A Multimodalidade Na Literatura Infantil
A Multimodalidade Na Literatura Infantil
A Multimodalidade Na Literatura Infantil
* celiab@terra.com.br.
Professora da Faculdade de Educação/UFMG e pesquisadora do CEALE – Centro
de Alfabetização, Leitura e Escrita.
1
Tese de doutorado defendida na Faculdade de Educação da Universidade Federal
Fluminense, sob orientação da Profa. Dra. Cecília Maria Aldigueri Goulart.
2
Trata-se do Plano Nacional de Biblioteca Escolar, que avaliou e selecionou obras de
literatura, no intuito de compor acervos para escolas públicas das séries finais do
Ensino Fundamental – PNBE 2006 – e da Educação Infantil e escolas públicas que
atendem as séries iniciais do Ensino Fundamental – PNBE 2008 –, ambos
coordenados pelo Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita (CEALE) da Faculdade
de Educação da UFMG, em convênio com a Secretaria de Educação Básica do MEC.
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PROALE - Programa de Alfabetização e Leitura, vinculado à Faculdade de
Educação/Universidade Federal Fluminense.
4
Ver, para esse estudo, Belmiro (2000, 2003, 2004).
O aspecto do estilo
O livro Vizinho, vizinha, de Roger Melo, com ilustrações do próprio
autor, de Graça Lima e de Mariana Massarani, propõe uma leitura múltipla,
aberta, pelo trabalho com imagens, palavras e imagem / palavra. São três
ilustradores que assumem, cada um, os três protagonistas do livro e definem
seus modos de ser através de cores, de traços, de volumes por meio de um estilo
próprio, que é estruturado pela linguagem fundada socialmente, definida por
Bakhtin por suas marcas ideológicas. Isso porque há tanto trabalho verbal
quanto imagético e uma proposta de interação entre essas duas dimensões, de
forma a construir um vasto campo de possibilidades de leitura. Uma
dominante na proposta do livro é a complementaridade permanente entre a
imagem e o texto em forma de legenda; muito do que dizem as imagens não
tem paralelo no texto escrito, e vice-versa. Todavia, outra proposta igualmente
relevante é o diálogo entre as imagens, como que demarcando, pela descrição
constante, as personagens, seus modos de ser, seus atributos físicos e
psicológicos, enfim, uma composição visual que ultrapassa a transcrição
denotativa do texto verbal e amplia as conotações e implicações assumidas pela
plasticidade das imagens (FIG.1). Ex: “O vizinho coleciona discos da velha
guarda”.
A interdiscursividade
Esse conceito bakhtiniano tem sua origem no cruzamento de enunciados
que, por sua própria natureza, são atravessados por diferentes vozes. Em texto
sobre as ideias de Bakhtin, Fiorin (2006, p. 51-55) apresenta o nascimento do
termo intertextualidade, suas apropriações e equívocos. Por isso, a preferência
pelo termo interdiscursividade, que dá condições de melhor compreender a
discussão que pretendo travar. Entendendo a materialidade do enunciado
como texto e o enunciado como uma posição assumida pelo enunciador,
observa-se que o enunciado é da ordem dos sentidos e que o texto é
manifestação do enunciado. Além disso, Fiorin alerta que “o enunciado não
é manifestado apenas verbalmente, o que significa que, para Bakhtin, o texto
não é exclusivamente verbal, pois é qualquer conjunto coerente de signos, seja
qual for sua forma de expressão (pictórica, gestual etc.)”. Dessa forma, o que
proponho, no momento, é compreender as relações entre o discurso imagético
e o discurso verbal como possibilidades interpretativas, numa das obras de
Reina Rennó.
Coração de ganso é um livro cuja temática se desenvolve com dois grupos
de personagens: de um lado, gansos, de outro, galinha e seus pintinhos. A
história se desenvolve quando um dos gansos se encanta pela galinha e seus
pintinhos e resolve se juntar ao grupo. Seus companheiros rechaçam qualquer
Conclusão
As abordagens aqui propostas apontam alguns aspectos de análise e
possibilidades de interpretação das relações entre imagens e textos verbais em
livros de literatura infantil, com a finalidade de reconhecer diferentes
linguagens que atuam na estruturação de gêneros. Frequentemente professores
tendem a fazer uma leitura da obra apoiada na linearidade do sistema de escrita
alfabético: em primeiro lugar, leem o texto verbal para as crianças e, em seguida,
apresentam a página lida com as imagens que se restringem, dessa forma, à mera
ilustração do que foi ouvido. A interrupção da história, para que se vejam as
“ilustrações”, tende a suspender o fluxo narrativo, com a intenção de introduzir
uma instância contemplativa. Ainda que essa estratégia aproxime o leitor da
leitura, a fragilidade desse expediente situa-se justamente na criação de uma
dificuldade inicial para a simultaneidade de leitura verbal e visual, o que, em
várias obras, é o que propicia a produção de sentidos.
Outra consideração relevante é a de que os projetos gráfico-editoriais das
obras de literatura infantil não devem ser compreendidos somente do ponto
de vista técnico, abordados principalmente pela área de design gráfico. Mesmo
aí, há estudos que sinalizam a importância do design como linguagem, na
construção visual do suporte e na atualização do gênero. Ilustradores que são
autores e autores ilustradores, cada vez mais, propõem uma dinâmica de
interação entre imagem e texto verbal que, com frequência, resultam na
hibridização de linguagens. O gênero conto se apropria de referenciais cuja
plasticidade amplia e renova suas características discursivas.
Referências bibliográficas
ANDRADE, Mário de. Do Desenho. In: Aspectos das Artes Plásticas no Brasil.
São Paulo: Martins, 1965. p. 69-77.
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. Tradução do russo de Paulo
Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
BAKHTIN, Mikhail. O discurso na poesia e o discurso no romance. In: Questões
de literatura e estética: a teoria do romance. São Paulo: Ed. Unesp, 1998. 439 p.
BARROS, Manoel de. Poeminha em língua de brincar. Ilustrações: Martha de
Barros. São Paulo: Record, 2007.
BELMIRO, Celia Abicalil. Um estudo sobre relações entre imagens e textos verbais
em cartilhas de alfabetização e livros de literatura infantil. Tese (Doutorado em
Educação) – Universidade Federal Fluminense, 2008.
BELMIRO, Celia Abicalil. Textos literários e imagens, nas mediações escolares.
In: PAULINO, Graça; COSSON, Rildo (Org.). Leitura literária: a mediação
escolar. Belo Horizonte: Faculdade de Letras da UFMG, 2004. p.147-153.
BELMIRO, Celia Abicalil; AFONSO Jr., Delfim; BARROS, Armando M.
Imagens e práticas intertextuais em processos educativos. In: PAIVA, Aparecida;
MARTINS, Aracy; PAULINO, Graça; VERSIANI, Zélia. Literatura e
Letramento: espaços, suportes, interfaces. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.
p. 209-224.