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Culpa Existencial

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1.

CULPA EXISTENCIAL
Ferreira (2008), apresenta a angústia como a possibilidade do ser humano de
sair da decadência, na qual se distancia de si mesmo, entregue a impessoalidade do
cotidiano. A angústia caracteriza-se como suspensão do mundo, permitindo ao
homem entrar em contato com sua singularidade. Ela aparece quando o homem tem
consciência de estar na decadência e de estar sozinho como ser-no-mundo, então,
ele estranha a sua própria condição, e tenta escapar, fugir novamente para a
tranquilidade e familiaridade dos momentos de queda. Na angústia manifesta-se o
nada, e para transcender-se ao nada, ou seja, ir de encontro à possibilidade de
apropriar-se do seu ser, com propriedade ou não, duas determinações ontológico-
existenciais se fazem necessárias ao homem: a angústia e a culpa.

Para Feijoo (2000, p. 68) enquanto a angústia provém da escolha como


possibilidade, isto é, da escolha que não foi feita, a culpa existencial “nasce da
angústia e se dá pela liberdade não exercida em sua possibilidade plena”.

A culpa, então, se constitui como um arrependimento diante de uma escolha


feita no passado, contudo esta atitude não anula a escolha, logo, a pessoa lamenta
a tomada de uma decisão que na sua concepção não seria a melhor, ou seja,
acredita que outra escolha teria consequências mais positivas em sua vida
(CANCELLO, 1991; FEIJOO, 2000). Cancello (1991) acrescenta que, ao sentir-se
culpada, a pessoa conscientiza-se de que não é impotente, que é livre para escolher
e, portanto pode mudar o curso de sua vida. Nesse caminho o “tornar-se culpável
pressupõe responsabilidade” (FRANKL, 2003, p. 152 apud MOREIRA; HOLANDA,
2010). Frankl (1993) salienta que o ser humano deve “encontrar no sentimento de
culpa motivos para mudar a si próprio para melhor e, por fim, fazer da finitude da
existência um incentivo para a realização de ações responsáveis” (ROEHE, 2005, p.
313).

A cerca da psicoterapia na perspectiva fenomenológico-existencial, Feijoo


(2000, p. 122) explica que:

Na visão existencialista, a culpa existencial caracteriza-se pelo


aprisionamento do existente aos acontecimentos passados. Assim,
não se lança para o futuro. A culpa, para Kierkegaard, se dá pelo fato
da liberdade não ter sido exercida em suas possibilidades. Para
Heidegger trata-se do débito que, sob a forma de lamentação, clama
pelo devir como ser mais próprio. O psicoterapeuta traz à tona a
expressão inautêntica, mobilizando o cliente à responsabilidade pela
escolha e, também, clarifica para este que, à medida que se lamenta,
permanece na mesma escolha.

Pompeia e Sapienza (2004) chamam atenção, na vivência concreta da culpa,


para a recorrência da palavra dever, que refere-se ao que seria o ideal de se fazer,
aquilo que seria o melhor, todavia, apresentam um outro sentido, o de dívida, e
consequentemente o de falta. Afirmam, portanto, que a culpa é inevitavelmente falta,
pois o que deveria ser feito não foi concretizado pela existência de um vão entre o
sonho e a realidade. Os sentimentos daquele que se sente culpado aparecem da
seguinte forma:

Deveria ter tido mais cuidado, coragem, compaixão; ter sido


paciente, menos violento, menos complacente; ter avaliado melhor a
situação, lutado mais, exigido menos, exigido mais, procurado mais
informações. Enfim, lido sempre, de um lado, com o que fui capaz de
ser e, de outro, com o que sinto que gostaria de ter sido capaz de
ser. Uma coisa se efetivou e outra era meu sonho (POMPEIA;
SAPIENZA, 2004, p. 95).

Considerando a culpa no sentido de dívida, Boss menciona que “todos os


sentimentos de culpa baseiam-se neste ficar-a-dever. Ficar-a-dever que é, se os
senhores quiserem, a culpabilidade existencial do ser humano” (1988, p.39 apud
TEIXEIRA; NETO, 2009, p. 1)
Retirar a culpa, dizer que a culpa não pertence àquela pessoa, seria retirar
dela a tarefa de responder por suas ações, desse modo, afirmando-a como incapaz
e impotente frente a sua própria vida, mostrando que em relação a própria vida nada
pode fazer, nem mesmo sonhar, é por fim, não considerá-la como um ser humano
significativo (POMPEIA; SAPIENZA, 2004).

Em A Coragem do Ser, Paul Tillich (1992) traz a culpa como uma ameaça do
não-ser (inerente ao ser) contra à autoafirmação moral do homem, entendendo que
o sentimento de culpa é a consciência da incerteza profunda entre o bem e o mal.
Nesse sentido,

O juiz que somos nós mesmos, e que se coloca contra nós mesmos,
o que "sabe com" (consciência) tudo que fazemos e somos, faz um
julgamento negativo, sentido por nós como culpa […]. Está presente
em cada momento da auto consciência moral e pode levar-nos à
completa autorrejeição, para o sentimento de estar condenado —
não a um castigo externo, mas ao desespero de haver perdido nosso
destino. (p. 43)

A superação da ansiedade da culpa é chamada por Tillich (1992) de coragem


de confiança, trata-se de uma auto-afirmação apesar da culpa, remetendo-se a
atitude de aceitar a aceitação, isto é, embora a pessoa se sinta inaceitável, ela é
aceita, é perdoada por algo que transcende o seu próprio eu, cabendo a ela aceitar
esse perdão, o que não significa que a culpa é negada, pelo contrário, a culpa é
incorporada à sua auto-afirmação.

No que diz respeito à possibilidade do ser humano de assumir sua culpa, ou


seja, de responsabilizar-se por suas escolhas, Fukumitsu (2009, p.42) exemplifica:

Ficava realmente brava quando comprava um sapato caro, bonito e


desconfortável, que me fazia bolhas. O grande problema é que a
direção da minha braveza era para o “inocente” calçado, que não
poderia obviamente responder à culpa que depositava nele. Percebi
então que eu, somente eu, sou responsável pelos sapatos que
compro e, sobretudo, quando e como usá-los. A regra é: “não quero
mais usar sapatos apertados”. Sendo assim, desejo enfatizar que “o
não querer” é o segredo das escolhas. Eu é o princípio da identidade,
singularidade, e querer ou não querer refletem quem somos e como
apoderamos da da nossa singularidade, ou seja, o querer significa
escolha – essência da liberdade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CANCELLO, L. A. G. O fio das palavras: um estudo de psicoterapia existencial. São


Paulo: Summus, 1991.

FEIJOO, A. M. L. C. A escuta e fala em psicoterapia: uma proposta fenomenológico-


existencial. São Paulo: Vetor, 2000.
FERREIRA, A. M. Culpa e angústia em Heidegger. Cogito. Salvador, v. 4, 2002.
Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid=S1519-
94792002000100012&script=sci_arttext. Acesso em: 22 ago. 2012.

FUKUMITSU, Karina Okajima . Não Quero mais Usar Sapatos Apertados. A Plural -
psicologia em revista. São Paulo, p. 40-42, nov. 2009.

MOREIRA, N; HOLANDA, A. Logoterapia e o sentido do sofrimento: convergências


nas dimensões espiritual e religiosa. Psico-SF. São Paulo, v. 15, n. 3, p. 345-356,
set./dez. 2010. Disponível em:
http://espiritualidadesentido.yolasite.com/resources/Logoterapia%20e%20Sentido
%20do%20Sofrimento.pdf. Acesso em: 24 ago. 2012.

POMPEIA, J. A.; SAPIENZA, B. T. Na presença do sentido: uma aproximação


fenomenológica a questões existenciais básicas. São Paulo: EDUC; Paulus, 2004.

ROEHE, M. V. Revendo idéias de Viktor Frankl no centenário de seu nascimento.


Revista Psico. Porto Alegre, v. 36, n. 3, pp. 311-314, set./dez. 2005. Disponível em:
http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/revistapsico/article/viewFile/1402/110
2 . Acesso em: 24 ago. 2012.

TEIXEIRA, F. F. A angústia e a culpa na relação familiar. Revista de Psicologia. Belo


Horizonte, v. 2, ago. 2009. Disponível em:
http://psicologianpa.files.wordpress.com/2012/08/pdf-e2-15.pdf. Acesso em: 23 de
ago. 2012.

TILLICH, P. A coragem do ser. 5. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.

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