Aspectos Históricos Das Teorias Do Currículo: Resumo
Aspectos Históricos Das Teorias Do Currículo: Resumo
Aspectos Históricos Das Teorias Do Currículo: Resumo
Resumo
Busca-se no presente trabalho refletir acerca dos aspectos históricos das teorias do currículo. A
relevância dessa discussão é extremamente importante na análise do currículo e da prática social
desempenhada pelo mesmo, dado ao fato de que o currículo faz parte integrante do dia-a-dia
das escolas e das instituições de educação superior, e exercerá diretamente ou indiretamente
sua influência nos sujeitos que fazem parte do processo educativo e da sociedade em geral. O
problema que orientou a reflexão buscou elucidar a seguinte questão: como a estrutura
curricular influencia e determina a visão de mundo e de sociedade dos sujeitos que estão
inseridos nessa estrutura. E o objetivo dessa reflexão é fazer uma análise dos aspectos históricos
do currículo, ou seja, como em determinados períodos históricos o currículo foi concebido e
como foi influenciado pelas dimensões econômicas e culturais da sociedade. A análise se
baseou em elementos teóricos-metodológicos provenientes da pesquisa bibliográfica. Na
discussão, são contemplados os aspectos tradicionais, críticos e pós-críticos do currículo, em
consonância com os estudos elaborados por: Eyng (2007, 2013, 2015), Gomes (2008), Sacristán
(2000, 2013) e Silva (2009). A compreensão das teorias sobre o currículo é extremamente
necessária, pois, a partir dessa compreensão que poderemos perceber quais as construções
históricas que o currículo vivenciou e como essas estruturas influenciaram na construção da
educação. Em suas considerações finais conclui-se que por intermédio da análise dos aspectos
históricos das teorias do currículo, podemos indagar como as relações de poder interferem na
constituição do currículo escolar, e se esse currículo acolhe ou exclui quem dele participa. Desta
maneira, a compreensão acerca das teorias históricas do currículo é indispensável, pois, por
meio dessa compreensão perceberemos quais são os valores e hábitos que nossos currículos
induzem e perpetuam. E, somente a partir dessa reflexão, poderemos elaborar currículos
verdadeiramente inclusivos.
1
Mestrando em Educação, pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná na linha de pesquisa de História e
Políticas da Educação, com sua pesquisa voltada para temas de Democratização, Acesso e Permanência na
Educação Superior no Brasil. Possui graduação em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná
(2014), e é especialista em Antropologia Cultural pela PUC-PR (2016). E-mail: eduardo.pva@hotmail.com.
ISSN 2176-1396
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Introdução
Dessa maneira, busca-se no presente artigo compreender e refletir acerca dos aspectos
históricos das teorias do currículo e, por intermédio dessa compreensão analisar se os currículos
escolares estão promovendo uma cultura de inclusão ou de exclusão dos estudantes e suas
diversidades.
O Conceito De Currículo
Ao iniciarmos nossa discussão acerca dos aspectos históricos das teorias do currículo,
cabe inicialmente pontuarmos o que entendemos como sendo currículo. Podemos antever a
princípio da discussão, que esse conceito não é engessado em uma única definição, ao contrário,
podemos identificar nos estudos de Silva (2009), Moreira e Silva (2001) e Sacristán (2000,
2013) que os autores identificam o conceito de currículo com uma gama de definições variáveis.
Sabemos, entretanto, que popularmente o termo currículo é utilizado para designar o
programa de uma disciplina, de um curso, ou de forma mais ampla das várias atividades
educativas, através das quais, o conteúdo é desenvolvido. Sacristán (2013, p. 16) recorda que,
por vezes, tentamos fazer parecer que “o currículo é algo evidente e que está aí não importa
como o denominamos”.
Etimologicamente o termo currículo segundo Sacristán (2013, p. 16),
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[...] deriva da palavra latina curriculum (cuja raiz é a mesma de cursus e currere) [...].
Em sua origem currículo significava o território demarcado e regrado do
conhecimento correspondente aos conteúdos que professores e centro de educação
deveria cobrir; ou seja, o plano de estudos proposto e imposto pela escola aos
professores (para que o ensinassem) e aos estudantes (para que o aprendessem).
Teorias Tradicionais
Segundo Silva (2009), a teoria tradicional de currículo busca a neutralidade, tendo como
escopo principal promover a identificação dos objetivos da educação escolarizada, formando o
trabalhador especializado ou, proporcionando uma educação geral e acadêmica.
A teoria tradicional do currículo teve como principal teórico John Franklin Bobbitt
(1876-1956) que em 1918, escreveu sobre o currículo, em um momento conturbado da história
da educação nos Estados Unidos (em que, diversas forças de cunho político, econômico e
cultural queriam envolver a educação de massas de acordo com suas ideologias). De acordo
com Silva (2009, p. 23-24),
Como apontado por Eyng (2015), a tarefa dos “especialistas” do currículo era realizar
um levantamento das habilidades dos indivíduos e como os currículos poderiam desenvolver
essas habilidades. Posteriormente, os especialistas, deveriam criar instrumentos de “medição”
dessas habilidades, conceito que usualmente denominamos de avaliação. De acordo com Silva
(2009, p. 23),
[...] as teorias críticas do currículo efetuam uma completa inversão nos fundamentos
das teorias tradicionais [...]. As teorias críticas sobre o currículo, em contrate,
começam por colocar em questão precisamente os pressupostos dos presentes arranjos
sociais e educacionais. As teorias críticas desconfiam do status quo,
responsabilizando-o pelas desigualdades e injustiças sociais.
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Baseados na teoria de Marx, novos teóricos surgiram, como é o caso de Louis Althusser
(1918-1990), Pierre Félix Bourdieu (1930-2002), Jean Claude Passeron (1930), Christian
Baudelot, Roger Establet e, no Brasil o educador Paulo Freire.
Esses teóricos, pontuaram a necessidade que a sociedade capitalista tinha em reproduzir
ideologicamente suas práticas econômicas. E, para esses autores, a escola seria o lócus ideal
para que o capitalismo pudesse reproduzir essa ideologia, pois, é justamente a escola que
mantêm a população em maior número e por um prolongado período de tempo. Dessa forma,
segundo Silva (2009, p. 33),
A escola contribui para esse processo não propriamente através do conteúdo explícito
de seu currículo, mas ao espalhar, no seu funcionamento, as relações sociais do local
de trabalho. As escolas dirigidas aos trabalhadores subordinados tendem a privilegiar
relações sociais nas quais, ao praticar papéis subordinados, os estudantes aprendem a
subordinação. Em contraste, as escolas dirigidas aos trabalhadores dos escalões
superiores da escala ocupacional tendem a favorecer relações sociais nas quais os
estudantes têm a oportunidade de praticar atitudes de comando e autonomia.
A insatisfação com a escola excludente e seletiva foi expressa pela crítica advinda dos
novos movimentos sociais. Eles denunciavam a despreocupação da educação (centrada em um
currículo tradicional) com o processo de aprendizagem dos alunos, e criticavam ainda mais o
esvaziamento dos conteúdos que eram repassados sem um verdadeiro significado.
A alternativa vista por esses movimentos, foi encontrar alternativas de currículo, que
tiveram enorme influência no modo de pensar e fazer a escola na modernidade. Por isso, Eyng
(2015, p. 138) pontua que:
Para a teoria crítica do currículo, principalmente na visão de Althusser, é por meio das
disciplinas e conteúdos ensinados que a ideologia dominante transmite seus princípios e
reproduzem seus interesses e, além disso, segundo Silva (2009, p. 32),
[...] a ideologia atua de forma discriminatória: ela inclina as pessoas das classes
subordinadas à submissão e à obediência, enquanto as pessoas das classes dominantes
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A escola contribui para esse processo não propriamente através do conteúdo explícito
de seu currículo, mas ao espalhar, no seu funcionamento, as relações sociais do local
de trabalho. As escolas dirigidas aos trabalhadores subordinados tendem a privilegiar
relações sociais nas quais, ao praticar papéis subordinados, os estudantes aprendem a
subordinação. Em contraste, as escolas dirigidas aos trabalhadores dos escalões
superiores da escala ocupacional tendem a favorecer relações sociais nas quais os
estudantes têm a oportunidade de praticar atitudes de comando e autonomia.
Nessa mesma crítica a cultura capitalista escolar, Bourdieu e Passeron (afastando-se das
análises marxistas), propuseram um novo olhar acerca da reprodução social. Para os autores, a
reprodução social ocorre por intermédio da cultura, pois é precisamente por meio da cultura
dominante que ocorre o processo de homogeneização social, ou seja, os hábitos, valores, gostos
e costumes das classes dominantes passam a ser considerados como sendo “cultura”, assim
desprezam-se os hábitos, valores, gostos e costumes das classes dominadas.
Esse processo para Silva (2009, p. 35), ocorre de maneira que
[...] a escola não atua pela inculcação da cultura dominante às crianças e jovens das
classes dominantes, mas, ao contrário, por um mecanismo que acaba por funcionar
como mecanismo de exclusão. O currículo da escola está baseado na cultura
dominante: ele se expressa na linguagem dominante, ele é transmitido através do
código cultural dominante. As crianças das classes dominantes podem facilmente
compreender esse código, pois durante toda sua vida elas estiveram imersas, o tempo
todo, nesse código [...]. Em contraste, para as crianças e jovens das classes dominadas,
esse código é simplesmente indecifrável.
A educação atua dessa forma como sendo a responsável pela exclusão social,
eliminando do processo aqueles que não conseguem compreender a linguagem e os processos
culturais das classes dominantes.
Essas análises da reprodução dominantes versus dominadas, proporcionadas pela
cultura, trouxe o advento de outra concepção acerca do currículo, essa concepção ficou
conhecida como “o movimento de reconceptualização”.
Para os reconceptualistas, o currículo não poderia ser compreendido de forma
burocrática e mecânica como queriam Bobbitt e Tyler. Estratégias como a hermenêutica e a
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Currículo Oculto
Apesar de não se constituir em uma teoria propriamente dita, o currículo oculto está
presente de forma marcante no cotidiano dos processos educativos. Segundo Silva (2009, p. 78)
“o currículo oculto é constituído por aqueles aspectos do ambiente escolar que, sem fazerem
parte do currículo oficial, contribuem, de forma implícita, para aprendizagens sociais
relevantes”, ou seja, o currículo oculto é caracterizado pelas ações implícitas que permeiam as
instituições escolares.
Essas ações estão presentes, não de forma planejada, ou organizadas no currículo e é
nesse sentido que Sacristán (2000, p. 43) comenta que,
Teorias Pós-Críticas
As teorias do currículo que vieram após as teorias críticas, iniciadas na década de 1960
e 1970, são denominadas de “Teorias Pós-Críticas”.
As teorias pós-críticas trazem em seu âmago uma concepção do currículo como sendo
um currículo multiculturalista, e evidenciam as inúmeras diversidades presentes no mundo
hodierno. Eyng (2015, p. 138) destaca que,
Como apontado por Eyng (2015), o multiculturalismo aparece como uma forma de
reação ao currículo hegemônico, que privilegia a cultura branca, europeia, machista e
heteronormativa2, ou seja, a cultura da classe dominante. Para Silva (2009, p. 85), “o
multiculturalismo é um movimento legítimo de reivindicação dos grupos culturais dominados
[...] para terem suas formas culturais reconhecidas e representadas na cultura nacional”.
Esse movimento de análise e luta por um currículo mais abrangente à realidade do
mundo contemporâneo, fez surgir duas perspectivas de resistência: 1) a liberal ou humanista do
multiculturalismo e 2) a perspectiva crítica que se divide em duas vertentes que possuem
características das correntes filosóficas materialistas e pós-estruturalistas.
Na linha da perspectiva liberal (ou humanista) valores como a tolerância, o respeito e a
convivência harmoniosa entre as diferentes culturas são exaltados, “deve-se tolerar e respeitar
a diferença porque sob a aparente diferença há uma mesma humanidade” (SILVA 2009, p. 86).
No currículo crítico multiculturalista, Silva (2009, p. 89) ressalta que
2
“Por heteronormatividade, entende-se a reprodução de práticas e códigos heterossexuais, sustentada pelo
casamento monogâmico, amor romântico, fidelidade conjugal, constituição de família (esquema pai-mãe-filho
(a)(s)). Na esteira das implicações da aludida palavra, tem-se o heterossexismo compulsório, sendo que, por esse
último termo, entende-se o imperativo inquestionado e inquestionável por parte de todos os membros da sociedade
com o intuito de reforçar ou dar legitimidade às práticas heterossexuais” (FOSTER, 2001, p. 19).
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Com essa reflexão apontada por Silva (2009), as discussões acerca das relações de
gênero e sexo começaram a ganhar espaço nesses embates teóricos. O advento dos estudos
feministas, principalmente elaborados pelas teóricas estadunidenses e anglo-saxãs,
contribuíram para que o predomínio da cultural patriarcal, na qual existe uma profunda
desigualdade entre mulheres e homens, fosse questionado.
No início essa problemática estava ligada a questão do acesso, ou seja, o acesso à
educação era desigual para homens e mulheres, e dentro do próprio currículo, havia distinções
entre as disciplinas que eram consideradas masculinas e as disciplinas que eram tidas como
femininas. Com essas distinções, algumas profissões eram de exclusividades dos homens não
oportunizando de igual maneira as mulheres.
Por isso, a pedagogia feminista insistia que,
Com essas questões vindas à tona pelo movimento feminista, outras questões
começaram a surgir. As questões raciais e étnicas, as questões da diversidade sexual, a teoria
queer, e a diversidade em geral, também ganharam forças e começaram a aparecer nas teorias
pós-críticas do currículo.
Para esses movimentos pós-crítico, o currículo, necessariamente, precisa conceber a
diversidade como sendo fruto de questões históricas e políticas. O currículo deve ter um papel
primordial na desconstrução do texto considerado como oficial, questionando os valores tidos
como certos, incluindo e valorizando os valores de todos os grupos sociais, sem distinções.
Pois, como salienta Gomes (2008, p. 18),
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Considerações Finais
[...] a capacidade de conviver com a diferença, sem falar na capacidade de gosta dessa
vida e beneficiar-se dela, não é fácil de adquirir e não se faz sozinha. Essa capacidade
é uma arte que, como toda arte, requer estudo e exercício. A incapacidade de enfrentar
a pluralidade de seres humanos e a ambivalência de todas as decisões classificatórias,
ao contrário, se perpetuam e reforçam: quanto mais eficazes as tendências a
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Por isso, a compreensão das teorias sobre currículo se fazem importantes e necessárias,
pois é por intermédio dessa compreensão que poderemos perceber quais são os valores e hábitos
que nossos currículos induzem, e somente a partir dessa reflexão poderemos elaborar currículos
verdadeiramente inclusivos.
REFERÊNCIAS
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Direitos humanos e violências nas escolas: desafios e questões em diálogo. 1ed. Curitiba:
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UNAMA, 2000.