa tem o objetivo de contar uma história; a descritiva, o
de apresentar, retratar algo ou alguém; a argumentativa o de convencer; a explicativa, o de
esclarecer/entender um fenômeno ou um conceito; a dialogal é voltada para a conversação
e a informativa, compartilhar informações. Os gêneros não são compostos apenas por
uma sequência textual. Em geral, um único tipo de texto é composto por mais de uma.
No entanto, ainda que apresente todas ou quase todas, haverá uma predominância de
uma sequência. É essa predominância que buscaremos.
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2 Sobre os principais tópicos jornalísticos e compromissos realizados pelo ato de linguagem consultar
respectivamente as páginas: 4, 5, 322 e 323 da tese Redefinindo os gêneros jornalísticos: proposta de
novos critérios de classificação. Disponível em: http://www.labcom-ifp.ubi.pt/ficheiros/20110818-seixas_
classificacao_2009.pdf.
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CRÍTICA
[1º] “Meu Coração Está no Bolso” traz 25 poemas de Frank O’Hara (1926-1966), um dos poetas americanos
mais relevantes da segunda metade do século 20. No Brasil, desde os anos 1990, ele vinha sendo traduzido
esparsamente, mas esta é a primeira reunião de poemas dele em livro.
[2º] O’Hara costuma ser considerado figura central da chamada Escola de Nova York. O termo define não um
movimento, mas um grupo de poetas-amigos com interesses em comum: o horror ao formalismo estéril do-
minante na poesia do pós-Guerra, a pintura expressionista abstrata e uma atitude informal e antiacadêmica.
[3º] A poesia de O’Hara, coloquial e de alta voltagem lírica, é tributária de Walt Whitman, do surrealismo e,
sobretudo, do lirismo ambiente, do simultaneísmo, dos poemas-passeios e poemas-conversas de Apollinaire.
Quer captar o imediato, o aqui-e-agora do poema, numa espécie de zen nova-iorquino.
[4º] Uma de suas marcas registradas é começar o poema precisando o dia, hora, o clima ou local de sua
ocorrência, como em “O Dia em que Lady Morreu”: “São 12:30 em Nova York uma sexta / três dias após o Dia
da Bastilha, sim / estamos em 1959 e estou no trem indo ao engraxate / pois vou saltar do trem das 16:19 em
Easthampton / às 9:15 eu vou direto jantar / e nem conheço as pessoas que vão me dar de comer”.
[5º] Ler poemas como esse ou o delicioso “A Um Passo Deles” é tentar acompanhar, em tempo real, a mente
atenta e fantasista do poeta enquanto flana pela metrópole e a incorpora fragmentariamente.
[6º] Já “Versos para os Biscoitos da Sorte” é composto apenas de frases paratáticas inspiradas nas mensagens
“positivas” de biscoitos da sorte de restaurantes chineses, satirizando seu tom de profecia.
[7º] O livro traz também outros poemas representativos como “Autobiografia Literária”, “O Amante”, e “À
Memória de Meus Sentimentos”.
[8º] As traduções são de alto nível, recriando os poemas em português e as características linguísticas, os
vários registros da poesia de O’Hara, muitas vezes com ganhos.
[9º] Exemplo rápido: o penúltimo verso de “Avenida A”, “but for now the moon is revealing itself like a pearl”
é vertido como “mas por ora a lua se desnuda como uma pérola”. Aqui, a própria linguagem simula, com sua
dança de letras, o strip-tease lunar.
[10º] Os 25 poemas representam 4,9% de sua obra (constam 510 peças na edição de seus poemas completos).
Como dar conta, em poucas peças, de uma poesia que, além de profusa e frenética, é marcada por várias
fases e estilos?
[11º] O livro tem o mérito de ser bilíngue (crucial em matéria de poesia), mas a colocação dos originais ao
lado das traduções, e não no fim do livro, seria uma decisão editorial mais acertada.
[12º] Apesar de terem ficado de fora poemas essenciais e representativos, é uma iniciativa louvável em
tempos de trevas: “estamos mesmo em apuros, esparramados / pés para cima apontando o sol, rostos /
minguando na escuridão colossal”.
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de poemas, os títulos dos poemas que considera mais representativos, o cuidado com
a apresentação em duas línguas, no original e em português. Ou seja, ele fez um retrato
do que o leitor deve encontrar. É interessante perceber que, dos 12 parágrafos, apenas
em dois (1º, 4º, parte do 7º, do 9º e início do 10º, sublinhados) pudemos identificar
a ocorrência de descritiva com objetos de acordo. Nos parágrafos 2º, 3º, 5º, 6º, 8º, parte do
10º e 11º, o resenhista utilizou figuras de linguagem para caracterizar o poeta e sua obra.
Identificamos a sequência argumentativa nos 11º e 12º parágrafos. A sequência
argumentativa se dá na evidência de um ato argumentativo presente nos operadores “mas”
e “apesar de” que contrapõem, sem muitos danos, a valoração positiva expressa no texto.
Ou seja, a obra apresenta muitas qualidades positivas, mas existem duas características
editoriais que não a fizeram merecer as “cinco estrelas”. Na avaliação do resenhista, um
livro de poesia, publicado no Brasil, cujo autor é americano deveria ser bilíngue, como
de fato é, mas (operador argumentativo), o melhor seria se a editora publicasse os poemas
em inglês ao lado da sua versão em português, facilitando a leitura ao mesmo tempo
em que privilegia os poemas em sua versão original. Outro argumento é que, apesar
(outro operador argumentativo) de os poemas que o resenhista considera essenciais e
representativos estarem de fora da publicação. Ou seja, “mas” e “apesar de” revelam
uma decisão editorial equivocada, ainda assim, a iniciativa de publicá-lo, no final, é
considerada válida. A resenha em questão busca avaliar a obra e, para isso, se baseia
tanto na apresentação de dados informativos (objetos de acordo) quanto na atribuição
de características qualificadoras abstratas (objetos de desacordo). Ao ler a resenha, pela
adjetivação positiva, o leitor recebe a mensagem de que vale ler a obra de O’Hara. É na
atribuição de valores positivos ou negativos que o resenhista orienta o leitor e indica (ou
não) a leitura do livro.
Expositiva/
Argumentativa Narrativa Descritiva Dialógica
Explicativa
Quatro Cinco
6 5 1
Um
Álvaro Lins 12
Ilustrada 12
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Considerações finais
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Referências
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