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Marcelo de Mello Rangel; Mateus Henrique Faria Pereira; Valdei Lopes de Araujo

(orgs). Caderno de resumos & Anais do 6º. Seminário Brasileiro de História da


Historiografia – O giro-linguístico e a historiografia: balanço e perspectivas. Ouro
Preto: EdUFOP, 2012. (ISBN: 978-85-288-0286-3)

HISTÓRIA E HISTORIOGRAFIA DA PRODUÇÃO BIBLIOGRÁFICA SOBRE


QUADRINHOS NO BRASIL: NOTAS DE PESQUISA

Ivan Lima Gomes*


Introdução

A reflexão acadêmica brasileira comprometida com a construção de conhecimentos


específicos a partir de pressupostos teórico-metodológicos bem delimitados dedica-se aos
quadrinhos já há mais de quarenta anos. Iniciar uma tentativa de balanço historiográfico com
uma afirmação dessa espécie pode parecer um pouco fora de propósito, mas justifica-se
mediante a constante reclamação que se encontra presente em boa parte dos trabalhos de
pesquisadores neófitos ao tema – ao passo que exigem para si mesmos o cumprimento de uma
espécie quase ritualística de solicitação de permissão perante os cânones acadêmicos para
iniciarem seus estudos sobre tão profana temática. Para além dessa uma espécie de “rito de
passagem”, a análise sistemática do conjunto das obras dedicadas aos quadrinhos permite-nos
aferir os limites e possibilidades desses estudos e mesmo a presença de uma “memória
disciplinar” (SALGADO, 2003) a canonizar determinados temas e a negligenciar outros
tantos – e as eventuais relações de tais escolhas com o contexto histórico onde foram
gestadas.
Nesse sentido consideramos legítimo tomar tais trabalhos a partir de uma perspectiva
historiográfica (CATROGA, 2010: 25), de forma a problematizar as aproximações e
abordagens sobre os quadrinhos e buscar, assim, a construção do tema de nossa pesquisa sob
um ponto de vista teórico-metodológico, ou seja, que atente para novos desdobramentos
epistemológicos que qualquer novo objeto de pesquisa termina por introduzir ao
conhecimento (GRESPAN, 2010; PROST, 2008; KNAUSS, 2006). Ora, se a História é “a
ciência dos homens no tempo”, no famoso dizer de Marc Bloch, por que não seria também a
escrita sobre um determinado contexto ou processo historicamente condicionada?
_____________________
* Doutorando em História Social pela Universidade Federal Fluminense (bolsa Cnpq) e professor de Teoria e
Metodologia da História pela Universidade Estadual de Goiás, onde desenvolve projeto de pesquisa intitulado
“História e historiografia da produção bibliográfica sobre quadrinhos no Brasil”. Agradeço aqui a participação da
bolsista de Iniciação Científica Karla Jacinto pelo levantamento de dados. É também doutorando em História
pela Universidade Federal Fluminense, com bolsa do CNPq.

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Marcelo de Mello Rangel; Mateus Henrique Faria Pereira; Valdei Lopes de Araujo
(orgs). Caderno de resumos & Anais do 6º. Seminário Brasileiro de História da
Historiografia – O giro-linguístico e a historiografia: balanço e perspectivas. Ouro
Preto: EdUFOP, 2012. (ISBN: 978-85-288-0286-3)

A partir destes apontamentos, pretendo aqui esboçar uma reflexão de âmbito historiográfico
sobre o conjunto da produção acadêmica que se dedicou a estudar o fenômeno cultural das
HQs na sociedade contemporânea. Reconhecer a presença de reflexões próprias e caras a
contextos históricos precisos implica constatar que também nos inserimos de alguma forma
nessa tradição acadêmica brasileira sobre quadrinhos, seja ao corroborá-la ou quando
apontamos alguns de seus limites (CERTEAU, 2010).

Quadrinhos no Brasil: notas gerais para uma historiografia

Uma das principais características da bibliografia em questão e que talvez possa servir
de eventual justificativa para o relativo desprezo que recebe por parte de alguns estudiosos
recentes, deve-se à sua dispersão em variadas áreas do conhecimento. Presente ainda hoje ao
nos depararmos com trabalhos sobre HQs em áreas como Tecnologia e Planejamento Urbano
e Regional (SILVA, 2006; BENTO, 2008), considero que, longe de revelar, em um primeiro
momento, fragilidade teórico-metodológica ou indício de mero modismo temático, parece-me
antes, se olharmos sob o ponto de vista historiográfico que tentarei desenvolver aqui, uma
exigência que os quadrinhos terminam por impor àqueles que se aventurem a tentar
compreendê-los.
Um primeiro esforço de síntese na tentativa de mapear o conjunto da produção
acadêmica relacionada às HQs foi empreendido em artigo de Vergueiro e Santos
(VERGUEIRO, SANTOS, 2006). Ambos estudiosos são ligados ao campo da Comunicação
Social e preocupam-se sobremaneira em ressaltar o reconhecido pioneirismo acadêmico do
país no estudo dos quadrinhos, sobretudo nos estudos de Comunicação Social para, em
seguida, quantificar os principais temas que a literatura dedicada às HQs teria se debruçado.
Como procedimento metodológico, analisa o conjunto de teses e dissertações produzidas na
USP e, principalmente, na sua Escola de Comunicação e Artes (ECA). Identifica um
expressivo crescimento por décadas e o predomínio de estudos sobre “conteúdo” – ou seja,
que pretendem “identificar e discutir os possíveis significados presentes nas histórias em
quadrinhos” naquilo que classificou como “categorias de análise” mais trabalhadas
(VERGUEIRO, SANTOS, 2006: 6-7).
O artigo de Vergueiro e Santos nos permite vislumbrar algumas tendências gerais
presentes nas obras que tratam das HQs no Brasil. O fato de elas serem trabalhadas a partir de

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Marcelo de Mello Rangel; Mateus Henrique Faria Pereira; Valdei Lopes de Araujo
(orgs). Caderno de resumos & Anais do 6º. Seminário Brasileiro de História da
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Preto: EdUFOP, 2012. (ISBN: 978-85-288-0286-3)

enfoques oriundos de variados campos de saber, conforme já indicamos aqui, não elimina o
fato de que a maior parte da produção acadêmica concentra-se no campo da Comunicação
Social já desde os seus primórdios no país – os trabalhos pesquisadores da área como Moacy
Cirne, Álvaro de Moya e aqueles mais recentes1, ligados aos pesquisadores que integram o
Observatório de Histórias em Quadrinhos da USP, comprovam essa afirmação. Longe de
pretender esgotar o conjunto de trabalhos ligados ao universo dos quadrinhos, apresentaremos
a seguir alguns dos mais representativos trabalhos por eles produzidos para, em seguida,
apontarmos aproximações recentes observadas na pesquisa histórica, ressaltando a
necessidade de um olhar que articule ambas perspectivas.
Os primeiros trabalhos que tomaram as HQs como objeto privilegiado de estudo logo
priorizaram os quadrinhos brasileiros, considerados detentores de especificidades caras ao seu
contexto de produção e que apresentam, assim, uma historicidade própria. Val destacar,
conforme desenvolveremos nas páginas subsequentes, que os dois principais estudiosos do
tema levavam a discussão sobre os quadrinhos e a cultura brasileira em alta conta, seja por
meio de uma filiação às discussões acadêmicas das esquerdas dos anos 1960 e 1970, seja pela
atuação junto ao mercado dos quadrinhos. É preciso também situar como marco de tais
estudos o contexto dos anos 1960, quando os quadrinhos são assimilados como uma
expressão da cultura pop e urbana2.
A preocupação artística com os quadrinhos também servirá de estímulo aos primeiros
estudos produzidos no Brasil sobre o tema, iniciados por Moacy Cirne no final dos anos 1960.
Integrante de movimento literário de vanguarda (CIRNE, 1970; CIRNE, 1975c), Cirne
também atuou na Revista de Cultura Vozes, contribuindo para que esta se distanciasse das
discussões estritamente religiosas que dominavam o perfil dos seus artigos até meados dos
anos 1960 e passasse a publicar textos de perfil acadêmico, com ênfase nas discussões ligadas
a temas como estruturalismo e semiótica. A leitura de Cirne sobre os quadrinhos também será
fortemente marcada, pois, pelo interesse na experimentação artística por meio das discussões

1
Atualmente o NPHQ é conhecido por “Observatório de Histórias em Quadrinhos”. Cf:
http://www.eca.usp.br/gibiusp/home.asp (acesso em 18 jul. 2012).
2
Se, no início dos anos 1960 cineastas como Fellini e Resnais já polemizavam ao declararem seu fascínio por
personagens como Flash Gordon, Fantasma e Mandrake, na segunda metade da década a obras pop art de Roy
Lichtenstein, a música tropicalista de Caetano Veloso (vide “Superbacana”, por exemplo) e o cinema marginal
de Rogério Sganzerla (com o curta de 1969 intitulado “História em quadrinhos”, produzido junto com o
pesquisador das HQs Álvaro de Moya, já citado aqui) dedicavam espaço para os quadrinhos serem incorporados
como tema e linguagem em seus próprios trabalhos.
Marcelo de Mello Rangel; Mateus Henrique Faria Pereira; Valdei Lopes de Araujo
(orgs). Caderno de resumos & Anais do 6º. Seminário Brasileiro de História da
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sobre linguagem promovidas pelos estudos de “semiologia”, como os realizados por Sausurre,
Peirce e Barthes.
O terceiro elemento que caracteriza seus trabalhos será a inclinação marxista que
assumem muitos de seus trabalhos quando dialoga, por vezes de forma bastante difusa, com a
bibliografia de esquerda dos anos 1970 como Althusser e Balibar. Suas obras assumem um
viés explicitamente militante, artística e politicamente comprometidas com os debates
presentes na sociedade brasileira dos anos 1970 e 1980. Cirne preocupa-se sobremaneira em
discutir o imperialismo nos quadrinhos, em reflexão próxima àquela estabelecida pelo
conhecido trabalhos de Dorfman e Mattelart e Dorfman e Jofré, publicados no Brasil desde o
início dos anos 1970 (DORFMAN, MATELLART, 1980; DORFMAN, JOFRÉ, 1978). Ao
apontar que, a despeito da sua importância na “fixação de determinados valores gráfico-
narrativos quadrinhísticos”, a invasão dos comics no Brasil a partir dos anos 1930 ocupou
“um espaço editorial que deveria nos pertencer” e impôs “uma ideologia e uma estética
alheias à nossa problemática cultural”, Cirne critica estudiosos que não teriam levado em
conta a presença de experiências como as de Ângelo Agostini em fins do século XIX ou os
quadrinhos publicados em O Tico-Tico (1905):

E o imperialismo cultural, na área dos quadrinhos, é tão acentuado que, ainda em


1970, alguns estudiosos de comics entre nós consideravam o 14 de março de 1934,
dada (sic) de lançamento do referido Suplemento [Suplemento Juvenil, primeira
publicação a veicular comics de forma sistemática no Brasil], como ‘o verdadeiro
início da História em Quadrinho no Brasil’. E pretendem ser levados a sério, quando
não passam de uns colonizados mentais! (CIRNE, 1983: 80-81).

Outro autor que inicia estudos pioneiros sobre os quadrinhos nos anos 1970 e é
representativo para nos auxiliar a caracterizar a área de estudos sobre este tema é Álvaro de
Moya. Jornalista, roteirista e desenhista de quadrinhos durante os anos 1940-50, um dos
organizadores da “1a Exposição Internacional de Histórias em Quadrinhos”, realizada em São
Paulo em 1951, atualmente é professor aposentado da ECA-USP e conhecido por ter
organizado importante trabalho sobre o tema, referência obrigatória a qualquer estudioso que
inicie seus estudos em quadrinhos. Marcado pela pluralidade temática e de linhas de
pensamento – e também por seu caráter pragmático e pouco afeito a teorizações –, conta com
contribuições de artistas, jornalistas, psicanalistas e até mesmo com a curiosa participação de
Jô Soares como autor de um dos artigos. Ainda que seu estilo enciclopédico e factual,
enriquecido por sua experiência como desenhista de quadrinhos nos anos 1940 e 1950 e sua
Marcelo de Mello Rangel; Mateus Henrique Faria Pereira; Valdei Lopes de Araujo
(orgs). Caderno de resumos & Anais do 6º. Seminário Brasileiro de História da
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linguagem jornalística, seja ainda hoje bastante influente e cumpra sua função informativa,
pouco pode nos auxiliar teoricamente para compreender os quadrinhos enquanto fenômeno
cultural (MOYA, 1970; MOYA, 1994; MOYA, 2003).
Passado o que podemos considerar como um “primeiro momento” da bibliografia
sobre quadrinhos no Brasil, cuja datação iniciar-se-ia em fins dos anos 1960 e que alcançaria
os primeiros anos da década de 1980 com o último trabalho de Cirne a tratar diretamente de
quadrinhos (CIRNE, 1982), chegamos a um segundo período, mais curto, que se iniciaria em
meados dos anos 1980 e duraria até o ano de 1990.
Como característica principal, observa-se aqui uma espécie de refluxo na produção
bibliográfica dedicada aos quadrinhos. Talvez, com o fim de praticamente vinte anos de
período ditatorial no país e o crescente interesse no estudo de novos temas pertinentes ao
contexto e ao percurso acadêmico que então experimentavam as Ciências Sociais no país, tais
como o operariado e os estudos de gênero, considerou-se que os quadrinhos pouco poderiam
auxiliar academicamente à compreensão das transformações políticas vividas pelo país
naquele momento. Obviamente, isso não significa que os trabalhos sobre o tema tenham sido
de todo interrompidos, mesmo que aqueles lançados avancem pouco em propor novas
questões em relação ao período anterior aqui apresentado. Em todo caso, nesse segundo
momento autores que se consolidarão posteriormente lançam seus primeiros estudos: Sonia
Bibe Luyten publica seus primeiros sobre o tema já em fins dos anos 1970 – ainda que seu
primeiro livro sobre quadrinhos seja publicado apenas em 1984 (LUYTEN, 1984); e mesmo
Waldomiro Vergueiro, que defende dissertação em 1985, mas ainda pouco publica sobre
quadrinhos até então (VERGUEIRO, 1985).
Vergueiro será o principal expoente da pesquisa acadêmica sobre quadrinhos que
caracterizará o que avaliamos como um terceiro período dentro da bibliografia sobre
quadrinhos no Brasil, cujos marcos se localizam em 1990, com o surgimento de um “Núcleo
de Pesquisa sobre Histórias em Quadrinhos” (NPHQ-USP), sob a sua liderança e com
cadastro no CNPq; um primeiro artigo seu especificamente sobre o tema; e vale também
mencionar o retorno de Moacy Cirne em outro trabalho polêmico (VERGUEIRO, 1990;
CIRNE, 1990). Avaliamos que, até o presente momento, tal período se estende até os dias
atuais.
Reconhecidas socialmente como um meio de expressão legítimo, seja através do êxito
mercadológico que obriga grandes editoras e livrarias a reservarem a elas um espaço próprio,
Marcelo de Mello Rangel; Mateus Henrique Faria Pereira; Valdei Lopes de Araujo
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seja no reconhecimento literário de autores e obras em quadrinhos ou mesmo pelas lucrativas


adaptações para o cinema, as histórias em quadrinhos seduzem inocentes – para tomar
emprestado o título do polêmico livro de Fredric Wertham – e atraem atenção de estudiosos
nem tão inocentes assim. O aumento no número de trabalhos acadêmicos reflete, por sua vez,
o grande crescimento experimentado pelas pós-graduações brasileiras a partir dos anos 1990.
O conjunto de trabalhos produzidos pelo grupo ligado ao NPHQ reflete tal expansão.
Sob o ponto de vista dos estudos em comunicação, os trabalhos por eles produzidos analisam
os quadrinhos a partir da linguagem, das suas possibilidades de aplicação em sala de aula, sua
trajetória histórica, além da análise de autores e personagens específicos, por exemplo3. Ainda
que os trabalhos não prescindam de referenciais teóricos das ciências sociais, muitos deles
carecem de um olhar que procure historicizar os quadrinhos como uma prática cultural que
dialoga e propõe questões em variados graus com o seu tempo.
Realizada a análise historiográfica do conjunto da bibliografia sobre as histórias em
quadrinhos no Brasil, algumas perguntas nos restam: de que maneira poderia a História
utilizar-se dos quadrinhos? Como a História pode contribuir para a compreensão das histórias
em quadrinhos – e, invertendo a questão, o que os quadrinhos apresentam de novo para a
construção do saber histórico? Tentaremos tangenciar algumas respostas a essas questões
através da análise de alguns trabalhos recentes de historiadores que lançaram mão das HQs
em seus trabalhos como objeto.
O primeiro deles é um artigo póstumo de Sandra Pesavento sobre famoso assassinato
ocorrido em Porto Alegre no século XIX e suas representações durante o século XX
(PESAVENTO, 2011). Parte considerável do artigo debruça-se sobre a versão em quadrinhos
publicada pela edição gaúcha do jornal Última Hora, em uma seção intitulada “Crimes que
abalaram o Rio Grande do Sul”, com roteiros de Paul Koetz e desenhos de João Mottini –
mais precisamente, um crime ocorrido em 1864 que se tornaria conhecido como “o açougue
macabro da Rua do Arvoredo”. A autora estaria preocupada em perceber “onipresença da
ficção na construção do fato, da força do imaginário e da representação da mulher na
história”, além de destacar que a presença de uma seção dedicada aos crimes ocorridos no Rio
Grande do Sul revelariam que “não só a memória social da cidade parecia ter conservado
mistérios, terríveis no seu passado, como também sua população, nessas últimas décadas,
tinha uma predileção pelos crimes célebres” (PESAVENTO, 2011: 153; 151).
3
Alguns trabalhos recentes são divulgados em http://observatoriodehistoriasemquadrinhos.blogspot.com.br/
(acesso em 18 jul. 2012).
Marcelo de Mello Rangel; Mateus Henrique Faria Pereira; Valdei Lopes de Araujo
(orgs). Caderno de resumos & Anais do 6º. Seminário Brasileiro de História da
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O maior acesso a fontes ligadas aos quadrinhos, bem como o diálogo com a
bibliografia especializada, teria permitido a autora, porém, acrescentar muitos outros dados à
sua análise e, talvez, até mesmo reformulá-la em suas hipóteses gerais, como aquela que
aponta o impacto que o tal crime teria sobre o imaginário social da população gaúcha a partir
do fato de ter adaptada em quadrinhos quase cem anos depois. O que Pesavento talvez
desconheça é que Mottini, ao lado de outros artistas e roteiristas gaúchos e paulistas, integrou
uma pioneira iniciativa de produção e distribuição de histórias em quadrinhos para jornais de
todo o país, a Cooperativa Editora de Trabalhos de Porto Alegre (CETPA). Com forte apoio
de Leonel Brizola, teve início nos primeiros meses de seu mandato como governador do Rio
Grande do Sul e foi idealizada pelo jornalista e desenhista carioca José Geraldo, que já
escrevera nos anos 1950 uma série de crônicas, não por acaso, intitulada “Crimes que
abalaram o Rio de Janeiro”. Além disso, poderia ter explorado, a partir de uma trajetória
histórica dos quadrinhos no Brasil, interessantes insights presentes em seu trabalho, como a
presença do gênero de horror e de personagem feminina caracterizada como uma pin-up.
Um segundo trabalho que merece menção é de Ethel Cuperschmid e encontra-se em
coletânea resultado de comunicações em importante seminário de historiografia
(CUPERSCHMID, 2011). Tomando como objeto de estudo a relação entre memória do
holocausto e a linguagem das HQs presente na já referida obra Maus, de Art Spiegelman,
Cuperschmid aponta para questões de ordem teórica que a estética dos quadrinhos introduz ao
historiador que se interesse em debruçar-se sobre eles e que se apresenta como um campo de
reflexão pouco explorado por estudiosos da área. Uma pena que a própria autora parece
desconsiderar expressões e discussões caras aos estudiosos dos quadrinhos e que, tal como no
artigo de Pesavento, poderiam levá-la a refinar os debates que propõe em seu trabalho. É a
conclusão que chegamos ao vê-la tomar em pouca o fato de Maus ter sido concebida como
uma graphic novel: a expressão não é apenas um capricho de teóricos, e sim um gênero
próprio dentro dos quadrinhos – o que contribuiria para compreender seu grau de elaboração e
o público a que ela se direcionou, por exemplo (CUPERSCHMID, 2011: 77-90).

Considerações finais

O uso de imagens na pesquisa histórica pode contribuir para que uma compreensão
diferenciada do mundo possa ser posta em prática, em contraposição àquilo que Boaventura
Marcelo de Mello Rangel; Mateus Henrique Faria Pereira; Valdei Lopes de Araujo
(orgs). Caderno de resumos & Anais do 6º. Seminário Brasileiro de História da
Historiografia – O giro-linguístico e a historiografia: balanço e perspectivas. Ouro
Preto: EdUFOP, 2012. (ISBN: 978-85-288-0286-3)

de Sousa Santos definiu como “paradigma dominante”, cujas bases epistemológicas sustentar-
se-iam a partir de noções como as de sujeito único, de progresso linear da experiência humana
e de construção do conhecimento a partir da cultura escrita e do modelo científico newtoniano
(Santos, 1995: 10-23; Knauss, 2006: 100). Atentar para as possibilidades que a análise de
imagens pode introduzir na pesquisa histórica é, com isso, percebê-las como portadoras de
sentidos múltiplos, que variam conforme as intenções de seus produtores que, para tal, devem
estabelecem diálogo com o quadro geral da sociedade, de forma a consagrar maior ou menor
sentido às suas produções visuais.
Longe de pretender esgotar o conjunto da bibliografia que se dedicou a analisar os
quadrinhos, concluímos que enfocá-la sob um viés historiográfico pode contribuir para
introduzir novos temas de pesquisa ou lançar novos olhares sobre fontes já trabalhadas. Além
disso, deve servir como estímulo o diálogo que os quadrinhos parecem exigir entre campos de
saber variados. E, nesse sentindo, ressaltar a historicidade dos quadrinhos como prática
cultural e as mediações presentes entre esta e a sociedade devem nortear a pesquisa histórica
que venha a tomar os quadrinhos como objeto de pesquisa.
A partir dos trabalhos de duas pesquisadoras com reconhecidas trajetórias acadêmicas
na área de História logo se constata que os quadrinhos introduzem questões para o historiador
que não se encontram presentes em outras fontes e que cabe à História contribuir para
compreender sua trajetória ao longo do tempo. Ressalto ser preciso, porém, respeitar e
explorar sua linguagem e as reflexões sobre eles previamente realizadas, sem medos ou
receios, mesmo se elas se apresentarem na sociedade “apenas como histórias infantis”, como
afirma Cuperschmid – curiosamente, em defesa dos quadrinhos. Entendê-los como uma
prática cultural que intervêm sobre a sociedade, elabora questões a ela e responde ativamente
a demandas sociais historicamente localizadas é uma exigência que as HQs introduzem aos
historiadores e que cabe ser debatida.

Referências bibliográficas

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imaginárias desenhadas para revista de história em quadrinhos Heavy Metal. Porto Alegre,
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Marcelo de Mello Rangel; Mateus Henrique Faria Pereira; Valdei Lopes de Araujo
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Preto: EdUFOP, 2012. (ISBN: 978-85-288-0286-3)

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