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Biblioteca Escolar: Espaços, Acervos, Atividades e Interações Na Educação Infantil

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

Lis de Gusmão Lino

BIBLIOTECA ESCOLAR: ESPAÇOS, ACERVOS,


ATIVIDADES E INTERAÇÕES NA EDUCAÇÃO
INFANTIL

Recife
2019
1

LIS DE GUSMÃO LINO

BIBLIOTECA ESCOLAR:
ESPAÇOS, ACERVOS, ATIVIDADES E INTERAÇÕES NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Dissertação de Mestrado apresentada ao


Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Federal de Pernambuco, como
requisito para obtenção do título de Mestre em
Educação.

Área de concentração: Educação

Orientadora: Profª. Drª. Ana Carolina Perrusi Alves Brandão

Recife
2019
Catalogação na fonte
Bibliotecário Amanda Ganimo, CRB-4/1806

L758b Lino, Lis de Gusmão.


Biblioteca escolar: espaços, acervos, atividades e interações na
educação infantil/ Lis de Gusmão Lino. – Recife, 2019.
167 f. : il.

Orientadora: Ana Carolina Perrusi Alves Brandão


Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Pernambuco, CE.
Programa de Pós-graduação em Educação, 2019.
Inclui Referências e Apêndice

1. Bibliotecas escolares. 2. Biblioteca infantil. 3. Práticas de leitura.


4. UFPE - Pós-graduação. I. Brandão, Ana Carolina Perrusi Alves
(Orientadora). II. Título.

027.8 (23. ed.) UFPE (CE2019-075)


3

LIS DE GUSMÃO LINO

“BIBLIOTECA ESCOLAR: ESPAÇOS, ACERVOS, ATIVIDADES E INTERAÇÕES NA


EDUCAÇÃO INFANTIL”

Dissertação apresentada ao Programa de


Pós-Graduação em Educação da
Universidade Federal de Pernambuco,
como requisito parcial para a obtenção do
título de Mestre em Educação.

Aprovada em: 30/08/2019.

BANCA EXAMINADORA

Prof.ª Dr.ª Ana Carolina Perrusi Alves Brandão (Orientador/a)


Universidade Federal de Pernambuco

Prof.ª Dr.ª Ester Calland de Sousa Rosa (Examinadora Externa)


Universidade Federal de Pernambuco

________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Andréa Tereza Brito Ferreira (Examinadora Interna)
Universidade Federal de Pernambuco
4

Dedico esta dissertação às crianças do nosso país, que


merecem um espaço como a Biblioteca Escolar para
experimentarem leituras, informações e cultura. Também
dedico a minha irmã, Yasmin, que, ao passar corajosamente,
pelo tratamento de quimioterapia me mostrou que podemos
ser bem mais fortes do que pensamos; e ao meu avô que
partiu no processo de conclusão deste trabalho.
5

AGRADECIMENTOS

Agradeço, antes de tudo e de todos, à Deus, por ter se feito presente, incitando sabedoria,
força e coragem!
Esta dissertação foi construída com muita luta e superação de obstáculos, seja de ordem
pessoal ou política. Apesar de ser de minha autoria, sob os olhares atentos de minha
orientadora, Carol, considero-a como resultado de um trabalho coletivo, pois muitas pessoas
foram essenciais nessa construção.
Assim, devo agradecer...
Aos meus pais, Simone Lino e Geraldo Lino, que me proporcionaram as condições e a alegria
para tudo na vida.
À professora Ana Carolina Perrusi, por sua leitura minuciosa, pelo seu acolhimento, parceria,
compreensão, incentivo e ensinamentos ao longo desses dois anos e meio.
À professora Ester Rosa pelas contribuições desde a graduação até o momento final dessa
dissertação.
À professora Andrea Brito pela participação na banca de qualificação e defesa desse trabalho.
Às professoras de bibliotecas que, mesmo em meio a tantos desafios, abriram as portas de
seus espaços de trabalho. Receberam-me de coração aberto e com imensa alegria por estarem
contribuindo com a discussão sobre Biblioteca Escolar em instituições de Educação Infantil.
Às instituições onde realizei a coleta de dados.
Aos meus colegas da turma 35 do curso de Mestrado do Programa de Pós-graduação em
Educação da Universidade Federal de Pernambuco.
Aos professores e funcionários do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade
Federal de Pernambuco.
À Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco pela bolsa de
estudos concedida.
Às amigas Danielle, Jéssica, Priscila e Morgana que sempre estiveram presentes nos
momentos difíceis e ajudaram a tornar essa tarefa mais leve.
Às minhas irmãs, Lua e Yasmin, pelo convívio e amor diários.
À Matheus pelo toque artístico do convide da defesa dessa dissertação.
À tia Ana pelas trocas de conhecimentos tão fundamentais nesse processo.
À amiga Juliana Lima pelas orientações e leituras desde o PIBIC.
À Luísa, minha pequena, que me ensina diariamente sobre o “olhar” das crianças.
6

E, ao meu marido e companheiro, Otávio Santos, pelas orientações, leituras, sugestões,


conversas, vinhos, músicas, poesias e, sobretudo, pelo amor que me preencheu durante todo
esse tempo.
Não foi fácil... Mas chegamos ao fim, ou a um novo começo!
7

A biblioteca, para que siga existindo hoje, é chamada a se transformar [...] A


biblioteca não pode ser um lugar confinado. Ela está em toda parte, lá onde,
em torno de um adulto que desperta as curiosidades e as inteligências, as
crianças vivem belas relações com os livros. A biblioteca se abre a todas as
gerações, ela se torna parte da família. Mas a infância tem, aí, um lugar
especial. Sempre com o livro. Todas as artes, assim como a internet, devem
estar presentes. O que permanece sendo especial, é a mediação humana [...]
É assim que a criança pode sair das trilhas estreitas e repisadas para ousar a
aventura da leitura (PATTE, 2012, p. 14)
8

RESUMO

A presente pesquisa buscou conhecer e analisar o papel da Biblioteca Escolar, identificando


características que denotem possíveis especificidades desse espaço em instituições de
Educação Infantil. Para tanto, foram considerados os seguintes itens: (1) a organização do
espaço dessas Bibliotecas Escolares; (2) os acervos e sua disposição; (3) as atividades
propostas e as interações envolvendo as professoras das bibliotecas, as crianças, as demais
educadoras e as famílias. Para fundamentar a pesquisa, apoiamo-nos em autores que têm
refletido e pesquisado sobre a Biblioteca Escolar (Campello, 2003; Hillesheim e Fachim,
1999; Riter, 2009) e, em especial, as particularidades desse espaço quando destinado à
crianças de 0 a 5 anos (Patte, 2012; Reyes, 2008; Parreiras, 2011; Baptista et al, 2016). Os
procedimentos metodológicos envolveram a observação de dez dias do trabalho conduzidos
por três professoras que atuavam em duas bibliotecas da rede municipal de ensino da cidade
do Recife/PE, uma situada em uma Creche e a outra em um Centro Municipal de Educação
Infantil/ CMEI. Também foram realizadas entrevistas com as três professoras, assim como
com as gestoras, coordenadoras pedagógicas e demais professoras das crianças das duas
instituições participantes. Para exploração das observações e tratamento das entrevistas
seguimos as etapas de análise de conteúdo, propostas por Bardin (2016). Partindo dessa
abordagem foram definidas três grandes categorias de análise: “espaço”, “acervo” e
“atividades e interações”. A pesquisa apontou a escassez de bibliotecas em Creches e CMEIs,
bem como de profissionais responsáveis por esse espaço. No caso do presente estudo, “as
professoras de biblioteca” eram docentes readaptadas de função por problemas de saúde, o
que demonstra a fragilidade na definição de uma identidade profissional para esse cargo. Em
relação ao espaço físico, consideramos que as especificidades das crianças de zero a cinco
anos nem sempre plenamente atendidas, já que a biblioteca da Creche ocupava um espaço
muito pequeno e tinha um mobiliário que não facilitava o acesso das crianças aos livros; a
biblioteca do CMEI, por sua vez, dispunha de uma quantidade excessiva de móveis, o que
comprometia a circulação das crianças e um espaço livre para realizar atividades de leitura
para todo o grupo. Os acervos das duas bibliotecas eram constituídos de livros de literatura de
boa qualidade. Porém, não havia livros informativos e nem sempre as obras eram adequadas à
faixa etária das crianças, sobretudo, na Creche. Um outro problema observado foi a falta de
reposição dos acervos. A atividade mais frequentemente observada nas bibliotecas das duas
instituições foi a leitura de livros literários para as crianças, evidenciando-se, portanto, raras
ações voltadas para as funções culturais e informacionais. Notamos ainda pouco tempo para
9

que as crianças folheassem os livros livremente na biblioteca, bem como a ausência de


atividades envolvendo as famílias neste espaço. A forma como as atividades eram conduzidas
pelas professoras, bem como a qualidade das interações observadas na prática de cada uma
delas se mostraram bastante diferenciadas e associadas as suas distintas trajetórias
profissionais. Concluímos este trabalho ressaltando a necessidade de políticas públicas que
visem a implantação e a melhoria do espaço físico das Bibliotecas Escolares em unidades de
Educação Infantil, a distribuição de acervos e demais materiais, bem como de formação dos
profissionais que atuam nesses espaços. Nessa direção, consideramos fundamental construir
na comunidade escolar uma compreensão clara sobre as possibilidades de atuação da
biblioteca para crianças pequenas, a partir de ações voltadas à formação de leitores, a
ampliação de experiências culturais e o desenvolvimento da competência informacional.

Palavras-chave: Biblioteca Escolar. Biblioteca Infantil. Práticas de leitura.


10

ABSTRACT

The present research sought to know and analyze the role of the School Library identifying
characteristics that denote possible specificities of this space on institutions of child
education. Therefore were considered the following items: (1) the space organization of these
school libraries; (2) the holdings and their disposition; (3) the proposed activities and the
interactions involving libraries' teachers, the children, other educators, and the families. To
substantiate the research, we rely on authors that reflected and researched about the School
Library.(Campello, 2003; Hillesheim and Fachim, 1999 ; Riter, 2009) and especially, the
particularities of this space when intended for children from zero to five years old ( Patte,
2012; Reyes, 2008; Parreiras, 2011; Baptista et al, 2016). The methodological procedures
involved the observation of ten working days conducted by three teachers which worked in
two libraries of the municipal school system of Recife / PE, one of them located in a
kindergarten and the other in a Municipal Center of Child Education / CMEI. Also were
realized some interviews with the three teachers, as well as the managers, pedagogical
coordinators, and the other teachers from children's participating institutions. For exploration
of the observations and treatment of the interviews we follow the steps of content analysis
proposed by Bardin (2016). Starting from this approach were defined three great categories of
analysis: "space", " holding", and " activities and interactions". The research pointed lack of
libraries in kindergartens and CMEIs, as well as professionals responsible for this space. In
the case of the present study the "teachers of the library" readjusted teachers by health
problems, what demonstrates the fragility's definition of a professional job identity. Regarding
physical space, we considered that the specificities of children from zero to five years old not
always fully met, since the kindergarten library occupied a very small space and had a
furniture that didn't make easy the children's access to books; the Library of CMEI, in turn,
had too much furniture, what compromised the circulation of children in a free space to
realize reading activities for all the group. The holdings of the libraries were made up of
literature books of good quality. However there were no informative books and not always the
works were appropriated to the age group of the children, especially in the kindergarten.
Another observed problem was the lack of holding's replacement. The activity most
frequently observed in the libraries of two institutions was the reading of literary books for
children, thus evidencing rare actions focused to cultural and informational actions. We
noticed a little time to children could peruse the books freely in the library, as well as lack of
activities involving families in this space. The way how activities were conducted by the
11

teachers, as well as the quality of interactions observed in the practice of each of them showed
very distinguished and associated to their different professional careers. We complete this
assignment emphasizing the need of public policy aimed at the implementation and
improvement of the school libraries' physical space in child education units, the distribution of
holdings and other materials as well as training of the professionals that work in these spaces.
In this direction, we considered fundamental build in the school community a clear
comprehension about the possibilities of working in the library to small children, from actions
focused on readers training, the enlargement of cultural experiences and the development of
the international competence.

Keywords: School Library; Child Library; Reader practices.


12

LISTA DE FIGURAS

Figura 01: Yolanda Reyes em uma atividade de mediação, em Casa de la Literarura,


em Lima, Peru.................................................................................................................. 53
Figura 02: Bebeteca da Faculdade de Educação da Universidade Federal Minas
Gerais............................................................................................................................... 53
Figura 03: A biblioteca da instituição "A"....................................................................... 65
Figura 04: Aspectos da biblioteca da instituição "B"...................................................... 66
Figura 05: Espaço livre destinado às atividades da BE da instituição A......................... 76
Figura 06: Espaço livre destinado às atividades da BE da instituição B......................... 76
Figura 07: Interior do armário que acomoda o acervo da BE da instituição A............... 77
Figura 08: Mobiliário que acomoda o acervo da BE da instituição B............................. 77
Figura 09: Espaço destinado às atividades técnico-administrativas da BE da
instituição B..................................................................................................................... 78
Figura 10: Ligação elétrica de equipamentos da BE da instituição A............................. 80
Figura 11: Janelas e iluminação na BE da instituição A.................................................. 81
Figura 12: Janelas e iluminação na BE da instituição B.................................................. 82
Figura 13: Expositor de livros da BE da instituição A.................................................... 83
Figura 14: Caixotes para colocar livros da BE da instituição A...................................... 84
Figura 15: Prateleira da BE da instituição A................................................................... 84
Figura 16: Armários da BE da instituição........................................................................ 85
Figura 17: Mesas da BE da instituição B......................................................................... 86
Figura 18: Expositores da BE da instituição B................................................................ 87
Figura 19: Estante dupla e alta fixada na parede da BE da instituição B........................ 88
Figura 20: Armário superior, nichos, armário com porta expositora e estantes da BE
da instituição B................................................................................................................ 88
Figura 21: Armário com portas da BE da instituição B................................................... 89
Figura 22: Nichos e prateleiras de parede da BE da instituição B................................... 89
Figura 23: Materiais da BE da instituição A.................................................................... 91
Figura 24: Sacolas do Brinqueducar na BE da instituição A........................................... 91
Figura 25: Reorganização da BE da instituição A........................................................... 92
Figura 26: Jogos e brinquedos da BE da instituição B.................................................... 93
Figura 27: Jogos da BE da instituição B.......................................................................... 93
Figura 28: Revistas utilizadas para recorte que se encontravam na BE da instituição A 95
Figura 29: Expositor da Biblioteca escolar da instituição A............................................ 97
Figura 30: Estante com títulos e seus exemplares todos agrupados................................ 98
Figura 31: Atividade de mediação realizada na BE da instituição B............................... 111
Figura 32: Preparação do espaço para mediação de leitura na instituição B.............................. 111
Figura 33: Sessão de leitura livre realizada na Biblioteca Escolar da instituição B........ 115
Figura 34: Sessão de reapresentação dos livros lidos na Biblioteca Escolar da
instituição A..................................................................................................................... 124
Figura 35: Cartaz com fotos da visita da autora Lenice Gomes. Atividade conduzida
pela Professora 1, da BE da instituição A........................................................................ 137
Figura 36: Mural elaborado por P3 com atividades desenvolvidas por ela na
instituição B..................................................................................................................... 137
13

SUMÁRIO

1 Introdução................................................................................................... 14
2 Pressupostos teórico-conceituais............................................................... 19
2.1 A Biblioteca Escolar.................................................................................... 20
2.1.1 Biblioteca Escolar no Brasil......................................................................... 25
2.1.2 Os papéis educativos da Biblioteca Escolar................................................. 33
2.1.3 Como seria uma boa Biblioteca Escolar? .................................................... 36
2.2 A Biblioteca Escolar na Educação Infantil................................................ 41
2.2.1 Por que bibliotecas para crianças de 0 a 5 anos?.......................................... 41
2.2.2 Como seria um bom espaço de leitura, informação e cultura para crianças
de 0 a 5 anos?............................................................................................... 50
2.2.3 A presença das famílias na Biblioteca Escolar para crianças pequenas....... 56
3 Percurso metodológico............................................................................... 59
3.1 Escolha das bibliotecas escolares, caracterização destes espaços e de
seu pessoal................................................................................................... 60
3.1.1 Breve caracterização das bibliotecas observadas......................................... 64
3.1.2 As professoras de biblioteca......................................................................... 66
3.2 Procedimentos metodológicos e categorias de análise............................... 69
3.2.1 Procedimentos de coleta dos dados.............................................................. 70
3.2.2 Procedimentos de análise dos dados e construção das categorias................ 71
4 Resultados e discussão................................................................................ 74
4.1 Os espaços, materiais e acervos das bibliotecas escolares......................... 75
4.1.1 O que dizer dos elementos estruturais?........................................................ 75
4.1.2 O que dizer do mobiliário?........................................................................... 82
4.1.3 O que dizer dos materiais?........................................................................... 90
4.1.4 O que dizer dos acervos?.............................................................................. 93
4.2 As atividades e as interações nas bibliotecas escolares.............................. 99
4.2.1 A rotina nas bibliotecas da Creche e do CMEI............................................ 100
4.2.2 Ações da BE em outros espaços da escola................................................... 101
4.2.3 Atividades na Biblioteca Escolar mencionadas pelas professoras nas
entrevistas..................................................................................................... 103
4.2.4 Atividades e interações observadas na Biblioteca Escolar com as crianças 107
4.2.5 Atividades e interações envolvendo gestoras, demais educadoras e as
famílias das crianças..................................................................................... 127
5 Considerações finais................................................................................... 139
Referências.................................................................................................. 145
APÊNDICE A - Roteiro de observação da Biblioteca Escolar............... 151
APÊNDICE B - Roteiro de entrevista - professora da Biblioteca
Escolar......................................................................................................... 153
APÊNDICE C - Roteiro de entrevista - demais professoras.................. 154
APÊNDICE D - Roteiro de entrevista - Equipe Gestora........................ 155
APÊNDICE E - Quadro de análise: atividades nas Bibliotecas............. 156
APÊNDICE F - Livros utilizados pelas professoras................................ 157
ANEXO A - Obras recebidas no ano de 2008 pela instituição A........... 160
ANEXO B - Obras recebidas no ano de 2012 pela instituição B............ 163
ANEXO C - Rotina da biblioteca escola da instituição A....................... 166
ANEXO D - Rotina da biblioteca escolar da instituição B..................... 167
14

1. INTRODUÇÃO
15

Qual o papel da Biblioteca Escolar (BE) na atualidade? E na realidade brasileira? Que


competências este espaço pode vir a desenvolver em uma sociedade que se organiza cada vez
mais “em rede” (CASTELLS, 1999), e em que a produção e a troca de informações têm se
tornado cada vez mais central? Está claro, conforme se verá mais adiante, que a BE se
constitui como espaço cultural voltado à formação de leitores e ao desenvolvimento de
competências informacionais. Contudo, estas habilidades parecem estar, prioritariamente,
associadas aos anos mais avançados de escolarização, em que, ao menos em tese, o processo
de alfabetização e usos sociais da leitura e da escrita já estão mais consolidados.
Diante disto, algumas questões podem ser colocadas sobre a função da BE. Seria
possível considerar usos e papéis sociais desse espaço também para crianças pequenas?
Assiste-se hoje ao crescente reconhecimento da Educação Infantil no Brasil como um direito
das crianças e dever do estado. Que funções, então, a BE poderia assumir nesta etapa? Seriam
as mesmas já citadas acima? Por que crianças menores de 5 anos, que ainda não leem,
visitariam uma biblioteca? Por que incorporar na rotina de Creches e Pré-escolas atividades
desenvolvidas neste local? Se, conforme o senso comum, a biblioteca é constituída como
lugar de silêncio, de estudo e com estantes a perder de vista, como ela poderia dialogar com
crianças pequenas? Estas perguntas nos fazem pensar sobre a relação entre as bibliotecas e a
Educação Infantil.
A Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2017) ressalta, no campo de
experiência intitulado “Escuta, fala, pensamento e imaginação”, a importância do contato das
crianças com a cultura escrita desde cedo. É sugerido, neste documento, a interação com os
diferentes gêneros que circulam socialmente e portadores textuais de modo que a atividade de
leitura seja incorporada à vida das crianças como fonte de prazer e informação. Partindo do
mesmo princípio, ao compartilhar suas experiências trabalhando em bibliotecas infantis na
França e em outras partes do mundo, Patte (2012) afirma que nestes espaços podem se
estabelecer elos fortes em torno da leitura. Segundo sua visão, a biblioteca oferece “encontros
com livros apaixonantes, comoventes, divertidos [...] que seria uma pena não topar com eles
no caminho” (PATTE, 2012, p. 13). Bonilla, Halfon e Lizarazu (2008), por sua vez,
argumentam sobre a importância das BEs e dos bibliotecários, ressaltando que ambos
contribuem muito para a formação de cidadãos da cultura escrita1. Em função disto,

1
“[...] pessoas que possam compreender diversos tipos de textos, localizar e diferenciar informações, compará-
las, participar de uma discussão, produzir textos em diferentes meios.” (BONILLA, HALFON E LIZARAZU,
2008, p. 10) (tradução nossa).
16

acreditam que mais do que um local para guardar acervos, a biblioteca deve oferecer
atividades e serviços, propostos por uma equipe capacitada.
Nessa perspectiva, consideramos que a BE pode se constituir como um lugar essencial
à primeira etapa do processo de escolarização, exercendo o papel de garantir às crianças
experiências significativas com práticas culturais, sobretudo, as que envolvem a leitura e a
escrita. Trata-se, portanto, de uma oportunidade para o cumprimento do direito da criança a
participar da cultura letrada. Em especial, para as de origem mais popular, uma vez que a
escola costuma oferecer para esse grupo o contato inaugural com o livro, a leitura e a
informação.
Em que pese a importância da BE e da cultura escrita desde a primeira infância dados
do Censo Escolar e do Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação (FNDE)
evidenciam, entretanto, que uma grande parte dos estabelecimentos escolares que possuem
bibliotecas não ofertam turmas no segmento da Educação Infantil. Ou seja, a presença de
bibliotecas parece estar relacionada à oferta de turmas nos anos finais do Ensino Fundamental
e Ensino Médio. De acordo com Censo Escolar de 2017, há salas de leitura ou BEs em 29,7%
das escolas municipais de Educação Infantil; 38,9% das escolas municipais de Ensino
Fundamental e 85,9% das escolas estaduais de Ensino Médio.
Outro fato que merece destaque em relação à garantia de BEs na Educação Infantil, é o
montante de investimento financeiro e a abrangência temporal do Programa Nacional da
Biblioteca na Escola (PNBE), instituído desde 1997. Conforme dados deste Programa (FNDE,
2018), apenas em 2008 as Pré-escolas (crianças entre 4 e 5 anos) passaram a receber livros do
PNBE e, mesmo assim, com um investimento notadamente inferior ao destinado para os
demais segmentos educacionais. E, somente em 2010, o PNBE ampliou a distribuição de
livros para as Creches (crianças de zero a 3 anos). Mesmo levando em consideração que a
quantidade de matrículas nos anos finais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio seja
maior do que nos demais segmentos, é importante ressaltar que a Educação Infantil passou 11
anos desassistida pelo PNBE em relação à distribuição de acervos de obras de literatura, de
pesquisa. Apesar disso, a iniciativa desse Programa representou, sem dúvida, um progresso
importante no que diz respeito ao acesso das crianças pequenas à diferentes fontes de leitura.
Porém, é preciso destacar que, além da distribuição de livros (fato que contempla o acesso),
aspectos como a qualidade e diversidade do acervo, sua organização, o espaço físico da
biblioteca e as práticas pedagógicas que nela acontecem também precisam ser considerados.
No Brasil, os incipientes esforços para garantir que crianças menores de 5 anos tenham
acesso à BEs não parece se refletir apenas na escassez de políticas públicas. Os programas de
17

pós-graduação, também parecem ter pouco interesse pela produção de conhecimento


científico sobre o tema. Na pesquisa bibliográfica realizada no banco de teses e dissertações
da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) entre os anos
2007 e 2018, encontramos apenas quatro estudos sobre BEs em instituições de Educação
Infantil (ver SILVA, 2014; AGUIAR, 2013; ALBUQUERQUE, 2013; DORNELLES, 2016).
Tais estudos serão resumidamente apresentados adiante, no item 2.2.1.
Documentos oficiais como a Base Nacional Comum Curricular/ BNCC (BRASIL,
2017) e o Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil/ RCNEI (BRASIL, 1998),
assim como a recente coleção Leitura e escrita na educação infantil (BRASIL, 2016), além de
diversos autores (MANTOVANI, 2014; PAIVA & SOARES, 2008; BAJOUR, 2012;
BRANDÃO & ROSA, 2010a e 2010b; BRANDÃO, 2011; REYES, 2010) apontam para a
importância da participação da criança, desde cedo, no universo da leitura e da escrita.
Entretanto, como vimos acima, quando se trata da discussão sobre bibliotecas para crianças
pequenas, percebemos uma produção ainda muito incipiente no nosso país. Fora do Brasil,
porém, alguns estudos vêm sendo desenvolvidos em países como França, Colômbia e
Espanha (ver, por exemplo, os trabalhos de PATTE, 2012; PETIT, 2008; REYES, 2008 e
ROBLES, 2015).
Visando ampliar a discussão sobre o referido tema na realidade nacional, nos
propomos aqui a conhecer e analisar o papel da BE, identificando características que denotem
possíveis especificidades desse espaço em instituições de Educação Infantil. Para isso,
selecionamos como objeto de investigação duas bibliotecas de instituições da rede municipal
de ensino da cidade do Recife/PE, buscando atingir os seguintes objetivos específicos:
(1) analisar a organização do espaço da BE em instituições de Educação Infantil;
(2) conhecer e analisar o acervo da BE e sua organização;
(3) identificar e analisar as atividades e interações observadas na BE envolvendo as
crianças, as famílias, as professoras e demais educadoras.
Neste sentido, na primeira parte deste trabalho, discutimos alguns temas que julgamos
relevantes ao debate sobre as BEs e suas funções. Inicialmente, abordamos, de forma mais
ampla, a biblioteca e sua presença em diferentes espaços sociais. Enfatizamos, em seguida, a
BE em particular e seu percurso histórico no Brasil, pontuando os marcos normativos e as
políticas públicas que têm proporcionado sua implementação nas escolas e seus usos atuais.
Buscamos elencar os diferentes papéis educativos e os elementos que caracterizariam uma BE
de boa qualidade. Por fim, ainda nesta primeira parte, defendemos a importância da biblioteca
para crianças pequenas, bem como discutimos sobre alguns requisitos essenciais para a
18

constituição de BEs em instituições de Educação Infantil, destacando a importância da


participação das famílias.
Na segunda parte discorremos sobre o processo de escolha das bibliotecas, em que
apresentamos brevemente o contexto das BEs na rede municipal do Recife e o Programa
Manuel Bandeira de Formação de Leitores (PMBFL)2. Caracterizamos as duas instituições
escolares participantes desse estudo (um Centro Municipal de Educação Infantil - CMEI e
uma Creche), com ênfase no espaço das bibliotecas. Apresentamos o perfil profissional das
professoras que atuam nesse local, sendo duas da biblioteca da Creche e uma do CMEI..
Delimitamos o tipo de pesquisa como qualitativa e descrevemos os procedimentos
metodológicos utilizados no período de produção dos dados: observação e entrevista.
Especificamos ainda os procedimentos de análise, apresentando as categorias e subcategorias
que nortearam a discussão dos dados produzidos.
A terceira parte está subdividida em duas seções e refere-se aos resultados e discussão
do que foi encontrado. Primeiro abordamos os espaços, os materiais e os acervos das duas
bibliotecas observadas. Em seguida, analisamos as atividades que as bibliotecas,
representadas por suas professoras, propõem, bem como as interações observadas no
desenvolvimento dessas atividades envolvendo as crianças, as gestoras, demais educadoras e
as famílias.
Por fim, tecemos algumas considerações sobre toda a discussão feita nesta dissertação,
assim como indicamos algumas possibilidades para avançar diante da realidade encontrada.

2
O referido programa trata-se de uma política local criada em 2006 que, apesar de sofrer inúmeras mudanças,
desenvolve atualmente um trabalho de formação continuada destinado aos professores de biblioteca do referido
município.
19

2. PRESSUPOSTOS
TEÓRICO-CONCEITUAIS
20

2.1 A Biblioteca Escolar

Quando se fala em biblioteca, geralmente, imaginamos estantes repletas de livros, em


algum espaço determinado, tal como posto nos verbetes do dicionário Aurélio: “1 - conjunto
de livros, manuscritos, etc. 2 - Sala ou edifício onde está essa coleção. [...].”. Porém, a
biblioteca pode ser concebida de modo mais amplo, considerando a abrangência de ações que
ela pode oferecer, bem como sua função primordial nos dias atuais: a de democratizar o
acesso à cultura, à informação, ao livro e à leitura.
Ao discutir sobre o direito à leitura e, em especial, à literatura, Castrillón (2011)
defende a elaboração de políticas de Estado que priorizem a melhoria da educação, investindo
na formação de professores e no acesso à bibliotecas. A autora alerta que o aumento nos
índices de leitura per capita não significa, necessariamente, que os livros estão mais acessíveis
e que a leitura tenha se tornado uma atividade mais frequente em todas as classes sociais. Ou
seja, o crescimento desses índices pode representar, na verdade, um aumento da diferença de
acesso ao livro, entre pessoas de diferentes classes sociais. Assim, no seu entendimento, só
uma maior oferta de bibliotecas, como espaços educativos e de participação, poderia permitir
o cumprimento do direito à leitura e à escrita, possibilitando uma verdadeira ‘inclusão’ de
todas as pessoas na cultura letrada, garantindo, ao mesmo tempo, o acesso à informação e à
cultura para todas as classes sociais.
Nem sempre, porém, a biblioteca assumiu a função que destacamos acima. Segundo
Milanesi (1985), na sua origem, a biblioteca estava muito mais relacionada à preservação dos
registros informacionais. Assim, segundo este autor, a partir do momento em que o homem
começou a gerar registros informativos, fez-se necessário preservá-los e organizá-los de modo
que fossem encontrados quando necessário. A trajetória da biblioteca está, portanto,
intimamente relacionada com a história do registro da informação.
Nas sociedades antigas, desde os assírios, sumérios e babilônios são encontrados
registros realizados em placas de argila, sendo eles agrupados em locais específicos. Séculos
mais tarde a utilização do papiro foi considerada um avanço na forma de produzir documentos
escritos, que também precisavam ser devidamente compilados e preservados. Depois, o
pergaminho passou a ser utilizado, inspirando a criação daquilo que mais tarde iríamos
chamar de livro. A difusão do papel no ocidente foi registrada no século XIV, tornando-se
uma forma menos onerosa de produzir materiais escritos. A reprodução desses materiais,
ocasionada principalmente pela criação da prensa móvel (dispositivo que pressiona uma
21

superfície com tinta, transferindo-a para uma superfície de impressão), no século XV,
popularizou ainda mais o acesso à escrita, que até então se restringia à igreja e aos cidadãos
mais abastados, ressignificando a função das bibliotecas (MILANESI, 1985).
Os livros deixaram de ser preciosidades dos monastérios ou das cortes, sendo cada vez
mais disponibilizados a outros setores da sociedade, possibilitando uma maior circulação de
ideias. Segundo Milanesi (1985), no decurso do século XX, houve um aumento significativo
no consumo de livros, de modo que esse material deixou de ser uma obra reconhecida por seu
valor simbólico, tornando-se uma mercadoria como outra qualquer, disposta ao consumo
dentro de um mercado competitivo. Daí decorre, inclusive, uma das grandes contradições do
atual sistema de produção e consumo da informação: o de possibilitar uma produção e difusão
jamais vista na história e, ao mesmo tempo, restringi-la para quem tem condições de pagar,
posto tratar-se de mercadoria.
Na última década do século XX, o incremento da tecnologia no setor da informação
provocou uma crise das bibliotecas, sobretudo, no tocante à sua função e seus papéis sociais.
A esse respeito, Castells (1999) afirma que, com o advento da “sociedade em rede”, o acesso
à informação tornou-se cada vez maior e cotidiano, tendo em vista sua disponibilidade sempre
crescente pelas inúmeras redes informacionais, em especial, a rede mundial de computadores.
Com a popularização do computador e da internet, há também uma ampliação do acesso ao
conhecimento e a biblioteca é novamente ressignificada.
Cada vez mais, bibliotecas de diferentes partes do mundo compartilham acervos em
meio remoto, e os seus espaços físicos comportam atividades que vão além da simples leitura
individual e silenciosa. De acervo físico local, a biblioteca tem ocupado também o
ciberespaço, enquanto se firma como centro difusor de informação e cultura. Essa dimensão
cultural foi reconhecida pelo Plano Nacional do Livro e da Leitura (PNLL)3, importante
política brasileira de incentivo à programas na área de formação de leitores. Em um trecho do
documento de apresentação dessa política, afirma-se que...
[...] A biblioteca assume a dimensão de um dinâmico polo difusor de
informação e cultura, centro de educação continuada, núcleo de lazer e
entretenimento, estimulando a criação e a fruição dos mais
diversificados bens artístico-culturais. Para isso, deve estar
sintonizada com as tecnologias de informação e comunicação,
suportes e linguagens, promovendo a interação máxima entre os livros
e esse universo que seduz as atuais gerações. (BRASIL, 2010, p.22)

3
É importante ressaltar que o governo atual, através do decreto 9.930 de 23 de julho de 2019, transferiu o Plano
Nacional do Livro e da Leitura para outro ministério, dissolvendo seu conselho consultivo o que, sob nosso
ponto de vista, representa um enfraquecimento dessa política.
22

Na sociedade atual encontramos diferentes tipos de bibliotecas que, segundo o Sistema


Nacional de Bibliotecas Públicas4, são determinados pelas pessoas que frequentam, pelos
profissionais que nelas trabalham, pelas funções sociais que possuem, pelas atividades que
desenvolvem e por sua vinculação institucional. Entretanto, perceber as características
particulares de cada tipo de biblioteca não é tarefa fácil, pois é necessário uma análise
cuidadosa dos aspectos acima elencados e a sensibilidade de avaliá-los, considerando que
cada realidade possui uma forma particular de organização e esbarra em outras variáveis
como falta de: recursos, capacitação de pessoal, concepção de biblioteca, entre outros.
As bibliotecas comunitárias, por exemplo, são comumente compreendidas como
espaços públicos de informação, geralmente, localizadas em bairros populares, na intenção de
suprir necessidades de informação, cultura e lazer dos grupos sociais ali existentes. Na
maioria das vezes, são criadas e mantidas por iniciativas da comunidade local e não possuem
financiamento público. Entretanto, Machado (2009), ao fazer uma análise sobre o conceito de
biblioteca comunitária, afirma que, por vezes, ela é vista como sinônimo de biblioteca
pública, tanto na academia, como fora dela. Com a intenção de clarear essas definições, a
referida autora apresenta um quadro comparativo entre diferentes tipos de bibliotecas que
consideramos pertinente abordar aqui.
Assim, de acordo com Machado (2009), as bibliotecas públicas possuem uma estrutura
vinculada a um órgão governamental e se fundamentam em um projeto cujas ações são
estabelecidas levando-se em consideração aspectos administrativos e burocráticos. Neste
sentido, sua legitimação se dá por leis governamentais; seu horário de funcionamento é
preestabelecido e, na maioria das vezes, não é (ou não pode ser) pautado nas demandas das
pessoas que a frequentam ou que gostariam de frequentá-la; a equipe interna, por sua vez, é
composta de funcionários da administração pública que possuem uma postura de dependência
e seguem uma hierarquia rígida. Já as bibliotecas comunitárias, mencionadas anteriormente se
fundamentam em projeto político social e possuem uma estrutura vinculada “a um grupo de
pessoas, podendo ou não ser parceira ou ter apoio de órgãos públicos e privados”
(MACHADO 2009, p.10). Nas bibliotecas comunitárias também são priorizadas as demandas
sociais e sua legitimação é de dada pelo grupo, sua equipe interna é geralmente composta
pelos próprios membros da comunidade, configurando, assim, uma hierarquia flexível com
mais autonomia em suas ações.

4
Disponível em: http://snbp.culturadigital.br/tipos-de-bibliotecas/. Acesso em: 01 de janeiro de 2018.
23

Além da biblioteca pública e a comunitária, encontramos ainda a biblioteca de sala de


aula e a biblioteca escolar (BE), foco da presente pesquisa. A primeira é compreendida como
“uma pequena biblioteca de trabalho e de estímulo cujo acervo reduzido permite uma
apropriação imediata pela criança” (CHARTIER et al,1996, p.74). Nessa mesma perspectiva,
Nemirovsky (2009) acrescenta que:
la biblioteca de aula significa favorecer una estrecha cercanía y la
possibilidad de usar textos sin mediar protocolo alguno: no es
necesario desplazarse por la escuela especialmente para localizarlos,
no hay que solicitarlos, ni llenar un impreso, simplesmente uno se
acerca, los toma y los usa casi en cualquier momento
(NEMIROVSKY, 2009, p. 241).

O acervo da biblioteca de sala pode ser adquirido por distribuição de programas


governamentais, pelo professor e/ou pelas próprias crianças e suas famílias, ele é acomodado
adequando-se ao espaço físico disponível em sala de aula.
De acordo com o PNLL (BRASIL, 2010), a BE, por sua vez, constitui-se
[...] um espaço adequadamente organizado, com condições de leitura
individual e coletiva, acesso a fontes de informação diversas, com
acervos próprios para os públicos a que se destinam, condições de
acessibilidade para os portadores de necessidades educacionais
especiais, pessoal qualificado capaz de tornar a leitura uma atividade
atraente para as diversas faixas etárias. A biblioteca da escola não se
resume nem se confunde com uma biblioteca de livros didáticos. Ela
deve ser tanto ponto de apoio para os temas escolares como também
porta de acesso ao universo da literatura e das novas mídias. A
biblioteca da escola, assim organizada, pode e deve tornar-se também
a biblioteca da comunidade, acessível a todos e comprometida com a
formação de uma sociedade de leitores (BRASIL, 2010, p. 114).

A BE corresponde ainda a um polo difusor de cultura dentro da escola, com um acervo


substancialmente maior e mais diversificado, tendo como principais frequentadores não
apenas os alunos da instituição, mas os demais membros da comunidade escolar: professores,
funcionários da escola e familiares dos alunos. Esse público pode se alargar, podendo vir a ter
a participação dos moradores do bairro também. O principal mantenedor das BEs costuma ser
a instituição escolar e/ou comunidade escolar, frequentemente amparados por programas de
distribuição de livros vinculados ao município, Estado ou União.
Nemirovsky (2009) considera que a biblioteca de sala e a BE não se opõem, cabendo a
BE alimentar as bibliotecas de sala. Lizarazu (1991) compartilha de uma perspectiva
semelhante. Assim, ao discutir a relação entre esses dois espaços enfatiza que estes não são
excludentes, mas complementares, já que apresentam propósitos diferentes e igualmente
importantes. Ainda de acordo com Lizarazu (1991), uma forma de possibilitar a articulação
24

entre esses dois tipos de biblioteca é compreender a biblioteca da sala de aula como uma
“antena” da BE. Assim, por exemplo, o professor pode selecionar títulos da BE e trazê-los
para a sala por determinado período de tempo, possibilitando uma rotatividade do que está
sendo disponibilizado em sala. O referido autor ressalta, ainda a possibilidade de que as
bibliotecas da escola possam formar uma “cadeia”, articulando-se com a biblioteca do bairro
quando existirem ou bibliotecas comunitárias, ampliando o acesso aos livros e a construção de
uma comunidade de leitores.
Para Chartier et al (1996) também não há concorrência entre a biblioteca de sala e a
BE, já que os dois espaços possuem papéis escolares consideravelmente distintos como já
indicamos aqui, além de certas particularidades relativas ao tamanho do acervo; sua forma de
utilização e a abrangência de atividades desenvolvidas em cada espaço.
Ainda sobre as diferenças existentes entre a biblioteca de sala e a biblioteca da escola,
ressaltamos os profissionais que atuam em cada um desses espaços. No primeiro caso, o
professor da sala, em meio as suas atribuições como docente, se responsabiliza pela biblioteca
da sala, pelas atividades que a envolvem e pela organização de seu acervo. Já na BE, deveria
existir um profissional responsável que se dedica exclusivamente a ela (bibliotecário e/ou
professor), podendo ainda contar com equipe de apoio.
Um outro tipo de biblioteca que, mais recentemente, tem sido reconhecido, são as
Bebetecas. Estas, em geral, constituem-se num espaço no interior das bibliotecas (sejam elas
públicas, escolares, comunitárias ou em bibliotecas universitárias) destinado especificamente
às crianças da primeira infância. No Brasil, as Bebetecas, que funcionam nas bibliotecas de
universidades federais, além de desenvolver atividades culturais com foco na aproximação
das crianças de 0 a 5 anos com os livros, visam também formar mediadores de leitura, como
familiares das crianças, professores e estudantes de Pedagogia. De acordo com Facchini
(2010), o número de Bebetecas nos países europeus vem crescendo, sendo este número
representativo em países como França, Portugal e Espanha. No continente americano, alguns
países como Estados Unidos, Colômbia, Chile, Cuba, México e Argentina também “já
oferecem Bebetecas à sua população, variando sua expansão em número e abrangência nos
diferentes territórios” (FACCHINI, 2010, p.3). Diferentemente destes países, no Brasil há
poucas Bebetecas e pelo fato de se destinarem às crianças pequenas, dedicaremos às
Bebetecas uma discussão mais aprofundada a seguir.
Por fim, cabe registrar que apesar das particularidades dos diferentes tipos de
bibliotecas comentados até aqui, fica evidente um objetivo comum: o de possibilitar o acesso
à diversidade de informações, à cultura e à leitura. É importante ressaltar ainda que seria
25

possível mencionar outros tipos de biblioteca, como a biblioteca universitária, a biblioteca


pessoal, a biblioteca religiosa, entre outras. Porém, como este trabalho aborda especificamente
a BE, é nela que iremos nos deter. No próximo item, portanto, discorreremos um pouco mais
sobre como esse tipo de biblioteca vem se constituindo na realidade brasileira.

2.1.1 Biblioteca Escolar no Brasil


As primeiras BEs do Brasil datam do período colonial. Nesta época, o objetivo desses
espaços era apenas o de guarda e preservação de livros, tal como já indicamos no item
anterior em relação ao surgimento das bibliotecas de forma geral. De acordo com Morais,
Valadares e Amorim (2013), nas primeiras escolas confessionais jesuítas, as quais
predominavam preceitos pedagógicos de transmissão de valores e conceitos, a biblioteca
também era conhecida como lugar de silêncio. Os acervos eram compostos, prioritariamente,
por materiais de caráter religioso e restritos aos membros das ordens religiosas, como monges,
frades e bispos. Apenas com autorização, orientação e supervisão dos membros da igreja é
que podiam ser realizadas ações como cópia, leitura e pesquisas de alguns livros indicados.
Sendo assim, não existiam momentos em que os usuários escolhiam as obras mais livremente
ou realizavam atividades de seu interesse.
A difusão de BEs veio acontecer apenas nas primeiras décadas do século XX. Silva
(2011) afirma que isto ocorreu diante de algumas mudanças educacionais propostas pelo
movimento da Escola Nova, que defendia a universalização da escola pública, laica e gratuita.
A partir daí, surgem novas concepções que buscam fazer com que a biblioteca se torne mais
livre e acessível, oferecendo uma maior variedade de temáticas em seu acervo, sem a
intervenção da igreja.
Na segunda metade do século XX, com a influência dos governos militares, as escolas,
em uma perspectiva diferente do movimento escolanovista, assumem uma tendência
tecnicista, em que o processo de ensino muitas vezes se dava sem qualquer relação com a
realidade social dos alunos. Mais uma vez, percebe-se a influência que as tendências
pedagógicas exercem nas bibliotecas, pois neste momento esses espaços passam a ser
pensados como lugar para procedimentos técnicos de identificação e a catalogação de livros.
Classificar e/ou descrever obras passam a ter primazia em relação a um uso mais crítico e
dialógico dos acervos.
Após o período da ditadura militar, a partir da década de 1980, na esteira do processo
de expansão da educação básica, observamos uma ampliação da concepção de BE e de suas
funções, uma vez que este espaço passou a ser reconhecido como local de aprendizagem e
26

uma porta de acesso à cultura escrita. Mesmo assim, ao apresentar um panorama da situação
de funcionamento de BEs na realidade brasileira na década de 1990, Silva (1995, p.13) aponta
que:
[...] quando existem nas escolas espaços denominados bibliotecas, estes não
passam, na maioria dos casos, de verdadeiros depósitos de livros ou, o que é
pior, de objetos de natureza variada, que não estão sendo empregados no
momento, seja por estarem danificados, seja por terem perdido sua utilidade.
Às vezes, a “biblioteca” é um armário trancado, situado numa sala de aula,
ao qual os alunos só têm acesso se algum professor se dispõe a abri-lo...
quando a chave é localizada.

Ainda de acordo com o autor, mesmo no caso de BEs adequadamente instaladas, os


horários de funcionamento são breves e sem regularidade.
Há situações em que o espaço da biblioteca escolar é utilizado não como
lugar de estudo, de pesquisa ou leitura, mas de punição: o aluno perde o
recreio, ficando “de castigo” na biblioteca. E, na melhor das hipóteses, ou na
menos pior, a biblioteca é um espaço onde os alunos vão copiar verbetes,
trechos ou parágrafos dos mesmos livros e enciclopédias “receitados” pelos
professores, “desde os tempos imemoriais...”. Neste último caso, pelo menos
há frequência e consulta à biblioteca, ainda que de forma acrítica e viciada
(SILVA, 1995, p. 13).

Como constatamos acima, as diferentes finalidades de uso observadas por Silva (1995)
indicam uma desvalorização da BE. Em um dos casos, este espaço é tido apenas como
depósito de livros, em que a única possibilidade de atividade seria a de empréstimo e
devolução deles. Em outro caso, a biblioteca funciona como depósito de materiais, sem
cumprir sua verdadeira função. A biblioteca pode estar ainda associada a práticas punitivas, o
que, possivelmente, pode ocasionar o afastamento ou até aversão dos alunos por esse espaço.
A falta de um horário regular de funcionamento é outro problema mencionado. Muitas vezes,
essa irregularidade se dá pelo fato da BE não estar incluída no Projeto Político Pedagógico da
escola, cabendo a cada professor decidir individualmente sobre a utilização desse espaço.
Em resumo, todas as circunstâncias apresentadas por Silva (1995) evidenciam a falta
de investimento para tornar a BE um local de aprendizagem, permeado de atividades culturais
com foco para formação de leitores e o desenvolvimento da competência informacional.
Infelizmente, como veremos mais adiante, o quadro atual em relação às BEs continua longe
do que gostaríamos. Diante dessa realidade precária descrita acima, perguntamo-nos, então, o
que poderia explicar esse fato. Seria a falta de conhecimento e de valorização dos nossos
gestores públicos em relação às funções das BEs? Seria o despreparo dos professores e
demais profissionais que atuam nas bibliotecas? Por que, apesar da literatura atual propagar
uma concepção de BE ativa e com responsabilidade social, sobretudo, no que diz respeito à
27

formação de leitores críticos, as bibliotecas não parecem assumir essa função? Será que esta
realidade precária descrita acima quanto ao funcionamento das BEs dialoga com as
orientações legais?
Buscando compreender melhor esse cenário recorremos ao percurso traçado pelas BEs
nas leis e nas políticas públicas brasileiras referente às BEs. Paiva (2016), ao apresentar de
forma breve a história das políticas públicas de distribuição de livros implementadas no
Brasil, afirma que desde a criação do MEC, em 1930, foram desenvolvidas ações que visavam
o acesso à leitura. Mas, segundo a autora, é somente a partir da década de 1980 que a
formação de leitores ganha espaço na agenda política e se mantém de forma irregular,
dependendo das correlações de forças entre sociedade e Estado. Neste sentido são citados o
Programa Nacional Sala de Leitura (1984-1987), o Proler (1992), o Pró-Leitura na Formação
do Professor (1992-1996), o Programa Nacional Biblioteca do Professor (1994-1997), o
Programa Nacional Biblioteca na Escola (1997 -2017), entre outros.
Sala (2018, p. 59), por sua vez, ao abordar especificamente a BE no Brasil, afirma que
desde o século XX, nas reformas de ensino ancoradas na Escola Nova há uma legitimação
deste espaço no sistema de ensino. Porém, ainda segundo a autora, no período de 1930 a
1980 não foi registrada nenhuma política nacional que mencione a BE de forma direta, “o que
se constata são apenas ações locais isoladas que, ao longo do tempo, acabam por perder
forças, devido à falta de incentivo ou devido a ações governamentais descontinuadas”. Alguns
avanços começam a ser percebidos em 1997, a partir da publicação dos Parâmetros
Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental e Médio, em que é feita uma
recomendação explícita sobre a biblioteca da escola, no volume de Língua Portuguesa.
Destacamos abaixo dois trechos do documento para ilustrar a forma como este espaço é
compreendido no referido documento:
1) Na seção os blocos de conteúdos e o tratamento didático, no tópico aprendizado
inicial da leitura é indicado um trabalho para que os estudantes desenvolvam o gosto e
o compromisso com a leitura. A partir desta perspectiva, afirma-se que “Formar
leitores é algo que requer, portanto, condições favoráveis para a prática de leitura [...]
(BRASIL, 1997, p. 43), sendo uma boa biblioteca na escola, a primeira condição para
isso.
2) Na seção os recursos didáticos e sua utilização, também são indicados alguns
procedimentos a serem adotados na biblioteca da escola, a saber:
[...] (empréstimo, seleção de repertório, utilização de índices, consulta
a diferentes fontes de informação, seleção de textos adequados às suas
28

necessidades, etc.), e a constituição de atitudes de cuidado e


conservação do material disponível para consulta. Além disso, a
organização do espaço físico — iluminação, estantes e disposição dos
livros, agrupamentos dos livros no espaço disponível, mobiliário, etc.
— deve garantir que todos os alunos tenham acesso ao material
disponível. Mais do que isso: deve possibilitar ao aluno o gosto por
freqüentar aquele espaço e, dessa forma, o gosto pela leitura.
(BRASIL,1997, p.61).

Analisamos um outro documento produzido pelo MEC, o Referencial Curricular


Nacional para a Educação Infantil - RCNEI (BRASIL, 1998), uma coleção de três volumes
com orientações para o trabalho pedagógico com este segmento. Nele observamos poucas
referências às bibliotecas. No volume 1, na seção sobre as orientações didáticas, há uma
breve menção à biblioteca no subitem intitulado organização do espaço e seleção dos
materiais. Nesse volume a biblioteca é citada como espaço possível de aprendizagem já que
esta “...transcende o espaço da sala, toma conta da área externa e de outros espaços da
instituição e fora dela” (BRASIL,1998 p. 58). No volume 3, encontramos uma menção mais
explícita à biblioteca nas orientações gerais para o professor, quando se recomenda a
formação de uma “biblioteca de classe”. Ainda nesse volume, nas orientações didáticas para
crianças de 4 a 6 anos, na seção A criança, a natureza e a sociedade, consta como
procedimento indispensável para a aprendizagem das crianças neste eixo o “conhecimento de
locais que guardam informações, como bibliotecas, museus etc.” (BRASIL, 1998, p. 169). É
interessante observar que, na parte do RCNEI referente à linguagem oral e escrita, em que é
recomendado a participação das crianças em práticas letradas, a BE ou a biblioteca de sala
não são destacadas como possibilidades para ampliar essa participação.
Em abril de 2007 foi fundado o Programa Nacional de Reestruturação e Aquisição de
Equipamentos para a Rede Escolar Pública de Educação Infantil, o Proinfância. Sua
finalidade era garantir uma melhoria da rede de Educação Infantil por meio das seguintes
ações: (1) construção de creches e pré-escolas, através de assistência técnica e financeira do
FNDE, com projetos padronizados, e (2) aquisição de mobiliário e equipamentos adequados
ao funcionamento da rede física escolar para o referido segmento. No site do FNDE 5, tivemos
acesso aos memoriais descritivos dos seguintes projetos Arquitetônicos: Módulo de Educação
Infantil, Projeto Tipo 1, Projeto Tipo 2, Projeto Tipo B, Projeto Tipo C, Ampliação Tipo B,
Ampliação Tipo C. Nos referidos documentos eram citados espaços como salas, solário,
fraldário, sanitários, refeitório, sala multiuso, mas, não encontramos menção ao espaço da

5
Disponível em: http://www.fnde.gov.br/programas/proinfancia/eixos-de-atuacao/projetos-arquitetonicos-para-
construcao Acesso em: 19 de dezembro de 2018.
29

biblioteca. Tal constatação demonstra que o espaço da biblioteca ainda não é visto pelos
poderes públicos como algo importante para crianças menores de 5 anos. Dessa forma, não
surpreende a menor incidência das BEs em Creches e Pré-escolas no CENSO 2017 (conforme
já mencionado).
Uma direção bem diferente da que comentamos acima é evidenciada na Coleção
Leitura e Escrita na Educação Infantil, publicada pelo MEC em 2016. O material foi
proposto como base para o curso de formação continuada de professoras desse segmento.
Dentre os importantes temas envolvendo a leitura, oralidade e escrita, destacamos o do
caderno 7, intitulado: Livros infantis: acervos, espaços e mediações. Neste caderno, as
professoras têm a oportunidade de conhecer e refletir sobre assuntos como: as políticas
públicas do livro e da leitura; os processos de seleção das obras designadas à Educação
Infantil; o acervo do PNBE; os projetos e estratégias para o uso efetivo do acervo do PNBE; a
importância da diversidade de gêneros literários e de tipos de textos; as formas de organização
e de utilização de diferentes espaços de leitura dentro das instituições de Educação Infantil.
Trata-se, portanto, de um caderno voltado especificamente para a temática de espaços de
leitura e acervos para crianças pequenas e com o qual iremos dialogar, sobretudo, no item
2.2.2, em que discutimos sobre como seria uma boa biblioteca para crianças de 0 a 5 anos.
Na BNCC (BRASIL, 2017), o mais recente documento oficial que norteia a
construção dos currículos, na seção voltada para as competências a serem desenvolvidas
durante a Educação Infantil, no campo de experiência intitulado Escuta, fala, pensamento e
imaginação, ressalta-se a importância do contato das crianças com os diferentes gêneros que
circulam socialmente e portadores textuais de modo que a atividade de leitura seja
incorporada à vida das crianças como fonte de prazer e informação. Assim, a BNCC afirma
que:
Desde cedo, a criança manifesta curiosidade com relação à cultura
escrita: ao ouvir e acompanhar a leitura de textos, ao observar os
muitos textos que circulam no contexto familiar, comunitário e
escolar, ela vai construindo sua concepção de língua escrita,
reconhecendo diferentes usos sociais da escrita, dos gêneros, suportes
e portadores. Na Educação Infantil, a imersão na cultura escrita deve
partir do que as crianças conhecem e das curiosidades que deixam
transparecer. As experiências com a literatura infantil, propostas pelo
educador, mediador entre os textos e as crianças, contribuem para o
desenvolvimento do gosto pela leitura, do estímulo à imaginação e da
ampliação do conhecimento de mundo. Além disso, o contato com
histórias, contos, fábulas, poemas, cordéis etc. propicia a familiaridade
com livros, com diferentes gêneros literários, a diferenciação entre
ilustrações e escrita, a aprendizagem da direção da escrita e as formas
corretas de manipulação de livros. (BRASIL, 2017, p. 40)
30

Apesar de indicar situações que poderiam ser vivenciadas de forma muito significativa
na biblioteca, não é feita uma menção direta a esse espaço na parte do documento que aborda
o segmento da Educação Infantil. Assim, a recomendação do uso da biblioteca na BNCC
aparece apenas nas orientações para os anos iniciais do Ensino Fundamental no seguinte
contexto: “Selecionar livros da biblioteca e/ou do cantinho de leitura da sala de aula e/ou
disponíveis em meios digitais para leitura individual, justificando a escolha e compartilhando
com os colegas sua opinião, após a leitura” (BRASIL, 2017 p. 113).
Analisando a trajetória do PNBE, uma política pública importante de promoção da
cultura e da leitura, vemos que ele foi modificando sua estrutura, funções e dinâmicas, sempre
na perspectiva de melhor adequar-se às demandas educacionais do país e as provisões e
iniciativas políticas dos governos. Desde que foi instituído em 1997, o processo de avaliação
das obras e composição dos acervos sempre foi levado a termo pela Secretaria de Educação
Básica do MEC, passando a contar com a parceria de universidades públicas federais a partir
de 2005. Assim, em 2006 essa parceria passou a ser coordenada pelo Centro de Alfabetização,
Leitura e Escrita (CEALE) da Universidade Federal de Minas Gerais, contando com o aporte
de diferentes profissionais espalhados em inúmeras universidades do país.
A participação de especialistas atuando em universidades e Escolas do Ensino Básico
na avaliação dos livros (não didáticos) melhorou substancialmente a qualidade dos acervos
construídos ao longo dos anos. Contudo, e conforme já mencionamos aqui, a Educação
Infantil foi negligenciada pelo PNBE por mais de 10 anos, sendo incluída apenas em três
edições do Programa até 2014, quando ele foi interrompido. Ainda assim, a inclusão deste
segmento educacional no âmbito do PNBE constitui um marco dentro das políticas públicas
de distribuição e incentivo à leitura, pois pela primeira vez uma política a nível federal
assumiu a importância de livros de literatura e de bibliotecas também para crianças pequenas.
Em 2010, na segunda edição do Programa para a Educação Infantil, a etapa da Creche
passou a ser incluída e dois tipos de acervos foram compostos, um para crianças de 0 a 3 anos
(Creche), e outro destinado às crianças de 4 e 5 anos (Pré-escola). Essa mudança, embora
aparentemente pequena, ajuda a consolidar a importância da Educação Infantil dentro do
PNBE, ao passo que força os editores a investir na publicação de obras que atendam às
demandas e preocupações específicas das crianças de 0 a 5 anos, diversificando temas e
gêneros e melhorando a qualidade do que pode ser oferecido a elas.
A partir de 2014, o contexto de crise econômica e política no país fez com que o
PNBE não realizasse novas aquisições de livros para quaisquer segmentos de ensino.
31

Recentemente, por meio do decreto nº 9.099 de 18 de julho de 2017, o Programa Nacional do


Livro Didático (PNLD) foi reformulado. O escopo do novo Programa foi então ampliado,
abrangendo materiais de apoio, softwares, jogos educacionais, materiais de formação e de
gestão escolar, além dos livros didáticos e das obras literárias. Mesmo não tendo completado
o seu primeiro ciclo, é possível desde já deduzir que essa mudança não foi algo positivo já
que os livros literários ficaram diluídos entre outros materiais perdendo a especificidade da
política anterior.
Uma outra política pública foi o Plano Nacional do Livro e da Leitura (PNLL), já
mencionado aqui e que foi iniciado pela Portaria Interministerial nº 1.442, pelos ministros da
Educação e da Cultura e fixado pelo Decreto nº 7.559, em setembro de 2011. O Plano surgiu
em meio a um contexto de enorme déficit das práticas leitoras dos textos escritos, com base
em avaliações e índices de leitura per capta6. Esta política foi um importante marco no tocante
aos esforços governamentais de garantir o direito à leitura e a valorização das bibliotecas e
pretendia atuar [...] de forma orgânica, políticas, programas, projetos e ações continuadas
desenvolvidos no âmbito de ministérios – em particular os da Cultura e da Educação –,
governos estaduais e municipais, empresas públicas e privadas, organizações da sociedade e
de voluntários em geral” (BRASIL, 2010, p. 31).
O PNLL possuía quatro eixos estruturantes, quais sejam: democratização do acesso a
livros; promoção à leitura e à formação de mediadores; valorização institucional da leitura e
incremento de seu valor simbólico e desenvolvimento da economia do livro. Nota-se,
portanto, que sua atuação tinha a intenção de ir além da distribuição de livros, contemplando
também a capacitação de profissionais para atuarem em espaços de leitura; um incentivo e
reconhecimento das práticas sociais da leitura por meio de campanhas e ações
governamentais; o desenvolvimento da cadeia produtiva e criativa do livro, assim como o
fomento à distribuição, circulação e consumo de bens de leitura. Neste sentido, foram
traçados 18 objetivos que estavam sendo alcançados a curto, médio e longo prazos. A BE,
assim como outras bibliotecas de acesso público, estaduais, municipais, salas de leitura,
bibliotecas circulantes e “pontos de leitura” (ônibus, vans, peruas, trens, barcos) eram
contempladas nas ações deste Plano, seja no âmbito da abertura de novos espaços de leitura,

6
No referido documento são citados: o Mapa do Alfabetismo no Brasil (Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – Inep/MEC, 2003), a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios –
PNAD (2009, IBGE) do Indicador Nacional do Alfabetismo Funcional – INAF (2001, 2005 e 2009), o Sistema
Nacional de Avaliação da Educação Básica – SAEB (2001, 2003 e 2006), o Programa Internacional de
Avaliação de Estudantes – PISA (2000 e 2006), o Retratos da Leitura no Brasil 2001 (CBL/ Snel/Abrelivros) e
2007 (IPL) e do Censo Nacional de Bibliotecas Públicas Municipal MinC/FGV (2009).
32

como também na manutenção daqueles já existentes, assim como de ações de ampliação e


melhoria do acervos e capacitação de equipes de trabalho.
Nas diretrizes iniciais do PNLL, em dezembro de 2006, na Reunião ampliada da
Câmara Setorial do Livro e Leitura, importantes propostas sobre e para BEs foram indicadas.
No grupo de mediadores de leitura foram realizadas as seguintes sugestões:
1) criação de uma biblioteca acessível para cada escola, em que haja pessoal
qualificado e política de seleção de acervos. Argumenta-se ainda que a escola possui papel
fundamental na formação de leitores, e é de sua incumbência, desde a Educação Infantil
reunir as condições para garantir essa formação. De acordo com esta proposição: “criação de
bibliotecas, acesso ao livro e a outras mídias, formação de leitores, capacitação de professores
e de mediadores são aspectos de uma mesma política que deve ter na escola seu lugar
privilegiado de implementação” (BRASIL, 2010, p.114).
2) Implementação de uma política de integração dos sistemas de bibliotecas existentes
com vistas à formação de uma grande rede de bibliotecas: Públicas, Escolares e Comunitárias.
3) Ações governamentais voltadas à BE voltadas ao
desencadeamento de um processo de formação contínua de
profissionais responsáveis por bibliotecas e pontos de cultura -
bibliotecários, educadores, profissionais com formação superior, com
ensino médio e voluntários em geral – assume importância
fundamental para o êxito da implementação do Plano Nacional do
Livro e Leitura, emergente da ação conjunta entre os Ministérios de
Estado da Educação e da Cultura e constituído de políticas,
programas, projetos, ações contínuas e eventos na área da leitura.
(BRASIL, 2010, p. 117).

Como resultado de esforços de governos anteriores, visando a formação de leitores, a


Lei nº 13.696, de 12 de julho de 2018 instituiu a Política Nacional de Leitura e Escrita “como
estratégia permanente para promover o livro, a leitura, a escrita, a literatura e as bibliotecas de
acesso público no Brasil”. No que se refere, especificamente, às bibliotecas, foi previsto sua
universalização e o fortalecimento do Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas e uma
articulação com o PNLL. Havia também a recomendação para uma ação conjunta entre o
Ministério da Cultura e o Ministério da Educação para a elaboração deste Programa. Contudo,
cabe lembrar, que tanto o plano quanto a política foram enfraquecidos sob o governo do
presidente Bolsonaro.
Por fim, destacamos a Lei nº 12.244, sancionada em 2010, que versa sobre a
universalização das bibliotecas nas instituições de ensino do país. Vale ressaltar que no
parágrafo segundo desta Lei, a BE é considerada como “a coleção de livros, materiais
33

videográficos e documentos registrados em qualquer suporte destinados a consulta, pesquisa,


estudo ou leitura.”. Como se vê, a referida definição não dá conta da complexidade do que
pode vir a ser este espaço e dos papéis que ele concretamente tem assumido em alguns lugares
no mundo. No que se refere ao funcionamento das BEs, salienta-se que na referida Lei, são
mencionados apenas aspectos relativos à quantidade mínima de títulos do acervo e o respeito
a profissão de bibliotecário, não há, portanto, referência alguma com respeito ao espaço físico
das BEs, atividades, serviços, horário de funcionamento, entre outros elementos igualmente
importantes para garantir um pleno funcionamento das bibliotecas nas escolas do país.
Como é possível perceber na exposição feita até aqui, há um conjunto de avanços e
retrocessos no que se refere aos marcos normativos e políticas públicas para as BEs no Brasil.
Além disso, nos documentos oficiais produzidos para orientar as práticas pedagógicas na
Educação Infantil, nota-se um certo apagamento do papel da BEs, que tendem a ser
mencionadas apenas a partir do Ensino Fundamental.
Cabe ainda ressaltar que diante da baixa frequência de BEs nas escolas públicas do
país, que ofertam turmas para o segmento da Educação Infantil e do Ensino Fundamental 7,
faz-se necessário medidas mais eficazes para que, em cada escola, haja uma biblioteca com
requisitos mínimos para um bom funcionamento.
Considerando a trajetória da BE no Brasil ao longo dos anos, a legislação vigente e os
nossos objetivos de pesquisa, no item seguinte, aprofundaremos a discussão sobre os papéis,
atualmente, atribuídos às BEs, bem como apresentaremos alguns referenciais disponíveis na
literatura especializada que visam orientar boas práticas neste espaço.

2.1.2 Os papéis educativos da Biblioteca Escolar


Campello (2003), ao realizar um extenso estudo bibliográfico sobre a função educativa
da biblioteca escolar no Brasil a partir de textos acadêmicos publicados em periódicos e anais
de encontros de biblioteconomia, no período de 1960 a 2003, faz referência à Escola Nova. A
autora retoma as contribuições de Lourenço Filho para romper com a concepção segundo a
qual a BE deveria funcionar apenas como um depósito de livros, pontuando dois papéis
educativos: o da pesquisa e o da leitura. Ela também apresenta nesse trabalho a ação cultural
como uma outra atribuição da BE, proposta pelos bibliotecários. Neste sentido, podemos

7
Tal como apresentado na Introdução, de acordo com Censo Escolar de 2017, há salas de leitura ou BEs em
29,7% das escolas municipais de Educação Infantil; 38,9% das escolas municipais de Ensino Fundamental e
85,9% das escolas estaduais de Ensino Médio.
34

considerar que três papéis educativos caracterizam a BE: o da pesquisa, da leitura e o da ação
cultural.
Em consonância com essa perspectiva, Hillesheim e Fachim (1999, p.68) apresentam
os seguintes objetivos para este espaço:
[...] ampliar conhecimentos, visto ser uma fonte cultural; colocar à
disposição dos alunos um ambiente que favoreça a formação e
desenvolvimento de hábitos de leitura e pesquisa; oferecer aos professores o
material necessário à implementação de seus trabalhos e ao enriquecimento
de seus currículos escolares.

Ainda que os referidos papéis educativos se mostrem interligados, a seguir


discutiremos cada um deles separadamente, visando a elucidação de algumas de suas
especificidades.
Com respeito ao papel educativo da pesquisa, este tem sido denominado entre os
bibliotecários como “competência informacional”. Essa concepção, originalmente surgida nos
Estados Unidos, foi sendo disseminada e usada por estudiosos na área em vários países.
Grosso modo, ela implica em um conjunto de habilidades voltadas para uso de informações.
À medida em que os estudos se ampliaram, o termo passou a abranger, também, as
habilidades de compreender, pensar e analisar informações em qualquer tipo de fonte, seja ela
impressa ou eletrônica. A esse respeito, Andrade (2008) evidencia a necessidade de que a BE
se constitua de fato em um espaço vivo de aprendizagem, com vistas à formação de alunos
participativos e preparados para viver no mundo contemporâneo, cercado por informações.
Desta forma, podem ser realizadas nas bibliotecas atividades de localização de materiais
(livros, revistas, jornais, enciclopédias, mapas), pesquisas na internet, rodas de debate,
produção de textos de diversos gêneros, com vários recursos, e até mesmo exibição de filmes
e documentários. O importante, para que a função informacional seja cumprida, é que sejam
oferecidas várias possibilidades de uso do espaço e dos recursos que ele possui, e que os
estudantes possam agir ativamente.
No tocante ao papel educativo da leitura, e conforme vimos afirmando, a BE se
configura como “campo profícuo para o desenvolvimento de práticas de incentivo à leitura,
como lócus privilegiado para a formação de leitores e em um núcleo ligado ao esforço
pedagógico dos professores” (MORAIS, 2012, p. 39).
Nesta mesma direção, ao discutir a formação do leitor literário, Riter (2009)
argumenta que há três possibilidades de atuação do professor que assume esta tarefa. A
primeira é ler histórias e contá-las; a segunda alternativa, a qual detalhamos mais em função
35

da relação com o tema estudado, refere-se ao trabalho que pode ser desenvolvido na
biblioteca. Para o referido autor, os professores da escola deveriam aliar-se ao responsável
pela BE para transformar esse espaço no que, segundo Riter, ele realmente merece ser: “lugar
de pesquisa, descoberta de universos literários, descoberta de novos autores, espaço de troca
e de partilha literárias, ambiente para indicação e orientação de caminhos de leitura e contato
com acervo de qualidade” (RITER, 2009, p.70). Neste sentido, visando a formação do leitor
crítico, algumas práticas são sugeridas por Riter (2009): visitas guiadas à biblioteca,
entrevistas com pais e professores sobre hábitos de leitura, saraus de poesia, autor do mês,
construção de murais, indicação de leitura durante o recreio, varal de poemas, hora do conto;
confraria da leitura (encontro periódico para conversar sobre textos), encontro com escritores,
caixa de sugestões de títulos e encontros com os diferentes grupos de pessoas que formam a
comunidade escolar. Finalmente, a terceira possibilidade apontada por Riter para a formação
do leitor literário diz respeito a ação de mediador, em que o professor assume papel
importante na aproximação dos estudantes com a leitura.
Consideramos que as formas de atuação do professor sugeridas por Riter (2009) acima
também podem ser perfeitamente estendidas ao profissional que atua na BE. Desta forma, ao
desenvolver o papel de formar leitores, a BE (que tem certas características diferentes da sala
de aula) deve dispor de um acervo abundante, diverso, de qualidade e voltado aos usuários
que a frequentam; propor atividades culturais permanentes e desenvolver projetos que
instiguem o prazer pela leitura (não apenas literária) e, sem dúvida, precisa contar com
profissionais capacitados para mediar momentos de leitura.
A respeito do papel fundamental dos mediadores de leitura, no glossário CEALE, eles
são definidos por Reyes8 (2019) como “aquelas pessoas que estendem pontes entre os livros e
os leitores, ou seja, que criam as condições para fazer com que seja possível que um livro e
um leitor se encontrem”. Bajard (2007, p. 43), por sua vez, define o mediador de leitura como
“a pessoa que se interpõe entre o texto e o receptor, tendo em vista facilitar sua recepção”.
Vemos, portanto, a importância de contar com bons mediadores de leitura nas BEs.
Por fim, no que se refere ao papel educativo de ação cultural a BE “[...] tem a
possibilidade de privilegiar a formação não apenas de indivíduos leitores, mas indivíduos
críticos capazes de produzir cultura” (CHAVES, 2015, p. 269). Neste sentido, ressaltamos a
compreensão de biblioteca defendida pelo PNLL, em que este espaço é definido como um
equipamento cultural que deve congregar “[...] elementos de acessibilidade do espaço físico; a

8
Disponível em: http://www.ceale.fae.ufmg.br/app/webroot/glossarioceale/verbetes/mediadores-de-leitura
Acesso em 02 de agosto de 2018.
36

ampliação e a qualificação do acervo; a contratação de mediadores de leitura capacitados; a


incorporação à biblioteca de diferentes suportes de texto e novas tecnologias” (BRASIL,
2010, p.33).
O documento da International Federation of Library Associations and Institutions
(IFLA, 2006) também destaca a função cultural que a biblioteca pode exercer, tornando-se um
ambiente esteticamente estimulante, em que os alunos possam criar e vivenciar diversas
experiências construtivas. Assim, o documento afirma que:
[...] eventos especiais podem ser organizados na biblioteca, tais como
exposições, visitas de autores e datas internacionais comemorativas. Se
houver espaço suficiente, os estudantes podem apresentar encenações
inspiradas na literatura, para os pais e outros colegas; o bibliotecário pode
organizar reuniões [para troca de ideias] sobre livros e também a “hora do
conto”, para alunos mais jovens; ele pode estimular o interesse pela leitura e
organizar programas que promovam o desenvolvimento do gosto pela
literatura (IFLA, 2006, p. 19).

Uma biblioteca baseada na perspectiva apresentada disponibiliza informação em


diferentes suportes, assim como se torna um polo cultural, ampliando e diversificando
possibilidades para que as pessoas possam construir conhecimento a partir do ato de ler. Para
exercer plenamente os papéis educativos citados acima abordaremos, no próximo item, alguns
referenciais orientadores nacionais e internacionais.

2.1.3 Como seria uma boa Biblioteca Escolar?


Para discutir sobre algumas características importantes para o funcionamento de uma
BE que atende as três finalidades educativas discutidas anteriormente, nos baseamos em dois
documentos elaborados por uma equipe de pesquisadores do Grupo de Estudos da Escola de
Ciência da Informação da Universidade Federal de Minas Gerais constituída, sobretudo, por
profissionais da área da biblioteconomia. O documento intitulado Biblioteca escolar como
espaço de produção do conhecimento: parâmetros para bibliotecas escolares (CAMPELLO
et al, 2010) apresenta diretrizes para o funcionamento adequado deste espaço, constituindo
um conjunto de referenciais flexíveis em relação ao espaço físico, ao acervo, à organização
deste acervo, aos serviços, às atividades, e aos instrumentos de avaliação e planejamento da
biblioteca da escola. Os parâmetros abordam desde um nível básico, considerado como ponto
de partida, que serve para (re)orientar as escolas com a intenção de criar sua biblioteca ou
reformular espaços que já existem, até um nível exemplar, que representa um horizonte a ser
alcançado. De acordo com os elaboradores do documento, ele sinaliza o primeiro passo para a
mudança qualitativa e quantitativa das BEs do país.
37

Com abrangência internacional e tendo como principais interlocutores os profissionais


de informação e documentação, outro documento que aborda aspectos sobre o bom
funcionamento de uma BE foi produzido pela IFLA (citada acima), juntamente com a
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). Este
documento inicialmente elaborado em 1999, e atualizado em 2015, possui orientações que
buscam definir as diretrizes de funcionamento para as Bibliotecas Escolares de todo o mundo.
Sua finalidade é dar suporte aos profissionais que atuam nessas bibliotecas, de forma a
garantir que todos os alunos e professores tenham acesso à programas e serviços eficazes,
prestados por pessoal qualificado. Assim, este material representa um esforço que visa
apontar caminhos para construção de uma BE com práticas pedagógicas significativas,
fazendo o balizamento entre o horizonte que se aspira alcançar e o que se pode,
razoavelmente, obter dentro de condições sociais determinadas.
Ao analisar a última versão do documento produzido pela IFLA (2015) e os
parâmetros propostos por Campello et al (2010), percebemos poucas diferenças. O material
brasileiro é mais sucinto e objetivo, contém 36 páginas e está subdividido em duas partes: a
primeira, composta por indicadores relativos ao espaço físico, ao acervo, à computadores com
acesso à internet, à organização do acervo, aos serviços e atividades e ao pessoal. A segunda
parte, apresenta um instrumento de avaliação e planejamento, de modo a orientar a escola nas
ações que precisaria implementar com vistas a traçar metas, propor atividades e prazos para o
seu aperfeiçoamento. O documento com as diretrizes da IFLA (2015), por sua vez, é mais
extenso, com 80 páginas, divididas em seis capítulos, que discutem os seguintes tópicos: (1)
missão e finalidade da BE, (2) seu enquadramento legal e financeiro, (3) seus recursos
humanos, (4) seus recursos físicos e digitais, (5) seus programas e atividades, (6) sua
avaliação e relações públicas.
Com relação ao espaço físico de uma BE, Campello et al (2010) salientam que este
deve ser acessível a todos e ter dimensões suficientes para receber seus usuários e abrigar o
acervo. Em nível exemplar, o documento propõe salas que possibilitem diferentes atividades –
inclusive simultâneas –, ambiente para serviço técnico administrativo, equipamentos
eletrônicos e audiovisuais, bem como móveis e equipamentos apropriados que tornem o local
confortável. Vale destacar que há recomendações quanto ao lugar específico para livros e
atividades destinadas a crianças menores. No documento do IFLA (2015), contudo, não há
qualquer referência à adequação do espaço para o trabalho com crianças menores. Nas
diretrizes do IFLA (2015, p.38) há um capítulo intitulado recursos físicos e digitais da
biblioteca escolar, organizado em forma de tópicos, que também indica critérios que norteiam
38

o planejamento do espaço com recomendações equivalentes ao documento de Campello et al


(2010).
No tocante ao acervo, Campello et al (2010) destacam que este deve ser compatível
com o número de estudantes e atualizado, composto de “vários gêneros textuais e de fontes de
informação destinadas aos variados usos escolares, tais como: enciclopédias, dicionários,
almanaques, atlas, etc.” e em suportes diversos, tais como: impressos e digitais. No
documento do IFLA, na seção de normas para coleção, é sinalizada a dificuldade de se
estabelecer normas convencionais. Desta forma, recomenda-se uma “coleção equilibrada com
materiais atuais e relevantes para assegurar o acesso a recursos aos utilizadores de diferentes
idades, capacidades, estilos de aprendizagem e contextos” (IFLA, 2015, p. 42). Este material
cita ainda a importância de que o acervo apoie o currículo por meio de recursos
informacionais físicos ou digitais e recomenda a aquisição de obras com a finalidade de lazer,
tais como: “romances populares ou novelas gráficas, música, jogos de computador, filmes,
revistas e cartazes”. Nos dois documentos enfatiza-se ainda que na organização do acervo os
materiais sejam encontrados com facilidade e rapidez.
Quanto aos recursos digitais, também nos dois documentos há uma ênfase na
importância de computadores ligados à internet, disponíveis aos professores e alunos, como
recursos de aprendizagem, “incluindo a criação de produtos de informação (por exemplo,
vídeos, blogues, podcasts, projetos 3D, cartazes, infográficos)” (IFLA, 2015, p. 41). Os
computadores ligados à internet servem também para disponibilizar informações através de
um acervo digital.
A respeito dos profissionais que deveriam atuar na BE, para Campello et al. (2010,
p.17), é necessário, no mínimo, “um bibliotecário supervisor, responsável por um grupo de
bibliotecas (nos casos em que a biblioteca faz parte de um sistema/rede que reúne várias
bibliotecas), além de pessoal auxiliar em cada uma das bibliotecas”. Em nível exemplar,
recomenda-se “um bibliotecário responsável e pessoal auxiliar em cada turno, de acordo com
o número de alunos da escola”. O documento do IFLA (2015) dedica um capítulo inteiro para
a discussão do quadro profissional, intitulado Recursos Humanos para a Biblioteca Escolar,
em que apresenta uma quantidade consideravelmente maior de informações adicionais e
diretrizes para o trabalho. Recomenda-se, por exemplo, que o bibliotecário escolar:
[...] detenha educação formal em biblioteconomia escolar e em ensino de
sala de aula, proporcionando a competência profissional exigida para as
funções complexas de ensino, leitura e desenvolvimento da literacia, gestão
da biblioteca, colaboração com os docentes e envolvimento da comunidade
educativa. (IFLA 2015, p.31).
39

Como vemos acima, fica evidenciado no documento que o bibliotecário escolar deve
assumir funções não apenas tradicionalmente atribuídas a este campo (biblioteconomia), mas
a outros âmbitos, tais como o educacional. O documentos produzidos pela IFLA e por
Campello et al (2010), também destacam a necessidade de um bibliotecário com
conhecimentos pedagógicos, gerindo as atividades educativas que constituem os papéis
atribuídos às BEs. Não há, portanto, menção a outros profissionais que, na realidade
brasileira, têm efetivamente atuado nas BEs, como é o caso de professores do Ensino Básico,
com formação em Pedagogia e em outras áreas.
Conforme proposto no próprio documento produzido pelo IFLA (2015), por exemplo,
as qualificações de um “bibliotecário escolar profissional” deveriam incluir os seguintes
saberes:
• ensino e aprendizagem, currículo, ensino: planificação e execução;
• gestão do programa - planejamento, desenvolvimento/design,
implementação, avaliação/melhoria;
• desenvolvimento de coleção, arrumação, organização, recuperação;
• processos de informação e comportamentos - literacia, literacia da
informação, literacias digitais;
• motivação para a leitura;
• conhecimento de literatura para crianças e jovens;
• conhecimento das deficiências que afetam a leitura;
• competências de comunicação e colaboração;
• competências digitais e midiáticas;
• ética e responsabilidade social;
• serviço para o bem público - prestação de contas ao público/ sociedade;
• compromisso com a aprendizagem ao longo da vida através do
desenvolvimento profissional contínuo; e
• familiarização com a área da biblioteconomia escolar e com a sua história e
valores. (IFLA, 2015, p. 31-32)

Sabe-se, contudo, que a realidade educacional brasileira está bem distante desse ideal
proposto pela IFLA (2015). Segundo Robledo (2008), por exemplo, encontramos geralmente
nas nossas BEs, um docente realizando as funções de um bibliotecário, contando com o apoio
de programas públicos de capacitação para exercer essa função. Na verdade, longe de ser um
problema, consideramos que a presença de um pedagogo nas BEs é realmente importante,
pois, em geral, este profissional está mais inserido na dinâmica escolar, sendo melhor
formado para contribuir para o engajamento de todos os sujeitos da comunidade escolar
(professores, gestores, alunos pais e demais funcionários da escola) nas atividades cotidianas
deste espaço. Desse modo, entendemos que o ideal seria um trabalho multidisciplinar nas
BEs, em que o bibliotecário pudesse atuar junto a um pedagogo.
A esse respeito, vale a pena destacar o que, sem entrar na discussão sobre qual seria a
formação ideal do profissional para atuar nas BEs, Bajour (2012) sintetiza sobre o papel que
40

esses profissionais deveriam assumir nesses espaços. Concordando com a autora, portanto,
também entendemos que eles devem ser...
[...] gestores de experiências culturais relacionadas à leitura que têm efeitos
marcantes na formação literária e artística dos alunos e de outros da
comunidade escolar. São eles os responsáveis por convidar autores ou
contadores de histórias, organizar feiras de livros e exposições temáticas,
preparar o espaço da biblioteca para a realização de diversas atividades
artísticas, conduzir visitas a museus e a outras instituições culturais da
comunidade etc. (BAJOUR, 2012, p. 84)

No que concerne aos serviços e atividades prestados, na mesma direção das


atribuições do bibliotecário, a IFLA (2015, p.46) sugere atividades voltadas para “o
letramento e a promoção da leitura; letramento informacional e suas mídias, aprendizagem
com base em investigação, integração da tecnologia; formação de professores; e valorização
da literatura e da cultura”. Ambos documentos sugerem ainda ações básicas como: “consulta
no local, empréstimo domiciliar, atividades de incentivo à leitura e orientação à pesquisa”
(CAMPELLO et al. 2010, p.16). Além dessas atividades são indicadas ações como [...]
“serviço de divulgação de novas aquisições, exposições e serviços específicos para os
professores, tais como levantamento bibliográfico e boletim de alerta”, o que configuraria um
nível exemplar de prática (CAMPELLO et al. 2010, p.16).
Finalmente, o último capítulo de ambos os documentos trata da avaliação. Em
Campello et al. (2010) é apresentado um questionário em que se pede que o avaliador vá
assinalando o que há na biblioteca (em termos de espaço físico, acervo, organização deste
acervo, bem como os serviços e atividades) e se as metas estabelecidas no planejamento estão
sendo alcançadas ou não. É importante destacar que um dos itens a ser avaliado é a existência
de espaço específico para leitura infantil. A presença deste item na avaliação sinaliza, mesmo
que de forma tímida, que o trabalho com crianças pequenas possui especificidades, apesar de
o documento não aprofundar este quesito.
No documento da IFLA (2015), a parte destinada à avaliação é mais ampla. Nela são
apresentadas diferentes possibilidades para avaliar uma BE, tais como uma proposta de
avaliação da qualidade global do programa, conduzida por avaliadores especialistas externos.
Outras opções apresentadas são a autoavaliação pelo bibliotecário escolar, cuja abordagem é
baseada em evidências da prática desse profissional. Apesar da amplidão de possibilidades de
avaliação propostas no documento e de uma discussão sobre sua importância, vale destacar
que não há qualquer indicação para avaliar as BEs frente às demandas da Educação Infantil.
41

Assim, em que pese a contribuição dos dois documentos para a construção de BEs
com práticas significativas, consideramos que ambos não abordam adequadamente as
demandas de cada etapa da Educação Básica. Por exemplo, o acervo destinado às crianças da
Educação Infantil, bem como aspectos relativos à sua organização, atividades e serviços
oferecidos pela BE nessa etapa devem pensados considerando-se a especificidade das crianças
menores de 5 anos.
Como nosso foco de pesquisa diz respeito às BEs em instituições de Educação Infantil,
dedicaremos o próximo item a este tema, discutindo a relevância das bibliotecas desde o
berçário, buscando refletir sobre possíveis especificidades de um espaço que visa atender
crianças de 0 a 5 anos.

2.2. A Biblioteca Escolar na Educação Infantil

Por que falar de um lugar de encontro com livros e com a informação quando sequer
as crianças aprenderam a ler? Por que seria importante garantir a esse grupo de crianças o
acesso aos livros de literatura e informação em diferentes suportes a partir das práticas
presentes numa biblioteca?
Nesta seção, refletiremos sobre essas perguntas com base numa concepção de criança
como sujeito ativo e de direito, produtor e produto da cultura. A Educação Infantil, primeira
etapa da educação básica, também é entendida como um direito das crianças e que deve se
pautar não apenas no cuidado para com elas, mas também na sua educação, o que implica
uma ação pedagógica intencional com vistas ao desenvolvimento integral da criança.
(BRASIL, 2010).
Partindo de tais concepções, consideramos que o contato das crianças pequenas com
livros e com a literatura, em especial, é algo fundamental, sendo a BE um local privilegiado
para esse encontro, tal como argumentamos a seguir.

2.2.1. Por que bibliotecas para crianças de 0 a 5 anos?


Para Yunes (2005), estamos inseridos no universo da linguagem desde nossa chegada
ao mundo. Estamos, assim, imersos, desde cedo, em um mundo permeado por
intencionalidades, discursos, interpretações, num processo de comunicação verbal ininterrupto
(BAKHTIN, 1992). Ao nascer, as crianças penetram nessa cadeia complexa de interações,
não recebendo, portanto, uma língua acabada e pronta para ser usada. Assim, é com base no
nosso contato com a língua, no esforço de através dela nos expressarmos e compreendermos o
42

mundo concreto, que incorporamos sua estrutura e conseguimos nos comunicar verbalmente.
Além disso, somos também partícipes de uma cultura grafocêntrica, isto é, vivemos numa
sociedade em que a escrita tem um papel fundamental na produção e na difusão de
conhecimentos sobre o mundo e sobre nós mesmos. Sabe-se, ainda, que a leitura do mundo
precede a escrita, pois mesmo antes de desenvolvermos os sistemas gráficos de comunicação
com os quais nos expressamos e registramos nosso cotidiano e nosso conhecimento, já
realizamos leituras do que ocorre ao nosso redor por meio da nossa experiência, assim como
transmitimos o que aprendemos aos demais indivíduos e às sucessivas gerações por meio da
oralidade. A língua, neste sentido, é esse complexo em que concorrem gestos, palavras, sinais
e sentidos (YUNES, 2005; ORLANDI, 2008).
Pelo simples fato de estarem no mundo as crianças, portanto, estão inseridas nesse
universo da linguagem, sendo estimuladas a fazer leituras do mundo e construir sentidos.
Assim, “[...] muito antes de conhecer o alfabeto, as crianças leem o mundo à sua volta,
descobrindo coisas que não entendem, interagindo com elas” (YUNES, 2009, p. 12).
Além disso, como integrantes ativos desse universo da linguagem, todos os indivíduos,
inclusive as crianças pequenas, necessitam ter acesso e desenvolver as habilidades de
compreender e interagir em diferentes contextos sociais, aprendendo a utilizar formas diversas
de manifestação da linguagem, incluindo a linguagem escrita. Disponibilizar materiais
escritos em diferentes suportes para crianças é, portanto, um direito de todas elas e um pré-
requisito para que se desenvolvam como leitoras (BAPTISTA, 2010; FREIRE, 2011).
A esse respeito, Mantovani (2014) afirma que até a década de 1960, a ideia de usar
livros com crianças pequenas era considerada algo precoce ou uma atividade atrelada a uma
perspectiva compensatória, isto é, algo necessário apenas para aquelas que, supostamente,
apresentariam um déficit linguístico. Contudo, como sabemos hoje, o acesso a livros e a
mediação de leitura nos primeiros anos de vida influenciam o desenvolvimento linguístico e
sucesso escolar das crianças (ver, por exemplo, LENNOX, 2013). Nessa mesma perspectiva,
Mantovani (2014) argumenta que a leitura realizada na Creche é fundamental para construção
de representações simbólicas positivas a respeito do livro e da leitura.
Na verdade, tal como destacam Brandão e Rosa (2010, p. 40) ao ler histórias em voz
alta para crianças muito pequenas fazemos com que “descubram o que é ler”, algo básico, mas
que precisa ser aprendido. Assim, ao ouvir a leitura feita por alguém, as crianças começam a
entender o que representa esse objeto cultural (o livro), que “efeito” ele produz, como se usa,
e o que significa, afinal, o ato de ler.
A esse respeito, Pimentel (2016, p. 68) salienta que ...
43

Quando o bebê repara que existe um objeto – o livro – na cena em que antes
só havia o seu olhar para os lábios que se moviam durante a leitura, uma
porta se abre. Cores, imagens, texturas entram na relação entre o bebê, o som
das palavras, o colo, o carinho. Um novo objeto aparece, e ele está cheio de
novidades. Não são apenas as palavras escritas que vão precisar ser
aprendidas, mas também toda uma série de usos, funções e convenções
estabelecidas pelos códigos visuais das ilustrações, pelo projeto gráfico dos
livros, pelos temas e pelas formas de abordá-los, além de tudo o que diz
respeito ao universo literário, à elaboração da linguagem, a metáforas,
ironias, rimas, léxicos, etc.

Desta forma, e ainda de acordo com Pimentel (2016, p. 56), “os bebês [mas também as
crianças um pouco maiores] quando veem um livro não sabem para que ele serve e
experimentam logo colocar na boca: vai que é de comer... Uns empilham, fazem casinha,
arrastam pelo chão... Até descobrirem que abre leva um tempo” (acréscimos nossos). Patte
(2012) também ressalta que a criança possui uma forma singular de leitura: “ela se debruça
sobre a página para ver de perto o detalhe que a interessa ou intriga. Em vez de caracteres
tipográficos, identifica assim os indícios que dão sentindo à história” (PATTE, 2012, p.118).
É por meio de uma interação prazerosa que as crianças vão, assim, se aproximando do
ambiente dos livros, da informação e da leitura.
Entendemos que um processo de descoberta semelhante ocorre com as crianças em
relação às BEs. A partir de suas interações com esse espaço cheio de livros, elas vão
aprendendo sobre como ele funciona e suas possibilidades de uso. Essas interações iniciais
serão, por sua vez, importantes para estimular sua relação com a informação, com os livros e
com o desejo de ampliar suas experiências leitoras.
Bajard (2014) considera imprescindível ter uma biblioteca na escola em
funcionamento desde a creche. O autor argumenta que apenas a existência desse espaço pode
contemplar um grande quantitativo de textos diversificados e autênticos para dar conta da
motivação das crianças em relação a leitura e alimentar suas aprendizagens sobre a escrita.
Assim, para ele:
Introduzida na escola desde o início da infância, a biblioteca deve, portanto,
ter como efeito – com a condição de que os docentes saibam dela se apropriar,
e acompanhar as descobertas das crianças – proporcionar o mergulho dos
alunos no universo da escrita, assim como eles haviam mergulhado no
universo da oralidade antes de saber falar. [...] A instalação de uma biblioteca
desde a creche subverte o caminho tradicional da aprendizagem escrita, na
medida em que, graças a ela colocam-se livros nas mãos das crianças antes
que saibam ler (Ibidem, 2014, p. 44-45).
44

Reyes (2008) também ressalta o papel essencial das bibliotecas na Educação Infantil,
de modo a proporcionar esse mergulho na cultura escrita, essencial no processo de
alfabetização. Nas palavras da autora:
Si está demostrado que las competências de lectura y escritura descansan
sobre el desarrollo de la capacidade comunicativa – verbal y no verbal – y si
las investigaciones coinciden em señalar como el progresso del linguaje
depende de los estímulos, la inversión em la educación de a primera infância
y el trabajo específico alrededor de la lectura y de las bibliotecas se
convierten em imperativos políticos, em tanto que garantizan las condiciones
de equidade necessárias para que todos los niños comiencen su acercamiento
a la alfabetización com la habilidades esenciales (REYES, 2008, p. 215-
216).

A autora aponta que a discussão a respeito da relação entre leitura e primeira infância
e do papel da biblioteca voltada a este público são relativamente recentes. Em 1986, quando
de sua participação na implementação da biblioteca infantil da Fundação Rafael Pombo, em
Bogotá (Colômbia), Yolanda Reyes percebeu visitas inusitadas de crianças ainda não
alfabetizadas na biblioteca, muitas das quais demonstrando um genuíno interesse, prazer e
vontade de conhecer os livros e de interagir com o ambiente da biblioteca. Segundo sua
análise, tal situação diferia da evidente apatia e desinteresse registrados em crianças de séries
mais avançadas no processo de escolarização. Com base nessa observação, ela buscou
responder a seguinte questão: se as crianças não alfabetizadas demonstram tanto gosto pelo
contato com os livros, com a biblioteca e com o ato da leitura, o que acontece no processo de
escolarização que provoca esse afastamento? (REYES, 2008).
Na intenção de encontrar respostas, Reyes dedicou-se ao estudo da relação entre o
letramento e atividades significativas que buscam promover um encontro entre literatura e
arte, para incentivar a formação de leitores desde a primeira infância. Com base nessa
experiência fundou o Espantapájaros9, projeto que visa o desenvolvimento cultural e
incentivo à leitura e expressão artística por meio de um permanente trabalho de pesquisa e
prática ao redor do que veio a ser chamado de “bebetecas”. Além de se dedicar ao público
infantil, tal projeto também fornece informações para pais, professores, bibliotecários e
demais profissionais da educação.
Fundado em 1988 como uma simples livraria especializada no público infantil, o
projeto ganhou corpo em 1990, quando Yolanda Reyes e Irene Vasco reuniram-se para, a
partir dali, construir um programa de formação de leitores que, mais tarde, passou a agregar

9
Mais informações sobre o projeto estão disponíveis em: http://espantapajaros.com. Acesso em: 19 de março
de2018.
45

autores de livros de literatura, ilustradores, editores, educadores e demais profissionais e


pessoas interessadas no tema. Diante da percepção crescente de que a primeira infância é um
período fundamental para promover o encontro com a biblioteca, as histórias, as informações,
os livros e com a leitura, foi criado em 1992 o "Jardín Espantapájaros" para atender crianças
em seus primeiros anos de vida. Ao longo dos anos esse espaço tem se constituído como um
local de referência para a Educação Infantil na Colômbia e na América Latina.
Atualmente, o projeto conta com uma equipe interdisciplinar, envolvendo desde
educadores e psicólogos, até especialistas em linguagem, literatura e arte. A iniciativa que
envolve uma livraria, uma escola de Educação Infantil e um espaço para oficinas tem ajudado
na difusão da ideia de que crianças com 0 a 5 anos devem ter acesso a espaços em que
atividades da leitura, informação e cultura assumam a centralidade do processo pedagógico.
Como é possível concluir, a biblioteca ganha especial destaque nessa proposta, tal
como posto nas palavras de Reyes (2008, p. 216).
La biblioteca para los más pequenos se constituye en un entorno propicio
para experimentar una familiariad con las múltiples formas de ler y con los
materiales de la cultura y puede incidir, no sólo, en el desempeño lector
estrictamente acedémico, sino en todas las esferas del desarrollo afectivo e
intelectual.

Parreiras (2011) ao discutir o papel da biblioteca escolar na formação do leitor literário


afirma que é neste espaço que se dá o primeiro contato com as emoções e as sensações para os
bebês. A autora considera que:
Os bebês precisam tocar nos livros, cheirar, chupar, morder. Sua pele vai se
aproximar desse objeto tão atraente que é o livro em rodas de crianças
monitoradas pelos adultos. Nessa etapa do desenvolvimento, o mais
importante é o toque e toda a estimulação dos sentidos. Então, deve ser um
ambiente tranquilo, para cantar para os bebês, para ler contos, para declamar
poemas... (PARREIRAS, 2011, p. 29)

Justificando a presença da biblioteca [e também dos bibliotecários] em instituições


voltadas às crianças pequenas, Lucca, Caldin e Righi (2015, p.4) consideram que “na infância
- e geralmente na educação infantil - acontece o primeiro contato com a informação, e
também os primeiros passos para o desenvolvimento da Competência Informacional”. Para os
autores, a prática de leitura de livros literatura infantil também é uma forma de desenvolver o
“letramento informacional”, “na medida em que estimula [as crianças] a refletir sobre as
informações, questioná-las e usá-las na resolução de problemas” (Ibidem, p. 11).
Patte (2012) também destaca a biblioteca infantil como um local privilegiado para
formar leitores pois acredita que a infância é uma fase decisiva no desenvolvimento da prática
da leitura. Assim, segundo sua visão, a biblioteca é...
46

[...] um ambiente cultural único e profundamente humano. Ao encorajar cada


um a seguir o próprio caminho, ela favorece a emergência das identidades,
em sua singularidade. Oferece um espaço onde a expressão das diferenças é
possível, desejável e encorajada. É lugar onde se pode aprender a construir
relações com o outro. Ela privilegia tudo que liga e religa por meio da
acolhida, dos encontros, do “estar junto”, não para se diluir, mas para tentar
compreender-se (Ibidem, p. 330).

Ainda de acordo com a autora, além de textos literários, a biblioteca dever ser também
um lugar permeado de textos informativos, em que a curiosidade pode achar contentamento e
evoluir respeitando diferentes ritmos. Assim, para ela, a biblioteca propõe possibilidades em
vez de impor um programa definido, como faz a sala de aula. Para Patte (2012, p. 187):
Na biblioteca, o que importa é considerar a criança em seu lugar, com as
interrogações, abrir-lhe as portas e ajudá-la a se orientar. Ajudar
pessoalmente as crianças na busca de saber e em suas escolhas de livros,
acompanhá-las na pesquisa de informações para escola ou para elas mesmas,
conversar com elas [...].

O argumento segundo o qual a biblioteca pode vir a desempenhar um papel central no


estímulo à leitura desde a primeira infância e à formação de futuros leitores encontra lastro
também em alguns estudos brasileiros, realizados em cursos de mestrado, vinculados à
Programas de Pós-graduação stricto sensu, nas áreas de Ciências da Informação e Educação.
É o caso da dissertação de mestrado apresentada por Silva (2014) no Programa de Pós-
Graduação em Ciência da Informação da Universidade Federal Fluminense (UFF). Na
condição de bibliotecária, a pesquisadora se motivou a estudar a Biblioteca Flor de Papel em
que atuava, localizada na Creche da Universidade Federal Fluminense. Para Silva (2014) as
atribuições do bibliotecário daquela BE (atuar como mediador de leitura e formador de
leitores junto as crianças de zero a seis anos, conhecendo as especificidades desta etapa)
estavam ainda distantes das bases de sua formação de bacharel. Diante deste contexto,
considerando a leitura como processo interativo da linguagem, sua pesquisa buscou responder
como a BE e o bibliotecário podem contribuir para a formação de leitores na primeira etapa
da Educação Básica, a partir de sua própria experiência. Apesar de seu estudo não apontar
claramente objetivos e procedimentos metodológicos, buscamos sintetizar o que pudemos
apreender.
Segundo Silva (2014) foram utilizados os seguintes procedimentos metodológicos: (1)
análise do conteúdo, em que foram analisadas práticas de leitura com base em uma
perspectiva social e cultural; (2) análise de fatos históricos das áreas da Biblioteconomia e
Ciências da Informação relacionados à concepção de leitura inserida na estrutura de
funcionamento estabelecida às bibliotecas; (3) estudo de caso etnográfico, em que foi
47

analisado o trabalho da equipe da BE no atendimento às crianças. Foi aplicado o método de


triangulação dos dados a partir: das observações realizadas pela pesquisadora; de outras
observações realizadas com a finalidade de serem debatidas nas reuniões de equipe e de
planejamento pedagógico da creche; do depoimento colhido de uma outra bibliotecária da
instituição; das experiências da autora ao longo dos três anos de experiência no local; e, dos
seguintes documentos: projetos de extensão da biblioteca foco do estudo, relatórios, cadernos
de registros, e-mails, registros fotográficos e fílmicos.
De acordo com Silva (2014) as principais mudanças positivas ocorridas na Biblioteca
Flor de Papel (do ano de sua fundação, em 2000, até o desenvolvimento da pesquisa, em
2013), consistiam em uma maior articulação entre as áreas de biblioteconomia, pedagogia e
letras. Ressalta-se a indicação de compartilhamento do planejamento e implementação de
atividades conjuntas entre os profissionais que atuam na escola. Já o maior desafio para ela,
como bibliotecária, era se apropriar da proposta de trabalho da leitura com crianças que ainda
não liam convencionalmente.
Também foi constatado em seu trabalho uma ampliação das atividades empreendidas
pela BE. Inicialmente só eram realizadas “horas de leitura livre”, depois, outras atividades
como oficina de teatro, oficina de fantoches, oficina de apresentação do livro, oficina de
contação de história, visita a espaços culturais e empréstimos de livros, também começaram a
ser desenvolvidas. As dificuldades encontradas nestas ações estavam relacionadas a falta de
critérios na escolha das histórias; falta de tempo previsto para o planejamento das atividades;
e quantidade reduzida de integrantes para compor a equipe da BE, o que inviabilizava um
trabalho conjunto. Nesse sentido, Silva (2014) conclui seu estudo afirmando que o cotidiano
da Biblioteca Flor de Papel possibilitou perceber o papel do bibliotecário como educador e
mediador de leituras de crianças da primeira etapa da Educação Básica, atribuindo a este
profissional:
[...] a educação dos usuários, preparando-os para o correto manuseio
dos materiais do acervo, como ensinar a passar a página, a localizar os
livros nas estantes, a zelar pelos livros da biblioteca, incentivando as
crianças a devolvê-los dentro dos prazos e cuidando de sua
conservação na sala e em casa. Também foram relacionadas ao
bibliotecário a dinamização de leituras oralizadas e as narrativas orais,
individualmente e em grupo, além da organização de atividades que
contemplem, também, outras linguagens e formas de expressão
presentes em nossa cultura (SILVA, 2014, p.155).

Igualmente vinculada ao Programa de Pós-graduação em Ciência da Informação da


UFPE, Aguiar (2013) realizou um estudo exploratório-descritivo com a finalidade de
48

compreender como a referida área aborda o comportamento e a competência informacional


infantil no Brasil. Para isso foram adotados dois procedimentos: (1) uma pesquisa
bibliográfica em que foi feita a análise das contribuições de diversos autores que já abordaram
a questão; (2) um levantamento de dados a partir da análise documental sobre as pesquisas na
área de Ciência da Informação com temas relacionados a competência informacional de
crianças.
Aguiar (2013) percebeu que apesar da Ciência da Informação possibilitar uma análise
e compreensão do comportamento informacional da criança na sociedade atual, assim como
apresentar sugestões de alternativas para a competência informacional infantil, esta área do
conhecimento ainda não reconhece a criança como usuária da informação. Seu cuidadoso
levantamento sinalizou uma escassez de estudos científicos com temas envolvendo
competência informacional e público infantil. Segundo a autora foram encontrados apenas
trabalhos que explicitavam esta relação considerando o contexto da BE.
Albuquerque (2013) desenvolveu um estudo junto ao Programa de Pós-Graduação em
Educação da UFPE, cuja finalidade foi investigar os espaços e as práticas de leitura presentes
em creches e CMEIs, bem como analisar o acesso e utilização dos acervos pelas crianças.
Participaram da pesquisa oito instituições localizadas na cidade do Recife, sendo duas
Creches, quatro CMEIs e duas Escolas do Ensino Fundamental com turmas também de
Educação Infantil. Foram entrevistadas 26 professoras, do Berçário ao Grupo V; e sete
coordenadoras pedagógicas. Para coletar os dados, Albuquerque (2013) realizou além das
entrevistas, observações dos espaços de leitura das oito instituições educativas.
Sua análise evidenciou a precariedade ou inexistência de espaços de leitura nas
instituições investigadas. Apenas três das oito unidades de Educação Infantil possuíam locais
especificamente voltados para a leitura, estando somente um desses três em funcionamento.
Segundo ela, este era nomeado pela coordenadora e professoras de sala multimídia, apesar de
apresentar características específicas de bibliotecas, como possuir um acervo significativo,
dispor de um espaço físico e equipamentos que favoreciam a leitura. Na época da coleta de
dados, a referida pesquisadora se deparou com apenas duas BEs, estando uma desativada e
outra em fase final de construção (que seria dividida com o espaço da sala de informática,
segundo a coordenadora pedagógica), ambas em escolas do Ensino Fundamental que
ofertavam turmas também a outros segmentos da Educação Básica. Tal situação a levou a
considerar que as bibliotecas são menos frequentes em instituições exclusivamente de
Educação Infantil.
49

Albuquerque (2013) sinaliza que assim como os espaços de leitura existentes fora das
salas, aqueles que se localizam dentro delas também se apresentaram de forma precária ou
inexistente. Somente um dos vinte e seis “cantinhos de leitura” identificados em sua pesquisa
era organizado e se aproximava do que autora considerou adequado.
Quanto aos acervos das instituições, as obras eram adquiridas através do PMBFL, do
PNBE, comprados pelas respectivas instituições e advindas de doações. Neste item, foram
encontradas obras de boa qualidade, de maneira geral, Albuquerque (2013) considerou
adequada a quantidade de livros por unidade10. Entretanto, na maioria das vezes, este acervo
era inacessível às crianças. Em 87,5% das instituições, os livros eram guardados em estantes
ou armário trancados. Assim, segundo a autora, a ausência de um espaço para organizar os
acervos acarretou, nas seguintes alternativas dentro da instituição e, principalmente dentro das
salas das crianças, para que incentivo a práticas de leitura fosse garantido: varal, expositor,
caixas ou estante com obras de literatura infantil à disposição das crianças.
Assim, com base nos resultados apresentados, Albuquerque (2013) reconhece a
contribuição da leitura desde os primeiros anos de vida e argumenta que não basta distribuir
livros, é igualmente importante investir também em espaços de leitura e, sobretudo, na
formação de bons mediadores.
A dissertação de Dornelles (2016), apresentada também ao Programa de Pós-
Graduação em Educação, neste caso, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, teve como
objetivo analisar o conhecimento científico produzido a partir de uma biblioteca infantil
integrada a uma Unidade de Educação Infantil Universitária, a Flor de Papel (também
pesquisada no trabalho de Silva, 2014, referido anteriormente). Desta forma, seu estudo
buscou especificamente conhecer o trabalho da referida BE, compreender como criança se
envolve com a leitura literária e a forma como a BE colabora com as funções de ensino-
pesquisa-extensão. A partir de observações, entrevistas e, sobretudo, de análise documental,
foram examinadas 75 produções (dentre elas dissertação de mestrado, artigos acadêmicos,
relatórios de estágio, projetos e relatórios de extensão, resumos de artigos acadêmicos,
trabalho de conclusão de curso, e outros relativos às atividades de ensino, pesquisa e
extensão) disponíveis no acervo de duas bibliotecas, a Flor de Papel e a Central do Gragoatá,
bem como em páginas da internet.

10
Albuquerque (2013) identificou que: nas creches, a quantidade variava entre 200 e 250 livros em cada uma;
nos CMEIs a variação era entre 100 e 300; e, nas escolas a variação era ente 400 e 450, sendo, portanto, um
acervo maior que nas demais unidades.
50

Os resultados apresentados por Dornelles (2016) evidenciam que a Flor de Papel é um


espaço onde são realizadas importantes ações visando o desenvolvimento da leitura, a
circulação de experiências estéticas e a formação de usuários de biblioteca. Segundo a autora,
pelo incentivo ao desenvolvimento da autonomia das crianças, a Flor de Papel constitui “em
um espaço da infância e para infância”, atendendo a um público muito peculiar, o que
favorece o enriquecimento das práticas de seus próprios profissionais. Os trabalhos de cunho
científico por ela analisado, por fim, representam um reconhecimento destes aspectos e que
serve para difundir o conhecimento sobre o trabalho desta biblioteca.
Os estudos citados acima confirmam a BE, como um lugar privilegiado para
aproximar crianças da Educação Infantil do universo leitor, contribuindo para o
estabelecimento de vínculos e participação em práticas culturais vivenciadas nesse ambiente.
Entretanto, os dados também sinalizam a escassez de pesquisas na área e a urgência de
maiores investimentos públicos para garantia de espaços mais qualificados e em maior
número. De fato, segundo Facchin (2010) ainda que se constate o surgimento de bibliotecas
voltadas ao público infantil no Brasil (pública, universitária, escolar, entre outras), a
prioridade em termos de oportunidade de espaços, vivências significativas e acervos de
literatura é para os que já leem.
Consideramos, porém, que a BE é indispensável a qualquer etapa da Educação Básica
e isso inclui, evidentemente, a Educação Infantil. É preciso, portanto, garantir a biblioteca
como um ambiente que faça parte da rotina das crianças pequenas. Diante do exposto,
abordaremos no próximo item algumas especificidades que podem ser atribuídas às BEs
voltadas para esse segmento.

2.2.2. Como seria um bom espaço de leitura, informação e cultura para crianças de 0 a 5
anos?
Antes de mais nada, vale reafirmar que uma BE em se que se busca atender
plenamente as crianças pequenas deverá cumprir os papéis educativos discutidos no item
2.1.2. Sem eles, a biblioteca dificilmente poderá exercer uma de suas principais funções, qual
seja, a formação de leitores autônomos e críticos. Além disso, conforme vimos no item 2.1.3,
que versa sobre o que se espera de uma boa BE, já encontramos atualmente documentos
nacionais e internacionais que fornecem orientações gerais para o funcionamento adequado
desses espaços. Entretanto, tal como também discutimos anteriormente, é importante
considerar que o atendimento no contexto de cada segmento da educação apresenta
singularidades que precisam ser ressaltadas e discutidas. Assim, nesta seção buscamos refletir
51

sobre as demandas e possíveis especificidades de uma biblioteca voltada para crianças


menores de 5 anos. Afinal, não precisa ser especialista na área para se dar conta de que uma
BE para esse grupo precisa considerar certas particularidades quanto ao espaço físico, o
acervo e sua organização, bem como em relação às atividades que podem ser propostas para
as crianças.
Reyes (2008) ao discorrer sobre o lugar da biblioteca para primeira infância, propõe
uma subdivisão em duas salas com características peculiares a cada uma: a primeira,
intitulada ‘Bebeteca’ é destinada a crianças que começaram a sentar, engatinhar, dar seus
primeiros passos, dizer suas primeiras palavras e que estão enfrentando o desafio de se
comunicar. A segunda é denominada por ela de ‘Biblioteca pré-escolar’, voltada às crianças
que enfrentam os desafios da escolaridade, que já têm mais desenvoltura no uso da linguagem
verbal e que começam a se apropriar do Sistema de Escrita Alfabética.
Para Reyes (2008) portanto, a Bebeteca deveria acolher os bebês e as crianças de até 3
anos, tendo, segundo a autora, suas atividades calcadas nos chamados “livros sem páginas”,
isto é, nas atividades que privilegiam a tradição oral (canções populares, jogos corporais,
cantigas de roda, etc.). Neste caso, a maior parte do acervo é constituído de livros de borracha
e cartão ou texturas, de forma que as crianças possam morder ou folhear com ou sem a
presença do adulto. Contudo, a Bebeteca deve conter também um acervo para os adultos com
pequenas poesias e histórias, canções e parlendas, além de discos e fantoches para serem
utilizados nas atividades com os bebês. Neste caso, e reportando-se à sua experiência junto ao
projeto Espantapájaros, Reyes (2008) afirma que o acervo para os adultos serve para que eles
possam revisitar sua trajetória e suas experiências como leitores, fazendo com que o espaço se
torne propício à constituição de vínculos afetivos também para eles.
Na biblioteca pré-escolar, ainda segundo Reyes (2008), o espaço deve se estruturar de
forma a acolher crianças desde o berçário até os anos finais da Educação Infantil (4-5 anos)
tendo livros de bebês, mas também destinados para crianças maiores. Assim, se recomenda
uma ampla diversidade textual que contemple livros de poesias, livros imagéticos, livros que
articulam imagem e texto, contos, livros informativos sobre temas diversos que interessem as
crianças e que se relacionem aos projetos desenvolvidos na escola. O acervo, por sua vez,
deve estar organizado em estantes baixas, de forma que propicie autonomia das crianças em
seu acesso e manuseio (Ibidem).
52

Na visão de Baptista (Glossário Ceale)11, a também chamada “Bebeteca” pela autora é


especializada no atendimento à primeira infância, isto é, às crianças de oito meses a seis anos
de idade. A autora, que coordena uma Bebeteca que funciona na Faculdade de Educação da
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), aponta os seguintes objetivos para esse
espaço: desenvolver atividades de leitura para crianças que não sabem ler ou que tiveram um
contato incipiente com este universo; promover capacitação de mediadores (bibliotecários,
professores e pais) que sejam capazes de realizar apropriadamente a seleção de obras e as
atividades para as crianças.
Baptista et al (2016, p. 121) também concordam com a necessidade da BE em
instituições de Educação Infantil, pois segundo ela...
Se aspirarmos a uma aproximação democrática, aos livros e à vida cultural,
na primeira infância, torna-se indispensável pensar na criação de bibliotecas
escolares, abertas e específicas para esse público. É imprescindível habitar
experiências que mostrem que não é necessário esperar que as crianças
aprendam a ler para frequentarem bibliotecas [...]

Os autores também afirmam que não basta criar esses espaços, é fundamental fazer
com que estes contemplem as especificidades da Educação Infantil. Nessa direção,
consideram essencial primar pela boa qualidade das intervenções e mediações, de forma a
envolver os pais, dando lugar a observação de gestos e interesses das crianças. Os autores
afirmam ainda que os profissionais, os pais e as crianças devem ver este espaço como um
lugar interessante e receptivo, capaz de aproximá-los da leitura e de outras experiências
estéticas.
Perrotti, Pieruccini e Carnelosso (2016), por sua vez, recomendam que o espaço físico
da BE que atende a Educação Infantil possua uma “organização dialógica”. Isto é, definida
mediante um diálogo permanente entre o espaço, as demandas das crianças e as atividades
realizadas no espaço. Os autores ressaltam ainda que as bibliotecas devem garantir a
segurança e a saúde das crianças e, ao mesmo tempo, acolhê-las em um ambiente confortável,
atraente e estimulante. Para isso discorrem sobre uma série de aspectos que devem ser levados
em conta. Por exemplo, os móveis precisam proporcionar conforto e a possibilidade de
manejo, além de serem duráveis e de fácil manutenção. Os acervos devem estar dispostos de
forma a atrair as crianças, apresentando as capas dos livros, em vez dos lombos. Também é
necessário garantir que o acervo e a mobília estejam limpos e bem conservados A sinalização
deve ser simples, direta e compreensível para crianças pequenas, permitindo o

11
Disponível em: http://www.ceale.fae.ufmg.br/app/webroot/glossarioceale/verbetes/bebetecas-bibliotecas-para-
a-primeira-infancia; Acesso em: 01 de agosto de 2019.
53

desenvolvimento de sua autonomia (PERROTTI et al, 2016). O espaço da BE para Educação


Infantil necessita, portanto, dialogar com as características específicas das crianças, atentando
ainda para quesitos mais gerais como dimensão, iluminação, ventilação e acústica adequados,
com instalações hidro sanitárias e elétricas suficientemente seguras para que as crianças não
estejam expostas à riscos (PERROTI, 2015).
Abaixo seguem duas figuras de diferentes BEs onde se pode ver a organização do
espaço, a disposição dos acervos e a postura da mediadora durante uma atividade de leitura.

Figura 01: Yolanda Reyes em uma atividade de mediação, em Casa de la Literarura, em Lima, Peru
Fonte: Reprodução Casa de la Literatura; Disponível em:
http://www.euquerominhabiblioteca.org.br/2019/03/a-poesia-na-primeira-infancia/; Acesso em 02 de
agosto de 2019

Figura 02: Bebeteca da Faculdade de Educação da Universidade Federal Minas Gerais


Fonte: Reprodução Ceale; Disponível em: http://www.ceale.fae.ufmg.br/pages/view/bebeteca-espaco-
de-formacao.html; Acesso em: 02 de agosto de 2019

Discutindo sobre os critérios de escolha para o “acervo de sala” para crianças da


Educação Infantil (os quais podem ser estendidos para a BE), Colomer (2016) afirma que é
54

necessário atentar para diversidade, adequação por faixa etária, qualidade das traduções, as
relações entre texto e imagem, a qualidade do texto e da imagem, bem como o enredo das
histórias. Segundo a concepção da autora, é fundamental garantir ampla diversidade de
gêneros, estilos, suportes e tipos de narrativa. Neste sentido, deve-se levar em conta também
aspectos que podem tornar o manuseio e a leitura dos livros atrativos para as crianças. Assim,
é recomendado, para as crianças menores, obras confeccionadas a partir de diferentes
materiais e texturas, com quinas arredondadas para evitar acidentes, textos curtos e páginas
grossas.
Também a respeito da seleção do acervo para crianças da Educação Infantil, Paiva
(2008) alerta que a apresentação da obra não pode, em hipótese alguma, ser o único aspecto a
ser considerado. Ao analisar os livros infantis inscritos no PNBE para serem avaliados, a
autora afirma que há uma exaustão de temáticas com poucas possibilidades estéticas e
potencial artístico. Ela observa que muitas das obras inscritas nesse Programa privilegiam
muito mais a apresentação do material (como, por exemplo, capas sempre coloridas e
elegantes, bem como ilustrações atraentes), do que aspectos discursivos relevantes.
Concordando com Paiva (2008) e Colomer (2016) também consideramos importante
que o acervo deva a um só tempo atrair as crianças por sua apresentação gráfica, como
também possuir um texto de boa qualidade, articulado com os interesses infantis. Além do
cuidado na seleção do acervo que irá compor uma BE para crianças pequenas também é
fundamental considerar sua organização e acessibilidade para crianças menores de 5 anos.
Vejamos, abaixo, algumas ações que podem contribuir nessa direção:
• Criar estratégias de catalogação que ajudem as crianças a procurarem os livros de
forma independente, classificando-os por cores, por exemplo;
• Expor os livros nas estantes mostrando a capa para que as crianças possam vê-las e,
assim, fazer suas escolhas, já que, dificilmente, conseguirão identificar os livros
através da lombada;
• Organizar os materiais do acervo em um mobiliário que esteja ao alcance das crianças;
• Criar um ambiente povoado de livros variados, oferecendo indicações de títulos em
espaços alternativos, como, por exemplo, em um tapete no chão ou em uma mesa.
Ainda em relação à organização dos acervos, Perrotti et al (2016) consideram que há
dois níveis de organização. O primeiro indicado para locais como cantinhos de leitura, onde
há uma quantidade mais limitada de títulos. Nesse nível, a organização consiste no
agrupamento do acervo por tipo (livros, revistas, CDs, etc). Os livros são arrumados por lotes,
55

de acordo com o material como que foi elaborado (livros de pano, de papel, cartonados, etc) e
registrados em uma lista digital ou fichário manual com as seguintes informações: nome do
autor em ordem alfabética, título do livro e um código do material. O segundo nível é
indicado para cantos de leitura de pré-escolas e salas de leitura, que possuem um número
maior de obras. Nesse caso, além da forma de organização proposta no primeiro nível,
sugerem a marcação com etiquetas por cores para diferentes classificações como: livros em
prosa; livros de poesia; livros informativos; livros de imagem; e livros de consulta ou de
referência.
A seleção e organização do acervo e demais aspectos citados acima são questões
fundamentais. No entanto, evidentemente, esses elementos, de forma isolada, não garantem
um bom funcionamento de uma biblioteca para crianças pequenas. Assim, as atividades
desenvolvidas pelos profissionais responsáveis pela BE são também essenciais para
aproximar as crianças deste contexto social e cultural. A esse respeito, Baptista et al (2016)
ao discutirem o projeto de extensão desenvolvido na Bebeteca da Faculdade de Educação da
UFMG, sinalizam algumas ações que podem também ser consideradas em BEs voltadas para
primeira infância, quais sejam: desenvolver atividades de leitura e de experiências artísticas
(cinema, vídeo, teatro, música e artes visuais), além de atividades relacionadas à literatura;
Neste sentido, a mediação de leitura ganha relevo, sendo ela responsável pela efetiva
familiarização das crianças com o espaço da BE, seus acervos e suas atividades. Segundo
Bajard (2014, p. 300), “Cabe ao mediador construir situações de leitura adequadas as
capacidades infantis, tendo em vista engendrar um contexto fértil em torno dos textos”.
Portanto, o mediador é aquele que vai possibilitar o encontro da criança com o texto. Para
Paiva (2016, p. 40) o mediador de leitura, esteja na biblioteca ou nas salas das crianças de
Educação Infantil, é responsável por possibilitar “a construção de sentidos por esse ‘leitor’, do
qual ainda não se espera que saiba ler sozinho”.
Brandão e Rosa (2010a; 2010b), por sua vez, sinalizam a importância do mediador na
escolha do texto literário a ser lido para as crianças. Para elas a escolha de “bons textos” 12 é o
ponto de partida para uma “boa conversa” sobre eles. As autoras reconhecem, entretanto, que

12
Para as autoras, bons textos literários são “aqueles que aproximam o leitor do mundo ficcional por meio da
organização de um discurso que amplia seu horizonte cultural e está carregado de significados que atendem às
exigências estéticas tanto do adulto quanto da criança” (BRANDÃO e ROSA, 2010a, p.78). Uma “boa conversa”,
por sua vez, parte de perguntas variadas formuladas pelo mediador e que estimulam a produção de sentidos
implícitos, não se limitando apenas àquilo que o texto diz explicitamente
56

nem sempre é preciso conversar sobre tudo que se lê e que há bons textos que não,
necessariamente, convidam para uma conversa.
Nessa perspectiva, para Brandão e Rosa (2010a; 2010b) o ato de mediar a leitura
perpassa desde a escolha do que será lido até a conversa que pode ser conduzida antes,
durante e depois da leitura. As autoras também destacam a possibilidade de que os
mediadores na escola possam planejar um roteiro de perguntas abertas para orientar a
conversa sobre os textos literários. Essa recomendação é igualmente mencionada por Bajour
(2012) quando ela afirma que:
Pensar nos textos com antecedência é imaginar perguntas, modos de
apresentar e adentrar nos livros, estratégias de leitura e também de escrita
ficcional, possíveis pontes entre o texto proposto e outros etc. É fazer uma
representação provisória da cena com os leitores, que, por mais que sejam
conhecidos, nunca se conhece o todo, que certamente surpreenderão nossas
previsões, já que ninguém pode antecipar com certeza o rumo dos sentidos
do texto. (BAJOUR, 2012, p. 60).

Bons mediadores, portanto, são aqueles sabem abrir as portas para o mundo da leitura
e estimular que as crianças leiam, despertando sua curiosidade intelectual desde muito
pequenas, valorizando o livro como um tesouro. Nessa direção, tal como afirmam Baptista et
al (2016, p. 16), as bibliotecas nas instituições de Educação Infantil podem desempenhar um
papel fundamental. Nas palavras das autoras:
Converter essas crianças, desde a mais tenra idade, em usuárias estáveis da
biblioteca infantil permite que os livros cheguem aos lares, e que cada
família possa aproveitá-los ao seu modo e em seu tempo. Essa apropriação
por parte das crianças resulta na assiduidade e no contato com a leitura, o
que enriquece notavelmente suas experiências e contribui para a garantia do
seu direito de aceder ao universo da linguagem escrita e, mais
especificamente, à literatura, à ficção.

A relação entre as famílias das crianças e a biblioteca mencionada na citação de


Baptista et al (2016) serão foco da nossa atenção no próximo item.

2.2.3. A presença das famílias na Biblioteca Escolar para crianças pequenas


Alguns autores (por exemplo, REYES, 2008 e Baptista et al, 2016) têm ressaltado que
uma das características próprias das bibliotecas para crianças menores de cinco anos é grande
presença das famílias. Afinal a criança pequena ainda não pode ficar sozinha na biblioteca. O
que dizer, então, dessa presença nas bibliotecas em instituições de Educação Infantil?
Bonilla e Goldin (2008) ao defenderem a importância das relações de troca entre a
escola e a casa, acreditam que o desenvolvimento da competência leitora pode se dar de forma
57

muito mais exitosa quando as crianças e jovens têm contato com os livros também na família.
Considerando que esse não se trata de um objetivo fácil, os autores argumentam que as BEs e
públicas poderiam exercer um papel fundamental nesse processo, já que permitem o acesso a
livros para aqueles que não os tem em casa; oferecem possibilidades para as famílias de
interação e encontros com os livros e podem ainda despertar nas famílias o desejo pela leitura,
para que possam auxiliar seus filhos.
Bonilla e Godin (2008, p. 124) são também enfáticos a respeito da importância da BE
para o envolvimento das famílias com a leitura. Na visão dos autores, este espaço é singular
neste processo porque “puede unir a los niños com a sus padres y maestros en una situación
de aprendizaje”. Segundo os autores, o convite à participação de atividades na BE poderia
representar uma oportunidade de aproximar de uma só vez pais e crianças ao universo do livro
e da leitura.
Reyes (2008) vai mais longe ao afirmar que os adultos (pais, avós e cuidadores)
constituem um público essencial de uma BE, sobretudo, quando se trata de Educação Infantil.
Assim, para a autora, a BE nesta etapa é um lugar para o encontro geracional, já que as
crianças pequenas não podem “caminhar” sozinhas. Ou seja, ainda que as crianças “leiam” os
livros de alguma forma, elas precisam de uma pessoa (mediador) que faça a leitura
convencional para elas.
Para Bonilla e Godin (2008) na medida em que as crianças e as famílias vão mantendo
essas práticas...
[...] niños y adultos van desarrollando uns mayor familiaridade com los
libros, disminuye la ansiedade que éstos pueden generarles; padres e hijos
despliegan uma diversidade de interesses, tanto de naturaliza literária como
informativa [...] la lectura compartida cotidianamente por gusto y sin ejecer
pressiones de ningún tipo, genera uma mayor consciência entre los padres
sobre el desarrollo de sus hijos y sobre el efecto positivo que ellos pueden
tener sobre dicho desarrollo, tanto em aspectos afectivos como congnitivos
(especialmente em los âmbitos comunicativo y lingüístico) (BONILLA &
GODIN, 2008, p. 128).

Belmiro e Galvão (2016) também ressaltam a necessidade do diálogo entre as famílias


e escolas de Educação Infantil para estimular a formação de leitores. Segundo as autoras, o
diálogo das professoras com as famílias sobre livros de literatura pode “inseri-las no processo
como agentes de construção de um caminho profícuo e constante de leitura para seus filhos e
suas filhas que ultrapasse os muros da escola.” (BELMIRO e GALVÃO, 2016, p. 50). Ainda
de acordo com as referidas autoras, uma forma de promover este diálogo é convidando as
famílias a participarem de momentos na escola, em que haja sessões de leitura, possibilitando
um resgate de suas próprias trajetórias leitoras, fazendo com que as famílias também
58

participem de situações semelhantes àquelas vividas pelas crianças, o que, certamente, irá
contribuir para que incorporem, cada vez mais, a leitura em seu cotidiano.
Por fim, vale destacar a experiência do Projeto Mala de Leitura, desenvolvida numa
escola municipal, situada em uma comunidade de baixa renda, no Recife. O projeto tinha o
objetivo de desenvolver o gosto pela a leitura no contexto familiar por meio da circulação de
livros. Ao relatar essa experiência, Rosa e Brandão (2010) afirmam que as famílias se
mostraram extremamente receptivas à iniciativa, observando-se, ao longo do projeto, uma
maior aproximação entre elas e as professoras e a escola, de modo geral. As famílias também
demonstraram sensibilidade quanto às necessidades educacionais de seus filhos, sobretudo, no
tocante ao desenvolvimento do interesse pela leitura. Isso prova que, se bem elaboradas,
mesmo em contextos de forte vulnerabilidade social, algumas ações podem promover a
aproximação da família com a escola, com a BE e com o universo da leitura.
Por fim, entendemos que a BE pode se constituir em um espaço privilegiado para o
desenvolvimento de projetos dessa natureza, já que em princípio dispõe de um mediador
disponível e que pode desenvolver ações, envolvendo não apenas as crianças, mas também
suas famílias, que promovam o acesso aos livros, à leitura e a participação em atividades
culturais mais livres que independem do currículo prescrito. Nesse sentido, a BE, pode ser um
elemento articulador fundamental entre as famílias e a escola.
No próximo capítulo, descrevemos o percurso metodológico adotado na presente
pesquisa e indicaremos as categorias de análise e procedimentos de investigação que foram
seguidos.
59

3. PERCURSO METODOLÓGICO
60

Iniciamos essa seção situando o motivo pelo qual delimitamos o campo da presente
pesquisa na rede municipal de ensino do Recife. Para isso, apresentamos dados extraídos de
um documento produzido em 2009 pela gestão da Prefeitura que instituiu o Programa Manuel
Bandeira de Formação de Leitores, uma entrevista realizada em 2018 com a atual
coordenadora deste Programa e dados obtidos no site da Prefeitura do Recife. Em seguida,
explicitamos os critérios utilizados na seleção das BEs estudadas nesta pesquisa,
apresentamos informações relevantes sobre cada um desses espaços e traçamos um breve
perfil profissional das professoras que neles atuam. Nos itens seguintes, os procedimentos
metodológicos da pesquisa são detalhados e, por fim, apresentamos a forma como
organizamos a análise dos dados produzidos nas observações e entrevistas.

3.1 Escolha das bibliotecas escolares, caracterização destes espaços e de seu


pessoal

Optamos por realizar este estudo na Rede Municipal do Recife, considerando a


existência do Programa Manuel Bandeira de Formação de Leitores voltado especificamente
para atuar junto aos professores de bibliotecas. O referido Programa foi criado em 2006,
vinculado à Gerência de Biblioteca e Formação de Leitores (GBFL) na perspectiva de
contribuir para consolidação de uma política de leitura na época. De acordo com o documento
publicado pela Prefeitura (BANDEIRA, ROSA e BRANDÃO, 2009, p. 12) que sintetizou a
proposta, a prioridade era implementar as seguintes ações:
01) Concurso de projetos de instalação ou reestruturação de bibliotecas
escolares, com inscrições no período de 16.02 a 17.03.2006.
02) Fomento à criação de redes de leitores.
03) Ampliação do quadro de professores de bibliotecas.
04) Formação Continuada de 200 mediadores de leitura (150 professores de
biblioteca e 50 estagiários).
05) Consolidação de uma linha editorial constituída de livros produzidos por
estudantes de todas as modalidades de ensino e por professores.
06) Criação de Conselho Editorial formado por representantes da DIRE,
DITE, DIAE, FCCR/Diretoria de Editoração para selecionar e organizar o
material a ser publicado.
07) Publicação de 04 coletâneas de histórias de estudantes, contemplando as
quatro modalidades de ensino e 04 coletâneas de histórias do professor,
sendo a primeira de literatura infantil; a segunda de contos; a terceira de
poesias; e a quarta de sistematização de experiências (julho, agosto, outubro,
dezembro/2006).
08) Seminário sobre bibliotecas escolares (julho/2006).
61

09) Oficinas de leitura, contação de histórias, contos africanos, rodas de


leitura com leitores de Libras e Braille, para professores, educadores de
escolas comunitárias, animadores culturais, mediadores de leitura (julho,
agosto)
10) Fomento a criação de acervos para estudantes, professores e mediadores
de leitura.

Como se pode constatar, não se tratava apenas de um Programa para a aquisição e


distribuição de acervos. Ao contrário, as ações listadas acima investiam na
instalação/requalificação do espaço físico das BEs, na formação de professores mediadores de
leitura, bem como de uma rede de leitores e de BEs calcada em certos princípios que podem
ser depreendidos das 10 ações indicadas no documento.
Segundo Bandeira, Rosa e Brandão (2009), a situação dos espaços destinados a leitura
das escolas da rede municipal de Recife até 2005, ano anterior ao início da atuação do
Programa, era muito difícil. Os espaços eram, em sua maioria, inadequados para a realização
de atividades e os acervos eram, majoritariamente, compostos por livros didáticos. As
condições desses espaços e dos acervos foram substancialmente transformadas com a
implementação do Programa, que reestruturou ou instalou mais de 32 bibliotecas (dentre elas
algumas em instituições de Educação Infantil) em seus primeiros três anos de atuação. Ainda
segundo as referidas autoras, o Programa realizou oficinas de ambientação para diferentes
públicos, reformulou e redimensionou os acervos, promovendo a autoria local, constituindo
redes de leitura e escrita, propondo atividades de contação de histórias, pesquisa, recitais de
poesia, música, etc.
O Programa Manuel Bandeira de Formação de Leitores esperava contribuir para a
mudança de paradigma quanto ao papel da BE. Contudo, apesar dos notáveis êxitos relatados
acima, constatamos que certos fatores vêm limitando sua atuação atualmente. Esta é a
conclusão a que chegamos após uma entrevista realizada, em janeiro de 2018, com a então
coordenadora do Programa. Vejamos o que ela diz:

C: O Manuel Bandeira ainda está vivo, é muita luta. Todo ano a gente
precisa tá se renovando pra continuar existindo.
E: E enfraqueceu muito, né?
C: Muito, muito, muito.
[...]
C: Existia a Gerência de Biblioteca na rede, aí em 2006 se criou o Programa
Manuel Bandeira, que fazia parte da gerência, aí, hoje não tem mais a
Gerência, ficou só o Programa. Programa Manuel Bandeira, enfraqueceu
porque a gerência, ela alimentava o Programa, porque ela recebia recurso,
tudo, né? Aí quando deixou de ser Gerência, o Programa ficou fazendo parte
de outras gerências, que, às vezes, não têm nada a ver com a gente, e que
regem a gente. Tais entendendo?
E: Aí hoje vocês estão com que gerência?
62

C: A gente tá com a de Política e Formação Pedagógica.


(Transcrição de trecho da entrevista realizada com a coordenadora do
Programa Manuel Bandeira de Formação de leitores, 31/01/2018)

No trecho abaixo a coordenadora comentou ainda sobre a questão do atual quadro de


professores de biblioteca. Vejamos o que ela diz:
C: [...] então a gente recebe muito professor readaptado, né? O Programa
hoje, por orientação da própria rede, é composto por professor readaptado.
Eu acho que de duzentos e poucos professores, é... vamos dizer, 30 não são
readaptados.
E: Tem outra forma de se chegar à biblioteca sem ser readaptado?
C: Tem, tem sim. O professor acumulando, que é pouquíssimo. A gente
tinha há uns 3 anos atrás, a gente tinha um quantitativo de 60 professores
acumulando. Professor que atuava em sala em um horário e no outro horário
em biblioteca. Então, era maravilhoso, porque o professor, ele realmente
tinha disposição, tinha toda a saúde, né? Disponibilidade, tudo pra atuar, né?
E conseguir realizar as atribuições que a gente orienta. Mas hoje, a gente
perdeu esses 60 professores. Temos, como disse a você, se muito tivermos,
uns 30 professores, né? [...]
(Transcrição de trecho da entrevista realizada com a coordenadora do
Programa Manuel Bandeira de Formação de leitores, 31/01/2018)

Mesmo com o enfraquecimento do PMBFL, fomos informadas sobre encontros


mensais de formação continuada para os professores de biblioteca da rede, além de ações de
acompanhamento desses profissionais. Não encontramos, entretanto, qualquer documento
oficial, além daquele produzido em 2009 (citado acima), que especifique as atuais ações,
prioridades e princípios do Programa.
Além do PMBFL, no site da Prefeitura do Recife tivemos acesso a diversas
publicações anunciando investimentos no âmbito da leitura. Destacamos, por exemplo, o
Projeto Brinqueducar que, de acordo com a matéria13 publicada nesse site no dia 07/03/2018,
foram distribuídos 121.000 livros para crianças de 0 a 5 anos. Algumas professoras de
biblioteca também informaram receber formação continuada pelo Brinqueducar, porém
também não encontramos um documento oficial com maiores informações sobre o
funcionamento, pauta e abrangência do Briqueducar.
Foi nesse contexto, que buscamos encontrar “ambientes de leitura”14 que estivessem
funcionando em instituições com turmas exclusivamente de Educação Infantil e que

13
Disponível em: http://www2.recife.pe.gov.br/noticias/07/03/2018/educacao-aposta-na-leitura-para-formacao-
de-futuros-cidadaos Acesso em: 16 de setembro de 2018.
14
De acordo com Bandeira, Rosa e Brandão (2009), para a Rede de Recife, os ambientes de leitura nas escolas
podem ser classificados em três tipos: 1) bibliotecas: com capacidade de atendimento para turmas a partir de 25
estudantes, com mobiliário característico e acervo que ultrapassa 750 obras; 2) cantinhos de leitura: mais
frequentes nas Creches, sobretudo, nas salas das crianças, com a utilização de expositores de obras, estantes ou
outros arranjos; 3) salas de leitura: ambientes com dimensões inferiores em relação às da bibliotecas, com
capacidade de atendimento de 10 a 15 estudantes e com acervo em menor quantidade.
63

dispusessem de uma professora responsável para este espaço, com uma rotina de trabalho
junto às crianças. Para isso, solicitamos indicação à coordenação do PMBL e conversamos
com outros profissionais da Prefeitura do Recife.
Esse processo de definição das instituições que participariam da pesquisa foi
extremamente árduo, pois não havia dados relativos à quantidade exata de instituições de
Educação Infantil com ambientes de leitura e professora responsável. Assim, tivemos muita
dificuldade em localizar BEs com os requisitos acima discriminados. Além disso, ao longo do
processo de contato com esses espaços, algumas bibliotecas indicadas foram fechadas por
problemas estruturais (como vazamentos e infiltrações), outras de tão pequenas consideramos
inapropriado chamá-las de biblioteca e ainda tivemos que lidar com a transferências de
algumas professoras para bibliotecas em escolas que contemplavam outros segmentos
educacionais.
Nesse sentido, parece que as Creches e CMEIs não têm tido, de fato, prioridade, tal
como já havia sido apontado na entrevista realizada com a coordenadora do PMBFL.
Vejamos um trecho da entrevista a esse respeito:
C:A gente tá agora com essa meta, né? Esse foco de tentar encaminhar
professor pra escolas que têm o espaço e escolas que tenha os anos iniciais,
né? Alfabetização, tudo. É... muitas escolas que têm anos iniciais, também
têm Educação Infantil. E o professor que atua no espaço de leitura, ele
atende a todas as turmas, não é? Mas agora, a gente, a prioridade é essa, as
escolas mesmo. Aí, Creches e CEMEIs, agora, nesse momento, a gente não
tá encaminhando professor.
(Transcrição de trecho da entrevista realizada com a coordenadora do
Programa Manuel Bandeira de Formação de Leitores, 31/01/2018)

Enfim, mesmo diante deste contexto, encontramos duas instituições com os requisitos
que havíamos definido (bibliotecas em instituição exclusivamente de Educação Infantil, com
rotina de atendimento semanal às crianças e com professor de biblioteca responsável) e
iniciamos o processo de coleta dos dados. Para a realização da pesquisa, solicitamos dois
ofícios de autorização da Secretaria Municipal de Educação do Recife, cujo parecer favorável
à sua realização nos foi concedido. Também solicitamos autorização e consentimento dos
profissionais envolvidos por meio da assinatura de um “termo de compromisso para
participação em projeto de pesquisa”.
O período de coleta de dados correspondeu aos meses de agosto até dezembro de
2018. Os dias foram agendados com a gestão da escola e com as responsáveis pelas BEs. No
subitem seguinte realizamos uma caracterização das bibliotecas da Creche e do CMEI
(doravante chamadas de instituições “A” e “B”), na intenção de apresentar as circunstâncias
64

das práticas observadas e que serão analisadas mais adiante. A descrição dos procedimentos
metodológicos, por sua vez, é feita no item 3.2

3.1.1 Breve caracterização das bibliotecas observadas


Conforme relatado anteriormente, nosso estudo foi realizado na cidade do Recife. Para
efeito de formulação, execução e avaliação permanente das políticas e do planejamento
governamentais o município é dividido em seis Regiões Político-Administrativas - RPAs.
Ambas instituições estudadas pertencem a Região Político Administrativa I (RPA1). Tal
informação é relevante porque evidencia o fato de que, mesmo situadas em uma mesma
região geográfica, as instituições podem apresentar realidades muito distintas, conforme se
verá mais adiante.

i. Instituição A
Corresponde a uma Creche que recebe crianças de 0 a 3 anos, com turmas do Berçário
ao Grupo 3. No ano de 2018 a equipe da instituição era composta por 58 funcionários com
103 crianças matriculadas, sendo 15 no Berçário, 19 no Grupo 1, 20 no Grupo 2, 25 no Grupo
3A e 24 no Grupo 3B. A estrutura física da instituição A contava com 5 salas para as crianças
(não climatizadas), cozinha, sala de leitura, parque, secretaria, refeitório, dispensa,
almoxarifado, hall e lavanderia.
As crianças passavam o dia na Creche, no turno da manhã ficavam em seus
respectivos grupos, com horários semanais específicos para visitas à BE. No turno da tarde,
auxiliares de desenvolvimento infantil (ADIs) conduziam atividades de recreação com as
crianças.
A biblioteca dessa instituição era climatizada e funcionava de segunda a quinta-feira
com o horário de visita preestabelecido pela coordenação e equipe de professoras (8h às 10h e
14:30h às 15:30h). Nas sextas-feiras havia expediente interno com atividades como
organização do acervo, formação continuada, planejamento, etc. Seu espaço era pequeno,
equivalente a 12,76 m². Em seu interior havia um armário de ferro grande, um armário de
madeira (ambos com portas), um expositor de livros, uma prateleira, três caixotes para colocar
livros e uma televisão fixa na parede (Figura 03). Nesta biblioteca atuavam duas professoras
readaptadas de função por problemas de saúde, uma recebia as crianças no horário da manhã e
a outra à tarde.
65

Figura 03: A biblioteca da instituição "A"


Fotografia: a autora, 2018

ii. Instituição B
A instituição B é um Centro Municipal de Educação Infantil (CMEI), que recebe
crianças de 3 a 5 anos. Foram matriculadas na instituição B, no ano de 2018, 127 crianças,
sendo 20 no Grupo 3A, 21 no Grupo 3B, 20 no Grupo 4A, 20 no Grupo 4B, 14 no Grupo 5A,
15 no Grupo 5B e 17 do Grupo 5C Em sua equipe atuavam 69 funcionários e a estrutura física
contava com sete salas (climatizadas) para as crianças, sala de diretoria, sala de professores,
sala de recursos multifuncionais para Atendimento Educacional Especializado (AEE), espaço
amplo coberto com um palco, cozinha, biblioteca, parque, sala de secretaria, almoxarifado e
lavanderia.
Assim como na instituição A, as crianças passavam o dia na escola. No turno da
manhã acompanhadas pelos professores, e a tarde pelos ADIs e estagiários. A biblioteca havia
passado por um período sem funcionar por conta de uma reforma. Assim, quando iniciamos o
processo de coleta, o local ainda estava sendo reorganizado. Um dado positivo foi o aumento
do espaço da biblioteca que, antes da mudança, era muito menor. Mas, por iniciativa da
gestora, foi realocada para um maior, onde se podia desenvolver atividades em seu interior e
dispor de mais objetos.
Duas professoras readaptadas eram responsáveis pelo espaço. Uma delas havia sido
alocada na escola no turno matutino há pouco tempo, e encontrava-se com uma licença
médica de 6 meses, desde sua transferência. Portanto, não conseguimos contatá-la. A outra
professora, cuja prática nós observamos, trabalhava no horário vespertino e estava retornando
depois de um mês de licença médica.
No período de coleta, a biblioteca estava sempre aberta. Segundo os funcionários da
escola, no turno da manhã, já que a professora responsável estava ausente, as professoras
utilizavam o espaço para fins diversos como jogos e brincadeiras. No turno da tarde, havia um
66

horário específico, de segunda a quinta, para o trabalho com cada grupo. Tal como na
instituição A, nas sextas-feiras, a professora da biblioteca também realizava atividades
internas, como formação continuada, leitura e organização dos livros, planejamento de
atividades e projetos.
O espaço interno da biblioteca era climatizado e amplo, com três mesas redondas com
seis lugares, três estantes (uma dupla e alta, e outras duas pequenas), dois expositores, três
armários (sendo um de parede, um comum e outro com expositor de livros na porta),
inúmeros nichos e prateleiras de parede, além de uma mesa com gaveteiro para a professora
de biblioteca. A BE também contava com um cabideiro para fantasias. O espaço podia
comportar cerca de 25 crianças sentadas no chão (Figura 04).

Figura 04: Aspectos da biblioteca da instituição "B"


Fotografia: a autora, 2018

No subitem seguinte realizamos uma breve descrição das professoras de biblioteca que
participaram deste estudo. Ressalte-se que a presente pesquisa trabalhou com diferentes
grupos de sujeitos, quais sejam: professoras de biblioteca, professoras de diferentes grupos de
crianças, gestores, ADIs, crianças e suas famílias. Contudo, as observações aconteceram
apenas em relação às práticas das professoras de biblioteca e, por isso, a caracterização abaixo
limitou-se a essas profissionais.

3.1.2 As professoras de biblioteca


As professoras de biblioteca participantes da pesquisa foram readaptadas de função
por problemas de saúde. As três tinham mais de um vínculo profissional e chegaram até este
local por caminhos diferentes. O Quadro 01, abaixo, sintetiza o perfil dessas profissionais.
67

Quadro 01: Perfil profissional das professoras de biblioteca

TEMPO NA MOTIVO PARA


TEMPO
INSTITUIÇÃO IDADE FORMAÇÃO EDUCAÇÃO A
NA BE
INFANTIL READAPTAÇÃO
Pedagogia pela FACHO. Pós-
Graduação em Coordenação
Pedagógica pela UFPE e Pós-
01 A 49 anos Graduação em Linguística 4 anos 19 anos Problemas na voz
aplicada ao Ensino de Língua
Portuguesa pela UNICAP

Pedagogia pela UFPE. Pós-


Graduação em Formação do Problemas
02 A 58 anos
Educador, UFPE
4 anos 8 anos
psicológicos

Letras pela FACHO.


03 B 48 anos Especialização em Gestão da 3 anos 12 anos Problemas na voz
Educação pela Joaquim Nabuco

Elaboração: a autora, 2019

Desde o início de sua trajetória profissional, a professora 1 atua na Educação Infantil,


na mesma instituição de ensino. Segundo informou, os primeiros 12 anos foram como
professora, seguido de mais 3 anos de coordenação pedagógica e mais 4 anos como professora
de biblioteca. Selecionamos um trecho de sua entrevista, em que a professora comenta como
chegou a BE:
P1: Na verdade, eu já estava readaptada. Eu fui readaptada por voz. Aí eu
fiquei trabalhando na coordenação pedagógica. Eu passei, acho que uns 3
anos na coordenação pedagógica, mas somente em um horário, que era o
horário da manhã. E a tarde tinha outra coordenadora pedagógica. Aí houve
uma seleção para coordenador pedagógico que disse que quem estava
readaptado teria que fazer a seleção também. E eu fiz a seleção, e aí ela disse
que quem estava readaptado, e só estava quatro horas, iria permanecer com
as quatro horas. Mas só que depois que a gente fez a seleção, aí disse que
não, que a gente ia ter que pegar as oito horas. Que ia ter que trabalhar as
oito horas. E aí eu não podia porque eu tinha o estado (refere-se ao outro
vínculo). Eu não podia me comprometer porque não ia dar. Aí eu fiquei sem
ter pra onde ir, né? Aí foi justamente quando eu estava nesse processo que
eles abriram, pra as pessoas que estavam/ entrar. Aí eu fiz a seleção interna
de lá, né? do Programa Manuel Bandeira, pronto, aí vim pra cá! (Transcrição
de trecho da entrevista realizada com a professora 1, 13/08/2018).

No trecho transcrito, nota-se que sua entrada na biblioteca não se deu por motivação
pessoal. Ao que parece também não havia intenção da rede de compor uma equipe interessada
nas pautas da BE. O problema concreto era a necessidade de relocar profissionais afastados de
suas funções para não ficarem ociosos.
A professora 2 começou a trabalhar neste segmento de ensino há 8 anos.
Anteriormente, atuava nos anos iniciais do Ensino Fundamental, quando na ocasião teve uma
68

grande decepção com a sala de aula e solicitou mudança de função. Para que possamos
compreender o contexto em que iniciou seu contato com a Educação Infantil, selecionamos
alguns trechos de sua entrevista:
E: Você estava em que série, quando foi readaptada?
P2: No 1º ano.
E: Aí você veio logo pra essa biblioteca?
P2: Não. Eu me readaptei, passei um tempo de licença médica, né? Seis
meses. Aí me foi oferecido pra eu ir trabalhar como agente administrativo.
Aí foi quando surgiu a biblioteca, né? E eu quis vir pra biblioteca.
E: Você gosta?
P2: Eu gosto muito de trabalhar com essas crianças.
[...]
E: E antes de vir pra cá (biblioteca), tu estavas onde?
P2: Eu trabalho aqui faz uns 5 anos, mas antes eu estava como agente
administrativo. Eu fui transferida porque pedi para trabalhar mais
diretamente com as crianças.
[...]
P2: Na realidade, quando eu comecei assim, com uns problemas, eu estava
no 5º ano, os meninos fora de faixa. Aí teve uma briga na minha sala e eu
apartei a briga e o menino chegou em casa dizendo que eu tinha batido nele.
E eu não bati, eu apartei a briga. Aí a mãe chegou braba, querendo bater em
mim, foi uma confusão tão grande! Aí isso me desgostou.
[...]
P2: O problema é que eu cansei de sala de aula. Eu gostava, mas é porque é
difícil lidar. Depois a idade vai chegando e a gente vai ficando cansada de tá
dando murro em ponta de faca (Transcrição de trecho da entrevista realizada
com a professora 2, 10/09/2018).

Na fala da professora 2 nota-se que sua experiência profissional é marcada por um


contexto de violência e desgaste físico e emocional, o qual não podemos deixar de considerar
em nossa análise. A professora também deixa explícito que gosta de trabalhar com as crianças
na instituição em que está, o que consideramos um aspecto positivo. Entretanto,
diferentemente da trajetória da professora anterior, foi apenas na biblioteca que a professora 2
teve seu primeiro contato profissional com crianças pequenas.
A professora 3, por sua vez, teve um caminho distinto das outras duas, pois contou que
antes mesmo de adoecer e se readaptar, já tinha a intenção de trabalhar na biblioteca:
P3: Eu, quando estava como professora, aí abriu inscrição para professores
de biblioteca. Eu queria vir para a biblioteca porque eu fiz letras e eu amo
essas literaturas, principalmente essas literaturas assim, infantil, sou meio
suspeita (risos). Aí, na época, eu fiz o projeto, tudinho. Mas, ficou
complicado para eu ser selecionada porque eu não tinha minha graduação
concluída.
[...]
Tinha que fazer um projeto e não era específico para quem estava
readaptado, porque eu ainda não estava readaptada (Transcrição de trecho da
entrevista realizada com a professora 3, 08/11/2018).
69

Ela expressa ainda como foi difícil o processo de realocação de função. Ao sair de sala
de aula em decorrência de problemas na voz, solicitou ao departamento que atende aos
funcionários que estão em processo de readaptação para ser direcionada à biblioteca. Segundo
ela, seu pedido foi negado sob o argumento de que o espaço não seria o mais recomendado
para o seu problema de saúde.
Permanecendo no cargo de assistente de direção, outros problemas começaram a surgir
e a professora 3 foi “devolvida” pela diretora da escola ao departamento responsável pelo
processo de readaptação de função. No referido departamento, foi proposto que ela passasse a
desenvolver atividades internas. Ao negar a proposta, a professora sugeriu novamente ser
realocada para a biblioteca escolar:
P3:Aí disseram: não, você vai ficar aqui no departamento, trabalhando. Eu
me conheço, não dá para eu ficar parada, sentada num birô, escrevendo, eu
não vou conseguir. Eu tenho que tá com vida, na dinâmica. Aí eu disse: não
vai dar certo, me deixe na biblioteca. Faça o projeto. Eu fiz lá o projeto,
tudinho, fiz a avaliação. [...] (Transcrição de trecho da entrevista realizada
com a professora 3, 08/11/2018).

Vimos, portanto, que as três professoras de biblioteca apresentam trajetórias distintas


que serão consideradas no momento da análise dos dados coletados nesta pesquisa.

3.2. Procedimentos metodológicos e categorias de análise


Este estudo é de natureza qualitativa, pois analisamos de forma descritivo-analítica o
funcionamento de BEs em instituições de Educação Infantil. Para Bogdan e Biklen (1994), as
análises descritivo-analíticas possuem cinco características. São elas: (1) o ambiente natural é
a fonte direta de dados; (2) os dados apresentam-se de forma descritiva; (3) ênfase no
processo e não no produto ou resultado; (4) a análise de dados se dá de forma indutiva, ou
seja, os resultados emergem à medida que os dados particulares que foram recolhidos vão se
agrupando; (5) as estratégias e procedimentos utilizados na pesquisa possibilitam considerar
as experiências do ponto de vista dos sujeitos.
Para uma melhor descrição do percurso metodológico adotado neste estudo, a seguir
discutiremos separadamente os procedimentos de coleta e de análise dos dados, assim como
apresentaremos as categorias e subcategorias nas quais nos ancoramos para refletir sobre os
dados encontrados.
70

3.2.1 Procedimentos de coleta dos dados


Um dos procedimentos adotados para a coleta dos dados foi a observação não
participante da rotina das BEs. Segundo Richardson (2008), neste tipo de observação, o
pesquisador atua como um espectador atento. “Baseado nos objetivos da pesquisa, e por meio
de seu roteiro de observação, ele procura ver e registrar o máximo de ocorrências que
interessa seu trabalho” (Ibidem, p. 260).
Isto significa que, diante do que foi observado, tivemos a intenção de descrever
comportamentos e acontecimentos, dentro do nosso foco de estudo, visando a compreensão da
realidade encontrada. Na tentativa de minimizar as interferências da pesquisadora nas
observações conduzidas nas BEs, realizamos duas visitas às instituições A e B para conhecer
previamente o local, assim como as professoras das bibliotecas e crianças. Após esse período
de familiarização com os participantes, realizamos 10 dias de observação da rotina de cada
BE.
O período de observação da BE da instituição A foi do dia 13/08/2018 ao dia
12/09/2018, sendo oito das dez observações feitas pela manhã e duas a tarde. As observações
da BE da instituição B ocorreram entre os dias 05/11/2018 e 06/12/2018, apenas a tarde.
Inicialmente, tínhamos a intenção de realizar dez dias consecutivos de observação em cada
instituição. Porém, em função de situações como formações das professoras, faltas por
motivos de saúde e mudança no expediente por problemas da escola, isso não foi possível.
Além da observação das práticas conduzidas em cada BE, realizamos uma série de
entrevistas com diferentes segmentos profissionais da comunidade escolar, a saber:
• professoras de biblioteca, na intenção de traçar os perfis dessas profissionais,
conhecer suas atribuições e seus pontos de vista sobre o papel da BE.
• Professoras das crianças, no intuito de entender sua interação com a BE e a
importância que elas atribuem a este espaço.
• ADI, com o propósito de perceber as possibilidades de interação entre as
atividades realizadas na BE e as propostas para as crianças no turno em que
não há professoras na instituição.
• gestora e coordenadora pedagógica das instituições A e B para compreender
o lugar da BE no âmbito mais geral das instituições educativas.
Conforme Lahire (1998), acreditamos que o papel do pesquisador ao realizar
entrevistas é ajudar o pesquisado a “dizer o que tem que dizer”. Ou seja, falar sobre situações
do seu dia a dia que revelem aspectos de sua prática, buscando acessar informações que,
71

dificilmente, o entrevistado conseguiria expressar espontaneamente (Ibidem, p. 27). Desta


forma, elaboramos dois roteiros, um para as professoras das BEs e o outro para as professoras
e ADIs (ver roteiros nos Apêndices II e III). Durante as entrevistas buscamos estabelecer um
clima de conversa, dando ênfase à escuta dos sujeitos entrevistados. De três
professoras/docentes da instituição B convidadas a participarem da pesquisa, apenas uma
aceitou e atendendo sua solicitação não identificamos o grupo de crianças em que atuava. No
Quadro 2 apresentamos os profissionais entrevistados em cada instituição.

Quadro 02: Entrevistados por instituição

INSTITUIÇÃO ENTREVISTADOS INSTITUIÇÃO ENTREVISTADOS

Professora da BE manhã
Professora da BE
Professora da BE tarde
Gestora
Gestora
Coordenadora Pedagógica
Professora do Berçário
A B Coordenadora Pedagógica
Professora do Grupo 1 Professora

Professora do Grupo 2
ADI
Professora do Grupo 3A

Todas as entrevistas foram gravadas e posteriormente transcritas para análise.

3.2.2 Procedimentos de análise dos dados e construção das categorias


Os dados foram examinados com base na “análise de conteúdo”, proposta por Bardin
(2016). Assim, após o período de coleta dos dados, realizamos inicialmente uma “pré-análise”
do material, seguida de uma “exploração deste mesmo material”, resultando em um processo
final de “tratamento dos resultados”, e, por fim, de “interpretação”.
O primeiro “polo cronológico” da análise de conteúdo, tal como sugerido por Bardin
(2016), é o da pré-análise. Este consiste na atividade de tornar operacionais as ideias iniciais e
os dados disponíveis, de modo a permitir um esquema preciso de desenvolvimento dos
demais polos. Ele é, assim, subdividido em três diferentes “missões”: o da “escolha dos
documentos a serem submetidos à análise, a formulação das hipóteses e dos objetivos e a
elaboração de indicadores que fundamentem a interpretação final” (Ibidem, p. 125).
Em seguida, inicia-se o processo compreendido como codificação, em que o material
bruto é tratado de forma a permitir transformação ao longo do processo ao juntar-se em
72

unidades e possibilitar uma descrição e análise de seu conteúdo. Na exploração do material


utilizamos no corpus a técnica de análise categorial, cujo funcionamento é feito “[...] por
operações de desmembramento do texto em unidades, em categorias segundo reagrupamentos
analógicos” (BARDIN, 2016, p. 202). A categorização é, por sua vez, “uma operação de
classificação de elementos constitutivos de um conjunto por diferenciação e, em seguida, por
reagrupamentos segundo o gênero (analogia), com critérios previamente definidos” (Ibidem,
p. 147).
Por fim, no tratamento dos resultados, buscamos produzir sínteses e interpretações a
partir dos dados produzidos. As interpretações resultam de análises de determinados
conteúdos, na medida em que se busca obter informações para além daquelas inicialmente
coletadas, dialogando com os autores abordados no referencial deste trabalho.
Na intenção de conhecer e analisar o papel da BE em instituições de Educação
Infantil, organizamos três categorias: “espaço”, “acervo” e “atividades e interações”, a partir
das quais os dados foram agrupados para futuras interpretações. No interior de cada uma
dessas grandes categorias, indicamos mais algumas subcategorias, tal como apresentado
abaixo:
1. Espaço: Diz respeito ao espaço físico da biblioteca no interior das instituições,
considerando-se os elementos estruturais, o mobiliário e os materiais disponíveis, a partir do
que propõe Forneiro (1998).
a) Elementos estruturais: informações sobre as dimensões físicas, acessibilidade,
aspectos infraestruturais e aqueles relativos ao conforto ambiental;
b) Mobiliário: informações sobre quantidade e tipo (leveza, polivalência,
funcionalidade) dos móveis existentes nas bibliotecas, considerando o conceito de
dialogismo do espaço proposto por Perrotti, Pieruccini e Carnelosso (2016);
c) Materiais: informações sobre objetos existentes na biblioteca, excetuando os
acervos.
2. Acervo: Refere-se às características das obras que compõem o acervo existente nas BEs.
Decidimos considerar o acervo como uma categoria específica dada a sua importância para o
espaço em questão.
a) Quantidade: informações sobre o volume das obras disponíveis para o uso;
b) Estado de conservação e Diversidade: informações sobre os gêneros e os suportes
dessas obras;
c) Adequação: informações sobre adequação dessas obras para crianças menores de 5
anos;
73

d) Organização e apresentação: qualidade da organização e da acessibilidade do


acervo para crianças pequenas;
e) Qualidade: informações sobre a qualidade textual e gráfica do acervo.

3. Atividades e interações: Diz respeito às atividades realizadas nas BEs, a serem analisadas a
partir das seguintes perspectivas, imbricadas:

a) Práticas: informações sobre a rotina; o uso dos espaços que aconteciam as


atividades propostas pela professora de biblioteca; tipos de atividades, ações
pedagógicas das professoras das BEs; as formas de registro das atividades
desenvolvidas por elas.

b) Interações: informações sobre as formas de interação das bibliotecas, por meio das
ações das professoras responsáveis com as crianças, as famílias, as professoras e
demais educadoras.

Vale frisar que as categorias elencadas acima de modo algum esgotam as


possibilidades de análise dos dados coletados, representam apenas a tentativa de organizá-los,
com vistas a compreender melhor o papel da BE na realidade das instituições estudadas.
Ressalta-se ainda que as referidas categorias são essencialmente interdependentes, de modo
que as inferências elaboradas na análise dos dados desta pesquisa não serão extraídas apenas
da consideração de uma única categoria, mas de duas ou até mesmo de todas ao mesmo
tempo. No próximo item, apresentamos os resultados e fazemos uma discussão sobre eles.
74

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO
75

Os resultados apresentados neste capítulo estão organizados em duas partes, em que


buscamos responder aos objetivos deste estudo. Dessa forma, no item 4.1 discutimos o espaço
físico e os acervos das duas BEs pesquisadas. Em seguida, no item 4.2, identificamos e
analisamos as atividades e interações observadas nessas bibliotecas, envolvendo as crianças,
gestoras, demais educadoras e as famílias.

4.1 As Bibliotecas escolares na Educação Infantil: seus espaços e acervos

Ao abordar a organização dos espaços na Educação Infantil, Forneiro (1998, p. 232)


afirma que se trata dos “[...] locais para a atividade caracterizados pelos objetos, materiais
didáticos, pelo mobiliário e pela decoração”. Bassedas et al (1999, p. 107-108), por sua vez,
recomenda que “ao organizar e decorar espaços, é preciso colocar-se no lugar das crianças e
tentar valorizá-los com “olhos e medidas de crianças”. Com base em tais fundamentos,
elencamos três categorias de análise do espaço das BEs, elementos estruturais, mobiliário e
materiais, tomando como referência as especificidades das crianças de zero a cinco anos.

4.1.1 O que dizer dos elementos estruturais?


Consideramos elementos estruturais as dimensões físicas, a acessibilidade, as
condições de instalações elétricas e o conforto ambiental. Conforme destacamos no capítulo
anterior, as dimensões físicas das duas bibliotecas são bem diferentes. Enquanto a BE da
instituição A não comporta mais do que 15 crianças, a BE da instituição B tem capacidade
média para 43 pessoas. Apesar disso, ainda que bem menor, há na primeira biblioteca, um
razoável espaço livre para o desenvolvimento de atividades (ver Figuras 05 e 06, a seguir). De
acordo com Perrotti, Pieruccini e Carnelosso (2016, p. 121) “[...] áreas livres, de circulação,
de movimentação das crianças, compõem o ambiente são essenciais”.
76

Figura 05: Espaço livre destinado às atividades da BE da instituição A


Fotografia: a autora, 2018

Figura 06: Espaço livre destinado às atividades da BE da instituição B


Fotografia: a autora, 2018

O mesmo não pode ser dito em relação ao espaço destinado a acomodação do acervo.
Assim, na instituição A consideramos este espaço insuficiente e inadequado. Como se pode
77

ver a seguir (Figura 07), os livros ficam em dois armários fechados superlotados e um
expositor.

Figura 07: Interior do armário que acomoda o acervo da BE da instituição A


Fotografia: a autora, 2018

Na instituição B, há, ao contrário, vários armários, estantes e expositores móveis para


a distribuição do acervo (Figura 08).

Figura 08: Mobiliário que acomoda o acervo da BE da instituição B


Fotografia: a autora, 2018.
78

Na BE da instituição B há ainda um pequeno espaço destinado aos serviços técnicos e


administrativos, com um birô e uma cadeira para uso exclusivo da professora da biblioteca
(Figura 9).

Figura 09: Espaço destinado às atividades técnico-administrativas da BE da instituição B


Fotografia: a autora, 2018

De acordo com Campello et al (2010) e o material produzido pelo IFLA (2015),


discutidos no primeiro capítulo desta dissertação, aspectos relacionados ao espaço físico da
BE precisam ser considerados para que seu papel educativo seja plenamente realizado. Tendo
como norte essas recomendações, as dimensões físicas da BE da instituição A está,
evidentemente, muito distante do mínimo sugerido para o bom desempenho das atividades.
Segundo Campello et al (2010), para contemplar um nível básico de funcionamento, a BE
deveria ter, pelo menos, 50m². Os 12,76m² comprometem o espaço para atividades
administrativas e o acolhimento das crianças. Bassedas et al (1999, p. 106) ao discutir a
organização do espaço em instituições de Educação Infantil também considera que “se o
espaço for muito pequeno, pouco iluminado e não-acolhedor provavelmente vai gerar apatia,
agressividade, nervosismo e uma sensação de incômodo nas crianças”.
A Professora 2 da instituição A sinalizou na entrevista as dificuldades vividas em
relação ao espaço, conforme podemos observar no trecho a seguir:
79

E:E como você avalia seu trabalho na biblioteca?


P2:Eu acho que ele é bom em partes, porque a gente não tem os recursos que
deveria ter para haver um atendimento adequado para as crianças.
E:E qual é esse recurso que você sente falta?
P2: Materiais. De a biblioteca ter um ambiente mais proveitoso.
E: Como assim? Me dá um exemplo.
P2: Conforto para as crianças.
E:E por que você acha desconfortável?
P2: Eu acho que ela deveria ter poltronas. Devia ter mais espaço. A nossa
biblioteca é muito pequena.
(Transcrição de trecho da entrevista realizada com a professora 2,
12/09/2018).

Sua análise, portanto, dialoga com as orientações presentes nos materiais de Campello
et al (2010) e da IFLA (2015), em que são recomendados espaços físicos maiores para que
haja boas condições para o trabalho.
Quanto à BE da instituição B, apesar de não termos tido acesso às suas dimensões
exatas, identificamos no espaço alguns requisitos favoráveis, presentes nos referidos
documentos orientadores. Por exemplo, a BE era capaz de acomodar simultaneamente uma
sala inteira, além de usuários avulsos, contemplando, desta forma, o nível básico proposto por
Campello et al (2010). Não havia, entretanto, áreas internas separadas, como aquelas
destinadas a produção de mídia ou para atividades simultâneas individuais e em pequenos
grupos. A esse respeito, Perrotti, Pieruccini e Carnelosso (2016, p.123) argumentam que a
setorização dá possibilidade para a criação de nichos e diversificação de práticas, o que no
caso da faixa etária de zero a cinco anos é, particularmente, interessante, pois pode-se oferecer
uma gama mais ampla de práticas concomitantes de modo que os pequenos possam escolher e
experimentar diferentes possibilidades.
A área administrativa, mencionada tanto por Campello et al (2010) quanto pela IFLA
(2015), possuía os requisitos mínimos presentes nos documentos: “uma mesa, uma cadeira e
um computador com acesso à internet, para uso exclusivo do (s) funcionário (s)”
(CAMPELLO et al, 2010, p.12).
Ainda a respeito do espaço da BE da instituição B, tanto a professora como a gestora
ressaltam a influência do espaço para atrair as crianças.
Gestora da instituição B: [...] quando eu assumi o [diz nome da instituição], a
biblioteca, ela tava assim, como sucata, um lugar de guardar as coisas, né? O
nome apenas existia: biblioteca. Então, a gente mudou o espaço. Era um
espaço numa sala bem menor, não é? Então a criança não tinha muito
atrativo para a criança estar presente naquele ambiente, né? (Transcrição de
trecho da entrevista realizada com gestora da instituição B, 26/11/2018).
80

O local das bibliotecas no interior das instituições também foi foco de nossa atenção.
Nesse caso, as duas BEs estavam localizadas no térreo, próximas das salas das crianças, em
conformidade, portanto, com as recomendações presentes na IFLA (2015): “Localização
central, no rés-do-chão, se possível; Acessibilidade e proximidade relativamente às áreas de
ensino” (IFLA, 2015, p 38). Porém, consideramos que ambas são parcialmente acessíveis
porque não contemplam plenamente as condições previstas nas normas brasileiras de
acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos, sobretudo na NBR-
9050 (ABNT, 2004).
Quanto às condições de instalações elétricas, percebemos que as tomadas estão
posicionadas de modo adequado, no alto, longe do alcance das crianças. Por outro lado,
quando eram utilizados equipamentos eletrônicos e na ausência de um local disponível para
colocá-los mais perto da tomada, o fio ficava esticado na sala (Figura 10), o que não era uma
situação ideal para a segurança dos pequenos. Este problema foi observado mesmo na BE
recém reformada. Para evitar essa situação, o ideal seria fixar os equipamentos eletrônicos
em lugares pré-estabelecidos.

Figura 10: Ligação elétrica de equipamentos da BE da instituição A


Fotografia: a autora, 2018

O conforto ambiental foi outro aspecto analisado a partir das condições acústicas, de
temperatura e iluminação que fazem com que o espaço físico das BEs possa ou não ser
considerado agradável tanto pelas crianças como pelos adultos.
81

Em relação à acústica das bibliotecas, percebemos, a partir das observações, que as


duas possuíam bom isolamento acústico e não recebiam influências de ruídos externos, fato
que favorece o desenvolvimento das atividades em seu interior.
No que se refere à temperatura, ambas BEs tinham ar condicionado e ventiladores.
Observamos ainda que na instituição A, apenas a sala da direção/secretaria, sala dos
professores e biblioteca eram climatizadas, enquanto as salas das crianças contavam apenas
com ventiladores que não davam conta do calor. A Professora 1 da instituição A comentou,
inclusive, como era difícil a realidade da biblioteca sem o equipamento de ar condicionado:
Professora 1: [...] no começo não tinha ar. Então, o que é que a gente fazia?
A gente abria isso aqui [se refere a uma porta lateral que atualmente fica
trancada]. Essa porta é muito grande, né? Porque a gente não aguentava o
calor! Aí ficava o barulho, o pessoal passando, era a maior dificuldade.
Então, realmente, isso eu agradeço a outra gestora, né? Que teve essa
sensibilidade, né? De colocar ar aqui.
(Transcrição de trecho da entrevista realizada com a professora
1,14/08/2018).

Na biblioteca da instituição B, as condições de temperatura não eram tão favoráveis. O


controle do ar condicionado ficava com um funcionário e a professora de biblioteca, sempre
que chegava, precisava localizá-lo. Mesmo com o ar ligado, a biblioteca não ficava em uma
temperatura confortável, e quando as crianças chegavam, a temperatura subia ainda mais. Não
sabemos se a capacidade do ar condicionado não era adequada ao tamanho do espaço, se
estava quebrado ou se o funcionário que manuseava o controle não sabia programá-lo.
Por fim, as condições de iluminação eram adequadas. As duas BEs contavam com
iluminação artificial, proveniente de luzes fluorescentes e também com luz natural que
entrava pelas janelas (Figuras 11 e 12).

Figura 11: Janelas e iluminação na BE da instituição A


Fotografia: a autora, 2018
82

Figura 12: Janelas e iluminação na BE da instituição B


Fotografia: a autora, 2018

Em síntese, as duas BEs, participantes da presente pesquisa, apresentam alguns


problemas relativos ao espaço, estando a BE da instituição B mais próxima daquilo que seria
considerado desejável para um melhor andamento das atividades.

4.1.2 O que dizer do mobiliário?


Na análise do mobiliário das BEs das instituições A e B consideramos dois aspectos:
quantidade e o tipo, sendo este segundo item analisado a partir de critérios como leveza,
polivalência e funcionalidade.
De acordo com Forneiro (1998, p.246) o mobiliário “no que se refere à quantidade,
tanto o seu excesso como a sua falta são condicionantes no momento de organizar o espaço
[...]”. A autora se refere ao espaço de salas de Educação Infantil. Entretanto, consideramos
que sua afirmação pode também ser referência para organização do espaço da BE. Nesse
sentido, consideramos o mobiliário da biblioteca da instituição A como insuficiente já que
diversos materiais acabavam ficando espalhados pelo chão. Por outro lado, dado ao tamanho
da sala, uma maior quantidade de móveis significaria ainda menos espaço livre para
realização das atividades com as crianças. Em relação ao mobiliário da BE da instituição B,
83

percebemos um excesso de móveis, que apesar de abrigar bem o acervo e os materiais,


dificultavam a circulação das crianças o acesso a eles.
Segundo Perrotti, Pieruccini e Carnelosso (2016, p.122) ao compor o mobiliário das
“estações de leitura”, devemos considerar “[...] a segurança, o conforto, a durabilidade, a
facilidade de manejo e transporte, a estética. Os formatos lúdicos, coloridos, agradáveis ao
olhar, ao toque infantil motivam, aproximam, vinculam”. Considerando o conceito de
“ambientação dialógica”, discutida por esses autores, destacamos a presença de um expositor
de livros (Figura 13) leve e com rodinhas na BE da instituição A, o que, em princípio,
possibilitaria uma fácil movimentação, assim como diferentes arranjos espaciais. E no caso da
dessa biblioteca, este móvel tinha uma função ainda mais importante: ele oferecia uma das
poucas possibilidades das crianças terem acesso de forma mais autônoma aos livros. Apesar
disso, o expositor apresentava os livros enfileirados e as capas dos primeiros da fila ainda
ficavam encobertas pela larga faixa de madeira do equipamento. Assim, como se vê na Figura
13, os livros mais adequadamente expostos ficavam numa prateleira muito alta para os bebês
e crianças até três anos. Notamos ainda que o móvel precisava de manutenção, pois estava
com algumas prateleiras quebradas.

.
Figura 13: expositor de livros da BE da instituição A
Fotografia: a autora, 2018
84

Ainda no que se refere às possibilidades de exposição de livros encontramos 3


caixotes fixados na parede (Figura 14) na BE da instituição A. Conforme podemos observar,
os caixotes também serviam para a decoração do ambiente, já que não aguentavam muito
peso. De todo modo, é louvável a intenção das professoras 1 e 2 de melhorar a adequação do
mobiliário à faixa etária das crianças, diante da falta de recursos.

Figura 14: caixotes para colocar livros da BE da instituição A


Fotografia: a autora, 2018

Ainda na BE da instituição A, encontramos uma prateleira fixa na altura dos


adultos (Figura 15), com revistas infantis e documentos das professoras. Assim, as crianças
não tinham acesso livre às revistas e não havia um mobiliário exclusivo para os profissionais
que atuam na BE, tal como recomendam Campello et al (2010) e a IFLA (2015).

Figura 15: prateleira da BE da instituição A


Fotografia: a autora, 2018
85

Por fim, também encontramos um armário de ferro e um armário de madeira


(Figura16), utilizados para guardar a maior parte do acervo e também algumas pastas com
documentos e outros materiais da escola. Como se pode ver na Figura 16, os armários tinham
cadeado e do ponto de vista estético não eram visualmente atraentes, apresentando, inclusive,
sinais de falta de manutenção, como tinta descascando, ferrugem e farpas de madeira.
Além dos móveis citados, algumas vezes encontramos na BE da instituição A, uma
mesinha com cadeiras, utilizadas para a realização de algumas atividades específicas.

Figura 16: armários da BE da instituição


Fotografia: a autora, 2018

Em resumo, é fácil concluir sobre a necessidade de investimento no mobiliário da BE


da instituição A. As falas das professoras 1 e 2 revelam que elas reconhecem os problemas
que apontamos acima e desejam móveis mais indicados para o trabalho com crianças de zero
a três anos. Abaixo selecionamos trechos das entrevistas que evidenciam essa conclusão:

E: O que você gostaria de melhorar em relação a essa biblioteca?


Professora 1: Ah, eu queria...
E: Pode sonhar! [risos]
Professora 1: Eu queria muito mobiliário [risos], específico de biblioteca,
né? Aqui a gente, assim, você vê, a gente aqui tem ar condicionado, né?
Então, já é uma coisa que, em relação a calor a gente não sofre. Mas, eu acho
que realmente, fazer da biblioteca cara de biblioteca, né? Com... acho que,
com prateleiras, ou com estantes, que os livros pudessem ficar, né, ao acesso
das crianças. Acho que seria isso mesmo. Cara de biblioteca com um
mobiliário específico.
86

(Transcrição de trecho da entrevista realizada com a professora 1,


14/08/2018)

E: O que você gostaria de melhorar em relação a esta biblioteca?


Professora 2: A mobília. A mobília não é, a gente não tem mobília pra
trabalhar com eles. A mobília não é adequada.
E: E o que você acha que seria uma mobília adequada pra eles?
Professora 2:Seria assim, teria que mudar a estante, teria que ter mais
mesinhas com as cadeirinhas. Porque a estante que a gente tem é uma
estante adaptada, não é uma estante que a gente recebeu para a biblioteca.
Teria que ser umas estantes coloridas, umas estantes baixinhas.
(Transcrição de trecho da entrevista realizada com a professora 2,
12/09/2018)

Como já foi dito, a rede municipal do Recife havia reformado o espaço da biblioteca da
instituição B há pouco tempo e, diferentemente da situação descrita acima, encontramos nesta
BE um mobiliário totalmente novo.
Assim, havia três mesas redondas leves e funcionais com quatro cadeiras. As mesas
eram destinadas à realização de atividades com as crianças e apesar de não possuírem
rodinhas, era possível organizá-las de diferentes formas, adequando às necessidades das
crianças e das atividades propostas. Nota-se, porém, na Figura 17, que em uma delas há
cadeiras de adulto, algo inadequado para o uso com crianças entre três e cinco anos.

Figura 17: mesas da BE da instituição B


Fotografia: a autora, 2018

Segundo a professora da BE, inicialmente, a Prefeitura enviou as mesas com tamanho


padrão para adultos. Assim, foi preciso sua intervenção para que elas fossem adaptadas às
dimensões infantis. Vejamos o trecho da entrevista em que o episódio foi relatado:
87

E:Eu queria, que você falasse um pouquinho do mobiliário que chegou, que
você pediu para adaptar.
Professora 3:Ah, as mesas. Porque eu acredito que a maioria das bibliotecas
que tinham sido contempladas [com as mesas], eram de Ensino
Fundamental. E quando chegou aqui, as mesas eram grandes. Aí, ninguém
falou nada, quando eu vi, eu chamei o responsável que veio e conversei com
ele. Eu disse, venha cá, veja uma coisa, bora andar comigo aqui em todas as
salas. O senhor tá vendo o tamanho das bancas? Eu disse: como é que eu
vou atender as crianças assim. Aí ele levou e diminuiu o tamanho.
(Transcrição de trecho da entrevista realizada com a professora 3,
06/11/2018).

Encontramos ainda dois expositores (Figura 18) funcionais, com tamanho adequado à
crianças pequenas; com rodinhas para mudança de posição conforme as demandas e com uma
apresentação atraente. Bem diferentes do expositor e caixotes da BE da instituição A, estes
expositores possibilitavam um uso autônomo por crianças pequenas. Entretanto, eles estavam
muito mal posicionados, nos fundos da BE, atrás da mesa da professora. Com isso o acesso
aos livros expostos era muito difícil.

Figura 18: expositores da BE da instituição B


Fotografia: a autora, 2018

Na BE da instituição B também encontramos estantes e armários, encostados na


parede. Como podemos ver nas Figuras 19, 20 e 21, havia estantes com prateleiras altas que
não permitiam acesso aos pequenos e outras mais baixas na altura das crianças. Entretanto,
mais uma vez, ressaltamos a dificuldade de acesso a essas prateleiras, pois as mesas estavam
muito próximas a elas (ver Figura 21).
88

Figura 19: estante dupla e alta fixada na parede da BE da instituição B


Fotografia: a autora, 2018

Nota-se na Figura 18, que um dos armários, além de guardar os livros tem o
diferencial de uma porta expositora. Porém, considerando a altura do móvel, nem todos os
livros expostos podiam ser visualizados com facilidade pelas crianças.

Figura 20: armário superior, nichos, armário com porta expositora e estantes da BE da instituição B
Fotografia: a autora, 2018
89

Figura 21: armário com portas da BE da instituição B


Fotografia: a autora, 2018

As observações apontadas acima evidenciam que não basta ter móveis adequados, é
preciso também pensar sobre o espaço e os móveis disponíveis, tomando decisões sobre como
organizá-los da melhor forma de modo a facilitar o acesso das crianças aos livros.
Na Figura 22 vemos alguns nichos e prateleiras de parede, que decoram o ambiente,
tornando-o mais atraente para as crianças, tal como sugerem Perrotti, Pieruccini e Carnelosso
(2016). São móveis de boa qualidade, versáteis, pois podem ser usados para diferentes
finalidades, além de ocuparem pouco espaço. Entretanto, o mobiliário poderia ser mais
colorido e afixado numa altura mais acessível às crianças.

Figura 22: nichos e prateleiras de parede da BE da instituição B


Fotografia: a autora, 2018
90

Ainda a respeito dos móveis concordamos com a observação da professora 3, da BE


da instituição B, quando ela ressalta que a grande quantidade de móveis termina sem deixar
espaço livre nas paredes para expor as produções das crianças. Vejamos o que ela diz:
E:O que você gostaria de melhorar em relação a esta BE?
Professora 3:Assim, o que eu gostaria de melhorar, que eu ainda não utilizei,
é melhorar mais os espaços. Assim, eu sinto falta de, assim, eu vejo que eles
botaram móveis demais. Eu queria ter um momento aqui, um espaço que
eu expusesse aqui dentro, tipo uma árvore, assim, pra colar os trabalhos
deles, aí eu tô pensando nesse aí [mostra um cantinho apertado ao fundo da
BE]. Porque aqui você vê, eu não tenho muito espaço pra mostrar os
trabalhos, pra mostrar o que eu vou fazer com eles. Aí eu vou aproveitar
aquele espaço ali. Só isso que eu senti falta. Agora ela é linda, mas eu senti
falta desse espaço.
(Transcrição de trecho da entrevista realizada com a professora 3,
06/11/2018)

No fragmento acima, quando a professora comenta “eles botaram móveis demais” é


possível inferir que a equipe da Prefeitura tomou decisões sem a sua participação. Ao
continuar falando sobre o assunto, a professora 3 explicita que a falta de espaço livre, em
função do excesso de móveis, resultou em um espaço reduzido para expor os trabalhos
realizados ali. Consideramos a falta de um espaço destinado a exposição como um aspecto
negativo, pois assim como afirma Gandini (2016, p. 146): “[...] as exposições internas, além
de serem bem-desenhadas e de contribuírem para o aconchego do espaço, oferecem
documentação sobre atividades específicas, sobre o enfoque educacional e sobre as etapas de
seu processo”.
Também vale destacar que a ocupação de espaço por muitos móveis diminui as
possibilidades de criar cantinhos ou “instalações” mais aconchegantes e pessoais usando, por
exemplo, um tapete de chita, almofadinhas ou panos formando uma tenda, a partir da
criatividade da professora de biblioteca e das próprias crianças.

4.1.3 O que dizer dos materiais?


No tocante aos materiais presentes nas duas BEs, encontramos objetos próprios desse
espaço e outros que consideramos inadequados, com base nas recomendações de Campello et
al. (2010) e do documento da IFLA (2015).
Assim, na BE da instituição A encontramos livros e revistas que compunham o acervo
(a ser discutido no subitem 4.1.4, mas adiante), colchões para realização de atividades no
chão, lápis de cor, fantoches, um teatro de mamulengo e uma TV que estava quebrada. A
biblioteca não dispunha de outros equipamentos eletrônicos como computador ou reprodutor
91

de áudio e DVD, mas esses equipamentos poderiam ser emprestados pela direção da
instituição sempre que necessário.
Ao lado desses materiais, encontramos, porém, diversas sacolas com jogos do
Programa Brinqueducar15 e brinquedos que, segundo a professora, estavam lá por falta de
outro espaço na escola. Nas figuras 23 e 24 é possível ver como estes estavam dispostos no
espaço da biblioteca os materiais citados acima.

Figura 23: Materiais da BE da instituição A


Fotografia: a autora, 2018

Figura 24: Sacolas do Brinqueducar na BE da instituição A


Fotografia: a autora, 2018
15
Programa municipal já mencionado na seção de metodologia. Não tivemos acesso aos materiais distribuídos
pelo Programa, mas encontramos nas bibliotecas jogos e alguns livros que continham o seu emblema.
92

Ainda sobre a BE da instituição A, ao realizarmos a última entrevista, após o período


das observações, notamos que o local estava diferente (Figura 25). Os brinquedos e as sacolas
do Programa Brinqueducar foram retirados e os materiais restantes foram reorganizados de
modo que o espaço da biblioteca nos pareceu mais amplo e confortável para as crianças e
adultos.

Figura 25: Reorganização da BE da instituição A


Fotografia: a autora, 2018

De acordo com a gestora da instituição A, as mudanças no espaço ocorreram após uma


formação conduzida pela Fundação Joaquim Nabuco (FUNDAJ)16 em que foram abordados
temas como organização da BE e dos materiais característicos deste espaço.
Na BE da instituição B, por sua vez, além dos livros que compõem o acervo também
encontramos colchões para realização de atividades no chão, bichos de pelúcia e personagens
das histórias. O espaço não dispunha de TV, nem equipamentos eletrônicos como
computador, reprodutor de áudio e DVD. Assim, como foi dito em relação ao BE da
instituição A, tais equipamentos poderiam ser solicitados à gestão quando necessário.
Também na BE da instituição B, encontramos vários brinquedos e jogos (Figuras 26 e
27) que, segundo a professora 3, foram colocados no espaço sem a sua indicação.

16
A Fundaj oferta um curso de mediação de leitura para professores desde 2017 e as professoras da biblioteca da
instituição A solicitaram a gestora dispensa para participar. Na primeira edição, o foco foi a capacitação para
mediar leitura. Na segunda edição o curso foi dividido em iniciante e avançado e teve como focos habilitar o
mediador, bem como ensinar a organizar uma biblioteca escolar, enfatizando na divisão do acervo por cores e
naforma de classificar os títulos.
93

Figura 26: Jogos e brinquedos da BE da instituição B


Fotografia: a autora, 2018

Figura 27: Jogos da BE da instituição B


Fotografia: a autora, 2018

4.1.4 O que dizer dos acervos?


Começamos este subitem apresentando as formas de aquisição dos livros que
compõem o acervo das BEs, relatadas pelas professoras 1 e 3 nas entrevistas, pois eram elas
que cuidavam da organização do acervo. Em seguida, discutimos alguns aspectos relevantes a
partir da nossa observação desse acervo, tais como: quantidade de obras e seu estado de
conservação, diversidade de temas; adequação à faixa etária das crianças e a organização e
apresentação dos livros na biblioteca. Por fim, avaliamos, de forma geral, a qualidade do
acervo encontrado nas BEs participantes do estudo, levando em consideração também a
opinião das referidas professoras.
Na entrevista com as professoras, nota-se que o acervo das BEs vai se constituindo a
partir de várias fontes. Vejamos o que dizem as professoras 1 e 3:
94

Professora 1: A gente teve uma doação inicial, no começo, quando a


biblioteca foi inaugurada, aí teve uma doação. Mas a maioria foi pelo PNLD,
né? Depois foi também a prefeitura que enviou.
E: A gestão compra?
Professora 1: Não tem comprado. Não tem comprado porque a gente mudou
de gestora. Então a gente ficou até um período sem receber, sem receber o
empenho, né? Está sem receber, né? Até regularizar a questão dela. Agora
foi que veio o empenho. E, assim, agora as necessidades já estavam tantas
que... mas, a gestora anterior também separava, às vezes quando a gente
queria, separava um pouquinho [risos], mas tinha. Aí a gente comprava um
ou outro livro, principalmente quando a gente estava trabalhando uma
temática, né? (Transcrição de trecho da entrevista realizada com a professora
1, 13/08/2018)

Professora 3: [...] antes vinha pelo PNBE, e vinha também pelo programa
[refere-se ao Programa Manoel Bandeira], o programa mandava. Só que com
a mudanças de algumas verbas, que nós sabemos que houve, algumas coisas
foram cortadas, entendeu? Já faz um tempinho. [...] Chegaram algumas
caixas ainda em 2018, no início. Foi, que ficaram guardadas, no início
mesmo. Agora eu não sei se todos tinham PNBE. E agora a gente recebeu
alguns livros do Brinqueducar, que veio em umas caixinhas e foram pras
salas e veio pra cá também. (Transcrição de trecho da entrevista realizada
com a professora 3, 20/11/2018)

Como vemos nos relatos acima, parece não haver muita segurança das professoras
sobre a origem dos acervos, porém, afirmam que há livros distribuídos por Programas da
Prefeitura do Recife como o Briqueducar ou Programas de âmbito federal, como o PNBE (a
professora 1 confunde a sigla PNBE com o PNLD) ou ainda livros comprados pela própria
instituição. Algo que também se depreende das entrevistas é a falta de reposição do acervo,
sobretudo na instituição A. De fato, consultando a lista de obras entregues pelo PNBE (Anexo
1) a partir do Sistema do Material Didático, notamos que a última entrega de livros literários
para as crianças, realizada na instituição A, foi em 2008, enquanto na instituição B foi em
2012.
Em outro trecho de sua entrevista, a professora 1 menciona que também chegam à
Creche livros doados pela população em geral, nem sempre adequados para crianças na faixa
etária de zero a cinco anos.
Professora 1: Ah, chegaram muitos livros bons, mas também tem... sim, o
pessoal faz doação também. Às vezes quando eu chego aqui, tá ali. Pronto,
você chega, aí tem os livros que foram colocados ali. Aí geralmente eu vejo,
né? As vezes tem livro que não é pra Educação Infantil, aí eu já separo, já
tiro dali. Aí realmente a gente fica só com alguns livros. (Transcrição de
trecho da entrevista realizada com a professora 1, 13/08/2018)

Com relação à qualidade do acervo, realmente, constatamos a existência de obras


totalmente inadequadas para o segmento da Educação Infantil na BE da instituição A, como
95

exemplares de um “guia prático sobre drogas”17 e livros literários com 20 ou 30 páginas,


apenas com texto, sem qualquer ilustração. Na BE da instituição A, as obras também pareciam
estar mais desgastadas, muitas das quais com reparos. Assim, com base na nossa observação,
a BE da instituição B contava com um acervo não só mais adequado para crianças menores de
cinco anos, mas também mais numeroso e diversificado.
Os dados apresentados no Anexo 1, referido acima, reforçam essa afirmação, pois
enquanto na BE da instituição B chegaram obras dos acervos para “categorias 1” e “2” 18 na
BE da instituição A chegaram apenas obras do acervo para categoria “1”.
Outro dado que nos parece relevante em relação à diversidade do acervo é que
encontramos na BE da instituição A, em uma prateleira alta, diversas revistas interessantes
para pesquisa das professoras e crianças como: Ciência Hoje para Crianças, Nova Escola,
Recreio e Construir Notícias. As professoras, entretanto, pareciam desconhecer esse acervo de
textos informativos, já que uma delas informou que na BE havia apenas algumas revistas
doadas para recortar imagens (Figura 28).

Figura 28: Revistas utilizadas para recorte que se encontravam na BE da instituição A


Fotografia: a autora, 2018

Na lista de obras distribuídas pelo PNBE em 2013 (ver Anexo 1), de fato, consta a
entrega de periódicos para o professor e para as crianças. Na instituição B, porém, não
encontramos revistas no acervo.

17
DETONI, Márcia. Guia prático sobre drogas: conhecimento, prevenção, tratamento. Editora Rideel, 2006.
18
O PNBE subdividia o processo de inscrição, avaliação e distribuição dos acervos em quatro categorias: a
categoria 1 era composta de obras para o trabalho no segmento da Educação Infantil, etapa creche; a categoria 2
para instituições de Educação Infantil, etapa pré-escola; aategoria 3, instituições que atendiam os anos iniciais do
ensino fundamental; e a categoria 4, para instituições da educação de jovens e adultos e as etapas de ensino
fundamental e médio.
96

A esse respeito, é preciso destacar que, apesar da inegável importância da literatura


para as crianças, nos chama atenção a ausência de textos não literários nas BEs participantes
do estudo. Nessa direção, Altamirano (2015) ressalta que o acervo das bibliotecas infantis
precisa ter livros de três tipos: informativos, literários e os chamados livros-álbum19. Segundo
este autor:
[...] tres amplios géneros de libros que deben conformar estas bibliotecas
infantiles diversas: informativos, literarios y álbum. A través de los libros los
niños no sólo se acercan a su contenido sino a la forma de expresarlo.
Diferenciar las estructuras convencionales de los libros, informativos o
literarios, de las estructuras innovadoras de los libros-álbum permitirá
reconocer sus posibilidades de lectura (ALTAMIRANO, 2015. p. 43).

Ainda sobre o acervo, de acordo com os parâmetros para Bibliotecas Escolares


estabelecidos por Campello et al (2010), uma boa biblioteca escolar, deve possuir pelo menos
um título por aluno, não sendo necessário mais do que cinco exemplares por título. Na BE da
instituição A, com apenas 103 crianças matriculadas, havia cerca de 1.180 exemplares,
conforme informações prestadas pela professora 1. Mesmo sem saber a quantidade de
exemplares de um mesmo títulos, com certeza, esse número deve ser superior à quantidade de
crianças. Assim, neste quesito, a BE da instituição A está bem servida. O mesmo pode ser dito
em relação à BE da instituição B, pois apesar de não termos conseguido informações precisas
a respeito da quantidade de títulos ou exemplares existentes, pela nossa observação,
estimamos ser muito superior à quantidade de livros da instituição A. Apesar disso,
evidenemente, uma BE apinhada de títulos de baixa qualidade ou com temas desinteressantes
para as crianças não é o que esperamos e queremos. Assim, o número total de livros em uma
biblioteca é apenas uma das faces da questão.
Com relação às formas de exposição do acervo nas BEs, parece que este é um tópico
ainda pouco refletido entre as professoras que atuam nestes espaços. Na instituição A, os
livros ficavam em um expositor, tal como indicado no item anterior quando discutimos o
espaço da biblioteca. Como foi discutido neste ponto, o expositor da instituição A tinha
poucas prateleiras acessíveis às crianças e estas não permitiam uma visualização adequada das
capas dos livros (rever Figuras 5, 11, 13). Além disso, como podemos notar na Figura 29,
havia um espaço no expositor reservado para a apresentação de obras recém-adquiridas, as
“NOVIDADES”. Porém, este se encontrava distante do chão e, portanto, igualmente longe da
visão e manuseio das crianças.
19
Segundo Marantz (2005, p. 19) “Un libro-álbum, a diferencia de un libro ilustrado, es concebido como una
unidad. Conforma una totalidad integrada por todas y cada una de sus partes – portada, guardas, tipografía,
imágenes – diseñadas como una secuencia cuyas relaciones internas son cruciales para la comprensión del libro.”
97

Figura 29: Expositor da Biblioteca escolar da instituição A


Fotografia: a autora, 2018

Somado à precariedade do móvel, a maior preocupação da professora 1 na seleção dos


livros para o expositor parecia ser com a preservação do acervo da BE. Ou seja, outros
critérios mais apropriados e esperados como: destacar obras recém adquiridas ou com temas
relativos a algum projeto que estivesse sendo vivenciado na Creche ou ainda obras que
apresentassem alguma conexão com datas importantes do nosso calendário, como São João ou
Carnaval não eram considerados. Com isso, os livros que essa profissional julgava ser de
melhor qualidade literária e gráfica ou que traziam histórias com temáticas mais específicas
(cultura afro e indígena, por exemplo) eram colocados em um dos armários com portas, longe
do expositor e, portanto, das crianças. Assim, os livros mais visíveis e acessíveis acabavam
sendo aqueles de qualidade inferior ou com maior número de exemplares disponíveis no
acervo.
Tais critérios de seleção reforçam o que comentamos acima: um grande número de
livros numa BE não é indicativo suficiente de qualidade, quando é pequeno o acervo que, de
fato, interessa as crianças. Concluímos, portanto, que quando a reposição de livros representa
um problema grave na dinâmica de uma biblioteca20, parece ser difícil para as professoras

20
De fato, a despeito do trabalho fundamental de conscientização das crianças para o cuidado com os livros que
a professora 1 relatou fazer, em uma das sessões de leitura observadas na BE, uma criança, de um ímpeto, rasgou
uma obra importante e única do acervo. A reação de tristeza da professora 1 foi notável.
98

refletirem sobre o papel de um expositor neste espaço e que outros critérios poderiam orientar
a sua escolha de livros para esse local.
Na biblioteca da instituição B, observamos que os exemplares eram todos dispostos
nas estantes, com capas visíveis e em grupos de obras com o mesmo título (ver Figura 30). Ao
ser questionada sobre as formas de exposição e apresentação dos livros às crianças na BE, a
professora 3 não sinalizou uma preocupação específica com esse tema. Apesar disso, notamos
que nos expositores e prateleiras mais altas havia livros comuns, de papel, enquanto nas
prateleiras mais baixas havia, de modo geral, uma quantidade maior de obras com páginas
mais largas, bordas arredondadas e livros feitos de materiais mais duráveis, tais como tecido e
plástico. Assim, ao que parece, a questão da preservação do acervo também orientava a
exposição e acessibilidade aos livros pelas crianças. Por outro lado, encontramos obras de
excelente qualidade como a obra Bocejo, dos autores Renato Moriconi e Ilan Brenman e
Tanto, tanto da autora Trish Cooke, sempre muito apreciadas por crianças da Educação
Infantil, facilmente acessíveis como vemos na Figura 30.

Figura 30: Estante com títulos e seus exemplares todos agrupados


Fotografia: a autora, 2018

Finalmente, nas duas BEs, não constatamos qualquer forma de catalogação e


organização do acervo com vistas a facilitar o acesso mais autônomo por parte das crianças.
99

No caso da BE da instituição A, a organização dos livros estava voltada para facilitar o uso
pelas professoras. Assim, o critério temático (por exemplo: ciclo junino, o Natal, temas
bíblicos ou do cotidiano, histórias sobre fenômenos da natureza ou contos de animais
marítimos) buscava permitir às professoras da Creche, a localização de livros de literatura de
seu interesse. Esta forma de organização, entretanto, precisa ser vista com muita cautela, já
que antecipa certos sentidos e pode contribuir para afastar as professoras de uma mediação de
leitura mais criativa e livre, característica de obras literárias (PERROTTI; PIERUCCINI;
CARNELOSSO, 2016).
Ainda sobre esse assunto, a professora 1 reconhece na entrevista a necessidade de
oferecer na BE, um tipo de organização e catalogação mais acessível para as crianças
pequenas, porém, afirma que não sabe como realizar isso com o segmento da Educação
Infantil. Esse comentário demonstra, mais uma vez, a necessidade da Secretaria de Educação
investir na formação dos professores que atuam nas bibliotecas.
Tal conclusão é reforçada diante do que também observamos na BE da instituição B.
Na entrevista com a professora 3, ela demonstrou uma grande familiaridade com os autores e
obras existentes na BE, entretanto, os livros eram dispostos nas estantes, prateleiras e
expositores sem critério definido e não havia controle para a localização ou saída das obras
para empréstimo. A professora 3 também explicitou que não havia ainda pensado numa forma
de organização e catalogação do acervo que permitisse um acesso mais direto para as
crianças.
A seguir, discutiremos sobre as atividades e interações da BE, tanto a partir dos dados
de entrevista, como dos dados de observação.

4.2 As atividades e as interações nas bibliotecas escolares

Nesta seção, analisamos aspectos relativos às atividades e às interações observadas


nas BEs que participaram da pesquisa. Assim, iniciamos discutindo as rotinas de trabalho com
as crianças; identificamos outros locais da escola, além da biblioteca, em que as professoras
das BEs atuavam e analisamos as atividades que eram desenvolvidas nesses diferentes
espaços, bem como as interações observadas durante cada uma das atividades. Com essa
análise, buscamos também identificar ações pedagógicas propostas pelas professoras das BEs
que, ao nosso ver, poderiam favorecer os encontros entre crianças pequenas e os livros. Em
seguida, abordamos ainda as interações entre as professoras das BEs e as demais educadoras
100

das duas instituições, assim como entre elas e as famílias das crianças. Ao final dessa seção,
refletimos sobre a forma como as professoras das BEs registravam os trabalhos realizados.
Vale lembrar que todos esses tópicos indicados acima serão discutidos aqui,
considerando sempre possíveis especificidades de uma BE funcionando numa instituição
educativa para crianças menores de cinco anos. Além disso, é importante esclarecer que as
atividades são essencialmente constituídas por interações. Isso significa dizer que não há
como compreender uma sem a outra. Contudo, para fins de nossa análise, optamos por
discutir atividades e interações separadamente, de forma a possibilitar uma discussão mais
detalhada e profunda.

4.2.1 A rotina nas bibliotecas da Creche e do CMEI


Como se poderia esperar, as duas BEs participantes deste estudo tinham uma rotina de
utilização do espaço por parte das crianças. Na instituição A, o horário ficava afixado em um
quadro de avisos, próximo da porta da biblioteca (ver Anexo 02) e longe da visão das
crianças. Neste horário estavam previstas duas visitas semanais de cada grupo de crianças,
sendo uma no turno da manhã, com a professora 1, e outra no turno da tarde, com a professora
2. Como o espaço físico dessa BE era pequeno, as professoras recebiam primeiro metade da
turma e, em seguida, a outra metade. Na instituição B, os horários e dias em que cada grupo
era esperado na biblioteca não ficavam expostos21, mas eram também definidos previamente
em um “quadro de funcionamento do turno da tarde” (ver Anexos 03) que ficava de posse da
professora de biblioteca. Assim, para cada grupo de crianças era previsto uma visita por
semana no turno da tarde, com a professora 3, uma vez que a professora da BE do turno da
manhã encontrava-se de licença médica.
Embora as duas BEs tenham dias e horários específicos para a realização de atividades
com cada grupo de crianças, percebemos grandes diferenças nas duas instituições no que se
refere ao funcionamento dessa rotina, na prática.
Como já mencionamos anteriormente (ver pág. 69), durante o período de observação
houve dias que não realizamos coleta porque as professoras estavam em formação ou
precisaram se ausentar por motivos de saúde. Nos dez dias de observação na BE da instituição
A, vimos que a rotina de trabalho com as crianças seguia o horário previsto. Esse horário só
não foi cumprido em duas ocasiões: quando a professora da BE precisou dar um apoio em

21
A esse respeito, vale notar que a exposição do quadro de horário na biblioteca poderia ser uma boa
oportunidade de incluir as crianças pequenas no mundo letrado de forma significativa, dando também a elas uma
chance de desenvolver sua autonomia, além de outras aprendizagens importantes relativas à sequência temporal,
capacidade de previsão, entre outras.
101

outro setor; e quando houve uma atividade envolvendo a participação de todas as crianças da
escola. Isso indica que as atividades da BE na instituição A foram garantidas para as crianças
nos dias em que as Professoras 1 e 2 estavam na Creche.
Na BE da instituição B, porém, o horário não era efetivamente seguido e a frequência
de uso do espaço pelos os diferentes grupos de crianças se dava de forma irregular. Em apenas
dois entre os dez dias de observação, o horário previsto foi, de fato, cumprido. Conforme dito
anteriormente, no turno da tarde as crianças ficavam com os ADIs e, na dinâmica desse turno,
a Professora 3 da BE organizava o espaço e aguardava a chegada dos grupos de crianças para
as atividades na biblioteca. Porém, na maioria dos casos esses grupos não compareciam e,
diante da ausência, a professora da BE tentava mobilizar um outro grupo. Assim, nos dias
observados, um mesmo grupo passou mais de uma semana sem frequentar a BE. Em outras
situações, a professora reuniu crianças de diferentes grupos para realizar atividades na BE.
Considerando esses problemas e a consequente redução do tempo previsto para as atividades
planejadas pela professora, o atendimento aos grupos de crianças acabava comprometido e
sem qualquer continuidade.
Neste sentido, nos dias de observação na instituição B, não foi possível perceber uma
rotina de atendimento aos grupos na BE, algo importante para crianças nessa faixa etária, tal
como destacam Palácios e Paniagua (2007, p. 164): “No trabalho com crianças pequenas, é
imprescindível manter uma sequência estável de atividades que dê segurança a elas na medida
em que lhes permitir antecipar o que vai acontecer.” Para além desse aspecto, também fica
mais difícil que as crianças estabeleçam um vínculo seguro com a professora da biblioteca e
uma memória afetiva em relação a este espaço.
Segundo a professora da BE da instituição B, esse descompasso de horários ocorria
por falta de apoio da coordenação pedagógica. Segundo seu ponto de vista, não havia uma
colaboração para uma organização adequada dos horários. Assim, no dia e horário previsto
para a vinda de um determinado grupo de crianças à BE, elas estavam realizando outras
atividades, como descanso, banho, recreação, etc. Pelo relato da Professora 3, fica evidente,
portanto, a falta de interação entre os profissionais da instituição, que parecem não
compartilhar os mesmos objetivos. Voltaremos a este tema no próximo subitem.

4.2.2 Ações da BE em outros espaços da escola


Neste item, analisamos o movimento das professoras de biblioteca, conduzindo ou
participando de atividades de mediação de leitura em outros espaços da escola. Tal
movimento ocorreu nas duas instituições, sendo, porém, mais comum na instituição B.
102

Ao longo do período de observação na instituição A, “a saída” da professora da


biblioteca ocorreu em dois momentos. Em um deles, a Professora 1 da BE colaborou com o
“bom dia” coletivo, realizado no hall da Creche com todas as crianças reunidas. Na ocasião, o
Programa municipal Brinqueducar havia enviado um kit com livros de literatura infantil para
ser entregue às crianças. Entretanto, a equipe pedagógica (gestora, coordenadora e
professoras), decidiu planejar em conjunto como seria essa entrega. Vejamos o relato de
Professora 1 a esse respeito:
Professora 1:[...] geralmente quando a gente entrega os livros, primeiro a
gente conta as histórias [inaudível]... não entrega de vez! Escolhe o título, aí
trabalha. Depois que trabalha, que a gente entrega o livro. Aí vai entregando
devagarinho, né? A medida que vai trabalhando, vai entregando pra eles
levarem pra casa.
E: Mas, nessa iniciativa você faz algum trabalho específico, ou só elas [as
professoras] em sala de aula?
P1: Não, eu faço também! Eu escolho uns, pra dar conta de todos os livros,
né? Todo mundo se envolve. Eu trabalho uns, eu escolho uns do kit e elas
outros, não é? Contanto que feche todos os títulos. Às vezes não dá tempo, aí
é entregue sem trabalhar. Mas, geralmente, primeiro trabalha o livro, depois
entrega (Transcrição de trecho da entrevista realizada com a professora
1, 13/08/2018).

Como podemos perceber, há nesta iniciativa uma clara preocupação da instituição A


de valorizar os livros e não, simplesmente, entregá-los às famílias como se fosse um kit de
jogos. Segundo o relato da professora 1, o trabalho se desenvolve ao longo de algumas
semanas, com a apresentação de cada um dos livros do Kit, tanto nas sessões de leitura
conduzidas pelas professoras da BE, como pelas professoras dos diferentes grupos de
crianças. Assim, há uma mobilização da equipe de profissionais da instituição A para o
planejamento do momento em que cada criança, finalmente, receberá sua sacolinha de livros
de literatura. Durante as observações nesse dia, as crianças e as famílias viram os livros
expostos em uma mesa no hall da instituição e cada sala apresentou uma canção previamente
“ensaiada” com suas respectivas professoras (articulada ao conteúdo dos livros literários
expostos). Também nesse momento, uma das professoras fez uma contação de história para
fechar o encontro. A Professora 1 da biblioteca demonstrou bastante envolvimento com esse
“bom dia” especial, dando suporte na organização do espaço e também com as crianças no
momento das apresentações, mas não conduziu diretamente uma atividade específica com as
crianças.
Ainda nesta mesma instituição, vimos uma outra situação em que a Professora 2 saiu
da BE e fez uma mediação de leitura no Grupo III com crianças com idades entre 3 e 4 anos.
Neste dia, uma funcionária havia faltado e a professora precisou ajudar a ADI responsável por
103

esse grupo. Assim, não houve, na verdade, um planejamento intencional para essa proposta
que acabou sendo conduzida com todas as crianças juntas e não em dois grupos menores
como costumava ocorrer na BE. Talvez essas condições tenham contribuído para o que se
observou: as crianças ficaram um tanto dispersas e não se envolveram com a história lida.
Na instituição B, ao contrário, a saída da professora da BE parece ser algo que faz
parte rotina. Em três dias de observação as atividades ocorreram fora da biblioteca, em um
pátio coberto da instituição, com todas as crianças juntas, do Grupo III ao Grupo IV. Esses
momentos foram conduzidos exclusivamente pela professora da BE. Ela explicou que na
rotina do CMEI é previsto um “boa tarde” coletivo nas segundas e sextas-feiras e que a
coordenadora pedagógica havia solicitado que ela se responsabilizasse por um desses dias.
Para conduzir as atividades no pátio coberto, a Professora 3 utilizava um microfone sem fio.
Porém, como o espaço era aberto e amplo, o barulho externo e a má qualidade do
equipamento de som dificultavam o bom andamento das atividades.
Em síntese, consideramos importante diversificar os espaços em que são
desenvolvidas as atividades da BE e, de fato, vimos algumas tentativas nessa direção nas duas
instituições. Entretanto, durante as observações, vimos que as condições a partir das quais isso
ocorreu, na instituição B, não foram, sob nosso ponto de vista, capazes de oferecer boas
experiências. A diversificação, portanto, precisa ser acompanhada de qualidade.

4.2.3 Atividades na Biblioteca Escolar mencionadas pelas professoras nas entrevistas


A partir da articulação entre os dados das entrevistas e das observações, analisamos as
atividades realizadas na BE, com base nos papéis atribuídos a este espaço: desenvolver
competência informacional, formar leitores e ampliar experiências culturais.
Salientamos que os referidos papéis não estão isolados, ao contrário, eles se
relacionam. Por exemplo, a formação de um leitor proficiente é fundamental para o
desenvolvimento de habilidades informacionais. Assim, ações que se mostram mais
vinculadas a um determinado papel, podem também vir a contribuir com outro. Na intenção
de conhecer a natureza das atividades desempenhadas a partir das BEs de cada instituição é
que, mesmo reconhecendo a estreita comunicação entre os papeis, decidimos considerar
aquele primordialmente cumprido em cada atividade.
Iniciaremos a partir das atividades citadas pelas professoras que atuavam nas BEs
durante as entrevistas. O Quadro 03 lista essas atividades que serão comentadas a seguir.

Quadro 03: Atividades da BE citadas nas entrevistas de acordo com as professoras


104

Inst. A Inst. B
Atividades
P1 P2 P3
1 Mediação de leitura conduzida pelas professoras da biblioteca X X X
2 Releitura das histórias pelas crianças22 X
3 Participação em atividades que envolvem toda a Creche ou CMEI X
4 Sessões de leitura envolvendo áudio e/ou vídeo X X X
Seleção de livros sobre temas que interessam as professoras dos
5 X
diferentes grupos
6 Pintura de desenhos impressos relativos às histórias lidas X
7 Dramatização das histórias lidas X
8 Pesquisa X
9 Empréstimo de livros para as crianças X
Elaboração: a autora
Durante a entrevista, a Professora 1 afirmou que realizava quatro tipos de atividades.
Assim, semanalmente, ela conduzia uma mediação de leitura com cada grupo de crianças, a
partir da seleção de livros e propostas de atividades em torno da leitura. Ela se engajava ainda
nas ações da Creche nas situações envolvendo leitura e literatura, como foi o caso relatado por
ela, da entrega dos kits de livros às crianças e suas famílias. Também dava suporte às
professoras na análise de livros e seleção de materiais para o trabalho pedagógico com os
diferentes grupos de crianças. Abaixo segue o trecho de sua entrevista em que ela fala sobre
as atividades que ela realizava:
Professora 1: [...] geralmente é uma única história que eu trabalho ao longo
da semana. Eu escolho uma história pra trabalhar a semana inteira.
E: Com todas as turmas é a mesma história?
Professora 1: É a mesma história. E pronto. Aí minha prática também tá
relacionada às atividades que a Creche desenvolve. Então no dia da família,
qual vai ser a atividade que a biblioteca vai, né? Em que eu vou me
envolver? Geralmente tem uma atividade. E no dia das Crianças. Então a
gente tá é... geralmente quando tem qualquer parte literária, quando chega,
quando chegam os livros, não é? Então assim, as meninas [refere-se às
professoras], às vezes não tem tempo, né? P1, tu vê primeiro, pra primeiro
conhecer os livros, ter acesso as histórias tudinho, depois repasso pra elas.
Tem uma caixa de leitura que fica lá na sala dos professores, que eu
geralmente pego as temáticas que elas estão trabalhando, coloco lá, né? Às
vezes semanal, às vezes quinzenal. Essa semana mesmo trabalharam: “quem
cuida de mim”. Essa semana que passou. Aí antes de sair pra formação, eu
deixei. Eu separei os livros, né, que eu tinha sobre essa temática e coloquei
lá (Transcrição de trecho da entrevista realizada com a professora 1,
14/08/2018).

A Professora 1 também comentou sobre a utilização de recursos de áudio e vídeo


durante a leitura de histórias. Vejamos o que ela diz a esse respeito:
Professora 1: [...] inclusive, pronto, é uma coisa que eu não tenho. Eu não...
eu posso até fazer uma atividade, por exemplo, se eu trabalhei a literatura

22
Segundo Professora 2, a atividade de releitura consistia na ação de uma ou outra criança pegar o livro que ela
havia acabado de ler, e recontar a história oralmente, do seu jeito.
105

afro, né? A gente trabalhou, então eu trouxe vídeos, né? Assim, de músicas
africanas, né? A gente tocou aqui na sala, a gente dançou, a gente brincou.
Mas eu não digo assim, que depois que eu conto a história, na verdade eu me
preocupo com a história. Eu não me preocupo com atividade. Você não vai
ver aqui atividade de pintura, porque não é o que eu acredito. Embora, às
vezes, haja até uma cobrança, né? Como se dissesse assim: o que é que as
crianças fazem na biblioteca? Cadê o resultado da sua a produção do que
eles viram lá? Eu digo: tá na cabecinha deles [risos]. Não tá na parede, tá na
cabecinha deles, né?
E: Esses vídeos que vocês passam, são da internet, é?
Professora1: É. Eu trago o computador com o cabo e passo. Eu sou assim,
combato demais a questão de trabalhar um vídeo sem ter, trabalhar por
trabalhar. Isso aí eu não faço! Você não vai ver eu chegar aqui, botar um
vídeo só! vou contar uma historinha. Até se eu for botar um vídeo, eu penso,
eu assim, por exemplo, às vezes tenho livros que tem, né? A leitura, mas a
gente não tem aqui. Aí se eu não encontrar, eu passo, né? Pra eles verem.
Ou, às vezes, até uma contadora de histórias, contando histórias, eu coloco
também. Mas, muito mais pra complementar, talvez, o trabalho que eu vou
fazer com o livro. E geralmente antes. (Transcrição de trecho da entrevista
realizada com a professora 1, 14/08/2018).

No trecho acima, vemos que Professora 1 considera como “atividade” algo diferente
do que nós costumamos conceituar. Assim, ao que parece, “atividade” para ela é aquilo feito
com as crianças e que resulta em algo palpável, passível de ser exibido e documentado. Isto é,
geralmente, algo realizado no papel. Neste sentido, de acordo com seu relato, sua preocupação
não era realizar “atividades” para mostrar aos outros, mas, sim, vivenciar experiências
significativas que passassem a fazer parte das memórias das crianças (“...na cabecinha
deles...”). Outro aspecto positivo que merece destaque é seu “combate” ao trabalho com
vídeos de forma isolada, apenas para passar o tempo, sem articulação com as atividades de
leitura. Tais aspectos sinalizam uma preocupação com o planejamento sobre o que é proposto
para as crianças dentro da BE.
A Professora 1 também mencionou, especificamente, sobre um projeto de leitura
desenvolvido na Creche, em que alguns autores são escolhidos para serem homenageados.
Assim, essa professora contou que sempre busca livros de diferentes autores em outras
bibliotecas da rede municipal para, a partir deles, propor atividades práticas de leitura junto às
crianças.
Em outro momento de sua entrevista, P1 também citou uma ação em parceria com o
SESC23 que foi, infelizmente, interrompida:

23
“Criado em 1946 e mantido pelos empresários do comércio, o Serviço Social do Comercio – Sesc, trabalha
para ampliar e qualificar o acesso à Educação, Saúde, Cultura, Lazer e Assistência do trabalhador do comércio
de bens, serviços e turismo e seus familiares, bem como da população em geral.” Disponível em:
https://www.sescpe.org.br/sobre-o-sesc/ Acesso em: 01 de julho 2019.
106

P1: A escola tinha uma parceria com o SESC. A gente acionava e eles vinham
pra cá contar história. Geralmente, eram em algum evento, né? Em alguma
finalização de projeto, alguma coisa do tipo. A gente entrava em contato com
eles. Mas eles davam esse suporte pra gente. Ele vinha e fazia um trabalho
com as crianças e fazia um trabalho com as famílias. Às vezes até a
mesma contação que ele fazia com as crianças, ele fazia com as famílias.
[...]
E: E por que acabou a parceria?
P1: Não, aí foi o que ela disse: P1, olhe, a gente tá tendo dificuldade pra enviar
pessoas. A gente quer que você traga as crianças. Mas a gente não tinha como
levar por falta de transporte, né?
E: A Prefeitura não disponibiliza, não?
P1: Não. Até uma vez ela disse, coloque, né? Faça um projeto pra gente vê se
consegue liberar o ônibus, né? Mas a gente enviou, mas não conseguiu. Foi
um ano que eles estavam, como... eu não sei se foi no período das feiras de
ciências, tudinho, mas eles estavam muito comprometidos com isso. Mas
acabou que a gente deixou, né? Aí depois, realmente, eu não entrei mais em
contato com ela (Transcrição de trecho da entrevista realizada com a
professora 1, 14/08/2018).

Não contabilizamos esta ação de parceria com outras instituições porque a atividade
não ocorria mais. Porém, consideramos pertinente mencioná-la porque acreditamos que é
muito importante para as BEs fazerem parcerias com outros espaços culturais para ampliarem
o impacto de suas práticas. Assim, avaliamos como uma grande perda esse rompimento com o
SESC.
A Professora 2, também da mesma Creche, foi sucinta ao falar sobre o que fazia na BE
no turno da tarde. Vejamos o que ela diz:
Professora 2: Essa leitura, né [se refere à leitura que havia terminado de
fazer] Leitura, releitura e também desenhos, normalmente eu passo pra eles o
desenho da história pra que eles pintem. Tem também o vídeo, né? A gente
passa histórias pra eles. E o empréstimo. No ano passado a gente emprestava
direto, tem até o registro ali. Mas, esse ano os pais não tiveram interesse
(Transcrição de trecho da entrevista realizada com a professora 2,
10/09/2018).

Nota-se na fala da Professora 2, a menção a algumas atividades consideradas


importantes para formar leitores, tais como: a leitura e releitura de livros, além do
empréstimo. Quanto às histórias em vídeo, é preciso ter o cuidado para que não se tornem um
mero passatempo, tal como alertado por sua colega do turno da manhã. As atividades de
pintura também mencionadas por ela, não consideramos adequadas, pois não ampliam as
experiências artísticas das crianças e acabam se tornando apenas uma prática mecânica e
padronizada. Sobre os empréstimos, o argumento de que as famílias não tiveram interesse
chama a nossa atenção, pois sinaliza uma concepção de educação que não é construída na
interação com as famílias. Para Bassedas et al (1999) a conquista das famílias é essencial no
107

caso das crianças pequenas porque possibilita o conhecimento mútuo e o compartilhamento


de critérios educativos mais próximos entre os contextos familiar e escolar. Neste mesmo
sentido Corsino (2002, p. 26) afirma que: “Existem muitas formas de se promover a
aproximação com as famílias e esta é uma das funções dos gestores, que passa não só pela boa
vontade, mas principalmente pelo planejamento e implantação de uma concepção de educação
construída no coletivo”, como já indicamos acima.
A Professora 3, da instituição B, também falou sobre as atividades que realizava na
BE. Vejamos o que ela diz:
Olha, aqui eu faço atividades de leitura, aí dependendo da atividade eu passo
um audiovisual. Dependendo do que for, eu faço uma dramatização, pode ser
minha, pode ser deles. A gente faz atividade aqui de pesquisa (Transcrição
de trecho da entrevista realizada com a professora 3, 08/11/2018).

Como podemos notar, a Professora 3 também parece tentar diversificar as atividades


realizadas na BE, ainda que na entrevista não demonstre muita clareza e possibilidade de
expor de modo mais aprofundado seu planejamento ou como desenvolve suas propostas.
De todo modo, diante do que foi captado nas entrevistas, vemos duas atividades foram
citadas pelas três professoras: a mediação de leitura e as sessões de áudio e vídeo. As demais,
ora são citadas por uma professora, ora por outra. Assim, ao que parece, as atividades voltadas
para a formação de leitores são as mais frequentes nas BEs das instituições de Educação
Infantil participantes na pesquisa. Vejamos se, no próximo item, o mesmo pode ser concluído
a partir das observações, efetivamente, realizadas nas bibliotecas.

4.2.4 Atividades e interações observadas na Biblioteca Escolar com as crianças


Conforme exposto anteriormente, além dos dados de entrevista, também buscamos
identificar as atividades conduzidas pelas professoras de BE e que foram alvo de nossa
observação na pesquisa. Nessa direção, listamos abaixo alguns itens que orientaram a nossa
observação e a análise que será apresentada a seguir:
1) Organização do espaço: refere-se à preparação intencional do espaço para o
desenvolvimento de determinadas atividades junto as crianças, envolvendo a disposição
espacial momentânea de objetos e recursos, exclusivamente, planejados para a realização
dessas atividades;
2) Uso do tempo: diz respeito as formas de distribuição do tempo durante a realização das
atividades. Assim, observamos se a professora da BE conseguia concluir satisfatoriamente o
que pretendia no tempo disponível;
108

3) Escolha e uso de recursos: corresponde às escolhas e utilização dos recursos durante as


atividades propostas, considerando sua diversidade e adequação, assim como a ausência
destes;
4) Articulação das atividades propostas na BE à projetos e/ou a outras atividades mais amplas:
neste item buscamos analisar se as atividades observadas nas BEs integravam ou não algum
projeto coordenado pela gestão da escola, pela própria professora da biblioteca ou demais
professoras da instituição;
5) Organização das crianças: diz respeito a forma como as crianças eram organizadas no
espaço durante a realização da atividade. Assim, buscamos responder questões do tipo: como
as crianças estavam organizadas: uma ao lado da outra em um círculo? As crianças se
organizavam no espaço de modo mais livre? Havia propostas de organização em pequenos
grupos de crianças? As formas de organização pareciam adequadas à proposta da atividade ou
dificultavam a sua realização?
Além de identificar e discutir as atividades observadas na BE, também buscamos
analisar as formas e a qualidade da interação entre as professoras da biblioteca e as crianças.
Para isso, consideramos os seguintes aspectos:
1) As estratégias adotadas por elas para envolver os pequenos com a atividade proposta;
2) As estratégias utilizadas para a manutenção da sua atenção e respeito às formas de
expressão das crianças;
3) A forma de acolhimento e escuta das contribuições dadas por elas;
4) O estímulo a conversa sobre o texto literário lido para elas; os tipos de perguntas realizadas
pela professora durante essa conversa;
5) O estímulo ao acesso mais livre das crianças, entre outros aspectos.
Em síntese, tal como anunciado, pretendemos apresentar e refletir sobre as atividades
que vimos acontecer durante os dias de observação, bem como sobre a qualidade das
interações entre as professoras e as crianças no momento de cada atividade considerando
aspectos da organização do trabalho pedagógico como os listados acima.
No Quadro 04 indicamos, inicialmente, as atividades identificadas nas instituições A e
B, bem como a frequência com que ocorreram nos dez dias de observação24. A medida em
que as atividades forem discutidas, também abordaremos a natureza das interações
observadas.

24
Na instituição B, em dois dias previamente agendados para observação, não houve atividades com as crianças.
Em um dos dias, o CMEI estava sendo dedetizado e, por isso, não havia crianças no local; no outro dia, a
professora precisou organizar a biblioteca e preparar material para um evento da escola e para uma apresentação
na formação do PMBFL.
109

Quadro 04: Frequência das atividades observadas na BE por instituição

FREQUÊNCIA
ATIVIDADES Instituição A Instituição B
Prof.1 Prof.2 Prof.3
Leitura de livros de literatura 6 2 6
Contação de história 0 0 1
Escolha de livros pelas crianças e leitura livre 0 0 1
Leitura realizada pelas crianças de livros selecionados pela
1 0 0
professora
Reapresentação de livros já lidos 1 0 0
Distribuição de livros enviados pela prefeitura para as crianças 1 0 0
Sessão de filme relativo a um projeto temático (cerca de 30 min) 0 0 3
Exibição de vídeo relativo a um projeto temático (cerca 5 min) 0 0 2
Atividade artística envolvendo argila 0 0 1
Aula atividade (técnico-administrativa) 0 0 1
Nota: Em um mesmo dia de observação, a professora da BE podia realizar diferentes tipos de atividade.
Elaboração: a autora, 2019

• As sessões de leitura de livros de literatura e as interações ocorridas nestas


atividades
Como se pode ver no Quadro 04, a leitura de livros de literatura foi a atividade mais
frequente e a única que aconteceu em ambas BEs observadas. Isso indica que as professoras
atenderam principalmente ao papel da formação de leitores, algo fundamental nesta etapa da
escolaridade já, que segundo Kaercher (2001, p. 82), só é possível
[...] formar crianças que gostem de ler e tenham uma relação prazerosa com
a literatura se propiciarmos a elas, desde muito cedo, um contato frequente e
agradável com o objeto livro e com o ato de ouvir e contar histórias, em
primeiro lugar e, após com conteúdo desse objeto, a história propriamente
dita – com seus textos e ilustrações.

Tal ênfase na atividade de leitura de histórias, além de ser algo já esperado em se


tratando de uma biblioteca, também pode estar vinculada às trajetórias profissionais das
docentes que já eram professoras de crianças antes de assumirem a BE e, sendo assim, já
deviam realizar essa atividade com frequência.
De fato, é inegável que a leitura literária com/para as crianças constitui uma forma
essencial de aproximá-las do universo leitor. Entretanto, sobretudo, na instituição A, parece-
nos fundamental diversificar mais as atividades propostas na BE. Vale frisar ainda que, a
leitura de livros também deve ocorrer com frequência nas salas das crianças, não cabendo
apenas à BE essa atribuição.
110

Considerando a prática de leitura das três professoras observadas vemos que elas
conduziram a atividade de forma bem distintas. Vejamos como isso ocorreu:
Na instituição A, a professora 1 leu livros de literatura em seis das oito observações do
turno da manhã. A Professora 2, por sua vez, leu nas duas observações realizadas no turno da
tarde. A biblioteca da instituição A estava sempre arrumada, limpa e com os colchonetes no
chão para que as crianças pudessem se sentar. Consideramos que esta forma de organização
“fixa” da BE possibilitava um desenvolvimento adequado de diversas atividades, dentre elas
as de leitura. Na maioria das leituras, P1 aproveitou a organização já existente na BE, sem
acrescentar ou modificar qualquer elemento. Uma única vez, entretanto, ela levou o notebook
da escola e reproduziu um áudio em que se podia ouvir o som de um filhote de gato, no
intuito de realizar a leitura de um livro que fazia alusão a este animal. Notamos que esse
recurso instigou a curiosidade das crianças, estimulando sua participação na atividade de
leitura que se seguiu. Voltaremos a comentar sobre esse tipo de motivação quando
abordarmos as interações ocorridas durante as atividades.
Ainda em relação à preparação do espaço para a leitura na instituição A, observamos
que professora 2, que atuava no turno da tarde, não realizou qualquer alteração no espaço da
BE. Em uma das vezes em que a leitura aconteceu na sala das crianças do Grupo 3b, também
não observamos alterações no espaço que, inclusive, merecia incluir um cantinho ou ambiente
mais convidativo para a leitura.
A professora 3 realizou leitura na biblioteca quatro vezes durante o período de
observação. Conforme já mencionado nos itens anteriores, na instituição B, o espaço da
biblioteca era amplo. Porém, em função da grande quantidade de móveis e da forma como
estavam dispostos, o espaço livre, não favorecia à formação das rodas de leitura. Era um
espaço era retangular e rodeado pelas estantes dos livros, pela mesa da professora, pelas
mesas redondas e pela porta de entrada (Figura 31). No espaço livre disponível, a professora
3, porém, preparou esse local em todas as mediações de leitura observadas na BE, colocando
uma colcha e algumas almofadas.
111

Figura 31: Atividade de mediação realizada na BE da instituição B


Fotografia: a autora, 2018

Em dois dos dias de observação, a professora 3 realizou uma mediação de leitura a


partir de áudios com a gravação da história. Estes momentos ocorreram fora da biblioteca, no
pátio da instituição, conforme já exposto. Nas duas situações, o livro abordado foi “A Mbira
da beira do rio Zambeze”, que continha pequenos contos africanos. Em um dia a professora
preparou o espaço estendendo um tapete com instrumentos musicais africanos e indígenas,
colocou ainda uma TV da escola, um notebook e uma caixa de som sobre um palco que havia
no espaço (Figura 32).

Figura 32: Preparação do espaço para mediação de leitura na instituição B


Fotografia: a autora, 2018

A organização do espaço para a atividade demonstra o cuidado da professora com o


planejamento desse aspecto para uma melhor condução da atividade de leitura. Porém, não
entendemos por que incluir elementos da cultura indígena que, aparentemente, não tinham
qualquer relação com os instrumentos africanos ou com os temas dos contos do livro. Além
112

disso, notamos que a altura em que se encontrava a TV trazia um certo desconforto para as
crianças.
Analisando o uso do tempo pelas professoras durante as sessões de leitura, notamos
que a forma como cada uma utilizou o tempo se repetiu nas diferentes atividades. Assim, os
encontros na BE da instituição A tinham o tempo previsto de 30 minutos, de acordo com o
quadro de rotina (lembramos que o número total de crianças de cada grupo era dividido ao
meio para que participassem das sessões na BE). No horário da manhã, as crianças
permaneciam dentro da BE por aproximadamente 25-30 minutos e a professora 1 conseguiu
realizar as atividades planejadas. Em uma das sessões com o Grupo 1, por exemplo, cerca de
22 minutos foram dedicados a ações que envolviam a mediação de leitura, quais sejam:
motivação, exploração da capa do livro, leitura e extrapolação dessa leitura. Os três minutos
restantes, por sua vez, foram dedicados à pedidos de atenção das crianças para a atividade.
No turno da tarde, os encontros na BE da instituição A foram um pouco mais curtos
nos dias observados, em torno de 20 minutos para cada grupo e as atividades propostas pela
professora 2 não foram exatamente concluídas, pois as crianças perderam o interesse.
No caso da instituição B, como a professora 3 recebia todas as crianças de um mesmo
grupo em uma única sessão, seu tempo com elas deveria ser, em tese, maior. Na prática,
entretanto, isso não aconteceu. O tempo médio dos encontros na BE e fora dela eram de
apenas 20 minutos. Além disso, boa parte desse tempo a professora 3 conversava sobre
assuntos que não tinham relação com o livro a ser lido. Vejamos abaixo, o diálogo ocorrido
no início de sessão de leitura:
P3:Shiiiiiiiiu [faz o sinal de silêncio com o dedo em frente a boca,
olhando para todas as crianças]. Sabe o que a gente vai fazer aqui?
Criança m: O quê?
P3: Eu trouxe esse livro [mostra o livro], que Tinker Bell trouxe, olha.
Tinker Bell mandou esse livro, Nicolau. Psiiiiu [pede silêncio as
crianças novamente fazendo o sinal com o dedo em frente a boca]. O
livro de Nicolau tinha uma ideia. Tão vendo? Quem será Nicolau? [faz
um som de surpresa]. Bora ver?! [sem esperar as crianças
responderem continua falando e mostrando o livro...] Nicolau tinha
uma ideia. Então vamos ver essa história? [novamente não espera que
as crianças respondam]. Sabe quem escreveu essa história? Ruth
Rocha. E sabe quem fez esses desenhos? Mariana Massarani.
Criança n: Olha tia, o que eu comprei. Meu avô vai comprar uma
boneca de cavalo.
P3: E é?
[várias crianças falam ao mesmo tempo sobre o que compraram e o
que gostariam de comprar e a mediação da professora se limita a
organizar a vez de cada uma falar. As crianças não fazem perguntas
sobre o livro e só cerca de 5 minutos depois a professora volta a pedir
silêncio e retorna ao livro de literatura].
113

(Trecho da mediação de leitura realizada por P3 com o grupo 3a, no


dia 06/12/2018, em que foi lido o livro Nicolau tinha uma ideia).

Quanto às escolhas e usos dos recursos na BE, como se poderia esperar, os livros
assumiam um lugar de destaque e um mesmo livro era lido com diferentes grupos de crianças.
Porém, recursos como uma caixa de papelão decorada contendo bonecos dos personagens das
histórias também foram utilizados com a finalidade de envolver as crianças com a atividade.
Os livros selecionados pela professora 1 (ver Apêndice V) traziam histórias
interessantes que possibilitavam momentos de interação com o texto por meio de brincadeiras
e perguntas que levassem as crianças a pensar e se expressar. Além da qualidade textual, os
livros abordavam temas atraentes para crianças e apresentavam excelente qualidade gráfica e
estética, com exceção de um deles (Você viu o coelhinho? de autoria Smriti Prasadam).
Quanto ao livro lido pela professora 2 para o grupo 3a na biblioteca e para o grupo 3b
na sala das crianças (ver Apêndice V), consideramos o tratamento dado ao tema da obra: um
amor inusitado entre um gato e uma panela com uma comida cheirosa, pouco interessante,
não apenas para crianças pequenas, mas para leitores de qualquer idade e ficamos com a
impressão que se tratou de uma escolha pouco planejada e a mediação deixou a desejar.
No caso da professora 3, alguns dos livros por ela selecionados possuíam boa
qualidade literária, temática e gráfica, tais como a “Mbira da beira do rio Zambeze”, pois
traziam temas de valorização da cultura afro com excelentes ilustrações e músicas, bem como
textos abertos que suscitavam diferentes interpretações. Outros, porém, recorriam a uma
exposição literal de seus objetivos, como a obra Nicolau tinha uma ideia, de Ruth Rocha; e a
obra A caixa mágica das Marias, de Simone Carneiro Fontenele.
Percebemos ainda que, no período de observação, os livros lidos pelas professoras 1 e
3 não estavam vinculados à projetos de trabalho mais amplos. Na entrevista, porém, a
professora 1 falou sobre um projeto realizado ao longo do primeiro semestre, em que a BE
esteve envolvida e cujo objetivo era aproximar as crianças da leitura a partir da apresentação
de diferentes autores. Tal projeto, segundo ela, buscava apresentar a autora Lenice Gomes. O
desenvolvimento de um novo projeto envolvendo outro autor estava previsto para iniciar em
setembro. Talvez a inexistência de articulação com projetos durante as observações na BE da
instituição A se deva ao fato de que estávamos em agosto, mês em que as crianças e os
profissionais estavam retornando do recesso. As observações na instituição B parecem
confirmar essa hipótese. Nesse caso, vimos que a maior parte das leituras realizadas pela
professora 3 estavam articuladas com projetos da instituição. A leitura do “A Mbira da beira
114

do rio Zambeze”, por exemplo, aconteceu em novembro, mês em que se comemora a


consciência negra, e no contexto do projeto sobre a África desenvolvido por toda a instituição.
Por fim, vale observar que as três professoras selecionaram sempre livros de literatura.
No caso da professora 3, embora um dos livros “A Mbira da beira do rio Zambeze” reúna
gêneros literários e não literários, incluindo textos informativos, no período de observação, a
professora usou apenas áudios dos contos, explorando as ilustrações do livro. Nesse sentido,
vale lembrar que, assim como Patte (2012) e Altamirano (2015) consideramos fundamental
que as bibliotecas infantis disponibilizem textos informativos em suportes variados, além dos
textos literários e do suporte livro.
Analisando as formas de organização das crianças para as atividades de leitura
observadas no espaço das BEs, constatamos que na instituição A, as professoras 1 e 2
organizavam as crianças uma ao lado da outra, sentadas em um colchonete, de modo que
todas podiam ver o livro. Avaliamos essa forma de organização como positiva, pois também
era possível a professora olhar no olho de cada uma das crianças e interagir de forma mais
direta com elas. A quantidade reduzida de crianças em cada sessão (entre sete e dez) era mais
um elemento facilitador para essa interação face a face, de modo que as intervenções por meio
da linguagem não-verbal, além da verbal, fazia com que os gestos e os olhares pudessem
constituir todo o ato comunicativo da mediação, tal como ressaltado por Bajard (2007).
A organização das crianças na leitura conduzida pela professora 2 da mesma
instituição, foi bem diferente. Em uma das sessões, a leitura foi feita fora da BE, na sala do
grupo 3b, tal como já mencionamos aqui. Também como foi dito anteriormente, neste caso,
todas as crianças da sala participaram da leitura, sendo organizadas em um semicírculo.
Porém, por conta do número das crianças e da distância em que a professora se posicionou, a
visualização do livro ficou prejudicada. Certamente, este deve ter sido um elemento que
influenciou a dispersão das crianças. observada em alguns momentos, durante essa sessão de
leitura. A esse respeito, também concordamos com Bajard (2007) quando ele afirma que a
dificuldade de visualização faz com que a atenção das crianças dependa muito mais da fala do
mediador para manter o interesse das crianças na atividade de leitura. Cabe registrar que a
professora 2 realizava a leitura com pouca expressão na voz e nos gestos, tornando-se,
portanto, mais difícil atrair a atenção das crianças.
Nas sessões de leitura conduzidas pela professora 3 foram observadas diferentes
formas de organização das crianças. Em alguns casos, a professora e elas ficaram sentadas no
chão em semicírculo. Assim, a dificuldade de visualização do livro e a consequente dispersão
se repetiram, tal como comentamos acima em relação à professora 2. Além disso, a presença
115

de brinquedos na BE da instituição B também era um agravante, já que, às vezes, eles


chamavam mais atenção das crianças do que a história que estava sendo lida.
Nas sessões de leitura que ocorreram fora da BE e com um número bem maior de
crianças, a professora 3 ficava de pé e as crianças se arrumavam na sua frente, da forma como
queriam. Ao permanecer em pé e com as crianças no chão, a visualização dos livros também
ficava prejudicada. Nota-se ainda que nesse tipo de organização, apesar da professora ter mais
liberdade para se movimentar no espaço e se expressar, a distância das crianças prejudicava o
contato o face a face e os ganhos com a linguagem não-verbal.
Diante dessas observações, concluímos que o número de crianças e a proximidade
entre a elas e a mediadora parece ter um peso significativo na qualidade da atividade de
leitura proposta. Assim, de forma geral, as atividades ocorridas dentro da BE foram mais
produtivas do que aquelas observadas fora desse espaço.
Finalmente, vale destacar uma única situação em que a professora 3 permitiu que as
crianças se movimentassem no espaço da BE de forma totalmente livre. Nesse contexto, foi
notável o fascínio demonstrado por elas de poder folhear os livros de forma desimpedida.
Assim, percebemos que as crianças participavam ativamente em várias ações simultâneas com
os diversos itens do acervo. O nível de interação entre elas também foi intenso de modo que
trocavam comentários, descobertas e formas de contato com os livros, conforme se pode ver
na Figura 33. Na ocasião, a professora 3 sentou-se em um canto da BE e leu apenas para as
crianças que demonstravam interesse e se aproximavam dela.

Figura 33: Sessão de leitura livre realizada na Biblioteca Escolar da instituição B


Fotografia: a autora, 2018
116

Ainda em relação a essa circulação livre das crianças no espaço da BE, Pimentel
(2016, p. 69) acrescenta que são nesses momentos em que “[...] as crianças revelam o que já
sabem sobre leituras, narrativas, livros e também se defrontam com desafios e descobertas a
serem feitas”. Assim esse encontro com livros possibilita que elas mesmas descubram e
explicitem suas preferencias, fazendo escolhas das histórias que querem que os adultos leiam
pra elas. Nesse sentido, consideramos fundamental que esse tipo de proposta ocorra com
maior frequência nas BEs desde a Educação Infantil.
A partir deste ponto, iremos aprofundar nossa análise de modo mais específico nas
interações observadas durante as atividades de mediação de leitura ocorridas na BE e também
fora dela, quando conduzidas pelas professoras participantes da pesquisa. Sobre esse tópico,
vale registrar, com base em Vygotsky (REGO, 2011), que as interações entre os seres
humanos, em seus diferentes contextos linguísticos e culturais é o que promove o seu
desenvolvimento a patamares cada vez mais sofisticados de sociabilidade. Como se sabe, a
visão legada por este pensador deu origem a abordagem sociointeracionista de ensino e
aprendizagem, cujo maior princípio é o de que os indivíduos se desenvolvem através de
interações recíprocas entre seus pares ou com outros sujeitos mais experientes.
Nesse contexto, um primeiro aspecto que observamos na dimensão das interações,
foram as estratégias utilizadas pelas professoras para envolver as crianças nas atividades
propostas. Nesse sentido, de acordo como nossa observação, o convite para escutar uma
história, dirigido oralmente às crianças, foi muito frequente. Para ilustrar este momento,
selecionamos um trecho do diálogo durante a mediação do livro Dia de Sol, com o grupo 3b,
com crianças em torno de 3 anos:
Professora 1: Eu vou contar uma historinha hoje, certo? Então vamos ouvir?
Quem quer ouvir a historinha de hoje?!
Criança x: Olha, o sol [refere-se à ilustração do sol que estava na capa do
livro].
Duas crianças ao mesmo tempo: Sol!
Professora 1: Era o sol?
Crianças: É.
Professora 1: É do sol.
Professora 1: [Uma criança se estica para tocar no livro. P1 coloca a mão em
sinal de “pare”] “Criança x”, agora a gente vai combinar uma coisa: depois
eu passo o livrinho pra todo mundo olhar. Tá combinado assim? [a criança
balança a cabeça em sinal afirmativo e continua apontando para o sol da
capa do livro]. Mas agora tia P1 precisa segurar o livrinho porque tia P1 vai
ler o livro.
Criança x: Tia, olha o sol grandão.
Professora 1: É um sol grandão, é?
Criança x: É, porque o sol virou uma planta [refere-se a capa do livro].
Professora 1: Virou uma planta? Por que tu achas que o sol virou uma planta,
por quê?
117

Criança x: porque ele tá escondido nas plantas.


Professora 1: Porque ele está escondido nas plantas? Será, hein, que esse sol
está escondido nas plantas? Será? E isso aqui não é sol também, não?
[apontando para a ilustração da capa do livro]
Algumas crianças: É! É!
Outras crianças: Não, flor!
Professora 1: Por que tu acha que é flor, Criança y?
Criança y: Porque as flores são pequenininhas.
Professora 1: Porque as flores são pequenininhas.
Criança x: E eu sou grande.
Professora 1: E tu é grande. O que mais, tem mais alguma coisa aqui que a
gente sabe que ela é flor?
Criança w: É um sol pequenininho.
Professora 1: Aqui tu acha que é o sol pequenininho? Mas tu não disse que...
[outra criança interrompe]
Criança z: É as letras!
Professora 1: Ah, tem as letras aqui também. Muito bem! Ah, tem as letras.
Tem esse aqui grandão que vocês estão dizendo que é o sol. Tem esse aqui
pequenininho que vocês disseram que era flor, depois disse que era sol. Será
que é sol ou será que é flor, minha gente?
(Trecho da mediação de leitura realizada pela professora 1 com o grupo 3b,
no dia 13/08/2018, em que foi lido o livro Dia de Sol).

O fragmento do momento inicial desta mediação nos permite perceber aspectos que
extrapolam a motivação para a leitura. Primeiro, a profissional convidou as crianças a lerem o
livro e estabeleceu um combinado de que elas deveriam participar inicialmente da história e
depois teriam um momento para folhear o livro. Essa postura no começo da mediação é
interessante porque reduz a ansiedade das crianças em manusearem o objeto livro e garante a
elas este momento importantíssimo ulteriormente. Ao longo do diálogo também fica evidente
a postura acolhedora da professora 1, ouvindo atentamente as contribuições das crianças, bem
como estimulando a conversa a partir de boas perguntas que chamavam a atenção das crianças
para a capa do livro que estava sendo apresentado.
Nas vezes em que mediou a leitura para a turma do berçário, observamos algumas
estratégias diferentes. Em uma das situações, a professora usou uma caixa com um coelhinho
em seu interior e incentivou as crianças a interagirem inicialmente com ela, passando-a nas
mãos de cada uma e dizendo: “eita, bate para a caixinha abrir! Oh, abre, caixinha!” (batendo
com a mão fechada na caixa e as crianças repetiam o movimento, entusiasmadas). A
professora 1 continuou estimulando o suspense dizendo: “A caixinha vai abrir! A caixinha vai
abrir! Eu quero ver o que tem aí dentro!”. O interesse dos bebês pelo que estava acontecendo
era perceptível. Assim, olhavam atentamente para a caixa, apontavam, balbuciavam e davam
gritinhos respondendo aos estímulos da professora que indagava: “o que será que tem aqui
dentro?”. Após aberta a caixa, surge o coelhinho que também atrai o interesse das crianças.
118

Antes de apresentar o livro, a professora 1, finalmente, anuncia: “Tia X (diz seu nome) vai
pegar agora a história do coelhinho”.
Depois que começava a leitura, a professora 1 continuava fazendo perguntas que
permitiam às crianças a construção de sentidos a partir do que ouviam. Mesmo envolvidas,
elas, frequentemente, se dispersavam, o que não se trata, propriamente de algo incomum entre
crianças pequenas. Os brinquedos e o ferrolho de uma das portas onde elas ficavam
encostadas facilitavam, inclusive, essa dispersão. Nesses momentos, a professora 1 costumava
chamar a criança pelo seu nome, trazendo-a de volta para a história. Assim, de forma bastante
sutil, a docente conseguia manter a atenção delas. Quase nunca, portanto, havia algum tipo de
intervenção mais brusca. O mesmo não podemos dizer em relação às estratégias usadas pelas
ADIs que se preocupavam muito em manter todas as crianças quietas e atentas. Em geral, elas
se posicionavam sempre ao lado daquelas que se mostravam mais dispersas, vigiando seus
gestos e movimentos, pedindo silêncio. Em alguns casos, não deixavam que elas se
levantassem, ou mesmo gesticulassem em resposta aos estímulos da mediadora, numa
evidente demonstração de desconhecimento das necessidades de movimento e de expressão
das crianças.
A esse respeito, ao comentar sobre o papel e os requisitos de uma boa roda de leitura,
Pimentel (2016) afirma que as crianças precisam se sentir confortáveis e livres. Para a autora,
elas usam naturalmente o corpo para se expressar e interagir com o mundo, não sendo
diferente no momento de ouvir histórias. Por esse motivo, em vez de coagi-las, seria
necessário, segundo esta autora, buscar conquistar sua atenção, tal como tentava a professora
1.
No momento final dos encontros na BE, professora 1 cumpria o combinado e permitia
que a crianças tivessem acesso ao livro lido por ela. A profissional por diversas vezes também
expressou sua preocupação em conceder às crianças um maior acesso ao acervo. Porém, tendo
em vista a exígua reposição de exemplares, ela limitava-se a oferecer apenas o livro lido em
cada sessão.
A esse respeito, tal como indicamos no primeiro capítulo dessa dissertação, uma BE
efetivamente ambientada para a Educação Infantil e que cumpra os papeis educativos
atribuídos a ela, precisa ser um lugar povoado de livros atrativos e de atividades simultâneas,
não um local em que o acesso aos livros é restrito e controlado. Afinal, nos parece que o
diferencial de se ter uma biblioteca na escola, sendo também o que a distingue de qualquer
outro ambiente de leitura dentro de uma instituição de ensino é o acesso livre a uma grande
quantidade e variedade de livros.
119

A professora 2, da mesma instituição, não tinha a facilidade da professora 1 de seduzir


as crianças para o momento de leitura. Como se poderá ver no fragmento abaixo, após um
momento de “hora da novidade” com perguntas da professora 2 e respostas em coro das
crianças, ela introduz o livro fazendo perguntas sobre a capa que não contribuem para engajar
as crianças do grupo 3 na construção de sentidos sobre o que será lido. Vejamos como se deu
esse diálogo inicial:
Professora 2: Boa tarde, crianças!
Criança q: Boa tarde!
Professora 2: Eita, só “Criança q” deu boa tarde? Boa tarde!
Crianças: Boa tarde! [Gritam as crianças em coro]
Professora 2: Agora! Agora eu ouvi! E como foi o final de semana?
Crianças: Boa tarde! [Gritam as crianças em coro]
Professora 2: Quem foi que passeou?
Crianças: Boa tarde! [Gritam as crianças em coro]
Criança n: Eu fui pra piscina de Carol.
ADI: Eu fui à praia.
Professora 2: Olha, ela foi à praia!
Criança o: Eu fui à praia também.
Professora 2: Tu foi à praia também?
[resposta inaudível, várias crianças falam ao mesmo tempo sobre a praia]
Professora 2: Foi mesmo? [uma criança balança a cabeça afirmando que
sim] E Criança p?
Criança p: Eu fui, fui, fui pra casa de tio César.
Criança q: BOA TARDE! [grita sozinho].
Professora 2: Pera aí “Criança q”. Deixa eu ouvir “Criança p”. Foi pra
onde?
Criança p: Pra casa de tio César.
Professora 2: Entendi. Foi pra casa de tio César. Pronto! Então vamos ver...
[Pega o livro nas mãos e lê o título]. A história bela do gato e da panela.
Quem escreveu essa história foi Jonas Ribeiro. Qual é a cor do gato. Quem
conhece a cor do gato? O gato é que cor? [aponta especificamente para a
Criança r].
Criança r: Azul.
Crianças: Azul. Azul.
Professora 2: Que cor é essa? [põe o livro em frente a Criança r].
Criança q: Não, Roxo!
Criança r: Roxo [responde desencostando e tocando no livro]!
Professora 2: Encosta, vai [pede para Criança r para volta ao seu lugar,
encostado na porta, pois havia se inclinado para olhar a cor de perto].
Ninguém conhece a cor do gato, é? Essa cor?
Crianças: Cinza.
Professora 2: Marrom. É marrom, né? A cor do gato não é marrom.
Criança q: Mas eu já vi um gato preto!
Professora 2: E tu já visse um gato preto? [Criança q responde
afirmativamente]. Eu também já vi um gato preto, marrom, amarelo, branco.
[...] As crianças começam a falar de outros animais.
Professora 2: E a cor da panela?
Criança q: Azul.
P2: Muito bem! E a cor do coração?
Criança m: Vermelho.
120

Professora 2: E a cor da relva, aqui, do mato [aponta para a ilustração da


capa]?
Crianças: Verde.
Professora 2: Muito bem! Tá todo mundo muito sabido. A história bela do
gato e da panela. Quem escreveu foi Jonas Ribeiro.
Criança q: Jonas Beiro.
Professora 2: Jonas Ribeiro.
Criança q: Jonas Ribeiro.
Professora 2: Muito bem! Agora vamos fazer silêncio, vamos [inicia a
leitura].
(Trecho inicial da mediação de leitura realizada por P2 com o grupo 3a, no
dia 10/09/2018, em que foi lido o livro A história bela do gato e da panela).

Como podemos perceber na observação, havia participação e desejo das crianças de se


envolver, porém, as perguntas sobre as cores não tinham significado para o enredo da história
que iria se desenrolar. A esse respeito, Brandão e Rosa (2010, p. 70) afirmam que, desde
cedo, é importante que a criança, “[...] compreenda a leitura como uma atividade de
construção de sentidos em que é preciso interagir ativamente com o texto”. Para isso, as
autoras recomendam a condução de uma “conversa” que convide a criança a pensar sobre o
texto verbal e as ilustrações de modo a produzir sentidos sobre o que escuta e observa.
Ao analisar a conversa que se dá durante a leitura, também vemos que essa não é a
direção assumida pela professora 2 na sua interação com as crianças mediada pelo livro.
Durante a leitura vimos ainda que ela lia com pouco entusiasmo e também não investia muito
na participação das crianças. Algumas vezes, fazia perguntas que ela mesmo respondia
parcialmente:
Professora 2: [...] A fome do gato aumentou. A panela corria e espalhava
um cheiro gostoso no ar. Era um cheiro de quê? ... Qual é o cheiro que sai
da panela?... De co...
Criança q: ...mida [completa a palavra iniciada pela professora].

Apesar disso algumas crianças participavam mais ativamente da leitura, como


podemos ver no fragmento abaixo:
Professora 2: Até agora eu estava sentindo um cheiro de sopa maravilhosa
[observação da professora sobre o cheiro do jantar da creche daquele dia]. O
gato miava e corria atrás da panela. De repente, a panela entrou na floresta e
sumiu ó [mostra a ilustração].
Criança e: E agora?
Professora 2: E agora? A panela entrou na floresta e sumiu. O gato não
achou não [responde a criança].
Criança e: O gato ficou triste!
Professora 2: Ele ficou triste [repete o que criança havia dito e, continua
lendo]. Até o cheiro sumiu. O gato procurou, procurou, procurou e não
encontrou.
Criança e: Ó ele aí, ó [refere-se a ilustração do livro].
121

Professora 2: Cansado de tanto procurar, o gato resolveu dormir um pouco.


Criança e: Dormiu e acordou... [a professora interrompe a fala da criança e
continua a leitura].
Professora 2: [descreve a ilustração] Ele deitou na relva, olha, ele deitou no
mato e adormeceu.
Criança i: Olha tia, a panela!
Professora 2: O medo da panela sumiu [lendo]. Ela ficou com medo mais
não [repete o que havia lido]. E ela saiu do seu esconderijo [continua a
leitura]. Ah, ela saiu de seu esconderijo [reflete em voz alta e aponta para a
ilustração].
(Trecho da mediação de leitura realizada por P2 com o grupo 3a, no dia
10/09/2018, em que foi lido o livro A história bela do gato e da panela).

É interessante notar o comportamento leitor de algumas crianças que acompanham o


desenrolar do enredo e fazem, elas mesmas, perguntas/comentários sobre o que vai acontecer
em seguida. Isso demonstra a familiaridade dos pequenos com a atividade de leitura apesar
das lacunas deixadas pela professora 2 em sua condução. Tais observações reforçam a
necessidade de planejar a conversa e as formas de apresentar e de penetrar nos textos
literários, tal como sugerem Brandão e Rosa (2010) e Bajour (2012).
Ao final da sessão de leitura, a professora 2, assim como a sua colega da mesma
instituição, disponibilizava o livro que havia acabado de ler e estimulava as crianças a fazer
uma releitura. Porém, mais uma vez, não observamos oportunidades das crianças de
manusearem o acervo da BE de modo livre.
Com relação à professora 3, como já comentamos anteriormente, as leituras realizadas
fora da BE eram um grande desafio dado o número de crianças e o espaço totalmente aberto.
Diante disso, era notável o seu esforço para envolver as crianças usando algumas estratégias
lúdicas para chamar atenção dos pequenos para sua proposta.
Abaixo apresentamos um trecho em que ela se prepara para ler a história “A Mbira do
rio Zambeze” para um grupo de aproximadamente 45 crianças entre 3 e 5 anos. Nesse extrato,
vemos que no início da interação da professora 3 com as crianças, ela fala sobre diferentes
personagens em que já se fantasiou para realizar atividades na BE. Ela considerava que se
vestir de personagens era uma forma de motivar as crianças a entrarem no universo
imaginativo das histórias. Vejamos, então, esse diálogo inicial:
Professora 3: Eu quando quero ser Branca de Neve, eu sou branca de neve?
A maioria das crianças em coro: É!
Algumas crianças: Não!
Professora 3: Quando Branca de Neve vem aqui, quem já viu Branca de
Neve aqui?
A maioria das crianças gritam em coro: eeeeeeeeu!
122

Professora 3: Quem já viu TinkerBell25 aqui?


A maioria das crianças gritam em coro: eeeeeeeeu!
Professora 3: Quem já viu a bruxa?
A maioria das crianças gritam em coro: eeeeeeeeu!
Professora 3: Quem já viu a índia?
A maioria das crianças gritam em coro: eeeeeeeeu!
Professora 3: Quem já viu a princesa, a rainha negra, a rainha africana?
A maioria das crianças gritam em coro: eeeeeeeeu!
[é possível ouvir uma criança no fundo falando a Elza]
Professora 3: E não posso começar a história agora porque [inaudível, fala
algo dos personagens que havia citado], porque senão eles vão embora.
Então vamos lá! Olha esse livro [mostra o livro que estava em suas mãos
para as crianças, olha pra ele e sorri]. Bora puxar [remete-se a puxar a
história e faz um gesto como se estivesse puxando algo de dentro do livro].
História [chama].
Poucas crianças chamam: História!
Professora 3: Vem não!
Mais algumas crianças chamam: História!
Professora 3: [faz um gesto de não com a cabeça] Bora, vocês estão
dormindo. De novo!
A maioria das crianças gritam em coro junto com a professora: História!
Professora 3: [Faz sinal de silêncio e abre o livro como se fosse espiar]
Psiiiiu, será que ela já chegou? [encena um susto ao olhar espiar o que tem
dentro do livro novamente] Ainda não. Bora de novo, bem forte [chamar a
história].
A maioria das crianças gritam em coro junto com a professora: Históóória!
Professora 3: Psiiiiu!!! Fala não, senão a gente não consegue [nesse
momento uma criança brinca com a outra]. Bora tentar de novo? Agora
quando terminar [nota que a criança ainda está conversando]. Oxe, oxe! A
história não vai vir não, por causa de tu [diz para a criança que estava
conversando]!
Professora 3: Quando a gente chama a história, que a história chega, a gente
tem que fazer silêncio, senão ela vai embora, e ela foi.
[A criança não gosta e responde a professora – inaudível]
Professora 3: Ela foi porque tu tava falando!
[A criança retruca mais uma vez e logo chega a ADI para conter a criança].
Professora 3: Memória para lembrar [fala massageando a cabeça], massageia
os ouvidos pra prestar atenção, massageia a [ela massageia a nuca], aliás,
massageia os olhos pra prestar atenção, massageia os ouvidos para ouvir
melhor, massageia o nariz pra a gente sentir o cheiro da história e vamos
olha [faz sinal de silêncio]. ADI, é melhor tu ficar junto dela, que ela tá
perturbando os meninos [refere-se a criança que estava falando sem querer
prestar atenção].
ADI: “Criança a” vai querer ir pra sala?
Criança a: Não!
Professora 3: Olha, eu vou dar mais um tempinho pra começar a história.
[...].
(Trecho da mediação de leitura realizada por P3 com todas as crianças fora
da BE, no dia 05/11/2018, em que foi ouvido áudio do conto “O leão e o
atalho”, do livro A Mbira da beira do rio Zambeze).

25
Trata-se de uma personagem fada criada por James Matthew Barrie em sua peça Peter and Wendy, e
apresentada no filme de 1953 da Walt Disney Animation Studios, Peter Pan.
123

O fragmento acima revela muito do perfil da professora 3 que era mais teatral e
próximo ao que vemos em profissionais contadores de histórias. Consideramos, entretanto,
que na grande maioria das situações em que ela falou ou usou as fantasias de personagens,
não havia qualquer conexão com a história lida ou com o tema abordado. Assim, essa ação
acabava sem sentido, pois não se conectava com a ação seguinte de leitura. No caso dessa
observação, as crianças sequer pareciam ter entendido o objetivo da atividade, algo que ficou
evidente quando, entre as respostas dadas por elas, surgiram nomes de outros personagens,
jamais interpretados pela professora da BE. Além disso, vale atentar que o potencial
imaginativo das crianças também ganha com personagens populares da cultura local e
nacional e não apenas com figuras criadas pela indústria de massa como TinkerBell e Branca
de Neve.
Por outro lado, a ideia de incentivar as crianças a chamarem a história e a brincadeira
de espiar o livro são ações interessantes. Tais estratégias de motivação, quando bem
utilizadas, podem representar uma ótima possibilidade de envolver as crianças no momento da
leitura. Porém, o contexto em que essas ações foram colocadas em prática, não foi o melhor e
acabou por dispersar em vez de atrair. Outro aspecto que vale menção foi a cobrança
exagerada de silêncio e máxima quietude para que a atividade de leitura pudesse se iniciar.
Dado o ambiente aberto e com muitos ruídos externos, além do grande quantitativo de
crianças nos pareceu impossível atingir a atenção e a tranquilidade pretendida.
Como já indicamos aqui, a professora 3 também lançou mão do áudio para mediar a
leitura do livro “Mbira da beira do rio Zambeze”. Além do áudio, essa profissional trouxe um
conjunto de instrumentos de origem africana e indígena que foram dispostos em um tapete
que também foi trazido por ela. A professora, porém, não chegou a se utilizar desses materiais
em sua mediação, nem fez perguntas que ajudassem na construção de sentidos sobre o livro.
A insistência de obter silêncio a qualquer custo para ouvir o áudio acabava imponto às
crianças um papel passivo, indo de encontro àquilo que preconiza Solé (1998) no processo de
formação de leitores. Segundo esta autora, a leitura se caracteriza, ao contrário, por um
processo ativo de interação com o texto e isso, especialmente, no caso de crianças pequenas
não pode se dar de forma silenciosa. Como afirma Chambers (1993) desde cedo, a conversa
sobre os livros pode estimular a criança a explicitar o que está pensando, o que lhe intriga no
enredo, a comentar sobre os eventos, os personagens de quem gosta mais ou menos.
Ainda ao final do áudio, também não registramos um incentivo a conversa sobre o que
havia sido escutado. As crianças foram, simplesmente, convidadas a ver os materiais do
tapete, sem qualquer orientação ou conversa articulando os objetos com a narrativa ouvida.
124

Por se tratar de uma atividade no pátio externo, o contato com o acervo da BE também quase
não existiu.

• Sobre outras atividades pontuais observadas nas BEs das instituições A e B


Apenas a professora 1 da instituição realizou uma atividade em que buscava
rememorar leituras realizadas de livros já apresentados e, em seguida, propunha a leitura
individual de um desses livros por cada criança (ver no Apêndice IV). Tal atividade foi
observada em uma única sessão na BE da instituição A no período de observação.
Na ocasião, houve uma mudança na organização rotineira do espaço da BE. A
professora pôs dois colchonetes justapostos e desencostou as crianças de uma porta, onde
costumeiramente ficavam. Ao lado da profissional, foram colocadas uma pequena cadeira e
uma caixa com os livros a serem apresentados. Na mediação feita com a primeira metade do
grupo 3, a disposição das crianças uma ao lado da outra foi substituída por uma arrumação
mais livre, definida por elas. Com a segunda metade do grupo, a professora preferiu realizar
uma roda. Em ambas situações, as crianças ficaram próximas da profissional, o que
possibilitou uma boa visualização dos livros apresentados.
Acreditamos que a mudança na disposição das crianças no espaço entre as duas
sessões de leitura tenha ocorrido em razão da avaliação da própria profissional frente ao
primeiro momento, buscando talvez obter maior controle sobre o comportamento das crianças
com a arrumação em roda. Consideramos, contudo, que a opção de deixar as crianças mais
livres para escolher onde ficar pareceu favorecer um maior envolvimento por parte delas
(Figura 34).

Figura 34: Sessão de reapresentação dos livros lidos na Biblioteca Escolar da instituição A
Fotografia: a autora, 2018
125

A forma com a qual ocorreram essas atividades seguiu o mesmo perfil apresentado da
atividade de leitura e a professora 1 soube utilizar de forma eficiente o tempo disponível.
Assim, durante cerca de 25 minutos, ela se concentrou na atividade de leitura, sem perder
tempo com conversas sem relevância.
Percebemos durante a reapresentação dos livros já lidos, alguns eram bem conhecidos
e de muito boa qualidade literária como como é o caso das obras intituladas Bocejo (de Ilan
Brenman e Renato Moriconi) e Quem soltou um pum? (de Blandina Franco e José Carlos
Lollo), por exemplo. Outros, porém, com uma qualidade notadamente inferior, como Pepa
Pig: o carro novo (Neville Astley) e Bibi fala em público (de Alejandro Rosas).
A professora 1 iniciava a atividade perguntando as crianças se elas lembravam da
história e o que havia chamado a atenção delas. Contudo, poucas conseguiam dar esse feed-
back. Muitas já não lembravam mais das histórias e outras lembravam muito pouco. O
momento em que cada criança foi solicitada a escolher uma obra para realizar uma leitura
individual pareceu bem mais proveitoso do que o primeiro, pois as crianças se sentiram mais
envolvidas. Tal observação reforça a importância da introdução de mais ações que
possibilitem maior liberdade para as crianças e autonomia de acesso ao acervo como vimos
nesta proposta da professora 1.
Outra atividade que envolveu a BE da instituição A foi a distribuição de kits de
livros de literatura comprados pela PCR para as crianças, já comentada anteriormente.
Tratava-se de uma das ações do Programa Brinqueducar para as crianças de 0 a 5 anos. Esta
foi a única atividade da BE vinculada a algum projeto maior da escola e como também já
mencionamos aqui, o envolvimento da professora de biblioteca deixou a desejar. Por fim,
vale mencionar que ambas as atividades contemplam prioritariamente o papel de formar
leitores.
Uma outra atividade igualmente relacionada à formação de leitores e observada uma
única vez, neste caso na instituição B foi a contação de história. Cabe ressaltar que esta
atividade é aqui considerada segundo a concepção de Cosson (2014, p. 112), para quem a
contação...
[...]Embora seja usada há bem mais tempo com a função de acalmar e
entreter a criança, contemporaneamente se reconhece na contação de
histórias uma forma privilegiada de ampliação do vocabulário, relação com o
impresso, estímulo à imaginação, desenvolvimento da criatividade e do
senso crítico, incorporação de modelos narrativos, incentivo à leitura,
promoção de valores e crescimento emocional, além de funcionar como
ponto de partida ou ligação entre conteúdos programáticos.
126

Em relação ao que observamos na instituição B, esta atividade aconteceu no pátio


coberto com uma história sobre uma boneca africana, previamente lida e memorizada pela
professora 3.
Na ocasião, a professora colocou uma colcha com livros, um avental de histórias e
uma boneca Tinker Bell. Apesar de os livros não terem qualquer relação com a história
contada, a professora disse que os colocava ali para que as crianças lembrassem que muitas
histórias estão nos livros. Como já comentamos aqui, consideramos que os recursos utilizados
são desconexos a contação de uma história africana.
A estratégia didática para envolver as crianças na atividade foi o uso de fantasia da
personagem Tinker Bell por parte da professora. Apesar de chamar a atenção, acreditamos que
tal ação também contribuiu pouco para engajá-las na atividade de contação da história, porque
se tratou apenas de um recurso visual, sem qualquer relação com o sentido do que seria
vivenciado. Tal como já comentamos aqui em situações de leitura, no momento em que a
história foi contada e ao final dela as crianças não tiveram oportunidade de se expressar e
também não registramos situações de conversa mais dirigidas sobre o que foi contado. A
professora interagiu com o grupo realizando perguntas gerais, respondidas em coro. Em
algumas ocasiões chamou atenção a forma impessoal de pedir silêncio. Ao que parece, a
professora procurava tomar lugar central nesse momento, buscando chamar a atenção para si
mesma, em vez de tentar levar as crianças para o centro do enredo, de forma a possibilitar seu
engajamento e uma vivência mais significativa.
Apenas nesta instituição B ocorreram algumas atividades que, em tese, poderiam ser
atreladas à competência informacional. Trata-se das sessões de episódios do filme “Kirikou –
os animais selvagens” (direção de Michel Ocelot e Bénédicte Galup), assistidos na BE, bem
como de duas exibições de audiovisual, no pátio coberto da escola: videoclipe do artista
africano Eddy Kenzo; e um vídeo sobre a história africana da Abayomi. Embora a iniciativa
seja muito pertinente e a escolha dos matérias revele bons critérios de escolha, a falta de
mediação visando ao desenvolvimento de habilidades informacionais não aproveitou o
potencial das propostas, reduzindo reprodução dos vídeos a um passatempo , sem uma
proposta de reflexão e de articulação mais consistentes com outras atividades do Projeto
sobre a África que estava sendo desenvolvido.
Nas sessões de filmes na BE, a TV foi colocada em cima da mesa da professora e as
crianças se sentaram amontoadas numa colcha no chão, em que não cabiam todas as crianças.
A altura da TV, em relação as crianças, foi inadequada.
127

Na ocasião em que passou o videoclipe e o vídeo sobre a história africana, no pátio


coberto, a disposição dos recursos de mídia estava inadequada porque a TV também ficou em
uma altura desconfortável à visão das crianças e a uma distância muito grande de onde
estavam sentadas.
A atividade artística, por sua vez, ocorreu após a exibição do filme de Kirikou, em que
o personagem principal utiliza argila. Assim, a professora 3 propôs a produção de esculturas
com esse mesmo material. Neste caso, é importante salientar que a referida atividade poderia
contribuir para a ampliação das experiências culturais. Entretanto, como o tempo disponível
para sua realização foi insuficiente e estava na hora das crianças retornarem para as suas
casas, a professora 3 pediu que as ADIs realizassem a atividade no dia seguinte. Quando
voltamos no outro dia, as produções já estavam prontas. Essa situação ressalta o problema do
mau uso do tempo já comentado aqui, sinalizando a necessidade de um planejamento mais
cuidadoso da atividade.

4.2.5 Atividades e interações envolvendo gestoras, demais educadoras e as famílias das


crianças
Conforme destacamos na descrição de nossos objetivos, buscamos também analisar as
interações envolvendo as BEs e as gestoras e coordenadoras pedagógicas, as demais
educadoras das instituições A e B, bem como as famílias, representadas por suas professoras
responsáveis. Embora não fosse nosso objetivo inicial realizar uma análise sobre as
interações que envolviam os ADIs, no percurso da pesquisa, fomos percebendo a presença
desses sujeitos na dinâmica das BEs e acabamos incorporando esse segmento em nossas
reflexões.
As formas de interação entre as gestoras e as BEs, geralmente, envolviam ações mais
administrativas, tais como a liberação das professoras para participarem das formações
continuadas do PMBFL e demais projetos da rede, ou no provimento das condições materiais
e de infraestrutura para o funcionamento da BE, sem muito envolvimento com o trabalho
realizado nesse espaço. Assim, as gestoras reconheceram a importância da BE em instituições
de Educação Infantil e deixaram evidente em suas falas que sua maior preocupação era com a
gestão administrativa.
Na instituição A, porém, percebemos um trabalho mais cooperativo entre a gestora, a
coordenadora e as professoras da BE. Apesar de não se envolver diretamente nas atividades
desenvolvidas diariamente nesse espaço, a gestora se mostrou muito próxima das professoras
1 e 2. Em uma situação observada, na instituição A, a gestora foi chamada por sua equipe a
128

assistir umas das formações junto a Fundação Joaquim Nabuco, de forma a fazê-la entender e
tornar ainda mais consensual entre todos a importância da BE na dinâmica da instituição e no
desenvolvimento de práticas pedagógicas inovadoras.
Gestora da instituição A: [...] elas [refere-se as professoras 1 e 2 da BE]
continuam assim, querendo se superar. Então elas fizeram um trabalho na
Fundaj, e solicitaram de mim, que eu as dispensassem para elas fazerem um
trabalho de formação na Fundaj. E eu imediatamente, claro. Só que elas
também me inscreveram. Porque o preço pra elas fazerem esse curso, era
que eu também fizesse, e eu não sabia, e eu não tinha outra pessoa na
secretaria pra me ajudar. Era eu, quando eu não estava, não tinha. Só a
coordenadora pedagógica, que já fica sobrecarregada com o trabalho. Então
eu evito sempre o máximo dar mais trabalho pra ela. E aí, eu tinha que ir. Aí
eu fiquei rindo, aí elas acharam que eu não ia fazer esse sacrifício porque
seria complicado. Mas aí, a gente tem um trabalho, como eu disse, de
parceria muito bom e tudo que eu pudesse fazer pra incentivar ainda mais o
trabalho delas, seria maravilhoso. (Transcrição de trecho da entrevista
realizada com a Gestora da instituição A, 13/12/2018).

De fato, consideramos fundamental que a gestão valorize e conheça o trabalho


realizado na BE, tenha clareza sobre os papéis atribuídos a este espaço e de suas
especificidades para o segmento da Educação Infantil. Para isso, ações como a relatada acima
se configuram como uma boa estratégia para engajar a gestão na construção de um espaço que
funcione cada vez melhor. Por exemplo, a participação da gestora na referida formação
possibilitou melhoras concretas no espaço físico da BE e que dependiam da sensibilização e
trabalho da gestão, como a remoção de brinquedos e outros materiais que não pertenciam
aquele espaço, tal como comentamos anteriormente.
Em relação à coordenadora da instituição A, foi enfatizada a importância da BE para
crianças de zero a três anos, bem como a presença das famílias na Creche e no
desenvolvimento de ações da BE (tornaremos a tratar este segundo ponto mais adiante).
Também foram comentadas na entrevista algumas ações conduzidas pelas professoras 1 e 2
nesse espaço como o empréstimo de livros e a articulação com projetos da instituição. Assim,
foi citado o trabalho realizado na entrega dos livros do programa municipal Brinqueducar, já
comentado anteriormente. Percebemos por parte dessa profissional um acompanhamento da
professora 1 da BE para que fosse realizado um planejamento integrado bimestral; esforço
para que houvesse conexão entre o que é feito nas salas das crianças e o que é desenvolvido
na BE. No período da tarde, no entanto, não percebemos o mesmo grau de articulação e,
segundo a professora 2, os empréstimos acabaram sendo descontinuados, conforme também já
comentamos antes.
129

Na instituição B, por sua vez, observamos menos envolvimento da gestão com o


trabalho da BE. Apesar disso, na entrevista com a gestora, foi mencionado a contribuição da
gestão para o bom funcionamento das bibliotecas, bem como a divisão de atribuições com a
coordenação pedagógica, tal como podemos ver no fragmento abaixo:
Gestora da instituição B: Na verdade, eu fico muito, não é que a gente
divida, mas é a tendência natural dos fatos. Por exemplo, nós estamos
vivenciando o projeto do aniversário da Creche. Então assim, eu chamei “a
professora 3” e disse, eu quero que você faça alguma coisa, cadê o trabalho
da biblioteca? Então, ela hoje me trouxe um texto construído por ela, mas
muito bonito, muito envolvente. E, que ela vai, de alguma maneira, inserir as
crianças nisso. Então assim, esse envolvimento. Agora o pedagógico
propriamente dito, a coordenadora acompanha. E tem também os cursos que
a própria rede oferece pra quem trabalha em biblioteca. E a gestão aqui, de
que maneira eu posso facilitar? Eu facilito em pronto, ela vai ficar três dias
ausente, ela vai participar de um curso, então eu vejo que essa participação
vai ser bom pra gente também. Então assim, ela tem a liberação a nível de
gerência e meu conhecimento, mas assim, eu vejo também como retorno
positivo na prática dela. Então, a coordenadora fica com essas coisas mais
específicas da coordenação no trabalho desenvolvido pela biblioteca e eu
fico com as questões mais administrativas, também sabendo do pedagógico.
[...] (Transcrição de trecho da entrevista realizada com a Gestora da
instituição B, 26/11/2018).

Nas observações constatamos que, de fato, a gestora da instituição B foi crucial no


processo de mudança do espaço da BE de uma sala pequena e com infraestrutura precária para
uma sala maior, com mobiliário adequado. Também incentivou a professora da BE a
participar de formação continuada.
A coordenadora pedagógica, por sua vez, não parecia promover a articulação entre os
diferentes segmentos profissionais da unidade educacional. Também nos pareceu haver
espaços demarcados de forma rígida entre as funções da gestora e coordenadora. A professora
da BE desenvolvia um trabalho solitário, à parte. Presenciamos, em muitos momentos, o
esforço dessa profissional para se engajar no trabalho das professoras que estavam no turno da
manhã a partir da intermediação da coordenadora, sem sucesso. Presenciamos ainda sua
tentativa de planejar em conjunto com a coordenadora, projetos que envolvessem a escola
como um todo e não apenas a BE, como o “aniversário da Creche”, citado pela gestora no
fragmento anterior. Nesse caso, a professora da BE procurou a coordenadora para se engajar
na ação, mas não obteve resposta. Na véspera da culminância do projeto, a gestora cobrou
dela sua participação que acabou sendo respondida às pressas, de forma pontual, apenas para
cumprir o que foi solicitado. Claramente, não se percebia um trabalho de equipe.
130

A coordenadora pedagógica da instituição B, em sua entrevista, discorreu sobre o


papel essencial da BE na formação de pequenos leitores, mas destacou alguns fatores que
inviabilizam, segundo ela, o desenvolvimento de um trabalho de mais qualidade neste espaço.
Assim, criticou a forma como é feito o processo de readaptação de profissionais da rede
municipal e ressaltou que os problemas de saúde das professoras provocam um grande
número de faltas dessas profissionais. Por fim, afirmou que a atribuição da coordenação
pedagógica, voltada para as BEs, seria a de organizar os horários das atividades dos diferentes
grupos de crianças na BEs. Sobre tal afirmação, vale notar a visão restrita do papel do
coordenador pedagógico, além da constatação, durante as observações, de que o horário
estabelecido para as salas não funcionava de forma organizada.
Como seria esperado, a gestora da instituição B mencionou o problema da indicação
da Prefeitura de um profissional readaptado por doença para trabalhar na biblioteca. Vejamos
o que ela diz as respeito das dificuldades para garantir o funcionamento desse espaço em sua
unidade:
Gestora da instituição B: [...] agora assim, eu tive alguns entraves e algumas
coisas que dificultaram, por exemplo, depois que a biblioteca ficou toda
pronta, toda bonitinha, chegou material, a minha funcionária se aposentou,
da manhã, que é muito boa. Aí, chega “a professora 3”. “A professora 3”
chegou desde o ano passado. Aí, só tô com “a professora 3”. Esse ano eu
recebi a substituta da que se aposentou, porém, trabalhou dois dias, entrou de
licença médica e só vem ano que vem agora, próximo ano! Então assim, o
que é que a prefeitura eh, direciona para aqueles professores que vão
trabalhar com a biblioteca? Professores readaptados, que é do projeto
Manuel Bandeira, do qual eles fazem a seleção, né? E são classificados para
trabalhar e são lotados na unidade. Mas, são pessoas que são readaptadas,
saíram de suas atividades e estão na função de professor de biblioteca. Aí, o
que é que acontece? Muitos estão doentes. Pessoas que vivem sempre
doentes. E, de licença médica. Então assim, é um investimento maravilhoso,
um ambiente muito bom de se trabalhar, proposta muito boa, um material
muito bom, mas falta agora o profissional pra fazer essa junção e a coisa
acontecer! (Transcrição de trecho da entrevista realizada com a Gestora da
instituição B, 26/11/2018).

Quanto às relações observadas entre as professoras das crianças e as BEs, na


instituição A todas as docentes entrevistadas consideravam esse espaço muito importante.
Porém, durante as sessões de atividade na BE, as professoras não costumavam acompanhar o
seu grupo de crianças. Estas eram acompanhadas apenas pelas ADIs, enquanto as professoras
utilizam esse tempo para ficarem com a outra metade da turma na sala das crianças,
realizando o projeto com “LEGO”, disponibilizado pela prefeitura.
131

Vale notar que no caso da instituição A, apenas a professora 1 estava na instituição no


mesmo horário das demais docentes. Assim, a professora 2, que atuava no turno da tarde, não
encontrava com as professoras de sala.
Abaixo, selecionamos o trecho da entrevista com a professora do Grupo 2, que ilustra
as respostas dadas pelas professoras quando solicitadas a refletir sobre as relações entre o
trabalho da BE conduzido, pela professora 1 e o que ocorre com as crianças nas salas do
Berçário ao Grupo 3:
A gente tem um trabalho efetivo, vamos dizer assim, porque as crianças são
assistidas toda semana e isso faz com que eles tenham esse contato com um
ambiente diferente da sala de aula, num contexto de leitura, de contação de
história. Então, eu acho importante ter esse espaço diferente, né? Pra que
eles entrem no mundo ali. Eles têm acesso, nessa biblioteca daqui eles têm
acesso aos livros muito fácil. Assim, as prateleiras são bem a mostra pra
eles, então isso faz com que eles tenham um contato diferente do de sala de
aula. Por quê? Porque a gente é orientado a separar na sala de aula os
cantinhos de leitura, certo? Só que eu tenho uma dificuldade e eu sinto e
assumo essa dificuldade de fazer esse cantinho da leitura na minha sala de
aula. Por quê? Porque aqui a gente tem três turnos de funcionários. A criança
passa o dia. Então o que é que acontece? Já aconteceu em outros anos de eu
fazer o cantinho da leitura, e colocar muitos livros nesse cantinho da leitura.
E aí as crianças começavam a rasgar muitos livros e usar de uma maneira
que não é convencional. Quando eu via, estavam os livros com os
brinquedos, parecia que não era algo direcionado. Eles não manuseavam,
vamos ler o livro. Era muito assim... pega ali! ... quer dizer que o livro tá no
meio do bololô... E aí eu fazia, meu Deus do céu, não vai sustentar os livros,
né?! Então eu tive a postura de fazer um cantinho da leitura, colocar um
varalzinho, e colocar dois a três livros, e aí ficava trocando. [...] Eu trazia os
livros de casa, porque esse da biblioteca não pode não, passar o dia. Como
esses que eu tô dizendo, não podia com os livros da biblioteca não. Então eu
dizia, vou deixar os meus, e aí eu trazia e colocava, e trocava. [...]
(Transcrição de trecho da entrevista realizada com a professora do Grupo 3
da instituição A, 16/08/2018)

A partir do extrato acima constatamos que o papel da BE de formar leitores é


altamente reconhecido pelas docentes, percebendo-se uma valorização da BE e da rotina
desenvolvida nesse espaço. Na fala da professora do Grupo 2, vemos ainda as dificuldades de
renovação do acervo já mencionadas aqui pelas professoras de biblioteca.
Nessa direção, sua expectativa correta de que na BE as crianças teriam um acesso mais
amplo e livre aos livros, não se concretiza de fato. Como já foi analisado antes, não
observamos, na instituição A, momentos de interação livre das crianças com o acervo da BE.
Ainda sobre o acervo, a impossibilidade apontada de compor as bibliotecas de sala com livros
da BE reforça a falta de complementaridade observada entre esses dois tipos de biblioteca,
algo que vai de encontro ao que é defendido na literatura (ver, por exemplo, LIZARAZU,
1990).
132

Um outro dado que nos parece relevante é que apenas uma entre as quatro professoras
entrevistadas na instituição A afirmou frequentar a biblioteca com seu grupo de crianças além
do horário determinado para o trabalho com a professora de biblioteca.
Todas elas também pontuaram o fato da professora 1 da BE selecionar livros do
acervo e disponibilizá-los na sala dos professores de acordo com as temáticas desenvolvidas
na instituição. Selecionamos o trecho da entrevista com a professora do Grupo 1 sobre esse
tópico:

[...] “Professora 1” tem esse costume, por exemplo, a gente tá trabalhando


uma temática, aí ela traz os livros da temática e coloca aqui pra gente [se
refere a sala dos professores]. Então acho que isso faz com que eu não vá
muito [para a BE]. (Transcrição de trecho da entrevista realizada com a
professora do Grupo 1 da instituição A, 28/08/2018)

O comentário acima demonstra que mesmo que as professoras dos diferentes grupos
de crianças não visitem a BE, a professora 1 tenta garantir, que seu acervo chegue até elas. A
ação de selecionar determinados materiais (livros) e colocá-los a disposição dos professores
contempla ainda o papel da pesquisa atribuído às biblioteca, bem como serve para renovar
acervo disponível nas salas das crianças.
Na instituição B, como as professoras dos diferentes grupos de crianças estavam na
instituição apenas no turno da manhã e a professora 3 estava presente apenas no turno da
tarde, não havia um contato direto entre elas. Segundo a professora 3, ela pedia que a
coordenadora pedagógica fizesse uma ponte com as professoras de sala no turno da manhã.
Tal ponte, porém, não se concretizou, pelo menos durante a coleta de dados para a pesquisa,
conforme já pontuamos acima. É lamentável, portanto, evidenciar que a BE da instituição B
ficava sem uso no horário da manhã, mesmo quando existe uma professora de biblioteca na
escola. Uma das professoras, que entrou na unidade em 2011, disse que nunca presenciou
atividades realizadas nesse espaço envolvendo as crianças. Ela também diz desconhecer a
dinâmica da BE no turno da tarde.
[...] Eu nunca vou só a biblioteca, até porque eu tenho um certo receio. Eu
sempre vou com a turma, e quando eu consigo ir, é com a turma e o ADI
junto. Eu sozinha não, eu não tenho essa prática, não. Mas assim, às vezes
que eu tento ir, é muito difícil. Sempre tem aquela história que, às vezes, a
chave, não encontra a chave, vai procurar a chave. Assim, eu percebo que é,
de certa forma, tanto a coordenação quanto a direção é como se não
quisessem que o professor fosse até a biblioteca. Bom, eu percebo isso. Eu
não sei se é isso de fato. Mas assim, sempre tem mil e um entraves. Aí a
pessoa também se cansa, né? Você fica, sei lá. Assim, você fica, poxa, o que
é que tem que a gente não pode levar essas crianças. É muito difícil. [...]
Pelo menos pra mim é um achado o dia que a gente consegue ir à biblioteca.
133

(Transcrição de trecho da entrevista realizada com a professora de um grupo


da instituição B, 08/07/2019)

Como anunciamos anteriormente, embora não houvesse a intenção de entrevistar o


grupo de ADIs, no caso instituição B, consideramos que seria importante ouvir um desses
auxiliares. Esse profissional atuava junto às professoras no turno da manhã, e em alguns dias,
também trabalhava no turno da tarde. Tratava-se de um funcionário diferente dos demais de
sua categoria, com participação muito ativa no CMEI, sobretudo, nos projetos que envolviam
a formação de leitores. O referido ADI, a despeito das ações desempenhadas pela professora
da BE, desde 2015, traçou uma parceria da escola com uma biblioteca pública que se
encontrava ao lado da instituição B. A respeito desse tópico, ele ainda relatou o seguinte:
ADI: Os grupos 4 e 5 eram os que mais iam, mais frequentavam [referia-se à
biblioteca pública]. E aí a gente fez um trabalho com as crianças de
conscientização de como usar o livro, né? Porque a gente tinha uma
biblioteca aqui, que passava a maior parte do tempo fechada. Porque a gente
passou quase o primeiro semestre todo com a biblioteca em reforma, a
biblioteca é... organizando o material, organizando acervo, né? Não tinha os
materiais desse programa ainda, do Brinqueducar, né? Aí tinha muito
material que estava sendo, que não estava sendo utilizado de maneira
adequada, enfim, aí a gente fez essa parceria lá [refere-se à biblioteca
pública]. (Transcrição de trecho da entrevista realizada com um ADI da
instituição B, 26/11/2018)

O ADI mostrou-se, assim, um importante agente de dinamização das atividades da BE


e da instituição.
Como já mencionamos aqui, em ambas instituições, nas sessões realizadas na BE, as
crianças eram acompanhadas por alguns desses ADIs. Com exceção do que mencionamos
acima, percebemos que esses profissionais exerciam um papel ativo (embora notadamente
negativo) no momento das atividades, cujo objetivo era deixar as crianças quietas e se
possível olhando para o que a professora da BE fazia. Em alguns casos, as crianças eram
ameaçadas de “voltar para a sala”, caso não ficassem quietas. Assim, não podiam levantar-se
ou mudar de posição, e eram colocadas nos locais onde os ADIs julgassem melhor. As
professoras 1, 2 e 3 da BE, não se posicionavam diante dessa postura coercitiva dos ADIs.
Pareciam fazer “vista grossa” e em algumas situações observadas, elas até requisitavam a
intervenção dos ADIs, de forma a garantir o silêncio e a contenção do movimento das
crianças, tal como já registramos numa situação ocorrida na instituição B apresentada acima.
Evidentemente, que com esse comentário não estamos dizendo que não seja positivo contar
com outro(s) educador(es) que esteja(m) mais livre(s) para apoiar(em) o trabalho de mediação
de leitura feito pelas professoras de BE ou de qualquer outra atividade dentro ou fora da BE.
134

A questão é como dar esse apoio, ou seja, como interagir com as crianças de forma respeitosa
de seus direitos e necessidades. Sabemos que essa é uma questão complexa que também tem
relação com as condições de trabalho oferecidas para os ADIs, porém, pareceu-nos importante
trazer essas observações já que certamente esse problema precisa ser enfrentado por todo
grupo da instituição, até porque essa forma de se relacionar com as crianças não deve ocorrer
apenas no espaço das BEs.
Por fim, chegamos a um ponto crucial quando se trata de crianças na Educação
Infantil, qual seja as interações desenvolvidas com as famílias das crianças envolvendo as
BEs. A esse respeito, porém, não registramos, no período de observação, qualquer contato das
professoras da BE nessa direção. Apesar disso, durante a entrevista com as professoras da
instituição A foram relatadas algumas situações de interação. Assim, de acordo com a
professora 1:

Professora 1: Bem, a gente começou com um projeto que era pra


emprestar os livros, os livros para as crianças. [...] A gente tem a
sacolinha, né? Que a gente chama “sacolinha da leitura”. Aí a criança
na sexta-feira, vem com a mãe. Geralmente, a mãe que chega mais
cedo, aí vem, aí pega alguns livros e leva pra casa, não é? Pra poder
contar pra as crianças. Aí eu não sei como é que está, pois é de tarde
com a professora 2. Eu sei assim, por exemplo, que a gente tinha
várias sacolas e elas começaram, né? E talvez nem tenham voltado. Às
vezes chegavam umas mães aqui, olha, eu posso entregar. Então a
gente combinou, inclusive, que ela [refere-se a professora 2] que
fizesse esse controle, né? Ela recebia e... Ela entregava, né? E recebia
de volta. Mas aí tinham mães que chegavam [de manhã] aí e
deixavam. Aí eu pegava a sacolinha e deixava o bilhete pra ela, ó,
fulaninho... Porque ela (a professora 2) é quem acompanhava, né? Pra
saber realmente a quem entregou, a quem. Ela, inclusive, começou
colocando atrás, eu não sei se esses têm [refere-se ao controle de
empréstimo afixado no interior de alguns livros], né? Aqueles
cartõezinhos de empréstimo. A grande maioria tem. (Transcrição de
trecho da entrevista realizada com a professora 1, 14/08/2018)

Segundo o que relata a professora 1, o trabalho com as famílias consiste apenas na


distribuição de livros para empréstimo, cuja responsabilidade maior seria da professora 2 que
trabalha no período da tarde e que, dessa forma, poderia fazer a entrega das sacolinhas na
sexta-feira no final do dia, recebendo-as de volta na segunda-feira. Contudo, como já
comentamos aqui, ao ser questionada sobre o trabalho com as famílias, a professora 2 afirmou
que não havia muita procura de livros, pois as famílias não se interessavam. Admitindo que
135

isso ocorre, não seria responsabilidade das professoras 1 e 2, tentar engajar as famílias nas
atividades desenvolvidas na BE?

Aliás, essa percepção da professora 2, não era compartilhada pela professora 1. Para
essa docente, havia, sim, uma procura de livros por parte das famílias, embora ela também
não tenha assumido o protagonismo dessa ação, como podemos ver no fragmento de sua
entrevista abaixo:

E: Com as famílias você não faz nenhum trabalho direto?


Professora 1: Não.
E: Mas existe este trabalho que é realizado em outro horário?
Professora 1: Ahan. Se as mães vierem de manhã me procurarem, né?
E: Mas isso já aconteceu?
Professora 1: Já aconteceu. “Professora 1”, olha, pronto: “o meu filho tá com
dificuldade de fazer cocô no penico ou no vaso sanitário, tem algum livro
que trabalhe isso, que fale sobre isso?” Assim, elas vêm... Aí, ah tem, eu
tenho esse, né? Aí eu emprestei, né? Vocês estão trabalhando, a gente estava
trabalhando os livros de Lenice Gomes, que foi a autora homenageada, né?
E: É essa, é? [aponto para uma foto de Lenice Gomes, colada na parede da
BE, em preto e branco].
Professora 1: É. Pronto, aí elas vêm e: “você tem algum livro de
Lenice pra empréstimo,” né? Aí eu separei. Aí eu disse, agora tu pega
com a “professora 2”. Aí deixei pra “professora 2” entregar e ela
devolver pra “professora 2”. Então tem umas mães que vem, que vem
pedir, né? Livros emprestados, mas elas já vêm com uma temática,
pedindo pra mim. (Transcrição de trecho da entrevista realizada com a
professora 1, 14/08/2018)

Uma outra ação em que a professora 1 afirmou haver o envolvimento das famílias
consistia, na verdade, em uma atividade desempenhada por toda a instituição. No trecho
abaixo, ela comenta sobre o projeto dos autores que consistia na apresentação e leitura de
livros, na BE e nas salas das crianças, de um autor escolhido. Nesse projeto também havia
uma exploração do autor, como no caso de Lenice Gomes, que foi convidada a visitar a
creche.

Professora 1: Então, dos autores me pediram, não é? A gente tinha uns,


agora de Lenice a gente tinha poucos. Poucos livros, e eram o que estávamos
trabalhando. Eu disse olha, eu só vou poder emprestar depois que a gente
terminar o projeto, né? Pronto. Agora tem assim, a gente teve na... com esse
de Lenice e o de Socorro [outra autora trabalhada], nós tivemos um encontro
com as famílias. Aí, então as famílias vieram, teve um dia que as famílias
vieram, aí teve esse contato, né? Que os meninos foram apresentar as poesias
que tinham trabalhado nas salas.
136

E.: Foi feito um projeto, de poesia?


Professora 1: Foi.
E: Você trabalhou poesia com eles aqui [refiro-me a BE] também?
Professora 1: Pronto. Eu trabalhei também aqui e os professores nas salas,
então a gente coincidiu, né? O trabalho. Então as famílias vieram pra
socialização.
E: Mas não foi atividade da biblioteca?
Professora 1: Não. Nós já tivemos ações, não esse ano. O ano passado é que
a gente fez. A gente fez um encontro com as mães pra, pronto, foi no mês da
família. A gente pegou a temática do ano, aí a gente marcou uma roda de
diálogo. Aí veio, né? Vieram as mães de manhã, a gente chamou até uma
pessoa também pra conversar com elas. Todo mundo participou, depois
todas ganharam um livro.
E: Mas a gente que você fala é a escola toda, né? Ou é a biblioteca?
Professora 1: Não, foi a minha ação, né? Dentro do projeto.

Nota-se que no caso relatado acima, o papel da professora da BE não foi de


protagonista, mas de participante, ainda que propusesse ações próprias. Assim, consideramos
que as possibilidades de atuação da BE, no que diz respeito a articulação com as famílias,
aconteceu de forma bastante limitada.
Finalmente, a professora 3, informou que não havia desenvolvido qualquer atividade
envolvendo as famílias até então, mas que “desejava fazer algo” neste sentido a partir do
próximo ano letivo.
Acreditamos que a relação com as famílias seria o diferencial de uma BE para a
Educação Infantil, quando comparada com as demais bibliotecas. Conforme ressaltam
Baptista et al (2016) as bebetecas (ao que estamos considerando também as BEs em geral) se
constituem como espaços que possibilitam práticas de leitura e experiências culturais para
crianças e suas famílias. Na mesma direção, Bonilla e Goldin (2008) afirmam que
experiências significativas nesses espaços não tendem apenas a incrementar o capital cultural
das crianças, inserindo-as no mundo letrado ao qual estamos imersos, mas pode ampliar o
capital de toda a família, contribuindo a reversão de processos de exclusão social. Bassedas et
al (1999) vai além e diz que a presença das famílias constitui uma condição sine qua non para
a plena realização do papel dos professores e demais profissionais das instituições, sobretudo
em se tratando da etapa da Educação Infantil, cuja a proximidade com a família já costuma
ser maior.
Por fim, vale acrescentar que uma das formas encontradas pelas professoras da BEs
para interagir com os diferentes sujeitos que transitam nas duas instituições era através da
documentação das atividades desenvolvidas. A principal consistia na apresentação dos
trabalhos realizados por meio da exposição em cartazes nas paredes do interior e do exterior
da BE (Figuras 35 e 36).
137

Figura 35: Cartaz com fotos da visita da autora Lenice Gomes. Atividade conduzida pela Professora 1,
da BE da instituição A.
Fotografia: a autora, 2018

Figura 36: Mural elaborado por P3 com atividades desenvolvidas por ela na instituição B
Fotografia: a autora, 2018

Essa é uma forma interessante de interação com as crianças e também com as famílias,
pois, segundo Gandini (2016, p. 146), “é um modo de transmitir aos pais, aos colegas e aos
visitantes o potencial das crianças, suas capacidades em desenvolvimento e o que ocorre na
escola” (no nosso caso, o que ocorre na “BE”). Além disso, essas exposições também
contribuem para o crescimento profissional das professoras, ajudando-as a avaliar os
“produtos” de suas ações.
138

A seguir, apresentaremos as conclusões a que chegamos, após analisarmos a


organização do espaço de cada Biblioteca Escolar, seus acervos, bem como as atividades e
interações envolvendo as professoras das bibliotecas com as crianças, as demais educadoras e
as famílias a partir das entrevistas e durante o período de observação.
139

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
140

Esse estudo buscou conhecer e analisar o papel da Biblioteca Escolar (BE),


identificando características que denotem possíveis especificidades desse espaço em
instituições de Educação Infantil. Nos deparamos com os primeiros resultados na escolha das
instituições que participariam da pesquisa. Evidenciamos já nessa fase, a escassez de BEs em
Creches e CMEIs, bem como de professores de biblioteca destinados a estas unidades. São,
portanto, raros os espaços de leitura existentes em condições razoáveis de funcionamento.
Situação relatada também por Albuquerque (2013). Diante desse cenário constatamos que a
lei 12.244/2010, que prevê a universalização das BEs para todos os segmentos educacionais e
a Política de Ensino da Educação Infantil do município de Recife, que indica a incorporação
de atividades na BE na rotina das crianças, estão muito distantes da realidade encontrada.
Outro aspecto identificado ainda na fase inicial desse estudo, diz respeito ao cargo de
“professora de biblioteca”. Apesar das ações desenvolvidas a partir do PMBFL, este quadro
de funcionários é basicamente composto por professoras readaptadas por problemas de saúde.
Muitas delas são afastadas do trabalho nas salas de aula e sequer chegam a assumir
efetivamente a nova função. Este foi o caso, por exemplo, de uma das professoras da BE da
instituição B, que não participou da pesquisa por estar com uma licença médica de seis meses.
A realidade de BEs fechadas ou subutilizadas por falta de um profissional responsável ou
totalmente fechadas diante da ausência de condições físicas mínimas de funcionamento
demonstram o longo caminho a ser percorrido no que se refere a esse campo.
Ao analisarmos a organização do espaço das BEs participantes desse estudo
identificamos dois espaços substancialmente diferentes, apesar de estarem localizados em
uma mesma região político administrativa da cidade e no mesmo bairro. O espaço da BE da
instituição A (Creche), embora fosse seguro e climatizado, era pequeno, pouco atrativo para
as crianças, o mobiliário estava desgastado e era inadequado para uma biblioteca, sobretudo,
para bibliotecas destinadas à crianças pequenas. O espaço da BE da instituição B (CMEI), por
sua vez, era maior e tinha móveis novos apesar de muito brancos o que dava um certo ar
hospitalar à biblioteca. Alguns móveis eram adequados à altura das crianças e a presença de
rodinhas na base, abria possibilidades de reorganização e criação de cantinhos especiais para
interagir com livros, normalmente, apreciados por crianças na Educação Infantil. O excesso
de mobília na sala dificultava, porém, um uso mais criativo do mobiliário. Além disso, a
circulação das crianças na biblioteca ficava mais limitada, assim como prejudicava a
visualização dos livros e o seu acesso eles. Concluímos, portanto, que as especificidades das
crianças de zero a cinco anos não foram plenamente consideradas nos espaços das BEs
observadas nessa pesquisa.
141

Conforme já dissemos, além de móveis adequados e de um espaço físico amplo, é


necessário refletir sobre a organização desse espaço considerando os possíveis usos que
interessam as crianças de zero a cinco anos. Neste sentido, Perroti, Pieruccini e Carneloso
(2016, p. 21), ao pensarem em espaços de leitura para crianças da Educação Infantil
recomendam cuidado com a adequação dos objetos ao espaço, bem como com “[...] às
finalidades que se destinam, aos sujeitos que os utilizarão, à harmonização do todo”.
Nesse contexto, observando os materiais presentes nas BEs, notamos na instituição A
alguns elementos impróprios, como certos materiais distribuídos pela rede e guardados ali por
falta de espaço na Creche. Este fato sinaliza a ideia de “biblioteca como depósito”, destacada
por Silva (1995) há bastante tempo. Evidentemente, as professoras de biblioteca não
concordavam com o uso da biblioteca para essa finalidade, fato que também anuncia certos
ruídos na comunicação entre a BE e a equipe de gestão da escola (gestora e coordenadora
pedagógica
A pesquisa constatou que os acervos das duas BEs eram constituídos de um bom
número de obras, porém, nem sempre adequadas à faixa etária das crianças, problema
observado, sobretudo, na Creche. Ressaltamos ainda que a maior parte do acervo era de
literatura infantil, não sendo encontrados livros informativos. Segundo Patte (2012),
entretanto, é também papel da BE desenvolver a competência informacional desde a primeira
infância a partir do acesso à livros dessa natureza. Também constatamos a inexistência de
propostas de catalogação ou de uma sinalização que permitisse uma maior autonomia das
crianças quanto a utilização dos acervos disponíveis nas duas BEs.
O maior desafio, entretanto, referente ao acervo, diz respeito à baixíssima reposição
das obras. Como já foi dito aqui, quando não há reposição suficiente, fica muito difícil para as
professoras de biblioteca refletirem sobre o papel de um expositor ou sobre como variar a
disposição das obras de modo a atrair o olhar das crianças. Na Educação Infantil, os pequenos
estão aprendendo a lidar com livros e o desgaste é natural nesse processo. Evitar o seu contato
com o intuito de preservar as obras é sempre uma opção negativa, já que além de limitar o
acesso aos livros, não ensina as crianças a cuidar deles.
A atividade principal e mais frequentemente observada nas duas BEs participantes da
pesquisa foi a leitura de livros literários. Ainda que esse dado não seja surpreendente, chama a
atenção a ausência de outras possiblidades de atuação de uma professora de biblioteca, no
interior de um CMEI. É bem possível que a opção pela mediação de leitura esteja relacionada
a forte influência das experiências pessoais quando elas atuavam como professoras de sala.
Essa hipótese é reforçada quando, nas entrevistas realizadas com as professoras de biblioteca,
142

evidencia-se certa falta de clareza sobre o papel, especificidades e potenciais de uma BE, em
especial, uma biblioteca em instituições de Educação Infantil. Neste sentido, percebemos a
necessidade de maior investimento nas formações realizadas pelo PMBFL.
Seria importante buscar um equilíbrio entre os diferentes papeis atribuídos a BE, pois
ficou evidente que ações visando a formação de leitores eram bem mais frequentes. Assim,
atividades que contemplassem prioritariamente o papel cultural e o informacional não fizeram
parte do dia a dia das duas bibliotecas.
Ainda sobre as atividades, notamos que a forma como eram conduzidas por cada
professora influenciava diretamente a qualidade das vivências e da significação atribuída a
esses momentos pelas crianças. Nesse contexto, observamos que a professora 1, apesar de ter
recorrido a uma diversidade menor de atividades, conseguiu momentos de mais qualidade nas
interações com as crianças. A referida professora aproveitou bem o tempo, escolheu bons
recursos, conseguiu engajar as crianças nas atividades, fez boas perguntas sobre os livros que
lia colaborando para a construção de sentidos e a formação leitora das crianças.
Consideramos que sua trajetória profissional anterior como professora de Educação Infantil e
seu tempo de experiência neste segmento tenha forte influência nos aspectos positivos
ressaltados aqui.
A professora 2, por sua vez, apresentou muitos desafios na condução das atividades
junto às crianças e às famílias. Possivelmente, essas lacunas denotam seu conhecimento ainda
incipiente sobre o campo da Educação Infantil e sobre a BE, assim como indicam a urgência
de um trabalho sistemático de formação continuada que atenda às necessidades de formação
de profissionais para atuar em BEs.
Por fim, a professora 3 pareceu se identificar muito com o espaço da BE. Percebemos
que ela conseguiu diversificar as atividades e os espaços onde elas aconteciam, articulando-as
a uma temática e variando os recursos utilizados. Entretanto, ao analisar qualitativamente as
atividades conduzidas pela profissional, percebemos que essa maior diversificação de
propostas nem sempre esteve associada a uma melhor qualidade nas interações com as
crianças. A esse respeito, entendemos que o excesso de exigência de silêncio e de contenção
do movimento das crianças fazia com que elas não se engajassem no que era proposto. Como
consequência, a atividade se tornava pouco ou nada significativa para as crianças.
Os dados de observação das práticas das três professoras de biblioteca mostram
claramente que quando as crianças podem participar mais ativamente das atividades, se
sentem mais motivadas, mais livres para circular e acessar o acervo, as atividades propostas
parecem fluir melhor e tendem a ganhar maior significado para os pequenos.
143

Em outras palavras, a criança precisa poder se expressar e se movimentar para que


qualquer atividade desenvolvida na BE seja efetivamente significativa. Na verdade, esse é um
princípio que respeita as necessidades infantis e que por isso não se aplica apenas para o
espaço da biblioteca.
Nessa perspectiva, a biblioteca precisa ser um lugar povoado de livros atrativos e de
atividades simultâneas, e não um local rigidamente controlado, de silêncio absoluto e de
contenção de gestos, vozes e movimentos. Compartilhamos, portanto, com Pimentel (2016) a
ideia de que na etapa da Educação Infantil, o contato das crianças com o acervo e com o
espaço da biblioteca é inaugural, assim, esse processo de familiarização não pode ser mediado
por rigidez e comportamentos padronizados.
Em resumo, é preciso compartilhar entre os educadores uma “concepção de criança”
como...
Sujeito histórico e de direitos que, nas interações, relações e práticas
cotidianas que vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva, brinca,
imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta, narra, questiona e
constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo cultura
(BRASIL, 2010 p. 12).

Evidentemente, essa noção de criança deve orientar o trabalho pedagógico que se dá


não apenas no interior das bibliotecas e durante as atividades propostas neste espaço.
Outro aspecto que é preciso destacar aqui é a importância da articulação da BE com a
gestão, com as demais profissionais das instituições, com as famílias e, sobretudo, com a
própria rede de ensino. Enquanto na instituição A, percebemos alguns casos interessantes de
trabalho conjunto, na instituição B a desarticulação ficou evidente em diversas situações em
que vimos que a professora 3 carecia de apoio e reconhecimento de sua equipe. Isso parecia
interferir, inclusive, na forma como as crianças olhavam o espaço da BE neste CMEI.
Certamente um maior conhecimento do significado das bibliotecas dentro das
instituições educativas daria mais chances para que essas articulações começassem a ocorrer.
As próprias professoras de biblioteca (incluindo as que participaram do presente estudo)
necessitam, portanto, aprofundar seus conhecimentos sobre qual o papel deste espaço e o que
o diferencia de outros locais dentro da instituição. Assim, questões como as que se seguem
merecem ser refletidas: qual a diferença da BE para o cantinho de leitura ou a biblioteca de
sala? A leitura feita na BE é ou deveria ser diferente daquela realizada na sala das crianças?
Por quê? De que maneira? Qual o diferencial de uma escola que tem uma biblioteca e uma
professora específica para atuar nesse espaço?
144

No nosso entender, a BE, além de oferecer acesso a uma maior quantidade e variedade
de livros, deve ser um lugar em que as crianças podem expressar sua curiosidade e estreitar
seu contato com os livros no seu ritmo e sem atividades predeterminadas, explorando de
forma mais livre o universo da leitura, seja em conjunto ou solitariamente (PATTE, 2012)
contando com a presença de um mediador disponível para ler e oferecer livros.
Poucas vezes, porém, essa possibilidade foi evidenciada nas BEs participantes do
estudo, seja nas falas das professoras de biblioteca, seja nas atividades e interações
observadas. Por isso, percebemos que ainda há um longo caminho a ser trilhado para que
meninos e meninas de zero a cinco anos tenham garantido o direito de acesso pleno e
qualificado a esse espaço cultural, sem dúvida, fundamental para combater as injustiças
sociais a partir da democratização do acesso à cultura letrada das crianças e das suas famílias
(CASTRILLÓN, 2011).
Observamos, por fim, a necessidade de políticas públicas locais e federais que
garantam: (1) a construção de espaços de bibliotecas adequados para acomodarem o
mobiliário, além das crianças e dos adultos; (2) a distribuição de acervos e de materiais de
qualidade com reposição periódica, já que os principais frequentadores desse espaço tratam-se
de crianças pequenas que ainda estão aprendendo o significado do objeto livro; e (3)
formação de profissionais com uma identidade definida e uma compreensão clara sobre seu
papel, além de conhecimento sobre a educação de crianças menores de cinco anos. Também
se requer desse profissional uma disponibilidade de tempo e de interesse para conhecer o
acervo, identificar as demandas da instituição, se articular com as demais educadoras, se
integrar na dinâmica da escola e, finalmente, buscar engajar as famílias em atividades na BE,
algo essencial, no caso da Educação Infantil.
Essa formação, no nosso entender, deve ser interdisciplinar, contemplando
conhecimentos pedagógicos com os da biblioteconomia e das ciências da informação. Deve
ser também mais geral, para toda a rede, envolvendo seus educadores e gestores e mais
específica, voltada para os profissionais que atuam nas bibliotecas. Deve tratar-se ainda de
uma formação que ajude a compreender a BE como espaço cultural, voltado à formação de
leitores e ao desenvolvimento de competências informacionais, sendo essencial à etapa da
Educação Infantil. Afinal, conforme afirma Patte (2012, p. 329):
As bibliotecas para crianças abrem um caminho, quando se definem como
uma comunidade humana, plena e inteira. Lugar de encontro de uma grande
riqueza, elas se abrem largamente às diferentes gerações e aos diferentes
modos de informação, saber e lazer. Em seus diferentes suportes, todas as
artes, como a literatura, a música e o cinema se oferecem às crianças.
145

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151

APÊNDICE A

ROTEIRO DE OBSERVAÇÃO DA BIBLIOTECA ESCOLAR

Espaço Físico da Biblioteca Escolar:


Em que parte da escola está localizada a biblioteca?
O mobiliário acomoda o acervo de forma dialógica?
O espaço é agradável, bonito, bem cuidado?
O espaço é pensado para quais atividades?
Como é a disposição do mobiliário? É adequado a faixa etária que a frequenta?
O espaço é seguro para as crianças (cuidado com altura das tomadas, quinas)?
O espaço físico possibilita a autonomia das crianças?
As crianças conseguem ter acesso aos livros com facilidade?
Há formas de organização dos livros mais adequadas a crianças pequenas? Quais?

Acervo de livros, CDs e DVDs:


Quantos livros compõem o acervo?
Há variedade de gêneros textuais no acervo?
Há livros informativos?
Há materiais em suportes digitais?
O acervo é adequado a faixa etária do zero aos seis anos?
Em que condições os livros encontram-se?
As consultas ao acervo são feitas através de computadores ou manualmente?
Como é feita a organização dos livros na BE (por temática, faixa etária, etc.)?
Há algum tipo de catalogação? Qual?
A BE possui acervo digital?

Funcionamento e utilização da Biblioteca Escolar:


Em que horários a biblioteca funciona?
Em que horários a professora de biblioteca está na BE?
A BE fica disponível sem a presença da professora da BE?
Que atividades a professora da BE realiza?
Há atividades articuladas com as salas das crianças? Quais?
152

Há empréstimos de livros da biblioteca para crianças? Se houver... os empréstimos são


registrados de que forma? Com que frequência há empréstimos?
Há empréstimos de livros da biblioteca para as professoras do CMEI? Como isso ocorre?
A família é convidada a participar das atividades realizadas na BE?
Além das crianças há atividades na BE que atendam outros membros da comunidade escolar?
Quais? Como são encaminhadas tais atividades?
As demais professoras do CMEI utilizam o espaço da BE? De que forma?

Modos como as crianças realizam as atividades na Biblioteca Escolar:


As crianças frequentam a BE individualmente ou em grupo? Caso seja em grupo... quantos
integrantes há em cada grupo e como são escolhidos? Como se organiza a visita individual ou
em grupo?
Há uma rotina de visitas às bibliotecas pelas crianças?
Quando estão na BE, as crianças se organizam de que forma (em círculo, dispersas na
biblioteca, sentadas no chão ou em mesinhas, etc.)?
Há uma mediadora (professora da BE ou professora da sala) propondo atividades junto as
crianças?
A mediadora dá um comando e as crianças realizam as atividades sozinhas ou há uma
intervenção mais próxima das educadoras?
153

APÊNDICE B

ROTEIRO DE ENTREVISTA - PROFESSORA DA BIBLIOTECA ESCOLAR

Dados de identificação: Nome, idade, formação inicial e pós-graduação, tempo em que atua
como professora biblioteca, experiência docente antes de assumir o trabalho na BE?

Como você chegou a BE?


Que atividades ocorrem na BE?
Quem costuma utilizar a biblioteca?
Como você percebe a relação das professoras da escola com a BE?
Para você qual seria a função de uma BE numa instituição de Educação Infantil?
Qual é o horário de funcionamento da BE?
Como os diferentes grupos de crianças chegam até a BE?
Há uma rotina desse atendimento às crianças?
Como é essa rotina?
Essa rotina foi proposta por você? Ela é discutida no grupo?
Posso vê-la?
Como você avalia o trabalho da BE?
Na sua avaliação quais são turmas que mais gostam de frequentar a BE? Por quê?
Quais são as turmas que você mais gosta de fazer atividades? Por quê?
Tem alguma turma que você sente mais dificuldade de trabalhar? Por quê?
O que é proposto, especificamente, para a turma xxx (perguntarei de cada turma da escola)?
Como os livros da BE são/foram adquiridos?
Como você avalia a qualidade do acervo da BE?
Como esse acervo é renovado?
O que você gostaria de melhorar em relação a essa BE?
Há formação continuada para professoras de BE? Como se dá essa formação? Você considera
que ela tem contribuído para seu trabalho?
154

APÊNDICE C

ROTEIRO DE ENTREVISTA - DEMAIS PROFESSORAS

O que você acha do trabalho desenvolvido aqui nessa BE?


Você considera que ter uma BE faz diferença para o seu trabalho docente? Por quê?
Você considera que ter uma BE faz diferença para as crianças e suas famílias? Por quê?
Para você qual seria a função de uma BE numa instituição de Educação Infantil?
Você costuma vir a BE sozinha?
E com seu grupo de crianças, há uma frequência regular? Qual é?
Você utiliza algum material da BE (livros, filmes, CDs música, fantoches) em sala? (caso a
resposta seja positiva, como você recorre a este material?)
Como você fica sabendo quando chega material novo para a BE?
Qual a diferença do trabalho realizado na BE para o trabalho realizado nas salas das crianças?
Qual a diferença entre um CMEI/Berçário com e sem BE?
155

APÊNDICE D

ROTEIRO DE ENTREVISTA – EQUIPE GESTORA

O que você acha do trabalho desenvolvido aqui nessa BE?


Você considera que ter uma BE faz diferença para a escola? Por quê?
Você considera que ter uma BE faz diferença para as crianças e suas famílias? Por quê?
Para você qual seria a função de uma BE numa instituição de Educação Infantil?
Você tem alguma função em relação a BE? Qual seria?
156

APÊNDICE E

QUADRO DE ANÁLISE ATIVIDADES NA BIBLIOTECAS

Quadro de análise das atividades gerais:


Articulação a

Organização Uso do Escolha e uso Organização projetos e/ou
ATIVIDADES da
obs do espaço tempo dos Recursos das crianças a outas
atividades
1 Não realizou Adequado Adequado Lado a lado S/ Articulação
2 Não realizou Adequado Adequado Lado a lado S/ Articulação
Mediação de 3 Não realizou Adequado Adequado Lado a alado S/ Articulação
leitura 4 Adequada Adequado Adequado Lado a lado S/ Articulação
6 Não realizou Adequado Adequado Lado a lado S/ Articulação
7 Não realizou Adequado Adequado Lado a lado S/ Articulação
Leitura realizada
pelas crianças de Livres/em
8 Adequada Adequado Adequado S/ Articulação
P1 livros selecionados círculo
pela professora
Apresentação e
Livres/em
conversa sobre os 8 Adequada Adequado Adequado S/ Articulação
círculo
livros já lidos
Distribuição de
Articulado a
livros enviados
5 Adequada Adequado Adequado Amontoadas uma ação da
pela prefeitura para
creche
as crianças
Mediação de 9 Não realizou Parc. Adeq. Parc.Adeq. Lado a lado S/ Articulação
P2
leitura 10 Não realizou Parc. Adeq. Parc. Adeq. Semicírculo S/ Articulação
1 Parc. Adeq. Parc. Adeq. Parc. Adeq. Amontoadas C/ articulação
4 Parc. Adeq. Parc. Adeq Parc. Adeq. Amontoadas C/ articulação
Mediação de 5 Parc. Adeq. Parc. Adeq Parc. Adeq. Amontoadas C/ articulação
leitura 6 Parc. Adeq. Parc. Adeq Parc. Adeq. Amontoadas C/ articulação
8 Adequada Parc. Adeq Parc. Adeq. Livres S/ Articulação
10 Adequada Parc. Adeq Parc. Adeq. Semicírculo S/ Articulação
Contação de
9 Parc. Adeq. Parc. Adeq Parc. Adeq. Amontoadas C/ articulação
história
Escolha e leitura
P3
livre realizada 8 Adequada Parc. Adeq Adequado Livres S/ Articulação
pelas crianças
3 Parc. Adeq. Parc. Adeq Adequado Amontoadas C/ articulação
Sessão de filme 4 Parc. Adeq. Parc. Adeq Adequado Amontoadas C/ articulação
5 Parc. Adeq. Parc. Adeq Adequado Amontoadas C/ articulação
Exposição de 1 Parc. Adeq. Parc. Adeq Adequado Amontoadas C/ articulação
vídeo 9 Adequada Parc. Adeq Adequado Amontoadas C/ articulação
Não
Atividade artística 3 Não realizou Não Adeq. Adequado C/ articulação
observada
157

APÊNDICE F

LIVROS UTILIZADOS PELAS PROFESSORAS

Livros utilizados pela professora 1 nas sessões de leitura observadas:


O livro Dia de Sol de Renato Moriconi possui textos curtos que
abordam o percurso relativo do sol ao longo do dia em uma
determinada região. Assim, a partir articulação entre texto e ilustração,
o autor propõe que as crianças entrem em várias brincadeiras com sol,
até ele ficar cansado e ir dormir. Este livro foi lido para os grupos 3b,
3a e para o grupo 1 em sessões de mediação de leitura na BE, sem
articulação a projeto algum. De acordo com Pimentel (2016, p.75) o
tipo de ilustração, com linhas pretas, presente nesse livro ajuda o bebê
a compreender que a página é “um suporte para registros e produção
de sentidos relacionados com o mundo ao redor”.
O livro Você viu o coelhinho? Trata-se de um livro-brinquedo de
autoria desconhecida, que faz parte de uma coleção intitulada “Pegue e
Leia”, recomendada pela editora principalmente aos bebês, em que
diferentes animais aparecem como personagem principal da história.
No caso do livro escolhido pela professora, o enredo se desenvolve a
partir do sumiço do coelhinho na hora de seu lanche. Assim, o leitor é
convidado a procurá-lo, levantando as abas que cada página contém
até encontrá-lo. O referido livro foi lido apenas para o berçário em
duas sessões de mediação de leitura na BE, sem articulação a projeto
algum. Para a leitura P1 levou uma caixa com um coelhinho de
pelúcia dentro.
O livro É um gato? Faz parte da coleção “O que é? O que é?”, do
ilustrador belgo Guido Van Genechten. A referida coleção é composta
por livros infantis que, por meio de um jogo de imagens, desafiam os
leitores a descobrirem o significado dos desenhos apresentados em cada
uma das páginas. Ao desdobrar toda a cartolina que compõe o livro, o
animal da capa é revelado. Este livro foi lido apenas para o berçário em
uma mediação de leitura na BE, sem articulação a projeto algum. P1
utilizou antes da leitura do livro um áudio, com um som de um gatinho
158

miando.
O livro Os dez amigos, de autoria de escritor e ilustrador Ziraldo,
contam a história humorada do encontro dos dez dedos de cada uma
das mãos. A partir de uma brincadeira entre os próprios dedos, o autor
revela os nomes culturalmente atribuídos a eles. O referido livro foi
lido para o berçário, grupos 1, 2 e 3a, em sessões de mediação de
leitura na BE, sem articulação a projeto algum. P1 utilizou ainda como
recurso durante a leitura um piloto preto para fazer rostinhos nos
dedos das crianças.

Livro utilizado pela professora 2 nas sessões de leitura observadas:


O livro A história bela do gato e da panela foi escrito e ilustrado por
Jonas Ribeiro, e retrata o encontro inusitado de um gato faminto com
uma panela bonita e exalando um cheiro delicioso de comida. Após
uma perseguição do gato, a panela perde o medo que sentia e permite
que ele coma uma macarronada que estava em seu interior. Assim, um
grande amor surge entre eles. Este livro foi lido para o grupo 3a na
biblioteca e para o grupo 3b na sala das crianças, sem articulação a
projeto algum. O tema do livro selecionado por P2 referia-se a um
amor “improvável”, assunto que não faz parte do universo infantil. Ao
avaliar a obra escolhida, consideramos que esta não possuía a
qualidade temática proposta para a Educação Infantil por Paiva (2016,
p.34), a qual manifesta-se “[...] na diversidade e no tratamento dado ao
tema, no atendimento aos interesses das crianças, aos diferentes
contextos sociais e culturais em que vivem e ao nível dos
conhecimentos prévios que possuem”.
Livros utilizados pela professora 1 nas sessões de leitura observadas:
O livro-CD A mbira da beira do rio Zambeze é uma obra do
instrumentista, pesquisador e compositor Décio Gioielli, organizada
por Heloísa Pires Lima que reúne dança, conselhos, canções e contos
africanos envolvendo o instrumento mbira, bem como sua relação com
o Brasil. O livro-CD foi utilizado em dois dias, no momento da “boa
tarde”, com todas as crianças da instituição B. A professora utilizou o
próprio CD do livro que continha os áudios com as narrações dos
159

contos lidos. O referido livro estava vinculado ao projeto África, que


estava sendo desenvolvido pela professora da BE.
O livro A caixa mágica das Marias foi escrito Simone Carneiro
Fontenele, uma professora de Educação Infantil. A obra apresenta
várias rimas e tem como personagens duas Marias: uma branca,
chamada Maria Rosa e outra negra, chamada Maria Flor. Maria Flor
sofre comentários racistas e passa a querer ser branca. Para reverter a
situação, Maria Rosa dá para a amiga uma caixa mágica com histórias
de personalidades negras importantes, que a fazem se aceitar e
conhecer sobre sua origem e cor. Apesar de a história abordar como
tema central a superação de práticas racistas, em alguns trechos, a
chama de morena aparentando não querer utilizar o termo “negra”. A
leitura foi realizada em duas sessões de mediação: uma com o grupo
4a e metade do 5b; e, outra com os grupos 4b, a outra metade do 5b e
5c. Para a leitura a professora utilizou uma caixa mágica e duas
bonecas de pano pequenas, que representavam as personagens da
história. O referido livro estava vinculado ao projeto África, que
estava sendo desenvolvido pela professora da BE.
O livro Nicolau tinha uma ideia, escrito por Ruth Rocha, conta a
história de Nicolau, um rapaz que vivia em um lugar onde cada pessoa
tinha apenas uma única ideia na cabeça. A situação muda quando ele
resolve apreender e compartilhar suas ideias com os outros. O livro
busca mostrar as vantagens de se conviver em um ambiente onde há
livre circulação de ideias, apresentando a escola como um lugar
privilegiado para isso. A obra foi lida em mediação de leitura
realizada com as crianças do grupo 3a, sem articulação a projeto
algum.
160

ANEXO A

OBRAS RECEBIDAS NO ANO DE 2008 PELA INSTITUIÇÃO A

Obras recebidas no ano de 2013 pela instituição A


161
162
163

ANEXO B

OBRAS RECEBIDAS NO ANO DE 2012 PELA INSTITUIÇÃO B

Obras recebidas no ano de 2003 pela instituição B


164
165
166

ANEXO C

ROTINA DA BIBLIOTECA ESCOLA DA INSTITUIÇÃO A

Fotografia: a autora, 2018


167

ANEXO D

ROTINA DA BIBLIOTECA ESCOLAR DA INSTITUIÇÃO B

Fotografias: a autora, 2018

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