Distúrbios Respiratorios Do Sono
Distúrbios Respiratorios Do Sono
Distúrbios Respiratorios Do Sono
Seja o primeiro a se converter. J Bras Pneumol. v.36, Suplemento 2, p. S1-S61 Junho 2010
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XXXV CONGRESSO BRASILEIRO
DE PNEUMOLOGIA E TISIOLOGIA
ISSN 1806-3713
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ISSN 1806-3713
“He provides as much for His loved ones while they sleep” - Psalms 127:2.
Resumo
Os principais distúrbios respiratórios do sono, ronco e SAOS, são muito prevalentes na população geral, embora
se acredite que a maioria dos casos continue não diagnosticada. Devemos estar atentos para os principais fatores
de risco que favorecem o aparecimento desses distúrbios, como gênero masculino, obesidade, envelhecimento
e características crânio-faciais. Da mesma forma, a presença de hipertensão arterial sistêmica, enfermidades
cardiovasculares e metabólicas deve nos alertar para a possibilidade da concomitância de SAOS.
Descritores: Síndromes da apneia do sono/prevenção & controle; Síndromes da apneia do sono/epidemiologia;
Apneia do sono tipo obstrutiva/prevenção & controle.
Abstract
The principal types of sleep-disordered breathing—snoring and obstructive sleep apnea syndrome—are highly
prevalent in the general population, although it is believed that the majority of cases continue to go undiagnosed.
We should be aware of the principal risk factors that favor the onset of these disorders, such as male gender,
obesity, aging and craniofacial features. Similarly, systemic arterial hypertension, cardiovascular diseases and
metabolic disorders should alert us to the possibility of obstructive sleep apnea syndrome.
Keywords: Sleep apnea syndromes/prevention & control; Sleep apnea syndromes/epidemiology; Sleep apnea,
obstructive/prevention & control.
10. Scharf SM, Seiden L, DeMore J, Carter-Pokras O. Racial 13. Vgontzas AN, Bixler EO, Chrousos GP. Sleep apnea is
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Sobre o autor
Carlos Alberto de Assis Viegas
Professor Adjunto. Faculdade de Medicina, Universidade de Brasília, Brasília (DF) Brasil.
E-mail para contato: viegasc@uol.com.br (C. Viegas)
Resumo
O sono representa uma fase na qual o sistema respiratório sofre importantes mudanças que levam a uma maior
vulnerabilidade e maior chance de ocorrência de anormalidades, mesmo em indivíduos normais. Na transição da
vigília para o sono, existe normalmente um aumento da resistência de via aérea superior e prejuízo de diferentes
respostas e reflexos protetores, os quais são eficientes em promover e manter a patência da via aérea superior
durante a vigília. Em indivíduos que apresentam fatores de risco, tais como anormalidades anatômicas em via
aérea superior, essas mudanças associadas ao sono não conseguem ser compensadas de forma eficaz e, com isso,
ocorre uma maior chance de ocorrer um distúrbio respiratório do sono. Os distúrbios respiratórios do sono são
caracterizados por diferentes graus de diminuição do espaço das vias aéreas superiores. Essa diminuição tem causas
multifatoriais, que incluem anormalidades da anatomia de via aérea superior, alteração da resposta neuromuscular
e de alterações em receptores de via aérea superior. Provavelmente muitas alterações funcionais e anatômicas
em via aérea superior são de característica genética, tornando o individuo com maior risco quando exposto a
determinados fatores ambientais, tais como alergias, e a partir da combinação destes fatores haverá uma maior
chance de desenvolver distúrbios respiratórios do sono.
Descritores: Transtornos do sono; Síndromes da apneia do sono; Sono/fisiologia.
Abstract
Sleep is a phase during which the respiratory system undergoes major changes. These changes lead to greater
vulnerability and a greater risk of abnormalities, even in normal individuals. In the transition from wakefulness to
sleep, there is commonly an increase in upper airway resistance and impairment of various protective responses
and reflexes, which are efficient in promoting and maintaining upper airway patency during wakefulness. In
individuals who present risk factors, such as anatomical abnormalities in the upper airway, these sleep-related
changes cannot be efficaciously compensated, which increases the chances that sleep-disordered breathing will
occur. Sleep-disordered breathing is characterized by a reduction in the size of upper airways, although the degree
of the reduction varies. This reduction has multifactorial causes, which include anatomical abnormalities in the
upper airway, alterations in the neuromuscular response and impairment of receptors in the upper airway. Upper
airway functional and anatomical changes are likely to have genetic components, and, therefore, individuals
exposed to certain environmental factors, such as allergies, have a greater chance of developing sleep-disordered
breathing.
Keywords: Sleep disorders; Sleep apnea syndromes; Sleep/physiology.
Introdução
Os distúrbios respiratórios do sono incluem função de restabelecer a patência da via aérea
SAOS e SRVAS. O distúrbio descrito inicialmente superior.(1) Em SRVAS, ocorre um estreitamento
foi SAOS, e as consequências desse distúrbio já da via aérea superior associado a um aumento
estão bem estabelecidas, como um maior risco do esforço respiratório na ausência de apneias
para doenças cardiovasculares e metabólicas. ou hipopneias.(2) Ambas as condições são
(1)
Posteriormente, SRVAS foi descrita e ainda associadas a uma maior colapsabilidade na
existem algumas controvérsias a respeito dos região da via aérea superior. Durante a vigília,
critérios diagnósticos e suas consequências a a via aérea é protegida por diversos mecanismos
longo prazo. Ambas as condições são associadas ligados à vigília que mantêm a patência da via
a uma redução do espaço em via aérea superior aérea faríngea, entre esses, um aumento da
como fator essencial na fisiopatologia. atividade de músculos dilatadores faríngeos.
Sendo um distúrbio frequente, SAOS é Entretanto, durante o sono, esses mecanismos
caracterizada pelo colapso recorrente da via não são suficientes para manter a via aérea
aérea faríngea induzido pelo sono, levando aberta, ocorrendo uma diminuição do espaço
a hipoxemia e hipercapnia, com despertares e, consequentemente, uma maior resistência ao
durante o sono que são desencadeados com a fluxo aéreo.
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Sobre a autora
Luciana de Oliveira Palombini
Médica Pneumologista e Coordenadora do Instituto do Sono de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil.
E-mail para contato: lpalombini@hotmail.com (L. Palombini)
Resumo
Embora SAOS seja uma patologia comum, é frequentemente subdiagnosticada. Seus sinais e sintomas são, na
sua maioria, subjetivos e, portanto, deve haver suspeição diagnóstica quando existir roncos, sonolência diurna,
cansaço, desânimo e alteração de humor. Escalas e tabelas com boa sensibilidade, que incluem os sintomas clínicos
mais relevantes e dados do exame físico, podem indicar o diagnóstico de SAOS. A confirmação diagnóstica é
realizada através de polissonografia, considerada o método padrão ouro.
Descritores: Síndromes da apneia do sono; Apneia do sono tipo obstrutiva; Ronco.
Abstract
Although obstructive sleep apnea syndrome is a common disease, it often goes undiagnosed. The signs and
symptoms of the syndrome are mostly subjective. Therefore, snoring, daytime sleepiness, fatigue, dejection and
mood changes should raise the suspicion of obstructive sleep apnea syndrome. Scales and tables that have good
sensitivity and include the most relevant clinical symptoms and physical examination results can suggest a diagnosis
of obstructive sleep apnea syndrome. The diagnosis is confirmed by polysomnography, which is considered the gold
standard method.
Keywords: Sleep apnea syndromes; Sleep apnea, obstructive; Snoring.
História clínica
Os sinais e sintomas mais comuns de SAOS um substancial aumento do risco de acidentes
são roncos, apneias testemunhadas e sonolência automobilísticos e profissionais acontece pela
excessiva diurna. Na avaliação secundária, sonolência excessiva, que pode ser medida pela
devemos incluir a pesquisa de hipertensão arterial escala de Epworth. Ao contrário, a insônia não
sistêmica e pulmonar, assim como a história é considerada um sintoma comum de SAOS e,
pregressa de acidente vascular encefálico, infarto quando aparece, é mais frequente em mulheres
agudo do miocárdio, cor pulmonale e acidentes apneicas.
automobilísticos.(1) Outros sintomas incluem boca seca ao
O ronco é uma queixa comum nos consul despertar e salivação excessiva, provavelmente
tórios.(2) Presente em praticamente todos os devido à respiração oral. Sono agitado e sudorese
pacientes com SAOS e em geral alto e interrompido noturna, pelo aumento do esforço respiratório,(4)
por episódios de silêncio que correspondem as distúrbios do humor e irritabilidade, assim como
apneias, o ronco é, na sua maioria, crescente, impacto na atenção, memória e concentração,
progressivo e inicia-se em decúbito dorsal também são queixas comuns. A cefaleia matinal
até que, com o passar do tempo, torna-se também está associada a SAOS, geralmente de
independente do decúbito adotado. As pausas curta duração, e sua ocorrência e intensidade
respiratórias que se interpõem aos roncos são estão relacionadas à gravidade da apneia.(5)
relatadas em aproximadamente 75% dos casos Alguns estudos sugerem que devemos ter
e são observadas também pelo companheiro,(3) um maior grau de suspeição para diagnosticar
podendo terminar em engasgos, sensação de SAOS na mulher, particularmente se obesa e com
sufocamento, vocalizações ou breves despertares. história de insônia, depressão e hipotireoidismo,
Como resultado, ocorre fragmentação do sono que são fatores comuns associados.(6) Já nos
e consequente sonolência diurna e cansaço, homens, uma particularidade é que a apneia
sintomas subjetivos e que muitas vezes não são obstrutiva grave está claramente associada
reconhecidos pelo paciente. Nesses indivíduos, com disfunção erétil, sendo fatores preditores a
idade, cansaço pela manhã e índice de distúrbio da morfologia craniofacial e dos sistemas
respiratório elevado.(7) respiratório e cardiovascular.
Outra condição associada é o refluxo
gastroesofágico, potencializado por uma Exame físico geral
elevação da pressão gástrica associada ao
Deve ser avaliada a presença de obesidade,
aumento da pressão intratorácica negativa
com medida de peso, altura e IMC (obesidade:
resultante do esforço inspiratório com a via aérea
IMC ≥ 30 kg/m2). Preconiza-se também a
superior colapsada. Esse efeito de diferença na medição da circunferência do pescoço na altura
pressão intratorácica sobre a parede cardíaca da membrana cricotireoidea e com o paciente
também pode causar uma liberação aumentada em posição supina. Valores acima de 40 cm
do peptídeo natriurético atrial, resultando em estão associados a um risco aumentado para
noctúria e enurese, sintomas importantes dos SAOS, mesmo na ausência de obesidade.(13)
distúrbios respiratórios do sono.(8) A obesidade é um fator de risco bem
Devido a apneias repetidas, hipóxia reconhecido para os distúrbios respiratórios do
intermitente e desequilíbrio autonômico, os sono, sendo geralmente aceito que homens de
pacientes têm maior risco de desenvolver meia-idade com IMC elevado e apresentando
aterosclerose, hipertensão arterial sistêmica, circunferência de pescoço também aumentado
insuficiência coronariana, arritmias e acidente são especialmente predispostos.(14)
vascular encefálico.(9) Este aumento do tônus
adrenérgico promove uma atenuação ou Avaliação craniofacial
ausência do descenso noturno da pressão arterial O exame do esqueleto craniofacial deve
na monitorização ambulatorial em muitos casos, determinar a posição relativa da mandíbula
além de estar associado a episódios de hipertensão e maxila, assim como a oclusão dentária, pois
arterial do avental branco.(10) Proporções anormalidades (por exemplo, redução da altura
significativas desses pacientes apneicos tornam-se da face, retrognatia, micrognatia e deslocamento
hipertensos, demonstrado pelo aumento da da articulação temporomandibular) estão
atividade simpática também durante o dia. O associadas a um risco aumentado para SAOS.
maior problema desses achados é a influência Algumas alterações esqueléticas são
dos fatores de confusão, considerando-se que características de pacientes do sexo masculino
tanto SAOS quanto as doenças cardiovasculares portadores de SAOS, como, por exemplo,
apresentam os mesmos fatores de risco: sexo, dimensão linear sagital reduzida da base do
idade e obesidade. Por isso, a possibilidade de crânio, da maxila e da parte óssea da nasofaringe
SAOS deve ser considerada em pacientes com e orofaringe.(2)
hipertensão arterial e depressão ou fadiga
inexplicada que estejam recebendo medicações
Avaliação das vias aéreas superiores
antidepressivas e anti-hipertensivas.(11) As anormalidades anatômicas das vias aéreas
Atualmente, vários estudos tentam, a partir são fatores etiológicos importantes para SAOS.
de questionários e medidas de exame físico, Nesse contexto, as anormalidades da faringe
predizer o diagnóstico de SAOS. Dentre essas nos pacientes com SAOS tendem a apresentar-se
variáveis destacam-se, como de maior valor reduzidas lateralmente e, como consequência,
preditivo, a circunferência do pescoço, IMC, o eixo principal é anormalmente orientado no
história de hipertensão arterial sistêmica, história diâmetro anteroposterior — achado que pode
de ronco e relato do companheiro de quarto aumentar a colapsabilidade das vias aéreas.(14)
sobre apneias durante o sono.(12) O exame da cavidade nasal deve ser realizado
para a avaliação de possíveis causas de obstrução
Exame físico para a detecção de nasal. Anormalidades incluem assimetria de
apneia obstrutiva do sono tecido mole, colapso de válvula nasal, edema de
mucosa causado por rinite alérgica, desvio de
O exame físico para a detecção de apneia septo, hipertrofia de cornetos e a presença de
obstrutiva do sono pode sugerir um risco pólipos.
aumentado para SAOS e deve incluir uma O exame da cavidade oral e da orofaringe
avaliação das variáveis antropométricas, análise inclui a inspeção do palato mole, língua, úvula,
tonsila e parede lateral. Preconiza-se utilizar a sex differences in survival among sleep clinic patients.
escala de Mallampati (classes 3 e 4 são mais Thorax. 1998;53 Suppl 3:S16-9.
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Sobre o autor
Gleison Marinho Guimarães
Médico. Laboratório do Sono. Instituto de Doenças do Tórax, Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, Universidade Federal do
Rio de Janeiro, Rio de Janeiro (RJ) Brasil.
E-mail para contato: gleisonguimaraes@oi.com.br (G. Guimarães)
Resumo
A fisiopatologia da SAOS é resultante da interação entre fatores genéticos e ambientais. Os mais importantes
fatores de risco são obesidade e idade. Outros fatores relevantes são anormalidades craniofaciais, hipotireoidismo,
menopausa e uso de álcool e de sedativos. A hereditariedade tem sido relacionada a SAOS pela a associação de SAOS
a níveis de HLA, obesidade, síndromes genéticas, etnias, sonolência excessiva, alteração do controle ventilatório,
expressão de mediadores inflamatórios, entre outros. Este capítulo aborda a variabilidade genética e fenotípica da
doença, demonstrando sua relevância no entendimento da fisiopatologia e na avaliação clínica de SAOS.
Descritores: Síndromes da apneia do sono; Apneia do sono tipo obstrutiva/genética; Antígenos HLA.
Abstract
The physiopathology of obstructive sleep apnea syndrome (OSAS) results from the interaction between genetic and
environmental factors. The principal risk factors are obesity and age. Other relevant risk factors are craniofacial
abnormalities, hypothyroidism and menopause, as well as the use of alcohol and sedatives. By virtue of its
association with factors such as HLA levels, obesity, genetic syndromes, ethnicity, excessive sleepiness, alterations
in ventilatory control and expression of inflammatory mediators, OSAS has been related to heritability. This chapter
addresses the genetic and phenotypic variability of the disease, showing its relevance in the understanding of the
physiopathology and clinical evaluation of OSAS.
Keywords: Sleep apnea syndromes; Sleep apnea, obstructive/genetics; HLA antigens.
Introdução
A fisiopatologia de SAOS não pode ser O componente de hereditariedade tem sido
vista isoladamente como uma disfunção reconhecido, mas há dificuldade na elucidação
da musculatura de vias aéreas superiores, da base genética, devido à heterogeneidade
mas como consequência de um número de dos fenótipos de SAOS. O paradigma atual foi
patologias inter-relacionadas e fatores de construído como um produto de “fenótipos
risco, tais como obesidade, idade, menopausa, intermediários” que interagem entre si, a
anormalidades craniofaciais (principalmente exemplo da morfologia craniofacial, obesidade,
envolvendo anormalidades mandibulares), suscetibilidade para sonolência diurna, controle
condições congênitas (síndromes de Marfan, de ventilatório e controle das vias aéreas superiores.
Down e de Pierre Robin), condições adquiridas Não se sabe, até o momento, qual componente
(hipotireoidismo, acromegalia), ingesta de desse pool tem um papel central, e quais
álcool e sedativos, privação de sono, tabagismo, componentes aparecem como epifenômenos.
decúbito dorsal e redução da patência nasal. Esses fenótipos intermediários são descritos
Os grandes fatores de risco para SAOS abaixo.(3)
são a obesidade e a idade.(1)
Especula-se que SAOS é dependente, em Genes e SAOS
aproximadamente 40% dos casos, de uma
combinação genética e, em 60%, de influências A SAOS está ligada com vários loci de MHC.
ambientais.(2) Um estudo mostrou um aumento de duas vezes
Há ainda a distinção entre SAOS em adultos na presença de HLA-A2, havendo correlação
e em crianças. A causa mais comum em crianças desse possível marcador genético com o grau
é a hipertrofia de amígdalas e adenoides que, de obesidade e SAOS (pacientes positivos são
quando removidas, promove uma melhora mais obesos). A correlação com outros genes
de SAOS. Já o papel da obesidade infantil também foi demonstrada, tais como HLA-A33,
isoladamente é controverso. HLA-DRB1*03, DQ-Br*03 e DQ-Br*02 com SAOS,
assim como HLA-B7, B65, B63, B73 com ronco Sonolência excessiva diurna
primário, embora seu significado ainda necessite
ser mais bem esclarecido. Da mesma forma, o Há diferenças quanto à suscetibilidade à
aumento na frequência do fenótipo Le (a+ b−) sonolência diurna entre indivíduos com SAOS.
do grupo sanguíneo de Lewis em roncadores Aparentemente, IL-1 e TNF-α têm um papel
precisa ser mais bem entendido. central nas vias de ativação do sono e de outras
Os achados sobre associação entre apoE citocinas, que incluem IL-10, IL-6, IL-2, IL-4,
genótipo E4 e SAOS também são conflitantes. IFN, FGF, fator estimulante de colônia de
A apoE é uma proteína polimórfica originada de macrófagos, etc. Esses fatores também interagem
três alelos de um único lócus no cromossomo no desencadeamento do processo de inflamação
I9qr3. Embora nenhuma diferença tenha sido e da síndrome metabólica.(10,11)
encontrada nos níveis de apoE entre pacientes
com SAOS e controles, uma proporção maior de Controle de vias aéreas superiores
homozigotos para o genótipo E4 foi observada
O intervalo para a excitação tônica dos
no grupo com apneia, mas sem significado
motoneurônios do músculo hipoglosso modula
estatístico. Em outro estudo, mostrou-se que o
a tendência a colabamento da faringe. O
risco de IAH > 15 eventos/h de sono era o dobro
receptor para 5HT2A tem se mostrado ser o
em pacientes homozigotos para o genótipo E4,
receptor predominante dos motoneurônios do
independentemente do sexo e IMC.(4)
hipoglosso, porém, com respostas incompletas
Também foi relatada a associação entre o
aos inibidores de recaptação de serotonina. Até
polimorfismo do gene ligado à enzima conversora
o presente, não se conhece o fenótipo resultante
de angiotensina (ECA) e a severidade da apneia
da interação genótipo-meio ambiente que possa
do sono. Um estudo mostrou que a atividade de
modular esse tônus muscular.(12)
ECA está aumentada em pacientes com SAOS, um
achado independente da presença de hipertensão Características familiares e raciais
arterial, embora a distribuição dos genótipos de
ECA e da frequência alélica na apneia obstrutiva A agregação familial é explicada pelo fato
do sono não tenha sido diferente daquelas do de que a maioria dos fatores de risco para
grupo de pacientes saudáveis. Estudos mais o desenvolvimento de SAOS é determinada
recentes falharam em confirmar a relação entre geneticamente. Estudos com gêmeos
ECA e IAH ou mesmo entre ECA e SAOS.(5) monozigóticos mostram maior concordância de
ronco em monozigóticos do que em dizigóticos,
Obesidade demonstrando uma herança familiar.(13) Parentes
de primeiro grau de pacientes com SAOS relatam
A obesidade, sem dúvida, é um dos fatores
mais sintomas de apneia, sonolência excessiva
mais importantes, pois aumenta o risco em
e ronco habitual do que parentes de pacientes
10-14 vezes para SAOS, e a perda de peso reduz
controles.(14)
o risco para essa condição.(6,7) A deposição de
O risco para ronco em parentes de primeiro
gordura resulta em uma redução do calibre
grau de pacientes com SAOS é três vezes maior,
nasofaríngeo que, se significativo, pode levar à sendo quatro vezes maior se ambos os pais têm
hipoventilação devido à reduzida complacência história de SAOS. A condição de ser parente
da parede torácica. Além disso, a leptina pode de primeiro grau de pacientes com SAOS é
afetar a regulação do centro respiratório.(8) A considerada um fator de risco para a doença.
hereditariedade para IMC está estimada em Comparando-se a ocorrência de SAOS em
25-40%, mas uma forte influência ambiental famílias de afro-americanos e de europeu-
está presente. A suscetibilidade à obesidade é americanos, os afro-descendentes têm maior
fortemente genética, mas fatores ambientais e prevalência, maior gravidade e são acometidos
hábitos de vida são importantes para a expressão em idade mais jovem. O fato pode ser atribuído
do fenótipo. Existem cerca de 300 marcadores, à anatomia das vias aéreas, que tem maior
genes e regiões cromossômicas associados ao deposição de tecido mole estreitando a luz da
fenótipo da obesidade.(9) faringe. O risco de apneia é duas vezes maior
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Sobre os autores
Adriane C. Mesquita Petruco
Médica Responsável pelo Laboratório do Sono de Maringá, Maringá (PR) Brasil.
Resumo
O ronco é um problema importante com consequentes manifestações sociais e médicas. O passo inicial consiste em
confirmar a presença do ronco e excluir qualquer doença respiratória noturna para que o tratamento adequado
seja instituído. Este capítulo analisa o gerenciamento atual do ronco e seu tratamento.
Descritores: Ronco/diagnóstico; Ronco/cirurgia; Ronco/terapia.
Abstract
Snoring is a significant problem with social and medical manifestations. After snoring has been confirmed, other
nocturnal respiratory diseases should be excluded so that the appropriate treatment can be instituted. This chapter
addresses the current management of snoring and its treatment.
Keywords: Snoring/diagnosis; Snoring/surgery; Snoring/therapy.
Introdução
O ronco é um distúrbio comum na prática ronco. O tabagismo piora o ronco pelo edema
clínica. Sua prevalência varia amplamente e de mucosa e estreitamento nasofaríngeo.(3)
possui dados subestimados. No Reino Unido, a O exame físico é inespecífico. Deve-se
prevalência de ronco em indivíduos adultos foi pesquisar IMC, a circunferência do pescoço, o
estimada em 25-40%. Outros dados sugerem nariz e a cavidade oral/orofaringe.(3) O método
que mais de 20% dos indivíduos adultos e 50% padrão para exclusão de distúrbio respiratório
dos homens acima de 60 anos apresentam ronco do sono é a polissonografia noturna.(3-5) A
primário.(1,2) endoscopia nasal com manobra de Müller
O ronco surge pela produção de som pelo pode ser utilizada; porém, o exame é feito com
trato aerodigestivo durante o sono. O ronco o paciente acordado e o esforço pode variar
primário pode ser classificado em 3 níveis entre os pacientes, havendo variabilidade entre
(I-III), que vai de ronco ocasional (I) a ronco os observadores.(3,6) A nasoendoscopia durante
que pode ser ouvido do lado de fora do quarto o sono avalia o nível de colapso enquanto o
(III). Os indivíduos com nível III têm uma maior paciente está sedado, mas a redução no diâmetro
probabilidade de ter SAHOS.(3,4) faríngeo pode ser causado pela sedação.(3,6)
Exames como cefalometria, TC e ressonância
Apresentação e critérios diagnósticos magnética podem também ser utilizados.(3)
A apresentação varia, nos extremos, Tratamento
desde ronco primário até SAHOS. A condição
intermediária entre esses dois extremos é SRVAS. O tratamento consiste em: a) intervenção
(4)
A avaliação do ronco envolve a confirmação da conservadora: perda de peso, correção do
presença desse e a exclusão de outros distúrbios decúbito, restrição no uso de sedativos/álcool e
respiratórios do sono que cursam com ronco tratamento da obstrução nasal e do tabagismo;
(principalmente SAHOS). A avaliação se inicia pela b) intervenção não cirúrgica: dispositivo
consulta (pelo companheiro de leito (idealmente) intraoral e CPAP; e c) cirurgia: nasal, do palato
com dados sobre o ronco: frequência, sua relação e bariátrica.(3,4,6)
com o decúbito e intensidade.(3-5) Perder peso é uma medida eficaz a curto
O ronco é mais comum em homens por prazo, mas difícil a longo prazo.(1) Há mais
diferenças anatômicas na região laringofaríngea estudos com dispositivo intraoral em SAHOS
e pela deposição de gordura corporal. O uso do que em ronco primário: sua adesão gira em
de sedativos/álcool relaxa a faringe e piora o torno de 50-75%. O dispositivo intraoral com
Sobre os autores
Flávio José Magalhães da Silveira
Diretor Médico. SLEEP – Laboratório de Estudo dos Distúrbios do Sono, Centro Médico BarraShopping, Rio de Janeiro (RJ) Brasil.
Resumo
Na polissonografia, RERA é definido como um parâmetro respiratório que indica um despertar associado a um
evento respiratório e um aumento do esforço respiratório. Inicialmente, RERA foi descrito com o uso da manometria
esofágica utilizada para avaliação do esforço respiratório. Esse maior esforço respiratório ocorre como resposta a
um aumento da resistência da via aérea superior, aspecto presente na fisiopatologia dos distúrbios respiratórios do
sono, entre esses, SAOS e SRVAS. Posteriormente, o uso de cânula de pressão nasal foi relatado como uma maneira
confiável e mais sensível que o termistor para a identificação de eventos de redução do fluxo aéreo e também
como um substituto da manometria esofágica para a identificação de períodos de aumento da resistência na via
aérea superior. Consequentemente, a American Academy of Sleep Medicine recomenda o uso de um dos métodos
para a identificação de RERA, que é definido por um padrão de achatamento da curva inspiratória, característico
da limitação ao fluxo aéreo. Embora RERA seja identificado e avaliado na pratica médica, sua padronização
ainda é necessária. Portanto, recomenda-se que os laudos de polissonografia indiquem quais eventos respiratórios
anormais foram considerados na avaliação do grau de gravidade do distúrbio respiratório.
Descritores: Síndromes da apneia do sono; Resistência das vias respiratórias; Manometria.
Abstract
In polysomnography, RERA is defined as a respiratory parameter that indicates an arousal associated with a respiratory
event and an increase in respiratory effort. Initially, RERA was described by means of esophageal manometry for the
evaluation of respiratory effort. This greater respiratory effort occurs as a response to an increase in upper airway
resistance, which is a factor present in the pathophysiology of sleep-disordered breathing, such as obstructive
sleep apnea syndrome and upper airway resistance syndrome. Later, the use of a nasal pressure cannula was
reported to be a reliable means of identifying airflow limitation and one that is more sensitive than is a thermistor.
In addition, the nasal pressure cannula method has been used as a surrogate for esophageal manometry in the
identification of periods in which upper airway resistance increases. Consequently, the American Academy of Sleep
Medicine recommend the use of either method for the identification of RERA, which is defined by the flattening
of the inspiratory curve, characteristic of airflow limitation. Although RERA has been identified and evaluated
in current medical practice, it has yet to be standardized. Therefore, it is recommended that polysomnographic
reports indicate which abnormal respiratory events were taken into consideration in the evaluation of the severity
of sleep-disordered breathing.
Keywords: Sleep apnea syndromes; Airway resistance; Manometry.
Embora RERA descreva uma anormalidade 3. Flemale A, Gillard C, Dierckx JP. Comparison of central
venous, oesophageal and mouth occlusion pressure with
polissonográfica respiratória indicativa de
water-filled catheters for estimating pleural pressure
estreitamento de via aérea superior, esse não changes in healthy adults. Eur Respir J. 1988;1(1):51-7.
alcança os critérios de hipopneia. A diferenciação 4. Chervin RD, Burns JW, Ruzicka DL.
entre esses dois parâmetros é difícil, pois, Electroencephalographic changes during respiratory
cycles predict sleepiness in sleep apnea. Am J Respir Crit
atualmente, essa avaliação é baseada no
Care Med. 2005;171(6):652-8.
aspecto qualitativo do sinal do fluxo aéreo. 5. Guilleminault C, Poyares D, Palombini L, Koester U,
Provavelmente novas tecnologias irão possibilitar Pelin Z, Black J. Variability of respiratory effort in
o reconhecimento dessa anormalidade de relation to sleep stages in normal controls and upper
airway resistance syndrome patients. Sleep Med.
forma quantitativa e, com isso, possibilitar 2001;2(5):397-405.
uma padronização em relação à ocorrência de 6. Loube DI, Andrada T, Howard RS. Accuracy of
RERA em pacientes com distúrbios respiratórios respiratory inductive plethysmography for the
do sono. Hoje, a identificação da limitação ao diagnosis of upper airway resistance syndrome. Chest.
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fluxo aéreo esta limitada à definição de RERA, 7. Rühle KH, Schlenker E, Randerath W. Upper airway
mas sabe-se, a partir da prática clínica, que resistance syndrome. Respiration. 1997;64 Suppl
períodos de limitação ao fluxo aéreo ocorrem 1:29‑34.
8. Gold AR, Schwartz AR. The pharyngeal critical pressure.
em diferentes situações e apresentações.
The whys and hows of using nasal continuous positive
Portanto, são necessários novos estudos para o airway pressure diagnostically. Chest. 1996;110(4):1077-
estabelecimento de normas para a classificação 88.
das anormalidades respiratórias presentes 9. Calero G, Farre R, Ballester E, Hernandez L, Daniel
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Sobre a autora
Luciana de Oliveira Palombini
Médica Pneumologista e Coordenadora do Instituto do Sono de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil.
E-mail para contato: lpalombini@hotmail.com (L. Palombini)
Resumo
Neste capítulo são apresentadas as principais abordagens para o diagnóstico e tratamento dos pacientes com SAOS.
O diagnóstico deve ser realizado através de uma minuciosa história clínica e exame físico. Para a confirmação
diagnóstica, é necessária a realização da polissonografia completa de noite inteira sob supervisão, sendo que em
pacientes cuja suspeita clínica é alta, registros simplificados domiciliares podem ser uma alternativa. O tratamento
da SAOS requer medidas gerais e o uso de aparelhos de pressão positiva. Em casos moderados e graves, CPAP
é o mais indicado, enquanto aparelhos intraorais são indicados em casos leves. Os procedimentos cirúrgicos são
indicados quando alterações anatômicas são evidentes ou como auxílio aos demais tratamentos.
Descritores: Apneia do sono tipo obstrutiva/diagnóstico; Apneia do sono tipo obstrutiva/terapia; Apneia do sono
tipo obstrutiva/cirurgia.
Abstract
In this chapter, the principal approaches to the diagnosis and treatment of patients with obstructive sleep
apnea syndrome (OSAS) are presented. The diagnosis should be carried out by the taking of a thorough clinical
history and by physical examination. For diagnostic confirmation, it is necessary to perform supervised overnight
polysomnography. For patients in whom clinical suspicion is high, a simplified home study can be an alternative.
The treatment of OSAS requires general measures and the use of positive pressure devices. In moderate and severe
cases, CPAP is the method of choice, whereas oral appliances can be used in mild cases. Surgical procedures are
recommended when anatomical alterations are evident or as an auxiliary method in combination with other types
of treatment.
Keywords: Sleep apnea, obstructive/diagnosis; Sleep apnea, obstructive/treatment; Sleep apnea, obstructive/
surgery.
Diagnóstico de SAOS
O diagnóstico da SAOS é baseado na história exame é indicado para pacientes que não
clínica, exame físico e testes de registro do sono conseguem locomover-se para o laboratório
(polissonografia e testes simplificados). do sono. Até o momento, não há evidências
de que essa modalidade diagnóstica apresente
Polissonografia de noite inteira vantagens sobre a polissonografia completa
no laboratório.(3) Devido a complexidade
O estudo polissonográfico de noite inteira,
do procedimento, risco de perda do exame,
realizado no laboratório sob supervisão de
insegurança e desconforto do paciente e de
um técnico habilitado, constitui o método
seus familiares, julgamos que tal procedimento
diagnóstico padrão para a avaliação dos sempre deva ser realizado com supervisão.
distúrbios respiratórios do sono (nível de
evidência 1; Figuras 1 e 2).(1) Monitoração cardiorrespiratória
Os principais critérios diagnósticos de SAOS
se encontram no Quadro 1.(2) Esse tipo de monitorização é geralmente
realizada no domicílio sem supervisão. Os
Polissonografia completa domiciliar parâmetros avaliados são FC, fluxo aéreo,
oximetria e movimentos torácicos e abdominais.
É o registro polissonográfico completo, com Recomenda-se que essa monitorização se
ou sem supervisão de profissional habilitado, restrinja a pacientes com forte suspeita de SAOS
realizado no domicílio do paciente. Esse sem outras comorbidades ou outros distúrbios
Oximetria noturna
Figura 1 - Paciente realizando polissonografia.
Este é o registro isolado da oximetria de
pulso, realizado com ou sem supervisão. A
do sono, quando a polissonografia padrão não oximetria noturna apresenta baixa especificidade,
é disponível ou quando o paciente não pode não sendo recomendada para o diagnóstico de
realizá-la no laboratório do sono devido a SAOS.(1)
imobilidade, doença clínica ou por medida de
segurança. Além disso, seu uso é recomendado Polissonografia diurna (nap-study)
no monitoramento do tratamento de SAOS que
não o CPAP. Na eventualidade de exame negativo Esse registro é realizado durante o dia, por
em pacientes com suspeita de SAOS, indica-se a um período de tempo geralmente curto. Seu
polissonografia padrão no laboratório de sono. resultado não é aceitável, pois subestima a
É importante salientar que a equipe deve estar presença e a gravidade de SAOS.(1)
ligada a um serviço de sono credenciado, que
possibilitará a realização de uma polissonografia Tratamento de SAOS
completa, se for necessário.(4)
Tratamento farmacológico
Alguns tratamentos farmacológicos, como
a reposição hormonal nos indivíduos que
apresentam acromegalia ou hipotireoidismo
associados a SAOS, podem ser benéficos.
(6-8)
A reposição com hormônios femininos
em mulheres na menopausa com SAOS tem
mostrado um papel adicional para o tratamento
dessa síndrome.(6)
O tratamento farmacológico específico para
Figura 2 - Época de polissonografia demonstrando SAOS, apesar dos vários estudos envolvendo
uma apneia obstrutiva. diversos grupos farmacológicos, tem apresentado
resultados controversos, não havendo ainda Quadro 1 - Critérios diagnósticos de SAOS no adulto.
evidências clínicas sobre a sua efetividade.(6-8) Critérios (A + B + D) ou (C + D):
diagnóstico de SAOS
CPAP A) No mínimo uma queixa:
• Episódios de sono não intencionais durante
Esses sistemas ainda permanecem como sendo
a vigília, sonolência excessiva diurna, sono não
a primeira escolha para o tratamento. O aparelho reparador, fadiga ou insônia
CPAP gera e direciona um fluxo contínuo de ar, • Acordar com pausas respiratórias, engasgos ou
(40-60 L/min), através de um tubo flexível, para asfixia
uma máscara nasal ou nasobucal firmemente • Companheiro relatar ronco alto e/ou pausas
aderida à face do indivíduo. Quando a pressão respiratórias no sono
positiva passa através das narinas, ocorre a
B) Polissonografia: ≥ 5 eventos respiratórios/h de
dilatação de todo o trajeto das vias aéreas
sono (apneias, hipopneias e despertares relacionados
superiores (Figura 3). ao esforço respiratório). Evidência de esforço
Os benefícios do uso de CPAP estão respiratório durante todo ou parte de cada evento.
relacionados à eliminação das apneias, ao
aumento da saturação da oxi-hemoglobina e C) Polissonografia: ≥ 15 eventos respiratórios/h de
à diminuição dos despertares relacionados aos sono (apneias, hipopneias e despertares relacionados
ao esforço respiratório). Evidência de esforço
eventos respiratórios. Consequentemente, ocorre respiratório durante todo ou parte de cada evento.
uma redução da sonolência diurna excessiva
e melhora das funções neuropsíquicas, do D) O distúrbio não pode ser melhor explicado
desempenho subjetivo do trabalho, dos sintomas por outro distúrbio do sono, doenças médicas ou
depressivos e da qualidade de vida.(9) O seu uso neurológicas, uso de medicações ou distúrbio por
uso de substâncias.
reduz as alterações cardiovasculares noturnas,
podendo(10) ou não(11,12) diminuir a hipertensão
arterial diurna e a frequência de sofrer acidentes ser reversível e de fácil confecção, os AIOs vêm
automobilísticos. Também melhora a sobrevida sendo cada vez mais utilizados, com sucesso,
dos indivíduos com SAOS. Quando ajustado à para o tratamento do ronco primário, da
pressão adequada, CPAP é quase sempre eficaz resistência da via aérea superior e para o controle
para o tratamento de SAOS. O fator que mais de SAOS leve.(2,14,15) Esses aparelhos podem,
limita o seu uso é a sua não aceitação e adesão comprovadamente, trazer melhora na qualidade
por parte do indivíduo.(9,10) de vida e do sono desses pacientes.
Antes do início do tratamento, o diagnóstico
Tratamento com aparelhos intraorais do distúrbio respiratório e a seleção dos
(AIOs) pacientes favoráveis ao uso do aparelho devem
ser conduzidos por um médico especialista
Existem atualmente dois modelos de AIOs
em sono. É essencial também que o cirurgião
utilizados para o controle de SAOS: os de avanço
mandibular, que neste capítulo são denominados
de AIOs (Figura 4), e os dispositivos de retenção
lingual, os quais podem ser indicados para o
tratamento do ronco primário por apresentarem
uma menor adesão e eficácia do que os de
avanço mandibular.
O mecanismo de ação de um AIO se baseia
na extensão/distensão das vias aéreas superiores
pelo avanço da mandíbula. Essa distensão
previne o colapso entre os tecidos da orofaringe
e da base da língua, evitando o fechamento da
via aérea superior, conforme se pode observar
por meio de imagens e por videoendoscopia.(13)
Além de representar uma modalidade de Figura 3 - Paciente realizando polissonografia para
tratamento não invasiva, ter um baixo custo, ajuste de pressão de CPAP.
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Sobre os autores
Lia Rita Azeredo Bittencourt
Professora Adjunta III. Disciplina de Medicina e Biologia do Sono, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil.
Resumo
Em alguns estudos, o ronco tem sido associado com um risco aumentado de hipertensão, doença cardíaca
isquêmica e acidente vascular encefálico. Os mecanismos são desconhecidos, mas provavelmente mediados pela
apneia obstrutiva do sono. Contudo, a maioria dos roncadores não tem apneia do sono. Se o ronco, por si só,
aumenta o risco de doença cardiovascular, isso ainda permanece controverso.
Descritores: Ronco; Doenças cardiovasculares; Acidente cerebral vascular.
Abstract
In some studies, snoring has been associated with an increased risk of hypertension, ischemic heart disease and
stroke. Although the mechanisms involved in these associations are unknown, they are probably mediated by
obstructive sleep apnea. Nevertheless, most snorers do not have sleep apnea. Whether snoring itself increases the
risk of cardiovascular disease remains controversial.
Keywords: Snoring; Cardiovascular diseases; Stroke.
Introdução
A maioria dos estudos epidemiológicos significativa, com o aumento da pressão
demonstra que o ronco está associado a um arterial sistêmica, independentemente de
aumento do risco de hipertensão arterial outras variáveis, como idade, gênero e IMC. A
sistêmica, doença arterial coronariana e acidente magnitude da associação, contudo, foi menor do
vascular encefálico.(1-4) O mecanismo pelo qual que para outros distúrbios respiratórios do sono.
o ronco está associado a essas complicações Os autores sugerem que o ronco primário faça
está principalmente associado à presença de parte de um processo contínuo de colapso da via
SAHOS, uma vez que o ronco intenso quase aérea superior e de resistência aumentada dessa
sempre está presente em SAHOS.(5) De forma via até o aparecimento futuro de SAHOS.(9,10)
independente, SAHOS pode aumentar o risco Em um estudo, foi verificado que o ronco,
de hipertensão arterial sistêmica e, de forma em mulheres, está associado a um aumento
aditiva, pode causar hipoxemia intermitente, pequeno, porém significativo, do risco de doença
a qual promove aterosclerose.(6,7) Entretanto, cardiovascular, independentemente da idade,
deve-se salientar que a maioria dos roncadores da história tabágica, do IMC e de outros riscos
não possui SAHOS. Se o ronco por si só é capaz conhecidos de doença cardiovascular.(11)
de aumentar o risco de hipertensão arterial Esses dados, em mulheres, já tinham sido
sistêmica e de doença cardiovascular, isso ainda previamente verificados em homens, através
permanece controverso, com uma tendência a se de um estudo prospectivo de 4.388 homens,
considerar que essa associação realmente possa no qual 149 pacientes foram recentemente
coexistir.(5,8) diagnosticados com doença cardíaca isquêmica
e 42 pacientes foram diagnosticados com
Associação do ronco com doença acidente vascular encefálico durante os três anos
cardiovascular de acompanhamento do estudo.(3) Em um estudo
transversal com 3.847 homens e 3.664 mulheres,
Uma vez que a maioria dos roncadores não foi encontrada uma associação significativa de
apresenta SAHOS, não está claro, como descrito ronco habitual com angina pectoris em homens
acima, se o ronco isoladamente pode aumentar (risco relativo [RR] = 2,01), mas com uma fraca
o risco de doença cardiovascular. Em um estudo associação em mulheres (RR = 1,23).(2)
transversal com 580 pacientes adultos, o ronco Outro estudo englobou 1.453 pacientes de
isolado foi associado, de forma estatisticamente ambos os gêneros, com idades entre 20 e 70 anos,
breathing among middle-aged adults. N Engl J Med. 17. Section on Pediatric Pulmonology, Subcommittee on
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infarction. Stroke. 1991;22(8):1021-5. 2008;76(1):33-9.
Sobre os autores
Flávio José Magalhães da Silveira
Diretor Médico. SLEEP – Laboratório de Estudo dos Distúrbios do Sono, Centro Médico BarraShopping, Rio de Janeiro (RJ) Brasil.
Resumo
Alterações da cognição e do desempenho estão bem estabelecidas em pacientes com SAOS, causando um impacto
significativo sobre a qualidade de vida e o risco de acidentes nesses indivíduos. Tais alterações são mais profundas
nos quadros mais graves de SAOS, o que explica a aparente discrepância na frequência e gravidade desse prejuízo
entre estudos com pacientes de clínicas de sono e estudos de base populacional. Vários aspectos podem estar
comprometidos, incluindo o processamento cognitivo, a atenção sustentada, as funções executivas e a memória.
Entretanto, os mecanismos causais desses déficits não estão inteiramente elucidados, e existem controvérsias,
particularmente em relação à contribuição relativa da hipóxia intermitente e da interrupção do sono presentes na
SAOS. O impacto da sonolência diurna sobre o desempenho desses pacientes nos diversos testes cognitivos também
ainda deve ser determinado, assim como o possível efeito de comorbidades frequentes, incluindo o diabete melito,
a hipertensão arterial sistêmica, a doença cardiovascular e a obesidade. Existem evidências convincentes de que o
tratamento com CPAP produz uma significativa melhora do desempenho e da cognição, sobretudo nos portadores
de SAOS moderada e grave, embora sejam necessários mais estudos acerca do seu impacto a longo prazo.
Descritores: Apneia do sono tipo obstrutiva; Cognição; Função executiva; Memória; Pressão positiva contínua
nas vias aéreas.
Abstract
Cognitive and performance impairment is well established in patients with obstructive sleep apnea syndrome
(OSAS), having a significant impact on the quality of life and the risk of accidents in these individuals. The severity
of the impairment correlates with that of the OSAS, which explains the apparent discrepancy between studies using
patients from sleep clinics and population-based studies in terms of the reported frequency and severity of such
impairment. Cognitive processing, sustained attention, executive functioning, and memory have all been reported
to be impaired in OSAS. However, the causal mechanisms of these deficits have not been entirely clarified, and
the relative contribution of intermittent hypoxia and sleep disruption in OSAS is particularly controversial. The
potential effect of daytime sleepiness on the performance of these patients on various cognitive tests has yet to be
determined, as does that of common comorbidities, such as diabetes, systemic arterial hypertension, cardiovascular
disease, and obesity. There is compelling evidence that CPAP treatment can improve performance and cognition,
particularly in mild to moderate cases, although further studies on the long-term impact of this type of treatment
are still needed.
Keywords: Sleep apnea, obstructive; Cognition; Executive function; Memory; Continuous positive airway
pressure.
Introdução
As alterações cognitivas na SAOS podem com segurança uma relação linear entre o grau
ser múltiplas e variadas, incluindo déficit do de apneia e alterações neurocognitivas, a maioria
processamento cognitivo, de memória, de atenção dos estudos relata prejuízos mais evidentes nos
e das funções executivas.(1,2) Os acidentes de casos mais graves.(5)
trânsito e de trabalho, importantes marcadores
desse tipo de alteração, representam uma Caracterização do déficit cognitivo na
significativa causa de morbidade e mortalidade SAOS
nesses pacientes.
Inquéritos de base populacional indicam Para uma melhor compreensão das alterações
que a SAOS reduz a qualidade de vida e que cognitivas e comportamentais, torna-se útil que
mesmo os casos classificados como leves esses fenômenos sejam abordados a partir de
apresentam dificuldades na realização de tarefas uma perspectiva categórica. Resumidamente,
cotidianas.(3-5) Embora seja difícil estabelecer os efeitos de SAOS podem incluir alterações do
tratamento com sham CPAP ou àquele com Sleep Medicine. Philadelphia: Saunders/Elsevier; 2010.
comprimidos de placebo, pelo período de 30 dias, p. 1023-33.
7. Rouleau I, Décary A, Chicoine AJ, Montplaisir J.
demonstraram que o uso de CPAP associa-se Procedural skill learning in obstructive sleep apnea
à melhora da sonolência avaliada subjetiva syndrome. Sleep. 2002;25(4):401-11.
e objetivamente.(32,33) Estudos empregando 8. Boland LL, Shahar E, Iber C, Knopman DS, Kuo TF, Nieto
apenas grupos controle não tratados ou FJ, et al. Measures of cognitive function in persons with
varying degrees of sleep-disordered breathing: the Sleep
tratados conservadoramente, sem sham CPAP, Heart Health Study. J Sleep Res. 2002;11(3):265-72.
relataram melhora da sonolência objetiva após 9. Beebe DW, Groesz L, Wells C, Nichols A, McGee K. The
uma noite,(34) duas semanas(34) e três meses(35) neuropsychological effects of obstructive sleep apnea: a
de uso de CPAP. Finalmente, uma meta-análise meta-analysis of norm-referenced and case-controlled
data. Sleep. 2003;26(3):298-307.
confirmou a melhora efetiva da sonolência,
10. Weaver TE. Outcome measurement in sleep medicine
tanto objetiva quanto subjetiva, pelo uso de practice and research. Part 2: assessment of
CPAP.(36) Estudos adequadamente controlados neurobehavioral performance and mood. Sleep Med
indicam que o desempenho em simuladores Rev. 2001;5(3):223-36.
de direção, a atenção sustentada e a atenção 11. Beebe DW, Gozal D. Obstructive sleep apnea and the
prefrontal cortex: towards a comprehensive model linking
dividida são os aspectos que mais se beneficiam nocturnal upper airway obstruction to daytime cognitive
com o tratamento.(37,38) Além de melhorar and behavioral deficits. J Sleep Res. 2002;11(1):1-16.
a capacidade de dirigir,(39) CPAP tem sido 12. Sateia MJ. Neuropsychological impairment and quality
associado também à melhora da vigilância(40,41) of life in obstructive sleep apnea. Clin Chest Med.
2003;24(2):249-59.
e da flexibilidade mental.(41) Embora estudos de 13. Engleman HM, Kingshott RN, Martin SE, Douglas
neuroimagem (Doppler transcraniano, potenciais NJ. Cognitive function in the sleep apnea/hypopnea
relacionados a eventos, ressonância magnética syndrome (SAHS). Sleep. 2000;23 Suppl 4:S102-8.
por espectroscopia e ressonância magnética 14. Kim HC, Young T, Matthews CG, Weber SM, Woodward
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estrutural e funcional) tenham demonstrado
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Sobre os autores
Pedro Felipe Carvalhedo de Bruin
Professor Associado. Departamento de Medicina Clínica, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza (CE) Brasil.
Resumo
Uma condição clínica muito comum é SAOS, que está associada a várias doenças cardiovasculares, incluindo
hipertensão arterial sistêmica, fibrilação atrial e aterosclerose. A associação entre SAOS e doença cardiovascular não
é somente uma consequência da sobreposição de fatores de risco, incluindo obesidade, sedentarismo, ser do sexo
masculino e ter idade maior. Existem evidências crescentes de que SAOS contribui de forma independente para
o aparecimento e a progressão de várias doenças cardiovasculares. Os mecanismos pelos quais SAOS pode afetar
o sistema cardiovascular são múltiplos e incluem a ativação do sistema nervoso simpático, inflamação sistêmica,
resistência a insulina e geração de estresse oxidativo. Existem evidências que o tratamento de SAOS com CPAP pode
reduzir a pressão arterial, sinais precoces de aterosclerose, risco de recorrência de fibrilação atrial e mortalidade,
principalmente por acidente vascular cerebral e infarto agudo do miocárdio, em pacientes com SAOS grave.
Descritores: Apneia do sono tipo obstrutiva/terapia; Doenças cardiovasculares; Pressão positiva contínua nas vias
aéreas.
Abstract
Obstructive sleep apnea syndrome (OSAS) is a common condition associated with various cardiovascular diseases,
including systemic arterial hypertension, atrial fibrillation, and atherosclerosis. The association between OSAS and
cardiovascular disease has been related to the overlapping of risk factors, including obesity, having a sedentary
lifestyle, being male, and being older. However, there is mounting evidence that OSAS can also independently
contribute to the development and progression of various cardiovascular diseases. The mechanisms by which OSAS
can affect the cardiovascular system are multiple, including the activation of the sympathetic nervous system,
systemic inflammation, insulin resistance, and oxidative stress. There is also evidence that the treatment of OSAS
with CPAP can reduce arterial blood pressure, early signs of atherosclerosis, the risk of atrial fibrillation recurrence,
and mortality (principally mortality due to stroke or acute myocardial infarction) in patients with severe OSAS.
Keywords: Sleep apnea, obstructive/therapy; Cardiovascular diseases; Continuous positive airway pressure.
Introdução
Desde as descrições iniciais, foi reconhecido de SAOS é de 50%.(5) É importante destacar
que SAOS está associada a várias doenças que a maior parte dos pacientes com doença
cardiovasculares. Foi inicialmente descrita uma cardiovascular permanece sem diagnóstico. Esse
alta prevalência de arritmia cardíaca noturna, fato pode ser explicado por um baixo grau de
cor pulmonale e hipertensão arterial pulmonar e suspeita diagnóstica de SAOS, além da dificuldade
sistêmica entre os pacientes com SAOS.(1,2) Essa de acesso à polissonografia noturna. Outro fato
associação pode ser em função da sobreposição que tem chamado a atenção é que os pacientes
de fatores de risco comuns, tanto para SAOS, com SAOS advindos da população de pacientes
como para doença cardiovascular (obesidade, com doença cardiovascular frequentemente não
homens de meia-idade e mulheres após a se queixam de sonolência excessiva diurna.(3,6)
menopausa, sedentarismo e tabagismo). De As causas para essa particularidade são ainda
fato, a prevalência de SAOS entre pacientes desconhecidas, mas certamente contribuem para
com diagnóstico de doença cardiovascular já dificultar a suspeita clínica de SAOS. Somente
estabelecida é alarmante. Por exemplo, entre o reconhecimento pela comunidade médica
pacientes com hipertensão e hipertensão de que SAOS é comum entre os pacientes
refratária, a prevalência de SAOS gira em torno de com doença cardiovascular já seria de extrema
30% e 70%, respectivamente.(3,4) Entre pacientes importância. No entanto, essa breve revisão vai
com fibrilação atrial, a prevalência estimada explorar as evidências crescentes que apontam
para uma relação causal entre SAOS e doença e geração de pressão intratorácica negativa
cardiovascular. Essa síndrome pode contribuir durante os eventos respiratórios obstrutivos
para o estabelecimento ou piora de várias (apneias ou hipopneias) associados a aumento
doenças cardiovasculares, o que torna o cenário de pressão arterial (Figura 1).(1) Um conceito
de falta de reconhecimento e de tratamento importante é que as complicações advindas
adequado de SAOS ainda mais dramático. dos eventos respiratórios não se restringem ao
Exploraremos inicialmente os mecanismos período noturno, mas podem se estender ao
fisiopatológicos que justificam uma relação longo do dia. Uma lista crescente de alterações
causal entre SAOS e doença cardiovascular. bioquímicas, inflamatórias, metabólicas e
Uma linha de evidência apontando para vasculares, associadas de forma independente
a associação independente entre SAOS e a SAOS, foram descritas e incluem aumento
doença cardiovascular advém de estudos da atividade simpática, aumento nos níveis
epidemiológicos. Vários trabalhos populacionais plasmáticos de proteína C reativa, de citocinas
demonstraram uma associação independente
e de fibrinogênio, resistência à insulina, leptina
entre SAOS e hipertensão arterial sistêmica,
e a produtos derivados de estresse oxidativo e
insuficiência coronariana, acidente vascular
disfunção endotelial.(10-12)
cerebral e insuficiência cardíaca congestiva.(7-9)
Uma dificuldade constante é comprovar
Finalmente, a relação entre SAOS e algumas
uma relação causal entre SAOS e doença
das principais doenças cardiovasculares serão
cardiovascular, visto que vários fatores de
exploradas.
confusão (em particular a obesidade) são
Fisiopatologia da ligação entre SAOS frequentes nesses pacientes. Contribuem para
demonstrar a relação causal entre SAOS e doença
e doença cardiovascular
cardiovascular os estudos que demonstram que
Os mecanismos primários de SAOS que são o tratamento de SAOS com CPAP reduz ou
deletérias ao sistema cardiovascular são os normaliza várias dessas disfunções, incluindo
seguintes: hipóxia intermitente, microdespertares redução da atividade simpática, dos níveis de
10
11
Figura 1 - Traçado polissonográfico padrão, com adição do canal 11, registro de PA por Finapress, batimento
a batimento. Note-se o aumento de PA e de frequência cardíaca ao término de cada apneia (setas). Canais
1 e 2, eletrooculograma; 3 e 4, eletroencefalograma; 5, eletromiograma; 6, eletrocardiograma; 7, movimento
torácico; 8, movimento abdominal; 9, volume corrente; 10, saturação de oxigênio arterial.
proteína C reativa e da resistência a insulina, o uso de CPAP, não houve redução da pressão
além de melhora da disfunção endotelial.(10,11,13) arterial com o uso de CPAP.(16)
Uma recente meta-análise avaliou
Hipertensão arterial sistêmica 818 pacientes e demonstrou uma redução
da pressão arterial de apenas 2,46 mmHg na
A relação mais bem estudada entre SAOS pressão arterial sistólica e de 1,83 mmHg na
e doença cardiovascular é a sua relação com pressão arterial diastólica após o uso de CPAP.
hipertensão arterial sistêmica. Os potenciais (17)
Entretanto, a escolha dos trabalhos incluídos
mecanismos que ligam SAOS a hipertensão
nessa meta-análise é sujeita a críticas (envolveu
arterial sistêmica são múltiplos e incluem ativação
estudos com indivíduos normotensos e pacientes
simpática, diminuição da sensibilidade dos
com insuficiência cardíaca), o que pode ter
barorreceptores, hiperresponsividade vascular e
contribuído para o resultado modesto da queda
alteração no metabolismo do sal e água. Pacientes
da pressão arterial. Além disso, a redução da
com SAOS apresentam aumentos cíclicos da
pressão arterial pode não ser o único ou mesmo
pressão arterial associados aos episódios de
o maior efeito do uso de CPAP no sistema
apneia. Os pacientes com SAOS frequentemente
cardiovascular, já que têm sido descritos outros
não apresentam o descenso noturno da pressão
benefícios cardiovasculares, conforme descrito
arterial e são considerados como non-dippers.
anteriormente.
A confirmação da relação causal entre SAOS
e hipertensão arterial sistêmica é baseada em Arritmias cardíacas
estudos experimentais com vários modelos
animais, estudos epidemiológicos e estudos de Existem evidências de que SAOS está
tratamento de SAOS. O estudo mais citado da associada de forma independente com fibrilação
literatura é advindo de uma coorte em Wisconsin, atrial e batimentos ventriculares ectópicos.
EUA, no qual foram avaliados 709 indivíduos Por exemplo, em um estudo transversal
através de estudo polissonográfico.(7) Após um com 2.911 homens idosos que realizaram
seguimento de quatro anos, mostrou-se uma polissonografia, encontrou-se uma associação
associação causal entre a presença de SAOS na entre a gravidade de apneia com fibrilação
avaliação inicial e o surgimento de hipertensão atrial e batimentos ventriculares ectópicos.(18)
arterial sistêmica no seguimento. Nesse mesmo Mais importante, existem evidências de que,
estudo, os autores observaram uma relação após a reversão de fibrilação atrial, SAOS esteja
dose-resposta entre a gravidade de SAOS e o associada a um aumento do risco de recorrência
risco de aparecimento de hipertensão arterial. De de fibrilação atrial após um ano e que o
acordo com o sétimo relatório do Joint National tratamento da SAOS com CPAP reduza esse risco.
Committee on Prevention, Detection, Evaluation (5)
Em um estudo recente com 73 indivíduos com
and Treatment of High Blood Pressure, SAOS é a e sem SAOS pareados para fatores de confusão,
primeira de uma lista de causas identificáveis de mostrou-se que SAOS estava associada ao
hipertensão arterial sistêmica.(14) aumento do diâmetro do átrio esquerdo que,
Diversos estudos avaliaram o efeito do por sua vez, se correlacionou com o aumento
tratamento de SAOS no controle da pressão da rigidez da aorta.(19) Considerando-se que o
arterial. No entanto, apenas dois ensaios clínicos tamanho do átrio esquerdo é um fator de risco
avaliaram uma população com predomínio para a fibrilação atrial, esse estudo sugere que
de pacientes hipertensos descontrolados e o aumento da rigidez da aorta observado em
apresentaram resultados opostos. Em um estudo pacientes com SAOS possa contribuir para o
de dois meses de duração envolvendo pacientes remodelamento atrial devido a um aumento da
com sonolência diurna e SAOS, randomizados pós-carga do ventrículo esquerdo.
para CPAP ou sham CPAP (isto é, CPAP com
pressões mínimas sem efeito terapêutico), houve Aterosclerose, doença coronariana e
uma redução de 10 mmHg na pressão arterial doença cerebrovascular
sistólica e diastólica de 24 h no grupo CPAP.(15)
Já em outro estudo mais curto e com um número Há uma associação entre SAOS grave
menor de participantes, em que os pacientes sem não tratada e um aumento da mortalidade
sonolência diurna fizeram um cross-over para cardiovascular causada por acidente vascular
cerebral e infarto agudo do miocárdio.(20,21) Nesses association between sleep-disordered breathing and
estudos, sugeriu-se que SAOS contribui para o hypertension. N Engl J Med. 2000;342(19):1378-84.
8. Shahar E, Whitney CW, Redline S, Lee ET, Newman AB,
desenvolvimento de aterosclerose. Essa hipótese Javier Nieto F, et al. Sleep-disordered breathing and
é reforçada pela demonstração que pacientes com cardiovascular disease: cross-sectional results of the
SAOS sem comorbidades, quando comparados Sleep Heart Health Study. Am J Respir Crit Care Med.
com controles adequados, apresentam vários 2001;163(1):19-25.
9. Peker Y, Hedner J, Norum J, Kraiczi H, Carlson J. Increased
marcadores de aterosclerose alterados, incluindo
incidence of cardiovascular disease in middle-aged men
maior rigidez arterial e aumento da espessura with obstructive sleep apnea: a 7-year follow-up. Am J
íntima média da carótida.(22,23) A aterosclerose Respir Crit Care Med. 2002;166(2):159-65.
observada na prática pode ser ainda pior, pois 10. Shamsuzzaman AS, Somers VK. Fibrinogen, stroke,
soma-se o efeito de SAOS com o de várias and obstructive sleep apnea: an evolving paradigm
of cardiovascular risk. Am J Respir Crit Care Med.
comorbidades frequentemente presentes, 2000;162(6):2018-20.
incluindo a hipertensão arterial sistêmica e a 11. Ip MS, Lam B, Ng MM, Lam WK, Tsang KW, Lam KS.
síndrome metabólica.(24,25) De forma semelhante, Obstructive sleep apnea is independently associated
a calcificação coronariana tem sido atribuída de with insulin resistance. Am J Respir Crit Care Med.
2002;165(5):670-6.
forma independente à marcadores de gravidade
12. Minoguchi K, Yokoe T, Tazaki T, Minoguchi H, Tanaka
de SAOS em pacientes com comorbidades.(26) A, Oda N, et al. Increased carotid intima-media thickness
Uma evidência recente do nosso grupo suporta and serum inflammatory markers in obstructive sleep
a hipótese de que mais do que uma associação, apnea. Am J Respir Crit Care Med. 2005;172(5):625-
SAOS parece ser uma causa para a ocorrência 30.
13. Kato M, Adachi T, Koshino Y, Somers VK. Obstructive
e a progressão da aterosclerose. Em um sleep apnea and cardiovascular disease. Circ J.
estudo envolvendo pacientes com SAOS grave 2009;73(8):1363-70.
randomizados para tratamento com CPAP e 14. Chobanian AV, Bakris GL, Black HR, Cushman WC,
conduta expectante, quatro meses de tratamento Green LA, Izzo JL Jr, et al. The Seventh Report of the
Joint National Committee on Prevention, Detection,
foram suficientes para reduzir marcadores de
Evaluation, and Treatment of High Blood Pressure: the
aterosclerose, incluindo a espessura intima JNC 7 report. JAMA. 2003;289(19):2560-72. Erratum
média da carótida e a rigidez arterial, medida in: JAMA. 2003;290(2):197.
pela velocidade de onda de pulso carótideo- 15. Mills PJ, Kennedy BP, Loredo JS, Dimsdale JE, Ziegler
femoral.(23) MG. Effects of nasal continuous positive airway pressure
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24. Drager LF, Bortolotto LA, Krieger EM, Lorenzi-Filho
G. Additive effects of obstructive sleep apnea and
Sobre os autores
Geraldo Lorenzi Filho
Professor Livre-Docente. Disciplina de Pneumologia, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil.
Denis Martinez
Professor Associado II. Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre (RS) Brasil.
E-mail para contato: geraldo.lorenzi@incor.usp.br (G. Lorenzi-Filho) ou sono@sono.com.br (D. Martinez)
Glaucia Carneiro, Francisco Hora Fontes, Sônia Maria Guimarães Pereira Togeiro
Resumo
A associação entre SAOS e a síndrome metabólica é reconhecida, sendo denominada síndrome Z. Os critérios para
a síndrome metabólica incluem pelo menos três dos seguintes fatores: obesidade central (circunferência da cintura
≥ 102 cm em homens e ≥ 88 cm em mulheres); triglicérides ≥ 150 mg/dL; HDL colesterol < 40 mg/dL em homens e
< 50 mg/dL em mulheres; pressão arterial ≥ 130/85 mmHg; e glicemia de jejum ≥ 100 mg/dL. A obesidade central
esta associada a SAOS e síndrome metabólica, havendo evidências de que a apneia do sono seja um fator de risco
independente da obesidade, intolerância à glicose e resistência insulínica. Embora a obesidade central seja um fator
de risco para ambas as condições, há evidências de que a apneia do sono seja um fator de risco independente para a
intolerância à glicose e a resistência à insulina. Os mecanismos implicados decorrem da ativação do sistema nervoso
simpático e do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal; da ativação de fatores pró-inflamatórios, como IL-6 e TNF-α;
e da diminuição dos níveis de adiponectina mediados principalmente pela hipoxemia intermitente relacionada
às apneias. Apesar dessas evidências, os resultados dos estudos são controversos em relação aos benefícios do
tratamento da apneia do sono com CPAP nas alterações metabólicas. Adicionalmente, os poucos estudos que
abordaram a apneia do sono obstrutiva como um fator de risco para as dislipidemias apresentaram resultados
discordantes. Estudos controlados, populacionais e longitudinais são necessários para esclarecer a interação entre
a apneia do sono e as consequências metabólicas no sentido de se tratar adequadamente esses indivíduos.
Descritores: Apneia do sono tipo obstrutiva; Síndrome X metabólica; Intolerância a glucose; Resistência à
insulina.
Abstract
There is a recognized association between obstructive sleep apnea syndrome and metabolic syndrome, designated
syndrome Z. The criteria for metabolic syndrome include at least three of the following factors: central obesity (waist
circumference ≥ 102 cm for males and ≥ 88 cm for females); triglycerides ≥ 150 mg/dL; HDL cholesterol < 40 mg/dL
for males and < 50 mg/dL for females; arterial blood pressure ≥ 130/85 mmHg; and fasting glucose ≥ 100 mg/dL.
Central obesity is associated with OSAS and metabolic syndrome, and there is evidence that obstructive sleep apnea
is an independent risk factor for obesity, glucose intolerance and insulin resistance. The implied mechanisms result
from the activation of the sympathetic nervous system and of the hypothalamus-hypophysis-adrenal axis; activation
of pro-inflammatory markers, such as IL-6 and TNF-α; and the reduction in adiponectin levels, principally triggered
by intermittent hypoxemia related to apnea. Despite such evidence, the results are controversial regarding the benefits
of treating sleep apnea with CPAP in the presence of these metabolic alterations. In addition, the few studies that
have addressed sleep apnea as a risk factor for dyslipidemia have presented conflicting results. Population-based,
longitudinal controlled studies are necessary in order to elucidate the interaction between sleep apnea and metabolic
consequences so that these individuals are properly treated.
Keywords: Sleep apnea, obstructive; Metabolic syndrome X; Glucose intolerance; Insulin resistance.
Introdução
Evidências surgem cada vez mais na resistência à insulina e com um alto risco para
literatura quanto as consequências adversas doenças cardiovasculares.(4,5) De acordo com
causadas por SAOS, particularmente no sistema o Third Report of the National Cholesterol
cardiovascular, como já discutido previamente. Education Program,(6) indivíduos que preenchem
As disfunções metabólicas também são descritas três ou mais dos critérios abaixo podem ser
nesses indivíduos, e a associação com síndrome classificados como portadores dessa síndrome:
metabólica é reconhecida em vários estudos há 1) Obesidade central: circunferência da cintura
≥ 102 cm em homens e ≥ 88 cm em mulheres
pelo 20 anos,(1,2) sendo que, no final da década
2) Hipertrigliceridemia: triglicérides ≥ 150 mg/dL
de 90, foi denominada por Wilcox et al. de 3) HDL colesterol < 40 mg/dL em homens e
síndrome Z.(3) < 50 mg/dL em mulheres
A síndrome metabólica é caracterizada 4) Hipertensão arterial sistêmica: pressão arterial
como um conjunto de anormalidades ≥ 130/85 mmHg
cardiometabólicas associadas entre si pela 5) Glicemia de jejum ≥ 100 mg/dL
Dislipidemias Referências
Poucos estudos abordaram a relação entre 1. Lam JC, Lam B, Lam CL, Fong D, Wang JK, Tse HF, et al.
SAOS e os distúrbios do metabolismo dos lípides, Obstructive sleep apnea and the metabolic syndrome in
community-based Chinese adults in Hong Kong. Respir
e os resultados ainda são controversos. Med. 2006;100(6):980-7.
O estudo epidemiológico Sleep Heart Health 2. Vgontzas AN, Bixler EO, Chrousos GP. Sleep apnea is
Study(13) incluiu 6.440 homens e mulheres acima a manifestation of the metabolic syndrome. Sleep Med
Rev. 2005;9(3):211-24.
de 40 anos e mostrou uma relação inversa 3. Wilcox I, McNamara SG, Collins FL, Grunstein RR,
entre IAH e os níveis de HDL colesterol, assim Sullivan CE. “Syndrome Z”: the interaction of sleep
como uma relação direta entre IAH e níveis apnoea, vascular risk factors and heart disease. Thorax.
1998;53 Suppl 3:S25-8.
de triglicérides nos homens e mulheres mais 4. Reaven GM. Banting lecture 1988. Role of insulin resistance
jovens, após ajuste para os fatores de confusão. in human disease. Diabetes. 1988;37(12):1595‑607.
Entretanto, essa relação não foi encontrada nos 5. Reaven G. Metabolic syndrome: pathophysiology and
implications for management of cardiovascular disease.
indivíduos acima de 65 anos. Por outro lado, um Circulation. 2002;106(3):286-8.
grupo de autores estudou 255 indivíduos adultos 6. Expert Panel on Detection, Evaluation, and Treatment of
de uma comunidade chinesa em Hong Kong, de High Blood Cholesterol in Adults. Executive Summary of
The Third Report of The National Cholesterol Education
ambos os sexos e com idades entre 30 e 60 anos. Program (NCEP) Expert Panel on Detection, Evaluation,
Não foi identificada uma associação entre SAOS And Treatment of High Blood Cholesterol In Adults (Adult
e os níveis de HDL ou de triglicérides após o Treatment Panel III). JAMA. 2001;285(19):2486‑97.
7. Kono M, Tatsumi K, Saibara T, Nakamura A, Tanabe N,
controle das variáveis de confusão.(14) Entretanto,
Takiguchi Y, et al. Obstructive sleep apnea syndrome
esse mesmo grupo mostrou em outro estudo is associated with some components of metabolic
que, apesar dos pacientes com apneia do sono syndrome. Chest. 2007;131(5):1387-92.
8. Park YW, Zhu S, Palaniappan L, Heshka S, Carnethon
apresentarem a mesma concentração de lipídeos
MR, Heymsfield SB. The metabolic syndrome:
circulantes em comparação a indivíduos controle, prevalence and associated risk factor findings in the
as propriedades antiaterogênicas do HDL em US population from the Third National Health and
Nutrition Examination Survey, 1988-1994. Arch Intern
inibir a oxidação do LDL nos pacientes com
Med. 2003;163(4):427‑36.
SAOS estava diminuída e, consequentemente, 9. Ip MS, Lam B, Ng MM, Lam WK, Tsang KW, Lam KS.
as partículas de LDL oxidada, que são mais Obstructive sleep apnea is independently associated
aterogênicas, estavam elevadas.(15) Portanto, with insulin resistance. Am J Respir Crit Care Med.
2002;165(5):670-6.
a apneia do sono pode influenciar os níveis 10. Punjabi NM, Shahar E, Redline S, Gottlieb DJ, Givelber
circulantes de lipídeos ou apenas modular a R, Resnick HE, et al. Sleep-disordered breathing, glucose
função dos lipídeos circulantes, aumentando o intolerance, and insulin resistance: the Sleep Heart
Health Study. Am J Epidemiol. 2004;160(6):521-30.
risco de doença cardiovascular nos indivíduos 11. Ip M, Mokhlesi B. Sleep and Glucose Intolerance/
com SAOS. Diabetes Mellitus. Sleep Med Clin. 2007;2(1):19-29.
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morbidity. Circulation. 1997;96(11):4104-13. Med. 2006;100(6):980-7.
13. Newman AB, Nieto FJ, Guidry U, Lind BK, Redline S, 15. Tan KC, Chow WS, Lam JC, Lam B, Wong WK, Tam
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to cardiovascular disease risk factors: the Sleep Heart Atherosclerosis. 2006;184(2):377-82.
Health Study. Am J Epidemiol. 2001;154(1):50-9.
Sobre os autores
Glaucia Carneiro
Assistente de Ensino. Centro Integrado de Hipertensão e Metabologia Cardiovascular, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo
(SP) Brasil.
Resumo
Tanto SHO como as doenças neuromusculares estão relacionadas à hipoventilação durante o sono. Define-se
SHO como a combinação de obesidade, hipercapnia e hipoxemia crônica durante a vigília que se agrava durante
o sono. Em 90% dos casos, SHO está associada à apneia obstrutiva do sono. O diagnóstico baseia-se na presença
de hipoventilação diurna e hipertensão pulmonar que não são justificadas por alterações da função pulmonar.
A mortalidade dos pacientes com SHO é maior que aquela de pacientes sem hipoventilação e controlados para
obesidade. As doenças neuromusculares são representadas principalmente pelas distrofias musculares. A progressão
para insuficiência respiratória crônica surge como consequência da fraqueza dos músculos respiratórios e da
limpeza inadequada das vias aéreas, causando atelectasias e pneumonias. Quando há uma redução maior que
50% da forca muscular respiratória, ocorre uma diminuição na CV. A medida do pico de fluxo da tosse < 160 L/
min está associada à limpeza inadequada das vias aéreas, e, com valores em torno de 270 L/min, há indicação
de uso de técnicas de tosse assistida. A apneia obstrutiva do sono geralmente agrava a hipoventilação durante
o sono. O suporte pressórico não invasivo durante a noite pode aumentar a sobrevida, melhorar os sintomas e
a hipoventilação diurna. Além disso, no caso de doenças neuromusculares, pode diminuir o declínio da função
pulmonar. A oxigenoterapia pode ser necessária nos casos de SHO.
Descritores: Síndrome de hipoventilação por obesidade; Doenças neuromusculares; Distrofias musculares;
Hipoventilação; Hipercapnia; Apneia do sono tipo obstrutiva.
Abstract
Sleep hypoventilation is seen in patients with neuromuscular disease, as well as in those with obesity hypoventilation
syndrome (OHS), which is defined as the combination of obesity, chronic hypercapnia, and hypoxemia during
wakefulness that is aggravated during sleep. In 90% of cases, OHS is accompanied by obstructive sleep apnea. The
diagnosis of OHS is based on hypoventilation and pulmonary hypertension that cannot be explained by alterations
in pulmonary function. The mortality of patients with OHS is greater than is that of obese patients without
hypoventilation. The principal neuromuscular diseases associated with OHS are the muscular dystrophies. The
progression to chronic respiratory failure results from respiratory muscle weakness and impaired airway secretion
clearance, causing atelectasis and pneumonia. With a decrease of greater than 50% in respiratory muscle strength,
there is a reduction in VC. Cough peak flow < 160 L/min is associated with impaired airway secretion clearance, and
values near 270 L/min indicate the need for assisted cough techniques. Obstructive sleep apnea usually worsens
sleep hypoventilation. Noninvasive ventilation during sleep can improve survival, symptoms, and hypoventilation
during wakefulness, as well as being able to improve pulmonary function in patients with neuromuscular disease.
Patients with OHS can require oxygen therapy.
Keywords: Obesity hypoventilation syndrome; Neuromuscular diseases; Muscular dystrophies; Hypoventilation;
Hypercapnia; Sleep apnea, obstructive.
Introdução SHO
A obesidade e as doenças neuromusculares No passado, a SHO era conhecida como
fazem parte das doenças em que ocorre síndrome de Pickwick.(1)
hipoventilação relacionada ao sono. No obeso, Sua prevalência na população geral é incerta,
pode ocorrer desde uma redução discreta mas ocorre entre 10-20% dos portadores de
da ventilação minuto durante o sono REM apneia obstrutiva do sono, sendo maior em
até uma acentuada hipoventilação durante obesos mórbidos.(2,3)
a vigília e sono, como em SHO (Figura 1).
Definição e diagnóstico
Entretanto, faltam dados avaliando o beneficio
da oxigenoterapia ou de PAP no tratamento A SHO é definida como a combinação de
da obesidade. A seguir, abordaremos SHO e as obesidade (IMC> 30 kg/m2) e hipercapnia crônica
doenças neuromusculares. durante a vigília acompanhada de distúrbios
Figura 1 - Sumário gráfico de polissonografia de um paciente com SHO. Canais do registro, de cima para
baixo: SaO2, periodic limb movements (PLM, movimentos periódicos de membros inferiores); apneias (APN),
hipopneias (HYP); estágios do sono [0, movement time (MT), REM, 1, 2, 3, 4]; posição corporal (BACK, RIGHT,
LEFT, PRONE) ; e roncos (MAX, MIN).
de 40% ou mais no valor de CVF em decúbito Suporte pressórico não invasivo durante
supino é indicativa de comprometimento a noite
diafragmático, fato que prejudica a ventilação
durante o sono. No entanto, qualquer queda A utilização de aparelho de BiPAP ou
de 20% ou mais deve alertar o clínico para a de ventilador mecânico convencional, com
necessidade de uma avaliação respiratória máscara nasal ou oronasal, é eficaz na reversão
durante o sono.(9) dos distúrbios ventilatórios do sono em várias
A medida do pico de fluxo da tosse é feita doenças neuromusculares.(13) O nível pressórico
utilizando-se um peak flow meter. Valores capaz de reverter a hipoventilação durante o
abaixo de 160 L/min estão associados à limpeza sono deve ser determinado no laboratório do
inadequada da árvore traqueobrônquica.(10) No sono ou por meio de monitorização à beira do
entanto, valores em torno de 270 L/min são leito.
utilizados para a indicação do uso de técnicas O suporte pressórico não invasivo durante a
de tosse assistida, considerando-se que a força noite pode aumentar a sobrevida e melhorar os
muscular respiratória se reduz drasticamente na sintomas e a hipoventilação diurna, assim como
vigência de infecções.(11) diminuir o declínio da função pulmonar.(14,15)
Valores de PEmáx > 60 cmH2O estão As complicações da ventilação não invasiva
associados a fluxos aéreos adequados durante a incluem conjuntivites, úlceras na pele, obstrução
tosse, enquanto que medidas < 45 cmH2O estão nasal e distensão gástrica, que são resolvidas
relacionadas a tosse ineficaz.(12) com relativa facilidade na abordagem clínica. As
Deve-se também determinar os valores de máquinas de BiPAP devem obrigatoriamente ter
CO2 no sangue, e avaliações por capnografia FR controlada, caso o paciente pare de respirar
são ideais. O seguimento de rotina de pacientes (ventilação de back-up). Não se deve utilizar
com doenças neuromusculares não inclui oxigênio sem um suporte ventilatório devido ao
gasometrias arteriais. Quando a capnografia não agravamento da hipoventilação.
for disponível, deve-se lançar mão de sangue
venoso ou de amostra de sangue capilar obtida
Considerações finais
por punção. Tanto em SHO como nas doenças
A radiografia de tórax anual ajuda na neuromusculares, há piora da hipoventilação
detecção de lesões parenquimatosas, e os níveis durante o sono, concorrendo para o surgimento
de hematócrito podem auxiliar na avaliação de complicações clinicas e mortalidade.
da gravidade da hipoxemia e da eficiência da O tratamento com ventilação não invasiva
terapêutica. durante a noite é capaz de melhorar a
A avaliação nutricional pode auxiliar no hipoventilação diurna e noturna, bem como os
controle tanto da obesidade relacionada ao sintomas, aumentando a sobrevida.
baixo gasto calórico como da perda de massa
muscular causada por doenças neuromusculares Referências
e sedentarismo.
1. Bickelmann AG, Burwell CS, Robin ED, Whaley RD.
A deglutição deve ser avaliada, e a Extreme obesity associated with alveolar hypoventilation;
videofluoroscopia é indicada se houver a Pickwickian syndrome. Am J Med. 1956;21(5):811-8.
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durante o sono, que também decorre da presença 3. Mokhlesi B, Tulaimat A, Faibussowitsch I, Wang Y, Evans
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sintomas sutis até a presença de despertares predictors in patients with obstructive sleep apnea.
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noturnos, fadiga, sonolência e cefaleia matinal.
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No entanto, não está bem estabelecido quando recommendations for syndrome definition and
a polissonografia deve ser indicada. Está claro measurement techniques in clinical research. The Report
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Sobre os autores
Sonia Maria Guimarães Pereira Togeiro
Médica Pneumologista. Instituto do Sono, Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil.
Resumo
As doenças pulmonares crônicas podem ser agravadas por inúmeros fatores e comorbidades, inclusive pelos
distúrbios respiratórios do sono. Embora alterações na qualidade de vida de pacientes com doenças pulmonares
crônicas sejam normalmente determinadas a partir de variáveis diurnas, as alterações fisiopatológicas no sono
pioram a qualidade de sono e interferem na história natural dessas doenças. Alterações da arquitetura do sono
parecem ser um mecanismo comum entre essas doenças. Durante o sono, as vias respiratórias inferiores estão
mais interligadas às vias respiratórias superiores, quando as alterações de resistências das vias aéreas superiores
durante o sono somam-se às graves alterações resistivas de vias aéreas inferiores devido a asma e DPOC. Além
disso, surgem complexas interações mecânicas e ventilatórias. O reconhecimento dessas interações possibilita uma
melhor avaliação das exacerbações e da evolução dessas doenças.
Descritores: Sono; Asma; Doença pulmonar obstrutiva crônica; Doenças pulmonares intersticiais.
Abstract
Chronic lung diseases can be aggravated by various factors and comorbidities, including sleep-disordered breathing.
Although changes in the quality of life of patients with chronic lung disease are usually related to daytime variables,
the physiological changes in sleep impair the quality of sleep and interfere with the natural history of the disease.
Alterations in sleep architecture appear to be a common mechanism in these diseases. During sleep, the upper and
lower airways are more interconnected: changes in upper airway resistance during sleep are added to the severe
resistive alterations in the lower airways due to asthma and COPD. In addition, there are complex mechanical and
ventilatory interactions. The recognition of these interactions allows better assessment of the exacerbations and
the progression of chronic lung diseases.
Keywords: Sleep; Asthma; Pulmonary disease, chronic obstructive; Lung diseases; interstitial.
Introdução
A fisiologia respiratória durante o sono é DPOC, podem ocorrer acentuada hipoxemia e
consideravelmente diferente quando comparada hipercapnia.(2)
à vigília. Em indivíduos saudáveis, a passagem da Este capítulo pretende descrever as alterações
vigília ao sono está associada à queda de 5-10% fisiopatológicas que ocorrem durante o sono nas
da ventilação minuto, com queda adicional de até principais doenças pulmonares: pneumopatias
40% durante o sono REM. Vários são os fatores intersticiais difusas, asma e DPOC.
responsáveis pela queda da ventilação durante o
sono em indivíduos saudáveis: redução da taxa Pneumopatias intersticiais difusas
metabólica basal, aumento da resistência da
via aérea superior, perda do estímulo da vigília As doenças pulmonares intersticiais formam
para respirar e fatores relacionados ao sono um grupo heterogêneo com mais de 150
REM: diminuição do estímulo central muscular distúrbios em graus variados de inflamação e
respiratório e hipotonia da musculatura acessória fibrose do parênquima e interstício pulmonar. A
e intercostal da respiração.(1) relação mútua entre o sono e essas doenças foi
Essas alterações fisiológicas que ocorrem poucas vezes estudada. Existem evidências de
normalmente durante o sono não promovem baixa qualidade de sono que se associam à baixa
efeitos deletérios em indivíduos saudáveis. qualidade de vida nesses pacientes. A fadiga é
Entretanto, em portadores de doenças uma queixa frequente. Existe unanimidade pela
pulmonares, especialmente em portadores de alteração da arquitetura do sono, com redução
que o uso de CPAP pode reduzir as exacerbações, quando as duas condições clínicas estão presentes
melhorar a qualidade de vida e controlar/ num mesmo paciente. Essa síndrome resulta
reduzir o número de casos de asma de difícil em acentuada hipoxemia relacionada ao sono
controle, o que foi bem demonstrado em vários com maior tendência a hipercapnia, hipertensão
estudos.(12) O uso bem indicado e criterioso de pulmonar e cor pulmonale, conferindo a esses
CPAP nesses casos mostra evidências de vários pacientes um pior prognóstico.(16)
efeitos benéficos interagindo no binômio Diversos estudos situaram a prevalência
asma-SAOS, como os efeitos positivos sobre a da associação entre DPOC e SAOS entre
inflamação brônquica e sistêmica, a diminuição 9,5-28%.(14,16,17) Em um recente estudo
da hiper-reatividade brônquica, a melhora na multicêntrico de base populacional, foram
arquitetura do sono, a redução do peso corpóreo, investigadas 5.954 pessoas através de
a supressão da produção de lecitina pelo tecido espirometria e polissonografia.(18) Os principais
adiposo, a melhora na função cardíaca e a achados foram os seguintes: (i) a prevalência de
redução importante do refluxo gastroesofágico.
DPOC foi de 19% e, entre esses, apenas 3,8%
Asma brônquica e SAOS são dois problemas
apresentavam uma relação VEF1/CVF < 60%; (ii)
crescentes de saúde pública, com interações cada
entre os portadores de DPOC, a prevalência de
vez mais reconhecidas e com potencial para uma
SAOS com IAH > 10 eventos/h e > 15 eventos/h
intervenção preventiva e de tratamento.
foi de 22% e 14%, respectivamente; e (iii) entre os
DPOC não portadores de DPOC, a prevalência de SAOS
com IAH > 10 eventos/h e > 15 eventos/h foi de
Os portadores de DPOC tornam-se mais 29% e 19%, respectivamente. Esses resultados
hipoxêmicos durante o sono do que durante a não podem ser extrapolados para populações
vigília e o exercício.(13) Os principais mecanismos com moderada a acentuada limitação do fluxo
fisiopatológicos responsáveis pela hipoxemia aéreo.
noturna são hipoventilação, alteração da As variáveis clínicas de correlação positiva
ventilação/perfusão e SAOS.(2,13) para SAOS no portador de DPOC são as seguintes:
Muitos portadores de DPOC apresentam uma ronco alto e frequente, grande circunferência do
qualidade do sono reduzida, caracterizada por pescoço e padrão clínico-funcional definido como
menor eficiência do sono, maior latência para “polo bronquite”. Vários estudos demonstraram
o início do sono e fragmentação da arquitetura que os achados da prova de função pulmonar
do sono, independentemente da gravidade da não se correlacionam com SAOS.(14,18)
limitação do fluxo aéreo, mas dependente da Portanto, as recomendações da literatura(19)
presença de SAOS.(14) A causa é provavelmente
para a indicação de polissonografia nos
multifatorial e inclui tosse noturna, dispneia, uso
portadores de DPOC são: (i) sintomas sugestivos
de medicações, como a teofilina, e hipoxemia
de SAOS (ronco alto, apneia presenciada
recorrente.
por familiar e sonolência excessiva diurna);
Diversas revisões(2,13) consideram que a
(ii) complicações da hipoxemia (por exemplo,
hipoventilação é a principal causa de hipoxemia
policitemia e hipertensão pulmonar) na presença
noturna no portador de DPOC. A hipoventilação
é maior durante a fase do sono REM, uma vez de PaO2 > 60 mmHg; e (iii) hipertensão pulmonar
que ocorre acentuada hipotonia da musculatura desproporcional ao grau de limitação do fluxo
acessória e intercostal da respiração, resultando aéreo.
em uma diminuição da contribuição da Para os portadores de overlap syndrome,
caixa torácica para a ventilação. Como a está indicado o uso de CPAP ou BiPAP durante
hiperinsuflação pulmonar na DPOC promove o sono na presença de hipoventilação associada
a retificação das cúpulas diafragmáticas e, e consequente hipercapnia. Em um estudo
portanto, uma contração diafragmática ineficaz, recente,(20) o aumento da sobrevida de portadores
ocorre profunda hipoventilação com hipoxemia. de overlap syndrome com hipoxemia diurna, em
Tanto SAOS como DPOC são condições programa de oxigenoterapia e tratados com CPAP
clínicas comuns e, portanto, é de se esperar que foi documentado. A sobrevida em cinco anos foi
a associação entre as duas patologias não seja estimada em 71% e 26% nos grupos tratado e
rara. Foi cunhado o termo overlap syndrome(15) não tratado com CPAP, respectivamente.
Considerações finais 10. Araujo AC, Ferraz E, Borges Mde C, Filho JT, Vianna
EO. Investigation of factors associated with difficult-to-
control asthma. J Bras Pneumol. 2007;33(5):495-501.
As doenças pulmonares crônicas podem ter
11. Teodorescu M, Consens FB, Bria WF, Coffey MJ, McMorris
suas manifestações pulmonares e sistêmicas MS, Weatherwax KJ, et al. Predictors of habitual snoring
agravadas por distúrbios respiratórios do sono, and obstructive sleep apnea risk in patients with asthma.
em especial, as dessaturações isoladas e SAOS. Chest. 2009;135(5):1125-32.
12. Alkhalil M, Schulman ES, Getsy J. Obstructive sleep
O diagnóstico e o tratamento desses distúrbios
apnea syndrome and asthma: the role of continuous
podem interferir favoravelmente na evolução positive airway pressure treatment. Ann Allergy Asthma
clínica das doenças pulmonares crônicas. Immunol. 2008;101(4):350-7.
13. Mulloy E, McNicholas WT. Ventilation and gas exchange
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Sobre os autores
Marília Montenegro Cabral
Professora Adjunta. Universidade Estadual de Pernambuco; e Médica Pneumologista, Pronto Socorro Cardiológico de Pernambuco –
PROCAPE – Recife (PE) Brasil.
Resumo
Em crianças, SAOS é caracterizada por episódios recorrentes de obstrução parcial ou completa das vias aéreas
superiores durante o sono. Caracteriza-se por um continuum que vai desde o ronco primário (uma situação
benigna de ronco sem alterações fisiológicas e complicações associadas), passando por resistência aumentada
das vias aéreas, hipoventilação obstrutiva e, finalmente, SAOS. A prevalência de ronco é elevada e, dependendo
da forma como ele é definido, varia entre 1,5% e 15%. O diagnóstico da SAOS, combinando questionários de
relatos dos pais e exames complementares, apresenta uma prevalência de 1-4%. A SAOS é mais frequente nos
meninos, nas crianças com sobrepeso, de ascendência africana, com história de atopia e prematuridade. Ronco alto
e frequente, apneias observadas pelos familiares e sono agitado são os sintomas mais frequentes. O exame físico
deve identificar a situação ponderostatural do paciente, avaliar evidências de obstrução crônica das vias aéreas
superiores e ainda verificar a presença de alterações craniofaciais. A polissonografia de noite inteira é o exame
padrão tanto para o diagnóstico, como para a definição da pressão necessária em equipamentos de pressão positiva
e também para a avaliação do tratamento cirúrgico. A hipóxia intermitente e os múltiplos despertares resultantes
dos eventos obstrutivos contribuem para as consequências cardiovasculares, neurocognitivas e comportamentais
bem descritos nesses pacientes. A adenoamigdalectomia é o principal tratamento para a SAOS em crianças. O uso
da pressão positiva nas vias aéreas (CPAP ou Bilevel) é outra opção de uso crescente na população pediátrica.
Descritores: Síndromes da apneia do sono; Pressão positiva contínua nas vias aéreas; Tonsilectomia; Ronco.
Abstract
Childhood obstructive sleep apnea syndrome (OSAS) is characterized by recurrent episodes of partial or complete
upper airway obstruction during sleep. The disease encompasses a continuum from primary snoring (a benign
condition without physiological alterations or associated complications) to increased upper airway resistance,
obstructive hypoventilation and OSAS. The prevalence of snoring is high, ranging from 1.5% to 15%, depending
on how it is defined. Based on parent-reported questionnaires and complementary tests, the prevalence of OSAS
is 1-4%. This syndrome is more common in boys, overweight children, of African ancestry, with a history of atopy
and prematurity. The most common symptoms are snoring that is frequent and loud; family-reported apnea; and
restless sleep. The physical examination should assess growth status, signs of chronic upper airway obstruction,
and craniofacial malformations. Overnight polysomnography is the gold standard test for the diagnosis and for
the determination of the appropriate positive pressure level, as well as for postsurgical treatment evaluation.
Intermittent hypoxia and multiple arousals resulting from obstructive events contribute to the well-described
cardiovascular, neurocognitive, and behavioral consequences in pediatric patients with OSAS. Although the main
treatment for OSAS in children is adenotonsillectomy, treatment with CPAP or Bilevel is becoming more widely
used in the pediatric population.
Keywords: Sleep apnea syndromes; Continuous positive airway pressure; Tonsillectomy; Snoring.
Definição
Em crianças, SAOS é um distúrbio da ronco sem alterações fisiológicas e complicações
respiração que ocorre durante o sono e é associadas — passando por resistência aumentada
caracterizado por prolongados períodos de das vias aéreas superiores — um subtipo ou uma
obstrução parcial das vias aéreas e/ou por variação de SAOS, caracterizado por períodos
episódios intermitentes de obstrução completa de aumento da resistência das vias aéreas e de
das vias aéreas superiores, o que interfere na aumento do esforço respiratório durante o sono,
ventilação e nos padrões normais de sono. Ela que são associados com roncos, fragmentação
difere em relação ao quadro visto em adultos do sono, sonolência diurna excessiva e redução
no que diz respeito a sua fisiopatologia, quadro do desempenho neurocognitivo — hipoventilação
clínico, diagnóstico e tratamento.(1) obstrutiva — na qual os achados prévios se
Em crianças, SAOS caracteriza-se por um associam com hipercapnia — até, finalmente,
continuum que vai desde o ronco primário — SAOS propriamente dita, que foi previamente
entendido como uma situação benigna de definida (Quadro 1).(2,3)
crescimento abaixo do previsto para a idade); Quadro 3 - Principais sinais e sintomas relacionados
avaliar evidências de obstrução crônica das vias a SAOS.
aéreas superiores (estigmas do respirador bucal), Noturnos Diurnos
hipertrofia de tonsilas palatinas (tanto nos Ronco habitual Hiperatividade
diâmetros laterolateral como anteroposterior); (>4 noites/semana)
formato craniofacial (face longa e ovalada, mento Paradas respiratórias Falta de atenção
estreito e curto, retroposição da mandíbula, observadas
palato alto e arqueado, palato mole alongado); Desconforto respiratório Agressividade
e incluir uma avaliação cardiológica buscando Agitação Sonolência excessiva
sinais sugestivos de sobrecarga direita e ainda Sudorese profusa Problemas de aprendizado
Cianose/palidez Respiração oral
de hipertensão arterial sistêmica. Deformidades
torácicas do tipo pectus excavatum ou ainda
assimetria torácica sugerem aumento do esforço
respiratório de longa duração.
polissonografia, outros métodos simplificados
de diagnóstico, como gravação em vídeo e
Exames complementares
oximetria noturna, foram avaliados. Entretanto,
A polissonografia realizada em laboratório esses apresentam baixa especificidade e não
do sono é o exame padrão tanto para o excluem a necessidade da polissonografia.(12)
estabelecimento do diagnóstico como para Estudos de polissonografia diurna (sonecas)
o controle do tratamento, quando indicado. em crianças > 1 ano mostraram valor preditivo
O exame constitui-se em uma monitorização positivo de 77-100% e valor preditivo negativo
de 17-49%, ou seja, as polissonografias diurnas
não invasiva de diversos parâmetros e deve ser
subestimam a presença e a gravidade de SAOS.
realizado durante o sono espontâneo e noturno.
Atualmente, recomenda-se a polissonografia
O diagnóstico polissonográfico de SAOS é
diurna (com aproximadamente 3 h de duração)
feito quando o índice de apneia obstrutiva for apenas para lactentes.
> 1 evento/h de sono, associado a dessaturação Para a identificação de condições
da oxi-hemoglobina (< 92%). Outro parâmetro predisponentes, recomenda-se a realização de
que é utilizado para o diagnóstico em radiografia de cavum, nasofibrolaringoscopia ou
polissonografia pediátrica é a capnografia, com fluoroscopia das vias aéreas superiores, quando
valores de pico de CO2 exalado > 53 mmHg, indicado, e ressonância magnética cerebral ou
que são considerados alterados.(8) Recentemente, TC na suspeita de malformações ou massas no
a Academia Americana de Medicina do Sono, sistema nervoso central.
em sua publicação sobre escore do sono e dos A realização de ecocardiografia com ênfase
eventos associados, recomendou a utilização para as cavidades direitas e a identificação de
do percentual de tempo com CO2 > 50 mmHg sinais sugestivos de elevação da pressão em
(aferido por capnografia ou PaCO2 transcutâneo) artéria pulmonar são recomendadas.
superior a 25% do tempo total de sono como
critério para hipoventilação.(9)
Quadro 4 - Opções de tratamento para SAOS na
Apesar das dificuldades quanto à classificação
criança.
de gravidade em crianças, sobretudo pela falta
de uniformização nos estudos destinados à Manejo clínico
definição de parâmetros, valores de referência Tratamento de rinite alérgica
podem ser utilizados. Recomenda-se a consulta Pressão continua positiva na via aérea
ao manual da Academia Americana de Medicina (não invasiva) - CPAP ou Bilevel
do Sono.(10) Redução de peso para os pacientes obesos
O critério utilizado para adultos (IAH > Tratamentos com ortodontia e ortopedia facial
Tratamento cirúrgico
5 eventos/h) pode ser utilizado em adolescentes
Adenoamigdalectomia
a partir dos 13 anos.(11)
Cirurgias ortognáticas
Os estudos domiciliares com equipamentos
(nas crianças com malformações craniofaciais)
portáteis têm sido utilizados ocasionalmente
Traqueostomia em casos individualizados
em crianças. Devido ao custo elevado da
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Sobre os autores
Simone Chaves Fagondes
Médica Pneumologista Pediátrica. Laboratório do Sono, Serviço de Pneumologia, Hospital de Clinicas de Porto Alegre, Faculdade de
Medicina, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre (RS) Brasil.
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