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Distúrbios Respiratorios Do Sono

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ISSN 1806-3713

Seja o primeiro a se converter. J Bras Pneumol. v.36, Suplemento 2, p. S1-S61 Junho 2010

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Paulo.Sollberger@resmed.com
Claudia Albertini Yagi

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Clinical Specialist
claudia.yagi@resmed.com
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XXXV CONGRESSO BRASILEIRO
DE PNEUMOLOGIA E TISIOLOGIA
ISSN 1806-3713

Publicação Bimestral J Bras Pneumol. v.36, Suplemento 2, p. S1-S61 Junho 2010


Editor Chefe
José Antônio Baddini Martinez – Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP

Associação Brasileira Editores Associados


de Editores Científicos Afrânio Lineu Kritski – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ
Álvaro A. Cruz – Universidade Federal da Bahia, Salvador, BA
Fábio Biscegli Jatene – Universidade de São Paulo, São Paulo, SP
Ilma Aparecida Paschoal – Universidade de Campinas, Campinas, SP
Publicação Indexada em: José Alberto Neder – Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP
Latindex, LILACS, Scielo Renato Tetelbom Stein – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS
Brazil, Scopus, Index Sérgio Saldanha Menna-Barreto – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS
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Conselho Editorial
Knowledge e MEDLINE Alberto Cukier – Universidade de São Paulo, São Paulo, SP
Ana C. Krieger – New York School of Medicine, New York, USA
Disponível eletronicamente nas Ana Luiza Godoy Fernandes – Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP
versões português e inglês: Antonio Segorbe Luis – Universidade de Coimbra, Coimbra, Portugal
www.jornaldepneumologia.com.br e Brent Winston – Department of Critical Care Medicine, University of Calgary, Calgary, Canada
www.scielo.br/jbpneu Carlos Alberto de Assis Viegas – Universidade de Brasília, Brasília, DF
Carlos Alberto de Castro Pereira – Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP
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Carlos Roberto Ribeiro de Carvalho – Universidade de São Paulo, São Paulo, SP
Carmen Silvia Valente Barbas – Universidade de São Paulo, São Paulo, SP
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Geraldo Lorenzi-Filho – Universidade de São Paulo, São Paulo, SP
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Isabela C. Silva – Vancouver General Hospital, Vancouver, BC, Canadá
J. Randall Curtis – University of Washington, Seattle, Wa, USA
John J. Godleski – Harvard Medical School, Boston, MA, USA
José Dirceu Ribeiro – Universidade de Campinas, Campinas, SP, Brazil
José Miguel Chatkin – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS
José Roberto de Brito Jardim – Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP
José Roberto Lapa e Silva – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ
Kevin Leslie – Mayo Clinic College of Medicine, Rochester, MN, USA
Luiz Eduardo Nery – Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP
Marc Miravitlles – Hospital Clinic, Barcelona, España
Marcelo Alcântara Holanda – Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, CE
Marcos Ribeiro – University of Toronto, Toronto, ON, Canadá
Marli Maria Knorst – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS
Marisa Dolhnikoff – Universidade de São Paulo, São Paulo, SP
Mauro Musa Zamboni – Instituto Nacional do Câncer, Rio de Janeiro, RJ
Nestor Muller – Vancouver General Hospital, Vancouver, BC, Canadá
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Paulo Francisco Guerreiro Cardoso – Pavilhão Pereira Filho, Porto Alegre, RS
Paulo Pego Fernandes – Universidade de São Paulo, São Paulo, SP
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Rik Gosselink – University Hospitals Leuven, Bélgica
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Rogério de Souza – Universidade de São Paulo, São Paulo, SP
Talmadge King Jr. – University of California, San Francisco, CA, USA
Thais Helena Abrahão Thomaz Queluz – Universidade Estadual Paulista, Botucatu, SP
Vera Luiza Capelozzi – Universidade de São Paulo, São Paulo, SP
ISSN 1806-3713

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Secretaria: SEPS 714/914, Bloco E, Asa Sul, salas 220/223. CEP 70390-145 - Brasilia - DF, Brasil.
Telefone 0800 616218. Site: www.sbpt.org.br. E-mail: sbpt@sbpt.org.br

O Jornal Brasileiro de Pneumologia ISSN 1806-3713, é uma publicação bimestral da Sociedade


Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. Os conceitos e opiniões emitidos nos artigos são de
inteira responsabilidade de seus autores. Permitida a reprodução total ou parcial dos artigos,
desde que mencionada a fonte.

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APOIO:
ISSN 1806-3713

Publicação Bimestral J Bras Pneumol. v.36, Suplemento 2, p. S1-Sxx Junho 2010

Distúrbios respiratórios do sono


1 - Epidemiologia dos distúrbios respiratórios do sono
Epidemiology of sleep-disordered breathing
Carlos Alberto de Assis Viegas
4 - Fisiopatologia dos distúrbios respiratórios do sono
Pathophysiology of sleep-disordered breathing
Luciana de Oliveira Palombini
10 - História clínica e exame físico em SAOS
Obstructive sleep apnea syndrome: clinical history and physical examination
Gleison Marinho Guimarães
13 - Aspectos genéticos da SAOS
Genetic aspects of obstructive sleep apnea syndrome
Adriane C. Mesquita Petruco, Maurício da Cunha Bagnato
17 - Ronco: critérios diagnósticos e tratamento
Snoring: diagnostic criteria and treatment
Flávio José Magalhães da Silveira, Ricardo Luiz de Menezes Duarte
19 - Critérios diagnósticos e tratamento dos distúrbios respiratórios do sono: RERA
Diagnostic criteria and treatment for sleep-disordered breathing: RERA
Luciana de Oliveira Palombini
23 - Critérios diagnósticos e tratamento dos distúrbios respiratórios do sono: SAOS
Diagnostic criteria and treatment for sleep-disordered breathing: obstructive sleep apnea
syndrome
Lia Rita Azeredo Bittencourt, Eliazor Campos Caixeta
28 - Consequências do ronco não-tratado
Consequences of untreated snoring
Flávio José Magalhães da Silveira, Ricardo Luiz de Menezes Duarte
32 - Alterações cognitivas na SAOS
Cognitive impairment in obstructive sleep apnea syndrome
Pedro Felipe Carvalhedo de Bruin, Mauricio da Cunha Bagnato
38 - Consequências cardiovasculares na SAOS
Cardiovascular consequences of obstructive sleep apnea syndrome
Geraldo Lorenzi Filho, Pedro Rodrigues Genta, Rodrigo Pinto Pedrosa,
Luciano Ferreira Drager, Denis Martinez
43 - Consequências metabólicas na SAOS não tratada
Metabolic consequences of untreated obstructive sleep apnea syndrome
Glaucia Carneiro, Francisco Hora Fontes, Sônia Maria Guimarães Pereira Togeiro
47 - Hipoventilação relacionada ao sono
Sleep hypoventilation
Sonia Maria Guimarães Pereira Togeiro, Francisco Hora Fontes
53 - Sono e doenças pulmonares crônicas: pneumopatias intersticiais difusas, asma brônquica
e DPOC
Sleep and chronic lung diseases: diffuse interstitial lung diseases, bronchial asthma, and COPD
Marília Montenegro Cabral, Paulo de Tarso Mueller
57 - Apneia obstrutiva do sono em crianças
Obstructive sleep apnea in children
Simone Chaves Fagondes, Gustavo Antonio Moreira
Apresentação

“He provides as much for His loved ones while they sleep” - Psalms 127:2.

É bastante provável que muitos milhões de brasileiros apresentem distúrbios respirató-


rios do sono (DRS) que não são tratados ou sequer diagnosticados. Portanto, esses pacientes
sofrem com a deterioração da qualidade de vida, uma vez que essa não existe sem a qualidade
de sono, e, ainda mais, tendo que lidar com complicações desses distúrbios, quando não tra-
tados. Para que possamos responder adequadamente a esse grave problema de saúde pública,
nós, pneumologistas em especial, devemos nos educar corretamente para interpretar os acha-
dos clínicos, características, comorbidades e impacto dos distúrbios respiratórios do sono sobre
a saúde global do indivíduo. Devemos obviamente estar aptos a diagnosticar e tratar adequa-
damente esses transtornos.
O presente suplemento do Jornal Brasileiro de Pneumologia tenta cobrir, não de forma
definitiva, uma visão geral dos DRS, tais como sua epidemiologia, história clínica, fatores
de risco e fisiopatologia, bem como as condições a eles associadas, tais como sonolência
diurna excessiva, obesidade, alterações do humor e diminuição da qualidade de vida. De forma
também importante, são discutidos os impactos dos DRS sobre os sistemas cardiovascular e
endócrino, bem como suas consequências cognitivas, como diminuição da atenção, memória
e concentração, que são fatores de risco para o aumento do número de acidentes de trânsito
e de trabalho.
Finalmente, gostaríamos de lembrar que nenhum campo da medicina é estático e que,
portanto, devemos estar preparados para o aprendizado contínuo de novas ordens e desordens.
Assim, esperamos que este Suplemento do Jornal Brasileiro de Pneumologia sirva de estímulo
para que estudantes, pesquisadores e, principalmente, pneumologistas, se envolvam com essa
fascinante área da medicina.

Carlos Alberto de Assis Viegas


Coordenador da Comissão de Distúrbios Respiratórios do Sono da SBPT
Distúrbios respiratórios do sono
Epidemiologia dos distúrbios respiratórios do sono
Epidemiology of sleep-disordered breathing

Carlos Alberto de Assis Viegas

Resumo
Os principais distúrbios respiratórios do sono, ronco e SAOS, são muito prevalentes na população geral, embora
se acredite que a maioria dos casos continue não diagnosticada. Devemos estar atentos para os principais fatores
de risco que favorecem o aparecimento desses distúrbios, como gênero masculino, obesidade, envelhecimento
e características crânio-faciais. Da mesma forma, a presença de hipertensão arterial sistêmica, enfermidades
cardiovasculares e metabólicas deve nos alertar para a possibilidade da concomitância de SAOS.
Descritores: Síndromes da apneia do sono/prevenção & controle; Síndromes da apneia do sono/epidemiologia;
Apneia do sono tipo obstrutiva/prevenção & controle.

Abstract
The principal types of sleep-disordered breathing—snoring and obstructive sleep apnea syndrome—are highly
prevalent in the general population, although it is believed that the majority of cases continue to go undiagnosed.
We should be aware of the principal risk factors that favor the onset of these disorders, such as male gender,
obesity, aging and craniofacial features. Similarly, systemic arterial hypertension, cardiovascular diseases and
metabolic disorders should alert us to the possibility of obstructive sleep apnea syndrome.
Keywords: Sleep apnea syndromes/prevention & control; Sleep apnea syndromes/epidemiology; Sleep apnea,
obstructive/prevention & control.

Em um inquérito realizado pela Fundação em 17,9% da população masculina e em 7,4%


Americana do Sono, no ano de 2005, da feminina.(3) Em outro estudo analisando uma
encontrou-se, na população geral, uma amostra populacional com mais de 65 anos, a
tendência de redução no número de horas de prevalência de ronco foi de 33% para os homens
sono tanto durante a semana quanto nos finais e de 19% para as mulheres.(4) Estudos recentes
de semanas. Observou-se ainda que 40% dos sugerem que a obesidade central e o tabagismo
entrevistados dormiam menos de 7 h por noite são determinantes chaves para a intensidade e
durante a semana e que 34% apresentavam risco habitualidade dos roncos. A transição de ronco
de ter algum distúrbio do sono. Assim sendo, os habitual para o desenvolvimento de SAOS ainda
distúrbios respiratórios relacionados com o sono não está clara e envolvem fatores como idade,
têm grande prevalência na população geral, sendo obesidade, gênero e etnicidade, bem como a
que, provavelmente, a maioria continue sem ter presença de outras comorbidades.
o diagnóstico realizado, mesmo sabendo-se que No que se refere a outros distúrbios do sono,
o diagnóstico precoce seguido de tratamento a segunda edição da Classificação Internacional
proporciona melhora clínica do paciente, bem de Distúrbios do Sono inclui não somente os
como pode evitar consequências negativas para despertares relacionados a esforços respiratórios
o organismo.(1) dentro do IAH (expresso em eventos/hora de
O ronco é o ruído causado pela vibração das sono), mas também considera a resistência
estruturas flácidas nas vias aéreas superiores, aumentada das vias aéreas superiores como parte
devido a seu estreitamento, que ocorre do continuum de SAOS.(5) Em 2002, o Sleep Heart
habitualmente durante a inspiração. Ele pode Health Study, avaliando 5.615 homens e mulheres
acontecer em todos os estágios do sono, mas com idades entre 40 e 98 anos, encontrou,
em especial durante o sono NREM. O ronco está naqueles que relatavam ronco habitual e alto
presente em 30-40% da população com mais de com frequentes pausas respiratórias, uma chance
50 anos de idade.(2) Em um estudo na Suécia entre 3 e 4 vezes maior de apresentar IAH > 15.(6)
envolvendo quase 5.000 participantes com idades Em outro estudo avaliando prospectivamente
entre 20 e 69 anos, encontrou-se que o ronco, roncadores habituais, encontrou-se que
se apresentando como problema, estava presente 24% dos homens e 9% das mulheres tinham

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2 Viegas CAA

IAH > 5, levando-se em consideração ou não a obesidade e resistência à insulina é motivo


presença de sintomas diurnos, enquanto 9% dos para a investigação de síndrome metabólica.(9)
homens e 4% das mulheres tinham IAH > 15.(7) Recentemente, foi sugerido que pacientes com
Lembramos que, após o início da menopausa, as SAOS apresentam níveis mais altos de insulina de
mulheres apresentam uma maior prevalência de jejum e que obesidade e distúrbios respiratórios
SAOS quando comparadas com mulheres antes do sono são determinantes independentes para
desse início. Também foi relatada uma maior o aumento da resistência à insulina. Além disso,
prevalência de ronco em mulheres grávidas, a associação entre SAOS e resistência à insulina
quando comparadas com o período antes da pode ser encontrada em pacientes obesos e
gravidez, e que hipertensão e pré-eclampsia se não obesos.(11) Sobre esse tema, lembramos que
desenvolvem mais em grávidas roncadoras que outros importantes trabalhos revelam a possível
em não roncadoras.(8) associação entre SAOS, síndrome metabólica e
A apneia do sono é a parada da respiração doença cardiovascular.(12,13)
durante o sono, que tem como critério para Finalmente, salientamos que SAOS grave
sua definição a redução do fluxo inspiratório está associada, de forma independente, a
em mais de 50% por pelo menos 10 s. A apneia doença arterial, inclusive periférica,(14) e que,
obstrutiva, causada pelo fechamento das vias embora o acidente vascular encefálico não se
aéreas superiores, apresenta parada do fluxo associe isoladamente com roncos, esse está
aéreo nasal e bucal, com manutenção do esforço independentemente associado a hipertensão,
ventilatório pela musculatura inspiratória, tabagismo e índice de sonolência diurna
incluindo os movimentos toracoabdominais. excessiva.(15)
No caso de apneias mistas, os episódios
obstrutivos se iniciam como uma apneia central Referências
e continuam como apneia obstrutiva. Do ponto 1. National Sleep Foundation. 2005 Sleep in America Poll.
de vista clínico, essa situação deve receber a Washington, DC: National Sleep Foundation; 2006.
mesma consideração como no caso das apneias 2. Pascual AB, Siurana EG, Sánchez PR. Tema 14:
Trastornos de la respiración inducidos por el sueño. In:
obstrutivas.(2) Universidad Pablo de Olavide y El Colegio de América
A prevalência de qualquer tipo de apneia Centro de Estudios Avanzados para América Latina y
aumenta com a idade, sendo que as apneias el Caribe, coordinators. Master en Sueño: Fisiología y
centrais contam mais para esse aumento durante Medicina. Barcelona: Viguera; 2007. p. 373-95.
3. Larsson LG, Lindberg A, Franklin KA, Lundbäck B.
o envelhecimento. Entretanto, a gravidade da Gender differences in symptoms related to sleep apnea
apneia do sono, indicada pelo número de eventos in a general population and in relation to referral to
e pela gravidade dos valores mínimos de SpO2, sleep clinic. Chest. 2003;124(1):204-11.
diminui com a idade, ou seja, nessa situação, 4. Enright PL, Newman AB, Wahl PW, Manolio TA,
Haponik EF, Boyle PJ. Prevalence and correlates of
embora a prevalência tenda a aumentar, seu snoring and observed apneas in 5,201 older adults.
significado clínico diminui. Podemos dizer que Sleep. 1996;19(7):531-8.
o envelhecer está associado com uma maior 5. American Academy of Sleep Medicine. The International
prevalência de SAOS, sem estar claro, no entanto, Classification of Sleep Disorders: Diagnostic and Coding
Manual. Westchester: American Academy of Sleep
se SAOS no idoso representa o mesmo distúrbio Medicine; 2005.
que no adulto de meia idade.(9) 6. Young T, Shahar E, Nieto FJ, Redline S, Newman
No que se refere ao fator étnico, foi AB, Gottlieb DJ,  et  al. Predictors of sleep-disordered
breathing in community-dwelling adults: the Sleep
observado um aumento do risco para SAOS entre
Heart Health Study. Arch Intern Med. 2002;162(8):893-
negros, latinos e asiáticos, com sugestão de que 900.
as características crânio-faciais desses grupos 7. Young T, Palta M, Dempsey J, Skatrud J, Weber
populacionais devem contribuir para esses S, Badr S. The occurrence of sleep-disordered
breathing among middle-aged adults. N Engl J Med.
maiores índices de eventos obstrutivos durante
1993;328(17):1230-5.
o sono.(10) Deixamos claro que esses resultados 8. Franklin KA, Holmgren PA, Jönsson F, Poromaa N,
devem sempre ser controlados para idade, índice Stenlund H, Svanborg E. Snoring, pregnancy-induced
de massa corporal e circunferência do pescoço. hypertension, and growth retardation of the fetus.
Chest. 2000;117(1):137-41.
Da mesma forma que o diagnóstico de 9. Yuen KM. Epidemiology in obstructive sleep apnea. In:
SAOS deve nos sugerir a possibilidade de outros Kushida CA, editor. Handbook of sleep disorders. New
diagnósticos, a presença clínica de SAOS, York: Informa Healthcare; 2007. p. 27-38.

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Epidemiologia dos distúrbios respiratórios do sono 3

10. Scharf SM, Seiden L, DeMore J, Carter-Pokras O. Racial 13. Vgontzas AN, Bixler EO, Chrousos GP. Sleep apnea is
differences in clinical presentation of patients with sleep- a manifestation of the metabolic syndrome. Sleep Med
disordered breathing. Sleep Breath. 2004;8(4):173-83. Rev. 2005;9(3):211-24.
11. Ip MS, Lam B, Ng MM, Lam WK, Tsang KW, Lam KS. 14. Nachtmann A, Stang A, Wang YM, Wondzinski E,
Obstructive sleep apnea is independently associated Thilmann AF. Association of obstructive sleep apnea
with insulin resistance. Am J Respir Crit Care Med. and stenotic artery disease in ischemic stroke patients.
2002;165(5):670-6. Atherosclerosis. 2003;169(2):301-7.
12. Coughlin SR, Mawdsley L, Mugarza JA, Calverley PM, 15. Davies DP, Rodgers H, Walshaw D, James OF,
Wilding JP. Obstructive sleep apnoea is independently Gibson GJ. Snoring, daytime sleepiness and stroke:
associated with an increased prevalence of metabolic a case-control study of first-ever stroke. J Sleep Res.
syndrome. Eur Heart J. 2004;25(9):735-41. 2003;12(4):313-8.

Sobre o autor
Carlos Alberto de Assis Viegas
Professor Adjunto. Faculdade de Medicina, Universidade de Brasília, Brasília (DF) Brasil.
E-mail para contato: viegasc@uol.com.br (C. Viegas)

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4

Fisiopatologia dos distúrbios respiratórios do sono


Pathophysiology of sleep-disordered breathing

Luciana de Oliveira Palombini

Resumo
O sono representa uma fase na qual o sistema respiratório sofre importantes mudanças que levam a uma maior
vulnerabilidade e maior chance de ocorrência de anormalidades, mesmo em indivíduos normais. Na transição da
vigília para o sono, existe normalmente um aumento da resistência de via aérea superior e prejuízo de diferentes
respostas e reflexos protetores, os quais são eficientes em promover e manter a patência da via aérea superior
durante a vigília. Em indivíduos que apresentam fatores de risco, tais como anormalidades anatômicas em via
aérea superior, essas mudanças associadas ao sono não conseguem ser compensadas de forma eficaz e, com isso,
ocorre uma maior chance de ocorrer um distúrbio respiratório do sono. Os distúrbios respiratórios do sono são
caracterizados por diferentes graus de diminuição do espaço das vias aéreas superiores. Essa diminuição tem causas
multifatoriais, que incluem anormalidades da anatomia de via aérea superior, alteração da resposta neuromuscular
e de alterações em receptores de via aérea superior. Provavelmente muitas alterações funcionais e anatômicas
em via aérea superior são de característica genética, tornando o individuo com maior risco quando exposto a
determinados fatores ambientais, tais como alergias, e a partir da combinação destes fatores haverá uma maior
chance de desenvolver distúrbios respiratórios do sono.
Descritores: Transtornos do sono; Síndromes da apneia do sono; Sono/fisiologia.

Abstract
Sleep is a phase during which the respiratory system undergoes major changes. These changes lead to greater
vulnerability and a greater risk of abnormalities, even in normal individuals. In the transition from wakefulness to
sleep, there is commonly an increase in upper airway resistance and impairment of various protective responses
and reflexes, which are efficient in promoting and maintaining upper airway patency during wakefulness. In
individuals who present risk factors, such as anatomical abnormalities in the upper airway, these sleep-related
changes cannot be efficaciously compensated, which increases the chances that sleep-disordered breathing will
occur. Sleep-disordered breathing is characterized by a reduction in the size of upper airways, although the degree
of the reduction varies. This reduction has multifactorial causes, which include anatomical abnormalities in the
upper airway, alterations in the neuromuscular response and impairment of receptors in the upper airway. Upper
airway functional and anatomical changes are likely to have genetic components, and, therefore, individuals
exposed to certain environmental factors, such as allergies, have a greater chance of developing sleep-disordered
breathing.
Keywords: Sleep disorders; Sleep apnea syndromes; Sleep/physiology.

Introdução
Os distúrbios respiratórios do sono incluem função de restabelecer a patência da via aérea
SAOS e SRVAS. O distúrbio descrito inicialmente superior.(1) Em SRVAS, ocorre um estreitamento
foi SAOS, e as consequências desse distúrbio já da via aérea superior associado a um aumento
estão bem estabelecidas, como um maior risco do esforço respiratório na ausência de apneias
para doenças cardiovasculares e metabólicas. ou hipopneias.(2) Ambas as condições são
(1)
Posteriormente, SRVAS foi descrita e ainda associadas a uma maior colapsabilidade na
existem algumas controvérsias a respeito dos região da via aérea superior. Durante a vigília,
critérios diagnósticos e suas consequências a a via aérea é protegida por diversos mecanismos
longo prazo. Ambas as condições são associadas ligados à vigília que mantêm a patência da via
a uma redução do espaço em via aérea superior aérea faríngea, entre esses, um aumento da
como fator essencial na fisiopatologia. atividade de músculos dilatadores faríngeos.
Sendo um distúrbio frequente, SAOS é Entretanto, durante o sono, esses mecanismos
caracterizada pelo colapso recorrente da via não são suficientes para manter a via aérea
aérea faríngea induzido pelo sono, levando aberta, ocorrendo uma diminuição do espaço
a hipoxemia e hipercapnia, com despertares e, consequentemente, uma maior resistência ao
durante o sono que são desencadeados com a fluxo aéreo.

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Fisiopatologia dos distúrbios respiratórios do sono 5

Efeitos do sono na respiração eixo orientado anteroposteriormente, o que


corresponde ao estreitamento lateral em nível
A respiração é influenciada pelos diferentes crítico.(15) Esse estreitamento ocorre devido a
estados de sono e vigília. Essas influências diversos fatores. O tecido adiposo parafaríngeo
derivam principalmente de sistemas em tronco encontra-se aumentado em pacientes com
cerebral responsáveis pelo controle da ventilação. SAOS,(16) mas existem dúvidas quanto ao seu
Durante a vigília, a patência da via aérea superior poder de compressão extrínseca. As alterações
é mantida em diferentes posturas.(3) Com o inicio craniofaciais também podem estar envolvidas
do sono, ocorrem diferentes modificações que nesse estreitamento lateral. Dados revelam que
afetam essa patência, incluindo mudanças na os portadores de SAOS têm maior espessura das
ativação neuromuscular e na ventilação, assim paredes laterais da faringe.(17)
como aumento na carga mecânica. Ocorre um A faringe tem uma rigidez intrínseca,
significativo aumento da resistência da via tornando-se mais suscetível ao colapso com a
aérea superior. Essas alterações podem resultar redução de seu diâmetro. Em pacientes com
em hipoventilação (caso exista uma perda da SAOS, há evidências de que a via aérea superior
resposta reflexa ao aumento da carga em via seja mais complacente do que a dos indivíduos
aérea) ou podem resultar em um aumento reflexo normais,(17) apresentando grandes variações nas
do estímulo à ventilação, com manutenção suas dimensões, principalmente quando ocorre
da ventilação e dos gases sanguíneos. Porém, uma alteração do volume pulmonar.(9)
algum grau de hipoventilação sempre ocorre no Outros aspectos que podem afetar o lúmen
início do sono, mesmo em indivíduos normais. da via aérea superior incluem obesidade,
Com o início do sono, ocorrem também deformidades craniofaciais, posição da
mudanças na atividade muscular da via aérea mandíbula, tamanho da língua e aumento de
superior. Estudos demonstraram ocorrer adenoides (especialmente em crianças).
uma diminuição da atividade tônica e fásica Alterações estruturais em pacientes com
de certos músculos (genioglosso, gênio- SAOS, como hipertrofia de amígdalas e adenoides,
hioideo, tensor  palatino, elevador palatino retrognatia mandibular e variações da estrutura
e palatoglosso).(4) Essas alterações têm sido craniofacial, têm sido associadas a um maior risco
associadas à diminuição transitória da ventilação de desenvolvimento de SAOS, presumivelmente
e ao aumento da resistência de via aérea superior. devido ao aumento da colapsabilidade da via
(5)
Outras alterações respiratórias observadas no aérea superior.
inicio do sono incluem uma redução ou perda
do aumento do drive respiratório em resposta Fatores neuromusculares
ao aumento de carga resistiva(6) e alterações na
resposta ao aumento de CO2.(7)
Teoria do balanço de pressões
Fisiopatologia do estreitamento de
As forças que promovem colapso da via aérea
via aérea superior em pacientes com superior, as quais incluem pressão intraluminal
distúrbios respiratórios do sono negativa, são opostas por mecanismos
neuroanatômicos e neurais que promovem a
Fatores anatômicos dilatação da via aérea superior. Em indivíduos
acordados, o balanço é mantido a favor da
A via aérea superior de pacientes com SAOS manutenção da patência. Em indivíduos
é menor que a de indivíduos normais,(8-21) normais, o estreitamento da via aérea pode
principalmente por estreitamento promovido ocorrer; porém, as forças dilatadoras opostas
pelas paredes laterais, tornando-as mais são suficientes para manter a patência. Durante
circulares, ao invés do formato elíptico o sono, em indivíduos normais, a redução da
laterolateral que se vê nos indivíduos normais. atividade da via aérea não altera o balanço
(14)
Logo, em contraste com indivíduos suficientemente para causar colapso. Entretanto,
normais, os quais apresentam o eixo maior da em pacientes com SAOS, o colapso ocorre porque
via aérea faríngea orientado nas dimensões há um desbalanço entre as forças dilatadoras e
laterais, pacientes com SAOS apresentam esse constritoras.(14)

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6 Palombini LO

Esta teoria do balanço de pressões é um complacência (lei do tubo), a um incremento


dos principais mecanismos envolvidos na da velocidade de fluxo e subsequente redução
fisiopatologia dos distúrbios respiratórios do da pressão intraluminal (princípio de Bernoulli).
sono. Essa promoveria um maior estreitamento e
Em indivíduos normais, a faringe é pérvia oclusão total das vias aéreas superiores e maior
com pressão intraluminal ao nível atmosférico chance de oclusão.
e requer valores negativos acentuados para
seu fechamento. Já os pacientes com SAOS Fatores associados a alterações
apresentam pressão positiva de fechamento de receptores locais
da faringe ou pressão crítica, isto é, o colapso
ocorre mesmo quando a pressão intraluminal Durante a inspiração, a via aérea superior é
é atmosférica.(20) Essa observação demonstra a sujeita a pressão negativa gerada pela atividade
maior colapsabilidade de via aérea superior em dos músculos respiratórios. O reflexo de pressão
indivíduos com distúrbio respiratório do sono negativa da via aérea superior se opõe ao efeito
e, com isso, eles têm uma maior chance de colapsável pela ativação de músculos faríngeos
estreitamento e colapso. dilatadores através de centros respiratórios
centrais.(24) O aumento da atividade dos músculos
Modelo da via aérea superior dilatadores de via aérea superior pode ser
como um tubo colapsável demonstrado através da latência mais curta do
que uma resposta voluntária. Lesões em qualquer
A via aérea superior apresenta colapso uma dessas vias podem levar à patogênese do
variável em condições de pressão negativa colapso de via aérea superior.
intraluminal, como a que ocorre durante a
inspiração. A via aérea superior se comporta Alterações em receptores
como um tubo colapsável. Esse tubo, como no sensoriais aferentes
modelo de resistor de Starling, apresenta um
padrão de dependência de fluxo na pressão Existem pelo menos dez ou mais diferentes
do tubo, ou seja, o fluxo no tubo inicialmente tipos de receptores sensoriais na via aérea
aumenta com o aumento da pressão. Após um superior. Esses receptores respondem a
nível crítico, ocorre um plateau no fluxo apesar pressão, drive muscular respiratório, frio, calor,
do aumento da pressão. Esse plateau é o que irritantes e várias substâncias químicas. Entre
ocorre na limitação ao fluxo aéreo, ou seja, todos os receptores da via aérea superior, os
mesmo com o aumento do esforço respiratório mecanorreceptores são os mais bem estudados.
não ocorrerá um aumento proporcional no Os mecanorreceptores da via aérea superior
fluxo aéreo. O fluxo máximo observado nesse são capazes de responder à pressão da via aérea,
modelo ocorre na dependência da resistência a fluxo aéreo, temperatura e ao próprio tônus
esse segmento (resistência nasal) e da pressão muscular da via aérea superior.(22,25,26) Inputs
do compartimento (tecido ao redor da faringe), sensoriais desses mecanorreceptores influenciam
referida como pressão crítica de fechamento ou o tônus da via aérea superior de maneira reflexa,
pressão de abertura.(22) O fator indispensável é promovendo assim a patência da via aérea
uma faringe suscetível ao colapso, seja pelo seu superior. Modelos animais têm demonstrado um
calibre reduzido, seja pela pressão ao redor da aumento da atividade do músculo genioglosso
via aérea superior aumentada. com a geração de pressão negativa na via aérea
Pacientes com SAOS apresentam a pressão do superior. Essa resposta pode ser bloqueada
compartimento positiva, causando colapso das através da aplicação de anestesia local.(27)
vias aéreas superiores, a não ser que a pressão Estudos similares têm sido conduzidos em
positiva seja aplicada através do nariz (CPAP).(23) humanos. Um grupo de autores(28) demonstrou
Em suma, a obstrução em via aérea superior que na via aérea superior de indivíduos normais
seria causada por uma pressão transmural, em vigília e anestesiados com anestésico local
tendendo a colapso, devido a uma pressão ocorre um aumento da resistência ao fluxo
positiva ao redor da via aérea superior e uma faríngeo.
pressão intraluminal negativa. O estreitamento O término do evento obstrutivo apneico e
da faringe levaria a um aumento da sua hipopneico geralmente ocorre com um despertar

J Bras Pneumol. 2010;36(supl.2):S1-S61


Fisiopatologia dos distúrbios respiratórios do sono 7

no EEG, geralmente precedido por um aumento Outros fatores


do esforço respiratório. O despertar no EEG
ocorre em resposta à informação respiratória Outros aspectos também envolvidos na
aferente gerada na via aérea superior. Além das fisiopatologia de SAOS são o volume pulmonar e
alterações hemodinâmicas. Existe uma associação
alterações em gases sanguíneos mediadas através
entre o volume pulmonar e o tamanho da via
de quimiorreceptores centrais e periféricos
aérea superior, descrito em humanos e em
presentes em aferentes no pulmão e na caixa animais, que demonstram um aumento no espaço
torácica, os mecanorreceptores presentes em via da via aérea superior com volumes pulmonares
aérea superior podem também contribuir para o maiores.(35) Esse efeito é provavelmente devido
despertar pós-apneia.(29) ao estiramento da traqueia, levando a uma via
Existem diversos fatores associados ao aérea superior maior e a uma diminuição da
prejuízo dos mecanorreceptores de via aérea resistência ao fluxo aéreo.(36) Os pacientes com
superior em pacientes com SAOS. O ronco, através SAOS apresentam um aumento nesse efeito,
de uma vibração de baixa frequência, pode levar ou seja, uma maior mudança nas dimensões da
ao edema de estruturas de via aérea superior, via aérea superior com mudanças do volume
levando a um maior estreitamento dessa via. As pulmonar.(37) Em indivíduos normais, ao fim
vibrações associadas ao ronco podem resultar em da expiração ocorre uma redução do calibre da
trauma crônico e, com isso, levar a uma disfunção via aérea superior, mecanismo mais acentuado
contrátil, perda da sensibilidade e diminuição da em pacientes com SAOS.(7) O oposto, ou seja, a
via. Logo, a presença de uma lesão que envolve dilatação, ocorre na inspiração mediante a tração
caudal das vias aéreas superiores pelo aumento
fibras sensoriais (mecanossensoriais) e motoras
do volume na caixa torácica resultante da
(músculos dilatadores faríngeos) nessa região
inspiração. Tendo os pacientes com SAOS uma
poderá levar ao desenvolvimento de SAOS. Já faringe mais complacente, eles são, portanto,
existem evidências que esse tipo de lesão está mais dependentes desse último mecanismo.(38)
presente em pacientes com SAOS.(30-32) Outro aspecto que tem sido relatado como
um possível fator para SAOS são as alterações
Contribuição de fatores dinâmicas que ocorrem em via aérea superior.
neuroventilatórios para SAOS Essas envolvem a vasodilatação no pescoço,
Mecanismos relacionados ao controle que pode aumentar a resistência da via aérea
ventilatório também podem ter um papel superior. Em pacientes com SAOS acordados,
esse efeito foi observado quando os membros
importante na modulação da colapsabilidade
inferiores foram elevados.(39) Esse mecanismo
faríngea durante o sono. Diversos estudos
pode também ser potencializado no sono ou em
indicam haver uma instabilidade do controle
estados hipervolêmicos.
respiratório que pode levar a respiração periódica
e que pode contribuir para uma via aérea Fatores genéticos na fisiopatologia
superior com patência prejudicada (obstrução
completa parcial) nos períodos do nadir do ciclo
dos distúrbios respiratórios do sono
respiratório.(33) Como resultado, a instabilidade do Existe uma interação entre fatores genéticos
controle respiratório pode contribuir, em alguns e ambientais para o desenvolvimento dos
indivíduos, ao desenvolvimento de SAOS. distúrbios respiratórios do sono. Estudos têm
A variabilidade na quimiorresponsividade enfatizado o fato de que SAOS é uma doença
(respostas a hipóxia e hipercapnia) também familiar.(40) No entanto, a presença de agregados
parece ser um aspecto envolvido na influência familiares não implica necessariamente na
central na fisiopatologia da apneia do sono. presença de fatores genéticos. Provavelmente
A importância real dessas respostas como um existem genes que controlam o desenvolvimento
aspecto importante nos mecanismos da apneia craniofacial associados a um maior risco de
do sono é um assunto ainda controverso, visto ocorrer anormalidades respiratórias durante o
que a anatomia e o controle motor da via aérea sono, pois características relacionadas a uma
superior são os aspectos mais importantes na via aérea pequena estão presentes em famílias
fisiopatologia de SAOS.(34) com distúrbios respiratórios do sono.(41) Outro

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8 Palombini LO

aspecto genético envolvido no desenvolvimento predisposição, em combinação com diferentes


de SAOS está relacionado à quimiossensibilidade fatores ambientais, irá levar a anormalidades
para resposta a hipóxia e hipercapnia. Uma respiratórias durante o sono, entre elas SAOS
resposta genética específica pode levar a uma e SRVAS. Os distúrbios respiratórios do sono
maior vulnerabilidade à resposta inadequada a são associados a um estreitamento da via
hipóxia e hipercapnia.(42,43) aérea superior o qual não é compensado
Entre os fatores ambientais que podem pelos mecanismos de compensação presentes.
combinar com aspectos genéticos para o Estes distúrbios desenvolvem-se a partir
desenvolvimento dos distúrbios respiratórios da combinação de diferentes aspectos em
do sono, podem-se citar alergias, infecções e o mecanismos e respostas do sistema respiratório,
aumento anormal do tecido linfoide localizado entre estes, alterações anatômicas, alterações em
na região (amígdala e adenoide), o qual pode ser receptores locais, alterações na resposta cortical
influenciado por alergias e infecções. O efeito e na função neuromuscular e anormalidades do
da respiração nasal no desenvolvimento das controle ventilatório. O reconhecimento precoce
estruturas faciais foi demonstrado em um estudo. na infância das anormalidades é importante,
(44)
O aumento da resistência nasal foi induzido pois o tratamento destas nesta fase é a única
experimentalmente através da introdução de maneira de realizar a prevenção dos distúrbios
cones na narina de macaco rhesus. O aumento respiratórios do sono do adulto.
da resistência levou à marcada diminuição no
crescimento mandibular e ao desenvolvimento Referências
facial anormal. Esse foi revertido após o 1. Sleep-related breathing disorders in adults:
restabelecimento da respiração nasal normal. recommendations for syndrome definition and
Esse efeito pode ser observado também em measurement techniques in clinical research. The Report
of an American Academy of Sleep Medicine Task Force.
crianças que apresentam respiração bucal. Essas Sleep. 1999;22(5):667-89.
crianças apresentam uma maior resistência 2. Guilleminault C, Stoohs R, Clerk A, Cetel M, Maistros
nasal e podem também apresentar aumento das P. A cause of excessive daytime sleepiness. The upper
airway resistance syndrome. Chest. 1993;104(3):781-7.
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infecção, assim como adenoides e amígdalas during sleep. Clin Chest Med. 1998;19(1):21-32.
hipertrofiadas, levam a uma resistência nasal 4. Badr MS, Skatrud JB, Dempsey JA, Begle RL. Effect
of mechanical loading on expiratory and inspiratory
anormal. O aumento da resistência pode levar a muscle activity during NREM sleep. J Appl Physiol.
um desenvolvimento faríngeo e facial anormal 1990;68(3):1195-202.
que irá afetar vários músculos, incluindo 5. Wiegand DA, Latz B, Zwillich CW, Wiegand L. Upper
airway resistance and geniohyoid muscle activity in
língua e masseter. Essa disfunção muscular terá normal men during wakefulness and sleep. J Appl
impacto no crescimento maxilomandibular e Physiol. 1990;69(4):1252-61.
no posicionamento do osso hioide. Resumindo, 6. Tangel DJ, Mezzanotte WS, White DP. Influence of sleep
on tensor palatini EMG and upper airway resistance in
o desenvolvimento facial anormal representa normal men. J Appl Physiol. 1991;70(6):2574-81.
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the human upper airway during normal sleep. J Appl
a qual representa um fator de risco para o
Physiol. 1989;66(4):1800-8.
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resistance on respiratory muscle activity. J Appl Physiol.
respiratórios do sono deve sempre ser feito em
1991;70(1):158-68.
crianças, pois o tratamento nesta fase pode 9. Bohlman ME, Haponik EF, Smith PL, Allen RP, Bleecker
permitir um desenvolvimento normal da via aérea ER, Goldman SM. CT demonstration of pharyngeal
narrowing in adult obstructive sleep apnea. AJR Am J
superior e, com isso, prevenir o desenvolvimento Roentgenol. 1983;140(3):543-8.
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Em resumo, indivíduos que apresentam
11. Issa FG, Sullivan CE. Upper airway closing pressures
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predisposição anatômica em fase precoce, e essa 1984;57(2):520-7.

J Bras Pneumol. 2010;36(supl.2):S1-S61


Fisiopatologia dos distúrbios respiratórios do sono 9

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Sobre a autora
Luciana de Oliveira Palombini
Médica Pneumologista e Coordenadora do Instituto do Sono de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil.
E-mail para contato: lpalombini@hotmail.com (L. Palombini)

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10

História clínica e exame físico em SAOS


Obstructive sleep apnea syndrome:
clinical history and physical examination

Gleison Marinho Guimarães

Resumo
Embora SAOS seja uma patologia comum, é frequentemente subdiagnosticada. Seus sinais e sintomas são, na
sua maioria, subjetivos e, portanto, deve haver suspeição diagnóstica quando existir roncos, sonolência diurna,
cansaço, desânimo e alteração de humor. Escalas e tabelas com boa sensibilidade, que incluem os sintomas clínicos
mais relevantes e dados do exame físico, podem indicar o diagnóstico de SAOS. A confirmação diagnóstica é
realizada através de polissonografia, considerada o método padrão ouro.
Descritores: Síndromes da apneia do sono; Apneia do sono tipo obstrutiva; Ronco.

Abstract
Although obstructive sleep apnea syndrome is a common disease, it often goes undiagnosed. The signs and
symptoms of the syndrome are mostly subjective. Therefore, snoring, daytime sleepiness, fatigue, dejection and
mood changes should raise the suspicion of obstructive sleep apnea syndrome. Scales and tables that have good
sensitivity and include the most relevant clinical symptoms and physical examination results can suggest a diagnosis
of obstructive sleep apnea syndrome. The diagnosis is confirmed by polysomnography, which is considered the gold
standard method.
Keywords: Sleep apnea syndromes; Sleep apnea, obstructive; Snoring.

História clínica
Os sinais e sintomas mais comuns de SAOS um substancial aumento do risco de acidentes
são roncos, apneias testemunhadas e sonolência automobilísticos e profissionais acontece pela
excessiva diurna. Na avaliação secundária, sonolência excessiva, que pode ser medida pela
devemos incluir a pesquisa de hipertensão arterial escala de Epworth. Ao contrário, a insônia não
sistêmica e pulmonar, assim como a história é considerada um sintoma comum de SAOS e,
pregressa de acidente vascular encefálico, infarto quando aparece, é mais frequente em mulheres
agudo do miocárdio, cor pulmonale e acidentes apneicas.
automobilísticos.(1) Outros sintomas incluem boca seca ao
O ronco é uma queixa comum nos consul­ despertar e salivação excessiva, provavelmente
tórios.(2) Presente em praticamente todos os devido à respiração oral. Sono agitado e sudorese
pacientes com SAOS e em geral alto e interrompido noturna, pelo aumento do esforço respiratório,(4)
por episódios de silêncio que correspondem as distúrbios do humor e irritabilidade, assim como
apneias, o ronco é, na sua maioria, crescente, impacto na atenção, memória e concentração,
progressivo e inicia-se em decúbito dorsal também são queixas comuns. A cefaleia matinal
até que, com o passar do tempo, torna-se também está associada a SAOS, geralmente de
independente do decúbito adotado. As pausas curta duração, e sua ocorrência e intensidade
respiratórias que se interpõem aos roncos são estão relacionadas à gravidade da apneia.(5)
relatadas em aproximadamente 75% dos casos Alguns estudos sugerem que devemos ter
e são observadas também pelo companheiro,(3) um maior grau de suspeição para diagnosticar
podendo terminar em engasgos, sensação de SAOS na mulher, particularmente se obesa e com
sufocamento, vocalizações ou breves despertares. história de insônia, depressão e hipotireoidismo,
Como resultado, ocorre fragmentação do sono que são fatores comuns associados.(6) Já nos
e consequente sonolência diurna e cansaço, homens, uma particularidade é que a apneia
sintomas subjetivos e que muitas vezes não são obstrutiva grave está claramente associada
reconhecidos pelo paciente. Nesses indivíduos, com disfunção erétil, sendo fatores preditores a

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História clínica e exame físico em SAOS 11

idade, cansaço pela manhã e índice de distúrbio da morfologia craniofacial e dos sistemas
respiratório elevado.(7) respiratório e cardiovascular.
Outra condição associada é o refluxo
gastroesofágico, potencializado por uma Exame físico geral
elevação da pressão gástrica associada ao
Deve ser avaliada a presença de obesidade,
aumento da pressão intratorácica negativa
com medida de peso, altura e IMC (obesidade:
resultante do esforço inspiratório com a via aérea
IMC ≥ 30 kg/m2). Preconiza-se também a
superior colapsada. Esse efeito de diferença na medição da circunferência do pescoço na altura
pressão intratorácica sobre a parede cardíaca da membrana cricotireoidea e com o paciente
também pode causar uma liberação aumentada em posição supina. Valores acima de 40 cm
do peptídeo natriurético atrial, resultando em estão associados a um risco aumentado para
noctúria e enurese, sintomas importantes dos SAOS, mesmo na ausência de obesidade.(13)
distúrbios respiratórios do sono.(8) A obesidade é um fator de risco bem
Devido a apneias repetidas, hipóxia reconhecido para os distúrbios respiratórios do
intermitente e desequilíbrio autonômico, os sono, sendo geralmente aceito que homens de
pacientes têm maior risco de desenvolver meia-idade com IMC elevado e apresentando
aterosclerose, hipertensão arterial sistêmica, circunferência de pescoço também aumentado
insuficiência coronariana, arritmias e acidente são especialmente predispostos.(14)
vascular encefálico.(9) Este aumento do tônus
adrenérgico promove uma atenuação ou Avaliação craniofacial
ausência do descenso noturno da pressão arterial O exame do esqueleto craniofacial deve
na monitorização ambulatorial em muitos casos, determinar a posição relativa da mandíbula
além de estar associado a episódios de hipertensão e maxila, assim como a oclusão dentária, pois
arterial do avental branco.(10) Proporções anormalidades (por exemplo, redução da altura
significativas desses pacientes apneicos tornam-se da face, retrognatia, micrognatia e deslocamento
hipertensos, demonstrado pelo aumento da da articulação temporomandibular) estão
atividade simpática também durante o dia. O associadas a um risco aumentado para SAOS.
maior problema desses achados é a influência Algumas alterações esqueléticas são
dos fatores de confusão, considerando-se que características de pacientes do sexo masculino
tanto SAOS quanto as doenças cardiovasculares portadores de SAOS, como, por exemplo,
apresentam os mesmos fatores de risco: sexo, dimensão linear sagital reduzida da base do
idade e obesidade. Por isso, a possibilidade de crânio, da maxila e da parte óssea da nasofaringe
SAOS deve ser considerada em pacientes com e orofaringe.(2)
hipertensão arterial e depressão  ou fadiga
inexplicada que estejam recebendo medicações
Avaliação das vias aéreas superiores
antidepressivas e anti-hipertensivas.(11) As anormalidades anatômicas das vias aéreas
Atualmente, vários estudos tentam, a partir são fatores etiológicos importantes para SAOS.
de questionários e medidas de exame físico, Nesse contexto, as anormalidades da faringe
predizer o diagnóstico de SAOS. Dentre essas nos pacientes com SAOS tendem a apresentar-se
variáveis destacam-se, como de maior valor reduzidas lateralmente e, como consequência,
preditivo, a circunferência do pescoço, IMC, o eixo principal é anormalmente orientado no
história de hipertensão arterial sistêmica, história diâmetro anteroposterior — achado que pode
de ronco e relato do companheiro de quarto aumentar a colapsabilidade das vias aéreas.(14)
sobre apneias durante o sono.(12) O exame da cavidade nasal deve ser realizado
para a avaliação de possíveis causas de obstrução
Exame físico para a detecção de nasal. Anormalidades incluem assimetria de
apneia obstrutiva do sono tecido mole, colapso de válvula nasal, edema de
mucosa causado por rinite alérgica, desvio de
O exame físico para a detecção de apneia septo, hipertrofia de cornetos e a presença de
obstrutiva do sono pode sugerir um risco pólipos.
aumentado para SAOS e deve incluir uma O exame da cavidade oral e da orofaringe
avaliação das variáveis antropométricas, análise inclui a inspeção do palato mole, língua, úvula,

J Bras Pneumol. 2010;36(supl.2):S1-S61


12 Guimarães GM

tonsila e parede lateral. Preconiza-se utilizar a sex differences in survival among sleep clinic patients.
escala de Mallampati (classes 3 e 4 são mais Thorax. 1998;53 Suppl 3:S16-9.
7. Margel D, Cohen M, Livne PM, Pillar G. Severe, but not
frequentes), avaliar a proporção relativa de mild, obstructive sleep apnea syndrome is associated
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Sobre o autor
Gleison Marinho Guimarães
Médico. Laboratório do Sono. Instituto de Doenças do Tórax, Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, Universidade Federal do
Rio de Janeiro, Rio de Janeiro (RJ) Brasil.
E-mail para contato: gleisonguimaraes@oi.com.br (G. Guimarães)

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13

Aspectos genéticos da SAOS


Genetic aspects of obstructive sleep apnea syndrome

Adriane C. Mesquita Petruco, Maurício da Cunha Bagnato

Resumo
A fisiopatologia da SAOS é resultante da interação entre fatores genéticos e ambientais. Os mais importantes
fatores de risco são obesidade e idade. Outros fatores relevantes são anormalidades craniofaciais, hipotireoidismo,
menopausa e uso de álcool e de sedativos. A hereditariedade tem sido relacionada a SAOS pela a associação de SAOS
a níveis de HLA, obesidade, síndromes genéticas, etnias, sonolência excessiva, alteração do controle ventilatório,
expressão de mediadores inflamatórios, entre outros. Este capítulo aborda a variabilidade genética e fenotípica da
doença, demonstrando sua relevância no entendimento da fisiopatologia e na avaliação clínica de SAOS.
Descritores: Síndromes da apneia do sono; Apneia do sono tipo obstrutiva/genética; Antígenos HLA.

Abstract
The physiopathology of obstructive sleep apnea syndrome (OSAS) results from the interaction between genetic and
environmental factors. The principal risk factors are obesity and age. Other relevant risk factors are craniofacial
abnormalities, hypothyroidism and menopause, as well as the use of alcohol and sedatives. By virtue of its
association with factors such as HLA levels, obesity, genetic syndromes, ethnicity, excessive sleepiness, alterations
in ventilatory control and expression of inflammatory mediators, OSAS has been related to heritability. This chapter
addresses the genetic and phenotypic variability of the disease, showing its relevance in the understanding of the
physiopathology and clinical evaluation of OSAS.
Keywords: Sleep apnea syndromes; Sleep apnea, obstructive/genetics; HLA antigens.

Introdução
A fisiopatologia de SAOS não pode ser O componente de hereditariedade tem sido
vista isoladamente como uma disfunção reconhecido, mas há dificuldade na elucidação
da musculatura de vias aéreas superiores, da base genética, devido à heterogeneidade
mas como consequência de um número de dos fenótipos de SAOS. O paradigma atual foi
patologias inter-relacionadas e fatores de construído como um produto de “fenótipos
risco, tais como obesidade, idade, menopausa, intermediários” que interagem entre si, a
anormalidades craniofaciais (principalmente exemplo da morfologia craniofacial, obesidade,
envolvendo anormalidades mandibulares), suscetibilidade para sonolência diurna, controle
condições congênitas (síndromes de Marfan, de ventilatório e controle das vias aéreas superiores.
Down e de Pierre Robin), condições adquiridas Não se sabe, até o momento, qual componente
(hipotireoidismo, acromegalia), ingesta de desse pool tem um papel central, e quais
álcool e sedativos, privação de sono, tabagismo, componentes aparecem como epifenômenos.
decúbito dorsal e redução da patência nasal. Esses fenótipos intermediários são descritos
Os grandes fatores de risco para SAOS abaixo.(3)
são a obesidade e a idade.(1)
Especula-se que SAOS é dependente, em Genes e SAOS
aproximadamente 40% dos casos, de uma
combinação genética e, em 60%, de influências A SAOS está ligada com vários loci de MHC.
ambientais.(2) Um estudo mostrou um aumento de duas vezes
Há ainda a distinção entre SAOS em adultos na presença de HLA-A2, havendo correlação
e em crianças. A causa mais comum em crianças desse possível marcador genético com o grau
é a hipertrofia de amígdalas e adenoides que, de obesidade e SAOS (pacientes positivos são
quando removidas, promove uma melhora mais obesos). A correlação com outros genes
de SAOS. Já o papel da obesidade infantil também foi demonstrada, tais como HLA-A33,
isoladamente é controverso. HLA-DRB1*03, DQ-Br*03 e DQ-Br*02 com SAOS,

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14 Petruco ACM, Bagnato MC

assim como HLA-B7, B65, B63, B73 com ronco Sonolência excessiva diurna
primário, embora seu significado ainda necessite
ser mais bem esclarecido. Da mesma forma, o Há diferenças quanto à suscetibilidade à
aumento na frequência do fenótipo Le (a+ b−) sonolência diurna entre indivíduos com SAOS.
do grupo sanguíneo de Lewis em roncadores Aparentemente, IL-1 e TNF-α têm um papel
precisa ser mais bem entendido. central nas vias de ativação do sono e de outras
Os achados sobre associação entre apoE citocinas, que incluem IL-10, IL-6, IL-2, IL-4,
genótipo E4 e SAOS também são conflitantes. IFN, FGF, fator estimulante de colônia de
A apoE é uma proteína polimórfica originada de macrófagos, etc. Esses fatores também interagem
três alelos de um único lócus no cromossomo no desencadeamento do processo de inflamação
I9qr3. Embora nenhuma diferença tenha sido e da síndrome metabólica.(10,11)
encontrada nos níveis de apoE entre pacientes
com SAOS e controles, uma proporção maior de Controle de vias aéreas superiores
homozigotos para o genótipo E4 foi observada
O intervalo para a excitação tônica dos
no grupo com apneia, mas sem significado
motoneurônios do músculo hipoglosso modula
estatístico. Em outro estudo, mostrou-se que o
a tendência a colabamento da faringe. O
risco de IAH > 15 eventos/h de sono era o dobro
receptor para 5HT2A tem se mostrado ser o
em pacientes homozigotos para o genótipo E4,
receptor predominante dos motoneurônios do
independentemente do sexo e IMC.(4)
hipoglosso, porém, com respostas incompletas
Também foi relatada a associação entre o
aos inibidores de recaptação de serotonina. Até
polimorfismo do gene ligado à enzima conversora
o presente, não se conhece o fenótipo resultante
de angiotensina (ECA) e a severidade da apneia
da interação genótipo-meio ambiente que possa
do sono. Um estudo mostrou que a atividade de
modular esse tônus muscular.(12)
ECA está aumentada em pacientes com SAOS, um
achado independente da presença de hipertensão Características familiares e raciais
arterial, embora a distribuição dos genótipos de
ECA e da frequência alélica na apneia obstrutiva A agregação familial é explicada pelo fato
do sono não tenha sido diferente daquelas do de que a maioria dos fatores de risco para
grupo de pacientes saudáveis. Estudos mais o desenvolvimento de SAOS é determinada
recentes falharam em confirmar a relação entre geneticamente. Estudos com gêmeos
ECA e IAH ou mesmo entre ECA e SAOS.(5) monozigóticos mostram maior concordância de
ronco em monozigóticos do que em dizigóticos,
Obesidade demonstrando uma herança familiar.(13) Parentes
de primeiro grau de pacientes com SAOS relatam
A obesidade, sem dúvida, é um dos fatores
mais sintomas de apneia, sonolência excessiva
mais importantes, pois aumenta o risco em
e ronco habitual do que parentes de pacientes
10-14 vezes para SAOS, e a perda de peso reduz
controles.(14)
o risco para essa condição.(6,7) A deposição de
O risco para ronco em parentes de primeiro
gordura resulta em uma redução do calibre
grau de pacientes com SAOS é três vezes maior,
nasofaríngeo que, se significativo, pode levar à sendo quatro vezes maior se ambos os pais têm
hipoventilação devido à reduzida complacência história de SAOS. A condição de ser parente
da parede torácica. Além disso, a leptina pode de primeiro grau de pacientes com SAOS é
afetar a regulação do centro respiratório.(8) A considerada um fator de risco para a doença.
hereditariedade para IMC está estimada em Comparando-se a ocorrência de SAOS em
25-40%, mas uma forte influência ambiental famílias de afro-americanos e de europeu-
está presente. A suscetibilidade à obesidade é americanos, os afro-descendentes têm maior
fortemente genética, mas fatores ambientais e prevalência, maior gravidade e são acometidos
hábitos de vida são importantes para a expressão em idade mais jovem. O fato pode ser atribuído
do fenótipo. Existem cerca de 300 marcadores, à anatomia das vias aéreas, que tem maior
genes e regiões cromossômicas associados ao deposição de tecido mole estreitando a luz da
fenótipo da obesidade.(9) faringe. O risco de apneia é duas vezes maior

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Aspectos genéticos da SAOS 15

para os afro-americanos idosos que para os Alterações no controle ventilatório


europeus, além do IAH ser maior.(15)
Uma forte ligação genética foi demonstrada Há uma forte evidência de que fatores
sobre o IMC em um estudo comparando famílias genéticos estão associados à magnitude da
da Nigéria, Jamaica e África, cuja hereditariedade resposta ventilatória na hipóxia e hipercapnia.
para o IMC foi de 48-58%.(16) Existe um alto grau de hereditariedade quanto à
Outro estudo demonstrou que, em famílias responsividade de quimiorreceptores periféricos
afro-americanas, a hereditariedade para IAH é à hipóxia e à hipercapnia, mais evidente nos
de 32%.(17) monozigóticos do que nos dizigóticos.(20)
Essa anormalidade também foi demonstrada
Dismorfismos craniofaciais em parentes de primeiro grau de indivíduos com
doenças pulmonares. Uma possível sobreposição
Alterações na morfologia craniofacial
genética entre SAOS, morte súbita do recém-
interferem na gênese de SAOS de modo
nascido e eventos de aparente risco de vida,
determinante. A hipertrofia de amígdalas,
combinados com um alto grau de concordância
palato ogival, posicionamento do osso hioide,
na resposta dos quimiorreceptores observados
alongamento vertical da face, redução das
em gêmeos monozigóticos, enfatizam a
dimensões do diâmetro anteroposterior da base
importância de fatores genéticos no controle
de crânio, macroglossia e micrognatia reduzem
central da ventilação em SAOS.
a luz das vias aéreas e propiciam o surgimento
de SAOS.
Mediadores inflamatórios associados
Em indivíduos com síndrome de Down,
é comum ocorrer SAOS devido a alterações a SAOS
craniofaciais e macroglossia. A síndrome de Vários fatores inflamatórios têm sido
Marfan, cuja mutação ocorre no gene FBN-1 encontrados em concentração elevada nos
(responsável pela produção da proteína indivíduos com SAOS, podendo servir como
fibrilina-1), tem alta prevalência de dismorfismo marcadores biológicos. A endotelina-1 e
craniofacial, predispondo a SAOS. Um grupo peptídeos vasoconstritores estão elevados em
de autores relatou uma prevalência de 64% de indivíduos com SAOS e têm seus níveis reduzidos
apneia (IAH > 5 eventos/h de sono) nos pacientes quando esses indivíduos são tratados com
com a síndrome.(17) A síndrome de Pierre Robin CPAP. Citocinas inflamatórias e TNF-α também
cursa com micrognatia, uma situação anatômica estão elevados em pacientes com SAOS quando
que predispõe à apneia obstrutiva do sono. comparados aos controles, assim como os níveis
A espondilite anquilosante, doença ligada a de fibrinogênio e a viscosidade plasmática estão
HLA-B27, leva a SAOS por vários mecanismos: aumentados principalmente pela manhã.(10)
restrição das vias aéreas por comprometimento
da articulação temporomandibular, doença Referências
da coluna cervical causando depressão central 1. Strohl KP, Redline S. Recognition of obstructive sleep
da respiração e doença pulmonar restritiva. apnea. Am J Respir Crit Care Med. 1996;154(2 Pt
Apresentam SAOS 12% dos pacientes com 1):279-89.
espondilite anquilosante, o que pode explicar 2. Riha RL, Gislasson T, Diefenbach K. The phenotype and
genotype of adult obstructive sleep apnoea/hypopnoea
a sensação de fadiga desses pacientes.(18) A syndrome. Eur Respir J. 2009;33(3):646-55.
mucopolissacaridose, doença de deposição 3. Riha RL. Genetic aspects of the obstructive sleep
lisossomal, está associada à significativa apnoea/hypopnoea syndrome--is there a common link
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morbidade devido às alterações anatômicas
4. Foley DJ, Masaki K, White L, Redline S. Relationship
e aos distúrbios do sono que ocorrem, between apolipoprotein E epsilon4 and sleep-
principalmente a apneia do sono. Embora não se disordered breathing at different ages. JAMA.
saiba exatamente a prevalência dessa condição, 2001;286(12):1447-8.
5. Xiao Y, Huang X, Qiu C, Zhu X, Liu Y. Angiotensin
é necessária a avaliação precoce de crianças
I-converting enzyme gene polymorphism in Chinese
com mucopolissacaridose para a redução da patients with obstructive sleep apnea syndrome. Chin
morbidade.(19) Med J (Engl). 1999;112(8):701-4.

J Bras Pneumol. 2010;36(supl.2):S1-S61


16 Petruco ACM, Bagnato MC

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Sobre os autores
Adriane C. Mesquita Petruco
Médica Responsável pelo Laboratório do Sono de Maringá, Maringá (PR) Brasil.

Maurício da Cunha Bagnato


Médico Responsável pelo Serviço de Medicina do Sono, Hospital Sírio Libanês, São Paulo (SP) Brasil.
E-mail para contato: clinicabagnato@terra.com.br (M. Bagnato)

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Ronco: critérios diagnósticos e tratamento


Snoring: diagnostic criteria and treatment

Flávio José Magalhães da Silveira, Ricardo Luiz de Menezes Duarte

Resumo
O ronco é um problema importante com consequentes manifestações sociais e médicas. O passo inicial consiste em
confirmar a presença do ronco e excluir qualquer doença respiratória noturna para que o tratamento adequado
seja instituído. Este capítulo analisa o gerenciamento atual do ronco e seu tratamento.
Descritores: Ronco/diagnóstico; Ronco/cirurgia; Ronco/terapia.

Abstract
Snoring is a significant problem with social and medical manifestations. After snoring has been confirmed, other
nocturnal respiratory diseases should be excluded so that the appropriate treatment can be instituted. This chapter
addresses the current management of snoring and its treatment.
Keywords: Snoring/diagnosis; Snoring/surgery; Snoring/therapy.

Introdução
O ronco é um distúrbio comum na prática ronco. O tabagismo piora o ronco pelo edema
clínica. Sua prevalência varia amplamente e de mucosa e estreitamento nasofaríngeo.(3)
possui dados subestimados. No Reino Unido, a O exame físico é inespecífico. Deve-se
prevalência de ronco em indivíduos adultos foi pesquisar IMC, a circunferência do pescoço, o
estimada em 25-40%. Outros dados sugerem nariz e a cavidade oral/orofaringe.(3) O método
que mais de 20% dos indivíduos adultos e 50% padrão para exclusão de distúrbio respiratório
dos homens acima de 60 anos apresentam ronco do sono é a polissonografia noturna.(3-5) A
primário.(1,2) endoscopia nasal com manobra de Müller
O ronco surge pela produção de som pelo pode ser utilizada; porém, o exame é feito com
trato aerodigestivo durante o sono. O ronco o paciente acordado e o esforço pode variar
primário pode ser classificado em 3 níveis entre os pacientes, havendo variabilidade entre
(I-III), que vai de ronco ocasional (I) a ronco os observadores.(3,6) A nasoendoscopia durante
que pode ser ouvido do lado de fora do quarto o sono avalia o nível de colapso enquanto o
(III). Os indivíduos com nível III têm uma maior paciente está sedado, mas a redução no diâmetro
probabilidade de ter SAHOS.(3,4) faríngeo pode ser causado pela sedação.(3,6)
Exames como cefalometria, TC e ressonância
Apresentação e critérios diagnósticos magnética podem também ser utilizados.(3)
A apresentação varia, nos extremos, Tratamento
desde ronco primário até SAHOS. A condição
intermediária entre esses dois extremos é SRVAS. O tratamento consiste em: a) intervenção
(4)
A avaliação do ronco envolve a confirmação da conservadora: perda de peso, correção do
presença desse e a exclusão de outros distúrbios decúbito, restrição no uso de sedativos/álcool e
respiratórios do sono que cursam com ronco tratamento da obstrução nasal e do tabagismo;
(principalmente SAHOS). A avaliação se inicia pela b) intervenção não cirúrgica: dispositivo
consulta (pelo companheiro de leito (idealmente) intraoral e CPAP; e c) cirurgia: nasal, do palato
com dados sobre o ronco: frequência, sua relação e bariátrica.(3,4,6)
com o decúbito e intensidade.(3-5) Perder peso é uma medida eficaz a curto
O ronco é mais comum em homens por prazo, mas difícil a longo prazo.(1) Há mais
diferenças anatômicas na região laringofaríngea estudos com dispositivo intraoral em SAHOS
e pela deposição de gordura corporal. O uso do que em ronco primário: sua adesão gira em
de sedativos/álcool relaxa a faringe e piora o torno de 50-75%. O dispositivo intraoral com

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18 Silveira FJM, Duarte RLM

avanço mandibular reduz a frequência, duração Referências


e intensidade do ronco. O dispositivo intraoral
1. Stradling JR, Crosby JH. Predictors and prevalence of
com retenção de língua pode ser utilizado obstructive sleep apnoea and snoring in 1001 middle
naqueles com dentição insuficiente e que não aged men. Thorax. 1991;46(2):85-90.
podem utilizar o avanço mandibular.(6) O uso de 2. Lugaresi E, Cirignotta F, Coccagna G, Piana C. Some
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CPAP é a forma mais eficaz para o tratamento disturbances. Sleep. 1980;3(3-4):221-4.
de ronco primário, mas o desconforto causado 3. Counter P, Wilson JA. The management of simple
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pelo aparelho reduz a adesão.(3)
4. Trotter MI, D’Souza AR, Morgan DW. Simple snoring:
A cirurgia nasal pode beneficiar poucos current practice. J Laryngol Otol. 2003;117(3):164-8.
pacientes. A uvulopalatofaringoplastia possui 5. Bloom JW, Kaltenborn WT, Quan SF. Risk factors in a
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uvulopalatoplastia por laser possui resultados a 6. McGown AD, Makker HK, Battagel JM, L’Estrange PR,
longo prazo de 45-75%.(3) A cirurgia intrapalatal Grant HR, Spiro SG. Long-term use of mandibular
advancement splints for snoring and obstructive
tem baixa morbidade e possui resultados a curto sleep apnoea: a questionnaire survey. Eur Respir J.
prazo de 30-60%.(3,6) 2001;17(3):462-6.

Sobre os autores
Flávio José Magalhães da Silveira
Diretor Médico. SLEEP – Laboratório de Estudo dos Distúrbios do Sono, Centro Médico BarraShopping, Rio de Janeiro (RJ) Brasil.

Ricardo Luiz de Menezes Duarte


Professor Convidado da Cadeira Cardiopulmonar. Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO – e Diretor Médico.
SLEEP – Laboratório de Estudo dos Distúrbios do Sono, Centro Médico BarraShopping, Rio de Janeiro (RJ) Brasil.
E-mail para contato: flaviomagalhaes1@gmail.com (F. Silveira)

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19

Critérios diagnósticos e tratamento


dos distúrbios respiratórios do sono: RERA
Diagnostic criteria and treatment for sleep-disordered breathing: RERA

Luciana de Oliveira Palombini

Resumo
Na polissonografia, RERA é definido como um parâmetro respiratório que indica um despertar associado a um
evento respiratório e um aumento do esforço respiratório. Inicialmente, RERA foi descrito com o uso da manometria
esofágica utilizada para avaliação do esforço respiratório. Esse maior esforço respiratório ocorre como resposta a
um aumento da resistência da via aérea superior, aspecto presente na fisiopatologia dos distúrbios respiratórios do
sono, entre esses, SAOS e SRVAS. Posteriormente, o uso de cânula de pressão nasal foi relatado como uma maneira
confiável e mais sensível que o termistor para a identificação de eventos de redução do fluxo aéreo e também
como um substituto da manometria esofágica para a identificação de períodos de aumento da resistência na via
aérea superior. Consequentemente, a American Academy of Sleep Medicine recomenda o uso de um dos métodos
para a identificação de RERA, que é definido por um padrão de achatamento da curva inspiratória, característico
da limitação ao fluxo aéreo. Embora RERA seja identificado e avaliado na pratica médica, sua padronização
ainda é necessária. Portanto, recomenda-se que os laudos de polissonografia indiquem quais eventos respiratórios
anormais foram considerados na avaliação do grau de gravidade do distúrbio respiratório.
Descritores: Síndromes da apneia do sono; Resistência das vias respiratórias; Manometria.

Abstract
In polysomnography, RERA is defined as a respiratory parameter that indicates an arousal associated with a respiratory
event and an increase in respiratory effort. Initially, RERA was described by means of esophageal manometry for the
evaluation of respiratory effort. This greater respiratory effort occurs as a response to an increase in upper airway
resistance, which is a factor present in the pathophysiology of sleep-disordered breathing, such as obstructive
sleep apnea syndrome and upper airway resistance syndrome. Later, the use of a nasal pressure cannula was
reported to be a reliable means of identifying airflow limitation and one that is more sensitive than is a thermistor.
In addition, the nasal pressure cannula method has been used as a surrogate for esophageal manometry in the
identification of periods in which upper airway resistance increases. Consequently, the American Academy of Sleep
Medicine recommend the use of either method for the identification of RERA, which is defined by the flattening
of the inspiratory curve, characteristic of airflow limitation. Although RERA has been identified and evaluated
in current medical practice, it has yet to be standardized. Therefore, it is recommended that polysomnographic
reports indicate which abnormal respiratory events were taken into consideration in the evaluation of the severity
of sleep-disordered breathing.
Keywords: Sleep apnea syndromes; Airway resistance; Manometry.

Critérios diagnósticos: RERA


Inicialmente descrito pela American Academy eventos respiratórios anormais, em conjunto
of Sleep Medicine, RERA foi definido como com apneias e hipopneias para a identificação
um evento respiratório caracterizado por um de SAOS. A polissonografia noturna deve
aumento do esforço respiratório levando ao demonstrar cinco ou mais eventos obstrutivos
despertar do sono, mas que não fecha com os por hora de sono, sendo que esses eventos
critérios para apneia e hipopneia.(1) O evento
podem ser apneias, hipopneias ou RERAs para a
deveria preencher os seguintes critérios: padrão
definição do diagnóstico de SAOS.
de pressão negativa progressivamente mais
negativa, terminado por uma súbita mudança Inicialmente, RERA foi descrito apenas com
de pressão para um nível menos negativo, e o uso da pressão esofágica para a identificação
um despertar; o evento deve ter uma duração de maior esforço respiratório associado à maior
mínima de 10 s (Figura 1). A partir desse estudo, resistência da via aérea superior. Posteriormente,
o evento de RERA foi incluído na contagem de foi incluído o achatamento da curva de fluxo

J Bras Pneumol. 2010;36(supl.2):S1-S61


20 Palombini LO

é amplamente utilizada devido ao desconforto


EEG
provocado aos pacientes. Entretanto, a medida
Despertar
Airflow da pressão esofágica é ainda o padrão ouro na
avaliação do esforço respiratório.
Effort Outros métodos polissonográficos que têm
Rib cage
sido relatados como indicadores de aumento
Effort
Abdomen da resistência de vias aéreas superiores citados
Effort 0 na literatura incluem a pletismografia de
Esophageal –20
pressure –40
–60 impedância,(6) a técnica da oscilação forçada(7) e
(cmH2O)
Oxygen 100 pressão crítica.(8)
75
saturation (%) 50 10 seg Em 1999, RERA foi oficialmente descrito e
definido como o registro de esforço respiratório
Figura 1 - Pressão esofágica crescente, aumento aumentado associado a um despertar. Nesse
progressivo da pressão esofágica sem alteração caso, portanto, a presença de um despertar
significativa do fluxo aéreo, levando a despertar no
como descrito pela American Academy of Sleep
EEG.
Medicine (1992) é necessária. Posteriormente,
aéreo demonstrado com uso de cânula de foi incluído o padrão de achatamento da curva
pressão nasal.(2) de fluxo aéreo identificada na cânula nasal
com transdutor de pressão. Esse achatamento
Esforço respiratório durante o sono de curva de fluxo, no entanto, não preenche
os critérios para eventos de hipopneia, mas, do
O principal aspecto no reconhecimento
mesmo modo, deve ser seguido de um despertar
de SRVAS na polissonografia é o aumento do
breve no EEG.
esforço respiratório durante o sono na ausência
de um número significativo de apneias e Limitação ao fluxo aéreo
hipopneias que estabeleça um IAH > 5 eventos/h
de sono. O esforço respiratório pode ser avaliado O padrão respiratório de achatamento da
de diversas maneiras. A descrição inicial de curva de fluxo aéreo presente em eventos de
SRVAS foi feita a partir da avaliação do esforço RERA indica a presença de limitação ao fluxo
respiratório durante o sono com o uso de aéreo. Essa limitação acontece quando o
manometria esofágica.(3) Posteriormente, o uso aumento da pressão negativa esofágica não é
de um tubo nasogástrico pediátrico conectado acompanhado por um aumento proporcional no
a um transdutor de pressão(4) substituiu o balão fluxo aéreo. A limitação ao fluxo aéreo depende
para medida da pressão esofágica. da interação entre a pressão pleural negativa, a
A determinação de valores anormais da qual tende a colapsar a via aérea superior, e o
pressão esofágica depende de cada pessoa, pois
aumento da atividade de músculo de via aérea
um valor de −7 cmH2O pode ser associado à
superior, que tende a dilatar a mesma. Essa
fragmentação do sono e a queixas de sonolência
falta de linearidade na relação pressão-fluxo
em uma pessoa de porte médio, mas pode não
durante a inspiração é comumente causada
levar a consequências importantes em outro
pelo estreitamento de uma via aérea superior
individuo de estrutura maior. Um grupo de
autores(5) descreveu padrões de pressão negativos hipotônica em resposta à pressão negativa
considerados indicativos de esforço respiratório intratorácica desenvolvida durante a inspiração.
anormal: pressão esofágica crescente, esforço A presença de limitação ao fluxo aéreo tem
aumentado contínuo e reversão da pressão sido usada como um indicador de aumento
esofágica. da resistência da via aérea superior e tem sido
A desvantagem do uso da pressão esofágica utilizada como parâmetro para a avaliação de
é a necessidade da inserção de um cateter nasal SRVAS.(2) É recomendado, ao utilizar-se a cânula
na narina dos pacientes até o nível do esôfago. de pressão nasal como indicador de limitação
Apesar da demonstração de boa tolerância e de ao fluxo aéreo, acrescentar-se um termistor na
baixa frequência de complicações em adultos região da boca para a avaliação da respiração
e crianças, a medida de pressão esofágica não oral associada à obstrução nasal.

J Bras Pneumol. 2010;36(supl.2):S1-S61


Critérios diagnósticos e tratamento dos distúrbios respiratórios do sono: RERA 21

Períodos prolongados de Na descrição inicial,(10) os pacientes apresentaram


limitação ao fluxo aéreo reversão das queixas após o uso de CPAP por
30 dias. Apesar de ser hoje considerado uma
Períodos curtos de limitação ao fluxo aéreo opção terapêutica, a adesão para o uso de
são aceitos hoje como eventos respiratórios CPAP é baixa.(11) A cirurgia também pode ser
anormais. Além de RERA (períodos de limitação indicada em algumas situações, dependendo das
ao fluxo aéreo de 10 s), períodos prolongados anormalidades anatômicas presentes na via aérea
de limitação ao fluxo aéreo também têm sido
superior. Técnicas descritas para esses pacientes
demonstrados em alguns trabalhos,(9) mas o
incluem septoplastia, radiofrequência e distração
significado desses eventos ainda não está bem
osteogênica em pacientes com SRVAS.(12) O
esclarecido (Figura 2).
uso de aparelho intraoral também foi avaliado
Tratamento como forma de tratamento de SRVAS,(13) mas há
poucos estudos a esse respeito.
O tratamento dos distúrbios respiratórios do
sono envolve o tratamento de SAOS, SRVAS e Considerações finais
ronco. O tratamento de SAOS e de ronco deve
seguir as indicações clínicas citadas anteriormente. O reconhecimento dos diferentes tipos de
No caso de RERA, esses podem estar presentes eventos respiratórios anormais na polissonografia
em distúrbios respiratórios do sono, entre eles é essencial na identificação dos distúrbios
SAOS e SRVAS, ou seja, o tratamento dessa respiratórios do sono. Além de apneias e
anormalidade respiratória está envolvido no hipopneias, RERA deve ser identificado, pois
tratamento dos distúrbios respiratórios do sono. indica uma diminuição do espaço da via aérea
Já o tratamento de SRVAS é mais controverso. superior.

Figura 2 - Período prolongado de limitação ao fluxo aéreo.

J Bras Pneumol. 2010;36(supl.2):S1-S61


22 Palombini LO

Embora RERA descreva uma anormalidade 3. Flemale A, Gillard C, Dierckx JP. Comparison of central
venous, oesophageal and mouth occlusion pressure with
polissonográfica respiratória indicativa de
water-filled catheters for estimating pleural pressure
estreitamento de via aérea superior, esse não changes in healthy adults. Eur Respir J. 1988;1(1):51-7.
alcança os critérios de hipopneia. A diferenciação 4. Chervin RD, Burns JW, Ruzicka DL.
entre esses dois parâmetros é difícil, pois, Electroencephalographic changes during respiratory
cycles predict sleepiness in sleep apnea. Am J Respir Crit
atualmente, essa avaliação é baseada no
Care Med. 2005;171(6):652-8.
aspecto qualitativo do sinal do fluxo aéreo. 5. Guilleminault C, Poyares D, Palombini L, Koester U,
Provavelmente novas tecnologias irão possibilitar Pelin Z, Black J. Variability of respiratory effort in
o reconhecimento dessa anormalidade de relation to sleep stages in normal controls and upper
airway resistance syndrome patients. Sleep Med.
forma quantitativa e, com isso, possibilitar 2001;2(5):397-405.
uma padronização em relação à ocorrência de 6. Loube DI, Andrada T, Howard RS. Accuracy of
RERA em pacientes com distúrbios respiratórios respiratory inductive plethysmography for the
do sono. Hoje, a identificação da limitação ao diagnosis of upper airway resistance syndrome. Chest.
1999;115(5):1333-7.
fluxo aéreo esta limitada à definição de RERA, 7. Rühle KH, Schlenker E, Randerath W. Upper airway
mas sabe-se, a partir da prática clínica, que resistance syndrome. Respiration. 1997;64 Suppl
períodos de limitação ao fluxo aéreo ocorrem 1:29‑34.
8. Gold AR, Schwartz AR. The pharyngeal critical pressure.
em diferentes situações e apresentações.
The whys and hows of using nasal continuous positive
Portanto, são necessários novos estudos para o airway pressure diagnostically. Chest. 1996;110(4):1077-
estabelecimento de normas para a classificação 88.
das anormalidades respiratórias presentes 9. Calero G, Farre R, Ballester E, Hernandez L, Daniel
N, Montserrat Canal JM. Physiological consequences
em pacientes com distúrbios respiratórios do of prolonged periods of flow limitation in patients
sono e que fogem aos critérios de apneias e with sleep apnea hypopnea syndrome. Respir Med.
hipopneias. 2006;100(5):813-7.
10. Guilleminault C, Stoohs R, Clerk A, Cetel M, Maistros
Referências P. A cause of excessive daytime sleepiness. The upper
airway resistance syndrome. Chest. 1993;104(3):781-7.
1. Sleep-related breathing disorders in adults: 11. Rauscher H, Formanek D, Zwick H. Nasal continuous
recommendations for syndrome definition and positive airway pressure for nonapneic snoring? Chest.
measurement techniques in clinical research. The Report 1995;107(1):58-61.
of an American Academy of Sleep Medicine Task Force. 12. Guilleminault C, Li KK. Maxillomandibular expansion for
Sleep. 1999;22(5):667-89. the treatment of sleep-disordered breathing: preliminary
2. Ayappa I, Norman RG, Krieger AC, Rosen A, O’malley result. Laryngoscope. 2004;114(5):893-6.
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effort-related arousals (REras) by a nasal cannula/ resistance syndrome patient. J Prosthet Dent.
pressure transducer system. Sleep. 2000;23(6):763-71. 2002;87(4):427-30.

Sobre a autora
Luciana de Oliveira Palombini
Médica Pneumologista e Coordenadora do Instituto do Sono de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil.
E-mail para contato: lpalombini@hotmail.com (L. Palombini)

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23

Critérios diagnósticos e tratamento


dos distúrbios respiratórios do sono: SAOS
Diagnostic criteria and treatment for
sleep-disordered breathing: obstructive sleep apnea syndrome

Lia Rita Azeredo Bittencourt, Eliazor Campos Caixeta

Resumo
Neste capítulo são apresentadas as principais abordagens para o diagnóstico e tratamento dos pacientes com SAOS.
O diagnóstico deve ser realizado através de uma minuciosa história clínica e exame físico. Para a confirmação
diagnóstica, é necessária a realização da polissonografia completa de noite inteira sob supervisão, sendo que em
pacientes cuja suspeita clínica é alta, registros simplificados domiciliares podem ser uma alternativa. O tratamento
da SAOS requer medidas gerais e o uso de aparelhos de pressão positiva. Em casos moderados e graves, CPAP
é o mais indicado, enquanto aparelhos intraorais são indicados em casos leves. Os procedimentos cirúrgicos são
indicados quando alterações anatômicas são evidentes ou como auxílio aos demais tratamentos.
Descritores: Apneia do sono tipo obstrutiva/diagnóstico; Apneia do sono tipo obstrutiva/terapia; Apneia do sono
tipo obstrutiva/cirurgia.

Abstract
In this chapter, the principal approaches to the diagnosis and treatment of patients with obstructive sleep
apnea syndrome (OSAS) are presented. The diagnosis should be carried out by the taking of a thorough clinical
history and by physical examination. For diagnostic confirmation, it is necessary to perform supervised overnight
polysomnography. For patients in whom clinical suspicion is high, a simplified home study can be an alternative.
The treatment of OSAS requires general measures and the use of positive pressure devices. In moderate and severe
cases, CPAP is the method of choice, whereas oral appliances can be used in mild cases. Surgical procedures are
recommended when anatomical alterations are evident or as an auxiliary method in combination with other types
of treatment.
Keywords: Sleep apnea, obstructive/diagnosis; Sleep apnea, obstructive/treatment; Sleep apnea, obstructive/
surgery.

Diagnóstico de SAOS
O diagnóstico da SAOS é baseado na história exame é indicado para pacientes que não
clínica, exame físico e testes de registro do sono conseguem locomover-se para o laboratório
(polissonografia e testes simplificados). do sono. Até o momento, não há evidências
de que essa modalidade diagnóstica apresente
Polissonografia de noite inteira vantagens  sobre a polissonografia completa
no laboratório.(3) Devido a complexidade
O estudo polissonográfico de noite inteira,
do procedimento, risco de perda do exame,
realizado no laboratório sob supervisão de
insegurança e desconforto do paciente e de
um técnico habilitado, constitui o método
seus familiares, julgamos que tal procedimento
diagnóstico padrão para a avaliação dos sempre deva ser realizado com supervisão.
distúrbios respiratórios do sono (nível de
evidência 1; Figuras 1 e 2).(1) Monitoração cardiorrespiratória
Os principais critérios diagnósticos de SAOS
se encontram no Quadro 1.(2) Esse tipo de monitorização é geralmente
realizada no domicílio sem supervisão. Os
Polissonografia completa domiciliar parâmetros avaliados são FC, fluxo aéreo,
oximetria e movimentos torácicos e abdominais.
É o registro polissonográfico completo, com Recomenda-se que essa monitorização se
ou sem supervisão de profissional habilitado, restrinja a pacientes com forte suspeita de SAOS
realizado no domicílio do paciente. Esse sem outras comorbidades ou outros distúrbios

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24 Bittencourt LRA, Caixeta EC

recomenda sua utilização de rotina. A grande


limitação da polissonografia do tipo split-night
é a possibilidade do ajuste incorreto do nível
pressórico ideal, pois metade da noite pode
ser insuficiente para titular adequadamente
a pressão durante o sono REM e em posição
supina. Além disso, considerando que o sono
REM predomina na segunda metade da noite,
os eventos respiratórios associados a ele podem
não ser identificados adequadamente quando se
faz o registro parcial.(1)

Oximetria noturna
Figura 1 - Paciente realizando polissonografia.
Este é o registro isolado da oximetria de
pulso, realizado com ou sem supervisão. A
do sono, quando a polissonografia padrão não oximetria noturna apresenta baixa especificidade,
é disponível ou quando o paciente não pode não sendo recomendada para o diagnóstico de
realizá-la no laboratório do sono devido a SAOS.(1)
imobilidade, doença clínica ou por medida de
segurança. Além disso, seu uso é recomendado Polissonografia diurna (nap-study)
no monitoramento do tratamento de SAOS que
não o CPAP. Na eventualidade de exame negativo Esse registro é realizado durante o dia, por
em pacientes com suspeita de SAOS, indica-se a um período de tempo geralmente curto. Seu
polissonografia padrão no laboratório de sono. resultado não é aceitável, pois subestima a
É importante salientar que a equipe deve estar presença e a gravidade de SAOS.(1)
ligada a um serviço de sono credenciado, que
possibilitará a realização de uma polissonografia Tratamento de SAOS
completa, se for necessário.(4)

Polissonografia do tipo split-night Tratamento conservador por intermédio


da higiene do sono e do emagrecimento
A polissonografia do tipo split-night consiste,
em uma mesma noite, de um registro inicial para Simples medidas, como a retirada de bebidas
o diagnóstico de SAOS, seguido de titulação da alcoólicas e de certas drogas (benzodiazepínicos,
pressão positiva de via aérea. Esse exame é uma barbitúricos e narcóticos), a adequada posição
alternativa para casos graves de SAOS, e não se do corpo e a perda de massa gorda, podem ser
eficazes para o tratamento de SAOS.(5) Também
é importante evitar a posição do corpo na qual
a apneia aparece ou piora (habitualmente o
decúbito dorsal).(5)

Tratamento farmacológico
Alguns tratamentos farmacológicos, como
a reposição hormonal nos indivíduos que
apresentam acromegalia ou hipotireoidismo
associados a SAOS, podem ser benéficos.
(6-8)
A reposição com hormônios femininos
em mulheres na menopausa com SAOS tem
mostrado um papel adicional para o tratamento
dessa síndrome.(6)
O tratamento farmacológico específico para
Figura 2 - Época de polissonografia demonstrando SAOS, apesar dos vários estudos envolvendo
uma apneia obstrutiva. diversos grupos farmacológicos, tem apresentado

J Bras Pneumol. 2010;36(supl.2):S1-S61


Critérios diagnósticos e tratamento dos distúrbios respiratórios do sono: SAOS 25

resultados controversos, não havendo ainda Quadro 1 - Critérios diagnósticos de SAOS no adulto.
evidências clínicas sobre a sua efetividade.(6-8) Critérios (A + B + D) ou (C + D):
diagnóstico de SAOS
CPAP A) No mínimo uma queixa:
• Episódios de sono não intencionais durante
Esses sistemas ainda permanecem como sendo
a vigília, sonolência excessiva diurna, sono não
a primeira escolha para o tratamento. O aparelho reparador, fadiga ou insônia
CPAP gera e direciona um fluxo contínuo de ar, • Acordar com pausas respiratórias, engasgos ou
(40-60 L/min), através de um tubo flexível, para asfixia
uma máscara nasal ou nasobucal firmemente • Companheiro relatar ronco alto e/ou pausas
aderida à face do indivíduo. Quando a pressão respiratórias no sono
positiva passa através das narinas, ocorre a
B) Polissonografia: ≥ 5 eventos respiratórios/h de
dilatação de todo o trajeto das vias aéreas
sono (apneias, hipopneias e despertares relacionados
superiores (Figura 3). ao esforço respiratório). Evidência de esforço
Os benefícios do uso de CPAP estão respiratório durante todo ou parte de cada evento.
relacionados à eliminação das apneias, ao
aumento da saturação da oxi-hemoglobina e C) Polissonografia: ≥ 15 eventos respiratórios/h de
à diminuição dos despertares relacionados aos sono (apneias, hipopneias e despertares relacionados
ao esforço respiratório). Evidência de esforço
eventos respiratórios. Consequentemente, ocorre respiratório durante todo ou parte de cada evento.
uma redução da sonolência diurna excessiva
e melhora das funções neuropsíquicas, do D) O distúrbio não pode ser melhor explicado
desempenho subjetivo do trabalho, dos sintomas por outro distúrbio do sono, doenças médicas ou
depressivos e da qualidade de vida.(9) O seu uso neurológicas, uso de medicações ou distúrbio por
uso de substâncias.
reduz as alterações cardiovasculares noturnas,
podendo(10) ou não(11,12) diminuir a hipertensão
arterial diurna e a frequência de sofrer acidentes ser reversível e de fácil confecção, os AIOs vêm
automobilísticos. Também melhora a sobrevida sendo cada vez mais utilizados, com sucesso,
dos indivíduos com SAOS. Quando ajustado à para o  tratamento do ronco primário, da
pressão adequada, CPAP é quase sempre eficaz resistência da via aérea superior e para o controle
para o tratamento de SAOS. O fator que mais de SAOS leve.(2,14,15) Esses aparelhos podem,
limita o seu uso é a sua não aceitação e adesão comprovadamente, trazer melhora na qualidade
por parte do indivíduo.(9,10) de vida e do sono desses pacientes.
Antes do início do tratamento, o diagnóstico
Tratamento com aparelhos intraorais do distúrbio respiratório e a seleção dos
(AIOs) pacientes favoráveis ao uso do aparelho devem
ser conduzidos por um médico especialista
Existem atualmente dois modelos de AIOs
em sono. É essencial também que o cirurgião
utilizados para o controle de SAOS: os de avanço
mandibular, que neste capítulo são denominados
de AIOs (Figura 4), e os dispositivos de retenção
lingual, os quais podem ser indicados para o
tratamento do ronco primário por apresentarem
uma menor adesão e eficácia do que os de
avanço mandibular.
O mecanismo de ação de um AIO se baseia
na extensão/distensão das vias aéreas superiores
pelo avanço da mandíbula. Essa distensão
previne o colapso entre os tecidos da orofaringe
e da base da língua, evitando o fechamento da
via aérea superior, conforme se pode observar
por meio de imagens e por videoendoscopia.(13)
Além de representar uma modalidade de Figura 3 - Paciente realizando polissonografia para
tratamento não invasiva, ter um baixo custo, ajuste de pressão de CPAP.

J Bras Pneumol. 2010;36(supl.2):S1-S61


26 Bittencourt LRA, Caixeta EC

resultados, essas  glossectomias não são usadas


com frequência.(18) A associação da técnica
cirúrgica da uvulopalatofaringoplastia ao
avanço do músculo genioglosso, assim como
da miotomia do osso hioide, tem como objetivo
dar uma maior tensão à língua, uma vez que
não se cria espaço na cavidade faríngea, mas
um posicionamento da língua sob tensão
anteroposterior. Como os resultados são difíceis
de prever, essa técnica deve ser utilizada
com restrições.(19) A cirurgia ortognática do
avanço maxilomandibular proporciona uma
Figura 4 - Aparelho reposicionador mandibular.
anteriorização mais eficiente do palato e da
base da língua. Com a utilização dessa técnica,
95-100% dos indivíduos tiveram sucesso no
dentista que irá conduzir o uso dos AIOs tenha tratamento da apneia obstrutiva do sono.(20) Na
conhecimento sobre os possíveis efeitos colaterais falha dos procedimentos cirúrgicos e do uso de
a curto e longo prazo. Também podem ser uma CPAP, a traqueostomia pode ser necessária para
opção de tratamento para os indivíduos com os indivíduos com SAOS grave e complicações
SAOS moderada e grave que não aceitam CPAP clínicas importantes.(21) O uso da radiofrequência
e para aqueles que são incapazes de tolerar ou para SAOS leve (palato e úvula) ou de moderado
que falharam nas tentativas do seu uso.(16) a severo (base da língua) pode trazer sucesso
para o tratamento do ronco,(22) embora a sua
Tratamento cirúrgico eficácia ainda não seja totalmente conhecida em
As cirurgias direcionadas para SAOS têm por relação ao tratamento de SAOS. Já as cirurgias
objetivo a modificação dos tecidos moles da nasais podem ser de grande auxílio para o uso
faringe (palato, amígdalas, pilares amigdalianos de CPAP, mas nem tanto para o tratamento de
e base da língua) e aqueles que abordam o SAOS. Os níveis pressóricos mais baixos de CPAP,
esqueleto (maxila, mandíbula e hioide). Não após o tratamento cirúrgico nasal, têm mostrado
existe um procedimento específico que possa resultados bastante animadores, principalmente
resolver todas as necessidades do indivíduo e, para os casos em que as altas pressões dificultam
muitas vezes, a combinação de cirurgias passa a ou até impedem o uso de CPAP nasal.(23)
ser a melhor forma de tratamento. Dependendo Desse modo, a adequada seleção e avaliação
do problema anatômico a ser resolvido e da dos pacientes é fundamental no sucesso do
gravidade de SAOS, mais de uma modalidade tratamento cirúrgico de SAOS.
cirúrgica pode ser utilizada de forma conjunta,
num mesmo ato cirúrgico, ou de forma Referências
sequencial, na medida em que alguns benefícios 1. Kushida CA, Littner MR, Morgenthaler T, Alessi CA,
são alcançados. A uvulopalatofaringoplastia, Bailey D, Coleman J Jr, et al. Practice parameters for the
a primeira técnica cirúrgica proposta para o indications for polysomnography and related procedures:
an update for 2005. Sleep. 2005;28(4):499-521.
tratamento de SAOS, apresenta limitações
2. American Academy of Sleep Medicine. The International
porque trata somente da obstrução das vias Classification of Sleep Disorders: Diagnostic & Coding
aéreas superiores no nível retropalatal. Não são Manual. Westchester: American Academy of Sleep
raras as complicações pós-cirúrgicas, como, Medicine; 2005.
entre outras, a insuficiência velofaríngea.(17) 3. Practice parameters for the use of portable recording
in the assessment of obstructive sleep apnea. Standards
Para evitar essas complicações, atualmente of Practice Committee of the American Sleep Disorders
preconizam-se técnicas mais conservadoras, Association. Sleep. 1994;17(4):372-7.
poupando a linha média do palato mole. Para 4. Collop NA, Anderson WM, Boehlecke B, Claman D,
o tratamento da macroglossia, a ressecção da Goldberg R, Gottlieb DJ, et al. Clinical guidelines for the
use of unattended portable monitors in the diagnosis
parte posterior da língua por cirurgia aberta
of obstructive sleep apnea in adult patients. Portable
ou a laser foram tentativas de tratamento de Monitoring Task Force of the American Academy of
SAOS. Entretanto, como não mostraram bons Sleep Medicine. J Clin Sleep Med. 2007;3(7):737-47.

J Bras Pneumol. 2010;36(supl.2):S1-S61


Critérios diagnósticos e tratamento dos distúrbios respiratórios do sono: SAOS 27

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pressure and oral appliance in mild to moderate Otolaryngol Head Neck Surg 1999;121(2):P53-P54.
obstructive sleep apnea. Am J Respir Crit Care Med. 23. Zonato AI, Bittencourt LR, Martinho FL, Gregório
2004;170(6):656‑64. LC, Tufik S. Upper airway surgery: the effect on
13. Hoffstein V. Review of oral appliances for treatment nasal continuous positive airway pressure titration
of sleep-disordered breathing. Sleep Breath. on obstructive sleep apnea patients. Eur Arch
2007;11(1):1‑22. Otorhinolaryngol. 2006;263(5):481-6.

Sobre os autores
Lia Rita Azeredo Bittencourt
Professora Adjunta III. Disciplina de Medicina e Biologia do Sono, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil.

Eliazor Campos Caixeta


Professor de Clínica Médica I. Disciplina de Pneumologia, Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais. Belo Horizonte (MG) Brasil.
E-mail para contato: lia@psicobio.epm.br (L. Bittencourt) ou eliazor@pulmonar.com.br (E. Caixeta)

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Consequências do ronco não-tratado


Consequences of untreated snoring

Flávio José Magalhães da Silveira, Ricardo Luiz de Menezes Duarte

Resumo
Em alguns estudos, o ronco tem sido associado com um risco aumentado de hipertensão, doença cardíaca
isquêmica e acidente vascular encefálico. Os mecanismos são desconhecidos, mas provavelmente mediados pela
apneia obstrutiva do sono. Contudo, a maioria dos roncadores não tem apneia do sono. Se o ronco, por si só,
aumenta o risco de doença cardiovascular, isso ainda permanece controverso.
Descritores: Ronco; Doenças cardiovasculares; Acidente cerebral vascular.

Abstract
In some studies, snoring has been associated with an increased risk of hypertension, ischemic heart disease and
stroke. Although the mechanisms involved in these associations are unknown, they are probably mediated by
obstructive sleep apnea. Nevertheless, most snorers do not have sleep apnea. Whether snoring itself increases the
risk of cardiovascular disease remains controversial.
Keywords: Snoring; Cardiovascular diseases; Stroke.

Introdução
A maioria dos estudos epidemiológicos significativa, com o aumento da pressão
demonstra que o ronco está associado a um arterial sistêmica, independentemente de
aumento do risco de hipertensão arterial outras variáveis, como idade, gênero e IMC. A
sistêmica, doença arterial coronariana e acidente magnitude da associação, contudo, foi menor do
vascular encefálico.(1-4) O mecanismo pelo qual que para outros distúrbios respiratórios do sono.
o ronco está associado a essas complicações Os autores sugerem que o ronco primário faça
está principalmente associado à presença de parte de um processo contínuo de colapso da via
SAHOS, uma vez que o ronco intenso quase aérea superior e de resistência aumentada dessa
sempre está presente em SAHOS.(5) De forma via até o aparecimento futuro de SAHOS.(9,10)
independente, SAHOS pode aumentar o risco Em um estudo, foi verificado que o ronco,
de hipertensão arterial sistêmica e, de forma em mulheres, está associado a um aumento
aditiva, pode causar hipoxemia intermitente, pequeno, porém significativo, do risco de doença
a qual promove aterosclerose.(6,7) Entretanto, cardiovascular, independentemente da idade,
deve-se salientar que a maioria dos roncadores da história tabágica, do IMC e de outros riscos
não possui SAHOS. Se o ronco por si só é capaz conhecidos de doença cardiovascular.(11)
de aumentar o risco de hipertensão arterial Esses dados, em mulheres, já tinham sido
sistêmica e de doença cardiovascular, isso ainda previamente verificados em homens, através
permanece controverso, com uma tendência a se de um estudo prospectivo de 4.388 homens,
considerar que essa associação realmente possa no qual 149  pacientes foram recentemente
coexistir.(5,8) diagnosticados com doença cardíaca isquêmica
e 42 pacientes foram diagnosticados com
Associação do ronco com doença acidente vascular encefálico durante os três anos
cardiovascular de acompanhamento do estudo.(3) Em um estudo
transversal com 3.847 homens e 3.664 mulheres,
Uma vez que a maioria dos roncadores não foi encontrada uma associação significativa de
apresenta SAHOS, não está claro, como descrito ronco habitual com angina pectoris em homens
acima, se o ronco isoladamente pode aumentar (risco relativo [RR] = 2,01), mas com uma fraca
o risco de doença cardiovascular. Em um estudo associação em mulheres (RR = 1,23).(2)
transversal com 580 pacientes adultos, o ronco Outro estudo englobou 1.453 pacientes de
isolado foi associado, de forma estatisticamente ambos os gêneros, com idades entre 20 e 70 anos,

J Bras Pneumol. 2010;36(supl.2):S1-S61


Consequências do ronco não-tratado 29

com o objetivo de verificar se havia associação são desconhecidos. Os possíveis mecanismos


entre infarto agudo do miocárdio e ronco. Os poderiam ser a alta prevalência de SAHOS em
pacientes foram divididos em dois grupos: 40% roncadores, a associação com arritmias cardíacas
de roncadores e 60% de não roncadores. Entre e a diminuição do índice cardíaco.(16)
os roncadores, houve um RR ajustado para
infarto agudo do miocárdio (em relação aos não Ronco na população pediátrica
roncadores) de 3,08 (IC95%: 1,01-9,46).(12)
É possível que, por si só, o ronco possa A Academia Norte-Americana de Pediatria
causar complicações cardiovasculares. O ronco é recomenda que crianças que roncam devam ser
acompanhado por um potente esforço inspiratório avaliadas, uma vez que a prevalência de ronco é
contra uma faringe semifechada,  com grandes superior a 10% nessa população. O melhor teste
variações na pressão pleural e, por conseguinte, para avaliar essas crianças roncadoras é através
afetando, de forma transiente, tanto a pré-carga da polissonografia; porém, nessa população,
quanto à pós-carga cardíaca.(13) Em uma revisão há muita variação nos critérios utilizados
com 19 estudos com populações de adultos para  considerar um exame como normal
roncadores, apesar de resultados conflitantes e ou anormal.(17) Além disso, critérios clínicos
controversos, o autor concluiu que os dados não isoladamente são insuficientes e incapazes
suportam a premissa de que o ronco primário de distinguir crianças com ronco primário ou
seja um fator de risco independente para SAHOS. Em crianças, de forma similar ao que
complicações vasculares.(8) acontece em adultos, acredita-se que o ronco
primário seja uma fase inicial de um processo
Associação do ronco com doenças contínuo cujo outro extremo é caracterizado
cerebrovasculares pela presença de SAHOS.(17-19)
Em um estudo, 2.209 crianças (com idades
O ronco também tem sido considerado entre 9 e 15 anos) foram analisadas através
como um fator de risco para infarto cerebral, de um estudo transversal. Foi encontrada uma
especialmente acidente vascular encefálico que prevalência de 5,6% de crianças roncadoras, e os
ocorre durante o sono ou nas primeiras horas principais preditores de ronco nessa população
após o acordar. Da mesma forma que na doença pediátrica foram o aumento do peso corporal,
cardiovascular, diversos fatores de confusão a diminuição da patência nasal (rinite alérgica,
(por ex., hipertensão arterial sistêmica, doença desvio de septo e obstrução nasal) e condições
cardiovascular, idade, obesidade, tabagismo e uso clínicas que possam estreitar a via aérea
de álcool) podem ser considerados na associação superior (hipertrofia tonsilar, adenoidectomia
entre ronco e acidente vascular encefálico, sem tonsilectomia). A concentração de
além do fato de que esses dois achados (ronco hemoglobina esteve aumentada em crianças
e infarto cerebral) também se associam com roncadoras, sugerindo que essas crianças possam
SAHOS.(3,14,15) experimentar dessaturação da oxi-hemoglobina
Um estudo foi elaborado para verificar a durante o sono. Além disso, o reconhecimento
associação entre ronco e infarto cerebral, através e o tratamento desses fatores de risco estão
de um estudo de caso-controle para fatores de associados a uma melhor qualidade do sono,
risco para acidente vascular encefálico isquêmico podendo, assim, prevenir o aparecimento de
SAHOS nessas crianças.(18)
em 177 pacientes do gênero masculino com
Nas crianças, a associação do ronco primário
idades entre 16 e 60 anos. O resultado de OR de
com complicações cardiovasculares também tem
ronco para acidente vascular encefálico isquêmico
sido estudada. Em um estudo, 30 crianças com
foi de 2,13. Se havia concomitância de SAHOS
ronco primário tiveram pressão arterial sistêmica
(com sonolência diurna excessiva) e obesidade,
diurna aumentada e redução da distensibilidade
o valor de OR subia para 8,0, indicando que o arterial (avaliada pela velocidade de onda de
ronco pode ser um fator de risco para acidente pulso) em relação aos controles (n = 30).(19)
vascular encefálico isquêmico, possivelmente pela
alta prevalência de SAHOS entre esses pacientes Ronco nas gestantes
roncadores.(16) Os mecanismos que poderiam
explicar o aumento do risco de acidente vascular A incidência de ronco (dados dos EUA)
encefálico isquêmico em roncadores ainda em mulheres grávidas saudáveis é de 14%,

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30 Silveira FJM, Duarte RLM

significativamente maior do que em mulheres episódios cíclicos de hipoxemia materna. A


não grávidas.(20) Durante a gravidez, surgem hipertensão arterial sistêmica e a vasoconstrição
alterações na via aérea superior que podem periférica estão comumente associadas a
explicar a maior prevalência de ronco e de outros SAHOS, e essas complicações estão associadas a
distúrbios respiratórios do sono. Surgem reduções uma redução de oferta de oxigênio ao feto pela
do diâmetro faríngeo, o que pode ser verificado placenta. Assim, o ronco durante a gravidez pode
clinicamente pelo escore de Mallampati. A levar a complicações fetais, como redução do
patência nasal também está reduzida durante crescimento intrauterino e baixo escore de Apgar
a gravidez, sendo que 42% das mulheres, por ao nascimento.(20,21) Outras complicações dos
volta da 36ª semana de gestação, relatam distúrbios respiratórios do sono na gravidez são a
congestão nasal e rinite alérgica. Esses aspectos hipertensão arterial pulmonar e o diabetes mellitus
podem estar relacionados ao aumento dos níveis gestacional.(20) O tratamento com CPAP tem sido
de progesterona e de estrogênio conforme a utilizado em mulheres grávidas  propiciando
gestação progride. A exata prevalência de ronco um bom prognóstico, reduzindo, inclusive, os
não é conhecida de forma precisa; porém, como incrementos da pressão arterial durante o sono
na gestação há um aumento da incidência de em grávidas com pré-eclampsia.(20) Em mulheres
ronco, possivelmente também há um aumento na grávidas que desenvolvem pré-eclampsia, a
incidência de SAHOS. Estudos têm indicado que circunferência do pescoço e a obesidade materna
SAHOS possa se desenvolver durante a gravidez foram fatores de risco, na análise univariada,
em mulheres com tendência pré-existente e que para hipertensão arterial sistêmica relacionada
a gravidade de SAHOS possa piorar em mulheres à gravidez e pré-eclampsia. A circunferência do
que, previamente à gravidez, já sofriam da pescoço > 34,7 cm, contudo, foi um fator de risco
doença.(20) independente tanto para a hipertensão arterial
O ronco durante a gravidez pode ser um sistêmica relacionada à gravidez (OR  =  2,85;
importante achado e pode estar relacionado IC95%: 1,51-5,37) e a pré-eclampsia (OR = 3,57;
à presença de hipertensão arterial sistêmica IC95%: 1,43-8,88).(21)
materna e pré-eclampsia. Um dos mais
importantes achados da pré-eclampsia é a reversão Referências
diurna do ritmo de pressão arterial (similar a
1. Gislason T, Aberg H, Taube A. Snoring and systemic
SAHOS).(20) Em sua maior parte, as mulheres hypertension--an epidemiological study. Acta Med
grávidas com pré-eclampsia não apresentam, Scand. 1987;222(5):415-21.
quando submetidas à polissonografia noturna, 2. Koskenvuo M, Kaprio J, Partinen M, Langinvainio H, Sarna
S, Heikkilä K. Snoring as a risk factor for hypertension
os achados clássicos de SAHOS, com episódios
and angina pectoris. Lancet. 1985;1(8434):893-6.
repetitivos de cessação completa ou parcial 3. Koskenvuo M, Kaprio J, Telakivi T, Partinen M, Heikkilä
do fluxo aéreo e hipoxemia associada. Seus K, Sarna S. Snoring as a risk factor for ischaemic heart
achados polissonográficos são mais compatíveis disease and stroke in men. Br Med J (Clin Res Ed).
com SRVAS, mas a aplicação noturna de CPAP 1987;294(6563):16-9.
4. Norton PG, Dunn EV. Snoring as a risk factor for
pode reduzir esses longos períodos noturnos de disease: an epidemiological survey. Br Med J (Clin Res
pressão arterial aumentada.(20) A polissonografia Ed). 1985;291(6496):630-2.
em mulheres grávidas pode ser realizada de 5. Waller PC, Bhopal RS. Is snoring a cause of vascular
forma similar àquela realizada em mulheres disease? An epidemiological review. Lancet.
1989;1(8630):143-6.
não grávidas. Contudo, dada a preferência de 6. Shepard JW Jr. Hypertension, cardiac arrhythmias,
mulheres grávidas de dormir na posição lateral, é myocardial infarction, and stroke in relation to obstructive
possível que o IAH medido pela polissonografia sleep apnea. Clin Chest Med. 1992;13(3):437-58.
seja subestimado. Além disso, também não existe 7. Gainer JL. Hypoxia and atherosclerosis: re-evaluation of
an old hypothesis. Atherosclerosis. 1987;68(3):263-6.
evidência de que a polissonografia seja mais 8. Hoffstein V. Is snoring dangerous to your health? Sleep.
difícil de ser realizada em mulheres grávidas do 1996;19(6):506-16.
que em não grávidas.(20) 9. Young T, Finn L, Hla KM, Morgan B, Palta M. Snoring
Quanto às complicações fetais dos distúrbios as part of a dose-response relationship between
sleep-disordered breathing and blood pressure. Sleep.
respiratórios do sono durante a gravidez, os 1996;19(10 Suppl):S202-5.
episódios repetitivos de eventos respiratórios 10. Young T, Palta M, Dempsey J, Skatrud J, Weber
obstrutivos durante o sono podem ocasionar S, Badr S. The occurrence of sleep-disordered

J Bras Pneumol. 2010;36(supl.2):S1-S61


Consequências do ronco não-tratado 31

breathing among middle-aged adults. N Engl J Med. 17. Section on Pediatric Pulmonology, Subcommittee on
1993;328(17):1230-5. Obstructive Sleep Apnea Syndrome. American Academy
11. Hu FB, Willett WC, Manson JE, Colditz GA, Rimm EB, of Pediatrics. Clinical practice guideline: diagnosis and
Speizer FE,  et  al. Snoring and risk of cardiovascular management of childhood obstructive sleep apnea
disease in women. J Am Coll Cardiol. 2000;35(2):308- syndrome. Pediatrics. 2002;109(4):704-12.
13. 18. Corbo GM, Forastiere F, Agabiti N, Pistelli R, Dell’Orco
12. Zamarrón C, Gude F, Otero Otero Y, Rodríguez-Suárez V, Perucci CA,  et  al. Snoring in 9- to 15-year-old
JR. Snoring and myocardial infarction: a 4-year children: risk factors and clinical relevance. Pediatrics.
follow-up study. Respir Med. 1999;93(2):108-12. 2001;108(5):1149-54.
13. Stradling JR, Crosby JH. Relation between systemic 19. Kwok KL, Ng DK, Cheung YF. BP and arterial
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analysis in 748 men drawn from general practice. BMJ. 2003;123(5):1561-6.
1990;300(6717):75-8. 20. Edwards N, Middleton PG, Blyton DM, Sullivan CE.
14. Partinen M, Palomäki H. Snoring and cerebral infarction. Sleep disordered breathing and pregnancy. Thorax.
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1989;20(10):1311-5. neck circumference as risk factors for pregnancy-
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infarction. Stroke. 1991;22(8):1021-5. 2008;76(1):33-9.

Sobre os autores
Flávio José Magalhães da Silveira
Diretor Médico. SLEEP – Laboratório de Estudo dos Distúrbios do Sono, Centro Médico BarraShopping, Rio de Janeiro (RJ) Brasil.

Ricardo Luiz de Menezes Duarte


Professor Convidado da Cadeira Cardiopulmonar. Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO – e Diretor Médico. SLEEP
– Laboratório de Estudo dos Distúrbios do Sono, Centro Médico BarraShopping, Rio de Janeiro (RJ) Brasil.
E-mail para contato: flaviomagalhaes1@gmail.com (F. Silveira)

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Alterações cognitivas na SAOS


Cognitive impairment in obstructive sleep apnea syndrome

Pedro Felipe Carvalhedo de Bruin, Mauricio da Cunha Bagnato

Resumo
Alterações da cognição e do desempenho estão bem estabelecidas em pacientes com SAOS, causando um impacto
significativo sobre a qualidade de vida e o risco de acidentes nesses indivíduos. Tais alterações são mais profundas
nos quadros mais graves de SAOS, o que explica a aparente discrepância na frequência e gravidade desse prejuízo
entre estudos com pacientes de clínicas de sono e estudos de base populacional. Vários aspectos podem estar
comprometidos, incluindo o processamento cognitivo, a atenção sustentada, as funções executivas e a memória.
Entretanto, os mecanismos causais desses déficits não estão inteiramente elucidados, e existem controvérsias,
particularmente em relação à contribuição relativa da hipóxia intermitente e da interrupção do sono presentes na
SAOS. O impacto da sonolência diurna sobre o desempenho desses pacientes nos diversos testes cognitivos também
ainda deve ser determinado, assim como o possível efeito de comorbidades frequentes, incluindo o diabete melito,
a hipertensão arterial sistêmica, a doença cardiovascular e a obesidade. Existem evidências convincentes de que o
tratamento com CPAP produz uma significativa melhora do desempenho e da cognição, sobretudo nos portadores
de SAOS moderada e grave, embora sejam necessários mais estudos acerca do seu impacto a longo prazo.
Descritores: Apneia do sono tipo obstrutiva; Cognição; Função executiva; Memória; Pressão positiva contínua
nas vias aéreas.

Abstract
Cognitive and performance impairment is well established in patients with obstructive sleep apnea syndrome
(OSAS), having a significant impact on the quality of life and the risk of accidents in these individuals. The severity
of the impairment correlates with that of the OSAS, which explains the apparent discrepancy between studies using
patients from sleep clinics and population-based studies in terms of the reported frequency and severity of such
impairment. Cognitive processing, sustained attention, executive functioning, and memory have all been reported
to be impaired in OSAS. However, the causal mechanisms of these deficits have not been entirely clarified, and
the relative contribution of intermittent hypoxia and sleep disruption in OSAS is particularly controversial. The
potential effect of daytime sleepiness on the performance of these patients on various cognitive tests has yet to be
determined, as does that of common comorbidities, such as diabetes, systemic arterial hypertension, cardiovascular
disease, and obesity. There is compelling evidence that CPAP treatment can improve performance and cognition,
particularly in mild to moderate cases, although further studies on the long-term impact of this type of treatment
are still needed.
Keywords: Sleep apnea, obstructive; Cognition; Executive function; Memory; Continuous positive airway
pressure.

Introdução
As alterações cognitivas na SAOS podem com segurança uma relação linear entre o grau
ser múltiplas e variadas, incluindo déficit do de apneia e alterações neurocognitivas, a maioria
processamento cognitivo, de memória, de atenção dos estudos relata prejuízos mais evidentes nos
e das funções executivas.(1,2) Os acidentes de casos mais graves.(5)
trânsito e de trabalho, importantes marcadores
desse tipo de alteração, representam uma Caracterização do déficit cognitivo na
significativa causa de morbidade e mortalidade SAOS
nesses pacientes.
Inquéritos de base populacional indicam Para uma melhor compreensão das alterações
que a SAOS reduz a qualidade de vida e que cognitivas e comportamentais, torna-se útil que
mesmo os casos classificados como leves esses fenômenos sejam abordados a partir de
apresentam dificuldades na realização de tarefas uma perspectiva categórica. Resumidamente,
cotidianas.(3-5) Embora seja difícil estabelecer os efeitos de SAOS podem incluir alterações do

J Bras Pneumol. 2010;36(supl.2):S1-S61


Alterações cognitivas na SAOS 33

processamento cognitivo, da atenção sustentada de longo prazo e a recuperação da informação


e da atenção dividida, das funções executivas e, armazenada. Registro, ou memória sensorial, é
muito provavelmente, da memória (Quadro 1).(6) o primeiro reconhecimento do estímulo e serve
como evidência do estado de consciência. A
Processamento cognitivo redução do grau de alerta constitui uma evidência
Pacientes com SAOS apresentam um do comprometimento do registro na SAOS. Além
comprometimento do processamento cognitivo, desse aspecto da memória, outros, incluindo a
ou seja, da habilidade de digerir a informação, capacidade de armazenar, reter e recuperar
o que ocasiona uma lentificação da execução de informações, podem estar comprometidos.
tarefas, aumento do número de erros e redução Estudos de memória em pacientes com SAOS
de respostas completas e do número de respostas têm revelado resultados não muito consistentes,
por unidade de tempo, quando comparados a provavelmente em decorrência de diferenças
controles saudáveis pareados por idade e grau no processo de amostragem ou na comparação
de instrução.(7) Estudos de base populacional a  grupos controle normais ou a valores
envolvendo um maior número de participantes, normativos.(7,9)
entretanto, têm evidenciado alterações menos
marcantes que os estudos com pacientes Atenção
recrutados em clínicas ou centros especializados A atenção envolve diversos processos e
em distúrbios do sono, provavelmente, refletindo capacidades que refletem o modo como os
um viés de recrutamento de indivíduos mais estímulos são recebidos e processados. A
sintomáticos.(8) atenção pode ser sustentada (tônica), como é
Memória o caso na vigilância, ou fásica, variando com
a mudança do estímulo. A atenção sustentada,
Vários processos psicológicos estão envolvidos expressão que algumas vezes é usada como
na memória, incluindo o registro, a memória de sinônimo de concentração, é a capacidade mais
curto prazo, os processos de repetição, a memória usada para a avaliação da sonolência diurna, e

Quadro 1 - Alterações cognitivas na SAOS.


Conceito Déficit
Processamento Habilidade reduzida para digerir informação
cognitivo • Lentificação na execução da tarefa
• Aumento dos erros
• Declínio nas respostas corretas e/ou completas por unidade de tempo
Memória Habilidade diminuída para registrar, armazenar, reter e recuperar informações
Atenção sustentada Incapacidade de manter a atenção ao longo do tempo
ou vigilância • Prolongamento do tempo de resposta (tempo na tarefa)
• Aumento dos erros
• Queda dos melhores tempos de resposta
• Períodos de resposta lenta ou ausência de resposta (lapsos)
• Respostas na ausência do estímulo (respostas falsas)
Atenção dividida Incapacidade de responder a mais de uma tarefa ou estímulo, tal como, ao conduzir um
veículo
Função executiva Problemas na manipulação e processamento da informação
Planejamento e execução inadequados
Desorganização: prejuízo do julgamento e tomada de decisões
Inflexibilidade: labilidade emocional
Impulsividade
Dificuldade de manter a motivação
Modificado de Weaver et al.(6)

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34 Bruin PFC, Bagnato MC

seu comprometimento associa-se ao aumento pacientes são recrutados de clínicas e centros


na frequência de acidentes. À medida que uma especializados de sono, a queda no desempenho
tarefa se prolonga, a capacidade de permanecer costuma variar entre moderada e grave, em
atento torna-se mais exigida, o que pode afetar comparação a controles normais.(13) Estudos de
o desempenho. Os pacientes com SAOS exibem base populacional, porém, têm mostrado um
um desempenho inicial em testes de atenção efeito menos intenso.(14)
comparável ao de controles normais em tarefas
de curta duração. Entretanto, com o aumento da Mecanismos
duração da tarefa, ocorre uma instabilidade no
desempenho, ocasionando um prolongamento Evidências de que pacientes com apneia
do tempo de resposta, lapsos e respostas sem obstrutiva do sono podem apresentar redução
estímulo prévio.(10) da atenção e do desempenho cognitivo são
Outro aspecto da atenção diz respeito ao seu abundantes na literatura.(1,2) Entretanto,
limite de capacidade, ou seja, o envolvimento em os mecanismos exatos de tais alterações
uma tarefa que requer atenção controlada pode permanecem insuficientemente compreendidos.
interferir no desempenho de outra tarefa com O estudo desses mecanismos de causa e efeito
requisitos semelhantes. Denomina-se atenção é dificultado, particularmente, pelo fato de que
dividida a essa capacidade de responder a mais portadores de SAOS frequentemente apresentam
de uma tarefa ou estímulo. Testes de atenção comorbidades, tais como obesidade, diabete
dividida em simuladores de direção mostram que melito ou hipertensão arterial sistêmica, que
pacientes com SAOS colidem mais, apresentam atuam como potenciais fatores de confusão.(15)
mais erros por incapacidade de permanecer na De modo geral, acredita-se que a morbidade
faixa de tráfego e de localizar obstáculos e sinais neurocognitiva na SAOS seja secundária a
luminosos.(10) dois tipos de estímulos lesivos. O primeiro diz
respeito à perturbação da arquitetura do sono
Funções executivas associada a cada apneia e seu microdespertar
subsequente, resultando em sonolência diurna
As funções executivas são responsáveis por excessiva. O segundo relaciona-se ao dano ao
comportamentos intencionais, independentes sistema neurocognitivo causado pelo estresse
e relacionados ao próprio indivíduo, sendo oxidativo no tecido cerebral consequente aos
dependentes do funcionamento do lobo frontal. episódios de hipóxia intermitente.(11)
Mesmo em circunstâncias onde há considerável
perda da função cognitiva, se as funções Estudos em animais
executivas estiverem preservadas, o indivíduo
poderá continuar a levar uma vida autônoma e Alterações neuronais e cerebrais variadas
produtiva. Por outro lado, a perda das funções têm sido descritas em estudos animais. Em
executivas torna o indivíduo incapaz de cuidar relação ao hipocampo, estrutura que, dentre
de si próprio, trabalhar independentemente outras funções, está relacionada aos processos
e manter um relacionamento social normal, de memória, foi relatado que episódios isolados
ainda que a função cognitiva propriamente dita de hipóxia promovem excitotoxicidade induzida
permaneça intacta. O paciente com prejuízo por glutamato(16) e que a hipóxia intermitente
das funções executivas carece de motivação, é modula a ativação colinérgica das proteínas G,
incapaz de iniciar uma atividade e tem dificuldade mas não sua ativação opioide.(17) Foi descrita
de planejar e executar tarefas que requeiram um lesão hipocampal (estresse oxidativo, inflamação
comportamento voltado para a consecução de e morte neuronal) associada a expressão
um objetivo. Pode ocorrer também labilidade reduzida de enzimas antioxidantes,(18) e foram
emocional, irritabilidade ou impulsividade.(6) encontradas evidências de que a deficiência de
O desempenho nos testes de funções óxido nítrico induzida pela hipóxia intermitente
executivas  é um dos mais afetados pela SAOS. diminui a atividade dos canais de potássio de alta
(11)
Esse prejuízo costuma ser evidenciado por condutância ativados pelo cálcio em neurônios
problemas de fluência verbal, planejamento, hipocampais.(19) Foi relatado também que a
pensamento sequencial e habilidade hipóxia intermitente afeta o córtex cerebral(20)
construcional.(12) Nos estudos em que os e que a produção de espécies reativas de

J Bras Pneumol. 2010;36(supl.2):S1-S61


Alterações cognitivas na SAOS 35

oxigênio desempenha um papel central na lesão Na tentativa de explicar a relação


celular neuronal.(21) Além disso, foi observado entre hipoxemia e disfunção cognitiva e
que a hipóxia crônica recorrente induz a lesão neurocomportamental, foi proposto um modelo
irreversível e funcionalmente significativa em teórico que costuma ser designado por modelo
grupos neuronais ativos na vigília.(22) pré-frontal. Segundo esse modelo, as alterações
do sono, a hipercapnia e a hipóxia intermitente
A morbidade neurocognitiva na apneia
observadas nos pacientes com SAOS gerariam
do sono obstrutiva tem sido estudada em estresse ao nível celular e bioquímico, resultando
roedores submetidos a hipóxia intermitente em desequilíbrio homeostático e alteração da
e/ou a alteração do padrão de sono. Foi viabilidade neuronal e glial em determinadas
demonstrado que os eventos hipóxicos regiões do cérebro, primariamente no córtex
recorrentes prejudicam  a  memória de trabalho pré-frontal, o que estaria de acordo com
espacial e o aprendizado.(20,21,23) Por outro lado, algumas das evidências descritas em modelos
alterações da atenção comparáveis aos déficits animais. Essas alterações fisiopatológicas
cognitivos e das funções executivas descritos desestabilizariam o sistema executivo,
ocasionando perturbação comportamental. O
em pacientes com SAOS foram observados em
prejuízo causado pelos transtornos do sono
ratos submetidos a um protocolo de interrupção produziria um desempenho ineficiente; porém,
do sono.(24) Estudos dos efeitos da combinação não uma incapacidade completa. Em tais
dessas duas modalidades de estímulo nocivo, circunstâncias, ao tentar desempenhar funções
hipóxia intermitente e interrupção do sono de memória ou de atenção dividida, o sistema
revelaram uma interação complexa entre hipóxia já debilitado se veria forçado a recrutar outros
e restrição/privação de sono, destacando a sistemas, o que poderia explicar o aumento da
importância do emprego de modelos realistas ativação pré-frontal, documentado em estudos
que combinem ambos os tipos de estímulo.(25,26) de ressonância magnética.(11) O recente relato
de que, para atingir um nível de desempenho
Estudos clínicos em testes de memória semelhante a controles
normais, os pacientes com SAOS necessitam
Diversos estudos acerca da relação entre promover um recrutamento muito maior em
função cognitiva e comportamental, sono, várias regiões cerebrais reforça essa ideia de um
mecanismo de compensação neural, que tende
variáveis respiratórias e hipoxemia têm produzido
a reverter após o tratamento efetivo da apneia
resultados controversos. Alguns achados sugerem do sono.(30)
uma relação entre hipoxemia e atenção, funções Uma das principais críticas a esse modelo tem
executivas, percepção, organização, velocidade sido a de que a disfunção executiva, observada
motora, memória e fluência verbal, enquanto em diversos estudos, poderia ser apenas um
outros parecem apoiar uma relação causal entre efeito secundário da redução do grau de alerta
a fragmentação do sono e funções executivas. sobre as funções cognitivas superiores e não o
(12,27)
Recentemente, foi descrita uma associação resultado de uma lesão na região pré-frontal
entre a frequência de microdespertares e o déficit devido à hipóxia intermitente. É necessário
reconhecer que, embora a hipoxemia noturna
de ativação cerebral, sugerindo que a redução
seja capaz de provocar dano neuronal em
do grau de alerta e a lentificação do tempo de casos de SAOS grave não tratada, não existe
resposta estão mais fortemente associados à ainda uma evidência científica sólida indicando
fragmentação do sono que à hipóxia.(28) A relação que  ela  cause lesão cerebral irreversível no
entre IAH e déficit cognitivo tem-se mostrado conjunto dos pacientes com SAOS como um
fraca na maioria dos estudos.(8,12,13,27) grupo.(31) No entanto, seja qual for o mecanismo,
Um estudo comparativo das funções cognitivas a detecção e o tratamento precoce da SAOS
entre pacientes com SAOS e pacientes com DPOC são importantes para prevenir ou interromper
que também sofrem com frequência de hipoxemia as consequências neurocognitivas, assim como
outras consequências clínicas associadas a essa
noturna mostrou um comprometimento do
condição.
processamento cognitivo e da memória em
ambas as condições. Contudo, os pacientes com Efeitos do tratamento
SAOS apresentaram maior disfunção nos testes
de atenção sustentada, reconhecidamente mais Estudos randomizados controlados
afetado pela sonolência.(29) comparando o tratamento com CPAP ao

J Bras Pneumol. 2010;36(supl.2):S1-S61


36 Bruin PFC, Bagnato MC

tratamento com sham CPAP ou àquele com Sleep Medicine. Philadelphia: Saunders/Elsevier; 2010.
comprimidos de placebo, pelo período de 30 dias, p. 1023-33.
7. Rouleau I, Décary A, Chicoine AJ, Montplaisir J.
demonstraram que o uso de CPAP associa-se Procedural skill learning in obstructive sleep apnea
à melhora da sonolência avaliada subjetiva syndrome. Sleep. 2002;25(4):401-11.
e objetivamente.(32,33) Estudos empregando 8. Boland LL, Shahar E, Iber C, Knopman DS, Kuo TF, Nieto
apenas grupos controle não tratados ou FJ, et al. Measures of cognitive function in persons with
varying degrees of sleep-disordered breathing: the Sleep
tratados conservadoramente, sem sham CPAP, Heart Health Study. J Sleep Res. 2002;11(3):265-72.
relataram melhora da sonolência objetiva após 9. Beebe DW, Groesz L, Wells C, Nichols A, McGee K. The
uma noite,(34) duas semanas(34) e três meses(35) neuropsychological effects of obstructive sleep apnea: a
de uso de CPAP. Finalmente, uma meta-análise meta-analysis of norm-referenced and case-controlled
data. Sleep. 2003;26(3):298-307.
confirmou a melhora efetiva da sonolência,
10. Weaver TE. Outcome measurement in sleep medicine
tanto objetiva quanto subjetiva, pelo uso de practice and research. Part 2: assessment of
CPAP.(36) Estudos adequadamente controlados neurobehavioral performance and mood. Sleep Med
indicam que o desempenho em simuladores Rev. 2001;5(3):223-36.
de direção, a atenção sustentada e a atenção 11. Beebe DW, Gozal D. Obstructive sleep apnea and the
prefrontal cortex: towards a comprehensive model linking
dividida são os aspectos que mais se beneficiam nocturnal upper airway obstruction to daytime cognitive
com o tratamento.(37,38) Além de melhorar and behavioral deficits. J Sleep Res. 2002;11(1):1-16.
a capacidade de dirigir,(39) CPAP tem sido 12. Sateia MJ. Neuropsychological impairment and quality
associado também à melhora da vigilância(40,41) of life in obstructive sleep apnea. Clin Chest Med.
2003;24(2):249-59.
e da flexibilidade mental.(41) Embora estudos de 13. Engleman HM, Kingshott RN, Martin SE, Douglas
neuroimagem (Doppler transcraniano, potenciais NJ. Cognitive function in the sleep apnea/hypopnea
relacionados a eventos, ressonância magnética syndrome (SAHS). Sleep. 2000;23 Suppl 4:S102-8.
por espectroscopia e ressonância magnética 14. Kim HC, Young T, Matthews CG, Weber SM, Woodward
AR, Palta M. Sleep-disordered breathing and
estrutural e funcional) tenham demonstrado
neuropsychological deficits. A population-based study.
mudanças no fluxo sanguíneo cerebral, Am J Respir Crit Care Med. 1997;156(6):1813-9.
metabolismo, morfologia e ativação cortical em 15. Farré R, Montserrat JM, Navajas D. Morbidity due to
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SAOS, sob o ponto de vista da neuroimagem, Curr Opin Pulm Med. 2008;14(6):530-6.
16. Fung SJ, Xi MC, Zhang JH, Sampogna S, Yamuy J,
ainda não há resultados conclusivos da Morales FR,  et  al. Apnea promotes glutamate-induced
recuperação dessas alterações após o tratamento excitotoxicity in hippocampal neurons. Brain Res.
com CPAP.(42) 2007;1179:42-50.
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J Bras Pneumol. 2010;36(supl.2):S1-S61


Alterações cognitivas na SAOS 37

23. Row BW, Kheirandish L, Cheng Y, Rowell PP, Gozal D. 33. Jenkinson C, Davies RJ, Mullins R, Stradling JR.
Impaired spatial working memory and altered choline Comparison of therapeutic and subtherapeutic nasal
acetyltransferase (CHAT) immunoreactivity and nicotinic continuous positive airway pressure for obstructive sleep
receptor binding in rats exposed to intermittent hypoxia apnoea: a randomised prospective parallel trial. Lancet.
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26. Perry JC, D’Almeida V, Antunes IB, Tufik S. Distinct Continuous positive airway pressure therapy for treating
behavioral and neurochemical alterations induced by sleepiness in a diverse population with obstructive sleep
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30. Castronovo V, Canessa N, Strambi LF, Aloia MS, Consonni 40. Engleman HM, Kingshott RN, Wraith PK, Mackay TW,
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Sobre os autores
Pedro Felipe Carvalhedo de Bruin
Professor Associado. Departamento de Medicina Clínica, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza (CE) Brasil.

Mauricio da Cunha Bagnato


Responsável Médico. Serviço de Medicina do Sono, Hospital Sírio Libanês, São Paulo (SP) Brasil.
E-mail para contato: pfelipe@superig.com.br (P. Bruin)

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38

Consequências cardiovasculares na SAOS


Cardiovascular consequences of obstructive sleep apnea syndrome

Geraldo Lorenzi Filho, Pedro Rodrigues Genta, Rodrigo Pinto Pedrosa,


Luciano Ferreira Drager, Denis Martinez

Resumo
Uma condição clínica muito comum é SAOS, que está associada a várias doenças cardiovasculares, incluindo
hipertensão arterial sistêmica, fibrilação atrial e aterosclerose. A associação entre SAOS e doença cardiovascular não
é somente uma consequência da sobreposição de fatores de risco, incluindo obesidade, sedentarismo, ser do sexo
masculino e ter idade maior. Existem evidências crescentes de que SAOS contribui de forma independente para
o aparecimento e a progressão de várias doenças cardiovasculares. Os mecanismos pelos quais SAOS pode afetar
o sistema cardiovascular são múltiplos e incluem a ativação do sistema nervoso simpático, inflamação sistêmica,
resistência a insulina e geração de estresse oxidativo. Existem evidências que o tratamento de SAOS com CPAP pode
reduzir a pressão arterial, sinais precoces de aterosclerose, risco de recorrência de fibrilação atrial e mortalidade,
principalmente por acidente vascular cerebral e infarto agudo do miocárdio, em pacientes com SAOS grave.
Descritores: Apneia do sono tipo obstrutiva/terapia; Doenças cardiovasculares; Pressão positiva contínua nas vias
aéreas.

Abstract
Obstructive sleep apnea syndrome (OSAS) is a common condition associated with various cardiovascular diseases,
including systemic arterial hypertension, atrial fibrillation, and atherosclerosis. The association between OSAS and
cardiovascular disease has been related to the overlapping of risk factors, including obesity, having a sedentary
lifestyle, being male, and being older. However, there is mounting evidence that OSAS can also independently
contribute to the development and progression of various cardiovascular diseases. The mechanisms by which OSAS
can affect the cardiovascular system are multiple, including the activation of the sympathetic nervous system,
systemic inflammation, insulin resistance, and oxidative stress. There is also evidence that the treatment of OSAS
with CPAP can reduce arterial blood pressure, early signs of atherosclerosis, the risk of atrial fibrillation recurrence,
and mortality (principally mortality due to stroke or acute myocardial infarction) in patients with severe OSAS.
Keywords: Sleep apnea, obstructive/therapy; Cardiovascular diseases; Continuous positive airway pressure.

Introdução
Desde as descrições iniciais, foi reconhecido de SAOS é de 50%.(5) É importante destacar
que SAOS está associada a várias doenças que a maior parte dos pacientes com doença
cardiovasculares. Foi inicialmente descrita uma cardiovascular permanece sem diagnóstico. Esse
alta prevalência de arritmia cardíaca noturna, fato pode ser explicado por um baixo grau de
cor pulmonale e hipertensão arterial pulmonar e suspeita diagnóstica de SAOS, além da dificuldade
sistêmica entre os pacientes com SAOS.(1,2) Essa de acesso à polissonografia noturna. Outro fato
associação pode ser em função da sobreposição que tem chamado a atenção é que os pacientes
de fatores de risco comuns, tanto para SAOS, com SAOS advindos da população de pacientes
como para doença cardiovascular (obesidade, com doença cardiovascular frequentemente não
homens de meia-idade e mulheres após a se queixam de sonolência excessiva diurna.(3,6)
menopausa, sedentarismo e tabagismo). De As causas para essa particularidade são ainda
fato, a prevalência de SAOS entre pacientes desconhecidas, mas certamente contribuem para
com diagnóstico de doença cardiovascular já dificultar a suspeita clínica de SAOS. Somente
estabelecida é alarmante. Por exemplo, entre o reconhecimento pela comunidade médica
pacientes com hipertensão e hipertensão de que SAOS é comum entre os pacientes
refratária, a prevalência de SAOS gira em torno de com doença cardiovascular já seria de extrema
30% e 70%, respectivamente.(3,4) Entre pacientes importância. No entanto, essa breve revisão vai
com fibrilação atrial, a prevalência estimada explorar as evidências crescentes que apontam

J Bras Pneumol. 2010;36(supl.2):S1-S61


Consequências cardiovasculares na SAOS 39

para uma relação causal entre SAOS e doença e geração de pressão intratorácica negativa
cardiovascular. Essa síndrome pode contribuir durante os eventos respiratórios obstrutivos
para o estabelecimento ou piora de várias (apneias ou hipopneias) associados a aumento
doenças cardiovasculares, o que torna o cenário de pressão arterial (Figura 1).(1) Um conceito
de falta de reconhecimento e de tratamento importante é que as complicações advindas
adequado de SAOS ainda mais dramático. dos eventos respiratórios não se restringem ao
Exploraremos inicialmente os mecanismos período noturno, mas podem se estender ao
fisiopatológicos que justificam uma relação longo do dia. Uma lista crescente de alterações
causal entre SAOS e doença cardiovascular. bioquímicas, inflamatórias, metabólicas e
Uma linha de evidência apontando para vasculares, associadas de forma independente
a associação independente entre SAOS e a SAOS, foram descritas e incluem aumento
doença cardiovascular advém de estudos da atividade simpática, aumento nos níveis
epidemiológicos. Vários trabalhos populacionais plasmáticos de proteína C reativa, de citocinas
demonstraram uma associação independente
e de fibrinogênio, resistência à insulina, leptina
entre SAOS e hipertensão arterial sistêmica,
e a produtos derivados de estresse oxidativo e
insuficiência coronariana, acidente vascular
disfunção endotelial.(10-12)
cerebral e insuficiência cardíaca congestiva.(7-9)
Uma dificuldade constante é comprovar
Finalmente, a relação entre SAOS e algumas
uma relação causal entre SAOS e doença
das principais doenças cardiovasculares serão
cardiovascular, visto que vários fatores de
exploradas.
confusão (em particular a obesidade) são
Fisiopatologia da ligação entre SAOS frequentes nesses pacientes. Contribuem para
demonstrar a relação causal entre SAOS e doença
e doença cardiovascular
cardiovascular os estudos que demonstram que
Os mecanismos primários de SAOS que são o tratamento de SAOS com CPAP reduz ou
deletérias ao sistema cardiovascular são os normaliza várias dessas disfunções, incluindo
seguintes: hipóxia intermitente, microdespertares redução da atividade simpática, dos níveis de

10

11

Figura 1 - Traçado polissonográfico padrão, com adição do canal 11, registro de PA por Finapress, batimento
a batimento. Note-se o aumento de PA e de frequência cardíaca ao término de cada apneia (setas). Canais
1 e 2, eletrooculograma; 3 e 4, eletroencefalograma; 5, eletromiograma; 6, eletrocardiograma; 7, movimento
torácico; 8, movimento abdominal; 9, volume corrente; 10, saturação de oxigênio arterial.

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40 Lorenzi Filho G, Genta PR, Pedrosa RP, Drager LF, Martinez D

proteína C reativa e da resistência a insulina, o uso de CPAP, não houve redução da pressão
além de melhora da disfunção endotelial.(10,11,13) arterial com o uso de CPAP.(16)
Uma recente meta-análise avaliou
Hipertensão arterial sistêmica 818  pacientes e demonstrou uma redução
da pressão arterial de apenas 2,46 mmHg na
A relação mais bem estudada entre SAOS pressão arterial sistólica e de 1,83 mmHg na
e doença cardiovascular é a sua relação com pressão arterial diastólica após o uso de CPAP.
hipertensão arterial sistêmica. Os potenciais (17)
Entretanto, a escolha dos trabalhos incluídos
mecanismos que ligam SAOS a hipertensão
nessa meta-análise é sujeita a críticas (envolveu
arterial sistêmica são múltiplos e incluem ativação
estudos com indivíduos normotensos e pacientes
simpática, diminuição da sensibilidade dos
com insuficiência cardíaca), o que pode ter
barorreceptores, hiperresponsividade vascular e
contribuído para o resultado modesto da queda
alteração no metabolismo do sal e água. Pacientes
da pressão arterial. Além disso, a redução da
com SAOS apresentam aumentos cíclicos da
pressão arterial pode não ser o único ou mesmo
pressão arterial associados aos episódios de
o maior efeito do uso de CPAP no sistema
apneia. Os pacientes com SAOS frequentemente
cardiovascular, já que têm sido descritos outros
não apresentam o descenso noturno da pressão
benefícios cardiovasculares, conforme descrito
arterial e são considerados como non-dippers.
anteriormente.
A confirmação da relação causal entre SAOS
e hipertensão arterial sistêmica é baseada em Arritmias cardíacas
estudos experimentais com vários modelos
animais, estudos epidemiológicos e estudos de Existem evidências de que SAOS está
tratamento de SAOS. O estudo mais citado da associada de forma independente com fibrilação
literatura é advindo de uma coorte em Wisconsin, atrial e batimentos ventriculares ectópicos.
EUA, no qual foram avaliados 709 indivíduos Por exemplo, em um estudo transversal
através de estudo polissonográfico.(7) Após um com 2.911  homens idosos que realizaram
seguimento de quatro anos, mostrou-se uma polissonografia, encontrou-se uma associação
associação causal entre a presença de SAOS na entre a gravidade de apneia com fibrilação
avaliação inicial e o surgimento de hipertensão atrial e batimentos ventriculares ectópicos.(18)
arterial sistêmica no seguimento. Nesse mesmo Mais importante, existem evidências de que,
estudo, os autores observaram uma relação após a reversão de fibrilação atrial, SAOS esteja
dose-resposta entre a gravidade de SAOS e o associada a um aumento do risco de recorrência
risco de aparecimento de hipertensão arterial. De de fibrilação atrial após um ano e que o
acordo com o sétimo relatório do Joint National tratamento da SAOS com CPAP reduza esse risco.
Committee on Prevention, Detection, Evaluation (5)
Em um estudo recente com 73 indivíduos com
and Treatment of High Blood Pressure, SAOS é a e sem SAOS pareados para fatores de confusão,
primeira de uma lista de causas identificáveis de mostrou-se que SAOS estava associada ao
hipertensão arterial sistêmica.(14) aumento do diâmetro do átrio esquerdo que,
Diversos estudos avaliaram o efeito do por sua vez, se correlacionou com o aumento
tratamento de SAOS no controle da pressão da rigidez da aorta.(19) Considerando-se que o
arterial. No entanto, apenas dois ensaios clínicos tamanho do átrio esquerdo é um fator de risco
avaliaram uma população com predomínio para a fibrilação atrial, esse estudo sugere que
de pacientes hipertensos descontrolados e o aumento da rigidez da aorta observado em
apresentaram resultados opostos. Em um estudo pacientes com SAOS possa contribuir para o
de dois meses de duração envolvendo pacientes remodelamento atrial devido a um aumento da
com sonolência diurna e SAOS, randomizados pós-carga do ventrículo esquerdo.
para CPAP ou sham CPAP (isto é, CPAP com
pressões mínimas sem efeito terapêutico), houve Aterosclerose, doença coronariana e
uma redução de 10 mmHg na pressão arterial doença cerebrovascular
sistólica e diastólica de 24 h no grupo CPAP.(15)
Já em outro estudo mais curto e com um número Há uma associação entre SAOS grave
menor de participantes, em que os pacientes sem não tratada e um aumento da mortalidade
sonolência diurna fizeram um cross-over para cardiovascular causada por acidente vascular

J Bras Pneumol. 2010;36(supl.2):S1-S61


Consequências cardiovasculares na SAOS 41

cerebral e infarto agudo do miocárdio.(20,21) Nesses association between sleep-disordered breathing and
estudos, sugeriu-se que SAOS contribui para o hypertension. N Engl J Med. 2000;342(19):1378-84.
8. Shahar E, Whitney CW, Redline S, Lee ET, Newman AB,
desenvolvimento de aterosclerose. Essa hipótese Javier Nieto F,  et  al. Sleep-disordered breathing and
é reforçada pela demonstração que pacientes com cardiovascular disease: cross-sectional results of the
SAOS sem comorbidades, quando comparados Sleep Heart Health Study. Am J Respir Crit Care Med.
com controles adequados, apresentam vários 2001;163(1):19-25.
9. Peker Y, Hedner J, Norum J, Kraiczi H, Carlson J. Increased
marcadores de aterosclerose alterados, incluindo
incidence of cardiovascular disease in middle-aged men
maior rigidez arterial e  aumento da espessura with obstructive sleep apnea: a 7-year follow-up. Am J
íntima média da carótida.(22,23) A aterosclerose Respir Crit Care Med. 2002;166(2):159-65.
observada na prática pode ser ainda pior, pois 10. Shamsuzzaman AS, Somers VK. Fibrinogen, stroke,
soma-se o efeito de SAOS com o de várias and obstructive sleep apnea: an evolving paradigm
of cardiovascular risk. Am J Respir Crit Care Med.
comorbidades frequentemente presentes, 2000;162(6):2018-20.
incluindo a hipertensão arterial sistêmica e a 11. Ip MS, Lam B, Ng MM, Lam WK, Tsang KW, Lam KS.
síndrome metabólica.(24,25) De forma semelhante, Obstructive sleep apnea is independently associated
a calcificação coronariana tem sido atribuída de with insulin resistance. Am J Respir Crit Care Med.
2002;165(5):670-6.
forma independente à marcadores de gravidade
12. Minoguchi K, Yokoe T, Tazaki T, Minoguchi H, Tanaka
de SAOS em pacientes com comorbidades.(26) A, Oda N, et al. Increased carotid intima-media thickness
Uma evidência recente do nosso grupo suporta and serum inflammatory markers in obstructive sleep
a hipótese de que mais do que uma associação, apnea. Am J Respir Crit Care Med. 2005;172(5):625-
SAOS parece ser uma causa para a ocorrência 30.
13. Kato M, Adachi T, Koshino Y, Somers VK. Obstructive
e a progressão da aterosclerose. Em um sleep apnea and cardiovascular disease. Circ J.
estudo envolvendo pacientes com SAOS grave 2009;73(8):1363-70.
randomizados para tratamento com CPAP e 14. Chobanian AV, Bakris GL, Black HR, Cushman WC,
conduta expectante, quatro meses de tratamento Green LA, Izzo JL Jr, et al. The Seventh Report of the
Joint National Committee on Prevention, Detection,
foram suficientes para reduzir marcadores de
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J Bras Pneumol. 2010;36(supl.2):S1-S61


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Sobre os autores
Geraldo Lorenzi Filho
Professor Livre-Docente. Disciplina de Pneumologia, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil.

Pedro Rodrigues Genta


Médico Pneumologista. Laboratório do Sono, Disciplina de Pneumologia, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São
Paulo (SP) Brasil.

Rodrigo Pinto Pedrosa


Médico Plantonista. Hospital Universitário Oswaldo Cruz, Universidade de Pernambuco, Recife (PE) Brasil.

Luciano Ferreira Drager


Médico Assistente. Unidade de Hipertensão, Instituto do Coração, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina, Universidade de São
Paulo, São Paulo (SP) Brasil.

Denis Martinez
Professor Associado II. Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre (RS) Brasil.
E-mail para contato: geraldo.lorenzi@incor.usp.br (G. Lorenzi-Filho) ou sono@sono.com.br (D. Martinez)

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43

Consequências metabólicas na SAOS não tratada


Metabolic consequences of untreated obstructive sleep apnea syndrome

Glaucia Carneiro, Francisco Hora Fontes, Sônia Maria Guimarães Pereira Togeiro

Resumo
A associação entre SAOS e a síndrome metabólica é reconhecida, sendo denominada síndrome Z. Os critérios para
a síndrome metabólica incluem pelo menos três dos seguintes fatores: obesidade central (circunferência da cintura
≥ 102 cm em homens e ≥ 88 cm em mulheres); triglicérides ≥ 150 mg/dL; HDL colesterol < 40 mg/dL em homens e
< 50 mg/dL em mulheres; pressão arterial ≥ 130/85 mmHg; e glicemia de jejum ≥ 100 mg/dL. A obesidade central
esta associada a SAOS e síndrome metabólica, havendo evidências de que a apneia do sono seja um fator de risco
independente da obesidade, intolerância à glicose e resistência insulínica. Embora a obesidade central seja um fator
de risco para ambas as condições, há evidências de que a apneia do sono seja um fator de risco independente para a
intolerância à glicose e a resistência à insulina. Os mecanismos implicados decorrem da ativação do sistema nervoso
simpático e do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal; da ativação de fatores pró-inflamatórios, como IL-6 e TNF-α;
e da diminuição dos níveis de adiponectina mediados principalmente pela hipoxemia intermitente relacionada
às apneias. Apesar dessas evidências, os resultados dos estudos são controversos em relação aos benefícios do
tratamento da apneia do sono com CPAP nas alterações metabólicas. Adicionalmente, os poucos estudos que
abordaram a apneia do sono obstrutiva como um fator de risco para as dislipidemias apresentaram resultados
discordantes. Estudos controlados, populacionais e longitudinais são necessários para esclarecer a interação entre
a apneia do sono e as consequências metabólicas no sentido de se tratar adequadamente esses indivíduos.
Descritores: Apneia do sono tipo obstrutiva; Síndrome X metabólica; Intolerância a glucose; Resistência à
insulina.

Abstract
There is a recognized association between obstructive sleep apnea syndrome and metabolic syndrome, designated
syndrome Z. The criteria for metabolic syndrome include at least three of the following factors: central obesity (waist
circumference ≥ 102 cm for males and ≥ 88 cm for females); triglycerides ≥ 150 mg/dL; HDL cholesterol < 40 mg/dL
for males and < 50 mg/dL for females; arterial blood pressure ≥ 130/85 mmHg; and fasting glucose ≥ 100 mg/dL.
Central obesity is associated with OSAS and metabolic syndrome, and there is evidence that obstructive sleep apnea
is an independent risk factor for obesity, glucose intolerance and insulin resistance. The implied mechanisms result
from the activation of the sympathetic nervous system and of the hypothalamus-hypophysis-adrenal axis; activation
of pro-inflammatory markers, such as IL-6 and TNF-α; and the reduction in adiponectin levels, principally triggered
by intermittent hypoxemia related to apnea. Despite such evidence, the results are controversial regarding the benefits
of treating sleep apnea with CPAP in the presence of these metabolic alterations. In addition, the few studies that
have addressed sleep apnea as a risk factor for dyslipidemia have presented conflicting results. Population-based,
longitudinal controlled studies are necessary in order to elucidate the interaction between sleep apnea and metabolic
consequences so that these individuals are properly treated.
Keywords: Sleep apnea, obstructive; Metabolic syndrome X; Glucose intolerance; Insulin resistance.

Introdução
Evidências surgem cada vez mais na resistência à insulina e com um alto risco para
literatura quanto as consequências adversas doenças cardiovasculares.(4,5) De acordo com
causadas por SAOS, particularmente no sistema o Third Report of the National Cholesterol
cardiovascular, como já discutido previamente. Education Program,(6) indivíduos que preenchem
As disfunções metabólicas também são descritas três ou mais dos critérios abaixo podem ser
nesses indivíduos, e a associação com síndrome classificados como portadores dessa síndrome:
metabólica é reconhecida em vários estudos há 1) Obesidade central: circunferência da cintura
≥ 102 cm em homens e ≥ 88 cm em mulheres
pelo 20 anos,(1,2) sendo que, no final da década
2) Hipertrigliceridemia: triglicérides ≥ 150 mg/dL
de 90, foi denominada por Wilcox  et  al. de 3) HDL colesterol < 40 mg/dL em homens e
síndrome Z.(3) < 50 mg/dL em mulheres
A síndrome metabólica é caracterizada 4) Hipertensão arterial sistêmica: pressão arterial
como  um conjunto de anormalidades ≥ 130/85 mmHg
cardiometabólicas associadas entre si pela 5) Glicemia de jejum ≥ 100 mg/dL

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44 Carneiro G, Fontes FH, Togeiro SMGP

Observações iniciais de que os indivíduos resistência à insulina é definida como uma


com apneia do sono apresentam características condição na qual concentrações fisiológicas de
clínicas similares aos indivíduos com síndrome insulina não produzem uma captação de glicose
metabólica, como obesidade visceral, maior adequada pelos tecidos periféricos (célula beta
prevalência na pós-menopausa e no sexo pancreática, músculo, gordura e fígado) devido
masculino, resistência à insulina e presença de a uma falha da resposta de seu receptor nas
hipertensão arterial, diabetes mellitus tipo 2 e células dos órgãos alvos. Consequentemente,
dislipidemia, levaram alguns autores a apontar ocorre uma elevação compensatória da secreção
uma estreita relação entre a apneia obstrutiva de insulina pelas células beta pancreáticas que
do sono e a síndrome metabólica. A primeira resulta em uma elevação dos níveis circulantes
referência na literatura sobre essa associação de insulina (hiperinsulinemia). Além dos efeitos
ocorreu em 1998, quando um grupo de autores(3) metabólicos nos tecidos clássicos (célula beta
sugeriu a inclusão da apneia do sono no grupo pancreática, músculo, gordura e fígado), a
de características da síndrome metabólica, já que resistência à insulina também pode provocar
essa representa um fator de risco adicional para alterações no endotélio, com menor liberação
eventos cardiovasculares e, assim, denominá-la do potente vasodilatador óxido nítrico e
de síndrome Z. Posteriormente, outros autores maior liberação de endotelina-1, um potente
demonstraram evidências de que SAOS seria uma vasoconstritor, aumentando o tônus vascular.(12)
manifestação da síndrome metabólica.(2) Para Nos pacientes com apneia do sono, a
excluir a influência da obesidade como fator resistência à insulina pode estar diretamente
de viés na análise dos resultados, um estudo associada a diversos fatores: privação do sono;
caso-controle realizado em homens japoneses
ativação do sistema nervoso simpático e do
não obesos, controlados para a gordura
eixo hipotálamo-hipófise-adrenal; ativação
visceral, mostrou que SAOS está associada
de fatores pró-inflamatórios, como IL-6 e
com hipertensão, dislipidemia e hiperglicemia,
sugerindo que, até mesmo nos indivíduos não TNF-α; diminuição dos níveis de adiponectina
obesos com SAOS, o aparecimento da síndrome que, conjuntamente com os efeitos diretos da
metabólica pode ocorrer.(7) Mais uma evidência hipoxemia, é capaz de provocar uma diminuição
importante que favorece a associação entre da secreção de insulina pelas células pancreáticas;
apneia e síndrome metabólica é o fato de que aumento da neoglicogênese e da glicogenólise
ambas as condições clínicas apresentam um no fígado; e redução da captação da glicose
aumento da prevalência com a idade, atingindo pelos tecidos devido à inibição da translocação
um platô entre 50-70 anos e, em seguida, da proteína transportadora de glicose 4 para a
declinando.(8) superfície celular. Entretanto, os resultados dos
Nesse contexto, vários estudos clínicos e estudos são controversos, sendo que em alguns
populacionais(9,10) demonstraram que a apneia foi postulado que SAOS predispõe à resistência
do sono resulta em efeitos sistêmicos que podem à insulina independentemente da obesidade,
contribuir, independentemente da obesidade, enquanto, em outros, sugeriu-se a influência
em alterações metabólicas. da obesidade no aparecimento da resistência à
Este capítulo se propõe a discutir as
insulina.
evidências relatadas na literatura da relação
Em um estudo que incluiu 14 pacientes
causal independente da apneia do sono na
com SAOS e 12 controles (pareados para
exacerbação dos riscos metabólicos. Além disso,
abordamos separadamente a homeostase da idade e peso),(9) demonstrou-se que a insulina
glicose e dos lípides. e a glicemia eram mais elevadas nos pacientes
com SAOS do que nos controles. A medida
Resistência à insulina e intolerância à de homeostasis model assessment for insulin
glicose resistance, parâmetro que avalia a resistência
à insulina, também se encontrava mais elevada
Recentemente, avaliou-se o papel da nos pacientes com SAOS. Entre os fatores que
resistência à insulina como responsável pelas concorriam para a resistência à insulina, a
disfunções metabólicas e cardiovasculares obesidade foi o maior determinante; no entanto,
encontradas nos pacientes com SAOS.(10,11) A IAH e a saturação mínima também foram fatores

J Bras Pneumol. 2010;36(supl.2):S1-S61


Consequências metabólicas na SAOS não tratada 45

independentes para a resistência à insulina. No Considerações finais


mesmo estudo, também relatou-se que, com o
aumento de IAH, pior era a resistência à insulina. As evidências atuais sugerem que a apneia do
Resultados semelhantes foram confirmados no sono obstrutiva contribui de forma independente
estudo epidemiológico denominado Sleep Heart para o aumento dos riscos cardiometabólicos,
Health Study.(10) chamando a atenção do clinico que trata SAOS
Esses dados sugerem que SAOS pode levar quanto à presença da disfunção metabólica.
ao desenvolvimento ou ao agravamento do No entanto, são necessários estudos
longitudinais populacionais para provar a
diabetes mellitus tipo 2. No entanto, faltam
relação causal da SAOS em relação aos distúrbios
estudos prospectivos e populacionais bem
metabólicos, bem como estudos multicêntricos
controlados em relação aos fatores de confusão,
randomizados e bem controlados para a
bem como estudos de intervenções terapêuticas confirmação do efeito benéfico da terapia com
randomizados e controlados, a fim de se pressão positiva nas vias aéreas, entre outros
esclarecer a relação entre a apneia do sono e o tratamentos, sobre os distúrbios metabólicos em
metabolismo da glicose. indivíduos com SAOS.

Dislipidemias Referências
Poucos estudos abordaram a relação entre 1. Lam JC, Lam B, Lam CL, Fong D, Wang JK, Tse HF, et al.
SAOS e os distúrbios do metabolismo dos lípides, Obstructive sleep apnea and the metabolic syndrome in
community-based Chinese adults in Hong Kong. Respir
e os resultados ainda são controversos. Med. 2006;100(6):980-7.
O estudo epidemiológico Sleep Heart Health 2. Vgontzas AN, Bixler EO, Chrousos GP. Sleep apnea is
Study(13) incluiu 6.440 homens e mulheres acima a manifestation of the metabolic syndrome. Sleep Med
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de 40 anos e mostrou uma relação inversa 3. Wilcox I, McNamara SG, Collins FL, Grunstein RR,
entre IAH e os níveis de HDL colesterol, assim Sullivan CE. “Syndrome Z”: the interaction of sleep
como uma relação direta entre IAH e níveis apnoea, vascular risk factors and heart disease. Thorax.
1998;53 Suppl 3:S25-8.
de triglicérides nos homens e mulheres mais 4. Reaven GM. Banting lecture 1988. Role of insulin resistance
jovens, após ajuste para os fatores de confusão. in human disease. Diabetes. 1988;37(12):1595‑607.
Entretanto, essa relação não foi encontrada nos 5. Reaven G. Metabolic syndrome: pathophysiology and
implications for management of cardiovascular disease.
indivíduos acima de 65 anos. Por outro lado, um Circulation. 2002;106(3):286-8.
grupo de autores estudou 255 indivíduos adultos 6. Expert Panel on Detection, Evaluation, and Treatment of
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The Third Report of The National Cholesterol Education
ambos os sexos e com idades entre 30 e 60 anos. Program (NCEP) Expert Panel on Detection, Evaluation,
Não foi identificada uma associação entre SAOS And Treatment of High Blood Cholesterol In Adults (Adult
e os níveis de HDL ou de triglicérides após o Treatment Panel III). JAMA. 2001;285(19):2486‑97.
7. Kono M, Tatsumi K, Saibara T, Nakamura A, Tanabe N,
controle das variáveis de confusão.(14) Entretanto,
Takiguchi Y,  et  al. Obstructive sleep apnea syndrome
esse mesmo grupo mostrou em outro estudo is associated with some components of metabolic
que, apesar dos pacientes com apneia do sono syndrome. Chest. 2007;131(5):1387-92.
8. Park YW, Zhu S, Palaniappan L, Heshka S, Carnethon
apresentarem a mesma concentração de lipídeos
MR, Heymsfield SB. The metabolic syndrome:
circulantes em comparação a indivíduos controle, prevalence and associated risk factor findings in the
as propriedades antiaterogênicas do HDL em US population from the Third National Health and
Nutrition Examination Survey, 1988-1994. Arch Intern
inibir a oxidação do LDL nos pacientes com
Med. 2003;163(4):427‑36.
SAOS estava diminuída e, consequentemente, 9. Ip MS, Lam B, Ng MM, Lam WK, Tsang KW, Lam KS.
as partículas de LDL oxidada, que são mais Obstructive sleep apnea is independently associated
aterogênicas, estavam elevadas.(15) Portanto, with insulin resistance. Am J Respir Crit Care Med.
2002;165(5):670-6.
a apneia do sono pode influenciar os níveis 10. Punjabi NM, Shahar E, Redline S, Gottlieb DJ, Givelber
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J Bras Pneumol. 2010;36(supl.2):S1-S61


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Sobre os autores
Glaucia Carneiro
Assistente de Ensino. Centro Integrado de Hipertensão e Metabologia Cardiovascular, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo
(SP) Brasil.

Francisco Hora Fontes


Professor Adjunto. Departamento de Clínica Médica, Escola Federal de Medicina de Salvador, Salvador (BA) Brasil.

Sônia Maria Guimarães Pereira Togeiro


Médica Pneumologista. Instituto do Sono, Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil.
E-mail para contato: sonia@psicobio.epm.br (S. Togeiro) ou frhora@uol.com.br (F. Fontes)

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47

Hipoventilação relacionada ao sono


Sleep hypoventilation

Sonia Maria Guimarães Pereira Togeiro, Francisco Hora Fontes

Resumo
Tanto SHO como as doenças neuromusculares estão relacionadas à hipoventilação durante o sono. Define-se
SHO como a combinação de obesidade, hipercapnia e hipoxemia crônica durante a vigília que se agrava durante
o sono. Em 90% dos casos, SHO está associada à apneia obstrutiva do sono. O diagnóstico baseia-se na presença
de hipoventilação diurna e hipertensão pulmonar que não são justificadas por alterações da função pulmonar.
A mortalidade dos pacientes com SHO é maior que aquela de pacientes sem hipoventilação e controlados para
obesidade. As doenças neuromusculares são representadas principalmente pelas distrofias musculares. A progressão
para insuficiência respiratória crônica surge como consequência da fraqueza dos músculos respiratórios e da
limpeza inadequada das vias aéreas, causando atelectasias e pneumonias. Quando há uma redução maior que
50% da forca muscular respiratória, ocorre uma diminuição na CV. A medida do pico de fluxo da tosse < 160 L/
min está associada à limpeza inadequada das vias aéreas, e, com valores em torno de 270 L/min, há indicação
de uso de técnicas de tosse assistida. A apneia obstrutiva do sono geralmente agrava a hipoventilação durante
o sono. O suporte pressórico não invasivo durante a noite pode aumentar a sobrevida, melhorar os sintomas e
a hipoventilação diurna. Além disso, no caso de doenças neuromusculares, pode diminuir o declínio da função
pulmonar. A oxigenoterapia pode ser necessária nos casos de SHO.
Descritores: Síndrome de hipoventilação por obesidade; Doenças neuromusculares; Distrofias musculares;
Hipoventilação; Hipercapnia; Apneia do sono tipo obstrutiva.

Abstract
Sleep hypoventilation is seen in patients with neuromuscular disease, as well as in those with obesity hypoventilation
syndrome (OHS), which is defined as the combination of obesity, chronic hypercapnia, and hypoxemia during
wakefulness that is aggravated during sleep. In 90% of cases, OHS is accompanied by obstructive sleep apnea. The
diagnosis of OHS is based on hypoventilation and pulmonary hypertension that cannot be explained by alterations
in pulmonary function. The mortality of patients with OHS is greater than is that of obese patients without
hypoventilation. The principal neuromuscular diseases associated with OHS are the muscular dystrophies. The
progression to chronic respiratory failure results from respiratory muscle weakness and impaired airway secretion
clearance, causing atelectasis and pneumonia. With a decrease of greater than 50% in respiratory muscle strength,
there is a reduction in VC. Cough peak flow < 160 L/min is associated with impaired airway secretion clearance, and
values near 270 L/min indicate the need for assisted cough techniques. Obstructive sleep apnea usually worsens
sleep hypoventilation. Noninvasive ventilation during sleep can improve survival, symptoms, and hypoventilation
during wakefulness, as well as being able to improve pulmonary function in patients with neuromuscular disease.
Patients with OHS can require oxygen therapy.
Keywords: Obesity hypoventilation syndrome; Neuromuscular diseases; Muscular dystrophies; Hypoventilation;
Hypercapnia; Sleep apnea, obstructive.

Introdução SHO
A obesidade e as doenças neuromusculares No passado, a SHO era conhecida como
fazem parte das doenças em que ocorre síndrome de Pickwick.(1)
hipoventilação relacionada ao sono. No obeso, Sua prevalência na população geral é incerta,
pode ocorrer desde uma redução discreta mas ocorre entre 10-20% dos portadores de
da ventilação minuto durante o sono REM apneia obstrutiva do sono, sendo maior em
até uma acentuada hipoventilação durante obesos mórbidos.(2,3)
a vigília e sono, como em SHO (Figura 1).
Definição e diagnóstico
Entretanto, faltam dados avaliando o beneficio
da oxigenoterapia ou de PAP no tratamento A SHO é definida como a combinação de
da obesidade. A seguir, abordaremos SHO e as obesidade (IMC> 30 kg/m2) e hipercapnia crônica
doenças neuromusculares. durante a vigília acompanhada de distúrbios

J Bras Pneumol. 2010;36(supl.2):S1-S61


48 Togeiro SMGP, Fontes FH

respiratórios do sono,(4) sendo mais comum de hipoventilação diurna e hipertensão pulmonar


em indivíduos com obesidade mórbida (IMC > que não são justificadas por alterações da
38 kg/m2). função pulmonar. A avaliação de rotina consta
Trata-se de um diagnóstico de exclusão e que no Quadro 1.
deve ser diferenciado de outras pneumopatias:
DPOC, doença intersticial grave, cifoescoliose, Tratamento
hipotireoidismo, doenças neuromusculares e
síndrome de hipoventilação central congênita.(2) O tratamento deve ser direcionado para
Em 90% dos casos de SHO, a apneia obstrutiva a obesidade e para a hipoventilação. A
do sono está presente, daí a denominação perda de peso significativa pode melhorar a
apneia obstrutiva do sono hipercápnica.(3) hipoventilação diurna, como ocorre quando
Nos 10% restantes, os pacientes apresentam da cirurgia bariátrica. Considerando-se que o
IAH  <  5  eventos/h, o que é denominado emagrecimento adequado demora algum tempo,
hipoventilação durante o sono e definido a ventilação por pressão positiva deve ser logo
como o aumento na PaCO2 durante o sono de instituída.
10 mmHg em relação à vigília ou pela presença Estimulantes respiratórios foram utilizados
de dessaturação não explicada por apneias ou no passado, com resultados fracos frente à
hipopneias. Em contraste com a apneia obstrutiva ventilação não invasiva. A progesterona foi
do sono pura, na SHO estão presentes dispneia, mais utilizada, e sua resposta pode ser predita
edema de membros inferiores e hipoventilação através da capacidade de reduzir PaCO2 com a
na vigília. O diagnóstico baseia-se na presença hiperventilação.

Figura 1 - Sumário gráfico de polissonografia de um paciente com SHO. Canais do registro, de cima para
baixo: SaO2, periodic limb movements (PLM, movimentos periódicos de membros inferiores); apneias (APN),
hipopneias (HYP); estágios do sono [0, movement time (MT), REM, 1, 2, 3, 4]; posição corporal (BACK, RIGHT,
LEFT, PRONE) ; e roncos (MAX, MIN).

J Bras Pneumol. 2010;36(supl.2):S1-S61


Hipoventilação relacionada ao sono 49

Quadro 1 - Parâmetros da função pulmonar e BiPAP


laboratoriais na SHO.
Parâmetros Resultados As vantagens de BiPAP sobre CPAP são a
CV Diminuído presença de pressão de suporte na inspiração,
VEF1 Diminuído o que garante um volume corrente maior, e a
VRE Diminuído possibilidade de manter uma FR de “back-up”.
VR Diminuído Está indicado quando a saturação de oxigênio
CPT Diminuído for menor que 90% apesar do uso de oxigênio
DLCO Aumentado suplementar e houver limitação ao fluxo com
PImáx Diminuído CPAP, persistência de hipoventilação após
Pressão arterial e Aumentado dois meses de uso de CPAP ou agudização da
capilar pulmonar
insuficiência respiratória.(2,5)
Polissonografia Dessaturação acentuada
Apneias centrais e obstrutivas Morbidade e mortalidade
Hipoventilação não obstrutiva
Hematócrito Aumentado Comparados aos com o mesmo grau de
Função tireoidiana Normal ou diminuído obesidade e sem hipoventilação, os pacientes com
VRE: volume de reserva respiratória.
SHO apresentam maior número de internações,
maior necessidade de ventilação mecânica(2) e
maior mortalidade (em torno de 50%).(2) Estudos
PAP
revelam que o tratamento de SHO com PAP
reduziu a morbidade e a mortalidade, sendo esta
CPAP última menor que 10% em quatro anos.(5,6)
A reversão da hipoventilação está diretamente
relacionada com o tempo de uso de PAP, sendo Doenças neuromusculares
a melhora máxima em um mês. A necessidade de
O comprometimento da força da
uso suplementar de oxigênio diurno será menor
musculatura respiratória ocorre em várias
quanto maior for a adesão a CPAP.(2,5) Entretanto,
doenças neuromusculares (Quadro 2), com
a melhora da hipersonolência diurna pode não ser
completa, pois 25% dos pacientes não atingem evolução progressiva, ou de forma aguda como
a eucapnia, seja por titulação inadequada, seja nos traumatismos raquimedulares cervicais.
pelas doenças associadas (hipoventilação central, Destacamos, dentre as miopatias, a distrofia
DPOC, doenças intersticiais, hipotireoidismo, muscular de Duchenne e Becker e as chamadas
doenças neuromusculares ou alcalose metabólica miopatias não Duchenne (miopatias metabólicas,
por uso de diuréticos de alça). miopatias inflamatórias, aquelas associadas

Quadro 2 - Condições neuromusculares e esqueléticas que podem levar à hipoventilação crônica.


Miopatias Distrofias musculares Distrofia de Duchenne/Becker
Outras distrofias musculares (limb-girdle, Emery-Dreifuss,
fascioescapuloumeral, congênitas, autossômicas recessivas e
distrofia miotônica)
Miopatias não Duchenne Miopatias metabólicas ou congênitas
Miopatias inflamatórias (polimiosite, associadas às doenças do
tecido conjuntivo ou a outras doenças sistêmicas)
Doenças de junção mioneural, como miastenia gravis
Miopatias associadas a traumas ou a medicações
Doenças Atrofia muscular espinal Neuropatias (hereditárias, adquiridas, síndrome de Guillain-Barré)
neurológicas Mielopatias
Doenças do neurônio motor Doenças do tônus supraespinal
(esclerose lateral amiotrófica)
Poliomielite
Esclerose múltipla

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50 Togeiro SMGP, Fontes FH

a traumas ou a drogas e miopatias da junção introduzir medidas terapêuticas pertinentes


mioneural, como a miastenia gravis). Dentre as a cada estágio da doença. A espirometria, a
doenças neurológicas, vale ressaltar a atrofia oximetria de pulso, a capnografia e as medidas de
muscular espinhal (hereditária, adquirida ou pico de fluxo da tosse, PImáx e PEmáx permitem
a síndrome de Guillain-Barré), as doenças que ao clínico prever quais pacientes necessitam de
acometem o neurônio motor, a poliomielite e a tosse assistida e suporte ventilatório.
esclerose múltipla. A CV pode permanecer acima dos limites
A progressão para insuficiência respiratória normais ainda que já haja um comprometimento
crônica nas doenças neuromusculares surge grave da força muscular. Apenas quando a
como consequência da fraqueza e da fadiga dos fraqueza muscular é significativa (reduções
músculos respiratórios (inspiratórios, expiratórios maiores que 50% do previsto) é que ocorre uma
e de vias aéreas superiores) e da incapacidade diminuição na CV.(7)
de manter as vias aéreas livres de secreções Na distrofia muscular de Duchenne, CV < 1 L
(atelectasias e pneumonias).
é o dado que melhor se correlaciona com menor
Avaliação respiratória em doenças sobrevida, e valores de VEF1 < 20% do valor
neuromusculares previsto estão associados à hipercapnia durante
a vigília.(8)
Deve-se estabelecer uma rotina mínima Medidas de CV e VEF1 (posição sentada e em
de avaliação periódica (Figura 2), de modo a decúbito dorsal) devem ser realizadas. Uma piora

Figura 2 - Roteiro para avaliação funcional de pacientes portadores de doenças neuromusculares.

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Hipoventilação relacionada ao sono 51

de 40% ou mais no valor de CVF em decúbito Suporte pressórico não invasivo durante
supino é indicativa de comprometimento a noite
diafragmático, fato que prejudica a ventilação
durante o sono. No entanto, qualquer queda A utilização de aparelho de BiPAP ou
de 20% ou mais deve alertar o clínico para a de ventilador mecânico convencional, com
necessidade de uma avaliação respiratória máscara nasal ou oronasal, é eficaz na reversão
durante o sono.(9) dos distúrbios ventilatórios do sono em várias
A medida do pico de fluxo da tosse é feita doenças neuromusculares.(13) O nível pressórico
utilizando-se um peak flow meter. Valores capaz de reverter a hipoventilação durante o
abaixo de 160 L/min estão associados à limpeza sono deve ser determinado no laboratório do
inadequada da árvore traqueobrônquica.(10) No sono ou por meio de monitorização à beira do
entanto, valores em torno de 270 L/min são leito.
utilizados para a indicação do uso de técnicas O suporte pressórico não invasivo durante a
de tosse assistida, considerando-se que a força noite pode aumentar a sobrevida e melhorar os
muscular respiratória se reduz drasticamente na sintomas e a hipoventilação diurna, assim como
vigência de infecções.(11) diminuir o declínio da função pulmonar.(14,15)
Valores de PEmáx > 60 cmH2O estão As complicações da ventilação não invasiva
associados a fluxos aéreos adequados durante a incluem conjuntivites, úlceras na pele, obstrução
tosse, enquanto que medidas < 45 cmH2O estão nasal e distensão gástrica, que são resolvidas
relacionadas a tosse ineficaz.(12) com relativa facilidade na abordagem clínica. As
Deve-se também determinar os valores de máquinas de BiPAP devem obrigatoriamente ter
CO2 no sangue, e avaliações por capnografia FR controlada, caso o paciente pare de respirar
são ideais. O seguimento de rotina de pacientes (ventilação de back-up). Não se deve utilizar
com doenças neuromusculares não inclui oxigênio sem um suporte ventilatório devido ao
gasometrias arteriais. Quando a capnografia não agravamento da hipoventilação.
for disponível, deve-se lançar mão de sangue
venoso ou de amostra de sangue capilar obtida
Considerações finais
por punção. Tanto em SHO como nas doenças
A radiografia de tórax anual ajuda na neuromusculares, há piora da hipoventilação
detecção de lesões parenquimatosas, e os níveis durante o sono, concorrendo para o surgimento
de hematócrito podem auxiliar na avaliação de complicações clinicas e mortalidade.
da gravidade da hipoxemia e da eficiência da O tratamento com ventilação não invasiva
terapêutica. durante a noite é capaz de melhorar a
A avaliação nutricional pode auxiliar no hipoventilação diurna e noturna, bem como os
controle tanto da obesidade relacionada ao sintomas, aumentando a sobrevida.
baixo gasto calórico como da perda de massa
muscular causada por doenças neuromusculares Referências
e sedentarismo.
1. Bickelmann AG, Burwell CS, Robin ED, Whaley RD.
A deglutição deve ser avaliada, e a Extreme obesity associated with alveolar hypoventilation;
videofluoroscopia é indicada se houver a Pickwickian syndrome. Am J Med. 1956;21(5):811-8.
antecedentes de sufocação ou disfagia. 2. Mokhlesi B, Tulaimat A. Recent advances in obesity
Como já referido, a hipoventilação se agrava hypoventilation syndrome. Chest. 2007;132(4):1322-
36.
durante o sono, que também decorre da presença 3. Mokhlesi B, Tulaimat A, Faibussowitsch I, Wang Y, Evans
de apneia obstrutiva do sono, variando desde AT. Obesity hypoventilation syndrome: prevalence and
sintomas sutis até a presença de despertares predictors in patients with obstructive sleep apnea.
Sleep Breath. 2007;11(2):117-24.
noturnos, fadiga, sonolência e cefaleia matinal.
4. Sleep-related breathing disorders in adults:
No entanto, não está bem estabelecido quando recommendations for syndrome definition and
a polissonografia deve ser indicada. Está claro measurement techniques in clinical research. The Report
que, caso haja sintomas relacionados ao sono of an American Academy of Sleep Medicine Task Force.
Sleep. 1999;22(5):667-89.
ou mesmo no caso de pacientes assintomáticos
5. UpToDate [homepage on the Internet]. Waltham:
com hipercapnia ou distúrbios graves na função UpToDate Inc. c2010 [cited 2010 Jan 2]. Martin TJ.
pulmonar, há indicação desse exame. Positive pressure therapy of the obesity hypoventilation

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52 Togeiro SMGP, Fontes FH

syndrome; [about 4 screens]. Available from: 11. Bach JR, Ishikawa Y, Kim H. Prevention of pulmonary
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Sobre os autores
Sonia Maria Guimarães Pereira Togeiro
Médica Pneumologista. Instituto do Sono, Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil.

Francisco Hora Fontes


Professor Adjunto. Departamento de Clínica Médica, Escola Federal de Medicina de Salvador, Salvador (BA) Brasil.
E-mail para contato: sonia@psicobio.epm.br (S. Togueiro) ou frhora@uol.com.br (F. Fontes)

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Sono e doenças pulmonares crônicas: pneumopatias


intersticiais difusas, asma brônquica e DPOC
Sleep and chronic lung diseases: diffuse interstitial lung diseases,
bronchial asthma, and COPD

Marília Montenegro Cabral, Paulo de Tarso Mueller

Resumo
As doenças pulmonares crônicas podem ser agravadas por inúmeros fatores e comorbidades, inclusive pelos
distúrbios respiratórios do sono. Embora alterações na qualidade de vida de pacientes com doenças pulmonares
crônicas sejam normalmente determinadas a partir de variáveis diurnas, as alterações fisiopatológicas no sono
pioram a qualidade de sono e interferem na história natural dessas doenças. Alterações da arquitetura do sono
parecem ser um mecanismo comum entre essas doenças. Durante o sono, as vias respiratórias inferiores estão
mais interligadas às vias respiratórias superiores, quando as alterações de resistências das vias aéreas superiores
durante o sono somam-se às graves alterações resistivas de vias aéreas inferiores devido a asma e DPOC. Além
disso, surgem complexas interações mecânicas e ventilatórias. O reconhecimento dessas interações possibilita uma
melhor avaliação das exacerbações e da evolução dessas doenças.
Descritores: Sono; Asma; Doença pulmonar obstrutiva crônica; Doenças pulmonares intersticiais.

Abstract
Chronic lung diseases can be aggravated by various factors and comorbidities, including sleep-disordered breathing.
Although changes in the quality of life of patients with chronic lung disease are usually related to daytime variables,
the physiological changes in sleep impair the quality of sleep and interfere with the natural history of the disease.
Alterations in sleep architecture appear to be a common mechanism in these diseases. During sleep, the upper and
lower airways are more interconnected: changes in upper airway resistance during sleep are added to the severe
resistive alterations in the lower airways due to asthma and COPD. In addition, there are complex mechanical and
ventilatory interactions. The recognition of these interactions allows better assessment of the exacerbations and
the progression of chronic lung diseases.
Keywords: Sleep; Asthma; Pulmonary disease, chronic obstructive; Lung diseases; interstitial.

Introdução
A fisiologia respiratória durante o sono é DPOC, podem ocorrer acentuada hipoxemia e
consideravelmente diferente quando comparada hipercapnia.(2)
à vigília. Em indivíduos saudáveis, a passagem da Este capítulo pretende descrever as alterações
vigília ao sono está associada à queda de 5-10% fisiopatológicas que ocorrem durante o sono nas
da ventilação minuto, com queda adicional de até principais doenças pulmonares: pneumopatias
40% durante o sono REM. Vários são os fatores intersticiais difusas, asma e DPOC.
responsáveis pela queda da ventilação durante o
sono em indivíduos saudáveis: redução da taxa Pneumopatias intersticiais difusas
metabólica basal, aumento da resistência da
via aérea superior, perda do estímulo da vigília As doenças pulmonares intersticiais formam
para respirar e fatores relacionados ao sono um grupo heterogêneo com mais de 150
REM: diminuição do estímulo central muscular distúrbios em graus variados de inflamação e
respiratório e hipotonia da musculatura acessória fibrose do parênquima e interstício pulmonar. A
e intercostal da respiração.(1) relação mútua entre o sono e essas doenças foi
Essas alterações fisiológicas que ocorrem poucas vezes estudada. Existem evidências de
normalmente durante o sono não promovem baixa qualidade de sono que se associam à baixa
efeitos deletérios em indivíduos saudáveis. qualidade de vida nesses pacientes. A fadiga é
Entretanto, em portadores de doenças uma queixa frequente. Existe unanimidade pela
pulmonares, especialmente em portadores de alteração da arquitetura do sono, com redução

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54 Cabral MM, Mueller PT

da eficiência do sono, aumento proporcional do mecanismos fisiopatológicos são atribuídos a


estágio 1, redução do sono REM com latência esse agravamento, sendo os mais importantes,
prolongada e maior número de despertares. A sem excluir uma possível associação entre os
redução de sono de ondas lentas também foi mesmos, o aumento da inflamação brônquica,
observada.(3) alterações neuro-humorais e de receptores,
Causas não respiratórias de alterações refluxo gastroesofágico e SAOS. Um exemplo
da arquitetura do sono são especificamente de associação ocorre entre os dois últimos
associadas a algumas dessas doenças, como mecanismos, quando o aumento da pressão
na esclerose sistêmica, onde ocorrem discinesia abdominal nos períodos de apneia obstrutiva
esofagiana e refluxo, além de alta prevalência de favoreceria o refluxo gastroesofágico, a hiper-
movimentos periódicos das pernas.(4) reatividade e a inflamação brônquicas.(7)
Entre as causas respiratórias, foi observado Já fora apontado, em um grande estudo
em dois estudos que a frequência de SAOS de base populacional, o agravamento da
estava aumentada entre pacientes com doenças qualidade de vida que os sintomas sugestivos
intersticiais pulmonares em relação a controles, de SAOS impunham aos pacientes asmáticos,
mas os pacientes eram referenciados para o e, recentemente, constatou-se um aumento
laboratório com sintomas sugestivos de SAOS e dos custos de tratamento nas doenças
eram obesos, em média. Porém, a magnitude da obstrutivas crônicas quando associadas à
função pulmonar em um desses estudos (CPT SAOS, especialmente na coexistência de asma/
e DLCO) se correlacionou significativamente DPOC, cujos sintomas respiratórios seriam mais
com IAH.(3) Evidências atuais, em um estudo intensos a ponto de haver um maior número
controlado, reforçam a alta prevalência de de indicações de estudos laboratoriais de sono,
SAOS (88%) associada à fibrose pulmonar elevando, assim, os custos.(8)
idiopática, sugerindo que possivelmente, nessa Além de dessaturações mais graves,
doença, exista um sério comprometimento no especialmente durante o sono REM, os pacientes
controle neuromuscular da faringe pela própria asmáticos com difícil controle de asma podem
doença  em si ou pelo uso de corticosteroides ter SAOS como um mecanismo favorecendo
sistêmicos.(5) a resistência ao tratamento. Assim, alguns
Com relação à dessaturação da hemoglobina autores mostraram que SAOS comprovada por
durante o sono, quando sem queixas ou evidências polissonografia, seja em um estudo controlado,
de SAOS, não se constata quedas maiores que seja na pesquisa de sintomas sugestivos
3%, o que parece ser muito contrastante com as estudados por meio de questionários validados,
condições de alta velocidade de fluxo sanguíneo pode ser muito prevalente na asma de difícil
capilar alveolar durante o exercício, onde há em controle.(9) Entretanto, em um estudo, não foi
geral dessaturação importante. Apesar disso, evidenciado que SAOS era um fator importante
observou-se que uma saturação periférica em
na asma de difícil controle, embora os autores do
repouso em vigília < 90% é um fator preditivo
estudo não deixassem claro se fora utilizado um
de dessaturação noturna > 4% nesses pacientes.
questionário de sono validado como pré-requisito
(3)
Não existem dados consistentes na literatura
para a indicação de polissonografia ou se essa
que correlacionem o valor preditivo dos testes
foi realizada em todos os pacientes.(10)
de função pulmonar e de valores gasométricos
A ativação neural da faringe por variações
com a chance de dessaturação isolada durante
cíclicas de abertura e fechamento na apneia
o sono.
obstrutiva é atribuída como uma causa provável
Asma brônquica de agravamento do PFE na asma. Entretanto,
recentemente atribuiu-se ao aumento linear da
Há séculos é conhecido o agravamento dosagem de corticosteroides inalatórios uma
dos sintomas da asma durante a noite, assim associação com o agravamento dos sintomas
como a proporcionalmente maior mortalidade sugestivos de SAOS, sugerindo uma possível
durante a noite e primeiras horas da manhã. miopatia dose-dependente dos músculos da
Sintomas noturnos ocorrem em 60-74% dos faringe, independente do controle da asma.(11)
pacientes com asma e são marcadores de Especula-se que SAOS pode ser inclusive um
controle inadequado da doença.(6) Mais de onze fator importante nas exacerbações de asma e

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Sono e doenças pulmonares crônicas: 55
pneumopatias intersticiais difusas, asma brônquica e DPOC

que o uso de CPAP pode reduzir as exacerbações, quando as duas condições clínicas estão presentes
melhorar a qualidade de vida e controlar/ num mesmo paciente. Essa síndrome resulta
reduzir  o número de casos de asma de difícil em acentuada hipoxemia relacionada ao sono
controle, o que foi bem demonstrado em vários com maior tendência a hipercapnia, hipertensão
estudos.(12) O uso bem indicado e criterioso de pulmonar e cor pulmonale, conferindo a esses
CPAP nesses casos mostra evidências de vários pacientes um pior prognóstico.(16)
efeitos benéficos interagindo no binômio Diversos estudos situaram a prevalência
asma-SAOS, como os efeitos positivos sobre a da  associação entre DPOC e SAOS entre
inflamação brônquica e sistêmica, a diminuição 9,5-28%.(14,16,17) Em um recente estudo
da hiper-reatividade brônquica, a melhora na multicêntrico de base populacional, foram
arquitetura do sono, a redução do peso corpóreo, investigadas  5.954  pessoas através de
a supressão da produção de lecitina pelo tecido espirometria e polissonografia.(18) Os principais
adiposo, a melhora na função cardíaca e a achados foram os seguintes: (i) a prevalência de
redução importante do refluxo gastroesofágico.
DPOC foi de 19% e, entre esses, apenas 3,8%
Asma brônquica e SAOS são dois problemas
apresentavam uma relação VEF1/CVF < 60%; (ii)
crescentes de saúde pública, com interações cada
entre os portadores de DPOC, a prevalência de
vez mais reconhecidas e com potencial para uma
SAOS com IAH > 10 eventos/h e > 15 eventos/h
intervenção preventiva e de tratamento.
foi de 22% e 14%, respectivamente; e (iii) entre os
DPOC não portadores de DPOC, a prevalência de SAOS
com IAH > 10 eventos/h e > 15 eventos/h foi de
Os portadores de DPOC tornam-se mais 29% e 19%, respectivamente. Esses resultados
hipoxêmicos durante o sono do que durante a não podem ser extrapolados para populações
vigília e o exercício.(13) Os principais mecanismos com moderada a acentuada limitação do fluxo
fisiopatológicos responsáveis pela hipoxemia aéreo.
noturna são hipoventilação, alteração da As variáveis clínicas de correlação positiva
ventilação/perfusão e SAOS.(2,13) para SAOS no portador de DPOC são as seguintes:
Muitos portadores de DPOC apresentam uma ronco alto e frequente, grande circunferência do
qualidade do sono reduzida, caracterizada por pescoço e padrão clínico-funcional definido como
menor eficiência do sono, maior latência para “polo bronquite”. Vários estudos demonstraram
o início do sono e fragmentação da arquitetura que os achados da prova de função pulmonar
do sono, independentemente da gravidade da não se correlacionam com SAOS.(14,18)
limitação do fluxo aéreo, mas dependente da Portanto, as recomendações da literatura(19)
presença de SAOS.(14) A causa é provavelmente
para a indicação de polissonografia nos
multifatorial e inclui tosse noturna, dispneia, uso
portadores de DPOC são: (i) sintomas sugestivos
de medicações, como a teofilina, e hipoxemia
de SAOS (ronco alto, apneia presenciada
recorrente.
por familiar e sonolência excessiva diurna);
Diversas revisões(2,13) consideram que a
(ii)  complicações da hipoxemia (por exemplo,
hipoventilação é a principal causa de hipoxemia
policitemia e hipertensão pulmonar) na presença
noturna no portador de DPOC. A hipoventilação
é maior durante a fase do sono REM, uma vez de PaO2 > 60 mmHg; e (iii) hipertensão pulmonar
que ocorre acentuada hipotonia da musculatura desproporcional ao grau de limitação do fluxo
acessória e intercostal da respiração, resultando aéreo.
em uma diminuição da contribuição da Para os portadores de overlap syndrome,
caixa torácica para a ventilação. Como a está indicado o uso de CPAP ou BiPAP durante
hiperinsuflação pulmonar na DPOC promove o sono na presença de hipoventilação associada
a retificação das cúpulas diafragmáticas e, e consequente hipercapnia. Em um estudo
portanto, uma contração diafragmática ineficaz, recente,(20) o aumento da sobrevida de portadores
ocorre profunda hipoventilação com hipoxemia. de overlap syndrome com hipoxemia diurna, em
Tanto SAOS como DPOC são condições programa de oxigenoterapia e tratados com CPAP
clínicas comuns e, portanto, é de se esperar que foi documentado. A sobrevida em cinco anos foi
a associação entre as duas patologias não seja estimada em 71% e 26% nos grupos tratado e
rara. Foi cunhado o termo overlap syndrome(15) não tratado com CPAP, respectivamente.

J Bras Pneumol. 2010;36(supl.2):S1-S61


56 Cabral MM, Mueller PT

Considerações finais 10. Araujo AC, Ferraz E, Borges Mde C, Filho JT, Vianna
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Sobre os autores
Marília Montenegro Cabral
Professora Adjunta. Universidade Estadual de Pernambuco; e Médica Pneumologista, Pronto Socorro Cardiológico de Pernambuco –
PROCAPE – Recife (PE) Brasil.

Paulo de Tarso Mueller


Professor Adjunto I. Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande (MS) Brasil.
E-mail para contato: montcabral@hotmail.com (M. Cabral) ou mpaulo@nin.ufms.br (P. Mueller)

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57

Apneia obstrutiva do sono em crianças


Obstructive sleep apnea in children

Simone Chaves Fagondes, Gustavo Antonio Moreira

Resumo
Em crianças, SAOS é caracterizada por episódios recorrentes de obstrução parcial ou completa das vias aéreas
superiores durante o sono. Caracteriza-se por um continuum que vai desde o ronco primário (uma situação
benigna de ronco sem alterações fisiológicas e complicações associadas), passando por resistência aumentada
das vias aéreas, hipoventilação obstrutiva e, finalmente, SAOS. A prevalência de ronco é elevada e, dependendo
da forma como ele é definido, varia entre 1,5% e 15%. O diagnóstico da SAOS, combinando questionários de
relatos dos pais e exames complementares, apresenta uma prevalência de 1-4%. A SAOS é mais frequente nos
meninos, nas crianças com sobrepeso, de ascendência africana, com história de atopia e prematuridade. Ronco alto
e frequente, apneias observadas pelos familiares e sono agitado são os sintomas mais frequentes. O exame físico
deve identificar a situação ponderostatural do paciente, avaliar evidências de obstrução crônica das vias aéreas
superiores e ainda verificar a presença de alterações craniofaciais. A polissonografia de noite inteira é o exame
padrão tanto para o diagnóstico, como para a definição da pressão necessária em equipamentos de pressão positiva
e também para a avaliação do tratamento cirúrgico. A hipóxia intermitente e os múltiplos despertares resultantes
dos eventos obstrutivos contribuem para as consequências cardiovasculares, neurocognitivas e comportamentais
bem descritos nesses pacientes. A adenoamigdalectomia é o principal tratamento para a SAOS em crianças. O uso
da pressão positiva nas vias aéreas (CPAP ou Bilevel) é outra opção de uso crescente na população pediátrica.
Descritores: Síndromes da apneia do sono; Pressão positiva contínua nas vias aéreas; Tonsilectomia; Ronco.

Abstract
Childhood obstructive sleep apnea syndrome (OSAS) is characterized by recurrent episodes of partial or complete
upper airway obstruction during sleep. The disease encompasses a continuum from primary snoring (a benign
condition without physiological alterations or associated complications) to increased upper airway resistance,
obstructive hypoventilation and OSAS. The prevalence of snoring is high, ranging from 1.5% to 15%, depending
on how it is defined. Based on parent-reported questionnaires and complementary tests, the prevalence of OSAS
is 1-4%. This syndrome is more common in boys, overweight children, of African ancestry, with a history of atopy
and prematurity. The most common symptoms are snoring that is frequent and loud; family-reported apnea; and
restless sleep. The physical examination should assess growth status, signs of chronic upper airway obstruction,
and craniofacial malformations. Overnight polysomnography is the gold standard test for the diagnosis and for
the determination of the appropriate positive pressure level, as well as for postsurgical treatment evaluation.
Intermittent hypoxia and multiple arousals resulting from obstructive events contribute to the well-described
cardiovascular, neurocognitive, and behavioral consequences in pediatric patients with OSAS. Although the main
treatment for OSAS in children is adenotonsillectomy, treatment with CPAP or Bilevel is becoming more widely
used in the pediatric population.
Keywords: Sleep apnea syndromes; Continuous positive airway pressure; Tonsillectomy; Snoring.

Definição
Em crianças, SAOS é um distúrbio da ronco sem alterações fisiológicas e complicações
respiração que ocorre durante o sono e é associadas — passando por resistência aumentada
caracterizado por prolongados períodos de das vias aéreas superiores — um subtipo ou uma
obstrução parcial das vias aéreas e/ou por variação de SAOS, caracterizado por períodos
episódios intermitentes de obstrução completa de aumento da resistência das vias aéreas e de
das vias aéreas superiores, o que interfere na aumento do esforço respiratório durante o sono,
ventilação e nos padrões normais de sono. Ela que são associados com roncos, fragmentação
difere em relação ao quadro visto em adultos do sono, sonolência diurna excessiva e redução
no que diz respeito a sua fisiopatologia, quadro do desempenho neurocognitivo — hipoventilação
clínico, diagnóstico e tratamento.(1) obstrutiva — na qual os achados prévios se
Em crianças, SAOS caracteriza-se por um associam com hipercapnia — até, finalmente,
continuum que vai desde o ronco primário — SAOS propriamente dita, que foi previamente
entendido como uma situação benigna de definida (Quadro 1).(2,3)

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Epidemiologia Quadro 1 - Continuum da obstrução das vias aéreas


superiores durante o sono na criança. Adaptado de
Estudos populacionais descrevem uma Green MG et al.(3)
grande variação (5-35%) na prevalência de ronco - Sono normal
noturno em crianças. Essas diferenças ocorrem - Ronco primário
devido a diferenças de critérios para definir - Síndrome da resistência aumentada das vias
o ronco.(4) Quando o ronco é definido como aéreas superiores
habitual (> 4 noites/semana), sua prevalência - SAHOS
varia de 5-12%. Em um estudo em Vinhedo, SP,
descreveu-se a prevalência de ronco habitual em
16%. A frequência com que os pais descrevem comorbidades (síndromes craniofaciais, por
exemplo).(6)
presenciar apneias durante o sono varia de
Entretanto, convém ressaltar que a história e o
0,2-4%. O diagnóstico de SAOS, combinando
exame físico não são suficientes para discriminar
questionário e exames diagnósticos, apresenta
o ronco primário de SAOS em crianças.(7)
prevalência de 1-4%. A frequência de SAOS é
O exame físico deve identificar a situação
maior nos meninos, nas crianças com sobrepeso,
ponderostatural do paciente (lembrando
de ascendência africana, com história de atopia
que as crianças com SAOS tendem a ter um
e prematuridade. Apesar de vários autores
sugerirem uma maior prevalência da SAOS
entre 2-8 anos, idades durante as quais há o Quadro 2 - Condições clinicas associadas a SAOS.
maior crescimento adenotonsilar, atualmente Síndromes craniofaciais
não há dados suficientes que apontem Hipoplasia do terço médio da face
diferenças de prevalência quanto à idade. Além Síndrome de Apert
da hipertrofia adenotonsilar, malformações Síndrome de Crouzon
craniofaciais, algumas síndromes genéticas, Síndrome de Pfeiffer
doenças neurológicas, dentre outras, estão Síndrome de Treacher Collins
associadas com uma maior prevalência de SAOS. Macroglossia/glossoptose
(Quadro  2).(5) Mais recentemente, a obesidade, Síndrome de Down
a exemplo dos adultos, tem sido implicada na Sequência de Pierre-Robin
fisiopatologia de SAOS em crianças. Síndrome de Beckwith-Wiedemann
Outras
Quadro clínico Acondroplasia
Síndrome de Goldenhar
A identificação de ronco habitual (≥ 4 vezes/ Síndrome de Marfan
semana), apneias observadas pelos familiares Doenças neurológicas
e sono agitado sugerem a possibilidade de Paralisia cerebral
apneia do sono. Entretanto, outros sintomas Miastenia gravis
podem ser observados, como agitação, sudorese Síndrome de Möbius
profusa, alterações do comportamento, Malformação de Arnold-Chiari
alterações do aprendizado e, mais raramente, Miscelânea
sonolência excessiva. Os principais sinais e Hipertrofia de amígdalas e de adenoide
sintomas associados a SAOS em crianças estão Obesidade
apresentados no Quadro 3. Hipotireoidismo
Recomenda-se a inclusão de questões para Mucopolissacaridose
detalhamento do ronco (frequência, intensidade, Síndrome de Prader-Willi
relação com infecções respiratórias, posição Anemia falciforme
corporal, continuidade, associação com esforço Estenose de coanas
Laringomalácia
respiratório), comportamento durante o sono
Estenose subglótica
e ao acordar, posição para dormir, ocorrência
Queimaduras de face e pescoço
de enurese, presença de infecções de vias
Pós-operatório tardio
aéreas superiores de repetição, respiração oral,
Fenda palatina
desempenho escolar, labilidade emocional e

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Apneia obstrutiva do sono em crianças 59

crescimento abaixo do previsto para a idade); Quadro 3 - Principais sinais e sintomas relacionados
avaliar evidências de obstrução crônica das vias a SAOS.
aéreas superiores (estigmas do respirador bucal), Noturnos Diurnos
hipertrofia de tonsilas palatinas (tanto nos Ronco habitual Hiperatividade
diâmetros laterolateral como anteroposterior); (>4 noites/semana)
formato craniofacial (face longa e ovalada, mento Paradas respiratórias Falta de atenção
estreito e curto, retroposição da mandíbula, observadas
palato alto e arqueado, palato mole alongado); Desconforto respiratório Agressividade
e incluir uma avaliação cardiológica buscando Agitação Sonolência excessiva
sinais sugestivos de sobrecarga direita e ainda Sudorese profusa Problemas de aprendizado
Cianose/palidez Respiração oral
de hipertensão arterial sistêmica. Deformidades
torácicas do tipo pectus excavatum ou ainda
assimetria torácica sugerem aumento do esforço
respiratório de longa duração.
polissonografia, outros métodos simplificados
de diagnóstico, como gravação em vídeo e
Exames complementares
oximetria noturna, foram avaliados. Entretanto,
A polissonografia realizada em laboratório esses apresentam baixa especificidade e não
do sono é o exame padrão tanto para o excluem a necessidade da polissonografia.(12)
estabelecimento do diagnóstico como para Estudos de polissonografia diurna (sonecas)
o controle do tratamento, quando indicado. em crianças > 1 ano mostraram valor preditivo
O exame constitui-se em uma monitorização positivo de 77-100% e valor preditivo negativo
de 17-49%, ou seja, as polissonografias diurnas
não invasiva de diversos parâmetros e deve ser
subestimam a presença e a gravidade de SAOS.
realizado durante o sono espontâneo e noturno.
Atualmente, recomenda-se a polissonografia
O diagnóstico polissonográfico de SAOS é
diurna (com aproximadamente 3 h de duração)
feito quando o índice de apneia obstrutiva for apenas para lactentes.
> 1 evento/h de sono, associado a dessaturação Para a identificação de condições
da oxi-hemoglobina (< 92%). Outro parâmetro predisponentes, recomenda-se a realização de
que é utilizado para o diagnóstico em radiografia de cavum, nasofibrolaringoscopia ou
polissonografia pediátrica é a capnografia, com fluoroscopia das vias aéreas superiores, quando
valores de pico de CO2 exalado > 53 mmHg, indicado, e ressonância magnética cerebral ou
que são considerados alterados.(8) Recentemente, TC na suspeita de malformações ou massas no
a Academia Americana de Medicina do Sono, sistema nervoso central.
em sua publicação sobre escore do sono e dos A realização de ecocardiografia com ênfase
eventos associados, recomendou a utilização para as cavidades direitas e a identificação de
do percentual de tempo com CO2 > 50 mmHg sinais sugestivos de elevação da pressão em
(aferido por capnografia ou PaCO2 transcutâneo) artéria pulmonar são recomendadas.
superior a 25% do tempo total de sono como
critério para hipoventilação.(9)
Quadro 4 - Opções de tratamento para SAOS na
Apesar das dificuldades quanto à classificação
criança.
de gravidade em crianças, sobretudo pela falta
de uniformização nos estudos destinados à Manejo clínico
definição de parâmetros, valores de referência Tratamento de rinite alérgica
podem ser utilizados. Recomenda-se a consulta Pressão continua positiva na via aérea
ao manual da Academia Americana de Medicina (não invasiva) - CPAP ou Bilevel
do Sono.(10) Redução de peso para os pacientes obesos
O critério utilizado para adultos (IAH > Tratamentos com ortodontia e ortopedia facial
Tratamento cirúrgico
5 eventos/h) pode ser utilizado em adolescentes
Adenoamigdalectomia
a partir dos 13 anos.(11)
Cirurgias ortognáticas
Os estudos domiciliares com equipamentos
(nas crianças com malformações craniofaciais)
portáteis têm sido utilizados ocasionalmente
Traqueostomia em casos individualizados
em crianças. Devido ao custo elevado da

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60 Fagondes SC, Moreira GA

Consequências é fundamental o acompanhamento do paciente


após a cirurgia, uma vez que a recorrência de
As principais consequências de SAOS em obstrução pode ocorrer.(18)
crianças incluem distúrbios comportamentais, Outras alternativas de tratamento estão
déficit de aprendizado, hipertensão pulmonar apresentadas no Quadro 4.(19,20)
e prejuízo do crescimento somático.(13) Apesar
de adultos com SAOS terem maior risco de Referências
morbidade e mortalidade cardiovascular, só
1. Schechter MS; Section on Pediatric Pulmonology,
recentemente relatou-se que crianças com
Subcommittee on Obstructive Sleep Apnea Syndrome.
SAOS apresentam elevação da pressão arterial Technical report: diagnosis and management of
noturna, hipertensão arterial sistêmica diurna childhood obstructive sleep apnea syndrome. Pediatrics.
e mudanças da geometria e da função do 2002;109(4):e69.
ventrículo  esquerdo, assim como alterações 2. Marcus CL, Katz ES. Diagnosis of obstructive sleep
apnea syndrome in infants and children. In: Sheldon SH,
endoteliais.(14) Além disso, crianças com SAOS Ferber R, Kryger MH, editors. Principles and Practice of
apresentam ativação mantida do sistema nervoso Pediatric Sleep Medicine. Philadelphia: Saunders; 2005.
simpático, inflamação sistêmica e alteração no p. 197-210.
metabolismo dos lipídeos, levando ao início e à 3. Greene MG, Carroll JL. Consequences of sleep-
disordered breathing in childhood. Curr Opin Pulm Med.
propagação de processos de aterogênese.
1997;3(6):456-63.
Diversos relatos já descreveram a associação 4. Redline S, Tishler PV, Schluchter M, Aylor J, Clark K,
de SAOS com hiperatividade, falta de atenção, Graham G. Risk factors for sleep-disordered breathing in
agressividade e comportamento opositor. children. Associations with obesity, race, and respiratory
Atualmente já existem fortes evidências que problems. Am J Respir Crit Care Med. 1999;159(5 Pt
1):1527-32.
SAOS em crianças está associada com prejuízos 5. Lumeng JC, Chervin RD. Epidemiology of pediatric
na atenção, no comportamento, na regulação obstructive sleep apnea. Proc Am Thorac Soc.
de emoções, no desempenho acadêmico e no 2008;5(2):242-52.
estado de alerta. Também há evidências que 6. Muzumdar H, Arens R. Diagnostic issues in pediatric
obstructive sleep apnea. Proc Am Thorac Soc.
SAOS tem algum efeito no humor, habilidades 2008;5(2):263-73.
de expressão linguísticas, percepção visual e 7. Brietzke SE, Katz ES, Roberson DW. Can history and
memória.(15,16) physical examination reliably diagnose pediatric
Os mecanismos que levam a essas alterações obstructive sleep apnea/hypopnea syndrome? A
systematic review of the literature. Otolaryngol Head
parecem estar relacionados à interação de hipóxia
Neck Surg. 2004;131(6):827-32.
intermitente, hipercapnia, despertares frequentes 8. Cardiorespiratory sleep studies in children. Establishment
e variações nas pressões intratorácicas. Estudos of normative data and polysomnographic predictors of
experimentais em ratos mostraram que a hipóxia morbidity. American Thoracic Society. Am J Respir Crit
intermitente leva a alteração na memória Care Med. 1999;160(4):1381-7.
9. American Academy of Sleep Medicine. The AASM
espacial, hiperatividade e apoptose neuronal manual for scoring of sleep associated events: rules,
na região CA1 do córtex pré-frontal. Ainda, o terminology and technical specifications. Wetchester:
impacto da hipóxia intermitente em diferentes American Academy of Sleep Medicine; 2007.
idades mostrou lesões mais intensas em ratos 10. Bittencourt LR, editor. Diagnóstico e Tratamento da
Síndrome da Apnéia Obstrutiva do sono. São Paulo:
com idade de 10-30 dias de vida, correspondente Livraria Médica Paulista; 2008.
ao período pré-escolar em seres humanos.(17) 11. Tapia IE, Karamessinis L, Bandla P, Huang J, Kelly A,
Em crianças com doenças que levam a hipóxia Pepe M,  et  al. Polysomnographic values in children
crônica, como SAOS, cardiopatia congênita undergoing puberty: pediatric vs. adult respiratory rules
in adolescents. Sleep. 2008;31(12):1737-44.
ou doença pulmonar crônica, também foram
12. Brouillette RT, Morielli A, Leimanis A, Waters KA,
demonstradas alterações comportamentais e Luciano R, Ducharme FM. Nocturnal pulse oximetry as
déficits cognitivos. an abbreviated testing modality for pediatric obstructive
sleep apnea. Pediatrics. 2000;105(2):405-12.
Tratamento 13. Bass JL, Corwin M, Gozal D, Moore C, Nishida H, Parker
S,  et  al. The effect of chronic or intermittent hypoxia
Diferentemente do adulto, o tratamento on cognition in childhood: a review of the evidence.
Pediatrics. 2004;114(3):805-16.
de SAOS na criança é, uma vez identificada a 14. Amin RS, Kimball TR, Kalra M, Jeffries JL, Carroll JL, Bean
presença de hipertrofia de adenoide e/ou de JA, et al. Left ventricular function in children with sleep-
amígdalas, até o momento, cirúrgico. Entretanto, disordered breathing. Am J Cardiol. 2005;95(6):801-4.

J Bras Pneumol. 2010;36(supl.2):S1-S61


Apneia obstrutiva do sono em crianças 61

15. Beebe DW. Neurobehavioral morbidity associated 18. Capdevila OS, Kheirandish-Gozal L, Dayyat E, Gozal
with disordered breathing during sleep in children: a D. Pediatric obstructive sleep apnea: complications,
comprehensive review. Sleep. 2006;29(9):1115-34. management, and long-term outcomes. Proc Am Thorac
16. Hamasaki Uema SF, Nagata Pignatari SS, Fujita RR, Soc. 2008;5(2):274-82.
Moreira GA, Pradella-Hallinan M, Weckx L. Assessment of 19. Marcus CL, Ward SL, Mallory GB, Rosen CL, Beckerman
cognitive learning function in children with obstructive RC, Weese-Mayer DE,  et  al. Use of nasal continuous
sleep breathing disorders. Braz J Otorhinolaryngol. positive airway pressure as treatment of childhood
2007;73(3):315-20. obstructive sleep apnea. J Pediatr. 1995;127(1):88-94.
17. Row BW, Liu R, Xu W, Kheirandish L, Gozal D. 20. Kuhle S, Urschitz MS, Eitner S, Poets CF. Interventions
Intermittent hypoxia is associated with oxidative stress for obstructive sleep apnea in children: a systematic
and spatial learning deficits in the rat. Am J Respir Crit review. Sleep Med Rev. 2009;13(2):123-31.
Care Med. 2003;167(11):1548-53.

Sobre os autores
Simone Chaves Fagondes
Médica Pneumologista Pediátrica. Laboratório do Sono, Serviço de Pneumologia, Hospital de Clinicas de Porto Alegre, Faculdade de
Medicina, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre (RS) Brasil.

Gustavo Antonio Moreira


Pesquisador. Instituto do Sono, Disciplina de Medicina e Biologia do Sono, Departamento de Psicobiologia, Universidade Federal de
São Paulo, São Paulo (SP) Brasil.
E-mail para contato: sfagondes@terra.com.br (S. Fagondes)

J Bras Pneumol. 2010;36(supl.2):S1-S61


XXXV CONGRESSO BRASILEIRO
DE PNEUMOLOGIA E TISIOLOGIA

ISSN 1806-3713

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