Resenha de O Kitsch
Resenha de O Kitsch
Resenha de O Kitsch
são dourados, seus dentes são de pérolas; o heroi, intrépido e incansavel, per-
manece um cavalheiro nos combates, o coração puro, e um amor profundo e
inalteravel. A criança é orfã, o servidor é fiel, o amigo é leal, o irmão é fra-
ternal, a mãe é maternal. O final, sempre feliz.
Essa literatura Kitsch se estendeu até a modernidade e transpôs o seu con-
teudo para o cinema, para as telenovelas, para as revistas sentimentais (Capri-
cho, Romântica, Sétimo Céu).
A emoção estética que a arte religiosa traz a seu favor tambem é desvir-
tuada: os cemitérios estão abarrotados de estátuas de Virgem-Maria, de Cristo
crucificado, Anjinhos com asinhas, Profetas, santos e santas. Nos refeitórios
abundam quadros da Santa Ceia, de Moisés, Cristo-Rei, Santa Thereza (Santa
Terezinha para os brasileiros), São Jorge Guerreiro, São Sebastião.
— O Neo-Kitsch.
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"que se inspira nos grandes inovadores, embora a interpreta-
ção por ele efetuada não se dê jamais ao nivel da cópia, mas, ao
nivel dos morfemas, dos elementos de forma (gestaltung), ao ni-
vel das doutrinas culturais" (p. 175) . "Este mediador necessá-
rio entre o criador e o mercado consumidor explora idéias e for-
mas novas criadas pelo artista, passa a adota-las e arranja as for-
mas pela diluição da sua originalidade de forma a torna-las assi-
miláveis pela camada consumidora" (p. 176) .
Nesse sentido o Kitsch moderno seria deliberadamente provocado pelo
designer em torno dos predicados de base da média, conjunto de displays:
dormir, dirigir-se ao banheiro, ir ao serviço, lazer e diversão — que é avaliado
através do grau de estereotipia de uma pessoa, de um grupo, de uma comu-
nidade, de uma cultura.
Com esse material o designer pode ter uma norma de necessidade de um
grupo.
Atualmente, o impulso dado ao estímulo ao consumo é tão importante
quanto a produção e o próprio consumo, e dai a importância tremenda que se
aplica aos designeis criativos — (termo perigoso, pois até que ponto podemos
dizer que ele é criativo?, e até que ponto o termo não se aplica a eficiência
da venda da imagem do produto e não da criação?)
O livro, pouco a pouco nos levanta vários problemas de ordem social,
que, num sentido exagerado, pode acarretar em global "Kitschização" do
mundo, na medida em que todos nós temos um pouco de Kitsch, e todos nós
somos mais ou menos previsíveis diante da máquina econômica. Universaliza••
ção das linguagens? Massificação? Escravização? Alienação?
São esses os problemas que surgem com o processo desencadeado a me-
nos de um século e que cada dia que passa acelera-se e se redefine sem exaustão.
Ao processo de diluição da informação, paralelamente, ocorre o fenôme-
no de "criação" de significados novos para os objetos de uso, por exemplo:
uma panela de ferro, com significado atualmente — ou seja, sofisticação na de-
coração. Usa-se a panela, mas não nos moldes pioneiros de antigamente, isto
é redescobre-se o objeto, mas não se redimensiona a ideologia contida na forma.
O que se intenta dizer é que a massa, com o processo de diluição cria sua
própria linguagem com elementos combinatórios infinitos possíveis, capazes de
permitir todo tipo de vida no interior daquela forma, dissociando o significan-
te do seu significado e substituindo e enriquecendo seu significado por outros
significados possíveis pelo uso: ocorre uma descontextualização do signo e rein-
serção deste num contexto novo que o carrega de significados diferentes.
A diluição é necessária à cultura pois revela o envelhecimento das formas
e, enriquecimento e redefinição dessas formas em uma nova linguagem. Afinal
não é isso o mesmo que certas vanguardas artísticas americanas fizeram com
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suas obras? Tomaram o Kitsch como conteudo •de suas mensagens fazendo a
arte erudita tomar consciência da nova linguagem que está se formando na
sociedade de consumo, fenômeno universal.
É uma pena que Abraham Moles tenha se detido apenas descritivamente
aos fenômenos estéticos do Kitsch.
MITIKO OTOFUJI
*
SOUZA (Roberto Antônio de Mello e) . — Mina R: narrativa. São Paulo.
Livraria Duas Cidades, 1973, 170 p.
Em meio às contribuições de carater pessoal e profissional sobre a atuação
da FEB na Segunda Guerra Mundial, e que vinham rareando já há alguns anos,
surge a narrativa de Roberto Antônio de Mello e Souza, cabo de um pelotão de
minas, evocando experiências vividas nos campos italianos.
" ... Era um dia bonito ainda de manhã, fim de abril sem
chuva, 'o tempo firme o ceu muito azul por igual, poucas nuvens
mas bem brancas, e naquele lugar, afundado no meio das mon-
tanhas, o capim já estava brotado e tinha uns matos mais altos,
florzinhas de todas as cores pelas colinas em volta e uma ou
outra árvore só que muito machucadas. Muito machucadas as
folhas verde-claro começando a sair dos galhos decepados a esti-
lhaço e uma delas estava estourada pela raiz porque aquilo era
terra-de-ninguem..." .
Utilizando termos bem seus, dentro de uma onomatopéia toda peculiar,
autor vai descrevendo pitorescamente a paisagem local, retornando às suas
emoções da época da guerra, na incerteza diária da luta, e na expectativa da
nova luta. Segue assim, num desencadeamento sem forma, sem métrica, sem