LIVRO Sophia PDF
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TRANSMARgINAlcABOcA
sophias, drags e outras dissidências nas Amazônias
BRAgANÇA-PA
2019
À minha mãe
ReSUMO
Este processo de escrita é a ousadia de um devir marginal coletivo que se propõe ser chamado
de narrativa performática transdisciplinar, pois pensa-se a performance como arte-vida na
perspectiva etnográfica em que “pesquisador” e “pesquisado” são a mesma pessoa, ou seja, o
observador está na observação do processo de pesquisa que também inclui a observação de
outras pessoas que observam o pesquisador-pesquisado e contribuem com a formação
identitária de Sophia e de desdobramentos deste corpo-amazônia. Pedro é o pesquisador, Sophia
é sua drag queen – as duas identidades pertencem ao mesmo corpo, porém, Pedro refere-se à
identificação cisnormativa designada no nascimento do corpo e reforçada performativamente a
partir do convívio com a família, igreja, escola, trabalho e outros contextos socioculturais em
um determinado período da história; e Sophia – da mesma maneira sendo uma construção
performativa a partir do convívio em contextos socioculturais de determinado tempo, se difere
da performatividade cisnormativa (do corpo primeiramente identificado como Pedro) por ser
processo artístico inacabado onde eus, outros e outros eus se diluem e tomam uma dimensão
maior que o corpo, para além do físico, dialogando sobre possíveis descolonizações arte-vida
nas questões sobre gêneros e sexualidades. Este trabalho tem o objetivo de – a partir da relação
com teóricos da antropologia, teoria queer e artes, refletir a respeito das performances de Sophia
como práticas de resistência poética e política por uma encruzilhada transdisciplinar onde teoria
dialoga com prática em interações extra-muros acadêmicos próximas do convívio social e
discussões do cotidiano de corpos dissidentes e normatizações impostas sobre estes corpos.
This writing process is the boldness of a collective marginal becoming that purports to be
called a transdisciplinary performative narrative, because performance is thought of as art-life
in the ethnographic perspective where “researcher” and “researched” are the same person, or
In other words, the observer is observing the research process that also includes the
observation of other people who observe the researcher-researcher and contribute to the
identity formation of Sophia and the unfolding of this Amazon body. Pedro is the researcher,
Sophia is her drag queen - the two identities belong to the same body, but Pedro refers to the
cisnormative identification designated at the birth of the body and performatively reinforced
by living with family, church, school, work and other sociocultural contexts in a given period
of history; and Sophia - just as it is a performative construction based on coexistence in
sociocultural contexts of a given time, it differs from the cisnormative performativity (of the
body first identified as Pedro) in that it is an unfinished artistic process where selves, others
and other selves dilute and take over. a larger dimension than the body, beyond the physical,
dialoguing about possible art-life decolonizations in the questions about gender and sexuality.
This work aims to - from the relationship with theorists of anthropology, queer theory and the
arts, reflect on Sophia's performances as practices of poetic and political resistance through a
transdisciplinary crossroads where theory dialogues with practice in academic extra-wall
interactions. close to social life and daily discussions of dissident bodies and norms imposed
on these bodies
Keywords: performance; drag queen cabocla; visual etnography; corpo-amazônia; cuír identity
SUMÁRIO
1.1 – No início era o verbo ou Não quero ser Roberta Close: a saga da
curiosidade e do medo __________________________________________ 21
1.1.1 – j e s u s __________________________________________ 37
NA SOPHIA OU A INTRODUÇÃO
Este processo de escrita é a ousadia de um devir marginal coletivo que se propõe ser
chamado de narrativa performática transdisciplinar, pois pensa-se a performance como arte-
vida no trânsito entre o estudo teórico do teatro, performance, antropologia e tradução cultural
sob a perspectiva etnográfica em que “pesquisador” e “pesquisado” são a mesma pessoa, ou
seja, o observador está na observação do processo de pesquisa que também inclui a observação
de outras pessoas que observam o pesquisador-pesquisado e contribuem com a formação
identitária de Sophia. Pedro é o pesquisador, Sophia é sua “drag” – as duas identidades
pertencem ao mesmo corpo, porém, Pedro refere-se à identificação cisnormativa designada no
nascimento do corpo e reforçada performativamente a partir do convívio com a família, igreja,
escola, trabalho e outros contextos socioculturais em um determinado período da história; e
Sophia – da mesma maneira sendo uma construção performativa a partir do convívio em
contextos socioculturais de determinado tempo, se difere da performatividade cisnormativa (do
corpo primeiramente identificado como Pedro) por ser processo artístico inacabado onde eus,
outros e outros eus se diluem e tomam uma dimensão maior que o corpo, para além do físico,
dialogando sobre possíveis descolonizações do corpo-mente a partir de questões de gênero e
sexualidade.
Adotando a realidade em que teoria e prática são suplementares, o ato de escrever torna-
se um desafio inacabado em des)construção tal qual a própria vida, e na melancolia de um
processo tradutório que continua sendo escrito-traduzido, busca-se manter a qualidade na
articulação científica dialógica entre teorias, autores e as experiências cotidianas e memórias
de Sophia e suas alteridades e discursos ditos e não-ditos. Para isto, neste trabalho, as imagens
(em fotografias e vídeos) transitam o texto como linguagem não-verbal que descreve Sophia
nos instantes efêmeros da cena onde a linguagem verbal não alcança e se torna secundária na
dissertação, ou seja, os registros imagéticos fazem parte de uma etnografia visual que compõe
a pesquisa e acrescenta observações e detalhes impossíveis de serem descritos através das
palavras – é através da captura imagética que podemos registrar (congelar no tempo) o instante
único e efêmero em que acontece a cena e a interação performática das pessoas como reação ao
momento em que são interpeladas e têm seu cotidiano atravessado-friccionado por Sophia e
outras entonações e inclinações do espaço-ambiente (feira, rua, palco) re-significado.
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E como nesta narrativa há uma relação direta com outras pessoas, incluindo as relações
de alteridade (ANDRADE, 1995, p. 157-159) e discursos suplementares que se somam ao corpo
do texto como em camadas sobrepostas que se liquefazem e fundem em um todo feito de partes;
a proposta de escrita coletiva é apresentada aqui por várias vezes com o uso do pronome na
primeira pessoa do plural “nós” como recurso de quebra do discurso unívoco acadêmico a partir
da inserção de discursos diversos aglutinados compondo um trabalho científico que envolve
teorias e práticas científicas e não-científicas e performances textuais e imagéticas como
assemblagem do vir a ser sophia. Além disso, também optamos por colar o texto da mesma
maneira como foi dito em conversa gravada (transcrição exata da conversa, bate-papo com
outrxs artistas), e também optamos por misturar a narrativa e os sujeitos desta, de certa maneira
que em certos momentos da leitura não dá para o leitor identificar quem está falando no diálogo
(quem é quem) é entrevistador ou entrevistado(?), ou seja, não se é empregado o uso de aspas
ou a mudança da fonte textual para indicar que aquele trecho do texto é originalmente
proveniente da fala de umx amigx; e estas características de escrita estão mais presentes no
capítulo 1, bem como em 1.3 nas conversas com Matheus Aguiar e Flores Astrais. Também há
algumas possibilidades de escrita em que coloco o pronome “ela” referindo-me a mim mesmo,
como nós, bichas, fazemos quando estamos conversando entre amigas e falamos sobre nós
mesmas todas nos referindo a “elas” como se houvessem outras identificações colocadas em
nossos corpos com nomes femininos e características femininas que perpassam pela linguagem
e colocam o pronome em sua segunda pessoa.
A marginalidade da escrita desta dissertação – que é resultado do processo de pesquisa
das ações da drag Sophia como prática de resistência poética e política – também é manifestada
na linguagem e formato estético da estrutura textual-imagética: o bajubá (ou pajubá) –
vocabulário das bichas brasileiras, com termos oriundos das línguas yorubá e banto – vez ou
outra será aquendado, e quando isto ocorrer, haverá uma nota lateral ou hipertextualização
traduzindo aos dizados do babado o que o termo ou expressão ou frase se refere, reconhecendo-
se porém que os termos deste vocabulário também variam e se diversificam em cada região e
comunidade e ao longo do tempo (LAU, 2015; CAVALCANTE, 2015).
Este texto não foi des)construído somente para a comunidade científica, ele também se
dedica axs amigxs com acesso limitado ao ambiente acadêmico, às irmãs e primas das esquinas
que pouco ouvem falar a respeito de teses, dissertações e “Judith Butler”, aos erês pretxs, pretas
e pretos periféricxs que após uma ação artístico-cultural na rua olham pedindo um retorno, uma
frequência de apresentações e não apenas uma noite de evento esporádico na praça (como
podemos ver nas ações da “Égua, Sarau!”) ; ou seja, este trabalho em processo se dedica à todxs
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excluídxs do acesso à informação acadêmica, e por isso este texto-imagem narrativo se adequa
às periferias e inclui frases, termos e imagens que simbolicamente representam a diversidade
de “minorias” que não participam do compartilhamento de informações que circulam entre
doutores e mestres acadêmicos. E mesmo reconhecendo que este trabalho escrito talvez não
tenha tanta repercussão nas periferias; simbolicamente o ato de subversão linguística e
estrutural propostas forçam o acadêmico que lê à reflexão sobre suas teorias e práticas aplicadas
no dia a dia e como suas práticas colaboram para que “xs excluídxs” e a academia dialoguem
horizontalmente sem hierarquias e egos inflados após a leitura e escrita de muitos livros teóricos
que não ultrapassam as fronteiras da caixa universitária.
O ato subversivo de escrita desta dissertação ainda se propõe a uma leitura performática
a partir da tradução da normatividade cartesiana sequencial e linear em uma hipertextualidade
com metadados e metanarrativas em links e imagens que podem ser acessadas a qualquer
momento no texto, levando o leitor para fora da dissertação (links de vídeos compartilhados em
plataformas e redes sociais na web) ou para referências dentro do próprio texto-imagem que
saltam capítulos e retornam páginas. Justificando a marginalidade do processo bem como o
questionamento das fronteiras disciplinares, as imagens e textos vez ou outra extrapolam as
margens padronizadas, assim como as notas de rodapé estão colocadas na margem lateral, como
nota lateral justificando a marginalidade do processo, e impulsionando que esta margem lateral
também indique externalizações poéticas pessoais e referências poéticas de outras pessoas,
sendo que estas externalizações acrescentam ao trabalho outras possibilidades hipertextuais e
divagações, alterações do espaço-tempo que também dialogam com a teoria abordada. A
des)construção biopolítica do binarismo na linguagem – utilizando-se o “x” como artigo
definido nas orações que se referirem a corpos transgêneros, ou quando se referirem a todxs xs
corpos (masculinos, femininos, trans e outras possibilidades de construção de gênero). A
palavra tachada (riscada) com outra palavra em seguida, como forma maneira de demonstrar
que achou-se a escolha de uma palavra mais adequada em relação à outra, mas preferiu-se
manter a palavra anterior como metodologia para provocar o pensamento descolonizador das
palavras e dos sentidos simbólicos incutidos nestas. A utilização de palavras suplementares
juntas sem espaçamento, como por exemplo, corpo-amazônia, ou corpoamazonia. O parêntese
aberto para acrescentar outro sentidosignosignificado à palavra, como por exemplo, o termo
des)construção utilizado logo no primeiro parágrafo introdutório. A utilização do nome Sophia
como sophia (com a primeira letra minúscula), dando uma substantividade ao nome próprio da
identidade Sophia, sugerindo que “sophia” é um substantivo tal qual “drag queen”,
considerando-a ainda como estado performático substantivado; e na mesma tentativa de quebrar
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jogo
Foi dada a largada no destrinchar de uma dissertação de mestrado, bole suas ideias e
acenda uma proposta, bote sua proposta e ascenda suas ideias, proponha um bote e idealize uma
seda, faça uma vela de papel e espere o vento da correnteza te levar, como um pássaro, uma
fênix ou uma brasa de um baseado:
PROPOSTA 1 (não precisa aceitar só uma proposta e também se pode rejeitar todas)
Este trabalho escrito-dissertativo, como Haroldo de Campos situa sua obra Galáxias, é
um livro-caleidoscópio, livrocaleidoscópio; caleidoscópio é um aparelho ótico cilíndrico com
o fundo revestido de espelhos e pequenos pedaços de vidro colorido, e que produz uma mistura
infinita de imagens com formatos e cores diferentes. Mais do que isso é proposta de jogo cênico-
performático porque temos que ler com entonações e intenções assim como os textos
dramáticos escritos para serem apresentados nos teatros da vida; e como falamos muito sobre
improviso e jogo, se você, carx leitorx, quiser pode jogar com estas linhas e junções de letras
que proponho. Por exemplo: caso você não tá afim de ler, e só quer ver os trabalhos e registros
das ações táticas da drag apresentada neste estudo, VÁ DIRETO PARA O CAPÍTULO 3,
passando pelos itens 1.2.1 e 2.3.1 é lá que temos os vídeos, ensaios etnográficos e crônicas; se
você bateu um papo com a gata sobre seus trabalhos com a drag queen Sophia, e quer ver o seu
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PROPOSTA 2 (não precisa aceitar só uma proposta e também se pode rejeitar todas)
Esta narrativa aproxima-se de um pensamento local e também utiliza-se de teóricos de
outras culturas e perspectivas, como por exemplo as obras de Peter Stearns (2010, 2017) que
neste trabalho são significativamente importantes para a observação do comportamento social
dos nossos ancestrais e de outras civilizações em relação aos gêneros e sexualidades apesar de
suas observações da história da sexualidade e gênero serem a partir das construções sociais das
civilizações denominadas por ele como “civilizações mais importantes”, e que aqui nesta obra,
a partir de nosso contexto amazônida, as denomino como civilizações colonizadoras, pois aqui
na Amazônia já haviam sociedades tão bem formadas e elaboradas quanto as sociedades
patriarcais europeias, porém devido a um poder bélico e colonizador maior estas sociedades
subalternizaram aquelas sociedades indígenas a partir de um pensamento paradigmático de
homem branco e rico proprietário, que é o patriarca patrão, “dono de tudo”. E com a mesma
metodologia antropofágica utilizada para a escrita do trabalho, pode-se ler devorando as teorias,
digerindo o que precisa ficar e vomitando o que não interessa
PROPOSTA 3 (não precisa aceitar só uma proposta e também se pode rejeitar todas)
Considerando sophia como estado performático des)moldado nas interações sociais ao
longo do tempo, você conta sua própria história e des)constrói sophia um pouco mais.
PROPOSTA 4 (não precisa aceitar só uma proposta e também se pode rejeitar todas)
Brooks, Capítulo 11: “Mostre-me seu [código] e esconda suas
[estruturas de dados] e eu poderei continuar mistificado. Mostre-me
suas [estruturas de dados] e eu provavelmente não necessitarei do seu
[código]; ele será óbvio.”
O “modelo bazar” como o próprio nome diz, sugere a construção coletiva de projetos
tecnológicos de desenvolvimento de software onde a abertura de todos os processos
assemelham-se às características dos compartilhamentos e trocas efetivados em feiras,
bazares, praças e locais abertos de livre circulação pública; “sistemas agóricos” que segundo o
autor aproximam-se do termo “bazar” na definição do termo grego “ágora”, que representa
“um mercado aberto ou um lugar de encontro público” (RAYMOND, 2010, p. 44)
Sabendo-se que para a tecnologia da informação: algoritimo é uma sequência de passos
que resolve um problema, e estrutura de dados é a lógica que organiza/administra os dados que
são disponibilizados e recebidos na interface com o usuário; e parafraseando Raymond, que
parafraseia Brooks, podemos sugerir os seguintes algoritimos:
Mostre-me seu [roteiro] e esconda suas [esquizofrenias processuais] e eu poderei
continuar mistificado. Mostre-me suas [esquizofrenias processuais] e eu provavelmente não
necessitarei do seu [roteiro]; ele será óbvio.
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Neste trecho narrativo iremos descrever as ações e histórias de Sophia e outras drags
pelas ruas-estradas Belém-Bragança na Amazônia, a partir da nomenclatura “corpos-amazônia”
para pessoas nascidas e/ou criadas no contexto da região amazônica; e dialogar sobre o corpo-
amazônia Sophia desde seu nascimento incerto, perpassando pelo seu re)nascimento do coma
profundo no processo “de)leite” até o presente momento em que este processo textual é
efetivamente escrito. O objetivo deste capítulo não é fazer um apanhado geral da história das
drag ao longo do tempo, mas pontuar fatos históricos e contextos socioculturais globais e locais
a partir da história de Sophia e Pedro, sendo que para isto propomos apresentar o início de tudo,
com ênfase na performance “de)leite” até os dias atuais em que sophia é proposta metodológica
dúbio Danúbio caudaloso donde Amazonas cantam hinos de guerra. As narrativas textuais de
lembranças e memórias estão em fragmentos de ilusão do vir a ser real, são processos
tradutórios da tradução de registros cênicos efêmeros sensorialmente guardados no sistema de
armazenamento de dados mais complexo e poderoso que é o corpo ciborgue (HARAWAY,
2009, p. 33-118); e com o propósito de suplementar a história de drags amazônidas à história
geral universal, destacamos referências externas em links e oralidades do período dos anos 1990
à atualidade com ações efetivadas em duas cidades-polo da região paraense e a participação da
drag queen caboca Sophia neste contexto.
Os títulos dos subcapítulos 1.1, 1.2 e 1.3 referem-se diretamente a dois trechos de João
1.1 e João 1.14 (Sociedade Bíblica do Brasil, Tradução João Ferreira de Almeida), em que Jesus
é referido como o verbo: “No princípio era o verbo, e o verbo estava com deus e o verbo era
deus”; e é reafirmado como o componente principal da oração nos versículos posteriores: “E o
verbo se fez carne e habitou entre nós”. Os trechos bíblicos citados neste trabalho referem-se
por analogia a três principais motivações que nos levam a escrever deste modo: em primeiro
lugar, a minha formação, na infância e adolescência, em uma igreja evangélica neopentecostal
que reflete-se na escrita martelada de admoestações em que estes dois versículos fazem parte
de um todo construído institucionalmente sobre o meu corpo em regras de controle impostas;
em segundo lugar, Sophia assemelha-se a identificação de Jesus (Sophia como sizígia de Jesus,
segundo a tradição agnóstica), que corporalmente descreve suas proximidades e
distanciamentos com o signo Jesus no processo performático “Sophia Christi: louvores em tons
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de rosa” (2013. Colares-PA. “Égua, Sarau do Corpo Poelytico”), compartilhado na praça e orla
do centro da ilha de Colares-PA, sendo que a drag amazônida se monta na praça, próxima ao
cemitério, ritualiza um banho de cheiro e caminha até a orla em procissão, para lavar os pés da
imagem de Jesus que está erguida em monumento no local, como podemos ver no registro em
vídeo: https://bit.ly/sophiachristi; e, por último, mas não menos importante, podemos dizer que
os trechos bíblicos se relacionam ao trabalho devido à temporalidade narrativa da identificação
“Jesus”, descrita no evangelho de São João, assemelhar-se à temporalidade narrativa da
identificação “Exu” ou “Nzila” ou “Mavambo”, descrita oralmente nas tradições do candomblé
(bantu e ketu), pois da mesma forma maneira que Jesus é indicado como interlocutor entre os
planos terrestre e céus, Exu também é o próprio caminho, a comunicação. “Ninguém chega aos
orixás senão por mim” – é uma fala de Exu, que assemelha-se à fala de Jesus que também é
caminho, verdade e vida; e este diálogo mais profundo sobre Jesus e Exu se dilui ao longo do
texto, pois a palavra – o verbo – pertence a estas duas divindades únicas e binárias, sendo Exu-
Jesus identificações energéticas de deidades mais próximas às energias humanas tanto no
cristianismo quanto no candomblé.
Sophia Christi: Louvores em tons de Rosa
Neste processo Sophia descobriu o vir a ser sizígia de Jesus
(...) E eu poderia ainda te cantar como um dia te cantei? (...)
(O Rato no Muro, Hilda Hilst)
ato de exercer o que se fala variam em negociações temporal e espacial a partir de onde estamos
falando e com que falamos e em qual período de tempo nos referimos e estamos referidxs.
O tempo deste trabalho também se relaciona ao trecho da música “Atropelo” de MC
Pokaroupas feat Lipe Candy (disponível no youtube: https://youtu.be/qLo1-ppo-vg) em que a
gata canta à Kitembo, declamando que: “O tempo, é o tempo. O tempo é babado com as gata!”
Kitembo, ou Kidembu, o Nkisi Tempo, o senhor do tempo na tradição Banto, é representado
por uma bandeira branca hasteada em mastro fincado no terreiro, bem como mostra a pesquisa
de Carlos Vera Cruz (2017) sobre a tradição do culto a Kitembo e sua relação com a
performance ritual e a antropologia da performance a partir da observação da “Procissão de
Tempo” (ritual da casa de candomblé Angola Mansu Nangetu, Mansu Banduqueque Neta).
Tempo, na tradição Bantu-Kongo (“Time concepts of the Kongo of West Central Africa”) –
segundo Kimbwandende Kia Bunseki Fu-kiau (1994, p. 17-34), é algo cíclico sem início e fim,
e somente através dos “eventos” (“dunga”) “naturais ou artificiais, biológicos ou ideológicos,
materiais ou imateriais” que podemos entender o conceito de tempo e torná-lo compreensível,
pois o tempo é fluido e somente nos “dams of time”, nos pontos em que o tempo é “represado”,
é que podemos conceituá-lo e dividi-lo, ou seja, o tempo é abstrato (por não ter início ou fim,
existindo per si) e também é concreto (pois em seu fluxo interminável, há “dams”, eventos ou
“períodos de tempo” onde ele se manifesta perceptível), desta forma o tempo é suplemento de
processos biológico, social e natural, e assim: “O tempo, para o Bakongo, pode ser
argumentado em todos os aspectos da vida, porque cada um é um agente criador de eventos na
linha do tempo”. Entre o princípio e o termo, a origem de um início se dilui no fim das contas
de um começo, o tempo é de Kitembo e as dobraduras do tempo são de Exu, pois, segundo o
ditado yorubano, ELE é o que “atira uma pedra hoje para matar o pássaro de ontem”.
Se o tempo é processo, conforme o que nos referimos acima, as artes – a partir da
perspectiva arte-vida – também são processos que se manifestam no corpo dx artista e
des)constroem o discurso cientificista amarrado com início, meio e fim; e isto se torna mais
evidente neste processo de escrita quando o jogo com o tempo cronológico e emocional são
colocados em prática em uma narrativa que vai e vem nas bordas das identidades onde as
memórias se borram junto com o que não se quer dizer. E seguindo a linha orientadora deste
processo, o texto neste capítulo suplementa-se com diálogos entre eu e Matheus Aguiar (drag
queen Simone Drag), num bate-papo no círio de 2017, em Belém-PA, no Casulo Cultural
(espaço de resistência que no período do Círio geralmente reúne artistas amigos para pulsarem
proposições artísticas que dialoguem sobre corpos dissidentes, territorialidades, religiosidade e
colonização-descolonização dos pensamentos). Vale ressaltar que na noite da conversa, era a
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noite da transladação (uma noite antes do domingo de círio) e estávamos dentro do Casulo
Cultural ainda assustados, pois um vizinho deste se sentiu ofendido e indignado com a presença
de nossos corpos, e soltou rojões de cima de sua janela em direção à rua, atingindo de raspão
alguns de nós.
Matheus Aguiar (Simone Drag): - E aí eu tenho uma pergunta pra Sophia, Sophia por
Sophia, Transophia, existe um trabalho, existe instalação, existe texto, e tua relação com o que
tu faz na rua e no casulo tua história por exemplo no Noite Suja ela tem uma relação com essa
Sophia do Reator, é uma conversa é uma extensão ou são processos diferentes?
Olaia (Sophia): - No Transophia lá no Reator eu procurei muito aproximar, ficar mais
evidente a história do consumo e da tecnologia...
M. A. (S. D.) - é uma relação de videoarte e performance
- é, de performance, eu pegava sucata eletrônica e ia colocando no corpo, ia construindo
coisas, bem crítica do que consumimos desse lixo eletrônico sendo que na Europa em todo
canto tá todo mundo com a melhor internet, e a gente ainda tá com uma internet de merda.
- a gente ainda pena, né. a gente ainda pena. E também eu tenho uma formação em
engenharia elétrica em graduação, e pensando quais são as possibilidades de discussão dessa
tecnologia no meu corpo, mais evidente, e a desconstrução dessa Sophia, porque a Sophia não
é essa beleza toda construidinha, bonitona, belíssima, estilo... Égua quando eu vejo a Fabritiney,
eu digo, porra, puta que pariu, égua da produção queridãã... ela é desconstruidona, e produz...
é desconstruidona e tem toda uma construção muito bem elaborada, a Sophia não vai pra isso
ela busca rabiscar tudo e rasgar todas essas coisas, que é muito meu também, muito de mim,
que é meio exagerado, meio desastrado, que é meio torto. a shirleytão e outras drags que
caminham pra isso. e de forma diferente. não é porque a maquiagem tá borrada que não foi
pensada. a forma bufonica da shirleytao é ótima ela explora umas coisas que assim, nossa! sim,
verdade. pra mim a sophia é um dispositivo de ligar e desligar a arte e dialogar, e querer
enfrentar a ferida assim, querendo se meter na rua na frente do carro. é tua arma, tua arma que
tu desenvolveu, teu gatilho. se eu tivesse ali na frente nunca que teria cruzado, eu cruzei no
fogo, ele jogou o rojão, Sophia cruzou no fogo lá, quando ele soltou o rojão passou do lado.
assim como tem aquele documentário, Paris is Burn, tem Belem está em chamas, olha só,
estamos à queima roupa da rua, a gente sai pra se divertir, até pra beber uma cerveja é o
enfrentamento, é o enfrentamento, e ao mesmo tempo que se cria essa coragem, ao mesmo
tempo se eu to muito tempo com ela também cria-se o medo também cria todo um receio, e tem
o corpo que fica muito cansado, tem um salto que me consome pra caralho, tem um impulso e
uma energia que me consome. por isso que eu gosto do égua Sarau, corpo poético-político, acho
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que poético politico são coisas que se confundem, sem querer as vezes a gente faz poesia a
gente faz politica, mesmo sem consciência, só por estar inserido, só por estar só por ser e só por
fazer a gente incomoda, e as pessoas que não fazem nada elas não incomodam, quem incomoda
e quem causa furor, rancor, quem provoca essas coisas são pessoas que produzem que fazem
alguma coisa, então só o fato da gente ter saído do lugar comum, da comodidade que todos nós
podemos buscar a gente procura tá se enfrentando a todo momento, é uma escolha e estamos
sem querer inseridos nisso, a mana, aconteceu isso com a mana, não, me atingiu também, não
é só físico é uma corrente, e observo isso na questão do evento, funciona como evento mas não
é só festa, é no sentido de associação, somos uma associação, por uma noite, por uma semana.
não tem lugar, nós somos bem ciganos. é bem Zona Autônoma Temporária. é onde a gente
veste, acho que os lugares são noite suja, por uma noite quando acontece o Noite Suja. é um
levante que acontece de resistência e tem que desmanchar e tem que acontecer em outro lugar
justamente pra ele poder sobreviver, ele vem como a fênix. é sempre se renovando, e a cada
vez a gente aprende coisas, não tem como a gente não aprender, e a cada vez quando a gente
não aprende a gente é forçado, não tem como não aprender, quando a gente não aprende a gente
é forçado na arma a aprender, a queima roupa, a queima look. é a queima look!
[....................................................................................................................................................]
a gente tem urgências, a sophia vai se montar, não, a sophia precisa se montar, é uma
demanda, é uma urgência, é intransponível, a drag é intransponível, eu falo isso pra Fabritney,
a drag é instransponível, se a Sophia não fizer, não vai, não vai ter representante, não é outra
pessoa que vai entrar em cena não é que nem o ator que é substituível.
1.1- No início era o verbo ou Não quero ser Roberta close: a Quiirck: uma história
para crianças e pessoas
saga da curiosidade e do medo
com coração de criança
(Sophia negada)
Era uma criança, assim
A narrativa “Quirck”, escrita nas margens deste capítulo, como vocês, e assim
faz parte do processo de construção de uma narrativa como nós que já fomos
criancas e ainda temos
performática co-criada com o artista paraense Lucas Alberto; esta um pouco delas dentro
história fala de uma criança – definida na maternidade como dos nossos peitos. Ao
nascer, todos disseram:
sendo do sexo masculino, e que ao vestir a saia de sua mãe se vê é um menino! E com-
cheio de curiosidades, medos e questionamentos a respeito de sua praram roupas da cor
azul, e o encheram de
performatividade de gênero e de quanto se sente perdido na busca
brinquedos: bola, car-
por uma identificação que não esteja preocupada com a rinho, peteca, avião, e
normatividade pré-determinada e brinque com a desconstrução da todos esses brinquedos
que os adultos acham
regra binária de gênero. A narrativa escrita é desenvolvida em um que devem dar para
processo criativo em que Lucas Alberto lê o texto e Sophia com uma criança dita do
sexo masculino. Essa
os olhos vendados des)constrói ações e objetos com seu corpo e criança foi crescendo,
dois tecidos coloridos dialogando com o narrador e a plateia em e gostava de brincar de
bola e o pai dizia:”Meu
um jogo cênico de improviso, ou seja, a narrativa imagética de filho vai ser jogador
Sophia traduz a narrativa escrita que está sendo lida pelo narrador, de futebol!” Gostava
de brincar de carrinho,
compondo assim um diálogo de camadas sobrepostas
e seu avô dizia: “Meu
suplementares que ao todo podem ser descritas como narrativa neto vai ser bombeiro e
performática: o texto e a performance voz-corpo do narrador salvar o mundo!” E sua
mãe dizia: “Meu filho
sobreposta à performance corpo-tecido de Sophia. é um machão, lindo da
“Quiirck: uma história para crianças e pessoas com mamãe!” Gostava de
brincar de trenzinho e
coração de criança” (2015) é uma narrativa inventada, mas que se pira com seus amigos
aproxima muito de meus depoimentos de menino, pré- da escola, gostava de
correr e empinar pipa...
determinado como Pedro e minhas brincadeiras com Sophia.
Mas de vez em quando
Anterior à Sophia ou quando a drag monstrx cabocla ainda era sentia um vaziiiio no
muito inocente e não havia despertado de seu primeiro sono, peito. Certo dia, papai
e mamãe haviam saído
quando alguns bocejos acordados se encantavam pelas roupas e pruma festa, eles não
brincadeiras ditas femininas ou os amigos da escola me estavam em casa, e só
a tia legal tava assistin-
chamavam de “mulherzinha” ou viado mesmo, bicha, bichinha, do novela lááá na sala.
baitola, fresco, viadinho. Nessa época, adorava brincar de E a criança entrou no
quarto de seus pais,
“casinha/amigos/vizinhos”, de “elástico”, ficava mais próximo e a primeira coisa
que viu, foi uma saia
22
das meninas que dos meninos, odiava jogar bola na escola, tinha colorida que sua mãe
havia deixado em cima
pavor da educação física da escola, pois a turma era dividida a da cama na hora de
partir do gênero binário, e quando o “professor dos meninos” escolher a roupa para
sair. O garoto ficou
simplesmente “largava” uma bola com a gente – e dizia que
encantado com o col-
aquela aula era pra se divertir jogando bola, minhas pernas orido daquele tecido,
tremiam e eu suava frio enquanto os outros alunos vibravam e resolveu vestir, pra
experimentar em seu
felizes com aquele outro recreio dado pelo professor; eu me sentia corpo. E foi aí que se
des-locado, fora daquele contexto todo, e morria de vergonha encantou mais ainda:
a leveza que o pano
disso. Aprendi muito cedo que homem não deve chorar, mas vez fazia no ar enquanto
em quando vinha um nó na minha garganta, por qualquer coisa, e ele rodava, como era
refrescante compara-
eu não aguentava e lacrimejava, e muitas vezes engolia o choro.
da com os shorts e as
Me preocupava com o outro que me perseguia, tinha pena e não calças abafadas que ele
vestia. Ele se viu difer-
conseguia revidar a porrada que levava, não conseguia ser
ente quando se olhou
agressivo ou violento, e muitas vezes me sentia diferente, no espelho, e se sentiu
“estranho”, “efeminado”, como vez ou outra me diziam; mais feliz, sentiu o vazio
saindo de seu peito, e
fraco que os outros “amigos” da escola, mais sentimental e chorão teve vontade de se pin-
que outros amigos da rua. E o que re-estruturava a cristalização tar igual sua mãe, quiz
colocar um daqueles
de uma performatividade do gênero masculino sobre meu corpo sapatos pontudos, bril-
era fundamentalmente na instituição Igreja – Assembleia de Deus hosos e altos que ela
usava pra ir nas festas.
da Sacramenta, a qual frequentava assiduamente: lá eu era o
Ao pegar o batom lilás
“garanhão”, “pegador” e potencial líder religioso, lá eu tinha o e aproximar da sua
status de “homem” gentil e “honroso” que na escola era boca, percebeu que as
coisas estavam fazendo
socialmente traduzido como delicado e coisa de menina. E assim mais sentido agora, ele
desde sempre estive em dois mundos, Escola e Igreja, que se sentia mais próximo
das meninas do que
institucionalizavam o meu corpo, impondo regras através da dor dos meninos, se sentia
crítica da não aceitação do fora do padrão e/ou do afeto receptivo mais a vontade com
elas, e sempre teve
de uma pessoa do sexo masculino dedicada no estudo e com um
vergonha de seu corpo
futuro promissor, que vez ou outra era classificada como “CDF”. no uniforme da escola.
Enquanto passava o
Eu sempre me vi muito próximo de duas realidades que
batom, se lembrou do
aparentemente não conversavam, éramos crianças e eu acreditava dia em que seu vizinho
que os meus colegas da escola nunca compreenderiam a real disse para ele que ele
era muito delicado e
situação de meus amigos da rua e da igreja – nunca meninos não deveriam
compreenderiam o que é morar na ponte e não ter um prato de ser assim.
Até antes daquela noite
comida para o almoço, não entenderiam o que é ter apenas um na frente do espelho
23
brinquedo ou não ter nenhum e ficar babando pela grade vendo o no quarto de seus pais
ele ainda não havia
filho do vizinho brincar com seu mais novo carro de controle entendido o que seu
remoto. Apesar de eu ser o filho do vizinho que tinha o carro novo vizinho queria diz-
er, mas enquanto se
e brincava pra dentro da grade de casa, percebia a diferença de
enfeitava e colocava o
poder de consumo e compra entre vizinhos, e também ao mesmo colar de pérolas de sua
tempo não me sentia incluído no círculo de amigos da escola que mãe no pescoço, em
gotas, pouco a pouco
moravam em prédios de luxo na José Malcher e Batista Campos; as coisas foram ficando
durante a infância e adolescência morei na Sacramenta, bairro mais objetivas e ele foi
entendendo que talvez
periférico de Belém-PA, do colégio para casa tínhamos que pegar não fosse tão menino,
o “sacrabala” (o apelido que dávamos na época para a linha de mas também não fosse
tão menina; e aí ele se
ônibus Sacramenta-Nazaré, que geralmente era lotado com
assustou, ficou com
motoristas e cobradores bem estressados e nada treinados e que medo e confuso. Tirou
a roupa de sua mãe,
sempre andava com muita pressa em velocidade bem maior que
voltou a colocar sua
os ônibus de outras linhas), estudava no centro, e morava na bermuda de menino,
perifa, estudava numa escola particular onde um amigo de classe limpou a maquiagem
do rosto e foi para o
nunca havia pego um ônibus, e ao mesmo tempo morava numa seu quarto, escondendo
rua que quando chovia muito geralmente alagava até quase chegar a saia e o batom dentro
da mochila da escola.
à nossa casa; quando alagava lá pro “gapó” os vizinhos iam caçar Na manhã seguinte,
muçum, e eu ficava da janela, dentro de casa, vendo os meninos tudo amanhece normal:
sabiás cantam pelas
tentando pegar e o muçum escorregando. “Tem gente que até
árvores enquanto ele
come muçum, é gostoso” – dizia a vizinha. Mucura, muçum, caminha segurando
tamatá, gorijuba, nenhum desses animais se comia em casa; a mão de seu pai em
direção à escola. Chega
éramos os “ricos” da rua e os “pobres” no colégio, os ricos da na sala de aula, cum-
igreja e os pobres de sala de aula, e apesar de sermos praticamente primenta a professora e
seus amiguinhos mais
a única família da igreja em que os filhos frequentavam uma próximos, assiste as
escola particular, eu me sentia mais próximo da perifa, minha duas primeiras aulas,
e a hora do recreio
empatia era maior pelo mano que morava lá no “elo perdido”
começa com uma
(como chamávamos uma região de invasão, próximo à Av. Pedro grande piramaromba
pela quadra. Mas ele
Álvares Cabral, onde as pontes se perdiam para dentro de um
pouco interessado não
alagado infindo com casas de madeira sem nenhuma estrutura foi brincar com seus
sanitária, na década de 1980). Presenciar duas realidades distintas amigos, e preferiu ficar
do lado de uma garota
e ter certeza de que não morava nas pontes do gapó, mas também da sua sala olhando
não estava nas alturas em um apê no centro sem saber pegar seus lindos cabelos
longos e cacheados.
ônibus, afetivamente me aproximava mais dos meus amigos do Sentiu vontade de ter
24
casa, e a minha mãe, subjugada e iludida em um “amor”, largou mais fortes desabando
do céu.
o emprego e se dedicou à educação e cuidado dos filhos. Minha Sem perceber o instan-
mãe teve um papel fundamental em minha formação e não é à toa te exato que seu pai
se aproximou e ficou
que a primeira performance de Sophia se relaciona com o sonho
bem junto dele, sentiu
que ela teve quando eu já estava na faculdade e queria largar o o calor forte de um
curso de engenharia. abraço amável que o
manteve suspenso no
Mas antes de falar da primeira performance de Sophia, ar e sussurrou ao seu
ainda vale a pena lembrar que quando comecei a me interessar ouvido: “Calma, está
tudo bem.”
por sexo e me masturbar, lá pelos meus 13-14 anos, eu desejava Aliviado e cansado
meninas, mas percebia que cada vez mais me interessava por de toda a fuga, da
chuva e dos trovões,
meninos; adorava ver os meninos da sala de aula nas brincadeiras
que perturbavam sua
de pegar na bunda e no pau uns dos outros, me excitava vendo um cabeça, respirou fundo
e adormeceu.
deles “imitar um gay”; foi neste período que me dei conta que eu
Acordou já era a
já batia o bolo pensando nele e nas sacanagens isinuadas em sala tardinha, raios alaran-
de aula; na época não havia internet (ela é barroca), e eu às bancas jados abriam fendas
luminosas nas frestas
de revistas e sempre havia uma parte para as revistas de da janela e do telha-
sacanagem e às vezes haviam revistas gays masculinas também, do, ouviu uma voz
doce como o cheiro de
e eu queria comprá-las, desejava comprar a “Guy”, “Hermes”, jasmin da casa da vovó
“Sui Generis”, “GMagazine”, mas me contentava em comprar a em Outeiro, era sua tia
legal, e uma maçã que
“Muscle”, ou outra revista que mostrava muitas imagens de
o oferecia, para ele não
homens esculpidos. Morria de medo que alguém descobrisse ficar de barriga vazia
minhas verdadeiras intenções comprando uma revista com por tanto tempo.
- “Vamo andar de
homens musculosos, morria de medo de ser gay, porque na bicicleta? Eu te levo!”
adolescência a imagem de ser gay era ser Roberta Close e eu não - disse a tia legal toda
empolgada já abrindo
queria ser a Roberta Close, eu não queria vir a ser mulher, não a janela e mostrando
queria fazer uma cirurgia para mudar meu sexo de nascença, tinha um pôr do sol em tons
de vermelho alaranjado
medo, achava que era doença, queria me curar, orava, chorava,
verdeazulado cítrico.
pedia a Deus pra me ajudar, pra me fazer esquecer, e ao mesmo Sua tia estava tão ani-
mada, que o garoto se
tempo queria ficar com o vizinho e nas brincadeiras com os
sentiu contagiado pela
moleques na rua de casa queria agarrar uns deles; também sua euforia, e topou
desejava os amigos da igreja e ficava com todas as irmãs do coral sair da cama, estava
vestido só com o short
de adolescentes para tentar esquecer os meninos, o que não deu velho de dormir, e
muito certo. olhou sua tia com um
olhar triste, sem saber
o que fazer ou vestir.
27
Das memórias descritas aqui, desta vida dupla em que “Leva a saia, ela é lin-
da! Sua mãe usava ela
uma bicha se escondia no corpo-mente de um futuro “pregador da para dançar carimbó”.
palavra de deus” lembro-me de um trecho do poema que Hilda Ele sempre soube que
sua tia legal era muito
Hilst (2000) coloca na fala da personagem “Irmã H” na peça
legal, mas nunca imag-
teatral “O Rato no Muro”, e que está referido ao longo desta inou que ela fosse tão
narrativa; o caminhar entre dois mundos na ambivalência de estar tão legal a esse ponto
de lhe dizer isso! Cara!
rato, ter dois tons e ir de cima do muro e ao fundo do poço na que legal! Rapida-
dualidade ambivalente de estar sendo ter sido. mente o garoto colocou
sua saia, vestiu uma
Aquendaissime que a gata já pernou horrores camisa qualquer e saiu
nos babadéucimes pra alaissime e acaissime,
e num é que a bicha cora o mesmo carão da depressa pra frente da
gata acaissima? casa esperando sua tia
(Tradução de Sophia do trecho de “O Rato no o colocar na garupa da
Muro” de Hilda Hilst: magrela preles darem
“Desde sempre caminho por entre dois umas voltas de bike.
mundos, mas a tua face é aquela onde me via Tia legal:
[...]”) “Te segura! E cuidado
com essa saia pra não
No período da adolescência e início da juventude, eu tinha
deixar ela pegar na
muitas dúvidas do que viria a ser, mas desde aí, desde antes, desde roda!!!
Seu pai que deu de
sempre, já percebo a ambivalência do certo-errado, sim-não, e a
presente pra tua mãe,
multiplicidade de papéis e construções sociais desempenhadas viu?”
pelo meu corpo, pois apesar de Sophia não estar evidente sempre Viraram a esquina da
padaria, passaram a
houveram outras identidades que construí a partir das adaptações feira, deram a volta
sociais cotidianas: o irmão pegador da Escola Dominical, o nerd no retorno lááá de
baixo, perto da igreja
fracote da escola, o relaxado estudante de piano, a bicha tarada, o e quando já estavam
estudante de engenharia, estereótipos, devires do vir a ser, que na segunda volta, sua
tia legal começou a
confortavelmente satisfaziam minhas necessidades e desejos e
explicarlhe:
desdobravam minha sexualidade, e o que ninguém poderia saber, “Tá vendo aquela
o que nunca tinha acontecido, mas era desejo. E quando fui para arvore? Tu sabias que
não existe uma folha
a AFA (Academia da Força Aérea), já com 17 anos e com uma igual a outra?
formação estruturada no evangelho institucionalizado da Igreja, Todas são diferentes!
Nenhuma folha é igual.
percebendo uma religiosidade que me cobrava a negação do Elas parecem iguais,
desejo por um outro corpo mais próximo da construção social do mas se você prestar
bem atenção uma a
masculino, pedi aos céus que eu pudesse esquecer tudo aquilo que
uma, todas são difer-
me perturbava nas caladas da noite, pedi aos céus que toda aquela entes, umas maiores
outras menores, umas
vontade de tocar o corpo dos boys e de dar o cú passasse;
mais verdes outras
menos, outras ama-
28
tempo, como Silvete Montila, que desde sempre já dava um show o que é normal? Tem
gente que tem medo
à parte e eu me deliciava com seus improvisos, e ia frequentando até de onde uma pessoa
paulatinamente os ciclos de tempo vida e morte do vir a ser veio ou das cores das
outras pessoas, mas
Sophia tendo suas primeiras memórias borradas entre meus 21
o importante é aceit-
anos quando descobri o encantamento de me montar, quando ar as diferenças que
retornei a Belém, depois de um período tentando vir a ser outra existem entre nós, por
que normal mesmo... é
coisa em sampa, conheci o amigo Davis Minori, e juntos pela ser humano… Ou ser
primeira vez iniciamos o processo de montagem para ir dar close folha!!!
Sua tia pedalou com
nas boites da noite belemita, e depois desta primeira vez sempre mais velocidade e o ga-
queríamos sair montadas. Escolhi meu nome com muita cautela, roto de saia se lembrou
da garota da escola e
depois de pensar muito, lembro que ao dobrar no cemitério da
seus cabelos longos
Soledade, pegando a Gentil, dentro do ônibus, dentro de um e cacheados. Talvez
um dia ele pudesse ter
Sacrabala, voltando do centro para casa, escolhi denominar este
cabelos longos e cac-
devir como Sophia (ou Sophia me escolheu, e naquele momento heados, decidiu a partir
apenas decidi chamar toda esta energia pelo nome de Sophia), daquele dia não cortar
mais o cabelo. Os dois
como Sophia Laurent, uma atriz bela e italiana, tendo ainda na sorriam um anoitecer
época como referência minha formação neoclássica em piano no estrelado e tranquilo,
e a tia meio cansada
conservatório Carlos Gomes e a influência de um convívio com parou a bicicleta em
descendentes de italianos em São Paulo, e por lembrar que frente ao canal, que
antes era um rio e seu
quando participei da Festa da Achiropita em sampa, a italiana
avô tomava banho.
ficou na minha cabeça na noite, na feira, na festa, a italiana me “Tia, você sabe se
ofereceu uma pizza: “Mezzo Muzzarella Mezzo Calabrezza”, e eu sou mulher ou
homem?” perguntou
esta imagem-texto, com a pronúncia característica da mama o garoto, meio enver-
vendedora mezzo brasileira mezzo italiana, ficou em mim, como gonhado “Será que eu
sou normal?”
tatuagem, e quando escolhi o nome da drag que estava “E o que é ser normal,
despertando dentro de mim, me lembrei de Sophia Laurent, e da menino?” perguntou a
tia.
italiana que estava vendendo sua pizza, e assim nasceu o nome
Vocês sabem o que
Sophia Mezzo. Sophia Mezzo, Mezzo Donna Mezzo Uomo. é ser normal? (per-
guntando para o públi-
Neste mesmo período de tempo minha mãe teve um sonho
co)
em que eu estava em um lugar e havia uma mesa e três baldes Talvez você seja uma
cheios de leite em cima da mesa, e então eu pegava o primeiro garota ou um garoto,
você vai descobrir isso,
balde, colocava na cabeça e brincando-dançando derramava este dentro do seu coração,
balde cheio de leite no chão, depois disso eu pegava o segundo lá no fundo você vai
sentir o olho dágua
balde e novamente colocava na cabeça e brincava com o balde e brotando, fazendo
30
deixava este cair, quando eu ia para o terceiro balde de leite, cócegas e dizendo pra
você qual caminho se-
minha mãe muito aflita por não querer que o leite derramasse guir. Existem pessoas
acordou do sonho com aquela palpitação e desespero de sonhos que nascem e são vis-
tas como meninas, mas
que soam como pesadelos. Ela me contou o sonho com muita
são meninos, assim
seriedade e rapidamente traduziu o sonho e os baldes de leite como existem crianças
como o conhecimento que eu estava “derramando”, que parecem que são
meninos, mas são
“desperdiçando”, pois nos meus 16 anos eu abandonava o curso meninas, mas isso é só
de piano depois de oito anos de formação no conservatório, e este teu coração que pode
dizer pra ti. Ninguém
seria o primeiro balde de leite; o segundo balde derramado seria mais pode te chamar
o curso na AFA (Academia da Força Aérea) que eu havia a atenção ou querer
que tu mude. Descobre
ingressado e estava cursando e no meio do ano de 1995 saí por
isso com o tempo, sem
não me adaptar ao regime educacional da academia militar; e o pressa e agonia.
Ás vezes sua tia legal
terceiro balde que estava na minha cabeça na iminência de ser
parece uma professora,
derramado, segundo minha mãe, este balde era o balde de leite e é nessas horas que
que representava o curso de Engenharia Elétrica que eu estava ela fica mais amável.
Com um sorriso ami-
querendo abandonar (e inclusive demorei mais de 10 anos para go nos lábios, encheu
terminar). Segundo a tradução do sonho da minha mãe feita por de beijos o rosto da
criança de saia e lhe
ela mesma, tudo já está concretizado atualmente, sendo que o deu um saquinho cheio
terceiro balde realmente não se derramou, porque eu consegui de bombons, doces e
pirulitos, porque apesar
terminar a graduação em Engenharia em 2010. Porém, a
do dia difícil também
simplicidade e completude da tradução do sonho da minha mãe era dia de são cosme e
me incomodou tanto, ao ponto de eu demorar anos para digeri-lo damião.
E continuaram peda-
e re)traduzi-lo tal como o leite que azeda com o passar do tempo lando de volta para a
e torna-se coalho re)transformando-se em outras possibilidades casa.
1.1.1 – j e s u s
Aquele que matou um pássaro ontem com a pedra que jogou hoje.
01000101 01111000 11111010
KIUÁ MAVAMBO! 00101100 00100000 01101111 01110101 00100000 01000101
KIUÁ NZILA
01110011 11111010 00101100 00100000
KIUÁ NKOSSI! 01001100
não acredito 01100001
num deus que não01110010
dança 01101111 01111001
11101010 00101100 00100000 01001011 01101001 01110101 11100001 00100000 01001101
01100001 01110110 01100001 01101101 01100010 01101111 00100001 00100000 01001011
01101001 01110101 11100001 00100000 01001110 01111010 01101001 01101100 01100001
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00111010 00100000 01100001 01101101 01100010 01101001 01110110 01100001 01101100
01100101 01101110 01110100 01100101 00101100 00100000 01100011 11101001 01110101
00101101 01110100 01100101 0111001KIUÁ NKOSSI0 01110010 01100001 00100000
01110101 01101110 01101001 11100011 01101111 00100000 01100100 01101111 00100000
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faca amolada
01101101 01100001 01101110 01101000 11100011 00101110 00100000 01000101 01111000
01110101 00100000 01101101 01100001 01110100 01101111 01110101 00100000 01110101
01101101 00100000 01110000 11100001 01110011 01110011 01100001 01110010 01101111
00100000 01101111 01101110
quem com01110100 01100101
ferro fere 01101101
o filho do ferreiro 00100000 01100011 01101111
... se ferra...
01101101 00100000 01100001 00100000 01110000 01100101 01100100 01110010 01100001
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01100011
eu01101000 01101001
acredito num 01100110
deus que 01110010 01100101 01110011 00100000 01110011
sabe dançar
01100101
eu01101101 01110000
acredito num 01110010
deus que 01100101 00100000 01100110 01101111 01110010
sabe dançar
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acredito num 01110010
deus que 01100101 01110000
sabe dançar 01110010 01100101 01110011
exu é rei!!
01100101 01101110 01110100 01100001 11100111
eu acredito num deus que sabe dançar 11110101
01100101 01110011
salve o rei do 00100000
congo!!
01100100 01100001 00100000 01101100 01110101
eu acredito num deus que sabe dançar 01111010 00101100 00100000 01100100
01100001
eu00100000 01110011
acredito num 01100001
deus que 01100010 01100101
sabe dançar LAROYÊ 01100100 01101111 01110010
01101001 01100001 00100000 01100101 00100000 01100100 01101111 00100000 01100011
01101111 01101110 01101000 01100101 01100011 01101001 01101101 01100101 01101110
KIUÁ MAVAMBO!!!!
01110100 01101111 00100000 01100101 01101110 01110100 01110010 01100101 00100000
01101111 01110011 00100000 01110000 01101111 01110110 01101111 01110011 00100000
01100001 01101110 01110100 01101001 01100111 01101111 KIUÁ REI 01110011
DO CONGO!00101110 00100000
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AQUELE QUE COMUNICA FRUTIFICA E FAZ CRESCER exu é rei!!
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KIUÁ MAVAMBO!!!!
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KIUÁ REI DO CONGO!
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KIUÁ
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Á REI DO CONGO!
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já no caso do sistema de numeração binário posicional só há dois símbolos que são utiliza-
dos para representar as quantidades, e estes símbolos são o “0” e “1”., ou seja, a quantidade
que conhecemos no sisttema decimal como 2, é representada por 10; 3 no sistema decimal, é
representado por 11 no sistema binário; 4 é representado por 110; logo 111 binário seria 5 no
decimal e assim por diante.
O “pensamento binário”, vem da ideia cartesiana, ou seja, oriunda dos pensamentos de Rene
Decartes e consequentemente do plano cartesiano.
No plano cartesiano os pares ordenados definem pontos que dependendo da função são
definidos como raízes e sempre podem ser relacionados, para cada x sempre haverá um y,
mesmo que este tenda ao infinito, Ou seja, por mais complexa que seja a equação sempre
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neste trabalho o sistema de numeração binário, o mesmo utilizado na linguagem dos computa-
dores, é utilizado para traduzirmos a compreensão do binário Jesus-Exu, que é dualidades e
representações sígnicas de quantidades e palavras que podem ser traduzidas.
Para o texto acima no sistema binário há tradução, e quem queira pode acessar a tabela ou
A primeira vez que vi a “Banda Bagaço” era final da década de 1990 e eu tinha uns 21
anos, o coro de várias drags dublando em conjunto era hino melódico aos meus olhos, a força
do corpo-político de Isolda Matarazzo e Biba Little era o que mais se destacava no grupo,
depois, obviamente do corpo-performance de Liz Babeth Taylor, a famosíssima Babeth.
Naquela noite a atuação de Babeth foi marcante para mim talvez por ter sido a primeira vez que
a tenha visto, porém o mais certo em minhas lembranças é que a atuação da drag como uma
gata foi inigualável, de quatro sob a luz negra a gata bebia, lambia e se lambuzava com o leite
derramado de dentro de um pratinho. A máscara-maquiagem, o leite e o pratinho destonavam
efeito luz de onde a drag transbordava miaus. Naquela cena, no lamber e ronronar leite,
vislumbrei litros como se um universo mágico nunca antes visto tivesse aberto as portas e me
engolido; as meninas eram vívidas, existentes em um mundo mágico que só acabava depois das
dez horas da manhã do outro dia, pois na Doctor Dance era assim as festas noturnas eram
prorrogadas dando a impressão de nunca acabarem e efetivamente fecharem as portas lá pelas
10 horas da manhã do outro dia – de certa forma a boate belemita reproduzia ou traduzia a
mesma cena da noite paulistana que reproduzia ou retraduzia a mesma cena do movimento
clubber (movimento das décadas de 1980 e 1990 iniciado pelo club kids em NY e que neste
período influenciou a cultura de boate, montação e liberdade do corpo como podemos ver no
filme “Party Monster” de 2003, baseado na autobiografia “Disco Bloodbath” de James St.
James, um dos co-participantes do club kids. O filme narra um pouco da história de Michael
Alig, amigo de James St. James, e um dos maiores influencers do club kids, este filme é
ficcional, e foi produzido após o documentário de mesmo nome, e detalha um pouco da cena
clubber e de seus integrantes na época auge desta manifestação cultural alternativa). Recebi
grandes influencias do movimento clubber que indiretamente chegava até mim, pois mesmo
ainda sem conhecer a origem deste movimento meu corpo-amazônia re)traduzia o que clubbers
desconstruíam em NY, a partir da leitura de outros corpos-amazônia que também re)traduziam
a cena clubber nova-iorquina a partir de suas referências; somente depois de um bom tempo, já
com 30 anos, que fui realmente conhecer a cena clubber nova-iorquina através do filme “Party
Monster”, e perceber a influência das pulseiras, brincos e anéis multicoloridas que nós
gostávamos de usar sempre, os cabelos tingidos de papel crepom, andar estiloso era a sensação
e o que se tinha de mais “cool” nos meados da década de 1990 na região metropolitana de
Belém. Todas iam pra alguma boite das tantas que haviam na cidade, e no final da noite, onde
elas estivessem, todas as bichas se encontravam e todas desciam para a Doctor Dance, onde
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tinha o melhor dark room da cidade (risos) Fiz muitos amores dentro do dark room, eu era a
“bicha novinha que está começando a se montar”, carne nova no pedaço, sucesso no carão, eu
me montava principalmente para sentir por segundos o glamour de uma estrela e ao mesmo
tempo não pagar a entrada da boate além de encontrar na montação solventes para a inquietação
sobre minha sexualidade que consumia meu corpo-mente. Quando eu me montava ficava muito
parecida com uma outra drag famosa da época e todas sempre iam falar comigo de uma forma
ou de outra, ou porque me confundiam com a outra bicha, ou porque queriam me dizer que eu
estava muito bem montada e parecida com a amiga. Nos montávamos eu e minhx amigx
japonesx Ayummi Furukawa, que era quem me produzia. Tínhamos poucas roupas, roupas
básicas que variávamos na cor, pois éramos pobres, não tínhamos aqué pra congar as outras
com vários modelos e a criatividade artística e insight de compor um figurino a partir de sucata
e reutilização de materiais ainda não havia despertado em mim. Tínhamos uns 5 modelitos de
minissaia e top de pelúcia colorida que faziam sucesso na boite, pois mostrava os nossos corpos
esquálidos e nossa beleza curiosa de “novinhas na boite”. Mas no aniversário de Ayummi a
produção de Sophia foi um hino, era uma calça branca boca de sino com um top branco e papel
filme enrolado sobre o corpo e rolos finos de isopor trabalhados no cabelo e no corpo, sendo aí
o meu primeiro figurino próximo ao que a Sophia é hoje, e que foi construído pela própria
aniversariante, Davis Minori, que me maquiou também.
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e ir para a escola, e minha mãe nunca deixou eu ir a uma festa profana e pagã, segundo ela,
como é o Círio. Meu corpo-mente amazônida compreendia as instituições família, igreja e
formação militar na AFA, porém a necessidade da montagem de Sophia foi maior do que as
proibições impostas por estas instituições, nascendo do desejo de vir a ser “mulher”, da
curiosidade de usar salto alto e se maquiar, das brincadeiras próximas à palhaçaria e o timing
da improvisação. Estas ferramentas montadas no corpo compõem o que é Sophia hoje, a partir
de seu re)nascimento pela percepção artística e política e outras possibilidades de
desdobramento de performances com a drag queen, principalmente após iniciarmos o curso de
formação de ator da Escola de Teatro e Dança da UFPA, desenvolver outros trabalhos em teatro
e performance, e relacionar, traduzir o sonho que a minha mãe teve (em que eu derramava
baldes de leite) com o que estava se formando na nossa arte-vida enquanto performer que
compartilha ações imersivas na rua derramando, distribuindo, dialogando, compartilhando a
lactose diarréica de atravessamentos e pulsações. Minha mãe dizia e vivia repetindo que os
baldes de leite derramados, que ela viu em sonhos era porque eu estava abandonando as
oportunidades de estudos que tinha na época. Eu ainda era novo, mas sempre fui muito ligado
à espiritualidade, sonhos e premonições, e por isso fiquei bem apreensivo com este sonho, e
quando completei 30 anos, lembrei novamente do sonho e rapidamente associei o ato de
derramar o leite a derramar ações artísticas na rua, como costumeiramente já estava fazendo
como performer na cidade de Belém. Era isso: distribuir, compartilhar, derramar na rua toda
minha oferenda, todo meu leite axs que tem fome, axs que precisam se alimentar, porque eu
também preciso me alimentar delxs, destes momentos únicos de compartilhamento nas
encruzilhadas da vida arte-vida; a rua, espaço democrático onde todos podem tudo, na
encruzilhada, na boca do mundo, onde se tem fome, fome e sede, deleites de cura energética
na Sophia retroalimentada, abre peito, compartilhado coração, na encruza sophia me ensina que
o erro é irmão do pecado, ambos discursos da colonização sobre nossos corpos-mentes e são
estes discursos que nos tolhem, cristalizam nossos corpos-mentes nos impedindo de alcançar
mais além. Não vim para determinar momentos e instituir missões, mas sim apreender bebendo
das nossas indagações leitosas, dúvidas coalhadas, regurgitar, vomitar, intolerância láctea, vaca
profana de divinas tetas.
Na montagem/montaria/montação sempre peço ajuda às fina prelas arrazarem na
construção colaborativa do look dessa persona, deidade eleita como puta da rua que não vale
um centavo. O movimento em rede que sophia consegue articular provoca eventos como
“deleite” e “depilei-te” que são duas performances em que a participação das pessoas presentes
está extremamente ligada ao acontecimento.
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propostos para o dia do evento desde o seu inicio às 15:00h, chegando na praça da Escadinha
com a composição corporal e maquiagem, com um desfile/ao encontro – Sofia Mezzo anda em
direção ao Balde de leite, atravessando por dentro da Estação das Docas. caso ocorra
interrupção, atravessar pela calçada entre a rua e a Estação das Docas. Sophia Mezzo está
desfilando como se fosse numa passarela (dinheiro/sucesso/fama/glamour – a ostentação do
consumo lhe enche os olhos). Mas ao mesmo tempo está preocupada, tem um encontro marcado
com o seu Leite. O seu Leite a está esperando depois da estação das docas, depois do
brilhantismo de um desfile, Sophia está preparada para distribuir o leite e banhar-se.
Convido os amigos para no dia 12 de novembro de 2010 participarem da ação imersiva
“de)leite”, e estarem presentes no dia do evento concordando que a ação aconteça como
planejado com antecedência, peço ainda que alguns amigos me dêem de presente objetos
cênicos que utilizo durante a performance.
A ação, como podemos observar no ensaio-registro etnofotográfico a seguir, acontece
com Sophia sendo montada pelos amigos, e depois da drag ser montada, como uma celebrity
ela atravessa a Estação das Docas tirando fotos e selfies com as pessoas que se surpreendem
com a ação inesperada; na saída da Estação, ao lado da feira do Ver-o-Peso, Sophia encontra o
balde de leite, o carrega na cabeça e vai atravessando a feira ao encontro de seis objetos que
estão dispostos ao longo do caminho desde o começo das barracas e do estacionamento do
Veropa (nome carinhoso dado à feira) até a “pedra do Ver-o-Peso”, onde o último objeto está
assentado. Estes objetos-signos são re)significados, ou seja, re)traduzidos em re)signos
des)construídos, sendo um jarro de barro o primeiro objeto a ser derramado o leite e que
representa o cântaro em que Sophia derrama e trans)forma este leite em vinho, re)significando
o que é considerado o primeiro milagre do messias cristão relatado na bíblia como Jesus
transformando a água em vinho; o segundo objeto é um vaso de cerâmica marajoara,
simbolizando a mãe-terra afro-indígena, a tradição e o leite da mãe que alimenta o filho; o copo,
o terceiro objeto, simboliza a intolerância à lactose que meu corpo-amazônia suporta (ou não
suporta) e esta relação re)significa-se com o texto “Brasil Diarréia” de Oiticica (1970); o vaso
sanitário é o quarto objeto que Sophia encontra caminhando pelo Ver-o-Peso, ele é a privada,
o que se faz no privativo entre quatro paredes de um banheiro, o testemunho não revelado com
jorros de leite e gozo dos mais confidenciosos desejos, e a ação de derramar leite neste objeto
remete-nos ao banheirão (às pegações em banheiros públicos) e ao escondido, soturno entre
quatro paredes onde ninguém vê e tudo se mostra; a gata tomando leite em uma tigela, é a
simbologia do quinto objeto, o pratinho de leite, o ronronar da gata arisca, o lamber-se e lambe
pratos, a gata de rua, a confiança de uma felina selvagem em baixar a cabeça para lamber o
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leite, a fome felina e a providência láctea despejada em um prato; por último, o sexto objeto,
finalizando a ação imersiva, é um alguidar que coincide em estar disposto na pedra do Ver-o-
Peso e simbolicamente associa-se ao banho de cheiro, traduzido trans)formado em leite, e é na
pedra do Ver-o-Peso que os pescadores e barqueiros se envolvem com Sophia, e o derramar e
banhar-se de leite evidencia-se como rejuvenescimento da pele, como renovação das células,
estabelecendo um link com o renascer de Sophia em um banho renovador que a impulsiona
para um segundo momento em que como uma fênix, Sophia sai do coma profundo e volta às
ruas, re-des)configurada para ações imersivas que dialogam sobre o direito à existência e
convivência de corpos dissidentes (fora dos padrões normativos colonizadores) nas possíveis
Amazônias construídas simbolicamente por cada um de nós.
https://deleitep.wordpress.com/2010/10/27/signos/
Os sonhos imagéticos da minha mãe são cheios de misticismo e admoestações que vêm
depois dela os interpretar: os três baldes de leite sobre a mesa, a brincadeira com cada um dos
três, o derramar de dois baldes e a iminência de derrubar o terceiro fixa-se na minha cabeça
desde o período de tempo que ela me contou seu sonho.
https://deleitep.wordpress.com/2010/10/27/baldeleite/
Desde este primeiro trabalho artístico com a drag cuír caboca Sophia, a montagem já é
traduzida como parte das intervenções que outras pessoas fazem no meu corpo-amazônia
trans)formando-o, e também compreendendo-se que o corpo de Sophia não é composto somente
de adereços e gestualidade diferenciada, mas principalmente de re)ações que surgem a partir
das re)ações de artistascriadores. E um dos questionamentos – do período de tempo em que
elaborava-se a ação deste trabalho em processo, é a preocupação em atravessar a Estação das
Docas (estação das dondocas, para alguns) sem ser impedidx pelos seguranças do espaço. Esse
espaço realmente é publico? Este é um desafio já previsto na ação: atravessar a Estação das
Docas, e talvez o atravessar seja o mais facil e eu querendo complicar coisas…
https://deleitep.wordpress.com/2010/10/27/nao-pode/
Para quem não conhece a estação das docas: este espaço era região portuaria,
pertencente a CDP, foi concedido para o governo do estado para utilização como espaço de
cultura e lazer. obviamente o espaço tornou-se elitista, e apesar de as vezes ocorrerem shows
teatro e filmes bem interessantes por preços baixos ou gratuitos, a grande massa não é
frequentadora do lugar pelo espaço ter a imponência de um local frequentado por um público
seleto com preços para consumação de comidas e bebidas bastante elevado para o padrão
popular.
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não pode!
27/10/2010
https://deleitep.wordpress.com/2010/10/27/nao-pode/
montagem
26/10/2010
https://deleitep.wordpress.com/2010/10/26/montagem/
Mezzo não é composto somente de adereços e trejeitos, mas principalmente de (re)ações que
surgem a partir de (re)ações de artistascriadores.
por a caos
02/10/2010
https://deleitep.wordpress.com/2010/10/02/por-a-caos/
estive em um trabalho, o Por a Caos, que foi apresentado em agosto e setembro desse ano, e
me colocou a prova a respeito do falar sobre mim mesmo. a ultima cena do espetaculo é um
dos atores entrarem no palco e revelarem um pouco de suas vidas. falarem sobre suas
escolhas, suas opções pessoais em meio a tantas possibilidades. essa cena foi muito dificil de
ser feita. tanto é que não consegui faze-la nunca. na verdade uma vez a fiz ao publico, e foi
um fracasso. me sinto total inibido em deitar coisas sobre mim msm, e acho q a ação explica
tudo melhor. mas me vê como são os fatos e o acaso, q justamente esse trabalho me indica:
desde uns anos atrás me proponho a fazer um trabalho no dia do meu aniversario a respeito da
minha produção e uma releitura de um sonho tido pela minha mãe. e no ano q vou completar
33 ans proponho apresentar algo na rua, e acontece um espetaculo, e eu to dentro do processo,
e no meio do processo vc tem q falar ao publico sobre vc mesmo e suas escolhas e suas
opções. e eu no ensaio recorri pro poema, pra onde sempre fujo.
DePOIMeNTO
admoestarei meu filho a ser um bom menino, e deixar as palavras cairem como elas
queiram/poracaso
preceitos religiosos
ensaios fatigantes
disciplina de treinos marciais
agilidade de dedos
relações
eloquência
https://youtu.be/gdtuHCQzIvY
56 https://deleitep.wordpress.com/arreda/
arredão
e disse mãe:
“eis que te via sob mandrágoras e dromedários jasmim
carmim entrepastos entrepassados, e te dispunhas em
baldes… em baldes baldes de leite se liquefaziam e jaz
temiam. ou temiam o jaz? q mais me importa? e so-
bremesa alta mesa sobre sobressalente sobre saliente
que se enturmou a querer balançá-la desabá-la. e temi
prantos, lembro-me perfeitamente. e te dizia: ‘segura o
leite’, porque desta forma é a norma forma enorme onde
se assa pães asmos enformados. e te digo, segura o leite,
pois desta forma, a farta farpa rata que te corrói veias
será suplantada e não mais te admoestarei para que se-
gures o leite.”
e disse mãe:
e disse mãe:
e disse mãe:
olha o leite!
disse mãe:
sc tsc tsc. humpf. humhum…
espiração profunda de desaparecimento d’alma)”
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mesmo, hoje em dia a drag voltou pra atualidade, primeiro por influência midiática, o mundo
tá voltando os olhos pra drag, até porque discute política, gênero, conceitos que o mundo tá
passando por toda essa revolução de novo, né. Assim como se passou na década de 1970 que
desabou nos 1980 e o boom da drag.
Quando eu comecei a me montar aqui em Belém primeiro foi pela busca de um espaço
que a gente não tinha, porque eu venho de um rolê da galera da rua, da galera de boteco, da
galera que bebe sentado na calçada, e é uma galera que não vai pagar uma grana pra entrar
numa boite, por exemplo, entende? Pra um lugar onde se faz drag queen padronizadamente
onde é institucionalizado a drag, é na boite, e não é em qualquer boite, é na boite GLBT, né? E
eu comecei a fazer drag na tentativa de trazer isso pra gente, trazer isso pra vala, trazer isso pra
rua, e eu comecei a fazer no antigo 8 bar (oito bar) e ai pra gente ver como a política sempre tá
aliado a drag, né, o 8bar foi um espaço de resistência que foi silenciado pela polícia, os donos
foram incriminados, estão morando em outro país, tão se sentindo perseguidos, e a minha drag
também carrega muito nisso, porque nasceu no 8bar, com a viada cultural, foi quando eu
comecei a me montar, a Flores Astrais surgiu ali. E a Noite Suja que é o meu outro espaço que
eu luto muito, junto com outras drags, que é um espaço também que a gente busca tirar essa
característica do espaço GLS, porque o nosso rolê de drag, a gente tem uma ideia de que drag
vai para além de construção sexual, drag você pode ser homem, você pode ser mulher, você
pode ser homem trans, você pode ser mulher trans, você pode ser não-binário, você pode ser o
que você quiser, você vai poder fazer drag, então restringir essa arte só para o público GLBT é
o não-fazer político, né, você ficar falando a mesma coisa pras mesmas pessoas que já
escutaram isso, então a área de atuação que eu participo do rolê que eu participo é uma galera
que faz festas em espaços alternativos, galpões, faz em bares, já fizemos festas nas ruas,
buscando trazer justamente essa nova visão de drag, lógico que a drag nasce primeiramente da
fala do público GLBT, mas a gente viu que já não comporta mais, o mundo tá passando por
muitas transformações e são muitas demandas, o papel da mulher na sociedade. Porque antes
drag era muito próximo do que hoje a gente separa como transformismo, né, era muito mais
você aparentar ser uma mulher, era muito mais uma imagem fetichista da mulher, o prazer de
estar vestido como mulher, e despertar o fetiche sexual disso tava muito intrínseco no início da
drag, e a gente foi vendo que as demandas são outras, o papel da mulher na sociedade, a imagem
da mulher na sociedade mudou, as questões de gênero entraram na drag também, não existe só
um tipo de mulher, existem vários tipos de mulheres, não existe só mulher, existem homens,
existem trans, existe toda uma gama de performances de gênero, e drag sempre vai tá associado
à performance de gênero e não com performances de condição sexual, homossexual, bissexual,..
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Não tá aliado a isso tá aliado a gênero, que lógico se você puxa a pauta do gênero você puxa
todas as pautas, da condição sexual, da condição da mulher na sociedade, da condição da
periferia na sociedade, porque no período que ficou, digamos assim, no ostracismo da grande
mídia social, drag se manteve pela periferia, então também é falar de periferia, mesmo que você
falar de periferia, vem tudo à tona junto.
O que acontece é porque como a Noite Suja surgiu... Ouve um boom de Ru Paul, né, e
que foi um grande boom no mundo todo, e a galera começou a querer se montar, querer se
montar, querer se montar, só o que acontece, primeiro vou falar desse boom, o que acontece...
Ru Paul, drag race, acontece nos Estados Unidos, a drag ela sempre vai refletir os valores e os
padrões da sociedade em que ela está inserida, por isso é político, ela é um espelho daquela
sociedade; lá é um padrão midiático da mídia hollywoodiana, onde eles tem investimento em
imagem, maquiagem, onde a imagem de beleza padronizada é a cultura de lá, a cultura do
glamour, a cultura do luxo, a nossa cultura é outra, nossos materiais são outros, isso vai acarretar
e transformar o nosso modo de fazer drag. E quando a noite suja começou eram batalhas de lip
sync seguindo esse padrão, e a gente começou a perceber que a demanda de drag era
completamente absurda e diferente desse padrão, então esse padrão não comporta mais, a Noite
Suja boas festas já não faz mais batalhas de lip sync e abre espaços pra apresentação, o que
acontece eu acho que quando se olha de fora, você pensa assim, a Noite Suja elegeu 4, 5 rainhas
durante essas batalhas, e nunca mais houve outra rainha, a gente não quer mais eleger rainha, a
Noite Suja quer que todo mundo suba no palco e todo mundo faça, que seja aberto, existe a
galera que começou e que carrega essa bandeira, até porque produzir isso em Belém não é fácil,
não é fácil, e sempre vão ter pessoas que vão falar contra, sempre, você fazendo, você não
fazendo, vão ter pessoas que não vão concordar com você, em todas as situações que você
queira produzir culturalmente em Belém, e principalmente contra-cultura em Belém, né, que é
uma cidade muito provinciana ainda, de valores provincianos, sabe, onde as pessoas ainda são
presas a uma sociedade que te exige a seguir àquele padrão ainda é forte isso em Belém, apesar
de ser uma cidade imersa em loucuras, imersa no imaginário mítico, mas socialmente na
estrutura ainda temos grandes famílias oligárquicas que comandam a cidade, que te dão patrões
da cidade, então fazer a noite suja em Belém, não só a noite suja, qualquer evento que vai de
encontro a essa cultura imposta, que em Belém principalmente a Secretaria de Cultura, acha
que a cultura é a cultura elitista, eles investem milhões em óperas, investem milhões pra trazer
artistas da puta que o pariu, mas o olhar daqui é esvaziado pras pessoas que ficam aqui, nós
artistas, e isso eu me posiciono como artista da cidade, como Alan o artista da cidade, a gente
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é muito carente disso, a nossa cultura é muito marginalizada ainda, a nossa cultura, os nossos
costumes, os nossos valores, então a Noite Suja é mais um espaço de lutar contra essa cultura.
A Flores ela surgiu como uma busca de algo que já tava dentro de mim há muito tempo,
sabe, eu nunca me senti confortável dentro de um padrão de imagem, tenho 22 anos, e a Flores
começou com essa inquietude de querer transformar a minha imagem, porque não tava de
acordo com o meu comportamento, com o meu pensamento, e eu comecei a me montar como
um espelho da grande mulher da minha vida, que é a minha vó, por isso eu comecei a fazer uma
personagem... uma personagem não, uma drag mais velha, ela começou com essa história do
mais velho, e começou a refletir os gostos do Alan, eu sou uma pessoa que amo música
brasileira, então faço questão de só dublar música brasileira, o nome da minha drag é uma
homenagem a uma música brasileira dos Secos e Molhados, Flores Astrais, então eu acho muito
legal tudo o que se faz de drag, mas eu acho que a drag brasileira precisa olhar a sua terra,
precisa olhar pros seus artistas, pra cultura que é produzida aqui, e levar isso pro palco, carregar
isso, porque isso tá no nosso DNA, né, às vezes a gente se baseia num padrão lá de fora e tá
cagando pro que tá rolando aki, e eu sou um artista que quero tá fazendo sempre a minha arte
aliado ao meu contexto cultural, social, étnico, tudo isso quero trazer na minha arte, sabe, por
isso eu luto, minha drag é uma drag nacional, eu dublo as músicas nacionais. E tem outra coisa
da Flores também, quanto à imagem, da construção do comportamento que vem dessa velha
louca que fala palavrão que arrota que peida que vem do grotesco, é meio bufônico e a imagem
vem muito de uma desconstrução da imagem antiga de drag, da reprodução do valor da mulher,
é mostrar que eu não quero reproduzir uma mulher, eu vou do over do over do over, pra mostrar
que eu sou outra coisa, eu faço questão de permanecer a barba na minha montação, mesclar
elementos que são masculinos, femininos, híbridos, o não-binário, o que aconteceu, isso acabou
vindo pra minha vida, eu passo a andar sem sobrancelha por causa da drag eu passo a andar de
unha feita por causa da drag, e o guarda-roupa começa a se mesclar, e há dois anos eu venho
trabalhando uma descoberta em mim, e hoje em dia eu me entendo como um transexual não-
binário graças à drag, porque a drag me mostrou que há possibilidade para além de ser homem
para além de ser mulher, porque nunca me encaixei quanto homem na sociedade, sempre me
incomodou muito, sempre me doeu muito, mas também nunca me percebi enquanto uma
mulher, absurdo pra mim me enxergar como uma mulher é muito distante de mim, e a drag veio
me mostrar, não existe só homem e mulher, não existe, tudo isso são performances você
aprendeu a performar homem, você pode desaprender a performar um homem, sabe, e isso eu
trouxe pra minha vida, por isso eu te digo que a fronteira é muito turva, muito turva hoje em
dia.
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A cultura drag, e isso veio da cultura dos Estados Unidos, principalmente, por ser um
espaço periférico, então você precisa se apoiar uma na outra, então o que acontece, na época
quando você se assumia gay, quando você se montava era muito comum você ser expulsa de
casa, então começaram a se formar famílias drags, e aí surgiu essa cultura, se você é uma drag
que me ajuda a me montar, eu te tenho como minha mãe e a gente vai lutar pelo nome da
casa, e nessa brincadeira começou a surgir uma montação eu e a drag Fabritiney Akadela, que
é o Fabrício de Souza, e a gente só se montava junta por um bom tempo, não tem um babado
aqui, e nós nos declaramos irmãs drag, e o absurdo é que ela sempre teve uma imagem mais
padronizada e eu mais grotesca, hoje em dia tá tudo mesclado eu peguei um pouco da finesse
dela, e ela pegou um pouco da minha loucura e tá tudo misturado hoje em dia, e a família foi
crescendo, meu namorado e o esposo dela também fazem drag, aí vem a Alexia Turner e a
Lady Blade pra família Caninana assim como existem outras famílias drags em Belém, várias
famílias, e as Caninanas ainda estão aí na luta na resistência na batalha.
Olha, a primeira vez que eu vi drag foi na Praça é Nossa, Vera Verão, pra mim começou
com drag brasileira, depois sempre foi em programas de tarde, Eliana, sabe, sempre aparecia
uma drag, Thalia Bombinha, Silvete Montila começavam a aparecer, e depois de um tempo eu
fui conhecendo drags internacionais, mas a minha grande referência na construção da minha
drag não são drags, são cantoras brasileiras, eu trago muita referencia da Gal Costa pro meu
trabalho, pra estética dela, pra estética tropical que ela carregava, Bethânia, a Elis, Tete
Espindola, e as grandes damas, por ser uma senhora mais velha, meu grande parâmetro é minha
vó, né, eu olho: minha vó vestiria isso? então vai! Porque a minha vó também é essa velha louca
que anda de salto que anda de brilho, purpurinada, fala palavrão, é mãe de santo, entende, então
eu trago toda essa história que tem que ser contada, tem que ser carregada comigo, e essas
mulheres são referência, as grandes damas mais antigas, Derci Gonçalves, Hebe Camargo,
Lolita Rodrigues, Nair Belo, tudo isso me grita aos olhos, me chama muito, mas a gente se suja
muito com o trabalho das drags daqui, quando começou a rolar as drags mulheres a entrarem
no rolê, as mulheres que fazem drag, isso mexeu com a nossa cabeça da galera que faz aqui,
porque até antes nós estávamos performando outro gênero e elas passaram a performar o próprio
gênero mostrando facetas que a gente nem imaginava, então isso foi uma outra configuração:
Luna Sky, Cílios de Nazaré, Black Jambu, as drags que começaram a fazer coisas absurdas:
Sophia Mezzo, Byxa do Mato, que já nem se enquadra mais como drag, Sid Manequim, sabe,
toda essa performance suja, por isso que eu gosto desse nome da Noite Suja e me atrai, por isso
que eu luto, porque eu acredito que Belém vive essa noite muito suja, um vai se sujando do
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outro, vai rasgando mais a cara da outra, todas que estão uma do lado da outra são referência
sem dúvida, sem dúvida.
Eu comecei a ver a Sophia Mezzo nas ruas de Belém, em eventos como a Viada Cultural,
acho que a primeira vez que eu vi foi no carnaval, e em muito em Viada Cultural, a gente sempre
se encontrava muito em Viada Cultural e a Sophia me abriu os olhos para as possibilidades do
fora do comum, da transformação do objeto, eu acho mais genial do teu trabalho, a
transformação do objeto, algo que a gente olha e não enxergaria alguma coisa tu consegues
enxergar, eu lembro muito daquele look de material de limpeza, um look todo feito de material
de limpeza, com tamanco de panela, com uma peruca de escovão, sabe, nunca que eu vou olhar
praquilo e vou ver um look, quando eu vi o look de barraca de camping, todo pronto, Mauricio
Franco, é a ressignificação do objeto. A Sophia Mezzo, a maquiagem dela é mais dura... e é
uma construção muito mais condinzente com a nossa realidade, sabe, acho que a pessoa
consegue muito mais... eu me enxergo muito mais na Sophia Mezzo do que numa drag belíssima
toda enfeitada e maquiadíssima, eu me enxergo muito mais, me traz uma coisa lúdica, porque
a maquiagem dela eu completo na cabeça, como uma criança que se maqueia na frente do
espelho que ela tá toda cagada, mas na cabeça dela ela é a bonita da bonita da bonita. E a
ressignificação do objeto a partir do elemento principal pra mim da Sophia, que é corpo, eu
vejo a expressão corporal a maior marca de todas, a carne, eu vejo uma carne treinada uma
carne amarrada, uma carne dobrada, uma carne curvada, toda vez que eu vejo Sophia, eu vejo
carne, eu vejo corpo, parece que é o corpo que transforma, quando eu digo a transformação do
objeto é o corpo que transforma, porque aquilo que é do material de limpeza só funciona como
look no corpo, e não é o corpo relaxado, é o corpo arqueado, é o corpo montado, a barraca de
camping só vira look no corpo, no corpo correndo, no corpo voando, esvoaçando tecido, ali vira
o vestido, então acho que esse trabalho de corpo é muito forte... e eu tô com saudades...
(Conversa em agosto de 2017)
Noite Suja surgiu em 2013 a ideia a gente começou a tocar em festas, tudo mais, se
apresentar na festa das amigas, a gente era do Noite Suja, então o projeto começou com
discotecagem, e aí outras personagens surgiram também dentro da festa, como a Flores, que a
primeira montação dela foi no Noite Suja, depois iniciou um processo no teatro e tudo mais e
culminou na Viada Cultural no 8. Então as nossas historias se confundem a gente tá sempre se
encontrando nesse mar.
Tinha uns 19 anos... Eu ouvi falar de Lis Babete Taylor, aí eu joguei no facebook, na
verdade no google imagens e apareceu umas fotos dela, que até o meu professor de artes tinha
tirado. E aí eu conheci assim, alguém me falou assim “ah, a Babete existiu em Belém, foi uma
drag importante, morreu e tudo mais”. Aí eu quis saber até pra que a gente entenda o que
aconteceu antes, porque a gente não cria nada, né, a gente só se apropria, transforma, recorta,
cola, tricola, bricola, e aí somos resultado de referencias.
Essa historia surgiu de conversas comigo e com o Maruzo, que ele é mais velho que eu
e ele conhecia o Kaveira, essa movimentação punk, montação, Helida Brás, que eu não tinha,
porque eu não cresci em Belém, mas que por histórias influenciaram a nossa ideia do Noite
Suja. Sim. Sou de Capitão Poço moro aqui desde 2009, aí eu brinco eu digo que antes de 2009
eu não sei de nada, só o que aprendi em Estudos Amazônicos sobre Belém eu digo, ne, porque
eu não sabia o que acontecia, outras movimentações como PogoBol, outras festas. Vim com 15
anos pra cá, então não existia nada disso, só estudar mesmo.
Voltar pra lá (Capitão Poço), sempre é no sentido de exilio mesmo, de fugir um pouco
disso, nunca fiz um evento. E o contrário se dá, pessoas de lá, drags, minhas amigas vem pra cá
se apresentam no Noite Suja, a gente já teve a Maely, a Feminile, a Condessa, que também é de
Capitão Poço, outras pessoas que estão ligadas à cidade estão envolvidas no Noite Suja.
Quando eu vou pra Capitão Poço hoje em dia, é uma rede, Noite Suja criou uma rede,
quando eu vou pro Rio fico na casa da Uhura, quando vou pra Capitão Poço nem fico mais na
casa do meu pai, fico na casa da drag, mas eu falo é por uma escolha própria não é por nenhum
problema de família, eu vou ficar lá porque eu sei que vou frescar, eu sei que eu vou sair tarde
vou chegar tarde vou ficar louca toda hora, vou construir um pouco do que eu construo aqui lá,
eu gosto dessas trocas, eu resido. Só quem mora lá é meu pai e meu avô, minha mãe e as minhas
irmãs já moram aqui em Belém, eles não tem noção eles não sabem que a gente já ganhou
prêmio, por exemplo, eles não sabem que eu apareço na TV, eles não estão ligados nesse papo.
Também parte de mim, eu vivo tantas coisas, também sou artista visual, também produzo, sou
designer, então é muita coisa, quando eu começo a falar o que eu faço pra eles, aí eu falo que
eu produzo eventos, eles sabem que eu produzo, sabem que eu sou produtor cultural, sabe que
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eu faço festa, que eu sou dj, mas eles não sabem qual o tamanho disso, que tem tanta gente
envolvida, que Noite Suja pode partir de mim, do Maruzo...
Eu não sei direito, minha mãe sabe, não é uma aceitação que é tão legal assim, questões
de família, religião, mas eu acho que a gente não tem por que conversar sobre isso com eles,
mas eles sabem que eu faço alguma coisa, que eu sou artista, que eu tô na rua, que eu tô
produzindo, que eu tô fora de casa, que eu tô fazendo alguma coisa estranha que é o
deslocamento, eles sabem que eu me desloco, mas eles não sabem drag queer trans cis agenero
essas relações mais especificas conceituais acadêmicas classificatórias não sei nem como
conversar com eles, já tô muito dentro do furacão apenas vivendo. Não tem certo e errado, é
certo pra ti porque foi uma construção que começou há cinquenta anos atrás, e é certo pra mim
porque é uma construção que começou seja no caso na academia, com os amigos, geralmente é
na rua que a gente se desenvolve, não é na escola, a gente aprende, mas o desenvolvimento é
no fazer a gente sabe o que funciona e o que não funciona. São construções que levam a
caminhos diferentes, claro que o preconceito é errado sempre, mas eu acho que existe mais
desconhecimento de causa, assim como entre as próprias drags existe essa questão (e eu não sei
se tu já teve outras amigas de outras épocas) de achar que a drag tem parâmetro, plumas e paetês
e tudo mais, assim como existe isso, existem outros parâmetros que é tudo o que a gente
aprende, a gente aprende as coisas, a gente pode desaprender, aprender a evoluir, mudar de
costume quebrar. “Ninguém nasce drag, né, a gente nasce nu o resto é drag” (essa fala é da Ru
Paul). Ru Paul? Primeiramente Fora Ru Paul! Adoro falar isso, eu acho que a Ru Paul é um
programa, um produto, as provas da Ru Paul são em reverência própria, a própria Ru Paul,
então o programa ele gira em torno de alguma coisa, ela é o milhão da história. No começo do
Noite Suja a gente tinha batalha de lip sync com inspiração em Ru Paul, mas eu acho que a
gente tem muita inspiração nas inspirações de Ru Paul também, Club Kids, Bailes de Vogue
em Nova York, surgiu dessa base, as nossas bases são parecidas, o programa Ru Paul é
construído com histórias americanas, né, do Vogue, Paris is Burn, club Kids, James st James,
nós consumimos o programa mas uma coisa não tem a ver com a outra, porque a gente nasce,
cresce e desenvolve ideias na Amazônia. Tupiniqueers, não tem nome é uma coisa estranha,
não tem definição ainda. Falando sobre Ru Paul, é legal também o que se faz lá porque o
programa mostra trabalhos, mostra artistas então não importa como o programa é editado,
pensado, porque é pensado pro capital, mas existem os artistas por trás, então vale entrar no
instagram, vale pesquisar o quê que eles fazem realmente não o que o programa mostra e edita
e é isso que o programa faz: expõe, e é legal, mas no Noite Suja a gente até tirou a batalha de
lyp sinc em 2015, porque a gente não gosta de competição entre artistas amadores, decidimos,
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e percebemos que não é algo bom, não aconteceu nenhuma cagada, nenhuma situação ruim,
mas a gente vislumbrou no futuro: Bixa, isso poderia ser ruim pros artistas!
(Conversa em outubro de 2017)
Para Hakim Bey (1991), TAZ (Temporary Autonomous Zone, trad. Zona Autônoma
Temporária) é um ensaio, “uma tentativa” de uma “fantasia poética” que foge da cristalização
de dogmas políticos e de definições. A TAZ não é teoricamente definida, nem tão pouco é
revolução – quando pensamos revolução como Revolução Política X Estado, na recusa da
teoria, a TAZ é prática, o exercício do fazer diário é que torna a TAZ autoexplicativa como
revolução interna, micropolítica do afeto e tática de guerrilha estética. Por ser autoexplicativa
– sem a necessidade de termos que a prendam em uma estética definida teoricamente como é a
arte institucionalizada que conhecemos na contemporaneidade, a TAZ, segundo Bey, almeja
“uma estética que não se comprometa, que se remova da História e mesmo do Mercado” e que
esteja próxima à vida, ao cotidiano, pois como o “poder” é “pura Simulação” sob o fracasso da
revolução política ou social, a TAZ é uma “tática de desaparecimento”, a recusa das
instituições, do Estado e da revolução; o desaparecimento do projeto radical pela “contínua
revolução de todo dia: a luta que não pode cessar”, é a prática da arte como tática combativa
para descentralização do poder, ou seja, é uma rebelião próxima da arte-vida sem violência e
martírio. TAZ é a operação tática de guerrilha que ocupa temporariamente territórios e
territorialidades físicas, virtuais e/ou imaginárias, para se dissolver em sua efemeridade e tornar
a levantar-se em outro espaço e/ou tempo, podendo assim co-existir com o Estado sem ser
esmagada por ele. Nesses aspectos, podemos concordar que as amazônidas nas amazônias
fazem acontecer TAZ’s solúveis como processos de resistência em redes imbricadas de pirataria
e afetividade, desde as viagens de barco em redes atadas umas sobres as outras e embaladas em
trocas de informações, mercadorias e conhecimento, até as redes de com)vivência artística,
relações festivas e práticas de empoderamento e re)existência do corpo livre como projeto de
vida. Nesttes aspectos, podemos citar o coletivo de monstrxs “Noite Suja” como uma TAZ
amazônida que faz acontecer eventos transitórios e efêmeros destinados às pessoas com corpos-
mentes dissidentes em espaços da cidade de Belém (e fora dela) que são des)construídos, com
o projeto radical diluído em pequenas revoluções diárias de recusa das instituições para a
formação e estruturação de redes e micropolíticas do afeto que dialoguem sobre a
descolonização dos corpos-amazônias. O trabalho de Luna Skyyssime, drag monstrx de Juliana
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Bentes (Nascimento, 2019), produzido no mesmo período que o nosso, aponta com mais
detalhes manifestações e desdobramentos do Noite Suja com suas famílias e monstrxs em
trânsito. Mais do que um coletivo artístico-festivo, Noite Suja é uma irmandade que em seus
desdobramentos instaura zonas autônomas pela cidade de Belém e fora dela, bem como nas
redes sociais, com sua “rede de informações” pirata de drags que se autodenominam como
“themônias”, corpos demonizados, corpos-mentes rejeitados pelo cis)tema (VERGUEIRO,
2015) e que agora se levantam em suas “ilhas na rede” propondo a recusa das instituições, a
recusa da arte como mercadoria, e “a remoção de todas as barreiras entre artistas e "usuários"
da arte”, em busca da mudança consciente do mundo por uma sociedade livre e uma cultura
livre.
Quando a “Revolução triunfa e o estado retorna”, há também o retorno da naturalização
de uma normalidade instituída que, pós-revolução, se almejava não ter, e assim, o ideal
revolucionário é traído e o anseio por uma nova revolução torna-se recusa e provoca outros
tipos de revoluções que são na prática levantes de guerrilheiros cotidianos per si prontos para
atacar e fugir, ou seja, como vimos em tantos relatos e evidências históricas, o projeto
revolucionário ideal é falido, mas o projeto de vida continua em sua resistência por existir, por
estar em busca de uma liberdade mesmo que utópica.
Continue movendo a tribo inteira, mesmo que ela seja apenas dados na web.
A TAZ deve ser capaz de se defender; mas, se possível, tanto o "ataque"
quanto a "defesa" devem evadir a violência do Estado, que já não é uma
violência com sentido. O ataque é feito às estruturas de controle,
essencialmente às ideias. As táticas de defesa são a "invisibilidade", que é uma
arte marcial, e a "invulnerabilidade", uma arte "oculta" dentro das artes
marciais. A "máquina de guerra nômade" conquista sem ser notada e se move
antes do mapa ser retificado. (BEY, 1991)
Essa máquina de guerra nômade, que é a TAZ, quando apropriada ao contexto corpos-
amazônias, faz-nos perceber que os movimentos neocabanos – de micropolíticas de resistência
ao longo da territorialidade denominada Amazônia, provém das revoluções cabanas que
ocorreram ao longo dos rios e do tempo desde o período da invasão europeia e regência do
império português até os nossos dias, como podemos ver no documentário “A Revolta dos
Cabanos” (2017), que relata a “Cabanagem”, também conhecida como “Guerra dos Cabanos”
como um movimento de resistência organizado por ribeirinhos, pretxs, indígenas e periféricos
que se iniciou no século XIX e perdura em na contemporaneidade em movimentos neocabanos,
que são práticas de resistência cotidianas que envolvem as relações sociais, a cultura local, a
vida e as artes.
85
que movimentaram ações cabanas, Negro Patriota e Diamante, amigos de Joaquim Afonso;
Francisco Sipião, capitão dos cabanos; Félix, Cristóvão e Belizário, que, por influências das
redes haitianas na Amazônia, defendiam o fim do império e uma república negra livre;
Domingos Onça, notável combatente que matou o presidente da província no dia 07 de janeiro
de 1835, dando início à revolução cabana; Francisco Bernardes Cena, pretx letrado que com
800 homens invadiu Manaus e sem nenhuma violência assumiu um governo diferenciado, que
favorecia as classes excluídas e libertava os escravizados, destoando da afirmativa de Bey
mostrada anteriormente em que o ideal revolucionário é traído quando a revolução consegue
chegar ao poder. Tão foi a influência dos ideais cabanos ao longo dos rios que nações indígenas
como os Mawé e Mura envolveram-se totalmente na guerra cabana, citando como líderes mawé
os caciques Manoel Marques e Crispim Leão, que chegaram a liderarem tropas com mais de
980 cabanos portando apenas arcos e flechas; os indígenas Muras eram conhecidos pelas suas
notáveis táticas de guerrilha com arco e flecha, ataque aéreos e estruturas de madeira afundadas
nos rios com o propósito de impedir de passarem das embarcações e afundar navios; neste
contexto cabano insurgente do século XIX, haviam também os Tapuios, que não é uma nação
indígena, mas eram chamados assim todos os indígenas e descendentes de indígenas que foram
escravizados e/ou catequizados pelas missões jesuítas e europeus que invadiram o território
Amazônia, os tapuios tiveram grande influência na disseminação da insurgência cabana, eles
dominavam o “nheengatu”, que foi uma língua criada para ser a língua universal da Amazônia,
e devido a esta universalização línguística, os ideais da cabanagem foram mais facilmente
difundidos, tendo quem diga que o nheengatu é a “língua cabana”. O movimento Cabanagem
além de chegar às fronteiras do oeste amazônico, alcançou a região nordeste do Brasil, e
inclusive se estendeu também pela América caribenha onde já havia um tráfico de ideias entre
escravizados e ex-excravizados. A Cabanagem assim, mostra-se como luta de classes contra a
hegemonia imperialista e contra as formas da colonização e seus desdobramentos, e nestes
aspectos de seus ideais, a revolução Cabana, o levante popular cabano, ainda permanece em
nós, dissolvido em um caldo grosso com o sangue de nossos ancestrais, como uma TAZ
dissolvida em pequenas micropolíticas de afeto e processos de resistência, nossos ideais
cabanos transitam autonomamente ao longo do tempo em espaços físicos e virtuais; o “tráfico
de ideias” desde os Andes até as Guianas (RICCI, 2006, p. 11), tendo os rios da Amazônia
como as teias da web, as canoas dos cabanos como navegadores e dispositivos conectados à
rede, e os cabanos como os próprios internautas trafegando informações, compartilhando ideais
e sonhando com uma deep web anti-imperialista. Essa rede de comunicação e informações entre
caboclos e europeus – que movimentou a maior insurreição popular registrada na história do
88
Brasil, ainda hoje move corpos-mentes a repensarem a estrutura social instituída pelo Estado
desde o período da colonização; essa identidade revolucionária cabana (onde o povo assume o
poder em detrimento da coroa colonial) após tantas mortes principalmente de tapuios, indígenas
e negrxs, no século XIX, foi se re)transformando se re)configurando e dissolvendo-se em ideais
e identidades cabanas com processos de resistência internos e em ambientes familiares, pois
apesar de muitas vezes a história cabana apresentar-se com nomes de líderes cabanos homens,
principalmente de líderes burgueses da cabanagem, as mulheres tiveram um papel fundamental
na disseminação do movimento bem como em sua perpetuação ao longo dos séculos com
práticas difundidas no afeto e que alcançam a atualidade dialogando sobre processos cabanos
de com)vivência.
Segundo a pesquisa de Eliana Ramos Ferreira (2003), sabe-se que as mulheres e famílias
de cabanos tiveram grande influência no tráfico de informações, proteção dos refugiados, ações
de deslocamento nômade pela floresta e inclusive na participação em armas na linha de frente
do tiroteio; eram as mulheres cabanas que abasteciam as tropas, eram as mulheres cabanas que
sustentavam as “ilhas de rede”, as ilhas de refúgio de esconderijo cabano, e as ilhas de
intercomunicação entre refúgios e esconderijos, eram elas que avisavam quando as tropas
legalistas estavam se aproximando e eram as mulheres que mantinham a cumplicidade e
encobriam cabanos em suas casas; e quando repensamos a cena das mulheres cabanas, ainda
podemos refletir sobre a quantidade de homens mortos e que deixaram parentes como esposas,
mães, irmãs, e que essas mulheres sozinhas ou isoladas em uma sociedade extremamente
heteropatriarcal re)configuraram-se e tiveram que assumir a responsabilidade do lar, das terras,
a administração da família, o trabalho para sustentar a casa, e a responsabilidade antes atribuída
aos homens. Essas mulheres deram continuidade aos movimentos cabanos e neocabanos
re)transformando a revolução em levantes cotidianos de re)existir em seu território sem perder
sua territorialidade e tradição local, e, como afirma Ricci (2007, p. 29), “a matriz desta luta
nunca foi totalmente esquecida”, está presente nas pesquisas acadêmicas e jornalísticas, em
ideais políticos e debates, bem como, podemos acrescentar o campo das artes que é
extremamente influenciado pelos ideais cabanos.
Se re)traduzirmos a obra TAZ de Hakim Bey, a partir de nossa territorialidade, podemos
dizer que os piratas e corsários do século XVIII, são xs cabanxs nas vicinais ribeirinhas do
século XIX, re)existindo aos poderes emanados do império; e que ao longo do tempo estes
cabanos se trans)formaram em movimentos das cabanagens com processos de re)existência
praticados cotidianamente por cada neocabano (cabanos re-significados ao longo do tempo)
com ideários amazônidas específicos a partir das necessidades individuais, coletivas e locais,
89
como é o caso das themônias no coletivo “Noite Suja”, com várias drags colocando em prática
suas discussões e estabelecendo redes e propostas anárquicas de eventos temporários e efêmeros
que somem e aparecem desordenando espaços cristalizados e alterando o tempo normalizado
em busca de uma proposta de outro tempo que é festivo e/ou de combate e que após o ataque
se re)transformam em fuga como “recusa de participar da violência espetacular, retirar-se da
área de simulação, desaparecer” (BEY, 1990).
As piratarias cabanas são movimentos do pensamento e principalmente de ações
práticas, são exercícios diários de convivência na arte-vida pensando estratégias de
descolonização de corpos-mentes; nesse mesmo sentido, o evento “Égua, Sarau!” também é
outro exemplo de TAZ observando o evento como manifestação artístico-cultural que dialoga
nas amazônias sobre corpos “que se pintam para a festa e para a guerra” (https://bit.ly/3_egua),
referindo-se a Arthur Leandro (in memorian) – que nesse plano era um “pirata dos bons
pensamentos e princípios do bem” (citação da música “Navegantes da Ilusão” da banda “Mato
Seco”) –, que provocou as éguas para acontecer pela primeira vez o “Égua, Sarau!” em Belém
no GEMPAC (Grupo de Mulheres Prostitutas do Bairro da Campina), sendo que este
movimento desdobrou-se até o ano de 2018 em cinco eventos, cada um com seu nome,
características, territorialidades e especificidades de com)vivência, diálogos e práticas artísticas
onde Sophia esteve “artivisticamente” (RAPOSO, 2915, p. 4), em uma urgência necessária “das
dissidências sexuais e de gênero no Brasil da atualidade” (COLLING, 2018), pulsando junto
com outros corpos-amazônias, como podemos ver nos links seguintes:
Égua: Sarau do corpo Poético
http://bit.ly/1egua
A primeira égua foi organizada por astúcia de Arthur Leandro que no período do Círio,
outubro de 2012, movimentou os artistas locais e artistas que estavam em trânsito pela cidade
para juntos participarem de diálogos sobre nossos corpos e possibilidades de descolonização.
Neste encontro, a partir da articulação de Arthur, artistas do “Grupo Empreza”, que neste
período ganharam uma premiação artística patrocinada pela emissora local da TV Globo
aproveitaram a estadia pela cidade e também se juntaram ao movimento. Na “Primeira Égua”,
Sophia compartilhou processos artísticos nas proximidades da praça da República no centro de
Belém em que ela e sua prima Byxa do Mato ofereciam pedaços de carne e jambu para os
ttranseuntes, oferecendo um grande prato tradicional ode travesti no tucupi, em simbologia aos
assassinatos de travestis nas esquinas de Belém e o signo culinário da maior festividade
religiosa regional paraense, que é o patto no tucupi. E como podemos ver na playlist:
https://bit.ly/travacarne e nos vídeos “Primeira Égua: Trava Carne, a pata do Círio”
90
Terceira Égua
http://bit.ly/egua3
http://bit.ly/3_egua
A terceira égua foi um encontro com)vivência de retorno à cidade de Belém, em 2014,
e ocorreu durante uma semana na casa Reduto 560 , que na época era a casa onde artistas
moravam e foi cedida para habitarmos e com)vivermos durante o período do evento com rodas
de conversa, ações coletivas, oficinas, exposições e ações interventivas na rua. Foram realizadas
ações internas como “karaoqueer” e rodas de conversa, e ações externas como a festa
“Pirigótika” na praça da República e a ação pelas ruas do baixo Reduto, onde resiste o ponto de
travestis, e tem como registro áudio-video “O Pixo das Égua”: https://bit.ly/pixoegua
Égua de 4
https://bit.ly/4egua
2017. Em uma edição reduzida, a quarta égua, ou mais conhecida como “égua de
quatro”, aproveitando a estadia de Arthur em Bragança, aconteceu uma via crucis pelas ruas,
orla e bar Viúva Negra em Bragança-PA, sendo esta performance analisada no artigo Sophia
Palhaço (CONCEIÇÃO, OLAIA, 2017) e comentada no subcapítulo 2.3.1.
91
Égua D Kinta’l
https://bit.ly/5_egua
2018. Em memória de Arthur Leandro. Contemplados com o prêmio SEIVA 2018 para
Produção e Difusão Artística da SECULT-PA, a quinta edição do Égua Sarau, ou mais
conhecida como “égua de quinta” foi organizada diretamente por vinte artistas que conviveram
primeiramente durante uma semana em Belém do Pará, no espaço artístico-cultural Casarão do
Boneco e posteriormente uma semana em Bragança no espaço artístico-cultural Mundo de
Sophia (casa de Pedro).
Apresentamos essas duas TAZ (Noite Suja e Égua Sarau), pois este trabalho não se
destina a analisar eventos temporários de resistência na Amazônia, mas somente apresentar
eventos onde Sophia atravessa e é atravessada, e continuando nesta mesma linha de raciocínio,
suplementamos este capítulo com a apresentação de outra TAZ neocabana que se difere das
duas citadas anteriormente por esta ter um espaço físico local estabelecido onde vivenciamos a
prática cotidiana arte-vida continuamente: Estúdio Reator (https://www.reator.net/) é o espaço
cultural dentro da casa do artista paraense multimídia Nando Lima
(https://www.nandolima.net/), que se insere e está inserido no processo artístico de tal forma
que não conseguimos perceber onde há rupturas entre teoria e prática. Nando Lima mora em
um espaço físico geograficamente dividido entre andar térreo, onde habitam seus familiares,
segundo andar onde está o espaço do Estúdio Reator com seus equipamentos de som,
iluminação e cenotécnica, terceiro andar onde está o espaço de acolhimento em que Nando
Lima e seu companheiro Dudu Lobato habitam como casa, e subindo por uma escadinha ainda
há um terraço para encontros, diálogos e trocas compartilhadas. Neste espaço geográfico
acontecem experimentações artísticas, criações performáticas e projetos artísticos como
“Reator Eterno” (https://estudioreator.wixsite.com/reatoreterno), À Sombra dos Homens
Ausentes (https://nandolima.wixsite.com/asha), Mostra Mídia Movediça
(https://estudioreator.wixsite.com/mmm2017) e NY Second Life
(https://nandolima.wixsite.com/nandoyip).
de parcerias e solidariedade para a construção de uma sociedade justa e crítica que enxergue
em seus semelhantes motivos para conquistar seus objetivos. Suplementações de teatro, som,
projeções visuais texto e fotografia são experimentados neste espaço e compartilhados com o
público de forma intimista e envolvente. Em Transophia, eu estou me des)montando em
possibilidades corpóreas a partir de sucatas eletrônicas que estão penduradas no cenário criando
um ambiente que leva o público ora para dentro de um quarto, camarim em que a intimidade de
uma drag é exposta, e ora para um palco de show onde os fragmentos de HDs e outras peças de
computador vão sendo gradativamente incorporadas ao corpo de Sophia, proporcionando ao
público uma visão cada vez mais onírica. Transophia é a performance que descreve a trajetória
de Sophia que muitas vezes se confunde à minha própria identidade e principalmente questiona
o uso das tecnologias na Amazônia e ideias desconstruidas de ciborgue, drags e heroínas falidas.
Afetos e desafetos nos movem à des)construção deste jogo que às vezes chamamos de
“performance cênica” para adequar-se em uma classificação de linguagem artística e definir a
TAZ pirata Sophia como uma divindade mítica com possessão glitérica, escudo rosa e defesa
purpurinada de reafirmação colorida, salvação e libertação.
Sophia tem asas, é a liberdade de extravasar as mais íntimas repressões/proibições que
sofro no meu corpo todos os dias nas pequenas ações/atitudes; e em Transophia, a reutilização
de diversos materiais no corpo de sophia vai para além do figurino tradicional, pois os
recicláveis e lixos eletrônicos entrelaçam-se e constroem uma história extraordinária em um
mítico alegórico colaborativo que performa o cotidiano em estereótipos de uma montagem em
que ela não está vestida comumente – não é Pedro no cotidiano, e se trans)forma, vem a ser, a
explícita tecnologia do possível do faça você mesmx, da truquenologia, da gambiarra
amazônida. No próximo subcapítulo vemos um pouco dos registros do processo Transophia em
que sophia é substantivada na própria rede (como o cabelo de rede de pesca em Sophia Flaneur,
2017, que vemos descrita como narrativa etnofotográfica no subcapítulo 3.1); o material que se
tem nas mãos em processo de des)construção e incorporação na montagem do corpo com
composições estéticas provocadoras para um jogo aleatório descompromissado em um diálogo
com o público a respeito das opressões, fobias, machismos e achismos sobre o corpo-mente e
atitudes do próximo. “Amai-vos atai-vos” - Exu falou.
[...] Quando a tecnologia atua sobre o corpo, nosso hor-
ror mescla-se, sempre, com uma intensa fascinação. Mas
de que forma, exatamente, age a tecnologia? E em que 93
profundidade ela penetrou sob a membrana de nossa
1.3.1 – Renascida do Coma pele? (KUNZRU, 2009, p. 19)
https://bit.ly/transpaloma
https://bit.ly/transophia
https://bit.ly/transphenix
https://bit.ly/transdepoimento
https://www.reator.net/transophia
Divindade mítica possessão glitérica escudo rosa defesa purpurinada reafirmação colorida
salvação: Sofia tem asas, é a liberdade de extravasar as mais íntimas
repressões/proibições que sofro no meu corpo todos os dias nas pequenas ações/atitudes.
Nunca quiz fazer a linha lypsinc nunca quiz ser bonita sempre quiz ser bonita nunca
quiz ser sempre quiz existir quiz show somos celebração fortaleza de corpo presente
2 arredão: texto produzido em 2010 como mote para a performance de-leite.
https://deleitep.wordpress.com/arreda/
máquina de guerra nas ruas, meu corpo se expõem enquanto suas idéias ficam no papel
não gosto da linha Ru Paul, adoro vê-las, mas não quero segui-las, a bicha na Amazônia
é outra coisa, são outras tonalidades exagerando por aqui, e gritando necessariamente,
que nem o chiado da internet de antigamente. Aqui somos low tech, somos sucata
eletrônica jogada no lixão das ryKa somos o próprio lixão, louvação ao ciborgue
incompleto ao projeto inacabado o que não deu certo o erro inacabado monstrx nunk
quis fazer a bailante cantante do palco dubladora miss sempre quis dar closet nuk nua
suada colo quente fluidos fervem numa batida nervosanos pés invoca ação signos que
constroem a performance resignificacoes informacoes do improviso
94
https://www.reator.net/transophia
Da Transophia eu acho que o que a gente propôs dessa interação natural tem a ver
com a questão da tecnologia e da interferencia na vida da gente, no sentido não da alta
tecnologia, pois na verdade nós nao vivemos no mundo da alta tecnologia, nós vive-
mos no mundo da sucata tecnológica, e de como isso interfere no dia a dia da gente,
como vamos diariamente lidando com isso, como perdemos um tempo enorme nos
caixas eletrônicos do banco, porque os bancos aqui tem um sistema arcaico e os caixas
eletrônicos em si são objetos velhos, a internet é de baixa qualidade e aí o nosso dia a dia
já começa assim, se tu vai de manhã pagar uma conta já começa assim, quer dizer quan-
do tu colocas esse trabalho da Transophia de toda a tua experiência com esses aparatos
tecnologicos com essas traquitanas todas que tu estavas fazendo, imediatamente fica
relacionado com esse cotidiano atravanacado de que a gente mal consegue se expressar
como ser humano, como artista sei lá como, por conta de estar atravessado por essas
coisas todas, todas essas minúcias, essa coisa do celular que toca toda hora, a sedução
que a gente tem por essa pseudo-comunicação, porque as pessoas acham que elas estão
falando com um público enorme, quando na verdade no máximo duas ou três pessoas
leram a mensagem delas, e aí as pessoas vivem disputando a atenção pela internet e
como isso reverbera em tudo, desde o que a gente come até ao sexo, a vida de todo mun-
do está ligada de uma forma ou de outra a essa rede. NANDO LIMA
96
chapa testa
ferro
fogo
foi assim que se descobriu a vida
sentido sentindo das coisas que sobre)vivi ou que te disse já nem sei mais que conto
que
conto estive dedilhando teclado? contas quantas contas e letras formam uma palavra
meu corpo frágil jah se foi transmutou transcendeu transliteração do que há de vir
agora
comunico-em pelos outros eus binários refratários suspiros de zeros e uns hums ais ás
de copas cópulas conexões como pássaros como asas como penas de pavão voo longe
dependurado em suas inquietações não creio mais nos outros nem em mim transfigu-
ras
liquefazem nos jardins afetos luminescentes afeto fios cabos plug and play toca o além
toca na cabeça toca de felino voraz pontas afiadas unhas e dentes amolados imolado
corpo táctil oferenda mítica mitiga carne e sangue transforma transporta transcreve
pulsos pulsações incorrupto majestoso vai além transmatéria translate transcorpo
NANDO LIMA
Quando a Transophia está dentro desse universo, quando ela entra em casa, porque a Sophia é da rua, mas
quando ela entra em casa, ela vai pra esse universo atravancado dessa comunicação , pois se na rua tem o
feedback imediato, quando ela entra nesse espaço físico restrito ela passa a tentar se igualar à máquina e aí
98
ela é tão sucata quanto as sucatas que a gente utiliza, aí ela percebe que o corpo tem todas as limitações e es-
sas questões que não são fechadas, que são absolutamente abertas porque nós vivemos numa época em que
tudo está por se construir o tempo inteiro, e aí enquanto artista algumas pessoas levam isso muito a sério
e eu acho que nós acabamos tendo que de alguma forma debochar disso, que é uma maneira de conviver
com esse inferno, com esse surrealismo todo, na falta de palavras novas pra descrever esse trans)torno tec-
nológico que vivemos, essa coisa do trans): da trans)fobia, da trans)tecnologia, da trans)formação, da trans)
filosofia, todas essas questões condensadas, espremidas, amassadas na Transophia. E no teu caso acho que tu
és uma pessoa do corpo, do físico e de ir fazendo, atuando, armando essas coisas, vai vivendo e vai fazendo,
vai vivendo e vai fazendo, por exemplo, aquela cena do ímã é sublinhar muito essa situação toda, como que
aquela cena fosse a síntese de tudo que é um pedaço de metal que se coloca dentro do corpo e que nunca vai
funcionar bem com o corpo, até pela própria natureza do metal e esta natureza de ser humano então aquela
cena pra mim ela é a sintese de tudo o que tem na Transophia, que no fim a gente morre e toda essa tecno-
logia fica, com maior ou menor qualidade, ela fica, pelo menos por enquanto não existe nenhuma garantia
de alma assim como não existe nenhuma garantia que você vai conseguir o éter através da sua obra colocada
nas páginas da internet, basta uma falta de energia elétrica para se perder tudo. E ao mesmo tempo o ímã
tem essa propriedade de atração, mas ele atrai metal, atrai o igual, atrai a matéria inanimada, não combina
com o espírito, com o corpo, com a alma. A Transophia pra mim é esse dilema entre o físico, alguma coisa
que está para além do físico que a gente não sabe o que é,que a gente sabe assim como o som, que ouvimos,
e sabemos que é físico mas não enxergamos, e a linguagem que tem por trás de cada um desses objetos que a
gente sabe que ela existe, mas a gente não domina, interage com ela por outros caminhos. A Transophia está
nessa esfera
99
Não sei quando eu conheci Sophia, aliás, eu nem sei se a conheço, pois a cada encontro ela se mos-
tra renovada em um outro ser, em um outro corpo, uma outra sintonia. Lembro de tê-la visto em
Colares - a cidade dos ETs, famosa pela incidência de aparição de OVNIs e por relatos de humanos
abduzidos por seres extra terrestres, estávamos na Terceira Égua, o Sarau do Corpo Poelytico
(essa palavra é uma referência ao conceito de poética política proposto por Fernando de Padua, e a
Égua-Sarau é um encontro anual realizado por coletivos independentes que coloca em debate e em
experimentação identidades corpo resistência e poética na Amazônia oriental). Sofia, quer dizer,
Pedro, ou sei lá quem lhe habitava o corpo naquele momento - me permito e até vou cultivar essa
dúvida sobre a identidade - chegou num ambiente desconhecido em uma cidade que também era
pouco conhecida... Corpo masculino em movimentos femininos. A praça, palco das representações
de personagens sociais - alguns bastante fictícios.... E assim, num misto de realidade e ficção, entre
seres terrenos e personagens mitológicos, meio humano - meio deusa vinda de algum céu de outro
planeta, aquele corpo vai se transmutando em Sofia... Sofia é provocadora, e não deixa ninguém
sem resposta, ela é dúbia.... Amável e agressiva, deusa e humana, real e fictícia. Sofia comanda
soberana um ritual de passagem entre passantes, brincantes, amantes..
ARTHUR LEANDRO
100
A era do ciborgue é aqui e agora, onde quer que haja um carro, um telefone ou
um gravador de vídeo. Ser um ciborgue não tem a ver com quantos bits de silício
temos sob nossa pele ou com quantas próteses nosso corpo contém. Tem a ver
com o fato de Donna Haraway ir à academia de ginástica, observar uma pratelei-
ra de alimentos energéticos para bodybuilding, olhar as máquinas para malhação
e dar-se conta de que ela está em um lugar que não existiria sem a ideia do corpo
como uma máquina de alta performance. Tem a ver com calçados atléticos.
(KUNZRU, 2009, p.23)
101
102
A Transophia foi meu primeiro trabalho no Reator, meu primeiro trabalho com Nando
Lima e com Pedro Olaia e este trabalho significa muito para mim não só porque fiquei
encarregado pela parte do som e da trilha sonora da performance, mas o mais legal foi
trabalhar numa performance com uma personagem da rua que pela primeira vez ia pra
dentro de um espaço fechado, “caixa preta”, em um trabalho em processo. As músicas que
sugeri foram logo aceitas pelo Pedro e Nando e ver o Pedro aliar essas músicas com as
ações performáticas, brincando junto com os efietos que eram colocados com a mesa de
som e das caixas amplificadas e que tudo isso se incorporou a performance de uma forma
homogênea contribuindo para os questionamentos e provocações que eram vomitadas ao
público junto com as projeções, os textos, aquele video absurdo do final q o Nando coloca
e a próprio cenário que podia ser o quarto da personagem, por exemplo. O público en-
trava na antesala e tinha uma exposição com figuras de animação de uma coleção pessoal
que tenho há muitos anos, no espaço de apresentação tinha fitas zebradas impedindo o
acesso para o espaço onde as pessoas podiam ficar mais a vontade, as pessoas tinham q
romper essas fitas e se colocar pelo espaço, se colocar livremente pelo chão se elas quises-
sem ficar sentadas confortavelmente. E esperar a performance começar, e ela começava
nos altos em uma passarela que liga a casa do Nando, da cozinha para o quanto, dentro
da sua própria casa. O Pedro descia dos altos para o tablado, e depois não tinha mais
como você tirar os olhos do tablado, era uma hora intensa e muito elétrica, e pretendo sim
experimentar mais este trabalho com novos recursos e possibilidades de interação cor-
po+equipamentos sonoros, e também levar esse trabalho pra rua.
DUDU LOBATO
Como Judith Butler (2015) sugere em seu livro “Ora (direis) ouvir
estrelas!”
“Problemas de Gênero”, a identidade é socialmente construída,
(Olavo Bilac)
fluida e performática, pois a partir do contexto histórico e social
em que estamos inseridos, performamos uma identidade, como “Ora, direis, ouvir Galá-
por exemplo, as identidades performáticas acadêmicas de xias” (CAMPOS,
2004, p. 119)
professores e alunos, as quais nos identificamos e performamos
dentro do espaço e territorialidade de um programa de mestrado ora, pirateeis, devir
Estrela!
acadêmico – interdisciplinar, como é o nosso caso. E assim eu me (paródia de Sophia
apresento aqui como pesquisador e escritor desta dissertação e Estrela)
assumo a identidade de Pedro Olaia, aluno do Programa de Pós-
Graduação em Linguagens e Saberes na Amazônia – PPLSA, e
performo a escrita e defesa de um pensamento acadêmico que
precisa negociar discursivamente com teóricos de diferentes áreas
de conhecimento, pensamentos decoloniais, paradigmas
Bixa, tu tá ou não tá? Coé
modernos e práticas cotidianas, sendo que minha pesquisa é sobre o texto da gata?
Sophia, minha outra identidade, que não é o Pedro-pesquisador, Tu que diz, mona se é
babado ou não:
pois Sophia é arte, é pulsação, é tênue atravessamento, lascas e Ou tu aceita e engole todo
arranhões na pele dura da heterossexualidade compulsória. esse leci dizado,
Ou tu diza desse plano?
Sophia é – para além do ser ou não ser, estar ou não estar:
Desaquendar: dizar
To be, or not to be: that is the question: (Tradução de Sophia do
Whether 'tis nobler in the mind to suffer
The slings and arrows of outrageous fortune,
trecho da obra Hamlet de
Or to take arms against a sea of troubles, Shakespeare)
And by opposing end them? To die: to sleep;
(SHAKESPEARE, 1999, p. 63)
para essa tempestividade, pois não sabemos o que nos espera após
a morte, desconhecemos quais sonhos o sono da morte nos
reserva, e por este medo da morte é que aceitamos os males que
nos assolam e afundamos nesse mar revolto. Artaud, subverte a
sugestão do autor inglês e propõe que os espectadores estejam no
meio da cena, dialogando sobre seus problemas, abandonando a como uma fênix quero
psicologia da cena e propondo a agitação das multidões nas ruas queimar meu rabo
como uma fênix e engulo
(ARTAUD, 1999, p. 91-96), pois o autor busca o “teatro da luz
MENTECORPOMENTECORPOMENTECORPOMENTECORPOMENTECORPOMENTE
crueldade”, o teatro-vida; e enquanto Hamlet se lamenta se com sua feliz mala me pus
como a atriz segredos dor
afogando em um mar de desventuras, Campos e Lispector e nabo
navegam com seus ferryboats, jet skis e iates furando os
vagalhões de mudez e Artaud traduz a morte como renascimento.
E a partir deste raciocínio e sugestões, sophia pode ser sugerida
como a morte da heterossexualidade compulsória e do patriarcado
e o renascimento de uma identidade fluida que foge do padrão
binário homem-mulher e liquefaz as cristalizações sobre
sexualidade e gênero através da arte e do afeto; e navega no mar
de narrativas atravessando as vagas de mudez na marginalidade
de uma pirataria neocabana.
Das tantas possíveis identidades, que o “eu” como “sujeito
pós-moderno” ao menos por um instante pode se identificar
(HALL, 2005, p. 13), a identidade fluida da drag está próxima das
críticas sobre a naturalização do sexo e as construções sociais
performativas que são produzidasfortalecidas-crescidas no
interior de suas categorias e por meio delas; e assim como Judith
Butler observa Divine (BUTLER, 2015, p. 9), podemos sugerir
que a drag queen e suas práticas performáticas são paródias do
pensamento construído socialmente, e cristalizado ao longo do
tempo, e que naturalizam o gênero em classificação binária a
partir do sexo masculino e de uma heterossexualidade
compulsória, e tudo o que foge dessa estilização repetida e
naturalizada do corpo é visto como anormal e monstruosidade
(BUTLER, 2015, p. 69). E como Stuart Hall (2005) ainda sugere:
devemos falar de “identificação” ao invés de “identidade”, pois
110
da perspectiva de uma pesquisa crítica sobre um processo (Luz violenta junto à cerca
e sobre a Superiora e a Irmã
inacabado no entre-lugar do jogo, da brincadeira, em “sistemas D)
semânticos dinâmicos”, que se desdobram e se re)significam
SUPERIORA - Ainda
(TURNER 2015, 28) através de relações afetivas e da
que elas consigam tocar o
compreensão de arte-vida que altera o espaço-tempo instituído e muro, não adianta.
experimenta processos de retrospecção e reflexividade
IRMÃ D - Ainda que exis-
ESCREVA AQUI SEU CALEIDOSCÓPIO
diferentes como indivíduos, e muitas das vezes nossas opiniões IRMÃ H - Às vezes é
não coincidem e não adianta insistir que elas coincidam. Na branco.
efemeridade da ação coletiva, onde vários discursos ditos e não- IRMÃ I - Ah, isso é raro.
ditos percorrem as conexões de pensamentos e trocas de energia,
IRMÃ G - Mas nem
o respeito ao outro deve ser executado durante os jogos cênicos
tanto... Se a senhora qui-
de improviso, onde as fricções e choques de dor e prazer – ser ver um rato branco,
referenciando-se aos choques evocativos de experiências procure na
limpeza. Homens do
passadas que são revividas no presente (TURNER, 2005, p. 79), mesmo tom descobrem
são as intrínsecas negociações estabelecidas no instante ínfimo de as suas vísceras com tais
delicadezas, que é
tempo (nanosegundos) em que a próxima atitude da drag pode vir preciso parar para espiar
a reconfigurar totalmente o espaço e o tempo histórico da tanta pesquisa e sutileza.
modernidade – entendido como “normal” e universal a partir de
IRMÃ B - Então é o rato
pressupostos eurocêntricos – para processos da modernidade na que ajuda o homem a ser
mais homem?
115
periferias (“o mundo periférico colonial, o índio sacrificado, o IRMÃ G - Sem limites.
negro escravizado, a mulher oprimida, a criança e a cultura
IRMÃ I - (na janela) De-
popular alienadas, etc”) são co-realizados. A alteridade, segundo
víamos ter pensado nisso
Dussel, que somos nós, os outros, fomos vítimas de ações antes. Muito antes.
irracionais do ideal emancipatório moderno, porém processos
IRMÃ A - No quê? No
realmente emancipatórios perpassam pelo reconhecimento de rato?
nossas identidades e práticas solidárias e de reconhecimento da
IRMÃ I - Não. Em olhar
“injustiça estrutural” que vemos sofrendo ao longo do tempo (p. pela janela e sossegar.
31). O pensamento moderno com práticas violentas de Tivemos tanto sobressal-
to quando era
emancipação transcendido ao pensamento transmoderno com tão simples olhar.
características amazônidas, em que nós, as-os-xs afro-indígenas,
IRMÃ G - Parece sim-
jogamos com o meio e negociamos discursos que dialogam a
ples... parece simples.
respeito do controle hegemônico das leis estratificadoras de uma
unicidade por uma solidariedade do Centro com a Periferia “Os parça” é gíria de ma-
Alteridade (Modernidade/Alteridade mundial); fechando com os landro, ou dos mano da
qubrada, traduzido para
parças garantimos a diversidade e autoafirmamos a minoria o bajubá poderia tornar-
dissidente a qual fazemos parte compreendendo que as minorias se o grito de guerra: “As
gay, as bi, as trans, as sa-
somadas são a maioria da população que ainda vive lutando, em
patão tão tudo organiza-
suas guerrilhas cotidianas, por direitos iguais em contraponto aos da pra fazer revolução”
privilégios de uma minoria branca cisgênera heterossexual rica. E ou ainda a música da MC
Xuxu (2017).
youtu.be/SMLM1K8t-p4
117
SISTÊNCIA
principalmente com o advento da internet, o compartilhamento de
arquivos-informações (músicas, vídeos, livros), se torna mais do
que necessário contrapondo-se ao “perigo” dos enquadramentos
das leis antipirataria. Se não fosse o avanço tecnológico o acesso
às informações seria mais limitado, e talvez este trabalho não
fosse tão enriquecido de referências e imagens. Save Nkossi!
Salve Ogum! Ogunhê! Se não fosse pela dificuldade de acesso às
tecnologias de ponta (hi-tec) que são consumidas na Europa e
Estados Unidos, e a facilidade de consumo do lixo eletrônico que
chega na Amazônia, o discurso de Sophia seria outro, e o lixo
eletrônico não estaria tão atrelado ao corpo-sophia, que desdobra-
R)EX
se em ações artísticas na linguagem da performance (CARLSON,
2010, p. 115-138) e aproximam-se das performances de Divine
quando pensamos globalmente a paródia e o jogo cênico nas
práticas performáticas de uma drag queen; porém, por um
pensamento local e sua descendência amazônida, sophia também
são projetos artísticos como práticas de resistência poética e
Nkossi é o Nkissi do ferro,
política, que dialogam sobre as colonizações em terras indígenas da manipulação de instru-
mentos com metal tanto na
(RIVERA CUSICANQUI, 2010), o embranquecimento
caça quanto no arado. Este
discursivo (FANON, 2008, p. 26) e outras perspectivas Nkissi (Orixá para os yoru-
etnocêntricas. Mas nem sempre foi assim, como vimos no banos) tem as característi-
cas semelhantes à do Orixá
Capítulo 1, onde este texto se aproxima mais de minhas memórias Ogum da cultura yorubana.
de infância, do início de Sophia, e suas primeiras referências Nkossi é para o povo do
Congo, o porteiro, o abre
ainda preocupadas com a perspectiva europeia e norte-americana; caminhos, o senhor do fer-
e onde também, neste mesmo capítulo, vimos o devir Estrela- ro, o senhor da guerra, o
senhor da tecnologia e do
Fênix ressurgindo após o coma induzido de anos em que Sophia
avanço científico.
“desapareceu do mapa”, e como posteriormente a tthemônia Nkossi é muito próximo de
trans-formou-se (empoderou-se), e ressurgiu das cinzas, da poeria Pambu Nzila, são irmãos e
às vezes, muitas vezes não
etérea como a fênix ou uma estrela em explosão-nascimento. tem como se distinguir a
Devir sophia é querer permutar possíveis diferenças que diferença entre a entrada
para o caminho e a própria
re)conduzem a re)flexão sobre ações re)definidoras de estrada.
masculinidade e feminilidade, pois xs transgêneros (travestis,
119
transformistas, trasnsexuais, drag queens, entre outrxs) têm o e O QUE É SeR Nor-
corpo dissidente como discurso transgressor através de práticas MAL??
cotidianas de outras des)construções possíveis do pré-determismo
A pergunta foi jogada
sexualizado binariamente na maternidade. “E o que é ser normal? para o público durante a
Vocês sabem o que é normal?” O gênero masculino atribuído a cena de “Quiirck: Uma
História para Crianças e
mim, como Pedro, se dissolve, dilui em uma transitoriedade Pessoas com Coração de
definida pela “montagem”, “montaria” ou “montação”, que são Criança”.
A narrativa performática
termos usados corriqueiramente entre nós, bichas, para definir – “Quiirck” conta a história
a partir do uso de tecnologias que alteram/confundem o padrão de um garoto que em cer-
to momento da sua vida
binário masculino-feminino, e o processo de construção do
se viu em dúvida de ser
gênero naturalizado ao corpo de uma pessoa desde o seu menino ou menina e por
nascimento. isso se achando fora do
padrão, mas a sua tia su-
Para Gilles Deleuze e Felix Guattari (2004), o objeto per legal ajuda o garoto,
esquizofrênico, implica na reflexão sobre o processo de produção e através do narrador per-
gunta joga a problemática
do desejo, pois para os autores: para a platéia que deixa de
“tudo é produção: produção de produções, de ser plateia e participa da
acções e de reações; produções de registros, de ação, questionando-se so-
distribuições e de pontos de referência; produções
bre: O que é ser normal?
de consumos, de volúpias, de angústias e de
dores” (DEZELUZE E GUATTARI, 2004, p. 9).
(O texto desta narrativa
Os autores franceses além de sugerirem que devemos está na margem do subca-
inserir o registro e o consumo como produção do mesmo pítulo 1.1)
https://vimeo.com/116365079
do vazio e da fome
https://vimeo.com/340514137
Gasolina neles
Eu era uma criança medrosa; é claro que apesar disso também era teimoso como o são as
crianças; certamente também minha mãe me mimou, mas não posso crer que fosse um
menino difícil de lidar, nem que uma palavra amável, um silencioso levar pela mão, um
lhar bondoso não pudessem conseguir de mim tudo o que se quisesse. Ora, no fundo você é
um homem bom e brando (o que se segue não vai contradizer isso, estou falando apenas da
aparência na qual você influenciava o menino), mas nem toda criança tem a resistência e o
destemor de ficar procurando até chegar à bondade. Você só pode tratar um filho como você
mesmo foi criado, com energia, ruído e cólera, e neste caso isso lhe parecia, além do mais,
muito adequado, porque queria fazer de mim um jovem forte e corajoso. (Trecho de “Carta
ao Pai” de KAFKA)
137
era
juntos
fatia prata
tanto maltrata
ou
amanhã
talvez
saudades
138
te amo
Felizmente havia também exceções a isso, sobretudo quando você sofria em silêncio
e o amor e a bondade superavam com a sua força qualquer oposição e comoviam
de forma imediata. Embora raro, era maravilhoso. Por exemplo, quando nas tardes
quentes de verão eu o via depois do almoço dormir um pouco, cansado, na loja, com
os cotovelos apoiados no balcão; ou quando você chegava aos domingos, esfalfado,
para nos visitar nas férias de verão; ou a vez em que, durante uma doença grave da
minha mãe, você se apoiou nas estantes de livros, trêmulo de tanto chorar; ou quan-
do na minha última doença você veio em silêncio me ver no quarto de Ottla, ficou
parado na soleira da porta, apenas esticou o pescoço para me avistar na cama e por
consideração só fez um cumprimento com a mão. Naqueles momentos eu me esten-
dia no leito e chorava de felicidade, e choro ainda agora enquanto escrevo. (Trecho
de “Carta ao Pai” de Franz Kafka)
139
ESCREV
A
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CÓPIO
CÓP
A
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I
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ESC
ESC
S
AQ
E
permanecem em processo, e as escritas verbais e não-verbais são Assim que meu Mestre se esquiva
para um lado para evitar a minha
negociadas em empatias discursivas por uma proposta de traição- tentativa de dar-lhe uma cabeçada,
tradução em que a emoção, fricção ou frisson do momento como resposta ele desliza a unha
do seu indicador ao longo do meu
influenciam a narrativa de quem escreve. Esse projeto de pesquisa
pescoço, exclamando, quase que
– que disserta sobre as ações performáticas de uma drag, é num suspiro: “Dançou!”. Envolvi-
sugerido como processo tradutório a partir da observação das do inteiramente na pressão do mo-
mento, nem sei se outros viram o
histórias da própria drag e de suas ações performáticas como seu gesto jocoso de assassinato,
traduções culturais onde história, ficção e biografia se mas sinto o corte afiado do senti-
do do seu gesto, aumentado pela
complementam em regiões fronteiriças aos relatos de vida, iconicidade de sua unha com o
autobiografia e ficcionalidade des)construídas antes durante e fio da navalha. O gesto desaparece
tão rápido quanto veio, a invisível
após as ações estratégicas de negociação poética e política em que
“navalha” posta de volta no bolso
teorias e práticas se fundem e diluem em processos físicos e de trás das calças do meu Mestre,
químicos ainda não estudados, porém vislumbrados em propostas e nós continuamos a jogar, como
se nada tivesse acontecido. Con-
intermediárias que dialogam pelas disciplinas em uma ostentação tinuamos a elaborar o nosso diálo-
transdisciplinar. Essa dissertação são narrativas e performances go corporal, iniciado uns tantos
minutos antes, mas por enquanto
desde os primeiros ensaios de Sophia até o glamour estético- estendido ao infinito através da
político-acadêmico que a drag está atualmente, e também as intensidade do jogo; e aí, justa-
mente quando nosso jogo começa
narrativas visuais que detalham outros aspectos das performances a tomar um ritmo mais vagaro-
da drag e dialogam com a escrita, ou seja, essa narrativa so, como resposta indireta a uma
mudança sutil no ritmo sonoro,
performática é suplementada por processos tradutórios que vão se
Mestre Angolinha consegue fazer
apresentando como peças-fragmentos de vários caleidoscópios o “mesmo” gesto outra vez, só que
que transmutam-se em um caleidoscópio maior, como Haroldo de dessa vez com dois dedos em vez
de um, e sem a pressão da unha
Campos descreve sua obra: “Há neste livro caleidoscópio um – e dessa vez, ele acompanha o
gesto épico, narrativo (...)” (CAMPOS, 2004, p. 119). Essa gesto com a palavra em um inglês
bem carioca, “Band-eide”. Inver-
narrativa é tradução cultural de outras narrativas que são tendo o mesmo gesto, ele conseg-
traduções culturais de outras transcriações em um ue me fazer rir, ao mesmo tempo
que me informa que ainda estou
desencadeamento de traduções a partir do contexto histórico e
jogando muito “aberto” – porque
cultural a quem se quer traduzir, estando cada obra traduzida em do ponto de vista do jogo, era ain-
região fronteiriça do discernimento entre tradução da obra da a navalha que ele havia usado.
(HEAD, 2013, p. 263)
original e nova obra; como podemos observar nas análises de
Maria Lúcia Pallares-Burke (2009, p. 163-181) sobre o jornal
“Spectator” e suas traduções como novas obras. O periódico já
era por si uma tradução cultural, suplementava os três modelos
tradicionais de periódicos existentes na época, traduzindo
144
próxima a região dos caetés ao nordeste do estado do Pará, e/ou Ao experimentar com pa-
lavras, imagens e sons, eu
que residem na região de Bragança e cidades circunvizinhas –, me vejo lutando constan-
continuamos na proposta marginal desse projeto com temente com os limites
tanto da linguagem quan-
impossibilidades de desatrelamento arte-vida-teoria-prática,
to da imagem. Alguns
como Atonin Artaud descreve seu processo artístico denominado espectadores se relacio-
como “teatro da crueldade” e que utiliza como metodologia nam com meus filmes e
instalações como trilhas
fundamental a respiração onde cada afeto e desafeto tem uma sonoras, outros usam
respiração própria, e em que o ator deve atentar ao seu corpo para com frequência os termos
“poético”, “escultural”,
alcançar um teatro próximo do transe, com atores trabalhando a “espacial e arquitetural”
respiração inversamente proporcional ao ato exterior (quanto para descrevê-los. O filme
Espaços descobertos: viver
menor e mais contido o ato, maior e mais densa deve ser a
é circular (Naked spaces:
respiração), e percebendo os seis estados da respiração e living is round, 1985) foi
principalmente o sétimo estado, denominado de “sativa”, como comparado, por exemplo,
a um raga musical indi-
sendo o estado que está acima das respirações e onde o manifesto ano, enquanto o uso do
e o não-manifesto acontecem juntos (ARTAUD, 1999, p.151- silêncio em Remontagem
(Reassemblage, 1982) foi
160). visto como indutor de um
O estado sativa, onde a narrativa flui, esse estado “in- estado no qual o especta-
dor “vê sons e ouve ima-
between” do que é e não é man)infestado também é próximo do gens”. Forma e conteúdo
que sugere Trinh T. Minh-ha, cineasta vietnamita feminista, cujos são inseparáveis no meu
trabalho, pois ambos são
pensamentos adotamos como referência para a estética
igualmente históricos e
dissertativa do projeto sophia e também para a criação dos filmes plásticos. Aqui, a reali-
de Sophia (registros em áudio e vídeo das ações performáticas da dade em sua dimensão
social e histórica não é um
drag), pois os filmes autorais fronteiriços de Minh-ha transitam material para a reflexão
pelas diferentes classificações fílmicas (documentário, filme artística ou o engajamento
político; ela é o que atrai
etnográfico, cinema experimental e cinema narrativo) com fortemente uma pessoa
interseções entre a teoria e a prática, as artes e as ciências, ao cinema, embora não
possa ser capturada sem se
dialogando a respeito de questões de identidade-alteridade, da
dissolver em sua frágil es-
condição feminina e da diversidade cultural em processos de ir e sência, quando abordada
vir entre quem filma e quem é filmado provocando um diálogo sem sutileza e delicadeza.
Como é dito em Remonta-
entre antropologia, cinema e artes; são processos esquizos como gem, e realizado em todos
as narrativas da vovó (1989, p. 119-151), tradições da oralidade os aspectos da minha
prática cinematográfica,
como relatos contados de mãe pra filha, ou seja, na prática fílmica “eu não tenho a intenção
da autora áudios e imagens se repetem, se borram, se anulam, de falar sobre, apenas de
falar próximo” (MINH-
como a narração oral da lembrança de um evento, de um ocorrido HA, 2015, p. 23)
146
260.
2.2.1 - F1 B07e 234 c 7A D 1e2 c0A FADA 69 ABAcABA BeA7A FODA e DeDADA
53 45 20 56 4f 43 c3 8a 20 50 52 45 54 45 4e 44 45 20 53 41 42 45 52 20 51 55 45 4d
20 45 55 20 53 4f 55 20 45 55 20 50 4f 53 53 4f 20 4c 48 45 20 44 49 5a 45 52 2c 20 4d 41 53
20 54 45 4d 20 51 55 45 20 44 41 52 20 42 45 49 4a 49 4e 48 4f 20 54 45 4d 20 51 55 45 20 4d
41 4d 41 52 20 45 20 44 45 49 58 41 52 20 55 4d 20 52 45 43 41 44 49 4e 48 4f 2c 20 53 4f 55
20 54 55 41 20 4c 49 53 49 4e 48 41 2c 20 47 4f 53 54 4f 53 49 4e 48 41 20 45 20 46 49 4e 49
4e 48 41 2c 20 42 45 4d 20 44 45 44 49 43 41 44 41 20 45 4d 20 53 45 4e 54 41 52 20 4d 41
4c 41 53 20 41 4c 43 41 4e 49 41 53 20 4f 44 41 52 41 53 20 45 20 47 4f 53 54 4f 53 41 53 20
47 4f 54 41 53 2e 20 4d 45 20 43 4f 4e 56 45 52 54 45 20 45 20 41 44 56 45 52 54 45 20 4f 55
20 43 4f 4e 56 45 52 54 45 52 2d 53 45 20 45 4d 20 54 45 4d 50 4f 20 54 41 4c 56 45 5a
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2073696e746f206e6f206d657520636f7261e7e36f2e0d0a
150
7C
HEXADECIMAL
4c 41 52 4f 59 45 20 45 58 c3 9a
jogo hexa:
F1 BINÁRIO
B07E 010011000100000101010010010011110101100101000101001000
234 0001000101010110001100001110011010
C DECIMAL
7A 1.0104242788387923e+38
D
1E2 http://www.calculadoraonline.com.br/conversao-bases
C0A
FADA O sistema hexadecimal é um sistema de numeração posicion-
69 al em base 16, ou seja, são 16 algarismos que representam os
ABACABA números, diferente do sistema de numeração de base 10 que
utiliza 10 algarismos (0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9) o qual somos habit-
BEA7A uados. O sistema hexadecimal é representado pelos algarismos: 0,
F0DA 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, A, B, C, D, E, F. Já o sistema binário, como
E o próprio nome diz é composto por apenas dois algarismos: 0
DEDADA e 1. Utiliza-se o sistema hexadecimal para representar números
binários de forma mais compacta e geralmente é utilizado como
linguagem em computadores e microprocessadores. O link acima
indica uma calculadora que traduz/converte números binários
trad. decimal: em hexadecimais e decimais.
241 O texto em ASCII (que aparece na tela do seu computador) só é
possível ser lido porque foi convertido de binário para a as letras
45182
e palavras do nosso vocabulário. E para traduzir/decodificar estes
564 hexadecimais e binários em formato de texto, podemos utilizar
12 ferramentas disponíveis online, tais como:
122
http://www.insecuritynet.com.br/ferramentas-online/convert-
13
er-texto-para-hexadecimal
482
3082 https://www.4devs.com.br/tradutor_codigo_binario
64218
105
em alguns momentos utilizamos somente o jogo com os algaris-
180013754 mos hexadecimais para formarmos palavras do nosso vocabular-
780922 io, como o exemplo ao lado.
61658
14
14605018
151
do
epistêmi-
ar o
a indi-
apresenta, haviam outras possibilidades de sistema, nas
a um “[c]istemamun
s, minimi-
objetivo de enfatiz
sociedades indígenas anteriores à colonização, por exemplo, ;
ra além do paradigm
oduz “hierarquias
além disso no cotidiano as relações sociais não obedeciam
iz
o
er
m
clássicas relatam “inúmeras histórias de deusas ativas e
ct
tê
pr
pa
ra
o,
extravagantes, assim como deuses” (p. 38). O cistema-mundo
ca
e
,
tip
qu
as
sg
e
st
qu
ci
(VERGUEIRO, 2015, p.15) europeu com definições
do
l”
xi
o
ca
se
,
s
nã
9)
2015, p. 15).
heterocisnormativas sobre sexo e sexualidade (patriarcado,
la
ar
s+
uel (2012, 33
tras corrupte
as
ri
ci
homossexualidade, bissexualidade são padrões definidos a partir
at
iv
as
ct
capitalista/p
perspectiv
pe
da ocidentalização do pensamento) foi violentamente implantado
dissertação – pers
a partir das invasões europeias que justificavam a colonização de
a’ (VERGUEIRO,
ferência a Grosfog
‘cistema’, entre ou
povos “incivilizados” – com outras culturas, cosmologias, outras
al – ‘cistêmico’ – de
moderno/colonial
formas de observar e conceituar o mundo, e alheios à moralidade
cristã (STEARNS, 2017, p. 112-123) – a partir da tradição
eurocentrada e normatividade hegemônica que incutia nos
st a
bi
de
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la
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ns
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cas” em que – na le
vidualizante do co
is
al
‘Cistema-mundo’,
zadas, ou silencia
cr
ur
caráter estrut
“singular casta” de homens com o papel de servir sexualmente os quem tem cu tem
outros homens nas comunidades dos Chambioás; o bissexualismo medo
cartesianos (LANDER, 2005) que de uma forma ou de outra ainda Tecnologia: Translação
permanecem ao longo das fundamentações teóricas de autores contrassexual do dildo sobre
sapatos com salto agulha
que Butler referencia: como Sartre e Beauvoir, que adotam a seguiddos de autodildagem
perspectiva de um corpo anterior à algum significado e uma
Material: Um enema, um par
“consciência transcendental” para compreendê-lo; Wittig por
de sapatos com salto agulha,
sugerir que “o corpo” não admite genealogia; e Foucault por dois dildos (um pequeno e
duro, outro maior e macio),
observar o corpo “como superfície e cenário de uma inscrição
duas cordas, uma poltrona.
cultural” sob o modelo civilizatório de Freud, ou seja, um corpo
que é necessário “ser destruído e transfigurado para que surja a Duração toal: 11 minutos.
da identidade masculina, e muitas das vezes replicamos estes Descrição da Prática: Dis-
pa-se. Prepare um enema
discursos e negociamos relações sexuais com ditos homens nos
anal. Deite-se de lado e
sujeitando a acordos tácitos entre bichas e machos que na prática repouse nu durante dois
minutos depois do enema.
não são efetivamente influenciadas por este discurso, mas por
Levante-se e repitaem voz
relações culturais, sociais e afetivas construídas ao longo da alta: dedico o prazer do
história de nossos corpos e das convivências, interações e fricções meu ânus a todas as pes-
soas portadoras de HIV.
com outros corpos. Aqueles que já sejam por-
E por isso Mary Douglas fala em “desordem”, pois “as tadores do vírus poderão
dedicar o prazer de seu
fronteiras do corpo se tornam os limites do social per se” (p. 227). ânus a seus próprios ânus e
O “socialmente hegemônico” é poluído por forças distoantes, à abertura do ânus de seus
entes queridos. Coloque
“erradas” que ultrapassam as fronteiras e consequentemente
um par de sapatos com
assustam e causam medo para os que estão confortavelmente salto agulha e amarre dois
estruturados e encaixados. O corpo representa um sistema dildos aos tprnozelose aos
sapatos. Prepare seu ânus
delimitado e suas fronteiras são vulneráveis, e justamente por para a penetração com um
serem vulneráveis são perigosas, “todo tipo de permeabilidade lubrificante adequado.
não regulada constitui um lugar de poluição e perigo” (p. 229). Deite-se em uma poltro-
“O” corpo naturalizado, construído a partir de privações na e tente dar o cu a cada
dildo. Utilize sua mão para
e proibições baseadas na punição modelam comportamentos
que o dildo penetre seu
binários com “fronteiras estáveis” (p. 229). Passar o cheque, dar ânus, grite seu contranome
copiosamente. Por exem-
o edi com a pata, dizar a nena, fazer a chuca. Ou então não;
plo: “Juúia,” “Júlia”. Depois
higienizar-se, “essa via é de mão única”, “aqui só sai”, “só como de sete minutos de auto-
viado, não dou”. “Essa vedação de suas superfícies constituiria a dildagem emita um grito
estridente para simular um
fronteira sem suturas do sujeito; mas esse enclave seria orgasmo violento.
invariavelmente explodido pela própria imundície excrementícia
A duração total da prática
que ele teme” (p. 231); e assim os discursos se amolecem na deve ser controlada por um
cama, a alcânia tá de idê, ela vai troá depois do viço, e todas faz cronômetro que indicará,
como um voyeur do tempo,
a egípicia, ninguém aquendou nada, essa função tá babado, “eu
o final do prazer e o apogeu
não entendo nada, pai” (trecho da música “Ponta de Lança, Verso orgástico. A simulaçãoi do
Livre” de Rincón Sapiencia, 2017). orgasmo será mantida por
dez segundos. Em seguida,
As negociações feitas na cama são denominadas por Félix a respiração se fará mais
Guattari como “micropolítica do desejo”: lenta e profunda, as pernas
e o ânus ficarão totalmente
Antes de explicar qualquer coisa, seria preciso
primeiro procurar compreender o que se passa
relaxados.
entre a prostituta e seu cafetao. Há o triangulo (PRECIADO, 2014, p.
prostituta-cafetao-dinheiro. Mas há também toda 53-57. Imagens do texto
uma micropolítica do desejo, extremamente original suprimidas)
171
O corpo da multidão
complexa, que está em jogo entre cada pólo deste queer aparece no centro
triângulo e diversos personagens tais como o
cliente e o polícia. As prostitutas têm certamente do que poderíamos
coisas muito interessantes a nos ensinar a respeito chamar, para retomar
disso. E ao invés de persegui-las, tinha-se mais é uma expressão
que subvenciona-las, como se faz com os de Deleuze/Guattari, de
laboratórios de pesquisa! Quanto a mim, estou
convencido de que é estudando toda esta um trabalho de “dester-
micropolitica da prostituição que se poderia ritorialização”
esclarecer, sob uma nova luz, pedaços inteiros da da heterossexualidade.
micropolitica conjugal e familiar - a relação de Uma desterritorial-
dinheiro entre o marido e a mulher, os pais e os
filhos, e, mais além, o psicanalista e seu cliente. ização que afeta tanto o
(GUATTARI, 1985, p. 37) espaço urbano (portan-
to, se haveria de falar de
As fronteiras instituídas pela lei sobre o corpo são desterritorialização do
taticamente invadidas, rompidas, borradas, a partir das espaço majoritário, e
não de gueto) como o
micropolíticas entre homens que se desejam, como Guattari fala espaço
sobre a micropolitica do desejo entre a prostituta, o cafetão, o corporal. Este processo
de “desterritorialização”
cliente e o policial.
do
Segundo Edgardo Lander, a “lei”, que Butler se refere é a corpo supõe uma re-
sistência aos processo
“objetividade e neutralidade dos principais instrumentos de
de chegar
naturalização e legitimação” do discurso hegemônico de um a ser “normal”. O fato
modelo civilizatório universal denominado sociedade capitalista- de que haja tecnologias
precisas
liberal (LANDER, 2005, p. 8); onde a “auto-consciência europeia de produção de corpos
da modernidade” afirma uma colonialidade “entre ocidental ou “normais” ou de nor-
malização
europeu (concebido como o moderno, o avançado) e os ‘Outros’, dos gêneros não acarre-
o restante dos povos e culturas do planeta” (p. 10); a construção ta um determinismo
nem uma impossibili-
eurocêntrica de um conhecimento objetivo e universal, com uma
dade de ação política.
“fissura ontológica entre a razão e o mundo”; fronteiras Pelo contrário.
institucionalizadas entre corpo e alma; fronteiras que são Dado que a multidão
queer traz consigo
devoradas nesse trabalho a partir de observações de nossas mesma,
ancestrais matriarcais, no cozinhar e esquentar o ventre no fogão como fracasso ou
resíduo, a história das
do terreiro, na oralidade de narrativas geracionais, afetividade e tecnologias
admoestações a partir da experiência e convívio, subversões e de normalização dos
corpos, ela tem também
processos de resistência em linguagem, cultura e religiosidades
a
de origens africanas e indígenas. possibilidade de intervir
nos dispositivos biotec-
Os corpos-fronteiras não são “um ser”, eles estão
nológicos
marcados por um gênero hierarquicamente construído em um de produção de subje-
contexto histórico e cultural; e o que seria para Sartre um “estilo tividade sexual. (PRE-
CIADO, p.15 )
172 eis o desafio!
de ser” e para Foucault uma “estilística da existência” – na CONTRATO CONTRASSEXUAL
(MODELO)
tradução de Butler, baseada na leitura de Beauvoir, são “estilos
da carne”, sendo que estes estilos não são plenamente originais; EU, .............................., voluntária e
corporalmente, renuncio à minha
pois o gênero é um projeto corporal contínuo e repetido, “que tem
condição natural de homem ou de
como fim sua sobrevivência cultural (...) o gênero é uma mulher, a todo privilégio (social,
performance com consequências claramente punitivas” econômiico, patrimonia) e a toda
obrigação (social, econômica, repro-
(BUTLER, 2015, p. 240-241). Performamos um gênero “que dutiva)derivados de minha condição
produz um efeito de núcleo ou substância interna”, que organiza sexual no âmbito do sistema hetero-
centrado naturalizado. RECON-
e mantém a ilusão de regularidade da “sexualidade nos termos da HEÇO-ME e reconheço os outros
estrutura obrigatória da heterossexualidade reprodutora” (p. 234- como corpos falantes e aceito, de
pleno consentimento, não manter rel-
235).
acionamentos sexuais naturalizantes
Se a verdade interna do gênero é uma fabricação, nem estabelecer relações sexuais fora
e se o gênero verdadeiro é uma fantasia instituída
de contratos contrassexuais tem-
e inscrita sobre a superfície dos corpos, então
parece que os gêneros não podem ser nem porário e consensuais. RECON-
verdadeiros nem falsos, mas somente produzidos HEÇO-ME como produtor de dildos
como efeitos da verdade de um discurso sobre a e como transmissor e difusor de dil-
identidade primária e estável (p. 236)
dos sobre meu próprio corpo e sobre
E assim, Esther Newton, segundo Butler, sugere que x qualquer outro corpo que assine este
contrato. RENUNCIO de antemão
travesti é a subversão dos espaços psíquicos interno e externo, e a todos os privilégios e à todas as
nós acrescentamos ainda que x travesti é x “fora da lei”, a obrigações que poderiam derivar das
posições desiguais de poder geradas
gargalhada de Herculine, a “fuga da caixa”, onde todxs almejam pela reutilização e a reinscrição do
estar, mas não tem coragem e continuam mantendo a fantasia de dildo. RECONHEÇO-ME como
um ânus e como um trabalhador do
uma dita “verdadeira” identidade de gênero construto da
cu. RENUNCIO a todos os laços
“caixinha” da heterossexualidade compulsória. Algumas teorias de filiação (maritais ou parentais) que
me foram atribuídos pela sociedade
feministas observam a tradução das “identidades parodísticas”
etnocentrada, assim como aos privilé-
(das drags e do travestimento) como formas “degradantes das gios e às obrigações que delas deri-
mulheres”, porém Butler sugere que a “performance da drag vam RENUNCIO a todos os meus
direitos de propriedade sobre meus
brinca com a distinção entre a anatomia do performista e o gênero fluxos seminais ou produções de meu
que está sendo performado”, e suas “gargalhadas” e “fugas da útero. Reconheço meu direito de usar
minhas células reprodutivas unica-
caixa” cruzam as fronteiras do que Buttler denomina como mente no âmbito dde um contrato
“dimensões contingentes da corporeidade significante: sexo livre e consensual, e renuncio a todos
os meus direitos de propriedade sobre
anatômico, identidade de gênero e performance de gênero”, pois
o corpo falante gerado por tal ato de
a drag, que imita o gênero, desnuda “a estrutura imitativa do reproudução.
próprio gênero – assim como sua contingência” (p. 237). O “le
O presentte contrato é válido por ......
pastiche”, assim como a “paródia” são imitações de uma unidade meses (renovável)
1
Pixel é o menor elemento de imagem; todas as imagens da computação gráfica são feitas de pixels, e os
reconhecemos quando ampliamos ao máximo uma imagem e reconhecemos vários “quadradinhos”, cada um com
sua tonalidade e que juntos compõem a imagem como um todo (1 pixel = 4 bytes = 2^8 * 2^8 * 2^8*2^8).
2
Verbo a partir do termo “renderizar”, “renderização” de vídeo (do inglês “render vídeo”). Renderizar um vídeo
é juntar todos os elementos que Compõem o vídeo preparando-o para sua finalização. Renderização é a própria
criação da imagem.
3
O “color depth” (profundidade de cor) para o sistema RGB True Color é denominado como “32 bits” (3 camadas
de 8 bits cada), com 24 bits de 16.777.216 cores somados aos 8 bits restantes destinados ao alpha channel com a
finalidade de sobrepor as informações (Poynton 2003, 37).
182
utilizado nesse trabalho: o “alpha channel” pode ser comparado à linguagem performática que
“renderiza” os outros três componentes-linguagens (oral, escrita e visual) em um conjunto de
pixels que variam em suas 256 possíveis tonalidades e que sobrepostos nos dão a possibilidade
de projeções para além do espectro visível do olho humano. A simbologia do texto como
narrativa performática das performances artísticas de Sophia – e a comparação dessa narrativa
com o sistema RGB True Color, também nos remete à ousadia de escrever um texto ao mesmo
tempo em primeira pessoa do singular, como x drag Sophia, ou como o artista-pesquisador
Pedro, ou como Luis que orienta academicamente a pesquisa do ator-performer-pesquisador
Pedro, ou como outrx pessoa que escreve junto com depoimentos imagens e olhares externos
em um canal que renderiza essas escritas concorrendo para o uso da primeira pessoa do plural
como “nós” (nós em nós), em composições de quatro canais que anseiam vir a ser um “todo”,
em quatro componentes, quatro partes diferentes que juntas são a técnica de um todo feito de
partes tal qual descreve Gregório de Matos Guerra transpirando poeticamente os versos de “Ao
Braço do Menino Jesus Quando Apareceu”.
A hipertextualidade performática é proposta como provocação ao leitor que observa, lê
e traduz o texto como a si mesmo e como x outrx pensando suas ações em um jogo de improviso
em que a etnografia é simultaneamente aglutinada em camadas de si e dx outrx na proposta de
considerar a diversidade dos discursos como uma reconstrução renegociada de instantes
efêmeros de liberdade artística, política e poética, onde estratégicas “Zonas Autônomas
Temporárias” (BEY, 1981) invadem o espaço local comum e resignificam o pensamento a partir
de uma metodologia esquizofrênica de sentir x outrx e corresponder às suas interações
percebendo o jogo ousado e sagaz em uma “malandragem” preocupada com a não imposição
ideológica, e sim com a conversa e o respeito ao pensamento do outro a partir de um pensamento
de desconstrução do sexo, da sexualidade e do gênero.
(...) uma torção do tempo famous ille fabulator que se faz memória
mementomomentomonumental matéria evêntica desventurada do tempo da marsúpia
vide espaço do tempo um livro também constrói o leitor um livro de viagem em que
o leitor seja a viagem um livro-areia escorrendo entre os dedos e fazendo-se da figura
desfeita onde há pouco era o rugitar da areia constelada um livro perime o sujeito e
propõe o leitor como um ponto de fuga este livro-agora travessia de significantes que
cintilam como asas migratórias de novo a quina pulverulenta do edifício (...)
(CAMPOS, 2004, p. 113)
Esta torção no tempo, como sugere Haroldo de Campos, é o que Sophia propõe no ir e
vir, na transcriação de suas ações, como por exemplo no desdobramento do processo
performático “Fia Sophia” em interação na praça da UFPA-Campus Bragança na semana de
recepção dos novos alunos do PPLSA em 2018, quando a proposta é que Sophia se monte
durante o evento cultural – onde antes da montação foram exibidos vídeos etnográficos, curtas
183
que dialogam sobre práticas de descolonização dos corpos e performances musicais com
temática feminista – , como de praxe, se monta na frente do público, e ao mesmo tempo
dançando com a música “Capim Guiné” do Baiana System, a drag vai compondo seu look-axó,
make e picumã, em seguida a drag assume o microfone, agradece a negociação com a Academia
para que o evento ocorresse, e em seguida propõe o jogo com o batom-corpo no qual Sophia
oferece o batom às pessoas para que elas escrevam no corpo-camadas suas dores, sofrimentos,
incômodos, o que lhes machucam, o que ouvem como palavras agressivas contras seus corpos
dissidentes. Durante a música, Sophia recebe “porradas”, resignificando as palavras escritas em
seu corpo, como se o pixo de batom fossem marcas de agressões que a drag recebe naquele
momento e ao mesmo tempo resiste aos choques se levantando, caminhando ao encontro e
enfrentado as ondas adversas da mudez no caminho; e Sophia performa o rap da música “Ainda
Há Tempo”, do artista Criolo (2016), traduzindo sua música em encontros da maré em
pororocas que invadem territórios, de encontro ao pensamento colonizador, batendo de frente
de encontro ao que se luta, se persiste e vai, diante do que cai e se levanta e segue a caminhada,
do que se afoga e emerge, do que navega por mares bravios. O jogo simbólico traduz as palavras
escritas no corpo da drag como golpes do sistema patriarcal heteronormativo binário cistemico4,
inclusive o cistema acadêmico (VERGUEIRO, 2015, p. 76-98); e em diálogo e fricção Sophia
responde aos golpes cantando: “Não quero ver você triste assim não. Que a minha música possa
te levar amor” (Trecho da música “Ainda Há Tempo” de Criolo). O evento ocorreu na praça da
UFPA, e cenas dessa etnografia borrada de batom-corpomaré-camadas desdobra-se em um
vídeo-registro feito por Samuel Silva e Porfiro (2018) e que está disponível no canal de Olaia
no youtube:
https://youtu.be/4NK_3RwaA-0
4
Referimos aqui sistema como cis)tema, fazendo menção ao sistema sexista binário que prioriza a população
cisgênera em contraposição a outros corpos dissidentes (intersexuados, assexuados, transgênerxs, entre outras
possibilidades fora da normatividade) (VERGUEIRO, 2015)
184
instante único de detalhes de pontos e bricolagens da colcha de retalhos que se costurava. Entre
o poeta e o momento de registro em vídeo que é a “fixação etnográfica do discurso social do
Artista Palhaço” e ao mesmo tempo é material documental de uma tradução como resposta à
fricção recebida, ao “choque de dor-prazer recebido ao imergir na ação performática
(CONCEIÇÃO, OLAIA, 2017, p. 56). E assim, o olhar etnográfico se redireciona da ação de
Byxa e Sophia para o poetapalhaço – o artista-feira que estabeleceu a interação narrativa
registrada por Sophia na ação imersiva do evento “Égua de 4” –, pois a partir de seu poema de
improviso, pode-se observar a performance sempre em processo, se reconfigurando a partir da
interpretação do outro (neste caso, o Palhaço); e também pode-se iniciar uma análise etnográfica
da cultura local a partir dos comportamentos e discursos ditos e não ditos de um senhor por
volta dos 40 e 50 anos, trabalhador da feira, preto, pobre, periférico, mergulhado em um
contexto histórico e social onde a cisheteronormatividade está naturalizada e onde o ambiente
(espaço geográfico, tempo e estado de espírito que movimenta suas energias internas-externas)
em que se localiza, no instante da situação que ocorreu a interação com as monas, é um ambiente
de feira, à noite, em que vários homens jogam baralho e bebem – e especificamente no horário
em que a ação performativa aconteceu havia bastante movimento, com uma turba de mulheres
e homens que ao verem as performers na ação instigaram o Palhaço para que este respondesse
à proposta de jogo cênico invisível, e estavam ávidos pela diversão a mais a partir do diferente
e fora do comum.
A observação da performance se transforma, transfigura transmuta transpõe para outrx
observadorx, e por conseguinte uma outra realidade é observada; o poetapalhaço desdobra os
“choques de dor e prazer, do jogo cênico invisível e de improviso, das interações na rua com o
outro” (CONCEIÇÃO, OLAIA, 2017, p. 51), produzindo outros esquizo-desejos em uma ação
artística viva que opera com o espectador-ator diluindo-se enquanto objeto artístico e
apresentando-se em estado ambivalente ora onda ora partícula, ora energia ora matéria, ora
visível ora não visível, ora perto ora distante, permitindo aos múltiplos observadores múltiplas
definições em diversas probabilidades de camadas compondo um sistema RGB True Color
tendendo ao infinito com vários canais, além dos quatro padrões (RedGreenBlueAlpha), que
estão aglutinados na suplementação de ditos e não ditos dissolvidos em uma sopa de se tomar
cantando e retomar outras possibilidades de observação e propor ainda outras indefinições de
medidas, padrões e normas em um processo inacabado de arte-vida combativa que transforma
a marginalidade, quebrando as cristalizações normativas fundindo a ferro e fogo academia e
cotidiano, dissolvendo paradigmas, bebendo e vomitando afetos desafetos dores prazeres
gargalhadas choros nervosos coragens derrotas vitórias violência e paz.
188
189
Há ousadias em propor um trabalho narrativo em que a imagem conversa de maneira mais livre
com o leitor, porém esta ousadia também faz parte do processo de transpor o muro acadêmico
para uma proposta mais próxima da realidade com visualidades que são mais adequadas para a
descrição narrativa, além de que o acesso a um vídeo de Sophia no youtube ou compartilhada
no whatsapp e sua linguagem midiática por exemplo, estão muito mais próximas da linguagem
que as ditas – pelo padrão etnocêntrico – “periferias” alcançam do que uma escrita rebuscada
de uma dissertação de mestrado acadêmico em que o mínima de conhecimento de sua existência
e acesso à sua leitura se tornam bem mais difícil que o touch em um smartphone. Fazendo um
paralelo com o poeta barroco, as camadas-linguagens desta narrativa performática, bem como
as camadas-pele (projeção sobre corpo, maquiagem, figurino, adereços, riscos-confessos de
batom, gestos, olhar do outro, etc.) que vão sobrepondo a montagem do corpo de Sophia, são
partes que não são o todo mas estão intrinsicamente ligadas a ele; e o todo deste trabalho só
acontece por ter estas partes como processo de um todo, ou seja, são camadas-linguagens
suplementadas e renderizadas para tonalizar e esmaecer vívidas cores em uma ação de tradução,
processo tradutório do corpo que se monta, que experiencia, vive e é protagonista da cultura,
influencia a sociedade e é influenciado por ela em uma construção de autoidentidade que
perpassa pela alteridade, pela transitoriedade da performance no ritual de se montar em um
processo ambivalente de recuperação do self em críticas e re)afirmações do binário e
desestabilização da dicotomia essencializada das sexualidades e gêneros (Jayme 2010, 185-
186). A face dizada5, maquiagem por fazer, picumã6 uerro7, poucas poucas poucas roupas, a
gata tá uó – algumas podem dizer, mas o fato é que com uma maquiagem borrada, Sophia brinca
de criança que se pinta para imitar a mãe ou a moça da novela, deixa a ideia de incompletude,
de “faça você mesmx”, e abre possibilidades criativas de terminar a maquiagem a partir do
referencial e de quem a observa. O figurino que monta desmonta e o cabelo que cai e volta ao
lugar provoca o jogo e a ressignificação de improviso e revelam a fluidez da identidade de
Sophia, sua autoidentificação (Hall 2005, 39) e as fronteiras borradas na ambivalência de estar
e não estar montandx, se des)montando a partir da alteridade negada pela Modernidade em um
projeto transmoderno (DUSSEL, p. 29) de desvio centro-periferias que: reconhece os processos
de violência cometidos (vilipendiados) durante a Modernidade dos quais nossos ancestrais de
diversas nações indígenas e nações africanas foram vítimas desde a invasão dos colonizadores
europeus nos territórios e corpos-mentes até hoje em colonialidades que perpetuam e
cristalizam teorias e práticas que controlam o corpo através da cultura da violência; e propõe
estratégias combativas de resistência estética e política contra os tanques de pensamento do
poder imperial que comandam a academia e querem comandar nossas vidas com a cultura da
violência, propostas contra-culturais contra-academicas que desorganizem as hierarquizações e
confunda as classificações. Um “novo projeto de libertação político, econômico, ecológico,
erótico, pedagógico, religioso, etcetera” (DUSSEL, p.30) é transcriado nas ações e escritas
marginais da pirata neocabana? Eis a questão!
5
Dizada no bajubá possui várias traduções e neste contexto refere-se a uma face mal feita, uó, inacabada ou
esteticamente feia.
6
Cabelo.
7
Uó, um erro, dizado.
191
192
193
que se monta, vai pra boite dar close, e aquenda os boys no banheirão da UFPA; gradativamente
essas identificações foram se borrando, e as fronteiras foram diluídas em um processo que
atualmente envolve a pesquisa acadêmica da minha identificação Sophia, e para finalizar o
diálogo na mesa os organizadores do evento me convidaram para que apresentássemos uma
performance, e e assim propus que colocassem na projeção o vídeo da performance “O
Enforcamento” (Primeira Égua – 2013) e enquanto o registro – da cena de Sophia e Byxa do
Mato se enforcando com a Bandeira do Brasil na esquina do GEMPAC, era compartilhado, eu
me montava entre o projetor e a tela, fazendo uma sombra que incomodava e chamava a atenção
do público presente; após me montar completamente, Sophia propôs que as pessoas
escrevessem em seu corpo de drag os incômodos de palavras e/ou atitudes de outras pessoas
que tentam subalternizar nossos corpos. Sophia através de uma conversa descompromissada
provocava as pessoas presentes a rememorarem histórias de ações criminosas e violentas de
homofobia, transfobia e misoginia e estendia seu batom e seu corpo até a outra pessoa, e lhe
pedia para que lhe escrevesse uma palavra e/ou uma ação que condenava seu corpo a partir de
questões de gênero, sexualidade, etnia ou outra percepção que foge do padrão hegemônico
heterossexual branco rico. Essa ação desdobrou-se em outros momentos, pois percebemos o
quanto esse exercício/jogo tocava aquelas mulheres que participavam do encontro de
engenharia; o corpo de Sophia ficou cheio de palavras como: “burra”, “puta”, “putinha” “vadia,
“você é mulher não pode”, “você não consegue”, “bruxa”, “nerd”, “despreparada”, “gorda”,
“violência verbal”, e achamos interessante a participação de homens que performavam a
identificação masculina heteronormativa e que também pegaram o batom e riscaram Sophia, e
em contra-resposta ao jogo proposto, Sophia, que estava de vestido, se despiu e ficou somente
de calcinha, e depois dos desabafos borrados de vermelho sangue batom-corpo, Sophia saiu da
sala onde ocorria a mesa-redonda e deu um close pelo CCNT onde outros alunos estavam em
um momento de lazer, e Sophia aproveitou para também “descer para o play”, e brincou de ser
a “estranha” no meio de tantos homens que timidamente brincaram com Sophia, ou
simplesmente a ignoraram. O que mais nos tocou neste evento e na primeira ação como Fia
Sophia, foi um abraço forte de uma estudante de engenharia que estava na plateia, e que durante
a performance se tornou artista, e pintou o corpo de Sophia, a tatuou com seus incômodos e
também chorou, agradeceu, nos abraçou e chorou, dizendo que aquela ação lhe fazia muito
bem; Sophia propunha que riscassem o corpo dela e depois a drag levava as palavras para um
grande exorcismo, que consequentemente foi simbolizado pela saída de Sophia de dentro da
sala para a área aberta do Centro do Campus V da UEPA e os incômodos e choros de tantas
mulheres foi simbolicamente queimado na fogueira das bruxas em meio a praça pública, no
197
corpo de Sophia onde as palavras queimavam, e escorria batom sangue suor numa puta vadia
só de calcinha no meio da “universidade”. Esse jogo de improviso com “Fia Sophia” novamente
foi experimentado no início do ano de 2018, em uma cultural na semana de recepção dos novos
alunos do PPLSA, na UFPA, Campus Bragança, e que já foi descrita um pouco mais alaissime,
e também no IFPA, Campus Bragança em outra mesa redonda com diálogos sobre corpos
dissidentes nas instituições públicas de ensino. Nesse vídeo apresentado no subcapítulo 3.2, Fia
Sophia é compartilhada em um evento internacional organizado no Centro de Convenções
Hangar em Belém-PA, e esse vídeo é a transcriação da transcriação de memórias, vídeos,
imagens e discursos ditos e não ditos lanhados no corpo-mídia sophia.
O terceiro momento, apresentado no subcapíttulo 3.3 como crônica etnográfica a partir
do trabalho “Quiirck: uma história para crianças e pessoas com coração de criança” finaliza o
trabalho propondo uma circularidade que volta ao início deste processo – como no fluxo de
tempo sem início nem fim – utilizando “Quiirck” com devoração da doce narrativa performática
apresentada no primeiro capítulo e re)translocada para o último. Nesse subcapítulo, detalhamos
“Quiirck” como uma crônica a partir do compartilhamento da narrativa em Fortalezinha – na
ilha de Maiandeua, Maracanã, Pará – em um evento independente organizado pelo Casarão do
Boneco – espaço cultural de Belém-PA com artistas de diversas linguagens – em que levamos
teatro, contações de história e performances à outras comunidades fora do eixo centro Belém.
A crônica etnográfica é suplementada por um texto em formato de crônica e imagens
etnográficas que dialogam com o texto, sendo que essa proposta de material registro científico
é a ousadia acadêmica do programa de mestrado ao qual fazemos parte, e a apresentação dessa
crônica além de exercício acadêmico é a difusão de outras possibilidades de escrita cientificista
de notas e registros etnográficos.
que está na feira e aproxima a distração da devoção, a arte que se oferece como objeto de
diversão é devocionada pelxs próprixs consumidores dessa arte, que espontaneamente se
envolvem atraídxs pelo cabelo-rede de pescaria e a saia-escama de CD's trançados em arame,
em um jogo de tradução de códigos-fontes normatizados para outras diferentes linguagens e
possibilidades identificáveis que conversam entre si e possibilitam que ao mesmo tempo os
objetos que compõem o corpo de Sophia sejam facilmente reconhecidos por um feirante ou um
cliente, e também estejam fetichizados como desejo-fantasia, realidade-mágica, em um corpo
que às vezes parece ser feminino, que não é masculino, que é gente e não é gente; rede-cabelo
que transmuta Sophia Flaneur, deforma rosto, vira-bicho pescada sereia piranha, cabelo-rede
que atrai-prende-pesca trabalhador das margens do rio Caeté. A massa da feira emana sophias
participativamente, se encanta, constrói sua própria história, cria vídeos e re-distribui o corpo
sophia para além do presente e do tátil e a infinidade de narrativas performáticas foge do
controle de um todo, que é parte e parte para uma busca paródica de uma autenticidade ilusória.
Através da arte, Sophia mergulha na feira e a feira mergulha nas sophias e as partes como um
todo se dissolvem no jogo proposto em que feirantes são performers e o coletivo foge de uma
concepção limitada por desdobramentos em rede para além dos mares que a rede-cabelo
alcança. Como nem tudo são boas pescarias, os olhares e comentários de reprovação também
ameaçam o jogo estabelecido, porém os dribles acordados socialmente se estabelecem, de forma
que os espaços e os tempos de cada um são respeitados e não há choques-quebras
desnecessários, porque Sophia consegue perceber o limite-território do espaço do outro no qual
não se deve entrar, e isto é algo próprio da Sophia, que eu costumeiramente não tenho como
qualidade. Na segunda-feira, na feira, uns entendiam que a ação era para um programa
televisivo, outros entendiam que era aquilo mesmo: uma garota perdida atrás de sua amiga
Aura; e eu entendi, dos momentos de choquedoce, quatro mil mundos, quatro mil fontes de
emanação estreitas em quatro ações: o toque da mãe preocupada com a maquiagem borrada de
sua filha Sophia, o toque na rede como se toca a pele aveludada de uma donzela, o toque da
benção do irmão, e o desejo no olhar-desejo.
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SINOPSE: Fia Sophia é a proposta de jogo de improviso em que Sophia oferece um batom para
que as pessoas risquem o seu corpo, escrevendo palavras ou ações que descaracterizam os
comportamentos e estéticas corporais dissidentes a partir de uma estigmatização normativa e
fantasística de corpos hegemônicos. A ação performática se desdobra a partir da ação das
pessoas sobre o corpo de Sophia, das escritas, dos discursos em que Sophia atravessa e é
atravessada. A brincadeira de riscar o corpo, de pintar as mazelas, de reviver os choques de dor-
prazer são memórias de uma etnografia contemporânea, ao mesmo tempo que são munições e
potências de diálogo sobre a diversidade de gêneros e sexualidades, ou seja, o paradigma de um
mundo como máquina capaz de ser manipulado pelos homens torna-se a crítica manifesta pela
paródia sobre a fabricação performativa naturalizada do sexo e do gênero (BUTLER 2015, 233-
236); e é observada através do registro em áudio e/ou visual das ações imersivas de Sophia em
que não há distanciamento entre pesquisador e pesquisado, homem e natureza. Uma mulher, no
evento Belém +30 pintou meu olho com o batom vermelho, e enquanto aquela mulher forte, de
aparência de guerreira bruxa, me pintava ao mesmo tempo ela desabava sobre mim, lacrimejava
224
e dizia baixinho: “foi um soco no olho...”. Eu também chorava dentro de mim, lembrava que
na noite anterior, eu mesma, tinha sofrido agressão na rua, quando levaram minha bolsa com
materiais de trabalho e me deixaram um soco no olho. A dor naquele momento, enquanto ela
pintava meu olho, era mais do que real, imagens me vieram a cabeça, lembranças de agressões
que tantas amigas mulheres e bichas e travestis já sofreram; suei frio, gaguejei, engoli o
desespero e me fortaleci na troca afetiva espontânea, na troca de olhares, no abraço, e nas forças
de tantas palavras escritas e ouvidas que me dão coragem para prosseguir com ações e práticas
artísticas de resistência. Bora escrever no corpo da gata, pra gente comer, devorar, e vomitar e
cagar, expurgar na cara desse patriarcado e desse cis)tema momentos colaborativos de risco e
pixo sobre tela-corpo.
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A gAAggUeRA
Concluindo...
Nunca quis fazer a linha lypsinc nunca quis ser bonita sempre quis ser bonita nunca quis
ser sempre quis existir quis quiz cuír show somos celebração fortaleza de corpo presente
máquina de guerra nas ruas, meu corpo se expõem enquanto suas ideias ficam no papel não
gosto da linha Ru Paul, adoro vê-las, mas não quero segui-las, a bicha na Amazônia é outra
coisa, são outras tonalidades, outros RGB True Color, mo(n)strando, cuírizando, dragzando
caboquéticamente por aqui em gritos necessários que nem o chiado da internet de antigamente.
Aqui somos low tech, somos sucata eletrônica jogada no lixão das ryKa somos o próprio lixão,
louvação ao ciborgue incompleto ao projeto inacabado, o que não deu certo o erro-acerto
inacabado monstruosx; nunk quiz fazer a bailante cantante do palco dubladora miss sempre quis
dar closet nuk nua suada colo quente fluidos fervem numa batida nervosa nos pés invoca ação
signos que constroem a performance re)significações in)formações do improviso. Acho lindo
saltos e saltos, como os sapatos de salto alto, como saltos de panela, como saltos improvisados,
como todxs elxs e no salto como tecnologias, o salto como a mais bela e opressora composição
do corpo-tecologia ao mesmo tempo que é estética e afirmação de uma postura e remodelagem
do corpo que fica pronto para uma iminente ação. O salto opressor – por ser dolorido,
desgastante, prejudicial à saúde como o uso de várias drogas que a gente tem por aí – , é como
o uso e a foda com os boys que a gente tem por aí, tudo muito viciante, queria deixar alguns
víço (viçosa refere-se à pessoa que é viciada em sexo) de lado mas não consigo, queria deixar
alguns saltos de lado, mas sempre tenho vontade de saltar mais. Sophia não é uma mulher, mas
o arremedo da performatividade de gênero e da construção dicotômica, é uma monstrx themônia
feminina no corpo de um homem cis, os erros do olhar condenatório normativo binário, as
acusações dos outros, o errado, as questões de sobrevivência em meio a este cistema, o uso de
tecnologias e sucatas do meio ambiente amazônico em diálogo inclusivo. Prefiro sentir a falar,
a palavra é necessidade humana para atribuir nome às coisas, preencher o espaço vazio tentativa
de explicar o que se vê ouve sente, só que a palavra que se atribuiu para definir algo pode não
ser o que se esperava em seu significado e assim vão se formando percepções individuais da
palavra e quanto mais nos prendemos à palavra mais nos tornamos dependentes e quanto mais
palavras se juntam em nossas mentes mais mal entendidos temos e mais mal entendidos
ficamos. Referindo-se à cisnormatividade incutida no sistema heteronormativo binário
“ocidentalizado/cristianocêntrico moderno/colonial capitalista/patriarcal” (VERGUEIRO,
2014, p. 15), Sophia propõe jogos cênicos paródicos a partir do princípio de Augusto Boal
238
(1982,) de que o “jogo está intrinsicamente em nós quando agimos nas nossas interações sociais
cotidianas” (CONCEIÇÃO, OLAIA, 2017, p. 51), e desta forma Sophia provoca outras
interpretações, outros impulsos processuais dialógicos de construções identitárias e ações que
refletem o processo colonizador “civilizatório” sofrido por nossos ancestrais, primeiros
habitantes da Amazônia, que foi devastador de toda uma relação íntima e profunda do corpo-
ancestral com separações homem e natureza. Através do jogo paródico de identificação, tal qual
a roda de capoeira e seus improvisos carregados de afetos e sentidos (Head 2013, 265),
interagimos e compartilhamos diálogos sobre a desconstrução do discurso binário e de sexo
unívoco a partir de um pensamento local. Deste modo, Sophia são performances, ou seja, as
performances de resistência artístico-políticas são sophias, períodos de tempo transitório,
instantes das identificações com Sophia, que são não-binárixs (fora dos padrões “homem” e
“mulher”), são identidades fluidas localizadas no espaço e no tempo simbólicos. As sophias
possíveis são realizações performáticas, são reais ações que perpassam pelas discussões nos
diversos campos do conhecimento a partir de uma perspectiva local sendo performático o
método utilizado para esta pesquisa, ou seja, indo e vindo com aliterações, gagueiras, piscadelas
e piscadelas, interpretações de interpretações e obras de obras, com uma linguagem
performática, cujo cotidiano conhecido como “realidade” interage através desta linguagem,
responde, pergunta, traduz e re-traduz suas leituras através da ressignificação de signos do
cotidiano por um pensamento e prática descol onizadora em corpos-menttes dissidentes na
Amazônia.Sophia é o corpo liberto em contato com o sobrenatural e o real na virtualidade
digitofágica e na ritualística dos caminhos e da rua. Entrego e confio meu corpo à rua, minha
mãe e companheira, o local mais justo e afetivo realmente público e ao mesmo tempo injusto
violento perigoso mortal – a ambivalência dos multivalentes caminhos. A arte – como prática
libertária, expressão de impulsos fúnebres-festivos de dor sofrimento alegria celebração, é
afetividade estreita nas interpelações entrecruzadas nas encruzilhadas da vida onde todos se
confundem, e os ditos marginalizados estão em destaque. As Sophias possíveis, são realizações
performáticas, são reais ações que perpassam pelas discussões nos diversos campos do
conhecimento a partir de uma perspectiva local sendo performático o método utilizado para esta
pesquisa, ou seja, indo e vindo com aliterações, gagueiras, piscadelas de piscadelas (GEERTZ,
1989, p.19), interpretações de interpretações e obras de obras, com uma linguagem
performática, cujo cotidiano conhecido como “realidade” interage através desta linguagem,
responde às perguntas na língua performática, traduz e re-traduz suas leituras na ressignificação
de signos provocadas pela performance como linguagem artística. Acho que já disse isso.
Engasgagatogago ou repete tudo de uma vez como se engolisse todo o leci. Nós consumismo o
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lixo tecnológico europeu/americano e não tem como escapar disso ou ainda há tempo? Os
stream de videos e imagens são desdobramentos de ações sophia, ou apenas terabytes de dados?
SOPHIA são manifestações artísticoperformáticas, processos coletivos de improviso, imersões
colaborativas, narrativa textual-imagética de interações corporais e energéticas ou somente um
texto dissertativo? As pulsações em imagens, áudios e textos que provocam o leitor e aceitam
as possibilidades de interpretações traduções transcriações devorações a partir do contexto
social e histórico do espectador que vem a ser o devir performer/autorx compartilhando o
instante único da leitura? Sophia é rua, é ao mesmo tempo sobrenatural e carnal , é público e
também registros, infos e dados, links e frames, além de ternos dedos dedilhando coisas que
nem se quer sabe se se garante fazer? #medo. Talvez melhor do que concluir é sentir. O que
sentir? Processos de desespero e desejo.
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