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MENICUCCI, M. Do C. Ducação Especial Inclusiva Ênfase em Ciências Humanas Livros Textos 1. Belo Horizonte PUCMinas Virtual, 2005.P. 44a 67

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Educação Especial Inclusiva

Ênfase em Ciências Humanas


Livro-texto
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS CEFOR PUC MINAS

Grão Chanceler Coordenação Geral


Dom Valmor Oliveira de Azevedo Carla Ferretti Santiago

Reitor Coordenação Acadêmico Pedagógica:


Prof. Eustáquio Afonso Araújo Lana Mara de Castro Siman
Lorene dos Santos
PUC Minas Virtual Malba Tahan Barbosa
Júnia Lage
Diretora de Ensino a Distância
Maria Beatriz Ribeiro de Oliveira Gonçalves Coordenação de TV, Vídeo e Videoconferência
Iara Cordeiro de Melo Franco
Coordenação Acadêmico-pedagógica
Stela Beatris Tôrres Arnold (coordenadora) Coordenação de Comunicação e Marketing

Anilce Maria Simões Eduardo Ladeira

Eduardo Silva Ladeira Carine Reis e Alves


Fabiana Cássia Dupim Souza
Júnia Lage
© PUCMINAS, 2005
Liana Portilho Mattos
Maria Cecília de Ruiz Combat Stortini
Mercia Moreira
Wilba Lúcia Maia Bernardes

Coordenação Tecnológica
Design Gráfico e diagramação:
Luiz Flávio F. B. Oliveira (coordenador) Simone Nogueira / Sílvia Fonseca
Antônio Bosco de Oliveira Júnior
Revisão: PUC Minas Virtual
Bruno Duarte Biaggi
Guilherme C. V. Costa Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610
de 19 de fevereiro de 1998.
Luiz Antônio Pinheiro Martins
Lucas Lima Falcão Campos Todos os direitos reservados
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE
Márcio Túlio Morato
CATÓLICA DE MINAS GERAIS
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DIRETORIA DE ENSINO A DISTÂNCIA
Robledo Maik Ribeiro R. Espírito Santo, 1.059 - 12º andar – Centro CEP 30160-922
Rosiane C. M. Oliveira Belo Horizonte - MG
Telefone: (0xx31) 3273-7898 - Fax: 3274-2805
Sílvia Fonseca Ferreira http://www.virtual.pucminas.br
Simone Nogueira e-mail: ead@pucminas.br

Túlio Nogueira
ATENDIMENTO E INFORMAÇÕES:
Assessoria de Comunicação e Marketing Rua Espírito Santo, 1059 11º Andar – Centro 30.160-922
Belo Horizonte - MG
Júnia Cláudia Carvalho (assessora de comunicação) Telefone: (0xx31) 3274-236 - Fax: 3274-2805
Carolina Franco http://www.cefor.pucminas.br
e-mail: cefor@virtual.pucminas.br
Raquel Heloísa Novaes

Secretaria FICHA CATALOGRÁFICA


Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Blima Carvalho Otte (secretária)
Educação especial inclusiva: ênfase em Ciências Humanas:
Eloisa A. T. Lott Carvalho E24 livro-texto 1 / Maria do Carmo Menicucci...[et al.] -Belo
Horizonte: PUC Minas Virtual, 2005.
Ana Carolina Damasceno p.
Bibliografia.
Ângela Cristina Moreira
1. Educação Inclusiva. 2. Igualdade na Educação. 3.
Cláudio Elias Marques Capacidade de aprendizagem. I. Menicucci, Maria do Carmo.
II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. III.
Cristina Maria Isoni Auad Título.

CDU: 376
Rosiléia da Rocha Machado Batista
Vanilda da Conceição Oliveira Bibliotecária: Eunice dos Santos – CRB 6/1515
Sumário

Apresentação
Carla Ferretti Santiago 06

Educação Inclusiva: Possibilidades e Desafios Atuais


Maria do Carmo Menicucci 08
Introdução 08
I- Revisão Histórica 09
II- Visita aos velhos, novos Conceitos 10
III- Fundamentos Legais 15
IV- Inclusão Escolar: Possibilidades e Desafios 16
V- Construção de um Sistema Educacional Inclusivo: Possibilidades e Limites 18
VI- NEE Associadas a uma Deficiência 20
Reflexões Finais 28
Referências Bibliográfica 29

Aprendizagem e Desenvolvimento da Inteligência


Mercia Moreira 31
Introdução 31
Teorias Behavioristas – Visão Empirista da Aprendizagem 32
Teoria da Gestalt - Visão Inatista do Conhecimento 33
Teorias Psicogenéticas - Visão Construtivista da Aprendizagem 35
Teoria Cognitiva de Piaget 36
Vygotsky e a Relação entre Aprendizagem e Desenvolvimento 41
Conclusões 42
Referências Bibliográficas 43
Para Saber Mais 43
Tempo: uma Categoria Central do Pensamento e da Ação Humana
Lana Mara de Castro Siman e Soraia Freitas Dutra 44
A Construção das Noções de Tempo 44
Memória e Experiência Social do Tempo 48
O Tempo Histórico 51
Tempo e Diversidade Cultural 52
A Aprendizagem do Tempo e da Temporalidade Histórica 53
Referências Bibliográficas 55

Ensinando a Ler o Espaço Geográfico


Rita Elizabeth Durso Pereira da Silva 56
Introdução 56
As práticas socioespaciais das crianças e a noção de espaço geográfico 57
A construção da noção de espaço 59
A leitura da paisagem: uma primeira abordagem da leitura do espaço 61
Ensinando a ler o espaço geográfico 62
Referências Bibliográficas 67
Caro(a) Aluno(a)

Este é o primeiro livro do curso Educação Especial Inclusiva – ênfase


em Ciências Humanas, oferecido pelo CEFOR PUC Minas.

Nele você encontrará textos teóricos produzidos especialmente para


subsidiar seus estudos e para ajudá-lo(a) a resolver as atividades a
serem desenvolvidas nos dois primeiros módulos do curso.

Os textos, em número de quatro, estão organizados da forma como


segue.

O primeiro apresenta o histórico da inclusão educacional até nossos


dias, apontando desafios e possibilidades do trabalho pedagógico com
alunos com necessidades educacionais especiais.

O segundo realiza análise das diferentes visões da aprendizagem, vi-


sando apoiar as ações pedagógicas dos professores no atendimento
aos alunos com necessidades especiais.

Os dois últimos textos verticalizam o debate sobre a aprendizagem,


tomando duas categorias centrais para o desenvolvimento cognitivo:
o tempo e o espaço.

É importante que o estudo dos textos seja feito de forma bastante


cuidadosa, com a identificação dos conceitos e das idéias-chave que
os estruturam. Para favorecer seu estudo, reservamos, em cada pági-
na, um espaço lateral que pode ser utilizado para suas anotações.

Lembre-se de que a equipe do CEFOR está sempre à disposição para


apoiá-lo(a) ao longo do curso.

Bom trabalho!

Equipe do CEFOR PUC Minas.


Apresentação

As últimas três décadas significaram, para o Brasil, um tempo de modificações


aceleradas. Essas modificações refletem, em parte, o quadro internacional marca-
do pela queda de governos e regimes, pela crise de ideologias tradicionais, pela
globalização econômica, pela revolução tecnológica, entre tantos processos de mu-
dança que compõem nosso cotidiano.

As transformações que atingiram a população brasileira podem ser compreendidas,


ao mesmo tempo, a partir de acontecimentos ocorridos no próprio território naci-
onal. Os anos 80 do século passado foram, no Brasil, bastante conturbados: vive-
mos uma dramática crise econômica; presenciamos – como protagonistas ou
expectadores – a emergência de movimentos sociais das mais variadas feições e
bandeiras. Tais movimentos representam o esforço de grupos organizados da socie-
dade civil no sentido de se construir uma sociedade na qual homens, mulheres,
crianças, idosos, negros, índios, homossexuais, trabalhadores rurais e urbanos, mo-
radores de favelas, entre outros tantos personagens, sejam respeitados como sujei-
tos portadores de direitos. Se for possível reunir em uma única palavra o anseio
daqueles que, desde então, têm se mobilizado e atuado na cena política brasileira
na forma de movimentos sociais organizados, essa palavra é CIDADANIA. Mas
uma cidadania re-significada, pautada pelo preceito do “direito a ter direitos”.

Essa tarefa de construção de uma sociedade efetivamente democrática está muito


longe de se ver concluída. No entanto, já são visíveis alguns resultados, frutos de
uma conquista coletiva por direitos. Entre os locais onde se pode observar esse
movimento estão as escolas brasileiras.

Fazendo um breve sobrevôo sobre a história da educação formal no Brasil, percebe-


se que essa caracterizou, secularmente, pela marca da exclusão. Além de negar o
direito de acesso, excluindo milhares de crianças e jovens, a escola brasileira ainda
impossibilitava a permanência e terminalidade escolar, marginalizando grande par-
te daqueles que nela ingressavam, o que pode ser observado, por exemplo, pelo
alto índice de evasão escolar que se manteve inalterado por décadas.

Estamos ainda longe de um quadro radicalmente diferente. Ou seja, ainda nos en-
contramos muito distantes de uma escola efetivamente inclusiva. Entretanto, a
escola também tem acompanhado o movimento da sociedade pela conquista de
direitos. O esforço pela inclusão escolar já mostra seus frutos com o ingresso na
escola regular de crianças que tradicionalmente estiveram fora dela. São crianças
excluídas social e economicamente, de diferentes culturas e grupos étnicos, com
deficiências físicas ou mentais e portadoras de necessidades educacionais especi-
ais. Um universo de crianças que expressam a diversidade humana, e cuja presença
em sala de aula revela diferenças de perfis, percursos, culturas e necessidades, com
as quais a educação básica haverá de lidar.

6 Educação Especial Inclusiva • Ênfase em Ciências Humanas


Não há como a escola fechar os olhos a essa realidade. Entretanto, por motivos
variados, freqüentemente, os professores se afligem diante de seus “novos” alunos.
Muitas vezes, sentem-se despreparados para desenvolver um trabalho que resulte
no efetivo aprendizado de todas as crianças que chegam à escola.

É pensando nesse professor, pensando nos seus alunos, nessa nova escola, e em um
projeto maior de país e cidadania, que o CEFOR PUC Minas estruturou o curso
Educação Especial Inclusiva. Não pretendemos, nesse curso, distribuir receitas de
trabalho ou procedimentos didáticos. Nosso propósito é possibilitar a reflexão e o
diálogo, a troca de experiências e de conhecimentos. Nossa expectativa é de, com
esses propósitos e através de estratégias variadas de formação, podermos contri-
buir para aquilo que – acreditamos - é o desejo de todos nós, professores: uma
escola inclusiva e democrática, condição fundamental para a consolidação da soci-
edade de direitos no Brasil.

Carla Ferretti Santiago


Coordenadora do CEFOR PUC Minas

Livro-texto 1 7
Educação Inclusiva:
possibilidades e desafios atuais
Maria Do Carmo Menicucci
Pedagoga / Mestre Em Educação Especial

INTRODUÇÃO

“Toda mudança é dolorosa, na medida em que obriga a deixar a


comodidade do conhecimento para acentuar-se no terreno do novo”
(Sanches,2002)

A educação inclusiva é um movimento universal que se coloca hoje como um dos


grandes desafios a serem enfrentados pelo sistema educacional.

Este é um termo amplo, que envolve o dever de se garantir o acesso a uma escola
de qualidade para todos (Conferência de Jointien,1990), incluindo-se neste todos,
as crianças e jovens com necessidades educacionais especiais (Declaração de
Salamanca,1994).

Neste capítulo, buscaremos discutir e aprofundar algumas idéias sobre o tema,


extraídas de uma Cartilha, de minha própria autoria, recentemente editada pela
Secretaria de Direitos Humanos – CORDE – e também incluídas na Apresentação
do livro-texto do Curso de Educação Especial Inclusiva oferecido pela PUCMinas,
em convênio com a Federação das Apaes do Estado de Minas Gerais.

Tais idéias serão ampliadas e aprofundadas, através do diálogo com autores


renomados que vêm se dedicando ao estudo da Educação Inclusiva, expondo seus
pensamentos em publicações recentes e valiosas sobre a temática em questão.

Farão ainda parte do presente trabalho, questões freqüentemente apresentadas por


professores que vivenciam, em suas práticas em sala de aula, o trabalho com alunos
com deficiências.

Considerando a amplitude do significado das expressões “Educação Inclusiva e


Necessidades Educacionais Especiais”, bem como os objetivos do presente curso,
faremos um recorte, de forma a focalizar este capítulo na educação inclusiva para
alunos com necessidades educacionais especiais associadas a deficiências e a con-
dutas típicas decorrentes de síndromes.

8 Educação Especial Inclusiva • Ênfase em Ciências Humanas


Não significa, no entanto, que estaremos privilegiando o modelo do defeito em
prejuízo do modelo social da deficiência, embora, segundo Mittler “é impossível
impedir a polarização desses modelos, uma vez que eles são mutuamente incompatí-
veis, porque precisamos pensá-los em um estado de interação complexa e constante.
Não há razão para que um modelo centrado na criança seja incompatível com um
modelo social e ambiental. É claro que sua cooperação e sua coexistência devem
acontecer com vistas ao que é melhor para a criança” (p.25).

Significa, sim, que tentaremos discutir as possibilidades e os desafios que as esco-


las começam a enfrentar, para que os alunos com deficiência possam fazer parte do
seu cotidiano, não só ampliando as suas convivências sociais, mas também se apro-
priando dos conhecimentos básicos, considerados universais, como a aquisição da
leitura, da escrita e do cálculo, bem como das noções de tempo e espaço.

I- REVISÃO HISTÓRICA

“Os”normais” podem dizer simplesmente: “Sou igual a todos, portanto


sou”. É a igualdade que define o seu ser. Mas os portadores de defici-
ência têm de fazer uma outra afirmação: “Pugno, ergo sum”—luto,
logo existo. Muitos, sem coragem para enfrentar a luta solitária,
desistem de viver e são destruídos. Os que aceitam o desafio, entre-
tanto, se transformam em guerreiros.”
(Rubem Alves in Concerto para o Corpo Alma. p.38)

A educação inclusiva faz parte de um movimento muito maior, a inclusão social de


todas as pessoas que, ao longo da História, foram discriminadas, segregadas e afas-
tadas da convivência com outras pessoas consideradas “normais”: as pessoas muito
pobres, muito feias, os negros, as mulheres, as pessoas abandonadas, as pessoas
com deficiência. Esses grupos foram historicamente excluídos dos ambientes soci-
ais públicos, porque acreditava-se que eles, sendo muito diferentes dos chamados
“normais”, eram seres inferiores e incapazes de conviverem na sociedade. Foram,
durante décadas, eliminados e até mesmo exterminados.

O advento do Cristianismo conferiu a eles o status de “filhos de Deus”, colocando-


os, no entanto, isolados em grandes asilos e abrigos, longe dos olhares das pessoas
“normais”.

Avanços da Medicina retiram essas pessoas da condição asilar, passando a tratá-las


como doentes, merecedoras de tratamento hospitalar, porém mantendo-os na con-
dição de isolamento em hospitais e internatos. Instala-se o modelo médico no trato
da deficiência, encarada então como uma doença.

Os estudos da Psicologia ganham cientificidade e proliferam-se os testes padroni-


zados para medir e classificar as pessoas, rotulando-as e categorizando-as em gru-
pos iguais e diferentes ao padrão esperado pela sociedade. Inicia-se o modelo clíni-
co-terapêutico no trato da deficiência. Às pessoas com deficiência é conferido o
status de pacientes e a elas é proporcionado o atendimento clínico-terapêutico.

Livro-texto 1 9
Como a escola regular não se abria para a maioria das crianças e jovens então consi-
deradas “doentes, pacientes”, surgiram as escolas e classes especiais, como espaço
exclusivo para aqueles cuja deficiência motivou a rejeição da escola regular, sob a
justificativa da necessidade de um atendimento especializado médico, clínico es-
pecializado, porém não pedagógico.

A criação das escolas especiais representa um esforço inicialmente empreendido


pelas famílias dessas crianças, como uma tentativa de assegurar-lhes o direito à
educação. Muitas famílias se organizaram em associações, que não só passaram a
cobrar do poder público, como também criaram organizações não governamentais,
que gradativamente ganharam a adesão de profissionais da saúde, assistência social
e educação.

Na década de 80, essas Escolas e Classes Especiais iniciam, ainda timidamente, um


movimento de preparação de alguns alunos que seriam transferidos para as escolas
chamadas regulares. Quem superava as suas dificuldades adquiria o direito de trans-
ferência. Esse movimento ficou conhecido e identificado como Integração.

Só recentemente, na 2ª metade da década de 90, o mundo tenta penetrar na era da


inclusão. Os sistemas educacionais iniciam a construção de um modelo mais aco-
lhedor e mais inclusivo, que acredita que todas as escolas precisam se transformar
em escolas para todos.

Nessa síntese histórica, podemos identificar claramente os paradigmas presentes


em cada período mencionado:
- o paradigma da exclusão --------------- eliminação, extermínio
- o paradigma da segregação ------------ isolamento, institucionalização
- o paradigma da integração ------------- preparação do indivíduo
- o paradigma da inclusão --------------- preparação da sociedade

Estes são marcos importantes, porque influenciaram significativamente a organiza-


ção dos sistemas educacionais: as escolas e classes especiais se organizaram como
espaços clínicos, marcados pela ausência de um projeto pedagógico, pela
inexistência de objetivos curriculares e pelo descompromisso com o percurso aca-
dêmico dos alunos, então tratados como doentes e pacientes, considerados inca-
pacitados para o processo de ensino-aprendizagem.

As escolas chamadas regulares também foram atingidas por tais concepções: os


alunos considerados diferentes, não foram assumidos como sendo de sua responsa-
bilidade, o que fortaleceu o fluxo cruel de encaminhamentos indevidos do ensino
regular para a educação especial.

Formam-se assim os chamados dois sistemas de educação: o sistema de educação


especial e o sistema de ensino regular, que caminharam paralelamente e distantes
um do outro.

A construção de um sistema de educação inclusivo deve começar pela ruptura


entre os dois sistemas e pela inversão do fluxo de encaminhamento, fortalecendo o
movimento de transferência de alunos das escolas especiais para a escola comum e
não o movimento contrário, ainda hoje predominante.

10 Educação Especial Inclusiva • Ênfase em Ciências Humanas


Esse novo modelo, cuja construção representa um desafio, pressupõe uma verda-
deira e efetiva reorganização de todo o sistema educacional e envolve, sobretudo,
um compromisso coletivo: governantes, dirigentes, educadores das escolas comuns
e especiais, famílias, alunos e sociedade em geral.

A trajetória histórica das pessoas com deficiência é marcada por sentimentos e


práticas preconceituosas, desrespeitosas, discriminatórias, pela negação de direitos
humanos e pela adoção de mecanismos excludentes, sobretudo na educação esco-
lar.

Reescrever esta história e escrever outra, depende de todos nós aprendermos a


conviver com a diversidade, respeitando a riqueza da diferença humana.

Não construiremos um sistema educacional inclusivo numa sociedade que se man-


tenha excludente.

II- VISITA AOS VELHOS, NOVOS CONCEITOS


Rever conceitos, revisitar termos já conhecidos remete-nos a novas reflexões que
quase sempre nos possibilitam atribuir novos significados às terminologias adotadas
nos documentos legais e também nos textos acadêmicos.

Destaco, dentre muitos conceitos a serem revisitados, aqueles que apresentam


maior identidade com o objetivo deste trabalho:

Educação Especial:

Processo educacional escolar definido em uma proposta pedagógica


que assegure recursos e serviços educacionais especiais, organizados
institucionalmente para apoiar, complementar, suplementar e, em
alguns casos, substituir os serviços educacionais comuns, de modo a
garantir e promover o desenvolvimento das potencialidades dos
educandos que apresentam necessidades educacionais especiais, em
todas as etapas e modalidades da educação básica. (Diretrizes nacio-
nais para educação especial na educação básica. MEC,2001. p.69)

Esse é um conceito que merece destaque pelo novo significado que atribuiu à edu-
cação especial:

1. Processo educacional escolar: privilegia a finalidade da escola como espaço pe-


dagógico e não essencialmente clínico.
2. Proposta pedagógica: privilegia o projeto pedagógico, que inclui objetivos
curriculares, percurso escolar, avaliação, terminalidade escolar, certificação.
3. Recursos e serviços educacionais especiais: pressupõe a adoção de recursos que
possam dar respostas educativas às necessidades especiais dos alunos.
4. Organizados institucionalmente: pressupõe uma proposta pedagógica assumida
coletivamente pela Instituição escola e que faça parte de seu regimento e de seu
projeto pedagógico.

Livro-texto 1 11
5. Apoiar, complementar, suplementar os serviços educacionais comuns: os servi-
ços e recursos da educação especial devem ser colocados à disposição da cons-
trução de uma escola inclusiva, o que pressupôe uma reorganização também das
escolas especiais.
6. Garantir e promover o desenvolvimento das potencialidades: privilegia o mode-
lo sócio-educacional, deslocando o foco da deficiência, para focalizar as possibi-
lidades.

Novos significados:
- A educação especial
deixa de ser o FIM Educação Inclusiva:
para se transformar
no MEIO de assegu- A proposta da educação inclusiva é ampla e inclui o acesso e a permanência de
rar o direito à escola todas as crianças, jovens e adultos em todas as etapas e modalidades do sistema
de boa qualidade a educacional, independente de suas condições pessoais de raça, gênero, etnia, classe
todos. social ou deficiência.
- Rompe-se a dico- No entanto, interpretações equivocadas e ingênuas têm resumido esta proposta
tomia entre dois sis- aos alunos da educação especial, ou seja, aos alunos com deficiência.
temas paralelos de
educação: o regular A proposta da educação inclusiva nos remete ao conceito de Escola Inclusiva, que,
e o especial. “pressupõe uma nova maneira de entendermos as respostas educativas que se ofere-
cem, com vistas à efetivação do trabalho na diversidade.Está baseado na defesa dos
direitos humanos de acesso, ingresso e permanência com sucesso em escolas de boa
qualidade (onde se aprende a aprender, a fazer, a ser e a conviver) no direito de
integração com os colegas e educadores, de apropriação e construção do conheci-
mento, o que implica, necessariamente, em previsão e provisão de recursos de toda a
ordem” (Carvalho, 2004).

Educação inclusiva pressupõe muito mais do que a garantia de vaga no sistema


comum de ensino para os alunos com deficiência. Pressupõe uma reorganização
das escolas, de forma a torná-las aptas a receber todos os alunos que a procuram,
garantir respostas pedagógicas efetivas às necessidades que os alunos apresentam,
de forma a promover não só o seu desenvolvimento social, através da convivência
com seus pares não deficientes, mas também proporcionar-lhes o acesso ao proces-
so de aprendizagem.

Isto significa, garantir as condições previstas no Parecer 17 e na Resolução 02, do


Conselho Nacional de Educação, Art.7º (p.71).

Integração X Inclusão:

Estes são conceitos que têm sido objeto de acalorados debates em todos os fóruns
cuja temática é a educação inclusiva; uns defendem a concepção “pura” do termo
inclusão, em contraposição à integração, entendida por outros como um processo
interativo que deve fazer parte da educação inclusiva (Carvalho, 2004).

Ainda citando Carvalho (1998), reproduzo a citação de Doré: “sem ser incompatí-
vel com a noção de integração, a inclusão institui a integração de maneira mais
radical e sistemática, alertando para as implicações práticas da integração” (p.35).

12 Educação Especial Inclusiva • Ênfase em Ciências Humanas


De acordo com o princípio da integração, os alunos devem adaptar-se às normas, às
exigências e à organização da Escola, ou seja, eles devem estar preparados para este
acesso.Segundo Mittler (2003), a integração implica um conceito de “prontidão”
para transferir o aluno da escola especial para a escola regular (p.34).

Já o modelo da inclusão, determina que é a escola que deve se preparar para rece-
ber todos os alunos, inclusive aqueles com quadro de deficiência, adequando-se às
necessidades dos alunos.

Mittler entende que a inclusão implica uma reforma radical nas escolas em termos
de currículo, avaliação, pedagogia e formas de agrupamento de alunos (p. 34).

Segundo Coll (2004), “a integração é o processo que permite aos alunos que habitu-
almente foram escolarizados fora das escolas regulares serem educados nelas” (p.
25).

Integrar é articular as
A inclusão prescreve, segundo Coll (2004), a exigência de educar todos os alunos
partes para formar o
na mesma escola e a necessidade de empreender uma reforma do conjunto do siste- todo, não há como in-
ma educacional (p.26). cluir sem integrar.

Deficiência:

O Decreto 3298 de 20 de dezembro de 1999, que regulamenta a Política Nacional


dos Direitos da pessoa com deficiência, considera:

Art. 3º:

I - deficiência – toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológi-


ca, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de ativida-
de, dentro do padrão considerado normal para o ser humano;

II - deficiência permanente – aquela que ocorreu ou se estabilizou durante um


período de tempo suficiente para não permitir recuperação ou ter probabilidade
de que se altere, apesar de novos tratamentos;

III - incapacidade – uma redução efetiva e acentuada da capacidade de integração


social, com necessidade de equipamentos, adaptações, meios ou recursos especiais
para que a pessoa portadora de deficiência possa receber ou transmitir informa-
ções necessárias ao seu bem-estar pessoal e ao desempenho de função ou atividade
a ser exercida.

Art. 4o É considerada pessoa portadora de deficiência a que se enquadra nas se-


guintes categorias:

I - deficiência física – alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do


corpo humano, acarretando o comprometimento da função física, apresentando-se
sob a forma de paraplegia, paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia,
tetraparesia, triplegia, triparesia, hemiplegia, hemiparesia, amputação ou ausência
de membro, paralisia cerebral, membros com deformidade congênita ou adquiri-

Livro-texto 1 13
da, exceto as deformidades estéticas e as que não produzam dificuldades para o
desempenho de funções;

II - deficiência auditiva – perda parcial ou total das possibilidades auditivas sono-


ras, variando de graus e níveis na forma seguinte:
a) de 25 a 40 decibéis (db) – surdez leve;
b) de 41 a 55 db – surdez moderada;
c) de 56 a 70 db – surdez acentuada;
d) de 71 a 90 db – surdez severa;
e) acima de 91 db – surdez profunda; e
f) anacusia;

III - deficiência visual – acuidade visual igual ou menor que 20/200 no melhor
olho, após a melhor correção, ou campo visual inferior a 20º (tabela de Snellen), ou
ocorrência simultânea de ambas as situações;

IV - deficiência mental – funcionamento intelectual significativamente inferior à


média, com manifestação antes dos dezoito anos e limitações associadas a duas ou
mais áreas de habilidades adaptativas, tais como:
a) comunicação;
b) cuidado pessoal;
c) habilidades sociais;
d) utilização da comunidade;
e) saúde e segurança;
f) habilidades acadêmicas;
g) lazer
h) trabalho

V - deficiência múltipla – associação de duas ou mais deficiências.

Condutas Típicas:

“São manifestações de comportamento típicas de síndromes e quadros psicológi-


cos complexos, neurológicos ou psiquiátricos persistentes que ocasionam prejuízo
no desenvolvimento e no relacionamento social, em graus que requerem respostas
pedagógicas diferenciadas, que seu modo singular de aprendizagem exige”.

Necessidades Educacionais Especiais:

Este é um conceito que começou a ser usado em 1960, mas só ganhou divulgação
em 1974, com o Informe Warnock, na Inglaterra e foi mundialmente adotado du-
rante a Conferência de Salamanca, em 1994, na Espanha.

Embora tenha atribuído uma ampliação muito grande aos supostamente usuários
dos serviços da educação especial, tem o mérito de focalizar o atendimento às
diferenças dos alunos, nas respostas educativas da escola. Segundo Coll (2004 p.19/

14 Educação Especial Inclusiva • Ênfase em Ciências Humanas


21), esta nova definição apresenta características próprias, que se colocam como
vantagens e desvantagens:
- afeta um conjunto grande de alunos;
- é um conceito relativo e contextual;
- refere-se aos problemas dos alunos em sala de aula;
- supõe a provisão de recursos suplementares.

Posições críticas com relação ao uso desta terminologia destacam:


- a amplitude de seu significado;
- a compreensão vaga de seu significado;
- a não diferenciação entre os vários problemas de aprendizagem;
- a constituição de uma categoria socialmente construída;
- apresentação de uma imagem otimista da educação especial.

Lembrem-se:
III- FUNDAMENTOS LEGAIS
“Existem necessidades
“O que se opõe à igualdade não é a diferença, é a desigualdade” educacionais especiais
que requerem da escola
(Cury,2005).
uma série de recursos e
apoios de caráter mais
especializado, que pro-
Hoje podemos afirmar que o Brasil tem um arcabouço legal muito avançado, no porcionem ao aluno
que se refere à garantia dos direitos sociais às pessoas com deficiência. meios para acesso ao
currículo”.
Os atos normativos, pós Constituição de 88, contemplam avanços significativos no
(Parecer nº 17/CNE,
campo da garantia dos direitos das pessoas com deficiência, embora muito ainda se
2001)
encontre no campo das letras e não no âmbito da sua concretização.

Merecem destaque:
- A Política Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência (Lei Nº 7.853/
89)
- O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei Nº 8.069 / 90)
- A Lei Orgânica da Assistência Social (Lei Nº 8742 / 93)
- O Estatuto do Idoso (Lei Nº 8.842 / 94)
- A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei Nº 9394 / 96)
- A Lei Orgânica da Saúde (Lei Nº 8.080 / 90)
- A Lei do Passe-livre inter estadual (Lei nº8.899 / 94)
- A Lei da Acessibilidade (Lei Nº 10.098/00)

Nossa luta atual é para que elas sejam respeitadas e implementadas. Para isso, tor-
na-se necessário conhecer e multiplicar a informação sobre os fundamentos legais
que sustentam e asseguram os direitos sociais a todos os cidadãos, em cada espaço
de convivência.

Livro-texto 1 15
No campo da educação, podemos destacar as seguintes legislações complementa-
res à LDBN/96, que reservou todo o seu Cap. 5 à organização da educação especial
no sistema educacional brasileiro:

- o Decreto nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999, que regulamenta a Lei 7.853/


89, propõe equiparação de oportunidades, cabendo às instituições de ensino
superior oferecer adaptações necessárias no processo seletivo e provas, inclusive
tempo adicional para realização das provas, previamente solicitadas pelo aluno
portador de deficiência.

- o Plano Nacional de Educação, Lei nº 10.172 de 9/01/2001, estabelece diretri-


zes curriculares que assegurem a necessária flexibilidade e diversidade nos pro-
gramas de estudo oferecidos de forma a melhorar o atendimento às necessida-
des diferenciadas dos alunos.

- o Decreto nº 3.956, de 8/10/2001, promulga a Convenção Interamericana para


a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras
de Deficiência.
Todas essas leis e de-
cretos determinam que
- o Parecer 17 e a Resolução 02 do Conselho Nacional de Educação, de 2001,
a educação das pessoas
homologados pelo Ministério da Educação, que estabelecem as Diretrizes Naci-
com necessidades edu-
onais para Educação Especial na Educação Básica.
cativas especiais deve
ser oferecida, preferen- - a Portaria nº 3.284 do MEC, de 7 de novembro de 2003, explicita a necessidade
cialmente, na rede re-
de assegurar aos portadores de deficiência física e sensorial condições básicas de
gular de ensino e só ex-
acesso ao ensino superior, de mobilidade e de utilização de equipamentos e ins-
traordinariamente em
talações, determina que sejam incluídos, nos instrumentos destinados a avaliar
escolas especiais, para
as condições de ofertas de cursos superiores, os requisitos de acessibilidade de
aqueles alunos que re-
queiram apoios inten- pessoas com necessidades especiais.
sos e permanentes, que
- Declarações internacionais das quais o Brasil é signatário: Jointien (1990),
a escola comum ainda
Salamanca (1994), Guatemala (2001), Dakar (2002).
não consegue prover.

IV- INCLUSÃO ESCOLAR: POSSIBILIDADES E DESAFIOS

“Não se pode esquecer que a educação inclusiva, ao abranger os


alunos com necessidades educacionais especiais, é uma conquista
emancipatória que necessita de uma nova cultura. E esta cultura deve
ser construída no sentido de uma formação geral e específica dos
futuros docentes e dos que já estão em exercício” (Parecer Nº 04/
2002. CNE).

A inclusão escolar significa que todas as crianças e jovens em idade escolar devem
freqüentar a mesma escola, e que esta escola deve estar organizada para atender às
necessidades educativas especiais de todos os seus alunos.

No entanto, a inclusão escolar não significa apenas colocar todos os alunos na escola
comum, fazendo assim uma inclusão apenas física, ou segundo Mittler, uma

16 Educação Especial Inclusiva • Ênfase em Ciências Humanas


integração selvagem, não planejada com cautela e realizada como uma questão ide-
ológica (2003, p. 53).

A inclusão escolar significa garantir mais do que apenas o acesso: a permanência, o


percurso, a terminalidade, a certificação e o sucesso escolar também dos alunos
com deficiência.

Para isso, a escola tem de oferecer os suportes que o aluno vai precisar para que ele
possa aprender com e como os outros colegas.

Para garantir esses suportes, é preciso que os órgãos públicos de educação, as Se-
cretarias de Educação estadual e municipal estejam também comprometidas com
a inclusão escolar, enquanto política pública, de forma que sejam implementadas
condições básicas que facilitem o ingresso de alunos com necessidades educativas
especiais na escola comum: escolas acessíveis, sem barreiras físicas, atitudinais e
curriculares, professores melhor preparados, número menor de alunos nas salas
inclusivas, apoios pedagógicos, como e quando necessário, professor de apoio, ma-
teriais específicos (braille, sorobã, dentre outros), professor intérprete.

Essas são as chamadas adaptações de grande porte, ou seja, adaptações que depen-
dem de uma ação do poder público.

Na escola, as adaptações necessárias, são as chamadas de pequeno porte, ou seja,


aquelas que o professor mesmo deve providenciar: novas formas de ensinar, de
avaliar, de acompanhar o desenvolvimento de seus alunos, de se relacionar com as
suas diferenças, de trabalhar de forma cooperativa, de buscar apoios através de
parcerias com outras instituições e outros profissionais. Estas dependem das ne-
cessidades que cada aluno apresenta.

O que é, então, uma escola inclusiva?

- É aquela escola que não rejeita a matrícula de nenhum aluno, independente-


mente das condições que ele apresenta.

- É aquela que se preocupa com a permanência de seus alunos, de forma a não


excluí-los durante o percurso escolar.

- É aquela escola que se preocupa com o desenvolvimento de todos os seus alu-


nos, buscando sempre criar situações de aprendizagem significativas para todos.

- É aquela que está preocupada com a formação de cidadãos conscientes, prepa-


rados para a vida fora dos muros da escola.

- É aquela escola que busca parcerias e apoios.

- É aquela que está comprometida com a formação continuada de seus professo-


res, que incentiva o trabalho cooperativo, que respeita a diversidade humana,
que se organiza de acordo com as necessidades de seus alunos.

Esta é a escola inclusiva, que a Declaração de Salamanca defendeu em 1994, na


Espanha e que o Brasil adotou como diretriz para a sua Política Educacional. A
educação inclusiva está ainda em construção. O caminho não está pronto.

Livro-texto 1 17
Está sendo traçado, pouco a pouco, em cada município, em cada escola, por todos
aqueles que querem contribuir com um sistema educacional de qualidade para
todos os alunos. A inclusão escolar é, portanto, um caminho a ser buscado por
todos, com compromisso, responsabilidade e sobretudo com a crença de que essa
construção é possível.

“A inclusão é uma visão, uma estrada a ser viajada, mas uma estrada
sem fim, com todos os tipos de barreiras e obstáculos, alguns dos quais
se encontram em nossas mentes e em nossos corações”.
(Mittler, 2003. p.21)

V- CONSTRUÇÃO DE UM SISTEMA EDUCACIONAL INCLUSIVO:


POSSIBILIDADES E LIMITES

“Não há uma estrada de realeza para a inclusão, porém há um con-


senso de que ela é um processo e uma jornada, e não um destino”
(Mittler, 2003).

Alguns estudiosos da educação inclusiva no Brasil têm se preocupado com o que


estão chamando de “reestruturação das escolas”, comuns e especiais, como única
forma de construir um novo modelo educacional.

Outros defendem o desmonte total dos serviços da educação especial, como estra-
tégia necessária para a implementação do modelo inclusivo.

Para os grupos menos radicais de educadores, não construiremos as escolas inclusi-


vas no Brasil através do desmonte da educação especial, mas sim através da
redefinição do papel que vai caber a cada uma das agências educacionais, sejam elas
escolas especiais ou escolas comuns.

Nesta ótica, a ressignificação da educação especial vai exigir uma interlocução per-
manente entre a escola comum e a escola especial, de forma a que seja construída
uma prática cooperativa entre elas e que seja possível organizar os serviços de apoio
mútuo.

Tal interlocução, que se torna tão necessária neste momento de transição de um


modelo educacional para outro, poderá se concretizar mediante a inclusão de de-
bates sobre os novos papéis das escolas em todos os eventos de atualização de
professores, de planejamento, avaliação e monitoramento da ação pedagógica de
ambas as escolas.

É preciso acreditar que as duas escolas têm muito o que aprender e o que ensinar
mutuamente.

Visões extremadas, posições radicais só contribuem para criar resistências, rejeição


e descrença na possibilidade da inclusão escolar para alunos com deficiência.

Tais posturas, tanto da escola comum como da especial têm impedido ou dificulta-
do a tão necessária e urgente reorganização de todas as escolas.

18 Educação Especial Inclusiva • Ênfase em Ciências Humanas


Estamos conscientes de que a construção de um novo sistema educacional mais
inclusivo, portanto mais justo e humanizado, só se fará mediante a adesão das esco-
las, através de seus profissionais.

Não podemos excluir as famílias deste debate. É preciso ouvi-las, assegurando-lhes


o direito de opinar sobre a escola que desejam para seus filhos.

A adesão tem de começar por uma decisão do município. É no município que a


mudança se fará de fato.

Esta mudança implica uma reorganização das escolas, tanto da escola especial quan-
to da escola comum, e isso exige que seja firmado um pacto, que seja explicitado o
acolhimento da escola e dos educadores ao paradigma da inclusão escolar.

Sem a adesão das escolas e dos educadores, a inclusão escolar não estará presente
no cotidiano das escolas. E será apenas mais um discurso ideológico e
“polìticamente correto”.

Na ressignificação dos papéis que cabem às escolas, neste modelo inclusivo, as


escolas especiais devem ser parceiras das escolas comuns da rede pública, organi-
zando os seus serviços de apoio á inclusão escolar, participando dos eventos de
capacitação de professores, bem como organizando eventos coletivos de capacitação
envolvendo profissionais da escola especial e das escolas comuns, onde a inclusão
seja o foco das discussões.

Os municípios que se envolveram com essa proposta já registram uma movimenta-


ção inversa dos alunos entre a escola comum e a especial: apresentam redução dos
encaminhamentos das escolas comuns para a especial e ampliação da transferência
de alunos da escola especial para a escola comum.

Desse modo, a escola especial começa a se organizar e a se preparar para ampliar as


suas vagas para muitos alunos com comprometimentos graves, que se encontram
fora de qualquer atendimento escolar, cumprindo assim o que determina a Res. Nº
02/2001 do Conselho Nacional de Educação, no seu Art. 10º: “os alunos que apre-
sentam necessidades educacionais especiais e que requeiram atenção individualiza-
da nas atividades da vida autônoma e social, recursos, ajudas e apoios intensos e
contínuos, bem como adaptações curriculares tão significativas que a escola comum
não consiga prover, podem ser atendidos, em caráter extraordinário, em escolas
especiais, públicas ou privadas, atendimento esse complementado, sempre que ne-
cessário e de maneira articulada, por serviços das áreas de Saúde, Trabalho e Assis-
tência Social.” Essa é uma responsabilidade coletiva: depende muito da contribui-
ção de cada um de nós...
Lembre-se:
Quem sabe chegará o dia em que todas as escolas serão especiais na qualidade do
atendimento, na infra-estrutura física, prontas a atender, sem restrições, a todas as As limitações enfrenta-
necessidades especiais de todos os alunos? das pelas pessoas com
deficiência decorrem
Nesse dia, viveremos numa sociedade onde não haverá espaço para a exclusão, muito mais dos mecanis-
porque a diversidade será um valor universal. mos excludentes, pre-
sentes na sociedade, do
que da deficiência em si.

Livro-texto 1 19
VI- NEE ASSOCIADAS A UMA DEFICIÊNCIA

É comum as pessoas se afastarem ou evitarem a convivência com pessoas com


deficiência, seja na escola ou em outros espaços sociais, por se sentirem inseguras
sobre a maneira correta de se dirigir a elas.

Para evitar tais comportamentos, torna-se necessário conhecer algumas dicas im-
portantes de convivência com a diversidade:

1. Tenha sempre em mente que conviver com a diversidade é uma oportunidade


importante na vida de cada um de nós. Aproxime-se das pessoas com deficiên-
cia, sem medo.

2. Faça um esforço para enxergar sempre a pessoa e não a deficiência; ninguém


gosta de ser visto pelo prisma das suas dificuldades.

3. Trate a pessoa com deficiência com a mesma consideração e respeito com que
você trata as demais pessoas.

4. Quando quiser uma informação de uma pessoa com deficiência, dirija-se a ela e
não ao seu intérprete ou acompanhante.

5. Quando puder, ofereça ajuda e pergunte qual a melhor forma de ajudar. A pró-
pria pessoa auxiliará você quanto a melhor forma de ajudá-la.

6. Trate a pessoa com deficiência como alguém com limitações específicas da defi-
ciência, porém com as mesmas qualidades e defeitos de qualquer Ser Humano.

7. Permita que a pessoa com deficiência desenvolva ao máximo suas


potencialidades, ajudando-a apenas quando for necessário.

8. Chame a pessoa com deficiência pelo nome, como se faz com qualquer outra
pessoa.

9. Permita que a pessoa com deficiência, como qualquer Ser Humano, tenha o
direito de expressar as suas emoções, qualidades e defeitos.

CONVIVENDO COM O ALUNO SURDO OU COM DEFICIÊNCIA


AUDITIVA

Conceitos:

- Surdez:

Redução ou ausência da capacidade de ouvir determinados sons, devido a fato-


res que afetam o aparelho auditivo (visão clínica).

É uma condição natural que não precisa ser tratada como uma deficiência ou
uma doença que necessita de cura (visão social).

20 Educação Especial Inclusiva • Ênfase em Ciências Humanas


O grau da surdez, a idade ou o estágio em que ela ocorreu, a forma de comuni-
cação, entre outros aspectos, devem ser levados em consideração ao se definir
que apoio pedagógico será necessário no espaço escolar.

- Deficiente Auditivo:

Termo técnico utilizado para denominar as pessoas que apresentam uma perda
sensorial auditiva. Geralmente esse termo não é utilizado pelo grupo que per-
tence à comunidade surda.

- Surdo-mudo

É uma denominação arcaica e incorreta para se referir ao surdo. Este termo


também não é utilizado pelo grupo que pertence à comunidade surda, pois
MUDEZ é a impossibilidade de falar decorrente de um problema relacionado à
emissão da voz (órgão fono-articulatório).

Formas de comunicação:

- Comunicação oral (leitura labial e percepção auditiva):

Através da leitura labial, a pessoa surda identifica a fala do emissor,


decodificando seus movimentos orais.No entanto, o melhor leitor de lábios per-
de 50% das palavras articuladas pelo emissor.

O aparelho de amplificação sonora não faz a pessoa surda ouvir, ele terá somen-
te acesso a algumas pistas sonoras.

- Língua de Sinais:

É uma língua de modalidade espaço-visual, com uma estrutura lingüística dis-


tinta da língua portuguesa, sendo completa como qualquer língua oral.

A língua de sinais é a língua natural das pessoas surdas. É adquirida naturalmen-


te a partir do contato com falantes dessa língua.

Língua de sinais não é universal. Cada país apresenta a sua língua de sinais.

No Brasil denominamos de língua de sinais brasileira – LIBRAS.

Possibilidades de Comunicação:

- Caso você não conheça a língua de sinais e queira se comunicar com a pessoa
surda:
- Olhe para a pessoa surda enquanto estiver falando.
- Fale com movimentos labiais bem definidos, a fim de que a pessoa surda
possa compreendê-lo.
- Fale naturalmente, sem alterar o tom de voz, ou exceder nas articulações.
- Evite falar de costas, de lado ou com a cabeça baixa, quando estiver conver-
sando com a pessoa surda.
- Seja expressivo, pois a expressão fisionômica auxilia a comunicação.

Livro-texto 1 21
- Caso queira chamar a atenção, sinalize as mãos movimentando-as no campo
visual da pessoa surda ou toque gentilmente em seu braço.
- Se você tiver dificuldades em compreender o que a pessoa surda está falan-
do, seja sincero e diga que você não compreendeu. Peça a ela para repetir o
que falou. Se você ainda não entender, peça-lhe para escrever.
- Quando a pessoa surda utiliza o serviço do intérprete:

O intérprete é a pessoa que traduz a comunicação oral para a comunicação em


língua de sinais. Ele não substitui o professor e nem um outro interlocutor junto
à pessoa surda. A interação deve acontecer entre a pessoa surda e o professor ou
interlocutor.

Observe as dicas:
- Olhe diretamente para a pessoa surda com quem está conversando.
- Evite dizer ao intérprete “diga a ele...” “pergunte a ele...” seja objetivo e fale
diretamente à pessoa surda: “você”.
- Ao falar utilize seu tom e seu ritmo de voz normal. Não é necessário falar
pausadamente ou em tom mais elevado.

O aluno surdo na sala de aula:


- Evite entrar na frente do intérprete ou segurar sua mão durante a interpreta-
ção.
- Evite caminhar o tempo todo na sala. O excesso de movimentos no ambiente
pode dispersar o aluno.
- É comum que o aluno surdo olhe diretamente para o intérprete, pois sua
forma de se comunicar é a modalidade espacial/visual.
- Ao dar aulas expositivas, evite utilizar termos “isto aqui”, ‘esta palavra”, pois
o intérprete geralmente fica de costas para o quadro-negro. Assim estará fa-
cilitando a interpretação.
- Evite o excesso de conversas paralelas para facilitar o trabalho do intérprete.
- Caso conheça alguns sinais das LIBRAS, evite fazer tentativas de comunica-
ção com o aluno surdo durante a interpretação.
- A avaliação pedagógica do aluno surdo deverá priorizar o aspecto semântico e
não a gramática, pois a estrutura da língua de sinais é diferente da língua
portuguesa.

CONVIVENDO COM O ALUNO COM DEFICIÊNCIA FÍSICA / LI-


MITAÇÕES LOCOMOTORAS

Conceitos:

A deficiência física refere-se ao comprometimento do aparelho locomotor que


compreende o sistema ósteo-articular, o sistema muscular e o sistema nervoso.
As doenças ou lesões que afetam quaisquer desses sistemas, isoladamente ou
em conjunto, podem produzir quadros de limitações físicas de grau e gravidade
variáveis, segundo o(s) segmento(s) corporais afetados e o tipo de lesão ocorri-
da.

22 Educação Especial Inclusiva • Ênfase em Ciências Humanas


Uma pessoa pode ter tido um acidente de carro e lesar a medula espinhal e se
tornar um paraplégico ou tetraplégico. Pode também ter uma lesão ou doença
neurológica que ocasione uma deficiência na coordenação dos movimentos de
uma ou mais partes do corpo, podendo ser definitivas, temporárias ou progres-
sivas.

Tetraplegia –limitações nos membros superiores e inferiores.

Paraplegia – limitações nos membros inferiores.

Monoplegia –limitações em um dos membros superiores.

Paralisia cerebral severa – desordens da postura e coordenação com comprome-


timento motor importante – membros inferiores e superiores não funcionais.

Paralisia cerebral moderada – desordens da postura e coordenação com com-


prometimento motor moderado, conseguindo realizar parte das atividades fun-
cionais com os membros superiores.

Paralisia cerebral leve – desordens da postura e coordenação com leve compro-


metimento motor, conseguindo realizar as atividades funcionais de membros
superiores.

Lesão cerebral com comprometimento na comunicação: além das desordens da


postura e movimento existe a dificuldade de comunicação através da fala.

Formas de Locomoção:

A pessoa com limitações motoras muitas vezes anda de forma independente,


mas com movimentos incoordenados, o que pode parecer que ela é “desengon-
çada”. O que acontece é que ela não consegue coordenar o movimento dos mús-
culos de uma forma melhor.

Alguns acessórios podem ser necessários: cadeira de rodas, muletas, bengalas,


andadores, cadeiras de rodas motorizadas.

Formas de Comunicação:

A pessoa que teve uma lesão cerebral pode ter uma dificuldade na articulação
dos órgãos da fala e a sua linguagem oral pode estar alterada e não ser bem
compreendida por todos. Em alguns casos, será necessário, que você se acalme e
ouça atentamente a pessoa para conseguir compreender o que ela diz.

A pessoa que tem uma fala mais comprometida terá, muitas vezes, de utilizar
outras formas para se comunicar: o olhar, a comunicação através de gestos, a
escrita e até mesmo computadores com adaptações.

O importante, neste caso, é você falar com ela, ainda que ela não consiga res-
ponder com palavras. Procure formular frases com perguntas diretas, para faci-
litar a resposta de um sim ou de um não, com movimentos corporais.

Livro-texto 1 23
Mas é fundamental que saiba que ela entende você, apenas não consegue se
expressar da maneira usual.

Dicas de convivência:
- A cadeira de rodas ou muletas é quase uma extensão do corpo de seu usuá-
rio. Quando for empurrá-la, pergunte antes se a pessoa assim o deseja e como
você deve proceder para fazê-lo. No caso de muletas, pergunte antes tam-
bém, pois você poderá dificultar ao invés de auxiliar.
- Tome cuidado ao empurrar a cadeira de rodas para não bater nas pessoas da
frente e nem esbarrar por onde anda.
- Se estiver andando com uma pessoa com dificuldades de locomoção, tente
acompanhar o seu ritmo.
- Se a pessoa fala com dificuldades, ela sabe que pode não ser entendido na
primeira vez, então não se intimide em dizer que não conseguiu compreen-
der e que gostaria que ela repetisse.
- Nas subidas, as cadeiras são mais pesadas e a sua ajuda nesta hora é impor-
tante, mas não se esqueça de perguntar se a pessoa deseja ser auxiliada.
- Deixe as muletas ao alcance das mãos da pessoa, para facilitar que ela própria
as alcance.
- Pergunte-lhe se quer que você a auxilie com as pastas, cadernos e material
que esteja carregando.
- Se a pessoa usa cadeira de rodas, saiba que o melhor é sentar para conversar
com ela por mais tempo, evitando assim que ela fique olhando para cima.

O aluno com limitações motoras na sala de aula:


- O aluno deve ficar sempre na frente e no meio da sala, pois isto facilita a sua
atenção e integração na turma.
- O aluno precisa ser tratado com naturalidade e sua participação nas ativida-
des em grupo deve ser sempre estimulada.
- Poderá ser necessário que esse o aluno tenha um tempo maior que os outros
para realizar as atividades, quando a sua dificuldade motora for também no
membro superior.
- Alguns podem utilizar-se de adaptações para escrita, máquinas de escrever
ou até mesmo computadores para escrever.
- Para as atividades extra-classe é importante avaliar previamente a acessibili-
dade do local, garantindo que o aluno possa participar sem maiores transtor-
nos ou constrangimentos.
- Quando o aluno tiver uma dificuldade cognitiva associada à limitação motora,
será necessária alguma adaptação curricular.
- O aluno pode necessitar de algum auxílio ao entrar e sair da sala; ofereça se
puder e desejar.
- A sala de aula deve ser organizada de forma a que o aluno cadeirante possa
manobrá-la e circular sem dificuldades.

24 Educação Especial Inclusiva • Ênfase em Ciências Humanas


CONVIVENDO COM O ALUNO CEGO OU COM DEFICIÊNCIA
VISUAL

Conceitos:

O termo deficiência visual refere-se a uma situação irreversível de diminuição


da resposta visual, em virtude de causas congênitas ou hereditárias, mesmo após
tratamento clínico e/ ou cirúrgico e uso de óculos convencionais.

A diminuição da resposta visual pode ser leve, moderada, severa, profunda (que
compõe o grupo de visão subnormal ou baixa visão) e ausência total da resposta
visual (cegueira).

Segundo a OMS (Bangkok, 1992), o indivíduo com baixa visão ou visão


subnormal é aquele que apresenta diminuição das suas respostas visuais, mesmo
após tratamento e/ ou correção óptica convencional, e uma acuidade visual me-
nor que 6/ 18 à percepção de luz, ou um campo visual menor que 10 graus do
seu ponto de fixação, mas que usa ou é potencialmente capaz de usar a visão
para o planejamento e/ ou execução de uma tarefa.

Os estudos desenvolvidos por BARRAGA (1976), distinguem três tipos de de-


ficiência visual:
- CEGOS: têm somente a percepção da luz ou nenhuma visão e precisam
aprender através do método Braille e de meios de comunicação que não este-
jam relacionados com o uso da visão.
- Pessoas com VISÃO PARCIAL: têm limitações da visão à distância, mas são
capazes de ver objetos e materiais quando estão a poucos centímetros ou no
máximo a meio metro de distância.
- Pessoas com VISÃO REDUZIDA: são considerados com visão reduzida in-
divíduos que podem ter seu problema corrigido por cirurgias ou pela utiliza-
ção de lentes.

Dicas de Convivência:
- Evite utilizar os advérbios, aqui, lá, cá, etc, de maneira inadequada.
- Ofereça sua ajuda sempre que uma pessoa cega pareça necessitar. Mas não
ajude sem que ela concorde.
- Sempre pergunte antes de agir. Se você não souber em que e como ajudar,
peça explicações de como fazê-lo.
- Ao guiar uma pessoa cega, não a pegue pelo braço: além de perigoso, isso
pode assustá-la. Ao contrário, ela é quem deve apoiar-se no braço de quem a
conduz, ou ainda de preferência no cotovelo ou no ombro. À medida que
encontrar degraus, meios fios e outros obstáculos, vá orientando-a. Em luga-
res muito estreitos para duas pessoas caminharem lado a lado, ponha seu
braço para trás de modo que a pessoa cega possa segui-lo.
- Ao sair de uma sala, informe à pessoa cega; é desagradável para qualquer
pessoa falar para o vazio. Não evite palavras como “cego”, “olhar” ou “ver”, as
pessoas cegas também as usam.

Livro-texto 1 25
- Ao explicar direções para uma pessoa cega, seja o mais claro e específico
possível. Não se esqueça de indicar os obstáculos que existem no caminho
que ela vai seguir.
- Ao guiar uma pessoa cega para uma cadeira, guie a sua mão para o encosto da
cadeira, e informe se a cadeira tem braços ou não;
- Uma pessoa cega é como você, só que não enxerga; trate-a com o mesmo
respeito com que você trata uma pessoa vidente.
- Converse com a pessoa cega em tom de voz normal; ela não é surda.
- Atravesse a pessoa cega sempre em linha reta, para que ela não perca a dire-
ção.

O aluno cego na sala de aula:


- Sempre que estiver escrevendo no quadro, fale o que está fazendo, lembre-
se o seu aluno não enxerga.
- Evite utilizar os advérbios “aqui”, “lá”, “cá”, etc. de maneira inadequada, eles
atrapalham a compreensão e o entendimento do aluno.
- Quando estiver manuseando recursos áudio visuais, descreva o que está pro-
posto em cada recurso.
- Ao utilizar filme em sala aula, descreva o filme, ou peça que algum colega o
ajude.
- Ao trabalhar com mapas, gráficos, figuras em geral, descreva-os lembrando
que nem sempre o aluno cego já enxergou, com isso a sua compreensão do
mundo visual é diferente da nossa.
- Nunca o puxe pelo braço ou pela mão, pergunte se precisa de ajuda e se este
confirmar, deixe-o segurar no seu cotovelo e caminhe em direção à cadeira.

CONVIVENDO COM O ALUNO COM DEFICIÊNCIA MENTAL


OU DEFICIÊNCIA COGNITIVA

Conceito:

Não é consensual a definição de deficiência mental, embora a mais aceita seja a


conceituação da AAMD/92:

A “deficiência mental refere-se a um estado de funcionamento atípico no seio da


comunidade, manifestando-se logo na infância, em que as limitações do funcio-
namento intelectual (inteligência) coexistem com as limitações no comportamen-
to adaptativo. para qualquer pessoa com deficiência mental, a descrição deste
estado de funcionamento exige o conhecimento das suas capacidades e uma com-
preensão da estrutura e expectativas do meio social e pessoal do indivíduo”
(Luckasson, et al, 1992, citado em Correia, 1997 p. 54-55).

Esse conceito, que pressupõe novas formas de diagnosticar a deficiência mental,


ficou conhecido como:

SISTEMA 92: Adota um novo modelo para compreensão das pessoas com defi-
ciência mental. A ação diagnóstica é baseada nas inter-relações dessa pessoa com

26 Educação Especial Inclusiva • Ênfase em Ciências Humanas


seu meio. Busca ainda identificar os apoios que essa pessoa necessita para ter
maior funcionalidade no ambiente em que vive.

Na identificação de crianças com deficiência mental, dá-se atenção a duas áreas:


funcionamento intelectual e os comportamentos adap-tativos.

O funcionamento intelectual está relacionado com as áreas acadêmicas; a capa-


cidade de um indivíduo resolver problemas e acumular conhecimentos costuma
ser medida pelos testes de inteligência.

O comportamento adaptativo refere-se às capacidades necessárias para um in-


divíduo se adaptar e interagir no seu ambiente de acordo com o seu grupo etário
e cultural.

A pessoa deverá ser avaliada nos dois aspectos e em todas as áreas do comporta-
mento adaptativo citadas anteriormente, verificando-se em cada uma delas o
que essa pessoa faz sem apoio, o que faz com apoio e o que ela não consegue
fazer.

A INTENSIDADE dos apoios que essa pessoa necessitará também deverá ser
definida: permanente, transitório, intermitente, contínuo, intenso.

Dicas de convivência:
- Deficiência mental não significa infância eterna. Não trate a pessoa sempre
como a uma criança.
- Respeite os ciclos de vida e suas características: pessoas com deficiência men-
tal também vivenciam os intrigantes e desafiadores conflitos da adolescência,
idade adulta e velhice.
- Enriqueça o ambiente com estímulos e desafios.
- Desenvolva expectativas positivas em relação à pessoa: elas irão determinar
boa parte de seu futuro.
- Proporcione situações de trocas sociais e de relações afetivas: o desenvolvi-
mento da inteligência é impulsionado por elas.
- A criança com deficiência mental necessita de estímulos, convivência social
com seus pares, desafios, limites, como qualquer criança.
- Pessoas com deficiência mental grave e sem condições de se beneficiarem
dos programas de educação profissional, devem ter suas necessidades básicas
atendidas através de programas de Educação Continuada, focalizadas na in-
clusão social, lazer e preservação da qualidade de vida.
- Adolescentes e adultos com deficiência mental necessitam de programas fun-
cionais que os prepare para a vida, através do trabalho, de forma real, funcio-
nal e com o olhar voltado para suas necessidades futuras.

O aluno com deficiência mental na sala de aula:


- Antes de dizer “ele não vai conseguir”, dê ao seu aluno uma oportunidade.
- Respeite o seu ritmo para que possa aprender.
- Procure caminhos alternativos para a aprendizagem de um mesmo conteúdo.

Livro-texto 1 27
- Permita que seu aluno faça escolhas, cometa erros, se arrisque. Somente as-
sim ele poderá atingir a independência e a autonomia.
- Alunos com deficiência mental necessitam de escolas com currículos plane-
jados, programas e estratégias de ensino bem elaboradoras de modo a facili-
tar a aprendizagem dos conteúdos curriculares
- Organize os espaços escolares e as atividades pedagógicas de forma clara,
simples e objetiva.
- Dê instruções curtas e seqüenciais.
Lembre-se:
- Adote sempre que possível atividades em grupo.
Deficiência não é do- - Acredite na capacidade de seu aluno. Estimule-o a explorá-la.
ença. É uma condição.

REFLEXÕES FINAIS:

A educação inclusiva é, atualmente, um enorme desafio para o nosso sistema edu-


cacional.

Ela representa um novo caminho que está sendo construído por tantas e tantas
pessoas que sonham com uma sociedade justa, solidária e pronta para garantir os
direitos de todas as pessoas que nela vivem.

Quando falamos em viver, estamos preocupados com o sentido pleno da palavra:


viver significa conviver, compartilhar, desfrutar, participar, relacionar, interagir, tro-
car.

Sabemos que essas vivências continuam sendo, senão negadas, ainda dificultadas
para um número significativo de crianças, jovens e adultos com deficiência.

A educação inclusiva é, sem dúvida, uma conquista que vai facilitar que essas
vivências passem a fazer parte da vida de todas essas pessoas, cidadãos de direitos
e deveres, como todos.

Não temos dúvida de que a inclusão escolar se fará pela inquietação coletiva de
educadores e educandos e pelos desafios que estão mobilizando profissionais, alu-
nos, pais e governantes.

Este texto pretende provocar e estimular a discussão entre todos aqueles que quei-
ram compreender de que escola estamos falando, quando falamos de um sistema
educacional inclusivo.

Esperamos que cada professor, sentindo-se motivado por essas reflexões, possa
acrescentar muitas e muitas outras, surgidas no cotidiano de sua convivência com a
diferença de seus alunos.

28 Educação Especial Inclusiva • Ênfase em Ciências Humanas


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
BRASIL. Constituição Federal, de 5 de outubro de 1988 – Dispõe sobre as fon-
tes, propósitos e usos do poder público, e as restrições e limites desse poder.

BRASIL. Decreto Federal nº 3.298/99, de 20 de dezembro de 1999. Regulamenta a Lei


n° 7.853, de 24 de outubro de 1989, dispõe sobre a Política Nacional para a Integração
da Pessoa Portadora de Deficiência, consolida as normas de proteção, e dá outras
providências.

BRASIL. Lei nº 7.853, de 24 de outubro de 1989. Dispõe sobre o apoio às pessoas


portadoras de deficiência, sua integração social, sobre a Coordenadoria Nacional para
Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (CORDE), institui a tutela jurisdicional
de interesses coletivos ou difusos dessas pessoas, disciplina a atuação do Ministério
Público, define crimes, e dá outras providências.

BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 – Estabelece as Diretrizes e Bases


da Educação Naciona.l

COLL, César e outros. Desenvolvimento Psicológico e Educação. Necessidades


Educativas

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tembro de 2001. Institui Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação
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30 Educação Especial Inclusiva • Ênfase em Ciências Humanas


Aprendizagem e
Desenvolvimento
da Inteligência
Mercia Moreira

INTRODUÇÃO

A inteligência humana, também entendida como capacidade mental, é um concei-


to controvertido, historicamente. O desvendamento do seu real significado se co-
loca para nós, educadores, especialmente, quando nos defrontamos com crianças
que apresentam déficit ou dificuldades de aprendizagem ou de adaptação.

Para muitos, a inteligência e o desenvolvimento mental são vistos, simplesmente,


como algo que qualifica uma pessoa para resolver problemas corretamente, de
modo que possa se adaptar a situações novas ou aprender algo. Para o educador,
contudo, a resposta a algumas questões relativas à natureza da inteligência e do
desenvolvimento mental se torna fundamental na condução do processo ensino-
aprendizagem, como por exemplo: esses processos são inatos? São adquiridos? Po-
dem modificar-se ou permanecem constantes ao longo do desenvolvimento?

As primeiras tentativas de caracterizar a inteligência foram feitas usando-se escalas


psicométricas e testes que visavam medir o nível e o tipo de inteligência, com o
pressuposto de que tais características expressavam diferenças individuais geneti-
camente herdadas. Com o advento da psicologia moderna, marcado pela criação
do primeiro laboratório de psicologia experimental em 1879, em Leipzig, várias
escolas se formaram, com abordagens bem diferentes, entre as quais destacamos o
Behaviorismo e a Gestalt.

A partir do início do século XX, passam a ser divulgados os estudos de Piaget (1896-
1980) e de Vygotsky (1896-1934), que trouxeram grandes avanços na explicação
do desenvolvimento cognitivo humano. E é na contribuição das idéias desses autores
para a compreensão do processo ensino-aprendizagem que será dada ênfase, nesta
primeira parte do curso de atualização para professores de crianças portadoras de
necessidades especiais.

Precedendo, contudo, essa abordagem, serão analisadas a teoria Behaviorista e a


teoria da Gestalt, pela influência que tiveram e continuam a ter, ainda hoje, no
campo da educação.

O objetivo primordial do estudo ora iniciado é propiciar uma reflexão sobre as


diferentes visões da aprendizagem, de modo a ampliar as possibilidades de ação
pedagógica dos professores junto às escolas destinadas ao atendimento de crianças
com necessidades especiais.

Livro-texto 1 31
TEORIAS BEHAVIORISTAS – VISÃO EMPIRISTA DA
APRENDIZAGEM

Quando se castiga uma criança, sempre que ela faz algo considerado errado, o pres-
suposto é de que o castigo removerá ou diminuirá aquele tipo de ação. Quando o
professor faz com que os estudantes executem, mecanicamente, inúmeras vezes
uma ação, o pressuposto é o de que a repetição garante a formação do comporta-
mento ou habilidade ou atitude que se deseja fixar. Esses são apenas dois exemplos
de uma das concepções do processo aprendizagem mais presente na prática peda-
gógica dos professores: a concepção empirista. Segundo esse ponto de vista, o co-
nhecimento parte, sempre, dos sentidos, que captam, através das sensações e per-
cepções, as impressões colhidas do mundo real.

A concepção empirista da aprendizagem encontra-se expressa nas teorias do condi-


cionamento humano. Foi com base no trabalho de um grande fisiologista russo, Ivan
Pavlov (1849-1936), que as teorias do condicionamento emergiram, como uma
tentativa de se encontrar explicações científicas para o comportamento humano.

Pavlov, no final do século XIX, realizando estudos sobre glândulas, observou que
animais, mantidos no laboratório onde desenvolvia suas pesquisas, começavam a
salivar logo que viam o seu tratador, ou seja, antes de receber o alimento. Formu-
lou, então, a hipótese de que isso ocorria em razão de uma associação feita, pelos
mesmos, entre o alimento e o tratador, já que bastava visualizarem esse último para
a ativação do reflexo de salivação.

A partir dessas observações, Pavlov criou um experimento para analisar o reflexo


de salivação de um cão e verificou que ele aprendeu a emitir respostas fisiológicas
por meio da associação entre estímulos.

Na mesma época em que Pavlov desenvolvia seus estudos, um psicólogo, E. L.


Thorndike (1874-1949), nos EEUU, realizou experimentos com animais deduzin-
do deles duas leis fundamentais da aprendizagem:
- Lei do efeito: todo organismo tende a repetir uma resposta a um estímulo do
meio que tenha produzido um efeito agradável;
- Lei do exercício: o vínculo entre um estímulo e uma resposta se torna mais forte
com o exercício e a repetição. Por outro lado, quando determinada situação é
raramente seguida por certa resposta, a associação entre o estímulo e essa res-
posta enfraquece.

No início do século XX, Watson, psicólogo americano, fundou o behaviorismo, um


ramo das ciências naturais voltado para o estudo do comportamento. Com seus
estudos, concluiu que o comportamento é sempre uma resposta do organismo hu-
mano ou animal a um estímulo presente no meio.

O maior expoente do behaviorismo foi Skinner (1904-1989), que procurou estu-


dar o comportamento por meio do uso de reforços (estímulos) como condição
para o controle da conduta humana. Para Skinner, quando queremos instalar, man-
ter ou remover qualquer comportamento, basta que utilizemos os reforços (estí-
mulos positivos ou negativos). Nessa perspectiva, nos contextos escolares, as no-
tas, elogios, prêmios, castigos, entre outros estímulos, são os verdadeiros responsá-
veis pelas mudanças de comportamentos.

32 Educação Especial Inclusiva • Ênfase em Ciências Humanas


Como se vê, todos esses estudiosos do comportamento colocam nos estímulos do
meio a responsabilidade total pela aprendizagem, com o pressuposto de que o com- Para refletir:
portamento humano é sempre moldado em decorrência de tais estímulos. Na prá- - Procure lembrar-se de
tica pedagógica, essa ênfase na importância decisiva dos estímulos reforçadores uma atividade ou de
gerou algumas posturas, como por exemplo: uma fala ou de uma
postura docente que
- Usar os reforços como sendo a condição mais importante do processo você tenha tido oportu-
ensinoaprendizagem; nidade de observar e
- Desconsiderar a existência das diferenças individuais e das motivações internas, que classificaria de
de ordem afetivo-cognitiva, como mobilizadoras do comportamento; empirista. Que carac-
- Planejar o processo ensino-aprendizagem centrando a preocupação nos conteú- terísticas da visão
dos a serem desenvolvidos; empirista do conheci-
mento se expressa na
- Controlar as respostas e os desempenhos dos alunos, de modo a evitar que o
situação lembrada?
erro ocorra para que não se formem associações indesejáveis;
- Em que circunstâncias,
- Desconsiderar a contribuição das interações entre os alunos, assim como os co-
a partir de sua prática,
nhecimentos prévios dos mesmos, uma vez que a aprendizagem depende, ex-
você poderia afirmar
clusivamente, das relações que se estabelecem entre os estímulos e as respostas
que os estímulos
individuais.
reforçadores são im-
portantes?
TEORIA DA GESTALT - VISÃO INATISTA DO CONHECIMENTO - Que pressuposto do
behaviorismo você des-
Quando as dificuldades de aprendizagem dos alunos são justificadas, unicamente, cartaria radicalmente?
pela sua falta de prontidão, por sua imaturidade ou por traço genético ou neuroló- Por quê?
gico, o pressuposto é de que tais condições são os fatores exclusivamente
determinantes das condutas observadas.

Tais posturas encontram respaldo em teorias que colocam o desenvolvimento


cognitivo como resultante de estruturas internas inatas que se impõem na relação
com o meio. A visão de conhecimento que mais expressa essa forma de compreen-
são do comportamento do homem é a da psicologia da gestalt. Segundo essa teoria,
o ser humano é dotado de estruturas pré-formadas que determinam e condicionam
todas as suas experiências perceptuais. Os principais gestaltistas foram Wertheimer
(1880-1943), Kohler (1887-1967), Koffka (1886-1941) e Kurt Lewin (1890-
1947).

Gestalt é uma palavra de origem alemã que significa forma, padrão, contorno, orga-
nização, estrutura, configuração. A psicologia da gestalt ou da forma opõe-se à con-
cepção empirista, por rejeitar a idéia de que o comportamento possa ser explicado
por uma determinação do meio, ou seja, pela simples associação entre estímulos e
respostas. Para a gestalt os estímulos só ganham sentido se inseridos num campo
de significações no qual a subjetividade predomina. É no campo da percepção que
a gestalt fundamenta as suas explicações para o conhecimento, pelo fato de existir
uma relação estreita com a maturação do sistema nervoso.

Segundo a gestalt, o que percebemos de imediato nas situações é sempre a totali-


dade e essa totalidade não pode ser entendida como a soma das partes, mas como
uma estrutura na qual cada elemento é o que é (Ou, talvez:...uma estrutura na qual
cada elemento se define) em decorrência de sua relação com os demais elementos.
Assim, o conhecimento se dá através de reorganizações progressivas de nosso cam-
po perceptual que recebem o nome de insight.

Livro-texto 1 33
Vejam algumas leis universais que regulam a percepção humana e mobilizam o
insight, segundo essa teoria:

- Figura e fundo: em toda percepção existe uma figura que se destaca sobre um
fundo mais geral. Uma música, por exemplo, destaca-se, se houver um fundo
de silêncio;

- Proximidade: as coisas e os objetos próximos no espaço ou no tempo tendem a


agruparse em unidades perceptivas;

O que é isto? (De W. Brown e H.C. Gilhousen,


College Psychology, Copyright 1949 de Prentice -
Hall, Nova York).

Fonte: Krech, D. e Crutchfield, R. 1971. p. 103.

- Semelhança: objetos e situações semelhantes tendem a se agrupar em unidades


perceptivas;

- Boa forma: linhas e configurações estáveis, como no caso de formas


arquitetônicas mais simétricas, são mais facilmente percebidas como um todo
unitário do que desenhos vagos e mal feitos;

- Fechamento: formas geométricas fechadas, como, por exemplo, círculos e qua-


drados, são vistas como unidades;

Exemplos de agrupamento. Em a, os pontos são percebidos em colunas verticais, por causa de sua maior proximidade na
direção vertical do que na horizontal. Em b, quando a proximidade é igual, as fileiras são percebidas como horizontais, devido
ao agrupamento por semelhança. Em c, o princípio da boa continuidade faz com que a figura do alto seja vista como constituída
de duas partes (apresentadas à esquerda, embaixo), mesmo que, de um ponto de vista lógico, pudesse ser igualmente composta
das duas partes apresentadas à direita, embaixo, ou ainda, em um grande número de outras combinações de duas ou mais
partes. (adaptado de Wertheimer, 1923)

Fonte: Krech, D. e Crutchfield, R. 1971. p.105.

34 Educação Especial Inclusiva • Ênfase em Ciências Humanas


Como se pode observar, a psicologia da gestalt tem como fundamento o inatismo
ou a préformação das estruturas do conhecimento.

À esquerda, a letra E é vista claramen-


te apesar da falta de contornos físi-
cos. À direita, a figura é percebida
como um triângulo, apesar da falta de
um dos ângulos.

Fonte: Krech, D. e Crutchfield, R.


1971. p. 10

Para refletir:
Eis alguns de seus pressupostos, usados para a condução da prática pedagógica do
professor: - Procure se lembrar de
uma atividade ou de
- Percebemos inicialmente o todo e não as partes; uma fala ou de uma
- A percepção depende do amadurecimento de certas estruturas nervosas; postura docente que
- O amadurecimento do sistema nervoso determina a possibilidade de conheci- você tenha tido opor-
mento; tunidade de observar
e que você classifica-
- As diferenças individuais devem ser a base para a organização do processo
ria de inatista.
ensinoaprendizagem;
- Que características da
- O professor é um simples facilitador da aprendizagem e o seu trabalho consiste
visão inatista do co-
em conduzir a atividade na sala de aula, de acordo com o ritmo de desenvolvi-
nhecimento se expres-
mento e aprendizagem de cada aluno.
sa na situação lembra-
da?
TEORIAS PSICOGENÉTICAS - VISÃO CONSTRUTIVISTA DA - Em sua opinião, as
APRENDIZAGEM leis da percepção po-
dem ajudar no plane-
Quando o professor se preocupa em saber quais são as condições atuais dos seus jamento e na condu-
alunos, que conhecimentos prévios eles possuem e planeja, a partir dessa avaliação, ção do processo ensi-
a forma de atuar no processo ensino-aprendizagem, ele estará, por certo, conside- no-aprendizagem? Se
rando os seguintes aspectos, entre outros: acha que sim, dê um
ou mais exemplos de
- O ponto de partida para o trabalho pedagógico é o aluno real, concreto, com atividades que poderi-
suas necessidades atuais e com quem passamos a nos relacionar e compartilhar am ser melhoradas,
experiências; levando em conta tais
- É fundamental o enriquecimento dos ambientes de aprendizagem para que es- princípios.
ses favoreçam as ações construtivas dos alunos e ampliem as chances da forma-
ção de novos conhecimentos;
- O acompanhamento da trajetória dos alunos, ajudando-os a interpretar seus er-
ros, é condição para que possam superar as suas dificuldades.

Essa forma de pensar o processo ensino-aprendizagem foi gerada - ou fortemente


influenciada - por algumas teorias construtivistas, de base interacionista, que surgi-
ram a partir do início do século XX e que buscaram superar as visões inatista e
empirista do conhecimento, explicando a aprendizagem através das trocas que o
indivíduo realiza com o meio. É mediante essas trocas - e não a partir de um

Livro-texto 1 35
determinismo ambiental ou orgânico - que o indivíduo organiza o seu conhecimen-
to sobre o real, ao mesmo tempo em que desenvolve a sua própria capacidade de
conhecer, ou seja, ao mesmo tempo em que desenvolve as suas estruturas do co-
nhecimento.

A concepção construtivista do conhecimento tem nos trabalhos de Piaget e de


Vygotsky a sua expressão máxima. As formulações básicas desses autores alcança-
ram grande progresso, especialmente com o desenvolvimento da teoria dos siste-
mas autônomos, como sistemas complexos, assim como com o desenvolvimento
de todo o conjunto de áreas de conhecimento que afluem para as Ciências da
Cognição (GIUSTA, 2003).

Nesta primeira parte do curso serão abordadas as principais contribuições de Piaget,


para a compreensão dos processos que envolvem o desenvolvimento cognitivo dos
indivíduos e as de Vygotsky, no que se refere, especialmente, à sua visão das rela-
ções existentes entre a aprendizagem e o desenvolvimento.

TEORIA COGNITIVA DE PIAGET

Para Piaget, a inteligência humana não é nem inata e nem determinada exclusiva-
mente pela ação do meio sobre o indivíduo. Para esse grande epistemólogo (aquele
que estuda o conhecimento), o desenvolvimento da inteligência se dá através da
sociogênese e da psicogênese.

A sociogênese diz respeito à produção coletiva do conhecimento, tal como se dá no


seio da sociedade e à sua transmissão de geração a geração, com as transformações
próprias de todo o dinamismo sócio-histórico.

A psicogênese diz respeito à formação do conhecimento no indivíduo, que conduz


à formação das estruturas cognitivas (inteligência).

Piaget identificou três tipos de estruturas que compõem a capacidade cognitiva do


indivíduo:

- Estruturas herdadas pela filogênese, ou seja, aquelas próprias da espécie, total-


mente inatas, totalmente programadas. Um exemplo dessas estruturas é o apa-
relho reprodutor, que permite uma certa previsibilidade de determinados com-
portamentos em certas épocas da vida do indivíduo (só é possível procriar, por
exemplo, depois da maturação sexual!);
- Estruturas parcialmente programadas, cujo desenvolvimento depende de cons-
truções sinápticas resultantes da interação do indivíduo com o meio. Como
exemplo, cita-se o sistema nervoso, cujo processo de mielinização depende das
trocas com o meio;
- Estruturas que não são em nada programadas, isto é, dependem totalmente das
trocas realizadas com o meio do conhecimento. Essas são as estruturas men-
tais, específicas para o ato de conhecer, que se tornam responsáveis pela nossa
capacidade de estabelecer relações.

Em relação ao desenvolvimento da inteligência, a novidade introduzida por Piaget


pode ser assim apresentada: se, por um lado, a espécie humana já traz no seu

36 Educação Especial Inclusiva • Ênfase em Ciências Humanas


genoma certas possibilidades, por outro lado, algumas delas só se concretizam como
um resultado das trocas realizadas com o meio. Disso resulta a idéia de que esse
processo é fundamental, especialmente em situações de déficit orgânico que impe-
çam que as trocas com o meio ocorram por iniciativa do sujeito, como no caso de
indivíduos que apresentam paralisia cerebral, por exemplo. Essa é uma das situa-
ções em que o uso do computador pode funcionar quase que como uma prótese e
pode substituir uma interação real, concreta, permitindo o desenvolvimento de
estruturas mentais.

Como se pode notar, Piaget modifica o conceito de orgânico, ao admitir que certas
estruturas mentais, inobserváveis diretamente e que se desenvolvem após o nasci-
mento, são construções orgânicas específicas para o ato de conhecer. Isso o levou a
abordá-las por meio de modelos construídos para esse fim, tal como procedem
alguns cientistas que, não podendo, por exemplo, estudar diretamente certos ele-
mentos ou fenômenos, mas conhecendo seus efeitos, idealizam modelos de sua
estrutura que são ou não confirmados pela observação.

Os modelos criados por Piaget levaram-no a formular hipóteses para explicar o


funcionamento da inteligência. A observação do comportamento infantil, com o
seu olhar de epistemólogo (aquele que estuda o conhecimento, como ele se dá), o
fez admitir que existe uma lógica subjacente às ações humanas, ou seja, a inteligên-
cia funciona sempre seriando, ordenando, classificando ou fazendo inferências. Esse
processo, inconsciente para quem age, é responsável pela formação das estruturas
mentais e só é detectável por quem observa e estuda o comportamento. Assim,
falando, escrevendo, lendo, andando, metabolizando alimentos ou usando o com-
putador, o indivíduo funciona conforme essa lógica das ações.

Piaget, mediante seus estudos sobre a epistemologia genética, abriu caminho para a
compreensão do conhecimento, trazendo explicações sobre como ele se forma, se
amplia e passa de níveis menos complexos para níveis cada vez mais complexos no
processo de conhecer.

Piaget nos mostrou, ainda, que o conhecimento implica organizar, estruturar e ex-
plicar as nossas experiências com o mundo dos objetos. Assim, a simples vivência
de certas situações não resulta, necessariamente, em conhecimento. Uma criança
pode, por exemplo, passar longos anos na escola e não saber escrever, contar etc,
ignorando o que mais circula na escola, que são essas aprendizagens.

Objetos e fatos adquirem, portanto, significações para a criança na escola, quando


inseridos em uma estrutura, em um sistema de relações. Isso ocorre a partir da sua
ação construtiva sobre os objetos do conhecimento. Essa condição é válida tanto
para as crianças que organizam o mundo quanto para o cientista que descobre regu-
laridades no funcionamento do universo. As diferenças entre um tipo de conheci-
mento (o da criança) e outro (o do cientista ou do adulto) são explicadas apenas
pelas possibilidades de conhecer, próprias de cada estágio do desenvolvimento
cognitivo (CHIAROTTINO, 1988).

Para a construção do conhecimento, contribuem dois tipos de experiência:


- Experiência física, da qual resulta a abstração empírica, que se apóia diretamen-
te nos resultados constatáveis, procedendo diretamente dos objetos ou dos as-

Livro-texto 1 37
pectos materiais das ações, embora se subordine à experiência lógico-matemáti-
ca. Como exemplo, citam-se as noções de peso e tamanho dos objetos.
- Experiência lógico-matemática, da qual resulta a abstração reflexiva, que decor-
re da construção de relações entre objetos, com as suas duas formas:
reflexionamento e reflexão. Como exemplo, pode-se apontar toda forma de
inferência lógica.
Em decorrência dessas duas formas de abstração, todo desenvolvimento atingido
em um certo estágio se projeta no seguinte (reflexionamento), exigindo, a partir
daí, uma construção e uma reorganização daquilo que foi construído, de um pata-
mar para outro. Esse desenvolvimento recursivo (movimento pelo qual se parte,
sempre, do que já existe, superando em complexidade o que já foi construído e
abrindo perspectiva para o novo, para novos possíveis) foi representado, por Piaget,
através de uma espiral.

Espiral utilizado por Piaget para represen-


tar o processo de formação do conhecimento.

A essência do processo cognitivo é uma equilibração majorante, que ocorre por


reconstruções endógenas, isto é, por reconstruções internas, caracterizadas por
novas combinações de esquemas (conceitos, habilidades, atitudes já formados) e
que explica a formação do conhecimento, da inteligência e do pensamento.

Para Piaget os processos mentais resultam de uma interação adaptativa do indiví-


duo ao meio do conhecimento por organizações progressivas, explicadas pelo pro-
cesso de assimilação e de acomodação, processos esses que regulam as trocas do
organismo com o meio. A assimilação caracteriza a aplicação, pelo sujeito, de es-
quemas já formados, motores ou conceituais, às demandas atuais do meio. Quando
o indivíduo não consegue, com as estruturas já existentes, responder, de modo
satisfatório, àquilo que lhe é solicitado pelo meio, ocorre um desequilíbrio entre os
seus instrumentos cognitivos atuais – condições e competências que ele dispõe
para agir sobre o meio, inerentes à estrutura já construída - e aqueles exigidos no
novo contexto. Esse desequilíbrio requer do organismo uma auto-regulação, que
implica uma reorganização dos esquemas (noções, conceitos, habilidades etc) em
funcionamento. A superação dos desequilíbrios acontece por meio de equilibrações
majorantes, isto é, por meio de uma reestruturação dos esquemas já formados, que
se projetam para novos patamares de conhecimento, resultando na construção
endógena de novos esquemas ou de novas estruturas do conhecimento.

Por exemplo, no plano motor, quando uma criança que já consegue andar com uma
certa desenvoltura (ou seja, já formou o esquema de andar) é desafiada a caminhar
carregando um certo objeto, normalmente se desequilibra e não prossegue na ca-

38 Educação Especial Inclusiva • Ênfase em Ciências Humanas


minhada. Quando isso acontece, procura sentar-se, evitando cair, e, só após um
certo esforço de reorganização dos movimentos, consegue andar, carregando, ao
mesmo tempo, um objeto. Como se vê, as novidades a desafiam a reorganizar as
aprendizagens já conquistadas, ampliando-as para níveis cada vez mais complexos e
estáveis.

A formação das estruturas cognitivas ou estruturas do conhecimento, por


equilibrações majorantes, encontra-se expressa na seqüência de estágios que carac-
teriza a passagem de estados de menor equilíbrio para os de um equilíbrio superior.
Em outras palavras, os estágios traduzem as diferentes formas de organização men-
tal presentes nas estruturas cognitivas. Cada uma dessas estruturas possibilita uma
certa maneira de o indivíduo relacionar-se com a realidade, de atuar sobre ela, de
compreendê-la.

A cronologia dos estágios (idade em que ocorrem) deve ser entendida como aproxi-
mações médias de tempos de aquisições freqüentes em nossa cultura. Seu valor é
apenas o de uma orientação básica, já que está sujeita a sensíveis diferenças indivi-
duais resultantes de múltiplos fatores.

Cada estágio comporta um nível de preparação e um nível de acabamento. Existe


uma recursividade constante na evolução do conhecimento, isto é, há sempre uma
volta ao estado anterior do conhecimento, que permite a integração de novas es-
truturas às formadas anteriormente.

A ordem de sucessão é invariável, podendo ocorrer defasagens, ou seja, o domínio


já alcançado de certas noções pode não se aplicar a todos os conteúdos. A criança
pode, por exemplo, raciocinar com a conservação de substâncias ou de massa e
ainda não aplicar essa noção a peso e volume.

Por exemplo, o fato de a criança já saber que a mudança na forma de uma massinha
(daquelas coloridas e vendidas numa caixinha) não altera a quantidade de massa
contida nas várias possibilidades de formatos (de bola, de salsicha ou de biscoito)
não nos assegura que ela seja capaz das mesmas conclusões, se for levada a compa-
rar quantidades iguais de líquidos distribuídos em vasilhames de diferentes forma-
tos (copos, largos, finos etc).

Com relação a estágios, é importante considerar que um atraso no desenvolvimen-


to individual não tem caráter irreversível, embora se possa afirmar que quanto
mais tardio o desenvolvimento, mais complexa se torna a modificabilidade de cer-
tas estruturas. Isso porque, com a complexidade do psiquismo humano, influenci-
ado por vários fatores de ordens diferentes, como o afetivo, o social, o motor, uma
resposta satisfatória às intervenções do meio torna-se cada vez mais difícil.

Piaget caracterizou a formação da inteligência mediante os seguintes estágios de


desenvolvimento cognitivo:

Estágio da inteligência sensório-motora

Estende-se do nascimento até por volta dos dois anos, aproximadamente. A inteli-
gência é, nessa fase, essencialmente prática e regulada pela percepção. As constru-
ções sensório-motoras das noções de espaço, tempo e causalidade garantem, nesse

Livro-texto 1 39
estágio, as bases para o desenvolvimento da inteligência lógica. Nele também os
processos de assimilação e de acomodação se dissociam, de modo a garantir, pela
interação criança-meio, a construção de esquemas práticos e a organização da reali-
dade.

Estágio da inteligência lógico concreta

Expressa-se a partir dos três anos, aproximadamente, e subdivide em dois


subestágios: o da inteligência pré-operatória e o da inteligência operatório concre-
ta.

O primeiro subestágio, o da inteligência pré-operatória, envolve basicamente a aqui-


sição inicial da linguagem e as manifestações do pensamento intuitivo. A linguagem
como modo de representação da realidade manifesta-se pelo jogo simbólico ou
pela brincadeira do faz-de-conta, pela imitação, pelo desenho, pela fala e pela ima-
gem mental.

Com relação à forma de pensamento, verifica-se que a criança, nesse subestágio,


raciocina de modo intuitivo, ou seja, tira suas conclusões indo do particular para o
particular. A criança não percebe, por esse motivo, as contradições de seu pensa-
mento, uma vez que não raciocina, ainda, com os princípios lógicos da invariância,
da reversibilidade e da coordenação de relações. Seu pensamento é, então, pré-
conceitual ou pré operatório, regulado por inferências particulares, egocêntricas e
desprovidas de uma objetividade que integre e coordene todos os dados ou ele-
mentos de uma situação qualquer.

O segundo subestágio, o da inteligência operatória, constitui a fase final da inteli-


gência lógico-concreta. O indivíduo, no seu raciocínio, já expressa a presença dos
seguintes esquemas lógicos:
- Reversibilidade – capacidade de percorrer um caminho cognitivo, seguindo uma
série de raciocínios e de transformações, bem como de inverter mentalmente a
direção inicial, voltando ao ponto de partida;
- Invariância – capacidade de não confundir forma com conteúdo, ou seja, de
não tirar conclusões lógicas somente através das aparências;
- Coordenação de relações – capacidade de aplicar regras ou normas lógicas, na
resolução de problemas, o que envolve os processos de seriação e classificação.
A capacidade de classificar, seriar e multiplicar logicamente permite lidar com a
idéia de número.

Estágio da Inteligência lógico-formal

Neste estágio, o indivíduo avança na direção de raciocínios que já não carecem de


apoio no real. O pensamento passa a se regular por raciocínios formais e abstratos.

Eis algumas das inferências possíveis de serem extraídas dos estudos piagetianos
sobre a formação do conhecimento e da inteligência:
- A inteligência não é um atributo dado “a priori”, mediante a transmissão genéti-
ca. Também não é algo produzido unicamente pela ação do meio sobre os indiví-
duos. Ela é produzida por meio das trocas que cada pessoa realiza com o meio.

40 Educação Especial Inclusiva • Ênfase em Ciências Humanas


Para essas trocas são importantes tanto os esquemas atuais do indivíduo (seus
Para refletir:
conceitos, habilidades, etc) quanto as condições presentes no meio do conheci-
mento (estímulos e objetos provocadores da ação do individuo). - Procure se lembrar de
- O trabalho educativo nas escolas é fator determinante da aprendizagem e do uma atividade ou de
uma fala ou de uma
desenvolvimento dos alunos.
postura docente que
- Os ambientes de aprendizagem devem contribuir para efetivas e ricas trocas você tenha tido oportu-
entre o aluno, com seus esquemas atuais, e o meio. nidade de observar e
- Ações educativas, planejadas num projeto pedagógico de atuação na sala de aula, que classificaria de
ampliam as chances de aprendizagem e, com ela, de desenvolvimento sócio- construtivista.
afetivo e cognitivo dos alunos. - Com base nos estudos
sobre as idéias de
Piaget, aponte pelo me-
VYGOTSKY E A RELAÇÃO ENTRE APRENDIZAGEM E DESENVOLVI- nos 3 razões que justi-
MENTO fiquem sua resposta.

Vygotsky (1896), psicólogo soviético, mudou definitivamente o enfoque dado aos - Cite, pelo menos, três
condições que, segun-
estudos da relação entre desenvolvimento e aprendizagem. Ele verificou que esses
do Piaget, imprimem
processos vinham sendo tratados como se não tivessem uma relação estreita entre
um sentido construti-
si. Por incrível que possa parecer, essa visão pode ser constatada em certos cursos
vista ao processo ensi-
de Pedagogia e de Psicologia que, ainda hoje, abordam, separadamente, a Psicologia
no-aprendizagem.
do Desenvolvimento e a Psicologia da Aprendizagem.

Após a divulgação dos trabalhos de Vygotsky, que só aconteceu, aproximadamente,


nos anos 70, essa forma de concepção pôde ser superada por aqueles que passaram
a entender, como este autor, que a aprendizagem tem um papel fundamental no
desenvolvimento.

Vygotsky, em seus estudos, procurou mostrar que a aprendizagem da criança co-


meça muito antes da aprendizagem escolar. Assim, quando ela chega na escola, já
traz no seu desenvolvimento uma pré-história, o que vai indicar a existência de
uma relação estreita entre o seu desenvolvimento e um tipo de aprendizagem já
efetivada.

Apoiado nesses estudos, esse psicólogo verificou que existem dois níveis de desen-
volvimento: o real ou efetivo e o potencial. O desenvolvimento efetivo é aquele já
concluído e que habilita a criança para resolver certas atividades com independên-
cia, ou seja, sem ajuda. Entretanto, existe um nível de desenvolvimento que não
aparece nos testes, mas que pode ser detectado quando conseguimos fazer com
que a criança seja capaz de realizar algo - que não conseguiria realizar independen-
temente - com ajuda. Esse tipo de intervenção é possível acontecer no que Vygotsky
denominou de zona de desenvolvimento proximal (ZDP), entendida como a distân-
cia entre o nível de desenvolvimento real ou efetivo e o de desenvolvimento poten-
cial. E o mais importante é que aquilo que a criança é capaz de fazer com ajuda,
através da ZDP, poderá, mais tarde, ser feito de modo autônomo, resultando na
sua transformação em desenvolvimento efetivo e na formação de novas zonas de
desenvolvimento potencial.

Essas idéias devem nos alertar para uma das funções primordiais da escola: a de
favorecer o desenvolvimento de certas capacidades, apoiando, dando suporte, cri-
ando “próteses” (no sentido metafórico), quando necessário, para ampliar as possi-

Livro-texto 1 41
bilidades de aprendizagem e de desenvolvimento, em lugar de limitar as chances
Para refletir: de o aluno avançar, como acontece em muitas de nossas escolas.
- Procure se lembrar de
uma atividade ou de Enfim, um dos compromissos da educação, em qualquer nível ou modalidade, é o
uma fala ou de uma de criar, progressivamente, novas zonas de desenvolvimento potencial, para nelas
postura docente que intervir e trabalhar ajudando os alunos a superar as suas dificuldades e limitações.
você tenha tido opor-
tunidade de observar e
que tem o papel de in- CONCLUSÕES
tervir na ZDP. Com
base nos estudos sobre Como foi visto ao longo deste texto, existem formas diferentes de explicar a apren-
as relações entre a dizagem e sua relação com o desenvolvimento da inteligência.
aprendizagem e o de-
senvolvimento de Segundo a visão empirista, aprendizagem e desenvolvimento se confundem, o que
Vygotsky, aponte pelo acarreta, na prática, o negligenciamento das condições internas do indivíduo. Essa
menos 3 razões que concepção se expressa no trabalho do professor que lida com o aluno como sendo
justifiquem sua res- respondente, apenas, aos estímulos do meio. Lamentavelmente, essa concepção
posta. ainda está presente nos contextos educativos.

Segundo a visão inatista, a aprendizagem é explicada como decorrente do amadu-


recimento cognitivo do indivíduo, processo esse interno e pouco ou nada influenci-
ado por fatores do meio externo. Essa é, também, uma das concepções que ainda
permeia a prática pedagógica dos professores nas escolas especiais.

A visão construtivista da aprendizagem não admite nenhuma forma de


determinismo, seja do meio ou das condições inerentes à carga genética do indiví-
duo. Nessa perspectiva, aprendizagem se relaciona com o processo de desenvolvi-
mento, o que coloca o trabalho educativo como fator mobilizador do desenvolvi-
mento da inteligência.

Entendemos que o trabalho pedagógico nas escolas especiais, se conduzido dentro


de uma visão construtivista do processo ensino-aprendizagem, propiciará melhores
condições para o desenvolvimento de crianças com necessidades especiais. É den-
tro dessa concepção que esperamos que os professores das APAES passem a atuar
nas escolas.

42 Educação Especial Inclusiva • Ênfase em Ciências Humanas


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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São Paulo: Campinas, 2001.

PARA SABER MAIS


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VYGOTSKY, L.S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1984.

VYGOTSKY, L. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1987.

Livro-texto 1 43
Tempo: uma categoria central do
pensamento e da ação humana
Lana Mara de Castro Siman
Doutora em Didática da História Université Laval, Québec-Canadá

Soraia Freitas Dutra


Mestre em Educação UFMG

“Ser membro de uma comunidade humana é situar-se em relação ao


seu passado (ou da comunidade). O passado é, portanto, uma dimen-
são humana, um componente inevitável das instituições, valores e
padrões de uma sociedade humana. O problema para os historiadores
é analisar a natureza desse “sentido do passado “ na sociedade e
localizar suas mudanças e transformações” (HOBSBAWM, 1998).

Se para o historiador o problema é analisar a natureza do “sentido do passado” na


sociedade e localizar suas mudanças e transformações, qual seria o papel do profes-
sor, diante de alunos com experiências sociais e cognitivas em relação ao tempo tão
diferenciadas e com ritmos e formas de aprendizagem tão diversas? Como contri-
buir para que essas crianças criem o sentido do passado, se situem em relação a ele
e compreendam as mudanças e transformações na sociedade em que vivem para
delas participarem?

Nosso objetivo é oferecer algumas contribuições de estudiosos que se dedicaram a


compreender como as crianças constroem o sentido do tempo, do passado, das
relações entre presente, passado e futuro com vistas a iniciarmos respostas a essas
questões. No entanto, tais respostas só ocorrerão através de um diálogo dessas
referências com as experiências e conhecimentos que, nós professores, vimos ad-
quirindo por meio de processos de formação e de práticas docentes.

A CONSTRUÇÃO DAS NOÇÕES DE TEMPO

As idéias que temos de tempo não são inatas e nem automaticamente apreendidas.
Elas são construções intelectuais que resultam de nossas experiências e ações e
começam a se desenvolver desde nossos primeiros anos de vida.

Como afirma Pomian (1993:69), “o pensamento temporal de cada indivíduo reve-


la-se como produto da história; nada é dado, tudo é conquista que ele realiza ao
longo de seu desenvolvimento”.

44 Educação Especial Inclusiva • Ênfase em Ciências Humanas


Piaget (1946) dedicou-se a compreender o processo de desenvolvimento das no-
ções de tempo nas crianças no contexto das ciências físicas e da matemática. Para
esse autor, as noções de tempo envolvem a ordenação dos acontecimentos segundo
a sua sucessão temporal; o estabelecimento da igualdade de duas durações simultâ-
neas; o acréscimo de uma duração a outra e a sua soma a uma terceira; a divisão das
durações em unidades de tempo susceptíveis de serem repetidas e aplicadas a qual-
quer intervalo temporal. Todas essas operações (ordenação/sucessão, duração e si-
multaneidade) constituem objeto de uma aprendizagem que ocupa todo o período
da infância.

Ao analisar as dimensões do tempo físico, Piaget estudou pontualmente cada uma


dessas noções que interferem na construção da noção temporal: a sucessão; a dura-
ção; a simultaneidade; a sincronia dos movimentos; a aditividade e associatividade
das durações de trajeto; e a noção de tempo métrico, tomando por base os relógios
e ampulhetas. Todas essas operações, segundo Piaget, vão sendo gradualmente de-
senvolvidas nos diferentes estágios de desenvolvimento da criança: opera-se desde
o período sensório-motor até o período das operações formais.

Vejamos, no quadro a seguir, quais são as principais operações que se desenvolvem


ao longo do tempo e como as noções temporais acompanham esse desenvolvimen-
to, contribuindo para a construção da perspectiva da temporalidade histórica.

OS ESTÁGIOS DE DESENVOLVIMENTO INTELECTUAL SEGUNDO PIAGET


E O DESENVOLVIMENTO DA NOÇÃO DE TEMPO HISTÓRICO

ESTÁGIOS DE CONTRUÇOES DE
DESENVOL- CARACTERÍSTICAS NOÇÕES DE TEMPO E
VIMENTO PRINCIPAIS DA PERSPECTIVA DA EXEMPLOS
INTELECTUAL TEMPORALIDADE HISTÓRICA

Organização temporal das próprias Quando sente fome


Pensamento reflexo funções vitais. procura o que sugar;
resultando da percep- acorda e choras em
ção e da ação motora. Progressivamente inicia sua localiza- horários cada vez mais
Operações reflexas ção no tempo e no espaço pela regulares para saciar a
SENSÓRIO– difusas dando um ca- memória. Diante de uma determi- fome.
MOTOR ráter disperso ao seu nada situação tornar-se capaz de
(0-2 anos) comportamento. lembrar-se não somente de sua Localiza objetos com
ação, como o também do objeto pre- os quais já brincou em
Consciência da reali- sente na ação; deantecipar o futuro tempos cada vez mais
dade das coisas e das pela utilização prática no passado, distantes do presente
pessoas. ou seja, apresenta uma atitude de imediato.
procura do que já experimentou no
passado.

Livro-texto 1 45
OS ESTÁGIOS DE DESENVOLVIMENTO INTELECTUAL SEGUNDO PIAGET E O
DESENVOLVIMENTO DA NOÇÃO DE TEMPO HISTÓRICO (continuação)

ESTÁGIOS DE
DESENVOL- CARACTERÍSTICAS CONTRUÇOES DE NOÇÕES DE
VIMENTO PRINCIPAIS TEMPO E DA PERSPECTIVA DA EXEMPLOS
INTELECTUAL TEMPORALIDADE HISTÓRICA

Pensamento egocên-trico:
o sujeito se considera no Observa-se que as primeiras intui- O que foi feito antes e de-
centro de todas as ações. ções temporais são centradas sobre pois de chegar a escola.
Não é capaz de considerar alguma relação privilegiada ligada ao Quem nasceu antes?
mais do que um fato a ca- egocentrismo. A criança inicia a ca-
da vez. Sua percepção é pacidade de ordenar os acontecimen- Seu pai ou o seu avô?
submetida às percepções tos em ordem de sucessão temporal,
imediatas. Não é capaz de demonstra uma intuição da noção O que fez durante as fé-
Pré-operatório reversibilida-de, mas pode da duração social do tempo, sem, rias, o recreio? O que
(2-7 anos) descobrir o certo por en- contudo, quantificá-las. dura mais: o tempo de
saio e erro. A aquisição da aulas ou o tempo de féri-
linguagem muda as condi- as?
ções do seu pensamento

A criança torna-se capaz de seriar, O que dura mais uma se-


classificar, operar com medidas do mana ou um mês, um mês
tempo, quantificar a duração do tem- ou um ano; quanto dura
po, situar um acontecimento num in- um século e quais as me-
tervalo de tempo maior e em diferen- didas de tempo são utili-
tes espaços. Torna-se capaz, tam- zadas.
bém, de identificar simultaneidade
entre diferentes acontecimentos; de Quanto tempo passou
reconhecer as relações causais. No entre o nascimento de
entanto, todas essas operações con- sue pai e o seu nascimen-
tinuam submetidas às percepções to; entre o nascimento de
imediatas e ao concreto. A criança Cristo e o “descobrimento”
torna-se capaz de se colocar no lugar do Brasil.
Torna-se capaz de do OUTRO em tempo e espaço dife-
reversibilidade operatória, rentes do seu (EMPATIA); considera Quantos colegas da turma
abandonando o egocen- que o outro pode ter pontos de vista nasceram ao mesmo
Operatório diferentes do seu. tempo, ou seja, no mes-
trismo. A simultaneidade
concreto mo ano em que você?
das ações e acontecimen-
(7-11 anos) A criança começa a entender que a
tos começa a ser percebi-
da pela criança à medida História é uma interpretação: pode Relaciona temporal-
que ela se libera da con- ser plural e ter valor.Começa a en- mente dados da sua his-
cepção egocêntrica. tender que as situações históricas de- tória pessoal e da de seus
pendem de vários fatores e que es- grupos sociais de
tão inter-relacionados (CAUSALIDA- referencia com aconteci-
DE MÚLTIPLA). Organiza séries tem- mentos da História da ci-
porais. Torna-se capaz de lidar con- dade, do país e do mundo.
ceitos.
Lida com conceitos para
Torna-se capaz de REVERSIBILIDADE analisar as realidades his-
operatória: uma vez concluído um tóricas.
“caminho” de raciocínio é capaz de
voltar atrás, de reexamina-lo ou ain- Reconhece a relação entre
da, no “no meio do caminho”, mudar tempo e cultura.
a direção do seu raciocínio.
Reconhece que num mes-
Todas essas aquisições estão subme- mo tempo cronológico po-
tidas às percepções imediatas e ao demos identificar múlti-
caráter CONCRETO das matérias. plas temporali-dades.

46 Educação Especial Inclusiva • Ênfase em Ciências Humanas


OS ESTÁGIOS DE DESENVOLVIMENTO INTELECTUAL SEGUNDO PIAGET E O
DESENVOLVIMENTO DA NOÇÃO DE TEMPO HISTÓRICO (continuação)

CONTRUÇOES DE
ESTÁGIOS DE
NOÇÕES DE TEMPO E
DESENVOL- CARACTERÍSTICAS
DA PERSPECTIVA DA EXEMPLOS
VIMENTO PRINCIPAIS
TEMPORALIDADE
INTELECTUAL
HISTÓRICA

Torna-se capaz de estabelecer re-


Nesse estágio torna - se ca-
lações entre o presente, o passa-
Acesso ao pensamento paz de lidar com a comple-
do e o futuro, numa perspectiva
hipotético dedutivo. As xidade que envolve a
de longa duração; de reconhe-
operações são sobre o temporalidade e o pensa-
cer a multiplicidade de ritmos
abstrato. Torna-se ca- mento histórico; torna-se
de mudança; de lidar com a re-
paz de considerar as capaz de utilizar critérios ci-
Operatório formal latividade temporal e cultural
possibilidades, de raci- entíficos para determinar o
(11- 16 anos +) da história; de buscar as eviden-
ocinar sobre raciocíni- valor de uma interpretação
cias para demonstrar suas hipó-
os. Nesse estágio a histórica; de construir narra-
teses; de utilizar as
reversibili-dade opera- tivas históricas, de argu-
periodizações da História de
tória é completamente mentar com base em evi-
maneira crítica; de distinguir e
atingida. Cultiva o gos- dencias; de estabelecer re-
relaciona o tempo vivido do tem-
to por idéias e ideais. lações entre as múltiplas di-
po histórico – concebido; de reco-
mensões da história: políti-
nhecer e utilizar múltiplas causas
cas, culturais, econômicas e
para construir explicações das
sociais da histórica.
mudanças históricas.

Após a apresentação desse quadro síntese1, que buscou estabelecer relações entre
o desenvolvimento do pensamento lógico, segundo Piaget, e o desenvolvimento do
pensamento Histórico – cuja noção de tempo tem um papel central -, torna-se
importante um conjunto de observações, a fim de que possamos melhor entender
e aproveitar essas idéias para o ensino da História, numa perspectiva de educação
inclusiva.

A noção de estágio - como vimos, Piaget distingue quatro estágios de desenvolvi-


mento. Os limites de idade para o desenvolvimento de cada um deles devem ser
tomados como uma referência e não como uma verdade fixa e imutável, pois sabe-
mos que as crianças com as quais trabalhamos são muito diversas no seu ritmo de
aprendizagem, nas suas experiências socioculturais, nas suas necessidades e capaci-
dades cognitivas e afetivas. As aquisições relativas a cada um desses estágios são de
longa duração e dependem não só da maturação, mas, igualmente, das condições
que o meio oferece para o seu desenvolvimento e a educação escolar desempenha,
nesse caso, um papel central.

A capacidade da descentração. Vimos que a capacidade de descentração- capaci-


dade de nos colocar no lugar do outro ou do diferente de nós que viveu no passado
ou numa cultura diferente- é essencial para o ensino da História. A aquisição dessa

1
Esse quadro síntese foi elaborado por Christian Laville, pesquisador canadense do ensino da História e Lana Mara de
Castro Siman.

Livro-texto 1 47
capacidade é também de longa duração e o ensino da História pode desempenhar
um papel muito importante para o seu desenvolvimento.

O concreto e o abstrato para a História. O concreto para a História não é reduzi-


do ao que é material ou a aquilo que podemos ver, tocar. Para a História, o
concreto é também a experiência pessoal e social de cada um de nossos alunos.
Daí, a importância do ensino da História para crianças e pré-adolescentes, abor-
dar TEMAS que elas possam reconhecer os traços, os vestígios na sua experiên-
cia e nos seus ambientes de vida, ou seja, no seu TEMPO VIVIDO. No entanto,
o TEMPO HISTÓRICO não se reduz ao tempo vivido. Para compreendê-lo, é
necessário que se desenvolva o pensamento abstrato formal por meio de Temas e
Atividades que estimulem os alunos a irem além do vivido, do experimentado;
que estimulem os alunos a passarem da indução à dedução, do concreto ao abs-
trato; a pensarem sem a presença de objetos concretos; a levantarem hipóteses
ou pensarem em possibilidades; a buscarem as evidências que as comprovem; a
relacionarem diferentes dimensões e ritmos de mudança no tempo; a identifica-
rem mudanças e permanências em diferentes tempos e espaços.

Esse quadro síntese nos permitiu ver, portanto, que a aquisição das noções de tem-
po e da perspectiva da TEMPORALIDADE HISTÓRICA não são inatas, mas sim
construções intelectuais que resultam da experiência e da ação. Ela se constrói ao
longo do tempo e parece acompanhar o processo do desenvolvimento do raciocínio
lógico, indo do estágio sensório motor ao operatório formal, passando pelo pré-
operatório e pelo operatório concreto. Vimos, também, que a aquisição da pers-
pectiva da temporalidade histórica comporta várias noções de tempo de físico e
social, ocorrendo paralelamente ao processo de DESCENTRAÇÃO e ao desenvol-
vimento do processo da LINGUAGEM. Por exemplo, a utilização adequada de
expressões- advérbios de tempo- que denotam ordenação, duração simultaneida-
de, tais como: antes, depois, durante, ao mesmo tempo, enquanto que, desde, até,
entre outras expressões. Vimos, ainda, que muitas das noções de tempo são da
ordem do tempo, físico e matemático: ordenação, sucessão, duração, simultanei-
dade, quantificação do tempo e que tais noções ganham sentido para o desenvolvi-
mento da temporalidade histórica ao se articularem à memória e ao sentido social
do tempo.

MEMÓRIA E EXPERÊNCIA SOCIAL DO TEMPO

Sabemos que o tempo histórico não se limita ao cronológico, à sucessão linear dos
acontecimentos no tempo físico. Portanto, concordamos com Poster (1979) quan-
do diz.
o sentido de passado histórico envolve muito mais do que relógios, calendá-
rios, seqüências, e categorização de um período de anos, como período clás-
sico ou outro período como a renascença. Um sentido de tempo físico é um
ingrediente necessário, mas não suficiente como idéia de passado. (Pôster,
1979:589).

Adquirimos o sentido do passado pela memória, ou seja, é através das lembranças


que recuperamos (...) a consciência de acontecimentos anteriores, que distingui-

48 Educação Especial Inclusiva • Ênfase em Ciências Humanas


mos o ontem do hoje e que confirmamos que já vivemos um passado
(LOWENTHAL, 1998).

O contato das crianças com os mais velhos e com a memória que eles trazem do
passado do grupo familiar permite às crianças que tomem consciência de outras
épocas e do princípio de alteridade, permitindo a elas que ressignifiquem a percep-
ção do seu próprio tempo. Como disse FRAISSE (1957) parte das nossas perspec-
tivas temporais vem da história da nossa infância e das nossas primeiras recorda-
ções, assim como das recordações dos nossos pais. Essa idéia é também reforçada
por LE GOFF (1992) quando esse historiador diz de sua própria experiência na
aquisição do sentido do tempo histórico:
(...) foi através da memória de meus pais – e ainda pelo contato com uma
memória dos tempos de sua infância e de sua juventude que sobrevivia nos
seus caracteres, nas suas idéias, nos seus comportamentos quotidianos – que
se edificou pouco a pouco em mim um sentido da duração, da continuidade
histórica e, ao mesmo tempo, das rupturas (LE GOFF, 1992:206).

Na memória, ou seja, quando nos recordamos do que se passou, há uma intuição


do tempo, da sua duração, da sucessão e simultaneidade nos acontecimentos e das
experiências no tempo. Na memória existe ainda o estabelecimento de relações
entre o presente, passado e o futuro. Sem essas categorias o vivido se torna incom-
preensível. Vejamos alguns exemplos de crianças em seus processos de construção
do sentido do tempo:
Quando meu avô tinha uns seis carros ele era pequeno e não tinha mini
bugre e hoje tem. O Tatá falou que só na época que eles andavam de carro-
ça. Hoje é diferente, as casas estão diferentes, eram de madeira, eram de
pau; hoje é de tijolo(...) no tempo do meu avô o que eles mais gostavam era
futebol e carrinho de madeira. ...um pouco igual, é que o carrinho hoje é de
plástico e antes era de madeira; isto porque são novos tempos.” (Hérc, 1º
ano do 1º ciclo, 1997. Projeto Desenvolvimento do Raciocínio Histórico: a
dimensão da temporalidade e causalidade histórica” FAE/ CP UFMG).

...”mudou tudo porque quando a minha avó fazia aquelas comidinhas, que
tinha aquelas panelinhas, tudo pequenininhas no fogão de lenha, na roça.
Só que não existe aqui em Belo Horizonte. Porque já passaram o tempo deles
e aí agora é nosso tempo, depois é o tempo de outras pessoas”. (Mari, 1º ano
do 1º ciclo, 1997. Projeto Desenvolvimento do Raciocínio Histórico: a di-
mensão da temporalidade e causalidade histórica” FAE/ CP UFMG).

Pudemos ver aqui que crianças auxiliadas pelas memórias dos mais velhos perce-
bem as durações, a simultaneidade, a sucessão, assim como as permanências e
mudanças, independentemente de saber, com exatidão, suas localizações no tem-
po cronológico: anos, séculos e outras marcações temporais.2

Para que a criança desenvolva uma verdadeira consciência do tempo, não é sufici-
ente apenas associar o tempo com movimentos externos, faz-se necessário, tam-
bém, que ela se dê conta que as coisas têm relação não apenas entre si, mas tam-

2
A esse respeito podemos examinar também estudo de NADAI E BITTENCOURT. Repensando a noção de tempo
histórico no ensino. In: PINSKY, Jaime (Org.) O Ensino de História e a Criação do Fato – 7a ed. – São Paulo: Contexto.
1997. p. 86.

Livro-texto 1 49
bém com elas mesmas. Isso só se torna possível com o desenvolvimento da memó-
ria. E esse sentido da memória na criança envolve suas vivências e experiências e as
do seu grupo de convívio familiar e social.(Wintrow, 1993).

Além de fruto da memória é importante lembrar que a aquisição de várias noções


de tempo é também fruto das vivências de temporalidade das crianças. O desen-
volvimento dessas noções está, portanto, ligado diretamente à organização do tra-
balho e às rotinas dos pais. Como argumenta Lahire (1997):
(...) o aluno que vive em um universo doméstico material e temporalmente
ordenado adquire, portanto, sem o perceber, métodos de organização, estru-
turas cognitivas ordenadas e predispostas a funcionar como estruturas de
ordenação do mundo. (LAHIRE, 1997:27).

Ao discutir as formas de organização doméstica, Lahire3 aponta o calendário e a


agenda (dentre outros) como objetos que não têm somente a função de objetivar o
tempo, mas em especial possibilitam “um planejamento das atividades que impli-
cam uma relação mais reflexiva ao tempo passado, presente e futuro o (...) que
possibilita, sobretudo, continuar a organizar a vida familiar enquanto o corpo está
ausente” (1997:21).

Vejamos a explicação dada por crianças de 9 anos de idade, quando forma a profes-
sora lhes perguntou para que serve o calendário4.

1- Profa.: Pra que serve o calendário gente?

2- Vit: Pra marcar dia, mês e ano.

3- Profa.: Serve pra mais o quê?

4- Vit: Pra nós saber o dia!

5- Gui: Pra nós saber o dia que vai dar o dia.

6- Nat: Eu acho que é assim, professora, por exemplo, ce vai ao médico, aí ele
marca pra você voltar, aí você vai lá e olha no calendário pra saber quando é
que tem que voltar.

Nesse exemplo temos indicações de que uma organização doméstica baseada numa
relação positiva com o tempo gera predisposições favoráveis ao desenvolvimento
cognitivo, à aquisição de estruturas cognitivas ordenadas que passam a funcionar
como “estruturas de ordenação do mundo” (LAHIRE, 1997:26). Vimos também,
por meio desse exemplo, que o professor poderá captar, através das falas e com-
portamentos das crianças, o mundo de significados particulares que elas trazem
como carga de experiências da sua vivência fora da sala de aula. (SMOLKA, 1989).
A sala de aula é assim concebida como um espaço de construção de conhecimento
através das interações sociais entre os diferentes sujeitos ali presentes.

3
Maiores informações em: LAHIRE, Bernard. Sucesso Escolar nos meios populares; as razões do improvável. São
Paulo: Editora Ática, 1997.
4
Este exemplo foi extraído de uma aula da Profa Soraia Freitas Dutra, no Centro Pedagógico da UFMG, no ano de
2000.

50 Educação Especial Inclusiva • Ênfase em Ciências Humanas


O TEMPO HISTÓRICO

O tempo histórico requer um sentido de existência no passado, bem como no


presente; requer um sentimento de pertencer, de estar dentro da história. Ao to-
mar contato com a memória do grupo de referência familiar - que traz em si a
vivência experienciada em outras épocas – as crianças são impulsionadas a sair do
pensamento de seu próprio tempo para pensar outros tempos, estabelecendo entre
esses semelhanças e diferenças e reconhecendo transformações e permanências.
Portanto, para o desenvolvimento do sentido do passado e da temporalidade histó-
rica, torna-se necessário partir da memória que as crianças guardam da sua própria
existência e da memória social transmitida pelos seus grupos de referência para
buscar as relações dessas com a memória histórica de sua sociedade, em outros
tempos e lugares. A apreensão da memória histórica não se dá de maneira direta,
mas sim através dos traços, dos testemunhos, dos vestígios do passado preservados
no presente, através de diferentes fontes documentais utilizadas e preservadas pelo
homem. Essas memórias também são encontradas nos “lugares da memória”: mu-
seus, sítios arqueológicos, monumentos, traçados das ruas etc. Os traços ou os
documentos deixados por aqueles que viveram antes de nós constituem-se, pois,
na matéria prima para a construção do conhecimento histórico e para a construção
de nossas identidades sociais.

Para se desenvolver a perspectiva do tempo histórico outras capacidades são inclu-


ídas. A capacidade de pensar em História envolve, ainda, a percepção da nossa
própria participação como agente histórico. Essa percepção exige o que Piaget cha-
ma de descentração, a que já nos referimos antes neste texto. A ausência dessa
capacidade pode também impedir que não incluamos a nossa história num contex-
to histórico maior, ou como disse Hobsbawn (1998), impedindo-nos de sentir
membro de uma comunidade humana, situando-nos em relação ao seu passado,
seu presente e futuro.

Promover essa descentração, ou seja, sermos capazes de nos colocarmos no lugar


do outro, em outros tempos e lugares - é também uma exigência para construção
de uma sociedade democrática, solidária e justa. Ao estudarmos a nossa História,
por exemplo, não podemos mais fazê-lo a partir da idéia da homogeneidade da
nossa sociedade, da unidade de interesses e de projetos dos diferentes grupos soci-
ais e culturais que a compõem, mas sobre a idéia da diversidade ou da
interculturalidade - não só sob o plano político-ideológico, ou econômico, mas tam-
bém sob o plano étnico-cultural, de gênero, etc. Ou seja, para entendermos nossa
sociedade, precisamos levar em conta a pluralidade constitutiva da sociedade bra-
sileira presente na nossa história, a existência de variadas formas de relação entre
as culturas (interação / incorporação, dominação e resistência), visando a reforçar
processos estruturadores da formação das identidades dos sujeitos.

Cabe ao professor promover, por meio de temas e atividades apropriadas, a passa-


gem e o diálogo entre o tempo vivido, experienciado e o tempo e memória do não
vivido diretamente. Por meio da metodologia da investigação e de fontes adequa-
das (fotografias, objetos, cartas e outros), as crianças podem ser estimuladas a ques-
tionar por que as coisas aconteceram desta maneira? Como homens, mulheres,
crianças de diferentes culturas e em diferentes momentos da história viveram e
responderam a determinadas situações no passado? Como a maneira de pensar,

Livro-texto 1 51
agir dessas pessoas influenciaram o nosso presente? O que mudou e o que perma-
neceu? As coisas mudaram da mesma forma em tempos e espaços diferentes? Os
homens reagem igual na mesma situação? Existem diferenças?

Assim, para aprendermos história – como sendo o estudo das ações, pensamentos
e relações dos homens no tempo - precisamos compreender a nossa própria
historicidade, as relações que a nossa história guarda com a história de nossos gru-
pos de referência, desses com a de nosso país e com a do mundo. Precisamos ainda,
compreender e explicar as relações entre as diferentes realidades sociais: aquelas
mais próximas e aquelas longínquas no tempo e no espaço; aquelas mais próximas
ou mais distantes do nosso universo sociocultural.

TEMPO E DIVERSIDADE CULTURAL

De diversas maneiras, diferentes povos preocuparam-se com a dimensão do tempo


e da temporalidade, revelando que “não há uma intuição única do tempo comum a
toda humanidade”. Conforme esse autor, “diferentes civilizações atribuíram dife-
rentes graus de significação ao modo temporal de existência e valorizaram mais ou
menos a perspectiva temporal” (WINTROW, 1993:23).

Nesse sentido, a própria idéia de tempo deve ser analisada numa perspectiva histó-
rica, como resultante de múltiplas experiências de mundo, num longo processo
evolutivo.

Nas sociedades indígenas brasileiras, por exemplo, o tempo está ligado aos fenô-
menos da natureza, obedecendo a uma circularidade que corresponde aos movi-
mentos repetitivos dos ciclos da natureza. Já nas sociedades industrializadas, o tem-
po está relacionado ao mundo do trabalho. Para Pomian (1993:33-34), foi “a disci-
plina no trabalho da indústria que proporcionou uma procura maciça pelos relógios
e inscreveu definitivamente o tempo quantitativo no corpo dos indivíduos”, atra-
vés do estabelecimento do tempo do trabalho e do tempo livre, do trabalho sema-
nal e da folga semanal.

Desse modo, diversas sociedades em diferentes tempos históricos lidaram com o


tempo conforme suas necessidades e possibilidades.

O tempo histórico é, pois, marcado pela pluralidade. Ele é tão múltiplo quanto é
múltipla a sociedade humana. O tempo histórico corresponde ao tempo da reali-
dade social: múltiplo, descontínuo, apresenta ritmos variados, refere-se a mudan-
ças e permanência.

Ao olharmos um determinado período histórico, cuja duração pode ser metrica-


mente definida, precisamos verificar os diferentes ritmos das mudanças e perma-
nências marcados por cada grupo social. Na sociedade escravocrata brasileira, por
exemplo, havia uma multiplicidade dos sentidos do tempo da escravidão. Enquan-
to para alguns escravos o tempo da escravidão significou trabalho forçado, coerção
e subordinação cultural, para outros, significou um tempo de luta, confrontos e
resistência cultural.

Olhar a forma como cada grupo social imprime a sua marca no tempo é um exercí-
cio profundo de alteridade que deve ser desenvolvido.

52 Educação Especial Inclusiva • Ênfase em Ciências Humanas


O processo de descentração, imprescindível para a noção de alteridade, inicia-se na
infância e se estende ao longo do processo de amadurecimento e aprendizagem do
indivíduo. Inicialmente a criança não é capaz de perceber com facilidade as dife-
renças e similitudes entre modos de vida de diferentes povos e grupos sociais em
um tempo diferente do presente e desvinculada da sua própria experiência.

Uma criança ao ser indagada acerca da história da sua cidade, responde: ‘como eu
vou saber se eu não estava lá para ver’(...)

No entanto, sua capacidade pode ser ampliada na medida em que são intensifica-
das as intervenções pedagógicas que favoreçam a percepção dos vestígios do passa-
do e de outras culturas no seu presente. Posteriormente, novos movimentos de
ampliação da sua descentração poderão ocorrer, tornando a criança capaz de pensar
a diversidade numa escala temporal que vai do próximo ao mais distante, assim
como compreender a coexistência de diferentes experiências históricas, sociais e
culturais num mesmo tempo.

Vejamos um exemplo do aluno Vit (10 anos) ao tratar o tema da escravidão:


O trabalho escravo feito pelos negros era um trabalho muito pesado, mas
eles eram obrigados a fazerem isso, mas eles também resistiam e alguns
deles fugiam e formavam quilombos, onde lá vivia um monte de negros...
Nos quilombos eles podiam praticar suas culturas e seus costumes.
(DUTRA, 2003:193).

A APRENDIZAGEM DO TEMPO E DA TEMPORALIDADE


HISTÓRICA

Se as aquisições das noções de tempo e da perspectiva da temporalidade histórica


não são inatas e nem automaticamente apreendidas, mas sim construídas social e
intelectualmente a partir da experiência, das interações sociais e do cultivo da
memória nos diferentes ambientes por onde a criança se educa, cabe à educação e
ao professor um papel muito importante, o de estimular, por meio de TEMAS E
ATIVIDADES APROPRIADAS, o seu desenvolvimento.

O papel do adulto/ do professor é central para promover as mediações necessárias


para que os alunos vençam as suas dificuldades e se sintam estimulados a ultrapas-
sarem o nível de desenvolvimento cognitivo em que se encontram. Estamos aqui
nos referindo ao conceito criado por Vygotsky denominado de ZDP – zona do
desenvolvimento proximal. Para Vygotsky (1984) a zona de desenvolvimento
proximal se define como
a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determi-
nar através da solução independente de problemas, e o nível de solução de
problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com os compa-
nheiros mais capazes (1984: p. 97).

Assim, todas as crianças, por mais diferentes que sejam em suas experiências de
vida, suas capacidades em termos visuais, auditivos, sua diversidade em termos de
ritmos de aprendizagem, carregam consigo uma experiência temporal. Cabe a nós,
na escola, na sala de aula, considerá-las e, a partir delas, permitir a que as crianças

Livro-texto 1 53
acedam ao seu desenvolvimento. Como crianças portadoras de necessidades edu-
cacionais especiais vivem e pensam o tempo? Quais experiências temporais essas
crianças possuem? Como ela organiza o seu próprio tempo cotidiano, escolar e
familiar? De que forma elas adquirem o sentido do tempo? Que lembranças essas
crianças possuem de sua própria história e do seu grupo familiar? Quais os meios
que utiliza para acessar o passado? De que forma relaciona o presente o passado e o
futuro? Como ela relaciona sua experiência com a experiência social?

Acolher essa diversidade e reconhecer a complexidade que envolve o desenvolvi-


mento e aprendizagem da temporalidade histórica é o primeiro passo para ampliar
e redefinir práticas comprometidas com os processos de educação inclusiva.

54 Educação Especial Inclusiva • Ênfase em Ciências Humanas


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Livro-texto 1 55
Espaço: uma categoria
central do pensamento
e da ação humana
Rita Elizabeth Durso Pereira da Silva
Mestre em educação pela FAE/UFMG
Professora de Geografia no Centro Pedagógico/UFMG

INTRODUÇÃO

“uma sociedade só pode perdurar se tem um forte sentimento de si


mesma. Há momentos em que esse sentimento se elabora fazendo a
história, olhando o futuro, em suma, fazendo projetos. Há outros em
que é o espaço que garantirá esse papel. 0 espaço vivido em comum, o
espaço onde circulam as emoções, os afetos e os símbolos, o espaço
onde se inscreve a memória coletiva, o espaço, enfim, permitindo a
identificação” (Mafesolli, 1995, p.279).

Esse texto é um convite para refletirmos sobre a construção da noção de espaço


pelas crianças. O espaço em discussão é o espaço geográfico, produzido nas rela-
ções entre a sociedade e a natureza, vivido em comum pelas crianças e adultos,
conforme a citação de Mafesolli. Será destacado o estudo do lugar em várias esca-
las, evidenciando a relevância de trazer para o reconhecimento das crianças os ele-
mentos dos espaços presentes em suas vivências, que compõem emoções, seguran-
ça, referências: a rua, o bairro, a casa, a escola, os rios, os quintais, as matas e outros
lugares por onde circulem. Ressaltaremos a importância da interpretação das
vivências espaciais conduzidas pela prática pedagógica, no sentido de identificar as
noções que as crianças já dominam e as que deverão desenvolver para entender o
espaço como construção das relações entre a sociedade e a natureza, mediada pela
cultura, pela política, pela economia e pelos avanços informacionais.

A noção de espaço é parte constitutiva do referencial de vida de todos nós. Não


existimos fora do espaço. Nele encontramos tanto as lembranças, quanto as emo-
ções, ou mesmo os pontos, objetos, pessoas, que nos são familiares. No espaço
vivemos, produzimos, preservamos, reproduzimos muitas situações que nos atri-

56 Educação Especial Inclusiva • Ênfase em Ciências Humanas


buem identidade. No espaço geográfico demarcamos territórios, ordenamos as for-
mas, tentamos compreender os processos e funções que reproduzem ou transfor-
mam os diferentes lugares. As relações espaciais são comuns no cotidiano de todos,
desde que nascemos. São relações sociais demarcando uma forma de ordenar a
vida, em diferentes localidades, evidenciando que as ações estão interligadas espa-
cialmente. No mundo informatizado tais relações se transformam ainda mais rapi-
damente, criando situações diferenciadas que transformam a noção de distância e
proximidade através do ciberespaço.

Pretende-se, neste texto, refletir sobre as potencialidades de aprendizagem das


crianças, sobretudo aquelas que, na sua diversidade, apresentam alguma diferença
no enxergar, no escutar, na locomoção e na expressão corporal e que, portanto,
vivenciam relações distintas com o espaço. As crianças, em geral, podem desenvol-
ver as mesmas habilidades e noções, porém em ritmos temporais diferenciados,
em virtude de motivos diversos, o que se evidencia com maior relevância em crian-
ças portadoras de necessidades educativas especiais.

Nesse caso, o sentimento que prevalece entre professores, pais, outras pessoas de
seu convívio é o de que não são capazes de possibilitar a essas crianças, o desenvol-
vimento de suas potencialidades. Existe até uma tendência em fazer por elas o que
elas próprias podem aprender e desenvolver autonomamente, com orientações
adequadas. Tal atitude é parte da dificuldade em reconhecer a diferença, de valori-
zar o direito à diversidade, e de construir suportes, caminhos, recursos materiais,
para que todos possam exercitar sua cidadania. Como vivemos numa sociedade
pouco afeita aos direitos e muito submetida a padrões, o exercício do direito e do
respeito à diversidade tem sido conquista relativamente recente da luta de grupos
envolvidos na questão.

Em especial, queremos refletir sobre a valorização e compreensão das práticas


socioespaciais cotidianas das crianças, na estruturação do desenvolvimento das no-
ções das relações espaciais, através do trabalho escolar, destacando o cuidado com
aquelas com algumas necessidades especiais e buscando, sobretudo na teoria
piagetiana e na leitura do espaço geográfico, uma fundamentação para o debate. O
intuito é contribuir para o enriquecimento do trabalho pedagógico. No caso especí-
fico da criança portadora de necessidades especiais, entendemos que o desenvolvi-
mento das noções de proximidade e distância, entre outras, pode auxiliá-la no sen-
tido de deslocar-se e situar-se espacialmente. Essas noções, se trabalhadas intenci-
onal e adequadamente, constituem-se em suportes para o desenvolvimento lógico-
matemático e, em especial, para o desenvolvimento do raciocínio geográfico.

AS PRÁTICAS SOCIOESPACIAIS DAS CRIANÇAS E A NOÇÃO DE


ESPAÇO GEOGRÁFICO

“Que importa a paisagem, a Glória, a baía, a linha do horizonte?


- O que eu vejo é o beco”. Manuel Bandeira

O cotidiano da criança é pleno de vivências espaciais. Desde que nasce ela se des-
loca, começa a construir a noção de que objetos e pessoas ocupam espaços diferen-
tes, percebendo que existe proximidade e distância, movimento, diferenças no
que vê à sua volta. Tal percepção necessita, no âmbito escolar, da mediação do

Livro-texto 1 57
professor, para que o desenvolvimento das relações de orientação espacial deixem
de ser percepções “soltas”, espontâneas, constituindo-se em processos fundamen-
tados e organizadores das noções espaciais da criança.

É preciso compreender que as práticas sociais são desenvolvidas desde que a crian-
ça ainda é um bebê. Ela quer pegar as coisas, senti-las, percebê-las não só com a
visão, mas com o tato e, muitas vezes, com o paladar (colocando-as na boca). Ela as
reconhece assim – sentindo-as, observando-as, experimentando-as. E começa a
identificá-las quando a ajudamos no processo de nomeação das coisas, das situa-
ções vivenciadas, autorizando aquelas possíveis para a sua idade, e negando as que
ainda não forem adequadas. A criança portadora de necessidades especiais necessi-
ta dos mesmos estímulos e incentivos e de materiais apropriados – para que possa
sentir, no caso das não videntes –, ou descrever por outras vias – no caso das porta-
doras de limitações auditiva. Dessa forma a criança vai construindo um referencial
próprio para apreender a ordem espacial das coisas. As formas vão tomando nome,
os conceitos vão sendo construídos e ordenados ao longo da infância,
potencializados em sua escolarização. Devemos, no entanto, ter conhecimento so-
bre as noções espaciais dominadas pela criança, como essas noções devem ser orde-
nadas no trabalho escolar e quais adaptações necessárias nos materiais para as cri-
anças portadoras de necessidades especiais.

É importante entender que as habilidades relacionadas à orientação espacial, traba-


lhadas através do desenvolvimento das relações topológicas, projetivas e euclidianas
fazem parte da construção da noção do espaço geográfico. Essas habilidades são
imprescindíveis para que a pessoa saiba se localizar, deslocar-se em diferentes dire-
ções, orientar-se espacialmente e contribuir na orientação de outras pessoas. É im-
portante, ainda, trabalhar a noção de paisagem, de lugar e território. Quanto mais a
criança for instigada a buscar nos eventos cotidianos de sua vida a dimensão geográ-
fica dos espaços, mas conseguirá atribuir sentido ao que vê nas paisagens locais, nos
espaços por elas vividos. Nesse sentido, é necessário que façamos um “diagnósti-
co”, um reconhecimento de onde e como as crianças vivem, de onde vieram suas
famílias, por quais espaços costumam circular, que sentidos atribuem a esses espa-
ços, etc.

Viver, interpretar e compreender o espaço propicia à criança perceber o mundo à


sua volta, permite-lhe relacionar-se com pessoas e objetos, dando-lhe oportunida-
des de atribuir significado às noções de proximidade e distância, de perspectiva, de
orientação. O espaço é também referência de emoção, de aconchego, de repulsa,
de deslocamento, de sensação de segurança ou de outros significados importantes,
construídos, cotidianamente, pelas pessoas em suas relações de identidade. Em
diversos relatos de histórias de vida, as pessoas ressaltam recordações em relação a
diferentes localidades. Sensações de alegria, de perdas, de rotinas. Refletir sobre as
vivências espaciais das crianças é buscar nesses espaços, carregados de significados,
as referências necessárias para desenvolver suas habilidades e compreensões espa-
ciais.

58 Educação Especial Inclusiva • Ênfase em Ciências Humanas


A CONSTRUÇÃO DA NOÇÃO DE ESPAÇO

Alguns autores, tais como Jean Piaget, têm se debruçado para pesquisar a constru-
ção da noção de espaço pelas crianças. Suas pesquisas são muito utilizadas na Geo-
grafia quando se discute a alfabetização cartográfica. Em suas pesquisas, Piaget
trabalha com a idéia de estágios de desenvolvimento, procurando descrever o que a
criança conseguiria compreender em cada fase da infância.

O quadro síntese nos informa sobre os estágios e, posteriormente, é feita uma Box 1: Veja o quadro
discussão sobre a importância do desenvolvimento da linguagem para que o con- que aparece no texto “O
creto e o abstrato sejam trabalhados com os alunos, discutindo o concreto e o abs- tempo, uma categoria
trato para a História. Como se sabe, as noções de espaço e tempo são inerentes à central do pensamento e
vida, ao ato de existir. da ação humana”.

Com base nos estudos de Piaget, desenvolveu-se a idéia de ser necessário promo-
ver uma alfabetização cartográfica, onde se investiria a construção da noção de
espaço através do desenvolvimento das relações espaciais topológicas, projetivas e
euclidianas. O desenvolvimento de tais noções se daria em consonância com os
estágios de desenvolvimento sensório-motor, pré-operatório, operatório concre-
to, operatório formal. (Box 1 – reveja o quadro dos estágios de desenvolvimento
intelectual no texto sobre o tempo). A abordagem, aqui apresentada, terá como
foco de discussão o desenvolvimento das relações espaciais topológicas, projetivas
e euclidianas, no contexto escolar.

As topológicas são as primeiras relações espaciais que a criança estabelece contri-


buindo para a percepção do espaço próximo: noções de vizinhança, de proximida-
de, de fronteira, de ordem e sucessão, de envolvimento e continuidade. É preciso
identificar em que estágio de percepção a criança se encontra, porque, a partir daí,
o professor poderá contribuir para o desenvolvimento do seu raciocínio lógico, com
atividades específicas.

As relações de vizinhança (o que está ao lado), define-se pela noção de proximida-


de entre as coisas: perto e longe; a relação de separação (fronteira), onde passa a
perceber a distinção entre os objetos (isso fica claro quando, por exemplo, é capaz
de distinguir que as pessoas moram na mesma rua, mas em casas separadas); a
relação de ordem ou de sucessão (o que vem antes e o que vem depois) – que
apresenta um grau maior de dificuldade para crianças de até 7 anos aproximada-
mente – que lhe permite identificar o ordenamento de objetos num determinado
espaço; as relações de envolvimento (relação entre os elementos), implica a per-
cepção de que cada elemento mantém relação com os demais, ou seja, a criança
passa a entender que existe um envolvimento dos elementos entre si e com o entor-
no do qual fazem parte. Nesse “estágio” a criança já é capaz de perceber o
envolvimento entre os elementos, no espaço, em uma, duas ou três dimensões. As
relações de continuidade (o espaço é contínuo), ocorre com a compreensão de que
o espaço forma um todo, de que não há ausência de espaço.

No cotidiano essas relações são vivenciadas constantemente pelas crianças. Mas, na


escola, devemos estimulá-las a ampliarem suas referências de espaço e de tempo,
de distância, proximidade e a aprenderem, por exemplo, a discriminar distância
relativa – se é perto, se dá tempo de atravessar a rua norteando-se pela velocidade

Livro-texto 1 59
do carro (no caso dos portadores de limitações auditivas) e pela intensidade do
som do veículo (no caso dos portadores de limitações visuais).

No trabalho pedagógico de desenvolvimento das noções e relações espaciais e tem-


porais, as experiências de vida das crianças, tanto no meio urbano quanto no rural,
precisam ser tematizadas. É importante que as práticas pedagógicas apropriem-se
e valorizem as experiências cotidianas dos alunos, com vistas à ampliação de sua
capacidade de abstração. Quando a criança consegue perceber que os objetos estão
separados e em planos diferentes, ou seja, quando ela é capaz de orientar uma
pessoa sobre a ordenação do espaço interior de uma casa ou da escola (quando diz,
por exemplo: “estamos na sala de aula, quando saímos entramos no corredor, ao
virarmos chegamos na cantina”), podemos afirmar que ela está desenvolvendo as
relações topológicas de ordem e sucessão, de separação e vizinhança, noções de
dentro/fora; interior/exterior; entre/ao lado; fechado/aberto. São relações que não
se alteram numa transformação da forma. A criança compreende o contínuo e dis-
crimina formas.

É importante que as crianças relatem o que percebem, que se movimentem nos


espaços e que, gradativamente, sejam capazes de representar o que discriminam.
Discriminar as formas, reconhecê-las, é mais fácil do que representá-las grafica-
mente. Saber disso ajuda aos professores a não esperar que a criança realize as duas
coisas ao mesmo tempo. As atividades propostas devem caminhar, portanto, no
sentido de possibilitar que a criança avance do desenho à representação gráfica do
espaço em estudo.

A criança estabelece relações espaciais projetivas quando percebe, discrimina e


localiza o que está em cima/embaixo; na frente/atrás; à direita/à esquerda. A prin-
cípio, ela realiza essas operações identificando o que está à direita ou à esquerda, a
partir de si própria. Daí a importância de se trabalhar a partir e com o corpo da
criança. A compreensão do objeto que está à direita ou à esquerda de outra pessoa
ocorre de forma gradual e corresponde (ao mesmo tempo em que contribui) à
diminuição do seu egocentrismo. À medida em que avança nessa relação espacial
descentralizada de si própria, passando a considerar outros pontos de referências, a
criança vai aprendendo a considerar o ponto de vista do outro, vai aprendendo a
ver o espaço e os elementos desse espaço, sob outras perspectivas, o que altera
qualitativamente sua concepção espacial, uma vez que já é capaz de conservar a
posição dos objetos alterando o seu ponto de vista sobre o mesmo.

Comentário: Observe, O desenvolvimento das relações projetivas favorece a compreensão da noção de


com muita atenção, a coordenadas, o que possibilitará à criança referências mais ordenadas de orienta-
importância dessa
ção, como os pontos cardeais, por exemplo. Quando a noção de coordenadas se
construção. Isso será
processa, a criança situa os objetos uns em relação aos outros, engloba o lugar do
relevante para toda a
objeto e seu deslocamento em uma mesma estrutura. Nesse caso, dizemos que a
vida em sociedade e
criança estabelece relações espaciais euclidianas. Entre os 7 e 11 anos, aproxima-
em pequenos grupos.
damente, as crianças estão construindo essas noções, percebendo-as de forma con-
creta no espaço vivido, mas tendo dificuldade em abstrair para entender a
simbologia usada nas representações gráficas. Para isso é importante trabalhar com
elas do espaço vivido para o percebido e concebido, lembrando que, à medida em
que for ampliando seus conhecimentos e habilidades (e seu grau de escolaridade),

60 Educação Especial Inclusiva • Ênfase em Ciências Humanas


deverá ser capaz de fazer a leitura e interpretação do espaço geográfico, conside-
rando essas três dimensões espaciais em suas relações entre si.

No Brasil, as professoras Tomoko Paganelli, Janine Gisele Le Sann, Rosângela Doim


Almeida, Maria Elena Simielli, dentre outras, são referências na pesquisa, estudos
e publicação de materiais específicos sobre a alfabetização cartográfica, destacando
a importância da construção da noção de espaço pela criança e de como desenvol-
ver as noções descritas por meio de atividades práticas.

Sem desconsiderar a importância dessas contribuições, novas pesquisas têm apon-


tado outras possibilidades de compreender o desenvolvimento da noção de espaço
pela criança, sobretudo a partir das contribuições de Vygotsky acerca do desenvol-
vimento e aprendizagem. O enfoque recai no imediato concreto ou o lugar, que
precisa ser compreendido como ponto de encontro de lógicas locais e globais, pró-
ximas e longínguas, conforme nos revela a pesquisa de STRAFORINI (2002). Para
o geógrafo Milton Santos (1978,1985), o espaço deve ser visto como produto,
condição e meio de reprodução das relações sociais, ou seja, o lugar deve ser abor-
dado como totalidade-mundo. Ambos – Straforini e Milton Santos – direcionam a
compreensão do espaço como lugar de relações, de produção da vida, de identida-
des. E ambos acrescentam que no espaço globalizado os aspectos informacionais
precisam ser considerados para que a compreensão do espaço seja construída ade-
quadamente.

A LEITURA DA PAISAGEM: UMA PRIMEIRA ABORDAGEM DA LEI-


TURA DO ESPAÇO

É de fundamental importância que a realização das atividades pedagógicas propici-


em à criança levantar dados explicativos sobre a organização do espaço. Como ela
vive em contato com diferentes paisagens, as contradições sociais manifestadas
nessas paisagens concretas da cidade e/ou do campo devem ser objeto de compre-
ensão e representação do espaço, evitando-se estereótipos de espaços perfeitos ou
utilizando-se de espaços imaginários. As práticas espaciais observadas precisam ser
discutidas: o que as pessoas fazem? Como moram? Onde trabalham? De que se
alimentam? Todos têm as mesmas condições, gostos, ou vivem o dia-a-dia de ma-
neira diferente? Por que vivem assim? O que eles mais gostam de fazer? De que
lugares gostam? De quais lugares não gostam? Onde se sentem mais seguros? Como
as pessoas se relacionam usando a Internet? Além de trabalhar o espaço próximo,
vivenciado pela criança, o trabalho com fotos e imagens de outros lugares também
deve ser muito explorado.

A paisagem contém as marcas de tempos passados em sua arquitetura, calçamen-


to, equipamentos diversos. Mas também é presente e futuro, por dar visibilidade
às novas mensagens sociais que se anunciam através dos movimentos sociais na
cidade e no campo e apontam possibilidades de construção de novas fronteiras
territoriais. Analisando a composição da paisagem, a criança estará também cons-
truindo referências para problematizá-las: por que é assim? Sempre foi assim? Por
que a água do rio não está mais tão limpinha? Imagens, postais, maquetes, são
materiais riquíssimos para esse tipo de trabalho.

Livro-texto 1 61
ENSINANDO A LER O ESPAÇO GEOGRÁFICO

A alfabetização cartográfica é um dos instrumentos importantes para se ensinar a


ler o espaço e a observar a ordem espacial das coisas, privilegiando, nas séries inici-
ais, a compreensão dos conceitos de campo, cidade, território, paisagem, região e
lugar. Os Parâmetros Curriculares Nacionais, editado pelo Ministério da Educação
e Cultura, trazem uma boa discussão sobre tais conceitos e ressalta também a im-
portância de possibilitar à criança “a compreensão de como a realidade local relaci-
ona-se com o contexto global...” (BRASIL, 1998, p116).

A proposta é romper com a lógica que fazia a criança pensar o espaço seqüenciado
a partir da sala de aula, escola, casa, bairro, cidade, estado, país, como se fossem
escalas hierárquicas, isoladas entre si, passando a privilegiar a compreensão das
relações existentes entre esses diversos espaços. É importante compreender que
essas dimensões espaciais se interligam no tempo e no espaço, que compõem um
todo dialético, que constroem e se reconstroem historicamente. As explicações
para o que acontece em determinada localidade encontram-se muitas das vezes
numa esfera mais distante (nacional, regional e global). É importante compreender
que o bairro ou o país, a escola e a casa têm suas especificidades próprias, mas
também expressam o mundo globalizado atual, em suas contradições, desigualda-
des e diversidades. Criar situações que possibilitem a comparação e
problematização desses espaços/realidades é uma excelente forma de compreendê-
los.

É relevante identificar os elementos globais presentes no lugar, buscando estabele-


cer, a partir das vivências das crianças, as relações do próximo com o distante, para
que elas possam identificar e compreender o que as inquieta no e sobre o mundo.
Com os avanços tecnológicos dos meios de comunicação e circulação, torna-se,
cada vez mais, necessária a compreensão multiescalar das relações entre os espa-
ços. Dessa forma, é preciso que incentivemos nossos alunos a estabelecerem hipó-
teses, a observar, enumerar, classificar, descrever, representar e construir suas ex-
plicações para o que vivencia ou percebe.

Inicialmente, no processo de construção da noção de espaço, o corpo da criança


pode ser bastante explorado, pois é uma forma de trabalharmos com o seu primei-
ro ponto de referência. Uma atenção especial recomendada é quanto à utilização
de atividades que envolvem os gestos, no caso da criança com limitações auditivas
e das atividades que exploram o tato, no caso das crianças com limitações visuais.
Exemplos disso são os jogos com o corpo, com traçados no chão. A criança porta-
dora de limitações visuais pode realizá-los com sons e orientações do professor e os
portadores de limitações auditiva podem participar com a utilização de imagens e
sinais. O importante é orientá-las, desafiá-las, apoiá-las nas tentativas e acreditar
nas potencialidades que têm. O exercício escolar deve verificar se a criança já dis-
crimina formas, como as observa e ordena para provocar a possibilidade de repre-
sentação.

Explorar a referência da criança para ampliá-la demanda do professor a habilidade


de identificar quais relações topológicas as crianças já desenvolveram. Convidá-las
a orientar uma pessoa no seu deslocamento na escola, como dito anteriormente, é
um bom exercício. Em seu relato, devem ser capazes de representar espaços co-

62 Educação Especial Inclusiva • Ênfase em Ciências Humanas


nhecidos sem, necessariamente, estar presente neles. As crianças vão recordando o
que fica no caminho sem estarem passando por eles.

Vale ressaltar que, para aprender a ler o espaço criticamente, a criança precisa com-
preender a localização, a orientação e a representação dos elementos sociais, políti-
cos, econômicos, culturais e ambientais que constituem o espaço urbano e rural. É
importante que as noções espaciais, a serem trabalhadas pelas diversas estratégias
pedagógicas, estejam contextualizadas em situações reais: de qual espaço estamos
tratando? É da escola? É da casa? Onde eles estão localizados? No bairro? Na zona
rural? Como é a paisagem da localidade em que a casa e a escola das crianças estão
localizados? Como vivem as pessoas? Em que trabalham? Como se alimentam?
Como se divertem? O que acontece para as coisas serem do jeito que são: moradi-
as, atividades econômicas, ruas, estradas, praças, avenidas, meios de comunicação
e de transportes, etc? Por que falta água num bairro de periferia? Por que não têm
muitas pracinhas com brinquedos, parques para passeio, principalmente onde mo-
ram ou perto de onde moram os pobres? Por que tem gente que não tem onde
morar se existe tanto espaço? Com isso, a compreensão de como as pessoas se
organizam para viverem tanto na cidade quanto no meio rural e o conceito de espa-
ço enquanto lugar social e historicamente produzido vão sendo incorporados pelas
crianças.

A construção dessas noções socioespaciais pode se dar através de diversas ativida-


des. Uma delas é o desenho (sobretudo para crianças com limitações auditivas) e a
produção de maquetes com argila, com papel reciclado (massa de papel), e outros
materiais. Tal representação em relevo (forma diferente) é a mais adequada para as
crianças portadoras de limitações visuais, explorando o tato. Busca-se, com ativida-
des e materiais concretos, uma forma de comunicação sobre como a paisagem se
manifesta no espaço da cidade e do campo. Com o tato, a criança vai aprendendo a
ler os elementos que compõem a paisagem, construindo as noções e compreenden-
do como o espaço geográfico está produzido. A mediação do professor, os materi-
ais e o cuidado com as observações que a criança faz, são muito importantes nessa
construção.

Um aspecto importante a ser observado pelo professor é se a criança é capaz de


perceber que as coisas podem estar perto dela e longe de outro objeto. Seu
referencial, nesse caso, começa a se deslocar do próprio corpo, demonstrando um
desenvolvimento de perspectiva (conforme já dito anteriormente), o que propicia-
rá o estabelecimento das relações espaciais euclidianas. Muitos exercícios podem
ser realizados para que se perceba o grau de desenvolvimento das noções de
envolvimento e continuidade pela criança. Sabemos que domina essas relações es-
paciais quando percebe que existe um início e um fim de determinadas formas e
discrimina o que está entre os objetos. Essa noção do “entre” demonstra que per-
cebe as relações de envolvimento, que entende que as coisas têm relação. Isso nos
indica que são capazes de coordenar medidas e utilizar referenciais de altura e
comprimento – que identificamos ainda como vertical e horizontal –, para enten-
der o sistema de coordenadas. Com a observação dessa construção, temos um indi-
cador da possibilidade de compreensão, pela criança, do que sejam limites políti-
cos-administrativos entre municípios e fronteiras entre estados e países. Entretan-
to, é preciso destacar que são noções que precisarão ser aprofundadas ao longo da

Livro-texto 1 63
escolarização nas séries iniciais e que é a observação quanto ao nível de desenvolvi-
mento das relações espaciais euclidianas que possibilitará tal aprofundamento.

É importante trabalhar a noção de direita e esquerda projetada de alguém exterior


à criança e que esteja à sua frente (exercício do espelho). Quando ela consegue
perceber a direita ou a esquerda da outra pessoa sem que esta pessoa esteja na
mesma posição que ela, temos aí uma indicação de que a criança estará em condi-
ções de localizar os objetos em relação a si própria e em relação às outras pessoas e
conseguirá compreender as direções cardeais. Ou seja, irá conseguir transpor a
orientação corporal para a orientação através das direções norte, sul, leste, oeste –
a orientação geográfica. Trata-se de um processo demorado, que deve ser mediado
por atividades que envolvam as noções de interioridade, exterioridade, interseção
e continuidade, categorias de extrema importância na análise geográfica.

A construção do raciocínio geográfico depende do desenvolvimento das relações


espaciais. O movimento de compreensão da existência de dois eixos de coordena-
das faz com que a criança perceba a localização de objetos a partir de um sistema
de referência. Ela começa a entender que o perto e o longe, o norte e o sul, depen-
dem de um ponto de referência, que pode mudar. Muitos exercícios com plantas e
maquetes podem favorecer essa leitura do espaço. O trabalho deve sempre come-
çar com mapas que se referem aos espaços conhecidos pelas crianças, para que elas
possam associar a realidade à representação (FONSECA, 1999, p. 66).

Quando a criança utiliza, em suas explicações, situações que demonstram o estabe-


lecimento das relações espaciais euclidianas, já consegue compreender a existência
de dois eixos de coordenadas que podem ser observadas no mapa: os paralelos que
são as linhas no sentido horizontal e os meridianos, que são as linhas no sentido
vertical. Essas linhas imaginárias são denominadas Coordenadas Geográficas.

A maquete é uma excelente atividade na construção desse processo, por envolver


diferentes etapas: o desenho, a elaboração da maquete em si (representação da sala
de aula ou casa em uma caixa de papelão pequena ou outra base qualquer) e sua
utilização para a representação em forma de planta (desenho feito em uma trans-
parência colocada sobre a caixa de papelão), elaborada a partir da observação da
maquete de cima para baixo. A maquete representa a imagem tridimensional do
espaço e pode ser observada em duas posições ou visões: a vertical (olhando a
maquete de cima para baixo, conforme fotografia 1) e a oblíqua (de lado, confor-
me fotografia 2).

Foto 1 (material/produção do Centro Pedagógico/UFMG)

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Foto 2 (material acervo Centro Pedagógico/UFMG)

A ampliação das projeções permite a coordenação de pontos de vista (perspecti-


vas), a localização dos objetos uns em relação aos outros e ajuda a compreender os
mapas, pois permite a visualização do processo de projeção da visão tridimensional
na representação plana do mapa.

Além de desenvolver as relações para a construção da noção de espaço, a criança


deve aprender a identificar e interpretar informações de mapas. Para isso ela deve
aprender noções de proporcionalidade (escala), simbologia (legenda) e sobre as
direções cardeais. A linguagem cartográfica funciona através de símbolos que sin-
tetizam a espacialização dos fenômenos que produzem o espaço geográfico. As
direções cardeais podem ser trabalhadas inicialmente a partir do corpo da criança,
com atividades onde ela indique a nascente com o braço direito, em qualquer lugar
em que se encontre. Essas direções devem ser exercitadas, também, em trajetos
concretos, nas representações gráficas, nas plantas e nos mapas.

Atividades com mapas, tanto como leitor quanto como mapeador, podem e devem
ser usadas como recurso visual e/ou tátil para identificar lugares, desenvolver as
noções de distância e localização de municípios, estados, países. Nos dois primei-
ros anos de escolaridade, o mapa deve ser manuseado, sentido, questionado, sem
intenções de leitura cartográfica (saber localizar lugares, identificar legendas, títu-
los, escalas), mas que despertem a curiosidade diante das representações e susci-
tem perguntas. Nos anos subseqüentes, a ampliação dos referenciais de orientação,
da noção de legenda e escala, demonstrarão que, além de compreender o espaço
pelas relações desenvolvidas, a criança consegue entender, produzir e ler, atribuir
sentido aos signos representados, sendo também um leitor de mapas.

O trabalho com os desenhos das crianças é de fundamental importância. Quanto


mais forem instigadas a desenharem o que vêem, mais estarão propiciando ao pro-
fessor elementos para saber como intervir para que entendam um mapa. Para a
professora Rosângela D. Almeida qualquer desenho pode apresentar recursos sufi-
cientes para que se entenda como a criança está representando o mundo. Um carro
ou uma rua com casas. Se ela faz um carrinho enorme em uma rua pequena, por
exemplo, ou uma igreja menor do que uma casa, é sinal de que ainda não tem
noção de proporção. Para que a criança perceba a proporção de tamanho entre os
diferentes elementos que a cercam, pode-se sugerir que utilize palmos ou passos
como unidade de medida. Qual o tamanho de um quarteirão ou de um carro? Ao
medir ambos com os passos, ela terá noção do tamanho a ser dado no desenho. Aos
poucos ela estará entendendo a proporção.

Livro-texto 1 65
Assim, para a construção das dimensões da noção de escala o professor conduz a
criança a estabelecer medidas com padrões de seu próprio corpo: palmos, pés,
passos. Depois pode manusear o barbante, para medir algum objeto e/ou local,
como a carteira, a sala de aula, para, em seguida, passar para a unidade de medida
padrão – o metro. Esse exercício ajudará no entendimento da noção de escala, de
redução, que implica o estabelecimento de relações de distância entre localidades
nos mapas.

As crianças devem também ser instigadas a criar símbolos, para representar os lu-
gares por onde passam e circulam, tanto na escola como nos trajetos cotidianos que
compõem seu espaço de vivência. E organizá-los sob a forma de legenda. Quanto
mais o espaço estudado for o conhecido, vivido, mais possibilidade as crianças te-
rão de desenvolver percepções de inclusão espacial. É preciso que o professor ava-
lie se a criança tem habilidade para estabelecer em seus desenhos traços que repre-
sentam elementos que ela observa à sua volta. No mapa há uma série de conven-
ções para indicar como representar rios, estradas, cidades. Os alunos costumam
fazer desenhos parecidos. Por exemplo, a maioria costuma desenhar a casa repre-
Box 2: No caso da cri- sentada por um triângulo sobre um retângulo. É importante ressaltar a observação
ança com deficiência das crianças quanto às construções das casas da rua onde moram, da cidade, de
visual sugerimos o se- outros lugares. Elas vão percebendo as diferenças de tamanho, número de janelas,
guinte texto: Engenha- distância entre elas, elementos do espaço que ficam entre as casas, questões soci-
ria Cartográfica: ma- ais, econômicas e culturais que as casas revelam. O desenho ajuda na simbolização
pas para cegos. O en- e na discriminação do que está sendo observado.
dereço eletrônico para
informações é: Com essa lógica, o desenvolvimento das relações espaciais toma outros significa-
www.unesp.br/jornal/ dos. A criança aprende para ter maior domínio sobre o espaço, aprende para inter-
197/cartografia.php vir, para agir com conhecimento no local e no mundo em que vive.

66 Educação Especial Inclusiva • Ênfase em Ciências Humanas


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Belo Horizonte,
setembro de 2005

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