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A Parábola, de Saint Simon

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A parábola de St.

Simon
(trad. de João Freire, 2019)

«Suponhamos que, subitamente, a França perde os seus cinquenta primeiros físicos, os seus
cinquenta primeiros químicos, os seus cinquenta primeiros fisiologistas, os seus cinquenta
primeiros matemáticos, os seus cinquenta primeiros poetas, os seus cinquenta primeiros pintores,
os seus cinquenta primeiros escultores, os seus cinquenta primeiros músicos, os seus cinquenta
primeiros literatos;

- os seus cinquenta primeiros mecânicos, os seus cinquenta primeiros engenheiros civis e militares,
os seus cinquenta primeiros artilheiros, os seus cinquenta primeiros arquitectos, os seus cinquenta
primeiros médicos, os seus cinquenta primeiros cirurgiões, os seus cinquenta primeiros
farmacêuticos, os seus cinquenta primeiros marinheiros, os seus cinquenta primeiros relojoeiros;

- os seus cinquenta primeiros banqueiros, os seus duzentos primeiros negociantes, os seus primeiros
seiscentos agricultores, os seus cinquenta primeiros mestres-de-forjas, os seus cinquenta primeiros
fabricantes de armas, os seus cinquenta primeiros tintureiros, os seus cinquenta primeiros mineiros,
os seus cinquenta primeiros tecelões de lã, os seus cinquenta primeiros tecelões de algodão, os seus
cinquenta primeiros fabricantes de sedas, os seus cinquenta primeiros fabricantes de telas, os seus
cinquenta primeiros fabricantes de quinquilharia, os seus cinquenta primeiros fabricantes de
faiança e porcelanas, os seus cinquenta primeiros fabricantes de vidros e cristais, os seus cinquenta
primeiros armadores marítimos, os seus cinquenta primeiros transportadores rodoviários, os seus
cinquenta primeiros impressores, os seus cinquenta primeiros gravadores, os seus cinquenta
primeiros cinzeladores e outros trabalhadores em metais;

- os seus cinquenta primeiros pedreiros, os seus cinquenta primeiros carpinteiros, os seus cinquenta
primeiros marceneiros, os seus cinquenta primeiros ferradores, os seus cinquenta primeiros
serralheiros, os seus cinquenta primeiros cuteleiros, os seus cinquenta primeiros fundidores
metalúrgicos, e as cem outras pessoas não designadas que fossem as mais capazes nas ciências, nas
belas-artes, nas artes-e-ofícios, perfazendo no total os três mil primeiros sábios e artesãos de França.

Como estes homens são os franceses mais essencialmente produtores, aqueles que geram os
produtos mais importantes, os que dirigem os trabalhos mais úteis à nação, e a tornam produtiva
nas ciências, nas belas-artes e nas artes-e-ofícios – eles são, de todos os franceses, os mais úteis ao
seu país, os que lhe proporcionam maior glória, que antecipam a sua civilização e a sua
prosperidade: a nação tornar-se-ia um corpo sem alma no mesmo instante em que ela os perdesse;
ela cairia imediatamente num estado de inferioridade face às nações que a rivalizam, e manter-se-
ia a elas subalternizada enquanto não pudesse reparar um tal perda, nem que fosse apenas por um
tudo-nada. A França precisaria, pelo menos, de uma geração para superar essa desgraça – pois os
homens que se distinguem nos trabalhos duma actividade positiva constituem verdadeiras
anomalias, e a natureza não é pródiga em anomalias, sobretudo desta espécie.

Passemos agora a uma outra suposição. Admitamos que a França conserva todos os homens de génio
que possui nas ciências, nas artes e nas artes-e-ofícios, mas que ela tem a infelicidade de perder, no
mesmo dia, o senhor irmão do rei, o senhor duque de Angoulême, o senhor duque de Berry, o senhor
duque de Orléans, o senhor duque de Bourbon, a senhora duquesa de Angoulême, a senhora
duquesa de Berry, a senhora duquesa de Orléans e a senhorinha de Condé;

- que ela perde na mesma ocasião todos os grandes oficiais da Coroa, todos os ministros de Estado,
com ou sem departamento, todos os conselheiros de Estado, todos os procuradores, todos os seus
marechais, todos os seus cardeais, arcebispos, bispos, vigários e párocos, todos os prefeitos e
subprefeitos, todos os funcionários dos ministérios, todos os juízes e, além disso, os dez mil
proprietários mais ricos entre aqueles que vivem nobremente.

Este acidente afligiria certamente todos os franceses, porque eles são bons, porque eles não
acolheriam com indiferença a desaparição súbita de um tão grande número dos seus compatriotas.
Mas esta perda de trinta mil indivíduos reputados como sendo os mais importantes do Estado não
lhes causaria pena, a não ser sob um aspecto sentimental, pois daí nenhum mal político resultaria
para o Estado.

Desde logo, porque seria muito fácil preencher os lugares assim deixados vagos: existe um grande
número de franceses capazes de exercer as funções de irmão do rei, e mesmo deste Senhor; muitos
são capazes de ocupar o lugar de príncipes tão convenientemente como o duque de Angoulême,
monsenhor duque de Orléans ou monsenhor duque de Bourbon; e muitas francesas seriam tão boas
princesas como a senhora duquesa de Angoulême, a senhora duquesa de Berry, as senhoras de
Orléans, de Bourbon ou de Condé.

As antecâmaras do Palácio estão cheias de cortesãos prontos a ocupar os lugares dos grandes-oficiais
da Coroa; o exército possui um grande número de militares que são tão bons capitães como os
marechais actuais. Quantos altos representantes não se equivalem aos nossos ministros de Estado!
Quantos administradores não poderiam gerir os negócios públicos tão bem como os prefeitos e
subprefeitos presentemente em actividade! Quantos advogados não se comparam como
jurisconsultos aos nossos juízes! Quantos padres não ombreiam com os nossos cardeais, os nossos
arcebispos, os nossos bispos, os nossos vigários, os nossos párocos! Quanto aos dez mil proprietários
vivendo nobremente, os seus herdeiros não teriam necessidade de qualquer aprendizagem para
continuar a fazer as honras dos seus salões tão bem quanto eles.

A prosperidade da França só pode ter lugar por efeito e em resultado do progresso das ciências, das
belas-artes e das artes-e-ofícios: ora, os príncipes, os grandes-oficiais da Coroa, os bispos, os
marechais de França e os proprietários ociosos não trabalham directamente para o progresso das
ciências, das belas-artes e das artes-e-ofícios; longe de para isso contribuírem, eles só podem
prejudicá-lo, porque se esforçam em prolongar a preponderância até agora exercida pelas teorias
conjecturais sobre os conhecimentos positivos; necessariamente, eles prejudicam a prosperidade da
nação ao privar, como acontece, os sábios, os artistas e os artesãos do primeiro nível de consideração
que legitimamente lhes pertence; eles prejudicam-nos pelo facto de empregarem os seus meios
pecuniários de uma maneira não directamente útil às ciências, às belas-artes e às artes-e-ofícios;
eles prejudicam-nas porque se apropriam anualmente dos impostos pagos pela nação de uma soma
de trezentos ou quatrocentos milhões, a título de remunerações, de pensões, de gratificações, de
indemnizações, etc., pelo pagamento dos seus serviços, que lhe são inúteis.

Estas suposições põem em evidência o facto mais importante da política actual; colocam-no sob um
ponto de vista onde ele se desvenda em toda a sua extensão e apenas num breve relancear. Elas
provam claramente, embora de uma maneira indirecta, que a organização social se encontra pouco
aperfeiçoada; que os homens se deixam ainda explorar pela violência e pela manha; e que a espécie
humana, politicamente falando, se encontra ainda imersa na imoralidade:

- uma vez que os sábios, os artistas e os artesãos, que são os únicos homens cujos trabalhos sejam
de uma utilidade positiva e que lhe custam quase nada, são subalternizados pelos príncipes e por
outros governantes que apenas cumprem rotinas e são mais ou menos incapazes;

- dado que os que distribuem consideração e outras recompensas nacionais devem, em geral, a
preponderância de que beneficiam apenas ao acaso dos nascimentos, à lisonja, à intriga e a outras
acções pouco estimáveis;
- e sabendo-se que, todos os anos, os encarregados de administrar os negócios públicos partilham
entre si a metade do imposto, e que não chegam a usar um terço das contribuições de que não se
apropriam duma maneira que seja útil para os administrados.

Estas suposições evidenciam que a sociedade actual é verdadeiramente um mundo de pernas para o
ar:

- uma vez que a nação admitiu como princípio fundamental que os pobres devem ser generosos para
com os ricos e que, por consequência, os menos bafejados se privem diariamente do que lhes é
necessário para aumentar o supérfluo dos grandes proprietários;

- dado que os maiores culpados, os grandes ladrões, que pressionam a generalidade dos cidadãos e
lhes retiram trezentos a quatrocentos milhões por ano, se encarregam de fazer punir os pequenos
delitos contra a sociedade;

- sabendo-se que a ignorância, a superstição, a preguiça e o gosto dos prazeres dispendiosos


constituem o apanágio dos chefes supremos da sociedade, e que as pessoas capazes, económicas e
laboriosas só são empregadas como subalternos e como instrumentos dos primeiros;

-e, enfim, sendo certo que em todos os géneros de ocupação se encontram pessoas capazes; mas que,
no que toca à moralidade, são os mais imorais que são chamados a formar os cidadãos no princípio
da virtude; e que, quanto à justiça, são os grandes culpados os encarregados de punir as faltas dos
pequenos delinquentes.»

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