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TCC - Saúde Mental Sobre Dependência Química e Espiritualidade

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A RELIGIOSIDADE/ESPIRITUALIDADE COMO ESTRATÉGIA DE

ENFRENTAMENTO NO TRATAMENTO DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA

Marco Vinícius Sadock Viana dos Santos1


Prof.ª Ma. Manuela Carvalho2

RESUMO

O uso de substâncias psicoativas é um fenômeno que perpassa a humanidade


em diversas fases da história, contudo sempre obedece a critérios em consonância
com as culturas, normas e contextos históricos de cada região no mundo. Conforme
a revisão bibliográfica revisada, alguns estudos apontam que fatores biológicos,
psicológicos e sociais contribuem para a adição de determinada substância
psicoativa. Tendo em vista as variáveis condicionantes, sejam elas ambientais,
psicológicas ou fisiológicas, o indivíduo pode vir a fazer uso dessas substâncias de
forma compulsiva e consequentemente pode trazer riscos para o si próprio ou seus
próximos que vivenciam essa fase paralelamente, até então orientada pelos prazeres
e utilização inadequada e desorganizada dessas substâncias, trazendo transtornos
tanto psíquicos como sociais na vida desse indivíduo. Diante dessa problemática,
esse presente trabalho teve o objetivo de descrever como a espiritualidade e/ou a
religiosidade pode influenciar como estratégia de enfrentamento no tratamento de
dependência química resgatando e estruturando valores, capacidades e
potencialidades que viabilizam um novo sentido e significação dada a atuação do
indivíduo na existência.

Palavras-chave: Substâncias psicoativas. Dependência química. Espiritualidade.


Religiosidade.

1 INTRODUÇÃO

No processo da existência, o ser humano relaciona-se com o meio em que


vive através das experiências que permitem o contato dele com a realidade
circundante. Tanto a manifestação de uma cultura local, até um fato isolado podem
constituir essa realidade que é internalizada, em conformidade com a percepção que

1
Graduado em Psicologia, pela Faculdade Faculdade de Tecnologia e Ciências (UniFTC). Pós-
Graduando em Saúde Mental com ênfase em Dependência Química, Família e Comunidade e
Neuropsicologia, (UniFTC). E-mail: marcosadock@gmail.com

2
Professora Orientadora. Mestra na Área Multidisciplinar de Ciências Humanas e Sociais, pela
Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS). Professora da pós-graduação da Faculdade de
Tecnologia e Ciências (UniFTC). E-mail: profa.manuelaac@gmail.com
2

é processada no mundo interior de cada ser. As influências que são subjetivadas


podem gerar desconforto, angústia, prazer, dor, sofrimento, motivação etc. Não está
se colocando o termo influência como algo negativo ou positivo, mas sim como um
fenômeno natural, que pode ser tido com “bom” ou “mau” de acordo com a
conveniência ou idiossincrasia de cada um.
Contudo, o sentido, ou seja, o significado que é dado a essas influências nos
direciona a ações de fuga, aproximação, contemplação do fato em si, e norteados
tantos pelas variáveis contingenciais, como pela significação subjetiva da realidade,
muitas vezes recorre-se a intermediários que direciona o contado com essa realidade
de acordo com a ação tomada pelo indivíduo. Um desses intermediários, é o que
conhece como substâncias psicoativas que por sua vez altera funções do sistema
nervoso central (SNC), através das áreas de recompensa do cérebro, produzindo
efeitos psicológicos, comportamentais e físicos (SADOCK; SADOCK, 2007).

O uso de substâncias psicoativas é um fenômeno que perpassa a humanidade


em diversas fases da história, contudo sempre obedecendo a critérios em
consonância com as culturas, normas e contextos históricos de cada região no mundo.
São variados os propósitos e significados atribuídos ao uso dessas substâncias, como
por exemplo, fins recreativos, religiosos, ritualísticos, medicamentosos dentre outros.
No decorrer da história da humanidade, substâncias com efeitos psicoativos
eram usadas com fins de alteração de estado de consciência no intuito de
proporcionar um elo com o sobrenatural. Substâncias como o vinho, ervas, cânhamo,
café, guaraná, dentre outras representam diversas funções na humanidade seja para
a diversão, usos medicinais, alimentícios ou rituais religiosos e nem sempre
representaram um problema para a humanidade. O vinho tem até hoje uma grande
representatividade em rituais religiosos, ervas e cogumelos alucinógenos são
utilizados em tribos indígenas como parte da ritualística que envolve seus preceitos,
seitas espiritualistas fazem uso de ervas alucinógenas nos seus rituais e processos
de iniciação, o canabidiol, substância encontrada na planta da cannabis sativa
(maconha), é utilizado como fins terapêuticos para tratamento de doenças reumáticas
(MACRAE, 2001).
Tais informações nos levam a refletir que o uso de substâncias psicoativas não
se refere apenas a um problema social, mas também faz parte da cultura humana,
visto que seu uso está inserido em várias situações circunstanciais. O que nos leva a
3

pensar que o problema não está necessariamente no uso, não existe um fator
determinante que viabilize ao indivíduo o uso e até mesmo o abuso de uma substância
psicoativa. Conforme a revisão bibliográfica revisada, alguns estudos apontam que
fatores biológicos, psicológicos e sociais contribuem para a adicção de determinada
substância psicoativa. Contudo, é na significação idiossincrásica de cada indivíduo
que podemos encontrar o sentido dado ao uso de dada substância e o papel que ela
representa na vida de cada um (MACRAE, 2001; MOTA, 2007).
Tendo em vista as variáveis condicionantes, sejam elas ambientais,
psicológicas ou fisiológicas, o indivíduo pode vir a fazer uso dessas substâncias de
forma compulsiva e consequentemente pode trazer riscos para o si próprio ou seus
próximos que vivenciam essa fase paralelamente, trazendo transtornos tanto
psíquicos como sociais, que por sua vez direciona a um condicionamento o qual
influência nos valores e condutas em prol da manutenção da utilização (desregulada)
da substância psicoativa, e por consequência desenvolver um quadro de dependência
física e psicológica do uso dessa substância. A dependência química pode se
manifestar através de padrões mal adaptativos do uso de substâncias em que há
repercussões psicológicas, físicas e sociais que resultam da interação entre o ser
humano e substância psicoativa a qual faz o uso (DALGALARRONDO, 2008).
Apesar das dificuldades enfrentadas pela dependência química, o indivíduo tem
a possibilidade de restaurar sua dignidade e sentido de vida direcionando-se a um
propósito a fim de viver em bem estar consigo mesmo e com o mundo a sua volta. O
indivíduo que reconhece e aceita a possibilidade e necessidade do tratamento para
sua condição de dependente químico, poderá buscar criar estratégias que possibilitem
enfrentar o desequilíbrio causado pelo processo da dependência, podendo ser
apoiado por demais pessoas que compõem sua rede social (familiares, profissionais
ou voluntários) que se interessam no tratamento, recuperação e ressocialização do
dependente químico. Dentre as estratégias que são formuladas para o enfrentamento
nesse tratamento está o desenvolvimento da espiritualidade e/ou religiosidade.
Embora esses dois termos estejam comumente relacionados, faz-se
necessário ressaltar que existe distinção entre eles dois e cada um influencia
individual ou simultaneamente o indivíduo no seu processo de recuperação e
tratamento assim como também no desenvolvimento pessoal e essas definições serão
explanadas ao longo do trabalho.
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Tendo em vista a necessidade de uma atenção voltada para a dependência


química, por se tratar de um problema de saúde pública, a elaboração desse trabalho
descreve, através de pesquisas bibliográficas, a espiritualidade/religiosidade como
alternativa, de enfrentamento e superação desse fenômeno. Esse presente trabalho
tem o objetivo de explanar como a espiritualidade e/ou a religiosidade pode influenciar
como estratégias de enfrentamento no tratamento de dependência química
resgatando e estruturando valores, capacidades e potencialidades que viabilizam um
novo sentido e significação dada a atuação do indivíduo na existência, assim como,
em alguns casos, a possibilidade dessas estratégias influenciarem negativamente
esse indivíduo diante desse processo. Sendo assim, fazem-se necessárias algumas
definições relacionadas aos termos que compõe o título proposto, assim como tentar
fazer entender por meio das citações e reflexões como se processa o fenômeno da
adicção das substâncias psicoativas e como a espiritualidade/religiosidade podem
contribuir no processo de tratamento de dependência dessas substâncias.
Academicamente, o presente trabalho se faz importante por pesquisar através
de levantamentos bibliográficos acerca do tema proposto, alternativas que
possibilitem a complementação de conhecimentos já publicados e construídos sobre
o tema, contudo utilizando uma perspectiva biopsicossocioespiritual, evitando
enviesar um olhar único sobre o dependente químico. A ciência e todos os seus
avanços tecnológicos, principalmente no Ocidente, vem influenciando uma
perspectiva materialista do mundo, que pode vir a nos afastar da perspectiva
espiritual. Diante da complexidade do ser humano, se faz necessário avalia-lo sob
uma ótica biopsicossocioespiritual, tendo em vista essa perspectiva proporcionar uma
visão holística e integral do mesmo. A nível social, esse trabalho se faz importante por
discutir a espiritualidade e/ou religiosidade como possibilidades de estratégias de
enfrentamento da dependência química, tendo em vista a tendência a efeitos positivos
voltados à superação pela utilização dessas modalidades de estratégias.

2 METODOLOGIA

Realizou-se uma pesquisa de caráter exploratório e explicativo, buscando


referências bibliográficas (artigos científicos, livros, monografia) que proporcionaram
uma familiaridade com o assunto proposto, descrevendo como ocorre a
fenomenologia da dependência química, assim como a influência que a
5

religiosidade/espiritualidade exerce no tratamento desse fenômeno, caracterizando


uma pesquisa de aspecto qualitativo.
As plataformas utilizadas para coletas de dados foram ao Google Acadêmico,
Scielo e Lilacs visto que esses suportes fornecem artigos de cunho e reconhecimento
científico, abordando com propriedade os assuntos a serem tratados e analisados. As
principais terminologias ou palavras chaves utilizadas foram: “Espiritualidade”,
“Religiosidade na Dependência Química” e “Estratégia de Enfrentamento”.
O processo de análise constituiu inicialmente em leitura flutuante a fim de tomar
conhecimento aprofundado do conteúdo proposto, posteriormente foram realizadas
elaborações de resumos e fichamentos dos materiais identificados como primordiais
na descrição dos fenômenos envolvidos, proporcionando consequentemente
interpretações e reflexões acerca da temática sugerida. Comparações dos achados
nas coletas foram realizadas no intuito de encontrar similaridade e/ou inter-relações
nos conceitos, desde que estivessem respaldados cientificamente.

3 DISCUSSÃO

3.1 Sobre substâncias psicoativas (drogas)


Antes de entender a relação do indivíduo com as substâncias psicoativas faz-
se necessário o entendimento do que vem a ser tais substâncias conceitualmente e
quais os registros e lugares delas na história da humanidade. Comumente, as
substâncias psicoativas são chamadas de “drogas” e por isso uma explanação desse
termo é necessária para um melhor entendimento.
Sobre a origem do termo droga o sociólogo Leonardo Mota, nos dá a seguinte
contribuição:
A etimologia da palavra “droga” é controversa, mas a versão mais próxima de
como o senso comum entende este termo seria aquela derivada do termo
holandês droog (seco) e refere-se aos carregamentos de peixe seco que
chegavam à Europa em más condições de consumo. Dessa forma, a palavra
“droga” sugere a idéia de uma coisa ruim, ou seja, como um peixe estragado.
Contudo, levando-se em conta que apesar das consequências maléficas que
podem se acarretar no processo de uso das drogas, as mesmas são usadas
para fins de prazer ou satisfação, logo a ideia de algo ruim não condiz com
os fins de uso. (MOTA, 2007, p. 11)

Moralmente as drogas são classificadas como lícitas e ilícitas, em virtude de


processos históricos que se sucederam na humanidade em conformidade com
critérios culturais de cada local, no entanto independente do olhar sobre o uso devido
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ou indevido da droga o termo que abrange todas as categorias inclusive morais, é o


que se define por substâncias psicoativas. Originária do grego, a palavra psicoativa
ou psicotrópica significa substâncias que agem sobre a mente, produzindo estados de
euforia, calma, excitação, potencializando tristezas, alegrias ou fantasias (MOTA
2007). Por substância psicoativa temos a definição:
É qualquer substância química que, quando ingerida, modifica uma ou várias
funções do SNC, produzindo efeitos psíquicos e comportamentais. São
substâncias psicoativas: álcool, maconha, cocaína, café, chá, diazepam,
nicotina, heroína, etc. As substâncias psicoativas produzem, de modo geral,
uma sensação de prazer ou excitação, cuja correspondência cerebral está
vinculada às chamadas áreas de recompensa do cérebro, como o nucleus
accumbens, a área tegumentar e o locus ceruleus (DALGALARRONDO,
2008, p. 344).

Como mencionado anteriormente, o consumo de substâncias psicoativas é um


comportamento humano desenvolvido há milênios, perpassando por várias fases da
humanidade, contudo cada população ou indivíduo que nela pertencesse utilizava-as
para variados fins de acordo com seus interesses e motivações. Edward MacRae,
contribui com a fundamentação dessa afirmação:
Desde a pré-história os membros das diferentes culturas humanas têm sabido
utilizar plantas e algumas substâncias de origem animal para provocar
alterações de consciência com os mais variados fins. Assim, tábuas sumérias
do terceiro milênio a.C., cilindros babilônicos, imagens da cultura cretense-
micênica e hieróglifos egípcios já mencionam os usos medicinais do ópio
(MACRAE, 2001, p. 26).

Registros apontam que em tempos pré-colombianos, na América, diferentes


tipos de tabacos eram utilizados para fins recreativos, religiosos e terapêuticos. Os
Xamãs, em certas regiões da Europa e na Sibéria utilizavam cogumelos alucinógenos
para fins ritualísticos. A utilização de bebidas alcóolicas perpassa a pré-história e seu
uso como medicamento já era mencionado nas tábuas de escrita cuneiforme, na
Mesopotâmia em 2.000 a.C. Sobre o vinho, são inúmeras as referências no Antigo
Testamento. Na Grécia antiga, com relação ao processo de doença e cura, a ação
das drogas era entendida de maneira relativizada, a depender da dosagem utilizada,
sendo este o critério de diferenciação entre efeito curativo e envenenamento
(MACRAE, 2001).
Segundo Macrae (2001), em Roma, a visão sobre as drogas era influenciada
pelo ponto de vista grego que as via de forma basicamente neutra, visto que
consideravam seus efeitos dependentes da dosagem administrada e maneira de uso.
Os romanos apreciavam bebidas alcóolicas e o cânhamo era fumado em reuniões
sociais, embora as plantas mais consumidas fossem a papoula e a videira, devido aos
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seus efeitos medicinais e psicoativos. No entanto, a visão neutra sobre o uso das
drogas foi impactada pela cristianização do Império Romano. Os sacerdotes
passaram a ver os praticantes de cultos como rivais e começaram a persegui-los na
tentativa de banir qualquer crença ou ritos que se utilizassem das substâncias
oriundas das farmacopeias utilizadas até então. A partir desse período, as drogas
passaram a ser concebidas de forma estigmatizada, não somente pela associação a
rituais religiosos, mas também pelos seus usos de fins terapêuticos no intuito de aliviar
o sofrimento visto que a dor e a morte da matéria eram fenômenos considerados pelos
cristãos como formas de se aproximar de Deus. Em consequência dessa perseguição,
o uso dessas substâncias passou a ser sinônimo de heresia. (MACRAE, 2001).
De acordo com Macrae (2001), a descoberta da América e o contato com
culturas indígenas favoreceram para ampliar as opções farmacológicas na Europa,
apesar das perseguições ainda presentes motivadas pelos colonizadores, porém foi
por volta do século XVIII, na era do racionalismo e do iluminismo, que houve uma
diminuição dessas perseguições e mais uma vez a utilização das drogas voltou à
evidência.
No início do século XX, cientistas passaram a modificar os princípios ativos de
uma variedade de plantas, visto que a facilidade do manejo era mais fácil que as das
plantas dos quais eram extraídos esses princípios ativos, uma vez que suas dosagens
poderiam ser calculadas com mais precisão. Ainda conforme nos aponta Macrae
(2001), nos Estados Unidos, o uso em massa dessas substâncias e consequente
implicações para a saúde, economia e política começou a ser associado a questões
raciais e sociais. Campanhas de cunho religioso foram articuladas com o propósito de
estigmatizar alguns grupos minoritários, que eram associados ao uso de determinadas
substâncias, como era o caso dos chineses e irlandeses, visto que eram considerados
expressivos consumidores de ópio e de bebidas alcóolicas.

Nessa época, marcada pela institucionalização da medicina científica,


também começava a se configurar, naquele país, uma série de disputas entre
diferentes categorias profissionais voltadas para a saúde, visando a uma
demarcação de territórios de atuação. Essa foi uma luta acirrada opondo
médicos, farmacêuticos, fabricantes de remédios, herbolários e praticantes
da medicina popular. Um dos grandes pontos de discórdia referia-se à
questão de quem poderia prescrever e quem poderia produzir as drogas, já
então vistas como grandes fontes de rendas. A atual maneira de
regulamentar a divisão de tarefas só veio a se consolidar no início deste
século, após muitas lutas, envolvendo diferentes tipos de barganhas políticas,
da parte das organizações profissionais implicadas, que nem sempre
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obedeciam a considerações científicas ou até constitucionais. (MACRAE,


2001, p. 29).

A adesão ao movimento proibicionista, teve um grande apoio parlamentar, uma


vez que essa atmosfera estava disposta a apoiar as demandas dos médicos em troca
de um apoio no que se referia ao posicionamento da medicina sobre os malefícios da
utilização de bebidas alcóolicas.
Devido a essa visão estereotipada, paralela à ausência de debates públicos,
adicionado as ideias autoritárias e preconceituosas, resulta no reducionismo de uma
visão que deveria ser mais ampla, no sentido de visualizar problemas reais e
estruturais da sociedade. Faz-se necessário entender a cronologia, ainda que de
forma resumida, das substâncias psicoativas, para se fazer entender a fenomenologia
do uso dessas substâncias assim como sua problemática nos dias atuais. Contudo,
veremos que a problematização referente a esse fenômeno não está relacionada
diretamente a droga em si, mas sim a relação do indivíduo com a mesma (MACRAE,
2001).

3.2 A dependência química


Como já explanado anteriormente, o uso de substâncias psicoativas perpassa
vários contextos e épocas da humanidade. Também pode se observar que o uso
simplesmente dessas substâncias não caracteriza um problema em si. Viu-se também
que atmosferas institucionalizadas passaram a estigmatizar o uso de substâncias
psicoativas de acordo com critérios dos seus interesses, elaborando seus respectivos
discursos sobre o uso de substâncias psicoativas. Mas se os discursos da religião, do
estado, da medicina científica, dentre outras instituições, eram munidos de estigmas
e restringiam as perspectivas em prol dos seus interesses, o que caracteriza a
problemática do uso de drogas?
O uso ocasional de certas substâncias psicoativas, não é caracterizado como
uma problemática, podendo este uso variar de acordo com o contexto social e cultural
assim como quantidades dosadas a serem consumidas por algum indivíduo, podendo
esse uso ser caracterizado como recreativo, consequentemente não trazendo
prejuízos físicos, psicológicos ou sociais (LOPES, 2009).
Conforme Mota (2007), a dependência química passou a ser vista como
problema social a partir do início dos séculos XVIII e XIX, em consequência da
urbanização após a Revolução Industrial, uma vez que na Inglaterra os operários
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ingleses, a fim de amenizar os estresses causados pela exploração capitalista, faziam


abuso de álcool, buscando um prazer paralelo às frustrações oriundas dessa
exploração, caracterizando um aspecto social, circunstâncias consideradas fatores de
risco, que favorecem o uso e abuso de álcool e outras drogas.
Estudos apontam que devido a frustrações de anseios existenciais, o indivíduo
sofre, gerando reações reativas, que sugerem a autodestruição, associada nesse
caso ao abuso de substâncias psicoativas, consequentemente levando à dependência
química (MACRAE, 2001).
A dependência de substâncias psicoativas é caracterizada por uma série de
indicativos que o indivíduo não tem controle do uso da substância, provocando
consequências adversas a si próprio (PLANETA et al., 2007). Corroborando essa
afirmação, temos a contribuição de Paulo Dalgalarrondo que preconiza:

A dependência a drogas é um estado mental, e muitas vezes, físico, que


resulta da interação entre um organismo vivo e uma droga psicoativa. A
dependência sempre inclui uma compulsão de usar a droga para
experimentar seu efeito psíquico ou evitar o desconforto provocado pela sua
ausência. (DALGALARRONDO, 2008 p. 212)

A dependência química, ativa áreas específicas do cérebro, atuando sobre o


mecanismo neurológico de recompensa, chamado núcleo de acúmbens. O circuito de
recompensa, é ligado a outras regiões cerebrais, que são responsáveis por “colorir”
de emoção as experiências vividas, consequentemente direcionando estímulos de
recompensa. Regiões como amígdala, o hipocampo e o córtex pré-frontal são
afetadas pelas substâncias psicoativas. (PESSOA; GUIMARÃES; PRADO, 2004)
É considerado que o dependente químico aprende comportamentos e
pensamentos, que se apresentam de formas disfuncionais e que apesar de serem
identificados problemas em decorrências destes, os mesmos são utilizados quando o
indivíduo pretende lidar com situações estressantes e/ou aversivas, como pontua
Armelini (2009, p. 2), “o uso da substância, além de uma gratificação imediata, pode
ser percebido como uma forma de resolver problemas como, por exemplo um
sentimento elevado de ansiedade”.
Diante desses fatores condicionantes, o indivíduo passa a considerar a
substância psicoativa como algo significativo no seu dia a dia, apesar dos prejuízos
advindos do seu uso desregulado. O dependente químico, dificilmente consegue
identificar e reelaborar comportamentos de adaptação, utilizando substâncias numa
10

tentativa de lidar com as pressões da vida. No entanto, problemas fisiológicos,


emocionais, cognitivos e comportamentais são evidenciados com o uso contínuo e
desregulado podendo gerar sofrimento para a pessoa, família e outros entes do
contexto social desse indivíduo (ABDALA et al, 2009).
A dependência química pode se manifestar através de certos aspectos no
indivíduo, sendo a dependência física, que é caracterizada por um estado de
adaptação do corpo manifestado por transtornos físicos, sendo que esses emergem
quando o uso da droga é interrompido, ou seja, tais transtornos podem ser
evidenciados quando o usuário está em processo de abstinência, que refere-se a
suspensão do uso da substância. Outro aspecto da dependência é a nível psíquico,
que constitui uma compulsão ao uso da substância, com o propósito de obter prazer
ou a diminuição de desconforto causado pela redução do uso ou abstinência total da
substância (DALGALARRONDO, 2008).
Existe também o processo de tolerância que é caracterizado pela diminuição
do efeito de uma substância psicoativa, após uma administração continuada dessa
substância. Consequentemente, o organismo passa a necessitar de dosagens
maiores da droga com o objetivo de manter o mesmo nível de efeito inicial.
(DALGALARRONDO, 2008).
No processo de dependência química, pode ocorrer de o indivíduo passar a
articular estratégias, no sentido de busca e aquisição da substância, principalmente
no que diz respeito às drogas ilícitas, consequentemente esse indivíduo investe tempo
e energia com o propósito de consumir a droga. Paralelo a isso, o indivíduo tende a
perder interesse por assuntos que não tenham relação com a droga, inclusive
diminuindo sua auto-estima e deixando os cuidados como higiene pessoal e a
manutenção de vínculos sociais que existia antes da dependência.
(DALGALARRONDO, 2008).
Entretanto, estudos apontados na revisão bibliográfica, mencionam que os
efeitos do uso de substâncias “dependem não só das suas propriedades
farmacológicas, mas igualmente das atitudes e personalidade do usuário e do meio
físico e social em que ocorre o uso” (MACRAE, 2001, p.25). Complementando essa
informação, Edward Macrae faz ainda a seguinte consideração:
A partir desse ponto de vista, no estudo da evolução da toxicomania, o efeito
puramente fisiológico da droga importa pouco, já que se trata de compreender
a interpretação que o indivíduo dá de sua experiência, de seu estado e da
motivação que o impele a um consumo repetido da droga. Torna-se, então,
importante estudar o que o usuário de substâncias psicoativas considera
11

indispensável à satisfação de suas principais necessidades no plano social,


cultural, afetivo e cognitivo.” (MACRAE, 2001, p. 25)

Diante da complexidade desse fenômeno é preciso que múltiplas disciplinas


dialoguem e reflitam a respeito desse processo a fim de evitar reducionismos que
descrevem esse fenômeno como um psiquismo sem história, um ente biológico
socialmente isolado ou uma estrutura social que asfixia o indivíduo fazendo de ele
submisso apenas as forças externas. (MOTA, 2007).
Com o avanço da medicina científica, deu-se início a progressos na área de
biologia e na compreensão de processos fisiológicos. Esses avanços proporcionaram
à medicina um status privilegiado, ficando a cargo dessa especialização de
conhecimento (medicina) o poder de controlar as doenças numa visão considerada
individualista por focar apenas o aspecto biológico da doença, desconsiderando a
subjetividade (PRATTA, et al., 2009).
Esse prestigio dado ao discurso médico possibilitou-o nomear a dependência
química como doença, como complementa o doutor em sociologia Leonardo Mota:
No que tange ao abuso de drogas, as explicações sobre sua etiologia só
podem ser averiguadas melhor a partir de uma compreensão conjunta que
não se renda ao artifício das dicotomias. É óbvio que fundamentar
apropriadamente tais questões não resulta em uma empreitada simples. Por
outro lado, nunca é demais recordar que, se a dependência química é
nomeada cada vez mais como uma doença, isso reflete também o prestígio
de que o discurso médico desfruta na sociedade contemporânea, provocando
uma visão cada vez mais medicalizada dos fenômenos sociais. (MOTA, 2007,
p. 58)

Como já citado, a dependência química pode ser manifestada no aspecto


psíquico, sendo caracterizado como um estado mental resultante da interação do
indivíduo com a substância resultando numa compulsão pelo uso da droga
(DALGALARRONDO, 2008), consequentemente um padrão de administração
repetida da substância é criado, passando a exercer um papel importante na vida do
indivíduo através da manutenção de componentes cognitivos, comportamentais e
fisiológicos, fazendo com que o indivíduo continue a utilizar uma determinada
substância, ainda que problemas relevantes estejam relacionados a essa interação.
Estudos apontam que o efeito reforçador positivo das substâncias psicoativas é
consequência da ativação de circuitos neurobiológicos que dirigem o comportamento,
resultando em motivação que é reforçada para continuação de tal comportamento.
(PLANETA et al., 2007).
12

Conforme Mota (2007), além dos aspectos biomédicos e psicológicos, o


aspecto social também tem a sua relevância no fenômeno da dependência química,
visto que o uso de substâncias psicoativas é um comportamento que se confunde com
a história da humanidade sendo influenciado pelo meio, contexto, cultura, local ou
circunstância.
Conforme a Organização Mundial de Saúde (OMS, 2004) fatores ambientais
considerados de riscos, interferem no fenômeno da dependência química. São alguns
desses fatores de risco: “fácil disponibilidade das drogas, mudanças sociais, cultura
do círculo de amigos, pobreza, normas e atitudes culturais, ausência de políticas sobre
substâncias psicoativas” (OMS, 2004, p. 23).
Nota-se que as contingências estão correlacionadas resultando no fenômeno
da dependência química visto que uma norma ou comportamento social não exclui a
subjetividade, contudo esses dois aspectos se relacionam dialeticamente e nessa
interação influenciam-se mutuamente. (MOTA, 2007).
Partindo do princípio biopsicossocial, nem a medicina, nem a psicologia e nem
a sociologia podem dar conta isoladamente, de propor uma justificativa determinante
para a dependência de substâncias psicoativas, como menciona Mota:

Embora a psicologia, a psiquiatria e a sociologia pretendam defender suas


posições junto às instâncias acadêmicas com vistas a propor políticas
públicas específicas, nenhuma delas isoladamente é capaz de responder
adequadamente as ambiguidades que cercam os problemas geralmente
classificados sob o rótulo de “saúde mental”. Isso, porque, embora as
dissensões entre biológico, psicológico e social sejam bastante evidentes nas
instâncias formais, elas não o são na prática de uma observação mais
acurada desses fenômenos. (MOTA, 2007, p. 57)

Diante do que foi colocado até agora, pode se dizer que as substâncias
psicoativas e suas utilizações são fenômenos que estão presentes na história da
humanidade, assim como na sociedade contemporânea. Contudo, esses fenômenos
sofrem variações de acordo com cada época e contingências socioculturais. Em
termos de diferenciação ou comparação entre os contextos em que se fazem
presentes esses fenômenos, pode se dizer que no passado existiam propósitos e
padrões integradores, ao contrário do cenário atual onde o padrão do consumo de
substâncias psicoativas diversifica-se, chegando ao estágio da dependência química,
que se apresenta como um problema social de desintegração (PRATTA, et al., 2009).
Para cumprir-se o objetivo desse trabalho, fez-se necessária a explanação da
fundamentação teórica da dependência química. Explicou-se como se processa nos
13

aspectos biomédicos, psicológicos e sociais para um melhor entendimento desse


fenômeno que atualmente caracteriza uma problemática social a ser enfrentada pelas
autoridades com o auxílio de políticas públicas, assim como pelos indivíduos
acometidos desse estado de morbidade que desejam redirecionar o sentido da sua
vida, transpondo esse estado de dependência química. E é justamente nesse último
aspecto que iremos explorar agora em diante, visto que o indivíduo afetado por uma
crise existencial, como no caso da dependência química, por exemplo, cria, através
das suas potencialidades, estratégias com o objetivo de administrar determinada crise
ou situação de estresse oriunda das diversidades existenciais (PANZINI; BANDEIRA,
2007).

3.3 Estratégias de enfrentamento (coping)


Tendo em vista a variedade de padrões de consumo de substâncias
psicoativas, a dependência química se apresenta como o último estágio evidenciando
características na elaboração de processos fisiológicos, cognitivos e comportamentais
onde o indivíduo continua a utilizar uma determinada substância, apesar de problemas
relacionados a essa utilização, tanto em termos de saúde como em questões sociais.
Entretanto, o rompimento desse padrão é algo delicado para o indivíduo dependente
químico, tendo em vista os sofrimentos físicos e psíquicos envolvidos no fenômeno
da drogadição, tendo suas vidas afetadas individual e socialmente (PRATTA et al.,
2009). Essa tensão gerada pela dependência evidencia um desequilíbrio na vida do
indivíduo que vivencia esse fenômeno, onde estresse e situações adversas fazem
parte da sua rotina (PLANETA et al., 2007).
Conforme revisão bibliográfica verificada (FERNANDES; INOCENTE, 2007;
PANZINI; BANDEIRA, 2007), o estresse pode ser visto como uma situação de ameaça
ao bem estar do indivíduo tanto física como psicologicamente e a relação do indivíduo
com o ambiente ou estímulo estressor pode exceder seus recursos pessoais em
determinado momento. Contudo, pela capacidade que um organismo vivo tem de
manter seu autorregulamento interno, ou seja, seu equilíbrio, o indivíduo (o
dependente no caso) desenvolve estratégias tanto cognitivas como comportamentais,
dando início ao processo de enfrentamento – coping – palavra do idioma inglês que
deriva do verbo to cope, que significa “lidar com”, “enfrentar”, “lutar” - no intuito de
adaptar-se, manejar, reduzir ou tolerar as circunstâncias adversas, entretanto para
14

direcionar ao objetivo desse trabalho, vale ressaltar que tais circunstâncias aqui
mencionadas referem-se às decorrentes da dependência química.
A forma de lidar com situações aversivas e/ou estressantes tem importância no
que se refere aos estilos de coping, consequentemente influenciando nas reações
perante novas situações adversas, assim como na escolha da estratégia selecionada.
Nesse sentido, as estratégias podem ser classificas com foco da atenção para solução
do problema (ou seja, no evento estressor) ou a regulação da emoção envolvida na
situação estressante. Formas de lidar com o estresse, resultam em estilos de coping
que podem influenciar reações nas situações de estresse (PANZINI; BANDEIRA,
2007).
Contudo, para cumprimento do objetivo desse trabalho, direcionaremos o foco
nas estratégias de enfrentamento voltados para a religiosidade/espiritualidade. O
coping religioso/espiritual (CRE) é caracterizado pelo uso de crenças e
comportamentos religiosos como estratégias para prevenir ou aliviar consequências
emocionais negativas oriundas de situações estressantes, para tanto utiliza-se de
mobilizações cognitivas e comportamentais de cunho religioso, seja através da fé,
crenças pessoais ou comportamentos ritualísticos oriundos de determinada religião.
(PANZINI; BANDEIRA, 2007 ; PAIVA, 2007).
A religião sugere uma variedade de estratégias com objetivos de conforto,
controle, busca de significado, intimidade com poder superior (Deus) assim como dar
manutenção a uma boa convivência com os demais membros adeptos. No entanto o
indivíduo pode manifestar sentimentos negativos relacionados ao evento estressor,
consequentemente não apresentando caráter adaptativo. Em decorrência dessas
ocorrências observadas na utilização do CRE, pode-se classificar essas estratégias
como positivas e negativas (PANZINI; BANDEIRA, 2007).
O CRE com caráter positivo expressa-se por estratégias que proporcionam
efeitos benéficos a quem pratica, como conforto nas orações e nas literaturas
religiosas, buscar perdoar, assim como a busca como algo transcendental ou conexão
com um poder divino. Já o CRE com caráter negativo envolve estratégias que podem
gerar consequências prejudiciais, tais como sentimento de culpa (pecado),
insatisfação com as diretrizes sugeridas ou impostas pela religião e intolerância com
crenças que diferem dos preceitos religiosos adeptos (PANZINI et al, 2007).
No entanto, como aponta Panzini (2007) “a religião/espiritualidade pode ser
fonte de alívio ou desconforto, de solução de problemas ou causa de estresse,
15

dependendo de como a pessoa se relaciona com ela, ou seja, se utiliza de CRE


positivo ou negativo” (PANZINI et al, 2007, p. 108).
Tendo em vista a metodologia aplicada (revisão bibliográfica), para elaboração
desse trabalho, as referências apontaram distinções sobre os significados dos termos
religiosidade e espiritualidade, ainda que esses termos sejam comumente utilizados
como sinônimos. Portanto, faz-se necessária a explanação das definições referente a
esses termos de acordo com os achados sugeridos na revisão bibliográfica.

3.4 Religiosidade X espiritualidade


Na pesquisa bibliográfica revisada para fundamentação desse presente
trabalho, verificou-se o emprego dos termos Religiosidade e Espiritualidade de forma
concomitante na maioria das vezes, contudo quase sempre fazendo-se referências às
distinções das respectivas significações.
Ainda que não haja um consenso de definição, verificou-se por semelhança de
conceitos verificados na bibliografia pesquisada, que a religiosidade confere a
expressão subjetiva da religião, através da experiência pessoal que o indivíduo tem
na religião. Sendo a religião um sistema de crenças, práticas, rituais organizados e
institucionalizados, com utilizações de símbolos com que facilitam uma conexão com
uma autoridade externa transcendente (Deus, Poder Superior, Verdade Suprema).
Tais crenças e práticas ritualísticas sustentam-se em buscas pessoais assim como
um relacionamento com o sagrado (PANZINI et al., 2007; PERES et al., 2007; PINTO,
2009)
Os princípios religiosos geralmente baseiam-se em escrituras ou ensinamentos
que descrevem e orientam sobre o significado e o propósito do mundo, o devido lugar
do indivíduo nesse mundo, as responsabilidades e valores dos indivíduos uns com os
outros, assim como explicações de vida após a morte. (SILVA; SILVA, 2014)
Sobre a espiritualidade, verifica-se que, assim como a religiosidade, anseia por
um sentido de vida, buscando respostas e significados na própria existência, pela
ressignificação de valores, podendo mobilizar energias e iniciativas positivas, assim
como potenciais que oriente o indivíduo na busca de uma ressignificação da vida.
(PINTO, 2009; SILVA; SILVA, 2014)
A espiritualidade está especialmente presente na possibilidade da
hierarquização dos valores, nas decisões, na reflexão profunda sobre a
existência e, fundamentalmente, na possibilidade – eu diria até na
necessidade – que tem o ser humano de tecer um sentido para a sua vida,
de ter um bom motivo para continuar vivendo. (PINTO, 2009, p. 71)
16

Ou seja, semelhante à religião, a espiritualidade pode ser vista como um


sistema de crenças, no entanto, valorizando principalmente elementos subjetivos,
podendo dar novos significados a eventos da vida.
Embora tanto a religiosidade como a espiritualidade visem um sentido e/ou
ressignificação da existência, segundo alguns autores, um aspecto pode não estar
contido no outro, ou seja, indivíduos podem ter experiências de profundo sentido
espiritual que não tem nenhuma conotação religiosa, não raro, o contrário também
ocorre. (PANZINI et al., 2007; PINTO, 2009). Pinto (2009, p. 72), ressalta que “a
espiritualidade não tem necessariamente relação com a religião”. Ainda traz a
seguinte contribuição:
Embora a espiritualidade seja característica de todo ser humano, ela
pode ser cultivada ou não. Uma das maneiras, mas, nem de longe a
única maneira através da qual a espiritualidade pode ser cultivada, é
através da religião. Nesse sentido, podemos dizer que a religião é
posterior à espiritualidade e uma manifestação dela. (PINTO, 2009, p.
73).

A prática da espiritualidade é um exercício diário e consistem em uma busca


pelo contato com a sua essência, na tentativa de conciliação entre eu interior e o
universo onde está inserido, sendo assim a religião pode ser uma das formas de
prática da espiritualidade uma vez que através de sistemas simbólicos, a religião
prevê significados de experiências que demonstram transcendência da realidade.

3.5 A utilização de estratégias religiosas e/ou espirituais no tratamento da


dependência química
O mundo vem sofrendo muitas mudanças e transformações, seja no campo
social, econômico, cultural e consequentemente no campo psicológico, tendo em vista
a necessidade de readaptações, nas formas de atuação no contexto em que esteja
inserido. Comparando o homem de antigamente com o da atualidade, podemos
perceber que a vida é vivida de forma muito diferente a de anos atrás. Sendo que
antigamente o homem era mais submisso a uma hierarquia de valores estruturados,
enquanto que o homem atual vive incertezas mediante a transitoriedade das vossas
vidas, onde os valores estão sempre sendo revisados e a satisfação imediata funciona
como uma garantia de obtenção de prazeres momentâneos a fim de esquecer de
preocupações futuras (LOPES, 2009). O uso de substâncias psicoativas, é um dos
exemplos que pode ser dado para satisfazer desejos de fugas ou enfrentamento das
realidades que se apresentem de forma aversiva ao indivíduo.
17

Como já mencionado, o uso ocasional de certas substâncias psicoativas, não


é caracterizado como uma problemática, podendo esse uso ser caracterizado como
recreativo, no entanto, o fenômeno da dependência química é tido como o último
estágio de descontrole do uso de substâncias psicoativas, consequentemente
desenvolvendo uma compulsão para consumi-la, mesmo sendo notáveis os prejuízos
físicos, psíquicos e sociais.
O estresse e adversidade causados pela dependência química estão
vinculados com a relação entre a pessoa (dependente químico) e o contexto ambiental
em que está inserido. O modo como a pessoa lida com esse estresse é que vai
determinar o mecanismo de ação que envolve estratégias utilizadas pelo indivíduo
para lidar com tais situações (PANZINI; BANDEIRA, 2007)
O primeiro passo de tomar a atitude de utilização de mecanismos que possam
orientar a lidar com as situações aversivas em decorrência da dependência química,
é o reconhecimento de como o comportamento aditivo, representa um problema para
sua vida. Uma vez reconhecidos os problemas advindos da dependência química, o
indivíduo elabora mecanismos estratégicos no intuito de enfrentar ou manejar as
situações adversas e estressantes (ARMELINI, 2009).
Assim como algumas pessoas utilizam as substâncias psicoativas no intuito de
modificarem o humor numa tentativa de lidar com os desafios e adversidades da vida,
paradoxalmente a religiosidade e/ou espiritualidade podem assumir as mesmas
funcionalidades, ressignificando e promovendo transformações na visão e atuação na
realidade, assim como um novo sentido de vida (ABDALA et al, 2009; FUCHS;
HENNING, 2011).
As estratégias de cunho religioso, são elaboradas e ensinadas ao indivíduo que
se voltam para determinada religião, para que estas sejam utilizadas em situações de
estresse, utilizando-se de crenças e comportamentos sugeridos pela religião no intuito
de facilitar a resolução do problema que se apresente, assim como amenizar estados
emocionais negativos em situações adversas proporcionadas pela dependência
química (PANZINI; BANDEIRA, 2007).
No processo de formação de identidade, formulamos e acatamos valores que
nos orientam na formação de uma autoimagem, vinculando ideias sobre si mesmo
como sobre os outros. (FUCHS, 2011)
Sendo assim, a religião como parte integrante na atmosfera cultural, que
consequentemente atua na formulação de valores pessoais, influencia nessa
18

formação, prescrevendo ou proibindo comportamentos cotidianos, estimulando


comportamentos tidos como saudáveis, assim como no estilo de vida colaborando na
reflexão do indivíduo sobre sua forma de pensar, comer, beber, ter relações sexuais
ou evitar comportamentos que vulnerabilize-o como é caso de uso e abuso de
substâncias psicoativas lícitas ou ilícitas. Sendo assim, a religião, em certo sentido
atua em paralelo com a lei, como um mecanismo regulador da sociedade, contendo e
inibindo desejos e comportamentos, prescrevendo regras morais e de costumes
(FUCHS, 2011; ARAÚJO, 2013)
Para as pessoas que acreditam em Deus as convicções espirituais dão aos
valores um poder a mais para influenciar a vida, uma vez que as realidades
e as experiências espirituais podem tornar os comportamentos humanos
diferentes, influenciando na identidade, na ação e no estilo de vida dos seres
humanos, já que os valores religiosos podem oferecer estrutura de referência
aos comportamentos (FUCHS; HENNING, 2011, p. 2)

Ao aderir a uma denominação religiosa, o indivíduo envolve-se com padrões


de comportamentos, conjunto de valores, símbolos que podem promover um
redirecionamento em suas vidas, aderindo a estilos de vida mais saudáveis, assim
como uma reelaboração na sua visão de mundo.
Através da experiência religiosa não se muda o mundo que a pessoa vive,
mas sim dá outro olhar, outra compreensão deste mundo, alargando o
contexto que passa a ser abrangido pelo entendimento e atitudes, e não o
campo da realidade, já que ela continua a mesma e as indagações também,
o que muda é o tipo da indagação e o tipo de compreensão que resulta.
(FUCHS; HENNING, 2011, p. 8)

As estratégias de cunho religioso\espiritual, sugerem recursos para que


possam ser utilizados no enfrentamento de problemas, propondo novas crenças para
o dependente químico que busca suporte em alguma religião. (ARMELINI, 2009).
A religiosidade incute valores morais que promovem o respeito e a preservação
da vida. Além disso, ela gera a crença na existência de um ser superior, cujas
leis visariam sempre ao bem-estar do indivíduo, sugerindo cuidados físicos e
mentais, associados à abstinência de drogas (ABDALA et al, 2009, p. 451)

O processo de recuperação é longo e contínuo, portanto o dependente químico


deve manter seu novo estilo de vida, através da ressignificação de valores que são
sugeridos pela religião. Isso não significa que esses indivíduos não terão momentos
de dificuldade ou de recaídas, mas a manutenção de novos comportamentos
adaptativos que são aprendidos se faz necessário para que as mudanças ocorram,
estabelecendo um novo sentido de vida ao dependente químico. (FUCHS; HENNING,
2011; ABDALA et al, 2009). “Assim, a religiosidade aparece como um auxílio
aumentando o otimismo, pois os participantes recebem suporte emocional,
19

desenvolvendo a resiliência, diminuindo o estresse e os níveis de ansiedade e


também auxiliando na ressocialização” (FUCHS; HENNING, 2011, p. 4).
Sendo assim, sabendo que o abuso de substâncias psicoativas afeta uma área
do cérebro dedicada à recompensa e gratificação cerebral, podemos considerar que
a relação do indivíduo com a religião, pode vir a influenciá-lo significativamente, pois
ao aderir uma religião o indivíduo passa adquirir novos hábitos através de práticas
com funcionalidades reorganizadoras da percepção de si e do mundo. Portanto, a
religiosidade pode ser vista como um esforço positivo para a correção de
comportamentos destrutivos, tais como os oriundos da dependência química, que por
sua vez trazem situações prejudiciais a vida do indivíduo (VARJÃO; SOARES;
SOUZA, 2015)
Como foi dito, o primeiro passo que o dependente químico deve tomar caso
decida enfrentar o fenômeno da dependência química é a percepção de toda
problemática envolvida nesse fenômeno, por conseguinte a responsabilização pelo
estado atual em que se encontra, pode motivar uma nova atitude frente ao sofrimento
e é nesse aspecto que o desenvolvimento da espiritualidade pode ajudar no processo
de tratamento da dependência química.
A espiritualidade pode não estar necessariamente ligada à religião, no entanto
pode ser expressada como a capacidade exclusiva do homem, de uma busca pessoal
pela compreensão de questões relacionadas a vida e seu significado, podendo ou não
ter uma relação com o sagrado ou com rituais religiosos.
Enquanto a religião sugere e incentiva comportamentos saudáveis e abomina
comportamentos tidos como autodestrutivos, com base nos preceitos e crenças
institucionalizadas, a espiritualidade aponta para a capacidade de transcendência de
situações adversas, pela ressignificação de valores e busca de um novo sentido de
vida, até então preenchido pela droga. (OLIVEIRA; PAIVA, 2012). A espiritualidade
está vinculada com a capacidade de resiliência do indivíduo, sendo a resiliência a
habilidade para enfrentar ou se adaptar aos momentos difíceis da vida. Da mesma
forma como o organismo possui capacidade de reorganizar-se funcionalmente pelos
mecanismos de flexibilidade, mudança e adaptação, o comportamento também possui
essa capacidade, como uma plasticidade comportamental que permite-nos responder
aos diferentes eventos da vida. (SIMÃO; SALDANHA, 2012). E a espiritualidade
permite uma reestruturação do sentido, colocando o indivíduo num campo de
20

possibilidades, destacando a capacidade de transcender os fatores condicionantes.


(NETO, 2013).
Sendo assim, o dependente químico pode vir a reorganizar suas escolhas pelo
desenvolvimento da espiritualidade, reestruturando uma nova hierarquia de valores
no sentido de orientá-lo para novas mudanças que se fazem necessárias no intuito de
enfrentar e tratar o fenômeno da dependência química, com mais autonomia e
responsabilidade de escolhas.
A espiritualidade identificada entre os usuários de substâncias psicoativas,
parece estar relacionada à busca de uma vida mais estável e equilibrada,
talvez pelo reconhecimento de que o sentimento pessoal possa estimular um
desfecho positivo quanto ao enfrentamento do problema, facilitando a
manutenção do estado de abstinência, melhorando os relacionamentos
interpessoais e ajudando a tolerar sentimentos destrutivos, como a
ansiedade. (GONÇALVES; SANTOS; PILLON, 2014, p.67)

3.5.1 Alcoólicos anônimos e narcóticos anônimos

Um exemplo de desenvolvimento da espiritualidade no tratamento da


dependência química, é a história precedente e motivadora da fundação do grupo dos
Alcóolicos Anônimos (AA). De acordo com Sanchez e Nappo (2007), o AA foi fundado
por Bill Wilson, em 1935, nos Estados Unidos, após uma intensa experiência espiritual
vivida por ele, após ter passado por inúmeras tentativas, sem sucesso, de
desintoxicação alcóolica pelos meios médicos tradicionais.
Na década de 1950, baseando-se nos mesmos princípios do AA, surgiu na
Califórnia, o primeiro grupo dos narcóticos anônimos (NA), visando atender não
somente usuários de álcool como também de outras substâncias psicoativas.
(SANCHEZ; NAPPO, 2007). No primeiro grupo AA foram elaborados 12 passos que
norteiam o objetivo principal dos usuários, que é a sobriedade diária. Ainda que não
privilegie uma religião específica, alguns dos 12 passos sugeridos como mecanismos
auxiliares na recuperação do dependente, estão elaborados em uma visão da relação
do homem com Deus. (ABDALA et al, 2009). São os 12 passos:
1. Admitimos que éramos impotentes perante o álcool - que tínhamos perdido
o domínio sobre nossas vidas.
2. Viemos a acreditar que um Poder Superior a nós mesmos poderia
devolver-nos à sanidade.
3. Decidimos entregar nossa vontade e nossa vida aos cuidados de Deus, na
forma em que O concebíamos.
4. Fizemos minucioso e destemido inventário moral de nós mesmos.
5. Admitimos perante Deus, perante nós mesmos e perante outro ser
humano, a natureza exata de nossas falhas.
21

6. Prontificamo-nos inteiramente a deixar que Deus removesse todos esses


defeitos de caráter.
7. Humildemente rogamos a Ele que nos livrasse de nossas imperfeições.
8. Fizemos uma relação de todas as pessoas a quem tínhamos prejudicado
e nos dispusemos a reparar os danos a elas causados.
9. Fizemos reparações diretas dos danos causados a tais pessoas, sempre
que possível, salvo quando fazê-las significasse prejudicá-las ou a outrem.
10. Continuamos fazendo o inventário pessoal e quando estávamos errados,
nós o admitíamos prontamente.
11. Procuramos, através da prece e da meditação, melhorar nosso contato
consciente com Deus, na forma em que O concebíamos, rogando apenas o
conhecimento de Sua vontade em relação a nós, e forças para realizar essa
vontade.
12. Tendo experimentado um despertar espiritual, graças a estes Passos,
procuramos transmitir esta mensagem aos alcoólicos e praticar estes
princípios em todas as nossas atividades. (ALCOÓLICOS ANÔNIMOS, 2014,
p. 88 e 89)

Todos os doze passos foram readaptados para o grupo narcóticos anônimos,


tendo sido substituída a palavra “álcool” por “drogas”. (SANCHEZ; NAPPO, 2007)
As estratégias advindas da religiosidade ou espiritualidade, podem fornecer
recursos que nos permitem uma reavaliação cognitiva, comportamental e emocional,
no entanto algumas literaturas revisadas apontaram, ainda que em menor grau, que
o indivíduo pode elaborar sentimentos negativos relacionados ao estresse, podendo
não se adaptar aos novos parâmetros religiosos e/ou espirituais. (PANZINI;
BANDEIRA, 2007)
Questionamento sobre a existência, amor ou atos de Deus, delegar a Deus a
resolução dos problemas, sentir insatisfação ou descontentamento em relação a Deus
ou frequentadores da instituição religiosa, ou ressignificar o estressor como punição
divina são alguns dos aspectos negativos oriundos da elaboração das estratégias
religiosas ou espirituais. Ou seja, o enfrentamento negativo está na visão e significado
que se atribui, assim como suas atitudes que são tomadas com relação ao que se
pensa de um poder superior, no caso Deus, que podem ser caracterizados como
aspectos negativos elaborados subjetivamente pelo dependente químico. (PANZINI;
BANDEIRA, 2007). Sentimentos de culpa gerados por uma autocrítica, podem estar
aliadas ao sentimento de ansiedade, como pontuam Fuchs e Henning:

A culpa é o estado de quem é culpado por haver cometido uma falta, que é
uma falha em relação a uma regra moral, sendo um estado de fata moral no
qual alguém se colocou pela ação ou pela intenção de cometê-la. Na culpa a
pessoa se refere a um olhar que julga que avalia segundo um critério tão
absoluto quanto à lei moral. (FUCHS; HENNING, 2011, p. 13)
22

Outro aspecto negativo que foi mencionado na literatura revisada, é que o


indivíduo que encontra-se em tratamento da dependência química, que por sua vez
recebe apoio de uma religião ou até grupos com os critérios religiosos/espirituais, em
algum momento estará fora dessa atmosfera acolhedora, e nesse momento uma
dificuldade apontada é a perda de naturalidade devido à preocupação em não errar,
à pressão social e à crença na existência de um Deus punitivo (FUCHS; HENNING,
2011).
Ainda que pontuados esses aspectos negativos, os mesmos foram encontrados
em sua minoria com relação às influências positivas proporcionadas pelas estratégias
religiosas/espirituais.

3.5.2 A utilização de substâncias psicoativas/enteógenas em um contexto


religioso/espiritual no tratamento da dependência química

Como foi dito no início e decorrer do trabalho, o uso de substância que alteram
a consciência e percepção sempre ocorreu obedecendo critérios e objetivos, sejam
eles ritualísticos ou recreativos. As substâncias psicoativas têm o princípio de alterar
o sistema nervoso central, desencadeando reações particulares no corpo e no
psiquismo de quem as utiliza, tendo como fator colaborativo para essas reações, as
crenças, conhecimentos e significados atribuídos ao uso dessas substâncias.
No entanto, em contextos ritualísticos de cunhos religiosos ou espiritualistas,
esses significados podem ter uma conotação mais direcionadas para os princípios
preconizados por esses ambientes, geralmente orientados para o aspecto divinatório
mediante aos efeitos, sensações, aprendizados, dentre outras manifestações. Diante
desses critérios, as substâncias psicoativas utilizadas nos contextos mencionados são
consideradas substâncias enteógenas. Etimologicamente o termo enteógeno, surge
do termo grego entheos – “Deus dentro”, “gerar a experiência de Deus em si”, por sua
vez denominando a experiência subjetiva da divindade em si (BITTENCOURT, 2016).
A Ayahuasca pode ser citada como uma dessas variedades de substâncias.
Trata-se de uma bebida psicoativa, como os princípios ativos mais importantes sendo
as betacarbolinas, oriundas do cipó Banisteriopsiscaapi, e a dimetriltriptamina (DMT),
oriunda das folhas de Psychotriaviridis. Registros indicam a utilização da Ayahuasca
há milhares de anos em cultos xamânicos, cerimônias religiosas de cura, com forte
expressão de religiosidade. Na década de 1930, o uso expandiu-se pelo território
23

brasileiro, influenciando algumas fundações de cunho religioso/espiritual, tais como O


Santo Daime, a Barquinha e a União do Vegetal, sendo essa última abrangendo um
caráter mais espiritualizado em menos festivos com relação as outras. (BERNARDI,
2011; MERCANTE, 2013)
A Ayahuasca altera o estado de consciência através de ondas cerebrais,
proporcionando expandir a consciência, alterando sua cognição e pensamentos. No
entanto existem alguns fatores que influenciam a experiência com a Ayahuasca, como
por exemplo fatores emocionais, culturais, psicológicos e socais. Essas variantes
permitem que a experiência seja única, com significados que variam de pessoa pra
pessoa, que muitas vezes não conseguem ser expressos em palavras (BERNARDI,
2011)
O levantamento bibliográfico evidenciou relatos de que os usuários da
Ayahuasca tendem a ser tornar pessoas mais calmas, e seguras emocionalmente,
com flexibilidade de ressignificação de sentimentos negativos como mágoas, traumas,
rancor e medo. Considerada uma bebida enteógena, ou seja, tem a capacidade de
alterar a consciência para fins religiosos ou espirituais, a Ayahuasca vem sendo
utilizada no tratamento da dependência química tendo em vista seu potencial
psicoterapêutico, uma vez que proporciona alterações cognitivas, consequentemente
modificando a visão que a pessoa tem de si e do mundo, proporcionando muitas vezes
o arrependimento e crise na consciência (BERNARDI, 2011; MERCANTE, 2013).

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como foi mostrada, a dependência química evidencia-se como último estágio


do uso desregulado de substâncias psicoativas, sendo que o uso propriamente dito é
um fenômeno que se confunde com a história da humanidade. É interessante notar,
que nos tempos primórdios, o contexto de uso dessas substâncias, na maioria das
vezes, estava associado a uma ritualística que tinha como objetivo a alteração de
estados de consciência para fins de estados místicos e transcendentes.
Numa realidade não distante de nós, temos o uso do chá da Ayahuaska, que
dentro de um contexto apropriado, corrobora essa afirmação, uma vez que o efeito
proporcionado pelo chá, altera a consciência para estados supra sensoriais,
24

potencializando a uma crise interna no sentido de desestruturar o eu atual,


possibilitando uma transformação pessoal e reestruturação da personalidade.
Dentro do processo histórico sociocultural, a humanidade passou por
modificações dentro dos seus variados contextos, consequentemente influenciando a
subjetividade do homem, em seus pensamentos, perspectivas e atuação na
existência. O homem nem sempre exerce a sua flexibilidade para mudanças
contingenciais, frustrando-se diante de uma realidade transitória, que muitas vezes
não apresenta garantia de sucesso ou satisfação. Sem saber lidar com essa
insatisfação, o homem procura meios que sobreponham os possíveis desconfortos
gerados pelas dificuldades de adaptações às mudanças, e nesse sentido as
substâncias psicoativas surgem como uma opção de mecanismos fuga ou mudança
da percepção da realidade.
Ao encontrar o prazer obtido pelo efeito do uso da substância, o indivíduo pode
vir (ou não), a desenvolver uma tendência ao uso, e consequentemente atribuindo
uma importância à substância dando a ela um novo sentido na sua vida. A compulsão
pelo uso da droga pode trazer consequências negativas, tanto físicas, psíquicas como
sociais e consequentemente o desenvolvimento de estresse e situações adversas se
fazem presente na vida do dependente químico.
Como foi dito, a espiritualidade e a religiosidade são terminologias que se
distinguem, no entanto assemelham-se quando reestrutura um novo sentido na vida
do indivíduo que esteja atravessando uma fase com adversidades promovidas pela
dependência química. Sendo a religiosidade o sentimento subjetivo promovido pela
religião professada, ou sendo a espiritualidade a capacidade de auto regulação pelo
mecanismo de novas escolhas, ambas as estratégias podem viabilizar ao dependente
químico novas possibilidades superações sobre as problemáticas oriundas da
dependência química.
Em determinado momento, o indivíduo que se encontra no processo da
dependência química, quando reconhece as problemáticas envolvidas nesse
processo, pode vir a manifestar desejo de mudança da sua condição atual e recorre a
recursos que possibilitem e o auxilie nessa transformação. Logo, foi mostrado que o
desenvolvimento da espiritualidade e/ou religiosidade, pode proporcionar ao
indivíduo, desenvolvimento de recursos em potencial internos, que o auxiliem nessa
jornada.
25

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