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Teatro de Sombras

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Processos de criação no teatro de sombras

contemporâneo

Fabrizio Montecchi
Teatro Gioco Vita (Piacenza/Itália)
Tradução: Cia. das Traduções Ltda (Joinville/SC).

Figura 1 - Espetáculo: Donna di Porto Pim (Lady of Porto Pim). Direção e encenação:
Fabrizio Montecchi. 2013. Co-produção: Teatro Gioco Vita (Itália) / Théâtre de Bourg
en Bresse (França). Foto: Serena Groppelli.
Figura 2 - Espetáculo: Donna di Porto Pim (Lady of Porto Pim). Direção e encenação:
Fabrizio Montecchi. 2013. Co-produção: Teatro Gioco Vita (Itália) / Theatre de Bourg
en Bresse (França). Foto: Serena Groppelli.
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DOI: http://dx.doi.org/10.5965/2595034702212019278

Resumo: Existe uma forma específica de escrita e direção de palco para o teatro de
sombras contemporâneo? Quais são os processos envolvidos na criação? Qual é o pa-
pel do diretor na concepção e produção de teatro de sombras? Estas são algumas das
questões tratadas por Fabrizio Montecchi, de acordo com sua prática em direção teatral
que vão de encontro às principais características do teatro de sombras.

Palavras-chave: Processos de criação. Direção. Diretor. Sombra. Teatro das Sombras.


Transmissão.

Abstract: Is there a particular form of stage writing and direction for contemporary
shadow theatre? What are the processes involved in creation? What is the director’s
role in designing and directing in shadow production? These are some of the ques-
tions that are dealt by Fabrizio Montecchi, according to his theatrical practice and his
directing work and which falls within the merits of the most characteristic features of
the shadow theatre.

Keywords: Creation processes. Direction. Director. Shadow. Shadow Theatre. Trans-


mission.
Revista de Estudos sobre Teatro de Formas Animadas

Preâmbulo
Quais são os processos subjacentes à criação de uma produção
contemporânea de teatro de sombras e como eles são transmitidos?
Posso responder a essa pergunta como ator/diretor ou pedagogo.
Qual é a diferença entre essas duas visões? Qual das duas é mais
eficaz no que se refere à transmissão?

O depoimento do artista sempre desperta um certo interesse,


pois representa o atestado de uma jornada de anos de trabalho e
experiências de vida; experiências estratificadas e consolidadas em
uma prática, onde é difícil distinguir a fronteira entre técnica, lin-
guagem e poesia. Desta perspectiva, minha resposta tem a ver com
minha personalidade. Meus processos criativos hoje são baseados,
inevitavelmente, em quarenta anos de experiência e se inspiram em
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um enorme tanque de memórias acumuladas. Qualquer que seja o


procedimento que eu adote agora, este é positivamente condicionado
pela meu histórico de experiência pessoal e artística, e isso o torna
inútil para outras pessoas. Imagine uma ideia que tive graças a uma
intuição trinta anos antes e que nunca desenvolvi. Como isso pode
ser um modelo de procedimento transmissível? Ou uma ideia que
se forma graças ao trabalho de mais de vinte anos com colegas de
profissão, Quão transmissível isso pode ser? Com certeza, história
e processos criativos “pessoais” podem ser muito emocionantes e
causar um tipo de fascínio que pode levar a formas positivas de
emulação. Mas será que são realmente úteis para a transmissão de
processos criativos eficazes? Eu duvido muito.
A personalidade de um diretor, como qualquer outro artista,
não pode ser transmitida: ela é resultado de uma biografia muito
rica e de uma visão subjetiva do mundo. No entanto, acho que a
prática como diretor, como qualquer outra prática artística, pode ser.
Certamente, uma separação deve ser feita entre a prática de direção
e a direção, e ser capaz de filtrar o que pode se tornar um método
que pode ser transmitido a outros, um procedimento aplicável por

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outros. O próprio artista às vezes pode fazer essa síntese, às vezes
ela é realizada por seguidores ou estudiosos.
Sempre tive prazer e interesse em entender as implicações teó-
ricas do meu trabalho, as razões por trás dele e os princípios que
o governam. Isso me levou a assumir a posição do pedagogo. As
respostas que posso oferecer a partir dessa posição são independen-
tes da minha personalidade e são o resultado de um esforço para
racionalizar meu trabalho criativo obtido pelo distanciamento do ego
do diretor. Comecei com os procedimentos que normalmente uso e
tentei filtrar o que pode ser compartilhado e assumido “por outros”.
No teatro das sombras, como em todo o teatro, pode-se prescin-
dir de um diretor, mas não de uma direção. Ela pode ser anônima ou
coletiva, mas está sempre lá. Porque o teatro, e, portanto, também
o teatro de sombras, não pode prescindir de alguma organização do
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tempo e do espaço, de uma implementação de ações e movimentos,


de uma composição de imagens e sons, de um desenvolvimento de
estruturas cênicas e dramatúrgicas.
É verdade que a direção pode coincidir inteiramente com o
diretor demiurgo, para ser um ato autoral individual; mas não é
isso que me interessa, porque, como já disse, uma personalidade
não é transmissível. Em vez disso, o que me interessa é: a direção
pretendida como um conjunto de procedimentos e metodologias
usados para conceber e realizar um espetáculo. Direção como um
processo (e não como resultado) que acompanha todas as fases da
criação: da concepção ao design, do cenário aos ensaios. Então, eu
só estou interessado em: o diretor como o principal intérprete de um
processo. Existem diretores que inventaram procedimentos, outros
os utilizaram fazendo modificações, outros apenas os utilizaram.
Escolher “atuar como” diretor (e não “ser” um) significa propor a
um grupo de colaboradores um processo de design entre os muitos
possíveis e, com isso, tentar obter determinados resultados artísticos.
É por esta razão que estou convencido de que direção é algo
que pode ser ensinado.
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Um processo para o teatro de sombras contemporâneo


Dito isto, agora estou tentando provar meu argumento. O que
pode ser um processo que nos acompanha e nos guia na criação de
uma produção contemporânea de teatro de sombras? Eu enfatizo o
“contemporâneo” porque, se falássemos sobre formas tradicionais,
nada do que eu direi a você teria valor. Nas diferentes tradições tudo
é codificado e, portanto, as perguntas que proponho para você já
têm respostas que nunca são questionadas.

A particularidade do teatro de sombras contemporâneo


Assim, vamos entrar nas particularidades do teatro de sombras
e nas perguntas que podemos e devemos fazer para determinar um
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processo que nos levará a criar uma produção no teatro de sombras.


Esse processo consiste em duas fases: a fase de concepção e a fase
de implementação. Por concepção (ou design), quero dizer tudo
o que acontece antes do início dos ensaios, com o desenvolvimen-
to de todos os componentes individuais que contribuirão para a
construção do trabalho final. Por implementação (ou preparação),
refiro-me à construção e montagem final de todos os componen-
tes, ensaios incluídos. Coincidir a direção com a ação do diretor
demiurgo muitas vezes nos faz esquecer que essas duas fases po-
dem ser realizadas por diferentes sujeitos. Essa prática é muito
frequente no cinema, mas rara no teatro dramático. É usada por
muitas companhias no teatro de sombras, assim como no teatro
de marionetes em geral. No caso do teatro de sombras, acredito
que um diretor que não conhece suas técnicas e práticas não pode
conceber um espetáculo, mas pode dirigi-lo na fase de realização.
De fato, um espetáculo de sombras contemporâneo, mesmo que
provenha de um texto escrito, não pode se basear exclusivamente
na dramaturgia textual, porque muitos são os outros elementos que
influenciam a definição da sua forma final. Para sua encenação,

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qualquer texto deve ser absolutamente adaptado e isso só pode ser
feito por quem conhece os mecanismos. É necessário ir além da
dramaturgia tradicional e ativar processos capazes de garantir o
controle e o gerenciamento, em todos os níveis, de todo o processo
de criação. Processo que leva em consideração todas as práticas do
palco e permite a implementação simultânea de todos os aspectos
relacionados ao design de um espetáculo. Até as luzes, as técnicas
de manipulação, a música - apenas para citar alguns - participam
ativamente da definição de um texto. Se, por exemplo, eu uso sombras
obtidas com formas e corpos humanos no mesmo show, tenho que
atribuir-lhes papéis dramatúrgicos diferentes. Quando e por que
uso um ou outro? O mesmo se aplica se eu usar bonecos de sombra
opacos ou coloridos, ou se eu decidir usar aparelhos projetivos na
frente ou atrás da tela. Qualquer escolha que eu faça durante todo
o processo de criação reflete sobre a escrita e a condiciona, pois é
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difícil separar as escolhas e proceder de forma compartimentada.


Para isso é necessário ativar um processo que leve em consideração
todas essas contribuições. Somente dessa maneira seremos capazes
de gerenciar a complexidade inerente à criação, tanto na fase de
concepção quanto na de implementação.
O que vou falar agora se refere à fase inicial, a que chamei de
fase da concepção, porque não tenho tempo suficiente aqui para
expor todo o processo.
Eu a divide em passagens que correspondem a tais perguntas:
1. Qual é o texto? (seja um texto escrito, uma ideia, uma
música, etc.)
2. Quais são as “premissas” dramatúrgicas?
3. Qual é a função da sombra?
4. Quais são os papéis da sombra, do ator e do objeto?
5. Quais são os aparelhos projetivos e técnicas de animação?
6. Quais são os papéis dos outros materiais colocados em cena
(cenografia, figurinos, luzes, música, etc.)?
Vou me concentrar nas perguntas 3, 4 e 5, que dizem respeito a
aspectos específicos do teatro de sombras. As respostas que daremos
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a essas perguntas constituirão os princípios fundamentais sobre os


quais construiremos nossa produção.
Deve-se dizer, para evitar dúvidas, que um processo criativo
raramente é linear, ou seja, executa sempre as etapas na mesma or-
dem. Às vezes pode acontecer que o ponto de partida seja nocivo,
como a escolha da aparelhagem projetiva ou uma ideia específica
do ator, que afete a atribuição de papéis ou a função da sombra.
Isso não significa que essas perguntas sejam inevitáveis e que
temos, mais cedo ou mais tarde, a obrigação de fazê-las.

Exemplo de um processo: Donna di Porto Pim


Para entender melhor como elas podem se tornar o mecanis-
mo de um processo criativo, proponho que você comece com um
exemplo preciso: a produção Donna di Porto Pim.
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Donna di Porto Pim, é baseada em um conto de cerca de dez


páginas, do escritor italiano Antonio Tabucchi, incluído nesta
coleção com o mesmo nome (mostrar o livro). Um pequeno livro
inteiramente dedicado às Ilhas dos Açores, com histórias de nau-
frágios e baleias, amores e traições.
Quais foram as premissas dramatúrgicas? Decidi considerar o
texto na íntegra e respeitar sua estrutura narrativa.
O que isso significa? O texto está escrito em primeira pessoa:
o protagonista conta a história de sua vida ao escritor, sobre o que
aconteceu com ele nos primeiros vinte anos de sua vida, cerca de
35 anos antes (ler uma parte?). Dessa forma, na história, existe o
“presente” onde Lucas conta ao escritor sobre sua vida e o “passado,”
no qual os eventos narrados estão acontecendo. Existem também
vários locais, apesar de todos estarem em Fajal, uma ilha nos Aço-
res. A taberna, onde o protagonista e o escritor se encontram no
presente, e depois há os lugares onde os eventos ocorreram: o mar,
a baía de Porto Pim, a taberna, a casa dele, etc.
É óbvio que, quando se entra em contato com um texto, a
cabeça se enche de imagens e sugestões, ideias e sensações. Além

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disso, muitas vezes, existem condições de produção impostas que,
neste caso, eram: não mais que um ator. O texto respondeu bem à
essa limitação e eu também o escolhi por esse motivo.
Qualquer processo que usamos deve combinar as condições
obrigatórias e ideias arraigadas e ajudar a traduzi-las em uma ideia
coerente para uma produção.

A função da sombra
A primeira pergunta que devemos sempre nos perguntar é:
qual é a tarefa específica e peculiar que atribuímos à sombra? Qual
é a sua função cênica?
Também poderíamos nos perguntar, simplificando, por que
usamos a sombra? A pergunta pode parecer trivial e a resposta óbvia,
tratando-se de um teatro de sombras, mas não é. Por duas razões:
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1) O teatro de sombras é usado não apenas por aqueles


que, como eu, decidiram torná-lo uma opção de estilo de vida
e se expressar apenas através dele, mas também por aqueles
que o adotam para uma necessidade precisa e contingente.

2) As funções que a sombra pode executar em um espetáculo


podem ser múltiplas e dizem respeito tanto à encenação quanto à
dramaturgia.

É necessário entender a função específica atribuída à sombra,


a fim de melhor orientar o trabalho de escrever e identificar as
técnicas e práticas a serem adotadas na montagem.

A) Há espetáculos nos quais a sombra é usada exclusivamente


como técnica de representação. A sombra é escolhida porque suas
técnicas e práticas oferecem excelentes soluções para problemas
complexos de representação ou para situações dramatúrgicas parti-
culares (um sonho, uma lembrança, etc.). Se um texto, por exemplo,
diz respeito a um tópico mitológico ou a um conto de fadas, as
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técnicas da sombra podem me ajudar a dar uma forma cênica a um


universo cheio de mudanças de tempo, lugar e personagens.
É o caso mais comum e mais difundido no teatro de sombras
e entre aqueles que usam sombras em outros gêneros teatrais.

B) Há também espetáculos em que a sombra, assim como o


objeto de representação, também é o sujeito. Espetáculos onde as
sombras são usadas para falar sobre a sombra, onde as técnicas das
sombras servem a um propósito ontológico e não narrativo, onde
são elas mesmas o conteúdo da narrativa. Esta categoria geralmente
se aplica a experiências e performances radicais (como em Il Corpo
Sottile e Preludes do Teatro Gioco Vita ou Light de Moussoux-Bonté)
e são uma reflexão sobre as práticas do teatro de sombras.
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Por esse motivo, é uma categoria raramente visitada, tanto


pelas dificuldades objetivas que envolve, quanto pelo risco de cair
em uma espécie de solipsismo das sombras que é bastante limitante
para o teatro de sombras.
C) Há também espetáculos em que a sombra, usada como
técnica de representação a serviço de uma “outra” história, também
é adotada por sua dimensão ontológica e metafísica, que serve à
dramaturgia e interpretação do texto. Se você fizer uma montagem
de Alice no País das Maravilhas, por exemplo, o mundo fantástico
de Lewis Carroll encontra uma tradução adequada tanto nas téc-
nicas como na metafísica da sombra (por exemplo, quando Alice
muda de tamanho).
Esse é um tipo de abordagem em que não há atribuição rígida
ou a priori à função da sombra, mas esta fica subordinada às neces-
sidades e sugestões do texto que queremos representar. A sombra
pode, portanto, variar em função de montagem para montagem,
tornando-se, além de ferramenta técnica, também expressão de
conceito, evocação de memória, presença onírica e muito mais.
Estou convencido de que é precisamente o que diz respeito à

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função assumida pela sombra dentro de uma montagem que reside
a renovação do teatro de sombras, com a descoberta de novos e ori-
ginais caminhos dramatúrgicos e novas perspectivas de encenação.
Se pensarmos nessas três categorias que descrevi brevemente,
em quais delas uma peça como Donna di Porto Pim se encaixa?
Certamente a terceira. A sombra é a técnica usada para representar
os personagens (excluindo o protagonista) e os lugares da história,
mas também tem a dramática tarefa de dar forma, “evocá-los”, às
memórias do protagonista. A sombra, sendo ela própria ausência,
serve para testemunhar no palco o “que não é mais, porque tudo
já foi”, como fala o texto. A sombra torna os fantasmas de Lucas,
suas obsessões, visíveis.
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Os papéis da sombra, do ator e do corpo-objeto
Se uma função exclusivamente evocativa é atribuída à sombra, não
pode ser ela quem nos conta a história. Então, quem dentre as outras
duas presenças que compartilham a cena com ela poderiam fazer isso:
o ator (corpo animado) ou o objeto (corpo inanimado)? Essa é outra
questão importante: quem faz o quê entre sombra, ator e objeto?
Devemos nos acostumar a pensar no teatro de sombras como um
palco onde atuam três qualidades diferentes de atores que competem
pelos papéis principais. Quando falo sobre um papel, quero dizer
“a função” que eles desempenham em uma dramaturgia: quem nos
conta a história, quem se encarrega de interpretar os personagens
ou quem, na ausência de uma história, envia a ação adiante.
Pode parecer óbvio que é a sombra que desempenha o papel
principal, seguida pelo ator e pelo objeto, mas, como vemos em
Donna di Porto Pim, não devemos tomar essa hierarquia como
certa, porque o equilíbrio entre essas três qualidades de presença
é muito delicado.
Se decidirmos encenar um texto, seja dramático, poético,
épico ou literário, é importante decidir quem deve se encarregar
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deste texto. É o ator narrador ou o personagem? É a sombra de


um personagem de silhueta atrás da tela ou na frente dela? É uma
sombra corporal? De que tipo?
Cada tipo de texto apresenta problemas diferentes que podem ser
resolvidos usando as técnicas apropriadas: cada técnica de animação,
da sombra do corpo à forma, interage de maneira diferente com
a atuação, com o texto falado e com o trabalho do ator. Portanto,
devemos sempre nos perguntar ao montar um espetáculo: a quem
chamamos para falar entre os três atores diferentes no palco?
Voltando a Donna di Porto Pim, qual seria a resposta para essa
pergunta? É o ator que encena o personagem principal aqui que
nos conta toda a história. Falaremos sobre as implicações desta
escolha, assim como o papel desempenhado pelo objeto, depois
de introduzir os dispositivos projetivos e as técnicas de animação.
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Técnicas de animação e aparelhos de projeção
Para traduzir essas primeiras ideias em uma forma concreta
de teatro de sombras, devemos começar a nos perguntar questões
como: quais aparelhos de projeção usar? Quais técnicas de animação?
Agora, gostaria de fazer uma pequena digressão para esclarecer o
que quero dizer com aparelhos de projeção e técnica de animação.
Como mencionei anteriormente, se estivermos interessados em
uma forma tradicional de teatro de sombras, adotaremos o aparato
projetivo dessa tradição, juntamente com sua técnica de animação e
o artista correspondente. Se, por outro lado, entrarmos na área do
teatro de sombras contemporâneo, cabe a nós decidir qual aparato
projetivo usar e como nos relacionamos com as técnicas de animação
e o artista. Além disso, diferentemente das formas tradicionais, em
uma apresentação contemporâneo, muitos aparelhos e técnicas de
animação diferentes podem estar presentes.
Como escolhemos um aparelho de projeção ou uma técnica
de animação? Podemos fazer isso de forma prejudicial, indepen-
dentemente de qualquer outra consideração. Ou podemos começar
pelas ideias de dramaturgia, pela função da sombra e pelos papéis

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e, a partir daí, fazer nossas escolhas.
De qualquer forma, é importante fazer essas escolhas no início
do caminho, porque o universo das sombras que você deseja criar e
o espetáculo que deseja produzir dependem deles. É importante que,
no mínimo, o principal aparelho projetivo escolhido seja definido,
mesmo que de forma provisória, desde o início dos ensaios. Não
é possível iniciar os ensaios para um espetáculo de sombras sem as
fontes de luz, as telas e os corpos/objetos.
Por esse motivo é difícil pensar, no caso do teatro de sombras,
em processos criativos totalmente baseados na improvisação. É
sempre uma boa ideia ter uma fase de concepção que permita iden-
tificar as ferramentas mínimas necessárias para iniciar o trabalho
no palco. Ao contrário de outras formas teatrais, onde os ensaios
podem ser realizados mesmo na ausência do cenário e das fontes
de luz, o teatro de sombras simplesmente não funciona sem eles.
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Antes de decidir exatamente quais aparelhos e técnicas de ani-


mação usar, vale a pena compará-los com as escolhas cenográficas
e dramatúrgicas e com o papel que atribuímos às três presenças no
palco. Duas considerações gerais:
1) Os aparelhos devem sempre levar em conta o espaço ceno-
gráfico e a cenografia deve permitir a existência dos aparelhos.
2) Os aparelhos, bem como as técnicas de animação, devem ser
a tradução cênica de nossas intenções dramatúrgicas e as escolhas
feitas em relação à função da sombra e aos papéis atribuídos aos
vários atores no palco.
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Figura 3 - Espetáculo: Donna di Porto Pim (Lady of Porto Pim). Direção e encenação:
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No caso da produção Donna di Porto Pim, o cenário não era


abstrato, mas representava um lugar específico: a taberna, onde Lu-
cas e o escritor haviam se conhecido. Os aparelhos usados durante
todo o show foram os seguintes... (lista de aparelhos, começando com
a fotografia da cena).
Nesse caso, temos aparelhos na frente e atrás da tela. Os que
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estão por trás não necessitam da intervenção do intérprete e repre-


sentam um apoio prático para a ação, enquanto, no que se refere
ao significado, estão ligados à figura da mulher e da baleia.
Abaixo, no palco, temos aparelhos criados para serem usados
para projetar objetos. Estes se tornam sombra, o que não são na
realidade: mesa - rochedo, violão - corpo de mulher, cadeira - pai, etc.
As técnicas de animação, como vocês podem ver, não são con-
vencionais porque o ator move objetos e não bonecos.
Por que fazer essa escolha? Como o ator é um personagem e,
como tal, ele não pode animar como qualquer outro animador.
O papel permite que ele faça algumas coisas, mas não outras.
Por que Lucas, um personagem, deveria manipular luzes e bonecos
de sombras? Também me fiz essa pergunta e, não encontrando uma
resposta sensata, tive que inventar um estatuto meta-teatral que o
legitimava parcialmente para atuar no palco como manipulador.
A solução dramatúrgica que adotei foi trazer o escritor para o
palco. É ele quem nos leva à história e, diante de nossos olhos, ele
se disfarça e personifica Lucas. Como no ato de escrever, é o escritor
que nos faz acreditar que Lucas está falando, o que acreditamos.

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Graças a esse expediente, Lucas adquire um status meta-teatral
e pode realizar ações no palco que, de outra forma, seriam difíceis
de justificar.

Conclusão
Como este último exemplo mostra claramente, em que a
dramaturgia nos deu as respostas para os problemas relacionados
às técnicas de animação, é difícil forçar qualquer processo criativo
dentro de uma gaiola processual. A verdadeira criação artística não
vem de fórmulas ou receitas. Todos concordamos com isso, eu acho.
No entanto, isso não exclui processos versáteis que são capazes
de se adaptar a uma determinada prática ou personalidade. Não sig-
nifica dar respostas, mas transmitir a importância de fazer perguntas.
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No teatro e na arte em geral, pensa-se que fazer perguntas


limita a inspiração criativa. A criatividade, como o talento, deve
ser nutrida, e o que às vezes se acredita ser uma intuição momen-
tânea é frequentemente fruto de um longo processo de preparação
e elaboração que ocorre em nossa mente.
Eu acredito que o segredo está precisamente nas perguntas.
Perguntas que o ajudam a escolher o caminho a seguir, a questionar
tudo, a entender que uma estrada não tem saída ou que existem
outras possibilidades de desenvolvimento. É a partir de perguntas
que devemos sempre começar.
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