Pensando A Análise Didática
Pensando A Análise Didática
Pensando A Análise Didática
ENQUANTO FETICHE E
FORMAÇÃO IDEOLÓGICA1
Luiz Meyer*
RESUMO
análise didática, por nós considerada uma Quando Mario escreve que “am-
prática deletéria. Na minha apresenta- bos os integrantes” (analista e candidato)
ção, vou utilizar o texto de Mario como se submetem à organização, ele está cha-
suporte, procurando agregar meu ponto mando a atenção para a rede de conluios
de vista a algumas das questões que ele e manobras que dão sustentação ao fun-
enfoca. O propósito é mostrar como nos- cionamento da análise didática. Uma de-
sas visões, ao se complementarem e se las, continuadamente assinalada, é o des-
integrarem, criam uma massa crítica que locamento da função institucional do ana-
vai ajudar a compreender os fatores que lista didata e do aspecto mítico de sua
dão força à permanência da análise didá- pessoa para o primeiro plano, relegando o
tica e que procuram justificar sua função. processo analítico a uma posição secun-
Logo no segundo parágrafo, dária ou instrumental. O analista didata
Gomberoff usa a expressão “ingerência tem sua identidade funcional sustentada
institucional”. Ele relembra a prescrição pela Instituição e, portanto, vê-se obriga-
pela Instituição de que se faça um número do a falar por ela.
mínimo de horas de análise e/ou supervi- Dito de outro modo: sua posição
são, assim como o momento estipulado faz com que ele se coloque a serviço da
para iniciá-las. O resultado dessa inge- demanda da reprodução dos interesses
rência é o desvio do interesse do candida- da Instituição, em vez de servir à desco-
to pelo processo analítico e seu redireci- berta do método analítico e de seu poder
onamento para o cumprimento das regras transgressivo. O candidato, por seu lado,
e dos standards. O objetivo, aqui, deixa está imerso em uma atmosfera que esti-
de ser empreender uma viagem e apren- mula a “faceta didática” da análise, de
der com ela e torna-se atingir o mais sua aura de atividade diferenciada, desti-
brevemente possível o ponto de chegada. nada a espelhar a qualidade superior do
Gostaria de acrescentar que essa analista didata, quando comparada com a
atitude — a de cumprir estritamente os dos analistas tout court. O projeto co-
preceitos legais — parece ter se genera- mum da dupla deixa, assim, de ser a
lizado, pois também é observado em mi- exploração analítica da transferência e de
nha sociedade. toda a turbulência que ela gera, voltando-
Na verdade, a questão principal se para a manutenção de suas respecti-
não reside nessa distorção e, sim, na vas posições narcísicas, num contínuo
própria existência de uma análise cujas exercício de mútua idealização.
regras são exteriores e conflitantes com a Mario menciona que, no meu tra-
natureza do processo analítico. Como diz balho de 2003, ao procurar compreender
Mario, ela elimina uma de suas postula- o que possibilitou — e possibilita — a
ções fundamentais: a liberdade de esco- permanência ao longo do tempo do funci-
lha. onamento de uma estrutura como a aná-
lise didática, eu sugiro que ela deve ser toda análise. É que, sincronicamente ao
compreendida à luz da teoria psicanalítica seu potencial de mudança, a psicanálise
do fetiche e, portanto, como um sintoma assinala, a quem a pratica e a quem a ela
que pertence ao campo da perversão. se submete, a extensão de suas limita-
Um processo que, de uma parte, pretende ções, incluindo aquelas ligadas à capaci-
ser psicanalítico e, simultaneamente, de dade de efetuar transformações impor-
outra, tolhe a liberdade dos participantes, tantes na personalidade (ainda sendo a
está tentando não só amalgamar concep- psicanálise o meio mais eficaz que conhe-
ções heterogêneas, num sincretismo de- cemos para alcançá-las). A ameaça de
formante, mas, sobretudo, harmonizar in- castração é representada pela percepção
congruências. Em suma, visa conformar inaceitável dos limites da própria análise,
a prática analítica a concepções que ne- daquela a que se submeteu e que pratica,
gam a sua essência. da de seus colegas, de suas dificuldades
A incongruência, um elemento pessoais, de seus sintomas e de suas
estruturante da análise didática, exer- idiossincrasias. A análise didática, en-
ce, como sabemos, o mesmo papel na quanto fetiche, surge como produto da
construção do fetiche. A situação na recusa, por parte dos analistas, dos limites
qual, vista de relance, uma verdade, por da ação da análise. A história da análise
ser traumática, é recusada, sem ser didática é, pois, a historia da “legalização”
negada, resolvendo-se em um compor- de uma dissociação patológica, essência
tamento que mantém vivas ambas as estrutural do fetiche.
afirmações conflitantes, lado a lado, Já escrevemos que a instituição
porém dissociadas, é bem conhecida “análise didática”, por essas razões, deve
em psicanálise. Basta, agora, um pe- ser compreendida a partir do campo da
queno esforço associativo para concei- perversão. Esta não reside (ou não so-
tuarmos a análise didática como feti- mente) no caráter estranho da prática ou
che. Sua natureza sintomática se reve- mesmo na violência que a impregna. O
la não só através de seu empenho em que a caracteriza, fundamentalmente, é
justapor o que é incompatível, mas tam- apresentar o verso como reverso, o des-
bém na pertinácia com que o faz (o que vio como norma, criando falsas equiva-
em parte explica sua longevidade); na lências, que corroem a capacidade de
sua crença ambígua no método analíti- julgamento e o discernimento de valores.
co; na sua maneira distorcida de praticá- Mario assinala o quanto todo esse
lo; na sua capacidade de cooptar as funcionamento é “incólume a qualquer
críticas; na racionalização de sua pre- tipo de críticas”, acrescentando, mais
sença enquanto necessidade. adiante, que ele desemboca em uma ex-
Esse fetiche surge da angústia de tremada concentração de poder, bastante
castração ligada à eficácia traumática de conhecida no meio analítico.
SUMMARY
Key words: Training analysis. Training analyst. Fetish. Ideological formation. Psycho-
analytic method.
RESUMEN
Luiz Meyer
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