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A Crônica

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REVISTA LITTERIS No 2 ISSN: 1982-7429 www.revistaliteris.com.

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Maio 2009

CRÔNICA:
A RELEITURA DO REAL NOS FLASHES DA VIDA

Rosaly Patrício Fonseca1

Este trabalho intitulado “Crônica: a releitura do real nos flashes da vida” investiga o papel

do leitor no novo processo interativo, com base na análise do gênero crônica.

O objetivo deste trabalho de pesquisa é compreender como o leitor pode desenvolver o

prazer pela leitura por meio das crônicas, participando ativamente da construção textual

durante o processo de leitura.

Palavras-chave: Leitor, Leitura, gêneros.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho aborda o papel do leitor no novo processo interativo, com base

na análise do gênero crônica. Como fundamentação teórica, foram adotados os estudos da

Estilística, da Hermenêutica literária e da Teoria da Recepção.

São basicamente analisadas questões acerca do suporte, da forma e da função

genérica, além do contexto sócio-cultural que envolve o autor, o texto e o leitor. São

abordadas as características da linguagem literária, bem como os níveis básicos que se

mostram integrados na experiência da leitura. Esta é entendida em sua amplitude,

considerando-se a participação ativa do leitor, em pleno diálogo com o texto, que é por ele

construído em dinâmico processo de compreensão e interpretação.

O GÊNERO

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Pós-Graduanda em Letras, Centro Universitário Plínio Leite. Rosaly.pf@gmail.com

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A fim de compreender o papel do leitor no novo processo interativo, é

imprescindível analisar a relação existente entre autor/texto/leitor, considerando as

especificidades do gênero textual adotado. Desta forma, vale ressaltar que o autor constrói

seu texto dotado de uma intenção comunicativa, sendo orientado pelo suporte genérico e

deixando indícios da sua condição de ser que representa a coletividade. E, durante o ato de

ler, o leitor passa por uma experiência que envolve sensações e construção de significados,

projetando-o para suas experiências anteriores e para uma mudança em curso. Esse

processo já se inicia na percepção das características do gênero ao qual o texto se mostra

moldado, como se observa no trecho da obra O demônio da teoria:

A concretização que toda leitura realiza é, pois, inseparável das imposições


de gênero, isto é, as convenções históricas próprias ao gênero, ao qual o
leitor imagina que o texto pertence, lhe permitem selecionar e limitar,
dentre os recursos oferecidos pelo texto, aqueles que sua leitura atualizará.
O gênero, como código literário, conjunto de normas, de regras do jogo,
informa o leitor sobre a maneira pela qual ele deverá abordar o texto,
assegurando desta forma a sua compreensão. (COMPAGNON, 2001,
p.158)

Ao se adotar o gênero crônica, devemos atentar inicialmente para seu suporte. O

jornal seria seu principal veículo, embora as crônicas sejam atualmente publicadas em

revistas, em páginas da web e em livros. Sua origem no jornal esclarece suas características

estruturais, como a economia de espaço que gerou sua pequena extensão. Essa

característica, no entanto, não impede sua riqueza estrutural, bem como a liberdade do

cronista. Convém notar, também, seu hibridismo, como considera Angélica Soares, ao

descrever o gênero, no seguinte trecho da obra Gêneros literários:

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Ligada ao tempo (chrónos), ou melhor, ao seu tempo, a crônica o atravessa


por ser um registro poético e muitas vezes irônico, através do que se capta o
imaginário coletivo em suas manifestações cotidianas. Polimórfica, ela se
utiliza afetivamente do diálogo, do monólogo, da alegoria, da confissão, da
entrevista, do verso, da resenha, de personalidades reais, de personagens
ficcionais..., afastando-se sempre da mera reprodução de fatos. E enquanto
literatura, ela capta poeticamente o instante, perenizando-o. (SOARES,
2004, p.64)

A crônica é um gênero textual cujo princípio básico é registrar o circunstancial.

Esse registro é marcado pela subjetividade do autor, a partir da recriação do real. Assim,

embora possa trazer informação, a função do gênero não é informar objetivamente. Com a

intenção de conquistar o leitor, o cronista explora a função poética da linguagem, a serviço

da criação artística. Ao mesmo tempo, busca um equilíbrio entre o coloquial e o literário,

em leve tom de reflexão dialógica, que gera o efeito de intimidade, de proximidade com o

leitor.

A crônica assumiria a transitoriedade própria do jornal, seu principal meio de

divulgação e, nesse contexto, seria dirigido, como considera Jorge de Sá em A crônica,

“(...) a leitores apressados, que lêem nos pequenos intervalos da luta diária, no transporte ou

no raro momento de trégua que a televisão lhes permite” (p.10). Esse leitor, constituinte da

massa, tipicamente urbano, deverá ser seduzido por um título marcante ou criativo, por uma

frase destacada que gere impacto, interesse, identificação.

De acordo com Domício Proença Filho, na obra A linguagem literária, é a

linguagem estética que possibilita a permanência da crônica, como afirma no seguinte

trecho:

(...) a crônica, como o nome indica, retira sua configuração da dinâmica do


tempo dos limites do qual se libera, por força da linguagem estética em que
se concretize. Faz-se de fatos e comentários do autor sobre a realidade
próxima ou distante, mas sempre a partir de uma óptica atualizada. Trata-se

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de uma forma literária que encontrou nos veículos de comunicação de


massa, notadamente nos jornais e revistas, seu principal e dominante
instrumento de divulgação, embora, em segundo plano, venha freqüentando
também os espaços do livro. (FILHO, 2001, p.68 e 69)

Embora possa conquistar a permanência, enquanto criação artística, na transposição

para outro suporte, como o livro, a crônica está fortemente vinculada ao tempo e espaço

próprios, ao contexto sócio-cultural e histórico, perenizando o instante que ela narra.

O TEXTO LITERÁRIO - RELEITURA DO REAL

No texto literário, a relação imediata com o referente é quebrada, visto que é

transpassada pela visão individual do artista da palavra. A fim de transmitir essa visão, ele

utiliza as possibilidades de uma linguagem marcada por um grau de opacidade, de

complexidade, por ser dotada de plurissignificação. É na predominância do sentido

conotativo, com sua diversidade, que o texto literário vai além da objetividade dos fatos

concretos, como analisa Rogel Samuel, na obra Novo manual de teoria literária: “A

linguagem gera a forma, que é denominada escrita. A linguagem gera a estrutura de signos

da escrita. A diversidade do sentido conotado concentra o signo, quando o que se representa

não é mais fato, mas essência” (p.18).

Rogel Samuel também considera a riqueza da obra literária no espaço da abertura,

das lacunas a serem preenchidas pelo leitor, quando analisa o literário: “O literário existe na

escrita como uma potência. Essa energia não se vê no que é dito, mas é a concentração do

dizer. (...) A riqueza da escrita tanto se faz mais criadora, quanto mais profundo for o nível

de onde ela fala e silencia”. (p.21)

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Essa abertura revela uma característica marcante da obra literária, que é a

ambigüidade. Esta característica é abordada por Domício Proença Filho, que destaca a

relação existente entre o autor, o texto e o leitor, constituinte do processo de leitura:

O fenômeno literário se efetiva na inter-relação autor/texto/leitor. Já se


percebe por que a obra literária sempre admite diferentes interpretações. A
linguagem que a caracteriza é necessariamente ambígua e em permanente
atualização e abertura, vinculadas estreitamente ao caráter conotativo que a
singulariza. (p.29)

O escritor, no entanto, acaba por revelar uma intenção, um direcionamento do leitor

rumo à sua visão de mundo, que é individual, mas provém da coletividade a qual ele se

integra enquanto ser social em constante processo de interação. Por isso, a arte não se

desprende da ideologia, como aborda Maria Helena Martins em O que é leitura: “Há,

portanto, relação entre texto e ideologias, pois estas são inerentes à intenção (consciente ou

inconsciente) do autor, a seu modo de ver o mundo, tornando-se também elementos de

ligação entre ele e os leitores de seu texto (...)” (p.60).

Como forma de alcançar o leitor, o cronista procura gerar nele a identificação e

provocar-lhe uma reflexão a partir das sensações que a experiência da leitura pode

despertar-lhe. É o que considera Jorge de Sá em sua obra A crônica: “(...) o escritor não

perde de vista que a sua situação particular só conta para o leitor na medida em que

funciona como metáfora de situações universais, o que permite que façamos da leitura uma

forma de catarse e empatia” (p.14).

Catarse e empatia estão ligadas à emoção. Existem meios expressivos da língua por

meio dos quais há possibilidade de manifestar emoções e julgamentos de valor, despertando

no leitor uma reação de ordem afetiva. Esses meios expressivos são analisados pela

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Estilística, tendo sua base nos estudos de Charles Bally, que considera o indivíduo e sua

inserção na sociedade:

A linguagem expressa sentimentos e fatos sociais, e há nela uma proporção


variável de elementos intelectuais e emotivos. (...) A linguagem não é
somente um fato psicológico, mas social, havendo realmente um conflito
entre os sentimentos individuais e os sentimentos sociais na sociedade
burguesa. A linguagem, para Bally, expressa a classe social como soma de
elementos intelectuais, emocionais e sociais. (SAMUEL, 2002, p.80)

Assim, o estilo passaria a ser considerado como a escolha de determinados meios de

expressão lingüísticos, a fim de transmitir emoções ao leitor. A escolha evidencia presença

de subjetividade, embora esta não se afaste da coletividade.

O LEITOR EM AÇÃO - COMPREENSÃO E INTERPRETAÇÃO

A partir do momento em que o leitor se encontra envolvido pelo texto, que se

identifica com seu autor devido às emoções e experiências compartilhadas, ele estaria

pronto para alcançar a compreensão. Estudos sobre a compreensão e a interpretação foram

desenvolvidos pela hermenêutica literária. Em primeiro momento, considera-se nesses

estudos, como destaca Rogel Samuel:

O texto é a mediação pela qual nos compreendemos a nós mesmos, pois a


interpretação explora uma proposição de mundo que se encontra não atrás
do texto, como uma intenção oculta, mas na frente dele, como aquilo que o
texto desvela de nós mesmos. Compreender é compreender-se diante do
texto. (p.87)

Nota-se que é durante a experiência dinâmica de leitura que o leitor apreenderia

algo além da superfície textual, em processo contínuo, progressivo, que iria ao encontro de

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si mesmo. As noções de compreensão e interpretação, no entanto, ficariam mais claras

conforme se ampliaria e amadureceria a visão do leitor, quando este se desprende de si e de

sua esfera, passando a enxergar o outro, neutralizando seus conceitos e valores pré-

formados:

Compreender, depois disto, passa a significar a imediatez da visão da


inteligência que apreende um sentido. E interpretar significa a mediação
pelo conhecimento racional, que pressupõe a imediatez da compreensão
prévia. (...) Há, portanto, uma compreensão lógica, que faz apreensão do
conteúdo lógico de um enunciado; e também a compreensão pessoal, que
faz uma compreensão mais profunda do homem que se revela no
enunciado. Neste último caso é imprescindível a experiência. A experiência
não só de algo intelectual, mas do que decorre a ação. O mundo da
experiência nunca se fecha, mas é aberto a possibilidades. (...) A
compreensão depende de certa maneira de olhar em que não há separação,
divisão, julgamento. (p.88)

A experiência de leitura, no sentido mais amplo, não se limita ao texto verbal.

Abrangeria a apreensão dos mais diversos meios de linguagem. Como considera Maria

Helena Martins, a formação do leitor se daria antes mesmo da aquisição da linguagem

verbal:

Na verdade o leitor pré-existe à descoberta do significado das palavras


escritas; foi-se configurando no decorrer das experiências de vida, desde as
mais elementares e individuais às oriundas do intercâmbio de seu mundo
pessoal e o universo social e cultural circundante. (p.17)

A memória, formada a partir de todas as experiências, por meio dos sentidos e pela

razão, é considerada decisiva durante a leitura da palavra escrita, definida pela autora

como:

(...) um signo arbitrário, não disponível na natureza, criado como


instrumento de comunicação, registro das relações humanas, das ações e
aspirações dos homens; transformado com freqüência em instrumento de

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poder pelos dominadores, mas que pode também vir a ser a libertação dos
dominados (p.19).

A linguagem literária, enquanto arte, seria dotada do potencial libertador. Isto

porque a literatura não se deixa aprisionar por imposições, seja das normas lingüísticas, seja

das normas sócio-culturais. Há uma tentativa, por parte do escritor, de se colocar fora do

mundo real a fim de percebê-lo em sua essência. Por isso, ele reconstrói o real através da

imaginação. Essa visão, em relação à arte, é abordada por Rogel Samuel: “A arte provoca e

mobiliza, com sua visão, com sua negação, com sua recusa, a possibilidade daquilo que se

situa fora do mundo. A imaginação do mundo ideal problematiza a realidade do mundo real

(...)” (p.13). No entanto, a maneira de alcançar o leitor é mobilizá-lo no contato com o

texto, seduzindo-o por meio da identificação: “Quando a literatura faz a mimese da ação

humana, intensificando a percepção, distorcendo a realidade, pressiona o discurso com suas

promessas de liberdade” (p.12).

O discurso literário, contudo, não se mostra transparente. Ele exige uma

decodificação mais profunda, que implica a necessidade de compartilhamento do universo

cultural entre o autor e o leitor. Domício Proença Filho define, desta maneira, a natureza do

discurso literário:

Este se encontra a serviço da criação artística. O texto da literatura é um


objeto de linguagem ao qual se associa uma representação de realidades
físicas, sociais e emocionais mediatizadas pelas palavras da língua na
configuração de um objeto estético. O texto repercute em nós na medida em
que revele emoções profundas, coincidentes com as que em nós se
abriguem como seres sociais. O artista da palavra, copartícipe da nossa
humanidade, incorpora elementos dessa dimensão que nos são
culturalmente comuns. (p. 7 e 8)

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De acordo com a Teoria da Recepção, o leitor teria o papel de concretizar o texto

durante o processo dinâmico de leitura, que relaciona os elementos textuais aos

extratextuais. Por meio destes últimos, o leitor confere sentido ao texto, visto como

experiência. Rogel Samuel aborda em sua obra a teoria de Hans Robert Jauss, que focaliza

o papel do leitor no processo de interação entre o autor e o público, por meio da obra

literária. As complementações de Wolfgang Iser, em relação à teoria, são também

destacadas:

Para Iser, a atividade do leitor é semelhante à experiência real. O sujeito é


compelido a se dividir em duas partes: uma que empreende a leitura e outra
que se funde com o autor, ou pelo menos com a imagem construída dele. O
processo de leitura envolve um processo dialético de auto-realização e
mudança. Preenchendo as aberturas do texto, nós nos reconstruímos
simultaneamente. Nossos encontros com a literatura fazem parte de um
processo em que nós nos entenderemos a nós mesmos e em relação com os
outros. (p.120)

O processo de leitura é abordado por Maria Helena Martins na obra O que é leitura.

Sua definição considera as referências contextuais, as proposições do objeto textual e as

experiências de mundo do leitor, na constituição do diálogo entre leitor e objeto:

(...) a leitura se realiza a partir do diálogo do leitor com o objeto lido (...).
Esse diálogo é referenciado por um tempo e um espaço, uma situação;
desenvolvido de acordo com os desafios e as respostas que o objeto
apresenta, em função de expectativas e necessidades, do prazer das
descobertas e do reconhecimento de vivências do leitor. (p.33)

A autora propõe uma reflexão acerca da leitura, com base na configuração de três

níveis básicos, que estariam inter-relacionados e corresponderiam a modos de aproximação

do leitor em relação ao objeto lido:

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A leitura sensorial tem um tempo de duração e abrange um espaço mais


limitado, em face do meio utilizado para realizá-la - os sentidos. Seu
alcance é mais circunscrito pelo aqui e agora; tende ao imediato. A leitura
emocional é mais mediatizada pelas experiências prévias, pela vivência
anterior do leitor, tem um caráter retrospectivo implícito; se inclina pois à
volta ao passado. Já a leitura racional tende a ser prospectiva, à medida que
a reflexão determina um passo à frente no raciocínio, isto é, transforma o
conhecimento prévio em um novo conhecimento ou em novas questões,
implica mais concretamente possibilidades de desenvolver o discernimento
acerca do texto lido. (p.80 e 81)

Desta forma, observa-se que a leitura é considerada como um abrangente processo

de compreensão. Durante tal experiência, o leitor se depararia, primeiramente, com os

aspectos visuais e táteis, no caso do texto verbal, que pode estar associado à linguagem

icônica. Tipos, tamanhos e cores de letras são explorados em jornais e revistas. Títulos

criativos e frases impactantes destacadas podem ser recursos decisivos para prender a

atenção do leitor no primeiro contato. Observando-se a crônica, o leitor pode levar em

conta também sua pequena extensão, e iniciar uma leitura que não lhe exigirá muito tempo.

Isto quando se tem em mente o leitor apressado das grandes cidades, nos tempos atuais.

Ao longo da leitura, o leitor se depararia com idéias que lhe remeteriam a

associações, baseadas em experiências anteriores, e com efeitos de linguagem que lhe

despertariam as mais variadas sensações e imagens mentais (imaginação). A crônica, como

texto literário, apresenta diversos recursos de linguagem, com finalidade de seduzir o leitor.

E, por fim, é no preenchimento de lacunas, no espaço das ambigüidades, do não-

dito, que o leitor será instigado a refletir, a somar às suas vivências novos conhecimentos,

novas percepções e possíveis questionamentos.

A fim de ilustrar a análise, foi selecionada a crônica Longa vida aos famintos, de

Martha Medeiros, publicada em 12/10/2008, na revista O Globo, Ela Disse.

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Nota-se que maior destaque é conferido ao nome da cronista, que se encontra em

letras maiores. É o espaço da autora, que expõe suas idéias e impressões, mas é

representante da coletividade. Assim, ela inicia o texto expondo um pensamento coletivo:

“A fome é o flagelo número um do mundo”. Logo em seguida, a expressão “Todos querem

(...)”, também abrange a totalidade de uma vontade, de um pensamento. Na expressão “(...)

uma criança que não usufrua do direito de se alimentar e crescer” (linha 4), há um apelo à

sensibilidade do leitor. Conhecimentos acerca do discurso político, específico do Brasil, são

acionados na expressão “Fome zero”, ainda no primeiro parágrafo. No segundo parágrafo,

nota-se que a cronista explicita a expressividade do texto literário que se propõe a

desenvolver e o efeito que pode gerar, a fim de se compreender a realidade: “(...) passo para

o terreno das metáforas, que sempre nos coloca frente a frente com a ambigüidade das

situações”. No final do segundo parágrafo, há a idéia central da crônica, que também se

encontra em destaque na página, em letras maiores: “Não há razão para se existir com

fome, mas tampouco sem fome. Alguma fome é necessária. É o que nos dá energia para

levantar todos os dias”. A palavra “fome”, que inicialmente é abordada no sentido

denotativo, passa a ter sentido conotativo. É esse o sentido que predomina ao longo de

quase todo o texto. Assim, uma pergunta é lançada ao leitor: “Você tem fome de quê?”, que

faz referência também a uma letra de música. É o diálogo que a cronista desenvolve com o

leitor, instigando-o a refletir, envolvido pela leveza da linguagem em tom coloquial: “(...) a

gente sabe o tamanho da encrenca” (linha 33). Além disso, aborda situações que podem

gerar a identificação no leitor: “Há milhares de casais que se amam e que não

compreendem a razão de seguirem insatisfeitos (...)”. A cronista destaca a fome de paixão

como a causa de frustrações e insatisfações, criando uma imagem que a define com

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expressividade: “Paixão é uma fome hemorrágica: de sangue e coração”. Podemos ainda

notar, ao longo do texto, idéias em relação à fome que revelam ideologias, como em “nos

isenta de todos os pecados” (linha 57), que podem gerar ou não a concordância por parte do

leitor. Isso porque cada leitor traz em si seus conceitos e valores, sua visão de mundo.

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CONCLUSÃO

Com base na análise do gênero crônica, conclui-se que o leitor pode vivenciar uma

experiência prazerosa e transformadora durante o processo de leitura. Um dos fatores

contribuintes é o fácil acesso que seus suportes possibilitam ao leitor. Além disso, sua

leveza estrutural, que equilibra o tom coloquial e os recursos expressivos próprios da

linguagem literária, tem a finalidade de conquistar o leitor. E, enquanto objeto artístico, ela

supera a transitoriedade do tempo, imortalizando o instante que ela apreende. O leitor tem

sua percepção aguçada, além de ser levado à reflexão.

A leitura é um processo interativo, visto que autor/texto/leitor se fundem no

dinâmico processo de leitura. O autor tem liberdade para recriar o real e, assim, instigar o

leitor a compreender o mundo e a si mesmo. O texto revela as marcas do autor enquanto ser

individual e, ao mesmo tempo, representante de uma coletividade. Coletividade esta que

inclui o leitor, identificado com o autor, a partir das idéias, sentimentos e vivências

compartilhadas.

Por fim, convém notar que o papel do leitor é ativo, na medida em que ele preenche

as lacunas do texto, com base em suas leituras de mundo, fazendo do ato de ler uma

experiência constituinte do objeto estético e de sua própria identidade.

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REFERÊNCIAS

COMPAGNON, Antonie. O Demônio da Teoria. “O leitor”. Belo Horizonte: UFMG,

2001.

FILHO, Domício Proença. A linguagem literária. São Paulo: Ática, 2001.

MARTINS, Maria Helena. O que é leitura. São Paulo: Brasiliense, 2004 (Coleção

primeiros passos; 74).

MEDEIROS, Martha. (2008, 12 de Outubro). Longa vida aos famintos. Revista O Globo,

Ela Disse, p.22.

SÁ, Jorge de. A crônica. São Paulo: Ática, 2002.

SAMUEL, Rogel. Novo manual de teoria literária. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002.

SOARES, Angélica. Gêneros literários. São Paulo: Ática, 2004.

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