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A Vida Da Gente - Capítulo 5

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Rede Globo de Televisão

Central Globo de Produção Capítulo 005


A VIDA DA GENTE

Novela de
Lícia Manzo

Escrita por
Lícia Manzo e Marcos Bernstein

Colaboração de
Alvaro Ramos
Carlos Gregório
Giovana Manfredi
Marta Góes
Tati Bernardi

Núcleo
Jayme Monjardim

Personagens deste capítulo

ALICE MANUELA
ANA MARCOS
CRIS MATIAS
EVA NANDA
INÁ RODRIGO
JONAS SOFIA
KAREN SUZANA
LAUDELINO VITÓRIA
LORENA
A Vida da Gente Cap 005 1

CENA 01 SAGUÃO/ AEROPORTO POÁ INT/ NOITE


Ana e Rodrigo se encaram. Ela prestes a embarcar. Ele, impossibilitado de
alcançá-la. No rosto de Ana, é visível o conflito em que se debate.
RODRIGO — (chama) Ana!
ANA — (indo até Rodrigo) Só um minuto, mãe...
Ana se aproxima de Rodrigo; Eva vai atrás, indignada.
EVA — Ana! Onde você vai? (p/ si; entredentes) Não me faltava
mais nada...
Ana alcança Rodrigo; os dois separados por uma barreira.
RODRIGO — (olhos rasos d’água) Pra onde você está indo assim, sem
nem me falar nada?
EVA — (intromete-se; súbita) Mas é muita ousadia! Como se ela
te devesse alguma explicação!
RODRIGO — (explode para cima de Eva) E ela me deve! Porque a
gente se ama, mesmo que você não queira!
EVA — Que tom é esse, rapaz? Me respeite, que eu vi você
crescer! Até ontem eu era sua/
RODRIGO — Minha o quê? Madrasta? (T) Você nunca me deu nada,
Eva. Nunca olhou na minha cara de verdade. Nunca
enxergou quem eu sou, quem eu era. Você só olha pro
seu próprio umbigo...
ANA — (lágrimas nos olhos) Rodrigo, por favor...
EVA — (embarga; vitimizando-se) Como se não bastasse o pai,
agora o filho resolve me desacatar, me humilhar
publicamente...
ANA — Calma, mãe, pelo amor de Deus...
A voz no alto-falante anuncia a última chamada do vôo, misturando-se à
discussão.
EVA — É a última chamada, Ana. (T; grave) Você vem comigo
ou não vem?
ANA — (p/ Rodrigo; marejada, partida) Não dá pra ser assim,
entende? Eu sinto muito...
Ana segue a mãe, que seca as lágrimas, vitimizada. No saguão, Rodrigo assiste,
impotente, sua amada sumindo pelo corredor. Depois, arrasado, se afasta,
perdendo-se entre as pessoas que circulam pelo aeroporto.
CORTA PARA:
A Vida da Gente Cap 005 2

CENA 02 AVIÃO PARADO NA PISTA INT/ NOITE


No interior do avião, os preparativos para decolagem. Aeromoças circulam,
fechando os compartimentos de bagagem, vistoriando o uso dos cintos. Olhando
pela janela do avião, para nada mais que a escuridão da pista, o abatimento de
Ana é evidente. Eva pousa a mão sobre o braço da filha.
EVA — Você fez o que tinha que fazer, minha filha. Confie em
mim, tudo vai dar certo.
Ana olha para a mãe sem responder e retira o braço, pretensamente para ajeitar
o cabelo, voltando a encarar o vazio da pista...
CORTA PARA:

CENA 03 SALÃO DE BAILE/ GRAMADO INT/ NOITE


Manu e Lorena, numa mesa animada, conversando com Laudelino. Iná chega
com uma bandeja.
INÁ — Vamos brindar, gente, que eu esperei muito por esse
momento: minha neta comigo, no meu baile!
LAUDELINO — (ergue seu copo e brinda) Que seja a primeira de
muitas! (p/ Lorena) Ainda bem que você insistiu com
ela, Lorena: isso aqui precisa de gente mais jovem, feito
vocês.
INÁ — Eu, hein? Mania de desmerecer meu público! Mais
velho, mais jovem, pouco importa: o que vale é a
animação! Aliás...
Iná aproveita a distração da neta e encara Laudelino, fazendo a mímica de
‘dançar’ com Manuela. Laudelino se toca.
LAUDELINO — (com uma reverência) A senhorita me concede a honra?
MANUELA — (surpresa; tímida) Não sei bem se eu vou saber
acompanhar... Não sou muito boa de...
INÁ — Não vai dar tábua no Laudelino, Manu!
MANUELA — Dar tábua?!
INÁ — É uma expressão do tempo antigo. Quer dizer recusar
uma dança.
LAUDELINO — (rindo) Não tem nada a ver com a marcenaria.
MANUELA — (divertindo-se com eles) Então, sem tábua! Vamos
dançar!
A Vida da Gente Cap 005 3

CORTA DESCONTÍNUO PARA:


Manuela dança com Laudelino um bolero romântico, exuberante. Um sorrisinho
em seus lábios, e ela percebe Laudelino inquieto, de olho em Iná, que dança com
outro senhor.
MANUELA — (brinca) Estou vendo que meu acompanhante está de
olho em outro par...
LAUDELINO — Se eu não cuido do que é meu, quem vai cuidar?
MANUELA — (ri) Vai lá, vai. Pode ir, que eu não me ofendo.
LAUDELINO — Gratíssimo, docinho. Preciso tomar uma providência.
Ele sai entre os pares, na direção de Iná. Manuela volta para a mesa de Lorena.
MANUELA — (suspira; brincando) Fiquei sem par. É a história da
minha vida.
LORENA — Era a história da tua vida, até ontem. Porque eu acabo de
saber que tem dois convites para um show em Porto
Alegre. Uma amiga mandou um torpedo agora. Mega
show. Vamos?
MANUELA — Porto Alegre? A essa hora?
LORENA — Uma hora e pouco a gente está lá, ainda é cedo. Eu pego
o carro do vô emprestado. Pagando a gasolina ele não se
importa.
Ao longe, Manu e Lorena veem Laudelino tocar o ombro do suposto rival,
retomando Iná para si. As duas sorriem.
MANUELA — (p/ Lorena; indecisa) Será?
Em outro ponto do salão, Iná dançando com Laudelino.
LAUDELINO — Três músicas seguidas com o mesmo sujeito. Se fosse
uma, uma e meia, vá lá. Mas três?!
INÁ — (enquadra) Ai não, Laudelino! Credo! Até minhas
danças você quer economizar?! Tenha santa paciência!
Em Iná e Laudelino, rodopiando pelo salão,
CORTA PARA:

CENA 04 QUARTO DE RODRIGO/ MANSÃO DOS MACEDO INT/


NOITE
Na tela de um computador, alternam-se diversas fotos de Ana. Diante do
monitor, Rodrigo, arrasado, de camiseta e bermuda de ficar em casa. Nanda
adentra o quarto e, sem cerimônia, mete o dedão no monitor, desligando-o.
A Vida da Gente Cap 005 4

RODRIGO — (num susto) O que é isso?!


NANDA — (enérgica; animada) O que é isso, pergunto eu! Você
acaba de tomar um fora dessa filhinha da mamãe, e vai
ficar a noite inteira aí, babando as fotos dela no
computador?
RODRIGO — Quem te disse que eu tomei um fora?
NANDA — A Maria. E mesmo que não tivesse me dito: você está
com uma cara de pé na bunda horrorosa.
RODRIGO — Nanda, eu só estou a fim de ficar quieto. Posso?
NANDA — Óbvio que não. Tô cansada de ver tudo quanto é homem
dessa casa se apaixonando pela mulher errada...
Abre o armário de Rodrigo e tira de lá uma camisa, entregando-a para o irmão.
NANDA — Desfaz esse visual espantalho, anda. Está uma noite
linda, eu estou indo a um show maravilhoso com uma
amiga, e você vai comigo. (T) Aliás, a hora que você
conhecer a minha amiga...
RODRIGO — Nanda, será que é tão difícil você entender que eu não
quero?
NANDA — Você não tem que querer, eu quero por você. Você vai
nesse show comigo, ou sabe o que vai acontecer? Eu vou
sozinha, vou enlouquecer, pegar geral, e acordar na casa
de um desconhecido todo tatuado. Você quer isso pra
sua irmãzinha?
RODRIGO — Eu não acredito que você vai me convencer a sair de
casa hoje...
NANDA — Exatamente: hoje. A noite do pé na bunda. Rodrigo, essa
garota ia embarcar pra fora do Brasil sem nem te avisar,
sem nem te dar um ‘tiauzinho’...
RODRIGO — Eu sei, mas...
NANDA — Mas o quê? Acorda! Sinceramente: depois a ‘dedo
podre’ sou eu...
RODRIGO — É que às vezes eu acho que posso ter feito alguma coisa
errada. Ou talvez o papai tenha feito alguma coisa que...
(p/ a irmã; sincero) Eu não consigo entender, Nanda, e
isso tá me matando...
A Vida da Gente Cap 005 5

NANDA — Ah, não está não! (arranca ele) Você está vivinho da
silva, e vai sair dessa cama agora! Levanta, anda! Se
veste! Te espero lá embaixo!
Nanda sai. Rodrigo, resignado, levanta-se e começa a trocar a camisa.
CORTA PARA:

CENA 05 CASA DE SHOWS/ PORTO ALEGRE INT/ NOITE


Uma banda de rock animada no palco. Show já pelo meio. Jovens lotam a pista,
dançando, animados. Manuela e Lorena, entrando.
MANUELA — Caramba, não é que o calhambeque do teu avô
conseguiu chegar inteiro até aqui?
LORENA — O vovô não gosta de pagar mecânico e cuida do carro
sozinho. Isso desde 1970!
MANUELA — Foi uma viagem no tempo, mesmo...
Em outro ponto da casa de shows, Rodrigo, Nanda e Karen, uma linda gaúcha,
loura, cabelos compridos, assistem o show do meio da pista. Karen comenta com
Nanda, reservadamente:
KAREN — Muito gato teu irmão...
NANDA — Não falei? Desencalha ele pra mim, please!
RODRIGO — (p/ Nanda) Vou até o bar pegar uma cerveja.
NANDA — Pra quem? Pra mim? Nunca te vi bebendo...
RODRIGO — Mas hoje vai ver, que eu tô precisando...
Rodrigo segue para o bar.
NANDA — (p/ Karen) Anda, aproveita: vai atrás e engata uma
conversa...
CORTA DESCONTÍNUO PARA:
Manuela e Lorena curtem o show, em meio à multidão de moças e rapazes.
MANUELA — (p/ Lorena) Vamos tentar ver lá de cima? Tem gente
demais... Estou meio sufocada.
Lorena concorda, as duas sobem.
CORTA DESCONTÍNUO PARA:
Nanda e Karen dançam, animadas. Rodrigo bebe uma cerveja, virando a lata de
enfiada. Karen aproxima-se, sedutora, oferecendo a sua. Ele aceita. Começam a
dançar, ela evidentemente mais animada que ele. No andar superior, Manuela
chega na mureta e avista Rodrigo e Karen, impactada.
LORENA — Que foi, Manu? Tudo bem?
A Vida da Gente Cap 005 6

MANUELA — (disfarça) Tudo. (evasiva) Aqui é bem mais tranquilo...


Na pista, Karen, dançando, se insinua avançando para Rodrigo, que dá uma
recuada, mas ela finalmente o beija. Juntos, no beijo, se desequilibram quase
caindo sobre outro casal. Rodrigo fica indeciso, mas Karen beija-o novamente e
ele cede. Manu assiste à cena, chocada.
MANUELA — Desculpa, Lorena, mas eu vou ter que ir embora...
LORENA — Mas... A gente acabou de chegar! Aconteceu alguma
coisa?
CORTA DESCONTÍNUO PARA:

CENA 06 ESTACIONAMENTO/ CASA NOTURNA POA EXT/ NOITE


Lorena e Manuela avançam pelo estacionamento, em direção ao fusca de
Laudelino...
MANUELA — Ainda ontem, você acredita? Ele foi atrás da minha
irmã, dizendo que estava apaixonado, que queria que
eles voltassem.
LORENA — Homem é assim mesmo, Manu.
MANUELA — Mas, o Rodrigo? Sinceramente, eu não esperava. (T) E
agora, o que é que eu falo pra minha irmã?
LORENA — Desculpa, mas se fosse comigo, eu preferia saber. Como
diz tua avó, ‘a verdade liberta’. Melhor sofrer logo, de
uma vez, que ficar o ano inteiro chorando, lá de longe
ainda por cima, por um cara que não está nem aí...
MANUELA — (perplexa) Eu estou chocada, sem brincadeira.
Chocada...
Em Manu, incrédula,
CORTA PARA:

CENA 07 STOCKSHOTS
Amanhecer na Patagônia.

CENA 08 STOCK SHOTS/ PATAGÔNIA


Avião pousando na pista. Aeroporto Patagônia...

CENA 09 CHALÉ DE EVA/ PATAGÔNIA EXT/ DIA


Ana e Eva, recém chegadas da viagem, e um carregador trazendo as bagagens.
As duas se encaminham para o chalé onde ficarão hospedadas.
A Vida da Gente Cap 005 7

CORTA DESCONTÍNUO PARA:

CENA 10 CHALÉ DE EVA/ PATAGÔNIA INT/ DIA


Ana e Eva dentro do quarto. Uma mala aberta em cima da cama.
EVA — Vamos descansar um pouco, comer alguma coisa. Mais
tarde nós temos a entrevista com a tal agente.
Ana descerra a cortina e contempla a neve que cobre tudo lá fora...
CORTA DESCONTÍNUO PARA:

CENA 11 STOCKSHOTS PORTO ALEGRE


Manhã na cidade de Porto Alegre.

CENA 12 SALA DE JANTAR/ MANSÃO DOS MACEDO INT/ DIA


Rodrigo chega para tomar café da manhã de roupa de dormir; a cara amassada
da ressaca. Nanda à mesa, pronta para sair.
NANDA — Pelo amor de Deus, joga pelo menos uma água nessa
cara, antes que eu tire uma foto pra te chantagear pelo
resto da vida.
RODRIGO — Eu não sou que nem você, Nanda, que sai toda noite,
dorme às cinco da manhã e acorda com cara de quem foi
à missa...
NANDA — Missa não, que ontem à noite tinha um casal se pegando
horrores na minha frente. Mas realmente, eu dei uma de
santa: não bebi uma gota! Quando vi o estado de vocês
dois, achei que era bom ter alguém sóbrio pra dirigir o
carro.
RODRIGO — Pelo menos você consegue fazer a coisa certa de vez em
quando. (T) Eu não estou acostumado com isso, mas
ontem eu tava precisando...
NANDA — Por falar em ontem, minha amiga adorou você. Já me
mandou um torpedo e tudo perguntando quando a gente
vai marcar a próxima.
RODRIGO — (entediado) Daqui 100 anos, pode ser?
NANDA — Calma, nerd, que ressaca não dura esse tempo todo!
Amanhã você já está pronto pra próxima.
RODRIGO — Acontece que eu não estou interessado na próxima...
A Vida da Gente Cap 005 8

NANDA — (p/ si; debochada) Ah, não! A tenista campeã de


submissão de novo?! Pelo amor de Deus, amanhã vai
rolar uma festaça e você...
RODRIGO — Numa boa, Nanda. Só porque eu saí com você e com a
sua amiga ontem não significa que agora você decide
quando eu devo me divertir, quando eu devo ficar mal e
de quem eu devo gostar! Toma seu café e cuida da sua
vida, ok?
Rodrigo abre o jornal, entediado,
CORTA PARA:

CENA 13 RUAS DA PATAGÔNIA EXT/ DIA


Ana e Eva, num táxi, percorrendo um bairro elegante da cidade.
EVA — (observa a paisagem) Que lindo, não?
Ana não responde, alheia...
CORTA DESCONTÍNUO PARA:

CENA 14 FRENTE/ CASA DE CLASSE MÉDIA/ PATAGÔNIA EXT/


DIA
O carro estaciona diante de uma das casas: Eva e Ana descem. Caminham até a
porta da frente e tocam a campainha. Uma mulher de 40 e poucos anos vem
atender: é Carmem.
CARMEM — Buenos dias.
EVA — Carmem? Eu sou a Eva. E essa é a Ana, a... mãe.
CARMEM — Ah, si. (indicando a entrada) Por favor.
Eva entra, seguida por Ana, desconfiada.
CORTA PARA:

CENA 15 SALA/ CASA DE CLASSE MÉDIA/ PATAGÔNIA INT/ DIA


Sentada no sofá, Ana examina as ‘fichas’ de dois possíveis candidatos. Em cada
uma, uma foto de um casal. A agente de adoção, Carmem, e Eva, sentadas diante
dela. Carmem falando um fluente ‘portunhol’.
CARMEM — Como puedes ver, nuestro trabajo és muy cuidadoso. La
selecion de los casais és muy dura, solo selecionamos los
mejores para las crianzas.
A Vida da Gente Cap 005 9

EVA — Eu expliquei pra Ana que seria complicado seguir as


regras normais de um processo de adoção e que, desse
modo, é tudo muito mais simples...
Ana não responde: apenas encara as duas e desvia sua atenção de volta para o
papel.
EVA — Eu expliquei também que você foi muito bem
recomendada...
Carmem sorri, gentil.
CARMEM — Ana... Olha para mi, por favor. Mira, esta és mi casa.
Yo no escondo nada. Mi único interesse és que los
padres que no quieren, o no podem passar pela demora
do sistema legal encontrem los mejores adoptantes para
sus filhos. (T) E tu, puedes preguntar todo que deseas
saber. Todo, absolutamente!
Ana tira os olhos do papel e encara Carmem,
CORTA DESCONTÍNUO PARA:

CENA 16 STOCKSHOTS NOITE/ PATAGÔNIA


Stockshots. Imagens noturnas da Patagônia

CENA 17 QUARTO DE ANA/ PATAGÔNIA / QUARTO DE MANU/


GRAMADO INT/ NOITE
Ana, de pijama, com uma xícara de chocolate quente. O laptop em cima da
mesa. Ana e Manu conversam via Skype.
MANUELA — Que cara é essa, Ana? Assim você me deixa
preocupada. (T) Cadê a mamãe?
ANA — Está no banho. Eu precisava falar contigo.
MANUELA — Aconteceu alguma coisa?
ANA — Não aconteceu nada, mas... É que o Rodrigo foi ontem
até o aeroporto, a mamãe estava do lado, mal deu pra
gente conversar e... (T) Eu hoje conheci a tal agente de
adoção. E de uma hora pra outra ficou tudo ‘de verdade’,
sabe? As fichas, os nomes, as fotos dos casais...
MANUELA — Mas, e a mulher? Como ela era? Ela disse alguma coisa
que/
A Vida da Gente Cap 005 10

ANA — Não disse nada, mas... É uma sensação tão absurda


que... Eu não sei se eu vou conseguir, se eu vou
aguentar. (T; chora) E o Rodrigo... Eu precisava tanto
falar com ele agora. Sei lá. Eu fiquei pensando e talvez
você tenha razão. Talvez ele devesse saber, não é?
Manuela calada, sem saber o que dizer.
ANA — Será que eu faço uma loucura e ligo pra ele daqui? O
que é que você acha?
MANUELA — (evasiva; pouco à vontade) Você é quem sabe, Ana. Eu
não quero me meter.
ANA — Como não quer se meter? Você é minha irmã, minha
melhor amiga. Você sempre disse que achava que eu
devia e...(T) Agora você mudou de idéia?
MANUELA — Eu não mudei nada; só acho que é você quem tem que
decidir.
ANA — Manu, eu te conheço há 17 anos, desde que eu nasci.
Você sabe alguma coisa e não está querendo me contar.
MANUELA — (disfarça) Eu não sei de nada, eu/
ANA — Fala logo, anda. Não adianta me esconder!
MANUELA — (T) Ai, Ana. Eu não queria te dizer isso, mas...(T) Eu fui
a um show ontem em Porto Alegre com a Lorena e... O
Rodrigo estava lá...com uma garota.
ANA — Como assim com uma garota? Fazendo o quê com ela?
MANUELA — Beijando, sei lá. Ele estava beijando uma garota na
pista. Desculpa.
Ana arrasada; lágrimas correm em seu rosto.
ANA — Eu não acredito que...
MANUELA — (tocada) Não fica assim, por favor. Por isso que eu não
queria te contar, tá vendo?
ANA — Se você não me contasse, eu nunca iria te perdoar. (T; p/
si) Idiota. Babaca.
MANUELA — Vai ver era uma coisa sem a menor importância...
ANA — A idiota, bacaca, sou eu, Manu! Aliás, era! Porque agora
acabou. Acabou de vez, pode ter certeza!
Ana chora, doída. Manu a consola via Skype...
MANUELA — Ai, Ana. Não fica assim...
A Vida da Gente Cap 005 11

No desconsolo das duas,


CORTA PARA:

CENA 18 QUARTO DE RODRIGO/ MANSÃO DOS MACEDO INT/


NOITE
Rodrigo retira de seu painel uma foto dele e de Ana: os dois mais novos, com 12
ou 13 anos, sorrindo, felizes e inocentes. Fica olhando a fotografia um instante.
Depois, abre uma gaveta e ‘enterra’ a foto lá dentro...
Na tristeza de Rodrigo,
CORTA PARA:

1º INTERVALO COMERCIAL

CENA 19 SALA/ CASA DE INÁ INT/ DIA


Iná acaba de abrir as cartas do tarô. Sobre a mesa, um porta-retratos com foto
de Ana. Preocupada, Iná vira mais uma carta, quando Manuela passa atrás
dela, em direção à cozinha.
INÁ — Manuela, vem cá. Senta aqui um instante, filha. (T)
Você está vendo essa carta; e essa?
MANUELA — Ahã... (T; assustada com o tom da avó) E o que é que
tem?
INÁ — Tem que eu não gosto delas juntas. O Pendurado e a
Torre. O Pendurado é sacrifício; e a Torre é ruptura, tudo
ruindo. Está vendo a foto da sua irmã?
MANUELA — (impressionada) Você tava jogando pra ela?
INÁ — Estava jogando pra mim. Pensando nela. (T) A Ana não
está bem, minha filha. Eu vejo isso. E vejo também que
você está me escondendo alguma coisa.
Manu baixa os olhos; culpada.
INÁ — Às vezes eu sinto que você quer me falar e não pode.
Por causa da tua mãe. (T) Eu sei que, por ela, você nem
estaria aqui. Eu sei de tudo, minha filha. Ou quase tudo.
E sei também que essa distância está fazendo muito mal
pra vocês duas. Porque eu vejo nos seus olhos a
saudade...
No olhar de Manuela,
CORTA PARA:
A Vida da Gente Cap 005 12

CENA 20 STOCKSHOTS/ PATAGÔNIA

CENA 21 RUA/ BAIRRO DE CLASSE ALTA/ PATAGÔNIA EXT/ DIA


Saltando do táxi, Eva olha em volta, avaliando o cenário. Ana a seu lado.
EVA — Que chique isso aqui, Ana. Olha só pra isso... (Ana
olhando em volta). Muita sorte dessa criança crescer
num lugar como esse. Devem ser caríssimas essas casas.
As duas seguem em direção à entrada...
CORTA DESCONTÍNUO PARA:

CENA 22 FRENTE/ CASA DE CLASSE ALTA/ PATAGÔNIA EXT/ DIA


Eva acaba de tocar a campainha. Verônica, uma mulher elegante, 40 e poucos
anos, vem abrir a porta.
EVA — Verônica?
VERÔNICA — Eva? Mucho gusto. Usted deve ser la Ana? Qué tal está?
Ana dá um sorriso amarelo, sem jeito.
VERÔNICA — Entren, entren, por favor. Está muy frio. (simpática)
Vamos hablar portunhol?
CORTA DESCONTÍNUO PARA:

CENA 23 SALA/ CASA DE CLASSE ALTA/ PATAGÔNIA INT/ DIA


Eva e Ana tiram os casacos, entregando-os a Verônica.
EVA — Muito bonita a sua casa!
VERÔNICA — Gracias. Que bueno que te gusta. Quiero que vean el
primero piso... Vengam comigo, por favor.
Eva e Ana seguem Verônica escada acima...
CORTA DESCONTÍNUO PARA:

CENA 24 QTO VAZIO/ CASA DE CLASSE ALTA/ PATAGÔNIA INT/


DIA
Eva e Ana num quarto vazio, todo pintado de amarelo. Ana na janela, contempla
a vista, olhos entristecidos. Verônica e Eva tagarelam.
VERÔNICA — Yo no compre la cama del bebé, pero no conseguí
resistir y pinté las paredes de amarillo. Me encanta esta
cor.
A Vida da Gente Cap 005 13

EVA — A Ana também. Desde pequena. Sempre gostou de


amarelo, não é, filha?
Ana sorri, sem graça.
VERÔNICA — Estoy tentando me conter, todavia me quedo mirando
las vitrines, las lojas de decoracion, las roupitas... Sabes,
és la primera vez que faço isso desde que yo perdi mi
bebê. Yo tenía todas las cosas del chico, las... como se
habla, el enjo...
EVA — (tocada) O enxoval?
VERÔNICA — Si, y yo tive que dar todo. Yo no conseguia más mirar
las cosas.
EVA — Compreendo.
VERÔNICA — Fueram muchos años intentando ganar el niño. Várias
veces yo tuve la esperanza e... Hasta que yo e mi esposo
compreendemos que no era posible llegar hasta al final
de la gestación. Yo no conseguia.
MARIDO — (entrando, de gravata, paletó na mão) Olá. Como están?
Todo bien?
Elas são pegas de surpresa. Eva tenta quebrar o constrangimento...
EVA — Tudo ótimo! Melhor impossível.
VERÔNICA — Si, como no...? Que tal um café?
CORTA DESCONTÍNUO PARA:

CENA 25 SALA/ CASA DE CLASSE ALTA/ PATAGÔNIA INT/ DIA


Mesa posta. Café, uma torta. Ana, Eva, Verônica e o marido.
EVA — Muito gostosa essa torta.
MARIDO — La Verônica que hace. (simpático) La cocina encanta mi
mujer y yo me encanto en comer su comida.
Eles sorriem. Eva retribui o sorriso. O casal olha para Ana, que não reage,
mexendo a comida com o garfo, alheia... Um silêncio.
EVA — Ana?
ANA — (repentinamente) Vocês dois fazem o quê?
VERÔNICA — Perdón?
ANA — Vocês trabalham em quê?
VERÔNICA — Abogados, los dos. Nosostros nos conocemos en el
trabajo.
A Vida da Gente Cap 005 14

ANA — Sei. (T) Se um dia o meu filho, quer dizer... o filho de


vocês, quiser estudar Engenharia, Arquitetura, História
ou qualquer coisa que não seja Direito...(T) O que é que
vocês fariam?
EVA — (numa leve repreensão) Ana! Que pergunta!
VERÔNICA — Sin problemas, Eva. Es una pregunta muy buena. Yo
creo que la peor cosa para un hijo es no ser amado pelo
que es. Arquitecto, engenero, actor, dentista, yo quiero
ajudar mi hijo a ser lo que el quiser, lo que el desejar.
Ana encara Verônica, tocada, com confiança.
ANA — (T) Só mais uma coisa.
VERÔNICA — Si. Puede preguntar.
ANA — Eu quero escolher o nome.
EVA — Ana, mas isso não tem a menor importância...
ANA — Pra mim, tem.
Marido vai falar algo, mas Verônica pousa gentilmente a mão em seu braço.
VERÔNICA — E que nombre seria? Tu já pensaste?
ANA — Se for menino, não. Mas se for menina, eu quero que ela
se chame Júlia.
VERÔNICA — Júlia. Que lindo. Que te parece, Hernan? Um nombre
muy guapo.
MARIDO — Si, claro. Julia.
VERÔNICA — Si te quieda bien, me quieda bien. Julia, entonces.
Em Ana e Verônica, que se encaram,
CORTA DESCONTÍNUO PARA:

CENA 26 QUARTO/ CHALÉ DE EVA/ PATAGÔNIA INT/ NOITE


Ana insone, revira-se no colchão. Eva dorme na cama ao lado. Ana olha o
relógio digital que marca 4 e 15 da manhã. Sai lentamente do quarto,
recostando a porta.
CORTA DESCONTÍNUO PARA:

CENA 27 SALA/ CHALÉ DE EVA/ PATAGÔNIA INT/ NOITE


Ana abre o laptop sobre a mesa e começa a digitar um email para a irmã. Em
off, ouvimos suas palavras:
A Vida da Gente Cap 005 15

ANA — (off) Minha irmã querida, acordei angustiada e resolvi te


escrever. Aqui quase não tem nada pra fazer, além
comer, dormir, fazer exercício...E ver a barriga crescer...
CORTA DESCONTÍNUO PARA:

CENA 28 FRENTE/ CHALÉ DE EVA/ PATAGÔNIA EXT/ DIA


Sobre imagem de Ana saindo do chalé para apanhar o jornal e a
correspondência, a barriga já um pouco pronunciada, prossegue em off seu
relato para a irmã:
ANA —(off) Três meses e meio já. Hoje o bebê chutou, pela
primeira vez. Me senti sacudida, acordada, como se ele
quisesse me despertar desse estado ‘automático’ que
parece ter tomado conta de mim...
CORTA DESCONTÍNUO PARA:

CENA 29 QUARTO DE MANU/ CASA DE INÁ INT/ DIA


À noite, no quarto, sob a luz do abajur, Manu digita em seu laptop. Sobre essas
imagens, sua voz em off:
MANUELA — (off) Ana querida, morar aqui é uma experiência maluca.
Ao mesmo tempo que sinto falta de Porto Alegre,
descobri que gosto dessa vida simples e tranquila...
CORTA DESCONTÍNUO PARA:

CENA 30 COZINHA/ CASA DE INÁ INT/ DIA


Na cozinha, Iná mexe uma panela no fogo. Manu corta um maço de cebolinha
numa tábua. As duas conversam, animadas. Sobre essas imagens, prossegue o
off de Manuela.
MANUELA — (off) Aqui todo mundo se gosta, se conhece. Toda vez
que a vovó fala algo engraçado, eu fico triste porque não
vamos rir juntas...
CORTA DESCONTÍNUO PARA:

CENA 31 ACADEMIA DE GINÁSTICA/ PATAGÔNIA INT/ DIA


Na academia, uma fileira de mulheres faz exercícios com pequenos pesos. Ana
interrompe a série para examinar sua silhueta no espelho: a barriga já bem
maior. Sobre essas imagens, o off:
A Vida da Gente Cap 005 16

ANA — (off) É estranho pensar que tem um bebê dentro de mim,


porque eu sinto como se eu fosse esse bebê: preso,
dependendo totalmente dos outros pra existir...
CORTA DESCONTÍNUO PARA:

CENA 32 QUARTO DE BEBÊ/ CASA DE CLASSE ALTA INT/ DIA


Ana marca com a ponta do lápis um ponto na parede. Verônica se aproxima,
coloca um prego ali e martela. Ana ainda mais barriguda. Três gravuras infantis
emolduradas enfileiram-se junto ao rodapé.
ANA — (off) Esse bebê que eu não posso querer, não posso
amar, mas não consigo. Como é que eu posso não amar
o resultado do momento em que me senti mais viva?
Quanto mais minha barriga cresce, mais esmaga meu
coração...
CORTA DESCONTÍNUO PARA:

CENA 33 CURSINHO/ GRAMADO INT/ DIA


Pela janelinha de vidro de uma sala do cursinho, uma aula. Manu abre a porta e
entra. O professor sorri, todos se voltam. Manuela sorri, tímida, e senta-se
depressa.
MANUELA — (off) Decidi prestar vestibular pra Psicologia. Eu sei o
que você está pensando, e você tem razão: eu preferia o
curso de Gastronomia. Mas também preferia que você
estivesse aqui. Preferia não ter que mentir pra vovó.
Preferia que todas nós pudéssemos viver sempre juntas e
felizes.
CORTA DESCONTÍNUO PARA:

CENA 34 RUAS DA CIDADE/ PATAGÔNIA EXT/ DIA


Ana, de bicicleta, atravessa um parque. Pára na faixa de pedestres para dar
passagem a um bando de mães com carrinhos de bebê. Ana hipnotizada pela
cena, até que...Um carro buzina, e ela sai pedalando novamente. Uma revoada
de andorinhas; seu rosto contra o vento.
ANA — (off) A mamãe fala que, quando eu vou voltar pro Brasil,
tudo vai ser como antes. Como se fosse possível voltar
ao que era. Ela não entende que, nesses nove meses, mil
anos se passaram dentro de mim...
CORTA PARA:
A Vida da Gente Cap 005 17

CENA 35 OUTDOOR/ AVENIDA PAULISTA EXT/ MANHÃ


Foto de Ana, anterior à gravidez, esbelta, com expressão determinada de
campeã no anúncio da marca que a patrocina. É um enorme outdoor no meio da
Avenida Paulista.
CORTA PARA:

CENA 36 QUARTO DE HOTEL/ SÃO PAULO INT/ MANHÃ


De dentro do quarto, vê-se o outdoor pela janela. Quem observa é Rodrigo: ele
fica parado um tempo e, em seguida, fecha a cortina para tapar a visão, agora
indesejada. O telefone do quarto toca, ele vai atender.
RODRIGO — Oi, pai... Te encontro no lobby em um minuto.
Desliga o telefone e sai, com uma pasta de executivo.
CORTA PARA:

CENA 37 LOBBY DO HOTEL/ SÃO PAULO INT/ MANHÃ


Jonas e Rodrigo examinando alguns gráficos e organogramas.
JONAS — Muito bom. Vamos fazer o seguinte: eu quero que você
comece a reunião de hoje, fazendo um histórico da
situação e das medidas que foram tomadas pelo
escritório até o momento. Depois você expõe as
estratégias que nós vamos adotar para dar seguimento ao
caso.
Rodrigo assente. Jonas pousa a mão em seu ombro, satisfeito.
JONAS — Eu estou orgulhoso de você, meu filho. Muito
orgulhoso.
Jonas encara o filho, satisfeito. O celular chama e Jonas se apressa em atender.
JONAS — Sim, querida? (T) Mas... E a mudança? Já chegou?
CORTA PARA:

CENA 38 FRENTE/ MANSÃO DOS MACEDO EXT/ DIA


Um táxi parado em frente à mansão. Cris, celular em punho, acaba de
desembarcar.
CRIS — Você nunca vai esquecer a nossa primeira noite juntos
em casa. Eu vou fazer uma massagem quando você
chegar que... (T) Aliás, a que horas você volta hoje? Ok.
Te espero então, amor.
A Vida da Gente Cap 005 18

Cris desliga e contempla a casa, vitoriosa, como se há muito esperasse por


aquele momento. O taxista pousa uma pequena mala a seu lado. Cris avista
Matias, o jardineiro, cuidando de algumas plantas.
CRIS — Rapaz, por favor.
Matias se aproxima, solícito.
MATIAS — Pois não?
CRIS — Leve a minha mudança para o quarto do senhor Jonas.
MATIAS — Sim, senhora.
Cris avança, decidida, rumo à mansão.
CORTA DESCONTÍNUO PARA:

CENA 39 SALA/ MANSÃO DOS MACEDO INT/ MANHÃ


Matias entra carregando a pequena mala de Cris. Maria vem em sua direção.
Nanda se apronta para sair.
MATIAS — (p/ Maria) Ué, mãe... A madame mandou levar a
mudança dela pro quarto, mas lá fora só tinha essa
mala... Será que é isso mesmo?
NANDA — Com certeza. Ou vocês acham que ela ia trazer as
tranqueiras cafonas dela pra cá? A partir de agora, meu
bem, ela vai querer investir num cafona novo, num
cafona de grife. Quer valer quanto?
Reação de Matias e Maria,
CORTA PARA:

CENA 40 SALA/ CASA DE INÁ INT/ MANHÃ


Iná cuidando das plantas. Manuela entra, pronta pra sair.
INÁ — (checando a roupa relax da neta) Ué...Vai assim fazer a
matrícula?
MANUELA — Assim como?
INÁ — Calça rasgada... Sapato de ginástica...
MANUELA — E era pra ir de que jeito?
INÁ — Não sei. Com roupa de quem conseguiu o que queria.
Afinal, você passou no vestibular, filha.
MANUELA — Passar, eu passei. Mas não exatamente pro que eu
queria...
INÁ — Que conversa é essa? Como assim?
A Vida da Gente Cap 005 19

MANUELA — Ah vó, minha vontade mesmo era fazer Gastronomia.


(ironia) Mas, segundo a mamãe, ninguém precisa de
diploma universitário pra fritar um bife...
INÁ — A sua mãe parece que tem titica na cabeça, isso sim!
MANUELA — Deixa pra lá. O importante é que eu vou estudar, pra um
dia poder trabalhar, ganhar meu dinheiro, e aí poder
cursar o que me der na telha. Você ainda vai me ver com
um chapéu de cozinheiro alto assim.
CORTA DESCONTÍNUO PARA:

CENA 41 CAMPUS DA FACULDADE EXT/ TARDE


Manuela caminha pela faculdade, observando os alunos. Avista uma placa
indicando o local da matrícula e, distraída, acaba esbarrando em Alice.
MANUELA — Desculpa...
ALICE — Desculpa eu, mas... (T) Você não é a irmã da Ana
Fonseca?
MANUELA — (estranhando) Sou...
ALICE — A gente foi apresentada uma vez, no clube. (T) Meu
nome é Alice. Foi um pouco antes da tua irmã viajar.
MANUELA —Ah, claro. (T) Tudo bem?
ALICE — Eu tentei várias vezes falar com a tua irmã. Eu vi no
jornal que ela viajou e fiquei preocupada, mas o celular
estava sempre desligado. (T) Como é que ela está?
MANUELA — Está bem.
ALICE — Manu, desculpa perguntar, mas... (T) A Ana me contou
sobre o que ela estava passando e...Você sabe.
MANUELA — (disfarça; receosa) Não, não sei... Do que é que você
está falando?
ALICE — (tateando) Da pressão da Vitória em cima dela, por
conta da...
MANUELA — (impactada) A minha irmã contou isso pra você?!
CORTA PARA:

2º INTERVALO COMERCIAL
A Vida da Gente Cap 005 20

CENA 42 CAFÉ/ FACULDADE INT/ TARDE


Manuela e Alice tomam um café. Manu surpresa, chocada.
ALICE — Ela estava muito sozinha. E acho que ela precisava de
alguém de fora, que não estivesse envolvido, pra poder
desabafar...
MANUELA — Eu sei. E fico feliz que a minha irmã tenha se permitido
contar pra alguém. A Ana é muito fechada. Muito
certinha. Responsável. Sempre foi. (T) Mas isso tem um
custo, né?
ALICE — Claro.
MANUELA — Mas sabe que até eu estou aliviada de poder falar sobre
isso com alguém... Eu estou hospedada na casa da minha
avó. E eu sei que ela intui, ela desconfia, e é muito difícil
não poder falar nada, ter que mentir, não poder dizer a
verdade...
ALICE — Mas por que a sua avó não pode saber?
MANUELA — Ela e minha mãe não se ‘bicam’. Nunca se ‘bicaram’.
Além do mais, a vovó nunca iria concordar com uma
história dessas e...
ALICE — Qual história? De que é que você está falando? (T) A
Ana teve ou não teve esse filho, afinal?
No pânico de Manu, que percebe que falou demais...
CORTA DESCONTÍNUO PARA:

CENA 43 CAMPUS DA FACULDADE EXT/ TARDE


Sentadas num banco isolado no campus da faculdade, Alice e Manu prosseguem
a conversa...
ALICE — A gente mal se conhece, e eu sei que é difícil falar sobre
uma coisa dessas, tão íntima, mas eu quero te dizer
que...você pode confiar em mim. Foi o que eu disse pra
tua irmã.
MANUELA — (desmonta; chora) O bebê vai ser adotado por uma
família, Alice. A Ana não vai poder ficar com ele.
ALICE — Como não vai poder? Por quê? Quem decidiu isso
assim?
MANUELA — A Vitória. A minha mãe. As duas não aceitam que...
A Vida da Gente Cap 005 21

ALICE — (levantando) Manu, eu sei que vai parecer estranho, mas


você precisa me dar o endereço de onde a sua irmã está.
MANUELA — (assustada) Eu não posso fazer isso. Eu estou te
contando essa história em segredo... (T) E você prometeu
que nunca/
ALICE — (cortando) Eu preciso falar com ela. Preciso contar uma
coisa. Sobre a minha história; uma coisa que, eu tenho
certeza, pode fazer com que a Ana mude de idéia...
MANUELA — Mas do que é que você está falando? Que coisa é essa?
ALICE — (após uma pausa) Eu vou te contar, Manu. Eu vou te
contar o que eu nunca contei para ninguém. E eu vou te
falar porque, depois de saber, eu tenho certeza que você
vai me dar esse endereço...
Em Manu, impactada,
CORTA PARA:

CENA 44 SALA/ MANSÃO DOS MACEDO INT/ TARDE


Rodrigo, terno e gravata, entra em casa, carregando uma pasta. Estirada no
sofá da sala, Nanda lê uma revista.
NANDA — Está sabendo que a partir de hoje a nova ‘maladrasta’
divide o mesmo teto que a gente?
RODRIGO — Eu ouvi papai combinando com ela no telefone.
NANDA — Sei. Ouviu e fez o quê? Foi ao banheiro vomitar?
RODRIGO — Sei lá, Nanda. Pra mim tanto faz.
Rodrigo vai sair, mas Nanda insiste na conversa.
NANDA — Como tanto faz? A gente vai ter que olhar pra cara dessa
pilantra sarada todo dia, vai ter que comer olhando pra
cara dela, e pra você tanto faz?
RODRIGO — Sei lá, a casa é grande. Tanto faz... Essa é a minha
opinião. Algum problema?
NANDA — Claro que sim: o problema é que, desde que a Ana te
largou, você deu um ‘tanto faz’ pra a tua vida! Sabe a
impressão que eu tenho? Que eu perdi um irmão.
Rodrigo olha para ela, sem saber o que dizer.
A Vida da Gente Cap 005 22

NANDA — Sem brincadeira, desde que essa garota te chutou parece


que você foi abduzido. Não está nem aí pra nada. Queria
fazer Arquitetura e, de uma hora pra outra, se matriculou
no curso de Direito. E ainda por cima, deu pra passar os
dias no escritório do papai, enfiado num terno,
carregando essa pasta ridícula pra lá e pra cá.
Sinceramente, não dá pra entender...
RODRIGO — O papai tem um escritório grande, Nanda, que ele
construiu a vida inteira. É normal que ele queira que eu
dê continuidade a/
NANDA — Que conversa é essa de continuidade, Rodrigo? Acorda!
Além de se vestir igual ao papai, agora você fala como
ele também?
RODRIGO — Ai, saco...
NANDA — Isso não te ofende?
RODRIGO — Não.
NANDA — Então o caso é muito sério! O corpo de meu irmão está
possuído por uma força alienígena.
RODRIGO — Nanda, só pra encerrar essa conversa. Eu não pedi a tua
opinião, nem a tua sinceridade, ok?
Rodrigo pega sua pasta e sai.
NANDA — (p/ si; chocada) Impressionante...
Na perplexidade de Nanda,
CORTA PARA:

CENA 45 QUARTO/ CASA DE ALICE INT/ TARDE


Alice arrumando uma mochila de viagem. Suzana entra no quarto e estranha.
SUZANA — Ué, vai viajar?
ALICE — Ai, mãe, que susto! (disfarçando) Vou com a Marina
passar o fim de semana em Floripa...
SUZANA — (brinca; carinhosa) E ia me avisar quando?
ALICE — (desconversando) Já já. Estava só terminando aqui...
SUZANA — E essa blusa de lã? Pra passar o fim de semana na
praia?!
A Vida da Gente Cap 005 23

ALICE — Sei lá, vai que esfria. Estou seguindo teu conselho de
sempre levar um casaco, ué? (T; brincadeira) Mãe
nunca fica satisfeita, é impressionante! (beija Suzana)
Tchau, a Marina está me esperando...
Alice sai. No estranhamento de Suzana,
CORTA PARA:

CENA 46 SAGUÃO/ AEROPORTO POA INT/ NOITE


Alice caminha pelo saguão, mochila nas costas, esbaforida. Vai até o guichê,
abre a carteira, saca um cartão de crédito e recebe de volta uma passagem...
CORTA DESCONTÍNUO PARA:
Alice, passagem na mão, corre para o portão de embarque. No alto-falante, uma
voz anuncia a última chamada. Alice entrega sua passagem a um funcionário e
embarca.
CORTA PARA:

CENA 47 STOCKSHOT/ AVIÃO LEVANTANDO VÔO NA PISTA/


NOITE

CENA 48 SALA/ CHALÉ DE EVA/ PATAGÔNIA INT/ NOITE


Eva fala ao telefone com Vitória.
EVA — (ao celular) Está tudo correndo muito bem, Vitória. Se
Deus quiser, o parto deve ser normal e, em dois ou três
dias, a Ana vai estar liberada...
CORTA PARA:

CENA 49 SALA/ CASA DE VITÓRIA INT/ NOITE


Vitória, ao celular. Marcos e as crianças, à mesa.
VITÓRIA — (no telefone) Ótimo, o melhor que se podia esperar. Me
mantém informada, por favor. (T) Outro.
Vitória desliga e vai até Marcos, que serve as crianças. Vitória senta-se para o
jantar.
VITÓRIA — Graças a Deus, pelo visto em duas ou três semanas a
gente retoma o treinamento...
MARCOS — Que bom, meu bem.
SOFIA — Pai, tem queijo ralado?
Marcos sai para a cozinha.
A Vida da Gente Cap 005 24

VITÓRIA — Pois é... (T; p/ fora) A má notícia é que a partir de agora


o treinamento precisa ser intensivo, e você vai ter que se
organizar com as crianças.
Marcos volta com o queijo ralado.
MARCOS — Ok, mas em compensação a gente vai sair do sufoco e...
Eu estava pensando se não seria bom contratar uma babá
pra me liberar um pouco. Nem é tão caro assim.
VITÓRIA — Liberar do quê, Marcos? Liberar pra quê?
MARCOS — Bom, eu estou em função das crianças há anos e daqui a
pouco eu tenho que começar a trabalhar...
VITÓRIA — É mesmo? Não me diga? Que eu me lembre pra
começar a trabalhar você precisa antes passar no exame
da OAB.
MARCOS — Exatamente, e a que horas eu vou estudar, se eu estou
sempre com as crianças?
VITÓRIA — Não sei, de tarde, quando elas estão na escola, de noite
quando elas estão dormindo, é assim que as pessoas
fazem, sabia?
MARCOS — Vitória, eu não estou reclamando, eu...
VITÓRIA — (sem dar ouvidos) Daí, quando você passar no exame e
arrumar um trabalho, você contrata a tal babá, está bem?
SOFIA — Na minha sala todo mundo tem babá...
VITÓRIA — (p/ o marido) Que eu me lembre você não estava feliz
trabalhando na loja da sua mãe. Nós conversamos e
combinamos que você iria fazer Direito. Foram cinco
anos de investimento, livro, mensalidade, isso sem você
contribuir com um tostão dentro de casa.
MARCOS — Vitória, justamente pra fazer valer o investimento, eu
preciso estudar pra passar nesse exame...
VITÓRIA — E é pra mim que você está dizendo isso? Senta e estuda,
Marcos. Antes que você repita essa prova pela terceira
vez!
Vitória se levanta e vai buscar algo na cozinha.
SOFIA — Pai, corta o bife pra mim?
Em Marcos, fatiando o bife de Sofia, resignado...
CORTA PARA:
A Vida da Gente Cap 005 25

CENA 50 STOCKSHOTS AMANHECER PATAGÔNIA


Avião pousando na pista.

CENA 51 FRENTE/ AEROPORTO/ PATAGÔNIA EXT/ DIA


Alice toma um táxi em frente ao aeroporto e, dentro do carro, vemos que entrega
um papel, dando indicações ao motorista.
CORTA PARA:

CENA 52 ESTRADA PATAGÔNIA EXT/ DIA


Embarcada no táxi, Alice segue pela estrada que leva à cidadezinha onde estão
Eva e Ana. Alice observa tudo, ansiosa.
CORTA PARA:

CENA 53 SALA/ CHALÉ DE EVA/ PATAGÔNIA INT/ DIA


Ana, reflexiva, observa a paisagem pela janela. Eva vem de outro cômodo,
agitada, abotoando um casaco e verificando a bolsa.
EVA — Vou ter que sair para comprar material de limpeza. Não
sei o que acontece que esses produtos daqui não
rendem...
Eva dirige-se para a porta e arremata, antes de sair...
EVA — Esqueci de comentar: sabia que a vagabunda da personal
trainer agora é a nova senhora Jonas Macedo? Tua irmã
soube pela Maria. Ela se mudou pra casa ontem, ou seja,
em menos de um ano nós já fomos substituídas... (T)
Mas, deixa estar: nada como um dia após o outro! E é
por isso que eu te digo: pode ter sido uma decisão difícil,
mas foi a decisão certa. Você é uma guerreira, minha
filha, saiu a mim. Você ainda vai ser uma grande campeã
e nós vamos dar a volta por cima. Eles que nos
aguardem!
Ergue a cabeça, saboreando a futura revanche, dá meia volta e sai. Pela janela,
Ana observa a mãe se afastando. Um tempo e ela vai até a porta, apanhando o
casaco pendurado num cabideiro. Ana veste o sobretudo e sai.
CORTA PARA:
A Vida da Gente Cap 005 26

CENA 54 PARQUE DA PATAGÔNIA EXT/ DIA


Ana caminha por um parque. Senta-se num banco e contempla as montanhas
nevadas. Uma criança constrói um boneco de neve. Ana observa a cena. A
criança pára e sorri para Ana, gratuitamente. Ana, enternecida, sorri de volta
enquanto acaricia a própria barriga...
CORTA PARA:

CENA 55 FRENTE/ CHALÉ DE EVA/ PATAGÔNIA EXT/ DIA


De volta do passeio, Ana caminha em direção ao chalé mas estaca, surpresa e
sem entender, ao avistar Alice sentada na varanda...
ANA — (confusa; sem entender) Alice? Ué, mas... (T) O que é
que você está fazendo aqui?
Reação de Alice,
CORTA DESCONTÍNUO PARA:
Ana e Alice caminham pelos arredores gelados do chalé...
ANA — Como assim, você veio pra conversar comigo?
Conversar o quê? Como você sabia que eu estava aqui?
ALICE — Eu encontrei a tua irmã em Porto Alegre. (T) Eu disse
que sabia da tua gravidez e ela me deu teu endereço...
ANA — A Manu?! Mas... ela não faria isso. (T) Além do mais, o
que é que você tem pra me dizer assim de tão
importante, pra vir me procurar aqui, neste fim de
mundo?
ALICE — Ana, eu nem sei como começar. (T) Ou melhor, sei. Lê
isso aqui, por favor.
Alice entrega um papel para Ana.
ANA — O que é isso? (abrindo) Uma certidão?
ALICE — De nascimento. A primeira que eu tive nessa vida.
ANA — Como a primeira? Todo mundo só tem uma.
ALICE — Nem todo mundo. Se você é adotado, mesmo que com
poucos meses, na primeira certidão consta ainda o nome
dos seus pais biológicos. Só depois é que é feita uma
outra, com o nome dos seus pais de criação, entende?
ANA — (confusa) Não. Não estou entendendo nada. Por que
você está me entregando isso?
ALICE — Lê, por favor.
A Vida da Gente Cap 005 27

ANA — (lendo) Alice Prates, branca, nascida em 28 de março de


1987, filha de pai não declarado e de... Vitória Azevedo
Prates? (confusa) Que brincadeira é essa? Como assim?
(impactada) Você é filha da Vitória?
ALICE — Deus me livre: ela é minha mãe biológica, só isso. Eu
sou filha da minha mãe, Suzana, e do meu pai, Cícero,
porque foram eles que me criaram e me deram amor. (T)
Na verdade, eu cresci sabendo que fui adotada... O que
eu não sabia, até ir atrás dessa certidão, era o nome da
minha mãe de verdade...
ANA — Mas... se você é filha da Vitória... Por que você não
disse quem era? Por que você se inscreveu na escola
como se fosse uma aluna?
ALICE — Medo, sei lá. De ser rejeitada, pela segunda vez. Além
do mais, se ela quisesse saber de mim teria me
procurado, você não acha? Eu resolvi me inscrever na
escola pra poder ver de perto como, e quem, ela era...
Mas quando eu descobri que ela era capaz de repetir a
minha história, igualzinho, através de você, eu...
ANA — Como assim? A minha irmã te contou que...
ALICE — (num ímpeto) Não dá esse filho, Ana. Não faz isso.
ANA — (abalada; fragilizada) Você não sabe da minha vida,
Alice. Não sabe de tudo o que está envolvido.
ALICE — Não sei realmente. Mas sei que não é certo alguém dar
uma criança pra tentar resolver um problema. (T) Eu já
fui essa criança, Ana. Eu era o problema.
ANA — (atingida; confusa) Você não pode me julgar, nem
comparar. A tua história é tua, e eu tenho a minha. Eu
tomei uma decisão, está tudo acertado. Agora não tem
volta.
ALICE — Tem, se você quiser...
ANA — (chora; desesperada) Por favor, vai embora. Você não
pode, não tem o direito de invadir a minha vida desse
jeito.
ALICE — Desculpa, Ana. Não era a minha intenção te deixar
nesse estado...
A Vida da Gente Cap 005 28

ANA — (aos prantos; transtornada) Mas deixou. Por isso eu


estou falando sério. Me deixa sozinha. Vai embora!
Anda! Vai embora!
Em Alice, impotente, vendo Ana se afastar...
CORTA DESCONTÍNUO PARA:

CENA 56 SALA/ CHALÉ DE EVA/ PATAGÔNIA INT/ DIA


Ana entra, enxugando os olhos com as costas da mão. Senta-se, transtornada, e
fecha os olhos, respirando fundo. Em seguida, levanta-se e pára, de repente,
percebendo a água que escorre do meio de suas pernas... Nervosa, pega o
telefone e liga.
ANA — (ao telefone) Mãe, eu acho que a bolsa estourou. (T) Vai
nascer, mãe. Vai nascer....
No sufoco de Ana,
FIM DO 5º CAPÍTULO

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