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O Concílio Vaticano II - Eclesiologia e Mariologia

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1

A Eclesiologia e Mariologia no Concílio Vaticano II

Profa. Dra. Ir. Maria Freire da Silva/PUCSP

Introdução

O Concílio Vaticano II caracterizou-se, desde o início, como o Concílio


da Igreja:" que se articula em duas partes: De Ecclesia ad intra de Ecclesia ad
extra" O Concílio da Igreja, em si mesmo, foi um evento de Igreja, uma
experiência de comunhão e de ação de graças na qual, sob a ação do Espírito,
a Igreja toda é colocada à escuta da palavra de Deus. Apresenta-se uma
Igreja fiel a seu Deus e fiel à história, conjugando o mundo presente e o
mundo que há de vir.

A autocompreensão da Igreja como Povo de Deus é uma categoria que


se tornou dominante somente a partir do Concílio Vaticano II. Expressa o ser, a
realidade mais profunda e íntima da Igreja, pois ela é o Povo de Deus da nova
e da eterna aliança. Tal compreensão é fundamentalmente bíblica, por isso a
Igreja se situa numa linha histórico-salvífica, atuante no hoje da história
humana. Assim, é pertinente refletir sobre seu conteúdo bíblico, com a
finalidade de encontrar seu significado fundamental e descobrir sua aplicação à
Igreja, enquanto ela expressa sua própria realidade misteriosa 1.

A concepção de Igreja predominantemente na teologia católica anterior


ao Concílio Vaticano II caracterizava-se por aquilo que Yves Congar descreve
como "cristomonismo"2. A origem central da compreensão da Igreja como
“Comunhão” encontra-se na relação comunitária da Trindade, pois a comunhão
vem do amor de Deus pela humanidade, e esta se manifesta em todo o desejo
salvífico de Deus, o que demonstra a economia de salvação. Sendo assim,
deve-se entender a comunhão eclesial como um dom de Deus, Uno e Trino 3 A
partir do Vaticano II, tiveram grande relevância os dois conceitos que
favorecem a comprensão de Deus em sua vida.

1
QUATRIN, C, "A autocomprensão da Igreja como "Igreja Comunhão" In Revista Eletrônica
Theologia Faculdade Palotina -FAPAS, Volume 3, No. 1, 2009. pp.01-13.
2
FORTE, B, A Igreja ícone da trindade: breve eclesiologia, Loyola, São Paulo 1987. p. 09.
3
HACKMANN, G, A Amada Igreja de Jesus Cristo EDPUCRS, Porto Alegre, 2003. p. 96.
2

Sem dúvida, a Lumen Gentium e a Gaudium et Spes são duas


Constituições conciliares de fundamental importância. Indubitavelmente,
elas marcaram a vida da Igreja, porque significam uma nova concepção da
Igreja em si mesma. É uma nova autoconsciência de Igreja presente nesses
dois documentos do Concílio Ecumênico Vaticano II, e, por isso, eles dão
expressão ao que este último Concílio Ecumênico intentou, correspondendo ao
objetivo escolhido por João XXIII ao convocá-lo. Com clareza, afirma o Papa
João XXIII: É o prolongamento da Constituição Lumen Gentium. sobre a Igreja,
e representa um esforço para o estabelecimento de diálogo entre a Igreja e o
mundo, de maneira autêntica e realista. Em Lumen Gentium, a Igreja aprontou-
se para falar ao mundo. E vai se tornando cada vez mais claro que, entre a
Lumen Gentium e esta Constituição, existe uma passagem da preparação para
a ação, até a própria ação4.

Quando se abordam esses dois documentos, está se falando do espírito


do Vaticano II. Já na primeira Sessão, o Concílio foi levado a ser centrado no
duplo tema: a Igreja em si mesma e a Igreja no mundo de hoje. Um em
decorrência do outro3. Não se tratava de uma proclamação de anátemas, mas
de uma convocação universal de pessoas e nações, com seus respectivos
direitos e deveres; como também não se tratava de fazer uma apologética da
Igreja ou uma reivindicação de privilégios, mas, sim, era o caso de se fazer
uma prestação de serviços à humanidade toda.
Desse modo, a Igreja entra em diálogo com o mundo, e o documento
Gaudium et Spes é o sinal e o veículo desse diálogo. Esse era o desejo dos
dois Papas, João XXIII e Paulo VI, como este último declara no discurso de
encerramento da terceira Sessão do Concílio5. Contudo, por ser a pastoral a
intenção principal do Vaticano II, não significa que os documentos desse
Concílio II não tenham valor doutrinal ou não sejam a afirmação da doutrina da
Igreja, professada ao longo dos séculos. Há, sim, ensino doutrinal no
Magistério do Vaticano II. Os dois documentos em questão, a Lumen Gentium
e a Gaudium et Spes, são Constituições. A primeira, dogmática, e a segunda,

4
HACKMANN. G. L. Borges, art. Lumen Gentium e a Igreja da Gaudium et Spes, in FATEO -
PUCRS.
3

pastoral. Com a denominação Constituição, fica clara a intenção do Concílio de


também ensinar verdades doutrinais5.
Guilherme Baraúna, na Introdução à conhecida obra sobre a Gaudium et
Spes, intitulada A Igreja no mundo de hoje, afirma que, A Gaudium et Spes é
um documento carregado de novidades para a consciência da Igreja. Um
desses documentos que, por si só, bastaria para assinalar o Vaticano II e
contra distingui-lo de todos os outros Concílios que o precederam. Nele se
torna particularmente visível o que aflora, com maior ou menor clareza, em
todos os outros documentos do Concílio idealizado por João XXIII: que a Igreja
aceitou definitivamente o convite – bem antigo, aliás – de desinstalar- se de
posições seculares e milenárias, admitindo inequivocadamente que uma era
completamente nova de sua história acabava de inaugurar. A Gaudium et Spes
representa uma nova consciência para a Igreja e dá início a uma nova era
eclesial.
Contudo, a mesma observação pode ser feita a respeito da Lumen
Gentium, porque esses dois documentos representam uma nova
autocompreensão da Igreja sobre si mesma, como já foi expresso
anteriormente, e uma nova postura diante do mundo. A leitura da Gaudium et
Spes não pode ser feita desligada de outros documentos, particularmente da
Lumen Gentium. As duas Constituições formam um “capítulo do Vaticano II”,
Contudo, a Gaudium et Spes deve ser lida em conjunto, além da Lumen
Gentium, com outros documentos conciliares, como a Sacrosanctum
Concilium, a Dei Verbum e a Unitatis Redintegratio, que, aliás, muito
escassamente foram citados no texto da Gaudium et Spes. Guiado por essa
certeza, Giuseppe Alberigo assevera que “uma leitura plenária e crítica da
mesma só pode ser guiada pela consciência dessa interdependência”. A
Gaudium et Spes aborda o problema da relação entre Igreja e mundo. Tal
problema já estava na pauta dos debates no campo católico, antes do Concílio,
sobretudo em forma de Doutrina Social Cristã, na teologia das realidades
terrestres e no tema da consecratio mundi. Também se fazia presente no
mundo ecumênico, em debates sobre a realidade do mundo, no movimento Life
and Work, do Conselho Mundial de Igrejas6.

5
Idem.
6
Idem.
4

A Eclesiologia de Comunhão
A eclesiologia da Lumen Gentium foi objeto de inúmeras reflexões e
muitos comentários, tanto no período pós-conciliar, particularmente em 1985,
por ocasião do Sínodo Extraordinário de Roma, como no ano passado, pela
passagem das celebrações dos quarenta anos de sua promulgação. O primeiro
elemento é a dimensão trinitária. No início de um artigo sobre a Eclesiologia da
Lumen Gentium, o então Cardeal Ratzinger conta um episódio interessante,
capaz de iluminar a intenção do Vaticano II com essa Constituição Dogmática.
O Cardeal Frings contava que o Bispo de Regensburg, Dom Michael
Buchberger, organizador do Lexikon für Theologie und Kirche, quando os
Bispos da Alemanha discutiam quais deveriam ser os assuntos a serem
abordados durante os trabalhos conciliares, pediu a palavra e disse que o
Concílio, antes de tudo, deveria.falar de Deus, porque esse era o tema que lhe
parecia o mais importante. Os Bispos alemães se sentiram tocados por essa
afirmação, e o Cardeal Frings manteve essa preocupação ao longo de todas
as Sessões Plenárias do Vaticano II7
O primeiro capítulo da Lumen Gentium, intitulado O mistério da Igreja,
sinaliza uma Igreja trinitária, que se origina do mistério de Deus e deve
testemunhá-lo ao mundo.
Como a Igreja é a Igreja de Deus, a Ekklesía tou Theou, pode-se afirmá-la
como uma Igreja sacramento de salvação (cf. Lumen Gentium 1), porque nela
está presente o mistério do desígnio salvífico de Deus para a humanidade,
como sinal do amor incondicional de Deus pelas pessoas, por ele criadas como
um gesto de benevolência de seu dom. Com isso, uma das características da
eclesiologia do Vaticano II é a dimensão trinitária da Igreja, que está clara no
primeiro capítulo da Lumen Gentium.
De modo particular, a Lumen Gentium denota a consciência de que a
Igreja existe a partir de Cristo e em Cristo. Essa perspectiva cristocêntrica é a
culminância do movimento eclesiológico iniciado na Escola teológica de
Tubinga, que se expande por meio dos teólogos da Escola Romana no
Vaticano I e encontra expressão magisterial na Mystici Corporis, do Papa Pio

7
Idem.Op cit.
5

XII, em 1943, e, além disso, frisado por Paulo VI, no seu discurso de abertura
da Segunda Sessão.
Com isso, a perspectiva pneumatológica também está presente. Quer
dizer que a Igreja, a partir da Lumen Gentium, não se pode pensar sem Jesus
Cristo e sem o Espírito Santo, como condição para ela produzir frutos. O
número 4 retrata muito bem essa consciência, porque a entende como a última
determinação da Igreja.
A Igreja não existe por si mesma, mas deve ser o instrumento de Deus,
para reunir todas as pessoas nele e preparar o momento em que “Deus será
tudo em todos” (cf. 1Cor 15,28) 8. A temática da Igreja-Comunhão se dá a partir
da redescoberta da origem trinitária da Igreja (LG 1), que fundamenta a idéia
de comunhão, de unidade na diversidade. Segundo Bruno Forte, para realizar o
seu desígnio de unidade na variedade dos homens e dos povos, o Pai mandou
seu Filho e o Espírito, Senhor e vivificador, que congrega toda Igreja […] é ele
o princípio de unidade na doutrina dos apóstolos e na comunhão, na fração do
pão e nas orações ( At 2,42-47 e LG 13)”

O primeiro capítulo da Constituição Dogmática Lumen Gentiun trata do


resgate da profundidade trinitária da Igreja: " De unitate Patris et Filii et Spiritus
Sancti plebs adunata" (S. Cipriano)9.

O que significa afirmar que a Igreja tem sua origem na Trindade, isto é,
vem do alto ( " oriens ex alto"); está na Trindade e ruma para o acabamento
trinitário. Seu fim último é a Trindade.portanto, a Igreja é plasmada pelo alto e
rumo ao alto ( "Regnum Dei praesens in mysterio") (LG 3). Vê-se, também, que
a Lumen Gentium, ao concluir a apresentação trinitária da Igreja, diz que “desta
maneira aparece a Igreja toda: o povo reunido na unidade do Pai e do Filho e
do Espírito Santo” (LG 4), isto é, essa mesma Igreja, que tem sua origem no
mistério trinitário, pelas missões do Filho e do Espírito Santo, por livre e
amorosa iniciativa do Pai, encontra na mesma Trindade seu modelo.

Kunrath afirma que “a comunhão trinitária e atuante na Eucaristia é fonte


e causa da comunhão eclesial” 10. Pois, se a comunhão eclesial é obra da
8
Idem. Op cit.
9
Idem, p.09.
10
KUNRATH, Pedro A. A Eucaristia e a Igreja como Comunhão. TEO Comunicação: Revista
trimestral de teologia. Porto Alegre, v. 33, nº 139,
6

Trindade, pode-se dizer então que é pela ação do Espírito Santo que a Igreja
forma a comunhão no Corpo e no Sangue de Cristo, ou seja, é o único Espírito
que incorpora a Cristo e une os fiéis a seu Corpo.

Dessa forma, a Igreja não está reduzida às coordenadas da História, do


visível e do disponível11. A fonte mais profunda de origem da Igreja encontra-se
na Santíssima Trindade. A Igreja é, no mundo, o reflexo e a vivência do
mistério trinitário. É a comunhão existente entre o Pai, o Filho e o Espírito
Santo que deve caracterizar toda a comunhão eclesial: “Dessa maneira,
aparece a Igreja toda como “o povo de Deus reunido na unidade do Pai e do
Filho e do Espírito Santo”(LG 1, 4). Nesta perspectiva, o Concílio redescobre a
dimensão carismática de todo o povo de Deus, a riqueza e a variedade dos
dons que o Espírito infunde em todo batizado, com vistas à utilidade comum
(LG 4, 7).

Destarte, “sendo a comunhão trinitária a fonte e o modelo da Igreja, esta,


sem negar nem mortificar as diferenças, antes as assumindo e valorizando-as,
é, semelhantemente,"uma comunhão"12 Assim, entende-se que o maior modelo
da Igreja-Comunhão é a Trindade, que é comunhão plena, profunda e íntima.

A chave de compreensão da Constituição Conciliar Lumen Gentium, que


reza a superação dos vários reducionismos testemunhados na história da
eclesiologia em vista de uma renovada e plena percepção do mistério eclesial,
reside na leitura trinitária da Igreja: povo reunido em torno do Pai, do Filho e do
Espírito Santo13.

Indubitavelmente, Bruno Forte, ao falar da Igreja como local da


eclesiologia de comunhão, afirma que a Igreja, como Comunhão, vem da
Trindade, sendo que essa “reflete a comunhão trinitária, una na diversidade, e
ruma para a Trindade, na recapitulação final de todas as coisas em Cristo, para
que ele as entregue ao Pai na comunhão da Glória” 14

março de 2003, p. 54.


11
Idem, p. 09.
12
ALMEIDA, A. J. Sois um em Cristo Jesus: Teologia sistemática, in eclesiologia. São Paulo:
Paulinas, 2004. p. 89.
13
Idem, p. 67. " de unitate Patris et Filii et Spiritus Sancti plebs adunata" .
14
FORTE, B. A Igreja, Ícone da Trindade: breve eclesiologia, Loyola, São Paulo1983. p. 09.
7

A Igreja-Comunhão manifesta-se nos Sacramentos e na Palavra de


Deus, tendo o Batismo como porta e fundamento da comunhão na Igreja e a
Eucaristia é a fonte e ápice de toda a vida cristã (cf. LG 11). Mas, acima de
tudo, o modelo de toda a comunhão na Igreja é a Trindade, a melhor
comunidade. Dessa forma, percebe-se, que a comunhão do Corpo de Cristo
eucarístico leva a uma íntima comunhão entre todos os membros, constituindo-
os, verdadeiramente, membros da Igreja.

Outro elemento importante e relevante, é que essa Igreja, está


fundamentada no Espírito Santo, e esse, por sua vez, faz a Igreja ser una em
Cristo, e é pela participação da comunhão eucarística, na fração do pão, que
os fiéis são elevados à comunhão com Ele e entre si (LG 26), Portanto,“Esta
igualdade de dignidade avança no que se refere a responsabilidade
fundamental: o apostolado dos leigos é a participação na própria missão
salvífica da Igreja”(LG 33).

Sem dúvida, a redescoberta da fundação trinitária da Igreja, pela qual a


Trindade é origem, forma e meta da realidade eclesial, na apresentação do
povo de Deus peregrino (inter tempora), entre o tempo da origem e o tempo da
Pátria da idéia de comunhão de unidade na variedade católica” 15.

Portanto, a unidade da Igreja, estruturada à imagem da comunhão


trinitária, vive da diversidade e, se exprime nessa, na multiplicidade das Igrejas,
dos carismas e dos ministérios, suscitados pelo Espírito Santo para o
crescimento do único Corpo de Cristo16.

A Lumen Gentium afirma que o mistério de comunhão se dá na totalidade do


Povo de Deus:

"Assim, este povo messiânico, embora não abranja atualmente


todos os homens e por vezes apareça como pequeno rebanho é,
contudo, para todo gênero humano germe firmíssimo de unidade,
esperança e salvação. Constituído por Cristo para a comunhão de
vida, caridade e verdade, é por Ele ainda assumido como
instrumento de redenção de todos, e é enviado ao mundo inteiro
como luz do mundo e sal da terra (cf. Mt 5,13-16)"(LG 9).

Idem, p.09.
15

16
FORTE, B., La Chiesa della Trinitá: Saggio sul mistero della Chiesa comunione e missione,
San Paolo, Milano 1995. p. 253.
8

Sem dúvidas, nas primeiras comunidades cristãs a Igreja se


autocompreendia como o “Povo de Deus da nova aliança”. Porém,, "até o
século IV, o termo “povo” é empregado pelos Padres para a Igreja, apesar de
não constituir uma temática propriamente dita, visto que o enfoque da
eclesiologia, neste período era a dimensão cristológica. Assim, a noção de
povo não nutria sua reflexão. Passa-se do conceito histórico de povo para uma
concepção teológico-salvífica. Assim os justos do AT são vistos como pré-
cristãos, que se salvaram, graças a sua fé e não por meio de Israel, segundo
Orígenes, Atanásio e Agostinho"17.

No entanto, "a partir de Agostinho, o conceito jurídico-romano de


populus substitui o conceito histórico-salvífico de Povo de Deus: a Igreja é a
Igreja de todos os povos compreendidos pelo Império Romano. Assim, já no
século IV, o conceito Povo de Deus representa cada vez mais os leigos frente
aos bispos. No século V não há mais a preocupação de relacionar a
comunidade cristã com o povo eleito do AT. Seu lugar é ocupado,
progressivamente, pelo conceito agostiniano de "congregatio fidelium" 18.

A partir de um olhar no dinamismo da história, percebe-se que somente


no séc. XIX, com a idéia do Corpo Místico de Cristo, desenvolvida pelas
Escolas teológicas de Tubingen e de Roma, reaparece a idéia da Igreja como
Povo de Deus, articulando a isto, a idéia do sacerdócio universal dos batizados,
o que permitiu superar a imagem de uma Igreja clerical.

Os teólogos, a partir de J. H. Newman, R. Grosehe, H. de Lubac e Yves


Congar, dão a interconexão histórica entre o Povo de Deus do AT e NT. A
crítica à imagem do Corpo de Cristo conduz à de Povo de Deus, porque lhe
faltava o elemento histórico-salvífico19. Para isso, resgatam-se as imagens
paulinas de Igreja.

Do ponto de vista de V. Codina, São Paulo mostra três grandes imagens


sobre a igreja: a) Povo de Deus, como prolongamento e herdeira de Israel, b)
corpo de Cristo, em forma de comunidade; é seu corpo total. Essa idéia vem

17
HOHEMBERGER G. "A autocompreensão da igreja como povo de Deus", in THEOLOGIA
Ano 2009, Volume 3, No. 1. p. 06
18
idem, p. 06
19
Idem, p. 06.
9

articulada ao corpo de Cristo na eucaristia e na igreja, c) templo do Espírito,


enquanto Igreja realizadora das promessas escatológicas dos profetas. O
Espírito faz da Igreja uma realidade pneumática ( Rm 8, Gl 3) A Igreja é
morada e templo do Espírito20

Do ponto de vista de Yves Congar, o conceito de Povo de Deus traz


consigo uma enorme densidade, e, a partir daí, nos dá três perspectivas da
expressão “Povo de Deus” para significar a realidade que é a Igreja:

Primeiro, demonstrar também a Igreja construindo-se na história


humana; segundo, entendendo-se, adentro da humanidade, a
diversas categorias de homens desigualmente situadas em relação à
plenitude de vida que se encontra em Cristo e do qual é sacramento a
Igreja por ele instituída; por último, expor o que é comum a todos os
membros do Povo de Deus, antes que intervenha qualquer distinção
entre eles, em razão de ofício ou de estado, no plano da dignidade da
existência cristã21.

Do ponto de vista de J. B. Libânio o modelo Igreja "Povo de Deus" se


caracteriza pela base laical e colegial, como aparece na Lumen Gentium. A
Igreja é laical no sentido de ser povo de Deus, Γαος του ϑεο, donde vem o
termo leigo e o adjetivo laical. No centro da vida da Igreja está o batismo que
nos faz todos membros iguais de um mesmo Povo de Deus. Sobre tal
igualdade fundamental, e após ela, virão as diferenças de ministérios e
carismas. Não é a hierarquia que nos constitui cristãos, mas o nascimento pelo
batismo.

O Concílio entende reportar a questão inteira do pertencer eclesial ao


interno da compreensão místico-sacramental da realidade da Igreja, constituída
dos elementos visíveis e humanos subordinados aos elementos invisíveis e
divinos( SC 2, e LG 8), na tentativa de superar uma determinação meramente
institucional dos critérios de pertença. Esse fato é demonstrado, sobretudo no
estreito paralelismo terminológico entre a proposição de LG 14 e a formulação
penumatológica da analogia cristológica em LG 8. Em ambas as proposições a
Igreja é designada em seu aspecto jurídico-sociológico (socialis compago
Eclesiae Eclesiae societas), e a dimensão pneumática é indicada com seu nome

20
CODINA, V., Para compreender a eclesiologia a partir da América Latina, Paulinas, São
Paulo 1993.pp.47-48.
21
CONGAR, Y." A Igreja como Povo de Deus". Concilium, p. 8.
10

próprio e pessoal (trinitário), Spiritus Christi.22 O Espírito Santo não é um


requisito entre outros, mas, condição que sustenta todos os requisitos,
implicando relacionalidade interpessoal 23. A eclesiologia do Povo de Deus e o
Laicato

Um dos elementos importantes, e, que assume enorme relevância no


interior da eclesiologia Povo de Deus é a categoria do laicato. No passado, se
limitava a conceituar o termo leigo como aquele que não fazia parte da
hierarquia, conforme o Código de direito canônico de 1917 que descrevia como
não clérigo, sem sublinhar os elementos caracterizantes de sua função. Cabe-
nos perguntar: quem é o leigo na Igreja? O Concílio Vaticano II foi o primeiro na
bimilenária história da Igreja que dedicou uma específica atenção aos leigos.
Ocupou-se especialmente no cap. IV da Constituição dogmática, a Lumen
Gentiun:
Pelo nome de leigos aqui são compreendidos todos os cristãos,
exceto os membros de ordem sacra e do estado religioso
aprovado na Igreja. Estes fiéis pelo batismo foram incorporados
a Cristo, constituídos no povo de Deus e a seu modo feitos
partícipes do múnus sacerdotal, profético e régio de Cristo, pelo
que exercem sua parte na missão de todo o povo cristão na
Igreja e no mundo (LG 31).

A Igreja Primitiva viu claramente a Igreja como Povo de Deus. A novidade


do concílio é tonar o termo leigo sinônimo de fiel; e, em segundo lugar,
acrescentar-lhe a nota distintiva de não ser membro da ordem sacra e do
estado religioso, aspecto este já conhecido, desde a Igreja Primitiva. Uma das
questões era tirar o caráter de profano que vinha unido à palavra leigo. O
concílio fez isso mostrando que a inserção do leigo no mundo constitui uma
vocação eclesial, verdadeira missão evangelizadora no mundo 24. Pode se
afirmar que “o conceito de leigo, no concílio, parte de uma realidade
fundamental: o leigo é um cristão” 25. A Igreja de Cristo, comunidade de vida
única e única missão: isto é a missão de Jesus Cristo.

Portanto, carece pensar primeiramente a Igreja Corpo Místico, como


realidade interior e teologal, depois situar as funções dentro dessa, na posse
22
Idem, p. 189.
23
Idem, p. 189.
24
. ROXO. M. R., Teologia e renovação, Vozes, Petrópolis, 1967. pp. 213-214.
25
Idem, p.214. A
11

dessa realidade interior ou na inserção neste Corpo Místico, não há distinções


de dignidade: “tudo o que foi dito acerca do Povo de Deus se dirige de igual
modo aos leigos, religiosos e clérigos”(LG 30). Sem dúvida, “Comum a dignidade
dos membros pela regeneração em Cristo comum a graça dos filhos, comum a
vocação à perfeição. Uma é a salvação, uma é a esperança, indivisa é a
caridade” (LG 32). povo de Deus reunido na unidade do Pai e do Filho e do
Espírito Santo”(LG 1, 4).

Portanto, a partir do Concílio Vaticano II, é explicitada a nota positiva que


lhe é devida: os leigos na Igreja se distinguem dos membros da hierarquia não
tanto, de forma negativa porque a esses falta o sacramento da ordem, mas de
forma positiva, porque essas são características da índole secular (LG 31), ou
seja, da particular predisposição a viver imerso na realidade secular(mundo). Se
a vocação e a missão de todo povo de Deus, leigos, hierarquia, é transformar o
mundo, tornando visível o Reino de Deus, para o laicato, este compromisso
emerge da realidade. Pois sua vocação, conforme o Concílio: é próprio dos
leigos visibilizar o Reino de Deus, tratando das coisas temporais e ordenando-as
segundo o Projeto de Deus, chamados por Deus a contribuir como fermento na
santificação do mundo (LG 31). Portanto, “de modo diferente da hierarquia,
esses realizam a única missão da Igreja: a salvação do mundo, imersos nas
diversas dimensões da vida: social, política, familiar, cultural e econômica” 26. A
transformação social é parte integrante da evangelização.

A Constituição Pastoral Gaudium et Spes27 declara, em todo seu


desenvolvimento, a responsabilidade dos cristãos na construção dum mundo
mais justo e solidário através do compromisso pastoral da Igreja em todos os
níveis: comunidades eclesiais de base, paróquia, diocese, comunhão de
dioceses de um país ou continente, Igreja mundial. É tarefa de todo cristão. Os
leigos são porta-vozes da ação libertadora da Igreja em meio à sociedade.
Exercendo suas funções temporais e pela atuação nos movimentos sociais e de

26
CABRAL. C. R., Cristologia e antropologia na Gaudium et Spes, Belo Horizonte
FAJE.2007.p.36
27
O documento será citado por Cristologia e antropologia na Gaudium et Spes, Belo Horizonte
FAJE.2007.p.36extenso apenas quando citado pela primeira vez, no decorrer do texto será
utilizado somente a Sigla: GS. O mesmo se aplicará aos outros documentos que serão
utilizados.
12

libertação, são chamados a testemunharem a solidariedade humana e a


ajudarem a transformar as estruturas injustas.

No quarto capítulo da primeira parte da GS, a Igreja aparece configurada


com o agir salvífico de Deus, sacramento de salvação. Ela não só comunica ao
gênero humano a vida divina, mas difunde a sua luz com significativa
repercussão em todas as dimensões da vida e da sociedade humana:
indivíduos (GS 41), sociedade (GS 42) e no tocante ao seu agir (GS 42)

A Igreja está consciente de que tem a aprender do mundo hodierno e


que, de muitos modos, é ajudada pela válida colaboração das demais
comunidades eclesiais, as não católicas.

O documento GS destaca ainda que os leigos gozam de autonomia e


responsabilidade própria em seu compromisso temporal. O número 43 da GS
afirma que os leigos, esclarecidos pela sabedoria cristã, atentos à doutrina do
Magistério, assumam suas próprias responsabilidades, tenham iniciativa
própria, busquem imbuir de espírito cristão a mentalidade e os costumes, as
leis e as estruturas da sua comunidade de vida. Vivendo nas ocupações e
condições ordinárias de vida familiar e social, devem ser fermento dentro desta
realidade, contribuindo para a santificação do mundo. Cabe aos leigos iluminar
e ordenar as coisas temporais de acordo com os critérios do Evangelho. O
Concílio conclama os cristãos a serem vanguarda na luta social: “Merecem
portanto louvor e apoio os cristãos, sobretudo jovens, que se oferecem
espontaneamente para prestar auxílio a outros homens e povos”.(GS, 88).

A GS 45 conclui a primeira parte de seu diálogo com o mundo e com o


homem moderno recordando que, em Jesus Cristo, os homens e mulheres de
todo o universo e de todos os tempos descobrem que a promessa escatológica
de plenitude está sendo realizada para além dos limites do tempo, em processo
recapitulador salvífico que alcança todas as realidades da vida e do mundo.
A recapitulação aparece como luz que esclarece o caminho percorrido
não só no quarto capítulo, mas em toda a primeira parte do documento: Cristo,
homem novo (GS 22), ilumina a doutrina da dignidade da pessoa humana (GS
12-21); o Verbo encarnado (GS 32) elucida a doutrina sobre a comunidade
13

humana (GS 23-31); o Cristo, recapitulador do novo céu e da nova terra (GS 39),
explica o sentido
da atividade humana no mundo (GS 33-38); o Cristo, alfa e ômega (GS 45),
interpreta a função da Igreja no mundo (GS 39-44).
Portanto, a GS insere a atividade humana no contexto da história da
salvação, compreendendo-a desde a criação, passando pela ordem histórico-
existencial, mesclada de graça e pecado, iluminada pelo mistério pascal e
destinada à consumação em um tempo desconhecido. O tema referente a
atividade humana e o Reino de Deus, em sua relação estabelecida pela GS se
faz na afirmação de que “o progresso é de grande interesse para o Reino de
Deus” (GS 39).
Na conclusão da primeira parte do documento, afirma-se que o único fim
para o qual tende a missão da Igreja frente ao mundo, em recíproca
colaboração, é de “que venha o Reino de Deus e seja instaurada a salvação de
toda a humanidade” (GS 45)28.

As funções dos leigos na Igreja ( LG 34-36)

A intenção de restituir plena dignidade à condição laical, e promover


assim uma definição positiva da vocação e missão dos leigos, era o projeto da
que era conhecida como "a teologia do laicato".
Tendo essa idéia como ponto de partida, a Lumen Gentium apresenta a
missão do leigo (LG 32-33), insistindo no fato de que se trata de uma
participação no tríplice ministério ou missão salvífica de Cristo, Profeta
Sacerdote e Rei/Senhor (LG 34-36), Este esquema servia já para explicitar: o
ministério episcopal (LG 25-27), o ministério presbiteral (LG 28) 3), e o
ministério diaconal (LG 29). Em todos esses textos a contribuição específica
do laicato encontra-se no fato de estar envolvido na vida concreta do mundo,
com insistência particular sobre a categoria do testemunho a fim de ser
presença no mundo (LG 31-35). Essa insistência do Vaticano II sobre o "caráter

28
CABRAL. C. R., Cristologia e antropologia na Gaudium et Spes, Belo Horizonte FAJE.2007 p.
36.
14

secular" do leigo obedece à exigência incontestável de "desclericalizar" a Igreja


e de salvaguardar o agir "autônomo" dos simples cristãos.

a) A função sacerdotal

Como os membros da hierarquia, os leigos participam também do sumo


e único sacerdócio de Cristo, o mediador entre Deus e o homem (1Tm 2, 5-6).
Os leigos apresentam a Deus um culto espiritual representado na vida concreta;
a oração, as iniciativas apostólicas, a vida conjugal e familiar, o trabalho, que
são oferecidas na celebração da Eucaristia. Juntamente com o corpo do Senhor
(LG 34), na eucaristia centro do culto da vida cristã, oferecem junto com o
presbítero o mundo em que vivem para que seja transformado e santificado pelo
Espírito junto ao pão e vinho. Nessa participação, os leigos contribuem na
consagração do mundo orientando-o em direção ao Reino de Deus.

b) A função profética (LG 35)

Do mesmo modo, os leigos exercitam a função profética, que é própria de


todo Povo de Deus, de maneira específica. Através dos leigos, o anúncio da fé
emerge do lugar de culto e se difunde em todos os âmbitos da vida humana,
porque, afirma o Concílio, a força do evangelho resplandece na vida cotidiana,
familiar e social (LG 35).
Esse anúncio deve se realizar articulado ao testemunho da Palavra e da
vida: as mesmas obras do cristão, confirmadas de uma proclamação sincera e
serena do evangelho, são uma profecia eficaz no mundo. À função profética
devem ser correlacionados alguns ministérios de fato, que são exercitados
habitualmente pelo homem e pela mulher na Igreja: o ministério da catequese, a
evangelização missionária, a proclamação litúrgica da Palavra de Deus etc Sem
dúvida,

evangelizar é muito mais do que uma mera proclamação do kerigma. É


antes um processo de passagem de situações menos humanas para
mais humanas, através do testemunho (martyría), do anúncio
(kerigma), da catequese (disdaskalia), da formação teológica (krísis),
da celebração na liturgia daquilo que se espera (leitourgía), do serviço,
15

em especial aos mais pobres (diakonía), em espírito de comunhão com


os irmãos na fé (koinonía)29.

c) A função real (LG 36)

A função real correspondente às exigências em que os cristãos se põem


a serviço do mundo é exercitada, de forma particular, por meio dos leigos ao
interno das estruturas da sociedade. O concílio utiliza várias expressões para
descrever a função real dos leigos:

... por sua competência nas disciplinas profanas e por sua


atividade elevada intrinsecamente pela graça de Cristo colaborem
eficazmente para que os bens criados sejam aperfeiçoados pelo
trabalho humano, pela técnica e pela cultura para o benefício de
todos, segundo p plano do Criador e à luz do Verbo (LG 4, 36)

Também a função real dos leigos pode ser diversificada através da participação
em atividades de caridade, no empenho político e social. São chamados ao
discernimento sobre direitos e deveres na Igreja e na sociedade.

O Debate sobre Maria no Concílio Vaticano II

Nessa eclesiologia de comunhão encontramos um elemento relevante


que é a inserção do capítulo da Mariologia no documento sobre a Igreja, o
capítulo oitavo, intitulado A bem-aventurada Virgem Maria, Mãe de Deus, no
mistério de Cristo e da Igreja. Tal inserção não foi fruto do acaso, mas
corresponde à orientação presente na Constituição. A relação entre Maria e a
Igreja só é possível de ser compreendida enquanto a Mariologia se insere na
eclesiologia, enquanto Maria é a imagem.

Sem dúvida, o capítulo da Lumem Gentium VIII é fundamental quando


se trata da Mariologia. Indica novas vias e modalidades para uma pesquisa que
melhor favoreça uma compreensão da figura de Maria.
A Nova Orientação da Mariologia

29
BRIGHENTI. A. “Ser Cristão hoje: desafio e esperança” in artigo do V Encontro Nacional do
Laicato no Brasil.
16

O retorno da teologia as fontes bíblicas, Patrísticas e litúrgicas no


primeiro decênio do século XX, não faltou o influxo e a renovação da
Mariologia. Desde 1948 a 1962 têm sido abundante as publicações sobre
mariologia. em 1949foi publicado títulos sobre a oposição protestante a
mariologia. Em 1952 foi publicado por Braun sobre Maria com o título Mãe de
Deus no Evangelho de João.

No ano seguinte, os artigos publicados colocam em evidência Maria


como o apogeu da antiga revelação, que trouxe o cumprimento na exaltação
dos pequenos e pobres: os "anawim", considerando os fundamentos bíblicos
de A. M Durbale sobre a Nova Eva, colocando no centro do artigo Maria e
Igreja30. Maria aparece como o primeiro membro da Nova Aliança, que abre a
porta da economia restaurada. Maria é a Igreja, primeira da existência da
Igreja. Como afirma "o mundo oriental: Maria é na Igreja e com a Igreja". Maria
aparece como modelo, isso é a chave de toda Mariologia. Para Mueller, o
princípio fundamental da mariologia reside na plenitude da graça. Karl Rahner
propõe o seguinte princípio mariológico: "Maria é aquela que é resgatada no
modo mais perfeito". Em 1960 Philips se firma sobre grande desenvolvimento
das fontes bíblicas, patrísticas e litúrgicas. Apresenta Maria na perspectiva
histórica e transhistórica. Com o último artigo estamos na ótica conciliar, para a
redação do esquema mariano.

Fase Antepreparatória

A Comissão Cardeal Domenico Tardini secretário de estado 1959. entre


os temas indicados o mariano ocupa lugar relevante cerca de 600 padres
pedem que se fale de Maria no Concílio. Entre os padres: tem maior relevo o
episcopado mexicano e italiano pedem que o Concílio redija um compêndio
sobre a missão e os privilégios de Maria, que tratem sobre a participação de
Maria na obra da redenção e este vem interligado a mediação. Alguns pedem
que não proceda definições pois poderia colocar em dificuldade o caminho
ecumênico.
ANTONELLI. Césare. Il dibattito su Maria nel Concílio Vaticano II, ed. Mensagero ,
30

Padova,2009. pp. 27-30.


17

Várias Universidades católicas enviaram sugestões sobre temas


mariológicos: sobre devoções,a presença na fé cristã, a maternidade espiritual
de Maria, entre as Congregações romanas, o temas sugerido a participação de
Maria na redenção do gênero humano, em particular a sua mediação na
aquisição da graça.

Retorno à doutrina tradicional mariológica


Para a história da Mariologia os dois primeiros séculos do cristianismo
foram decisivos. Neste tempo, aparecem os grandes escritores que falam de
Maria, mas também aparecem os escritos apócrifos, produzidos para
satisfazer a necessidade popular de conhecer a vida de Cristo e de Maria. O
chamado proto-evangelho de Tiago (final do II século) fala do nascimento de
Maria. O mesmo influenciou muitas legendas sucessivas sobre Nossa
Senhora bem como a arte figurativa. 31

Os testemunhos sobre Maria, no Segundo Testamento e nos Apócrifos,


como também a preeminência da cristologia nas disputas teológicas dos
primeiros séculos, tornaram também Maria um tema da Patrística. Embora a
princípio os Padres não dispusessem ainda dos termos teológicos adequados
para expressar o mistério cristológico, a dignidade e o significado salvífico da
Mãe de Deus, no entanto desde o início os testemunhos da Escritura e da
Tradição apostólica foram por eles corretamente interpretados, aplainando o
caminho para os sucessivos desenvolvimentos da mariologia. A posição dos
Padres da Igreja expressou-se, sobretudo no âmbito de outros temas, a serviço
seja do ensinamento da fé (Catequese), seja de sua defesa (Apologia) contra
as várias heresias, principalmente contra o judaísmo e a gnose. Nem o
Segundo Testamento nem os escritos dos Padres oferecem uma mariologia
sistemática, mas apenas peças de mosaico sobre pontos doutrinais individuais
e sobre a figura ética de Maria, que o evangelista Lucas havia delineado.

31
O Proto-Evangelho de São Tiago que se pode chamar de Natividade de Maria - é o mais
célebre dos livros Apócrifos. É o primeiro escrito que tem como tema Maria. De forma popular,
com escassa documentação histórica quer defender a virgindade de Maria antes durante e
depois do Parto, e delinear uma imagem dela que compreendia o Primeiro Testamento e
prefigurava o Segundo Testamento. Maria aparece como Dom de GRAÇA e Templo, isto é,
Arca do Senhor. Esse livro influenciou profundamente toda a Tradição cristã.
18

Maria é inserida na Constituição De Deposito Fidei entre as questões


particulares. Onde Maria se apresenta como membro exemplar e singular da
Igreja. O acento está sobre quatro temas: a coredenção, a mediação, a
virgindade e o culto. Percebe-se que o documento mais adequado para se
tratar de Maria é o sobre a Igreja pois Maria é Mãe da cabeça e dos membros
da Igreja. reunião de 30 de novembro de 1960 se estabelecem normas mais
precisas para os textos conciliares: Em 13 a 16 de fevereiro de 1961 em
plenária da Comissão Teológica é indicado o tema sobre a Virgem Maria. Em
15 de março de 1961 a subcomissão de Ecclesia decide sobre o tema de Mãe
de todo gênero humano.

Primeira redação: Maria Mãe de Jesus e Mãe da Igreja. (Ver. Mi P. C ,


Balic. Nesse primeiro texto parece que Balic não considera a doutrina na
relação com a s outras disciplinas teológicas – patrística, bíblia, ecumenismo.
Defende a proposta tradicional mariana das instituições teológicas romanas.

No entanto único aceno que o texto faz sobre Maria e a Igreja é o título,
não foi considerado Agostinho de Hipona nem Ambrósio de Milão sobre sua
teologia mariológica a respeito de Maria e a Igreja. É um longo percurso até
chegar ao tema: Maria Mãe de Deus e Mãe dos homens

Portanto podemos afirmar que o primeiro esquema mariológico seria o


esquema Balic, orientado verso uma doutrina mariológica dos privilégios. O
confronto entre diversas tendências fez com que se chegasse a um resultado
satisfatório colhendo entre os diversos esquemas os elementos que
apresentavam novidade. No final do debate chegou-se a um avizinhamento das
posições. Porém não foi um processo linear já que dependia em grande parte
dos argumentos tratados. O centro do debate era sem dúvida a Virgem Maria
no desenvolvimento na Obra de salvação, já que era um ponto controverso
não só entre as Igrejas cristãs, mas entre os católicos.

A mediação mariana esteve em debate do início ao fim produzindo


confrontos bem calorosos. Aqui se considera a Obra do Espírito Antes do
Concílio se falava de uma tendência cristológica e eclesiológica, os mariólogos
se dividiam em maximalistas e minimalistas no entanto, uma das grandes
preocupações dos teólogos era aquela de encontrar um princípio geral como
19

ponto de partida para fundamentar a teologia mariana. O Concílio iluminou


estas categorias: Então a doutrina mariológica percorre a nova linha traçada
pelo Concílio com retorno às fontes. o fato é que a Assembléia conciliar havia
em sua maioria decidido incluir o esquema mariano no De Ecclesia, para que o
texto assumisse maior relevância, desfazendo o temor de alguns que
afirmavam que a inserção diminuiria a dignidade da função de Maria na
doutrina e na vida da Igreja.O espaço dado na documentação refere-se alguns
aspectos doutrinais e devocionais como: (mediação, coredenção consagração
mariana)32.

Portanto, temos como resultado a inserção do capítulo da Mariologia


no documento sobre a Igreja, o capítulo oitavo, intitulado A bem-aventurada
Virgem Maria, Mãe de Deus, no mistério de Cristo e da Igreja. Tal inserção não
foi fruto do acaso, mas corresponde à orientação presente na Constituição. A
relação entre Maria e a Igreja só é possível de ser compreendida enquanto a
Mariologia se insere na eclesiologia, enquanto Maria é a imagem da Igreja. A
Igreja é virgem e mãe, concebida sem pecado e carrega o peso da história, e já
possui uma dimensão escatológica. A Igreja é antecipada em Maria. Ela é a
Igreja já realizada, ou ela é aquilo que a Igreja deverá ser um dia, quando
terminar seu percurso na terra. Por essa razão, a Mariologia insere-se na
eclesiologia do Vaticano II, para apontar um ideal a ser perseguido pela Igreja.
Maria, a Mãe de Deus, é, assim, modelo para a Igreja e mãe da Igreja.

O culto a Maria é proposto não tanto pelo tipo de vida que levou em seu
ambiente sócio-cultural, mas porque Ela aderiu, total e responsavelmente, à
Vontade de Deus (cf. Lc 1,38); porque soube acolher sua Palavra e pô-la em
prática; porque sua ação foi animada pela caridade e pelo espírito de serviço;
porque foi a primeira e a mais perfeita discípula e missionária de Cristo. Essa
sua atitude é que lhe dá valor exemplar, universal e permanente.

O culto a Maria é tão antigo quanto a Igreja. A maneira peculiar com que
ela é invocada, enaltecida, imitada e seguida na sua vivência e missão ímpar
tem as suas nuances em cada período histórico.

32
Idem, pp. 587592.
20

Maria destaca-se nas Primeiras Comunidades Cristãs por ser a Mãe de


Jesus, a intercessora junto de seu Filho, modelo de igreja orante, ideal de
acolhimento e total abandono nas Mãos de Deus. Com esses indícios, desde a
Igreja nascente, Maria foi especialmente amada pelos seguidores e seguidoras
de Jesus. A Igreja sempre destacou essa figura única, como atestam as
fórmulas antigas do símbolo batismal: ”Nasceu da Virgem Maria”, e seu nome é
recordado nas primeiras orações eucarísticas que a Igreja formulou. Esse
louvor e essa admiração desenvolveram-se na história do cristianismo em
forma de invocação e de súplica.

A Igreja, no Oriente e no Ocidente, atesta a antiguidade do culto e da


veneração à Mãe de Deus. Através da oração, dos santuários, dedicados
àquela que foi o primeiro templo de Cristo; através de seus ícones e aparições
e através da sua intercessão quotidiana, a Igreja vive a presença de Maria,
presença esta que aflora, principalmente no seu canto Profético e Libertador,
muito embora tenha predominado por muito tempo a dimensão de veneração e
de culto, e não tanto a de seguimento e de modelo de vida.

Nesse sentido histórico, a piedade mariana é uma experiência vital e


histórica na América Latina e faz parte da “identidade própria desses povos”
que depõem seu destino “nas mãos de Maria, como Mãe e Libertadora”. A
devoção mariana constitui o vínculo resistente que mantém fiéis à Igreja
setores que carecem de atenção pastoral adequada. Ao voltar-se para a
pessoa de Maria, a Igreja defende espaço para uma visão de mundo que é
menos racional e mais intuitiva e afetiva.

O culto mariano sempre foi declarado pela igreja como um lugar especial:

“Maria, exaltada pela graça de Deus, depois de seu filho,


acima de todos os anjos e de todos os homens, porque mãe
santíssima de Deus, participou nos mistérios de Cristo, é
honrada justamente pela Igreja com culto especial (...) esse
culto, como sempre existiu na igreja, embora seja totalmente
singular, difere essencialmente do culto de adoração prestado
ao Verbo encarnado, bem como ao Pai e ao Espírito Santo, e o
promove de modo particular” ( LG)33

33
Vaticano II, Lumen Gentium (LG), 66, São Paulo, Paulus, 1997.
21

Nos primeiros séculos, o culto está inserido nas festas que celebram os
mistérios de Jesus Cristo, porque é justamente d’Ele que Maria haure toda sua
grandeza. São os títulos de “primeira entre os crentes” e de “testemunha
privilegiada do mistério de Cristo” que justificam e incrementam o culto
mariano. Assim como o papel de intercessão junto ao Senhor.

A devoção à Maria fundamenta-se, substancialmente, no modelo que ela


oferece de vida de fé e de total abertura ao dom e à ação do Espírito Santo

Conclusão

A dimensão pastoral, como intenção geral do Concílio, mas de modo


particular, dessas duas Constituições sobre a Igreja. Na Gaudium et Spes, a
Igreja entra em diálogo e comunhão ativa com o mundo, ressoando, de modo
especial, no aggiornamento e nos sinais dos tempos. Ela não é apenas sinal,
para o mundo, da salvação de Deus, mas faz acontecer a salvação do mundo
na história humana, comprometendo-se na transformação das realidades
terrenas à luz do desígnio salvífico de Deus. Ela é sinal e instrumento do amor
irradiador de Deus de que ela faz a experiência.

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