Biblioteca Escolar: Espaços, Acervos, Atividades e Interações Na Educação Infantil
Biblioteca Escolar: Espaços, Acervos, Atividades e Interações Na Educação Infantil
Biblioteca Escolar: Espaços, Acervos, Atividades e Interações Na Educação Infantil
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
Recife
2019
1
BIBLIOTECA ESCOLAR:
ESPAÇOS, ACERVOS, ATIVIDADES E INTERAÇÕES NA EDUCAÇÃO INFANTIL
Recife
2019
Catalogação na fonte
Bibliotecário Amanda Ganimo, CRB-4/1806
BANCA EXAMINADORA
________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Andréa Tereza Brito Ferreira (Examinadora Interna)
Universidade Federal de Pernambuco
4
AGRADECIMENTOS
Agradeço, antes de tudo e de todos, à Deus, por ter se feito presente, incitando sabedoria,
força e coragem!
Esta dissertação foi construída com muita luta e superação de obstáculos, seja de ordem
pessoal ou política. Apesar de ser de minha autoria, sob os olhares atentos de minha
orientadora, Carol, considero-a como resultado de um trabalho coletivo, pois muitas pessoas
foram essenciais nessa construção.
Assim, devo agradecer...
Aos meus pais, Simone Lino e Geraldo Lino, que me proporcionaram as condições e a alegria
para tudo na vida.
À professora Ana Carolina Perrusi, por sua leitura minuciosa, pelo seu acolhimento, parceria,
compreensão, incentivo e ensinamentos ao longo desses dois anos e meio.
À professora Ester Rosa pelas contribuições desde a graduação até o momento final dessa
dissertação.
À professora Andrea Brito pela participação na banca de qualificação e defesa desse trabalho.
Às professoras de bibliotecas que, mesmo em meio a tantos desafios, abriram as portas de
seus espaços de trabalho. Receberam-me de coração aberto e com imensa alegria por estarem
contribuindo com a discussão sobre Biblioteca Escolar em instituições de Educação Infantil.
Às instituições onde realizei a coleta de dados.
Aos meus colegas da turma 35 do curso de Mestrado do Programa de Pós-graduação em
Educação da Universidade Federal de Pernambuco.
Aos professores e funcionários do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade
Federal de Pernambuco.
À Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco pela bolsa de
estudos concedida.
Às amigas Danielle, Jéssica, Priscila e Morgana que sempre estiveram presentes nos
momentos difíceis e ajudaram a tornar essa tarefa mais leve.
Às minhas irmãs, Lua e Yasmin, pelo convívio e amor diários.
À Matheus pelo toque artístico do convide da defesa dessa dissertação.
À tia Ana pelas trocas de conhecimentos tão fundamentais nesse processo.
À amiga Juliana Lima pelas orientações e leituras desde o PIBIC.
À Luísa, minha pequena, que me ensina diariamente sobre o “olhar” das crianças.
6
RESUMO
ABSTRACT
The present research sought to know and analyze the role of the School Library identifying
characteristics that denote possible specificities of this space on institutions of child
education. Therefore were considered the following items: (1) the space organization of these
school libraries; (2) the holdings and their disposition; (3) the proposed activities and the
interactions involving libraries' teachers, the children, other educators, and the families. To
substantiate the research, we rely on authors that reflected and researched about the School
Library.(Campello, 2003; Hillesheim and Fachim, 1999 ; Riter, 2009) and especially, the
particularities of this space when intended for children from zero to five years old ( Patte,
2012; Reyes, 2008; Parreiras, 2011; Baptista et al, 2016). The methodological procedures
involved the observation of ten working days conducted by three teachers which worked in
two libraries of the municipal school system of Recife / PE, one of them located in a
kindergarten and the other in a Municipal Center of Child Education / CMEI. Also were
realized some interviews with the three teachers, as well as the managers, pedagogical
coordinators, and the other teachers from children's participating institutions. For exploration
of the observations and treatment of the interviews we follow the steps of content analysis
proposed by Bardin (2016). Starting from this approach were defined three great categories of
analysis: "space", " holding", and " activities and interactions". The research pointed lack of
libraries in kindergartens and CMEIs, as well as professionals responsible for this space. In
the case of the present study the "teachers of the library" readjusted teachers by health
problems, what demonstrates the fragility's definition of a professional job identity. Regarding
physical space, we considered that the specificities of children from zero to five years old not
always fully met, since the kindergarten library occupied a very small space and had a
furniture that didn't make easy the children's access to books; the Library of CMEI, in turn,
had too much furniture, what compromised the circulation of children in a free space to
realize reading activities for all the group. The holdings of the libraries were made up of
literature books of good quality. However there were no informative books and not always the
works were appropriated to the age group of the children, especially in the kindergarten.
Another observed problem was the lack of holding's replacement. The activity most
frequently observed in the libraries of two institutions was the reading of literary books for
children, thus evidencing rare actions focused to cultural and informational actions. We
noticed a little time to children could peruse the books freely in the library, as well as lack of
activities involving families in this space. The way how activities were conducted by the
11
teachers, as well as the quality of interactions observed in the practice of each of them showed
very distinguished and associated to their different professional careers. We complete this
assignment emphasizing the need of public policy aimed at the implementation and
improvement of the school libraries' physical space in child education units, the distribution of
holdings and other materials as well as training of the professionals that work in these spaces.
In this direction, we considered fundamental build in the school community a clear
comprehension about the possibilities of working in the library to small children, from actions
focused on readers training, the enlargement of cultural experiences and the development of
the international competence.
LISTA DE FIGURAS
SUMÁRIO
1 Introdução................................................................................................... 14
2 Pressupostos teórico-conceituais............................................................... 19
2.1 A Biblioteca Escolar.................................................................................... 20
2.1.1 Biblioteca Escolar no Brasil......................................................................... 25
2.1.2 Os papéis educativos da Biblioteca Escolar................................................. 33
2.1.3 Como seria uma boa Biblioteca Escolar? .................................................... 36
2.2 A Biblioteca Escolar na Educação Infantil................................................ 41
2.2.1 Por que bibliotecas para crianças de 0 a 5 anos?.......................................... 41
2.2.2 Como seria um bom espaço de leitura, informação e cultura para crianças
de 0 a 5 anos?............................................................................................... 50
2.2.3 A presença das famílias na Biblioteca Escolar para crianças pequenas....... 56
3 Percurso metodológico............................................................................... 59
3.1 Escolha das bibliotecas escolares, caracterização destes espaços e de
seu pessoal................................................................................................... 60
3.1.1 Breve caracterização das bibliotecas observadas......................................... 64
3.1.2 As professoras de biblioteca......................................................................... 66
3.2 Procedimentos metodológicos e categorias de análise............................... 69
3.2.1 Procedimentos de coleta dos dados.............................................................. 70
3.2.2 Procedimentos de análise dos dados e construção das categorias................ 71
4 Resultados e discussão................................................................................ 74
4.1 Os espaços, materiais e acervos das bibliotecas escolares......................... 75
4.1.1 O que dizer dos elementos estruturais?........................................................ 75
4.1.2 O que dizer do mobiliário?........................................................................... 82
4.1.3 O que dizer dos materiais?........................................................................... 90
4.1.4 O que dizer dos acervos?.............................................................................. 93
4.2 As atividades e as interações nas bibliotecas escolares.............................. 99
4.2.1 A rotina nas bibliotecas da Creche e do CMEI............................................ 100
4.2.2 Ações da BE em outros espaços da escola................................................... 101
4.2.3 Atividades na Biblioteca Escolar mencionadas pelas professoras nas
entrevistas..................................................................................................... 103
4.2.4 Atividades e interações observadas na Biblioteca Escolar com as crianças 107
4.2.5 Atividades e interações envolvendo gestoras, demais educadoras e as
famílias das crianças..................................................................................... 127
5 Considerações finais................................................................................... 139
Referências.................................................................................................. 145
APÊNDICE A - Roteiro de observação da Biblioteca Escolar............... 151
APÊNDICE B - Roteiro de entrevista - professora da Biblioteca
Escolar......................................................................................................... 153
APÊNDICE C - Roteiro de entrevista - demais professoras.................. 154
APÊNDICE D - Roteiro de entrevista - Equipe Gestora........................ 155
APÊNDICE E - Quadro de análise: atividades nas Bibliotecas............. 156
APÊNDICE F - Livros utilizados pelas professoras................................ 157
ANEXO A - Obras recebidas no ano de 2008 pela instituição A........... 160
ANEXO B - Obras recebidas no ano de 2012 pela instituição B............ 163
ANEXO C - Rotina da biblioteca escola da instituição A....................... 166
ANEXO D - Rotina da biblioteca escolar da instituição B..................... 167
14
1. INTRODUÇÃO
15
1
“[...] pessoas que possam compreender diversos tipos de textos, localizar e diferenciar informações, compará-
las, participar de uma discussão, produzir textos em diferentes meios.” (BONILLA, HALFON E LIZARAZU,
2008, p. 10) (tradução nossa).
16
acreditam que mais do que um local para guardar acervos, a biblioteca deve oferecer
atividades e serviços, propostos por uma equipe capacitada.
Nessa perspectiva, consideramos que a BE pode se constituir como um lugar essencial
à primeira etapa do processo de escolarização, exercendo o papel de garantir às crianças
experiências significativas com práticas culturais, sobretudo, as que envolvem a leitura e a
escrita. Trata-se, portanto, de uma oportunidade para o cumprimento do direito da criança a
participar da cultura letrada. Em especial, para as de origem mais popular, uma vez que a
escola costuma oferecer para esse grupo o contato inaugural com o livro, a leitura e a
informação.
Em que pese a importância da BE e da cultura escrita desde a primeira infância dados
do Censo Escolar e do Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação (FNDE)
evidenciam, entretanto, que uma grande parte dos estabelecimentos escolares que possuem
bibliotecas não ofertam turmas no segmento da Educação Infantil. Ou seja, a presença de
bibliotecas parece estar relacionada à oferta de turmas nos anos finais do Ensino Fundamental
e Ensino Médio. De acordo com Censo Escolar de 2017, há salas de leitura ou BEs em 29,7%
das escolas municipais de Educação Infantil; 38,9% das escolas municipais de Ensino
Fundamental e 85,9% das escolas estaduais de Ensino Médio.
Outro fato que merece destaque em relação à garantia de BEs na Educação Infantil, é o
montante de investimento financeiro e a abrangência temporal do Programa Nacional da
Biblioteca na Escola (PNBE), instituído desde 1997. Conforme dados deste Programa (FNDE,
2018), apenas em 2008 as Pré-escolas (crianças entre 4 e 5 anos) passaram a receber livros do
PNBE e, mesmo assim, com um investimento notadamente inferior ao destinado para os
demais segmentos educacionais. E, somente em 2010, o PNBE ampliou a distribuição de
livros para as Creches (crianças de zero a 3 anos). Mesmo levando em consideração que a
quantidade de matrículas nos anos finais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio seja
maior do que nos demais segmentos, é importante ressaltar que a Educação Infantil passou 11
anos desassistida pelo PNBE em relação à distribuição de acervos de obras de literatura, de
pesquisa. Apesar disso, a iniciativa desse Programa representou, sem dúvida, um progresso
importante no que diz respeito ao acesso das crianças pequenas à diferentes fontes de leitura.
Porém, é preciso destacar que, além da distribuição de livros (fato que contempla o acesso),
aspectos como a qualidade e diversidade do acervo, sua organização, o espaço físico da
biblioteca e as práticas pedagógicas que nela acontecem também precisam ser considerados.
No Brasil, os incipientes esforços para garantir que crianças menores de 5 anos tenham
acesso à BEs não parece se refletir apenas na escassez de políticas públicas. Os programas de
17
2
O referido programa trata-se de uma política local criada em 2006 que, apesar de sofrer inúmeras mudanças,
desenvolve atualmente um trabalho de formação continuada destinado aos professores de biblioteca do referido
município.
19
2. PRESSUPOSTOS
TEÓRICO-CONCEITUAIS
20
superfície com tinta, transferindo-a para uma superfície de impressão), no século XV,
popularizou ainda mais o acesso à escrita, que até então se restringia à igreja e aos cidadãos
mais abastados, ressignificando a função das bibliotecas (MILANESI, 1985).
Os livros deixaram de ser preciosidades dos monastérios ou das cortes, sendo cada vez
mais disponibilizados a outros setores da sociedade, possibilitando uma maior circulação de
ideias. Segundo Milanesi (1985), no decurso do século XX, houve um aumento significativo
no consumo de livros, de modo que esse material deixou de ser uma obra reconhecida por seu
valor simbólico, tornando-se uma mercadoria como outra qualquer, disposta ao consumo
dentro de um mercado competitivo. Daí decorre, inclusive, uma das grandes contradições do
atual sistema de produção e consumo da informação: o de possibilitar uma produção e difusão
jamais vista na história e, ao mesmo tempo, restringi-la para quem tem condições de pagar,
posto tratar-se de mercadoria.
Na última década do século XX, o incremento da tecnologia no setor da informação
provocou uma crise das bibliotecas, sobretudo, no tocante à sua função e seus papéis sociais.
A esse respeito, Castells (1999) afirma que, com o advento da “sociedade em rede”, o acesso
à informação tornou-se cada vez maior e cotidiano, tendo em vista sua disponibilidade sempre
crescente pelas inúmeras redes informacionais, em especial, a rede mundial de computadores.
Com a popularização do computador e da internet, há também uma ampliação do acesso ao
conhecimento e a biblioteca é novamente ressignificada.
Cada vez mais, bibliotecas de diferentes partes do mundo compartilham acervos em
meio remoto, e os seus espaços físicos comportam atividades que vão além da simples leitura
individual e silenciosa. De acervo físico local, a biblioteca tem ocupado também o
ciberespaço, enquanto se firma como centro difusor de informação e cultura. Essa dimensão
cultural foi reconhecida pelo Plano Nacional do Livro e da Leitura (PNLL)3, importante
política brasileira de incentivo à programas na área de formação de leitores. Em um trecho do
documento de apresentação dessa política, afirma-se que...
[...] A biblioteca assume a dimensão de um dinâmico polo difusor de
informação e cultura, centro de educação continuada, núcleo de lazer e
entretenimento, estimulando a criação e a fruição dos mais
diversificados bens artístico-culturais. Para isso, deve estar
sintonizada com as tecnologias de informação e comunicação,
suportes e linguagens, promovendo a interação máxima entre os livros
e esse universo que seduz as atuais gerações. (BRASIL, 2010, p.22)
3
É importante ressaltar que o governo atual, através do decreto 9.930 de 23 de julho de 2019, transferiu o Plano
Nacional do Livro e da Leitura para outro ministério, dissolvendo seu conselho consultivo o que, sob nosso
ponto de vista, representa um enfraquecimento dessa política.
22
4
Disponível em: http://snbp.culturadigital.br/tipos-de-bibliotecas/. Acesso em: 01 de janeiro de 2018.
23
entre esses dois tipos de biblioteca é compreender a biblioteca da sala de aula como uma
“antena” da BE. Assim, por exemplo, o professor pode selecionar títulos da BE e trazê-los
para a sala por determinado período de tempo, possibilitando uma rotatividade do que está
sendo disponibilizado em sala. O referido autor ressalta, ainda a possibilidade de que as
bibliotecas da escola possam formar uma “cadeia”, articulando-se com a biblioteca do bairro
quando existirem ou bibliotecas comunitárias, ampliando o acesso aos livros e a construção de
uma comunidade de leitores.
Para Chartier et al (1996) também não há concorrência entre a biblioteca de sala e a
BE, já que os dois espaços possuem papéis escolares consideravelmente distintos como já
indicamos aqui, além de certas particularidades relativas ao tamanho do acervo; sua forma de
utilização e a abrangência de atividades desenvolvidas em cada espaço.
Ainda sobre as diferenças existentes entre a biblioteca de sala e a biblioteca da escola,
ressaltamos os profissionais que atuam em cada um desses espaços. No primeiro caso, o
professor da sala, em meio as suas atribuições como docente, se responsabiliza pela biblioteca
da sala, pelas atividades que a envolvem e pela organização de seu acervo. Já na BE, deveria
existir um profissional responsável que se dedica exclusivamente a ela (bibliotecário e/ou
professor), podendo ainda contar com equipe de apoio.
Um outro tipo de biblioteca que, mais recentemente, tem sido reconhecido, são as
Bebetecas. Estas, em geral, constituem-se num espaço no interior das bibliotecas (sejam elas
públicas, escolares, comunitárias ou em bibliotecas universitárias) destinado especificamente
às crianças da primeira infância. No Brasil, as Bebetecas, que funcionam nas bibliotecas de
universidades federais, além de desenvolver atividades culturais com foco na aproximação
das crianças de 0 a 5 anos com os livros, visam também formar mediadores de leitura, como
familiares das crianças, professores e estudantes de Pedagogia. De acordo com Facchini
(2010), o número de Bebetecas nos países europeus vem crescendo, sendo este número
representativo em países como França, Portugal e Espanha. No continente americano, alguns
países como Estados Unidos, Colômbia, Chile, Cuba, México e Argentina também “já
oferecem Bebetecas à sua população, variando sua expansão em número e abrangência nos
diferentes territórios” (FACCHINI, 2010, p.3). Diferentemente destes países, no Brasil há
poucas Bebetecas e pelo fato de se destinarem às crianças pequenas, dedicaremos às
Bebetecas uma discussão mais aprofundada a seguir.
Por fim, cabe registrar que apesar das particularidades dos diferentes tipos de
bibliotecas comentados até aqui, fica evidente um objetivo comum: o de possibilitar o acesso
à diversidade de informações, à cultura e à leitura. É importante ressaltar ainda que seria
25
uma porta de acesso à cultura escrita. Mesmo assim, ao apresentar um panorama da situação
de funcionamento de BEs na realidade brasileira na década de 1990, Silva (1995, p.13) aponta
que:
[...] quando existem nas escolas espaços denominados bibliotecas, estes não
passam, na maioria dos casos, de verdadeiros depósitos de livros ou, o que é
pior, de objetos de natureza variada, que não estão sendo empregados no
momento, seja por estarem danificados, seja por terem perdido sua utilidade.
Às vezes, a “biblioteca” é um armário trancado, situado numa sala de aula,
ao qual os alunos só têm acesso se algum professor se dispõe a abri-lo...
quando a chave é localizada.
Como constatamos acima, as diferentes finalidades de uso observadas por Silva (1995)
indicam uma desvalorização da BE. Em um dos casos, este espaço é tido apenas como
depósito de livros, em que a única possibilidade de atividade seria a de empréstimo e
devolução deles. Em outro caso, a biblioteca funciona como depósito de materiais, sem
cumprir sua verdadeira função. A biblioteca pode estar ainda associada a práticas punitivas, o
que, possivelmente, pode ocasionar o afastamento ou até aversão dos alunos por esse espaço.
A falta de um horário regular de funcionamento é outro problema mencionado. Muitas vezes,
essa irregularidade se dá pelo fato da BE não estar incluída no Projeto Político Pedagógico da
escola, cabendo a cada professor decidir individualmente sobre a utilização desse espaço.
Em resumo, todas as circunstâncias apresentadas por Silva (1995) evidenciam a falta
de investimento para tornar a BE um local de aprendizagem, permeado de atividades culturais
com foco para formação de leitores e o desenvolvimento da competência informacional.
Infelizmente, como veremos mais adiante, o quadro atual em relação às BEs continua longe
do que gostaríamos. Diante dessa realidade precária descrita acima, perguntamo-nos, então, o
que poderia explicar esse fato. Seria a falta de conhecimento e de valorização dos nossos
gestores públicos em relação às funções das BEs? Seria o despreparo dos professores e
demais profissionais que atuam nas bibliotecas? Por que, apesar da literatura atual propagar
uma concepção de BE ativa e com responsabilidade social, sobretudo, no que diz respeito à
27
formação de leitores críticos, as bibliotecas não parecem assumir essa função? Será que esta
realidade precária descrita acima quanto ao funcionamento das BEs dialoga com as
orientações legais?
Buscando compreender melhor esse cenário recorremos ao percurso traçado pelas BEs
nas leis e nas políticas públicas brasileiras referente às BEs. Paiva (2016), ao apresentar de
forma breve a história das políticas públicas de distribuição de livros implementadas no
Brasil, afirma que desde a criação do MEC, em 1930, foram desenvolvidas ações que visavam
o acesso à leitura. Mas, segundo a autora, é somente a partir da década de 1980 que a
formação de leitores ganha espaço na agenda política e se mantém de forma irregular,
dependendo das correlações de forças entre sociedade e Estado. Neste sentido são citados o
Programa Nacional Sala de Leitura (1984-1987), o Proler (1992), o Pró-Leitura na Formação
do Professor (1992-1996), o Programa Nacional Biblioteca do Professor (1994-1997), o
Programa Nacional Biblioteca na Escola (1997 -2017), entre outros.
Sala (2018, p. 59), por sua vez, ao abordar especificamente a BE no Brasil, afirma que
desde o século XX, nas reformas de ensino ancoradas na Escola Nova há uma legitimação
deste espaço no sistema de ensino. Porém, ainda segundo a autora, no período de 1930 a
1980 não foi registrada nenhuma política nacional que mencione a BE de forma direta, “o que
se constata são apenas ações locais isoladas que, ao longo do tempo, acabam por perder
forças, devido à falta de incentivo ou devido a ações governamentais descontinuadas”. Alguns
avanços começam a ser percebidos em 1997, a partir da publicação dos Parâmetros
Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental e Médio, em que é feita uma
recomendação explícita sobre a biblioteca da escola, no volume de Língua Portuguesa.
Destacamos abaixo dois trechos do documento para ilustrar a forma como este espaço é
compreendido no referido documento:
1) Na seção os blocos de conteúdos e o tratamento didático, no tópico aprendizado
inicial da leitura é indicado um trabalho para que os estudantes desenvolvam o gosto e
o compromisso com a leitura. A partir desta perspectiva, afirma-se que “Formar
leitores é algo que requer, portanto, condições favoráveis para a prática de leitura [...]
(BRASIL, 1997, p. 43), sendo uma boa biblioteca na escola, a primeira condição para
isso.
2) Na seção os recursos didáticos e sua utilização, também são indicados alguns
procedimentos a serem adotados na biblioteca da escola, a saber:
[...] (empréstimo, seleção de repertório, utilização de índices, consulta
a diferentes fontes de informação, seleção de textos adequados às suas
28
5
Disponível em: http://www.fnde.gov.br/programas/proinfancia/eixos-de-atuacao/projetos-arquitetonicos-para-
construcao Acesso em: 19 de dezembro de 2018.
29
biblioteca. Tal constatação demonstra que o espaço da biblioteca ainda não é visto pelos
poderes públicos como algo importante para crianças menores de 5 anos. Dessa forma, não
surpreende a menor incidência das BEs em Creches e Pré-escolas no CENSO 2017 (conforme
já mencionado).
Uma direção bem diferente da que comentamos acima é evidenciada na Coleção
Leitura e Escrita na Educação Infantil, publicada pelo MEC em 2016. O material foi
proposto como base para o curso de formação continuada de professoras desse segmento.
Dentre os importantes temas envolvendo a leitura, oralidade e escrita, destacamos o do
caderno 7, intitulado: Livros infantis: acervos, espaços e mediações. Neste caderno, as
professoras têm a oportunidade de conhecer e refletir sobre assuntos como: as políticas
públicas do livro e da leitura; os processos de seleção das obras designadas à Educação
Infantil; o acervo do PNBE; os projetos e estratégias para o uso efetivo do acervo do PNBE; a
importância da diversidade de gêneros literários e de tipos de textos; as formas de organização
e de utilização de diferentes espaços de leitura dentro das instituições de Educação Infantil.
Trata-se, portanto, de um caderno voltado especificamente para a temática de espaços de
leitura e acervos para crianças pequenas e com o qual iremos dialogar, sobretudo, no item
2.2.2, em que discutimos sobre como seria uma boa biblioteca para crianças de 0 a 5 anos.
Na BNCC (BRASIL, 2017), o mais recente documento oficial que norteia a
construção dos currículos, na seção voltada para as competências a serem desenvolvidas
durante a Educação Infantil, no campo de experiência intitulado Escuta, fala, pensamento e
imaginação, ressalta-se a importância do contato das crianças com os diferentes gêneros que
circulam socialmente e portadores textuais de modo que a atividade de leitura seja
incorporada à vida das crianças como fonte de prazer e informação. Assim, a BNCC afirma
que:
Desde cedo, a criança manifesta curiosidade com relação à cultura
escrita: ao ouvir e acompanhar a leitura de textos, ao observar os
muitos textos que circulam no contexto familiar, comunitário e
escolar, ela vai construindo sua concepção de língua escrita,
reconhecendo diferentes usos sociais da escrita, dos gêneros, suportes
e portadores. Na Educação Infantil, a imersão na cultura escrita deve
partir do que as crianças conhecem e das curiosidades que deixam
transparecer. As experiências com a literatura infantil, propostas pelo
educador, mediador entre os textos e as crianças, contribuem para o
desenvolvimento do gosto pela leitura, do estímulo à imaginação e da
ampliação do conhecimento de mundo. Além disso, o contato com
histórias, contos, fábulas, poemas, cordéis etc. propicia a familiaridade
com livros, com diferentes gêneros literários, a diferenciação entre
ilustrações e escrita, a aprendizagem da direção da escrita e as formas
corretas de manipulação de livros. (BRASIL, 2017, p. 40)
30
Apesar de indicar situações que poderiam ser vivenciadas de forma muito significativa
na biblioteca, não é feita uma menção direta a esse espaço na parte do documento que aborda
o segmento da Educação Infantil. Assim, a recomendação do uso da biblioteca na BNCC
aparece apenas nas orientações para os anos iniciais do Ensino Fundamental no seguinte
contexto: “Selecionar livros da biblioteca e/ou do cantinho de leitura da sala de aula e/ou
disponíveis em meios digitais para leitura individual, justificando a escolha e compartilhando
com os colegas sua opinião, após a leitura” (BRASIL, 2017 p. 113).
Analisando a trajetória do PNBE, uma política pública importante de promoção da
cultura e da leitura, vemos que ele foi modificando sua estrutura, funções e dinâmicas, sempre
na perspectiva de melhor adequar-se às demandas educacionais do país e as provisões e
iniciativas políticas dos governos. Desde que foi instituído em 1997, o processo de avaliação
das obras e composição dos acervos sempre foi levado a termo pela Secretaria de Educação
Básica do MEC, passando a contar com a parceria de universidades públicas federais a partir
de 2005. Assim, em 2006 essa parceria passou a ser coordenada pelo Centro de Alfabetização,
Leitura e Escrita (CEALE) da Universidade Federal de Minas Gerais, contando com o aporte
de diferentes profissionais espalhados em inúmeras universidades do país.
A participação de especialistas atuando em universidades e Escolas do Ensino Básico
na avaliação dos livros (não didáticos) melhorou substancialmente a qualidade dos acervos
construídos ao longo dos anos. Contudo, e conforme já mencionamos aqui, a Educação
Infantil foi negligenciada pelo PNBE por mais de 10 anos, sendo incluída apenas em três
edições do Programa até 2014, quando ele foi interrompido. Ainda assim, a inclusão deste
segmento educacional no âmbito do PNBE constitui um marco dentro das políticas públicas
de distribuição e incentivo à leitura, pois pela primeira vez uma política a nível federal
assumiu a importância de livros de literatura e de bibliotecas também para crianças pequenas.
Em 2010, na segunda edição do Programa para a Educação Infantil, a etapa da Creche
passou a ser incluída e dois tipos de acervos foram compostos, um para crianças de 0 a 3 anos
(Creche), e outro destinado às crianças de 4 e 5 anos (Pré-escola). Essa mudança, embora
aparentemente pequena, ajuda a consolidar a importância da Educação Infantil dentro do
PNBE, ao passo que força os editores a investir na publicação de obras que atendam às
demandas e preocupações específicas das crianças de 0 a 5 anos, diversificando temas e
gêneros e melhorando a qualidade do que pode ser oferecido a elas.
A partir de 2014, o contexto de crise econômica e política no país fez com que o
PNBE não realizasse novas aquisições de livros para quaisquer segmentos de ensino.
31
6
No referido documento são citados: o Mapa do Alfabetismo no Brasil (Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – Inep/MEC, 2003), a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios –
PNAD (2009, IBGE) do Indicador Nacional do Alfabetismo Funcional – INAF (2001, 2005 e 2009), o Sistema
Nacional de Avaliação da Educação Básica – SAEB (2001, 2003 e 2006), o Programa Internacional de
Avaliação de Estudantes – PISA (2000 e 2006), o Retratos da Leitura no Brasil 2001 (CBL/ Snel/Abrelivros) e
2007 (IPL) e do Censo Nacional de Bibliotecas Públicas Municipal MinC/FGV (2009).
32
7
Tal como apresentado na Introdução, de acordo com Censo Escolar de 2017, há salas de leitura ou BEs em
29,7% das escolas municipais de Educação Infantil; 38,9% das escolas municipais de Ensino Fundamental e
85,9% das escolas estaduais de Ensino Médio.
34
considerar que três papéis educativos caracterizam a BE: o da pesquisa, da leitura e o da ação
cultural.
Em consonância com essa perspectiva, Hillesheim e Fachim (1999, p.68) apresentam
os seguintes objetivos para este espaço:
[...] ampliar conhecimentos, visto ser uma fonte cultural; colocar à
disposição dos alunos um ambiente que favoreça a formação e
desenvolvimento de hábitos de leitura e pesquisa; oferecer aos professores o
material necessário à implementação de seus trabalhos e ao enriquecimento
de seus currículos escolares.
da relação com o tema estudado, refere-se ao trabalho que pode ser desenvolvido na
biblioteca. Para o referido autor, os professores da escola deveriam aliar-se ao responsável
pela BE para transformar esse espaço no que, segundo Riter, ele realmente merece ser: “lugar
de pesquisa, descoberta de universos literários, descoberta de novos autores, espaço de troca
e de partilha literárias, ambiente para indicação e orientação de caminhos de leitura e contato
com acervo de qualidade” (RITER, 2009, p.70). Neste sentido, visando a formação do leitor
crítico, algumas práticas são sugeridas por Riter (2009): visitas guiadas à biblioteca,
entrevistas com pais e professores sobre hábitos de leitura, saraus de poesia, autor do mês,
construção de murais, indicação de leitura durante o recreio, varal de poemas, hora do conto;
confraria da leitura (encontro periódico para conversar sobre textos), encontro com escritores,
caixa de sugestões de títulos e encontros com os diferentes grupos de pessoas que formam a
comunidade escolar. Finalmente, a terceira possibilidade apontada por Riter para a formação
do leitor literário diz respeito a ação de mediador, em que o professor assume papel
importante na aproximação dos estudantes com a leitura.
Consideramos que as formas de atuação do professor sugeridas por Riter (2009) acima
também podem ser perfeitamente estendidas ao profissional que atua na BE. Desta forma, ao
desenvolver o papel de formar leitores, a BE (que tem certas características diferentes da sala
de aula) deve dispor de um acervo abundante, diverso, de qualidade e voltado aos usuários
que a frequentam; propor atividades culturais permanentes e desenvolver projetos que
instiguem o prazer pela leitura (não apenas literária) e, sem dúvida, precisa contar com
profissionais capacitados para mediar momentos de leitura.
A respeito do papel fundamental dos mediadores de leitura, no glossário CEALE, eles
são definidos por Reyes8 (2019) como “aquelas pessoas que estendem pontes entre os livros e
os leitores, ou seja, que criam as condições para fazer com que seja possível que um livro e
um leitor se encontrem”. Bajard (2007, p. 43), por sua vez, define o mediador de leitura como
“a pessoa que se interpõe entre o texto e o receptor, tendo em vista facilitar sua recepção”.
Vemos, portanto, a importância de contar com bons mediadores de leitura nas BEs.
Por fim, no que se refere ao papel educativo de ação cultural a BE “[...] tem a
possibilidade de privilegiar a formação não apenas de indivíduos leitores, mas indivíduos
críticos capazes de produzir cultura” (CHAVES, 2015, p. 269). Neste sentido, ressaltamos a
compreensão de biblioteca defendida pelo PNLL, em que este espaço é definido como um
equipamento cultural que deve congregar “[...] elementos de acessibilidade do espaço físico; a
8
Disponível em: http://www.ceale.fae.ufmg.br/app/webroot/glossarioceale/verbetes/mediadores-de-leitura
Acesso em 02 de agosto de 2018.
36
Como vemos acima, fica evidenciado no documento que o bibliotecário escolar deve
assumir funções não apenas tradicionalmente atribuídas a este campo (biblioteconomia), mas
a outros âmbitos, tais como o educacional. O documentos produzidos pela IFLA e por
Campello et al (2010), também destacam a necessidade de um bibliotecário com
conhecimentos pedagógicos, gerindo as atividades educativas que constituem os papéis
atribuídos às BEs. Não há, portanto, menção a outros profissionais que, na realidade
brasileira, têm efetivamente atuado nas BEs, como é o caso de professores do Ensino Básico,
com formação em Pedagogia e em outras áreas.
Conforme proposto no próprio documento produzido pelo IFLA (2015), por exemplo,
as qualificações de um “bibliotecário escolar profissional” deveriam incluir os seguintes
saberes:
• ensino e aprendizagem, currículo, ensino: planificação e execução;
• gestão do programa - planejamento, desenvolvimento/design,
implementação, avaliação/melhoria;
• desenvolvimento de coleção, arrumação, organização, recuperação;
• processos de informação e comportamentos - literacia, literacia da
informação, literacias digitais;
• motivação para a leitura;
• conhecimento de literatura para crianças e jovens;
• conhecimento das deficiências que afetam a leitura;
• competências de comunicação e colaboração;
• competências digitais e midiáticas;
• ética e responsabilidade social;
• serviço para o bem público - prestação de contas ao público/ sociedade;
• compromisso com a aprendizagem ao longo da vida através do
desenvolvimento profissional contínuo; e
• familiarização com a área da biblioteconomia escolar e com a sua história e
valores. (IFLA, 2015, p. 31-32)
Sabe-se, contudo, que a realidade educacional brasileira está bem distante desse ideal
proposto pela IFLA (2015). Segundo Robledo (2008), por exemplo, encontramos geralmente
nas nossas BEs, um docente realizando as funções de um bibliotecário, contando com o apoio
de programas públicos de capacitação para exercer essa função. Na verdade, longe de ser um
problema, consideramos que a presença de um pedagogo nas BEs é realmente importante,
pois, em geral, este profissional está mais inserido na dinâmica escolar, sendo melhor
formado para contribuir para o engajamento de todos os sujeitos da comunidade escolar
(professores, gestores, alunos pais e demais funcionários da escola) nas atividades cotidianas
deste espaço. Desse modo, entendemos que o ideal seria um trabalho multidisciplinar nas
BEs, em que o bibliotecário pudesse atuar junto a um pedagogo.
A esse respeito, vale a pena destacar o que, sem entrar na discussão sobre qual seria a
formação ideal do profissional para atuar nas BEs, Bajour (2012) sintetiza sobre o papel que
40
esses profissionais deveriam assumir nesses espaços. Concordando com a autora, portanto,
também entendemos que eles devem ser...
[...] gestores de experiências culturais relacionadas à leitura que têm efeitos
marcantes na formação literária e artística dos alunos e de outros da
comunidade escolar. São eles os responsáveis por convidar autores ou
contadores de histórias, organizar feiras de livros e exposições temáticas,
preparar o espaço da biblioteca para a realização de diversas atividades
artísticas, conduzir visitas a museus e a outras instituições culturais da
comunidade etc. (BAJOUR, 2012, p. 84)
Assim, em que pese a contribuição dos dois documentos para a construção de BEs
com práticas significativas, consideramos que ambos não abordam adequadamente as
demandas de cada etapa da Educação Básica. Por exemplo, o acervo destinado às crianças da
Educação Infantil, bem como aspectos relativos à sua organização, atividades e serviços
oferecidos pela BE nessa etapa devem pensados considerando-se a especificidade das crianças
menores de 5 anos.
Como nosso foco de pesquisa diz respeito às BEs em instituições de Educação Infantil,
dedicaremos o próximo item a este tema, discutindo a relevância das bibliotecas desde o
berçário, buscando refletir sobre possíveis especificidades de um espaço que visa atender
crianças de 0 a 5 anos.
Por que falar de um lugar de encontro com livros e com a informação quando sequer
as crianças aprenderam a ler? Por que seria importante garantir a esse grupo de crianças o
acesso aos livros de literatura e informação em diferentes suportes a partir das práticas
presentes numa biblioteca?
Nesta seção, refletiremos sobre essas perguntas com base numa concepção de criança
como sujeito ativo e de direito, produtor e produto da cultura. A Educação Infantil, primeira
etapa da educação básica, também é entendida como um direito das crianças e que deve se
pautar não apenas no cuidado para com elas, mas também na sua educação, o que implica
uma ação pedagógica intencional com vistas ao desenvolvimento integral da criança.
(BRASIL, 2010).
Partindo de tais concepções, consideramos que o contato das crianças pequenas com
livros e com a literatura, em especial, é algo fundamental, sendo a BE um local privilegiado
para esse encontro, tal como argumentamos a seguir.
mundo concreto, que incorporamos sua estrutura e conseguimos nos comunicar verbalmente.
Além disso, somos também partícipes de uma cultura grafocêntrica, isto é, vivemos numa
sociedade em que a escrita tem um papel fundamental na produção e na difusão de
conhecimentos sobre o mundo e sobre nós mesmos. Sabe-se, ainda, que a leitura do mundo
precede a escrita, pois mesmo antes de desenvolvermos os sistemas gráficos de comunicação
com os quais nos expressamos e registramos nosso cotidiano e nosso conhecimento, já
realizamos leituras do que ocorre ao nosso redor por meio da nossa experiência, assim como
transmitimos o que aprendemos aos demais indivíduos e às sucessivas gerações por meio da
oralidade. A língua, neste sentido, é esse complexo em que concorrem gestos, palavras, sinais
e sentidos (YUNES, 2005; ORLANDI, 2008).
Pelo simples fato de estarem no mundo as crianças, portanto, estão inseridas nesse
universo da linguagem, sendo estimuladas a fazer leituras do mundo e construir sentidos.
Assim, “[...] muito antes de conhecer o alfabeto, as crianças leem o mundo à sua volta,
descobrindo coisas que não entendem, interagindo com elas” (YUNES, 2009, p. 12).
Além disso, como integrantes ativos desse universo da linguagem, todos os indivíduos,
inclusive as crianças pequenas, necessitam ter acesso e desenvolver as habilidades de
compreender e interagir em diferentes contextos sociais, aprendendo a utilizar formas diversas
de manifestação da linguagem, incluindo a linguagem escrita. Disponibilizar materiais
escritos em diferentes suportes para crianças é, portanto, um direito de todas elas e um pré-
requisito para que se desenvolvam como leitoras (BAPTISTA, 2010; FREIRE, 2011).
A esse respeito, Mantovani (2014) afirma que até a década de 1960, a ideia de usar
livros com crianças pequenas era considerada algo precoce ou uma atividade atrelada a uma
perspectiva compensatória, isto é, algo necessário apenas para aquelas que, supostamente,
apresentariam um déficit linguístico. Contudo, como sabemos hoje, o acesso a livros e a
mediação de leitura nos primeiros anos de vida influenciam o desenvolvimento linguístico e
sucesso escolar das crianças (ver, por exemplo, LENNOX, 2013). Nessa mesma perspectiva,
Mantovani (2014) argumenta que a leitura realizada na Creche é fundamental para construção
de representações simbólicas positivas a respeito do livro e da leitura.
Na verdade, tal como destacam Brandão e Rosa (2010, p. 40) ao ler histórias em voz
alta para crianças muito pequenas fazemos com que “descubram o que é ler”, algo básico, mas
que precisa ser aprendido. Assim, ao ouvir a leitura feita por alguém, as crianças começam a
entender o que representa esse objeto cultural (o livro), que “efeito” ele produz, como se usa,
e o que significa, afinal, o ato de ler.
A esse respeito, Pimentel (2016, p. 68) salienta que ...
43
Quando o bebê repara que existe um objeto – o livro – na cena em que antes
só havia o seu olhar para os lábios que se moviam durante a leitura, uma
porta se abre. Cores, imagens, texturas entram na relação entre o bebê, o som
das palavras, o colo, o carinho. Um novo objeto aparece, e ele está cheio de
novidades. Não são apenas as palavras escritas que vão precisar ser
aprendidas, mas também toda uma série de usos, funções e convenções
estabelecidas pelos códigos visuais das ilustrações, pelo projeto gráfico dos
livros, pelos temas e pelas formas de abordá-los, além de tudo o que diz
respeito ao universo literário, à elaboração da linguagem, a metáforas,
ironias, rimas, léxicos, etc.
Desta forma, e ainda de acordo com Pimentel (2016, p. 56), “os bebês [mas também as
crianças um pouco maiores] quando veem um livro não sabem para que ele serve e
experimentam logo colocar na boca: vai que é de comer... Uns empilham, fazem casinha,
arrastam pelo chão... Até descobrirem que abre leva um tempo” (acréscimos nossos). Patte
(2012) também ressalta que a criança possui uma forma singular de leitura: “ela se debruça
sobre a página para ver de perto o detalhe que a interessa ou intriga. Em vez de caracteres
tipográficos, identifica assim os indícios que dão sentindo à história” (PATTE, 2012, p.118).
É por meio de uma interação prazerosa que as crianças vão, assim, se aproximando do
ambiente dos livros, da informação e da leitura.
Entendemos que um processo de descoberta semelhante ocorre com as crianças em
relação às BEs. A partir de suas interações com esse espaço cheio de livros, elas vão
aprendendo sobre como ele funciona e suas possibilidades de uso. Essas interações iniciais
serão, por sua vez, importantes para estimular sua relação com a informação, com os livros e
com o desejo de ampliar suas experiências leitoras.
Bajard (2014) considera imprescindível ter uma biblioteca na escola em
funcionamento desde a creche. O autor argumenta que apenas a existência desse espaço pode
contemplar um grande quantitativo de textos diversificados e autênticos para dar conta da
motivação das crianças em relação a leitura e alimentar suas aprendizagens sobre a escrita.
Assim, para ele:
Introduzida na escola desde o início da infância, a biblioteca deve, portanto,
ter como efeito – com a condição de que os docentes saibam dela se apropriar,
e acompanhar as descobertas das crianças – proporcionar o mergulho dos
alunos no universo da escrita, assim como eles haviam mergulhado no
universo da oralidade antes de saber falar. [...] A instalação de uma biblioteca
desde a creche subverte o caminho tradicional da aprendizagem escrita, na
medida em que, graças a ela colocam-se livros nas mãos das crianças antes
que saibam ler (Ibidem, 2014, p. 44-45).
44
Reyes (2008) também ressalta o papel essencial das bibliotecas na Educação Infantil,
de modo a proporcionar esse mergulho na cultura escrita, essencial no processo de
alfabetização. Nas palavras da autora:
Si está demostrado que las competências de lectura y escritura descansan
sobre el desarrollo de la capacidade comunicativa – verbal y no verbal – y si
las investigaciones coinciden em señalar como el progresso del linguaje
depende de los estímulos, la inversión em la educación de a primera infância
y el trabajo específico alrededor de la lectura y de las bibliotecas se
convierten em imperativos políticos, em tanto que garantizan las condiciones
de equidade necessárias para que todos los niños comiencen su acercamiento
a la alfabetización com la habilidades esenciales (REYES, 2008, p. 215-
216).
A autora aponta que a discussão a respeito da relação entre leitura e primeira infância
e do papel da biblioteca voltada a este público são relativamente recentes. Em 1986, quando
de sua participação na implementação da biblioteca infantil da Fundação Rafael Pombo, em
Bogotá (Colômbia), Yolanda Reyes percebeu visitas inusitadas de crianças ainda não
alfabetizadas na biblioteca, muitas das quais demonstrando um genuíno interesse, prazer e
vontade de conhecer os livros e de interagir com o ambiente da biblioteca. Segundo sua
análise, tal situação diferia da evidente apatia e desinteresse registrados em crianças de séries
mais avançadas no processo de escolarização. Com base nessa observação, ela buscou
responder a seguinte questão: se as crianças não alfabetizadas demonstram tanto gosto pelo
contato com os livros, com a biblioteca e com o ato da leitura, o que acontece no processo de
escolarização que provoca esse afastamento? (REYES, 2008).
Na intenção de encontrar respostas, Reyes dedicou-se ao estudo da relação entre o
letramento e atividades significativas que buscam promover um encontro entre literatura e
arte, para incentivar a formação de leitores desde a primeira infância. Com base nessa
experiência fundou o Espantapájaros9, projeto que visa o desenvolvimento cultural e
incentivo à leitura e expressão artística por meio de um permanente trabalho de pesquisa e
prática ao redor do que veio a ser chamado de “bebetecas”. Além de se dedicar ao público
infantil, tal projeto também fornece informações para pais, professores, bibliotecários e
demais profissionais da educação.
Fundado em 1988 como uma simples livraria especializada no público infantil, o
projeto ganhou corpo em 1990, quando Yolanda Reyes e Irene Vasco reuniram-se para, a
partir dali, construir um programa de formação de leitores que, mais tarde, passou a agregar
9
Mais informações sobre o projeto estão disponíveis em: http://espantapajaros.com. Acesso em: 19 de março
de2018.
45
Ainda de acordo com a autora, além de textos literários, a biblioteca dever ser também
um lugar permeado de textos informativos, em que a curiosidade pode achar contentamento e
evoluir respeitando diferentes ritmos. Assim, para ela, a biblioteca propõe possibilidades em
vez de impor um programa definido, como faz a sala de aula. Para Patte (2012, p. 187):
Na biblioteca, o que importa é considerar a criança em seu lugar, com as
interrogações, abrir-lhe as portas e ajudá-la a se orientar. Ajudar
pessoalmente as crianças na busca de saber e em suas escolhas de livros,
acompanhá-las na pesquisa de informações para escola ou para elas mesmas,
conversar com elas [...].
Albuquerque (2013) sinaliza que assim como os espaços de leitura existentes fora das
salas, aqueles que se localizam dentro delas também se apresentaram de forma precária ou
inexistente. Somente um dos vinte e seis “cantinhos de leitura” identificados em sua pesquisa
era organizado e se aproximava do que autora considerou adequado.
Quanto aos acervos das instituições, as obras eram adquiridas através do PMBFL, do
PNBE, comprados pelas respectivas instituições e advindas de doações. Neste item, foram
encontradas obras de boa qualidade, de maneira geral, Albuquerque (2013) considerou
adequada a quantidade de livros por unidade10. Entretanto, na maioria das vezes, este acervo
era inacessível às crianças. Em 87,5% das instituições, os livros eram guardados em estantes
ou armário trancados. Assim, segundo a autora, a ausência de um espaço para organizar os
acervos acarretou, nas seguintes alternativas dentro da instituição e, principalmente dentro das
salas das crianças, para que incentivo a práticas de leitura fosse garantido: varal, expositor,
caixas ou estante com obras de literatura infantil à disposição das crianças.
Assim, com base nos resultados apresentados, Albuquerque (2013) reconhece a
contribuição da leitura desde os primeiros anos de vida e argumenta que não basta distribuir
livros, é igualmente importante investir também em espaços de leitura e, sobretudo, na
formação de bons mediadores.
A dissertação de Dornelles (2016), apresentada também ao Programa de Pós-
Graduação em Educação, neste caso, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, teve como
objetivo analisar o conhecimento científico produzido a partir de uma biblioteca infantil
integrada a uma Unidade de Educação Infantil Universitária, a Flor de Papel (também
pesquisada no trabalho de Silva, 2014, referido anteriormente). Desta forma, seu estudo
buscou especificamente conhecer o trabalho da referida BE, compreender como criança se
envolve com a leitura literária e a forma como a BE colabora com as funções de ensino-
pesquisa-extensão. A partir de observações, entrevistas e, sobretudo, de análise documental,
foram examinadas 75 produções (dentre elas dissertação de mestrado, artigos acadêmicos,
relatórios de estágio, projetos e relatórios de extensão, resumos de artigos acadêmicos,
trabalho de conclusão de curso, e outros relativos às atividades de ensino, pesquisa e
extensão) disponíveis no acervo de duas bibliotecas, a Flor de Papel e a Central do Gragoatá,
bem como em páginas da internet.
10
Albuquerque (2013) identificou que: nas creches, a quantidade variava entre 200 e 250 livros em cada uma;
nos CMEIs a variação era entre 100 e 300; e, nas escolas a variação era ente 400 e 450, sendo, portanto, um
acervo maior que nas demais unidades.
50
2.2.2. Como seria um bom espaço de leitura, informação e cultura para crianças de 0 a 5
anos?
Antes de mais nada, vale reafirmar que uma BE em se que se busca atender
plenamente as crianças pequenas deverá cumprir os papéis educativos discutidos no item
2.1.2. Sem eles, a biblioteca dificilmente poderá exercer uma de suas principais funções, qual
seja, a formação de leitores autônomos e críticos. Além disso, conforme vimos no item 2.1.3,
que versa sobre o que se espera de uma boa BE, já encontramos atualmente documentos
nacionais e internacionais que fornecem orientações gerais para o funcionamento adequado
desses espaços. Entretanto, tal como também discutimos anteriormente, é importante
considerar que o atendimento no contexto de cada segmento da educação apresenta
singularidades que precisam ser ressaltadas e discutidas. Assim, nesta seção buscamos refletir
51
Os autores também afirmam que não basta criar esses espaços, é fundamental fazer
com que estes contemplem as especificidades da Educação Infantil. Nessa direção,
consideram essencial primar pela boa qualidade das intervenções e mediações, de forma a
envolver os pais, dando lugar a observação de gestos e interesses das crianças. Os autores
afirmam ainda que os profissionais, os pais e as crianças devem ver este espaço como um
lugar interessante e receptivo, capaz de aproximá-los da leitura e de outras experiências
estéticas.
Perrotti, Pieruccini e Carnelosso (2016), por sua vez, recomendam que o espaço físico
da BE que atende a Educação Infantil possua uma “organização dialógica”. Isto é, definida
mediante um diálogo permanente entre o espaço, as demandas das crianças e as atividades
realizadas no espaço. Os autores ressaltam ainda que as bibliotecas devem garantir a
segurança e a saúde das crianças e, ao mesmo tempo, acolhê-las em um ambiente confortável,
atraente e estimulante. Para isso discorrem sobre uma série de aspectos que devem ser levados
em conta. Por exemplo, os móveis precisam proporcionar conforto e a possibilidade de
manejo, além de serem duráveis e de fácil manutenção. Os acervos devem estar dispostos de
forma a atrair as crianças, apresentando as capas dos livros, em vez dos lombos. Também é
necessário garantir que o acervo e a mobília estejam limpos e bem conservados A sinalização
deve ser simples, direta e compreensível para crianças pequenas, permitindo o
11
Disponível em: http://www.ceale.fae.ufmg.br/app/webroot/glossarioceale/verbetes/bebetecas-bibliotecas-para-
a-primeira-infancia; Acesso em: 01 de agosto de 2019.
53
Figura 01: Yolanda Reyes em uma atividade de mediação, em Casa de la Literarura, em Lima, Peru
Fonte: Reprodução Casa de la Literatura; Disponível em:
http://www.euquerominhabiblioteca.org.br/2019/03/a-poesia-na-primeira-infancia/; Acesso em 02 de
agosto de 2019
necessário atentar para diversidade, adequação por faixa etária, qualidade das traduções, as
relações entre texto e imagem, a qualidade do texto e da imagem, bem como o enredo das
histórias. Segundo a concepção da autora, é fundamental garantir ampla diversidade de
gêneros, estilos, suportes e tipos de narrativa. Neste sentido, deve-se levar em conta também
aspectos que podem tornar o manuseio e a leitura dos livros atrativos para as crianças. Assim,
é recomendado, para as crianças menores, obras confeccionadas a partir de diferentes
materiais e texturas, com quinas arredondadas para evitar acidentes, textos curtos e páginas
grossas.
Também a respeito da seleção do acervo para crianças da Educação Infantil, Paiva
(2008) alerta que a apresentação da obra não pode, em hipótese alguma, ser o único aspecto a
ser considerado. Ao analisar os livros infantis inscritos no PNBE para serem avaliados, a
autora afirma que há uma exaustão de temáticas com poucas possibilidades estéticas e
potencial artístico. Ela observa que muitas das obras inscritas nesse Programa privilegiam
muito mais a apresentação do material (como, por exemplo, capas sempre coloridas e
elegantes, bem como ilustrações atraentes), do que aspectos discursivos relevantes.
Concordando com Paiva (2008) e Colomer (2016) também consideramos importante
que o acervo deva a um só tempo atrair as crianças por sua apresentação gráfica, como
também possuir um texto de boa qualidade, articulado com os interesses infantis. Além do
cuidado na seleção do acervo que irá compor uma BE para crianças pequenas também é
fundamental considerar sua organização e acessibilidade para crianças menores de 5 anos.
Vejamos, abaixo, algumas ações que podem contribuir nessa direção:
• Criar estratégias de catalogação que ajudem as crianças a procurarem os livros de
forma independente, classificando-os por cores, por exemplo;
• Expor os livros nas estantes mostrando a capa para que as crianças possam vê-las e,
assim, fazer suas escolhas, já que, dificilmente, conseguirão identificar os livros
através da lombada;
• Organizar os materiais do acervo em um mobiliário que esteja ao alcance das crianças;
• Criar um ambiente povoado de livros variados, oferecendo indicações de títulos em
espaços alternativos, como, por exemplo, em um tapete no chão ou em uma mesa.
Ainda em relação à organização dos acervos, Perrotti et al (2016) consideram que há
dois níveis de organização. O primeiro indicado para locais como cantinhos de leitura, onde
há uma quantidade mais limitada de títulos. Nesse nível, a organização consiste no
agrupamento do acervo por tipo (livros, revistas, CDs, etc). Os livros são arrumados por lotes,
55
de acordo com o material como que foi elaborado (livros de pano, de papel, cartonados, etc) e
registrados em uma lista digital ou fichário manual com as seguintes informações: nome do
autor em ordem alfabética, título do livro e um código do material. O segundo nível é
indicado para cantos de leitura de pré-escolas e salas de leitura, que possuem um número
maior de obras. Nesse caso, além da forma de organização proposta no primeiro nível,
sugerem a marcação com etiquetas por cores para diferentes classificações como: livros em
prosa; livros de poesia; livros informativos; livros de imagem; e livros de consulta ou de
referência.
A seleção e organização do acervo e demais aspectos citados acima são questões
fundamentais. No entanto, evidentemente, esses elementos, de forma isolada, não garantem
um bom funcionamento de uma biblioteca para crianças pequenas. Assim, as atividades
desenvolvidas pelos profissionais responsáveis pela BE são também essenciais para
aproximar as crianças deste contexto social e cultural. A esse respeito, Baptista et al (2016)
ao discutirem o projeto de extensão desenvolvido na Bebeteca da Faculdade de Educação da
UFMG, sinalizam algumas ações que podem também ser consideradas em BEs voltadas para
primeira infância, quais sejam: desenvolver atividades de leitura e de experiências artísticas
(cinema, vídeo, teatro, música e artes visuais), além de atividades relacionadas à literatura;
Neste sentido, a mediação de leitura ganha relevo, sendo ela responsável pela efetiva
familiarização das crianças com o espaço da BE, seus acervos e suas atividades. Segundo
Bajard (2014, p. 300), “Cabe ao mediador construir situações de leitura adequadas as
capacidades infantis, tendo em vista engendrar um contexto fértil em torno dos textos”.
Portanto, o mediador é aquele que vai possibilitar o encontro da criança com o texto. Para
Paiva (2016, p. 40) o mediador de leitura, esteja na biblioteca ou nas salas das crianças de
Educação Infantil, é responsável por possibilitar “a construção de sentidos por esse ‘leitor’, do
qual ainda não se espera que saiba ler sozinho”.
Brandão e Rosa (2010a; 2010b), por sua vez, sinalizam a importância do mediador na
escolha do texto literário a ser lido para as crianças. Para elas a escolha de “bons textos” 12 é o
ponto de partida para uma “boa conversa” sobre eles. As autoras reconhecem, entretanto, que
12
Para as autoras, bons textos literários são “aqueles que aproximam o leitor do mundo ficcional por meio da
organização de um discurso que amplia seu horizonte cultural e está carregado de significados que atendem às
exigências estéticas tanto do adulto quanto da criança” (BRANDÃO e ROSA, 2010a, p.78). Uma “boa conversa”,
por sua vez, parte de perguntas variadas formuladas pelo mediador e que estimulam a produção de sentidos
implícitos, não se limitando apenas àquilo que o texto diz explicitamente
56
nem sempre é preciso conversar sobre tudo que se lê e que há bons textos que não,
necessariamente, convidam para uma conversa.
Nessa perspectiva, para Brandão e Rosa (2010a; 2010b) o ato de mediar a leitura
perpassa desde a escolha do que será lido até a conversa que pode ser conduzida antes,
durante e depois da leitura. As autoras também destacam a possibilidade de que os
mediadores na escola possam planejar um roteiro de perguntas abertas para orientar a
conversa sobre os textos literários. Essa recomendação é igualmente mencionada por Bajour
(2012) quando ela afirma que:
Pensar nos textos com antecedência é imaginar perguntas, modos de
apresentar e adentrar nos livros, estratégias de leitura e também de escrita
ficcional, possíveis pontes entre o texto proposto e outros etc. É fazer uma
representação provisória da cena com os leitores, que, por mais que sejam
conhecidos, nunca se conhece o todo, que certamente surpreenderão nossas
previsões, já que ninguém pode antecipar com certeza o rumo dos sentidos
do texto. (BAJOUR, 2012, p. 60).
Bons mediadores, portanto, são aqueles sabem abrir as portas para o mundo da leitura
e estimular que as crianças leiam, despertando sua curiosidade intelectual desde muito
pequenas, valorizando o livro como um tesouro. Nessa direção, tal como afirmam Baptista et
al (2016, p. 16), as bibliotecas nas instituições de Educação Infantil podem desempenhar um
papel fundamental. Nas palavras das autoras:
Converter essas crianças, desde a mais tenra idade, em usuárias estáveis da
biblioteca infantil permite que os livros cheguem aos lares, e que cada
família possa aproveitá-los ao seu modo e em seu tempo. Essa apropriação
por parte das crianças resulta na assiduidade e no contato com a leitura, o
que enriquece notavelmente suas experiências e contribui para a garantia do
seu direito de aceder ao universo da linguagem escrita e, mais
especificamente, à literatura, à ficção.
muito mais exitosa quando as crianças e jovens têm contato com os livros também na família.
Considerando que esse não se trata de um objetivo fácil, os autores argumentam que as BEs e
públicas poderiam exercer um papel fundamental nesse processo, já que permitem o acesso a
livros para aqueles que não os tem em casa; oferecem possibilidades para as famílias de
interação e encontros com os livros e podem ainda despertar nas famílias o desejo pela leitura,
para que possam auxiliar seus filhos.
Bonilla e Godin (2008, p. 124) são também enfáticos a respeito da importância da BE
para o envolvimento das famílias com a leitura. Na visão dos autores, este espaço é singular
neste processo porque “puede unir a los niños com a sus padres y maestros en una situación
de aprendizaje”. Segundo os autores, o convite à participação de atividades na BE poderia
representar uma oportunidade de aproximar de uma só vez pais e crianças ao universo do livro
e da leitura.
Reyes (2008) vai mais longe ao afirmar que os adultos (pais, avós e cuidadores)
constituem um público essencial de uma BE, sobretudo, quando se trata de Educação Infantil.
Assim, para a autora, a BE nesta etapa é um lugar para o encontro geracional, já que as
crianças pequenas não podem “caminhar” sozinhas. Ou seja, ainda que as crianças “leiam” os
livros de alguma forma, elas precisam de uma pessoa (mediador) que faça a leitura
convencional para elas.
Para Bonilla e Godin (2008) na medida em que as crianças e as famílias vão mantendo
essas práticas...
[...] niños y adultos van desarrollando uns mayor familiaridade com los
libros, disminuye la ansiedade que éstos pueden generarles; padres e hijos
despliegan uma diversidade de interesses, tanto de naturaliza literária como
informativa [...] la lectura compartida cotidianamente por gusto y sin ejecer
pressiones de ningún tipo, genera uma mayor consciência entre los padres
sobre el desarrollo de sus hijos y sobre el efecto positivo que ellos pueden
tener sobre dicho desarrollo, tanto em aspectos afectivos como congnitivos
(especialmente em los âmbitos comunicativo y lingüístico) (BONILLA &
GODIN, 2008, p. 128).
participem de situações semelhantes àquelas vividas pelas crianças, o que, certamente, irá
contribuir para que incorporem, cada vez mais, a leitura em seu cotidiano.
Por fim, vale destacar a experiência do Projeto Mala de Leitura, desenvolvida numa
escola municipal, situada em uma comunidade de baixa renda, no Recife. O projeto tinha o
objetivo de desenvolver o gosto pela a leitura no contexto familiar por meio da circulação de
livros. Ao relatar essa experiência, Rosa e Brandão (2010) afirmam que as famílias se
mostraram extremamente receptivas à iniciativa, observando-se, ao longo do projeto, uma
maior aproximação entre elas e as professoras e a escola, de modo geral. As famílias também
demonstraram sensibilidade quanto às necessidades educacionais de seus filhos, sobretudo, no
tocante ao desenvolvimento do interesse pela leitura. Isso prova que, se bem elaboradas,
mesmo em contextos de forte vulnerabilidade social, algumas ações podem promover a
aproximação da família com a escola, com a BE e com o universo da leitura.
Por fim, entendemos que a BE pode se constituir em um espaço privilegiado para o
desenvolvimento de projetos dessa natureza, já que em princípio dispõe de um mediador
disponível e que pode desenvolver ações, envolvendo não apenas as crianças, mas também
suas famílias, que promovam o acesso aos livros, à leitura e a participação em atividades
culturais mais livres que independem do currículo prescrito. Nesse sentido, a BE, pode ser um
elemento articulador fundamental entre as famílias e a escola.
No próximo capítulo, descrevemos o percurso metodológico adotado na presente
pesquisa e indicaremos as categorias de análise e procedimentos de investigação que foram
seguidos.
59
3. PERCURSO METODOLÓGICO
60
Iniciamos essa seção situando o motivo pelo qual delimitamos o campo da presente
pesquisa na rede municipal de ensino do Recife. Para isso, apresentamos dados extraídos de
um documento produzido em 2009 pela gestão da Prefeitura que instituiu o Programa Manuel
Bandeira de Formação de Leitores, uma entrevista realizada em 2018 com a atual
coordenadora deste Programa e dados obtidos no site da Prefeitura do Recife. Em seguida,
explicitamos os critérios utilizados na seleção das BEs estudadas nesta pesquisa,
apresentamos informações relevantes sobre cada um desses espaços e traçamos um breve
perfil profissional das professoras que neles atuam. Nos itens seguintes, os procedimentos
metodológicos da pesquisa são detalhados e, por fim, apresentamos a forma como
organizamos a análise dos dados produzidos nas observações e entrevistas.
C: O Manuel Bandeira ainda está vivo, é muita luta. Todo ano a gente
precisa tá se renovando pra continuar existindo.
E: E enfraqueceu muito, né?
C: Muito, muito, muito.
[...]
C: Existia a Gerência de Biblioteca na rede, aí em 2006 se criou o Programa
Manuel Bandeira, que fazia parte da gerência, aí, hoje não tem mais a
Gerência, ficou só o Programa. Programa Manuel Bandeira, enfraqueceu
porque a gerência, ela alimentava o Programa, porque ela recebia recurso,
tudo, né? Aí quando deixou de ser Gerência, o Programa ficou fazendo parte
de outras gerências, que, às vezes, não têm nada a ver com a gente, e que
regem a gente. Tais entendendo?
E: Aí hoje vocês estão com que gerência?
62
13
Disponível em: http://www2.recife.pe.gov.br/noticias/07/03/2018/educacao-aposta-na-leitura-para-formacao-
de-futuros-cidadaos Acesso em: 16 de setembro de 2018.
14
De acordo com Bandeira, Rosa e Brandão (2009), para a Rede de Recife, os ambientes de leitura nas escolas
podem ser classificados em três tipos: 1) bibliotecas: com capacidade de atendimento para turmas a partir de 25
estudantes, com mobiliário característico e acervo que ultrapassa 750 obras; 2) cantinhos de leitura: mais
frequentes nas Creches, sobretudo, nas salas das crianças, com a utilização de expositores de obras, estantes ou
outros arranjos; 3) salas de leitura: ambientes com dimensões inferiores em relação às da bibliotecas, com
capacidade de atendimento de 10 a 15 estudantes e com acervo em menor quantidade.
63
dispusessem de uma professora responsável para este espaço, com uma rotina de trabalho
junto às crianças. Para isso, solicitamos indicação à coordenação do PMBL e conversamos
com outros profissionais da Prefeitura do Recife.
Esse processo de definição das instituições que participariam da pesquisa foi
extremamente árduo, pois não havia dados relativos à quantidade exata de instituições de
Educação Infantil com ambientes de leitura e professora responsável. Assim, tivemos muita
dificuldade em localizar BEs com os requisitos acima discriminados. Além disso, ao longo do
processo de contato com esses espaços, algumas bibliotecas indicadas foram fechadas por
problemas estruturais (como vazamentos e infiltrações), outras de tão pequenas consideramos
inapropriado chamá-las de biblioteca e ainda tivemos que lidar com a transferências de
algumas professoras para bibliotecas em escolas que contemplavam outros segmentos
educacionais.
Nesse sentido, parece que as Creches e CMEIs não têm tido, de fato, prioridade, tal
como já havia sido apontado na entrevista realizada com a coordenadora do PMBFL.
Vejamos um trecho da entrevista a esse respeito:
C:A gente tá agora com essa meta, né? Esse foco de tentar encaminhar
professor pra escolas que têm o espaço e escolas que tenha os anos iniciais,
né? Alfabetização, tudo. É... muitas escolas que têm anos iniciais, também
têm Educação Infantil. E o professor que atua no espaço de leitura, ele
atende a todas as turmas, não é? Mas agora, a gente, a prioridade é essa, as
escolas mesmo. Aí, Creches e CEMEIs, agora, nesse momento, a gente não
tá encaminhando professor.
(Transcrição de trecho da entrevista realizada com a coordenadora do
Programa Manuel Bandeira de Formação de Leitores, 31/01/2018)
Enfim, mesmo diante deste contexto, encontramos duas instituições com os requisitos
que havíamos definido (bibliotecas em instituição exclusivamente de Educação Infantil, com
rotina de atendimento semanal às crianças e com professor de biblioteca responsável) e
iniciamos o processo de coleta dos dados. Para a realização da pesquisa, solicitamos dois
ofícios de autorização da Secretaria Municipal de Educação do Recife, cujo parecer favorável
à sua realização nos foi concedido. Também solicitamos autorização e consentimento dos
profissionais envolvidos por meio da assinatura de um “termo de compromisso para
participação em projeto de pesquisa”.
O período de coleta de dados correspondeu aos meses de agosto até dezembro de
2018. Os dias foram agendados com a gestão da escola e com as responsáveis pelas BEs. No
subitem seguinte realizamos uma caracterização das bibliotecas da Creche e do CMEI
(doravante chamadas de instituições “A” e “B”), na intenção de apresentar as circunstâncias
64
das práticas observadas e que serão analisadas mais adiante. A descrição dos procedimentos
metodológicos, por sua vez, é feita no item 3.2
i. Instituição A
Corresponde a uma Creche que recebe crianças de 0 a 3 anos, com turmas do Berçário
ao Grupo 3. No ano de 2018 a equipe da instituição era composta por 58 funcionários com
103 crianças matriculadas, sendo 15 no Berçário, 19 no Grupo 1, 20 no Grupo 2, 25 no Grupo
3A e 24 no Grupo 3B. A estrutura física da instituição A contava com 5 salas para as crianças
(não climatizadas), cozinha, sala de leitura, parque, secretaria, refeitório, dispensa,
almoxarifado, hall e lavanderia.
As crianças passavam o dia na Creche, no turno da manhã ficavam em seus
respectivos grupos, com horários semanais específicos para visitas à BE. No turno da tarde,
auxiliares de desenvolvimento infantil (ADIs) conduziam atividades de recreação com as
crianças.
A biblioteca dessa instituição era climatizada e funcionava de segunda a quinta-feira
com o horário de visita preestabelecido pela coordenação e equipe de professoras (8h às 10h e
14:30h às 15:30h). Nas sextas-feiras havia expediente interno com atividades como
organização do acervo, formação continuada, planejamento, etc. Seu espaço era pequeno,
equivalente a 12,76 m². Em seu interior havia um armário de ferro grande, um armário de
madeira (ambos com portas), um expositor de livros, uma prateleira, três caixotes para colocar
livros e uma televisão fixa na parede (Figura 03). Nesta biblioteca atuavam duas professoras
readaptadas de função por problemas de saúde, uma recebia as crianças no horário da manhã e
a outra à tarde.
65
ii. Instituição B
A instituição B é um Centro Municipal de Educação Infantil (CMEI), que recebe
crianças de 3 a 5 anos. Foram matriculadas na instituição B, no ano de 2018, 127 crianças,
sendo 20 no Grupo 3A, 21 no Grupo 3B, 20 no Grupo 4A, 20 no Grupo 4B, 14 no Grupo 5A,
15 no Grupo 5B e 17 do Grupo 5C Em sua equipe atuavam 69 funcionários e a estrutura física
contava com sete salas (climatizadas) para as crianças, sala de diretoria, sala de professores,
sala de recursos multifuncionais para Atendimento Educacional Especializado (AEE), espaço
amplo coberto com um palco, cozinha, biblioteca, parque, sala de secretaria, almoxarifado e
lavanderia.
Assim como na instituição A, as crianças passavam o dia na escola. No turno da
manhã acompanhadas pelos professores, e a tarde pelos ADIs e estagiários. A biblioteca havia
passado por um período sem funcionar por conta de uma reforma. Assim, quando iniciamos o
processo de coleta, o local ainda estava sendo reorganizado. Um dado positivo foi o aumento
do espaço da biblioteca que, antes da mudança, era muito menor. Mas, por iniciativa da
gestora, foi realocada para um maior, onde se podia desenvolver atividades em seu interior e
dispor de mais objetos.
Duas professoras readaptadas eram responsáveis pelo espaço. Uma delas havia sido
alocada na escola no turno matutino há pouco tempo, e encontrava-se com uma licença
médica de 6 meses, desde sua transferência. Portanto, não conseguimos contatá-la. A outra
professora, cuja prática nós observamos, trabalhava no horário vespertino e estava retornando
depois de um mês de licença médica.
No período de coleta, a biblioteca estava sempre aberta. Segundo os funcionários da
escola, no turno da manhã, já que a professora responsável estava ausente, as professoras
utilizavam o espaço para fins diversos como jogos e brincadeiras. No turno da tarde, havia um
66
horário específico, de segunda a quinta, para o trabalho com cada grupo. Tal como na
instituição A, nas sextas-feiras, a professora da biblioteca também realizava atividades
internas, como formação continuada, leitura e organização dos livros, planejamento de
atividades e projetos.
O espaço interno da biblioteca era climatizado e amplo, com três mesas redondas com
seis lugares, três estantes (uma dupla e alta, e outras duas pequenas), dois expositores, três
armários (sendo um de parede, um comum e outro com expositor de livros na porta),
inúmeros nichos e prateleiras de parede, além de uma mesa com gaveteiro para a professora
de biblioteca. A BE também contava com um cabideiro para fantasias. O espaço podia
comportar cerca de 25 crianças sentadas no chão (Figura 04).
No subitem seguinte realizamos uma breve descrição das professoras de biblioteca que
participaram deste estudo. Ressalte-se que a presente pesquisa trabalhou com diferentes
grupos de sujeitos, quais sejam: professoras de biblioteca, professoras de diferentes grupos de
crianças, gestores, ADIs, crianças e suas famílias. Contudo, as observações aconteceram
apenas em relação às práticas das professoras de biblioteca e, por isso, a caracterização abaixo
limitou-se a essas profissionais.
No trecho transcrito, nota-se que sua entrada na biblioteca não se deu por motivação
pessoal. Ao que parece também não havia intenção da rede de compor uma equipe interessada
nas pautas da BE. O problema concreto era a necessidade de relocar profissionais afastados de
suas funções para não ficarem ociosos.
A professora 2 começou a trabalhar neste segmento de ensino há 8 anos.
Anteriormente, atuava nos anos iniciais do Ensino Fundamental, quando na ocasião teve uma
68
grande decepção com a sala de aula e solicitou mudança de função. Para que possamos
compreender o contexto em que iniciou seu contato com a Educação Infantil, selecionamos
alguns trechos de sua entrevista:
E: Você estava em que série, quando foi readaptada?
P2: No 1º ano.
E: Aí você veio logo pra essa biblioteca?
P2: Não. Eu me readaptei, passei um tempo de licença médica, né? Seis
meses. Aí me foi oferecido pra eu ir trabalhar como agente administrativo.
Aí foi quando surgiu a biblioteca, né? E eu quis vir pra biblioteca.
E: Você gosta?
P2: Eu gosto muito de trabalhar com essas crianças.
[...]
E: E antes de vir pra cá (biblioteca), tu estavas onde?
P2: Eu trabalho aqui faz uns 5 anos, mas antes eu estava como agente
administrativo. Eu fui transferida porque pedi para trabalhar mais
diretamente com as crianças.
[...]
P2: Na realidade, quando eu comecei assim, com uns problemas, eu estava
no 5º ano, os meninos fora de faixa. Aí teve uma briga na minha sala e eu
apartei a briga e o menino chegou em casa dizendo que eu tinha batido nele.
E eu não bati, eu apartei a briga. Aí a mãe chegou braba, querendo bater em
mim, foi uma confusão tão grande! Aí isso me desgostou.
[...]
P2: O problema é que eu cansei de sala de aula. Eu gostava, mas é porque é
difícil lidar. Depois a idade vai chegando e a gente vai ficando cansada de tá
dando murro em ponta de faca (Transcrição de trecho da entrevista realizada
com a professora 2, 10/09/2018).
Ela expressa ainda como foi difícil o processo de realocação de função. Ao sair de sala
de aula em decorrência de problemas na voz, solicitou ao departamento que atende aos
funcionários que estão em processo de readaptação para ser direcionada à biblioteca. Segundo
ela, seu pedido foi negado sob o argumento de que o espaço não seria o mais recomendado
para o seu problema de saúde.
Permanecendo no cargo de assistente de direção, outros problemas começaram a surgir
e a professora 3 foi “devolvida” pela diretora da escola ao departamento responsável pelo
processo de readaptação de função. No referido departamento, foi proposto que ela passasse a
desenvolver atividades internas. Ao negar a proposta, a professora sugeriu novamente ser
realocada para a biblioteca escolar:
P3:Aí disseram: não, você vai ficar aqui no departamento, trabalhando. Eu
me conheço, não dá para eu ficar parada, sentada num birô, escrevendo, eu
não vou conseguir. Eu tenho que tá com vida, na dinâmica. Aí eu disse: não
vai dar certo, me deixe na biblioteca. Faça o projeto. Eu fiz lá o projeto,
tudinho, fiz a avaliação. [...] (Transcrição de trecho da entrevista realizada
com a professora 3, 08/11/2018).
Professora da BE manhã
Professora da BE
Professora da BE tarde
Gestora
Gestora
Coordenadora Pedagógica
Professora do Berçário
A B Coordenadora Pedagógica
Professora do Grupo 1 Professora
Professora do Grupo 2
ADI
Professora do Grupo 3A
3. Atividades e interações: Diz respeito às atividades realizadas nas BEs, a serem analisadas a
partir das seguintes perspectivas, imbricadas:
b) Interações: informações sobre as formas de interação das bibliotecas, por meio das
ações das professoras responsáveis com as crianças, as famílias, as professoras e
demais educadoras.
4. RESULTADOS E DISCUSSÃO
75
O mesmo não pode ser dito em relação ao espaço destinado a acomodação do acervo.
Assim, na instituição A consideramos este espaço insuficiente e inadequado. Como se pode
77
ver a seguir (Figura 07), os livros ficam em dois armários fechados superlotados e um
expositor.
Sua análise, portanto, dialoga com as orientações presentes nos materiais de Campello
et al (2010) e da IFLA (2015), em que são recomendados espaços físicos maiores para que
haja boas condições para o trabalho.
Quanto à BE da instituição B, apesar de não termos tido acesso às suas dimensões
exatas, identificamos no espaço alguns requisitos favoráveis, presentes nos referidos
documentos orientadores. Por exemplo, a BE era capaz de acomodar simultaneamente uma
sala inteira, além de usuários avulsos, contemplando, desta forma, o nível básico proposto por
Campello et al (2010). Não havia, entretanto, áreas internas separadas, como aquelas
destinadas a produção de mídia ou para atividades simultâneas individuais e em pequenos
grupos. A esse respeito, Perrotti, Pieruccini e Carnelosso (2016, p.123) argumentam que a
setorização dá possibilidade para a criação de nichos e diversificação de práticas, o que no
caso da faixa etária de zero a cinco anos é, particularmente, interessante, pois pode-se oferecer
uma gama mais ampla de práticas concomitantes de modo que os pequenos possam escolher e
experimentar diferentes possibilidades.
A área administrativa, mencionada tanto por Campello et al (2010) quanto pela IFLA
(2015), possuía os requisitos mínimos presentes nos documentos: “uma mesa, uma cadeira e
um computador com acesso à internet, para uso exclusivo do (s) funcionário (s)”
(CAMPELLO et al, 2010, p.12).
Ainda a respeito do espaço da BE da instituição B, tanto a professora como a gestora
ressaltam a influência do espaço para atrair as crianças.
Gestora da instituição B: [...] quando eu assumi o [diz nome da instituição], a
biblioteca, ela tava assim, como sucata, um lugar de guardar as coisas, né? O
nome apenas existia: biblioteca. Então, a gente mudou o espaço. Era um
espaço numa sala bem menor, não é? Então a criança não tinha muito
atrativo para a criança estar presente naquele ambiente, né? (Transcrição de
trecho da entrevista realizada com gestora da instituição B, 26/11/2018).
80
O local das bibliotecas no interior das instituições também foi foco de nossa atenção.
Nesse caso, as duas BEs estavam localizadas no térreo, próximas das salas das crianças, em
conformidade, portanto, com as recomendações presentes na IFLA (2015): “Localização
central, no rés-do-chão, se possível; Acessibilidade e proximidade relativamente às áreas de
ensino” (IFLA, 2015, p 38). Porém, consideramos que ambas são parcialmente acessíveis
porque não contemplam plenamente as condições previstas nas normas brasileiras de
acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos, sobretudo na NBR-
9050 (ABNT, 2004).
Quanto às condições de instalações elétricas, percebemos que as tomadas estão
posicionadas de modo adequado, no alto, longe do alcance das crianças. Por outro lado,
quando eram utilizados equipamentos eletrônicos e na ausência de um local disponível para
colocá-los mais perto da tomada, o fio ficava esticado na sala (Figura 10), o que não era uma
situação ideal para a segurança dos pequenos. Este problema foi observado mesmo na BE
recém reformada. Para evitar essa situação, o ideal seria fixar os equipamentos eletrônicos
em lugares pré-estabelecidos.
O conforto ambiental foi outro aspecto analisado a partir das condições acústicas, de
temperatura e iluminação que fazem com que o espaço físico das BEs possa ou não ser
considerado agradável tanto pelas crianças como pelos adultos.
81
.
Figura 13: expositor de livros da BE da instituição A
Fotografia: a autora, 2018
84
Como já foi dito, a rede municipal do Recife havia reformado o espaço da biblioteca da
instituição B há pouco tempo e, diferentemente da situação descrita acima, encontramos nesta
BE um mobiliário totalmente novo.
Assim, havia três mesas redondas leves e funcionais com quatro cadeiras. As mesas
eram destinadas à realização de atividades com as crianças e apesar de não possuírem
rodinhas, era possível organizá-las de diferentes formas, adequando às necessidades das
crianças e das atividades propostas. Nota-se, porém, na Figura 17, que em uma delas há
cadeiras de adulto, algo inadequado para o uso com crianças entre três e cinco anos.
E:Eu queria, que você falasse um pouquinho do mobiliário que chegou, que
você pediu para adaptar.
Professora 3:Ah, as mesas. Porque eu acredito que a maioria das bibliotecas
que tinham sido contempladas [com as mesas], eram de Ensino
Fundamental. E quando chegou aqui, as mesas eram grandes. Aí, ninguém
falou nada, quando eu vi, eu chamei o responsável que veio e conversei com
ele. Eu disse, venha cá, veja uma coisa, bora andar comigo aqui em todas as
salas. O senhor tá vendo o tamanho das bancas? Eu disse: como é que eu
vou atender as crianças assim. Aí ele levou e diminuiu o tamanho.
(Transcrição de trecho da entrevista realizada com a professora 3,
06/11/2018).
Encontramos ainda dois expositores (Figura 18) funcionais, com tamanho adequado à
crianças pequenas; com rodinhas para mudança de posição conforme as demandas e com uma
apresentação atraente. Bem diferentes do expositor e caixotes da BE da instituição A, estes
expositores possibilitavam um uso autônomo por crianças pequenas. Entretanto, eles estavam
muito mal posicionados, nos fundos da BE, atrás da mesa da professora. Com isso o acesso
aos livros expostos era muito difícil.
Nota-se na Figura 18, que um dos armários, além de guardar os livros tem o
diferencial de uma porta expositora. Porém, considerando a altura do móvel, nem todos os
livros expostos podiam ser visualizados com facilidade pelas crianças.
Figura 20: armário superior, nichos, armário com porta expositora e estantes da BE da instituição B
Fotografia: a autora, 2018
89
As observações apontadas acima evidenciam que não basta ter móveis adequados, é
preciso também pensar sobre o espaço e os móveis disponíveis, tomando decisões sobre como
organizá-los da melhor forma de modo a facilitar o acesso das crianças aos livros.
Na Figura 22 vemos alguns nichos e prateleiras de parede, que decoram o ambiente,
tornando-o mais atraente para as crianças, tal como sugerem Perrotti, Pieruccini e Carnelosso
(2016). São móveis de boa qualidade, versáteis, pois podem ser usados para diferentes
finalidades, além de ocuparem pouco espaço. Entretanto, o mobiliário poderia ser mais
colorido e afixado numa altura mais acessível às crianças.
de áudio e DVD, mas esses equipamentos poderiam ser emprestados pela direção da
instituição sempre que necessário.
Ao lado desses materiais, encontramos, porém, diversas sacolas com jogos do
Programa Brinqueducar15 e brinquedos que, segundo a professora, estavam lá por falta de
outro espaço na escola. Nas figuras 23 e 24 é possível ver como estes estavam dispostos no
espaço da biblioteca os materiais citados acima.
16
A Fundaj oferta um curso de mediação de leitura para professores desde 2017 e as professoras da biblioteca da
instituição A solicitaram a gestora dispensa para participar. Na primeira edição, o foco foi a capacitação para
mediar leitura. Na segunda edição o curso foi dividido em iniciante e avançado e teve como focos habilitar o
mediador, bem como ensinar a organizar uma biblioteca escolar, enfatizando na divisão do acervo por cores e
naforma de classificar os títulos.
93
Professora 3: [...] antes vinha pelo PNBE, e vinha também pelo programa
[refere-se ao Programa Manoel Bandeira], o programa mandava. Só que com
a mudanças de algumas verbas, que nós sabemos que houve, algumas coisas
foram cortadas, entendeu? Já faz um tempinho. [...] Chegaram algumas
caixas ainda em 2018, no início. Foi, que ficaram guardadas, no início
mesmo. Agora eu não sei se todos tinham PNBE. E agora a gente recebeu
alguns livros do Brinqueducar, que veio em umas caixinhas e foram pras
salas e veio pra cá também. (Transcrição de trecho da entrevista realizada
com a professora 3, 20/11/2018)
Como vemos nos relatos acima, parece não haver muita segurança das professoras
sobre a origem dos acervos, porém, afirmam que há livros distribuídos por Programas da
Prefeitura do Recife como o Briqueducar ou Programas de âmbito federal, como o PNBE (a
professora 1 confunde a sigla PNBE com o PNLD) ou ainda livros comprados pela própria
instituição. Algo que também se depreende das entrevistas é a falta de reposição do acervo,
sobretudo na instituição A. De fato, consultando a lista de obras entregues pelo PNBE (Anexo
1) a partir do Sistema do Material Didático, notamos que a última entrega de livros literários
para as crianças, realizada na instituição A, foi em 2008, enquanto na instituição B foi em
2012.
Em outro trecho de sua entrevista, a professora 1 menciona que também chegam à
Creche livros doados pela população em geral, nem sempre adequados para crianças na faixa
etária de zero a cinco anos.
Professora 1: Ah, chegaram muitos livros bons, mas também tem... sim, o
pessoal faz doação também. Às vezes quando eu chego aqui, tá ali. Pronto,
você chega, aí tem os livros que foram colocados ali. Aí geralmente eu vejo,
né? As vezes tem livro que não é pra Educação Infantil, aí eu já separo, já
tiro dali. Aí realmente a gente fica só com alguns livros. (Transcrição de
trecho da entrevista realizada com a professora 1, 13/08/2018)
Na lista de obras distribuídas pelo PNBE em 2013 (ver Anexo 1), de fato, consta a
entrega de periódicos para o professor e para as crianças. Na instituição B, porém, não
encontramos revistas no acervo.
17
DETONI, Márcia. Guia prático sobre drogas: conhecimento, prevenção, tratamento. Editora Rideel, 2006.
18
O PNBE subdividia o processo de inscrição, avaliação e distribuição dos acervos em quatro categorias: a
categoria 1 era composta de obras para o trabalho no segmento da Educação Infantil, etapa creche; a categoria 2
para instituições de Educação Infantil, etapa pré-escola; aategoria 3, instituições que atendiam os anos iniciais do
ensino fundamental; e a categoria 4, para instituições da educação de jovens e adultos e as etapas de ensino
fundamental e médio.
96
20
De fato, a despeito do trabalho fundamental de conscientização das crianças para o cuidado com os livros que
a professora 1 relatou fazer, em uma das sessões de leitura observadas na BE, uma criança, de um ímpeto, rasgou
uma obra importante e única do acervo. A reação de tristeza da professora 1 foi notável.
98
refletirem sobre o papel de um expositor neste espaço e que outros critérios poderiam orientar
a sua escolha de livros para esse local.
Na biblioteca da instituição B, observamos que os exemplares eram todos dispostos
nas estantes, com capas visíveis e em grupos de obras com o mesmo título (ver Figura 30). Ao
ser questionada sobre as formas de exposição e apresentação dos livros às crianças na BE, a
professora 3 não sinalizou uma preocupação específica com esse tema. Apesar disso, notamos
que nos expositores e prateleiras mais altas havia livros comuns, de papel, enquanto nas
prateleiras mais baixas havia, de modo geral, uma quantidade maior de obras com páginas
mais largas, bordas arredondadas e livros feitos de materiais mais duráveis, tais como tecido e
plástico. Assim, ao que parece, a questão da preservação do acervo também orientava a
exposição e acessibilidade aos livros pelas crianças. Por outro lado, encontramos obras de
excelente qualidade como a obra Bocejo, dos autores Renato Moriconi e Ilan Brenman e
Tanto, tanto da autora Trish Cooke, sempre muito apreciadas por crianças da Educação
Infantil, facilmente acessíveis como vemos na Figura 30.
No caso da BE da instituição A, a organização dos livros estava voltada para facilitar o uso
pelas professoras. Assim, o critério temático (por exemplo: ciclo junino, o Natal, temas
bíblicos ou do cotidiano, histórias sobre fenômenos da natureza ou contos de animais
marítimos) buscava permitir às professoras da Creche, a localização de livros de literatura de
seu interesse. Esta forma de organização, entretanto, precisa ser vista com muita cautela, já
que antecipa certos sentidos e pode contribuir para afastar as professoras de uma mediação de
leitura mais criativa e livre, característica de obras literárias (PERROTTI; PIERUCCINI;
CARNELOSSO, 2016).
Ainda sobre esse assunto, a professora 1 reconhece na entrevista a necessidade de
oferecer na BE, um tipo de organização e catalogação mais acessível para as crianças
pequenas, porém, afirma que não sabe como realizar isso com o segmento da Educação
Infantil. Esse comentário demonstra, mais uma vez, a necessidade da Secretaria de Educação
investir na formação dos professores que atuam nas bibliotecas.
Tal conclusão é reforçada diante do que também observamos na BE da instituição B.
Na entrevista com a professora 3, ela demonstrou uma grande familiaridade com os autores e
obras existentes na BE, entretanto, os livros eram dispostos nas estantes, prateleiras e
expositores sem critério definido e não havia controle para a localização ou saída das obras
para empréstimo. A professora 3 também explicitou que não havia ainda pensado numa forma
de organização e catalogação do acervo que permitisse um acesso mais direto para as
crianças.
A seguir, discutiremos sobre as atividades e interações da BE, tanto a partir dos dados
de entrevista, como dos dados de observação.
das duas instituições, assim como entre elas e as famílias das crianças. Ao final dessa seção,
refletimos sobre a forma como as professoras das BEs registravam os trabalhos realizados.
Vale lembrar que todos esses tópicos indicados acima serão discutidos aqui,
considerando sempre possíveis especificidades de uma BE funcionando numa instituição
educativa para crianças menores de cinco anos. Além disso, é importante esclarecer que as
atividades são essencialmente constituídas por interações. Isso significa dizer que não há
como compreender uma sem a outra. Contudo, para fins de nossa análise, optamos por
discutir atividades e interações separadamente, de forma a possibilitar uma discussão mais
detalhada e profunda.
21
A esse respeito, vale notar que a exposição do quadro de horário na biblioteca poderia ser uma boa
oportunidade de incluir as crianças pequenas no mundo letrado de forma significativa, dando também a elas uma
chance de desenvolver sua autonomia, além de outras aprendizagens importantes relativas à sequência temporal,
capacidade de previsão, entre outras.
101
outro setor; e quando houve uma atividade envolvendo a participação de todas as crianças da
escola. Isso indica que as atividades da BE na instituição A foram garantidas para as crianças
nos dias em que as Professoras 1 e 2 estavam na Creche.
Na BE da instituição B, porém, o horário não era efetivamente seguido e a frequência
de uso do espaço pelos os diferentes grupos de crianças se dava de forma irregular. Em apenas
dois entre os dez dias de observação, o horário previsto foi, de fato, cumprido. Conforme dito
anteriormente, no turno da tarde as crianças ficavam com os ADIs e, na dinâmica desse turno,
a Professora 3 da BE organizava o espaço e aguardava a chegada dos grupos de crianças para
as atividades na biblioteca. Porém, na maioria dos casos esses grupos não compareciam e,
diante da ausência, a professora da BE tentava mobilizar um outro grupo. Assim, nos dias
observados, um mesmo grupo passou mais de uma semana sem frequentar a BE. Em outras
situações, a professora reuniu crianças de diferentes grupos para realizar atividades na BE.
Considerando esses problemas e a consequente redução do tempo previsto para as atividades
planejadas pela professora, o atendimento aos grupos de crianças acabava comprometido e
sem qualquer continuidade.
Neste sentido, nos dias de observação na instituição B, não foi possível perceber uma
rotina de atendimento aos grupos na BE, algo importante para crianças nessa faixa etária, tal
como destacam Palácios e Paniagua (2007, p. 164): “No trabalho com crianças pequenas, é
imprescindível manter uma sequência estável de atividades que dê segurança a elas na medida
em que lhes permitir antecipar o que vai acontecer.” Para além desse aspecto, também fica
mais difícil que as crianças estabeleçam um vínculo seguro com a professora da biblioteca e
uma memória afetiva em relação a este espaço.
Segundo a professora da BE da instituição B, esse descompasso de horários ocorria
por falta de apoio da coordenação pedagógica. Segundo seu ponto de vista, não havia uma
colaboração para uma organização adequada dos horários. Assim, no dia e horário previsto
para a vinda de um determinado grupo de crianças à BE, elas estavam realizando outras
atividades, como descanso, banho, recreação, etc. Pelo relato da Professora 3, fica evidente,
portanto, a falta de interação entre os profissionais da instituição, que parecem não
compartilhar os mesmos objetivos. Voltaremos a este tema no próximo subitem.
esse grupo. Assim, não houve, na verdade, um planejamento intencional para essa proposta
que acabou sendo conduzida com todas as crianças juntas e não em dois grupos menores
como costumava ocorrer na BE. Talvez essas condições tenham contribuído para o que se
observou: as crianças ficaram um tanto dispersas e não se envolveram com a história lida.
Na instituição B, ao contrário, a saída da professora da BE parece ser algo que faz
parte rotina. Em três dias de observação as atividades ocorreram fora da biblioteca, em um
pátio coberto da instituição, com todas as crianças juntas, do Grupo III ao Grupo IV. Esses
momentos foram conduzidos exclusivamente pela professora da BE. Ela explicou que na
rotina do CMEI é previsto um “boa tarde” coletivo nas segundas e sextas-feiras e que a
coordenadora pedagógica havia solicitado que ela se responsabilizasse por um desses dias.
Para conduzir as atividades no pátio coberto, a Professora 3 utilizava um microfone sem fio.
Porém, como o espaço era aberto e amplo, o barulho externo e a má qualidade do
equipamento de som dificultavam o bom andamento das atividades.
Em síntese, consideramos importante diversificar os espaços em que são
desenvolvidas as atividades da BE e, de fato, vimos algumas tentativas nessa direção nas duas
instituições. Entretanto, durante as observações, vimos que as condições a partir das quais isso
ocorreu, na instituição B, não foram, sob nosso ponto de vista, capazes de oferecer boas
experiências. A diversificação, portanto, precisa ser acompanhada de qualidade.
Inst. A Inst. B
Atividades
P1 P2 P3
1 Mediação de leitura conduzida pelas professoras da biblioteca X X X
2 Releitura das histórias pelas crianças22 X
3 Participação em atividades que envolvem toda a Creche ou CMEI X
4 Sessões de leitura envolvendo áudio e/ou vídeo X X X
Seleção de livros sobre temas que interessam as professoras dos
5 X
diferentes grupos
6 Pintura de desenhos impressos relativos às histórias lidas X
7 Dramatização das histórias lidas X
8 Pesquisa X
9 Empréstimo de livros para as crianças X
Elaboração: a autora
Durante a entrevista, a Professora 1 afirmou que realizava quatro tipos de atividades.
Assim, semanalmente, ela conduzia uma mediação de leitura com cada grupo de crianças, a
partir da seleção de livros e propostas de atividades em torno da leitura. Ela se engajava ainda
nas ações da Creche nas situações envolvendo leitura e literatura, como foi o caso relatado por
ela, da entrega dos kits de livros às crianças e suas famílias. Também dava suporte às
professoras na análise de livros e seleção de materiais para o trabalho pedagógico com os
diferentes grupos de crianças. Abaixo segue o trecho de sua entrevista em que ela fala sobre
as atividades que ela realizava:
Professora 1: [...] geralmente é uma única história que eu trabalho ao longo
da semana. Eu escolho uma história pra trabalhar a semana inteira.
E: Com todas as turmas é a mesma história?
Professora 1: É a mesma história. E pronto. Aí minha prática também tá
relacionada às atividades que a Creche desenvolve. Então no dia da família,
qual vai ser a atividade que a biblioteca vai, né? Em que eu vou me
envolver? Geralmente tem uma atividade. E no dia das Crianças. Então a
gente tá é... geralmente quando tem qualquer parte literária, quando chega,
quando chegam os livros, não é? Então assim, as meninas [refere-se às
professoras], às vezes não tem tempo, né? P1, tu vê primeiro, pra primeiro
conhecer os livros, ter acesso as histórias tudinho, depois repasso pra elas.
Tem uma caixa de leitura que fica lá na sala dos professores, que eu
geralmente pego as temáticas que elas estão trabalhando, coloco lá, né? Às
vezes semanal, às vezes quinzenal. Essa semana mesmo trabalharam: “quem
cuida de mim”. Essa semana que passou. Aí antes de sair pra formação, eu
deixei. Eu separei os livros, né, que eu tinha sobre essa temática e coloquei
lá (Transcrição de trecho da entrevista realizada com a professora 1,
14/08/2018).
22
Segundo Professora 2, a atividade de releitura consistia na ação de uma ou outra criança pegar o livro que ela
havia acabado de ler, e recontar a história oralmente, do seu jeito.
105
afro, né? A gente trabalhou, então eu trouxe vídeos, né? Assim, de músicas
africanas, né? A gente tocou aqui na sala, a gente dançou, a gente brincou.
Mas eu não digo assim, que depois que eu conto a história, na verdade eu me
preocupo com a história. Eu não me preocupo com atividade. Você não vai
ver aqui atividade de pintura, porque não é o que eu acredito. Embora, às
vezes, haja até uma cobrança, né? Como se dissesse assim: o que é que as
crianças fazem na biblioteca? Cadê o resultado da sua a produção do que
eles viram lá? Eu digo: tá na cabecinha deles [risos]. Não tá na parede, tá na
cabecinha deles, né?
E: Esses vídeos que vocês passam, são da internet, é?
Professora1: É. Eu trago o computador com o cabo e passo. Eu sou assim,
combato demais a questão de trabalhar um vídeo sem ter, trabalhar por
trabalhar. Isso aí eu não faço! Você não vai ver eu chegar aqui, botar um
vídeo só! vou contar uma historinha. Até se eu for botar um vídeo, eu penso,
eu assim, por exemplo, às vezes tenho livros que tem, né? A leitura, mas a
gente não tem aqui. Aí se eu não encontrar, eu passo, né? Pra eles verem.
Ou, às vezes, até uma contadora de histórias, contando histórias, eu coloco
também. Mas, muito mais pra complementar, talvez, o trabalho que eu vou
fazer com o livro. E geralmente antes. (Transcrição de trecho da entrevista
realizada com a professora 1, 14/08/2018).
No trecho acima, vemos que Professora 1 considera como “atividade” algo diferente
do que nós costumamos conceituar. Assim, ao que parece, “atividade” para ela é aquilo feito
com as crianças e que resulta em algo palpável, passível de ser exibido e documentado. Isto é,
geralmente, algo realizado no papel. Neste sentido, de acordo com seu relato, sua preocupação
não era realizar “atividades” para mostrar aos outros, mas, sim, vivenciar experiências
significativas que passassem a fazer parte das memórias das crianças (“...na cabecinha
deles...”). Outro aspecto positivo que merece destaque é seu “combate” ao trabalho com
vídeos de forma isolada, apenas para passar o tempo, sem articulação com as atividades de
leitura. Tais aspectos sinalizam uma preocupação com o planejamento sobre o que é proposto
para as crianças dentro da BE.
A Professora 1 também mencionou, especificamente, sobre um projeto de leitura
desenvolvido na Creche, em que alguns autores são escolhidos para serem homenageados.
Assim, essa professora contou que sempre busca livros de diferentes autores em outras
bibliotecas da rede municipal para, a partir deles, propor atividades práticas de leitura junto às
crianças.
Em outro momento de sua entrevista, P1 também citou uma ação em parceria com o
SESC23 que foi, infelizmente, interrompida:
23
“Criado em 1946 e mantido pelos empresários do comércio, o Serviço Social do Comercio – Sesc, trabalha
para ampliar e qualificar o acesso à Educação, Saúde, Cultura, Lazer e Assistência do trabalhador do comércio
de bens, serviços e turismo e seus familiares, bem como da população em geral.” Disponível em:
https://www.sescpe.org.br/sobre-o-sesc/ Acesso em: 01 de julho 2019.
106
P1: A escola tinha uma parceria com o SESC. A gente acionava e eles vinham
pra cá contar história. Geralmente, eram em algum evento, né? Em alguma
finalização de projeto, alguma coisa do tipo. A gente entrava em contato com
eles. Mas eles davam esse suporte pra gente. Ele vinha e fazia um trabalho
com as crianças e fazia um trabalho com as famílias. Às vezes até a
mesma contação que ele fazia com as crianças, ele fazia com as famílias.
[...]
E: E por que acabou a parceria?
P1: Não, aí foi o que ela disse: P1, olhe, a gente tá tendo dificuldade pra enviar
pessoas. A gente quer que você traga as crianças. Mas a gente não tinha como
levar por falta de transporte, né?
E: A Prefeitura não disponibiliza, não?
P1: Não. Até uma vez ela disse, coloque, né? Faça um projeto pra gente vê se
consegue liberar o ônibus, né? Mas a gente enviou, mas não conseguiu. Foi
um ano que eles estavam, como... eu não sei se foi no período das feiras de
ciências, tudinho, mas eles estavam muito comprometidos com isso. Mas
acabou que a gente deixou, né? Aí depois, realmente, eu não entrei mais em
contato com ela (Transcrição de trecho da entrevista realizada com a
professora 1, 14/08/2018).
Não contabilizamos esta ação de parceria com outras instituições porque a atividade
não ocorria mais. Porém, consideramos pertinente mencioná-la porque acreditamos que é
muito importante para as BEs fazerem parcerias com outros espaços culturais para ampliarem
o impacto de suas práticas. Assim, avaliamos como uma grande perda esse rompimento com o
SESC.
A Professora 2, também da mesma Creche, foi sucinta ao falar sobre o que fazia na BE
no turno da tarde. Vejamos o que ela diz:
Professora 2: Essa leitura, né [se refere à leitura que havia terminado de
fazer] Leitura, releitura e também desenhos, normalmente eu passo pra eles o
desenho da história pra que eles pintem. Tem também o vídeo, né? A gente
passa histórias pra eles. E o empréstimo. No ano passado a gente emprestava
direto, tem até o registro ali. Mas, esse ano os pais não tiveram interesse
(Transcrição de trecho da entrevista realizada com a professora 2,
10/09/2018).
24
Na instituição B, em dois dias previamente agendados para observação, não houve atividades com as crianças.
Em um dos dias, o CMEI estava sendo dedetizado e, por isso, não havia crianças no local; no outro dia, a
professora precisou organizar a biblioteca e preparar material para um evento da escola e para uma apresentação
na formação do PMBFL.
109
FREQUÊNCIA
ATIVIDADES Instituição A Instituição B
Prof.1 Prof.2 Prof.3
Leitura de livros de literatura 6 2 6
Contação de história 0 0 1
Escolha de livros pelas crianças e leitura livre 0 0 1
Leitura realizada pelas crianças de livros selecionados pela
1 0 0
professora
Reapresentação de livros já lidos 1 0 0
Distribuição de livros enviados pela prefeitura para as crianças 1 0 0
Sessão de filme relativo a um projeto temático (cerca de 30 min) 0 0 3
Exibição de vídeo relativo a um projeto temático (cerca 5 min) 0 0 2
Atividade artística envolvendo argila 0 0 1
Aula atividade (técnico-administrativa) 0 0 1
Nota: Em um mesmo dia de observação, a professora da BE podia realizar diferentes tipos de atividade.
Elaboração: a autora, 2019
Considerando a prática de leitura das três professoras observadas vemos que elas
conduziram a atividade de forma bem distintas. Vejamos como isso ocorreu:
Na instituição A, a professora 1 leu livros de literatura em seis das oito observações do
turno da manhã. A Professora 2, por sua vez, leu nas duas observações realizadas no turno da
tarde. A biblioteca da instituição A estava sempre arrumada, limpa e com os colchonetes no
chão para que as crianças pudessem se sentar. Consideramos que esta forma de organização
“fixa” da BE possibilitava um desenvolvimento adequado de diversas atividades, dentre elas
as de leitura. Na maioria das leituras, P1 aproveitou a organização já existente na BE, sem
acrescentar ou modificar qualquer elemento. Uma única vez, entretanto, ela levou o notebook
da escola e reproduziu um áudio em que se podia ouvir o som de um filhote de gato, no
intuito de realizar a leitura de um livro que fazia alusão a este animal. Notamos que esse
recurso instigou a curiosidade das crianças, estimulando sua participação na atividade de
leitura que se seguiu. Voltaremos a comentar sobre esse tipo de motivação quando
abordarmos as interações ocorridas durante as atividades.
Ainda em relação à preparação do espaço para a leitura na instituição A, observamos
que professora 2, que atuava no turno da tarde, não realizou qualquer alteração no espaço da
BE. Em uma das vezes em que a leitura aconteceu na sala das crianças do Grupo 3b, também
não observamos alterações no espaço que, inclusive, merecia incluir um cantinho ou ambiente
mais convidativo para a leitura.
A professora 3 realizou leitura na biblioteca quatro vezes durante o período de
observação. Conforme já mencionado nos itens anteriores, na instituição B, o espaço da
biblioteca era amplo. Porém, em função da grande quantidade de móveis e da forma como
estavam dispostos, o espaço livre, não favorecia à formação das rodas de leitura. Era um
espaço era retangular e rodeado pelas estantes dos livros, pela mesa da professora, pelas
mesas redondas e pela porta de entrada (Figura 31). No espaço livre disponível, a professora
3, porém, preparou esse local em todas as mediações de leitura observadas na BE, colocando
uma colcha e algumas almofadas.
111
disso, notamos que a altura em que se encontrava a TV trazia um certo desconforto para as
crianças.
Analisando o uso do tempo pelas professoras durante as sessões de leitura, notamos
que a forma como cada uma utilizou o tempo se repetiu nas diferentes atividades. Assim, os
encontros na BE da instituição A tinham o tempo previsto de 30 minutos, de acordo com o
quadro de rotina (lembramos que o número total de crianças de cada grupo era dividido ao
meio para que participassem das sessões na BE). No horário da manhã, as crianças
permaneciam dentro da BE por aproximadamente 25-30 minutos e a professora 1 conseguiu
realizar as atividades planejadas. Em uma das sessões com o Grupo 1, por exemplo, cerca de
22 minutos foram dedicados a ações que envolviam a mediação de leitura, quais sejam:
motivação, exploração da capa do livro, leitura e extrapolação dessa leitura. Os três minutos
restantes, por sua vez, foram dedicados à pedidos de atenção das crianças para a atividade.
No turno da tarde, os encontros na BE da instituição A foram um pouco mais curtos
nos dias observados, em torno de 20 minutos para cada grupo e as atividades propostas pela
professora 2 não foram exatamente concluídas, pois as crianças perderam o interesse.
No caso da instituição B, como a professora 3 recebia todas as crianças de um mesmo
grupo em uma única sessão, seu tempo com elas deveria ser, em tese, maior. Na prática,
entretanto, isso não aconteceu. O tempo médio dos encontros na BE e fora dela eram de
apenas 20 minutos. Além disso, boa parte desse tempo a professora 3 conversava sobre
assuntos que não tinham relação com o livro a ser lido. Vejamos abaixo, o diálogo ocorrido
no início de sessão de leitura:
P3:Shiiiiiiiiu [faz o sinal de silêncio com o dedo em frente a boca,
olhando para todas as crianças]. Sabe o que a gente vai fazer aqui?
Criança m: O quê?
P3: Eu trouxe esse livro [mostra o livro], que Tinker Bell trouxe, olha.
Tinker Bell mandou esse livro, Nicolau. Psiiiiu [pede silêncio as
crianças novamente fazendo o sinal com o dedo em frente a boca]. O
livro de Nicolau tinha uma ideia. Tão vendo? Quem será Nicolau? [faz
um som de surpresa]. Bora ver?! [sem esperar as crianças
responderem continua falando e mostrando o livro...] Nicolau tinha
uma ideia. Então vamos ver essa história? [novamente não espera que
as crianças respondam]. Sabe quem escreveu essa história? Ruth
Rocha. E sabe quem fez esses desenhos? Mariana Massarani.
Criança n: Olha tia, o que eu comprei. Meu avô vai comprar uma
boneca de cavalo.
P3: E é?
[várias crianças falam ao mesmo tempo sobre o que compraram e o
que gostariam de comprar e a mediação da professora se limita a
organizar a vez de cada uma falar. As crianças não fazem perguntas
sobre o livro e só cerca de 5 minutos depois a professora volta a pedir
silêncio e retorna ao livro de literatura].
113
Quanto às escolhas e usos dos recursos na BE, como se poderia esperar, os livros
assumiam um lugar de destaque e um mesmo livro era lido com diferentes grupos de crianças.
Porém, recursos como uma caixa de papelão decorada contendo bonecos dos personagens das
histórias também foram utilizados com a finalidade de envolver as crianças com a atividade.
Os livros selecionados pela professora 1 (ver Apêndice V) traziam histórias
interessantes que possibilitavam momentos de interação com o texto por meio de brincadeiras
e perguntas que levassem as crianças a pensar e se expressar. Além da qualidade textual, os
livros abordavam temas atraentes para crianças e apresentavam excelente qualidade gráfica e
estética, com exceção de um deles (Você viu o coelhinho? de autoria Smriti Prasadam).
Quanto ao livro lido pela professora 2 para o grupo 3a na biblioteca e para o grupo 3b
na sala das crianças (ver Apêndice V), consideramos o tratamento dado ao tema da obra: um
amor inusitado entre um gato e uma panela com uma comida cheirosa, pouco interessante,
não apenas para crianças pequenas, mas para leitores de qualquer idade e ficamos com a
impressão que se tratou de uma escolha pouco planejada e a mediação deixou a desejar.
No caso da professora 3, alguns dos livros por ela selecionados possuíam boa
qualidade literária, temática e gráfica, tais como a “Mbira da beira do rio Zambeze”, pois
traziam temas de valorização da cultura afro com excelentes ilustrações e músicas, bem como
textos abertos que suscitavam diferentes interpretações. Outros, porém, recorriam a uma
exposição literal de seus objetivos, como a obra Nicolau tinha uma ideia, de Ruth Rocha; e a
obra A caixa mágica das Marias, de Simone Carneiro Fontenele.
Percebemos ainda que, no período de observação, os livros lidos pelas professoras 1 e
3 não estavam vinculados à projetos de trabalho mais amplos. Na entrevista, porém, a
professora 1 falou sobre um projeto realizado ao longo do primeiro semestre, em que a BE
esteve envolvida e cujo objetivo era aproximar as crianças da leitura a partir da apresentação
de diferentes autores. Tal projeto, segundo ela, buscava apresentar a autora Lenice Gomes. O
desenvolvimento de um novo projeto envolvendo outro autor estava previsto para iniciar em
setembro. Talvez a inexistência de articulação com projetos durante as observações na BE da
instituição A se deva ao fato de que estávamos em agosto, mês em que as crianças e os
profissionais estavam retornando do recesso. As observações na instituição B parecem
confirmar essa hipótese. Nesse caso, vimos que a maior parte das leituras realizadas pela
professora 3 estavam articuladas com projetos da instituição. A leitura do “A Mbira da beira
114
Ainda em relação a essa circulação livre das crianças no espaço da BE, Pimentel
(2016, p. 69) acrescenta que são nesses momentos em que “[...] as crianças revelam o que já
sabem sobre leituras, narrativas, livros e também se defrontam com desafios e descobertas a
serem feitas”. Assim esse encontro com livros possibilita que elas mesmas descubram e
explicitem suas preferencias, fazendo escolhas das histórias que querem que os adultos leiam
pra elas. Nesse sentido, consideramos fundamental que esse tipo de proposta ocorra com
maior frequência nas BEs desde a Educação Infantil.
A partir deste ponto, iremos aprofundar nossa análise de modo mais específico nas
interações observadas durante as atividades de mediação de leitura ocorridas na BE e também
fora dela, quando conduzidas pelas professoras participantes da pesquisa. Sobre esse tópico,
vale registrar, com base em Vygotsky (REGO, 2011), que as interações entre os seres
humanos, em seus diferentes contextos linguísticos e culturais é o que promove o seu
desenvolvimento a patamares cada vez mais sofisticados de sociabilidade. Como se sabe, a
visão legada por este pensador deu origem a abordagem sociointeracionista de ensino e
aprendizagem, cujo maior princípio é o de que os indivíduos se desenvolvem através de
interações recíprocas entre seus pares ou com outros sujeitos mais experientes.
Nesse contexto, um primeiro aspecto que observamos na dimensão das interações,
foram as estratégias utilizadas pelas professoras para envolver as crianças nas atividades
propostas. Nesse sentido, de acordo como nossa observação, o convite para escutar uma
história, dirigido oralmente às crianças, foi muito frequente. Para ilustrar este momento,
selecionamos um trecho do diálogo durante a mediação do livro Dia de Sol, com o grupo 3b,
com crianças em torno de 3 anos:
Professora 1: Eu vou contar uma historinha hoje, certo? Então vamos ouvir?
Quem quer ouvir a historinha de hoje?!
Criança x: Olha, o sol [refere-se à ilustração do sol que estava na capa do
livro].
Duas crianças ao mesmo tempo: Sol!
Professora 1: Era o sol?
Crianças: É.
Professora 1: É do sol.
Professora 1: [Uma criança se estica para tocar no livro. P1 coloca a mão em
sinal de “pare”] “Criança x”, agora a gente vai combinar uma coisa: depois
eu passo o livrinho pra todo mundo olhar. Tá combinado assim? [a criança
balança a cabeça em sinal afirmativo e continua apontando para o sol da
capa do livro]. Mas agora tia P1 precisa segurar o livrinho porque tia P1 vai
ler o livro.
Criança x: Tia, olha o sol grandão.
Professora 1: É um sol grandão, é?
Criança x: É, porque o sol virou uma planta [refere-se a capa do livro].
Professora 1: Virou uma planta? Por que tu achas que o sol virou uma planta,
por quê?
117
O fragmento do momento inicial desta mediação nos permite perceber aspectos que
extrapolam a motivação para a leitura. Primeiro, a profissional convidou as crianças a lerem o
livro e estabeleceu um combinado de que elas deveriam participar inicialmente da história e
depois teriam um momento para folhear o livro. Essa postura no começo da mediação é
interessante porque reduz a ansiedade das crianças em manusearem o objeto livro e garante a
elas este momento importantíssimo ulteriormente. Ao longo do diálogo também fica evidente
a postura acolhedora da professora 1, ouvindo atentamente as contribuições das crianças, bem
como estimulando a conversa a partir de boas perguntas que chamavam a atenção das crianças
para a capa do livro que estava sendo apresentado.
Nas vezes em que mediou a leitura para a turma do berçário, observamos algumas
estratégias diferentes. Em uma das situações, a professora usou uma caixa com um coelhinho
em seu interior e incentivou as crianças a interagirem inicialmente com ela, passando-a nas
mãos de cada uma e dizendo: “eita, bate para a caixinha abrir! Oh, abre, caixinha!” (batendo
com a mão fechada na caixa e as crianças repetiam o movimento, entusiasmadas). A
professora 1 continuou estimulando o suspense dizendo: “A caixinha vai abrir! A caixinha vai
abrir! Eu quero ver o que tem aí dentro!”. O interesse dos bebês pelo que estava acontecendo
era perceptível. Assim, olhavam atentamente para a caixa, apontavam, balbuciavam e davam
gritinhos respondendo aos estímulos da professora que indagava: “o que será que tem aqui
dentro?”. Após aberta a caixa, surge o coelhinho que também atrai o interesse das crianças.
118
Antes de apresentar o livro, a professora 1, finalmente, anuncia: “Tia X (diz seu nome) vai
pegar agora a história do coelhinho”.
Depois que começava a leitura, a professora 1 continuava fazendo perguntas que
permitiam às crianças a construção de sentidos a partir do que ouviam. Mesmo envolvidas,
elas, frequentemente, se dispersavam, o que não se trata, propriamente de algo incomum entre
crianças pequenas. Os brinquedos e o ferrolho de uma das portas onde elas ficavam
encostadas facilitavam, inclusive, essa dispersão. Nesses momentos, a professora 1 costumava
chamar a criança pelo seu nome, trazendo-a de volta para a história. Assim, de forma bastante
sutil, a docente conseguia manter a atenção delas. Quase nunca, portanto, havia algum tipo de
intervenção mais brusca. O mesmo não podemos dizer em relação às estratégias usadas pelas
ADIs que se preocupavam muito em manter todas as crianças quietas e atentas. Em geral, elas
se posicionavam sempre ao lado daquelas que se mostravam mais dispersas, vigiando seus
gestos e movimentos, pedindo silêncio. Em alguns casos, não deixavam que elas se
levantassem, ou mesmo gesticulassem em resposta aos estímulos da mediadora, numa
evidente demonstração de desconhecimento das necessidades de movimento e de expressão
das crianças.
A esse respeito, ao comentar sobre o papel e os requisitos de uma boa roda de leitura,
Pimentel (2016) afirma que as crianças precisam se sentir confortáveis e livres. Para a autora,
elas usam naturalmente o corpo para se expressar e interagir com o mundo, não sendo
diferente no momento de ouvir histórias. Por esse motivo, em vez de coagi-las, seria
necessário, segundo esta autora, buscar conquistar sua atenção, tal como tentava a professora
1.
No momento final dos encontros na BE, professora 1 cumpria o combinado e permitia
que a crianças tivessem acesso ao livro lido por ela. A profissional por diversas vezes também
expressou sua preocupação em conceder às crianças um maior acesso ao acervo. Porém, tendo
em vista a exígua reposição de exemplares, ela limitava-se a oferecer apenas o livro lido em
cada sessão.
A esse respeito, tal como indicamos no primeiro capítulo dessa dissertação, uma BE
efetivamente ambientada para a Educação Infantil e que cumpra os papeis educativos
atribuídos a ela, precisa ser um lugar povoado de livros atrativos e de atividades simultâneas,
não um local em que o acesso aos livros é restrito e controlado. Afinal, nos parece que o
diferencial de se ter uma biblioteca na escola, sendo também o que a distingue de qualquer
outro ambiente de leitura dentro de uma instituição de ensino é o acesso livre a uma grande
quantidade e variedade de livros.
119
25
Trata-se de uma personagem fada criada por James Matthew Barrie em sua peça Peter and Wendy, e
apresentada no filme de 1953 da Walt Disney Animation Studios, Peter Pan.
123
O fragmento acima revela muito do perfil da professora 3 que era mais teatral e
próximo ao que vemos em profissionais contadores de histórias. Consideramos, entretanto,
que na grande maioria das situações em que ela falou ou usou as fantasias de personagens,
não havia qualquer conexão com a história lida ou com o tema abordado. Assim, essa ação
acabava sem sentido, pois não se conectava com a ação seguinte de leitura. No caso dessa
observação, as crianças sequer pareciam ter entendido o objetivo da atividade, algo que ficou
evidente quando, entre as respostas dadas por elas, surgiram nomes de outros personagens,
jamais interpretados pela professora da BE. Além disso, vale atentar que o potencial
imaginativo das crianças também ganha com personagens populares da cultura local e
nacional e não apenas com figuras criadas pela indústria de massa como TinkerBell e Branca
de Neve.
Por outro lado, a ideia de incentivar as crianças a chamarem a história e a brincadeira
de espiar o livro são ações interessantes. Tais estratégias de motivação, quando bem
utilizadas, podem representar uma ótima possibilidade de envolver as crianças no momento da
leitura. Porém, o contexto em que essas ações foram colocadas em prática, não foi o melhor e
acabou por dispersar em vez de atrair. Outro aspecto que vale menção foi a cobrança
exagerada de silêncio e máxima quietude para que a atividade de leitura pudesse se iniciar.
Dado o ambiente aberto e com muitos ruídos externos, além do grande quantitativo de
crianças nos pareceu impossível atingir a atenção e a tranquilidade pretendida.
Como já indicamos aqui, a professora 3 também lançou mão do áudio para mediar a
leitura do livro “Mbira da beira do rio Zambeze”. Além do áudio, essa profissional trouxe um
conjunto de instrumentos de origem africana e indígena que foram dispostos em um tapete
que também foi trazido por ela. A professora, porém, não chegou a se utilizar desses materiais
em sua mediação, nem fez perguntas que ajudassem na construção de sentidos sobre o livro.
A insistência de obter silêncio a qualquer custo para ouvir o áudio acabava imponto às
crianças um papel passivo, indo de encontro àquilo que preconiza Solé (1998) no processo de
formação de leitores. Segundo esta autora, a leitura se caracteriza, ao contrário, por um
processo ativo de interação com o texto e isso, especialmente, no caso de crianças pequenas
não pode se dar de forma silenciosa. Como afirma Chambers (1993) desde cedo, a conversa
sobre os livros pode estimular a criança a explicitar o que está pensando, o que lhe intriga no
enredo, a comentar sobre os eventos, os personagens de quem gosta mais ou menos.
Ainda ao final do áudio, também não registramos um incentivo a conversa sobre o que
havia sido escutado. As crianças foram, simplesmente, convidadas a ver os materiais do
tapete, sem qualquer orientação ou conversa articulando os objetos com a narrativa ouvida.
124
Por se tratar de uma atividade no pátio externo, o contato com o acervo da BE também quase
não existiu.
Figura 34: Sessão de reapresentação dos livros lidos na Biblioteca Escolar da instituição A
Fotografia: a autora, 2018
125
A forma com a qual ocorreram essas atividades seguiu o mesmo perfil apresentado da
atividade de leitura e a professora 1 soube utilizar de forma eficiente o tempo disponível.
Assim, durante cerca de 25 minutos, ela se concentrou na atividade de leitura, sem perder
tempo com conversas sem relevância.
Percebemos durante a reapresentação dos livros já lidos, alguns eram bem conhecidos
e de muito boa qualidade literária como como é o caso das obras intituladas Bocejo (de Ilan
Brenman e Renato Moriconi) e Quem soltou um pum? (de Blandina Franco e José Carlos
Lollo), por exemplo. Outros, porém, com uma qualidade notadamente inferior, como Pepa
Pig: o carro novo (Neville Astley) e Bibi fala em público (de Alejandro Rosas).
A professora 1 iniciava a atividade perguntando as crianças se elas lembravam da
história e o que havia chamado a atenção delas. Contudo, poucas conseguiam dar esse feed-
back. Muitas já não lembravam mais das histórias e outras lembravam muito pouco. O
momento em que cada criança foi solicitada a escolher uma obra para realizar uma leitura
individual pareceu bem mais proveitoso do que o primeiro, pois as crianças se sentiram mais
envolvidas. Tal observação reforça a importância da introdução de mais ações que
possibilitem maior liberdade para as crianças e autonomia de acesso ao acervo como vimos
nesta proposta da professora 1.
Outra atividade que envolveu a BE da instituição A foi a distribuição de kits de
livros de literatura comprados pela PCR para as crianças, já comentada anteriormente.
Tratava-se de uma das ações do Programa Brinqueducar para as crianças de 0 a 5 anos. Esta
foi a única atividade da BE vinculada a algum projeto maior da escola e como também já
mencionamos aqui, o envolvimento da professora de biblioteca deixou a desejar. Por fim,
vale mencionar que ambas as atividades contemplam prioritariamente o papel de formar
leitores.
Uma outra atividade igualmente relacionada à formação de leitores e observada uma
única vez, neste caso na instituição B foi a contação de história. Cabe ressaltar que esta
atividade é aqui considerada segundo a concepção de Cosson (2014, p. 112), para quem a
contação...
[...]Embora seja usada há bem mais tempo com a função de acalmar e
entreter a criança, contemporaneamente se reconhece na contação de
histórias uma forma privilegiada de ampliação do vocabulário, relação com o
impresso, estímulo à imaginação, desenvolvimento da criatividade e do
senso crítico, incorporação de modelos narrativos, incentivo à leitura,
promoção de valores e crescimento emocional, além de funcionar como
ponto de partida ou ligação entre conteúdos programáticos.
126
assistir umas das formações junto a Fundação Joaquim Nabuco, de forma a fazê-la entender e
tornar ainda mais consensual entre todos a importância da BE na dinâmica da instituição e no
desenvolvimento de práticas pedagógicas inovadoras.
Gestora da instituição A: [...] elas [refere-se as professoras 1 e 2 da BE]
continuam assim, querendo se superar. Então elas fizeram um trabalho na
Fundaj, e solicitaram de mim, que eu as dispensassem para elas fazerem um
trabalho de formação na Fundaj. E eu imediatamente, claro. Só que elas
também me inscreveram. Porque o preço pra elas fazerem esse curso, era
que eu também fizesse, e eu não sabia, e eu não tinha outra pessoa na
secretaria pra me ajudar. Era eu, quando eu não estava, não tinha. Só a
coordenadora pedagógica, que já fica sobrecarregada com o trabalho. Então
eu evito sempre o máximo dar mais trabalho pra ela. E aí, eu tinha que ir. Aí
eu fiquei rindo, aí elas acharam que eu não ia fazer esse sacrifício porque
seria complicado. Mas aí, a gente tem um trabalho, como eu disse, de
parceria muito bom e tudo que eu pudesse fazer pra incentivar ainda mais o
trabalho delas, seria maravilhoso. (Transcrição de trecho da entrevista
realizada com a Gestora da instituição A, 13/12/2018).
Um outro dado que nos parece relevante é que apenas uma entre as quatro professoras
entrevistadas na instituição A afirmou frequentar a biblioteca com seu grupo de crianças além
do horário determinado para o trabalho com a professora de biblioteca.
Todas elas também pontuaram o fato da professora 1 da BE selecionar livros do
acervo e disponibilizá-los na sala dos professores de acordo com as temáticas desenvolvidas
na instituição. Selecionamos o trecho da entrevista com a professora do Grupo 1 sobre esse
tópico:
O comentário acima demonstra que mesmo que as professoras dos diferentes grupos
de crianças não visitem a BE, a professora 1 tenta garantir, que seu acervo chegue até elas. A
ação de selecionar determinados materiais (livros) e colocá-los a disposição dos professores
contempla ainda o papel da pesquisa atribuído às biblioteca, bem como serve para renovar
acervo disponível nas salas das crianças.
Na instituição B, como as professoras dos diferentes grupos de crianças estavam na
instituição apenas no turno da manhã e a professora 3 estava presente apenas no turno da
tarde, não havia um contato direto entre elas. Segundo a professora 3, ela pedia que a
coordenadora pedagógica fizesse uma ponte com as professoras de sala no turno da manhã.
Tal ponte, porém, não se concretizou, pelo menos durante a coleta de dados para a pesquisa,
conforme já pontuamos acima. É lamentável, portanto, evidenciar que a BE da instituição B
ficava sem uso no horário da manhã, mesmo quando existe uma professora de biblioteca na
escola. Uma das professoras, que entrou na unidade em 2011, disse que nunca presenciou
atividades realizadas nesse espaço envolvendo as crianças. Ela também diz desconhecer a
dinâmica da BE no turno da tarde.
[...] Eu nunca vou só a biblioteca, até porque eu tenho um certo receio. Eu
sempre vou com a turma, e quando eu consigo ir, é com a turma e o ADI
junto. Eu sozinha não, eu não tenho essa prática, não. Mas assim, às vezes
que eu tento ir, é muito difícil. Sempre tem aquela história que, às vezes, a
chave, não encontra a chave, vai procurar a chave. Assim, eu percebo que é,
de certa forma, tanto a coordenação quanto a direção é como se não
quisessem que o professor fosse até a biblioteca. Bom, eu percebo isso. Eu
não sei se é isso de fato. Mas assim, sempre tem mil e um entraves. Aí a
pessoa também se cansa, né? Você fica, sei lá. Assim, você fica, poxa, o que
é que tem que a gente não pode levar essas crianças. É muito difícil. [...]
Pelo menos pra mim é um achado o dia que a gente consegue ir à biblioteca.
133
A questão é como dar esse apoio, ou seja, como interagir com as crianças de forma respeitosa
de seus direitos e necessidades. Sabemos que essa é uma questão complexa que também tem
relação com as condições de trabalho oferecidas para os ADIs, porém, pareceu-nos importante
trazer essas observações já que certamente esse problema precisa ser enfrentado por todo
grupo da instituição, até porque essa forma de se relacionar com as crianças não deve ocorrer
apenas no espaço das BEs.
Por fim, chegamos a um ponto crucial quando se trata de crianças na Educação
Infantil, qual seja as interações desenvolvidas com as famílias das crianças envolvendo as
BEs. A esse respeito, porém, não registramos, no período de observação, qualquer contato das
professoras da BE nessa direção. Apesar disso, durante a entrevista com as professoras da
instituição A foram relatadas algumas situações de interação. Assim, de acordo com a
professora 1:
isso ocorre, não seria responsabilidade das professoras 1 e 2, tentar engajar as famílias nas
atividades desenvolvidas na BE?
Aliás, essa percepção da professora 2, não era compartilhada pela professora 1. Para
essa docente, havia, sim, uma procura de livros por parte das famílias, embora ela também
não tenha assumido o protagonismo dessa ação, como podemos ver no fragmento de sua
entrevista abaixo:
Uma outra ação em que a professora 1 afirmou haver o envolvimento das famílias
consistia, na verdade, em uma atividade desempenhada por toda a instituição. No trecho
abaixo, ela comenta sobre o projeto dos autores que consistia na apresentação e leitura de
livros, na BE e nas salas das crianças, de um autor escolhido. Nesse projeto também havia
uma exploração do autor, como no caso de Lenice Gomes, que foi convidada a visitar a
creche.
Figura 35: Cartaz com fotos da visita da autora Lenice Gomes. Atividade conduzida pela Professora 1,
da BE da instituição A.
Fotografia: a autora, 2018
Figura 36: Mural elaborado por P3 com atividades desenvolvidas por ela na instituição B
Fotografia: a autora, 2018
Essa é uma forma interessante de interação com as crianças e também com as famílias,
pois, segundo Gandini (2016, p. 146), “é um modo de transmitir aos pais, aos colegas e aos
visitantes o potencial das crianças, suas capacidades em desenvolvimento e o que ocorre na
escola” (no nosso caso, o que ocorre na “BE”). Além disso, essas exposições também
contribuem para o crescimento profissional das professoras, ajudando-as a avaliar os
“produtos” de suas ações.
138
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
140
evidencia-se certa falta de clareza sobre o papel, especificidades e potenciais de uma BE, em
especial, uma biblioteca em instituições de Educação Infantil. Neste sentido, percebemos a
necessidade de maior investimento nas formações realizadas pelo PMBFL.
Seria importante buscar um equilíbrio entre os diferentes papeis atribuídos a BE, pois
ficou evidente que ações visando a formação de leitores eram bem mais frequentes. Assim,
atividades que contemplassem prioritariamente o papel cultural e o informacional não fizeram
parte do dia a dia das duas bibliotecas.
Ainda sobre as atividades, notamos que a forma como eram conduzidas por cada
professora influenciava diretamente a qualidade das vivências e da significação atribuída a
esses momentos pelas crianças. Nesse contexto, observamos que a professora 1, apesar de ter
recorrido a uma diversidade menor de atividades, conseguiu momentos de mais qualidade nas
interações com as crianças. A referida professora aproveitou bem o tempo, escolheu bons
recursos, conseguiu engajar as crianças nas atividades, fez boas perguntas sobre os livros que
lia colaborando para a construção de sentidos e a formação leitora das crianças.
Consideramos que sua trajetória profissional anterior como professora de Educação Infantil e
seu tempo de experiência neste segmento tenha forte influência nos aspectos positivos
ressaltados aqui.
A professora 2, por sua vez, apresentou muitos desafios na condução das atividades
junto às crianças e às famílias. Possivelmente, essas lacunas denotam seu conhecimento ainda
incipiente sobre o campo da Educação Infantil e sobre a BE, assim como indicam a urgência
de um trabalho sistemático de formação continuada que atenda às necessidades de formação
de profissionais para atuar em BEs.
Por fim, a professora 3 pareceu se identificar muito com o espaço da BE. Percebemos
que ela conseguiu diversificar as atividades e os espaços onde elas aconteciam, articulando-as
a uma temática e variando os recursos utilizados. Entretanto, ao analisar qualitativamente as
atividades conduzidas pela profissional, percebemos que essa maior diversificação de
propostas nem sempre esteve associada a uma melhor qualidade nas interações com as
crianças. A esse respeito, entendemos que o excesso de exigência de silêncio e de contenção
do movimento das crianças fazia com que elas não se engajassem no que era proposto. Como
consequência, a atividade se tornava pouco ou nada significativa para as crianças.
Os dados de observação das práticas das três professoras de biblioteca mostram
claramente que quando as crianças podem participar mais ativamente das atividades, se
sentem mais motivadas, mais livres para circular e acessar o acervo, as atividades propostas
parecem fluir melhor e tendem a ganhar maior significado para os pequenos.
143
No nosso entender, a BE, além de oferecer acesso a uma maior quantidade e variedade
de livros, deve ser um lugar em que as crianças podem expressar sua curiosidade e estreitar
seu contato com os livros no seu ritmo e sem atividades predeterminadas, explorando de
forma mais livre o universo da leitura, seja em conjunto ou solitariamente (PATTE, 2012)
contando com a presença de um mediador disponível para ler e oferecer livros.
Poucas vezes, porém, essa possibilidade foi evidenciada nas BEs participantes do
estudo, seja nas falas das professoras de biblioteca, seja nas atividades e interações
observadas. Por isso, percebemos que ainda há um longo caminho a ser trilhado para que
meninos e meninas de zero a cinco anos tenham garantido o direito de acesso pleno e
qualificado a esse espaço cultural, sem dúvida, fundamental para combater as injustiças
sociais a partir da democratização do acesso à cultura letrada das crianças e das suas famílias
(CASTRILLÓN, 2011).
Observamos, por fim, a necessidade de políticas públicas locais e federais que
garantam: (1) a construção de espaços de bibliotecas adequados para acomodarem o
mobiliário, além das crianças e dos adultos; (2) a distribuição de acervos e de materiais de
qualidade com reposição periódica, já que os principais frequentadores desse espaço tratam-se
de crianças pequenas que ainda estão aprendendo o significado do objeto livro; e (3)
formação de profissionais com uma identidade definida e uma compreensão clara sobre seu
papel, além de conhecimento sobre a educação de crianças menores de cinco anos. Também
se requer desse profissional uma disponibilidade de tempo e de interesse para conhecer o
acervo, identificar as demandas da instituição, se articular com as demais educadoras, se
integrar na dinâmica da escola e, finalmente, buscar engajar as famílias em atividades na BE,
algo essencial, no caso da Educação Infantil.
Essa formação, no nosso entender, deve ser interdisciplinar, contemplando
conhecimentos pedagógicos com os da biblioteconomia e das ciências da informação. Deve
ser também mais geral, para toda a rede, envolvendo seus educadores e gestores e mais
específica, voltada para os profissionais que atuam nas bibliotecas. Deve tratar-se ainda de
uma formação que ajude a compreender a BE como espaço cultural, voltado à formação de
leitores e ao desenvolvimento de competências informacionais, sendo essencial à etapa da
Educação Infantil. Afinal, conforme afirma Patte (2012, p. 329):
As bibliotecas para crianças abrem um caminho, quando se definem como
uma comunidade humana, plena e inteira. Lugar de encontro de uma grande
riqueza, elas se abrem largamente às diferentes gerações e aos diferentes
modos de informação, saber e lazer. Em seus diferentes suportes, todas as
artes, como a literatura, a música e o cinema se oferecem às crianças.
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REFERÊNCIAS
Páginas na internet:
Dicionário Aurélio On-line de Português. [online] Disponível em:
<https://dicionariodoaurelio.com/>. Acesso em: 10 de jan de 2018.
Glossário Ceale: termos de alfabetização, leitura e escrita para educadores. [online]
Disponível em: <http://www.ceale.fae.ufmg.br/app/webroot/glossarioceale/>. Acesso em: 7
de fev de 2018.
Projeto Espantapájaros. [online] Disponível em: <http://espantapajaros.com/>. Acesso em: 10
de mar de 2018.
Rede Releitura: bibliotecas comunitárias em rede. [online] Disponível em:
<https://releiturape.wordpress.com/>. Acesso em: 8 de set de 2017.
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APÊNDICE A
APÊNDICE B
Dados de identificação: Nome, idade, formação inicial e pós-graduação, tempo em que atua
como professora biblioteca, experiência docente antes de assumir o trabalho na BE?
APÊNDICE C
APÊNDICE D
APÊNDICE E
APÊNDICE F
miando.
O livro Os dez amigos, de autoria de escritor e ilustrador Ziraldo,
contam a história humorada do encontro dos dez dedos de cada uma
das mãos. A partir de uma brincadeira entre os próprios dedos, o autor
revela os nomes culturalmente atribuídos a eles. O referido livro foi
lido para o berçário, grupos 1, 2 e 3a, em sessões de mediação de
leitura na BE, sem articulação a projeto algum. P1 utilizou ainda como
recurso durante a leitura um piloto preto para fazer rostinhos nos
dedos das crianças.
ANEXO A
ANEXO B
ANEXO C
ANEXO D