Ecomig 2018 - Democracia e Comunicação: Entre Disputas e Resistências
Ecomig 2018 - Democracia e Comunicação: Entre Disputas e Resistências
Ecomig 2018 - Democracia e Comunicação: Entre Disputas e Resistências
Caroline Marino
Isabela Norton
Laryssa Moreira Prado
Vitor Pereira de Almeida
ecomig.org
www.facebook.com/Ecomig
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
11
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
se propôs a ser um espaço de reflexão crítica acerca dos processos comunicacionais presentes no
exercício da democracia no Brasil. O evento contou com a presença de pesquisadores e profissionais
que refletiram sobre o papel da comunicação na contemporaneidade, de que forma ela atua na defesa
da democracia e quais embates, disputas discursivas e resistências marcam a sociedade atual e o
cenário comunicacional vigente.
De maneira geral, onde não há uma mídia democrática a comunicação endossa narrativas e
discursos que refletem posições dominantes e tendem a excluir outras vozes e atores menos
privilegiados, ressaltando desigualdades. Este cenário é marcado por disputas discursivas e
resistências narrativas. Como ser um mecanismo de mudança neste contexto? Quem (e como) tem
feito a diferença? Quais são os veículos que têm atuado na desconstrução diária destas práticas que
acabam por perpetuar estereótipos e preconceitos presentes na sociedade racista, machista e
homofóbica em que estamos inseridos? Que formas alternativas de comunicação são possíveis?
Ressaltou-se então o desafio de abordar narrativas que caminhassem de forma distinta da
comunicação hegemônica e apresentassem iniciativas inteligentes e comprometidas com a
transformação social.
A partir destas inquietações, mais do que respostas objetivas, o 11º Ecomig proporcionou o
diálogo, a autocrítica e a troca entre os participantes, buscando vislumbrar caminhos possíveis na
busca por uma sociedade e uma mídia mais inclusivas, justas e democráticas. Tais debates foram
ainda enriquecidos pela participação dos acadêmicos nos Grupos de Trabalho que compuseram a
programação do evento. Nos quatro capítulos deste volume estão reproduzidos alguns dos trabalhos
apresentados, sendo divididos pelas temáticas: Linguagens e Narrativas; Estudos de Cinema e
Audiovisual; Jornalismo, Comunicação e Culturas Digitais; e Estudos Interdisciplinares,
respectivamente.
Com a publicação deste e-book ressaltamos que o diálogo entre as diversas vozes que
compõem o fazer comunicacional, sejam profissionais, teóricos ou sociedade civil, é essencial para
que possamos vislumbrar uma mudança estrutural no cenário midiático brasileiro. Ao propor
reflexões a partir do diálogo entre os diversos setores que constituem o corpo social, buscamos
promover retratos mais justos, compromissados e eficientes de toda a diversidade e pluralidade
presentes em nosso país.
Boa leitura!
12
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Resumo
Abstract
Introdução
O golpe de 1964 teve início em 31 de março do mesmo ano, quando militares brasileiros
derrubaram o então presidente João Goulart e tomaram o poder do país. A partir de então, o
Brasil passou por uma ditadura civil-militar, que teve fim apenas em 1985. Ao longo desses
1
Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho 1 – Linguagens e Narrativas, do XI Encontro dos Programas de Pós-
Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais, 18 e 19 de outubro de 2018.
2
Mestranda em Comunicação pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Ouro Preto
(PPGCOM – UFOP). Contato: alinesngr@gmail.com.
14
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
vinte e um anos de governos autoritários, o país passou por um duro cenário de repressão, com
diversos confrontos entre as forças militares e os civis que eram contra o regime. Tais embates
resultaram em perseguições, prisões arbitrárias, torturas, assassinatos e desaparecimentos, além
de outras violações aos direitos humanos.
Uma das características do governo militar era a censura, que acometia a população e,
principalmente, a imprensa. Em variadas ocasiões, a produção dos veículos de mídia foi
silenciada e jornais e revistas foram proibidos de publicar reportagens, imagens ou entrevistas
que iam na contramão do regime. No ano de 1967, devido ao fato dos jornais estarem
publicando conteúdos contrários ao governo, o ditador Humberto Castelo Branco sancionou a
chamada “nova Lei de Imprensa”, impondo de forma autoritária a censura prévia, que passou a
ser exercida por agentes federais dentro das redações. Este controle por parte do governo militar
se tornou ainda mais potente com a instauração do Ato Institucional número 5 (AI-5)3, que
entrou em vigor em 13 de dezembro de 1968, no governo de Artur da Costa e Silva.
A promulgação do AI-5 previa o aumento da censura à imprensa e aos movimentos
artísticos como música, teatro, cinema, dentre outros. A partir de então, o movimento se
intensificou e quaisquer obras ou publicações poderiam ser censuradas por motivos outros que
não fossem a contraposição à ditadura. Dessa forma, a produção cultural do país, alguns artistas
e as empresas noticiosas, como jornais, revistas e programas televisivos, passaram a ser
considerados inimigos do governo, por razão dos embates e debates que podiam levar à tona –
e, de fato, determinadas produções chegaram efetivamente a levar tais discussões ao público.
Para driblar a censura, os repórteres, tanto de textos verbais quanto fotográficos, tinham
que abusar da criatividade nas pautas e na forma de abordar os temas que não agradavam ao
governo. Por muitas vezes, era mais difícil conseguir este viés contestador através dos textos
verbais, pois os censores facilmente reconheciam e detectavam os conteúdos que enfrentavam
o regime, censurando essa produção previamente. Por consequência, a saída foi investir cada
vez mais em fotografias de caráter contestador, como subversão ao regime. O presente trabalho
pretende, portanto, analisar algumas das fotografias de Evandro Teixeira, feitas na época da
ditadura civil-militar brasileira como instrumento de crítica ao regime ditatorial e discutir como
tais imagens contribuíram na construção da memória coletiva do período. Para isso, entende-se
que as fotografias devem ser tomadas em duas temporalidades distintas: a primeira, enquanto
3
Dentre as medidas, o AI-5 estabeleceu ainda mais condições para que a repressão avançasse no Brasil, com o
fechamento do Congresso Nacional e das Assembleias Legislativas e a permissão para o que governo federal
pudesse intervir nas demais esferas do poder como estados e municípios. O texto completo, com todas as
resoluções aprovadas pelo Ato Institucional número 5, está disponível em
http://www.acervoditadura.rs.gov.br/legislacao_6.htm.
15
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
presente de outrora, ou seja, pela postura de resistência que essas imagens assumiram na época
em que foram veiculadas e a segunda, em um momento posterior à ditadura civil-militar, como
futuro de então, servindo como instrumento de criação e organização de memórias sobre os
fatos ocorridos no passado. Ambas posições se conectam no contexto do fazer memória, sendo
que para que exista o segundo momento, é necessária a existência da primeira instância
temporal.
No recorte aqui realizado, serão utilizadas imagens do fotojornalista, Evandro Teixeira
feitas na década de 1960 e publicadas no Jornal do Brasil. Tal escolha é justificada por se tratar
de um período repleto de mudanças, em que o Brasil começava a conhecer o governo que se
instaurava e por todas as proibições que ele trouxe. Além disso, é necessário considerar que
Teixeira é tido hoje como um dos maiores nomes do fotojornalismo brasileiro devido ao seu
trabalho, que se iniciou na época em questão. Com a veiculação de tais fotografias em um jornal
de grande circulação, acredita-se que as imagens possam ter chegado a um grande número de
pessoas e, consequentemente, levantado discussões acerca dos governos militares que
comandavam o país.
A construção da memória
Todos seres humanos são guiados por representações daquilo que foram um dia. Para
além de entendimentos pessoais, todas nossas concepções de vida, de tempo, de presente e
futuro, são ancoradas em vivências passadas. Quando dito isso, entende-se que não se trata
apenas de experiências individuais, mas também das noções coletivas, seja de um determinado
grupo, cidade ou país, por exemplo. “Toda representação do presente e toda orientação das
ações individuais e coletivas encontram-se sustentadas em certa percepção organizada do
passado” (REÁTEGUI, 2011, p. 362). São através de tais percepções e orientações que se
compreende como a construção social do que entendemos por memória. A memória, porém,
nem sempre está condicionada a nos guiar de forma explícita, mas
às vezes, essa percepção [...], está conformada por enunciados definidos sobre fatos
pretéritos e por interpretações e valorações específicas. Em outras ocasiões, a
memória aparece mais abstratamente, sob a forma de “estruturas herdadas de
percepção”, como se sustentou a partir de certa sociologia da vida subjetiva. Ou seja,
ela não é necessariamente um conjunto de enunciados sobre fatos concretos, mas sim
um conjunto de disposições assentadas em uma coletividade que orienta as pessoas a
perceber os fatos de um modo específico. Na esfera da violência armada e das
massivas violações de direitos humanos, esta seria a diferença entre uma memória que
descreve fatos e responsabilidades concretos e uma percepção geral do passado que
orienta a ver a violência como uma fatalidade. (REÁTEGUI, 2011, p. 362)
16
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Posto isto, é a partir da memória que nos organizamos no mundo. Por isso, de acordo
com Reátegui (2011), é impraticável compreendê-la apenas como uma atividade particular. A
memória faz parte do comum, do espaço público, partilhada com e por diversos grupos. É,
portanto, um entendimento que transita no “território que comunica o social com o político”
(REÁTEGUI, 2011, p. 364). Sustentados pelo alicerce da memória, constituímos socialmente
os fatos que vivemos, buscando dar sentido e significado às experiências que foram e são
vivenciadas pelas comunidades nas quais estamos inseridos. Desta forma, para o autor, a
memória se compõe como um “ingrediente da malha simbólica nas quais se sustentam nossos
ordenamentos sociais, seja se falamos de instituições oficiais, seja se falamos de interações
cotidianas entre indivíduos e coletividades” (REÁTEGUI, 2011, p. 364).
Sendo assim, falar de memória é, de certa forma, evocar em grande parte as estruturas,
hierarquias e classificações de um determinado grupo, o que se configura como as memórias
coletivas, de acordo com Pollak (1989). Para o autor, a memória coletiva corrobora com o
sentimento de pertencimento a determinadas comunidades e, portanto, é uma organização social
definida por elementos, comportamentos e outras práticas comuns a certos grupos, que os
diferencia de outros, por meio de fronteiras sócio-culturais. Consequentemente, o autor também
defende que o exercício da memória é
essa operação coletiva dos acontecimentos e das interpretações do passado que se quer
salvaguardar, se integra, como vimos, em tentativas mais ou menos conscientes de
definir e de reforçar sentimentos de pertencimento e fronteiras sociais entre
coletividades de tamanhos diferentes: partidos, sindicatos, igrejas, aldeias, regiões,
clãs, famílias, nações etc. (POLLAK, 1989, p. 9)
De acordo com o autor, o conceito das memórias coletivas não se trata de encarar os
fatos como coisas mas, sim, de ponderar sobre o percurso que é realizado para que estes
acontecimentos se tornem tangíveis ao imaginário coletivo, além do motivo e circunstância em
que eles são solidificados na sociedade (POLLAK, 1989). A memória coletiva, deste modo,
busca compreender os hábitos e comportamentos de determinadas comunidades, com bases em
vivências passadas.
Porém, é necessário considerar que, segundo Huyssen (2009, p, 22, tradução livre),
“jamais haverá uma memória coletiva única e totalizadora de nenhum evento histórico
traumático”. Pois, nestes casos, é preciso levar em conta que a atribuição de sentidos e as
recordações de quem vivenciou tais episódios, é diferente da percepção das pessoas que apenas
os acompanharam de longe, sem contato com os fatos. No entanto, porém, mesmo dentro desses
dois grupos – pessoas que vivenciaram os fatos ou não – existem recordações e percepções
17
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
18
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Na chamada “cultura da memória” as imagens [...] têm um papel cada vez mais
preponderante. Através de fotos e vídeos, de documentários e programas de televisão,
o passado retorna em imagens. As imagens constroem sentidos para os
acontecimentos, ajudam a rememorar, permitem transmitir o que aconteceu às novas
gerações. Colaboram para evocar o que foi vivido e conhecer o que não foi. São, em
definitivo, valiosos instrumentos da memória social. (FELD; MOR, 2009, p. 25,
tradução livre)
Em conformidade com as autoras, Huyssen (2009, p. 15, tradução livre) diz que “não
há memória sem imagem, não há conhecimento sem a possibilidade de ver”. Para o autor, as
formas imagéticas são indispensáveis no processo de rememoração do passado, uma vez que
elas “permitem um acesso completo ao passado e a atividade de construção da memória”
(FELD; MOR, 2009, p. 32, tradução livre). Por este motivo, Blejmar, Fortuny e García (2013)
acreditam que nos últimos anos houve um evidente aumento da utilização de imagens para a
elaboração e interpretação das memórias referentes às ditaduras.
Tal importância do acréscimo ao emprego das imagens na formulação de memórias, se
deve à própria duplicidade da especificidade do meio fotográfico, que se apresenta como “traço
do real que é ao mesmo tempo metáfora; ficção que ao mesmo tempo é documento do que era”
(BLEJMAR; FORTUNY; GARCÍA, 2013, p. 13, tradução livre). Isso, porque com base no
caráter indicial, “as imagens trazem ao presente traços do que foi o passado” (FELD; MOR,
2009, p. 26).
Desta forma, podemos constatar que “as imagens se revelam como poderosos
instrumentos, não apenas para reconhecer seu passado e estudar representações que geram
novas memórias, mas também para tornar inteligíveis os complicados mecanismos da memória
social” (FELD; MOR, 2009, p. 32, tradução livre). Além disso, para Barros (2017) as formas
imagéticas, sobretudo as fotografias, têm um papel importante “na preservação e na construção
do futuro, considerando seu poder de síntese imediata que favorece um resumo interpretativo
de fatos e contextos” (BARROS, 2017, p. 150).
19
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
As diferentes temporalidades nas quais as fotografias podem ser lidas são as principais
causadoras destas possíveis interpretações. “O presente reconfigura e molda as imagens do
passado. [...] As imagens capturadas pelas câmeras estão sujeitas a modificações e
transfigurações que os grupos e os indivíduos, do presente, exercem sobre elas” (FELD; MOR,
2009, p. 27, tradução livre). Assim, as imagens estão passíveis a terem outras interpretações de
acordo com o tempo que transcorre desde sua captura. De acordo com as autoras, as imagens
feitas no passado podem ter um novo sentido, novas edições e configurações a partir de uma
leitura do presente.
As fotografias apresentam-se desta forma dotadas de distintos sentidos a partir do meio
em que são analisadas. Além disso, as imagens, de acordo com Lissovsky (2014), podem
assumir diferentes potências poéticas em suas configurações temporais. Ou seja, as fotografias
estão suscetíveis a se manifestarem em variados graus de afetação e experimentação sentimental
e estética, a depender do momento em que são tocadas. “Apenas porque há um futuro oculto no
passado, todo arquivo está sempre vivo. E todo documento de arquivo, na oportunidade de sua
redenção poética, cintila”. (LISSOVSKY, 2014, p. 133-134).
As fotografias, pois, podem se expor de diversas maneiras, tanto no momento em que
são feitas, quanto se analisando-as tempos depois. Além disso, nem todas as pessoas observam
as fotografias da mesma forma. Alguns podem ver potênciais elementos, sentidos e ideais, que
outros não são capazes de enxergar. Acredita-se que, por este motivo, muitas das fotografias
publicadas em jornais na época da ditadura civil-militar tenham passado sem serem vetadas
pelos censores. Entendendo a multiplicidade de vertentes que as imagens podem levar, nem
todos as enxergam da mesma maneira, com sua potência informativa e opinativa. Além disso,
segundo Barbalho (2006), muitos dos profissionais que compunham as redações utilizavam
deste artefato para retratar os militares de forma crítica, sem serem censurados. Assim, muitas
vezes, os fotógrafos publicavam nos veículos impressos, imagens com tons mais criativos,
carregadas de ideologias e da visão pessoal (BARBALHO, 2006).
É o caso das imagens de Evandro Teixeira aqui analisadas. As quatro fotografias que
compõem o corpus deste trabalho são compostas por um caráter estético muito significativo.
Pode-se constatar que são subversivas aos ideais que o regime militar buscava propagar ao
público, de que aquela era a única e melhor solução para o país. Acredita-se que tais imagens
possam ter contribuído para a criação da memória coletiva de alguns grupos, referentes ao que
foi a ditadura civil-militar brasileira, em que a imprensa tinha que apelar para formas imagéticas
20
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
artísticas e às vezes pouco objetivas, com mensagens implícitas, para driblar a censura e noticiar
o que acontecia no país.
21
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
soldado ao centro é o ponto mais iluminado da fotografia, pelo um contraluz, graças aos faróis
do carro a frente, que também pode ser visto como o regime atropelando os ideais de um Brasil
livre de governos repressores. Coincidentemente, a chuva que caía no momento da imagem
também pode remeter a uma aura triste e pesarosa pelo o que havia acabado de acontecer à
nação.
A segunda foto (figura 2) também se trata de uma clássica imagem de Evandro Teixeira,
é a “Queda da Moto”, feita em 1965, no Aterro do Flamengo, também no Rio de Janeiro, e
publicada no Jornal do Brasil em 18 de setembro do mesmo ano. A fotografia mostra um militar
caído, em primeiro plano, enquanto metros a frente, sua motocicleta corre sozinha. De acordo
com o fotógrafo, o personagem, um batedor das Forças Armadas Brasileiras (FAB), “fazia
piruetas deixando-se ultrapassar pelo carro de reportagem do JB que seguia uma comitiva”
(TEIXEIRA, apud RIBEIRO, 2017, s/n). Teixeira, então, se posicionou, esperando para realizar
o clique, quando o militar escorrega e vai ao chão.
Durante a ditadura civil-militar, o soldado é visto como símbolo máximo de manutenção
na ordem no regime. Visto na fotografia, ao chão após uma queda, pode ser interpretado como
sinal dos traços da instabilidade do poder militar. Apesar da truculência e rigidez do governo,
a imagem simboliza sua fragilidade e pode ser vista como o desejo, por parte da população, do
retorno à democracia. A imagem foi publicada no jornal sob o título “A liberdade da
22
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
motocicleta”, que pode ser entendido como uma metáfora para a liberdade da nação, sem as
mãos dos militares.
A fotografia, provavelmente, foi feita com alta velocidade do obturador, uma vez que
tanto o militar que vai ao chão, quanto a motocicleta que continua andando, estão congeladas,
sem qualquer borrão ou distorção da imagem. O ângulo em que o fotógrafo estava, em um carro
logo atrás do militar, favorece a tomada da imagem, mostrando toda a cena. Apesar da
fotografia ter sido feita no Rio de Janeiro, uma cidade grande mesmo durante a época da
ditadura civil-militar, é curioso que ao redor da cena do militar caído, não se vê casas, prédios
ou mesmo pessoas. Tal fator pode levar à interpretação de que os militares e demais apoiadores
do golpe estavam sozinhos na missão de governar o país dentro da ilegalidade do regime
antidemocrático.
A terceira imagem aqui analisada (figura 3), foi feita após um evento de exposição de
material bélico do exército, utilizado na Guerra do Paraguai, em 1966. Na ocasião, Evandro
Teixeira estava realizando a cobertura pelo Jornal do Brasil e fotografou as libélulas que
estavam pousadas na ponta dos fuzis, que estavam preparados para a mostra. A imagem foi
capa do jornal no dia seguinte, em 23 de maio de 1966, contando apenas no interior do periódico
23
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
sobre a presença do ditador Costa e Silva no evento. O general, por sua vez, não gostou de não
ser o destaque na primeira página, visto que o mesmo era a autoridade máxima do evento, e
convocou o fotógrafo para uma conversa sobre o seu desrespeito ao governo, o que rendeu uma
noite de detenção à Teixeira.
A imagem, porém, pode ser encarada como uma forma simbólica de resistência ao
regime, se observada a delicadeza das libélulas, frente a dureza das armas. Poeticamente, pode
ser lida como metáfora para a fragilidade população, em contraste às duras repressões do
governo militar. Perfiladas, as armas podem ser interpretadas como se representassem os
soldados militares responsáveis por manterem o país num sistema de governo ditatorial e
autoritário. A leveza das libélulas, por sua vez, pousadas sobre os fuzis, de certa forma,
afrontam os militares e, principalmente, o general Costa e Silva. Além disso, também parecem
clamar por liberdade, frente às fortes repressões.
A fotografia, desfocada ao fundo, tem como pontos focais apenas as armas e as
libélulas. De alguma maneira, a imagem evoca um sentimento de esperança, como se todas as
repressões fossem cessar, e as libélulas, que enfrentam as armas, fossem a saída para dias
melhores.
24
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
A quarta imagem presente no corpus deste trabalho (figura 4) foi feita por Evandro
Teixeira em 21 de junho de 1968 e publicada na primeira página da edição do Jornal do Brasil
do dia seguinte, 22. No dia da tomada da fotografia, que ficou conhecido como “Sexta-Feira
Sangrenta”, centenas de estudantes participaram de uma passeata em protesto contra a forte
repressão do regime militar, no centro do Rio de Janeiro. O ato aconteceu em manifestação à
prisão do líder estudantil Jean Marc von der Weid e a represália contra demais estudantes que
havia acontecido na noite anterior, na saída da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
O protesto da Sexta-Feira Sangrenta se estendeu até o início da noite e deixou um total de 28
mortos, centenas de feridos, mais de mil presos e 15 viaturas incendiadas (MEMORIAL DA
DEMOCRACIA, 2015, s/n).
A fotografia mostra um estudante caindo ao chão, no que parece uma perseguição de
dois militares contra ele. É notável que a imagem foi realizada com alta velocidade de obturador
para que o momento fosse congelado com bastante precisão. Tal fator é observado uma vez que
os personagens em movimento aparecem sem muitos borrões e também é possível ver o óculos
do estudante ainda no ar. A imagem revela uma curiosa proximidade do fotógrafo com o fato,
como um grande destemor, uma vez que no momento da repressão, algo poderia tê-lo atingido.
A imagem em si é bastante expressiva ao mostrar, de fato, a truculência dos militares
contra os manifestantes, o que é notado, além dos cassetetes em punho, pelo semblante dos
mesmos, com um tom de satisfação ao conseguir alcançar o militante. A feição do estudante
também é muito forte na imagem, por sua vez, entoando desespero. A imagem pode ser
encarada como um retrato dos dias mais violentos da repressão, tanto literalmente por se tratar
de um dia que ficou marcado na história, quanto por representar os demais momentos de embate
entre a população e os militares.
Além disso, também pode-se compreender a fotografia pela relação de poder da ditadura
civil-militar, uma vez que os militares estão em maior número e com mais violência. Do mesmo
modo, é necessário analisar o cidadão ao fundo, que observa, com tranquilidade a cena caótica
a frente, como quem se isenta da situação; postura tomada por grande parte da sociedade
brasileira no período.
As fotografias aqui apresentadas só podem ser entendidas hoje por este viés, pois foram
analisadas sob o olhar do presente atual, em que novas temporalidades já se manifestaram e
continuam se manifestando. O estudo aqui realizado é feito em um momento posterior à
ditadura civil-militar, em que já se sabe o que aconteceu e existe uma memória coletiva bem
fundamentada, mesmo que ainda tenham pessoas que veem o período sob outras perspectivas.
Dessa forma,
25
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
no contexto da fotografia pós ditatorial pode-se constatar que a medida que nos
afastamos dos anos de chumbo e que o estabelecimento de fatos fica em segundo plano
nos debates públicos, a função documental, de denúncia e testemunho, vai cedendo
lugar a novas funções que previlegiam a construção de novos sentidos para a memória
do passado recente. (BLEJMAR; FORTUNY; GARCÍA, 2013, p. 14, tradução livre)
Além disso, também é necessário ter em consideração que tais imagens foram
publicadas antes da promulgação do AI-5. Sendo assim, antes dos momentos considerados mais
difíceis para a imprensa. Uma possibilidade que pode ser aqui levantada é a de que o controle
dentro das redações se tornou ainda maior devido a publicações como estas, que enfrentavam
o regime.
Nos dias atuais, grande parte da nossa memória coletiva sobre o período faz com que
seja evocado nas imagens o horror que foram os anos que o Brasil passou pela ditadura civil-
militar. Ao olhar as fotografias a partir de um momento em que já se sabe o que aconteceu, é
possível enxergar os traços de subversão e enfrentamento propostos pelo fotojornalista Evandro
Teixeira e do Jornal do Brasil, ao fazer e publicar, respectivamente, tais imagens.
Considerações Finais
Fundamentado nas análises das imagens de Evandro Teixeira e no que se sabe por
memória, podemos conceber que a fotografia ajuda a construir o que entendemos por memória
coletiva acerca dos fatos ocorridos na ditadura civil-militar. Ademais, é necessário ressaltar que
tais imagens são “veículos privilegiados na hora de construir e interpretar o passado, dar-lhe
sentidos e reflexionar sobre a transmissão às novas gerações” (FELD; MOR, 2009, p. 32,
tradução livre).
O trabalho da memória coletiva é, portanto, feito sob a ótica do enquadramento, que
segundo Pollak (1989), se alimenta do material fornecido pela história. De acordo com o autor,
este material pode ser interpretado na perspectiva de diversas referências. Logo, podemos
pressupor, que talvez tais fotografias não façam parte do imaginário de toda a nação, mas há
algum grupo que compartilha delas como memória dos fatos.
Para Pollak (1989) essa constante reinterpretação das imagens a favor das memórias,
conduz o passado a múltiplos olhares no presente e no futuro. Concomitantemente, Feld e Mor
acreditam que esses novos olhares sobre as fotografias colaboram para a criação de novos
sentidos e significados. “À medida em que nos afastamos dos anos de chumbo e que o
estabelecimento de fatos fica em segundo plano nos debates públicos, a função documental, de
denúncia e testemunho, cede lugar às novas funções que previlegiam a construção de novos
sentidos para a memória do passado recente” (FELD; MOR, 2009, p. 14, tradução livre).
26
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
27
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
esquecimento. O estudo se faz pertinente, à vista disso, para que a lembrança dos anos de
chumbo seja suficiente para que o passado não se repita.
Referências
BARROS, Ana Taís Martins Portanova. Imagens do passado e do futuro: o papel da fotografia entre
memória e projeção. In: Matrizes, v. 11, n. 1, jan./abr. 2017. Disponível em:
<http://www.revistas.usp.br/matrizes/article/view/122953>.
BLEJMAR, Jordana; FORTUNY, Natalia; GARCÍA, Luis Ignacio. “Introducción”. In: BLEJMAR,
Jordana; FORTUNY, Natalia; GARCÍA, Luis Ignacio (org). Instantáneas de la memoria: fotografía y
dictadura en Argentina y América Latina. Buenos Aires: Libraría, 2013.
FELD, Claudia; MOR, Jessica Stites. Imagen y memoria: apuntes para una exploración. In: FELD,
Claudia; MOR, Jessica Stites (org). El pasado que miramos: memoria e imagen ante la historia
reciente. Buenos Aires: Paidós, 2009.
HUYSSEN, Andreas. Medios y memoria. In: FELD, Claudia; MOR, Jessica Stites (org). El pasado que
miramos: memoria e imagen ante la historia reciente. Buenos Aires: Paidós, 2009.
LISSOVSKY, Maurício. Pausas do destino: teoria, arte e história da fotografia. Rio de Janeiro: Mauad,
2014.
POLLAK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 2, n.3,
1989, p. 3-15. Disponível em:
<http://www.uel.br/cch/cdph/arqtxt/Memoria_esquecimento_silencio.pdf>.
REÁTEGUI, Félix. Introdução. In: REÁTEGUI, Félix (org). Justiça de transição: manual para a
América Latina. Brasília/Nova Iorque: Ministério da Justiça/Centro Internacional para a Justiça de
Transição, 2011. Disponível em: <justica.gov.br/central-de-conteudo/ anistia/anexos/jt-manual-para-
america-latina-portugues.pdf>.
RIBEIRO, Alfredo. Instante zero do golpe. In: Portal Instituto Moreira Salles. Novembro, 2017.
Disponível em: <https://ims.com.br/2017/11/28/instante-zero-golpe/>. Acesso em 29/09/2018
28
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Resumo
O objeto de estudo deste artigo é a dialogia real X ficcional que observamos, de modo
especial, num capítulo da telenovela Liberdade, liberdade (TV Globo, 2016). Nosso objetivo é
provocar reflexões sobre temas como machismo, sociedade patriarcal, primórdios da
formação do Brasil, opressão à mulher, violência sexual, exclusão social e uma série de
problemas que acometem o cotidiano nacional, e que perpassam toda a obra em questão. Para
desenvolver nossa análise, fazemos uma revisão bibliográfica que inclui autores como
Mikhail Bakhtin, Muniz Sodré, Cristina Costa, Maria de Lourdes Motter e Luiz Carlos
Maciel, adotando uma metodologia inspirada nos movimentos propostos por Luiz Gonzaga
Motta para entender a construção narrativa.
Abstract
The object of study of this article is the dialogue between reality and fiction, especially in
chapter of may of soap opera Freedom, freedom (channel TV Globo, 2016). Our goal is to
provoke reflections about themes like machismo, patriarchal society, beginnings of the
formation of Brazil, oppression of women, sexual abuse, social exclusion and a series of
problems that affect the national daily life, and which permeate all telefiction in research. To
develop this analysis to make a critical review includes the writes Mikhail Bakhtin, Muniz
Sodré, Cristina Costa, Maria de Lourdes Motter e Luiz Carlos Maciel, adopting a
methodology inspired by movements proposed by Luiz Gonzaga Motta to understand the
narrative construction.
Introdução
Quem estuda narrativa, sabe: toda análise pressupõe investigar qual o ângulo de visão
pelo qual a história é contada. Isto é, o foco narrativo é parte fundamental para entender a
construção do enredo. Assim, é preciso levar em conta que toda narrativa é composta da
1
Trabalho apresentado no GT Linguagens e Narrativas, do XI Encontro dos Programas de Pós-Graduação em
Comunicação Social de Minas Gerais, 18 e 19 de outubro de 2018.
2
Mestranda, PPGCOM-UFJF, e-mail:auroraleao@hotmail.com
29
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
30
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
exemplo que estudamos, um paradigma importante, uma vez que, no mesmo dia, jornalismo e
ficção colocaram em relevo o abjeto crime do estupro, destacando, igualmente, a condição da
vítima: preta, pobre, em situação inferiorizada, sem condições de defesa, marginalizada e
oprimida. Portanto, a telenovela refletiu um momento histórico e interagiu com ele, fazendo
com que maior parcela do público tivesse noção da gravidade do ocorrido. Como bem define
a pesquisadora Cláudia Thomé:
O que se observa na atualidade é que a mistura de noticiário e teledramaturgia
acontece de diversas formas, não só na dramatização de fatos reais na televisão.
Jornalismo e telenovela tem, cada vez mais, pontos de comunicação. Em parte por
aspectos econômicos das emissoras, em uma retroalimentação de sua programação,
mas em parte também pela forma como alguns programas, entre eles as telenovelas,
pretendem atuar no cotidiano da sociedade e na mídia. (THOMÉ, 2005, p. 66)
Nesse viés, nosso objetivo é suscitar indagações capazes de despertar reflexão sobre a
enorme capilaridade do que foi representado pela teledramaturgia, propondo questionamentos
que nos levem a pensar sobre machismo, sociedade patriarcal, primórdios da formação do
Brasil, opressão à mulher, violência sexual, exclusão social e uma série de problemas que
acometem o cotidiano nacional, ontem como hoje.
Assim, construímos esta análise a partir de perguntas como: De que modo uma novela
ambientada no século XIX pode ter qualquer analogia com o factual do século XXI ? Que
relações com o modo de vida contemporâneo é possível inferir a partir de uma história que se
passa entre os anos de 1789 a 1808 ? Se é possível uma analogia entre épocas tão distintas ser
percebida pelo telespectador, de que modo isso se articula no enredo ficcional ?
O processo da comunicação é como um exercício, cuja tradução implica uma permuta
de signos alheios por signos próprios, como definiu Mikhail Bakhtin. E é isso o que nos
dispomos a fazer ao debruçar nosso olhar sobre a questão da dialogia entre o jornalismo e a
ficção através de um caso de estupro vivido na obra em estudo.
Para corroborar o caminho de análise que escolhemos, vejamos o que diz a
pesquisadora Daniela Jakubaszko:
A ficção televisiva, como obra cultural e artística, é unidade da comunicação
discursiva, está delimitada pela alternância dos sujeitos do discurso, revela a
individualidade do roteirista e sua visão de mundo, é um elo entre as novelas e
minisséries anteriores e as suas posteriores. Alguns temas passam a fazer parte da
memória do gênero, tornando-se recorrentes e entrelaçando as histórias passadas e
futuras, costurando uma grande teleficção. Cada vez que o tema volta à tela, recebe
novo tratamento estético e temático. Os temas se repetem, mas a forma de tratá-los
não. Entra em cena a memória da cultura e suas articulações de sentido.
(JAKUBASZKO, 2017, p. 130)
31
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Histórico da novela
A telenovela Liberdade, liberdade foi produzida e exibida pela TV Globo de 11 de
abril a 4 de agosto de 2016, com 67 capítulos. Escrita por Mário Teixeira, com colaboração de
Sérgio Marques e Tarcísio Lara Puiati, a partir de argumento de Márcia Prates, a novela tem
como tema principal a luta pela liberdade e foi inspirada no livro “Joaquina, filha do
Tiradentes”, de Maria José de Queiroz. Na direção, André Câmara, João Paulo Jabur, Pedro
Brenelli, Bruno Safadi, tendo Vinícius Coimbra assinando a direção artística. Foi a sexta
"novela das onze" exibida pela emissora, que, a partir de 2017, criou as chamadas superséries.
3
Ver matéria em https://gente.ig.com.br/sexo-tv/2017-03-23/estupro-abuso-sexual.html
32
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
O elenco contou com Andreia Horta e Mateus Solano, os protagonistas, e ainda Caio
Blat, Marco Ricca, Sheron Menezzes, Dani Ornellas, Lília Cabral, Zezé Polessa, Maitê
Proença, Bruno Ferrari, Dalton Vigh, Ricardo Pereira, Nathália Dill, Juliana Carneiro da
Cunha e Mel Maia.
O eixo narrativo apresenta o Brasil no histórico período da Inconfidência Mineira. A
personagem principal é Joaquina (Andreia Horta), a filha de Tiradentes. A garota, ainda muito
jovem, perde o pai e, pouco tempo depois, a mãe, sendo adotada por Raposo (na vida real,
Joaquina foi adotada por Domingos de Abreu Vieira , amigo de Tiradentes e, por conta disso,
escolhido padrinho da garota). Em entrevista à época do lançamento, o autor declarou:
Temos base nos acontecimentos históricos como a Inconfidência Mineira e a vinda
da família real portuguesa para o Brasil, mas há o nosso olhar para tudo que
pesquisamos, e criamos personagens ficcionais. Bebemos nos diários de viagem, nos
livros e obras de arte para retratar o período. Dumas, um autor que muito me
inspirou, tratava a história como matéria ficcional, invertia a cronologia dos fatos,
retardava a morte de personagens reais para que eles trombassem com seus próprios
personagens na narrativa. Aprendi muito com ele. (TEIXEIRA, 2016) 4
4
Ver entrevista com o autor Mário Teixeira, publicada em https://gente.ig.com.br/tvenovela/2016-04-13/autor-
de-liberdade-liberdade-diz-nao-temer-comparacao-com-verdades-secretas.html Acesso em 03 ago 2018.
5
Ver em https://www.dn.pt/media/interior/haja-coracao-e-liberdade-liberdade-estreiam-se-dia-5-na-sic-
5354206.html. Acesso em 03 ago 2018.
6
Ver matéria Liberdade, Liberdade! – Novela com cara de minissérie no site Observatório da televisão:
https://observatoriodatelevisao.bol.uol.com.br/critica-de-tv/2016/04/liberdade-liberdade-novela-com-cara-de-
minisserie Acesso em 05 ago 2018.
33
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
pela quantidade de títulos vendidos em mais de 130 países, o que por si só já dá a dimensão
de seu potencial junto ao público. Neste ponto lembramos o que diz Cristina Costa:
Quando me refiro à telenovela brasileira, estou apontando para um produto que
retrata, ainda que de maneira ambígua, nossa realidade e a transfigura “até a magia”,
como define Edgar Morin em O encanto do cinema. [...] A referência constante ao
cotidiano local, a ironia e o erotismo sempre presentes, uma certa maneira de
desmitificar as instituições e os representantes das diversas camadas sociais, fazem
da nossa telenovela um produto que, ao mesmo tempo, reifica a sociedade na qual
atua e debocha de seus valores. [...] Talvez seja essa a maior característica da nossa
telenovela: a contradição, a visão dialética do mundo e a ambiguidade. (COSTA,
2000, p. 156 e 157)
O contexto da ficção tem como protagonista Joaquina (Mel Maia/Andreia Horta), filha
única de Tiradentes, e aborda o período de transição que vai de 1789 a 1808, entre os séculos
XVIII e XIX, tocando em fatos que perpassam a história do Brasil. A produção adotou um
forte realismo estético, a fim de causar impacto e permitir intensa analogia com o passado.
Nesse ambiente, afloram temáticas como o preconceito, a intolerância e a violência contra a
mulher, entre tantas outras questões que também contam sobre o que se vivencia hoje no país.
A produtora Rosana Lobo é quem conta:
A trama tem início quando a Conjuração Mineira, que queria proclamar uma república
independente, é desmantelada. Havia um grupo de intelectuais, políticos, mineradores,
padres e militares insatisfeitos com a cobrança abusiva de impostos. A extração de ouro
em Minas estava em decadência, mas Portugal continuava cobrando os mesmos
impostos de sempre. Em 1808, a vinda da família Real traz, por um lado, ainda mais
endividamento, mas por outro, traz um respiro, pois com ela houve a abertura dos portos
às nações amigas, o início da imprensa no Brasil, e foram criadas algumas instituições
importantes como bancos, universidades e escolas militares. Era, portanto, um período
de muita mudança e desejo de liberdade, daí o nome da novela.7
7
Ver matéria sobre o universo histórico da novela:
http://gshow.globo.com/Bastidores/noticia/2016/04/liberdade-liberdade-entenda-o-universo-historico-da-nova-
novela-das-11.html Acesso em 02 ago 2018.
34
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Daquela época para cá, pouca coisa parece ter mudado em termos de comportamento,
conforme conta o autor:
Tudo isso não é novidade, já existia. Hoje estas coisas são mais divulgadas, mas elas
existiam naquela época e até com mais intensidade porque tudo era velado, tudo era em
segredo. Eram vidas passadas em segredo, vidas entre quatro paredes.8
Isso nos faz lembrar que as narrativas sempre terão muito o que falar sobre nós
mesmos, como afirma Cristina Costa:
As narrativas são maneiras de realizar e de expressar nossa temporalidade, tornando-
a tão objetiva quanto a certeza de nossa finitude e transitoriedade. São metáforas
constitutivas de ordenação, de ritmos e de sequências seriais e casuais... As
estruturas narrativas são formas de estabelecer modulações e durações, arquitetando
a temporalidade humana. São essenciais para a construção da identidade, tanto a
individual como a coletiva, pois, a partir das considerações feitas, ser para o homem
é ter uma história, é integrar durações e temporalidades. (COSTA, 2000, p.41)
Chegamos então ao epicentro de nossa análise: o caso de estupro contra uma jovem
negra. Assim na favela carioca, assim nas antigas paragens mineiras. Uma jovem - pobre,
negra, favelada – foi vítima de um estupro coletivo no Rio de Janeiro em 22 de maio de 2016.
No dia 24, ela viu a postagem de um vídeo nas redes sociais com os agressores divulgando o
caso. A partir daí, a gravidade do ato foi-se corporificando até chegar ao noticiário, ganhar
páginas nos jornais, espaço na mídia e repercussão internacional. Na novela, a violência faz
vítima a escrava Jacinta (Dani Ornellas), atacada pelo feitor Malveiro (Bruce Gomlevsky).
O autor Mário Teixeira disse em entrevista:
A intolerância sempre existiu e sempre vai existir. Tratamos de assuntos atuais usando o
panorama histórico daquela época. Do jeito deles, os personagens desta novela estão o
tempo todo lutando contra a intolerância. A intolerância política é tratada desde o
começo, com a morte de Tiradentes (Thiago Lacerda). Acho que este ambiente
corrompido pela intolerância fez com que os personagens desenvolvessem sentimentos
dignos em relação à realidade. A intolerância faz com que as pessoas se indignem, faz
com que elas queiram mudar as coisas. (TEIXEIRA, 2016)9
8
Ver reportagem em http://gshow.globo.com/Bastidores/noticia/2016/08/autor-de-liberdade-liberdade-
transformou-uma-historia-de-epoca-em-uma-trama-atual.html Acesso em 01 ago 2018.
9
Reportagem já citada anteriormente. http://gshow.globo.com/Bastidores/noticia/2016/08/autor-de-liberdade-
liberdade-transformou-uma-historia-de-epoca-em-uma-trama-atual.html
35
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
E antes de passar ao próximo tópico, queremos ressaltar que nosso objeto é ficcional,
ou, como diz Michel Foucault, “A ficção consiste não em fazer ver o invisível, mas em fazer
ver até que ponto é invisível a invisibilidade do visível”.
A construção narrativa
Narrar é comunicar e, como afirma Mikhail Bakhtin, não existe comunicação sem
diálogo. Ouvir e falar são movimentos de uma mesma atividade: se alguém fala, existe
alguém que responde. Ou seja, toda palavra instala uma contrapalavra: o sentido de alteridade
está sempre presente, o que torna o outro imprescindível para a construção da linguagem.
Por sua vez, o pesquisador Luiz Gonzaga Mota destaca que “As narrativas criam
significações sociais, são produtos culturais inseridos em certos contextos históricos”
(MOTTA, 2013).
É ainda o teórico russo que define a construção da identidade por meio de
pensamentos, opiniões, visões de mundo, consciência: “Cada palavra (cada signo) do texto
leva para além dos seus limites. Toda interpretação é o correlacionamento de dado texto com
outros textos” (BAKHTIN, 2003, p. 400).
10
Choque do Real – conceito criado pela pesquisadora Beatriz Jaguaribe, e ensinado em aula ministrada no curso
de pós-graduação da ECO-UFRJ, em 2003, para designar eventos da ordem do cotidiano, produzidos com efeitos
de real, que se revelam absurdos. São fatos ancorados no cotidiano e que nos dão a sensação da experiência
(apud THOMÉ, 2005, p. 53)
11
Ver matéria "Liberdade, liberdade", novela que termina nesta quinta, acertou ao tocar em temas polêmicos. In
https://gauchazh.clicrbs.com.br/cultura-e-lazer/tv/noticia/2016/07/liberdade-liberdade-novela-que-termina-nesta-
quinta-acertou-ao-tocar-em-temas-polemicos-6972498.html. Acesso em 04 ago 2018.
36
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Assim para desenvolver nosso estudo, seguiremos uma metodologia inspirada nas
considerações de Bakhtin, mas levando em conta os movimentos propostos por Motta para
entender a construção narrativa. Os movimentos são sete, assim estruturados:
Para cada um desses, uma breve definição que nos facilite a compreender como a
metodologia proposta para o jornalismo também serve com propriedade ao entendimento dos
parâmetros da teledramaturgia. Assim temos que:
37
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
3- Novos episódios: etapa que se destina a descobrir como o narrador dispõe os personagens,
cenários, incidentes, conflitos, ou seja, como a intriga foi planejada para produzir
determinados efeitos dramáticos, tais como suspense, tensão, clímax, pontos de virada, etc.
No caso específico em estudo, a cena do estupro está nesse ponto, funcionando como produtor
de efeito dramático, embora não seja um ponto de virada pois não muda o curso da história.
5 – Personagem: destaque para quem faz a ação, quem faz a história seguir adiante,
lembrando que é preciso realçar “o inquestionável caráter de humano de toda e qualquer
personagem”, como esclarece Motta. Logo, a personagem é “uma figura central da narrativa,
é o eixo do conflito em torno do qual gira toda a intriga”. Assim, é neste ponto que devemos
perceber como o narrador utiliza artimanhas e quais são elas, usadas para incutir nos
interlocutores um naipe de sentimentos e desejos.
6- Estratégias argumentativas: movimento pelo qual se deve observar os relatos como jogos
de linguagem com ações estratégicas para alcançar determinados significados em contexto,
independente do caráter real ou ficcional. A narrativa como dispositivo de argumentação na
relação comunicativa entre sujeitos reais. Deve-se ter em mente os efeitos de real para se
chegar aos efeitos estéticos de sentido, tendo em vista que
Estudar toda e qualquer narrativa é descobrir os dispositivos retóricos capazes de
revelar o uso intencional de recursos linguísticos e extralinguísticos pelo narrador no
processo de comunicação. (MOTTA, p. 196)
7 – Metanarrativas: neste sétimo e último movimento, é preciso lembrar que nenhuma história
é contada sem que haja um fundo moral, uma razão ética que a situe, conforme indica Luiz
Gonzaga Motta.
38
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Ao seguir uma estória, sempre aprendemos algo sobre nós mesmos e nossa realidade,
como aponta Paul Ricouer, em citação de Motta. Ou seja: ao mesmo tempo em que ficamos
conhecendo um pouco mais sobre o mundo, também temos oportunidade de criar laços e
entendimentos com nossa própria história de vida. Afinal, se as situações apresentadas por
uma história sempre apontam para projetos de vida, elas também falam de nós, seres
humanos, e, portanto, elas já trazem em seu fundamento, condições de assimilação e
identificação com quem as conhece. Caberá à habilidade maior ou menos do narrador a
criação de empatia.
Vejamos então como percebemos a estruturação desses sete movimentos em
Liberdade, liberdade. No tocante à intriga (1), o principal é o mistério que ronda a morte de
Tiradentes, só desvendado no final da novela. Os recursos de linguagem (2) de que se vale o
narrador são muitos e vão desde o discurso verbal até a edição das cenas, passando pelos
figurinos, caracterização, reconstituição de época, enquadramentos, paleta de cores,
fotografia, cenários, inclusão de personagens, adequação de situações do enredo a momentos
vividos nos tempos atuais. Entender como a intriga foi planejada para alcançar determinados
efeitos dramáticos (3). Revelação do conflito dramático (4) ou definição do ponto de clímax,
conforme classificação de Luiz Carlos Maciel12. Personagem (5): entender que há um trânsito
persona-pessoa, pelo qual se define que características serão mais exploradas em cada
personagem. Estratégias argumentativas (6): aqui entram os efeitos de real, usados para dar
mais veracidade à história. É neste movimento que se insere a cena de estupro que
destacamos. A cena é incluída no mesmo dia em que a notícia estoura em todo o noticiário
nacional como um claro, oportuno e providencial efeito estético de sentido. E por último (7),
qual a razão estética que mobiliza a obra.
Por questões de espaço e por estender-se além do foco que damos a esta análise,
vamos nos ater a pontuar aqui apenas a inserção da cena do estupro e sua concomitância com
o factual exibido pela narrativa jornalística.
Sabemos que a cena já devia ter sido pensada quando da construção do roteiro. Não é
de hoje que os casos de violência sexual contra a mulher assustam e indignam. Mas a edição
da cena para o capítulo de 26 de maio, sem dúvida, deve-se à percepção clara da direção de
que o momento em que a cena teria mais impacto junto ao telespectador era aquele. Afinal, se
todo o jornalismo da emissora (seja em rádio, podcast, TV, impressos e web) dava conta do
fato na favela do Rio de forma bastante enfática, destacando a estupidez do ocorrido, pautar a
“O clímax é a realização concreta do tema em termos de um evento” in O Poder do clima, de Luiz Carlos
12
39
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
cena para o capítulo daquela data fazia com que o discurso da ficção se enquadrasse também
dentro da ambiência narrativa do jornalismo, o que causaria no telespectador, que já vinha
acompanhando a programação da emissora desde cedo, ainda mais empatia, mobilizando-o
emocionalmente pela percepção de que o estupro estava na tela tal como estava no dia-a-dia
da população, aumentando o número de vítimas entre mulheres, pobres e negras.
Nesse sentido, acerca da temática do racismo, vale ressaltar a asserção de Solange
Martins Couceiro de Lima:
A telenovela é, pois, a narrativa que veicula representações da sociedade brasileira,
nela são atualizadas crenças e valores que constituem o imaginário dessa sociedade.
Ao persistir retratando o negro como subalterno, a telenovela traz, para o mundo da
ficção, um aspecto da realidade da situação social da pessoa negra, mas também
revela um imaginário, um universo simbólico que não modernizou as relações
interétnicas na nossa sociedade. (COUCEIRO DE LIMA, 2001, p. 98)
Outrossim, cabem como luva as palavras do filósofo Renato Janine Ribeiro, enfatizando a
grande contribuição da teledramaturgia para desequilibrar padrões comportamentais
arraigados:
O machismo atacado, o racismo refutado são só duas faces de um esforço para
contestar o preconceito de costumes. A lista é interminável. O fato é que, na ditadura
e na democracia, a novela se concentrou em mexer nos costumes tradicionais. E
pouco importa se isso foi planejado ou não: o que conta é que assim a Globo, em
especial, captou o ar do tempo. Pois a novela é o gênero dramático em que o Brasil
melhor se saiu. Nela não ouvimos discursos: presenciamos situações. A dramaturgia
funciona mais que a palavra seca. Daí seu alcance social. Por isso é errado dizer que
a TV não educa. Ela varreu preconceitos de costumes. (RIBEIRO, 2000)13
Conclusão
No caso da teledramaturgia, para que o dialogismo e a alteridade aconteçam é
necessário que o público tenha identificação com o (s) personagem (ns) e crie empatia, para
que se sinta junto do personagem e com ele estabeleça uma relação em que há diálogo e
13
Ver artigo em http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos/qtv050920002.htm. Acesso em 29 jun 2018.
40
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
projeção. E o que a estratégia de efeito de real utilizada fez foi de extrema relevância,
sensibilidade e inteligência, ativando os mecanismos de assimilação, identificação e projeção
de modo muito contundente e eficaz.
A novela foi assim ressignificada em seu contexto, uma vez que, como definiu
Bakhtin, não existe ação realizada no vazio: tudo que acontece integra um ambiente
valorativo, um mundo vivo e também significante, possível graças ao movimento cultural
existente num determinado tempo-espaço. Outrossim, a novela, naquele dia, tornou-se mais
uma frente de denúncia e contraposição aos casos de violência contra a mulher.
O recurso do efeito de real ajudou a destacar o ambiente de significação dos casos de
violência, espaço propício para a produção de intertextualidades, ferramenta que possibilita
conexões várias entre múltiplos contextos, das mais distintas origens. Assim, novos sentidos
são produzidos, bem na esteira do que define Maria de Lourdes Motter:
Ao mesmo tempo em que reproduz hegemonias, a teleficção trabalha à sua maneira
o que é dado socialmente, construindo refrações que se desenham mais nitidamente
por meio de seu apelo constante ao cotidiano das relações sociais e familiares.
(MOTTER, 1998)
E, para não dizer que não vimos a fotografia, fundamental para a criação da ambiência,
recorremos ao emérito fotógrafo francês Gérard Castello-Lopes14:“A fotografia é uma forma
de ficção. É ao mesmo tempo um registro da realidade e um auto-retrato, porque só o
fotógrafo vê aquilo daquela maneira”.
Nessa mesma trilha, retomamos a ideia do diálogo autor-espectador, segundo as
palavras do escritor e jornalista Muniz Sodré, “a ficção literária produz-se no plano dos
símbolos, os quais se abrem para a pluralidade das significações, inventando acontecimento e
linguagem, desafiando o leitor à parceria na produção interpretativa do sentido” (SODRÉ,
2009, p. 160).
Portanto, os criadores de Liberdade, liberdade, com esta obra, promovem o escopo
teleaudiovisual e renovam a possibilidade de se acreditar que - embora num veículo de
produção industrial como a televisão, em horário de audiência reduzida pelo adiantado do
relógio -, é possível se produzir arte da melhor qualidade. Tal como afirma Arlindo Machado:
A arte de cada época é feita não apenas com os meios, os recursos e as demandas
dessa época, mas também no interior dos modelos econômicos e institucionais nela
vigentes, mesmo quando essa arte é francamente contestatória em relação a eles. Por
mais severa que possa ser a nossa crítica à indústria do entretenimento de massa, não
se pode esquecer que essa indústria não é um monolito. Por ser complexa, ela está
repleta de contradições internas e é nessas suas brechas que os verdadeiros criadores
podem penetrar para propor alternativas qualitativas. Assim, não há nenhuma razão
porque, no interior da indústria do entretenimento, não possam despontar produtos –
14
Ver https://pt.slideshare.net/beatrizlopescm/grard-castellolopes. Acesso em 11 jun 2018.
41
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Referências
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. 4.ed. Trad. P. Bezerra. São Paulo: Martins Fontes,
2003.
BALOGH, Anna Maria. O discurso ficcional na TV: sedução e sonhos em doses homeopáticas. São
Paulo: EdUSP, 2002.
BAUMAN, Zygmunt. Individualidade. In: Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed,
2001.
BOURDIEU, Pierre. A Dominação Masculina. Rio de Janeiro: Ed. Bertrand Brasil, 2003.
BULHÕES, Marcelo. A ficção nas mídias. São Paulo: Editora Ática, 2009.
FIGUEIREDO, Vera Lúcia Follain de. Narrativas migrantes: literatura, roteiro e cinema. Rio de
Janeiro: PUC Rio e 7 Letras, 2010.
LOPES, Maria Immacolata V. A telenovela brasileira: uma narrativa sobre a nação. Revista
Comunicação & Educação, 25. São Paulo, jan./abr. 2003.
MACIEL, Luiz Carlos. O Poder do Clímax – Fundamentos do roteiro de cinema e TV. São Paulo:
Giostri, 2017.
MOTTER, Maria Lourdes. Telenovela: reflexo e refração na arte do cotidiano. XXI Congresso
Intercom. Comunicação apresentada no GT Ficção Televisiva Seriada. Recife, PE, 1998. Acesso em:
02 jun. 2018.
MOTTER, Maria Lourdes. Ficção e Realidade: A construção do cotidiano na telenovela. São Paulo:
Alexa Cultural, Comunicação & Cultura - Ficção Televisiva, 2003.
SADEK, José Roberto. Telenovela: um olhar do cinema. São Paulo: Summus Editorial. 2008.
42
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
TÁVOLA, Artur da. A Liberdade do Ver. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.
TÁVOLA, Artur da. A Telenovela Brasileira – história, análise e conteúdo. Rio de Janeiro: Globo,
1996.
43
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
MEMÓRIA E HISTÓRIA:
O ofício das parteiras da Amazônia retratado pelos olhos de Eliane Brum1
Resumo
O presente artigo visa analisar como a jornalista Eliane Brum consegue, pela narrativa, revelar
ao público o mundo das parteiras dos confins da Amazônia. Brum utiliza o testemunho e as
vivências contadas por suas personagens, conhecidas pelo “dom de pegar menino”, para recriar
e resgatar a história vivida de geração em geração pelas parteiras da floresta. Assim, utilizando
os conceitos de memória individual e memória coletiva do teórico Maurice Halbwachs (2003),
consegue-se compreender como as narrativas são construídas a partir dos testemunhos dos
personagens entrevistados pela jornalista.
Abstract
This article aims to analyze how the journalist Eliane Brum is able, through the narrative, to
reveal to the public the world of midwives from the confines of the Amazon. Brum uses the
testimony and experiences told by his characters, known for the "gift of picking up boy", to
recreate and rescue the story lived from generation to generation by the midwives of the forest.
Thus, using the concepts of individual memory and collective memory of the theoretician
Maurice Halbwachs (2003), one can understand how the narratives are constructed from the
testimonies of the characters interviewed by the journalist.
História e memória
Este trabalho aborda como a história e a memória estão interligadas na construção de
uma identidade individual e coletiva. Através das memórias e das experiências adquiridas ao
longo de sua existência, o ser humano é capaz de construir sua história. Assim, ao longo da
vida, construímos nossas memórias por meio dos acontecimentos que vivemos ou dos quais
fizemos parte. Como não é possível guardar todos os momentos, selecionamos de maneira
1
Trabalho apresentado no GT1- Linguagens e narrativas, do XI Encontro dos Programas de Pós-Graduação em
Comunicação Social de Minas Gerais, 18 e 19 de outubro de 2018.
2
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Juiz de Fora
(PPGCOMUFJF), da linha de Competência Midiática, Estética e Temporalidade. Membro do Grupo de Pesquisa
Narrativas Midiáticas e Dialogias. E-mail: cintiacharlene@hotmail.com
44
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
inconsciente aqueles com que mais nos identificamos ou que representam algo importante para
nossa história.
Segundo Paul Veyne (2008), a história é uma narrativa de eventos, em que todo o resto
deriva disso.Todavia, esta narrativa não deve ser confundida com a evocação de uma verdade
factual, uma vez que está sujeita a uma metodologia, que elege e recorta aquilo que se é contado.
Logo, tratar-se-ia de “um conto de acontecimentos verdadeiros.”(VEYNE, 2008). Neste
sentido, o autor compara, ainda, a história e o romance ao mostrar que ambos selecionam,
simplificam, organizam e, por fim, fazem com que um século caiba numa página, “e essa síntese
da narrativa é tão espontânea quanto a da nossa memória, quando evocamos os dez últimos
anos que vivemos.” (VEYNE, 2008, p. 18). Ele ainda completa ao dizer que “a história é
anedótica. Ela interessa porque narra, assim como o romance.” (VEYNE, 2008, p. 23).
Para Jacques Le Goff (2003), por sua vez, a história tem início a partir de um relato, em
que o indivíduo utiliza a narrativa para dizer o que viveu ou que sentimentos possuía em relação
a um determinado fato.
Esse aspecto da história-relato, da história-testemunho, jamais deixou de estar
presente no desenvolvimento da ciência histórica. Paradoxalmente, hoje se assiste à
crítica desse tipo de história, devido à vontade de colocar a explicação no lugar da
narração; mas, também ao mesmo tempo, presencia-se o renascimento da história-
testemunho por intermédio do “retorno do evento” (Nora), ligado à nova mídia, ao
surgimento de jornalistas entre os historiadores e ao desenvolvimento da “história
imediata”. (LE GOFF, 2003, p. 9)
45
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
contrário, em que, para ele, aconteceram poucas coisas e, por vezes, não aconteceu
nada (a não ser, certamente, para os homens que viveram esses tempos). Todas essas
datas não formam uma série, elas pertencem a espécies diferentes. Codificados no
sistema da pré-história, os mais famosos episódios da história moderna deixariam de
ser pertinentes, salvo, talvez (e, mesmo assim, não o podemos afirmar), certos
aspectos maciços da evolução demográfica, considerados em escala mundial: a
invenção da máquina a vapor, a da eletricidade e da energia nuclear. (apud VEYNE,
2008, p. 25 e 26)
Dito isto, Paul Veyne afirma que a história é uma narrativa de eventos e que esta é filha
da memória. “Os homens nascem, comem e morrem, mas só a história pode informar-nos sobre
suas guerras e seus impérios.” (VEYNE, 2008, p. 19).Afinal, as experiências e os
acontecimentos vividos pelos homens no passado são essenciais para a construção de suas
histórias que serão, consequentemente, acessadas pela sua memória. Diante desta assertiva, Le
Goff pontua que assim como o passado é objeto da história, “também a memória não é história,
mas um de seus objetos e, simultaneamente, um nível elementar de elaboração histórica.” (LE
GOFF, 2003, p. 49).
Tal relação evidencia-se mesmo antes da invenção da escrita, período no qual as
comunidades relatavam suas experiências e passavam seus conhecimentos aos seus
descendentes através da história oral. A partir daí, assim como foi com a pintura rupestre, os
relatos ultrapassaram o tempo, sobrevivendo de geração em geração até a chegada da escrita,
que revolucionou a forma como as memórias seriam armazenadas. Le Goff (2003) afirma que
a memória tem como finalidade conservar determinadas informações referentes a fatos vividos
no passado. Elas “remetem-nos em primeiro lugar a um conjunto de funções psíquicas, graças
às quais o homem pode atualizar impressões ou informações passadas, ou que ele representa
como passadas.”(LE GOFF, 2003, p. 419).
Assim, a memória funciona como uma espécie de arquivo responsável por registrar
todas as lembranças e experiências vividas ou adquiridas pelo indivíduo ao longo de sua
vivência. É graças a essas memórias que o homem pode revisitar seu passado, de modo que se
tornam também essenciais para a compreensão do processo de construção identitária tanto do
sujeito quanto de sua comunidade.
O registro das memórias, que antes eram relatadas a partir dos testemunhos das pessoas,
passa a assumir um papel importante a partir da invenção da escrita. As memórias passam a ser
documentadas e usadas como ferramenta para contar a história de determinada sociedade ou de
um acontecimento importante. Para Le Goff (2003), o controle da memória tornou-se um
mecanismo de poder entre os grupos, nos quais aquele que o detém determinam como a história
deverá ser escrita, qual grupo deverá ser protagonista e herói da narrativa a ser contada.
46
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
A versão oficial dos fatos passa a ser contada pelos detentores da memória que levam
em conta apenas uma maneira particular de relatar o que deverá ser lembrando pela sociedade.
Historicamente, a versão institucionalizada dos fatos narrados foi predominantemente elitista,
branca e masculina. O cotidiano dos homens e mulheres comuns foi deliberadamente ignorado,
uma vez que não contribuía para a legitimação do discurso oficial. Deste modo, por muito
tempo, a história, bem como o uso que esta fez da memória, serviu de elemento perpetuador de
desigualdades de classe, raça e gênero, ficando em voga apenas o relato que foi imortalizado
pelo status quo. “Tornar-se senhores da memória e do esquecimento é uma das grandes
preocupações das classes, dos grupos e dos indivíduos que dominaram e dominam as sociedades
históricas. Os esquecimentos e os silêncios da história são reveladores destes mecanismos de
manipulação coletiva.” (LE GOFF, 2003, p. 423).
Embora os ecos dessa chamada história oficial ainda se façam ouvir em muitos textos e
discussões da contemporaneidade, movimentos de reação a este paradigma podem ser
observados durante todo o século XX, com ênfase para as décadas a partir dos anos 50. Percebe-
se uma dilatação gradual a respeito dos temas dignos de relevância histórica, através da
incorporação de personagens, atores e contextos periféricos, identificados agora não apenas
pela ótica da submissão, senão enquanto produtores ativos de cultura. Destacam-se, por
exemplo, os estudos da History from below 3 que, entre outras contribuições, localizou na classe
operária inglesa um novo caminho de acesso ao conhecimento histórico de toda uma época. De
maneira semelhante, os Estudos Culturais, sobretudo nas figuras de Stuart Hall, Edward Said,
HomiBhabha entre outros, demonstraram grande êxito em diversificar as chaves de
compreensão das sociedades atuais para além dos clássicos e excludentes mecanismos da
história oficial. Assim, mulheres, camponeses, imigrantes, negros, índios, pobres e toda uma
3
History from below é um artigo publicado em 1966 por Edward Thompson. O conceito que pode ser traduzido
como a história "vista de baixo" sustentava que a história oficial deveria ser contada não apenas levando em
consideração os "grande fatos" e a versão dos heróis, mas também o relato negligenciado de outros segmentos da
sociedade excluídos do contexto social. Essa nova abordagem da história contribuiu para a expansão dos estudos
da história para aqueles cuja suas experiências haviam sido até então omitidos pela historiografia tradicional.
47
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
gama de categorias outrora subalternizadas passam a possuir relevo narrativo, amparados por
uma metodologia cada vez mais interdisciplinar (ESCOSTEGUY, 1998).
Isso posto, a obra de Eliane Brum, que será pormenorizada no decorrer deste trabalho,
dialoga diretamente com as diretrizes metodológicas e temáticas supracitadas. A autora, hoje
internacionalmente premiada, consolidou sua trajetória ao dar voz e visibilidade a personagens
até então invisíveis da história brasileira, como as mulheres parteiras da floresta amazônica e
suas memórias, protagonistas da reportagem que será analisada posteriormente. Assim, Brum
busca “alcançar as populações ribeirinhas, aqueles homens e mulheres que definem seu corpo,
seu contorno e sua linguagem na relação com o rio.” (BRUM, 2017, p. 365).
48
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
tornar o relato disponível ao outro, o mesmo se transforma em uma memória do grupo que passa
a ter acesso a essa informação, até então mantida como uma memória particular.
Para Ricoeur (2007), a memória é singular e por isso, cada indivíduo tem as suas. As
lembranças não podem ser transferidas de uma memória para outra.
Enquanto minha, a memória é um modelo de minhadade, de possessão privada, para
todas as experiências vivenciadas pelo sujeito. Em seguida, o vínculo original da
consciência como o passado parece residir na memória. Foi dito com Aristóteles, diz-
se de novo mais enfaticamente como Santo Agostinho, a memória é passado, e esse
passado é o de minhas impressões; nesse sentido, esse passado é meu passado. É por
esse traço que a memória garante a continuidade temporal da pessoa e, por esse viés,
essa identidade cujas dificuldades e armadilhas enfrentamos acima. Essa continuidade
permite-me remontar sem ruptura do presente vivido até os acontecimentos mais
longínquos de minha infância. De um lado, as lembranças distribuem-se e se
organizam em níveis de sentido, em arquipélagos, eventualmente separados por
abismo; de outro, a memória continua sendo a capacidade de percorrer, de remontar
no tempo, sem que nada, em princípio, proíba prosseguir esse movimento sem solução
de continuidade. É principalmente na narrativa que se articulam as lembranças no
plural e a memória no singular, a diferenciação e a continuidade. (RICOEUR, 2007,
p. 107 e 108)
Unindo as interpretações dos dois teóricos, pode-se perceber que a memória individual
e a coletiva fazem parte de um mesmo emaranhado, ainda que se apresentem em contextos
distintos. Ambas estão interligadas e podem ser modificadas pelas influências que o indivíduo
sofre ao estar em um grupo. “[...] Diríamos que cada memória individual é um ponto de vista
sobre a memória coletiva, que este ponto de vista muda segundo o lugar que ali ocupo e que
esse mesmo lugar muda segundo as relações que mantenho com outros ambientes.”
(HALBWACHS, 2003, p. 69). Diante disso, fica claro que à medida que o indivíduo participa
e sofre interferência de diferentes grupos, o mesmo se beneficia disso para construir suas
memórias, o que ocasiona sua participação nos dois tipos de memória, a individual e coletiva.
Admitamos, contudo que as lembranças pudessem se organizar de duas maneiras:
tanto se agrupando em torno de uma determinada pessoa, que as vê de seu ponto de
vista, como se distribuindo dentro de uma sociedade grande ou pequena, da qual são
imagens parciais. Portanto, existiriam memórias individuais e, por assim dizer,
memórias coletivas. Em outras palavras, o indivíduo participa de dois tipos de
memórias. Não obstante, conforme participa de uma ou de outra, ele adotaria duas
atitudes muito diferentes e até opostas. Por um lado, suas lembranças teriam lugar no
contexto de sua personalidade ou de sua vida pessoal – mas as mesmas que lhes são
comuns com outras só seriam vistas por ele apenas no aspecto que o interessa
enquanto se distingue dos outros. Por outro lado, em certos momentos, ele seria capaz
de se comportar simplesmente como membro de um grupo que contribui para evocar
e manter lembranças impessoais, na medida em que estas interessam ao grupo.
(HALBWACHS, 2003, p. 71)
49
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Portanto é por seu lugar num conjunto que os outros se definem. A sala de aula da
escola é, nesse aspecto, um lugar privilegiado de deslocamento de pontos de vista da
memória. De modo geral, todo grupo atribui lugares. É desses que se guarda ou se
forma memória. (RICOEUR, 2007, p. 131)
Todavia, para recordar um fato é preciso que o indivíduo esteja em harmonia com os
pensamentos comuns do grupo, conforme pontua Halbwachs (2003). Assim, as lembranças
devem ser construídas e reconhecidas por seus membros. Neste sentido, Charles Blondel apud
Ricouer pontua que “a memória individual seria uma condição necessária e suficiente para a
recordação e o reconhecimento da lembrança.” (BLODEL apud RICOEUR, 2007, p. 131).
Todo esse aparato teórico a respeito dos desdobramentos da aplicação e compreensão
dos conceitos de memória individual e memória coletiva, embora possa embasar múltiplas
discussões, será de importância primordial para fundamentar a análise a qual nos propomos
neste trabalho. Afinal, para narrar o ofício das parteiras da Amazônia, Eliane Brum utilizou as
memórias comuns de um grupo de mulheres com o “dom de pegar menino”4 demonstrando
assim a relação desta prática com uma ancestralidade matriarcal e memorialística característica
daquela região.
Segundo Luiz Gonzaga Motta (2013), a narrativa é uma forma de contar estórias.
“Quando narramos algo, estamos nos produzindo e nos constituindo, construindo nossa moral,
nossas leis, nossos costumes, nossos valores morais e políticos, nossas crenças e religiões,
nossos mitos pessoais e coletivos, nossas instituições”. (MOTTA, 2013, p.19). Motta ainda
completa ao dizer que "a vida é uma teia de narrativas nas quais estamos enredados. "(MOTTA,
2013, p.17). Walter Benjamin (1975) discute o ato de narrar, pensando numa tradição em
cadeia, em que as experiências fazem com que possamos transmitir os acontecimentos de
geração em geração. Ele reforça esse repasse de experiências sob o viés das reminiscências ao
longo do tempo e acredita que a eternidade temporal está nas memórias e lembranças. Para ele,
“a memória é a mais épica de todas as faculdades” e a “narrativa de reminiscência”, é uma
forma de reescrever as tradições de uma comunidade. (BENJAMIM, 1975).
Eliane Brum e o “O olho da rua- uma repórter em busca da literatura da vida real”
A jornalista, escritora, documentarista e colunista do periódico El País5 Eliane Brum
coleciona mais de 40 prêmios nacionais e internacionais de reportagem, entre eles o Prêmio
4
O "dom de pegar menino" na linguagem das parteiras da Amazônica equivale ao ofício dos profissionais da
saúde que ajudam a mulher a dar a luz na hora do parto.
5
De propriedade do Grupo Prisa, o periódico EL PAÍS é jornal mais lido em espanhol no mundo. Em outubro do
ano passado (2017) o jornal alcançou um recorde absoluto ao computar 100 milhões de leitores mensais, segundo
dados internos. Desse número, metade dos usuários vem de fora da Espanha, especialmente da América Latina.
50
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Esso, Vladimir Herzog, Ayrton Senna, Líbero Badaró, Sociedade Interamericana de Imprensa,
Rei de Espanha, Troféu Especial de Imprensa ONU, entre outros.Brum escreveu seis livros:
“Coluna Prestes, o avesso da lenda” (1994), “A Vida que Ninguém Vê” (2007), “O Olho da
Rua” (2008/2017), “A Menina Quebrada” (2013), “Meus desacontecimentos” (2014) e o
romance “Uma Duas” (2011). Além disso, também co-dirigiu os documentários “Uma História
Severina” (2005), “Gretchen Filme Estrada” (2010) e “Laerte-se” (2017). A jornalista assina
também a direção do documentário independente “Eu +1: uma jornada de saúde mental na
Amazônia”, do Projeto Clínica de Cuidado/Refugiados de Belo Monte. Uma referência entre
os profissionais de Comunicação, como disse Caco Barcellos no prefácio do livro O Olho da
Rua (2017), Brum “renasce e se recria a cada reportagem”. (BARCELLOS in BRUM, 2017,
p.9). A autora consegue através da linguagem revelar ao público um olhar sensível que enxerga
grandeza na pequenez de gestos simples que passam despercebidos. “Escrever como ato físico,
“carnal”, com obstinada busca pela precisão das palavras, distribuídas como se fossem compor
uma melodia, com ritmo e sentimento. Criar texto por música. Mas, o melhor deste livro
transcende a beleza das frases, o rigor do método, o valor dos fundamentos”, declara Barcellos.
(in BRUM, 2017, p.9). Suas obras são “imunes ao tempo” e por isso, são feitas para serem lidas
“por qualquer pessoa que goste de histórias tão reais que parecem inventadas”, especialmente
para alunos de jornalismo que tenham dúvidas sobre o ofício da profissão. (Barcellos in BRUM,
2017, p.14).
Diante de tamanha experiência e de tantos "desacontecimentos" narrados pela jornalista
ao longo de sua jornada em percorrer os vários “brasis” que compõem o mapa nacional,
defende-se a escolha da jornalista, por se tratar de uma profissional premiada e reconhecida por
seus trabalhos. Suas reportagens dão voz a pessoas simples, que nunca tiveram suas histórias
contadas, e que viram protagonistas.
Michael Pollak, em seu ensaio sobre "Memória, Esquecimento, Silêncio" (1989), fala
sobre a "memória subterrânea", aquela em que os sujeitos marginalizados são colocados de fora
da história oficial." Ao privilegiar a análise dos excluídos, dos marginalizados e das minorias,
a história oral ressaltou a importância de memórias subterrâneas que, como parte integrante das
Tal resultado coloca o jornal entre os 10 veículos mais lidos do mundo na internet, liderado pelo chinês Xinhua,
em seguida o The New York Times e em 6º o The Washington em Post . Presento no Brasil desde novembro de
2013, o periódico se transformou numa referência jornalística no país. Pelo indicador de audiência digital
ComScore, o EL PAÍS Brasil somou 6,5 milhões de leitores no mês de setembro, um crescimento de 24% em
relação a maio de 2017, e de 72% em comparação com setembro do ano retrasado. O número de páginas vistas
chegou a 23 milhões em setembro, uma alta de 22% em relação ao ano de 2016. A edição brasileira está entre os
seis jornais mais lidos do Brasil. O periódico possui redações nas cidades de Madri, Barcelona, México,
Washington e São Paulo.
51
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Assim, Brum é conhecida pelo estilo literário com que narra suas histórias. Em suas
reportagens explora uma linguagem que ultrapassa os limites das palavras. Linguagem esta que
utiliza como instrumento a escuta, que se faz com todos os sentidos. Logo, ela consegue traduzir
sons, cores, texturas, silêncios, hesitações, olhares e gestos em palavras que sejam capazes de
descrever e acessar o mundo contado por seus entrevistados. Para fazer isso, Brum revela que
é preciso abrir mão de ideias e pré(conceitos) para acessar a realidade das outras pessoas, ou
seja, “atravessar a larga rua de si mesmo.” (BRUM, 2017, 364)
Além disso, a busca fiel pela transcrição exata da palavra dita é uma característica da
jornalista, que afirma que transcreve para o papel exatamente aquilo que sua personagem disse.
Para ela, apesar de a palavra escrita ser um instrumento de dominação utilizado para transmitir
o conhecimento oral às pessoas, é preciso ter ainda mais cuidado e respeito pelas palavras ditas
e não ditas.
A transmissão do conhecimento, do seu ser e estar no mundo, é predominantemente
oral. A mim, como repórter, cabia escutá-los com todos os sentidos e buscar traduzi-
52
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
los em palavras escritas – sem traí-los. Para isso, uso dois gravadores, transcrevo cada
palavra pronunciada e assinalo hesitações e silêncios, cubro os bloquinhos de
observações sobre o que não é palavra dita. Mas na trajetória destes homens e
mulheres da floresta, tanto quanto nas periferias e favelas das grandes cidades
brasileiras, a escrita aparece como aquilo que foi e ainda é: um instrumento de
dominação dos opressores. (BRUM, 2017, p. 365)
Disto isso, a prosa literária que dá início à obra, e que, será objeto deste artigo, narra
como acontecem os nascimentos nos confins da Amazônia, pelas mãos das parteiras da floresta.
53
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
podemos compreender que uma lembrança seja ao mesmo tempo reconhecida e reconstruída”
(HALBWACHS, 2003, p. 39).
A maioria dos habitantes do Amapá, que atualmente totaliza pouco mais de meio
milhão, veio ao mundo pelas mãos de 700 parteiras da floresta. “Encarapitadas em barcos ou
tateando caminhos com os pés, lá estão a índia Dorica, a cabocla Jovelina e a quilombola
Rossilda. São guias de uma viagem por mistérios transportados de geração para geração em
palavras que se inscrevem no mundo sem se escrever.” (BRUM, 2017, p. 19). Trata-se de
mulheres, em sua maioria, negras, índias e pobres, que mesmo não sendo letradas revelam um
grande conhecimento adquirido ao longo da vida. A partir do testemunho dessas mulheres,
Brum constata que são “analfabetos que fazem literatura pela boca”. (BRUM, 2017, p. 19).
Homens e mulheres que descansam a enxada na pedra e pousam a vara de pescar na
canoa para contar sua vida numa prosa poética que nasceu de uma experiência singular
de mundo. Contam generosamente, às vezes sem perceber que criam universos no seu
contar. (BRUM, 2017, p. 365)
Assim, por meio de uma linguagem rica e única, a parteira mais antiga do Amapá, a
Karipuna Maria dos Santos Maciel, a Dorica, de 96 anos, foi responsável por desembarcar no
mundo mais de dois mil índios. Ela revela à jornalista que o dom de trazer crianças ao mundo
é um dom que nasce com a pessoa, mas ela não gosta de possuir esse dom, no entanto, não pode
se negar a ele. Obviamente, o dom narrado pela simplicidade de Dorica não é inato ou orgânico
como ela acredita. Trata-se daquilo que evoca Le Goff (2003), ao destacar a importância
desempenhada pela memória coletiva para a evolução das sociedades, bem como seu papel na
construção de identidades. Citando Leroi- Gourhan, o autor assinala que “a tradição é
biologicamente tão indispensável à espécie humana como o condicionamento genético o é às
sociedades de insetos” (LEROI- GOURHAN, 1965 apud LE GOFF, 2003, p. 469). Assim, o
talento das parteiras do Amapá é também uma construção, amparada em séculos de rotina e
sobrevivência de práticas que dão sentido e longevidade à comunidade a que pertencem.
São muitas as vozes resgatadas por Brum. Jovelina Costa dos Santos, aos 77 anos, é a
parteira mais famosa de Ponto Grossa do Piriri, a cem quilômetros de Macapá. Risonha e de
uma “simplicidade complexa”, ela sorri, porque “apenas decidiu não ficar triste” (BRUM, 2017,
p.24). Estreou na profissão ainda menina. Marie Labonté, que ajudou a própria mãe a dar a luz
também ainda jovem, quando tinha apenas 15 anos. Maria Rosalina, que partejou a própria
criança, mesclando as dores do parto e o ofício que lhe foi atribuído. Nazira Narciso, que, além
das filhas, foi responsável também pelo parto da neta e, muito possivelmente, daquelas que
ainda estão por vir. Certamente, outras tantas histórias ficaram por narrar.
54
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
No entanto, fica claro pelos exemplos recolhidos e selecionados pela jornalista gaúcha
que, mais que mero hábito aleatório ou atividade fortuita, a prática do partejo entre as mulheres
do interior do Amapá traduz-se como uma cultura, amparada e perpetuada pela memória, que
faz delas “guardiãs de um mistério, a elas transmitido pelas mães e avós numa corrente que se
perde nos séculos” (BRUM, 2017, p. 24). É interessante observar que a força da tradição
memorialística dessa comunidade, reforçada pelo seu isolamento geográfico, transpõe inclusive
as diferentes crenças religiosas destas mulheres. Católicas, pentecostais, espíritas ou
batuqueiras, as parteiras amazônicas se reúnem em torno de um mesmo objetivo: trazer ao
mundo os filhos da floresta. Na verdade, ao realizarem seu ofício, como coloca Eliane Brum,
elas mesmas consumam o milagre, subvertendo e resistindo às crenças que são externas à
tradição, evidenciando deste modo “que cada mulher tem um pouco de deusa.” (BRUM, 2017,
p.24)
De acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2016, dos partos
realizados no Brasil, 55.51% foram feitos por cesarianas. No entanto, desde 1985, a OMS
considera a taxa ideal de cesarianas, entre 10% e 15% do total de partos realizados. Levando
em consideração a realidade brasileira, o órgão sugere que o ideal estaria entre 25% e 30%.
Índice bem acima do praticado atualmente. Essa realidade contrasta fortemente com o contexto
apresentando nas páginas deste trabalho.
Enquanto, no estado do Amapá, graças ao isolamento geográfico de seu berço, parteiras
mantêm seu ofício de trazerem ao mundo as crianças de maneira natural,respeitando o tempo
da mãe e do bebê, nas grandes cidades há uma cultura de “cortar” a mulher para que o filho
venha ao mundo. Hábito comum entre os médicos que determinam dia e hora para o
nascimento. Atitude esta que representa para a parteira Jovelina um assombro na vida. “O que
a mulherada sofre na maternidade é um golpe, minha irmã”, apavora-se. “Aqui, se o menino se
acomodou de mau jeito, a gente vai puxando, até ele se ajeitar, botar a cabeça no lugar. Aí não
precisa cortar. Médico, coitado, não sabe dobrar menino.” (BRUM, 2017, p. 24). Dorica, outra
parteira, completa: “Pegar menino é esperar o tempo de nascer”, ensina. “Os médicos da cidade
não sabem e, porque não sabem, cortam a mulher.”(BRUM, 2017, p. 21)
Essa é a realidade de grande parte da população brasileira. Enquanto para as parteiras
da floresta o nascimento é uma festa, uma celebração da vida que precisa ser respeitada, na
cidade o ritual é marcado por intervenção cirúrgica e cheiro de hospital, como destaca a
jornalista. Não se respeita a dor da mãe e a hora do parto. Este procedimento mais rápido,
eficiente e lucrativo pode muitas vezes colocar em risco a saúde dos envolvidos.
55
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Considerações finais
A partir das memórias das parteiras, Eliane Brum pode recontar esse ofício que
ultrapassa o tempo e se perpetua na história. Através dos relatos pode se compreender que a
vivência de cada parteira se interligava à outra e assim, sucessivamente. Nenhuma memória era
isolada, todas faziam parte de um mesmo enredo, uma mesma teia de narrativas que se
entrecruzavam. Assim, ao fazerem parte de um grupo, as mulheres da floresta recontavam suas
lembranças e suas memórias construídas há várias décadas, exercendo a atividade de partejar.
O teórico Halbwachs afirma que“ [...] um número enorme de lembranças reapareça porque os
outros nos fazem recordá-las; também se há de convir que, mesmo não estando esses outros
materialmente presentes, se pode falar de memória coletiva quando evocamos um fato que
tivesse um lugar na vida de nosso grupo e que víamos” (HALBWACHS, 2003, p. 41).
Sendo assim, nossas memórias são constituídas pelas experiências que adquirimos ao
participar de inúmeros grupos e pela influência que deles sofremos. “A sucessão de lembranças,
mesmo as mais pessoais, sempre se explica pelas mudanças que se produzem em nossas
relações com os diversos ambientes coletivos, ou seja, em definitivo, pelas transformações
desses ambientes, cada um tomando em separado, e em seu conjunto.” (HALBWACHS, 2003,
p. 69).
O presente artigo não visa esgotar todas as lacunas a serem exploradas a partir do
conceito de memória individual e coletiva, mas apresentar um recorte de como as memórias são
construídas e de que forma podem ser recontadas a partir do relato dos envolvidos. Assim, o
que se conclui é que nenhuma memória é somente individual, mas possui também um aspecto
coletivo que muda de acordo com o lugar que o sujeito ocupa e com o interesse dos envolvidos.
Além disso, é preciso ter cuidado, uma vez que o poder de contar a história está nas mãos dos
detentores das memórias. São eles que determinaram como a história deve ser escrita.
Referências
BENJAMIM, Walter. O narrador: observações acerca da obra de Nikolai Leskov. Tradução
de Sérgio Paulo Rouanet. In:______. Coleção Os Pensadores: textos escolhidos, vol. XLVIII.
São Paulo: Abril, 1975. P. 63-81.
BRUM, Eliane. O olho da rua. Uma repórter em busca da literatura da vida real. 2ª Ed rev. e ampl.
– Porto Alegre: Arquipelágo Editorial, 2017.
ESCOSTEGUY, Ana Carolina D. Uma introdução aos estudos culturais. Revista FAMECOS, Porto
Alegre, nº 9, dezembro 1998.
56
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
HALBWACHES, Maurice. A memória coletiva. 2ª edição. Tradução de Beatriz Sidou. São Paulo:
Centauro, 2006.
LE GOFF, Jacques. História e memória. Trad. Bernardo Leitão. 5ª Ed – Campinas, São Paulo: Editora
da Unicamp, 2003.
MOTTA, Luiz Gonzaga. Análise crítica da narrativa. Brasília: Universidade de Brasília, 2013.
RICOEUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Trad. Alain François. – Campinas, SP:
Editora da Unicamp, 2007.
VEYNE, Paul. Como se escreve a história; Foucault revoluciona a história. Trad. de Alda Baltar e
Maria Auxiliadora Kneipp. 4ª Ed, reimpressão – Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1982, 1992,
1995, 1998, 2008.
Sites acessados
Biografia.
Disponível em: <http://elianebrum.com/biografia/> Acesso em: 20 de janeiro de 2018
57
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Janderson Silva2
Universidade Federal de Ouro Preto
Resumo
O artigo pretende discutir as potencialidades textuais presentes nos dossiês da Revista Cult, a
partir da recente definição do próprio periódico sobre o material. Desse modo, visa-se
compreender de que maneira a revista pretende cumprir com as definições que propõe, a partir
de uma perspectiva histórica dos processos comunicacionais que, ao dar atenção aos
atravessamentos temporais existentes nos produtos de mídia, possibilitaria maior
aprofundamento do conteúdo veiculado. Propõe-se ainda uma reflexão sobre o que na
atualidade entende-se por intelectual e como na revista estas figuras seriam responsáveis por
atuar como um “termômetro” para certas continuidades ou rupturas das configurações sociais
na duração, o que recai em nosso terceiro eixo de análise, sobre o sentido de relevância que o
periódico pretenderia conferir aos temas abordados. Com isso, esperamos compreender melhor
a dimensão dos acionamentos lançados pela revista e como esses figuram no tempo.
Abstract
The article intends to discuss the textual potentialities present in the dossiers of Revista Cult,
from the recent definition of the magazine itself about the material. In this way, the aim is to
understand how the magazine intends to comply with the definitions it proposes, from a
historical perspective of the communication processes that, by paying attention to the temporal
crossings in the media products, would allow a deeper analysis of the content conveyed. It is
also proposed to reflect on what today is understood as intellectual and how in the magazine
these figures would be responsible for acting as a "thermometer" for certain continuities or
ruptures of social configurations in duration, which falls on our third axis of analysis, about the
meaning of relevance that the magazine would want to confer on the topics addressed. With
this, we hope to understand better the dimension of the drives launched by the magazine and
how these appear in time.
1
Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho Linguagens e Narrativas, do XI Encontro dos Programas de Pós-
Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais, 18 e 19 de outubro de 2018.
2
Mestrando em Comunicação na Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), membro do Grupo de Pesquisa
em Interações e Mídias Sociais (GIRO) e bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES). E-mail: silva2janderson@gmail.com.
58
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Introdução
Recentemente a Revista Cult disponibilizou em seu site todos os dossiês publicados em
suas edições, desde a primeira, evidenciando certa importância ao material. Segundo descrição
da própria revista, "o dossiê é um conjunto de textos aprofundados e escritos por especialistas
sobre assuntos e pensadores relevantes”. A marcação das palavras “aprofundados”,
“especialistas" e “relevantes” não foi feita deliberadamente por nós e sim pela própria revista,
em anúncio publicado no Facebook sobre o início das vendas dos dossiês, em versão digital,
em sua loja online3. Destacar estas três características foi o princípio revelador de algumas
questões que acabaram por dar corpo a este artigo já que, tão logo, o que se pretende, é analisar
de maneira sucinta se os dossiês de fato servem à sua descrição. Para tanto, algumas hipóteses
foram levantadas.
A primeira delas diz respeito ao modo como a Cult trabalha na produção dos textos
ditos aprofundados em seus dossiês: como poderia a revista conferir esta característica aos
conteúdos publicados? De que modo a publicação poderia alcançar esta marca? A proposta
para análise dessa característica que aqui lançamos consiste no que Gomes, Leal e Ribeiro
(2017) adotam por “imaginação histórica”, perspectiva que pressupõe apreender o mundo
enquanto universo histórico desvelando as relações e as lógicas temporais que o atravessam.
Partindo da proposição dos autores, poderíamos refletir sobre o universo da comunicação, mais
precisamente as produções de Cult, ao considerarmos um regime de historicidade em suas
abordagens que acabariam por explicitar o presente enquanto organismo vivo (RICOEUR,
2010) e a inserção de suas produções na duração, conferindo certo grau de aprofundamento às
suas abordagens. Para tanto, algumas figuras de historicidade seriam necessárias enquanto
categorias analíticas cujo detalhamento abordaremos posteriormente.
A segunda característica a qual vamos nos ater corresponde à questão dos especialistas.
Segundo alguns dicionários, a palavra especialista corresponde a um indivíduo que se
especializou em determinado ramo do conhecimento do qual geralmente decorre o exercício de
sua prática profissional: 1) que se dedica com grande interesse e profundidade a determinado
campo do saber e/ou a determinada ocupação profissional e/ou 2) que possui conhecimento ou
prática especial em determinado assunto, conhecedor, perito, profissional. A etimologia da
palavra especialista vem da junção da palavra especial mais o sufixo -ista (como no francês
spécialiste), cuja primeira diz de algo próprio, peculiar, privado; que tem propósito ou aplicação
particular. Já o sufixo -ista serve para designar o praticante de uma atividade ou o adepto de um
3
Os dossiês Cult estão disponíveis para compra desde junho de 2018 no site da Loja Cult (www.cultloja.com.br).
59
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
movimento ideológico. Tais concepções acabam por gerar pistas para nossa análise, pois, reflete
algumas de nossas inquietações: como compreender a questão do especialista na
contemporaneidade? Como a figura dos especialistas é acionada em Cult?
Ocorre que, em nosso entendimento, há a necessidade de um deslocamento conceitual
(GIDDENS, 1991; BAUMAN, 2010) para se pensar a questão do especialista. Parece-nos que
esta figura opera em Cult numa uma outra chave, orquestrando mais que uma explanação
ideológica de seus afazeres particulares ou simples adesão a qualquer ideologia. Acreditamos
que a atuação dos especialistas em Cult está mais aproximadamente à perspectiva definida por
Antonio Gramsci (apud SEMERARO, 2006) sobre “intelectuais orgânicos”, que diz estes, são
organismos vivos que atuam de maneira a construir laços fortes de emancipação social a partir
da própria observação e participação na dinâmica social na qual estão inseridos/das. Partindo
dessa proposta, nos questionamos a respeito da representação do intelectual na sociedade
(SAID, 2005), pois, a que serve esta figura?
Por último, ainda em diálogo com nossa segunda questão, buscamos compreender o
processo de valorização dos especialistas/intelectuais - ainda tendo a definição dada pela revista
como pano de fundo, e das temáticas/assuntos abordadas por Cult no que ela decide qualificar
como relevantes. O que para Cult seria suficientemente relevante a ponto de ganhar espaço na
revista, sobretudo, resultar na produção de um dossiê? Qual resposta social a revista pretenderia
dar ao propor certas discussões e acionar determinados nomes? Não seria ingênuo imaginar que
várias destas escolhas partam da própria linha editorial da revista ou de sugestões de pautas
externas, mas o que buscamos investigar neste caso são os acionamentos próprios de um dado
momento e lugar específicos no curso temporal que tais pautas fariam emergir.
O material escolhido, de maneira deliberada para análise, visto que a pesquisa ainda se
encontra em construção, foi o dossiê 152 de novembro de 2010, que aborda o tema
Contracultura. O conjunto de autores que compõem o dossiê Contracultura são o professor de
filosofia da Universidade Estadual de Maringá (UEM) Robespierre de Oliveira; o poeta,
tradutor, compositor e autor do livro “Vozes e visões: Panorama da arte e cultura norte-
americanas hoje” (Iluminuras, 1996) Rodrigo Garcia Lopes; Claudio Willer, à época, pós-
doutorando em Letras pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de “Geração Beat”(L&M
Pocket, 2009); o jornalista Roberto Muggiati, que atuou na BBC de Londres nos anos 1960 e é
autor do livro “Rock: o grito e o mito” (Vozes, 1981) e Wellington Andrade, professor da
Faculdade Casper Líbero, cuja tese de doutoramento abordava os tema contracultura e teatro
brasileiro.
60
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
61
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
meio dos produtos de mídia e cuja atenção, segundo indicam os autores, ainda não é
devidamente dada pelos estudiosos. Propõem-se, para efetivação dessas propostas, algumas
categorias pensadas e articuladas a conceitos da teoria da História que se orquestrados,
poderiam dar conta de explicar a complexa relação temporal dos processos midiáticos, já que,
dar-se conta das diferenças das circunstâncias na duração é nos situar na história: contar do
nosso existir no tempo, narrar o nosso estar no mundo; e é por meio da narrativa que podemos
tornar essas experiências alcançáveis. “Pressupor a questão da narrativa nos estudos em
comunicação é discutir a temporalidade e as convenções narrativas em regimes de historicidade
precisos” (GOMES; LEAL; RIBEIRO, 2017, p. 42).
Pressupõe a partir desta constatação a adoção de um “olhar narrativizante” (LEAL,
2006) capaz de compreender a complexidade dos vínculos sociais, pois, narrar é dar corpo aos
acontecimentos, por meio de acionamentos da memória, das experiências das pessoas ou do
Outro; é recuperar do espaço de experiência novas possibilidades de vislumbrar o presente, de
criar novos mundos possíveis, novas interpretações do real, recriar nossa realidade sempre
mutável, evidenciando distintas maneiras de compreensão do mundo. É compreender nos
vestígios inscritos no presente as diferentes conformações e vigências do social que servem de
matéria prima para a análise dos processos comunicacionais.
Para tanto, faz-se necessário o auxilio de categorias analíticas ou “figuras de
historicidade” (GOMES.; LEAL.; RIBEIRO, 2017, p. 46) que são “imagens conceituais
capazes, simultaneamente, de fazer ver diferentes problemas temporais nos fenômenos
midiáticos (uma dimensão reflexiva) e sugerir caminhos e operadores para sua apreensão (uma
dimensão operacional)”. Os autores propõe cinco figuras sendo 1) o tempo histórico 2) o
testemunho, 3) a memória 4) a experiência e 5) o gênero, a fim de responder aos desafios
teórico-metodológicos que a complexa relação temporal dos processos e produtos midiáticos
faz emergir.
É por meio desta abordagem que acreditamos ser possível conferir a devida
profundidade aos produtos midiáticos, no caso do objeto em análise, um produto jornalístico,
por possibilitar o acionamento de memórias, experiências, pois, fariam refletir o leitor da revista
com perspectivas para além do aqui e agora, evidenciando a processualidade que envolvem as
narrativas e os textos publicados nos dossiês de Cult.
62
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
nas sociedades modernas a partir do que chamou de “sistemas peritos”, ou seja “sistemas de
excelência técnica ou competência profissional que organizam grandes áreas do ambiente
material e social em que vivemos hoje”. Estes sistemas peritos dependeriam da confiança e da
capacidade de abstração dos sujeitos para confiar em algo que não se pode conferir por si
mesmo. Porém, o que propomos neste estudo, é uma estratégia de trabalho intelectual que venha
de modo a romper com uma visão moderna de especialista.
A visão tipicamente moderna do mundo é a de uma totalidade em essência e
ordenada; a presença de um padrão desigual de distribuição de probabilidades
possibilita um tipo de explicação dos fatos que - se correta - é, ao mesmo tempo,
uma ferramenta de predição e (se os recursos exigidos estiverem disponíveis) de
controle. Esse controle (“domínio da natureza”, “planejamento” ou “desenho” da
sociedade) é quase de imediato associado à ação de ordenamento, compreendida
como a manipulação de probabilidades (tornando alguns eventos mais prováveis,
outros menos prováveis). Sua efetividade depende da adequação do
conhecimento da ordem “natural”. Tal conhecimento adequado é, em principio,
alcançável. (BAUMAN, 2010, p. 18)
Bauman (2010) propõe uma ruptura, uma distinção pós-moderna de intelectual, refere-
se, emerge de acordo com um número ilimitado de modelos de ordenamento do mundo gerado
pela autonomia das práticas individuais e coletivas. Tal proposição desloca a questão do
especialista para um entendimento enquanto comunidade de significados, para uma maior
relatividade do conhecimento, não depositando-o somente no exercício da perícia, explicitando
sua não totalização enquanto organismo ordenador do mundo, mas transferindo e reconhecendo
aos indivíduos sua capacidade de pensar; a possibilidade de não aceitar as coisa como dadas,
pois são capazes de distinguir e hierarquizar suas escolhas e de imaginar o mundo e a si
próprios.
Antonio Gramsci (apud SEMERARO, 2006, p. 377) distingue o intelectual
“tradicional”, mais próximo à perspectiva de Giddens, pois estes
ficavam empalhados dentro de um mundo antiquado, permaneciam fechados em
abstratos exercícios cerebrais, eruditos e enciclopédicos até, mas alheios às
questões centrais da própria história. Fora do próprio tempo, os intelectuais
tradicionais consideravam-se independentes acima das classes e das vicissitudes
do mundo, cultivavam uma aura de superioridade com seu saber livresco. A sua
“neutralidade” e o seu distanciamento, na verdade, os tornavam incapazes de
compreender o conjunto de sistemas da produção e das outras hegemônicas, onde
devia o jogo decisivo do poder econômico e político. Com isso, acabavam sendo
excluídos não apenas dos avanços da ciência, mas também das transformações
em curso na própria vida real.
63
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
ponto de partida para nossa abordagem: os especialistas, atuantes unicamente dentro de uma
lógica capitalista, no exercer de suas funções, enquanto agentes de sua profissão difere dos
intelectuais que estariam mais preocupados por democratizar o poder; na expansão dos direitos
civis; no componente reflexivo dos sujeitos; em reconhecer o funcionamento da sociedade,
desvelando os mecanismos de dominação encobertos pela ideologia dominante e os
enfrentamentos das classes na disputa pelo poder, pois, seria um modo de compreender em
profundidade os problemas humanos e de seus tempos, observando dentro e fora.
Diz Semeraro (2016, p. 376) “Gramsci valoriza com singularidade o saber popular,
defende a socialização do conhecimento e recria a função dos intelectuais, conectando-os às
lutas políticas dos ‘subalternos’”. Para o filósofo italiano, o campo de ação do intelectual
orgânico não está na sua independência, no seu agir sozinho no mundo, mas no conjunto das
relações sociais. Continua:
Deixando de considerá-lo de maneira abstrata, avulsa como casta separada dos
outros, Gramsci apresenta os intelectuais intimamente entrelaçados nas relações
sociais, pertencentes a uma classe, a um grupo social vinculado a um determinado
modo de produção. Toda a aglutinação em torno de um processo econômico
precisa dos seus intelectuais para se apresentar também com um projeto
específico de sociedade. (SEMERARO, 2006, p. 376-377)
Said (2005, p. 31) por sua vez indica que “o objeto da atividade intelectual é promover
a liberdade humana e o conhecimento”. Apostamos em ambas perspectivas, uma vez que é
observável em Cult uma tentativa de expansão entre o conhecimento cientifico, da filosofia, da
psicanálise, da política, educação, entre tantas outras áreas. Se estamos de acordo com tal
formulação do sujeito intelectual como construtor, organizador, educador permanente, temos
mais uma vez, o intelectual orgânico em Gramsci, como responsável por realizar a interconexão
64
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
entre mudos: do trabalho à ciência, passando pelas humanidades e formulações de visões sobre
as políticas.
No fim das contas, o que interessa é o intelectual enquanto figura representativa
- alguém que visivelmente representa um certo ponto de vista, e alguém que
articula representações a um público, apesar de todo tipo de barreiras. Meu
argumento é que os intelectuais são indivíduos com vocação para a arte de
representar, seja escrevendo, falando, ensinando ou aparecendo na televisão. e
essa vocação é importante na medida em que é reconhecível publicamente e
envolve, ao mesmo tempo, compromisso e risco, ousadia e vulnerabilidade.
(SAID, 2005, p. 27)
A perspectiva de Said (2005) nos faz ver uma movimentação entre indivíduos
intelectuais e as novas formas de comunicação contemporânea, de representação e atuação do
próprio intelectual que conjuntamente figurariam como termômetro do tempo ao pautar e captar
as demandas sociais de maneira impar. Ao estarem autorizados a oferecerem perspectivas sobre
a atualidade, a figura do intelectual em confluência com um veículo de mídia, por exemplo, dá
peso e seus argumentos que ganham relevância, podendo confabular com a sociedade em sua
tomada de consciência sobre determinados assuntos. Explanadas as proposições teóricas,
65
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
partimos para análise que tem ancoradas nas figuras de historicidade nossa abordagem
metodológica.
A primeira dessas figuras, o tempo histórico diz respeito a uma maneira de representar
a passagem dos tempos: de um passado não dado como morto, mas passível de ser acionado e
reconfigurado; de um presente para além do aqui e agora e de possíveis perspectivas de futuro,
tudo por meio uma observação na alteração do curso das coisas que afetam essa duração, das
diferentes porosidades que as compõe e sua relação com os agentes sofredores dessas
mudanças.
A segunda figura, o testemunho toca no modo como experimentamos o social numa
relação entre mídia e público. É por meio do testemunho que conseguimos perceber as
diferentes encenações da dimensão social da vida. Há no mundo diversas maneiras de
experiencia-lo, e o testemunho não foge a regra ocupando hoje ocupa privilegiado na
representação dos acontecimentos, como forma de apreender da realidade contada, mas não
enquanto mero meio de transmissão, mas de maneira figurativa. O testemunho é como damos
“cara” aos acontecimentos. A terceira das figuras diz respeito à memória, vista como
acionamento das experiência dos tempos idos, apoia-se na subjetividade para dar sentido à
(re)construção das vivências que se efetiva na ação presente. Segundo Gomes, Leal e Ribeiro
(2017) temos hoje os jornalistas e a mídia como importantes atores/agentes de
acionamento/construção de memórias, o que conferiria importante lugar ao acionamento das
memórias individual e coletivas.
A quarta figura, a experiência diz respeito a como no tempo as relações de natureza
histórica e estética são configuradas. Podemos entender a experiência enquanto meio onde se
percebe as relações históricas entre os sujeitos. Nos é caro, neste caso, nos estudos de
comunicação, discutir os limites e as potências que a experiência dos sujeitos evoca na
66
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
construção/reconstrução das dinâmicas e clivagens sociais. A última das figuras, o gênero deve
ser tratado enquanto categoria por meio do qual se orientam diversos produtos midiáticos e sua
relação diante das práticas sociais atravessadas por diferentes temporalidades e estruturações
históricas, que auxilia na maneira de interpretar os contextos sociais, políticos e culturais
buscando classificá-los. É uma maneira de organizar as reverberações
políticas/culturais/culturais, seus discursos construídos, perpetuados e suas rupturas na duração,
servindo de eixo norteador para a sociedade. Nossa analise, portanto, se ancorará na apreensão
destas cinco figuras para análise, a começar no dossiê Contracultura.
“A CULT de novembro dedica seu Dossiê ao tema [contracultura]. E o faz explorando
os caminhos da filosofia, da literatura, da música e do teatro” (p. 52). O dossiê narra eventos
ocorridos há 50 anos atrás, utilizando de análises de obras de importantes figuras da
contracultura; apresenta relatos de intelectuais que se debruçam/debruçaram em uma reflexão
sobre a temática, seja para a produção do dossiê, seja em outras instâncias - institucionais, a
universidade, por exemplo, ou um veículo jornalístico; apresenta resumos ou síntese de estudos
realizados pelos autores, etc. A começar, o texto de Robespierre contextualiza os
acontecimentos da década de 1960 e destaca a importância do filósofo Herbert Marcuse para
além dos ambientes acadêmicos, como um pensador/intelectual da contracultura. O texto diz de
questões que vigoram até hoje nas sociedades: combate contra opressão econômica e política;
o debate da questão sexual, do racismo, a emancipação da mulher, os direitos humanos, a
liberdade de expressão, entre outras questões (p. 55). É um contexto 1960, transcrito em 2010,
à época da publicação, e que encontra hoje fortes lastros na atualidade, que assusta e nos alerta
por sua urgência e vigor.
O acionamento do intelectual Marcuse constata-se na sua existência e atuação para além
do ambiente acadêmico:
Herbert Marcuse tornou-se conhecido de um público para além do meio
acadêmico, por ser um defensor do movimento de libertação em todas as suas
formas: o movimento feminista, o movimento ecológico, o movimento operário,
o movimento estudantil, o movimento negro, a guerra de libertação das colônias,
a guerrilha latino-americana, o combate ao stalinismo e a luta contra o
imperialismo, entre outros. (CULT, ed. 152; 2010, p. 55)
Marcuse se encaixa na descrição de intelectual assinalada por Said (2005, p. 35) que
propõe:
No fundo, o intelectual, no sentido que dou à palavra, não é nem um pacificador
nem um criador de consensos, mas alguém que empenha todo o seu ser no senso
crítico, na recusa em aceitar fórmulas fáceis ou clichês prontos, ou confirmações
afáveis, sempre tão conciliadoras sobre o que poderosos ou convencionais têm a
dizer e sobre o que fazem. Não apenas relutando de modo passivo, mas desejando
ativamente dizer isso em público.
67
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Não só a postura política de Marcuse foi admirada, como também suas posições teóricas.
“Baseava-se não em suas teorias, mas nas próprias necessidades vitais dela” (CULT, ed. 152;
2010, p. 55). Não há, no entanto, no texto, explanação ou detalhamentos de uma teoria em si,
mas sua aplicabilidade enquanto pensamento e atuação (de Marcuse) que diz do decorrer de um
tempo, em uma atualidade que, inclusive, vigora: daí podemos conferir sua relevância. “O
protesto dos jovens continuará porque é uma necessidade biológica”, mais que isso, continuará
porque é uma necessidade necessidade político-histórica. Ainda no primeiro texto,
identificamos um clamor pelas memórias de uma época; do social de uma época; que encontra
ecos no presente, no fervor de transformação da realidade existente. O retorno da utopia como
algo possível, conceito caro à geração contracultura.
Enquanto uma atuação ao que tomamos por intelectual, o texto Robespierre não serve
como um resumo da obra de Marcuse, mas como uma introdução ao pensamento e aos
engajamentos políticos, sociais e ideológicos do filósofo francês. Aciona-se, por meio da
experiência de Robespierre, que é professor de filosofia, leitor de Marcuse, uma abertura ao
conhecimento, não desprovido de crítica ou de contextualizações, de forma mais clara, de
imediato profunda, pois vale-se da simplicidade para evocar a transparência da intensão.
O segundo texto, de Rodrigo Garcia Lopes, analisa a poesia de Allen Ginsberg, um dos
expoentes da geração beat, evidenciando como o poeta pertenceu a uma tradição de inovadores
no plano formal e libertários na existência; uma poesia que ia na contramão dos padrões
poéticos pois clamavam tanto por liberdade quanto à vida em grau máximo. “Podemos dizer
que Allen Ginsberg é um dos poetas centrais de nosso tempo e talvez o último representante do
poeta público.” (p. 59). Enquanto uma abordagem intelectual, Ginsberg, um poeta público, se
aproxima bastante da concepção formulada a respeito do intelectual orgânico, pois, como
aponta o texto (p. 59):
Ginsberg foi um ativista pela mais diversas causas libertárias, imerso
corajosamente, nas questões de seu tempo (a censura, a barbárie da guerra, o
preconceito sexual e racial, a liberdade de expressão) […] Homossexual, judeu,
drogado, outsider, Ginsberg foi um catalisador ou porta-voz de anseios de
oposição ou resistência cultural, bem como de padrões de comportamento e
decoro poético.
Lopes, em seu texto, diz das experiências de Ginsberg, de sua capacidade em mostrar que
o que o poeta fazia não estava restrito a ele, mas que somente existia e haveria função pelo
outro. “A poesia não como algo restrito a poucos iniciados e sim aberta e democrática, imersa
nas questões de seu tempo” (p. 60). Ginsberg nos é apresentado biograficamente: onde nasceu,
onde se formou, por onde viajou, os prêmios que ganhou; os lugares para além da poesia que
68
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
figurou, suas memórias; sua existência, pois, narrada se torna viva, sobretudo quando evocadas
mesmo na experiência do próprio autor do texto que em 1990 realizou uma entrevista com o
poeta acionando a chave de seu testemunho, leitor de Ginsberg e o próprio Ginsberg, enquanto
ícone vivo (mais uma vez) no texto corrido. De modo geral, Lopes faz um percurso pela obra
de Ginsberg, fala de suas ações e experiências, uma especie de “resumatório”, diríamos, a
respeito do poeta e sua relação com a contracultura em detalhes que aproximam esta figura à
nossa, ponto de partida para um conhecimento mais aprofundado de sua obra.
Claudio Willer nos apresenta a obra de Jack Kerouac e tenta desvendar a mística da
marginalidade cultivada pelo escritor norte-americano em um movimento de recuperar ou
reencontrar algo do passado, verdadeiro, visando o futuro (reflexivo) como na (re)construção
de uma utopia. Seus escritos demonstram certa experiência de Willer com a obra de Kerouac,
enquanto leitor e intelectual/acadêmico que, à época da publicação, realizava seu doutoramento
em literatura pela Universidade de São Paulo (USP). Assim, como os demais textos
apresentados até agora, este também funciona de modo a apresentar a vida e obra de outro
intelectual, Kerouac, por intermédio da experiência de Willer. Desse modo, nós é apresentado
a vida e as virtudes de Kerouac; suas influências, feitos e vivências.
Roberto Muggiati, por sua vez, faz um panorama das manifestações musicais dos anos
1960, apresentando o rock como o som da fúria, do sentimento de milhões que achavam
chegada a hora de uma mudança radical. Fala das influências de Robert Allen Zimmerman, ou
Bob Dylan, da força e da efervescência da música do tempo de suas próprias experiências -
Mugiatti, à época dos acontecimentos narrados (1960), trabalhou na BBC de Londres, explicita
sua relação com as memórias e experiências e que acabam por se configurar de maneiras
parecidas com as demais narrativas; também é um especialista, tomando lugar de intelectual no
assunto, tendo publicado um livro “Rock: o Grito e o Mito” (Vozes, 1981).
Por último, Welington Andrade trata do tema da contracultura e o teatro brasileiro na
geração de 1969. A abordagem de Andrade toma a história não como lugar de fixação dos
acontecimentos, mas reconhece seu potencial de mudança. Argumenta como o espírito de um
tempo influenciou a dramaturgia, as manifestações culturais e o modo de vida no Brasil de
68/69. O que, ironicamente, são movimentações clamadas na atualidade - censura, “a crise da
palavra”; os valores da família burguesa, muito em voga hoje; a evolução sexual, a crítica ao
mundo do saber; loucuras, drogas que perduram hoje, diz de um ritmo, de uma duração, pela
qual ainda somos atravessados.
69
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Conclusões preliminares
Com o presente estudo pudemos observar que os textos publicados no material analisado
dossiê Contracultura (edição 152, novembro de 2010) acionam diferentes entendimentos. O
primeiro deles diz do próprio tempo da análise. Por se constituir em um material publicado há
quase 10 anos atrás, mas que guarda vestígios de uma atualidade estendida. As memórias e as
experiências acionadas pelos intelectuais que atuaram na construção do dossiê ainda são caras
ao movimento contracultural, o que assusta, pois, precisam ser discutidas sobretudo hoje.
É evidente que a construção do dossiê pode vir a figurar enquanto suplemento de ideias,
local de apreensão de novas abordagens e interpretações do mundo; local de apresentação ou
resumo de obras, ancorada na atuação dos intelectuais acionados pela revista na produção de
seus dossiês. Trata-se de um conteúdo publicado por uma revista mensal de informação, cuja
configuração é esperada para o meio, sobretudo para um veículo como Cult, que preza em
editorial pela transmissão clara de ideias, pela democratização do saber por meio de um tipo
diferenciado de jornalismo cultural. O que chama bastante atenção, no caso específico, é a
importância dada pelo periódico a produção sistemática de dossiês e os acionamentos próprios
da revista, atuação não observável nos demais veículos da categoria. Outro importante ponto a
ser levado em consideração diz respeito às distintas relações temporais pelas quais seu produto
é atravessado.
Não bastaria para Cult realizar apenas um apanhado de informações na revista, mas sim
fazer perceber em como elas operam, suas vigências e ramificações - já que as diferentes
temáticas perpassam diferentes campos do saber e conhecer; e nos diferentes tempos com o
qual a revista lida, tratando de obras e autores de outros tempos e outras épocas, mas que detêm
de suas reverberações, lastros, rastros, das melhores e das piores de suas constatações e em
como, hoje, podemos lidar com seu perdurar no tempo. Ao nosso ver, Cult parece querer
responder as demandas do social com base na alimentação do conhecimento de seus leitores e
pares, tanto na produção como na reprodução e circulação dessas informações que muito se
deve a atuação dos aqui chamados intelectuais, acionados enquanto mediadores de ideias.
70
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Referências
KOSELLECK, Reinhart. Estrato do tempo: estudos sobre história. 1. ed. Rio de Janeiro: Contraponto:
PUC-Rio, 2014.
LEAL, Bruno Souza. Saber das narrativas: narrar. In: GUIMARÃES, C.; FRANÇA, Vera. (orgs.). Na
mídia, na rua: narrativas do cotidiano. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.
Revista CULT, ed. 152. Dossiê Contracultura. São Paulo: Editora Bregantini, novembro de 2010.
RIBEIRO, Ana Paula Goulart.; LEAL, Bruno Souza.; GOMES, Itania. A historicidade dos processos
comunicacionais: elementos para uma abordagem. In: MUSSE, Christina Ferraz.; NICOLAU, Marcos.;
VARGAS, Herom. (orgs). Comunicação, Mídias e Temporalidades. Salvador: EDUFBA, 2017.
Acesso em: 24/06/2018. Disponível em: <
https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ri/22861/3/Comunica%C3%A7%C3%A3o%2CM%C3%ADdia
seTemporalidades_ChristinaMusse-HeromVargas-MarcosNicolau.pdf>.
RICOEUR, Paul. Tempo e Narrativa: tomo III. São Paulo: WMF: Martins Fontes, 2010.
71
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Resumo
O artigo busca discorrer como a globalização potencializa fluxos assimétricos de
comunicação oriundas dos Estados Unidos, tensionado culturas e identidades latino-
americanas e suas concepções sobre a imigração. Para a discussão, selecionamos três casos: a
construção do muro entre Estados Unidos e México, o encarceramento de crianças na
fronteira dos Estados Unidos e o episódio de xenofobia com refugiados venezuelanos no
Norte do Brasil. A metodologia da pesquisa é feita a partir do modelo praxiológico da
comunicação, de França (2003). Fazemos discussões sobre a economia política da cultura, de
Kellner (2001), a globalização imaginada, de Canclini (2003) os interstícios e hibridismos
culturais de Bhabha (1998) e as modernidades alternativas propostas por Huyssen (2014).
Concluímos que a alteridade é central para pensar nas identidades globalizadas, não sendo as
diferenças superáveis, devendo esta ficar sempre atrelada a subjetividade dos sujeitos, seus
afetos e experiências.
Abstract
The article seeks to discuss how globalization enhances asymmetric flows of communication
from the United States, stressing Latin American cultures and identities and their conceptions
about immigration. For the discussion, we selected three cases: the construction of the wall
between the United States and Mexico, the imprisonment of children on the border of the
United States, and the episode of xenophobia with Venezuelan refugees in northern Brazil.
The research methodology is based on the praxiological model of communication, from
França (2003). We discuss the political economy of culture, from Kellner (2001), imagined
globalization, from Canclini (2003), Bhabha's interstices and cultural hybridity (1998) and
alternative modernities proposed by Huyssen (2014). We conclude that alterity is central to
think about globalized identities, and that differences are not overcomig, and alterity and
differences should always be tied to subjects’ subjectivity, their affections and experiences.
1
Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho 1 Linguagens e Narrativas, do XI Encontro dos Programas de Pós-
Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais, 18 e 19 de outubro de 2018.
2
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Ouro Preto,
liviaacm@gmail.com.
72
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Introdução
Muito além dos fluxos colonizadores, as culturas latino-americanas são continuamente
afetadas pelas trocas comunicativas e imigratórias com os Estados Unidos. Partindo das
possibilidades de interações estabelecidas pela globalização e da modernidade, o advento da
internet viabilizou a partilha ainda maior de informações, notícias, fotos, vídeos oriundos de
todos os locais com acesso à internet. Essa partilha trouxe consigo um grande intercâmbio
informacional entre locais considerados desenvolvidos e os considerados não desenvolvidos.
Encontramos o tempo e nos mais diversos locais matérias, filmes, fotos e informações que
falam de como a vida é supostamente mais justa e honesta nos países considerados
desenvolvidos, em um eterno contraste local com os Estados Unidos.
Paralelo a isso, as crises econômicas e a busca por condições ideais de trabalho, saúde
e sobrevivência levam milhões de cidadãos latino-americanos a deixarem seus países e
imigrarem. Não faltam exemplos de notícias veiculadas pela mídia sobre as crises migratórias
que acontecem em todo o mundo e, considerando o continente americano, tem seu ápice na
busca por uma vida melhor nos Estados Unidos. Para essa discussão, selecionamos três casos
recentes que tiveram grande alcance nas mídias digitais e nos quais vemos a disseminação do
ódio contra imigrantes. O primeiro exemplo é a situação em que o presidente estadunidense
Donald Trump evidencia a construção de um muro entre o México e os Estados Unidos. O
segundo, relativo às atrocidades que levaram crianças a serem presas e separadas de seus pais
na fronteira estadunidense com o México perante a justificativa de uma política migratória de
tolerância zero. Em terceiro lugar, em uma perspectiva nacional, tivemos em agosto o
episódio em que brasileiros comemoravam a volta de venezuelanos para a fronteira enquanto
cantavam o hino nacional, em meio à crise de refugiados venezuelanos na região Norte do
Brasil. Esses episódios demonstram a onda de ódio ao redor do desejo ou da necessidade de
imigração, ficando ainda mais evidentes em meio às mídias sociais, onde discursos opinativos
são disseminados.
Considerando esses fluxos informacionais na comunicação globalizada, esse artigo
pretende responder como a mídia globalizada reitera as assimetrias interculturais entre os
Estados Unidos e a América Latina em relação à imigração. Investigamos esse fenômeno a
partir das discussões sobre o modelo praxiológico da comunicação, de França (2003), a
economia política da cultura, de Kellner (2001), a globalização imaginada, de Canclini (2003)
os interstícios e hibridismos culturais de Bhabha (1998) e as modernidades alternativas
propostas por Huyssen (2014). Aqui, partimos do pressuposto que no cenário da globalização,
73
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
74
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
metodologia a ação reflexiva dos sujeitos no mundo. Pensamos então na comunicação como
espaço para ação e intervenção, que funciona sempre de forma articulada para a constituição
do social. Somente através desse terreno, que partilha embates e lutas, é que seria possível a
articulação do mundo, tornando-o partilhado. Assim, segundo França (2003), a comunicação
estaria inserida na ação e experiência humana. Seu papel seria constituir a subjetividade e
intersubjetividade dos sujeitos, assim como a objetividade do mundo comum e partilhado. O
atual momento político brasileiro, por exemplo, alinhado a comunicação globalizada sobre a
crise enfrentada pela Venezuela, levam certos grupos sociais a criarem uma leitura
depreciativa do social venezuelano de forma que temam que o Brasil se torne “uma
Venezuela”. Neste constante confronto com a diferença, e sempre levando em conta o
coletivo, é que os sujeitos identificam sua identidade, de forma a estar sempre articulado com
o outro mesmo que não haja uma presença física. Com isso, consideramos que os sujeitos só
podem então ser constituídos na relação com o outro e no espaço da diferença. (FRANÇA,
2003, p. 40).
A forma pela qual tal constituição de mundo se dá é pela linguagem, que seria a maneira
pela qual teríamos a oportunidade de compreender essa ação humana e criar nossa
subjetividade e espaço de alteridade. Considerada bem mais do que um meio, a linguagem
para o modelo praxiológico da comunicação é a formadora do pensamento e não
simplesmente uma ferramenta. A linguagem permite então articular, processar e organizar
nossas leituras do social, mobilizando nossas interações. Nossa experiência no mundo é
sempre perpassada e possibilitada pelo âmbito social que envolve a linguagem, levando a
ideia de França (2003) sobre a narrativa ser um “mundo de possíveis”, nos quais limitamos
nossas possibilidades de julgamento e compreensão do mundo. Assim, dentro deste mundo de
possíveis, há tanto a possibilidade de constituir socialmente ou não uma análise depreciativa
da situação política Venezuela, podendo sê-la ou não um temor para a política brasileira. A
relação entre comunicação e vida social, por sua vez, remete exatamente a forma como na
comunicação é que se constituem as ideias sobre o mundo. Uma informação não seria dada,
mas dependeria da situação comunicativa, sendo permanentemente construída no social
quando este age no mundo. Tal princípio nos leva a pensar também, no caso deste artigo,
como a notícia de crianças imigrantes presas e separadas de seus pais na fronteira dos Estados
Unidos podem gerar sentidos distintos para sujeitos latino-americanos do que podem gerar em
outros grupos sociais, como aos Estados Unidos, que recebem esses imigrantes. Podemos
pensar, portanto, que o lugar da informação e de suas significações dependem sempre das
relações comunicativas e sociais dos sujeitos.
75
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Pensando através das perspectivas anteriores, podemos “apreender o social pelo viés das
dinâmicas comunicativas que o constituem.” (FRANÇA, 2003, p. 43) Com isso, o modelo
praxiológico supera a lógica de estudos comunicacionais anteriores que previam que a
transmissão de informação era ligada a produção-recepção, nas quais o sujeito seria
responsável pela recepção passiva de informações dadas pela televisão, rádio ou jornal. Indo
contra tal lógica, a comunicação mostra-se como ação reflexiva, em que a apreensão do
mundo é disputada de forma subjetiva, ganhando potência e se constituindo de forma
articulada:
A compreensão da comunicação enquanto atividade organizante, de construção
(modelagem) de um mundo comum (de pontos de vista partilhados) é o viés que nos
permite apreender em que medida as interações comunicativas, instaurando um
espaço público (uma relação de troca e partilhamento simbólico entre diferentes
sujeitos), são lugares que constroem esses sujeitos — e os constroem num mundo.
(FRANÇA, 2003, p. 51)
76
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
de sentido. Discursos apenas passam a fazer sentido dentro de uma relação, de forma que
enunciados semelhantes possam gerar significados divergentes a diferentes grupos sociais:
É dessa convivência paradoxal que decorre o processo de auto-instituição da relação
social: a reflexividade inerente da troca social consiste no fato de que ela age sobre
si mesma, procedendo a uma dupla determinação: por um lado, reduz a
indeterminação do conteúdo proposicional, definindo seu modo de emprego ou seu
sentido; por outro, especifica uma relação interpessoal, atualizando um dos jogos de
papeis socialmente instituídos. (FRANÇA, 2003, p. 49)
77
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
forças que tocam a vida social, mídia e cultura, Kellner (2001) promove uma rica discussão
sobre teorias dos estudos culturais e nos propõe pensar a economia política da cultura. O autor
problematiza a interconexão entre a cultura e a comunicação, gerando a cultura da mídia a
partir das instituições que a tangenciam.
Nesse sentido, o processo interativo permeado pelas tecnologias comunicacionais é
um exemplo de como a cultura da mídia é perpassada pelos interesses das grandes forças
ideológicas e econômicas. Uma forma de pensar essas forças é pautando como a indústria
cinematográfica mundial concentra suas produções em cenários como as cidades de Nova
Iorque ou Los Angeles, por exemplo. Transmitidas ao resto do mundo por filmes, tais
cenários são acompanhados de estereótipos e implicam em desejos sobre beleza, consumo,
relacionamento, moradia, trabalho, turismo e tantos outros assuntos. Cria-se, através de
produtos ficcionais, uma imagem idealizada dessas cidades e das vidas que as circundem, que
acabam por se tornar uma contrapartida a realidade latino-americana. O ideal estadunidense é
vendido diariamente não apenas pelo cinema, mas de forma diluída nos mais diversos espaços
de trocas comunicacionais de forma a exibir uma suposta segurança, qualidade de vida e
oportunidades profissionais que atraem milhões de latino-americanos. As lógicas da
comunicação não podem então ser pensadas em dissonância de sua vinculação ao poder e às
relações socioeconômicas. De forma a contribuir com a constituição de mundo, a economia
política da cultura incide nas interações como se fossem mercadorias que pudessem ser
adquiridas. Não poderíamos dizer, contudo, que exista um único eixo de potência que
buscaria a mercantilização da cultura, mas é possível considerar o esforço de diferentes
conglomerados com objetivos conflitantes para organizar a sociedade, sua subjetividade,
pautar tensões sociais, além de definir valores e objetivos sociais:
(...) a cultura veiculada pela mídia não pode ser simplesmente rejeitada como um
instrumento banal da ideologia dominante, mas deve ser interpretada e
contextualizada de modos diferentes dentro da matriz dos discursos e das forças
sociais concorrentes que a constituem (...) (KELLNER, 2001, p. 27)
Ao invés de rejeitar a cultura da mídia — o que não seria válido para os estudos
comunicacionais e nem possível já que estamos inseridos nessa realidade — devemos
problematizar a cultura da mídia a partir da identificação de como esta é ligada ao poder e
como incide em formas de dominação e resistência, lembrando que nem toda resistência é
progressista e pode apenas assegurar a sociedade já estabelecida. Na discussão desse artigo,
centrada nas concepções dissonantes sobre a imigração entre os Estados Unidos e a América
Latina, temos vários exemplos que nos fazem pensar na ligação da cultura ao poder. Embora
não diga exatamente sobre imigrações, mas sim sobre o ideal construído ao redor dos Estados
78
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Unidos, vimos no cenário brasileiro famílias que participaram em 2015 dos protestos a favor
do impeachment da até então presidente Dilma Rousseff com cartazes dizendo “era uma vez o
sonho Disney” em frente ao Congresso Nacional, ou “fora Dilma - quero ir pra Disney de
novo” 3. Os fluxos de conteúdo sobre “o sonho Disney” se originam em um centro de poder,
os Estados Unidos, implicando como força social e incidindo nos valores e objetivos sociais
reivindicados por esses brasileiros na manifestação.
Não podemos, contudo, pensar no exemplo do “sonho Disney” como se os sujeitos
recebessem de forma passiva os discursos da cultura da mídia e de um centro de poder como
os Estados Unidos, como se apenas aceitassem esses discursos. Precisamos pontuar a
recepção e representação dos sujeitos sobre esses fenômenos. Para isso, centramo-nos na
noção de Kellner sobre a materialização cultural, pensando em que ponto a cultura da mídia
desenvolve efeitos práticos na sociedade. “Portanto, situar os textos culturais em seu contexto
social implica traçar as articulações pelas quais as sociedades produzem cultura e o modo
como a cultura, por sua vez, conforma a sociedade por meio de sua influência sobre
indivíduos e grupos.” (KELLNER, 2011, p. 39). No caso desse ensaio, podemos pontuar
como os fluxos comunicacionais sobre a imigração oriundos dos supostos países
desenvolvidos, como Estados Unidos, geram assimetrias perante a América Latina, quando
crianças imigrantes são tratadas como se não fossem pessoas, mas como algo desumanizado
que estaria naquele espaço ilegalmente perante uma política xenofóbica e nacionalista.
Kellner (2011) afirma que a cultura veiculada pela mídia é a força dominante de socialização
e que ela produz modos de identificação e gera contradições. Se pensarmos na crise dos
refugiados venezuelanos no Brasil, podemos questionar as identificações e os efeitos práticos
gerados a partir do ódio a imigração que é disseminado pela mídia. Para pensar na mídia
como força dominante de socialização, devemos discutir sobre como a comunicação e a
cultura da mídia no mundo globalizado potencializam os fluxos assimétricos responsáveis por
valores e tensões que se materializam na cultura e na constituição de mundo latino-
americanos.
3
Imagens disponíveis em: http://g1.globo.com/distrito-federal/noticia/2015/10/crianca-protesta-em-brasilia-ao-
ter-ida-aos-eua-adiada-devido-ao-dolar-alto.html e https://twitter.com/5gu/status/809013547434971136. Acesso
em 03 set. 2018.
79
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
80
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
americanas sobre a imigração, que se veem numa condição pós-colonial que reverbera
conflitos, como a veneração idealizada perante os Estados Unidos. As afetações dos símbolos
da globalização modificam a forma que seus sujeitos entendem sua cultura e identidade:
Em suma: o cultural abrange o conjunto de processos mediante os quais
representamos e instituímos imaginariamente o social, concebemos e administramos
as relações com os outros, ou seja, as diferenças, ordenamos sua dispersão e sua
incomensurabilidade por meio de uma delimitação que flutua entre a ordem que
possibilita o funcionamento da sociedade (local e global) e os atores que a abrem ao
possível. CANCLINI, 2003, P. 57-58)
A ação dos sujeitos nessa instituição imaginária do social é crucial para entendermos
como se processa a modernidade e a globalização. O imaginário passa a ser a dimensão que
afeta as metáforas e narrativas, modificando e reconstituindo sentidos e flexionando a questão
cultural. Cada grupos sociais institui suas representações e práticas exatamente nesse campo,
como uma ação projetiva que configura a cultura, a diferença, as identidades e os estereótipos
que carregamos em relação aos demais. A representação social sobre uma criança imigrante
separada dos seus pais é construída de forma imaginária e intercultural, e o imaginário
estadunidense é configurado a partir das práticas e experiencias sociais do país. Com isso,
pensar especificamente no lugar dos sujeitos latino-americanos requer pontuar a experiência
subjetiva, as diferenças e contrastes de seus habitantes, já que tais diferenças são relevantes
para a construção de lugares e interações que geram fragmentações identitárias e imaginários
interculturais. A experiência social, as práticas e ações dos sujeitos no mundo constituem este
espaço onde o imaginário é reconfigurado. E, por isso, olhar os meios de comunicação, a
experiência dos sujeitos e a socialização é crucial para discorrer sobre a interlocução dos
fenômenos na ação dos sujeitos no mundo, pensando por exemplo em como a imigração é
muitas vezes um sonho e desejo por uma vida melhor perante os mexicanos, ou, do lado de
quem recebe os imigrantes, uma possível ameaça à vida já estabelecida dos moradores locais,
gerando assim ações xenofóbicas e que apoiam a baixa tolerância a imigrantes.
Pensando exatamente na interlocução dos fenômenos na ação dos sujeitos no mundo,
precisamos atentar como a globalização possibilita certa organicididade nas relações e uma
série de microinterações entre os sujeitos. A socialização pode ser vista nas relações
cotidianas, que acontecem no presente e durante toda a nossa vida. Bhabha (1998) se
preocupa em pensar em como esses processos originam diferenças culturais e impossibilitam
a uniformização dos indivíduos. As interações cotidianas são dessa forma os lugares nos quais
os sujeitos identificam alteridade, estruturam continuamente suas identidades e estabelecem
suas subjetividades. Assim entram em nossa discussão o conceito de interstícios, que
81
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
82
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
possível, nem que os Estados Unidos seriam um ponto de recebimento de grande contingente
de imigrantes por ser superior a demais países, desconsiderando que esta concepção é
constituída no passado devida a concepção de mundo dominante e é constantemente
reconstituída de forma híbrida pela mídia globalizada, algumas vezes reiterando assimetrias,
outras desenvolvendo reconhecimento sobre os hibridismos culturais. Reconhece-se com isso
a diversidade das modernidades culturais que existem ao redor do mundo e que implicam em
identidades e culturas variadas:
Então como agora, a modernidade nunca foi uma só. A nova narrativa das
modernidades alternativas, nos estudos e na antropologia pós-coloniais, nos faz
revisitar variedades de modernismo antes excluídos do cânone euro-americano como
derivadas e imitativas, e, portanto, inautências. A mudança de perspectiva é ainda
mais apropriada a medida em que pudemos compreender o colonialismo e a
dominação como a própria condição de possibilidade da modernidade e do
modernismo estético. (HUYSSEN, 2014, p. 21)
Essa mudança de perspectiva, ao sair do cânone dos Estados Unidos e outros países,
como os do continente europeu, nos possibilita pensar na modernidade latino-americana de
forma que suas dimensões culturais e suas diversificações passam a ser valorizadas. A
imigração assim — embora seja mais complexa que apenas no sentido das relações culturais e
identitárias — deixaria de ser vista como ameaça a identidade, segurança ou culturas locais. O
conceito de modernidades alternativas supera o temor sobre a globalização ser uma ameaça
que afetava as culturas de forma homogeneizante e alienada, não dando conta da
complexidade global e ignorando as relações desiguais e as negociações implícitas que vão
além da relação midiática e local. A solução para tal é pensar nas práticas da modernidade a
partir das “formas culturais transacionais que emergem da negociação do moderno com o
nativo, o colonial e o pós-colonial no mundo ‘não ocidental’”. (HUYSSEN, 2014, p. 23) Isso
nos demanda pensar na modernidade como uma linha que não é progressiva, mas que prevê
uma discussão sobre as lógicas internas e disputas de poder com as modernidades dominantes
pela organização do mundo na modernidade.
Pensar nessas lógicas de poder na modernidade nos demanda retomar as “múltiplas
camadas e hierarquias no intercâmbio cultural transnacional (HUYSSEN, 2014, p. 26) e,
como discutimos a pouco, nas assimetrias que compõem a nossa globalização cultural. Não é
possível visualizar apenas os grupos locais e negar que modernidades estadunidenses
tensionam as sociedades latino-americanas, já que há uma constante disputa pela organização
do mundo. As leituras da modernidade devem ser então complexificadas de acordo com o
contexto local, mantendo as divisões hierárquicas centradas na ideia de superior e inferior
como um paradigma que dá conta de exames comparativos sobre a globalização cultural:
83
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Considerações Finais
Este artigo se propôs a pensar em como as assimetrias interculturais entre América
Latina e Estados Unidos se dão na globalização ao redor da temática da imigração. As
contribuições desse artigo nos mostram como a comunicação globalizada promove uma
interculturalidade cada vez mais extensa que incide nas culturas e nas identidades dos sujeitos
84
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
85
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
cruzamento entre grupos sociais e culturas, entre suas concepções entre o certo e o errado,
sobre a busca pelo sucesso a partir do ideal cristalizado sobre os Estados Unidos.
Dessa forma, os hibridismos culturais inerentes à globalização estarão sempre ligados
a experiência humana e suas relações, de forma com que as identidades sejam sempre
transitórias e prevejam sempre a diferença entre grupos sociais. A ideia de modernidades
alternativas é essencial, assim, para vermos que as diferenças entre América Latina e Estados
Unidos não são superáveis, mas podem ser concomitantes, assim como suas disputas na
discussão sobre imigração. Como a modernidade não está desalinhada a economia política da
cultura, as modernidades alternativas, suas culturas e identidades são de forma constante
negociadas entre o local e o global, não podendo jamais tirar o foco da potência dos sujeitos
que constituem suas identidades e culturas latino-americanas.
Referências
BHABHA, Homi K. Locais da cultura. In: ______. O local da cultura. Belo Horizonte: UFMG, 1998.
p. 19-42
FRANÇA, V. Quéré: dos modelos de comunicação. São Leopoldo: Revista Fronteiras, v. V, n°. 2,
2003. p. 37-51
KELLNER, D. Guerras entre teorias e estudos culturais. In: ____________ A cultura da mídia.
Bauru: Edusc, 2001. p. 25-74
86
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Resumo
O presente estudo visa refletir sobre as identidades diversas dos sujeitos no contexto da
globalização em um mundo midiatizado. O cotidiano está atravessado por afetações que são
transnacionais e que acontecem em múltiplos sentidos, por isso se torna relevante discutir a
maneira como os sujeitos estão inseridos nesse contexto midiatizado, intercultural e
mercadológico, do mesmo modo que é de suma importância reconhecer como as narrativas das
instituições de poder constroem e elaboram estratégias para sustentar os espaços de poder,
criando e reforçando as diferenças sociais. O presente ensaio apresenta discussões referentes a:
o campo do imaginário e interculturalidade, a construção das identidades diversas, a tecnicidade
como facilitadora, e a influência da lógica de mercado. Esses conceitos foram tomados das
teorias desenvolvidas pelos antropólogos Arjun Appadurai, Néstor García Canclini, Jesús
Martín-Barbero, e pela jornalista Beatriz Sarlo.
Abstract
The present study aims to reflect on the diverse identities in the context of globalization in a
mediatized world. The everyday is crossed by transnational affectations which occur in
different directions, and that´s why it is relevant to discuss the way in which subjects are
embedded in a mediated, intercultural and market world, just as it is important to recognize how
the narratives of institutions shape power spaces, creating and emphasizing social differences.
The present essay presents discussions regarding: the field of the imaginary and
interculturalism, the construction of diverse identitarian convergences, the technicity as
facilitator, and the influence of the market logic. These concepts were taken from the theories
developed by the anthropologists Arjun Appadurai, Néstor García Canclini, Jesús Martín-
Barbero, and the journalist Beatriz Sarlo.
Introdução
O objetivo deste trabalho consiste em refletir sobre como, nesse momento de
globalização, as identidades diversas dos sujeitos se compõem, se afetam, se desconstroem e
mudam as formas como as pessoas se relacionam, atravessadas pelas narrativas tendentes a
1
Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho Linguagens e Narrativas, do XI Encontro dos Programas de Pós-
Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais, 18 e 19 de outubro de 2018.
2
Mestranda em Comunicação pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Ouro Preto
(PPGCOM- UFOP), bolsista CAPES. E-mail: valeriagiamportoni@gmail.com 87
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
88
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
refletir sobre as afetações dos sujeitos a partir dessa instabilidade da vida moderna. Nesse
contexto de mesclas interculturais, aparecem novas noções de cultura que dão lugar a outros
tipos de organização dos dados da realidade e o modo como os sujeitos a percebem e se
percebem em sociedade.
Dessa forma, se dá lugar a fazer o postergado questionamento à ordem estabelecida por
parte dos grupos que foram excluídos e assolados. As afetações são de todo tipo: socioculturais,
políticas, tecnológicas, econômicas, identitárias, mas, sobretudo, são cotidianas, e organizam e
demarcam as vidas dos sujeitos.
As práticas de interação com o mundo estão interligadas, são transnacionais,
globalizadas, midiatizadas, e, portanto, afetam a maneira como os sujeitos se colocam no
mundo. Desse modo, as interligações não podem ser limitadas a um ou dois âmbitos da vida
das pessoas porque o mercado e a introdução das tecnologias não dão conta da complexa
realidade. Os espaços sociais, a dimensão cultural e a figura do Estado coexistem marcados por
essa lógica de mercado, baseada na lógica de valor.
Quando se diz convergência, se faz referência especificamente às relações
comunicativas que não são unidirecionais, senão que são convergentes. As tecnologias vêm
nesse panorama a acompanhar os novos rumos da comunicação e atender às necessidades
humanas e sociais. Por essa razão, o uso das mesmas é principalmente direcionado pela
sociabilidade, e modifica os percursos dos discursos circulantes na mídia, ao mesmo tempo que
exigem uma especial atenção ao modo em que esses conteúdos midiatizados se integram no
cotidiano.
As condições de vida desses sujeitos em permanente estado de alerta a novidades de
entretenimento; propiciam o desenvolvimento de um mercado que promete cumprir tentadoras
promessas de liberdade. Para interagir e negociar com a globalização como indivíduos
coabitantes e projetar buscas de alternativas comunitárias, é preciso reconhecer a
multiculturalidade na qual cada pessoa se encontra imersa e se situar na base das diversidades
culturais das histórias e territórios, das experiências e das memórias individuais e coletivas.
89
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
massa exercem. Portanto, as condutas e os modos como esses indivíduos se interligavam foram
alterados e começaram a transformar também os discursos que moldam seu dia a dia e as
relações que estabelecem com a cultura e a midiatização.
A modernidade se apresenta com um caráter de persistente aceleração, de exposição
permanente dos sujeitos a um fluxo de informações, imagens e sensações que são intercedidas
pela midiatização. As particularidades da comunicação eletrônica nesse movimento global são
facilmente identificáveis nas formas das mensagens e no lugar dos espectadores, já que eles se
mantêm em constante movimento e vivenciam encontros incertos.
Acompanhando o curso variável dessas circulações, as pessoas se encontram com a
possibilidade de ampliar seus projetos de vida e os de seus sucessores nessa migração que
acontece tanto nos territórios como no campo da midiatização. Os novos modelos de construção
de uma vida própria convidam os sujeitos a se deslocarem e a adotarem novas maneiras de
viver, novas projeções de vida e novas oportunidades de desenvolvimento social.
Appadurai (1996) aponta na sua obra Dimensões culturais da globalização: a
modernidade sem peias, algumas distinções pelas quais ele afirma que a imaginação no mundo
globalizado, a partir da introdução da comunicação eletrônica, tem um papel que marca e
determina as reconfigurações das vidas dos sujeitos.
O autor afirma que a imaginação deixa esse lugar da expressão nas artes para permear
todos os campos da vida cotidiana. A segunda distinção é entre o conceito de imaginação -o
qual se encontra na dimensão da possibilidade de ação do sujeito e pode ter um sentido
projetivo- e de fantasia, que não tem uma perspectiva de acontecer na realidade. Por último,
marca o fato de que o caráter do imaginário é coletivo, em interferência com o modo em que se
pensa “o outro”, outras culturas, outras sociedades.
Para Appadurai (1996), a modernização traz consigo a possibilidade de transformações
na imaginação, ampliando também seu campo de imagináveis. Isso faz com que pensar a cultura
seja também um ato de ampliação do termo. O conceito de “cultura” na sua dimensão
substantiva já não dá conta das diferenças. A cultura como adjetivo apresenta um panorama de
diferenças que a tornam evidentemente mais útil para comparar e destacar pontos de
semelhança e contraste, e dar reconhecimento às diversas identidades no mundo. Aquelas
identidades são versadas em distintos tipos de categorias culturais, de acordo com a
conformação especifica das diferentes formas de sociedades conviventes. Deste modo, uma das
questões mais importantes que o autor coloca é o sentido de valorização das diferenças entre
sujeitos.
90
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
O autor concorda ainda com o pensamento de Canclini (2003) em voltar o olhar para as
identidades e suas diversidades, pensar como os sujeitos se veem, como veem aos outros, como
eles entendem essas identidades que hoje em dia no mundo globalizado parecem se erguer com
mais força. A globalização muda a visão do mundo, rompe com o espaço e atravessa o tempo,
mas, na singularidade das pessoas, ela muda as relações sociais, o modo em que os sujeitos se
constroem.
Por sua parte, o argentino Canclini se foca em dar peso ao imaginário, considerando-o
este lugar em que as pessoas instituem socialmente suas práticas. Visibilizar as diferenças
culturais ajuda a entender as identidades, e são elas as que dão peso ao imaginário dos sujeitos
no mundo.
A globalização, longe de ser um paradigma de algum tipo, uma ordem social ou um
processo único, “é resultado de múltiplos movimentos, em parte contraditórios, com resultados
abertos, que implicam diversas conexões ‘local-global e local-local’.” (CANCLINI, 2003, p.
43). As ações do sujeito no mundo são constitutivas do entendimento de como a globalização
se processa. Ou seja, os sujeitos recriam o mapa do mundo a partir da ruptura do tempo e do
espaço, emergindo como protagonistas em permanente articulação de sentidos, novos e
individuais, compartilhados pelos coletivos.
As narrativas e as metáforas são elementos de comunicação, relatos de pessoas
circunscritas a histórias de vida que resultam fundamentais para ajudar a compreender estes
fenômenos. O imaginário passa a ser essa dimensão que afeta essas metáforas e essas narrativas,
que se modificam e se constituem no processo da globalização. “Quero pensar a globalização
dos relatos que mostram, junto com sua existência pública, a intimidade dos contatos
interculturais sem os quais ela não seria o que é.” (CANCLINI, 2003, p. 46).
Assim, quando se trata de teorizar a globalização, é desejável pensar a ideia da
fragmentação estrutural do mundo, já que sabemos que existe uma multiplicidade de teorias
generalistas que tentam unificar e explicar o fenômeno global, sem sucesso. As divergências
são notórias no sentido de que não contamos com uma teoria unificadora que dê conta de todos
os pontos de vista, ou consiga pelo menos explicar todas as dimensões desse processo. Isso é
também consequência da fragmentação característica do fenômeno da globalização, a exclusão
de grupos sociais.
A busca de um novo modo de articular os processos é o que permitirá reordenar as
diferenças e as desigualdades para compreendê-las, integrá-las, ver as distâncias como desafios
que colocam as tecnologias no primeiro plano porque dão uma ideia de proximidade. Canclini
(2003) lembra que “[...] a globalização não apenas homogeneíza e nos aproxima, mas também
91
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
multiplica as diferenças e gera novas desigualdades [...] é impossível entendê-la sem os dramas
da interculturalidade e da exclusão” (p. 46).
Nesse contexto globalizante, os espaços também estão deslocados no sentido que
podemos encontrar elementos caraterísticos de um ou outro espaço cultural presentes em
qualquer outro espaço, que antes encontrávamos de forma mais localizada e culturalmente
concentrados em um lugar específico.
No caso do tempo, ele “muda” em sintonia com as mudanças dos sujeitos, podendo
apresentar um caráter moderno e tradicional ao mesmo tempo. Essas alterações ocasionadas
pela ruptura do tempo e do espaço podem ser combinadas de maneiras infinitas, e ser variáveis
em relação as condições, as possibilidades e os significados dos mesmos.
De qualquer modo, as interações não são infinitas e ainda mais: elas têm um fluxo com
direções específicas. Nas palavras de Canclini (2003):
Mas esse eventual reconhecimento do artesanato, da literatura e dos saberes
periféricos não permitem negar a “assimetria dos fluxos”, manifesta na distribuição
desigual de habilidades fundamentais e instituições modernas, de educação básica e
superior de tipo ocidental, de práticas administrativas e conhecimentos biomédicos.
Por isso Hannerz sustenta que a fluidez da circulação e contracirculação de bens e
mensagens não invalida a distinção entre centro e periferia. (p. 49)
92
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
93
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
O pessimismo cultural pressupõe o homogêneo, mas o uso das tecnologias que surgem
está direcionado pelo momento social que se atravessa, marcado pelas mudanças nas formas de
luta, a ruptura das lógicas prévias. Quer dizer que o cultural também pode ser pensado como
um conjunto amplo de possibilidades, sem deixar de ver a diversidade de povos, raças, culturas
e gostos, nem esquecer que as novas tecnologias estendem o campo de apropriação dos setores
subalternos para a construção de uma contra hegemonia.
Na pauta política, entram agora os esquemas da diversidade e a diferença, num intento
de ressignificar o âmbito de ação do Estado e de compreender a importância desse fenômeno de
retomada da disputa política, na potencialidade da globalização. Pensar os processos
globalizantes nos leva a pensar na dominação política, a criação de políticas públicas inclusivas,
as construções de blocos de poder, de instituições, das hegemonias e as soberanias.
As forças que se encontram articuladas nesse novo panorama podem ser convergentes
ou podem gerar novos conflitos, e com eles novos desafios. Os entrecruzamentos são de muitas
ordens, e também são transnacionais, quer dizer que atravessam e até tentam de diluir as
possíveis fronteiras e limitações de diversos tipos. O mundo do tecnológico com o
94
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
95
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
A jornalista e escritora argentina Beatriz Sarlo ressalta também essas mutações nas
formas de aprendizagens cognitivas e de expressão dos sujeitos, e a afetação dos movimentos
da globalização nas culturas juvenis. Ela sugere que a lógica do capitalismo é a da desigualdade
do acesso para dessa forma gerar a lógica do valor dos objetos. Nos lembra: “[...] corresponde a
uma ordenação total, mas sem deixar de, ao mesmo tempo, dar a impressão de percurso livre:
trata-se da deriva organizada do mercado” (SARLO, 2006, p. 16).
No percurso da sua obra, ela coloca a intenção mercadológica de tirar a história dos
lugares para reproduzi-los e “produzir culturas extraterritoriais das quais parece que ninguém
pode sentir-se excluído” (p. 20).
Sarlo afirma que as estruturas mercadológicas trabalham com o aprofundamento das
diferenças, e mexendo nas identidades dos consumidores. O espaço público entra em crise, mas,
por enquanto, os objetos vão ganhando poder e representatividade dos desejos das pessoas.
A rapidez com que o shopping se impôs na cultura urbana não teve precedentes em
nenhuma outra mudança de costumes, nem mesmo neste século marcado pela
transitoriedade da mercadoria e pela instabilidade dos valores. (...) em cidades que se
fraturam e se desintegram, esse abrigo antinuclear é perfeitamente adequado ao tom
de uma época. Onde as instituições e a esfera pública já não podem construir marcos
que se pretendam eternos, erige-se um monumento baseado justamente na velocidade
do fluxo mercantil. (SARLO, 2006, p. 22)
96
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Convém ao mercado manter as pessoas abstraídas buscando uma liberdade que garanta
a exclusão, gere diferenciações sociais, mas a partir de um discurso universalista promissório e
adaptado aos desejos imaginários da totalidade das pessoas, para não perder público. “Nunca as
necessidades do mercado estiveram afinadas tão precisamente ao imaginário de seus
consumidores” (SARLO, 2006, p. 41).
Considerações finais
Analisar a diversidade à luz da globalização é necessário para entender a complexidade
e o estado de permanente construção dos sujeitos no mundo. O surgimento de múltiplas
territorialidades e deslocamentos possíveis a partir dos fluxos migratórios nos fazem pensar na
troca contínua entre sujeitos, regiões, países e continentes, e as afetações mútuas entre o
contexto transnacional e as relações localizadas.
Resulta relevante destacar os sujeitos em suas ações no mundo, como imaginam seus
projetos de vida, como pensam, sentem, se deslocam, se constroem e desconstroem, fazem todo
tipo de intercâmbios, e desse modo eles vão constituindo cotidianamente suas identidades, as
quais são diversas. Reconhecer essas ações subjetivas múltiplas que estão construindo o mundo
o tempo todo é essencial para ocupar os espaços sem ignorar o caráter dominante do poder
hegemônico, a mercadologia que domina o ambiente, e tomar as oportunidades de
problematizar as identidades e potencializar os acessos.
O direito ao deslocamento e à liberdade de se reconhecer nas diversidades culturais e
sociais é um capital que em períodos de opressão política intensifica sua busca. As identidades
como construções sociais são sempre parciais e em permanente mudança, e as identificações
das pessoas existem amarradas a muitas categorias ao mesmo tempo, que se conformam em
concordância com os contextos diversos, motivo pelo qual elas não podem ser definidas.
97
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
98
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
e suas promessas libertárias na criação de grupos sociais privilegiados e outros excluídos por
seu caráter de “diferente” da normativa prevista.
Referências
SARLO, Beatriz. Abundância e pobreza. In: SARLO, B. Cenas da vida pós-moderna. 4. ed. Rio de
Janeiro: UFRJ, 2006. Cap. 1, p. 13-52.
99
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Resumo
Abstract
The present work is aimed to understand the prerogatives and paradigms that surround the
documentary "O Olhar Estrangeiro” of director Lucia Murat. This work, based on the book
"Brasil dos gringos: imagens no cinema", professor at Fluminense Federal University (UFF),
Tunico Amâncio, look abroad about Brazil and its inhabitants is questioned and criticized,
showing if you bother to brazilians and servants of his own film industry. "O Olhar Estrangeiro"
discusses the clichés and the euro-american fantasies that are mounting up on the nation. The
documentary shows what is the kind of vision that the world cinema has of Brazil. Filmed in
several countries, the film, through interviews with directors, playwrights and actors, unveils
the mechanisms that produce these clichés and perpetuate stereotypes.
1
Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho Estudos do Cinema e Audiovisual, do XI Encontro dos Programas
de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais, 18 e 19 de outubro de 2018.
2
Mestrando em Comunicação do PPGCOM da Universidade Federal de Juiz de Fora. E-mail:
felipe.r.gasparete@gmail.com.
101
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Introdução
O documentário O Olhar Estrangeiro (BRA, 2006, 70 min), da diretora Lúcia Murat,
mostra de que forma o Brasil e os brasileiros transformam-se em personagens de ficção pelo
cinema estrangeiro, em especial por produtores estadunidenses e europeus, e como a indústria
cultural, ao produzir e/ou reproduzir determinados clichês, nos devolve uma identidade que
revela-se nem sempre aceitável entre o público brasileiro. Ela causa estranhamento e repulsa,
uma vez que não nos sentimos representados na grande tela. Para tentar melhor entender o
objetivo do documentário, dissecaremos as críticas propostas pela diretora, baseando-nos
também na obra do professor Tunico Amâncio, O Brasil do Gringos: imagens no cinema, que
também assina o roteiro do documentário, no multiculturalismo nacional e no que tange ao
papel do cinema como veículo de comunicação e construção de uma imagem do real.
Em seu livro, Amâncio (2000) afirma que a intenção da obra não é debater sobre a
identidade nacional, uma questão que dificilmente poderá ser respondida, portanto, o mais
razoável seria recorrer aos pesquisadores e escritores que já desvendaram esse tortuoso e
complexo assunto, uma vez que são muitas as opiniões sobre a controversa questão da
identidade brasileira. Conjecturar “quem somos nós”, segundo Amâncio, é uma tarefa que vai
além desta pesquisa e que não traria uma resposta satisfatória, por também não ser o objeto de
estudo. Para tanto, o autor busca localizar os traços de uma determinada região ou situação, de
longas-metragens de nacionalidades diferentes, mas que em comum, possuem a mesma e
complexa questão: a representação do Brasil. Se separados de seus contextos, estes filmes não
significam tanto, mas se agrupados a outros exemplos do mesmo período, que têm o Brasil
como referência, expõem certos tipos de padrões já estabelecidos pela indústria cinematográfica
utilizada nos mais diversos gêneros do cinema.
No documentário, Lúcia Murat afirma que em cerca de 220 filmes estrangeiros, o Brasil
é um personagem e, portanto, resolve ir atrás de quem, de alguma maneira, contribuiu para essa
representação estereotipada do país. Isto posto, entrevista diretores, atores, produtores e
roteiristas destes filmes para tentar entender de onde surgiram essas imagens. Lúcia viaja à
França (Lyon e Paris), Suécia (Estocolmo) e Estados Unidos (Nova Iorque e Los Angeles) com
a intenção de ir além dos clichês, buscando os motivos que levaram a indústria cinematográfica
a entender o Brasil dessa maneira, surpreendendo-se diante de realidades mais complexas que
as retratadas em seus filmes.
Intercalando as entrevistas com diretores, produtores e atores, a diretora também colhe
falas de pessoas comuns destes países, que por desinformação ou desinteresse pela cultura
brasileira, repetem exaustivamente os mesmos termos já associados ao Brasil: samba, carnaval,
102
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
futebol, caipirinha, mulheres de topless, praias paradisíacas, selva, romance, dentre outros. Isso
apenas reforça a tese de que nossa imagem é mero reflexo de uma indústria que não se preocupa
em retratar o real, mas sim perpetuar elementos pré-concebidos a fim de delimitar toda uma
cultura e identidade nacional.
Tentando entender esta situação, Lúcia Murat avisa que a posição da câmera se inverte;
ela recolhe depoimentos precisos, alguns numa linha crítica e autocrítica, analista do sistema
de identificação que tira de um objeto apenas a imagem que interessa ao receptor para
reconhecê-lo. Para os estrangeiros, o Brasil sempre será um lugar apaixonante e de gente
apaixonada. Como pontua Michael Caine, protagonista de Feitiço do Rio (EUA, Stanley Donen,
1984), se essas imagens não fossem repetidas a exaustão não virariam clichês. O próprio ator
diz que a cidade do Rio de Janeiro possui uma reputação de sensualidade e, como o próprio
nome do filme diz, a maldade vem do Rio, numa tentativa de tirar a culpa do personagem
masculino e botá-la na cidade.
Pode-se notar nestes filmes a reprodução dos clichês em diferentes línguas por uma
indústria mais interessada em registrar aquilo que é diferente ou estranho ao seu cotidiano,
eliminando todo o resto a ponto de permitir-se ignorar aspectos correspondentes a própria
realidade. Nesse sentido, o cinema estrangeiro, e principalmente Hollywood, faz do latino um
sujeito único, inventando uma nova nacionalidade e ignorando todas as outras já existentes.
Reduzindo a poucas fórmulas aquilo que, na verdade, é plural e multicultural.
Isto quer dizer que in loco, ou em estúdio, o filme tem de se pautar por exigências de
verossimilhança de nenhuma maneira dispensáveis. O filme deve contar com rigorosa
observância à tradição local quanto ao imaginário social, político e artístico, o que
significa um trabalho quase etnológico de “mise-en-scène”. Nem sempre se consegue
fugir de uma tipificação, de uma folclorização ou de uma leitura redutora daquela
realidade e o cinema narrativo de ficção tem abusado deste princípio estatuído já na
suspensão da descrença que lhe é atribuída. (AMANCIO, 2000, p.46)
103
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Quando isto ocorre, o olhar do espectador se perde, e o cinema deixa de ser exclusivo
de uma arte elitista e passa a interagir no espaço coletivo, sendo atingido pela propaganda,
devido a sua reprodução. É quando a imaginação individual é substituída ou contaminada por
um imaginário coletivo de estereótipos e clichês (Amâncio, 2000). São uma espécie de
transmissores de imagens, representando cidades, ações, paisagens, construindo e repassando
um imaginário coletivo feito por artistas e empresas.
As Imagens do Brasil
As relações espaciais nos filmes estrangeiros causam grande confusão sobre as cidades
brasileiras e as paisagens naturais. O país é simplificado em imagens emblemáticas, tais como
Baía de Guanabara, Floresta Amazônica, Cataratas do Iguaçu, enganando suas reais dimensões
geográficas. As fronteiras e distâncias são alteradas pela montagem cinematográfica. Isso
possibilita a manutenção do estereótipo dos antigos mitos de índios, serpentes e macacos nas
cidades brasileiras. Além disso,
Mulatas, carnaval, Pão de Açúcar e Iguaçu, índios e Amazônia, o repertório de boas
locações, de personagens típicos ou de eventos de repercussão internacional são os
ingredientes que atraem os agentes secretos às voltas com os mais diferentes
antagonistas. (AMANCIO, 2000, p.74)
104
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Uma outra imagem que chama atenção é a do casamento na praia, também no filme
Feitiço do Rio, em que segundo o roteirista, era para o casal protagonista se sentir estimulado
e excitado ao ver a cerimônia. Segundo o entrevistado, “é mais uma ideia cinematográfica do
que seria um casamento brasileiro”. Esse olhar limitado acaba por reduzir a cultura brasileira
como um simples referente que marca a hierarquia de uma civilização (euro-americana) perante
outra (latino-americana).
Em algum trecho do filme O Campeão (EUA, Franco Zeffirelli, 1979), o personagem
de Jon Voight diz que se ganhar o torneio de boxe irá comprar uma casa no Brasil onde poderá
ver “lindas mulheres dançando o chachachá”. Na entrevista para Lúcia Murat, o ator atesta que
esta é uma boa referência ao Brasil, apesar de esta dança não fazer parte do nosso repertório
cultural. Ele ainda alega que, de uma maneira geral, as referências brasileiras para os
americanos vêm da música e do cinema, que promovem uma exacerbação de um país feliz.
L’ Homme de Rio (FRA, Philippe de Broca, 1964), para o seu diretor, é um longa que
lembra a adolescência, “não uma imagem do Brasil, mas uma imagem imaginária de um lugar
cheio de exotismo”. Como podemos ver, mais uma vez o elemento exótico como característica
das terras tupiniquins. Além disso, podemos observar novamente poucos atores nacionais nos
filmes estrangeiros. O mesmo diretor, porém, se revela surpreso pelo filme não ter sido bem
aceito no Brasil, enquanto teve uma boa repercussão ao redor do mundo. Ao ser questionado
por Lúcia se filmes americanos rodados em Paris o incomodava, ele afirma prontamente,
dizendo que o que faz a diferença são os “detalhes imbecis”.
Por que então, os filmes filmados em Paris incomodam o diretor de cinema francês e os
rodados no Brasil não incomodariam os brasileiros?
Para tentar responder a esta pergunta, utilizaremos as comparações de identidade
nacional proposta pelo professor Robert Stam no seu livro Multiculturalismo Tropical. Segundo
o pesquisador, Brasil e Estados Unidos são nações comparáveis no quesito da construção de
uma identidade nacional, mas que divergem quanto ao tema racial. Isso significa que a mistura
de índios, negros e brancos é vista de maneira distinta pelos dois países. O eurocentrismo faz
com que os estadunidenses se voltem para “a Europa em busca de autodefinição, em vez de
olharem para as sociedades multiculturais em seu próprio hemisfério” (STAM, 2008, p. 28). O
autor vai além e afirma que
Embora tenha se tornado um lugar-comum enxergar a América Latina como um
continente “mestiço”, não é sempre que se reconhece que a cultura estadunidense
também é mestiça, misturada, híbrida, sincrética, embora em grau menor. Enquanto a
105
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Robert Stam (2008) afirma que no Brasil a miscigenação com povos indígenas era uma
política adotada pela nação, já nos Estados Unidos essas propostas a fim de assimilar os nativos
na sociedade, via casamento ou inclusão social, eram amplamente rejeitadas. Assim, “enquanto
a ideologia norte-americana promovia mitos de separação e da natureza maldita do amor entre
brancos e índios, a ideologia brasileira promovia mitos de fusão através do amor entre o europeu
e o indígena” (STAM, 2008, p. 29). Isso gerou, o que o professor classificou, de “recusa do
espelho”, ou seja, os estadunidenses recusam esta visão devido a um provincianismo e
arrogância étnica, como se fosse danoso ao orgulho nacional comparar uma nação desenvolvida
com um país do Terceiro Mundo como o Brasil.
Para o produtor sueco Bo Josson, todos esses filmes sobre o Brasil “têm uma visão
pronta do que é o Brasil”, e utilizam todos esses clichês na construção dos roteiros
cinematográficos. “Às vezes acho que querem o clichê”, diz Josson para Lúcia. De alguma
forma, eles refletem o velho estilo colonialista, não querem ir fundo na “alma brasileira,
preferem ficar na praia”, certifica o cineasta.
Outro fato que repete na grande tela são os temas das mulheres bonitas e sensuais e do
conquistador latino, mesmo que este tenha sotaque espanhol, como acontece com os filmes Next
Stop Wonderland e Amazônia em Chamas (EUA, John Frankenheimer, 1994). Este último
produzido originalmente para televisão pela rede HBO, sobre a vida do seringueiro acreano
Chico Mendes. O papel principal é interpretado pelo ator porto-riquenho Raúl Julia e rodado
no México. Não houve nenhuma relação da produção com o Brasil, exceto pela presença de
Sônia Braga (interpretando a última companheira de Chico). Os demais atores eram todos
hispânicos, e o filme é falado em inglês e espanhol.
O longa-metragem Orquídea Selvagem (EUA, Zalman King, 1990) perpassa essa
imagem de um Rio de Janeiro exótico e selvagem, como podemos observar na própria sinopse
do filme: “Para comprar um resort Claudia Dennis (Jacqueline Bisset) viaja para o Rio de
Janeiro com Emily Reed (Carré Otis), uma jovem advogada recém-contratada que é vulnerável
e inocente. Ao chegar Emily se envolve com um milionário, James Wheeler (Mickey Rourke),
que tem um estilo de vida incomum3”. Neste filmes, o produtor afirma que queria condensar
3
Extraído de: http://www.adorocinema.com/filmes/filme-30263/. Acesso em 18 jun. 2018.
106
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
duas cidades brasileiras em uma só: Rio de Janeiro e Salvador. O Rio como sendo esse lugar
exótico e selvagem, mas com uma religiosidade de matriz africana como Salvador.
Essas entrevistas comprovam esta apropriação dos diretores, produtores, roteiristas e
estúdios de cinema por colocarem a cultura brasileira em segundo plano e desprezo pela
realidade dos lugares.
Mistura forçada com o filme Lambada – A Dança Proibida (EUA, Greydon Clark,
1990), em que reforça a falta de conhecimento sobre a floresta amazônica, ao retratar uma
princesa indígena branca, que fala inglês e é a melhor dançarina de lambada. Segundo o diretor
Greydon Clark, Menaham Golan, produtor executivo do filme, ouviu a música Lambada,
produzida pelo grupo musical Kaoma quando esteve na Europa. E como a canção estava no
auge das paradas europeias, Golan decidiu fazer um filme baseado na música e na dança. O
longa foi produzido às presas, pois “outras companhias também queriam fazer filmes sobre a
lambada, então ele tinha grande pressa em fazê-lo”, relata o cineasta. E como não havia história,
apenas música e dança, os roteiristas utilizaram as já antigas fórmulas estereotipadas sobre o
Brasil, como podemos observar pelo enredo da trama: “No início da década de 1990, as florestas
tropicais brasileiras estão sob a ameaça de uma grande multinacional americana. Buscando uma
solução, a princesa Nisa (Laura Harring) viaja com o xamã Joa (Sid Haig) para Los Angeles, a
fim de encontrar um modo de salvar a fauna e flora do local. Mas os planos não dão muito certo:
Joa é preso e Nisa deve encontrar, sozinha, a solução para impedir a destruição da floresta. A
salvação vem quando ela encontra um jovem dançarino, e juntos resolvem participar de uma
competição de lambada promovida por uma emissora de TV”4.
Clark afirma que foi uma mistura forçada, mas que o estúdio achou necessária pois
queriam levar a lambada aos Estados Unidos e ao mesmo tempo mostrar os problemas que
estavam acontecendo com a floresta amazônica. “Pensamos em juntar os dois, mesmo não
sendo muito correto”, afirma o cineasta. “Ainda assim a história mexeria com as pessoas. Elas
poderiam ver o filme, apreciar a música e a dança, ver o que acontece com uma jovem que vem
aos EUA, e sair sabendo que existe uma floresta amazônica e algo deve ser feito para protege-
la”, conclui.
Ao longo das últimas décadas, a imagem do Brasil apresentada pela mídia dos EUA
mudou de uma imagem “positiva” (apesar de paternalista” do país, como o cenário
vibrante do carnaval, do samba e do futebol, para uma imagem claramente negativa,
como o local cataclísmico de massacres de crianças, devastação apocalíptica de
florestas e exploração de ouro da Serra Pelada como um formigueiro. Em ambos os
casos, a “ponta de verdade” factual é transformada pelo cinema dominante e pela
indústria internacional de notícias em algo terrivelmente parcial e enganador. Filmes
como “Feitiço do Rio” e “Orquídea Selvagem” apresentam uma versão caricatural da
4
Extraído de: http://www.adorocinema.com/filmes/filme-236137/. Acesso em 18 jun. 2018.
107
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
O que falta nestas representações é um Brasil como um país com elos, tal qual os Estados
Unidos, e com uma história comparável, em termos de poder.
A Indústria Cinematográfica
Em O Olhar Estrangeiro, Lúcia Murat também aborda questões acerca da indústria
cinematográfica e as normas que a regem. Como bem exemplifica a diretora, o ator Raúl Julia,
protagonista do filme Amazônia em Chamas, no qual a língua falada era o inglês com um forte
sotaque hispânico, aponta os motivos dessa escolha. Segundo o ator, entre o espanhol e o
português, os estúdios sempre preferem a língua mais falada. Como a maioria dos países da
América Latina têm o espanhol como língua oficial, e não o português, essa foi a razão pela
escolha do idioma no filme, apesar deste ser ambientado no Brasil. A língua falada nos filmes
hollywoodianos é o inglês, para o público estrangeiro. A produção cinematográfica impede que
seja na língua local, pois não atingiria muitos públicos.
O Brasil rico, industrializado não é exótico aos olhos dos gringos. Para o estrangeiro,
cidades como São Paulo e Brasília são parecidas com as grandes metrópoles euro-americanas,
com a realidade estrangeira. Falta referências ao Brasil exótico que existe na construção
imaginária.
Apesar de as histórias se passarem no Brasil, muitas companhias optam por filmar em
estúdios ou em outras locações, seja por motivos financeiros ou por dificuldades de
deslocamento. O poder de Hollywood é ilimitado, pois cria impressões culturais e as tornam
verdadeiras, fazendo que o público veja esse povo assim para sempre.
108
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Além disso, no documentário fica claro que o peso de Hollywood tem muita influência
nas decisões dos diretores. O ator Raúl Julia afirma no documentário que as companhias
cinematográficas preferem atores americanos ou europeus, pois desta forma são mais um
atrativo econômico aos grandes estúdios. Como o mesmo diz à Lúcia Murat: “Tudo se resume
a dinheiro nos Estados Unidos”.
Outro exemplo explorado exaustivamente pela indústria cinematográfica apontado em
O Olhar Estrangeiro é a figura de Carmen Miranda. Apesar de ter nascido em Portugal (Marco
de Canaveses, 1909), foi o mais excêntrico ícone brasileiro no cinema estrangeiro. A atriz
aproximou e afastou ao mesmo tempo os latinos do cinema, como objetos exóticos.
Carmen Miranda se torna então componente e matriz de uma “iconografia histórica da
estereotipia brasileira” no cinema. Buscavam-se os clichês já estabelecidos pela indústria
cinematográfica, e ela mesma se apropria de alguns conteúdos da indústria de massa (mulher,
latina, residente do terceiro mundo) e potencializa a personagem assexuada.
Tais serão as principais marcas de Carmen: sua música, sua coreografia e a
extravagância de suas vestimentas. Sua incompetência linguística para o inglês vai ser
um falso indício, uma marca registrada de sua estratégia de sedução pela ingenuidade.
(AMÂNCIO, 2000, p.93)
Todavia, na maioria dos casos, o cinema estrangeiro trata as mulheres brasileiras com
um olhar severo, de desconfiança, como se tivessem que ser reprimidas por sua sensualidade, e
que a presença abalaria estruturas de afeto já consolidadas. A brasileira é vista por uma imagem
pré-concebida: agressividade sexual e infantilidade intelectual.
109
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Os brasileiros no exterior são vistos assim: malandros, novos ricos, princesas fugidas,
mulheres insaciáveis, travestis caídos na marginalidade. Através deles se pode mapear
um imaginário solidificado num confronto constrangedor entre as duas culturas
representadas. (AMÂNCIO, 2000, p.99)
Clichês e Estereótipos
Em sua busca por entender os conceitos de clichê e estereótipo, Lúcia Murat faz um
jogo de palavras com os entrevistados. A partir daí fica claro o posicionamento dos clichês
sobre o Brasil e os brasileiros.
Segundo Tunico Amâncio (2000), chavão, lugar-comum, frase feita, clichê e banalidade
são sinônimos que demarcam um campo de situações de linguagem chamado “estereotipia”:
atividade que localiza na abundância do real, ou texto, um modelo coletivo cristalizado. São as
simplificações que atuam na estereotipia, compreendendo desde a ideia comum, da opinião
corrente e banal até as ideias preconceituosas e consolidadas nos discursos por um processo de
repetição.
O campo da estereotipia é instalado, assim, pelo domínio das técnicas de reprodução
gráficas, colocadas a serviço de um novo condicionamento da palavra, da imagem
pictórica, da tradição oral, da mitologia, Sintomaticamente, é neste momento que
serão definidos o clichê e o estereótipo. (AMÂNCIO, 2000, p.136)
110
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
O conceito mais clichê sobre o estereótipo é “uma imagem em nossa mente”. Imagens
de segunda mão que mediatizam nossa relação com o real, através do que a cultura definiu
previamente. É, portanto, um objeto de estudo nas ciências sociais. “Sua vertente positiva se
assenta na construção de uma identidade social, sua vertente negativa se assenta no preconceito
e nesses dois registros repousa a tentativa de sua definição precisa” (AMÂNCIO, 2000, p. 138).
Desta maneira, as ideias sobre nacionalidades e minorias culturais são formadas pela
desvalorização das mesmas e reforço de uma imagem de diferença e inferioridade. A
representação social desses grupos é forjada a partir de um conjunto de opiniões que o
estereótipo já delimitou em um único elemento: a generalização. Um mesmo traço que é
atribuído a todos aqueles que foram afetados pela simplificação cultural.
Atravessada pela banalidade, pelo lugar-comum e pelo preconceito, a imagem do
Brasil e dos brasileiros nos filmes de ficção estrangeiros se ordena segundo
articulações históricas, procedimentos retóricos, simplificações socioculturais.
Alguns olhares com matrizes localizadas (o visitante, o emigrante, o exilado) se
expandem e se ramificam em tipificações redutoras (a mulher sensual, a travesti –
sempre ligados a um transbordamento da sexualidade e a uma regressão patológica ao
nível da saciedade dos instintos primários no contexto de uma provocação social) uma
cristalização de um modelo de comportamento social transgressor (o carnaval e o
recurso a práticas religiosas não tradicionais no ocidente). A Amazônia é a região que
se inscreve no cinema estrangeiro enquanto renovação temática e cenário singular.
(AMÂNCIO, 2000, p.140)
Já sobre a definição de clichê, Amâncio afirma ser bem próximo do estereótipo, cuja
etimologia aponta para a duplicação tipográfica. Para o professor, o cinema é uma linguagem
sem léxico, mas que emerge construções de imagens que se repetem, se consolidam e se
solidificam.
De acordo com a obra, o clichê reforça a banalidade, porém foge da forma. Ele é
modulado como estratégia discursiva de função e ação. Por assim dizer, ele é melhor aceito na
medida em que sensibiliza o espectador, produzindo um certo grau de familiaridade, sendo
depois aceito e compartilhado.
Porque se os dois termos designam uma imagem já conhecida, eles operam em níveis
diferentes: o clichê, por uma banalização de uma unidade discursiva (ligada ao que a
tradição retórica chama de elocutio, escolha e disposição das palavras na frase,
organização no detalhe, o trabalho de ‘estilo’), o estereótipo correspondendo a uma
estrutura conceitual cristalizada (ligada à inventio: assuntos, argumentos, lugares,
técnicas de persuasão e de amplificação). (AMÂNCIO, 2000, p.142)
111
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Para o psicólogo social, Jean Maisonneuve (1977), os estereótipos são informações que
organizamos quando nos deparamos com o outro, e o colocamos em diferentes “gavetas”, de
acordo com a informação que recolhemos. De um certo modo, utilizamos de categorias para
classificar pessoas e organizar o meio em que vivemos. Quando estas categorias são usadas por
um grupo e os elementos deste grupo partilham essas convicções, elas se tornam estereótipos.
Os estereótipos são o conjunto de crenças, opiniões, que adquirimos durante nosso processo de
socialização e que simplificam a nossa realidade, mas que distorcem e generalizam
características, atributos e comportamentos de certos grupos, pessoas e culturas.
Ainda segundo Maisonneuve, estas características podem ser negativas, neutras, mas
também positivas. Além do mais, ele classifica os estereótipos em diversas classes, como os
relacionados ao gênero; raciais e étnicos; socioeconômicos; religiosos e profissionais.
Resumindo, os estereótipos são demasiado rígidos, generalistas e também bastante simplistas,
sendo mais uma caricatura pois evidenciam os aspectos mais salientes, ignorando as diferenças
individuais.
Os estereótipos têm duas funções primordiais (MAISONNEUVE, 1977): uma mais
sociocognitiva, em que apresentam-se como representações, ideias simplistas para guiar as
relações sociais. Categorizar a realidade social permite-nos analisar convenientemente o mundo
social em que estamos inseridos, interpretando o que está bem ou mal, o que é justo ou injusto,
o que está certo ou errado. A segunda função é a socioafetiva, na qual os estereótipos nos
ajudam com a ideia de identidade social. Isto denota que, parte do que somos está relacionado
com o fato de que pertencemos a certos grupos sociais, o que nos leva a diferenciar-nos dos
outros que interagem com grupos diferentes. Os estereótipos reafirmam a identidade de um
conjunto, permitindo a um determinado grupo definir-se, seja positiva ou negativamente, em
relação aos demais.
A distinção entre opinião particular e opinião pública, por legítima que seja, nem por
isso resolve a dificuldade, pois uma e outra interferem entre si, de maneira sutil e
movediça. A própria opinião pública, domínio de eleição do psicólogo social, tange a
um sistema de crenças fortemente enraizadas e cristalizadas, assim ao nível coletivo
como ao individual; de outra parte liga-se a processos episódicos afetados de forte
112
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Um dos problemas dos estereótipos é que eles limitam as expectativas e percepções que
temos relativamente aos outros, fazendo com que ignoremos as particularidades de cada pessoa,
grupo e/ou cultura. E eles também tendem a ser duradouros, sendo muito difícil evitá-los no
meio social. Entretanto, o mais importante é impedir que os nossos estereótipos moldem
completamente os comportamentos e que se transformem em preconceitos.
Considerações Finais
O Brasil é um daqueles países que sempre despertou a imaginação popular e esteve no
imaginário coletivo como uma terra longínqua e exótica. O olhar proposto por Lúcia Murat é
aquele que busca localizar na paisagem audiovisual, especificamente no cinema estrangeiro, os
traços do Brasil e dos brasileiros representados na grande tela.
Este mesmo cinema incorporou algumas ideias, que toma por base modelos de
representação criados pela indústria cultural, impulsionada principalmente por produtos
cinematográficos. “Em se tratando de produção audiovisual, é impossível não citar a influência
da teledramaturgia na construção de todo um imaginário e na projeção de cenários brasileiros,
tanto em termos nacionais como em internacionais” (NASCIMENTO, 2009).
Essas figuras e ícones modelaram o imaginário sobre o Brasil e os brasileiros, criando
figuras por composição temática que remetem a clichês e estereótipos (AMÂNCIO, 2000). “O
clichê reforça a banalidade, mas escapa do estatuto da forma: ele é modulado como estratégia
discursiva de função e ação” (AMÂNCIO, 2000). Dispersa pelos filmes, a imagem brasileira
não chega a compor um repertório sólido de figuras de expressão, e isso pouco importa na tela
em relação à trama (AMÂNCIO, 2000).
Justifica-se a escolha do documentário O Olhar Estrangeiro como fonte para a
compreensão da produção de estudo sobre a representação da imagem brasileira, pelo poder de
alcance que o mesmo tem na sociedade, à medida que as representações cinematográficas são
tomadas como modelos a serem seguidos ou verdades incontestáveis por um grande número de
espectadores, e que possui um forte impacto quando está em destaque nas telas (computador,
cinema, televisão), influenciando os conceitos do espectador.
(...) o que conta não é tanto a popularidade dos filmes estatisticamente mensurada,
mas a popularidade de seus temas pictóricos e narrativos. A persistente reiteração
destes temas marca-os como projeções externas de desejos internos. E eles
obviamente têm muito mais peso quando ocorrem tanto em filmes populares quanto
em não populares, em filmes classe B ou em superproduções. (KRACAUER, 1988,
p.20)
113
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Os filmes passam uma imagem da realidade de uma certa sociedade e podem oferecer
mensagens de cunho político, social ou simplesmente mero divertimento. E a representação
cinematográfica retrata a qualidade de vida desse lugar, no caso deste trabalho, o Brasil,
cenário de tantos filmes estrangeiros.
Para Amâncio (2000), o cinema é a arte da representação, que também deve trabalhar
com um certo grau de verossimilhança. O filme deve conter rigorosa atenção às tradições e
costumes locais, mas nem sempre é possível fugir de uma folclorização da cultura local. “O
cinema é hoje, simultaneamente, arte, técnica, indústria e, sobretudo, mito, pois não resta
dúvida que desde seu surgimento encantou as pessoas ao criar um mundo particular recheado
de sonhos e fantasias” (NASCIMENTO, 2009).
Nascimento (2009), ainda afirma que o contexto midiático, forte plataforma para os
deslocamentos simbólicos, é um dos motivadores de deslocamentos espaciais. Mesmo que
estejamos fisicamente parados, navegamos através das poltronas, percorrendo pelos canais da
TV, mergulhando nas grandes telas dos cinemas, ou surfando na rede. Esse cenário possibilita
a realização de viagens sem que de fato tenhamos que sair de casa. O cinema, sendo
considerado como produto de arte e produto comercial, apresenta o reflexo da bagagem
cultural de seus criadores, formado a partir de suas próprias experiências.
Não há quem não resista ao clima gerado por uma boa história na telona, no escuro,
onde as pessoas podem se desligar da vida real e entrar no universo lúdico. É isso que
o público almeja, procurar novas sensações e viver aventuras semelhantes as dos
personagens fictícios. O audiovisual pode ser considerado um eficiente e criativo
diferencial estratégico até para os lugares desconhecidos para o público. No entanto,
poderiam ficar famosos se fizessem parte de uma história. (OLIVEIRA, 2013, p.6)
Portanto, O Olhar Estrangeiro nos revela que os clichês seguem como força-motora
da representação cinematográfica e comprova a dificuldade de transformar o olhar em
linguagem para revelar o outro lado das etnias na ficção cinematográfica. Conforme a diretora,
Lúcia Murat, o olhar estrangeiro pode ser marcado como aquele que aponta o que lhe é
diferente, o que lhe é estranho, excluindo o resto. E neste duelo entre as ideias que os
estrangeiros têm de nós e as que os brasileiros têm de si mesmos é que se encontra a alma do
documentário, porque fica notório que não existe uma identidade nacional bem definida.
114
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Referências
AMÂNCIO, Antônio Carlos. O Brasil dos Gringos: Imagens no Cinema. Niterói: Intertextos, 2000.
AUGUSTO, Sérgio. In: JOHNSON, Randal; STAM, Robert (org.). Brazilian Cinema. New York:
Columbia University Press, 1995.
AUMONT, Jacques; MARIE, Michel. Análisis del film. Barcelona-Buenos Aires-México: Paidós,
1990.
BORDIN, Dagoberto José. A Dicotomia Clássica “Nós-Eles” no Cinema. Disponível em: <
https://www.cinecachoeira.com.br/2012/03/o-brasil-como-outro-visto-pelo-cinema-e-a-dicotomia-
classica-%E2%80%9Cnos-eles%E2%80%9D/>. Acesso em 01/07/2018.
CANCLINI, Néstor Garcia. Culturas híbridas. São Paulo: Edusp, 1997. DELEUZE, Gilles. Cinema 1:
A imagem-movimento. São Paulo: Brasiliense, 1985.
DENNISON, Stephanie; SHAW Lisa. Popular Cinema in Brazil, 1930 -2001. Manchester – New
York: Manchester University Press, 2004.
HENNEBELLE, Guy. Os cinemas nacionais contra Hollywood. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.
MEDEIROS, Bianca Freire. O Rio de Janeiro que Hollywood inventou. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.
OLIVEIRA, Raimundo Thiago Alves de. Cinema como fonte de pesquisa histórica: Construção da
imagem homossexual na produção contemporânea. Disponível em <
http://www.snh2013.anpuh.org/resources/anais/27/1371291529_ARQUIVO_artigothiago_A
NPUH2013_.pdf >. Acesso em 08/07/2018.
RASIA, Régis Orlando. E quando o “outros somos nós”? O estereótipo do Brasil e do brasileiro no
audiovisual. Disponível em < http://www.rua.ufscar.br/e-quando-o-outro-somos-nos-o-estereotipo-do-
brasil-e-do-brasileiro-no-audiovisual/>. Acesso em 01/07/2018
SÉKULA, Ricardo. Uma Terra de Clichês: A Construção de Uma Identidade Brasileira Pelo Olhar da
Indústria Cinematográfica Estrangeira. Disponível em
<http://portalintercom.org.br/anais/sul2013/resumos/R35-1518-1.pdf>. Acesso em 01/07/2018.
VIEIRA, João Luiz. A Construção do Futuro: mais um século de cinema. Rio de Janeiro, 1995.
115
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Helena Amaral2
Universidade Federal de Juiz de Fora
Resumo
Abstract
Part of an ongoing master’s research, this article proposes to analyze the possibilities offered
by the programming of the JFTV Câmara, a TV channel linked to the municipal legislature of
the brazilian city of Juiz de Fora, for the development of interactive digital tools. From the
precepts attributed to the public communication and the possibilities brought by the digital TV
system, it will be analyzed how the channel can appropriate the contents displayed to offer,
through interactive resources, acess to information that contributes to the strengthening
democracy and the exercise of rights by the local citizens.
Introdução
Este artigo é recorte de uma pesquisa de Mestrado em andamento, voltada à análise da
implementação de recursos digitais interativos pela JFTV Câmara, emissora ligada à Câmara
1
Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho 2 - Estudos de Cinema e Audiovisual, do XI Encontro dos
Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais, 18 e 19 de outubro de 2018.
2
Mestranda em Comunicação, Programa de Pós-Graduação em Comunicação (PPGCOM) da Universidade
Federal de Juiz de Fora (UFJF), helena-amaral@hotmail.com.
116
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Municipal de Juiz de Fora (CMJF), município da Zona da Mata mineira. A partir de parceria
firmada com pesquisadores da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) por intermédio da
Fundação de Apoio e Desenvolvimento ao Ensino, Pesquisa e Extensão (Fadepe), o canal
objetiva estudar ferramentas interativas a serem desenvolvidas e aplicadas em sua
programação.
Tomando por base alguns dos princípios atribuídos à comunicação pública, na qual se
enquadram as emissoras de cunho estatal, a dissertação busca analisar se as propostas
comunicacionais apresentadas e os instrumentos escolhidos para serem adotados pela
emissora se constituem, de fato, como iniciativas que possibilitam a efetivação de um projeto
comunicativo na área.
A investigação da atual programação da emissora em busca de conteúdos que
possibilitem a concretização do referido projeto constitui um dos objetivos da pesquisa e
objeto do presente artigo. Por meio da análise dos programas que compõem a grade da
emissora, serão propostos caminhos para o desenvolvimento de recursos interativos.
Para tanto, serão consideradas apenas as produções próprias da JFTV Câmara, que
contemplam as transmissão ao vivo de sessões plenárias e audiências públicas, matérias de
cunho jornalístico - exibidas diariamente em um único bloco, sem horário fixo de exibição - e
um programa esportivo feito em parceria com uma Organização Não Governamental (ONG)
da cidade. O restante do tempo de programação é preenchido com conteúdos da TV
Assembleia de Minas e documentários da Fundação Cultural Alfredo Ferreira Lage (Funalfa).
A opção por conteúdos próprios da emissora se justifica tendo em vista que as
ferramentas interativas serão voltadas às produções locais, bem como levando em conta a
importância dessas ao abordar temáticas que afetam de forma mais direta e imediata a vida
dos juizforanos.
O recorte da presente pesquisa contempla a análise de cinco dias (de segunda a sexta-
feira) da programação do canal, na semana de 2 a 6 de julho de 2018. O período foi escolhido
considerando as restrições impostas aos agentes públicos pela legislação eleitoral, que
passaram a valer em 7 de julho3.
As análises foram feitas a partir da consulta aos vídeos disponibilizados no canal da
CMJF no YouTube.
3 A Lei das Eleições (Lei Nº9.504) prevê uma série de restrições aos agentes públicos nos três meses que antecedem o pleito
eleitoral, dentre elas a proibição do pronunciamento em cadeia de rádio e televisão, fora do horário eleitoral gratuito. O
objetivo é garantir equilíbrio na disputa e evitar o uso de cargos e funções públicas em benefício de determinadas
candidaturas e partidos.
117
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Dulce Queiroz (2007) ressalta que a previsão de existência dessas emissoras no texto
da Lei do Cabo partiu de uma iniciativa do Fórum Nacional pela Democratização da
Comunicação (FNDC), entidade atuante no processo de redemocratização do país.
À época da aprovação da Lei do Cabo, na década de 1990, a maioria dos deputados
e senadores estava mais preocupada com a regulamentação do setor de TV a cabo do
que propriamente com a criação de canais de interlocução com a sociedade (...).
Deputados e senadores brasileiros só passariam a defender ostensivamente a criação
das emissoras legislativas depois que a Lei do Cabo já estava aprovada e o fizeram
movidos, principalmente, por uma grande insatisfação diante da cobertura que a
grande imprensa fazia das atividades do Congresso Nacional. (QUEIROZ, 2007,
p.20)
Assim, como ressalta Paulo Victor Purificação Melo (2014), a criação de emissoras de
TVs Legislativas no Brasil resulta de dois processos principais:
de um lado, é parte do processo de luta política de segmentos organizados da
sociedade pela democratização das comunicações, especialmente do FNDC, que - no
período de formulação da Lei do Cabo - disputaram uma concepção progressista
para a lei. De outro, é consequência da necessidade sentida pelos parlamentos
federais, estaduais e municipais de construir uma imagem positiva dos
118
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
119
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
consolidados” (Rothberg, 211, p.9), que necessita, portanto, de conteúdos precisos que lhe
possibilitem exercer sua cidadania de fato.
Assim, como representantes da sociedade, os veículos do campo público devem
promover espaços de deliberação e debate de questões de relevância social, estimulando a
participação dos telespectadores. Tal inserção deve se dar de modo a permitir que os cidadãos
efetivamente participem da discussão de temáticas importantes.
Nesse tangente, destaca-se a necessidade de se garantir a pluralidade de vozes,
posicionamentos e opiniões, respeitando-se a diversidade de gênero, étnica, cultural, regional
e socioeconômica da sociedade brasileira. Além disso, ao promover espaços para a
representação dos diversos grupos identitários, os veículos públicos incorporam as minorias e
as instituições e movimentos sociais que as representam, atendendo à demandas não
contempladas pelas emissoras privadas.
A perspectiva da pluralidade também deve ser concretizada por meio da inovação nas
propostas e nos formatos narrativos, bem como na exploração das possibilidades oferecidas
pelas novas tecnologias. Por não buscarem o lucro, os veículos do campo público figuram
como espaços de experimentação, podendo voltar-se para o desenvolvimento de ferramentas
de inclusão.
A diversidade deve se refletir também na programação destes canais, que devem
abarcar temáticas e agendas não contemplados na mídia comercial. As abordagens, por sua
vez, devem se valer de uma maior contextualização e aprofundamento dos fatos,
possibilitando aos indivíduos uma melhor compreensão da realidade, da sociedade e dos
sistemas político e econômico.
A autonomia também deve ser um critério observado na gestão administrativa e da
programação dos canais públicos. Ainda que seus recursos não sejam provenientes de receitas
publicitárias, o que resulta em uma não submissão a pressões de patrocinadores, essas
emissoras são financiadas por verbas governamentais. Somado ao fato de que os veículos de
comunicação legislativos estão ligados as mesas diretoras das casas que representam, esse
cenário pode torná-los suscetíveis à interferências de grupos no poder.
Uma opção para evitar que a programação e as decisões relacionadas aos canais
públicos estejam sujeitos à tais pressões é a criação de mecanismos e marcos regulatórios, tais
como conselhos e outros órgãos de supervisão e administração. Estes devem garantir espaço
para a participação de representantes da sociedade civil organizada, fortalecendo seu caráter
de veículo público.
120
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Portanto, embora não contem com uma regulamentação clara a respeito de sua função,
por se tratar de um serviço público as emissoras de tevê legislativas devem estar atentas aos
princípios da pluralidade e da diversidade, oferecendo conteúdos que fortaleçam as condições
de emancipação dos indivíduos e sua inserção no debate de temas que refletem de forma
direta no exercício de seus direitos.
4
Capacidade técnica oferecida pela tecnologia digital que permite dividir um canal em quatro canais independentes.
Atualmente o uso do recurso só é permitido às emissoras do campo público.
121
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
JFTV Câmara
A proposta de constituição de um canal de televisão do legislativo municipal de Juiz
de Fora teve início em 1997, idealizada pelo então presidente da Câmara, Paulo Rogério dos
Santos. Em agosto de 2002 foi criada a Resolução Nº 1.163, de autoria do Deputado Estadual
Isauro Calais, vereador da Casa na época. A partir da medida estava criada a TV Câmara,
emissora integrante da estrutura da Coordenadoria de Comunicação Social da Câmara
Municipal e subordinada à supervisão direta da Mesa Diretora da Casa.
Dentre outras definições, a resolução prevê a retransmissão de programação de caráter
informativo, educativo e de orientação social e a definição das atribuições e do funcionamento
da emissora à Mesa da CMJF.
Porém, em virtude de questões financeiras, a implantação da emissora não chegou a
ser concluída. Somente em 2014, na gestão do ex-vereador e presidente da Câmara, Julio
5
http://www2.camara.leg.br/comunicacao/rede-legislativa-radio-tv/tire-suas-duvidas-sobre-a-rede-legislativa-de-tv-digital
122
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Gasparette, foi dado início às transmissões das reuniões ordinárias e audiências públicas via
internet e canal a cabo. Um ano depois foi homologada a concessão de transmissão e
efetuadas as compras do transmissor e de alguns equipamentos.
Em fevereiro de 2017 a JFTV Câmara deu início às suas transmissões, atuando em
caráter experimental por pouco mais de dois meses e passando a ser transmitida em sinal
aberto e digital em maio daquele ano. Hoje a emissora integra a Rede Legislativa de TV e
funciona com o recurso da multiprogramação, exibindo, simultaneamente à sua grade e a
partir de subcanais, as programações da TV Câmara [dos Deputados], da TV Senado e da TV
Assembleia de Minas.
Durante sessão solene de inauguração do canal, o presidente da Câmara Municipal de
Juiz de Fora, vereador Rodrigo Mattos, destacou a importância da emissora ao possibilitar dar
mais transparência ao trabalho do Legislativo e afirmou que a mesma não seria a TV dos
vereadores. “Não é esse o propósito. Ela será a TV pública de Juiz de Fora. Na TV Câmara, a
população vai poder ver e ser vista. Os mais diferentes setores da sociedade terão espaço na
nossa programação” (CMJF, 2017).
Além do recurso da multiprogramação, a JFTV Câmara estuda possibilidades de
aplicação de ferramentas interativas em sua programação. Em estágio inicial, o projeto será
desenvolvido em parceria com pesquisadores da UFJF e visa explorar as oportunidades
trazidas pela tecnologia digital.
Durante participação no I Seminário de Políticas para Comunicação, organizado pelos
alunos do 1º período do curso de Rádio, TV e Internet da Faculdade de Comunicação da UFJF
em junho de 2018, o superintendente de Comunicação Legislativa da CMJF, Ricardo
Miranda, ressaltou ainda o compromisso da emissora legislativa em ampliar a grade de
programação a partir da abertura para veiculação de materiais produzidos por entidades da
sociedade civil organizada, desde que sem fins lucrativos, religiosos e/ou partidários.
Uma primeira experiência teve início no referido mês, com integração do programa
‘Pautando o Esporte’ a grade da emissora. Os conteúdos são produzidos a partir de convênio
com o Projeto Basquetebol do Futuro, ONG que há 24 anos atua na formação de atletas de
base em Juiz de Fora.
Conforme apontado por Miranda, a ação favorece o preenchimento da grade de
programação com materiais de viés público, para além daqueles de cunho estatal, como as
transmissões obrigatórias das ações do legislativo municipal.
Tal processo se dá no mesmo momento no qual a emissora estuda a implementação da
interatividade. Logo, espera-se que esse recurso seja desenvolvido pensando-se em estratégias
123
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
124
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
125
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
nas quais os respectivos entrevistados tiveram algum tipo de envolvimento, tais como a
aprovação de projetos de lei.
Por se tratar de entrevistas previamente definidas é possível preparar conteúdos que
esclareçam sobre o tema abordado. No dia 3 de julho, por exemplo, o entrevistado foi o
vereador José Márcio Lopes Guedes (Zé Márcio Garotinho), presidente da Comissão de
Urbanismo da Câmara. O repórter destaca a participação do entrevistado, na tarde daquele
mesmo dia, na sanção do Plano Diretor de Juiz de Fora. Assim, um conteúdo possível seria o
acesso ao texto do documento, a links para matérias relacionados à elaboração do mesmo e à
participação popular durante esse processo, informações sobre a Comissão de Urbanismo e
outras envolvidas no desenvolvimento do Plano, bem como dados sobre o vereador
entrevistado e outros envolvidos de forma mais direta no respectivo trabalho.
Na semana investigada foram veiculados, ainda, sete conteúdos de viés jornalístico.
Todos os materiais tinham relação com trabalhos desenvolvidos na e por membros da CMJF:
três deles versam sobre a sanção de leis e outras diretrizes, dois são sobre projetos
desenvolvidos na Casa (a saber, Câmara Sênior e Parlamento Jovem), um fala sobre
campanha de doação de sangue realizada entre os funcionários do legislativo municipal e, por
fim, há uma matéria sobre uma das etapas do Torneio Leiteiro no município.
Um aspecto interessante sobre este último conteúdo, do dia 3 de julho, é que dois
cidadãos entrevistados são questionados sobre o que gostariam de cobrar dos legisladores.
Melhorias nas condições das estradas e mais segurança nas mesmas foram as questões
apontadas. Assim, materiais como este poderiam ser utilizados para divulgar canais de
comunicação com comissões da Casa que atuam nestes e outros âmbitos de interesse das
comunidades rurais, bem como iniciativas que estejam sendo pensadas e tomadas para a
solução de problemas enfrentados pela população destes locais.
Da mesma forma, poderiam ser disponibilizados dados sobre a Secretaria de
Agropecuária e Abastecimento do município, tais como os serviços oferecidos, atividades
desenvolvidas junto às comunidades da zona rural e canais de diálogo para demandas e
reclamações.
Com relação aos projetos Parlamento Jovem e Câmara Sênior, permitir aos cidadãos
acesso as atividades desenvolvidas por estes dois órgãos e suas contribuições as ações do
Legislativo são algumas das opções de conteúdos interativos. Em respeito ao interesse
público, poder-se-ia disponibilizar informações sobre como os cidadãos podem ingressar
nestes órgãos e/ou acompanhar suas atividades e apresentar possíveis demandas.
126
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Já no que diz respeito as sanções de projetos de lei e outras diretrizes sancionadas e/ou
aprovadas, além do acesso aos respectivos textos, poderiam ser disponibilizadas informações
sobre as comissões e vereadores envolvidos, acerca do processo de tramitação destas
propostas na casa e outros conteúdos jornalísticos relacionados.
A matéria sobre ação de incentivo à doação de sangue realizada entre os servidores da
Câmara Municipal de Juiz de Fora chama atenção para as possibilidades trazidas pela
interatividade na divulgação de serviços de utilidade pública. No caso em questão,
informações sobre a Fundação Hemominas, das condições para ser um doador e de meios
através dos quais as doações podem ser agendadas (tais como aplicativos, sites e/ou telefone)
poderiam ser disponibilizadas aos usuários. Tais conteúdos poderiam abarcar outros tipos de
serviços e não somente na área de saúde, e ser disponibilizados de maneira fixa.
Por fim, foram analisadas as duas edições semanais inéditas do ‘Pautando o Esporte’,
programa de entrevistas que começou a ser transmitido pela JFTV Câmara em junho. Além de
priorizar convidados de Juiz de Fora e região, observou-se uma preocupação em abordar
temas atuais e relevantes acerca do esporte. No período analisado a Copa do Mundo guiou as
discussões, sempre em diálogo com as especialidades dos convidados.
Ressalta-se que durante o intervalo do ‘Pautando o Esporte’ foram exibidas
informações acerca da história dos entrevistados. Assim, na edição que recebeu como
convidado o ex-goleiro Wellington Fajardo, por exemplo, foram veiculados dados sobre sua
carreira no Cruzeiro e no América Mineiro e acerca de suas conquistas como técnico do Tupi
e do Patrocinense, time que comanda atualmente.
Oferecer ao telespectador informações sobre a carreira do entrevistado é uma das
opções possíveis de interatividade no programa. Da mesma forma, poderiam ser
disponibilizadas, de forma contínua, informações sobre o apresentador - o jornalista Ivan
Elias -, acerca do Projeto Basquetebol do Futuro - tais como história, atuação, atividades
oferecidas, como participar, conquistas dos atletas atendidos - e sobre outros projetos e ações
desenvolvidas pelo poder público municipal nas áreas de esporte e lazer.
Considerações finais
A TV Digital trouxe não somente melhorias no alcance e na qualidade da imagem e do
som, mas também possibilidades para o desenvolvimento de ferramentas que podem em
muito contribuir para o fortalecimento das emissoras públicas. Nesse cenário destaca-se a
interatividade, cujas experiências tem demonstrado impactos positivos na vida dos cidadãos.
127
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Referências
ABDALLA, Rodrigo; CHIANCA, Luciana; CASTILLEJO, Ángel García. Brasil 4D: Estudo de
Impacto Socioeconômico sobre a TV Digital Pública Interativa. Banco Mundial, 2013. Disponível em:
<http://documents.worldbank.org/curated/pt/232621468230956108/pdf/809560WP0PORTU0Box037
9824B00PUBLIC0.pdf>. Acesso em: 21 jul. 2018.
128
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
_________. Lei nº 11.652 de 7 de abril de 2008. Institui os princípios e objetivos dos serviços de
radiodifusão pública explorados pelo Poder Executivo ou outorgados a entidades de sua administração
indireta e autoriza criação da Empresa Brasil de Comunicação (EBC). Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11652.htm>. Acesso em: 20 set. 2016.
_________. Lei nº 8977 de 6 de janeiro de 1995. Dispõe sobre o serviço de TV a Cabo e dá outras
providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8977.htm>. Acesso em:
10 jul. 2018.
BUCCI, Eugênio; CHIARETTI, Marco; FIORINI, Ana Maria. Indicadores de qualidade nas
emissoras públicas - uma avaliação contemporânea. Unesco, 2012. Disponível em: <
http://unesdoc.unesco.org/images/0021/002166/216616por.pdf>. Acesso em: 09 jul. 2018.
CÂMARA DOS DEPUTADOS. Rede Legislativa de Rádio e TV. Disponível em: <
http://www2.camara.leg.br/comunicacao/rede-legislativa-radio-tv>. Acesso em: 24 jun. 2018.
_________. Ato da Mesa Nº52 de 17 de outubro de 2012. Cria a Rede Legislativa de TV Digital e a
Rede Legislativa de Rádio da Câmara dos Deputados. Disponível em:
<http://www2.camara.leg.br/legin/int/atomes/2012/atodamesa-52-17-outubro-2012-774424-
publicacaooriginal-137923-cd-mesa.html>. Acesso em: 15 jul. 2018.
IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua - PNAD Contínua 2016. Disponível
em:
<https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/media/com_mediaibge/arquivos/c62c9d551093e4b8e9d9810a6
d3bafff.pdf>. Acesso em: 16 jul. 2018.
MELO, Paulo Victor Purificação. Estado e Comunicação: uma análise da TVs legislativas estaduais
no Brasil. 2014. 170 f. Dissertação (Mestrado em Comunicação) - Universidade Federal de Sergipe,
129
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
MIRANDA, Ricardo. Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 26 jun. 2018. Áudio digital
(11 min. e 04 seg.). Entrevista concedida no I Seminário de Políticas Públicas para Comunicação.
QUEIROZ, Dulce. Jornalismo institucional nas TVs legislativas: Os casos do Brasil e do México.
2007. 282f. Dissertação (Mestrado em Comunicação) – Universidade de Brasília, Brasília, 2007.
Disponível em: <
http://www.repositorio.unb.br/bitstream/10482/1221/1/Dissertacao_2007_DulceValeriaQueiroz.pdf>.
Acesso em: 21 jul. 2018.
ROTHBERG, Danilo. Jornalismo Público: informação, cidadania e televisão. São Paulo: Editora
Unesp, 2011.
130
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Resumo
O documentário sempre foi visto como o “cinema do real”, aquele que, em oposição à ficção,
traz a realidade cotidiana da sociedade. Contudo, pesquisadores e críticos problematizam essa
ideia de “cinema do real”, questionando até onde vão as fronteiras entre ficção e
documentário, abordando conceitos como encenação, fabulação e representação. Nesse
contexto, no presente artigo será feita retomada histórica sobre realismo e narrativa realista,
com o objetivo de compreender a questão das narrativas de história de vida no documentário e
discutir como Eduardo Coutinho as trabalha. Além disso, o artigo também objetiva abordar a
capacidade do cineasta de transformar sensações e intensidades em filme, isto é, a construção
da fabulação, principalmente no longa-metragem As Canções (2011), um dos últimos da
carreira do diretor.
Abstract
The documentary has always been seen as the "cinema of the real", the one that, in opposition
to fiction, brings the everyday reality of society. However, researchers and critics
problematize this idea of "real cinema", questioning how far the boundaries between fiction
and documentary, approaching concepts such as staging, fable and representation. In this
context, in this article will be made historical retake on realism and realistic narrative, with
the purpose of understanding the issue of narratives of life history in the documentary and
discuss how Eduardo Coutinho works them. In addition, the article also aims to address the
filmmaker's ability to transform sensations and intensities into film, that is, the construction of
fiction, especially in the feature film As Canções (2011), one of the last of the director's
career.
1
Trabalho apresentado no Estudos de Cinema e Audiovisual, do XI Encontro dos Programas de Pós-Graduação
em Comunicação Social de Minas Gerais, 18 e 19 de outubro de 2018.
2
Mestranda. PPGCOM-UFJF. helena.otc@gmail.com
3
Professor doutor. Faculdade de Comunicação-UFJF. carlospernisajr@gmail.com
131
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Introdução
Na sociedade contemporânea, com a disseminação de revistas, sites e blogs dedicados
a publicar a “vida real” de famosos e anônimos, com o sucesso dos reality shows, como Big
Brother Brasil (Rede Globo) e com o advento das redes sociais, onde pessoas comuns
compartilham diariamente seu cotidiano e sua vida pessoal com milhões de seguidores,
observa-se um grande interesse pelas chamadas histórias reais e pelas narrativas pessoais. O
que também tem sido bastante explorado pelo telejornalismo, através de personagens das
matérias jornalísticas, o que Iluska Coutinho chama de dramatização dos fatos, isto é, “a
estruturação do noticiário televisivo em torno de problemas, ações e disputas, guardaria
semelhanças com o que classificamos como um drama cotidiano” (COUTINHO apud
MUSSE, 2012, p.27). Pode-se pensar esse interesse pelas histórias de vida sob a perspectiva
da identificação, como destaca Mariana Musse:
[...] é necessário pensar principalmente identificação do público com as histórias e a
vida destes personagens. Quantos espectadores não sofreram com problemas graves
e se encontram desamparados como aquele personagem da matéria? Certamente,
quando assistem aos depoimentos de quem superou dificuldades, ganham ânimo
para superar os seus, pois se identificam com o que é apresentado e narrado por
pessoas ou personagens comuns. (MUSSE, 2012, p.28)
Contudo, nesse mundo em que nos deparamos diariamente com imagens fabricadas
pela televisão, publicidade, cinema e mídias em geral, há certa dificuldade em discernir o que
é verdadeiro e o que não é. É comum a manipulação da realidade nos meios audiovisuais, seja
em programas feitos para televisão, seja no cinema documentário. “Esta é uma ação inerente a
este trabalho quando o diretor seleciona imagens, as coloca na ordem que julga mais
apropriada tendo em vista criar uma pequena ou uma grande narrativa” (MUSSE, 2012, p.29).
De acordo com Consuelo Lins, dentro desse contexto, “as imagens do documentário
apresentam, de maneira mais evidente, uma tensão que encontramos em diferentes domínios:
tensão entre realidade e ficção, entre a verdade e o falso, entre a imagem e o real” (LINS,
2007, p.225). O documentário sempre foi visto como o cinema do real, aquele que, em
oposição à ficção, traz a realidade cotidiana da sociedade. Com a chegada do som direto na
década de 1960, essa ideia foi intensificada, assim como o interesse pelas narrativas realistas,
pela “vida real” de pessoas comuns, principalmente com o recurso da entrevista, que passou a
ser uma das principais estratégias narrativas do gênero. Seguindo essa tendência de
exploração de narrativas de pessoas comuns por meio de depoimentos orais, o cineasta e
diretor Eduardo Coutinho teve papel de destaque no cenário do documentário contemporâneo
nacional, devido à forma como trabalha a técnica da entrevista em seus filmes.
132
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Pesquisadores e críticos problematizam essa ideia de “cinema do real”, uma vez que
ao ligar a câmera e posiciona-la, não se consegue reproduzir tudo o que está acontecendo
naquele momento da filmagem. Então, é escolhida uma parte daquela realidade para ser
mostrada, é determinada certa angulação, de acordo com o ponto de vista e com a intenção de
quem está filmando ou dirigindo. Portanto, o documentário não pode ser considerado uma
reprodução, mas sim uma representação do real. Dessa forma, as fronteiras entre ficção e
documentário são questionadas com a abordagem de conceitos como encenação, fabulação e
representação.
Nesse sentido, no presente artigo será feita uma retomada histórica sobre realismo e
narrativa realista, para então compreender essa questão das narrativas de história de vida no
documentário e a relação entre o documentário e o real. A proposta é, a partir desse estudo,
discutir como Eduardo Coutinho trabalha com a realidade em seus documentários e abordar a
questão da fabulação no filme As Canções (2011), um dos últimos da carreira do diretor.
133
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
134
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
135
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
deixando claro que o que está sendo passado não é uma realidade objetiva, mas a verdade da
filmagem e que há uma negociação entre quem filma e quem é filmado por trás dessa verdade.
A verdade da filmagem significa revelar em que situação, em que momento ela se dá
e todo o aleatório que pode acontecer nela. Há mil formas de mostrar isso, desde a
presença da câmera, do diretor, do técnico de som, até a coisa sonora da troca de
palavras, incluindo incidentes que aparecem, como o telefone que toca, um cachorro
que entra, uma pessoa que protesta por não querer mais ser filmada ou que discute
com você diante da câmera. Então isso daí é importantíssimo porque revela a
contingência da verdade que você tem. (COUTINHO, 2013, p. 23)
Assim como o realismo do século XX, o cineasta também trabalha com um tempo
suspenso, isto é, seus filmes não seguem uma temporalidade cronológica casual; o que vemos
são pequenos fragmentos de histórias independentes, centralizando a carga significativa em
cada cena e não na obra como um todo.
Contrariamente às informações telejornalísticas, quando a lógica do texto é o que
determina a edição das imagens e o silêncio e os tempos mortos de uma conversa
não têm vez, aqui é a lógica da imagem e do que dizem ou deixam de dizer os
entrevistados que pesa na construção das sequências. O que o espectador percebe é o
resultado de uma mistura de personagens, falas, sons ambientes, imagens e
expressões, e jamais significações prontas fornecidas por uma voz em off. Por isso, a
possibilidade de interpretações múltiplas é inerente à montagem desses filmes.
(LINS, 2007, p.240)
136
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
As Canções e a fabulação
A partir de sua experiência com o trabalho no Globo Repórter (Rede Globo), Coutinho
passou a apostar, desde Cabra Marcado para Morrer (1964/1984), no processo de filmagem
como um produtor de acontecimentos e personagens, ou seja, passou a apostar no encontro
entre diretor e entrevistado, mediado pela câmera, como condição fundamental para que o
filme exista. “Em outras palavras, para o cineasta não se trata mais de filmar uma realidade
pronta, que preexistiria à filmagem, mas uma realidade sendo produzida no contato com a
câmera” (LINS, 2013, p.379).
Ismail Xavier (2010) afirma que Eduardo Coutinho apostava na filosofia do encontro
como forma dramática do seu documentário, criando um cenário de empatia e inclusão. O
autor destaca que para a realização desse encontro é preciso uma “abertura efetiva para o
diálogo (que não basta programar), o talento e a experiência que permitam compor a cena apta
a fazer com que aconteça o que não seria possível sem a presença da câmera” (XAVIER,
2010, p.68). Pode-se perceber que na maioria dos filmes de Coutinho há uma regra do jogo
em torno do fazer filme, que determina os elementos que irão potencializar os efeitos das
entrevistas, ou seja, o diretor cria condições ideais no momento da filmagem – locação,
cenário, iluminação, disposição dos corpos, posição da câmera – que, somadas com a
montagem, conferem uma qualidade particular aos depoimentos. Xavier destaca ainda que
cada entrevistado de Coutinho recebe “o que o cineasta julga melhor como efeito de produção
de sentido na imagem que dá conotação às falas; ora é a força do rosto, ora do gesto, ora do
ambiente, tudo dependendo da duração dos planos” (XAVIER, 2010, p.68).
Todas precisam de tempo para se por em cena, conseguir criar as condições para que
o momento se adense e seja expressivo, com surpresas e acasos, revelações nos
pormenores, seja a felicidade de uma palavra, o drama de uma hesitação ou o um
gesto extraordinário feito por mãos seguras, como o de Dona Tereza, em Santo
Forte (1999). (XAVIER, 2010, p.68)
Além disso, o diretor dá tempo ao personagem para que formule suas ideias, respeita
os silêncios, faz poucas perguntas, deixa a entrevista seguir um fluxo mais livre e,
principalmente, efetivamente escuta o que o outro tem para dizer, o que contribui para que o
entrevistado se sinta à vontade e tenha confiança no diretor para contar sua história. Lins
(2007) destaca que essas características são o que mais falta na atual produção incessante de
imagens, palavras, sons e informações, essa “escuta que possa pontuar e dar algum sentido à
fala dos personagens” (LINS, 2007, p.245).
Entretanto, Fernando Gonçalves (2012) ressalta que Coutinho não obtém essa
qualidade do vivido apoiado apenas em seu talento ou nas maquinações do processo de
137
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
filmagem. Há algo a mais que parece se produzir através e a partir de seus procedimentos,
mas que ao mesmo tempo vai além deles. Segundo o autor, Coutinho e seus personagens se
inscrevem naquilo que Deleuze e Guattari chamaram de “função fabuladora”, em que as
intensidades que surgem do que é contado importam mais do que o que se conta.
Para esses autores, na fabulação, há como que um ultrapassamento, algo que atinge
uma qualidade particular, em que o “pequeno” se torna “gigante”, e o “menor”, mais
“poderoso”. E esse “gigante” é real, existe em sua verdade. Isso ocorreria, segundo
eles, pois na arte o trabalho intensivo com as formas expressivas permite ao artista
“exceder os estados perceptivos e as passagens do vivido”, estados esses que eles
vão chamar de “perceptos”. (DELEUZE; GUATTARI, 1992, p.222-223). A
fabulação seria essa operação em que o ato de narrar é parte da produção de um
“percepto”. (GONÇALVES, 2012, p.160-161).
Como se observou anteriormente, Coutinho não quer uma verdade objetiva dos fatos,
mas a invenção das narrativas, a encenação ao narrar, ou seja, “do jogo das cenas que inclui e
articula tanto a performance das personagens quanto a dos procedimentos do próprio
Coutinho” (GONÇALVES, 2012, p.161), reafirmando assim esse lugar de produção de
perceptos colocado por Deleuze e Guattari.
Segundo Deleuze (2005), a fabulação é a verdade do cinema, pois é nela que
personagens reais e cineastas se tornam outro, porém, sem serem fictícios.
A personagem não é separável de um antes e de um depois, mas que ela reúne na
passagem de um estado a outro. Ela própria se torna um outro, quando se põe a
fabular sem nunca ser fictícia. E, por seu lado, o cineasta torna-se outro quando
assim “se intercede” personagens reais que substituem em bloco suas próprias
ficções pelas fabulações próprias deles. Ambos se comunicam na invenção de um
povo. (DELEUZE, 2005, p.183)
4
Eduardo Coutinho morreu assassinado em 2014, pelo filho Daniel Coutinho, que sofria de esquizofrenia.
138
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
139
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
depoimento observa-se aquilo que Coutinho mais valorizava, que são as expressões
espontâneas, inesperadas dos entrevistados. “São instantes como esse que interessam ao
realizador, pela qualidade expressiva liberada na narrativa” (GONÇALVES, 2012, p.160).
Depois de Gilmar, entra José Barbosa, que pede para ser chamado de comandante
Barbosa e conta que como era oficial da marinha, viaja muito e frequentava a zona boêmia de
várias cidades, onde conheceu e cantou com Waldick Soriano e Orlando Dias, cantarolando
uma parte de uma canção de Orlando Dias logo em seguida. O comandante segue seu
depoimento falando sobre as mulheres, que se arrepende da forma como tratava sua esposa e
que hoje tenta se redimir. Ao final, ele pergunta se deve sair triste ou feliz do palco, e decide
sair triste. Enquanto anda em direção a saída, de costas para a câmera, canta uma canção,
gesticulando com os braços. Dá uma pausa, se vira para a câmera novamente e então
“desaparece” em meio à cortina preta. O que chama atenção nesse momento é como o
personagem toma o palco para si, principalmente no momento da saída, em que fica
demarcada sua encenação. Ao olhar para câmera antes de sair, tem-se a impressão de que o
personagem encena uma saída dramática, marcante, como se tivesse se despedindo do palco e
do momento.
Observou-se anteriormente que na fabulação a personagem se transforma durante a
narrativa, tornando-se outro, mas sem se tornar fictícia. Nesse sentido, Gonçalves (2012)
destaca a participação de Sônia, mulher que aparece no início do filme cantando e que depois
volta a aparecer dando seu depoimento. O autor afirma que sua aparição no início do filme,
como abertura, e sua participação subsequente, quando conta sua história, possuem caráter
diferente – a primeira vez é representando o tom do filme, a marca, e só depois é personagem.
Pode-se dizer que em ambas as formas em que ela se apresenta, sua encenação é resultado da
circunstância que Coutinho criou para o filme e também de sua própria fabulação.
Outro depoimento que chama a atenção pela qualidade da emoção posta em cena é o
de Lídia, uma mulher separada, que tem quatro filhos e que, quando tinha seus 30 anos,
tornou-se amante de um senhor de 70 anos. Conta que teve uma filha com ele, mas que logo
depois ele perdeu o interesse por ela. Lídia se emociona ao cantar a canção que marcou sua
vida, O tempo vai apagar, de Roberto Carlos e quase chora. A cena termina com a imagem da
cadeira vazia e com o som de seu choro atrás da cortina.
O filme segue com seus personagens contando suas histórias e cantando uma canção,
alguns apenas cantam, como Nilton, que canta Olha, de Roberto Carlos. O homem canta com
expressividade e de forma tão intensa, que talvez nenhuma fala seja capaz de transmitir ou
elucidar as sensações do personagem ao cantar e a dimensão que a canção tem sobre sua vida,
140
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
sua história. Andrade (2013) destaca que o filme se modula de maneira diferente a cada
personagem.
É interessante, inclusive, como o filme se modulará de maneira diferente para cada
uma das personagens, por vezes dando primeiro o canto, seguido do relato, por
outras invertendo a ordem, ou, em casos mais radicais, se afirmando satisfeito
apenas com as canções, sabendo que elas carregam mistério mais forte sobre aqueles
rostos do que qualquer explicação será capaz de elucidar. (ANDRADE, 2013, p.654)
141
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Considerações finais
As formas de abordar e trabalhar com o realismo foram variando historicamente. No
século XIX, a estética realista foi recuperada pelas micronarrativas em primeira pessoa,
valorizando assim o lugar de fala do narrador, sua proximidade com o fato narrado. No século
XX, o realismo passou a ser trabalhado de outra forma, agora com o foco voltado para a
atuação do narrador durante a narrativa, ou seja, o foco passou a ser a realidade da encenação
e não a do fato narrado.
Na década de 1960, o cinema-verdade trouxe essa valorização dos depoimentos orais
para o documentário. Ao colocar a entrevista em evidência, também passou a trabalhar com a
interação entre quem filma e quem é filmado e com a ideia de que a realidade levantada pelo
documentário, dito como “cinema do real”, é a realidade dessa interação, da atuação do
entrevistado nesse encontro. O cineasta Eduardo Coutinho identificava-se fortemente com o
cinema-verdade e tinha como matriz de seus documentários algumas características presentes
no realismo do início do século XX. O diretor, além de valorizar as narrativas em primeira
pessoa de indivíduos comuns, também seguia o pensamento de que o documentário não trazia
uma realidade objetiva, já pronta, mas uma realidade construída pelo encontro entre
entrevistador e entrevistado, diante da câmera. Coutinho então fazia questão de mostrar o
processo de enunciação ao espectador, como caráter de credibilidade, e se interessava mais
pela encenação durante a narrativa do que pela história contada.
Em seus filmes, Coutinho determina algumas regras e cria condições ideais no
momento da filmagem que, juntamente com a montagem, conferem uma qualidade particular
aos depoimentos, dando-os singularidade. Além disso, a maneira de o diretor conduzir a
entrevista e se relacionar com o entrevistado também contribuem para sua vitalidade.
Contudo, observa-se que não são apenas esses elementos que contribuem para o diferencial
dos documentários do cineasta. A partir da interação criada entre Coutinho e seus
personagens, emerge uma dimensão fabuladora, em que as intensidades e as sensações que
surgem das narrativas são mais importantes do que elas próprias.
A fabulação pode ser observada na maioria dos filmes de Coutinho, mas As Canções
(2011), em que pessoas narram suas experiências com determinadas músicas, chama a
142
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
atenção por colocar isso mais em evidência, por trazer para o centro da cena, através de
canções, essas intensidades. Portanto, a partir da análise do documentário, observa-se que o
cinema de Eduardo Coutinho é sensorial. Não é apenas um cinema sobre histórias de vida de
pessoas comuns, mas sobre sensações que são transformadas em narrativas, seja em história
ou em música. É a capacidade de Coutinho de transformar sensações e intensidades em filme
que lhe confere singularidade em um mundo onde há intensa disseminação e valorização de
narrativas pessoais, de histórias de vida.
Referências
ANDRADE, Fábio. O canto dos mortos: As Canções de Eduardo Coutinho. . In: OHATA, Milton
(org). Eduardo Coutinho. São Paulo: Cosac Naify, 2013, p. 649- 657
COUTINHO, Eduardo. O cinema documentário e a escuta sensível da alteridade. In: OHATA, Milton
(org). Eduardo Coutinho. São Paulo: Cosac Naify, 2013, p. 21- 47
DI TELLA, Andrés. O documentário e eu. In: MOURÃO, Maria Dora; LABAKI, Amir (org). O
cinema do real. São Paulo: Cosac Naify, 2005, p .95-114
FIGUEIREDO, Vera Lúcia Follain de. Narrativas migrantes: literatura, roteiro e cinema. Rio de
Janeiro: PUC-Rio: 7 Letras, 2010, 284p
LINS, Consuelo. O cinema de Eduardo Coutinho: uma arte do presente. In: BENTES, Ivana (org).
Ecos do Cinema: de Lumière ao digital. Rio de Janeiro: UFRJ, 2007, p. 235-254
XAVIER, Ismail. Indagações em torno de Eduardo Coutinho e seu diálogo com a tradição moderna.
In: MIGLIORIN, Cézar (org). Ensaios no real: o documentário brasileiro hoje. Rio de Janeiro:
Beco do Azougue, 2010, p. 65- 79
Filmografia
143
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
144
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Resumo
A figura feminina está presente em grande parte das histórias que o cinema conta. Entretanto,
quando se trata de representatividade, as mulheres ainda são subjugadas tanto na telona quanto
por trás das câmeras. Embora mais da metade da população brasileira seja feminina, a Agência
Nacional do Cinema (Ancine) reconheceu a baixa participação de mulheres no audiovisual. O
presente artigo objetivou, por meio metodologia da Análise da Materialidade Audiovisual,
conceitos apresentados pelo Teste de Bechdel, Teste Russo e questões interseccionais,
investigar a representação feminina em quatro filmes nacionais, sendo as duas maiores
bilheterias dirigidas por homens e as duas maiores bilheterias dirigidas por mulheres no ano de
2016. A análise concluiu que existe maior possibilidade de representatividade feminina quando
um filme é dirigido por uma mulher, porém, não pode-se dizer que é uma regra. A construção
da personagem feminina nos filmes ainda é sexista, sejam eles dirigidos por homens ou
mulheres.
WOMEN BY THEM: Female representation at the biggest box office in Brazil in 2016
Abstract
The female figure is present in most of the stories that cinema tells. However, when it comes to
representativeness, women are still subjugated both on the big screen and behind the cameras.
Although more than half the Brazilian population is female, the Agência Nacional do Cinema
(Ancine) has acknowledged the low participation of women in the audiovisual sector. This
article aimed to investigate the representation of women in four national films, through the
methodology of the Analysis of Audiovisual Materiality, concepts presented by the Bechdel
Test, Russian Test and intersectional questions, with the two biggest box office directed by men
and the two biggest box office directed by women in the year 2016. The analysis concluded that
there is greater possibility of female representation when a film is directed by a woman, but it
can’t be said to be a rule. The construction of the female character in the movies is still sexist,
whether directed by men or women.
1 Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho Cinema e Audiovisual, do XI Encontro dos Programas de Pós-
Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais, 18 e 19 de outubro de 2018.
2 Jornalista. Mestranda, UFJF-PPGCOM, laryssaprado@live.com
3 Jornalista. Mestranda, UFJF-PPGCOM, carolinemarinop5@gmail.com
4 Jornalista. Mestranda, UFJF-PPGCOM, narajack7@gmail.com
145
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Introdução
Como aponta Valquíria Michela John (2014), historicamente, a mulher ocupa um lugar
de inferioridade na organização social e durante quase toda a história da humanidade foi
preparada exclusivamente para criação de filhos e afazeres domésticos. “Somente nos últimos
dois séculos, sobretudo no século XX, as mulheres começaram a conquistar outros espaços até
então exclusivos do sexo masculino, como o direito ao voto e o acesso ao mercado de trabalho”
(JOHN, 2014, p. 500). Entretanto, apesar dos avanços, a equidade entre os gêneros ainda não é
vivenciada em sua plenitude na sociedade contemporânea.
Embora representem maioria numérica6 da população brasileira, as mulheres são
consideradas minoria em termos representativos, também nas narrativas audiovisuais, como o
cinema – foco de análise deste texto. Temer e Lima relembram que: “O machismo, pensamento
da supremacia masculina, baseia-se em afirmar a superioridade masculina e reforçar a
inferioridade da mulher em várias formas de discurso: filosófico, científico, religioso, jurídico
e até mesmo popular” (TEMER, LIMA, 2016, p. 4). Essa hegemonia masculina ainda se reflete
nas produções cinematográficas, que contribuem na construção da imagem de homens e
mulheres tomando por base definições tradicionais de feminilidade e masculinidade.
Neste tipo de categorização binária, é que são atribuídos papeis e valores exclusivos ao
homem e a mulher, que são repassados de geração em geração. Tais valores contribuem
significativamente para a desigualdade de gênero. Joan Scott ao conceituar o que é “gênero”
explica que o termo indica construções culturais, “uma forma de se referir às origens
exclusivamente sociais das identidades subjetivas de homens e de mulheres”. (SCOTT, 1995,
p. 75). A autora (1995, p. 82) salienta que o modo pelo qual as sociedades representam o gênero
articula relações e regras sociais, além de ser uma das referências pelas quais relações de poder
se estabelecem. Scott afirma então que “O gênero é uma forma primária de dar significado as
relações de poder. Seria melhor dizer: o gênero é um campo primário no interior do qual, ou
por meio do qual, o poder é articulado” (SCOTT, 1995, p.88).
Se pensarmos no cinema também como um espaço favorável para a circulação de
discursos, é impossível negar que as narrativas veiculadas pelo mesmo ocupam um papel
relevante nas relações de poder – inclusive nas definições de identidade e de gênero – uma vez
que o cinema é um dos responsáveis por difundir ideologias e representações que tendem a
reforçar estereótipos socialmente construídos. De acordo com John (2014), ao levar em conta
que “as relações de gênero não são naturais e sim construídas social e historicamente, o discurso
atua decisivamente na construção de nossas representações quanto ao mundo e quanto às
atribuições dos papéis de homens e mulheres” (JOHN, 2014, p. 501).
146
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
5
Pesquisa da Ancine confirma pequena presença feminina no audiovisual. Disponível em:
http://agenciabrasil.ebc.com.br/cultura/noticia/2017-04/pesquisa-da-ancine-confirma-pequena-presenca-
feminina-na-producao. Acesso em: 20 ago. 2017.
6 Pesquisa Media, Diversity, & Social Chance Initiative. Disponível em:
http://annenberg.usc.edu/pages/~/media/MDSCI/Dr%20Stacy%20L%20Smith%20Inequality%20in%20800%2
0Films%20FINAL.ashx. Acesso em: 21 ago. 2017.
147
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
7
Agnès Varda e Cate Blanchett lideram protesto de 82 mulheres no Festival de Cannes. Disponível em:
http://mulhernocinema.com/destaques/no-tapete-vermelho-mulheres-protestam-contra-desigualdade-em-cannes-
e-no-cinema/. Acesso em: 12 maio 2018.
148
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Metodologias de Análise
Para a realização desta pesquisa, três metodologias embasaram o suporte teórico
analítico. Foram elas: a Análise da Materialidade Audiovisual, Teste de Bechdel e o Teste
Russo.
A escolha pela Análise da Materialidade Audiovisual, metodologia desenvolvida no
âmbito do Núcleo de Jornalismo e Audiovisual (CNPq-UFJF) mas não exclusiva a temas que
giram em torno do jornalismo, se faz pertinente já que assim seria possível a análise mais
completa acerca das especificidades da narrativa audiovisual e sua relação com as questões de
pesquisa, na medida em que não haveria uma preocupação prévia com a tradução do vídeo em
outros códigos para responder a um protocolo investigativo. Iluska Coutinho (2016) propõe que
é necessário ao escolher o objeto de pesquisa, fazer um levantamento das demandas a serem
8
“É fada!” (Brasil, 2016, direção de Cris D'Amato)”, 4ª posição; e “Um namorado para a minha mulher” (Brasil,
2016, direção de Júlia Rezende), 9ª posição.
149
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
analisadas, de modo a construir em diálogo com os referenciais do estudo uma ficha de análise
que contenha as perguntas que respondam ao problema de pesquisa. Esse olhar integrado na
entrevista do objeto empírico permitiria assim realizar a parte da análise propriamente dita,
observando sempre a complexidade do material audiovisual. “Nessa perspectiva poderíamos
considerar que o pesquisador comporta-se em certo sentido como um telespectador
privilegiado, que desvela estratégias, modos de dizer e sentidos, explícitos ou silenciados, nas
narrativas audiovisuais que analisa”. (COUTINHO, 2016, p. 9). A autora defende ainda que
deve-se observar a unidade dos cinco elementos audiovisuais texto som + imagem + tempo +
edição a fim de se ter uma investigação mais fiel à natureza audiovisual do objeto.
O presente artigo apropriou-se desta metodologia para o recolhimento de registros que
permitam a verificação e detalhamento dos resultados adquiridos pelos objetos, como se fosse
um espelho de avaliação para ser compreendido pelo analista. Para tal, foi desenvolvida uma
tabela – matriz de avaliação – com a junção dos critérios dos Teste de Bechdel e do Teste Russo.
O Teste de Bechdel foi criado em 1985, pela cartunista Alison Bechdel, com o objetivo
de mensurar concepções de gênero integrantes do discurso cinematográfico. Para que um filme
seja aprovado no teste é necessário que ele atenda a três critérios: 1) ter ao menos duas
personagens femininas nomeadas; 2) que conversem entre si; 3) sobre algo não relacionado ao
sexo masculino.
Visto a complexidade da materialidade, adotou-se também dois itens do Teste Russo,
desenvolvido em 2013 pela Gay & Lesbian Alliance Against Defamation (GLAAD). Os
critérios adotados foram: 1) a personagem não deve ser exclusiva ou predominantemente
definida pela sua orientação sexual ou identidade de gênero; e 2) deve estar vinculada na trama
de tal forma que sua remoção teria um efeito significativo.
Para a aplicação dos métodos analíticos considerou-se personagens mulheres que, nas
produções, têm falas – dialogam – ou são nomeadas. Foram realizadas aferições quantitativas
para obtenção de resultados, levando em consideração os seguintes eixos de avaliação, gerados
a partir das metodologias já descritas: 1) Quantas personagens mulheres existem no filme? 2)
Apresenta pelo menos duas nomeadas? 3) Quantas são falantes? 4) As personagens conversam
entre si? 5) As conversas são sobre relações afetivas e domésticas? 6) As personagens são
exclusiva ou predominantemente definidas pelo seu sexo? 7) As personagens estão vinculadas
na trama de tal forma que sua remoção teria um efeito significativo?
Além das categorias de análise descritas acima, nos eixos de avaliação, serão incluídas
também questões interseccionais. Rebeca Solnit reflete acerca de diferentes tipos de
silenciamentos que permeiam o coletivo “mulheres”. Ela reforça que “a categoria mulheres é
150
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
uma longa avenida que cruza com várias outras, entre elas classe, raça, pobreza e riqueza.
Percorrer esta avenida significa cruzar outras e jamais significa que a cidade do silêncio tem
apenas uma rua ou uma rota importante” (SOLNIT, 2017, p. 35). O exemplo das avenidas que
se cruzam apresentado por Solnit traz à tona a urgência de se evidenciar as diferenças entre
mulheres, sobretudo na questão racial.
Djamila Ribeiro (2017, p. 41), filosofa brasileira, aponta que ao se tratar a categoria
“mulher” como algo universal, sem marcar as diferenças existentes, faz-se com que somente
uma parte seja vista. Quando se pensa em representação das mulheres no cinema, é preciso
pontuar a questão racial. Onde estão as mulheres negras nas narrativas? Djamila ressalta a
importância de um olhar interseccional para estas questões.
Tirar essas pautas da invisibilidade e um olhar interseccional mostram-se muito
importantes para que fujamos de análises simplistas ou para se romper com essa
tentação de universalidade que exclui. A reflexão fundamental a ser feita é perceber
que, quando pessoas negras estão reivindicando o direito a ter voz, elas estão
reinvindicando o direito à própria vida. (RIBEIRO, 2017, p. 43).
Partindo desses referenciais teóricos, foram montados os eixos de avalição, como prevê
a análise da materialidade audiovisual.
Análise dos filmes dirigidos por homens com maiores bilheterias em 2016
Os Dez Mandamentos
O Filme “Os Dez Mandamentos” (2h), cujo gênero flutua entre Drama/Épico/Histórico,
foi lançado pela Record Filmes em parceria com a Paris Filmes, em 2016. De acordo com dados
divulgados pela Ancine, o filme obteve destaque por se tornar a obra com o maior número de
espectadores de toda a série histórica do SADIS (Sistema de Acompanhamento da Distribuição
em Salas). Com um público de 11,3 milhões, a obra ultrapassou “Tropa de elite 2”, cuja marca
não era superada desde 2010. Os dados de sua bilheteria foram alvo de diversas polêmicas, uma
vez que foi noticiado em vários veículos que igrejas adquiriram grande parte dos ingressos que
não foram totalmente repassados ao público. Portanto, o número de espectadores é uma
incógnita.
Dirigido por Alexandre Avancini, o filme é uma adaptação de uma história bíblica e da
novela homônima apresentada pela Rede Record em 2015. O enredo gira em torno de Moisés,
um Hebreu que, acolhido pela filha do faraó ainda bebê, cresce como príncipe do Egito, mas
volta-se contra sua família adotiva em favor do povo de Israel, que por ele deverá ser conduzido
à libertação.
151
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Por ser uma adaptação da novela, uma trama longa com muitos capítulos e
desdobramentos, o filme acelera os acontecimentos e acaba por aprofundar pouco a narrativa
na construção dos personagens. Por isso, algumas mulheres aparecem em uma ou duas cenas e
não chegam a ser nomeadas, mas possuem alguma fala ou papel na construção da sequência.
Outras são apenas figurantes que compõem o cenário, já que em alguns momentos do filme
aparecem multidão ou o palácio de Faraó, estas não entram no presente escopo de análise.
No que tange à representação feminina, o filme contabiliza 14 personagens mulheres,
sendo 13 falantes e oito nomeadas. Mas apenas quatro participam ativamente da história, sendo
elas: Joquebede – mãe biológica de Moisés –, Miriã – irmã de Moisés –, Henutmire – princesa
egípcia que adotou Moises – e Ynut – que contou a ele sua origem – , a partir disto Moisés
decide reencontrar sua família de sangue e a trama se desencadeia.
Poucos são os diálogos entre as personagens femininas e raras vezes as conversas não
giram em torno do personagem masculino. As outras personagens femininas que compõem a
narrativa não estão vinculadas na trama de tal forma que sua remoção teria um efeito
significativo. Algumas servem apenas de trampolim para que se construa a imagem dos
personagens masculinos.
A maioria das personagens femininas é definida exclusivamente pelo seu sexo. As mães
de Moisés são caracterizadas pela maternidade e Zípora e Nefertari pelo fato de serem esposas.
Miriã é definida exclusivamente pelo fato de ser mulher, uma vez que é ela quem acompanha a
mãe na gravidez e isso seria uma tarefa do “universo feminino”, já que Joquebede tem outro
filho que não participou efetivamente destes momentos. As seis irmãs de Zípora também são
necessariamente mulheres pelo contexto da época e do momento em que se encontram em cena,
Moisés as protege de homens que as insultam enquanto elas pastoreiam ovelhas. Isso não
aconteceria se uma delas fosse um homem. A única personagem feminina que não é definida
pelo sexo é Leila, uma hebreia que trabalha no palácio e faz a ponte entre Moisés e sua família
de sangue.
Não há nenhuma personagem negra na narrativa.
152
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
filme, Hermínia vive uma nova fase, já que seus filhos buscam a independência e ela terá que
descobrir como viver sem eles por perto.
Partindo para a análise, verificou-se 24 personagens femininas, sendo 12 nomeadas e 15
falantes. As conversas que guiam o enredo do filme são predominantemente sobre o cuidado
excessivo que Hermínia tem com seus filhos e a possibilidade da protagonista encontrar um
namorado. Em seus diálogos, Hermínia, Iesa e Lucia Helena, que são irmãs, falam
eminentemente sobre filhos e namorados. Hermínia e Tia Zélia, que tem mal de Alzheimer,
também conversam entre si e falam sobre assuntos que remetem à família.
Hermínia e sua filha Marcelina dialogam sobre a vontade da mesma se mudar do Rio de
Janeiro para São Paulo para trabalhar como atriz. A protagonista, diz que Marcelina não tem
corpo para a carreira e afirma ser contra a mudança. Outro momento de destaque na trama,
enquanto representação feminina, é quando Hermínia aceita a ida de Marcelina e vai para a
boate com os filhos. Neste ambiente de festa, começa uma busca incessante para encontrar um
homem para sua caçula. Ou seja, os diálogos mesmo que em algum momento tentam distanciar-
se de assuntos afetivos, voltam-se ao círculo de temas estereotipados.
Dentre as 24 personagens, seis são definidas pelo seu sexo. E apenas cinco personagens,
caso fossem removidas da trama, teriam algum efeito significativo. São elas: Hermínia,
Marcelina, Lucia Helena, Iesa e Tia Zélia. Também foi possível averiguar que não existe
nenhuma mulher negra dentro da trama.
Nesta análise, foi possível perceber que, por se tratar da representação de uma mãe como
protagonista, os assuntos que permeiam o universo maternal prevalecem. E por ela ser separada,
diálogos sobre namoro e casamento também são predominantes. Os filhos são a razão pelo qual
a personagem vive, e isso é evidenciado no filme. Além de Marcelina, Juliano e Garib, Hermínia
volta-se também para seu trabalho como apresentadora de um programa de TV, porém,
reforçando os estereótipos da maternidade, o mesmo é uma espécie de consultoria para mães e
donas de casa.
Análise dos filmes dirigidos por mulheres com maiores bilheterias em 2016
É Fada
Baseado no livro “Uma Fada Veio Me Visitar”, da escritora Thalita Rebouças, “É Fada”
é um filme brasileiro lançado em 06 de outubro de 2016, com a direção de Cris d'Amato.
Durante 1h25 minutos, o enredo gira em torno de Júlia (Klara Castanho) e Geraldine (Kéfera
Buchmann). Júlia é uma adolescente criada pelo pai e acaba de trocar de escola. Pouco popular,
153
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
ela precisa lidar com as novas colegas de turma. Geraldine é uma fada atrapalhada que perdeu
suas asas após fracassar em uma série de missões. Para recuperá-las, precisa ajudar Júlia em
sua vida social e amorosa. “É Fada” marca a estreia da YouTuber Kéfera Buchmann no cinema.
A atriz totaliza mais de 30 milhões de seguidores em suas redes sociais.
A partir da matriz de análise da presente pesquisa, quando se trata da representação
feminina em “É Fada”, foram contabilizadas 18 mulheres, sendo nove nomeadas, e oito
falantes. Entretanto, a trama foca-se em apenas seis. Todas as cenas de diálogos entre mulheres
envolvem estas personagens, que, para a melhor compreensão da análise, foram divididas em
três núcleos: Geraldine e Júlia; Júlia e Alice; Júlia, Veronica, Ingridy e Priscila.
No primeiro núcleo, que ocupa a maior parte da narrativa, todos os diálogos entre
Geraldine e Júlia envolvem a ascensão social da jovem em meio a seus pares, o que se resume
a questões estéticas e relações afetivas. O segundo núcleo, composto por Júlia e Alice, apresenta
uma narrativa conflituosa entre mãe e filha, que em grande parte das vezes volta-se para a
questão da criação. No enredo, Alice abandonou Júlia para poder estudar fora, e então, a menina
foi criada pelo pai.
No terceiro núcleo, Veronica, Ingridy e Priscila compõem o grupo de meninas do qual
Júlia quer se inserir, e ao mesmo tempo, são as vilãs da trama. As cenas são majoritariamente
coletivas, apenas as duas primeiras personagens tem momentos de diálogo individuais com
Júlia, mas em suma, as meninas tratam de padrões de comportamento, relações amorosas e
questões estéticas.
Assim, é possível notar que todas as personagens de destaque, nos três núcleos, são
definidas por seu sexo: a fada, a adolescente sonhadora, a mãe e as amigas/inimigas. Este fator
leva à reprodução de estereótipos e reforço das diferenças entre homens e mulheres, fazendo
com que haja uma abordagem sexista. Já que nenhum homem poderia estar em seus lugares,
existe uma padronização da identidade das personagens.
Não há nenhuma personagem feminina negra na narrativa. Ressalta-se que a trama se
desenvolve, principalmente, em uma escola particular em um bairro nobre do Rio de Janeiro,
também transitando pela periferia. É difícil perceber até mesmo a presença de figurantes negras.
154
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
A história é baseada no filme argentino “Um namorado Para Minha Esposa” (2008), de
Juan Taratuto, a partir do roteiro de Pablo Solarz, que já ganhou versões também na Itália e no
México. No Brasil a trama conta a vida de Chico que após 15 anos de casado com Nena, está
cansado da rotina do casamento e quer se separar. Sem coragem para pedir o divórcio, decide
contratar o “Corvo”, um homem charmoso e profissional na arte de conquistar as mulheres,
para seduzir sua esposa e fazer com que ela peça a separação em seu lugar.
Nena ameniza um pouco do machismo exacerbado do roteiro original ao se colocar na
função de YouTuber com seu discurso ácido e crítico perante temas como o descontentamento
dos grupos de WhatsApp, os estereótipos de beleza em relação a mulher com mais de 40 anos
e comportamentos pré-estipulados pela sociedade nessa faixa etária. Nota-se no filme um
avanço quando se pensa em empoderamento feminino, pois a trama sugere que a felicidade da
mulher não está única e exclusivamente ligada ao seu parceiro amoroso, porém, a também traz
um pensamento regressista quando repete o final do longa argentino: apesar de sua
independência e sucesso, a protagonista necessita do marido para sentir-se completa.
No enredo existem oito personagens femininas, sendo sete nomeadas e seis falantes. É
interessante destacar que a maioria das mulheres nomeadas são chamadas por apelidos. Quanto
aos diálogos, as mulheres falam sobre dietas, exercícios físicos, relações afetivas, com quantos
homens cada uma já transou na vida e sobre o sucesso de Nena como Youtuber.
Se observa que a relação que as personagens femininas têm entre si gira em torno do
que seria o estereótipo do “universo feminino”. Logo, elas são definidas pelo seu sexo, ou pelos
pré-conceitos que o definem socialmente.
Sobre a relevância da remoção de alguma personagem, apenas a ausência de Nena
prejudicaria o desenvolvimento da história contada, visto que se trata da sua própria história.
Todas as outras mulheres da trama são substituíveis ou irrelevantes dentro do longa-metragem,
visto as suas curtas falas, pouca aproximação com os protagonistas e com o próprio enredo.
Nena é a única personagem feminina autossuficiente que rege todo o filme e conduz a história.
Por fim, é importante também destacar a ausência de personagens negras no filme, o que
caracteriza a não representatividade dessa categoria.
Considerações Finais
O primeiro fato que chama atenção no desenvolvimento desta pesquisa é que, mesmo
antes de iniciá-la, já na escolha dos objetos de análise, a baixa representatividade feminina pode
ser percebida. A intenção de analisar seis filmes entre as maiores bilheterias no Brasil em 2016,
sendo três filmes dirigidos por homens e três por mulheres, não foi possível, visto que na lista
155
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
produzida pela Ancine, entre os 20 maiores sucessos de bilheteria no país, apenas dois tiveram
uma direção feminina. Ou seja, 90% das maiores bilheterias de filmes brasileiros foram
produzidas a partir de um olhar masculino. Sendo assim, alterou-se o corpo de análise para
quatro filmes, dois dirigidos por homens e dois por mulheres.
Entre os dois filmes analisados que foram dirigidos por homens, nenhum seria aprovado
no Teste de Bechdel, mesmo com as alterações propostas para este artigo.
De 38 personagens femininas presentes nas narrativas, apenas 20 são nomeadas e 28
falantes. Das personagens que têm maior relevância, apenas nove causariam impacto no enredo
caso não estivessem presentes. Isso significa que 76% das mulheres que compõem as tramas
não estão vinculadas e elas de tal forma que sua remoção teria um efeito significativo. Numa
perspectiva quantitativa, 29 personagens femininas estão à frente de momentos ou situações
que não acrescentam conteúdo essencial ao desenvolvimento da narrativa.
Sobre a estereotipia do gênero, foi identificado que o fato de ser mulher é de extrema
importância na determinação da relevância da personagem na trama. As mulheres presentes nos
enredos geralmente são suportes para os/as protagonistas. Sendo assim, 19 personagens
femininas (50% do total) presentes nas duas obras são exclusiva ou predominantemente
definidas pelo seu sexo. Isto é, nenhum homem poderia assumir o papel que elas fazem, o que
caracteriza uma abordagem sexista.
Nos filmes dirigidos por mulheres, esperava-se que houvesse um avanço em termos de
representação, distanciando-se do male gaze. Porém, após as análises, bem como no caso dos
filmes dirigidos por homens, nenhum dos filmes analisados seria aprovado com honras no Teste
de Bechdel. De 26 personagens femininas presentes nas narrativas, apenas 16 são nomeadas e
14 falantes. A maior parte das conversas entre elas gira em torno de relações afetivas
heteronormativas (assim, envolvendo um homem no escopo do assunto) ou a respeito de
temáticas socialmente elencadas como do “universo feminino”: bem como dietas ou mudanças
no visual. Tais dados sugerem que garantir representação não é garantir representatividade.
Quando o critério diz respeito à relevância destas personagens nas narrativas, apenas
sete delas teriam um impacto no enredo caso não estivessem presentes, ou seja, 73% das
personagens são dispensáveis à trama. No filme “Um Namorado Para a Minha Mulher”
somente as protagonistas são essenciais.
Em relação aos estereótipos de gênero, foi identificado que o fato de ser mulher é
determinante para maioria das personagens femininas que possuem algum destaque. As
mulheres presentes nos enredos e que não estão limitadas pelo gênero são quase como
figurantes cujo papel nas narrativas serve apenas como trampolim para construir a imagem dos
156
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
protagonistas. Sendo assim, 54% do total de personagens femininas presentes nas duas obras
são exclusiva ou predominantemente definidas pelo seu sexo, fazendo com que haja uma
abordagem sexista mesmo em filmes dirigidos por mulheres, já que nenhum homem poderia
substituí-las.
Quando pensamos em questões interseccionais, o resultado é ainda pior. Em nenhum
dos filmes há uma personagem negra em posição de poder ou relevância. Esta sub-
representação é resultado da estrutura social vigente, onde a desigualdade ainda é recorrente. O
cinema acaba por reproduzir um cenário de invisibilização presente em diversos setores da
sociedade.
Diante disso, é certo afirmar que existe maior possibilidade de representatividade
feminina quando um filme é dirigido por uma mulher. Porém, não pode-se dizer que é uma
regra. Mesmo em obras construídas por mulheres há a reprodução de estereótipos e atitudes
machistas que, infelizmente, são muito presentes nas narrativas do cinema de massa. Este
artigo, nesta perspectiva de análise, evidenciou que a construção da personagem feminina nos
filmes é sexista, e que nenhum dos filmes passou no Teste de Bechedel, nem mesmo com as
modificações que o objeto requisitou para a elaboração da análise.
Referências
COUTINHO, Iluska. O telejornalismo narrado nas pesquisas e a busca por cientificidade: A análise da
materialidade audiovisual como método possível. Anais INTERCOM, 2016, São Paulo, USP.
É FADA. Direção: Cris d’Anato. São Paulo: Imagem Filmes, 2016. 1DVD (125min), son., color., som
original.
FISCHER, Rosa Maria Bueno. Mídia e educação da mulher: uma discussão teórica sobre modos de
enunciar o feminino na TV. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, UFSC, v. 9, n. 2, p. 586-599,
2001
G.E.M.A.A., A Cara do Cinema Nacional: gênero e cor dos atores, diretores e roteiristas dos filmes
brasileiros (2002-2012). Textos para discussão GEMAA (IESP-UERJ), n. 6, 2014, pp. 1-25.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2002, 7 ed.
JOHN, Valquiria Michela. Jornalismo esportivo e equidade de gênero: a ausência das mulheres como
fonte de notícias na cobertura dos jogos olímpicos de Londres 2012. Estudos em Jornalismo e Mídia,
Vol. 11 Nº 2 Julho a Dezembro de 2014
MAGALDI, Carolina Alves; MACHADO, Carla Silva. Os testes que tratam da representatividade de
gênero no cinema e na literatura: uma proposta didática para pensar o feminino nas narrativas. Textura,
v. 18 n.36, p. 250-264, janeiro/abril de 2016.
157
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
MINHA MÃE É UMA PEÇA 2. Direção: César Rodrigues. Rio de Janeiro: Globo Filmes, 2016.
1DVD (96min), son., color., som original.
RIBEIRO, Djamila. O que é lugar de fala. Belo Horizonte (MG). Letramento: Justificando, 2017.
SCOTT, Joan. Gênero: Uma categoria útil de análise. Educação & realidade. Vol. 20, Nº2, p. 71-99.
Jul/dez, 1995
TEMER, Ana Carolina Rocha Pessôa. LIMA, Fernanda Ribeiro. A Mulher e Seus Diferentes Papéis na
Sociedade Moderna e no Telejornalismo Goianiense. Anais INTERCOM, 2014, Foz do Iguaçu. Anais
eletrônicos... Foz do Iguaçu, PR, 2014
158
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Resumo
Este trabalho apresenta uma discussão sobre os sentidos, visuais e narrativos, em torno da
morte em três telenovelas brasileiras e como a perspectiva do espiritualismo é empregada para
referendar uma marca forte do melodrama: o final feliz do casal protagonista. Partimos do
entendimento de que a noção de morte, pelo viés espiritualista, confere às tramas um novo
formato narrativo, tornado evidente por meio de recursos estilísticos específicos – como
efeitos visuais e cenografia. Os Estudos Visuais e o estilo televisivo sustentam
metodologicamente este texto, que finaliza ponderando para a abertura de novos regimes
possíveis para o melodrama atrelado à religiosidade.
Abstract
This work presents a discussion about the senses, visual and narrative, about death in three
Brazilian telenovelas and how the perspective of spiritualism is used to refer to a strong brand
of melodrama: the happy ending of the protagonist couple. We begin with the understanding
that the notion of death, through spiritualist bias, gives the plot a new narrative format, made
evident by specific stylistic resources – such as visual effects and scenography. The Visual
Studies and the television style support methodologically this text, which ends by pondering
for the opening of new possible regimes for the melodrama linked to religiosity.
Introdução
Este trabalho investiga como três telenovelas brasileiras de abordagem espiritualista
conduziram o desfecho de seus enredos centrais para figurar a lógica do “felizes para
sempre”, que subjaz como uma das mais fortes características e expectativas em torno das
narrativas ficcionais inspiradas no folhetim europeu. Os modos de leitura de um gênero
1
Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho 2 – Estudos de Cinema e Audiovisual, do XI Encontro dos
Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais, 18 e 19 de outubro de 2018.
2
Doutorando e mestre em Comunicação Social pela UFMG, Universidade Federal de Minas Gerais,
marcosmeigre@hotmail.com
159
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
160
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
imaginários são evocados em torno das crenças populares ligadas à vida após a morte e
reencarnação nestas tramas? E mais: é possível refletir sobre esta estratégia narrativa como
sendo um novo esquema cognitivo para apresentar a experiência visual da morte e
ressignificar os arcos dramáticos na ficção? Tais indagações orientam a investigação aqui
apresentada. Na seção seguinte, antes de partirmos para o contato com a materialidade
abordada neste capítulo, propomos uma discussão teórico-conceitual em torno da telenovela
brasileira e suas marcas singulares de produção, construção, circulação, consumo nacional,
reverberação e fomentadora de debates sociais em torno dos mais variados aspectos – dentre
eles, uma das maiores e mais latentes matrizes organizadoras de nosso modo de existir em
sociedade: a religiosidade.
161
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
É nesse sentido que a telenovela deve ser vislumbrada como um objeto complexo, tal
qual a TV como um todo. Mittell (2010) afirma que a televisão deve ser entendida em sua
complexidade compósita, estruturada num panorama com seis facetas interligadas diretamente
entre si. Para ele, a TV atua como representação cultural; possui uma forma textual própria; é
uma instituição democrática, ao passo que também se configura como indústria comercial; é
ainda meio tecnológico e prática cotidiana. Entendemos que analisar televisão é uma tarefa
que dispensa esforços articuladores, evitando fragmentações a segregar o meio e seu potencial
como um todo.
Coadunando com esta perspectiva, nosso movimento de pesquisa parte do meio
televisivo, entendido como prática cultural e, após a manifestação das imagens, buscamos nos
processos sociais os atravessamentos capazes de sustentar o emprego dos recursos estilísticos
na materialidade em questão. Em outras palavras: deixamos as imagens nos afetarem de modo
a reconhecer os elementos externos a elas que lhes jogam importante papel em sua
conformação, tais como a História, a política, a economia, as práticas religiosas, etc. A
televisão, enquanto meio cultural responsável por reverberar as práticas sociais, torna
3
Traduzido do original: “modalidad de melodrama en la que las más viejas narrativas se mezclan y hacen
mestizaje con las transformaciones tecnoperceptivas de las masas urbanas”.
162
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
As práticas religiosas, pela força adquirida no cenário sociocultural brasileiro, são uma
das matrizes fundamentais na conformação dos enredos audiovisuais. Num levantamento
realizado por Junqueira e Tondato (2009), os autores identificam as diferentes religiosidades
presentes nas telenovelas brasileiras e apontam que o catolicismo, devido às questões
históricas e culturais de formação do Brasil, era a religião preponderante em quase a
totalidade dos objetos investigados. Entretanto, identificam que, com o passar das décadas, as
temáticas religiosas vão se pulverizando e a “religião oficial” cede lugar ou ao menos passa a
conviver com outras crenças no audiovisual. Se nas primeiras décadas de produção ficcional,
via-se uma forte dominação católica, “nos anos 1990, ao contrário, as abordagens das crenças
são as mais diferentes possíveis, abrangendo um amplo leque que vai do vampirismo até a
ufologia, passando pelo espiritismo, este último contando com algumas novelas que lhe foram
inteiramente dedicadas” (JUNQUEIRA, TONDATO, 2009, p. 188).
A constatação levantada pelos pesquisadores é o mote para a discussão deste capítulo.
Se antes o catolicismo imperava nas narrativas e permeava a construção de sentidos religiosos
nas tramas, não o fazia, por sua vez, de modo a centralizar a condução do enredo. O
catolicismo, portanto, surgia como um elemento narrativo de segunda ordem ou, quando
muito, definidor de momentos-chave das tramas: o padre revelando uma confissão que
promovia um importante ponto de virada; as celebrações de casamentos nas igrejas católicas,
que podiam ser bem ou mau sucedidos; as imagens sacras para as quais muitos personagens
rezavam, ajoelhavam-se e clamavam por auxílio. No caso do espiritismo, a religiosidade
deixava de ser um ponto complementar das narrativas e se alçava à condição de elemento
centralizador, assumindo-se como espinha dorsal das referidas tramas.
Nesse sentido, acompanhando a evolução da doutrina espírita na composição da
história nacional, este capítulo investiga a experiência visual em torno da espiritualidade em
três telenovelas brasileiras, veiculadas pela TV Globo e interpretadas pela audiência e crítica
especializada como “telenovelas espíritas”: A Viagem (1994, Ivani Ribeiro), Alma Gêmea
163
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Para estudar a televisualidade de nosso objeto, convocamos autores que nos convidam
a proceder sob um novo método investigativo, assentando-nos no que vem sendo chamado de
Estudos Visuais. Os Estudos Visuais são entendidos como o campo de investigação, enquanto
a Cultura Visual, à concepção de Mitchell (2005), seria o objeto de estudo. Neste campo,
Mitchell sugere um esforço de descontaminação do olhar para que as imagens possam ser
entendidas quase como seres vivos, capazes de nos dizer algo e interessadas em serem
“ouvidas”. Livramo-nas, assim, das amarras dos pré-julgamentos, muitas vezes estereotípicos
e matizados por padronizações coletivas.
Não se trata mais de um estilo de pesquisa no campo da história das imagens, e sim
de pensar nas formas pelas quais as imagens, através de interesses específicos, são
produzidas, circulam e são consumidas, com o objetivo de reforçar ou resistir a
articulações com os mais variados objetivos políticos, econômicos, culturais, etc.
[...] Os Estudos Visuais questionam como e por que as práticas de ver (visualidade e
visibilidade) têm transformado nosso universo de compreensão simbólica, nossas
práticas de olhar, nossas maneiras de ver e fazer. (PEGORARO, 2011, p. 45)
164
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
as imagens e as fazem circular), aos corpos (sujeitos que assumem o lugar de observador e
completam o circuito visual – é preciso que tenha alguém para “ver”) e, por fim, a
figuralidade, que diz respeito à capacidade da imagem de representar o mundo, de figurá-lo. A
experiência visual como um todo é reveladora dos modos de interação em sociedade, podendo
inclusive nos dizer sobre a maneira como homens e mulheres assumem papéis e se projetam
no ambiente social, evidenciando a construção das relações sociais em jogo.
Para o autor, é importante distinguir imagens, objetos e meios. Imagens são figuras,
motivos ou formas (quaisquer que sejam) que apareçam nos meios. Objetos são o suporte
material onde as imagens aparecem, onde estão dentro de. E meio diz do conjunto das práticas
materiais que ligam uma imagem a um objeto para produzir uma picture. Portanto, o percurso
intelectual do autor prioriza a chegada às pictures, entendidas como “uma complexa
montagem de elementos virtuais, materiais e simbólicos”4. Num sentido mais amplo, “uma
picture se refere à situação completa em que uma imagem faz sua aparição”5 (MITCHELL,
2017, p. 14).
Numa metáfora, Mitchell salienta que as pictures querem ser beijadas, e queremos
beijá-las, nisso consiste a dialogia desta relação. Nem todas, porém, se dão nessa evidência
tão clara de seus interesses, podendo mascarar seus objetivos e construir esta interação de
maneira mais discreta – não diretamente persuasiva. A picture é, portanto, uma criatura
paradoxal, que inclui o sujeito em sua composição, é individual e simbolicamente abraça a
totalidade, é concreta ao mesmo passo em que se faz abstrata. Partir da concepção de que
estamos na picture, estamos na situação, revolve o terreno das maneiras de se abordar a
dimensão imagética.
Nesse sentido, interessa-nos um investimento televisual e cultural, de modo a entender
o meio em sua poética e considerar as pictures neste processo dinâmico e interativo. A nosso
ver, o alinhamento entre a materialidade constituinte dos objetos midiáticos e as
determinações culturais auxiliam nos estudos das formas textuais – por vezes negligenciadas
nas pesquisas do campo, como afirma Mittell (2010). Uma pesquisa interessada em
contemplar a complexidade do meio não pode minimizar a importância de uma das facetas.
Somente assim se torna viável um entendimento de toda a televisualidade conformadora do
processo comunicativo.
4
Traduzido do original: “un complejo ensamblaje de elementos virtuales, materiales y simbólicos”.
5
Traduzido do original: “una picture se refiere a la situación completa en la que una imagen ha hecho su
aparición”.
165
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
6
A dimensão avaliativa é apontada por Butler (2010) como uma esfera problemática, dado que ainda não foram
estabelecidos parâmetros para julgar a materialidade televisiva sem recorrer a julgamentos e valorações sem
166
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
A Viagem
Na telenovela A Viagem, de Ivani Ribeiro, o encerramento da trama se dá numa
caverna, onde aparecem os dois personagens centrais: Otávio e Diná. A caverna é bastante
iluminada, com paredões rochosos que recebem boa iluminação. Nesse sentido, a composição
cênica denota a inserção das personagens num universo reservado apenas a elas, onde terão a
possibilidade de comunhão efetiva e duradoura.
Primeiramente é o espírito de Otávio a surgir, sob efeito visual esbranquiçado que o
modela até se formar a figura completa do personagem, enquadrado de corpo inteiro e, na
sequência, tendo o rosto em primeiro plano. Otávio olha ao longe, pelo interior da caverna, e
o plano seguinte apresenta outras dimensões do espaço, para onde ele caminha a passos
largos. Os sucessivos planos gerais que acompanham o caminhar de Otávio denotam a
diminuta proporção do sujeito perante a magnitude do composto ao entorno: vestido de
branco, Otávio se mistura ao meio, numa simbiose que quase o integra ao espaço e por vezes
dificulta reconhecê-lo. A soberania do espaço se sobrepõe, neste momento, ao intento de
singularizar o sujeito em cena, numa alusão ao que se reserva aos seres quando na dimensão
espiritual. A escolha pela evidência cênica referenda a intencionalidade de se apresentar o
plano espiritual e suas nuances.
Quando Otávio interrompe a caminhada, ele avista a chegada de Diná, que vem em
sentido oposto. A troca de olhares entre ambos segue o clássico modelo plano/contraplano,
um plano geral os reduz diante da gigantesca composição rochosa e um plano de detalhe capta
o momento em que eles se dão as mãos: o amor permanece selado no plano espiritual. A
sustentação científica. Nesse sentido, o autor não desenvolve tal dimensão e afirma que, se a pretensão é explorar
a avaliação estilística da TV, preciso será desenvolver métodos particulares para julgar sua estética – o que, por
enquanto, não é uma realidade no universo acadêmico relativo à televisão.
167
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
168
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
O casal caminha e se posta lado a lado, vistos num plano geral que evidencia um feixe
luminoso surgido do alto e em direção aos dois. A tal luminosidade se intensifica, torna-se
mais esbranquiçada e envolve Diná e Otávio, que passam a ser captados em primeiro plano
enquanto se mostram cada vez mais clarificados. Tal composição visual expressa a dimensão
evolutiva dos personagens e a aura de bondade, serenidade e pacifismo que os cerca. Puros de
espíritos, podem se ver livres para seguir a marcha do amor em outra esfera. Seguem-se
planos de detalhe apresentando os personagens enquanto se olham, se admiram. O casal se
abraça afetuosamente e se fundem numa única branquidão, integram-se plenamente como se
ali se materializasse a concepção máxima do amor em plenitude. O efeito esbranquiçado se
esvai pelo ar, atinge o alto e se encerra a claridade que até então tomava conta do espaço.
Passa-se a dimensionar o lado externo da caverna, por onde a luz segue aos mais altos
extremos e atinge as estrelas. Neste espaço escuro e permeado por estrelas, está a surgir uma
grande luminosidade ao centro, que domina o quadro visual e é acompanhada pela palavra
FIM.
Em A Viagem, os dois personagens não encerram a trama tendo acabado de enfrentar a
morte. Pelo contrário, eles já se encontravam no dito plano espiritual desde meados da trama.
Neste caso, portanto, a consagração do amor romântico do casal principal já estava selada
desde momentos anteriores, ambos juntos no plano espiritual, e o que faz ocorrer neste
encerramento é a efetiva fusão dos seres, dos corpos etéreos, dos espíritos já em união
precedente. A morte, em A Viagem, já adensava o roteiro do casal central, e nem por isso
abalou os modelos narrativos da trama. Ao fim, o amor permaneceu intocável e referendou a
aura superior do sentimento que unia os protagonistas, visual e espiritualmente, dado que o
casal selou sua purificação de almas e prosseguiu aos céus, sem uma localização exata para
onde iam já transformados em feixes de luz. O amor é luz, que viaja pelo espaço quando
sacramentado entre dois seres de afeto partilhado. Em A Viagem, o amor romântico saiu
consagrado.
Alma Gêmea
Na telenovela Alma Gêmea, trama escrita por Walcyr Carrasco e originalmente
exibida entre 2005 e 2006, coletamos o momento em que Serena (Priscila Fantin) e Rafael
(Eduardo Moscovis) estão ao lado de fora da mansão do casal, após Rafael ser atingido por
um tiro disparado por Cristina (Flávia Alessandra), sua ex-esposa. Rafael, deitado ao chão,
esboça expressões de intensa angústia e sofrimento, enquanto tenta amparar o amado. Ao
redor, o plano geral capta toda a movimentação dos presentes, a casa em chamas ao fundo e o
169
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
caos instaurado. Uma sequência plano/contraplano define a conversa derradeira entre os dois,
com primeiríssimos planos nos fazendo compactuar com a mensagem de amor final entre o
casal.
A intensa dor de Rafael sacramenta sua morte, seguido por um colapso em Serena, que
também morre ao seu lado. Ambos, caídos ao chão, comovem todos os presentes, sob trilha
funesta. De repente, os espíritos de ambos se desprendem dos corpos inertes, levantam-se e
caminham em direção à câmera, de mãos dadas, vistos sob efeito visual esbranquiçado. O
plano geral expressa que os espíritos seguem sem se influenciar pelo caos deixado para trás,
enquanto os presentes buscam entender o que acontece e tentar reanimá-los. É ainda por meio
do plano aberto que vemos, ao fundo, a casa completamente em chamas, tomando todas as
portas e janelas. Ali dentro, a vilã Cristina morrera e fora tragada pelo espelho para
acompanhar o “Diabo” que a veio buscar, já que ela lhe prometera a alma no passado. A casa,
portanto, é a materialização do imaginário social existente sobre o inferno, com suas labaredas
ardendo ininterruptamente e consumindo os maus. Caminhando em sentido completamente
oposto, Serena e Rafael sinalizam que vão a outra dimensão, destinada a seres com outro nível
evolutivo.
O casal, de mãos dadas, esvai-se por toda a tela esbranquiçada e, no plano seguinte,
surgem dentro de uma espécie de gruta ou caverna, onde há um lago no qual uma rosa está
projetada. A rosa era o símbolo de amor do casal, desde as encarnações anteriores e, estar ali,
simbolizaria a consagração do amor romântico. Frente um ao outro, pronunciam, cada um a
seu tempo, a palavra “eternidade” e uma sequência de corporeidades novas desfila pela tela:
são as encarnações pregressas de ambos, desnudadas de modo que o composto imagem/texto
se associe para provar a ideia de temporalidade estentida. Já foram índios, freiras, lordes,
ciganos, escravos, lavradores, samurais, gladiadores da Antiguidade.
Após a sucessão de encarnações apresentadas, o casal retoma as feições de Rafael e
Serena, sob efeitos esbranquiçados, dão as mãos e, unidos, tornam-se uma única luz que
ocupa o centro visual e atinge o ápice da caverna. O encerramento efetivo da trama se dá
quando, nos dias de 2006 (temporalidade da primeira exibição da novela), um casal de
crianças se encontra casualmente no parque e, no jogo plano/contraplano, revela a sintonia já
existente entre ambos. Eles sorriem mutuamente e, perguntado pela garota qual era seu nome,
o menino responde “Rafael”, ao que a trilha se intensifica, os sorrisos de ambos também e a
trama consagra uma nova existência para o casal.
170
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Neste caso, Alma Gêmea optou por solucionar o entrave do amor impedido pela morte
num curto espaço de tempo. Enquanto A Viagem trabalhou de maneira diacrônica, Alma
Gêmea fez a diegese avançar e/ou recuar conforme os recursos estilísticos empregados: tanto
a composição de figurinos delimitava a caracterização dos tempos nas diferentes vidas como
as passagens de tempo demarcadas por geradores de caracteres e novas ambientações (é o
caso da sequência final em que se inscreve “São Paulo, março de 2006” na tela”). No
imbricado entrecruzamento de passado, presente e futuro das vidas tratadas, o principal
171
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
objetivo é atender ao inevitável encontro entre aquelas duas almas, que não alcançaram a
plenitude do amor romântico ao longo de 227 capítulos de lutas e entraves, mas ao fim, após
a(s) morte(s), conseguiram fortalecer-se enquanto casal, unidos, sempre de mãos dadas,
atingindo o auge do roteiro melodramático.
A telenovela adensou esquemas já empregados em A Viagem no tocante às figurações
espiritualistas, reverberando efeitos visuais para apresentar seres espirituais, além de
elementos cênicos para caracterizar o plano transcendental. Em termos de atuação, a
gestualidade do “dar as mãos” também foi replicada a fim de substanciar a temática romântica
tão afeita ao melodrama. Entre replicações e repetições, Alma Gêmea e A Viagem estiveram
estilisticamente próximas nos modos de composição das tramas em torno da espiritualidade.
Além do Tempo
A última telenovela considerada, Além do Tempo, é uma obra de Elizabeth Jhin,
exibida entre 2015 e 2016 na faixa das 18 horas da TV Globo. Na sequência final da obra, o
casal protagonista, Lívia (Aline Moraes) e Felipe (Rafael Cardoso), está à beira de um
penhasco, abraçados e felizes. Há uma narração em off que acompanha o beijo do casal. Não
há outras testemunhas daquela união feliz a não ser a imensidão das montanhas ao redor e o
céu. O casal fica ao centro do quadro por longos instantes, ocorrendo sucessivas composições
imagéticas que ora singularizam cada personagem, ora integram ambos para expressar a
partilha de afetos entre o casal.
Diminutos, a ampliação do campo visual torna mais evidente o espaço físico ao
entorno e comprova visualmente que o casal está a sós. Esta atitude possivelmente se justifica
para diferenciar-se do modo como o casal vivenciou um encerramento trágico na primeira
fase da trama: em um penhasco, juntos e felizes, foram atacados por Pedro, que amava Lívia e
os matou, no século XIX. Agora, em novas vidas no século XXI, estavam finalmente a sós
para viver o amor que se viu interrompido há mais de um século.
172
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
O casal propriamente dito não pronuncia uma única palavra, apenas abusam dos
olhares. Mas, enquanto se beijam, há flashes sucessivos que transportam o espectador ao
universo diegético do século XIX, para também acompanharmos o casal na mesma condição
– aos beijos. Apenas os elementos sonoros – um efeito tal qual rajada de vento – e a
composição de figurinos são os denotadores de que estamos imergindo em temporalidades
distintas. Neste pacto estabelecido com o público receptor, a narrativa se encerra sem remeter
ao universo de um plano espiritual ou à condução a novas esferas do mundo superior (como
se deu nas duas novelas anteriores). Tratou-se, portanto, de uma importante ruptura em termos
esquemáticos ao debater aspectos de crenças espiritualistas. Enquanto as tramas anteriores
consolidaram um repertório estilístico de figuração didático-instrucional em torno da temática
espiritualista, Além do Tempo ousou em artifícios da montagem, figurino e sonorização como
aportes para simbolizar as vidas passadas.
Além do Tempo é, narrativa e visualmente, distinta de suas predecessoras e não se
sustenta na mesma lógica de efeitos para tornar visível elementos etéreos. A resolução do
impasse de um amor interrompido em vidas pregressas é solucionado sob a lógica
reencarnacionista sem, no entanto, convocar a dimensão de mundos espirituais para a esfera
do visível. Em termos narrativos, o amor se soluciona e impulsiona o desenrolar do
melodrama de uma existência até outra. Ao fim, são ativadas estas memórias pregressas para
173
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
consolidar a união do casal e carimbar a vitória do amor romântico como eixo central do
universo melodramático.
Considerações finais
Os mistérios em torno da morte nestas novelas não é do mesmo perfil que esquemas
clássicos encontrados ao longo da história do gênero – como “Quem matou Lineu?”, “Quem
matou Max?” ou o grande clássico “Quem matou Odete Roitman?”. Nestes casos, há uma
constatação do ato e busca-se um culpado, movimentando o arco dramático em torno do
suspense. Nas novelas ditas espíritas, a morte está sacramentada, mas não há a composição de
uma aura de mistério em torno dos personagens, pois eles ora seguem para um plano
espiritual (A Viagem, Alma Gêmea) ou reaparecem assumindo novas vidas (Alma Gêmea,
Além do Tempo). Nesse sentido, a morte deixa de ser um “problema” - entendendo o termo
como um fator condutor das narrativas - e passa a ser uma “solução” para o desenrolar das
histórias, sem impedir que personagens centrais se distanciem em função da morte. Diante da
instauração de esquemas como estes, o espectador vai se familiarizando com novos regimes
visuais que, por mais inovadores pareçam, não se afastam das convenções de gênero. Pelo
contrário, são empregadas justamente para revalidar o grande mote melodramático: o amor
realizado, consagrado, feliz e duradouro.
A condução dos melodramas evidencia uma ressignificação estrutural-estilística das
narrativas, de modo a dotá-las de um novo fôlego para atingir os objetivos primeiros do
enredo: o final feliz. Em tempos de complexificação das narrativas ficcionais (MITTELL,
2010) e reinvenção das lógicas de composição televisual, a telenovela caminha para encontrar
alternativas satisfatórias na missão de engajar seu público, despertar a curiosidade das
audiências e manter a atenção voltada para o mundo-tela. A morte não é uma das premissas
centrais a envolver o casal de protagonistas (apesar de não ser também uma esfera
intransponível), espera-se que mocinhos se reúnam e concretizem, após vencer as agruras e
tormentas impostas pelos vilões, o tão aguardado amor romântico.
Em todas elas, grutas, cavernas e penhascos estão entre a paisagem onde o espiritual
se expressa, um espiritual que ainda é obscuro, nebuloso e de difícil apreciação quando se
trata da crença em outras vidas, em reencarnação. A temática evoca uma série de
preconceitos, incertezas e levanta frentes que travam embates no campo religioso. Mesmo que
o final feliz seja alçado numa nova temporalidade, num novo espaço, ele ainda é algo
reservado a profundos debates culturais, religiosos e políticos que não estão às claras, por isso
174
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
175
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Referências
BREA, José Luis. Los estudios visuales: por una epistemología política de la visualidad. Centro de
Estudios Visuales de Chile, Señas y Reseñas, 2009.
BORELLI, Sílvia H. S. e MIRA, Maria. C.. “Sons, imagens, sensações: radionovelas e telenovelas no
Brasil”. INTERCOM Revista Brasileira de Comunicação, São Paulo, XIX (1): p. 33-57, 1996.
CAVALCANTI, Maria Laura Viveiros de Castro. O mundo invisível: cosmologia, sistema ritual e
noção de pessoa no espiritismo. Rio de Janeiro: Zahar, 1983.
JUNQUEIRA, Lília e TONDATO, Marcia P.. Religiosidade e desigualdades sociais nas telenovelas.
In: LOPES, Maria Immacolata V. de (Org.). Ficção televisiva no Brasil: temas e perspectivas. São
Paulo: Globo Universidade, 2009, p. 183-214.
KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Trad. Guillon Ribeiro. 77ª ed. Brasília: FEB, 1997.
______. O livro dos médiuns. Trad. Guillon Ribeiro. 71ª ed. Rio de Janeiro: FEB, 2003.
176
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
LOPES, Maria Immacolata Vassalo de. Telenovela como recurso comunicativo. Matrizes, v.3, n. 1,
2009, p. 21-47.
MEIGRE, Marcos. La religión está en el aire: un análisis televisual de las viñetas de telenovelas
espiritistas. In: SANCHEZ, Javier Sierra; SAN ROMAN, Maria Cadaval (orgs.). En el punto de
mira: investigaciones sobre comunicación en la era digital. Madrid: McGraw-Hill, 2017, p. 271-282.
MITCHELL, W. J. T. What do pictures “really” want? Chicago: The University of Chicago Press,
2005.
______. Teoría de la imagen: ensayos sobre representación verbal y visual. Trad. Yaiza Hernández
Velázquez. Madri: Ediciones Akal, 2009.
MITCHELL, W.J.T. Qué quieren las imágenes?: una crítica de la cultura visual. Trad. Isabel Mellén.
Buenos Aires: Sans Soleil Ediciones, 2017.
MITTELL, Jason. Television and American Culture. New York: Oxford University Press, 2010.
MOTTER, Maria Lourdes. O fim do mundo: ordem e ruptura. Anais do XIX Congresso Brasileiro
de Ciências da Comunicação. Londrina, 1996.
ROCHA, Simone M.; ALVES, Matheus Luiz Couto; OLIVEIRA, Lívia Fernandes de. A História
através do estilo televisivo: a Revolta da Vacina na telenovela Lado a Lado. Revista Eco-Pós (Online),
v 16, 2013.
ROCHA, Simone M. O estilo televisivo e sua pertinência para a TV como prática cultural. Revista
Famecos, v 21, n 03, 2014.
ROCHA et ali. O estilo televisivo e sua pertinência para a TV como prática cultural. Insular:
2016.
ROCHA, Simone Maria; MEIGRE, Marcos. A religião através do estilo: a figuração do espiritismo
nas telenovelas brasileiras. Revista E-Compós, Brasília, v. 20, n. 3, 2017, p. 1-25.
177
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Resumo
O artigo faz uma análise qualitativa tendo como base o conceito de experiência estética em
Braga, Leal, Valverde e Picado, com vistas a estudar a performance do cantor Liniker nos três
primeiros vídeos de sua carreira divulgados e compartilhados em seu canal oficial do
YouTube. O trabalho observa a potência da arte e da performance do sujeito enquanto
potência para propor novas narrativas e provocar afetos e experiências estéticas em ambiente
on-line.
Abstract
The article makes a qualitative analysis based on the concept of aesthetic experience in Braga,
Leal, Valverde and Picado. The object of study is the performance of singer Liniker in the
first three videos of his career published and shared on his official YouTube channel. This
study shows the power of the subject's art and performance as a power to propose new
narratives and to provoke affections and aesthetic experiences in an online environment.
Introdução
O Brasil é um país de misturas de cores, tradições e culturas . Em um mesmo estado, é
possível encontrar influências de culturas africanas, italianas, japonesas, alemães, judias,
holandesas e tantas outras. No campo das artes, essa heterogeneidade também é evidente. Há
o Brasil do axé, do samba, do maracatu, do sertanejo, do rock, do pop, da MPB, do pagode,
do soul, do tecnobrega, do forró e de outros gêneros musicais que podem ser desconhecidos
1 Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho GT2: Narrativas Textualidades Midiáticas. do XI Encontro dos
Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais, 18 e 19 de outubro de 2018.
2
Mestranda em Comunicação pelo Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal de
Ouro Preto. E-mail: mariagoretesilva.6@gmail.com.
178
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
179
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Nasce um novo artista das redes para os palcos: Liniker e a banda Caramelows
A trajetória do artista Liniker começou antes de viralizar na internet a coletânea com
três vídeos gravados por ele e seus amigos e integrantes da banda Caramelows em outubro de
2015. O cantor conta – em entrevista (no mesmo ano) para o jornal on-line EL País3 – que já
na sexta série do colégio surpreendeu a todos cantando em homenagem ao dia das mães.
Questionado nessa reportagem porque demorou a investir na carreira, o cantor revelou
que se sentia com vergonha perante a família que era já tradicional no estilo musical samba
de raiz. O artista, que é natural de Araraquara (SP), resolveu mudar de sua cidade natal e
realizar curso de teatro, na escola livre de teatro em Santo André. Assim, Liniker começou a
ser o sujeito de sua história e passou a utilizar peças do vestuário feminino e acessórios sem
se importar com os questionamentos de terceiros. Ele evidencia que em sua cidade natal, por
ser de caráter mais tradicional, se sentia intimidado pela sociedade local, e ao sair de lá, se
sentiu liberto para ser quem realmente era.
Sobre a questão do gênero, o cantor diz que não precisa ter certeza se é “homem” ou
uma “mulher”, em entrevista a G14 também em 2015, seu corpo é um “corpo político”. Esse
conceito é muito caro ao artista, como se observa também na entrevista ao El País.
O cantor espera que, com sua forma de se expressar e agir, possa, também, transmitir a
outros indivíduos coragem para serem quem quiserem. O artista atribui à arte a
responsabilidade e o atributo de trazer possibilidades para criar discursos. Segundo o artista,
3
Disponível em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2015/11/12/cultura/1447331706_038108.html>. Acesso em:
30 set. 2018
4
Disponível em: <http://g1.globo.com/sp/sao-carlos-regiao/noticia/2015/12/de-batom-e-brincos-cantor-liniker-
tem-1-milhao-de-acessos-com-clipes.html>. Acesso em: 30 set. 2018.
180
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
ele começou a escrever para falar de si, de tudo que o afligia e o inquietava a ponto de não
conseguir apenas ficar com elas sem traduzir em letras e música.
Liniker ganhou destaque com seus vídeos no YouTube5, em outubro de 2015, pela
potência de sua voz rouca e grave característica da música soul. Produzido com brincos,
turbante e batom em contraste com sua barba rala, seu figurino traduzia o que o artista queria
perpassar, algo íntimo e autoral. As músicas, segundo o artista, ficaram muito cênicas, assim
como o arranjo e a interpretação. As canções escolhidas para representar essa proposta do
artista foram: Louise do Brézil, Zero e Caeu.
Vindo das redes, o artista, atualmente, encontra-se mais estabilizado no cenário
musical, fez uma turnê internacional e conta com uma agenda com diversos shows pelo
Brasil. O artista segue com o olhar acerca do papel da arte por meio de sua música no sentido
de trazer novos discursos e narrativas, traduzindo seus posicionamentos em sua
performance.“O corpo é meu. Eu que tenho liberdade sobre ele. Se tenho minha inteireza, por
que você quer colocar seu bedelho em mim? Quem é você para ditar regras que eu tenho que
seguir? Cada um é cada um, cada corpo é uma história”.
5
Disponível em: https://www.youtube.com/channel/UCMRAb0_HPDRzU0lG5kj3Nvw Acesso:30 set.2018
181
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Essa dialética sobre o tempo é vista pelo autor como relevante para que se discuta
acerca do processo de constituição da intriga nos textos narrativos. São diversas apropriações
de um tempo em seu sentido amplo e universal apropriado a nível singular por diversos
sujeitos que escolhem abordagens diferentes de narrar. Ao construir narrativas, os indivíduos
buscam trabalhar a dialética proposta entre passado, presente e futuro, elementos que se
tencionam na formação das narrativas, conforme aponta Ricouer: “Lendo o fim no começo e o
começo no fim, aprendemos a ler o próprio tempo ao revés, como a recapitulação das
condições iniciais de um curso de ação em suas consequências terminais”. (RICOUER, 2012,
p.2). É assim que o autor evidencia a não linearidade do tempo nas formas de contar histórias,
possibilitando novas leituras sobre o seu contexto.
O sujeito é caracterizado pelos diversos tempos e histórias contadas e ainda por contar.
“Narrar, seguir, compreender as histórias não é se não a ‘continuação’ dessas histórias não
expressadas.” (RICOUER, 2012, p. 2). Em relação ao tempo e à narrativa em Ricoeur, Barros
(2012) faz a seguinte consideração que suscita sobre a potência dos agentes no processo de
compreensão das narrativas e sua relação com a história e os processos temporais:
Emergindo do vivido, a narrativa a ele retorna, transformando-o e transformando-se
em um único movimento, de tal maneira que se pode dizer que a narrativa histórica é
uma reflexão do Vivido sobre si mesmo, através das imprescindíveis mediações do
historiador que constrói o texto e da atividade recriadora do leitor que recebe e
ressignifica a obra historiográfica, compreendendo, através dela, a si mesmo e ao
Mundo. (BARROS, 2012, p. 16)
182
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
183
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
O que entender aqui pela palavra ‘corpo’? Despojado como ele está em minha frase,
parece escapar, por demasiado puro e abstrato, ideal, como o ego transcendental de
Husser! No entanto, é ele que eu sinto reagir, ao contato saboroso dos textos que
amo; ele que vibra em mim, uma presença que chega à opressão. O corpo é o peso
sentido na experiência que faço dos textos. Meu corpo é a materialização daquilo
que me é próprio, realidade vivida e que determina minha relação com o mundo.
Dotado de uma significação incomparável, ele existe à imagem de meu ser: é ele que
eu vivo, possuo e sou, para o melhor e para o pior. pervertem nele seu impulso
primeiro. Eu me esforço, menos para apreendê-lo do que para escutá-Io, no nível do
texto, da percepção cotidiana, ao som dos seus apetites, de suas penas e alegrias:
contração e descontração dos músculos; tensões e relaxamentos internos, sensações
de vazio, de pleno, de turgescência, mas também um ardor ou sua queda, o
sentimento de uma ameaça ou, ao contrário, de segurança Íntima, abertura ou dobra
afetiva, opacidade ou transparência, alegria ou pena provindas de uma difusa
representação de si próprio. (ZUMTHOR, 1986, p. 23)
Sob esse olhar acerca desse sujeito plural atravessado pelas características estruturais e
simbólicas de seu tempo, evidencia-se, a seguir, a potência da experiência estética por meio
da arte no contexto atual.
6
Tema tratado no próximo tópico.
184
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
185
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
por meio dos mecanismos midiáticos, esses elementos devem ser trabalhados com maior
cuidado e pensando na recepção dessas mensagens. Ainda sobre a importância do receptor na
ação de construção e ressignificação, Barros (2012, p. 6) afirma: “Os sentidos são
reinventados na percepção estética, no encontro do espectador com o objeto estético, em um
dado tempo histórico e lugar social, em um contexto comum, um contexto de polissemias.”
No processo de avaliação da experiência estética como algo relacional e articulado
com a mídia, Valverde (2010) descreve que o computador e a internet produzem um
deslocamento da estética, que passa a ser considerada uma teoria da experiência sem corpo.
Nesse sentido, considerando a importância do corpo como receptor da experiência sensível e,
também, responsável pelas produções das experiências, o autor destaca ser necessário um
olhar mais cuidadoso sobre as formas como o corpo é agenciado pelos novos mecanismos
interacionais. Isso porque as experiências estéticas são da ordem do sensível e é pelo corpo
que elas atravessam e reverberam.
A participação do corpo nas questões sensíveis pode ser reconhecida mesmo que não
seja tão evidente como nos séculos anteriores, nos quais a experiência ocorria em maior
ênfase nos museus e nas cidades históricas com a ação do corpo presente. No tocante à
possibilidade da participação do corpo no novo contexto virtual, Valverde (2010) argumenta
que é necessário considerar as questões intersubjetivas presentes em cada sujeito em sua
relação com o mundo e as conceituais sobre o tempo. Desse modo, na análise das experiências
estéticas na produção e na recepção, não apenaso presente é relevante, mas todos os tempos
em interação:
Não podemos reduzir a visão ao registro fotográfico do mundo exterior, ao simples
reconhecimento de sua evidência física, dada objetivamente, de modo independente
de nós, pois ela é um ato de organização que orienta as “instituições sensíveis”,
segundo um ponto de vista determinado e confere a unidade do sentido à diversidade
abstrata das sensações. Mas tal sentido não deriva de uma atitude solipsista, de uma
condição individual e solitária, pois atribuímos sentido ao mundo quando nos
quadros de uma cultura, segundo o fluxo de significações a partir das quais nossa
experiência é sempre retomada [...] só a experiência é capaz de superar a
experiência, pois é próprio da sua estrutura não só preceder-se a si mesma, mas
exceder-se a si mesma nos quadros da natureza, da cultura e da história. E é o corpo
– esse meio, ao mesmo tempo natural, cultural e histórico de transcendência – que
torna presente a possibilidade de toda experiência. (VALVERDE, 2010, p. 69-70)
Braga (2010, p. 84) também aponta para as formas de acesso à experiência estética,
embora esta seja interligada a um meio com muita diversidade, que perpassa aspectos quase
não compreensíveis, nos quais se tem essa ausência de materialidade capturável é necessário
recorrer às próprias subjetividades de cada indivíduo que apreende de acordo com suas
singularidades eminentes e tenta objetivá-las e as fazem circular.
186
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
187
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
7
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=ozvE0STlNzg>. Acesso em: 2 out. 2018.
8
Conforme o próprio artista revela, em entrevistas realizadas no início de sua carreira, como sendo um de seus
objetivos.
188
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
a) Caeu
Publicado em 29 de outubro de 2015, o vídeo da música Caeu circulou de forma rápida entre
os internautas. Uma das características da rede social digital YouTube é a rapidez e a
facilidade de uso das ferramentas disponibilizadas, que possibilitam inserir vídeos em sua
plataforma, criar, produzir e compartilhar em diversas outras redes sociais digitais, como
Facebook e Twitter. A Figura 1 apresenta uma imagem da banda no clipe Caeu.
189
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
190
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
b) Louise du Brésil
O vídeo Louise du Brésil (FIGURA 2), publicado em 15 de outubro de 2015, já
conquistou 3.076.755 visualizações e obteve um número significativo de comentários, o que
possibilita fazer inferências sobre as experiências estéticas produzidas e as possíveis
narrativas agenciadas pela performance do artista.
191
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
A fala desse internauta gerou diversas manifestações entre os demais usuários. Com
base na performance Liniker, observa-se que diversas tramas afetivas são produzidas, além do
resgate de memória e da tradução de símbolos em dialética com o tempo e a história.
A seguir, são apontadas algumas possibilidades afetivas e de experiência estética por
meio da performance em Louise du Brésil:
O que diferencia as possibilidades estéticas desse vídeo do anterior é somente a
letra da música, visto que os três clipes foram gravados de uma vez só e com as
mesmas produções.
O nome da música já busca um vínculo com os usuários ao colocar um nome
próprio na música, seguido da referência à nacionalidade brasileira. Propicia, assim,
o agenciamento de afetos junto ao público feminino e a ascensão do sentimento de
nacionalidade com a inserção do nome do País na música.
A música é alegre e dançante, o que pode trazer uma conexão com os usuários.
Novamente, o corpo ganha relevância de significados pela expressividade cênica do
artista, que estimula a participação do internauta.
c) Zero
O vídeo da música Zero (FIGURA 3) foi publicado no dia 23 de outubro de 2015,
conquistando mais de vinte mil visualizações. É o vídeo de maior sucesso, sendo
parabenizado, inclusive, por outro artista que fazia já sucesso naquela época, Pablo Vittar.
Isso gerou ainda mais interação com os internautas, que, em sua maioria, elogiaram Liniker,
comparando-o a Pablo Vittar. Tal associação é observada nos três vídeos.
192
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
É interessante trazer uma das conversas presentes nessa interação, em que o internauta
vai ao encontro dos propósitos do cantor Liniker de valorização da arte independentemente do
gênero. A fala do usuário Gustavo Rodrigues, embora demonstre muita sinceridade, pode ser,
também, um índice da existência de uma cultura ainda bastante fechada e apegada às questões
de gênero: “Eu sou o famoso ‘hetero’ curto as parada mais masculina ta, disseram que eu não
curti pabllo vitar por que eu era ‘machista’ Mas olha a porra dessa voz cara que caralho de
voz foda Eu me arrepiei ouvindo mano Vim aki mostrar minha indignação Com esse
CANTOR FODA VELHO Essa música bem escrita, ótima música velho porra não canso de
elogiar por que é foda vi”.
Já a internauta Erika Viana já valoriza a performance do artista como uma forma de
engajamento político e social, de representatividade para outros brasileiros: “É isso Brasil!
Representatividade, empoderamento é revolucionário”.
Observa-se, em ambas as falas, a ocorrência dos objetivos propostos do artista em
gerar, com sua música e seu corpo, uma representação política e histórica capaz de tocar as
pessoas para que elas não tenham medo de expressar quem elas são. A seguir, são citados
alguns possíveis elementos de sentidos para geração de experiência estética:
193
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Conclusão
No contexto atual em que a comunicação e a estética se tangenciam por meio dos
mecanismos de comunicação digitais, observa-se um caminho com grandes desafios e muitas
possibilidades. Neste trabalho, pôde ser evidenciado esses dois olhares por meio da análise de
194
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
um artista (Liniker) que traz, na representação de si, novas perspectivas narrativas e formas de
gerar experiência estética em rede social. A pesquisa se focou em formas de perceber a
geração de experiências estéticas em um meio midiático por meio de um exemplo de uma das
redes sociais digitais mais acessadas e que é usada para reverberar sentidos e conteúdos
simbólicos: o YouTube.
A formação de narrativas e experiências estéticas no contexto midiático interacional
foi explicitada e correlacionada, destacando que, nos dias atuais, a ênfase e a condução dos
produtores dos conteúdos ou objetos estéticos se dirigem aos sujeitos que receberão os
estímulos. Tanto na performance do artista, como na escolha do ambiente para as produções,
percebe-se um direcionamento ao público.
Referências
BARROS, José D.’Assunção. Tempo e narrativa em Paul Ricoeur: considerações sobre o círculo
hermenêutico. Revista de História e Estudos Culturais, UFU, Uberlândia (MG), v. 9, p. 1-27, 2012.
BRAGA, José Luiz. Experiência estética & mediatização. Entre o sensível e o comunicacional. Belo
Horizonte: Autêntica, p. 73-87, 2010.
195
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Resumo
O artigo analisa o filme Guerra do Paraguay, de Luiz Rosemberg, como uma metaficção
historiográfica que subverte o envolvimento mimético com o mundo, onde as noções de
realismo ou referência entre o discurso da arte e da história são modificadas através da sua
confrontação. A diegese do filme se constrói na teatralidade da encenação que determina as
composições de quadro e as orientações dos planos, valorizando-se os diálogos das
personagens que questionam a câmera e o espectador sobre a arte e a vida. Identificaram-se
seis tipos de planos-sequência que criam uma narrativa complexa que questiona as verdades
históricas e estéticas, pois o diretor questiona a demarcação da fronteira entre a arte e o
mundo, contestando as verdades da realidade e da ficção a partir da “incorporação diegética
de passados intertextuais” enquanto elemento estrutural que constitui as criações
contemporâneas, funcionando como marca formal da historicidade da obra.
Abstract
The article analyzes the Luiz Rosemberg's film Guerra do Paraguay as a historiographic
metafiction that inserts/subverts mimetic involvement with the world, where all notions of
realism or reference between the discourse of art and history are definitely modified through
their confrontation. The diegese of the film is built on the theatricality of the staging that
determines the frame compositions and the orientations of the plans, valuing the dialogues of
the characters that question the camera and the viewer about art and life. It was possible to
identify six types of plans sequence used by the director in order to create a complex narrative
that questions the historical and aesthetic truths, since the director questions the demarcation
of the frontier between art and the world, contesting the truths of reality and fiction from the
diegetic incorporation of intertextual passages as a structural element that constitutes the
contemporary creations, functioning like formal mark of the historicity of the work.
1
Trabalho apresentado no GT 2 - Estudos de Cinema e Audiovisual, do XI Encontro dos Programas de Pós-
Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais, 18 e 19 de outubro de 2018.
2
Professor. Mestre em Poética pela UFRJ. Mestrando em Comunicação pelo PPGCOM da UFJF. Integrante do
Grupo de Pesquisa Comcime. Endereço eletrônico: ramses.albertoni@ich.ufjf.br
196
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Introdução
Luiz Rosemberg (Rio de Janeiro, 1943), ao lado de Júlio Bressane e Rogério
Sganzerla é um dos cineastas mais inventivos no Brasil. Rosemberg utilizou praticamente
todos os formatos de captação de imagens, desde a película de 16mm, passando pelo 35mm,
pelo vídeo e chegando ao digital nos anos 2000, fazendo filmes radicais que não tinham
penetração no mercado ou que foram censurados. O cineasta é autor de uma vasta filmografia
que soma mais de 60 títulos, entre curtas, médias e longas-metragens, cujos títulos mais
significativos são Guerra do Paraguay (2015), Dois casamentos (2014), Azougue (2014), O
santo e a vedete (1982), Crônica de um industrial (1978), Paraíso no inferno (1977),
A$suntina das Amérikas (1976), Imagens (1972), O jardim das espumas (1970).
O cineasta começou a trabalhar em meados dos anos 1960 e, além de cineasta, é autor
de um considerável número de colagens que dialogam intrinsicamente com seus filmes,
constituindo um universo único de sua obra e de seu pensamento; some-se a isso uma
prolífica atividade como ensaísta, escrevendo sobre cinema para diversos jornais e revistas.
Seus filmes muitas vezes foram interditados pela censura do regime ditatorial civil-militar e
raramente foram exibidos no circuito comercial. Em 1970, Rosemberg rodou seu longa-
metragem O jardim das espumas, filme geralmente associado ao período do Cinema
Marginal; embora interditado pela censura federal, que proíbe sua exibição comercial, o filme
teve boa repercussão crítica na época, e ficara marcado como um dos principais títulos do
cinema de cunho mais radical realizado no Brasil naquele período. A partir de 1982, o
cineasta passara para a produção de filmes em vídeo, quase sempre realizando curtas ou
médias-metragens, em busca da liberdade criativa e estética propiciada pelo menor custo de
produção. A partir de 2014, Rosemberg retorna ao formato de longa-metragem de ficção, após
um hiato de 32 anos, com o filme Dois Casamentos.
Rosemberg sempre manteve uma postura independente, nunca se filiando a grupos,
Cinema Novo ou Cinema Marginal, mesmo que constantemente associado ao segundo
período. No Brasil, o final dos anos 1960 ficaria assinalado pela ruptura entre o autoritarismo
do regime ditatorial civil-militar e a postura inconformada dos produtores culturais e da
militância estudantil. O levantamento das vozes de protestos se dará através da música, do
teatro, do cinema, da literatura e das artes plásticas. Na música, o Tropicalismo dimensionava
a problemática social ao contexto latino-americano, no teatro, Opinião, Arena conta Zumbi,
Barrela e Roda Viva expunham as mazelas da realidade brasileira. O Cinema Novo redefinia
sua poética, e cada diretor, à sua maneira, transmitia os sintomas de um país em crise. A
197
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
explosão criativa dos jovens artistas da exposição Opinião 65 trazia uma nova figuração, com
a presença do pop e do novo realismo francês.
Nessa época, dois filmes marcaram a ruptura no cenário do cinema brasileiro e
tornaram-se o ponto de partida para uma reflexão do “cinema marginal” ou “cinema do lixo”,
quais sejam, Terra em transe (1967), de Glauber Rocha, e Bandido da Luz Vermelha (1968),
de Rogério Sganzerla. O Cinema Marginal dava voz a personagens totalmente desestruturadas
que se encontravam à margem da sociedade, porque, para além da militância política do
Cinema Novo, existiam prostitutas, bandidos, homossexuais, drogados, pervertidos,
degenerados. Era a estética do grotesco, onde o kitsch, o burlesco, as imagens sujas e
desfocadas predominavam; histórias perturbadoras com personagens estranhas, os anti-heróis
da complexa realidade brasileira.
198
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
199
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
enquanto projeto global de explicação. A história aproxima-se de uma fábula com uma veste
tênue que pode ser rasgada facilmente por uma lâmina chamada Agora. Ou seja, ficção e
história se confundem na escritura de uma aventura, caracterizada por tentar a produção de
uma ficção onde os mecanismos da realidade cotidiana aglutinam-se sem dificuldade alguma
às leis da criação artística.
A ficção cinematográfica é, desse modo, a história que se torna problema e que é
colocada em dúvida ou em questão pelo cinema, que leva à interrogação sobre a realidade.
Nas relações entre ficção e história é a obra que se volta para o mundo, cuja expressão
individual adquire dimensão social. A expressão individual, interpretada como um ato
sociológico que resgata a subjetividade dos agentes históricos, se torna, então, o signo de uma
tendência cinematográfica e a consequente tomada de consciência histórica pelo sujeito. Os
fenômenos sociais podem, assim, ser definidos a partir das condutas individuais, e o início da
análise sociológica se dará por meio da ação dos indivíduos, pois as estruturas sociais não têm
um sentido intrínseco; entretanto, terão o sentido que os próprios indivíduos imprimem às
suas ações.
Destarte, é possível ponderar que, no cinema, a imagem-tempo comporta o cinema de
ficção e o cinema de realidade, confundindo as suas diferenças, e, no mesmo movimento, as
narrações tornam-se falsificantes e as narrativas tornam-se simulações, pois é todo o cinema
que se torna um discurso indireto livre operando na realidade. Conforme Deleuze, é “[...] o
falsário e sua potência, o cineasta e sua personagem, ou o inverso, já que eles só existem por
essa comunidade que lhes permite dizer, nós, criadores de verdade” (DELEUZE, 1990, p. 88).
Dessa maneira, rompeu-se o vínculo do homem com o mundo, e é esse vínculo que
deve tornar-se objeto de crença, pois só ela poderá religá-lo com o que ele vê e ouve. O
cinema deverá filmar a crença no mundo, pois a natureza da ilusão cinematográfica é a de
restituir-nos a crença no mundo. Todos,
Cristãos ou ateus, em nossa universal esquizofrenia precisamos de razões para crer
neste mundo. É toda uma conversão da crença. Já foi feita uma grande guinada da
filosofia, de Pascal a Nietzsche; substituir o modelo do saber pela crença. Porém, a
crença substitui o saber tão-somente quando se faz crença neste mundo, tal como ele
é. (DELEUZE, 1990, p. 207-208)
200
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
201
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
ser analisado apenas do ponto-de-vista semiológico, estético ou histórico, mas sim, como uma
imagem-objeto, cujas significações ultrapassam o mero cinematográfico, pois autoriza uma
análise sócio-histórica. Assim, o filme, “[...] testemunha menos pelo que traduz do que pelo
que revela, menos pelo que é do que pelo que provoca; ele não é senão um eco, um espelho da
sociedade, uma abertura” (NORA, 1988, p. 188). Aos 51m32’, a atriz e o soldado dialogam a
respeito daquilo que conforma a existência do homem.
- Eu sou uma atriz, decadentes somos todos... Como diz um poeta que eu conheci
um dia, não se pode quebrar as cadeias quando elas não são visíveis.
- Ah, continuo não entendendo nada do que a senhora fala.
- Lhe falta uma certa aversão ao comum e adjacências... São resíduos do teatro, do
humano. Eu vivo nas palavras sonhos que não deram certo, mas que continuam aí.
Sou o produto de uma época opaca, triste, sendo permanentemente reconstruída,
destruída... (ROSEMBERG, 2017)
Dessa forma, a crítica deve se integrar ao mundo que o rodeia e com o qual se
comunica, buscando compreender a realidade que representa.
Essas questões dizem respeito aos limites da representação, e foram problematizadas
no documentário Nuit et Brouillard, de Resnais (1955), filme que surgiu a partir de uma
encomenda feita pelo Comitê Histórico da II Guerra Mundial. Resnais aceitou dirigir o filme
apenas quando o escritor francês Jean Cayrol passou a colaborar para o projeto. O diretor
pensava que apenas alguém com a experiência de ter passado por um campo de concentração
poderia dar conta de semelhante trabalho, e Cayrol foi um sobrevivente do campo de
Mauthausen. Ele escreveu sobre sua experiência no campo, no ano de 1946, em um livro
chamado Poèmes de la nuit et brouillard (CAYROL, 1997), título que viria a inspirar o nome
do filme de Resnais, assim como o texto que acompanha as imagens.
Il y a nous qui regardons sincèrement ces ruines comme si le vieux monstre
concentrationnaire était mort sous les décombres, qui feignons de reprendre espoir
devant cette image qui s’éloigne, comme si on guérissait de la peste
concentrationnaire, nous qui feignons de croire que tout cela est d’um seul temps et
d’un seul pays, et qui ne pensons pas à regarder autour de nous et qui n’entendons
pas qu’on crie sans fin. (CAYROL, 1997, p. 4)3
3
Temos aqueles que olham sinceramente para essas ruínas como se o velho monstro destruidor tivesse morrido
sob as ruínas, que fingem estar esperançosos diante dessa imagem que está se afastando, como se estivéssemos
curando a peste devastadora, nós que fingimos acreditar que tudo isso é de um tempo apenas e de um único país,
e não pensamos em olhar ao nosso redor e não entendemos que choramos incessantemente. (Tradução do autor).
202
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
203
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
De acordo com Vilaça (1966), o teatro épico não tem a pretensão de eliminar ou
destruir a emoção, se opondo à catarse, mas apenas à catarse como único objetivo do drama, e
que nem todas as peças épicas são não-naturalistas; além disso, o autor pondera que a
204
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
diversão faz parte do teatro épico e que a peça épica não se confunde com a “peça de tese” ou
“peça de propaganda”; assim, “o desafio lançado pelo teatro épico é, em última análise, a
criação de um teatro responsável socialmente enquanto conteúdo e ousado artisticamente
enquanto forma” (VILAÇA, 1966, p. 273).
A criação épica, segundo Barthes (2007), aprofunda-se nos problemas sociais, cujos
[...] males dos homens estão entre as mãos dos próprios homens, isto é, que o mundo
é manejável; que a arte pode e deve intervir na história; que ela deve hoje concorrer
para as mesmas tarefas que as ciências, das quais ela é solidária; que precisamos de
agora em diante de uma arte de explicação, e não mais somente de uma arte de
expressão; que o teatro deve ajudar resolutamente a história desvendando seu
processo; que as técnicas cênicas são elas próprias engajadas; que, afinal, não existe
uma “essência” da arte eterna, mas que cada sociedade deve inventar a arte que
melhor a ajudará no parto de sua libertação. (BARTHES, 2007, p. 130-131)
Os planos-sequência da guerra
Guerra do Paraguay (ROSEMBERG, 2017) não é um filme sobre a guerra ocorrida
no século XIX, porquanto parte de uma guerra específica para chegar às guerras atuais, ou
seja, é uma metáfora poética que procura refletir a respeito dessa doença da morte
programada, porquanto batalhas, tiros e espetáculos são apropriações histéricas de
Hollywood, já que são eles que vendem a indústria da guerra em forma de aventura,
heroísmos e espetáculo. Assim sendo, o diretor agencia a desconstrução da guerra como
espetáculo intimidatório de povos e nações, no intuito de alcançar uma dor de experiências
dentro de cada um, pela narrativa da história de um soldado raso que retorna ao Brasil após
combater na Guerra do Paraguai, no século XIX, e se encontra, dentro de uma diluição de
temporalidade, no século XXI onde encontra duas irmãs atrizes que estão na miséria, vivem
na fome e acabaram de perder a mãe, as últimas remanescentes de uma trupe de teatro
destruída pelos meios de comunicação de massa.
205
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
4
Tradução do autor.
206
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Bazin, contudo, jamais foi um “realista ingênuo” como o acusaram, porquanto sempre
foi consciente dos artifícios exigidos para a construção da imagem realista, dessa forma, o
crítico é um formalista que refletiu sobre a mise-en-scène cinematográfica. Segundo Xavier,
Há um ilusionismo legítimo que constitui a base para o verdadeiro realismo [...] tal
mundo íntegro e intocável que se projeta na tela, construído à imagem do real, é um
mundo de representação, imaginário [...] Bazin considera legítima a manipulação
que salva a inocência do cinema. (XAVIER, 2008, p. 83-84)
207
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
208
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Referências
BRECHT, B. O pequeno organon para o teatro. Rio de Janeiro Nova Fronteira, 2005.
209
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
LOPATE, P. In search of the centaur: the essay film. In: WARREN, C. Beyond document: essays on
nonfiction film. Middletown: Wesleyan University Press, 1996, p. 243-269.
NORA, P. O retorno do fato. In: LE GOFF, J; NORA, P. (orgs.). História: novos problemas. Rio de
Janeiro: Francisco Alves, 1988.
RESNAIS, A. Nuit et Brouillard. Producão: Anatole Dauman. Roteiro: Chris Marker & Jean Cayrol.
Narração: Michel Bouquet. (32 minutos) 1955. Distribuidor: Paragon Multimedia. DVD.
ROSEMBERG, L. Guerra do Paraguay. Produção: Cavi Borges. Elenco: Alexandre Dacosta, Ana
Abbott, Chico Díaz, Patricia Niedermeier. (80 minutos) 2017. Brasil: Livres Filmes. DVD.
VILAÇA, M. Do teatro épico. In: Vértice – Revista de Arte e Cultura, Coimbra, Nº 271-272, p. 261-
281, abr.-mai, 1966.
WATT, I. The rise of the novel. London: Chatto and Windus, 1957.
210
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Resumo
Abstract
The documentary is a type of cinema that allows a series of experiences and a creative freedom
on the part of its directors. Over time, various subgenres have emerged exploring the power of
this cinema. Because it has neither a fixed definition nor a template, there is no standard analysis
methodology. However, through a bibliographical review, this article presents some relevant
theories and ideas to point the way to a critical eye, taking the film Onibus 174, by José Padilha,
as an exemplary analysis. It is observed that the documentary's voice is permeated by an
ideological sense and that the device operations are able to reveal the real risk, that arouses the
viewer to a new view.
Introdução
Teóricos do documentário, ao tratar dessa modalidade cinematográfica, defendem que
não há como defini-la em termos fixos e completos. Desde o seu surgimento, concomitante com
1
Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho Estudos do Cinema e Audiovisual, do XI Encontro dos Programas
de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais, 18 e 19 de outubro de 2018.
2
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Juiz de Fora
(PPGCOM/UFJF), tatianavl@yahoo.com.br.
211
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
212
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Tal distinção endossa nos documentários a sua relação com o mundo histórico, ao passo
que o cinema de ficção se ocuparia de atender às expectativas dos espectadores, deslocando-os
para um universo paralelo, sem uma obrigatoriedade em tomar a realidade social como matéria-
prima. Comolli (2008) caracteriza o documentário como um cinema em fricção com o mundo,
que investe na potência dos afetos e na duração da fala. No documentário, a palavra tem uma
importância singular, assim como a mise-en-scene dos personagens/sujeitos filmados.
Contudo, ainda que se busque definir o documentário a partir de comparações com o
cinema de ficção, não existe um guia específico de como fazer esse tipo de filme. Migliorin
(2010, p.9) endossa essa ideia ao afirmar que “o lugar do documentário é esse lugar de
indefinição de inapreensível”. Cada cineasta, à sua maneira, percorre um caminho para filmar
determinado tema, sendo que um documentário nunca será a reprodução da realidade que
escolheu para tematizar (NICHOLS, 2012; COMOLLI, 2008). Para Comolli (2008), a própria
fragilidade do documentário, de lidar com pessoas reais que têm reações distintas e
imprevisíveis, de se deparar com o acaso e com o risco de não acontecer – quando não
roteirizado, planejado ou ensaiado – o força a buscar novas formas de criação e experimentação.
Nesse sentido, pode-se dizer que os documentários não seguem um conjunto preciso de
técnicas, formas ou estilos.
A prática do documentário é uma arena onde as coisas mudam. Abordagens
alternativas são constantemente tentadas (...). Aparecem casos exemplares, que
desafiam as convenções e os limites da prática do documentário. Eles expandem e, às
vezes, alteram esses limites. (NICHOLS, 2012, p. 48)
Um mesmo tema pode ser tratado de diversas formas por documentaristas distintos. Há
quem prefira dar um tom mais explicativo e didático, com o uso da voz-over, a narração de
fundo, de modo a conferir certa credibilidade e seriedade ao discurso, aproximando, assim do
telejornalismo; outros que exploram a potência do encontro com o personagem, optando por
participar ativamente da cena ou por deixar que os sujeitos filmados sejam os protagonistas e
donos da palavra no filme; aqueles que preferem extrair um lado mais poético e abstrato do
tema; os que usam o próprio filme para levar o espectador à reflexão sobre o fazer
documentário; e, ainda, os que exploram a subjetividade do tema em questão, numa tentativa
de despertar o espectador para um novo olhar.
Alguns documentários podem oferecer uma visão de mundo pronta para aqueles que se
destinam, deixando uma marca maior do ponto de vista do cineasta sobre o tema. Outros podem
deixar certas lacunas e questionamentos que se voltam ao próprio espectador, como se não
dessem conta de abarcar aquela realidade. Tudo isso se faz através das escolhas do cineasta,
que envolvem posições de câmera, enquadramentos e planos, disposição dos elementos de som
213
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
214
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
215
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
216
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
a “experimentar o que é ocupar uma posição social subjetiva” (NICHOLS, 2012, p. 171), ou
seja, procura-se fazê-lo sentir como é vivenciar determinada situação ou experiência. Há uma
combinação de técnicas expressivas com a oratória para abarcar questões sociais que não têm
uma solução definida pela razão ou ciência, por isso, conforme ressalta Nichols (2012), há um
convite ao espectador a ver o mundo com novos olhos.
217
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Para eles, o cineasta escuta melhor quando se esquece de quem é. Além disso, a câmera,
que pode inibir, incentivar ou modificar comportamentos, precisa ser usada como um
catalizador da verdade que o sujeito pode oferecer. Ela deve estar à favor da cena, permitindo
a fluidez dos acontecimentos.
Comolli (2008) sugere uma câmera “naturalizada” na cena, ou seja, em posição próxima
àqueles que ela filma, como se fosse uma parte do espaço que os sujeitos ocupam, oferecendo-
lhes certa confiança. Além disso, o documentarista deve oferecer o risco aos personagens, ou
seja, deixa-los livres para pegá-lo desprevenido. O indivíduo filmado deve compreender que
aquele que filma não consegue visualizar o resultado, porque nem ele sabe o que vai acontecer
no encontro. Em outras palavras, o risco ao personagem envolveria a autonomia a ele cedida.
Ao contrário das operações de risco, há o que Comolli (2008) chama de “realidade
provocada”, caracterizada pela intervenção direta do diretor na cena, encenação feita por atores
sociais ou por reconstrução. É importante ressaltar que a encenação, típica do cinema de ficção,
não anula a genuinidade de um documentário. Alguns teóricos concebem-na como parte das
experimentações que vêm sendo feitas, e até mesmo, como uma forma de assumir a mediação
da realidade para o espectador, conforme aponta Renov (1993 apud DE GRANDE, 2004, p.
38): “o resultado de um documentário, não é uma apreensão direta do real, mas uma ilusão
cinemática mediada por diversas instâncias”.
Evitando a roteirização ou apelando à realidade programada, a questão principal que
Comolli (2008) defende é deixar aparecer a mise-en-scène dos personagens. Para ele, o
problema do documentário não é mais colocar os personagens em cena, mas revelar a relação
que se estabelece entre quem filma e quem é filmado. O documentário deve filmar a favor das
pessoas, por isso, sua essência e sua verdade, assim como sua entrega ao filme, precisam ser
preservadas em meio às operações do dispositivo.
Ideologias
Para além das questões formais e de escolhas sobre o risco, há que se considerar outro
aspecto nos filmes documentários: o seu sentido ideológico. Ainda que o cineasta tente “despir-
se de si” no encontro com o personagem filmado, o resultado desse momento, que é o próprio
filme, configura-se como “uma voz entre muitas numa arena de debate e contestação social”
(NICHOLS, 2012, p. 73). Desse modo, requer-se uma atenção para a posição do realizador, a
ideologia e a mensagem que o filme passa em relação ao próprio tema (PENAFRIA, 2009 apud
MOMBELLI; TOMAIM, 2014).
218
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Para Renov (2005), se a objetividade do documentário é uma utopia, uma vez que trata-
se de uma visão de mundo, apresentada em um discurso persuasivo e retórico (NICHOLS,
2012), é importante olhar e analisar as expressões de subjetividade. Segundo o autor, hoje em
dia há muitos motivos para se desconfiar da neutralidade esperada por quem assiste o
documentário, uma vez que “as visões particulares e os propósitos carreiristas sempre se
confundiram com os objetivos sociais confessos dos esforços do documentário” (RENOV,
2005, p. 246). Assim sendo, todo documentário carrega um sentido ideológico nas entrelinhas
de sua elocução.
Na contemporaneidade, as relações entre o cineasta, sujeito filmado e espectador
mudaram bastante. O espectador, com uma ampla disponibilidade de informação, já começa a
perceber que o mundo que se apresenta a ele no documentário é mediado; o sujeito filmado tem
mais familiaridade com a câmera, dada as novas tecnologias digitais e de maior acesso, como
os smartphones; o cineasta “concorre” com diversas mídias que têm explorado exaustivamente
produções ditas realistas. Desse modo, o documentarista de hoje enfrenta diversos desafios para
dar um sentido singular ao seu filme, tentando captar a atenção do espectador.
Amado (2005), ao tratar da obra de Michel Moore, levanta uma questão pertinente e
bastante atual:
(...) qual seria a proximidade admissível ou a distância desejável que os procedimentos
do documentário deveriam estabelecer com os meios, verdadeiros autores das agendas
cotidianas da política e, nesse sentido, promotores cada vez mais efetivos dos
horizontes do gosto e dos limites da ética de uma sociedade?
Alguns filmes podem seguir a lógica da espetacularização televisiva, outros podem dar
a ver os jogos de poder presentes na sociedade (COMOLLI, 2008), reforçar - ainda que não
intencionalmente - estigmas e estereótipos, ou dissimular sobre uma suposta não-intervenção
ou neutralidade. Porém, tudo isso tem as suas consequências, já que os espectadores, segundo
Nichols (2012), tendem a supor que o filme tem uma forte relação indexadora com o que
registrou.
Desse modo, é importante olhar para a construção fílmica buscando entender os modos
de operação dos cineastas e sua posição ideológica, a fim de avaliar o sentido que o filme gera
em seus espectadores. Para exemplificar melhor essas ideias, propomos um exercício de análise
da obra Ônibus 174 (2002), de José Padilha, apresentado no tópico a seguir.
219
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
220
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
quais as razões que poderiam tê-lo levado ao crime e a prolongar a sua ocorrência por horas,
dado o fato de ter várias câmeras voltadas para ele e transmitindo a sua “atuação” em tempo
real.
Em entrevista concedida para o Jornal Gazeta3, Padilha assume que optou por fazer o
filme para trazer algo ao espectador que a mídia tradicional não havia apresentado. Assim,
pode-se dizer que não houve o risco direto do imprevisível, pois o cineasta sabia o que queria
e sabia que a história de Sandro tinha algo a mais do que foi apresentado pela mídia. No entanto,
como ele mesmo relata, o filme foi acontecendo à medida que a história de Sandro foi sendo
desvelada, o que traz de volta certa improvisação.
Os documentários não têm roteiros. A tarefa do diretor é construir um caminho a partir
do que está sendo dito. Depois que eu entrevistei o Luis Eduardo, como ex-secretário
de Segurança, eu entendi que tinha de filmar meninos de rua, crianças jogando bola
pra cima. Eu já tinha percebido que existiam dois comportamentos diferentes do
Sandro durante o sequestro. Primeiro ele não queria ser filmado, depois dizia: "Pode
me filmar legal, Brasil. Eu estava na Candelária." Houve um turning point do
personagem principal do filme, o Sandro. Quem me explica isso? (José Padilha).
3
Entrevista publicada na Gazeta Mercantil, em 06 de dezembro de 2002. Disponível em:
<http://www.renatodelmanto.com.br/casper/Onibus_174_entrevista_Padilha.pdf>. Acesso em: 17 jul. 2017.
221
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Considerações finais
Confirmando a tese de Nichols (2012), observa-se que a voz do documentário deixa o
seu recado no mundo, reapresentando-o sob um ponto de vista que não necessariamente é
tendencioso. Talvez a grande missão do documentário, por explorar o tempo e a duração da
fala, seja esta: de revelar novos ângulos de fatos e situações. Porém, é preciso que haja
transparência e honestidade com o espectador, deixando-o a par das operações e de que se trata
de uma narrativa em meio a tantas outras na arena social. Que a crença total no discurso não é
um imperativo para “ver melhor”.
Buscar uma compreensão sobre os processos de criação e os subgêneros, assim como
as operações do dispositivo no que tange ao encontro com o real ou à realidade programada, é
uma forma de entender essa mediação realizada pelo documentário e como ele mobiliza as
afecções e a crença do espectador. Ainda que não haja uma metodologia específica para a
análise desses filmes, com categorizações fixas, as contribuições dos teóricos oferecem uma
base importante para uma avaliação crítica e também para o aprimoramento constante do “fazer
documentário”, exercício desde sempre pautado pela experimentação, pela liberdade e pela
criatividade.
Referências
AMADO, Ana. Michel Moore e uma narrativa do mal. In: MOURÃO, Maria Dora; LABAKI, Amir
(orgs.). O cinema do real. São Paulo: Cosac Naify, 2005. p. 216-233.
COMOLLI, Jean-Louis. Ver e poder: a inocência perdida – cinema, televisão e documentário. Belo
Horizonte: Editora UFMG, 2008.
COUTINHO, Eduardo; XAVIER, Ismail; FURTADO, Jorge. O sujeito (extra) ordinário. In: MOURÃO,
Maria Dora; LABAKI, Amir (orgs.). O cinema do real. São Paulo: Cosac Naify, 2005. p. 96-141.
DE GRANDE, Airton. Sujeitos barrados: a voz do infrator em dez documentários brasileiros. 2004.
183 f. Dissertação (Mestrado em Multimeios) – Programa de Pós-Graduação em Multimeios,
Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2004.
222
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
MIGLIORIN, Cezar. Documentário recente brasileiro e a política das imagens. In: ______. (org.).
Ensaios no real. Rio de Janeiro: Azougue editorial, 2010. p. 8-25.
MOMBELLI, Neli Fabiane; TOMAIM, Cássio dos Santos. Análise fílmica de documentários:
apontamentos metodológicos. Revista Lumina, Juiz de Fora, v.8, n.2, dez. 2014. Disponível em: <
https://lumina.ufjf.emnuvens.com.br/lumina/article/view/323>. Acesso em: 17 jul. 2017.
RAMOS, Fernão Pessoa. Mas afinal...O que é mesmo documentário? 2.ed. São Paulo: Editora Senac
São Paulo, 2013.
RENOV, Michel. Investigando o sujeito: uma introdução. In: MOURÃO, Maria Dora; LABAKI, Amir
(orgs.). O cinema do real. São Paulo: Cosac Naify, 2005. p. 234-255.
223
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
O CASO NARDONI:
Uma análise discursiva da cobertura da Folha de S. Paulo1
Resumo
Este trabalho busca analisar as reportagens que a Folha de S. Paulo publicou diante do caso
Isabella Nardoni, que chocou o país. O artigo visa a perceber os movimentos elaborados pelo
jornal na produção, reprodução e transformação de sentidos frente ao acontecimento, levando
em conta aspectos como o caráter mercadológico da informação, abordagem da violência, ética
jornalística, formas discursivas, espetacularização da notícia e seus efeitos representativos na
sociedade. A partir de uma abordagem discursiva, o nosso objetivo é entender como a Folha
constrói a narrativa dos fatos e mantém a relação de verdade com os leitores diante de um caso
de repercussão nacional.
Abstract
This paper seeks to analyze the reports that Folha de S. Paulo published in the case of Isabella
Nardoni, which shocked the country. The article aims to understand the movements made by
the newspaper in the production, reproduction and transformation of meanings in the face of
the event, taking into account aspects such as the marketing character of information, violence
approach, journalistic ethics, discursive forms, spectacularization of news and its representative
effects in society. From a discursive approach, our objective is to understand how Folha
constructs the narrative of the facts and maintains the relationship of truth with the readers
before a case of national repercussion.
1
Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho Jornalismo, do XI Encontro dos Programas de Pós-Graduação em
Comunicação Social de Minas Gerais, 18 e 19 de outubro de 2018.
2
Graduada em Comunicação, Pós-graduada em Gestão Estratégica de Pessoas e Mestranda em Mídias e
Processos Sociais pela UFJF - bpfeiffer924@gmail.com
3
Professor associado da UFJF, Doutor em Linguística, Mestre em Comunicação. Atua no PPGCOM da mesma
universidade, na linha Mídias e Processos Sociais - wedencley@gmail.com
225
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Introdução
Este trabalho propõe uma análise do material jornalístico referente ao caso de
homicídio de Isabella Nardoni, com grande repercussão em toda a mídia brasileira. Nosso
intuito é identificar as formas discursivas que caracterizaram a cobertura da tragédia familiar
pelo jornal Folha de S. Paulo, conforme conceituação de Rippel, Bastos e Alves (2016), além
de demais aportes conceituais da Análise do Discurso, em seu percurso Pêcheux-Orlandi.
Também atentamos para a distribuição editorial das matérias no jornal, a recorrência
às fontes, os aspectos e as subtemáticas abordadas, o que contribui para a produção de efeitos
de sentidos e gestos de interpretação por parte do leitor.
A escolha da Folha para realizar esta análise levou em conta a sua popularidade: é o
jornal de maior circulação no Brasil em formato digital e terceiro no formato impresso, com
médias diárias respectivas de 189.254 e 146.641 exemplares, no ano de 2015, segundo dados
do Instituto Verificador de Circulação (IVC).
Por meio de seu acervo digitalizado, nosso objetivo foi recuperar um pouco do
percurso do julgamento do caso Nardoni na Folha, valendo-se para tal de seu acervo no período
de 30 de março, um dia após a ocorrência do crime, até 4 de abril, um dia após ser decretada a
prisão temporária do casal. Pela sua grande dimensão, constância e pela proporção que tomou
na mídia, acreditamos ser um período suficiente para traçar o perfil e o posicionamento da Folha
a respeito do caso.
Mídia e sociedade
Na recepção e apropriação das mensagens da mídia, afirma Thompson (2014), os
indivíduos são envolvidos em um processo de formação pessoal e de autocompreensão - embora
em formas nem sempre explícitas e reconhecidas como tais. Apoderando-se de mensagens e
rotineiramente incorporando-se à própria vida, o indivíduo está implicitamente construindo
uma compreensão de si mesmo, uma consciência daquilo que ele é e de onde ele está situado
no tempo e no espaço.
As pessoas estão ativamente se modificando por meio de mensagens e conteúdo
significativo oferecidos pelos produtos da mídia. Elas os usam como veículos para reflexão e
autorreflexão como base para refletirem sobre si mesmas, sobre os outros e o mundo a que
pertencem. Ainda segundo Thompson (2014), este processo de transformação pessoal não é um
acontecimento súbito e singular, mas que acontece lenta e imperceptivelmente. É um processo
no qual algumas mensagens são retidas e outras são esquecidas, algumas se tornam fundamento
226
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
de ação e de reflexão, enquanto outras deslizam pelo dreno da memória e se perdem no fluxo e
refluxo de imagens e ideias, de acordo com o que é divulgado pela imprensa.
Dentro desse contexto, nota-se que a mídia atua de acordo com seu poder simbólico,
"poder invisível o qual só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não lhe estão
sujeitos ou mesmo que o exercem" (BORDIEU, 2006, p.4). O poder simbólico é, segundo o
mesmo autor, um potencial de construção da realidade que tende a estabelecer o sentido
imediato do mundo social.
O poder simbólico, poder subordinado, é uma forma transformada, quer dizer,
irreconhecível, transfigurada e legitimada, das outras formas de poder: só se pode
passar para além da alternativa dos modelos energéticos que descrevem as relações
sociais como relações de força e dos modelos cibernéticos que fazem delas relações
de comunicação, na condição de se descreverem as leis de transformação que regem
a transmutação das diferentes espécies de capital em capital simbólico e, em especial,
o trabalho de dissimulação e de transfiguração (numa palavra, de eufemização) que
garante uma verdadeira transubstanciação das relações de força fazendo ignorar-
reconhecer a violência que elas encerram objetivamente e transformando-as assim em
poder simbólico, capaz de produzir efeitos reais sem dispêndio aparente de energia.
(BORDIEU, 2006, p.11-12)
227
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
joga o jogo da luta por hegemonia, considerando que está em questão uma mercadoria
grandemente perecível, ou seja, a notícia. E partindo do pressuposto de que a ética jornalística
está atrelada a esse consumo, ela assume como valores fundamentais a verdade da informação,
a objetividade, o respeito à vida privada e à humanidade.
No meio de tudo isso, confunde-se comunicação com difusão. A conseqüência
imediata deste equívoco está em reduzir a ética a uma responsabilidade individual,
monológica, como se tudo dependesse da consciência do profissional, do público ou,
então, qualquer coisa, menos responsabilidade da empresa de comunicação. Diante
disso, a maior dificuldade de qualquer profissional da mídia está em manter o público
realmente informado sobre as questões complexas de natureza política, social e
econômica. Diante disso, a única possibilidade está em usar o bom senso e buscar
sempre contar os fatos isentos de emoções e envolvimentos pessoais, pois a
parcialidade acaba com a credibilidade. (PIZZI et al, 2004, p.3)
Voltando ao pensamento de Porto (2009), a autora ressalta que é no jogo de poder desse
campo permeado por tensões, confrontos e acordos que os diferentes meios disputam o espaço
midiático e constroem sua especificidade; buscam fazer a diferença, definir seu peso relativo
em meio a um espaço de grande homogeneidade, a qual está situada em dois níveis: o do
conteúdo – as fontes são quase sempre as mesmas e só ganha relevância midiática o que já for
pautado como notícia – e o da forma – há todo um aparato de linguagem, de rotinas produtivas
do jornalismo, de economia do tempo, do espaço e da imagem para que um fato seja alçado à
condição de acontecimento e ganhe todas as mídias.
Nesse sentido, os meios alimentam-se dos meios, a partir da hegemonia da televisão,
que “age sobre os telespectadores comuns, mas também sobre as demais mídias”
(CHAMPAGNE, 1993, p.63). Jodelet (2001) conclui: a representação social "é uma forma de
conhecimento, socialmente elaborada e partilhada, com um objetivo prático, e que contribui
para a construção de uma realidade comum a um conjunto social".
228
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
na intimidade dos atores, constituir alteridades e idealizar heróis, porém, não satisfeita, a plateia
quer ela mesma encenar o grande espetáculo que, para os autores, têm o nome de realidade. Ela
faz com que o pensamento ideal seja deslocado pelo pensamento imagético em função do da
ascensão da estética. Isso faz com que os leitores consumam cada vez mais as notícias pelo seu
caráter estético. (TAFURI, 2010).
Na sociedade contemporânea, a informação, a notícia, o jornal e a imprensa em geral
são estetizados, marketizados e mercadorizados. A realidade dá lugar à estética da
realidade. O esforço de objetividade dá lugar à estética da subjetividade. A
apresentação torna-se uma representação protética e artificial. (MARSHALL, 2003,
p.145).
Gabler (1999) salienta que um campo onde o entretenimento ganhou amplo espaço nos
últimos anos é o jornalismo. Programas jornalísticos estão adotando a apresentação de
variedades como integrantes de sua linha editorial. A apresentação de quadros de dramaturgia,
onde se exploram desde as mais cômicas às mais perversas atitudes humanas, é vista
constantemente em programas com intuito informativo. "Esse desejo do crime é o que
encontramos regularmente - é sempre correlativo de uma falha, de uma ruptura, de uma
fraqueza, de uma incapacidade do sujeito". (FOUCAULT, 2018, p.19).
A atividade jornalística, constantemente adaptada ao espetáculo e através de sua
seleção de conteúdo, toma para si o poder de construção da realidade, garantindo a “verdade
absoluta” dos fatos que noticia. Paralelamente a isso, a necessidade da mídia de alcançar o
229
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
230
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Para que seja considerada boa, Guerreiro et al (2010) apontam que a imprensa deve
corresponder às exigências da verdade: informações exatas, verificadas, apresentadas de modo
equânime, opiniões expostas com honestidade livre de preconceitos, relatos jornalísticos
verídicos e ciosos de sua autenticidade. Por se tratar de uma polêmica de dimensão nacional, a
cobertura do caso Isabella Nardoni foi exaustivamente explorada em todas as mídias. O
esgotamento da notícia resultou na publicação de especulações infundadas, de títulos
tendenciosos e tentativas desesperadas de garantir os índices de venda da revista.
Guerreiro et al (2010) salientam que a partir do momento em que a cobertura
jornalística se fixa em entretenimento e na desenfreada busca pela audiência, a qualidade do
jornalismo se perde e abre espaço para publicações fantasiosas, dados sem bases reais,
atualidade e para a manipulação do leitor através de frases e expressões de efeito.
Através da curiosidade do público, os meios de comunicação bombardeiam os
noticiários com espetáculos circense-criminais tão apenas para alcançar maiores índices de
audiência. Naves (2003) salienta que a espetacularização da notícia, essencial na busca pelo
entretenimento, propicia a confusão entre "interesse público" e "interesse do público",
argumento frequentemente usado pela mídia para exigir informações e justificar invasões de
privacidade. Transformou-se, portanto, a informação em mercadoria de entretenimento, com
apelos estéticos, emocionais e sensacionalistas, “onde o espetáculo em cartaz é a
vida” (PENA, 2005, p. 87).
O caso Nardoni
Apresentação do caso
O crime aconteceu na noite de 29 de março de 2008 por volta das 23h30. O pai de
Isabella, Alexandre Nardoni, 29 anos, e a esposa, Anna Carolina Jatobá, 24, voltavam de um
churrasco na casa dos pais de Anna, em Guarulhos, na grande São Paulo. Segundo a versão
do casal, ele teria deixado o carro no estacionamento do Edifício London, onde moravam, na
Vila Guilherme (SP), e subido para o sexto andar com a filha Isabella, de cinco anos,
dormindo em seu colo. Depois de colocá-la na cama, Nardoni afirma ter descido para buscar
a mulher e os dois filhos menores no carro, um com três anos e o outro com onze meses. Na
volta para o apartamento, teriam visto a tela de proteção do quarto dos filhos rasgada e, em
seguida, avistado o corpo da menina caído no jardim do prédio.
Isabella, ainda viva, foi encaminhada ao Pronto Socorro Infantil da Santa Casa. "Ela
tinha sangue coagulado no pulmão e no coração, as extremidades das unhas e da língua roxas,
231
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
232
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
grande interesse midiático deste caso é o fato de estarem presentes muitos dos ingredientes
de "alto apelo" para atração de audiência.
Um deles, assim como também se deu no caso Suzane von Richthofen, é a morte em
família. "Sempre traz inquietação quando um filho é suspeito de matar os pais, ou os pais são
suspeitos de matar os filhos". Além disso, "há a sensação de mistério envolvido numa
'investigação policial' além de julgamentos sempre interessantes e as 'reviravoltas' que o caso
precisava ter". Tudo ajuda a manter o caso na mídia durante muito tempo.
A análise
O objetivo deste artigo é identificar as formas discursivas prevalecentes que operaram na
cobertura da Folha de S. Paulo na cobertura sobre o caso Isabella Nardoni. Para isso, recorremos
a elementos da Análise do Discurso, proposta por autores como Orlandi (1995) e Rippel, Bastos
e Alves (2016). Também foram analisadas outras “entradas” discursivas como a espacialização
dos textos nas editorias, a escolha das fontes, e a distribuição das subtemáticas.
O corpus desta pesquisa se baseia na análise de 14 matérias, publicadas entre 30 de
março e 4 de abril de 2008. E partimos de alguns recortes que nos apontaram entradas de análise
e pontos de ataque.
A primeira entrada de análise permitiu a observação de como alguns espaços editoriais
textualizaram sentidos sobre o caso. A ênfase foi sobre “Cotidiano" e "Opinião". Uma outra
entrada foi a distribuição dos subtemas. Vale ressaltar que um mesmo assunto, dentro de uma
mesma editoria, pode-se valer de diversos temas. O caso Isabella, por exemplo, abordou desde
assuntos ligados à perícia, reconstituição do crime, passando pela entrega e prisão temporária
dos suspeitos até informações dos advogados do casal sobre o adiamento da entrega do
inquérito. Uma terceira e entrada foi a apreciação das formas discursivas, principalmente no
que diz respeito à possível "Espetacularização/Dramatização".
Vale então agora uma observação sobre a hipótese das formas discursivas como
economia das práticas discursivas no jornal. Rippel, Bastos e Alves (2016) alertam para o fato
de que a classificação dos produtos jornalísticos em gêneros não é o suficiente para uma
consideração mais apurada dos efeitos de sentido produzidos a partir da formulação e circulação
de discursos de mídia. E para isso elaboram a hipótese de que há ao menos cinco práticas
discursivas que predominam no âmbito jornalístico, sem desconsiderar outras possíveis: a
narrativa, a persuasiva, a expositiva, a injuntiva e a lúdica.
São práticas discursivas que podem ser identificadas numa notícia, numa reportagem,
num artigo ou mesmo num editorial. É a economia dessas práticas, o peso com que cada uma
233
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
assume na textualização do discurso jornalístico que vai compor o que se pode chamar de
“formas discursivas” (RIPPEL, BASTOS E ALVES, 2016). Mas da mesma forma que uma
palavra só adquire sentido segundo a formação discursiva em que se insere (ORLANDI, 2005),
as práticas só podem ser lidas a partir das posições discursivas tanto dos autores quanto dos
leitores – o que pode parecer injunção num caso, será interpretada como exposição no outro.
De qualquer forma, cabe ao analista compreender estas leituras possíveis.
Mas como podemos descrever estas práticas discursivas? Seguindo ainda a
argumentação de Rippel, Bastos e Alves (2016), se a narrativa é a prática de contar histórias,
relatar; a persuasão é convencer, fazer pensar; a injunção é fazer fazer, mobilizar; a exposição
seria mostrar ou fazer ver; e a prática lúdica é jogar, divertir ou mesmo emocionar. A
espetacularização e o sensacionalismo entram nesta última prática discursiva.
Concluiu-se que das 14 matérias analisadas, 11 eram de alto cunho espetacular
(78,57%), com uso exagerado de fotos que expunham a menina na praia, sem camisa e junto à
mãe, o casal Nardoni algemado, infográficos que ilustravam a planta do apartamento junto ao
percurso que o casal teria feito na noite do crime, imagens cedidas pela perícia, com perito
simulando o pai segurando os braços da menina na janela, e a camisa usada no teste, que mostra
a marca deixada pela rede, semelhante a que estava na camisa de Alexandre, o pai.
Contra isso, apenas três (21,42%) eram de cunho unicamente narrativo. Ou seja,
prevaleceram nas notícias relacionadas ao caso as práticas da ludicidade e da persuasão. A
proeminência destas duas práticas discursivas caracterizaram a forma discursiva da cobertura
de uma modo muito específico em relação a outros temas do jornal; mas que de certa forma não
destoa da tradição jornalística quando se depara com tragédias familiares como estas.
Observamos também as "Fontes acionadas" como uma outra entrada de análise. Foram
encontradas, ao todo, 32 fontes. Criou-se, então, cinco subcategorias para facilitar a análise:
"fontes oficiais", que referem-se a alguém em função ou cargo público que se pronuncia por
órgãos do Estado, "fontes experts", geralmente fontes secundárias que o jornalista procura em
busca de versões ou interpretações específicas, "fontes testemunhais", aquelas que funcionam
como álibi para a imprensa, pois representam aquilo que viu ou ouviu, como partícipe ou
observadora, "fontes primárias", as que estão diretamente envolvidas nos fatos, normalmente
com testemunha ocular, e "fontes secundárias", tipo de fonte que contextualiza, interpreta,
analisa, comenta ou complementa a matéria jornalística. (SCHMITZ, 2014). Por fim, também
buscou-se analisar se havia notícias que apareciam ou não na capa do jornal.
Na tabela abaixo, é possível ver o resultado destas entradas de análise.
234
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Opinião 1 9,09%
Inquérito 4 9,52%
Morte 11 26,19%
Perícia 6 14,28%
Reconstituição do 1 2,38%
crime
Simulação 4 9,52%
Testemunhas 2 4,76%
Oficiais 10 31,25%
Primárias 6 18,75%
Secundárias 10 31,25%
Testemunhais 4 12,5%
Não 3 21,42%
A partir da análise, alguns pontos mais relevantes merecem ser citados: notou-se que
grande parte das notícias escolhidas dentro do recorte proposto eram grandes, ocupando mais
da metade da página. As menores ocupavam espaço de duas colunas ou uma nota. É provável
235
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
que as notícias tenham ocupado parte considerável da página do jornal por ser um caso de
investigação criminal minuciosa, passível de exploração de imagens, infográficos e
depoimentos de vários envolvidos. Além disso, a maioria das matérias se tratava de suítes, em
que o caso principal sempre deve ser rememorado ao leitor para contextualização do mesmo, o
que faz com que se torne ainda maior.
Ademais, vale destacar o aparecimento das notícias na capa da Folha. Chegou-se ao
resultado de que das 14 matérias analisadas, apenas três (21,42%) ocuparam espaço na capa. A
primeira delas tem pequeno destaque, ainda que na parte superior do jornal, e sem foto para
ilustrá-la. A segunda tem posição de destaque, logo abaixo da manchete, com foto grande. A
terceira também tem destaque e foto no centro. É um fato curioso, pois por se tratar de um tema
de superdimensionamento na época, era de se esperar que houvesse um número maior de
matérias na capa. É possível, perceber, portanto, que mesmo com a repercussão do caso, o jornal
deu prioridade para colocar na capa assuntos que julgou mais relevantes na época.
Quase todas as matérias a respeito do caso Isabella estavam em "Cotidiano" (90,90%),
independente da variação de temas que sofresse, que, como vimos, foi extensa, abarcando oito
deles. A exceção esteve na matéria que abordava a opinião de um jornalista sobre a cobertura
das investigações, alocada na editoria "Opinião". As outras três não entraram nessa contagem
pois, como vimos, foram classificadas como matérias de capa em outra categoria.
A tipologia das fontes também representou uma surpresa e merece ser destacada. Só
foram encontradas duas fontes experts (6,25%). Para um caso de repercussão nacional como
este e de tantos mistérios envolvidos à época, esperava-se que a Folha fosse enriquecer suas
notícias com mais depoimentos de especialistas. No entanto, só usou o IML (Instituto Médico
Legal) e o IC (Instituto de Criminalística), que forneceram pareceres técnicos e pontuais sobre
o caso. Quando não havia novidade, praticamente os mesmos depoimentos eram repetidos na
notícia.
Considerações finais
Com o objetivo de compreender como a Folha de S. Paulo conduziu a abordagem do
caso Isabella, este trabalho problematizou seus discursos e suas características. Muito além de
sua linha editorial, cuja rigidez norteia a produção noticiosa da Folha, a análise desta pesquisa
sobre a cobertura do caso Isabella nos revelou uma forte característica do jornal ao adotar uma
voz autônoma.
A Folha, talvez com o objetivo de garantir uma postura distinta dos outros jornais, que
pré-condenavam o casal, ou na tentativa de adotar como técnica mercadológica (ou mesmo de
236
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
linha editorial) vender por oferecer uma opinião diferente das comumente vistas, tomou para
si, de forma sutil, um posicionamento de tentar levantar outras suspeitas que levassem à não
incriminação do casal Nardoni.
Fato esse que pode ser corroborado com alguns argumentos, a saber: a) a pouca
quantidade de fontes experts usadas para falar a respeito do caso e de seus desdobramentos; b)
o uso de diversas fontes secundárias (percentual igual ao de fontes oficiais ouvidas) que
ressaltavam o bom relacionamento da menina com o pai, a madrasta e os irmãos mais novos,
que falavam sobre a vida que a família levava antes do crime, sobre como a menina era feliz e
inteligente, o perfil do casal, etc; c) o baixo índice de matérias de capa, em uma possível
tentativa de não trazer tanto alarde para o caso.
Através do uso recorrente de elementos sensacionalistas, principalmente ao fazer uso da
imagem doce da menina, o jornal tenta persuadir o leitor, mesmo que sutilmente, com narrativas
tocantes, frases e expressões de efeito, buscando comover o leitor.
Por último deve-se alertar que a adoção de aspectos quantitativos nos serviram de base
ou como ponto de partida para a compreensão da cobertura. No entanto, do ponto de vista
discursivo não estão em jogo somente “dados”, mas fatos discursivos com significativos efeitos
sobre os gestos de interpretação do leitor.
Referências
AZEVEDO, Solange; MENDONÇA, Martha. Nunca vamos entender o porquê. Revista Época, N.
516, Rio de Janeiro: Globo, 2008.
BORDIEU, Pierre. O poder simbólico (2ª ed). Lisboa, Portugal: Edições 70, 2006.
CARVALHO, Salo de. O Papel dos Atores do Sistema Penal na Era do Punitivismo (O Exemplo
Privilegiado da Aplicação da Pena). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.
CHAMPAGNE, Patrick. La vision médiatique. In: BORDIEU, Pierre (org.), La misère du monde.
Paris, Seuil, 1993.
FOUCAULT, Michel. Os anormais. (5ª ed). São Paulo: WMF Martins Fontes, 2018.
GABLER, Neal. Vida, o filme. São Paulo: Companhia das letras, 1999.
GUERREIRO, Paula Mathenhauer; SANTOS, Paula Rosilho dos; JACOBINI, Maria Lúcia. O poder
de julgamento da revista Veja: uma análise dos casos Nardoni, Richthofen e Eloá. Campinas, SP,
2010. Disponível em < http://www.intercom.org.br/sis/2010/resumos/R5-3030-1.pdf>
237
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
JÚNIOR, Paulo Rogério Finatto. O julgamento do caso Isabella Nardoni no programa Brasil
Urgente. Porto Alegre, 2011. Disponível em <https://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/37583>
MENDES, Daniela. A morte inaceitável de Isabella. Revista IstoÉ, N. 2005. São Paulo: Três, 2008.
PAGNAN, Rogério. O pior dos crimes: a história do assassinato de Isabella Nardoni. Rio de Janeiro:
Record, 2018.
PORTO, Maria Stela Grossi. Mídia, segurança e representações sociais. Revista Tempo Social, v. 21,
nº 2, pp. 211-233. São Paulo, 2009. Disponível em
<http://www.journals.usp.br/ts/article/view/12599/14376>
RUBIM, Antonio Albino Canelas. Espetáculo, Política e Mídia. Bahia, 2002. Disponível em:
<http://www.bocc.uff.br/pag/rubim-antonio-espetaculo-politica.pdf>.
PIZZI, Jovino; MEDRONHA, Marcos. Ética e responsabilidade social na mídia. São Paulo, 2004.
Disponível em <
http://www.portcom.intercom.org.br/pdfs/102263566228105776721777553240594853104.pdf>
RIPPEL, N.; CAMPOS, I.; ALVES, W. A Gazeta de Notícias e a Revolta dos Marinheiros: capítulo
de uma história das práticas e formas discursivas na imprensa. Anais do IV Encontro Regional Sudeste
de História da Mídia, Niterói: Alcar. 2016.
SCHMITZ, Aldo Antonio. Classificação das fontes de notícias. Santa Catarina, 2014. Disponível em
<http://www.bocc.ubi.pt/pag/schmitz-aldo-classificacao-das-fontes-de-noticias.pdf>
TAFURI, Leandro. Mídia e espetáculo: análise do discurso em casos de crimes. Cascavel, PR, 2010.
Disponível em < http://cac-
php.unioeste.br/eventos/iisnel/CD_IISnell/pages/simposios/simposio%2017/MIDIA%20E%20ESPET
ACULO%20ANALISE%20DO%20DISCURSO%20EM%20CASOS%20DE%20CRIMES.pdf>
THOMPSON, John B. A mídia e a modernidade: uma teoria social da mídia (15 ª ed). Petrópolis, RJ:
Vozes, 2014.
238
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Resumo
As comunidades virtuais funcionam como comunidades do plano físico. A relação dos grupos
humanos com o espaço é parte integrante da sua ideia de coletivo. Para as comunidades virtuais,
os espaços são também importantes. O grupo de Facebook para artistas independentes Bate-
papo Ilustrado serviu de exemplo para a defesa de espaços virtuais como reais, criadores de
identidade. Uma pesquisa bibliográfica foi feita, a fim de compreender as comunidades virtuais
e a relação entre “espaço” e “lugar”. Foi entendido, então, que os grupos de Facebook para
artistas são mais que espaços virtuais, mas, na verdade, lugares, onde seus frequentadores
passam por processos identitários.
Abstract
Virtual communities can function as communities on the physical plane. The relations between
human groups and space is an integral part of their idea of a collective. For virtual communities,
space is also important. The Facebook group for independent artists Bate-papo Ilustrado served
as an example for the statement that virtual spaces are real, identity creators. A bibliographic
research was carried out, aiming to understand virtual communities and the relation between
space and place. It was acknowledged, therefore, that Facebook groups for artists are more than
just virtual spaces, but in fact, places, where their visitors have been go through identity
processes.
1
Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho em Comunicação e Culturas Digitais, do XI Encontro dos
Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais, 18 e 19 de outubro de 2018.
2
Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Estudos Culturais Contemporâneos da Universidade FUMEC.
E-mail: duanealves@ymail.com.br
239
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Introdução
Este artigo discute os grupos de Facebook voltados para artistas independentes como
um local de encontro para troca de informações. Grupos como o Bate-papo Ilustrado, que serviu
de objeto para esta análise, são amplamente usados pela categoria dos profissionais artísticos e
servem, assim, como uma grande fonte de conhecimento e criação de relações interpessoais.
Por isso, são de grande importância para o mercado de arte brasileiro.
A discussão deste artigo trabalha a relação dos espaços virtuais com os espaços físicos,
defendendo suas semelhanças e a espacialidade das comunidades virtuais. Para tal, foi feita uma
pesquisa bibliográfica, a fim de entender como funcionam as ditas comunidades virtuais.
Assim, foi possível relacionar as relações offline com as online.
O objetivo do presente trabalho é discutir a visão a respeito dos grupos de Facebook
como um local real, apesar da virtualidade. Local este que atende às necessidades dos artistas,
ajudando-os a evoluir suas habilidades profissionais. Assemelhando-se a locais de encontro no
mundo físico, os membros de tais grupos podem discutir suas opiniões e divulgar suas
produções uns para os outros.
3
ÁVILA, Pe. Fernando Bastos. Pequena enciclopédia de moral e civismo. 2. ed.. Brasília: Fename, 1975.
240
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
mas a localidade frequentada por aquele grupo e associada a ele se torna um fator de união entre
eles. Outro fator importante para essa identidade é a noção de que se deve proteger o espaço
daqueles que ameaçam sua integridade, tanto influências internas quanto externas (AUGÉ,
1994). Ao definir-se certas ameaças como “externas”, cria-se a ideia de uma fronteira espacial
para esse grupo, também parte da ideia da definição de uma comunidade.
A ideia de uma fronteira espacial não deve ser entendida unicamente como uma
demarcação geográfica. As identidades nacionais são formadas com base em uma ideia
fronteiriça, mas não são a totalidade do entendimento de território. Qualquer organização de
um espaço por meio de marcações claras por fronteiras pode ser entendida como parte da
definição de Território de Lévy (1999).
Visto que a questão territorial é fundamental para a organização de um grupo humano,
sua compreensão se torna fundamental para o entendimento das relações nele formadas. O
homem, como outros animais, demarca os espaços para defendê-los de outros que podem
invadi-los. Para a vida animal, um espaço se torna um lugar quando lhe atribui valor e usa-lhe
para as atividades mais privadas, como se alimentar, repousar e procriar. “Lugar” é entendido
como seguro, enquanto o “espaço” dá a sensação de liberdade. O ser humano, porém, tem uma
relação mais complexa com o “lugar” (TUAN, 2015).
“Lugar antropológico” é entendido como a construção subjetiva que é designada a um
espaço. Ele entra à categoria de “lugar” à medida em que se cria um conceito simbólico em
cima dele (AUGÉ, 1994). Os coletivos humanos, então, têm a sua relação com os lugares
baseada em conceitos abstratos de associação, valores e identidade.
Augé (1994) traz a ideia de um “estatuto intelectual” do lugar antropológico. Tem-se
por ele a ideia que os habitantes de determinado espaço têm sobre o local. Tal ideia pode ser
hiperbólica ou não, pois diz respeito à relação pessoal que cada membro daquele grupo tem
com o espaço. Ele é, por outro lado, fundamental para que essa relação ocorra e, se deixa de
existir, prejudica o indivíduo.
É a relação que o indivíduo tem com o espaço que o torna um lugar. Um espaço ainda
desconhecido e sem significado, ao passar por um processo de conhecimento e criação de valor,
se torna um lugar (TUAN, 2015). “Espaço” e “lugar” são relacionados pela questão física,
territorial, mas diferenciados pela questão identitária que o indivíduo cria ao habitá-lo.
Conhece-se um espaço através de uma experiência com ele. Esse termo diz respeito às
variadas formas pelas quais alguém cria sua noção de realidade. O “real”, então, não se trata de
algo puramente físico, concreto, já que o que um indivíduo entende do mundo é, na verdade,
um fruto do processamento das informações aprendidas através de sua experiência com os
241
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
espaços em que habita. Essa relação tem um caráter inicialmente sensorial, mas não é trabalhada
nesse âmbito em sua totalidade, pois o lado social da emoção humana também tem participação
na criação do sentido e na personalidade atribuída a um espaço, transformado-o em lugar. A
realidade é, então, uma fabricação da experiência, criada pelos sentimentos e pensamentos de
quem a percebe, ou ainda, dos vários membros do grupo que nela vive (TUAN, 2015).
Para se experienciar o mundo e, assim, criar a noção particular de realidade e a relação
com o espaço, tanto o sentimento quanto o pensamento são formas possíveis. Apesar de, em
certo grau, serem opostos, têm funcionamentos similares, de forma que se misturam com a
experiência sensorial do indivíduo, participando ativamente do processo. Dessa forma, a
memória e a intuição da pessoa que cria sua relação com o espaço também influencia em como
ela cria sua subjetividade acerca dele, transformando-o em lugar (TUAN, 2015).
O ser humano, com seu lado social, adiciona camadas à relação com o espaço. Se torna
lugar aquele espaço onde o outro compreende as mesmas senhas e signos que se conhece
(AUGÉ, 1994). O lugar é, então, o espaço em que um membro de um grupo se sente confortável
e consegue ser compreendido dentro das referências simbólicas que ele possue. A ideia de
segurança levantada por Tuan (2015) se relaciona com esse conceito, na medida em que a
pessoa conhece o lugar e consegue conviver com ele dentro do que foi estabelecido para o
mesmo.
Sente-se “em seu lugar” quando se está ao lado de pessoas que se tem relações.
Conseguir ser compreendido sem muitas explicações e compreender os outros sem dificuldades
é um indicador de que se está em um “lugar” (AUGÉ 1994). O sentimento e o pensamento
(TUAN, 2017) são parte da experiência criadora de sentido com um espaço, então a relação
social que um indivíduo tem com seu grupo e, com a troca da noção de “realidade”
compartilhada por cada membro do grupo, a criação coletiva de uma ideia de “lugar
antropológico” transforma um espaço em um lugar, fomentador de identidade.
Um lugar ganha tal condição à medida em que seu frequentador tem sua identidade
construída através dele. As relações criadas e exercidas no espaço e a história produzida no
mesmo são também elementos fundamentais para que ele passe a ser entendido como “lugar”.
Da mesma forma, um espaço que não influencia no processo identitário do indivíduo, nem em
suas relações, nem na criação da história é entendido por Augé (1994) como um “não-lugar”.
Um espaço é, portanto, a demarcação do local e é um lugar à medida em que se cria
significado nele. A ideia de um Ciberespaço, ou espaço cibernético, virtual, é entendida como
a “rede das redes”, que funciona através da cooperação de milhares de pessoas ao redor do
mundo (LÉVY, 1999). A variedade de origens e, portanto, de experiências, presentes na Internet
242
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
cria a ideia de um espaço onde fronteiras geográficas são facilmente atravessadas, por meio de
computadores conectados à rede mundial de computadores (LÉVY, 1999).
O Ciberespaço é visto como um lugar de encontro e troca de informações, mesmo que
virtual. Lévy, citado por Da Silva (2007), explica que o Ciberespaço pode ser visto como um
grande fluxo de informações, transmitidas e captadas através da rede mundial de computadores,
e também como as pessoas que participam de tal fluxo. É nítido, então, que se trata de um
espaço de troca de experiência e, com isso, formação de identidade.
O virtual não deve ser compreendido como falso; uma simples ilusão. Na verdade, trata-
se de um meio com potencial de mudança semelhante ao não-virtual, com a diferença primal
da não necessidade da presença física (LÉVY, 1996). A oposição entre o que seria da ordem
do virtual e do “real”, assim trabalhando a virtualização como “irreal”, traz contradições.
Se o virtual não se trata do “real”, o que é fruto de relações no Ciberespaço não
impactariam no plano físico, permanecendo estáticas por lá. Lemos 4, citado por Primo (1997),
afirma que trata-se de um espaço que está dentro da cultura contemporânea e é conectado à
realidade. O meio virtual é parte da realidade, de forma que, se não fosse, seria “desrealizante”
(LÉVY, 1996).
Argumentou-se, limitadamente, que aquilo da ordem do “virtual” seria livre de uma
existência, falso, irreal, enquanto a materialidade e tangibilidade seriam as características
determinantes do “real” (LÉVY, 1996). Por esse pensamento, retirar-se-ia dos espaços seu lado
subjetivo criado pela experiência pessoal do indivíduo (TUAN, 2015) e as conceituações
estabelecidas pelas relações sociais (AUGÉ, 1994) que dão a eles a posição de “lugar”. O caráter
material de algo, portanto, não é fundamental para sua definição de “real”.
O que ocorre no virtual não cria raízes em si próprio e carece de efeitos e consequências
reais. A virtualização, já entendida como uma extensão do real, parte integrante da realidade
contemporânea, tem a mesma irreversibilidade que o que seria entendido inicialmente como
“real”. Os acontecimentos no virtual não se fecham e tem o seu fim neles mesmos, mas, na
verdade, tem impacto no plano físico e influenciam na criação desse “real tangível” (LÉVY,
1996).
O Ciberespaço reconstrói a ideia de “localidade geográfica”, na medida em que pontos
muito distantes no globo rapidamente conseguem trocar informações e se relacionar. O tempo
é também repensado, já que a interação entre indivíduos não é necessariamente simultânea,
4
LEMOS, André. As estruturas antropológicas do ciberespaço. Textos de Cultura e Comunicação, Salvador, n.
35, p. 12-27, jul. 1996
243
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
244
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
membros trocam informações do ramo e até divulgam o próprio trabalho. Os usuários são,
inclusive, incentivados a mostrar o que produzem e, com isso, fazerem trocas de experiência e
comentários construtivos. Um exemplo de um desses grupos é o Bate-papo Ilustrado, que conta
com pouco menos que 26 mil membros.
As comunidades no meio físico se diferem daqueles criadas no Ciberespaço por alguns
pontos. A assincronia das interações, que não necessitam da simultaneidade para ocorrerem, é
um fator. Outro é a mudança no que une seus membros, não mais sendo a proximidade física.
Os usuários das redes criam suas comunidades em função de um mesmo núcleo de interesses
(LÉVY, 1996). No caso referido, foi a arte, mais especificamente a ilustração, que trouxe todos
os participantes desse grupo a se unirem como tal.
No Ciberpespaço, todos tem o poder potencial de passar uma mensagem e, ao mesmo
tempo, de receber outra (LÉVY, 1996). Trata-se de um espaço mais aberto, onde o
compartilhamento de informações é facilitado pela democratização do conhecimento. Nesse
espaço virtual, todos os frequentadores têm a possibilidade de assumir o papel de ator, autor e
também participar ativamente da interação (PRIMO, 1997).
Na Internet a questão da difusão do conhecimento deve ser pensada de forma diferente
que no meio offline. Não só a informação é facilmente acessada na web, como também é
possível por ela se criar redes interpessoais, onde há a produção de conhecimento e ele é
amplamente difundido (SILVA, 2011). Grupos como o Bate-papo Ilustrado servem, então,
como um ponto de encontro de artistas para criação de relações interpessoais e trocas de
informações que, de outra forma, teriam limites geográficos como possível impedimento para
que ocorressem.
Wark5, citado por Primo (1997), oferece a visão de que no Ciberespaço as comunidades
virtuais não se encontram em locais físicos, como praças e boates, mas, sim, por suas próprias
conexões à Internet. O espaço offline não é mais a definição dessas comunidades, mas a ideia
de um “encontro” ainda faz parte dos grupos. O conceito de uma comunidade é recriado e
repensado, mas ainda há semelhanças com as comunidades não-virtuais.
Através de interações virtuais, os indivíduos passam por situações que pouco se diferem
da vida fora da rede, com a diferença que o local do encontro não é o espaço físico, mas, sim,
o Ciberespaço (PRIMO, 1997). Os membros dessa comunidade virtual permanecem com a ideia
de “encontros”, que somente são ressignificados pela assincronia e desterritorialização
5
WARK, McKenzie. Cyberpunk from subculture to mainstream. Manuscrito eletrônico:
http://www.Eff.org/pub/privacy/security/h...punk/cpunk_subculture_to_mainstream.pa per. 1992
245
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
proporcionada pelo espaço virtual. Apesar de não se tratar de um local físico, os membros se
relacionam, através das ferramentas de postagem e comentário do endereço do Ciberespaço
onde se situam e, com a criação de redes interpessoais, transformam o espaço virtual em um
lugar para si.
A informática e as redes têm por objetivo auxiliar na construção de comunidades que
fomentem as potencialidades individuais de cada usuário dela. Isso se trata de uma visão utópica
que desconsidera os usos negativos que se pode fazer e efetivamente são feitos das ferramentas
digitais informáticas. Por outro lado, tendo em mente o potencial informacional e, com ele,
criador de crescimento pessoal e fomentador de identidade que a Internet possui, é
indispensável pensar que a rede mundial de computadores oferece muitas possibilidades
positivas para a humanidade. Visto isso, Lévy (1999) afirma que no século XXI teremos como
prioridade construir e organizar o espaço do Ciberespaço.
Para se referir a tal construção, Lévy (1999) faz uso do termo “projeto arquitetônico”.
Conscientemente ou não, a associação com o espaço físico é inevitável. Constrói-se em um
terreno, planejando o melhor uso do espaço ali disponível, para que posteriormente o
frequentador dele possa ter uma experiência favorável. A relação do membro do grupo que
habitará ali com o espaço em questão e, ademais, como estarão organizadas as fronteiras entre
os vários espaços, continua sendo uma preocupação. O espaço apenas deixou de ser puramente
físico e passou a ser também virtual. Ele permanece real, por outro lado.
Pode-se começar a pensar a Internet, com seus inúmeros espaços virtuais, como uma
grande cidade virtual. Uma possível Ciberpólis, com diversas localidades para se visitar, se
assim for o desejo do visitante. Em locais físicos, um transeunte se sentirá à vontade em um e
sem “lugar” em outro, em função de sua própria identidade. Na Internet não é diferente. Os
locais com que não se identifica são apenas espaços virtuais, enquanto aqueles onde se sente
“em casa” já seriam o lugar onde se pertence’.
Os caminhos que deve se seguir para visitar um site, coincidentemente ou não, são
designados “endereços”. Para se frequentar um lugar entendido como “seu”, é necessário
conhecer o caminho. O Facebook, então, poderia ser entendido como um grande bairro, de
dimensões infinitamente expansíveis, e onde encontra-se espaços criados e administrados por
grupos das mais diversas intenções. Se a venda, compra e troca de itens usados diz respeito ao
interesse do indivíduo, ele pode se filiar a um grupo que promove a atividade e passar a tomar
ações em conjunto com aquele grupo. Esse mesmo indivíduo poderia frequentar uma grande
loja de usados de seu bairro ou, se como foi o caso neste exemplo, frequentar um espaço com
a mesma finalidade, mas que não tem amarras no plano físico. Nesse grupo, ele pode se
246
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
identificar ou não com seus frequentadores e, se não for o caso, optar por sair e procurar outro,
onde se sinta mais em seu “lugar”. Se esse indivíduo não for de acordo com os clientes ou a
gerência da loja fictícia mencionada, ele também passaria a não mais fazer suas compras ali e
procuraria outro estabelecimento.
A ideia de uma Ciberpólis, organizada em uma espécie de “Ciberurbanismo” é
fundamental para se pensar a ideia de um “lugar virtual”. A percepção de um Ciberespaço,
essencial para esse entendimento, pode ser expandida para a compreensão de vários
Ciberespaços. A criação de uma identidade através dos territórios se firma na criação de
fronteiras, onde são criadas as próprias hierarquias, regras e a definição de quais são os
membros pertencentes àquele lugar e os que não são (LÉVY, 1999). Os grupos de Facebook,
então, ao estabelecer, inclusive pela nomenclatura oficial da rede, quais são os “membros do
grupo”, criam uma barreira clara de distinção entre os participantes dele e os demais. Mesmo
os grupos que se abrem livremente para novos membros (como funcionam muitos grupos do
mundo físico, como grupos paroquiais, fã-clubes de musicistas, entre outros) ainda passam pela
fronteira da identidade, que o novo participante pode não atravessar ou bater em retirada por
não se sentir no seu “lugar”.
O comportamento dos frequentadores dos espaços virtuais não é tão diferente daqueles
do plano físico. Os interesses que moldam as comunidades virtuais e os assuntos abordados por
eles são variados, mas, em geral, são os mesmos que se tem nos grupos offline (PRIMO, 1997).
A possível ideia de que haveria grande diferença entre eles talvez venha do esquecimento de
que o frequentador do meio digital é, obrigatoriamente, também um indivíduo usufruidor do
meio físico. As vontades e interesses que levariam uma pessoa a frequentar um espaço físico
são, muitas vezes, as mesmas que a leva a frequentar um espaço virtual que tenha o mesmo
objetivo.
O ser humano organiza o espaço para atender às suas necessidades, tanto fisiológicas
quanto sociais (TUAN, 2015). Nos espaços virtuais não é diferente. Enquanto é possível se
pensar a necessidade de um planejamento em webdesign para uma melhor relação do indivíduo
com o espaço em si, para este trabalho interessa os aspectos interrelacionais humanos. A
fronteirização dos vários espaços da Ciberpólis serve às necessidades humanas de estabelecer
seus grupos, fomentando a interação entre os membros e definindo a lógica de pertença e não
pertença.
A simples demarcação dos espaços virtuais não define, automaticamente, a ideia de
lugar. São os frequentadores desse espaço, como os membros do grupo Bate-papo Ilustrado, ao
trocarem informações entre si e trabalharem relações de sentido e identidade com o próprio
247
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
espaço que criam a ideia do grupo como um lugar. Os transeuntes que passam por uma rua,
matematicamente projetada pelo urbanista, que definem, pela sua vivência ali, que se trata de
um lugar (AUGÉ, 1994). Nas ruas em linguagem binária definidas por programação e
webdesign, são os internautas, ou “transeuntes virtuais”, que dão àquele espaço virtual o caráter
de lugar.
Grupos de Facebook para artistas independentes são como um local dentro da
“metrópole da Internet”, a Ciberpólis. Dentre suas múltiplas localidades para se visitar, nessa
se tem como certeza o “encontro” com outros artistas e a troca de experiências e referências.
No plano físico, opiniões são formadas por discussões em cafés, por exemplo. Na Internet, as
opiniões continuam a ser trabalhadas e discutidas entre seus vários frequentadores. Vê-se, então
que os espaços virtuais são representações dos territórios tradicionais (RODRIGUES, 2010).
Uma “representação”, neste trabalho, não deve ser entendida como uma ilusão, dando a
ideia da falsidade do que é virtual. Pela conceituação deste trabalho, trata-se de “representar
algo”, pois a construção dos espaços virtuais se dá por linhas de códigos em linguagem binária
que criam a Ciberpólis em uma concordância com a estruturação das metrópoles do plano físico.
A representação do mundo offline se dá à medida em que os arquitetos e moradores dos
Ciberespaços organizam suas fronteiras com uma poderosa semelhança aos espaços físicos.
Se antes da rede mundial de computadores os artistas tinham pontos de encontros
definidos pela cidade, como cafés e praças, por mais que isso ainda aconteça, esses locais de
espaço físico são transpostos para locais virtuais. Na web, não há distinção geográfica entre os
frequentadores desse espaço. É importante ressaltar que os valores associados às
territorialidades físicas, assim como as outras identidades anteriores à Internet dos membros
desses grupos, são ainda passíveis de alterar a percepção de alguns membros perante outros,
através de um pré-julgamento. Trata-se, na verdade, de uma facilitação da interação entre
indivíduos que, ligados pelos mesmos interesses, práticas e vontade de aprendizado, mas
separados por espacialidades físicas e sociais, provavelmente não poderiam se conhecer. Eles
teriam a ganhar com uma exposição de experiências pessoais e, com o uso da ferramenta e a
participação nos grupos, são possibilitados de interagir.
Ao se adentrar o grupo Bate-Papo Ilustrado, o indivíduo já passou pela primeira
fronteira desse espaço, o interesse. Percebendo que ali ele poderia encontrar pertencimento e
tendo a mesma vontade que os outros membros, ele passa a frequentar aquele espaço. Isso não
significa, necessariamente, que ele já se sente parte daquele grupo e entende aquilo como um
248
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
lugar. Storch e Cozac6, citados por Primo (1997) mostram que ao entrar em uma comunidade
virtual, os novatos primeiramente avaliam como os veteranos do grupo se comportam, para
saber como se comportar. Isso pouco se difere de um espaço físico, onde, por exemplo, um
artista pode descobrir um bar que outros profissionais da área frequentam e fazer o mesmo, no
intuito de criar conexões e encontrar aprendizado, mas encontrar uma barreira social de
linguagem, conhecimentos e simplesmente de não reconhecido pelos membros antigos como
um deles. Com determinado tempo de comunicação a entendimento do fluxo relacional, o
indivíduo pode passar a conhecer melhor o espaço e as relações, além de se sentir mais à
vontade nesse espaço, fazendo dele um lugar para si.
Um espaço se torna um lugar à medida em que ele se torna conhecido. Tuan (2015)
exemplifica com uma anedota de um indivíduo que acaba de se mudar para uma nova
vizinhança. Ele se torna morador, mas não reconhece ainda seu bairro. Quando ele já passou
por experiências suficientes para que as ruas e as casas tenham significado e memória para ele,
ele se sente em seu lugar. Nos Ciberespaços isso não é tão diferente, na medida em que um
artista, confortável em outros ciclos de arte, ao adentrar no grupo Bate-papo Ilustrado, se sente
como um novato, um novo morador nesse bairro da Ciberpólis, o que, com um tempo de
interações entre os atuais moradores, pode levar a um conhecimento maior da região e, assim,
à noção de lugar.
Como esse grupo gira em torno de um interesse em comum, a arte, vão se aglomerando
nesse espaço aqueles que se interessam de alguma forma pelo tema, então tem-se um espaço
virtual habitado, ou frequentado, por pessoas do mesmo interesse, o mesmo nicho. Assim,
entende-se que, nessa Ciberpólis, a organização de um espaço em função de variados grupos dá
a ideia de “subúrbios virtuais”’. (DA SILVA, 2004, p. 10-11). Trata-se, portanto, de um espaço
destinado aos artistas, onde podem tratar de temas que não poderiam com aqueles que não são
da mesma área de atuação. Um espaço próprio que funciona como um encontro no mundo não-
virtual.
Grupos como o Bate-papo Ilustrado se tornam, assim, um local virtual de onde se espera
uma determinada conduta e um tipo de frequentador, o artista. Quando se acessa o grupo em
questão, procura-se conteúdo referente à arte independente, em especial, a ilustração. Nesse
sentido, esse espaço ganha um identidade própria, visto como um lugar propício para se
encontrar dicas e experiências acerca do tema trabalhado pelos participantes. Por esse lado,
6
STORCH, Léa Waidergorn e COZAC, João Ricardo. Relações virtuais: o lado humano da comunicação
eletrônica. Rio de Janeiro: Vozes, 1995.
249
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
assemelha-se a lugares no espaço físico, como uma biblioteca ou uma reunião de artistas, pois
já se tem como ideia central desse espaço virtual que todo o seu conteúdo gire em torno de um
mesmo cerne, a arte.
Em especial, a semelhança desses meios virtuais com as bibliotecas é ainda mais
aparente. Em ambas as localidades, há a procura por informações, leitura e análise do que se
foi apreendido. Também se faz a analogia com um laboratório, pois se faz descobertas e se troca
informações. Outra analogia pertinente é com a praça pública, onde se cria uma ideia de
comunidade e se fomenta o diálogo e a mobilização política (SILVA, 2011). Em um grupo
como o Bate-papo Ilustrado, a classe artística gera conhecimento, discute-o e ainda pode
trabalhar os trâmites políticos acerca do que é ser “artista” no país.
Nos lugares da Ciberpólis, as comunidades se estruturam e se entendem como uma
unidade. Criam-se linguagens próprias e regras de conduta que, se desrespeitadas, podem levar
à expulsão. As relações entre os membros podem levar a grandes amizades e promover o
entendimento, da mesma forma que podem levar ao ódio e à violência (PRIMO, 1997). Trata-
se, então, de uma comunidade como qualquer outra, física ou virtual.
Apesar de não trabalhar diretamente com as redes sociais e, em especial, com os grupos
do Facebook, Silva (2011), explicita como espaços virtuais tomam proporções de localidades
reais, quando os internautas que visitam tais espaços adentram seu território com uma
motivação similar a locais no plano físico. No caso, espaços como o grupo Bate-papo Ilustrado
e outros grupos focados na arte independente, servem como um forte aliado do artista, pois,
através dele, é possível que se adquira conhecimento sem que se precise investir
financeiramente. Com a atividade de outros artistas membros do grupo, o internauta pode
crescer como artista e trocar contatos, criando uma rede profissional que pode futuramente o
beneficiar, o chamado “networking”. Esse pensamento é claramente explicitado na descrição
do grupo Bate-papo Ilustrado: “Este grupo tem como principal função estimular a troca de
conhecimento entre ilustradores e profissionais do mundo das artes”.
A Internet permite que pessoas situadas em pontos distantes do plano físico possam
interagir imediatamente, sem necessidade de percorrer tal distância. Dessa forma, os
Ciberespaços são espaços de interrelações humanas e de compartilhamento de conhecimentos,
criando inúmeras comunidades virtuais (LÉVY, 1999). Seria hiperbólico, porém, pensar em
uma rede universalmente conectada. Apesar da conexão de países em localidades físicas
separadas por hemisférios ser possibilitada pela web, Horn, citado por PRIMO (1997) afirma
que os coletivos virtuais tendem a se organizar em função da proximidade geográfica.
Possivelmente, a linguagem e a cultura são fatores dificultadores na criação de relações com
250
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
outros frequentadores. O grupo Bate-papo Ilustrado não define em suas regras a nacionalidade
brasileira como pré-requisito para se participar, mas seus membros atendem a essa condição. A
territorialidade física dos espaços também impacta nos espaços virtuais, visto que estes não se
tratam de algo separado, análogo, mas, sim, de mais um espaço possível para se frequentar. As
relações de identidade intrínsecas ao plano físico são apenas migradas para a virtualidade. Dessa
forma, o networking sugerido pela descrição do grupo já é pensado, mesmo que
inconscientemente, para ser realizado entre artistas brasileiros.
As informações partilhadas nesses grupos vêm dos próprios membros. Nos
Ciberespaços e, por conseguinte, nas comunidades virtuais, há uma grande heterogeneidade de
identidades e, portanto, de experiências (DA SILVA, 2004). É a partir da variedade de bagagens
culturais e memoriais que cada membro pode transmitir ao outro e que se tem o
engrandecimento mútuo dos participantes. As várias inteligências que cada um dos membros
do grupo pode transmitir para o outro são o que une-os como um coletivo e são o grande
objetivo desses espaços da web (LÉVY, 1999).
A ideia de um espaço virtual vincula-se, também, à ideia de uma coexistência
simultânea de vários discursos que podem influenciar uns aos outros. Através de feedback, os
internautas podem opinar e impulsionar o trabalho de outros artistas (DA SILVA, 2004). A
relação dos frequentadores desse espaço é o que torna o grupo Bate-papo Ilustrado relevante,
visto que é justamente o compartilhamento dos trabalhos com outros artistas e as respostas que
eles podem dar que mantém o funcionamento do grupo. Justamente com essas respostas,
também, que se tem o engrandecimento de cada um deles e a formação de uma identidade de
“artista”.
Semelhante ao espaço físico da ágora, as várias “vozes” atuantes presentes nos grupos
virtuais argumentam e discutem em busca em um consenso. Tal consenso gera uma espécie de
união e comunhão entre os profissionais da arte e, assim, um fomento para mobilização da
classe artística. O aproveitamento dessas “ágoras virtuais” ajuda coletivos com membros
heterogêneos a se organizarem e pensarem em uma solução unificada (LÉVY, 1999), como a
própria mobilização política para a proteção dos direitos dos artistas, por exemplo.
A fim de ajudar no processo de troca de informações e experiências, os grupos mantém
regras de convivência, semelhantes a locais no plano físico, como a biblioteca, onde sons altos
não são permitidos, por exemplo. Essas convenções funcionam, principalmente, para evitar
comportamentos que são considerados nocivos para o grupo. Na descrição do grupo Bate-papo
Ilustrado, encontram-se várias regras já presentes na sociedade offline. É negado o
compartilhamento de material ilegal, como pirataria, apropriação de propriedade intelectual e
251
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
assédio moral. É também recomendado que não se compartilhe conteúdo impróprio para
menores, a menos que seja feito com a devida indicação e em um link externo, para que apenas
os realmente interessados e habilitados tenham acesso ao material. Lá, também encontra-se
uma descrição da conduta ideal dos membros, onde se incentiva que os artistas participantes do
grupo troquem informações, experiências e conhecimento, além da divulgação do trabalho
individual de cada um.
O conjunto de regras não-oficiais de um espaço virtual é chamado de “Netiqueta”, ou
“etiqueta da Internet”, nada mais que regras convencionadas de qualquer espaço. Ela estabelece
uma conduta desejável para os membros e é criada pelo próprio grupo, tendo, assim,
flexibilidade para ser adequada às necessidade do grupo em questão (DA SILVA, 2004).
Frequentemente, o compartilhamento de material publicitário nesses espaços é mal-visto
(PRIMO, 1997), mas, pelo Bate-papo Ilustrado ter a finalidade de fomentar o intercâmbio de
trabalhos, desde que o material divulgado seja da autoria daquele que o compartilha ou de outro
artista independente, dado o devido crédito, tal comportamento é, inclusive, incentivado.
O comportamento descrito como negativo é também explicitado como suscetível a
análise e, se assim for decidido, causa de uma possível expulsão do grupo. As comunidades
virtuais se organizam de forma a se regular, como um espaço social físico faria. Em analogia,
um café onde artistas se encontram para discutir o mercado e a atuação artística estaria aberto
também a expulsão de visitantes que desrespeitam a etiqueta definida para esse espaço.
Os espaços virtuais dos grupos para artistas são uma peça importante para o mercado de
arte independente. Através desse espaço de encontro, uma espécie de praça de convivência para
esse público, os artistas podem se conhecer e transmitir seus conhecimentos uns para os outros.
Com a participação em grupos como o Bate-papo Ilustrado, os artistas têm acesso a informações
que, se não fossem as comunidades virtuais, provavelmente não encontrariam. Como o próprio
grupo se auto-proclama em sua descrição ao incentivar o compartilhamento de processos
pessoais, técnicas e trabalhos feitos, se trata de um lugar onde os profissionais da arte podem
se encontrar para crescerem dentro do mercado artístico e formar, assim, sua própria identidade.
A ideia da Internet como um espaço falso, desprovido de sentido, é redutiva. Os espaços
virtuais, apesar de sua intangibilidade, são definidos e organizados pela mesma lógica que se
estrutura os espaços físicos. Pela simples demarcação da fronteira do grupo Bate-papo Ilustrado,
aqueles pertencentes a ele tem uma noção de unidade que lhes permite se entender, por
associação, como um “artista”. Além disso, as conexões entre seus membros adicionam
camadas de sentido e de informação que dão a todos os envolvidos uma maior ideia de
pertencimento e, por consequência, de identidade.
252
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Um “não-lugar” leva a uma vivência de solidão e não cria identidade nem fomenta
relações, mas sim, gera a solidão e a ideia de homogeneidade (AUGÉ, 1994). Em grupos de
artistas do Facebook, como o Bate-papo Ilustrado, seus membros são incentivados a se
relacionar e a compartilhar experiências, o que implica, automaticamente, que se tratam de
experiências distintas. Sendo assim, a heterogeneidade dos frequentadores desse espaço não só
é admitida, como é considerada favorável e imprescindível.
A territorialidade é ressignificada nesses espaços, mas as comunidades nele presentes
possuem paixões, projetos, conflitos e amizades, como se têm no plano físico (LÉVY, 1996).
Tratam-se, em resumo, de comunidades como quaisquer outras, apenas alterando seu espaço de
reuniões. Um “não-lugar” não permite que haja uma comunidade orgânica (AUGÉ, 1994). Um
grupo auto-regulado e onde a criação de identidade do indivíduo é incentivada, a organicidade
está presente. O Bate-papo Ilustrado é um lugar.
À medida em que um grupo demarca um espaço e o define como dele, ele ganha
identidade. Quando membros desse grupo estabelecem regras para os frequentadores, a
identidade é adicionada. Se novos membros entram nesse espaço e, pela sua experiência com
aquilo que veem e sentem, vão aprendendo a se sentir à vontade, isso se intensifica. Essa
definição se adequa a um espaço físico e também a um virtual, independente do caráter
assíncrono e desterritorializado do segundo.
Espaços virtuais podem se tornar lugares. Grupos de Facebook para artistas
independentes são como uma localidade em um bairro de uma grande metrópole, a Ciberpólis.
Dentre os vários lugares que os artistas do Bate-papo Ilustrado poderiam escolher para fazer
seus encontros, eles escolheram fazê-lo na cidade virtual. Em um dos vários pontos de encontro
onde poderiam ter feito suas reuniões e pensado suas respectivas identidades, eles escolheram
um virtual. Ao se reunirem nele e ter dado sentido a ele, ele se elevou de um simples
Ciberespaço a um potente e relacional “Ciberlugar”.
Considerações Finais
Os espaços virtuais têm semelhanças com os espaços físicos. As comunidades virtuais
têm funcionamento semelhante ao de comunidades do plano físico. Os grupos de Facebook,
portanto, são como pontos de encontro de seus membros, que buscam encontrar naquele local
um conteúdo específico.
Nesses grupos, trocam-se informações e experiências e, assim, fomentam o mercado de
arte brasileira. São em lugares como esses que os artistas podem mostrar seu trabalho e discutir
situações por que já passaram e técnicas de produção. Esses grupos, então, muito se assemelham
253
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
com espaços no plano físico onde artistas se encontram e são, assim, trabalhados como um lugar
real, apesar de virtual.
Os grupos incentivam que seus membros compartilhem informações e divulguem seus
trabalhos pessoais, repudiando comportamentos que interfiram na troca honesta de
conhecimento. Como a comunidade que é, o Bate-papo Ilustrado se autorregula para que seus
membros possam ter a melhor experiência do espaço. À medida que esse espaço é significado
pelos seus frequentadores e se torna fonte de identidade para eles, esse espaço virtual se torna
um lugar.
Referências
DA SILVA, Adelina Maria Pereira. Ciberantropologia: O estudo das comunidades virtuais. S.d.
Universidade Aberta, Departamento de Ciências Sociais e de Gestão. Lisboa, Portugal: 2007. 22 p.
LÉVY, Pierre. Inteligência coletiva: Por uma antropologia do ciberespaço (A). 2 ed. São Paulo: Edições
Loyola, 1999. 216 p.
PRIMO, Alex Fernando Teixeira. A emergência das comunidades virtuais. Intercom, v. 20, 1997. 17 p.
SILVA, Lídia J. Oliveira Loureiro. A Internet: a geração de um novo espaço antropológico. S.d.
Universidade de Aveiro, Escola de Ciências e Tecnologias da Comunicação. Aveiro, Portugal: 2011. 15
p.
TUAN, Yi-Fu. Espaço e lugar: A perspectiva da experiência. Londrina: SciELO-EDUEL, 2015. 248 p.
254
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
A MINEIRIDADE EM QUESTÃO:
como os mineiros são representados no Jornal Nacional e no Repórter Brasil1
Gustavo Teixeira2
Iluska Coutinho3
Universidade Federal de Juiz de Fora
Resumo
O objetivo deste artigo é analisar as narrativas acerca da mineiridade que são criadas por dois
jornais de âmbito nacional: Jornal Nacional e Repórter Brasil. Partindo dos conceitos de
identidade, representação, bem como o conceito de luta por reconhecimento, pretende-se
entender como os telejornais nacionais tem representado os mineiros em suas narrativas.
Portanto, utilizaremos como metodologia, a Análise da Materialidade Audiovisual, termo
cunhado por Coutinho (2016), que trabalha com a unidade “texto + som + imagem + tempo +
edição”, e tem como principal enfoque as linguagens audiovisuais e suas particularidades, pois
assim será possível realizar uma investigação mais dissecada e detalhada dos objetos.
Abstract
The objective of this article is analyse the narratives about mineirity that are created by two
newspaper in the national scope: Jornal Nacional and Repórter Brasil. Starting from the
concepts of identity, representation, as well as the concept of fight for recognition, it is intended
how the national TV news has represented the people that born or/and live in Minas Gerais (the
“mineiros”) in their narratives. Therefore, we will use as methodology, the Analyse of the
Audiovisual Materiality, term coined by Coutinho (2016), that works with the unity “text +
sound + image + time + edition”, and have how main focus the audiovisual languages and their
particularities, because so will be possible to realize a more dissected and detailed investigation
of the objects.
Key-words: Mineirity; Jornal Nacional; Repórter Brasil; Audiovisual Materiality; Identity.
1
Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho de Jornalismo, do XI Encontro dos Programas de Pós-Graduação
em Comunicação Social de Minas Gerais, 18 e 19 de outubro de 2018.
2
Aluno de Mestrado do PPGCOM da Faculdade de Comunicação da UFJF, integrante do Núcleo de Jornalismo
e Audiovisual, Universidade Federal de Juiz de Fora. E-mail: gustavo_tfp@yahoo.com.br.
3
Doutora em Comunicação Social, professora do curso de Jornalismo e do PPGCOM da Faculdade de
Comunicação da UFJF, orientadora do trabalho, Juiz de Fora, Minas Gerais. E-mail: iluskac@globo.com.
255
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Introdução
O telejornalismo nacional brasileiro tem buscado se reinventar, de modo a conseguir
transmitir as principais notícias dos cenários nacional e internacional, e ainda criar um ambiente
de proximidade para com os telespectadores, tornando-os cada vez mais parte das narrativas
audiovisuais.
No Brasil convivemos com uma grande diversidade cultural, social, religiosa, étnica e
ideológica. Por isso, o grande desafio do telejornalismo é conseguir abarcar as mais variadas
perspectivas de representação do brasileiro, bem como as particularidades de cada estado ou
região.
Além disso, com a criação da Internet, e principalmente das redes sociais, há também a
abertura para mais possibilidades de interação entre as edições dos meios de comunicação e os
telespectadores, seja dentro dos telejornais, caracterizando a participação direta, como também
por meio de mensagens ou vídeos enviados para as redações, e ainda na participação de
enquetes e perguntas promovidas pelos telejornais.
Tal interação pode causar a impressão de que o público é cada vez mais representado
nas narrativas audiovisuais, e consequentemente, mais próximos dela. No entanto, é necessário
observar se a interação público e telejornal de fato é efetiva e contribui para a representatividade
do público e de suas variações, ou se é apenas uma forma do telejornal atrair mais
telespectadores, e conquistar uma maior audiência.
E é justamente a partir de questões relacionadas à identidade que o presente artigo
buscará investigar a representação social que os mineiros possuem nas narrativas audiovisuais
de dois telejornais de âmbito nacional: o Jornal Nacional, da Rede Globo e o Repórter Brasil,
da TV Brasil, a fim de identificar quais discursos vem sendo reproduzidos nas narrativas
audiovisuais acerca da imagem do mineiro.
Para tal análise, usaremos os conceitos de identidade, representação, luta por
reconhecimento e de mineiridade, já que eles se fazem importantes na discussão acerca da
representação e da representatividade do telespectador nas narrativas construídas pelas
emissoras de TV em seus principais telejornais. E para entendermos como são construídas as
imagens dos mineiros nos telejornais, utilizaremos o conceito de dramaturgia do telejornalismo,
de Iluska Coutinho (2012), que busca dar conta da dramatização feita pelos telejornais, com
personagens e história com início, meio e fim, de modo a criarem uma verdadeira história da
vida real.
A metodologia utilizada será a Análise da Materialidade Audiovisual, desenvolvida por
Iluska Coutinho (2016) para dar maior amplitude às discussões que envolvem diretamente o
256
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
conteúdo audiovisual, pelo fato das narrativas audiovisuais possuem maior complexidade de
investigação, tendo em vista que é preciso trabalhar a dimensão do som, imagem em movimento
e edição do material, bem como questões referentes ao local de inserção da narrativa e das
escolhas feitas pelos telejornais para apresentarem seus conteúdos.
Lília Junqueira traz ainda o conceito de habitus de Bourdieu para tentar entender como
se dão os modos de representação, já que o habitus articularia, o sujeito com três esferas:
estrutura, conhecimento e realidade. E elas são dadas a partir da relação estabelecida entre
reconhecimento do indivíduo para com suas próprias experiências e visões de mundo, e seu
lugar na estrutura social.
Para Bourdieu (1998), o habitus seria um conhecimento adquirido, podendo ser
individual ou coletivo, e nesse sentido, eles podem ser antagonistas ou complementares, criando
diferentes identidades e noções de pertencimento ou não dos cidadãos para com o meio social
em que estão inseridos.
A razão e razão de ser de uma instituição (ou de uma medida administrativa) e dos
seus efeitos sociais, não está na vontade de um indivíduo ou de um grupo mas sim no
campo das forças antagonistas ou complementares, no qual em função dos interesses
associados à diferentes posições e dos habitus de seus ocupantes, se geram as vontades
e no qual se define e se redefine continuamente, na luta- e através da luta- a realidade
257
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
No entanto, por trazer a perspectiva dos estudos culturais, a autora identifica uma crise
de identidade nas sociedades atuais, potencializada pela globalização e com os deslocamentos,
fazendo com que as identidades estejam cada vez menos arraigadas nas experiências de grupo
e atreladas a noções geográficas, o que acaba por criar uma realidade cada vez mais
individualizada nas construções de identidades.
258
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
As identidades que são construídas pela cultura são contestadas sob formas
particulares no mundo contemporâneo- num mundo que se pode chamar de pós-
colonial. Este é um período histórico caracterizado, entretanto, pelo colapso das
velhas certezas e pela produção de novas formas de posicionamento. (WOODWARD,
2005, p. 25)
259
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
260
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Mineiridade em questão
A palavra mineiridade é definida por alguns dicionários online como qualidade,
condição ou atitude do mineiro. Talvez uma de suas primeiras citações se deu em agosto de
1957, em um texto publicado na revista “O Cruzeiro”, por João Guimarães Rosa, intitulado “Aí
está Minas: mineiridade”, em que retrata as várias faces e particularidades das muitas Minas
Gerais e características dos vários tipos de mineiros.
Em texto intitulado “Mineiridade: identidade regional e ideologia, Liana Maria Reis
(2007), retoma a discussão do sentimento de pertença muito forte do mineiro para com suas
características, já que mesmo com muitas particularidades e diferenças, a mineiridade une todos
os mineiros. “Das várias características do mineiro, duas são bastante conhecidas: é comum
ouvir que o mineiro trabalha em silêncio e é desconfiado” (REIS, 2007, p. 90 e 91).
Liana (2007), defende que mesmo sendo considerada por muitos autores como um mito,
a mineiridade é uma construção baseada na história, principalmente por uma elite política, e
por ter ganhado contornos universais, deve ser estudada a partir da identidade do que é ser
mineiro.
A questão central, entretanto, parece-me ser a reflexão de que a mineiridade foi e
continua sendo construída como elemento de identidade regional, mas,
principalmente, como ideologia. Ou seja, se podemos falar que as identidades- ideias
de pertencimento- são plurais e dinâmicas, originadas das características peculiares
da formação e vivência históricas (e aí, portanto, as várias comunidades possuem suas
particularidades locais e regionais e, nessa medida, lembram e comemoram os fatos
mais marcantes e significativos vividos coletivamente) de cada sociedade ou grupo
social, a mineiridade é uma dentre tantas outras identidades, considerando o Brasil
como um todo ou internamente, no próprio Estado de Minas Gerais (REIS, 2007, p.
90)
Outra autora que discorre a respeito da mineiridade é Simone Maria Rocha, que trabalha
com a temática desde 2001, quando defendeu sua tese de doutorado intitulada: “Mineiridade
em Questão: do discurso mítico ao discurso midiático”. Para Simone, a mineiridade se dá a
partir de duas perspectivas: da formação de identidades, que passam pela ideia de nação, região
e sentimentos de pertença; e da imagem do mineiro que é construída pela mídia, muitas vezes
com um tom humorístico e com uma imagem estereotipada do que é mineiridade.
Ao trabalhar com o discurso da mineiridade como identidade regional na televisão,
Simone Rocha (2003) buscou entender como se dão os conteúdos produzidos pela TV acerca
dos mineiros, e como se dava a recepção desse material.
Entender como uma velha identidade sobrevive e se mantém em contexto de
sociedade global, é algo bem complexo e desafiante. E a dimensão da recepção pode
auxiliar-nos nessa busca pelo entendimento de como essas construções mantêm-se
vivas e atuantes. Isso porque reconhecemos o lugar central que os meios de
comunicação exercem na estruturação da vida social tanto pelo papel que
desempenham (laço social, informação) quanto pelo real histórico múltiplo,
261
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
contraditório que nos foi sendo revelado através da pesquisa de recepção. O discurso
da “mineiridade” é apropriado de modos variados. As maneiras de ver, viver, assistir
são construtos socialmente ancorados, o que nos mostrou que a “mineiridade” é
diversamente apropriada nas diferentes regiões culturais, ainda que tenha sido
possível identificar aqueles traços característicos que embasam a fala dos
entrevistados.(ROCHA, 2003, p. 7)
Simone Rocha (2003) afirma ainda que mesmo que o estado de Minas Gerais possui
várias regiões culturais, que tem influência direta nas particularidades, há características que
unem todas essas regiões acerca do sentimento de mineiridade. Em sua pesquisa de campo,
Simone observou que até mesmo o conteúdo midiático produzido sobre o “mineiro puro”, ainda
ligado a tradições rurais e do período colonial, mesmo que de forma estereotipada, auxiliou na
legitimação da mineiridade.
Mas, a força do discurso da “mineiridade” faz-se presente e vem até mesmo da
televisão, o que é um fato curioso. Quando fazíamos as sessões de vídeo, embora tenha
havido alguma exceção, a maioria das pessoas confirma que as personagens
representam “o mineiro” de alguma forma. Em alguns casos eles alegaram a
ridicularização, em outros consideram apenas o mineiro da zona o rural, o “mineiro
puro”, mas em geral, pudemos perceber que o estereótipo atua num plano
comunicacional de maneira positiva. Ele confirma alguns valores, alguns traços que
já fazem parte do imaginário social. (ROCHA, 2003, p. 11)
Uma terceira autora que trabalha com a ideia de mineiridade é Mila Barbosa Pernisa
(2011), que coloca como enfoque a representação do mineiro que é construída nas reportagens
de um telejornal regional. A autora trabalha com a ideia de que há três formas de representação
da mineiridade, que servem tanto para a representação do mineiro em âmbito local, como
também nacional: influenciada pela tradição histórica, principalmente da literatura; perfil
padronizado do cidadão global, que desqualifica o caráter regional; construção de uma
identidade que incorpora a diversidade de Minas.
A “mineiridade”, ou seja, a formulação de um conjunto específico de valores
atribuídos a um grupo (BOMENY, 1994, p.56) pode ser definida como o termo que
traduz a conjunção de diversos elementos que constituem um povo tais como apego à
tradição, valorização da ordem, prudência, aversão a posições extremistas e, portanto,
o centrismo, a moderação, o espírito conciliador; a capacidade de acomodar-se às
circunstâncias e, ao mesmo tempo, efetuar transações; a habilidade, a paciência como
estratégias para o alcance de objetivos políticos com menor custo. (PERNISA, 2011,
p. 53)
Mila trabalha com a ideia de que a mineiridade não é algo natural, mas sim construído,
principalmente por parte da elite política e econômica do estado, que acaba ganhando
legitimação devidos aos produtos culturais. A autora também afirma que a mineiridade surge
como um mito, utilizado para firmar uma identidade que fosse tão forte que conseguisse
competir com os demais estados da federação.
E é justamente a partir desse mito, reforçado pela literatura e pela mídia, que se cria
uma imagem muito forte do que é ser mineiro. E esses discursos passam a ser
incorporados pelos próprios mineiros, que passam a se identificar com muitas dessas
262
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
263
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
4
Matéria veiculada no dia 28/03/2018- http://tvbrasil.ebc.com.br/reporter-brasil/2018/03/policia-de-minas-
gerais-investiga-possivel-rede-de-trafico-de-bebes
5
Matéria veiculada no dia 29/03/2018- http://tvbrasil.ebc.com.br/reporter-brasil/2018/03/em-ouro-preto-
tradicao-dos-tapetes-devocionais-e-marca-da-pascoa
6
Matéria veiculada no dia 26/04/2018- http://tvbrasil.ebc.com.br/reporter-brasil/2018/04/assembleia-de-mg-
autoriza-abertura-de-impeachment-contra-pimentel
264
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
7
Ex-governador de Minas Gerais pelo PSDB, e que à época vinha sendo julgado pelo o mensalão tucano
8
Que à época teve um pedido de impeachment contra aceito pela Assembleia de Minas
9
Que deu depoimento à Polícia Federal sobre uma investigação ao presidente Michel Temer
265
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
uma equipe de reportagem para o local, sendo a primeira da editoria de polícia, em que apenas
o delegado é entrevistado, na figura de especialista, e os personagens sequer aparecem na
matéria, e a segunda é uma matéria produzida pela TV Top Cultura de Ouro Preto, parceira da
TV Brasil, e nela é possível observar tanto características culturais, principalmente a partir da
temática da Páscoa, já que a matéria fala sobre uma tradição de pintura de tapetes devocionais,
o que remonta a tradição religiosa do estado de Minas Gerais de igrejas católicas antigas, quanto
também há personagens mineiros, evidenciados na forma de falar e no ambiente de ruas e casas
antigas em que eles se encontram.
Já no eixo representação, as matérias sobre a abertura de impeachment do governador
Fernando Pimentel e sobre investigação de um possível tráfico de bebês não consegue nem
ouvir nenhum dos personagens, já que a primeira matéria é apenas uma nota coberta, e a
segunda o único a ter voz é o delegado do caso, como também não consegue representar e nem
mesmo produzir qualquer tipo de discurso sobre o mineiro.
Por um outro lado, a reportagem produzida pela TV Top Cultura consegue não apenas
ouvir os personagens, que são os pintores das ruas e seu professor, como também buscam dar
um olhar mais local para a matéria, valorizando a cultura mineira e sua tradição religiosa das
igrejas antigas, que é inclusive um importante espaço turístico, sugerindo uma imagem bem
marcada do mineiro do interior do estado, que é marcado pela elevada crença na religião
católica, de fala calma e tranquila, além de ser um povo acolhedor e que cria um ambiente
intimista e de aproximação para com que vem de fora, evidenciado tanto pelas pinturas nas
ruas, que também sugere um clima de tranquilidade nas ruas e cooperação entre os cidadãos,
como também no modo de falar e de receber a equipe de reportagem.
Muito por conta dessa representação que temos na matéria sobre as pinturas de tapetes
devocionais, notou-se que apenas essa reportagem consegue de fato ser representativa para o
mineiro, ainda que para uma parcela dos mineiros, já que não apenas dá voz aos personagens
da narrativa, como também se pauta na pluralidade de vozes e expressões e na diversidade
cultural, étnica e de gênero, observada na constituição da matéria, criando uma relação próxima
com a mineiridade e com o sentimento de pertencimento do mineiro para com a narrativa, ainda
que seja um mineiro erradicado em outro lugar, ou daqueles que não vivem nessas cidades de
pequeno ou médio porte mas ainda sim tem conhecimento acerca da tradição religiosa do
estado. Nas outras duas matérias analisadas, sequer conseguiram representar o mineiro e a
mineiridade presente no estado, o que não possibilita que sejam também representativas.
Dentre as oito matérias do Jornal Nacional em que o estado de Minas Gerais está em
evidência, observou-se que apenas três delas há o deslocamento de equipe de reportagem para
266
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
10
Matéria veiculada no dia 27/03/018: http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2018/03/mp-de-minas-cobra-
da-samarco-reassentamento-de-familias.html
11
Matéria veiculada no dia 24/04/2018: http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2018/04/tj-de-minas-
mantem-condenacao-de-eduardo-azeredo-no-mensalao-tucano.html
12
Matéria veiculada no dia 26/04/2018: http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2018/04/assembleia-de-
minas-aceita-pedido-de-impeachment-contra-pimentel.html
267
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
ser representativa acerca da mineiridade, já que apresenta apenas o sofrimento de pessoas que
perderam praticamente tudo e estão desesperadas por uma solução, mas não busca explorar uma
imagem do mineiro em que ele não esteja na posição de vítima, e portanto contribua apenas
para reforçar o discurso transmitido pela produção, que é o de criar uma história a partir do
reassentamento de famílias na região, e assim entrevistar pessoas que estejam sofrendo com o
problema, e portanto se apresentam como potenciais personagens.
Considerações finais
A partir da análise do Repórter Brasil e do Jornal Nacional, dois dos telejornais
nacionais de uma emissora pública e privada, respectivamente, observou-se em ambos uma
grande ausência de pautas acerca do estado de Minas Gerais. Em geral, nos dois telejornais foi
possível identificar a presença de notícias que remetesse ao estado nas editorias de polícia, caso
do acidente que ocorreu em uma rodovia do estado, ou na editoria de justiça, sempre a partir de
um escândalo ou julgamento de um político mineiro que possivelmente estava envolvido em
algum esquema de corrupção.
O pequeno espaço destinado às notícias do estado de Minas Gerais se torna ainda mais
grave se compararmos com outros estados como São Paulo e Rio de Janeiro, que também estão
no Sudeste mas possuem um volume muito maior de matérias que remetam a eles, e ao Distrito
Federal, que mesmo sendo no Centro-Oeste, ganha destaque por conta da Câmara e Senado
Federais e das notícias sobre política, sendo que o estado de Minas Gerais é o quarto maior em
extensão territorial e conta com o maior número de cidades do país, 853, segundo dados do
IBGE de 2017.
Além do baixo número de matérias sobre o estado de Minas Gerais, observou-se que
dentre as matérias analisadas, poucas conseguem gerar identificação, representação e
representatividade para com o cidadão mineiro, primeiro porque grande parte delas trata de uma
personalidade política na figura de réu, e depois porque em poucas matérias foi possível notar
a presença do cidadão inserido na narrativa. A matéria que mais se aproximou disso foi a do
Repórter Brasil sobre os tapetes devocionais, mas que contou com o material de uma emissora
local para produção do conteúdo, e portanto conseguiu de fato representar o mineiro e o
conceito de mineiridade.
Outra constatação acerca da questão da mineiridade foi a de que tanto na semana da
Páscoa, em que normalmente há mais matérias relacionadas às tradições religiosas, e aí o estado
de Minas Gerais ganharia mais destaque na mídia devido às antigas igrejas católicas e tradições
do período colonial, quanto na outra semana analisada, a última do mês de abril, em que não
268
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
tem nenhum fator destoante para um possível destaque do estado de Minas Gerais, há muito
pouco espaço para matérias sobre o estado.
Sobre a semana da Páscoa, o Jornal Nacional optou por matérias mais genéricas, que
remetesse a tradições nacionais e que acabaram representadas de forma mais genérica, e o
Repórter Brasil destinou menos de dois minutos para apenas uma matéria sobre as tradições
tipicamente mineiras na Páscoa, optando também por outras matérias que destacassem mais o
caráter comercial e nacional da data.
Por fim, podemos afirmar que mesmo com traços muito marcantes e conhecidos
nacionalmente, a mineiridade não tem aparecido nas narrativas nacionais. Primeiro porque são
poucas as inserções de matérias que tenham o estado de Minas Gerais como enfoque, e segundo
porque nas poucas que tem, normalmente não observa-se cobertura de equipes de reportagens
no estado, e nem mesmo a presença de personagens ou fontes que sejam mineiras ou cidadãos
do estado de Minas Gerais.
Referências
BERGER, Peter L.; LUCKMAN, Thomas. A construção social da realidade: tratado de sociologia do
conhecimento [por] Peter L. Berger [e] Thomas Luckman; tradução Floriano de Souza Fernandes.
Petrópolis, Vozes, 1985.
BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico, Tradução: Fernando Tomaz. Editora Bertrand Brasil S.A, Rio
de Janeiro, 1989.
COUTINHO, Iluska. O telejornalismo narrado nas pesquisas e a busca por cientificidade: A análise
da materialidade audiovisual como método possível. In: XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da
Comunicação, 2016, São Paulo, SP. Anais eletrônicos... São Paulo, USP, 2016. Disponível em:
<http://portalintercom.org.br/anais/nacional2016/resumos/R11-3118-1.pdf>. Acesso em: 10 de julho de
2018.
HONNETH, Axel. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. Tradução de
Luiz Repa. – São Paulo: Ed. 34, 2003. 296p.
PERNISA, Mila Barbosa. A construção simbólica da identidade mineira no telejornal da Rede Minas.
Dissertação (Mestrado em Comunicação) – Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2011.
REIS, Liana Maria. Mineiridade: identidade regional e ideologia. Cadernos de História, Belo Horizonte,
v.9, n. 11, p. 89-97, 1º sem. 2007.
269
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
SILVA, Tomaz Tadeu da; HALL, Stuart; WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: a
perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2000.
270
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Isabela Norton2
Soraya Maria Vieira Ferreira.3
Universidade Federal de Juiz de Fora
Resumo
No atual ecossistema digital que habitamos a comunicação unilateral perdeu lugar e o fluxo de
informações vem alterando a forma de se fazer comunicação; a presente proposta de pesquisa
parte do entendimento que o atual momento da ecologia comunicacional e posicionamento dos
atores do processo na troca informacional em rede está alterando a forma de se fazer
comunicação. Com o advento dos algoritmos e Big Data, a distribuição e circulação de
informações não depende apenas de ações humanas, mas de uma base de dados constantemente
atualizada e interpretada em busca de padrões. Entender como essas ações envolvem e engajam
o usuário-espectador nas publicações que remetem aos programas e analisar como esse tipo de
estratégia promove a interatividade com o público é o questionamento central aqui proposto.
Observar como se dá essa distribuição e circulação de conteúdo Netflix permite que
aprofundemos os estudos nas variações de aproveitamento do ambiente virtual.
Palavras-chave: Ecossistema comunicacional. Cultura digital. Netflix. Algoritmos.
In the current digital ecosystem that we inhabit, unilateral communication has lost its place and
the flow of information has been changing the way communication is done; the present proposal
of research starts from the understanding that the current moment of communicational ecology
and the positioning of the actors at the process in the informational exchange in network is
changing the form of making communication. With the advent of algorithms and Big Data, the
distribution and circulation of information depends not only on human actions, but on a
database constantly updated and interpreted for patterns. Understanding how these actions
involve and engage the viewer-user in the publications that refer to the programs and analyze
how this type of strategy promotes interactivity with the public is the central question proposed
here. Observing how this distribution and circulation of Netflix content takes place allows us
to deepen our studies on variations in the use of the virtual environment.
1
Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho Comunicação e Culturas Digitais, do XI Encontro dos Programas
de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais, 18 e 19 de outubro de 2018.
2
Discente do 2º ano do Mestrado em Comunicação da UFJF, Linha de Pesquisa Estéticas, Redes e Linguagens.
Bolsista UFJF, nortonisabela@gmail.com .
3
Professora orientadora, sovferreira@gmail.com
4
Paper presented at the Communication and Digital Cultures Working Group, of the XI ECOMIG, Meeting of
Postgraduate Programs in Social Communication of Minas Gerais, October 18 and 19, 2018.
271
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Introdução
A web 2.0 carrega a expressividade de um tempo de mudança e é entendida como a
“verdadeira metáfora de uma comunicação de baixo, voltada a revolucionar a verticalidade dos
sistemas econômicos-políticos modernos” (DI FELICCE, 2009, p.17), assim como o que
entendemos por conexão em rede, ciberespaço e trocas informacionais de dados. A ideia do
digital veio carregada de um fazer comunicacional diferente do que era praticado até então, com
a introdução de mundos e realidades sendo criadas em paralelo ao offline e à convivência social
- e aqui referimo-nos não apenas a jogo simuladores de realidade, mas majoritariamente a redes
sociais, a sites, blogs, fóruns e comunidades que contam com a participação de milhares de
pessoas construindo conhecimentos e relações antes impossibilitadas de existir. Os espaços
criados e reproduzidos foram “ambientes atravessáveis somente mediante formas de interações
técnicas”, que motivaram “o questionamento do conceito de espaço e do significado do habitar”
(DI FELICCE, 2009, p.20).
Portanto há uma ruptura no que até então entendia-se como tradicional, para múltiplas
transformações, como: comunicativas (da televisão e cinema pra interatividade), identitárias
(ideia de local, nacional sendo expandida para as identidades globais, glocais e híbridas),
tecnológicas (do analógico para tecnologias digitais), dentre outras (DI FELICCE, 2009, p.20).
Com o advento das redes sociais e Cultura Participativa a comunicação unilateral perdeu
lugar; a interatividade e posicionamento da marca fazem toda diferença para a criação de laço
sentimental do produto ou serviço que é oferecido. Shirky (2011) defende que a maior vantagem
das redes é a possibilidade de conexão entre pessoas. Potencializada pela velocidade de
produção e compartilhamento, a conexão instantânea, a todo tempo e lugar altera a forma como
habitamos o espaço social e a forma de nos comunicarmos. As mídias, a conexão e a potência
da internet não têm fronteiras. A informação pode ser originária de qualquer ponto da rede, com
emissores e receptores habitando os menos pontos. Não é possível mais determinar quem
produz e quem consome, ou até mesmo segmentar tais funções. Enxergamos isso como a grande
potência da conexão em rede da atualidade. O volume de informação é indecifrável e é a grande
chave da revolução do fazer comunicacional.
Assim como essas mudanças, o Big Data e a atuação dos algoritmos estão modificando
forma como as informações são lidas e interpretadas, enredando o consumidor em uma teia de
sugestões e automatizações. D. De Kerckhove aponta, em Di Felicce (2009, p.64) a ideia de
psicotecnologia, que pode ser aplicada aos algoritmos, quando se entende que são “tecnologias
da inteligência, que interpretam e organizam informações em simbiose com a nossa estrutura
mental”, sendo modelos que “emulam, estendem ou amplificam o poder de nossas mentes” (DE
272
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
273
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
274
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
coletando informações que serão utilizadas para compor o Big Data, com objetivo de converter
em mais consumo e uma experiência guiada do usuário.
Na rotina os algoritmos podem estar na base de dados do Facebook, por exemplo, que
personaliza o feed de cada usuário de acordo com as interações realizadas, os gostos
demonstrados, as seleções feitas pelo próprio usuário e o que a chamada “bolha” está
consumindo naquele momento. É o caso também de aplicativos de recomendação de músicas e
vídeos, como Spotify e YouTube, que se amparam em uma gigantesca base de dados de
usuários para recomendar novas músicas, playlists e vídeos que podem interessar; nem sempre
com relação direta ao conteúdo que está sendo consumido naquele exato momento, mas que se
mostrou um padrão de comportamento durante a análise da base de dados.
Mas não só no âmbito virtual que esses algoritmos são aplicados, eles podem ser
utilizados, por exemplo, na área da saúde, ao conseguir identificar, via inteligência artificial, a
presença de doenças e mutações em células do corpo. Isso só é possível porque o sistema
absorveu e padronizou diversas imagens de células saudáveis e doentes, gerando um padrão de
comportamento que pôde ser traduzido e convertido em um algoritmo que percorre o fluxo do
processo algorítmico toda vez que analisa uma nova imagem de células de pacientes. Pierro
(2018) cita o caso da startup Projeta Sistemas, de Vila Velha (ES), que criou o sistema
computacional chamado “Olho do Dono”, que é capaz de fornecer o peso de bois através de
imagens 3D dos animais, minimizando desgaste no animal e custos de transporte para a
pesagem. O sistema criado pela empresa é ancorado em uma vasta base de dados com imagens
de bois e seus respectivos pesos, alimentando os padrões que a empresa precisa para criar um
algoritmo de qualidade, com eficácia e índice de acerto cada vez maior
Informação acumulada é o poder da era do Big Data e dos algoritmos. Os padrões
automatizados só são possíveis de serem criados quando a base de dados é vasta e corresponde
à realidade de quem utiliza o espaço. Caso contrário, o algoritmo pode criar um falso resultado,
gerando prejuízos financeiros e erros de previsão que podem custar alguns milhares de reais.
O fluxo comunicacional
Di Felice (2012) apresenta o conceito de ecossistema, importado da biologia, mas que na
base conceitual exprime a ideia de um “conjunto de relações e de fluxos não apenas entre
organismos vivos, mas entre um conjunto de elementos e de realidades em contínua
comunicação” (DI FELICE, 2012, p.11). A alteração do fluxo comunicacional já é perceptível,
como aponta Ferreira (2014), ao abordar o fluxo bilateral na relação entre as tradicionais formas
de produção de conteúdo audiovisual para TVs públicas (emissor x receptor) e a presença das
275
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
5
Termo usado em oposição ao conceito de “virtual, online”. Abolimos aqui a dicotomia entre real versus virtual,
pois não cabe, na ideia do fluxo comunicacional, tal separação.
276
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
277
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
filho, a fotografia de um casal. Essas mensagens não são produzidas para o consumo coletivo,
mas para pessoas mais próximas, amigos e familiares a quem as mensagens dizem respeito.
Elas são decodificadas por quem possa vir a ter acesso a elas, mas essas produções só significam
algo para os receptores previstos no processo produtivo. Scannell denomina essas mensagens
como “for-someone messages6”, que podem ser reconhecidas na rotina diária como uma
ligação, mensagem ou email. Diferentemente das mensagens produzidas pela comunicação
tradicional de massa - TV, rádio, jornais, cinema, revistas - que o autor chama de “for anyone7”,
são conteúdos produzidos pensando em apenas uma direção de fluxo, direcionadas a ninguém
em particular, mas ao público em geral. Com advento dos fluxos múltiplos de mensagens e da
cultura de mídias foi necessário falar “com você”. O traço característico dos conteúdos
produzidos no contexto multiconectado do ciberespaço são possuírem um direcionamento “for-
anyone-as-someone”. São programas, falas, cortes de câmeras, encenações produzidas para o
público em geral, mas que dialogam com “você em casa”, “você que está assistindo”, “você
está no comando”. Nas redes, a atuação da Netflix no Facebook e Instagram é dotada de
comunicação “for-anyone-as-someone8”, quando produz conteúdos que fazem sentido para um
determinado público heterogêneo, mas que se sente parte de algo e peça única quando recebe
material que dialoga com a sua vivência particular e experiências anteriores de consumo de
material da plataforma. É sempre borrada a fronteira do conteúdo que está sendo produzido “for
anyone” ou “for someone”.
Assim como a comunicação mediada pode apresentar o perfil “for-anyone-as-someone”
os algoritmos desempenham também o papel de criar um espaço voltado especificamente para
aquele usuário que está, alí no momento, ligando a tv, o computador ou o smartphone para
assistir à Netflix.
6
Mensagens para alguém, em tradução livre.
7
Para qualquer um, em tradução livre.
8
Para qualquer pessoa, como se fosse para alguém, em tradução livre.
278
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
No total, já são 753 produções catalogadas como Originais Netflix9, dentre filmes,
documentários, animações, séries, mangás, shows de stand-up comedy, reality shows, dentre
outros.
Contar histórias é característico dos seres humanos. Desde a época das cavernas,
passando pela imprensa e chegando à televisão, temos o “storytelling10”. “A Netflix está
localizada na fronteira entre o storytelling e a internet”11 e “o pilar da distribuição de conteúdo
é o sistema de recomendação direcionado, que ajuda os membros a encontrar vídeos para
assistir a cada sessão12” (GOMEZ-URIBE; HUNT, 2015, em tradução livre, p.13:1). Os autores
dessas declarações são Carlos Gomez-Uribe, vice-presidente da Netflix e responsável pela
personalização de algoritmos, e Neil Hunt, diretor de produtos Netflix. É uma valiosa fonte de
informação sobre como os algoritmos funcionam dentro da plataforma.
Os autores relatam que não há apenas um algoritmo, mas uma coleção de códigos e
sistemas que permitem criar, para cada usuário, uma “Experiência Netflix” diferenciada. Estar
navegando no ciberespaço é estar o tempo todo escolhendo o que consumir, seja um link, um
vídeo ou um texto, o tempo todo os hiperlinks estão aparecendo na tela e lançando estratégias
para chamar a atenção do usuário com o objetivo de clique. Uma das grandes mudanças da
Cultura de Massa para a Cultura das Mídias foi a possibilidade de escolha, o advento da
experiência individualizada com a TV à cabo e as locadoras de DVD, por exemplo. A Cultura
Digital é - além da força da interatividade e o gigante volume de informações - o poder da
escolha de como, quando e por que caminhos transitar entre essas informações. A Netflix
oferece isso, é um vasto catálogo com produções variadas, como filmes, séries, documentários,
animações, stan-up comedys; a plataforma oferece um valor fixo de assinatura e o usuário pode
assistir quando, onde, como e quantas vezes quiser.
Personalizar cada vez mais o algoritmo é o que faz do sistema de recomendações da
Netflix o “key pillar13” da companhia; quanto menos tempo o usuário passa tentando escolher
algo, melhor para a plataforma; e melhor ainda quando o consumidor permanece assistindo os
produtos ali dispostos. A plataforma não está interessada em informações como idade, gênero
e renda social, padrões de classificação que não representam mais as possibilidades de escolha
de conteúdo e personalização. O interesse do sistema de recolhimento de dados da Netflix é
9
Contagem manual de dados em https://www.netflix.com/br/originals. Acessado em 05/09/2018.
10
Em tradução literal, “contar histórias”. Ato de narrar de forma envolvente, desenvolvendo uma história.
11
“Netflix lies at the intersection of the Internet and storytelling” (GOMEZ-URIBE; HUNT, 2015, p. 13:1)
12
“A key pilar for our product is the recommender system that helps our members find videos to watch in every
session” (GOMEZ-URIBE; HUNT, 2015, p. 13:1)
13
“Pilar chave” em tradução livre, ou chave-mestra.
279
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
saber que títulos chamam a atenção do usuário dentro da própria plataforma (seja para assistir,
seja para saber mais sobre), em que período do dia a série ou o filme estão sendo consumidos,
que dia da semana, em que dispositivos e com que frequência. Também interessa saber o local
em que o produto foi descoberto, se por recomendação do sistema de porcentagem de indicação
da plataforma, se por procura aleatória, se por classificações como gênero, nacionalidade, entre
tantas outras possibilidades de descoberta de produções e títulos. O sistema de recolhimento de
informações é tão complexo e detalhista que é importante “até mesmo as recomendações que
foram mostradas, mas não consumidas em cada sessão14” (GOMEZ-URIBE; HUNT, 2015, em
tradução livre, p.13:2).
Além desses sistemas de classificação, a interface apresenta ainda sugestões “em alta”,
que podem ser os lançamentos da época ou ainda agendamentos, como natal e dia dos
namorados, que fazem o consumo de produtos de nicho aumentar.
Os assinantes da Netflix não permanecem na plataforma exclusivamente pelo algoritmo
de recomendação. A equação é bem mais complexa e comporta inúmeras outras variáveis, como
indicação de amigos, tempo disponível para consumir itens do catálogo e até mesmo
identificação com as produções disponibilizadas. A facilidade de ser um assinante Netflix,
assim como deixar de ser, mostra que a companhia está interessada em oferecer uma
Experiência Netflix” de qualidade, personalizada, e que faça sentido para o consumidor.
Consumir audiovisual é parte da rotina e da dinâmica comunicacional desde o surgimento e
popularização do cinema, assim como da TV. A internet veio potencializar o espraiamento, e
as opções disponibilizadas no ambiente digital são de alta qualidade e complexidade, como a
Netflix e o YouTube. No atual cenário comunicacional a popularidade, expansão e o impacto
das redes sociais refletem a sociedade e suas transformações do século XXI (boyd, 2014).
Conclusão
A hipótese principal que norteia atualmente nossas pesquisas é que “ações de
distribuição e circulação de produtos Netflix alteram a dinâmica comunicacional”,
proporcionando ao usuário-consumidor uma experiência diferenciada de contato com os
objetos de consumo. Os algoritmos, inicialmente não previstos nessa equação, vieram somar
nas considerações e na compreensão geral do espaço hiperconectado que habitamos.
Os algoritmos alimentam e geram uma sociedade em fluxo constante. A troca
informacional é a moeda do século, e ter informação é ter poder. E não é apenas por input
14
“(…) and even the recommendations that were shown but not played in each session” (GOMEZ-URIBE; HUNT,
2015, p. 13:2)
280
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
humano que as conexões acontecem; o poder da cultura digital e das máquinas é real e a
dinâmica se altera por conta de todas as contribuições ao processo. O advento do Big Data
proporcionou que grandes quantidades de informações pudessem ser processadas e
interpretadas; tais informações, avulsamente, são só números e dados desconexos. Mas com a
análise computadorizada, visando gerar padrões, os algoritmos são possíveis e influenciam a
rotina de tal forma, que não se consegue mais andar em uma cidade desconhecida sem o uso de
mapas de GPS apontando caminhos, caminhos estes que foram traçados por muitas outras
pessoas que ali passaram antes.
Cada interação realizada entre pessoas de uma mesma rede, é um sinal de aquilo
interessa. De que a fonte de informação interessa. E essa linguagem os algoritmos entendem.
Estar imerso no habitar comunicacional da era dos fluxos é estar em contato constante com
informação a todo instante, processando, junto com aplicativos, redes sociais e sistemas que, a
cada dia mais, estão imersos na nossa vivência enquanto seres humanos.
Referências
BUZATO, M. E. K. Três concepções teóricas de rede e suas implicações particulares para o estudo
de redes sociais online. Florianópolis/SC: 29º Encontro Nacional da Anpoll, UFSC, 2014.
boyd, Danah. It’s complicated: the social lives of networked kids. New Haven: Yale University Press,
2014
DIJCK, José van. The culture of connectivity: a critical history of social media. New York: Oxford
University Press, 2013
FERREIRA, Soraya. A Televisão em tempos de convergência. Editora UFJF. Juiz de Fora, Minas
Gerais, 2014
GOMEZ-URIBE, Carlos A.; HUNT, Neil. The Netflix Recommender System: Algorithms, Business
Value, and Innovation. ACM TMIS: ACM Transactions on Management Information Systems, v. 6, n.
4, p.13:1-13:19, dez. 2015.
JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. 2 ed. São Paulo: Editora Aleph, 2009. 432 p.
281
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
MEIKLE, Graham; YOUNG, Sherman. “From broadcast to media”. In: Media Convergence:
Networked Digital Media in Everyday Life. Great Britain/UK: Palgrave, 2012.
MURRAY, Janet H. Da Forma Aditiva para a Expressiva. In: MURRAY, Janet H. Hamlet no
Holodeck: o futuro da narrativa no ciberespaço. São Paulo: Unesp, 2003. p. 73-98.
PIERRO, Bruno de. O mundo mediado por algoritmos. Revista Pesquisa Fapesp, São Paulo, ed. 266,
p.18-25, abr. 2018.
SANTAELLA, L.; LEMOS, R. Redes sociais digitais a cognição conectiva do Twitter. São Paulo:
Paulus, 2010.
SCANNELL, Paddy; SPARKS, Colin; SCHLESINGER, Philip. Culture and Power: A Media, Culture
& Society Reader. London/UK: Sage Publications UK, 2000
282
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Resumo
Com mais de um bilhão de horas consumidas por telespectadores e 1,7 bilhão de impressões no
Twitter (KANTAR IBOPE MEDIA, 2018), o fenômeno da social TV se destacou durante a
Copa do Mundo de 2018. O ato de compartilhar e debater a programação televisiva nas redes
sociais, em especial no microblog, mostrou-se consolidado no consumo midiático
contemporâneo. Através de uma análise quantitativa e comparativa acerca da audiência
televisiva e do engajamento nas redes durante os jogos da Copa do Mundo, buscou-se entender
como a cultura da conectividade reconfigura e complexifica a experiência televisiva. A
repercussão que o torneio mundial obteve revela que o consumo síncrono entre TV e redes
sociais tem se tornado cada vez mais indissociável. Por outro lado, os dados analisados
apontaram divergências que nos revelam outras perspectivas a respeito do cenário da social TV
no Brasil.
Abstract
With more than a billion hours consumed by viewers and 1.7 billion impressions on Twitter
(KANTAR IBOPE MEDIA, 2018), the social TV phenomenon stood out during the 2018
World Cup. The act of sharing and discussing television programming in social networks,
especially in the microblog, was consolidated in the contemporary media consumption.
Through a quantitative and comparative analysis of the television audience and network
engagement during the World Cup games, we sought to understand how the connectivity culture
reconfigures and complicates the television experience. The repercussion that the world
tournament has achieved reveals that the synchronous consumption between TV and social
networks has become increasingly inseparable. On the other hand, the analyzed data pointed to
differences that show us other perspectives regarding the social TV scenario in Brazil.
1
Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho Comunicação e Culturas Digitais do XI Encontro dos Programas
de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais, 18 e 19 de outubro de 2018.
2
Mestranda em Comunicação pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de
Juiz de Fora, luizamellost@gmail.com. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.
283
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Introdução
Estamos vivenciando uma passagem da ideia midiática de comunicação para as
arquiteturas digitais, onde prevalecem a fundamentação complexa de ecologias conectivas (DI
FELICE, 2017). A digitalização e o surgimento de novas tecnologias fazem com que a
comunicação digital e em rede, com forte influência da cultura participativa, evolua para uma
cultura da conectividade. Segundo Van Dijck (2016), as características da conectividade se
materializam no surgimento de tecnologias de codificação que alteram a natureza das conexões,
assim como da criação e interação humana. Trata-se de um ecossistema no qual não é possível
estudar as plataformas de forma individual: os microssistemas se desenvolvem em conjunto,
hiperconectados, e reagem de maneira constante com as modificações dos demais. O resultado
ainda é transitório, mas se faz presente de forma cada vez mais visível em nosso dia a dia, como
veremos neste estudo.
Para Di Felice (2017), a conectividade possibilita que qualquer tipo de superfície ou
objeto comece a se relacionar e interagir entre si, criando uma ecologia conectiva. Portanto,
constitui-se como uma condição habitativa, ou seja, vai além da transmissão de mensagem de
um ambiente/pessoa para outro(a), mas está imersa na nossa forma de ser e agir. Com isso, não
só seres humanos, mas plataformas, redes e dados também se conectam, fazendo surgir um
fluxo no qual “[...] não é possível reconstruir uma fonte de emissão única, ou reconstruir uma
direção única, pois cada internauta, em tais habitats, construirá, de forma autônoma e única, a
sua rota de navegação” (DI FELICE, 2017, p. 100). Levamos em consideração que o atual fluxo
comunicacional é fértil, ubíquo, conectivo e vai além da ideia da unidirecionalidade que
caracterizou o paradigma da radiodifusão ou da bidirecionalidade que se fez presente com a
cultura digital. O ecossistema comunicacional contemporâneo expõe um modelo de rede
distributiva onde não há centro ou totalidade, externo ou interno, mas que prevalecem conexões.
É neste contexto que a simbiose entre televisão e web se torna mais evidente e o lugar
do usuário mais complexo e multifacetado. Partimos do pressuposto de que as características
de tal cenário, com a proliferação das redes sociais, fazem parte da ação de assistir TV,
ocasionando na impossibilidade de dissociar as duas ecologias. Dessa forma, sobressai o
fenômeno da social TV, defendido por Prouxl e Shepatin (2012) como o ato de compartilhar,
debater e divulgar a programação televisiva de maneira síncrona nas redes sociais,
principalmente no Twitter.
Sob essa perspectiva, esta pesquisa propõe colocar em debate a forma como o
ecossistema comunicacional e a cultura da conectividade têm modificado a experiência
televisiva através de um objeto de estudo mundial e midiaticamente relevante: a Copa do
284
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Mundo de 2018. Segundo dados divulgados pelo Kantar Ibope Media3, o jogo de estreia do
Brasil gerou 66,9 milhões de impressões no Twitter, com pico de comentários no gol de
Philippe Coutinho. Se acrescentarmos todos os jogos da primeira fase obtemos mais de um
bilhão de impressões, sendo 35% referentes aos tweets específicos sobre a seleção brasileira,
com destaque para os termos “Brasil”, “Neymar” e “Coutinho”. Os resultados da pesquisa
demonstram a força que o evento da magnitude da Copa tem nas redes.
3
Disponível em <https://www.kantaribopemedia.com>. Acesso em: 23 ago. 2018.
285
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
das redes sociais digitais e dos dispositivos móveis. Em resumo, o que Di Felice argumenta é
que o processo de digitalização produziu uma nova cultura ecológica, em que
[...] os sistemas informativos geográficos atribuem ao lugar e às coisas uma nova
dimensão que não pode ser mais delimitada na localidade geográfica, topográfica e
material, nem na percepção desta por parte do sujeito, mas por um conjunto de fluxos
informativos e de interações que conectam o lugar, as coisas, a banco de dados,
linkando informações e alterado continuamente, conforme os circuitos escolhidos ou
atravessados por pessoas, fluxos informativos, dados etc., o sentido do lugar. (DI
FELICE, 2012, p. 4)
4
“La socialidad online es cada vez más el resultado de uma coproducción entre humanos y máquinas”.
5
“[...] una formación inmersa en tecnologías de codificación cuyas consecuencias exceden la arquitectura digital
de las plataformas”.
6
“La socialidad, la creatividad y el conocimiento se trenzan en la tramadel ecosistema, donde todas las
actividades de codificación y de explotación de la conectividad ocurren dentro de un mismo ámbito dominado
por el espírity corporativo”.
286
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Pensando na natureza do que chamou de ecossistema dos meios conectivos, Van Dijck
propõe uma teoria que fosse adequada e nos permitisse entender de que forma as plataformas e
os usuários evoluíram. Para isso, o modelo proposto trata as plataformas tanto como
construções tecnoculturais quanto como estruturas socioeconômicas. Nessa abordagem, a
autora foca na análise de três pontos importantes: a tecnologia, os usuários e o conteúdo. Para
Van Dijck (2016), os atores tecnoculturais dificilmente conseguem se separar da estrutura
socioeconômica que as plataformas operam, ou seja, de suas propriedades, questões políticas e
modelos de negócio. Entretanto, todos esses elementos, apesar de serem significativos e
importantes para o que estamos chamamos de ecossistema digital conectivo, acabam
convergindo para um só ponto: o comportamento do usuário. Para a autora, o usuário tem um
papel extremamente importante: é complexo, multifacetado e cada vez mais guia as mudanças
feitas nas outras camadas e microssistemas. É a partir daí que surgem novos modelos de
negócio, com o objetivo de se adequarem à atual revolução das arquiteturas digitais,
redimensionando o foco nos usuários e em seus conteúdos e buscando formas de monetizar a
criatividade, atenção e a sociabilidade online (VAN DIJCK, 2016).
Imersa em tamanha complexidade linguística, conceitual e paradigmática, devemos
inserir o contexto dos meios comunicacionais, tanto os tradicionais quanto os emergentes,
coexistindo. Colocando o problema sob perspectiva do objeto dessa pesquisa, a televisão e a
experiência de assisti-la hoje se faz presente em um ambiente de fluxo comunicativo em rede,
descentralizado e distributivo.
Para chegarmos ao contexto em que a simbiose entre televisão e web se torna mais
evidente e impossível de ser ignorada, se faz necessário passar pelos demais modelos de
consumo televisivo, tais quais a TV broadcast, TV pós-network e TV expandida. A primeira
tem como particularidade o modelo de consumo com hora marcada, através de uma relação
few-to-many, ou no português “pouco para muitos”, na qual prevalece o fluxo unidirecional em
que o consumidor é visto como uma audiência massiva e o conteúdo é produzido e distribuído
unicamente por grandes conglomerados e empresas comunicacionais. Tal modelo, que surge na
chamada Cultura de Massa (século XIX), começou a dar lugar para aquele que ficou conhecido
como TV pós-network. Nessa etapa, a relação de produção e consumo altera-se para a
perspectiva many-to-many (muitos para muitos) na qual as barreiras entre mídia e consumidor
começam a se dissipar e as funções a se equipararem. O telespectador não é mais visto como
uma audiência puramente quantitativa e massiva, mas prevalece a figura do público segmentado
e que possui gostos, preferências e características específicas. Com o advento das redes sociais
digitais, o consumo vai além do appointment TV, ou televisão com hora marcada, sob influência
287
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
unicamente do fluxo proposto pela grade de programação, mas se torna sob demanda com a
possibilidade do streaming e de um fluxo bidirecional. Neste contexto, a web e a TV começam
a pautar e influenciar uma a outra. Quando as práticas próprias do universo televisivo passam
a habitar também o ciberespaço, a TV se torna muito mais complexa: ela se expande e o
aparelho tradicional deixa de ser o único meio transmissor de conteúdo. Para Ferreira (2014, p.
124) “[...] a TV, ao passar para novas plataformas, se repete, mas também reconfigura, ainda
de maneira tímida”. Mas não é só o modelo televisivo que se modifica:
[...] as possibilidades destinadas ao interator abrangem decisões que antes ficavam
fora da sua alçada: a programação de conteúdo sob demanda, o acesso à rede, a
postagem de comentários, ou até mesmo o envio de conteúdos pelo próprio interator
(CAPANEMA, 2008, p.199).
O modelo da TV pós-network tem início com a Cultura Midiática, nos anos 90, e se
firma na Cultura da Convergência, nos anos 2000. Jenkins (2009) defende que o paradigma da
convergência dos meios representa uma transformação cultural ao depender fortemente da
participação ativa dos consumidores, que antes eram passivos, silenciosos, invisíveis e
previsíveis, e tornam-se migratórios, barulhentos e conectados socialmente (JENKINS, 2009).
A transição do consumidor “passivo” para o consumidor engajado, cada vez mais interessado
no processo de produção dos programas televisivos, contribuindo e participando ativamente,
caracteriza a cultura participativa. O sujeito consumidor de conteúdo passa a ser chamado de
interator (MACHADO, 2007). Para Cádima (2006, p. 113), trata-se de um novo paradigma
comunicacional e experimental que dá “[...] a cada cidadão a capacidade de ultrapassar a sua
condição limitada de consumidor ou de espectador e passar a ser um destinatário, um sujeito
operativo, reflexivo, participativo”.
Todavia, acreditamos que o momento contemporâneo requer novas formas de pensar a
relação entre produtor-receptor, o fluxo de conteúdo, as formas de consumo e as características
do espectador. Surge então a TV expandida e outras diversas nomenclaturas que tentam traduzir
o novo momento televisivo que se apresenta imerso no ecossistema comunicacional conectivo.
Neste momento a relação entre produtor e consumidor que não era recíproca, se expande
para a perspectiva all-to-all (todos para todos), ou seja, se torna horizontalizada e extremamente
democrática em que todos os atores envolvidos exercem a função de consumidor, produtor e
podem circular e distribuir conteúdo de forma síncrona e indiscriminada. É da bilateralidade da
comunicação, ou seja, o contato das arquiteturas digitais com os meios de comunicação
tradicionais que surge a evolução da audiência. A internet, a web 2.0 e o ambiente digital coloca
288
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
o poder nas mãos dos usuários, que participam ativamente da cultura e processos
comunicacionais.
Para Santaella (2013, p. 316) “[...] as mídias sociais abrem espaço para a criação de
ambientes de convivência instantânea entre as pessoas. Instauraram [...] uma cultura integrativa,
assimilativa, cultura da convivência que evolui de acordo com as exigências impostas pelo uso
dos participantes”. Os usuários atribuem sentido às plataformas ao procurarem construir laços
e comunidades em ambientes colaborativos e participativos. O fenômeno da convergência
midiática (JENKINS, 2009) que coloca em diálogo tradicionais e emergentes meios de
comunicação e suas formas de produção e consumo, explicita ainda mais as relações
contemporâneas de sinergia entre diversas arquiteturas e redes, proporcionando aos
consumidores diferentes maneiras de criar sua própria experiência midiática.
O perfil desse consumidor vai além das delimitações que caracterizam a audiência e o
público. Eles se tornam engajados, complexos, participativos e críticos, portanto, mais
semelhantes ao perfil dos fãs.
[...] aquele indivíduo, que antes se encontrava mimetizado à massa (culturas de massa)
e posteriormente aos grupos segmentados (culturas das mídias), emerge, pela primeira
vez, na pós-televisão, em sua individualidade. Seu papel passa a ser exercido de forma
personificada, na fronteira entre o amador e o profissional, e, desse modo, as novas
mídias passam a se relacionar com ele (CAMPANEMA, 2008, p.199).
289
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
290
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
291
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
potencializa a partir desses fenômenos, que fazem com que falar, debater e comentar sobre TV
se torne tão importante e interessante quanto assisti-la.
Neste contexto, o Twitter, criado em 2006 em resposta à mobilidade e a difusão dos
dispositivos móveis, se populariza mundialmente em pouco anos e se consolida como a rede
social preferida para se discutir televisão (SANTELLA; LEMOS, 2014; VAN DICJK, 2016;
PROUXL; SHEPATIN, 2012). A plataforma se porta como um espaço colaborativo, em caráter
conversacional no qual a temporalidade é o que impulsiona a evolução do microblogging como
linguagem específica (SANTELLA; LEMOS, 2014; VAN DIJCK, 2016). As autoras destacam
também que o usuário do Twitter, especificamente, possui e desenvolve habilidades e
competências específicas e diferenciadas comparadas aos usuários de outras redes sociais. Isso
se deve a riqueza da ecologia cognitiva da plataforma e complexidade dos fluxos
informacionais.
A plataforma construiu uma linguagem que foi disseminada para outros ambientes e
contextos na cultura digital e não somente no meio online, mas também para a TV que, por sua
vez, tem se apropriado da dinâmica, estética, linguagem e do engajamento que o Twitter
propicia. Segundo Sigiliano (2017), o uso das hashtags7 e estratégias de social TV tem o
objetivo de estimular o telespectador a ligar a TV no horário original de exibição dos programas.
Para Van Dijck (2016), as funcionalidades e características do Twitter exploram a
conectividade entre usuários e comunidades de todo o mundo, os ajudam a iniciar conversações
colaborativas e múltiplas e a criar conteúdos adequados de acordo com sua necessidade. Os
usuários são vistos como “ativos, em sua maioria jovens, que sentem que o serviço legitima sua
contribuição individual para diálogos com outras pessoas ou seus esforços coletivos para se
fazerem ouvir em debates públicos” (VAN DIJCK, 2016, p. 123, tradução nossa8). No Twitter
o engajamento é em tempo real e os internautas detêm o controle das conversas. Atualmente a
plataforma constroi redes de impacto que podem ganhar imensa visibilidade e alcance em
questão de minutos.
7
Segundo Santaella e Lemos (2014, p. 108) “As hashtags são indexadores de temas, tópicos e/ou palavras-chave
que agregam todos os tweets que as contêm em um mesmo fluxo, onde é possível observar a formação de uma
comunidade ao redor do uso específico da #hashtag. Este fluxo comum possibilita a todos os usuários
acompanhar a discussão de um tema e/ou divulgar informações pertinentes em tempo real”.
8
“activos, en su mayoría jóvenes, que sienten que el servicio legitima su contribución individual a diálogos com
otras personas o sus esfuerzos colectivos por hacerse oír em los debates púbicos”.
292
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
9
Disponível em: < https://www.kantaribopemedia.com/os-dados-da-primeira-fase-da-copa-do-mundo-2018/>.
Acesso em: 2 out. 2018.
10
A pesquisa considerou os seguintes canais: Globo, SporTV, SporTV 2 e Fox Sports em 15 mercados: Grande
São Paulo, Grande Rio de Janeiro, Grande Belo Horizonte, Grane Curitiba, Grande Porto Alegre, Distrito
Federal, Campinas, Grande Florianópolis, Grande Salvador, Grande Recife, Grande Fortaleza, Grande Vitória,
Grande Goiânia, Grande Belém e Manaus. Os números marcados com um asterisco (*) não foram transmitidos
por todas as emissoras listadas.
293
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Rica, 60%*, e depois o confronto com a Suiça, 55%* - este último número representa uma
audiência de mais de 25 milhões de telespectadores. Com relação aos jogos das outras seleções,
a partida acompanhada pelo maior número de telespectadores brasileiros foi o confronto entre
Alemanha e México que obteve 36* pontos de audiência11.
Expandindo o consumo para as redes sociais, o Twitter concentrou os principais
comentários, debates e produções de memes referentes ao maior torneio esportivo do mundo.
Apesar do Facebook12 ter tido um papel significativo, cada vez mais o microblogging de 240
caracteres tem caminhado para se firmar como a principal plataforma para se comentar televisão
na web. Isso se deve em grande parte às ferramentas e particularidade do Twitter, que
incentivam a formação de comunidades em torno de uma temática específica (com o uso das
hashtags) e conversações múltiplas e colaborativas. Juntando tais características com o fator
emocional, dramático e afetivo do futebol, temos um cenário perspicaz para se analisar.
Durante a fase de grupos da Copa do Mundo os números no Twitter foram expressivos,
contudo, apresentam uma perspectiva intrigante: nem sempre o engajamento nas redes nos dias
de jogos foi proporcional à sua audiência na TV. Os dados referentes à pesquisa da empresa
Kantar Ibope Media13 mostram que os dias em que houve maior audiência na TV não foram
aqueles que tiveram mais impressões14 no Twitter. Na fase de grupos, destaca-se, entre os jogos
do Brasil, a disputa contra a Costa Rica, Servia e Suíça, respectivamente (figura 1). Na TV,
como vimos, o jogo que obteve maior audiência foi entre Servia e Brasil. Por outro lado, o jogo
da seleção com menor audiência na TV manteve-se com menor repercussão no Twitter: a
partida de estreia contra a Suíça que gerou 66,9 milhões de impressões.
Se levarmos em conta as outras seleções, o confronto com maior número de impressões
no Twitter ficou com a disputa entre Portugal e Espanha que, na TV, obteve menos audiência
que o jogo da Alemanha e México que alcançou o maior número de telespectadores brasileiros
(figura 1).
11
Um ponto medido pela empresa Kantar Ibope Media equivale a 245.702 domicílios e a 688.211 espectadores.
Disponível em: < https://goo.gl/Bv4a9k>. Acesso em: 13 nov. 2018.
12
A Copa do Mundo foi o evento mais comentado na história do Facebook segundo o site
https://meiobit.com/291329/copa-do-mundo-evento-mais-comentado-historia-facebook/. Acesso em 4 out. 2018.
13
Disponível em: < https://www.kantaribopemedia.com/copa-do-mundo-2018/>. Acesso em: 2 out. 2018.
14
Número de vezes em que os tweets (publicações) relacionados ao assunto foram visualizados na plataforma.
294
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Figura 1 - Dados da audiência na TV e da repercussão no Twitter dos jogos da fase de grupos da Copa do
Mundo. Fonte: Kantar Ibope Media (2018).
Esse conflito nos dados da TV e da internet mostra que, apesar da hipótese levantada
nesse trabalho de que telespectadores e usuários consumam simultaneamente os dois meios,
nem sempre é isso que se materializa na prática. Os dados evidenciam que ainda há uma parte
da audiência que prefere se manter passiva frente ao conteúdo que lhe é dado, ou seja, apenas
consome e não se engaja ativamente; outros, entretanto, se transformam em interatores e, pelos
dados apontados, podem inclusive “assistir” televisão somente a partir dos comentários e das
repercussões nas redes, não necessariamente ligam à TV para consumir. Tal abordagem pode
ser uma justificativa para as divergências nos dados. Desta forma, é evidente que assistimos e
consumimos conteúdo televisivo com diferentes graus de engajamento, sendo usuários
participativos em alguns casos ou apenas audiência passiva em outros. A difusão da social TV
e novas formas de consumo não excluem as tradicionais. É mais adequado, entretanto, falarmos
em coexistência de modelos.
Coincidindo ou não os números na TV e nas redes, é fato que o ambiente de simbiose
entre as duas ecologias se mostrou movimentado durante o Mundial. Ainda de acordo com os
dados apresentados por Kantar Ibope Media (2018), se considerarmos todas as transmissões
dos jogos da primeira fase da Copa, os comentários exclusivamente no Twitter durante as
295
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
296
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Na rodada seguinte, o cenário não se repetiu: tanto o jogo do Brasil quanto e de maior
audiência na TV de outras seleções também foram os mesmos que engajaram mais o público
nas redes. A disputa contra a Bélgica totalizou 158,2 milhões de impressões e foi a partida com
maior participação feminina na audiência, representando 52% do total. Ao levarmos em conta
o conjunto de todos os jogos, o público feminino compunha apenas 45% dos participantes nas
redes. Entre os jogos das quartas de final das demais seleções, o confronto entre Uruguai e
França rendeu 32 pontos na audiência e quase 23 milhões de impressões no Twitter, mais que
o dobro que a disputa com menos engajamento nas redes - Suécia e Inglaterra. Na semifinal o
cenário foi totalmente inverso, enquanto o jogo com maior audiência na TV rendeu 31 pontos
297
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
e 28,9 milhões de impressões, o confronto entre Croácia e Inglaterra ficou com 29 pontos de
audiência, porém, mais de 34 milhões de impressões no Twitter.
Por fim, a grande final da Copa do Mundo da Rússia foi acompanhada por mais de 20
milhões de telespectador no Brasil15, 44 pontos de audiência, e rendeu cerca de 80 milhões de
impressões no Twitter, sendo o jogo de outras seleções com maior engajamento nas redes. O
pico de tweets foi registrado no momento em que o francês Mbappé, eleito o jogador revelação
do torneio, marcou o 4º gol da França (KANTAR IBOPE MEDIA, 2018).
Se a seleção brasileira não conseguiu o hexa, fora de campo os fãs deram um show à
parte. Em um cenário mundial, os usuários brasileiros foram o que mais tweetaram durante a
Copa em todo o mundo, totalizando mais de 17 milhões de comentários. Além disso, quatro
dos dez jogos mais comentados no Twitter foram da seleção Brasileira, com destaque para
Brasil e Bélgica que foi o jogo mais comentado de todo o mundial, com mais de 8 milhões de
tweets, número superior até mesmo a final da Copa (KANTAR IBOPE MEDIA, 2018). Esses
dados mostram uma perspectiva de crescimento do uso das redes sociais, em especial do
Twitter, para se comentar a programação televisiva e mais ainda: quando falamos em um evento
de dimensões globais, o Brasil se destaca - os usuários brasileiros são os mais engajados na rede
em todo o mundo.
Considerações Finais
O público tem feito a televisão mudar. O mercado tradicional do audiovisual, por outro
lado, não dá sinais de esgotamento. Hoje a comunicação está em todo lugar, a qualquer hora, a
um clique, a um tweet. Ela torna-se móvel, ubiqua, conectiva. A relação entre televisão e redes
sociais, materializada no fenômeno da social TV, evidencia uma nova forma de consumo: em
qualquer momento do dia, basta acessar a internet para saber o que está sendo transmitido na
TV naquele momento. Apesar de escolhermos para esta pesquisa um evento esportivo
mundialmente consumido e de grande repercussão, a conexão entre as duas ecologias já é
percebida em diversos outros gêneros, formatos e produtos televisivos, como os reality shows,
as telenovelas e séries ficcionais.
Com mais de um bilhão de horas consumidas por telespectadores e 1,7 bilhão de
impressões no Twitter (KATAR IBOPE MEDIA, 2018), a social TV se destacou durante a Copa
do Mundo da Rússia. Observou-se a construção de um ambiente que foi muito além da TV e se
fez presente nas ruas e, indiscutivelmente, na web. O grande número de comentários, memes e
15
Disponível em: < https://www.kantaribopemedia.com/mais-de-20-milhoes-de-telespectadores-assistiram-a-
vitoria-da-franca-na-copa/> Acesso em: 2 out. 2018.
298
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
outras produções compartilhadas fez com que acessar rapidamente o Twitter fosse o suficiente
para saber o que estava acontecendo em tempo real no Mundial. Os dados apresentados nos
revelou que o atual paradigma comunicacional propõe novas formas de assistir TV a partir de
uma simbiose cada vez mais complexa e difícil de ser ignorada entre redes sociais e televisão.
O que estamos propondo ressaltar é o consumo televisivo que há algum tempo já se expande
para além da TV, sobretudo com forte participação, engajamento e influência das redes sociais.
Em meio a análise quantitativa da repercussão da Copa do Mundo no Brasil, uma
divergência entre os números que, apesar de não ter sido um padrão e ainda apresentar
contradições, levantou questões e perspectivas que devem ser aprofundadas em estudos futuros.
Se a social TV se caracteriza pelo ato de assistir TV e comentar nas redes sociais ao mesmo
tempo, a falta de sincronia entre os jogos mais assistidos na primeira tela e aqueles com maior
participação nas redes, comprova que há outros critérios que devem ser abordados e analisados
com maior atenção para que possamos entender, afinal, o que emerge do encontro entre os dois
maiores meios de comunicação da atualidade.
Obviamente não podemos desconsiderar o poder que a televisão ainda tem em todo o
mundo. Porém, é inegável o movimento que surge na “segunda tela” que têm invertido e
complexificado as preferências de consumo. Mas qual será o segredo dessa interação? Enquanto
o mercado ainda busca respostas, os usuários, fãs, espectadores, roubam a cena e mostram seu
poder frente às dinâmicas comunicacionais.
Referências
CÁDIMA, Francisco Rui. A televisão 'light' rumo ao digital. Lisboa: Media XXI, 2006. pp. 9-129.
DI FELICE, Massimo. Net-Ativismo: da ação social para o ato conectivo. São Paulo: Paulus Editora,
2017.
HILL. Shawndra. Social TV: Linking Content, Buzz and Sales. Think with Google, 2012. Disponível
em: <http://www.thinkwithgoogle.com/columns/social-tv.html>. Acesso em: 25 jul. 2016.
299
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
JENKINS, Henry; GREEN, Joshua; FORD, Sam. Cultura da Conexão - Criando Valor e Significado
por Meio da Mídia Propagável. São Paulo: Aleph, 2014.
PROULX, Mike; SHEPATIN, Stacey. Social TV – How marketers can reach and engage audiences
by connecting television to the web, social media, and mobile. New Jersey: John Wiley& Sons Inc,
2012.
RECUERO, Raquel. Redes sociais na Internet. Porto Alegre: Sulina, 2009. (Coleção Cibercultura)
_______________. Novas formas do audiovisual. São Paulo: Estação das letras e Cores, 2016.
SANTAELLA, Lucia; LEMOS, Renata. Redes sociais digitais a cognição conectiva do Twitter. 4
ed. São Paulo: Paulus, 2014.
SIGILIANO, Daiana. SOCIAL TV: o laço social no backchannel de The X-Files. Dissertação de
Mestrado. Juiz de Fora: UFJF, 2017.
VAN DIJCK, José. La cultura de la conectividade: uma historia crítica de las redes sociales. 1 ed.
Buenos Aires: Siglo Veintiuno Editores, 2016.
WILLIAMS, Raymond. Televisão: tecnologia e forma cultural. Tradução: Marcio Serelle; Mário F. I.
Viggiano. 1 ed. São Paulo: Boitempo; Belo Horizonte, MG: PUCMinas, 2016.
300
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Resumo
Abstract
The article analyzes the position of the Brazilian press and the images constructed by former
President Dilma Rousseff and his government, on the day Eduardo Cunha accepted the request
to open Impeachment. The analysis includes 25 news items published in the newspaper Folha
de S. Paulo between December 2 and 3, 2015. Through a content analysis, it will be verified
the position of the newspaper in relation to the event that had as a consequence the cassation of
the post of the former president. To that end, it will be discussed how the media organizes
events and builds political narratives, through the discussion of the media framework and the
interface between media and politics.
1
Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho 4 - Jornalismo, do XI Encontro dos Programas de Pós-Graduação
em Comunicação Social de Minas Gerais, 18 e 19 de outubro de 2018.
2
Mestre em Comunicação Social pelo PPGCOM/UFJF e Graduada em Comunicação Social pela Universidade
Federal de São João del-Rei (UFSJ). E-mail: mayracoimbra@gmail.com.
3
Luiz Ademir de Oliveira - Mestre em Comunicação Social pela UFMG, Mestre e Doutor em Ciência Política pelo
IUPERJ, docente do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Universidade Federal de Juiz de
Fora (UFJF) e do Curso de Comunicação Social - Jornalismo da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ).
E-mail: luizoli@ufsj.edu.br.
301
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Introdução
A comunicação atingiu atualmente um espaço de centralidade na vida das pessoas. O
jornalismo através de sua produção constante de notícias sobre o que acontece aqui ou do outro
lado do mundo exerce o papel de construtor da realidade. Ou seja, ele organiza o caos em que
vivemos, reúne os acontecimentos principais, pauta nossas conversas e dá sentido ao mundo. A
produção e consumo de notícias orienta os indivíduos em suas ações e em suas concepções
sociais, econômicas e políticas.
Diante da força crescente dos instrumentos midiáticos na vida em sociedade, nota-se
como os campos sociais e os indivíduos estão em constante luta pela disputa de espaço e
visibilidade. O campo político é um desses exemplos claros, no qual seus personagens
necessitam se fazer ser vistos e serem reconhecidos, a fim de que tenham legitimidade diante
de seus públicos. Nota-se portanto, que o campo midiático se transformou em uma instituição
que abriga todos os outros campos sociais, sendo função do primeiro mediar os outros campos
que recorrem a ele. Por exemplo, a política não se faz ser entendida por todos se estiver no seu
espaço. A partir do momento que ela recorre-se a mídia ela passa a fazer sentido e existe para
as outras pessoas que não tem total domínio sobre o assunto (RODRIGUES, 1990).
Uma vez dito isto, é importante compreender como os jornais, a televisão, os rádios e
qualquer outro instrumento midiático desempenham importante papel na orientação dos
assuntos públicos, que não temos condições de ter conhecimento se não fosse nesses espaços.
É eles quem pautam, enquadram, recortam, selecionam e organizam a realidade, conforme seus
valores, princípios ideológicos e normas jornalísticas. Diferentemente do que se afirmava no
passado, o jornalismo não pode ser compreendido como uma atividade objetiva, reflexo da
realidade (TRAQUINA, 2004).
Atualmente, os pesquisadores defendem a teoria do framing, ou teoria do
enquadramento. Acredita-se que a realidade é um território demasiadamente extenso e
complexo, que nem mesmo se os jornalistas quisessem conseguiriam relatar um fato em toda
sua extensão. Ele precisa fazer recortes, selecionar alguns aspectos em detrimento de outros.
Ao realizar essa tarefa, ele deixa de lado outras tantas versões e possibilidades de
enquadramento de um fato. É uma tarefa arbitrária. Através dessa prática eles acabam por
orientar a percepção pública acerca dos acontecimentos da vida social, lançando sobre elas
avaliações pessoais, ao mesmo tempo que recomenda determinadas formas de ação e
sentimento em relação ao evento enquadrado (ENTMAN,1993).
Ao tratarmos do processo da mídia como construtora da realidade e do enquadramento
midiático durante eventos sociais, o presente artigo busca compreender como o Jornal Folha de
302
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
São Paulo se posicionou durante a decisão de Eduardo Cunha, que consistia na abertura do
processo de Impeachment da ex-presidente Dilma. Compreender quais os recortes foram
utilizados, quais fatos foram selecionados e quais foram deixados de lado são os objetivos
principais deste trabalho. Para tanto, será adotada como metodologia a Análise de Conteúdo
(BARDIN, 1977).
REFERENCIAL TEÓRICO
303
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
304
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Segundo Porto (2002), outro autor que também faz uma revisão sobre os estudos de
enquadramento de mídia é Entman (1993). Ele apresenta uma definição do conceito que resume
de forma sistemática os principais aspectos desta teoria.
O enquadramento envolve essencialmente seleção e saliência. Enquadrar significa
selecionar alguns aspectos de uma realidade percebida e fazê-las mais salientes em
um texto comunicativo, de forma a promover uma definição particular do problema.
uma interpretação causal, uma avaliação moral e/ou uma recomendação de tratamento
para o item descrito. (ENTMAN, 1993, p. 294, apud, PORTO, 2002, p.7)
305
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
válidos, em uma disputa acirrada com Aécio Neves, candidato do Partido da Social Democracia
Brasileira (PSDB).
A reeleição apertada deixou o país dividido. De acordo com os Institutos de Pesquisa
Ibope e Datafolha, a popularidade da presidente só foi caindo com o andamento de seu governo
e os desdobramentos da Operação Lava Jato que investigou políticos suspeitos de corrupção, a
maioria pertencente a partidos aliados do governo. A situação agravou-se ainda mais com a
eleição em primeiro turno do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), em fevereiro de 2015, com
267 votos - mais da metade dos deputados - e o apoio de 14 partidos políticos, apesar da intensa
mobilização do Palácio do Planalto, que era contrário à eleição do peemedebista. O deputado
era considerado inimigo da presidente Dilma Rousseff, com quem sempre teve uma relação
conflituosa. A eleição de Eduardo Cunha pôs fim a um acordo de revezamento no comando da
Casa entre PMDB - PT. Conhecido por ser um ferrenho crítico da então presidente da
República, Dilma Rousseff, Cunha deu o tom de como seria a relação com o Palácio do Planalto
já no primeiro dia em que foi eleito. Durante o seu discurso afirmou que esta não seria uma
Câmara de oposição, nem mesmo uma Câmara submissa ao governo.
O bom relacionamento entre Cunha e o Planalto não durou nada, pois a medida que se
avançava a operação Lava Jato, que investiga o esquema de corrupção na Petrobrás, o nome de
Cunha apareceu como suspeito de ser beneficiado de desvio de dinheiro público. E como
resposta, ele defendia que havia uma orquestração do Ministério Público em consonância com
o governo a fim de incriminá-lo. Em um discurso oficial, Eduardo Cunha declarou o
rompimento com o governo.
O ponto alto do embate envolvendo Cunha e o governo se deu em dezembro de 2015,
quando ele aceitou o pedido de impeachment da ex-presidente Dilma. Segundo o noticiário
político, anterior a aceitação do processo, Eduardo Cunha negociava com o governo e com a
oposição na tentativa de preservar seu mandato. Como moeda de troca, no caso de ser absolvido
do processo de cassação, poderia usar seu poder para abrir ou não o processo de impeachment
contra Dilma. No entanto, o Partido dos Trabalhadores preferiu não assumir o desgaste público
e anunciou que votaria para a instauração do processo. No mesmo dia, o peemedebista
convocou a imprensa para anunciar a abertura do processo contra a presidente, apesar de negar
que este fato não tivesse relação com seu caso no Conselho de Ética.
306
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
307
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
o país se encontra. Outro dado relevante, é que ainda que o jornal tenha utilizado um
posicionamento favorável ao processo de impeachment ele deu espaço para um posicionamento
contrário4. Do total de 25 matérias, seis se enquadraram favoráveis ao discurso de que o
processo era um golpe. Possivelmente porque o processo ainda estivesse no início. Conforme
se observa abaixo, na figura 1.
Impeachment crucial
Impeachment é golpe
Estratégias para a realização do impeachment
Estratégias para a não realização do impeachment
16%
4%
24% 56%
Impeachment é crucial
O enquadramento "Impeachment é crucial" apareceu em 14 matérias e foi a narrativa
mais evidente contada pelo jornal. As matérias que sustentaram o impeachment como um
fenômeno fundamental e crucial para a retomada do país foi na maioria de cunho econômico.
Somando um total de nove matérias, equivalente a aproximadamente 64%. Do total de matérias
publicadas, três eram da sessão poder (21%) e apenas duas estavam na sessão Opinião do jornal,
referente a 14%. No entanto, é possível destacar que apesar de estarem ou não enquadradas pelo
jornal na sessão Mercado, todas as matérias atrelaram, de uma forma ou de outra, a situação
econômica do país. O quadro 2 mostra as matérias presentes nesse enquadramento.
4
Em pesquisas com corpus de análise mais extenso sobre o enquadramento noticioso do jornal Folha de S. Paulo
durante o processo de impeachment, identificou-se que nos momentos seguintes o jornal limitou a presença de
discursos contrários ao seus. Pouco espaço se deu para a ex-presidente Dilma Rousseff e o jornal tentou
desmistificar e contradizer o discurso de que o impeachment era um golpe.
308
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
02/12/2015 Mercado Queda do Brasil é a mais forte e mais longa entre economias globais
02/12/2015 Mercado Consumo das famílias cai 1,5% com piora de emprego e renda
02/12/2015 Mercado Para governo federal, recessão traz risco de 'ruptura' no próximo ano
02/12/2015 Mercado Economia brasileira deve andar para trás até 2018, diz ex-presidente
do BC
03/12/2015 Poder Eduardo Cunha acata pedido de impeachment contra Dilma Rousseff
309
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
No trecho da matéria "Queda no Brasil é a mais forte e mais longa entre economistas
globais", o jornal acrescenta "O resultado chama atenção porque aconteceu em um período em
que boa parte da economia mundial teve crescimento: dos 41 países analisados, 35 obtiveram
resultado positivo ou ficaram estagnados". Ou seja, nota-se um tom dramático do jornal de
apontar que a situação estava complicada especialmente para o Brasil, comparado aos outros
países. Na coluna "O Brasil em estado de choque", o jornalista Vinicius Torres Freire, torna a
dizer que esta é uma "desgraça inédita".
Para que o leitor consiga compreender o tamanho da crise e seu poder de impacto na sua
experiência de vida, nota-se uma tentativa do jornal evidenciar as situações palpáveis do
cotidiano que foram afetadas com o momento econômico do país. A matéria "Consumo das
família cai 1,5% com piora de emprego e renda" é um exemplo claro. O jornal destaca "(...) o
consumo das famílias caiu pelo terceiro trimestre seguido neste ano (...). Com dívidas e o bolso
afetado, porém, os brasileiros estão agora cortando supérfluos e gastando menos em bens e
serviços".
As matérias de cunho econômico além de ressaltar os problemas vividos pelo país
atualmente, ainda cria o discurso de medo, ao projetar situações ainda piores, caso Dilma
Rouseeff permaneça no poder. Para completar o quadro de "desgraça" ocasionado pela
administração da petista, o jornal faz questão de trazer falas de economistas que reforçam as
afirmações de que as projeções futuras não prevê melhoras, pelo contrário, os problemas serão
ainda maiores. "(...) analistas afirmam, ainda, que o cenário de deterioração deve se prolongar
em 2016". E acrescenta "Dez economistas, pesquisadores e analistas de bancos consultados pela
Folha estimam queda do PIB de até 3,8% neste ano e de 3,5% no próximo. Alguns já falam até
em 'depressão econômica'".
O próprio título de algumas matérias endossam essas perspectivas: "Para governo
federal, recessão traz risco de 'ruptura' no próximo ano, "Economia brasileira deve andar para
trás até 2018, diz ex-presidente do BC". Vale ressaltar que essas afirmações estão sempre
articuladas com a fala de alguma pessoa renomada na área, o que confere legitimidade às
informações. Não aparece nenhuma fonte governista para apontar prognóstico contrário.
Impeachment é golpe
O enquadramento "Impeachment é golpe" apareceu em seis matérias. É importante
destacar que destas seis, três foram escritas por colunistas do jornal e se enquadram na sessão
310
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Opinião. Do total, cinco matérias trataram do impeachment como uma ação inconstitucional
por considerar o processo resultado de uma chantagem feita pelo até então presidente da
Câmara, Eduardo Cunha, em uma possível troca de favores de membros do governo, que não
se concretizou. Uma única matéria traz o posicionamento de Dilma Rousseff através de trechos
do seu pronunciamento. O quadro 3 mostra as matérias desse enquadramento.
311
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
a abertura do processo tratava-se de uma vingança pessoal de Cunha. No entanto, nesta matéria
há uma relativização e o governo de Dilma é tratado como vítima desse processo. "O
peemedebista e sua tropa sequestraram o Congresso e aumentaram o preço do resgate a cada
votação. A oposição rasgou a bandeira da responsabilidade e sabotou o ajuste fiscal para
enfraquecer o governo".
As matérias "Na encruzilhada escura" e "O empurrão para o abismo" reafirmam a ação
chantagista de Cunha. A última matéria é mais dura e afirma que "o presidente da Câmara deu
o empurrão final, em um gesto covarde e canalha". A única matéria em que Dilma Rousseff
aparece como figura principal e tem espaço de defesa é intitulada "Dilma Rousseff se diz
'indignada' e ataca Cunha, leia pronunciamento". Ela aproveita para se defender, destaca que
está tranquila quando à improcedência desse pedido e que o povo não deve deixar que interesses
alheios possam abalar a democracia de um país. "Tenho convicção e absoluta tranquilidade
quanto à improcedência desse pedido, bem como quanto ao seu justo arquivamento. Não
podemos deixar as conveniências e os interesses indefensáveis abalaram a democracia e a
estabilidade de nosso País".
312
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
03/12/2015 Poder Dilma terá de reagrupar suas tropas para barrar impeachment
A matéria intitulada "Pressão do Planalto para salvar Cunha de cassação divide o PT" é
anterior a decisão de Eduardo Cunha de abrir o processo de impeachment. O jornal apresenta
uma desorientação do Partido dos Trabalhadores (PT) em relação a "chantagem" do presidente
da Câmara em troca do fim da discussão sobre a cassação de seu mandato por suposto
envolvimento nas investigações de corrupção da Petrobrás. Como pode se observar no trecho
que se segue:
O choque ficou evidente durante o dia. Enquanto no Planalto o ministro Jacques
Wagner (Casa Civil) trabalhava para convencer os petistas votarem a favor de Cunha,
na Câmara a manobra era descrita por parlamentares de seu partido ao peemedebista.
(FOLHA DE S. PAULO, 02 de dezembro de 2015)
A matéria "Dilma terá de reagrupar suas tropas para barrar impeachment" também segue
o mesmo discurso de que a crise enfrentada pela petista também se reflete dentro de seu partido.
Trata-se de um artigo de opinião, assinado pelo jornalista diretor da sucursal de Brasília, Igor
Gielow. Já no início do artigo ele ressalta que a ex-presidente Dilma Rousseff foi abandonada
pelo cálculo de sobrevivência política de seu criador, Luiz Inácio Lula da Silva. E que ela deve
ter um trabalho imenso para "reagrupar e coordenar suas tropas". Para o jornalista, apesar de
não ser impossível barrar o processo, trata-se de um quadro demasiadamente difícil e que pelo
caminho lógico o impeachment é uma saída.
O clima é francamente desfavorável a Dilma. Sua baixíssima popularidade, a
paralisante crise econômica, a sombra da Lava Jato e a aproximação entre a oposição
e o PMDB do vice Michel Temer pintam um quadro difícil, ainda que não irreversível.
(FOLHA DE S.PAULO, 03 de dezembro de 2015)
313
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
ameaça à figura de Eduardo Cunha. "A cassação do mandato de Eduardo Cunha é uma questão
de honra".
A matéria "Com importação em queda, Brasil tem superávit de US$ 1,2 bi em
novembro" foi a única matéria que não relatou a orquestração do partido e aliados para barrar
o processo. Esta matéria apontava um ponto positivo do governo da ex-petista, no entanto
apresentava também os prognósticos negativos da economia e os problemas enfrentados pelo
país em meses anteriores.
03/12/2015 Poder Antes de ação de Cunha, Temer tratou da saída de Dilma com a
oposição
A única matéria enquadrada nessa categoria intitulada "Antes da ação de Cunha, Temer
tratou da saída de Dilma com a oposição" relata a movimentação de sete senadores da oposição
em encontro pessoal na residência de Michel Temer, para discutir o afastamento da petista.
Ainda que a matéria tenha sido enquadrada como uma orquestração da oposição para o
andamento do impeachment, o jornal ressalta através das falas desses personagens a
importância da realização desse fato. A justificativa encontrada afirma que a crise política
paralisou o país e precisava de um desfecho rápido, para que fosse possível retomar e encontrar
um rumo para o Brasil.
A única fonte presente na matéria é a do ex-ministro, Moreira Franco (PMDB-RJ), um
dos homens mais alinhados a Temer dentro do partido. Sua fala reforça a importância do
impeachment para o Brasil.
Temos que ter senso de responsabilidade e espírito público. As nossas instituições
estão se liquefazendo. Isso tem um efeito catastrófico na economia e, na sociedade,
314
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
absolutamente destrutivo. Não dá mais. Temos que ter uma solução. (FOLHA DE S.
PAULO, 03 de dezembro de 2016)
Nesse momento, portanto, o jornal não esconde o fato de que o início do debate sobre o
afastamento da petista tenha se dado pela não aceitação do acordo oferecido por Eduardo Cunha
à Dilma, para tentar salvar o próprio mandato. E que o fim de Cunha será o mesmo da petista.
"Nas palavras de um cacique do PSDB, Dilma e o presidente da Câmara, que chegaram a trocar
rusgas publicamente, agora vão 'morrer abraçados'".
Conclusão
A partir do levantamento e análises feitas nota-se que o principal meio que utilizamos
para compreender a realidade a nossa volta - a mídia, ao utilizar-se do processo de seleção e
enquadramento dos fatos, recorta os acontecimentos e os apresenta a partir de um determinado
ângulo. Se pensarmos que atualmente as pessoas vivem submersos as suas realidades e rotinas
estressantes e intensas, não tendo controle sobre o que de fato está acontecendo a nossa volta,
essa participação midiática é ainda mais decisiva.
Acrescido a este fato, nota-se um desinteresse cada vez maior para assuntos políticos
em decorrência de um descrédito à figura dos políticos e seu poder de representação. As notícias
constantes de casos de corrupção, prisões e problemas envolvendo figuras e partidos políticos
também são cruciais para aumentar essa repulsa à temas políticos. Portanto, esses fatores
acabam por diminuir a disposição das pessoas para questões públicas. Não existe uma
participação de fato, nem mesmo um interesse em se envolver com esses assuntos. Sendo
portanto, através da mídia que se constrói o imaginário de realidade, de verdade e de
acontecimento.
Desta forma, quando o jornal Folha de São Paulo adota um posicionamento arbitrário
de enquadrar negativamente as ações do governo e da ex-presidente, e assume com a produção
de 14 notícias de um total de 25 um pacote interpretativo que reafirma a posição fundamental
da realização do impeachment para recuperar fundamentalmente a economia, que está afundada
em uma crise sem precedentes, ele exclui todas as outras possibilidades de interpretações
diferentes.
A única certeza que se tem é aquela apresentada pelo jornal. O indivíduo social
consume e alimenta a ideia de que o governo está em total descontrole, é uma crise jamais vista,
a presidente não exerce mais nenhum protagonismo, está incapacitada de continuar governando.
O governo por sua vez não tem feito nada de positivo, não tem nenhuma ação com que se
315
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
orgulhar. Logo, a saída para os problemas do País, seja ele coerente ou não, deva ser a saída da
presidente do poder.
Quando o jornal não apresenta os fatos em sua totalidade ele não está conseguindo
exercer com exatidão o papel de informar a sociedade o que acontece a sua volta. Ele está
executando uma ação arbitrária, silenciando aspectos determinantes para a formação de outras
concepções possíveis. Ao trazer a narrativa do impeachment como um golpe, ele o faz apenas
com artigos de opinião. Não existe uma matéria do jornal para explicar a crise existente
envolvendo os dois personagens principais do confronto: Eduardo Cunha e Dilma Rousseff.
Como a noção do público em relação ao que é ou não verdade, está intimamente relacionada
com aquilo que a mídia noticia ou não, o jornal acaba reforçando a ideia de que esta é a única
verdade existente.
Quando ele apresenta vozes de economistas e analistas para reafirmar os argumentos
econômicos de que a crise é insustentável e que é preciso tomar medidas para recuperação da
economia e não apresenta as vozes do governo ou da ex-presidente nas reportagens ele está
omitindo, deixando de lado uma parte da verdade e dando força a um único quadro possível: o
de que o impeachment é a saída para os problemas enfrentados.
Diante desses recortes nota-se como o jornal contribuiu na forma como o público
interpreta a realidade selecionada. É uma ação comunicativa dotada de poder, uma vez que os
enquadramentos possuem papel proeminente nos processos democráticos ao controlar a
percepção deste assunto político em questão. E auxilia na formação de compreensão de
realidade não só política, mas também social. Fundamental para a tomada de ação e a criação
de um discurso.
Referências
CASTELLS, Manuel. O poder da Identidade. Volume 2, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2001.
ENTMAN, Robert. "Framing U.S. coverage of international news: contrasts in narratives of the
KAL and Iran Air incidents" Journal of Communication, Vol.41, 1993.
GITLIN, Todd. The Whole World is Watching. Berkeley: University of California Press, 1980.
316
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
PELLENZ, Mayara; BASTIANI, Ana Cristina Bacega de. Pós Constituição Federal de 1988: a
democracia representativa está em crise? Revista Videre – Dourados, v. 07, n. 13, p. 92-108, jan./jun.
2015.
TRAQUINA, Nelson. Teorias do Jornalismo. Volume I -Porque as notícias são como são.
Florianópolis: Insular, 2004.
317
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas
GeraisFaculdade de Comunicação -Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Resumo
Pretende-se avaliar como o conceito de literacia da informação vem sendo utilizado pela
Polícia Civil de Minas Gerais para formação de seu público interno e para informar a
população sobre os serviços prestados pela instituição, através de veículos como a intranet, os
diversos sistemas de uso diário dos servidores, o site da PCMG e os perfis oficiais nas mídias
sociais. É com foco no conceito de comunicação pública proposto por Mariângela Haswani
que pretende-se analisar se esses preceitos vem sendo empregados fornecendo competências
para fomentar o acesso à informação de interesse público e o entendimento de questões
relativas à corporação.
Abstract
The intention is to evaluate how the concept of information literacy has been used by the Civil
Police of Minas Gerais to train its internal public and to inform the population about the
services provided by the institution, through vehicles such as the intranet, various systems of
use server logs, the PCMG website, and the official social media profiles. It is focused on the
concept of public communication proposed by Mariângela Haswani that intends to analyze if
these precepts have been employed providing skills to foster access to information of public
interest and the understanding of issues related to the corporation.
Introdução
Tradicionalmente, a expressão literacia designa conhecimento profundo, destreza da
língua, sobretudo no que diz respeito à leitura, escrita e oralidade, desempenhando papel
1
Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho Estudos Interdisciplinares, do XI Encontro dos Programas de Pós-
Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais, 18 e 19 de outubro de 2018.
2
Jornalista, pós-graduada em Comunicação Empresarial. Mestranda do curso de Comunicação e Sociedade da
Universidade Federal de Juiz de Fora. Atuou durante quatro anos, na assessoria de comunicação da 4ª Delegacia
Regional de Polícia Civil de Muriaé. E-mail: danitristao@ig.com.br.
3
Doutora em Comunicação e Semiótica (2004) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
319
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas
GeraisFaculdade de Comunicação -Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
4
Alfabetização Midiática e Informacional.
320
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas
GeraisFaculdade de Comunicação -Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Maria de Jesus conclui que as ações diárias são o caminho que leva a capacidades,
avaliando e usando a informação adequada na resolução de problemas. É ainda mais
significativa, na medida em que provoca um desejo de compreensão das mais complexas
matérias. Ela diz que a vontade de melhorar e a curiosidade levam à satisfação e são pré-
condições para o processo de aprendizado.
Passaremos agora a uma análise da literacia da informação no contexto da Polícia Civil
de Minas Gerais, a qual pretende dotar as pessoas para o acesso, produção e uso crítico da
informação, enquadrando-a no princípio de aprendizagem ao longo da vida. Para começar,
pretendemos uma explanação de como o conceito vem sendo empregado na instituição, onde
é possível identifica-lo e em que pontos podemos avançar.
321
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas
GeraisFaculdade de Comunicação -Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
5
A “Polícia” não tinha suas funções bem definidas. Não havia uma delimitação entre as atividades executivas e
judiciárias. O intendente-geral era um juiz com funções de polícia. Os serviços se confundiam, herança do
modelo colonial português. As organizações policiais eram regidas pelas Ordenações Manuelinas, as quais eram
consideradas o primeiro corpo legislativo impresso e representam um marco na evolução do direito português,
consolidando o papel do rei na administração da Justiça.
322
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas
GeraisFaculdade de Comunicação -Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
323
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas
GeraisFaculdade de Comunicação -Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
6
www.policiacivil.mg.gov.br.
324
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas
GeraisFaculdade de Comunicação -Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
próprios cidadãos, não há, na página inicial, informação sobre quais tipos de eventos podem
ser registrados. Como não houve uma divulgação mais ampla, as pessoas tomam
conhecimento dessa possibilidade quando já se encontram nas delegacias, causando
transtornos e aborrecimentos por conta de deslocamento.
O site do Detran7, por sua vez, abarca enorme quantidade de informações, que são
atualizadas, quase que diariamente pela assessoria de comunicação da Polícia Civil. É possível
uma busca sobre os mais diversos assuntos, relacionados a veículos, habilitação, infrações,
parceiros.
O site da Academia de Polícia Civil de Minas Gerais tem sido movimentado pelas
recentes divulgações de ciclos de debates e cursos à distância, demonstrando a preocupação
da instituição com o aprimoramento constante dos servidores. Trata-se de uma nova postura,
que vem ganhando cada vez mais crédito juntos aos diversos públicos. Porém, a instituição
falhou ao apresentar essas ações de grande valia para os cidadãos. As matérias constam de
textos com quase nenhuma informação, títulos que não explicam o que vem logo em seguida.
Quando muito, apresentam uma imagem. Nesse caso, percebe-se nitidamente um amadorismo
na forma e conteúdo apresentados. Tem-se potenciais de desenvolvimento, deixando-se passar
oportunidades de mídia espontânea.
Em tempos de velocidade dos dados é até a esses canais que os jornalistas vão para
buscar mais detalhes. No que tange a essa questão, uma grande iniciativa foi lançada no mês
de junho: a sala virtual de imprensa, sendo este mais um serviço oferecido pelo site. A mesma
trará maior oficialidade e agilidade às publicações, facilitando a comunicação com este outro
importante público.
O site apresenta descrições copiadas de documentos antigos, sem as devidas
adaptações para uma linguagem digital. Tendo em vista que seu público envolve a sociedade
como um todo, principalmente pessoas que estão procurando respostas para suas dúvidas, ou
seja, problemas que envolvem o funcionamento da instituição, esta deveria ser uma
preocupação. Como se pode notar, não são somente as operações, produtos da atividade
policial. Analisando o site de uma forma geral, não encontramos no mesmo, qualquer link ou
aba para exploração do tema investigação criminal, principal serviço da PCMG, o que poderia
ser feito de forma bastante ilustrativa, com fluxogramas, imagens, gerando grandes matérias,
aguçando o interesse de veículos de comunicação por reportagens, entrevistas.
7
www.detran.mg.gov.br
325
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas
GeraisFaculdade de Comunicação -Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
8
https://www.facebook.com/policiacivilminasgerais/
326
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas
GeraisFaculdade de Comunicação -Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
9
https://www.instagram.com/pcmg.oficial/
10
extranet.pc.mg.gov.br
11
www.portaldoservidor.mg.gov.br
12
http://www.transparencia.mg.gov.br
13
http://mg.gov.br/
14
Aplicativo para dispositivos móveis. Foi construído com base em três pilares: serviços, informação e
engajamento. Pretende um aumento da participação popular nas decisões e nos projetos da administração pública
e também maior agilidade no acesso a vários serviços públicos. Fruto de uma parceria entre a Secretaria
de Estado de Planejamento e Gestão (Seplag) e a Prodemge.
327
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas
GeraisFaculdade de Comunicação -Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
discurso. Muitas instituições, assim como a PCMG, mesmo que não oficialmente, se
apropriaram desse recurso como ferramenta de diálogo e até mesmo de trabalho. No
entendimento de Jenkins (2009), no momento, estamos utilizando esse poder coletivo para fins
recreativos, mas o modo como essas diversas transições evoluem irá determinar o equilíbrio
de poder na próxima era.
O aplicativo tem demonstrado ser uma importante ferramenta para discussão de casos,
trocas de informações sobre envolvidos, fomentando a participação de todos. Tem em vista
ainda a discussão sobre assuntos relacionados à segurança pública, ou mesmo de cunho
administrativo. Além é claro, da mobilização para ações sociais e divulgação dos trabalhos
realizados, como é o caso do grupo criado para manter contato direto com a imprensa de
Muriaé e região.
15
Foi implantado nas Polícias Civil e Militar em 2005, no município de Belo Horizonte e no decorrer de 2007 na
RMBH. Trata-se de uma versão informatizada do antigo Boletim de Ocorrência.
328
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas
GeraisFaculdade de Comunicação -Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
materialidade seja mais transitória, o acompanhamento das etapas, padronização dos laudos,
disponibilização imediata deste após ser concluído e a possibilidade de inserção ilimitada de
imagens.
A rede INFOSEG reúne informações de segurança pública dos órgãos de fiscalização
do Brasil, através do emprego da tecnologia da informação e comunicação. Lançada em
16/12/2004, tem por objetivo a integração das informações de Segurança Pública, Justiça e
Fiscalização, como dados de inquéritos, processos, de armas de fogo, de veículos, de
condutores e de mandados de prisão. Integra um conjunto de bases de dados, sendo sua
finalidade disponibilizar as informações contidas nestas aos cerca de 120 mil usuários que
delas necessitem. Ocorre que o acesso a esse sistema é um pouco mais demorado e burocrático,
dependendo do cadastro de um computador de acesso. Diante dessas dificuldades, muitos
servidores optam por não tê-lo.
Em constante remodelação, destaca-se aqui, a criação de um grupo no Facebook, de
suporte nessa área. Os usuários trocam informações, principalmente em relação ao que há de
novo. Também é possível a sugestão de melhorias, que são encaminhadas via e-mail à
Superintendência de Informações e Inteligência Policial - SIIP. Todas essas propostas passam
por uma avaliação e se aprovadas, são implementadas.
A gestão do conhecimento tem em sua essência aproveitar os recursos existentes na
empresa/instituição. Mas em algumas situações, não se percebe ainda um uso eficaz dessa
ferramenta, com aproveitamento de todas as suas possibilidades, de forma a tratar o fenômeno
criminal geograficamente, vertente essa utilizada atualmente para o enfrentamento da
violência.
Conforme se percebe, em seu dia a dia de trabalho, o policial civil precisa aprender a
lidar com uma série de ferramentas, sendo elas os sistemas utilizados para os mais variados
tipos de consultas, até mesmo de outras instituições. Como não há ainda uma rede que conecte
os já citados, integrando os dados, o servidor precisará navegar por uma diversidade deles para
encontrar as informações de que necessita. As mesmas ainda podem estar desencontradas,
desatualizadas. Esse emaranhado de procedimentos acaba por dificultar o trabalho policial,
causando, muitas vezes, demora no atendimento.
Há ainda uma dificuldade em relação aos servidores mais antigos, que não se
atualizaram ou optaram por não se adequar às novas tecnologias, se recusando ao uso de
computadores.
329
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas
GeraisFaculdade de Comunicação -Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Conclusão
De acordo com Haswani (2010), a informação e a comunicação são instrumentos de
garantia de direitos fundamentais nos Estados democráticos. Eles são captadores e detentores
330
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas
GeraisFaculdade de Comunicação -Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
de uma fabulosa quantidade de informação, que deve estar à disposição dos cidadãos. Órgãos
estatais deveriam ter obrigação de informar aos cidadãos sobre temas que garantem seus
direitos. Conhecendo os mesmos, poderão realizá-los, cobrar resultados.
Segundo Haswani (2010), as constituições explicitam o direito à informação, mas
ainda não há dispositivo legal que estabeleça a obrigatoriedade de levar a publicidade de
utilidade pública à população, devendo esta dispor de mecanismos para ser cobrada, quando
sua ausência significar ameaça ou desrespeito àqueles direitos, responsabilizando o Estado
pela falta deles. A qualquer momento elas podem também não ser mais divulgadas, se um
governo assim o decidir.
Para Haswani (2010), a informação que garante direitos, na maioria das vezes, não é
disseminada para toda a sociedade, permanecendo em segredo, pois uma parte dela tem como
alvo somente instituições e pessoas envolvidas profissionalmente e a outra parte compõe, as
mensagens que o Estado não faz chegar à sociedade. A aristocracia não teve a preocupação de
criar e manter canais de informação porque não necessitou da massa para conquistar e manter
seus postos. Foi cooptada pela produção de benesses governamentais desde os primórdios da
colonização.
Esses ambientes virtuais, mesmo que prometam total democratização das informações,
ainda não são acessíveis a todos. Não há diversidade de canais ou a linguagem ainda não é
apresentada de forma apropriada. As instituições de segurança pública deveriam proporcionar
mais e melhores meios de acesso à literacia da informação, como a instalação de bibliotecas,
incentivo aos policiais que aumentarem seus anos de estudos, entre outros.
Como no que defende Habermas (2003), a esfera pública deveria ser um local de
debates, mas há ainda um longo caminho a se percorrer. Howard Rheingold (2012) nos leva
a crer que os cidadãos comuns são, na maioria das vezes, travados, quando desejam participar
dos processos de produção. E se o público não tiver ideia das discussões, terá pouco ou nada
a dizer a respeito das decisões tomadas.
Oportunidades igualitárias só serão possíveis, através do desenvolvimento de
competências, tratando-se portanto, de alfabetização dos policiais e gestores no acesso e uso
dos meios, em seus locais de trabalho, para maior eficácia dos serviços prestados. Uma
dificuldade que a instituição ainda encontra é a de convencer seus servidores mais antigos a
enveredarem pelo caminho das novas tecnologias. A resistência esbarra, muitas vezes no
manuseio de ferramentas, principalmente o computador.
As instituições de segurança pública deveriam se aproveitar do fato de que os
noticiários vivem cada vez mais graças à prática desses órgãos em disseminar informações,
331
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas
GeraisFaculdade de Comunicação -Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
tendo nos meios de comunicação excelentes veículo de exposição de suas ações, para
divulgarem matérias de qualidade, democratizando ainda mais o acesso. Dificilmente outras
instituições encontram tanto espaço para divulgar seu trabalho. De acordo com Veiga (2009),
os jornais funcionam como mediadores sociais e prática discursiva. Sistemas de representação
por excelência, são capazes não somente de relatar os fatos, mas também de demarcar papeis
sociais.
A autorregulação das mídias pretende maior independência e diversidade na difusão
de conhecimento. Questões como essa nos levam a refletir sobre o enquadramento dado às
notícias veiculadas e a função do agente de segurança pública como formador de opinião,
questionando, por exemplo, soluções policialescas para o problema da criminalidade, as quais
não consideram modificações de oportunidades no entorno.
A apropriação de temas propõe uma maior variedade de assuntos, podendo ser
explorados o desenrolar de casos de grande repercussão ou mesmo assuntos relativos à
segurança pública, sem constar de um posicionamento político, mas que esclareçam sobre os
prós e contras de determinadas questões. Demonstrará assim que a instituição não está
completamente alheia às mudanças que estão por vir.
A perícia, por exemplo, é um setor de grande valia para a instituição, visto que confere
o status de polícia técnico científica, dando aspecto de inovação, modernidade. Seus feitos e
processos deveriam ser de grande orgulho e por isso mesmo, constantemente divulgados.
Reconstituição de crimes, perícias em locais de crimes poderiam ser temas abordados em
matérias nos mais diversos meios, mesmo que de forma geral.
Percebe-se atualmente o desenvolvimento de um novo perfil de leitor/internauta. Ele
não se contenta mais com a simples divulgação de informação, a imposição de dados sem
contestação. Através da internet, o cidadão possui cada vez mais meios de debatê-la, de ir atrás
de novas fontes, versões e de chegar cada vez mais próximo da verdade dos fatos. Jenkins
(2009) conceitua cultura da convergência, dizendo que representa uma transformação cultural
à medida que consumidores são incentivados a procurar novas informações e fazer conexões
em meio a conteúdos de mídias dispersos. Despertar o interesse pela comunicação estatal pró-
ativa, através da abertura de canais para que a sociedade civil ocupe seu espaço como ator
social, é requisito para o exercício pleno da cidadania.
Conforme se vê, as matérias publicadas no site da instituição são, muitas vezes,
replicadas na mídia social, tornando este meio bem mais completo que o anterior. Há sempre
links direcionando para o site, assim como neste há direcionamento para o Facebook,
demonstrando interligação entre os canais de comunicação. Com a diferença de que neste
332
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas
GeraisFaculdade de Comunicação -Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Referências
333
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas
GeraisFaculdade de Comunicação -Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. Tradução Suzana Alexandria.2ª ed. São Paulo:
Aleph, 2009
LÉVY, Pierre. A inteligência coletiva: por uma antropologia do ciberespaço. 3ª ed. São Paulo:
Edições Loyola, 2000.
334
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Resumo
Abstract
The development of the media (massive or digital) changed the way individuals perceive and
construct reality and narratives about the world. This also interferes in the fields of knowledge
and social processes, including politics. In this sense, the article discusses the resources used
in the campaigns for governor of Minas Gerais in social networks, taking into account how
1
Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho Estudos Interdisciplinares, do XI Encontro dos Programas de Pós-
Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais, 18 e 19 de outubro de 2018.
2
Mestranda em Comunicação do Programa de Pós-Graduação em Comunicação, da Universidade Federal de
Juiz de Fora (PPGCom-UFJF) e bolsista do Programa de Bolsas de Pós-Graduação (PBPG-UFJF). Graduada em
Comunicação Social/Jornalismo pela Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ).E-mail:
dlvs1@hotmail.com.
3
Orientador do trabalho, Doutor em Ciência Política pelo IUPERJ, docente do Curso de Jornalismo da
Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ) e professor colaborador do Programa de Pós-Graduação em
Comunicação da UFJF, e-mail: luizoli@ufsj.edu.br.
335
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
the two main candidates in the dispute - Fernando Pimentel (PT) and Antônio Anastasia
(PSDB) - construct the narrative of the scenario of crisis in the state. For this research, the
first week of the electoral campaign allowed in the candidates' fanpages, which took place
from August 16 to 23, 2018, was carried out and a Quantitative and Qualitative Content
Analysis (BARDIN, 2011) of the messages published by the candidates and how they
construct the narrative of the crisis differently according to their interests and campaign
objectives.
Introdução
Para esta pesquisa, é relevante compreender como a realidade é construída
socialmente e como os meios de comunicação interferem nesse processo de significação de
mundo (BOURDIEU, 1989; BERGER e LUCKMANN, 2007). Interessa-nos, também,
investigar como esse processo ressignificou a dicotomia público-privado, antes relacionada à
interação de co-presença e, agora, “existir” também se diferencia de “existir publicamente”.
Assim, somente existe, preferencialmente, se for noticiado, veiculado pelos meios de
comunicação (RUBIM, 2000; THOMPSON, 2008).
Esse processo de midiatização, na qual o campo midiático possui certa “semi-
independência” e interfere nos demais campos sociais (FAUSTO NETO, 2010), demonstra o
potencial da mídia de intervir nos processos sociais e na construção da realidade, o que inclui
os processos eleitorais. Nesse sentido, tem-se a mídia, tradicional ou digital, como palco para
disputas políticas. A campanha eleitoral, por sua vez, passa a ter o foco nas características
pessoais dos candidatos – qualidades e aptidões, trajetória de vida e na política –, havendo um
crescente personalismo (MANIN, 1995; SCHWARTZENBERG, 1977).
Criada para fins militares, a internet foi incorporada nas campanhas eleitorais na
década de 1990, nos Estados Unidos (AGGIO, 2011). No Brasil, somente em 2010 o Tribunal
Superior Eleitoral (TSE) permitiu oficialmente a utilização das mídias sociais em campanhas
(AGGIO, 2015). Desde então, o recurso vem sendo utilizado como mais uma ferramenta de
aproximar candidatos e eleitorado (RECUERO, 2009).
Torna-se relevante ainda entender o conceito de narrativa e como o mesmo permeia a
construção de mundo, bem como, reflete uma visão de mundo própria do sujeito. A narrativa
é comumente associada a “relato”. Todavia, há uma relação simbólica que permeia seu
significado e intenções (CARDOSO, 1997). O ato de contar histórias para significar o mundo
e passar conhecimento é próprio da natureza humana. Ou seja, “os seres humanos têm uma
predisposição cultural, primitiva e inata, para organizar e compreender a realidade de modo
336
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
narrativo” (MOTTA, 2013, p. 71). Há uma organização discursiva nas narrativas capaz de
ligar pontos, ordenar fatos, utilizando a perspectiva causa consequência, além da possibilidade
de recriar o passado e apontar o futuro (CARDOSO, 1997; MOTTA, 2013). Por meio da
narrativa, pode-se perceber, interpretar e organizar a realidade em uma ordem cronológica de
passado-presente-futuro.
O cenário atual é também de crise em Minas gerais, marcada pelo parcelamento e
atraso do pagamento de servidores e aposentados, bem como o não repasse de verbas aos
municípios4. Portanto, torna-se interessante observar como a narrativa da crise é construída e
utilizada pelos principais candidatos ao governo do estado, que formam mais uma vez a
polarização PT versus PSDB. Enquanto Pimentel (PT) tenta a reeleição, Anastasia (PSDB)
tenta voltar ao governo de Minas em um já cargo ocupado anteriormente e ambos constroem a
narrativa da crise com vistas ao processo eleitoral.
Para tal investigação, utilizou-se a Análise de Conteúdo (BARDIN, 2011), tendo como
corpus de análise todas as postagens das fanpages dos dois principais candidatos, Anastasia
(PSDB) e Pimentel (PT), à disputa eleitoral, na primeira semana de campanha – 16 a 23 de
agosto de 2018. As categorias empregadas foram criadas a partir da repetição dos temas
encontrados nas postagens e abrangem a imagem do candidato, a causa da crise e suas
consequências, propostas de como vencer a crise, entre outras que, ordenadas em presente,
passado e futuro, constroem diferentes narrativas sobre o mesmo fato: crise econômica no
estado de Minas Gerais.
4
“Sem dinheiro, Minas distribui ambulâncias e parcela salários”, publicada pelo site da Folha de São Paulo, em
13 de maior de 2018. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2018/05/sem-dinheiro-minas-
distribui-ambulancias-e-parcela-salarios.shtml>. Acesso em 08 out. 2018.
337
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
338
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Para Schwartzenberg (1977), o poder, antes anônimo e abstrato, agora, ganha uma
fisionomia – a fisionomia do dirigente. Diferente do poder pessoal, o qual uma única pessoa
controla todos os poderes, a personalização do poder apresenta-se como uma máscara. O
político assume a máscara da personagem, diferencia-se dos demais, aparece diante do seu
339
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
público e conquista seus votos, chegando assim ao poder. O poder, assim, personaliza-se, é
encarnado na personagem e ela passa a simbolizar a nação ou partido, representando o poder
do grupo que nele se encarna. Entretanto, o candidato, ao assumir um determinado papel,
deve mantê-lo até o final, mesmo que isso cause constante ensaio e vigilância. Caso contrário,
pode acabar com sua possibilidade de vitória, uma vez que o eleitorado pode achar estranho
ou se decepcionar com a mudança repentina de um candidato. A representação torna-se uma
simulação, um fingimento da realidade, capaz de seduzir e persuadir o público, com intuito de
conquistar o seu voto. Este personagem se adequa a cada situação e contexto vigente.
Desse modo, com o aparecimento dos meios de comunicação, os atores políticos e os
aspirantes a esse meio tiveram de se atentar às suas apresentações diante do público e à
imagem pessoal, agora mediada e construída pela mídia (THOMPSON, 2008;
SCHWARTZENBERG, 1977). Mesmo o campo político tendo suas especificidades e
características próprias, ele apropria-se do discurso midiático para alcançar o público eleitor,
construir significados e atingir seus objetivos. Ou seja, os atores políticos são moldados de
modo a construir uma realidade sobre si – que nem sempre coincide com o real – capaz de
gerar identificação e projeção do público.
340
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
de campanhas passaram a explorar questões que são próprias da internet, como a interação, a
participação em tempo real, a convergência de mídia. A disputa com maior incorporação das
redes sociais até então foram as eleições presidenciais dos EUA de 2010, na qual Obama foi
eleito (AGGIO, 2011).
No Brasil, a primeira campanha a utilizar a internet foi em 1998 e, na época, menos de
3% dos eleitores tinha acesso à internet (SOUSA e MARQUES, 2017). Todavia, somente nas
eleições de 2010 permitiu-se a utilização dos recursos digitais, como as mídias sociais
(AGGIO, 2015). No início, foram usados os websites e blogs, domínios ainda bastante
particulares, os quais permitia o controle sobre as ferramentas e dos recursos utilizados, bem
como, controle de como a comunicação se estabeleceria. Com o advento e popularização das
redes sociais, como o Facebook, perde-se um pouco esse controle, o que força os partidos e
candidatos a adaptarem suas campanhas a exploração desses ambientes nos quais os usuários
criam as regras e conferem os sentidos.
Se a democracia digital possibilita novas formas de interação e de participação
política, destacam-se os investimentos cada vez maiores em ferramentas como as redes
sociais, como é o caso do Facebook, nas disputas eleitorais. Nesse sentido é válido destacar
que o Facebook atingiu a marca de 127 milhões de usuários ativos no Brasil 5 no primeiro
trimestre deste ano. Com essa marca, a rede social supera o Whatsapp, aplicativo da mesma
empresa e o Brasil torna-se um dos cinco maiores mercados para a companhia.
As campanhas políticas têm passado por alterações devido às transformações na
comunicação, inclusive devido à utilização das plataformas virtuais, isso porque mais do que
permitir a comunicação dos indivíduos, elas ampliaram a capacidade de conexão dos sujeitos
(RECUERO, 2009; CASTELLS, 1999). Esse novo cenário acarreta novos desafios ao
planejamento das estratégias de campanha e construção da imagem pública dos candidatos,
sendo um meio integrante “da estratégia dos núcleos de comunicação das campanhas a
tentativa de atrair a militância espontânea a fim de ampliar a visibilidade da agenda defendida
pelo candidato” (MIOLA e MARQUES, 2018, p. 3-4). Isso contribui para que, mesmo em
tempos fora das disputas, os agentes políticos apresentem-se aos usuários dessas redes, tanto
em termos políticos quanto pessoais (SOUSA e MARQUES, 2017). A disputa online,
portanto, diminui o distanciamento entre a esfera civil e a política e, em temos de
5
“Facebook chega a 127 milhões de usuários mensais no Brasil”, matéria veiculada pela Folha de São Paulo,
publicada em 18 de julho de 2018. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/tec/2018/07/facebook-chega-
a-127-milhoes-de-usuarios-mensais-no-brasil.shtml> Acesso em 03 out. 2018.
341
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
representatividade, essa participação online pode ser mais rica se comparada às iniciativas
presenciais (AGGIO, 2015).
Contudo, as disputas nos meios de comunicação digitais ocupam-se de uma
abordagem mais informativa do que interativa. Isso ocorre por uma série de fatores, dentre
eles o custo em responder cada mensagem encaminhada, possibilidade da perda de controle
da agenda e a zona de conforto criada pela possibilidade do candidato se abster de discussões
sensíveis para si (STOMER-GALLEY apud MIOLA e MARQUES, 2018).
Isto posto, torna-se importante compreender como a mídia (tradicional e digital)
interfere nos processos sociais, como as disputas eleitorais, tendo como objeto as eleições
para governador de Minas Gerais em 2018. Isso porque remete a um contexto de mudanças na
legislação eleitoral, desgaste dos partidos políticos e crise econômica enfrentada pelo estado,
questões importantes para se compreender como tais propagandas e narrativas foram
construídas.
342
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
6
“Pesquisa Ibope em MG: Anastasia, 33%; Pimentel, 22%”, veiculada pelo Portal G1 em 02 de outubro de
2018. Disponíel em: < https://g1.globo.com/mg/minas-gerais/eleicoes/2018/noticia/2018/10/02/pesquisa-ibope-
em-mg-anastasia-33-pimentel-22.ghtml> Acesso 03 out. 2018.
7
Biografia disponibilizada pelo site do Governo de Minas Gerais. Disponível em:
<http://mg.gov.br/governador/fernando-damata-pimentel> . Acessado em: 30 jun. 2018.
343
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Antônio Anastasia (PSDB)8 foi eleito vice-governador de Minas em 2006, assumindo o cargo
de governador em 2010, sendo reeleito no pleito do mesmo ano. Anastasia também é
professor universitário, tem mais de 20 anos de trajetória política e atua na administração
pública. Em 2014, venceu como senador pelo estado.
Outrossim, Minas Gerais enfrenta uma crise econômica sem precedentes. O estado
está inadimplente com municípios e, de acordo com a Associação de Municípios9, deve um
montante de quase 5 bilhões de reais, sendo o setor mais afetado o da Saúde. Sendo que esse
não repasse vem afetando o funcionamento dos próprios municípios. Ainda, os salários dos
professores e demais servidores públicos10 está sendo parcelado e sofre atrasos. Há obras
públicas paralisadas ou atrasadas por falta e recursos. Esta crise vem contribuindo para a
construção de uma imagem negativa do Governo Pimentel e sendo utilizada pelos opositores
nas suas respectivas campanhas, como na campanha de Anastasia. O candidato tucano utiliza
também o exemplo os feitos de quando ocupou o cargo de governador para construir sua
narrativa e continuar à frente nas pesquisas.
Portanto, cenário de crise em Minas está bastante presente nas discussões políticas e
influenciam nos rumos da campanha, com apropriações diferentes por cada candidato, com
vistas a beneficiar a própria campanha rumo à vitória.
8
Biografia disponibilizada pelo site do Governo de Minas Gerais. Disponível em:
<http://mg.gov.br/governador/antonio-anastasia> . Acessado em: 30 jun. 2018.
9
“Governo de Minas deve R$ 4,7 bilhões a prefeituras, diz Associação de Municípios”, veiculada no G1.
Disponível em: < https://g1.globo.com/mg/minas-gerais/noticia/governo-de-minas-deve-r-47-bilhoes-a-
prefeituras-diz-associacao-de-municipios.ghtml > Acessado em: 01 ago. 2018.
10
“Sem data para pagar, governo de Minas atrasa salários de novo”, veiculada no Estado de Minas. Disponível
em: < https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2018/08/01/interna_politica,977155/sem-data-para-pagar-
governo-de-minas-atrasa-salarios-de-novo.shtml > Acessado em: 01 ago. 2018.
344
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Antônio Anastasia (PSDB) possui pouco mais de 99 mil curtidas e quase 99 mil
seguidores em sua fanpage11. Por meio da observação e codificação do material analisado, foi
possível identificar que, das 61 publicações, 34 referiram de alguma forma à crise, ou seja,
mais da metade do que foi postado referia-se ao contexto de crise vivenciado pelo estado de
Minas Gerais. Das mensagens publicadas podem ser extraídas 5 (cinco) categorias para
identificar a narrativa da crise, sendo elas: a) Como era o estado na sua gestão como
governador; b) Culpa da crise; c) Imagem do candidato; d) Consequências da crise; e)
Experiência com crises; f) Como vencer a crise.
O segundo colocado nas pesquisas de intenção de voto, Fernando Pimentel (PT),
possui em sua fanpage12 mais de 232 mil curtidas e aproximadamente 229.600 seguidores.
Das 65 postagens realizadas na semana de análise, 20 eram referentes à crise em Minas.
Como categorias têm-se: a) Culpa da crise; b) Imagem do candidato; c) Prestação de contas;
d) Resposta às acusações do adversário; e) Como vencer a crise.
Essa diferenciação nas categorias empregadas dá-se, justamente, pelo fato das
narrativas serem diferentes. Isso ocorre por diversos fatores, dentre eles a própria trajetória de
cada candidato: Anastasia (PSDB), governador na gestão que antecedeu a de Pimentel (PT).
Conforme apontam Figueiredo et al (1998), tem-se uma disputa de retóricas – a da situação (o
mundo atual está bom ou está razoável no caso do Pimentel, mas pode ficar melhor a partir da
reeleição) e o da oposição (o mundo atual está péssimo, mas pode melhorar com a mudança
de governo).
É importante salientar que uma postagem pode se enquadrar em mais de uma
categoria, visto a dinamicidade e a característica multimodal das redes sociais.
11
Link da página do candidato Antônio Anastasia (PSDB) em sua página do Facebook. Disponível em:
<https://www.facebook.com/AntonioAnastasiaOficial/> Acesso em 03 out. 2018.
12
Link da página do candidato Fernando Pimentel (PT) em sua página do Facebook. Disponível em:
<https://www.facebook.com/PimentelMinas/> Acesso em 03 out. 2018.
345
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Quadro 1: Análise de Conteúdo das postagens de Anastasia (PSDB) na 1ª semana | Fonte: Próprios autores
346
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Quadro 2: Análise de Conteúdo das postagens de Pimentel (PT) na 1ª semana | Fonte: Próprios autores
347
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Em seguida, vem “Como vencer a crise”, presente em 13,8% das publicações. Nela,
Pimentel apresenta como está vencendo a crise e as perspectivas futuras. De acordo com a
campanha, por meio da geração de renda, emprego e atração de empresas, propostas também
apresentadas por seu adversário, a crise logo será superada. Além disso, com o povo mineiro e
suas características logo Minas sairá dessa situação.
Por fim, a categoria menos acionada (3%) foi “Resposta a ataque do oponente”.
Utilizada para tentar justificar ou esclarecer as acusações dos adversários. Geralmente, é
seguida por feitos realizados pelo governo e a versão da origem da crise.
Considerações Finais
A partir da observação das narrativas construídas a respeito da crise pelos candidatos
ao governo de Minas Gerais, Antônio Anastasia (PSDB) e Fernando Pimentel (PT), é possível
perceber que as narrativas construídas são diferentes: enquanto Anastasia (PSDB) assume o
discurso da oposição de “está ruim, mas pode melhorar”, Pimentel assume o discurso da
situação de “está bom, mas pode ficar ainda melhor”.
Entretanto, os discursos aproximam-se em alguns pontos: (1) a culpa, causa ou origem
da crise sempre está na má gestão do adversário; (2) há uma constante personalização na
política, com destaque para as qualidade ou pontos negativos dos candidatos relacionados à
trajetória pessoal, política e profissional do candidato, seja para construir ou desconstruir a
própria imagem ou do oponente; (3) parece haver um diálogo e ao mesmo tempo uma
oposição entre as duas narrativas; (4) a saída para a crise é a mesma apresentada pelos dois
candidatos, sendo ela uma maior preocupação com a gestão da economia do estado.
A primeira semana de campanha coletada, de 16 a 23 de agosto de 2018, ocorreu
quando ainda não havia a permissão para a campanha na TV e no Rádio, com o Horário
Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE). Isso significa que as redes sociais já estão inseridas
nas campanhas eleitorais de forma estratégica, de modo a estabelecer e manter o contato com
o eleitorado, mesmo sem a presença na mídia massiva.
A narrativa da crise foi bastante enfatizada nas publicações desta pequena amostra,
todavia aponta perspectivas de como será e está sendo as estratégias acionadas pelos dois
candidatos que disputam as eleições. Apresenta ainda as possíveis contradições e diferentes
óticas apresentadas nas narrativas, trazendo essa característica subjetiva das mesmas e as
possibilidades de apresentar essa ordem cronológica e causal da crise.
348
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Referências
BARBOSA, Marialva Carlos. Comunicação e história: presente e passado em atos narrativos. São
Paulo: Comunicação, Mídia e Consumo, vol. 6, n. 16, jul., 2009, p. 11-27.
BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro; Editora Bertrand Brasil, S.A., 1989.
BRAGA, José Luiz. Circuitos versus campos sociais. In: MATTOS, M.A.; JANOTTI JÚNIOR, J.; e
JACKS, N. (Orgs). Mediação & Midiatização. Salvador: EDUFBA, 2012, p.29-52.
BURKE, Peter. História e teoria social. São Paulo: Editora Unesp, 2002.
CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. A era da informação: economia, sociedade e cultura. São
Paulo: Paz e Terra, v. 1, 1999.
FAUSTO NETO, Antônio. A circulação além das bordas. In: FAUSTO NETO, Antônio;
VALDETTARO, Sandra (Orgs). Mediatización, Sociedad y Sentido: diláogos entre Brasil y
Argentina. Rosario, Argentina. Departamento de Ciências da Comunicación, Universidad Nacional de
Rosario, 2010, p.2-15. Disponível em <http://www.fcpolit.unr.edu.ar/wp-
content/uploads/Mediatizaci%C3%B3n-sociedad-y-sentido.pdf> .
HJARVARD, Stig. Midiatização: teorizando a mídia como agente de mudança social e cultural.
In: Matrizes. São Paulo, v.5, n.3, p.53-91, jan/jun, 2012.
HOBSBAWN, Eric J. Sobre história. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
MANIN, Bernard. As metamorfoses do governo representativo. RBCS nº 29, out 1995. Disponível
em: <http://www.anpocs.org.br/portal/publicacoes/rbcs_00_29/rbcs29_01.htm>. Acessado em: 18 de
abril de 2016.
MIGUEL, Luís Felipe Miguel. Capital político e carreira eleitoral: algumas variáveis na eleição para o
congresso brasileiro. Revista de Sociologia e Política, nº 20, jun. 2003, p. 115-134.
MIGUEL, L. F.; BIROLI, Flávia (orgs.). Mídia, representação e democracia. São Paulo: Editora
Hucitec, 2010.
349
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
MIOLA, Edna; MARQUES, Francisco Paulo Jamil. RAZÃO E EMOÇÃO NAS ESTRATÉGIAS
ELEITORAIS: A campanha à prefeitura de Curitiba em 2016 no Facebook. XXVII Encontro
Anual da COMPÓS, Pontíficia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte-MG, 05 a 08
de jun. de 2018.
MOTTA, Luiz Gonzaga. Análise Crítica da Narrativa. Brasília: Editora UNB, 2013.
MÜLLER, Ricardo Gaspar. História e Narrativa. In.: PÔRTO JR., Gilson. História do tempo
presente. Bauru-SP: Edusc, 2007, p. 65-84.
RECUERO, Raquel. 2009. Redes Sociais na Internet. Porto Alegre: Editora Sulina.
SOUSA, I. J.; MARQUES, F. P. J. Campanha negativa e formas de uso do Facebook nas eleições
presidenciais brasileiras de 2014. In.: MOREIRA, A.; ARAÚJO, E.; SOUSA, H. (Orgs.).
Comunicação e Política: tempos, contextos e desafios. Braga: CECS, 2017. p. 249-289.
THOMPSON, John B. A mídia e a modernidade: uma teoria social da mídia. 10. ed. Petrópolis:
Vozes, 2008.
350
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-graduação em Comunicação Social de Minas Gerais -
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Resumo
Em 2018, o LP Ideologia, de Cazuza, completa 30 anos. Premiado pelo Sharp como o melhor
álbum do ano, Cazuza dizia que o LP denotou uma nova concepção artística. Cazuza
justificou a notoriedade de Ideologia, frente a outros LPs, a dois motivos: o primeiro refere a
sua intimidade, já que após tratamento de saúde em Boston ele o chamava de “disco da
sobrevivência”; já o segundo motivo se refere a ser este o primeiro LP que abordou questões
políticas. Neste artigo propõe-se analisar a faixa-título do LP Ideologia, especificamente
destacar os vestígios da escrita de si na letra da canção, como também as relações da música
com as representações políticas nos anos 1980. Para tanto, a análise proposta é
contextualizada a dois conceitos teóricos: a pós-modernidade, que segundo Bauman (2011),
surge em 1980 alterando aas manifestações individuais e a contracultura, que segundo Cazuza
(1988), inspirou a sua produção artística. Espera-se que este trabalho contribua para
compreender as nuances da produção artística de Cazuza, mas também lance um olhar aos
anos 80 e o período de redemocratização.
Abstract
In 2018, LP Ideologia, by Cazuza, turns 30. Awarded by Sharp as the best album of the year,
Cazuza said the LP denoted a new artistic conception. The composer justified the notoriety of
Ideology, in front of other LPs, for two reasons: the first one refers to his intimacy, since after
health treatment in Boston he called it "survival disc"; already the second reason refers to
being this the first LP that approached political questions. In this article we propose to analyze
the title track of the Ideology LP, specifically highlighting the traces of self-writing in the
lyrics of the song, as well as the relationships of music with political representations in the
1980s. For this, the proposed analysis is contextualized to two theoretical concepts:
postmodernity, which according to Bauman (2011), arose in 1980 and the counterculture,
which according to Cazuza (1988), inspired his artistic production. It is hoped that this work
will contribute to understanding the nuances of Cazuza's artistic production, but also look at
the 1980s and the period of redemocratization.
Introdução
No ano de 1988 foi lançado o terceiro disco solo do cantor Agenor de Araújo Miranda
Neto, consagrado com o nome artístico Cazuza. Reconhecido pelas composições musicais e
1
Trabalho apresentado GT Estudos Interdisciplinares, do XI Encontro dos Programas de Pós-graduação em
Comunicação Social de Minas Gerais, 18 e 19 de outubro de 2018.
2
Jornalista, mestre em Estudos Literários pela UFU. E-mail: fernandolopes08@gmail.com
351
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-graduação em Comunicação Social de Minas Gerais -
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
entrevistas polêmicas concedidas à imprensa, ele afirmou, sobre o próprio trabalho artístico,
que: “Não me considero um cantor. Levo legal o meu lero. Sou animado. Mas não passo de
um letrista que canta, que gosta de palco. (ARAÚJO, 1998, p.3543).
Em se tratando das composições musicais, Cazuza expunha pontualmente um estilo
autoral intimista, quando questionado sobre o contexto em que compôs as letras das canções.
Em depoimento sobre a música Pro dia nascer feliz4, ele cita que: “A noite é uma opção de
vida. Gosto de acordar tarde e dormir com o dia nascendo. Por isso, a música Pro dia Nascer
Feliz é a história da minha vida” (ARAÚJO, 1998, p.352)5.
Ainda que as letras das músicas de Cazuza tenham características autorreferenciais, a
partir do LP Ideologia6, o cantor passou a tratar diretamente de questões coletivas como
política e perda das referências ideológicas da geração dos anos 1980. Estas questões podem
ser observadas na letra da canção6 descrita abaixo:
Meu partido, é um coração partido
E as ilusões estão todas perdidas
Os meus sonhos foram todos vendidos
Tão barato que eu nem acredito
Ah, eu nem acredito.
Que aquele garoto que ia mudar o mundo
Frequenta agora as festas do Grand Monde
Meus heróis morreram de overdose
Meus inimigos estão no poder
Ideologia! Eu quero uma pra viver
O meu prazer agora é risco de vida
Meu sex anddrugs não tem nenhum rock 'n' roll
Eu vou pagar a conta do analista
Pra nunca mais ter que saber quem eu sou
Pois aquele garoto que ia mudar o mundo
Agora assiste a tudo em cima do muro
Ideologia tanto denota uma nova concepção artística, quanto simboliza a prevalência
de embates políticos partidários no espaço público em 1988. Esses traços estão claros nos
primeiros versos da música: “Meu partido”6, atinente às dicotomias partidárias da época,
como no fragmento “é um coração partido”6, relacionado às decepções pessoais do eu
poético7 expresso na referida música.
3
Essa frase dita por Cazuza em 1984, foi publicada no livro Cazuza, só as mães são felizes, de Lucinha Araújo,
onde há fragmentos de entrevistas concedidas pelo cantor. Araújo (1998) narra também que, antes mesmo de se
tornar vocalista do Barão Vermelho, Cazuza escrevia textos e poesias escondido em seu quarto e não as
mostrava por ser crítico com sua produção. Já Frejat, no documentário Barão Vermelho – porque a gente é
assim, diz que era hábito ir até a praia pegar as letras escritas por Cazuza; depois, acrescentar melodias.
4
CAZUZA. Pro dia Nascer Feliz. In: Barão Vermelho 2 (encarte LP). Rio de Janeiro: Polygram, 1983.
5
Frase também citada no livro Cazuza, só as mães são felizes, de Lucinha Araújo.
6
CAZUZA. Ideologia (encarte Long Play - LP). Rio de Janeiro: Polygram, 1988.
7
Optou-se por utilizar a expressão “eu poético’, mesmo ao abordar uma música, com respaldo às aproximações
entre poesia e canto, notadas desde a poesia que inicialmente era cantada no trovadorismo. No período do
modernismo, Charles Perrone propôs, no que tange à produção de Vinicius de Moraes nos anos 1960, que ele
“consegue adaptar a música ao verso, traz nova sofisticação à arte da canção, estimula a reação do público à
poesia tocada e cantada, e fornece modelos gerais de dicção e expressividade a serem imitados por outros
352
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-graduação em Comunicação Social de Minas Gerais -
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
letristas” (PERRONE: 1988, p.28). Observa-se que, dos anos 1970 até o tempo atual, outros cantores também
transitaram por literatura e música, como Arnaldo Antunes e Chico Buarque. O próprio Cazuza se considerava
letrista e era denominado pelo público como poeta – o primeiro a chamá-lo assim foi Caetano Veloso.
8
Antoine Compagnon é pesquisador de literatura. Tratou as noções de autoria emO demônio da teoria.
9
Frase também citada no livro Cazuza, só as mães são felizes, de Lucinha Araújo.
353
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-graduação em Comunicação Social de Minas Gerais -
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
saúde estava fragilizada, algo também dito em entrevista sobre o LP: “Saí da doença com o
corpo fraco e a cabeça forte. O tratamento médico nos Estados Unidos foi tão importante
quanto a gravação do disco. Este disco [Ideologia] é da sobrevivência” (CAZUZA, 1988)10.
Compõem o referencial teórico desta análise proposta de Ideologia os pesquisadores
Zygmunt Bauman e Rejane Sá Markman, os quais estudam a pós-modernidade e a
contracultura na década de 1980; Angela de Castro e Diana Irene Klinger, que aportam
reflexões sobre a escrita de si; e, finalmente, Pierre Nora, que reflete acerca da memória.
Espera-se que a análise proposta contribua para compreender a letra de uma canção relevante
na produção artística de Cazuza, assim como a geração pós-moderna dos anos 1980.
354
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-graduação em Comunicação Social de Minas Gerais -
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
12
Transcrição da entrevista de Cazuza, citada no documentário Barão Vermelho – porque a gente é assim.
355
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-graduação em Comunicação Social de Minas Gerais -
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Pro dia nascer feliz, entre outras canções, ressaltam o estilo intimista expresso nas
composições de Cazuza, que ficou ainda mais evidente após ele seguir carreira solo. No
lançamento do LP Exagerado14, Cazuza (1985) aduz que “o conceito do disco para mim é o
próprio exagerado, porque eu sou muito exagerado nas coisas que faço”15.
O compositor tanto se sentia confortável em endossar a relação entre trabalho artístico e vida
13
Entrevista publicada em Quem tem um sonho não dança: cultura jovem brasileira nos anos 1980, de Bryan
Guilherme.
14
Exagerado (Long Play - LP). Rio de Janeiro: Polygram, 1988.
15
Entrevista concedida à Rádio Globo em 1985.
356
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-graduação em Comunicação Social de Minas Gerais -
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Escrita de si
A respeito da produção de si, Ângela de Castro pontua que as relações entre artista, seus
arquivos e experiências propiciou o surgimento de elaborações autorreferentes e da escrita de
si, como evento que “assume a subjetividade de seu autor como dimensão integrante de sua
linguagem, construindo sobre ela a ‘sua verdade’” (CASTRO, 2004, p.14). Diversos objetos
16
Sobre a contracultura, Rejane Sá Markman (2007) a conceitua como movimento que mobilizou a juventude
urbana americana em meados do século XX, com estilo eloquente, caráter libertário, contestando a alienação e o
consumo em favor da paz, do amor, do direito de portar o corpo livremente desde que não prejudicasse ninguém.
17
CAZUZA, FREJAT, R. Só as mães são felizes. In: Exagerado (LP). Rio de Janeiro: Polygram, 1988.
18
Em se tratando de Kerouac, a literatura do escritor era inspirada nas próprias experiências: viagens, aventuras,
relações afetivas etc. Parte dessas histórias foi publicada nas obras Ontheroade os subterrâneos. A identificação
de Cazuza com o estilo de Kerouac foi declarada pelo compositor: “Quando a Brasiliense começou a lançar as
obras de Kerouac, Ginsberg, Borroughs, eu quase fiquei pirado, porque eu fazia algo ligado a eles e não sabia”
(ARAÚJO, 1998, p.367) – nesse caso, ele idolatra literatos da contracultura e da geração beat.
357
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-graduação em Comunicação Social de Minas Gerais -
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
compõem tais práticas culturais, como fotografias, cartões postais, diários, cartas, entre outros
que denotam o indivíduo social, com vestígios da memória e da singularidade de cada um.
A heterogeneidade do conceito proposto por Castro (2004) facilmente é notada nas
produções artísticas das últimas décadas, dentre elas as músicas de Cazuza nos anos 1980. Se
antes as músicas Pro dia nascer feliz e Exagerado denotaram a exaltação de um estilo de vida
boêmio, amparando nas vivências presentificadas do compositor, a partir do LP Ideologia,
Cazuza imprime a ideia de vida reavaliada na produção artística. O esforço dessa reflexão
sobre as memórias foi declarado pelo cantor em entrevista que assumiu não refletir sobre sua
vida até “ficar em um hospital dois meses, pensando, olhando pra uma janela, quer dizer, eu
[Cazuza] revi, fiz uma novela, pensei a minha vida toda” (CAZUZA, 1988)19.
Ideologia foi o primeiro disco a ser lançado pelo cantor após descobrir que era
soropositivo e ficar internado em hospital na cidade de Boston, nos Estados Unidos. As
menções ao período atribulado da vida de Cazuza são notadas na letra de Boas novas20 desse
LP, conforme o refrão: “eu vi a cara da morte e ela estava viva” (CAZUZA, 1988). Indagado
sobre o eu poético21 expressado na canção, ele ressalta que: “Depois que vi a cara da morte,
eu mudei [...]. Não é que eu não tenha mais medo de morrer, é que eu gosto tanto de estar
vivo que acho que vai ser um desperdício” (CAZUZA, 1988).
Assim como Boas novas, a letra de Ideologia22, faixa-título do LP, apresenta marcas
da escrita de si, a começar pelos primeiros versos da canção “meu partido”22, aludindo às
divisões partidárias eleitorais do fim dos anos 1980 e que demarca a presença do indivíduo
social, serem rompidos pela metáfora “é um coração partido”22, que denota no léxico a dor do
eu poético, a subjetividade. A repetição de uma mesma palavra (partido) e o uso com
conotações diferentes, denota o trânsito entre contextos social coletivo e os sentimentos do
indivíduo.
As razões para o coração do eu poético se partir são mostradas nos versos seguintes: as
“ilusões estão todas perdidas”22 e os “sonhos foram todos vendidos”22. É como se, por um
esforço da memória, refletindo sobre a própria trajetória e o que se acreditava, o eu poético se
sentisse intimamente confuso e angustiado com o que lembrou de si. Os versos são
intrinsecamente coerentes à entrevista de Cazuza no lançamento de Ideologia, em que ele
19
Entrevista concedida à Leda Nagle.
20
CAZUZA. Boas novas. In: Ideologia (encarte Long Play - LP). Rio de Janeiro: Polygram, 1988.
21
A perspectiva do eu poético, enquanto voz que se expressa na canção, não abandona a perspectiva da escrita
de si mencionada por Castro (2014, p.16), posição na qual o indivíduo autor não é nem anterior ao texto
(essência refletida por um objeto de sua vontade), tampouco posterior a ele (efeito, invenção do discurso que
constrói). Defende-se que a escrita de si é, ao mesmo tempo, constitutiva da identidade de seu autor e do texto,
que se criam simultaneamente por meio dessa modalidade.
22
CAZUZA, FREJAT, Roberto. Ideologia. In: Ideologia (encarte LP). Rio de Janeiro: Polygram, 1988.
358
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-graduação em Comunicação Social de Minas Gerais -
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
havia repensado a vida toda em uma cama de hospital, de modo que os gestos de reavaliação
amparados na memória estavam aludidos na letra da canção.
Ainda sobre os movimentos da memória, o historiador Pierre Nora ressalta que
diferente da representação histórica de um passado que não existe mais, a memória é o devir
dialético do esquecimento e da lembrança “porque é afetiva e mágica, a memória não se
acomoda a detalhes que a confortam; ela se alimenta de lembranças vagas, telescópicas,
globais ou flutuantes, particulares ou simbólicas, sensível a todas as transferências, cenas,
censura ou projeções” (PIERRE, 1993, p.9).
Em se tratando da canção Ideologia, algumas reminiscências da memória são
apresentadas como insights na letra da música. Demonstra este movimento a perda das ilusões
proclamadas pelo eu poético ser arbitrariamente retomada nos versos seguintes –“meu prazer
agora é risco de vida”22–, referindo-se à conotação negativa que as relações homossexuais
tiveram com a AIDS nos anos 1980; ou, ainda, “Meu sex and drugs não tem nenhum
rock’n’roll”22 –, referindo-se ao slogan da contracultura (“sexo, drogas e rock’n’roll”)23 ter
perdido relevância após Cazuza ser diagnosticado soropositivo.
Desde 1988, ano do lançamento do LP Ideologia, os fragmentos das entrevistas
concedidas por Cazuza revelam transformações de perspectivas e de estilo de vida
ocasionadas pelo tratamento contra a AIDS. Essas mudanças de comportamento, de
reavaliação da vida pessoal e do trabalho artístico são constatadas neste depoimento do
cantor:
Eu [Cazuza] estava aparecendo mais em coluna social com um copo de uísque na
mão do que pelo meu trabalho. Todo dia nas ruas, nas festas, querendo aproveitar
cada minuto, mas estava meio down, ou então um clone de mim mesmo. Agora, sem
beber ou tomar drogas, coisas de que sempre gostei, mas tive de parar para continuar
vivo, consegui um pouco mais de paz, o que levou a uma mudança até como letrista.
(ARAÚJO, 1998, p.380)
Cazuza tinha uma visão de tudo que havia vivido e das limitações impostas pelo
tratamento de saúde. Em outra entrevista, o compositor chegou a declarar que teria
dificuldades em escrever um livro sobre a própria história, ao justificar que era “uma pessoa
de duas vidas, de duas casas. Era durante o dia uma pessoa, e à noite tomava quinhentos mil
conhaques, e virava o Super Cazuza” (ARAÚJO, 1998, p.377). A dificuldade de lidar com
estas inconstâncias é percebida em um trecho da canção Ideologia – “eu vou pagar a conta do
analista, pra nunca mais ter que saber quem eu sou”22–, em que demonstra angustia frente as
memórias.
23
De acordo com Dutra (2010), o lema “sexo, drogas e rock’n’roll” foi utilizado no festival de Woodstock
realizado de 15 a 18 de agosto de 1969. O evento é considerado referência no movimento da contracultura e
reuniu artistas como Janis Joplin, Santana e Jimi Hendrix.
359
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-graduação em Comunicação Social de Minas Gerais -
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
360
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-graduação em Comunicação Social de Minas Gerais -
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
(ARAÚJO, 1998).
Essa mudança de perspectiva foi influenciada por outros grupos musicais, conforme é
dito por Cazuza em depoimento concedido à Marília Gabriela:
Quando o Renato Russo pintou, eu fiquei com uma inveja, [...] e meu trabalho
cresceu tanto a partir dessa inveja, que eu comecei a escrever coisas diferentes. Sair
daquela dor de cotovelo, daquele “nhem,nhem,nhem”, como diz a Rita Lee. Saí para
uma outra coisa, o Renato falava muito da geração dele, e eu disse: “vou falar da
minha geração também, vou falar do Brasil também”. (CAZUZA, 1988b)
Essa mudança pode ser percebida em várias músicas do LP Ideologia. Uma das
canções, chamada Brasil24, tratava intrinsecamente das diferenças sociais a partir do eu
poético que não foi convidado para participar de maneira ativa das decisões políticas e
tampouco usufruir os benefícios destinados a uma classe privilegiada do país que detinha o
poder aquisitivo.
Temáticas tratadas nessas músicas dialogam exatamente com a pós-modernidade, mas
em outro viés. Não se trata do evento que narra a alternância do que era privado para o
público, conforme a primeira seção deste artigo, e sim de outra face da pós-modernidade
chamada por Bauman (1998) de consciência pós-moderna ou consciência do fracasso
moderno, da perda da expectativa de transformar o mundo a partir da ciência, da
racionalidade, de um ideal de eficiência. De certo modo, a falência desses preceitos sólidos e
modernos denota indivíduos que, ao final do século XX, se viam estruturados em redes de
consumo.
Outra canção do LP Ideologia que denota a falta de perspectiva do brasileiro no fim
dos anos 1980 é Um trem pras estrela,25 feita por Cazuza e Gilberto Gil. A canção narra o dia
de um trabalhador carioca que vivia em situação social vulnerável, esperando junto a outros
trabalhadores em filas por um ônibus, sobrevivendo com baixos salários e mantendo
esperanças irreais de “se dar bem”. Para Cazuza, a música representa uma nova perspectiva
artística para o seu trabalho, conforme observa no depoimento abaixo:
Eu achava que não podia falar sobre política, por não ser uma pessoa política. Eu
tinha muito preconceito em falar no plural, achava que só falava bem do meu
mundinho. Isso começou a mudar quando fiz a letra de Um Trem pras Estrelas (...).
Depois conversando com mil pessoas, pensei: por que não mostrar a minha visão,
por mais ingênua que ela seja? (...) a maioria da população também deve ter uma
visão ingênua, então por que não me posicionar? (CAZUZA, 1988b)
24
CAZUZA, ISRAEL, G, ROMERO, N. Brasil. In: Ideologia (encarte LP). Rio de Janeiro: Polygram, 1988.
25
CAZUZA, GIL Gilberto. Um trem pras estrelas. In: Ideologia (encarte LP). Rio de Janeiro: Polygram, 1988.
361
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-graduação em Comunicação Social de Minas Gerais -
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
afligiam a geração brasileira no fim dos anos 1980. Para Cazuza, a ditadura favoreceu uma
apatia em relação às temáticas políticas, e esse sentimento foi compartilhado pela geração dos
anos 1980. Após o AI-5, em 1968, poucas canções tratavam de questões sociais e, na maioria
das vezes, eram compostas com metáforas, para coibir a censura. De acordo com Cazuza:
Ideologia fala da minha geração sem ideologia, compactada entre os anos 60 e os
dias de hoje [1988]. Eu fui criado em plena ditadura, quando não se podia dizer isso
ou aquilo, em que tudo era proibido. Uma geração muito desunida. Nos anos 60, as
pessoas se uniam pela ideologia. ‘Eu sou da esquerda, você é de esquerda? Então a
gente é amigo’. A minha geração se uniu pela droga: ele é careta e ele é doidão. A
garotada teve a sorte de pegar a coisa pronta e aí pode decidir o que fazer pelo país,
embora do jeito que o Brasil está, haja muita desesperança. (ARAÚJO, 1998, p.381)
362
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-graduação em Comunicação Social de Minas Gerais -
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
363
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-graduação em Comunicação Social de Minas Gerais -
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Considerações finais
Reitera-se que os temas tratados na faixa-título do disco Ideologia de Cazuza
permanecem relativamente atuais, passados trinta anos do lançamento da canção. Ao começar
a análise pormenorizada dos versos da canção, percebe-se que as discussões partidárias e a
perda de referências ideológicas tratadas na composição do final dos anos 1980 também são
perceptíveis nas discussões políticas contemporânea. Acrescenta ao cenário atual, o
desapontamento das pessoas com alguns pressupostos ideológicos defendidos nos últimos
anos, no tocante às divisões partidárias citadas na canção Ideologia, observa-se que tanto os
partidos da denominada “direita”, como da “esquerda”, estiveram no poder do país. Restou
destas experiências a prerrogativa popular do estado corruptível em todos os governos, desde
a redemocratização, corporificando a angustia por escapar do protótipo político convencional.
A celeridade desta deterioração e as discussões potencializadas pela mídia propiciaram até o
questionamento do sistema democrático vigente, denotando posições extremistas quando
comparadas aos anos 1980.
Ademais as representações políticas e sociais, a escrita de si também ganhou novos
significados nestes últimos anos com a popularização do ciberespaço. O culto de celebração
da vida privada anunciado por Bauman como evento a demarcar a pós-modernidade, ampliou-
se com as redes sociais e os internautas fazendo narrativas públicas sobre sua intimidade. As
manifestações artísticas e culturais contemporâneas estão demarcadas por estes eventos pós-
modernos, com manifestações virtuais que ora representam posicionamentos
autorreferenciais, ora afetam as perspectivas sociais e políticas da sociedade.
364
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-graduação em Comunicação Social de Minas Gerais -
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Destarte, constata-se não apenas o valor da canção Ideologia, como também a forma
como a letra adquiriu novas conotações desde o seu lançamento. Em uma linha temporal,
nota-se que os anseios dos anos 1980 foram apenas resinificados, permanecendo discussões
em torno de uma sociedade mais justa e democrática, como também a nítida sensação que o
grito clamando por uma ideologia ecoa o imaginário social contemporâneo.
Referências
ARAÚJO, Lucinha In: Cazuza: Só as mães são felizes. São Paulo: Ed. Globo, 1998.
BARÃO Vermelho –porque a gente é assim. Documentário. Rio de Janeiro: Conspiração Filmes,
2017. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=7jGmh5clQJw. Acesso em: 8 set. 2018.
CAZUZA. Boas novas. In: Ideologia (encarteLong Play- LP). Rio de Janeiro: Polygram, 1988.
CAZUZA. Entrevista concedida a Leda Nagle. Jornal Hoje. TV Globo. 1988a. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=wTffCrTNIZ4. Acesso 07 set. 2018.
CAZUZA. Entrevista concedida a Marília Gabriela. Programa Cara a Cara. TV Bandeirantes. 1988b.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=dPj543V8xVQ
CAZUZA. Mesmo só, Cazuza é um exagero. Folha de São Paulo. Entrevista concedida de Cazuza
para Marcos Augusto Gonçalves. 15 nov. 1985. Disponível em:
https://acervo.folha.com.br/leitor.do?numero=9322&anchor=4132214&origem=busca&pd=2003541a
79108679928ba1b70662d53a. Acesso em 24 ago. 2018.
CAZUZA. O tempo não para (Long Play- LP). Rio de Janeiro: Polygram, 1988.
CAZUZA. Pro dia nascer feliz. In: Barão Vermelho 2 (encarte Long Play- LP). Rio de Janeiro:
Polygram, 1983.
CAZUZA. Só as mães são felizes. In: Exagerado (Long Play- LP). Rio de Janeiro: Polygram, 1988.
CAZUZA, GIL Gilberto. Um trem pras estrelas. In: Ideologia (encarte Long Play- LP). Rio de
Janeiro: Polygram, 1988.
CAZUZA, ISRAEL, George, ROMERO, Nilo. Brasil. In: Ideologia (encarte Long Play- LP). Rio de
Janeiro: Polygram, 1988.
CAZUZA, FREJAT, Roberto. Ideologia. In: Ideologia (encarte LP). Rio de Janeiro: Polygram, 1988.
365
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-graduação em Comunicação Social de Minas Gerais -
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
COMPAGNON, Antoine. O Demônio da teoria: literatura e senso comum. Belo Horizonte: UFMG,
1999.
DUTRA, Katia. Woodstock: 42 anos de Paz e Amor. Redes Moderna Plus. 2011. Disponível em:
http://redes.moderna.com.br/2011/08/15/woodstock-42-anos-de-paz-e-amor/. Acesso em 21 set. 2018.
GARCIA, Pedro Bejamin; MELLO, Marcela Tavares de. Ideologia e Histórias em quadrinhos com
Mônica e Mafalda. In: O que é ideologia. Escolar: Lisboa, 2016.
GOMES, Angela de Castro (Org.). Escrita de si, escrita da história. Rio de Janeiro: FGV, 2004.
NEVES, Ezequiel. Entrevista concedida. In: BRYAN, Guilherme. Quem Tem Um Sonho Não
Dança: Cultura Jovem Brasileira nos Anos1980. São Paulo: Ed. Record, 2004.
NORA, Pierre. Entre Memória e História: A problemática dos lugares. Revista do Programa de
Estudos Pós-graduados de História. PUC. São Paulo: Gallimard, 1984. Disponível em:
https://revistas.pucsp.br/index.php/revph/article/view/12101/8763. Acesso em 2 set.2018.
SANTIAGO, Silviano. Prosa Literária atual no Brasil. Rio de Janeiro: Rocco, 2002.
366
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Resumo
O estudo apresenta uma análise discursiva de três posts divulgados na página oficial da
presidenta Dilma Rousseff do Facebook e de outros três posts publicados na página da
personagem fictícia Dilma Bolada, também no Facebook. Todas as publicações analisadas
foram coletadas durante o processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff.
Pretendemos, por meio da análise, observar quais ethé são evocados por ambas as personagens,
no mesmo período de tempo, contribuindo para a construção das imagens projetadas de Dilma
Rousseff em diferentes situações de comunicação.
Abstract
The article presents a discursive analysis of three posts published in the official website of
President Dilma Rousseff of Facebook and three other posts published in the page of the
fictional character Dilma Bolada, also on Facebook. All the analyzed publications were
collected during the impeachment process of President Dilma Rousseff. We intend, through the
analysis, to observe which ethé are evoked by Dilma Rousseff and Dilma Bolada, in the same
period of time, contributing to the construction of the projected images of the president in
different situations of communication.
Keywords: Digital social networks; Political discourse; Media; Policy; Discourse analyses.
Introdução
O artigo tem como proposta apresentar diferentes nuances sobre o uso das redes sociais
digitais na veiculação do discurso político e gestão das imagens de atores políticos. Mais
especificamente, a pesquisa apresentará uma análise discursiva de três posts veiculados na
1
Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho Estudos Interdisciplinares, do XI Encontro dos Programas de Pós-
Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais, 18 e 19 de outubro de 2018.
2
Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagens do CEFET-MG;
jessicagomes.mtz@gmail.com.
367
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
página oficial do Facebook da presidenta3 Dilma Rousseff e outros três posts veiculados na
página da personagem fictícia Dilma Bolada, também no Facebook. Todas as publicações
analisadas foram coletadas durante o processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff.
Conforme destacam Marques, Silva e Matos (2011), se os meios tradicionais de
informação estabelecem critérios próprios de visibilidade que escapam do controle dos atores
políticos, a internet (em especial as redes sociais digitais) surge como importante canal de
comunicação direta com o cidadão. Por isso, no corpo teórico do trabalho propomos uma breve
revisão bibliográfica sobre o uso das redes sociais digitais para veiculação do discurso político.
Algumas das especificidades da linguagem utilizada nas redes sociais digitais também
serão apresentadas, através de pesquisas desenvolvidas por Recuero (2009, 2012). Entre as
especificidades apresentadas está o uso de elementos paralinguísticos numa tentativa de simular
a conversação falada.
Por fim, serão abordados alguns aspectos sobre o uso do humor em discursos políticos.
A abordagem do humor, ainda que breve, se justifica uma vez que a personagem fictícia Dilma
Bolada utiliza elementos humorísticos nas publicações analisadas. Para isso, tomaremos como
base estudo de Zepeda, Franco e Preciado (2014) sobre o humor como estratégia de persuasão,
incluindo sua utilização na difamação e caricaturização de adversários políticos. Abordaremos,
ainda, pesquisa de Lessa (2001) sobre o processo de caricaturização de atores sociais e de
Bonhomme (2016) sobre o uso de caricaturas políticas.
Como aporte metodológico predominante para esta pesquisa será adotada a Análise do
Discurso (AD) de linha francesa. Primeiramente, serão analisados os posts de Dilma Rousseff
durante o processo de impeachment. Para a análise, serão utilizados os estudos de Charaudeau
(2006) sobre a construção do ethos ou imagens de si no discurso político, bem como a descrição
proposta pelo linguista para os ethé e imagens evocadas pelos sujeitos políticos. O mesmo
procedimento de análise será realizado nos posts publicados pela personagem fictícia Dilma
Bolada. Dessa forma, pretende-se identificar os diferentes ethé (imagens de si) e estratégias
discursivas adotadas por Dilma Rousseff e Dilma Bolada nos posts analisados.
Embora sejam amplas as discussões sobre o discurso político, a pesquisa propõe como
corpus de análise discursos veiculados pela presidenta Dilma Rousseff e pela personagem
3
Na pesquisa, optamos por utilizar o termo “presidenta” em detrimento de “presidente”. Tal escolha se justifica
uma vez que a própria Dilma Rousseff reivindica o uso do termo, como estratégia de marcação do gênero
feminino.
368
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
fictícia Dilma Bolada nas redes sociais digitais, com a expectativa de trazer novas reflexões
sobre a palavra política neste ambiente.
369
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
370
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
4
Segundo Recuero (2006), ciberespaço é o espaço em que as interações sociais acontecem na internet. Podemos
compreender o ciberespaço, ainda, enquanto novo meio de comunicação que surge a partir da interconexão
mundial de computadores. O termo, entretanto, não se restringe à infraestrutura material da comunicação digital,
mas leva em consideração todo o universo de informações que ela abriga, além dos indivíduos que por ela navegam
e alimentam esse universo, conforme pontua Lévy (1999).
5
Segundo Recuero (2012), tratam-se das famosas “carinhas” ou “smileys”, convenções construídas por meio de
caracteres do teclado para representar emoções faciais.
371
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
372
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Entretanto, para cumprir seu objetivo comunicacional, o humor precisa ser usado com
moderação e sem abusos, seguindo o perfil cultural do público. Campanhas políticas costumam
usar o humor como estratégia de comunicação, principalmente por meio da ironia e do
sarcasmo. Esse tipo de ferramenta pode ajudar o candidato a se comunicar melhor, obter maior
ligação emocional com o eleitorado e tocar em assuntos sensíveis, mobilizando emoções
primárias do público.
As campanhas encontram, no humor, terreno fértil para persuadir um público ansioso
por representações cômicas que gerem momentos de alegria e felicidade. Além disso, para ser
um bom candidato, é preciso saber contar histórias, ser divertido e fazer as pessoas rirem. Por
isso, o candidato deve saber rir da sua própria humanidade e infortúnios. (ZEPEDA, FRANCO,
PRECIADO, 2014).
Outros autores também trazem diferentes expectativas a respeito do uso do humor na
política. Um deles é Bonhomme (2016), para quem as caricaturas políticas têm sido objeto de
estudos ao longo dos últimos trinta anos, especialmente quando se trata da análise de produções
gráficas e, de forma mais esporádica, produções televisuais. Para ele, entretanto, a relação entre
a caricatura política e internet tem sido tema de poucos estudos. Sobre este tema, o autor aponta
uma espécie de consenso de que a internet renova as condições caricaturais, além da ideia de
que o ciberespaço permite uma midiatização extrema desse tipo de produção.
O autor aponta, ainda, que a atual intensificação da caricatura política na internet
favorece o surgimento de novas pesquisas sobre o assunto, que poderão avaliar de que maneira
essas formas eletrônicas de expressão contribuem para a vitalidade do debate democrático por
meio da introdução de espaços de liberdade em detrimento dos poderes vigentes.
Ainda em relação ao processo de caricaturização, Lessa (2001) nos explica que se trata
de uma espécie de acentuação de pequenos detalhes da personalidade de sujeitos sociais, uma
projeção de traços do agir ou do caráter. No caso da caricaturização de atores políticos, a
acentuação de determinadas características, positivas ou negativas, podem interferir na projeção
e construção das imagens desses atores diante do público. Nesse sentido, podemos considerar
Dilma Bolada uma espécie de caricatura da presidenta Dilma Rousseff na internet, tomando
para si características marcantes da presidenta real e intensificando-as por meio do uso do
humor.
373
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Criada pelo publicitário Jeferson Monteiro, a personagem fictícia Dilma Bolada surge
no Twitter6 durante as eleições presidenciais de 2010, inspirada na então candidata à presidência
Dilma Rousseff. Em 2011, Dilma Bolada ganha uma página no Facebook e passa a comentar
acontecimentos da política brasileira de forma extrovertida, carregada de humor. A personagem
foi construída a partir da apropriação de características marcantes de Dilma Rousseff, a ela
comumente atribuídas pela grande mídia ou adversários políticos, tais como seriedade e
autoritarismo. Dilma Bolada, no entanto, desenvolveu linguagem própria para construir
diálogos dotados de humor e comentar a agenda da presidenta real.
6
Rede social digital utilizada para enviar e receber mensagens curtas, de até 280 caracteres, conhecidas como
tweets.
374
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
375
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
376
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Fonte: https://goo.gl/xkufSr
377
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Fonte: http://bit.ly/2OapXim
378
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Ao afirmar não haver contra ela qualquer acusação de corrupção, Dilma Rousseff
constrói para si um ethos de virtude, relacionado à honestidade e ética pessoal. Qualificações
axiológicas negativas são utilizadas para se referir ao processo de impeachment e seus inimigos,
relacionados a acusações de lavagem de dinheiro e corrupção. Há, portanto, a presença do
conflito, de posições e interesses distintos.
Além das estratégias de persuasão relacionadas à construção de diferentes ethé,
podemos destacar a desqualificação do adversário como parte integrante do processo de
sedução do público por atores políticos. Para combater o inimigo é preciso revelar suas
contradições, rejeitar suas ideias e apontar as consequências negativas de suas ações para o
povo. Também é preciso rejeitar os valores opostos, mostrando a fraqueza e o perigo
representado pelo projeto do oponente.
Passaremos agora, para a análise da terceira publicação. Conforme podemos observar,
ela traz uma chamada para que a população acompanhe a defesa de Dilma Rousseff no Senado
e se mobilize em favor da democracia.
Fonte: http://bit.ly/2OapXim
379
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
7
Segundo Amossy, trata-se do conjunto de informações que o pública sabe acerca da história do orador,
constituídas a partir de diversas produções midiáticas. Essas informações contribuem para construir um ethos
prévio do orador.
380
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Fonte: https://goo.gl/hZkMGS
381
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
negativas para se referir aos “golpistas” também precisa ser observada, afinal, denota uma
espécie de atitude de enfrentamento.
Na próxima publicação que analisaremos, podemos observar a tentativa de construir um
ethos de inteligência por meio de uma montagem que traz a ideia de guerreira dotada de
perspicácia, astúcia, habilidade e malícia. Dilma Bolada assume a identidade visual da heroína
da série de filmes “Jogos Vorazes”, e, consequentemente, características a ela atribuídas.
Fonte: https://goo.gl/UCVmaS
A primeira frase da legenda “Que os jogos comecem e que a sorte esteja sempre a seu
favor”, é uma clara referência ao filme, podendo ser relacionada à disputa política do
impeachment, comparada a um “jogo”. A publicação constrói a personagem vestida como uma
guerreira dotada da malícia e inteligência necessárias para enfrentar a batalha contra o
impeachment, indo de encontro ao que Charaudeau (2006) classifica como ethos de
inteligência, relacionado ao domínio que o sujeito tem das regras do jogo, apresentando
características como malícia e astúcia.
Já a segunda parte da legenda “Se me atacá [sic], eu vou atacá [sic]. BRASIL, Inês” é
uma referência a uma frase carregada de humor comumente utilizada na internet, conferindo à
publicação um tom polêmico de luta e espera por uma batalha que está por vir.
382
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Por meio da publicação é possível perceber, portanto, que imagens de mulher guerreira
dotada de inteligência, astúcia e malícia são conferidas à personagem fictícia. Elementos
linguísticos como “jogos”, “sorte” e “eu vou atacá [sic]” contribuem para a projeção dessas
imagens.
A última publicação analisada contém a simulação de um diálogo fictício criado para
comentar um acontecimento do cenário político nacional.
Fonte: https://goo.gl/yg1Rm8
383
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
livra!” também colabora para levar o internauta ao riso, assim como a expressão “13js”, que
finaliza o diálogo sem dar chance de resposta a seu interlocutor, além de ser uma referência ao
número do PT, o partido de Dilma Rousseff. Um ar autoritário pode ser conferido a ela, que
provoca humor por meio de respostas atrevidas inimagináveis num diálogo real entre duas
personalidades políticas.
Referências
BONHOMME, Marc. A caricatura política. In: Análises do Discurso Político. Editora FALE/UFMG.
2016.
CHARAUDEAU, Patrick. Discurso Político. 2.ed. Trad. Fabiana Komesu e Dilson Ferreira da Cruz.
São Paulo: Contexto, 2006.
384
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
MAIA, Rousiley. (Coord). Mídia e Deliberação. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2008.
ZEPEDA, Andrés Valdez; FRANCO, Delia A. Huerta; PRECIADO Octavio Adolfo Perez. O humor
na estratégia de persuasão durante as campanhas eleitorais. Revista Brasileira de Ciências Políticas,
Brasília, n.13, abr. 2014.
385
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Rafael Medeiros2
Gláucio Antônio Santos3
Universidade Federal de Ouro Preto
Nísio Teixeira4
Universidade Federal de Minas Gerais
Resumo
As rádios universitárias públicas, embora tenham incorporado alguns aspectos das emissoras
pioneiras na radiodifusão nacional, têm se configurado com características próprias e bem
delimitadas. Uma dessas características diz respeito ao local privilegiado das emissoras
universitárias públicas para a difusão do conhecimento produzido na universidade. Este estudo
teve como objetivo analisar a produção de divulgação científica na Rádio UFMG Educativa e
UFOP Educativa. A organização metodológica do trabalho tem como base o mapeamento dos
conteúdos identificados como de divulgação científica nas duas emissoras. As rádios
universitárias prestam um importante serviço à população, decodificando a informação
científica de interesse público para uma linguagem acessível a uma audiência múltipla.
Abstract
Public university radio, although incorporating some aspects of the pioneer broadcasters in
national broadcasting, has been configured with its own characteristics and well defined. One
of these characteristics concerns the privileged location of public university broadcasters for
the dissemination of knowledge produced at university. This study aimed to analyze the
production of scientific dissemination at UFMG Educativa Radio and UFOP Educativa. The
methodological organization of the work is based on the descriptive analysis of the contents
identified as of scientific dissemination in the two stations. University radio stations provide an
1
Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho Estudos Interdisciplinares, do XI Encontro dos Programas de Pós-
Graduação em Comunicação de Minas Gerais.
2
Graduado em Jornalismo (UFMG) e em Publicidade e Propaganda (PUC Minas), Mestrando do Programa de
Pós-Graduação em Comunicação (UFOP), e-mail: rfmedeiros13@gmail.com/.
3
Graduado em Comunicação Social/Jornalismo (IES/FUNCEC), Mestrado em Educação (UFOP), e-mail:
glaucioasantos@gmail.com/.
4
Doutor em Ciências da Informação (UFMG), Professor Adjunto vinculado ao Departamento de Comunicação
Social da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais, e-mail:
nisiotei@gmail.com/.
386
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
important service to the population by decoding scientific information of public interest into a
language accessible to a multiple audience.
Keywords: scientific divulgation; university radio; Rádio UFOP Educativa; Rádio UFMG
Educativa; public interest.
Introdução
Como desdobramento de uma pesquisa mais abrangente5, o artigo tem como foco a
divulgação científica abordada enquanto um serviço das universidades públicas para a
população, como uma forma de compromisso social e de galardão ao que é investido nas
pesquisas dessas instituições. O estudo originário analisou a programação das rádios UFOP
Educativa e UFMG Educativa e encontrou três aspectos característicos das rádios universitárias
públicas: o espaço universitário (plural, democrático e abrangente), a divulgação científica e a
formação complementar.
No viés da divulgação científica, os programas veiculados pelas duas emissoras e
produzidos por diferentes departamentos das universidades foram evidenciados como
importantes meios de divulgação do conhecimento gerado nessas instituições. Aqui essas
produções serão analisadas levando em conta suas temáticas, áreas do conhecimento e
conteúdos tendo em vista o entendimento de divulgação científica enquanto “o uso de processos
e recursos técnicos para a comunicação da informação científica e tecnológica ao público em
geral”. (BUENO apud ALBAGLI, 1996, p. 397).
Através da divulgação científica, as rádios universitárias públicas conseguem aproximar
um dos aspectos mais restritivos da universidade (seja pelo acesso ou pela dificuldade de
entendimento) ao público geral. Essa aproximação ganha em importância ao verificarmos o
acercamento entre as pesquisas realizadas na universidade e a vida cotidiana da população.
A organização metodológica do trabalho é pensada com base na análise dos conteúdos
identificados como de divulgação científica na Rádio UFMG Educativa e UFOP Educativa. A
pesquisa abarca o caminho metodológico proposto por Debora López (2007) para estudo do
radiojornalismo na era digital e, assim, utiliza em primeira instância a pesquisa bibliográfica
como um meio de “conhecer, ao menos inicialmente, as características e objetivos dessas
5
A pesquisa que originou o presente trabalho analisou a programação das rádios UFMG Educativa e UFOP
Educativa buscando características que pudessem configurar as emissoras universitárias públicas como um
modelo específico de rádio dentro do sistema brasileiro de radiodifusão. Os desdobramentos já publicados da
pesquisa tratam do histórico das rádios universitárias (MEDEIROS; TEIXEIRA, 2018a), do modelo de
programação (MEDEIROS; TEIXEIRA, 2018b) e do caráter público da comunicação nessas emissoras
(MEDEIROS; TEIXEIRA, 2018c).
387
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
emissoras [...] no momento de sua criação” (LÓPEZ, 2007, p. 7). Nesse sentido, o histórico das
emissoras é indicado destacando as configurações inerentes às iniciativas de divulgação do
conhecimento universitário que ajudaram a formatar a identidade dessas rádios.
Quando colocada em contexto dos tempos de emissão e dos tempos sociais, a segunda
fase é importante para entender os modelos de programação e produção de conteúdo das
emissoras porque é o momento de “imergir no objeto, buscando nele e fora dele seus dados –
através de distintas estratégias metodológicas –; detalhando e questionando teorias e autores
através da pesquisa bibliográfica;” (id. ibid). Nessa fase foi feita a análise da programação das
duas emissoras atualizada a partir de levantamento realizado preliminarmente na pesquisa
inicial através da escuta sistematizada e de documentos fornecidos pelas rádios.
A terceira fase propõe para o “pesquisador cruzar e analisar os dados obtidos nas etapas
anteriores através de técnicas de pesquisa qualitativa e análise das variáveis detectadas”
(LÓPEZ, 2007, p. 12). Aqui a pesquisa bibliográfica, a escuta sistematizada e análise
documental foram reunidas para possibilitar o viés analítico da pesquisa a partir da descrição
do conteúdo de divulgação científica veiculado pelas rádios UFMG Educativa e UFOP
Educativa. Nas duas emissoras observadas, os conteúdos de divulgação científica são, em sua
maioria, veiculados em programetes6 produzidos pela comunidade acadêmica e pelas próprias
equipes das emissoras.
6
Programetes são programas de curta duração com temas especializados. Mesmo que não haja um manual técnico
que indique as configurações desse tipo de conteúdo, por convenção são definidos como “pílulas” com menos
de cinco minutos de duração. Na Rádio UFOP Educativa é estabelecido que essas produções tenham no máximo
três minutos, já na Rádio UFMG Educativa a duração é variável.
388
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
maneira amadora, a Rádio da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS) tinha
estabelecida uma programação que privilegiava a divulgação do conhecimento produzido na e
temas específicos de educação e cultura. “Desse modo, uma das primeiras características das
emissoras universitárias públicas é o reconhecimento da pluralidade cultural através de espaços
destinados para diferentes públicos”. (DEUS, 2005, p. 91).
Conforme destaca documento oficial da UFRGS, citado no trabalho de Zuculoto (2012),
inicialmente a programação da rádio “era constituída tão somente de boletins informativos
sobre as atividades acadêmicas, formaturas, boletins astronômicos e assuntos diversos ligados
à Universidade. Posteriormente começaram as irradiações de música [...]” (UFRGS apud
ZUCULOTO, 2012, p. 128-129).
Embora a divulgação científica esteja presente no jornalismo de forma geral é preciso
destacar a condição privilegiada das rádios universitárias no sentido de proximidade com a
produção científica e assim a possibilidade de explorar o conteúdo e decodificar de maneira
mais correta e responsável a informação técnica que será transmitida ao ouvinte. Ao decodificar
essa informação pensando nos diferentes tipos de ouvintes que elas abrangem, as rádios,
enquanto públicas e universitárias, têm o reconhecimento de seu papel dentro da própria
universidade e, sobretudo, entre a população. Herrera Huérfano (2001) destaca a função que as
emissoras universitárias devem desempenhar como rádios dedicadas a conteúdos de interesse
público:
Pensar em diferentes públicos e, sobretudo, nestes como grupos capazes de se
desenvolverem e crescer implica assumir, a partir da produção radiofônica, o objetivo
de informar, educar (mais que simplesmente entreter) e assumir um sistema de
radiodifusão como serviço de interesse público. (HERRERA HUÉRFANO, 2001, p.
66, tradução nossa7)
7
Pensar en diferentes públicos y, sobre todo, en éstos como grupos capaces de desarrollarse y crecer implica
asumir, desde la producción de radio, el objetivo de informar, educar (más que el de simplemente entretener) y
asumir un sistema de radiodifusión como servicio de interés público.
389
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Ora, mais uma vez fica visível a função pública e social das emissoras universitárias
federais, sua aproximação com a população, com as próprias características potenciais das
universidades públicas - abrangentes, democráticas, múltiplas. No mesmo sentido, Bueno
(2010) considera que a divulgação científica cumpre função primordial:
Democratizar o acesso ao conhecimento científico e estabelecer condições para a
chamada alfabetização científica. Contribui, portanto, para incluir os cidadãos no
debate sobre temas especializados e que podem impactar sua vida e seu trabalho, a
exemplo de transgênicos, células tronco, mudanças climáticas, energias renováveis e
outros itens. (BUENO, 2010, p. 5)
Nas rádios UFMG Educativa e UFOP Educativa a noção de divulgação científica como
instância do caráter público das emissoras é bastante relevante. Como será verificado adiante
na análise descritiva dos programetes, existem conteúdos de diversas áreas do conhecimento
que realizam esse papel de democratizar o acesso ao conhecimento científico e levar informação
relevante em linguagem simples para abranger o maior número de ouvintes.
A partir da exposição da importância da divulgação científica para a comunidade e do
estado privilegiado em que se encontram, mais que uma escolha, “as rádios universitárias têm
o dever e a responsabilidade social de informar e esclarecer a população sobre as pesquisas
científicas produzidas nas universidades” (ASSUMPÇÃO, 2003, p. 44).
8
A vertente que trata da formação complementar se refere à possibilidade da Rádio UFMG Educativa servir como
espaço laboratorial para alunos e para colaboradores externos que produzem conteúdo na emissora. Já a base que
expressa o caráter alternativo da emissora evidencia que o conteúdo de sua programação e os formatos dos
programas devem ser diferente dos veiculados por emissoras comerciais. Conforme destacam Medeiros e
Teixeira (2018b), a emissora consegue seguir de maneira bastante satisfatória as convenções do “tripé editorial”.
390
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
comunidade em geral dos projetos desenvolvidos na Universidade, que são abertos a um público
que nem sempre tem acesso a essa informação.
Dentro da ideia de que esta é uma universidade pública, precisamos mostrar para a
sociedade os projetos de pesquisa, ensino e extensão que compõem a missão desta
instituição e também o que esta Universidade tem a dizer sobre os assuntos do nosso
cotidiano. (SANTOS, 2014, p. 10)
9
O trabalho apresenta como programas principais aqueles de longa duração, com fôlego de produção, que
incorporam outros conteúdos em sua matriz ou que são transmitidos ao vivo. Na Rádio UFMG Educativa eles
são quatro: Universo Literário, Conexões, Expresso 104,5 e Noite Ilustrada.
391
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Professora da Faculdade de
Direito da UFMG e Questões gerais sobre o direito a
Direito é música Desembargadora do Tribunal partir temáticas de músicas
Regional do Trabalho de Minas populares.
Gerais
392
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Assessoria de Comunicação
Informações e orientações gerais
Saúde com ciência Social da Faculdade de
sobre saúde e bem estar.
Medicina da UFMG
Como é evidenciado no quadro acima, uma vez que as produções são feitas por
diferentes agentes de variegados núcleos da Universidade há igualmente uma diversidade de
temáticas abordadas que impactam de maneira direta a vida dos ouvintes ou exteriorizam o
conhecimento produzido dentro desses núcleos para além dos muros do campus. Essa função
dos programas de divulgação expõe uma das características fundantes das rádios universitárias
públicas conforme aponta Sandra de Deus (2003), a partir das reflexões de Herrera Huérfano
(2001):
a função social de uma rádio universitária é oferecer uma produção que cubra a maior
parte dos setores da população. Isso não significa somente que deve atingir o maior
número de ouvintes, mas oferecer uma programação que corresponda aos interesses
de diferentes setores da população. Significa que as rádios universitárias públicas não
podem estar voltadas à divulgação de uma só forma de expressão, cultura, arte ou
pensamento, mas sim, especialmente, a todas aquelas que os modelos de radiodifusão
comercial ignoram. (DEUS, 2003, p. 310-311)
393
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Os demais programetes são produzidos por professores e núcleos das mais diversas
áreas do conhecimento, tratando de temas como astronomia, saúde, nutrição, história, dança,
direito, música, literatura, direito da população LGBT e administração. Como será possível
verificar adiante, a Rádio UFOP Educativa também privilegia a diversidade temática e a
participação da comunidade universitária na produção desse tipo de conteúdo.
394
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
2025). O primeiro documento norteia à linha editorial dos veículos de comunicação da FEOP à
serviço da UFOP:
(...) têm como princípio servir de interlocução entre a academia e a comunidade como
um todo. Para isso, deve-se utilizar os veículos de mídia eletrônica, de rádio, de
televisão e de novas tecnologias para a difusão de programas voltados para educação,
cultura... preservação da memória, da história regional e nacional, veiculação de
produção musical de qualidade, incentivo ao debate e à reflexão, divulgação de
projetos e de resultados de pesquisa científica, campanhas de conscientização e de
cidadania. (UFOP, 2010)
Com base nestas orientações, a Rádio UFOP busca priorizar divulgações institucionais
da Universidade e a produção de conteúdo de interesse das populações das regiões onde a
Universidade Federal de Ouro Preto está inserida. A divulgação científica, por exemplo, é
pensada a partir de situações cotidianas das cidades de Ouro Preto e Mariana, onde a instituição
de ensino mantém campi10. Atualmente, a equipe de trabalho da emissora está dividida da
seguinte forma: Núcleo de Programação: Conteúdo e Entretenimento, Núcleo de Comunicação
Pública Científica, Núcleo de Jornalismo Educativo e Núcleo de Captação de Áudio, Edição e
Sonoplastia.
Acessibilidade em
2016/2017 Informações sobre direitos das pessoas com deficiência
Debate
10
Um terceiro campus está instalado em João Monlevade – MG, distante 150 km de Ouro Preto. No entanto, o
sinal da Rádio UFOP Educativa não chega até essa cidade.
11
O Projeto Memória Rádio UFOP tem como objetivo construir e preservar a memória da emissora. Através de
depoimentos e documentos, o projeto possibilitou a construção de um inventário das produções e a investigação
das origens da Rádio UFOP Educativa.
395
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
(continuação)
396
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
397
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
398
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
a divulgação científica também seja feita através dos programas jornalísticos, de entrevistas na
programação geral das emissoras, os programetes, quase em sua totalidade, têm esse papel
dentro das rádios.
No caso das duas emissoras em questão, a participação ativa da comunidade acadêmica
aponta também para um modelo diferenciado do fazer rádio a partir de uma atuação
colaborativa entre profissionais da comunicação e não profissionais da comunicação. Se por
um lado existe o desafio dos cientistas em levar ao público a sua produção de conhecimento,
por outro lado pode haver também por parte dos profissionais da comunicação determinada
falta de domínio para tratar da diversidade de temas.
Embora essa última questão não seja tema central deste estudo é possível afirmar que o
público das emissoras públicas educativas é beneficiado pela difusão do conhecimento
produzido em ambas as universidades a partir de um trabalho conjunto que se completa.
Considerações finais
As experiências de divulgação científica no rádio universitário estão presentes desde o
início dessas emissoras ainda na década de 1950. Se primitivamente o interesse da divulgação
científica nas rádios universitárias era dar visibilidade à universidade em ações limítrofes entre
399
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Referências
ALBAGLI, Sarita. Divulgação Científica: informação científica para a cidadania? Revista Ciência da
informação, Brasília, v. 25, n. 3, p. 396-404, 1996.
ASSUMPÇÃO, Zeneida Alves de. Rádio universitária: vetor de comunicação científica entre o
especialista e o radiouvinte. Publicatio UEPG: Ciências Humanas, Ciências Sociais Aplicadas,
Lingüística, Letras e Artes, v. 1, p. 39-49, 2003.
HERRERA HUÉRFANO, Eliana del Rosário. Apuntes para pensar la producción radial desde la
academia. Signo y Pensamiento, Bogotá, n. 38, p. 64-71, 2001.
LÓPEZ, Debora Cristina. Estudar radiojornalismo na era digital: uma revisão metodológica. In: Anais
do 5º Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo. Universidade Federal de Sergipe, 2007.
400
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
MEDEIROS, Rafael; TEIXEIRA, Nísio. Bases históricas para os modelos de programação das rádios
universitárias públicas. In: Anais do V Encontro Regional Sudeste de História da Mídia. Belo
Horizonte: Alcar, 2018a.
MEDEIROS, Rafael; TEIXEIRA, Nísio. A programação das rádios universitárias públicas: estudo a
partir da Rádio UFMG Educativa. In: Revista Temática, v. 11, n. 1, nov. 2018. João Pessoa: UFPB,
2018b.
MEDEIROS, Rafael; TEIXEIRA, Nísio. Comunicação de caráter público na programação das rádios
universitárias. In: e-Com, v. 11, n. 1, nov. 2018. Belo Horizonte: UniBH, 2018c.
SANTOS, Gláucio. Rádio UFOP ultrapassa 500 programetes com 17 produções. 20 de outubro de
2017. Disponível em: <http://www.ufop.br/noticias/comunicacao/radio-ufop-ultrapassa-500-
programetes-com-17-producoes>. Acesso em: 02 ago. 2018.
UFOP. Universidade Federal de Ouro Preto. Resolução Cuni n° 1079. Projeto Acadêmico e de
Desenvolvimento Institucional para o Sistema de Comunicação Integrada na UFOP - versão 2010.
Disponível em <https://www.radio.ufop.br/editais/diretrizes-de-trabalho-da-radio-ufop-educativa>.
Acesso em 8 de out.2018.
VIEIRA, Ana Maria. Infância feliz: Rádio UFMG Educativa comemora dois anos de criação
ampliando programação para ouvintes. In: Boletim UFMG, n. 1583, ano 33, 24 set. 2007.
401
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Resumo
Abstract
Free Party Propaganda (PPG) was, until 2017, the main instrument of communication of
political parties in Brazil, when the National Congress decided to exclude it from the
democratic rite. However, the pieces exhibited since 2014, the year of the last presidential
election, recorded aspects of great relevance, since they occurred amid an unprecedented
political crisis. The article proposes an analysis of the advertisements of the PT exhibited in
the period from 2014 to 2017. The symbiosis between the fields of communication and
politics and the concept of permanent campaign constitute the theoretical foundation. In the
scope of analysis, a critical look at how one of the largest parties in the country developed
1
Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho 5 (Estudos Interdisciplinares), do XI Encontro dos Programas de
Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais, 18 e 19 de outubro de 2018.
2
Doutorando em Comunicação pela Universidade Paulista – UNIP e mestre em Comunicação pela Universidade
Federal de Juiz de Fora - UFJF. E-mail: vini-bg@hotmail.com.
3
Mestranda em Comunicação pela Universidade Federal de Juiz de Fora. E-mail:
marianemottadecampos@hotmail.com.
4
Professor orientador. E-mail:luizoli@ufsj.edu.br.
402
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
their narratives amid a rejection of the legend and also of every party system, based on
Content Analysis (Bardin, 2011).
Introdução
Ao analisar a democracia brasileira, Santos (1993) afirma que o país se estruturou a
partir de uma institucionalização precária, já que as regras mudam facilmente e de acordo com
os interesses dos grupos dominantes. Além disso, o processo democrático brasileiro passou
por vários momentos de ruptura, como os golpes militares em 1937 e 1964. Em 1985, iniciou-
se finalmente o processo de consolidação democrática e o fato de termos chegado à sétima
eleição presidencial (1989, 1994, 1998, 2002, 2006, 2010, 2014) parecia indicar o
fortalecimento da democracia, porém a política brasileira ainda sobre interferências de grupo
dominantes e de interesses dos mesmos.
Nessa democracia marcada pela instabilidade institucional, Souza (2016) trata o
impeachment da presidente como um golpe orquestrado desde as manifestações de 2013 pelas
elites. O sociólogo analisa como a direita apropriou-se das Jornadas de Junho naquele ano e a
partir daí estruturou-se uma tomada de poder a partir de uma conjugação de forças políticas de
direita oposicionistas aos governos do PT, de movimentos sociais conservadores que surgiram
na onda do ativismo digital como o “Movimento Brasil Livre” (MBL) e o “Vem pra Rua”, de
fortes grupos econômicos (como a Fiesp), além de respaldo em agentes do Judiciário.
Para o presente artigo, serão analisados seis programas da Propaganda Partidária
Gratuita do PT que foram ao ar de 2014 a 2017, que acabaram influenciadas, de modo central,
pelos fatos atípicos verificados no período. Para isso, será utilizada a Análise de Conteúdo
(BARDIN, 2011).
É notório como a interface comunicação e política tornou-se um assunto relevante,
principalmente em função do atual contexto político no qual o Brasil está inserido. Diante de
um processo de impeachment, decorrente de acusações de manipulação a diferentes mídias e
face à consolidação de mídias digitais do ciberespaço (Mídia Ninja, por exemplo) e diante
uma crise política e de representação discutir esse tema torna-se importante. O estudo traz
uma abordagem que busca compreender a comunicação política, tendo em vista a importância
da Propaganda Partidária Gratuita sob o aspecto da Campanha Permanente. A partir disso, é
importante discutir o fim da PPG que pode representar um enfraquecimento da democracia,
na medida em que retira comunicação partidária dos meios massivos e impede que haja uma
403
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
maior prestação de contas, bem como discutir quais foram as estratégias do Partido dos
Trabalhadores no PPG durante esse período de instabilidade política.
404
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
405
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
mulheres o tempo que será fixado pelo órgão nacional de direção partidária, observado o
mínimo de 10% (dez por cento).
No entanto, a PPG foi extinta em 2017. A Lei n°13.487, de 6 de outubro de 2017, em
seu art. 5º, extinguiu a propaganda partidária no rádio e na televisão a partir de 1º de janeiro
de 2018, ao revogar os artigos 45, 46, 47, 48, 49 e o parágrafo único do artigo 52 da Lei dos
Partidos Políticos (9096/95). A motivação dos congressistas foi a possibilidade de aumentar
os recursos do fundo partidário, uma vez que as emissoras dispunham de isenção fiscal para a
exibição da PPG.
A comunicação de quem ocupa o poder ou de quem está na oposição está atrelada à
luta pela manutenção e conquista do mesmo. A campanha eleitoral não se encerra no
escrutínio, mas prossegue no exercício do governo. O nome dado a esta característica é de
Campanha Permanente.
Se observarmos o accountability feito por governos e governantes no espaço do PPG,
percebe-se que as ações comunicativas não se resumem a uma republicana prestação de
contas, mas atuam como propaganda do partido em vista de sua legitimação para obter apoio
popular e a concretude do voto em vindouras eleições.
Heclo (2000) aponta seis características da simbiose entre as ações de governo e ações
de campanha: (1) a mudança dos papeis de partidos políticos – mais fracos em mobilização e
recrutamento de candidatos e mais intensos nas ideologias, peculiaridades sociais e ataques;
(2) expansão de um sistema aberto e extenso de grupos de interesses políticos; (3) as novas
tecnologias de comunicação de uma política moderna; (4) as novas tecnologias políticas,
especialmente as relações públicas; (5) a crescente necessidade de financiar a política; (6) o
aumento das expectativas para todos os atores, no ativismo do governo.
Noguera (2001) lembra que o fortalecimento dos meios de comunicação e a
consequente midiatização da sociedade acabaram por transformar as relações entre governos e
sociedades. Os fluxos comunicativos substituem velhas estruturas hierárquicas e faz com que
os governantes estabeleçam uma comunicação constante com o público, abandonando ações
autoritárias.
A aproximação entre esses campos e a espetacularização da vida política contribuem
para um novo olhar sobre o que podemos chamar de campanha permanente. A mídia, segundo
Heclo (2000), também contribui para a percepção de um estado de permanente disputa. A
imprensa desmistifica determinadas ações e desvela os reais significados de ações políticas,
historicamente sempre voltadas à disputa pelo poder. Porém, essas disputas saem dos
bastidores e ganham palco e voz nos meios de comunicação.
406
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
407
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
408
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
409
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
com uma política econômica caracterizada pela austeridade fiscal e calcada em medidas
impopulares5, o PT busca associar sua imagem às bandeiras históricas e às pautas que, mesmo
polêmicas, dialogam com as bases do partido.
5
Uma das medidas mais impopulares do segundo governo Dilma foi a revisão da regra do seguro desemprego.
Ao invés de um mínimo de seis meses de carteira assinada para que o trabalhador tenha o direito ao benefício, o
período foi ampliado para um ano e seis meses.
410
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
411
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
não é a origem do discurso, mas enquanto sujeito discursivo, traz as marcas históricas e o
contexto social – aspectos extremamente relevantes em qualquer formação discursiva.
Além da memória, aspectos ligados a fatores ideológicos implicam esta categoria.
Como apontado por Bobbio (1995), parte-se da perspectiva de compreender o espectro direita
e esquerda sob o prisma da raiz das desigualdades: enquanto uma visão de que elas são
fenômenos naturais, estão mais ligadas à direita; à perspectiva de que elas são frutos das
conjunturas sociais, aproximam-se da esquerda.
Há uma percepção de tendência centrípeta com relação aos grandes partidos. Estes são
chamados de partidos catch all (KIRCHMER, 1966). Na perspectiva de atingir todo
eleitorado, as legendas tendem a não radicalizar seus discursos. Se essa é uma tendência, vale
aferir se esta foi mantida no período analisado. O PT utilizou a PPG de modo a retomar
bandeiras historicamente ligadas à sua origem. Tido como maior partido de esquerda do país,
a legenda caminhou para a centro-esquerda após a eleição de Lula em 2002. O partido
também se aliou a partidos de direita e compôs uma coalizão bastante diversificada.
Se a opção em 2014 foi defender o governo Dilma e passar longe de pautas polêmicas
e bandeiras ideológicas, a partir de 2015 o partido voltou a evocar seu histórico e a defender
bandeiras polêmicas, o que também reflete um aceno às suas bases num momento de forte
crise da imagem da legenda. A primeira propaganda de 2015, exibida em 5 de abril, apresenta
um grupo de pessoas erguendo cartazes, no que representa uma manifestação, exibindo
posicionamentos do partido.
Contra a impunidade e em favor do combate incessante à corrupção. Contra a volta
da inflação e em favor do crescimento econômico. Contra a redução da maioridade
penal e a favor da igualdade de gêneros. Contra a terceirização e em defesa dos
direitos trabalhistas (PARTIDO DOS TRABALHADORES, 5 de abril de 2015).
412
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Imagem do país
A categoria “imagem do país” refere-se à construção ou desconstrução da ideia de
Brasil de acordo com o posicionamento de cada partido nas determinadas conjunturas. A
formulação da realidade brasileira atende aos interesses mais ligados ao governismo –
imagem positiva – e ao oposicionismo – imagem negativa. É na propaganda partidária que
ressoam temáticas específicas e conjunturais, agendadas pela influência midiática e abordadas
pelas legendas.
Há uma clara diferenciação entre o Brasil antes dos governos do PT e o Brasil após a
chegada do partido ao poder. O PT se apoia sempre nos principais programas das gestões do
partido. Essas marcas são exaustivamente utilizadas e constituem uma visão ufanista do
Brasil. O partido explora a autoestima do brasileiro e sempre cria a ideia de que o que já está
bom pode ser ainda melhor. Dessa forma, vai solidificando a imagem de um país que vence os
desafios e que se torna grande por intermédio de seu povo trabalhador.
413
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Propaganda Negativa
Tenório (2011) identifica o ataque como uma das ênfases principais da PPG, o que
também leva esta análise a considerar o tópico como uma categoria qualitativa. Noguera
(2011), como citado no item sobre Campanha Permanente, lembra a existência do chamado
marketing de oposição, ou seja, a propaganda engendrada por forças políticas para criticar
governos de partidos adversários.
Os ataques presentes nas propagandas petistas foram direcionados, em grande medida,
de modo indireto. Isto é, não houve citação objetiva de partidos ou pessoas, mas uma
referência ao universo do “eles” contra o “nós”. Colocando-se como partido que se identifica
com o povo, o PT cria a ideia de que todos que lutam contra o partido também estão contra a
população. Ao unificar o ataque num grupo genérico, o partido evita tornar o debate
complexo e garante um discurso ligado ao maniqueísmo e que favorece a narrativa de defesa
dos governos petistas, já que faz comparações com períodos anteriores, identificados de modo
negativo.
O ataque indireto foi a tônica geral, que passou a dividir espaço com as citações
diretas ao governo Temer. O PT constrói a narrativa de disputa entre o próprio partido e várias
forças que se unem contra ele. É uma estratégia também de defesa, já que a legenda foi a mais
alvejada pelos opositores no período de crise – o partido sofreu o impeachment e luta para
garantir a candidatura de seu principal quadro.
414
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
415
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Considerações finais
O enredo principal do período de análise das propagandas foi o impeachment de Dilma
Rousseff. O PT, partido da presidenta eleita, constrói a narrativa do golpe parlamentar. Seu
foco se dá, sobretudo, antes da conclusão do processo, quando alerta para o risco de uma crise
política associada à crise econômica. No entanto, de modo surpreendente, o partido não foca
sua narrativa na condenação do processo, que é tratado de maneira apenas secundária e
superficial. Considerando os aspectos citados da Campanha Permanente, o foco do PT é
pensar no próximo escrutínio quando pretende lançar Lula como candidato. Dessa forma, o
destaque para a figura do pré-candidato, já tratado como nome da legenda para a Presidência,
é a tônica central. Mesmo no período em que Dilma estava no governo, a defesa da imagem
do partido prevalece com relação à defesa da desgastada imagem da governante, que aparece
de modo muito tímido nas propagandas de 2015. A sobrevivência do partido prevalece acima
da sobrevivência do governo.
Contrariando perspectivas de que o desgaste dos partidos políticos implicaria num
distanciamento do discurso político tradicional, o PT voltou sua narrativa para a memória
histórica e afetiva da legenda, tanto ao recuperar traços do trabalhismo histórico, como ao
destacar ainda mais a figura de Lula. Nota-se a prevalência da narrativa do “Brasil do PT” e a
consolidação discursiva do partido como representante dos mais pobres.
Este fenômeno pode ser explicado tanto pelos interesses eleitorais da legenda,
calcados no “lulismo”, quanto na necessidade de reafirmar a posição da sigla no cenário
político desgastado. Como partido com lastro histórico, o PT precisa se dirigir à militância e
simpatizantes a fim de solidificar sua imagem e reafirmar à sociedade a razão de sua
existência, num momento em que todos os partidos políticos vivenciam uma crise de
representação.
O fim da PPG representa um enfraquecimento da democracia, na medida em que retira
a comunicação partidária dos meios massivos e impede que haja uma maior prestação de
contas. Embora sejam constatadas características que fogem do objetivo central da
propaganda, há a prevalência do foco no partido, como aponta Tenório (2011) e como
também esta análise verifica. O fortalecimento da democracia passa pela ampliação dos
espaços de consolidação do debate político.
Referências
416
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
BIROLI, Flávia; MIGUEL, Luiz Felipe. Notícias em disputa: mídia, democracia e formação de
preferências no Brasil. São Paulo: Contexto, 2017.
BOBBIO, Norberto. Direita e esquerda: razões e significados de uma distinção política. São Paulo:
Unesp, 1995.
BRAGA, José Luiz. Circuitos versus campos sociais. In: MATTOS, M.A.; JANOTTI JÚNIOR, J.; e
JACKS, N. (Orgs). Mediação & Midiatização. Salvador: EDUFBA, 2012, p.29-52.
BRASIL, Constituição Federal (1988). Lei nº 9.096 de 19 de setembro de 1995. IN: Constituição da
República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 2011.
HECLO, H. Campaign in gand governing: a conspectus. In: ORNSTEIN. N. J.; MANN, T. E. (Eds.);
The Permanent Campaign and Its Future. Washington D.C.: American Enterprise Institute and The
Brookings Institution, 2000. p. 1-37.
LEAL, Paulo Roberto Figueira. A nova ambiência eleitoral e seus impactos na comunicação política.
Juiz de Fora, Revista Lumina n°2, p. 66-67, jul/dez 2002.
LIMA, Venício de. Mídia. Crise política e poder no Brasil. São Paulo: Perseu Abramo, 2006.
MIGUEL, Luís Felipe; BIROLI, Flávia (Org.). Mídia representação e democracia. Editora Hucitec.
São Paulo: 2010.
SANTOS, Wanderley Guilherme. Democracia impedida. Rio de Janeiro: Editora da FGV, 2017.
SINGER, André. Raízes sociais e ideológicas do lulismo. Novos Estudos, n. 85, p. 83-102, nov.
2009.
417
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
418
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Resumo
Abstract
The work aims to discuss, in the light of Gramsci 's concept, the hegemony of Rede Globo de
Televisão, considering hegemony as a way of producing consensus. In addition, he presents and
discusses issues related to the Brazilian culture of watching television and the commercial birth
of TV in Brazil have given conditions for the TV to be hegemonic among the media today. The
research also presents reflections on the television "culture" of the Brazilian; the concept of
culture and its emergence. From this, cultural hegemony is discussed as a set of dominant ideas
of a certain social, political, cultural and economic conjuncture. Bibliographic research is
associated with the analysis of the audiovisual materiality of an edition of Jornal Nacional. The
1
Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho 5 – Estudos Interdisciplinares, do XI Encontro dos Programas de
Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais, 18 e 19 de outubro de 2018.
2
Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Juiz de Fora. Bolsista
Capes. E-mail:vitoralmeida_cefet@hotmail.com.
3
Orientadora do trabalho. Professora Doutora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade
Federal de Juiz de Fora, e-mail: iluskac@uol.com.br.
4
Orientador do trabalho. Professor Doutor da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal de Juiz de Fora,
e-mail: márcio.guerra@ufjf.edu.br.
419
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
main question that seeks to be answered in this work is how the hegemony of Rede Globo de
Televisão was built.
420
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Raymond Williams define cultura como “relações entre elementos em um modo de vida
global” (WILLIAMS, 2001, p. 63). Ainda, como o modo e a forma como a sociedade é
concebida e vivida pelas pessoas. Além disso, relacionando comunicação e cultura, ele diz que
não são apenas formas, mas meios de produção uma vez que a comunicação e seus
meios materiais são intrínsecos a todas as formas humanas de trabalho e de
organização social, constituindo-se, assim, em elementos indispensáveis tanto para
forças produtivas quanto para as relações sociais de produção. (WILLIAMS, 2001, p.
69)
A partir do conceito de cultura, passa-se a analisar a cultura de massas. Ela pode ser
definida como o conjunto de produtos da chamada indústria cultural. Essa cultura de massas
inclui todos os tipos de expressões culturais feitas para atingir a maioria da população, gerando
produtos para o consumo; em um claro viés capitalista na lógica da produção e consumo em
grande escala. O capitalismo industrial utiliza a cultura de massa para padronizar e
homogeneizar os produtos, que são consumidos pela maioria das pessoas. No capitalismo
tardio, a cultura se converte em mercadoria, e a televisão entra nesse aspecto por ser um veículo
de comunicação de massas.
A televisão é um sistema de reprodução de imagens e sons.
Funciona a partir da análise e conversão da luz e do som em ondas eletromagnéticas
e de sua reconversão. As câmeras e microfones captam as informações visuais e
sonoras, que são em seguida convertidas de forma a poderem ser difundidas por meio
eletromagnético ou elétrico, via cabos; o televisor capta as ondas eletromagnéticas e
através de seus componentes internos as converte novamente em imagem e som.
(CyberCollege, 2003)
421
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
sua produção infantil, o Sítio do Pica-Pau Amarelo, baseado em obra de Monteiro Lobato,
exibido uma vez por semana, e reapresentado também na emissora dos Associados no Rio de
Janeiro.
Em Minas Gerais, a televisão começou a operar em 8 de setembro de 1955, com a TV
Itacolomi canal 4 de Belo Horizonte.
Em 1956, Victor Costa, proprietário da TV Paulista, encomenda a Manuel da Nóbrega
um programa humorístico para competir com as concorrentes, usando o elenco que já existia
na Rádio Nacional. Assim, surgiu a “Praça da Alegria”, formato que está no ar até hoje com o
nome de “A Praça é nossa”.
Praça da Alegria, um dos marcos do humor na televisão brasileira, foi criada em 1956
por Manoel da Nóbrega. Sentado no banco de uma praça, inspirada em milhares de
outras espalhadas pelo país, ele era observador, ouvinte e interlocutor de personagens
cômicos que se tornaram ícones do imaginário brasileiro, como a Velha Surda (Rony
Rios) e Pacífico (Ronald Golias), entre muitos outros. O humorístico estreou na TV
Paulista e, em 1958, passou a ser exibido na TV Rio. Em 1963, mudou-se para a TV
Record, que o exibiu até 1970. Em 1977, um ano após a morte de Manoel da Nóbrega,
a Globo voltou a exibir o programa, como forma de homenagear seu criador. O
primeiro Praça da Alegria teve direção de Mário Lúcio Vaz, e os seguintes foram
dirigidos por Carlos Alberto Loffler. Carlos Alberto da Nóbrega (filho de Manoel da
Nóbrega) era responsável pela redação final do programa. O tema de abertura de Praça
da Alegria era o mesmo das versões anteriores: a canção A Praça, composta por Carlos
Imperial e gravada por Ronnie Von. Os versos da música pareciam ter sido escritos
para proclamar a longevidade do programa: “A mesma praça/ o mesmo banco/ as
mesmas flores/ no mesmo jardim”. O espírito da Praça era o mesmo, mas dessa vez
quem ocupava seu banco era Luís Carlos Miele. Era ele quem contracenava com os
personagens antológicos do programa, que ainda conservavam intacto seu apelo
popular. No final de 1977 e em janeiro de 1978, além dos humoristas cariocas que
contracenavam com Miéle, também os paulistas e pernambucanos passaram a
participar do programa. No banco de São Paulo, o homem da praça era Carlos Alberto
da Nóbrega; em Pernambuco, Aldemar Paiva. A Praça da Alegria repetiu na Globo o
sucesso dos tempos de Manoel da Nóbrega, mas saiu da programação em 1978. A
partir de 1987, sob o comando de Carlos Alberto da Nóbrega, o programa voltou a ser
exibido pelo SBT, com o nome de A Praça é Nossa. (Memória Globo, 2013)
422
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
423
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Tê. Com sede no Rio de Janeiro, a emissora apostou em programas infantis para conquistar o
público. Também estavam na programação dos primeiros dias a série infantil Capitão Furacão
e o telejornal Tele Globo, embrião do atual Jornal Nacional.
Os primeiros meses de atuação da TV Globo não foram bem sucedidos. Após a
contratação de Walter Clark para a direção geral, houve uma guinada rumo à liderança de
audiência. Em janeiro de 1966, o Rio de Janeiro sofreu uma das suas piores inundações; mais
de cem pessoas morreram e aproximadamente vinte mil ficaram desabrigadas. A cobertura da
tragédia feita ao vivo pela TV Globo foi um marco na história da emissora, que fez uma
campanha comunitária para arrecadação de doações em dois estúdios (Memória Globo).
A Globo interrompeu sua programação para cobrir os estragos da chuva no verão de
1966 no Rio. A emissora também promoveu campanha para ajudar os desabrigados.
Em janeiro de 1966, o Rio de Janeiro sofreu uma das piores enchentes da sua história.
As chuvas transbordaram rios, alagaram a cidade e causaram transtornos à vida do
carioca. Cinco dias de temporal deixaram mais de 200 mortos e 50 mil desabrigados
(Memória Globo, 2013).
Segundo o site Memória Globo, ainda em 1966, a TV Globo chegou ao estado de São
Paulo com a aquisição do canal 5, antiga TV Paulista. Em 5 de fevereiro de 1968, foi inaugurada
a terceira emissora, em Belo Horizonte, e as retransmissoras de Juiz de Fora e de Conselheiro
Lafaiete, além de um link que ligava o Rio de Janeiro a São Paulo.
O governo militar, centralizado em Costa e Silva, começou a subsidiar a compra de
aparelhos de televisão com um sistema de crédito. Além disso, criou o Ministério das
Comunicações. Outro impulso foi um decreto elaborado pelo ministro Delfim Neto que isentou
as empresas de rádio e televisão de imposto de importação sobre equipamentos, isto permitiu à
empresa se renovar e ao mesmo tempo utilizar a cotação oficial do dólar para reduzir suas
despesas de importação (Gaspari, 2016). Essas medidas auxiliaram no começo da popularização
da televisão no Brasil.
Com todos esses incentivos por parte do governo militar, a TV Globo começa a expandir
sua grande rede de afiliadas e o jornalismo foi o carro chefe que impulsionou essa
movimentação. A partir de então, a tecnologia disponível à época começa a ser utilizada para
melhorar a transmissão e o sinal da Rede Globo. Em 1970, durante a copa do México, a
emissora recebeu sinais experimentais da Embratel a cores e dois anos depois, a transmissão da
Festa da Uva de Caxias do Sul é transmitida a cores. Em 28 de abril de 1974, o Jornal Nacional
passou a ser transmitido em cores, três dias após ter iniciado suas coberturas internacionais pela
Revolução dos Cravos (Memória Globo, 2013). Em 1975, a TV Globo passou a exibir parte de
424
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
sua programação para todo o Brasil, consolidando-se como rede de televisão. Surge o Padrão
Globo de Qualidade, que é o conjunto de regras que norteia a produção da Rede Globo. Bucci
afirma que “o "padrão Globo de qualidade" era uma função ideológica” (BUCCI, Folha de São
Paulo, 2002). Esse padrão serviu para construir a hegemonia, o senso a partir do alto, da Rede
Globo como maior emissora de TV do brasil. Ao criar um padrão que é seguido pelas outras
emissoras, a Rede Globo começa a deter hegemonia no campo televisivo brasileiro, como
disserta Cardoso.
No Brasil, a TV Globo conseguiu, desde sua origem, agregar um grupo de
profissionais de produção, entre eles cenógrafos, capazes de criar uma imagem da
emissora que serviu de modelo para todas as outras concorrentes. Impôs-se, com esse
sistema de produção, o que passou a ser chamado de Padrão Globo de Qualidade. Não
só o seu Padrão Globo de Qualidade, como seu modelo de grade vertical e horizontal,
passaram a ser adotados pela grande maioria dos canais abertos, em especial as
emissoras generalistas (Cardoso, 2008, p. 34).
Hoje, segundo a própria Rede Globo, o sinal da TV Globo atinge quase 100% do
território brasileiro. Outro fator que ressalta sua hegemonia no cenário nacional.
A TV Globo alcança atualmente 99,47% dos telespectadores potenciais, praticamente
toda a população brasileira. Ostenta uma grande capacidade de segmentação, graças
à sua rede de afiliadas. Anunciantes de todos os tipos, tamanhos e ambições têm
espaço em nossas 121 emissoras, 116 delas afiliadas, que levam a programação a
98,53% dos municípios e a mais de 183 milhões de brasileiros. São 29 grupos de
comunicação e 9.600 profissionais estampando a diversidade brasileira por dezenas
de sucursais e micro-sucursais. As afiliadas podem usar até 13 horas semanais para
levar notícia e entretenimento ao público de sua localidade. A maior produção é a
jornalística, com um pouco mais de 58 mil horas por ano (média de 4.856 horas por
mês), mas há cerca de outros 90 programas locais, em 12 gêneros diferentes
(entrevista, culinário, educativo, rural, saúde, show, esporte e turismo), somando mais
de 17 mil horas de exibição. São cerca de 600 equipes de reportagem nas emissoras.
É a maior equipe de jornalistas do país, com mais de 3.000 profissionais, que levam
ao ar a grande notícia: o Brasil. (Site da Rede Globo, 2018)
425
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Senhora do Destino, Alma Gêmea e Da Cor do Pecado, a Globo tem perdido audiência.
Atualmente, a Rede Globo recuperou audiência com a telenovela Segundo Sol.
426
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Witte Fibe, Fátima Bernardes, Patrícia Poeta e Renata Vasconcellos, à exceção da primeira
também ocuparam o cargo de editora-executiva. Porém, Coutinho (2009) destaca que
No caso das edições do Jornal Nacional as imagens dos acontecimentos, tal como
veiculadas, parecem ser apresentadas no discurso dos apresentadores-editores
sobretudo como mediadoras dos fatos, com a construção de uma representação do real
pela semelhança. (Vizeu; Porcello e Coutinho, 2009, p. 69)
427
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
428
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Considerações Finais
O presente trabalho discutiu, à luz do conceito de Gramsci, a hegemonia da Rede Globo
de Televisão, considerando hegemonia como uma forma de produzir consenso. O trabalho de
pesquisa apresentou, também, reflexões sobre a “cultura” televisiva do brasileiro; o conceito de
cultura e seu surgimento. A partir disso, discutiu-se a hegemonia cultural como um conjunto de
ideias dominantes de uma determinada conjuntura social, política, cultural e econômica.
Para o intelectual Antônio Gramsci, a hegemonia era uma construção do senso a partir
do alto (Gramsci, 2001). A Itália, com sua industrialização tardia, permitiu que Gramsci olhasse
para a História de forma diferente de Marx. A hegemonia se dá como uma concordância do alto
passada a todos os membros da sociedade. Pôde-se perceber que a Rede Globo, ao criar o seu
Padrão Globo de Qualidade, estabelece o padrão, a forma a ser seguida. Ela cria uma
concordância do que deveria ser o nível de qualidade passado aos telespectadores e, a partir
disso e atrelada a sua grande audiência, se torna hegemônica no campo da televisão. Sua
fórmula foi copiada por todas as outras emissoras.
429
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
430
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Padrão de Qualidade Globo e o padrão telejornalístico criado pelo Jornal Nacional são metas a
serem atingidas por suas concorrentes.
Ainda que a audiência oscile nas telenovelas, na atual “novelas das 9”, houve uma
guinada no aumento. Porém, mesmo com a oscilação, a liderança da audiência em telenovelas
continua sendo da Rede Globo. É possível pensar em uma hegemonia cultural da Rede Globo
de Televisão.
Nos eixos de análise, percebe-se que na pluralidade não são muitos os setores sociais
representados. As fontes que tem mais direito à voz são os especialistas. Elementos regionais
e presença de sotaque, que deveriam ser prezados no telejornalismo, não estão presentes. Falta
pluralidade, por exemplo, com exibição de matérias em outros estados fora do eixo Sudeste-
Sul. Na diversidade, percebe-se que a inclusão não é trabalhada. As narrativas auxiliam pouco
a insersão do público na interpretação da edição. As fontes são variadas. As fontes específicas
sobre o tema são as que mais possuem tempo de fala. Na cidadania/autonomia percebe-se que
a explicação do contexto dos fatos nem sempre se dá ao cidadão leigo. Alguns temas precisam
ser mais bem explicados e detalhados para a compreensão geral. A narrativa não insere o
telespectador nem o convida à ação. O tempo todo o telespectador só é informado das notícias.
Ele é um “consumidor passivo”, não sendo agente da narrativa.
Agradecimentos
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001. Os autores
gostariam de agradecer à Capes e ao CNPq.
This study was financed in part by the Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior – Brasil (CAPES) – Finance Code 001. The authors would like to thank Capes
and CNPq.
Referências
BUCCI, Eugênio. Eugênio Bucci: Chega de ter saudade do "padrão Globo". Folha de S. Paulo. São
Paulo, 17 fev. 2002. Folha Ilustrada. [online] Disponível em <
https://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u21345.shtml >. Acesso em 20/09/2018.
CARDOSO, João Batista Freitas. A semiótica do cenário televisivo. São Paulo: Annablume. 2008.
431
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
GRAMSCI, Antônio. Cadernos do cárcere. Vol. 4, edição de Carlos Nelson Coutinho, com a
colaboração de Luiz Sérgio Henriques e Marco Aurélio Nogueira. Civilização Brasileira, Rio de
Janeiro, 2001.
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. PAS – Pesquisa Anual de Serviços, 2016.
[online] Disponível em https://teen.ibge.gov.br/noticias-teen/8311-televisao.html. Arquivo consultado
em 10/08/2018.
MEMÓRIA GLOBO. Jornal Nacional: a notícia faz história. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004.
432
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação -Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Resumo
Abstract
This article analyzes the contents related to the socio-environmental disaster of Mariana-MG
present in the social network of Marina Silva (REDE), in order to discuss the concept of
hegemony and counter-hegemony, the mediatic scheduling of the theme and its influence on
the current public agenda as a campaign proposal. All postings on the official page of the
candidate during the 2015-2018 period were collected by the Netvizz application, obtaining a
quantity-qualitative analysis. The mediatic scheduling comes from constant visibility of the
theme given by the candidate during the period of 2015 and 2016, which decreases in 2017 and
almost no mention during the year 2018. Its initial posts denounce as a crime, at the same time
during which time its electoral program argues a defense to the Bill that loosens the licensing
processes, legitimizing the private sector's discourse on the issues presented before as causes of
the disaster.
1
Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho (Estudos Interdisciplinares), do XI Encontro dos Programas de
Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais, 18 e 19 de outubro de 2018.
2
Mestranda em Comunicação pelo PPGCOM, UFJF, vivianearcardoso@gmail.com.
433
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação -Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Introdução
O debate ambientalista perpassando pela interface midiática, possui uma multiplicidade
de interesses e demandas entre seus atores envolvidos. O embate narrativo existente nas
diferentes formas em se falar de uma tragédia, desastre ou acidente possui características que
buscam legitimar uma produção econômica de exploração e invisibilizar os grupos minoritários
com pequenas possibilidades de se fazer ouvir suas demandas por direito.
A ideia de "natureza" engendra posicionamentos distintos e distintas formas de
representação (LAYRARGUES, 1998). É necessário, então, desconstruir a falsa noção de que
as práticas da sustentabilidade presentes na sociedade contemporânea se expandem em todos
os sujeitos sociais sem encontrar resistências e obstáculos (ACCIOLY & SANCHEZ, 2012),
reproduzindo uma concepção de sociedade como espaço da harmonia e ausência de conflitos e
interesses, em que o caminho para a sustentabilidade se dá apenas por um processo de
conscientização (LAYRARGUES, 2010).
No dia 05 de novembro de 2015, o rompimento da barragem de Fundão, na região
reconhecida como Quadrilátero Ferrífero em Minas Gerais, na região de Mariana-MG e
pertencentes à mineradora Samarco/Vale do Rio Doce/BHP Billiton, marcou no Brasil o fim
do megaciclo das commodities e apresentou a manifestação de organizações que adotam
discursos e narrativas a ações ecológicas pela "sustentabilidade" simultaneamente a um
"antiecologismo", movidos por interesses privados e com influências políticas para construir
uma certa visão de mundo e sustentar uma agenda pública (EHRLICH,1996 apud ACCIOLY
& SÁNCHEZ, 2012).
Tendo em vista a centralidade midiática na contemporaneidade e as relações de poder
se configurando pelas produções simbólicas existentes na comunicação política, o presente
artigo procura analisar os conteúdos produzidos na fanpage oficial de Marina Silva (REDE)
sobre o desastre de Mariana-MG a partir dos conceitos de hegemonia e contra-hegemonia. A
candidata a Presidência da República possui uma trajetória que envolve uma atuação efetiva
sobre as questões ambientais, que colocam sua campanha e seu partido comprometido com a
“sustentabilidade”, fazendo-se necessário contextualizar o agendamento midiático presente em
seus posicionamentos e a influência na agenda pública como propostas de campanhas políticas
apresentadas.
434
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação -Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
assim os sujeitos como seres sociais e relacionando seus discursos e práticas à sociedade onde
se vive (GROHMANN, 2013, p. 227).
Hoje, os estudos marxistas visam compreender as forças produtivas e as relações de
produção em escala global e seus efeitos conflituosos sobre as relações sociais, para um olhar
crítico da realidade contemporânea (GROHMANN, 2013 p. 217 apud THERBORN 2012). Por
essa perspectiva materialista, a comunicação enquanto mediação de produção e trabalho são
fatores de desenvolvimento da linguagem, e por essa visão é um meio de socialização da
consciência gerada pelas condições históricas que determinam à práxis (GROHMANN, 2013,
p.221 apud RUDIGUER, 2011, p.78).
A comunicação é produção de sentido, que sé da na relação e não na mera transmissão
de informações, pois ela estabelece um processo de compreensão mediada entre os indivíduos
(GROHMANN, 2013, p.221 apud RUDIGER, 2011, p.88). Por isso, os processos
comunicativos devem ser vistos não como atividades isoladas, mas constitutivos de realidades
históricas e relacionados à estrutura de poder e ao modo de produção da sociedade
contemporânea (GROHMANN, 2013, p. 221).
A circulação do discurso na sociedade em que, especialmente no Brasil, está entorno de
uma lógica capitalista globalizada, deve ser compreendida a partir de um sistema que funcionam
as ideologias de uma narrativa culturalista, permitindo legitimar privilégios e ajudando a manter
hegemonias, colocando os méritos na conta dos indivíduos, tanto quanto as capacidades inatas
quanto suas responsabilizações e culpabilização. O Estado então é visto como ineficaz,
atrasado, onde o mérito corresponderia ao mercado, ajudando na modernização e contra a
corrupção (GROHMANN, 2016 p.148 apud JESSÉ SOUZA, 2015).
Dessa forma, a realidade social não é visível a olho nu e o mundo social não é
transparente a nossos olhos. A hegemonia contribui para a permanência da ocultação da
realidade e em que as categorias científicas passam a consumir uma ciência tornada meramente
ideológica (GROHMANN, 2016, p.148 apud SOUZA, 2015).
Segundo Bourdieu (1998) o indivíduo não é refém apenas de uma estrutura social, além
de não ter ampla autonomia, carrega sempre marcas da estrutura social ao qual está vinculado.
Os espaços de múltiplas relações sociais dão continuidade às estruturas ou, por um processo de
transformação, estabelecem a ruptura nos contextos de crise (BOURDIEU, 1998). Esta
neutralização dos processos de dominação resulta na violência simbólica, que escondem os
processos históricos e sociais que deram origem as tais formas de dominação (BOURDIEU,
1998).
435
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação -Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Por assim dizer, os conglomerados da mídia acabam por apresentar-se como parte
central das formas de organização impostas pela era moderna, estão marcados pela globalização
da economia e mundialização da cultura, criando novos agentes sociais e políticos e
emergências de novos processos sociais, construindo novas formas de conexão e reconexão
entre ações individuais e estruturas socializadoras. Os campos simbólicos constituídos de
espaços hegemônicos de atuação, devem ser pensando a partir de uma contra-hegemonia
necessária para superar e romper com as estruturas consolidadas que agregam o poder simbólico
ao poder coercitivo e político e o poder econômico, se estabelecendo a partir dos meios de
comunicação, uma análise do conhecimento e comportamento humano, concentrando-se sobre
o produto, o conteúdo e as mensagens para se estabelecer uma sociologia da comunicação.
A indústria cultural
Martín-Barbeiro (2009) nos apresenta reflexões sobre o conceito de indústria cultural
que nasce em um texto de Horkheimer e Adorno publicado em 1947, e busca pensar a dialética
histórica que, partindo da razão ilustrada, desemboca na irracionalidade que articula
totalitarismo político e massificação cultural com as duas faces de uma mesma dinâmica
(MARTÍN-BARBEIRO, 2009, p.65). Deve-se pensar o conceito não de forma isolada, mas
como uma reflexão de um sistema que se regula, produz e dispersa. A unidade de sistema é uma
análise da lógica da indústria: cultura de produção em série, produção de coisas e produção de
necessidades e a racionalidade da técnica que é hoje a racionalidade do domínio (MARTÍN-
BARBEIRO, 2009, p.65). A nova sensibilidade das massas é a da aproximação, não só de uma
consciência acrítica, mas de uma longa transformação social, a da conquista do sentido para o
idêntico no mundo (MARTÍN-BARBEIRO, 2009, p.74).
A partir dos anos 1960, a cultura popular urbana passa a ser tomada por uma indústria
cultural cujo raio de influência se torna cada vez mais abrangente, o que se comporta a partir
de uma globalização e de uma estrutura econômica capitalista. A proposta cultural se torna
sedução tecnológica e incitação ao consumo, homogeneização dos estilos de vida desejáveis,
banimento do regional, local e nacional para o "limbo anterior ao desenvolvimento tecnológico"
e incorporação dos antigos conteúdos sociais, culturais e religiosos à cultura do espetáculo
(MARTÍN-BARBEIRO, 2009, p.268).
Por outro lado, surge também um pensamento prolongado que vai tomar como eixo a
crise entendida como emergência do acontecimento, contracultura, implosão do social, morte
do espaço público ou impasse na legitimação do capitalismo. Em torno desse conceito vai se
desenvolver um esforço importante para pensar o sentido dos novos movimentos políticos, dos
436
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação -Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
novos sujeitos-atores sociais e dos novos espaços nos quais, irrompe a cotidianidade, a
heterogeidade e conflitividade do cultural (MARTÍN-BARBEIRO, 2009, p.64).
Mas é nos meados dos anos 1970 que o discurso cientificista reconstrói o modelo
informacional hegemônico, como um "revival positivista que proíbe a problematização de tudo
aquilo que não tivesse a correspondência de um método" (MARTÍN-BARBEIRO, 2009, p.
279). Ou seja, a comunicação definida como transmissão de informação em uma teoria de
referências a conceitos precisos, delimitações metodológicas e propostas operacionais
(MARTÍN-BARBEIRO, 2009, p.280), mas sustentado a uma fragmentação do processo que se
torna convertida em garantia de rigor e critério de verdade (MARTÍN-BARBEIRO, 2009,
p.281). Esta racionalidade dissolve o político enquanto realidade conflitiva e cambiante e a luta
pela construção de sentido da convivência social. A centralidade dos processos de comunicação
em nossa sociedade significa, para a racionalidade informática, a dissolução da realidade do
político (MARTÍN-BARBEIRO, 2009, p.282).
As relações de poder, tal qual estão configuradas em cada formação social, não são mera
expressão de atributos, e sim produto de conflitos concretos, batalhas travadas no campo
econômico e no terreno do simbólico (MARTÍN-BARBEIRO, 2009, p.284). É necessário
entender os interesses econômicos que movem as empresas de comunicação, mas também a
redefinição da cultura como compreensão da natureza comunicativa. O processo produtor de
significações não é somente a circulação de informações, em que o receptor é um simples
decodificador da mensagem, mas sim um produtor (MARTÍN-BARBEIRO, 2009, p. 287).
437
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação -Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
438
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação -Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
439
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação -Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
estudada por Lippmann (1922), considerando que o mundo com o qual devemos nos envolver
politicamente está fora do alcance, fora da visão, indisponível à mente (McCOMBS, 2009,
p.17). Para o autor, as preocupações da agenda pública são tratadas de uma realidade
secundária, uma realidade construída e estruturada pelos relatos jornalísticos que destacam
determinados eventos e situações focando nossa atenção e influenciando nas percepções
daquilo que se torna mais importante para o momento.
Por essa concepção, os veículos noticiosos são nossas janelas para entender e
compreender o mundo além de nossa experiência direta e determinam nossos mapas cognitivos
daquele mundo específico, em que a opinião pública responde sobre este pseudoambiente
construído pelos veículos noticiosos (McCOMBS, 2009, p.19 apud LIPPMANN, 1922).
A sociedade mediada tem como consequencia suas convergências de conexão em que,
todos os aspectos das nossas vidas são tocados pela mídia, desse modo adquirem-se assim a
capacidade de comunicar ideias entre diferentes e múltiplos canais de comunicação. Levando
em consideração que todos os eventos são eventos midiáticos, na medida em que o que importa
tem tanto a ver com a sua forma de cobertura e a maneira que impactam os fluxos discursivos
existentes, quanto como o que 'realmente acontece' no mundo real (JENKINS, 2016, p. 216), a
consolidação das mídias digitais promoveu a ampliação do espaço público e transformou em
um campo estratégico para os atores políticos, onde a mídia digital tornou-se fundamental para
que os atores políticos estabeleçam suas conexões eleitorais e tenham a capacidade de investir
na construção de suas imagens, além de consolidar o seu capital político por meio do poder
simbólico concentrado (OLIVEIRA & LEAL & PEREIRA, 2016).
As mídias digitais são incluídas como um instrumento fundamental na sedimentação
das relações entre essas instâncias e a sociedade. As disputas eleitorais estão envoltas com o
uso de todo tipo de estratégia, incluindo a criação de perfis de candidatos nas redes digitais e a
divulgação de suas propostas em páginas oficiais dos partidos e dos políticos (MARTINO, 2015
p. 85). Em um sentido mais amplo, a política das mídias digitais relaciona-se também com as
diversas manifestações e afirmações de identidade, na disputa pela chance de chamar a atenção
de outras pessoas para problemas sociais diversos, procurando não apenas o engajamento, mas
também a visibilidade (MARTINO, 2015 p. 85).
440
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação -Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
entre movimentos e partidos de esquerda. Antes de filiar-se a qualquer partido político, esteve
ao lado de Chico Mendes no Acre, em ações contra o desmatamento ilegal fundando e estando
como vice-coordenadora da CUT (Central Única dos Trabalhadores) até o assassinato do líder
seringueiro, em que o crime político ocorrido em 1988 foi fundamental para a entrada definitiva
de Marina na política. Marina Silva já esteve filiada a outros três partidos: PT (Partido dos
Trabalhadores) entre os anos de 1986 até 2009, depois ao PV (Partido Verde) entre os anos de
2009 a 2011, PSB (Partido Socialista Brasileiro) durante 2013 a 2015, até fundar a Rede
Sustentabilidade (REDE). Foi pelo Partido dos Trabalhadores (PT) que a candidata passou a
maior parte de sua carreira e se elegeu vereadora, deputada estadual e duas vezes senadora
(CASTRO, 2018).
Marina fez um mandato pautado pela defesa do meio ambiente e ganhou destaque
internacional. Com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva, em 2002, foi convidada
para assumir o Ministério do Meio Ambiente. Ela deixou a pasta em 2008, depois de
desgastes causados por divergências internas no governo, inclusive com a então
ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. A Casa Civil, responsável por alguns dos
principais projetos de infraestrutura do país, cobrava mais agilidade do Meio
Ambiente na concessão de licenças. Marina perdeu a maioria dos embates com Dilma
e voltou ao Senado em 2008. Lula escolheu a titular da Casa Civil como sua sucessora,
e a ambientalista acabou deixando o PT em 2009. (CASTRO, 2018, matéria
disponível no site NEXO JORNAL, 08 de agosto de 2018)
Nas eleições mais recentes, Marina Silva se abriu para ideias economicamente liberais,
com pronunciamentos em questões a privatizações no geral, está associada a um
conservadorismo por sua religiosidade, mas defende e diz que sua religião não interferirá no
governo. A rede por ser um partido novo, não apresenta capilaridade nos Estados com pouca
representatividade no Congresso. Por outro lado, a candidata não apresenta envolvimento em
suspeitas de corrupção, possui uma história de vida de superação e avanços em cargos
importantes no posto de disputa política, mas possui uma posição pouco clara com relação a
temas e comportamentos e liberdades individuais (CASTRO, 2018).
Metodologia
Utiliza-se neste artigo a Análise de Conteúdo (AC) de Bardin (2008) para analisar as
postagens referentes ao desastre socioambiental de Mariana-MG ocorrido em novembro de
2015, presente na fanpage oficial de Mariana Silva durante os anos de 2015 a 2018. A partir da
Análise de Conteúdo (AC) torna-se possível mensurar de maneira quali-quantitativa o número
de postagens vinculadas na página oficial da candidata, destacando seu programa de campanha
de 2018 e seu posicionamento frente ao considerado "Maior desastre socioambiental do País",
441
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação -Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Análise de dados
Marina Silva (REDE) apresentou no total 1.338 postagens entre 03 de novembro de
2015 a 22 de agosto de 2018. Dessas, 32 correspondem ao desastre de Mariana-MG, sendo 06
postagens presentes no ano de 2015, 22 no ano de 2016, 02 postagens no ano de 2017 e 02 até
então no ano de 2018.
Visibilidade ou Silenciamento
Levando em consideração o número de postagens recorrentes sobre o caso na página
oficial da candidata, é possível perceber que o ano de 2016 foi mais repercutido as questões que
se relacionam ao desastre socioambiental ocorrido em novembro de 2015. Marina Silva, em um
primeiro momento alerta em suas postagens sobre a flexibilização da legislação ambiental que
tramitava pelo Senado, associando-se a "tragédia de Mariana-MG" o alerta sobre os riscos que
a aprovação da flexibilização podem causar. Contudo, sua visibilidade sobre o caso acontece a
partir da apresentação de um projeto de lei proposto pelo partido que pretendem considerar os
crimes como o rompimento da barragem de Fundão, como crime hediondo:
Os parlamentares da REDE logo reiniciem as atividades no Congresso vão apresentar
um projeto de lei para que crimes dessa natureza sejam considerados hediondos.
(MARINA SILVA, 2016) 4
3
Acesso ao aplicativo Netvizz https://apps.facebook.com/netvizz/
4
https://www.facebook.com/marinasilva.oficial/photos/a.144793905532248/1136269889717973/?type=3
442
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação -Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Marina Silva mantém sobre o tema vinculação de notícias de diversos sites de notícias,
entre eles o G1 com cinco notícias vinculadas e o Valor Econômico onde escreveu quatro textos
relacionados ao desastre. Dentro dessas vinculações são comuns a associação de denúncia pelo
crime ambiental e busca por justiça. Porém, suas contribuições refletem mais sobre a ótica do
que se repercute na mídia e não como um programa de campanha política, já que a partir de
2017 diminui os números de postagem sobre o caso e seus posicionamentos políticos com base
das mudanças propostas na legislação ambiental apresentando assim um silenciamento da
questão.
5
Postagem realizada no dia 13 de novembro de 2015. Acesso em:
https://www.facebook.com/marinasilva.oficial/photos/a.144793905532248/1094946813850281/?type=3
6
https://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/blog-do-planeta/noticia/2016/01/lama-de-mariana-revela-crise-da-
gestao-ambiental-no-brasil.html
7
Marina não se posicionou sobre Mariana-MG? Disponível em: https://marinasilva.org.br/por-que-marina/se-
posicionou-sobre-o-crime-ambiental-em-mariana-mg/
443
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação -Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
em 2018. Considerando que grande parte do conteúdo divulgado por Marina Silva em sua rede
social passa pela divulgação da proposta do seu partido em considerar crimes como o
rompimento da barragem de Fundão como crime hediondo, divulgação de notícias em formato
de denúncias sobre a negligência do Estado e o acompanhamento da votação no Senado sobre
a flexibilização da legislação ambiental, levando a crer que tais apresentações estariam
presentes como propostas e por consequência sendo necessário analisar seus principais pontos
de referência em sua campanha política, a candidata apresentou em contrapartida anunciações
sobre pontos principais de desenvolvimento neoliberal, como a privatizações, abertura da
economia e incentivos no aumento da capacidade de exportação (MARINA SILVA, 2018,
p.29). Sua proposta de campanha apresentado como "O Brasil na economia do futuro com
sustentabilidade, inovação e emprego" não considera os problemas por ela mesmo apresentadas
como intrínsecos as problemáticas ambientais e suas consequências, e em nenhuma ocasião se
faz referência as questões da legislação ambiental e nem a consideração dessas
responsabilizações como crime hediondo.
Considerações finais
Das categorias de análise proposta é possível perceber que durante o ano de 2015 e
2016, Marina Silva manteve uma visibilidade sobre o caso e principalmente uma defesa contra
o Projeto de Lei que flexibiliza os processos de licenciamentos ambientais discutidos no
congresso na época. Porém, a partir de 2017 segue com poucas ou quase nenhuma postagens
referente ao tema, levando a crer que exista uma co-relação a sua campanha a presidência da
república no ano de 2018 em que o caso tornou-se uma pauta secundária com uma maior
silenciamento.
É possível perceber o agendamento midiático presente a uma constante visibilidade do
tema dado pela candidata durante o período de 2015 e 2016, principalmente relacionando suas
postagens a divulgação de notícias vinculadas pela mídia em torno de denúncias,
responsabilizações e revolta pelo ocorrido quando o mesmo poderia ter sido evitado e assim
apresentando propostas de precauções.
Mariana Silva (REDE) apresenta uma trajetória política envolta de uma diferenciação
do mesmo, devendo ser respeitado sua luta política e atuação enquanto representante das
questões ambientais, porém seus posicionamentos se esvaziam enquanto conceito de
“sustentabilidade” como apropriação e visibilidade, já que sua nova proposta de campanha não
apresenta condições que garantem uma mudança na estruturação das problemáticas ambientais
e prioriza o desenvolvimento econômico, esse mesmo contraste está presente nos discursos
444
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação -Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
Referências
ACCIOLY Inny & SANCHEZ Celso. Antiecologismo no Congresso Nacional: o meio ambiente
representado na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. Desenvolvimento e Meio Ambiente,
n°25, p. 97-108, jan/jun 2012. Disponível em: http://revistas.ufpr.br/made/article/view/23389. Acesso
em 15 de setembro de 2017.
CASTRO, José Roberto. A trajetória de Marina, candidata da Rede à Presidência. NEXO JORNAL.
2018. Disponível em: <https://www.nexojornal.com.br/expresso/2018/08/08/A-trajet%C3%B3ria-de-
Marina-candidata-da-Rede-%C3%A0-Presid%C3%AAncia> Acesso em: 12 de setembro de 2018.
COUTINHO, Carlos Nelson. Intervenções: o marxismo na batalha das idéias. São Paulo: Cortez, 2006.
GROHMANN, Rafael. Marx de volta? Na comunicação? . Mídia e Cotidiano. V.4 n.4, p.213-231,
2014. Disponível em: http://periodicos.uff.br/midiaecotidiano/article/view/9716. Acesso em 12 de
setembro de 2018.
JENKINS, Henry. Convergência e conexão são o que impulsiona a mídia agora. Entrevista: Diálogos
Midiológicos. V.39, n°1, p.213-219, jan/abr 2016. Intercom, São Paulo. Disponível em:
http://www.scielo.br/pdf/interc/v39n1/1809-5844-interc-39-1-0213.pdf. Acesso em: 12 de setembro de
2017.
445
XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação -Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018
MARTINO, Luís Mauro Sá. Teoria das Mídias Digitais: linguagens, ambientes, redes. Petrópolis, RJ:
Vozes, 2.ed. 2015.
McCOMBS, Maxwell. A teoria da Agenda: a mídia e a opinião pública. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009.
OLIVEIRA, Luiz Ademir de; LEAL, Paulo Roberto Figueira; PEREIRA, Carolina Lima Silva. A
disputa eleitoral no ciberespaço: uma análise das estratégias dos candidatos a deputado federal nas
fanpages. Revista Lumina, Juiz de Fora, V.10, n.1, jan/abr 2016. Disponível em:
https://lumina.ufjf.emnuvens.com.br/lumina/article/view/514. Acesso em: 25 de agosto de 2018.
446
ISBN:978-85-93128-37-0