De Escravas A Domesticas
De Escravas A Domesticas
De Escravas A Domesticas
Resumo:
Este artigo pretende demonstrar que a abolição da escravatura não modificou as
estruturas hierárquicas imposta pela lógica escravista, na pratica o pós-abolição não
trouxe rupturas significativas na vida social de um determinado grupo, as mulheres que
eram escravas tornaram - se empregadas domésticas. Perceber de que maneira essas
relações foram e são, operacionalizadas e materializadas na condição de vida e trabalho
das mulheres negras no pós-abolição é fundamental para entendermos a condição de
empregada doméstica em que mulheres negras estão inseridas.
Entender o significado concreto da liberdade na vida social das mulheres ex-escravas é
um passo importante para entendermos a sua relação com o trabalho, sobretudo o
trabalho doméstico.
Introdução
Quero neste artigo estabelecer um elo de discussão entre o pós–abolição, e o trabalho
doméstico, exercido quase exclusivamente pelas ex-escravas. O trabalho doméstico não
foi função, exclusiva de mulheres ex-escravas, muitos homens ex-escravos, já o exercia,
mesmo antes da oficialização do fim da escravidão no Brasil, (cabe ressaltar que o
trabalho doméstico era composto por várias atividades). O fim da escravidão trouxe
novos arranjos para que essas mulheres continuassem a exercer as mesmas atividades,
deixaram de ser escravas domésticas e passaram a ser empregadas domésticas.
1 Historiadora, formada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Especialista em gênero e
raça; pesquisadora dos temas: trabalho, raça, classe e gênero.
Quando analisamos a concretude dos sujeitos femininos na memória histórica, podemos
perceber que a figura da mulher negra sempre esteve atrelada a Casa Grande, ela
desempenhou um papel importante na estruturação social e na divisão hierárquica das
escravas, a esfera privada de socialização, a grande casa patriarcal, se tornou o principal
lugar de domesticação das mulheres escravizadas e foram essas escravas que garantiram
o funcionamento da Casa Grande.
Os afazeres domésticos e o cuidar dos filhos das sinhás, foi um forte condicionante
privado de estruturação patriarcal e hierárquica, durante o período de escravidão, a
regulação das relações entre senhoras e escravas, pautava-se no modelo de dominação
de classes, definido por padrões de superioridade e inferioridade, a negra escrava
mesmo sendo considerada inferior foi quem, amamentou os filhos de suas senhoras.
Segundo Leila Algranti, desde o século XVI, “grande parte do trabalho desenvolvido no
interior dos domicílios coube aos escravos, que foram figuras indispensáveis” nos lares
da América portuguesa, tanto no campo quanto nas cidades.
No final do século do século XIX o trabalho doméstico, passa a figurar como um meio
de sobrevivência, com o fim da escravidão o mundo do trabalho passa a ter outras
configurações do ponto de vista jurídico, os que eram escravos agora estão libertos, a
incorporação dessa mão-de-obra liberta ao mundo do trabalho, se deu majoritariamente
pelo trabalho doméstico. Nos grandes centros urbanos o trabalho doméstico ocupou um
lugar de centralidade nas relações de trabalho estabelecidas entre ex-senhores e ex-
escravas. O sujeito feminino negro passa a realizar as tarefas do lar a partir de outros
arranjos sociais, que são em muitos casos estabelecidos por contrato de locação de
serviços, temos ainda aquelas, ex-escravas que não tinham para onde ir e continuaram
com seus ex-senhores exercendo, a mesma função do cuidado da casa e da família
patriarcal.
O Estado por meio de sua política estatal de emigração de força de trabalho branca ,
reduziu os meios de inserção negra – ex-escrava –, as atividades precárias de baixa
qualificação e prestígio social, produziu no país uma superpopulação disponível para o
mercado de trabalho com fortes traços do sistema colonial escravista, embora o trabalho
fosse livre.
A atual situação da mulher negra é fruto de raízes históricas, cujo ideologia vigente
ainda determina que o lugar da mulher negra seja a cozinha e o o cuidado do lar.
A importância dos estudos sobre as mulheres no Brasil nos remete a um passado, onde a
mulher era praticamente invisibilizada pelo Estado. Em diferentes tempos históricos não
foram consideradas agentes da história e sua função na sociedade era determinada de
acordo com seu núcleo social, regida e administrada pelo Estado. E quando pensamos
em mulher negra, a necessidade de resignificação histórica é ainda maior, visto que o
grupo social ao qual pertence nunca teve importância em nenhum momento histórico.
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