Ebook
Ebook
Ebook
HIPNOSE
Escrito por:
Fundador e Diretor de
INTRODUÇÃO
Recordo o primeiro momento em que tive contacto com a Hipnose, como se fosse
ontem. Estava no 4º Ano do Mestrado Integrado em Psicologia, vertente Clínica, numa
cadeira que se chamava Introdução às Psicoterapias. O objetivo dessa cadeira era
mostrar os principais modelos de Psicoterapia, desde a Psicanálise até às chamadas
Psicoterapias de 3ª Geração.
Num desses dias, fomos informados que iriamos ser hipnotizados. Não sei se alguém
sabia o que isso significaria. Apenas nos disseram que tínhamos de chegar a horas, já
que depois a porta seria fechada e não se poderia entrar e que, quem não quisesse
participar, não precisaria. Uma gravação foi passada com a voz da nossa professora a
falar. Hoje percebo perfeitamente cada uma partes mas, na altura, tudo isso era
desconhecido.
Agarrei a oportunidade e fiz a formação completa, desde o mais básico, até ao mais
avançado. O meu mundo ficou aberto ao génio de Milton Erickson e às Abordagens
Ericksonianas à Psicoterapia. O pensamento de utilizar várias abordagens para que
tornasse a terapia em algo personalizado para o cliente fazia-me muito sentido, tanto em
Hipnose como Psicoterapia Cognitivo-Comportamental.
Desde essa altura, utilizo linguagem hipnótica e Hipnose sempre que a situação peça,
explorei outros estilos de Hipnose, uns mais tradicionais, outros mais integrativos, dou
formação no tema e aumentei os meus conhecimentos, com um Curso de Abordagem
Ericksoniana à Hipnose e Psicoterapia Breve, diretamente da Fundação Milton H.
Erickson, nos Estados Unidos.
Espero que esta pequena introdução ao mundo da Hipnose possa ser a abertura da porta
para uma curiosidade ainda maior de saber mais e mais.
Essa é uma pergunta que não tem uma resposta muito simples. Desde que Hipnose
surgiu e que se começou a investigar este método, vários foram os investigadores que
formularam definições, de acordo com aquilo que acreditavam e os resultados das suas
investigações. Como veremos mais à frente, o início da Hipnose foi caracterizado por
uma luta entre escolas e perspetivas diferentes. Mas se é difícil apresentar uma única e
abrangente definição de Hipnose, vamos analisar as áreas comuns das várias definições.
Em primeiro lugar, Hipnose é uma técnica e não uma forma de terapia. Hipnose é
uma forma de comunicação verbal e não-verbal, sendo que aquilo que dizemos terá
necessariamente que ter uma base terapêutica e isso é algo que Hipnose não ensina. O
termo “Hipnoterapia” entrou na linguagem científica como uma tentativa de se
aproximar de algo que se tornou numa cultura popular. E, se pensarmos bem,
“Hipnoterapia” apenas significa terapia com recurso à Hipnose.
Em terceiro lugar, Hipnose implica uma relação. Uma das grandes preocupações das
pessoas, ao entrarem no mundo da Hipnose, é a questão do controlo mental, um poder
obscuro que o hipnotista exerce sobre a podre e indefesa pessoa. Nada poderia ser mais
longe da verdade. De facto, uma pessoa só pode ser hipnotiza se ela quiser, se permitir-
se estar numa relação com o hipnotista, que permita confiar, seguir a suas sugestões e
aproveitar as sensações que o estado de Hipnose traz.
Em quarto lugar, Hipnose possui uma linguagem própria. Hipnose é, por excelência,
uma técnica comunicacional. Nesse sentido, o terapeuta utiliza uma linguagem
especificamente estruturada para induzir a pessoa em Hipnose. Esse tipo de linguagem é
conhecido como sugestão. A sugestão não é algo exclusiva da Hipnose, psicoterapia
mais formal também pode utilizar. No caso da Hipnose, todas as estratégias terapêutica
que vamos utilizar são colocadas em forma de sugestão.
Finalmente, Hipnose pode ser induzida pelo próprio sujeito. Muitos são os teóricos
que afirmam que toda a Hipnose é Auto-Hipnose. Isto porque é o sujeito que se permite
aceitar e seguir as sugestões dadas. Nesse sentido, é possível ensinar e treinar a pessoa
em metodologias próprias de Hipnose, onde a pessoa possa passar pelo processo, sem o
auxílio de um terapeuta a conduzir o processo.
COMO SURGIU A HIPNOSE?
Hipnose é uma área relativamente jovem, com apenas umas centenas de anos. As
sementes do que viria a ser Hipnose foram plantadas há séculos atrás, antes de Cristo.
Os Egípcios, por exemplo, retinham uma prática de permitir que os seus altos
conselheiros e soldados entrassem em templos, devidamente preparados e
ornamentados. Dentro desses templos, deitavam-se em superfícies de pedra, muitas
delas, completamente imóveis. Sacerdotes vestidos em trajes elegantes passavam pelas
pessoas, entoando cantos e passes de mãos, como se orações se tratassem. De seguida,
as pessoas deitadas entravam em estados de sono curativos, que poderiam demorar
horas. O que é certo é, após saírem do templo, encontravam-se totalmente recuperados e
revigorados.
Mais tarde, os próprios Gregos e Romanos começaram a realizar essas práticas, onde os
primeiros chegavam a adorar Hypnos, o Deus do Sono.
Franz Anton Mesmer, nascido em 1734, fora um médico alemão cujo interesse pela
astronomia viria a impulsionar a forma como Hipnose surgiria. O interesse de Mesmer
era tão grande que a sua própria dissertação de doutoramento incluía a teoria de que o
posicionamento da Lua afetava as marés, animais e até os seres vivos, via forças
magnéticas. No início, Mesmer pensou num aparelho em metal, de modo a poder ser um
condutor da força magnética. No entanto, com o passar do tempo, Mesmer começou a
perceber que essa mesma força poderia ser manipulada e lançada pelos seus próprios
dedos das mãos. Mais tarde, Mesmer iria considerar que todos os indivíduos mais
inteligentes o poderiam fazer.
Mesmer gerou muita controvérsia quando, um dia, atendeu uma pessoa bastante doente.
Contrariamente ao método utilizado na altura, abertura do crânio para libertar pressão e
sangue, Mesmer resolveu aplicar o seu método, realizando movimentos com as suas
mãos, ao longo do corpo da jovem. De repente, ela começou a ter convulsões, perdeu a
consciência por momentos e, quando retornou a si, parecia estar completamente curada.
Já em Paris, Mesmer costuma organizar sessões de cura com grandes grupos de pessoas,
quase todas mulheres da alta sociedade. De modo a que o fluxo magnético pudesse ser
transferido, de maneira mais eficaz, foi construído um aparelho em forma de uma
banheira metálica, com vários condutores. Vestido de forma vistosa e ornamentada,
Mesmer montava um autêntico espetáculo onde transferia o magnetismo para todas as
pessoas, via condutores metálicos.
Tal como na sua terra natal, a comunidade médica parisiense começou a insurgir-se
contra Mesmer. Para satisfazer a comunidade médica, o Rei decidiu organizar uma
comissão cujo objetivo seria avaliar a veracidade do método de Mesmer. Essa comissão
seria popular por alguns dos seus constituintes, como Benjamin Franklin, Antoine
Lavoisier e Antoine Louis, o criador da guilhotina. A Comissão duplicou os métodos de
Mesmer, mas o resultado foi muito diferente. Era a conclusão de Franklin que os
métodos de Mesmer eram uma fraude e deveriam ser totalmente desacreditados.
Em desgraça, Mesmer acabou exilado fora de França, até ao final dos seus dias. Até aos
dias de hoje, os contributos de Mesmer, na evolução da Hipnose, não é esquecida e em
algumas escolas, a sua prática de Mesmerismo, como ficou conhecida, ainda é ensinada.
Certo dia, um aldeão de nome Victor Race aproximou-se da árvore e, ao tocar-lhe, caiu
num profundo estado de sono. Ao verem o que aconteceu com Race, mais pessoas
tocaram e caíram num sono profundo. Este seria o estado conhecido como estado
sonambúlico.
Uma das últimas grandes referências do Mesmerismo foi James Esdaile. Nascido em
1808, Esdaile foi um médico-cirurgião escocês que serviu como médico na Índia,
durante mais de 20 anos. Com a falta de condições para cirurgias, nomeadamente
agentes anestésicos, as práticas de Esdaile baseavam-se nos princípios do Mesmerismo.
Após mais de 300 intervenções bem-sucedidas, Esdaile escreveu vários artigos, com o
objetivo de apresentar a sua metodologia, à comunidade médica britânica. Contudo,
Esdaile mostrou-se incapaz de reproduzir os mesmos resultados que obteve na Índia, o
que desqualificou a sua abordagem, na comunidade médica. Pensa-se que parte do seu
sucesso teria a ver com a ritualização dos procedimentos que aconteciam nas suas
operações, na Índia.
O que Braid descobriu mudaria o curso da história da Hipnose para sempre. Após uma
observação meticulosa do sujeito, Braid reparou num estranho movimentos dos olhos
do sujeito, estando virados para cima e humedecidos. Braid decidiu inverter o processo
e usá-lo nele próprio, o que fez com que atingisse o mesmo estado que o sujeito.
A grande conclusão de Braid é que o estado que era alcançado não se devia a
Mesmerismo ou o carisma do artista, mas sim à fixação ocular prolongada, num objeto,
onde o ponto estaria acima do campo de visão do sujeito, fazendo com que os seus
olhos revirassem. Braid denominou este fenómeno, inicialmente, como
Neurohipnotismo, atribuindo a processos fisiológicos. No entanto, a primeira parte
acabou por cair ficando apenas Hipnotismo e, mais tarde, Hipnose.
Neste sentido, Braid é considerado o pai da Hipnose, apesar deste termo algo infeliz. O
termo Hipnose deriva de Hypnos, o Deus grego do Sono, o que é incorreto visto
Hipnose não se tratar de um estado de sono, mas sim de um monoideísmo, a fixação em
algo ou numa ideia. Infelizmente, Hipnose tinha-se tornado um termo muito popular,
quando Braid tentou a sua alteração.
Para Charcot, a Histeria era uma patologia neurológica, à qual os pacientes já possuíam
uma predisposição genética, no seu sistema nervoso. No final da sua vida, Charcot
recuou com esta afirmação e concluiu que a Histeria era uma doença psicológica.
O interesse pelo Hipnotismo levou Charcot a afirmar que existia uma relação direta
entre a capacidade de alguém ser hipnotiza e responder neste estado e ser-se histérica.
Coloca-se a questão no feminino pois, nessa altura, a Histeria era apenas considerada
uma condição feminina.
Após ter concluído o seu curso de Medicina, Freud começou a interessar-se pelo
trabalho de Charcot. O seu interesse era tão grande que quis arranjar uma bolsa de
estudo para estar junto de Charcot. E conseguiu.
Foi nesse trabalho conjunto que Freud foi introduzido à Hipnose e às demonstrações de
Charcot. Freud ficou tão impressionado que, não só utilizava na sua prática médica,
como ainda traduziu as obras de Charcot em várias línguas.
Freud continuaria com Hipnose, até ao início da sua relação profissional com Josef
Breuer onde, juntos, iriam criar os fundamentos da Psicanálise. No entanto, Freud iria
considerar que a Hipnose não lhe permitia alcançar a profundidade ao inconsciente
como desejara. Assim, desenvolveu a Associação Livre de Ideias e Interpretação dos
Sonhos, como substitutos. Esta ação levou a que Hipnose entra-se na obscuridade,
durante muitos anos.
Charcot não foi o único autor de interesse para Freud. Durante a sua viagem pelo mundo
da Hipnose, Freud seguiu o trabalho de um senhor chamado Bernheim, cujo impacto foi
profundo ao ponto de dar o nome de Bernheim a um dos seus filhos.
Nascido em 1840, Hippolyte Bernheim foi um médico neurologista francês, cujo
contributo marcou profundamente o campo da Hipnose.
Com o grosso do seu trabalho em Nancy, Bernheim iria trabalhar com Ambrose-
Auguste Liébeault no conceito de sugestionabilidade hipnótica, dando assim génese à
Escola de Nancy, uma oposição à Escola de Paris de Charcot.
Como já referido, Hipnose entrou na era das trevas, após Freud ter renegado o seu uso.
Mais, os avanços na farmacologia faria com que as práticas anestésicas dependessem
principalmente da utilização de clorofórmio, algo que fez com que a anestesia hipnótica
fosse praticamente extinta.
Por razões que mais tarde vou referir, a existência da Hipnose manteu-se graças à
Hipnose de Entretenimento ou Palco, já que eram artistas que montavam espetáculos,
utilizando rotinas de Hipnose. A próxima vez que esta técnica seria recorrida foi na
altura das Grandes Guerras, principalmente na 2ª Guerra Mundial, quando as reservas
de clorofórmio tornaram-se escassas e Hipnose era utilizada como anestésico e
analgésico, juntamente com o tratamento de Perturbações de Stress Pós-Traumático.
A partir deste ponto, a investigação científica floresceu e Hipnose foi uma área que
apanhou essa valorização. Nesse sentido, não podemos afastar-nos daquela que é
considerada a “gold standard” das escalas de investigação em Hipnose: Stanford
Hypnotic Susceptibility Scales. Desenvolvidas na Universidade de Stanford por André
Weitzenhoffer e Ernest Hilgard, estas escalas medem a capacidade de uma pessoa
responder a sugestão, no estado hipnótico. Existem três formas, sendo aplicadas a nível
individual. São compostas por uma indução, sugestões que passam por respostas
ideomotoras, sensoriais e cognitivas. Após a realização da escala, é preenchido um
questionário sobre quais as sugestões que o sujeito conseguiu responder, ou não. O
resultado final colocaria o sujeito em três categorias: não sugestionáveis (nesta
categoria, a pessoa pode ser hipnotizada, mas responde a muito poucas sugestões,
nomeadamente ideomotoras); mediamente sugestionáveis (nesta categoria, a pessoa é
hipnotizada e responde a muitas sugestões, incluindo ideomotoras e sensoriais, mas não
responde a fenómenos mais complexos); altamente sugestionáveis (Hilgard denominava
esta categoria como “virtuosos”. Nesta categoria, a pessoa é hipnotizada e responde a
todos as sugestões e fenómenos hipnóticos, com relativa facilidade). Existem mais
escalas e formas de medida de sugestão hipnótica mas, para âmbito de referência, deixo
apenas a Harvard Group Scale, uma adaptação validada das escalas de Stanford, para
aplicação em grupos.
O mundo da Hipnose iria sofrer uma enorme revolução, entrando no séc. XX, pelas
mãos do psiquiatra norte-americano Milton H. Erickson.
O legado de Milton Erickson ainda continua vivo tanto em livros sobre a sua vida e os
seus métodos, como vídeos, demonstrações clínicas e dos seus alunos. Em especial,
Jeffrey Zeig reuniu esse legado na figura da Fundação Milton H. Erickson, cujo
objetivos passam por reunir, preservar e divulgar os métodos de Erickson e a sua vida.
A Fundação aprova e acredita centenas de Institutos, espalhados por vários países, que
continuam o trabalho de divulgação e ensino da Abordagem Ericksoniana à Hipnose e
Psicoterapia.
Nascido a 1900, Dave Elman foi introduzido ao mundo da Hipnose desde criança, pelo
mundo do espetáculo. Elman percebeu do enorme potencial da Hipnose quando o seu
pai, diagnosticado com cancro em fase terminal, recorreu à Hipnose para gerir a sua dor
e desconforto. Como resultado, Elman conseguiu usufruir de muitos momentos de
qualidade com o seu pai, antes de este falecer.
Elman dedicou-se a realizar e elaborar espetáculos de palco com Hipnose, até conseguir
um programa de rádio, onde apresentaria várias pessoas de várias áreas de interesse.
Numa dessas ocasiões, Elman trouxe um hipnotista para o seu programa onde
rapidamente percebeu que não só percebia mais sobre Hipnose, mas também conseguia
hipnotizar pessoas, com mais sucesso.
Percebendo a importância e procura pela formação, Elman iria dedicar a sua vida à
formação, nomeadamente da comunidade médica. A sua perspetiva era que Hipnose
seria uma ferramenta inestimável para Medicina, tanto geral, cirúrgica ou dentária e que
um médico teria de ser capaz de induzir uma pessoa rapidamente e profundamente, visto
o tempo das consultas ser escasso.
AS TEORIAS DE HIPNOSE
Ao longo da história da Hipnose, por mais breve que tenha sido este resumo, o conceito
e o método foi sendo alterado, ao longo do tempo. Esta alteração deve-se às diferentes
especialidades envolvidas, a evolução dos métodos de investigação científica e a
perspetiva que muitos teóricos tinham, face à Hipnose.
Não sendo uma forma terapêutica, Hipnose tem um conjunto de teorias explicativas
sobre o seu funcionamento. Historicamente, estas teorias foram agrupadas em dois
grandes grupos: as Teorias do Estado e Teorias do Não Estado.
Milton Erickson referia muito o “transe do dia-a-dia”. Para Erickson, todos as pessoas
passam por fenómenos hipnóticos todos os dias, ao longo da sua vida. Situações em que
distorcemos a tempo, regredimos a memórias de situações passadas, não vê-mos
determinados objetos que estão à nossa frente, ou mesmo pensamos estar a ver objetos
que não se encontram no nosso campo de visão. Na perspetiva ericksoniana, o terapeuta
deve reconhecer esses estados e utilizá-los, de forma a ajudar a pessoa terapeuticamente.
As Teorias do Não Estado adotam uma posição totalmente diferente. Defendidas pela
Escola de Nancy de Bernheim, estas teorias propõem que o “transe” não existe, assim
como o estado. Hipnose é atingida via sugestão e por determinadas variáveis, como a
expectativa de resposta que o cliente tem, o papel da autoridade do terapeuta,
condicionamentos clássicos, etc. Nesse sentido, Hipnose não é tida em termos de
profundidade, mas sim na capacidade de resposta do sujeito, a sugestão, durante o
processo de Hipnose. É esta perspetiva que é utilizada na investigação científica dos
fenómenos hipnóticos.
Quer aceitemos uma das teorias ou ambas, o que sabemos é que a definição de um
contexto como hipnótico aumenta a potência das intervenções, as variáveis
sociocognitivas devem ser tidas em atenção, a utilização da palavra Hipnose parece
aumentar a expectativa da pessoa e, finalmente, Hipnose pode trazer resultados,
independentemente do nível de profundidade em que a pessoa possa-se encontrar.
ESTILOS DE HIPNOSE
Quando se faz uma pesquisa pelos vários cursos de Hipnose que existem no mercado,
podemos encontrar uma panóplia de diferentes nomes. Desde Hipnose Terapêutica,
Hipnose Sistêmica, Hipnose Condicionativa, Hipnose Conversacional… Acho que já
fica a perceber a ideia!
O que é um facto é que todas estas designações não passam de estratégias de marketing,
construídas para atraírem o maior número de pessoas possível. Em termos técnicos, só
existem dois estilos de Hipnose: Hipnose Tradicional e Hipnose Ericksoniana. Vejamos
então cada um destes estilos.
Hipnose Clássica
Este estilo de Hipnose é a génese de toda esta técnica, inspirada pelos trabalhos de
James Braid. Podemos caracterizá-lo como um estilo direto e autoritário, onde as
sugestões são dadas de forma direta e o terapeuta assume uma postura mais superior.
Um exemplo seria “Feche os seus olhos agora!” ou então “Irei contar de 10 até 1.
Quando chegar ao número 1, entrará no estado de Hipnose”. Como se pode ver, é uma
forma de distribuir sugestões que não dá muita hipótese de escolha e que pode, para
determinados tipos de pessoas, originar uma guerra de vontades, onde o cliente se possa
sentir desafiado ou mesmo incomodado pela autoridade do terapeuta e, simplesmente,
não seguir a sugestão dada.
Para além da linguagem direta e autoritária, Hipnose Clássica é um estilo onde existe
uma clara estrutura do processo, por fases. Temos portanto:
Hipnose Ericksoniana
Hoje em dia, a investigação demonstrou que tanto a sugestão direta, como indireta, é
igualmente eficaz, no processo terapêutico. Cabe ao terapeuta decidir qual a melhor
altura de utilizar um ou outra, partindo do pressuposto que tenha formação para usar
metodologias ericksonianas. Numa visão ericksoniana, quanto maior for a
resistência do cliente, maior a necessidade de se ser indireto. Por outro lado, existem
alturas em que ser-se demasiado indireto pode ser frustrante para o cliente, por isso,
como em tudo, há que haver conta, peso e medida nas intervenções.
Não sendo o objeto deste livro, acho que é importante referir no contributo da PNL.
Programação Neurolinguística, criada por Richard Bandler, John Grinder e Frank
Pucelik, é uma metodologia que pretende promover a excelência da comunicação e
desenvolvimento humano. Este método tem como base a modelagem das técnicas
eficazes de Virgínia Satir, Fritz Perls e Milton Erickson. Ao longo dos anos, Bandler
e Grinder escreveram muitos livros sobre Hipnose, nomeadamente na exploração
linguística de Erickson. São uma ótima fonte para todos os que desejem
compreender os padrões linguísticos ericksonianos.
A mais comum é a área clínica. Hipnose, como vimos, é uma ferramenta terapêutica
que aumenta a eficácia das intervenções terapêuticas mais formais. Assim, qualquer
Psicoterapeuta pode, tendo formação adequada, incorporar Hipnose na sua prática
clínica, para abordar temáticas como depressão, ansiedade, perturbações do sono,
mudança de comportamentos (deixar de fumar, por exemplo), algumas perturbações
alimentares, perturbações psicossomáticas, etc. Cada vez mais, a investigação tem
tentado validar a eficácia de Hipnose para o maior número de perturbações
possíveis.
A área educacional tem sido menos explorada mas, Hipnose pode auxiliar algumas
estratégias para o aumento de atenção, concentração, melhorar metodologias de
estudo e de memória e regular estados de ansiedade de desempenho escolares e
académicos.
Na área empresarial e comercial, Hipnose tem sido usada dentro da PNL, onde são
usados os padrões de comunicação hipnótica para aumentar as vendas, a capacidade
de liderança e persuasão. Para evitar confusões, persuadir alguém é fazer com que a
pessoa escolha o que propomos, de uma forma que não prejudique a outra pessoa e
que se mantenha dentro de uma forma ética. O contrário seria manipulação.
A natureza da Hipnose exclama mistério, o que faz com que afaste muitos e esteja
associado a elementos místicos, sobrenaturais e do oculto.
Ao longo dos anos, Hipnose tem sido retratada e associada a situações de controlo
mental, magia, espetáculo, etc. Comunicação social, romances, cinema, séries, todos
esses canais têm ajudado para a criação de mitos que são desenvolvidos e
distribuídos pela sociedade. Embora a ciência tenha derrubado muitas dessas
afirmações, tem sido mais fácil distribuir os mitos do que a informação correta.
Aqui ficam alguns dos mais comuns mitos, sobre Hipnose.
É necessário estar em transe para poder ser hipnotizado
Como vimos na seção das teorias da Hipnose, nem todas as teorias aceitam a noção
do transe e a ciência não encontrou forma de validar a sua existência, ou não. O que
é um facto é que se a atenção for focada numa ideia, som, objeto ou sensação, se o
terapeuta dissociar a realidade da experiência da pessoa, então conseguimos
hipnotizar alguém.
Este é um dos medos e mitos mais populares face à Hipnose, o mito do controlo
mental. Também este tem sido popularizado pela literatura e cinema, especialmente
com os casos de conspiração de assassinatos, como o de JFK, onde se suspeita que o
atirador tenha sido “programado”, com Hipnose. Este mito não é verdade, tendo
como base o ponto anterior. Hipnose é um processo colaborativo e não de
submissão de um cliente passivo, face a um hipnotizador. O que é um facto é que a
pessoa hipnotizada possui muito mais controlo e atividade mental, do que em muitas
situações. Portanto, Hipnose é uma técnica de autocontrolo. Por outro lado, uma das
bases da pessoa são as suas crenças e valores, os alicerces que constituem a tomada
de decisão sobre ações, o bem e o mal. Assim como a pessoa tem as suas crenças e
valores, num estado de vigília, também terá em Hipnose. Se existe algo que você
não queira fazer ou aceitar, antes de Hipnose, não o irá fazer durante o estado de
Hipnose. Este é um assunto muito estudado e validado pela investigação, apesar de
haver muitas disputas, alegando que será possível. Nesse caso, não estamos apenas a
falar de Hipnose, mas sim de técnicas manipulativas.
Este é mais um dos principais mitos, muito relacionados com o cinema e as recentes
ofertas de regressões a vidas passadas. Para podermos compreender este mito, temos
de falar um pouco sobre memória. Desde que as nossas estruturas neuronais se
encontram totalmente formadas, o ser humano tem a capacidade para processar e
armazenar acontecimentos. Esses acontecimentos podem ser guardados a longo
prazo, curto prazo ou apenas por uma questão de trabalho. De uma forma simples,
estes são os três tipos de memória que possuímos. Contudo, esta memória pode ser
alterada, ao longo de tempo e até mesmo vai desaparecendo, ao longo do tempo
(uma das principais características das demências é a progressiva deterioração da
memória). Da mesma forma que a estrutura da memória vai-se alterando, é possível
a implementação de cenários que nunca existiram, mas que a pessoa convence-se
que existiram. Este fenómeno é conhecido como as “falsas memórias”. Não só
existe ampla investigação sobre este fenómeno, como existem métodos para a
implementação, mesmo sem Hipnose. Técnicas de interrogatório, determinados
tipos de entrevista e a exaustão mental e física podem ser usadas para convencer a
pessoa que determinado acontecimento foi vivido pela própria, sem nunca ter-se
passado. Hipnose coloca a pessoa num estado mais sugestionável, o que faz com
que este processo ainda seja mais fácil do que outras técnicas, já que a pessoa se
encontra a experienciar todas as sugestões dadas, a nível cognitivo, emocional e
comportamental. Em suma, só podemos voltar a vivenciar acontecimentos pelos
quais passámos, até certo nível.
Hipnoterapia não exige qualquer esforço e só os sujeitos mais sugestionáveis
podem beneficiar desta terapia
Vamos examinar cada parte deste mito. Em primeiro lugar, Hipnoterapia é um termo
que foi tornado popular, desde os anos 60, indicando Hipnose como uma forma
terapêutica. Hipnose não é uma terapia, já que esta não explica a formação da
personalidade e a dinâmica de funcionamento psicológico. Hipnose é sim uma
técnica experiencial, tal como visualização guiada, focagem, técnica da cadeira
vazia ou técnica das duas cadeiras. O que isto significa é que Hipnose pode ser
usada, como coadjuvante de psicoterapias formais, como Psicanálise ou Terapia
Cognitivo-Comportamental. De forma a tentar chegar a um consenso, a Divisão 30
da APA define Hipnoterapia como terapia com utilização de Hipnose. Nesse
contexto, o psiquiatra e investigador americano Martin Orne sugeriu algo que se
tornou numa “regra de ouro” para a utilização de Hipnose: “Se um profissional não
é qualificado para tratar algo (uma determinada situação clínica) sem Hipnose,
então ele não é qualificado para a tratar (essa situação clínica) com Hipnose.
Primeiramente procura-se a certificação profissional (médico, dentista,
psicólogo clínico, etc.). Depois procura-se a certificação em Hipnose.”. A
passividade do sujeito já foi abordada noutros mitos. Como com qualquer outra
técnica terapêutica, se o sujeito não se envolver ativamente no processo, qualquer
sugestão ou fenómeno hipnótico usado, não irá garantir mudanças a longo prazo.
Finalmente, relativamente à sugestionabilidade, a investigação tem demonstrado que
todas as pessoas podem beneficiar de Hipnose, independentemente do seu nível de
sugestionabilidade hipnótica.
Esta lista não é exclusiva nem fechada, podem ser encontrados muitos mais, em
várias obras sobre Hipnose. Estes são apenas os mitos mais comuns de serem
encontrados. Porque é que estes mitos são formados?
Esta é a parte em que tenho de me insurgir contra a minha própria profissão e outras,
no contexto da saúde. Historicamente, Hipnose sempre pertenceu ao campo da
ciência e de profissões de saúde, como a Medicina, Psiquiatria e Psicologia.
Contudo, o campo da ciência deixou-se influenciar pelas crenças e atitudes das
diversas épocas que se viviam, não conseguir acompanhar o desenvolvimento das
Revoluções Industriais e fármacos como clorofórmio e outros anestésicos, algumas
das suas personagens mais célebres renegaram Hipnose em função de outras
técnicas (Sigmund Freud, um dos pais da Psicanálise, foi um dos responsáveis por
renegar a Hipnose, na saúde mental) e, não menos importante, o desconhecimento
teórico e histórico de Hipnose, por parte dos vários técnicos de saúde. É certo que
países como os Estados Unidos, Inglaterra, Espanha, Austrália, etc., encontram-se
muito mais evoluídos e sensibilizados do que Portugal, embora deva dizer que já
existe um sólido corpo de investigação realizada em Portugal, por investigadores e
terapeutas portugueses.
A LINGUAGEM DA HIPNOSE
Todas as terapias e técnicas têm a sua própria linguagem. Hipnose não é exceção.
Não sendo o meu objetivo entrar em grandes pormenores técnicos, darei exemplos de
sugestões diretas e ericksonianas:
Para além destes dois exemplos de sugestões, temos ainda mais algumas categorias.
Estas são:
Você decide fazer uma viagem longa, uma que faça com que atravesse o país.
Naturalmente pode escolher a autoestrada como um caminho mais cómodo. A partir de
um determinado número de quilómetros, você começa a “entrar em modo automático”,
onde só vê a autoestrada e os carros que nela andam. O tempo parece dilatar-se de uma
forma invulgar e, quando dá por isso, fica confuso por perceber que já chegou a uma
determinada parte do percurso e nem se deu conta como. Se isto já lhe aconteceu, é um
fenómeno descrito como “highway hypnosis”.
Você vai ao cinema, após decidir que um filme que gostaria de assistir se encontra em
exibição. Ao entrar na sala e as luzes se apagarem, a sua atenção volta-se para o ecrã. Se
o filme for mesmo bom (às vezes apanhamos grandes banhadas!), a sua atenção
encontra-se completamente focada na história. E, apesar de saber que tudo aquilo que vê
não é real, é apenas uma história, você começa-se a envolver nela e nas emoções que
esta desperta em você. Pode rir, pode chorar, pode ter medo ou pode sentir-se zangado.
E o mundo exterior parece desaparecer, em seu redor.
Você decide ler um livro, aquele autor que você tanto aprecia. O enredo é tão bom que,
rapidamente, todo o foco da sua atenção se centra naquele livro. Envolve-se tanto na
história que é como se fosse difícil colocar o livro de lado. Nem os ruídos e sons do
local onde está o incomodam. E quando finalmente decide fechar o livro, repara que o
tempo passou e você nem notou na forma como isso aconteceu.
Estes fenómenos acontecem de forma natural, tanto como procurar os óculos e reparar
que os tem na cabeça, ou tentar encontrar as chaves elas estarem mesmo à sua frente.
São hipnóticos, pela sua natureza. O trabalho do terapeuta é criar condições para que
eles ocorram e utilizá-los com propósito terapêutico. Temos assim:
Estes são os fenómenos hipnóticos mais comuns e mais utilizados. Em terapia, estes
fenómenos são usados com o propósito de otimizar os recursos do cliente, promovendo
flexibilidade e a mudança desejada.
OS SINAIS DE HIPNOSE
Começo esta parte por dizer que Hipnose é uma experiência vivencial subjetiva. Isto
significa que não existem duas experiências iguais, quer na mesma pessoa, quer entre
pessoas. A pessoa seguir as sugestões, a forma como as segue, o que sente, o que pensa
e o que vive, durante a experiência de Hipnose, só o próprio pode descrever.
No entanto, existem determinadas pistas que nos sugerem que a pessoa esteja em
Hipnose. Esses são os sinais que o terapeuta procura, de modo a perceber se o seu
método está a resultar. Aqui ficam alguns desses sinais:
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Hipnose é uma área que ainda tem muito por explorar. E muito por dizer.
Quando pensei em escrever algo, tomei a decisão de colocar algo breve mas
suficientemente informativo para que as pessoas possam procurar mais e, sobretudo,
tentar passar a imagem que Hipnose deve ter: a de uma ferramenta terapêutica que ajuda
a mudar a vida das pessoas. Sem dúvida que o fez comigo.
Não é o meu desejo converter, seja quem for, à “religião” da Hipnose. Nem todos temos
de fazer o mesmo ou ter os mesmos interesses. Se fosse assim, não haveria diversidade
nas intervenções e nas trocas de opiniões. Mas gostaria de passar a ideia que esta pode
ser uma alternativa possível, tanto para as pessoas que nos chegam, como também aos
profissionais de saúde.
Sou Psicólogo, como profissional. Sou membro da Ordem dos Psicólogos Portugueses,
o que me dá motivo de orgulho. A minha grande base de formação em Hipnose foi-me
passada por psicólogos, psicoterapeutas e investigadores reconhecidos como sendo dos
melhores, internacionalmente. É com estes valores que me identifico e que me
comporto, sempre que possível, no campo da formação e terapia.
Por outro lado, há mais do que espaço para todos. Se a pessoa que ler for um
profissional de saúde que queira aprender a usar Hipnose, um professor, educador ou até
mesmo um treinador, a minha porta estará sempre aberta. As restantes pessoas podem
afastar-se da minha porta, por não concordarem com a minha perspetiva. Aceito e
compreendo isso.
Também gostaria de dizer que hipnotizar alguém é das coisas mais fáceis que pode
fazer. A sério! Pode parecer que não ou que estou a gozar consigo, mas estou a ser o
mais sincero possível. Se você visualizar muitos materiais do Youtube, pode mesmo
conseguir hipnotizar alguém. Aliás, se este fosse um livro técnico, haveria grandes
possibilidades que você começasse a hipnotizar pessoas. Mas escolhi não o fazer e esta
é a razão: um dos grandes perigos da Hipnose é a própria pessoa que hipnotiza. Se você
não tiver uma base técnica sólida e uma excelente compreensão de como os
mecanismos da mente humana funcionam, você pode fazer mais mal do que bem. Se
quer fazer terapia, só tirar cursos de Hipnose e de PNL não serão suficientes. Precisa de
uma boa base de saúde mental. O que me leva ao último conselho: saiba reconhecer os
seus limites. Não se aventure por campos que acha que consegue resolver, só porque
consegue hipnotizar pessoas.
Até breve!