Aulas 6 e 7 - Filosofia Helênica
Aulas 6 e 7 - Filosofia Helênica
Aulas 6 e 7 - Filosofia Helênica
CONTEXTO HISTÓRICO
Enfraquecidos pela Guerra do Peloponeso, os gregos não resistiram ao
ataque macedônico na batalha de Queroneia (338 a.C.) e sucumbiram diante
do rei Filipe II. O domínio macedônico não ficou só na Grécia. Com a morte do
rei Felipe II, seu filho Alexandre (336 – 323 a.C.) de apenas 18 anos, assume o
poder e conquista os grandes domínios do Império Persa, expandindo o
poderio macedônico até a Índia. Alexandre foi educado nos costumes gregos,
teve Aristóteles como seu professor e espalhou a cultura grega por um
vastíssimo território.
A expansão e mistura da cultura grega com a dos povos orientais
originou o que foi conhecido de Helenismo. Seu império não resistiu à sua
morte. Foi dividido entre seus generais e foi conquistado pelos romanos. No
entanto, as cidades fundadas por ele continuaram transmitindo a cultura grega
para diversos povos ao longo de séculos. Como exemplo, podemos citar
Alexandria no Egito, Pérgamo na Ásia Menor e a Ilha de Rodes no Mar Egeu.
A grande expedição de Alexandre Magno para o oriente e as sucessivas
conquistas territoriais, com a formação de um império vastíssimo e a teorização
de uma monarquia universal divina, tiveram como efeito imediato o de colocar
em gravíssima crise a pólis. Não se tratou apenas de revolução política, mas
também e, sobretudo, de revolução espiritual e cultural, a partir do momento
que na dimensão política (isto é, na vida dentro da pólis) se reconheciam todos
os grandes filósofos gregos, os quais justamente sobre este fundamento
construíram seus sistemas e sua antropologia. Alexandre com sua expansão
promove gradualmente a queda da pólis.
Ele dá início ao primeiro projeto de globalização, com a convivência de
povos de diferentes costumes vivendo sob um mesmo território e domínio. O
ideal da pólis, portanto, é substituído pelo ideal “cosmopolita” (o mundo inteiro
é uma pólis) e o homem-político é substituído pelo homem-indivíduo; a
contraposição grego-bárbaro em larga medida é superada pela concepção do
homem em uma dimensão de igualitarismo universal. Esse novo mundo que
Alexandre estava criando requeria um novo homem, que deixaria de ser um
cidadão da pólis para ser um cidadão do mundo, da cosmo-pólis, ou seja, um
cosmopolita.
Dessa maneira, todo aquele corpo teórico sustentado pelos filósofos
gregos, que concebia a pólis como sendo o único lugar onde o homem poderia
exercitar suas virtudes e fazer florescer suas potencialidades, foi perdendo
sentido, pois a pólis estava deixando de existir em seu formato original.
Compreendemos então por que as filosofias até então elaboradas (com
exceção da socrática) arriscaram tornar-se desatualizadas e superadas pelos
tempos. Surgiu assim fortemente a exigência de novas filosofias mais eficazes
do ponto de vista prático, que ajudassem a enfrentar os novos acontecimentos
e a inversão dos antigos valores aos quais estavam estreitamente ligadas.
CINISMO
Embora fundado por Antistenes depois da morte de Sócrates, o cinismo
encontrou uma espécie de refundação com Diógenes de Sinope (400-325
a.C.), mais conhecido como Diógenes o cão, que levou essa corrente filosófica
a grande sucesso. Ele imprimiu ao movimento uma clara orientação
anticulturalista, no sentido de que declarou completamente inútil a pesquisa
filosófica abstrata e teórica para fins de alcançar a felicidade. Eram
necessários, sobretudo, o exemplo e a ação.
Por isso, o ensinamento de Diógenes se concentrou sobre uma vida
vivida fora de qualquer convenção social e reduzindo as necessidades ao
essencial. Ele viveu em Atenas de acordo com o que acreditava, morando em
um barril e comendo apenas o os outros lhe davam, já que o cinismo pregava
que a pessoa deveria viver da forma mais simples possível, como um animal,
desprezando todas as convenções sociais.
Tudo que era natural deveria ser feito aos olhos de todos e considerava
coisas tolas a riqueza, a fama, o poder e as honras. O ideal foi o da autarquia,
do bastar-se a si mesmo, e do tornar-se independente dos outros. Ou seja, a
vida cínica se concretizava em conduta inteiramente livre, sem regras. Para
alcançar tal objetivo era preciso ter total desprezo pelo prazer e libertar-se dele,
e até atuar uma revalorização da fadiga, capazes de temperar o espírito e
torná-lo independente das necessidades supérfluas.
EPICURISMO
Epicuro de Samos (341 – 271 a.C), que fundou sua Escola em Atenas em
307/306 a.C., retomou de Leucipo e Demócrito a teoria atomista, de Sócrates o
conceito de filosofia como arte de viver e estabeleceu uma estreita relação
entre felicidade e prazer. Epicuro ensinava que os homens devem se libertar
dos medos e viver uma vida voltada para os simples prazeres (hedonismo),
como beber quando se tem sede, comer quando se tem fome, aproveitar a
presença dos amigos e familiares. Tudo com moderação. Estes prazeres
seriam entendidos como a superação dos desejos estimulados em sociedade,
como a busca por fama, riqueza e poder. Epicuro dividiu sua filosofia
(finalizando as primeiras duas partes com a terceira), em: 1) Lógica (chamada
“cânon”); 2) Física; 3) Ética.
1. Lógica
O conhecimento se fundamenta sobre a sensação, sobre a prolepse e
sobre os sentimentos de dor e de prazer. A sensação nasce do impacto de
fluxos de átomos, provenientes dos objetos (chamados de “simulacros”)
sobre nossos sentidos, os quais, nesta relação, tem um papel passivo e
mecânico, de modo que a marca do mundo externo (ou pelo menos dos
eflúvios) registrada pelos sentidos e perfeitamente correspondente ao
original, tanto que Epicuro pode afirmar que a sensação é sempre
verdadeira e objetiva.
Tais sensações, por repetir-se inumeráveis vezes e mantendo-se na
alma, dão lugar a imagens apagadas, que, por sua menor nitidez, podem se
adaptar a múltiplos objetos do mesmo gênero e, portanto, antecipar as
características das coisas antes que estas se apresentem (por isso as
chamadas prolepses, isto é, antecipações), ou representá-las em sua
ausência (do correspondente sensista do conceito). Os sentimentos de dor
e de prazer nascem da ressonância interna das sensações, ou seja, do
efeito que elas produzem sobre nós, e servem de fundamento para a ética,
enquanto constituem os critérios para discriminar o bem do mal.
2. Física
Sobre a Física, Epicuro diz que para fundamentar uma “ontologia
materialista” é necessário tomar dos atomistas o conceito de átomo e a
ideia de que não existe geração do nada nem aniquilamento. Mas o todo (a
totalidade dos átomos, que para o materialista Epicuro esgota a totalidade
do ser) se mantem idêntico. O cosmo, portanto, que é infinito, é composto
de “corpos” e de vazio, e os corpos são ou simples (justamente os átomos)
ou compostos (toda a realidade).
O mundo, que deriva do encontro dos átomos é infinito (os átomos, com
efeito, são infinitos de número), tanto no espaço como no tempo (se
regenera infinitas vezes). Também a alma (distinta em racional e irracional)
é um agregado de átomos; trata-se, porém, de átomos diferentes dos
outros. E ainda átomos de caráter especial são os que constituem os
deuses, cuja existência Epicuro se mostra absolutamente certo. Os deuses
de Epicuro tem numerosas características em comum com os deuses da
religião tradicional, exceto por um detalhe: não se ocupam de modo
nenhum do mundo e dos homens e vivem uma vida absolutamente feliz e
beata.
3. Ética
O verdadeiro bem é o prazer; o máximo prazer é a ausência de dor,
sendo os prazeres (e as dores) da alma superiores aos do corpo. Com
efeito, a alma sofre também por causa das experiências passadas e por
causa das futuras, enquanto o corpo sofre apenas por aquelas presentes. A
ausência da dor, tanto em relação a alma (ataraxia) como em relação ao
corpo (aponia), é considerada como sumo prazer, porque é o único que não
pode crescer ulteriormente e, portanto, não pode nos deixar insatisfeitos.
Para poder alcançar a ataraxia, Epicuro distinguiu acuradamente os
vários tipos de prazeres: os naturais e necessários (comer o suficiente para
matar a fome, beber o suficiente para matar a sede etc.), os naturais e não
necessários (comer alimentos refinados, beber bebidas refinadas etc.) e,
por fim, os não naturais e não necessários (os prazeres ligados a riqueza,
as honras, ao poder). Portanto, apenas os primeiros devem sempre ser
buscados, porque são os únicos que encontram em si um limite preciso; os
segundos, podemos nos conceder apenas de vez em quando; os últimos,
que nos tornam insaciáveis, nunca.
Para realizar seu ideal de vida, o homem deve fechar-se em si e
permanecer distante da multidão e dos encargos políticos, que só trazem
perturbação e fastio. A única ligação com os outros a ser cultivada deve ser
a amizade, que nasce certamente pela busca do útil ou para ter
determinadas vantagens, mas depois, uma vez nascida, torna-se ela própria
fonte autônoma de prazer.
A moral epicurista é uma moral hedonista. O fim supremo da vida é o
prazer sensível; o critério único de moralidade é o sentimento. O único bem
é o prazer, como o único mal é a dor; nenhum prazer deve ser recusado, a
não ser por causa de consequências dolorosas, e nenhum sofrimento deve
ser aceito, a não ser em vista de um prazer, ou de nenhum sofrimento
menor. No epicurismo não se trata, portanto, do prazer imediato, como é
desejado pelo homem vulgar; trata-se do prazer mediato, refletido, avaliado
pela razão, escolhido prudentemente, sabiamente, filosoficamente. É mister
dominar os prazeres e não se deixar por eles dominar; ter a faculdade de
gozar e não a necessidade de gozar.
Tito Lucrécio Caro foi um poeta e filósofo romano que viveu no século I
a.C. Lucrécio foi um epicurista que enriqueceu a doutrina, mas também colocou
nela o seu estilo. Ele apresenta uma singular síntese de epicurismo e
materialismo atomista. Sua obra antecede muitos conceitos da física moderna,
também da psicologia contemporânea, enfim, do pensamento científico hoje
aceito. Para o autor, o mundo era guiado pela fortuna, não por propósitos
divinos. Para Lucrécio, a alma é mortal. Após o decesso, resta um simulacro,
os fantasmas que assombram os vivos. Deste modo, ele resgata a ideia
epicurista de eidolon, termo grego. Segundo Virgílio, Lucrécio afirma que o
medo da morte criou o mito da imortalidade da alma.
Em Da natureza das coisas, Lucrécio apresenta a teoria de que a luz visível
seria composta de pequenas partículas. Teoria incompleta, apesar de bastante
consistente, é uma espécie de visão antiga da atual teoria dos fótons. Também
neste poema, Lucrécio sustenta a ideia da existência de criaturas vivas que,
apesar de invisíveis, teriam a capacidade de causar doenças. Esta ideia
representa na realidade a base da microbiologia. Além de fonte preciosa para o
conhecimento do epicurismo, o poema de Lucrécio tem grande importância
literária e seus versos consagram o autor como um dos maiores poetas latinos.
ESTOICISMO
A filosofia estoica formou-se, principalmente, pela ação de três filósofos
que, um depois do outro, deram cada um a própria contribuição às doutrinas da
Escola, chamada Estoá (termo que significa “pórtico”, lugar em que os filósofos
se encontravam). O primeiro deles foi Zenão de Cítio (que chegou em Atenas
em 312/311 a.C.), o segundo foi Cleanto de Assos (que dirigiu a Escola entre
262 e 232 aproximadamente) e o terceiro, ao qual se deve a sistematização
definitiva da doutrina, foi Crisipo de Sôli (que foi escolarca de 232 até quase o
fim do século). Os estudiosos dividem a história da Estoá em três períodos:
1) Antiga Estoá de Zenão, Cleanto e Crisipo;
2) Média Estoá de Panécio e Possidônio;
3) Nova Estoá de Sêneca, Epicteto e Marco Aurélio.
Antiga Estoá
Lógica
Sobre a Lógica da Antiga Estoá, tanto Zenão quanto a Estoá aceitam a
tripartição da filosofia estabelecida pela Academia (que fora substancialmente
acolhida por Epicuro, como já vimos), inclusive acentuando-a e não se
cansando de forjar novas imagens para ilustrar do modo mais eficaz a relação
existente entre as três partes. A filosofia em seu conjunto é comparada por eles
a um pomar, no qual a lógica corresponde ao muro circundante, que delimita o
âmbito do pomar e que cumpre ao mesmo tempo o papel de baluarte de
defesa; as árvores representam a física, porque são como que a estrutura
fundamental, ou seja, aquilo sem o que não existiria o pomar; finalmente, os
frutos, que são aquilo a que todo o plantio visa, representam a ética.
Assim como os epicuristas, os estoicos atribuíam primariamente à lógica
a tarefa de fornecer um critério de verdade. E, como os epicuristas, indicavam
a base do conhecimento na sensação, que é uma impressão provocada pelos
objetos sobre os nossos órgãos sensoriais, a qual se transmite à alma e nela
se imprime, gerando a representação.
Porém, segundo os estoicos, a representação da verdade não implica só
um “sentir”, mas postula ademais um “assentir”, um consentir ou aprovar
proveniente do logos que está em nossa alma. A impressão não depende de
nós, mas da ação que os objetos exercitam sobre nossos sentidos; nós não
somos livres de acolher essa ação ou de nos subtrair a ela, mas estamos livres
para tomar posição diante das impressões e representações que se formulam
em nós, dando-lhes o assentimento de nosso logos ou recusando dar-lhes
nosso assentimento. Só quando existe o assentimento é que temos a
“apreensão”. E a representação que recebeu nosso assentimento é
representação compreensiva ou cataléptica, constituindo o único critério ou
garantia de verdade.
Física
Sobre a Física da antiga Estoá, o ser, dizem os estoicos, se identificava
com o “corpo”, razão pela qual tudo o que existe (também os vícios, o bem e as
virtudes) são “corpos”. E todo corpo é formado pela ação de uma causa ativa
com uma causa passiva, isto é, pela ação da razão (logos) sobre a matéria,
produzindo entes de caráter “hilemórfico”, isto é, feitos de matéria e forma. A
forma de cada objeto seria, portanto, o resultado da ação de uma única força
racional que dá forma (definição) a um substrato indefinido.
Esta força racional identifica-se com a natureza (physis) e, portanto, com
o princípio divino, e em sentido mais específico, com o fogo ou sopro (pneuma)
afogueado que penetra toda a realidade, aquece-a e (segundo as concepções
científicas da época, que viam no calor o princípio vital) lhe dá vida.
Aparece, portanto, evidente que para os estoicos o cosmo é como um
imenso organismo vivo em que tudo é vida. Todavia, neste ponto surgem dois
problemas: 1) Como é possível que o fogo (natureza-Deus), que, como
sabemos é corpóreo e material, penetre o cosmos que é também material? É
possível que os corpos se penetrem mutuamente? 2) Como pode o fogo
(logos), que é único, produzir infinidades de forma?
Para resolver o primeiro problema, os estoicos introduziram o princípio
da infinita divisibilidade dos corpos e, portanto, admiram a possibilidade de que
as partes de um corpo penetrem completamente entre as partes de outro
(princípio da “mistura total dos corpos”). Para responder ao segundo problema,
eles representaram o logos como “semente de todas as coisas”, ou seja, como
semente capaz de gerar muitas outras sementes (razões seminais). Como a
semente, que é única consegue produzir a infinita variedade das frondes, dos
ramos, das flores e dos frutos de uma árvore, do mesmo modo o único logos
produz a infinita variedade das formas presentes no mundo.
A presença do Deus-logos na realidade implica que tudo seja por ele
dirigido de modo infalível, isto é, que tudo seja endereçado ao melhor fim (o
logos não pode errar). Neste sentido, o finalismo universal se traduz em
Providência, uma forma de providência geral. Mas esta forma de “providência”
coincide com o destino inelutável, que não é mais do que aquilo que se segue
a ordem necessária de todas as coisas devida ao logos. Aqui, porém, surge um
problema: se a razão imanente implica necessidade imanente, então, também
o homem continua implicado nesta necessidade. O que será, portanto, da sua
livre vontade?
A vontade do homem não é livre, ou seja, ela encontra obstáculos que
impedem sua realização, apenas quando se opõe ao destino (ao logos); ao
contrário, quando o atende e quer aquilo que o destino quer, então não só não
encontra impedimentos, mas tem efeito seguro. A verdadeira liberdade,
portanto, estaria em uniformizar-se ao logos, querer o que o Destino quer. A
ideia de que o mundo seja formado de fogo implica que nele se manifestem,
embora em tempos diversos, os dois aspectos típicos da atividade do fogo, isto
é, o vivificante (lembremo-nos da relação fogo-calor- -vida, mais vezes
salientado) e o destrutivo. Assim, enquanto prevalece o primeiro aspecto o
cosmo vive, quando prevalece o segundo ele se consuma em total combustão.
Ética
Sobre a Ética da antiga Estoá, todos os seres vivos são dotados de um
princípio de conservação (chamado oikéiosis), que instintivamente os leva a
evitar aquilo que os prejudica e a buscar aquilo que os beneficia, que
acresce seu ser: em uma palavra, o bem de um ser é aquilo que lhe é
benéfico, e o mal é o que danifica. Por conseguinte, todo ser vivo pode e
deve viver segundo a natureza, segundo a sua natureza. Ora, a natureza do
homem é racional e a sua essência é a razão. Assim, para o homem atuar o
princípio de conservação deve buscar as coisas e apenas as coisas que
incrementam sua razão e fugir das que o prejudicam. As realidades que
correspondem a essas características são a virtude e o vício, portanto,
apenas a virtude é “bem” e só o vício é “mal”.
Os estoicos elaboraram também um quadro das ações, distinguindo as
“ações retas” (ou moralmente perfeitas) e as “ações convenientes” ou
“deveres”. A diferença entre os dois tipos depende não da natureza da ação
(uma mesma ação pode ser tanto dever como ação correta), mas sobretudo
da intenção de quem a realiza. Se quem a realiza está em sintonia com o
logos e, portanto, é um sábio, suas ações serão sempre ações corretas; se,
ao contrário, age sem esta consciência, suas ações, embora formalmente
conformes a natureza, são deveres. Disso derivam duas consequências
significativas; de um lado, que quem não é sábio, faça o que fizer, jamais
realizará uma ação correta; do outro, que quem é sábio, qualquer coisa
queira ou faça, realizará sempre ações corretas, justamente porque sua
vontade quer aquilo que o logos quer.
Os estoicos consideravam que a oikéiosis não era um fato apenas
individual, mas devia estender-se a família e a toda a humanidade, de modo
a definir o homem “animal comunitário” (isto é, participante da comunidade
humana), e não mais, como queria Aristóteles, “animal político” (isto é,
inserido na pólis). Esta mudança de perspectiva favoreceu a difusão de
ideais de igualitarismo e de aversão a escravidão (todos os homens
participam do logos e, portanto, todos os homens são iguais, e ninguém é
por natureza escravo). Não se deve pensar que o sábio provê um
“sentimento” de simpatia ou solidariedade com os outros homens.
Média Estoá
A Média Estoá desenvolvida nos séc. II-I a.C., teve como representantes
Panécio de Rodes e Possidônio de Apaméia, que, embora deixando intacto os
fundamentos da doutrina, corrigiram alguns pontos dela, em perspectiva
eclética. Panécio desenvolveu a doutrina dos deveres; Possidônio empenhou-
se em colocar a filosofia estoica a par do progresso científico de seus tempos.
Nova Estoá
O último grande florescimento da filosofia do Pórtico deu-se em Roma,
onde assumiu características peculiares e específicas, tanto que os
historiadores da filosofia utilizam unanimemente o termo “neo-estoicismo” para
designá-lo. A propósito, deve-se observar que o estoicismo foi a filosofia que,
em Roma, sempre teve maior número de seguidores e admiradores, tanto no
período republicano como no período imperial. Aliás, o desaparecimento da
República, com a consequente perda de liberdade do cidadão, fortaleceu
notavelmente nos espíritos mais sensíveis o interesse pelos estudos em geral e
pela filosofia estoica em particular. Ora, precisamente as características gerais
do espírito romano, que se sentia como verdadeiramente essenciais os
problemas práticos e não os puramente teoréticos, juntamente com as
características particulares do momento histórico, é que nos permitem explicar
com facilidade a curvatura especial sofrida pela problemática da última época
do estoicismo:
Em primeiro lugar, o interesse pela ética, sem dúvida tornou-se
predominante na Estoá romana da época imperial e, em alguns
pensadores, quase exclusivo;
O interesse pelos problemas lógicos e físicos reduziu-se
consideravelmente e a própria teologia, que era uma parte da física,
assumiu colorações que podemos qualificar pelo menos de
exigencialmente espiritualistas;
Reduzidos consideravelmente os laços com o Estado e com a
sociedade, o indivíduo passou a buscar a própria perfeição na
interioridade da consciência, criando assim um clima intimista, nunca
encontrado até então na filosofia, pelo menos nessa medida;
Irrompeu forte sentimento religioso, transformando de modo bastante
acentuado a tempera espiritual da velha Estoá. Mais ainda: nos escritos
dos novos estoicos encontramos inclusive uma série de preceitos que
lembram preceitos evangélicos paralelos, como o parentesco comum de
todos os homens com Deus, a fraternidade universal, a necessidade do
perdão, o amor ao próximo e até o amor por aqueles que nos fazem mal;
O platonismo, inspirou não poucas páginas dos estoicos romanos, com
suas novas características “médio-platônicas”. Em especial, merece
relevo o fato de que o conceito de filosofia e de vida moral como
“assimilação a Deus” e como “imitação de Deus” passou a exercer
influência inequívoca.
Sêneca
Lúcio Aneu Sêneca nasceu em Córdoba, na Espanha, entre o fim da era
pagã e o início da era crista. Em Roma, participou ativamente e com sucesso
da vida política. Condenado por Nero ao suicídio em 65 d.C., Sêneca matou-se
com estoica firmeza e admirável força de espírito. Sêneca é um dos expoentes
da Estoá em que mais se evidenciam a oscilação em relação ao pensamento
de Deus, a tendência a sair do panteísmo e as instâncias espiritualistas de que
falamos, inspiradas em acentuado sopro religioso. Na verdade, em muitas
passagens, Sêneca parece perfeitamente alinhado com o dogma panteísta da
Estoá que afirma ser Deus a Providencia imanente, a Razão intrínseca que
plasma a matéria, é a Natureza.
Entretanto, onde a reflexão de Sêneca é mais original, ou seja, no captar
e interpretar o sentimento do divino, seu Deus assume traços espirituais e até
pessoais, que ultrapassam os marcos da ontologia estoica. Um fenômeno
análogo descobre-se também na psicologia. Sêneca destaca o dualismo entre
alma e corpo com acentos que não raramente recordam de perto o Fédon
platônico. O corpo é peso, vínculo, cadeia, prisão da alma; a alma é o
verdadeiro homem, que tende a libertar-se do corpo para alcançar sua pureza.
É evidente que essas concepções atingem as afirmações estoicas de que a
alma é corpo, substância pneumática, afirmações que Sêneca, no entanto,
reafirma.
A verdade é que, em nível intuitivo, Sêneca vai além do materialismo
estoico; depois, porém, faltando-lhe as categorias ontológicas para
fundamentar e desenvolver tais intuições, as deixa suspensas no ar. Ainda com
base na análise psicológica, da qual é mestre, Sêneca descobre a
“consciência” (conscientia) como força espiritual e moral fundamental do
homem, colocando-a em primeiro plano. A consciência é o conhecimento do
bem e do mal, originário e ineliminável. Ninguém pode esconder-se dela,
porque o homem não pode esconder-se de si mesmo.
Outro traço diferencia Sêneca da antiga Estoá, bem como da totalidade
dos filósofos gregos: o acentuado sentido de pecado e de culpa de que cada
homem está maculado. O homem é estruturalmente pecador. E,
indubitavelmente, essa é uma afirmação que se coloca em clara antítese em
relação à pretensão de perfeição que, dogmaticamente, o estoico antigo
atribuía ao seu sábio. Sêneca já pensava diferente: se alguém nunca pecasse,
não seria homem; o próprio sábio, enquanto permanece homem, não pode
deixar de pecar. No âmbito da Estoá, Sêneca talvez tenha sido o pensador que
mais acentuadamente contrariou a instituição da escravidão e as distinções
sociais: o verdadeiro valor e a verdadeira nobreza são dados somente pela
virtude, que está indistintamente a disposição de todos, pois exige unicamente
o “homem nu”.
No que se refere as relações entre os homens em geral, Sêneca põe
como fundamento a fraternidade e o amor. A passagem seguinte expressa seu
pensamento de modo paradigmático: “A natureza nos produz como irmãos,
gerando-nos dos mesmos elementos e destinando-nos aos mesmos fins. Ela
inseriu em nós um sentimento de amor recíproco, com que nos fez sociáveis,
deu a vida uma lei de equidade e justiça e estabeleceu, segundo os princípios
ideais de sua lei, que é coisa mais mísera ofender que ser ofendido.
Exilado por Calígola, por não ter desposado sua irmã, é chamado de
volta por Agripino que o encarrega da educação de Nero, do qual se tornará o
conselheiro e, por fim, ele recebe a ordem do próprio Nero de suicidar-se. Sua
obra “Cartas a Lucílio” continua ainda hoje nos ensinando como devemos viver
e enfrentar os problemas da vida. Eis algumas lições de Sêneca:
1) Um sábio deve saber desposar o evento, agindo ao mesmo tempo de
tal forma que a fortuna não o pegue desprevenido. Fortuna era a
deusa romana do acaso, da sorte (boa ou má), do destino e da
esperança.
2) Ele deve apreciar seus bens sem apegar-se a eles, cumprir suas
funções, mas saber retirar-se se elas causam preocupações.
3) Ele deve ser senhor de sua própria vida. Ele deve parar de aceitar
que o tempo lhe seja roubado. Deve aproveitar cada dia como se
fosse o último e, acima de tudo, ele não deve temer a morte.
4) Por fim, ele deve buscar a companhia de amigos verdadeiros.
Epicteto
Viveu a maior parte de sua vida em Roma, como escravo a serviço de
Epafrodito, o cruel secretário de Nero que, segundo a tradição, uma vez lhe
quebrou uma perna. Apesar de sua condição, conseguiu assistir as preleções
do famoso estoico Caio Musônio Rufo. Como viver uma vida plena, uma vida
feliz? Como ser uma pessoa com boas qualidades morais? Responder a essas
duas perguntas fundamentais foi a única paixão de Epicteto. Embora suas
obras sejam menos conhecidas hoje, em função do declínio do ensino da
cultura clássica, tiveram enorme influência sobre as ideias dos principais
pensadores da arte de viver durante quase dois mil anos.
Para Epiteto, uma vida feliz e uma vida virtuosa são sinônimos.
Felicidade e realização pessoal são consequências naturais de atitudes
corretas. Em Nietzsche, Epicteto é ligado ao individualismo, de modo que
Nietzsche vê em Epicteto portanto um contraste em relação a moralidade atual
ligada ao coletivo e ao social. Em seu Manual, ele nos ensina que:
1) Há coisas que dependem de nós e há outras que não dependem de
nós. Toda a infelicidade dos seres humanos deve- -se ao fato de que
eles confundem o que está em seu poder e o que não está em seu
poder. Por isso, desejam o que não depende deles, tornando-se
escravos dos acontecimentos. O objetivo de Epicteto é que nos
tornamos senhor de nós mesmos, vivendo assim uma vida sem
perturbações.
2) Não são as coisas que perturbam os seres humanos, mas as
avaliações que eles fazem das coisas. O que isso significa? Que os
males não vêm da natureza, mas de nossas próprias avaliações.
3) Devemos desempenhar bem o nosso papel. O ser humano é um ator
numa peça que ele não escolheu. Ou como diz Shakespeare, “o
mundo inteiro é um palco e todos os homens e mulheres não passam
de meros atores. Eles entram e saem de cena e cada um no seu
tempo representa diversos papéis”. Uma vida bem-sucedida é aquela
em que se terá cumprido da melhor maneira seu papel.
Marco Aurélio
Marco Aurélio foi o último grande representante da escola estoica. Ele foi
imperador romano desde 161 até sua morte. Seu reinado foi marcado por
guerras na parte oriental do Império Romano contra os partas, e na fronteira
norte, contra os germanos. Foi o último dos cinco bons imperadores, e é
lembrado como um governante bem-sucedido e culto; dedicou-se à filosofia,
especialmente à corrente filosófica do estoicismo, e escreveu uma obra que
até hoje é lida, Meditações.
Em Marco Aurélio, a questão central da filosofia é o problema de como
se deve encarar a vida para que se possa viver bem. O problema é tratado
com grande dedicação por esse homem religioso e pouco interessado na
investigação científica. Em seus pensamentos, são bem visíveis as
tendências ecléticas. Ele retoma ideias e exemplos de sabedoria que vêm
desde Epicuro. O estoicismo de Marco Aurélio apresenta divergências em
relação às origens gregas. Para compreender suas oscilações, é importante
levar em conta as circunstâncias históricas em que viveu, mais que suas
características psicológicas.
Em suma, no pensamento dos estóicos, o fim supremo, o único bem do
homem, não é o prazer, a felicidade, mas a virtude; não é concebida como
necessária condição para alcançar a felicidade, e sim como sendo ela
própria um bem imediato. Com o desenvolvimento do estoicismo, todavia, a
virtude acaba por se tornar meio para a felicidade da tranquilidade, da
serenidade, que nasce da virtude negativa da apatia, da indiferença
universal. A felicidade do homem virtuoso é a libertação de toda
perturbação, a tranquilidade da alma, a independência interior, a autarquia.
Como o bem absoluto e único é a virtude, assim o mal único e absoluto é o
vício. A paixão, na filosofia estoica, é sempre e substancialmente má; pois é
movimento irracional, morbo e vício da alma - quer se trate de ódio, quer se
trate de piedade. De tal forma, a única atitude do sábio estoico deve ser o
aniquilamento da paixão, até a apatia.
O ideal ético estoico não é o domínio racional da paixão, mas a sua
destruição total, para dar lugar unicamente à razão: maravilhoso ideal de
homem sem paixão, que anda como um deus entre os homens. Daí a
guerra justificada do estoicismo contra o sentimento, a emoção, a paixão,
donde derivam o desejo, o vício, a dor, que devem ser aniquilados. O
estoico pratica esta indiferença e renúncia para não ser perturbado,
magoado pela possível e frequente carência dos bens terrenos, e para não
perder, de tal maneira, a serenidade, a paz, o sossego, que são o
verdadeiro, supremo, único bem da alma. O sábio é beato, porque,
inteiramente fechado na sua torre de marfim, nada lhe acontece que não
seja por ele querido, e se conforma com o demais, sem saudades e sem
esperanças; pois sabe que tudo é efeito de um determinismo universal.
CETICISMO
Pirro de Élida (360-270 a.C.) foi o maior nome dessa corrente filosófica.
Ele tirou suas conclusões depois de participar das expedições de Alexandre o
Grande, onde percebeu, ao ter contato com diversas culturas, que não há
como se ter conhecimento do que seja verdadeiro ou falso, e que a maior
sabedoria que o homem poderia alcançar é a aceitação desse fato. E negar
isso é a causa de todos os males e infelicidades. Segundo Pirro, as coisas são
em si indiferenciadas, incomensuráveis e indiscrimináveis, ou seja, não têm em
si uma essência estável, e por isso seu ser se reduz a puras aparências. Seu
caráter de provisoriedade e de inconsistência emerge sobretudo quando as
comparamos com a natureza do divino, que é absolutamente estável e sempre
igual.
Se as coisas assim se apresentam, os sentidos e a razão não estão em
grau de discriminar a verdade e a falsidade. Portanto, o homem deve
permanecer sem opinião e abster-se de qualquer julgamento definitivo. Por
conseguinte, não tem sentido agitar-se por nenhum acontecimento, dado,
justamente, que este é pura aparência. A atitude que o sábio deverá assumir é
a da afasia, ou seja, o calar e jamais expressar qualquer julgamento definitivo,
e assim atingir a ataraxia ou imperturbabilidade (não se deixará perturbar por
nada). Pondo-se a parte de tudo aquilo que pode perturbá-lo ou tocá-lo, o sábio
poderá viver a vida “mais igual” e, portanto, viver feliz. Portanto, o homem deve
permanecer sem opinião e abster-se de qualquer julgamento definitivo. Não faz
sentido agitar-se por nenhum acontecimento, dado, justamente, que este é
pura aparência. O sucesso de Pirro foi notável e isso mostra como o seu modo
de ver estava em sintonia com o de sua época.
Outros filósofos continuaram o pensamento cético, embora alguns
destes tenham considerado o ceticismo de forma diferente, como os da
chamada terceira Academia, que teve como representante inicial Carnéades de
Cirene no século II a.C. Houve ainda alguns pensadores viventes da era cristã
que retomaram o ceticismo mais rigoroso, entre eles Sexto Empírico, do século
II d.C. Definir o ceticismo como escola pode ser algo controverso, uma vez que
ele rejeita o dogmatismo – o próprio Sexto Empírico comenta que o ceticismo
apenas teria uma escola enquanto fosse conduta de vida, e não mera
instituição enraizada em um dogma.