O Apocalipse Dos Insetos
O Apocalipse Dos Insetos
O Apocalipse Dos Insetos
questões ambientais
Cientistas tentaram calcular os benefícios que os insetos produzem. Trilhões deles polinizam cerca de três quartos de nossas
colheitas, serviço que chega a valer 500 bilhões de dólares por ano CRÉDITO: MATT DORFMAN_BRIDGEMAN IMAGES
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Popular
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S
une Boye Riis andava de bicicleta com o filho caçula, desfrutando
do sol que se punha atrás dos campos e bosques perto de sua casa,
ao norte de Copenhague, quando de repente se deu conta de que
tinha alguma coisa esquisita no ar – ou, mais precisamente, de que não
tinha alguma coisa no ar, naquele passeio.
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C
onheci Riis, um professor magricela de ciências e matemática no
ensino médio, num dia quente de junho, no ano passado. Ele estava
ansioso porque ainda não tinha escrito o discurso para a cerimônia
de formatura, que ocorreria à noite. Precisava fazer algo antes disso.
Pegou uma grande rede de caçar insetos na garagem da casa e foi de
carro até um cruzamento nas proximidades. Ali, desceu do veículo e
prendeu a rede à capota. Feita de tela branca, ela se estendia por toda a
extensão do carro; uma estaca a erguia na frente, e a rede se afunilava em
direção a uma pequena bolsa removível, atrás. Os motoristas que
passavam por ele giravam a cabeça para olhar. Enquanto ajustava a
engenhoca, Riis contemplava o carro estacionado, com certo nervosismo.
“Isso não está 100% dentro da lei”, disse, “mas, em nome da ciência…”
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Para comprovar aquilo que, a princípio, era apenas uma suspeita de que
havia algo de errado, Riis e mais de duzentos dinamarqueses passaram o
mês de junho vagando por estradas do interior em seus carros equipados
com redes. Colaboravam com um estudo conduzido pelo Museu de
História Natural da Dinamarca, num esforço conjunto com a
Universidade de Copenhague, a Universidade de Aarhus, também na
Dinamarca, e a Universidade Estadual da Carolina do Norte. As redes
fariam as vezes dos para-brisas nas excursões que os voluntários
empreenderiam por hábitats diversos – áreas urbanas, florestas,
plantações, campos não cultivados e brejos –, na esperança de quantificar
a sensação de perplexidade com o fato de, nas palavras de um dos
idealizadores do estudo, “faltar no presente algo do passado”.
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Q
ualquer um que já tenha retornado a um local da infância e
descoberto que, por algum motivo, tudo parece ter se tornado
menor, sabe que lembrar o passado com exatidão não é o forte dos
seres humanos. Isso se aplica em particular quando se trata de mudanças
no mundo natural. É impossível manter uma perspectiva fixa, como
notou Heráclito há 2 500 anos — o rio não é o mesmo, mas tampouco nós
somos os mesmos.
Peter H. Kahn e Batya Friedman, num estudo de 1995 sobre o modo como
algumas crianças de Houston experimentavam a poluição, resumiu da
seguinte forma essa nossa cegueira: “A degradação ambiental aumenta a
cada geração, mas cada uma delas entende como norma a degradação
que percebe.” A bióloga marinha Loren McClenachan encontrou uma
imagem perfeita para esse fenômeno – muitas vezes chamado de
“síndrome da mudança de referencial” – ao examinar fotos de pescadores
erguendo o produto de sua pescaria em Florida Keys ao longo de
décadas. Os peixes foram ficando cada vez menores, a ponto de presas
agora premiadas serem suplantadas por peixes que, no passado, eram
empilhados e ignorados. Mas os sorrisos nos rostos dos pescadores
permaneciam do mesmo tamanho. O mundo jamais sente que decaiu,
pois nos acostumamos à queda.
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Com toda essa abundância, é muito provável que jamais tenha ocorrido à
maioria dos entomologistas do passado que seu farto objeto de estudo
poderia algum dia vir a escassear. Enquanto se debruçavam sobre
estudos acerca do ciclo de vida e da taxonomia das espécies que os
fascinavam, poucos pensaram em medir ou registrar coisa tão aborrecida
quanto sua quantidade. Além disso, rastrear quantidade é tarefa lenta,
tediosa e desprovida de glamour. Implica montar e verificar armadilhas,
esperar anos ou décadas para que os dados comecem a tomar forma e
lidar com perguntas básicas e imediatas, abrindo mão de questões mais
sofisticadas. E quem pagaria por isso? Boa parte do financiamento para a
pesquisa acadêmica é de curto prazo, e, quando se está interessado numa
mudança invisível, geracional, afirma Dave Goulson, entomologista da
Universidade de Sussex, “um programa de monitoração de três anos não
serve para nada”. Isso é especialmente verdadeiro quando se trata de
populações de insetos, que são naturalmente variáveis e apresentam
amplas e obscuras flutuações de um ano para outro.
Q
uando os entomologistas se puseram a observar e investigar o
declínio no número de insetos, eles lamentaram a inexistência de
informação sólida do passado na qual ancorar a experiência
presente. “Vemos centenas de certo tipo de inseto e acreditamos que está
tudo bem”, diz o entomologista David Wagner. “Mas e se, duas gerações
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Se, por um lado, faltavam dados aos entomologistas, por outro, eles
dispunham, sim, de pistas muito preocupantes. Além da impressão de
que, em seus experimentos ao ar livre, estavam vendo menos insetos em
suas próprias vasilhas e redes – uma espécie de fenômeno do para-brisa
para aqueles que se valem de vasilhas e redes –, documentos
comprovavam o declínio de insetos bem estudados, como vários tipos de
abelhas, mariposas, borboletas e besouros. Na Grã-Bretanha, verificou-se
que de 30% a 60% das espécies diminuíram em variedade. Tendências
mais amplas revelaram-se mais difíceis de constatar, embora um estudo
publicado em 2014 na Science tenha tentado quantificar esses declínios
sintetizando as descobertas até então apontadas em trabalhos diversos –
concluiu-se que a maioria das espécies monitoradas estava decaindo, em
média, 45%.
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Os sinais eram com certeza alarmantes, mas eram apenas sinais. Não
justificavam grandes declarações sobre a saúde dos insetos como um
todo ou sobre o que estava provocando uma diminuição disseminada de
todas as espécies. “Não existem dados quantitativos sobre insetos e, por
isso, o que temos é apenas uma hipótese”, explicou-me Hans de Kroon,
ecologista da Universidade Radboud, na Holanda – o que não constitui
propriamente uma declaração capaz de incitar as pessoas a correr para as
barricadas.
K
refeld fica a meia hora de carro de Düsseldorf, perto da margem
oeste do Reno. É uma cidade de construções de tijolos e jardins
cheios de flores, e com um Stadtwald – floresta e parque municipal
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Sorg, que enrola seus cigarros, usa óculos ao estilo John Lennon e cujos
cabelos grisalhos descem muito além dos ombros, não tem nada de
hippie quando se trata do trabalho com os insetos. E é só de seu trabalho
que ele realmente quer falar. “Achamos que o que importa são os
detalhes sobre o declínio da natureza e da biodiversidade, e não sobre a
vida dos entomologistas”, explica, depois de ele e Werner Stenmans –
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A
sociedade de Krefeld é dirigida por voluntários, muitos dos quais
com empregos em áreas completamente diferentes, mas com vasto
conhecimento sobre insetos, acumulado ao longo de anos e
resultado de uma atenção que a outros poderia parecer obsessiva. Alguns
estudam a ecologia ou a taxonomia evolutiva de suas espécies prediletas,
ou mapeiam suas populações, ou criam insetos para poder estudar a
história de vida deles. Todos aperfeiçoam a capacidade de identificar
diferentes espécies acumulando suas próprias coleções de insetos
cuidadosamente guardadas e etiquetadas, como aquelas que enchem as
salas da sociedade. Sorg estima que, de seus 63 membros, um terço é
formado em disciplinas como biologia ou ciências da terra. Outro terço,
diz, é “altamente especializado e qualificado, mas nunca frequentou
universidade”, ao passo que o terço final é de amadores de fato, pessoas
ainda a caminho de se tornarem entomologistas “de verdade”. “Alguns
podem inclusive ter diploma universitário, mas, do nosso ponto de vista,
são iniciantes.”
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O
como a sexta extinção: a sexta vez, na história da humanidade, que
um grande número de espécies desaparece numa rapidez incomum
– agora não por culpa de asteroides ou eras glaciais, mas dos seres
humanos. Quando refletimos sobre a perda da biodiversidade,
tendemos a pensar naquele último rinoceronte-branco-do-norte,
protegido por guardas armados, ou em ursos polares sobre blocos de
gelo cada vez menores. A extinção é uma tragédia visceral,
universalmente compreendida: é um caminho sem volta. O sentimento
de culpa por permitir que uma espécie única desapareça é eterno.
Mas a extinção não é a única tragédia que vivemos hoje. E as espécies que
ainda existem, mas apenas como uma sombra do que foram? Em The
Once and Future World [O Mundo do Passado e do Futuro], o jornalista
J. B. MacKinnon cita registros de séculos recentes que sugerem o que está
sendo perdido: “No Atlântico Norte, um cardume de bacalhaus paralisa
um navio no meio do oceano; perto de Sydney, na Austrália, um capitão
navega do meio-dia ao pôr do sol por entre um grupo de cachalotes a
perder de vista. […] Pioneiros do Pacífico reclamam às autoridades que
salmões saltando na água podem provocar inundação nas canoas deles.”
Já houve relatos de leões no sul da França, de morsas na foz do Tâmisa,
de bandos de pássaros que cruzam o céu por três dias ininterruptos, de se
avistar até cem baleias-azuis no oceano Antártico, lá onde hoje se vê
apenas uma. “Essas não são imagens de alguma era remota de fogo e
gelo”, MacKinnon escreve, “estamos falando de coisas vistas por olhos
humanos, gravadas na memória humana.”
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C
ientistas já tentaram calcular os benefícios que os insetos produzem
pelo simples fato de irem tocando a vida sendo tão numerosos.
Trilhões deles, voando de flor em flor, polinizam cerca de três
quartos de nossas colheitas de alimentos, um serviço que chega a valer
500 bilhões de dólares por ano. (Isso não inclui os 80% de plantas que
florescem de forma selvagem e contam com os insetos para sua
polinização – plantas que são os pilares da vida em toda parte.) Se
cálculos monetários como esse parecem estranhos, pense no que ocorreu
no vale do condado de Maoxian, na China, onde a escassez de insetos
polinizadores exigiu a contratação de trabalhadores humanos para
substituir as abelhas, a um custo diário de até 19 dólares por trabalhador.
Cada pessoa faz de cinco a dez árvores por dia, polinizando
manualmente flores de macieira.
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M
as a questão crucial do fenômeno do para-brisa, a razão pela qual
a suspeita sinistra da ausência é tão sinistra, é que os insetos não
precisariam desaparecer por completo para que sintamos sua
falta, por razões que vão muito além da nostalgia. Em outubro último,
um entomologista enviou-me um e-mail com um “Puta merda!” na linha
de assunto e um arquivo anexo: um estudo recém-publicado em
Proceedings of the National Academy of Sciences que ele chamou de
“Krefeld vai a Porto Rico”. O estudo continha dados da década de 70 e do
início dos anos 2010, quando um ecologista chamado Brad Lister,
especializado nos trópicos, voltou à floresta onde havia estudado lagartos
– e, mais importante ainda, suas presas – cerca de quarenta anos antes.
Lister montou armadilhas pegajosas e estendeu redes pelas folhagens nos
mesmos locais em que havia feito isso na década de 70, mas, dessa vez,
ele e o coautor do artigo, Andres Garcia, apanharam muito menos
animais que antes: de dez a sessenta vezes menos biomassa artrópode do
que no passado. (Não se deve entender essa cifra como 60% menos, mas
como sessenta vezes menos: onde antes Lister capturara 473 miligramas
de insetos, ele apanhava agora apenas 8 miligramas.) “Foi devastador,
sabe?”, ele me disse. Só que mais assustador ainda era como essas perdas
estavam se espalhando pelo ecossistema, com sério declínio no número
de lagartos, pássaros e sapos. O artigo relatava uma “cascata trófica de
baixo para cima e o consequente colapso da teia alimentar da floresta”. A
caixa de entrada de Lister logo se encheu de mensagens de outros
cientistas, em especial de gente que estudava os invertebrados de solo,
todos lhe dizendo que haviam constatado declínios igualmente
assustadores. Mesmo depois de sua descoberta terrível, Lister ficou
abalado com a lista de perdas: “Eu nem sabia da crise das minhocas!”
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D
esde a publicação do estudo de Krefeld, pesquisadores começaram
a procurar outros repositórios esquecidos de informações que
possam oferecer uma janela para o passado. Alguns dos estudiosos
da Universidade Radboud analisaram dados históricos, coletados por
sociedades entomológicas holandesas, sobre besouros e mariposas em
certas reservas. Descobriram quedas significativas (de 72% e 54%) que
corroboravam as de Krefeld. Segundo o pesquisador Roel van Klink, do
Centro Alemão de Pesquisa Integrativa em Biodiversidade, antes de
Krefeld, tanto ele como a maioria dos entomologistas jamais haviam se
interessado por biomassa. Agora, ele está à procura de conjuntos de
dados históricos – muitos provenientes de pesquisas sobre pestes
agrícolas, como o estudo a respeito dos gafanhotos no Kansas, efetuado
ao longo de décadas – que possam ajudar a compor um quadro mais
completo do que está acontecendo com essas criaturas abundantes, mas
que estão em perigo. Até o momento, descobriu 140 conjuntos de dados
antigos, relativos a 1 500 localidades nas quais se poderia coletar novas
amostragens.
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Chris Thomas crê que essa tradição naturalista é também o motivo pelo
qual a Europa está agindo bem mais depressa que outros lugares – os
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Deter esse declínio, contudo, vai exigir bem mais do que isso. A União
Europeia já havia tomado medidas para encorajar os polinizadores –
entre elas, instituir para os pesticidas uma regulamentação mais severa
do que aquela em vigor nos Estados Unidos, além de estimular, mediante
remuneração aos fazendeiros, a criação de hábitats para insetos, deixando
terras sem cultivo e criando faixas naturais à margem das plantações –,
mas as populações de insetos seguiram caindo. Novos relatórios
conclamam os governos nacionais a colaborar com abordagens mais
criativas, como integrar os hábitats dos insetos nos projetos de estradas
de rodagem, linhas de transmissão de energia, estradas de ferro e
infraestrutura em geral. E, como sempre, a realizar novos estudos. As
mudanças necessárias, assim como as causas, podem ser profundas. “É só
mais uma indicação de que estamos destruindo o sistema que dá suporte
à vida neste planeta”, diz Lister sobre o estudo em Porto Rico. “A
natureza é resistente, mas nós a estamos conduzindo a um ponto tão
extremo que poderá ocorrer um colapso do sistema.”
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N
a Dinamarca, a excursão de Sune Boye Riis em seu carro com rede
levou-nos por uma pequena extensão de bosques, alguns jardins
suburbanos, cercas vivas e uma plantação de pinheiros de Natal. A
coisa mais parecida com o prado pela qual passamos foi uma grande
propriedade militar em que se permitiu à grama crescer alta e dourada.
Riis tinha sido instruído a não ir muito rápido, razão pela qual uma fila
de carros se formou atrás de nós, e alguns começaram a buzinar. “Bom”,
ele disse, “lá se vai a ciência.” Depois de quase 5 quilômetros, ele deu
meia-volta e retornou ao ponto de partida. Seu para-brisa permanecia
zombeteiramente limpo.
Riis tem quatro amigos que também participam do estudo. Fizeram uma
aposta: quem apanharia o maior inseto? “Estou bem na retaguarda”, ele
diz. “Uma mamangava está ganhando.” Sua maior presa? “Uma mosca.
Nem das grandes é.”
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[1] Uma “cadeia alimentar” é formada por uma sequência de seres vivos
em que um deles serve de alimento para o outro. “Teia alimentar” é o
conjunto de diferentes cadeias alimentares interconectadas em
determinado ecossistema.
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