Location via proxy:   [ UP ]  
[Report a bug]   [Manage cookies]                

Lugar Discursivo

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 9

Relações entre lugar discursivo

e efeitos de sentido no discurso jornalístico

Ângela Maria Zamin


Reges Toni Schwaab

Resumo Abstract
A partir do mapa teórico da Análise do Discurso france- From the theoretical map of the French Discourse
sa (AD) propomos pensar o Jornalismo partindo de dois Analysis we propose to think about the Journalism from 33
conceitos: lugar discursivo e sentido. Procuramos mos- the two concepts: discursive place and sense. We tried
trar a relevância do estudo do Jornalismo por meio de to show the relevance of the study of the Journalism by
dispositivos teóricos da AD, que permitem, ao analista, means of the theoretical devices of the French Discourse
observar o discurso jornalístico pela indissociável dua- Analysis, that it allows, to the analyst, to observe the
lidade texto e contexto, na busca por apreender o que journalistic discourse for the indissociable duality text
está colado ao texto, como determinado discurso busca and context, in the search for apprehending what it is
produzir efeitos de sentido. glue to the text, how determined discourse searches to
produce effects of the sense.

Palavras-chave Key words:


Jornalismo, Discurso, Lugar discursivo, Sentido Journalism, Discourse, Discursive place, Sense
Este artigo toma o Jornalismo enquanto Análise do Discurso de linha francesa. Aqui,
prática discursiva, como lugar de seleção e teceremos estas reflexões sobre o discurso
de construção simbólica de um aqui e de um jornalístico tomando como ponto de partida
agora, em que são fundamentais as escolhas dois conceitos que têm íntima relação: o de
entre aquilo que é dito e o que é silencia- lugar discursivo, pensando a figura do jor-
do, de quem participa e de quem é ausen- nalista no discurso, e o conceito de sentido,
tado desse processo. É presente, ainda, que compreendido como efeito de sentidos.
o discurso jornalístico naturalizou-se como Nossa abordagem tem como premissa
o discurso sobre o real, marcado por uma que os acontecimentos, fonte de trabalho
“vontade de verdade” (FOUCAULT, 2006)1. dos jornalistas, já chegam a eles pela lin-
Essa referência nos parece fundamental, guagem e é por meio dela que o Jornalismo
lembrando que Foucault (2006) aborda a constrói sentidos e media as diferentes ins-
questão do poder relacionando-o ao discur- tâncias do social. Desta forma, a linguagem
so da verdade, o que marca também uma “[...] constitui e não descreve aquilo que é
determinação, vinda do exterior, na cons- por ela representado” (BERGER, 1998: 19).
tituição do discurso. Valendo-se deste capi- É por essa razão que pensar o Jornalismo
tal, o Jornalismo configurou-se em espaço pelos mecanismos da linguagem possibilita
de legitimação e interpretação partilhada deixar transparecer o que habitualmente
dos acontecimentos públicos cotidianos, por permanece escondido: a trama de relações
meio da instituição de discursos revestidos que constitui um discurso (já tomado como
34 de vontade de verdade. texto pelo analista), extraindo dele os pro-
cessos particulares (do presente e do his-
Os discursos jornalísticos tornam-se expres- tórico) que o conformam. Como argumenta
sões máximas do que é verdadeiro; e é com Ponte (2005), o discurso jornalístico é parte
eles, vale dizer, que construímos os nossos integrante da institucionalização da socie-
modos de compreender e ver o mundo, visões dade como realidade objetiva. Para a auto-
que tecem nossa percepção do outro e nossa ra, os produtos jornalísticos são carregados 1
FOUCAULT (1996) explicita os
maneira de lidar com o diferente ou o seme- de sentido ideológico, de escolhas, da noção modos de legitimação dos lugares
lhante (RESENDE, 2006: 3). de que essas são as matérias sobre as quais de fala a partir de três modelos:
a interdição, a segregação e a
se deve saber. São os campos semânticos vontade de verdade. O campo
A problemática que move a presente construídos pela linguagem que constituem dos media e, especialmente, o do
abordagem não é a da busca por compreen- esquemas de classificação e permitem a Jornalismo, institui lugares e
der os sentidos de um texto (seja ele oral, es- acumulação da experiência. O modo como o produz falas revestidas da vontade
crito ou imagético). Nos guiamos, sim, pela Jornalismo interage e fala sobre os demais de verdade: “quem fala e de onde
fala são critérios absolutamente
busca de maneiras de revelar os processos campos tem a ver com as suas próprias ca- relevantes e definidores do que é
de constituição dos sentidos, de ferramen- racterísticas enquanto um sistema organi- ou deixa de ser verdade” e “o lugar
tas que possibilitem desvelar processos, zado. de representação do acontecimento
mecanismos de funcionamento dos textos O Jornalismo configura narrativas de experi- é institucionalmente legitimado
jornalísticos, tomados enquanto discurso. É mentações ética e moral, revela-se como via ou porque aquele que profere o
discurso, na figura mesmo do
para isso que mobilizaremos aqui uma série de reconfiguração da cultura contemporânea.
sujeito que fala, tem credibilidade”
de conceitos que compõe o mapa teórico da Essa reconfiguração se realiza nos atos de (RESENDE, 2007: 3).

Estudos em Jornalismo e Mídia


Vol. IV No 1 - 1o semestre de 2007
leitura das notícias de cada dia quando o leitor, os efeitos de sentido que constituem a teia
ouvinte ou telespectador criativamente reinter- discursiva. Trabalhar com a compreensão
preta, sob o mesmo fundo cultural do autor, o do Jornalismo enquanto discurso pressupõe
percurso de representação dos dramas e tragé- considerar todos os aspectos envolvidos nes-
dias do homem moderno (MOTTA, 2005: 33) te sistema, nesta processualidade própria do
fazer jornalístico, sendo que estes aspectos
A riqueza do discurso jornalístico reside não estão do lado de fora do texto, mas inse-
nesta constituição não apenas como um lu- ridos nele.
2
Enquanto disciplina e método, a gar de acolhimento das compreensões sobre A própria lógica de pensar o Jornalismo
AD é concebida e avança a partir
os variados processos sociais, mas vendo-se enquanto um sistema pressupõe operar em
de pressupostos da Lingüística,
do marxismo e da Psicanálise. (ou sendo visto) como agente neste cenário, termos de organização e interação (FONT-
Assim, busca relacionar a língua dispondo de regras e especificidades que ope- CUBERTA e BORRAT, 2006) e embora as
com a história e como elas ram na circulação de sentidos. notícias sejam “[...] codificadas em estru-
atuam na produção de sentidos, Para Traquina (2001: 87), as escolhas são turas já percebidas e previstas” (MOTTA,
deslocando a noção de homem e
orientadas “[...] pela aparência que a ‘re- 2000: 2), este sistema não preenche os furos
pensando um sujeito discursivo
que funciona pelo inconsciente alidade’ assume para os jornalistas, pelas nem se transveste de transparência. A opaci-
e pela ideologia (ORLANDI, convenções que moldam a sua percepção e dade, característica fundamental da língua,
2001). Ao dizer, o indivíduo é fornecem o repertório formal para a apresen- é intrínseca ao discurso. E quanto mais este
interpelado pela ideologia e é tação dos acontecimentos, pelas instituições funciona, menos evidente se mostra a ideo-
dessa maneira que a língua faz
e rotinas”. Por esta concepção, a seleção do logia3 . É neste momento, porém, que ela se
sentido.
que vai virar notícia está calcada em crité- faz mais presente. Puxar estes fios é tarefa 35
3
O conjunto de conceitos rios e estratégias, incorporadas como rotinas do analista.
inaugurados por Michel Pêcheux, profissionais.
principalmente a partir da
Essas teorizações permitem ver que as Sobre a constituição dos sentidos
década de 70, do século XX,
pressupõe que não há discurso notícias resultam de processos complexos. Em AD, o sentido não pode ser pensado
sem sujeito e não há sujeito Mais do que isso, que o próprio Jornalismo como um produto acabado, resultado de uma
sem ideologia, a partir de é um processo e toda a sua processualidade possível transparência da língua. O sentido
entendimentos buscados em
se manifesta no texto, a materialização do deve ser compreendido como algo que está
Althusser (1985), para quem
todo indivíduo se torna sujeito discurso, ofertada para interpretação do pú- sempre em curso, que se move e se produz
ao ser interpelado pela ideologia, blico. É sobre essa materialidade que o ana- por meio de determinações sócio-históricas.
sem considerá-lo agente da lista de discurso vai se debruçar, devendo, Daí a necessidade de se falar em efeitos de
história, mas agente na história
para isso, considerar fortemente as especi- sentido, ou então, em efeitos de sentido entre
(ALTHUSSER, 1978), ou seja,
suas construções se dão a partir ficidades do Jornalismo. Sem isto, ressalta locutores, com o sentido dependo das relações
de determinadas condições Machado (2007: .2) os resultados são “[...] que se estabelecem no cenário discursivo.
e do que lhes é permitido equivocados, distorcidos ou mesmo total- Pensar efeitos de sentido e lugar dis-
avançar. Pêcheux (1995)
mente inválidos”. cursivo requer o entendimento do concei-
ressignifica este pensamento
a partir da linguagem e não Na análise do discurso jornalístico é pre- to de formações imaginárias, que surge
sociologicamente, tendo a ciso estabelecer a conexão com o ideológico em 1969, quando Pêcheux (1993) o inscre-
ideologia como conjunto de no texto. O diálogo com os dispositivos da ve na noção de esquema ‘informacional’
representações, como visão de
Análise do Discurso francesa (AD)2 dese- de Jakobson, com o propósito de pensar
mundo ou como ocultação da
realidade. nha-se como um caminho para fazer emergir o funcionamento do processo discursivo
ao se colocar em relação os sujeitos do dis- O sentido se forma muda conforme “a formação ideológica de
curso e o seu referente. Segundo Pêcheux, por um trabalho da quem o (re)produz, bem como de quem o
“o que funciona nos processos discursivos é interpreta” (FERREIRA, 2005: 21). Deter-
uma série de formações imaginárias que de-
rede da memória, minadas condições de produção fazem com
signam o lugar que A e B se atribuem cada ele não está que haja dominância de um dado sentido,
um a si e ao outro, a imagem que eles se fixado a priori que muitas vezes parece estar cristalizado
fazem de seu próprio lugar e do lugar do ou- como essência das na superfície do texto (efeito de evidência).
tro” (PÊCHEUX in GADET, 1993: 82 [grifos palavras Como não há um sentido fixo, literal, como
no original]). Para Pêcheux, no entanto, A e centro, este deve ser tratado como interva-
B estabelecem efeitos de sentido, enquanto lar, ou seja, não está em um ou em outro
para Jakobson trata-se de transmissão de dos interlocutores, está no espaço discursivo
informações. O analista francês, ao resga- que se constitui entre ambos.
tar o esquema jakobsoniano, propõe a subs- Dentro do mapa conceitual da AD, a no-
tituição do termo mensagem por discurso, ção de sentido liga-se, ainda, a pelo menos
definindo este como “efeito de sentidos” en- outras duas, o interdiscurso e as formações
tre os pontos A e B, que não correspondem a discursivas. O interdiscurso permite rela-
indivíduos necessariamente, mas a lugares cionar determinado dizer a toda uma filiação
representados discursivamente. de dizeres e a uma historicidade. Funciona
As palavras mudam de sentido segun- como uma fonte de sentidos – os sentidos são
do as posições daqueles que as empregam, sempre referidos a outros sentidos –, reunin-
36 sendo “adjetivadas” a partir destas. O sen- do já-ditos e esquecidos, esses em estado la-
tido se forma por um trabalho da rede da tente, bem como o que poderá vir a ser dito.
memória, ele não está fixado a priori como Para Foucault (2005) todo discurso repousa
essência das palavras, nem tampouco pode sobre um já-dito, que não seria apenas uma
ser qualquer um: há uma determinação frase pronunciada ou escrita, mas com vin-
histórica. Todo enunciado é passível de des- culação sócio-histórica, implicando não-di-
locar-se discursivamente do seu sentido, tos. A memória, quando pensada em relação
derivar para outro, visto que as palavras ao discurso, é tratada como interdiscurso.
refletem sentidos de discursos já realizados,
imaginados ou possíveis. É por isso que a [...] aquilo que fala antes, em outro lugar,
AD considera o texto em sua materialidade independentemente. Ou seja, é o que chama-
como uma peça com suas articulações, to- mos memória discursiva: o saber discursivo
das relevantes para a construção do ou dos que torna possível todo dizer e que retorna
sentidos, já que estes são “[...] evidentes por sob a forma do pré-construído, o já-dito que
um efeito ideológico que provoca no gesto de está na base do dizível [...]. O interdiscurso
interpretação a ilusão de que um enunciado disponibiliza dizeres que afetam o modo como
que dizer o que realmente diz” (FERREIRA, o sujeito significa em uma situação dada (OR-
2005: 44). LANDI, 2001: 31).
O sentido “[...] só pode ser constituído
em referência às condições de produção de A noção de interdiscurso como o “todo com-
um determinado enunciado”, uma vez que plexo com dominante” (Pêcheux, 1995: 162

Estudos em Jornalismo e Mídia


Vol. IV No 1 - 1o semestre de 2007
[grifo no original]), quando trazida pela pri- dizer se relaciona a um sistema de lugares
meira vez por Pêcheux (em 1975), é rela- preestabelecidos socialmente.
cionada ao conceito de formação discursiva É na passagem do espaço social, que é em-
(FD), “aquilo que, em uma formação ideo- pírico, ao espaço discursivo que se institui o
lógica dada, isto é, a partir de uma posição lugar discursivo onde o sujeito se inscreve.
dada em uma conjuntura dada, determina o Os conceitos de formações imaginárias e for-
que pode e deve ser dito” (PÊCHEUX, 1995: mações ideológicas5 , inscritas inicialmente
160). Ou seja, uma matriz de sentidos que se em Pêcheux (1995), e de relações de poder,
inscreve no interior do interdiscurso de onde advinda de Foucault (2005), contribuem para
recorta “dizeres”. a compreensão do lugar social como sistema
A relação com as FDs4 é fundamental. de dados preestabelecidos.
4
Em um texto não encontramos Por isso, no procedimento de análise, é As formações imaginárias mantêm rela-
apenas uma formação discursiva. necessário remeter os textos ao discurso e ções com as condições de produção do dis-
O texto, ou a materialização do estabelecer as relações deste com as FDs, curso, remetendo a lugares determinados
discurso, pode ser atravessado relacionando-as à ideologia. Assim, está ex- na estrutura de uma formação social6 . Elas
por várias FDs, organizadas em
função de uma FD dominante. plicitado o percurso que caracteriza as eta- estão dadas, são construídas a partir do lu-
pas da análise. O ponto de partida é o texto, gar social que cada sujeito envolvido na cons-
5
Cada formação ideológica pode da “superfície lingüística” para o processo tituição do discurso ocupa, atribui a si e ao
compreender várias formações discursivo, passando pela análise dos es- outro.
discursivas interligadas.
quecimentos (memória, interdiscurso), das As formações ideológicas estão relaciona-
Conforme Pêcheux & Fuchs (in
GADET, 1993: 166) “[...] se deve variáveis que concorrem na constituição das às formações sociais, já que é no interior 37
conceber o discursivo como um dos sentidos e das posições dos sujeitos. Ou, destas que o ideológico se institui, deter-
dos aspectos materiais do que ainda, o processo inverso, tendo a noção de minando, pelo viés da formação discursiva,
chamamos de materialidade
ideológica”. O conjunto de FD como mediadora. os lugares empíricos que cada sujeito pode
atitudes e representações Esta trama discursiva prova que o dizer ocupar, bem como estabelecendo imagens
que constituem as formações não é propriedade particular e as palavras que representam tais lugares. Logo, as for-
ideológicas não são nem adquirem significação pela história e pela mações imaginárias e ideológicas autorizam
individuais e nem universais,
mas de reflexo coletivo. língua. Sujeito e sentido não são naturais o jornalista a ocupar determinado espaço na
nem transparentes, mas determinados his- sociedade. A imagem do jornalista e o lugar
6
Formação Social: “caracteriza- toricamente, devendo ser pensados em seus empírico a ele atribuído ligam-se, ainda, à
se por um estado determinado processos de constituição. O trabalho com o discussão proposta por Foucault (2005) acer-
de relações entre classes que
compõe uma comunidade em discurso jornalístico impõe, ainda, a necessi- ca das relações de poder institucionais. O
um determinado momento de dade de operar com o imbricamento de mais discurso jornalístico é, entre outras práticas
sua história. Estas relações três noções: lugar social, lugar discursivo e discursivas dispersas em diferentes lugares
estão assentadas em práticas posições-sujeito. Isso porque o sujeito sem- sociais, o discurso da verdade.
exigidas pelo modo de produção
que domina a formação social. pre fala de um lugar social determinado e
A essas relações correspondem este é, portanto, constitutivo do seu dizer. O Lugar discursivo: constituição e efeitos
posições políticas e ideológicas lugar, enquanto espaço empírico, é sócio-his- O lugar discursivo é um espaço que se con-
que mantêm entre si laços de toricamente determinado. É o lugar social figura no interior do discurso e é da ordem
aliança, de antagonismo ou de
dominação” (BRANDÃO, 2004: que vai determinar a constituição do lugar da sua constituição. “A formação discursiva
107) discursivo (e vice-versa), visto que o lugar do compreende o espaço discursivo [teórico],
que, por sua vez, abriga o lugar discursivo Cada lugar à profissionalização do Jornalismo. As nor-
que se relaciona tanto com a forma-sujeito discursivo mas profissionais são de dois tipos: “[...] as
quanto com as diferentes posições-sujeito normas técnicas envolvem as operações de
que operam no discurso a partir dele” (GRI-
representa recolha, escrita e preparação das notícias; as
GOLETTO, 2005: 161 [acréscimo nosso]). diferentes modos normas éticas dizem respeito à obrigação do
Esse lugar discursivo não é sinônimo de po- de se relacionar jornalista para com os leitores e para com a
sição, já que, em seu interior, pode abrigar não só com a sua profissão, a imparcialidade, a exatidão,
diferentes e até contraditórias posições-su- forma-sujeito, o fair play e a objetividade” (BREED, 1999:
jeito. Cada lugar discursivo representa dife- mas também com 152 [grifo no original]).
rentes modos de se relacionar não só com a Esse apagamento do lugar social defen-
forma-sujeito, mas também com as diferen-
as diferentes dido pelos jornalistas, porém, é ilusório. O
tes posições-sujeito que ele pode abrigar. posições-sujeito sujeito acredita que é possível produzir um
Ambos, lugar social e lugar discursivo, se que ele pode apagamento do seu lugar social e simula
constituem mutuamente, de forma comple- abrigar isso segundo o modo como discursiviza o seu
mentar e relacionada à ordem da constitui- dizer. Tal apagamento, porém, é somente
ção do discurso. O lugar social só se legitima efeito, já que sua inscrição em um determi-
pela prática discursiva, pela inscrição do nado lugar discursivo implica sempre uma
sujeito num lugar discursivo. O lugar dis- determinação do lugar social.
cursivo, da mesma forma, só existe discur- Conforme Foucault, a definição de lugar
sivamente porque há uma determinação do social é ponto de ancoragem para a consti-
38 lugar social, que impõe a sua inscrição em tuição da prática discursiva. “As posições
determinado discurso. de sujeito se definem igualmente pela situ-
Sob efeito de um mesmo lugar social, o ação que lhe é possível ocupar em relação
sujeito pode ocupar lugares discursivos di- aos diversos domínios ou grupos de objetos”
ferentes, sob os quais pode assumir diferen- (FOUCAULT, 2005: 59). É neste entremeio
tes posições-sujeito. Logo, o jornalista pode, que se configura o discurso jornalístico, de-
a partir desse lugar social, assumir o lugar vendo-se considerar, ainda, o papel do jorna-
discursivo de jornalista de política e ocupar- lista num contexto que congrega elementos
se/comprometer-se com o discurso sobre po- como a organização/empresa, a relação com
lítica, ou de jornalista de economia, ou meio as fontes de informação e o horizonte do pú-
ambiente etc. blico, um outro fundamental neste proces-
O lugar discursivo de jornalista traz as so, “[...] questões que precedem e ao mesmo
marcas do lugar social de onde ele provém. tempo constituem as condições epistemoló-
O jornalista, por meio de convenções do gicas que (de)limitam o campo de reflexão e
campo, como, por exemplo, construção do as práticas jornalísticas” (RESENDE, 2005:
texto em terceira pessoa, pretende apagar 98).
os resquícios desse lugar social e promover É válido, neste modelo de leitura do Jor-
um ‘autodescolamento’ daquilo que é por nalismo, ter presente a concepção de notí-
ele construído. Essa é uma preocupação do cia como construção social, tomando o pro-
campo jornalístico, defendida sob os ideais cesso de produção jornalística no seu todo,
de imparcialidade e objetividade, inerentes considerando o contexto, não apenas o da

Estudos em Jornalismo e Mídia


Vol. IV No 1 - 1o semestre de 2007
organização de trabalho, mas também aque- também carregam em si elementos que lhes
le que a circunda e nela interfere significati- permitem (ou autorizam) falar sobre o tema,
vamente. O entendimento das notícias como como sua credibilidade perante o público e
construções sociais traz consigo a compre- a legitimidade que o “outro” (seu interlocu-
ensão de que elas são narrativas marcadas tor, a emissora) lhe concede. As fontes de
pela cultura jornalística e pela cultura em informação, ao buscarem espaço, estão se
geral. Assim, ao produzir a notícia, o jorna- inscrevendo na “vontade de verdade” que o
lista estabelece uma série de relações, seja Jornalismo carrega em si.
com as fontes, com a sociedade ou com os As notícias oferecem a matéria-prima
membros da comunidade profissional. Para para a análise de discurso, pois, contêm em
cumprir sua função, ele se faz valer das téc- si, como é próprio da constituição da lin-
nicas, gêneros, formatos e processos de edi- guagem, um embate. Não há discurso sem
ção, por meio dos quais é possível escolher, conflito, sem enfrentamentos, sem escolhas
excluir ou acentuar determinados aspectos (que implicam silenciamentos) e uma cons-
dos acontecimentos no discurso. E o faz in- tante luta pelo fechamento de sentidos, na
terpelado ideologicamente, recortando seus ilusão de poder não deixar margens. Ler
dizeres do interdiscurso, a partir das forma- estes conflitos é tarefa fundamental para
ções discursivas com as quais se identifica e compreender o Jornalismo que se assume,
nas quais se inscreve. cada vez mais, como lugar de realização da
A aproximação com os dispositivos teóri- complexidade da experiência do ser humano
co-metodológicos da AD, tomando-os como e suas contradições. 39
balizadores para o estudo do Jornalismo, Investigar os efeitos de sentido produzi-
revela que todos esses processos descritos dos pelo discurso jornalístico e de como ope-
aqui são, na verdade, desprendidos do pró- ram as relações que conformam o discurso
prio texto, da trama do discurso, ao se bus- é tarefa de grande importância dentro do
car compreender o que é dito, como é dito atual contexto de centralidade da mídia e do
e como isto significa. Como procuramos de- Jornalismo nos processos sociais contempo-
monstrar, o lugar discursivo é constitutivo râneos. O fenômeno da midiatização estabe-
do dizer. Mesmo sendo visto como um pro- leceu que a discussão sobre os mais diferen-
cesso da exterioridade, seus efeitos se dão tes temas pode se dar em variadas esferas,
no texto. Os sentidos emergem deste imbri- mas, certamente, o desenho das concepções
camento indissociável entre texto e contexto As fontes de de mundo construído pelo Jornalismo tem
e não estão fora, mas colados no texto. informação, papel relevante na própria construção do
É possível pensar no discurso jornalísti- ao buscarem imaginário que, por sua vez, tem determi-
co como um discurso sobre, chamando aqui espaço, estão nação em todas as esferas do processo dis-
dois aspectos importantes que envolvem os se inscrevendo cursivo.
interlocutores de um processo discursivo, a O Jornalismo é, portanto, espaço profícuo
leitura e a interpretação. O discurso sobre
na “vontade de de observação. Mobilizando os dispositivos
remete às escolhas feitas pelos jornalistas e verdade” que teóricos e metodológicos da AD a função
suas fontes na construção dos sentidos que o Jornalismo do analista não é a de explicar os sentidos,
buscam ofertar. Eles, enquanto sujeitos, carrega em si mas, o processo de constituição dos sentidos,
Por fim, considerando o papel do Jor- FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. 7.
nalismo no processo de cognição social, na ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005.
construção de um acervo social de conheci- ____. A ordem do discurso. 14. ed. São Paulo: Edi-
mentos, cabe ressaltar que o Jornalismo de- ções Loyola, 2006.
veria, por princípio, aparelhar o leitor para FOUNTCUBERTA, Mar de; BORRAT, Héctor.
que ele próprio também pudesse perceber os Periódicos: sistemas complejos, narradores en in-
deslizamentos de sentido, o não-dito, e não teracción. Buenos Aires: La Crujía, 2006.
apenas aquilo que é cristalizado na superfí- GRIGOLETTO, Evandra. O lugar discursivo do
cie do texto. jornalista e do cientista: o imbricamento de dife-
rentes posições-sujeito. In: O discurso de divulga-
ção científica: um espaço intervalar. Tese de Dou-
Sobre os autores torado. PPG Letras/UFRGS, 2005.
Ângela Maria Zamin é jornalistae mestranda MACHADO, Marcia Benetti. A ironia como estra-
do Programa de Pós-Graduação em Ciências tégia discursiva da Revista Veja. In: Encontro da
da Comunicação – PPGCC/Unisinos. Bolsis- Compós, XVI, 2007, Curitiba. Anais... Curitiba,
ta CNPq. E-mail: angelazamin@gmail.com Paraná, 2007.
MOTTA, Luiz Gonzaga. Jornalismo e configura-
Reges Toni Schwaab é jornalista e douto- ção narrativa da história do presente. In: Contra-
rando do Programa de Pós-Graduação em campo: Revista do Programa de Pós-Graduação
Comunicação e Informação – PPGCOM/ em Comunicação. Niterói: Instituto de Arte e Co-
40 UFRGS. Bolsista CAPES. E-mail: reges.ts@ municação Social, 2005.
gmail.com ____. A psicanálise do texto: a mídia e a reprodu-
ção do mito na sociedade contemporânea. In: En-
Referências contro da Compós, IX, 2000, Porto Alegre. Anais...
ALTHUSSER, Louis. Aparelhos Ideológicos do Porto Alegre, Rio Grande do Sul, 2000.
Estado. 2. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1985. ORLANDI, Eni Pulccinelli. Análise de Discurso: prin-
____. Um processo sem sujeito nem fim. In: Posições cípios e procedimentos. 3. ed. Campinas: Pontes, 2001.
– 1. Rio de Janeiro: Graal, 1978. 167 p. PÊCHEUX, Michel. Análise Automática do Dis-
BERGER, Christa. Campos em Confronto: a terra curso. In: GADET, Françoise (org.). Por uma
e o texto. Porto Alegre: Editora da Universidade/ análise automática do discurso: uma introdução
UFRGS, 1998. a obra de Michel Pêcheux. 2. ed. Campinas, SP:
BRANDÃO, Helena H. Nagamine. Introdução à Editora Unicamp, 1993.
Análise do Discurso. 2. ed. Campinas: Editora da ____. Semântica e discurso: uma crítica a afirma-
Unicamp, 2004. ção do óbvio. 2. ed. Campinas: Editora da Uni-
BREED, Warren. Controlo social na redação: uma camp, 1995.
análise funcional. In: TRAQUINA, Nelson (org.). PÊCHEUX, M.; FUCHS, C. A propósito da Aná-
Jornalismo: questões, teorias e ‘estórias’. 2. ed. lise Automática do Discurso: atualização e pers-
Lisboa: Veja, 1999. pectivas (1975). In: GADET, Françoise (org.). Por
FERREIRA, Maria Cristina Leandro (coord.). uma análise automática do discurso: uma intro-
Glossário de termos do discurso. Porto Alegre: dução a obra de Michel Pêcheux. 2. ed. Campinas,
UFRGS. Instituto de Letras, 2005. SP: Editora Unicamp, 1993.

Estudos em Jornalismo e Mídia


Vol. IV No 1 - 1o semestre de 2007
PONTE, Cristina. Para entender as notícias: Li- ____. O Jornalismo e a enunciação: perspectivas
nhas de Análise do Discurso Jornalístico. Floria- para um narrador-jornalista. In: Contracampo:
nópolis: Insular, 2005. Revista do Programa de Pós-Graduação em Co-
RESENDE, Fernando. O discurso jornalístico no municação. Niterói: Instituto de Arte e Comuni-
contemporâneo: entre o velamento e produção das cação Social, 2005.
diferenças. In: Encontro da Compós, XVI, 2007, TRAQUINA, Nelson. O estudo do Jornalismo no
Curitiba. Anais... Curitiba, Paraná, 2007. século XX. São Leopoldo, Editora Unisinos, 2001.

41

Você também pode gostar