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Maria Alice Nogueira

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Favorecimento econômico e excelência escolar

Favorecimento econômico e excelência escolar:


um mito em questão

Maria Alice Nogueira


Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Educação

Introdução ral pela família. Já o papel da riqueza econômica nos


destinos escolares dos indivíduos não logrou ainda se
A sociologia da educação – tanto no Brasil quanto constituir em objeto sistemático de pesquisa do soció-
no exterior – só muito recentemente passou a se inte- logo. A meu conhecimento, apenas duas exceções –
ressar pela escolarização dos jovens pertencentes a extemporâneas, diga-se de passagem – podem ser re-
famílias favorecidas do ponto de vista social, já que, gistradas: os trabalhos de Fourastié (1970, 1972) e o
tradicionalmente, é para os meios populares que a livro de Ballion (1977), ambos franceses.
atenção do pesquisador se dirige. Atualmente a situa- Jean Fourastié, econometrista do Conservatoire
ção vem modificando-se com o surgimento de alguns National des Arts et Métiers (CNAM), em Paris, in-
trabalhos que deslocam o olhar da “desvantagem so- terrogou, ao longo de toda a década de 1960 e por
cial para o privilégio” (Sirota, 2000, p. 166). Talvez, meio de questionário, um conjunto de 1.276 famílias
em nosso país, a prova mais bem acabada desse inte- pertencentes a categorias socioprofissionais ditas “su-
resse seja a publicação, em 2002, da coletânea A es- periores”: empresários da indústria, funcionários pú-
colarização das elites (Almeida & Nogueira, 2002) blicos de alto escalão, artistas célebres, médicos com
que oferece um panorama da pesquisa nacional e in- alta reputação, egressos das grandes écoles francesas
ternacional sobre o tema e que já se encontra em sua (Politécnica, Normal Superior e Central), englobando
segunda edição. assim tanto as frações das elites bem aquinhoadas do
No entanto, mesmo em terreno tão lacunar, uma ponto de vista cultural, quanto aquelas privilegiadas
distinção precisa ser feita. É que a reflexão sobre o financeiramente. Seus resultados demonstraram que,
impacto do patrimônio cultural familiar sobre a esco- embora essas categorias sociais apresentem taxas de
laridade dos filhos já se encontra bem mais desenvol- sucesso escolar acima da média da população, elas não
vida, graças sobretudo aos estudos, de inspiração são imunes ao fracasso escolar, pois uma porcenta-
bourdieusiana, sobre a transmissão da herança cultu- gem considerável dos filhos dos pesquisados (30%,

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em média) não teve acesso, na época, ao ensino supe- tégias de reprodução próprias de determinados gru-
rior. Entretanto, o autor constatou diferenças signifi- pos sociais, dentre elas as que incidem sobre o uso da
cativas entre os diferentes grupos ocupacionais inves- instituição escolar (Truzzi, 1991; Grün, 1992, 2002).
tigados, as quais poderiam ser resumidas na conclusão Mas, de um modo geral, pode-se afirmar que o tema
maior da pesquisa, a saber: o desempenho escolar dos constitui território ainda a ser explorado entre nós.
jovens oriundos das frações economicamente domi- Resolvi então aceitar o desafio de investigar em
nantes da amostra (os filhos de empresários), quando meios sociais favorecidos, colocando-me questões
comparado ao das frações mais intelectualizadas (eli- como: que tipo de trajetória escolar realizam os jo-
tes científicas e artísticas), se mostrou bem inferior. vens provenientes de lares economicamente privile-
Partindo dessas constatações de Fourastié, o so- giados? Quais são as condições sociais e familiares
ciólogo Robert Ballion debruçou-se sobre um tema que tornam possíveis e inteligíveis esses destinos es-
absolutamente inusitado para os anos de 1970: o do colares? De que modo os privilégios ligados à famí-
insucesso escolar em meios altamente favorecidos do lia de origem podem constituir-se em trunfos (ou em
ponto de vista econômico. Mediante dados empíricos obstáculos) perante os estudos?
obtidos em universo de 670 alunos de estabelecimen- Sem pretender nem poder responder a essas per-
tos privados de ensino secundário, localizados em guntas de modo cabal e completo no espaço deste tra-
Paris e caracterizados por atender a uma clientela de balho, apresento aqui apenas alguns aspectos (e de
filhos de homens de negócios, Ballion chegou a, pelo forma bastante resumida) de uma pesquisa recente-
menos, duas conclusões de grande importância. mente concluída, com a finalidade principal de abrir
A primeira refere-se à constatação de que o índi- o debate.
ce de insucesso escolar, entre essas categorias sociais, Trata-se de um estudo realizado, em 2000-2001,
é bem mais elevado do que se poderia supor, atingin- com 25 famílias de grandes e médios(as) empresá-
do, por exemplo, quase a metade dos filhos de em- rios(as) de Minas Gerais.1 Seu objetivo era conhecer
presários da indústria. E a segunda diz respeito à des- as histórias escolares dos jovens e as estratégias edu-
coberta, feita pelo autor, de que “l’argent efface cativas postas em prática por esses pais ao longo des-
l’échec” ou, em outros termos, de que as posses eco- ses itinerários. Como instrumento de coleta dos da-
nômicas conseguem reparar, em boa parte, os prejuí- dos, utilizei-me de entrevistas semidiretivas feitas com
zos dos atrasos e dos acidentes ocorridos no percurso os próprios jovens e com suas mães, separadamente.
escolar. Isso porque essas famílias dispõem de meios O estudo baseia-se, portanto, num corpus formado por
de luta contra o insucesso escolar, através de estraté- 50 entrevistas.
gias variadas de compensação e de reparação, capa- Sua origem imediata associa-se à minha perple-
zes de remediar ou, ao menos, de atenuar os efeitos xidade perante o alto grau de disseminação, no senso
nefastos do fracasso. Dentre essas estratégias, sobres- comum, da ideologia de que o padrão de excelência
saem aquelas relacionadas à escolha de certos tipos escolar é apanágio dos “ricos” ou, em outros termos,
de estabelecimento de ensino, que o autor chamou de
établissements de rattrapage, os quais funcionam
como refúgio para alunos em situação de fracasso 1
Delimitei para estudo famílias em que o pai e/ou a mãe
escolar, para os quais organizam uma estrutura espe- exercessem funções empresariais e, vivendo ou não em regime de
cial de recepção. união conjugal, tivessem filho(s) residente(s) no domicílio e em
Na pesquisa brasileira, ainda não contamos com idade (esperada) de realização de estudos universitários. Porém,
estudos sobre o assunto, embora alguns trabalhos mais em razão de dificuldades encontradas no acesso a essa população,
recentes, mas fora do campo da educação, tenham tra- foi preciso incluir um caso de uma família cujo filho mais velho
zido alguma contribuição, ao se ocuparem das estra- tinha, na época, 16 anos e cursava o ensino médio.

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Favorecimento econômico e excelência escolar

de que as elites escolares se compõem de alunos “ri- que desenvolve um interesse sociológico pela diversi-
cos”. A tentativa é, portanto, a de colocar em questão dade (relativa) dos destinos e das práticas escolares
algo que não é discutido usualmente, porque consi- no interior de um mesmo meio social. Segundo, por-
derado (implicitamente) como indiscutível: o papel que se interessa pelas histórias de vida escolar de in-
incondicionalmente positivo do capital econômico no divíduos concretos (“de carne e osso”) e pelos proces-
destino escolar do aluno. sos subjetivamente vividos e interpretados por eles.4
Por outro lado, sua origem teórica se enraíza No período mais recente, a partir dos anos de
numa problemática clássica na sociologia da educa- 1990, surge uma nova abordagem inaugurada por pes-
ção: a dos fatores em jogo ou das mediações que se quisadores que se interessam pelas trajetórias atípicas,
interpõem na relação entre o meio social de pertenci- excepcionais, inesperadas, em suma, aquelas que fo-
mento e os resultados escolares, em particular a con- gem às regularidades estatísticas que haviam sido des-
trovérsia sobre o peso relativo dos fatores culturais e cobertas nos anos de 1950/1960. Doravante, o “insig-
dos fatores econômicos na definição dos rumos de nificante estatístico” vai tornar-se “sociologicamente
uma trajetória escolar. significativo” (Baudelot, 1999).5
Assim, podemos afirmar sem receio a existência,
As trajetórias escolares dos jovens pesquisados2 nos dias atuais, de uma “sociologia das trajetórias es-
colares”, embora tal afirmativa deva ser acompanhada
O estudo das trajetórias escolares, lato sensu, não da observação de que esta, a exemplo de toda a socio-
constitui propriamente uma novidade na sociologia logia da educação contemporânea, abriga uma certa
da educação, pois, já a partir dos anos de 1960, os pluralidade interna: os horizontes teóricos, as formas
sociólogos passaram a se interessar pelas relações de abordagem, os dispositivos metodológicos não são
entre os percursos dos indivíduos no interior do siste- os mesmos de um autor a outro. Um ponto, no entanto,
ma de ensino e seu meio social de pertencimento. No parece constituir consenso: o de que a trajetória esco-
entanto, nesse primeiro momento, as interrogações re- lar não é completamente determinada pelo pertenci-
caíam sobre as macrorrelações entre o sistema esco- mento a uma classe social e, portanto, de que ela se
lar e a origem social, utilizando-se, geralmente, como encontra associada também a outros fatores, como as
metodologia de análise, o acompanhamento longitu- dinâmicas internas das famílias e as características
dinal (e em grande escala) de coortes de alunos, com “pessoais” dos sujeitos, ambas apresentando um certo
o objetivo de observar a distribuição das oportunida- grau de autonomia em relação ao meio social.6
des escolares. Consistindo basicamente numa análise Com relação à definição operacional do termo, a
de fluxos, esses estudos deixavam de considerar a di- maioria dos pesquisadores concorda em considerar a
mensão individual das biografias escolares.3
Foi somente a partir da década de 1980 que se
viu emergir um novo enfoque que se afasta duplamen-
te da generalidade do modelo anterior. Primeiro, por- 4
Representam esse segundo momento trabalhos como os de
Terrail (1984, 1990) sobre os operários, de Zéroulou (1988) sobre
os imigrantes e de Berthelot (1993) sobre os camponeses.
2 5
Em relação à variável sexo, o grupo de 25 jovens entrevis- Constituem exemplos dessa última abordagem o artigo de
tados compunha-se de 13 rapazes e 12 moças. Quanto à faixa etária, Laacher (1990) e os livros de Laurens (1992), de Lahire (1997) e
sua idade variou entre 16 e 26 anos. de Ferrand, Imbert e Marry (1999).
3 6
Exemplo clássico desse tipo de trabalho são as pesquisas No entanto, com relação à dimensão do “pessoal”, é preciso
realizadas nos anos de 1960/1970 pelo Institut National d’Études reconhecer, de acordo com Dubet (1996), que “a sociologia não
Démographiques (INED), na França. dispõe [ainda] de categorias de análise sólidas” para enfrentá-la.

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trajetória como um “encadeamento temporal de posi- Brasil, o vestibular representa o mais forte desses
ções sucessivamente ocupadas pelos indivíduos nos momentos, capaz de dar visibilidade ao caminho até
diferentes campos do espaço social” (Battagliola et então percorrido.
al., 1991, p. 3), direcionando essa definição para o cam- Menos da metade dos jovens atingiu a universi-
po educacional. Em consonância com isso, um per- dade em idade regular ou antes dela, isto é, aos 17 ou
curso biográfico escolar deverá ser captado por meio 18 anos. Como nesse meio social – diferentemente
dos acontecimentos que o pontuam, com seus momen- dos meios populares – o abandono/interrupção dos
tos decisivos, suas bifurcações e suas encruzilhadas. estudos, antes dessa idade, constitui fato raríssimo,
No caso deste trabalho, optei por me apoiar es- isso significa que mais da metade do universo pes-
sencialmente nas etapas institucionalizadas de um iti- quisado apresentou algum tipo de atraso em seu iti-
nerário escolar (graus do ensino, processos seletivos), nerário escolar, decorrente seja das reprovações no
tal como se dá no sistema de ensino em vigor no país. nível do ensino fundamental ou médio, seja de tenta-
Um pouco mais da metade do grupo investigado tivas malsucedidas no vestibular.
sofreu alguma reprovação ao longo da escolaridade
básica (ensino fundamental e médio). Mais precisa-
Tabela 2 – Distribuição dos pesquisados
mente, 13 jovens foram afetados, perfazendo juntos
segundo a idade de entrada na universidade
um total de 19 reprovações (cf. Tabela 1). Essas últi-
Idade de entrada Nº de pesquisados
mas, embora concentradas no segundo segmento do
17-18 10
ensino fundamental e no ensino médio, não deixaram 19-20 11
de atingir, em um quinto dos casos, alunos das pri- 21-22 1
meiras quatro séries. Há que se acrescentar ainda a 23-24 1
Total 23
esses dados o fato de que quatro jovens passaram por
cursos “supletivos”: em três casos no nível do ensino Obs.: O total 23 deve-se à ausência de dois sujeitos que não haviam
ainda atingido o ensino superior no momento da entrevista.
médio, e no quarto, no nível do ensino fundamental
(5ª a 8ª série) e médio. Esse último fenômeno concer-
ne justamente àqueles alunos que tiveram, em seu
percurso, duas ou mais reprovações. Tabela 3 – Distribuição dos pesquisados
segundo o número de tentativas de ingresso
Tabela 1 – Distribuição dos pesquisados no ensino superior
segundo o desempenho escolar na educação Número de tentativas Nº de pesquisados

básica Uma 15
Duas 6
Desempenho escolar Nº de pesquisados
Três 2
Nenhuma reprovação 12
Quatro 1
Uma ou mais reprovações 13
Total 24
Total 25
Obs.: O total 24 deve-se à ausência de um sujeito que não havia
ainda concluído o ensino médio no momento da entrevista.
Os estudos sobre trajetórias constatam que, de
um modo geral, as carreiras escolares vão construindo- A defasagem acumulada no percurso não impe-
se por etapas, e que é ao longo do tempo que o valor dirá, no entanto, os jovens em atraso de ingressar no
escolar de um indivíduo vai constituindo-se e adqui- ensino superior, após um certo número de ensaios frus-
rindo consistência, de forma a possibilitar – em de- trados e mediante o auxílio largamente utilizado dos
terminados momentos – algum prognóstico quanto ao “cursinhos”. Uma ampla maioria dos jovens serviu-
futuro do percurso dentro do sistema de ensino. No se deles (a metade por um período de um a dois anos;

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Favorecimento econômico e excelência escolar

o restante por um período que ficou em torno de geiramente mais elitizado do que aquele das institui-
seis meses). ções públicas (cf. Capítulo 6). Outro estudo ainda mais
Além disso, há também o fato de que a escolha recente, realizado por Simon Schwartzman (2004)
da instituição de ensino superior recai sobre institui- com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amos-
ções privadas que se caracterizam por praticarem exa- tra de Domicílios (PNAD/2001) e do Instituto Brasi-
mes vestibulares menos seletivos e, na maior parte, leiro de Geografia e Estatística (IBGE), questiona
pouco exigentes. A tabela a seguir exibe o rol e a dis- igualmente o senso comum de que a rede pública de
tribuição das instituições freqüentadas pelos jovens ensino superior, no Brasil, abrigaria os estudantes mais
entrevistados: ricos, enquanto os pobres só teriam acesso, nesse ní-
vel, ao ensino privado. O autor demonstra que o
estudantado do ensino superior privado apresenta ren-
Tabela 4 – Distribuição dos pesquisados por
da familiar superior à do estudantado da rede pública.
instituição de ensino superior freqüentada
Instituição de ensino Nº de pesquisados
PUC-MG 9 Tabela 5 – Distribuição dos irmãos dos
FUMEC 4 pesquisados por instituição de ensino superior
Newton Paiva 2
freqüentada
UNA 2
UNI-BH 2
Instituição de ensino Nº de pesquisados
Izabela Hendrix 1
PUC-MG 10
IBMEC 1
Milton Campos 3
Promove 1
FEAD 3
UFMG 1
FUMEC 3
Total 23
UNI-BH 3
Universidades no exterior 3
Obs.: O total 23 deve-se à ausência dos dois sujeitos que não ha-
viam ainda atingido o ensino superior no momento da entrevista. UNA 2
IBMEC 2
UFMG 2
Uma distribuição bastante semelhante a essa foi Izabela Hendrix 1
verificada entre os irmãos dos interrogados que tam- Newton Paiva 1
bém se encontravam, no momento da coleta, cursan- Faculdades Machado Sobrinho 1
FMU (São Paulo) 1
do o ensino superior (36 casos), o que confere aos
UEMG (FUMA) 1
dados maior significado. Total 36
A esse respeito, um estudo recente e, possivel-
mente, o mais completo até hoje sobre o ensino supe-
rior privado no Brasil (Sampaio, 2000), desmente a Com relação especificamente ao vestibular da
suposição corrente – na opinião pública, na mídia e UFMG,7 três quartos dos jovens tentaram (quase sem-
mesmo entre os gestores educacionais – de que os pre, uma única vez), mas não obtiveram aprovação
estudantes universitários da rede privada apresentam nesse vestibular. Quanto ao quarto restante, é razoá-
um nível socioeconômico mais baixo do que aqueles vel supor que, diante do alto grau de competitivida-
que estudam em instituições públicas de ensino supe- de, jovens com preparo insuficiente, ou que assim se
rior. A autora mostra que as diferenças quanto ao per- sintam, não se candidatem a esse exame vestibular
tencimento social entre esses dois grupos de estudan-
tes são muito pequenas, indo, porém, no sentido 7
A UFMG é uma das universidades públicas de maior pres-
inverso ao da crença comum, ou seja, o corpo discen- tígio do país e a mais conceituada do Estado de Minas Gerais,
te dos estabelecimentos superiores particulares é li- sendo seu vestibular altamente seletivo.

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por considerarem suas possibilidades de êxito como dêmico (cf. Souza, 1990-1991) e que prevê, para os
muito exíguas. Na verdade, dentre os 25 sujeitos fo- favorecidos, em geral, freqüência a escolas privadas
calizados pela pesquisa, apenas um cursava a UFMG, no nível da educação básica e, em seguida, ensino
à qual teve acesso, no entanto, não pela via do vesti- superior público.
bular, mas sim por meio de transferência a partir de Quanto ao ramo universitário escolhido, é nítida
uma faculdade privada do interior do estado. Todos a orientação dominante para um certo tipo de forma-
os restantes freqüentavam, na época da pesquisa, es- ção superior: aquela que prepara para o mundo dos
tabelecimentos privados de ensino superior, como se negócios e para a gestão empresarial, pois praticamente
viu na Tabela 4. a metade dos jovens pesquisados optou pelo curso de
Tais resultados parecem questionar a idéia cor- Administração de empresas, como se vê na Tabela 6.
rente de que para se conquistar uma vaga nas gran-
des universidades públicas de alto prestígio basta
Tabela 6 – Distribuição dos pesquisados
possuir recursos financeiros, os quais supostamente
segundo o curso superior freqüentado
condicionariam um passado escolar de excelência que
fatalmente levaria ao sucesso na seleção dessas ins-
Curso Nº de pesquisados
tituições. É preciso também que os indivíduos este-
Administração de empresas 12
jam predispostos a ambicionar os destinos universi- Arquitetura 2
tários mais favorecidos e a pôr em prática meios de Relações públicas 2
Publicidade e propaganda 2
conquistá-los.
Psicologia 2
Como no nível do ensino fundamental e médio
Direito 1
esses jovens freqüentaram igualmente escolas parti- Medicina 1
culares,8 pode-se afirmar que a escolaridade dos fi- Pedagogia 1
Total 23
lhos de empresários se desenrola, de ponta a ponta,
na rede privada de ensino. Essa fidelidade ao ensino Obs.: O total 23 deve-se à ausência dos dois sujeitos que não ha-
viam ainda, no momento da entrevista, atingido o ensino superior.
privado surpreende quando se trata de ensino supe-
rior, no qual a reputação e o prestígio das instituições Se a esse contingente acrescentarmos aqueles que
públicas são, de um modo geral, bem superiores ao fizeram opção por áreas conexas, como Publicidade
das particulares. Ela questiona, por um lado, as falsas e propaganda ou Relações públicas, teremos um agru-
evidências do senso comum que consistem em pen- pamento maciço dessa população em torno de um setor
sar que os “ricos” estudam em universidades públi- profissional específico: o da direção e organização
cas, enquanto os “pobres” o fazem nas instituições do mundo da empresa. Os dois casos, na amostra, de
privadas de ensino superior. Mas, por outro, ela ques- jovens que não haviam ainda atingido o grau superior
tiona também a extensão, a esse grupo social, da hi- só vêm reforçar esse quadro: no primeiro deles, a for-
pótese do “circuito virtuoso” que circula no meio aca- mação secundária escolhida pelo jovem estava se dan-
do em um curso denominado Técnico gerencial; e, no
segundo, a jovem se preparava, no momento da en-
8
Não é meu propósito, neste texto, tratar da escolha dos trevista, para prestar o vestibular para o curso de Ad-
estabelecimentos de ensino pelas famílias, embora esse tenha sido ministração de empresas.
um ponto abarcado pela pesquisa. Esclareço apenas que, de um Aumentando ainda mais o significado desses
modo geral, a preferência dos pais não recai sobre os colégios dados, a Tabela 7 mostra que entre os irmãos dos in-
particulares de maior reputação por suas exigências acadêmicas e terrogados que, no momento da coleta, também se
por aparecerem habitualmente como “campeões” nos rankings de encontravam cursando o ensino superior a mesma ten-
aprovação nos vestibulares mais concorridos. dência se verifica, apesar de maior dispersão das es-

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Favorecimento econômico e excelência escolar

colhas. Se àqueles que cursam Administração de em- dois, eu preferi Administração que tem mais a ver com o
presas juntarmos os irmãos que fizeram opção por negócio da família, uma coisa que me interessava. Eu via
áreas conexas (Economia, Publicidade e propaganda, que meu pai gostava, e tal, então influenciou e eu fui fazer
Ciências contábeis, Comércio exterior, Design indus- Administração.
trial, Marketing em design e Relações públicas), te-
remos mais da metade deles em ramos universitários Eu, pra falar a verdade, eu fiz Administração foi por
ligados ao mundo empresarial. falta de opção, porque eu não sei o que eu quero fazer.

Eu queria uma coisa mais ampla assim... nada ligada


Tabela 7 – Distribuição dos irmãos dos
a Medicina, nada ligada a Engenharia, nada ligada a Hu-
pesquisados segundo o curso superior
manidade, nada. Aí eu optei por Administração e nem fiz
freqüentado
pesquisa, foi por exclusão.

Curso Nº de pesquisados
Administração de empresas 10 François Dubet, em um estudo sobre o estudante
Direito 6 universitário dos dias atuais, chama a atenção para
Engenharia civil 4
Economia 3
esse fenômeno da “escolha negativa” que também
Arquitetura 3 encontrou entre seus interrogados. Ele recomenda que
Publicidade e propaganda 2
não se veja aí um sujeito sem projeto, mas sim al-
Ciências contábeis 1
Pedagogia 1 guém que só dispõe do projeto que pôde formular ao
Comércio exterior 1 final de uma “série de renúncias”. Para o autor, a con-
Design industrial 1
cordância entre desejos e projetos é privilégio apenas
Decoração 1
Marketing em design 1 de uma elite escolar, com real poder de escolha. Ele
Relações públicas 1 exemplifica com palavras altamente sugestivas: “Os
Matemática 1
estudos de Medicina não são nunca apresentados [pe-
Total 36
los entrevistados] como uma escolha na falta de coisa
melhor. Se é médico porque se escolheu ser médico
A propensão aos estudos de Administração não ‘desde sempre’” (Dubet, 1994, p. 520).
distingue homens e mulheres pois os doze casos en- Nos casos em que justificativas para a opção pelo
contrados dividem-se em proporções praticamente curso de Administração são fornecidas, os argumen-
iguais entre os sexos: sete rapazes e cinco moças (seis tos giram em torno de dois eixos. De um lado, são
moças, quando se acrescenta o caso da então vestibu- evocados aspectos objetivos, relacionados às carac-
landa). terísticas imputadas ao curso, em torno do qual paira
Qual o sentido subjetivo dessa escolha? O que um forte imaginário: o de ser um curso de fracas exi-
dizem seus protagonistas? Ao justificar sua decisão gências acadêmicas.
por Administração, alguns jovens confessam tê-lo feito
“por eliminação”, na ausência de alternativas mais Como eu nunca fui um cara de gostar de estudar em
atraentes entre os ramos universitários existentes: casa, de ler livros e ler essas coisas, eu falei... eu sempre
que eu via meu irmão, o cara pra fazer Direito tem que
E como eu não gosto nem um pouco de Medicina, de estudar “igual a um cão”, que ele tem que saber ler de trás
Direito, nem muito de Exatas, eu fiquei meio em dúvida pra frente e de frente pra trás, ler código disso, daquilo,
entre Engenharia e Administração. [...] Eu não tinha certe- código, código, código, e isso não é pra mim, e eu falei isso
za absoluta, não. Mais por eliminação, de eu não querer não é pra mim, Direito eu sabia que não era a minha praia,
mesmo outros cursos, então sobrou mais ou menos esses aí foi Administração.

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Maria Alice Nogueira

Mas também, e sobretudo, por ser um curso cujo Eu tava no terceiro ano [do ensino médio] e eu já
conteúdo é de natureza muito geral, o que propiciaria tinha... eu queria Administração. Eu já sabia disso [...]. Acho
uma certa maleabilidade, seja em termos de forma- que eu vi muito meu pai, assim... o que ele fazia, acabava
ção posterior, seja em termos de atividade profissio- que apesar de eu não entender muito assim aquela lingua-
nal futura. Assim, o conteúdo do curso é visto mais gem técnica que ele tava falando, eu assim... pequenininho,
em sua função instrumental de adaptação do que em eu ia pra garagem,9 minha diversão era ficar brincando lá
sua dimensão de desenvolvimento intelectual: de almoxarifado, eu acho que entendia o que era aquilo,
assim... uma visão diferente, mas entendia, aí eu acho que
Eu cheguei à conclusão que Administração é uma base isso influenciou muito.
de tudo. Aí, depois, é só fazer uma pós-graduação que você
já... Por exemplo: eu faço Administração, e eu faço uma As falas anteriores sugerem que, no essencial, as
pós-graduação em Economia, eu acho que Administração preferências pessoais não se opõem aos constrangi-
seria o pilar da construção. mentos exteriores que se manifestam, nesse caso, na
forma da influência parental. O sentimento experi-
Eu acho que é um curso que os ensinamentos que mentado de realização de inclinações pessoais evi-
estão lá são muito amplos, dá pra você usar em muitos cam- dencia que o exercício da subjetividade pode se dar
pos, né? Eu acho que o curso de Administração te dá uma em harmonia com e no interior de imperativos de or-
base de muitas coisas, entendeu? De Direito, de Contabili- dem social que escapam ao sujeito, sem que sua sen-
dade, de cada Administração específica, né? Logística... en- sação de liberdade seja atingida. Qual é a alquimia
tão, assim, é um campo muito amplo e eu acho que eu pen- que está por trás desse processo?
sei Administração por isso. Uma das respostas sociológicas atualmente pos-
síveis está na idéia de que as inclinações, preferên-
Mas, por outro lado, os pesquisados – em sua cias, disposições – aparentemente irredutíveis às
maior parte – apontam razões do âmbito da indivi- estruturas sociais – não podem ser concebidas inde-
dualidade (gosto, personalidade, vocação etc.) como pendentemente das condições de existência, em rela-
responsáveis por sua opção com relação ao curso: ção às quais representam “ajustamentos” que escapam,
na maior parte do tempo, à consciência individual. O
Eu queria uma coisa ligada à área de Matemática, eu conhecimento desse processo subjetivo que leva o ator
adorava! Mas eu queria uma coisa mais geral, e foi Admi- a amar seu destino social – o amor fati que propõe
nistração mesmo. Papai tinha uma factoring, aí eu fazia Bourdieu – afasta o risco de uma dupla armadilha, a
controle de cheque pra ele, juros, uns negócios... saber: considerar as percepções e ações dos indiví-
duos seja como fruto de uma coerção social mecâni-
Eu sempre gostei de Administração e Publicidade, mas ca, seja como ato de pura liberdade.
também por ter a empresa, meu pai sempre me falou: “Você Na verdade, um longo e lento processo de socia-
poderia optar, já que você tá entre as duas, você podia optar lização familiar encarrega-se da constituição do gosto
pela Administração”. por alguma atividade (pelos negócios, por exemplo) e
da transmissão de predisposições que possibilitam a
O fato de eu ser filho de empresário e de eu não ter integração a grupos sociais ou a universos profissio-
característica para fazer alguma outra coisa. De ver tam-
bém que eu tenho característica para ser um administrador,
9
pelo fato do meu jeito parecer um pouco com o do meu pai. O pai é proprietário de uma empresa de transporte rodo-
Então, mais por isso, pela influência também. viário.

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Favorecimento econômico e excelência escolar

nais específicos. Nesse processo, a figura paterna de- exteriores ao conhecimento em si mesmo e marcadas
sempenha papel fundamental, ainda segundo Bourdieu pelo utilitarismo, como, por exemplo, a obtenção da
(1998, p. 232), nota ou do diploma. Um relativo desapreço pelo uni-
verso escolar, ao qual corresponde um interesse qua-
O pai é o sujeito e o instrumento de um “projeto” (ou, me- se apaixonado pelo mundo empresarial (o mundo das
lhor, de um conatus) que, estando inscrito em suas disposi- “coisas vivas”) e pelos desafios que este lhes coloca,
ções herdadas, é transmitido inconscientemente, em e por caracteriza esses estudantes.
sua maneira de ser, e também, explicitamente, por ações Com efeito, do total de 25 filhos de empresários
educativas orientadas para a perpetuação da linhagem. investigados, 17 conciliam estudos com o exercício
de atividades profissionais e remuneradas. Dentre es-
A surpreendente regularidade encontrada, nesta ses últimos, oito ingressaram no mundo do trabalho
pesquisa, na conduta dos indivíduos no tocante à es- antes de atingir o ensino superior (um terço deles an-
colha do curso superior dificilmente pode ser pensa- tes dos 18 anos) e nove a partir da entrada na univer-
da independentemente dos mecanismos que levam à sidade. Trata-se de uma verdadeira experiência do
reprodução das posições sociais mediante a propen- mundo dos negócios feita, na quase totalidade das
são dos sujeitos a se orientarem no espaço social e a vezes, nas empresas do pai ou da mãe; mas também,
adotarem práticas (mesmo que de modo inconscien- em alguns casos, em empresa própria, de pequeno
te) consoantes com seu pertencimento ou, dito em porte, oferecida pelos pais, como por exemplo as
outros termos, da tendência dos agentes (indivíduos “franquias”. Em certos casos, o jovem começa pelos
ou grupos) a “persistirem em seu ser social”, a “per- postos mais subalternos, como office-boy, por exem-
severar no ser” (Bourdieu, 1980, 1998). plo, e vai passando sucessivamente pelos vários se-
Mas, sabemos, nem todo filho de empresário tores da empresa, de acordo com o argumento de que
torna-se fatalmente um empresário. Assim, estudos isso é bom “para aprender” e conhecer o funciona-
mais recentes defendem a tese de que é necessário mento global de um estabelecimento. São, em geral,
que o “herdeiro aceite herdar a herança” (Bourdieu, situações de trabalho bastante formalizadas, o que
1998), ou seja, que ele aceite “apropriar-se” dela significa ter a “carteira assinada” (algumas vezes como
(Singly, 1996). Esse último ponto se refere à questão “estagiário”), com salários e horários definidos.10
(que os sociólogos de hoje tentam enfrentar) da cons- Não se trata, evidentemente, de uma necessida-
trução identitária dos sujeitos, que – nas sociedades de de auto-sustento ou de complementação do orça-
contemporâneas, nas quais a individualidade é forte- mento familiar, já que são jovens que recebem de suas
mente valorizada – podem vivenciar uma situação famílias todo tipo de recursos materiais, incluindo
contraditória: ao mesmo tempo em que são levados a certos consumos de luxo (viagens e carros caros, por
continuar a história familiar, devem se constituir em exemplo). Segundo os filhos de empresários interro-
seres autônomos, por vezes ao preço da independên- gados, as vantagens dessa inserção, desde cedo, no
cia em relação à posição herdada, o que pode provo- mundo empresarial são diversas. Entram aí a expec-
car conflitos existenciais e tensões internas. tativa de “aprender a ganhar dinheiro”; a perspectiva
de ocupar o tempo cotidiano que, para a grande maio-
Conclusão ria deles, os estudos sozinhos não conseguem preen-

As entrevistas com os jovens revelaram uma re-


lação com a escola e com o saber predominantemen- 10
A quase metade dos entrevistados realizava seus estudos
te instrumental, no sentido de Charlot (2000), em que superiores no turno da noite, fenômeno usualmente associado, pela
as finalidades perseguidas são, em sua maior parte, literatura sociológica, às camadas populares.

Revista Brasileira de Educação 141


Maria Alice Nogueira

cher;11 a necessidade de conhecer o mundo profissio- visão. Eu acho que se fosse resumir o curso de Publicidade
nal “real”, em contraposição à visão “abstrata” que a ou qualquer outro curso aí, não ia levar dois anos. Só que é
escola supostamente tem dele. tanta “encheção de lingüiça” e tanta “abobrinha”, que leva
A percepção mais geral que fica para o pesquisa- quatro, cinco anos e no final é perda de tempo e dar dinhei-
dor é a de que a escola é “pouco” para esses jovens, e ro para os outros.
isso em sentido múltiplo. É pouco porque toma ape-
nas parte do tempo de sua rotina diária. São recorren- Essas concepções encontram eco nas represen-
tes, no discurso deles, expressões como: “meu tempo tações e nos valores parentais verificados nas entre-
estava ocioso”; “eu ficava em casa sem fazer nada”; vistas com as mães, as quais revelaram, de um modo
“à toa”; “sem ocupação”, referindo-se aos períodos geral, a crença de que a formação para o empreende-
do dia em que não freqüentavam as aulas. dorismo deve começar cedo e em família. A despeito
É pouco porque ocupa lugar secundário em suas das contradições e ambigüidades detectadas nos de-
preferências pessoais e afetivas: “por mim eu não es- poimentos maternos com relação à escolaridade dos
tudava não, só trabalhava, mas...”, declara uma das filhos, essa inserção precoce no mundo dos negócios
entrevistadas; “eu nunca gostei de estudar, eu não sei representa um poderoso fator de socialização, pois ela
se eu gosto... mas eu gosto muito mais de trabalhar trabalha pela “formação de vocações” para o univer-
do que estudar”, afirma um outro; “meu trabalho tá so empresarial (Grün, 2002) ou, em outros termos,
acima [dos estudos] e pronto!”, sentencia um tercei- pela constituição do “gosto pelos negócios”. Um
ro; ou ainda, nas palavras de mais um deles: “eu não desapreço pelo destino de “empregado”, do qual ten-
gostava, eu não me sentia bem na aula, não gostava tam poupar os filhos, constitui a outra face desse dis-
da faculdade, e até hoje eu não sinto o menor tesão da curso parental, assim como o ceticismo e a descon-
faculdade...”. fiança em relação aos conhecimentos escolares, vistos
A escola é pouco, ainda, porque desempenha pa- como demasiadamente livrescos e abstratos.
pel secundário em sua preparação profissional, já que, Quanto às estratégias familiares, a melhor forma
a seu ver, transmite conhecimentos e teorias acadê- que encontro para caracterizar a relação que as famí-
micas em grande descompasso com o dia-a-dia em- lias de empresários mantêm com o universo escolar é
presarial, não conseguindo portanto rivalizar com a emprestada da linguagem ordinária: esses pais “não
realidade vivida no próprio meio. Um dos interroga- apostam todas as suas fichas na escola”, investindo –
dos afirmou: à semelhança dos filhos – moderadamente (sempre
em termos relativos) no setor. Na verdade, os pais do
Tédio, me entedia profundamente [referindo-se aos meio empresarial se servem também (ou até mais) de
estudos], principalmente depois de uma certa época que eu outros tipos de estratégia para salvaguardar ou elevar
tava trabalhando com publicidade, desde 96, muita coisa a posição do grupo familiar no espaço social. Nesse
que você vê na prática não bate com o que eles ensinam. sentido, pude detectar estratégias de tipo econômico,
Então você tem uma perda de tempo gigantesca, na minha tais como: preparar os filhos desde muito cedo para
sua sucessão; associá-los à empresa paterna; ou abrir
para eles um pequeno negócio, ainda durante seu pe-
11
Cabe lembrar que – como se viu – as escolhas dos ramos ríodo de formação.
universitários, por parte desse grupo de jovens, não recaem sobre Quanto aos jovens, o fato de que eles não inves-
as carreiras mais exigentes do sistema de ensino, como os cursos tem toda sua energia na causa escolar é, sem dúvida,
superiores mais seletivos, em período integral. Tampouco eles rea- o resultado de todo um processo de socialização fa-
lizam atividades acadêmicas extracurriculares, tais como: moni- miliar que escapa, em boa parte, à consciência dos
toria, iniciação científica, auxílio à pesquisa etc. sujeitos. O que não exclui atitudes de natureza mais

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Favorecimento econômico e excelência escolar

racional e consciente: não tendo a sensação de que os dos filhos: o caso das famílias de ex-bolsistas no exterior. E-mail:
estudos implicam uma via de mobilidade social as- malicen@terra.com.br
cendente, eles não vêem razão para se engajar esco-
larmente em troca de vantagens sociais tão pouco sig- Referências bibliográficas
nificativas. No entanto, em contradição com isso,
percebem claramente a necessidade da caução esco- ALMEIDA, Ana M.F., NOGUEIRA, Maria Alice (orgs.), (2002).
lar para legitimar a posição social economicamente A escolarização das elites: um panorama internacional da
dominante que serão chamados a ocupar. Assim, não pesquisa. Petrópolis: Vozes.
deixam de ser sensíveis aos benefícios simbólicos do BALLION, Robert, (1977). L’argent et l’école. Paris: Pernoud/
diploma: prestígio, respeitabilidade, legitimidade cul- Stock.
tural, círculo de amizades, influências, alianças ma- BATTAGLIOLA, Françoise, BERTAUX-WIAUME, Isabelle,
trimoniais etc. Como seus pais, eles vivem, portanto, FERRAND, Michèle, IMBERT, Françoise, (1991). Dire sa
uma contradição interna entre, de um lado, a descren- vie. Paris: CSU/IRESCO/CNRS.
ça no poder do diploma e, de outro, o reconhecimen- BAUDELOT, Christian, (1999). L’improbable est toujours
to de seu valor simbólico; contradição essa que não possible. In: FERRAND, M., IMBERT, F., MARRY, C.
favorece a constituição de uma relação positiva e pes- L’excellence scolaire: une affaire de famille. Paris: L’Harmattan.
soal do jovem com a escola e não trabalha pela cria- Prefácio.
ção de um gosto pela escola ou pelo interesse por aqui- BERTHELOT, Jean-Michel, (1993). École, orientation, société.
lo que lá é ensinado. Paris: PUF.
BOURDIEU, Pierre, (1980). Le sens pratique. Paris: Minuit.
, (1998). As contradições da herança. In: BOURDIEU,
MARIA ALICE NOGUEIRA, doutora em educação pela
P. Escritos de educação. Petrópolis: Vozes, p. 229-237.
Universidade de Paris V, é professora titular da Faculdade de Edu-
CHARLOT, Bernard, (2000). Da relação com o saber: elementos
cação da UFMG e pesquisadora na área de sociologia da educa-
para uma teoria. Porto Alegre: Artmed.
ção. Organizou recentemente duas coletâneas: Família e escola:
DUBET, François, (1996). Avant-propos. In: SNYDERS, Georges.
trajetórias de escolarização em camadas médias e populares (com
Y a-t-il une vie après l’école? Paris: ESF. Prefácio.
Geraldo Romanelli e Nadir Zago, Petrópolis: Vozes, 2000), na qual
, (1994). Dimensions et figures de l’expérience
colaborou com o capítulo A construção da excelência escolar: um
étudiante dans l’université de masse. Revue Française de
estudo feito com estudantes universitários provenientes das ca-
Sociologie, nº XXXV, p. 511-532.
madas médias intelectualizadas; e A escolarização das elites: um
FERRAND, Michèle, IMBERT, Françoise, MARRY, Catherine,
panorama internacional da pesquisa (com Ana Maria F. Almeida,
(1999). L’excellence scolaire: une affaire de famille. Paris:
Petrópolis: Vozes, 2002), na qual publicou o capítulo: Estratégias
L’Harmattan.
de escolarização em famílias de empresários. Participou também
FOURASTIÉ, Jean, (1972). Enquête sur la scolarité d’enfants
da coletânea L’enseignement supérieur au Brésil: enjeux et débats
appartenant à des milieux favorisés. Analyse et Prévision,
(Paris: IHEAL/COFECUB, 2002), com o capítulo La construction
nº 1-2, juil.-août.
de l’excellence scolaire. Trajectoires et stratégies scolaires en
, (1970). Une enquête sur la scolarité d’enfants
milieu cultivé. Publicou ainda, em co-autoria com Cláudio Mar-
d’instituteurs et de normaliens. In: Institut National d’Études
ques M. Nogueira, A sociologia da educação de Pierre Bourdieu
Démographiques (INED). Population et enseignement. Paris:
(Educação & Sociedade, nº 78, p. 15-36, abr. 2002). Atualmente
PUF, p. 532-538.
coordena o projeto integrado de pesquisa: A construção da
GRÜN, Roberto, (2002). Dinheiro no bolso, carrão e loja no
longevidade e da excelência escolar em famílias de diferentes
shopping: estratégias educacionais e estratégias de reprodução
meios sociais: processos e práticas de escolarização, no qual de-
social em famílias de imigrantes armênios. In: ALMEIDA,
senvolve o subprojeto: Cosmopolitismo científico e escolarização

Revista Brasileira de Educação 143


Maria Alice Nogueira

A.M.F., NOGUEIRA, M.A. (orgs.). A escolarização das elites: SIROTA, Régine, (2000). Le métier d’élève. In: FORQUIN, J.C.
um panorama internacional da pesquisa. Petrópolis: Vozes. (org.). Sociologie de l’education: nouvelles approaches,
, (1992). Negócios & famílias: armênios em São Paulo. nouveaux objets. Paris: INRP.
São Paulo: Sumaré. SOUZA, Paulo R., (1990-1991). A universidade e a crise da edu-
LAACHER, Smaïn, (1990). L’école et ses miracles? Note sur les cação. Revista da USP, nº 8, p. 27-32, dez.-jan.-fev.
déterminants sociaux des trajectoires scolaires des enfants de TERRAIL, Jean-Pierre, (1990). Destins ouvriers: la fin d’une classe?
familles immigrées. Politix, nº 12, p. 25-37. Paris: PUF.
LAHIRE, Bernard, (1997). Sucesso escolar nos meios populares: , (1984). Familles ouvrières, école, destin social
as razões do improvável. São Paulo: Ática. (1880-1980). Revue Française de Sociologie, v. XXV, nº 3,
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Resumos/Abstracts

time-space for the production of new pais marcos de mudança que poderiam knowledge as anchored exclusively in
knowledge. In this study, we analyse ser desenvolvidos. reason. Based on research developed
the processes of didactical/ Palavras-chave: hibridismo; políticas with the school population and on
museographical transposition and of de currículo; recontextualização listening to speeches produced by these
recontextualization in spaces at Curriculum policy: continuity or people situated in subjective places
science museums, in order to change? with relation to knowledge, we
understand those mechanisms, which Analyses the curriculum policies question the possibility of pedagogical
constitute the discourse expressed in developed by the Lula Government. It practice constituting experience, which
expositions dealing with biological concludes by stating that they belong produces subjective effects.
themes. Studies carried out in the to the same epistemological community Key-words: subjectivity; education;
educational and museological fields as those developed by the previous school; modernity
were used to understand the specificity, Fernando Henrique Cardoso
which museums impose on this process Government. It also mentions the main Maria Alice Nogueira
of production. In this paper, we give possible turning points, as far as Ball’s Favorecimento econômico e
special attention to the construction of analysis of curriculum policy, excelência escolar: um mito em
the theoretical framework used in the Bernstein’s recontextualization and questão
research process. The theoretical Canclini’s hybridism are concerned. Na pesquisa educacional brasileira ain-
premises that were initially used were Key-words: curriculum policy; da carecemos de estudos sobre os pro-
those of the concept of didactical/ hybridism; recontextualization cessos de escolarização dos jovens ori-
museographic transposition. Based on ginários de famílias privilegiadas do
a critique of the limits of this concept, Mériti de Souza ponto de vista econômico. O presente
new theoretical principles were utilised trabalho propõe-se a incursionar, por-
Fios e furos: a trama da subjetividade
taking as their principal support the tanto, em terreno altamente lacunar,
e a educação
concept of recontextualization. Finally, apresentando alguns resultados parciais
Discute a constituição da subjetividade
we seek to discuss the possibilities and de um estudo realizado, em 2000-2001,
atravessada pelo pathos e pelo logos e
limits of the use of the concept of com 25 famílias de grandes e médios
remetida ao singular e ao coletivo.
didactical/museographic transposition empresários(as) de Minas Gerais, cujo
Essa concepção demanda a análise do
and analyse the challenges of working objetivo principal era conhecer as his-
excluído da identidade individualizada
with the concept of recontextualization tórias escolares dos jovens e as estraté-
do homem moderno e do conhecimento
in order to understand those gias educativas postas em prática por
como ancorado exclusivamente na ra-
educational processes, which take esses pais ao longo desses itinerários.
zão. Considerando o trabalho desen-
place in spaces offered by science Um corpus de 50 entrevistas, feitas com
volvido com a população escolar e a
museums. os jovens e suas mães, foi reunido. Suas
escuta dos discursos produzidos pela
Key-words: didactical transposition; conclusões permitem questionar a idéia
alocação dessas pessoas em lugares
recontextualization; museographic corrente de que o padrão de excelência
subjetivos perante o saber, indaga-se a
transposition; museum education escolar é apanágio dos “ricos” ou, em
possibilidade da prática pedagógica
constituir-se em experiência produzin- outros termos, de que as elites escola-
Alice Casimiro Lopes res se compõem de alunos “ricos”.
do efeitos de subjetivação.
Políticas curriculares: continuidade Palavras-chave: subjetividade; educa- Palavras-chave: trajetórias escolares;
ou mudança de rumos? ção; escola; modernidade estratégias educativas familiares; rela-
Com base nas análises de Stephen Ball ção família–escola
Threads and holes: the plot of
e nos conceitos de recontextualização Economic privilege and school
subjectivity and education
(Basil Bernstein) e de hibridismo excellence
Discusses the constitution of
(García Canclini), analisa as políticas In Brazilian educational research we
subjectivity cut through with pathos
curriculares no Governo Lula. Defende still lack studies which focus on the
and logos and addressed to the singu-
que tais políticas ainda se desenvolvem schooling process of youngsters from
lar and the collective. This conception
sob influência da mesma comunidade families privileged from the economic
requires the analysis of that which is
epistêmica do Governo Fernando point of view. This paper aims, therefore,
excluded from the individualised
Henrique Cardoso e aponta os princi-
identity of modern man and of

Revista Brasileira de Educação 183


Resumos/Abstracts

to make an incursion into a highly ção de direito público subjetivo em indicating that such a perspective
incomplete field, presenting some simples comercialização de pacotes clearly endangers national sovereignty
partial results of a study undertaken in educacionais (cursos, sistemas de ava- and autonomy, leading potentially to
2000-2001, with 25 families of average liação e certificação, livros, uniformes, the loss of cultural diversity and local
to successful entrepreneurs from Minas mapas etc.). Conclui, indicando que tal values, to the benefit of a process of
Gerais. The aim of the study was to perspectiva fere a soberania e autono- cultural homogeneity. Notwithstanding,
learn about the young people’s school mia das nações, em um caminho que it also highlights the emergence of
history and the educational strategies pode levar à perda da diversidade cul- movements opposing this tendency.
used by their parents during that time. tural e de valores locais, em benefício Key-words: commercialisation of
A corpus of 50 interviews conducted de um processo de homogeneização education; privatisation; World Trade
with the youngsters and their mothers cultural, o que vem sendo contestado Organisation; General Agreement on
was compiled. Our conclusions allow com a emergência de movimentos con- Trade in Services
us to question the current belief that trários.
the pattern of school excellence is a Palavras-chave: comercialização da Munir Fasheh
privilege of “the rich”, or in other educação; privatização; Organização Como erradicar o analfabetismo sem
terms, that school élites are composed Mundial do Comércio; Acordo Geral erradicar os analfabetos?
of “rich” students. sobre Comércio em Serviços O texto desafia várias suposições que
Key-words: school trajectory; family The regulation of the commercial estão freqüentemente embutidas nas
educational strategies; school/family approach to the educational sector discussões oficiais sobre alfabetização,
relations by WTO/ GATS questionando o valor inerentemente li-
The text indicates the entrepreneurial bertador e positivo do processo de alfa-
Ângela C. de Siqueira groups’ growing interest in the betização, com base na necessidade de
A regulamentação do enfoque educational field given the large respeitar e revalorizar a diversidade de
comercial no setor educacional via amount of resources involved, formas de aprender, estudar, conhecer e
OMC/GATS presenting the perspective of including se expressar. Argumenta que liberação
Aponta o crescente interesse de grupos education, as a service, on the agenda e liberdade estão articuladas à diver-
empresariais na área educacional, pe- of the General Agreement on Trade in sidade e ao pluralismo e que a educação
rante o grande volume de recursos nela Services, as a World Trade representa apenas uma das formas de
envolvidos, apresentando a perspectiva Organisation directive. To this end, it aprender. Afirma que o universalismo,
de inclusão da educação, como serviço, analyses WTO and GATS documents, mais do que qualquer outra coisa, tem
na agenda do Acordo Geral Sobre Co- as well as proposals presented by some sido a causa principal para se eliminar a
mércio em Serviços, regido pela ótica countries, demonstrating their interests diversidade considerada a essência da
da Organização Mundial do Comércio. in eliminating “barriers” to “free vida. Sugere que a adoção da alfabeti-
Para tanto, analisa documentos da trade” in education. The text points out zação como forma dominante de conhe-
OMC, do GATS, propostas apresenta- that the existence of national cimento pode contribuir para o desapa-
das por alguns países, evidenciando o regulations and even the offer of public recimento da diversidade e para a
interesse destes na eliminação de “bar- education can be challenged as predominância de um único caminho
reiras” para seu “livre comércio”. Sina- practices which are harmful to the para o progresso e o desenvolvimento.
liza que a existência de regulamenta- “free” offer of educational services Palavras-chave: analfabeto; alfabeti-
ções nacionais e mesmo a oferta do and subject to WTO sanctions allowing zação; linguagem; conhecimento; di-
ensino público podem ser questionados business groups to demand public versidade
como práticas prejudiciais à livre ofer- resources and other benefits. Should How to erradicate illiteracy without
ta de serviços educacionais, sujeitos às GATS succeed, it runs the risk of erradicating illiterates?
sanções da OMC, entre as quais os converting education from a subjective The text challenges various
grupos empresariais poderão vir a exi- public right into a process of simple suppositions which are frequently
gir recebimento de recursos públicos e commercialisation of educational included in official discussions on
outros benefícios. Alerta para o fato de packages (e.g. courses, systems of literacy, questioning the inherent
que, caso o GATS se concretize, corre- evaluation and certification, textbooks, liberating and positive value of the
se o risco da transformação da educa- uniforms, maps etc.). It concludes by literacy process on the basis of the

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