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Fichamento - Alain Guerreau

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ALAIN GUERREAU

1. Relação de "dominium"
 A "originalidade fundamental das relações feudais deve ser, pelo contrário,
procurada na assimilação total do poder sobre a terra e do poder sobre os
homens." P. 218
 "A primeira conclusão que se impõe nitidamente é que a relação de
dominium ou de seignorie era uma relação de poder visando
indissoluvelmente homens e uma terra." P. 221 "Em resumo: demaine, pöesté,
seignorie (...) designam a mesma relação social (...)" P. 221
 Duas precisões necessárias: 1) A relação não comporta nenhum sentido
"econômico" implícito. O termo homo (...) tem justamente o sentido
complementar do de dominus, potens, senhor, pois que significa dependente
de qualquer tipo. 2) Há uma fortíssima conotação religiosa.
 O dominium é uma relação social multifuncional, que inclui as relações de
produção. O que é decisivo é a ligação entre a dependência das terras e a
dos homens. Tal relação não pode ser assimilada ao esquema simplista da
oposição senhores/camponeses, pois nossa noção de camponês é
inadequada ao modo de produção feudal, e além disso a noção de dominium
é muito mais complexa e multifuncional.

2. Os parentescos artificiais
 Traços principais do sistema de parentesco da Europa feudal: casamento
indissolúvel, monogamia, exogamia extrema, indistinção da terminologia.
Reduzem-se depois a dois: indissolubilidade e exogamia extrema.
 A estrutura de parentesco estava subordinada à estrutura eclesiástica.
 Parentesco espiritual, artificial ou pseudoparentesco  Estando a estrutura
eclesiástica articulada pelo pseudoparentesco, "torna-se possível defender
que na Europa feudal o parentesco estava subordinado ao
pseudoparentesco." P. 232
 Cidades  grupos que se formam muito mais por laços religiosos
(parentesco artificial) que por parentais  manipulação do parentesco
muito mais organizada.

3. O sistema feudal como ecossistema


 É "preciso ter uma ideia, região por região, das possibilidades e dos limites
que a combinação topografia-solo-clima proporciona em função de diversos
sistemas técnicos."
 "Cada sistema agrário oferece sempre uma certa gama de possibilidades" 
Essas opções levam a considerações sociais de diversos ordens  a parte
das relações de classes é com freqüência muito grande.
 Ou seja, põe-se o problema das relações entre coações naturais e coações
sociais: "em que medida as segundas estão em contradição com as
primeiras, ou, pelo contrário, são nitidamente adaptativas?" P. 234  saber
quem decide das produções e em função de que imperativos.
 Qual o papel da natureza e o tamanho da exploração sobre a produção e o
sistema em geral? Guerreau pensa que, em cada momento, existia um
tamanho "ótimo"; e que "a célula de base não era, no sistema feudal, a
exploração familiar, mas o grande domínio ou o senhorio, dentro dos quais
o papel e o tamanho das grandes e das pequenas explorações eram
importantes, mas eram-no essencialmente em função das condições gerais
nas quais se encontrava o senhorio (integração num sistema mais vasto...)."
P. 235
 Dois meios de acumular riquezas além da exploração direta: a pilhagem e o
comércio.
  "De fato, não podia haver integração econômica completa do sistema
feudal: essa integração supunha um domínio dos negociantes, que era
contraditório com as bases do sistema. É aliás por isso que esse domínio de
uma classe não feudal foi uma condição prévia (...) da implantação de um
novo sistema econômico." P. 236
  É "necessário considerar a guerra como o principal fator de coesão do
sistema feudal; a expedição militar era o meio por excelência de atualizar e
tornar efetivos os laços hierárquicos e horizontais cuja razão de ser eram
justamente os casos de confronto"  "os resultados habituais dessas
expedições (...) eram as conquistas territoriais e os casamentos, ou seja, por
um lado, o domínio adquirido sobre terras e homens, ganho de prestígio e
de poder, (...) e, por outro lado, um laço matrimonial suplementar que
vinha reforçar uma rede de parentesco geralmente já estabelecida." P. 236
 Esboço da evolução do sistema feudal:
 1) Patrimonialidade completa do poder sobre as terras e os homens
provocou uma sucessão infinita de partilhas e de guerras durante as quais
se instaurou a:  Primeira lógica feudal: "grandes domínios quase
autônomos, nas mãos de aristocratas agrupados em espécies de
confederações muito frouxas, fundadas na fidelidade e em laços de
parentesco, tão pouco nítidos uns como os outros." P. 237
 2) Esforços dos carolíngios em manter a dita patrimonialidade 
recomeçam as guerras intestinas após um período de desagregação.
 3) A Igreja reforça-se. Estabelecimento da exogamia e o casamento.
 4) Bloqueio da lógica da guerra exterior pelo desmoronamento de uma
autoridade central.
 5) Desaparecimento dos grandes domínios (séc. XI) : "tendo a lógica tribal
deixado igualmente de funcionar, já nada ligava eficazmente os aristocratas,
e o sistema do grande domínio viu-se ele próprio abalado, fragmentou-se, e
daí um novo florescimento demográfico devido às instalações incontroladas
em zonas até então não cultivadas: os grandes domínios, ainda visíveis no
século X, desapareceram no século XI." P. 238  "É esse desmoronamento
da estrutura dominial que me parece a causa imediata das iniciativas
maciças da população rural em numerosas regiões, que arrastaram consigo
o famoso florescimento dos séculos XI-XII. Trata-se, portanto, de uma
lógica de todo o sistema, que faz intervir o parentesco, a guerra, a Igreja, o
sistema dominial e mesmo certas propriedades do ecossistema (...)." P. 239
Incrível!
 6) "A aristocracia reorganizou-se com base na guerra interna em pequena
escala, provocando assim uma séria anarquia aparente, ao mesmo tempo
que o aumento da população tornava cada vez mais necessário o recurso às
trocas, donde os choques imediatos e brutais entre os feudais e os primeiros
mercadores." P. 238
 7) "No século XIII nasceu o Estado feudal: moeda real, tribunal superior,
administradores locais delegados, universidades, línguas vernáculas
elevadas à dignidade da escrita. (...) O nascimento deste Estado foi o
produto de dois fenômenos ligados entre si: o aumento da população até
um máximo inultrapassável no estado em que se encontravam as técnicas e
a coalescência rápida dos laços de vassalagem." P. 240  "O sistema feudal
esboçou-se no século XI, desenvolveu-se no século XII e morreu antes de
estar completado, no século XIII, nos braços da realeza. Neste ponto, Guizot
tinha visto perfeitamente a evolução. O feudo (...) foi uma forma
absolutamente transitória, incerta e fluida, que desapareceu antes de formar
uma estrutura, pela única rezão de que foi um simples aspecto do
movimento de constituição dos principados e das monarquias, as quais,
uma vez estabelecidas, se apressaram a desembaraçar-se dele, esvaziando-o
de toda a substância." P. 241
 8) Guerra dos Cem Anos : "necessidade para os feudais de uma prática que
lhes permite restabelecer nitidamente a sua dominação social e o seu
controle completo sobre a estrutura estatal. Até à sua queda, o Estado
feudal funcionou segundo a lógica feudal; a feudalização progressiva das
funções de Estado (...) acompanhou a par e passo a integração dos feudais
na estrutura do Estado e a manutenção geral de um funcionamento
orientado para a conquista territorial e bloqueando todo o pôr em causa do
primado da relação de dominium. (...) A lógica das trocas, embora
subordinada, nem por isso deixava de existir e o "pleno" do sistema no seu
centro deu-lhe um papel de fato crescente; as orlas, até então objeto de
conquista, tornaram-se cada vez mais fornecedoras de produtos." P. 241 Ao
mesmo tempo, evolução da agricultura para uma maior especialização e
relação de trabalho assalariado.
 9) "Neste segundo período do feudalismo, do século XIII ao século XVIII, o
amontoamento demográfico no centro do sistema e o desenvolvimento de
uma articulação muito mais nítida centro - recinto circular - periferia
trouxeram consigo o nascimento e o reforço de estruturas estatais (...)." P.
242
 10) Conclusão  "Assim, no seu conjunto, o caráter dominante da
evolução, do século XIII ao século XVIII, foi sem dúvida um movimento de
integração crescente; este movimento desenrolou-se conforme os locais,
com ritmos diferentes que fizeram amadurecer as contradições cuja
explosão arrastou consigo, por todo o lado, o desaparecimento da relação
de dominium e o aparecimento de mecanismos que se denominam políticos,
correspondendo a uma forma de Estado dominada por uma classe definida
doravante por características ditas econômicas." P. 244

4. A dominação da Igreja
 "De uma maneira mais geral, a Igreja apresenta-se como a principal força
motora do sistema feudal, do Baixo Império até ao século XVI, pelo menos."
P. 249
 "Viu-se de fato que o sitema de produção feudal, sintetizado na relação de
dominium, assentava em dois pilares: a ligação dos homens ao solo e a
coesão da organização da aristocracia." P. 249
 "Quanto à organização da aristocracia, essa função foi quase monopolizada
pela Igreja até ao século XIII; em seguida, ela teve de partilhá-la com os
Estados. (...) De fato, até ao século XIII, a perdurabilidade e homogeneidade
da Igreja constituíram o único fundamento da coisão aristocrática, o único
contrapeso eficaz à lógica tribal e guerreira que articulava a aristocracia
feudal: donde a importância absolutamente fundamental de uma separação
extrema entre a ordo clericorum et ordo laicorum; estava de fato em causa a
sobrevivência do sistema enquanto tal." P. 250
 "A Igreja controlava, portanto, na realidade muito estreitamente os aspectos
essenciais da relação de dominium; parece definitivamente necessário dizer
que a Igreja organizava não apenas a produção mas as próprias relação de
produção." P. 250
 Tripla oposição que está, segundo Guerreau, na raiz do feudalismo:
profano/sagrado, fiéis/clero, servidores/senhor.
 Conclusão  "A Igreja dominou incontestavelmente todos os aspectos do
sistema feudal europeu. Controlando o ensino e o parentesco, ela controlava
a sua reprodução. Assegurando, por si só até ao século XIII, e em seguida
parcialmente, os fundamentos essenciais da relação de dominium, ela
controlava, por isso mesmo, as relações de produção. Ela tirava essa força e
essa possibilidade de controle da sua organização, ao mesmo tempo
estreitamente ligada à aristocracia pela sua reprodução biológica e
rigorosamente separada de toda a sociedade laica pelo celibato de todos os
seus membros: esta separação concretizava socialmente a oposição
sagrado/profano, sacralizava mais e protegia os clérigos, se não os seus
bens; concretizava igualmente o parentesco espiritual em estado puro e
reforçava, assim, o poder dos clérigos em manipular os diversos aspectos do
parentesco natural e espiritual (...)." P. 256

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