Gerenciamento-de-Recursos-Hidricos Ok
Gerenciamento-de-Recursos-Hidricos Ok
Gerenciamento-de-Recursos-Hidricos Ok
2ª edição
Brasília, 2001
2
Autores:
Arnaldo Augusto Setti – Engenheiro Civil e Sanitarista
Jorge Enoch Furquim Werneck Lima – Engenheiro Agrícola
Adriana Goretti de Miranda Chaves – Engenheira Civil
Isabella de Castro Pereira – Engenheira Química
Coordenador:
Marcos Aurélio Vasconcelos de Freitas – SIH / ANEEL
Capa:
Bayron Valença de Oliveira - SCS / ANEEL
Coordenadação:
Marcos Aurélio Vasconcelos de Freitas – Diretor / ANA
Valdemar Santos Guimarães – SIH / ANA
José Edil Benedito - STC / ANA
Isaque Dy La Fuente Costa – SIH / ANA
Programação Multimídia:
Og Arão Vieira Rubert – SIH / ANA
Albano Henrique
Revisão:
Eliana Nogueira – STC / ANA
CDU XX.XXX.X
3
ORGANIZAÇÃO METEOROLÓGICA MUNDIAL
4
APRESENTAÇÃO
No cenário mundial de eminente escassez dos recursos hídricos, a disseminação dos fatores e
condicionantes para uma gestão participativa e integrada, de acordo com as evoluções conceituais,
organizacionais, tecnológicas e institucionais do gerenciamento de recursos hídricos, constitui quesito
fundamental para um desenvolvimento equilibrado e em consonância com a preservação do meio
ambiente.
A aplicação dos princípios orientadores de gestão das águas deverá ordenar seu uso múltiplo e
possibilitar sua preservação para as futuras gerações, minimizando ou mesmo evitando os problemas
decorrentes da escassez e da poluição dos cursos de água, os quais afetam e comprometem os
diversos usos dos recursos hídricos.
Nesse sentido, a Agência Nacional de Energia Elétrica – Aneel decidiu apresentar, como forma
de contribuição para a sociedade e em conformidade com as suas atribuições estabelecidas na Lei no
9.427, de 26/12/1997, um trabalho que constitui um panorama geral da questão do gerenciamento dos
recursos hídricos no Brasil, destacando a importância do tema e incluindo diretrizes relacionadas à sua
preservação e uso racional.
Como se trata de uma introdução ao tema, esta publicação não tem a pretensão, pois, de
esgotar o assunto, extremamente vasto e em processo constante de aperfeiçoamento de conceitos,
metodologias, modelos utilizados, legislação e propostas de planejamento e execução da gestão de
águas.
5
Manifesto do Chefe Seattle
Em 1855, o Presidente Ulysses Grant, dos Estados Unidos da
América do Norte, propôs ao chefe índio Seattle a compra
das terras comunais de sua nação.
É a resposta do velho chefe ao Grande Chefe de Washington
que remetemos à reflexão.
"Como podeis comprar ou vender o céu, a tepidez do chão ? A idéia não tem sentido para nós.
Se não possuímos o frescor do ar ou o brilho da água, como podeis querer comprá-los ?
Qualquer parte desta terra é sagrada para o meu povo. Qualquer folha de pinheiro, qualquer
praia, a neblina dos bosques sombrios, o brilhante e zumbidor inseto, tudo é sagrado na memória e na
experiência de meu povo. A seiva que percorre o interior das árvores leva em si as memórias do
homem vermelho.
Os mortos do homem branco esquecem a terra de seu nascimento, quando vão pervagar entre
as estrelas. Nossos mortos jamais esquecem esta terra maravilhosa, pois ela é a mãe do homem
vermelho. Somos parte da terra e ela é parte de nós. As flores perfumosas são nossas irmãs; os
gamos, os cavalos, a majestosa águia, todos nossos irmãos. Os picos rochosos, a fragrância dos
bosques, a energia vital do pônei e o homem, tudo pertence a uma só família.
Assim, quando o Grande Chefe em Washington manda dizer que deseja comprar nossas terras,
ele está pedindo muito de nós. O Grande Chefe manda dizer que nos reservará um sítio onde
possamos viver confortavelmente por nós mesmos. Ele será nosso pai e nós seremos seus filhos. Se
é assim, vamos considerar a sua proposta sobre a compra de nossa terra. Mas tal compra não será
fácil, já que esta terra é sagrada para nós.
A límpida água que percorre os regatos e rios não é apenas água, mas o sangue de nossos
ancestrais. Se vos vendermos a terra, tereis de lembrar a vossos filhos que ela é sagrada, e que
qualquer reflexo espectral sobre a superfície dos lagos evoca eventos e fases da vida de meu povo. O
marulhar das águas é a voz dos nossos ancestrais.
Os rios são nossos irmãos, eles nos saciam a sede. Levam as nossas canoas e alimentam
nossas crianças. Se vendermos nossa terra a vós, deveis vos lembrar e ensinar a vossas crianças que
os rios são nossos irmãos, vossos irmãos também, e deveis a partir de então dispensar aos rios a
mesma espécie de afeição que dispensais a um irmão.
Nós sabemos que o homem branco não entende nosso modo de ser. Para ele um pedaço de
terra não se distingue de outro qualquer, pois é um estranho que vem de noite e rouba da terra tudo de
que precisa. A terra não é sua irmã, mas sua inimiga; depois que a submete a si, que a conquista, ele
vai embora, à procura de outro lugar. Deixa atrás de si a sepultura de seus pais e não se importa. A
cova de seus pais é a herança de seus filhos, ele os esquece. Trata a sua mãe, a terra, e a seu irmão,
o céu, como coisas a serem compradas ou roubadas, como se fossem peles de carneiro ou brilhantes
contas sem valor. Seu apetite vai exaurir a terra, deixando atrás de si só desertos.
Isso eu não compreendo. Nosso modo de ser é completamente diferente do vosso. A visão de
vossas cidades faz doer aos olhos do homem vermelho. Talvez seja porque o homem vermelho é um
selvagem e como tal nada possa compreender.
Nas cidades do homem branco não há um só lugar onde haja silêncio, paz. Um só lugar onde
ouvir o farfalhar das folhas na primavera, o zunir das asas de um inseto. Talvez seja porque sou um
selvagem e não possa compreender.
6
O barulho serve apenas para insultar os ouvidos. E que vida é essa onde o homem não pode
ouvir o pio solitário da coruja ou o coaxar das rãs à margem dos charcos à noite? O índio prefere o
suave sussurrar do vento esfrolando a superfície das águas do lago, ou a fragrância da brisa, purificada
pela chuva do meio-dia ou aromatizada pelo perfume das pinhas.
O ar é precioso para o homem vermelho, pois dele todos se alimentam. Os animais, as árvores,
o homem, todos respiram o mesmo ar. O homem branco parece não se importar com o ar que respira.
Como um cadáver em decomposição, ele é insensível ao mau cheiro. Mas se vos vendermos nossa
terra, deveis vos lembrar que o ar é precioso para nós, que o ar insufla seu espírito em todas as coisas
que dele vivem. O ar que nossos avós inspiraram ao primeiro vagido foi o mesmo que lhes recebeu o
último suspiro.
Se vendermos nossa terra a vós, deveis conservá-la à parte, como sagrada, como um lugar
onde mesmo um homem branco possa ir sorver a brisa aromatizada pelas flores dos bosques. Assim
consideraremos vossa proposta de comprar nossa terra. Se nos decidirmos a aceitá-la, farei uma
condição: o homem branco terá que tratar os animais desta terra como se fossem seus irmãos.
Sou selvagem e não compreendo outro modo. Tenho visto milhares de búfalos a apodrecerem
nas pradarias, deixados pelo homem branco que neles atira de um trem em movimento. Sou um
selvagem e não compreendo como o fumegante cavalo de ferro possa ser mais importante que o
búfalo, que nós caçamos apenas para nos mantermos vivos.
Que será do homem sem os animais? Se todos os animais desaparecessem, o homem morreria
de solidão espiritual. Porque tudo isso pode, cada vez mais, afetar os homens. Tudo está
encaminhado.
Deveis ensinar a vossos filhos que o chão onde pisam simboliza as cinzas de nossos ancestrais.
Para que eles respeitem a terra, ensinai a eles que ela é rica pela vida dos seres de todas as espécies.
Ensinai a eles o que ensinamos aos nossos: que a terra é a nossa mãe. Quando o homem cospe
sobre a terra, está cuspindo sobre si mesmo.
De uma coisa temos certeza: a terra não pertence ao homem branco; o homem branco é que
pertence à terra. Disso temos certeza. Todas as coisas estão relacionadas como o sangue que une
uma família. Tudo está associado. O que fere a terra fere também os filhos da terra. O homem não
tece a teia da vida: é antes um de seus fios. O que quer que faça a essa teia, faz a si próprio.
Mesmo o homem branco, a quem Deus acompanha, e com quem conversa como amigo, não
pode fugir a esse destino comum. Talvez, apesar de tudo, sejamos todos irmãos. Nós o veremos. De
uma coisa sabemos – e que talvez o homem branco venha a descobrir um dia: nosso Deus é o mesmo
Deus.
Podeis pensar hoje que somente vós o possuís, como desejais possuir a terra, mas não podeis,
Ele é o Deus do homem e sua compaixão é igual tanto para o homem branco, quanto para o homem
vermelho. Esta terra é querida d'Ele, e ofender a terra é insultar o seu Criador. Os brancos também
passarão; talvez mais cedo do que todas as outras tribos. Contaminai a vossa cama, e vos sufocarei
numa noite no meio de vossos próprios excrementos. Mas no vosso parecer, brilhareis alto, iluminados
pela força do Deus que vos trouxe a esta terra e por algum favor especial vos outorgou domínio sobre
ela e sobre o homem vermelho.
Este destino é um mistério para nós, pois não compreendemos como será no dia em que o
último búfalo for dizimado, os cavalos selvagens domesticados, os secretos recantos das florestas
invadidos pelo odor do suor de muitos homens e a visão das brilhantes colinas bloqueada por fios
falantes. Onde está o matagal? Desapareceu. Onde está a águia? Desapareceu. O fim do viver e o
início do sobreviver."
7
ÍNDICE
1. Introdução
2. Meio ambiente
2.1 O conceito de meio ambiente
2.2 O sistema meio ambiente
2.3 Cultura e meio ambiente
2.4 Recursos ambientais renováveis e não renováveis
2.5 Exemplos de sistemas de meio ambiente
3. Recursos hídricos
3.1 Uso, controle e gestão dos recursos hídricos
3.1.1 Usos consuntivos
3.1.2 Usos não consuntivos
3.1.3 Controle dos recursos hídricos
3.1.4 Gestão dos recursos hídricos
3.2 Recursos hídricos no Brasil e no mundo
3.2.1 Recursos hídricos no mundo
3.2.2 Recursos hídricos no Brasil
8
8. Aspectos operacionais do gerenciamento de recursos hídricos
8.1 Planejamento
8.2 Inventários e balanços de recursos e necessidades de água
8.2.1 Inventário de recursos hídricos
8.2.2 Inventário de necessidades de água
8.2.3 Balanço de recursos e necessidades de água
8.3 Elaboração, regulamentação e aplicação de leis
8.4 Elaboração de projetos e execução e exploração de obras
8.5 Incentivos de natureza econômica e gestão financeira
8.6 Formação de pessoal
8.7 Pesquisa científica
8.8 Informação
8.9 Cooperação Internacional
Bibliografia
ANEXOS
- Lei no 9.433 de 08/01/1997
- Lei no 9.984 de 17/07/2000
- Decreto no 3.692, de 19/12/2000.
9
1. INTRODUÇÃO
O Brasil possui situação privilegiada em relação à sua disponibilidade hídrica, porém, cerca de
70% da água doce do país encontra-se na região amazônica, que é habitada por menos de 5% da
população. A idéia de abundância serviu durante muito tempo como suporte à cultura do desperdício
da água disponível, à sua pouca valorização como recurso e ao adiamento dos investimentos
necessários à otimização de seu uso.
Em função dos problemas relativos à falta de um adequado sistema de gestão da água, cada
vez mais evidentes, o setor de recursos hídricos vem ganhando importância e interesse por parte da
sociedade brasileira. Esse fato pode ser observado não somente pelas discussões na esfera
governamental, mas também pela própria imprensa, que tem abordado o tema com freqüência.
Desde a década de 30, o Brasil dispõe do Código de Águas – Decreto no 24.643, de 10 de julho
de 1934. Entretanto, em vista do aumento das demandas e de mudanças institucionais, tal
ordenamento jurídico não foi capaz de incorporar meios para combater o desequilíbrio hídrico e os
conflitos de uso, tampouco de promover meios adequados para uma gestão descentralizada e
participativa, exigências dos dias de hoje.
Para preencher essa lacuna, foram sancionadas a Lei no 9.433, de 08 de janeiro de 1997, que
instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos e estabeleceu o Sistema Nacional de Gerenciamento
de Recursos Hídricos, e a Lei no 9.984, de 17 de julho de 2000, que criou a Agência Nacional de Águas
– ANA, entidade federal encarregada da implementação dessa Política e da coordenação desse
Sistema.
10
O trabalho foi baseado em extensa pesquisa, constituindo-se, em parte, de trechos de obras de
renomados autores da área de recursos hídricos, inseridos no texto em conformidade com o artigo 46,
incisos I e VIII da Lei no 9.610, de 19/02/1998, e organizados numa seqüência tal que o resultado final
apresentasse um amplo enfoque a respeito da questão do gerenciamento dos recursos hídricos.
Espera-se, assim, que este material possa contribuir para a evolução do entendimento desse tema,
reconhecidamente atual e de grande importância para o futuro do país.
11
2. MEIO AMBIENTE
Os estudos prosseguiram, mais tarde, com Forel, na Suíça, em 1892; Warmins, na Dinamarca,
em 1896, e com os norte-americanos Birge, Schimper, Cowles e Clements, entre 1891 e 1905, dando
base à nova ciência.
Em sentido literal, a ecologia é o estudo dos organismos “em suas casas”. A ecologia é definida,
usualmente, como o estudo das relações dos organismos ou grupos de organismos e o seu meio
ambiente, ou a ciência das inter-relações entre os organismos com o seu meio ambiente. Uma vez que
a ecologia se ocupa, principalmente, da biologia de grupos de organismos e de processos funcionais
na terra, no mar e na água doce, pode ser definida como o estudo da estrutura e do funcionamento da
natureza, considerando a humanidade como parte dela.
A Lei nº 6.938, de 31/08/81, que dispõe sobre a Política Nacional de Meio Ambiente, seus fins,
mecanismos de formulação e sua aplicação no Brasil, define meio ambiente como:
“conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que
permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”.
O conceito de dimensão ambiental foi desenvolvido e apresentado pelas Nações Unidas e seu
alcance pode ser verificado na seguinte definição:
A dimensão ambiental é o conjunto de interação dos processos sociais com os naturais, dentro
dos quais os de produção e consumo são muito importantes no planejamento do
desenvolvimento.
1
CEPAL: Comissão Econômica para a América Latina
2 PNUMA: Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
12
A dimensão ambiental é uma dimensão global dentro da qual se condicionam e relacionam os
processos sociais e econômicos. Portanto, é necessário que o tratamento de todas as
dimensões seja inter-relacionado integralmente.”“.
Considerando o meio ambiente humano como o entorno biofísico que contém a sociedade
humana, poderemos estabelecer um grande sistema integral dividido em dois subsistemas principais: o
subsistema natural, não antrópico, e o subsistema sócio-econômico.
Os processos existentes entre ambos os sistemas podem originar outros processos dentro do
mesmo subsistema. Um processo como a agricultura, por exemplo, pode gerar a extinção de espécies
no subsistema natural e, ao mesmo tempo, provocar mudança demográfica no sistema social.
13
A existência dessas cadeias de processos sociais, econômicos e naturais ilustra a complexidade
do problema ambiental.
Os processos chamados naturais não podem ser analisados sem a devida consideração das
atividades antrópicas.
Na atualidade, não se pode considerar na Terra como um ecossistema não antrópico, pois
mesmo os oceanos e a atmosfera sofrem os efeitos das atividades humanas.
Subsistema
natural não Energia Água Ar Minerais Solos Plantas Animais Animais Fungos e
antrópico Verdes herbívoros carnívoros bactérias
Subsistema
Produtores Conhecedores Consumidores
Sócio - econômico
Comunicadores
Ordenadores
Administradores
Distribuidores
Fluxo de Informação
Fluxo de energia e materiais
Figura 2.1 – Esquema funcional de um sistema integral do meio ambiente humano (adaptado de
Carrizosa, 1982).
14
As atitudes do homem em relação à terra e ao meio ambiente têm variado através do tempo,
entre regiões e culturas. O homem primitivo, com alguns povos remanescentes no século XX, temia e
respeitava a natureza, por considerá-la sinônimo de Deus. No mundo atual, as abordagens sobre o
meio ambiente têm uma grande variação, desde a exploração máxima, onde o foco encontra-se no
retorno econômico, até a visão completamente preservacionista dos mais extremados ecologistas.
A cultura influencia fortemente a maneira como o homem ocidental encara o seu meio ambiente.
Isso deriva, em parte, da idéia cristão-judaica segundo a qual o homem, unicamente, foi a criatura feita
à imagem e semelhança de Deus, tendo o direito de dominar o mundo. A noção de um mundo
destinado ao benefício do homem foi igualmente enunciada pelos gregos na antigüidade, pois,
segundo Aristóteles (350 A. C), “as plantas foram criadas por causa dos animais e os animais por
causa do homem”.
A idéia central do homem como “guardião” do mundo e da natureza também se faz presente no
pensamento pré-cristão. Tal falta de ligação entre o homem e a natureza aparece também, em grau
mais limitado, no islamismo e no judaísmo. O cristianismo, talvez como reação aos cultos pagãos da
fertilidade da terra, separa o homem do resto da criação.
Os índios dos Estados Unidos, entretanto, viam na natureza virgem símbolos diretos do mundo
espiritual, o que também caracteriza um desenvolvimento cultural influenciado pelas religiões orientais.
A unidade do homem e da natureza está implícita no budismo do sudeste da Ásia, no taoísmo chinês e
no xistoísmo nipônico. Na antiga China, determinados aspectos da terra eram considerados
manifestações do ser cósmico: as montanhas eram o corpo, as rochas os ossos, a água era o sangue
e as nuvens a respiração. Por outro lado, a noção budista do máximo de felicidade com o mínimo de
consumo contrasta com o pensamento ocidental que equipara o aumento de consumo com o “viver
melhor”.
Alterações prejudiciais ao meio ambiente resultantes das atividades humanas acabaram por
gerar o conceito de ecologia, no qual o homem não passa de um componente do ecossistema
planetário.
A Lei nº 6.938, de 31/08/81, que dispõe sobre a política nacional do meio ambiente explicitou os
seguintes conceitos:
15
A Resolução CONAMA nº 001, de 23/01/86, definiu Impacto Ambiental como qualquer
alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por qualquer
forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetam:
Como exemplo, podemos citar o petróleo, que é considerado um bem não renovável, porque o
tempo de sua formação é contado em milhares de anos, sendo seu consumo previsto para alguns
séculos. O urânio também é não renovável, embora não se possa prever que a energia atômica passe
ao domínio de tantos países que esse elemento venha a ser exaurível.
Uma floresta é um recurso renovável, podendo tornar-se exaurível se, no processo de sua
exploração, forem destruídas as condições de sua reconstituição, naturalmente ou pela ação do
homem.
São apresentados a seguir, exemplos do sistema de meio ambiente em que o foco é centrado
nos processos existentes entre o subsistema natural não antrópico e o sistema sócio-econômico na
área de recursos hídricos. Estudos de casos em algumas regiões do mundo são apresentados de
forma a proporcionar uma visão global da aplicabilidade do conceito de sistema de meio ambiente
exposto neste trabalho.
16
O objetivo do projeto de pesquisa foi o Sistema Nam Pong, situado no nordeste da Tailândia,
que cobre uma área de 12.000 km2 e consiste de:
A barragem foi construída de 1963 a 1966 e criou um lago de 500 km2. Os propósitos do Sistema
Nam Pong eram os de gerar energia elétrica e permitir a irrigação de uma área de 500 km2, durante
todo o ano (UNESCO, 1984).
A conceituação adotada para o projeto foi baseada no princípio de que o sistema consiste na
interação de unidade da natureza física, química e biológica, incluindo impactos oriundos do
gerenciamento realizado pelo homem.
O sistema pode também ser definido como um ecossistema humano, o qual é caracterizado por
realimentação direta.
As realimentações positivas podem ocorrer diretamente no meio ambiente, como por exemplo,
com o aumento da viabilidade de recursos e desenvolvimento de novos recursos, ou por interação de
fatores, como por exemplo, com o aumento da capacitação da população. As realimentações negativas
são sentidas no meio ambiente, por exemplo, com a deterioração dos recursos, resultado do uso de
técnicas não apropriadas, da degradação do meio ambiente devido aos resíduos de atividades
humanas, da proliferação de doenças e outros.
17
vice-versa, mantendo como foco o desenvolvimento a partir do uso dos recursos hídricos
para a geração de eletricidade, irrigação, pesca e recreação.
De modo a obter dados para a elucidação dos aspectos fundamentais acima referidos, seis
grupos de pesquisa foram selecionados:
- estudos hidrológicos3;
- estudos limnológicos4;
- estudos sobre pesca: criação, produção e produtividade;
- estudos do solo e de seu uso;
- estudos sócio-econômicos e;
- estudos sobre saúde.
Resultados
Após dois anos de trabalho desenvolvidos por especialistas tailandeses, foram obtidos
resultados específicos de cada grupo de pesquisa. Esses resultados, integrados, apresentaram:
Foi detectada pelos especialistas tailandeses uma desarmonia entre o uso econômico e o
potencial ambiental advindo das falhas de planejamento e gerenciamento, além da falta de condições
oferecidas pelo Sistema Nam Pong para que a população recebesse treinamento e pudesse utilizar seu
potencial através da otimização da utilização dos instrumentos técnicos disponíveis.
No que diz respeito à saúde, o descompasso ocorreu devido à falta de educação escolar e de
saúde da população, causada pela falta de assistência das instituições públicas.
Como a população local não participou da instalação do Sistema Nam Pong, não foi possível a
devida avaliação dos efeitos do Projeto. Esforços devem ser desenvolvidos no sistema educacional
para que o mesmo se enquadre às novas demandas da população.
3
Estudos Hidrológicos: estudos que permitem conhecer a quantidade de água de um ecossistema e seu comportamento;
4 Estudos limnológicos: estudos da águas dos lagos;
18
O governo deve dar condições para que a população tenha acesso à educação ambiental, na
qual o indivíduo e a comunidade tomam consciência do que representa o meio ambiente e, além disso,
adquirem conhecimentos, valores, habilidades e experiências que os tornem aptos a agir – individual
ou coletivamente – e a resolver problemas ambientais presentes e futuros (DIED/IBAMA, 1993).
A situação, à época dessa avaliação, foi mais negativa do que positiva. Entretanto, o potencial
existente indicou possibilidades de melhorias.
Além da redução da taxa de desmatamento, foi proposto que esforços futuros deveriam ser
direcionados para a educação da população nos seguintes sentidos:
Observações Finais
O Sistema Nam Pong pode ser caracterizado como um projeto executado em escritórios, sob a
estrutura burocrática do governo, sem a devida consideração da cultura local e sem proporcionar
nenhum envolvimento da população para o seu sucesso. Agindo dessa forma, os responsáveis
correrão grande risco de insucesso.
19
CHINA
MYANMAR
LAO PDR
PAMONG
THAILAND
NAM PONG
CAMBODIA
O Objetivo do Sistema
20
O projeto de aproveitamento do Rio Cauca, que originou o sistema do Rio Cauca, tem como
objetivo principal evitar inundações provocadas pelo seu transbordamento em enchentes de freqüência
de 1 (uma) vez cada 30 (trinta) anos. A superfície de terra beneficiada tem uma extensão de 131.700
hectares, é composta de 68.900 hectares que são afetados diretamente pelas inundações e 62.800
hectares que sofrem limitações em sua drenagem. O benefício adicional consiste em não sofrer as
perdas causadas pela inundação, além de buscar maior produtividade agropecuária com a melhoria da
qualidade do solo, fixando um sistema de drenagem apropriado, contendo o avanço da salinização
(CVC, 1984).
A Solução Proposta
A solução ótima proposta foi aquela que atingia os objetivos almejados, dentro do mínimo custo.
O sistema foi dividido em 2 (duas) partes quanto às obras hidráulicas, conforme apresentado a
seguir:
Resultados
a) Aspectos econômicos
- Permitiu a estabilização agrícola no Vale do Rio Cauca e a sua evolução, conforme mostra
o Quadro 2.1
- Acabou com os prejuízos devido às inundações;
- Estabeleceu o fornecimento de 270.000 kW, com geração média de 1.050 milhões de kWh-
ano;
- Permitiu, devido à regularização de vazão do Rio Cauca, o desvio de 80m3/s a 165m3/s de
água, de acordo com a estação do ano, para a Bacia Hidrográfica do Rio Calina, dando a
esse rio condições de viabilizar a produção de energia elétrica nas barragens de Calina III e
Calina IV;
- Melhorou as condições de navegação e recreação.
21
Quadro 2.1 – Evolução da área plantada na região do Rio Cauca (CVC, 1984)
b) Aspectos sociais
- Contribuiu para a fixação da população no meio rural, mantendo sua cultura e melhorando
sua condição de vida.
c) Aspectos políticos
- A longa luta para viabilizar o Sistema do Rio Cauca, de 1943 a 1984, mostrou que a
população local, quando organizada, pode vencer seus obstáculos para uma melhor
condição de vida;
- O estabelecimento da “Corporación Autónoma Regional Del Vale Del Cauca – CVC”, que
coordena o desenvolvimento do Vale do Rio Cauca, institucionalizando as necessárias
capacidades técnicas, organizacionais, financeiras e administrativas, age de forma racional e
eficaz para a estabilização do Sistema do Rio Cauca.
Observações Finais
O Sistema do Rio Cauca, devido à sua grande maturação e à sua origem regional, com o
engajamento da população, é um exemplo de caso de sucesso, que traz os benefícios esperados.
22
Figura 2.3 - Região do sistema do Rio Cauca, Colômbia (IHE/DELFT, 1993).
A bacia do Rio Ribeira do Iguape situa-se entre as latitudes 23º30’ e 25º30’ Sul e longitudes
46º50’ e 50º00’ Oeste, e abrange uma área de 24.980 km2, dos quais 61% pertencem ao Estado de
23
São Paulo e 39% ao Estado do Paraná. Apresenta uma conformação alongada no sentido SO-NE,
quase paralela à orla marítima, confrontando-se com as bacias dos rios Tietê ao norte, Paranapanema
a oeste, Iguaçu ao sul, e tendo a leste pequenos cursos d’água da vertente atlântica.
Situada entre as regiões metropolitanas de São Paulo e Curitiba, das quais incorpora parcelas, a
bacia abriga apenas cidades de pequeno porte, com destaque para Registro, Iguape, Apiaí, Juquitiba,
na parte paulista, e Rio Branco do Sul, na paranaense.
As condições da saúde pública no vale do Ribeira são reflexos nítidos da baixa qualidade de vida
de sua população, das relações de produção desfavoráveis, da fragilidade da base econômica e da
precariedade das infra-estruturas, apresentando deficiências nos sistemas públicos de esgoto, bem
como carência de assistência médica e sanitária, principalmente nas áreas rurais.
Tem-se verificado a expansão de endemias transmitidas por morcegos, doença de Chagas, além
da malária e da esquistossomose, comuns da região. Além disso, os dados de mortalidade infantil e
desnutrição são os maiores dos respectivos Estados.
A deficiência do ensino público pode ser avaliada pela taxa de analfabetismo que, em 1980, de
acordo com critérios do IBGE, era de 43% na porção paulista, quando essa taxa para todo Estado de
São Paulo era de 18%. No lado paranaense, essa análise é prejudicada pelo fato de que a maioria das
sedes municipais está fora da bacia.
A estrutura fundiária notabiliza-se por grandes propriedades que ocupam boa parte de área total,
o que pode ser visualizado no Quadro 2.2. As questões de posse da terra e a falta de títulos
regularizados são outros fatores de limitação ao aproveitamento racional das terras agrícolas e ao
planejamento do uso do solo.
Grandes propriedades
Áreas ocupadas (% da área
Município (% do número total de
total do Município)
estabelecimentos do Município)
Estado de São Paulo
Apiaí 1 34
Eldorado 2 47
Iguape 3 51
Jacupiranga 2 47
Pedro de Toledo 1 43
Tapiraí 3 70
Estado da Paraná
Adrianópolis 5 55
Bocaiúva do Sul 1 33
Campina Grande do Sul 3 52
Cerro Azul 2 31
Rio Branco do Sul 2 44
24
Atividades econômicas
A bacia do Ribeira do Iguape constitui uma das regiões de menor desenvolvimento econômico,
tanto em relação ao Estado de São Paulo como ao Estado do Paraná; sua economia se baseia,
principalmente, na agricultura e na pecuária, e apresenta ainda atividade na extração mineral. De modo
geral, a agropecuária utiliza-se de tecnologia pouco desenvolvida, com baixo rendimento, ressentindo-
se das limitações dos fatores solo, topografia e inundações, além dos já aludidos aspectos fundiários.
Quadro 2.3 -Bacia Hidrográfica do Rio Ribeira do Iguape – Economia (DNAEE, 1985).
Com relação à utilização da turfa5, estima-se que, devido aos problemas tecnológicos para sua
exploração, somente representará uma opção economicamente viável a médio e longo prazo. Deve-se
também salientar que, em conseqüência do regime jurídico que normatiza a expedição de licença de
pesquisas minerais, restrições são criadas ao aproveitamento das terras para fins agrícolas6.
Ainda como atividade econômica da região, deve-se citar a pesca comercial, principalmente de
camarão, e a ostreicultura, restrita aos municípios de Iguape e Cananéia. Este último, embora situado
externamente à bacia, está fisicamente dentro da sua área de influência, devido à própria configuração
do sistema estuarino-lagunar ali existente.
5
Turfa: Material não consolidado do solo, que consiste, em grande parte, de matéria vegetal levemente decomposta,
acumulada em condições de umidade excessiva.
6 A exploração mineral necessita de autorização do Departamento Nacional de Produção Mineral.
25
No que tange ao turismo, destacam-se as cavernas calcárias da região de Eldorado e Iporanga
(Caverna do Diabo e outras) que, no entanto, ainda não receberam condições para exploração
condizentes com seu potencial.
Quadro 2.4 – Produção mineral da bacia hidrográfica do Rio Ribeira do Iguape – 1980/1981
(DNPM, 1982; In: DNAEE, 1985).
A região que integra o Sistema Lagunar Iguape-Cananéia estende-se por aproximadamente 110
km e abrange uma área de 10.000 ha, composta por lagunas de águas salobras7, várias ilhas, praias e
mangues, tendo como corpo d’água principal o Mar Pequeno.
Com a abertura do canal do Valo Grande, concluído por volta de 1850, com o objetivo de permitir
o acesso direto das embarcações provenientes do Rio Ribeira ao Porto de Iguape e ao Mar Pequeno,
esse sistema passou a ter características estuarino-lagunares. Tendo em vista a recomposição da
condição do sistema lagunar existente antes de 1850, o DAEE-SP promoveu o fechamento do Valo
Grande, concluído em agosto de 1978. A partir de então, novas e importantes transformações vêm
ocorrendo no sistema, tendo sido efetuados diversos estudos que, embora sem permitir o perfeito
conhecimento do seu complexo regime, dão indícios de seu comportamento e apresentam
recomendações sobre pesquisas e levantamentos futuros.
7 Água Salobra: Água imprópria para o consumo humano. Água que contém sais em concentrações menores do que na
água do mar, variando entre 1.000 e 10.000 mg/1 (UNESCO, 1984).
8
Metais Pesados: Metais que, se ingeridos, acumulam-se no organismo.
26
Por outro lado, a exploração mineral no vale do Ribeira poderá assumir papel relevante no
desenvolvimento regional, sendo ainda as grandes empresas de mineração usuárias potenciais de
hidreletricidade das usinas planejadas para a região.
Resultados
O Sistema do Rio Ribeira do Iguape pode dar início a um processo de desenvolvimento regional
de uma região particularmente subdesenvolvida e deve ser feito de forma harmoniosa, com a proteção
e conservação do meio ambiente.
Entretando, para elaboração desse plano, onde as questões ambientais relativas ao sistema
lagunar Iguape-Cananéia devem ser abordadas com especial atenção, são fundamentais os
levantamentos de dados básicos, entre outros, os das regiões do Baixo Ribeira e do Mar Pequeno, e a
realização de estudos que melhor definam, por exemplo:
No Quadro 2.5 estão sintetizados os principais projetos e obras do Sistema do Rio Iguape, as
mútuas interferências e as possíveis soluções para saná-las.
27
Quadro 2.5 – Interferência de projetos e obras na bacia hidrográfica do Rio Ribeira do Iguape
(DNAEE, 1985).
Observações Finais
O Sistema do Rio Ribeira do Iguape foi citado como exemplo devido ao seguinte:
a) Aspectos econômicos
A área do sistema constitui grande potencial econômico para produção de energia elétrica,
agricultura, mineração, lazer, turismo, pesquisa científica, ostreicultura, pesca comercial e
abastecimento de água para São Paulo.
28
b) Aspectos sociais
A área compreende um bolsão de pobreza entre dois grandes pólos econômicos – São Paulo e
Curitiba – com inexplicável esquecimento por parte dos Governos Federal e, principalmente, Estaduais.
As condições de saúde e de saneamento, aliadas à falta de ensino, são fatores negativos para o
desenvolvimento da população e para que a mesma possa exercer a cidadania e desenvolver a região.
c) Aspectos políticos
A utilização de energia elétrica para fins públicos e privados, bem como a discussão sobre a
validade de se transpor a água de uma Bacia Hidrográfica para outra – a chamada reversão – com a
“importação” e “exportação” permanente de água, com vantagens para uma população e desvantagens
para outra, pois água é riqueza.
d) Aspectos ecológicos
As complexas condições de qualidade de água, a interação da água doce com o sistema lagunar
e os requisitos para os diversos usos merecem atenção especial.
A complexa diversidade de interferências mostradas no Quadro 2.5 leva a uma reflexão sobre a
priorização dos usos da água, quem deve decidir sobre tal prioridade e como a população deve
participar, dentro de uma visão ecológica ampla.
e) Aspectos tecnológicos
A presença de “Pôlderes” mostra ao leitor uma interessante tecnologia utilizada para agricultura
em áreas alagadiças, pouco utilizada no Brasil.
f) Aspectos administrativos
29
A diversidade de planos mostra a falta de coordenação administrativa e de diretrizes por parte
dos Governos Federal e Estaduais.
Figura 2.4 – Plano de aproveitamento hidrelétrico do Rio Ribeira do Iguape (DNAEE, 1985).
30
3. RECURSOS HÍDRICOS
Neste capítulo se verá que, dada a sua utilidade, a água é considerada um recurso finito,
escasso e de valor econômico. É um recurso tão importante que define o desenvolvimento que uma
região, país ou sociedade pode alcançar.
Uma análise completa de uma água natural indicaria a presença de mais de cinqüenta
constituintes nela dissolvidos ou em suspensão. Esses elementos, em geral, são sólidos dissolvidos
ionizados, gases, compostos orgânicos, matéria em suspensão, incluindo microorganismos e material
coloidal.
Durante o ciclo hidrológico, a água sofre alterações em sua qualidade. Isso ocorre nas condições
naturais, em razão das inter-relações dos componentes do sistema de meio ambiente, quando os
recursos hídricos são influenciados devido ao uso para suprimento das demandas dos núcleos
urbanos, das indústrias, da agricultura e das alterações do solo, urbano e rural.
A água pode servir, ainda, de veículo para a transmissão de doenças, principalmente quando
recebe lançamento de esgotos sanitários não tratados, constituindo sério risco à saúde pública.
O lançamento de resíduos sólidos e detritos é fator de poluição e obstrução dos corpos de água.
A erosão do solo urbano e rural e o assoreamento dos cursos de água são fatos extremamente
danosos.
Essencial à vida, a água constitui elemento necessário para quase todas as atividades humanas,
sendo, ainda, componente da paisagem e do meio ambiente. Trata-se de bem precioso, de valor
inestimável, que deve ser, a qualquer custo, conservado e protegido. Presta-se para múltiplos usos:
geração de energia elétrica, abastecimento doméstico e industrial, irrigação de culturas agrícolas,
31
navegação, recreação, aqüicultura, piscicultura, pesca e também para assimilação e afastamento de
esgotos.
Quando há abundância de água, ela pode ser tratada como bem livre, sem valor econômico.
Com o crescimento da demanda, começam a surgir conflitos entre usos e usuários da água, a qual
passa a ser escassa e, então, precisa ser gerida como bem econômico, devendo ser-lhe atribuído o
justo valor. Essa escassez também pode decorrer devido aspectos qualitativos, quando a poluição
afeta de tal forma a qualidade da água que os valores excedem os padrões admissíveis para
determinados usos.
Os setores usuários das águas são os mais diversos, com aplicação para inúmeros fins. A
utilização pode ter caráter consultivo, ocorrendo quando a água é captada do seu curso natural e
somente parte dela retorna ao curso normal do rio, ou não consultivo, onde toda a água captada
retorna ao curso d’água de origem.
Cada uso da água deve ter normas próprias, mas são necessárias normas gerais que
regulamentem as suas inter-relações e estabeleçam prioridades e regras para a solução dos conflitos
entre os usuários.
O Quadro 3.1, a seguir, apresenta uma classificação sistemática dos usos da água, explicitando
algumas características (Barth, 1987):
Situação específica ocorre quando da reversão de águas de bacias hidrográficas. Para a bacia
da qual é captada a água, tudo se passa como se o uso consultivo fosse de 100%, enquanto a bacia
que recebe as águas revertidas tem acréscimo artificial do seu potencial hídrico.
32
Quadro 3.1 – Usos da água (adaptado de Barth, 1987)
Requisitos de
Forma Finalidade Tipo de Uso Uso Consultivo Efeitos nas águas
qualidade
Com Abastecimento Abastecimento Baixo, de 10%, Altos ou Poluição orgânica
derivação de urbano doméstico industrial sem contar as médios, e bacteriológica
águas comercial e público perdas nas influindo no
redes custo do
tratamento
Abastecimento Sanitário, de Médio, de 20%, Médios, Poluição
industrial processo, variando com o variando com o orgânica,
incorporação ao tipo de uso e de tipo de uso substâncias
produto, indústria tóxicas, elevação
refrigeração e de temperatura
geração de vapor
Irrigação Irrigação artificial Alto, de 90% Médios, Carreamento de
de culturas dependendo do agrotóxicos e
agrícolas segundo tipo de cultura fertilizantes
diversos métodos
Abastecimento Doméstico ou para Baixo, de 10% Médios Alterações na
dessedentação de qualidade com
animais10 efeitos difusos
Aqüicultura Estações de Baixo, de 10% Altos Carreamento de
piscicultura e outras matéria orgânica
Sem Geração Acionamento de Perdas por Baixos Alterações no
derivação de Hidrelétrica turbinas hidráulicas evaporação do regime e na
águas reservatório qualidade das
águas
Navegação Manutenção de Não há Baixos Lançamento de
fluvial calados mínimos e óleo e
eclusas combustíveis
Recreação, Natação e outros Lazer Altos, Não há
lazer e esportes com contemplativo especialmente
harmonia contato direto, recreação de
paisagística como iatismo e contato primário
motonáutica
Pesca Com fins Não há Altos, nos Alterações na
comerciais de corpos de água, qualidade após
espécies naturais correntes, lagos, mortandade de
ou introduzidas ou reservatórios peixes
através de artificiais
estações de
piscicultura
Assimilação de Diluição, Não há Não há Poluições
esgotos autodepuração e orgânicas, físicas,
transporte de químicas e
esgotos urbanos e bacteriológicas
industriais
Usos de Vazões para Não há Médios Melhoria da
preservação assegurar o qualidade da
equilíbrio ecológico água
10
Dessedentação de animais: destinada ao uso por animais.
33
3.1.1 Usos consultivos
Os usos conjuntivos de água, nos quais há perdas entre o que é derivado e o que retorna ao
curso natural, devem ser considerados para a elaboração do balanço entre a disponibilidade e a
demanda.
a) Abastecimento de água
Todos os usos gerados em cidades, vilas e pequenos núcleos urbanos, para fins de
abastecimento doméstico, comercial, público e industrial, são considerados usos urbanos. A demanda
urbana de água é constituída pela demanda doméstica, acrescida de outras, praticamente inseparáveis
desta, visto que se referem às atividades que dão origem ao núcleo urbano: indústria, comércio,
prestação de serviços públicos e privados.
Outros usos, como a dessedentação de animais, poderão ser de importância em regiões semi-
áridas, embora bem menores do que as demandas para irrigação.
Quadro 3.2 - Valores máximos permissíveis (VMP) das características físicas, organolépticas e
químicas da água potável (Ministério da Saúde, Portaria nº 36, de 19 de janeiro de
1990).
Características VMP
I – Físicas e Organolépticas
Cor aparente 5 mg Pt/Co
Odor Não objetável
Sabor Não objetável
Turbidez 1 NTU
II – Químicas:
a) Componentes Inorgânicos que Afetam a Saúde
Arsênio 0,05
Bário 1,0
Cádmio 0,005
Chumbo 0,05
Cianetos 0,1
Cromo Total 0,05
Mercúrio 0,001
Nitratos 10
34
Prata 0,05
Selênio 0,01
b) Componentes Orgânicos que Afetam a Saúde:
Aldrin e Dieldrin 0,03
Benzeno 10
Benzo-a-pireno 0,01
Clordano (Total de Isômeros) 0,3
DDT (p-p’DDT; o-p’DDT; p-p’DDE; o-p’DDE 1
Endrin 0,2
Heptacloro e Heptacloro epóxido 0,1
Hexaclorobenzeno 0,01
Lindano (Gama HCH) 3
Metoxicloro 30
Pentaclorofenol 10
Tetracloreto de Carbono 3
Tetracloroeteno 10
Toxafeno 5,0
Tricloroeteno 30
Trihalometanos 100
1,1Dicloroeteno 0,3
1,2 Dicloroetano 10
2,4,6 Triclorofenol 10
c) Componentes que afetam a Qualidade Organoléptica:
Alumínio 0,2
Agentes Tensoativos (Reagentes ao azul de metileno) 0,2
Cloretos 250
Cobre 1,0
Dureza Total 500
Ferro Total 0,3
Manganês 0,1
Sólidos Totais Dissolvidos 1000
Sulfatos 400
Zinco 5
35
As doenças relacionadas à água e que afetam a saúde do homem são muito comuns nas áreas
rurais dos países em desenvolvimento. A incidência dessas doenças depende do clima, da geografia,
da cultura, dos hábitos sanitários e, certamente, da quantidade e qualidade da água utilizada no
abastecimento local, além dos métodos de tratamento e deposição de seus dejetos.
As mudanças que ocorrem nos sistemas de abastecimento de água podem afetar diversos
grupos de doenças, de diferentes modos: um grupo pode depender das alterações na qualidade da
água, outro da disponibilidade de água, e outro, dos efeitos indiretos da água estagnada. Por exemplo,
a instalação de um sistema de abastecimento de água potável em uma dada comunidade tropical pode
proteger as pessoas de doenças como cólera, esquistossomose, doenças de pele e diarréias
resultantes da falta de higiene pessoal, e de febres disseminadas por mosquitos que têm a água
parada como seu habitat.
Algumas das importantes doenças infecciosas relacionadas com a água estão resumidas no
Quadro 3.4. Elas são agrupadas em cinco categorias gerais que ajudam a prever os prováveis efeitos
das mudanças verificadas no abastecimento de água para a saúde do homem. É de se notar que
esses grupos não são necessariamente mutuamente exclusivos e que não foi possível delimitar com
precisão em qual das duas primeiras categorias vários tipos de diarréia melhor se encaixariam. Dos
cinco grupos, quatro são diretamente relacionados à água, ao passo que o quinto é determinado,
principalmente, pela adequação da disposição de dejetos.
36
Doenças associadas à água Esquistossomose U P
urinária
Esquistossomose F P
retal
Dracunculose C O
Doenças cujos vetores se Febre amarela B B mosquito
relacionam com a água Dengue e febre b B mosquito
hemorrágica por
dengue
Febre do oeste do B B mosquito
Nilo e do Vale do Rift
Encefalite por B B mosquito
arbovirus
Filiarose Bancroft B B mosquito
Doenças cujos vetores se Malária B B mosquito
relacionam com a água Ancorcercose B B mosca simulium
Doenças do sono B B Tsé – Tsé
Doenças associadas ao destino Necatoriose F P
de dejetos Clonorquíase F Peixe
Difilobotríase F Peixe
Fasciolose F Planta Comestível
Paragonimíase F,S Camarão-de-água-
doce
* F= fezes; O = oral; U = urina; P = percutâneo; C = cutâneo; B = picada; N = nariz; S = saliva.
- Doenças transmitidas pela A água atua somente como um veículo passivo para
água o agente infeccioso. Todas essas doenças dependem
também das precárias condições da disposição de
dejetos.
- Doenças cujos vetores As doenças são propagadas por insetos que nascem
se relacionam com a na água ou picam perto dela. O encanamento nas
água casas faria com que as pessoas se afastassem das
áreas onde são picadas, ou permitiria que elas
dispensassem o uso de potes para a armazenagem
de água, onde os insetos proliferam. Não são
afetadas pela disposição de dejetos.
Por outro lado, os programas de educação são complexos e, dependendo do seu modelo e
aceitação, podem ou não exercer um impacto significativo sobre a comunidade. Como qualquer outra
forma de investimento nessa área, antes que um programa de educação seja iniciado, seus custos e
benefícios deverão ser examinados. Embora um programa de educação sanitária possa ser o meio
mais eficaz, em termos de custo, para reduzir as doenças associadas à água, sua eficiência é de difícil
comprovação a curto prazo. Há alguma evidência, contudo, da importância do fator tempo em
combinação com um programa de educação sanitária. Em Santa Lúcia, no Caribe, por exemplo, cerca
de 3 anos depois da provisão de vários sistemas de abastecimento de água para uma população rural
de aproximadamente 2.000 pessoas, o consumo de água cresceu de 15 para 40 a 50 litros per capita
por dia. Esse número inclui o abastecimento de água para lavanderias públicas, chuveiros e torneiras
em cada casa. Com o aumento significativo de consumo, os problemas de saúde pública foram
reduzidos e a qualidade de vida das pessoas aumentou consideravelmente.
É importante salientar que o montante de investimento necessário para servir uma dada
população depende diretamente do uso racional da água, com a redução do desperdício. Se uma
população faz uso adequado da água, é possível, presumivelmente, a obtenção de um alto nível de
benefícios de saúde com menores custos. Por outro lado, isso implica no atendimento de maior número
de pessoas com o mesmo montante de capital investido.
A água é utilizada para muitos fins e há grandes variações na quantidade de água que as
pessoas requerem ou podem usar. Em levantamento realizado pela Organização Mundial de Saúde –
OMS, foram encontrados os seguintes valores médios de consumo diário, em litros per capita por dia (l
c d), para as áreas rurais dos países em desenvolvimento das regiões citadas.
Quadro 3.5 – Consumo médio diário, em litro/hab.dia (lcd), para áreas rurais de países em
desenvolvimento (OMS)
38
Região da OMS Mínimo Máximo
África 15 35
Sudeste da Ásia 30 70
Pacífico Ocidental 30 95
Mediterrâneo Oriental 40 85
Argélia, Marrocos, Turquia 20 65
América Latina e Caribe 70 190
Média Mundial nos países em 35 90
desenvolvimento
Os dados encontrados referentes a cada país, individualmente, revelaram que em sete países a
utilização foi de aproximadamente 5 lcd, consumo equivalente ao mínimo necessário para manter a
vida, demonstrando a situação crítica de algumas regiões.
Na revisão dos estudos de saúde, concluiu-se que, de um modo geral, diante de situações
menos favorecidas, à medida que os níveis de consumo de água aumentam, os benefícios tornam-se
mais evidentes. Entretanto, casos específicos podem contradizer essa generalização.
- quando a água encanada é utilizada para outros fins, que não o de consumo humano, como
por exemplo, para limpeza, irrigação e outros. Isso pode ocorrer devido à preferência da
população pelo sabor da água contaminada ao da água de poço, que pode possuir um alto
teor de minerais;
- a água encanada é usada para beber e os hábitos pessoais de higiene não permitem as
melhorias esperadas e;
- a água encanada é transportada da torneira pública até as casas, porém é armazenada em
latas ou jarras abertas, sendo contaminadas antes de seu consumo;
São relacionados, a seguir, dados de Planos Diretores de Águas e Esgotos do Estado do Rio de
Janeiro e do Distrito Federal que, mesmo não atualizados, mostram a distinção realizada por causa dos
padrões de consumo, de acordo com o nível social da população e da finalidade do uso, entre outros
fatores levantados na fase de planejamento de um sistema de abastecimento:
Rio de Janeiro
A análise dos estudos realizados levou à decisão de se adotar, no PDA-RMRJ, três padrões de
consumo para a demanda residencial, quais sejam:
39
Durante a pesquisa de demanda comercial, além do comércio de mercadorias e da prestação de
serviços de toda e qualquer natureza, decidiu-se investigar o consumo dos prédios de empresas
públicas, por entender que sua presença é bastante expressiva em algumas áreas do centro da cidade.
O levantamento do consumo comercial foi feito através da atividade denominada "shopping-center",
que oferece uma síntese do comércio praticado na cidade.
Para fins de análise da demanda industrial de água, decidiu-se subdividir o universo dos
consumidores em dois subconjuntos:
Não foi possível uma estimativa precisa para a demanda hospitalar devido a fatores diversos.
Adotou-se no PDA-RMRJ o valor médio de 150 l/leito/dia, também considerado como clássico na
literatura técnica (Rios, 1988).
Distrito Federal
O Plano Diretor de Água, Esgotos e Controle da Poluição do Distrito Federal de 1970 mostra o
seguinte:
Quadro 3.6 – Previsão da evolução da demanda per capita da água no Distrito Federal (CAESB,
1970).
Demanda per capita Média Diária Demanda per capita máxima Diária
Localidade *
(l/hab/dia) (l/hab/dia)
40
1970 1980 1990 1970 1980 1990
Brasília 535 560 590 695 730 765
Sobradinho, Taguatinga, Gama,
300 330 360 390 430 470
Guará, Núcleo Bandeirante
Brazlândia e Planaltina 200 220 240 260 285 310
b) Abastecimento industrial
Há vários tipos de uso da água nos processos industriais, como para refrigeração e geração de
vapor, incorporação aos produtos, higiene e limpeza.
O Quadro 3.7 apresenta alguns consumos específicos de água para fins industriais,
considerando o tipo de indústria e o seu produto. Tratam-se de valores médios, sendo extremamente
variáveis em função da tecnologia empregada.
O quadro 3.8 mostra os principais poluentes de despejos industriais, o que representa uma visão
qualitativa dos cuidados que devem ser tomados ao se instalar uma determinada indústria.
41
Quadro 3.8 - Principais poluentes de despejos industriais (Braile, C., 1979).
Poluentes Origem dos despejos
Acetaldeído Plásticos, borracha sintética, corante.
Ácido acético Vinícolas, indústrias têxteis, destilação de madeira, indústria químicas
Acetileno Sínteses orgânicas
Acrilonitrila Plásticos, borracha sintética, pesticidas
Amônia Manufatura de gás de carvão, operações de limpeza com “água amônia”
Acetato de amônia Tintura em indústria têxteis e preservação da carne.
Cloreto de amônia Tintura, lavagem do curtimento.
Dicromato de amônia Mordentes, litografia, fotogravação.
Fluoreto de amônia Tintura em indústrias têxteis e preservação da madeira.
Nitrato de amônia Fertilizantes, explosivos, indústrias químicas.
Sulfato de amônia Fertilizantes.
Anilina Tinturas, vernizes, borrachas
Bário (acetato) Mordente em tinturaria.
Bário (cloreto) Manufatura de tintas, operações de curtimento
Bário (fluoreto) Tratamento de metais.
Benzeno Indústrias químicas nas síntese de compostos orgânicos, tinturas e outras operações
têxteis
Butil (acetato) Plástico, couro artificial e vernizes
Carbono Indústrias químicas.
Cromo (hexavalente) Decapagem de metais, galvanização, curtumes, tintas, explosivos, papéis, águas de
refrigeração, mordente, tinturaria em indústrias têxteis, fotografia, cerâmica.
Cabalto Tecnologia nuclear, pigmentos
Cobre (cloreto) Galvanoplastia do alumínio, tintas deléveis.
Cobre (nitrato) Tinturas têxteis, impressões fotográficas, inseticidas.
Cobre (sulfato) Curtimento, tintura, galvanoplastia, pigmentos
Diclorobenzeno Solvente para ceras, inseticidas
Dietilamina Indústria petroquímica , fabricação de resinas, indústria farmacêutica, tintas
Etilamina Refino de óleo, sínteses orgânicas e fabricação de borracha sintética
Sulfato ferroso Fábricas de conservas, curtumes têxteis, minas, decapagem de metais
Formaldeído Curtumes, penicilinas, plantas e resinas
Furfural Refino de petróleo, manufatura de vernizes, inseticidas, fungicidas e germicidas
Chumbo (acetato) Impressoras, tinturarias e fabricação de outros sais de chumbo
Chumbo (cloreto) Fósforo, explosivos, mordente.
Chumbo (sulfato) Pigmentos, baterias, litografia.
Mercaptana Alcatrão de carvão e celulose Kraft.
Mercúrio (cloreto) Fabricação de monômetros
Mercúrio (nitrato) Explosivos.
Composto orgânico-mercuroso Descargas de “água branca” em fábricas de papel
Metilamina Curtimento e sínteses orgânicas
Níquel (cloreto) Galvanoplastia e tinta invisível.
Níquel (sulfato amoniacal) Banhos em galvanoplastia
Níquel (nitrato Galvanização
Piridina Piche de carvão e fabricação de gás
Sódio (bissulfato) Têxteis
Sódio (cloreto) Indústria cloro-álcali.
Sódio (carbonato) Indústria química e de papel
Sódio (cianeto) Banhos eletrolíticos.
Sódio (fluoreto) Pesticidas
Sódio (hidróxido) Celuloses e papel, petroquímicos, óleos minerais e vegetais, couro, recuperação de
borracha, destilação de carvão
Sódio (sulfato) Fabricação de papel
Sódio (sulfeto) Curtumes, celulose Kraft
Sulfúrico (ácido) Produção de fertilizante e outros ácidos, explosivos, purificação de óleos, decapagem
de metais, secagem de cloro.
Uréia Produção de resinas e plásticos, sínteses orgânicas
Zinco Galvanoplastia.
Zinco (cloreto) Fábrica de papel
42
c) Irrigação
O ciclo hidrológico propicia a elevação da água das cotas mais baixas para as maiores altitudes
e, em sua descida, ela apresenta potencial energético. Como trata-se de um ciclo, adquire caráter
renovável.
O potencial hidrelétrico é produto das vazões e das quedas de água, e, como decorrência, tem o
mesmo caráter aleatório das vazões, sendo essa a principal característica de tal fonte de energia. A
disponibilidade de energia hidrelétrica é, portanto, associada a riscos. O aproveitamento da energia
hidrelétrica é a principal forma de uso não consuntivo de água. Merecem menção os seguintes
aspectos: a construção de barragens de regularização causa alterações no regime dos cursos d’água,
perdas por evaporação da água dos reservatórios, principalmente em regiões semi-áridas, e diversas
alterações no meio físico.
b) Navegação fluvial
Para que sejam obtidas condições de navegação comercial em rios, faz-se necessário que,
durante o maior período possível, exista vazão suficiente no curso d’água para garantir a passagem de
embarcações de determinado calado11 mínimo, viabilizando a utilização comercial da hidrovia. Em
condições naturais, normalmente os rios são navegáveis apenas nos períodos de águas altas.
Entretanto, através de obras nos canais e da regularização de vazões, essas condições podem ser
melhoradas, alargando-se os períodos em que a navegabilidade é assegurada.
43
A água é dos elementos mais importantes na promoção da qualidade de vida, particularmente
através de atividades recreativas, esportes náuticos, navegação e pesca recreativas e, simplesmente,
lazer contemplativo.
d) Pesca
As demandas de água associadas a esse uso também estão relacionadas aos requisitos de
qualidade.
Embora não sendo classificado como consuntivo, esse uso pode resultar em limitações do uso
dos corpos de águas para outras atividades devido às restrições quanto aos padrões de qualidade
requeridos.
f) Preservação
O controle do regime das águas é ponto fundamental na análise das obras que possam afetar o
comportamento hidrológico dos rios e dos aqüíferos subterrâneos e, também, outras ações do homem
que afetem o ciclo hidrológico, como o desmatamento e a urbanização.
44
O controle de cheias e o combate às secas são formas de evitar os males de caráter econômico
e social de eventos extremos.
As condições de acesso aos recursos hídricos se dão através de uma boa gestão e de
adequado processo político.
Gestão de recursos hídricos, em sentido lato, é a forma pela qual se pretende equacionar e
resolver as questões de escassez relativa dos recursos hídricos, bem como fazer o uso adequado,
visando a otimização dos recursos em benefício da sociedade.
A condição fundamental para que a gestão de recursos hídricos se realize é a motivação política
para a sua efetiva implantação, conforme será visto a seguir. Havendo motivação política, será
possível planejar o aproveitamento e o controle dos recursos hídricos e ter meios de implantar as obras
e medidas recomendadas, controlando-se as variáveis que possam afastar os efeitos nocivos ao
planejado.
O planejamento dos recursos hídricos visa à avaliação prospectiva das demandas e das
disponibilidades desses recursos e a sua alocação entre usos múltiplos, de forma a obter os máximos
benefícios econômicos e sociais, com a mínima degradação ambiental. É necessário planejar a longo
prazo, em razão do tempo de maturação das obras hidráulicas, da vida útil dessas obras e pela
repercussão das decisões tomadas, que podem atingir várias gerações, sendo muitas vezes
irreversíveis.
45
Alguns princípios fundamentais que devem nortear qualquer processo de gerenciamento de
recursos hídricos que se queira implementar são:
A gestão dos recursos hídricos é decisão política, motivada pela escassez relativa de tais
recursos e pela necessidade de preservação para as futuras gerações.
Historicamente, essa gestão tem acontecido em países ou regiões em que a pouca água decorre
da aridez do clima ou da poluição, havendo limitação ao desenvolvimento econômico e social.
Em qualquer circunstância, a informação ao público dos conflitos potenciais quanto ao uso dos
recursos hídricos é fundamental para a motivação política à discussão e participação nos processos
gerenciais de tomada de decisão de uma dada região.
Uma política para a gestão dos recursos hídricos deve conter formas de estabelecimento do
conjunto de princípios definidores de diretrizes, objetivos e metas a serem alcançados. Essa política
estará consubstanciada em aspectos técnicos, normas jurídicas, planos e programas que revelem o
conjunto de intenções, decisões, recomendações e determinações do governo e da sociedade quanto
à gestão dos recursos hídricos.
46
definição de uma política de recursos hídricos, precisam conhecer os seus aliados e os seus
opositores, e empreender ações de congregação dos interessados no estabelecimento da política e
desarticulação dos que a ela se opõem. Para tanto, será fundamental selecionar as pessoas e grupos
que colocam o interesse público acima dos interesses particulares e corporativistas, pois as
preocupações de gestão dos recursos hídricos somente podem prosperar em ambiente em que o
interesse público prevaleça. As obras de aproveitamento e controle dos recursos hídricos exigem
vultosos investimentos, principalmente para países do porte do Brasil e ainda carentes de infra-
estrutura básica.
A população mundial e suas atividades antrópicas já atingiram uma escala de utilização dos
recursos naturais disponíveis que obriga a todos a pensar no futuro de uma nova forma. É previsto que
a população mundial estabilize-se, por volta do ano 2050, entre 10 e 12 bilhões de habitantes, o que
representa cerca de 5 bilhões a mais que a população atual, enquanto a quantidade de água disponível
para o uso permanece a mesma (OMM/UNESCO, 1997).
Considera-se, atualmente, que a quantidade total de água na Terra, de 1.386 milhões de km_,
tem permanecido de modo aproximadamente constante durante os últimos 500 milhões de anos. Vale
ressaltar, todavia, que as quantidades estocadas nos diferentes reservatórios individuais de água da
Terra variaram substancialmente ao longo desse período (Shiklomanov, 1999).
∗
Adaptado de Lima, 2000.
47
Quadro 3.10 – Distribuição da água na Terra (Shiklomanov, 1997).
Outros
Água Doce 1,2%
2,5%
Água Congelada
68,7% Água doce
no Subsolo
30,1%
Água Salgada
97,5%
Observa-se que, mesmo tendo a Terra um volume total de água da ordem de 1.386 milhões de
km_, o que efetivamente está disponível ao uso humano é muito pouco (0,007%).
48
As águas da Terra encontram-se em permanente movimento, constituindo o Ciclo Hidrológico.
Efetivamente, desde os primórdios dos tempos geológicos, a água (líquida ou sólida) que é
transformada em vapor pela energia solar que atinge a superfície da Terra (oceanos, mares,
continentes e ilhas) e pela transpiração dos organismos vivos, sobe para a atmosfera, onde esfria
progressivamente, dando origem às nuvens. Essas massas de água voltam para a Terra sob a ação da
gravidade, principalmente nas formas de chuva, neblina e neve.
O acesso ao volume total de água estocada nos diferentes reservatórios existentes na Terra não
é uma tarefa elementar, pois, como se verifica no Quadro 3.11, o ciclo hidrológico ocorre de forma
muito variável e dinâmica.
Para satisfazer à demanda de água, a humanidade tem modificado o ciclo hidrológico desde o
início de sua história, mediante a construção de poços, barragens, açudes, aquedutos, sistemas de
abastecimento, sistemas de drenagem projetos de irrigação e outras estruturas. Os governos e
entidades públicas gastam grandes importâncias de dinheiro para implementar e manter essas
instalações. No entanto, apesar dessas iniciativas, em 1995, aproximadamente 20% dos 5,7 bilhões de
habitantes da Terra sofriam com a falta de um sistema de abastecimento confiável de água e, além
disso, mais de 50% da população não dispunha de um sistema adequado de instalações sanitárias
(OMM/UNESCO, 1997).
Devido ao acesso mais fácil, as formas mais importantes de armazenamento de água doce para
o uso da humanidade e dos ecossistemas são rios, reservatórios e lagos, que representam apenas
0,27% do volume total de água doce da Terra, 93.100 km_ (Quadro 3.10). Entretanto, a contribuição de
um único componente do ciclo hidrológico para a circulação global de água não depende apenas do
volume estocado, mas, em grande parte, do seu período de renovação. Com base nos dados do
Quadro 3.11, verifica-se que o período para a renovação da água em determinados meios varia
consideravelmente e, como a água dos rios tem um tempo de permanência muito curto em relação aos
49
outros reservatórios, ela favorece substancialmente a elevação da taxa de renovação da água através
do ciclo hidrológico.
PC = 119.000 km_
Eo = 502.800 km_
ESS = 42.600 km_
Figura 3.3 – Ciclo hidrológico médio anual da Terra (Adaptado de Shiklomanov, 1998; In: Lima,
2000).
Portanto, observa-se na Figura 3.3 que, anualmente, cerca de 119.000 km_ de água são
precipitados sobre os continentes, dos quais aproximadamente 74.200 km3 evapotranspiram retornando
à atmosfera em forma de vapor, 42.600 km_ formam o escoamento superficial e 2.200 km_ formam o
escoamento subterrâneo. Assim, esses 42.600 km_ constituem, em média, o limite máximo de
renovação dos recursos hídricos em um ano.
Efetuando-se o balanço das informações contidas na Figura 3.3, nota-se que o ciclo hidrológico
é realmente um sistema fechado. Dos 119.000 km_/ano precipitados sobre os continentes, 74.200
km_/ano (62%) retornam à atmosfera e 44.800 km_/ano (38%) escoam até os oceanos. Por sua vez,
nos oceanos, o volume precipitado é de 458.000 km_/ano, enquanto a evaporação é de 502.800
km_/ano, o que gera um excedente de vapor d’água na atmosfera de 44.800 km_/ano. Portanto, nota-
se que o volume de água que escoa dos continentes para os oceanos é igual ao valor que retorna dos
oceanos para os continentes em forma de vapor d’água, fechando o ciclo.
50
Com rios renovando-se tão rapidamente, a humanidade tem acesso não somente aos cerca de
2.100 km_ de água estocados nas suas calhas (Quadro 3.10), mas também aos valores
correspondentes às suas descargas líquidas globais de longo período.
Com a utilização dos dados hidrológicos existentes, têm-se realizado estimativas do volume
médio anual de todos os rios do mundo, representando a soma dos recursos hídricos superficiais da
Terra. Esse volume é utilizado como o limite máximo de consumo da água no mundo em um ano
(OMM/UNESCO, 1997).
Escoamento Seperficial da Terra (km?)
45000
44000
43000
42600
42000
41000
40000
39000
1920 1930 1940 1950 1960 1970 1980
1980
Anos
Figura 3.4 – Variação do volume médio escoado em todos os rios do mundo (Shiklomanov,
1998; In: Lima, 2000).
Pode-se observar na Figura 3.4 que os volumes disponíveis para o uso humano e os
ecossistemas, nos 65 anos analisados, oscilaram entre 39.600 km_/ano e 44.500 km_/ano, sendo a
média do período de 42.600 km_/ano.
Estima-se que a demanda total de água no mundo no ano 2000 será de 3.940 km_ (Quadro
3.15), o que representa menos de 10% do volume total disponível. Portanto, em nível global, não há
escassez hídrica, porém, a má distribuição espacial e temporal dos recursos hídricos faz com que
algumas áreas sofram permanentemente por falta d’água. Outro fator importante para a determinação
de zonas em que a água é um recurso escasso é a distribuição populacional na Terra.
51
Quadro 3.12 – Disponibilidade hídrica em alguns países do mundo (Adaptado de Shiklomanov,
1998).
52
1. Fonte: ANEEL, 1999.
Como é possível observar no Quadro 3.12, a distribuição espacial dos recursos hídricos no
mundo é muito variável, assim como a distribuição demográfica. O dado de volume total de água de
cada país não é de grande importância, pois está diretamente relacionado com a sua área geográfica.
Entretanto, nota-se que a variabilidade entre os valores máximos e mínimos de recursos hídricos
disponíveis é muito alta, podendo contribuir para a geração de problemas sazonais de escassez.
Na análise dos dados de disponibilidade hídrica por unidade de área de cada país, são
facilmente perceptíveis as grandes diferenças existentes na distribuição geográfica dos recursos
hídricos. Tais valores, nos dados apresentados, variaram de 388,3 m_/km_.ano na Mauritânia a
1.800.000,0 m_/km_.ano no Panamá. O mesmo ocorre com a disponibilidade de recursos hídricos por
habitante em cada região. Tanto a má distribuição espacial dos recursos hídricos quanto a da
população sobre a Terra acabam gerando os mais diferentes cenários. Há situações em que a
escassez hídrica decorre da baixa disponibilidade de água na região em dado momento e, em outros
casos, mesmo havendo um alta disponibilidade, a escassez é ocasionada devido a uma excessiva
demanda de utilização desses recursos.
O conceito de estresse hídrico está baseado nas necessidades mínimas de água per capita para
manter uma qualidade de vida adequada em regiões moderadamente desenvolvidas situadas em
zonas áridas. A definição baseia-se no pressuposto de que 100 litros diários (36,5 m_/ano)
representam o requisito mínimo para suprir as necessidades domésticas e manutenção de um nível
adequado de saúde (Beekman, G.B, 1999).
Com base nos valores dos Quadros 3.12 e 3.13, pode-se observar que muitos países já
apresentam patamares de disponibilidade hídrica por habitante correspondentes a um quadro de
escassez. Os países que encontram-se com os piores índices são Mauritânia, Jordão, Tunísia e
53
Uzbequistão, com volumes abaixo de 500 m_/hab.ano, e, Argélia, Paquistão e Líbano, com
disponibilidade hídrica entre 500 e 1.000 m_/hab.ano.
O valor econômico das informações hidrológicas obtidas de uma rede hidrométrica através de
dados e previsões pode ser aferido através da prevenção e redução das perdas em fenômenos
hidrológicos extremos (cheias e secas), perdas de oportunidade de uso devido à falta de conhecimento
dos potenciais e, com a segurança de que os projetos e obras serão dimensionados adequadamente,
sem que haja superdimensionamento ou subdimensionamento de estruturas devido a fatores
hidrológicos. A relação benefício/custo dos dados e informações hidrológicos é significativamente
superior a um. Estudos feitos na Austrália e no Canadá apresentaram relações benefício/custo
econômico de 6,4 a 9,3 (www.wmo.ch/web/homs/whycos.html, 1999).
Além dos dados referentes aos parâmetros do ciclo hidrológico, é fundamental o conhecimento
das vazões requeridas por usuário dos recursos hídricos e os benefícios gerados para subsidiar a
tomada de decisão dos gerenciadores dos recursos hídricos de dada localidade.
54
Quadro 3.15 – Dinâmica do uso da água no mundo por setor (km3/ano) (Shiklomanov, 1997).
Calculado Estimado
Setor
1900 1940 1950 1960 1970 1980 1990 1995 2000 2010 2025
População
2493 2963 3527 4313 5176 5520 5964 6842 8284
(milhões de hab.)
Área Irrigada
47 76 101 142 173 200 243 254 264 288 329
(milhões de ha)
525 891 1124 1541 1850 2191 2412 2503 2595 2792 3162
Uso agrícola
*407 678 856 1183 1405 1698 1907 1952 1996 2133 2377
38 127 182 334 548 683 681 715 748 863 1106
Uso Industrial
*3 10 14 25 38 62 73 80 87 111 146
16 37 53 83 130 208 321 354 386 464 645
Abastecimento
*4 9 14 20 29 42 53 57 62 68 81
Reservatórios 0.3 3.7 6.5 22.7 65.9 119 164 188 211 239 275
579 1066 1365 1985 2574 3200 3580 3760 3940 4360 5187
TOTAL
*415 705 894 1250 1539 1921 2196 2275 2354 2550 2879
1. Volume de água efetivamente consumido.
Com base nos valores apresentados no Quadro 3.15, nota-se que o setor agrícola é o que
demanda maior volume de água e que, além disso, do volume total captado, o que retorna aos rios é
muito pouco.
Uso Industrial
3,8%
Abastecimento
9,9%
Como demonstra a figura acima através de informações extraídas do Quadro 3.15 para o ano de
1995, a produção agrícola é uma atividade de alta intensidade de uso da água e utiliza cerca de 70%
de toda a água captada dos rios, lagos e aqüíferos do mundo. Para a produção de uma tonelada de
55
grãos são necessárias, aproximadamente, mil toneladas de água (1.000 m_), no mínimo, pois esse
valor não considera as perdas devido à ineficiência dos sistemas de irrigação. A irrigação permite a
obtenção de até três safras por ano em uma mesma área, o que faz com que essa prática tenha
grande importância para a produção mundial de alimentos.
As terras irrigadas, que atualmente representam aproximadamente 16% das terras cultivadas no
mundo, são responsáveis pela produção de cerca de 40% dos alimentos (Iturri, 1999).
Com os dados do Quadro 3.15, tem-se que, em 1998, foram captados para o uso agrícola,
aproximadamente, 2.503 km_, e, desse valor, 1.952 km_ foram efetivamente consumidos, o que
significa que apenas 551 km_ dos 2.503 km_ captados, em média, retornaram aos rios, ou seja, 22%.
Devido à necessidade de captação de grandes volumes, 70% do total e baixa taxa de retorno da água
captada aos rios, o setor agrícola, principalmente quanto a irrigação, é considerado o maior usuário de
água entre todos os setores, consumindo 93,4% do total de água captada e que não retorna aos rios,
isto é, é efetivamente consumida.
5500
5000
4500
Uso da água (km?/ano)
4000
3500 Uso agrícola
2500 abastecimento
2000 reservatórios
1500 total
1000
500
0
1900 1925 1950 1975 2000 2025
Ano
Figura 3.7 – Evolução do volume de água utilizado por diversos setores ao longo dos anos
(Shiklomanov, 1997).
Através da Figura 3.7 pode-se notar como o volume de água utilizado pelo Homem vem
crescendo ao longo dos anos. No início do século XX, o volume utilizado era de aproximadamente 580
km_/ano e chega, ao final do século, a um valor de cerca de 4000 km_/ano, o que representa um
aumento entre seis e sete vezes o valor inicial. Enquanto isso, no mesmo período, a população
apresentou um aumento de aproximadamente 2 bilhões de habitantes para cerca de 6 bilhões.
Portanto, enquanto a população na Terra aumentou em aproximadamente 3 vezes durante o século
XX, o volume de água utilizado aumentou de seis a sete vezes.
56
secamento total de rios, açudes, lagos e aqüíferos subterrâneos. Lamentavelmente, grande parte da
água extraída para as atividades humanas, de qualquer que seja a fonte, é utilizada de maneira muito
ineficaz.
Na irrigação, por exemplo, cerca de 60% da água captada infiltra pelos canais dos sistemas de
distribuição e se perde por evaporação. Não sendo o bastante, a água que infiltra eleva o lençol
freático, promovendo o encharcamento e a salinização de aproximadamente 20% das terras irrigadas
no mundo, o que reduz consideravelmente o rendimento dos cultivos. Outra conseqüência da gestão
deficiente dos recursos hídricos e do solo á a erosão, que ocasiona perdas na produção e degrada os
recursos hídricos ao introduzir grandes volumes de sedimentos nos cursos d’água. O desperdício de
água não é exclusividade da irrigação. A indústria e os sistemas de abastecimento também apresentam
considerável ineficiência (OMM/UNESCO, 1997).
Os problemas existentes hoje no Mar de Aral transmitem uma clara mensagem sobre o uso
excessivo dos recursos hídricos. Alimentado pelos rios Amu Daria e Syrdania, aproximadamente 50
km_/ano, deveria ser uma das principais massas de águas interiores do mundo. Desde 1960, grande
parte da vazão desses rios passou a ser derivada para a irrigação de algodão, arroz e outros cultivos.
Desde essa época, a área inundada do Mar de Aral já foi reduzida em aproximadamente 50% e seu
nível já desceu cerca de 15 m. O resultado é catastrófico para as pessoas que habitam essa bacia. A
indústria pesqueira desapareceu, a concentração de sais é muito elevada, tornando a água tóxica para
as pessoas e nocivas para os cultivos, e a irrigação ineficaz tem causado o encharcamento e
salinização dos solos. Esses e outros problemas, como a contaminação da água pelos dejetos
domésticos e industriais, acabam por caracterizar um panorama de ecossistema totalmente destruído
(OMM/UNESCO, 1997).
Existem muitos outros exemplos de locais onde a falta de manejo adequado dos recursos
hídricos tem causado problemas. No norte da China, o nível das água subterrâneas tem reduzido, em
média, cerca de 1,5 m/ano. Os poços dessa região estão secando e obrigando os agricultores
irrigantes a aprofundar seus poços de captação, ou então abandonar a agricultura irrigada para voltar a
praticar a agricultura de sequeiro. Na Índia, onde a população superou 1 bilhão de habitantes em 1999,
o bombeamento da água subterrânea tem sido tão intenso que especialistas estimam que a produção
de grãos nesse país deverá ser reduzida em mais de 25%, como resultado do rebaixamento dos níveis
de seus aqüíferos. Nas planícies do sudeste dos Estados Unidos, a depleção do aqüífero de Ogallala
tem ocasionado reduções à agricultura irrigada. Texas, Oklahoma, Kansas e Colorado têm reduzido
suas áreas irrigadas há duas décadas. O Texas, por exemplo, tem reduzido sua área irrigada em
aproximadamente 1% ao ano, desde 1980, devido à escassez de água. O Rio Amarelo (“Yellow River”),
o berço da civilização chinesa, secou pela primeira vez em 1972. Desde 1985 ele permanece seco
durante determinado período do ano. Em 1997 ele permaneceu seco durante 7 meses (Brown &
Halweil, 2000).
Além dos prejuízos às prática agrícolas, estima-se que mais de 5 milhões de pessoas morrem
anualmente de doenças vinculadas com o consumo de água contaminada, serviços sanitários
inadequados e falta de higiene (OMM/UNESCO, 1997). Conflitos bélicos devido à escassez de água é
uma constante em determinadas regiões do mundo. Atualmente, o conflito mais grave é vivenciado por
Israelenses e Palestinos, cujos mananciais disponíveis dependem de acordos entre Jordânia, Síria,
Líbano, Egito e Arábia Saudita. O território Palestino, sob controle de Israel desde 1967, corresponde
às áreas de recarga dos aqüíferos que fluem nessa região tão escassa em recursos hídricos.
57
1.3.0....._≅_≅_ Recursos hídricos no Brasil ∗
Com uma área de 8.512.000 km_ e cerca de 170 milhões de habitantes, o Brasil é hoje o quinto
país do mundo, tanto em extensão territorial como em população. Com dimensões continentais, os
contrastes existentes quanto ao clima, distribuição da população, desenvolvimento econômico e social,
entre outros fatores, são muito grandes, fazendo com que o país apresente os mais variados cenários.
Quadro 3.16 – Informações básicas sobre as bacias hidrográficas brasileiras (SIH/ANEEL, 1999).
Como pode-se observar, o Brasil tem uma posição privilegiada perante a maioria dos países
quanto ao seu volume de recursos hídricos (Quadro 3.12). Porém, como demonstra o Quadro 3.16,
mais de 73% da água doce disponível do País encontra-se na bacia Amazônica, que é habitada por
menos de 5% da população. Portanto, apenas 27% dos recursos hídricos brasileiros estão disponíveis
para 95% da população.
A idéia de abundância serviu durante muito tempo como suporte à cultura do desperdício da
água disponível, à não realização dos investimentos necessários para seu uso e proteção mais
eficientes, e à sua pequena valorização econômica.
∗
Adaptado de Lima, 2000.
58
A migração da população do campo para a cidade e a industrialização, além de exercerem
significativo aumento na demanda das águas dos mananciais também exigiram o crescimento do
parque gerador de energia elétrica que, por sua vez, implicou na necessidade de construção apreciável
de aproveitamentos hidrelétricos. Adicionalmente, o aumento da população reclamou por maior
produção de alimentos, o que veio a encontrar na agricultura irrigada o canal apropriado para satisfazer
essa demanda.
O Brasil já dispunha de um texto sobre o direito da água desde 1934, o Código de Águas.
Porém, tal ordenamento não foi capaz incorporar meios para combater ao desconforto hídrico, a
contaminação das águas e conflitos de uso, tampouco para promover os meios de uma gestão
descentralizada e participativa, exigências dos dias de hoje. Foi exatamente para preencher essa
lacuna que foi elaborada a Lei nº 9.433 de janeiro de 1997, cujo projeto havia sido exaustivamente
debatido durante os anos 80 e 90, até a sua promulgação.
No que concerne aos princípios básicos da Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997, destaque-se
(SHR/MMA, 1999):
b) O princípio dos usos múltiplos da água, que coloca todas as categorias usuárias em
igualdade de condições ao acesso a esse recurso natural. No Brasil, tradicionalmente, o
setor elétrico atuava como único agente do processo de gestão dos recursos hídricos
superficiais, ilustrando a clara assimetria de tratamento conferida pelo poder central, durante
a primeira metade do século, o que favorecia esse setor em detrimento das demais
categorias usuárias da água. E não foi outro fator senão o rápido crescimento da demanda
por água para outros usos o que fez florescer e tomar corpo o princípio dos usos múltiplos;
c) O reconhecimento da água como bem finito e vulnerável, o que serve de alerta para a
necessidade de uma utilização preservacionista desse bem natural;
59
ou nas capitais de estados. Quanto à gestão participativa, ela constitui um método que
enseja aos usuários, à sociedade civil organizada, às ONGs e outros agentes interessados a
possibilidade de influenciar no processo de tomada de decisão.
c) A outorga de direito de uso dos recursos hídricos é o mecanismo pelo qual o usuário recebe
autorização ou concessão para fazer uso da água. A outorga de direito, juntamente com a
cobrança pelo uso da água, constitui relevante elemento para o controle do uso dos recursos
hídricos, contribuindo também para a disciplina desse uso;
d) A cobrança pelo uso da água, essencial para criar as condições de equilíbrio entre as forças
da oferta (disponibilidade da água) e da demanda, promovendo, em conseqüência, a
harmonia entre os usuários competidores, ao mesmo tempo em que também promove a
redistribuição dos custos sociais, a melhoria da qualidade dos efluentes lançados, além de
ensejar a formação de fundos financeiros para o setor;
Foi aprovada no Congresso Nacional a criação da Agência Nacional de Águas – ANA, entidade
federal de implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e de coordenação do Sistema
Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos. Caberá a essa Agência a implantação e aplicação
da Lei nº 9.433, de 1997, segundo seus princípios, instrumentos de ação e seu arranjo institucional
previstos (Conselho Nacional de Recursos Hídricos, comitês de bacias hidrográficas, agências de água
(aninhas) e os órgãos e entidades do serviço público federal, estaduais e municipais).
Pode-se notar que o setor de recursos hídricos no Brasil está ganhando importância e interesse
por parte da sociedade. Não apenas pela ampla discussão que está em andamento no Congresso
60
Nacional, mas pela própria mídia, que constantemente tem apresentado programas de televisão ou
matérias em jornais e revistas sobre os problemas relacionados ao tema. Só o fato da abertura dos
problemas para a reflexão e debate por parte, não só de técnicos, como de toda a sociedade, já é um
grande passo que o Brasil está dando para que futuramente tenhamos um modelo sustentável de
desenvolvimento no que diz respeito ao aproveitamento deste recurso natural de suma importância, a
água.
Na atualidade brasileira é evidente o crescimento dos conflitos entre os diversos usuários dos
recursos hídricos. Exemplos em grande escala podem ser observados na bacia do rio São Francisco,
onde as projeções de demanda de água para a irrigação, para a navegação, para o projeto de
transposição, para o abastecimento humano e de animais e para a manutenção dos atuais
aproveitamentos hidrelétricos mostram-se preocupantes quanto à disponibilidade de água do rio. No
Sudeste, evidenciam-se os conflitos pela da utilização das águas dos rios Paraíba do Sul, Piracicaba e
Capivari, para citar apenas alguns casos. No Sul do país, a enorme demanda de água para a irrigação
de arrozais e a degradação da qualidade da água, principalmente em regiões de uso agropecuário
intenso, são os casos mais visíveis.
Quadro 3.17 – Disponibilidade hídrica e utilização dos recursos hídricos por estado brasileiro
(Adaptado de Rebouças, A.C. et al., 1999).
61
*** Rebouças, 1994.
Quadro 3.18 – Situação dos estados brasileiros em pior situação quanto à disponibilidade de
recursos hídricos por habitante (Lima, 2000).
Disponibilidade*
Nº Estado per Capita Situação**
(m_/hab.ano)
1 Pernambuco 1.270
2 Paraíba 1.392
3 D. Federal 1.537
- O estresse hídrico é periódico e regular
4 Sergipe 1.601
5 Alagoas 1.671
6 R.G. do Norte 1.681
7 Rio de Janeiro 2.208
8 Ceará 2.276 - Somente ocasionalmente tenderá a sofrer
9 São Paulo 2.694 problemas de falta d’água.
10 Bahia 2.862
1. Quadro 3.17 – Modificado de Rebouças, 1999.
** Quadro 3.13 – Beekman, 1999.
Os dados obtidos da rede hidrométrica nacional, da qual a rede demonstrada acima faz parte,
são a base para os estudos dos parâmetros do ciclo hidrológico. Porém, como visto anteriormente, o
conhecimento das vazões requeridas pelos diferentes usuários da água de cada região e bacia,
também são de fundamental importância para subsidiar as tomadas de decisão do órgão gestor dos
recursos hídricos.
Sendo o setor de agricultura irrigada o maior usuário dos recursos hídricos e, devido ao seu
crescimento acelerado no Brasil, a sua evolução deve ser mais bem monitorada para que novos
conflitos pelo uso da água sejam evitados mediante a implantação Sistema Nacional de Gerenciamento
dos Recursos Hídricos, como previsto na Lei nº 9.433, de 1997.
3000
2800 2870
2700 2756
2656
2500 2600
2100
2000
Área Irrigada
(103 ha)
1600
1500
1100
1000
796
545
500
320
64 141
0
1950 1954 1958 1962 1966 1970 1974 1978 1982 1986 1990 1994 1998
Anos
Figura 3.8 – Evolução das áreas irrigadas no Brasil (Christofidis, D., 1999; In: Lima et al., 1999).
Estima-se que os solos aptos à irrigação no Brasil totalizem aproximadamente 29,6 milhões de
hectares, quando somadas as áreas em terras altas (16,1 milhões de hectares) com as das várzeas
(13,5 milhões de hectares), aptas à irrigação (Christofidis, D., 1999). Portanto, atualmente, menos de
10% das áreas aptas estão sendo exploradas, 2,87 milhões de hectares, o que demonstra e configura-
se em grande potencial, não só de expansão dessa prática como de geração e ampliação dos conflitos
pelo uso da água.
63
Quadro 3.20 – Demanda anual de água para irrigação no Brasil nas regiões e Estados – 1998
(Christofidis, D.,1999, In: Lima et al, 2000).
Observando-se os valores obtidos no Quadro 3.20, têm-se as áreas irrigadas, o volume de água
captado dos rios, a quantidade de água requerida por unidade de área e a eficiência de uso da água
captada, em cada estado e região. O acompanhamento e o controle de informações como estas, não
só para a prática de irrigação como para os outros usos, formam a base para uma boa gestão dos
recursos hídricos em dada região.
64
11 milhões de pessoas que residem nas cidades ainda não tem acesso à água potável. O
abastecimento de água encanada na zona rural só atinge 9% da população, porém, grande parte das
pessoas residentes nessas áreas utilizam poços e nascentes para o seu consumo. Diante deste
quadro, é importante ressaltar que a ausência de abastecimento de água potável e de coleta de
esgotos sanitários são as principais causas das altas taxas de doenças intestinais e outras. Segundo o
Ministério da Saúde, 65% das internações hospitalares resultam da inadequação dos serviços e ações
de saneamento, sendo a diarréia responsável, anualmente, por aproximadamente 50 mil mortes de
crianças no Brasil (Silva, H.K.S e Alves, R.F.F, 1999).
Estima-se que o desperdício de água no Brasil pode chegar a 45% do volume ofertado à
população, o que representa cerca de 3,78 bilhões de metros cúbicos de água por ano. Adotando-se
uma redução de 20 pontos percentuais , valor considerado razoável, ou seja, uma meta de 25% de
perdas – o que representa cerca de 2,1 km_/ano de água – poder-se-ia economizar cerca de R$ 1,02
bilhão por ano. Toda essa quantidade poderia estar sendo utilizada para a expansão e melhorias da
rede atual (Adaptado de Water Resources in Brazil, Secretaria de Recursos Hídricos do Ministério do
Meio Ambiente e da Amazônia Legal (SRH/MMA, 1998). Portanto, segundo os dados apresentados, o
volume de água distribuída para o abastecimento no Brasil é de aproximadamente 8,4 km_/ano.
Mesmo não implicando consumo efetivo da água, o seu uso para a geração de energia elétrica
interfere no volume que pode ser destinado a outros fins e, como os usos consuntivos, criam toda sorte
de externalidades. A geração de energia elétrica requer a manutenção de uma vazão média estável,
que permita a continuidade do fornecimento de uma quantidade determinada de eletricidade ao sistema
distribuidor. Se o projeto hidrelétrico levar em consideração as demais possibilidades de utilização da
água, poderá ser genericamente benéfico, justamente por regularizar a vazão. Outras fontes
energéticas poderiam ser aproveitadas, como no caso da termeletricidade e da energia eólica no Vale
do São Francisco. Nessa região, como conseqüência das características climáticas, durante o período
mais seco do ano a capacidade hidrelétrica é reduzida e o potencial de produção de energia eólica é
máximo, oferecendo-se como alternativa de substituição ou complementação à energia hidrelétrica que
poderia reduzir as pressões sobre os recursos hídricos.
No Brasil, por iniciativa do governo federal, algumas obras que beneficiam a navegação interior
foram ou estão sendo realizadas, em consonância com os programas de investimento do setor de
transportes. Cabe destacar as bacias dos rios Tietê e Paraná e as dos rios Jacuí e Taquari, no estado
do Rio Grande do Sul. Em termos de custo e capacidade de carga, o transporte hidroviário é cerca de
oito vezes mais barato do que o rodoviário e de três vezes menor que o ferroviário (Godoy, P.R.C.,
1999).
Estudos atuais estimam que a quantidade total de água demandada pelo setor industrial é de
139 m_/s, o que corresponde a um volume de aproximadamente 4,4 km_/ano (SRH/MMA, 1998).
Segundo os dados supracitados relativos aos setores que utilizam a água de forma consuntiva,
tem-se:
65
Quadro 3.21 – Situação atual das captações de água doce no Brasil por setor (Lima, 2000).
Uso Agrícola
72,5 %
Abastecimento
18,0 %
Uso Industrial
9,5 %
Figura 3.9 – Situação estimada atual das captações de água doce no Brasil por setor (Lima,
2000).
A utilização das águas subterrâneas tem crescido de forma acelerada nas últimas décadas, e as
indicações são de que essa tendência deverá continuar. A comprovar esse fato, temos um crescimento
contínuo do número de empresas privadas e órgãos públicos com atualização na pesquisa e captação
dos recursos hídricos subterrâneos. Também é crescente o número de pessoas interessadas pelas
águas subterrâneas, tanto nos aspectos técnico-científico e sócio-econômico como no administrativo e
legal.
66
As águas subterrâneas, mais do que uma reserva de água, devem ser consideradas um meio de
acelerar o desenvolvimento econômico e social de regiões extremamente carentes, e do Brasil como
um todo. Essa afirmação é apoiada na sua distribuição generalizada, na maior proteção às ações
antrópicas e nos reduzidos recursos financeiros exigidos para sua explotação.
Volumes
Domínios Aqüíferos Áreas (km2) Sistemas Aqüíferos Principais Estocados
(km3)
Embasamento Aflorante 600.000 Zonas fraturadas 80
Embasamento Alterado 4.000.000 Manto de intemperismo e/ou fraturas 10.000
Bacia sedimentar Amazonas 1.300.000 Depósito clásticos 32.500
Bacia sedimentar do Maranhão 700.000 Corda-Grajaú, Motuca, Poti-Piauí, 17.500
(Parnaíba) Cabeças e Serra Grande
Bacia Sedimentar Potiguar-Recife 23.000 Grupo Barreiras, Jandaíra, Açu e Beberibe 230
Bacia sedimentar Alagoas-Sergipe 10.000 Grupo Barreiras Muribeca 100
Bacia Sedimentar Jatobá-Tucano- 56.000 Marizal, São Sebastião, Tacatu 840
Recôncavo
Bacia sedimentar Paraná (Brasil) 1.000.000 Bauru-Caiuá, Serra Geral, Botucatu- 50.400
Pirambóia-Rio do Rastro, Aquidauana
Depósitos diversos 823.000 Aluviões, dunas (Q) 411
Total 8.512.000 112.000
67
3. ASPECTOS CONCEITUAIS DO GERENCIAMENTO DE RECURSOS HÍDRICOS(*)
As ações governamentais são refletidas através das leis, decretos, normas e regulamentos
vigentes. Como resultado dessas ações fica fixado o que é denominado modelo de gerenciamento de
águas, entendido como a configuração administrativa adotada na organização do Estado para gerir as
águas. Por exemplo, o modelo que vem sendo amplamente utilizado adota a bacia hidrográfica como
unidade administrativa, ao contrário de serem adotadas unidades de caráter político, como o Estado,
Município, ou outra divisão político – administrativa.
As definições anteriores de gestão e gerenciamento das águas propõem entre elas uma
diferenciação, embora, freqüentemente, essas palavras sejam tomadas como sinônimos. Neste texto a
gestão é considerada de forma ampla, abrigando todas as atividades, incluindo o gerenciamento, que é
considerado uma atividade de governo.
68
Existem diversas entidades públicas federais, estaduais e municipais, e entidades privadas com
atribuições no gerenciamento. Essa estrutura organizacional e legal forma uma administração confusa,
desarticulada, organizada por usos, que dificulta o uso múltiplo e integrado dos recursos hídricos, que
exige aprimoramentos.
Em resumo, uma gestão de águas eficiente deve ser constituída por uma política, que
estabeleça as diretrizes gerais, um modelo de gerenciamento, que estabeleça a organização legal e
institucional e um sistema de gerenciamento, que reúna os instrumentos para o preparo e execução do
planejamento do uso, controle e proteção das águas.
13 Em economia, bem intermediário é um recurso usado na produção de outros bens ou recursos - também chamado de
fator de produção.
69
Diversos tipos de necessidade deverão ser contemplados, grandes volumes de recursos
utilizados grandes regiões serão afetadas na atividade de gestão de águas. Com o conseqüente
aumento físico dos projetos e da região que será afetada, a atividade de planejar e de implantar os
projetos levará mais tempo, havendo a demanda de previsão de necessidades futuras com
antecedência suficiente para que possam ser supridas quando ocorrerem.
O padrão qualitativo das águas, tanto quanto o quantitativo, deve ser objeto de consideração e
de adequação das disponibilidades com as demandas. Ele é intrinsecamente vinculado ao padrão
quantitativo. Por exemplo, o comprometimento qualitativo das águas de um rio pelo despejo de águas
servidas pode ser atenuado tanto pelo tratamento dessas águas quanto pelo aumento das vazões para
diluição dos poluentes.
70
e, menos freqüentemente, com suprimento irrigado. À medida que a civilização se desenvolveu, outros
tipos de necessidades foram surgindo, disputando águas muitas vezes escassas e estabelecendo
conflitos entre usuários. Elas acham-se inseridas em três classes:
- Consuntivo: refere-se aos usos que retiram a água de sua fonte natural diminuindo suas
disponibilidades quantitativas, espacial e temporalmente;
- Não-consuntivo: refere-se aos usos que retomam à fonte de suprimento, praticamente a
totalidade da água utilizada, podendo haver alguma modificação no seu padrão temporal de
disponibilidade quantitativa;
- Local: refere-se aos usos que aproveitam a disponibilidade de água em sua fonte sem
qualquer modificação relevante, temporal ou espacial, de disponibilidade quantitativa.
- Conflitos de destinação de uso: essa situação ocorre quando a água é utilizada para
destinações outras que não aquelas estabelecidas por decisões políticas, fundamentadas ou
não em anseios sociais, que as reservariam para o atendimento de necessidades sociais,
ambientais e econômicas; por exemplo, a retirada de água de reserva ecológica para a
irrigação;
Exemplo: uso intensivo de água para irrigação impedindo outro usuário de captá-la,
ocasionando, em alguns casos, esgotamento das reservas hídricas. Esse conflito pode ocorrer também
entre dois usos não-consuntivos: operação de hidrelétrica com estabelecimento de flutuações nos
níveis de água que acarretam prejuízos à navegação.
Em conjunto com esses conflitos ocorrem incrementos das demandas hídricas devido ao
aumento populacional, agravando o problema de abastecimento, particularmente nas regiões semi-
71
áridas. Outra dificuldade é o controle de inundações, que se tornou imperativo nas regiões que
sofreram o efeito simultâneo da urbanização não planejada, que impermeabilizou o solo e invadiu o
leito maior dos rios, e do manejo do solo não adequado, que assoreou os cursos de água.
Conclui-se que o uso múltiplo das águas pode ser uma opção inicial, mas é também uma
conseqüência natural do desenvolvimento econômico. A integração harmônica desses usos é a opção
existente para a solução de conflitos entre usuários.
Exemplo: suponha que um sistema deva abastecer de água um distrito de agricultura irrigada.
Apenas durante certos períodos do ano ocorrem déficits agrícolas que necessitam ser atenuados pela
irrigação. O sistema estaria sem uso no restante do tempo. Seria possível, nesse caso, prever uso
alternativo em tais períodos de ociosidade. Deve ser notado, porém, que o sistema de abastecimento
agrícola durante o período sem uso pode estar na fase de formação de reservas hídricas essenciais
para garantir o abastecimento futuro. Não há nessa situação perspectiva de se dar um uso alternativo à
água em acumulação.
Outro tipo de possibilidade ocorre quando a captação e retorno de água destinada a um uso não
consuntivo se faz de forma a permitir o seu uso alternativo. Nesse caso não existirão conflitos e o
sistema poderá atender a ambos usos sem aumento de capacidade. Porém, à medida que os padrões
temporais das demandas hídricas alternativas não sejam coincidentes entre si nem com o padrão
temporal das disponibilidades, pode haver conflitos.
Exemplo: suponha que um sistema seja composto por um reservatório que estabeleça a
adequação do padrão temporal da disponibilidade com o padrão temporal da demanda hídrica para a
geração de energia elétrica, um uso não-consuntivo. Caso se pretenda incluir o atendimento ao
abastecimento agrícola, o padrão temporal da demanda agrícola dever ser sintonizado com o da
demanda de energia elétrica. Em outras palavras, a demanda de energia em qualquer instante deve
exigir um turbinamento de água cujo volume seja pelo menos igual à demanda agrícola. Na situação
em que isso não ocorra, o atendimento ao abastecimento agrícola poder ser feito apenas de forma
parcial.
A promoção do uso conjunto sem expansão de sistemas de recursos hídricos pode ser referida
como compartilhamento do sistema. No exemplo apresentado, o compartilhamento foi realizado sobre
a própria descarga hídrica. Em outros casos poder haver o compartilhamento das estruturas. Por
exemplo, um reservatório deve Ter um vertedouro para escoar grandes cheias. A dimensão do
vertedouro depende da hidrologia da bacia de drenagem e não da capacidade do reservatório em
atender a uma dada demanda hídrica. Assim, seja para promover o atendimento a uma demanda
singular ou a várias demandas, o vertedouro terá a mesma dimensão e possivelmente o mesmo custo.
72
Ao serem agregadas ao sistema diversas demandas, o custo deste vertedouro poder ser rateado entre
elas.
A Segunda vantagem do uso múltiplo e integrado está nas economias de escala captadas na
implantação do sistema. Elas ocorrem quando os custos de investimento, operação e manutenção por
unidade da dimensão do projeto diminuem com a dimensão total. Isso faz com que a construção de um
projeto que atenda a vários usos seja mais vantajosa do que se construir vários projetos isolados que
atendam a usos singulares. Essa vantagem é obtida por causa de outro tipo de compartilhamento,
decorrente da obtenção de uma produtividade maior do trabalho, por meio da especialização, da maior
diluição dos custos fixos que independem do número de usuários e de um maior poder de barganha
com a aquisição de grandes quantidades de insumos. Como esse efeito decorre da escala maior do
empreendimento, ele é denominado economia de escala.
As desvantagens do uso múltiplo e integrado dos recursos hídricos são de caráter gerencial. 0
compartilhamento dos recursos hídricos por diversos usuários dever exigir o estabelecimento de regras
operacionais, freqüentemente complexas, para que a apropriação da água seja realizada de forma
harmônica. Além disso, haverá necessidade de centralização das decisões, com a possibilidade de
serem estabelecidas entidades multissetoriais de porte considerável e difícil administração ou de
previsão da articulação das políticas de entidades setoriais, através, por exemplo, de colegiados
administrativos. Em uma administração pública grandemente centralizada e organizada por setores
econômicos, a constituição de tais tipos de arranjos apresenta grandes dificuldades políticas e
institucionais.
Não obstante esse aspecto, é importante frisar que o uso dos recursos hídricos não é uma opção
que faz o planejador, mas realidade que ele enfrenta com o desenvolvimento econômico. As
alternativas existentes são integrar tais usos de forma harmônica, em que pese a complexidade da
administração, ou deixá-los de forma desarticulada, enfrentando, como conseqüência, conflitos entre os
usuários que comprometerão a eficiência do uso.
Como mostrado ao longo deste trabalho, o uso da água para diferentes finalidades acarreta,
exceto no caso dos usos de preservação, alterações em sua qualidade. Constata-se também, que os
vários tipos de práticas do meio social (obras, desmatamento, urbanização e outros tipos) podem influir
no ciclo hidrológico.
Os problemas ambientais são por natureza complexos. Essa complexidade se evidencia pelos
diferentes aspectos observados quando se analisa um problema ambiental qualquer. Via de regra é
raro encontrar um problema ambiental cujas causas não se situem no meio social. Entretanto, no
momento em que se busca por exemplo, reparar um problema como desmatamento, poluição do ar, de
um rio ou de uma bacia hidrográfica, ou ainda, praticar ações preventivas para que eles não ocorram,
necessita-se saber, além das causas relacionadas diretamente com os efeitos observados, aquelas
não explicitadas.
73
análise descobre-se que é no inter-relacionamento das práticas do meio social (ação humana) sobre o
meio físico natural que estão as explicações que permitem a compreensão do problema ambiental em
sua globalidade.
Diante desses fatos, busca-se como proceder para lidar com os problemas surgidos, o que fazer
para compreender, controlar, evitar e solucionar os problemas decorrentes do uso inadequado dos
recursos ambientais e que abordagem metodológica deve ser adotada – a unidisciplinar,
multidisciplinar ou interdisciplinar.
Assim, a gestão dos recursos hídricos como parte da questão ambiental, exige esforços de
coordenação multidisciplinar e intersetorial, como conseqüência dos atributos e das peculiaridades do
recurso que se pretende gerir. É algo fundamental à gestão do recurso hídrico, incontornável, e que
independe das normas jurídicas e das instituições que possam existir. Ignorar esse fato é desconhecer
a realidade, com sérios riscos de conflitos para o futuro.
O Quadro 4.1 mostra os campos de atividades humanas correlatos aos recursos hídricos,
mostrando a necessidade da abordagem interdisciplinar para seu devido aproveitamento.
74
Quadro 4.1 – Campos de atividades correlatos aos recursos hídricos (Barth, 1987).
75
interdisciplinares para a execução da gestão de águas. Como conseqüência, surge o problema de
inter-relacionamento de profissionais com conhecimentos distintos. Para possibilitar isso, há
necessidade de que cada profissional atuante em uma equipe de gestão de águas tenha
conhecimentos básicos em diversas outras disciplinas que não aquela que domine. Por exemplo, um
especialista na área dos recursos hídricos deve ter boa base em diversas disciplinas técnicas e
conhecimentos gerais de várias disciplinas classificadas como não-técnicas ou semi-técnicas.
Os princípios orientadores da gestão racional do uso, controle e proteção das águas foram
sintetizados por Veiga da Cunha et al. (1980):
- "A avaliação dos benefícios coletivos resultantes da utilização da água deve ter em conta as
várias componentes da qualidade de vida: nível de vida, condições de vida e qualidade do
ambiente."
Esse princípio é auto-explicativo. Os benefícios devem ser considerados da forma mais ampla e
abrangente, em termos de suas contribuições à qualidade de vida. Isso leva em conta o nível e
condições de vida, ou seja, dentro de determinada condição que pode ser ditada pelo ambiente,
tradições e cultura, qual nível de vida, representado pela possibilidade material de acesso à satisfação,
pode ser atingido e que padrão mínimo deve ser alcançado compulsoriamente. A inserção da qualidade
ambiental reflete a íntima relação entre a qualidade do ambiente e a satisfação, no presente e a longo
prazo.
76
- “A unidade básica de gestão dos recursos hídricos deve ser a bacia hidrográfica”.
A bacia hidrográfica, através da rede de drenagem fluvial, integra grande parte das relações
causa-efeito que devem ser tratadas na gestão. Embora existam outras unidades político-
administrativas a serem consideradas, como os municípios, estados, regiões e países, essas unidades
não apresentam necessariamente o caráter integrador da bacia hidrográfica, o que poderia tomar a
gestão parcial e ineficiente caso fossem adotadas.
- "A capacidade de autodepuração dos cursos de água deve ser considerada como um recurso
natural cuja utilização é legitima, devendo os benefícios resultantes dessa utilização reverter
para a coletividade; a utilização dos cursos de água como meio receptor de efluentes
rejeitados não deve, contudo, provocar a ruptura dos ciclos ecológicos que garantem os
processos de autodepuração."
O transporte, diluição e depuração de efluentes são considerados usos dos recursos hídricos. Os
corpos de água têm uma capacidade de assimilação de resíduos que deve ser obedecida sob pena de
haver poluição e degradação das águas. Essa capacidade de assimilação deve ser adequadamente
rateada entre a sociedade, evitando o seu comprometimento unilateral. Por exemplo, uma indústria, ao
lançar seus efluentes em um rio poderá utilizar toda sua capacidade de assimilação, impedindo que
outros usuários o façam, sem que ocorra a poluição. Tal capacidade deve ser rateada entre os
potenciais usuários promovendo o máximo de satisfação para a sociedade.
- ”A gestão de águas deve abranger tanto as águas interiores superficiais e subterrâneas como
as águas marítimas costeiras."
Esse princípio introduz na gestão de águas a unidade do ciclo hidrológico, que acarreta a
inviabilidade de gerir separadamente o que é naturalmente unificado. A qualidade das águas interiores
afetará a qualidade das águas costeiras. A gestão quantitativa e qualitativa das águas superficiais
afetará a quantidade e a qualidade das águas subterrâneas e vice-versa.
- “A gestão dos recursos hídricos deve considerar a estreita ligação existente entre os
problemas de quantidade e qualidade das águas."
Esse princípio amplia o anterior ao evidenciar que os aspectos qualitativos da água são
indissociáveis dos aspectos quantitativos. A qualidade da água é estabelecida pela concentração de
substâncias que nela são diluídas. O aumento de concentração e o conseqüente comprometimento da
qualidade podem acontecer tanto pelo aumento da emissão dessas substâncias quanto pela
diminuição do volume de água que as dilui. Ao serem estabelecidas obras que afetem o regime
quantitativo dos corpos de água a sua qualidade será também afetada, e tais questões devem ser
tratadas de forma conjunta.
- "A gestão dos recursos hídricos deve processar-se no quadro do ordenamento do território,
visando a compatibilização, nos âmbito regional, nacional e internacional, do desenvolvimento
econômico e social com os valores do ambiente”.
77
recurso ambiental raramente ocorre de forma isolada. Para ficar apenas em um exemplo, a gestão dos
recursos hídricos tem repercussões no uso do solo, e vice-versa. Dessa forma, as águas não podem
ser geridas de forma isolada, sua gestão deve ser articulada no quadro da gestão de todos os recursos
ambientais, que deve ser realizada pelo ordenamento territorial.
- "A crescente utilização dos recursos hídricos bem como a unidade destes em cada bacia
hidrográfica acentuam a incompatibilidade da gestão de águas com sua propriedade privada."
Alguns recursos ambientais, como o solo, podem ser geridos com razoável eficiência através da
admissão da propriedade privada. Isso decorre de que a maioria das conseqüências de uma boa ou má
gestão. Por exemplo, o grau de fertilidade e de erosão decorrentes do manejo agrícola é especialmente
limitado, atingindo, via de regra, a própria área onde se verifica, ou seja, a propriedade agrícola. As
perdas de fertilidade e de solo têm ocorrido, em certas regiões de forma preocupante, mas os
proprietários tendem a reagir adequadamente às campanhas de conservação, pois os prejuízos
decorrentes de não fazê-1o serão sofridos na sua maior parte por eles mesmos. Isso significa que os
efeitos colaterais ou externalidades negativas são pequenos. No caso dos recursos hídricos isso
geralmente não ocorre pelo fato de ser um recurso fluido e móvel. A poluição de um rio é um exemplo
que mostra que nem sempre o seu causador é o que sofre suas conseqüências.
Existem certas correntes que argumentam que se a água fosse propriedade privada o problema
de poluição não ocorreria. O proprietário, ao constatar a poluição, poderia exigir de seus causadores
ressarcimento dos prejuízos. No entanto, existem enormes dificuldades para que essa tarefa seja
devidamente realizada. Inicialmente, a constatação da poluição, que somente pode ser realizada
visualmente quando atinge níveis elevados. Depois, a sua quantificação, para o que são necessários a
amostragem freqüente e exames laboratoriais caros e inacessíveis a grande parte da população. Em
seguida, o problema da identificação dos poluidores, tarefa que exige uma fiscalização permanente,
incompatível de ser assumida por uma parte privada. Finalmente, a questão de responsabilização legal,
que gera contenciosos que se arrastam por vários anos, com custos inacessíveis para grande parte da
sociedade. Ocorrem, nesse caso, dificuldades insuperáveis de negociação e de responsabilização legal
entre as partes envolvidas, devido às dificuldades de identificação do problema e de seus causadores,
ao longo do tempo, e aos altos custos necessários para o acerto entre as partes. Diante disso, há uma
tendência mundial de estabelecer a água como bem de propriedade do Estado (União e suas divisões).
Isso no Brasil é objeto de dispositivo constitucional.
- “Todas as utilizações dos recursos hídricos, com exceção das correspondentes a captações
diretas de água de caráter individual, para a satisfação de necessidades básicas, devem
estar sujeitas a autorização do Estado”
Esse princípio visa assegurar na prática o exercício de propriedade ou domínio da água pelo
Estado e estabelecer um instrumento importante de gestão, pela possibilidade de compatibilizar o uso
com a disponibilidade dos recursos hídricos.
- “Para pôr em prática uma política de gestão de águas é essencial assegurar a participação das
populações por meio de mecanismos devidamente institucionalizados”.
78
de participação pública é de difícil implantação devido à falta de costume e à inexistência de
mecanismos institucionais que a viabilizem. Uma das experiências de maior sucesso que têm sido
desenvolvidas é a criação de comitês de gerenciamento de bacia hidrográficas, que reúnem
representantes de entidades públicas e privadas, de usuários e de associações comunitárias,
interessados na gestão de águas de uma bacia. A esses comitês são atribuídas funções de decisão
sobre as medidas a serem implementadas para promoção do uso, controle e proteção da água na
bacia.
Por serem os recursos hídricos de propriedade ou domínio do Estado, cabe a ele a autoridade
de gestão. Esse princípio estabelece, portanto, limitações à participação da sociedade na gestão,
justificada pela constatação de que poderão existir interesses sobre as águas de uma bacia que
extrapolam os interesses da população local. Exemplos disso são a energia elétrica, que pode ser
gerada em um rio para ser consumida em centros distantes, e a proteção ambiental, que pode ser do
interesse de toda sociedade e das gerações futuras, e entrar em conflito com os interesses locais.
Esses exemplos mostram que a gestão de águas se desenvolve através de um processo de
negociação social, que pode envolver parte substancial da sociedade atual e das gerações futuras. A
autoridade de gestão deve pertencer ao Estado para permitir que tal negociação seja realizada de
forma legítima, considerando todos os interesses envolvidos, tantos das gerações presentes quanto
das futuras.
- "Na definição de uma política de gestão de águas devem participar todas as entidades com
intervenção nos problemas da água. Todavia, a responsabilidade pela execução dessa
política deve competir a um único órgão que coordene, em todos os níveis, a atuação
daquelas entidades em relação aos problemas da água.”
Sendo múltiplos os usos da água, diversas entidades deverão participar de sua gestão. A
articulação e a harmonização dos diferentes interesses deve ser da responsabilidade de um organismo
único, viabilizando a necessária coordenação, em todos os níveis de decisão existentes. Esse
organismo tem sido projetado na forma de Conselhos Nacionais ou Estaduais de Recursos Hídricos,
que reúnem representantes de ministérios e secretarias estaduais relacionados com a água, seus
usuários e representantes da sociedade, atuando de forma sistêmica.
a) Modelo Burocrático
Começou a ser implantado no final do século XIX, tendo sido seu marco referencial estabelecido
no Brasil no início da década de 30, com a aprovação do Decreto nº 24.643, de 10 de junho de 1930,
denominado Código de Águas. Nele, o objetivo predominante do administrador público é cumprir e
79
fazer cumprir os dispositivos legais. Tem como principais características a racionalidade e a
hierarquização. Para instrumentalização desse processo, em face da complexidade e abrangência dos
problemas das águas, foi gerada grande quantidade de leis, decretos, portarias, regulamentos e
normas sobre uso e proteção, alguns dos quais se tomam inclusive objeto de disposições
constitucionais. Como conseqüência, a autoridade e o poder tendem a concentrar-se gradualmente em
entidades públicas, de natureza burocrática, que trabalham com processos casuísticos e reativos
destinados a aprovar concessões e autorizações de uso, licenciamento de obras, ações de
fiscalização, de interdição ou multa, e demais ações formais de acordo com as atribuições de diversos
escalões hierárquicos.
- a visão fragmentada do processo de gerenciamento, que faz com que os atores exacerbem a
importância das partes de sua competência e se alheiem dos resultados finais pretendidos e
que justificam a própria existência do gerenciamento;
- desempenho restrito ao cumprimento de normas e o engessamento da atividade de
gerenciamento por falta de flexibilidade para o atendimento de necessidades não rotineiras;
- dificuldade de adaptação a mudanças internas e externas, com tendência a perpetuação de
normas de procedimento, mesmo após a extinção dos fatos que as geraram;
- centralização do poder decisório nos escalões mais altos, geralmente distantes do local em
que ocorre a demanda de decisão, com demoras desnecessárias e descompromisso da parte
que recebe as demandas mas não tem o poder de atendê-las;
- padronização no atendimento a demandas, que nem sempre considera expectativas ou
necessidades específicas, resultando em conflitos que reforçam a percepção da ineficiência e
da falta de eficácia e comprometem a imagem do sistema de gerenciamento;
- excesso de formalismo, do qual decorrem controles sobre controles, exigindo pessoal para
acompanhamento, registro de dados e supervisão de trabalhos, acúmulo de papéis em
diversas vias, morosidade no processo de comunicação e de ação e demais eventos
característicos;
- pouca ou nenhuma importância dada ao ambiente externo ao sistema de gerenciamento, que
possui demandas nem sempre percebidas; as pressões externas, quando acentuadas, são
vistas como ameaças indesejadas e não como estímulos ao desenvolvimento e à inovação.
Diante disso, a autoridade pública torna-se ineficiente e politicamente frágil ante os grupos de
pressão interessados em outorgas, concessões, autorizações e licenciamentos para benefícios
setoriais ou unilaterais. A inadequação dessa situação tem como conseqüência o surgimento e
agravamento dos conflitos de uso e proteção das águas, que realimentam o processo de elaboração de
instrumentos legais, dentro da assertiva de que "se alguma coisa não está funcionamento é por que
não existe lei apropriada”. Isso acaba por produzir uma legislação difusa, confusa, muitas vezes
conflitante e quase sempre de difícil interpretação, com o conseqüente agravamento dos problemas da
administração pública que, de um quadro de atuação ineficiente passa para outro de total inoperância.
Nessa situação, surge uma reação contrária, sintetizada pela frase "já existem leis suficientes, havendo
simplesmente necessidade de serem aplicadas". Em tal caso, remete-se a culpa do fracasso do
80
modelo à lentidão da justiça e à inoperância, ou mesmo venalidade, do poder público, conjugados com
atitudes ambientalmente criminosas dos agentes econômicos. O gerenciamento de águas toma-se uma
questão de polícia, desconhecendo-se que esses sintomas têm como causa fundamental a carência de
um sistema efetivo, eficaz e eficiente para sua promoção.
Apesar de ter fracassado na produção de um gerenciamento eficiente das águas no Brasil, esse
modelo encontrou condições propícias para ser reformulado com o preparo das novas constituições
federal e estaduais, a partir de 1988. A ótica do que poderia ser denominado modelo neo-burocrático é
que agora seria possível o preparo de leis adequadas, pela produção de uma legislação totalmente
nova e, desta vez, articulada e eficiente, em conjunto com seus licenciamentos, outorgas, controles e
punições. No entanto, deve ser compreendido que, por um lado, a legislação anterior não foi resultado
da incompetência dos administradores, juristas e legisladores, mas da limitação do processo que tal
opção acarreta. Sendo assim, ao ser novamente adotado tal modelo, a tendência é de se cometerem
outra vez os mesmos erros. Por outro lado, a dificuldade em se aplicá-lo não resulta unicamente da
incompetência ou venalidade da administração pública, ou da lentidão da justiça, mas das limitações do
próprio modelo. Há necessidade, portanto, de um modelo de gerenciamento das águas
operacionalizado e instrumentalizado por uma legislação efetiva, que encontre no processo civil ou
criminal uma alternativa extrema de negociação, mas nunca sua única opção para promoção do
desenvolvimento sustentável.
Esse modelo pode ser considerado um desdobramento da política econômica preconizada por
John Maynard Keynes, que destacava a relevância do papel do Estado como empreendedor, utilizada
na década de 30 para superar a grande depressão capitalista e que teve como uma das conseqüências
a criação, nos EUA, da Tennessee Valley Authority, em 1933, como a primeira Superintendência de
Bacia Hidrográfica. É também fruto da análise custo-benefício, cujas bases de aplicação aos recursos
hídricos foram estabelecidas pelo Flood Control Act, novamente nos EUA, em 1936. No Brasil, tem
como marco de sua aplicação a criação, em 1948, da Companhia de Desenvolvimento do Vale do São
Francisco – CODEVASF.
81
A principal falha desse modelo é que adota concepção relativamente abstrata para servir de
suporte para a solução de problemas contingenciais: o ambiente mutável e dinâmico exige grande
flexibilidade do sistema de gerenciamento para adaptações freqüentes e diversas. No caso do
gerenciamento de águas ele esbarra na necessidade de criar um enorme sistema que compatibilize as
intenções espaciais e temporais de uso e proteção das águas, ficando ainda mais evidenciada a
necessidade de flexibilidade. Essa dificuldade leva à definição de sistemas parciais, relativamente
fechados, como demonstra a experiência brasileira. Nessa orientação, a injeção de recursos
financeiros acarreta o desenvolvimento dos setores selecionados pelos programas governamentais.
Isso pode causar um desbalanceamento entre os diversos usos dos recursos hídricos e desses usos
com os objetivos de proteção das águas. Pode ocorrer uma apropriação excessiva por certos setores, o
que restringe a utilização social ou mesmo economicamente ótima da água. Possibilita a intensificação
do uso setorial não integrado em certas bacias de importância econômica, acarretando quase sempre
os mesmos conflitos do modelo burocrático, neste caso, com caráter intersetorial e, até mesmo,
intrassetorial. Finalmente, tende a subdimensionar a questão ambiental, ou a superdimensioná-la, no
processo do planejamento integrado da bacia, dando origem a processos traumáticos de contestação
por parte de grupos desenvolvimentistas ou ambientalistas.
Não obstante essas críticas, tal modelo, mesmo com a orientação setorial adotada, representa
um avanço em relação ao anterior, já que, pelo menos setorial e circunstancialmente, possibilita a
realização do planejamento estratégico da bacia e canaliza recursos financeiros para implantação dos
respectivos planos diretores. Isso permite a ocorrência de um certo grau desenvolvimento no uso, no
controle ou na proteção das águas. Pode falhar, porém, na promoção do gerenciamento integral, pois
não assegura o tratamento global de todos os problemas e oportunidades de desenvolvimento e
proteção, porque depende das diretrizes estabelecidas pelo poder público, que eventualmente é
distante e insensível aos problemas locais e, do ponto de vista organizacional é restrito ao tratamento
setorial. Tende a criar entidades públicas com grandes poderes, que estabelecem conflitos com outras
pré-existentes, resultando em impasses políticos de difícil solução. E tem uma grave conseqüência,
que aparece quando os programas são encerrados: muitas vezes são perdidos grandes investimentos
realizados para propiciar um uso setorial dos recursos hídricos que não será mais privilegiado no
futuro, ou a bacia se toma extremamente vulnerável a atividades com potencial de degradação
ambiental.
As críticas a esse modelo podem ser contestadas pela argumentação de que algumas bacias
brasileiras apresentam tal grau de carência quantitativa ou de deterioração qualitativa, real ou
potencial, que somente programas de desenvolvimento ou proteção, envolvendo grandes
investimentos, poderão solucioná-los. O estabelecimento de programas de investimentos não é aqui
condenado, nem poderia sê-lo. O que se alega é que o gerenciamento das águas não pode ser
efetivado exclusivamente por programas setoriais, através da mediação do poder executivo. Há
necessidade de estabelecimento de um modelo de gerenciamento que possibilite o desenvolvimento
econômico integral ou seja, multissetorial da bacia, socialmente eficiente e ambientalmente sustentável.
Isso implica no fomento, articulação e coordenação dos programas que sejam necessários para
atender demandas e oportunidades de curto e longo prazo, e não apenas a implementação de
programas setoriais não integrados e de caráter transitório. Um modelo que aumente a eficácia da
geração e emprego de instrumentos legais, ao contrário de produzir uma legislação caótica. Enfim, há
necessidade de um modelo de gerenciamento das águas com a capacidade de abordar como um todo
os problemas e oportunidades de desenvolvimento (crescimento econômico, eqüidade social e
sustentabilidade ambiental), gerando e aplicando com eficiência os instrumentos legais e econômicos
necessários, integrando e articulando as instituições públicas, privadas e comunitárias interessadas,
dentro de uma concepção sistêmica e, por isso, multi e intersetorial do gerenciamento.
82
Esse modelo pode ser obtido com a segunda orientação do modelo econômico – financeiro, que
visa o desenvolvimento integral da bacia hidrográfica. O problema dessa opção, já comentado
previamente, é a necessidade de criação de entidades multissetoriais de grande porte que concorrem
pelo espaço político e administrativo com as demais entidades públicas setoriais atuantes na bacia.
Isso dificulta a necessária articulação institucional, com usuários e com a comunidade.
Trata-se do modelo mais moderno de gerenciamento das águas, objetivo estratégico de qualquer
reformulação institucional e legal bem conduzida. Ele se caracteriza pela criação de uma estrutura
sistêmica, na forma de matriz institucional de gerenciamento, responsável pela execução de funções
gerenciais específicas, e pela adoção de três instrumentos:
No que diz respeito ao planejamento estratégico por bacia hidrográfica, deve ser entendido que
os interesses de uso, controle e proteção das águas provêm de diversos setores. Há necessidade de
serem conhecidos os diversos planos setoriais de longo prazo, quantificando e hierarquizando as
intenções de uso, controle e proteção de forma que seja possível a elaboração de um plano
multissetorial de longo prazo, que buscará articular os interesses entre si e com as disponibilidades dos
recursos hídricos. Como no planejamento de longo prazo não há possibilidade de obtenção de
previsões confiáveis, devem ser formulados cenários alternativos de uso, controle e proteção das
águas que servirão de base para os planos setoriais. Em uma sociedade, demandas e valores mudam,
e assim não será encontrada em qualquer momento uma solução final para os problemas. O
planejamento deve ser um processo contínuo de julgamentos e decisões para atender a novas
situações em futuro incerto. Sendo assim, muitas decisões que comprometeriam o atendimento de
determinados setores na ocorrência de dado cenário deverão ser evitadas e o gerenciamento de águas
deverá privilegiar aquelas decisões que preservem opções futuras de uso, controle e proteção. De
acordo com Tonet & Lopes (1994), "o comportamento passivo, de aguardar a manifestação da
demanda para então procurar atendê-la, deixa a organização vulnerável, compromete a eficiência e
muitas vezes inviabiliza soluções rápidas e práticas, exigindo maior montante de recursos para corrigir
desvios que poderiam ser evitados. No ambiente mutável é preciso antecipar-se às demandas; quando
83
há grupos de interesses conflitantes é preciso, ainda, antecipar-se à própria necessidade para poder
atendê-la no menor tempo possível...”
84
bastidores, e traz-se sua execução para o contexto de ampla participação e pleno conhecimento dos
interesses e das conseqüências das decisões adotadas.
Outra constatação surge de uma reflexão sobre as causas da falência dos modelos
historicamente adotados para o gerenciamento das águas: a legislação nem sempre é acatada e as
entidades com poderes de implementá-la não querem ou não têm condições operacionais de fazê-lo.
Existem duas formas de corrigir esse problema. Uma é reforçar o poder de polícia das entidades
responsáveis, o que exige grandes investimentos em pessoal e equipamentos, e a tomada de medidas
coercitivas impopulares e de difícil sustentação política. Muitas vezes, retoma-se à principal causa da
falência desse modelo, imaginando-se que os problemas serão solucionados por novas imposições
legais. Outra maneira, mais racional, é fazer com que os agentes entendam as razões da existência
das leis e de que forma suas infrações poderão afetar o bem-estar das gerações presentes e futuras. A
constituição de um comitê com atribuições de gerenciamento das águas de uma bacia é uma das
formas de se obter esse entendimento, fazendo com que cada participante controle sua própria
atuação, impeça a atuação anti-social de outros e reforce a atuação das entidades com atribuições de
controle, visando o bem comum dos interessados na bacia hidrográfica.
- A cobrança pelo uso dos recursos hídricos, incluído aí o lançamento de resíduos nos corpos
de água.
Esse instrumento, que pode ser usado para gerar recursos para investimentos na bacia,
primordialmente, e para estimular o uso socialmente adequado da água, em caráter complementar,
constitui-se em aplicação do princípio poluidor-pagador ou usuário-pagador.
85
- Rateio de custo das obras de interesse comum entre os seus beneficiários.
A questão da cobrança pelo uso dos recursos hídricos causa reações de pessoas ou grupos
que entendem ser mais uma forma de aumento de imposto, e por isso a desaprovam enfaticamente. A
idéia subjacente é que a bacia deve gerar os recursos financeiros para seus próprios investimentos,
assim como o faz um condomínio de edifício. A alternativa para a cobrança é o financiamento dos
investimentos justamente pelos impostos que seriam cobrados de toda a sociedade e não daquele
segmento diretamente beneficiado, que se insere na bacia. Isso poderia, inclusive, reforçar as
discussões sobre a necessidade de diminuição de impostos, pois seria estabelecido um instrumento de
arrecadação alternativo, que tem a vantagem de poder ser controlado pelos próprios pagadores, por
meio da atuação do comitê de bacia. Nas bacias sem capacidade de pagamento haveria ainda a
necessidade de se buscar suas fontes de financiamento nos impostos pagos por toda sociedade. Em
tal caso, haveria a legitimação desse instrumento por estar coadunado com objetivos de eqüidade
social, como os de diminuição de diferenças regionais, estabelecimento de pólos alternativos de
desenvolvimento, ampliação da fronteira agrícola, melhoria da distribuição de renda e outros
benefícios.
Sob a ótica da administração de organizações, esse modelo poderia ser classificado como
sistêmico contingencial. Segundo tal modelo, sendo a organização um sistema aberto, o que nela
ocorre depende ou resulta do que ocorre no ambiente. É, portanto, enfatizado o ambiente em que se
insere a organização, e como suas necessidades mutáveis e diversificadas agem sobre a dinâmica da
organização, e a rede resultante de relações formadas em decorrência das demandas surgidas e das
respostas emitidas. Nada é fixo, tudo é relativo e, por isso, leva à valorização do papel da negociação
social pelo gerenciamento das águas, e prevê a criação de instâncias específicas para realizá-lo.
86
5. ASPECTOS ORGANIZACIONAIS DO GERENCIAMENTO DOS RECURSOS HÍDRICOS
ASSIMILAÇÃO DE
OUTROS USOS
AGRICULTURA
TRANSPORTE
DIMENSÕES DO
RESÍDUOS
ENERGIA
PÚBLICO
GERENCIAMENTO
LAZER
AMBIENTAL
SOLO
OFERTA DOS RECURSOS
GERENCIAMENTO DA
AR
AMBIENTAIS
ÁGUA
FAUNA
FLORA
OUTROS
RECURSOS
87
A complexidade de se considerar em um espaço geográfico demasiadamente amplo essas três
dimensões determina a busca de delimitação geográfica mais restrita, que contenha a maioria das
relações causa-efeito e que seja viável do ponto de vista operacional. Existe a tendência de adotar a
bacia hidrográfica como a unidade ideal de planejamento e intervenção devido ao papel integrador das
águas, no aspecto físico, bioquímico e sócio-econômico. Nem sempre, porém, ela será a unidade ideal
de planejamento. As experiências brasileiras que mais se aproximam de um gerenciamento ambiental
no sentido adotado foram realizadas adotando-se microbacias ou grandes bacias hidrográficas.
Trata das medidas que visam o atendimento das demandas setoriais de uso da água. Esse
gerenciamento é levado a efeito por meio de planos setoriais e ações de instituições públicas e
privadas ligadas a cada uso específico das águas: abastecimento público e industrial, esgotamento
sanitário, irrigação, navegação, geração de energia, recreação, e outros usos. Idealmente, os planos
setoriais deverão ser compatibilizados entre si, no âmbito de cada bacia hidrográfica, e com o
planejamento global do uso dos recursos ambientais, no âmbito regional ou nacional. Essas funções de
compatibilização, entretanto, são objeto de gerenciamentos outros que serão apresentados a seguir. As
entidades que cumprem tal função gerencial devem ter natureza executiva.
O gerenciamento da oferta das águas acha-se dividido, por questões de apresentação, em duas
classes – da quantidade e da qualidade. Isto deriva da tradição institucional brasileira, no âmbito
federal e de alguns estados, que estabeleceu entidades distintas para atender a cada uma dessas
funções.
Trata da projeção espacial das duas funções anteriores no âmbito específico de cada bacia
hidrográfica, visando a:
88
- compatibilização dos planos setoriais elaborados pelas entidades que executam o
gerenciamento dos usos setoriais das águas na bacia com os planos multissetoriais de uso
dos recursos hídricos;
- integração das instituições, agentes e representantes da comunidade intervenientes na bacia
ao planejamento do uso das águas e dos demais recursos ambientais.
Essa função deve ser, portanto, exercida por entidade única para cada bacia hidrográfica, que se
responsabilizará pela descentralização do gerenciamento nesse âmbito. Alguns tipos de
descentralização por sub-bacia poderão ser também preconizados, particularmente naquelas
demasiadamente grandes. Nesses casos seriam criadas entidades de sub-bacias, em nível hierárquico
inferior às anteriores. É no exercício dessa função gerencial que se emprega o instrumento do modelo
sistêmico de integração participativa, o qual adota a negociação política direta por meio de
deliberações multilaterais e descentralizadas.
O gerenciamento da oferta poderá também compatibilizar as demandas de uso das águas entre
si, quando não puder ser realizado pela entidade responsável pelo gerenciamento das intervenções na
bacia hidrográfica, seja por problemas operacionais, seja por sua inexistência. Portanto, a necessidade
do seu exercício resulta do entendimento de que o uso global das águas não pode resultar de mera
agregação das pretensões, demandas e planos de usuários setoriais. Cabe ao poder público zelar pela
sua compatibilização de forma que seu uso implique o máximo de benefícios para a sociedade.
d) Gerenciamento interinstitucional
A execução dessa função gerencial é estabelecida pela legislação que cria e distribui atribuições
às entidades que participam do sistema, devendo, contudo, haver uma entidade que promova, oriente
e estimule tais integrações interinstitucionais, servindo de instância superior à qual são dirigidos os
recursos originados em dúvidas de interpretação.
89
5.2 Organização da gestão dos recursos hídricos
De maneira geral, pode dizer-se que a organização institucional da gestão das águas tem
evoluído de modo semelhante em diferentes países. Assim, enquanto a água é abundante e não
ocorrem problemas graves de poluição, a responsabilidade pela gestão das águas vai-se repartindo,
em geral sem grandes inconvenientes, entre as autoridades administrativas responsáveis pela sua
utilização e conservação, de acordo com a vocação específica de cada setor da administração e com
as necessidades do momento. Porém, à medida que se torna mais aguda a competição das atividades
utilizadoras da água, as funções dos diferentes setores da administração interessados na gestão das
águas vão entrando cada vez mais em conflito, ocorrendo freqüentemente sobreposições e perdas de
eficiência. Surge, então, a necessidade de planejar e coordenar o desenvolvimento e a repartição das
disponibilidades de água pelas várias utilizações e de criar novos enquadramentos institucionais, ou
seja, novas leis e novas estruturas orgânicas que assegurem a gestão da água numa perspectiva
global.
Uma estrutura orgânica de gestão dos recursos hídricos tem por finalidade assegurar a
execução da política adotada, com vista a satisfazer os objetivos fixados de acordo com os princípios
orientadores da gestão dos recursos hídricos e por meio do desenvolvimento de um certo número de
ações.
- órgãos e organismos que têm a seu cargo a gestão dos recursos hídricos;
- órgãos e organismos responsáveis pelo planejamento do desenvolvimento econômico-
social;
- órgãos e organismos com jurisdição em domínios relacionados com a água.
No que se refere aos órgãos e organismos que exercem jurisdição em domínios relacionados
com a água, pode-se distinguir aqueles que exercem jurisdição sobre atividades utilizadoras da água e
aqueles que, embora não sendo utilizadores, condicionam decisivamente, pela sua intervenção, a
utilização dos recursos hídricos.
90
instituições de formação e investigação e pelas implicações culturais das utilizações dos recursos
hídricos; as obras relacionadas com os recursos hídricos, por serem indispensáveis ao aproveitamento,
à conservação e ao desenvolvimento desses recursos; e as finanças, pela importância fundamental da
atribuição de recursos financeiros aos projetos de conservação, controle e desenvolvimento dos
recursos hídricos.
Os órgãos e organismos que têm a seu cargo a gestão dos recursos hídricos devem estar
integrados numa estrutura de gestão das águas. Desses órgãos e organismos, uns intervêm
nacionalmente, outros em âmbito regional e outros localmente. A coerência entre as intervenções nos
vários níveis é assegurada pelo sistema de relações hierárquicas.
Assim, essa intervenção múltipla pode ser analisada segundo dois critérios sobrepostos: um
correspondente às intervenções paralelas das diferentes categorias de órgãos e organismos e o outro
correspondente aos vários níveis administrativos hierarquicamente dependentes.
- eficácia do aparelho estatal, que justifique ou não a criação de organismos de gestão com
autonomia administrativa e financeira;
91
Uma das regras básicas que se deduz das considerações anteriores é a da indispensável
coordenação das intervenções dos órgãos e organismos que têm a seu cargo a conservação e o
desenvolvimento dos recursos hídricos, com as das duas outras categorias de entidades da
administração anteriormente citadas: os órgãos e organismos responsáveis pelo planejamento das
atividades econômico-sociais e os órgãos e organismos que exercem jurisdição em domínios
relacionados com a água. Com efeito, os vários setores da administração têm normalmente
perspectivas particulares dos problemas da água, o que torna indispensável a conciliação, por meio
de órgãos representativos, dos interesses dos diferentes setores e, para tanto, encarregados da
formulação das políticas do planejamento da gestão das águas. Desse modo, tais órgãos devem ter
funções deliberativas e coordenadoras, e ser constituídos por representantes dos setores da
administração mais intimamente relacionados com os problemas da água.
Acresce ainda outro aspecto básico, que é o da participação de representantes dos usuários e
de outros setores interessados nos problemas relativos à água na formulação das políticas de gestão
dos recursos hídricos. Resulta, assim, que a estrutura orgânica de gestão das águas carece de órgãos
por meio dos quais aquelas entidades possam manifestar a sua opinião sobre problemas que as
afetem diretamente.
Na Conferência das Nações Unidas de 1977 foram feitas extensas considerações sobre
organizações e estruturas institucionais de administração das águas, como resultado do estudo dos
problemas da gestão dos recursos hídricos em vários países em diferentes situações de
desenvolvimento. Considerou-se, na ocasião, que não há maneira única de organizar e administrar um
programa de desenvolvimento de uma bacia hidrográfica. Concluiu-se, também, que é necessário, em
cada caso, adaptar o sistema de gestão à estrutura geral do Estado, às particularidades e às tradições
políticas dos países e regiões interessados, e que pode haver diversas formas de organização e de
estrutura em diferentes países, tendo em conta a variedade dos tipos e das combinações de funções
que a água exige nos diversos estágios do desenvolvimento administrativo: construção e manutenção,
planejamento e operação, orçamento e despesas, financiamento e comercialização, aspectos
científicos e técnicos, serviços e regulamentação. Todos esses elementos têm dificultado a construção
de modelos de organização em matéria de administração das águas.
Para atingir tais objetivos, a Conferência da Água recomendou que os vários Estados membros:
92
- adotassem um sistema institucional que permita o planejamento e a utilização eficazes dos
recursos hídricos, bem como, se fosse o caso, a utilização de técnicas avançadas; a
organização institucional de gestão das águas deveria ser modificada sempre que
necessário, de modo a assegurar boa coordenação das administrações centrais e locais
competentes;
93
6. PLANEJAMENTO INSTITUCIONAL DA GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS (∗)
As entidades que atuam na “linha” dessa representação matricial são responsáveis pela oferta
da água, compatibilizando as disponibilidades com os usos demandados, nos aspectos quantitativos e
qualitativos. Existirão padrões quantitativos e qualitativos de água demandados pelos usuários e,
também, necessários à proteção do ambiente. Nesse caso existe a preocupação de que os processos
ecológicos sejam preservados.
94
abrangência espacial e jurisdicional (país, região interestadual, estado, região intraestadual, bacia,
município e distrito). Uma proposta de tratamento de tal dificuldade será apresentada a seguir.
a) Jurisdições de planejamento
95
No que diz respeito à economia, o planejamento pode envolver vários setores, caso em que
seria multissetorial. Quando são envolvidas todas as funções de um único setor da economia, trata-se
de um planejamento setorial, como por exemplo, o planejamento agropecuário, que envolve a pecuária
e a agricultura, irrigada ou não. Quando o planejamento se refere a uma função apenas, será funcional,
como no caso do planejamento da irrigação, que estabelece um programa nacional ou estadual. O
planejamento multissetorial abrange e coordena o planejamento de todos os setores. Planos nacionais
de desenvolvimento são produtos do planejamento multissetorial, assim como os planos de uso,
controle e proteção das águas.
Esse plano dever considerar todos os usos, controles e medidas de proteção afetos às águas
visando as suas articulações e compatibilizações. Quando se lida com plano de recursos hídricos, a
rigor, o enfoque seria sobre a água destinada ao uso (recurso) e não à preservação ou conservação.
A necessidade de planejamento por parte dos setores usuários de água é evidente diante dos
potenciais conflitos internos e externos do uso deste recurso, que têm sido agravados com o aumento
da demanda. A oportunidade de um planejamento multissetorial do uso, controle e proteção das águas
talvez não seja tão evidente à primeira vista. No entanto, deve ser considerada a forte relação entre as
águas e os setores como o de transporte (hidrovias), saúde (saneamento), agricultura (irrigação),
urbano (abastecimento, saneamento e lazer) e energia (hidrelétrica). Na verdade, tal separação em
setores é resultado mais da organização político-administrativa do que de uma clivagem real das
atividades inerentes a cada um. Há necessidade de coordenação entre as atividades envolvidas, que
poderá ser obtida apenas com a interveniência do planejamento multissetorial.
Outra necessidade para esse tipo de planejamento surge dos macrozoneamentos regionais,
entre eles o chamado zoneamento ecológico-econômico, a fim de que estabeleçam as vocações de
cada região e promovam uso sustentável dos seus recursos naturais. Os recursos hídricos são alguns
dos componentes principais desse macrozoneamento e, por isso, um planejamento regional
multissetorial deve originar o documento mencionado.
c) Estágios de planejamento
A gestão das águas deve ser orientada por um processo de planejamento que, para ser efetivo,
deve promover adequada compatibilização entre a escala espacial abordada e o nível de detalhe que é
atingido. Quanto maior a escala, menor deverá ser o detalhamento do plano. É preconizado um
processo de planejamento organizado por estágios diferenciados quanto à abrangência espacial e o
detalhamento das análises, resumidamente apresentado no Quadro 6.2.
96
No entanto, devido à complexidade das análises, existe o risco de se dificultar a participação pública no
gerenciamento. Uma alternativa para se atenuar este risco é que, em primeira instância, os estudos
técnicos sirvam como insumo a ampla discussão, da qual seriam gerados os planos referenciados.
Outra alternativa para possibilitar a participação pública é a manifestação dos interesses dos comitês
de bacias hidrográficas previamente ao preparo do plano estadual de recursos hídricos que, por sua
vez, vinculará os planos de bacias hidrográficas a serem preparados pelos mesmos comitês. Ambos os
planos pré-referenciados são do tipo multissetorial.
A política de águas, que pode ter âmbito nacional, regional interestadual ou estadual, é um
estágio inicial de planejamento em que a visão geral das demandas e potencialidades é mais relevante
do que os detalhes sobre programas e projetos a implementar. Deverão ser considerados o uso do
solo e as distribuições de renda, da população, dos recursos ambientais. Por isso, a política de águas
deve ser dirigida para jurisdições de planejamento mais amplas.
ENTIDADES
ESTÁGIOS DE ABRANGÊNCI
INTERVENIENTE NÍVEL DE DETALHAMENTO
PLANEJAMENTO A ESPACIAL
S
Política de Águas País, região Conselho Nacional Estabelecimento de princípios
interestadual ou ou Estadual de doutrinários e diretrizes gerais de
estado Recursos Hídricos atuação visando à coordenação das
ou de Meio intervenções a serem implementadas
Ambiente. na gestão das águas.
Plano Geral de Uso País, região Conselho Nacional Identificação das necessidades,
Controle e Proteção de interestadual, de Recursos anseios e oportunidades sociais e de
Águas grande bacia Hídricos, Comitê de problemas, conflitos e vocações
hidrográfica Bacia Hidrográfica. ambientais regionais; avaliações
preliminares sobre adequação dos
recursos ambientais e financeiros
disponíveis ao atendimento das
demandas; inventário dos dados e
informações básicas existentes;
recomendação de investigações para
as sub-bacias que requeiram análises
mais detalhadas.
Plano Diretor de Bacia Bacia ou sub- Comitês de Bacia Avaliação das necessidades, anseios e
Hidrográfica bacia Hidrográfica e oportunidades sociais, de forma ainda
hidrográfica Conselhos geral, e de programas alternativos que
Municipais de Meio prevejam medidas estruturais (obras
Ambiente civis) e não-estruturais para atendê-
las.
Estudo de Viabilidade Sub-bacia ou Comitês de Bacia Suficiente para permitir a decisão
microbacia Hidrográfica e sobre os programas e projetos a
Conselhos serem executados.
Municipais de Meio
Ambiente
Projeto Básico Microbacia e Conselhos Detalhamento e orçamento de
projetos de Municipais de Meio programas e projetos.
intervenção em Ambiente e
bacias entidades públicas
hidrográficas. com atribuições
específicas.
Projeto Executivo Obra ou Conselhos Processamento do detalhamento das
equipamento. Municipais de Meio obras civis e dos equipamentos,
Ambiente, necessários às suas execuções e
associações montagens, respectivamente; preparo
comunitárias ou de manuais de usuário para orientação
entidades públicas de programas.
com atribuições 97
específicas.
entidades públicas de programas.
com atribuições
específicas.
No plano geral de uso, controle e proteção das águas ainda não existe a consideração
específica sobre projetos. É a fase adequada para realização de estudos globais de impacto ambiental,
que avaliem a compatibilização dos planos com os zoneamentos ecológico-econômicos ou outros
documentos relacionados com o estabelecimento de restrições gerais à apropriação dos recursos
ambientais (incluindo a água), dentro de uma visão regional. O Quadro 6.3 apresenta os elementos que
deverão constar e que poderão ser abordados em um plano desta natureza. De forma resumida, a
tônica desse estágio de planejamento é dirigida para o inventário de informações, meios disponíveis,
soluções alternativas e áreas prioritárias para ações imediatas. São recomendados estudos
complementares de aspectos relevantes sobre os quais existem informações insuficientes.
Quadro 6.3 - Elementos de um plano geral de uso, controle e proteção das águas
Elementos que devem constar Elementos que poderão também ser abordados
− identificação geral dos − inventário e avaliação preliminar das informações disponíveis;
problemas, conflitos inter e intra- − avaliações e projeções preliminares dos usos e demandas de recursos
setoriais, necessidades e hídricos;
oportunidades; − avaliação preliminar das disponibilidades de recursos hídricos;
− listagem das possíveis − avaliação do Sistema de Gerenciamento de Recursos Hídricos
alternativas para solução; existente e sua adequação à abordagem do problema;
− inventário dos recursos hídricos − inventário do estado presente de desenvolvimento e apropriação dos
disponíveis e das oportunidades recursos hídricos;
gerais para seu desenvolvimento; − inventário geral dos meios disponíveis para satisfação das
− avaliação preliminar da necessidades;
adequação global dos recursos − avaliação preliminar das soluções alternativas para atendimento às
hídricos disponíveis ao atendimento metas de planejamento;
às demandas; − identificação de áreas problemáticas que necessitem atenção prioritária,
− recomendação de investigações incluindo conflitos intersetoriais;
específicas a serem realizadas. − recomendação de ações que possam ser executadas de imediato e
daquelas que necessitem de estudos complementares para serem
consideradas.
A partir do preparo dos planos diretores de bacia hidrográfica existe a consideração específica
de programas e projetos, com intervenções na forma de medidas estruturais e não-estruturais. O plano
resultante deve se constituir em guia para o detalhamento das intervenções no estágio seguinte,
devendo identificar e recomendar projetos a serem executados por entidades federais, estaduais,
municipais e privadas. A ênfase deverá ser dirigida para estabelecer os cursos de ação a serem
executados, que se integrem às opções de ação que estarão disponíveis no futuro a longo prazo. O
estudo dirige-se a programas, projetos e medidas de caráter localizado sobre uma bacia hidrográfica, já
havendo neste estágio uma seleção prévia daqueles mais adequados, com base em análises
preliminares de custo-efetividade, custo-benefício e de estudos de impacto ambiental. As alternativas
selecionadas serão analisadas em detalhe no estágio seguinte. O Quadro 6.4 detalha os elementos
componentes desse estágio.
98
Quadro 6.4 - Elementos componentes de um plano diretor de bacia hidrográfica
Elementos que devem constar Elementos que poderão também ser abordados
− avaliação geral das medidas − estimativa das demandas de recursos hídricos, atuais e futuras;
alternativas de atendimento às metas e aos − estimativa das disponibilidades de recursos hídricos;
objetivos de planejamento e de atendimento − avaliação preliminar das alternativas de gerenciamento dos recursos
às restrições de caráter ambiental hídricos;
− estabelecimento de prioridades de − estimativas preliminares dos custos, benefícios e conseqüências de
atendimento de metas e objetivos ou programas, projetos e medidas alternativas;
solução de problemas em oportunidades − comparação das alternativas em base de custo-efetividade ou custo-
específicas; benefício;
− recomendação de projetos a serem − cogitação de ações a serem executadas de imediato e no futuro;
executados por entidades públicas e − recomendações de ações a executar de imediato e no futuro,
privadas. incluindo a seleção de projetos e medidas a serem detalhados no
estágio seguinte.
O nível de detalhamento das análises deverá ser suficiente para determinar se as alternativas
são efetivas, ou seja, se atendem aos propósitos de forma consistente com as metas, objetivos e
critérios estabelecidos previamente. Caso afirmativo, deverá, ainda, ser verificado se as medidas e
projetos são eficientes sob qualquer ponto de vista técnico, econômico, ambiental, financeiro, legal e
político. O Quadro 6.5 detalha os elementos que compõem o estudo de viabilidade.
99
7. ASPECTOS INSTITUCIONAIS DO GERENCIAMENTO DE RECURSOS HÍDRICOS
Os resultados dessas discussões constam em cartas aprovadas nas assembléias gerais, que
têm a mesma denominação das cidades em que foram realizadas. A leitura desses documentos
permite constatar a evolução dos debates sobre os aspectos institucionais do gerenciamento de
recursos hídricos. Por exemplo:
- na Carta de Foz do Iguaçu, caracteriza-se o que se entende por política, explicitam-se seus
princípios básicos – dentre os quais o reconhecimento do valor econômico da água e a
cobrança pelo seu uso – e recomenda-se a instituição do sistema nacional de gerenciamento
de recursos hídricos, prevista no inciso XIX do artigo 21 da Constituição Federal de 1988.
- na Carta do Rio de Janeiro, dedicada aos recursos hídricos e meio ambiente, propõe-se
como a grande prioridade nacional a reversão da dramática poluição das águas e a
necessidade inadiável de planejamento e gestão integrados em bacias hidrográficas, regiões
e áreas costeiras, caracterizando-se as grandes diversidades das bacias e regiões brasileiras
que demandam soluções diferenciadas, adequadas às suas peculiaridades.
A Lei Federal no 9.433, de 08/01/1997, institui a Política Nacional de Recursos Hídricos, cria o
Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, regulamenta o inciso XIX do art. 21 da
Constituição Federal e dá outras providências.
Trata-se de uma lei atual, avançada e importante para a ordenação territorial, em seu sentido
mais amplo, caracterizada por uma descentralização de ações, contra uma concentração de poder,
claramente ressaltados no texto da referida lei, que proclama os princípios básicos praticados hoje em
(*) Adaptado de Barth, 1999.
100
todos os países que avançaram na gestão de seus recursos hídricos, quais sejam:
Ainda são aspectos relevantes da Lei no 9.433/97 os cinco instrumentos essenciais à boa gestão
do uso da água:
- Plano Nacional de Recursos Hídricos, que é o documento programático para o setor. Trata-
se de um trabalho extenuante não só de atualização e consolidação dos chamados Planos
Diretores de Recursos Hídricos, que são elaborados por bacia (ou conjunto de bacias)
hidrográfica;
- Outorga de direito de uso dos recursos hídricos, que é um instrumento pelo qual o usuário
recebe autorização, concessão ou permissão para fazer uso da água. Constitui o elemento
central do controle para o uso racional dos recursos hídricos, o que induz o usuário a uma
disciplina desse uso;
- Cobrança pelo uso da água, essencial para criar as condições de equilíbrio entre as forças da
oferta (disponibilidade de água) e da demanda, promovendo, em conseqüência, a harmonia
entre os usuários competidores;
- Enquadramento dos corpos de água em classes de uso, que permite fazer a ligação entre a
gestão da quantidade e a gestão da qualidade da água. É extremamente importante para se
estabelecer um sistema de vigilância sobre os níveis de qualidade da água dos mananciais;
- Sistema Nacional de Informações sobre Recursos Hídricos, encarregado de coletar,
organizar, criticar e difundir a base de dados relativa aos recursos hídricos, seus usos, o
balanço hídrico de cada manancial e de cada bacia, provendo gestores, usuários, sociedade
civil com as condições necessárias ao processo decisório.
101
7.1.2 Legislação estadual de recursos hídricos
Vários estados, tendo em vista o fato de serem detentores de domínio sobre as águas,
aprovaram suas respectivas leis de organização administrativa para o setor de recursos hídricos. Até o
momento, 19 estados já contam com leis próprias (quadro 7.1).
Como não poderia deixar de ser, na implantação dos sistemas de gerenciamento têm-se
constatado que, freqüentemente, as leis não estão adequadas às condições locais, suscitando ajustes
e revisões. É o caso, por exemplo, da Lei no 11.504, de 20/06/1994, de Minas Gerais, que mais tarde
foi substituída pela Lei no 13.199, de 29/11/1999, contemplando a cobrança pelo uso dos recursos
hídricos e a instituição das agências de água.
No caso do Distrito Federal, a Lei no 512, de 28/07/1993, foi substituída pela Lei no 2.725, de 13
de junho de 2001. A nova lei distrital consagra os comitês de bacia hidrográfica como a base do
sistema de gerenciamento dos recursos hídricos. Desse modo, ficará garantida forte participação da
sociedade como gestora dos recursos hídricos, tal como ocorre na Lei Federal no 9.433/97.
Lei no 5.965, de 10/11/1997 – Dispõe sobre a Política Estadual de Recursos Hídricos. institui o
ALAGOAS
Sistema Estadual de Gerenciamento Integrado de Recursos Hídricos e dá outras providências.
Lei no 6.855, de 12/05/1995 – Dispõe sobre a Política, o Gerenciamento e o Plano Estadual de
BAHIA
Recursos Hídricos e dá outras providências.
Lei no 11.996, de 24/07/1992 – Dispõe sobre a Política Estadual de Recursos Hídricos, institui o
CEARÁ
Sistema Integrado de Gestão de Recursos Hídricos – SIGERH e dá outras providências.
Lei no 512, de 28/07/1993 – Dispõe sobre a Política de Recursos Hídricos no Distrito Federal,
institui o Sistema de Gerenciamento integrado de Recursos Hídricos – SGIRH–DF, e dá outras
DISTRITO providências.
FEDERAL Lei no 2.725, de 13 de junho de 2001 – Institui a Política de Recursos Hídricos do Distrito
Federal, cria o Sistema de Gerenciamento de Recursos Hídricos do Distrito Federal e dá outras
providências.
Lei no 5.818, de 30/12/1998 – Dispõe sobre a Política Estadual de Recursos Hídricos, institui o
ESPÍRITO SANTO Sistema Integrado de Gerenciamento e Monitoramento dos Recursos Hídricos, do Estado do
Espírito Santo – SIGERH/ES, e dá outras providências.
Lei no 13.123, de 16/07/1997 – Dispõe sobre a Política Estadual de Recursos Hídricos e dá
GOIÁS
outras providências.
Lei no 7.052, de 22/12/1997 – Dispõe sobre a Política Estadual de Recursos Hídricos, institui o
MARANHÃO
Sistema de Gerenciamento Integrado de Recursos Hídricos e dá outras providências.
Lei no 6.945, de 05/11/1997 – Dispõe sobre a Política Estadual de Recursos Hídricos, institui o
MATO GROSSO
Sistema Estadual de Recursos Hídricos e dá outras providências.
Lei no 13.199, de 29/01/1999 – Dispõe sobre a Política Estadual de Recursos Hídricos e dá
MINAS GERAIS
outras providências.
Lei no 6.308, de 02/07/1996 – Institui a Política Estadual de Recursos Hídricos, suas diretrizes e
PARAÍBA
dá outras providências.
Lei no 12.726, de 26/11/1999 – Institui a Política Estadual de Recursos Hídricos, cria o Sistema
PARANÁ
Estadual de Gerenciamento de Recursos Hídricos e dá outras providências.
Lei no 11.426, de 17/01/1997 – Dispõe sobre a Política Estadual de Recursos Hídricos e o Plano
PERNAMBUCO Estadual de Recursos Hídricos, institui e Sistema Integrado de Gerenciamento de Recursos
Hídricos e dá outras providências.
Lei no 5.615, de 17/08/2000 – Dispõe sobre a Política Estadual de Recursos Hídricos, institui o
PIAUÍ
Sistema Estadual de Gerenciamento de Recursos Hídricos e dá outras providências.
102
LEI SOBRE POLÍTICA E SISTEMA DE GERENCIAMENTO
ESTADO
DE RECURSOS HÍDRICOS
Lei n 3.239, de 02/08/1999 – Institui a Política Estadual de Recursos Hídricos, cria o Sistema
o
RIO DE JANEIRO Estadual de Gerenciamento de Recursos Hídricos, regulamenta a Constituição Estadual em seu
artigo 261, § 1º, inciso VII, e dá outras providências.
RIO GRANDE DO Lei no 6.908, de 01/07/1996 – Dispõe sobre a Política Estadual de Recursos Hídricos, institui o
NORTE Sistema Integrado de Gestão de Recursos Hídricos – SIGERH e dá outras providências.
RIO GRANDE DO Lei no 10.350, de 30/12/1994 – Institui o Sistema Estadual de Recursos Hídricos,
SUL regulamentando o artigo 171 da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul.
Lei no 9.748, de 30/11/1994 – Dispõe sobre a Política Estadual de Recursos Hídricos e dá outras
SANTA CATARINA
providências.
Lei no 7.663, de 30/12/1991 – Estabelece normas de orientação à Política Estadual de Recursos
SÃO PAULO
Hídricos bem como ao Sistema Integrado de Gerenciamento de Recursos Hídricos.
Lei no 3.870, de 25/09/1997 – Dispõe sobre a Política Estadual de Recursos Hídricos, e institui o
SERGIPE
Sistema Integrado de Gerenciamento de Recursos Hídricos e dá outras providências.
Foram então criados o Comitê Especial – com participação do extinto DNAEE, da ELETROBRÁS
e Secretarias de Estado de São Paulo, e o Comitê Executivo, com participação do DAEE/SP, da
SABESP, da CETESB, da CESP e da Light, havendo ainda subcomitês técnicos.
Não obstante essa origem política do acordo, houve, entre 1976 e 1983, uma fase do comitê em
que importantes decisões foram tomadas: reforma da barragem de Guarapiranga após a enchente de
1976, fixação das regras operativas desse reservatório que conciliasse o controle de cheias e o
abastecimento de água da região metropolitana, consolidação das regras operativas do sistema Tietê –
Pinheiros – Billings para o controle de enchentes, dentre outras.
A partir de 1983, por razões políticas, o Comitê do Alto Tietê entrou em declínio, que se
acentuou a partir da criação, por lei, do Sistema Integrado de Gerenciamento de Recursos Hídricos do
Estado de São Paulo, em 1991. Foi praticamente extinto com a criação do Comitê de Bacia
Hidrográfica do Alto Tietê, instituído por essa Lei e implantado em 1994, e extinto definitivamente por
não renovação do acordo.
A razão básica desse declínio e extinção foi de natureza política: criado em período de
centralização e autoritarismo, o Comitê do Alto Tietê foi objeto de rejeição, a partir da eleição direta do
103
Governador do Estado, em 1983, que aumentou a partir da criação do Comitê Paulista, visto como
democrático e participativo.
Em diversas bacias hidrográficas de rios de domínio federal foram criados comitês executivos,
vinculados ao CEEIBH. O apoio do DNAEE no processo, elaborando estudos e diagnósticos que
serviram de base para os trabalhos dos comitês, foi a razão do importante impulso que receberam na
sua fase inicial. O bom funcionamento dos comitês dependeu, em grande parte, do apoio que
receberam de entidades estaduais que suportaram a presidência e a secretaria executiva. O comitê de
bacia do rio Paraíba do Sul, por exemplo, teve o apoio da SABESP, inicialmente à presidência e depois
à sua secretaria executiva, ao longo de quase 20 anos.
A criação do Comitê Paulista do rio Paraíba do Sul, em 1994, colocou em questão a existência
do Comitê de Estudos Integrados do Vale do Paraíba do Sul, no modelo centralizador com que foi
constituído em 1978, mas a sua extinção somente ocorreu, de fato, com o Decreto no 1.842, de 22 de
março de 1996, que instituiu o novo Comitê para Integração da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do
Sul – CEIVAP.
Outro caso que pode ser citado é o do Comitê do Paranapanema, sustentado pela CESP como
estratégia para conciliar os conflitos entre essa empresa e o Estado do Paraná, tendo em vista as
desapropriações de terras inundadas pelas usinas construídas por ela. Resolvido esse problema, o
comitê começou a declinar e foi extinto de fato, com a criação dos comitês paulistas da bacia, entre
1996 e 1998.
Esses comitês foram criados com atribuições consultivas, nada obrigando a implantação de suas
decisões, faltando-lhes para isso respaldo legal e, embora carentes de apoio técnico, administrativo e
financeiro, constituíram-se em experiências importantes. Entretanto, fica claro que a dimensão política
dos comitês, muito mais que aspectos jurídicos e institucionais, explica o seu adequado funcionamento.
Não obstante o rio Guaíba ser de domínio do Estado do Rio Grande do Sul, por sua importância
e, em parte, por falta de entidades estaduais executivas de recursos hídricos, o DNAEE promoveu a
criação do Comitê Executivo de Estudos Integrados do Rio Guaíba – CEEIG, que atuou da mesma
104
forma que os outros comitês, extinguindo-se, como os demais, por falta de força política.
Surgiram, porém, os comitês de bacias dos Sinos, berço do primeiro comitê de gerenciamento
de bacia hidrográfica brasileiro, e do Gravataí, ambos afluentes do Guaíba, por iniciativa das
comunidades das bacias hidrográficas e com o apoio do Governo do Estado, em 1988. Esse fato
assinala que a existência de comitês depende de coesão política, mais fácil de acontecer em sub-
bacias do que nas grandes bacias.
Embora esses comitês tenham sido criados por decreto, com atribuições mais consultivas, eles
já completaram dez anos de atividades ininterruptas, tendo conseguido que houvesse grande
motivação para a recuperação das águas das bacias hidrográficas. Além disso, a lei gaúcha – Lei no
10.350, de 30/12/1994 – assegura aos comitês atribuições deliberativas, que serão realmente efetivas
com a implantação do usuário-pagador.
Já foi apontado o papel político dos comitês paulistas, que resultou na extinção de fato dos
comitês especiais, constituídos com jurisdição no território do Estado. Além dos já citados, deixaram de
funcionar os comitês do Ribeira de Iguape, Grande, Piracicaba/Jaguari e Mogi Guaçu, sendo que estes
dois últimos mal chegaram a ser instalados.
A estratégia paulista era de integração com os outros estados vizinhos, antes de articulação com
a União, fortalecendo a idéia de comitês interestaduais, em que a participação da União ficaria restrita
a dirimir os conflitos sobre os quais os estados não entrassem em acordo. Porém, essa estratégia
fracassou, porque nenhum dos estados vizinhos estava no mesmo estágio de desenvolvimento
institucional de sistemas de recursos hídricos: Minas Gerais editou sua primeira lei referente ao
gerenciamento de recursos hídricos em junho de 1994 (que foi posteriormente
no 13.199, de 29/01/1999), o Rio de Janeiro editou sua lei em agosto de 1999, e o Paraná
somente em novembro de 1999.
Seminários que visavam o início de articulação técnica, no caso do Paraíba do Sul, realizados
pela Fundação Getúlio Vargas, e no caso do Paranapanema, em Londrina, não tiveram
prosseguimento. No caso do Paraíba do Sul, criou-se o novo CEIVAP.
Essa divisão hidrográfica levou em conta, inicialmente, aspectos físicos, isto é, divisores
hidrográficos, hidrogeologia, clima, solo, aspectos ambientais, etc. Mas, posteriormente, o critério
básico foi sócio-político: desenvolvimento econômico e social, coesão política, áreas e distâncias
máximas para facilitar essa coesão e outros aspectos. Em particular, a bacia do rio Piracicaba, onde já
havia forte mobilização social, foi eleita como primeira bacia, a qual deveria ser piloto para as demais.
105
(FEHIDRO) apressaram a instalação dos comitês, fato visto por muitos como negativo, pois a coesão
política para a formação dos comitês foi substituída pelo interesse em obter recursos desse Fundo.
Entretanto, o que de fato ocorreu é que, entre 1993 e 1997, foram criados 20 comitês, e que dois
deles atuam em duas unidades hidrográficas de gerenciamento.
Foram criados comitês nas bacias do rio Paraíba do Sul (SP, RJ e MG), Alto Paraguai (MS e MT)
e Piranhas Açu (RN e PB). Cogita-se também a criação de comitê na bacia do rio Paranaíba.
Entre a criação e a efetiva instalação do Comitê do Paraíba do Sul – CEIVAP, houve um grande
interregno devido a dificuldades políticas. Os recursos destinados para a bacia pelo Programa de
Qualidade das Águas (PQA MPO/BIRD) foram rateados entre os estados que os estão utilizando de
forma segmentada.
A exemplo do que ocorreu com a Lei Federal, a Lei Estadual no 7.663, de 30/12/1991, também
admite a agência de água, cuja criação dependeria de lei posterior.
106
O projeto de lei sobre agência de água teve origem no Comitê de bacia do rio Piracicaba, e era
específico para essa bacia. Adotou-se para a agência a personalidade jurídica de fundação de direito
privado, responsável pela gestão dos recursos da cobrança, em subconta do Fundo Estadual de
Recursos Hídricos, com o apoio de instituição financeira oficial.
Encaminhada a proposta do Comitê ao Conselho Estadual de Recursos Hídricos, este optou por
uma lei genérica (Projeto de Lei no 710, de 1996, apresentado pelos deputados da Comissão do Meio
Ambiente da Assembléia Legislativa), válida para todo o Estado.
A Lei no 10.020, de 03/07/1998, autorizou o Estado a participar das agências de água como
fundações de direito privado, dirigidas aos corpos de águas superficiais e subterrâneos do Estado de
São Paulo.
A Agência das bacias dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí seria a primeira a ser instalada,
conforme a seguinte disposição transitória:
“Artigo único. O Poder Executivo tomará, a partir da data da publicação desta lei, as medidas
necessárias à participação do Estado, juntamente com os municípios e a sociedade civil, na
instituição da Fundação Agência das Bacias dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí, e em outras
cuja criação for decidida pelos respectivos comitês e aprovada pelo Conselho Estadual de
Recursos Hídricos – CRH, nos moldes preconizados por esta lei.”
“No caso de a União vir a integrar a Agência e a delegar-lhe ou atribuir-lhe competência para
atuar no campo das águas do seu domínio, o número de componentes do Conselho Deliberativo,
da Diretoria e do Conselho Fiscal poderá ser alterado, inclusive quanto aos membros
permanentes”.
Dessa forma, ocorreu em São Paulo um fato que tem sido comum, tanto no âmbito federal como
em outros estados: soluções inovadoras encontram dificuldades de serem compreendidas e aceitas
pelos órgãos jurídicos, muitas vezes em razão de impedimentos legais existentes, mas também por
tradicionalismo e conservadorismo dos comitês. Observa-se que foi estabelecido como regra geral que
o presidente é escolhido dentre os prefeitos, o vice-presidente é indicado pela sociedade e o secretario
executivo, pelo estado.
Constata-se que as posições conservadoras, mais arraigadas no meio jurídico, também são
encontradas nos órgãos de gestão econômica e financeira e mesmo em instâncias técnicas.
Embora se procure demonstrar que a agência não assumirá funções ou atribuições até agora
exercidas por entidades e órgãos públicos, ela encontra restrições muito fortes porque ocupará espaço
107
importante e fará gestão de vultosos recursos financeiros.
b) A experiência do Ceará
O Estado do Ceará instituiu seu sistema pela Lei Estadual no 11.996, de 24/07/1992, que tem
muitos pontos em comum com a lei paulista, mas não menciona a agência de água sequer como
possibilidade de ser objeto de lei futura.
Manteve-se como órgão de outorga de direitos de uso dos recursos hídricos a Secretaria de
Recursos Hídricos, o que poderia caracterizar a COGERH como a primeira agência de água brasileira,
de direito privado, encarregada de gestão descentralizada, participativa e integrada, com adoção da
bacia hidrográfica como unidade de gestão. Entretanto, é importante observar que ela atua sobre todo
o território estadual.
A cobrança pelo uso dos recursos hídricos foi regulamentada pelo Decreto no 24.464, de
12/11/1996, que deu à COGERH, em uma primeira etapa, a incumbência de implantação da cobrança,
a ser encaminhada ao Fundo Estadual de Recursos Hídricos – FUNORH, definindo-a como tarifa a ser
cobrada das indústrias e das concessionárias de serviço de água potável.
Entretanto, a implantação dessa cobrança deve ser vista no seguinte contexto: ela teve como
objetivo imediato dar suporte financeiro às atividades da COGERH e, como tal, não seria necessário ou
conveniente destiná-la ao Fundo, que foi criado com objetivos mais amplos. A cobrança se relaciona
com a prestação de serviços de fornecimento de água bruta à Companhia de Água do Estado do Ceará
– CAGECE e a um conjunto de indústrias que recebiam água dessa companhia.
As agências de água deverão ser pessoas jurídicas de direito privado – fundações ou entidades
civis – sem fins lucrativos, com autonomia financeira e administrativa. Elas não serão vinculadas à
administração pública federal ou estadual como órgão de sua administração indireta, mas sim aos
respectivos comitês de bacia hidrográfica.
As agências de água serão administradas por um conselho cuja composição deve refletir a
composição dos comitês existentes na sua área de atuação. Os integrantes do conselho de
administração serão indicados pelo comitês de bacias com jurisdição na área de atuação da agência de
água.
As agências poderão ter outras competências e atribuições, além daquelas estabelecidas pelos
artigos 41 a 44 da Lei no 9.433/97. O Poder Executivo Federal também deve ser autorizado a participar
das agências instituídas pelos estados.
108
Embora tenha se explicitado logo de início que as agências se referem a comitês de bacias de
rios de domínio federal, logo a seguir abordam-se aspectos que envolvem os estados.
Também poderá ocorrer que na área de atuação da agência coexistam comitês instituídos
segundo a Lei no 9.433/97 e as leis estaduais, e que seja interessante ou conveniente que a agência
seja única para toda a bacia.
Dessa forma, será conveniente pensar que as agências de água, embora disciplinadas por lei
federal, seguirão um modelo básico que também orientará as agências de bacia a serem instituídas
pelos estados.
7.2.3 Considerações
1) o modelo composto pelos comitês de bacias, agências de água e cobrança pelo uso é
inovador, e a sua implantação implica em mudanças importantes não só de leis
preexistentes, mas também de postura e comportamento dos administradores públicos que
precisam ser receptivos a uma parceria com os usuários de recursos hídricos e as
comunidades;
3) nas bacias e regiões em que os conflitos são mais sérios e tenha havido mobilização das
comunidades e das entidades civis em torno do tema, são mais factíveis as soluções
inovadoras, que implicam em parcerias entre o poder público e a sociedade;
4) nos estados em que isso não ocorreu, basicamente por questões políticas, essas inovações
são mais difíceis e devem-se procurar estágios intermediários de gerenciamento de
recursos hídricos, porém explicitando-se diretrizes de longo prazo;
109
Entretanto, é fundamental ressaltar que o fato de leis estaduais de recursos hídricos terem sido
promulgadas anteriormente à lei nacional fez com que esta se tornasse mais flexível, permitindo que o
desenvolvimento do sistema nacional melhor se adaptasse às condições dos estados brasileiros.
A generalização das disposições legais para os comitês não foi difícil porque a sua instituição
pode ser feita por decreto e o seu funcionamento pode ser objeto de regimentos internos.
Contudo, as agências de água têm de ser instituídas por lei que, se for muito genérica, trará a
necessidade de leis específicas para cada agência, que poderiam alterar a lei geral, tornando-a inócua.
Outorga registro dos direitos de uso Outorga registro dos direitos, mas Outorga é um direito de uso
dos recursos hídricos, fundamental subordinada a conciliação dos transacionável no mercado.
para a proteção dos direitos dos conflitos por negociação nos comitês
usuários, intransferível e revogável a de bacia, transferível no processo de
qualquer tempo pelo poder negociação.
concedente.
A evolução histórica das administração das águas no Brasil, sob o aspecto legal e institucional,
pode ser resumida como segue:
110
1934 - Decorrente da Reforma Juarez Távora, o Serviço de Águas foi inserido na estrutura
do Departamento Nacional da Produção Mineral – DNPM;
- Edição do Código Florestal (Decreto no 23.793, de 23/01/1934), do Código de
Águas (Decreto no 24.643, de 10/07/1934) e do Código de Minas.
1962 - Criação das Centrais Elétricas Brasileiras S.A. – ELETROBRAS e início da criação
de importantes companhias de eletricidade.
111
das bacias hidrográficas dos rios federais, no sentido de se obter o aproveitamento
múltiplo de cada uma. O CEEIBH é composto pelos seguintes organismos
existentes à época: DNAEE, ELETROBRAS, SEMA e DNOS;
- A Portaria no 1.832 estabelece que somente serão apreciados pelo DNAEE os
pedidos de concessão ou autorização para derivar águas publicas federais para
aplicações da indústria que apresentarem sistemas de tratamento dos efluentes
aprovados pela SEMA, ou por órgãos regionais devidamente credenciados.
1981 - Edição da Lei no 6.938, de 31/08/1981, que dispõe sobre a Política Nacional de
Meio Ambiente.
1984 - CPI de Recursos Hídricos, início das atividades do Conselho Nacional do Meio
Ambiente – CONAMA e edição pela SEMA do Relatório da Qualidade do Meio
Ambiente – RQMA.
1980-85 - Alguns comitês de bacia evoluem, tais como Paranapanema, Paraíba do Sul e
Doce.
1989 - A Lei no 7.990, de 28/12/1989, institui para os Estados, Distrito Federal e Municípios
compensação financeira pelo resultado da exploração de petróleo ou gás natural,
de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica, de recursos minerais
em seus respectivos territórios, plataforma continental, mar territorial ou zona
econômica exclusiva;
- Criação do IBAMA pela fusão da SEMA, IBDF, SUDHEVEA e SUDEPE, pela Lei no
7.735, de 22/02/1989.
1991 - O poder executivo encaminha projeto de lei que dispõe sobre a Política Nacional de
Recursos Hídricos, cria o Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos
Hídricos e altera a redação do artigo 1o da Lei no 8.001/90.
112
1995 - Criada a Secretaria de Recursos Hídricos, pela Medida Provisória no 813, de
01/01/1995 (mais tarde convertida na Lei no 9.649, de 27/05/1998).
1996 - Criação da Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL pela Lei no 9.427, de
26/12/1996, autarquia sob regime especial, com finalidade de regular e fiscalizar a
produção, transmissão, distribuição e comercialização da energia elétrica, de
acordo com a legislação específica e em conformidade com as diretrizes do
governo federal.
113
7.4 Organização da administração pública federal
114
- política nacional de transportes ferroviário, rodoviário e hidroviário e;
- marinha mercante, portos e vias navegáveis.
f) Ministério da Defesa:
g) Ministério da Saúde:
115
- à Secretaria de Recursos Hídricos compete formular a Política Nacional de Recursos Hídricos
e exercer a atividade de secretaria executiva do Conselho Nacional de Recursos Hídricos;
O Conselho Nacional de Recursos Hídricos, nos termos do art. 51 da Lei no 9.433/97, ouvido o
comitê de bacia hidrográfica respectivo, poderá delegar, por prazo determinado, aos consórcios e
associações intermunicipais de bacias hidrográficas legalmente constituídas, com autonomia
administrativa e financeira, o exercício de funções de competência de agência de água, enquanto esta
não estiver constituída.
Em 17/07/2000 foi sancionada a Lei no 9.984, que dispõe sobre a Agência Nacional de Águas –
ANA, entidade federal de implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e de coordenação
do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos.
A ANA é uma autarquia sob regime especial, com autonomia administrativa e financeira,
vinculada ao Ministério do Meio Ambiente, que tem a finalidade de implementar em sua esfera de
atribuições, a Política Nacional de Recursos Hídricos. Está sediada em Brasília e pode instalar
unidades administrativas regionais.
"A atuação da ANA obedecerá aos fundamentos, objetivos, diretrizes e instrumentos da Política
Nacional de Recursos Hídricos e será desenvolvida em articulação com órgãos e entidades
públicas e privadas integrantes do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos,
cabendo-lhe:
116
VIII - implementar, em articulação com os Comitês de Bacia Hidrográfica, a cobrança pelo uso de
recursos hídricos de domínio da União;
IX - arrecadar, distribuir e aplicar receitas auferidas por intermédio da cobrança pelo uso de
recursos hídricos de domínio da União, na forma do disposto no art. 22 da Lei no 9.433, de 1997;
X - planejar e promover ações destinadas a prevenir ou minimizar os efeitos de secas e
inundações, no âmbito do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, em
articulação com o órgão central do Sistema Nacional de Defesa Civil, em apoio aos Estados e
Municípios;
XI - promover a elaboração de estudos para subsidiar a aplicação de recursos financeiros da
União em obras e serviços de regularização de cursos de água, de alocação e distribuição de
água, e de controle da poluição hídrica, em consonância com o estabelecido nos planos de
recursos hídricos;
XII - definir e fiscalizar as condições de operação de reservatórios por agentes públicos e
privados, visando a garantir o uso múltiplo dos recursos hídricos, conforme estabelecido nos
planos de recursos hídricos das respectivas bacias hidrográficas;
XIII - promover a coordenação das atividades desenvolvidas no âmbito da rede
hidrometeorológica nacional, em articulação com órgãos e entidades públicas ou privadas que a
integram, ou que dela sejam usuárias;
XIV - organizar, implantar e gerir o Sistema Nacional de Informações sobre Recursos Hídricos;
XV - estimular a pesquisa e a capacitação de recursos humanos para a gestão de recursos
hídricos;
XVI - prestar apoio aos Estados na criação de órgãos gestores de recursos hídricos;
XVII - propor ao Conselho Nacional de Recursos Hídricos o estabelecimento de incentivos,
inclusive financeiros, à conservação qualitativa e quantitativa de recursos hídricos.
§ 1o Na execução das competências a que se refere o inciso II deste artigo, serão considerados,
nos casos de bacias hidrográficas compartilhadas com outros países, os respectivos acordos e
tratados.
§ 2o As ações a que se refere o inciso X deste artigo, quando envolverem a aplicação de
racionamentos preventivos, somente poderão ser promovidas mediante a observância de
critérios a serem definidos em decreto do Presidente da República.
§ 3o Para os fins do disposto no inciso XII deste artigo, a definição das condições de operação
de reservatórios de aproveitamentos hidrelétricos será efetuada em articulação com o Operador
Nacional do Sistema Elétrico – ONS.
§ 4o A ANA poderá delegar ou atribuir a agências de água ou de bacia hidrográfica a execução
de atividades de sua competência, nos termos do art. 44 da Lei no 9.433, de 1997, e demais
dispositivos legais aplicáveis.
§ 5o (VETADO)
§ 6o A aplicação das receitas de que trata o inciso IX será feita de forma descentralizada, por
meio das agências de que trata o Capítulo IV do Título II da Lei no 9.433, de 1997, e, na
ausência ou impedimento destas, por outras entidades pertencentes ao Sistema Nacional de
Gerenciamento de Recursos Hídricos.
§ 7o Nos atos administrativos de outorga de direito de uso de recursos hídricos de cursos de
água que banham o semi-árido nordestino, expedidos nos termos do inciso IV deste artigo,
deverão constar, explicitamente, as restrições decorrentes dos incisos III e V do art. 15 da Lei no
9.433, de 1997."
117
7.5 Exemplos de organização institucional em alguns países
Pela legislação, cabe ao governo central a principal responsabilidade pela política de gestão das
águas em nível nacional. A Autoridade Nacional da Água é o órgão que determina a estratégia geral do
uso dos recursos hídricos para a Inglaterra e País de Gales, e tem como membros representantes do
Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentos e das Secretarias.
Cada Autoridade Regional da Água tem um conselho de administração que a dirige e que possui
representantes das coletividades locais, das indústrias e do governo central.
As autoridades locais, eleitas por sufrágio universal, indicam os representantes das coletividades
locais; as organizações profissionais indicam os representantes das indústrias e o governo central
nomeia os demais membros, bem como o presidente.
As licenças são concedidas com prévio edital público e a tarifa é calculada tendo por base o
volume que foi autorizado, não se levando em conta o volume consumido, mesmo que inferior àquele.
Para evitar o consumo excessivo, são realizadas medições. Existem, no cálculo da tarifa, coeficientes
que variam segundo a finalidade da água captada, a época do ano e a região considerada, sendo que
as licenças são fixadas por períodos de 5 anos, de acordo com esquemas globais submetidos à
aprovação do governo central.
b) Finlândia
118
A política básica do Comitê Nacional de Águas é a de assegurar o uso racional dos recursos
hídricos. Mais especificamente, o Comitê Nacional de Águas é responsável por:
As Cortes de Água, que são cortes judiciais especializadas em assuntos de recursos hídricos,
estão entre as instituições jurídicas autônomas, independentes e superiores ao Comitê Nacional de
Águas. Mesmo algumas poucas atividades, como navegação e pesca, que não estão sob total domínio
do Comitê Nacional de Águas, levam em conta as atividades do Comitê para seu desenvolvimento.
Com essas características, desde os tempos da colonização, na parte oriental, com a relativa
fartura de água, predominou o direito ribeirinho como doutrina orientadora do uso da água e, por outro
lado, na parte ocidental, com a água escassa, o direito à captação era conferido a quem primeiro se
apropriasse das fontes. Em determinados estados, especialmente em alguns que margeiam o rio
Mississipi, os dois sistemas eram praticados.
O somatório de fatos descritos levou, em 1965, à publicação de uma Lei Federal relativa ao
planejamento dos recursos hídricos, que objetivava uma abordagem global dos problemas ligados ao
uso da água. Após a publicação dessa lei, e de acordo com seus dispositivos, todos os estados
publicaram normas para o controle de poluição das águas nos seus territórios, com a implementação a
cargo de agências estaduais.
119
Em 1972, reforçando as medidas antipoluidoras então em vigor, foi aprovada a Lei Federal
relativa ao controle de poluição das águas, que estabeleceu novos parâmetros para a recuperação da
qualidade dos rios e o controle rígido de novas fontes poluidoras das águas.
A Lei Federal de 1965, relativa ao planejamento dos recursos hídricos, criou, em nível federal, o
Conselho dos Recursos Hídricos, com as seguintes atribuições:
Uma vez definida a unidade de gestão, seja a região, a bacia hidrográfica ou o grupo de bacias
hidrográficas, a Lei de 1965 possibilita a criação das comissões de bacia hidrográfica, por proposição
do conselho de recursos hídricos ou dos estados interessados. Entretanto, para que a proposição seja
aprovada, ela deve obrigatoriamente ser apoiada pelo conselho e pela metade, no mínimo, dos estados
incluídos na área de abrangência da bacia ou conjunto de bacias hidrográficas. Em determinados
casos, conforme especificação da Lei, é exigido o apoio de três quartos dos estados.
A Lei Federal de 1965 autoriza, ainda, a concessão de empréstimos a juros especiais aos
estados, após aprovação do conselho de recursos hídricos.
A grande autonomia dos estados faz com que o gerenciamento dos recursos hídricos nos
120
Estados Unidos tenha muitas dificuldades para utilizar a bacia hidrográfica como unidade.
d) Iraque
e) França
O regime jurídico atual das águas na França é originário de extenso e complexo sistema legal,
destacando-se a Lei de 9 de abril de 1898, que organizou os princípios de uma política administrativa, e
a Lei de 16 de dezembro de 1964, relativa à propriedade, à repartição das águas e à luta contra sua
poluição.
A Lei de 16/12/1964 permitiu criar um sistema de gestão racional das águas na França. As
disposições essenciais criadas foram:
Organização institucional:
O Comitê de Bacia
121
O Comitê de Bacia é o organismo de base do sistema e se constitui de partes iguais de
representantes das três categorias seguintes:
O papel do Comitê de Bacia é essencial, pois ele é competente no interior da bacia, em todas as
matérias contidas na Lei. Assim sendo, ele é consultado sobre os programas de intervenção da
Agência, elege o seu conselho de administração (com exceção dos representantes do Estado) e exerce
uma ação decisiva na fixação do montante das tarifas que financiam esses programas. O comitê é
também consultado, por parte dos ministros interessados, sobre o planejamento da circunscrição da
bacia hidrográfica que lhe corresponde e sobre a viabilidade de trabalhos de interesse comum previstos
na respectiva área.
A Agência de Bacia
As agências são organismos públicos que têm personalidade civil e autonomia financeira. Têm
por objetivo facilitar as diversas ações de interesse comum à sua bacia ou ao grupo de bacias e, nesse
sentido, elas são encarregadas de ajudar financeiramente e tecnicamente a luta contra a poluição da
água e o planejamento racional dos recursos hídricos.
Para equilibrar seus orçamentos, as agências são autorizadas a criar suas próprias fontes de
financiamento por meio da cobrança de tarifas dos usuários de água - públicos ou privados, pela
quantidade consumida e pela deterioração da qualidade das águas. Tais tarifas, como veremos mais
tarde, têm um papel de incentivo econômico.
As agências não são proprietárias nem executantes das obras que promovem. A execução das
obras é de responsabilidade dos municípios, dos departamentos, das sociedades de economia mista
ou de empresas particulares.
A agência é administrada por um conselho de administração de vinte membros, dos quais dez
são representantes de ministérios afins com os recursos hídricos, cinco representam as coletividades
locais, e são membros de comitês de bacia, e cinco são representantes dos usuários, igualmente
designados pelos comitês de bacia.
O conselho de administração tem uma competência muito vasta, e a ele cabe deliberar sobre o
orçamento da agência e sobre os programas gerais de atividades, principalmente os programas
plurianuais de intervenção e as tarifas que os financiam.
122
Nacionalmente, as decisões mais relevantes são tomadas pela Comissão Interministerial para o
Meio Ambiente, composta pelos ministros cuja competência está relacionada com os problemas do
meio ambiente. A elaboração de tais medidas está a cargo da Missão Interministerial da Água,
composta pelos diretores e chefes dos serviços que, nos diversos ministérios, estão vinculados aos
problemas hídricos e que examinam todos os projetos de lei, decretos, portarias, instruções e circulares
concernentes, assim como a repartição de recursos e os instrumentos de ação. Essa Missão
Interministerial, que se reúne algumas vezes durante ano é, por sua vez, apoiada por uma Missão
Interministerial Delegada, formada por especialistas que examinam semanalmente todas as questões
propostas, filtrando os aspectos mais relevantes, que serão submetidos à apreciação da Missão
Interministerial.
A Coordenação
Um dos objetivos da Lei de 1964 foi promover a coordenação dos diferentes serviços afins com
os problemas hídricos, visando a sua progressiva unificação.
- Ministério da Saúde Pública: responsável por todos os problemas da água relativos à saúde
pública, em particular o controle da potabilidade das águas e do funcionamento das
instalações de depuração de efluentes urbanos;
- Ministério da Indústria: exploração das águas subterrâneas, utilização da água para produção
de energia hidroelétrica;
- Ministério do Equipamento: gestão das vias navegáveis e proteção contra as inundações de
locais habitados;
- Ministério da Agricultura: problemas de hidráulica agrícola (irrigação, drenagem),
abastecimento de água e saneamento rural;
- Ministério do Interior: co-participação em obras de infra-estrutura de abastecimento de água
em aglomerações urbanas;
- Ministério do Meio Ambiente: investido do poder de polícia das águas superficiais e
subterrâneas.
Cabe assinalar que a coordenação interministerial dos assuntos relativos aos recursos hídricos
compete ao Ministério do Meio Ambiente.
123
O Sistema de Gerenciamento de Recursos Hídricos da França é um modelo bem equilibrado,
com a presença dos usuários, coletividades locais e representantes do Governo, com o devido
respaldo técnico, que reconhece a água como recurso.
f) Hungria
No que diz respeito ao clima, o regime de precipitações é muito irregular, tanto no espaço como
no tempo. A fisiografia do país caracteriza-se pela grande extensão de planícies em baixas altitudes.
Cerca de 70% do território húngaro se encontram abaixo da cota de 200 m e apenas cerca de 1%
acima da cota de 500m. A rede hidrográfica, bastante utilizada para a navegação, é composta de rios e
canais, em sua maior parte localizados nas planícies.
Por essas características, o controle das inundações conduziu à construção de uma grande
extensão de diques. Já em 1970, uma área equivalente a 25% do território húngaro estava
completamente protegida contra as inundações.
Além desses problemas, destaca-se outra característica particular: Noventa e seis por cento das
águas superficiais húngaras têm origem noutros países.
A Lei de 1964 e o Decreto de 1969, relativos à gestão das águas na Hungria, estabelecem como
ações de gerenciamento dos recursos hídricos:
Os recursos hídricos são de domínio público e estão sob administração do Estado, que coordena
de forma integrada todas as ações, a curto e a longo prazo, por meio de um Plano Nacional de Gestão
das Águas. A competência nacional para fazer cumprir o referido Plano está a cargo da Autoridade
Nacional da Água, que conta ainda com o apoio de doze Agências Regionais, correspondentes às
principais bacias hidrográficas.
124
Para a captação ou armazenamento de água, considerando-se apenas os grandes
consumidores, existem cinco diferentes tipos de tarifas, que variam de valor segundo a finalidade da
utilização, a saber: centrais térmicas, energia hidroelétrica, abastecimento público, atividades de
mineração e outras.
Além disso, as tarifas variam em função do volume de recursos hídricos da região considerada,
da qualidade da água, das necessidades, da quantidade de água efetivamente consumida nas horas
de pico e dos custos envolvidos. Para as indústrias, geralmente a tarifa aplicada é bem mais elevada
que aquela aplicada às municipalidades. Se uma indústria consome água da rede pública, deverá
pagar uma tarifa 75% mais cara que um particular.
Para qualquer das utilizações, entretanto, é exigida uma autorização onde fica estabelecida de
forma precisa a quantidade autorizada. Se essa quantidade for ultrapassada, será cobrada multa sobre
o valor inicialmente estipulado.
No que diz respeito aos níveis administrativos responsáveis pelas questões do gerenciamento
dos recursos hídricos, distingue-se, de maneira quase constante, três escalas: nacional, regional e
local.
g) Quênia
h) Cuba
Esse Instituto atua como centro ou autoridade, para pesquisa, estudo, avaliação e
monitoramento do potencial existente e sua relação com as necessidades dos usuários. Ao mesmo
tempo, identifica soluções gerais e específicas para cada caso, área ou região. O Instituto é também
responsável pela elaboração de planos de curto, médio e longo prazo para o gerenciamento dos
recursos hídricos.
O Instituto de Economia da Água atua também nos seguintes campos (quadro 7.3):
125
Quadro 7.3 – Campos de atuação do Instituto de Economia da Água de Cuba
Campo Atuação
Investimentos Grandes projetos de recursos hídricos, incluindo barragens, canais,
controle de enchentes, estações de bombeamento para
transferência de água.
Administração de recursos Avaliação dos recursos disponíveis para a exploração e preparação
hídricos de planos anuais de distribuição de recursos hídricos em função
das necessidades econômicas e sociais. Implementação dos planos
elaborados e gerenciamento da exploração de bacias, rios e
sistemas, visando à eficiência e ao uso racional.
Proteção dos recursos hídricos Organização de mecanismos e pesquisas, de modo a assegurar o
monitoramento e o controle da qualidade de água, de poluidores e
de potenciais poluidores. Proposição de medidas de gerenciamento,
de proteção e preservação dos recursos hídricos.
Pesquisa sistemática e Desenvolvimento e operação da rede de informações
observações hidrometeorológicas, incluindo águas subterrâneas e transporte de
sedimentos.
126
8. ASPECTOS OPERACIONAIS DO GERENCIAMENTO DE RECURSOS HÍDRICOS(*)
A implementação de uma política de gestão dos recursos hídricos concretiza-se por um conjunto
de ações que, para facilitar a análise que se apresenta neste capítulo, são sistematizadas da seguinte
forma:
- ações de incentivo econômico e de gestão financeira, que visam promover as formas mais
econômicas de utilização da água e assegurar repartição eqüitativa dos custos e benefícios
que a água representa para os vários utilizadores;
- ações de formação de pessoal, que buscam promover a formação dos técnicos necessários,
em vários níveis, à realização das ações de gestão dos recursos hídricos;
- ações de informação, que visam recolher e difundir dados que interessam à gestão dos
recursos hídricos e promover o esclarecimento e a participação da população;
- ações de cooperação internacional, que procuram prevenir e resolver conflitos entre Estados
relativamente à utilização da água, promover a gestão integrada dos recursos hídricos
internacionais e dinamizar a participação na atividade internacional de estudo e assistência
técnica no domínio dos recursos hídricos.
8.1 Planejamento
O planejamento pode ser definido como procedimento organizado com vista a escolher a melhor
alternativa para atingir determinado fim. Assim, pode-se considerar que o processo de planejamento,
na sua acepção mais geral, se desenvolve através de uma seqüência de etapas, dentre as quais se
distinguem a formulação de objetivos, diagnóstico, levantamento de dados, elaboração de planos
alternativos, comparação de alternativas e, por fim, decisão, programação, implementação e controle.
127
No cumprimento dessas etapas pode-se considerar uma ótica territorial que distingue os níveis
nacional, regional e local, e uma ótica temporal que considera o curto, o médio e o longo prazo. Esses
aspectos serão, adiante, mais detidamente analisados.
Para que o processo seja eficiente, é necessário assegurar a clara definição da política a se
aplicar em cada nível de decisão, garantir ampla e livre troca de idéias nos sentidos descendente e
ascendente da hierarquia da administração pública e das várias entidades interessadas nas ações de
planejamento dos recursos hídricos. Além disso, é importante estimular a circulação horizontal de
propostas e contrapropostas entre os vários departamentos do Estado, procurando evitar a criação de
compartimentos estanques apenas com ligações aos níveis hierárquicos mais elevados.
Nesse contexto, não basta considerar o planejamento dos recursos hídricos como uma ação a
levar a cabo apenas no âmbito da gestão dos recursos hídricos. É também necessário integrar o
planejamento dos recursos hídricos com o planejamento do desenvolvimento econômico-social, de
modo a intervir de forma adequada nos planejamentos global, setorial e regional, com os inevitáveis
reflexos na política de ordenamento do território.
O planejamento setorial tem por fim elaborar, em cada setor da atividade econômica e social,
planos que visam atingir objetivos setoriais estabelecidos, em correspondência com os objetivos
globais nacionais. O planejamento regional, no seu sentido mais amplo, procura definir uma estratégia
para o ordenamento físico do território nacional. Aponta critérios para a utilização do solo e dos
recursos naturais, a distribuição territorial das pessoas e das atividades, a hierarquização dos centros
urbanos, as redes de comunicações, a rede energética, etc. Finalmente, o planejamento transversal
visa a correta atribuição daqueles recursos cuja disponibilidade não pode aumentar significativamente.
Entre eles incluem-se os recursos humanos e os recursos naturais, como água, solo, florestas e ar.
Em face das necessidades crescentes de água, verifica-se ser cada vez maior o número de
países onde o planejamento dos recursos hídricos e a sua coordenação com o planejamento dos
diversos setores da economia se incluem nas preocupações dos responsáveis ou já estão efetivamente
sendo postos em prática. Descreve-se a seguir a metodologia de elaboração do planejamento dos
recursos hídricos, cujas etapas estão indicadas no fluxograma da Figura 8.1.
128
DEFINIÇÃO DE NECESSIDADES
SOCIAIS
DEFINIÇÃO DE OBJETIVOS
TÉCNICOS
ELABORAÇÃO DE PLANOS
ALTERNATIVOS
ESCOLHA DO PLANO
POLÍTICA
PROGRAMAÇÃO DO PLANO
ESCOLHIDO
IMPLEMENTAÇÃO DO PLANO
ESCOLHIDO
CONTROLE DE IMPLEMENTAÇÃO DO
PLANO ESCOLHIDO
129
Os objetivos sociais, que são definidos em termos gerais, devem ser traduzidos em objetivos
técnicos. Assim, tendo em vista a concepção, dimensionamento e execução das respectivas obras (ou
a adoção de medidas que não implicam a construção de obras), definem-se, por exemplo, as
necessidades de abastecimento de água em quantidade e qualidade, atuais e futuras, especificam-se
as necessidades de energia hidroelétrica, em termos de crescimento anual, e caracteriza-se o controle
de cheias pelas zonas a proteger e o respectivo grau de proteção.
É depois do levantamento e análise desses dados que, numa quinta etapa, se identificam
soluções possíveis que se formalizam através da elaboração de planos alternativos que preencham os
objetivos técnicos fixados. Nessa etapa, parte considerável da atividade desenvolvida consiste na
elaboração de estudos prévios e de estimativas de custos, normalmente acompanhada do
levantamento complementar de dados em falta e da modificação e preparação de planos adicionais,
utilizando um processo iterativo para obter as melhores soluções. Durante a preparação dos planos
alternativos é necessário atender a certo número de questões importantes. Salienta-se, entre elas, a
necessária consideração dos valores ambientais simultaneamente com a pesquisa da solução ótima de
cada projeto, quando não for possível a incorporação daqueles valores na função objetivo.
Uma vez elaborados os planos alternativos, na sexta etapa, procedesse à sua avaliação em
função dos objetivos técnicos a alcançar, de forma a fornecer todos os elementos necessários que
possibilitem a escolha do plano mais conveniente. Assim, depois de quatro etapas em que a
intervenção é fundamentalmente técnica, a sétima etapa, em que se realiza a escolha do plano que
melhor satisfaça os objetivos fixados, processa-se de novo através de intervenção política.
O plano selecionado pode ser submetido a revisão técnica e social a cargo de uma comissão
independente das equipes de trabalho que elaboraram os estudos anteriores, e composta por
personalidades competentes e idôneas que possam inquirir livremente sobre as matérias do plano
escolhido. A existência de comissão de revisão desse tipo pode evitar que venham a ser tomadas
decisões desviadas dos superiores interesses da comunidade, como resultado da influência de setores
da administração com visão parcial dos problemas em análise.
Quando o plano escolhido é considerado em condições de ser aprovado, fica concluída a fase de
formulação do planejamento. A essa fase seguem-se as etapas finais, correspondentes à
programação, implementação e controle do plano escolhido.
130
A oitava etapa, correspondente à programação do plano escolhido, vai concretizar as
orientações consideradas no plano, definindo e escalonando as ações a executar e orçando-as
devidamente de modo a permitir a sua concretização.
Além disso, o processo descrito é, como se disse, iterativo em vários níveis. Na Figura 8.1.
salienta-se a iteração entre a sétima etapa e a primeira, passando pela redefinição das necessidades
sociais, e entre a décima etapa e a quarta, que corresponde ao controle e análise dos dados
considerados para a realização concreta do plano.
Uma vez que é praticamente impossível prever de forma significativa as futuras mudanças
daquelas variáveis que dependem das políticas a adotar nos diversos setores, a caracterização
prospectiva da procura de água é um processo intrinsecamente marcado pela incerteza. Tal
circunstância impede, muitas vezes, a possibilidade de formulação de juízos absolutos sobre a
evolução da procura da água que sejam significativos, mesmo em termos probabilísticos.
A metodologia de planejamento dos recursos hídricos que se descreveu pode ser aplicada em
três níveis territoriais distintos: nacional, regional e local.
131
O planejamento nacional, de caráter global, abrange a formulação, implementação e controle
das estratégias e critérios que visam conseguir correta adequação das disponibilidades e das
necessidades de água e evitar os conflitos resultantes da utilização da água. Esse planejamento
engloba os estudos de enquadramento, com descrição e avaliação muito geral dos elementos que
permitem situar, no contexto global, os problemas de âmbito regional que carecem de estudos mais
aprofundados. Nesse nível os estudos não abrangem aspectos de pormenor, nem implicam na
realização de estimativas ou compilação de dados de base.
O planejamento regional que, como já se referiu, deve ser realizado no âmbito da bacia
hidrográfica, contempla estudos que devem ser devidamente enquadrados pelo planejamento global e
propõe programas e aproveitamento concretos, cujo planejamento deve ser feito no nível local. Note-
se que o planejamento regional não corresponde obrigatoriamente a uma decomposição do
planejamento nacional, pois a região de planejamento dos recursos hídricos pode corresponder a uma
bacia hidrográfica internacional. Nesse caso, como adiante se refere mais detidamente, há que se
introduzir uma nova dimensão no sistema de planejamento que garanta as ligações necessárias entre
as orgânicas de planejamento dos recursos hídricos dos vários países que partilham uma mesma bacia
hidrográfica.
O nível de planejamento local é o mais tradicional e a ele tem sido dedicado grande número de
estudos e livros publicados. Assim, em alguns países menos evoluídos em tais aspectos, a atividade
de planejamento no domínio dos recursos hídricos tem-se dirigido quase exclusivamente a este último
nível de planejamento, tendendo-se a admitir que o planejamento das obras hidráulicas é, por si,
suficiente para assegurar adequada gestão dos recursos hídricos.
A esse respeito afirmam alguns autores: "Nas fases incipientes do desenvolvimento das nações,
quando a pressão sobre os recursos naturais é ainda insignificante, o planejamento das obras pode
fazer-se sem necessidade de um quadro geral de referência, pois o risco de tomar decisões que
comprometam o futuro aproveitamento dos recursos é relativo. Nessa fase, o fator limitativo costuma
ser a carência de projetos bem formulados dos pontos de vista técnico e econômico. Mas, quando o
desenvolvimento atinge determinados padrões, em algumas regiões as necessidades de água
presentes e futuras aproximam-se das disponibilidades e as utilizações da água tornam-se mais
competitivas entre si. A solução dos problemas é então muito mais complexa, sendo inadiável a
necessidade de dispor de quadros de referência que imponham critérios para uma resolução
harmônica dos conflitos existentes, ou seja, dispor de um Plano Nacional dos Recursos Hídricos
elaborado numa perspectiva de planejamento a longo prazo em escala nacional."
132
O planejamento dos recursos hídricos a longo prazo tem sido objeto de particular atenção,
sobretudo nos países mais desenvolvidos e com problemas de água mais sérios.
Para além dos aspectos anteriormente referidos, interessa ainda salientar os problemas que se
levantam no planejamento dos recursos hídricos das bacias hidrográficas internacionais, isto é, das
bacias compartilhadas por dois ou mais Estados, tendo em vista ser esse o caso de parte apreciável
das grandes bacias hidrográficas existentes no mundo.
Nesse caso, é desejável que prevaleça a perspectiva anteriormente referida de se tomar a bacia
hidrográfica internacional como base do planejamento de recursos hídricos. A situação ideal seria que
os Estados interessados estabelecessem formas de cooperação que previssem que o planejamento
dos recursos hídricos das bacias internacionais se fizesse em termos de otimização global, tal como se
a bacia pertencesse a um único país, assegurando-se concomitantemente repartição eqüitativa dos
benefícios de acordo com critérios livremente negociáveis pelos Estados interessados. Na realidade,
um problema é assegurar, nas melhores condições possíveis, a gestão dos recursos hídricos das
bacias internacionais, que constituem patrimônio coletivo dos países interessados, e outro problema,
que se pode tratar separadamente, é procurar a eqüidade no usufruto desse patrimônio.
O planejamento a longo prazo visa a definição das linhas gerais de desenvolvimento da política
de gestão das águas e o estabelecimento de programas de execução em termos globais.
Os horizontes do planejamento a longo, médio e curto prazo estão relacionados com os níveis
territoriais de planejamento, já referenciados no texto. Assim, os horizontes de planejamento a longo
prazo vão correntemente até cerca de 50 anos para o planejamento nacional e cerca dos 25 anos para
o planejamento regional ou no âmbito da bacia hidrográfica, e têm limite variável de caso para caso, de
acordo com o tempo de implementação do projeto, para o planejamento local, isto é, no âmbito de cada
aproveitamento. Os períodos considerados para o planejamento a médio e a curto prazo são, como é
habitual, respectivamente de 4 a 7 anos e de 1 ano, qualquer que seja o nível de planejamento
considerado na ótica territorial.
No planejamento a longo prazo, tendo em conta, por um lado, a dificuldade de fazer previsões
realistas para prazos tão dilatados como 50 anos e, por outro, a vantagem de dispor de alguma
previsão, mesmo vagamente formulada para prazos desta ordem de grandeza, há tendência para
considerar uma subdivisão em dois escalões de planejamento, um com horizonte da ordem dos 15 a 20
133
anos, com avaliações mais rigorosas e de acordo com as metodologias correntes do planejamento, e
outro com horizonte que vai até cerca dos 50 anos. Esse segundo escalão é elaborado apenas para
previsão realizada com considerável liberdade de decisão na seleção da informação e dos métodos a
adotar, e na fixação dos condicionamentos a levar em conta no que se refere à caracterização das
utilizações da água e projeção das necessidades de água.
Uma característica das obras hidráulicas com grandes repercussões no planejamento é a grande
dimensão que freqüentemente assumem e os vultosos encargos que normalmente acarretam. A
grande dimensão das obras hidráulicas tem como principais conseqüências a necessidade de serem
de iniciativa do setor público, a possibilidade de assegurarem economias de escala e a exigência de
adequado enquadramento legal para a respectiva exploração.
O aumento da dimensão das obras hidráulicas favorece, até certo ponto, a obtenção de
economias de escala e é possibilidade a ser considerada. Para além de determinados limites podem-
se obter efeitos negativos.
O adequado enquadramento legal das grandes obras hidráulicas é também fundamental pois,
além da exeqüibilidade técnica e econômica, é necessário proporcionar-lhes exeqüibilidade jurídica que
garanta os direitos e obrigações dos seus beneficiários. Tais direitos só virão a efetivar-se
completamente muitos anos depois de tomada a decisão de realizar o aproveitamento, e deverão, a
partir dessa altura, estender-se por longos períodos.
Interessa também mencionar que o planejamento dos recursos hídricos nunca deve perder de
vista a realização de aproveitamentos com fins múltiplos. Uma vez que a água pode ser utilizada para
múltiplos fins, devem-se analisar todas as suas utilizações possíveis antes de se proceder ao
desenvolvimento de um plano. Vale a pena, com esse propósito, referir que os aproveitamentos com
fins múltiplos, pelo simples fato de atenderem simultaneamente a várias utilizações da água, não se
inserem obrigatoriamente, só por isso, numa política de gestão dos recursos hídricos, como por vezes
se tende a considerar. Assim, a prática ainda hoje seguida em alguns países de, por exemplo, utilizar a
realização de um aproveitamento hidroelétrico para, ao mesmo tempo, assegurar determinados
volumes de água para irrigação, ou para abastecimento público, sem se ter definido o que irrigar ou
134
abastecer, e a que preço, corresponde a um conceito errado ou, pelo menos, primário, de gestão dos
recursos hídricos.
Os aproveitamentos para fins múltiplos são obras necessárias, mas não suficientes para se
definir uma gestão correta. Esta não se limita a equacionar as possíveis utilizações dos recursos
hídricos, mas deve considerar a existência de todos os recursos restantes, quer naturais quer
humanos, inserindo-se numa política de ordenamento do território e de planejamento regional.
Além disso, é importante lembrar que, se para determinados usos a água é insubstituível, em
outros casos é possível considerar alternativas diversas. Exemplo típico é a produção de energia
termoelétrica em vez de hidroelétrica, deixando a água disponível para outras utilizações em que ela
seja insubstituível ou particularmente vantajosa.
Para concluir, são apresentadas algumas recomendações da Conferência da Água de 1977, das
Nações Unidas, que propõe as seguintes ações a serem realizadas pelos Estados membros em
matéria de planejamento dos recursos hídricos:
135
excessivo aos grupos sociais e às regiões mais pobres; o pagamento de taxas por utilização
da água deve, na medida do possível, cobrir os custos envolvidos, a menos que os Governos
adotem uma política de subsidiá-los;
Os recursos hídricos podem ser avaliados sob duas perspectivas: a das potencialidades e a das
disponibilidades.
Recursos potenciais são os que decorrem do regime natural dos escoamentos superficiais e
subterrâneos, isto é, os que não são influenciados pelas atividades do homem e representam, portanto,
um estado natural de base, cuja variabilidade depende apenas de características de natureza
geográfica, climática e fisiográfica.
Recursos disponíveis são os que resultam da modificação do regime natural dos escoamentos
em conseqüência da intervenção do homem e, portanto, a sua variabilidade, além de depender dos
fatores que condicionam os recursos potenciais, depende também dos aproveitamentos e das
utilizações da água.
De maneira geral, não é indiferente para o aproveitamento dos recursos hídricos que as reservas
naturais da água de um país estejam mais concentradas numa região do que noutra, e são também
condicionantes as características do regime hidrológico em termos de distribuição e importância relativa
dos períodos úmidos e secos. Também não são indiferentes as características de qualidade de águas
das várias origens.
Mais do que simples análise do ciclo hidrológico, o inventário de disponibilidades de água deve
presumir uma quantificação dinâmica, uma precisa definição do quanto, onde, quando e como dos
recursos hídricos.
136
Quando se inventariam os recursos hídricos de uma bacia, região ou país, devem-se ter em
conta as potencialidades e as disponibilidades, procurando-se determinar a interseção dos processos
naturais e das atividades econômicas e, de maneira geral, todos os fatores suscetíveis de transformar o
estado natural por influência do homem.
A definição do grau de pormenor com que é realizado o inventário dos recursos condiciona o
custo do inventário. Em termos gerais, pode dizer-se que o grau de minúcia do inventário está
relacionado com o valor econômico da informação recolhida, não devendo, por isso, ser definido a
priori mas apenas como análise de custo-benefício do processo de levantamento de informações.
Porém, a própria estimativa do valor econômico da informação hidrológica impõe a existência prévia de
algum tipo de informação. Isso implica que o inventário se deva processar de forma iterativa, partindo
de um levantamento geral de informação, feito com malha suficientemente larga, para uma progressiva
pormenorização ulterior, nas regiões em que tal se justifique.
As variáveis que definem os recursos hídricos têm caráter aleatório pelo que, para além dos
correspondentes valores médios, interessa sobretudo conhecer a sua distribuição no espaço e no
tempo. Para ser possível a caracterização daquelas variáveis, é necessário que sejam
simultaneamente preenchidas as condições seguintes:
O levantamento de informações relativas às variáveis que definem os recursos hídricos pode ser
otimizada pela combinação de observações pontuais, manuais ou automatizadas, com observações
globais decorrentes da aplicação de técnicas como, por exemplo, as de detecção remota.
137
- do volume de água que, em ano médio, alimenta o aqüífero;
- do volume de água que, para um dado regime de alimentação do aqüífero, pode dele ser
retirado;
- do efeito regulador que pode ter o aqüífero no caso de uma sobrealimentação ou de uma
sobreexploração sazonal;
- das relações entre as quantidades de águas subterrâneas e superficiais.
Para que sejam obtidas tais informações é, pois, necessário ter um conhecimento global das
características geológicas dos aqüíferos e das características hidrodinâmicas das águas
subterrâneas. Uma vez que parte importante da precipitação transita para os aqüíferos, o
seu comportamento e utilização tem papel essencial na gestão dos recursos hídricos.
Aspectos importantes nas observações de qualidade da água são a escolha dos parâmetros
a medir e o significado do aumento ou da diminuição dos valores respectivos. Presentemente,
detecta-se uma tendência crescente para a generalização dos sistemas automáticos de
determinação da qualidade da água.
138
os quais interessa obter informações, podem-se citar os aproveitamentos hidroelétricos, as
obras de regularização fluvial e de controle de cheias, os aproveitamentos hidroagrícolas, os
sistemas de abastecimentos urbanos e industriais, os sistemas de esgotos, as obras de
aproveitamento de águas subterrâneas, as instalações recreativas relacionadas com a água e
as obras de controle de erosão e de regularização torrencial.
Além dos dados que diretamente dizem respeito aos recursos hídricos, há toda uma série de
dados de natureza diferente, mas com interesse indireto para o inventário. Entre eles incluem-se, por
exemplo, dados de natureza demográfica, cartográfica, geológica, pedológica, ecológica, econômico-
social e jurídica. Diversas publicações apresentam guias e manuais para o recolhimento desses
dados.
A Conferência da Água de 1977, das Nações Unidas, também fez referência explícita ao
inventário dos recursos hídricos, recomendando que os países membros devem:
- criar um organismo nacional, com responsabilidades globais no que se refere aos dados
relativos a recursos hídricos, ou repartir as atribuições já existentes nesse domínio, de modo
coordenado, e estabelecer bancos de dados com vista a recolher, processar, armazenar e
difundir os dados, sistemática e periodicamente e de forma adequada;
139
desenvolvimento; intensificar os programas em curso e formular novos programas quando
necessário;
- preparar o inventário das águas minerais e termais nos países que dispõem de tais recursos,
com o objetivo de estudar e desenvolver o seu potencial industrial, bem como a sua
utilização em termas;
140
8.2.2 Inventário de necessidades de água
As necessidades de água são expressas pela sua procura, que se traduz pela quantidade de
água que é utilizada em função dos custos associados a essa utilização.
Para realizar o inventário das necessidades de água é fundamental definir métodos de previsão
ou de projeção da procura de água.
Atualmente, para fazer face a tais deficiências, procura-se recorrer a métodos de projeção mais
sofisticados, que visam identificar os fatores determinantes do consumo de água e caracterizar a
relação entre a variação desses fatores e a variação das necessidades de água. Como exemplo de
fatores relevantes, pode-se citar a população, o consumo de alimentos, a atividade agrícola e industrial
e o desenvolvimento tecnológico. Contudo, uma vez que a aplicação desses métodos mais
sofisticados não pode muitas vezes aferir-se cabalmente, é importante fazê-la de modo extremamente
cuidadoso e crítico.
As necessidades de água para o consumo urbano costumam ser fixadas a partir do estudo
das projeções demográficas e da definição de índices de consumo per capita. Eles dependem
de diversos fatores, tais como as características climáticas, o nível de desenvolvimento
econômico, a distribuição do rendimento, as dimensões do aglomerado populacional, os tipos
e dimensão das indústrias a instalar e o sistema de tarifas de água que se pensa pôr em
prática. Procura-se também, para cada região urbana, definir percentagens médias de
consumo para as utilizações doméstica, pública, industrial e comercial. Nos países mais
desenvolvidos o consumo doméstico corresponde freqüentemente a cerca de 50 % da
totalidade do consumo urbano.
141
b) Necessidades de água para a agricultura - a agricultura é, entre as atividades do homem,
aquela que determina maiores consumos de água, os quais estão, sobretudo, associados às
perdas por evapotranspiração. O papel extremamente importante do consumo agrícola no
conjunto dos consumos de água impõe que se procure estimar com particular cuidado as
necessidades de água para a agricultura.
Se, por exemplo, se aceitar um valor de 5 kg por hectare para a produção de um campo de
trigo, tal corresponderá a um consumo de água de cerca de 3000 m3, ou seja, a uma altura
de precipitação de 300 mm. Admitindo uma captação de consumo de água de 100 L/hab.dia,
é fácil de ver que a água necessária para produzir 5 kg de trigo seria suficiente para
assegurar as necessidades de uma família de cinco pessoas durante mais de 15 anos.
c) Necessidades de água para a pesca e para a aquicultura - embora muitas vezes não se
encare a atividade da pesca como uma das formas de utilização da água, na realidade são
muito importantes os aspectos da qualidade da água, tanto relativamente à pesca em águas
marítimas como em águas interiores, tendo também importância os aspectos de quantidade
em relação a estas últimas.
142
Os problemas da qualidade da água são normalmente mais limitativos para a indústria do que
os da quantidade. Com efeito, por um lado, é no setor industrial que maiores progressos têm
sido feitos na redução de consumos por aumento da eficiência na utilização da água, e por
outro lado, a redução da poluição rejeitada pela indústria implica uma utilização maior dos
recursos de água para recepção de cargas poluentes.
143
referir, de acordo com indicações da bibliografia, os seguintes valores médios da relação entre volumes
consumidos e volumes captados:
- considerar a conservação dos recursos hídricos como uma política explícita, tendo em conta
as variações da procura, as práticas de utilização da água e os estilos de vida e formas de
povoamento;
O balanço dos recursos hídricos resulta da comparação entre os resultados dos inventários de
recursos e de necessidades de água. Os inventários e o balanço são ações que se condicionam
mutuamente de forma iterativa. Basta notar, por exemplo, que a disponibilidade de recursos hídricos é
144
influenciada pela realização das obras de aproveitamento dos recursos, ou ainda que as necessidades
de água são condicionadas pelo seu preço, o qual, por sua vez, está relacionado com os resultados do
balanço entre recursos e necessidades.
A análise torna-se ainda mais complicada quando intervêm fatores como a redistribuição do
rendimento, as repercussões das utilizações da água sobre o ambiente ou a caracterização de índices
de saúde ou de qualidade de vida associados às diversas formas de utilização de água.
Por essa razão, é extremamente difícil realizar com rigor projeções da relação entre recursos e
necessidades de água. A estimativa a longo prazo de recursos e necessidades de água é,
normalmente, caracterizada por elevada incerteza que nem sequer permite, na maior parte dos casos,
uma formulação probabilística dos resultados dos balanços.
Essa dificuldade não deve levar, contudo, à exclusão da realização de balanços prospectivos,
pois a incerteza não deve servir de justificação para o desconhecimento.
O que se faz, em geral, é proceder a uma análise com base na comparação de cenários
alternativos correspondentes a diversas combinações consistentes dos fatores condicionantes e das
ações adaptadas. Esses cenários serão permanentemente reajustados e a sua comparação em cada
momento permite reformular da melhor maneira a política de desenvolvimento dos recursos e
necessidades de água.
145
- elaborar balanços de recursos e necessidades, atuais e prospectivos, a médio e longo prazo,
em escala de bacia hidrográfica, de região e do país, permanentemente atualizados, com
base nas informações anteriormente referidas.
- definição do elenco de utilizações possíveis dos vários trechos dos cursos de água;
- classificação de águas em função das suas utilizações;
- fixação de caudais mínimos a garantir nos cursos de água;
- definição dos limites admissíveis de poluição nos meios receptores;
- estabelecimento de normas gerais de qualidade para os efluentes;
- licenciamento das utilizações de águas;
- definição de taxas de captação de água e de rejeição de efluentes;
- fixação de multas e outras penalidades.
Conforme já vimos, são várias as utilizações da água, e cada uma delas pressupõe
determinadas condições de qualidade e de quantidade.
Com base na relação entre a qualidade e a quantidade das águas dos meios receptores e as
utilizações que delas se podem fazer, é possível regulamentar os critérios que permitem averiguar se
uma água, cujas características se conhecem, pode ser utilizada para determinado fim. Além disso,
conhecido também o grau de poluição que os meios receptores apresentam em dada situação de
partida e fixados os objetivos de qualidade a atingir de acordo com o planejamento econômico-social, é
possível regulamentar não só as características de qualidade a preservar ou a recuperar nos meios
receptores, de modo a garantir certas utilizações, mas também as condições a que devem obedecer as
rejeições de efluentes.
Variadas razões poderão concorrer para, em certos casos, se fixarem valores mínimos de caudal
a garantir nos cursos de água. Destacam-se, entre elas, as seguintes:
146
Numa correta perspectiva de gestão de recursos hídricos, na qual necessariamente se envolve a
possibilidade de tirar partido da capacidade de autodepuração dos meios receptores, não se justifica
impor em todos os casos que os efluentes satisfaçam os mesmos valores dos vários parâmetros de
qualidade. Consequentemente, as correspondentes normas gerais incluirão apenas os limites
condicionantes da defesa da saúde pública e da proteção das condições ecológicas. Isso quer dizer
que, além da regulamentação genérica, no âmbito da gestão das águas, há que serem
regulamentadas, em cada caso concreto, as condições de rejeição de efluentes.
Os princípios de autorização prévia por parte do Estado para qualquer utilização da água e de
pagamento dessa utilização deverão ser consignados na lei, havendo toda uma série de circunstâncias
que podem condicionar as utilizações a autorizar e os correspondentes pagamentos a fixar. Assim, por
exemplo, no que diz respeito a captação de água, motivos de ordem econômica e social podem
implicar que os caudais captados e os preços cobrados não sejam uniformes, mas dependam das
disponibilidades locais de água e da sua variação ao longo das estações do ano, das prioridades que
se estabelecerem para as diferentes utilizações, das quantidades de água realmente consumidas e das
parcelas devolvidas à origem após utilização. O esquema tarifário e o de caudais captáveis podem
ainda evoluir ao longo dos anos em conformidade com a estratégia dos planos de desenvolvimento
regional no que se refere às taxas de poluição, isto é, às que são devidas pela utilização dos meios
receptores para rejeição de resíduos. Diversas circunstâncias podem condicionar, também, os valores
a pagar, como por exemplo, do maior ou menor grau de depuração a que foram sujeitos os efluentes
antes do lançamento, das condições do meio para onde são rejeitados, e outras condições.
Dentro dos limites de poluição admissíveis fixados, a taxa a pagar por um dado poluidor poderá
ser maior ou menor consoante o grau de utilização que ele faz e da capacidade de autodepuração do
meio receptor.
Ultrapassados aqueles limites, já não há lugar para o pagamento de taxas, mas sim para
aplicação de penalidades, em particular de multas, uma vez que o poluidor se colocou em situação
ilegal. Os valores poderão variar em função de vários fatores, matéria que também exige
regulamentação.
147
Relativamente à legislação é preciso elaborar e implementar para dar execução a uma política
de gestão dos recursos hídricos, a Conferência da Água de 1977, das Nações Unidas, refere que:
Na Conferência da Água de 1977 das Nações Unidas foram elaboradas ainda as seguintes
recomendações, dirigidas aos países membros:
- devem ser sistematicamente efetuados o inventário e o exame crítico das regras (escritas ou
não), dos regulamentos, dos decretos, das portarias e das medidas jurídicas e legislativas no
domínio dos recursos hídricos;
- a legislação em vigor deve ser revista para ser aperfeiçoada e adaptada de maneira a
englobar todas as questões relativas à gestão dos recursos hídricos, proteção da sua
qualidade, prevenção da poluição, penalidades aplicáveis às rejeições de efluentes nocivos,
concessões, captações, direitos de propriedade, e outros aspectos;
- ainda que, de modo geral, se pretenda que a legislação seja muito completa, deve-se
procurar que ela seja concebida da forma mais simples possível, dada a necessidade de
serem definidas as atribuições e as competências dos organismos públicos, e estabelecidos
os meios de assegurar aos particulares o direito à utilização da água;
- a legislação deve permitir aplicação fácil das decisões a se tomar no interesse coletivo,
protegendo, simultaneamente, os interesses legítimos dos particulares;
148
- seria conveniente que os diferentes países documentassem e compartilhassem as
respectivas experiências, objetivando um possível aperfeiçoamento das suas legislações;
Entre as obras que dependem das entidades encarregadas da gestão das águas, em nível
nacional ou regional, apontam-se como mais importantes as seguintes:
- barragens e outras obras que visam o aproveitamento dos recursos hídricos e ainda obras
para transferência de água entre bacias hidrográficas;
- diques, canais, açudes, eclusas e outros tipos de obras hidráulicas para controle de cheias,
regularização fluvial e navegação;
- captações e grandes aduções regionais de água de abastecimento;
- grandes emissários e executores coletivos de águas residuais;
- instalações coletivas de depuração de águas residuais.
Obras do tipo das indicadas têm caráter marcadamente coletivo e, por isso, o seu projeto,
execução e exploração devem depender diretamente das entidades responsáveis pela gestão. Assim,
por exemplo, os grandes empreendimentos de irrigação, os aproveitamentos hidroelétricos, as
regularizações de rios e as recuperações de cursos de água poluídos são, nitidamente, obras de
gestão nacional.
A elaboração de projetos das mais importantes obras de gestão levanta alguns problemas de
normalização de critérios de base, de descentralização de competências e de simplificação de
processos de apreciação, para os quais há que procurar soluções que favoreçam o dinamismo da
política de gestão.
149
As entidades proprietárias das obras poderão elas próprias executar essas obras ou encarregar
outrem da sua execução. Nas obras de maior vulto é usual o lançamento de empreitadas, uma vez
que tal sistema dispensa os donos das obras de se proverem com equipamentos de utilização
ocasional e de constituírem quadros de pessoal que, uma vez terminadas as obras, excedem as
necessidades de rotina. O problema já se põe de modo diferente no que se refere a obras de caráter
corrente, para as quais se considera normalmente vantajoso poder dispor-se de meios próprios de
realização, pela independência que conferem aos donos das obras relativamente às disponibilidades
momentâneas de empreiteiros providos para o efeito.
Tanto a execução como a exploração das obras deve ser objeto de rigoroso planejamento que
garanta um escalonamento racional da entrada em funcionamento das várias obras e uma correta
adequação aos programas de investimento.
- a escassez de água pode, muitas vezes, ter influência decisiva na definição da tecnologia
adequada; em certos casos pode ser eventualmente necessário substituir tecnologias
tradicionais por outras relativamente complexas;
150
- analisem os dispositivos institucionais existentes, no que se refere ao desenvolvimento de
tecnologias adequadas na gestão dos recursos hídricos, e apoiem esse desenvolvimento;
- forneçam todo o apoio e estímulo possíveis aos organismos nacionais responsáveis pelo
desenvolvimento de tecnologias adequadas com vista ao desenvolvimento dos recursos
hídricos;
- realizem a normalização das especificações técnicas, dos modelos e dos projetos relativos a
obras e equipamentos hidráulicos;
- promovam a cooperação técnica inter-regional com vistas na eliminação das diferenças entre
países em estágios diversos de desenvolvimento tecnológico, estimulando simultaneamente
a inovação tecnológica no que diz respeito a planejamento, materiais e equipamento, e a
troca de informações com outras regiões;
151
- assegurem que as instalações e equipamentos hidráulicos construídos a partir de recursos
locais não envolvam riscos para a saúde;
O princípio da otimização da utilização dos recursos, implícito no primeiro dos objetivos citados,
bem como o princípio da eqüidade na repartição dos custos suportados pelos utilizadores da água,
patente no segundo, são geralmente incontroversos. A aplicação prática desses princípios levanta,
todavia, problemas de resolução difícil, como será visto a seguir.
Os organismos responsáveis pela gestão das águas deverão ter os seus próprios orçamentos
para empreendimentos a realizar e para funcionamento dos serviços. As fontes de receita a considerar
nesses orçamentos poderão ser taxas cobradas diretamente aos utilizadores, com participações do
Estado e das autarquias, empréstimos de instituições de crédito públicas e privadas e emissão de
títulos de crédito.
Em geral, deve procurar-se limitar o recurso à comparticipação do Estado de forma que a parte
substancial do financiamento provenha, tanto quanto possível, da aplicação de taxas aos utilizadores
da água.
152
- taxas por rejeição de efluentes;
- taxas por utilização da água que não envolva consumo nem poluição;
- taxas por benefícios resultantes de obras de regularização e controle das águas.
No que se refere à captação de água, advoga-se a cobrança de uma taxa por unidade de volume
de água captada, admitindo-se, contudo, a atribuição ao utilizador de uma bonificação por unidade de
volume de água restituída.
No que se refere à rejeição de efluentes, as taxas devem ser pagas por unidade de carga
poluente rejeitada. O valor da taxa depende, em princípio, da natureza da carga poluente. No caso de
utilizadores industriais, a variedade de substâncias poluentes é, freqüentemente, muito grande e pode
haver interesse em procurar definir critérios que permitam a conversão da poluição provocada numa
poluição equivalente, expressa, por exemplo, em habitantes-equivalentes, com o objetivo de simplificar
as tabelas de taxas a pagar.
Tal como no caso das taxas por captação de água, as taxas por rejeição de efluentes devem ser
pagas pela entidade que diretamente faz a rejeição dos efluentes. Assim, por exemplo, no caso de
esta entidade ser uma autarquia local, ela pagará a taxa por rejeição de efluentes à administração de
bacia hidrográfica e, por sua vez, cobrará taxas aos diversos utilizadores da rede de esgotos.
No que se refere às utilizações de água que não implicam em consumo nem em poluição, tais
como a pesca e as utilizações dos rios que não envolvem diretamente a água, como é o caso da
extração de areias do fundo dos rios, também devem ser pagas taxas e as receitas correspondentes
devem igualmente reverter para as administrações de bacia hidrográfica.
Finalmente, também devem ser fixadas taxas correspondentes aos benefícios resultantes das
obras de regularização e controle das águas, como, por exemplo, os decorrentes de defesa contra
cheias, de produção de energia, de irrigação e de navegabilidade dos cursos de água.
Os critérios de fixação das contribuições diretas dos utilizadores são mais fáceis de definir para a
captação de água e para a rejeição de efluentes do que para os restantes casos citados. Com efeito, o
estabelecimento dos valores das taxas correspondentes exige cuidadoso estudo, não somente porque
é difícil torná-las eqüitativas, mas também porque para tanto se exige a quantificação dos custos
envolvidos. As dificuldades são substancialmente maiores no que se refere às taxas de poluição,
153
dados os custos sociais em jogo, de avaliação complexa, e o valor econômico a atribuir ao meio
ambiente. Talvez seja por isso que em alguns países se paga apenas pela água captada, fazendo-se
face ao problema da poluição por meio de sistemas de normas e pela aplicação de multas quando os
limites fixados pelas normas são ultrapassados.
Os sistemas de taxas, para serem eficazes, devem ser de aplicação geral, não admitindo
isenções de pagamento por parte de quaisquer utilizadores. Se, porventura, algum utilizador não puder
suportar os encargos correspondentes às taxas, terá que reestruturar a sua organização ou recorrer a
subsídios exteriores à estrutura de gestão das águas.
A circunstância de as taxas por captação de água serem pagas por unidade de volume de água
captada e de se admitir a atribuição de bônus por unidade de volume de água restituída, exige a
medição das quantidades de águas captadas e rejeitadas. Embora tal medição não levante, em
princípio, problemas especiais, pode-se aceitar, em certos casos de pequenos consumidores, que o
volume de água consumida não seja medido, mas sim fixado em função, por exemplo, da capacidade
máxima de captação ou da produção industrial do consumidor ou, ainda, do número de pessoas
envolvidas na utilização da água.
No caso das taxas por rejeição de efluentes é necessária a determinação da carga poluente e
também nesse caso o ideal seria recorrer à medição. Tal medição levanta, contudo, problemas e
impõe despesas que nem sempre a justificam, sobretudo no caso de utilizadores com capacidade
poluente relativamente reduzida. Nesses casos, é recomendável fixar as cargas poluentes em função
de parâmetros tais como o caudal captado, o número de unidades produzidas ou o número de postos
de trabalho.
De modo geral, deverá se procurar que o sistema a montar possibilite uma determinação
suficientemente rigorosa dos caudais consumidos e das cargas poluentes rejeitadas, embora
revestindo-se de um grau de simplicidade que o não torne excessivamente oneroso.
As tarefas relacionadas com as medições a realizar com vistas na aplicação de taxas devem, na
medida do possível, ser descentralizadas. Assim, por exemplo, no caso de se fazer a medição das
cargas poluentes rejeitadas, deve-se fomentar a instalação de estações automáticas de observação de
qualidade da água e/ou a realização dos ensaios em laboratórios independentes e reconhecidamente
idôneos, e não em laboratórios pertencentes à administração de bacia hidrográfica. Esta, quando
muito, disporá de laboratórios volantes que se destinem a ações de fiscalização.
A fixação dos quantitativos das taxas a pagar por captação de água, por rejeição de efluentes ou
por outras utilizações dos cursos de água, deve ser feita pela necessidade de otimizar a utilização dos
recursos hídricos, procurando assegurar adequada interiorização dos custos externos resultantes das
utilizações, custear as obras e suportar os encargos com a estrutura de gestão das águas.
154
Em princípio, as taxas são função do espaço e do tempo, isto é, podem variar de bacia para
bacia ou até dentro de uma mesma bacia e podem evoluir no tempo. A variação das taxas no espaço
justifica-se pelo fato de ser necessário considerar nos processos de otimização o valor econômico da
água, que não é o mesmo em todas as regiões, e as características que cada curso de água deve
possuir, em termos qualitativos, para atender a determinados objetivos. A variação das taxas com o
tempo resulta de o referido valor econômico da água ir crescendo à medida que aumenta a sua
carência, justificando-se, assim, uma subida do custo da sua utilização independentemente de
fenômenos inflacionários.
Dever-se-á ainda procurar prever a evolução das taxas no prazo de 5 ou 10 anos, com a
finalidade de esclarecer os utilizadores acerca da ordem de grandeza dos encargos com que em
princípio têm de contar. Aliás, convém notar que, embora as taxas aumentem com o tempo, os
quantitativos globais cobrados pelas administrações de bacia hidrográfica podem não aumentar à
medida que se intensifica a utilização da água, pois o crescente valor das taxas determina, a partir de
certa altura, uma redução dos volumes de água captada e das cargas poluentes rejeitadas.
Além das taxas cobradas aos utilizadores, existem ainda, como se referiu, outras possíveis
fontes de financiamento dos organismos responsáveis pela gestão das águas. Assim, as
comparticipações do Estado e das autarquias justificam-se sempre que os benefícios da gestão dos
recursos hídricos tenham um caráter social.
Mas também aqui a justa fixação dos montantes a comparticipar ou a emprestar pelo Estado e
autarquias se revela matéria árdua, havendo que reconhecer que o processo pressupõe uma profunda
análise da ampla gama de fatores envolvidos, quer de natureza econômica e financeira, quer de
natureza social e política.
A emissão de títulos de crédito como fonte de receita das entidades encarregadas da gestão das
águas é uma medida a que se pode recorrer quando a estrutura de gestão tiver caráter empresarial.
A partir de orçamento próprio, a ação financeira dos organismos de gestão de recursos hídricos
reparte-se, correntemente, pela concessão de comparticipações, de empréstimos e de vantagens
fiscais que respeitam os custos de instalação e não os de exploração.
Um tipo particular de atuação que vale a pena citar e que, apesar de não ser de adoção
generalizada, traduz mais uma forma de luta contra a poluição, é o dos auxílios financeiros concedidos
às unidades poluidoras já existentes, tendo por objetivo introduzir modificações tecnológicas que
resultem em reduções das correspondentes cargas poluentes.
155
hidrologistas, meteorologistas, físicos, químicos, geólogos, matemáticos, economistas, juristas,
sociólogos, administradores, biólogos, urbanistas, ecologistas e ambientalistas.
As ações de formação devem ser estruturadas de forma a permitir a preparação dos técnicos
necessários para assegurar o funcionamento das estruturas de gestão dos recursos hídricos, desde os
operadores e hidrometristas aos projetistas, gestores e responsáveis pelo funcionamento das
instalações de utilização da água - com destaque para os técnicos de planejamento aos níveis regional,
nacional e internacional - e ainda aos responsáveis pelas ações de formação de outros técnicos. A
atenção crescente que tem sido dedicada aos aspectos econômicos, sociais e ambientais dos
problemas dos recursos hídricos não pode deixar de condicionar tanto o número de técnicos a preparar
como os perfis dos técnicos necessários. Por outro lado, a crescente participação da população no
processo de tomada de decisões relativas aos recursos hídricos impõe que sejam programadas ações
de educação da própria população, objetivando prepará-la para uma intervenção consciente e eficaz.
A definição criteriosa das proporções entre os números de técnicos desses quatro escalões é
condição essencial da eficiência de utilização dos recursos financeiros relacionados à gestão da água,
procurando-se, entre outros aspectos, evitar o subaproveitamento do pessoal técnico e científico.
A estruturação das ações de formação deve ter presente a preocupação de incorporar nos
currículos escolares conhecimentos suficientemente atualizados e de fornecer instrumentos que
permitam aos técnicos valorizar a sua formação para além da permanência na escola.
Uma ação voltada para o futuro, como aquela a que se fez referência, não só é extremamente
importante, mas também muito difícil de concretizar, e só pode ter validade se resultar da colaboração
entre professores - que muitas vezes não têm a percepção dos problemas que na prática se levantam -
e técnicos ligados à resolução dos problemas práticos - que desconhecem normalmente os mais
recentes progressos da ciência e as modificações dos currículos dos cursos que ocorreram depois da
sua passagem pela escola. É importante ponderar que uma perspectiva errada das futuras
necessidades do ensino pode ser mais prejudicial do que uma ausência de perspectiva, pois pode
influenciar negativamente a eficácia do ensino no futuro e ser, portanto, inconveniente.
156
Por razões de sistematização, pode-se considerar que as ações de formação a realizar no
domínio dos recursos hídricos são de cinco tipos diferentes:
A análise pormenorizada dos problemas que se levantam e das estratégias que são possíveis
adotar em relação às ações da formação não cabe no âmbito deste estudo.
- fazer um inventário dos quadros que emigram e criar condições que estimulem o seu
regresso ao país de origem;
157
- considerar a criação de escolas de formação especiais vinculadas, em caráter permanente,
aos estabelecimentos de ensino e a organismos nacionais de administração da água;
- encorajar a cooperação em nível regional entre países interessados, com vistas na criação de
instituições capazes de formar quadros técnicos, superiores e médios, em particular
recorrendo a pessoal docente proveniente de organismos da administração da água da
respectiva região;
São inúmeros os problemas que se apresentam aos responsáveis pela gestão dos recursos
hídricos. A sistematização desses problemas em temas de investigação e a inter-relação e
escalonamento desses temas é tarefa muito importante, e contribui para assegurar a gestão racional
dos recursos hídricos, fornecendo soluções para os problemas. No entanto, a missão fundamental da
158
investigação será prever os problemas futuros e fornecer indicações sobre as vias mais convenientes
para os abordar.
A execução de uma correta política de investigação dos problemas relacionados aos recursos
hídricos impõe que existam instituições de pesquisa com atividades nos domínios em que se inscrevem
os assuntos a serem estudados. Além disso, devem ser coordenadas as atividades das diversas
instituições nacionais e regionais, oficiais ou particulares, universitárias ou não, que repartem entre si
os projetos de investigação que interessam à gestão de águas.
159
- reforçar as instituições existentes e criar novas instituições, sempre que necessário, com o
fim específico de promover a investigação relativa aos problemas dos recursos hídricos que
estejam estreitamente ligados com as necessidades do desenvolvimento;
160
classificação por disciplinas ou ramos de conhecimento conduz a uma discretização do conhecimento
que não realça suficientemente as ligações entre as diferentes parcelas.
Julga-se, portanto, mais conveniente fazer uma classificação dos temas de investigação por
grandes setores ou domínios de atividade. Cada um deles exige a participação de especialistas de
uma ou mais disciplinas ou ramos de conhecimento e, em relação aos quais, cada país ou região pode,
num determinado momento, referir os seus objetivos concretos e áreas-problemas.
8.8 Informação
161
delegações regionais, designadamente no âmbito das administrações de bacia hidrográfica, integrados
num sistema nacional de informações e cujas atividades se devem articular com as de outros centros
nacionais, estrangeiros e internacionais, que recolhem e difundem informações circunscritas a aspectos
particulares dos problemas da água.
A Conferência da Água de 1977, das Nações Unidas, preconiza que os países dêem prioridade à
realização de programas e/ou campanhas nacionais de informação destinadas a toda a população e
relativas à utilização correta, à proteção e à conservação dos recursos hídricos, recomendando que os
vários Estados:
- iniciem campanhas especiais de informação por meio de brochuras, jornais, rádio, televisão,
e outros meios de comunicação;
Até há pouco tempo as decisões relativas aos problemas do domínio dos recursos hídricos eram
tomadas fundamentalmente pelo poder político que se apoiava no julgamento dos técnicos dos
serviços oficiais. A participação das populações nas decisões, quando tinha lugar, só surgia numa fase
adiantada do processo, quando as decisões fundamentais já estavam tomadas. Nesse contexto, a
única possibilidade que restava aos cidadãos, no caso de não concordarem com determinado projeto,
era tentar, pelos meios possíveis, impedir a sua concretização, criando-se freqüentemente situações
litigiosas cuja resolução era, em alguns países, entregue aos tribunais.
Essa forma de atuar tem sido ultimamente muito criticada pelos atrasos que determina e
conseqüentes prejuízos que acarreta e, por isso, à medida que os problemas dos recursos hídricos se
162
agravam e que os cidadãos vão adquirindo consciência de tais problemas, manifesta-se uma tendência
para assegurar às populações a possibilidade de intervir no processo de tomada de decisões desde as
primeiras fases do lançamento dos projetos.
O interesse crescente do público em participar das decisões relativas aos problemas de recursos
hídricos começou a manifestar-se mais intensamente em conseqüência das preocupações que nos
últimos anos surgiram em diversos países referentes aos problemas ambientais. Esse interesse está
associado à consciência do valor da água que as populações têm progressivamente adquirido.
Em alguns países já foram contemplados na lei mecanismos para assegurar efetiva participação
das populações. É o caso, por exemplo, do instrumento legal que exige a preparação de um Estudo de
Impacto Ambiental de atividades modificadoras do meio ambiente, o qual tem de ser obrigatoriamente
analisado por diversas agências nacionais e pelas populações interessadas, antes de serem dados
passos significativos para a concretização do projeto.
Uma das conseqüências mais positivas da consideração dos Estudos de Impacto Ambiental no
âmbito do processo de planejamento dos recursos hídricos é a conjugação do planejamento relativo à
qualidade de água com o planejamento que diz respeito à quantidade de água, reunindo assim dois
aspectos do planejamento que em muitos países são ainda realizados separadamente.
Na realidade, a defesa da qualidade da água deve ser considerada algo mais do que o objetivo
de uma política de controle de poluição, pois cada vez mais a qualidade da água tenderá a constituir
fator limitativo das próprias disponibilidades dos recursos hídricos e, como tal, o seu planejamento não
pode deixar de ser considerado parte da própria essência do planejamento dos recursos hídricos.
Para promover a participação das populações nas ações de gestão dos recursos hídricos a
Conferência da Água de 1977, das Nações Unidas, recomenda que:
- os países que adotem essas medidas e técnicas devem documentar e intercambiar as suas
experiências;
163
A participação das populações em todo o processo de tomada de decisões relativas aos
problemas dos recursos hídricos implica o lançamento de ações que visam permitir que essa
participação se faça de forma esclarecida e de modo a garantir a efetiva defesa dos interesses
coletivos.
As instituições de educação podem ter papel muito ativo nas ações de conscientização das
populações. Desde a escola primária que essa educação se pode promover, através da inclusão nos
programas de matérias ligadas à conservação e utilização dos recursos hídricos, relacionando esses
aspectos com a problemática geral dos recursos naturais e do ambiente.
No que se refere às ações a serem realizadas junto às populações que já concluíram a sua
formação escolar, a educação do público pode fazer-se por diversas vias, envolvendo uma participação
mais ou menos efetiva. Entre as vias de caráter mais passivo, pode-se citar a distribuição pública de
informação escrita ou a apresentação de informação audiovisual difundida diretamente pelos serviços
oficiais, por associações de vários tipos, ou através dos meios de comunicação social. Entre as
técnicas de educação de caráter mais ativo citam-se as que estão ligadas à própria participação das
populações na tomada de decisões em casos concretos, através de reuniões e sessões de
esclarecimento de vários tipos, do funcionamento de comissões com participação do público e demais
instituições.
Essas ações de educação das populações, que devem ser coordenadas pela estrutura de
gestão dos recursos hídricos, têm toda a vantagem em poder contar com a colaboração das
instituições de ensino e de pesquisa que poderão dar apoio às populações no sentido de lhes
assegurar mais esclarecida e efetiva participação nos processos de tomada de decisões.
Desse modo, de acordo com os objetivos indicados, embora a cooperação internacional relativa
à gestão das águas assuma aspectos relevantes entre países com interesse nos mesmos recursos
hídricos, não se confina apenas à resolução de questões decorrentes da utilização dos recursos
hídricos compartilhados mas tende para uma ação coletiva com vistas no desenvolvimento dos
recursos hídricos.
164
As ações de cooperação internacional relativas à gestão das águas podem, metodologicamente,
ser classificadas quanto ao seu objeto, quanto ao quadro geográfico em que se inserem, ou ainda
quanto ao tipo de institucionalização.
Quanto ao objeto, podem-se distinguir as ações de gestão que visam as águas interiores e as
que contemplam as águas marítimas, sendo ainda possível distinguir, entre estas últimas, as ações que
se referem às águas marítimas territoriais e as que dizem respeito ao alto mar.
Quanto ao quadro geográfico, podem-se referir as ações de âmbito local, envolvendo dois ou
mais países, as de âmbito regional e as que se processam em escala mundial.
A Conferência da Água de 1977, das Nações Unidas, sugere que os países em desenvolvimento
se esforcem para criar mecanismos adequados para promover a cooperação técnica mútua com a
finalidade de atingirem uma autonomia técnica coletiva posta ao serviço do desenvolvimento dos seus
recursos hídricos. Nesse sentido é recomendado que os países tomem, nos níveis nacional, regional e
sub-regional, as seguintes medidas:
165
- definir, tendo em vista o aproveitamento dos recursos hídricos, programas que possam ser
conduzidos através da cooperação entre países em desenvolvimento em setores específicos
como o abastecimento de água, a irrigação, a drenagem, a produção de energia hidroelétrica,
o desenvolvimento e a gestão dos recursos hídricos internacionais, o desenvolvimento das
águas subterrâneas, os meios de evitar e de reduzir os prejuízos ocasionados pelas cheias e
pelas secas, a luta contra a poluição, a legislação das águas, as ações de formação, a
transferência de tecnologia adequada às necessidades dos países em desenvolvimento e o
progresso desta tecnologia;
- aos países da África, da Ásia e da América Latina recomenda-se especialmente o estudo das
possibilidades de desenvolvimento e produção de equipamento e de tecnologias de baixo
custo, objetivando alcançar, o mais rapidamente possível e com pequenos encargos, um
inventário global dos seus recursos hídricos e encorajar a permuta de informações no escalão
regional.
166
Por fim, a Conferência da Água de 1977, das Nações Unidas, recomenda ainda que as
instituições internacionais de financiamento, como o Banco Mundial, os bancos de desenvolvimento
regionais e sub-regionais, os bancos nacionais de desenvolvimento e outras instituições bilaterais e
multilaterais para financiamento do desenvolvimento, sempre que tal se justifique e no âmbito das
respectivas competências:
- adotem métodos flexíveis na execução dos projetos, para encorajar a efetiva participação das
capacidades nacionais e a promover a cooperação regional;
- definam, após criterioso estudo, políticas de assistência financeira globais e realistas, que
abram caminho para a formulação de programas a longo prazo para a execução de
aproveitamentos de recursos hídricos;
A primeira onda ambiental foi grandemente influenciada pelo debate generalizado que, ao final
dos anos 60, buscava propor formas alternativas de organização social e de comportamento, ao qual
não é estranho um forte componente de protesto e contestação do sistema social vigente. Não se
pode dizer que a preocupação com o meio ambiente tivesse surgido apenas aí. Afinal, a própria
palavra “ecologia” tem mais de 100 anos de existência. Mas, pela primeira vez, essa preocupação veio
a ocupar o centro do debate multilateral.
167
Fica patente, porém, que a preocupação determinante em 1972 era bastante diferente da que
mobiliza hoje a comunidade internacional em torno da proteção ambiental. Não havia então, como há
hoje de forma bastante explícita, um acoplamento da questão ambiental e da questão do
desenvolvimento. A questão central em Estocolmo dizia respeito essencialmente às relações entre o
homem e o meio ambiente. A palavra chave da Conferência era “poluição”. O objetivo era
conscientizar os Estados sobre a importância de promover a limpeza do ar nos grandes centros
urbanos, a limpeza dos rios nas áreas das bacias mais povoadas e o combate à poluição marinha. As
grandes preocupações estavam relacionadas com a situação, em alguns casos alarmantes, das
condições de higiene e saneamento em áreas de grande concentração populacional, situadas
sobretudo em regiões altamente desenvolvidas.
Dessa Declaração, há que se enfatizar 5 (cinco) dos 26 (vinte e seis) princípios proclamados:
a) Princípio 5: os recursos não renováveis da terra devem ser aproveitados de forma a evitar o
perigo de seu futuro esgotamento e assegurar que os benefícios de sua utilização sejam
compartilhados por toda humanidade;
b) Princípio 8: o desenvolvimento econômico e social é indispensável para assegurar ao homem
um ambiente favorável de vida e de trabalho e criar na terra condições necessárias para a
melhoria da qualidade de vida;
c) Princípio 14: o planejamento nacional constitui um instrumento indispensável para conciliar os
imperativos do desenvolvimento e a necessidade de proteger e melhorar o meio ambiente;
d) Princípio 17: deve-se confiar a instituições nacionais apropriadas a tarefa de planejar,
administrar ou controlar a utilização dos recursos ambientais dos Estados com vistas a
melhorar a qualidade do meio ambiente;
e) Princípio 21: os Estados têm, de acordo com a Carta das Nações Unidas e os princípios do
Direito Internacional, o direito soberano de explorar seus próprios recursos de acordo com
suas políticas de meio ambiente e a responsabilidade de assegurar que atividades sob sua
jurisdição ou controle não causem danos ao meio ambiente de outros Estados ou áreas além
dos limites da jurisdição nacional.
Com um dos territórios mais extensos, grandes vazios demográficos e uma das mais numerosas
populações, o Brasil, ao discordar das propostas globalizantes, apresentou-se como vilão na
Conferência de Estocolmo. A tese central da qual decorria sua posição era a soberania nacional, como
valor jurídico incontestável. Daí fluíam o direito de decidir sobre o uso dos recursos naturais e a
obrigação de não causar prejuízo sensível a outros países.
Apesar de certos excessos verbais na época, não é fato que o Brasil defendia a poluição. O
Brasil queria preservar, em momento de ampliação de seu processo de industrialização, suas opções
de desenvolvimento. Não aceitava a globalização das decisões que julgava privativa de sua esfera
própria.
Não se pode negar que Estocolmo teve efeitos práticos concretos. A qualidade do ar nos
grandes centros urbanos do mundo desenvolvido melhorou, vários grandes rios europeus,
praticamente “mortos”, passaram por um processo exemplar de recuperação. O mesmo não
168
aconteceu, infelizmente, nos países em desenvolvimento – devido fundamentalmente à falta de acesso
a tecnologias apropriadas e a recursos para aplicá-las.
Em 1985, a Assembléia Geral das Nações Unidas atribuiu ao Programa das Nações Unidas para
o Meio Ambiente (PNUMA) a tarefa de delinear estratégias ambientais para o ano 2000 e além. Para
prestar subsídios ao PNUMA, foi estabelecida a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento, que prepararia um relatório sobre o meio ambiente global. Essa Comissão,
composta por 21 participantes escolhidos a título pessoal e não como representantes governamentais,
foi presidida pela Primeira-Ministra da Noruega, Gro Harlem Brundtland.
169
daquelas. Implica progresso na direção da equidade nacional e internacional, inclusive
assistência aos países em desenvolvimento de acordo com seus planos de desenvolvimento,
prioridades e objetivos nacionais. Implica também a existência de meio econômico internacional
propício que resulte no crescimento e no desenvolvimento. Estes são elementos da maior
relevância para o manejo sadio do meio ambiente. Desenvolvimento sustentável implica ainda a
manutenção, o uso racional e valorização da base de recursos naturais que sustenta a
recuperação dos ecossistemas e o crescimento econômico. Desenvolvimento sustentável
implica, por fim, a incorporação de critérios e considerações ambientais na definição de políticas
e de planejamento de desenvolvimento e não representa uma nova forma de condicionalidade
na ajuda ou no financiamento para o desenvolvimento.
170
a) avaliar os recursos mundiais de água doce com relação à demanda presente e futura e
determinar os problemas que devem ser prioritários;
b) elaborar um enfoque intersetorial coordenado para a gestão dos recursos hídricos,
fortalecendo os vínculos que existem entre os diversos programas relativos à água;
c) formular estratégias e programas de ação ecologicamente viáveis para os anos
subsequentes;
d) assinalar aos Governos a importância da gestão dos recursos hídricos no meio ambiente e
desenvolvimento das nações.
No caso brasileiro de gestão dos recursos hídricos, tais itens foram mais tarde contemplados na
Lei no 9.433, de 08/01/1997.
Em maio de 1989 ocorreu, em Manaus, a I Reunião dos Presidentes dos Países Amazônicos. A
Declaração da Amazônia, então adotada, inspira-se no conceito do "desenvolvimento sustentável" e na
exploração racional dos recursos naturais de cada Estado, definidos em função de prioridades internas
de seu direito soberano. A soberania não exclui, ao contrário, acolhe a cooperação internacional. A
proteção e a conservação do meio ambiente da região não podem ser alcançadas sem a melhoria das
condições sociais e econômicas daqueles países.
Em 22 de dezembro de 1989, a Assembléia Geral das Nações Unidas, reunida em sua XLIV
Sessão, adotou por consenso a Resolução 44/228, pela qual decidiu convocar a Conferência das
171
Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, com duração de duas semanas, em junho de
1992, e aceitou o oferecimento brasileiro para sediá-la.
A Resolução 44/228 especifica os objetivos da Conferência em vinte e três itens, que podem ser
divididos em 4 grandes grupos:
O primeiro, a partir do exame do estado do meio ambiente e das mudanças ocorridas nos
últimos vinte anos, refere-se à identificação de estratégias regionais e globais e à recomendação de
medidas em nível nacional e internacional para restabelecer o equilíbrio do meio ambiente, bem como
para evitar a continuação de sua degradação, no contexto do desenvolvimento econômico e social.
Refere-se ainda à consideração do avanço do direito ambiental e à elaboração de direitos e deveres
gerais dos Estados no campo do meio ambiente.
O segundo grupo refere-se a uma série de objetivos na esfera econômica. Trata-se da questão
crucial da relação entre degradação ambiental e o quadro econômico internacional e das estratégias
que possam levar a acordos e compromissos para promover um ambiente econômico internacional que
permita um desenvolvimento sustentado e ambientalmente sadio. Inclui-se também a questão dos
recursos financeiros adicionais para resolver os graves problemas, bem como para promover projetos e
programas de desenvolvimento ambientalmente adequados.
O terceiro grupo de objetivos reúne questões como formação de pessoal, educação ambiental,
cooperação técnica e intercâmbio de informações.
172
O quarto grupo inclui aspectos institucionais como o da distribuição de responsabilidades para a
execução das decisões da Conferência no âmbito das Nações Unidas e dos recursos financeiros para
essa finalidade.
173
A Agenda 21, nos seus capítulos 1 e 18, define os compromissos relacionados aos recursos
hídricos, assumidos pelo Brasil na Conferência das Nações Unidas sobre meio Ambiente e
Desenvolvimento.
Como resultado da Conferência do Rio foi promovida a reestruturação do Fundo para o Meio
Ambiente Mundial (Global Environment Facility – GEF), criado em 1990 por iniciativa de alguns países
desenvolvidos e administrado pelo Banco Mundial, PNUD e PNUMA.
Na Agenda 21, capítulo 33, a Convenção-Quadro sobre Mudança do Clima e a Convenção sobre
Diversidade Biológica estabeleceram condições de universalidade de participação e de equilíbrio na
representação na tomada de decisões para que o GEF possa efetivamente exercer as funções de
agente repassador de financiamentos em bases concessionais para projetos na área do meio
ambiente.
Na fase piloto, que terminou em 1993, o GEF contou com recursos totais, incluindo co-
financiamento, da ordem de US$ 1.3 bilhões. Entretanto, em parte pela inexperiência dos países e do
próprio GEF na formulação e execução de projetos ambientais, apenas uma parcela mínima desses
recursos foi transferida para os países recipiendários nas quatro áreas de atuação do Fundo (ozônio,
mudança de clima, diversidade biológica e águas internacionais).
174
10. CIDADANIA E GERENCIAMENTO DE RECURSOS HÍDRICOS
Os problemas locais e gerais trazidos pela degradação ambiental, remetem à consideração das
relações entre o meio ambiente e a democracia, a pobreza, as desigualdades internacionais, a fome, a
produção industrial, o parcelamento do solo, a produção científica, dentre outros problemas. Tais
questões estão ligadas aos poderes e às relações de força entre os grupos sociais.
Dada a importância e amplitude, não restam dúvidas de que as lutas contemporâneas passam,
em todos os níveis, pela relação entre seres humanos e meio ambiente, no interior de um todo que não
mais separa o mundo antropológico do natural, nem isola o homem de um meio supostamente
inesgotável. Pode-se dizer que o homem é ele e o meio ambiente do qual participa. Essa concepção
de meio ambiente abarca aspectos naturais e sociais, não mais isolando uma faceta de outra, já que a
inter-relação homem-natureza é uma totalidade dinâmica, onde um e outro são personagens ativos que
contracenam e dependem um do outro.
Uma vez que a questão ambiental é inerente à condição humana e já que os conflitos,
desigualdades, opressões e dominações também perpassam por essa dimensão, nada mais evidente
do que concluir sobre a existência social de uma cidadania ambiental, luta pela realização de direitos
ambientais, por via da ação política organizada.
Essa participação inclui, em primeiro lugar, a busca de espaços políticos para a concretização
dos princípios e práticas oriundos desse exercício. Manifesta-se, também, pela produção de novas
práticas sociais, pela expressão de novas formas de conduta e pela introdução de novos paradigmas
no conhecimento e nas práticas sociais.
No âmbito jurídico, todas as formas legais são passíveis de utilização, pois a cidadania
ambiental, por suas lutas, inscreverá, progressivamente, novos direitos na vida social, forçará os
poderes públicos a respeitar normas que eles mesmos editaram e influirá no sentido da radical
modificação na relação entre os homens, na medida em que aprofunda uma racionalidade da
convivência e da emancipação, em oposição à da dominação e controle.
A política do meio ambiente não é um conjunto de princípios listados no papel pelo Estado, mas
o fruto dos embates travados nesse novo patamar que hoje integra a cidadania. É um confronto com o
Estado, a fim de que ele assuma o sentido de publicidade que alega ter, ao mesmo tempo em que se
configura como elemento ampliador do sentido do público.
O conceito de meio ambiente é totalizador. Embora possamos falar em meio ambiente marinho,
terrestre, urbano, essas facetas são partes de um todo sistematicamente organizado onde as partes,
reciprocamente, dependem umas da outras e onde o todo é sempre comprometido cada vez que uma
parte é agredida.
175
O ambiente humano e natural é o meio onde todos vivem. É um sistema complexo e dinâmico de
relações e interferências recíprocas, que só pode ser analisado sob uma ótica totalizadora, que
considera os aspectos naturais, sociais, econômicos, culturais, éticos, políticos e jurídicos. Ressalta-se
o sentido etimológico da palavra ecologia, que é a ciência que estuda a relação dos seres vivos entre si
e com o meio físico.
A consciência dos problemas de meio ambiente nos países desenvolvidos, em lugar de suscitar
um movimento solidário no sentido de sua preservação, levou a um movimento de radicalização das
diferenças entre nações desenvolvidas e subdesenvolvidas, na medida em que as indústrias
ambientalmente inadequadas foram exportadas para os países em desenvolvimento, onde a mão-de-
obra é mais barata, o controle ambiental é fraco e as questões sociais são de difícil solução.
É preciso lembrar que a agressão ao meio ambiente é fruto da grave injustiça que existe nas
relações entre os grupos dominantes e dominados, na maioria dos países, e da evidente desigualdade
entre os países desenvolvidos e subdesenvolvidos. A tecnologia, o desenvolvimento e o avanço do
conhecimento científico fazem as nações de primeiro mundo avançar em progressão geométrica,
enquanto os países em desenvolvimento se estagnam ou avançam em progressão aritmética,
distanciando-se, cada vez mais, das primeiras. Isso implica o risco da concentração de problemas
ambientais nesses países, onde a educação, a saúde, a moradia, a produção e o conhecimento
científico são descuidados e a estabilidade democrática é frágil.
As questões da democracia e do meio ambiente também estão interligadas, pois nos regimes
autoritários, onde a cidadania não é plena, o meio ambiente é agredido, sem qualquer reação, em
proveito de uma minoria. Lutar por uma democracia política e econômica é um dos aspectos da busca
por um meio ambiente sadio.
176
Cabe ressaltar que a questão do meio ambiente impõe uma retomada da reflexão sobre o papel
e a natureza do ser humano. Essa discussão antropológica passa pela revisão das relações do
homem com a natureza, a fim de que ele transite do papel de dominador para o de convivente. Atinge,
também, a questão do ser humano não ser mais somente o morador de uma cidade, o cidadão de um
país, mas invade a dimensão de ser um habitante do cosmos, que há de exercer sua solidariedade não
somente com seus próximos, mas com o todo no qual está vivendo.
A participação individual no gerenciamento dos recursos hídricos é a etapa inicial para que a
sociedade passe a integrar o processo decisório com vistas à adequada utilização desses recursos na
atualidade e com a preocupação da disponibilidade hídrica, com boa qualidade, para as gerações
futuras: o uso sustentável dos recursos hídricos.
Alguns tópicos servem como um ponto de referência para a postura e participação do cidadão
face às questões relativas aos recursos hídricos: conscientização, participação institucional, atividade
profissional, divulgação de informações, defesa da ordem jurídica, educação, valorização de
profissionais especializados, participação política e comunitária e encaminhamento de denúncias.
a) Conscientização
Somente a informação, com a devida reflexão sobre a mesma, oferece condições para formação
de opiniões. A única maneira de se tomar consciência sobre a questão dos recursos hídricos é a busca
de informações e a indagação sobre a verdadeira dimensão dessa informação na vida pessoal e da
comunidade em que se vive. Ao prestar atenção na questão dos recursos hídricos, percebe-se que as
informações estão disponíveis em todas as partes: no jornaleiro da esquina, nas revistas, nas
bibliotecas públicas e das escolas, na televisão. É importante procurar sempre o que está "por detrás"
das informações _ quem veiculou, que intenção teria, em que cenário se situam, quais outros dados se
dispõe para cotejar, comparar ou completar a nova informação recebida. Para a adoção de uma
postura ou opinião, é importante estudar o tema, dialogando com professores e com pessoas
envolvidas com o tema. Exercitando-se dessa maneira, o cidadão estará tomando consciência da
questão dos recursos hídricos.
b) Participação institucional
c) Atuação profissional
O profissional da área de recursos hídricos, deve ter uma visão mais ampla do seu trabalho,
identificar em que ponto da questão hídrica está atuando, como se situa no todo, buscar melhorar esse
177
trabalho. Os eventos técnicos constituem-se em importantes fóruns de debates e difusão de
conhecimentos e novas tecnologias, proporcionando a atualização e capacitação profissional. Por outro
lado, o profissional que não é dessa área, deve analisar se há em sua atividade alguma ligação com
recursos hídricos e estimular a discussão sobre o assunto em seu ambiente de trabalho. Esse efeito
multiplicador irá melhorar o nível profissional e aumentar a conscientização em relação ao tema.
A condição de professor, seja de qualquer disciplina, é a que melhor posição oferece a uma
pessoa para conscientizar a sociedade sobre as questões dos recursos hídricos. Como quase toda
atividade humana necessita da água, o professor motivado e criativo pode fazer com que os alunos se
interessem pelo assunto. Recursos audiovisuais, palestras, grupos de trabalho, visitas técnicas,
excursões, ciclos de conferências, bem como a própria figura do professor preocupado com o tema,
poderão ajudar a despertar o interesse dos alunos.
d) Divulgação de informações
A divulgação das questões relativas aos recursos hídricos deve ser feita em todos os níveis: em
casa, no condomínio, no quarteirão, na escola, no trabalho, no clube, nas associações – a mensagem
sempre será absorvida por alguém. Os debates promovem maior participação e criam condições para
que a conscientização ocorra por meio da discussão de problemas concretos presentes no cotidiano da
comunidade.
O cidadão não deve perder a oportunidade de difundir suas idéias. Os jornais sempre
necessitam de matérias para preencher a pauta de edição. Há muito espaço para a divulgação:
revistas especializadas, jornais, boletins e informativos, eventos técnicos. A mensagem ficará
registrada e circulará: mais consciências serão atingidas.
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 define o meio ambiente como um bem
de uso comum do povo e determina ao poder público, ao Ministério Público, aos órgãos estaduais de
meio ambiente e às prefeituras municipais, bem como a toda a população, o dever de defendê-lo para
o presente e o futuro.
Quando se fala em agir sobre a elaboração e alteração de leis, refere-se basicamente a ações
de pressão junto ao poder legislativo federal (Congresso Nacional), estadual (Assembléias Legislativas)
e municipal (Câmara de Vereadores). De certa maneira, a atuação nesse plano envolve a participação
na definição do conteúdo das leis, mas também uma parte das ações. Isso ocorre porque os
178
legislativos, além da função de elaborar leis, têm o papel fundamental de fiscalização dos atos dos
governos e de encaminhar as denúncias partidas da sociedade.
A sociedade poderia exigir do Congresso Nacional muito mais do que efetivamente exige, se
tivesse informações adequadas sobre a responsabilidade de cada setor do Poder Público. No caso
das Comissões Permanentes - órgãos técnicos da estrutura do Congresso Nacional encarregados de
analisar, avaliar e decidir sobre todas as propostas de novas leis - o desconhecimento público sobre
seu papel faz com que exista sobre elas uma pressão insuficiente, e isso contribui, por sua vez, para
que o Congresso não as aparelhe para um desempenho à altura de sua importância e que os próprios
parlamentares tendam a lhes dar uma importância acessória.
Os assuntos relativos ao meio ambiente são tratados, na Câmara dos Deputados pela Comissão
de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias e no Senado Federal como um sub-tema da
Comissão de Ordem Social.
Nos Estados e Municípios, as ações encaminhadas aos legislativos são semelhantes àquelas
que podem ser praticadas no âmbito do Congresso Nacional. Pode-se, por exemplo, pleitear
audiências públicas com base nas Constituições Estaduais e nas Leis Orgânicas que, obedecendo ao
preceito constitucional, devem abrir canais para a reivindicação popular.
Dar o bom exemplo é a questão fundamental quando se trata de educar um filho, e essa tarefa
exige uma série de renúncias e reflexões sobre o que é certo e justo. A racionalização dos custos e
dos recursos naturais, e a conscientização do que realmente é importante para a melhoria e
manutenção da qualidade de vida do ser humano, devem estar presentes em todas as atitudes a serem
tomadas em relação ao meio ambiente.
h) Participação política
O cidadão pode e deve participar politicamente dentro do processo social. De forma simplificada,
a participação política pode ser classificada de duas formas:
179
Participação Partidária:
Participação como eleitor, como membro de um partido ou como candidato a cargo eletivo, como
fundador de partido político. Deve-se verificar os compromissos do partido e dos candidatos com as
questões ambientais e atuar para incluí-las na plataforma política.
As lutas e movimentos sociais, em função de sua natureza, do seu grau de organização e dos
objetivos, acabam desembocando em associações ou fundações. A formação de entidades atende,
portanto, à necessidade de institucionalizar tais movimentos, dando-lhes caráter impessoal e
garantindo sua continuidade.
Além disso, somente entidades ambientalistas constituídas como tal podem participar de
instâncias públicas de decisão, como o Conselho Nacional de Meio Ambiente – CONAMA, o Conselho
Nacional de Recursos Hídricos – CNRH e os conselhos estaduais de meio ambiente e de recursos
hídricos, hoje existentes na maior parte dos estados.
Uma das maiores dificuldades enfrentadas pelas organizações não governamentais brasileiras é
a carência de recursos financeiros para viabilização de projetos. As fontes financiadoras, porém, têm
destinado progressivamente maior volume de recursos para a área ambiental, independente do fato de
serem nacionais ou estrangeiras, de natureza pública ou privada.
A mais importante fonte nacional de recursos públicos é o Fundo Nacional de Meio Ambiente,
instituído pela Lei no 7.797, de 10 de julho de 1989, administrado pelo Ministério do Meio Ambiente.
Há uma tendência em acreditar que é imenso o aporte de recursos para projetos ambientais,
entretanto sabe-se que além de escassos, os recursos são difíceis de ser obtidos devido aos rigorosos
critérios estabelecidos pelos doadores.
j) Encaminhamento de denúncias
A Constituição garante ao brasileiro o direito de petição aos poderes públicos sem o pagamento
de taxas. Esse é um pormenor pouco conhecido que, muitas vezes, inibe o exercício da cidadania
(Feldmann, 1992).
Em algumas oportunidades, existe a disposição para recorrer, mas não se cuida de recolher as
informações indispensáveis para uma ação conseqüente. Ou, ainda, os detentores das informações
180
imprescindíveis não as fornecem, como ocorre, com freqüência, quando os responsáveis pela agressão
ao meio ambiente são os próprios governantes.
É preciso saber, nesse caso, que a Constituição garante também o acesso à informação. A Lei
no 6.938 de 31/08/1981, que estabelece a Política Nacional do Meio Ambiente, reforça esse direito,
obrigando, inclusive, o poder público a produzir a informação caso esta não esteja sistematizada.
A denúncia terá maiores possibilidades de êxito se forem observadas algumas regras mínimas:
Há, basicamente, duas maneiras de encaminhar uma denúncia sobre atos ou situações lesivas
ao meio ambiente.
- A primeira, por meio de uma ação popular, feita ao Poder Judiciário por qualquer pessoa com
suas obrigações eleitorais em dia. Pode ser embasado na ilegalidade do ato denunciado,
inclusive ato da esfera administrativo considerado ilegítimo ou imoral. Neste caso é preciso
recorrer a um advogado ou procurar a seção mais próxima da Ordem dos Advogados do
Brasil (OAB) para receber orientação.
- A segunda, por meio de uma Ação Civil Pública, disciplinada pela Lei no 7.347, de
27/07/1985, que trata da responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao
consumidor e a bens e direitos de valor artístico, histórico, turístico e paisagístico. Ao
contrário da ação popular, feita. diretamente ao Poder Judiciário por um cidadão, a ação civil
pública, deve ser proposta pelo Ministério Público, pela União, Estados e Municípios,
podendo ser proposta também por autarquia, empresa pública, fundação, sociedade de
economia mista, ou por associação, desde que constituída há pelo menos um ano e que
inclua entre suas finalidades a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, ao patrimônio
artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.
O papel do Ministério Público deve ser bem entendido e destacado. É uma instituição autônoma,
definida na Constituição Federal, e atua como fiscal da lei, na defesa dos interesses coletivos e difusos.
No âmbito federal, é representado pela Procuradoria Geral da República e, no estadual, pelos
Promotores de Justiça. O denunciante pode recorrer ao Ministério Público até mesmo verbalmente,
quando seu relato será colhido. É mais seguro, no entanto, encaminhar por escrito. Como cada
comarca possui necessariamente um Promotor de Justiça, o Ministério Público é bastante acessível
aos cidadãos, que muitas vezes não recorrem a ele por desconhecimento de suas funções.
181
Quando se aciona o Ministério Público, o Promotor de Justiça instaura um inquérito civil para
apurar os fatos. Somente após uma investigação prévia promove-se a ação judicial, se for considerada
cabível. Em caso de abandono de ação movida por associação, o Ministério Público assume a
titularidade para levar a cabo o processo.
Pode-se também recorrer ao Ministério Público quando denúncias feitas às autoridades públicas
não recebem o devido encaminhamento. É cabível, aliás, fazer uma denúncia às autoridades
responsáveis e, em reforço, pedir providências ao Ministério Público.
182
BIBLIOGRAFIA
AIDA (Associação Internacional de Direito das Águas), Conferência de Caracas, Relatório técnico,
Caracas, 1976;
BARTH, F.T. et al. Modelos para gerenciamento de recursos hídricos, Ed. Nobel, São Paulo, 1987.
526p;
BARTH, F.T. Evolução nos aspectos institucionais e no gerenciamento de recursos hídricos no Brasil.
In: Estado das Águas no Brasil – 1999: perspectivas de gestão e informação de recursos hídricos,
SIH/ANEEL/MME; SRH/MMA, 1999. p 27 – 34;
BEEKMAN, G.B., Gerenciamento integrado dos recursos hídricos, IICA, Brasília, 1999. 64p;
BRAILE, P.M. & CAVALCANTI, J.E.W.A., Manual de tratamento de águas residuárias industriais.
CETESB, 1979;
BROWN, L.R. & HALWEIL, B., Populations Outrunning Water Supply as World Hits 6 Billion, 1999. In:
www.worldwatch.org, 2000;
CPE (Comitê dos problemas da água da Comissão Econômica para a Europa), Relatório técnico, 1973;
CVC (Coorporación Autonoma Del Vale Del Cauca), Salvagina el parto de uma quimera, Cali, 1984;
183
FREITAS, M.A.V. (ed.) Estado das Águas no Brasil – 1999: perspectivas de gestão e informação de
recursos hídricos, SIH/ANEEL/MME; SRH/MMA, 1999. 334 p.
FREITAS, M.A.V. & COIMBRA, R.M., Perspectivas da Hidrometeorologia no Brasil. In: Tópicos em
hidrometeorologia no Brasil. Brasília, 1998;
GLEICK, P., (ed.) Water in crisis: A guide to the world’s fresh water resources. Oxford University press,
Oxford, 1993;
GODOY, P.R.C. & VIEIRA, A.P. Hidrovias interiores. In: Estado das Águas no Brasil – 1999:
perspectivas de gestão e informação de recursos hídricos, SIH/ANEEL/MME; SRH/MMA, 1999. p
51 – 72;
ITURRI, M.P., Los Recursos de Agua y Suelo para La Agricultura y el Desarrollo Rural, 1999. In:
Revista Comuniica, ano 4, nº 11, IICA, 1999;
LA LAINA PORTO, R. et al. (ed.), Técnicas quantitativas para o gerenciamento de recursos hídricos,
ABRH/UFRGS, Porto Alegre, 1997. 420 p;
LANNA, A.E.L, Gestão das águas. IPH, Porto Alegre, 1996 (apostila);
LEAL, A.S., As águas subterrâneas no Brasil: ocorrências, disponibilidades e usos, In: Estado das
Águas no Brasil – 1999: perspectivas de gestão e informação de recursos hídricos,
SIH/ANEEL/MME; SRH/MMA, 1999. p 139 – 164;
LEAL, M.S., Gestão ambiental de recursos hídricos: Princípios e aplicações. CPRM, Rio de Janeiro,
1998. 176 p.
LIMA, J.E.F.W., FERREIRA, R.S.A. & CHRISTOFIDIS, D. O uso da irrigação no Brasil. In: Estado das
Águas no Brasil – 1999: perspectivas de gestão e informação de recursos hídricos,
SIH/ANEEL/MME; SRH/MMA, 1999. p 73 – 82;
MUÑOZ, H.R. (ed.), Interfaces da gestão de recursos hídricos: Desafio da Lei das Águas de 1997.
SRH, Brasília, 2000. 422 p;
184
CAESB, Plano Diretor de Água, Esgotos e Controle de Poluição do Distrito Federal. Brasília, 1970;
REBOUÇAS, A.C.; BRAGA, B.; TUNDISI, J.G., Águas doces no Brasil: capital ecológico, uso e
conservação. Escrituras ed., São Paulo 1999. 717p;
RIOS, J.L.P., O plano diretor de abastecimento de água da região metropolitana do Rio de Janeiro. 21
Congresso da AIDIS. ABES, 1988
SAUNDERS, R. & WARFORD, J.J., Abastecimento de água de pequenas comunidades, ABES, 1983;
SETTI, A.A., A necessidade do uso sustentado dos recursos hídricos. IBAMA, Brasília, 1994. 344 p;
SHIKLOMANOV, I.A., World Water Resources – A new appraisal and assessment for the 21st century.
UNESCO, 1998. 76p.
SHIKLOMANOV, I.A., International Hydrological Programme – IHP – IV/UNESCO, 1998. In: Águas
Doces no Brasil, Capital Ecológico, Uso e Conservação, Rebouças A. C. et al., 1999
SILVA, D.D. & PRUSKI, F.F. (ed.), Gestão de recursos hídricos: Aspectos legais, econômicos e sociais.
SRH/UFV/ABRH, 2000. 659 p.
SILVA, H.K.S. & ALVES, R.F.F., O saneamento das águas no Brasil. In: Estado das Águas no Brasil –
1999: perspectivas de gestão e informação de recursos hídricos, SIH/ANEEL/MME; SRH/MMA,
1999. p 83 – 101;
THE DUBLIN STATEMENT, International Conference on Water and Environment, Dublin, Ireland,
1992;
185
UNITED STATE NATIONAL WATER COMMISSION, 1972
UNESCO, Hydro-environmental indices: A review and evaluation of their use in the assessment of the
environmentalimpacts of water projects. IHP-II Project, 1984;
VEIGA DA CUNHA, L., SANTOS GONÇALVES, A., FIGUEIREDO, V.A. & LINO, M. A gestão da água:
Princípios fundamentais e sua aplicação em Portugal. Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa,
1980.
www.wmo.ch/web/homs/whycos.html, 1999
186
ANEXO 1
187
LEI N o 9.433, DE 8 DE JANEIRO DE 1997.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA
Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
TÍTULO I
DA POLÍTICA NACIONAL DE RECURSOS HÍDRICOS
CAPÍTULO I
DOS FUNDAMENTOS
Art. 1º A Política Nacional de Recursos Hídricos baseia-se nos seguintes fundamentos:
I - a água é um bem de domínio público;
II - a água é um recurso natural limitado, dotado de valor econômico;
III - em situações de escassez, o uso prioritário dos recursos hídricos é o consumo humano e a
dessedentação de animais;
IV - a gestão dos recursos hídricos deve sempre proporcionar o uso múltiplo das águas;
V - a bacia hidrográfica é a unidade territorial para implementação da Política Nacional de Recursos
Hídricos e atuação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos;
VI - a gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada e contar com a participação do Poder
Público, dos usuários e das comunidades.
CAPÍTULO II
DOS OBJETIVOS
Art. 2º São objetivos da Política Nacional de Recursos Hídricos:
I - assegurar à atual e às futuras gerações a necessária disponibilidade de água, em padrões de
qualidade adequados aos respectivos usos;
II - a utilização racional e integrada dos recursos hídricos, incluindo o transporte aquaviário, com vistas
ao desenvolvimento sustentável;
III - a prevenção e a defesa contra eventos hidrológicos críticos de origem natural ou decorrentes do
uso inadequado dos recursos naturais.
188
CAPÍTULO III
DAS DIRETRIZES GERAIS DE AÇÃO
Art. 3º Constituem diretrizes gerais de ação para implementação da Política Nacional de Recursos
Hídricos:
I - a gestão sistemática dos recursos hídricos, sem dissociação dos aspectos de quantidade e
qualidade;
II - a adequação da gestão de recursos hídricos às diversidades físicas, bióticas, demográficas,
econômicas, sociais e culturais das diversas regiões do País;
III - a integração da gestão de recursos hídricos com a gestão ambiental;
IV - a articulação do planejamento de recursos hídricos com o dos setores usuários e com os
planejamentos regional, estadual e nacional;
V - a articulação da gestão de recursos hídricos com a do uso do solo;
VI - a integração da gestão das bacias hidrográficas com a dos sistemas estuarinos e zonas costeiras.
Art. 4º A União articular-se-á com os Estados tendo em vista o gerenciamento dos recursos hídricos de
interesse comum.
CAPÍTULO IV
DOS INSTRUMENTOS
Art. 5º São instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos:
I - os Planos de Recursos Hídricos;
II - o enquadramento dos corpos de água em classes, segundo os usos preponderantes da água;
III - a outorga dos direitos de uso de recursos hídricos;
IV - a cobrança pelo uso de recursos hídricos;
V - a compensação a municípios;
VI - o Sistema de Informações sobre Recursos Hídricos.
SEÇÃO I
DOS PLANOS DE RECURSOS HÍDRICOS
Art. 6º Os Planos de Recursos Hídricos são planos diretores que visam a fundamentar e orientar a
implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e o gerenciamento dos recursos hídricos.
Art. 7º Os Planos de Recursos Hídricos são planos de longo prazo, com horizonte de planejamento
compatível com o período de implantação de seus programas e projetos e terão o seguinte conteúdo
mínimo:
I - diagnóstico da situação atual dos recursos hídricos;
189
II - análise de alternativas de crescimento demográfico, de evolução de atividades produtivas e de
modificações dos padrões de ocupação do solo;
III - balanço entre disponibilidades e demandas futuras dos recursos hídricos, em quantidade e
qualidade, com identificação de conflitos potenciais;
IV - metas de racionalização de uso, aumento da quantidade e melhoria da qualidade dos recursos
hídricos disponíveis;
V - medidas a serem tomadas, programas a serem desenvolvidos e projetos a serem implantados, para
o atendimento das metas previstas;
VI - (VETADO)
VII - (VETADO)
VIII - prioridades para outorga de direitos de uso de recursos hídricos;
IX - diretrizes e critérios para a cobrança pelo uso dos recursos hídricos;
X - propostas para a criação de áreas sujeitas a restrição de uso, com vistas à proteção dos recursos
hídricos.
Art. 8º Os Planos de Recursos Hídricos serão elaborados por bacia hidrográfica, por Estado e para o
País.
SEÇÃO II
DO ENQUADRAMENTO DOS CORPOS DE ÁGUA EM CLASSES, SEGUNDO OS USOS
PREPONDERANTES DA ÁGUA
Art. 9º O enquadramento dos corpos de água em classes, segundo os usos preponderantes da água,
visa a:
I - assegurar às águas qualidade compatível com os usos mais exigentes a que forem destinadas;
II - diminuir os custos de combate à poluição das águas, mediante ações preventivas permanentes.
Art. 10. As classes de corpos de água serão estabelecidas pela legislação ambiental.
SEÇÃO III
DA OUTORGA DE DIREITOS DE USO DE RECURSOS HÍDRICOS
Art. 11. O regime de outorga de direitos de uso de recursos hídricos tem como objetivos assegurar o
controle quantitativo e qualitativo dos usos da água e o efetivo exercício dos direitos de acesso à água.
Art. 12. Estão sujeitos a outorga pelo Poder Público os direitos dos seguintes usos de recursos
hídricos:
I - derivação ou captação de parcela da água existente em um corpo de água para consumo final,
inclusive abastecimento público, ou insumo de processo produtivo;
II - extração de água de aqüífero subterrâneo para consumo final ou insumo de processo produtivo;
190
III - lançamento em corpo de água de esgotos e demais resíduos líquidos ou gasosos, tratados ou não,
com o fim de sua diluição, transporte ou disposição final;
IV - aproveitamento dos potenciais hidrelétricos;
V - outros usos que alterem o regime, a quantidade ou a qualidade da água existente em um corpo de
água.
§ 1º Independem de outorga pelo Poder Público, conforme definido em regulamento:
I - o uso de recursos hídricos para a satisfação das necessidades de pequenos núcleos populacionais,
distribuídos no meio rural;
II - as derivações, captações e lançamentos considerados insignificantes;
III - as acumulações de volumes de água consideradas insignificantes.
§ 2º A outorga e a utilização de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica estará
subordinada ao Plano Nacional de Recursos Hídricos, aprovado na forma do disposto no inciso VIII do
art. 35 desta Lei, obedecida a disciplina da legislação setorial específica.
Art. 13. Toda outorga estará condicionada às prioridades de uso estabelecidas nos Planos de Recursos
Hídricos e deverá respeitar a classe em que o corpo de água estiver enquadrado e a manutenção de
condições adequadas ao transporte aquaviário, quando for o caso.
Parágrafo único. A outorga de uso dos recursos hídricos deverá preservar o uso múltiplo destes.
Art. 14. A outorga efetivar-se-á por ato da autoridade competente do Poder Executivo Federal, dos
Estados ou do Distrito Federal.
§ 1º O Poder Executivo Federal poderá delegar aos Estados e ao Distrito Federal competência para
conceder outorga de direito de uso de recurso hídrico de domínio da União.
§ 2º (VETADO)
Art. 15. A outorga de direito de uso de recursos hídricos poderá ser suspensa parcial ou totalmente, em
definitivo ou por prazo determinado, nas seguintes circunstâncias:
I - não cumprimento pelo outorgado dos termos da outorga;
II - ausência de uso por três anos consecutivos;
III - necessidade premente de água para atender a situações de calamidade, inclusive as decorrentes
de condições climáticas adversas;
IV - necessidade de se prevenir ou reverter grave degradação ambiental;
V - necessidade de se atender a usos prioritários, de interesse coletivo, para os quais não se disponha
de fontes alternativas;
VI - necessidade de serem mantidas as características de navegabilidade do corpo de água.
Art. 16. Toda outorga de direitos de uso de recursos hídricos far-se-á por prazo não excedente a trinta
e cinco anos, renovável.
Art. 17. (VETADO)
191
Art. 18. A outorga não implica a alienação parcial das águas, que são inalienáveis, mas o simples
direito de seu uso.
SEÇÃO IV
DA COBRANÇA DO USO DE RECURSOS HÍDRICOS
Art. 19. A cobrança pelo uso de recursos hídricos objetiva:
I - reconhecer a água como bem econômico e dar ao usuário uma indicação de seu real valor;
II - incentivar a racionalização do uso da água;
III - obter recursos financeiros para o financiamento dos programas e intervenções contemplados nos
planos de recursos hídricos.
Art. 20. Serão cobrados os usos de recursos hídricos sujeitos a outorga, nos termos do art. 12 desta
Lei.
Parágrafo único. (VETADO)
Art. 21. Na fixação dos valores a serem cobrados pelo uso dos recursos hídricos devem ser
observados, dentre outros:
I - nas derivações, captações e extrações de água, o volume retirado e seu regime de variação;
II - nos lançamentos de esgotos e demais resíduos líquidos ou gasosos, o volume lançado e seu
regime de variação e as características físico-químicas, biológicas e de toxidade do afluente.
Art. 22. Os valores arrecadados com a cobrança pelo uso de recursos hídricos serão aplicados
prioritariamente na bacia hidrográfica em que foram gerados e serão utilizados:
I - no financiamento de estudos, programas, projetos e obras incluídos nos Planos de Recursos
Hídricos;
II - no pagamento de despesas de implantação e custeio administrativo dos órgãos e entidades
integrantes do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos.
§ 1º A aplicação nas despesas previstas no inciso II deste artigo é limitada a sete e meio por cento do
total arrecadado.
§ 2º Os valores previstos no caput deste artigo poderão ser aplicados a fundo perdido em projetos e
obras que alterem, de modo considerado benéfico à coletividade, a qualidade, a quantidade e o regime
de vazão de um corpo de água.
§ 3º (VETADO)
Art. 23. (VETADO)
192
SEÇÃO V
DA COMPENSAÇÃO A MUNICÍPIOS
Art. 24. (VETADO)
SEÇÃO VI
DO SISTEMA DE INFORMAÇÕES SOBRE RECURSOS HÍDRICOS
Art. 25. O Sistema de Informações sobre Recursos Hídricos é um sistema de coleta, tratamento,
armazenamento e recuperação de informações sobre recursos hídricos e fatores intervenientes em sua
gestão.
Parágrafo único. Os dados gerados pelos órgãos integrantes do Sistema Nacional de Gerenciamento
de Recursos Hídricos serão incorporados ao Sistema Nacional de Informações sobre Recursos
Hídricos.
Art. 26. São princípios básicos para o funcionamento do Sistema de Informações sobre Recursos
Hídricos:
I - descentralização da obtenção e produção de dados e informações;
II - coordenação unificada do sistema;
III - acesso aos dados e informações garantido à toda a sociedade.
Art. 27. São objetivos do Sistema Nacional de Informações sobre Recursos Hídricos:
I - reunir, dar consistência e divulgar os dados e informações sobre a situação qualitativa e quantitativa
dos recursos hídricos no Brasil;
II - atualizar permanentemente as informações sobre disponibilidade e demanda de recursos hídricos
em todo o território nacional;
III - fornecer subsídios para a elaboração dos Planos de Recursos Hídricos.
CAPÍTULO V
DO RATEIO DE CUSTOS DAS OBRAS DE USO MÚLTIPLO, DE INTERESSE COMUM OU
COLETIVO
Art. 28. (VETADO)
CAPÍTULO VI
DA AÇÃO DO PODER PÚBLICO
Art. 29. Na implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos, compete ao Poder Executivo
Federal:
I - tomar as providências necessárias à implementação e ao funcionamento do Sistema Nacional de
Gerenciamento de Recursos Hídricos;
II - outorgar os direitos de uso de recursos hídricos, e regulamentar e fiscalizar os usos, na sua esfera
de competência;
193
III - implantar e gerir o Sistema de Informações sobre Recursos Hídricos, em âmbito nacional;
IV - promover a integração da gestão de recursos hídricos com a gestão ambiental.
Parágrafo único. O Poder Executivo Federal indicará, por decreto, a autoridade responsável pela
efetivação de outorgas de direito de uso dos recursos hídricos sob domínio da União.
Art. 30. Na implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos, cabe aos Poderes Executivos
Estaduais e do Distrito Federal, na sua esfera de competência:
I - outorgar os direitos de uso de recursos hídricos e regulamentar e fiscalizar os seus usos;
II - realizar o controle técnico das obras de oferta hídrica;
III - implantar e gerir o Sistema de Informações sobre Recursos Hídricos, em âmbito estadual e do
Distrito Federal;
IV - promover a integração da gestão de recursos hídricos com a gestão ambiental.
Art. 31. Na implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos, os Poderes Executivos do
Distrito Federal e dos municípios promoverão a integração das políticas locais de saneamento básico,
de uso, ocupação e conservação do solo e de meio ambiente com as políticas federal e estaduais de
recursos hídricos.
TÍTULO II
DO SISTEMA NACIONAL DE GERENCIAMENTO DE RECURSOS HÍDRICOS
CAPÍTULO I
DOS OBJETIVOS E DA COMPOSIÇÃO
Art. 32. Fica criado o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, com os seguintes
objetivos:
I - coordenar a gestão integrada das águas;
II - arbitrar administrativamente os conflitos relacionados com os recursos hídricos;
III - implementar a Política Nacional de Recursos Hídricos;
IV - planejar, regular e controlar o uso, a preservação e a recuperação dos recursos hídricos;
V - promover a cobrança pelo uso de recursos hídricos.
Art. 33. Integram o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos:
I - o Conselho Nacional de Recursos Hídricos;
II - os Conselhos de Recursos Hídricos dos Estados e do Distrito Federal;
III - os Comitês de Bacia Hidrográfica;
IV - os órgãos dos poderes públicos federal, estaduais e municipais cujas competências se relacionem
com a gestão de recursos hídricos;
V - as Agências de Água.
194
CAPÍTULO II
DO CONSELHO NACIONAL DE RECURSOS HÍDRICOS
Art. 34. O Conselho Nacional de Recursos Hídricos é composto por:
I - representantes dos Ministérios e Secretarias da Presidência da República com atuação no
gerenciamento ou no uso de recursos hídricos;
II - representantes indicados pelos Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos;
III - representantes dos usuários dos recursos hídricos;
IV - representantes das organizações civis de recursos hídricos.
Parágrafo único. O número de representantes do Poder Executivo Federal não poderá exceder à
metade mais um do total dos membros do Conselho Nacional de Recursos Hídricos.
Art. 35. Compete ao Conselho Nacional de Recursos Hídricos:
I - promover a articulação do planejamento de recursos hídricos com os planejamentos nacional,
regional, estaduais e dos setores usuários;
II - arbitrar, em última instância administrativa, os conflitos existentes entre Conselhos Estaduais de
Recursos Hídricos;
III - deliberar sobre os projetos de aproveitamento de recursos hídricos cujas repercussões extrapolem
o âmbito dos Estados em que serão implantados;
IV - deliberar sobre as questões que lhe tenham sido encaminhadas pelos Conselhos Estaduais de
Recursos Hídricos ou pelos Comitês de Bacia Hidrográfica;
V - analisar propostas de alteração da legislação pertinente a recursos hídricos e à Política Nacional de
Recursos Hídricos;
VI - estabelecer diretrizes complementares para implementação da Política Nacional de Recursos
Hídricos, aplicação de seus instrumentos e atuação do Sistema Nacional de Gerenciamento de
Recursos Hídricos;
VII - aprovar propostas de instituição dos Comitês de Bacia Hidrográfica e estabelecer critérios gerais
para a elaboração de seus regimentos;
VIII - (VETADO)
IX - acompanhar a execução do Plano Nacional de Recursos Hídricos e determinar as providências
necessárias ao cumprimento de suas metas;
X - estabelecer critérios gerais para a outorga de direitos de uso de recursos hídricos e para a cobrança
por seu uso.
Art. 36. O Conselho Nacional de Recursos Hídricos será gerido por:
I - um Presidente, que será o Ministro titular do Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e
da Amazônia Legal;
195
II - um Secretário Executivo, que será o titular do órgão integrante da estrutura do Ministério do Meio
Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal, responsável pela gestão dos recursos hídricos.
CAPÍTULO III
DOS COMITÊS DE BACIA HIDROGRÁFICA
Art. 37. Os Comitês de Bacia Hidrográfica terão como área de atuação:
I - a totalidade de uma bacia hidrográfica;
II - sub-bacia hidrográfica de tributário do curso de água principal da bacia, ou de tributário desse
tributário; ou
III - grupo de bacias ou sub-bacias hidrográficas contíguas.
Parágrafo único. A instituição de Comitês de Bacia Hidrográfica em rios de domínio da União será
efetivada por ato do Presidente da República.
Art. 38. Compete aos Comitês de Bacia Hidrográfica, no âmbito de sua área de atuação:
I - promover o debate das questões relacionadas a recursos hídricos e articular a atuação das
entidades intervenientes;
II - arbitrar, em primeira instância administrativa, os conflitos relacionados aos recursos hídricos;
III - aprovar o Plano de Recursos Hídricos da bacia;
IV - acompanhar a execução do Plano de Recursos Hídricos da bacia e sugerir as providências
necessárias ao cumprimento de suas metas;
V - propor ao Conselho Nacional e aos Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos as acumulações,
derivações, captações e lançamentos de pouca expressão, para efeito de isenção da obrigatoriedade
de outorga de direitos de uso de recursos hídricos, de acordo com os domínios destes;
VI - estabelecer os mecanismos de cobrança pelo uso de recursos hídricos e sugerir os valores a
serem cobrados;
VII - (VETADO)
VIII - (VETADO)
IX - estabelecer critérios e promover o rateio de custo das obras de uso múltiplo, de interesse comum
ou coletivo.
Parágrafo único. Das decisões dos Comitês de Bacia Hidrográfica caberá recurso ao Conselho
Nacional ou aos Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos, de acordo com sua esfera de
competência.
Art. 39. Os Comitês de Bacia Hidrográfica são compostos por representantes:
I - da União;
II - dos Estados e do Distrito Federal cujos territórios se situem, ainda que parcialmente, em suas
respectivas áreas de atuação;
196
III - dos Municípios situados, no todo ou em parte, em sua área de atuação;
IV - dos usuários das águas de sua área de atuação;
V - das entidades civis de recursos hídricos com atuação comprovada na bacia.
§ 1º O número de representantes de cada setor mencionado neste artigo, bem como os critérios para
sua indicação, serão estabelecidos nos regimentos dos comitês, limitada a representação dos poderes
executivos da União, Estados, Distrito Federal e Municípios à metade do total de membros.
§ 2º Nos Comitês de Bacia Hidrográfica de bacias de rios fronteiriços e transfronteiriços de gestão
compartilhada, a representação da União deverá incluir um representante do Ministério das Relações
Exteriores.
§ 3º Nos Comitês de Bacia Hidrográfica de bacias cujos territórios abranjam terras indígenas devem ser
incluídos representantes:
197
IV - analisar e emitir pareceres sobre os projetos e obras a serem financiados com recursos gerados
pela cobrança pelo uso de Recursos Hídricos e encaminhá-los à instituição financeira responsável pela
administração desses recursos;
V - acompanhar a administração financeira dos recursos arrecadados com a cobrança pelo uso de
recursos hídricos em sua área de atuação;
VI - gerir o Sistema de Informações sobre Recursos Hídricos em sua área de atuação;
VII - celebrar convênios e contratar financiamentos e serviços para a execução de suas competências;
VIII - elaborar a sua proposta orçamentária e submetê-la à apreciação do respectivo ou respectivos
Comitês de Bacia Hidrográfica;
IX - promover os estudos necessários para a gestão dos recursos hídricos em sua área de atuação;
X - elaborar o Plano de Recursos Hídricos para apreciação do respectivo Comitê de Bacia Hidrográfica;
XI - propor ao respectivo ou respectivos Comitês de Bacia Hidrográfica:
a) o enquadramento dos corpos de água nas classes de uso, para encaminhamento ao respectivo
Conselho Nacional ou Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos, de acordo com o domínio destes;
b) os valores a serem cobrados pelo uso de recursos hídricos;
c) o plano de aplicação dos recursos arrecadados com a cobrança pelo uso de recursos hídricos;
d) o rateio de custo das obras de uso múltiplo, de interesse comum ou coletivo.
CAPÍTULO V
DA SECRETARIA EXECUTIVA DO CONSELHO NACIONAL DE RECURSOS HÍDRICOS
Art. 45. A Secretaria Executiva do Conselho Nacional de Recursos Hídricos será exercida pelo órgão
integrante da estrutura do Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal,
responsável pela gestão dos recursos hídricos.
Art. 46. Compete à Secretaria Executiva do Conselho Nacional de Recursos Hídricos:
I - prestar apoio administrativo, técnico e financeiro ao Conselho Nacional de Recursos Hídricos;
II - coordenar a elaboração do Plano Nacional de Recursos Hídricos e encaminhá-lo à aprovação do
Conselho Nacional de Recursos Hídricos;
III - instruir os expedientes provenientes dos Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos e dos Comitês
de Bacia Hidrográfica;
IV - coordenar o Sistema de Informações sobre Recursos Hídricos;
V - elaborar seu programa de trabalho e respectiva proposta orçamentária anual e submetê-los à
aprovação do Conselho Nacional de Recursos Hídricos.
CAPÍTULO VI
DAS ORGANIZAÇÕES CIVIS DE RECURSOS HÍDRICOS
Art. 47. São consideradas, para os efeitos desta Lei, organizações civis de recursos hídricos:
198
I - consórcios e associações intermunicipais de bacias hidrográficas;
II - associações regionais, locais ou setoriais de usuários de recursos hídricos;
III - organizações técnicas e de ensino e pesquisa com interesse na área de recursos hídricos;
IV - organizações não-governamentais com objetivos de defesa de interesses difusos e coletivos da
sociedade;
V - outras organizações reconhecidas pelo Conselho Nacional ou pelos Conselhos Estaduais de
Recursos Hídricos.
Art. 48. Para integrar o Sistema Nacional de Recursos Hídricos, as organizações civis de recursos
hídricos devem ser legalmente constituídas.
TÍTULO III
DAS INFRAÇÕES E PENALIDADES
Art. 49. Constitui infração das normas de utilização de recursos hídricos superficiais ou subterrâneos:
I - derivar ou utilizar recursos hídricos para qualquer finalidade, sem a respectiva outorga de direito de
uso;
II - iniciar a implantação ou implantar empreendimento relacionado com a derivação ou a utilização de
recursos hídricos, superficiais ou subterrâneos, que implique alterações no regime, quantidade ou
qualidade dos mesmos, sem autorização dos órgãos ou entidades competentes;
III - (VETADO)
IV - utilizar-se dos recursos hídricos ou executar obras ou serviços relacionados com os mesmos em
desacordo com as condições estabelecidas na outorga;
V - perfurar poços para extração de água subterrânea ou operá-los sem a devida autorização;
VI - fraudar as medições dos volumes de água utilizados ou declarar valores diferentes dos medidos;
VII - infringir normas estabelecidas no regulamento desta Lei e nos regulamentos administrativos,
compreendendo instruções e procedimentos fixados pelos órgãos ou entidades competentes;
VIII - obstar ou dificultar a ação fiscalizadora das autoridades competentes no exercício de suas
funções.
Art. 50. Por infração de qualquer disposição legal ou regulamentar referentes à execução de obras e
serviços hidráulicos, derivação ou utilização de recursos hídricos de domínio ou administração da
União, ou pelo não atendimento das solicitações feitas, o infrator, a critério da autoridade competente,
ficará sujeito às seguintes penalidades, independentemente de sua ordem de enumeração:
I - advertência por escrito, na qual serão estabelecidos prazos para correção das irregularidades;
II - multa, simples ou diária, proporcional à gravidade da infração, de R$ 100,00 (cem reais) a R$
10.000,00 (dez mil reais);
III - embargo provisório, por prazo determinado, para execução de serviços e obras necessárias ao
efetivo cumprimento das condições de outorga ou para o cumprimento de normas referentes ao uso,
controle, conservação e proteção dos recursos hídricos;
199
IV - embargo definitivo, com revogação da outorga, se for o caso, para repor incontinenti, no seu antigo
estado, os recursos hídricos, leitos e margens, nos termos dos arts. 58 e 59 do Código de Águas ou
tamponar os poços de extração de água subterrânea.
§ 1º Sempre que da infração cometida resultar prejuízo a serviço público de abastecimento de água,
riscos à saúde ou à vida, perecimento de bens ou animais, ou prejuízos de qualquer natureza a
terceiros, a multa a ser aplicada nunca será inferior à metade do valor máximo cominado em abstrato.
§ 2º No caso dos incisos III e IV, independentemente da pena de multa, serão cobradas do infrator as
despesas em que incorrer a Administração para tornar efetivas as medidas previstas nos citados
incisos, na forma dos arts. 36, 53, 56 e 58 do Código de Águas, sem prejuízo de responder pela
indenização dos danos a que der causa.
§ 3º Da aplicação das sanções previstas neste título caberá recurso à autoridade administrativa
competente, nos termos do regulamento.
§ 4º Em caso de reincidência, a multa será aplicada em dobro.
TÍTULO IV
DAS DISPOSIÇÕES GERAIS E TRANSITÓRIAS
Art. 51. Os consórcios e associações intermunicipais de bacias hidrográficas mencionados no art. 47
poderão receber delegação do Conselho Nacional ou dos Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos,
por prazo determinado, para o exercício de funções de competência das Agências de Água, enquanto
esses organismos não estiverem constituídos.
Art. 52. Enquanto não estiver aprovado e regulamentado o Plano Nacional de Recursos Hídricos, a
utilização dos potenciais hidráulicos para fins de geração de energia elétrica continuará subordinada à
disciplina da legislação setorial específica.
Art. 53. O Poder Executivo, no prazo de cento e vinte dias a partir da publicação desta Lei,
encaminhará ao Congresso Nacional projeto de lei dispondo sobre a criação das Agências de Água.
Art. 54. O art. 1º da Lei nº 8.001, de 13 de março de 1990, passa a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 1º .............................................................................
........................................................................................
III - quatro inteiros e quatro décimos por cento à Secretaria de Recursos Hídricos do Ministério do Meio
Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal;
IV - três inteiros e seis décimos por cento ao Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica -
DNAEE, do Ministério de Minas e Energia;
V - dois por cento ao Ministério da Ciência e Tecnologia.
....................................................................................
§ 4º A cota destinada à Secretaria de Recursos Hídricos do Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos
Hídricos e da Amazônia Legal será empregada na implementação da Política Nacional de Recursos
Hídricos e do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos e na gestão da rede
hidrometeorológica nacional.
200
§ 5º A cota destinada ao DNAEE será empregada na operação e expansão de sua rede
hidrometeorológica, no estudo dos recursos hídricos e em serviços relacionados ao aproveitamento da
energia hidráulica."
Parágrafo único. Os novos percentuais definidos no caput deste artigo entrarão em vigor no prazo de
cento e oitenta dias contados a partir da data de publicação desta Lei.
Art. 55. O Poder Executivo Federal regulamentará esta Lei no prazo de cento e oitenta dias, contados
da data de sua publicação.
Art. 56. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 57. Revogam-se as disposições em contrário.
Brasília, 8 de janeiro de 1997; 176º da Independência e 109º da República.
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
201
ANEXO 2
202
LEI No 9.984, DE 17 DE JULHO DE 2000.
CAPÍTULO I
Dos Objetivos
Art. 1o Esta Lei cria a Agência Nacional de Águas – ANA, entidade federal de implementação da
Política Nacional de Recursos Hídricos, integrante do Sistema Nacional de Gerenciamento de
Recursos Hídricos, estabelecendo regras para a sua atuação, sua estrutura administrativa e suas
fontes de recursos.
CAPÍTULO II
Da Criação, Natureza Jurídica e Competências da
Agência Nacional de Águas – ANA
Art. 2o Compete ao Conselho Nacional de Recursos Hídricos promover a articulação dos
planejamentos nacional, regionais, estaduais e dos setores usuários elaborados pelas entidades que
integram o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos e formular a Política Nacional de
Recursos Hídricos, nos termos da Lei no 9.433, de 8 de janeiro de 1997.
Art. 3o Fica criada a Agência Nacional de Águas - ANA, autarquia sob regime especial, com autonomia
administrativa e financeira, vinculada ao Ministério do Meio Ambiente, com a finalidade de implementar,
em sua esfera de atribuições, a Política Nacional de Recursos Hídricos, integrando o Sistema Nacional
de Gerenciamento de Recursos Hídricos.
Parágrafo único. A ANA terá sede e foro no Distrito Federal, podendo instalar unidades administrativas
regionais.
Art. 4o A atuação da ANA obedecerá aos fundamentos, objetivos, diretrizes e instrumentos da Política
Nacional de Recursos Hídricos e será desenvolvida em articulação com órgãos e entidades públicas e
privadas integrantes do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, cabendo-lhe:
I – supervisionar, controlar e avaliar as ações e atividades decorrentes do cumprimento da legislação
federal pertinente aos recursos hídricos;
II – disciplinar, em caráter normativo, a implementação, a operacionalização, o controle e a avaliação
dos instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos;
III – (VETADO)
203
IV – outorgar, por intermédio de autorização, o direito de uso de recursos hídricos em corpos de água
de domínio da União, observado o disposto nos arts. 5o, 6o, 7o e 8o;
V - fiscalizar os usos de recursos hídricos nos corpos de água de domínio da União;
VI - elaborar estudos técnicos para subsidiar a definição, pelo Conselho Nacional de Recursos
Hídricos, dos valores a serem cobrados pelo uso de recursos hídricos de domínio da União, com base
nos mecanismos e quantitativos sugeridos pelos Comitês de Bacia Hidrográfica, na forma do inciso VI
do art. 38 da Lei no 9.433, de 1997;
VII – estimular e apoiar as iniciativas voltadas para a criação de Comitês de Bacia Hidrográfica;
VIII – implementar, em articulação com os Comitês de Bacia Hidrográfica, a cobrança pelo uso de
recursos hídricos de domínio da União;
IX – arrecadar, distribuir e aplicar receitas auferidas por intermédio da cobrança pelo uso de recursos
hídricos de domínio da União, na forma do disposto no art. 22 da Lei no 9.433, de 1997;
X – planejar e promover ações destinadas a prevenir ou minimizar os efeitos de secas e inundações,
no âmbito do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, em articulação com o órgão
central do Sistema Nacional de Defesa Civil, em apoio aos Estados e Municípios;
XI - promover a elaboração de estudos para subsidiar a aplicação de recursos financeiros da União em
obras e serviços de regularização de cursos de água, de alocação e distribuição de água, e de controle
da poluição hídrica, em consonância com o estabelecido nos planos de recursos hídricos;
XII – definir e fiscalizar as condições de operação de reservatórios por agentes públicos e privados,
visando a garantir o uso múltiplo dos recursos hídricos, conforme estabelecido nos planos de recursos
hídricos das respectivas bacias hidrográficas;
XIII - promover a coordenação das atividades desenvolvidas no âmbito da rede hidrometeorológica
nacional, em articulação com órgãos e entidades públicas ou privadas que a integram, ou que dela
sejam usuárias;
XIV - organizar, implantar e gerir o Sistema Nacional de Informações sobre Recursos Hídricos;
XV - estimular a pesquisa e a capacitação de recursos humanos para a gestão de recursos hídricos;
XVI - prestar apoio aos Estados na criação de órgãos gestores de recursos hídricos;
XVII – propor ao Conselho Nacional de Recursos Hídricos o estabelecimento de incentivos, inclusive
financeiros, à conservação qualitativa e quantitativa de recursos hídricos.
§ 1o Na execução das competências a que se refere o inciso II deste artigo, serão considerados, nos
casos de bacias hidrográficas compartilhadas com outros países, os respectivos acordos e tratados.
§ 2o As ações a que se refere o inciso X deste artigo, quando envolverem a aplicação de
racionamentos preventivos, somente poderão ser promovidas mediante a observância de critérios a
serem definidos em decreto do Presidente da República.
§ 3o Para os fins do disposto no inciso XII deste artigo, a definição das condições de operação de
reservatórios de aproveitamentos hidrelétricos será efetuada em articulação com o Operador Nacional
do Sistema Elétrico – ONS.
204
§ 4o A ANA poderá delegar ou atribuir a agências de água ou de bacia hidrográfica a execução de
atividades de sua competência, nos termos do art. 44 da Lei no 9.433, de 1997, e demais dispositivos
legais aplicáveis.
§ 5o (VETADO)
§ 6o A aplicação das receitas de que trata o inciso IX será feita de forma descentralizada, por meio das
agências de que trata o Capítulo IV do Título II da Lei no 9.433, de 1997, e, na ausência ou
impedimento destas, por outras entidades pertencentes ao Sistema Nacional de Gerenciamento de
Recursos Hídricos.
§ 7o Nos atos administrativos de outorga de direito de uso de recursos hídricos de cursos de água que
banham o semi-árido nordestino, expedidos nos termos do inciso IV deste artigo, deverão constar,
explicitamente, as restrições decorrentes dos incisos III e V do art. 15 da Lei no 9.433, de 1997.
Art. 5o Nas outorgas de direito de uso de recursos hídricos de domínio da União, serão respeitados os
seguintes limites de prazos, contados da data de publicação dos respectivos atos administrativos de
autorização:
I – até dois anos, para início da implantação do empreendimento objeto da outorga;
II – até seis anos, para conclusão da implantação do empreendimento projetado;
III – até trinta e cinco anos, para vigência da outorga de direito de uso.
§ 1o Os prazos de vigência das outorgas de direito de uso de recursos hídricos serão fixados em
função da natureza e do porte do empreendimento, levando-se em consideração, quando for o caso, o
período de retorno do investimento.
§ 2o Os prazos a que se referem os incisos I e II poderão ser ampliados, quando o porte e a
importância social e econômica do empreendimento o justificar, ouvido o Conselho Nacional de
Recursos Hídricos.
§ 3o O prazo de que trata o inciso III poderá ser prorrogado, pela ANA, respeitando-se as prioridades
estabelecidas nos Planos de Recursos Hídricos.
§ 4o As outorgas de direito de uso de recursos hídricos para concessionárias e autorizadas de serviços
públicos e de geração de energia hidrelétrica vigorarão por prazos coincidentes com os dos
correspondentes contratos de concessão ou atos administrativos de autorização.
Art. 6o A ANA poderá emitir outorgas preventivas de uso de recursos hídricos, com a finalidade de
declarar a disponibilidade de água para os usos requeridos, observado o disposto no art. 13 da Lei no
9.433, de 1997.
§ 1o A outorga preventiva não confere direito de uso de recursos hídricos e se destina a reservar a
vazão passível de outorga, possibilitando, aos investidores, o planejamento de empreendimentos que
necessitem desses recursos.
§ 2o O prazo de validade da outorga preventiva será fixado levando-se em conta a complexidade do
planejamento do empreendimento, limitando-se ao máximo de três anos, findo o qual será considerado
o disposto nos incisos I e II do art. 5o.
205
Art. 7o Para licitar a concessão ou autorizar o uso de potencial de energia hidráulica em corpo de água
de domínio da União, a Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL deverá promover, junto à ANA,
a prévia obtenção de declaração de reserva de disponibilidade hídrica.
§ 1o Quando o potencial hidráulico localizar-se em corpo de água de domínio dos Estados ou do
Distrito Federal, a declaração de reserva de disponibilidade hídrica será obtida em articulação com a
respectiva entidade gestora de recursos hídricos.
§ 2o A declaração de reserva de disponibilidade hídrica será transformada automaticamente, pelo
respectivo poder outorgante, em outorga de direito de uso de recursos hídricos à instituição ou
empresa que receber da ANEEL a concessão ou a autorização de uso do potencial de energia
hidráulica.
§ 3o A declaração de reserva de disponibilidade hídrica obedecerá ao disposto no art. 13 da Lei no
9.433, de 1997, e será fornecida em prazos a serem regulamentados por decreto do Presidente da
República.
Art. 8o A ANA dará publicidade aos pedidos de outorga de direito de uso de recursos hídricos de
domínio da União, bem como aos atos administrativos que deles resultarem, por meio de publicação na
imprensa oficial e em pelo menos um jornal de grande circulação na respectiva região.
CAPÍTULO III
Da Estrutura Orgânica da Agência
Nacional de Águas - ANA
Art. 9o A ANA será dirigida por uma Diretoria Colegiada, composta por cinco membros, nomeados pelo
Presidente da República, com mandatos não coincidentes de quatro anos, admitida uma única
recondução consecutiva, e contará com uma Procuradoria.
§ 1o O Diretor-Presidente da ANA será escolhido pelo Presidente da República entre os membros da
Diretoria Colegiada, e investido na função por quatro anos ou pelo prazo que restar de seu mandato.
§ 2o Em caso de vaga no curso do mandato, este será completado por sucessor investido na forma
prevista no caput, que o exercerá pelo prazo remanescente.
Art. 10. A exoneração imotivada de dirigentes da ANA só poderá ocorrer nos quatro meses iniciais dos
respectivos mandatos.
§ 1o Após o prazo a que se refere o caput, os dirigentes da ANA somente perderão o mandato em
decorrência de renúncia, de condenação judicial transitada em julgado, ou de decisão definitiva em
processo administrativo disciplinar.
§ 2o Sem prejuízo do que prevêem as legislações penal e relativa à punição de atos de improbidade
administrativa no serviço público, será causa da perda do mandato a inobservância, por qualquer um
dos dirigentes da ANA, dos deveres e proibições inerentes ao cargo que ocupa.
§ 3o Para os fins do disposto no § 2o, cabe ao Ministro de Estado do Meio Ambiente instaurar o
processo administrativo disciplinar, que será conduzido por comissão especial, competindo ao
Presidente da República determinar o afastamento preventivo, quando for o caso, e proferir o
julgamento.
206
Art. 11. Aos dirigentes da ANA é vedado o exercício de qualquer outra atividade profissional,
empresarial, sindical ou de direção político-partidária.
§ 1o É vedado aos dirigentes da ANA, conforme dispuser o seu regimento interno, ter interesse direto
ou indireto em empresa relacionada com o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos.
§ 2o A vedação de que trata o caput não se aplica aos casos de atividades profissionais decorrentes de
vínculos contratuais mantidos com entidades públicas ou privadas de ensino e pesquisa.
Art. 12. Compete à Diretoria Colegiada:
I - exercer a administração da ANA;
II - editar normas sobre matérias de competência da ANA;
III - aprovar o regimento interno da ANA, a organização, a estrutura e o âmbito decisório de cada
diretoria;
IV - cumprir e fazer cumprir as normas relativas ao Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos
Hídricos;
V - examinar e decidir sobre pedidos de outorga de direito de uso de recursos hídricos de domínio da
União;
VI - elaborar e divulgar relatórios sobre as atividades da ANA;
VII - encaminhar os demonstrativos contábeis da ANA aos órgãos competentes;
VIII - decidir pela venda, cessão ou aluguel de bens integrantes do patrimônio da ANA; e
IX - conhecer e julgar pedidos de reconsideração de decisões de componentes da Diretoria da ANA.
§ 1o A Diretoria deliberará por maioria simples de votos, e se reunirá com a presença de, pelo menos,
três diretores, entre eles o Diretor-Presidente ou seu substituto legal.
§ 2o As decisões relacionadas com as competências institucionais da ANA, previstas no art. 3o, serão
tomadas de forma colegiada.
Art. 13. Compete ao Diretor-Presidente:
I – exercer a representação legal da ANA;
II - presidir as reuniões da Diretoria Colegiada;
III - cumprir e fazer cumprir as decisões da Diretoria Colegiada;
IV - decidir ad referendum da Diretoria Colegiada as questões de urgência;
V - decidir, em caso de empate, nas deliberações da Diretoria Colegiada;
VI - nomear e exonerar servidores, provendo os cargos em comissão e as funções de confiança;
VII – admitir, requisitar e demitir servidores, preenchendo os empregos públicos;
VIII - encaminhar ao Conselho Nacional de Recursos Hídricos os relatórios elaborados pela Diretoria
Colegiada e demais assuntos de competência daquele Conselho;
207
IX - assinar contratos e convênios e ordenar despesas; e
X - exercer o poder disciplinar, nos termos da legislação em vigor.
Art. 14. Compete à Procuradoria da ANA, que se vincula à Advocacia-Geral da União para fins de
orientação normativa e supervisão técnica:
I - representar judicialmente a ANA, com prerrogativas processuais de Fazenda Pública;
II - representar judicialmente os ocupantes de cargos e de funções de direção, inclusive após a
cessação do respectivo exercício, com referência a atos praticados em decorrência de suas atribuições
legais ou institucionais, adotando, inclusive, as medidas judiciais cabíveis, em nome e em defesa dos
representados;
III - apurar a liquidez e certeza de créditos, de qualquer natureza, inerentes às atividades da ANA,
inscrevendo-os em dívida ativa, para fins de cobrança amigável ou judicial; e
208
Art. 18. Ficam criados, com a finalidade de integrar a estrutura da ANA:
I - quarenta e nove cargos em comissão, sendo cinco cargos de Natureza Especial, no valor unitário de
R$ 6.400,00 (seis mil e quatrocentos reais), e quarenta e quatro cargos do Grupo Direção e
Assessoramento Superiores - DAS, assim distribuídos: nove DAS 101.5; cinco DAS 102.5; dezessete
DAS 101.4; um DAS 102.4; oito DAS 101.3; dois DAS 101.2; e dois DAS 102.1;
II - cento e cinqüenta cargos de confiança denominados Cargos Comissionados de Recursos Hídricos -
CCRH, sendo: trinta CCRH - V, no valor unitário de R$ 1.170,00 (mil cento e setenta reais); quarenta
CCRH - IV, no valor unitário de R$ 855,00 (oitocentos e cinqüenta e cinco reais); trinta CCRH - III, no
valor unitário de R$ 515,00 (quinhentos e quinze reais); vinte CCRH - II, no valor unitário de R$ 454,00
(quatrocentos e cinqüenta e quatro reais); e trinta CCRH - I, no valor unitário de R$ 402,00
(quatrocentos e dois reais).
§ 1o O servidor investido em CCRH exercerá atribuições de assessoramento e coordenação técnica e
perceberá remuneração correspondente ao cargo efetivo ou emprego permanente, acrescida do valor
da função para a qual tiver sido designado.
§ 2o A designação para função de assessoramento de que trata este artigo não pode ser acumulada
com a designação ou nomeação para qualquer outra forma de comissionamento, cessando o seu
pagamento durante as situações de afastamento do servidor, inclusive aquelas consideradas de efetivo
exercício, ressalvados os períodos a que se referem os incisos I, IV, VI e VIII e alíneas a e e do inciso X
do art. 102 da Lei no 8.112, de 11 de dezembro de 1990, e o disposto no art. 471 da Consolidação das
Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943.
§ 3o A Diretoria Colegiada da ANA poderá dispor sobre a alteração de quantitativos e a distribuição dos
CCRH dentro da estrutura organizacional da autarquia, observados os níveis hierárquicos, os valores
da retribuição correspondente e os respectivos custos globais.
§ 4o Nos primeiros trinta e seis meses seguintes à instalação da ANA, o CCRH poderá ser ocupado por
servidores ou empregados requisitados na forma do art. 3o.
CAPÍTULO V
Do Patrimônio e das Receitas
Art. 19. Constituem patrimônio da ANA os bens e direitos de sua propriedade, os que lhe forem
conferidos ou que venha a adquirir ou incorporar.
Art. 20. Constituem receitas da ANA:
I - os recursos que lhe forem transferidos em decorrência de dotações consignadas no Orçamento-
Geral da União, créditos especiais, créditos adicionais e transferências e repasses que lhe forem
conferidos;
II - os recursos decorrentes da cobrança pelo uso de água de corpos hídricos de domínio da União,
respeitando-se as formas e os limites de aplicação previstos no art. 22 da Lei no 9.433, de 1997;
III - os recursos provenientes de convênios, acordos ou contratos celebrados com entidades,
organismos ou empresas nacionais ou internacionais;
IV - as doações, legados, subvenções e outros recursos que lhe forem destinados;
209
V - o produto da venda de publicações, material técnico, dados e informações, inclusive para fins de
licitação pública, de emolumentos administrativos e de taxas de inscrições em concursos;
VI - retribuição por serviços de quaisquer natureza prestados a terceiros;
VII - o produto resultante da arrecadação de multas aplicadas em decorrência de ações de fiscalização
de que tratam os arts. 49 e 50 da Lei n° 9.433, de 1997;
VIII - os valores apurados com a venda ou aluguel de bens móveis e imóveis de sua propriedade;
IX - o produto da alienação de bens, objetos e instrumentos utilizados para a prática de infrações,
assim como do patrimônio dos infratores, apreendidos em decorrência do exercício do poder de polícia
e incorporados ao patrimônio da autarquia, nos termos de decisão judicial; e
X – os recursos decorrentes da cobrança de emolumentos administrativos.
Art. 21. As receitas provenientes da cobrança pelo uso de recursos hídricos de domínio da União serão
mantidas à disposição da ANA, na Conta Única do Tesouro Nacional, enquanto não forem destinadas
para as respectivas programações.
§ 1o A ANA manterá registros que permitam correlacionar as receitas com as bacias hidrográficas em
que foram geradas, com o objetivo de cumprir o estabelecido no art. 22 da Lei no 9.433, de 1997.
§ 2o As disponibilidades de que trata o caput deste artigo poderão ser mantidas em aplicações
financeiras, na forma regulamentada pelo Ministério da Fazenda.
§ 3o (VETADO)
§ 4o As prioridades de aplicação de recursos a que se refere o caput do art. 22 da Lei no 9.433, de
1997, serão definidas pelo Conselho Nacional de Recursos Hídricos, em articulação com os
respectivos comitês de bacia hidrográfica.
CAPÍTULO VI
Disposições Finais e Transitórias
Art. 22. Na primeira gestão da ANA, um diretor terá mandato de três anos, dois diretores terão
mandatos de quatro anos e dois diretores terão mandatos de cinco anos, para implementar o sistema
de mandatos não coincidentes.
Art. 23. Fica o Poder Executivo autorizado a:
I - transferir para a ANA o acervo técnico e patrimonial, direitos e receitas do Ministério do Meio
Ambiente e de seus órgãos, necessários ao funcionamento da autarquia;
II - remanejar, transferir ou utilizar os saldos orçamentários do Ministério do Meio Ambiente para
atender às despesas de estruturação e manutenção da ANA, utilizando, como recursos, as dotações
orçamentárias destinadas às atividades fins e administrativas, observados os mesmos subprojetos,
subatividades e grupos de despesas previstos na Lei Orçamentária em vigor.
Art. 24. A Consultoria Jurídica do Ministério do Meio Ambiente e a Advocacia-Geral da União prestarão
à ANA, no âmbito de suas competências, a assistência jurídica necessária, até que seja provido o
cargo de Procurador da autarquia.
210
Art. 25. O Poder Executivo implementará a descentralização das atividades de operação e manutenção
de reservatórios, canais e adutoras de domínio da União, excetuada a infra-estrutura componente do
Sistema Interligado Brasileiro, operado pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico - ONS.
Parágrafo único. Caberá à ANA a coordenação e a supervisão do processo de descentralização de que
trata este artigo.
Art. 26. O Poder Executivo, no prazo de noventa dias, contado a partir da data de publicação desta Lei,
por meio de decreto do Presidente da República, estabelecerá a estrutura regimental da ANA,
determinando sua instalação.
Parágrafo único. O decreto a que se refere o caput estabelecerá regras de caráter transitório, para
vigorarem na fase de implementação das atividades da ANA, por prazo não inferior a doze e nem
superior a vinte e quatro meses, regulando a emissão temporária, pela ANEEL, das declarações de
reserva de disponibilidade hídrica de que trata o art. 7o.
Art. 27. A ANA promoverá a realização de concurso público para preenchimento das vagas existentes
no seu quadro de pessoal.
Art. 28. O art. 17 da Lei no 9.648, de 27 de maio de 1998, passa a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 17. A compensação financeira pela utilização de recursos hídricos de que trata a Lei no 7.990, de
28 de dezembro de 1989, será de seis inteiros e setenta e cinco centésimos por cento sobre o valor da
energia elétrica produzida, a ser paga por titular de concessão ou autorização para exploração de
potencial hidráulico aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios em cujos territórios se
localizarem instalações destinadas à produção de energia elétrica, ou que tenham áreas invadidas por
águas dos respectivos reservatórios, e a órgãos da administração direta da União." (NR)
"§ 1o Da compensação financeira de que trata o caput:" (AC)*
"I – seis por cento do valor da energia produzida serão distribuídos entre os Estados, Municípios e
órgãos da administração direta da União, nos termos do art. 1o da Lei no 8.001, de 13 de março de
1990, com a redação dada por esta Lei;" (AC)
"II – setenta e cinco centésimos por cento do valor da energia produzida serão destinados ao Ministério
do Meio Ambiente, para aplicação na implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e do
Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, nos termos do art. 22 da Lei no 9.433, de 8
de janeiro de 1997, e do disposto nesta Lei." (AC)
"§ 2o A parcela a que se refere o inciso II do § 1o constitui pagamento pelo uso de recursos hídricos e
será aplicada nos termos do art. 22 da Lei no 9.433, de 1997." (AC)
Art. 29. O art. 1o da Lei no 8.001, de 13 de março de 1990, com a redação dada pela Lei no 9.433, de
1997, passa a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 1o A distribuição mensal da compensação financeira de que trata o inciso I do § 1o do art. 17 da
Lei no 9.648, de 27 de maio de 1998, com a redação alterada por esta Lei, será feita da seguinte
forma:" (NR)
"I – quarenta e cinco por cento aos Estados;"
"II - quarenta e cinco por cento aos Municípios;"
"III – quatro inteiros e quatro décimos por cento ao Ministério do Meio Ambiente;" (NR)
211
"IV – três inteiros e seis décimos por cento ao Ministério de Minas e Energia;" (NR)
"V – dois por cento ao Ministério da Ciência e Tecnologia."
"§ 1o Na distribuição da compensação financeira, o Distrito Federal receberá o montante
correspondente às parcelas de Estado e de Município."
"§ 2o Nas usinas hidrelétricas beneficiadas por reservatórios de montante, o acréscimo de energia por
eles propiciado será considerado como geração associada a estes reservatórios regularizadores,
competindo à ANEEL efetuar a avaliação correspondente para determinar a proporção da
compensação financeira devida aos Estados, Distrito Federal e Municípios afetados por esses
reservatórios." (NR)
"§ 3o A Usina de Itaipu distribuirá, mensalmente, respeitados os percentuais definidos no caput deste
artigo, sem prejuízo das parcelas devidas aos órgãos da administração direta da União, aos Estados e
aos Municípios por ela diretamente afetados, oitenta e cinco por cento dos royalties devidos por Itaipu
Binacional ao Brasil, previstos no Anexo C, item III do Tratado de Itaipu, assinado em 26 de março de
1973, entre a República Federativa do Brasil e a República do Paraguai, bem como nos documentos
interpretativos subseqüentes, e quinze por cento aos Estados e Municípios afetados por reservatórios a
montante da Usina de Itaipu, que contribuem para o incremento de energia nela produzida." (NR)
"§ 4o A cota destinada ao Ministério do Meio Ambiente será empregada na implementação da Política
Nacional de Recursos Hídricos e do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos e na
gestão da rede hidrometeorológica nacional." (NR)
"§ 5o Revogado."
Art. 30. O art. 33 da Lei no 9.433, de 8 de janeiro de 1997, passa a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 33. Integram o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos:"
"I – o Conselho Nacional de Recursos Hídricos;"
"I-A. – a Agência Nacional de Águas;" (AC)
"II – os Conselhos de Recursos Hídricos dos Estados e do Distrito Federal;"
"III – os Comitês de Bacia Hidrográfica;"
"IV – os órgãos dos poderes públicos federal, estaduais, do Distrito Federal e municipais cujas
competências se relacionem com a gestão de recursos hídricos;" (NR)
"V – as Agências de Água."
Art. 31. O inciso IX do art. 35 da Lei no 9.433, de 1997, passa a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 35. .................................................................
.............................................................................."
"IX – acompanhar a execução e aprovar o Plano Nacional de Recursos Hídricos e determinar as
providências necessárias ao cumprimento de suas metas; " (NR)
"............................................................................"
Art. 32. O art. 46 da Lei no 9.433, de 1997, passa a vigorar com a seguinte redação:
212
"Art. 46. Compete à Secretaria Executiva do Conselho Nacional de Recursos Hídricos:"
"I – prestar apoio administrativo, técnico e financeiro ao Conselho Nacional de Recursos Hídricos;"
"II – revogado;"
"III – instruir os expedientes provenientes dos Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos e dos
Comitês de Bacia Hidrográfica;"
"IV – revogado;"
"V – elaborar seu programa de trabalho e respectiva proposta orçamentária anual e submetê-los à
aprovação do Conselho Nacional de Recursos Hídricos."
Art. 33. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 17 de julho de 2000; 179o da Independência e 112o da República.
MARCO ANTONIO DE OLIVEIRA MACIEL
Edward Joaquim Amadeo Swaelen
Marcus Vinicius Pratini de Moraes
Rodolpho Tourinho Neto
Martus Tavares
José Sarney Filho
213
ANEXO 3
214
DECRETO Nº 3.692, DE 19 DE DEZEMBRO DE 2000.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso das atribuições que lhe confere o art. 84, incisos IV e VI, da
Constituição, e tendo em vista o disposto na Lei no 9.984, de 17 de julho de 2000,
DECRETA:
Art. 1o Fica instalada a Agência Nacional de Águas - ANA, autarquia sob regime especial, integrante do
Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, criada pela Lei nº 9.984, de 17 de julho de
2000, com a finalidade de implementar, em sua esfera de atribuições, a Política Nacional de Recursos
Hídricos.
Parágrafo único. A ANA terá sede e foro no Distrito Federal, podendo instalar unidades administrativas
regionais.
Art. 2o Ficam aprovados a Estrutura Regimental e o Quadro Demonstrativo dos Cargos Comissionados
e dos Cargos Comissionados Técnicos da ANA, na forma dos Anexos I e II a este Decreto.
Art. 3o O regimento interno da ANA será aprovado pela Diretoria Colegiada e publicado no Diário Oficial
da União, no prazo de até cento e vinte dias, contado da data de publicação deste Decreto.
Art. 4o Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 19 de dezembro de 2000; 179o da Independência e 112o da República.
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
José Sarney Filho
Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 20.12.2000
ANEXO I
ESTRUTURA REGIMENTAL
DA AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS - ANA
CAPÍTULO I
NATUREZA E FINALIDADE
Art. 1o A Agência Nacional de Águas - ANA, autarquia sob regime especial, criada pela Lei nº 9.984, de
17 de julho de 2000, com autonomia administrativa e financeira, vinculada ao Ministério do Meio
Ambiente, tem por finalidade implementar, em sua esfera de atribuições, a Política Nacional de
Recursos Hídricos, nos termos da Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997.
215
Art. 2o A atuação da ANA obedecerá aos fundamentos, objetivos, diretrizes e instrumentos da Política
Nacional de Recursos Hídricos e será desenvolvida em articulação com órgãos e entidades públicas e
privadas integrantes do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, cabendo-lhe:
I - supervisionar, controlar e avaliar as ações e atividades decorrentes do cumprimento da legislação
federal pertinente aos recursos hídricos;
II - disciplinar, em caráter normativo, por meio de resolução da Diretoria Colegiada, a implementação, a
operacionalização, o controle e a avaliação dos instrumentos da Política Nacional de Recursos
Hídricos;
III - participar da elaboração do Plano Nacional de Recursos Hídricos e supervisionar a sua
implementação;
IV - prestar apoio à elaboração dos planos de recursos hídricos das bacias hidrográficas;
V - outorgar, por intermédio de autorização, o direito de uso de recursos hídricos em corpos de água de
domínio da União;
VI - fiscalizar, com poder de policia, os usos de recursos hídricos nos corpos de água de domínio da
União;
VII - elaborar estudos técnicos para subsidiar a definição, pelo Conselho Nacional de Recursos
Hídricos, dos valores a serem cobrados pelo uso de recursos hídricos de domínio da União, com base
nos mecanismos e quantitativos sugeridos pelos comitês de bacia hidrográfica, na forma do inciso VI
do art. 38 da Lei no 9.433, de 1997;
VIII - estimular e apoiar as iniciativas voltadas para a criação de comitês de bacia hidrográfica;
IX - implementar, em articulação com os comitês de bacia hidrográfica, a cobrança pelo uso de
recursos hídricos de domínio da União;
X - arrecadar, despender e aplicar o que lhe for próprio e distribuir, para aplicação, as receitas
auferidas, por intermédio da cobrança pelo uso de recursos hídricos de domínio da União, na forma do
disposto no art. 22 da Lei no 9.433, de 1997;
XI - planejar e promover ações destinadas a prevenir ou minimizar os efeitos de secas e inundações,
no âmbito do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, em articulação com o órgão
central do Sistema Nacional de Defesa Civil, em apoio aos Estados e Municípios;
XII - declarar corpos de água em regime de racionamento preventivo e aplicar as medidas necessárias
para assegurar seus usos prioritários em consonância com os critérios estabelecidos em decreto
ouvidos os respectivos comitês de bacia hidrográfica, se houver;
XIII - promover a elaboração de estudos para subsidiar a aplicação de recursos financeiros da União
em obras e serviços de regularização de cursos de água, de alocação e distribuição de água e de
controle da poluição hídrica, em consonância com o estabelecido nos planos de recursos hídricos;
XIV - definir e fiscalizar as condições de operação de reservatórios por agentes públicos e privados,
visando garantir o uso múltiplo dos recursos hídricos, conforme estabelecido nos planos de recursos
hídricos das respectivas bacias hidrográficas;
216
XV - disciplinar, em caráter normativo, e autorizar a adução de água bruta que envolver recursos
hídricos de domínio da União, inclusive mediante o estabelecimento de tarifas e a fixação dos padrões
de eficiência para prestação do respectivo serviço;
XVI - promover a coordenação das atividades desenvolvidas no âmbito da rede hidrometereológica
nacional, em articulação com os órgãos e entidades públicas e privadas que a integram, ou que dela
sejam usuárias;
XVII - organizar, implantar e gerir o Sistema Nacional de Informações sobre Recursos Hídricos;
XVIII - estimular a pesquisa e a capacitação de recursos humanos para a gestão de recursos hídricos;
XIX - prestar apoio aos Estados na criação de órgãos gestores de recursos hídricos;
XX - propor ao Conselho Nacional de Recursos Hídricos o estabelecimento de incentivos, inclusive
financeiros, à conservação qualitativa e quantitativa de recursos hídricos;
217
§ 2º Em caso de vaga no curso do mandato, este será completado por sucessor investido na forma
prevista no caput deste artigo, que o exercerá pelo prazo remanescente.
§ 3o A exoneração imotivada de dirigente só poderá ocorrer nos quatro meses iniciais dos respectivos
mandatos.
§ 4o Após o prazo a que se refere o parágrafo anterior, os dirigentes da ANA somente perderão o
mandato em decorrência de renúncia, de condenação judicial transitada em julgado, ou de competente
decisão definitiva em processo administrativo disciplinar.
Art. 4o Sem prejuízo do que prevêem a legislação penal e a relativa aos atos de improbidade
administrativa no serviço público, será causa da perda do mandato a inobservância por qualquer
dirigente dos deveres e das proibições inerentes ao cargo que ocupa.
Parágrafo único. Para os fins deste artigo, cabe ao Ministro de Estado do Meio Ambiente instaurar o
processo administrativo disciplinar a ser conduzido por comissão especial, cabendo ao Presidente da
República determinar o afastamento preventivo, quando for o caso, e proferir o julgamento.
Art. 5o É vedado aos Diretores da ANA o exercício de qualquer outra atividade profissional,
empresarial, sindical ou de direção político-partidária.
§ 1o É vedado aos Dirigentes da ANA, conforme dispuser o seu regimento interno, ter interesse direto
ou indireto em empresa relacionada com o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos.
§ 2o A vedação de que trata o caput deste artigo não se aplica aos casos de atividades profissionais
decorrentes de vínculos contratuais mantidos com entidades públicas ou privadas de ensino e
pesquisa.
CAPÍTULO III
DA ESTRUTURA ORGANIZACIONAL
Seção I
Da Estrutura Básica
Art. 6o A ANA tem a seguinte estrutura:
I - Diretoria Colegiada;
II - Procuradoria-Geral; e
III - Corregedoria.
§ 1o Ficam criados o Gabinete do Diretor-Presidente e a Secretaria-Geral da Diretoria Colegiada, cuja
estruturação e atribuições deverão ser estabelecidas em regimento interno da ANA.
§ 2o A ANA poderá criar até dez Superintendências, que se reportarão diretamente à Diretoria
Colegiada e, ainda, poderá instalar unidades administrativas regionais, na forma que dispuser o seu
regimento interno.
§ 3o O regimento interno da ANA disporá sobre a estruturação, vinculação hierárquica, extinção,
criação, finalidades estratégicas, competências e denominações das Superintendências, das Unidades
218
Administrativas a serem instaladas, assim como das demais áreas de nível inferior ao da Diretoria
Colegiada.
§ 4o A Procuradoria-Geral vincula-se à Advocacia-Geral da União para fins de orientação normativa e
supervisão técnica.
Seção II
Da Diretoria Colegiada
Art. 7o À Diretoria Colegiada compete:
I - exercer a administração da ANA;
II - editar normas sobre matérias de competência da ANA;
III - aprovar o regimento interno da ANA, a organização, a estrutura e o âmbito decisório de cada
Diretoria;
IV - cumprir e fazer cumprir as normas relativas ao Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos
Hídricos;
V - examinar e decidir sobre pedidos de outorga de direito de uso de recursos hídricos de domínio da
União;
VI - elaborar e divulgar relatórios sobre as atividades da ANA;
VII - decidir pela venda, cessão ou aluguel de bens integrantes do patrimônio da ANA;
VIII - conhecer e julgar pedidos de reconsideração de decisões de componentes da Diretoria da ANA;
IX - aprovar critérios para a celebração de contratos, convênios e acordos em que a ANA intervenha ou
seja parte;
X - autorizar, na forma da legislação em vigor, o afastamento do País de seus profissionais para
desempenho de atividades técnicas e de capacitação relacionadas às competências da ANA;
XI - encaminhar os demonstrativos contábeis da ANA aos órgãos competentes;
XII - solucionar administrativamente os conflitos referentes aos usos de recursos hídricos de domínio
da União, ouvidos os respectivos comitês de bacia, se houver;
XIII - promover concursos, nacionais ou regionais, inclusive mediante a atribuição de premiação,
relacionados ao uso de recursos hídricos ou à própria Agência; e
XIV - submeter a proposta de orçamento da ANA ao órgão competente da Administração Federal, por
intermédio do Ministério do Meio Ambiente.
§ 1o A Diretoria Colegiada deliberará por maioria simples de votos, e reunir-se-á com a presença de,
pelo menos, três Diretores, dentre eles o Diretor-Presidente ou seu substituto legal.
§ 2o As decisões relacionadas com as competências institucionais da ANA, previstas no art. 2º desta
Estrutura, serão tomadas de forma colegiada.
§ 3º O regimento interno e suas alterações serão aprovados com a presença de todos os Diretores e
por maioria absoluta dos votos.
219
Seção III
Da Procuradoria-Geral
Art. 8º À Procuradoria-Geral compete:
I - representar judicialmente a ANA, com prerrogativas processuais de Fazenda Pública;
II - representar judicialmente os ocupantes de Cargos Comissionados de Direção, inclusive após a
cessação do respectivo exercício, com referência a atos praticados em decorrência de suas atribuições
legais ou institucionais, adotando, inclusive, as medidas judiciais cabíveis, em nome e em defesa dos
representados, salvo em relação a procedimento administrativo ou processo judicial de iniciativa da
própria ANA;
III - apurar a liquidez e certeza de créditos, de qualquer natureza, inerentes às atividades da ANA,
inscrevendo-os em dívida ativa, para fins de cobrança amigável ou judicial; e
IV - executar as atividades de consultoria e de assessoramento jurídicos.
Parágrafo único. A Procuradoria-Geral da ANA é composta de Procuradores dotados de todas as
prerrogativas e direitos processuais inerentes ao cargo de Procuradores de autarquia, inclusive
capacidade postulatória, sendo dirigida pelo Procurador-Geral.
Seção IV
Da Corregedoria
Art. 9º À Corregedoria compete:
I - fiscalizar a legalidade das atividades funcionais dos servidores, dos órgãos e das unidades da ANA;
II - apreciar as representações sobre a atuação dos servidores e emitir parecer sobre o desempenho
dos mesmos e opinar fundamentadamente quanto a sua confirmação no cargo ou sua exoneração:
III - realizar correição nos órgãos e unidades, sugerindo as medidas necessárias à racionalização e
eficiência dos serviços: e
IV - instaurar por determinação superior, sindicâncias e processos administrativos disciplinares,
submetendo-os à decisão do Diretor-Presidente da ANA.
Parágrafo único. O Corregedor será nomeado pelo Ministro de Estado do Meio Ambiente por indicação
da Diretoria Colegiada da ANA.
CAPÍTULO IV
DO CONTRATO DE GESTÃO
Art. 10. A administração da ANA será regida por contrato de gestão, negociado entre o seu Diretor-
Presidente e o Ministro de Estado do Meio Ambiente, no prazo máximo de cento e vinte dias seguinte à
nomeação do Diretor-Presidente da ANA.
220
§ 1º O contrato de gestão estabelecerá os indicadores que permitam avaliar, objetivamente, o
desempenho da ANA.
§ 2º A inexistência do Contrato de Gestão não impedirá o normal desempenho da ANA no exercício de
suas competências.
CAPÍTULO V
Das Atribuições DOS DIRIGENTES
Seção I
Do Diretor-Presidente
Art. 11. Ao Diretor-Presidente incumbe:
I - exercer a representação legal da ANA;
II - presidir as reuniões da Diretoria Colegiada e as audiências públicas de iniciativa da ANA, podendo
ser substituído ad hoc;
III - cumprir e fazer cumprir as decisões da Diretoria Colegiada;
IV - decidir ad referendum da Diretoria Colegiada as questões de urgência;
V - decidir, em caso de empate, nas deliberações da Diretoria Colegiada;
VI - nomear, requisitar, promover e exonerar servidores, inclusive provendo os Cargos Comissionados
de Gerência Executiva, de Assessoria, de Assistência e os Cargos Comissionados Técnicos;
VII - admitir, requisitar, promover e demitir servidores, preenchendo os empregos públicos;
VIII - praticar outros atos de gestão de recursos humanos, inclusive aprovar edital e homologar
resultados dos concursos públicos;
IX - encaminhar ao Conselho Nacional de Recursos Hídricos os relatórios elaborados pela Diretoria
Colegiada e demais assuntos de competência daquele Conselho;
X - assinar contratos, convênios e acordos de interesse da ANA;
XI - ordenar despesas no âmbito de suas atribuições e praticar os demais atos de gestão de recursos
orçamentários e financeiros, nos termos das normas vigentes;
XII - supervisionar o funcionamento de todos os setores da ANA;
XIII - exercer os demais atos de gestão superior relacionados às competências da ANA, nos termos em
que dispuser o regimento interno; e
XIV - exercer o poder disciplinar, nos termos da legislação em vigor.
§ 1o O Diretor-Presidente, sem prejuízo da competência a que se refere o inciso V, participará das
deliberações com direito de voto igual ao dos demais membros da Diretoria Colegiada.
§ 2o Os cargos comissionados de Gerência Executiva, de Assessoria e de Assistência serão providos
pelo Diretor-Presidente após a aprovação da Diretoria Colegiada.
221
Seção II
Das Atribuições Comuns aos Diretores
Art. 12. São atribuições comuns aos Diretores da ANA:
I - executar as decisões tomadas pela Diretoria Colegiada;
II - cumprir e fazer cumprir as disposições regulamentares no âmbito das atribuições da Agência;
III - zelar pela credibilidade e imagem institucional da ANA;
IV - zelar pelo cumprimento dos planos, programas e projetos de incumbência da ANA;
V - praticar e expedir os atos de gestão administrativa no âmbito de suas atribuições;
VI - planejar, coordenar, controlar e supervisionar, de forma articulada, as atividades das suas
respectivas áreas de atribuição; e
VII - responsabilizar-se solidariamente, nos termos da legislação em vigor, quanto aos resultados,
objetivos e metas de trabalho da ANA, bem como à prestação de contas periódica aos órgãos de
controle externo da União.
Seção III
Do Procurador-Geral
Art. 13. Ao Procurador-Geral incumbe:
I - exercer as prerrogativas legais e institucionais da Procuradoria, delegando-as aos Procuradores da
ANA em função da conveniência e volume de trabalho;
II - administrar o contencioso da ANA;
III - coordenar as atividades de consultoria e assessoramento jurídico dos Procuradores da ANA,
aprovando os respectivos pareceres; e
IV - supervisionar as atividades administrativas da Procuradoria-Geral.
CAPÍTULO VI
Do Patrimônio e Das receitas
Seção I
Do Patrimônio
Art. 14. Constituem patrimônio da ANA os bens e direitos de sua propriedade e os que lhe forem
conferidos ou que venha a adquirir ou incorporar.
Seção II
Das Receitas
Art. 15. Constituem receitas da ANA:
222
I - os recursos a ela transferidos em decorrência de dotações consignadas no Orçamento-Geral da
União, os créditos especiais, os créditos adicionais e as transferências e os repasses que lhe forem
conferidos;
II - os recursos decorrentes da cobrança pelo uso de recursos hídricos em corpos de água de domínio
da União, respeitando-se as formas e os limites de aplicação previstos no art. 22 da Lei no 9.433, de
1997;
III - os recursos provenientes de convênios, acordos ou contratos celebrados com entidades,
organismos ou empresas nacionais ou internacionais;
IV - as doações, legados, subvenções e outros recursos que lhe forem destinados;
V - o produto da venda de publicações, material técnico, dados e informações, inclusive para fins de
licitação pública, de emolumentos administrativos e de taxas de inscrição em concursos;
VI - retribuição por serviços de quaisquer natureza prestados a terceiros;
VII - o produto resultante da arrecadação de multas aplicadas em decorrência de ações de fiscalização
de que tratam os arts. 49 e 50 da Lei no 9.433, de 1997;
VIII - os valores apurados com a venda ou aluguel de bens móveis e imóveis de sua propriedade;
IX - o produto da alienação de bens, objetos e instrumentos utilizados para a prática de infrações,
assim como do patrimônio dos infratores, apreendidos em decorrência do exercício do poder de polícia
e incorporados ao patrimônio da autarquia, nos termos de decisão judicial;
X - os recursos decorrentes da cobrança de emolumentos administrativos;
XI - o pagamento pelo uso de recursos hídricos feito por empresa concessionária ou autorizada para
exploração de potencial hidráulico; e
XII - a parcela da compensação financeira destinada à implementação da Política Nacional de
Recursos Hídricos e do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos e à gestão da rede
hidrometeorológica nacional de que tratam o inciso II do § 1o do art. 17 da Lei no 9.648, de 27 de maio
de 1998, e o § 4o do art. 1o da Lei no 8.001, de 13 de março de 1990, que lhe será integralmente
destinada pelo Ministério do Meio Ambiente.
§ 1º As receitas da ANA serão mantidas à sua disposição na Conta Única do Tesouro Nacional,
enquanto não forem destinadas para as respectivas programações.
§ 2º As receitas provenientes da cobrança pelo uso de recursos hídricos de domínio da União não
sofrerão limites nos seus valores, para movimentação financeira e empenho.
§ 3o A ANA manterá registros que permitam correlacionar as receitas com as bacias hidrográficas em
que foram geradas, com o objetivo de cumprir o estabelecido no art. 22 da Lei no 9.433, de 1997.
§ 4o As disponibilidades de que trata o § 1o deste artigo poderão ser mantidas em aplicações
financeiras, na forma regulamentada pelo Ministério da Fazenda.
§ 5o As prioridades de aplicação de recursos a que se refere o caput do art. 22 da Lei no 9.433, de
1997, serão definidas pelo Conselho Nacional de Recursos Hídricos, em articulação com os
respectivos comitês de bacia hidrográfica.
223
CAPÍTULO VII
Da Regulação e da Fiscalização.
Seção I
Da Regulação
Art. 16. A ação reguladora da ANA será realizada com base nos fundamentos, objetivos e diretrizes da
Política Nacional de Recursos Hídricos instituídos na Lei no 9.433, de 1997, visando garantir o
adequado atendimento às necessidades e prioridades de uso dos recursos hídricos.
Art. 17. Observado o disposto no art. 4o da Lei no 9.433, de 1997, a ANA exercerá ação reguladora em
corpos de água de domínio da União, inclusive mediante a definição de requisitos de vazão mínima e
de concentração máxima de poluentes na transição de corpos de água de domínio Estadual para os de
domínio Federal.
Seção II
Da Fiscalização
Art. 18. A ANA fiscalizará o uso de recursos hídricos mediante o acompanhamento, o controle, a
apuração de irregularidades e infrações e a eventual determinação de retificação das atividades, obras
e serviços pelos agentes usuários de recursos hídricos de domínio da União.
Art. 19. A atividade fiscalizadora da ANA primará pela orientação dos agentes usuários de recursos
hídricos, a fim de prevenir condutas ilícitas e indesejáveis, tendo em vista, especialmente:
I - o cumprimento da legislação pertinente ao uso de recursos hídricos; e
II - a garantia do atendimento dos padrões de segurança das atividades, das obras e dos serviços por
parte dos agentes usuários de recursos hídricos de domínio da União.
§ 1o A atividade fiscalizadora da ANA poderá ser exercida com a colaboração de órgãos públicos
federais, estaduais e municipais.
§ 2o Dos atos praticados pela fiscalização caberá recurso administrativo conforme dispuser o regimento
interno.
§ 3º A primazia pela orientação dos agentes usuários não impede ou condiciona a imediata aplicação
de penalidades, quando caracterizada a ocorrência de infrações.
CAPÍTULO VIII
Da Articulação Institucional da ANA
Art. 20. Observado o disposto nas Leis no 9.637, de 15 de maio de 1998; e no 9.790, de 23 de março de
1999, a ANA poderá firmar contrato de gestão ou termo de parceria com as agências de água ou de
bacia hidrográfica, para execução dos serviços a que se refere o art. 44 da Lei no 9.433, de 1997,
transferindo-lhes recursos financeiros para o cumprimento do objeto dos instrumentos celebrados.
Parágrafo único. O contrato de gestão de que trata o caput deste artigo poderá ser firmado com
consórcios e associações intermunicipais de bacias hidrográficas, nos termos previstos no art. 51 da
Lei no 9.433, de 1997.
224
Art. 21. A ANA poderá celebrar convênios de cooperação técnica com órgãos ou entidades públicos
dos Estados e do Distrito Federal, nos termos do art. 4o da Lei no 9.433, de 1997.
Parágrafo único. Os convênios de cooperação de que trata o caput deste artigo buscarão o
entendimento entre as partes sobre critérios equivalentes de cobrança pelo uso de recursos hídricos
numa mesma bacia hidrográfica, independentemente da dominialidade dos cursos de água que a
compõem.
CAPÍTULO IX
Das Disposições Finais e Transitórias
Art. 22. Cabe à ANA coordenar e supervisionar o processo de descentralização das atividades de
operação e manutenção de reservatórios, canais e adutoras de domínio da União, excetuada a infra-
estrutura componente do Sistema Interligado Brasileiro, gerido pelo Operador Nacional do Sistema
Elétrico - ONS, e das usinas hidrelétricas que não operem interligadamente.
Art. 23. Atendido ao disposto no parágrafo único do art. 26 da Lei no 9.984, de 2000, a ANA e a ANEEL
emitirão resolução conjunta, estabelecendo, em caráter temporário e em regime de transição, os
procedimentos a serem por esta adotados para emissão de declarações de reserva de disponibilidade
hídrica e de outorga de direito de uso de recursos hídricos, para fins de licitação da exploração de
potencial hidráulico.
Art. 24. A ANA estabelecerá prazos para a regularização dos usos de recursos hídricos de domínio da
União, que não sejam amparados por correspondente outorga de direito de uso.
Parágrafo único. Os prazos a que se refere o caput deste artigo serão fixados em função da eventual
escassez hídrica da correspondente bacia hidrográfica, para atendimento dos usos requeridos.
Art. 25. Ficam transferidos ou remanejados para a ANA:
I - o acervo técnico e patrimonial, os direitos e as receitas do Ministério do Meio Ambiente e de seus
órgãos, necessários ao funcionamento da Autarquia; e
II - os saldos orçamentários do Ministério do Meio Ambiente, para atender as despesas de estruturação
e de manutenção da autarquia, utilizando como recursos as dotações orçamentárias destinadas às
atividades fins e administrativas, observados os mesmos subprojetos, subatividades e grupos de
despesas previstos na Lei Orçamentária em vigor.
Parágrafo único. O Diretor-Presidente da ANA e o Secretário-Executivo do Ministério do Meio Ambiente
adotarão as providências administrativas necessárias ao cumprimento do disposto neste artigo.
Art. 26. A Diretoria Colegiada da ANA poderá dispor sobre a alteração de quantitativos e a distribuição
dos Cargos Comissionados de Gerência Executiva, de Assessoria, de Assistência e dos Cargos
Comissionados Técnicos, dentro da estrutura organizacional da Autarquia, observado os valores de
retribuição correspondentes e desde que não acarrete aumento de despesa.
Art. 27. Na primeira gestão da ANA, um diretor terá mandato de três anos, dois diretores terão
mandatos de quatro anos e dois diretores terão mandatos de cinco anos, para implementar o sistema
de mandatos não coincidentes de que trata o art.3o.
225
ANEXO II
QUADRO DEMONSTRATIVO DOS CARGOS COMISSIONADOS
E DOS CARGOS COMISSIONADOS TÉCNICOS DA AGÊNCIA
NACIONAL DE ÁGUAS - ANA.
226