Quebra Quebra Uberlandia
Quebra Quebra Uberlandia
Quebra Quebra Uberlandia
O conteúdo das obras é de responsabilidade exclusiva dos seus autores, a quem pertencem os
direitos autorais. Reserva-se ao autor (ou detentor dos direitos), a prerrogativa de solicitar, a
qualquer tempo, a retirada de seu trabalho monográfico do DUCERE: Repositório Institucional da
Universidade Federal de Uberlândia. Para tanto, o autor deverá entrar em contato com o
responsável pelo repositório através do e-mail recursoscontinuos@dirbi.ufu.br.
U:LIENE DTAS DE OLIVEIRA
O QUEBRA-QUEBRA DE 1959:
Graduação em Histórhl
O QUEBRA-QUEBRA DE 1959:
Can1oso.
Banca Examinadora
(Orientadora)
(Examinador)
(Examinadora)
Dedico este trabalho à minha mãe.
rninha estrela-gui a.
Agradecimentos
Agradecemos sempre úqueles que tê111 11111a significànc ia especial IH) nosso viver.
que por alguns ou muitos instantes tornaram a 11ossa jornada um pouco 111:11s leve ou
Começo. ass im. agraclcccnclo àqueles que me deram a v ida. El veni e l lton. sern os
quais a minha história poderia ter sido escrita ele uma forma menos bela.
À l one. /\urora. Á urea. Eliane. 1--:lcione. 1-:lcimar. Elai ne. Luciana e I uz1a. meus
irmãos de sangue e ele coração . por me ajudarem a achar que cu sempre teri a um l ugar para
Á Kátia. G isela. Sárita. .l anaína. irmãs que a v icia me deu ao longo de minha
trajetória e que muitas vezes compartilharam comigo ele uma abraço gostoso ou um pedaço
/\ Criss. Thaís. Miguel. Juliana. Amlré. L uciana . Elizetc. lvani. Rc_j:111c. (icntil.
Cii lvânia. 17 áb io .J únior e rvtarcc lo. por tornarem mais prazeroso v iver nesta cidade que nos
há seis anos atrás e terem me aj uclaclo a tornar poss íve l este momento.
À Sandra e Ed uard o. não se i se co legas ele profissão. amigos. irmãos ou anjos que
conseguiram. com discrição e sabedoria. estarem sempre presentes. tornando mais intensa e
.Aos entrev istados. por pe rmitirem que cu regi strasse suas memór ias e ;1s !ornasse
À minha orientadora, Heloisa. por me ajudar a tornar meu mundo maior. tornand o
possível este traba lho; pela seriedad e. humanidade e competência tidas du rante nossa
convi vência.
A Vaguimar. por me apoiar nos momentos tinais ele meu curso. talvez os mais
Eníim, a Deus. meu pai mai or. por estar sempre presente a meu lado e por me
mostrar ter valido a pena deixar o lar materno e enfrentar a ··cidade grande··.
Eliene Dias de Oliveira. O Quebra-Quebra de 1959: Uberlândia Olhares e Perspectivas
SUMÁRIO
Apresentação 02
3 Imagens do quebra-quebra 65
Considerações Finais 79
Bibliografia 81
Fontes 84
2
Apresentação
Pesquisas e Pós-Graduação e m abril de 2000. com o qual fui contemplad<1 com uma
política desenvo lvimenti sta no município de l Jberlândia. usando para isso a imprensa
cio seu tempo: uma outra versão possível ela política desenvolviment ista e seus
de 1959.
monografia. para a cone!usão do Curso de História. e tendo em vista os c<1 minhas .1a
desse período.
estender minha análise a um período maior. no sentido ele situar o período histórico
que proporcmnou a existência de acontecime ntos tão marcantes como o s quebra-
que bras que assolaram o p,IÍs neste momento. L'.ste período e aqui recor1:1do e ntre
1950 e 1964. O ano de 1950 foi o marco inicial devido à ênfase que se têm . cm
sustentar a política desenvo lvime nlista. E. apesar desta política se estender até a
década de 70. não pode mos negar que 1964 nos trouxe um outro direc io namento
aos rumos <lo país . As manifestações sociai s. entre e las os quebra-quebras. sofrem
Porém . este corte cronológico não é estático. por assim não ser o processo
hi stórico.
O objetivo gem i desta pesqui sa. cu.10 resultado 0 o presente tra ba lho . fo i
pe rce ber as di versas possibi lidades de rep resentação da política descnvolv ime nti sta
entre 1950 e 1964 na c idade de Uberlfindia. e laboradas pela eli tes dirigentes. incluindo
aí políticos e e mpresários. ass im como por outras camadas sociais. como a população 1
1
\
comum que de a lguma forma participou dos dei tos da proposta desenvo lvi menti sta
apreendidas através da impre nsa. documen tos o ficiai s (atas. d iscursos) e do resgate
Esse obje tivo maior se desdobrou nos seguintes obj etivos específicos:
interpretativas com a posiçüo de classe <k seus sujeitos: perceber co1110 n discurso
desenvolvimentista Coi ass imilado. ou nJo. pel:1s elites políticas locais; perceber como o
presente na fala das pessoas comuns, por meio da história oral. mostrando o que elas
Os diferentes discursos trazidos ú tona. seja por meio da história o ral. se.1a
uma sociedade. O discurso tra:;. em si. como parte da visão de mundo que veicula.
penetram ele tal modo na consciência do ser humano que acabam por ser considerados
e de normas <Jue nos "ensinum " u conhecer e ogir. l i sislenwficidade (' u coerência
que pretende coincidir com us coisas. unular u diferença entre o .fáz er (' o J)('nsw·. o
J,e nsa menlo. I inguugem t' reul iclacle ;wru. através e/esta /úgicu. ohter ti
iclenti/icaç:éio de todos os sujeitos sociuis com uma imagem ;wrt icular 1111i1'c rsali::m./a.
isto é . a imagem da classe clominante ... 1
E mesmo sabendo que uma soc iedade comporta di lerentes visões de mundo. a
/
possibilidade de o homem elaborar um discurso dife rente dos discu rsos dominantes. I·'.
esse discurso sú se i'a rú no pl,1110 dos co nllitos e das contrad ições que ex istem na
sociedade.
discursos. os quais qjudam a alterar os significado.,· dos outros e vc7o o/iernndo seus
representações vári as da soc iedade. 1\s palavras têm vicia. e sendo ass11n se
permi tem formar diferentes discursos a partir de um mesmo contexto. Daí. ,1 proposta
acontecimento hi stórico.
classes envolve a memorização do acontecer social. que também faz parte do exercício
deve ser lembrado. como deve ser lembrado e, em contrapartida. o que deve se r
esquecido.
1
C HAlJÍ. Mnrilena. C11/t11m <.: Oc.:111ouc1cia S;'1 0 Paulo: Moderna, 1982, p.3.
2
FIORI N. José Luí z. Linguagem e Ideologia. São Paulo: Át ica. 1990. p.44
' BACCEGA, Maria /\parecida. f>olmn, e /Jisc11r.rn. História e Literatura. São Pau lo: Át ica. 1l)95, p.22.
documentos. Só esse diálogo entre fontes é capaz de conduzir a uma unúlise mais
1
profunda dessas representações que aí estavam. Como coloca BACCEG/\ • qualquer
análise apenas interna do texto só conseguirá evidenciar a palavra dada. Só o estudo das
relações dele com us formações idcolúgicas/ formações discursivas. com as condições ele
movimento na direção do novo. Se nssim nfHl l'or. estaremos co rtando a rci ac,:ão dos
discursos com o processo histórico daquela soc iedade e a dinâmica de sua apropriação
mundo contem porâneo. temos uma vasta historiografia que se debruça sobre as
décadas de 50 e 60. Várias temáticas se razem presentes. entre elas. as relações ele
5
da resistência. englobando urna produção amp la e diversificada.
que propic iou a explosão de violência ocorrida na Estação das l3arcas. cm N iterói .
1
Idem. p.90.
' Para citar algumas:
C ARDOSO, M iriam Limoeiro. ldcologio do ncsc11rn!Fi111e11ro: Brasi 1: J I<.-J(). Rio de .ln nciro: Paz e
Terra, 1978.
C/\RONE, Edgar. Movi111e11ro Operúrio no Brasil. 1945-1964. São Pau lo: Difel. 198 1.
MOISÉS. José Álvaro. (ircvc de Mussu e ( ºrisc l'olírico. estudo da greve dos 300 mil cm São Pau lo
- 1953-1 954. São Paulo: Polis. 1978.
SKIDMORE. Thomas. Brasil: de c_;<'llílio o C'mrelu. Rio de Janl: iro: Saga, 1%9.
TREVISAN , Maria José. 50 anos cm 5 .. u UESf' ,, o Dc.,·<'111·olvi111e111is1110. Petrópolis: Vo zc~. 1986.
WEFFORT. Francisco. () f'of}ulismo nu f'olíricu Rmsilcim. 2.ecl .. Rio ele Jane iro: Paz e T erra, 1980.
<, N UNES. Eclson. A l<evolta das Barcas. Popu lismo. violênc ia e conflito político. Rio ele .lilrn.: irn:
Garnmoncl, 2000.
7
cm 22 ele maio de l 959. a obra é dividida em diversos " mome ntos·· que
Neles. Édison Nunes . que é PI I.D cm Ciência Política. proc ura identificar os
quatro protagoni stas principai s cios eve ntos por ele analisados: fraçõ es do governo.
em nível federo/. com o t>SD. mos. ,,m nfrd estadual. com u { Jl)N e em
conjunto de usuários deste serviço. composto para aqueles que a/raves.mm de Niterúi
2./ horas toda a fiwt 11nu da empresa. com o suposto heneplácilo do 1-..,·tado: o
empresariais.
te mpo e m que tece uma análise sob re a importância do s istema de tran sportes na
o rganização do cotid iano ela população trabalhadora. Procura ainda explicar porquê o
acirramento d!e problemas. que vinham de tão longa data, deu-se em 1959. Para ele.
neste período o país vivia uma intensa fase ele participação política. na qual intervinha
Conflito que se consubstancia na .. Fxplosào ". /JOJ S. corn a !-! revc dos
transporte para o Rio de .Janeiro. Como as duas lanchas da marinha que estavam
tentativa de evitar tum ui tos. com a intervenção dos ruzi leiros. acabou resu ltanclo cm
foram alvos fáceis. Num carnaval onde a fantasia deu luga r ú realidade. ,l inversão
de valores fez com que os que tinham tudo passassem a ter um pouco menos. E os
que pouco tinham. tornaram-se os donos da cena. Pelo menos naquele momento.
quebra" de Niterói: a existência ele cinco (ou seis) mortos. 125 feridos. um ônibus
(Estação das Frotas narreto. Carioca e Cantareira. l~stação de Carga. 1-: snitó rio da
rrota Carioca). a lém ele estaleiros (dos ( ·arreteiros) . uma serraria (de parentes
contabilização.
movimentos sociais e os con!litos no Brasil. Para ele. sempre que o povo toma a
7
1dern, p.21.
'
9
violência sempre foi considerada como o episódico, o fora de lugar. Este fora de
A obra "A Revolta das Barcas " nos proporciona questões fundamentais de
violência cotidiana, com as quais convivemos todos os dias; mas a violência que
papéis nesta trama que daria uma bela obra de ficção, não fosse ela um fato
real.
Estado populista, pressionado por empresários vorazes por lucro e por setores
trabalhistas bem organizados. No meio de todo este jogo, ele resgata um trabalhador
8 MACHADO, Maria Clara. A disciplinarização da pobreza no espaço urbano burguês: assistência social
institucionalizada _ (Uberlândia 1965 a 1980). São Paulo: USP/FFLCH, 1990. Dissertação (Mestrado).
10
I 980) ". procura mostrar como os exc luídos soc iais são. ainda no sécu lo XX.
considerados uma ameaça social latente e. portanto. alvos das estratégias disciplinares
1~m sua ,múlisc. ;1 :n1 tora s:tlicnta que. a partir de 1960. convivendo lado a
lado com o prngresso econô mico. a probkmútica da margi nalização soc ia l tornou-se
preponderante na cidade.
some nte graças ao processo de urbanização brasileiro. no qual esta cidade. a partir dos
I ,ogo, o tão almejado progresso. como resultado de projetos políticos ela classe
dominante, pressupõe não só a diligência burguesa. mas toda uma concçpçfto ele
sociedade urbana ordenada. J>mal e lamente aos pro_jetos políticos que ohjL· ti vavam o
soc ial. a cidade é tanto o lugar da produção. como é o lugar cio político. por onde os
do progrçsso. l' possível pensar ;1 cidade como o lugar do espaço soc ial fragmentado
que expõe. de um lado. aqueles que ddém o poder e o capital e. de outro. aqueles
guerra, policiada até os dentes, onde a morte e os protestos só tiveram fim com a
obras.
Numa perspectiva distinta das obras até aqui citadas situa-se o trabalho de
Quebra".
encerrariam o "quebra - quebra " , a obra procura dar conta da destruição dos cinemas,
limita muito mais a fazer uma descrição factual dos acontecimentos de janeiro de 1959.
da população oprimida numa conjuntura muito mais ampla, que então artículava os
9
VASCONCELLOS, Maria Helena Falcão. Dias de Violência: O Quebra. Campinas, SP: Editora da
Unicamp, 1999.
13
cotidiana de uma população sufocada pela carestia, pelos congelamentos, o alto custo de
se segue: " O Plano de Metas do governo JK projetou - se sobre a região como uma
Porém, é importante refletir sobre esta obra; ainda que seja na perspectiva de
Numa linguagem nitidamente literária, o texto, que se propõe a ser uma narrativa
histórica, caminha por direções um pouco perigosas. Não que um texto histórico tenha
diálogo entre Literatura e História tem se revelado extremamente frutífero. O que não
pode acontecer, é que um texto histórico mescle ficção e realidade, ou, como no caso de
"O Quebra ", no intuito de tomar a leitura mais atraente, lancem afirmativas ao longo
"A par das tantas senzalas, o triângulo mineiro viu a resistência negra edificar
Assim, citações como esta permeiam todo o texto, fragilizando sua credibilidade
texto. Fontes riquíssimas de análise, merecem elas uma atenção especial na leitura do
quebra - quebra
10
ldem, p.40.
11
Idem, p.17
14
imagem de progresso. ordem e traba lho. principalmente: a partir dos anos 50.
/\o lado disso. procura também trazer ú tona a dimensão cios co nflitos e
escamotear.
este historiador elege os quebra - quebras e saques que ocorreram t::m janeiro de 1959
Seu ol~jeti vo é mostrar como o imagi núrio social. gestaclo ao longo do tempo.
referenciado nas noções de prog resso. trabalho. ordem. no mito dos pione iros e de uma
vaga e hipotética uniüo de todos para a construção da riqueza coletiva. deixa velado. ou
procura omitir. o processo real de dominação burguesa. mas não consegue impedir que
Outro aspecto levantado pelo autor é que as versões que foram construídas sobre
1
NUNES. l ,eandro José. Citlutle e /111111:em : l'rog.rcsso. Trabalho e Quebra-Quebrns
~ t lbe rliindia
19)0/ 1960. PUC: São Paulo. 19')3. ( Dissertação)
15
história da cidade que anu lasse outras c:-.:peri ênc.:ias vividas pela maioria da população.
Outro aspec.:to que o autor destaca são as profundas tran sformações urbanísticas
verificadas entre as décadas ele 50 e 80 que redesenharam o mapa urbano do Brasil. l::m
Uberlündia. esse processo de rúpidas mutações urbanas foi percebido de form,l ambígua.
uma população ordeira e pacífica. nas imagens da cidade que foram elaboradas pelas
frequentemente nos relatos da imprensa: a primeira lugar ele visibilidade das realizações
sucedido que ganhava contornos cada vez mais nítidos. 1ugar ela produção e da
delinqüência . marcada pela pobreza e pe lo leio. tanto das construções quanto de seus
habitantes.
relações capitalistas que organizam ;1 cidade e que fazem com que com·ivam no
resultados de atributos pessoa is e nàn como conseqüê ncia das relaçõe s soc iais
instituídas .
Assim. despolitizar os eve ntos de j;i ne iro de 1959 e ra també m rl'ló rçar as
imagens da sociedade como o npnstn daquela das .. gentes das vilas''. Na de limitação dos
espaços urbanos se processa a exclusào soc ial da pobreza. dos desajustados. dos
U berlândia "real" sen a. portanto. aque la dos homens ··cultos··. que v1v1am
Como se pode perceber neste esboço. trata-se de urna análise consistente dentro
para a construção de uma análise mai s abrangent.e, que resgate também outros su_jeitos
Porém. uma possibilidade de enriquece r a anúli se foi trabalhar com a hi stória oral: não
como uma hi stória já pronta. mas si m como u1na fonte poss ível neste leque de
anal isadas no último capítul o. Os jornais encontram-se bastante deteriorados. mas ainda
possibilitam pesquisa. Durante lodo o trabalho. a maior parte das citações da imprensa
aparece e m itálico. incorporadas ao texto. ;\ s indicações destas fo ntes estão 1H) rodapé.
Neste A rquivo também estão di sponíveis entrevistas cio f>rojeto Oe1w imentos.
dos quais sch;cio nei algumas l;1las que aparecem durante o texto.
de Uberlândia _ /\CIUB. Este acervo cstú cm bom estado de conservação. embora ainda
e ntidade pe rmite. assim. que o mate ri al se.ia retirado para pesqu isa e posterior
devolução. As atas da Câ mara Municipal de Uberlâ ndia. em bora não apareçam citadas
populor. procuro discutir como a im prensa loca l e nacional elaborou e divulgou seus
estudo.
soh a perspectiva da histária oral. procuro perceber que representações a tloram dos
depoimentos orais. tentando entender a lógica dessas visões e quem são os agentes das
falas. Entre o s depoentes foram selecionados frilas ele pessoas de categorias populares.
mas também de outros seguimentos soc iai s. Essa pluralidade de ol hares lenta rea li za r
18
um diáJogo entre diversos discursos que se entrecruzam. Ainda faço, neste capítulo,
Cap. 01:
A cidade de Uberlândia foi palco, ao final dos anos 50, de uma grande
comerciais.
Este não foi um acontecimento isolado. Desde o final dos anos 40 até o início
dos anos 60, em várias partes do país, aconteceram formas de protesto que indicam a
marca a história do país entre os anos de 1945-1964, iniciado com o fim da ditadura
varguista e que chega ao fim com a ascensão de uma outra ditadura, através do golpe
13 Em 30 de outubro de 1958 a população paulista foi informada de que, na véspera, fora autorizado, sem
seu conhecimento prévio, novo awnento dos transportes coletivos, variando da ordem de 50 a 65% esses
aumentos. A alteração das tarifas trouxe revolta. Nos protestos, os estudantes instigaram a população a
aderir ao movimento que, de pacífico passou à ação, resultando cm depredações de ônibus, vários feridos
e 6 mortos, em consequência da intervenção da Força Pública. Ver O Cruzeiro, Rio de Janeiro,
l S/l l /1958, p. 102.
Outro acontecimento deste mesmo período é conhecido como "a revolta das barcas", e aconJteceu no dia
22 de maio de 1959, em Niterói, então capital do Estado do Rio de Janeiro. Uma análise madura deste
movimento é perceptível em NUNES, Edson. A Revolta das Barcas. Populismo, violência e conflito
político. Rio de Janeiro: Garamond, 2000.
10
O governo .IK. inserido nesse contexto. é talvez a expressão múx ima dessas
políticas que visaram tirar o país do s ubdesenvolvimento. Cle ficou marcado pela
obstinação cm impleme ntar seu Pla no de Metas. que tinha como prioridades os setores
ele l'.ne rgia. transportes. indústrias de base e de alimentação. Ne le. a Opcraçii() Nordeste
aparece corno rncta -espcc inl e :1 co nstruç~10 de nrasí lia corno meta-síntese. 1~:;se Plano
f'oi considerado. pelo l:::stado. uma proposta de modern ização acelerada. já que pretendia
Numa análise parcial. pode-se dizer que o Plano ele Metas ele .li< fo i bem
sucedido. O governo conseguiu conso lidar uma infra-estrutura para a industria lização.
implantando novos setores ela indústria pesada e aliviando a importação desses itens.
" f'eríodo fimdmnenf(I/ c/(I histrírio hrosileiro no sh:11/0 XX. o gm·erno cio
O entusiasmo popular com a vitúria 11a Copa do Mundo de Futebol n,1 Suécia.
em 1958. contribuiu para u idé ia dos "anos dourados·· brasileiros. Nesse momento.
11
• FONT ES, Pau lo. "Centenas de cstopins acesos ,10 mcslllo ti.:mpo - a greve dos 400 mil. piquetes e a
orgnn ização dos trnbalh aclores em São Pau lo ( 1<)57)" . l 11: FORTES. J\ lcxandre e outros. Nu /11111 por
dirl'ilo.1 . htudos Recentes cm História S(lcial d(I I rah:11110. Cnlllpinas: Ecl itor:i da lJN ICA \1 P. 1 <)<)<)_
p.1 47.
::! 1
ainda não se tinha altas taxas de in11ação e desemprego. /\ e uforia provocada pelo
sucesso no futebol. levava a acreditar que o nosso sucesso també m se repetiri.1 no plano
político e econômico.
"felic idade·· da hi stória naciona l. l::sses pro jetos levariam ú criação de um Estado
desenvolvido, onde a atenção estaria voltada a setores consicleraclos até então precários.
clesenvo lvimenti sta de .I K. é o seu reflexo na vida das camadas populares. Pe rcebe-
se claramente uma contradição entre a po lí tica dcscnvolvime nti sta cio Estado e as rea is
crescimento. tão apla udido pelos estudos deste pe ríodo. e os problem as soc iais
. l'i
existentes · .
15
A título de exemplificação aqu i c itamos:
LIMA . .José Lu iz. Política de (;oi·cmu ,, Dcscm·uh-i111cnw tio ,\'etor de Lnergiu F.létric o do cód igo
de águas à crise dos ;-mos 80 ( 1934 -1 984 ). I{ io de .l ane iro : Cent ro de Memóri a da l':lt.:1ricidade no
Brasi l. 1995
PEREI RA. L. C. Bresser. Dl'sc111·oh·imento e ('rise 110 /Jrmil. ó . l:::d.. São Pau lo: L3rasi I iense. 1976.
SERRA. José. "C iclos e mudanças cstrulur.-i is na economia bras ileira do pós-guerra" . l n: 131::LUZZO.
Luíz Gonzaga M. e CO l JTINI 10. Renata (orgs.) /)ese11rnlvi111cnto C'upiralisto 110 Brasil: c ns.-i ios sobre
a crise. São Pau.lo: Bras iliense. 1982. v. J. p.Só- 12 1.
T A VARL::S. Maria da Conceição. /)u ,\'11hsif11içan de /111por1oçi"><:s uo ( ·a1Jiiuli.rnw /inancciru · ensa ios
sobre n econom ia bras ileira. 11. ccl .. Rio ele .l.-ine iro: /.ahar. 1983 .
Na interpretaçfto do processo dn i nclustria I izaçf10 bras i leira p<Ís-30. por part e da histori ogra li a. a part ir da
crescente subst ituição de importações. o desenvo lv imento brasileiro estaria atrelado aos problemas do
comércio exterior. L ogo. o cre scimento econômico e industrial cio pa ís é perceb ido enquanto
consequênc ia do esgotamento do modelo agrár io-exporwdor que v igorou até a década de , O. sujeito ús
restrições que o mercado internac ional im punha à dinamização desse setor. e das potenc ialidades do
mercado interno. consumidor ele produtos importados. que então seriam substituídos por outros fabr icados
no país.
22
O porquê dessa omissão pode parcialmente ser explicado pela relação construída e ntre
memória/ hi stória. muitas vacs pcrct::h ida como algo Cmico. A predom inância da
memória ofic ial sobre ,ls demais se insere cm um movimento que anula outras
que se colocam como s ujeitos cio processo de desenvolvimento brasileiro. ()uanclo não
os efeitos das políticas de congelamento no cotidiano da população c'. Não ter produtos
1
básicos de alimentação parn comprar. enfrentar a a ila cios preços com o cflm hio negro.
resultaram em inúmeras reportagens nas revistas e jornais ela grande imprensa nacional.
deficiência cio transporte coletivo. entre outros. indicam-nos que os discursos e as ações
Na década de 60 te111-sc u111a dcsnce lcraçào dcssl' desenvolvimento econô111ico. com a rcduçi10 elas taxas
ele inves timentos. em uma fosc d.: crese i111 ento da in llaçfio que provoca o esgotamento desse rnoclelo de
s ubs tituição dc importações.
1
" Com a a lta desenfreada dos preço~ na década de 50. o custo de vida se transforma e 11 1 lllll g rave
prob lema socia l que le va à ec losão de 111ovi111 entos populares cm várias partes do l~rasil. N.i perspectiva
ele conter este cl ima ele intranquil idade. o (ioverno Federal. por meio da COFAP ( Comiss;10 Fcdcra l de
Abastecimento e Preços). adotou. em 1958 . o wngc lame nto de preços de produtos de prime ira
necessidade. na tentativa ele controlar o comércio vnrej ista e interrompe r a a ltn descn frcncln desses
produtos junto no consumidor. Â ineticácia dessa política, !'re nte ao boicote dos comerciantes que
recusavam-se a ter em suas prateleiras produtos bás icos com preços conge lados. levou ú e :-;istê ncia cio
mercado negro. onde os produtos ··desaparec idos·· eram vendidos fora da tabe la oficial.
para o desenvolvimento e a modernização. Em U be rlândia. desde a segunda metade cios
anos 50. as c lasses dominantes loca is investem no proj eto de criação de um pólo
Planejamento Industrial de Uberlândia ... J\. imprensa local cuida. por sua vez. ela
construção de uma opinião pública favorúvel aos planos clesenvolvimentistas elas elites
lJherlftndia ... o nde o .. so nho .. ela industri a li zação aparece como foto concreto.
resultado do dinami smo de uma cidade que le111 como objetivo o progresso :
.. Há pow.:o tempo mio /H1ssuvo de 11111 sonho. no q11al 11111itos m7o ucn'<litc11 w11 .
1
verdade seja dilu. 1./ ciducle industrio/ ('Xiste l!ma idéia urrojada. Q11ose incrível.
A1os dentro do espírito 11herlcm de nse. de uc.:ordo c.:0111 o dinâmica do t ro hal ho dos
Uherlúndia é 11,n({ cidade sem ji-onte iras. Para a dinâmico do seu ;>rogresso
inexiste a palavra impossível e jcí está sohc)wnente provodo que ct cidade até agora sú
Assim como o visio núrio anunc iara. c m l 9ô5 roi inaug urado o Di strito
17
C idade l ndust:ria 1. ( ·urr('io (/(' 1J!J,,rlâ11dia. l Jbcrl,1nd ia. 18i 1211964 .
14
Comercia l , Industrinl e /\gropecuúria de l Jhe rlândia _ e a partir ele 1969, quando lhe
é tirado da razão socia l o lermo /\gro pecuú ria. /\C I lJ8 _ Associ ação Comerc ial e
"da cidade··.
Logo, o projeto clese nvolvimentista que se viabi lizn no governo ele .luscc lino
o pensamento, os inte resses e as aspirações desse empresari ado local. Cúmpl ice na
formul ação cio imaginário de Uberl â ncli a enquanto uma cidade moderna. prog ress ista e
ini c ial ele duas companh ias. e. c m 1968. a ins talação definitiva cio 36° Batalhfto.
Parale lamente ao projeto ele instalaçilo do Distrito Industrial e ela ins talação
ele um Batalhão de Infantar ia c m Ube rlündia. a c idade também procura proj e tm-se como
18 Se. por um lado. a luta e a implanraçâo da C idade Industrial demonstram uma vontade política do poder
público e dos industri ais de se inserirem nas propostas desenvolvimentistas do governo fcder nl. por outro
lado. a cidad e também con hece os problemas gerados pe la inllação ace lerada e pe lo esg.ow 111ento elas
possib ilidades de investi111ento. com refl exos nn vicia cot idiana dos trabalhadores.
Com um ín d ice inflacionário que atingiu 52º/c, 11 0 ano de 1959. os salários cios trabalhadores. apesar das
correções, iam, no din n din. diminuindo sua capacick1cle ele compra e agravando os probkmas soc iais
existentes. Logo. o quebra-quebra representou um a forma ela multidflo expressar sua revolta com as
condições econô micas e socinis que aferavam o seu cotidiano. Protestando contra o au mento do preço dos
c inemas, protestavam também contra a carest ia. e colocavam em xeque a relação entre in llnç,1o. cu sto ele
vicia e salários como urna questão ele grande importânc ia no cotidiano da população. Índ ice citado por:
VIANNA. Sérgio Besscrman . Pol ít ica Econômica Exicrnn e Industrial ização: 1946-1951 . 111 Al3RL::LJ.
Marcelo ele Pa iva ( org.) A ordem do JJrogrcsso: c l'. 111 anos de po l íticn cc.: onô1n ica rcpubl icanc1 1889- 1989.
Rio de Jane iro: Ca111pus, 1992 .
um polo de cultura e educação. Em 1958 tem-se a primeira conquista no sentido da
implantação ele uma Cidade Univers itária. com a fundação da r-aculclade 1:cderal de
Ubcrlândia. fruto da união das vúrias csc<il as supe riores e ntão existentes . .lú neste
período luta-se pela lccleral ização desta Uni vcrs iclaclc. o que irá efetuar-se cm 1()78.
efetivou cm lJberlânclia. não Coi um projeto regido por forças impessoais <.fo eco nomia
e não ocorreu s i mplesmcntc por sua loc,il ização estratégica. Num diálogo constante
um papel pre ponderante nas ações que propiciaram a implantação de uma infra-
Assim. os anos 50. pe la sua importância enquanto alavancador cio processo ele
como tema privilegiado para a núl ise do historiador. se este pretende retlet ir sobre o
tempos.
'
Paratrascanc1o 1·ontana
· (C) . esse scnt1c
• 1
o e' pcrccpt1ve i que cntenci emos
' 1 a• mec1·1u.1
que a História de um grupo humano é a sua me múria coletiva e cumpre a respeito dele a
identidade que o fa z ser ek rn esmo e não outro. Essas memórias com as quais
pretendemos dialogar. na busca de perceber a identidade social destes indi v íduos . são
19
FONT/\N/\ . .Josep. Reflexões sobre a h is tória. do além do fon da história ... ln: Histária: whílise Jn
passado e projew so<.:ial. Rauru, sr: l: DlJSC. 1998. p.26 7.
mesmo acontecimento. o quebra-quebra de 1<)59. Buscando a lóg ica e os elementos nos
quai s esses o ihares se assentam . ti.::ntarcrnos perceber que m são esses su je i tos e que
pape l têm enquanto a gentes hi stóricos deste momento. Pois... "o/wndrmoda,· nas
hifitrca~:ôes em l/lfe se fez umo escolho nos encruzilhadas cm que se cscolh<'u 11111 011
outro caminho _. 011 entre a hagagem dos </li(' .fóram derrotados pelos vencedores </li('
depois esaev.eram a hislária poru legitimar o seu triunfá. hcí muitas coisos 11 11e ,·o/e o
pena recuperar-'º··.
Não queremos co m isso d izer que ternos a pretensão de real iza r a História dos
.. venc idos ... o u que só ,1 visfio das c,itcgorias menos abastadas que pa rticiparam do
quebra serão trabal hadas. A pluralidade comporta também os o lhares das e lites
este período da história ele Uberlândia. o resgate deste movimento aqui denominado
..quebra-que bra·'. Principalme nte por considerarmos esta forma de protesto urbano
uma ação política. que obviamente se faz fora dos canais institucionai s_ trazendo
,:: nesta pe rspectiva que pretende mos constru ir nossa anúli se. buscando trabalhar
10
Idem, p. 277.
'27
o q uebra-quebra ele 1959 tornou-se. a exemplo de outros acontecime ntos nac ionais de
na
,?
mesmo porte-- . um marco história de l Jberl âncl ia. Porém marco q ue foi
construída de c idade ordeira. pacata e progressista . assim retratada pela imp rensa:
"( 'idade 1101-'<1. de lru~·odo honilo. plonwdo e,n pleno sertüo. longe' do mor
c:01110 lfllê. Uberlúnciio (;. i11disc11ti,·elmcme. u cidade <JUe nwis cresCl' e desenvolF<'
alJlli existe. em g eral gente dinâmico. progressisto e dotada de fiJrço d<' ,·onwde
reu lment e notcírel. Uhe ri ândia. a e iliode- menina. conl i nua cr escendo. .Vo \'C1.,· r11us
maior do Tl'ilÍng11/o <' do /Jmsil -( 'entm/). h<'líssimc.,s vias p1íhlic:as. 110/Úl'e/ clima
'._)_l
quente durante o dia com rajados .fi"escos durante li tarde e a noite.
21
MACHADO . Maria C lnra Tonrnz. /\ cl iscip linari1.;içào da pobrez;i no espaço urbano burguês:
assistência soc ia l inst it11c io1rnlizada (l Jbcrlúnd ia ·- 1%5 a 1980). Sfio l'au lo: USP/FfLC 11. 1) isscrtaçi'io
de Mestrado. 1990. m imeo. p. 77 .
22
Em 1959, São Pau lo. Be lo-Hori1.onte. hirtaleza e Santa Catarina ta111b1:111 foram palco de 111an ilcstações
populares com características seme lhantes ú de Uberlând ia. Note-se. porém, que tratam-se de cap ita is .
21
· ''Co isas e Graças de uma c idade chamada Uberlând ia... Correio de Uherlândia. 2210 1/56. p,lg. 05.
28
ordem e o progresso ela soc iedade como interesse ele todos e não de t1m grupo
específico_ . valorizando o trabalho como llnico meio para se chegar à riquc1.<1. as elites
conteúdo político. Não possuindo uma liderança pré-determinada. e nem se ndo liliados
que se faz fora dos canais institucionais e demonstra a capacidade da pop t1l ação de
ordem social foi contestada. Ubcrlândia traz à tona um indicio de que a opçuo pelo
desenvolvi mento trouxe também seu invcrso. as greves e revoltas sociais. que lançam na
uma palavra ··os pobres··. para quem os efei tos da modernização foram limitados.
elemento fundamenta l na luta das forças sociai s pelo podeL ela se faz particularmente
senhores ela memória e da histéiria. tentando anu lar outras memórias. !'reservar e
divulgar suas memórias são caminhos trilhados na luta dessas fo rças sociai ~. v isando
torná-las hegemôn icas. constitui nclo-se cm ··11 istóri a". Vários suportes são us ados com
esse propósito. ind o ela publicação ele propnganclas ou notícias nos jornais ú constitui ção
í\ impre nsa se mostrou uma lontL' L'Xlrernarncntc rica para a ,múli ~:L' do tema
proposto . .1\qui . não a percebemos corno verdade abso lulcl ou como retrato ele uma
única versão possível de um acontecime nto hi st.órico. í\té porque não existe ne nhuma
juntos que podemos di sti nguí-los. Logo. as representações se utilizam dos fotos e
alegam que silo fatos: e nquanto os fatos são reco nhec idos e organizados de acordo com
seres humanos . Assim. quando trabalh amos co m diversas poss ibilidades de o lha res
so bre o quebra-queb ra. se.ia .,través d.i impre nsa ou o utros documentos . estamos
pensando nesta interação constante e inte rdepende nte e ntre fotos e re present.tc;(1es.
inte rpretações que se lêm acerca cio quebra-quebra. comportando inclusi vc versões
dife re nc iadas ele um órgão para outro. de acordo com a linha editorial de um
/\ hi storiadora Luciana L ilian de rvt irnnda muito bem lembra que '"Fsse tipo de
21
PORTELLl, J\lessandrn. O massacre de Civ itella Va i di C hi ana (Toscana. 29 ele junho de 1<)44): mito e
política, luto e senso comum. ln: FERR EIRA, Marieta de Mora is e /\M/\DO. .lanaína (( >r~sJ. Usos e
:llmsos du Hist(íria 0ml. i cd. Rio de Janeiro ffiV. 1998.
30
jornais. que se consiiiuem c:m111anto jimres ex/remamente ricos para a hisf<Íria. ( 'ahe
com 1111iu 1ç:iío. onde o prC'SC' nt e é f 1agrado <' /frodo como um mome nfo de.\'\' innt!o do do
oconfecer. Diante disso. o l,isioriador d(' \'(' ('Siohe/ec;er a relw,:üo entre os disc ursos
expressos nos/ornais e os idúius c111e circ11lt11 ·mJ1 na (;f>Oca. rendo em 1•ista o idl'<Írio (' u
2
p rática polític:o da imprenso ". ·'
26
fo nte documen tal. t\ pos ição de Maria I kkna Capelato • quando da análi sL:' do jornal
() Fstodo de .S'cio Paulo. nos 0 bastante esc larecedora a esse respe ito. qua ndo e la nos
co loca que a escolha de um jornal como objeto ele estudo justifica-se por e nte nder-se a
inte rve nção na vida socia l: negando-se. poi s. aquelas perspectivas que a tornam como
e nqua nto documento. co ns iderando-a " pouco conllóvel" devido ú carga de s uhjdiviclacle
que lhe é ü 1erente. hoje a lltiliza mos so bretudo dev ido a essa subjetividade.
Rcnée Barata Z ie rnan~7 110s esclarece que. a té 1945/50. a imprensa IH> Bras il é
25 MIRANDA. Luciana Li lian de. .-1 /1 0/írirn de C'réclito /?um/ nos lll10s 7/J: Modern ização e
Mudanças nos /\gros-Nacional. Regional e Lm:a l 11n Abordagem cios .J orna is ele \Jl)L' rlâncl ia-M(i.
Uberlâncl ia : Univers idade Federal ele Uberlf111d i;i. 1<JCJ<J. :'i<J p.
2
" CA PELATO. Maria l le lena e PRADO. Maria Ligia. () /Jmvo Matutino. Imprensa e icleolo g i;i: o _j orna l
O Estado de São Paulo. Editora Alfa-Ümcga. São Paulo. 1980, p. 19.
27
ZIEM/\N, Renée Barata. 1-/isráriu utrovc;_,. da l11111r<'mo Algumas considerações metoclolc'>.~icas.
Projeto História. Rev ista do Progrnnw de Estudos l'ós-C,raduados em História e do Depa rtamento de
11 istóri;i . São P:iu lo: P\ JC. n"º :t. _ju11 l10.'85.
] I
sempre por suas posições políticas. constitu indo o que chamamos de ··Imprensa de
marcantes na imprensa do período anterior. /\ posição crítica vai sendo substituída pela
pretensa objetividade. 1~ com esse tipo de imprensa que nos deparamos c m nossa
pesquisa. Unrn mostra disto encontramos no _jornal ( ·orreio d<' Uherl(mdiu. ao tentar
quase totalidade .filiadas à UDN. mas mio tem cornpromissos incondicionais com
udenistas. nüo est<Í ohrigado u fazer u política do partido e mantém. como sempre
manteve. uma linha de conduto independente. criticando aquilo <Jue rep11tu errado.
28
mesmo <111011do parle desse ;wrtido. a que ,u,o deve ohediênr.:ia. (. ..) "
me mó ria. e que a memória nüo 0. por s i sú . l li s tóri a. mas que a l li stória se Jaz iambé m a
parti r de me m ó rias. propomos s uhml'ler L'SS,.ts mcmúrias a uma análise mai s prol·unda.
possibilitando a recupe ração do social enq uanto um espaço pautado pela d iversidade e
pe lo confronto.
pretendemos p erceber quais representações ela busca afirmar: quais e le mentos esses
conflito. é retratado: qual a imagem que se tem. nesse momento. acerca dos foraste iros
que vive m e m U be rlândia. Enfim. qual quebra-quebra esses úrgãos ele comunicação nos
trazem ó tona.
De ntro cio contexto do linal cios a nos 50. onde impe rava a carestia e umn
ava ssaladora onda de alta dos preços. o aurncnto dos ingressos dos cinemas. que passou
de 18 para 30 cruze iros. foi o estopim para o início da revolta popular. assim narrado
por Nunes:
cinemas deu vusüo à sua fúriCI c:ontru u exorhitância dos novos preços. 1111111 solto
( ..) C'oncl uíclo u clestr11 i(âo dos e i ne mus. o povo .fi>i clorm ir (descu nsur) paro
populctçüo .rnhlevadu.· 1/rnw:::.éns Messios l'edrC'iro <' ( ·asa ( 'ctparelli. ,. /li. ulc;m de
. .. J/j
<Iepredar. danificur e inccncliur. 11rocelIeu uo soque l Ie mercw Iortus. -
inclusive com reforço vindo de outras cidades. O resultado foi a prisão abarrotada de
.
gente. gran de numero (1e ·1·e nc
. i os e mortes ,() . i \ l g umas vít imas. fata li zadas por ba las
se construíram. Na impre nsa escrita nacional. o quebra foi destaque. entre outros
veícu los de comunicação. nas revistas C ruzeiro e Manchete. sendo que na pnme1ra o
Uberlând ia. outrora noticiada por suas rique:1.as. seu povo pacífico e aco lhedor. agora
aparece sob élS manchetes de "'Rebelião da fome agita Uberlfmdia···" é '"( iuerra em
U berlfindia ··3'.!.
Numa aná li se elos textos dessas re porl.igens. percebemos uma tônica comum :
motivos que o desencadeou difere. ainda que. em alguns momentos. com elementos que
se aproximam.
causando uma verdadeira guerra que. numa página inédita. a tirou de seus luíhitos de
paz. Note-se que o habitual, o '"normar·. era que a paz reinasse em Uberlünd ia. Essa
1
° Conforme jornal () Rcpár1cr. Ubcrl:incl in. 2 1/O1! 1<)5<). p. O1: ·'Mortos: __J>cdro Sérgio hrnH,:a. de 15
anos( ... ) Recebeu fe rim ento de b:1'~1. no pescoço. Maria Lurípecles ele O l iveira. 13 anos( .. l que recebeu
um t iro na cabeça'". No d in 2210 l / 11) 59 n jornal ( ·orrciu ele UhcrlúnJia fala de quatro mortos.
11
FRANCO. José. Rebelião da fome n!.!itn Uberlúnclia. Revista () Cm::eiru. 07/02/ 1959.
' nO lJZ/\N. \Valter. <..,uerr:1 em l Jhe1ift11dia Rev ista 1\lu11clw1c. 07i 02/ I <)59.
2
violência. o conl1ito. a guerra eram e le mentos estranhos que. a té e ntão . não faz iam
parte da história de lJberl àndia. L: o elemento que havia desencadeado esse processo
ern a fome. Fome cupaz de tr:msl'o rmur. de um momento para outro. a índole de um
povo. Povo que era '"de pai· e passou a ser "de g uerra'" . Fome que existe por s i só .
a uma admini stração polít ica mal suced ida. l ·:ntim. é ela. a fome . quem co1J1m1do11 us
<JJ)erw,:()es.
e olhos sem m aldade que fora m .fúziludos pela polícia. Que pagaram com suas vidas
por sentirem fome. E a rev ista vai além ao afirmar que o protesto nilofó i contru o
Assim. depoi s ele deprecia re m os c111e mas Regente. lJberl ândi a. J>;1ratodos e
agitadores . Não é mais a !'orne que comanda as ope rações. mas a ,1<,:{\o desses
elementos qu e. mis tura ndo-se ,1os pí1catos ubc rla nclenses. trazem a v io lência para a
históri a da cidade.
texto relata que pareciam 1mw 111rha de loucos (mnintos. cuja única preoc11;>orilo cro
de sac iar a !'orne. Pessoas tranqüilas e ordeiras. associadas às irnagens ele mulheres.
descrições daqueles que parti ciparam do quebra. E a t11rho era formada pur pessoas
não somente loucas. mas loucas e fom intas. como a .iustificar toda loucura c m nome
início com uma pusscu/ct pocíjico dos estudantes. que então protestavam contra o
aumento do preço dos cinemas. l ,ogo depoi s. iniciaram eles uma ·:tilo-holw .. e m
frente ao ( 'ine-Uherlétndiu. Tudo poderia ter terminado aí. não fossem os elementos
pela tragédia: w-ruoceiros. <111ehradores <' saqueadores. Sendo que. entre o último
grupo. notou ele a grande presença de mulheres que apunhavum da J>c>lício c:01110 se
/ássem homens.
Por último. coloca que a opin ião corrente em Uberlândia era a de que o
movimento l'oi orgcmiz(ll/o <! dirigido JJor co111111'1istcrs. que usaram o aumento do cinema
Ou seja. tira-se dos agentes a responsabilidade política por suas ac; Cícs. Nesse
saqueadoras. le vando comida a seus lares. essas pessoas estavam loucas e fa mintas. e
foram usadas por ele mentos estmnhos que. plan~jaclamentc. numa ação articulada e
organ izada. se infiltraram no meio ele uma movimentação pacífica. para co locarem
cm prática seu funesto plano. O .. bom uherlanclensc " tói apenas uma vítim a: ora ela
lado . estava o povo e. de outro. u ;wlício. Segundo esta pers pectiva. tudo acontece u
por causa ela corestio. pois os 11her/011denses ,·inhom mos/rondo-se irritoclos com u
elevação verliRinosa do c11s10 de ,·ido e 11(10 puderam conter os nervos quonclo til'ermn
pilhagens.
Como podemos perceber. ,1 n:po riagcm rcsponsabi Iiza diretamente o :tito custo
ele vicia e a carestia pelo descontentamento d,1 população. Não é mais a fome. dis tante
e s ubjeti va . que comanda as ope raçi'les: são os aumentos de preço vertig inosos que
então ocorriam.
que permite v isuali7.ar doi s g rupos ele manifestantes: aqueles que ag iam moti vados pe la
carestia. e aquel es que estavam ali apenas para tumultuar e reali z;-ir saques.
aproveitando-se cio mome nto. Note-se que. t,tnto n opção política pc:lo com unis mo.
quanto os títulos ele arruaceiros L' m;1rg inai s siio co locados numa escala próxima ele
valores. num níve l próximo de pcricu los idaclc. justificando o receio que então tinha-se
cios adeptos do PCB que. seg undo os .iorna1s locai s . transformaram U be rlitndia cm
Partido Comunista local. nos ~1prcscnta sua versão cios acontecimentos de 1 ' JS C): "( .. )
nw111ele temJJO e11 viviCI 11CI rua. e111ao e11 ,·ir, os. os hlocos. -/ . 5 de lú e ,,11 JJercehiu
(Jllalq11er coisa no or. f/11<' /1u1'io 11111 tle.,·co11/e11rum,,11ro muiro grondc e 111110
popular. (.. .) J.:.:ntüo. jái 11111 111ovi111e1110 C'spomâneo. Nâo fái guiado por ninguém
Por outro lado. os doc umentos nos apontam ter se tratado de uma manifestação
espontânea .. Aliús. esse seria um cios fatores que levou ao arquivamento do inquérito
então aberto para apurar responsabilidades. Não poclen1os afirmar se hou, e ou não
nos cabe dizer. O que se evidencia é o interesse que a imprensa e as elites dirigentes
31
· BOUZAN. Wa lter. Op. cit.
3
' C!\ LÁ BR IA. Olívia. Entrcvi sw conced ida no l'ro_jcto Depoi111entos. parceria entre a Prefeitura
Municipal ele Uberlânclia e n Secretar ia l'vlun icipal de Cultura. cm 19/01 / 1990, Teatro Rondon Pacheco,
Uberlândia-MG. Este clepo i111ento. junto a outros que aborda111 vúrias te111úticas a respeito da cidade de
lJ bcrlând ia e que não fora111 uti I iz;iclo s neste trabalho por opçôes metodo lógicas. estào eata logndos e
disponíveis no J\rquivo Público ele Uberl,1ndia .
38
pacata e ordeira que tornou a l Jhcrlünd ia desse pe ríodo conhecida pelos n1d inomes
de .. ( "idaclc-.lmdim··. ··( 'i dmlc- fvlaravi lh.1·· l' ··:vtctrópolc cio Interior".
i\ própria lJESl! (l J11i i"io cios ht uda 111es Séc unclnrios de lJ berlânclia) manifestou-
se a respeito do seu e nvo lvime nto no quchr;1 -quebra . pois apesa r de ter O l) ..!ll l1i zado a
qualquer man i/est aç·üo se melhante (to '<111e hra-q ue hra · </ ue Sl' origi1101136 a fí rmando
ainda que o núme ro de estudantes nas viol e ntas man ifestações era insignificante.
i\. repo rtagem da Re,·isto Manchet e segue mostrando que Uberlândia. por sua
iniciou o orra.,·wnento dos quatro cinemas. ;\ polícia. com upenas 25 homens, pouco
pode jázer. No o utro dia. três mil ;1essous arrasaram duas casas comer·c iais . Não
centro da cidade, ahriu .fágo. matando dois jovens e f erindo mais de wno centena de
pes.,·oos. 22 das <JUois grm'l'l17ente . 1\ c idade. e ntão. parecio 11111 campo de /)({falha .
Sabemos que. e m 11m u1111;Jo de hutctllw. a lei que domina é "mata r 011 morre r··.
Aqui. a pol ícia não eslava sendo ameaçada diretamente. Mas o capital pri vado
estava.
-"• l J FS l J esclarece ··opcrnçJo l-'i l,1-hoha ... ( ·orr<'iu Ili' 1 1/wrlândio . 24/0 I/ I 959. p.05.
l ,ogo . colocando-se ao lado cio capital. os manifestantes eram os 11111111gos
diretos ela po lícia. \/e_ia bem que m,o JJodendo mais controlar o situaçao. a polícia a bre
f'o go . causando mortes e le ric\os. Logo. a sua intervenção j ustilica-se pela necess idade
Agiu a po lícia cm no me de um dever maior que a vicia dos mani fes tantes . :\giu cm
nome do capital.
desenvol vimento. v ivenciou um acontec ime nto não previsto pelos discursos
do minantes. Mas era preciso que se r11wg11em os vestígios cio quebra-quebra. que se
exclu ísse. mesmo demorando muitos meses. essa mancha negra que o quebra
Quando nos vo ltamos para a imprensa local. tendo como obj eto de rn1úliscs os
1
N um primeiro momento. na edi ção do dia 19/0 1/ IC) 59·'' • pr1111 e1ro dia do
quebra. o jornal ( J NeJJárrer apo ntava que a COFA P (Comissão I·cdera l ele
37
Poss ive lmente. o repórter se refere à 1852. quando teve ori gem o d istrito de São Pedro do l Jbcrabinhn.
que posteriormente originou a c idade de l Jberlfü1d ia .
.rn Ao abordar os jorna is Correio de l Jberl ündia e O Repórter. percebemo s que ambos tendem a um a
li nha conservadora. Porém . mesmo que estes expressem uma consonância com os idea is
desenvolv irnent istas em voga ú t:pocn. observam os g raus diferentes de cumplicidade dos jornais com
relação ao governo. Durante todo o período por nós pcsqu isado ( 1950-1970) notamos que. pnralelamente
ús a pologias ao desenvolvimentism o. há também a inc iclcncia de notícias retratando vúrios problemas
socia is presentes neste período. Isso ocorre , ·111 maior grau no jornal O Repórter. nws niio chega a
caracteri zar uma oposição defin ida ao govern o e ~eus projetos. A té porquê não se l'em uma critica
direta à causa maior destes problcmns. ou 11111a rela ção destes com as lacu1rns dc1 po lítica
-10
pelo aumento do preço dos cinemas. onde o res11ltado fúnesfo m7o se fe:: ('SJ )erar. c'm
q11ando a maior culpado era o ( 'OF!lf>. <Írgao gol'ernam('nfal sem eq11ilíhrio (' sem
Doi s dias depois. no dia 21 /OI í l 959~ 0 • o jornal jú apontava que 1111,u slÍciu de
/\ revo lta popular. que num primeiro momento aparece como pr,H icamcnle
inevitável fren te aos des mandos da COF/\P. ilcgi tima-se quando torna-se açJo de unw
m11/tidéio de vândalos (Jlle mio protesl(fl'O contra noda·lf O que houve. de ncnrdo com
protesto pelo a lto custo de vida . Pois . passado o movimento iniciaL quando olguém
descnvolvirn entista. Os documentos pesqu isndos encontram -se disponíveis no /\rquivo PLJb lico
Mun icipa l de Ubcrlândin.
~" "l)eprcdndos e arrasados os quatro cincmns da cidncte··. () Re;Hír1er. l Jberlândia. 19/0J / 195 1). p.01 .
.m "A rrombamento, pi lhngem e incêndio ... () Re;J<írter. U berlàndia. 21 /O1/ 1959. p.01 .
· ''Ubcr lãndia em praça de guerra... ( ·u/'/'eio ele Uher/<intlia, Uberlândia, 22/01 / 1959. p O1.
11
41
1111cw1s. gente seno. estudantes. co111erc1w·1os. afastaram-se para dar lugar aos
2
111 <)!.e"f
.. 1,1es uas
'I l l f·f,,.,.-1
L , .
Nesses trechos ela reportagem. percebemos que há uma clara dis tinção entre
moleques das vilas: como a dizer que aqueles que habitavam as periferias. logo. as
rouhado. es/ómeado. sem ninguém qw! os defendesse dos preços extorsivos. l ,ogo. f'o i
a eclosão desses rec:al<1ues <1ue comandou u muliidüo enfúrec:ida. Foi o choque entre o
suportaram mais ver o c:horo júminto de oi/o .filhos num harracêío desconf'ortcível. os
que não sahem o que é governo. os que ignoram que o culpado pela sua miséria se
.faminto .. e re força a distinção e ntre a popu lação pobre revoltada, que se mani f'e stava na
depredavam e roubavam . Os primeiros raziam parte ela população ordeira e tra balhadora
que caracteriza o di scurso <las dites diri gentes e que, cm função da insatisfação com os
42
·'Povo protestou contra aumento no preço dos c inemas: depredou''. C'orr<!io de Uherlúndia.
Uberlândia, 22/ 0 1! 1959, p.O1.
13
· "Aproveitadores saquearam ú sombra da revolta ele um povo fam into". Correio de Uherlúnd io.
1: para controlar esses 11wfc<Jllt'S dus ,'i!us 1·oi requi s itado reforços po liciai s de
outras cidades. os quai s ogiro111 com o n1úâmo energia. quatro mortos. s e folosse111.
rajadas de me/ralhadoras.
estado '·natura l" das coisas. l)e um lado. os detentores cio capital. os donos de quase
e ntre os quais 14.848 estuda ntes. tra nsfo rmou-se cm algo maior: um proteste) co ntra as
péssimas condições de vicia de uma grande parcela da população que não foi incluída
nos benefíc ios da m oderni zação. /\s camadas populares. ao de monstrarem sua
capacidade política de resistência ao status estabe lec ido. contrariavam a visão burguesa
Porém. nem mesmo esse protesto parece ter s ido compreendido e retratado c m
sua verdadeira signifi cação. lJ m indício disto é quando esse mesmo jornal al'írma que o
moteriol orrancado aos cinemos l'l'O /J'(t:ido para a rua. entre gritos. <' incendiado
11
·• " f>o I íc ia ch egou e atuou com mú:,; inrn energ ia... ( '< 1rrl'i,, de l Jhcrlúndiu , l Jherlí\nd ia. 22i 0 I .' 19 .',9. p.O 1.
43
sohre o aslalto. Perigosus .fágueirus erg uiwn chamas parn o alto. enquanto o rnultidc7o
.brclim'". que . sab ia m. nào so luciona ria se us problemas e nem os elegeria a participm
dos caminhos da cidadania. l~ntre .. o nuro e a mi séri a'·. some nte esta últim a lhes cabia.
gravara à sua história. até esse momento tão bem conduzida pe la ótica otimista do
progresso.
Presidente da Associação den unciava que Uherl{mdia e seu povo ncio mereciam 111110
tc7o infeliz propllgllnda. Os responsáveis pelo fáto. p orque responsáveis de1·,,m existir.
() 11/ro é a e il ·i Iiz m.:üo do 11he ri ondense. 1(10 a/eito ao t rahalho, cro / Jrogresso,
15
• Índice citado cm : V /\SCONCEI.l .OS. Maria Hekna 1:alcão. Dim de l 'ioh;nciu: O Quebrn. <·ampinns.
SP: Editora da UN ICAM P. 1999.
11
• • ·'Povo protestou contra aumento no preço dos cinemas: depredou'' . C'orreio Jc Uher/úndiu .
/
44
Cap. 2:
da história ornl
estopim foi o aumento dos preços da entrada dos cinemas, que passou de 18 para 30
boba", aglomerando-se nas portas dos cinemas que, posteriormente, foram invadidos
protestando e destruindo.
49
" Povo protestou contra aumento no preço dos cinemas: depredou". Correio de Uberlândia, 22/01/59,
p.0 1
46
cidade, local para onde foi quase todo o contigente policial. Entretanto, lá havia
apenas muJheres e crianças, que tentavam chamar a atenção dos policiais, eng uanto na
Após esses saques, chegou reforço policial de Belo Horizonte e a violência voltou-
presas. 51
do momento atual de suas vidas. Valores, opiniões, mágoas, frustrações, saudades ...
tudo se mescla quando tentamos resgatar suas memórias. Memórias que, para nós,
revelar o que foi o quebra, ou o que não foi, ou ainda, o que o entrevistado gostaria
nossos interlocutores carrega suas verdades. E, aqui, não pretendemos emitir juízo
50
"Movimento marcou um ponto e atacou outro: estratégia". Correio de Uberlândia, Uberlândia
22/0 1/59, p.01.
51
Dados todos obtidos jornal Correio de Uberlândia, Uberlândia, 22/01 /59.
47
que têm o caráter de História Não nos cabe, enquanto historiadores, esse papel. Se o
conflito de olhares nos apresenta diferentes nuances de um mesmo fato histórico, cabe-
nos analisar os elementos constituintes dessa memória, como ela se organiza, que
necessária para não cairmos em extremismos onde a fonte oral passa a falar por nós,
Um dos aspectos mais interessantes propiciados por este tipo de fonte é que não
apenas se chega ao conhecimento dos fatos, mas também à forma como o indivíduo os
Em nossa concepção, a história oral lida com fontes orais, enquanto uma
funções específicas que somente uma ou outra pode preencher (ou que um conjunto de
fontes orais termina por cancelar suas contribuições ao debate historiográfico, tomando-
48
as ou meros suportes para fontes tradicionais escritas, ou cura ilusória para todas as
doenças.52
documentos e narrativas.
"ideológica", de forma que, uma vez desmontada esta última, se possa asswrur a
discurso, uma vez que a análise não é investigação policial. A análise, em síntese, não
seus gestos, o ator se torna sujeito de seus próprios atos, percebendo seu papel singular
52
PORTELLI, Alessandro. O que faz a história oral diferente. ln: Revista Projeto História. São Paulo:
PUC/SP, nº 14, fev./77, p. 26.
53
Ver: PORlELLJ., Alessandro. O massacre de Civitella Vai dí Chiana: mito e política, luto e senso
comwn. ln: FERREIRA, Marieta de Morais e AMADO, Janaína (OrgsJ. Usos e Abusos da História
Oral. z' ed. Rio de Janeiro: FGV, 1998.
54
FIORIN, José Luiz. Linguagem e Ideologia. São Paulo: Editora Ática, 1990.
49
pouco representados nos documentos escritos. mas elas também trazem a possibilidade
vivências, pois ... " fontes orais podem não adicionar muito ao que já sabemos, por
exemplo. o custo material de uma greve para os trabalhadores envolvidos: mas contam-
O entrevistado não relata um fato como ele aconteceu, mas sim a partir de
algumas memórias que ele considera mais importantes, e ao mesmo tempo renunciando
a outras. E essa reelaboração sempre se faz à luz do seu presente. Mas, ao rememorar
sua trajetória, o depoente está também procurando construir sua própria identidade,
PORTELLI, Alessandro. O que faz a história oral diferente. ln: Revista Pr~jeto História. São Paulo:
Só
PUC/SP, nº 14, fev./77, p. 29-30.
50
.
2.2 - "E pior um estouro de povo do que um estouro de boiada"~ .
1959 a cidade possuía menos de 90.000 habitantes, conforme dados do IBGE de 1960.
Era conhecida por seu povo pacato e ordeiro e, entre outros títulos, era conhecida como
"Cidade Jardim".
período (final dos anos 50) era um dos principais motivos que tornava Uberlândia um
lugar bom para se viver. Obviamente devemos perceber esses relatos, feito nos anos 90,
depoentes nas suas trajetórias de vida Hoje Uberlândia conta com mais de meio
violência Essa vivência de hoje talvez explique a ênfase que os depoentes deram à sua
ausência no ontem:
"Era uma cidade boa, só que era pequeno Uberlándia naquele tempo.
Uberlândia era ... eu saía do cinema sozinha, cinco minutos tava em casa " 57.
"A minha vó dormia com a porta cerrada. Não tinha ladrão, era uma cidade
boa dimais. Num tinha nada. Uberlândia era uma cidade boa dimais. Não ... cê num via
s6 REZENDE, Raul Pereira de. Entrevista concedida ao Projeto Oepoim(.'l'ltos, em 24/0 111990, Teatro
Rondon Pacheco, Ubcrlândia-MG. O depoente foi Vereador por 04 vezes, Vice-Prefeito e Prefeito de
Uberlândia.
s, SOARES, Vicentina. Reside em Uberlândia desde 1927; trabalha nos cinemas da cidade há 60
anos. Atuou como lanterninha e, atualmente, é porteira. Trabalhava no Cine Éden quando houve o
quebra. Tem 78 anos. Entrevista realizada em 26/09/2001, Uberlândia-MG.
51
falar em nada de violência em Uberlândia não. Isso era raro. (. .) Minha vó sa ia pra
"Tinha pobreza sim. E muita. Não era poca não. A gente vivia ajudando aí, que
Uberlândia era pequena, todo mundo podia. Tinha pobreza sim ".59
"Tinha muita pobreza. Toda vida tinha muita pobreza. Sempre as mulheres de
antigamente lavava roupa pra fora, os mu/eque quando era pequeno engraxava na
porta de bar. Essa vida assim. Estudar mesmo, por exemplo, igual no meu caso,
Analisando essas falas, podemos pensar que há uma contradição na visão que
cidade com tanta pobreza podia ser uma cidade boa? Note-se que selecionamos falas
Aparente porque o ser humano tem vários planos de existência. Logo, no plano da
tranqüilidade, da não violência, das relações interpessoais, Uberlândia era uma cidade
boa, uma ''Cidade Jardim". Mas, certamente, enquanto pessoas de categorias menos
abastadas, Vicentina Soares e Eurf pedes José percebiam a pobreza latente que reinava
58
SANTOS, Eurípedes José dos. Funcionário Público. Natural de Araguari-MG, nascido em
02/04/1951 ; estudou até o 4• ano primário; Tinha 09 anos quando aconteceu o quebra. Entrevista
realizada cm 03/ 10/200 1, Uberlândia-MG.
59
SOARES, Vicentina. Entrevista. 26/09/200 1
60
SANTOS, Eurípedes José dos. Entrevista. 03/10/2001 .
52
na cidade. Mas como o mito da "Cidade Jardim" conseguiu fazer-se predomilllar com
tanta força?
falamos de um mito, não falamos de mentiras, mas de uma verdade, uma evidência Ele
tem uma base sólida e só se realiza se tem o pé assentado na realidade objetiva pré-
O mito impõe-se com toda sua autonomia Constitue ele próprio um sistema de
crença coerente e completo. Para Raoul Girardet61 é equivocadamente que se crê que o
inspiração ideal, podendo conduzir os homens para o bem ou para o mal, mas que lhes é
jardim, se desfaz para dar lugar a uma interpretação dos discursos dotada de sentido e
quebra:
"O povo tem umas coisas que a gente não entende. É um repente, não é?? Pra
maldade principalmente. ( ..) Então porque que depredaram o cinema? Vão dizer que
53
depredaram o cinema no quebra-quebra aqui porque eles estavam vendendo caro, mas
por que que foram depredar o Messias Pedreiro e outros? Armas, como naquele... tinha
uma casa de armas na esquina ali perto do Messias Pedreiro também, que eles
arrebentaram lá, carregando armas, quer dizer, sacos, malas de sacos vazios, né, pra
colocar arroz, quer dizer... Então a gente não entende o povo; uma hora dessa é um
instituído e a ordem dada. "Incapaz" de fazer uma relação entre o aumento do preço dos
de povo é incontrolável.
Se essas pessoas eram privadas de uma alimentação decente, mínimo para sua
janeiro:
"Eu fiquei na esquina ali na, nesta hora eu estava na esquina ali, na do
Fórum ali, apreciano as... , aquela bagunça. Passa um, um escurim perto de mim com
um violão. Ele pegô, entró lá dentro, tanta coisa valiosa lá dentro do Caparelli, do
Armazém Caparelli, ele pegou um violãozinho daqueles vermelho, e veio com ele,
pass6 perto de mim sorrino e faló assim "Eu aprendi a dedilhar o pinho tem mais de
61
GIRARDET, Raoul. Mitos e Mitologias Políticas. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.
62
REZENDE, Raul Pereira de. Entrevista. 24/01/1990.
54
dez anos e nunca pude ter um violão. Agora eu tenho um ". (risos) Eu, se fosse hoje
eu teria chorado, da inocência dele. Achar que aquilo era, era natural. Ele fez
aquilo como se aquilo fosse natural. Ele rava alegre, falá : "nunca pude ter um
que então era funcionária do Cine Éden, relembra a violência com que se deu a
mim, e eu fechei o cinema e vim imbora. Mais num demorou dez minutos já tinha
quebrado tudo, eles viera correno. Es pegava a lata de fita assim e jogava avenida
64
abaixo ".
memória:
63
OLIVEIRA, José Alberto de. Natural de Fonniga-MG, nascido cm 1949: estudou até o i' ano
primário; Atuou como varredor, tipógrafo, impressor, diagramador e revisor do Jornal Correio de
Uberlândia. Posteriormente, como Jornalista e ex-Diretor do Jornal O Triângulo por 26 anos.
Entrevista realiz.ada em 18/10/2001, Uberlândia -MG.
64
SOARES, Vicentina. Entrevista. 26/09/2001.
55
"Nó, mais se ocê vê o estrago? Igual eu, por exemplo, eu era, nesta época
eu cheguei, que eu conhecia o cinema igual a palma da mão da gente, né, era
pioio lá di dentro, que eu cheguei, que eu vi aquilo, falei "não, mais num pode
gente ". Cê via cadera tudo quebrada, curtina tudo rasgada, pedaço de curtina pra
todo lado, o povo carregando aquilo. Nossa, mais teve aquela calamidade. " 65
revolta popular trouxe para a cidade. Não queremos aqui, no entanto, legitimar a
máxima de cidade pacata e ordeira tão apregoada pela imprensa local, como pudemos
perceber no capitulo O1. Apenas lembrar que o quebra-quebra foi o maior movimento
de protesto urbano vivido pela cidade até então. Logo, tomou-se marco na história de
Uberlãndia por conseguir expor uma outra face da "Cidade Jardim". Não que os
população; mas é neste momento que os poderes instituídos, seja o governo ou a polícia,
perdem o controle sobre os anseios da população e esta expõe toda a sua revolta, talvez
todas... carregando os trem para casa, depois eles começaram roubando arroz, esses
65
SANTOS, Ewipedes José dos. Entrevista. 03/10/2001 .
66
SOARES, Vicentina. Entrevista. 26/09/2001.
56
"Foi a polícia que chegou de Belo Horizonte e pós o pau para quebrar e parou.
Mais ainda ficou uns 08 dias perseguindo o povo, eles queria botar o pau para
quebrar".6 7
"Mais o sofrimento dessa tragédia não foi só ai não, num foi só com as mortes,
num foi não. Isso duró meses e meses. As pessoas carregaram essas mercadorias e
começou a ... ai o que que viró?! Amigo ficou contra amigo, parente delatava parente.
Falava: fulano tem, fulano carregô porque lá na casa dele tem. ( ..) É, então, o povo, de
recolhendo as mercadorias de volta. Sofria, aqueles que deviam e aqueles que não
"Ai depois então, quando a polícia tomou posição, aquelas pessoas que tinham
carregado sacos de arroz, sacos de feijão, pratos, bacias e tudo do armazém, queria se
livrar daqueles objetos. Então a gente encontrava sacos de arroz, porque no dia
seguinte eu sai andando e a gente via pelos matos assim, né, naqueles terrenos baldios,
sacos de arroz, por ali, bacias, que o povo ia pondo lá pra ficar livre da policia, não é?
AI eu.fui numa casa, tinha uma velhinha, lava chorando demais. Então eu falei: Mais
porque que a senhora tá chorando? Ela falou assim: Ah, menina. Eu fui lá, peguei meia
dúzia de xícaras para mim e agora ntio sei o que que eu faço com essas xicaras. (risos)
Então eu falei: Ah, não incomoda com isso, não. Fica com essas xicaras ai. A sra. vai
67
SOARES. Vicentina. Entrevista. 26/09/2001.
68
OLIVEIRA, José Alberto de. Entrevista. 18/10/2001.
69
CALÁBRIA, Olívia. Entrevista. 19/01/1990.
57
parte da polícia. E essa violência continuou posteriormente aos dias do quebra Para
alguns ela se apresentou na forma de castigos corporais. Para outros, através das
induzir que as pessoas delatassem parentes e amigos, a população também criou formas
de ficar livre das punições impostas àqueles que eram descobertos com objetos dos
saques. Uma dessas estratégias era abandonar esses objetos em lugares ermos. Essas
pessoas pretendiam, mais do que evitar serem maltratadas pela polícia, evitar
aqueles que, por alguns instantes, foram proprietários de "pequenas riquezas". Um saco
"Então teve um senhor, porque sempre tem aqueles que são os mais azarados,
né? Então eles prenderam um senhor. Eu me esqueci o nome dele... gente trabalhador.
humilde, mas gente conhecido na cidade, né. Eles puseram esse pobre coitado num
caminhão, a polícia, e saia na cidade, né, com aquela faixa LADRÃO, porque tinha
roubado arroz, feijão, lá. (..) Então ele... depois que passou tudo ele pegou a família e
foi embora pra São Paulo. Não pôde ficar em Uberlándia. Ficou com vergonha ". 70
desafiar o instituído são expostos a público, para que sirvam de exemplo e lembrança
quando alguém ousar pensar em se rebelar novamente. A violência presente neste ato,
que se manifesta na humilhação da exposição pública, se insere nas disputas das forças
colocados em xeque. Para alguns, o único caminho possível é ir viver em outro lugar,
pacífica: "Não, eu num lembro de ter visto falar que, que teve morte não, porque uma
que não teve confronto. É, não teve confronto porque não existia policiamento e tal,
"Então eu, naquele época também tava, tinha uma certa atuação na cidade. eu
mandar todo mundo recolher vai ser um Deus nos acuda. Vamos pra rádio, vamos pra
televisão, vamos fazer isso ", "Ah! Mas será que dá certo? " "Não, vai dar. Tem que dar
certo!" E fomos. Depois botou a polícia na rua. Quer dizer, então as familia deixou de
sair naquele horário e não foi criando dificuldades. Então ficou só os baderneiros e os
baderneiros era fácil da polícia resolver. Com pouca coisa acalmou a cidade. (..)Até aí
71
DAMAZO, José Ferreira. Natural de Rio Paraíba-MG, nascido em 04/12/1930; reside em Uberlãndia
desde 10/03/1952; Trabalhou no IBGE de abril de 1952 a junho 1% l ; posterionnente foi gerente de
cinemas por mais de 20 anos; atualmente é aposentado. Entrevista realizada em 03/10/2001, Uberlândia -
MG.
59
baderneiros, tão presente nas matérias da imprensa local. Os baderneiros eram caso de
policia, caso fácil de resolver. A violência que matou 04 pessoas73 durante o quebra-
quebra seria usada também na prisão, com a conivência do poder público, para castigar
arquivado. Umas das hipóteses possíveis para que isso tenha ocorrido é o envolvimento
"Era / É gente daqui mesmo. E num era... , como se diz na gíria, os pé-de-chinelo
" Foi pros armazéns e carregaram tudo. Ai então ficou ... quando houve quebra-
quebra assim e que atingiu os armazéns, o povo tudo achou de vir, de ir, fazer o ...
buscar as coisas. né?. Não é roubo buscar, né? Então teve gente que pegou pratos,
pegava... Teve gente que fez roubo mesmo. Conheço uma que Já morreu, coitada, de
câncer ainda. Então, ela pegou um aparelho de prato de porcelana, pôs dentro do
72
REZENDE, Raul Pereira de. Entrevista. 24/0 1/1990.
73
Esse dado é divergente de acordo com a fonte. Nos jornais, o número de mortos varia de dois a quatro.
Nos depoimentos, de zero a dezesseis mortes.
74
DAMAZO, José Ferreira. Entrevista. 03/10/2001 .
60
caminhão, do carro dela e levou para Goiás. Não sei pra onde que ela foi esconder
Para o Sr. José Alberto 76, o motivo principal do quebra-quebra ter se tomado
"(..) os estudantes, eles erraram, eles tiveram um erro muito grande, porque
eles num tinham liderança. Eles num tava preparado prum protesto daquele tipo.
Eles num estavam preparado, num tinham liderança, porque prá fazer um protesto,
um movimento desse tem que ter liderança, tem que ter alguém que lidere aquilo e
eles num tinham.(..) Aí foi aquela...aí já num era, num era estudante, num era
de liderança, os estudantes quizero sair fora, mais, eles não tinham mais força
contra... eles perdero o controle todim do protesto que eles tavam fazeno. Perdero o .. ,
de Oliveira foi jornalista ("prático", pois possui apenas o 2• ano primário de educação
diagramador e revisor do jornal. Dedicando grande parte de sua vida à imprensa, suas
7
) CALÁBRIA, Olívia. Entrevista. 19/0 li 1990.
76
OLIVEIRA, José Alberto de. Entrevista. 18/10/2001 .
61
"Eles era um grupinho mais ou menos duns cem a cento e vinte estudantes.
Num tinha mais do que isso não. Mas quando eles chegara no Éden, ali perto do
Fórum, o grupinho era trezentos, porque teve infiltração de pessoas estranhas, que não
eram estudante coisa nenhuma. eram pessoas política. Eu num gosto de f alar porque
eu nunca .fui contra comunista, mas o que todo mundo diz é que en tão, que/oram os
comunistas. " 11
pobreza como motivos importantes para a existência do quebra. Mesmo que não
consigam articular uma reflexão sistematizada sobre a causa desses problemas sociais,
eles são apontados como indícios, não justificativas, para esse movimento:
"(..) eu acho que tinha muita população pobre no meio querendo pegar os trem
"Uai, na época, eu via falar, era porque as coisa tava muito cara, o cinema tava
muito caro. a carestia de tudo tava muito caro, e eu lembro mais ou menos por aí que
começou por causa disso aí. A inflação, na época, es falava que tava muito caro. O
"Curtina ... , aqui ó, nesse sacolão aqui linha um campo de fa tebol. naonde a
polícia treinava. No outro dia os cavalo aí ó amanheceu tudo com curtina de seda
77
OLIVEIRA, José Alberto de. Entrevista.1 8/10/2001.
78
SOARES. Vicentina. Entrevista. 26/09/2001.
62
amarrada no pescoço des (risos). Os cavalo, esses cavalo que fica, naquele
tempo era pequeno, num tinha perigo de roubo, eles marravam curtina do Cine
consegue resgatar também como uma família pouco abastada percebeu os saques
economia familiar. Algo que, naquele momento de extrema pobreza e carestia, lhes
"Mas, quando chegamo lá ... essa João Pessoa (Avenida) na época, tava
igual uma cidade de gente. Tinha carroceiro, lambreta, bicicleta. E aquele povo
quebrando, Jogando arroiz no chão, e feijão. Era nego carregando tacho, aquela
lambreta lá fora e entrou. Aí ele veio com arroiz, pois na lambreta e nós
truxemos. Aí, foi aquela festa, né? E voltamo di novo, voltamo di novo... , demos
política repressora dos saques não lhes faltaram subterfúgios para não entregarem
instituída:
79
SANTOS, Euripedes José dos. Entrevista.03/10/200 1.
80
SOARES, Vicentina. Entrevista. 26/09/200 1.
81
SANTOS, Eurfpedes José dos. Entrevista.03/1 0/2001.
63
"Tinha um baneiral lá no fando, ele era redondo assim. Então, no meio era
cheio daquelas raizinhas da bananeira, da própria bananeira, que a terra foi ficando
fofa e as raízes ficando de fora. Ali mesmo o meu irmão jurou um buraco
quadrado e pois saco de linha. Na época falava saco de linha. Pós o arroz, pós lata
de banha, pós feijão, pós saco de linha por cima depois, pois a terra, socou com o
pé e, cê acredita, fez assim com a mão, assim ó... , e aguou, que es passaram por
fo ram variadas. Em todas elas o que se destaca não é o fato em si, mas o que ele
na fala das pessoas comuns, conceitos diferenciados daqueles expressos pela elite
Uberlândia.
Por outro lado, algumas referências comuns são encontradas em várias fontes,
omitir a situação caótica porque passava o país, quando tenta achar uma
cada depoente elege os elementos que, segundo sua experiência de vida, constituíram o
s2 i Idem.
64
foi um movimento sem motivos, para outros agentes ele tem outra significação: a
suas vivências.
tarefa de não apenas legitimar uma memória enquanto a única versão possível da
Cap. 03:
Imagens do <1uebrn-quebn1
1
Teima Campanha de C11rval/u/
quebra-quebra de 1959. não pretendíamos com isso dizer que poderíamos aqui esgotar
fotografia nos apresenta mais urna possibi lidade ele análise desse conturbado momento
redefinições importantes nas Ciltimas décadas. 1~m 1929. Marc Bloch e Lucicn f ebvre.
~, CA RVALHO, Teima Campanha ele. Fo1ogra/iu l ' ( 'idade: São Paulo na década de 1930. Süo Paulo:
PUC, 1999. (dissertação) p.08
85
Ver: BU RKE. Peter. A 1:·.1·cola dos Annules l lJ29- l 989: a revo lução francesa ela h istoriogrn fia. São
Pau lo: Ed itora UNES!\ 1997 .
(l(l
buscarem outras possi bi Iidades documentais. Desde então. a noção de documento vem
sendo ampliada.
resistência dos pesquisadores que. por muito tempo. desconfiaram da "c ientífi ci dade·· da
"A f<Jfografia. pint11rC1. desenho ou qualquer outro rneio que recrie ti reC1!idade
que não seja a escrita. llO ser utilizada como .fónte histórica. teve. nu111 primeiro
momento. fárte movimento de resisténcio pela maioria dos académicos. que nc7o
séculos. como m éwdo organizucionul científico. inihiu o truhlllho com outrC/s .fántes
no (jUCII u imagem .figuraiivu /01 ·11011-., e tao 11.rndo e difúndida tal qual a escrita. foz-se
necessário a revisão das fi>ntes que podemos trabalhar pC1rC1 a elahornçüo de uma
85
análise histórica. "
Essas mudanças foram poss íveis por ser a História também uma narrativa que
clernancla sensibilidade estética. na mcc\ic\a e1n que o h isloriaclor uti Iiz;i ele suas
85
C ARVALHO , Teima Campanha de. Fotogm/i(/ e (.'icludc: : São Paulo na década de 1930. SC10 Pau lo:
PUC, 1999. (dissertação) p. Q<)
67
como o fotógrafo foz emergir seu olhar sobre algo. expresso na forma como ele se
re laciona com a arte que produz e com a soc iedade que vivencia.
simbó licas. o momento por ele registrado traz uma imagem diierente quando revelado.
demonstra suas possibilidades como fonte. Até porque. ao contrário de outras categorias
sentimentos. mas o próprio autor não domina toda a significação <la imagem que
produz. Como o objetivo primeiro da fotografia é ser olhada. ela é a interação entre seu
papel comparável àquele do neurát ico no ordem médiul. Em vez de reporwr-se oos
igullímente. a outras imagens.· ela fórrn11lcr. assim. um tipo autánomo de di.w.:11rso. Nesse!
8(,
nnpert mencw.
• o A • ..
fidedigna. O fotógrafo. no alo de tirar uma l'o to. pri vilegia um foco que lhe interessa.
se, FERRO, Marc. Image. ln: LE GOFF . .J acqm:s. (org.). /,a 11u11ve/le histoire. Paris: Retz. 1978. p.24ô.
68
dando vazão a um desejo subjetivo de recortar a realidade de tal modo. e não de outro.
Logo. a fotografia é muito rnais uma representação possível ele algo. entre tantas outras.
Não é sinônimo da realidade e nem congelamento desta. Tanto isto L' verdade
que. duas pe.s soas. fotogra!'ando um mesmo objeto. o perceberão crn d iJcrcntes
a sua leitura daquele momento. A lém da ilustração. de uma possível 'duplicação' cio
real. a foto diz outras coisas. São estas outras coisas que se tornam objeto de a nMisc do
historiador.
também vestígio do rea l. Assim sendo. ela torna possível a verificação ck elementos
fonte insubstituível. Insubstituível. mas não autúnoma. Logo. corno fonte histórica. n
.fótógraf'o. ·,s-
metodológico. Essas duas fontes são eminentemente subjetivas e devem ser analisadas
como tai s . Quando levamos cm conta esse caráter subjetivo. atentamos para a
7
~ C,RAN[T-t\BISSET. t\1111c Marie. OI l istorindor e ,1 Fotografia. Tradução Yarn Aun Khou1·~. l n:
Hevisfa Prnjeto l / istôriu. São Pau lo: LL>UC. 2000. 11°24. p. 16.
necessidade de não cedermos à fascinação de tornarmos essas fon tes corno detentoras da
( nesta perspectiva que pri vikgiél rnos neste capítulos 1:ssas duas romcs . a oral e
a imagética (fotografias) para tentarmos percebe r o papel dese mpenhado pe los cinemas
i'.; particularmente pe la fun ção soe i.li da fotografia que a pe rce be mos enquanto
representação. Fotog rafar não é jamais um ato neutro. Atrús das imagens produz idas.
oficiaL cm 1839. traduziu-se numa busca de retratar o mai s fielmente a real idade: de
desconhecido: e ternizando momentos . !'a tos. pessoas. Logo. os sentimentos que uma
fotografia suscita (saudade. amor. carinho. alegria. emoção. rai va. tristeza). faz crer que
aquela imagem realmente é parte capturada da rea lidade. Esta perspectiva desconside ra
Por outro lado. a fotogral'ia ~ também um instrume nto de presc rv,1ção dos
s ímbolos de um mo me nto hi stó rico : urna inte rlocutora a mais das élÇÕcs de um
rev ista () ( 'ruzeiro 8 8 acompanhando os textos escritos nas matérias que noLiciaram o
Po rém . enquanto texto-s igno que tem ex istência própria, optamos por apresentá-las
separadamente. le ndo-as. a pa rtir dos dementos que elas nos trazem. co mo parte
Neste capítulo analisaremos o papel dos cinemas e dos a rmazéns. alvos diretos
do quebra-quebra. no contexto de 1959. /\s fotogra fi as serão. junto a out ras fontes.
quebra de 1959. São eles: l'inL' l Jherlândia . C' ine Regente. C ine l~den e l'aratodos .
Destes. os dois últimos. menos luxuosos. crnm mais vo ltados parn ,is camadas
Luziam) Macedo Pint(/''J. num estudo recortado entre as décadas ele 1930 a 1950.
relata que .. () período por n<Js onolisodo representa 11ma/êtse úurea de construrc7o das
salas de cinema no 8rasil. quando estas represenfllvom 11111 grande moti\'() d<' orgulho
para a sociedade e 11111 importante eSJHtç·o de convfrio sociol. F,sses cinemas imponentes
um co11 1•ite ú sociohilicfmle. ( ·01110 1·xc111plo. JJodemos cif({r o C({SO do ( )11c '/'e({tro
lugares e. igualmente. o ( 'ine Regente. conhecido como " / >({/ácio Azul". ino11g11r({do em
Santos. era e ntão o c ine ma mais antigo da cidade. Embora simbolizando uma 1ma12.em
~ ~
88
FRANCO. José. Rebe lião cln fome agit;i l Jhcr l{indin R<·1·is1u () ( 'm::c:iro.07/02! 1959.
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ele entretenimento e d iversão. sua o rganizc1çi10 interna e a clientela que visavn atender.
Os cinemas localizados nrn1s na região peri lerica. Regente e Para todos. com
Uberlândia, junto ao C ine Regente. era localizado na úrea central da cidade e dotado de
uma clara divisão interna, com lugares loca lizc1dos mais ao fundo para pobres e negros:
ricas :
grnnclezu de Uherlândill. </Ul' ele eru l'IIOrlll(' . (. . ) ft.. o ( 'ine Uhc>r/ándill l'll culc:11/0 </li<'
ele deveria le.r mais de mil J>oltronas. E. linho usfi-·isu (. .. ). Aí nós ficava nwis alio. a
gente queria namorcí. ia pra lâ <Jlle ero muis escuro (rism). .. <JUe asfi·"isos suhe'i (risos)
Enteio. e tinha o que eles chamava de ;mleiro. J>ulero ero em cima. Ali iu u clussl'
, I . I
menor. A e I asse. e. <t e asse mcns po >rc.
.. <)11
O cinema era. portanto . símbolo claro da diJerença entre ricos e p()hres. mas
exercia seu fascínio sobre ambos. Se para as eli tes se traduzia nofóoiing cios domingos
como um com promisso quase obrigatório . parn as camadas popu lares. pobres e negros.
essa relação era marcada pelo preconceito de classe e ele etnia. A presença dos negros
entre a e lite era motivo certo de constrangi mento e recusa. J\ depoente Vicentina
R'>PINTO. Luziano Macedo. Sit11açric.1· de C'inel/la: tramas e imagens de sociabil idade. Uberliind ia. 30 n
50. Universidade f-edera l ele Uberlándia: l Jbcrliindia.2001. (dissertação)
')"OLIVE I RA. José A lberto. Entrev ista. 18/ 10/200 1.
72
··E11 trahal hova /â / '.'11 e outro moço. Nâo deixava. J-:;Jes suspendio o sessüo.
pudiu tar lotado. ,<;e ('lltrosse. ('S .r npendio o s<'ssao e devoli·iu o dinheiro pm 1)()1·n 111do.
No Cine UberWndia e no Cinc Regente. a própria lila para compra dos ingressos
possuía dois guichês. uma para venda de cntrncla na platéia e nas frisas. e outro para o
Logo. além de uma pessoa não ser negra. ela tinha que ter condições de trajar
"() Cine Uherlúndio entüo! fim 11111 desfile de! moda. E11 trahollwrn no l~·den e
m exia com gente meio mois simples. (J11mnlo eu cheguei /ú apanhei mais de mês pro
chegar no ritmo des /ú. As muié t 11do de ,·est ido longo. os home de gravow. 1111111 ;mdiu
. ho u IW/0(1{Jo. ..<J)-
entrar sem gravata. Je co Iann
desabafo contra a carestia e o custo ele vicia. Principal forma de lazer cios habitantes ele
contra o aumento cio ingresso . contra a carestia. contra a fome. contra o preconceito.
91
SOARES. Vicentina. Entrevista. 26/09/2001.
'>2 SOARES. Vicentina. Entrevista.26/09/2001.
contra a difcrençu. J\I i, não hú nada para saquear. Mas a materialidade das casas de
majestosos quanto antes. Os vestí gios do quebra ficaram também rnarc~1dos 110 es paço
urbano de l Jbcrli\ndia:
" ( ..) eles/árum. C0/110 di:: O ()/1/r(), C'Ícs/i::erum 1//11(/ re/<JJ"/11(/, <: J)('/(1 /1/('((lc/('. As
pressas sabe'! Só prá podê vol lar a júncioná. Depois é que elesfóram. que eles forma
melhoremo. por exemplo. o Regente. o Regente nunc:C1 jói mais aquilo que ero. pon1ue
eles tinha uma cortina de veludo lá dentro. tudo era muito honito e tal. nunc.:CI mais leve
. ( . .. ') /
aque Ias curtzna ... ) ·
Se, sendo os cinemas reeinaugurados. esta sociabilidade voltou a ser regida nos
n,esmos moldes anteriores. certamente a destruição desses espaços serviu para expor
uma outra face desse con11ito entre n possuir e o não possuir. o ser e o nüo ser. Não
possuindo propriedades. e/ou não sendo hrn ncos. esses agentes se pos1c1onaram no
cenúrio então regido por outras forças. Deixaram suu marca e sua mensagctn. mesmo
O primeiro alvo roi n Máquina ele Arroz Messias Pedreiro. onde n concentrnção
econômica cm simboli zada pelo estoque de gdios. Num contexto de extrema carestia e
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alta dos preços. como discutimos nos capítulos anteriores, a possibilidade ck suprir u
despensa ele um produto bús ico como o arroz foi imediatamente acatada por uma parte
·· N,,is tav(I ern u ,.,·a. eu, mais 011 11/('/1os meio-dia. mais ou menos. C'/1ego11 um
1·i::-i11ho nosso (J1([l{U e/(I époc(I o comh1rào de pohre era w1uelas hic:idetu ). chegou
co/'/'endo. suado. fa/011 .· " Nosso. gente. 111uis S C' oc.:eis 1 é o <111ehra-<111ehro <111,· toí. dos
1
est udontes ··. Aí todo mundo/icou de orelha em pé. !lí meu irmao chegou e/à /ou: " (J11e
que bra-q uehra ! " .. O q 11e hro-<J 11e hru dos est /1( /0111 es. Iem orroz pra Iodo 11111ndo .. (.)
I'orque o gente. por exemplo. <Jlle era JJohrc . a gente levou o que deu conta. 11('! .. 'J.J
traduzia e m a lgo palpável para seus cotidi anos : a possibilidade de terem acesso a
a lime ntos sem precisarem pagar por eles. Nas costas. em bicicletas. carroças e. segu ndo
a lguns depo ime ntos. até camionetes e camin hôcs. as sacas eram transportadas pura
O segundo alvo dos manifestantes l<>i a Casa Capparc lli. onde rn,. :rcadorias
várias não foram poupadas: arroz. leijão. armas . 1nunições. latarias. óleos e hi..:hidas são
<J,
saqueados · .
contra aqueles que lentam imped ir a cnncrct iznção dos desejos de co11 s umo que
Foto :z '··: Sob a mira dn lllt'tralhadorn u111a senhora abastece sua dcspt:nsa. Urna chuva 111iúda caia sobre
a c idade sriqucada.
vio lcncia ainda maior. Em resposta a urna ~1çào popular espontânea e sem <.:o ntrolc.
reage-se com uma ação estratégica articu lada e organizada. pela burguesia e pelas
tropas policiais.
5
'' O friâng11/o. OI i O:Z/ 1959, p.O 1.
•• O Cruzc.: iro . Foto José Franco. 07/02/ 1959 . p.80.
77
Logo. o quebra-quebra de 1959 mostrou o avesso cio ideário burg uês que tentava
retratar Uberl â nclia como uma c idade pacata e ordeira. Sendo um movimento sem uma
camadas populares. sacrificadas crn norn1.' de um novo país e um foturo melhor. essa
CONSIDERAÇÔES FINAIS
exi stirú quando aliado a uma org:rnizaçúo social o rdenada e regida por leis es pecíficas.
Logo. a viol ência não cabe nessn realidade. Quando praticada, como no quebra-
quebra de 1959. precisa ser negada e rPttilada para que perca sua fo rça . Contra o
discurso da prática. impõem-se outros di scursos que tentam se lazer dom inantes. Esses
discursos se fazem a partir de representações várias, mas chocam -se também com
outros contra-discursos.
urna época. procuramos abarcar toda sua comp lex idade a fim de percebermos como
ocorre a consolidação de uma memória histórica. Mas. nos debruçando sobre diversas
rontes. percebemos que não exis te uma memória única. mas indícios que pnde rão ser
inconteste. procuramos aqui ouvir outras vozes e relatos do quebra-quebra para além da
influenciada por outras versões possíveis deste momento. Por seu lado. essas outras
É essa complexa rede de discursos e oi hares <li ferenciaclos. mas não neutros a
outros. que nos intriga e nos instiga a continuar nossa busca. Com isso queremos
também dizer que nosso trabalho não encerra por aqui. Este é um passo importante na
mas é um passo inicial. Nossa busca segue por outras fontes ainda não l'Xplorndas.
como o inquérito policia l que o quebra-quebra de 1959 originou. e depoimen tos que nos
IllllLIOGRAFIA
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FONTES
Jornais:
Revistas:
Atas:
Depoimentos:
• Vicentina Rosa :
• O lívia Calábria:
Fotos: