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01 Aproximacoes e Ensaios Sobre A Velhice

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APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 1

UNESP – Universidade Estadual Paulista - 2017


UNESP – São Paulo State University
Reitor
Prof. Dr. Sandro Roberto Valentini
Vice-Reitor
Prof. Dr. Sergio Roberto Nobre
Pró-Reitor de Pós-Graduação
Prof. Dr. João Lima Sant’Anna Neto
Pró-Reitor de Pesquisa
Prof. Dr. Carlos Frederico de Oliveira Graeff
Diretora
Prof.ª Dr.ª Célia Maria David

Vice-Diretora
Prof.ª Dr.ª Márcia Pereira da Silva

Pós-Graduação – Mestrado e Doutorado


Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social
Prof.ª Dr.ª Fernanda de Oliveira Sarreta
Vice-Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social
Prof.ª Dr.ª Nayara Hakime Dutra Oliveira

CONSELHO EDITORIAL
Prof.ª Dr.ª Celeste Aparecida Pereira Barbosa
Prof.ª Dr.ª Cirlene Ap. Hilário da Silva Oliveira
Prof.ª Dr.ª Cristiane José Borges
Prof.ª Dr.ª Edna Maria Campanhol
Prof.ª Dr.ª Eliana Bolorino Canteiro Martins
Prof.ª Dr.ª Fernanda de Oliveira Sarreta
Prof.ª Dr.ª Helen Barbosa Raiz Engler
Prof.ª Dr.ª Maria Cristina Piana
Prof.ª Dr.ª Maria José de Oliveira Lima
Prof.ª Dr.ª Nayara Hakime Dutra Oliveira
Prof.ª Dr.ª Tatiana Machiavelli Carmo Souza

Assessoria Técnica
Revisão Ortográfica
Sidney Wanderley de Lopes Lima

Capa
Foto da Sra Marfiza Maria de Jesus
Fotografia de Wanderley César Pedrosa

2 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE


JOICE SOUSA COSTA
MARIA CANDIDA SOARES DEL MASSO
NANCI SOARES
SÁLVEA DE OLIVEIRA CAMPELO E PAIVA
(Organizadoras)

APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A


VELHICE

Campus de Franca
2017

APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 3


Copyright @ 2017 by UNESP/ Campus de Franca
Endereço para correspondência
Endereço: Av. Eufrásia Monteiro Petráglia, 900 – Jardim Antônio Petráglia
CEP 14403-462 - Franca – SP – Brasil
Telefone (016)3706-8700
Endereço eletrônico / e-mail
publica@franca.unesp.com.br

Aproximações e ensaios sobre a velhice / Joice Sousa Costa ...


[et al.]. (Organizadoras). –Franca : UNESP-FCHS ; São Paulo :
Cultura Acadêmica, 2017.
208 p. 145 x 210 mm.
ISBN: 978-85-7983-907-8
1. Serviço social com idosos. 2. Idosos – relações com a família.
3. Identidade de gênero. 4. Mulheres idosas. 5. Maus-tratos ao idoso
6. Idoso – emprego. I. Costa, Joice Sousa. II. Del-Masso, Maria
Candida Soares. III. Soares, Nanci. IV. Campelo e Paiva, Sálvea de
Oliveira. V. Título.
CDD – 362.6

Índices para catálogo sistemático:


1. Serviço social com idosos ............................................ 362.6
2. Idosos – relações com a família .................................. 362.6
3. Identidade de gênero ................................................... 155.53
4. Mulheres idosas ........................................................ 362.692
5. Maus-tratos ao idoso ................................................. 362.682
6. Idoso – emprego .......................................................... 362.6

Capa: Foto da Sra Marfiza Maria de Jesus, filha de Flauzino de Freitas


e Bertolina Maria de Jesus, nasceu na fazenda São Matheus, em Frutal,
Minas Gerais, no dia 14 de agosto de 1901, onde reside até hoje e
criou seus onze filhos. Anda pelo quintal, prepara almoço, cuida das
galinhas e sai pelos pastos à procura dos seus ninhos. No auge dos
116 anos, adora dançar forró no barracão da comunidade, passear e
visitar os vizinhos da região... Eis a nossa homenageada neste livro!

4 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE


“Crescendo numericamente,
Os velhos se tornam objeto de estudo.
As propostas aparecem
Pela boca da ‘ciência’, do Estado, dos meios de comunicação...
Não mudando a história do trabalhador,
Não muda a história do menino,
Não muda a história do velho,
Não muda a história do homem.”

Eneida Haddad

APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 5


Autoras e Autores

Adriana Aparecida Ferreira


Assistente Social, mestra em ciências médicas pela Universidade de São Pau-
lo/USP de Ribeirão Preto. dryferreira1@hotmail.com
Ana Lúcia Oliveira da Silva
Assistente Social, sanitarista, especialista em Saúde Pública pelo Centro Edu-
cacional São Camilo – Faculdade de Enfermagem Luíza de Marillac, Especi-
alista em Serviço Social na Área de Saúde pela Universidade Católica de Per-
nambuco. Membro do Grupo de Estudos sobre o Envelhecimento Humano na
perspectiva da Totalidade Social, da Universidade de Pernambuco, desde 2014.
aninha5578@hotmail.com
Andréia Aparecida Reis de Carvalho Liporoni
Assistente Social. Doutora em Serviço Social pela Universidade Estadual Pau-
lista Júlio de Mesquita Filho/UNESP de Franca. Professora Assistente do
Departamento de Serviço Social e do Programa de Pós-Graduação em Serviço
Social do Campus de Franca. andreialiporoni@yahoo.com.br
Cristiane de Fátima Poltronieri
Assistente Social. Mestre em Serviço Social pela Universidade Estadual Pau-
lista Júlio de Mesquita Filho (UNESP) – Faculdade de Ciências Humanas e
Sociais do Campus de Franca/SP. cris.poltronieri@hotmail.com
Denise Gisele Silva Costa
Assistente Social. Mestre em Serviço Social pela Universidade Estadual Pau-
lista Júlio de Mesquita Filho (UNESP) – Faculdade de Ciências Humanas e
Sociais do Campus de Franca/SP. denisermjc@gmail.com
Evandro Alves Barbosa Filho
Assistente Social. Doutor em Serviço Social pela Universidade Federal de
Pernambuco (UFPE). Professor do Departamento de Serviço Social da Facul-
dade de Ciências Sociais Aplicadas de Petrolina (FACAPE). Professor da Es-
pecialização em Gestão em Saúde da Universidade de Pernambuco (UAB/
UPE). Pesquisador do Grupo de Pesquisa Práxis – Política, Planejamento e
Gestão em Saúde – CNPq/UPE. Pesquisador do Núcleo de Estudos e Pesquisa
em Direitos Sociais e Políticas Sociais – NEPPS (CNPq/UFPE).
evealves85@yaahoo.com.br

6 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE


Fabianni Meneses Costa
Psicóloga e sanitarista. Especialista em Gestão de Sistemas e Serviços de Saú-
de pelo Centro de Pesquisa Aggeu Magalhães – FIOCRUZ. Atua na II Gerên-
cia Regional de Saúde – Sede Limoeiro, da Secretaria Estadual de Saúde de
Pernambuco. Preceptora da Residência em Saúde Coletiva (CpqAM/FIO-
CRUZ) e do Programa de Residência Multiprofissional em Saúde Coletiva
(PRMSC/UPE). Participa do Grupo de Estudos sobre o Envelhecimento Hu-
mano na Perspectiva da Totalidade Social (GEEHPTS), da Universidade de
Pernambuco, desde 2015. fabianni.meneses@gmail.com
Fernanda Tavares Arruda
Assistente Social. Especialista em Gerontologia pela Faculdade Redentor/In-
terfisio/IDE Cursos. Coordenadora do Grupo de Estudos sobre o Envelheci-
mento Humano na Perspectiva da Totalidade Social (GEEHPTS), da Univer-
sidade de Pernambuco, desde 2013. fernandatavaresa@hotmail.com
Gabriela Cristina Carneiro Vilione
Assistente Social. Mestre em Serviço Social pela Universidade Estadual Pau-
lista Júlio de Mesquita Filho – Campus de Franca. Atua no Centro de Referên-
cia Especializado de Assistência Social (CREAS) da Prefeitura Municipal de
Franca/SP. gabyvilioni@hotmail.com
Ionara do Nascimento Silva
Assistente Social. Especialista em Auditoria em Serviços de Saúde pelo Insti-
tuto Brasileiro de Pós-Graduação e Extensão (IBPEX). Membro do Grupo de
Estudos sobre o Envelhecimento Humano na Perspectiva da Totalidade Soci-
al, da Universidade de Pernambuco, desde 2015.
ionaranascimento27@gmail.com
Isolda Belo
Assistente Social. Doutora em Sociologia, pesquisadora da Fundação Joaquim
Nabuco e docente do Mestrado em Gerontologia da Universidade Federal de
Pernambuco. ibelodafonte@gmail.com

Jéssica Alline de Melo e Silva


Assistente Social. Especialista em Saúde Coletiva pelo Instituto Brasileiro de
Pós-Graduação e Extensão (IBPEX). Membro do Grupo de Estudos sobre o
Envelhecimento Humano na perspectiva da Totalidade Social, da Universida-
de de Pernambuco, desde 2011. kinha_melo@hotmail.com

APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 7


Joice Sousa Costa
Assistente Social. Mestre em Serviço Social pela Universidade Estadual Pau-
lista Júlio de Mesquita Filho (UNESP) – Faculdade de Ciências Humanas e
Sociais do Campus de Franca/SP. Professora do curso de Serviço Social do
Centro Universitário da Fundação Educacional de Barretos.
joicecostasousa@gmail.com
Jonorete de Carvalho Benedito
Assistente Social. Mestre em Serviço Social pela Universidade Federal de
Alagoas. Atua no Conselho Municipal da Pessoa Idosa de Maceió. Membro
do Grupo de Estudos sobre o Envelhecimento Humano na Perspectiva da To-
talidade Social, da Universidade de Pernambuco, desde fevereiro de 2015.
jonorete@terra.com.br
Josiani Julião Alves de Oliveira
Assistente Social. Doutora em Serviço Social pela Universidade Estadual Pau-
lista Júlio de Mesquita Filho/UNESP de Franca. Pós-doutorado pela Univer-
sidade de Aveiro, Portugal. Professora assistente e doutora do Departamento
de Serviço Social e do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social do
Campus de Franca. Professora convidada do Instituto Superior de Ciências
Sociais e Políticas – ISCSP da Universidade de Lisboa, Portugal. Desenvolve
pesquisa em parceria com universidades nacionais e internacionais.
josianiju@gmail.com
Karla Maria Bandeira
Assistente Social. Mestre em Serviço Social pela Universidade Federal de
Pernambuco (UFPE). Atua na Promotoria do Idoso do Ministério Público de
Pernambuco e gerencia a Divisão de Serviço Social do Hospital Oswaldo Cruz/
UPE. Participa do GEEHPTS desde 2012. kas0540@hotmail.com
Karina Lúcia da Silva Antunes do Rêgo
Assistente Social, sanitarista. Especialista em Gerontologia Social pela FAFI-
RE. Atua na Gerência de Direitos Humanos – Secretaria Executiva de Direi-
tos Humanos e Políticas sobre Drogas, da Prefeitura do Jaboatão dos Guarara-
pes (PE). Participa do Grupo de Estudos sobre o Envelhecimento Humano na
Perspectiva da Totalidade Social (GEEHPTS), da Universidade de Pernambu-
co, desde 2010. karina.antunes@hotmail.com
Larissa Santos de Souza
Fisioterapeuta. Especialista em Saúde do Idoso pelo Instituto de Ciências Bi-
ológicas – Universidade de Pernambuco. Membro do Grupo de Estudos sobre

8 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE


o Envelhecimento Humano na Perspectiva da Totalidade Social, da Universi-
dade de Pernambuco, desde 2013. lari.1987.souza@gmail.com
Maria da Conceição Lafayette de Almeida
Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Católica de Pernambuco.
Doutora em Sociologia pelo Programa de Pós-Graduação da UFPE. Professo-
ra Colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Gerontologia da Univer-
sidade Federal de Pernambuco (UFPE). celafayette@hotmail.com
Maria Florência dos Santos
Assistente Social. Especialista em Unidade de Terapia Intensiva UTI –
Adulto pela Universidade Tiradentes – UNIT. maria_s.social@hotmail.com
Marta Regina Farinelli
Assistente Social. Doutora em Serviço Social pela Universidade Estadual Pau-
lista Júlio de Mesquita Filho/UNESP de Franca. Docente do Curso de Serviço
Social da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM).
martafarinelli@gmail.com
Michelli Barbosa do Nascimento
Assistente Social. Mestra em Gerontologia/PPGERO pela Universidade Fe-
deral de Pernambuco/UFPE. Especialista em Intervenções Psicossociais com
Grupos de Risco e Vulnerabilidade Social/FAFIRE. Membro do Grupo de
Estudos sobre o Envelhecimento Humano na Perspectiva da Totalidade Social
(GEEHPTS), da Universidade de Pernambuco, desde 2015.
michellibnascimentoas@gmail.com
Nanci Soares
Assistente Social. Doutora em Serviço Social pela Universidade Estadual Pau-
lista Júlio de Mesquita Filho/UNESP de Franca. Pós-Doutorado pela Univer-
sidade de Aveiro, Portugal. Professora Assistente do Departamento de Serviço
Social e do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social do Campus de
Franca. nancisoares15@gmail.com
Sálvea de Oliveira Campelo e Paiva
Assistente Social. Doutora em Serviço Social pela Universidade Federal de
Pernambuco. Coordenadora-Geral do Núcleo de Gerontologia Social (NAIS-
CI) e do Grupo de Estudos sobre o Envelhecimento Humano na Perspectiva
da Totalidade Social (GEEHPTS) do Hospital Universitário Oswaldo Cruz,
da Universidade de Pernambuco (UPE). salveaocampelo@gmail.com

APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 9


Sheyla Mafra Holanda Maia
Advogada. Especialista em Direito das Famílias e Sucessões pela Universida-
de Federal de Pernambuco (UFPE). Membro do Instituto Brasileiro de Direi-
to de Família (IBDFAM). Participa do Grupo de Estudos sobre o Envelheci-
mento Humano na perspectiva da Totalidade Social (GEEHPTS), da Univer-
sidade de Pernambuco, desde 2013. sheylamafra@hotmail.com
Solange Maria Teixeira
Assistente social. Doutora em Políticas Públicas pela Universidade Federal
do Maranhão. Pós-Doutorado em Serviço Social pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo. Professora Associada da Universidade Federal do Piauí
na graduação em Serviço Social e na pós-graduação em políticas públicas.
Presidente do Conselho Regional de Serviço Social do Piauí, coordenadora
do Programa Terceira Idade em Ação da Universidade Federal do Piauí e bol-
sista de Produtividade CNPq. solangemteixeira@hotmail.com
Suellen Bezerra Alves
Assistente social, especialista em Direito das Famílias, mestre em Serviço
Social pela Universidade Federal de Pernambuco, atua como assistente social
judiciária no Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Membro do
Grupo de Estudos sobre o Envelhecimento Humano na Perspectiva da Totali-
dade Social, da Universidade de Pernambuco, entre 2012 e 2014.
suellenalvess@hotmail.com
Thamiris Inoué Rios
Assistente Social, Especialista em trabalho social com famílias pela Faculda-
de Católica de Uberlândia. Especialista em Saúde do Idoso pela Universidade
Federal do Triângulo Mineiro (UFTM). thamiris_ir@hotmail.com
Wanderley Cesar Pedrosa
Assistente social, mestre em Serviço Social pela Universidade Estadual Pau-
lista Júlio de Mesquita Filho/UNESP, atua na Faculdade Frutal (FAF).
wanderleypedrosa@yahoo.com.br

10 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE


LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ADI – Ação Direta de Inconstitucionalidade


BDENF – Base de Dados Bibliográficos Especializada na Área de Enferma-
gem do Brasil
BPC – Benefício de Prestação Continuada
BVS – Biblioteca Virtual em Saúde
CAPs – Caixas de Aposentadorias e Pensões
CAPS – Critical Appraisal Skills Programme
CBAS – Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais
CF – Constituição Federal
CIAPPI – Centro Integrado de Atenção e Prevenção à Violência contra a Pes-
soa Idosa
CRAS – Centro de Referência da Assistência Social
CREAS – Centro de Referência Especializado da Assistência Social
DIEESE – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Econômicos
DRU – Desvinculação de Receitas da União
EA – Envelhecimento Ativo
ESF – Estratégia de saúde da Família
ESF – Estratégia Saúde da Família
FMI – Fundo Monetário Internacional
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IIFNMI – II Fórum Nacional da Mulher Idosa
ILC-Brasil – Centro Internacional de Longevidade no Brasil
ILPI – Instituição de Longa Permanência para Pessoas Idosas
ILPs – Instituições de Longa Permanência
INPS – Instituto Nacional de Previdência Social
INSS – Instituto Nacional de Seguro Social
LA – Serviço de proteção social a adolescentes em cumprimento de medidas
socioeducativas de Liberdade Assistida
LBA – Legião Brasileira de Assistência
LILACS – Literatura Latino-Americana em Ciências de Saúde
LOAS – Lei Orgânica da Assistência Social
LOS – Lei Orgânica da Saúde
Medline – Medical Literature Analysis and Retrieval System Online
MP – Medidas Provisórias
OMS – Organização Mundial da Saúde
ONGs – Organizações Não Governamentais

APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 11


ONU – Organização das Nações Unidas
OS – Organização Social
PAEFI – Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indi-
víduos
PAIF – Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família
PEC – Proposta de Emenda Constitucional
PEP – Projeto Ético-Político
PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
PNAS – Política Nacional da Assistência Social
PNI – Política Nacional do Idoso
PNSPI – Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa
PPAs – Programas de Preparação para a Aposentadoria
PSC – Serviço de Prestação de Serviços à Comunidade
RAS – Rede de Atenção à Saúde
SAD – Serviços de Atenção Domiciliar
SAD-SUS – Serviços de Atenção Domiciliar no SUS
SCFV – Serviços de Convivência e Fortalecimento de Vínculos
SENAI – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
SESC – Serviço Social do Comércio
SESI – Serviço Social da Indústria
STF – Supremo Tribunal Federal
SUAS – Sistema Único de Assistência Social
SUS – Sistema Único de Saúde
UNATIs – Universidades Abertas à Terceira Idade
UPA – Unidade de Pronto Atendimento

12 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE


Prefácio
Eneida G. de Macedo Haddad1

O envelhecimento populacional vem aumentando mundialmente e o


modelo econômico, que exerce o poder acima de todas as fronteiras e de todos
os governos, não tem investido na melhoria dos sistemas de proteção social
aos idosos. Pelo contrário. Insiste em propagar, aos quatro ventos, o ônus que
o aumento da longevidade representa aos cofres públicos: além dos gastos
com a aposentadoria, os idosos necessitam de políticas especiais de saúde.
Inoportuno é o lugar deles nas sociedades, isto é, dos idosos pobres, dos traba-
lhadores. Ao envelhecerem, os pobres-coitados são golpeados pelo sentimen-
to de culpa. Os jovens também são atingidos. O desemprego é mundial; se
chegarem à velhice, terão sobre os ombros o peso cada vez maior dos dias
futuros.
Um dos paradoxos que vem sendo imposto pelos sistemas de previ-
dência social, indiferentes à situação vivida pela grande maioria dos trabalha-
dores, é a defesa do aumento da idade para a aposentadoria. Como os seres
humanos, aos 60, 65, 70 anos, vão permanecer num mercado de trabalho cada
vez mais encolhido? Na verdade, um percentual significativo de trabalhado-
res já não é necessário para a economia capitalista. A vida deles não tem mais
razão de ser. É somente tolerada.
As ciências humanas não estão cegas para sinais tão evidentes. Con-
tudo, as lentes usadas nem sempre permitem que enxerguem a realidade. No
Brasil, embora seja possível perceber um aumento dos estudos sobre a velhi-
ce, nota-se que a maioria das pesquisas não estão embasadas na teoria crítica.
Para se pesquisar a velhice há que se compreendê-la como síntese de múlti-
plas determinações, conforme nos ensina Karl Marx. Portanto, não é possível
desconsiderar-se o modo capitalista, produtor e reprodutor da desigualdade
social, da luta de classes, da dominação, da opressão. Isso posto, só poderão
ser desvendadas as condições objetivas de existência dos velhos, tomando-se
como ponto de partida as determinações inerentes ao capitalismo.
Os estudos sobre a velhice exigem o conhecimento da história nacio-
nal, a rejeição aos esquemas explicativos abstratos da ideologia dominante, a
leitura crítica do passado e do presente e, por conseguinte, o compromisso
com o bem comum, com a superação do fascismo social e do capitalismo
vigentes na realidade brasileira. Não há como desconsiderar a grande turbu-
¹ Graduada em Ciências Sociais, mestre em Antropologia Social e doutora em Sociologia pela
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo/USP.

APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 13


lência e aberrações vividas nos últimos tempos na sociedade de classes brasi-
leira, dentre elas, a crise da contratualização moderna, conforme Boaventura
de Sousa Santos, isto é, “a predominância estrutural dos processos de exclu-
são sobre os de inclusão” 2
Uma obra pode ou não nos conduzir a uma visão profunda do objeto
de estudo. Se alguns de seus autores ainda não se aproximaram da teoria críti-
ca, deveriam fazê-lo. Convenhamos que isso demanda vontade, estudo, disci-
plina, dedicação, compromisso social e político... Todos fomos educados sob
o signo do positivismo, ainda dominante na sociedade brasileira. Se assim não
fosse, já teriam ocorrido grandes transformações em nosso país. Urge lutar
por elas para que se tornem realidade.
Este livro, “Aproximações e ensaios sobre a velhice”, permite conhe-
cer a velhice vivida no Brasil. As páginas escritas por diversos pesquisadores
permanecerão ao longo da história. Como nos esclarece Solange Maria Tei-
xeira no capítulo XII – “Serviço Social e Envelhecimento: perspectivas e ten-
dências na abordagem da temática” -, o Serviço Social, tendo construído, na
passagem para a década de 90 do século XX, o Projeto Ético Político (PEP) da
profissão, tem como uma de suas preocupações o estudo do envelhecimento
da população brasileira. Todavia, somente uma parte não expressiva das pu-
blicações divulgadas pelos assistentes sociais embasa-se no método histórico-
dialético. Não sem dificuldades, esses investigadores optaram pela via da teo-
ria crítica. O artigo de Teixeira, baseado em pesquisa empírica, escrito com
esmero, aprofunda as questões ligadas aos objetivos do Serviço Social e ao
enfrentamento das problemáticas que vêm estabelecendo barreiras à implemen-
tação do Projeto Ético Político de forma massiva no interior da categoria. A
[...] direção social posta pelo PEP sofre ataques constantes, ameaças
na sua implementação, seja pela adesão epidérmica de muitos profis-
sionais a esses valores e à perspectiva teórico-metodológica, ao
ecletismo, ao avanço do neoconservadorismo dos referenciais pós-
modernos, seja pelo movimento conjuntural e estrutural da atualida-
de capitalista, uma ofensiva político-ideológica contra a classe tra-
balhadora que atinge de forma objetiva e subjetiva, alcançando tam-
bém o Serviço Social, nas condições de trabalho, de contratação,
mas também nos seus objetivos profissionais e na sua formação pro-
fissional (Teixeira, 2017).
Voltemos ao livro. Sua contribuição mais relevante consiste na virtu-
2
A contribuição de Boaventura de Sousa Santos, “Os fascismos sociais”, encontra-se disponível
na internet.

14 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE


de de os pesquisadores terem se voltado para a investigação da velhice no
Brasil com indiscutível seriedade – fiéis às exigências do espírito científico. A
interpretação do objeto de estudo que os autores buscaram desvendar não ra-
tifica a ideologia divulgada pelos defensores do status quo. O leitor não é
levado a reter visões fragmentadas, mas consegue elaborar uma síntese das
diversas contribuições. Onde se encontra o ponto de chegada dessa obra? Na
defesa do ser humano: nascer, viver, envelhecer e morrer com dignidade. Pro-
teção social para os idosos, assistência social e familiar, a velhice da mulher, a
violência contra os idosos, dentre outros artigos, apontam os desafios a serem
superados.
Há algumas décadas não se esperava a elaboração do PEP... não se
vislumbrava a luta de seus defensores por essa irradiação teórica. Porém, eles
estão aí, superando paradigmas velhos, enfrentando a retórica do Estado neo-
liberal, provocando debates, (atualmente, tão enfraquecidos nas universida-
des), alinhados à esquerda democrática, enfrentando o poder instituído, lutan-
do por transformações.
No Brasil de hoje, a pérola defendida pelo governo Temer estabelece
49 anos de contribuição para a conquista da aposentadoria integral e a idade
mínima de 65 anos para homens e mulheres. Isso significa que milhares de
empregadas domésticas, de trabalhadores da construção civil, das fábricas etc.
jamais poderão se aposentar. Uma parcela considerável terá morrido antes de
completar a idade prevista. Outra, não menos significativa, se perder o empre-
go, não terá possibilidade de ser readmitida no mercado de trabalho.
No Serviço Social, os intelectuais comprometidos com o Projeto Éti-
co Político têm tido um papel fundamental no conhecimento da história pre-
sente da velhice no Brasil. O leitor desta obra será agraciado tanto pelas diver-
sas contribuições aqui presentes quanto pelas reflexões que o texto suscita:
elas ampliarão seu horizonte e aprofundarão sua visão sobre o tema. Foi o que
ocorreu comigo.

APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 15


16 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..........................................................................................18
CAPÍTULO I
ENVELHECIMENTO E VELHICES: HETEROGENEIDADE NO TEM-
PO DO CAPITAL
Denise Gisele Silva Costa, Joice Sousa Costa e Cristiane de Fátima
Poltronieri ....................................................................................................20
CAPÍTULO II
REFLEXÕES ACERCA DA PROTEÇÃO SOCIAL PARA OS VELHOS
DO BRASIL
Jonorete de Carvalho Benedito.....................................................................34
CAPÍTULO III
RESPONSABILIZAÇÃO DA FAMÍLIA NO CUIDADO À PESSOA IDO-
SA: BREVE REFLEXÃO SOBRE O CONTEÚDO DA LEGISLAÇÃO
BRASILEIRA
Fabianni Meneses Costa, Karina Lúcia da Silva Antunes do Rêgo,
Karla Maria Bandeira e Sheyla Mafra Holanda Maia .................................51
CAPÍTULO IV
A PROTEÇÃO SOCIAL BÁSICA NA VELHICE: ASSISTÊNCIA SO-
CIAL E FAMILIAR
Maria Florência dos Santos, Thamiris Inoué Rios e Ana Lúcia Oliveira
da Silva.........................................................................................................65
CAPÍTULO V
A INSERÇÃO DA PESSOA IDOSA NOS SERVIÇOS DE ATENÇÃO DO-
MICILIAR: UMA ANÁLISE CRÍTICA DA PRODUÇÃO CIENTÍFICA
E DO DISCURSO GOVERNAMENTAL
Michelli Barbosa do Nascimento, Evandro Alves Barbosa Filho e Maria
da Conceição Lafayette de Almeida ............................................................83
CAPÍTULO VI
LAÇOS ROSA DE UM VELHO PRESENTE: A QUESTÃO DE GÊNE-
RO NO ENVELHECIMENTO
Gabriela Cristina C. Vilione e Cristiane de Fátima Poltronieri..................103

APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 17


CAPÍTULO VII
VELHICE DE MULHER
Isolda Belo .................................................................................................119
CAPÍTULO VIII
O DIREITO DE SER VELHO(A) E SOZINHO(A): PESSOAS IDOSAS
SEM ACOMPANHANTES NOS SERVIÇOS DE SAÚDE E REFLEXOS
NO SERVIÇO SOCIAL
Fernanda Tavares Arruda, Ionara do Nascimento Silva e Jéssica Alline
de Melo e Silva ..........................................................................................132
CAPÍTULO IX
ASPECTOS RELACIONADOS À VIOLÊNCIA CONTRA O/A IDOSO/
A ATENDIDO/A EM UM CENTRO DE REFERÊNCIA E APOIO
Larissa Santos de Souza e Sálvea de Oliveira Campelo e Paiva ................143
CAPÍTULO X
ENVELHECIMENTO E PARTICIPAÇÃO SOCIAL: UMA DISCUSSÃO
CONCEITUAL À LUZ DA POLÍTICA PARA O ENVELHECIMENTO
ATIVO
Wanderley Cesar Pedrosa, Adriana Ferreira, Josiani Julião Alves de
Oliveira e Suellen Bezerra Alves ...............................................................154
CAPÍTULO XI
CONSELHO DE DIREITO: UMA ANÁLISE DO CONTROLE DEMO-
CRÁTICO E A PARTICIPAÇÃO SOCIAL DOS VELHOS TRABALHA-
DORES
Nanci Soares, Marta Regina Farinelli e Andréia Aparecida Reis de
Carvalho Liporoni .....................................................................................172
CAPÍTULO XII
SERVIÇO SOCIAL E ENVELHECIMENTO: PERSPECTIVAS E TEN-
DÊNCIAS NA ABORDAGEM DA TEMÁTICA
Solange Maria Teixeira ............................................................................ 192

18 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE


Introdução
Este livro foi produzido a partir das reflexões e discussões provocadas
e realizadas por participantes da disciplina “Envelhecimento Humano e Ati-
vo”, ministrada no Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Facul-
dade de Ciências Sociais Humanas e Sociais da Universidade Estadual Paulis-
ta Júlio de Mesquita Filho (UNESP) – Campus Franca, em 2015.
É pertinente inferir que a proposta da disciplina consiste em analisar e
repensar o processo de envelhecimento e velhice humana numa perspectiva
crítica. Acha-se assim em consonância com o Projeto Ético-Político do Servi-
ço Social, tendo em vista ser a maioria das/os participantes da disciplina gra-
duada em Serviço Social. O conteúdo programático da disciplina foi dividido
em dois módulos: 1) Módulo I: Racionalidade, gerontologia social sob a ver-
tente de totalidade social e a instrumentalidade do Serviço Social no campo da
gerontologia social, ministrado pela Prof.ª Dr.ª Sálvea de Oliveira Campelo e
Paiva, da Universidade de Pernambuco; 2) Módulo II: Luta pelos direitos so-
ciais do velho trabalhador, os parâmetros da proteção social direcionada ao
segmento idoso e a práxis do Serviço Social com o velho trabalhador, minis-
trado pela Prof.ª Dr.ª Nanci Soares, da UNESP/Franca.
Os motivos que levaram as docentes a propor essa disciplina ao Progra-
ma de Pós Graduação em Serviço Social da UNESP – Campus de Franca decor-
rem de inquietações oriundas de vários estudos e pesquisas realizadas sobre a
temática “Processo de envelhecimento e velhice”, especialmente através do Grupo
de Estudo e Pesquisa: Envelhecimento, Políticas Públicas e Sociedade, da UNESP
– Campus de Franca, reconhecido pela instituição e inscrito no CNPq, tendo
como objetivo central discutir e analisar assuntos pertinentes à questão do pro-
cesso de envelhecimento humano numa perspectiva de totalidade, bem como as
políticas sociais destinadas aos/às velhos/as trabalhadores/as.
No final da disciplina, realizada em 2015, foi solicitado ao grupo de par-
ticipantes um trabalho para a sua conclusão. Ou seja, a elaboração de um pretenso
capítulo para um livro, contemplando as discussões e reflexões feitas em sala de
aula, abordando os aspectos sociais, políticos e ideológicos do processo de enve-
lhecimento e da velhice na contemporaneidade, bem como as respostas às deman-
das e a proteção social direcionada ao referido segmento no Brasil.
Durante o trajeto da produção do livro, vale salientar, outros autores e
autoras foram convidados/as, a exemplo de componentes do Grupo de Estu-
dos sobre o Envelhecimento Humano na Perspectiva da Totalidade Social
(GEEHPTS), da Universidade de Pernambuco, coordenado pela Dr.ª Sálvea

APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 19


Campelo desde a sua criação em 2010; e da Prof.ª Dr.ª Solange Teixeira, da
Universidade Federal do Piauí. Assim, a proposta do livro viabilizou um espa-
ço aberto, contemplando o esforço coletivo que durou cerca de dois anos –
período em que as autoras e os autores tomaram suas decisões e fizeram as
opções para abordar aspectos do processo de envelhecimento e velhice, cons-
truindo temas de pesquisa e delimitando objetos de estudo.
Este livro, intitulado Aproximações e Ensaios sobre a Velhice, repre-
senta, portanto, o esforço coletivo no sentido de apresentar ensaios produzi-
dos por estudiosos/as e pesquisadores/as de várias instituições de Ensino Su-
perior do Brasil. São ensaios resultantes das reflexões oriundas do arcabouço
teórico-metodológico, ético-político e técnico-operativo de diversas discipli-
nas e de diferentes movimentos e níveis de aproximações para o desvelamen-
to das relações que conformam o fenômeno ora estudado: o processo de enve-
lhecimento, a velhice humana na contemporaneidade. Decerto, cada capítulo
tem o seu ponto de partida, muitas vezes, constituindo uma das primeiras e
valiosas aproximações com o objeto de estudo, que se constrói e reconstrói
imerso ao universo dinâmico e contraditório da realidade social.
Assim, o/a leitor/a transitará por reflexões sobre a heterogeneidade,
diferenças e desigualdades no processo de envelhecer; a história das políticas
sociais direcionadas ao segmento idoso no Brasil; os principais conceitos e
apelos ao que se convém denominar “família” nas legislações brasileiras dire-
cionadas à velhice humana; a questão do envelhecimento no âmbito das polí-
ticas de Assistência Social e de Saúde; a discussão sobre gênero e envelheci-
mento, tanto do ponto de vista de uma análise teórica quanto de um estudo em
campo empírico; a violação dos direitos dos homens velhos e das mulheres
velhas, no âmbito da família, da sociedade e das instituições; a participação
enquanto forma de resistência e enfrentamento à violência contra a velhice; e
a importância da participação desse segmento em espaços para o exercício do
controle social.
Enfim, para que sirva de espelho, será apresentado o Capítulo Serviço
Social e Envelhecimento: perspectivas e tendências na abordagem da temáti-
ca, com o objetivo de provocar uma reflexão acerca da produção de conheci-
mento a favor da afirmação da Gerontologia Social Crítica no Brasil.

A todos/as autores/as, nossos sinceros agradecimentos!


Franca/São Paulo, Recife/Pernambuco, 5 de Julho de 2017.
Joice, Maria Candida, Nanci e Sálvea.

20 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE


CAPÍTULO I

ENVELHECIMENTO E VELHICES: HETEROGENEIDADE NO


TEMPO DO CAPITAL

Denise Gisele Silva Costa


Joice Sousa Costa
Cristiane de Fátima Poltronieri

Resumo: Este ensaio teórico objetiva analisar a heterogeneidade do processo


de envelhecimento e velhice na sociabilidade capitalista, de modo a inferir
críticas à homogeneização do grupo velho no Brasil. O método eleito possui
inspiração materialista histórico-dialética. Utilizou-se a pesquisa bibliográfi-
ca e documental. A análise foi fundamentada na perspectiva da totalidade so-
cial, que considera que o prisma de discussão das velhices deve estar assenta-
do sobre o embate entre capital e trabalho. Desse modo, é preciso apreender o
processo de envelhecimento e velhice, e sua heterogeneidade, na produção e
reprodução da vida social sob o sistema do capital, marcado por complexos
contraditórios.

Palavras-chave: Envelhecimento; Velhice; Heterogeneidade; Velho Traba-


lhador.

INTRODUÇÃO
Atualmente, vivencia-se um momento ímpar do aumento da expecta-
tiva de vida da população mundial, verificável na maioria dos continentes
com suas devidas especificidades; contudo, é necessário considerar as dispa-
ridades sociais existentes em cada país. Paiva (2014, p. 28) destaca que, em-
bora o envelhecimento populacional seja um fenômeno perceptível mundial-
mente, há nações marcadas pela exploração que ainda não vivenciam esse
fenômeno. Dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
(PNUD) indicam que na Nigéria, no continente africano, a população idosa
com 65 anos ou mais não ultrapassa 0,5% da população; já na Alemanha, a
população idosa chega a 17,5% do total da população (PNUD, 2014, p. 224).
Torna-se inegável que o aumento da expectativa de vida é uma con-
quista social, porém deve-se considerar que tal conquista não é linear, pois
nem todas as populações têm tido o mesmo êxito em relação à longevidade.
Há, de fato, uma heterogeneidade no próprio processo de transição demográ-

APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 21


fica, que é influenciado pelas condições de acesso aos direitos civis, políticos
e sociais das populações.
Assim, partindo do pressuposto das discrepâncias existentes no de-
correr do processo de envelhecimento e velhice, podemos recorrer a algumas
apreensões empíricas que se referem à conjuntura brasileira. Segundo o Rela-
tório de Envelhecimento e Saúde da Organização Mundial de Saúde (OMS,
2015, online), uma criança nascida no Brasil em 2015 pode esperar viver cer-
ca de 20 anos a mais que uma criança nascida há 50 anos. Isto é significativo
se levarmos em questão o aumento dos anos a mais vividos; em contrapartida,
esses anos podem ser marcados por uma melhor qualidade de vida ou pela
negligência em relação aos direitos humanos, o que nos leva a afirmar que o
aumento da expectativa de vida não é sinônimo da melhoria das condições de
vida e trabalho dos sujeitos sociais.
Sob essa perspectiva, a análise neste estudo se embasará no método
materialista-histórico dialético, que permite o desvelamento crítico dos con-
dicionantes1 sociopolíticos e econômicos da vivência do processo de envelhe-
cimento e velhice em tempos do capital, ressaltando a relação dialética e con-
traditória entre os indivíduos que envelhecem e a construção social das velhi-
ces nesse meandro.
Portanto, faz-se pertinente debater criticamente o envelhecimento do
perfil demográfico, seus avanços na conquista de direitos e considerações so-
bre os desafios cotidianos dos sujeitos em processo de envelhecimento, aten-
tando para a heterogeneidade das velhices no espaço da produção e reprodu-
ção da sociabilidade capitalista.

O envelhecer do perfil demográfico sob o jugo da exploração do capital:


desafios e lutas sociais
Diante do cenário a priori apresentado, o processo de transição demo-
gráfica em curso, marcado pelo crescimento acelerado da população idosa e
pelo declínio da taxa de natalidade, exige novas posturas tanto do poder públi-
co quanto da sociedade civil, para que haja ações sociais consistentes que
englobem as múltiplas questões impostas pelas transições demográficas.
Os dados fornecidos pela Organização das Nações Unidas (ONU) re-
velam que a população idosa tem crescido de forma expressiva. Em 2000 o
número estimado de pessoas com 60 anos ou mais era de 605 milhões; em
2011 passou para 893 milhões; e há uma perspectiva para em 2050 atingir 2
1
Este termo foi adotado tendo em vista sua processualidade e historicidade, porquanto depende
das condições sociais e históricas do indivíduo.

22 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE


bilhões de idosos em todo o mundo. Neste período, há a probabilidade de os
idosos se equipararem em número com a população infantil de 0-14 anos:
“[...] O crescimento da população idosa e o declínio da infantil irão marcar a
primeira vez na história em que o número de crianças e pessoas idosas será
semelhante” (ONU 2001-2012 apud PAIVA, 2014, p. 25).
Entendemos que o “agrisalhamento” da população mundial deve ser
visto como um triunfo da humanidade, embora não se possam perder de vista
os novos desafios e necessidades, que devem ser conhecidos e respondidos
com a finalidade de promover uma velhice digna, saudável, com qualidade de
vida e respeito (LOUVISON; ROSA, 2012, p. 157).
Costa (2015) enfatiza que o processo de envelhecimento e velhice soa
como um desafio por seu caráter heterogêneo, multifacetado e complexo. A
velhice é uma construção social, demarcada como a última fase da vida, carre-
gada de preconceitos e mitos.
Sob o aspecto cronológico, a fronteira do envelhecimento tende a
expandir-se, embora biologicamente devamos enfrentar os proble-
mas de uma velhice subdesenvolvida, em decorrência das carências
nutricionais, sanitárias, educacionais, habitacionais etc., provocadas
pelos desequilíbrios sociais e regionais do desenvolvimento. (MA-
GALHÃES, 1989, p. 20).
Por sua expressividade em relação ao aumento do grupo populacional
envelhecido e sua mobilização política, o envelhecimento e a velhice passa-
ram a ocupar lugar de destaque na agenda internacional das políticas públicas,
construindo-se um movimento em prol do reconhecimento dos direitos huma-
nos dos velhos2.
O marco de discussão das políticas públicas direcionadas aos velhos
se dá em 1982, em Viena, na denominada Assembleia Mundial sobre o Enve-
lhecimento (AME). Foi o primeiro fórum global intergovernamental, tendo
como foco de discussão a questão do envelhecimento populacional, do qual
resultou a aprovação do conhecido plano global de ação, o Plano de Viena
(LOUVISON; ROSA, 2012, p. 159). Tal plano foi o início de um programa
internacional de ação que objetivou garantir a segurança econômica e social
dos velhos, bem como sua participação no desenvolvimento de seus países.
É importante ressaltar que essa primeira Assembleia trazia em seu bojo
a preocupação com populações envelhecidas específicas: a dos países desen-
2
Utiliza-se o termo velho desconsiderando seu sentido pejorativo, muito em voga numa
sociedade mercantil e excludente, na qual há um processo constante de fetichização e reificação
da vida humana em seus diversos tempos.

APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 23


volvidos, pois essas nações foram as primeiras a vivenciar o fenômeno da
longevidade. Ou seja, tratava-se de uma população com condições objetivas
de vida muito favoráveis se comparadas aos países em desenvolvimento. Ou-
tro ponto que merece destaque é que esse processo de envelhecimento das
nações desenvolvidas foi possibilitado pela promoção e efetivação das políti-
cas dos diversos formatos de Estados de Bem-Estar Social.
Essa conquista da efetivação dos direitos de terceira geração, ou seja,
dos direitos sociais nas nações de capitalismo central, foi resultado das lutas
dos trabalhadores, mas também se deu mediante o acúmulo de capital advindo
da exploração dos países subdesenvolvidos. Essas reflexões traçam, assim, o
processo de envelhecimento do perfil demográfico sob a contradição da soci-
edade capitalista, entre conquistas, lutas e desafios históricos.
Vale destacar que entre a primeira e a segunda Assembleia Mundial,
em um intervalo de 20 anos, no final dos anos de 1990, a Organização Mundi-
al da Saúde criou e adotou o termo “envelhecimento ativo”, procurando pas-
sar uma mensagem que extrapole o entendimento de envelhecimento saudá-
vel, reconhecendo fatores preponderantes do envelhecimento humano. Con-
dições estas que vão além da necessidade dos cuidados com a saúde, procu-
rando desmitificar a representação negativa da velhice, buscando construir
uma representação positiva sobre a velhice.
A segunda Assembleia Mundial sobre o Envelhecimento foi realizada
em Madri, em 2002. Neste evento houve uma maior atenção dedicada aos
países em desenvolvimento, devido à transição demográfica agora vivenciada
também pelos países periféricos.
De acordo com Paiva (2014, p. 29):
A segunda AME veio reafirmar o discurso pelo Envelhecimento Ati-
vo, indicando uma verdadeira bula a ser seguida enquanto estratégia
mundial (global, nacional e local) cujo tripé “independência, partici-
pação e segurança” reforça os princípios das Nações Unidas em fa-
vor das pessoas idosas.
Paiva (2014) observa que, desde a primeira Assembleia Mundial do
Envelhecimento em Viena, o debate sobre o processo de envelhecimento tem
ganhado espaços relevantes de discussão, seja na academia, seja na gestão
pública, ou mesmo na sociedade civil. No entanto, essa visibilidade ofereceu
respostas apenas a manifestações específicas e imediatas do fenômeno em
curso, pois muitas vezes entende-se a velhice como um fenômeno homogê-
neo, em países marcados pelo embate contraditório entre capital e trabalho.

24 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE


O discurso oficial dos planos, políticas e programas vem carregado de
ideologia. Aparentemente mostram-se preocupados com a qualidade de vida e
saúde dos velhos, mas as condições reais de vida e trabalho dos velhos traba-
lhadores não condizem com este discurso, por vezes repleto da intencionali-
dade de valorização de uma velhice abstrata e inexistente.
Teixeira (2008, p. 41) assim se posiciona:
O traço comum dessa difusão internacionalista das preocupações
sociais com o envelhecimento é abordá-lo em sua universalidade
abstrata, desconsiderando-se as condições materiais de existência na
sociedade do capital, o fato de que há idosos em diferentes camadas,
segmentos e classes sociais, que eles vivem o envelhecimento de for-
ma diferente e, principalmente, de que é para os trabalhadores enve-
lhecidos que essa etapa da vida evidencia a reprodução e ampliação
das desigualdades sociais, constituindo o envelhecimento do traba-
lhador uma das expressões da questão social na sociedade capitalis-
ta, constantemente reproduzida e ampliada, dado o processo de pro-
dução para valorização do capital, em detrimento da produção para
satisfazer as necessidades humanas dos que vivem ou viveram da
venda da sua força de trabalho.
Segundo Teixeira (2009, p. 64), a abordagem do envelhecimento hu-
mano deve partir do pressuposto da expressão da Questão Social3, ao atribuir
centralidade à problemática social do envelhecer do trabalhador, e não como
uma circunstância inexorável que atinge a todo o grupo etário, independente-
mente de como a força de trabalho é expropriada e explorada. A autora acres-
centa ainda que a problemática social da velhice, em relação ao crescente
número de pessoas idosas, não representa uma ameaça à ordem política, mas
sim pressões sociais que através de lutas congregam reivindicações, passando
a ser introduzidas às políticas públicas.
É importante considerar, de acordo com Louvison e Rosa (2012, p. 158),
que a expressividade do aumento populacional e, consequentemente, a sobrevi-
da do velho trabalhador é marcada por expressões da Questão Social que acom-
panham outros segmentos etários, o que redobra a dificuldade em dar respostas
adequadas às necessidades do segmento idoso, que carrega histórias de vida
marcadas pelas mazelas geradas pelo sistema de exploração do trabalho.

3
Segundo Iamamoto (2005, p. 27), “[...] o conjunto das expressões das desigualdades da
sociedade capitalista madura, que tem uma raiz comum: a produção social é cada vez mais
coletiva, o trabalho torna-se mais amplamente social, quanto a apropriação dos seus frutos
mantém-se privada, monopolizada por uma parte da sociedade”.

APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 25


Velhices: o debate sobre a heterogeneidade
A velhice mostra-se heterogênea, sendo possível entender que o proces-
so biológico do envelhecimento é permeado por condicionantes sociais que lhe
imprimem as características específicas de cada sociedade, de cada momento
histórico, além de fatores extremamente relevantes como classe social, etnia,
gênero, papéis e significados distintos em função do meio rural e urbano, ativi-
dade laboral ou mesmo fatores como cultura, ideologia dominante, poder políti-
co e econômico predominante, relação entre Estado e sociedade civil.
Esses condicionantes sócio-históricas permeiam o indivíduo em todo
o seu processo de envelhecimento e velhice, do nascimento até a morte. “Em
todos os casos lidamos com construções sociais que não só descrevem, mas
também atribuem significados, valor e função social aos diversos momentos e
etapas da existência” (MAGALHÃES, 1989, p. 17). É importante observar o
envelhecimento sob a ótica do curso de vida e dos condicionantes sociais.
Neste sentido, Louvison e Rosa (2012 p. 157) afirmam que
[...] não existe um envelhecer só, mas processos de envelhecimento –
de gênero, de etnia, de classe social, de cultura – determinados soci-
almente. As desigualdades do processo de envelhecimento devem-
se, basicamente, às condições desiguais de vida e de trabalho a que
as pessoas estiveram submetidas no curso de suas vidas.
Ao afirmarmos que a velhice e o envelhecimento são heterogêneos,
que não se manifestam da mesma forma em todos os sujeitos sociais, passa-
mos a entender que o velho é o reflexo desse conjunto de condicionantes, é o
resultado de um processo. Não é algo novo, desconectado daquilo que o indi-
víduo foi e viveu em toda a sua vida, haja vista que “[...] a velhice nunca será
uma generalidade, no singular, mas ‘velhices’, dada à pluralidade de manifes-
tações, numa mesma formação social, relacionadas às condições de vida e
trabalho das pessoas” (TEIXEIRA, 2009, p. 120).
Sob essa perspectiva histórica, calcada sobre a categoria da totalida-
de, podemos compreender a velhice como uma construção social, fruto de
uma sociedade que determina a sua valorização ou seu contrário em aspectos
múltiplos e opostos.
De acordo com Magalhães (1989, p. 20):
[...] Somos levados a concluir que a velhice e o envelhecimento são
socialmente construídos. A partir do referencial biológico, fatores
não biológicos marcam profundamente o ritmo, a natureza, a estrutu-
ra, funções e significações da velhice, a ponto de perguntarmos se a

26 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE


velhice não é antes de tudo uma entidade criada em um processo
social em que alguns atribuem a outros pesos e medidas.
Magalhães (1989) corrobora a visão de uma velhice extremamente
heterogênea, envolvendo múltiplas dimensões, a exemplo da biológica, cro-
nológica, social, demográfica, econômica, cultural, psicológica, ideológica e
política.
Decerto, é possível verificar que fatores econômicos, sociais e geo-
gráficos condicionam o processo do envelhecimento e da velhice. Assim, se
compararmos um indivíduo proveniente de classes sociais mais abastadas,
com um percurso profissional intelectual, a um velho trabalhador rural dos
sertões brasileiros, ainda que ambos tenham a mesma idade cronológica, difi-
cilmente apresentarão a mesma idade biológica e social. O desgaste sofrido
pelo trabalho manual intensivo e insalubre, durante toda a vida, reflete direta-
mente na condição de vida, suprimindo uma possível boa qualidade de vida e
encurtando a sua existência.
Costa (2015, p. 74) indica que
[...] devemos considerar a exploração do trabalho e do tempo de vida,
que desumaniza o homem, coisificando-o, transformando as pessoas
em apenas mão de obra, produtos a serem vendidos no “mercado” do
capital. Assim, o aparente valor das pessoas que compõem as frações
da classe trabalhadora é subjacente à sua capacidade produtiva.
Sabe-se que a heterogeneidade da população longeva não se deve ape-
nas à diferença da composição etária, e sim às diferentes trajetórias de vida na
inserção social e econômica no mundo do trabalho (CAMARANO, 2006, p.
2). Segundo Teixeira (2009, p. 64), é a classe trabalhadora a protagonista da
tragédia do envelhecimento, pois ao perder o valor de uso para o capital sua
vida se torna desguarnecida de sentido e valor.
De acordo com essa autora, o processo de envelhecimento do traba-
lhador é marcado pela
[...] desigualdade, vulnerabilidade social em massa, degradação, des-
valorização e pseudovalorização, [...] especialmente com o avanço
da idade cronológica, com o desgaste da força de trabalho.
(TEIXEIRA, 2008, p. 23).
Logo, as desigualdades sociais listadas são reproduzidas e ampliadas
desde o processo de envelhecimento do trabalhador, cuja trajetória foi marca-
da por péssimas condições de labor e que teve suas necessidades sociais avil-
tadas, submetidas a mínimos sociais para garantir sua sobrevivência e a de sua

APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 27


família. Para Beauvoir (1990, p. 17), “[...] a luta de classes determina como o
homem é surpreendido na velhice; um abismo separa o velho escravo e o
velho um antigo operário que vive com uma pensão miserável, de um Onas-
sis”.
Magalhães (1989), acerca da velhice excluída, assevera que nos rin-
cões do interior do País, os velhos passam a ser os responsáveis por crianças e
mulheres abandonadas pelos homens jovens que migraram em busca de em-
prego e sobrevivência, acarretando assim uma maior responsabilidade para
uma velhice já excluída, marcada pelas condições adversas da vida rural.
Mediante essas condições sociais, os estudos sociológicos, antropoló-
gicos, psicológicos e econômicos sobre as novas configurações familiares têm
destacado os velhos como os provedores dos lares brasileiros e revelado a
necessidade de olharmos criticamente o processo de envelhecimento em face
da negação dos discursos desqualificantes dessa fase da vida.
Neste contexto, os velhos ganham visibilidade social na garantia do
sustento e manutenção de suas famílias com o pouco de recursos de que dis-
põem (aposentadoria, pensões e atividades remuneradas). Esse perfil é conhe-
cido como o “idoso arrimo de família”. Assim, o idoso vem adquirindo, além
da responsabilidade da função de cuidador, a atribuição de chefe de família,
responsável pela sobrevivência de seu grupo.
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mos-
tram que, no Brasil, em 2009, cerca de um quinto da população possui os
velhos como principais provedores dos lares, além de haver casos em que essa
pessoa é a única fonte de renda familiar.
Conforme Santana e Lima (2012, p. 184):
[...] a Síntese de Indicadores Sociais (IBGE, 2010), publicação que
reúne os principais resultados da Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios (PNAD), em 2009, identificou 64,1% de idosos como
pessoas de referência no domicílio em que residem, bem como que,
no Brasil, 10,5% dos idosos convivem com outros parentes, que não
filhos. Já a distribuição percentual do rendimento nos arranjos fami-
liares informa que 18,8% da renda familiar provêm de aposentadori-
as e pensões.
Magalhães (1989) menciona também a velhice do pseudoidoso, aque-
le trabalhador entre 40 e 50 anos de idade, que está muito jovem para se apo-
sentar, mas velho demais para uma reinserção no mercado de trabalho. Merca-
do cada vez mais seletivo e restrito, no qual não há trabalho suficiente para
todos aqueles que precisam exercê-lo, excluindo todo um contingente de tra-

28 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE


balhadores. O desemprego e a precarização atingem frontalmente os trabalha-
dores velhos que não conseguem uma colocação no mercado de trabalho for-
mal, empurrando-os para o mercado informal, subempregos, “bicos”, serviços
subcontratados e flexibilizados, aprofundando o grau de exploração do traba-
lho na velhice dos velhos trabalhadores.
As relações sociais ditadas pelo modo de produção capitalista em sua
fase mais atual, a globalização ou a mundialização financeira4, são condicio-
nantes do processo de envelhecimento humano, diferenciando-se de acordo
com a desigualdade imposta entre indivíduos e populações.
[...] Considerando-se que o homem envelhece sob determinadas con-
dições de vida, fruto do lugar que ocupa nas relações de produção e
reprodução social, não se podem universalizar suas características no
processo de construção das bases materiais da existência, porque os
homens não vivem e reproduzem como iguais, antes, são distintos nas
relações que estabelecem na produção de sua sociabilidade, principal-
mente na sociabilidade fundada pelo capital, em que desigualdades,
pobrezas e exclusões sociais lhes são imanentes, reproduzidas e am-
pliadas no envelhecimento do trabalhador. (TEIXEIRA, 2008, p. 30).
Se entre os valores fundamentais da sociedade capitalista tempo é di-
nheiro, o tempo de vida do trabalhador coincide com o tempo de seu processo
produtivo. Assim, a relação entre homens passa a ter a forma fantasmagórica
de uma relação entre coisas, denominada por Marx (2008, p. 94) como feti-
chismo, em que se fragmenta a vida humana em fases que serão coisificadas.
Isso remete à seguinte afirmação “[...] a posição de classe de quaisquer grupos
diferentes de pessoas é definida por sua localização no comando da estrutura
de capital e não por características secundárias, como o “estilo de vida”
(MÉSZÁROS, 2002, p. 44, grifo do autor; apud PAIVA, 2014, p. 36).
A linha de raciocínio aqui proposta corrobora a linha de estudo de
autoras referências na análise crítica do processo de envelhecimento, como
Beauvoir (1990), Haddad (1986), Paiva (2014) e Teixeira (2008). Estas, nos
seus respectivos estudos, posicionam-se a favor da leitura de um processo de
envelhecimento “[...] reproduzido nos limites das condições concretas no es-
paço e no compasso do tempo do capital [...]” (PAIVA, 2014, p. 30).

4
De acordo com Iamamoto (2008, p. 18), com a globalização mundial sob a hegemonia do
capital financeiro, a aliança entre capital bancário e capital industrial, instauram-se novos
padrões de produção e gerenciamento do trabalho. Diminui a demanda de trabalho, cresce a
população sobrante, ampliando-se a exclusão social política, cultural e econômica de homens,
mulheres, jovens, crianças e velhos, sujeitos alvo da violência institucionalizada.

APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 29


[...] o envelhecimento constitui um problema social, principalmente
para as classes destituídas de propriedade (exceto de sua força de
trabalho) e de controle do seu tempo de vida, em função das contra-
dições e determinações da sociedade capitalista que engendram de-
sigualdades, vulnerabilidade social em massa, degradações, desva-
lorizações e pseudovalorizações, para esta classe social, especial-
mente um avanço da idade cronológica, com o desgaste da força de
trabalho. (TEIXEIRA, 2008, p. 23).
Desta maneira, a lógica expansionista do capital determina tanto for-
mas de desvalorização social dos trabalhadores envelhecidos quanto a pseu-
dovalorização de uma parcela deles, uma vez que o acesso a uma renda, mes-
mo que mínima, de aposentados e pensionistas, ascende-os à condição de con-
sumidores de mercadorias, bens e serviços, “recolocando-os” de um modo
mais precarizado no sistema capitalista, ou até mesmo como uma nova massa
de consumidores de mercadorias direcionadas ao afastamento da velhice.
Essa visão consumista sobre a velhice nega os fatores inerentes à pas-
sagem do tempo, idealizando essa fase da vida e vendendo-a como tempo
livre, lazer e realização pessoal. Tal abordagem é amplamente difundida por
programas e políticas públicas, iniciativa privada e apropriada pelos próprios
sujeitos, em associações, clubes, centros de convivência etc. Imagens da ve-
lhice positiva, bem-sucedida, saudável e ativa, que
[...] camuflam o envelhecimento do trabalhador e a sua velhice doen-
tia, dependente pobre e desprotegida, negando “a problemática soci-
al” do envelhecimento, tratando como de responsabilidade dos indi-
víduos um problema que é social, por meio da difusão de uma cultu-
ra autopreservacionista que pretensamente seria capaz de evitar os
efeitos do envelhecimento. (TEIXEIRA, 2008, p. 82).
A ideologia impregnada em nossa cultura apresenta um caráter de se-
leção, preconceito e discriminação, tidos no senso comum como normais. Desta
forma, o envelhecimento não é visto em sua totalidade, como parte de um
processo multidimensional da vida humana; assim, ao invés de homens e mu-
lheres velhos serem vistos como experientes, vividos e sábios, devido a sua
longa vida, são atrelados a um sistema de valores que elege a juventude como
uma fase ideal, supervalorizada, que deve ser alcançada de qualquer maneira.
No processo de mercantilização do humano, o real processo de enve-
lhecimento e velhice da classe trabalhadora é mistificado pela
pseudovalorização do velho, em uma estratégia de idealizar a velhi-
ce tratando-a como produto. Esse processo possui como essência a

30 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE


valorização da juventude, trazendo-a não como uma fase da vida,
mas como um valor de troca a ser adquirido por poucos. (COSTA,
2015, p. 43).
A partir do fator cronológico o indivíduo é enquadrado no aparato
legal, encaminhado e atendido por instituições específicas. Tal lógica direcio-
na as políticas sociais, determinando o tipo de acesso que cada indivíduo deve
ter. “Também definirá, pelo menos em texto, o tempo de estudar, de trabalhar
e o de se aposentar, ditando regras que antes pertenciam ao domínio privado,
familiar” (PAIVA, 2014, p. 143).
Na organização social brasileira, a fragmentação cronológica privile-
gia a juventude, considerando sua capacidade funcional ao sistema, menos-
prezando e desvalorizando a velhice, negando-a.
Para Kohli e Meyer (1986 apud DEBERT 1999, p. 50), há um proces-
so de individualização que é próprio da modernidade, no qual a “cronologiza-
ção da vida” institucionaliza o curso da vida humana, envolvendo praticamen-
te todas as dimensões do mundo familiar e do trabalho. Acha-se presente na
organização do sistema produtivo, nas instituições educativas, no mercado de
consumo e nas políticas públicas, que cada vez mais têm como alvo grupos
etários específicos.
Esse processo de individualização colaborou para a cronologização
das fases da vida humana, introduzindo conceitos construídos socialmente
acerca do que é ser e estar criança, adolescente, adulto e velho. Na fase da
velhice, naturalizam-se preconceitos, dogmas e mitos que reforçam a desvalo-
rização do velho na sociedade, tendo como pano de fundo a suposta “incapa-
cidade” produtiva dos velhos.
Sob a produção e reprodução da vida humana em tempos do capital,
naturalizam-se, com muita facilidade, aspectos que deveriam causar indigna-
ção – como a incessante exploração do homem pelo próprio homem, as desi-
gualdades sociais, os preconceitos, as violências e as intolerâncias que aquela
relação vem causando há séculos –, e apresentam-se dificuldades em admitir o
envelhecimento e a velhice, não os entendendo como um processo e uma fase
da vida que possuem peculiaridades como todas as outras, bem como potenci-
alidades humanas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Quando se trata de refletir sobre o processo de envelhecimento e ve-
lhice das nações e as consequências da mudança do perfil demográfico, a
priori deveríamos recorrer à análise de conjuntura, baseada numa perspectiva

APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 31


de totalidade, priorizando a leitura dos processos de produção e reprodução
social em que o curso da vida humana se dá, justamente pelo fato de que a
história carrega lutas, memórias e conquistas coletivas que influenciam dire-
tamente no processo de transição demográfica dos países.
Essa “revolução” do perfil demográfico das populações é uma via de
mão dupla: carrega triunfos, pois é resultado do reconhecimento dos direitos
humanos, mas também desafios, que emergem de uma sociabilidade essenci-
almente violenta e contraditória, a reproduzir preconceitos de classe, etnia,
raça, gênero e geração.
Partindo desse pressuposto, parece-nos óbvio que as velhices demons-
tram uma heterogeneidade muito maior do que aquelas analisadas apenas pe-
los fatores físicos, biológicos e cronológicos. Há uma diversidade de velhices
que é fundamentalmente condicionada pelo embate de classes, que diferencia
essencialmente as velhices dos pobres e miseráveis operários das dos grandes
proprietários dos grupos empresariais. Ou seja, a velhice é marcada pela divi-
são entre as classes sociais.
Ademais, as relações de produção e reprodução da sociabilidade do
capital engendram valores e concepções que vêm a calhar com a desvaloriza-
ção social da velhice dos velhos trabalhadores, marcados por sua “improduti-
vidade”, ocultando suas lutas diárias pela sobrevivência de suas famílias. Si-
multaneamente, emerge um processo de pseudovalorização da velhice, que
idealiza essa fase da vida pelo viés do consumo, relacionando a velhice ativa
e saudável com valores juvenis.
Essa negação e imposição de um “distanciamento” social das velhices
nos remete a uma paráfrase de Carlos Drummond de Andrade (1983, p. 166):
“Este é tempo de divisas, tempo de gente cortada”, gente que não consegue se
ver em sua humanidade, gente que não entende que o velho também é gen-
te...”.
Como vivemos? O que queremos? Quais são os nossos valores? Quem
são os nossos velhos? O que é a velhice? São questionamentos fundamentais
e éticos que devemos ter como ponto de partida para analisarmos o processo
de envelhecimento humano e a velhice, seus desafios inerentes a uma socieda-
de contraditória como esta que está posta para nós e nossos velhos. É preciso
refletir e agir no presente coletivamente, visando semear o futuro.

32 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE


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34 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE


CAPÍTULO II

REFLEXÕES ACERCA DA PROTEÇÃO SOCIAL PARA OS


VELHOS DO BRASIL
Jonorete de Carvalho Benedito

Resumo: Este artigo, orientado pela tradição marxista, traz uma reflexão so-
bre as políticas sociais destinadas aos velhos brasileiros, como a Política Na-
cional do Idoso e o Estatuto do Idoso. Governos implementam políticas públi-
cas a fim de “assegurar os direitos sociais do idoso, criando condições para
promover sua autonomia, integração e participação efetiva na sociedade” (BRA-
SIL, 2003), mas essa responsabilidade não é inteiramente assumida pelo Esta-
do, e assim a família e a comunidade são conclamadas a exercer este papel.
Nessa perspectiva, uma gama de serviços específicos é criada para atender, de
forma específica, este segmento populacional.

Palavras-Chave: Envelhecimento, Políticas Sociais, Proteção Social, Velhos,


Idosos.

NOTAS INTRODUTÓRIAS
A primeira geração de trabalhadores vivenciou péssimas condições de
trabalho, jornadas sem limite, habitações em condições insalubres, situações
que provocavam mortes prematuras e que obstavam fosse a velhice um está-
gio da vida a ser desfrutado por esta parcela da sociedade. O máximo que os
produtores da riqueza conseguiam sobreviver girava em torno de 30 a 40 anos
de idade (ENGELS, 1986).
Aos poucos a classe trabalhadora passou a reivindicar melhores con-
dições de trabalho, tanto nos espaços físicos como na extensão das jornadas
de trabalho, bem como outros fatores que conferissem qualidade às suas vi-
das. O desenvolvimento das forças produtivas viabilizou o prolongamento de
suas vidas e, consequentemente, o envelhecimento.
Entretanto, o “bom” envelhecer, com dignidade e qualidade de vida,
não era e continua a não ser uma realidade de todos. A qualidade de vida foi
ampliada para boa parte da população, mas não se distribuiu pelo seio de toda
a sociedade na mesma proporção. O envelhecer de quem usurpa a riqueza
produzida não é semelhante ao daquele que produz a riqueza. Isto é, o traba-
lhador velho sofre muito mais com as consequências do processo de envelhe-
cimento do que o capitalista que comprou a sua força de trabalho enquanto

APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 35


aquele constituía uma fonte geradora de riqueza.
Sem boa condição de trabalho, de moradia e de alimentação, a velhice
vivenciada pela classe trabalhadora vem muitas vezes acompanhada de doen-
ças, propiciando o seu afastamento não só das atividades laborais, como tam-
bém do convívio social, ficando, em grande parte, restrito ao ambiente famili-
ar. No entanto, com o capitalismo maduro e a necessidade de que todos da
família fossem envolvidos no processo de produção, o que era privado tornou-
se público: serviços foram criados para o trato da questão velhice.
Trabalhadores incapazes para o trabalho precisam ser amparados pelo
Estado, porquanto a família deve ser liberada para a manutenção do capital.
Reivindicações deste molde começam a fazer parte da pauta dos trabalhado-
res, obrigando o Estado a intervir. Surgem assim as políticas sociais destina-
das ao segmento velho da sociedade.
Para a realização deste estudo busca-se trilhar o caminho da teoria
social crítica, visando apreender a essência do fenômeno, o que se faz neces-
sário caso se queira, de fato, conhecer a realidade. É preciso compreender a
realidade como “um complexo de complexos” (LUKÁCS, 1978), um todo
dividido em partes interdependentes, pois, de acordo com Chasin, “a totalida-
de é um todo matizado, é um todo ordenado em processo, e o ser real tem
momentos distintos de determinação. Nessa totalidade total posso perfeita-
mente distinguir totalidades momentâneas ou parciais” (19 [ ], p. 11).
Assim, o caminho metodológico fundamentou-se numa concepção
dialética de construção e reconstrução do conhecimento científico, consubs-
tanciado no movimento do particular para o geral. Lançou-se mão da pesquisa
bibliográfica e documental.

Os primórdios da política social para o trabalhador velho no Brasil


De acordo com Netto (1996, p. 29), “as políticas sociais decorrem
fundamentalmente da capacidade de mobilização e organização da classe ope-
rária e do conjunto dos trabalhadores”, devendo algumas vezes, ainda de acor-
do com o autor, o “Estado responder com antecipações estratégicas” (NET-
TO, 1996, p. 29).
Tendo esse argumento como pressuposto, pode-se compreender por
que somente no início do século passado o Brasil dá os primeiros passos em
direção à sua política de proteção social aos trabalhadores, através da criação
das Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAPs) para os ferroviários, no ano
de 1923.
Pereira (2008) informa ser o Decreto-Lei nº 4.682, de 24 de janeiro de

36 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE


1923, denominado Lei Elói Chaves, o determinante para a criação das referi-
das Caixas de Aposentadorias e Pensões, sociedades civis que tinham abran-
gência por empresa. A primeira Caixa de Aposentadorias e Pensões, ainda
segundo Pereira (2008), foi criada para os trabalhadores das empresas de es-
trada de ferro existentes à época. Sua cobertura compreendia assistência mé-
dica, aposentadoria, pensão, auxílio-funeral e maternidade. Somente três anos
mais tarde a categoria dos marítimos e trabalhadores da estiva foi “agraciada”
com o sistema das CAPs. No ano de 1937, o número de CAPs já correspondia
a 183, atingindo primeiramente as categorias mais combativas da época (HA-
DDAD, 1993).
A conjuntura do Brasil naquela época estava em efervescência; ocor-
ria um aumento das atividades industriais e, com ele, o acréscimo do contin-
gente de trabalhadores organizados, a fortalecer o movimento operário.
Nesse cenário, tanto as políticas de proteção social como os órgãos
responsáveis por sua efetivação surgiram e se fortaleceram, sobremodo na
década de 1940. Entre estes órgãos podem-se citar a Legião Brasileira de As-
sistência (LBA, 1942), o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SE-
NAI, 1942), o Serviço Social da Indústria (SESI, 1946) e o Serviço Social do
Comércio (SESC, 1946). Desses, serão abordados os dois primeiros, pois his-
toricamente desenvolvem um trabalho importante com a velhice no País.

A Legião Brasileira de Assistência – LBA


A LBA surge “a partir de iniciativa de particulares, logo encampada e
financiada pelo governo, contando também com o patrocínio das grandes cor-
porações patronais [...] e o concurso das senhoras da sociedade” (IAMAMO-
TO; CARVALHO, 1985, p. 257). Destacam os mesmos autores que a institui-
ção objetiva “‘prover as necessidades das famílias cujos chefes hajam sido
mobilizados [para a Segunda Guerra Mundial], e, ainda, prestar decidido con-
curso ao governo em tudo que se relaciona ao esforço da guerra’” (IAMAMO-
TO; CARVALHO, 1985, p. 257).
Se inicialmente a LBA surge como um meio de prover os desvalidos
da Segunda Grande Guerra, com o tempo ela assume outras áreas da assistên-
cia social, como se pode observar através de um extrato do Relatório sobre as
diretrizes e realizações da LBA, apresentado aos membros do Conselho Con-
sultivo e Deliberativo, referente ao período agosto de 1942 a julho de 1943,
ainda segundo Iamamoto e Carvalho (1985, nota de rodapé, p. 258):
Assistência à maternidade e infância, à velhice, aos doentes, aos ne-
cessitados, aos desvalidos, melhoria da alimentação e habitação dos

APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 37


grupos menos favorecidos, difusão da educação popular, levantamento
do nível de vida dos trabalhadores e organização racional de seus
lazeres.
Em 1946, com o término da Segunda Grande Guerra, a LBA promo-
veu uma reformulação nos seus estatutos e redefiniu também suas finalidades;
dessa vez, passou a ter como objetivo essencial prestar atendimento em defesa
da maternidade e da infância. Os trabalhadores velhos foram deixados de lado,
e gestantes, mães e crianças passaram a ser o público-alvo dessa instituição.
Durante décadas a LBA “esqueceu” que a população brasileira era composta
por outros segmentos que não fossem mulheres em idade de procriação e cri-
anças, e só voltaria a se preocupar com a velhice na década de 1970.
No período compreendido entre os anos de 1946 e 1966, “a LBA foi
sustentada basicamente por recursos provenientes dos institutos de aposenta-
dorias e pensões” (SPOSATI; FALCÃO; FLEURY, 1989, p. 64). O dinheiro
proveniente dos idosos servira para patrocinar atividades direcionadas ao seg-
mento materno-infantil, executadas pela Legião, enquanto eles – os velhos –
foram banidos da instituição.
Durante esse período, somente os trabalhadores velhos que eram pre-
videnciários obtiveram proteção social, através dos Institutos de Pensão e
Aposentadoria; estes foram unificados em 1966, não havendo nenhum atendi-
mento destinado aos trabalhadores velhos não previdenciários.
Na década de 1970, os idosos passam a ser objeto de intervenção do
Instituto Nacional de Previdência Social (INPS). O público-alvo, naquele
momento, eram os aposentados e pensionistas do próprio instituto, com idade
a partir de 60 anos, e sua admissão ao programa era realizada “considerando o
desgaste físico e mental dos idosos, a insuficiência de recursos próprios e
familiares e a inexistência da família ou o abandono do idoso pela família”
(BRASIL, 2002, p. 50). Somente em 1977 é que os velhos, previdenciários ou
não, passam a ter respaldo legal do poder público, com a transferência da
responsabilidade dos programas executados pela INPS para a LBA.
A LBA define seu objetivo principal em relação à velhice: “propiciar
a integração do idoso, principalmente no que diz respeito à melhoria das con-
dições de vida, ao fortalecimento dos laços familiares e à formação de uma
atitude positiva em relação à velhice” (PORTARIA DE 9/11/1979 apud HAD-
DAD, 1986, p. 65).
A procura dos velhos para participar dos grupos fomentados pela LBA
foi grande. Isso levou os profissionais ali atuantes a sugerir parcerias com
instituições privadas que atuassem com idosos ou tivessem o desejo de atuar.

38 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE


A Legião, então, viabilizou a formalização de convênios de cooperação técni-
co-financeira com milhares de instituições espalhadas pelo Brasil, objetivan-
do executar a sua política social para idosos em centros de convivência, por-
quanto, para os velhos institucionalizados, esses convênios já existiam há al-
gum tempo (BRASIL, 2002).
Com a Lei Orgânica da Assistência Social, em dezembro de 1993, a
LBA é extinta e os serviços descentralizados, passando a responsabilidade da
formulação desses convênios para as Prefeituras Municipais, através das suas
Secretarias Municipais de Assistência Social.

O Serviço Social do Comércio – SESC


O SESC foi criado em 1946, com a “finalidade de planejar e executar
medidas que contribuam para o bem-estar e a melhoria do padrão de vida dos
empregados no comércio e serviços e suas famílias, e bem assim, para o aper-
feiçoamento moral e cívico da coletividade” (SESC, 1946).
Naquele momento, ainda não eram realizadas atividades com pessoas
velhas, o que só veio a acontecer em 1963, através do SESC/SP. A população
idosa começa a despontar e instituições surgem destinadas ao estudo desse
segmento: é o caso da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia.
De acordo com Assis, citado por Haddad (1986, p. 89), o interesse do
SESC em iniciar seu trabalho social com idosos se deu
[...] a partir de sugestões de uma equipe de técnicos do SESC que, no
ano anterior, realizou viagem de estudos aos Estados Unidos da
América, onde observou o trabalho que se fazia em centros sociais
para idosos, no sentido de evitar a solidão e o desamparo de que são
vítimas as pessoas desse grupo etário. As evidências de que no Brasil
[...] os problemas de desamparo, solidão e marginalização social das
pessoas idosas começavam a atingir proporções notáveis levaram o
SESC a estender o atendimento aos aposentados do comércio, ofere-
cendo aos participantes oportunidades de novas relações sociais e a
manutenção e ocupação do tempo livre em atividades de lazer.
O trabalho social com idosos no SESC foi iniciado de acordo com um
projeto: os Centros de Convivência. Com o passar dos anos, foram introduzidos
trabalhos com Pré-Aposentados e as Escolas Abertas da Terceira Idade. Tinham,
e ainda têm, como pano de fundo um trabalho educativo. O velho deveria apren-
der novas posturas, descobrir novos potenciais que o ajudassem a se integrar na
sociedade. Não há uma preocupação em discutir a relação da velhice com a
estrutura da sociedade. A finalidade é a adequação do idoso à sociedade.

APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 39


Apesar de a atuação do SESC ter o caráter descrito acima, ele foi o pri-
meiro órgão a se preocupar em reunir os idosos brasileiros em grandes encontros
nacionais, os quais inicialmente objetivavam demonstrar as habilidades artesa-
nais, corporais, artísticas etc. dos velhos assistidos pelos vários departamentos
regionais espalhados pelo país. No entanto, tendo em vista os encontros nacionais
mobilizarem cerca de 5 mil velhos e uma proporção enorme de profissionais, com
o transcorrer do tempo houve uma grande repercussão. Isso contribuiu para que as
manifestações em prol da população envelhecida ocorressem em todo o Brasil.
Podem-se considerar esses encontros como a semente originária da
organização dos trabalhadores velhos. Se antes “eles não tinham armas” e
necessitavam da tutela de profissionais, a partir daí eles já possuíam as armas
necessárias às suas conquistas e sabiam como fazer para exigir que seus direi-
tos fossem assegurados.
A década de 90 do século passado e a primeira década deste século
XXI foram testemunhas de leis de grande repercussão no tocante à proteção
social do segmento envelhecido da população; entre elas podem-se destacar
a Política Nacional do Idoso (PNI) e o Estatuto do Idoso.

Política social contemporânea para os velhos brasileiros


Fernandes e Santos (2007) destacam que a difusão do fenômeno da
longevidade e suas consequências foi inicialmente promovida pelas organiza-
ções internacionais; estas “tiveram papel fundamental na análise e comunica-
ção do impacto do envelhecimento sobre os países em desenvolvimento, na
tentativa de estimulá-los a adotarem medidas para o enfrentamento dessa rea-
lidade” (FERNANDES; SANTOS, 2007, p. 53). Ressaltam-se as medidas di-
recionadas à promoção do envelhecimento saudável e as que dizem respeito à
necessidade de “lutar pelo envelhecimento com direitos e dignidade” (FER-
NANDES; SANTOS, 2007, p. 53).
Não há necessidade de grandes esforços para realizar a comprovação de
que as medidas acima mencionadas foram assumidas e realizadas pelo Brasil;
para tal, basta mencionar as políticas públicas surgidas na década de 90 do sécu-
lo XX, que consagram direitos para a parcela da população envelhecida. Apesar
de essas políticas tratarem das pessoas velhas independentemente da classe so-
cial na qual se acham inseridas, suas determinações refletem de forma mais
contundente no cotidiano dos trabalhadores velhos, conforme se verá a partir
deste momento.

40 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE


A velhice na Constituição Federal de 1988
O Plano de Ação da I Assembleia Mundial sobre o Envelhecimento,
ocorrida em Viena no ano de 1982, desencadeou um processo de discussão em
âmbito mundial e nacional sobre a questão do envelhecimento. Entre as reco-
mendações contidas nesse documento, a qualidade de vida deveria ser tão im-
portante quanto a longevidade. Assim,
[...] na medida do possível, os idosos deveriam desfrutar, com suas
próprias famílias e comunidade, de uma vida plena, alegre, saudável
e segura, integrando-se à vida em sociedade. Esta qualidade de vida
deve ser construída pelo governo, pela família, pela sociedade e pe-
los próprios idosos. (BRASIL, 2002, p. 52).
Tendo essa recomendação como premissa e seguindo as orientações
da Organização das Nações Unidas (ONU), como também assimilando as rei-
vindicações oriundas dos movimentos sociais ligados aos velhos, o Brasil,
através da Constituição Federal de 1988, da Política Nacional do Idoso e do
Estatuto do Idoso, estabelece direitos sociais direcionados a este segmento.
Desse modo, encontrar-se-ão na Constituição Cidadã alguns artigos a
tratar deste tema: o Título VIII, da Ordem Social, Capítulo II, da Seguridade
Social, da Seção III Da Previdência Social, no art. 201, diz que a previdência
social, entre outros atendimentos, fará a “cobertura dos eventos de doença,
invalidez, morte, incluídos os resultantes de acidentes do trabalho, velhice e
reclusão” (BRASIL, 1988). Este artigo estabelece ainda: o reajuste dos bene-
fícios como forma de preservar os valores reais; todos os salários de contri-
buição considerados no cálculo de benefício devem ser corrigidos monetaria-
mente; nenhum benéfico será menor que o salário mínimo vigente; e a gratifi-
cação natalina dos aposentados e pensionistas terá como base o valor dos pro-
ventos recebidos no mês de dezembro.
Na Seção IV, no art. 203, a Assistência Social tem entre seus objeti-
vos: “proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhi-
ce”, bem como “a garantia de um salário mínimo de benefício mensal [...] ao
idoso que comprove não possuir meios de prover à própria manutenção [...]”
(BRASIL, 1988). Mais adiante, neste mesmo título, no capítulo III, Da Educa-
ção, Da Cultura e do Desporto, na Seção VII, Da Família, da Criança, do
Adolescente e do Idoso, composta por cinco artigos – art. 226 ao art. 230 –,
somente este último trata exclusivamente da pessoa idosa; todos os outros se
destinam às crianças e aos adolescentes. O art. 229 determina que os filhos
maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice. O art. 230 é o mais
“famoso” entre a população idosa, pois determina: “aos maiores de 65 anos é
APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 41
garantida a gratuidade nos transportes coletivos urbanos” (BRASIL, 1988).
Em todo o texto da Carta Magna do Brasil promulgada em 5 de outu-
bro de 1988, as palavras utilizadas para a designação da pessoa envelhecida,
tais como idoso, velhice ou outra palavra similar, constam tão só nesses qua-
tro artigos.
O fato de muitos artigos desta Constituição terem sido uma resposta
às reivindicações do movimento social não constitui garantia para o seu cum-
primento. Não por acaso, desde o final de 1988 o movimento dos aposentados
e pensionistas já alertava para a necessidade de continuar organizado e com-
bativo, como se pode observar na Circular da Confederação dos Aposentados
e Pensionistas do Estado de São Paulo, citada por Haddad:
[...] alertamos aos companheiros que só podemos cantar vitória quando
essas conquistas saírem do papel e forem postas em prática. Para
isso será necessário que continuemos organizados e mobilizados,
como estivemos enquanto durou a Assembléia Nacional Constituin-
te. Companheiros, a luta não acabou; cada batalha vencida por nós
é mais um avanço para a nossa efetiva participação na vida social,
econômica e política brasileira. (HADDAD, 1993, p. 83, grifos da
autora).
Não foi preciso muito tempo para constatar como era justificada a
preocupação do Movimento dos Aposentados e Pensionistas. Já em março de
1989, cinco meses após a promulgação da Constituição Federal, a Confedera-
ção Brasileira de Aposentados e Pensionistas envia uma carta aos parlamenta-
res denunciando, entre outros fatos, o não cumprimento da Constituição no
tocante ao pagamento do décimo terceiro salário de 1988, por não considerar
os valores dos proventos recebidos no mês de dezembro (HADDAD, 1993).
É fato, porém, que as leis formuladas após 1988, grosso modo, trazem
artigos referentes à velhice; entre estas leis, duas se destacam – a Política
Nacional do Idoso e o Estatuto do Idoso –, tanto por serem muito comentadas
nos dias atuais pela sociedade, como também por haver um consenso entre
especialistas da área do direito e da gerontologia de que essas leis
[...] consolidam os direitos dos idosos já assegurados na Constitui-
ção da República Federativa do Brasil, apresentando formas de
concretização de instrumento legal capaz de coibir a situação de ris-
co social, retratando as novas exigências da sociedade brasileira para
o atendimento da população idosa, sob o pressuposto da manutenção
da política nacional do idoso, como norma orientadora governamen-
tal na área. (SOUSA, 2004, p. 124).

42 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE


Em decorrência da sanção dessas leis, é muito comum mencionar-se
em congressos, seminários e noticiários ser o Brasil o detentor das melhores
leis para o atendimento à população velha. No entanto, não raramente, nos
mesmos eventos, profissionais e idosos denunciam a necessidade de que essas
leis se façam valer no dia a dia dos velhos brasileiros, pois até o momento elas
não passam de letras mortas; são “direitos apenas formalmente inseridos na
lei, mas não conferem aos idosos a dignidade, o respeito e a integração no
novo modelo da sociedade atual” (SOUSA, 2004, p. 9).

A Política Nacional do Idoso


Indubitavelmente, a última década do século passado pode ser consi-
derada um marco histórico nas lutas reivindicatórias na garantia de defesa dos
direitos dos trabalhadores velhos. Paz (2001) assevera que o grande propulsor
foi o movimento pelos 147%, referentes à reposição de perdas nos valores das
aposentadorias e pensões, em um difícil embate com o então presidente da
República, Fernando Collor de Mello.
Apesar de longa, transcreve-se abaixo a reflexão de Paz (2001), de
fundamental importância para se compreender quanto esta mobilização repre-
sentou não só para os trabalhadores velhos brasileiros, como para toda a soci-
edade:
Antes de torná-lo [o movimento dos aposentados pelos 147%] mais
expressivo e forte, nacional e regionalmente, tanto em suas organiza-
ções quanto nas lutas específicas, teve como resultado a maior difu-
são da mídia, ocupando diariamente os noticiários e, por extensão,
trouxe também maior visibilidade sobre a situação precária do idoso
brasileiro.
Embora sob ângulos diferentes, uma vez que o movimento dos traba-
lhadores-aposentados dirigia-se às suas reivindicações em relação à
aposentadoria e outros direitos da previdência, a proximidade etária
da maioria dos trabalhadores-aposentados se circunscreve à faixa dos
idosos. Logo a mídia ressaltava e potencializava os cabelos brancos
como ícone/símbolo dos sujeitos naquela luta. Por conseguinte, re-
portagens e documentários jornalísticos acabavam apresentando os
problemas diários sofridos não só pelos trabalhadores-aposentados,
mas, principalmente, pela maioria dos idosos.

A mídia destacava o mau atendimento nos bancos, nos transportes


urbanos, nos serviços de saúde, nos postos da Previdência, dentre
outros, trazendo à tona não somente os problemas econômicos da

APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 43


previdência, mas, ainda, o reflexo de suas vidas no cotidiano urbano,
as questões de negligência e violência junto aos idosos, e, também,
as suas situações sociofamiliares e os problemas relativos aos direi-
tos e às demandas sociais. A maioria dos enfoques da mídia denunci-
ava níveis de corrupção, com desvios de recursos e verbas altamente
prejudiciais à previdência, aos trabalhadores, aos trabalhadores-apo-
sentados, à população geral e ao país.
O movimento dos trabalhadores-aposentados, conse-quentemente,
deflagrou outras problemáticas e produziu novos quadros sobre a rea-
lidade, revelando surpreendentes situações sociais, políticas e econô-
micas que se tornaram importantes para o país. (PAZ, 2001, p. 33).
Outro fato a garantir visibilidade à velhice ocorreu também na década
de 1990 e trouxe à tona o descaso com idosos abrigados em instituições de longa
permanência. Quem daquela década não lembra o caso da Clínica Santa Geno-
veva, no município do Rio de Janeiro? Noventa e quatro idosos morreram em
dois meses – mais precisamente entre abril e junho de 1996 –, por falta de higi-
ene ou tratamento adequado. Em outras palavras, morreram por negligência, e
com uma ressalva: essa clínica era subsidiada com recursos públicos para exe-
cutar o atendimento. Manifestações de várias categorias e segmentos acontece-
ram pelo país, ocasionando o fechamento da citada clínica.
Esses episódios tiveram um amplo acompanhamento da mídia. O Es-
tado, através do Governo Federal, promulgou em 1994 a Política Nacional do
Idoso (PNI), e em 1996 assinou o decreto que regulamentava a PNI. Cada
ação governamental correspondeu a uma das referidas ocorrências. A mobili-
zação pelos 147% proporcionou a PNI, regulamentada após dois anos e meio
por um decreto, o que só se verificou no período do fatídico acontecimento na
Santa Genoveva.
A Lei 8.842/94 (PNI) estrutura-se como um documento e traz em seu
bojo extensas recomendações para o entendimento e a maneira de compreen-
der a velhice, sendo composta por seis capítulos.
Já em seus primeiros artigos, a PNI deixa transparente a influência
recebida no tocante ao Plano de Ação da I Assembleia Mundial sobre o Enve-
lhecimento. Em seu primeiro artigo, a PNI estabelece o seguinte: “a Política Naci-
onal do Idoso tem por objetivo assegurar os direitos sociais do idoso, criando
condições para promover sua autonomia, integração e participação efetiva na so-
ciedade”. Consta no seu artigo 3º:
I - a família, a sociedade e o Estado têm o dever de assegurar ao
idoso todos os direitos da cidadania, garantindo sua participação na

44 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE


comunidade, defendendo sua dignidade, bem-estar e o direito à vida;
II - o processo de envelhecimento diz respeito à sociedade em geral,
devendo ser objeto de conhecimento e informação para todos; III - o
idoso não deve sofrer discriminação de qualquer natureza.
Observa-se uma transferência da responsabilidade pela gestão do en-
velhecimento para a família e a sociedade civil organizada, como uma estraté-
gia visando pôr em prática o que reza a cartilha neoliberal para a execução de
políticas públicas, reduzindo assim a obrigação do Estado quanto à reprodu-
ção social do trabalho.
Responsabilizar a família pela gestão do envelhecimento implica dei-
xar a família à sua própria sorte, porquanto esta, para atender a si mesma e aos
seus velhos, depende da venda de sua força de trabalho. Caso não haja com-
prador, resta morrer na pobreza para aqueles desprovidos de condições de
pagar pelos serviços (TEIXEIRA, 2008).
Prossegue a autora:
Parece ser cada vez mais distante a possibilidade de ter na família
essa fonte de recursos disponíveis para responder às dificuldades
sociais vividas por grande parte da população, principalmente, das
famílias empobrecidas, agravadas com o desemprego, com a
precarização do trabalho, entre outras. (TEIXEIRA, 2008, p. 269).
Na seção concernente às diretrizes, mais uma vez se prioriza o atendi-
mento do idoso na família, em detrimento das instituições de longa permanên-
cia, restringindo ao Estado o atendimento daqueles extremamente pobres, sem
a mínima condição de se manter. No entanto, determina que, caso o velho
esteja doente, ele não pode permanecer nas dependências asilares, ou seja, “a
carga recai sobre a família, quando esta mais necessita da intervenção do Es-
tado” (TEIXEIRA, 2008, p. 270). A responsabilidade da família pelo processo
de envelhecimento não se esgota nessas seções e artigos citados anteriormen-
te, mas perpassa todos os artigos da PNI.
Outro aspecto a se destacar diz respeito às determinações para a área
da educação. Entre elas podem-se citar: a adequação de currículos, metodolo-
gias e material didático para os programas educacionais destinados ao idoso;
o desenvolvimento de programas que adotem modalidades de ensino a distân-
cia, adequados às condições do idoso; e, ainda, o apoio à criação de universi-
dade aberta para a terceira idade, como meio de universalizar o acesso às
diferentes formas do saber.
Ora, como se pode pensar em formas de universalizar os saberes num

APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 45


País em que o segmento populacional acima de 60 anos possui, de acordo com
o PNAD do ano de 2000 (citado no PNAD de 2014), um montante de 5,1
milhões de analfabetos? Entre os velhos que têm idade entre 60 e 64 anos de
idade, a taxa de analfabetismo funcional é de 53,3%. Este percentual sobe
para 67,4% quando se trata dos idosos a partir de 75 anos (IBGE, 2015).
Pode-se assim sintetizar esta subseção:
[...] a PNI é uma legislação moderna que reforça a característica bra-
sileira de legislações complexas, ricas de proteção social, entretanto,
com nítido caráter formal e legalista que não se expressa em ações
efetivas de proteção. Essa lei se enquadra como nenhuma outra nas
novas diretrizes (internacionais) da política social, aquela que não
prioriza o Estado como garantidor desses direitos, mas como
normatizador, regulador, cofinanciador, dividindo as responsabilida-
des da proteção social com a sociedade civil, através de ações desen-
volvidas por ONGs, comunidade, família ou entes municipais.
(TEIXEIRA, 2008, p. 266-7).
Nesse contexto de não viabilização da PNI e de outras leis destinadas à
proteção dos velhos, o movimento organizado dos idosos continuou a pressio-
nar o governo para a conquista de direitos. O Estatuto do Idoso foi elaborado e
seguiu seus trâmites no Congresso Nacional a partir de 1997, tendo sua promul-
gação em formato de lei (n.º 10.741, de 1º de outubro de 2003). Os reflexos
desta lei no cotidiano dos velhos trabalhadores serão discutidos a seguir.

Estatuto do Idoso
Após tramitar seis anos no Congresso Nacional, o Estatuto do Idoso
foi aprovado por unanimidade pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Fe-
deral. Visa à regulamentação das garantias dos idosos, algumas delas já asse-
guradas tanto pela Constituição Federal de 1988 como pela Política Nacional
do Idoso e pelo Código Civil, entre outras leis. Apesar de ter sido sancionado
pelo presidente da República do Brasil no dia 1° de outubro de 2003, somente
entrou em vigor no dia 1º de janeiro do ano subsequente.
De acordo com Costa (2004), a Lei n.º 10.741/2003
[...] reforça os direitos do seguro velhice iniciados com a proteção
social bismarckiana. Descrevendo os direitos fundamentais dos ido-
sos mencionados na Constituição Federal, com a defesa do conjunto
dos aspectos da vida que incidem no processo de envelhecimento,
intenta articular um conceito de bem-estar na velhice, enfocando um
certo espírito da seguridade. (COSTA, 2004, p. 1, grifos da autora).

46 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE


Em consonância com o discurso em voga de garantia de direitos do
cidadão, o Estatuto do Idoso foi elaborado com 118 artigos, organizados em
sete títulos.
Já em seu primeiro artigo o Estatuto do Idoso define quem pode ser
considerado idoso, seguindo a orientação da ONU, segundo a qual nos países
da periferia do capital são idosas todas aquelas pessoas com idade acima de
60 anos. Assim, a Lei n.º 10.741/2003 determina que as pessoas com seis
décadas ou mais ultrapassam a barreira da idade adulta e adentram na velhice.
Merece ser destacado no artigo em questão o critério utilizado para a
determinação de quem deve usufruir os direitos garantidos em lei, pois isso
foi definido única e exclusivamente pelo aspecto cronológico, sem levar em
consideração nenhum outro aspecto como o econômico, o social, o cultural, o
emocional e o de saúde. Definir critérios cronológicos para definir quem é
velho, como se pode observar, é mais uma imposição das leis que determinam
os direitos e deveres para o segmento envelhecido da população.
Debert afirma: “a idade cronológica só tem relevância quando o qua-
dro político-jurídico ganha precedência sobre as relações familiares e de pa-
rentesco para determinar a cidadania” (1998, p. 17).
O terceiro artigo determina:
É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder
Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do
direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao es-
porte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao
respeito e à convivência familiar e comunitária. (BRASIL, 2005).
Vale destacar alguns aspectos desse artigo: primeiro, numa sociedade
desigual como é a sociedade capitalista, a igualdade de oportunidades não é
oferecida da mesma forma para todos; portanto, determinar que uma categoria
social seja atendida de forma prioritária na efetivação dos seus direitos pode ser
considerado uma grande balela. A prioridade de atendimento de direitos neste
país ocorre devido ao poder econômico de quem os está requerendo, ou seja,
“em vez da universalização dos direitos, nós convivemos com a discriminação
por nível de renda, idade, classe social”, como bem adverte Néri (2005, p. 10).
O segundo aspecto a merecer um pouco mais de atenção é o fato de o
Estatuto, em inteira conexão com a PNI e a ONU, priorizar o atendimento da
pessoa velha por sua própria família. Além de obedecer ao ideário neoliberal,
retirando do Estado a responsabilidade com as políticas públicas, ainda
[...] ignora as necessidades da família urbana, restrita, vertical, com

APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 47


mulheres trabalhando fora e com número crescente de famílias com
chefes-mulheres; ignora desejos e necessidades dos idosos de não
coabitar com a família; confunde velhice com pobreza, remetendo o
Estatuto ao século XIX, quando asilos eram lugar para mendigos,
andarilhos, doentes, loucos, deficientes físicos e mentais e idosos.
(NÉRI, 2005, p. 11).
Quanto à gratuidade nos transportes coletivos urbanos, prevista no
artigo 230 da Constituição brasileira, bem como no artigo 39 da Lei n.º 10.741/
2003, esta só é possível para aqueles que atingiram a idade de 65 anos ou
mais. Em geral, os órgãos responsáveis pela regulamentação deste direito pro-
movem verdadeiras humilhações aos velhos carentes deste serviço, desde uma
quantidade enorme de documentos até longas e intermináveis filas, além de
mau atendimento.
Há ainda, no Estatuto, um capítulo que trata do direito do velho a ter
exercício e qualificação profissional; eis aí mais uma recomendação da ONU
seguida pelo governo brasileiro. Como destaca Stefano (2002), inserir o idoso
no mercado de trabalho “é, para a ONU, uma das maneiras de resolver o grave
problema de envelhecimento da população e evitar a quebra dos sistemas de
previdência nos países mais pobres” (STEFANO, 2002, p. 2).
Como se pode observar, o Estatuto do Idoso bem como a PNI trazem
artigos que mesmo depois de tantos anos de sua promulgação não consegui-
ram sair do papel, principalmente os concernentes à diminuição de acumula-
ção de lucros por parte do capital.

À GUISA DE CONCLUSÕES
A luta desenvolvida pela classe trabalhadora é o único instrumento
possível para melhorar as condições de trabalho e, consequentemente, de vida
dos trabalhadores. É o que se comprova quando se estuda a história do movi-
mento operário. De fato, a busca da classe trabalhadora por melhores condi-
ções de trabalho foi responsável pela conquista da proteção ao trabalhador na
fase da velhice, em situações de doenças, entre outras (GRANEMANN, 2006).
Ao envelhecer, os trabalhadores, muitas vezes, não conseguem man-
ter as condições mínimas para uma vida digna, pois, não sendo possuidores da
propriedade privada, tendem a ser submetidos a situações de pobreza, bem
como a depender de recursos provenientes do poder público (TEIXEIRA,
2008). Em decorrência da condição de vida dos trabalhadores e das lutas assu-
midas por eles, nascem as políticas públicas destinadas aos velhos brasileiros.
No tocante às políticas públicas de atendimento ao idoso (PNI, Esta-

48 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE


tuto do Idoso etc.), estas se dão num momento em que o Brasil assume a
necessidade de realizar ajustes para a retomada da expansão capitalista – e um
dos alvos foram as políticas sociais. Estas, por serem frutos da luta de classes,
trazem em seu bojo a geração de direitos, o que na visão do capital representa
um obstáculo ao seu principal objetivo: a acumulação capitalista através da
exploração da classe trabalhadora. Em decorrência disso, passam a ser, ao
mesmo tempo, “alvo de desmonte” por parte do capital e de organização, por
parte dos trabalhadores, para a manutenção dos seus direitos (TEIXEIRA,
2008).
As políticas sociais de atendimento à população velha apontam para
algumas tendências, como: a sociedade civil como espaço de proteção social,
muitas vezes mantida com recursos públicos; a responsabilização da família e
do próprio trabalhador pelo seu bom envelhecer, tornando o processo generali-
zante e aclassista (TEIXEIRA, 2008).
Com isso, de acordo com o observado no transcorrer desta reflexão,
há a construção de novas necessidades, de novos valores, de novas responsa-
bilidades e novas atitudes. Como alerta Teixeira (2008, p. 308), “são senti-
mentos considerados legítimos para essa faixa etária”, propiciando não so-
mente uma tendência para o consumo, como também mascarando a problemá-
tica do processo de envelhecimento do trabalhador.
Diante do exposto, percebe-se haver nesta sociedade de consumo uma
pseudovalorização do trabalhador velho, através das instituições políticas, leis,
mercadorias e serviços destinados a este segmento. No entanto, é preciso dei-
xar claro que a valorização do trabalhador e, mais especificamente, do traba-
lhador velho, só será possível quando a produção da riqueza, em lugar de
constituir a expansão capitalista, estiver voltada para a satisfação das necessi-
dades inerentes ao desenvolvimento humano.

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APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 51


CAPÍTULO III

RESPONSABILIZAÇÃO DA FAMÍLIA NO CUIDADO À PESSOA


IDOSA: BREVE REFLEXÃO SOBRE O CONTEÚDO DA
LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

Fabianni Meneses Costa


Karina Lúcia da Silva Antunes do Rêgo
Karla Maria Bandeira
Sheyla Mafra Holanda Maia

Resumo: Este artigo, fruto de uma análise documental, busca discutir o lugar
reservado à família nas principais legislações de proteção às pessoas idosas
vigentes no Brasil. Inicialmente, apresentam-se algumas considerações sobre
o conceito de família, papéis e funções assumidas por esta, bem como a sua
importância no cuidado e proteção à pessoa idosa. Em seguida, realiza-se uma
análise das legislações selecionadas com base em algumas perguntas nortea-
doras. Conclui-se que, com o envelhecimento da população brasileira, as fa-
mílias são diuturnamente convocadas a garantir o cuidado dos seus velhos,
recebendo escasso apoio por parte do Estado.

Palavras-chaves: Pessoa idosa; Família; Cuidado;.Legislação.

INTRODUÇÃO
Dados do IBGE, na Projeção da População do Brasil e das Unidades da
Federação, apontam que o número de brasileiros com mais 65 anos tem au-
mentado anualmente, passando de 5,61%, em 2000, para 8,46% da população
nacional, em 2017 (BRASIL, 2017). O aumento dessa faixa populacional de-
corre, principalmente, da redução nas taxas de fecundidade – em 2000, a faixa
etária dos 10-14 anos compunha 30,04% da população brasileira, enquanto,
em 2017, esse percentual não passa dos 22,22% (BRASIL, 2017) – e do avan-
ço na prevenção e no tratamento de doenças, que tem garantido uma maior
expectativa de vida para a população idosa. Diante desse fenômeno, o número
de estudos e pesquisas sobre o envelhecimento cresce nas mais diversas áreas
do conhecimento.
O presente estudo constitui-se em uma pesquisa documental, de abor-
dagem qualitativa, com revisão de literatura e análise da legislação de prote-
ção à pessoa idosa vigente no Brasil. As legislações a serem analisadas são:

52 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE


Constituição Federal (BRASIL, 1988), Estatuto do Idoso (BRASIL, 2003),
Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa (BRASIL, 2006) e II Plano de
Ação para o Enfrentamento da Violência contra a Pessoa Idosa (BRASIL,
2007).
Em relação à natureza da pesquisa, esta foi desenvolvida numa perspec-
tiva histórica, tendo como premissa analisar os processos de transformação,
de constituição e reprodução de instituições, sociedades, valores ou estruturas
sociais. Para nortear os objetivos do estudo, utilizar-se-á como instrumento de
coleta de dados um roteiro de análise de cada legislação, que se guiará pelas
seguintes perguntas: qual o conceito de família incorporado pela legislação
analisada? Se não há um conceito explícito, existem normas capazes de pro-
duzir um conceito implícito? Qual o lugar designado à família no cuidado
com a pessoa idosa? O Estado aparece como responsável ou corresponsável
no cuidado com a pessoa idosa? Diante das respostas obtidas, qual a impor-
tância da família e do Estado no cuidado com a pessoa idosa?
Por se tratar de uma pesquisa documental, os riscos são mínimos. Quanto
aos benefícios, estes poderão ser observados à medida que os dados forem
disseminados, induzindo a população a refletir sobre a atuação da família e do
Estado no cuidado com a pessoa idosa.
Este trabalho apresenta como proposta analisar as principais legisla-
ções nacionais vigentes que tratam da velhice, tendo como pergunta norteado-
ra: qual o lugar reservado à família no cuidado com a pessoa idosa nos marcos
legais vigentes no Brasil?
Foram definidos os seguintes objetivos: analisar a legislação vigente, a
relação família e pessoa idosa; pesquisar nas legislações específicas sobre a
pessoa idosa, o conceito de família por elas incorporado; refletir sobre o con-
ceito de família e o lugar que esta ocupa no cuidado com a pessoa idosa nas
legislações; analisar a importância da família e a responsabilidade do Estado
no cuidado com a pessoa idosa.

Família e envelhecimento
A finalidade em abordar esse tema implica questões decorrentes das mu-
danças no processo de envelhecimento e suas consequências, bem como a neces-
sidade desse lugar /função da família como cuidadora.
Segundo Dalia, entre 1980 e 2013, o brasileiro ganhou 12,4 anos na
expectativa de vida ao nascer, passando de 62,5 para 74,9 anos. Dalia comen-
tou ainda que ter sucesso no envelhecimento não é apenas ganhar anos de
vida, mas dar qualidade a eles. Essa condição representa desafios para as po-

APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 53


líticas púbicas, a governança em saúde e as pesquisas demográficas e epide-
miológicas em saúde (apud MOROSINI, 2015).
O aumento da expectativa de vida da população, fruto dos avanços da
tecnologia e da medicina, é considerado uma conquista pela sociedade. Como
consequência, tem-se um aumento da parcela da população idosa, acarretando
mudanças no perfil das demandas por políticas públicas, pressionando o Esta-
do, a sociedade e a família de diferentes formas.
No que diz respeito à garantia das políticas sociais, é papel do Estado,
juntamente com a sociedade e a família, prestar atendimento à pessoa idosa
tal qual está assegurado nas legislações vigentes. Essa interação bem planeja-
da, em torno de um objetivo comum, tende a resultar em um trabalho organi-
zado, articulado e eficaz. Apesar das legislações vigentes, o que ocorre hoje
no Brasil é o fato de o envelhecimento ser tratado como problema social e as
respostas dadas pelo Estado não serem satisfatórias, pois se visualiza uma
escassez e pouca efetividade de políticas destinadas às pessoas idosas. De
uma forma geral, o sistema de proteção social brasileiro tem se caracterizado
por ações fragmentadas e emergenciais, restritivas e segmentadas, eventuais e
descontínuas, características essas que, em certa medida, perpassam todo o
sistema.
No que tange à família, historicamente ela ocupou um papel impor-
tante no cuidado e na proteção dos membros que a compõem. Na atualidade,
recebeu do Estado atribuições especiais, sendo referenciada em diversas le-
gislações específicas, assumindo, no âmbito das políticas sociais, a função de
provedora do bem-estar, como se ela se bastasse, sem necessitar da assistência
a que tem direito. É possível afirmar que existe um apelo ao sentimento de
solidariedade familiar, omitindo-se o Estado de prestar solidariedade pública
aos seus cidadãos.
Com o envelhecimento da população brasileira, as famílias se veem
desafiadas a decidir sobre as formas de garantia do cuidado às pessoas maio-
res de 60 anos. Estas, por sua vez, se deparam com alterações físicas e psico-
lógicas em si próprias, mudanças nas suas possibilidades de atuação na socie-
dade capitalista, especialmente no que se refere ao seu lugar na estrutura co-
munitária e familiar. Sobre isso, conclui Beauvoir (1990, p. 8) que “[...] essa
sociedade não é apenas culpada, mas criminosa. Abrigada por trás do mito da
expansão e da ambulância, trata os velhos como párias”.
Dessa forma, no espaço privado de sua família, a pessoa idosa tam-
bém pode vivenciar situações de exclusão e desvalorização.
Família é popularmente conhecida como o conjunto de pessoas que,

54 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE


com algum grau de parentesco, vivem na mesma residência e, assim, formam
um lar. De acordo com Medeiros e Osório (2001, p. 6), “Famílias são institui-
ções com várias características, como laços de parentesco e normas de relaci-
onamento que determinam direitos e obrigações de várias espécies a seus
membros”.
A família é uma instituição que, via de regra, possui grande valor em
todas as camadas sociais, tendo em vista que sua função principal é cuidar,
zelar e proteger seus membros, entre outras responsabilidades. Com toda a
carga social existente sobre o núcleo familiar, o Estado, no Brasil, de forma
visível e significativa, esquiva-se do compromisso e da responsabilidade com
a proteção social da população.
Logo, a família toma para si a responsabilidade pelos seus membros e
enfrenta uma série de consequências naturais da evolução do ser humano.
Entre elas, destaca-se o envelhecimento e a atividade do cuidado com a pes-
soa idosa.

Análise das legislações específicas de proteção

Constituição Federal de 1988


Dentro da pirâmide kelseniana (KELSEN, 1998), a Constituição Fe-
deral de 1988 ocupa o topo, sendo, pois, a norma fundamental da ordem jurí-
dica brasileira, da qual emanam todas as demais normas. Formada por regras
e princípios, compõe-se de conceitos explícitos e implícitos, determinados e
indeterminados, que conformam as condutas de todas as esferas de Poder.
Assim como o Sol ilumina a quem quer que esteja a ele exposto, a Constitui-
ção recai sobre qualquer indivíduo que se encontre em seu raio de abrangên-
cia. Nos limites territoriais do Estado, a Constituição rege a todos. Dessa for-
ma, os conceitos que estejam nela incorporados servirão de base para as de-
mais legislações e de diretriz para o Governo.
A Constituição de 1988 revolucionou a ordem jurídica, não apenas por
ter sido a primeira Constituição democrática após anos de Ditadura Civil-Mili-
tar, mas por ter incorporado novos conceitos e discussões que foram pouco abor-
dados nas Cartas anteriores. Um desses conceitos diz respeito à família, citada
com suas variações (“família”, “familiar”, “familiares”) por 27 vezes no texto
constitucional, 21 citações a mais que em sua predecessora, a Constituição de
1967 (BRASIL, 1967). A família, nessa nova ordem jurídico-social, recebeu um
lugar de destaque, não apenas por apresentar um número maior de citações,
mas, principalmente, pelos novos conceitos e papéis que passou a assumir.

APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 55


A família, nessa nova ordem, assume tamanha importância que se tor-
na, com base no art. 5º, inc. LXIII, uma garantia constitucional para aquele
que é privado de sua liberdade:
O preso será informado de seus direitos, entre os quais o de perma-
necer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de ad-
vogado. (BRASIL, 1988).
Da mesma forma, é garantida a impenhorabilidade da propriedade ru-
ral da família que nela trabalha e dela tira o seu sustento, nos termos do art. 5º,
inc. XXVI, da CF/88, bem como é objetivo da Assistência Social proteger a
família e seus integrantes nos termos do art. 23, inc. I, da CF/88 (BRASIL,
1988). No entanto, a Constituição não estabelece apenas direitos e garantias
às famílias, porquanto impõe também deveres.
A educação é direito de todos e dever do Estado e da família, de forma
a garantir o pleno desenvolvimento da pessoa, o seu preparo para o exercício
da cidadania e a sua qualificação para o trabalho, conforme o art. 205 da CF/
88 (BRASIL 1988). Também é dever da família, da sociedade e do Estado
assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o
direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionaliza-
ção, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discri-
minação, exploração, violência, crueldade e opressão, nos termos do art. 227
da CF/88 (BRASIL, 1988).
Seguindo essa lista de deveres constitucionalmente estabelecidos, a
norma fundamental afirma ser dever da família, da sociedade e do Estado o
amparo às pessoas idosas, assegurando-lhes a participação na comunidade, de
forma a defender-lhes a dignidade, bem como seu bem-estar, garantindo-lhes
o direito à vida, segundo o art. 230 da CF/88 (BRASIL, 1988).
Nesse diapasão, a Constituição Federal de 1988 trouxe direitos, ga-
rantias e deveres relativos à família, bem como introduziu um conceito sobre
ela. No caput do art. 226, o legislador constitucional afirma que a família é a
base da sociedade e, por isso, tem especial proteção do Estado (BRASIL, 1988).
E vai além, ao dizer que a família não se constitui apenas através do laço
matrimonial, como também pela união estável, podendo ser composta por
qualquer dos pais e seus descendentes, famílias monoparentais.
Também vale registrar as formas de constituição de família que estão
implícitas no texto constitucional, decorrendo de princípios, como a igualda-
de e a dignidade da pessoa humana, tais como as uniões entre pessoas do

56 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE


mesmo sexo, reconhecidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) como enti-
dades familiares no julgamento, em 2011, da Ação Direta de Inconstituciona-
lidade (ADI) nº 4.277 e da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamen-
tal nº 132 (BRASIL, 2011). Ademais, a Constituição (1988), apesar de reco-
nhecer a família como uma unidade, não deixa de tratar dos seus membros
com indivíduos singulares, possuidores de necessidades distintas e de uma
assistência individualizada do Estado. Este, por conseguinte, deverá criar me-
canismos para coibir a violência entre os membros da família.
Percebe-se que as normas constitucionais formam um sistema de pro-
teção voltado não apenas para a família, mas também para os indivíduos que a
compõem, tais como crianças, adolescentes, jovens e pessoas idosas que pos-
suem um capítulo próprio na Constituição Federal: “CAPÍTULO VII Da Fa-
mília, da Criança, do Adolescente, do Jovem e do Idoso” (BRASIL, 1988).
Quando o assunto é pessoa idosa, as referências constitucionais são
modestas; o termo é citado, com suas variações (“idoso”, “idosos”, “pessoas
idosas”), apenas cinco vezes, enquanto “criança” e “adolescente”, com suas
variações (“criança”, “crianças”, “adolescente”, “adolescentes”), receberam
nove e dez citações, respectivamente. No entanto, a correlação entre esses
temas e a importância dada pelo legislador constitucional vai além do número
de citações. No “Capítulo VII, Da Família, da Criança, do Adolescente, do
Jovem e do Idoso”, das várias normas que tratam sobre a família e seus mem-
bros, apenas as duas últimas, os arts. 229 e 230, abordam especificamente a
pessoa idosa (BRASIL, 1988). O assunto foi pouco explorado pelo legislador
constitucional, o que demonstra ainda o parco interesse do Governo e da socie-
dade no assunto. Contudo, as referidas normas têm importante repercussão jurí-
dico-social, decorrendo delas legislações importantes, tais como o Estatuto da
Pessoa Idosa e normas do Código Civil de 2002.
Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos
menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais
na velhice, carência ou enfermidade.
Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as
pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defen-
dendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.
§ 1º Os programas de amparo aos idosos serão executados preferen-
cialmente em seus lares.
§ 2º Aos maiores de sessenta e cinco anos, é garantida a gratuidade
dos transportes coletivos urbanos. (BRASIL, 1988)
As relações familiares têm seu esteio, entre outros, no princípio da soli-

APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 57


dariedade. Sem ele, não há família. Os membros da entidade familiar se inter-
relacionam e estabelecem uma dinâmica própria com base nas tarefas que
reciprocamente realizam de forma solidária. Assim, os pais ajudam os filhos,
e os filhos devem ajudar os pais. Trata-se de uma relação de mutualidade que
não tem limite temporal e persistirá até o fim da existência da pessoa natural,
com a morte, conforme preconiza a legislação civil (BRASIL, 2002).
O dever dos pais em relação aos filhos não se encerra na menoridade.
As legislações infraconstitucionais e a ampla jurisprudência já reconhecem
um dever que vai além dos 18 anos, com o fim de compor dignamente a for-
mação daquele indivíduo. Por conseguinte, o dever dos filhos em relação a
seus pais também não se resume à velhice destes, mas a qualquer momento em
que estes precisem daqueles. A solidariedade entre pais e filhos é plena e con-
tínua. Havendo necessidade de um e possibilidade do outro, o dever é certo.
Mas o dever em relação às pessoas idosas não emana apenas dos filhos
que porventura eles tenham, porém do núcleo familiar como um todo, bem
como da própria sociedade e do Estado. Cada uma dessas entidades realiza, na
dinâmica social, um papel importante para amparar, cuidar e defender as pesso-
as idosas. Não deve haver superposição de obrigações; a família não é mais nem
menos responsável que o Estado ou a sociedade, ela é corresponsável assim
como os demais.
Nesse sentido, diante da norma que afirma que “[...] os programas de
amparo aos idosos serão executados preferencialmente em seus lares” (BRA-
SIL, 1988), há papéis distintos de atuação para cada um dos entes: o Estado
deve garantir, por meio dos programas de amparo, o cuidado domiciliar com a
pessoa idosa mediante investimentos em políticas públicas e efetivos instru-
mentos para a consecução desse objetivo; a sociedade deve fiscalizar se a
referida norma está sendo cumprida, se as pessoas idosas estão efetivamente
sendo cuidadas em seus lares; e a família, além de fiscalizar, deve comprome-
ter-se com o cuidado, um agir que, segundo Souza, não se limita apenas a
alimentar e proteger: implica também socializar e permitir que alguém se de-
senvolva como um membro de seu grupo social (SOUZA, 2006).

Estatuto da Pessoa Idosa


O Estatuto do Idoso, Lei Federal nº 10.741/2003 (BRASIL, 2003), am-
pliou os direitos previstos na Lei Federal nº 8.842/1994 (BRASIL, 1994), bem
como na Constituição Federal de 1988, às pessoas com idade igual ou superi-
or a 60 anos. Apresenta-se com 118 artigos; consolida-se como instrumento/
mecanismo de defesa da cidadania da população idosa brasileira, dando-lhes

58 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE


ampla proteção jurídica para usufruir dos seus direitos.
Diante do estudo realizado nessa legislação, tentando identificar o lu-
gar da família no cuidado com a pessoa idosa, verificamos inicialmente no art.
3º que a proteção à pessoa idosa é
[...] obrigação da família, comunidade, sociedade e do poder públi-
co, assegurando a esta população a efetivação dos direitos à vida, à
educação, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer,
ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à
convivência familiar e comunitária. (BRASIL, 2003).
Percebe-se que não só a família tem responsabilidade no cuidado com
as pessoas idosas; à comunidade, à sociedade e ao Estado incute também esse
dever.
Um relevante papel na proteção constitucional à pessoa idosa é atri-
buído à família no Estatuto do Idoso, apesar de estar implícito o conceito de
família nessa legislação. A entidade familiar tem o dever de coibir a violência,
o abandono e a discriminação no âmbito de suas relações. A família é a maior
conhecedora das necessidades, dificuldades e dos anseios dos seus membros,
devendo, por isso, ser a primeira a deles cuidar e protegê-los. Caso algum
membro do núcleo familiar venha a abandonar uma pessoa idosa ou se omita
quanto à sua subsistência, deixando esta de ser provida nas suas necessidades
básicas, tal conduta poderá caracterizar o crime previsto no art. 98:
Abandonar o idoso em hospitais, casas de saúde, entidades de longa
permanência, ou congêneres, ou não prover suas necessidades bási-
cas, quando obrigado por lei ou mandado: Pena – detenção de 6 (seis)
meses a 3 (três) anos e multa. (BRASIL, 2003).
Com o aumento da longevidade e de novos arranjos familiares, é ne-
cessário pensar em estratégias para enfrentar uma demanda que é crescente,
pois a atual tendência reside no fato de que as pessoas idosas, incapacitadas
de fazer suas tarefas diárias, precisem permanecer junto às suas famílias; es-
tas nem sempre estarão disponíveis e presentes de modo permanente e estável.
Para Mioto (2010), a família pode ser definida como núcleo de pessoas que
convivem em determinado lugar, durante um lapso de tempo mais ou menos
longo e que se acham unidas (ou não) por laços consanguíneos.
Segundo o Estatuto do Idoso, o Estado também tem um papel funda-
mental no cuidado com as pessoas idosas no que diz respeito, principalmente,
aos direitos fundamentais: do Direito à Vida; à Liberdade, ao Respeito e à
Dignidade; Saúde; Educação, Cultura, Esporte e Lazer; Assistência Social;

APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 59


Habitação; Transporte; Profissionalização e do Trabalho (BRASIL, 2003), sen-
do responsável na execução do atendimento para essa população específica.
Essa legislação trata também das medidas de proteção à pessoa idosa,
com o objetivo de punir todo aquele que violar ou ameaçar seus direitos por
ação ou omissão, não importando por quem seja praticada: família, comunida-
de, sociedade e Estado. Essas medidas podem ser aplicadas de forma isolada
ou cumulativa, visando sempre à proteção à pessoa idosa.
O art. 43, incisos I, II, III, define com precisão em que condições é
exigida a aplicação das medidas de proteção a essa população (BRASIL, 2003).
No inciso II, a preocupação do Estatuto é proteger a pessoa idosa da própria
família, curador ou entidade de atendimento, quando estes, por omissão ou
abuso, negligenciarem o dever de assistência e os cuidados necessários a essa
população. Assim, ao se aplicar alguma medida de proteção, deve-se, priorita-
riamente, aplicar aquela que melhor se ajuste à interação familiar e social da
pessoa idosa, evitando afastá-la do seu ambiente de convivência (BRASIL,
2003).

Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa


A Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa (PNSPI), aprovada pela
Portaria nº 2,528, de 19 de outubro de 2006, tem a finalidade primordial de
recuperar, manter e promover a autonomia e a independência dos indivíduos
idosos, direcionando medidas coletivas e individuais de saúde para esse fim,
em consonância com os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde
(BRASIL, 2006). É alvo dessa política todo cidadão e cidadã brasileiros com
60 anos ou mais de idade (BRASIL, 2006).
É possível identificar nessa política quatro grandes eixos: envelheci-
mento ativo e saudável; atenção integral e ações intersetoriais; recursos para
atenção à saúde; e fortalecimento do controle social (BRASIL, 2006).
A PNSPI tem a necessidade de enfrentamento de desafios que implicam
diretamente o contexto que se está a elucidar, a exemplo do número insuficiente
de serviços de cuidado domiciliar ao idoso frágil, previsto no Estatuto do Idoso.
Sendo a família, via de regra, a executora do cuidado com a pessoa idosa, evi-
dencia-se a necessidade de se estabelecer um suporte qualificado e constante
aos responsáveis por esses cuidados, tendo a atenção básica, por meio da Estra-
tégia Saúde da Família (ESF), um papel fundamental (BRASIL, 2006).
Essa legislação tem a finalidade primordial de recuperar, manter e
promover a autonomia e a independência da população idosa, direcionando
medidas coletivas e individuais de saúde para esse fim, em consonância com

60 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE


os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS), considerando que
o conceito de saúde se traduz mais pela sua condição de autonomia e indepen-
dência que pela presença ou ausência de doença orgânica. Nessa Portaria, a
família aparece como executora do cuidado da pessoa idosa, e o Estado, como
responsável no cumprimento da execução do direito (BRASIL, 2006).
A PNSPI destaca a intersetorialidade para o fortalecimento do víncu-
lo com a comunidade no princípio da territorialidade com o intuito de facilitar
o acesso, principalmente, à pessoa idosa e seus familiares. No que diz respeito
à presença de incapacidade, é ônus para o indivíduo, para a família, para o
sistema de saúde e para a sociedade (BRASIL, 2006).
Dentro das diretrizes da PNSPI, destaca-se a Atenção Integral e Inte-
grada à Saúde da Pessoa Idosa, que estabelece os dois grandes eixos norteado-
res para a integralidade de ações: o enfrentamento de fragilidades da pessoa
idosa, da família e do sistema de saúde; e a promoção da saúde e da integração
social em todos os níveis de atenção (BRASIL, 2006), salientando-se a dispo-
nibilidade e a possibilidade do acesso aos serviços.

Plano de Ação para o Enfrentamento da Violência contra a Pessoa Idosa


O Plano de Ação para o Enfrentamento da Violência contra a Pessoa
Idosa afirma que, devido ao crescimento do número de idosos no Brasil, tor-
na-se mais recorrente encontrar-se essa população em “situação de abandono
ou sendo vítima de maus-tratos praticados, na maioria das vezes, pelos seus
próprios familiares” (BRASIL, 2007).
Na análise do Plano, encontramos a família definida como “lócus pri-
vilegiado de moradia e de cuidado dos idosos de toda classe social” (BRASIL,
2007). Não aprofunda, mas pontua a necessidade desta de receber investimen-
to para que possa tratar a pessoa idosa com dignidade e respeito, embora não
haja clareza em relação à definição de quem deve propiciar esse investimento.
O Plano discute as formas mais frequentes de violência contra a popula-
ção idosa: violência física, violência psicológica, abuso sexual, abandono, ne-
gligência, abuso financeiro e autonegligência. Ao abordar a questão da negli-
gência, o plano aponta os familiares como frequentes agressores (BRASIL, 2007).
Também se identifica a família como algoz na definição de abandono, dessa vez
acompanhada pelo Estado:
[...] forma de violência que se manifesta pela ausência ou deserção
dos responsáveis governamentais, institucionais ou familiares de pres-
tarem socorro a uma pessoa idosa que necessite de proteção. (BRA-
SIL, 2007, p. 13).

APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 61


Quando aborda o abuso financeiro e econômico, o Plano destaca que
esse tipo de violência ocorre, sobretudo, no âmbito familiar.
Como forma de enfrentamento à violência, o Plano em questão define
prioridades de ação, sendo descritas em cinco categorias de espaço socioam-
biental e cultural: espaço cultural coletivo, espaço público, espaço familiar,
espaço institucional e espaço acadêmico (BRASIL, 2007). Na análise de cada
espaço, foram estabelecidas metas e ações estratégicas a serem desenvolvidas
pelos seguintes órgãos: Ministério da Saúde, Ministério do Desenvolvimento
Social e Combate à Fome, Ministério da Ciência e Tecnologia, Ministério da
Educação, Ministério das Cidades e pela Secretaria Especial de Direitos Hu-
manos, para o enfrentamento da violência contra as pessoas idosas (BRASIL,
2007). Em várias das metas propostas, identificam-se ações voltadas à famí-
lia, apresentada como principal responsável por oferecer cuidados ao seu ido-
so. O Estado, por sua vez, surge como responsável pela proteção apenas das
famílias que não têm condições de cuidar dos seus velhos. (BRASIL, 2007).
A família ora apontada pelo plano como principal algoz das pessoas
idosas também surge como responsável pelos cuidados, sobretudo porque é
tratada como principal espaço de proteção dos seus velhos. Sobre isso, Peixo-
to (2004, p. 74) afirma que
Se o Estado não intervém para minimizar a má distribuição de renda,
se o orçamento público para as políticas sociais diminui a cada ano,
se o seguro-desemprego e o seguro-doença são ínfimos, e se os raros
programas sociais existentes são destinados a uma parcela restrita da
população brasileira, a família é o único apoio que resta.
Na análise do Plano, percebe-se o esforço dos elaboradores de prever
metas que fortaleçam a família, mas sempre no sentido de propiciar formação
e apoio para que elas possam assumir, integralmente, o cuidado com seus
idosos.
De forma pouco aprofundada, o Plano aponta que, muitas vezes, as pes-
soas idosas que vivenciam situação de abandono ou falta de assistência têm
como motivo principal a situação de miséria das suas famílias. Caso se analise a
situação de pobreza em que se encontra uma camada significativa da população
brasileira, constatar-se-á que a pessoa idosa não é a única que sofre com situa-
ções de violência. A ausência de políticas públicas e a falha da atuação do Esta-
do como responsável por zelar pela dignidade da pessoa humana em todas as
faixas de idades colaboram para o aumento dos índices de violência.
É importante salientar também que, ao se analisar o fenômeno da vio-
lência no Brasil, um dado importante é o preconceito contra as pessoas idosas,
62 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE
pois, em muitos casos, esse preconceito termina se manifestando em agres-
sões e maus-tratos. É necessária, por parte do Estado, a adoção de políticas
públicas no âmbito da educação, para que as questões sobre o envelhecimento
humano sejam discutidas nas escolas e universidades. É fundamental ainda
investimento em campanhas educativas vinculadas aos meios de comunica-
ção, que fortaleçam a cultura do respeito aos maiores de 60 anos.
Por fim, o Plano ora analisado expirou em 2010, e, até o momento, não há
nada concreto no sentido da continuidade das ações que foram propostas. Hoje, a
violência contra a pessoa idosa é registrada diariamente, por meio das delegacias
especializadas, Ministério Público, disque-denúncias, tendo visibilidade nos mei-
os de comunicação, especialmente porque tem sido mais frequente, sobretudo
porque esse segmento etário continua crescendo numericamente no País.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Constituição Federal de 1988 não estabelece limites aos papéis que
devem ser assumidos pelos entes corresponsáveis pela proteção à pessoa idosa:
família, sociedade e Estado. Esteja o velho em uma família rica ou pobre, a
atuação desses partícipes se faz necessária e, em muitos casos, obrigatória. No
entanto, na análise das legislações infraconstitucionais, o Estado mitiga sua res-
ponsabilidade, o que acaba por transferir à família boa parcela da sua atuação.
Na análise do Plano de Enfrentamento à Violência, constatou-se que o
Estado delimita sua atuação às famílias que não possuem condições de cuidar
dos seus velhos, embora a violência não aconteça apenas na esfera das famílias
de baixa renda. A Constituição, ao tratar dos deveres em relação à pessoa idosa,
mais especificamente da criação de mecanismos para coibir a violência, não
estabelece nenhuma distinção em relação ao contexto econômico no qual o ido-
so está inserido.
Conclui-se que a família, ao longo dos anos, tem sido constantemente
convocada a assumir o cuidado com seus idosos. Exemplo disso ocorre quan-
do o Estatuto do Idoso estabelece, em seu artigo 16, que “ao idoso internado
ou em observação é garantido o direito ao acompanhante” (BRASIL, 2003,
online), e vários serviços de saúde tratam isso como dever, obrigando os fami-
liares a permanecer cuidando dos seus idosos, desconsiderando que, para a
sua subsistência, os membros de muitas famílias são inseridos em trabalhos
exaustivos, com vínculos frágeis, ficando impossibilitados de assumir inte-
gralmente o cuidado com seu idoso em situação de internação.
Ademais, o Estado, quando se omite de exercer o seu papel de execu-
tor de políticas e de ser o principal responsável pela garantia dos direitos,

APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 63


violenta todo o grupo familiar. Quanto ao segmento idoso, objeto desta análi-
se, o Estado pode ser reconhecido como aquele que promove as discrepâncias
entre o direito legal e o direito real, quando não garante a efetivação das polí-
ticas em favor do segmento; ao contrário, registram-se, nas ações do Estado,
omissões, centralização dos cuidados pela família, ações fragmentadas e fo-
cais nos programas governamentais.

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APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 65


CAPÍTULO IV

A PROTEÇÃO SOCIAL BÁSICA NA VELHICE: ASSISTÊNCIA


SOCIAL E FAMILIAR

Maria Florência dos Santos


Thamiris Inoué Rios
Ana Lúcia Oliveira da Silva

Resumo: O objetivo geral deste artigo é identificar as atribuições da proteção


social básica e da família perante a pessoa idosa; e os específicos: entender o
surgimento da política de assistência social como direito, analisar a proteção
social básica para a pessoa idosa e verificar o papel da família e do Estado
com relação ao cuidado à pessoa idosa. A metodologia foi a pesquisa biblio-
gráfica sob a concepção teórico-metodológica histórico-crítica. Família e Es-
tado possuem responsabilidades com a pessoa idosa; com o neoliberalismo, o
Estado passa a dividir suas responsabilidades com a sociedade e a culpabilizar
a família e o indivíduo por situações de vulnerabilidades sociais.

Palavras-Chave: Pessoa Idosa. Assistência Social. Família. Proteção Básica.


Estado.

INTRODUÇÃO
O entendimento da Assistência Social como direito é recente na histó-
ria do Brasil e durante muitos anos esteve ausente das formulações de políti-
cas no País. O marco que confere a condição de política à Assistência Social,
constituindo o tripé da Seguridade Social em conjunto com a Saúde e a Previ-
dência Social, ainda se encontra em construção.
A partir da Constituição Federal (CF) de 1988, conhecida como Cons-
tituição Cidadã, foi promulgada a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS),
que estabelece normas e critérios para a organização da Assistência Social en-
quanto direito. A implementação das transformações legalmente regulamenta-
das percorre uma trajetória de desafios, dificuldades e riscos de conservadoris-
mos, embora seja possível visualizar avanços e tentativas de superação da tradi-
ção histórica da área.
A inclusão da Assistência Social como política pública de proteção
social regulamentada em diversas legislações, como a Política Nacional de
Assistência Social (PNAS) e o Sistema Único de Assistência Social (SUAS),

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além de outras normas técnicas, vem provocando mudanças de paradigma no
trato da assistência e nas suas formas de gestão, que se encaminham para a
consolidação definitiva do estabelecido na Constituição Federal de 1988 e na
LOAS.
O artigo ora apresentado discute acerca dos serviços disponibilizados
para a pessoa humana na fase da velhice pela política de assistência social no
tocante à proteção social básica. Sabe-se que a população idosa está crescen-
do significativamente, por isso surge a necessidade de um investimento na
problemática da velhice, consubstanciado em propostas sustentadas na ideia
de que se deve prestar assistência à pessoa idosa, segmento este em larga
expansão. É também relevante conhecer a rede de atendimento e os progra-
mas disponíveis para famílias deste segmento.
A política de assistência social tem como foco a matricialidade socio-
familiar, fato que representa um avanço, pois se a família estiver sensibilizada
a respeito das questões que perpassam todas as fases da vida – incluindo ma-
ternidade, infância, adolescência, fase adulta e velhice –, seus membros pode-
rão lidar com maior facilidade com as habilidades, dificuldades e potenciali-
dades que cada um poderá apresentar nas diversas fases do desenvolvimento,
uma vez que o processo de envelhecimento tornou-se um fenômeno, sendo
considerado um marco na história da humanidade.
A assistência no Brasil era oferecida pela perspectiva da tutela e do
favor, com práticas de cunho assistencialista, a exemplo de caridade, filantro-
pia e benemerência. O assistencialismo consiste, justamente, em potencializar
este sentimento ao ponto de comprometer o receptor da ação numa relação de
troca na qual a gratidão é substituída por favores.
A desresponsabilização do Estado na condução das políticas sociais
acentuava as desigualdades sociais e o desemprego, fazendo com que a popu-
lação não tivesse garantidos os direitos fundamentais. Após lutas da classe
trabalhadora, em 1988, com a promulgação da Constituição Federal, a Seguri-
dade Social, que envolve saúde, assistência e previdência social, passou a ser
direito. Sabe-se que saúde e assistência social constituem direitos que pres-
cindem de contribuição prévia.
Este artigo tem como objetivo geral: identificar as atribuições da pro-
teção social básica e da família perante a pessoa idosa; e como específicos:
entender o surgimento da política de assistência social como direito; analisar
a proteção social básica para a pessoa idosa; e verificar o papel da família e do
Estado com relação ao cuidado à pessoa idosa. A metodologia utilizada foi a
pesquisa bibliográfica, mediante artigos científicos, livros, leis e teses refe-

APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 67


rentes à temática abordada.
A concepção teórico-metodológica que norteou o estudo foi de caráter
histórico-crítico, pois, para compreender a realidade, é necessário duvidar
daquilo que aparenta ser:
A totalidade concreta como concepção dialético-materialista do co-
nhecimento do real [...] significa, portanto, um processo indivisível,
cujos momentos são: a destruição da pseudoconcreticidade, isto é,
da fetichista e aparente objetividade do fenômeno, e o conhecimento
da sua autêntica objetividade; em segundo lugar, o conhecimento do
caráter histórico do fenômeno, no qual se manifesta de modo caracte-
rístico a dialética do individual e do humano em geral; enfim, o conhe-
cimento do conteúdo objetivo e do significado do fenômeno, da sua
função objetiva e do lugar histórico que ele ocupa no seio do corpo
social. (KOSIK, 1976, p. 51-52).
Assim, torna-se possível manipular a realidade, mas não conhecer sua
essência. Foi o conhecimento desta última que se buscou apreender com o
desenvolvimento desta pesquisa. É preciso sair da aparência, essa pseudocon-
creticidade, e compreender a história.
Desta forma, primeiramente foi desenvolvido um tópico sobre a traje-
tória da política de assistência social no Brasil, pois é necessário conhecer sua
gênese, perceber as mudanças, os avanços, os limites e as possibilidades que
poderão ser traçadas. Em seguida, foram discutidos os programas oferecidos
pela proteção social básica, com suas condicionalidades e seus critérios de
seleção. O próximo tópico discutiu acerca da velhice, interrogando de quem é
esta responsabilidade: família ou Estado? E por fim, foram tecidas algumas
considerações.

Trajetória da política de assistência social no brasil


A assistência aos desamparados e necessitados nem sempre foi um
direito social no Brasil, pois este é fruto de lutas e conquistas da classe traba-
lhadora e subalterna.
Desde o século XVIII, a filantropia e a Assistência Social associa-
vam-se intimamente às práticas de caridade no Brasil. Dependiam de
iniciativas voluntárias e isoladas de auxílio aos pobres e desvalidos
da “sorte”. Essas iniciativas partiam das instituições religiosas que,
sob o prisma da herança moral cristã, dispensavam seus cuidados,
oferecendo abrigos, roupas e alimentos, em especial às crianças aban-
donadas, aos velhos e doentes em geral. (BORBA, 2011, p.42).

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Percebe-se que a assistência era oferecida através da filantropia e do
favor, práticas do assistencialismo, pois o Estado não tinha a responsabilidade
de garantir direitos sociais. Foram necessárias algumas alterações, já que,
[...] num marco democrático, para servir ao monopólio, o Estado deve
incorporar outros interesses sociais; ele não pode ser, simplesmente,
um instrumento de coerção – deve desenvolver mecanismos de coe-
são social. (NETTO, BRAZ, 2012, p. 217, grifos dos autores).
Até a década de 1920, a questão social era tratada com repressão e
como caso de polícia; só a partir de 1930, no Brasil, o Estado passou a intervir
nas manifestações da questão social, pois a classe trabalhadora começou a
demandar seu reconhecimento por parte do Estado e exigiu respostas às ques-
tões trabalhistas e sociais. O governo começou a traçar políticas para atender
às necessidades dos trabalhadores, com o objetivo de se legitimar diante desta
classe e manter a ordem e a coesão social.
Neste contexto, a assistência social era reservada aos pobres e neces-
sitados no Brasil, não constituindo um direito social. Sua história está ligada à
criação da Legião Brasileira de Assistência (LBA), em 1942, “[...] com a fina-
lidade de prestar auxílio às famílias dos expedicionários brasileiros” (YAZ-
BEK, 2006, p. 125). A LBA marcou o início da intervenção do Estado nas
expressões da questão social, embora fosse marcada por ações paternalistas,
emergenciais e clientelistas (YASBEK, 2006).
A partir de 1988, como resultado de lutas da classe trabalhadora, fo-
ram conquistados alguns direitos sociais incluídos na Constituição Federal de
1988 que, em seu art. 6º, dispõe sobre: educação, saúde, alimentação1, traba-
lho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e
infância, e assistência aos desamparados.
A seguridade social está preconizada no art. 194, o qual envolve a saúde, a
previdência social e a assistência social. A previdência requer um período de
contribuição; já a saúde e a assistência social não exigem uma contribuição
prévia. O art. 203 afirma que a assistência é direito assegurado àqueles que
dela necessitarem, independentemente de contribuição, e tem por objetivos:
I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à
velhice; II - o amparo às crianças e adolescentes carentes2; III - a
1
Este direito social foi recentemente incluído neste rol a partir da emenda constitucional 64/
2010.
2
A palavra “carentes”, expressa no inciso II do artigo 2º da LOAS, encontra-se em desuso, tendo a
Administração Pública empregado na prática e nos documentos relacionados à política de Assistência
social a expressão “em situação de vulnerabilidade e risco social” em substituição àquela.

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promoção da integração ao mercado de trabalho; IV - a habilitação e
a reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de
sua integração à vida comunitária; V - a garantia de um salário míni-
mo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência3 e ao idoso
que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção
ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei. (BRA-
SIL, 1988).
Em virtude da promulgação da CF/1988, a assistência social tornou-se
uma política pública, constituída como uma “ação coletiva que tem por função
concretizar direitos sociais demandados pela sociedade e previstos em lei” (PE-
REIRA, 2007, p. 223). Tal política visa garantir necessidades da classe trabalha-
dora e subalterna, independentemente de contribuição, pois todo cidadão que
necessitar de assistência a terá garantida por lei, como direito social.
Na década de 1990 foram criadas algumas leis que visavam regulamen-
tar direitos promulgados na CF/88. Em 1993 foi instituída a Lei nº 8.742/93, que
dispõe sobre a Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS), versa sobre a orga-
nização da assistência e dá outras providências, além de expandir o leque de
garantias de direito, distanciando-se das práticas assistencialistas muito comuns
anteriormente. Ainda na LOAS é definido cada tipo de proteção expresso no art.
6o-A. A assistência social organiza-se pelos seguintes tipos de proteção:
I - proteção social básica: conjunto de serviços, programas, projetos
e benefícios da assistência social que visa a prevenir situações de
vulnerabilidade e risco social por meio do desenvolvimento de
potencialidades e aquisições e do fortalecimento de vínculos famili-
ares e comunitários; II - proteção social especial: conjunto de servi-
ços, programas e projetos que tem por objetivo contribuir para a re-
construção de vínculos familiares e comunitários, a defesa de direito,
o fortalecimento das potencialidades e aquisições e a proteção de
famílias e indivíduos para o enfrentamento das situações de violação
de direitos. (BRASIL, 1993).
Segundo a Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais, apro-
vada pela Resolução nº 109/2009, tem-se definido o papel de cada proteção
social, tanto básica quanto especial, de alta e média complexidade. Vale salien-
3
A expressão “pessoa portadora de deficiência” a que se referem os incisos IV e V do artigo
acima aludido também se encontra em desuso, tendo sido substituída na prática pelo termo
“pessoas com deficiência”, haja vista que a condição de deficiência faz parte da própria pessoa.
A Assembleia Geral das Nações Unidas, por intermédio da Resolução nº A 61/611, de 6/12/
2006, aprovou a Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência, corroborando o
emprego da nova terminologia.

70 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE


tar que a maior ênfase será dada à proteção social básica, objeto deste artigo.
Ainda segundo a LOAS, a proteção social básica será ofertada pelo
Centro de Referência de Assistência Social (CRAS). O CRAS é uma unidade
pública estatal de base territorial e se localiza em áreas com maiores índices de
vulnerabilidade e risco social, destinada à articulação dos serviços socioassis-
tenciais de proteção social básica às famílias. A política de assistência social
[...] age não só no sentido de livrar seus destinatários dos infortúnios
do presente, mas também das incertezas do amanhã, protegendo-os
preventivamente das adversidades causadas por enfermidades, ve-
lhice, abandono, desemprego, desagregação familiar etc. É nesse sen-
tido que ela deve funcionar como uma rede de proteção impeditiva
da pobreza extrema. (PEREIRA, 2007, p. 225).
Esta prevenção deve acontecer principalmente nos serviços de prote-
ção básica, em uma fase na qual os vínculos familiares ainda não foram rom-
pidos, apesar de estarem bastante fragilizados e necessitando de ações de for-
talecimento. A proteção social básica oferece: o Serviço de Proteção e Atendi-
mento Integral à Família (PAIF), o Serviço de Convivência e Fortalecimento
de Vínculos e o Serviço de Proteção Social Básica no Domicílio para Pessoas
com Deficiência e Idosas (BRASIL, 2009).
A proteção ocorre também nos serviços de alta e média complexida-
de, quando já houve a quebra de vínculos e a prática de violência nas suas
diversas formas. É executada pelo Centro Especializado de Assistência Social
(CREAS), responsável pela proteção especial de média e alta complexidade.
A média engloba: Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famíli-
as e Indivíduos (PAEFI); Serviço Especializado de Abordagem Social; Servi-
ço de proteção social a adolescentes em cumprimento de medidas socioeduca-
tivas de Liberdade Assistida (LA) e de Prestação de Serviços à Comunidade
(PSC); Serviço de Proteção Social Especial para Pessoas com Deficiência,
Pessoa Idosa e suas Famílias; Serviço Especializado para Pessoas em Situa-
ção de Rua (BRASIL, 2009).
Já a Proteção Especial de Alta Complexidade compreende: Serviço de
Acolhimento Institucional; Serviço de Acolhimento em República; Serviço
de Acolhimento em Família Acolhedora; Serviço de proteção em situações de
calamidades públicas e de emergências (BRASIL, 2009). De forma geral,
[...] a política de assistência social, de medida ativa e positiva, além
de procurar corrigir injustiças, visa prevenir situações de
vulnerabilidade e riscos sociais que representam ameaças, perdas e
danos a vários segmentos sociais. (PEREIRA, 2007, p. 225).

APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 71


Essa política, em síntese, é destinada a prevenir e buscar superar situ-
ações de fragilidade e de violação dos direitos sociais. Serão abordados no
próximo item os serviços disponíveis na proteção social básica. Resta-nos
saber ainda se tais serviços estão realmente atendendo às necessidades dessa
população em vulnerabilidade e risco social. E, no que tange à pessoa idosa,
ter conhecimento se essa política está prevenindo a prática de violência contra
o referido segmento; se está sendo eficaz quanto ao fortalecimento dos víncu-
los do indivíduo com seus familiares, evitando assim o isolamento social, e
até a institucionalização; bem como de que maneira o Estado está dando su-
porte para que as famílias possam conviver com seus (suas) idosos (as) de
forma digna.

Os programas ofertados na proteção social básica


No âmbito da assistência social, a proteção social implica tanto servi-
ços especializados quanto a garantia de renda. De acordo com o artigo 2° da
LOAS, a assistência tem entre seus objetivos:
A proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à
velhice e a [...] garantia de um salário mínimo de benefício mensal à
pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não pos-
suir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por
sua família. (BRASIL, 1993).
O Benefício de Prestação Continuada (BPC) é um benefício de transfe-
rência de renda individual, não vitalício e intransferível, sendo um dos avanços da
CF (1988). Está regulamentado pela LOAS em seu art. 20 como a garantia de um
salário mínimo direcionado a pessoas com deficiência e às pessoas idosas que
comprovem não possuir meios de prover sua própria manutenção nem de tê-la
provida pela família, desde que a renda per capita familiar seja inferior a ¼ do
salário-mínimo.
Em virtude de abordar matéria referente à pessoa idosa, também pode
ser encontrado no Estatuto do Idoso. Apesar de se tratar de um benefício da
assistência, o BPC é gerido pelo Instituto Nacional de Seguro Social (INSS),
incluindo os procedimentos administrativos para seu deferimento ou indeferi-
mento.
É oportuno lembrar que se deve considerar essa renda per capita fa-
miliar como mais um viés de restrição fortemente presente nos critérios de
cessão do BPC. Em relação ao Benefício de Prestação Continuada, Rocha
(2002, p. 4) afirma que:

72 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE


Este benefício contradiz o aspecto de um programa de renda mínima
que deve ser universal e, neste caso específico, nem todos os idosos
e pessoas portadoras de deficiência têm direito a receber, pois ao
determinar limite para a idade (acima de 65 anos o idoso) e condi-
ções de incapacidade (para o trabalho e à vida independente), exclui
parcelas consideráveis deste grupo de pessoas.
Estudos mostram que majoritariamente a população brasileira é pobre
ou miserável, o que não difere da realidade vivenciada pelos (as) idosos (as).
No Brasil, os 10% mais ricos da população são donos de 46% do
total da renda nacional, enquanto os 50% mais pobres – ou seja, 87
milhões de pessoas – ficam com apenas 13,3% do total da renda
nacional. Somos 14,6 milhões de analfabetos, e pelo menos 30 mi-
lhões de analfabetos funcionais. (WEIISSHEIMER, 2006, p. 9).
Neste contexto, diante da insólita situação da população brasileira,
que faz conviver uma massa de pobreza em um país desenvolvido industrial-
mente, há a necessidade de um perfil das políticas sociais no qual se inscreva
estrategicamente a política de assistência social como instrumento do traba-
lho e, consequentemente, de socialização política (SPOSATI, 1995).
O trabalho social realizado com famílias no âmbito do PAIF tem por
objetivo contribuir para a convivência, o reconhecimento de direitos e as pos-
sibilidades de intervenção na vida social de cada indivíduo; estimulando as
potencialidades da família e da comunidade para promover espaços coletivos
de escuta e troca de vivências.
A Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais (2009) é um
marco importante para a proteção social básica. Neste contexto, conta-se com
a proteção básica para dar suporte e apoio às famílias, mediante o serviço do
PAIF ofertado nos CRAS.
O Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família – PAIF consiste
no trabalho social com famílias, de caráter continuado, com a finalidade
de fortalecer a função protetiva das famílias, prevenir a ruptura dos seus
vínculos, promover seu acesso e usufruto de direitos e contribuir na
melhoria de sua qualidade de vida. Prevê o desenvolvimento de
potencialidades e aquisições das famílias e o fortalecimento de vínculos
familiares e comunitários, por meio de ações de caráter preventivo,
protetivo e proativo. (...) É serviço baseado no respeito à heterogeneidade
dos arranjos familiares, aos valores, crenças e identidades das famílias.
Fundamenta-se no fortalecimento da cultura do diálogo, no combate a
todas as formas de violência, de preconceito, de discriminação e de
estigmatização nas relações familiares. (BRASIL, 2009, p. 6).
APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 73
Nesse sentido, o referenciamento dos serviços nos CRAS visa ampliar
a capacidade protetiva das famílias por meio da responsabilização do Estado:
O CRAS materializa a presença do Estado no território, possibilitan-
do a democratização do acesso aos direitos socioassistenciais e con-
tribuindo para o fortalecimento da cidadania. Ao eleger a
territorialização como eixo estruturante do SUAS, reconhece-se que
a mobilização das forças no território e a integração de políticas pú-
blicas podem potencializar iniciativas e induzir processos de desen-
volvimento social. A integração de políticas, por sua vez, é
potencializada pela clareza de objetivos e pela definição de diretri-
zes governamentais. (BRASIL, 2009 c, p. 13-14).
Sobre o perfil dos usuários do Serviço de Convivência e Fortalecimento
de Vínculos, prevê a Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais:
- Idosos(as) com idade igual ou superior a 60 anos, em situação de
vulnerabilidade social, em especial:
- Idosos beneficiários do Benefício de Prestação Continuada;
- Idosos de famílias beneficiárias de programas de transferência de
renda;
- Idosos com vivências de isolamento por ausência de acesso a servi-
ços e oportunidades de convívio familiar e comunitário e cujas ne-
cessidades, interesses e disponibilidade indiquem a inclusão no ser-
viço. (BRASIL, 2009 c, p. 12).
São essas as exigências apresentadas pela política de assistência soci-
al para que a pessoa idosa possa participar dos serviços de convivência. Sa-
bendo que a população idosa está crescendo, é urgente pensar como as políti-
cas estão se organizando para dar conta das demandas dessa população, pois
após a aposentadoria, como ficará esse segmento idoso, uma vez que a políti-
ca prevê critérios de inclusão para participar do serviço? E com relação àque-
les que não se encaixem nessas exigências?
No tocante à Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais,
existe a seguinte definição de trabalho essencial desenvolvido pelo Serviço de
Convivência e Fortalecimento de Vínculos:
Acolhida; orientação e encaminhamentos; grupos de convívio e forta-
lecimento de vínculos; informação, comunicação e defesa de direitos; fortale-
cimento da função protetiva da família; mobilização e fortalecimento de redes
sociais de apoio; informação; banco de dados de usuários e organizações; ela-
boração de relatórios e/ou prontuários; desenvolvimento do convívio familiar
e comunitário; mobilização para a cidadania. (BRASIL, 2009 c, p. 13).

74 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE


É nesse contexto que a assistência social vem se configurando no
âmbito de um sistema de proteção social de caráter seletivo, restrito e centra-
do na pobreza, voltada a populações vulneráveis.
Sob a orientação do ideário neoliberal, a Assistência Social se en-
contra imersa em um campo de tensão entre uma possibilidade de
ruptura mediante a sua afirmação como política de direitos; e a con-
tinuidade [...] acerca da proposição do Estado caritativo ou assistencial
que busca, mediante a destruição dos fundos públicos, corrigir as
desigualdades e intervir na pobreza com a caridade pública ou com
ações estatais pontuais, evasivas e eventuais. [...]
A orientação neoliberal preconiza programas seletivos e focalizados
que podem conduzir à regressão de direitos que, embora assegura-
dos no plano jurídico-legal, não vêm sendo efetivados no plano polí-
tico-institucional. Na esfera diversa e complexa das necessidades dos
segmentos mais pobres, ao invés de direitos são administrados favo-
res e benesses arraigadas por uma cultura secular de clientelismo e
paternalismo que dificulta o protagonismo e o processo emancipatório
desses segmentos como classe. (ARAÚJO, 2003, p. 72-73).
A assistência social desde sua gênese esteve atrelada ao assistencialis-
mo, embora tenha ganhado o status de política pública, dever do Estado e
direito do cidadão. Sempre conviveu na tensão entre direito e favor. A própria
lacuna deixada pela lei não garante o direito universal, mas aqueles que preen-
chem os requisitos estabelecidos, como uma forma de selecionar os mais po-
bres. Com a investida de orientação neoliberal, essa seleção é mais acirrada,
como forma de conter gastos nesta área. Assim, o Estado passa a dividir suas
responsabilidades com a sociedade civil e com a família.

A velhice: responsabilidade da família ou do Estado?


Com o aumento da população idosa, as responsabilidades para com
esse segmento aumentaram; assim, a família passou a exercer um papel fun-
damental: o papel de cuidadora. De acordo com Lemos e Medeiros (2006,
p.1.228, grifos das autoras):
A palavra cuidado deriva de cura, que, na sua forma latina mais an-
tiga, era usada num contexto de relações de amor e de amizade. Era
expressão de desvelo, de preocupação e de inquietação pela pessoa
amada, ou por um objeto de estimação. Segundo outros autores, cui-
dado deriva de cogitare/cogitarus, cujo sentido é o mesmo de cura:
cogitar, pensar, colocar atenção, mostrar interesse, desvelo e preocu-
pação.

APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 75


Espera-se uma reciprocidade após os pais serem cuidadores dos fi-
lhos; que esses filhos ofereçam tal suporte e cuidado à pessoa idosa. Este
cuidado é considerado vital em qualquer fase da vida. Sob o aspecto legal:
Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos
menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais
na velhice, carência ou enfermidade. (BRASIL, 1988, online).
Segundo Caldas (2002), o cuidado da maioria dos(as) idosos(as) é
realizado voluntariamente e sem remuneração por um sistema de suporte in-
formal: a família, os amigos, vizinhos e membros da comunidade. Provavel-
mente essa influência faz parte da tradição histórica, cultural e religiosa de
nosso país, influenciando para que a família predominasse como alternativa
para este tipo de cuidados. Porém, existem várias razões que nos levam a
considerar que a família não pode ser a única estrutura responsável pelo ser
que envelhece. Entre elas, existem idosos(as) cujas famílias são muito pobres
para prover um cuidado adequado. Em outros casos, os familiares não dis-
põem de tempo suficiente. Existem ainda os(as) idosos(as) que perderam o
contato com as suas famílias ao longo dos anos. Muitos(as) não querem ser
dependentes de seus familiares e, em diversas situações, os membros da famí-
lia não estão dispostos, estão despreparados ou estão sobrecarregados por tais
responsabilidades.
A família historicamente vem sendo reconhecida como relevante na
esfera da proteção social, porém nem sempre tem recebido a devida atenção
quando se discute o seu papel no âmbito das políticas sociais.
A política de assistência social tem como um dos seus objetivos “asse-
gurar que as ações no âmbito da assistência social tenham centralidade na
família, e que garantam a convivência familiar e comunitária” (BRASIL, 2004,
p. 33). Porém, não se deve esquecer que, ainda segundo Caldas (2002), para
cuidar de um(a) idoso(a) é necessário envolvimento emocional, esforço físi-
co, dispêndio de tempo e energia, que não pode ser entendido como algo in-
significante na vida dos indivíduos. Além disso, a situação leva a considerar
que os custos são elevados para a saúde e o bem-estar do(a) cuidador(a).
É diante deste contexto que o Estado intervém minimamente na área
social, transferindo a responsabilidade para a família, a comunidade e a socie-
dade civil. O Estatuto do Idoso, em seu artigo 3°, aponta a responsabilidade
primeiramente à família e por último ao Estado: “É obrigação da família, da
comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta
prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à
cultura, ao esporte e à convivência familiar e comunitária” (BRASIL, 2003).
76 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE
Segundo Debert:
A gestão da velhice foi, por muito tempo, considerada, em socieda-
des ocidentais modernas como uma problemática específica da vida
privada e familiar, ou em termos institucionais, uma questão cingida
ao âmbito da previdência individual ou das instituições filantrópicas.
Ao adquirir visibilidade social, conseguiu publicidade, expressão e
legitimidade no palco das preocupações sociais e transformou-se em
uma questão da esfera pública dessas sociedades. (DEBERT, 1999
apud SILVA, 2010, p. 141).
Com a promulgação da Constituição de 1988, a assistência social vem
tentando pautar-se pelo paradigma de cidadania, funcionando como política
pública, buscando por meio desta efetivar os direitos sociais básicos dos (as)
idosos (as) e das famílias economicamente vulneráveis (RIOS; REIS, 2011).
Ao adotar a centralidade do cuidado na família, a política de assistência soci-
al, coloca também como responsabilidade do Estado as famílias que se encon-
tram em situação de vulnerabilidade social e econômica, sendo responsabili-
dade do Estado desenvolver meios de apoiá-las no cuidado ao idoso (a), bem
como aumentar sua capacidade protetiva.
O Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) é uma unida-
de pública estatal descentralizada da política de assistência social,
responsável pela organização e oferta de serviços da proteção social
básica do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) nas áreas de
vulnerabilidade e risco social dos municípios. Dada sua capilaridade
nos territórios, caracteriza-se como a principal porta de entrada do
SUAS, ou seja, é uma unidade que possibilita o acesso de um grande
número de famílias à rede de proteção social de assistência social.
(BRASIL, 2009, p. 9).
Através da instituição social do CRAS, é na proteção básica que as
famílias e as pessoas idosas devem receber orientação e ter acesso aos progra-
mas oferecidos de acordo com suas necessidades e demandas. É nesse espaço
que devem ser evitadas situações de maior vulnerabilidade, a exemplo do rom-
pimento de vínculos entre os membros da família, assim como a violência4.
Além disso, outros tipos de expressões da questão social poderão surgir, caso
4
Segundo Minayo (2004), foram instituídos em âmbito internacional alguns tipos de violência
desenvolvidos contra o segmento idoso, são elas: 1 - Abuso físico, maus-tratos físicos ou
violência física; 2 - Abuso psicológico, violência psicológica ou maus-tratos psicológicos; 3 -
Abuso sexual, violência sexual; 4 - Abandono; 5 - Negligência; 6 - Abuso financeiro e
econômico; e 7 - Autonegligência, que também podem ser localizados no Manual de
enfrentamento à violência contra a pessoa idosa.

APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 77


a prevenção não seja trabalhada adequadamente. Embora possa haver situa-
ções de rompimento de vínculos familiares e comunitários mesmo com a pre-
venção, é possível evitar que este número aumente. É justamente na proteção
básica que ações de prevenção devem ser desenvolvidas.
A própria legislação reconhece a família como primeira responsável
pelos seus membros, mas é necessário verificar que família é essa, qual o seu
perfil, suas reais condições econômicas, sociais e culturais, para assim poder
traçar políticas sociais que venham a fortalecer suas potencialidades e impe-
dir e/ou amenizar a sua vulnerabilidade. É importante frisar que tais políticas
possuem “[...] diretrizes de focalização, descentralização, desfinanciamento e
regressão dos direitos sociais” (CEOLIN, 2014, p. 250). Neste sentido, Behring
e Boschetti (2011, p. 156, grifos das autoras) também afirmam que “as políti-
cas passam por um processo de [...] privatização, a focalização e a descentra-
lização [...]”. Isto porque o Estado, responsável por implementá-las e desen-
volvê-las, é mínimo para a área social.
A história da política de assistência social é marcada por traços de
filantropia, benemerência, caridade e favor, ações que geram a gratidão e a
submissão, pois aquele que recebe a ação fica grato ao que lhe concedeu.
Embora tenham ocorrido mudanças, esta cultura ainda persiste na contempo-
raneidade. Com a instauração do Estado mínimo, isto só piorou, pois é trans-
ferida para a sociedade civil a responsabilidade que deveria ser do Estado:
“[...] A pobreza vê-se naturalizada e já não se põe mais a questão de suprimi-
la: o que a ordem burguesa tem a oferecer-lhe, para reduzi-la, é uma assistên-
cia social refilantropizada” (NETTO, BRAZ, 2012, p. 156. Grifos dos auto-
res). Consequentemente, a família que não consegue se sustentar, cuidar dos
seus membros, e assim é tida como desestruturada e disfuncional ao sistema,
sendo a culpa do próprio indivíduo. Essa é a ideologia dominante que é im-
posta para toda a sociedade:
A responsabilização familiar é uma tendência que se expande com o
avanço das reformas neoliberais, que apregoa a diminuição das de-
mandas do Estado como mecanismo de redução dos gastos sociais,
repassando-as ou dividindo-as com a sociedade civil; como também
setores da esquerda, inclusive dos movimentos sociais e ONGs, de-
mandam alterações nas relações Estado/sociedade que reforçam a
cultura solidarista da sociedade civil na prestação de serviços soci-
ais, bem como defendem o retorno da solidariedade para o interior
da sociedade, família e comunidade. (TEIXEIRA, 2008, p. 61).
O neoliberalismo torna o Estado mínimo para investimentos na área

78 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE


social, e isto provoca a responsabilização da família. Diante desta realidade, é
necessário tomar cuidado para não culpabilizar a família, como preconiza a
ideologia dominante. Essa família pode estar sendo negligenciada pelo Esta-
do, que mediante suas políticas focalizadas, fragmentadas, setorializadas e
imediatistas, seleciona os pobres entre os mais pobres para acessá-las, ficando
a incerteza de se todos terão, de fato, o direito e o acesso aos serviços socioas-
sistenciais garantidos por lei. A dúvida permanece quanto à interpretação de
acesso ao direito. É necessária uma reflexão sobre a realidade vivenciada pe-
las famílias no atual cenário de crise capitalista e de Estado mínimo.
Segundo Teixeira (2008), a família é o espaço primário de proteção
social dos seus membros e não pode ser substituída pelas políticas sociais,
mas complementada e fortalecida, pois, com o empobrecimento, suas novas
configurações e o desgaste de vínculos, poderá necessitar de apoio financeiro e
orientação para continuar desempenhando o seu papel. Assim, de acordo com
Teixeira (2008), essas políticas deveriam ser expandidas e não diminuídas, como
faz o neoliberalismo.
Este enfraquecimento que o neoliberalismo provoca nas políticas so-
ciais prejudica principalmente a classe trabalhadora.
Independentemente de alterações e mudanças substantivas na com-
posição e nos arranjos familiares, a família é um forte agente de pro-
teção de seus membros: idoso, doente crônico, dependentes, crian-
ças, jovens, desempregados. Não podemos, porém, exaurir esse po-
tencial protetivo sem lhe ofertar um forte apoio. Há aqui uma mão
dupla a ser garantida. (CARVALHO, 2010, p. 274).
Em uma tentativa de dirimir as desigualdades sociais, tais políticas se
tornam excludentes e, ao invés de inclusivas e fortalecedoras, reforçam as fragi-
lidades dos indivíduos e das suas famílias, descuidando da proteção social.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Segundo Campelo e Paiva (2014), as últimas décadas têm se caracte-
rizado pelo aumento do processo de envelhecimento, tendo se tornado um
marco na história, a exigir do poder público e da sociedade, diante do novo
perfil, empenho para dar respostas às demandas impostas a partir do processo
de mudança demográfica.
Em nosso país, ainda é frequente o pensamento de que as pessoas
idosas são um ônus para a sociedade. A população que chega a alcançar uma
idade mais avançada encontra dificuldade de se adaptar às condições de vida
atuais, pois, além das dificuldades físicas, psíquicas, sociais e culturais decor-
APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 79
rentes do próprio envelhecimento, sente-se banida e relegada a um plano se-
cundário no mercado de trabalho, no seio familiar e na sociedade em geral.
É possível perceber que as famílias são vistas pelas próprias legislações
como um meio natural de proteção social, vinculando a sua participação no mer-
cado de trabalho à compra de bens e serviços necessários ao provimento de suas
necessidades. Na política de assistência social, assume-se a matricialidade socio-
familiar inicialmente como princípio e, posteriormente, como diretriz do SUAS.
Criam-se estratégias de fortalecimento desse grupo para que possa
cumprir sua “missão” de instância primária de amparo aos indivíduos como o
familismo, que de acordo com Esping-Andersen, 2000, é “entendido como a
perspectiva em que a política pública considera que as unidades familiares
devem assumir a principal responsabilidade pelo bem-estar de seus membros”
(apud MIOTO, 2015), implicando dizer, em outras palavras, que ocorre a trans-
ferência para as famílias da maior parte da responsabilidade pelo bem-estar
social dos seus membros, ratificando/destacando que a proteção social acha-
se organizada tendo como base as famílias; descobrindo e desenvolvendo suas
potencialidades individuais e coletivas. Desta forma, verifica-se que cada vez
mais o Estado se desincumbe do seu papel social na provisão das famílias.
Apesar dos avanços obtidos com a promulgação da CF (1988) e demais polí-
ticas pertinentes à proteção social à família e seus indivíduos mediante as
políticas sociais, ainda se tem a família como ator principal.
Os programas ofertados como suporte do Estado para o amparo às famí-
lias e indivíduos ainda mantêm as características focalizadoras, compensatórias
e residuais, caminhando em consonância com os pressupostos neoliberais. A
proteção social básica, através da política de assistência social, possui progra-
mas que visam à prevenção da quebra de vínculos e de situações de violência,
programas de convivência entre pessoas idosas, entre outros, que juntos podem
fortalecer a família. Isto mostra um avanço dessa política, mas, diante da crise
capitalista e do Estado neoliberal, com seus cortes no âmbito social, é urgente
que a população seja sensibilizada e orientada a perceber que a assistência é um
direito e não um favor. E assim a população possa se organizar e continuar
lutando pela concretização com qualidade dos seus direitos sociais.
Diante do exposto, faz-se necessário investir na superação das práticas
assistencialistas e tuteladoras, levando-se em conta uma análise da realidade que
recupere o potencial das políticas públicas e, consequentemente, do Estado na
provisão do bem-estar da população em geral.
Demonstrou-se que a família ainda continua sendo responsabilizada
pelo cuidado com seus membros idosos(as), embora existam políticas públi-

80 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE


cas com as quais a família deveria dividir essa responsabilidade. Todavia,
devido às condicionalidades e exigências para acessá-las, em face do Estado
mínimo para o âmbito social, a família é culpabilizada quando não consegue
atender às necessidades dos seus membros.

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APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 83


CAPÍTULO V

A INSERÇÃO DA PESSOA IDOSA NOS SERVIÇOS DE ATENÇÃO


DOMICILIAR: UMA ANÁLISE CRÍTICA DA PRODUÇÃO
CIENTÍFICA E DO DISCURSO GOVERNAMENTAL

Michelli Barbosa do Nascimento


Evandro Alves Barbosa Filho
Maria da Conceição Lafayette de Almeida

Resumo: Este trabalho analisa criticamente a produção de conhecimentos


sobre a inserção das pessoas idosas nos serviços de atenção domiciliar. Além
da literatura científica, foi avaliado o Programa Melhor em Casa, que vem
normatizando a atenção domiciliar no SUS. O estudo é qualitativo e foi rea-
lizado por meio de revisão integrativa e análise documental. Os corpora
foram analisados através de matrizes da teoria social crítica. Nos resultados,
foi identificada uma profunda escassez bibliográfica sobre o tema, assim
como a presença de racionalidades conservadoras e neoliberais no Progra-
ma Melhor em Casa, e do binômio feminização/precarização do trabalho de
cuidado domiciliar com idosos.

Palavras-chave: assistência domiciliar; população idosa; política de saúde.

INTRODUÇÃO
Seja pela necessidade de construir uma intervenção profissional usuá-
rio-centrada por meio do uso de evidências científicas, seja pelas pressões do
capital para substituir a razão totalizante pela razão instrumental e por sua ma-
triz teórica, a perspectiva fenomênica, é inegável a importância do discurso aca-
dêmico-científico para a instrumentalidade das ações dos assistentes sociais e
demais profissionais da saúde.
No âmbito da gerontologia não é diferente, mas em um contexto em
que tanto os intelectuais conservadores (e até mesmo reacionários) como os
progressistas disputam a hegemonia nas ciências e áreas de produção de co-
nhecimento para a produção de “verdades” e “saberes”, em uma clara relação
de forças favorável aos primeiros, a partir da maturação do capitalismo tardio.
É necessário analisar criticamente qual a direção social, quais as perspectivas
de direitos e políticas sociais afirmadas e/ou infirmadas nestes trabalhos. Nos
campos da Gerontologia, do Serviço Social e demais áreas de conhecimento

84 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE


que produzem pesquisa sobre envelhecimento não é diferente; são latentes as
diferenças de abordagens teórico-metodológicas e conceituais sobre o proces-
so de envelhecimento, assim como quanto às respostas ideais às necessidades
sociais dos idosos e idosas.
Embora a produção de conhecimento sobre envelhecimento nas ciên-
cias sociais e humanas seja relativamente nova, é possível verificar as racio-
nalidades dominantes nas análises e na construção epistêmica. Estas são, ma-
joritariamente, centradas na aparência/na superfície do “fenômeno do enve-
lhecimento” ou no pluralismo pós-moderno que aglutina diversas teorias, muitas
vezes divergentes, desacreditando, intencionalmente, as metanarrativas, a ra-
zão ontológica e os conflitos entre as classes fundamentais como determinan-
tes fundamentais para compreender o envelhecimento a partir da perspectiva
da totalidade social. Isto, obviamente, não ocorre por ordem do acaso. Estas
abordagens e leituras sobre o envelhecimento correspondem à decadência ide-
ológica da burguesia e das ciências apologéticas em proporcionar chaves heu-
rísticas centrais para a apreensão (e superação) dos processos sociais que sur-
gem a partir das contradições e crises da ordem societária do capital. Fazer
esta reflexão introdutória é necessário quando o que se busca é a materializa-
ção do Projeto Ético-Político do Serviço Social, assim como do projeto da
Reforma Sanitária brasileira.
Enquanto os sistemas nacionais de saúde liberais ou residuais argu-
mentam que o mercado, a família e a rede de solidariedade próxima são os
provedores ideais dos serviços sociais e de saúde demandados pelo processo
de envelhecimento, criando, portanto, um grande nicho de acumulação de ca-
pital por meio de planos e serviços de previdência e saúde para idosos, os
sistemas universalistas identificam a centralidade do Estado como provedor e
responsável pelo cuidado e proteção social dos idosos. Soma-se a estas pers-
pectivas a que emergiu da crítica ao agravamento das expressões da questão
social, sem romper com as diretrizes do livre mercado e a tendência de mer-
cantilização dos serviços sociais, a saber, a do chamado “pluralismo de bem-
estar social”. Esta perspectiva defende a combinação entre mercado, família e
serviços básicos universais para constituir as safety nets supostamente ideais
a fim de responder às necessidades sociais dos idosos, assumindo como reais:
a suposta insustentabilidade/crise do universalismo do modelo do Welfare State;
a necessidade de regulação do mercado de provedores mercantis e filantrópi-
cos para maximizar os resultados dos provedores privados e afirmar a impor-
tância das parcerias público-privadas (DEACON, 2007; FRASER, 2009).
Obviamente, toda esta discussão, que reflete no plano científico e político o

APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 85


conflito entre as distintas e incompatíveis necessidades das classes fundamen-
tais, incide sobre a produção de conhecimento acerca das políticas e progra-
mas de saúde voltados à terceira idade, como a organização em escala nacio-
nal dos serviços de atenção domiciliar (SAD), que desde 2011 vêm sendo
expandidos dentro do Sistema Único de Saúde (SUS).
A implementação deste novo modelo de atenção à saúde em estados e
municípios do Brasil vem demandando a inserção de assistentes sociais em
equipes multiprofissionais que atuam e monitoram os usuários no território
em articulação direta com as unidades da estratégia de saúde da Família (ESF),
com as unidades de referência à saúde do idoso e com a rede socioassistencial
no território, além de integrar familiares no processo de provisão de cuidado
de idosos. A questão que surge como problemática é que, sob o argumento de
humanização e desinstitucionalização do cuidado em saúde e do controle/ra-
cionalização da ocupação de leitos, tão cara à contrarreforma da Saúde, gran-
de parte dos processos de assistência à saúde e de produção de cuidado vem
sendo repassada dos hospitais para a casa dos usuários, e da equipe hospitalar
para o cuidador, geralmente um familiar do sexo feminino já sobrecarregado
pela dupla jornada de trabalho.
Neste sentido, este trabalho tem como objetivo central analisar criti-
camente a produção de conhecimento sobre a inserção das pessoas idosas nos
serviços de atenção domiciliar. Entende-se que esta reflexão é imprescindível
para observar como esta questão é abordada pela literatura científica no gran-
de e interdisciplinar campo da saúde pública.
A pesquisa é de natureza qualitativa, e a coleta dos dados foi realizada
por meio da revisão integrativa1. Além desta, para incrementar o corpus da
pesquisa, foi analisado todo o conjunto de políticas e leis que orientam a im-
plementação dos serviços de atenção domiciliar no SUS (SAD-SUS). A ques-
tão norteadora da revisão integrativa foi: “como tem sido a inserção da pessoa
idosa nos serviços de atenção domiciliar?”. Este levantamento bibliográfico
foi realizado pela internet, por meio da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS),
nas bases de dados LILACS (Literatura Latino-Americana em Ciências de
1
A revisão integrativa é um método que projeta coligir materiais acessíveis e sintetizar
informações sobre determinado tema, na busca de ampliação e solidificação de conhecimentos
que forneçam subsídios para a compreensão e ações práticas. A fim de alcançar o objetivo
proposto, as fases de desenvolvimento do estudo se pautaram pela seguinte sequência: 1)
Seleção da questão norteadora; 2) Amostragem ou busca na literatura; 3) Categorização dos
estudos; 4) Avaliação dos estudos incluídos na revisão integrativa; 5) Interpretação dos
resultados e 6) Síntese do conhecimento evidenciado nos artigos analisados ou apresentação
da evisão integrativa.

86 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE


Saúde), Medline (Medical Literature Analysis and Retrieval System Online) e
BDENF (Base de Dados Bibliográficos Especializada na Área de Enferma-
gem do Brasil). Os critérios de inclusão que conduziram a seleção da amostra
foram: artigos que tratassem da pessoa idosa em serviços de atenção domicili-
ar, na modalidade original, em formato de texto completo, nos idiomas portu-
guês, inglês e espanhol, publicados nos últimos dez anos (2004-2014). Os
critérios de exclusão pautaram-se por pesquisas que apenas apresentassem
resumos e/ou não focassem da temática do estudo. Resultados: foram identifi-
cados 377 artigos, e a distribuição destes se deu da seguinte forma: 70 no LI-
LACS (Literatura Latino-Americana em Ciências de Saúde), 100 na Medical
Literature Analysis and Retrieval System Online (Medline) e sete na BDENF
(Base de Dados Bibliográficos Especializada na Área de Enfermagem do Bra-
sil). Após a aplicação dos filtros, restaram 21 artigos, dos quais foram lidos os
resumos e selecionados aqueles que minimamente obedeciam aos critérios ob-
jetivos propostos pelo estudo. Destes, restaram dois, nos quais foi aplicado um
instrumento de rigor metodológico, adaptado dos instrumentos Critical Apprai-
sal Skills Programme (CAPS) e Milton Keynes Primary Care Trust, 2002. All
rights reserved, permanecendo em decorrência da validação positiva.
O corpus documental e bibliográfico do estudo foi analisado por meio
da teoria social crítica, especialmente do materialismo histórico-geográfico
de David Harvey e da teoria materialista do Estado, desenvolvida por Joachim
Hirsch, correntes da teoria social crítica que apontam a relação de unidade
entre as transformações da sociabilidade capitalista como fator determinante,
mas não o único, das políticas de Estado. Sem incorrer no fatalismo ou invali-
dar a luta por direitos na direção da emancipação política, o Estado aqui é
entendido como a forma política burguesa, portanto, organicamente compro-
metido com o processo de acumulação capitalista e com a reprodução das
relações sociais capitalistas.
Espera-se que este estudo fomente a discussão entre os profissionais e
pesquisadores do Serviço Social e da Gerontologia sobre os limites e possibi-
lidades deste novo programa do Ministério da Saúde, assim como aponte la-
cunas e tendência da produção de conhecimento sobre o “Melhor em Casa”.

Envelhecimento, Política de Saúde e a Emergência do Programa Melhor


em Casa
O envelhecimento populacional é uma realidade mundial, como apon-
ta a Organização das Nações Unidas (ONU). Segundo este organismo, o perí-
odo de 1975 a 2025 poderá ser considerado como a era do envelhecimento,

APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 87


sendo este crescimento da população idosa mais rápido em países de capitalis-
mo periférico. Estes lograrão um crescimento de 123% da atual população de
idosos, mais que o dobro do esperado no acréscimo na população de idosos nos
países de capitalismo central, que será de aproximadamente 54% (WHO, 2012).
No Brasil, esta realidade se confirma, pois, segundo o Instituto Brasi-
leiro de Geografia e Estatística (IBGE), da população brasileira de 190.732.694
habitantes, os indivíduos a partir de 60 anos são 20.590.599, o que correspon-
de a 10,8% da população (IBGE, 2010).
Em decorrência do aumento expressivo dessa população, observa-se,
no cenário nacional, a tendência ao aumento de doenças crônicas não trans-
missíveis, ocasionado pelas transições demográfica e epidemiológica. Estes
processos sociais resultam no incremento do número expressivo de pessoas
idosas, grupo social e etário que se tornará majoritário em alguns países du-
rante este século. Embora seja algo comumente esquecido, o aumento da lon-
gevidade em escala global é um dos resultados da luta das classes trabalhado-
ras por direitos sociais como o direito à saúde; mesmo que estes tenham sido
materializados, via Estado, em sistemas restritivos ou básicos, eles impacta-
ram expressivamente na dinâmica do processo saúde-doença entre as classes
trabalhadoras (FRASER, 2009).
Ora tratados como sujeitos de direitos, como supranumerários ou uma
reserva de força de trabalho que ainda precisa ser explorada, como defendem
alguns organismos multilaterais, a exemplo do Banco Mundial e da Organiza-
ção Internacional do Trabalho (DEACON, 2007), é fato que por suas singula-
ridades biológicas e sociais, os idosos intensificam a sua procura por serviços
de saúde, talvez por sua condição de força de trabalho já largamente explora-
da nos processos de produção e reprodução capitalista. O chamado quadro
sintomatológico deste segmento crescente da população brasileira resulta,
quando conseguem acessar o SUS, sobretudo em episódios de quedas e das
chamadas doenças crônicas degenerativas, que impactam expressivamente na
qualidade de vida destes idosos e no sistema público de saúde.
A crescente demanda por serviços de saúde que contemplem as singu-
laridades do seu ciclo de vida contrasta com um cenário de reestruturação
produtiva, em que as reservas de força de trabalho que antes, ao menos em
tese, poderiam ser poupadas do processo de extração de mais-valia: crianças,
idosos, pessoas com patologias e condições incapacitantes para a exploração
que se opera no mundo do trabalho. Estas são amplamente solicitadas pelo
processo de produção capitalista. Obviamente, as tentativas de retorno destes
sujeitos às forças produtivas são viabilizadas por um Estado que embora apa-

88 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE


reça como um “sistema político acima das classes e comprometido com os
todos os cidadãos”, no sentido mais abstrato e a-histórico do termo cidadania,
tem como finalidade última assegurar as condições ideais ao processo de acu-
mulação capitalista e às ideologias que o legitimam (HIRSCH, 2010).
No Brasil, a política de saúde sempre teve uma racionalidade frag-
mentada; em geral, curativa, hospitalocêntrica e medicocêntrica, centrada na
intervenção sobre o indivíduo, orientada à lógica dos interesses privados e
que, principalmente a partir do regime autocrático burguês do pós-1964, esta-
va presente (SOARES, 2010), institucionalizando e legitimando a perspectiva
liberal de saúde2 (BARATA, 2009).
No entanto, com a crise do regime ditatorial e a mobilização dos tra-
balhadores da saúde, junto com as demais organizações do movimento popu-
lar e sindical, em torno de um Projeto de Reforma Sanitária, foi possível in-
corporar na Constituição Federal de 1988, a chamada Constituição Cidadã,
um novo projeto de saúde pública, universal e democrático, que é o SUS. Este
sistema, pautado por uma racionalidade de viés político emancipatório, foi
concebido como proposta de ruptura com a racionalidade instrumental e buro-
crática dominante na política de saúde. Neste intuito, o SUS se direciona para
além das ações de assistência à saúde; ele está centrado em ações de preven-
ção e promoção à saúde, possibilitando a participação social mediante o con-
trole social das ações de educação em saúde, entre outros (SOARES, 2010).
A concepção do Sistema Nacional de Saúde do Brasil rompe com a
perspectiva liberal de saúde e se volta à intervenção nas determinações e de-
terminantes sociais do processo saúde-doença. Desta forma, relaciona condi-
ções de saúde da sociedade às relações sociais vivenciadas por esta, apontan-
do que as desigualdades sociais inerentes às sociedades capitalistas expres-
sam desigualdades sociais em saúde.

2
Essa perspectiva liberal ocasiona o esvaziamento do conteúdo social, político e econômico do
processo saúde-doença, que evidencia as contradições objetivas entre as classes sociais e a
impossibilidade de reconciliar os interesses/necessidade fundamentais das duas. A perspectiva
liberal de saúde tende a atribuir às preferências e estilos de vida individuais as principais
causas de adoecimento e morte. As posições majoritariamente seguidas pela saúde pública
tradicional e pela educação sanitária vão nesse sentido, ao afirmarem que os indivíduos são
livres para escolher seu local de moradia, condições de trabalho, seus comportamentos e a
exposição a situações de vulnerabilidade. Dessa forma, para os (neo)liberais, os sistemas de
saúde não deveriam ser os únicos, nem os principais responsáveis pela intervenção no processo
saúde-doença (BARATA, 2009). Para eles, a intervenção do Estado no processo na proteção à
saúde deve ser mínima, e o mercado, a família e a comunidade devem ser os principais
provedores da atenção em saúde (BARATA, 2009; MIOTO, 2010).

APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 89


As desigualdades sociais em saúde não são nenhuma novidade. Elas
vêm sendo documentadas há muito tempo, principalmente a partir do
século XIX. As condições políticas e sociais que surgiram com o
capitalismo, em sua fase de produção, foram favoráveis ao tema, seja
pelas péssimas condições de vida da classe trabalhadora, seja pelo
ideário político associado às revoluções burguesas. A contradição
entre os valores de igualdade, fraternidade e liberdade, e a dura rea-
lidade de vida da maioria da população nos países industrializados,
possibilitou aos chamados reformadores sociais, socialistas utópicos
e comunistas, farto material para denunciar as injustiças sociais em
vários campos, inclusive na saúde. (BARATA, 2009, p. 13).
Apesar dos avanços obtidos com a formulação do SUS nas esferas das
políticas públicas de saúde na década seguinte, 1990, a hegemonia das ideolo-
gias neoliberais questionou a materialização do Projeto de Reforma Sanitária
(BRAVO, 2007, 2008). Esta tendência de negação do conteúdo reformador-
progressista é aprofundada nos anos 2000 (BRAVO, 2010).
Segundo Soares (2010), a racionalidade hegemônica no SUS, nos anos
2000, expressa os princípios do “Projeto privatista” e do Projeto do “SUS
possível” e tem fundamentos que reatualizam velhos conteúdos da racionali-
dade instrumental do Estado burguês. Os problemas e contradições do SUS
são atribuídos às questões de âmbito administrativo/gerencial e de gestão, daí
surgindo todo o discurso justificador das parcerias público-privadas para gerir
a saúde, criando as possibilidades concretas do usufruto direto do fundo pú-
blico pela lógica privada.
Na direção social oposta à da autora e ao Projeto do SUS da Reforma
Sanitária, autores como Mello (2011) vêm defendendo as chamadas inova-
ções gerenciais e operacionais do SUS. Para ele, na Política de Saúde estão
em curso substantivas inovações3 que têm como marco não só o cenário da
reforma do Estado, a redução de suas funções e o controle do gasto público,
como também fatores internos, potencializados pela dinâmica do setor saúde
e decorrentes da implementação do SUS. Ainda segundo Mello, o aprofunda-
mento da descentralização em direção à municipalização da saúde, particular-
mente intenso a partir de 1996, viabilizou inúmeras inovações no tocante ao
incremento da eficácia e eficiência da gestão do SUS, e à alocação de recur-
sos, produzindo impactos diversificados, seja nas condições de acesso aos
diversos níveis de atenção à saúde, seja no desenho de novas modalidades de
interseção entre o público e o privado, as parcerias público-privadas, seja ain-
3
Sobre a natureza burguesa dessas “inovações” no SUS, ver Soares (2010).

90 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE


da no padrão de relacionamento entre Estado e sociedade a partir do estabele-
cimento de mecanismos de controle social (MELLO, 2011).
Dessa forma, o autor supracitado afirma as perspectivas atualmente
hegemônicas no SUS: a tecnicista, a gerencial e a pragmática, ao não proble-
matizarem que sujeitos sociais estão fomentando essas “inovações” e essa
“dinâmica interna” da Política de Saúde; as parcerias público-privadas e a
despolitização das instâncias de controle social, que acompanham a implanta-
ção dessas novas modalidades de gestão (SOARES, 2010; BRAVO, 2010).
Não sem contradições e dissensos, estas novas experiências de inovação em
gestão e cuidado no SUS vêm se fundamentando, em sua maioria, na raciona-
lidade instrumental, utilitarista e na razão fenomênica, infirmando, dessa for-
ma, a análise e a intervenção sobre os principais determinantes do adoecimen-
to entre as classes que vivem do trabalho.
No Brasil, tais “inovações” nos modos de organizar a atenção à saú-
de vêm sendo consideradas indispensáveis à materialização do SUS por dois
motivos: em primeiro lugar, pela necessidade de qualificar o cuidado por
meio das denominadas “inovações produtoras de integralidade da atenção”.
Entre elas, destacam-se: a assistência domiciliar, a diversificação das tecno-
logias de saúde e a articulação da prática dos diferentes profissionais e esfe-
ras da assistência em saúde.
Em segundo lugar, pela necessidade de adotar modos mais eficientes,
eficazes e efetivos de utilizar os recursos destinados à política de saúde, con-
siderando que o modelo hegemônico de atenção à saúde – centrado em proce-
dimentos e não na promoção da saúde – implica investimentos crescentes,
particularmente em função do envelhecimento da população, da transição epi-
demiológica e, sobretudo, da incorporação tecnológica orientada pela lógica
do mercado, não sendo direcionada para responder às necessidades de saúde
da população e tampouco para interferir nas determinações mais gerais do
processo saúde-doença (NASCIMENTO, 2012). É necessário apontar que nessa
busca por eficiência, eficácia e produtivismo, o SUS assume como modelo a
racionalidade das organizações do mercado, o mesmo que resultou no desas-
tre social neoliberal (BRAVO, 2010; HARVEY, 2005, 2008).
Nesse contexto, iniciado nos anos 2000, a atenção à saúde vem abran-
gendo dois modelos: o hospitalar e o domiciliar, sendo este último denomina-
do pelo Ministério da Saúde de atenção domiciliar à saúde. Esta modalidade
de atenção à saúde tem sido amplamente difundida no mundo e tem como
pontos fundamentais o usuário, a família, o contexto domiciliar, a comunida-
de, o cuidador – que não é um profissional de saúde – e a equipe multiprofis-

APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 91


sional (NASCIMENTO, 2012).
A crescente importância da atenção domiciliar expressa a centralidade
da família e da comunidade como sujeitos e objetos do cuidado em saúde.
Essa tendência foi observada por Regina Mioto (2010) e denominada de “fa-
milismo na política social”. No caso do modelo de atenção domiciliar propos-
to pelo Ministério da Saúde, a partir de 2011, e em implantação em todo o
país, o cuidador e/ou a família são responsabilizados pela quase totalidade
dos cuidados de saúde que tradicionalmente seriam realizados em hospitais e
unidades ambulatoriais. Os discursos da “humanização” e do “empoderamen-
to” individual e familiar são mobilizados nos documentos técnicos do “Pro-
grama Melhor em Casa”, visando legitimar um modelo de atenção à saúde que
parece ser estratégico ao processo que Soares (2010) chamou de “contenção
de demanda” por leitos e por cuidado profissional no SUS.
Segundo a Portaria do Ministério da Saúde nº 2. 527, de 27 de outubro
de 2011, que redefine a atenção domiciliar no âmbito do SUS, representada
pelo Programa Melhor em Casa, a atenção domiciliar constitui uma nova mo-
dalidade de atenção à saúde, substitutiva ou complementar às já existentes,
caracterizada por um conjunto de ações de promoção à saúde, prevenção, tra-
tamento e reabilitação prestadas em domicílio, devendo ser implantado em
todos os municípios com população igual ou superior a 40 mil habitantes, e
em municipalidades com porte populacional inferior, quando forem referênci-
as regionais em serviços de saúde (BRASIL, 2011).
A família e a comunidade também assumem proeminência no Progra-
ma Melhor em Casa. Uma das principais singularidades deste Programa é
considerar o domicílio como um “ponto de cuidado” da Rede de Atenção à
Saúde (RAS), e a família e cuidadores, existentes no contexto comunitário
como agentes, parceiros do Estado na provisão de cuidados (BRASIL, 2012).
Assim como as demais modalidades “inovadoras” de gestão de serviços
e atenção do SUS, o “Melhor em Casa” não conta com espaços de controle
social. A participação da família e do cuidador, que pode ser alguém da comuni-
dade, é do tipo tutelada. Pois, segundo o Programa, os “sujeitos” (cuidadores,
familiares e usuários) devem ser orientados sobre o funcionamento, critérios de
inclusão e exclusão do Programa, formas de acompanhamento e monitoramen-
to, mas não têm poder decisório sobre as formas de intervenção da equipe. Como
afirma Hirsch (2010), as políticas sociais públicas sob a hegemonia neoliberal
ocasionam um retorno do poder político, retirado das classes e movimentos
populares, para as classes dominantes e para a tecnoburocracia do Estado, que
em nome da “sagrada” cidadania viabilizaria o melhor padrão de serviços.

92 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE


O esvaziamento dos espaços de poder popular sobre o Estado e a res-
significação da participação política são severas perdas para as classes subal-
ternas, que desde a “restauração do poder de classe” realizada pelo neolibera-
lismo, têm assumido posicionamentos cada vez mais defensivos (HARVEY,
2005). Além de ter esvaziada a sua possibilidade de incidir sobre a tomada de
decisão no Programa Melhor em Casa, os cuidadores (ou melhor, cuidadoras)
devem dispor de tempo de trabalho livre para assumir as responsabilidades na
produção de cuidados que deveriam ser realizadas por profissionais de saúde
pagos pelo Estado. Qualquer semelhança do Melhor em Casa com o extinto
Programa Comunidade Solidária e com o Programa Fome Zero não é mera
coincidência. São resultados do consenso neoliberal, implantado pela contrar-
reforma do Estado, de que as famílias e o chamado terceiro setor deveriam ter
a primazia na responsabilidade de produzir respostas às refrações da questão
social. Seja a fome, seja a pobreza, seja o envelhecimento de homens e mulhe-
res pauperizados etc., estes deveriam ter respostas na esfera privada (familiar
e/ou comunitária), cabendo ao Estado intervir somente nas condições de po-
breza abjeta ou quando os dispositivos de assistência e proteção social priva-
da não existirem.
Quando inserido no Programa Melhor em Casa, o usuário passa a ser
acompanhado diariamente por cuidadores não profissionais (recrutados na
família ou na comunidade) e não remunerados, sendo a equipe de profissio-
nais de saúde, inclusive o/a assistente social, chamada a acompanhar os casos
semanalmente. A proposta é maximizar recursos humanos e materiais, inter-
vindo somente em situações agudas. É interessante ressaltar que a provisão de
cuidados paliativos no SUS também entrou na agenda de atividades que de-
vem ser desinstitucionalizadas por meio do Programa Melhor em Casa.
A perspectiva teórica é outro elemento central para observar a direção
social do Programa e a (in)capacidade de que este Programa de Saúde se con-
figure como um programa emancipador. Por meio da adoção da teoria dos
sistemas, o “Melhor em Casa” propõe um esquema de classificação/normati-
zação e diagnósticos das famílias e comunidades como “funcionais” ou “dis-
funcionais” e assume como referência os modelos nucleares de família (BRA-
SIL, 2012). Dessa forma, ignora/minimiza a complexidade do cuidado e afeto
que se processa nas famílias extensas, mais comuns entre as classes sociais
subalternizadas e de matriz latina, e as limitações objetivas enfrentadas por
essas (MIOTO, 2010). Isto ocorreu especialmente após os programas de ajus-
tes neoliberal, em escala continental, e os impactos da reestruturação produti-
va, que no caso do capitalismo tardio neoliberal na América Latina resultaram

APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 93


em padrões mais severos de extração de mais-valia relativa, sem diminuir a
retirada de mais-valia absoluta (HARVEY, 2008).
O material técnico e legislativo do Programa Melhor em Casa defende
abertamente a necessidade de racionalização dos “vastos” recursos do SUS,
ignorando o crônico subfinanciamento dessa política social. Afirma, desta for-
ma, uma perspectiva racionalizadora, característica do projeto “SUS possível”
(SOARES, 2010). O discurso governamental defende a atenção domiciliar como
fundamental para a diminuição da busca por leitos e de ampliar a rotatividade
destes, e argumenta que não está se desresponsabilizando, pois não estão dimi-
nuindo os leitos existentes, apenas estão sendo utilizados de forma mais eficien-
te, ampliando a produção de serviços de saúde (BRASIL, 2012).
Além disso, o Programa estabelece um aprofundamento da responsa-
bilização dos trabalhadores da saúde na “produção de resultados”, por meio
de uma legitimação do pragmatismo e do tecnicismo. Para isso, a equipe do
“Melhor em Casa” é demandada a assumir um mix de teoria dos sistemas e de
“rotinas de intervenção”. As condições concretas, a precariedade da rede de
atenção à saúde, as profundas desigualdades sociais vivenciadas pelos usuári-
os e a realidade das redes de proteção social são ignoradas pelo Programa.
Depreende-se então que, enquanto estratégia de contenção de demanda ao
SUS, o Programa Melhor em Casa obstaculiza a materialização do Projeto de
Reforma Sanitária e gera novas determinações à força de trabalho em saúde.
Talvez, dando continuidade à tendência de produzir políticas pobres
para os pobres, o Estado brasileiro esteja tentando responder, no âmbito da
saúde, a uma massa de idosos pauperizados que, claramente, demandam mais
do que atenção domiciliar e um atendimento domiciliar pensado e operacio-
nalizado a partir de outras perspectivas que não às da apologia à realidade
posta pela ordem do mercado, em que envelhecer virou um problema, um
desafio, e não parte da vida de homens e mulheres. Ou será que quando não
estamos mais aptos a produzir trabalho abstrato, instrumentalizado pelo capi-
tal, a nossa existência perde o sentido?

Resultados da Revisão Sistemática


Foram identificados 377 artigos, a partir da busca realizada e já men-
cionada, e a distribuição se deu da seguinte forma: 70 no LILACS (Literatura
Latino-Americana em Ciências de Saúde), 100 na (Medline) Medical Litera-
ture Analysis and Retrieval System Online e sete na BDENF (Base de Dados
Bibliográficos Especializada na Área de Enfermagem do Brasil). No passo
seguinte, após a aplicação dos filtros, restaram 21 artigos, dos quais foram

94 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE


lidos os resumos e selecionados aqueles que minimamente obedeciam aos
critérios objetivos propostos pelo estudo. Destes, restaram vinte, nos quais foi
aplicado um instrumento de rigor metodológico, finalizando um quantitativo
de dois artigos pertinentes ao objeto de estudo.

Talvez o mais relevante resultado da revisão integrativa seja a escas-


sez de literatura na área que se amolde aos padrões internacionais de publica-
ção acadêmica, exigidos por um processo de revisão integrativa, já que esta
visa orientar as práticas profissionais com evidências científicas de alta quali-
dade.

APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 95


Apenas dois estudos mostravam pertinência ao tema, adequação teórico-me-
todológica e ética em pesquisa; somente o segundo era oriundo de um periódi-
co especializado na área de Gerontologia. Nenhum abordava a realidade bra-
sileira, possivelmente pela novidade do tema da atenção domiciliar enquanto
programa nacional no SUS.
Enquanto o primeiro estudo aborda aspectos econômicos da adoção
do SAD nos Estados Unidos da América, evidenciando o alto preço dos servi-
ços de atenção domiciliar em um país com um sistema privado de saúde extre-
mamente caro e assistencialista, assim como a necessidade deste tipo de servi-
ço no apoio à recuperação da autonomia dos idosos, o segundo estudo se volta
para a implantação do SAD na rica Cidade-Estado de Cingapura, onde a mão
de obra utilizada é formada majoritariamente por trabalhadoras domésticas
estrangeiras. Este dado indica que a tendência à familização do cuidado vem
acompanhada, na verdade, de uma “feminização do cuidado”.
Embora o trabalho sobre os EUA não enfatize o sexo dos cuidadores
profissionais, é reconhecido que na divisão social do trabalho no país capita-
lista mais rico do mundo, tal como ocorre em outros países de capitalismo
central e também nos periféricos, as funções de cuidado e assistência são soci-
almente atribuídas às mulheres, que por serem identificadas como semiprofis-
sionais, numa associação mecânica com as atividades de cuidado como não
técnicas ou científicas, são precariamente remuneradas.
No segundo trabalho fica muito claro que na sociedade cingapurense
a responsabilidade do cuidado com os idosos no domicílio, seja por meio da
contratação de uma trabalhadora estrangeira, geralmente oriunda de nações
mais pobres do sul e do sudeste asiático, seja realizada pela família, como
recomenda o Governo, fica a cargo das mulheres. Estas serão trabalhadoras
mal remuneradas ou familiares que lidam com uma dupla ou tripla jornada de
trabalho: profissão, cuidados com o lar e com os filhos e cuidados domicilia-
res com um idoso com autonomia afetada. Esta característica da família do
Extremo Oriente, de concentrar na esfera privada e comunitária a provisão
material e de cuidado com os idosos, foi e ainda é extremamente favorável ao
capital nestes países, já que a familização do cuidado poupa o Estado e os
empregadores de prover medidas públicas de previdência e seguridade social,
reduzindo os gastos do Estado e do capital com a reprodução da força de
trabalho e com a superpopulação relativa ou estagnada.
Por outro lado, esta familização do cuidado com os idosos, nestas so-
ciedades ainda profundamente conservadoras em relação às relações de gêne-
ro, parece ser uma desvantagem expressiva às mulheres. Mesmo nas nações

96 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE


mais ricas da região, como Cingapura, Coreia do Sul, Japão e Taiwan, a natu-
ralização do cuidado com idosos como uma atribuição feminina parece ser um
obstáculo à inserção das mulheres, mesmo daquelas com maior educação for-
mal, no mercado de trabalho e, principalmente, nas posições de chefia. Como
apontam Harvey (2005, 2008) e Hisrch (2010), quando o padrão de acumula-
ção flexível e a produção descentralizada tomaram os países do sul e do su-
deste asiático como novos territórios de produção, deslocando linhas de pro-
dução e postos de trabalho do Atlântico Norte para o Pacífico Sul, os grandes
capitalistas temeram que as tradições culturais e religiosas do Extremo Orien-
te pudessem ser obstáculos à produção e à circulação de mercadorias.
Mas, como apontou o Banco Mundial, budismo, confucionismo e xin-
toísmo e suas éticas de disciplina e trabalho, combinadas às formações famili-
ares que tradicionalmente estão condicionadas a absorver os impactos das
crises sociais, serviram de grande valia à formação de uma classe trabalhado-
ra pouco organizada “enquanto classe para si”. A profundamente desigual di-
visão sexual do trabalho nestes países tem garantido amplos níveis de extra-
ção de mais-valor entre mulheres inseridas no mercado de trabalho e uma
carga excessiva de trabalho não pago para aquelas envolvidas no trabalho de
cuidado com a família, em que idosos, doentes e crianças apenas representam
trabalho feminino não pago ou mal pago. Possivelmente, esta estrutura de
cuidado com os idosos centrada na família seja questionada futuramente pelo
padrão de acumulação, já que desde a crise capitalista asiática de 1998, as
taxas de valorização do capital têm sido pífias e a precarização e a queda
salarial têm se tornado comuns, obrigando, cada vez mais, as mulheres a en-
trar integralmente no mercado de trabalho.
Além disso, a maturação do ethos capitalista, fortemente centrado no
indivíduo, tem fomentado a erosão do modelo da família “forte” asiática; res-
ta saber se isto resultará no abandono dos idosos, na institucionalização do
cuidado, como já ocorre amplamente no Japão, ou na formação de serviços de
bem-estar social que absorvam parcialmente as funções de cuidado e/ou pro-
visão material aos idosos e idosas.
Nos EUA, a hegemonia das relações mercantis e do capital como rela-
ção social que estrutura a individualidade de homens e mulheres vem de longa
data. Mas a entrada das mulheres no mercado de trabalho, inclusive em posi-
ções centrais, não desconstruiu o binômio cuidado-mulher. Porém, enquanto
as mulheres pertencentes à burguesia e às frações mais bem pagas do trabalho
contratam trabalhadoras mais pobres e de menor qualificação para assumir
tais atividades, estas trabalhadoras periféricas não contam com renda ou ser-

APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 97


viços sociais públicos que lhes possibilitem transferir as atividades de cuida-
do com uma crescente população de idosos pobres.
No caso norte-americano, uma sociedade que expressa o amplo qua-
dro de complexificação das relações sociais sob o capital, a provisão de cuida-
dos domiciliares segue uma linha de classe muito definida: os que podem
pagar por cuidadores ou por “casas de repouso” terão acesso a estes serviços,
de acordo com a sua capacidade de compra. Diante do incipiente Estado de
bem-estar social norte-americano, formado por inúmeras organizações do cha-
mado “terceiro setor” e dos governos locais, não restam dúvidas sobre a con-
dição de abandono e/ou vulnerabilidade de idosos pertencentes às frações mais
pobres da classe trabalhadora, concentrados nos estados do sul e do centro-sul
dos EUA e entre as comunidades negra e latina.
Discutir os desafios para a atenção domiciliar em relação à atenção
integral à saúde do idoso, concebendo a multidimensionalidade do processo
de envelhecimento, reveste-se de grande relevância, tendo em conta a com-
plexidade, sobretudo quando a assistência gerontológica é direcionada por um
conceito ampliado do processo saúde/doença, com vistas à melhoria da quali-
dade de vida dos idosos.
É perceptível que as pesquisas sobre a inserção da pessoa idosa em
serviços de atendimento domiciliar ainda são incipientes, sendo esta popula-
ção vulnerável e vítima em grande número de um sistema no qual o controle
social e a concepção ampliada de saúde vêm sendo questionados por aborda-
gens tecnicistas e pragmáticas que legitimam a privatização da gestão do SUS
e transferem mais responsabilidades à família e à comunidade, sem levar em
conta muitos dos aspectos socioculturais e econômicos dos envolvidos nos
arranjos familiares e no processo de envelhecimento.
Portanto, fazem-se necessários estudos específicos que avaliem a rela-
ção de custo-efetividade das internações domiciliares comparativamente àque-
las realizadas em hospitais, bem como estudos empíricos que analisem se o
desenvolvimento dessas medidas afirma o direito dos idosos à saúde integral e
humanizada, ou apenas respondem à necessidade do Estado em conter investi-
mentos no campo da saúde pública, garantindo assim a sua “saúde fiscal”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir da hegemonia do ideário neoliberal entre as décadas de 1980
e 1990, o mercado é idealizado como supremo regulador das relações sociais;
contudo, a sua legitimação só pode se realizar na condição de uma suposta
ausência de intervenção estatal (BEHRING E BOSCHETTI, 2006). Até mes-

98 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE


mo o que permanece sob a responsabilidade público-estatal passa a tomar
como referência a racionalidade das organizações do mercado (BRAVO, 2010).
Ademais, nesse contexto de hegemonia neoliberal, o papel do Estado é visto
como um mal necessário, resumindo-se a fornecer a base legal com a qual o
mercado pode maximizar os “benefícios aos homens” (BEHRING & BOS-
CHETTI, 2006) ou fornecer serviços pobres e básicos para os cidadãos que
não podem materializar o ideal neoliberal: o cidadão consumidor.
A atual crise estrutural do capital e a crescente busca da classe domi-
nante por novos nichos de acumulação de capital ocasionaram a mercantiliza-
ção de espaços e instâncias da vida social anteriormente protegidos pelo Esta-
do (BEHRING, 1998; BEHRING & BOSCHETTI, 2006). Esse processo vem
reconfigurando/redirecionando as políticas sociais, entre elas a de saúde. A
contrarreforma do Estado é uma das respostas mundiais do capitalismo à sua
crise, iniciada nos anos 1970. No caso brasileiro, essa contrarreforma neolibe-
ral atinge o Estado, intensificando as suas mais perversas características (SO-
ARES, 2010).
Essa reconfiguração/reorientação apresenta como tendência a restri-
ção e a redução de direitos, sob o argumento da crise fiscal do Estado. As
políticas sociais inseridas nesse contexto convertem-se em ações pontuais e
compensatórias, direcionadas a minimizar os efeitos mais perversos do capi-
tal. Assumem centralidade os programas de transferência de renda, focaliza-
dos na pobreza e na pobreza extrema.
Entre os principais interesses do grande capital na minimização do
Estado está o que Mandel (1985) denominou de supercapitalização,
isto é, o uso e a incorporação dos serviços sociais como espaço de
mercantilização e lucratividade, trazendo para essa área toda a lógica e
racionalidade privada, anteriormente ocupada pelas políticas públicas.
A saúde se tornou um dos campos preferenciais desse processo, cons-
tituindo uma das áreas de maior investimento tecnológico do mundo e
de grandes possibilidades no mercado privado – desde seguros e pla-
nos de saúde para os mais diversos segmentos de renda, indústria de
medicamentos e equipamentos de saúde, redes hospitalares, redes de
farmácias, ações na bolsa de valores, organizações sociais, fundações
etc. (DERENGOWSKI, 2004 APUD SOARES, 2010, p. 340).
Assim, as ações nos serviços de saúde vêm ocorrendo de forma preca-
rizada, fragmentada e focalizada, como expressão do subfinanciamento e da
necessidade de ampliação do mercado privado de serviços. Com isso, tem se
configurado no âmbito do SUS um alto nível de produtividade de serviços, se

APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 99


comparado com o parco investimento de recursos. Porém, essa produtividade
não tem conseguido dar conta da demanda exponencial por serviços. Como
apontam os estudos realizados por Barata (2009) e Deacon (2007), essa pers-
pectiva de saúde é profundamente limitada no tocante à redução de desigual-
dades sociais em saúde.
Segundo Soares (2010), a demanda exponencial pelos serviços de saúde
denuncia não só os limites da política de saúde e de sua racionalidade, mas
também expressa as limitações da racionalidade do capitalismo contemporâ-
neo e do modelo de desenvolvimento impetrado pelo Estado brasileiro, desde
os anos 2000, que podem até atenuar, mas são incapazes de reverter os níveis
de desigualdade social e concentração de riqueza no país. Tais condições es-
truturais de desigualdade materializam-se no cotidiano dos sujeitos sociais de
diversas formas, entre elas, em agravos, riscos e desgastes à saúde, que encon-
tram no SUS o escoadouro de todo esse conjunto de contradições expresso no
processo saúde-doença.
A política de saúde, portanto, fica vinculada ao mercado, mediante as
parcerias com a sociedade civil. A refilantropização é uma de suas manifesta-
ções, com a utilização de agentes comunitários e cuidadores para realizarem
atividades profissionais, com o objetivo de reduzir os custos (BRAVO, 2008).
A ampliação restrita, como parte do conjunto de alterações implemen-
tadas pela contrarreforma na saúde, é a expressão maior das contradições des-
se processo; embora provoque a expansão do acesso aos serviços de saúde, as
características de sua ampliação beneficiam o mercado privado. Portanto, o
modo de ampliação do SUS tem relação direta com as tendências de privatiza-
ção e assistencialização da saúde pública (SOARES, 2010).
No caso do Estado de Pernambuco, onde ocorre a pesquisa que deu
origem a este trabalho, os serviços de atenção domiciliar do Programa Melhor
em Casa são gerenciados por uma organização social (OS) contratada pelo
Governo do Estado para gerenciar e implantar estes serviços em grande parte
da capital, Recife. Desta forma, o “Melhor em Casa”, além de promover o
repasse de responsabilidades do Estado para a família/comunidade, cria um
novo nicho de acumulação de capital para as organizações mercantis e ditas
não lucrativas do setor saúde. Por meio de um contrato de gestão, esta OS
assume a implantação da política de saúde de acordo com a racionalidade
instrumental comum na administração privada e acessa recursos do fundo
público, enquanto as unidades de saúde públicas estatais são cronicamente
subfinanciadas.
Nessa perspectiva, a saúde passa a ser não só direito, mas também

100 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE


importante espaço de investimento público/privado e de ampliação precária
do sistema público, em que se inscreve o Programa de Atenção Domiciliar,
garantindo a expansão do mercado por meio da privatização da gestão da aten-
ção domiciliar e da desresponsabilização do Estado. O modelo de atenção à
saúde materializado no SUS se torna predominantemente assistencial, centra-
do no indivíduo e na família, numa perspectiva curativa e medicocêntrica,
com forte presença das ações emergenciais (SOARES, 2010). Este assistenci-
alismo parece se afirmar no Programa de Atenção Domiciliar do SUS, mas
seus principais agentes não são os profissionais de saúde, tradicionalmente
superexplorados, porém os cuidadores não profissionais e, majoritariamente,
muito pauperizados e mulheres.
De acordo com Mioto (2008), o debate em torno da proteção social e
da política pública vem focalizando a família como agente de corresponsabi-
lidade, ou seja, agente executor do cuidado, o qual é negado pelo Estado. Para
a autora, a centralidade da família no debate sobre política e proteção social
deu-se a partir do final dos anos de 1970, como consequência dos questiona-
mentos provenientes da crise do Welfare State, “que fizeram com que a famí-
lia fosse redescoberta”, tanto como instância de proteção como quanto possi-
bilidade de “recuperação e sustentação” de uma sociabilidade, evidenciando a
relação entre um Estado mínimo para o social e máximo para o capital, e
políticas e programas sociais que repassam às famílias e à comunidade a res-
ponsabilidade pela provisão de bem-estar social.
Resta saber se em um país tão desigual como o Brasil, em que as fun-
ções de cuidado sempre foram realizadas por mulheres e em ambiente familiar,
a atenção domiciliar se tornará a regra ou apenas uma expressão das tentativas
do Estado burguês de colonizar até a esfera do cuidado familiar, em seu constan-
te objetivo de diminuir os seus gastos e os do mercado com a reprodução da
força de trabalho. Enfim, são tempos difíceis para ser velho ou velha.

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APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 103


CAPÍTULO VI
LAÇOS ROSA DE UM VELHO PRESENTE: A QUESTÃO DE
GÊNERO NO ENVELHECIMENTO
Gabriela Cristina C. Vilione
Cristiane de Fátima Poltronieri
Resumo: O envelhecimento humano, fenômeno heterogêneo e multidimensi-
onal, apresenta significativa expansão em escala mundial e nacional. O pre-
sente trabalho tem o objetivo de analisar a velhice, paralelamente à questão de
gênero, discutindo as relações sexistas que repercutem na vida de todos os
segmentos sociais e a disparidade do envelhecer de homens e mulheres. Abor-
da-se a feminização da velhice em um resgate histórico sobre o patriarcalismo
e contextualizam-se as imagens e as referências do processo de envelheci-
mento da mulher velha.
Palavras-chave: Envelhecimento; Gênero; Mulher; Velhice.
INTRODUÇÃO
O prolongamento da vida faz-se realidade em escala mundial, embora
ainda haja países em que a expectativa de vida não tenha alcançado tanto
crescimento. Segundo Kalache et al. (1987, p. 201), a reestruturação demo-
gráfica acontece de forma heterogênea e encontra-se em diversos estágios ao
redor do mundo.
No Brasil1, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE, 2010), o segmento idoso representava aproximadamente
11,1% da população brasileira. Projeções apontam que o País será, em 2025, a
sexta nação com maior número de pessoas idosas.
Este fenômeno eminentemente contemporâneo, complexo, hete-
rogêneo e multidimensional é resultante de um conjunto de determinantes,
tais como as lutas sociais; a queda da taxa de fecundidade e natalidade; os
avanços tecnológicos e farmacológicos; a redução da mortalidade2; as trans-
1
No mundo, de acordo com as estimativas das Nações Unidas, em 2011 a quantidade de
pessoas idosas totalizava aproximadamente 800 milhões de pessoas, o que correspondia a
11% da população mundial. As projeções apontam que em 2050 esse contingente será mais de
2 bilhões de pessoas, o que representará 22% da população (KANSO, 2013, p. 4).
2
Segundo Kanso (2013, p. 12), antigamente as causas predominantes de morte eram doenças
infecciosas e parasitárias; já hoje, 63% das causas são doenças não transmissíveis. Assim,
melhores condições de vida, no que concerne à situação econômica, social, ambiental e cultural,
contribuíram para o aumento da esperança de vida e, conseguintemente, para o aumento do
envelhecimento populacional.
104 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE
formações demográficas, societárias, econômicas e ideopolíticas vivenciadas.
A modificação no desenho da pirâmide etária, com o crescimento expansivo
das populações idosas, apresenta reflexos em todos os setores da vida huma-
na, inclusive na questão de gênero, pois homens e mulheres envelhecem de
formas distintas.
Mediante o panorama apresentado, a heterogeneidade das trajetórias
de vida, da vida social e econômica da pessoa idosa, está condicionada pela
maior proporção de mulheres em relação à de homens. Assim, os aspectos
relacionados ao envelhecimento humano mostram diferenças entre gêneros
(LIMA; BUENO, 2009, p. 275).
Necessário se faz destacar que a velhice retratada neste capítulo é aquela
que se constrói historicamente condicionada pelo sistema do capital, portanto,
evidenciada em face do contexto da sociabilidade neoliberal.
A concepção teórico-metodológica que fundamenta o presente capítu-
lo é o materialismo histórico-dialético desenvolvido por Marx, tendo em vista
que se pretende analisar o tema sob um prisma crítico, porquanto este método
permite a melhor apreensão do movimento da realidade e suas contradições.
Os procedimentos metodológicos foram pautados pela pesquisa bibliográfica
e documental. Para tal, foram realizadas leituras de obras concernentes à ve-
lhice e ao envelhecimento relacionados à sociedade capitalista e à questão de
gênero, bem como artigos e livros que versam sobre o assunto da feminização
da velhice.
A fim de dar visibilidade ao debate, realizou-se uma busca por dados
estatísticos e informações publicadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE). É importante salientar que não se teve a pretensão de es-
gotar os temas abordados, mas sim suscitar novos debates, mesmo porque se
trata de um campo que necessita de aprofundamento teórico, já que são escas-
sas as referências teóricas.

Reflexões sobre o legado patriarcal


Falar de gênero exige introduzir a discussão acerca do patriarcado,
que, para Monteiro e Leal (1998), significa o poder do homem na família e na
sociedade. Patriarcado é o aparelho de dominação masculina, sistema que sub-
juga e inferioriza as mulheres e representa uma estrutura de poder baseada no
patriarca: o soberano, o pai, o homem. Sua origem advém da sociedade grega,
na qual as mulheres eram consideradas meros objetos de satisfação masculina.
Os moldes patriarcais são reproduzidos por meio de instituições como
a família, igreja, escola, onde muitas vezes, “[...] ironicamente, sempre coube

APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 105


às mulheres a reprodução desse modelo [...] sustentado pela estrutura políti-
co-ideológica” (MONTEIRO, 1998, p. 33).
Em uma compreensão histórica, na era primitiva, o homem teria des-
coberto o “poder da vida” através de seu sêmen. Neste período, o homem
aprecia seu pênis, também chamado de “falo”, por este realizar e participar da
geração de uma vida, dando origem à cultuação universal do órgão masculino
que simbolizaria a virilidade. A partir deste achado, o homem se sentiu ainda
mais poderoso e passou a considerar a mulher como um simples depositário,
cuja necessidade será tão somente receber e gerar o nascimento da criança.
Uma vez que o “poder da vida” está no “falo”, o sistema patriarcal, conhecido
também como falocracia, segundo Saffioti (1987), é o mais antigo sistema de
dominação-exploração.
Os patriarcas, conforme Monteiro e Leal (1998, p. 34), detinham o
poder da vida e da morte sobre seus filhos, mulheres, escravos e em todos os
setores da sociedade, mantendo uma relação de domínio, posse e exploração,
também reproduzida pelas mulheres. Hoje o patriarcado se sustenta através da
ideologia dominante do neoliberalismo.
Com uma roupagem nova, assume a autoridade masculina que repro-
duz desigualdades entre os sexos com outras formas patriarcais de ser. Estes
preconceitos estão disseminados na sociedade neoliberal por meio de resquí-
cios patriarcais e são nutridos por diversas instâncias, a exemplo do sistema
de dominação-exploração analisado por Saffioti (1987, p. 60), que explica
tratar-se de uma simbiose entre os três sistemas antigos: o patriarcalismo, o
racismo e o feudalismo, dos quais emerge o capitalismo: “[...] Na realidade
concreta, eles são inseparáveis, pois se transformam, através deste processo
simbiótico, em um único sistema de dominação-exploração, aqui denominado
patriarcado-racismo-capitalismo”.
A presença do machismo sustenta o sistema, fortalece as relações se-
xistas e enfraquece a luta por igualdade entre os sexos, uma luta também de
classe, de raça e de etnia. Corrobora para sustentar a supremacia masculina
em detrimento da mulher, embora também haja a castração dos homens, que
igualmente são prejudicados pelo legado patriarcal.

Breves considerações sobre gênero


A compreensão de gênero pela se pauta este ensaio é entendida como
uma construção social; trata-se do estudo de plano relacional entre os sexos, o
qual abrange um contexto, uma história, vivências, culturas e condições ideo-
políticas e sociais. É válido salientar que a categoria gênero difere da catego-

106 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE


ria sexo, pois esta última alude à qualidade reprodutiva e biofísica dos seres
vivos. Na atual sociabilidade, há resquícios patriarcais em que a categoria
sexo impera como determinante de nossos comportamentos.
As diferenças promovidas entre os sexos são falsas; de acordo com Whi-
taker (1988, p. 10), “[...] as verdadeiras diferenças entre homens e mulheres, nun-
ca é demais repetir, ocorrem no nível do corpo e nada têm a ver com as abstrações
culturais desvalorizadas dos ‘diferentes’”. Esta mesma autora expressa que “[...] o
intrigante é que a sociedade tenha a necessidade de reinterpretá-las de modo sim-
bólico e artificial, transformando-as em desigualdades sociais”.
Para Saffioti (2004), gênero não é neutro e não se limita ao postulado
biologicista. É amplo e histórico, porquanto carrega doses de ideologia como a
patriarcal, ao encobrir a desigualdade e perpetuar a hierarquização e a inferiori-
dade. Figueiredo et al. (2007, on-line) argumentam que gênero é um conceito
útil para entender a vivência em sociedade e compreender que as desigualdades
econômicas, políticas e sociais existentes entre homens e mulheres não são pro-
duto da diferença biológica, mas sim construções sociais resultantes das rela-
ções sociais. Assim são as relações estabelecidas em uma sociedade permeada
por valores, ideias e modelos atribuídos como masculino e feminino.
A concepção gênero, então, surge no sentido de desmistificar a trans-
missão de ideais assimétricos e heteronormativos, assim como visando ratifi-
car uma nova visão das relações. O intento deste artigo é conferir maior visi-
bilidade à mulher, por ser ela a protagonista da opressão de gênero.

Velhas imagens da mulher velha


Mulheres e homens não envelhecem da mesma forma, pois, como vis-
to acima, vivem numa sociabilidade de antagonismos e contradições que atri-
buem e introjetam nos sujeitos papéis sociais assimétricos, confinando-os em
redomas diversas, fruto de um sistema de dominação-exploração de resquíci-
os patriarcais, no qual o masculino também é castrado; entretanto, é a mulher
a protagonista dessa opressão.
Beauvoir (1976) trata da decadência da velhice de mulheres, que des-
de os primórdios sofriam com a misoginia, sem deixar de destacar os velhos
homens, pois estes também lidam com um processo de castração e derrisão.
Nos seus estudos, Beauvoir (1976) assinala que as mulheres velhas eram vis-
tas como “máculas”, imagem reforçada pela iconografia, mitologia e literatu-
ra desde períodos remotos, transmitindo a figura da velhice pouco definida.
Quando possui definição, esta sempre é negativa.
Na história humana, a mulher não teve voz, tornando-se uma figura

APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 107


oculta. A história é contada por homens, e os seus protagonistas são homens
brancos e jovens, com certo poderio, ou então com muita “virilidade”. Tanto é
que em momentos conturbados, de conflitos e guerras, esperava-se que os jo-
vens assumissem o comando. A autora denuncia a misoginia medieval, influen-
ciada pela Antiguidade, Era de mulheres ogras, malévolas e bruxas, expressa
por meio da literatura e fábulas satíricas. “Nesses contos, a mulher velha é sem-
pre um ser maléfico. Quando, porventura, pratica o bem, é porque seu corpo, na
verdade, é apenas um disfarce e ela o põe de lado, surgindo como uma fada de
deslumbrante beleza e mocidade” (BEAUVOIR, 1976, p. 153).
Salgado (2002, p. 9) cita, também, as ideologias sexistas e gerofóbi-
3
cas , marcadas na sociedade pela produtividade, pelo atrativo físico e sexual,
o que acaba por perpetuar o descrédito à mulher idosa, na qual o tempo deixa
marcas na pele, no corpo e na alma. A mulher idosa é, muitas vezes, parte de
uma população invisível cujas necessidades permanecem ignoradas.
Beauvoir (1976, p. 167) cita Erasmo quando ele hediondamente diz:
[...] estas mulheres decrépitas, estes cadáveres ambulantes, estas
infectas carcaças que exalam por toda parte um odor sepulcral [...]
ora exibem suas mamas flácidas e repulsivas, ora se empenham em
despertar o ardor dos amantes com os ganidos de sua voz trêmula.
(BEAUVOIR, 1976, p.167).
A velhice feminina é, assim, apresentada como um flagelo, assinalada
com repulsa e marcada com injúrias. Esta velhice é escarnecida nas obras;
apresenta-se um velho ridículo “[...] e sua esposa – feia e rabugenta como de
costume – lhe faz amargas censuras” (BEAUVOIR, 1976, p. 129). Em sua
maior parte, as mulheres velhas possuem o papel de velhas esposas rabugen-
tas, velhas cortesãs e alcoviteiras das peças teatrais, particularmente por poe-
tas latinos como Horácio e Ovídio.
[...] Descreve enojado uma velha loucamente enamorada [...] é hedi-
onda a aparência da mulher idosa: “É negro o teu dente. Velhice an-
tiga cava sulcos de rugas em tua fonte, teus seios são flácidos como
as tetas de uma jumenta. Seu odor é desagradável: Que suor, que
horrível perfume por toda parte desenvolvido sobre seus flácidos
membros”. (BEAUVOIR, 1976, p. 137).
Beauvoir (1976, p. 138) observa que, “como o destino da mulher, aos
olhos dos homens, é constituir um objeto erótico, ao se tornar velha e feia ela
3
Gerofobia é o termo usado para descrever os preconceitos e estereótipos em relação à pessoa
idosa, fundados na idade. Essa atitude negativa advém do receio de envelhecer (SALGADO,
2002, p. 11).

108 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE


se vê destituída do lugar que lhe é atribuído na sociedade: passa a ser um
monstrum repelente e até mesmo temível”. Desse modo, passa do status de
belo objeto de satisfação para o de feia e feiticeira.
Escritores da Idade Média apresentam o envelhecimento com bastan-
te pessimismo, propagando estigmas e, quanto à questão de gênero, estes se
acentuam. Beauvoir (1976, p. 164), ao analisar o poeta Eustache Deschamps,
anota que:
[...] só enverga na velhice mazelas e motivos de desgosto, decadên-
cia da alma e do corpo, ridícula feiura: estabelece seu início aos 30
anos para as mulheres, aos 50 anos para os homens; para todos, aos
60 anos, só resta a morte. (BEAUVOIR, 1976, p. 164).
No caso da mulher, esta “continua a ser objeto de repugnância e derri-
são”. Há autores/poetas que repugnam a velhice comicamente. Compara-se a
mulher velha à jovem, com a finalidade de humilhá-la, pois no Renascimento
exalta-se em demasia a beleza do corpo feminino. Muitos pintores retratavam
também a fealdade da velhice, especialmente a da mulher; já os velhos ricos
eram pintados como figuras de barbas brancas veneradas e honrosas, enquan-
to as mulheres são retratadas monstruosamente4.
O que se vê na contemporaneidade são estas imagens oscilando entre
a velhice escancaradamente ultrapassada, inútil e que almeja a juventude atra-
vés de receitas prontas, e a velhice bem-sucedida, como se todos tivessem as
mesmas oportunidades, as mesmas condições objetivas de vida. Há um verda-
deiro culto à eterna juventude, e esta exaltação supõe a desvalorização da
velhice.
Além disso, percebe-se também o envelhecimento tornando-se, sob a
égide neoliberal, uma questão de gestão pessoal, ou seja, de responsabilização
pelo modo como cada indivíduo envelhece. Responsabilidade essa imbuída
nos sujeitos sociais, com o intento de fazê-los comprar a velhice idealizada
pelo capital, quando, na verdade, esta velhice, em sua maioria, é subalterniza-
da, condicionada ao pauperismo pelo modo de produção e reprodução social
do capital.
No próximo tópico, aborda-se a visão da velhice atualmente.

4
Como exemplo, o quadro de Quentin Metsys, em “A duquesa feia“, disponível em sites de
busca por imagens, em que a velha mulher aparece “grotescamente ataviada, hediondamente
decotada, de fisionomia bestial” (BEAUVOIR, 1976, p. 182). Quevedo, Saint-Amant e Mathurin
Régnier são outros homens citados pela autora que lamentavelmente disseminaram a imagem
da mulher idosa similar à morte, descrevendo-a de forma impiedosa.

APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 109


A feminização da velhice contemporânea
Quem impõe o estatuto das pessoas idosas é a classe dominante.
(BEAUVOIR, 1976, p. 242).
Identifica-se a questão de gênero extremamente presente na temática
do envelhecimento populacional. Em consonância com Debert (1999), Lima
(2000) e Britto da Motta (2013), salienta-se que homens e mulheres não enve-
lhecem da mesma forma. Portanto, é necessário realizar um estudo que consi-
dere as relações sexistas, de resquícios patriarcais, sob a ideologia machista
de atribuição de papéis diferenciados.
É importante considerar que, ainda que a população idosa seja o seg-
mento etário mais crescente, elevam-se também as discrepâncias, pois a velhice
é heterogênea: “[...] há idosos nas diferentes camadas, segmentos ou classes
sociais, e eles vivem a velhice de forma diferente” (HADDAD, 1993, p. 9).
A velhice não é pura e simplesmente uma fase específica; é uma
construção social: nela há trajetórias de vida pessoal e social, lineares ou des-
toantes, exigindo uma compreensão histórica e dialética, pois envolvem espa-
ços, tempos, classes sociais e relações de gênero, entre outras categorias.
[...] a velhice é um fenômeno biossocial que não existe singularmen-
te – claramente existem velhices, em formas que, mais além da loca-
lização etária “exata” no ciclo da vida, variam segundo as referidas
características biológicas socialmente condicionadas, como o sexo/
gênero, a raça/etnia e própria posição social, como grupo de idade e
geração, mas, também, e não por último, a condição de classe.
(BRITTO DA MOTTA, 2013, p. 15).
Edmundo de Drummond Alves Júnior (2009, p. 29) afirma que “A
velhice é um fenômeno histórico, social, cultural, enfim, multifacetado e mul-
tidisciplinar, no qual perpassam trajetórias de vida pessoal e social e que só
pode ser compreendida em determinados tempo, espaço, classe social, rela-
ções de gênero e de etnia”.
A feminização da velhice é a predominância do gênero feminino no
envelhecimento populacional em curso em quase toda parte do mundo; contu-
do, ainda é um assunto pouco estudado. Conforme Britto da Motta (2013),
“[...] sobre a velhice, a literatura produzida é, desde os últimos decênios do
século passado, bastante ampla. Já sobre a mulher velha, como categoria de
análise, a produção rareia”.
Fato comprovado por pesquisas e estudiosos da área, as mulheres pos-
suem maior expectativa de vida. Salgado (2002, p. 8) relata que, em média, as

110 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE


mulheres vivem sete a oito anos a mais que os homens.
Para dar visibilidade ao fenômeno da feminização da velhice, Cam-
pelo e Paiva (2014) citam que, no Brasil,
[...] em 1980, havia 98,7 homens para cada cem mulheres, proporção
que caiu para 97% em 2000 e será de 95% em 2050. Em números
absolutos, o excedente feminino, que era de 2,5 milhões em 2000,
chegará a seis milhões em 2050. Já a diferença entre a esperança de
vida de homens e mulheres atingiu 7,6 anos em 2000 – sendo a mas-
culina de 66,71 anos e a feminina de 74,29 anos. (IBGE, 2004 apud
PAIVA, 2014, p.197-198).
A conjuntura de desequilíbrio etário tem sido consequência da redu-
ção da taxa de natalidade; segundo o IBGE (2010), a média de filhos no País
é de 1,86, juntamente provocado pelo aumento da expectativa de vida que, de
acordo com o mesmo Instituto, passou a 78,3 anos para as mulheres e 74,1
anos para os homens.
O gráfico 2 apresenta a distribuição da população por idade e sexo.
Nota-se que houve um estreitamento na base, provocado pela diminuição da
taxa de fecundidade, e o alargamento do topo, provocado pela queda da mor-
talidade em idades avançadas no período, além de ressaltar o contingente maior
do sexo feminino em relação ao masculino.

Gráfico 2 – Composição da população por sexo e idade – Brasil – 1991/


2010

Fonte: IBGE, 2010, online.

APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 111


Os dados do Censo demográfico do IBGE (2010) revelam que o País
segue em passos largos para o envelhecimento da população: 7,4% da popula-
ção têm mais de 65 anos; no ano de 1991 esse índice chegava apenas a 4,8%.
Segundo Berzins e Borges (2012, p. 23), no Brasil, em 2025, haverá mais de
50 adultos com mais de 65 anos de idade ou mais, por conjunto de 100 jovens
menores de 15 anos de idade. Já Carvalho e Wong (2008, p. 603) afirmam que,
em meados de 2050, para cada grupo de 100 mulheres idosas, haverá 76 ho-
mens idosos.
De fato, as mulheres estão vivendo mais, e isso se dá por diversos
fatores, entre os quais sua melhor percepção da doença e aceitação dos cuida-
dos para com a sua saúde, fazendo uso constante ou pelo menos maior que os
homens dos serviços de saúde, tanto que se fala em demasia do Programa de
Saúde da Mulher e quase não há visibilidade para o Saúde do Homem; partici-
pação maior e ativa nos Serviços de Convivência e Fortalecimento de Víncu-
los (SCFV), grupos comunitários e atividades voltadas à pessoa idosa; menor
exposição a riscos, trabalhos periculosos e insalubres, tidos como de domínio
masculino; diferença no consumo de tabaco e álcool; e a conquista de novos
papéis sociais e lugares na sociedade.
Segundo Coutrim (2010, p. 68), essa longevidade pode ser explicada
pelo fato de a mortalidade masculina ser maior se comparada com a feminina,
pela diminuição da mortalidade materna, pelas mulheres se arriscarem menos
no trânsito e no trabalho, por consumirem menos tabaco e bebida alcoólica e
se preocuparem mais com a saúde.
Constatou-se que as mulheres vivem mais que os homens, a partir do
momento que se utilizam de serviços médicos e hospitalares, princi-
palmente no parto, de medicamentos anti-inflamatórios, antibióticos;
e na menopausa, fazem tratamento adequados, e do ponto de vista
afetivo e social, estabelecem mais vínculos e têm mais plasticidade
em suas relações afetivas. (LIMA, 2000, p. 24).
Para Neri (2007, p. 56), as mulheres idosas são as maiores frequenta-
doras dos grupos de convivência, movimentos sociais, viagens, oportunidades
de lazer e trabalhos voluntários. Isso contribui para que elas sejam mais “co-
nectadas socialmente”, tanto na esfera familiar como fora dela.
Para compreender a velhice que se está a abordar, cabe ressaltar que
se trata da geração de mulheres idosas nascidas na década de 1930 até a déca-
da de 1950, que vivenciaram todo um contexto histórico árduo (repressão,
guerras, ditadura e coerção).

112 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE


Outro ponto a ser levantado, de acordo com Salgado (2002, p. 9), é
que a pessoa idosa do gênero feminino difere de outros grupos de idade quan-
to ao nível de educação formal e formação profissional, pois possui menos
anos de formação e maior dificuldade em conseguir um emprego, se compara-
do ao grupo de jovens e homens idosos. Tal fato resulta em situações econô-
micas desfavoráveis quando as mulheres ficam viúvas, pois, conforme Cama-
rano, Kanso, Leitão e Mello (2004, p. 54), essas mulheres não tiveram “[...]
emprego remunerado e com carteira assinada, o que aumenta sua desvanta-
gem”.
Por serem em sua maioria viúvas, as mulheres idosas são, muitas
vezes, chefes de família. De acordo com Neri (2007, p. 56), a presença de
maior número de mulheres como chefes de família é devida à maior longevi-
dade das mulheres, acrescida do advento de políticas como o Benefício de
Prestação Continuada (BPC) e o trabalho feminino.
A referida autora cita que nos grandes centros urbanos o número de
mulheres idosas morando sozinhas é maior se comparado ao número de ho-
mens que vivem sós: “[...] em todos os estados das regiões Sudeste e Sul, as
mulheres que vivem sós apresentam proporção superior a 20%”. Ademais,
“[...] 27,5% das mulheres versus 17,7% dos homens brasileiros de mais de 60
anos são apontadas como chefes de família”.
Contudo, essa longevidade também pode ser relacionada ao sentimento
de libertação, associada, muitas vezes, ao status de viúva, e por não perderem
tanto o sentido da vida no processo de aposentadoria como os homens. Essa
liberdade, segundo Neri (2007, p. 49), revela um ganho da “nova velhice”
feminina, pois trouxe a autoafirmação, a autovalorização e a participação so-
cial. Portanto, a longevidade feminina acrescida de melhores condições de
saúde e integração origina novas expectativas no curso da vida (DEBERT,
1999, p. 36).
O mesmo processo de aposentadoria, para os homens, considerados
provedores, uma vez alijados do mundo do trabalho, gera adoecimento, senti-
mento de inutilidade por ficarem confinados à esfera privada/doméstica/re-
produtiva, pois não se acostumaram a ocupar esse espaço. Ao contrário das
mulheres que, antigamente, com maior rigor, estavam fadadas a ocupar tão
somente essa esfera, ou mesmo ocupando a esfera pública/produtiva/extralar,
mantinham as atividades do lar, com as quais o homem não se identifica.
Com base em Saffioti (1987), o sistema de dominação-exploração atri-
bui papéis distintos aos sexos, propagando o que a sociedade espera ver cum-
prido, delimitando até onde poderão “pisar”. Isso influencia diretamente em

APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 113


sua identidade social, pois é a partir destas atribuições que se evidenciam os
impeditivos de homens e mulheres desenvolverem as dimensões da vida igual-
mente. Soma-se a este aspecto o fato de não haver condições equânimes entre
os sexos para que suas potencialidades sejam exploradas integralmente inde-
pendentemente do fator biológico. “A sociedade delimita, com bastante preci-
são, os campos em que se pode operar a mulher, da mesma forma como esco-
lhe os terrenos em que pode atuar o homem” (SAFFIOTI, 1987, p. 8).
Esta delimitação de papéis não é diferente na fase da velhice, que
assim como o gênero é uma construção social. Mesmo que as mulheres possu-
am uma expectativa de vida maior, viver mais não é sinônimo de viver melhor,
tendo em vista o acúmulo, no decorrer da vida, de inúmeras desvantagens,
como as duplas, triplas ou mais jornadas de trabalho; a divisão sexual do tra-
balho; os desníveis salariais; a violência e a discriminação; a imposição do
papel de cuidadora.
É importante considerar a velhice não homogênea, pois existem velhi-
ces em sua pluralidade, e estas devem ser analisadas justapostas ao modo
como a força de trabalho é expropriada e explorada, isto é, a partir da produ-
ção e reprodução da lógica do capital, à qual a classe que vive do trabalho está
submetida, subordinando suas qualidades e necessidades humano-sociais à
ditadura da racionalidade de riqueza privada (PAIVA, 2014, p. 37).
Desse modo, sabe-se que a heterogeneidade da população longeva não
se deve apenas à diferença da composição etária e de gênero, mas sim às
diferentes trajetórias de vida na inserção social e econômica no mundo do
trabalho (CAMARANO, 2006, p. 2). Haddad (1993, p. 17) destaca: “[...] ain-
da que se tenha elevado a esperança média de vida, isso não significa que
tenham melhorado as condições objetivas de vida da classe trabalhadora.”
De acordo com dados da pesquisa de Oliveira e Silva (2012), acerca
da influência de gênero e da participação da mulher na solidariedade entre
gerações, nas relações entre avôs e avós, filhos e filhas, netos e netas, quando
as genitoras trabalham no espaço público, a tarefa de “cuidar” e “ficar” com
os netos é das avós. Os avôs, geralmente aposentados, contribuem em menor
intensidade com os filhos em relação às atividades domésticas. Assim, a ve-
lhice feminina continua com uma projeção de amparo e cuidado. As idosas
avós continuam a assumir o papel de prover e educar os netos. O apoio fami-
liar é visto como inerente à mulher, assim como a idealização do instinto ma-
terno.
Conforme Neri (2007, p. 48), a feminização da velhice se equipara
ao crescimento do número de mulheres idosas e coincide com alterações nas

114 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE


normas etárias e de gênero que legitimam o comportamento, as relações inter-
geracionais e de apoio material, instrumental e afetivo entre gerações. Tais
características de mudanças variam conforme o pertencimento das mulheres
às classes sociais (GOLDANI, 1999, p. 76):
Os diversos, novos e velhos, papéis desempenhados pelas mulheres
aposentadas na família, proporcionam a elas bem-estar, pois, de acor-
do com Souto (1999), os idosos buscam uma revalorização perante a
sociedade, uma sensação de pertença, por meio da qual se sintam
parte fundamental da família, sentimento esse que é perdido com a
chegada da velhice. (OLIVEIRA e SILVA, 2012, p. 42).
Pode-se afirmar que a velhice se feminizou, metamorfoseando-se em
um assunto de mulheres. Porém essa parcela da população enfrenta uma pro-
blemática muito particular: ser mulher, velha e, quando acrescida às questões
da cor da pele e econômica, ela se torna ainda mais vítima de hostilidade.
Adriano Gordilho (et al., 2001 apud Paiva, 2014, p. 198) considera que o
aumento significativo da esperança de vida das mulheres causará impacto na
demanda por políticas públicas, pois as mulheres estão mais sujeitas às defici-
ências físicas e mentais.
Portanto, mediante a sucinta explanação da realidade das mulheres
idosas, percebe-se que elas se tornam as protagonistas da velhice. No entanto,
como em qualquer etapa da vida, a feminização da velhice possui aspectos
negativos e positivos. É reflexo de uma conjuntura histórica de contradições
que está em constante movimento; ora apresenta limites, estigmas e desafios,
ora apresenta avanços e aspectos positivos.
A feminização da velhice evidencia que as relações continuam assi-
métricas, no sentido de estarem carregadas de influências “neopatriarcais”,
embora não impere o patriarcado em sua fase originária, sobretudo por recriar
e disseminar novas formas neoliberais, falocêntricas e sexistas de ser.
Assim, evidenciam uma velhice polarizada: mulheres velhas incum-
bidas de serem cuidadoras, oprimidas pelo casamento e libertas apenas quan-
do viúvas, condenadas à busca por produtos rejuvenescedores; ou homens
velhos que deverão adoecer por sua “improdutividade”, condenados a sentir-
se onerosos no espaço privado, no qual não se identificam. Isso demonstra que
o sistema dominante, também na fase da velhice, maquia e perpetua desigual-
dades de gênero e de classe.
Alves e Pitanguy (2007, p. 9) opinam sobre a inexistência do direito a
um envelhecer equivalente:

APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 115


[...] que o indivíduo, seja ele homem ou mulher, jovem ou idoso, não
tenha de se adaptar aos modelos hierarquizados, e onde as qualida-
des “femininas” ou “masculinas” sejam atributos do ser humano em
sua globalidade.
Navega-se numa contracorrente para se legitimar outro projeto socie-
tário; portanto, o caminho a se seguir contra o “neopatriarcado” é a resistên-
cia, a luta de classes, a consolidação de políticas públicas para o envelheci-
mento digno, sem distinção de gênero. É a defesa dos sujeitos históricos e
sociais rumo à emancipação humana.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Consoante o exposto, identificou-se que, devido à heterogeneidade
da velhice, homens e mulheres vivenciam essa fase da vida de maneira diver-
sa. Diante dessa realidade, dados os elementos apontados, resta evidente a
feminização da velhice, sendo maior o número de mulheres idosas. Estas so-
frem a opressão de gênero desde tempos remotos; em se tratando da mulher
velha, isto não se altera, muitas vezes, se acentua, conforme visto nos estudos
realizados por Beauvoir (1976).
Ao se considerar a feminização da velhice axiomática, entende-se que
uma sociedade, para manter seu status quo, para atender aos interesses do
capital, do macho alfa, branco, burguês e jovem, mantém a desigualdade, a
injustiça e promove a cisão entre homens e mulheres de todas as idades, so-
bretudo entre aqueles velhos (as) trabalhadores (as) que já não servem à gran-
de massa de manobra produtiva.
Remonta-se a períodos medievais, da iconografia antiga e demais
momentos históricos, nos quais a velhice foi encarada como obsoleta e es-
drúxula. O capital neoliberal cria mecanismos para reforçar tais estigmas e
pseudovalorizações.
De fato, os avanços em diversas áreas propiciaram uma expectativa
de vida maior. Há muitas mulheres longevas, no entanto, as discrepâncias na
questão de gênero permanecem até mesmo nesta diferenciação de esperança
de vida.
A mulher continua pressionada para exercer papéis de cuidado e am-
paro: é a cuidadora, é a avó. O homem velho fica deslocado com o processo de
aposentadoria, e muitas vezes acaba depreciando-se por sua exclusão da ativi-
dade produtiva, considerando-se um inútil. A mulher, tida como “frágil” e
“inferior” pela ideologia determinista da classe dominante, arrisca-se menos e
procura cuidar-se mais. Já o homem não procura tanto pela rede de saúde e

116 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE


possui papéis distintos, nos quais se arrisca mais. Esta dicotomização resulta
em uma velhice também diferente para ambos os sexos, traduzida em prejuí-
zos para ambos os lados.
Salienta-se a importância de se pensar na promoção da equidade de
gênero, de se criar espaços de discussões, de promover estudos sobre a temá-
tica e disponibilizar estratégias de embate em face da cultura machista. Embo-
ra a efetivação da equidade suponha a superação desta ordem por outro proje-
to societário, urge a desmistificação cotidiana dos estereótipos sexistas.
O ideal é que todos possam ter as condições de desenvolvimento res-
peitadas igualmente, para que sejam estimulados da mesma forma ao longo da
vida, sem distinções entre homens e mulheres, sem diferenciação de sexo e
idade, podendo desenvolver suas potencialidades em qualquer fase de sua vida
com condições equivalentes.
É necessário rever os conceitos, refletir, indagar e pensar na pessoa
idosa como sujeito de direitos, capaz de continuar a sua história, de se impor,
se opor e contrapor-se aos estigmas para enfrentar o obscuro do cotidiano e
conseguir transformá-lo através da luta de classes e do movimento contra-
hegemônico de toda a classe trabalhadora.

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APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 119


CAPÍTULO VII

VELHICE DE MULHER

Isolda Belo

Resumo: Em face das características do processo de envelhecimento da po-


pulação, as especificidades da velhice feminina constituem fator a ser consi-
derado no âmbito do Serviço Social. O presente trabalho tem por objetivo
discutir dificuldades enfrentadas pelas mulheres, como resultado de desigual-
dades de gênero vivenciadas ao longo da vida e que se expressam no contexto
do atendimento em instituições públicas e na luta em defesa de seus direitos.
A análise se baseia nos dados da pesquisa “Mulher Idosa em Pernambuco:
empoderamento e seus entraves”, realizada pela Fundação Joaquim Nabuco,
em parceria com o Governo de Pernambuco/Secretaria da Mulher.

Palavras-chave: envelhecimento; mulher idosa; velhice; gênero.

Contextualizando: Mulher ou Idosa?


Parece um despropósito perguntar se as mulheres com mais de 60 anos
de idade devem ser consideradas mulheres ou apenas idosas. No entanto, no
cotidiano desse coletivo, são frequentes as situações que se apresentam tendo
por base esta contradição, como se elas deixassem de ser mulheres, passando
apenas à condição de velhas.
Uma das principais queixas expressas por mulheres que participaram
da pesquisa refere-se às dificuldades de serem atendidas nos serviços especí-
ficos para a mulher, seja para o uso dos equipamentos, seja na participação em
eventos de reivindicação política. Quando necessitam ou desejam engajar-se,
é comum que elas sejam orientadas a dirigirem-se aos serviços destinados à
pessoa idosa que, muitas vezes, são organizados por equipes insuficientemen-
te sensibilizadas ou preparadas para atender às especificidades das demandas
desse segmento em particular, destacando-se as citações a órgãos públicos
como a Delegacia do Idoso.
Esta ambiguidade traz à tona o preconceito enraizado no senso co-
mum – mas também presente em parte dos estudos sobre o envelhecimento e
nas políticas públicas – de apenas considerar as demandas da mulher em sua
fase reprodutiva. Estando idosas, parecem perder a sua condição feminina,
transformando-se em pessoas assexuadas, senhoras de um corpo sem função

120 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE


social ou econômica. Não é difícil associar esta imagem à hegemonia de um
pensamento em que a identidade feminina está vinculada à esfera doméstica
de reprodução da família: o corpo “adaptado para a necessidade do óvulo ao
invés de suas próprias necessidades” (BEAUVOIR, 1953: 24).
O contexto histórico de socialização da atual geração de mulheres ido-
sas repercute negativamente no seu processo de participação, considerando o
desestímulo à vida na esfera pública, uma vez que sua ação sempre foi imposi-
tivamente dirigida para os cuidados com os filhos, com a casa e com o marido.
Ao mesmo tempo, essa mesma geração de mulheres idosas foi tam-
bém socializada num ambiente em que o conceito de velhice sempre esteve
associado à ideia de passividade, doença e reclusão.
Como reagir diante das exigências do atual conceito de Envelheci-
mento Ativo e dos novos desafios que se colocam para a mulher, muitas vezes,
responsável única pelo domicílio?
As reflexões aqui apresentadas decorrem da análise dos dados primá-
rios obtidos na pesquisa “Mulheres Idosas em Pernambuco: empoderamento e
seus entraves”, estudo realizado pela Fundação Joaquim Nabuco, em parceria
com a Secretaria da Mulher, focado na compreensão da realidade da mulher
idosa em Pernambuco.
O objetivo geral da pesquisa foi o de identificar elementos e situações
que vêm impedindo a plena inclusão deste coletivo nos processos de transfor-
mação das relações desiguais de gênero. No intuito de contemplar perspecti-
vas de maior abrangência acerca do contingente de mulheres pesquisadas,
optou-se por uma dupla forma de abordagem: (a) levantamento de dados esta-
tísticos, mediante a aplicação de questionários, visando dimensionar os fatos
e situações observados, e (b) enfoque qualitativo com base em depoimentos
obtidos através de entrevistas e análise do discurso.
Sob essa perspectiva, atribui-se maior evidência às novas elaborações
ante os discursos hegemônicos relativos à pessoa idosa e, dentro de uma refe-
rência mais particular, buscou-se aprofundar as questões relativas à mulher,
na tentativa de, por um lado, participar do debate estabelecido em torno dos
novos contratos de gênero, em especial na fase da velhice e, por outro, colabo-
rar para a superação da escassez de estudos sobre o envelhecimento que apro-
fundem as questões relativas à mulher idosa.
São ainda utilizados no debate aqui apresentado os resultados das duas
edições do Fórum Nacional da Mulher Idosa, evento organizado pela Funda-
ção Joaquim Nabuco e pela Secretaria da Mulher/Governo de Pernambuco.
Os discursos da atual geração das mulheres com mais de 60 anos de

APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 121


idade revelam elementos que reforçam os estereótipos e as imagens tradicio-
nais destinadas às mulheres e às pessoas velhas, ao mesmo tempo que indi-
cam, de forma aparentemente contraditória – embora complementar –, os avan-
ços contidos nos discursos reivindicatórios do movimento feminista e no con-
ceito de Envelhecimento Ativo (EA) que, em linhas gerais, pressupõem a aber-
tura de oportunidades de participação e de inclusão social da pessoa idosa nas
diversas estruturas sociais.

Quem são estas mulheres?


O estudo foi realizado em Pernambuco, estado da região Nordeste do
Brasil, onde a força da cultura machista exerceu forte pressão na formação
sociocultural desse segmento específico da população que, de maneira difusa,
tem igualmente sentido os efeitos dos avanços do movimento feminista, prin-
cipalmente na área urbana.
Foram aplicados 4.500 questionários a mulheres com mais de 60 anos,
de diferentes faixas etárias, distribuídas de forma representativa pelas cinco
regiões do estado: Metropolitana (44,4%), Zona da Mata (12,9%), Agreste
(26,6%), Sertão (10,4%) e Sertão do São Francisco (5,1%).
A sistematização das informações obtidas através dos questionários
mostra o predomínio, entre as entrevistadas, de mulheres com renda entre um
e três salários mínimos (90,2% do total), fato que atesta a representatividade
da amostra considerada na pesquisa, quanto à perspectiva de contribuir para a
adequação das políticas públicas destinadas a este segmento.
Complementando os dados obtidos por meio dos questionários, foram
realizadas entrevistas com mulheres e lideranças do movimento organizado
das pessoas idosas em Pernambuco. Além dos dados coletados na pesquisa,
são também aqui apresentadas algumas reflexões contidas no Relatório das
duas edições do Fórum Nacional da Mulher Idosa, realizados em Recife, con-
forme anteriormente mencionado.
Para os propósitos deste capítulo, cabe ainda informar que 53,5% das
entrevistadas são viúvas, enquanto 25,3% se declararam casadas, 13,9% sol-
teiras e apenas 7,2% divorciadas.
Quanto aos aspectos relativos à educação, verificou-se que 41% das
mulheres pesquisadas eram analfabetas, reproduzindo-se no contexto estadu-
al a realidade encontrada no restante do país, cujo quadro é alarmante em
relação ao quantitativo de mulheres que não sabem ler nem escrever. Se forem
somadas a este contingente aquelas que se dizem apenas alfabetizadas, tem-se
o percentual de 68,2%, que denuncia o contexto cultural em que foi socializa-

122 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE


da a atual geração das mulheres idosas, na qual a educação escolar (e até
mesmo a leitura) foi totalmente desestimulada, tal como afirmou uma das li-
deranças do movimento: “Em minha casa, meus pais diziam que não era pra
aprender, pra não escrever nem receber cartas de namorado”.
O conhecimento e a abertura para novos mundos e a descoberta do
exercício de cidadania que a alfabetização pode proporcionar eram valores
estranhos à cultura predominante no processo de socialização primária deste
coletivo.
Na abertura do II Fórum Nacional da Mulher Idosa (IIFNMI),1 a pa-
lestrante fez a convocação para que todas saíssem do enclausuramento impos-
to às mulheres pelos modelos de socialização, estimulando-as a romper com
os papéis tradicionais a elas destinados. Para ilustrar, remeteu a uma fábula
em que duas mulheres viúvas (mãe e filha) sobreviviam da venda do leite
produzido na propriedade deixada pelos maridos. Com a morte do animal, e a
necessidade de buscar uma fonte de renda, elas se aperceberam que existia um
mundo para além dos limites daquelas terras e, mais ainda, de suas potenciali-
dades ao descobrirem novas formas de sobrevivência.
Esta fábula permite fazer uma analogia, substituindo o papel dos ex-maridos e
da propriedade mencionada no relato pela presença do Estado e a execução
das políticas públicas destinadas à mulher, vistas predominantemente como
apenas receptoras dos benefícios, e não como cidadãs com direitos plenos
(PRÁ, 2014, p. 20). Assim, em vez do pai, do marido, do irmão – o homem –
como o provedor das necessidades das mulheres, emerge o Estado protetor,
refletindo no âmbito macrossocial a cultura e, portanto, as estruturas predomi-
nantes na esfera privada (e vice-versa):
Em se aceitando que o Estado e suas políticas públicas refletem e
reproduzem valores, normas e posturas sociais, incluindo percepções
de feminino e masculino, é correto afirmar que o tratamento dado às
questões da mulher ou à equidade de gênero é condicionado por ten-
dências globais e regionais, por modelos de crescimento econômico
e pelos projetos sociais e políticos seguidos por cada país. (PRÁ,
2010, p. 18).
Portanto, “as percepções do feminino e do masculino” dominantes no
1
Trata-se da palestra da Professora Leny Amorim, que fez a abertura do evento. O II FNMI foi
realizado em Recife, em 2012, contando com a participação de 878 pessoas (39 homens e 859
mulheres), sendo 300 técnicos/as. Os resultados foram divulgados no documento Relatórios I
e II FNMI-PE, publicado pela Secretaria da Mulher de Pernambuco, disponível no site
www.secmulher.gov.pe e em versão impressa.

APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 123


processo histórico de socialização da atual geração das mulheres com mais de
60 anos traziam e trazem ainda, de forma contundente, os modelos de compor-
tamento bem definidos: para o homem – provedor doméstico e habitante do
espaço público; para a mulher, a geração e a criação de filhos, a organização
do espaço da família e, principalmente, a submissão aos valores e normas
predominantemente dirigidos à manutenção desta estrutura. A mulher, enfim,
socializada com o papel fundamental de criação dos filhos de forma a dar
continuidade a um sistema econômico fincado nesta dinâmica.
Cabe lembrar que o voto feminino no Brasil, um marco do processo
para a participação da mulher no espaço público, apenas foi conquistado na
década de 1930. E, como bem se recordam as mulheres idosas (ou pré-idosas)
de hoje, nunca foi tarefa fácil ter uma escolha de voto diferente das do marido
ou, ainda, do pai, quando solteiras.
Essa norma de submissão tem no filme “A Cor Púrpura”2 a manifesta-
ção nítida e, talvez, mais expressiva do ápice deste processo, quando a perso-
nagem principal, desistindo de sua luta pela liberdade de opinião e de ações
diante da violência imposta por seu marido anos a fio, aconselha ao filho
desesperado ante o desejo de autonomia de sua esposa, com a seguinte frase:
“Bata nela!”.
Este exemplo retrata a internalização dos discursos dominantes, de-
monstrando a capilaridade do exercício do poder nas sociedades modernas,
em que a própria pessoa oprimida pela estrutura hegemônica reproduz o sistema
que a oprime: “o poder disciplinar não destrói o indivíduo; ao contrário, ele o
fabrica. O indivíduo não é o outro do poder, realidade exterior, que é por ele
anulado; é um de seus mais importantes efeitos” (MACHADO, 1996, p. XX).
Funciona como uma rede, não estando presente apenas nas instituições como o
Estado, mas atravessa toda a sociedade, assegurando a sujeição constante.
No entanto, como afirma Foucault (1996), onde existe poder, também
existe reação, e a dinâmica que estruturou historicamente o papel das mulhe-
res (e o dos homens) vem sendo modificada pela luta de alguns setores da
sociedade, embora as transformações, em nível macrossocial, não ocorram no
mesmo ritmo no cotidiano dessas mulheres, tal como o exemplo aqui dado,
relativo ao direito ao voto no Brasil.
Os mecanismos institucionalizados, principalmente nos países da
América Latina e, em especial, no Brasil, limitam-se a “resgatar os aspectos
formais da política (...) havia menos interesse em averiguar como isso afetava
2
Filme estadunidense de 1985, dirigido por Steven Spielberg, baseado no romance de Alice
Walker, A Cor Púrpura (The Color Purple).

124 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE


o cotidiano das pessoas ou o baixo nível de direitos de justiça social por elas
usufruído” (BARREIRO, 2000, p. 24 apud PRÁ, 2010, p. 15). Como resulta-
do, as questões de gênero são pouco consideradas nas políticas públicas, fa-
zendo com que assumam um viés assistencialista, reforçando o lugar da mu-
lher como ser doméstico e passivo.
Apenas na última década do século XX, respondendo ao modelo pre-
dominante na agenda do Estado, é que são “forjados os conceitos de autono-
mia e empoderamento. Os últimos como expressão da crítica feminista à dis-
criminação das mulheres” (PRÁ, 2010, p. 21). Entretanto, as políticas públi-
cas têm se mostrado incapazes de absorver a transversalidade de gênero e a
busca da cidadania feminina em sua luta para “superar as lógicas assistencia-
listas tidas como gastos nas mulheres, pela visão de investimento social” (PRÁ,
2010, p. 23).
Observa-se, portanto, que, no Brasil do século XXI, apesar das con-
quistas do movimento das mulheres, persiste uma concepção por parte do Es-
tado que reforça o papel passivo das mulheres como receptoras e nunca prota-
gonistas, ou seja, não se conseguiu introjetar a ideia das mulheres como cida-
dãs construtoras e transformadoras da sociedade. E, em relação à velhice:
qual a concepção das políticas públicas?
Como assinalado anteriormente, pensar em velhice, no âmbito das
políticas públicas, é encontrar, também, uma concepção fortemente arraigada
de natureza assistencialista, vinculada a ideias dominantes que sempre homo-
geneizaram o coletivo idoso em torno de conceitos que transformaram esta
fase da vida em sinônimo de doença e inutilidade. Tanto no cotidiano, aqui
representado pelo senso comum, como nas teorias científicas dominantes de
explicação do envelhecimento3, a temática da velhice no Brasil caracterizou-
se por uma visão intencionalmente ambígua. De um lado, rogava-se pelo res-
peito aos velhos em virtude de sua experiência de vida (sem definir que a
expertise de uma pessoa em uma determinada área, muitas vezes, tem pouca
serventia em um contexto diferente). Por outro lado, a pessoa idosa deveria
retirar-se da participação ativa na sociedade. Daí as políticas públicas que
estimularam a dependência estruturada desse coletivo, entendida como for-
mas de assistência que ao ajudar a pessoa, provoca a perda de sua autonomia,
tornando-a dependente permanente dos benefícios do Estado.
Pode-se traçar, de forma unicamente didática e breve, a trajetória das
3
Ver uma crítica sobre estas teorias em BELO, Isolda. Do Corpo à alma: O Disciplinamento da
Velhice. In: Márcia Longhi e Conceição Lafayette (org.). Etapas da Vida: jovens e idosos na
contemporaneidade. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2011. p. 105-122.

APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 125


concepções hegemônicas de velhice defendidas nos trabalhos científicos e as
respectivas orientações dadas às políticas destinadas a este coletivo no Brasil:

Quadro 1 – Concepção sobre a velhice e políticas públicas correlatas


CONCEPÇÃO DE VELHICE POLÍTICAS PÚBLICAS
1 Pobreza 1.Criação de Sistemas de Pensão
2 Isolamento/Solidão 2. Integração Social
3 Lazer 3. Consumidores
4 Fase de Direitos e Deveres 4. Inclusão Social
Fonte: Fundação Joaquim Nabuco; Secretaria da Mulher/Governo de
Pernambuco. Mulher Idosa em Pernambuco: empoderamento e seus entra-
ves (2015).

Nas décadas de 1960 a 1980, quando o envelhecimento demográfico


ainda não era uma questão central em países como o Brasil, tinha-se uma
população idosa proporcionalmente pouco significativa e que se tornava um
problema social apenas para os setores pobres da população. Neste período,
foram propostas políticas com o objetivo de assegurar o pagamento de benefí-
cios (embora com valores mínimos) para este grupo etário e, paralelamente, a
instalação de instituições asilares.
Ainda nesse período, quando dominavam as teorias sobre a velhice
que defendiam a não participação deste coletivo nas estruturas sociais, pode-
se constatar a predominância de uma concepção que associa a velhice à soli-
dão. Esse enfoque serviu de estímulo para a formulação de programas sociais
criando espaços de convivência para a pessoa idosa, baseados em uma visão
sectária e que ofereciam atividades sem valor social para este grupo etário.
Com a universalização do sistema de benefícios e o início das preocu-
pações com o crescimento da população idosa, evidencia-se a percepção de
que parte significativa desse coletivo representa um mercado consumidor de
alguns produtos, principalmente de lazer. Reforça-se o conceito de Terceira
Idade, que marca o início de uma mudança na imagem da velhice associada
apenas à ideia de doença.
A tendência de crescimento da população idosa no Brasil que, atual-
mente, já corresponde a percentual relevante no total de habitantes, indica não
ser mais economicamente viável adotar políticas de exclusão deste coletivo
que, por sua vez, também começa a pressionar os poderes públicos em torno
de suas demandas.

126 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE


A realização da II Assembleia Mundial sobre o Envelhecimento (Ma-
dri/2002), quando foram traçadas as diretrizes que seriam seguidas mundial-
mente para enfrentar os desafios decorrentes do envelhecimento populacio-
nal, consistiu num estímulo ao processo de ruptura dos paradigmas dominan-
tes sobre a velhice.
Assim, considerando que a transição demográfica em sua fase atual
indica um movimento de explosão do coletivo idoso, tanto nos países centrais
como nos periféricos, como seguir com políticas que promovem a sectariza-
ção e/ou exclusão desses segmentos sociais? Como manter tantas pessoas ve-
lhas fora da dinâmica econômica das sociedades?
O conceito de Envelhecimento Ativo (EA), formulado em 2002, na II
Assembleia Mundial sobre o Envelhecimento e amplamente divulgado no Plano
Internacional4, vem romper com este paradigma e ofertar diretrizes para uma
nova forma de encarar a velhice. O EA, que engloba diversos aspectos pro-
pondo mudanças estruturais, restringe sua aplicabilidade a apenas exigir da
pessoa idosa que seja participativa, autônoma, feliz, dentro do que se passa a
denominar de a “Melhor Idade”.
As estatísticas mostram que a velhice é predominantemente feminina,
situação que remete à reflexão de como as mulheres podem viver este prota-
gonismo exigido pelo EA, se a atual geração de velhas foi, em grande maioria,
socializada em um contexto onde o ser mulher e o ser idosa carregam o traço
marcante da submissão, do retraimento, da domesticidade, da inutilidade eco-
nômica e da alienação política?
Tem-se, portanto, um processo histórico de formação da identidade
das idosas de hoje, em que o espaço público não corresponde ao lugar que
deve ser ocupado nem pelas mulheres nem pela pessoa idosa. Ao mesmo tem-
po, é dificultado o seu acesso aos programas sociais destinados à mulher e
estimulada a sua participação naqueles destinados ao coletivo idoso, onde as
suas demandas específicas continuam sendo ignoradas. Verifica-se, portanto,
que se trata de uma geração fortemente marcada pela ausência de espaços em
que a condição feminina seja de fato considerada.
Por sua vez, tanto as políticas destinadas à mulher quanto as destina-
das à pessoa idosa seguem ainda os parâmetros de considerar estes coletivos
como peso social e econômico e nunca como investimento social. Pergunta-
se, então: como reage este grupo de mulheres?
4
World Health Organization. Envelhecimento ativo: uma política de saúde/World Health
Organization; tradução Suzana Gontijo. – Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde,
2005.

APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 127


Ambiguidades e estratégias
Um percentual significativo das mulheres entrevistadas para a pesqui-
sa mencionada (60%) afirma que, a partir dos 60 anos, passou a ter melhores
condições econômicas do que durante a trajetória anterior de suas vidas. Sem
dúvida, isto resulta da universalização de determinadas políticas sociais im-
plantadas pelo Poder Público, a exemplo dos benefícios de prestação continu-
ada (BPC) e do fato de grande parte das entrevistadas ser viúva, somando-se a
estes benefícios as pensões porventura deixadas por seus maridos. Observou-
se, porém, que em 69,2% dos casos, esses rendimentos são integralmente gas-
tos no orçamento doméstico. Entenda-se aqui que a grande maioria dessas
mulheres é responsável pelo domicílio majoritariamente ocupado por seus
filhos/as e netos que, em geral, delas dependem economicamente.
Os últimos Censos Demográficos demonstram o crescente número de
domicílios sob a responsabilidade de pessoas idosas, podendo-se identificar
localidades, sobretudo em áreas rurais, onde os rendimentos auferidos pelos
idosos desempenham importante papel na economia local.
Se, por um lado, parcela das mulheres que se encontra na condição de
responsáveis pela família manifesta certo orgulho – desconhecido por muitas
delas em sua história de vida – de serem as provedoras do lar, ocorre também
na velhice a reprodução da conjuntura vivida na idade adulta: frequentemente
suas demandas estão situadas secundariamente na hierarquia das necessida-
des do domicílio.
Constatou-se, por meio de uma entrevista com a responsável pela con-
cessão dos empréstimos consignados em uma associação de pessoas idosas,
que o dinheiro recebido, quando solicitado por um idoso, destinava-se às des-
pesas pessoais (lazer, automóvel ou cobrir débitos). No entanto, quando re-
queridos pelas mulheres, em sua grande maioria, visavam suprir dificuldades
financeiras vividas por seus filhos/as. No universo da pesquisa, 48,2% das
pessoas pesquisadas recorreram a este tipo de empréstimo. Considerando que,
em quase 70% dos casos, todo o dinheiro recebido por elas é revertido para as
despesas de casa, também os recursos oriundos dos empréstimos se encon-
tram aí inseridos.
Provavelmente por isso, ou decorrente disso, ao serem perguntadas
sobre qual a política pública de que mais necessitam, 58% responderam que
seria a de saúde, embora 65,8% afirmaram não ter nenhum problema físico
que limite as suas atividades da vida diária. Gozar de uma boa saúde5 – um
5
O conceito de saúde aqui está compreendido numa concepção mais restrita, ou seja, apenas
como ausência de doença.

128 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE


desejo humano universal – transforma-se na principal preocupação dessas mu-
lheres, considerando o seu novo papel de provimento material do domicílio. Há
depoimentos, inclusive, onde elas afirmam “não poder adoecer” ou “não posso
morrer, pois como ficariam eles?”, referindo-se aos filhos desempregados ou às
filhas que criam seus filhos em sua casa, sem a ajuda dos companheiros.
O segundo lugar na preferência das entrevistas por políticas públicas
seria a criação de oportunidades de trabalho para melhorar a renda. Cabe res-
saltar que o trabalho apenas aparece associado à obtenção de maiores recur-
sos, e não como ocupação do tempo.
Observa-se, igualmente, que o item Cultura e Lazer foi indicado por
apenas 1,9% das mulheres inseridas na amostra da pesquisa, entre as quais a
maioria (90,1%) descreve como a principal diversão “assistir televisão”.
Estes dados revelam que, apesar de terem conquistado uma relativa auto-
nomia financeira, por receberem recursos superiores aos que possuíam na fase
adulta, os padrões de comportamento continuam voltados prioritariamente para a
esfera doméstica. Em outros termos, nas camadas sociais de menor poder aquisi-
tivo, a mulher idosa acumula a função de provedora econômica e de cuidadora da
família. Em relação aos aspectos conceituais de ser velha e ser mulher, as respos-
tas sistematizadas na Tabela 1 permitem observar algumas situações:
Tabela 1 – Opiniões sobre ser idosa e sobre ser mulher
Opiniões Percentual
Opinião sobre ser idosa
Doença/uma tristeza/medo da morte/fim da vida 28,8
Melhor fase da vida/ família criada/ experiência de vida 23,5
Solidão 47,3
Falta de trabalho 0,5
(1)
Opinião sobre a mulher
Ser forte/trabalhadeira/responsabilidade com a família 67,2
Ser compreensiva, carinhosa 22,9
Ter de obedecer 14,3
Ser inteligente 33,2
Sofrer muito 20,2
Muito trabalho 0,2
Fonte: Fundaj (Pesquisa Direta)
(1): Considerando que uma mesma pesquisada poderia apresentar mais de
uma alternativa, a soma das frequências é superior ao número de pesquisadas.

APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 129


Em 47% dos casos, as mulheres se reportam à solidão como marca
principal da velhice, acompanhada por 28,8% das que pensam que é um mo-
mento de tristeza. Somados esses dois percentuais, é muito alta a conotação
negativa da velhice, ou seja, para 75,8% delas. São definições que cabem no
conceito tradicional de velhice defendido pelas principais teorias científicas e
pelo senso comum. Apenas 23,5% delas pensam estar vivendo uma boa fase.
Ao lado desses dados, tem-se que 67,2% das pessoas que responde-
ram ao questionário associam a imagem da mulher à ideia de ser forte e ter
responsabilidade com a família. Imediatamente depois, citam a inteligência
(33,2%) como característica feminina e o sofrimento (20,2%) como um marco
definidor.
As reflexões apresentadas em torno do contexto histórico de sociali-
zação dessas mulheres permitem observar uma correspondência preponderan-
te nos conceitos tradicionais relativos à mulher e à velhice. Na prática, conti-
nuam vivenciando os comportamentos determinados para estas categorias
quando da opção de dedicar-se à família e às atividades domésticas como
prioridade de suas vidas, colocando as suas demandas em ordem inferior, ain-
da que ela exerça o papel de comando dentro de suas residências.
Continuam, portanto, a exercer o papel de responsáveis pela reprodu-
ção da família (muitas delas cuidam em tempo integral dos netos), ao mesmo
tempo que se tornam provedoras, no que diz respeito à origem dos rendimen-
tos familiares.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A situação de ambiguidade vivida por parcela expressiva das mulhe-
res de mais de 60 anos revela a preponderância de uma imagem que retira a
condição feminina daquelas que já ultrapassaram a fase reprodutiva, sendo,
portanto, consideradas apenas como pessoas idosas, assexuadas, sem corpo e
sem vida social.
Sob essa perspectiva, são frequentemente orientadas para que bus-
quem o atendimento nos serviços destinados ao coletivo idoso, deixando de
ser observadas as especificidades relativas à condição feminina. Na velhice,
elas vivem as desvantagens acumuladas ao longo de uma vida de discrimina-
ção e desigualdades.
Entre os principais aspectos que reforçam esta constatação está o fato
de que a atual geração de mulheres idosas, em sua maioria, exercia o trabalho
doméstico, mantendo uma posição de subordinação – pelo menos, econômica
– aos homens. Trata-se, portanto, de pessoas que, ao terem permanecido fora

130 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE


do mercado de trabalho, recebem hoje pensões exíguas de viuvez ou assisten-
ciais. As diferenças também se mantêm nas aposentadorias, pois, em caso de
ter havido remuneração, em geral, ela era (e é) inferior àquela recebida pelos
homens. Ainda assim, grande parte delas atualmente tornou-se a provedora
econômica da unidade domiciliar.
É preciso considerar, igualmente, que a maior longevidade das mulhe-
res em relação aos homens corresponde a, aproximadamente, sete a oito anos
de vida, situação que tende a reforçar o papel de cuidadoras dos maridos e/ou
dos filhos que necessitam de apoio. Em condição distinta encontra-se a eleva-
da proporção de mulheres que vivem sós, configurando situações em que pre-
cisam conviver com alguns valores e estereótipos sociais, que dificultam a
reestruturação de sua vida conjugal, quando assim é desejada, ou com a carên-
cia de suporte material e afetivo, quando surgem as debilidades físicas.
De modo geral, trata-se de um coletivo socializado em um período
histórico em que tanto a velhice como a condição de ser mulher estavam re-
presentados por imagens e conceitos que associam estas duas características à
passividade, restringindo sua participação ao âmbito doméstico. As consequ-
ências da internalização desses valores são reveladas nos dados analisados
pela pesquisa, que demonstram a sobrecarga que hoje em dia as mulheres
idosas têm, quando se tornam, muitas vezes, provedoras da unidade familiar.
Com frequência, foram registrados depoimentos do tipo “não posso nem mor-
rer”, quando se referiam à preocupação relativa ao desamparo financeiro e
emocional da família no caso de sua ausência.
Diante disso, pode-se afirmar que a atual geração de mulheres idosas
é aquela que mais necessita das políticas públicas no atendimento de suas
demandas.
Nessa perspectiva, volta-se a perguntar: qual a política a que deve
recorrer a mulher idosa? Se ambas, tanto à destinada ao coletivo idoso como
as destinadas à mulher, possuem um viés assistencialista, de que forma aten-
der às demandas destas mulheres com mais de 60 anos, com suas diferencia-
ções de gênero, classe, raça, histórico de vida e também de faixa etária?
Este parece ser um dos grandes desafios que o Serviço Social e os
profissionais que se dedicam à questão do envelhecimento precisam enfren-
tar, ao lado das lutas desenvolvidas pelo próprio coletivo.

APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 131


REFERÊNCIAS
BEAUVOIR, Simone. The Second Sex. New York: Knopf, 1953.
BELO, Isolda. Do Corpo à alma: O Disciplinamento da Velhice. In: Márcia
Longhi e Conceição Lafayette (org.). Etapas da Vida: jovens e idosos na
contemporaneidade. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2011. p. 105-122.
BARREIRO, L. (2000, apud PRÁ, 2010, p.15). PRÁ, Jussara Reis. Políticas
para Mulheres: transversalizar é preciso. In: Alves, Ivia, Schefler, M. L. e
Aquino, Petilda (org.). Travessias de Gênero na Perspectiva Feminista.
Salvador: EDFBA/NEIM, 2010. p. 13-25.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Graal, 1996.
MACHADO, R. Apresentação. In: FOUCAULT, Michel. Microfísica do Po-
der. Rio de Janeiro: Graal, 1996.
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ves, Ivia, Schefler, M.L e Aquino, Petilda (org.).Travessias de Gênero na
Perspectiva Feminista. Salvador: EDFBA/NEIM, 2010. p. 13-25.
WORLD HEALTH ORGANIZATION. Envelhecimento ativo: uma política
de saúde / World Health Organization; tradução Suzana Gontijo. – Brasília:
Organização Pan-Americana da Saúde, 2005.

132 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE


CAPÍTULO VIII

O DIREITO DE SER VELHO(A) E SOZINHO(A): PESSOAS IDOSAS


SEM ACOMPANHANTES NOS SERVIÇOS DE SAÚDE E
REFLEXOS AO SERVIÇO SOCIAL

Fernanda Tavares Arruda


Ionara do Nascimento Silva
Jéssica Alline de Melo e Silva

Resumo: O número de pessoas idosas vivendo sozinhas aumentou considera-


velmente. Este escrito visa refletir sobre o atendimento aos(às) idosos(as)
desacompanhados(as) nos serviços de saúde e os reflexos ao Serviço Social.
O caminho percorrido buscou: referenciar o processo de envelhecimento da
classe trabalhadora; relacionar a negação do atendimento às pessoas idosas
nos serviços de saúde com a atual conjuntura social e política; e refletir sobre
os desafios postos à profissão de Serviço Social durante o atendimento ao(à)
paciente idoso(a) desacompanhado(a). Este se coloca na defesa de fazer cum-
prir os princípios da Reforma Sanitária, em consonância com o projeto ético-
político da profissão.

Palavras-chave: Idoso(a); Sozinho(a); Saúde; Serviço Social.

INTRODUÇÃO
O envelhecimento populacional é um fenômeno mundial proeminen-
te, característico dos países desenvolvidos e, de modo mais crescente, do cha-
mado “terceiro mundo”, apontando um crescimento mais elevado da popula-
ção idosa, com relação aos demais grupos etários. Segundo dados do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2015), a tábua de mortalidade
projetada para 2015 forneceu uma expectativa de vida de 75,5 anos para o
total da população.
Conforme afirma Paiva (2014), ao contrário de ser uma fase da vida
marcada pelo descanso do trabalho, protegida pela família, pelas políticas so-
ciais e acolhida pela sociedade, a velhice vivenciada por grande parcela da
população é marcada pela negação dos diversos direitos sociais historicamen-
te conquistados pelos movimentos sociais e organização dos(as)
trabalhadores(as). Nessa seara, muitos(as) desses(as) idosos(as) vivem
sozinhos(as), pois tiveram seus vínculos consanguíneos e de transmissão he-

APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 133


reditária cessados, vivenciando, em sua maioria, uma luta diária para ser
aceitos(as) na sociedade.
Conforme argumenta Mioto (1997), as famílias unipessoais são aque-
las compostas por apenas um morador; com referência ao segmento idoso,
estas totalizavam 1.603.883 unidades (IBGE, 2000), representando 17,9% do
total, enquanto em 1991 a proporção era de 15,4%, chamando atenção, tam-
bém, a elevada proporção de mulheres idosas vivendo sozinhas, em torno de
67% em 2000.
A inquietação para a elaboração deste trabalho surgiu das reflexões
e discussões realizadas a partir das experiências profissionais em uma Unida-
de de Pronto Atendimento (UPA), num hospital de grande porte de urgência,
emergência e trauma, e através de estudos sobre o envelhecimento humano na
perspectiva da Totalidade Social. O objetivo principal deste escrito consiste
em analisar o atendimento às pessoas idosas desacompanhadas nos serviços
de saúde e os efeitos provocados ao Serviço Social.
Para tanto, o caminho percorrido buscou: referenciar o processo de
envelhecimento da classe trabalhadora; relacionar a negação do atendimento
às pessoas idosas nos serviços de saúde com a atual conjuntura social e políti-
ca; e refletir sobre os desafios postos à profissão de Serviço Social no atendi-
mento ao(à) paciente idoso(a) desacompanhado(a). Trata-se da análise dos
resultados de um estudo observacional e descritivo, fundamentada na concep-
ção teórico-metodológica dada pela razão dialética. Buscou-se a revisão bibli-
ográfica da literatura que trata do envelhecimento e do Serviço Social, alinha-
da à perspectiva crítica. Foram utilizados, como base secundária, dados sobre
demografia, saúde, renda e envelhecimento.
Para efeito de contextualização, convém registrar a equidade como
um dos princípios fundamentais norteadores do Sistema Único de Saúde (SUS),
representando igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilé-
gios de qualquer espécie. No entanto, cotidianamente, é comum a negação do
atendimento nos estabelecimentos de saúde às pessoas idosas desacompanha-
das, mesmo quando tais pacientes estão com as suas faculdades mentais pre-
servadas, responsabilizando-os por suas vidas e condição familiar.
O Estatuto de Idoso, promulgado em 2003 (BRASIL, 2003), estabele-
ce em seu artigo 16:
[...] ao idoso internado ou em observação é assegurado o direito a um
acompanhante, devendo o órgão de saúde proporcionar as condições
adequadas para a sua permanência em tempo integral, segundo o cri-
tério médico. (BRASIL, 2003).

134 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE


Todavia, observa-se que o direito garantido pela lei está sendo des-
considerado pelos(as) profissionais das unidades de saúde, na medida em que
eles(as) condicionam a presença do(a) acompanhante como premissa para
admissão, transferências e cuidados aos pacientes. Da mesma forma acontece
com o artigo 17 deste Estatuto, o qual delimita competir à pessoa idosa, no
domínio das suas faculdades mentais, o direito de optar pelo tratamento de
saúde que lhe for reputado mais favorável. Contudo, o(a) paciente velho(a)
nem sempre consegue exercer o seu direito de falar e ser ouvido pela equipe
de saúde, seja na presença, seja na ausência de familiares/acompanhantes.
Estar acompanhado(a) é de suma importância na recuperação do(a)
paciente, para a manutenção dos vínculos, das relações sociais, do contato
com o mundo exterior; representa fonte de conforto e segurança para a pessoa
acometida por uma enfermidade, sendo mais um elo com a equipe da saúde.
Porém, o acompanhamento deve ser entendido como um direito, e não como
um dever ou condição para a atenção ao(à) paciente na unidade de saúde. “O
acompanhar denota uma relação de afetividade e de compartilhar algo com o
outro, ou seja, sofrimento, desgaste físico e emocional ou a insegurança” (SHI-
OTSU; TAKAHASHI, 2000, p. 103).
O direito ao tratamento de saúde no SUS não pode estar condicionado
à situação sociofamiliar ou socioeconômica. Afinal, como responsabilizar fa-
miliares inexistentes? Como exigir laços de solidariedade, muitas vezes, sem
consolidação? Família versus Estado: responsabilização? Transferência de
papéis? Como adverte Freitas (2011), “muitas vezes as famílias acusadas de
negligência são negligenciadas pelo Estado”.
A Reforma Sanitária traz o conceito ampliado de saúde, entendendo-a
não apenas como ausência de doença, mas como resultante das condições de
vida e de trabalho da população. O(a) assistente social é um(a) profissional
preparado(a) para atuar, alicerçado(a) em seu Código de Ética, fazendo as
mediações necessárias para atender e refletir sobre as demandas imediatistas
e tarefas urgentes, partindo de uma visão ampla, pautada pelas dimensões
teórico-metodológica e ético-política da profissão, que lhe possibilitam en-
xergar o sujeito idoso na sua totalidade.
O Serviço Social, através das suas intervenções, tem um compromis-
so com a defesa e a consolidação dos direitos do segmento idoso, buscando
eliminar todas as formas de preconceito e incentivar a compreensão de que as
pessoas idosas são parte integrante e importante da sociedade. Assim, serão
levantados elementos indispensáveis para subsidiar debates acerca de pessoas
idosas sem acompanhante, em particular no contexto hospitalar, a partir da
perspectiva da totalidade social.

APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 135


Envelhecer sozinho(a) no Brasil
No presente estudo, o envelhecimento humano é focado como um pro-
cesso histórico, político e cultural, permeado por particularidades e individu-
alidades inscritas numa sociedade de classes sociais distintas. Ao longo do
movimento histórico, envelhecer interfere na sociabilidade e dela recebe in-
terferências; uma delas, talvez a mais determinante, seja a classe social à qual
o indivíduo pertence. Conforme anota Tonet (2013, p. 15), “as classes sociais
são o sujeito fundamental – não o único – tanto da história quanto do conheci-
mento”. Para além do sujeito singular (indivíduos), as classes sociais repre-
sentam o sujeito coletivo.
Nesta sociedade de modo de produção capitalista, composta essenci-
almente pelas classes trabalhadora e burguesa, é possível visualizar o modo
perverso através do qual os indivíduos da classe trabalhadora envelhecem.
Esse envelhecimento prejudicado é o resultado de toda uma vida de trabalho
explorado, da privação ou precariedade do acesso aos bens e serviços essenci-
ais. Para essas pessoas é impossível viver dignamente o alcance dos longos
anos de vida acumulados. Torna-se impraticável seguir o receituário de atitu-
des saudáveis e ativas, preconizado pela Política Nacional de Saúde da Pessoa
Idosa (BRASIL, 2006).
De acordo com os dados do Departamento Intersindical de Estatística
e Estudos Econômicos (DIEESE, 2015), com referência ao mês de dezembro,
o valor do salário mínimo necessário (cesta básica) deveria totalizar R$
3.518,51. No entanto, consta no censo de 2010, apenas 25% das pessoas apo-
sentadas têm renda equivalente a três salários mínimos ou mais, evidenciando
que a maioria dos(as) velhos(as) é pobre ou miserável, ou seja, se reproduz
socialmente sem os mínimos necessários (ARRUDA e PAIVA, 2014). Essa
realidade é resultante do processo de trabalho explorado e precário imposto à
classe trabalhadora, que não lhes oferece o devido retorno material para a
satisfação das suas necessidades humanas, de produção e reprodução social.
Segundo uma publicação no jornal A Folha de São Paulo, o número de
pessoas idosas morando sozinhas subiu 60% na década de 2000; no ano de
2014, eles somavam 155 mil (CUNHA, 2014). Consta na Tábua de Mortalida-
de do IBGE, com referência ao ano de 2008, “que a população vai diminuir a
partir de 2038, e em 2050 o número de idosos(as) com mais de 65 anos será
quase igual ao de crianças e jovens com até 24 anos”.
No ano de 2009, o percentual da população envelhecida representava
6,7% da população, contra 26% de crianças e 17,7% de jovens. Se essas pro-
jeções forem confirmadas, em 2050 os índices passarão para 22,7% de

136 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE


idosos(as), contra 23,6% da soma das crianças de 0 a 14 anos (13,2%) e dos
jovens de 15 a 24 (10,4%) (IBGE, 2010).
Ao ler tais estimativas, inevitavelmente surge a dúvida sobre como
ocorrerá a devida atenção a essa população, especificamente na fase da vida
que requer crescentes gastos e cuidados, encerrados com a morte.
No caso brasileiro, histórica e culturalmente, as famílias são as res-
ponsáveis por cuidar dos(as) seus(as) velhos(as). Para além da tradicional fa-
mília nuclear burguesa, as famílias vêm passando por processos de mudança
em suas composições, nas quais, comumente, inexiste quem possa assumir os
cuidados integrais com o familiar idoso(a).
A figura feminina seja ela filha, nora, sobrinha, esposa ou neta, repre-
senta a única ou a principal responsável por exercer o cuidado, como se hou-
vesse no DNA feminino tal especificidade. Vale destacar a sobrecarga de vida
e de trabalho que a maioria das mulheres da classe trabalhadora enfrenta, com
extensas jornadas de trabalho, afazeres domésticos, criação/educação dos(as)
filhos(as), entre outras. Há também complexidades e contraditoriedades da
realidade social que interferem nos arranjos familiares, fazendo com que os
indivíduos velhos fiquem sozinhos, seja por opção, seja pela precariedade ou
inexistência de laços familiares.
Pouco se sabe sobre a realidade dos(as) velhos(as) que vivem
sozinhos(as); ainda não há uma gama de estudos publicados sobre o tema. No
entanto, Camargos, Rodrigues e Machados (2011) alertam: corresidir não é
sinônimo de assistir, embora facilite as transferências. Da mesma forma, o
indivíduo velho, vivendo sozinho, tem a possibilidade de receber suporte dos
familiares ou de pessoas de referência residentes em outro domicílio.
Conforme dito acima, não raro acontece, o(a) velho(a) que vive
sozinho(a) ou que não tem a possibilidade de contar com o suporte de qual-
quer familiar ou pessoa de referência, recorre ao serviço de saúde, sobretudo
hospitalar, e tem o seu acesso negado ou dificultado pela ausência de um(a)
acompanhante, necessitando de uma pessoa para ser responsável por ele(a)
durante o atendimento ou a internação. Tal realidade é o retrato da negação do
acesso ao direito à saúde, considerado “direito de todos e dever do Estado”,
segundo o artigo 196 da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988).
São os(as) próprios profissionais, trabalhadores(as) da saúde que im-
põem aos(às) pacientes idosos(as) a presença de um(a) acompanhante como
condição para o seu atendimento. Vale salientar, a exigência é de acompa-
nhante do sexo feminino nas enfermarias, ou seja, novamente a mulher é res-
ponsabilizada para exercer o cuidado, sob a justificativa de evitar constrangi-

APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 137


mento aos(as) demais pacientes, caso um adulto homem seja acompanhante
nessas enfermarias. Todo esse processo gera demandas ao Serviço Social, er-
roneamente visto como o setor responsável por tal coerção ou correção. Mais
adiante será detalhada a interseção dessas demandas com o Serviço Social.
Soares (2012) chama a atenção para a grande ofensiva do ajuste neo-
liberal do Estado à Política de Saúde, originando contradições nas práticas
sociais dos profissionais da saúde e na qualidade dos serviços oferecidos aos(às)
usuários(as) do SUS. Nesse processo a categoria dos assistentes sociais tam-
bém é afetada.
Para todos(as) os profissionais envolvidos(as) na atenção à pessoa ido-
sa, convém lembrar o que está disposto no artigo 100 do Estatuto do Idoso:
“recusar, retardar, dificultar atendimento ou deixar de prestar assistência à
saúde, sem justa causa, à pessoa idosa constitui crime punível com reclusão
de seis meses a um ano e multa” (BRASIL, 2003). Tal referência não intenci-
ona culpabilizar diretamente os(as) trabalhadores da saúde que condicionam
o atendimento ao público idoso à presença de acompanhante. Em uma visão
que ultrapassa a imediaticidade dos fatos, pode ser feita a relação dessas equi-
vocadas intervenções com reflexos de processos mais amplos, precárias con-
dições de trabalho, desmonte histórico de diversos direitos sociais e com o
gravíssimo sucateamento da política de saúde, atualmente vivenciado.
Os(as) profissionais da saúde, ora denunciados(as) por suas interven-
ções inapropriadas, enquanto conjunto da classe trabalhadora, sentem na pele
os efeitos dos referidos processos no seu exercício profissional. Hospitais lo-
tados, com inadequada estrutura física, excessivo número de pacientes por
trabalhador(a), insuficiência de leitos, de materiais hospitalares e de medica-
mentos, sem contar a precariedade dos vínculos trabalhistas, salários baixos e
defasados. Tais profissionais constituem a classe trabalhadora em processo de
envelhecimento, sujeitos a vivenciar a decrepitude dos seus pares.
Assim, grande é a importância da consciência de classe, crítica, atenta
aos movimentos contraditórios da realidade social. São esses elementos que
possibilitarão viabilizar as demandas emergentes, buscar o fortalecimento do
SUS, chamar o Estado à responsabilidade de oferecer o devido suporte àque-
les que estão sozinhos(as) na velhice. Seja nos domicílios ou nos serviços
hospitalares, o direito à saúde precisa ser exercido em caráter universal.

Reflexos ao Serviço social


A profissão teve sua gênese ligada às relações sociais construídas com
o advento do sistema capitalista. A proposta para o Serviço Social em seu

138 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE


surgimento foi determinada pelas classes dominantes e influenciada pela Igreja
Católica que, através de ações doutrinárias e corretivas, buscava um consenso
entre as classes dominantes e trabalhadoras, objetivando a construção de uma
legitimação política para aquelas e uma legitimação ideológica para si.
Segundo Czapski (2012), com o surgimento do desenvolvimentismo
no Brasil e a criação de inúmeras instituições, o Serviço Social se legitimou e
se institucionalizou como uma profissão inscrita na divisão sociotécnica do
trabalho, embora ainda com uma perspectiva de assistencialismo e favoreci-
mento da expansão do capital. De acordo com a autora supracitada, mudanças
desencadeadas na década de 1970, a partir do advento do Movimento de Re-
conceituação, abriram um novo posicionamento ético-político para a profis-
são, que buscou a redefinição de uma prática profissional voltada às deman-
das reais, vividas na sociedade brasileira e suscitada pela sociedade organiza-
da e a classe trabalhadora.
Matos (2013) afirma:
Os assistentes sociais quando lidam com a política de saúde,
mediatizada pela sua operacionalização nos serviços de saúde, não
desenvolvem no seu exercício profissional nenhum procedimento
interventivo ou conhecimento que sirva ou explique apenas a sua
atuação na área da saúde. (MATOS, 2013, p. 63).
Os problemas que se apresentam no cenário de atuação do profissio-
nal raramente não são identificados como resultado da desigualdade gerada
pelo modo de acumulação capitalista; pelo contrário, são visualizados como
responsabilidade dos indivíduos e da sociedade. O cotidiano do(a) assistente
social tem um caráter sincrético e requer respostas para diversas situações,
geradas nas lacunas pela não implementação efetiva do SUS, muitas vezes
imediatas, voltadas às necessidades humanas. A ação do(a) profissional no
âmbito da práxis social consiste em “conseguir perceber, de forma mais fiel
possível à realidade, os limites e possibilidades para a materialização do direi-
to na vida do(a) usuário(a)” (LACERDA, 2014, p. 28).
Nos serviços de saúde, conforme argumentos de Matos (2013) há, em
geral, o costume de se identificar os usuários com alta médica, mas com algu-
ma dificuldade de autonomia na sociedade capitalista, entre eles, os(as)
idosos(as) sem acompanhantes, como alvos exclusivos de intervenção dos
assistentes sociais, uma vez que a responsabilidade para a solução dessas ques-
tões é identificada como sendo apenas do profissional de Serviço Social.
Sobre isso, Arruda e Paiva (2014), argumentam:

APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 139


O Serviço Social é requisitado para intervir nas tensões oriundas da
relação entre capital e trabalho e tem como objeto de intervenção a
“questão social”. Dessa forma, situações de pobreza, conflitos e vio-
lência envolvendo os(as) velhos(as) da classe trabalhadora apresen-
tam-se como expressivas demandas à intervenção profissional que,
despidas de mediações, aparecem como um fim em si mesmas.
(ARRUDA; PAIVA, 2014, p. 257).
Muitos(as) trabalhadores(as) da área da saúde não estão preparados
para o atendimento ao público idoso, o que causa violação do direito de uma
população já fragilizada. É relevante que, no ambiente hospitalar, haja comu-
nicação entre a equipe de saúde e o(a) paciente idoso(a), sendo evidenciadas
as opções terapêuticas disponíveis, em linguagem clara, de forma que seus
medos, expectativas e desejos sejam levados em consideração e sua autono-
mia preservada. A presença de um(a) acompanhante é importante no trata-
mento, até mesmo para a manutenção dos vínculos, devendo ser entendida
como um direito, e não como um dever ou condição para a permanência do
paciente na unidade de saúde. O direito do(a) usuário(a) a um tratamento ade-
quado não pode ser violado em razão de qualquer dificuldade sociofamiliar ou
socioeconômica.
Em consonância com o Código de Ética do Serviço Social (CFESS,
1993) e com os Parâmetros para Atuação de Assistentes Sociais na Política de
Saúde (2010),
as estratégias de intervenção profissional podem ser potencializadas
na mobilização e orientação aos usuários e familiares,
problematização com as equipes multidisciplinares e com a rede de
proteção envolvida, realização de estudos e pesquisas, utilização de
instrumentais que viabilizem os direitos e, principalmente, a adoção
da racionalidade na instrumentalidade do exercício profissional.
(ARRUDA; PAIVA, 2014, p. 259).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
As novas tecnologias, o avanço da ciência e as novas formas de ali-
mentação e cuidado têm proporcionado a tão sonhada longevidade, atingindo
todas as classes da sociedade. Entretanto, conforme foi discutido ao longo
deste estudo, a Política de Saúde não está preparada para essa nova realidade.
Seguindo no foco das privatizações, “a grande questão é a segmenta-
ção do sistema, com ênfase nas ações privadas que passam de complementa-

140 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE


res para essenciais” (CFESS, 2010, p. 22). A Lei 8.080/90 muda no compasso
da crise do capital: o que é essencial começa a ser fornecido por órgãos filan-
trópicos, privados. Afinal, a participação do setor privado no SUS não seria
complementar? Neste contexto, serviços contratados não atendem a princípi-
os fundamentais do SUS: Universalidade, Integralidade, Equidade, Participa-
ção, Descentralização, Hierarquização e Regionalização.
Serviços de ambulância se negam a transportar pacientes sem acom-
panhante, e os hospitais, por sua vez, recusam-se a admitir pessoas idosas
desacompanhadas. Os serviços terceirizados têm uma verdadeira relação de
troca e comercialização, sem priorizar a necessidade e o direito do acesso
universal à saúde da população. Decifrar e intervir nesta realidade, num siste-
ma no qual existem legislações específicas que não são aplicadas, é delicado e
contraditório. As trocas de responsabilizações, culpabilizações e a fragmenta-
ções no trato das expressões da questão social constituem a desafiadora reali-
dade imposta, sobretudo, à profissão do Serviço Social.
Contudo, são necessárias reflexões mais aprofundadas sobre a temáti-
ca do segmento idoso sem acompanhante nas Unidades de Saúde, com os seus
desdobramentos. Levantar outros questionamentos: as políticas de saúde es-
tão sendo desenvolvidas considerando este contexto? O conteúdo das leis é
conhecido e exercido pelos(as) profissionais e pelos(as) pacientes? Qual é o
entendimento de família pelos(as) profissionais da saúde? Como se dá a inter-
venção do(a) assistente social nas novas questões da contemporaneidade?
O desafio para o Serviço Social se coloca na defesa de fazer cumprir
os princípios da Reforma Sanitária em consonância com o projeto ético-polí-
tico da profissão. É importante que o(a) assistente social esteja articulado(a)
com os movimentos sociais fiéis à sua gênese, com outros(as) profissionais e
categorias que defendem o SUS, com a construção e a mobilização de estraté-
gias e experiências nos serviços de saúde, afirmativas deste direito social, na
perspectiva da defesa dos interesses das demandas da classe trabalhadora,
incluindo os das pessoas idosas.

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142 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE


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TONET, Ivo. Método Científico: uma abordagem ontológica. São Paulo (SP):
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APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 143


CAPÍTULO IX

ASPECTOS RELACIONADOS À VIOLÊNCIA CONTRA O/A IDO-


SO/A ATENDIDO/A EM UM CENTRO DE REFERÊNCIA E APOIO1

Larissa Santos de Souza


Sálvea de Oliveira Campelo e Paiva

Resumo: Estudo descritivo e observacional de corte transversal. Descreve


aspectos relacionados à violência contra o/a idoso/a atendido/a em um Centro
Especializado, em Pernambuco, no primeiro semestre de 2013. A coleta dos
dados foi realizada entre janeiro e fevereiro de 2014, abrangeu 153 indivídu-
os. As vítimas preferenciais são mulheres (66%), entre 80 e 89 anos (29,3%).
A maioria (73,2%) reside no Recife. A negligência (38,6%), a psicológica
(35,5%) e a financeira (30,7%) são as violências mais frequentes. O/a princi-
pal agressor/a é o/a filho/a da vítima (49,7%), em seu próprio domicílio (91,2%).
É um problema de saúde pública que merece atenção e enfrentamento.

Palavras chave: Violência; Idoso; Idosa; Saúde da Pessoa Idosa.

NOTAS INTRODUTÓRIAS SOBRE A VIOLÊNCIA CONTRA A PES-


SOA IDOSA
A violência contra os/as idosos/as pode ocorrer em diferentes situa-
ções e assumir diversas formas. Muitas vezes não é identificada, caracterizan-
do as subnotificações, fator responsável por camuflar a realidade vivenciada
por pessoas que envelheceram. Entre as causas para o difícil diagnóstico e
notificação, é possível destacar: o sentimento de culpa e vergonha da vítima; o
medo de represália por parte do agressor; e o medo de ser internado/a em uma
Instituição de Longa Permanência (ILPI). A maioria dos casos de violência
contra os/as idosos/as é perpetuada por membros da família, o que explica por
que as vítimas tendem a proteger os/as agressores/as e a não denunciar às
autoridades tais agressões, bem como a não comentá-las com pessoas conhe-
cidas. Há ainda aqueles/as que sofrem maus-tratos sutis e não se dão conta de
que estão sofrendo violência (SOUZA et al., 2004; MELO, CUNHA; FALBO
NETO, 2006).
1
Este capítulo é resultado da pesquisa realizada por Larissa Santos Souza, sob a orientação da
Dra. Sálvea de Oliveira Campelo e Paiva, para a conclusão da Especialização em Saúde do
Idoso pelo Instituto de Ciências Biológicas, da Universidade de Pernambuco.

144 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE


A violência afeta todas as áreas da vida social e acomete principal-
mente as pessoas dos grupos sociais mais vulneráveis: mulheres, crianças,
jovens, pessoas com deficiência e idosos/as. A nossa sociedade valoriza o
novo, a juventude; o velho é visto como o oposto, sem futuro, gerando atitu-
des discriminatórias em relação a este segmento nas várias esferas sociais, o
que produz a violência em suas diferentes formas (SÃO PAULO, 2007).
Em termos conceituais, a violência se manifesta de algumas formas:
(i) Estrutural: a partir das desigualdades sociais, refletida na pobreza e discri-
minação; (ii) Interpessoal: quando está relacionada às relações do dia a dia;
(iii) Institucional: quando da aplicação ou omissão de políticas sociais, po-
dendo também ser reproduzidas no âmbito das instituições públicas e priva-
das (MINAYO, 2003; SÃO PAULO, 2007). Pode ser compreendida como
qualquer ato intencional de familiar ou responsável que viole os padrões da
comunidade e ocasione dano físico, psicológico, moral ou social aos/às ido-
sos/as (OLIVEIRA et al., 2012). Outro conceito sobre violência contra pesso-
as idosas, adotado pela Rede Internacional de Prevenção aos Maus-tratos, a
caracteriza como um ato único ou repetido ou em omissão que venha a causar
dano ou aflição, que se produz em qualquer relação na qual exista expectativa
de confiança (BRASIL, 2005 a).
A pobreza, a discriminação, a miséria e as desigualdades sociais são
produtos das relações sociais de produção e reprodução na sociedade moder-
na, do modo de produção capitalista. O sistema do capital subordina a vida em
sociedade e é fundamentalmente violento por subjugar a classe trabalhadora
para a garantia da mais-valia, ou seja, o/a trabalhador/a garante, em limites
máximos, a produção da riqueza e, em limites mínimos, a sua sobrevivência.
O capitalismo se mantém através da produção e reprodução da pobreza, meca-
nismo caracterizado por uma das piores formas de violência, a exploração,
reproduzindo diversos outros tipos de violências que, por mecanismos ideoló-
gicos, serão naturalizadas pelas pessoas, muitas vezes, vítimas dessas violên-
cias (MINAYO, 2003; ROS, 2011).
Numa outra dimensão do debate sobre a violência, a Organização
Mundial de Saúde classifica as violências como:
[...] abuso físico: uso de força física que pode produzir uma injúria,
ferida, dor, incapacidade ou morte; psicológica: agressões verbais
ou gestuais com o objetivo de aterrorizar, rejeitar, humilhar a vítima,
restringir a liberdade ou ainda isolá-la do convívio social; sexual: ato
ou jogo sexual que ocorre em relação hétero ou homossexual, que
visa a estimular a vítima ou utilizá-la para obter excitação sexual e

APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 145


práticas eróticas e sexuais impostas por meio de aliciamento, violên-
cia física ou ameaças; financeiro: exploração imprópria ou ilegal e/
ou uso não consentido de recursos financeiros de um idoso; negli-
gência: recusa/omissão ou fracasso por parte do responsável no cui-
dado com a vítima; abandono: ausência ou deserção, por parte do
responsável, dos cuidados necessários às vítimas, ao qual caberia
prover custódia física ou cuidado e autonegligência: conduta de pes-
soa idosa que ameaça sua própria saúde ou segurança, com a recusa
ou o fracasso de prover a si mesmo um cuidado adequado. (BRA-
SIL, 2005 a; ABATH; LEAL; MELO FILHO, 2012).
A violência contra o/a idoso/a é, contudo, um fenômeno de notifica-
ção recente no Brasil e no mundo. No País, a questão começou a ganhar foco
nos anos 1990, depois que a preocupação com a qualidade de vida do segmen-
to idoso entrou na agenda de saúde pública. Recentemente, o Estatuto do Ido-
so (2003) tornou obrigatórias as notificações de maus-tratos praticados contra
idosos/as (BRASIL, 2005 a). Em 2011, através da Portaria MS/GM nº 104/
2011, a violência passou a ser integrada à relação de doenças e agravos de
notificação compulsória em todo o território nacional, com notificação uni-
versal em todos os serviços de saúde. A notificação, sem dúvida, é uma ferra-
menta importante para o conhecimento, prevenção e apoio às vítimas desse
crime (MASCARENHAS et al., 2012).
Desse modo, torna-se relevante a pesquisa sobre a violência contra a
pessoa idosa, visto que a população de idosos/as tem aumentado. A importân-
cia de dar visibilidade à violência praticada contra idosos/as, favorecendo o
debate, contribui com dados/informações que auxiliam no combate a essa re-
alidade vivenciada por tal segmento. A presente pesquisa tem como objetivo
descrever os aspectos relacionados à violência contra o/a idoso/a atendido/a
no Centro Integrado de Atenção e Prevenção à Violência contra a Pessoa Ido-
sa (CIAPPI) de janeiro a junho de 2013.

Caminhos metodológicos para a realização deste estudo


Trata-se de um estudo descritivo e observacional de corte transversal.
A população do estudo foi composta por todos os casos envolvendo idosos/as
que constituíam o banco de dados do Centro Integrado de Atenção e Preven-
ção à Violência contra a Pessoa Idosa (CIAPPI) no período de janeiro a junho
de 2013.
O CIAPPI é uma instituição pertencente ao Governo do Estado de
Pernambuco, situado em Recife. Vinculado à Secretaria Executiva de Justiça

146 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE


e Direitos Humanos, integra o Sistema de Proteção às Pessoas. Tem como
objetivo prestar atendimento à população idosa, desenvolvendo ações de pre-
venção à violência, promoção da cidadania, inclusão social, combate ao pre-
conceito e à discriminação, fornecendo orientação jurídica, psicológica e so-
cial. Seu banco de dados é formado a partir de denúncias presenciais, de liga-
ções telefônicas para a sede do Centro, através das Ouvidorias do Estado, ou
encaminhadas via Disque-Denúncia PE ou do Disque 100.
No primeiro semestre de 2013 o CIAPPI notificou 174 casos; os casos
não são digitalizados, sendo sistematizados em fichas de notificação. A coleta
dos dados para esta pesquisa foi realizada na sede do próprio Centro, de janei-
ro a fevereiro de 2014. Para a coleta dos dados foi utilizado um formulário
elaborado especificamente para tal estudo, instrumento que contemplava dez
variáveis: As primeiras se referiam ao perfil sociodemográfico da vítima (sexo,
idade, escolaridade, endereço, estado civil e profissão); as demais, ao tipo de
violência sofrida, o/a agressor/a e o local da agressão.
O critério de inclusão abrangeu todos os casos notificados no período
de janeiro a junho de 2013. Os dados coletados foram tabulados no programa
Microsoft Excel 2007, sendo utilizado o Software STATA/SE 12.0. Os resulta-
dos estão apresentados em forma de tabelas e gráficos, com suas respectivas
frequências absolutas e relativas. As variáveis numéricas estão representadas
pelas medidas de tendência central e medidas de dispersão.
Este estudo obteve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da
Universidade de Pernambuco, sob o parecer de número 487.151, em 3 de de-
zembro de 2013.

Principais resultados encontrados a partir deste estudo


Durante a coleta dos dados, observou-se que, dos 174 casos registra-
dos, 14 apresentavam dois casos notificados na mesma ficha, geralmente por
se tratar de membros da mesma família (irmãos, casal), totalizando 188 ocor-
rências. Dessas, duas fichas não foram encontradas para análise, 31 não se
referiam a casos de violência e sim da busca de orientações por parte de ido-
sos/as, considerando que esse também é um dos objetivos do CIAPPI. Outras
duas repetiam casos já listados no início dos meses da análise da pesquisa em
meses subsequentes. Feita toda essa lapidação do banco de dados, a pesquisa
contou com um total de 153 casos.
Na análise das características sociodemográficas das vítimas, várias
fichas apresentavam dados não preenchidos, muitos deles por não terem sido
informados durante a denúncia, gerando um volume considerável de ausência

APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 147


no preenchimento dos dados, principalmente da escolaridade, ocupação e es-
tado civil. Outros dados, relacionados a sexo, idade e procedência, estavam
descritos com maior frequência.
Com relação ao perfil da população atendida, a média de idade dos/as
idosos/as da pesquisa foi de 75,91 ± 9,64 anos. Quanto às características das
vítimas, a maioria foi do sexo feminino (66%). A faixa etária mais prevalente,
com 29,3%, foi a de 80 a 89 anos. O item escolaridade apresentou um percen-
tual de não preenchimento de 75,2%, revelando apenas, entre os dados regis-
trados, o predomínio (9,2%) do primário. Quanto à cidade, 73,2% procediam
do Recife. O estado civil não foi informado em 38,5%, e nos casos preenchi-
dos, os casados eram maioria, com uma frequência de 25,5%. Para a profis-
são/ocupação, 48,3% não foram notificados, e entre os demais, apenas 5,2%
dos/as idosos/as estavam trabalhando e 45,8% eram aposentados/as.
Em relação ao tipo de violência, constatou-se um predomínio da ne-
gligência com uma frequência de 38,6%, seguido da violência psicológica
(35,9%) e, em terceiro lugar, a violência financeira (30,7%). A violência sexu-
al não foi notificada no período da pesquisa (figura 1).
No que se refere ao/a principal agressor/a, observou-se que este era o/
a filho/a da vítima, com uma frequência de 49,7%, seguido de instituições,
representando 11,3%. Os/as demais agressores/as apareceram estratificados/
as em mais outras nove categorias.
Quanto ao local da agressão, 91,2% ocorreram no domicílio da víti-
ma, e os demais casos em lugares públicos.

Discussão sobre os dados da violência contra a pessoa idosa atendida em


um centro especializado no estado de Pernambuco
Quanto às características das vítimas, a maioria é do sexo feminino.
Em um estudo documental realizado no Ceará por Souza, Freitas e Queiroz
(2007) no ano de 2005, 67% das vítimas de denúncias por violência eram
também do sexo feminino. Assim como, Nogueira, Freitas e Almeida (2011),
em um estudo retrospectivo através de dados registrados pelo Alô Idoso no
município de Fortaleza-CE, no ano de 2007, as mulheres (70,2%) foram as
maiores vítimas da violência intrafamiliar.
Neste estudo, a faixa etária mais prevalente (29,3%) encontra-se entre
os 80 e 89 anos. Cabe observar que estudos têm demonstrado que os muito
idosos apresentam maior vulnerabilidade e dependência devido a uma maior
carga de doenças crônicas e limitações funcionais, o que os torna mais susce-
tíveis. Tudo isso determina limitações e altera a rotina, a economia e a saúde

148 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE


das famílias desses idosos/as, gerando sobrecarga física, emocional e socioe-
conômica, situação observada entre os fatores de risco para a violência, exi-
gindo uma preocupação por parte da sociedade, diante da transição demográ-
fica em curso (SOUZA et al., 2004; BRASIL, 2005 b; CALDAS, 2003).
O resultado deste estudo, portanto, destoa de outros no Brasil, nos
quais a maioria das vítimas está na faixa etária dos 60 a 69 anos (MINAYO,
2003; GAIOLI; RODRIGUES, 2008). No nosso caso, o grupo que se encontra
na faixa etária dos 60 a 69 anos apareceu em segundo lugar, junto com o grupo
dos 70 aos 79 anos (27,5%).
O item escolaridade apresenta uma enorme lacuna em seu (não) pre-
enchimento (75,2%). Tal lacuna é um indicativo da necessidade de a equipe
do CIAPPI refletir e melhorar a estratégia sobre o preenchimento do instru-
mento de notificação dos atendimentos nesse centro. Na análise dos casos em
que esse dado foi preenchido, 9,2% referem o nível primário. Quanto à cida-
de, 73,2% dos/as idosos/as residem no Recife. O estado civil não foi informa-
do em 38,5% das fichas e, nos casos preenchidos, os/as casados/as são maio-
ria, com uma frequência de 25,5%. Realidade, também, predominante nos
estudos de Oliveira (et al., 2012) e Gaioli e Rodrigues (2008).
Em se tratando da profissão/ocupação, 48,3% do grupo pesquisado
não apresenta essa informação, e entre os/as idosos/as que informaram, ape-
nas 5,2% estão trabalhando e 45,8% aposentados/as. Vale salientar que, se-
gundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (2010),
no Brasil, 66% dos/as idosos/as estão aposentados/as; apenas 25% desses/as
idosos/as aposentados/as possuem uma renda nominal mensal de três salários
mínimos ou mais. Logo, 75% vivem em condição de pobreza ou até mesmo de
miséria. Tal quadro se reproduz de maneira estrutural, visto que a pobreza e a
desigualdade social geram diversos problemas, desde o decurso da vida do/a
trabalhador/a até o momento em que para o sistema do capital esse/a idoso/a
não produz mais riquezas, associando a ideia de decadência e de descarte à
velhice. É sabido que os indivíduos mais velhos, por sofrerem perdas funcio-
nais, limitações e até dependência por parte de outras pessoas, acham-se mais
vulneráveis à ocorrência de violência (MINAYO, 2003; BRASIL, 2005 b).
Em relação ao tipo de violência, predomina a negligência (38,6%),
seguida da violência psicológica (35,9%) e financeira (30,7%). A violência
sexual não foi notificada no período da pesquisa. Em termos comparativos,
entre janeiro de 2011 e março de 2014, o Disque Direitos Humanos (100)
recebeu 77.059 denúncias de violência contra idosos/as, cujos tipos mais pre-
valentes foram: negligência, violência psicológica, violência financeira e físi-

APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 149


ca (BRASIL, 2014), achados que corroboram os resultados do nosso estudo,
evidenciando a mesma ordem de prevalência nos tipos de violência, com dife-
rença na aparição, em quarto lugar (11,1%), da violência institucional seguida
da violência física (2,6%). A respeito desse assunto, a professora Minayo (2003)
também aponta a negligência como uma das formas de violência mais presen-
tes, tanto em nível domiciliar quanto institucional, no Brasil.
Outro estudo realizado no Recife por Correia et al., 2012, relata maior
ocorrência da violência física (97,5%), divergindo dos resultados da nossa
pesquisa. Porém, deve ser considerado que o referido estudo foi realizado em
um dos maiores hospitais de urgência/emergência do Nordeste brasileiro e os
casos de violência física ocorridas no Estado, na maioria das vezes, são enca-
minhados diretamente para a delegacia do idoso, não chegando ao conheci-
mento dos/as profissionais do CIAPPI.
No que se refere ao principal agressor, observa-se o/a filho/a da víti-
ma (49,7%). O fato de o/a filho/a ser o/a principal agressor/a já é demonstrado
em vários estudos, o que pode ser explicado por, na maioria dos casos, o/a
agressor/a morar na mesma casa da vítima; o/a filho/a ser dependente finan-
ceiramente da renda de pais com idade avançada; e os/as idosos/as serem de-
pendentes de filhos/as para cuidados e provisão financeira (NOGUEIRA;
FREITAS; ALMEIDA, 2011; MELO; COSTA; FEITOZA, 2011). Em outros
casos, o/a agressor/a tem algum grau de parentesco com a vítima (GAIOLI;
RODRIGUES, 2008; ABATH; LEAL; MELO NETO, 2012). Na pesquisa re-
alizada no CIAPPI apareceram estratificadas outras sete categorias: marido/
esposo, neto/a, irmão/ã, sobrinho/a, representando 28,3% dos registros.
As instituições aparecem como agressoras em 11,3% dos casos – se-
jam de origem pública e/ou privada de prestação de serviços ou de longa per-
manência. Embora na ficha de notificação do CIAPPI não exista um espaço
específico para informar/notificar a violência institucional pela via de omis-
são do Estado, em se tratando da ocorrência desse tipo de violência, ela é
relatada nas entrelinhas e devidamente citada como um tipo de violência. O
CIAPPI destaca-se de outras instituições justamente por notificar e dar visibi-
lidade à violência institucional.
Quanto ao local da agressão, 91,2% dos casos ocorrem no domicílio
da vítima, e os demais em lugares públicos, evidenciando, assim, que a vio-
lência doméstica tende a ser cada vez mais presente nos estudos e na realidade
do Brasil. O estudo de Mascarenhas et al. (2012) confirma esse fato, sendo as
principais vítimas as mulheres que referiam já terem sido violentadas anteri-
ormente. Melo, Cunha e Falbo Neto (2006) também encontraram a residência

150 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE


como lugar mais frequente de violência ao analisarem a realidade no municí-
pio de Camaragibe-PE.

CONSIDERAÇÕES FINAIS: A TÍTULO DE CONTRIBUIÇÃO PARA


NOVOS ESTUDOS
A pesquisa pôde concluir que as principais vítimas de violência contra
idosos/as, notificadas no primeiro semestre de 2013 no CIAPPI, são mulhe-
res, na faixa etária de 80 a 89 anos, com escolaridade primária, residentes no
Recife, casadas e aposentadas. A violência mais prevalente foi a negligência,
seguida da violência psicológica e financeira. O principal agressor é o/a filho/
a, e o principal local é o domicílio da vítima.
O suporte privilegiado para o/a idoso/a no Brasil continua sendo a
família. Entretanto, modificações rápidas nas estruturas familiares têm ocor-
rido em todos os países, ocasionadas por separações, novas uniões, inserção
crescente da mulher no mercado de trabalho, com longas jornadas, tornando
os familiares menos disponíveis para cuidar das gerações de pessoas idosas.
Salienta-se, diante dos resultados encontrados no CIAPPI, a necessi-
dade de sugerir a digitalização da ficha de notificação, no intuito de fornecer
dados para a análise da violência e a consequente contribuição ao seu enfren-
tamento, mediante estratégias no âmbito da política de proteção ao segmento
idoso da nossa população. Configura-se, também, a necessidade de mais estu-
dos que tracem os aspectos relacionados à violência contra os/as idosos/as,
chamando a atenção para esse problema de saúde pública, informando a popu-
lação e o poder público sobre a realidade dessa problemática do século XXI.
Corrobora-se a necessidade da denúncia por parte das vítimas e das testemu-
nhas dos abusos, da responsabilização/punição por parte dos/as agressores/as
e da prevenção, para que os danos causados a pessoas idosas sejam cessados e
a violência velada nos domicílios seja exposta e sanada.

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APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 153


APENDICE

Figura 1 – Distribuição dos tipos de violência contra os/as idosos/as notifica-


dos pelo CIAPPI de janeiro a junho de 2013.

154 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE


CAPÍTULO X

ENVELHECIMENTO E PARTICIPAÇÃO SOCIAL:


UMA DISCUSSÃO CONCEITUAL À LUZ DA POLÍTICA PARA O
ENVELHECIMENTO ATIVO

Wanderley Cesar Pedrosa


Adriana Ferreira
Josiani Julião Alves de Oliveira
Suellen Bezerra Alves

Resumo: O presente artigo aborda a participação social dos idosos em espa-


ços de discussão sobre direitos e cidadania. Para tanto, faz-se uso do referen-
cial da Organização das Nações Unidas, a saber, a política para o envelheci-
mento ativo, bem como de alguns conceitos centrais para se pensar o envelhe-
cimento humano na realidade brasileira contemporânea. Trata-se de um estu-
do conceitual e bibliográfico. Conclui-se que a participação política das pes-
soas idosas é um exercício de cidadania que possibilita o seu reconhecimento
como cidadãs de direitos.

Palavras-chave: Cidadania; Envelhecimento Ativo; Participação social.

O PROCESSO DE ENVELHECER: ELEMENTOS CONCEITUAIS


O envelhecimento não foi nem pode ser considerado um problema
social para os brasileiros ou mesmo para a população de outros países, mas a
condição de vida dos idosos, sim. O envelhecimento das populações é uma
das maiores conquistas da humanidade; ao mesmo tempo, essa realidade aponta
para uma nova configuração social, trazendo novas necessidades de interven-
ção do poder público.
O objetivo do presente estudo é discutir a participação social dos ido-
sos de acordo com a política para o envelhecimento ativo, fazendo uso de
alguns conceitos fundamentais à análise do envelhecimento humano. Trata-se
de um estudo descritivo.
Conforme Souza (2003), as mudanças demográficas ocorridas no Brasil
mostram rápido envelhecimento populacional. São vários os fatores que con-
tribuem para o aumento da longevidade [Fuster (1994); Boechat (1993); Ca-
lobrizi (2001)]; entre eles destacamos a redução da taxa de mortalidade; o
avanço dos conhecimentos biomédicos sobre os processos de saúde-doença; o

APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 155


advento dos antibióticos e seu impacto no tratamento de doenças infecciosas;
o controle e o tratamento das doenças; os métodos de prevenção e tratamento
de neoplasias; e o controle da fecundidade. Associados às condições de vida,
trabalho e alimentação, a população brasileira deixou de ser constituída ape-
nas por uma população jovem e ganhou uma nova configuração social. A res-
peito do assunto, Pedrosa, (2014, p. 18) discorre que:
Esse processo de envelhecimento não se resume apenas nos aspectos
demográficos, mas exige que seja estudado e conhecido por todos.
Esse fenômeno transcorre por toda a humanidade e apresenta carac-
terísticas diferentes que variam de acordo com cada cultura, tempo e
com o espaço em que se encontram inseridas na atual sociedade.
Os estudos sobre envelhecimento têm ganhado espaço em discussões
nas últimas décadas, diante da complexidade que é o processo do envelhecer e
as suas consequências e impactos na atual sociedade. É uma realidade relati-
vamente nova que vem sendo projetada em vários países do mundo, tanto nos
desenvolvidos quanto nos periféricos, pois a população mundial está envelhe-
cendo.
Neri e Freire (2000, p. 13) indicam alguns termos utilizados em refe-
rência à fase da vida que determina o envelhecimento. Os termos “velho”,
“idoso” e “terceira idade” referem-se a pessoas idosas com idade mediana de
60 anos. A “velhice” seria a última fase da existência humana; o “envelheci-
mento” está atrelado às mudanças físicas, psicológicas, sociais e culturais.
“Amadurecer” e “maturidade” significam a sucessão de alterações ocorridas
no organismo e a obtenção de papéis sociais. Velhice ou “terceira idade”?
Pressupõe-se que existam ainda dúvidas quanto à terminologia a ser emprega-
da para referir ao idoso/envelhecido: velho, idoso, ancião ou terceira idade?
Nesse estudo empregaremos a terminologia pessoa idosa.
O envelhecimento possui uma dimensão existencial e se modifica com
a relação do homem com o tempo, com o planeta e com a sua própria história:
social, cultural e de vida. Groisman (1999, p. 48) considera que
[...] a velhice não é uma variável fixa, que podemos analisar antes e
depois da modernização, mas uma realidade culturalmente construída,
inclusive pelas disciplinas científicas que a tomaram como alvo.
Nesse sentido, Neri e Cachioni (1999, p. 121) ressaltam:
O modo de envelhecer depende de como o curso de vida de cada
pessoa, grupo etário e geração é estruturado pela influência constan-
te e interativa de suas circunstâncias histórico-culturais, da incidên-

156 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE


cia de diferentes patologias durante o processo de desenvolvimento
e envelhecimento, de fatores genéticos e do ambiente ecológico.
Portanto, a classificação etária torna-se complexa quando seus princí-
pios fixam o indicador e, por consequência, a prescrição de condutas, atitudes
e sentimentos em relação ao envelhecer. Um desses entendimentos, segundo
Saad (1990, p. 4), é o de que “[...] a pessoa é considerada idosa perante a
sociedade a partir do momento em que encerra as suas atividades econômi-
cas” e que “[...] o indivíduo passa a ser visto como idoso quando começa a
depender de terceiros para o cumprimento de suas necessidades básicas ou
tarefas rotineiras” (SAAD, 1990, p. 4).
O modo como se envelhece também é consequência das estratégias de
desenvolvimento e de qualidade de vida da atual sociedade, pois a pessoa
idosa encontra-se inserida nesse momento histórico. O modo como se enve-
lhece também tem relação com o acesso das pessoas idosas à prestação dos
cuidados necessários de saúde, ao lazer, ao apoio social, provisão econômica,
e também às oportunidades de participação para as pessoas que estão envelhe-
cendo na atualidade.
Assinala Debert (1999, p. 20):
A velhice tem sido vista e tratada de modo diferente, de acordo com
períodos históricos e com a estrutura social, cultural, econômica e
política de cada povo, e os valores intrínsecos à representação que
uma sociedade tem da velhice serão os norteadores responsáveis pe-
las ações que possibilitam ou não a proteção e a inclusão social de
seus idosos, como também a qualidade das relações estabelecidas
com os seres idosos.
Nesse sentido, o reconhecimento e a valorização da pessoa idosa, a
capacidade de poder tomar decisões, os aspectos de socialização e participa-
ção ativa, enquanto fatores sociais na contemporaneidade, incidem no proces-
so de envelhecimento com dignidade. Tais fatores são reveladores dos princí-
pios de admissão e inserção social da pessoa idosa nos diversos espaços de
socialização.
Silva (2009, p. 17) relata que
[...] a população mais velha vive cada vez mais anos e com melhor
qualidade de saúde. Retardam-se e curam-se cada vez mais doenças,
alargam-se e melhoram-se os serviços de prestação de cuidados de
saúde e sociais aos idosos.
A população participa cada vez mais dos diversos espaços de sociali-

APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 157


zação, além dos debates que são realizados por todas as partes do planeta
sobre o processo de envelhecimento. Cabe, portanto, uma reflexão em relação
ao processo de envelhecer e a seus elementos constitutivos.

A participação social e política no envelhecer


A proposta ora apresentada é debater sobre o envelhecimento ativo e
também apontar os campos de participação social das pessoas idosas, tanto na
economia, quanto na cultura, no esporte, no lazer, na vida da comunidade, no
sistema de saúde e segurança. Espaços esses onde as pessoas idosas podem
contribuir cotidianamente para a discussão e o aprofundamento da democra-
cia e disputar em nível de igualdade a participação nas decisões da sociedade
brasileira; onde as pessoas idosas poderão exercer a sua cidadania e, acima de
tudo, reivindicar igualdade de direitos sociais, civis, políticos e culturais. Para
romper com a morte social quando o avanço da idade se impõe aos cidadãos,
faz-se necessário um projeto político inclusivo e participativo para todas as
pessoas idosas, sem distinção de raça, gênero, etnia, orientação sexual, entre
outros.
É fundamental fortalecer os espaços de debates e de participação soci-
al para as pessoas idosas, como também propor espaços de discussões em
torno do envelhecimento ativo: saúde, participação, segurança, com o objeti-
vo de romper velhos paradigmas.
Neste sentido, Silva (2009, p. 19) afirma que:
Na verdade, até há pouco tempo, o processo de envelhecimento esta-
va associado à ideia de dependência, de dença e de insuficiência, e
representava, antes de mais, um percurso de retirada e/ou exclusão
do mercado de trabalho. Este é o modelo protagonizado pelos ícones
juvenis das sociedades da produção, que motivam o impulso para a
mudança, compulsão pelas novas tecnologias e sobrevalorização do
trabalho, assim como justificam algumas medidas políticas de incen-
tivo à reforma antecipada.
Nessa linha de raciocínio, é preciso romper com o isolamento social
das pessoas idosas ao atingirem 60 anos. Na atual sociedade, as pessoas ido-
sas são capazes de fazer a diferença na sociedade capitalista, consumista e
excludente, no mercado de trabalho e na sociedade juvenil.
Ao romper, pois, com velhos preconceitos, jargões, dependências,
doenças e insuficiências participativas atribuídas às pessoas idosas, bem como
com a supervalorização do trabalho, tem-se uma reflexão crítica, em que cabe
questionar uma proposta de política de envelhecimento ativo.

158 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE


A Organização Mundial de Saúde (OMS) adotou a terminologia “en-
velhecimento ativo” no final do século XX, precisamente na década de 1990,
após vários debates e reflexões sobre a necessidade de proporcionar um enve-
lhecimento saudável para a população. De acordo com o documento que dis-
põe sobre a política de saúde para o envelhecimento ativo, a Organização
Mundial da Saúde (2005, p. 13), o “[...] envelhecimento ativo é o processo de
otimização das oportunidades de saúde, participação e segurança, com o obje-
tivo de melhorar a qualidade de vida à medida que as pessoas ficam mais
velhas.” Pedrosa (2014, p. 167) traz também para o debate o tripé “família,
trabalho e amigos”. Assim, é fundamental potencializar os espaços de partici-
pação das pessoas idosas em relação aos serviços de saúde, ao controle social,
à segurança, à família, ao trabalho e aos amigos, como elementos constituti-
vos do envelhecer.
Cabe ressaltar que o envelhecimento ativo pode ser aplicado de forma
individual ou coletiva, possibilitando que as pessoas percebam suas potencia-
lidades e capacidades, considerando suas limitações objetivas para o bem-
estar físico, mental e social ao longo do processo de envelhecimento.
Deste modo, o objetivo principal da política de envelhecimento ativo,
conforme aponta o documento da Organização Mundial da Saúde (2005), é
acrescentar oportunidades e expectativas de uma vida benéfica, com qualida-
de de vida para todas as pessoas que estão em processo de envelhecimento,
desde o nascimento até a morte, inclusive as que são frágeis, fisicamente inca-
pacitadas para desenvolver as diversas atividades do seu cotidiano e que re-
querem cuidados especiais por parte da família e/ou dos cuidadores.
Quando sinalizamos os elementos para o debate em relação ao enve-
lhecimento ativo, logo vem a imagem da pessoa idosa a praticar exercícios
físicos: passeando, viajando, cuidando do lar, ou até mesmo vendendo sua
força de trabalho. Não é aquela pessoa que fica em casa a cuidar dos netos ou
das crianças que residem no núcleo familiar, ou a vender sua força de trabalho
após a aposentadoria.
O verdadeiro sentido da palavra ativo indica que a pessoa idosa pode
estar em um permanente processo de participação nos diferentes espaços: so-
cial, familiar, econômico, cultural, espiritual etc. Aponta para a pessoa idosa
que pode continuar contribuindo ativamente com a família, companheiros e
comunidade onde reside, enquanto cidadã e, principalmente, nas tomadas de
decisões. Além de reconhecer que não só os cuidados com a saúde, mas outros
fatores afetam o modo como as pessoas e as populações envelhecem na con-
temporaneidade.

APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 159


A autonomia no processo de envelhecimento está ligada inteiramente
ao fato de a pessoa idosa governar a si mesma. De acordo com Castro (2011,
p. 1), autonomia é “[...] a independência da vontade em relação a qualquer
desejo ou objeto de desejo e a sua capacidade de determinar-se em conformi-
dade com a lei própria, que é a razão”.
Por autonomia entendemos a habilidade que a pessoa idosa tem para
poder controlar, lidar e tomar decisões pessoais; de que ser seu cotidiano deve
estar de acordo com sua história de vida, com sua realidade social, familiar e
cultural, e com seus próprios princípios e suas preferências experimentadas
ao longo de sua vida.
O processo de autonomia é possível apenas para alguns dos idosos, de
acordo com sua condição material de existência. Os que têm possibilidade de
ter uma vida autônoma podem viver com maior independência pessoal, social,
familiar, econômica e cultural, executando suas funções cotidianas com habi-
lidade e liberdade.
Para Okuma (2007, p. 31), ser autônomo é
[...] continuar a manter o controle sobre a vida, mesmo na presença
de alguma limitação física. Neste caso, a autonomia passa a ser con-
cebida não só a partir da independência física, mas como algo que
envolve reflexão, tomada de decisão e escolhas conscientes.
A efetivação do Programa de Envelhecimento Ativo, como aponta a
Organização Mundial da Saúde (2005, p. 19), esclarece:
[...] o envelhecimento ativo depende de uma diversidade de fatores
determinantes que envolvem indivíduos, famílias e países. A com-
preensão das evidências que temos sobre esses fatores irá nos auxili-
ar a elaborar políticas e programas que obtenham êxito nessa área.
As estratégias estão exatamente na definição política que cada país
tomará para a sua efetivação, pautadas pelo entendimento que cada país terá
em relação ao processo de envelhecimento populacional e o que pretende efe-
tivar como política social. Não podemos deixar de discutir também, no caso
do Brasil, no momento de definirmos uma política para as pessoas idosas, o
que foi discutido por Pedrosa (2014) em relação à família, ao trabalho e aos
amigos, relevante para as pessoas que envelhecem.
Não podemos ignorar que os fatores culturais interferem e muito na
forma de entender o processo de envelhecimento das pessoas; o próprio docu-
mento da Organização Mundial da Saúde (2005, p. 20) afirma que “[...] a
cultura, que abrange todas as pessoas e populações, modela nossa forma de

160 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE


envelhecer, pois influencia todos os outros fatores determinantes do envelheci-
mento ativo”. Portanto, a forma com que cada cultura vê a pessoa idosa acaba
sendo determinante no processo de envelhecimento ativo, sobretudo no que diz
respeito às formas como cada geração relaciona os cuidados que cada uma esta-
belece em relação à outra, apontando formas diferentes de envelhecer.
Quando falamos em envelhecimento ativo é preciso relacionar fatores
que são determinantes nesse processo, referentes ao sistema de saúde, traba-
lho, família, amigos e no tocante aos serviços sociais. A efetivação da política
do envelhecimento ativo requer um sistema de serviços articulados em rede,
que contemple o ser humano genérico, respeite todas as fases de vida da popu-
lação idosa e todas as suas dimensões. Essa rede deve estar integrada a essas
necessidades fundamentais.
Esses projetos buscam contribuir com a qualidade de vida das pessoas
idosas, levando em conta a sua condição e a sua história de vida. Portanto, faz-
se necessário uma rede que respeite a nova forma de organização das ativida-
des e serviços voltados às necessidades da população de forma geral e, em
especial, às pessoas idosas.
Conforme aponta Scherer-Warren (1999, p. 23):
A rede, como conceito propositivo utilizado por atores coletivos e
movimentos sociais, refere-se a uma estratégia de uma ação coletiva;
é uma nova forma de organização e de ação, uma nova visão do pro-
cesso de mudança social que leva em consideração a participação do
cidadão e a forma de organização dos atores sociais para conduzir o
processo.
A rede desempenha um significado importante para apreendermos em
totalidade os trabalhos que são desenvolvidos na sociedade contemporânea. A
rede não é apenas um emaranhado de somas de fios entrelaçados entre si, mas
tece um encontro entre os diversos serviços oferecidos para a população, res-
peitando a história das pessoas envolvidas nesse processo. Ou seja, as equipes
com seus diversos profissionais e também as pessoas que são beneficiárias
desse trabalho em rede.
Trata-se de uma forma de entrelaçar os fios que vão potencializando a
população em relação aos bens e serviços, somando forças, resultados, valo-
res e necessidades articulados em defesa do cidadão: informações, atendi-
mentos com qualidade e respeito à dignidade humana. O resultado dessa arti-
culação é a descoberta das habilidades das pessoas envolvidas no processo de
construção da rede, na qual todos os envolvidos são muito importantes no
resgate da valorização da dignidade humana das pessoas idosas.
APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 161
O trabalho em rede permite visualizar os diversos “entraves” existen-
tes nos serviços, tais como a união das equipes de trabalho de cada espaço
sócio- ocupacional, bem como os empecilhos existentes nas e entre as equi-
pes. A reflexão sobre os entraves existentes na rede revela um novo desafio na
construção de uma política de envelhecimento ativo para todos sem distinção,
independentemente da sua condição social.
Um dos maiores “entraves” a serem enfrentados na elaboração de uma
política que seja eficaz e eficiente para o envelhecimento ativo está em desen-
volver um trabalho com todos os cidadãos, em todas as faixas etárias, com o
objetivo de prepará-los para o envelhecimento e a mudança de pensamento da
atual sociedade em relação ao processo de envelhecer.
Como afirma Papaléo Netto (1996, p. 380):
Assim, a saúde coletiva em relação ao idoso poderia ser concretizada
por equipes multidisciplinares a serviço do bem-estar dos grupos de
idosos, intervindo desde o nível da promoção da saúde, passando
pela prevenção e cura, até a reabilitação.
Um trabalho desenvolvido em equipe possibilita à pessoa idosa uma
melhor compreensão das ações que são desenvolvidas pela equipe multidisci-
plinar, e o trabalho em rede possibilita maior atenção à pessoa idosa.
No entanto, para podermos ter um processo de envelhecimento com
qualidade é preciso participar. Participar e, ao mesmo tempo, envolver-se nos
debates, nas agendas de discussão e na formulação e elaboração das políticas
públicas para a população que se acha em contínuo processo de envelheci-
mento.
No Brasil, o ato de participar ainda é uma das formas mais legitimas e
conscientes que o cidadão tem para exercer seus direitos civis, políticos e
sociais estabelecidos na Constituição Cidadã de 1988. O ideário de participa-
ção ainda não foi efetivado pelo atual regime democrático em nosso País.
Precisamos aprender a participar.
Lavalle (2011, p. 34) discorre:
Contudo, o ideário participativo não foi vertebrado por um princípio
de restauração democrática, mas de emancipação popular. Em se-
gundo lugar, e em estreita conexão com o peso da teologia da liberta-
ção na construção desse ideário, “participar” significava apostar na
agência das camadas populares, ou, conforme os termos da época,
tornar o povo ator da sua própria história e, por conseguinte, porta-
voz dos seus próprios interesses. A participação aparece, assim, como
o aríete contra a injustiça social, como recurso capaz de fazer avan-

162 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE


çar a pauta de demandas distributivas, de acesso a serviços públicos
e de efetivação de direitos das camadas populares. Por fim, e desta
vez relacionado ao papel da esquerda e sua estratégia basista como
alternativa à rarefação da esfera política, a participação popular se
inscrevia em perspectiva mais ampla, preocupada com a construção
de uma sociedade sem exploração. Neste registro específico, carre-
gava a perspectiva da organização dos explorados para a disputa de
um projeto de sociedade.
A tomada de consciência de que deveria haver uma maior participa-
ção dos cidadãos nas decisões governamentais tem sua gênese na década de
1960, defraudada pelos movimentos estudantis e comunitários que começa-
ram a exercer pressões políticas na construção de agendas de mudanças no
sistema político brasileiro.
O processo de participação ganhou maior dimensão a partir da década
de 1980, com os movimentos e organizações sociais caracterizados como uma
nova forma de intervenção social nas lutas por melhores condições de vida da
população brasileira. A participação se deu apenas como uma forma de lutar
contra as injustiças sociais que arruinavam o País nesse período histórico,
marcado pela ditadura militar.
Para Lavalle (2011, p. 34),
[...] o ideário participativo adquiriu novo perfil no contexto da tran-
sição e, mais especificamente, da Constituinte: a participação, outro-
ra popular, tornou-se cidadã: participação cidadã encarna mais do
que uma simples mudança de qualificativo.
Nesse momento histórico, os movimentos sociais tiveram o papel fun-
damental de promover a inserção social, a cidadania e a transformação de
práticas aprofundadas na sociedade, que até então impediam a afirmação e o
reconhecimento dos direitos sociais dos cidadãos brasileiros.
Lavalle (2011, p. 34) informa que a participação “[...] passou por ca-
minhos imprevisíveis; o ideário participativo dos anos 1960 contribuiu decisi-
vamente para a inovação institucional democrática, trinta anos depois”. A par-
ticipação dos movimentos sociais, como também das pessoas envolvidas na
luta contra a ditadura, culminou em 1988 com a democratização do País.
Gandin (2001, p. 89) aponta que quando há participação, “[...] todos
crescem juntos, transformam a realidade, criam o novo, em proveito de to-
dos”. Em se tratando das pessoas idosas, a participação estimula a autonomia,
o poder de tomada de decisão, a capacidade de poder realizar algo através dos
seus próprios meios e conquistas e, o mais importante, proporciona o exercí-

APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 163


cio da independência, a participação enquanto cidadão ativo em sua comuni-
dade, no seu núcleo familiar, social e comunitário.
Para a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2005), a participação
pode proporcionar condições para o cidadão envelhecer e ainda continuar a
contribuir para com a sociedade, numa participação de modo integral, nas
diversas atividades econômicas, sociais, culturais e espirituais, de acordo com
sua própria preferência, capacidades, necessidades e direitos humanos funda-
mentais a cada cidadão.
A palavra participação vem do latim participat-o. Participação é a
ação e o efeito de participar. Ferreira (1995, p. 483) diz que participar é “[...]
fazer saber, informar, anunciar, comunicar, tomar parte”. Nesse sentido, a pes-
soa idosa precisa fazer parte do que acontece ao seu redor, participar com
intensidade nas tomadas de decisões relativas ao seu cotidiano.
Participação, segundo a OMS (2005, p. 51), é
[...] reconhecer e permitir a participação ativa de pessoas idosas nas
atividades de desenvolvimento econômico, trabalho formal e infor-
mal e atividades voluntárias, de acordo com suas necessidades indi-
viduais, preferências e capacidades.
É um meio de romper com o sedentarismo após o envelhecimento ou
a aposentadoria, de forma ativa e proativa, pois as pessoas idosas precisam
continuar fazendo parte de todo o processo familiar, econômico, social e co-
munitário que as envolvia antes de atingirem os 60 anos ou mais.
Na política de envelhecimento ativo, a participação pressupõe que a
pessoa idosa possa potencializar a promoção da sua autonomia, ter condições
e capacidade de decidir o que é melhor para si em todos os momentos da vida.
Através dela se obtém a independência, fazendo com que a pessoa possa rea-
lizar diversas ações sozinhas, sem carecer de um acompanhante.
A participação das pessoas idosas nos diferentes níveis de decisão e
nas sucessivas fases de atividades da sua vida pessoal, social, comunitária e
familiar é essencial para certificar o desempenho de um envelhecimento ativo
e participativo. Raichelis (2000, p. 43) considera ser a participação “[...] a
constituição de sujeitos sociais ativos, que se apresentem na cena a partir da
qualificação de demandas coletivas, em relação às quais exercem papel de
mediadores”. Nesse sentido, a pessoa idosa é a procuradora das suas ações,
em todos os estágios da vida.
Na contemporaneidade, podemos perceber que a participação das pes-
soas idosas ainda é bem limitada, uma vez que a nossa cultura foi marcada
pelo regime ditatorial e o governo militar não proporcionava ensejo à partici-
164 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE
pação das pessoas, colocando-as à margem da tomada de decisão no País.
Paz (2001, p. 240) assim explica:
Há falta de protagonismo do segmento dos idosos em seus palcos de
luta e, por essa razão, os espaços sociopolíticos, especialmente Fóruns
e Conselhos, que ainda são frágeis e precários, pela pouca ou
inexpressiva participação social do próprio idoso e de sua pouca or-
ganização.
Para Paz (2001), ainda precisamos articular a participação das pesso-
as idosas nos diversos espaços de discussões sobre o envelhecimento popula-
cional. É certo que os idosos tiveram um importante papel nos movimentos
sociais da década de 1980, a exemplo do Movimento de Aposentados e Pensi-
onistas. Atualmente, os conselhos e conferências de direitos da pessoa são o
principal espaço de participação desse segmento. É preciso rever o tratamento
infantilizado dado a pessoa idosa e trazer o que realmente tem valor: sua his-
tória de vida, suas experiências e aprendizados. Portanto, é fundamental que
os profissionais aprendam com a pessoa idosa. É o primeiro passo de demons-
tração de respeito.
Outros fatores ainda marcantes em nossa atual sociedade relacionam-
se diretamente às oportunidades oferecidas para a população de forma geral,
que acabam interferindo na participação social das pessoas idosas, como aponta
a Organização Mundial da Saúde (2005, p. 31):
[...] em todo o mundo, se mais pessoas pudessem ter, o quanto antes
em sua vida, oportunidades de trabalho digno – com remuneração
adequada, em ambientes apropriados, e protegidos contra riscos –,
iriam chegar à velhice capazes de participar da força de trabalho.
A participação das pessoas idosas no mercado de trabalho ainda é um
desafio para a atual sociedade, por mais que esteja preconizada no Estatuto da
Pessoa Idosa. Outro grande desafio da sociedade contemporânea é a participa-
ção efetiva dos idosos nos diversos espaços de debates e controle social e
político. A Organização Mundial da Saúde (2005, p. 46) deixa claro que essa
participação se dá
Quando o mercado de trabalho, o emprego, a educação, as políticas
sociais e de saúde e os programas apoiam a participação integral em
atividades socioeconômicas, culturais e espirituais, conforme seus
direitos humanos fundamentais, capacidades, necessidades e prefe-
rências, os indivíduos continuam a contribuir para a sociedade com
atividades remuneradas e não remuneradas enquanto envelhecem.

APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 165


A participação é uma das condições para assegurar à pessoa idosa um
rompimento com a sua atual condição, possibilitando um espaço construtor de
uma nova realidade na atual sociedade. Pedro Demo (2001), em sua obra Par-
ticipação é conquista, afirma que a participação não deve ser apreendida sim-
plesmente como dádiva de Deus, pois assim não seria conquista; nem mesmo
como concessão de favores, um salvo-conduto que a tornaria um expediente
para ofuscar o caráter de uma conquista; nem como algo preexistente, porque
o espaço de participação não cai do céu por negligência de Deus ou da corte
celeste que estava desatenta aos acontecimentos terrenos.
Assim, a pessoa idosa precisa conquistar e ao mesmo tempo construir
o seu espaço de participação na família, na comunidade, nos conselhos, na
política, na cultura, na educação, onde quer que esteja participando de forma
consciente e emancipatória, trazendo exemplos que permanecerão para mui-
tas gerações.
Lavalle (2011, p. 35) assevera que
[...] a criação de conselhos gestores de políticas nas áreas de saúde,
habitação, direitos da criança e do adolescente, e educação, conside-
radas estratégicas pela Constituição, estimulou a proliferação de de-
zenas de outros conselhos nas mais diversas áreas.
Isso pressupõe a participação da sociedade como fomentadora das
políticas sociais com qualidade, com técnicos qualificados e capacitados para
atuar junto às pessoas idosas e o estímulo ao envolvimento da sociedade nes-
ses espaços de participação popular iniciados na década de 1980. Ainda está
muito aquém do que realmente deveria ser na atualidade. É preciso efetivar a
participação das pessoas idosas nos diversos espaços de construção das políti-
cas públicas para podermos romper com o famoso BBB: Bingo, Bolo e Baile.
Cabe aos conselhos de direitos, e em especial ao Conselho das Pesso-
as Idosas, trazer para os debates em torno das políticas públicas as pessoas
idosas; elas podem contribuir e muito na efetivação e implementação das po-
líticas sociais para toda a sociedade, tomando por base a sua experiência de
vida e o papel que desempenharam na sociedade ao longo de suas vidas.
Para Lavalle (2011, p. 35),
[...] a participação geraria efeitos distributivos quando realizada no
marco de instituições incumbidas de orientar as políticas e as priori-
dades do gasto público. Também costuma ser associada à racionali-
zação e à eficiência das próprias políticas sujeitas ao controle social.
É preciso iniciar os debates no interior dos conselhos, com a finalida-

166 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE


de de assegurar no mínimo uma cadeira para as pessoas idosas em todos os
conselhos existentes nos três níveis de governo. É inconcebível que em um
conselho de direito das pessoas idosas não haja uma cadeira destinada aos
idosos e uma representação destes. Para que isso possa acontecer o quanto
antes, é preciso acabar com o preconceito de que a pessoa idosa não participa,
não quer mais nada com a vida. Sabemos que essa população participa sim,
tem propostas, história de vida, e sabe construir a história do país.
Sobre a participação e o engajamento das pessoas idosas nos diversos
espaços de participação e de debates existentes na comunidade, Lavalle (2011,
p. 35) entende que “[...] assim, a participação incrementaria os estoques de
confiança disponíveis em uma determinada coletividade, viabilizando a coo-
peração e a criação de respostas coletivas a problemas comuns”. A participa-
ção das pessoas idosas nesses espaços de debates traria para o seio da socieda-
de respostas às suas necessidades, acarretando melhores condições de vida
para toda a população, independentemente da sua faixa etária. Segundo La-
valle (2011), com a participação, a sociedade civil e os conselhos ficariam
fortalecidos e seriam capazes de estimular um bom governo.
A respeito dessa discussão, Wampler (2011, p. 45) assinala que “[...]
os conselhos são dotados de responsabilidades de fiscalização e formulação
de políticas”. Isso daria à pessoa idosa uma possibilidade de construção de
cidadania a partir do seu envolvimento na tomada de decisão em fiscalizar e
formular novas políticas sociais de interesses de toda a coletividade. Esse
envolvimento viabiliza a sua emancipação social e política. Além de ser uma
forma de participação efetiva nesses conselhos, é um ato de envolvimento
político, já que são apontadas políticas setoriais que requerem a tomada de
decisão. Isso daria a elas o exercício da cidadania em favor da coletividade.
A participação das pessoas idosas nos diversos espaços de debates
gera possibilidades e perspectivas importantes para o reconhecimento dos di-
reitos humanos a pessoas em qualquer fase da vida, ao tempo que oferece
elementos para uma participação não somente social, mas também política,
pois possibilita a transformação social.
Ao discutirmos a participação política das pessoas idosas, faz-se ne-
cessário definirmos o que é participação política para uma melhor compreen-
são do debate que ora propomos em relação às pessoas idosas. A palavra “po-
lítica” é usada há muitos séculos, e com os mais variados sentidos.
A palavra “política” é de origem grega, tendo sido usada por vários
filósofos e escritores na Grécia antiga. Destacamos a obra intitulada A Política,
escrita por Aristóteles, no quarto século antes da era cristã. Para Dallari (1984,

APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 167


p. 10), “política é a conjugação das ações de indivíduos e grupos humanos,
dirigindo-as a um fim comum”. Ou seja, é a participação do cidadão na defasa
dos interesses individuais ou coletivos com um objetivo final. Nesse sentido,
podemos compreender que a participação política é um dever moral de cada
cidadão em pleno uso de seus direitos, bem como uma necessidade social.
Se é uma necessidade social, cabe às pessoas idosas efetivar o envol-
vimento político com a finalidade de conquistar e garantir novos benefícios e,
consequentemente, a criação de espaços políticos de participação com o obje-
tivo de promover a discussão em torno das suas necessidades individuais e
coletivas, visando ao bem comum.
Dallari (1984, p. 18) relata que
[...] o fato de existir a necessidade de viver em sociedade tem
consequências muito sérias. Uma delas é que os problemas de cada
pessoa devem ser resolvidos sem esquecer os interesses dos demais
integrantes da mesma sociedade.
Em se tratando do envelhecimento, as ações devem ser propostas e
pensadas de forma coletiva, não excluindo nenhuma pessoa do debate em tor-
no do que será feito para essa parcela da população.
Para Dallari (1984, p. 92), a participação política “é aquela que influi
de algum modo nas decisões políticas fundamentais” das pessoas em todos os
espaços de participação social e política.
Raichelis (2000, p. 43) afirma que essa participação
[...] implica a constituição de sujeitos sociais ativos, que se apresen-
tem na cena política a partir da qualificação de demandas coletivas,
em relação às quais exercem papel de mediadores.
Ou seja, a pessoa idosa, sentindo-se segura, toma lugar nos debates po-
líticos e, acima de tudo, tem a consciência de que as necessidades são pessoais
e também coletivas, e que o debate deve ser ajustado de modo que favoreça a
todos, independentemente da sua condição social, familiar e/ou cultural.
Nesse contexto, conforme Paz (2001, p. 240),
[...] há a falta de protagonismo do segmento idoso em seus palcos de
luta e, por essa razão, os espaços sociopolíticos, especialmente Fóruns
e Conselhos, ainda são frágeis e precários, pela pouca ou inexpressiva
participação social do próprio idoso e de sua organização.
A participação política das pessoas idosas garante uma série de mu-
danças que, incontestavelmente, podem ser o estímulo a uma participação mais
efetiva na vida política, tais como: a elevação da autoestima, a alacridade de
168 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE
viver, o sentimento de valorização da vida, as amizades, a família, o trabalho,
entre outros. Esses fatores são indispensáveis para agregar não somente as
pessoas idosas, mas todo e qualquer segmento das classes subalternas, visan-
do ao exercício da participação política.
De acordo com Gohn (2001, p. 28):
Só há participação quando há um sentimento de que os indivíduos têm
valor e são necessários para alguém, quando percebem sua própria con-
tribuição, e que têm um lugar na sociedade, que são úteis, que são valo-
rizados por alguém. Para tal, os indivíduos necessitam de um ambiente
consistente do ponto de vista de relacionamento, contratos e laços soci-
ais. Para participar, os indivíduos têm de desenvolver autoestima, mudar
sua própria imagem e as representações sobre sua vida.
A participação política das pessoas idosas é de grande relevância na
contemporaneidade, pois estão a desbravar essa nova realidade posta para a
atual sociedade brasileira. A participação política ocorre em espaços de legiti-
mação como Conselhos, Fóruns, Conferências, Universidades Abertas à Ter-
ceira Idade; na educação, no esporte, no lazer, nos programas habitacionais,
nos centros de convivência etc. A participação nesses espaços de debates pode
significar o ponto de partida para a efetivação dos direitos previstos na atual
legislação e também na constituição de novos direitos.
O processo de participação política das pessoas idosas nos diversos
espaços de reivindicação coletiva é desafiador, considerando o atual modelo
democrático, que ainda é uma novidade para aqueles que vivenciaram o auto-
ritarismo militar no Brasil. É uma questão cultural e social. Neri, Carvalhães,
Costilla e Monte (2004) opinam que a participação política é um capital social
e que as pessoas idosas são as que menos participam dos diversos espaços
políticos existentes na atualidade.
A participação política das pessoas idosas é um “exercício de cidada-
nia” e possibilita um “reconhecimento da pessoa idosa como cidadã de direi-
tos”. É o espaço onde os velhos podem buscar meios para “assegurar os seus
direitos sociais”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O processo de envelhecimento da população brasileira está aconte-
cendo de forma muito rápida. Entretanto, esse fenômeno é desacompanhado
do desenvolvimento social necessário para se garantir direitos a todas as clas-
ses sociais.
O crescimento da população envelhecida ocasiona novas demandas na

APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 169


área da saúde, educação, lazer, esporte, habitação, trabalho, acessibilidade, pre-
vidência e assistência social. Além dessas demandas, existem também outras
necessidades sociais, tais como familiar, cultural, de amizades, entre outras.
Destaca-se que novas demandas vão surgindo devido ao processo de
envelhecimento; são formuladas respostas por meio de ações e políticas soci-
ais, e essas, por sua vez, são fruto dos movimentos sociais. Ocorre nesse con-
texto a ampliação da esfera de direitos das pessoas idosas. No entanto, essa
garantia de direitos nem sempre tem se efetivado. Um dos motivos da não
efetivação dos direitos sociais das pessoas idosas está intimamente vinculado
aos ditames do Estado neoliberal, que se minimiza e se desresponsabiliza quanto
à sua intervenção no campo social, no tocante ao processo de envelhecimento.
Há um abismo entre a garantia desses direitos e sua efetivação em benefício
das pessoas idosas
A participação social e política da pessoa idosa e dos profissionais
gera resultados em favor de uma sociedade mais justa e fraterna e, acima de
tudo, a consciência quanto ao respeito às diversas fases da vida, com o reco-
nhecimento concreto dos direitos humanos.

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WAMPLER, B. Que tipos de resultados devemos esperar das instituições par-
ticipativas? In: PIRES, Roberto C. Rocha (Org.). Efetividade das institui-
ções participativas no Brasil: estratégias de avaliação. DF: Ipea, 2011.

172 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE


CAPÍTULO XI

CONSELHO DE DIREITO: UMA ANÁLISE DO CONTROLE


DEMOCRÁTICO E A PARTICIPAÇÃO SOCIAL DOS VELHOS
TRABALHADORES

Nanci Soares
Marta Regina Farinelli
Andréia Aparecida Reis de Carvalho Liporoni

Resumo: O artigo discute os conselhos de direito, espaços coletivos e políti-


cos que podem propiciar participação social e o controle democrático dos
velhos nas políticas sociais. Assim, analisa-se o envelhecimento do perfil de-
mográfico e suas contradições, interpretando as conquistas dos velhos e os
desafios para a efetivação da participação e do controle democrático nos espa-
ços coletivos. A concepção teórico-metodológica é a materialista histórico-
dialética, e a pesquisa é bibliográfica. Compreender as possibilidades da par-
ticipação dos velhos no âmbito dos conselhos de direito consolida-se como
uma forma de ampliação e aprofundamento do controle democrático, contri-
buindo para a construção de uma sociedade emancipadora.
Palavras-chave: Envelhecimento; participação; conselho de direito; controle
democrático.

INTRODUÇÃO
O envelhecimento do perfil demográfico é um dos temas mais discuti-
dos na atualidade; todavia, essa compreensão sobre tal fenômeno, muitas vezes,
não ultrapassa a imediatidade da vida real, não refletindo sobre as contradições
do envelhecer sobre o embate entre capital e trabalho, numa sociedade em que
os velhos trabalhadores são penalizados por sua condição de vida. Há de se
destacar que a análise do processo de envelhecimento e velhice, sob uma pers-
pectiva crítica, requer uma visão contextualizada historicamente, pois não é uma
simples soma de fatores, nem mesmo uma interposição destes, mas sim uma
complexa teia de condicionantes sociais, políticos, econômicos e culturais.
Este artigo está fundamentado na concepção teórico-metodológica do
materialismo histórico-dialético e analisa a centralidade do trabalho e da luta
de classe nas relações sociais sob o modo de produção capitalista, fazendo
aproximações sucessivas à concreticidade, partindo do real para a dimensão
reflexiva.

APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 173


O percurso metodológico do artigo almeja refletir criticamente sobre
o envelhecimento das populações, destacando o viés da heterogeneidade do
processo de envelhecimento e velhice no âmbito da produção e reprodução da
sociedade do capital. Também são ressaltados os processos das lutas sociais
em prol das conquistas de direitos do segmento idoso, que perpassa as ações
nas políticas de saúde e de assistência social, concebendo os conselhos como
um dos caminhos para a construção e o aprofundamento da participação polí-
tica e do exercício de controle democrático.

O debate sobre o envelhecimento populacional: a crítica sob a perspecti-


va da heterogeneidade
Na contemporaneidade, o envelhecimento do perfil demográfico con-
solida-se como uma tendência mundial que, nos países de capitalismo central,
ocorreu gradativamente e, naqueles de capitalismo periférico, vem ocorrendo
de forma acelerada nos últimos anos, sendo mediatizado pelas expressões da
questão social.
É importante explicitar que a longevidade populacional ainda é uma
conquista heterogênea, pois não está consolidada em todas as nações; além
disso, anos vividos a mais não são sinônimo de qualidade de vida. Trata-se,
em verdade, de um desafio o alcance de anos a mais de vida para milhões e
milhões de velhos trabalhadores que vivenciam a superexploração do capital,
sobretudo nos países de capitalismo periférico. Campelo e Paiva (2014, p. 27)
observam que, no contexto mundial, chegar aos 80 anos não é um privilégio
de todas as populações, devido à “[...] desigualdade social que marca substan-
tivamente a vida de milhões e milhões de indivíduos de todas as idades, prota-
gonizando uma situação quase irreversível de não realização das suas necessi-
dades básicas e potencialidades humanas”.
O relatório da Organização Mundial da Saúde (2005) mostra a deteri-
oração das condições de vida nos países marcados pela superexploração do
capital. No documento, consta que uma criança nascida no Japão, em 2003,
esperava viver, em média, 85 anos, tendo um gasto com sua saúde de US$ 550
por ano, enquanto uma criança em Serra Leoa (África ocidental) provavel-
mente não viverá 36 anos, além da incerteza de ver um médico, durante seu
curto tempo de vida. Neste país o gasto com a saúde é de apenas US$ 3,00
(CAMPELO E PAIVA, 2014, p. 27).
Para dimensionar o desafio da mudança do perfil demográfico, recor-
re-se ao documento intitulado “Envelhecimento Ativo: um marco político em
resposta à revolução da longevidade” (BRASIL, 2015), elaborado pelo Cen-

174 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE


tro Internacional de Longevidade no Brasil (ILC-Brasil), o qual mostra que,
ao final de 2011, a população mundial havia ultrapassado os 7 bilhões de
pessoas, apontando para uma projeção de que até 2100 haverá um aumento
populacional que atingirá o patamar de 10,9 bilhões. Nessa progressão, cal-
cula-se que mais de 50% serão pessoas acima dos 60 anos.
O aumento populacional do segmento idoso é considerado como um
marco na história da humanidade e está associado a diversos fatores; entre
eles, pode-se citar: a queda da natalidade e da mortalidade infantil; os avanços
científicos e tecnológicos e, de forma geral, as melhorias na qualidade de vida,
que somente ocorreram via mobilização das frações de classe trabalhadora,
sobretudo no século XX. Assim, as demandas sociais foram respondidas por
meio de políticas sociais um tanto quanto abrangentes, se considerarmos o
grau de reivindicação e de pressão popular nos países de capitalismo central.
O acesso ao sistema de proteção social nos países desenvolvidos,
pós-guerra, resultado das lutas sociais, permitiu um melhor processo de en-
velhecimento (tanto na dimensão do indivíduo quanto das populações) em
relação aos trabalhadores dos países em desenvolvimento (CAMPELO E
PAIVA, 2014, p. 169).
Quando se analisam as condições de vida e de trabalho dos velhos no
contexto brasileiro, constata-se o crescimento acelerado da população idosa:
os resultados do censo (2010) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísti-
ca (IBGE) indicam 8.011.375 pessoas idosas, dado esse que, em 2000, chega-
va à expressão populacional de 2.707.91 pessoas com mais de 60 anos. Tais
dados demonstram o crescimento do contingente dessa faixa etária idosa, que
repercutem em dimensões demográficas, sociais, econômicas e políticas (SO-
ARES, 2015, p. 7).
Essa transição demográfica, sob nosso ponto de vista, não se constitui
como um problema social, embora seja este o discurso “oficial” da classe
dominante, que afirma o individualismo e a culpabilização do sujeito social
por sua condição de vida, fortemente influenciado pelo ideário neoliberal:
[...] os discursos ideopolíticos disseminados nos complexos sociais
abordam a necessidade de repensar o sistema previdenciário; o ata-
que também incide sobre o direito à saúde e há uma tendência de
“reprivatização” do processo de envelhecimento e velhice – fruto do
individualismo – culpabilizando os velhos ou suas famílias por suas
condições de vida. (COSTA, 2015, p. 16).
Sob o ponto de vista da teoria social crítica, o processo de envelheci-
mento e velhice constitui “[...] uma construção social, dotado de um caráter
APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 175
multidimensional e heterogêneo” (SOARES; POLTRONIERI; COSTA, 2014,
p. 134), que está assentado sobre a exploração do trabalho e da luta de classes.
Como argumenta Veras (1999, p. 45), em um país marcado pela desigualdade
social, como o Brasil, relacionar o envelhecimento humano com foco no cro-
nológico traz sérios equívocos; “[...] um trabalhador do sertão nordestino, aos
55 anos, será muito mais ‘velho’ que um executivo, aos 65 anos, de uma gran-
de empresa do Rio de Janeiro”.
Desse modo, entende-se a velhice como “[...] a fase do processo de
envelhecimento, determinada pelos aspectos biológicos, psicológicos, sociais
e culturais – intrinsecamente ligada ao componente da classe social, gênero e
etnia”. Esse fatos levam a aferir que “[...] os indivíduos envelhecem de forma
diferenciada e particular, possuindo mediações com o contexto sócio-históri-
co e político-econômico” (SOARES; POLTRONIERI; COSTA, 2014, p. 134).
De acordo com Teixeira (2008):
É a classe trabalhadora a protagonista da tragédia no envelhecimento,
considerando-se a impossibilidade de reprodução social e de uma vida
cheia de sentido e valor, na ordem do capital, principalmente quando
perde o “valor de uso” para o capital, em função da expropriação dos
meios de produção e do tempo de vida. (TEIXEIRA, 2008, p. 30).
Portanto, a velhice das frações de classe trabalhadora condicionada
por classe social, gênero, orientação sexual, raça, etnia e gerações produz e
reproduz-se sob o jugo da exploração do capital, fato esse que consolida o
entendimento do processo de envelhecimento e velhice como categorias soci-
ais que se particularizam nas ações cotidianas influenciadas pelo próprio sis-
tema. Portanto, entender a velhice como uma fase individual ou somente cro-
nológica é abnegar todas as relações sociais que perpassam essa fase da vida
humana.
Faz-se imprescindível discutir a visão da sociedade capitalista em re-
lação às expressões da problemática social do envelhecimento das frações da
classe trabalhadora, analisando o conjunto de suas mobilizações, para então
discorrer sobre as respostas do Estado democrático de direito no Brasil.

As lutas e as conquistas sociais do segmento idoso


Primeiramente se refletirá, de maneira crítica, sobre um breve contex-
to histórico da proteção social ao segmento idoso, a saber, a evolução das
políticas públicas relacionadas à questão do envelhecimento populacional tanto
a nível internacional quanto nacional, além da importância das lutas sociais
via participação social dos velhos trabalhadores.
176 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE
A discussão sobre a velhice na agenda da política mundial se deu na
década de 1980 como resultado de mobilizações políticas anteriores. Eis os
marcos políticos desse cenário: pauperização dos velhos, afloramento de mo-
vimentos sociais e o capital tentando construir novos nichos de mercado. As-
sim, o cenário político
[...] revelava uma expressiva preocupação com a velhice de segmen-
tos específicos da classe trabalhadora localizados nos países, inicial-
mente do chamado primeiro mundo e, depois por óbvios, do (mal)
chamado – ou difamado – terceiro mundo em diante. (CAMPELO E
PAIVA, 2014, p. 168).
Nesse cenário, a ONU realiza a primeira Assembleia Mundial sobre
envelhecimento, no ano de 1982, em Viena. Camarano e Pasinato (2004) desta-
cam as 66 recomendações para os Estados em relação a: saúde e nutrição, prote-
ção ao consumidor idoso, moradia e meio ambiente, família, bem-estar social,
previdência social, trabalho e educação. Nesse plano, parte das recomendações
visava promover a independência do idoso dotado de meios físicos ou financei-
ros para a sua autonomia. A concepção do idoso traçado no plano era dirigida
aos países desenvolvidos e aos indivíduos envelhecidos e independentes finan-
ceiramente, com poder de compra. Ou seja, a preocupação central da assem-
bleia era a formação de consumidores e não de sujeitos de direito.
Campelo e Paiva (2014, p. 171) ressalta que o plano não avançou como
se esperava, mas buscou “[...] subverter a lógica de privilegiar os planos eco-
nômicos e políticos em detrimento dos temas sociais no âmbito das Nações
Unidas”. A autora ainda argumenta que a:
[...] atenção principal do plano era a situação de bem-estar social das
pessoas idosas dos países capitalista hegemônicos, dotado de um forte
apelo à promoção da independência e autonomia do(a) idoso(a), ‘novo
ator social’, concebido como indivíduo independente financeiramente
(CAMPELO e PAIVA , 2014, p. 171).
Camarano e Pasinato (2004) apontam os reflexos desse plano no âmbi-
to da América Latina: vários países modificaram suas constituições, inclusive o
Brasil (Constituição Federal de 1988), que firmou a gênese da seguridade soci-
al, composta pelo tripé saúde, previdência e assistência social. Entretanto, é
preciso assinalar que as políticas sociais são contraditórias: atendem a frações
da classe trabalhadora, mas também servem como instrumentos que sustentam a
acumulação do capital. Assim, toda conquista também envolve intencionalida-
des político-econômicas. De acordo com Campelo e Paiva (2014, p. 172):

APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 177


[...] é preciso tomar cuidado com a afirmação porque uma interpreta-
ção simplista permitiria concluir que, numa relação de causalidade,
os governos desses países, espontaneamente, adotaram o conjunto
de recomendação do Plano de Viena e implementaram políticas.
Em 2002, vinte anos após a Primeira Assembleia Mundial, acontece,
em Madri, a Segunda Assembleia Geral, que enfatizou o envelhecimento po-
pulacional dos países de capitalismo periférico, considerados como “terceiro
mundo”. Campelo e Paiva (2014, p. 172) anota que “não era possível ignorar
um processo tão antigo quanto a própria história da humanidade, tendo em
vista a imposição de novas demandas perante as autoridades, diante do impac-
to da velhice desprotegida, na agenda da seguridade”.
Na segunda Assembléia foram aprovados, segundo Camarano e Pasi-
nato (2004), uma nova declaração política e um novo plano de ação que deve-
riam servir de orientação à adoção de medidas normativas sobre o envelheci-
mento no início do século XXI. Tais nortes buscavam exercer uma ampla in-
fluência nas políticas e programas dirigidos à população idosa em todo o mun-
do, especialmente nos países em desenvolvimento.
Esse plano evidencia que o envelhecimento ativo aplica-se tanto a
indivíduos quanto a grupos populacionais, fundamentando-se em alguns de-
terminantes: a participação ativa dos idosos na sociedade; o desenvolvimento
e a luta contra a pobreza; o fomento da saúde e do bem-estar na velhice; a
promoção do envelhecimento saudável; e a criação de um entorno propício e
favorável ao envelhecimento.
Para Soares, Poltronieri e Costa (2014, p. 143), um dos avanços do
referido plano é que se abre espaço para a participação da sociedade civil
organizada e a
[...] possibilidade do estabelecimento de parcerias como forma de
viabilizar os direitos da pessoa idosa diante do enxugamento do Es-
tado e a consideração de outros fatores transversais que influem dire-
tamente no processo de envelhecimento. (SOARES; POLTRONIERI;
COSTA, 2014, p. 143).
Apesar dos avanços, o plano de Madri não considerou as diversidades
culturais e, especialmente, as disparidades de classe social; este segundo fator
é mais relevante para se pensar o processo de envelhecimento e velhice em
relação à realidade social. É preciso enfatizar que esses planos possuem inten-
cionalidades políticas, mesmo porque as políticas sociais têm um duplo cará-
ter: (i) de um lado, atendem à demanda das frações da classe trabalhadora; (ii)
por outro, perpetuam o embate entre capital e trabalho.
178 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE
Na ocasião dessa Assembleia, a Organização Mundial da Saúde lançou
o documento “Envelhecimento ativo: um marco para elaboração de políticas”,
que contempla um novo paradigma para entender o envelhecimento. Entretanto,
esse paradigma está envolto à ideologia da velhice, na simples “inserção” do
indivíduo na comunidade, buscando disseminar uma produção social positiva
da velhice; nas suas entrelinhas, convoca a responsabilização do sujeito e da
família sobre seus cuidados, não contemplando o questionamento e a reflexão
acerca das condições objetivas de vida dos velhos trabalhadores.
O envelhecimento ativo, naquele plano, é definido como sendo o “[...]
processo de otimização das oportunidades de saúde, participação e segurança,
com o objetivo de melhorar a qualidade de vida à medida que as pessoas ficam
mais velhas” (OMS, 2005, p. 13). O termo “ativo” refere-se à participação
contínua nas questões sociais, econômicas, culturais, espirituais e civis, e não
somente à capacidade de estar fisicamente ativo ou de fazer parte da força de
trabalho (OMS, 2005, p. 13). A abordagem do envelhecimento se volta, então,
para o reconhecimento dos direitos humanos das pessoas mais velhas e para
os princípios de independência, participação, dignidade, assistência e autorre-
alização, limitando-se ao pensamento de uma política circunscrita ao ideário
neoliberal.
Para Lima e Sangaleti (2010), a gestão do avanço da idade passou por
um processo conhecido na gerontologia como reprivatização da velhice, que
colocou o envelhecer e os seus destinos sob a responsabilidade individual.
Este processo de reprivatização da gestão da velhice pode ser identificado,
por exemplo, nos documentos oficiais elaborados pelo Estado brasileiro que
instruem sobre políticas públicas de atenção à saúde do idoso. Teixeira (2008,
p. 287) mostra que a proposta de envelhecimento ativo não visa apenas me-
lhorar a saúde, o estado físico e psicológico das pessoas idosas, mas
[...] atribui-lhes responsabilidades pelo seu estado, subjetivando a
noção da pesquisa de velhice e de qualidade de vida, que depende do
indivíduo, da sua motivação para mudar hábitos de vida, entre eles,
alimentação saudável, práticas de exercícios físicos, atividades inte-
lectuais e socializadora. [...] A velhice pobre, doentia e dependente
virou uma condição de negligência pessoal ou familiar, de motivação
pessoal para aprender. Logo, a problemática do envelhecimento e sua
superação recaem sobre o próprio idoso. (TEIXEIRA, 2008, p. 287).
Nesse contexto, é importante refletir sobre o processo de envelheci-
mento e de velhice em âmbito universal, a fim de perceber criticamente sua
repercussão nas políticas sociais brasileiras, desvelando a concepção da pes-

APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 179


soa idosa estabelecida nas legislações. Assim, a história da proteção social aos
trabalhadores idosos mostra que esse é um processo de lutas por direitos que,
segundo Alves, Campelo e Paiva, Arruda (2016, online, grifos do autor), “[...]
contempla modelos que antecedem a concepção liberal de direito do cidadão
e indica uma trajetória de lutas e conquistas, respostas às expressões da ques-
tão social”.
O surgimento das políticas no Brasil, segundo Behring e Boschetti
(2011, p. 64), “[...] foi gradual e diferenciado entre os países, dependendo dos
movimentos de organização e de pressão da classe trabalhadora, do desenvol-
vimento de forças produtivas e das correlações e composições de força no
âmbito do Estado”.
As políticas sociais e a formatação de padrões de proteção social são
[...] desdobramentos e até mesmo respostas e formas de enfrentamento
– em geral setorizadas e fragmentadas – às expressões multifacetadas
da questão social no capitalismo, cujo fundamento se encontra nas
relações de exploração do capital sobre o trabalho. (BEHRING;
BOSCHETTI, 2011, p. 51).
Na conjuntura pré-Constituinte, destaca-se o fortalecimento da socie-
dade civil com diversos movimentos sociais (envolvendo reforma agrária, sin-
dicais, questões sobre mulher, idoso, negro, pessoas com deficiência, entre
outros) nas reivindicações de melhorias e na luta pela democratização contra
o Estado ditatorial. A Constituição Federal de 1988, conhecida também como
Carta Cidadã, constitui um marco importante à nação brasileira, instituindo a
Seguridade Social com base no tripé saúde, assistência social e previdência
social. No que se refere ao segmento idoso, passa a garantir aposentadoria por
idade e pensão por morte para viúvos, bem como a equiparação dos benefícios
previdenciários.
A Carta Magna de 1988 institui a descentralização das ações e o con-
trole social, pelos quais a voz da população seria considerada nos mandos
públicos. Para tanto, o controle social se dará no âmbito dos conselhos de
direito, que se constroem como espaços coletivos, políticos e deliberativos,
como um grande passo para a construção da cidadania brasileira.
Conforme Liporoni (2010), atores da sociedade civil tiveram forte
mobilização no período da Constituinte e reinscreveram na Constituição Fe-
deral alguns de seus anseios, reforçando antigos e instituindo novos direitos
relacionados à saúde, à educação, à assistência social e reforçando o papel do
Estado na efetivação destes.

180 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE


Com a Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), outras leis de ga-
rantias de direitos foram aprovadas a partir da década de 1990, como a Lei Orgâ-
nica da Saúde (LOS) nº 8.080 e nº 8.142/1990 (BRASIL, 1990), a Lei Orgânica da
Assistência Social (LOAS) nº 8.742/1993 (BRASIL, 1993), a Política Nacional
do Idoso (PNI), sob a Lei nº 8.842/1994 (BRASIL, 1994) e o Estatuto do Idoso,
sob a Lei nº 10.741/2003 (BRASIL, 2003). Diante do exposto, infere-se que o
Brasil, ao tempo que vive uma transição demográfica, está também “numa transi-
ção jurídica para o reconhecimento, no contexto democrático, dos direitos da pes-
soa idosa enquanto sujeito de direito à cobertura das necessidades, à dignidade, à
velhice, à proteção e ao protagonismo” (FALEIROS, 2007, p. 36). Essas conquis-
tas são o resultado de lutas sociais do segmento idoso.
No entanto, é importante ressaltar que mesmo diante desses direitos
conquistados ao longo da história, para muitos, a velhice, ao contrário “de ser
uma fase da vida marcada pelo descanso do trabalho, protegida pela família,
pelas políticas sociais e acolhida pela sociedade, é a evidência do coroamento
da decrepitude, do abandono e da negação de qualquer indício de realização
da emancipação humana” (CAMPELO E PAIVA, 2014, p. 30).
Em relação ao sistema de proteção social e à articulação das diversas
políticas sociais, cabe destacar a mudança do paradigma da assistência social,
que passa da noção de caridade e filantropia para o patamar de direito social.
Mesmo que restrito a grupos vulnerabilizados, compõe importante fonte de
melhoria das condições de vida e de cidadania, isto é, de proteção aos velhos
trabalhadores no Brasil. Assim,
[...] a Assistência Social também ganhou nova institucionalidade, que
a fez pautar-se pelo paradigma da cidadania ampliada e funcionar
como política pública concretizadora de direitos sociais básicos, par-
ticularmente de crianças, idosos, portadores de deficiência, famílias
e pessoas social e economicamente vulneráveis. (PEREIRA, 2011,
online).
A assistência social, regida pela Lei Orgânica da Assistência Social
(LOAS) nº 8.742/1993 com alteração pela Lei nº 12.435, em 2011, define a
assistência social como direito do cidadão e dever do Estado e intenta promo-
ver mínimos sociais para garantir atenção às necessidades básicas da popula-
ção com vulnerabilidade social. No seu artigo 2º, incisos I e IV, dispõe sobre
seus objetivos:
I – a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e a
velhice;

APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 181


V – a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa
portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios
de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
(BRASIL, 2011, online).
Pereira (2011, online) assevera que a LOAS estabeleceu, a partir do
plano legal, a diferença marcante entre a política pública de assistência social
de direitos e o “assistencialismo” vulgar praticado, indiscriminadamente, como
um desvio ou doença da Assistência.
Em relação ao segmento idoso, a Lei nº 8.842/1994, denominada Po-
lítica Nacional do Idoso (PNI), dispõe normas para os direitos sociais dos
idosos, garantindo autonomia, integração e participação efetiva como instru-
mento de cidadania. É importante ressaltar que essa lei é resultado de uma
ampla mobilização de segmentos organizados da sociedade e representa uma
grande conquista em termos legais, pois está embasada no paradigma da cida-
dania, o qual valoriza o ser humano como pessoa que possui necessidades
biológicas, pessoais, intelectuais e sociais, entre outras.
Teixeira (2008) observa que a PNI é uma legislação moderna que re-
força a característica brasileira de legislação complexa, rica de proteção soci-
al, entretanto, com nítido caráter formal e legalista, que não se expressa em
ações efetivas de proteção.
O Estatuto do Idoso, criado pela Lei nº 10.741/2003, garante o direito
à vida, à liberdade, ao respeito, à saúde, aos alimentos, à educação, à cultura e
ao lazer; acesso a trabalho, previdência e assistência social, habitação, gratui-
dade no transporte público e coletivo, prioridade de atendimento, atentando
para que a violação destes provoca a discriminação e a exclusão do idoso
(BRASIL, 2003).
De acordo com as duas legislações específicas para a pessoa idosa, a
PNI e o Estatuto do Idoso, estão previstas a criação e a atuação dos Conselhos
de Direito do Idoso nas três esferas federativas (municipal, estadual e nacio-
nal), concebidos como órgãos colegiados e paritários, imbuídos de atribui-
ções como controle democrático, acompanhamento e avaliação no desenvol-
vimento das políticas (MENDONÇA, 2006, p. 183).
Ao discutir o caminhar das políticas, outro ponto relevante é a refle-
xão sobre as políticas públicas, sua construção por incentivo e pressão popu-
lar, a ambiguidade que perpassa todo esse processo. Segundo Teixeira (2008),
não se deve perder de vista o modo dominante ou a “nova cultura” de compre-
ensão dos direitos sociais e das políticas sociais, como aqueles que visam
dividir responsabilidades sociais no trato das refrações da questão social com

182 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE


a família, com a comunidade, com a sociedade e com o Estado, e que legiti-
mam e incentivam as ações de organizações não governamentais na execução
da política social. Nesse cenário de correlações de forças, os conselhos devem
estar atentos e preparados para enfrentá-las e fortalecer sua função democráti-
ca, pois, como órgãos deliberativos e propositivos, têm um importantíssimo
papel na formulação de políticas públicas e no acompanhamento de sua reali-
zação, sobretudo diante do desmonte dos direitos sociais conquistados nos
últimos anos.
Desde a Constituição Federal de 1988, houve avanços legais signifi-
cativos, já citados anteriormente. Um ponto positivo foi a diversidade da base
de financiamento da Seguridade Social, que apontou para a alocação mais
democrática dos recursos públicos, com a previsão de um orçamento da segu-
ridade social e a perspectiva de ampliação da cobertura, tendo em vista a ideia
da universalidade de acesso a direitos sociais legalmente definidos. A partir
disso, verificam-se avanços efetivos na atenção à população brasileira, como
a construção do Sistema Único de Saúde (SUS), no início da década de 1990
(como política pública de caráter universal) e do Sistema Único de Assistên-
cia Social (SUAS), em 2004.
No entanto, é preciso também apontar que, desde a década de 1990,
há sucessivas manobras de desmonte dos direitos sociais conquistados. A ex-
plicação para isso está na necessidade de ajustes fiscais almejando o superávit
primário conforme determinado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) a
partir de 1999.
Um dos mecanismos criados sobre essa situação foi a Desvinculação
de Receitas da União (DRU), cujo propósito era desvincular 20% das receitas
de impostos e contribuições sociais que financiam a Seguridade Social. Esta
foi prorrogada pela reforma tributária de 2007 e em 2016, com a justificativa
da crise do Estado, passando a 30%.
Assim, e sob essa perspectiva, o vilão do orçamento da seguridade
social não é o gasto previdenciário conforme a mídia e o próprio Estado vêm
a público a inferir, mas sim os recursos retidos pelo Estado para a formação do
superávit primário.
Com esse argumento, os governos dos presidentes Fernando Henrique
Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva fizeram reformas na Previdência Social;
as mais recentes se referem às medidas provisórias (MP) 664 e 665, aprovadas
em 2014 no governo Dilma Rousseff; ambas fazem alterações no acesso ao
seguro-desemprego e à pensão por morte.
Quanto ao seguro-desemprego, serão necessários 18 meses de traba-

APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 183


lho para o primeiro pedido do seguro. Em uma segunda solicitação, o traba-
lhador terá de ter contribuído, pelo menos, por 12 meses, e a partir da terceira
solicitação, por no mínimo seis meses. No caso das pensões por morte, será
necessário que o trabalhador tenha contribuído, no mínimo, por 24 meses,
com exceção das mortes por acidente de trabalho. O beneficiado terá acesso à
pensão desde que seja legalmente casado ou comprove união estável há, pelo
menos, dois anos. O valor a ser recebido também sofreu reajustes, a saber:
50% para o/a cônjuge, acrescido de 10% por dependente até completar 100%
do total e até que eles completem a maioridade. Já para os auxílios-doença, foi
fixado o valor do benefício conforme a média das últimas 12 contribuições.
Essas questões trazem consequências para as famílias mais vulneráveis e que
têm velhos trabalhadores que, sem alternativas de trabalho e renda, procura-
rão o SUAS para o atendimento de suas necessidades básicas.
Assiste-se ao fortalecimento do sistema privado, em especial o da saúde
e da previdência, com incentivos por parte do governo para que a parcela da
população que tem condições financeiras possa assumir esses gastos; já aque-
la parcela da população que não possui essas mesmas condições, limita-se ao
uso do sistema público.
Em 2016, também foi aprovada a PEC 55, cuja restrição aos gastos
sociais ocorrerá por um período de vinte anos. Essa medida trará regressão
dos direitos conquistados quanto aos serviços oferecidos a toda a população e,
em particular, às políticas sociais da saúde e da assistência social, com impac-
tos significativos quanto à qualidade de vida do segmento idoso, principal-
mente nos de situação de vulnerabilidade social.
Diante de tantos retrocessos, os espaços de controle social democráti-
co podem contribuir na luta pela garantia dos direitos conquistados, bem como
na ação de mobilização sobre a conscientização destes.

O processo de controle democrático dos velhos: conselhos de direito


Os conselhos de direito são espaços coletivos de conquistas políticas
dos cidadãos, resultado da participação da população nos movimentos de re-
democratização. Gohn (2011, p. 16) afirma que a participação equivale à cons-
trução da “[...] luta por melhores condições de vida e pelos benefícios da civi-
lização”.
Nas teorizações revolucionárias, a participação é entendida como os
movimentos coletivos que lutam contra as formas de opressão da sociabilida-
de capitalista; Gohn (2011, p. 27) ressalta que, “[...] na abordagem marxista, o
conceito de participação não é encontrado de forma isolada, mas sim articula-

184 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE


do a duas outras categorias de análise: lutas e movimentos sociais.”As lutas
pela participação plena da população – sob esse ponto de vista – se dão no
cotidiano, tanto por via da luta por garantias legais quanto por movimentos
sociais. Tais lutas se consolidam tanto pela redistribuição do poder e pela
participação política consciente da população quanto pelas mobilizações so-
ciais, que se mostram como outro caminho para o questionamento da ordem
vigente.
Evidencia-se, no decorrer desta reflexão, que não se pode excluir a
historicidade do embate entre capital e trabalho e suas expressões no campo
político, haja vista que a conquista da participação se constrói como espaço de
luta entre projetos societários antagônicos.
O exercício de participar inclui a realização de leitura da realidade e
suas contraditoriedades, assim como a análise crítica da sociedade contempo-
rânea e o enfrentamento dessa ordem social injusta e desigual. O processo de
participar faz parte da construção da cidadania, que se consolida como uma
proposta coletiva de sujeitos que se sentem pertencentes e participantes do
processo de conquistas de direitos. Desse modo, “[...] participação é conquis-
ta para significar que é um processo, no sentido legítimo do termo infindável,
em constante vir-a-ser, sempre se fazendo” (DEMO, 2001, p. 1).
Na década de 1990, no Brasil, foram construídas outras dimensões
para a categoria participação. Gohn (2011, p. 57) ressalta que aqueles indiví-
duos que se mostravam engajados no intuito de redemocratizar o Estado teste-
munharam que “[...] inicialmente o processo concentrou-se na questão dos
conselhos, priorizando no debate a dicotomia do caráter que deveriam ter:
consultivo, para auscultar a população, ou normativo/representativo, com po-
der de decisão”.
A efetivação dos mecanismos de controle democrático foi marcada, a
partir da década de 1990, fundamentalmente, pela tensão entre dois projetos
societários: (i) o primeiro, caracterizado como aquele da redemocratização e
de garantia de direitos; (ii) e o segundo, como aquele voltado para a rearticu-
lação das forças conservadoras, sustentada pelo ideário neoliberal, propunha
a contenção de direitos, a redução do Estado e alterações no mundo do traba-
lho (SILVA, 2010, online).

A opção estratégica expressa em proposições e deliberações dos go-


vernos brasileiros, a partir desta década, que inclui políticas sociais,
assegura-se no projeto conservador. Este projeto hegemônico legiti-
ma e garante funcionalidade para as instâncias responsabilizadas a

APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 185


implantar e implementar políticas sociais (como as que incluem e as
destinadas ao segmento de idosos), mostrando-se permeada por con-
tradições. (SILVA, 2010, online).
O processo constituinte e a promulgação da Constituição de 1988,
anteriormente citados, segundo Bravo (2009, online), introduziram “avanços
que buscaram corrigir as históricas injustiças sociais acumuladas secularmen-
te, mas incapazes de universalizar direitos, tendo em vista a longa tradição de
privatizar a coisa pública pelas classes dominantes”.
Em paralelo à implementação dos mecanismos de controle democráti-
co, há no cenário brasileiro, na década de 1990, a contrarreforma do Estado,
advento do neoliberalismo com a reestruturação produtiva e a mundialização
do capital. Bravo (2009, online) afirma que esse “[...] cenário de regressão de
direitos sociais, de globalização e mundialização do capital, tem na financei-
rização da economia um novo estágio de acumulação capitalista”. O capitalis-
mo mostra suas estratégias (como a estratégia capital), numa “acirrada crítica
às conquistas da Constituição de 1988, – com destaque para a concepção de
Seguridade Social –, com a construção de uma cultura persuasiva para discu-
tir e tornar seu projeto consensual e compartilhado”.
As políticas sociais e a constituição das instâncias de controle social,
dos anos 1990 até os dias atuais, “[...] têm sido de contrarreforma do Estado e
de obstaculização e/ou redirecionamento das conquistas de 1988, num con-
texto em que foram derruídas até mesmo aquelas condições políticas por meio
da expansão do desemprego e da violência” (BEHRING; BOSCHETTI, 2011,
p. 147, grifos do autor).
Bravo (2009, online) anota que o “[...] controle social enquanto direito
conquistado na Constituição Federal de 1988, mais precisamente do princípio
‘participação popular’, pretende ampliar a democracia representativa para a
democracia participativa de base”. Argumenta a autora que estão previstas duas
instâncias de participação nas políticas sociais: os conselhos e as conferências.
Os conselhos são espaços paritários em que a sociedade civil (50%)
e os prestadores de serviços públicos, privados e filantrópicos discu-
tem, elaboram e fiscalizam as políticas sociais das diversas áreas:
saúde, educação, assistência social, criança e adolescência, idoso,
entre outras. (BRAVO, 2009, online).
A concepção de participação social nesses espaços baseia-se na uni-
versalização dos direitos, pautada por uma nova compreensão do caráter e do
papel do Estado (CARVALHO, 1995 apud BRAVO, 2009, online). Uma das
ideias centrais que permeiam a criação dos conselhos é a paridade, porquanto
186 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE
possibilita que os representantes da sociedade civil e do governo estejam frente
a frente. Segundo Bredemeier (2003, p. 88), “a questão da paridade tem o obje-
tivo de evitar que uma parte se sobreponha à outra, ao menos numericamente”;
contudo, por participarem segmentos em interação, a relação de forças entre as
partes pode se tornar desigual ou mesmo acontecer um processo de cooptação.
Os conselhos de direito são fruto da mobilização popular para a de-
mocratização e possuem como competência a fiscalização, a avaliação, a efe-
tivação e a ampliação dos direitos e serviços prestados. Trata-se de instâncias
que articulam a participação, a deliberação e o controle do Estado. Todavia,
esses espaços não assumem a responsabilidade pela execução das ações, que
fica a cargo do Executivo, sejam elas de caráter municipal, estadual ou nacio-
nal. Cabe aos conselhos a participação nas decisões sobre a aplicação de ver-
bas e de recursos financeiros destinados à operacionalização das políticas so-
ciais, bem como a fiscalização destas.
A outra instância de participação nas políticas sociais são as conferên-
cias, realizadas periodicamente, com a finalidade de discutir as políticas soci-
ais de cada esfera e propor diretrizes de ação. Conforme Bravo (2009, online),
“as deliberações das conferências devem ser entendidas enquanto norteadoras
da implantação das políticas e, portanto, influenciar as discussões travadas
nos diversos conselhos”.
No que se refere ao Conselho de Direito à Pessoa Idosa, como meca-
nismo de acesso à defesa de seus direitos, em 2003 o artigo 53 do Estatuto do
Idoso deu nova redação ao artigo 7º da PNI, alterando a sua competência.
Art. 6º Os conselhos nacional, estaduais, do Distrito Federal e muni-
cipais, do idoso serão órgãos permanentes, paritários e deliberativos,
compostos por igual número de representantes dos órgãos e entida-
des públicas e de organizações representativas da sociedade civil li-
gadas à área.
Art. 7º Compete aos Conselhos de que trata o art. 6º desta Lei a
supervisão, o acompanhamento, a fiscalização e a avaliação da Polí-
tica Nacional do Idoso, no âmbito das respectivas instâncias políti-
co-administrativas. (Redação dada pela Lei nº 10.741, de 2003) [...]
(BRASIL, online).
As responsabilidades delegadas aos munícipes, ou seja, aos conse-
lheiros, em função da descentralização, coloca-lhes novas exigências – parti-
cipar na formulação de planos de ação e de controle quanto à aplicação de
recursos – e torna-os corresponsáveis pelas propostas e iniciativas operacio-
nalizadas; assim, torna-se visível a necessidade de capacitação para assumir as

APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 187


novas incumbências, uma vez que os conselheiros, entre eles a pessoa idosa,
deparam com situações antes nunca enfrentadas (BREDEMEIER, 2003, p. 96).
Sobre a participação das pessoas idosas nos espaços de controle, Bor-
ges (2003, p. 1041 apud BERZINS, 2012, p. 214) afirma que
[...] ela tem de ser conquistada e assumida por todos os envolvidos,
de forma consciente, e sentida como um processo contínuo. A parti-
cipação não pode ser individual, mas coletivamente organizada, re-
sultando na restauração da confiança, na esperança e na ânsia de com-
partilhar tanto os avanços como as dificuldades.
A análise da evolução das políticas públicas direcionadas ao segmento
idoso no Brasil mostra que são resultados das lutas sociais, que incluem desde o
movimento operário ao movimento de aposentados e pensionistas, e a outros
conduzidos por organizações não governamentais (ONGs) de nível nacional e
internacional, sendo fundamental a problematização das necessidades sociais.
A perspectiva das lutas sociais envolve a constituição de “[...] sujeitos
políticos e os mecanismos de reivindicações, mobilizações, problematização
de necessidades sociais” (TEIXEIRA, 2009, p. 65). Contudo, as diversas res-
postas contemporâneas à problemática social do envelhecimento, tomada de
forma genérica, “[...] não só mascaram a centralidade do envelhecimento do
trabalhador na constituição dessa problemática social, mas também os novos
movimentos sociais, especialmente na fase atual, em que as ONGs assumem a
dianteira nessas lutas” (TEIXEIRA, 2009, p. 70).
Esse fato, de acordo com Teixeira (2009, p. 70), faz parte da cultura
privatista e revela dois lados: 1) transfere as responsabilidades sociais, como
as mazelas sociais, para a sociedade civil; 2) reforça a responsabilidade indi-
vidual, de cada um pelo seu bem-estar, transmutando problemas sociais em
problemas individuais. “Essas novas simbioses entre o público e o privado se
expressam nas retóricas de ampliação da esfera pública para a sociedade civil,
para o privado, por meio da participação ativa de suas organizações, que mas-
cara a cultura privacionista”.
O Estado, apesar de instituir os mecanismos de gestão democrática,
limita seu poder de ação, dividindo suas responsabilidades com a sociedade
civil; nesse sentido, a “[...] garantia, concernente aos direitos sociais, é camu-
flada pelo campo nebuloso do público não estatal (que só pode ser campo de
ajuda, esporádica, eventual, inconstante, local)” (TEIXEIRA, 2009, p. 75).
Destaca-se a importância das lutas sociais que problematizam as ne-
cessidades sociais e a participação social do segmento idoso para a efetivação
e a ampliação dos direitos conquistados por meio de fóruns de representação e
188 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE
dos conselhos de direito, grupos de discussão e formação, nas associações de
aposentados e tantos outros. Conforme Bulla, Soares e Kist (2007), dessa
maneira será possível contribuir para mudanças nas construções sociais sobre
o processo de envelhecimento e velhice, desmistificando os processos homo-
geneizadores e a ideologia das velhices.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O envelhecimento populacional é um desafio para o século XXI, exi-
gindo novas posturas do poder público e da sociedade civil. Para tanto, é ne-
cessária a responsabilização do Estado na materialização dos direitos da po-
pulação idosa, na garantia de políticas públicas para o envelhecimento digno e
ativo, bem como a mobilização da sociedade civil para exigir a efetivação de
tais políticas, contribuindo para a construção de uma sociedade sem opressão
de classe, etnia, gênero ou mesmo geração, colaborando, assim, para a cons-
trução de um projeto societário que confira amplitude às lutas políticas.
Diante do contexto histórico da sociedade brasileira, deve-se levar em
conta a marca da repressão, a timidez e o silêncio imposto pela ditadura, prin-
cipalmente aos velhos trabalhadores, em relação à reivindicação e à luta por
direitos e melhoria de condições de vida. No entanto, não se deve persistir na
inércia daquele período histórico; como profissionais do Serviço Social, cum-
pre incentivar e participar junto ao sujeito de direitos, buscando os espaços de
luta e de decisão, tendo o Conselho de Direito da Pessoa Idosa como um dos
caminhos para a participação e o exercício do controle democrático.
É necessário investir na integração de conselhos de direito e de políti-
cas a fim de preservar as diversas especificidades, tendo em vista que as diver-
sas políticas públicas atendem ao segmento idoso. Essa questão se estende ao
espaço das conferências, de forma tal que o espaço de luta pela manutenção e
expansão dos direitos sociais envolverá os trabalhadores das diversas políti-
cas públicas, a população usuária e o segmento idoso.
Nesta reflexão, não se pode esquecer que, apesar dos avanços e das
conquistas na compreensão dos direitos sociais e das políticas sociais, elas
desvelam que o envelhecer bem, com qualidade de vida, ainda é visto como
responsabilidade exclusiva de cada indivíduo. Fato esse que reitera o discurso
ideológico-político de cunho neoliberal, que se apresenta nos diversos ata-
ques aos direitos sociais nos últimos anos (seguro-desemprego, pensões por
morte, auxílio-doença, aumento da DRU para 30% e aprovação da PEC 55),
que reverberam não somente para o segmento idoso, mas para toda a popula-
ção brasileira.

APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 189


No decurso desta breve reflexão quanto ao caminhar das políticas so-
ciais destinadas ao segmento idoso e à constituição das instâncias de partici-
pação, tendo como exemplo os conselhos, observa-se que o controle social
pode ser realizado por qualquer cidadão, bem como sua participação, pois são
canais que permitem que a cidadania seja um direito pertencente ao cotidiano
dos sujeitos sociais, visando à construção da emancipação política, com vistas
a uma sociedade mais humana, calcada nos pilares da emancipação humana.

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192 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE


CAPÍTULO XII

SERVIÇO SOCIAL E ENVELHECIMENTO: PERSPECTIVAS E


TENDÊNCIAS NA ABORDAGEM DA TEMÁTICA

Solange Maria Teixeira

RESUMO: Este artigo tem por objetivo discutir as dificuldades do Serviço


Social para trabalhar a temática do envelhecimento na perspectiva da totalida-
de social, a partir do método histórico dialético, portanto, compatível com o
direcionamento ético-político da profissão, hegemônico na categoria. Nessa
perspectiva,discute a produção do conhecimento em Serviço Social sobre a
temática do envelhecimento, a partir de uma análise sobre os artigos aprova-
dos e apresentados no XV Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais, de
2016, buscando identificar as tendências no debate, as lacunas e as contribui-
ções para a formação e trabalho profissional.

Palavras-chave: Serviço Social; envelhecimento; totalidade Social.

INTRODUÇÃO
O Serviço Social, desde os anos 1980, vem avançando na crítica ao
conservadorismo da profissão e construiu, no trânsito para os anos 1990, o
Projeto Ético-Político (PEP) da profissão, uma direção hegemônica, porém,
não unívoca e uniforme, uma vez que comporta o respeito ao pluralismo de
perspectivas teórico-metodológicas, embora haja a direção e uma orientação-
pela teoria marxiana e tradição marxista, compatível com a direção ético-polí-
tica, e por um debate frontal com as demais teorias.
Todavia, esse avanço não tem sido suficiente para gerar tradição na
abordagem de inúmeras expressões da questão social, como o envelhecimento
pobre, doentio, isolado, com acesso precário ou insuficiente às políticas pú-
blicas, que caracterizam o envelhecimento do trabalhador, de maneira a abor-
dá-lo a partir do método histórico dialético e a gerar conhecimentos na temá-
tica capazes de iluminar o trabalho profissional crítico e materializador do
Projeto Ético-Político da profissão.
As inquietações sobre o porquê das dificuldades na produção do co-
nhecimento em Serviço Social sobre a temática do envelhecimento, em pers-
pectivas compatíveis com o PEP, inspiraram a produção deste artigo. E, para
levantar as tendências na produção do conhecimento na área do Serviço Soci-

APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 193


al, buscou-se como fontes de dados os 56 artigos aprovados no XV Congresso
Brasileiro de Assistentes Sociais (CBAS), de 2016, sobre o qual se procurou
levantar e analisar as tendências do debate no eixo, bem como as lacunas e as
contribuições para a formação e o trabalho profissional, ou seja, os limites das
abordagens e as perspectivas.
O artigo está organizado em três seções. A primeira busca resgatar os
elementos do PEP e a direção dele; a segunda, os problemas da apreensão
numa perspectiva de totalidade social que, em tese, seria compatível com a
direção do PEP; e a terceira que busca, a partir do material empírico, apreen-
der como a temática é trabalhada na produção do conhecimento nesse Con-
gresso.

Projeto ético-político do Serviço social e os desafios para sua implemen-


tação
O PEP do Serviço Social brasileiro articula em si mesmo elementos,
tais como: “[...] a imagem ideal da profissão, os valores que a legitimam,
função social e objetivos, conhecimento teórico, saberes interventivos, nor-
mas, práticas, etc” (NETTO, 1999, p.98),
As origens do PEP remontam à transição dos anos 70 aos 80 do século
XX, cujos marcos foram o Movimento de Reconceituação do Brasil (1977) e
o Congresso da Virada (1979), momentos históricos de questionamentos da
postura teórico-metodológica, ideológica e prática do Serviço Social até então
adotada, com denúncia do conservadorismo profissional e com posicionamento
pela perspectiva crítica – especialmente a partir da fase de intenção de ruptu-
ra, no final da década de 1970, de sua retomada e dos avanços nos anos 1980
e 1990, com adoção da perspectiva de compromisso profissional com os inte-
resses dos usuários dos serviços e, portanto, como o projeto societário da clas-
se trabalhadora.
Porém, é no trânsito dos anos 1980 aos 1990 que o PEP do Serviço
Social se configurou em sua estrutura básica – Código de Ética, Lei que regu-
lamenta a profissão e Projeto de formação profissional. Esse avanço no inte-
rior da profissão, segundo Netto (2007), é fruto da conjuntura de movimenta-
ção social nos anos 1980, do euforismo dos vários movimentos sociais, do
processo que culminou com a Constituição de 1988, e das resistências ao ne-
oliberalismo.
Essa postura de construir um coletivo novo de profissionais como nova
direção social foi possível devido ao significado e à inserção da profissão em
processos contraditórios da sociedade capitalista, marcados por interesses

194 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE


antagônicos em disputas. “Ao atuarmos no movimento contraditório das clas-
ses, acabamos por imprimir uma direção social às nossas ações profissionais
que favorecem a um ou a outro projeto societário” (TEIXEIRA; BRAZ, 2009,
p.189).
Dentre os elementos que orientam a materialização do PEP, destacam-se:
1- Lei de Regulamentação da Profissão.A primeira lei de regulamen-
tação da profissão foi com o decreto de nº 994/1962, que estabelece o exercí-
cio da profissão de Assistente Social, bem como pontua vetores determinantes
para o direcionamento do PEP profissional daquela época. Mas é sua revisão,
em 7 de julho de 1993, pela lei nº 8.662, que a ajustacom base na nova postura
crítica da profissão;
2- Código(s) de Ética Profissional. Os Códigos de Ética de 1986 e de
1993 sinalizam um projeto profissional que contempla as dimensões teórica,
política, técnica e política da profissão, a partir da direção posta pelo Movi-
mento de Reconceituação (desde a fase de intenção de ruptura).Dentre os seus
princípios, destacamos o “VIII-opção por um projeto profissional vinculado
ao processo de construção de uma nova ordem societária, sem dominação,
exploração de classe, etnia e gênero” (BRASIL, 1993, p.24);e seu corolário, a
necessidade de uma perspectiva teórico-metodológica crítica que ilumine a
intervenção. A pesar da adoção do pluralismo profissional, a direção hegemô-
nica coloca como fundamental para a materialização desse princípio a neces-
sidade de uma teoria crítica, como a marxista.
3- Novas diretrizes curriculares. O primeiro esforço de revisão curri-
cular na perspectiva de se materializar uma ruptura com o modelo conserva-
dor se deu em 1982. A última versão de currículo (1996) estabelece novas
Diretrizes Curriculares para os cursos de Serviço Social, norteando os proje-
tos pedagógicos a partir de novos valores e de novas referências teórico-meto-
dológicas críticas.
Segundo Teixeira e Braz (2009), esses elementos constituem a dimen-
são jurídica-política da profissão, complementada pelas dimensões da produ-
ção do conhecimento no interior do Serviço Social e da política organizativa
do coletivo profissional.
Mas, segundo Netto (2007), a conjuntura atual, no Brasil, é outra, na
qualnão se registram mobilizações e resistências expressivas à cultura neoli-
beral, de recuo dos movimentos sociais e de avanços das Organizações Não
Governamentais (ONGs) como mediação da relação Estado\população, par-
ceiras do Estado na execução e na oferta de políticas e de serviços sociais,
quadro que contribui decisivamente para dificultar a implementação do PEP.

APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 195


Essas dificuldades se expressam mais diretamente, segundo Netto, em dois
níveis.
Primeiro, mudanças nos objetivos profissionais. O elenco de objeti-
vos do Serviço Social, de compromisso com os interesses dos usuários e com
a efetivação de seus direitos,”[...] tem sido intencional e acintosamente mini-
mizado mediante a centralização das suas funções no plano
assistencial”(NETTO, 2007, p. 38),a redução do Serviço Social “à profissão
da assistência”, decorrente, em parte, da assistencialização das formas de en-
frentamento da questão social, posta pela equívoca estratégia de redução da
pobreza, pela focalização nos pobres, pela seletividade do grupo alvo, nos
programas de combate à pobreza, nas ações dirigidas aos vulneráveis e em
“situação de risco”, de forma focalizada e seletiva.
O contexto contemporâneo modificou o modo de fazer política social,
legalizando e legitimando as parcerias com organizações da sociedade civil,
com o mercado, com a família e com os indivíduos, favorecendo o renasci-
mento do trabalho voluntário, da filantropia, em detrimento de políticas públi-
cas redistributivistas e universalistas garantidoras de direitos sociais.
O segundo, é o que se refere aos requisitos (teóricos, práticos e insti-
tucionais) para o seu exercício, ou seja, toda a problemática da formação pro-
fissional. Também reflexo da política neoliberal sobre a educação superior, as
práticas de “desregulamentação” e de “flexibilização” da educação superior
operam para degradar e aviltar a formação profissional.
Os problemas na formação profissional, apesar das Novas Diretrizes
Curriculares, ocorrem devido à precarização do ensino público, ao crescimen-
to da educação a distância (54,7% das vagas) e à educação privada de Serviço
Social (91,7% dos cursos), ou seja,com a assombrosa proliferação de cursos
privados de Serviço Social, a expansão fora de qualquer controle da educação
a distância, a precarização do ensino público,ocorrem desvios das Diretrizes
Curriculares e adoção de uma formação aligeirada, sintetizada (apostilas), sem
espaço de discussão, de participação organizada dos estudantes;ensino sem
articulação com a extensão e pesquisa; formação profissional para o mercado
e suas demandas.
Essa formação ameaça o perfil profissional generalista, criativo, pro-
positivo e crítico. Além disso, cria um Exército de Reserva na profissão com
poucas possibilidades de inserção, exceto pelo apadrinhamento.
Associado a esses fatores, acrescentam-se outros, tais como:
- A retomada do neoconservadorismo na forma de pensar, analisar e
intervir sobre a realidade, posta pela adesão aos referenciais pós-modernos

196 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE


(do efêmero, do local, das subjetividades, do cultural) nas Ciências Sociais.
Retomada marcada pelo ecletismo, apelo às subjetividades, às abordagens
psicossociais – terapêutica ou “clinicas”, sob o argumento de que certos co-
nhecimentos teóricos oferecidos na academia não permitem entender e inter-
vir na realidade.
Destacam-se, ainda, outros velhos problemas ainda presentes na pro-
fissão, como o metodologismo/tecnicismo inerente à ideia de que uma boa
técnica ou um bom arsenal metodológico pode substituir o pensar crítico, a
teoria contestadora; ou a redução da metodologia a um conjunto de técnicas
dissociadas da teoria e dos valores ético-políticos. Teoricismo a-crítico de
adesão a novas teorias que reiteram a reprodução das relações sociais presen-
tes em categorias como empoderamento, autonomia, integração, terceiro se-
tor, nova questão social, etc.Pragmatismo/imediatismo presente no cotidiano
do fazer profissional que burocratiza e rotiniza as ações, sem momento de
análises, de sistematizações, de planejamentos, dentre outros.
O enfrentamento dessas problemáticas, que dificultam a implementa-
ção do PEP de forma massiva no seio da categoria,supõe mais vontade políti-
ca organizada, fortalecimento coletivo, maior adesão, portanto, óbvia opção
pelos seus princípios, como horizonte das práticas profissionais, além da op-
ção entre as estratégias de enfrentamento da questão social, hoje tensionadas
por projetos sociais distintos, visíveis na estruturação e na implementação das
políticas sociais.
Como destaca Iamamoto (2008), vive-se uma tensão entre dois proje-
tos societários antagônicos: o da classe dominante, reflexo das atuais mudan-
ças no modelo de acumulação, com a mercantilização, a refilantropização e o
familismo no atendimento às necessidades sociais, com evidentes implica-
ções nas condições e nas relações de trabalho do assistente social; e o da
classe trabalhadora, na luta por direitos como mediação para um projeto de
emancipação humana para além do capital.
O projeto dos direitos de cidadania e humanos em bases emancipató-
rias tem caráter universal e democrático, e como parâmetro a Constituição
Federal de 1988. Aposta no avanço da democracia, fundado no princípio da
participação e do controle popular, da universalização dos direitos, garantin-
do a gratuidade no acesso aos serviços, a integralidade das ações voltadas à
defesa da cidadania de todos numa perspectiva de equidade e de justiça social.
Esse projeto requer ações voltadas ao fortalecimento dos sujeitos co-
letivos, dos direitos sociais; e a necessidade de organização para a sua defesa,
construindo aliança com os usuários dos serviços na sua efetivação, partici-

APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 197


pando dos fóruns de debates, deliberativos coletivos e outros.
O projeto da classe dominante é de inspiração neoliberal, social-libe-
ral ou neodesenvolvimentista, que subordina os direitos sociais à lógica
orçamentária;a política social à política econômica, em especial às dotações
orçamentárias, ao ajuste fiscal e, no Brasil, subverte o preceito constitucional
e desmonta as conquistas populares.Esse projeto adotado no Brasil, nos anos
1990, com sequência nos governos posteriores, que implementaram um deslo-
camento das ações governamentais públicas – de abrangência universal – no
trato das necessidades em favor da privatização, das parcerias público\privada,
e instituíramcritérios de focalização e de seletividade no atendimento dos di-
reitos sociais.
Apesar do contexto adverso, nossas respostas profissionais às inúme-
ras demandas profissionais devem ter uma direção crítica com reforço da di-
mensão ético-política da profissão, da teleologia (finalidade), do planejamen-
to e da ação. Imprimir a marca profissional nesses espaços requer o fortaleci-
mento, a legitimidade e a implementação das orientações do PEP como guia
das ações e dos objetivos profissionais, imprimindo uma autonomia relativa –
dados os limites estruturais das condições de trabalho –,mas que é possível
pela dimensão política da profissão e pela busca de pôr uma direção à ação
profissional.
Para o avanço dessa direção, é fundamental a produção do conheci-
mento no Serviço Social pela via da teoria crítica. As análises do objeto da
ação profissional (múltiplas expressões da questão social), por essa perspecti-
va teórico-metodológica, podem não apenas criar uma tradição no modo de
abordar as temáticas, mas gerar parâmetros analíticos para a intervenção so-
bre eles. Em relação à temática do envelhecimento, ainda há uma lacuna nes-
sas análises do Serviço Social, se considerarmos a direção da profissão. Mas
porque essas dificuldades na abordagem da temática, pela via da perspectiva
crítica?

Envelhecimento na perspectiva da totalidade: dificuldades na aborda-


gem a partir da teoria crítica
A temática do envelhecimento, seja como campo de trabalho ou de
produção do conhecimento, é recente, considerando o crescimento da popula-
ção idosa, a elaboração de políticas públicas – Política Nacional do Idoso
(PNI) e Política Nacional da saúde da pessoa idosa, da carta de direitos (Esta-
tuto do Idoso), criação de serviços para esse público na Política Nacional da
Assistência Social (PNAS) (2004) nas proteções básica e especial, nos equi-

198 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE


pamentos ou unidades estatais municipais ou da sociedade civil e mercado,
ampliando os espaços sócio-ocupacionais do Serviço Social nessa área. Entre-
tanto, são inúmeras as dificuldades da adoção do método histórico dialético
para análise da realidade do envelhecimento humano, sendo escassas as refe-
rências, a partir dessa perspectiva, que iluminem as intervenções profissionais.
São consequências da ausência de pesquisas (CAMPOS, 2016; MIO-
TO, 2010), em especial, com a perspectiva compatível como o PEP:
A) Ações profissionais menos qualificadas para responder às deman-
das;
B) Aprisionamento em formas tradicionais de intervenção;
C) Aderência epidérmica a determinados modelos teóricos, principal-
mente ao marxista;
D) Diluição e pouca visibilidade das particularidades das ações pro-
fissionais;
E) “Migração” dos assistentes sociais em busca de referências teóricas
alheias às novas referências teórico-metodológicas da profissão pós-
reconceituação, em especial, da Gerontologia Social hegemônica.

A resultante das dificuldades de implementação do PEP da profissão


ressoa nas análises das expressões da questão social, e, com elas, as dificulda-
des de produzir conhecimentos a partir do método histórico dialético e do
trabalho profissional compatível com essa direção.
A recente conquista do Serviço Social, como campo de conhecimento
científico, e a ainda precoce produção acadêmica sobre a temática do envelheci-
mento fazem com que os pesquisadores da área busquem as produções da Ge-
rontologia Social, que não assume a direção do Materialismo Histórico Dialéti-
co na abordagem do objeto, sendo essa produção apreendida sem críticas.
Entretanto, iniciativas vêm ocorrendo no Serviço Social, nos últimos
anos, para apreender o envelhecimento na perspectiva da totalidade e formar
tradição na área, demarcando as diferenças entre essas abordagens pela via do
método histórico dialético e a gerontologia. Vale, então, destacar essas mu-
danças na apreensão do objeto de estudo.
O envelhecimento na perspectiva da totalidade social, segundo Tei-
xeira (2008) e Paiva (2014), implica romper com a homogeneização a-históri-
ca atribuída ao processo de envelhecimento e à população idosa, como se o
envelhecimento biológico e demográfico fosse uma condição unificadora e as
problemáticas sociais que atingem os trabalhadores fossem inexoráveis a toda
a população que envelhece. Uma população sem as classes, sem os diferenci-

APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 199


adores socioeconômicos, ou seja, sem relação com as condições de produção
e de reprodução da sociedade capitalista é um todo caótico, imediato, uma
mera aparência fenomênica, que,tanto com as categorias mais simples quanto
com as complexas, é possível resgatar as mediações e as determinações, tor-
nando-se um todo rico de determinações ou síntese de múltiplas determina-
ções, um todo pensado, o verdadeiro ponto de partida, embora não sendo dado
a ver, nesse início da partida, se não por meio da análise mediante método
histórico dialético.
Como destaca Faleiros (2014), ao se falar em envelhecimento, é pre-
ciso olhar a complexidade desse campo e suas múltiplas determinações nas
relações com a demografia, as perdas biológicas, os diferenciadores culturais
(gênero, etnia, raça, regionais, geracional), os aspectos econômicos, sociais e
psicológicos, as trocas em diversos âmbitos (família, amigos, gerações, cultu-
ra), dentre outros. Abordar essa temática numa dimensão de totalidade é a
especificidade do modo de investigar cientificamente o tema, a partir do cam-
po do Serviço Social, das ciências sociais aplicadas, e um diferencial em rela-
ção às abordagens gerontológicas como campo hegemônico.
Na visão gerontológica crítica, o envelhecimento é um processo biop-
sicossocial, todavia, a maioria das análises que partem dessa dimensão não
consegue mostrar como esses elementos se relacionam e quais os determinan-
tes da sua condição social. O envelhecimento, na perspectiva da totalidade, no
Serviço Social, parte de um pressuposto que a condição de classe é aquela
capaz de fazer certas homogeneizações dentro de uma mesma classe, pela
vivência de situações de vida e de trabalho em comum, e diferenciar entre as
classes e entre frações de classe, além disso, outros diferenciadores tornam
esse envelhecimento bastante diversificado e plural.
O envelhecimento é um processo que é resultado da vida individual e
social, profundamente marcado pelas desigualdades sociais – de classes (e
nos seus segmentos de classes), gênero, raça, etnia, regionais, dentre outras.
Nessa dimensão, não é totalmente singular, antes, ao contrário, tem particula-
ridades que o ligam à totalidade. Mas, ao mesmo tempo, não é um todo amor-
fo ou homogêneo, sem diferenças ou antagônico, trata-se de uma unidade na
diferença e com diferenças.
O envelhecimento biológico tem aparência de naturalidade e de uni-
versalidade, implica deterioração ou diminuição da capacidade funcional, mas
esse é vivido de forma diferenciada e influenciado por determinantes genéti-
cos, comportamentais, econômicos, políticos, sociais, familiares e de percep-
ção de si e do mundo. Até mesmo o envelhecimento demográfico, etário, me-

200 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE


dido pela longevidade e pela expectativa de vida, é vivido, experimentado de
forma variada entre sociedades, países, regiões e entre as classes sociais.
Nesse sentido, analisar o envelhecimento na perspectiva da totalidade
implica em desconstrução das categorias “velhice, envelhecimento, longevi-
dade” como homogêneas, por critérios a-históricos, considerando-se a desi-
gualdade, a heterogeneidade e a diversidade social, cultural, biológica e psi-
cológica do processo, ou seja, os pesquisadores devem levar em consideração
as condições de produção e de reprodução na ordem do capital, capazes de
explicar as relações entre singularidade, particularidade e totalidade no modo
como se envelhece, em especial, conforme as classes sociais e outros demar-
cadores de diferenças e de desigualdades.
Todavia, o Serviço Social, ao invés de reconstruir suas perspectivas
de análise – a partir de crítica às abordagens que não conseguem sair da ime-
diaticidade do fenômeno –, pelos limites do método adotado, vem se funda-
mentando na literatura gerontológica sem críticas. Esse elemento contribui
para as dificuldades na efetivação do PEP ou para sua adesão epidérmica,
superficial, sem fazer dele o guia mestre da produção do conhecimento e da
intervenção social. Esses problemas internos se somam aos problemas gera-
dos conjunturalmente e estruturalmente pelo modelo de acumulação capitalis-
ta, descrito na seção anterior, que atinge seus objetivos e a formação profissi-
onal.
Mas, então, quais seriam as tendências na produção do conhecimento
em Serviço Social acerca da temática do envelhecimento? Essas dificuldades
inviabilizariam a criação de uma tradição crítica na abordagem da temática?
Que contribuições essa produção vem dando à formação e ao trabalho profis-
sional?
Para averiguar o modo como o Serviço Social aborda a temática do
envelhecimento, verificando tendências, direções e contribuições ao debate
profissional, analisaremos os 56 trabalhos aprovados e apresentados no XV
Congresso Brasileiro de Assistente Sociais, de 2016.

Principais tendências na produção sobre a temática envelhecimento no


CBAS de 2016
Foram aprovados 56 trabalhos no eixo do envelhecimento. Desse to-
tal, conforme Tabela 1, 83,9% são resultados de pesquisas, e apenas 16,1%
são resultantes de relatos de experiências profissionais. Esse dado mostra como
a pesquisa vem sendo assumida como uma dimensão importante do trabalho
profissional.

APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 201


Vale ressaltar que esses resultados de pesquisa não decorrem apenas
de pesquisa bibliográfica, sendo essas apenas 46,8% do total dos trabalhos,
mas decorrem de pesquisas que envolvem mais de um procedimento, como o
bibliográfico e o de campo. Isso está relacionado às capacitações via pós-
graduações, e também a necessidades do exercício profissional de sistemati-
zar dados de suas práticas e de gerar novos conhecimentos.

Tabela 1 – Tipos de trabalhos apresentados


Tipo Número Porcentagem
Relato de experiências ou 9 16,1%
sistematização do trabalho
profissional
Resultado de pesquisas 47 83,9%
Total 56 100
Fonte: Pesquisa da autora em 2016.

Tabela 2 – Tipos de Pesquisas


Número Porcentagem
Pesquisa bibliográfica/reflexão teórica 46,8%
Pesquisa de campo 53,2%
Total 100
Fonte: Pesquisa da autora em 2016.

Os temas abordados nos artigos foram diversificados e atendem às


necessidades e às demandas da pessoa idosa, como saúde e cuidados com a
pessoa idosa, que correspondeu ao tema de maior incidência –11 artigos dis-
cutiram questões relacionadas à saúde, como as doenças incapacitantes, os
cuidadores informais e familiares, a transição epidemiológica com o envelhe-
cimento, a carga que o cuidado familiar acarreta, as necessidades de apoio às
famílias cuidadoras pelos serviços públicos, dentre outros.

202 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE


Tabela 4- Temas mais recorrentes nos artigos
TEMAS NÚMERO PORCENTAGEM
1- Saúde e cuidados com a pessoa idosa 11 19,7%
2- Direitos da pessoa idosa e políticas
públicas 9 16,1%
3- Envelhecimento e serviços da
Proteção Social Básica da Assistência
Social 8 14,3%
4- Violência contra a pessoa idosa 7 12,4%
5- Envelhecimento humano 4 7,2%
6- Envelhecimento e Gênero 3 5,3%
7- Envelhecimento, movimentos
sociais e Conselhos 3 5,3%
8- Preparação para a aposentadoria 3 5,3%
9- Envelhecimento e Universidade
para a Terceira Idade 3 5,3%
10- Envelhecimento e família 3 5,3%
11- Envelhecimento e desigualdade
racial/população negra 1 1,8%
12- Envelhecimento e instituições de
longa permanência 1 1,8
Total 56 100
Fonte: Pesquisa da autora em 2016.

Os direitos da pessoa idosa, bem como as políticas públicas que os


materializam,foram a segunda temática de maior incidência nos trabalhos apro-
vados que, em geral, discutem o hiato entre os direitos reconhecidos normati-
vamente e a implementação das políticas públicas aquém das necessidades da
população. Seguida da discussão do envelhecimento e dos serviços da prote-
ção social básica da Assistência Social. Oito artigos abordaram experiências e
sistematizações de serviços preventivos que visam à convivência e ao fortaleci-
mento de vínculos para a pessoa idosa. Esses dois temas, somados, uma vez que
abordam políticas públicas, formam a maioria dos trabalhos, num total de 17.

APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 203


A temática da violência contra a pessoa idosa foi o quarto de maior
incidência (sete), e os artigos discutem, conceitualmente, a violência, os tipos
de violências, o perfil dos agressores e dos agredidos, medidas de proteção via
políticas e serviços, dentre outros.
Outros trabalhos (quatro artigos) discutiram o envelhecimento huma-
no, problematizando, seja pela via do crescimento demográfico dessa popula-
ção e suas implicações nas políticas sociais ou colocando a necessidade de
novas políticas e novos serviços sociais; seja pela via da crítica à homogenei-
zação pelo critério etário, destacando os inúmeros diferenciadores do proces-
so de envelhecimento. Incluem-se também outros artigos que, nessa mesma
linha de problematização, discutem o viés de gênero e de raça na diferencia-
ção das velhices.
A temática dos movimentos sociais e dos conselhos de direitos, prepa-
ração para a aposentadoria, Universidade Aberta para a Terceira Idade (Una-
ti), envelhecimento e família, cada uma com três trabalhos cada, também fo-
ram abordadas com relativa incidência.
Dentre os autores mais citados, destacam-se: Camarano, Beauvoir,
Minayo, Debert, Teixeira, Karsch, Papaléo Netto, dentre outros, a maioria teóri-
cos da Gerontologia, considerando a escassa literatura no Serviço Social. Evi-
denciam-se: Teixeira, Paiva, Faleiros e Goldman, que despontam como referên-
cias nessa área do Serviço Social, com produções em perspectiva crítica.

Tabela 5 – Autores mais citados nos artigos

AUTORES QUANTIDADE DE VEZES CITADOS


CAMARANO, Ana Amélia. 22
BEAUVOIR, Simone. 14
MINAYO, Maria Cecília Souza 12
DEBERT, Guita Gun 12
TEIXEIRA, Solange Maria 11
KARSCH, Úrsula M. 08
BERZINS, Marília. 07
PAPALÉO NETTO, Matheus 06
PAIVA, Sálvea Campelo 05
MOTTA, Alda Britto da 05

204 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE


GOLDMAN, Sara Nigri 04
NERI, Anita Liberalesso 04
MORAGAS, Ricardo M. 04
CALDAS, Cecília Pereira 03
HADDAD, Eneida G. de M. 03
VERAS, Ricardo 03
LOBATO, Alzira Tereza G. 03
PEIXOTO, Clarisse Ehler 02
FALEIROS, Vicente de Paula 02
BOSI, Ecléa 02
SALGADO, Marcelo Antonio 02
ALCANTARA, Adriana de O. 02
Fonte: pesquisa da autora em 2016.

Principais tendências apontadas no debate


A literatura concernente ao Serviço Social a cerca da temática em evi-
dência neste trabalho é expressiva e significativa, apesar de incipiente com
relação à direção do PEP da profissão, em antagonismo à boa parte da literatu-
ra gerontológica hegemônica. Em função disso, podem-se apontar perspecti-
vas críticas nesse debate, tais como:
1- Problematização da temática do envelhecimento denunciando a
homogeneização a-histórica pelo critério da idade cronológica, desta-
cando outros demarcadores de desigualdades e de diferenças no enve-
lhecer humano;
2- Abordagem diversificada e abrangente das várias questões que per-
passam o envelhecimento contemporâneo (cuidado, família, depen-
dência, políticas públicas, direitos, movimentos sociais, dentre outras);
3- Abordagem crítica ao descompasso entre direitos dos idosos, as
normativas/legislações das políticas sociais e sua efetivação no coti-
diano, aquém do normativo;
4- Críticas ao cenário econômico-político contemporâneo, da orienta-
ção neoliberal e os entraves e desmontes das políticas públicas;
5- Crítica à responsabilização familiar pelo cuidado dos idosos com
parcos suportes das políticas sociais e das equipes interdisciplinares;

APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 205


6- Identificação de inúmeras possibilidades de trabalho profissional
do assistente social na área do envelhecimento e nos serviços das po-
líticas públicas: Centro de Referência da Assistência Social (CRAS),
Centro de Referência Especializado da Assistência Social (CREAS),
Instituições de Longa Permanência (ILPs), Centros de Convivência,
UNATIs, Hospital-Dia, empresas públicas ou mistas com Programas
de Preparação para a Aposentadoria (PPAs), dentre outros;
7- Ênfase para o suporte oferecido pelas políticas públicas e pelas
equipes multidisciplinares ao idoso dependente e aos cuidadores;
8- Análise das violências contra o idoso, no âmbito familiar e domés-
tico, como expressões da questão social e como campo de intervenção
profissional;
9- Análises dos idosos como sujeitos políticos, com participação em
movimentos sociais e nos conselhos de direitos;
10- Crítica à invisibilidade e aos estigmas em torno da sexualidade no
envelhecimento e da incidência da AIDS entre pessoas idosas;
11- Problematização da temática do envelhecimento a partir dos da-
dos demográficos e do aumento da longevidade.

Lacunas ou ausências no debate


Em que pese apontar tendências positivas no debate e que se encami-
nham na direção da profissão, ainda há muitas lacunas, debilidades, ecletis-
mos nas abordagens, dentre as quais, destacamos:
1- Número restrito de trabalhos assumem, intencionalmente a pers-
pectiva teórico-metodológica marxista ou uso do método histórico
dialético na abordagem da temática;
2- Artigos com incipiente fundamentação teórico-metodológica e es-
cassa revisão de literatura;
3- Estudos descritivos e pouco analíticos;
4- Artigos que se fundamentam estritamente nas legislações sociais
das políticas sociais;
5- Falta de criticidade ao utilizar a literatura da Gerontologia;
6- Falta de análises que destaquem as contradições das políticas soci-
ais e de seu desenho normativo;
7- Estudos que reforçam o cuidado pela família como espaço de amor,
afeto, cuidado sem destacar as contradições e as restrições de funções;
8- Restritas discussões, e pouco aprofundadas, sobre a atuação do as-
sistente social na área do envelhecimento, geralmente no último item
do artigo;
206 APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE
9- Problematização do envelhecimento pelos dados demográficos, que
podem ser utilizados em duplo sentido: i- para ressaltar os custos do
envelhecimento, a sobrecarga e a falência do sistema de proteção so-
cial público; ii- para ressaltar a necessidade de políticas públicas e de
cuidados especiais;
10- Singularização/individualização no modo de abordar o envelheci-
mento.

Desafios à Formação e ao Trabalho Profissional do Assistente Social


Diante das lacunas, são muitos os desafios tanto à formação profissi-
onal quanto ao trabalho profissional. Dentre eles, evidenciamos:
1-Trabalhar dialeticamente a temática, mediante a relação entre totali-
dade, particularidade e singularidade, de modo a superar a singulari-
zação/individualização e a universalidade a-histórica que homogeneí-
za;
2- Trabalho interdisciplinar nas equipes de saúde e de assistência so-
cial, em todos os níveis de proteção social que oferecem (básica e
especial), na garantia dos direitos;
3- Atendimento integral e intersetorial, considerando ser o envelheci-
mento um processo multidimensional marcado por desigualdades so-
ciais, de gênero, de raça, e diferenças conforme múltiplos fatores;
4- Criar uma tradição no modo do Serviço Social abordar cientifica-
mente o envelhecimento, compatível com os direcionamentos do Pro-
jeto Ético-Político do Serviço Social que sirva de fundamentação aos
novos estudos e ao trabalho profissional.

Contribuições do debate à formação e ao trabalho profissional


Apesar de algumas lacunas que ampliam os desafios, essa produção
também traz contribuições que podem incidir na formação e no trabalho pro-
fissional, considerando os esforços recentes na área para a superação da inci-
piente produção científica, que já incide nesses artigos. Dentre tais contribui-
ções, ressaltamos:
1- Contribuições com o campo de estudos e com pesquisas sobre o
envelhecimento numa perspectiva crítica, destacando suas dimensões
biopsicossociais e outros demarcadores de diferenças e de desigual-
dades no modo de envelhecer da população;
2- Trabalho profissional na perspectiva da garantia dos direitos da

APROXIMAÇÕES E ENSAIOS SOBRE A VELHICE 207


população idosa, do acesso às políticas públicas, mediante progra-
mas, projetos e serviços diversos para atender suas necessidades e
demandas;
3- Contato direto com as múltiplas demandas da pessoa idosa, podendo
sistematizá-las e fundamentar a criação de novos serviços e projetos de
intervenção do profissional de Serviço Social e outros da equipe;
4- A intervenção profissional como parte das respostas do poder pú-
blico às múltiplas expressões da questão social que atingem a vida dos
idosos, logo, de reponsabilidade do Estado, mediante atendimento
profissionalizado, técnico nas unidades públicas ou nos domicílios
dos idosos;
5- Criação de programa, projetos e serviços a partir das demandas
sistematizadas, para atendê-las numa perspectiva de cidadania garan-
tida pelo Estado;
6- Materialização da intersetorialidade nos seus processos de trabalho.

CONSIDERAÇÔES FINAIS
Sobre a temática do envelhecimento, o ponto de partida do Serviço
Social é a pergunta: afinal, de que idoso se está falando? Pois este é o caminho
para visualizar os demarcadores opressores que geram desigualdades e dife-
renças no modo como se envelhece. Nesse sentido, a classe social assume a
centralidade como elemento explicativo dessas desigualdades e heterogenei-
dades que, somadas a outras categorias como gênero, raça e etnia, agem con-
juntamente e se constroem mutuamente, sendo um entrecruzamento de dife-
renciações sociais como processos múltiplos que conformam as desigualda-
des. Todavia, o método histórico dialético ajuda não apenas a superar as ho-
mogeneizações a-históricas, os universalismos e os essencialismos, mas tam-
bém as individualizações e as singularizações desarticuladas da totalidade
social, além de permitir a produção do conhecimento compatível com o PEP.
Todavia, apesar de hegemônica, essa direção social posta pelo PEP
sofre ataques constantes, ameaças na sua implementação, seja pela adesão
epidérmica de muitos profissionais a esses valores e à perspectiva teórico-
metodológica, ao ecletismo, ao avanço do neoconservadorismo dos referenci-
ais pós-modernos, seja pelo movimento conjuntural e estrutural da atualidade
capitalista, uma ofensiva político-ideológica contra a classe trabalhadora que
a atinge de forma objetiva e subjetiva, alcançando também o Serviço Social,
nas condições de trabalho, de contratação, mas também nos seus objetivos
profissionais e na sua formação profissional.

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Isso explica as dificuldades na abordagem da temática do envelheci-
mento a partir do método histórico dialético, da incipiente literatura crítica na
área e a busca sem críticas de estudos da Gerontologia Social.
A produção apresentada no XV CBAS, de 2016, expressa esses pro-
blemas e essas dificuldades na abordagem da temática, mas apresentando ten-
dências de mudanças, embora ainda tímidas.

REFERÊNCIAS
BRASIL. Código de Ética do/a Assistente Social.Brasília: CFESS, 1993.
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estudo científico e de prática profissional. In: TEIXEIRA, S. M. (Org.). Polí-
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2016.
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IAMAMOTO, M. V. Serviço Social e contemporaneidade. São Paulo: Cor-
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pacitação em Serviço Social e Política Social. Módulo 1. Brasília: CEAD/
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TEIXEIRA, J. B.; BRAZ, M. O projeto ético-político do Serviço Social. In:
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cações para a proteção social no Brasil. São Paulo: Cortez, 2008.

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