05 Maria Regina Candido
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O cenário religioso no Ocidente aponta para um mundo muito mais plural diante da
multiplicidade de seitas, cultos e movimentos religiosos não convencionais. Formas de neo-
sincretismo contribuíram para diferenciar acentuadamente o atual ambiente religioso acerca
dos sistemas tradicionais de crença. O termo sincretismo1 aplicado as news religions traz uma
visão negativa de impureza, contaminação de ritos e símbolos apreendidos das religiões
tradicionais. O fato traz ao debate a tese da secularização - que aponta para a dessacralização
do mundo diante do processo de modernização. O fato nos leva a repensar se o predomínio da
razão e a supremacia da ciência seriam, ou não, incompatíveis com o pensamento religioso e se
a trilogia sociedade primitiva/magia – em desenvolvimento/religião – na modernidade/o
império da ciência estariam em fase de se realizar na sociedade industrial em processo de
modernização ou de pós-modernidade.
A diversidade de fenômenos religiosos com a qual nos deparamos hoje na atual
modernidade ou pós-modernidade, nos coloca diante de vários questionamentos e dificuldades
de orientação metodológica para a análise desses fenômenos, como também nos exige uma
cuidadosa elaboração de argumentos que, para nós, tem os seus fundamentos e semelhança
com o passado helênico.. Os cientistas sociais debatem se o pluralismo de crenças e ritos
desgasta a religião ou destroe o poder hegemônico da fé nos deuses, semeando o ceticismo e a
dúvida. Em meio ao debate desponta também o interesse em identificar o lugar de fala da
religião, da superstição e magia diante do pensamento racional.
Acreditamos que o contato com a diversidade de culturas promove a fragmentação da
vida levando a emergência de ações individuais sobrepondo à idéia de coletivo. Um dos
resultados é o pouco interesse na participação política e o pouco envolvimento assim como a
∗
NEA/UERJ- Professora Adjunta de História Antiga
1
A European Association of Social Anthropologist/EASA inaugurada em Janeiro de 1989 busca estabelecer
uma conotação positiva para o conceito de sincretismo ao considera-la como forma de resistência a
dominação cultural, a luta por um lugar de fala de uma história reprimida, a reafirmação de a sua identidade
em meio ao mundo multicultural. Ver Charles Stewart e Rosalinde Shaw no livro Syncretism / Anti-
syncretism: The politics of Social Antrthropologists, Routledge, 1994.
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baixa freqüência nos ritos das religiões tradicionais. Octavio Ianni2 afirmou que o mundo tem
sido e continua a ser um emaranhado de tradições, superstições, magia e religiões impregnando
o modo de ser, pensar, sentir e agir de indivíduos e suas comunidades .
Afinal o mundo moderno deixou de lado a religiosidade e a crença na magia ou se tornou
mais politeísta?
O questionamento não é novo, a matriz remota ao século das luzes com o processo de
elaboração do pensamento liberal como a doutrina de tolerância de Voltaire, as garantias contra
o estado de Montesquieu e as idéias de progresso e supremacia da ciência como norteadora da
razão (Rouanet,2004:200) preconizando, inclusive, o fim da religião. No século XIX, Augusto
Comte ratifica a fé indestrutível na ciência sendo essa a responsável pela regeneração ética da
humanidade, pois uma sociedade reconstruída pela ciência assegurava a felicidade das massas.
O império da razão e da ciência afeta diretamente as ações religiosas, as crenças na magia e na
superstição passam a ser considerados pensamento de sociedades primitivas, em estágios
primários da evolução humana.
Mary Douglas aponta Sir James G. Frazer como o autor da mais remota classificação3 da
magia ao defini-la como o primeiro estágio, a religião seria o segundo, a ciência como o
terceiro estágio evolutivo da humanidade. O argumento segue a dialética hegeliana ao definir a
magia como pensamento primitivo a ser vencida pela sua própria insuficiência e suplantada
pela religião. Da tese da magia primitiva emergia a antítese que era a religião resultando na
síntese da ciência considerada um estágio moderno e eficaz (M. Douglas,1980:34).
A pensamento da historiografia do período afetou diretamente os estudos clássicos pois
os humanistas, os iluministas e os pesquisadores do século XIX4, sempre recorriam e
convocavam a Antiguidade grega e romana para ratificar as argumentações políticas e
filosóficas do seu tempo. Embora deixam transparecer que buscam no contato com os gregos a
salvação e a manutenção da cultura do ocidente e colocam a religião, magia e a narrativa mítica
na categoria do pensamento irracional. Por outro lado, não podemos esquecer da dinâmica do
2
Em Conferência realizada na UNICAMP, 2000.
3
O erudito helenista francês Louis Moulinier. Lê pur et l´impur dans lê pensée dês grecs, d´Homere à
Aristote, Paris, 1952 contestou as noções de puro e impuro entre os gregos e definidos por J.G. Frazer, ao
afirma que o autor encontrava-se em desvantagem pois não parece que os gregos tenham se preocupado
muito com a poluição ritual no período descrito por Homero.
4
De acordo com a pesquisadora Regina m. Bustamante/PPGHC-UFRJ a historiografia européia do século
XVIII ao início do XX (Bossuet,Montesquieu, Mommsen) foi fortemente influenciada pela própria
historiografia antiga, reproduzida pelo pensamento humanista clássico e o pós-clássico. Ver Cap.V, pág. 109
do livro Repensando o Império Romano, Editora Maud, 2006.
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século XIX para os estudos da religião, revitalizada pelas descobertas e traduções de clássico,
de textos de cultos orientais, de achados arqueológicos e do crescimento da filologia e
lingüística como área de saber. No meio acadêmico, o resultado surge com a oficialização da
disciplina Ciências da Religião que fomentou a criação da cátedra universitária História das
Religiões promovendo a realização de teses, congressos e publicações5.
A identificação dessa problemática torna-se interessante para nós helenista e
pesquisadores das práticas mágico-religiosas na Antiguidade Clássica. As críticas a
multiplicidade de crenças e de comportamento em relação ao contato com as novas religiões
deixam transparecer semelhanças com o período do IV século na polis dos atenienses. O fato
se deve a ampliação da complexidade do ambiente religioso em Atenas, assim como na
Modernidade, que pode ser lida de modos diferentes e complementares. De um lado, tornaram-
se mais débeis as referências simbólicas dos sistemas de crenças da religião oficial poliades,
assim como na atualidade o cristianismo não consegue mais controlar suas fronteiras, diante do
contato com diversidade cultural dos imigrantes. Em Atenas esse grupo estava presentes no
porto do Pireu, aumentando a sua presença com a instalação do exército de mercenários sob a
liderança dos macedônios.
Como resultado, percebe-se que símbolos sagrados da polis e das religiões tradicionais
passam a ser utilizados por outros atores religiosos, por líderes de novos cultos a divindades
estrangeiras. A religião oficial poliades e a crenças nos deuses continuam ainda a alimentar a
raízes da identidade cultural do ser ateniense, mas não estão mais em condições de padronizar
os significados, definir atitudes e controlar comportamentos dos cidadãos e o mesmo processo
pode ser identificado na atualidade.
Vejamos como a historiografia da ciência da religião responde aos desafios científicos do
período do século XIX, período em que os fenômenos mágicos eram visto dentro de uma
categoria evolucionista, na qual se acreditava na superioridade – biológica e cultural – dos
europeus frente às sociedades chamadas de primitivas.
A sociologia da religião com Emile Durkheim defende que a religião não é só um sistema
movido pela fé como afirmava Max Weber, mas um sistema unificado de crenças associados às
5
A cadeira universitária de História das Religiões foi criada em Genebre em 1873 e em Pais em 1879 no
Collège de France e em 1885 organizou-se na Ecole dês Hautes Études da Sorbonne. A primeira publicação
foi fundada em Paris com a Revue de L´ Histoire dês Religions seguida do primeiro congresso internacional
das ciências das religiões em Estocolmo em 1897 e em 1900 teve lugar em Paris o Congrès d` Histoire dês
Religions.
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6
Rodrigo Portella. www.pucsp.br/rever/rv2_2006/p_portella.pdf issn 1677-1222
7
Stephen Warner. Work in progress toward a new paradigm for the sociological study of religion in the
United States. Amercan Journal of Sociologiy 98, 1993, pag. 1044-1093, 1
8
A economia religiosa define-se como um conjunto de cultos religiosos que visa atender a demanda de
acordo com o modelo das economias comerciais, essa consiste em ter um mercado constituído por um
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conjunto de potenciais clientes cujas necessidades precisam ser satisfeitas. Ver Pippa Norris Shorenstein no
artigo Sacred and Secular no Site http:// www.ksghome.harvard.edu/~pnorris.shorenstein.ksg
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A situação da antropologia grega contemporânea está estritamente relacionada à recente história da Grécia
depois da guerra de independência. O resultado esta na historiografia produzida pelos gregos e identificada
como laografia ao qual retoma a Antiguidade dos gregos como fator de identidade atual; em seguida temos a
vertente antropologia anglo-saxônica que dialoga com a arqueologia e por fim a vertente sociológica
francesa que analisa os resultados com certa historicidade. Ver Terrain, revista francesa de etnologia criada
em 1983.
http://terrain.revues.org/ artigo de Genevieve Zoïa em L´anthropologie em Grèce, Terrain nº14 março de
1990.
Referência Bibliografica
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