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Vidas Liquidas Helio Guerra 2021

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HEÉIO ZYLD GUERRA

Vidas Líquidas
Em busca de Horizontes
©Hélio Zyld Guerra, 2021
Título: Vidas líquidas
Autor: Hélio Guerra

Contactos para palestra, seminário e workshop


E-mail: heliozildo@hotmail.com
Instagram: helio_zyld_guerra
Facebook: Hélio Zyld Guerra -ASES

Edição e paginação
Lucas Cassule

Design de capa
maltaimedia|ésobrenós Editora

Execução Gráfica
ésobrenós Editora

Revisão
Hélio Zyld Guerra

Marketing e publicidade
Alusapo | Julieta Nguenda | Lucas Cassule

Conselho Editorial
Victor Amorim Guerra | Elisabeth Lorena Alves | Youran Mandonga
ISBN: 978-989-53230-9-8
Edição digital: Setembro de 2021

_____________________________________________________
ÉSOBRENÓS EDITORA
Mutamba, R. Amílcar Cabral 170 – 1.° Apto. n.º 3 | Luanda – Angola
Zango I, Quarteirão F, R. 10 (paragem do parte-braço), casa n.º 415.

É expressamente proibida a reprodução deste opúsculo, no todo ou em parte,


seja por quaisquer meios sem autorização por escrito do autor.
Em memória de Orlanda Jonas (Sumbi),
eterna saudade.
&
Em homenagem a minha eterna paixão,
Até que a lua ilumine o dia e o sol se lembre de nos separar.
Agradeço à mater natura
Edite Jonas e M.I.R
Maria Nhaguiombe, mamae wango nha licini.
Jonas Frederico
Siovana Novela
Aos meus incondicionais amigos e colegas
Ao Clube do Livro
A você
Kanimambo

HEÉIO ZYLD GUERRA


Sumário
Capítulo I----------------------------------------------------8

Capítulo II--------------------------------------------------26

CAPÍTULO III---------------------------------------------- 61

CAPíTULO IV --------------------------------------------- 75

Capítulo V-------------------------------------------------- 81

Capítulo VI-------------------------------------------------96

CAPíTULO VII------------------------------------------- 100

Parte II----------------------------------------------------- 106

CAPiTULO VIII------------------------------------------- 116

CAPíTULO IX-------------------------------------------- 131

Capítulo X ------------------------------------------------ 153

Capítulo XI------------------------------------------------ 172

sobre o autor---------------------------------------------- 186


Hélio Guerra

“Sonhando sóbrio

Subo ao alto

Da altivez

(…)

Semeando o sentido

Nem tido

Nem perdido só”

João André da Silva Feijo

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Vidas líquidas

Nota do autor

E ste é um retrato histórico de um jovem que cami-


nha em busca de sucesso em sua vida. Uma caminha-
da em busca de horizontes que servem de base para seu
desenvolvimento individual em tempos que nada parece
estar ao seu alcance para vencer. A dúvida e a intriga cau-
sadas por um relacionamento do passado, tomam espaço
e causam estragos na nova relação. O livro conta história
de um casal de jovens que juntos ultrapassam obstáculos
que a vida prega a cada batimento de seus corações sem
perderem a força vital do seu relacionamento. Ambos,
procuram superar os erros cometidos devido a fragilidade
e imperfeição da carne. Esta é uma obra de ficção. Nomes
de pessoas, acontecimentos, e locais que existam ou que
tenham verdadeiramente existido em algum período da
história foram usados para ambientar o enredo. Qualquer
semelhança com a realidade terá sido mera coincidência.

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Hélio Guerra

Capítulo I

O início

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Vidas líquidas

Segunda-feira, quinze de Abril de dois mil e três


ERA DIA CALMO, o sol se agasalhava ao cinzento
véu que cobria o céu e as aves aparentemente cancelaram
os voos que habitualmente fazem pelas diferentes artérias
da fabulosa cidade das acácias em tempos de sorriso do
sol. O vento trazia o suave e picante sopro da matina, car-
regando consigo uma forte dose de gelo invisível que arre-
piava o corpo de quem estivesse ou não agasalhado deco-
rando em seus movimentos laborais bem como quem por
sorte estivesse dentro de casa. O tempo estava confortável
para um perfeito ensaio artístico biológico, como muitos
dos que nasceram no sol de junho exortavam-se a crer. Os
santuários e salas de operações de certeza estavam prepa-
radas para a sagrada religião da procriação. Não se precisa
grande esforço para ver com quantos palmos adolescentes
e jovens professam tal religião, na verdade é um hábito
quase estranho que a maioria dos indivíduos destas terras
sagradas do metical faz toda vez que Deus se aborrece e o
céu fica triste. O dia estava sonolento, o tempo quase que
não se importava com as crias que deambulavam pelas
praças públicas e sem teto.
Eu, Lyaki Sumbi Guerreiro, desejava tanto uma vida
comum, talvez como a de muitos jovens da minha idade.
Mas, sentia que era um extraterrestre em busca de norte
e, de uma linhagem meramente diferente e instinto entre
os hábitos normais da nova sociedade. Preferia passar dias
como este vendo um bom filme, documentários e escu-
tando as melodias consideradas triviais ou algumas tradi-
cionais pelas mentes preconceituosas.
Sentado ao sofá preto, segurando uma chávena branca
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Hélio Guerra

com molduras douradas de um leão, embarquei num voo


que me levou para uma terra distante onde jazem possibi-
lidades e sonhos ainda por realizar cujos construíam cas-
telos de reflexões pintados de minha caminhada ao longo
dos meus míseros anos que chamam de história de vida
na terra. Nesse inefável instante transforma-se a mente
em um artista plástico pintando delicadamente a imagem
de um velho e temido amor. Uma inesquecível princesa
nascida do ventre da lua, majestosa mulher que outrora
ocupava meu reino afável, maldito coração. Os demais a
chamavam “senhora Guerreiro”, porém preferia mais que
a tratassem pelo seu nome Khelyn Ubakin. Mulher de
difícil carácter e fácil de se deixar levar pelas fantasias e
bobagens que os ditos galãs da nossa era historizam, sim-
pática e dona de um charme sombriamente confortável.
Detentora de uma pele suave e branca como a neve que
cai dias e noites de inverno e principalmente em vésperas
de natal nas grandes cidades do primeiro mundo.
Divagando em minha imaginação, bem no virar da
esquina enquanto as lembranças emergiam fortes arden-
do entre a saudade e a dor do coração partido, ouvia-se
“How to Love” de Lil Wayne emergindo suavemente.
Olhei com desdém na tela. Era ela, o velho amor sacudiu
as cinzas da morte emocional, retomou à vida e naque-
le preciso momento estava batendo a porta cibernética.
Enquanto o celular chamava, mais lembranças invadiam
a alma trazendo os momentos de loucuras e de maior
paixão. Momentos que gostaria de esquecê-los e enter-
rá-los para sempre, algo que a ligação não podia fazer.
Uma nuvem trouxe à mira uma preocupação intrigante.
Porquê, dois anos, após a ferida cicatrizar a Khelyn deci-
dira ligar? Será que somente agora arrependeu-se e quer
resgatar o idiota que tanto a amou?
Nada parecia responder à pergunta que fizera ao meu
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Vidas líquidas

orgulho ferido. O silêncio cobriu meu rosto. Foi então


quando percebi que somente atendendo a maldita ligação
que teria as possíveis respostas das perguntas plantadas
no ventre do vento entre as paredes do meu ser. Peguei
no celular e do outro lado da linha ouvia-se uma voz sua-
ve com um tom de despreocupação como se não tivesse
ocorrido algo entre os dois.
– Olá, querido como está?
A dor e o orgulho ainda prevaleciam em mim, que
me esqueci dos bons modos de cortesia e nomenclaturas
de afectos. Por essa razão, apenas por capricho, respondi
com um tom calmo mas carregado de arrogância disfar-
çado em perguntas que parecia não saber a resposta.
– Querido? Desculpe-me, com quem tenho o prazer
de falar?
O silêncio cobriu alguns segundos entre nós, parecia
que ninguém estivesse disposto a continuar a conversa.
Foi então quando ela responde:
– Se esqueceu do meu tom de voz? Aqui é a Khelyn,
antes que me pergunte de onde¡ sou a mulher que queria
passar o resto do tempo ao seu lado.
– Ah! Você, o que deseja?
– Calma Lyaki, não precisa dar respostas agressivas
assim, muito menos tamanha chatice. Apenas liguei por-
que precisava saber como você está e por onde tens anda-
do. Apesar do que aconteceu entre a gente, sinto saudades
suas e gostaria de conversar com você.
Procurei a melhor resposta possível que não a ma-
goasse como ela fizera há dois anos. Foi quando um mi-
lagre pairou em minha mente fazendo mudar toda a raiva
e a maneira de pensar. Afinal tudo na vida tem começo
e fim, e nas relações quando uma das partes não sabe va-

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Hélio Guerra

lorizar o esforço e o amor que tem pelo outro, sempre há


finais tristes. O duro em muitos casos não é o fim, mas em
que condições chegam o maldito fim.
– Só hoje que decidiu ou recordou que existe uma
alma que tanto te amou? Não está sendo injusta? Mas en-
fim, passou, superei a queda. Aliás, como as pessoas tem
dito, vaso ruim não quebra, aqui estou como percebe. O
que de importante precisa falar comigo depois de me ter
ridicularizado, afinal valho algo? – Sarcasticamente pus-
-me a rir, em seguida acrescento – Você sabe onde encon-
trar-me. Mas diga-me quando e a que horas, pois tenho
uma agenda lotada.
– Obrigada. Diga você o dia que estará disponível.
Esta semana estarei de volta a minha antiga zona, pode-
remos nos encontrar lá.
– Tua zona não piso nem que ganhe na lotaria. Pode
ser na sexta-feira no período da tarde, prefiro que seja no
jardim localizado na Cidade da Matola, como estarei por
aquelas bandas durante todo dia.
– O jardim dos poetas?
– Sim, esse mesmo! Ainda conhece de que lado fica?
Se não, mando-lhe o endereço pelo Whatsapp. Este é seu
contacto?
Tendo ouvido isto, ela soltou gargalhadas suaves e
contagiantes durante um bom tempinho. A conversa ti-
nha ganhado um novo teor e nova direcção. Na verdade,
seu contacto não havia deletado apenas quis passar-lhe a
impressão de que não tinha seu contacto e havia seguido
com a minha vida.
– Não precisa mandar, muito obrigada. Ainda co-
nheço a Matola como se o mapa tivesse sido desenhado
em minha mente. Darei sinal quando chegar sexta-feira,
logo cedinho, para fazer-lhe lembrar e saber se estará to-
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Vidas líquidas

talmente disponível.
– Sem problemas. Está combinado. Mas peço que
me ligues depois das 8, você sabe que odeio ser acordado.
Até lá.
– Eish! Há coisas que não mudam em você. Está
bem, até lá. Beijos…
Em algum momento foi difícil conter a raiva e a
vontade de dizer não ao convite, mas algo em mim não
permitia rejeitar as pessoas de exprimirem seus senti-
mentos e falarem o que lhes apoquentasse por mais triste
me deixasse. Terminada a ligação acedi a minha agenda
eletrónica para marcar o encontro solicitado, foi quando
percebi que mais uma vez importava-me com a minha
ex-amada. O engraçado foi que somente naquele instan-
te, comecei a perceber o quão era imprevisível a minha
vida e o carácter humano. E, como se não bastasse, o quão
sozinho me sentia por não a ter em minha vida.
Foi difícil aceitar e superar o fim do namoro e o pior,
o facto de que todos amigos e pessoas conhecidas culpa-
vam-me pelo sucedido. Foram capazes de afirmar que a
relação chegou ao fim porque era mulherengo, falso e não
a valorizava e, que foi decisão minha chegar a esse ponto.
Alguns vizinhos e desconhecidos tinham como fonte de
inspiração o “velho eu” por cuidar dela, por ter superado
todos preconceitos imaginários criados por pessoas infan-
tís, só porque Khelyn era de pele diferente. Seu tom de
pele era branco amarelado, cabelos loiros brilhando como
ouro e olhos trémulos decorados por um íris, verdes e pro-
fundos, como se de uma águia fossem. A sua pigmentação
fazia com que elaborassem preconceitos e mitos fazendo
com que alguns a considerassem desigual a nós.
Naquele dia, já desde cedinho iam acontecendo coi-
sas meio estranhas e fora do comum. Inicialmente estava

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Hélio Guerra

sem vontade de sair de casa e muito menos com ideia de


ir à padaria para buscar o pão como o habitual. O celu-
lar toca, desta vez era uma notificação de falta de carga.
Saio da sala e dirijo-me ao quarto escuro do outro lado da
casa em busca do carregador. Lá estava sobre uma cômo-
da prateada e de madeira maciça, conecto o carregador.
Minutos depois a secretária vem e bate a porta.
– Senhor Lyaki está alguém precisando de você. –
Diz ela soltando um ligeiro sorriso em seu rosto que na
maioria das vezes parecia triste e magoado com alguma
coisa que não se sentia com vontade de partilhar com o
filho da patroa pensando que não fosse bastante crescido
para a compreender.
Saio do quarto, reparo duas vezes para ela e a digo:
– hoje está bem-humorada Maria, há alguma novidade?
– Sinceramente gostava de saber o que lhe deixa triste na
maior parte das vezes que tento ser seu amigo. Aliás, já
lhe disse para não me chamar de senhor, doutor, o raio
que seja. Chama-me pelo nome e você sabe muito bem
qual é o meu lindo nome. – Quem está procurando por
mim?
– É uma linda jovem que diz ser sua namorada. –
Diz ela com os olhos brilhando de satisfação pela no-
vidade. Já há dois anos que trabalha na casa dos meus
pais e realmente não tinha visto uma mulher vindo ter
comigo. Fico preocupado, totalmente confuso e sem ideia
de quem seria, justo num dia em que a temperatura não
estava confortável para uma expedição pelas artérias da
cidade. Enquanto caminho até a sala, fico imaginando a
pessoa e coloco em minha mente que só pode ser mais
uma das brincadeiras sem graça das minhas vizinhas.
Quando chego à sala vejo um rosto familiar. Estava ves-
tida de uma roupa que alicerçava seu corpo e descrevia

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Vidas líquidas

as lindas curvas que tinha. Era a louca da prima Marisa,


filha do irmão mais velho da mamã.
Rindo de mim mesmo, olho na cara da prima e fico
sem palavras. Nesse momento ela olha, soltando suas gar-
galhadas frequentes quando quer zombar da minha cara
e diz. – Estavas a espera de alguém diferente de mim?
Essa cara de alguém que parece ter visto fantasma? No
momento em que fazia suas carinhas de menina mimosa
e doida como sempre, cara de mulher despreocupada com
as pessoas e de quem não se importava e muito menos se
deixava levar pelas atrocidades da vida, caminha até mim
para dar um abraço quentinho e bem carinhoso que era
característico dela. Talvez fosse isso que mais me fascina-
va na Marisa, mulher de poucos anos mas que viveu cada
momento em sua vida. Momentos os quais, melhor não
lembrar de alguns devido a tamanha carga de dor que
possuíam.
– Não estava esperando absolutamente ninguém.
Quando a Maria informou-me que alguém precisava de
mim não imaginava que fosse você. O pior é que ela disse
que minha namorada estava aqui. Se soubesse que era a
minha querida prima teria a dito para vir até onde estava.
– Ahm, seu louquinho! Está tudo bem com você? –
Ela pergunta e diz – hii nem vale a pena responder, parece
que alguém anda muito mal-humorado aqui. O que se
passa meu príncipe?
O silêncio pairou em mim. Permaneço inerte e sem
vontade de responder. O período dramático começava a
emergir, nesse instante pensei que o meu estado emocio-
nal era proporcional a temperatura ambiente e as vezes
causava melancolia. A Marisa aguardava a possível res-
posta. Então, aticei a voz e engendrei uma resposta con-
vincente. De repente ela interrompe o início da minha

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Hélio Guerra

fala caminhando até ao sofá e mexe seus pertences.


– Antes de responder o porquê do teu mal humor,
vamos acompanhar a nossa conversa com um bom vinho.
– Marisa, Marisa, Marisa meu bem, você tem cada
surpresa! Eu não quero beber, sabe muito bem que não
costumo beber no meio da semana.
– Hum Lyaki ou melhor Lyani, não me decepcione.
Além disso você está de férias muito prolongadas. Pro-
meto que não vamos exagerar a dosagem, só duas gar-
rafas. – Diz ela olhando para mim com olhos de uma
rapariga desamparada e precisando de atenção especial,
suspira, sorri e leva as garrafas até mim.
– Acho melhor a gente ir ficar no meu santuário da
paz antes que cheguem os viciados em telenovelas e estra-
guem a nossa conversa.
Em casa a mamã e suas amigas bastavam apenas sen-
tarem-se à sala, a primeira coisa que lhes vinha à mente
para ver, na televisão, eram as famosas telenovelas mexi-
canas; e estando aqui a conversa seria muito chata porque
tudo estaria centrando nos personagens e sendo o único
homem de casa, sinceramente, seria mais aborrecido ain-
da.
– Boa ideia! Ei diga-me algo, está bem arrumado lá?
– Pergunta ela sorrindo para mim. Olhando de volta, sin-
to-me bobo e quase desconfortável. Mas depois percebi
que se tratava de mais uma daquelas perguntas retóricas
(o engraçado é que era habitual esse tipo de pergunta e as
vezes confundia-me). Devagar caminha até a porta que
leva ao corredor que dá ao meu quarto e grita:
– Lyani não esquece das taças!
– Está bem! Vê se não mexe em coisas que não lhe
dizem respeito, está bem filha? – Embora soubesse que

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Vidas líquidas

teria falado em vão, pois ela era muito curiosa e não con-
seguia ficar sem bisbilhotar em coisas alheias; convenci-
-me que ela recebera a mensagem sem distorção alguma e
que faria o que lhe dissera.
Caminho até a cozinha para levar as taças e Maria lá
estava, preparando o almoço. Peguei nas taças que esta-
vam na estante. Abri a geleira e retirei alguns pedaços de
frango para descongelar e alguns salgados.
– Senhora Maria! – Dou-lhe um beijinho na face e
acrescento – Peço para fritar os salgados e quando os pe-
daços de frango estiverem descongelados, peço que pre-
pare um petisco gostoso que só você sabe fazer.
Pego nas taças, caminho em direcção ao quarto,
empurro a porta com os pés e entro. Paro em frente ao
computador e observo que Marisa estava mexendo em
minhas fotografias. Deixo as taças sobre a mesinha que
fica depois do pequeno sofá em meu quarto e vou até ao
computador. Saio da página de fotos e coloco um bom
jazz para acompanhar o bom vinho.
– Ya! Você tem problemas, eu disse para que não me-
xesses em nada que não lhe dissesse respeito. Sua doida!
– Falo para ela sorrindo e segurando numa garrafa Vinho
Rosé para abrir. Encho as taças, entrego uma à minha pri-
ma, seguro na minha e dedico um brinde a nossa amizade
e sucessos em todas situações da vida. – A nós, pela forte
amizade e sucessos em nossas vidas. Que esta conversa
seja super óptima.
– Agora podes falar, o que te deixou com ar de peixe
morrido e criança sem rebuçado?
– Você não desiste mesmo. Quando você quer saber
de algo até Deus aprende que não pode esconder.
– Hum priminho, chega de cerimónias. Conta logo.
– Responde ela.
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Hélio Guerra

Sentado ao sofá e ela no tapete de algodão com de-


sign de pele de um leopardo, pego na taça e bebo um gol
de vinho tentando aliviar a tensão e tomar coragem para
falar sobre o sucedido na manhã daquele dia. Penso na
resposta que fosse menos embaraçosa que falar do meu
passado amoroso, mas a mente não aceitava ceder ao meu
orgulho barato. Apenas acordei mal disposto – penso, mas
como conhecia bem a Marisa seria difícil de convence-la
que esse seria o real motivo. O pior é que ela conhecia-me
bem e sabia quando é que estou mentindo e quando estou
falando a verdade, melhor seria falar a verdade e matar a
sede dela de tentar saber novidades sobre mim.
– O meu passado decidiu sair do sarcófago e dar uma
ligadinha para mim. – Respondo na maior calma e alegre.
Parecia que o vinho já estava fazendo efeito em mim, toda
emoção e sorriso afogado pela dor e orgulho vinha à tona,
já estava sentindo-me recuperado do trauma amoroso.
– Quem seu tolo? – Diga o nome. – Responde ela
e acrescenta tocando minha mão tentando mostrar que
sempre estará comigo vindo o que for – não sou bola de
cristal bebé e muito menos uma fada. – A mão quente e
carinhosa confortava-me e fazia-me lembrar dos dias que
ela esteve comigo tentando fazer eu recuperar o trauma e
seguir em frente, virou e olhou para mim dizendo – fala
homem de Deus.
– A Khelyn ligou-me sua boba, e…
Seguro novamente a taça de vinho e dando mais um
gol. – O que ela queria? – Pergunta ela toda curiosa e com
cara de furiosa. Enquanto deixava a taça na mesinha, a
Maria chega e pede permissão para entrar trazendo a tra-
vessa cheia de salgadinhos que a pedi para fritar.
– Aqui estão os salgadinhos bem gostos como você
pediu-me. – Diz a Maria toda sorridente. Nesse momen-

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Vidas líquidas

to a agradeço e aproveito para apresentá-la a Marisa.


– Maria, esta jovem doidinha é Marisa Martins
Guerreiro, filha do irmão do meu falecido pai. Como vê
é minha prima.
– Prazer em conhecê-la senhorita Marisa, pensei que
fosse a namorada do menino Lyani. – Responde Maria
sorrindo e dando dois beijinhos à Marisa. Confesso que
fiquei perplexo e bem satisfeito com a apreciação dela,
foi bem admirável, pois considerava sortudo o homem
que ganhasse o lindo coração da Marisa. Embora ela fos-
se muito tagarela em alguns momentos, além do corpo
bem esculpido que dizia Deus e os meus tios tiveram todo
amor e atenção para desenhar uma perfeita criatura, as
boas atitudes e qualidades que tinha (companheirismo,
respeito, sagacidade, astúcia e mais) faziam dela uma ex-
celente mulher, não poderia haver algo entre a gente.
– O prazer é todo meu em conhecer você. Peço que
não me chame de senhorita, apenas Marisa. Diz ela sor-
rindo.
Incrível! – Penso – ela também odeia ser chama-
da assim, até parece que somos velhinhos e, além disso, a
mamã ensinou-nos a respeitar e ter as pessoas que traba-
lham para nós como parte da família e eu não gosto de
bajulações.
– Boa diversão meninos, não ultrapassem a medida.
– Diz a Maria retirando-se de volta a cozinha para termi-
nar seus afazeres. A conversa estava fluindo como Marisa
planejara, senta-se e pergunta – O que a tonta da Khelyn
desejava ao ligar para o meu primo mais lindo do mundo?
Senti que já estava disposto a dizer, levanto-me e ca-
minho até ao computador, por um breve momento penso
em algo relacionado a música que estava tocando. Passo a
música que tocava. Por lapso a aplicação de músicas colo-
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Hélio Guerra

cou uma música agressiva dos “Fall out boy” com o título
“centuries” e não era adequada para a ocasião em que es-
távamos. Ao som de Phill Colins com o título “Both sides
of the story”, caminho até ao sofá e digo – apenas queria
saber como eu estava e que gostaria de conversar comigo.
– E antes que me pregunte o que ela precisa dizer,
não sei e acho que tenho raiva de quem sabe. – Acrescen-
to soltando uma intensa gargalhada.
– Meu bem, pelo que percebo ainda há fogo no ar.
Você Lyaki wa kha Sumbi, ainda é louco por ela. – Diz
ela olhando para mim cheia de total confiança e com ar
de quem conhece a peça.
– Não e não. Você está, totalmente, enganada sua
louca, não existe algo no ar. Parece-me que o vinho está
reagindo muito rápido em você, até começou a delirar e
inventar coisas.
– Nada a ver Lyani, você sabe que vinhos são minha
praia. É que vejo você falando dela com o olho brilhando,
juro que se fosse de raiva perceberia mas o teu coração e
sua forma de ser dizem outra coisa.
Solto um sorriso sarcástico por alguns segundos e
degusto novamente o briol que estava uma delícia. Em-
bora tenha rejeitado a prior, o vinho estava sendo uma
excelente companhia e a conversa com a Marisa estava
mudando o clima do dia. Pego o salgado e mastigo calma-
mente enquanto ela diz – não preciso perguntar se você
aceitou ou rejeitou o convite dela, porque tenho certeza
que irá correndo feito uma criança correndo atrás de uma
bola ou rebuçado. – Olhei para ela, ri e pensei em como
seria o maldito encontro da sexta.
– O que está pensando? – Pergunta ela se deliciando
dos salgadinhos e o briol. Volte que o planeta terra está
chamando você…
20
Vidas líquidas

– Não posso ficar calado e escutar sua voz meio irri-


tante, sua boba. – Digo olhando para o celular na cabeceira
que estava chamando. – Quem será meu Deus? – Penso!
Peço permissão para levantar e atender a chamada. Com
um gesto através da cabeça, Marisa aceita e levanto-me.
– Eish! É um número desconhecido. – Digo olhando
para o ecrã do celular. – Aló boa tarde, aqui Rungo Guer-
reiro, com quem tenho o prazer de falar? – Num trocar de
olhares, Marisa deu um ligeiro sinal dizendo que ia a casa
de banho, abano a cabeça na vertical dizendo percebido,
ela se sai.
– Aqui é a Michaela Lourenço, desculpe por lhe ligar
por este contacto.
– Oh bebezinha, como está?
– Estou óptimo paizinho e você? Apenas liguei para
convidar-lhe para uma festa na semana que se aproxima e
será na minha casa.
– Wau! Está bem, estarei lá sem falta. Obrigado pelo
convite. – Desligo a chamada com um sorriso no rosto,
nesse instante a Marisa regressa e pergunta – Era a res-
suscitada? – Sorrindo e caminhando até ao sofá para sen-
tar.
– Era uma colega da Universidade. Michaela que
habitualmente a apelido de bebezinha porque ela tem
um corpo bem pequeno, um tom de pele jovem como de
uma bebé. Resumindo ela é muito linda e veste como uma
bebé.
– Hum, muito interessante. O que queria num dia
como este? – Marisa perguntou.
– Convidar-me para uma festa na semana que vem
– respondo todo entusiasmado e cheio de vida e ansioso
para o dia da festa.

21
Hélio Guerra

A noite foi batendo à porta e a conversa estava super


fascinante, de repente o estômago se contorce de fome.
Os salgados já haviam esgotado, a única solução seria ir
à cozinha para ver se alguma coisa preparada havia para
comer. Saímos até lá, a Maria já havia preparado a mesa
para a gente. Chamei-vos para almoçar e ninguém se ma-
nifestou – diz a Maria toda preocupada.
– Não ouvimos quando chamaste-nos, hi dzivale-
li1! – Respondi. Realmente, não poderíamos confirmar se
ela chamou-nos, além do mais o som do aparelho estava
alto para o timbre suave de sua voz. O eficaz teria sido se
ela tivesse batido à porta. Enquanto degustávamos cada
miligrama da refeição, o namorado da Marisa ligou in-
formando que estava a caminho de casa e precisava de
ver-lhe por alguns instantes. O oceano dentro de mim
alimentou anciãs de devastação e bem no ventre das on-
das pareciam nascer buracos negros tentando engolir a
santa paciência que se resguardava entre o sol e o céu.
Dava para ver no fundo do olhar a tinta semi-indelével
da saudade, talvez do ciúme também, mas com certeza
algo me incomodava, pois havia milhas de distância entre
a realidade e a imaginação de ouvir a voz da pessoa que
se ama pedindo ou programando por um passeio entre as
estrelas e beijos.
Terminado o almoço-jantar, levanto-me e removi a
loiça para o lava-loiça, Marisa veio junto e ajudou-me a
lavar os pratos. Segundos depois, os nossos celulares toca-
ram em simultâneo. Tiro do bolso esquerdo da calça jeans
preta, olho para o ecrã, era uma mensagem do vizinho ao
lado, o senhor Bonifácio. – “Boa noite Filho, preciso da
sua ajuda. Está em casa?” – Teclo em responder e digito
rapidamente – boa noite, sim cá estou. Em que lhe posso
ajudar?
1 Perdoe-nos.

22
Vidas líquidas

Aguardo por sua resposta enquanto lavo a loiça e


Marisa vai limpando a mesa. Ela pára, responde ao cha-
mado do celular, era seu namorado. Marisa põe o celular
em viva voz, pois suas mãos estavam ocupadas
– Aló mor! – Disse ela num tom de voz apaixonado
e de maior felicidade.
Sim my Queen – responde ele cheio de energia –
onde estás para que eu possa vir buscar-te? Olhando para
mim, piscou o olho e disse – estou em casa da minha tia,
podes vir buscar-me daqui a trinta minutos, no máximo
uma hora.
Enquanto ela falava com o seu namorado, entra no-
vamente uma mensagem do vizinho. – Preciso que me
acompanhes a padaria para comprar pão, pode ser? Sem
hesitar digito um “Okay” juntamente coloco um emojii
sorrindo para ele. Não me dei o luxo de pensar se ele per-
ceberia a mensagem afinal ele é um daqueles adultos que
não aceita de animo leve a sua velhice. Naquele momento
não sabia mais o que erra certo ou errado escrever para
uma pessoa com seus quarenta e cinco anos de idade, uns
cinco acima da minha velhota amada.
Termino de lavar a loiça, limpo o lava-loiça e peço
a Marisa que me acompanhe para a casa do vizinho.
Vamos! Ela responde e acrescenta – não vamos levar
muito tempo que seu cunhado está vindo buscar-me
para casa. – No momento sabia que ela já estava para
se ir embora, abanei a cabeça verticalmente fazendo-a
perceber que não demoraríamos e que já havia percebido
que seu cachorrinho vinha a buscar para casa.
Chegados à casa do senhor Bonifácio, toco a cam-
painha. Espero e pego no celular para o informar que já
estava em sua porta. – Porquê tocaste a campainha en-
quanto poderias muito bem ligar para o informar que

23
Hélio Guerra

aqui estamos? – Pergunta Marisa olhando para a esquina


iluminada que leva até a estrada principal e que dá acesso
a casa dos meus pais. Minutos depois o senhor Bonifácio
abre o portão de sua casa – entrem por favor – diz ele.
Não vamos demorar – respondo – apenas pode entregar-
-me a sacola que irei comprar para você. Passados alguns
minutinhos, ele entrega-nos a sacola e o valor para pagar
os pães que precisava.
Depois de trinta minutos, o namorado da Marisa
manda uma mensagem dizendo já estou chegando e que
seria bom que ela começasse a preparar porque não queria
levar muito tempo esperando por ela. Caminhamos rápi-
do, de volta a casa do senhor B.
– Tio B aqui estão os pães e os trocos. – Afirmei en-
tregando a sacola cheia de pãezinhos de forma conforme
ele pedira, os trocos estavam junto à sacola. – Obrigado
meu filho. – Disse soltando aquele sorriso contagiante
que somente ele tinha e mais ninguém no bairro con-
seguia sorrir como ele. Minutos depois, o namorado da
Marisa chega e estaciona seu lindo carro em frente de
casa e liga para ela.
Estávamos despedindo o senhor B quando o celu-
lar da Marisa chamou, ela abre a bolsa, retira o celular e
atende.
– Amor, já estou aqui. – Informou o namorado da
Marisa calmamente.
– Está bem lindo, já estou saindo. – Responde ela
bem ansiosa em ver seu gato das botas e rei encantado.
– Cancela a chamada dizendo com uma voz meiga e ale-
gre, já chegou. Saímos da casa em que estávamos. Ele
ali estava esperando por ela enquanto escutava músicas
de uma banda moçambicana designada “Banda Kakana”
num som calmo e tranquilo. Ele tem gostos – pensei! En-

24
Vidas líquidas

quanto chegávamos, ele abre a porta do seu carro e sai


para saudar-nos.
– Boa noite, tudo bem com vocês? – Interrogou
sorrindo para a gente. Aí percebi que a Marisa já havia
contaminado mais alguém com seus sorrisos espontâneos
que mostram felicidade autêntica mesmo que as coisas da
vida as vezes parecem estar contra nós. Foi difícil encarrar
a ideia de sorrir sem nada a perder ou ganhar, apenas sor-
rir para quem fosse que se apresentasse em nossa frente
independentemente das situações que fossem.
– Depois do dia que tive com essa doidinha, es-
tou muito bem. – Respondi sorrindo de volta. Naquele
momento não sei o que tomou conta dos meus pensa-
mentos, o fantasma da Khelyn não me assombrava e
sorria naturalmente como se nunca tivesse recebido uma
chamada desagradável num dia daqueles. A conversa foi
muito curta e bem simpática para alguém que tem uma
parceira que fala bastante, não havia muito para falar já
que os pombinhos tinham que ir passar sua noite e o lobo
solitário precisava dormir depois de um dia bem agitado
que tive.

25
Hélio Guerra

Capítulo II

Revivendo velho amor

26
Vidas líquidas

Sexta-feira
MANHÃ DE SEXTA-FEIRA, o relógio marca
sete horas e trinta minutos, o sol brilhava anunciando um
novo dia. O termómetro indicava vinte e nove graus Cel-
cius, mas com tendência a aumentar durante o dia. Já dava
para perceber que o dia seria muito quente e bem agitado.
Ainda deitado na cama, o celular vibra anunciando uma
notificação, o encontro com a Khelyn seria mais tarde,
mas antes tinha de ir ao Colégio São Gabriel entregar
uma papelada ao Arnaldo Gonzales sobre a legalização
da nossa futura associação. Entrei no Whatsapp, mil e
duzentas mensagens não lidas. Tantas mensagens por ler,
só podem ser dos grupos a maioria delas – PENSO. En-
quanto tentava as ler uma chamada entra. Era a Khelyn.
De certeza ela estava ligando para recordar-me do encon-
tro e saber se estaria disponível para tal. Ensaio uma voz
audível e sem sinais de alguém que ainda está na cama,
atendo, mas a voz trai-me dando a perceber que acabava
de acordar.
– Olá, como está? – Enquanto esperava a resposta
dela, procuro o controlo remoto, seguro-o e ligo a televi-
são. O canal que aparece é o de desenhos animados, devo
ter sido o último canal que assisti durante a noite de on-
tem – penso.
– Oi, estou bem e você? – Ela responde – deu para
perceber que acaba de acordar ou ainda está na cama.
Desculpe-me por acordar você. – Acrescenta num tom de
voz que exprimia um sentimento de culpa pelo aconteci-

27
Hélio Guerra

do. No fundo, percebia-se que ela estava em movimento,


em algures fechado, equiparado a um quarto e uma músi-
ca calma estava tocando, mas não dava para devidamente
identificar a voz e perceber de que música se tratava.
– Realmente, ainda estou deitado, mas não foi você
quem me despertou. Já o havia feito quando você ligou,
estava tentando ler um monte de mensagens no meu
Whatsapp. Estás em movimento, para onde vais a esta
hora da manhã? E que música é essa no fundo?
– Calma senhor detetive, tantas perguntas para quê?
Respira que não vou a lugar algum tão cedo, apenas estava
saindo da cozinha para o quarto. Agora, quanto ao som
que está ouvindo é aquela música que tanto gostas de es-
cutar quando estás muito pensativo.
Nesse instante fico perplexo e pensativo, pois não
mais fazia ideia da música que se referia e, nos últimos
tempos tenho uma enorme playlist que me ajuda a ficar
calmo nas horas de maior tensão. Ademais, alguns hábitos
e gostos que me faziam estar ligado a ela foram jogados
no lixão sem direito a possível reciclagem. As músicas,
os locais que frequentávamos, as fotografias tiradas em
momentos de tamanha alegria estão lacradas no passado.
Viajar na mina do tempo buscando garimpar as velhas
lembranças, trar-me-ia dor e o majestoso tempo já havia
se dado o luxo de enxugar as lágrimas.
– Poderia ser mais específica? Há muita coisa que
deixei para trás – digo soltando um ligeiro sorriso, rápido
e sincero, mas acompanhado de pensamentos inquietos
de quem tem medo de voltar ao tempo e lembrar de que
música se tratava.
– Estou falando da música de Lil Wayne com o títu-
lo “How to Love”. Somente agora percebo a essência dela
e escuto-a sempre que sinto saudades de você.

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Vidas líquidas

– Ah, realmente o ser humano só dá valor quando


perde. – Um sorriso temporário juntamente a uma forte
gargalhada vem à tona, continuo – pensei que jamais po-
derias lembrar de mim e escutar algo que me agrada só
para tentar fechar o vazio. A propósito, o que aconteceu
que até saudades de mim tens e decides falar comigo
agora depois de tudo que passei?
– Queres mesmo que te responda isso ao celular? Fa-
lamos mais logo, eu só queria fazer-lhe lembrar e saber se
a tua agenda não foi preenchida, “mister ocupado.”
– Hey calma aí, foi apenas uma pergunta boba. Por
mim, se quiser ou não responder cabe a você mesma. Não
havia esquecido do encontro, obrigado por me fazer lem-
brar e não me chame desse nome. Até logo…
Sem mais a tratar ao celular, ela despede-se e cancela
a chamada. Estico-me, levanto da cama e coloco o celular
para carregar enquanto faço alguns trabalhos pela manhã.
Puxo as cortinas brancas com detalhes de prata nas late-
rais e extremidades superiores. Abro as janelas do quarto,
primeira vez depois de duas semanas sem vontade de luz
entrando, dirijo-me até ao computador e coloco uma mú-
sica agitada para dar-me ânimo logo pela manhã. Depois
arrumo a cama como a Maria tem feito nos dias em que
acordo bem preguiçoso e saio de casa sem arrumá-la. A
manhã estava muito alegre e eu sentia que o dia seria di-
ferente do que acontecia nos últimos dois anos da minha
vida e muito menos imaginava no que aconteceria numa
sexta-feira daquelas.
Saio do quarto em direcção a casa de banho para
o banho matinal, encontro Maria saindo do quarto da
mamã, segurava o aspirador de pó e a sua esquerda estava
o cesto de roupas que ia lavar. Bom dia Maria – saúdo-a
com um sorriso longo em meu rosto como nunca o tivesse

29
Hélio Guerra

feito e como se fosse a primeira vez que a encontrasse no


corredor.
– Bom dia bom dia Lyaki, acordou muito energético
hoje. Sonhou com os anjos do papai do céu? – Com um
sorriso acompanhado de espanto, respondeu como anjos
entoando canções de embalar – mãe perguntou por você
– gritou como se eu não pudesse a ouvir. No final, respon-
di graciosamente com um gesto dizendo percebido.
Já dentro do banheiro, ligo o chuveiro e sinto se a
água está pronta para o mergulho. Está óptima – pen-
so, sem hesitar entro na queda de água morna do chu-
veiro. Segundos depois a mente seleciona pensamentos
escondidos na alma do tempo em que a Khelyn era tudo
para mim. Momentos em que ela parecia ser a tal senhora
Guerreiro e a felicidade era ao meu primeiro nome, mo-
mentos em que a verdadeira chama do amor ardia sem
imaginar que um dia alguma lágrima a apagaria. – Será
que ela ainda sente algo por mim? O que tanto ela quer
falar comigo? – Penso em uma resposta que fosse confor-
tável para o meu ego, porém a ironia do destino parecia
estar contra mim e tinha que aceitar o facto de que so-
mente ela poderia dar a resposta mais clara e acabar de
uma vez para sempre esta fantasia em que meu coração
se metera.
A raiva tendia a tomar conta do meu espírito sempre
que eu lembrasse da maldita aparição dela, mas quando
falasse ao celular com ela as coisas tornava-se diferentes,
em minha mente não parava as ondas psíquicas de como
seria o maldito encontro. Em momento algum pensei em
retomar a chamada e dizer tudo que o coração magoado
pensa a respeito disso. Porém, seria um total fracasso por-
que parte de mim ainda a deseja com maior força.
Depois de trinta minutos de banho, saio em direc-

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Vidas líquidas

ção ao quarto caminhando tranquilamente, trajei uma


elegante calça justa de pano veludo e uma camisete azul-
-cinzenta. Levo a papelada na gaveta da cabeceira e o
celular que estava carregando. Já estou pronto para sair!
– Pensei, porém não podia sair sem pelo menos tomar o
pequeno-almoço. A mamã sempre diz que é a refeição
mais importante e sagrada do dia. Sigo até a cozinha,
abro a geleira e tiro o queijo para uma sandes simples e
levo juntamente uma maçã.
A caminhada seria meio cansativa e solitária, mas o
celular estava bem solidário comigo que a playlist da rádio
estava bem eufórica e motivante. Caminho até a para-
gem e dou-me de cara com um velho amigo que a três
ou quatro anos que não o via. Desde que nos separámos
no ensino secundário, não o avistava nos corredores da
cidade nem nos locais mais frequentados por mim. Em
parte, sentia-me injusto porque não vivia muito distante
da minha casa e eu não o visitava.
–Lyaki Sumbi Guerreiro – disse Pedro Maria. Virei
calmamente e o saúdo com um aperto de mão acompa-
nhado por um sorriso.
– Pedrão, Pedro meu amigo. A quanto tempo! Como
está?
– Estou muito bem, andas muito sumido. Por onde
andas?
– Estou por aqui, apenas ando sumido devido a mui-
ta coisa. Você é que não visita.
Minutos iam conhecendo sua reprodução temporal,
enquanto esperávamos o transporte público que não che-
gava. A demora já era um facto que acabou se tornando
um costume na nossa sociedade, os mesmos apareciam
super lotados e com pessoas amonturadas como se fossem
mercadorias. No decorrer da troca de palavras e olhares,
31
Hélio Guerra

não parava de olhar para o relógio no pulso esquerdo.


A cada dois minutos olhava para o pulso e observava o
horizonte para ver se algum transporte vinha ou alguém
conhecido que pudesse dar uma boleia até ao destino. De
repente surge uma alma bondosa que conhecia a Marisa
e já se avistou inúmeras vezes com a gente em saídas de
família. Estaciona o carro, branco com jantes especiais de
tamanho dezessete, vidros fumados como é de costume na
maioria dos carros desses jovens metidos a espertalhões e
todo-poderoso como se diz entre os jovens da cidade. Dá
um sinal perguntando para onde ia. Em um gesto rápido
digo que vou ao Colégio São Gabriel. Soube aí que te
deixo por lá, também vou para aquela região.
– Pedro. Vamos! Vais ficar aí esperando?
Abro a porta do carro apressado para que não criasse
problemas no tráfego pela demora, entro e coloco o cin-
to de segurança. – Como está? Júnior … não é? – Soou
meio estranho, pois parecia que não conhecia ou havia
esquecido o seu verdadeiro nome, nesse instante o Pedro
ri silenciosamente abanando calmamente a cabeça.
– Estou óptimo, já percebi que ainda tens problemas
com o meu nome senhor Guerreiro. O engraçado é que
toda vez que nos encontramos, fazes o mesmo, acredito
que terei de escrever para poderes recordar melhor das
próximas vezes. Sou Yunni meu caro. – No momento em
que proferia estas palavras um sorriso simpático foi deco-
rando a cara do Yunni que sabiamente soube entender-
-me. – A Marisa está bem? Faz tempo que não a encontro
por aí.
– Está sim, estava com ela.
– Vocês não se separam. Se não soubéssemos que são
primos diríamos que são um casal de pombinhos insepa-
ráveis. – Disse Pedro zombando da minha cara, como se

32
Vidas líquidas

ele estivesse sempre onde eu e ela temos frequentado.


Passados vinte minutos, estava em frente ao Colégio
São Gabriel, subo as escadas até ao segundo andar onde
fica a sala do Arnaldo. Por coincidência ele já estava no
corredor e com uma bela mulher de corpo bem estrutu-
rado que até o diabo poderia se contorcer de inveja se a
visse com seu subordinado. Ela tinha umas curvas bem
estorturadas, um metro e cinquenta centímetros de altura,
um peito bem justo e uma beleza invejável acompanhada
por um tom de pelo negro claro. Olho para ela como um
felino atento a uma presa a deriva, Arnaldo chega diz –
melhor disfarçar que ela não é presa fácil meu amigo.
– Paula chega aqui que quero apresentar-lhe um
grande amigo. – Ordenou Arnaldo sorrindo como crian-
ça mimada e esperando uma recompensa pelo sucedido.
Enquanto ela caminhava devagar, seu corpo acompa-
nhava o ritmo de seus calorosos passos. Um pensamento
erótico invade minha mente, imagino ela nua dançando
devagar para mim em um quarto, deitado na cama e com-
templando sua perfeição feminina se revelando. Quando
chega próximo de nós, em um toque suave, mas com certa
agitação corporal capaz de despertar-me do sonho imagi-
nário que me encontrava em plena luz do dia.
– Hey gatinho, acorda! O que está pensando? – Dis-
se Paula toda sorridente e confiante. Seu sorriso era bem
atraente e acrescentava cada vez mais a pura beleza do
seu fabuloso rosto que se encaixava perfeitamente ao seu
perfeito corpo. Arnaldo começa rindo na minha cara pela
cara de parvalhão que estava fazendo e por não poder dis-
farçar a vontade carnal que tinha quando a via.
– Eu te disse maluco! – Acrescentou Arnaldo num
tom de zombaria depois de dar um ligeiro tapa em sua
testa. Não consegui conter a emoção que até resposta para

33
Hélio Guerra

sua pergunta não tivera coragem de responder com tama-


nha precisão naquele momento. Apenas sentia uma força
bloqueando a minha fala e um pequeno frio na barriga
para responder, caso que nunca havia acontecido comi-
go. As pessoas conheciam-me como o maldito tagare-
la, o homem de mil e uma palavras que nunca temia se
pronunciar perante qualquer situação e qualquer pessoa.
Naquele momento senti que, pelo que parecia, o mundo
estava dando uma oportunidade de perceber que as vezes
melhor a gente calar em certos momentos e permane-
cer com o que a gente pensa, mas a vontade de dizer o
que achava sobre ela não me faltava. Mais ocasiões virão,
pensei, mas será que será tarde? Não sabia mais em o que
acredita, mas que o tempo daria uma resposta exacta isso
me confortava.
– Paula, este é Lyaki Guerreiro, meu grande amigo
e companheiro das trincheiras na caminhada da vida. É
como um irmão para mim. – Apresentou Arnaldo olhan-
do para mim com uma mão sobre meu ombro esquerdo e
sorrindo como um idiota depois de ver seu irmão ficando
amolecido por uma linda mulher.
– Wau, lindo nome! Prazer em conhecê-lo Lyaki
Guerreiro. Bem, eu sou a Paula da Conceição Ngoenha.
– O sorriso não saia da carinha dela, era como se algo es-
tivesse a contaminar os meus sentidos que não parava de
ficar encetado com seu milagroso olhar.
– O prazer é todo meu, senhorita encantadora – bei-
jo calorosamente sua mão. – Pode chamar-me de Lyani.
Conceda-me o privilégio de um dia convidar-lhe para
sair e conhecê-la melhor.
– Obrigada pelo elogio, você é bastante simpático.
Fique com o meu cartão e ligue-me quando quiser.
– Sem dúvida irei fazê-lo! – Recebi-o e sorri feito

34
Vidas líquidas

criança depois de ganhar um prémio que tanto desejava.


– Até breve, Lyaki – nossos olhares curaram-se inse-
paravelmente – ou melhor Lyani! – Piscou o olho e deu
uma pequena volta para encontrar o passo mais confortá-
vel até a sala ao fundo. – Tenho trabalho a fazer.
– Vamos ao meu escritório – disse Arnaldo. Cami-
nhando para seu quarto de trabalho, ele pergunta o que
eu achava da Paula, sem rodeios e muito que dizer tentei
fazê-lo perceber que era uma mulher bastante interessan-
te e que talvez pudesse ter um caso com ela. Ainda não
imaginava o quão seria estar com ela. Entramos no es-
critório e começamos a conversa mais aberta entre dois
amigos que adoram mulheres, principalmente as lindas e
inteligentes.
O escritório de Arnaldo era a cara dele. Tudo estava
bem organizado e dava para perceber de antemão que ele
é um indivíduo que gosta de por as coisas em ordem e
bem colocadas. Bem próximo a secretária, uma estante
repleta de livros como todo leitor assíduo e bom professor
devia ter em seu local de trabalho. As paredes são cinzen-
tas e com um tom prateado em forma de pequenas pince-
ladas deixadas pelo pintor, e possui uma janela favorável
para observar de dentro o horizonte do céu e a paisagem
urbana em frente ao colégio.
Sentados, eu no pequeno sofá e Arnaldo em sua ca-
deira giratória balançando lentamente e mexendo seu ce-
lular acompanhado de um brilho nos olhos. Pelo brilho
dava para entender que estava trocando mensagens com
alguém muito importante e que lhe deixava emocionado.
Ele sem papas na língua como era de costume entre nós,
ele diz:
– Sabe, se eu não estivesse com Christiane juro que
eu mataria o animal. Melhor tu ficares com a Paula meu

35
Hélio Guerra

amigo. Ela é linda como deu para ver, inteligente e acima


de tudo está solteira e sem compromisso com um idiota
qualquer.
– Fala sério! Bem que gostaria de recuperar a mi-
nha antiga vida e ser feliz ao lado de uma nova pessoa.
Vou deixar que o tempo faça o mais sabe fazer, sua bela
mágica. – O meu rosto cobriu-se de alegria e senti uma
energia forte que segundos depois desapareceu como o pó
no ar quando lembrei da Khelyn e digo – Adivinha quem
ligou-me a dias?
– Pela cara que mudou de repente, boa coisa não foi
ou a pessoa não era a esperada. Deixe-me cá adivinhar! –
Colocou a mão no queixo como os pensadores têm feito
– foi a falecida, Khelyn Ubakin. – Risos decoram o rosto
por alguns minutos – o que ela queria?
Levanto-me e entrego a pasta de documentos que
trazia comigo para Arnaldo. – Apenas queria um encon-
tro comigo para hoje – quando me sentava o celular cha-
ma – irei logo que sair daqui. – Olho para o ecrã e percebo
que era o leitor de músicas que estava tocando. – Devo ter
esquecido de desligar – penso – desligo-o e fico atento ao
que o meu amigo de infância estava para dizer.
– Obrigado pelos papéis, temos de fazer isto mais
rápido possível. Hii dava para perceber pelas roupas que
hoje tens um encontro romântico. Vê bem o que farás
meu amigo, ela magoou-te o bastante e eu não quero que
isso volte a acontecer embora terei de apoiar-te em tudo
que decidir em relação a vocês dois.
– Hii agora deu para ser mestre de sentimentos – sor-
rio – fico feliz em saber que posso contar com um amigo
que na verdade é como irmão que nunca tive em minha
vida. Não se preocupe tanto meu irmão, vou tentar não
cair na desgraça do amor. Podemos mudar de conversa?

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Vidas líquidas

– Sem problemas, quanto ao assunto da nossa Asso-


ciação que na verdade é uma empresa já que iremos tra-
balhar sendo tal, conversaremos com maior cautela mais
tarde. – Ele volta a mexer o celular e acrescenta – Faltam
alguns dias para a festa da bebezinha, vais? Por favor não
me diga sim e depois na hora certeira recuares.
– Podes crer que irei homem. Ela é como filha para
mim e não posso a decepcionar, tenho de participar da
festa não importa o que acontecer. – Suspiro – Diga a sua
consciência para considerar festa participada e quanto ao
coração vou dar o melhor medicamento.
Estávamos emocionados e bem divertidos com a
conversa, o dia por enquanto estava decorrendo a mil
maravilhas. Cada vez mais a ideia do arrependimento do
encontro aceito ia perdendo vida, pensava como um mero
encontro de final de semana. São quase quinze da tarde,
despeço-me do Arnaldo, saio do local com o objectivo
de ir cumprir com a promessa. Até ao Parque são apenas
quinhentos metros de distância, uma óptima distância
para uma boa caminhada. E era o que pretendia, cami-
nhar para relaxar a mente e apreciar a paisagem urbana
daquele bairro em que estava sem medo e com história
contada pelas suas casas e prédios antigos. Procurava en-
contrar uma casa que tenha passado por piores situações
ao longo do tempo, mas que nunca perdeu sua essência,
seu charme, beleza e ponto mais importante que a man-
tivesse sempre erguida e capaz de poder ensinar-me o
seu precioso segredo de modo com quem nunca perdesse
quem realmente era.
Enquanto apreciava a bela paisagem da cidade, o
movimento dos carros, a correria de seus habitantes, a
beleza das casas e prédios, procurava contemplar o ros-
to de cada pessoa e objecto em busca de compreendê-las

37
Hélio Guerra

e por fim encontrar o bom em mim, a felicidade e sen-


tir suas emoções por mais incertas que fossem. Apenas
queria perceber, sem restrições, como deixar o medo que
sentia em qualquer situação da vida, poder encontrar-me
e não cometer os erros do passado cometido nas minhas
histórias de amor. Somente naqueles rostos algo poderia
encontrar, assim achava.
Chegado ao parque, caminho devagar até ao restau-
rante bem próximo do jardim, um local perfeito para ver
quem chega e quem sai. Bem frente, mais ou menos uns
cem metros de distância do local onde estava sentado,
havia uma cadeira feita de madeira como as típicas para
um jardim-de-infância. Uns sessenta segundos depois
de sentar, aparece uma servente bem elegante, com uma
altura de um metro e setenta e cinco centímetros, com
um corpo idêntico a de essas modelos africanas e estava
trajada do seu uniforme, uma saia preta e camisa branca,
cujo descrevia sem qualquer lapso seu belo corpo. Trazia
um pequeno bloco de notas com uma capa vermelha e
tiras cor-de-rosa e preto, uma esferográfica e o menu de
refeições e bebidas.
– Wau… hoje deve ser o meu dia de sorte! – Pen-
so. Enquanto ela ia deixando o cardápio sobre a mesa de
madeira fina com um pano branco decorado com bar-
ras vermelhas e um símbolo parecido a um cavalo com
asas, uma voz suave e fina foi soletrando uma saudação
acompanhada por um sorriso (deve ser a marca da casa,
todas as serventes que atendiam os outros clientes faziam
o mesmo). Olho para o menu e escolho um prato de carril
de frango acompanhado de uma salada de repolho e arroz
branco, para beber peço uma cervejinha bem gelada.
– Desculpe, que cerveja vai consumir? – Pergunta a
servente olhando para o bloco onde ia anotando os pedi-

38
Vidas líquidas

dos.
– Quero a nacional, a típica de Moçambique. Mas
antes dela, uma água para acompanhar a refeição.
– Uma a nossa maneira, só pode ser a McMahon.
Certo, vou já providenciar.
A servente retirou-se em direcção a cozinha para
providenciar os pedidos feitos. Algo levou-me a olhar
novamente o jardim repleto de pessoas quando, do nada,
observo no acento em frente um casal de idosos senta-
dos e apreciando a paisagem do jardim. Naquele instante,
imagino em como seria caso um dia conseguisse encon-
trar o grande amor da minha vida, a pessoa que pudesse
partilhar as coisas mais importantes da minha vida, os
momentos mais alegres e tristes, a futura mãe dos meus
filhos e a patroa do nosso império. Vendo o casal de idosos
senti na pele a vontade e o significado do amor verdadeiro
e que já estava pronto para recomeçar. O irónico nisso
tudo é que sentia culpa de tudo que tinha acontecido en-
tre a gente, nada podia mudar o meu estado espiritual até
então no que diz respeito a uma relação.
Depois de uns dois minutos de espera, a garçonete
chega com o meu pedido e deseja-me um óptimo apetite.
A comida estava muito deliciosa, senti que a intensão do
cozinheiro era de aumentar o meu bem-estar. Naquele
momento senti que conseguiu em cheio e fez-me lembrar
dos cozinhados da Maria e da mamã, suas mãos nunca fa-
lham na doçura de suas refeições. Ao terminar de deliciar
o prato, a servente aproximou-se para recolher o prato e
os talheres.
– Como foi a refeição? – Pergunta a servente com
um olhar que convidava a sinceridade.
– Digamos que foi, muitíssimo deliciosa, amei a co-
mida.
39
Hélio Guerra

– Que bom que se encantou com a nossa refeição,


obrigada pela vossa apreciação. Vai desejar mais alguma
coisa? – Via-se um sorriso em seu rosto que acompanhava
cada gesto e movimento realizado pelo seu corpo.
– Sim! A minha cervejinha, por favor!
– Já trago! – Retirou-se e um tempo depois trouxe-
-a com um copo, abriu a garrafa e serviu-a no copo. O
tempo ia passando e nada da Khelyn, nem algum sinal
dela ou algo parecido. Cada vez que ia olhando para o
relógio do pulso, a minha preocupação e frustração ia au-
mentando. – Odeio pessoas que não sabem cumprir com
horários – Penso sem sequer lembrar que é normal entre
moçambicanos. As vezes, sentia-me como se não perten-
ce-se aos homens nativos dessa magnifica pátria de Mo-
çambique pois nunca suportava atrasos e sempre esquecia
que os nativos desta Terra do índico possuem relógios
com graves problemas. Estão sempre atrasados aos seus
compromissos e nunca chegam na hora combinada, atra-
samos em tudo que um dia se fosse possível atrasariam no
próprio funeral.
Já se passavam mais de uma hora depois da combi-
nada, estava começando a perder a paciência e pensan-
do em desistir e ir embora. Com olhar atento, procuro a
servente e dou sinal para que me traga a conta, pego no
celular e leio as mensagens e correio eletrónicos recebidos
enquanto ela traz a conta.
– Aqui está a conta senhor. – Disse a servente. – Pos-
so pagar pelo POS? – Pergunto enquanto abro a carteira
para tirar o cartão de crédito. No momento em que ela sai
para buscar a máquina, olho para o jardim já meio escuro e
vejo uma mulher olhando como se estivesse perdida. Será
a Khelyn? Depois de olhar atentamente, vejo que era ela
exactamente. Estava vestida de uma roupa preta, seu ve-

40
Vidas líquidas

lho costume não havia mudado. A maior parte do tempo


vestia coisas pretas como se fosse luto permanente, estava
elegante e radiante embora considerasse gótico demais e
sem graça vestir assim. Levanto a mão para que ela visse
em que mesa estava, as memórias voltaram a aparecer e
vontade de correr e abraçar bem forte invadia a minha
alma. O desejo aumentava cada vez que se aproximasse
e os pensamentos tornavam-se cada vez mais confusos
e desagradáveis para mim, caminhava bem calmamente
e radiante, o seu rosto sorria a cada passo acompanhado
pelo movimento dos brincos brilhantes como prata bem
polida. Levanto-me para a saudar.
– Desculpe-me pela demora – disse Khelyn e dá-
-me dois beijinhos, mas eu não escondia a raiva pela sua
demora nem deixava com que pensasse numa justificação
credível a minha consciência. Convidei-a para sentar e
disse-lhe sem esconder que não fiquei feliz com a demora,
já estava para pagar a conta e ir embora devido ao longo
tempo de espera sem sinal algum ou aviso prévio da sua
chegada tardia ao compromisso.
– Perdoe-me Lyaki, não foi minha intensão plantar
você. Demorei devido a...
No momento em que tentava explicar o motivo, cor-
to-lhe a fala sem modos educados que aprendi. Nunca
interromper alguém falando por mais bobagem que seja,
deixe pelo menos ela dar a sua versão dos factos. Para
mim isso não fazia sentido e não queria ouvir o que seja
que fosse.
– Deixa estrar, não precisa gastar suas palavras ten-
tando justificar o atraso. Ademais, acho que entendo
você, parece que está vinculado no código genético dos
moçambicanos atrasar aos compromissos e as vezes não
cumprir com suas responsabilidades. – Um sorriso e gar-

41
Hélio Guerra

galhadas leves foram caracterizando o ambiente e já sen-


tia confortável com a sua presença, a servente aproxima-
-se à mesa com a máquina para efectuar o pagamento da
minha conta, mas dou-lhe um sinal dizendo para cancelar
a operação e reabri-la. – Vai desejar algo? – Pergunto a
Khelyn olhando para os seus verdes e radiantes olhos que
nunca consegui os resistir.
– Sim, um sumo. – Servente anota em seu bloco – De
preferência Compal com sabor a uva, sem gelo, por favor.
– De seguida a servente pergunta-me sem fazer murchar
seu lindo sorriso e olhando atentamente para mim como
se tivesse em mente o que responderia – Vai desejar mais
alguma coisa senhor?
– Sim minha senhora, se permite-me assim a chamar.
Vou desejar duas coisas. Primeiro conhecer o seu nome,
não fica bem somente trata-la somente por servente e
muito menos por fulana. – Ela olhou para mim sorrindo
e com olhos brilhando de alegria, mas no fundo percebia-
-se que estava um pouco tímida para criar relações com
pessoas que provavelmente ao seu local de trabalho.
– Chamo-me Jasmin Khelain.
– Wau, lindo nome! E ainda mais com uma pessoa
simpática como você. – Ela fica encantada e agradece com
um simples gesto, Khelyn está olhando profundamente
para mim, seus olhos verdes tornaram-se furiosos mos-
trando claramente um ar meio frio do seu ciúme – O mais
comovente em seu nome é que é semelhante e faz-me
lembrar uma bela dama que está aqui comigo – aponto
a Khelyn tentando acalmar seus neurónios enciumados e
envolver-lhe na conversa – que se Chama Khelyn Ubakin.
– Também é um lindo nome, como a dona. Tenho
uma suposta “xara” e minha filha tem o mesmo nome e
são ambas lindíssimas. – Disse Jasmin toda feliz e como-

42
Vidas líquidas

vida – E qual seria o segundo desejo?


– Embora não me tenha perguntado, meu nome é
Lyaki Guerreiro – dava para ver que ela não pensava que
eu pudesse a dizer sem ser perguntado, apenas queria ser
mais simpático e divertido. – Bem, o meu segundo pedi-
do, desejo nesse caso será mais uma cervejinha bem gela-
da, quero acompanhar a bela dama no seu sumo de uva.
– Anotado com sucesso, já trago, com licença!
Enfim já estávamos sozinhos, o silêncio pairou por
um instante entre a gente, o ambiente ficava confortá-
vel para uma conversa saudável. Já não me sentia irritado
com seu atraso, a paz interior voltara a reinar em minha
nobre consciência por algum momento, nesse momen-
to preparava-me para ouvir seja o que fosse da Khelyn.
Apenas queria saber o porquê da sua chamada e ideia de
nos encontrarmos, logo numa sexta-feira que poderia es-
tar a divertir-me com alguns amigos e conhecidos. Mas
ali estava, bem em frente dela depois de dois anos e al-
guns meses sem a ver e saber da sua vida privada. Dois
anos e alguns meses de solidão e tristeza amorosa, apenas
a vidinha ridícula de um solteiro vagabundam e mulhe-
rengo, com medo de se apaixonar e se entregar a uma
relação comprometedora, apenas de relações sexuais ca-
suais e sem compromisso. Essa era a minha vida, feliz ou
não, não me importava apenas não sofria com a decepção
embora a solidão destruísse o pouco amor que em mim
restara depois da queda amorosa ocorrida a dois anos e
alguns meses.
– Andaste sumida, aliás porquê saíste da Matola?
– Sumida eu? Lyaki é isso mesmo que querias dizer?
Você que nunca me procurou, até meu contacta você ha-
via apagado da sua lista telefónica. Saí da Matola porque
não suportava a culpa de lhe ter magoado e queria respi-

43
Hélio Guerra

rar um novo ar e viver num novo ambiente mais saudável


e bem distante dos problemas que causei.
– Ayéh? Bela forma de fugir dos problemas, mas
quando os causou não imaginou o que pudesse acontecer.
Fugir dos problemas não ajuda a resolvê-los, isso é covar-
dia. Não acha? –
– Não confunda as coisas, meu querido, não fugi dos
meus problemas apenas dei um fim a eles. Não suportava
ouvir as pessoas reclamando e querendo saber por que
terminamos, para mim já não dava mais.
Em minha mente não cabia a ideia de que ela não
fugiu, para mim o mau das relações que começam sem
propósitos definidos e claros é que ninguém sabe porquê
está nela. E nelas, alguns comportam-se como andorinhas
perdidas e não sabem dialogar para resolver os problemas
de maneira mais prudente e pacífica. Se no mínimo esta
andorinha que tanto amei e guardei soubesse o quanto
sofri com a separação e tentando perceber o porquê de ter
rebentado as correntes e quebrado a fechadura do nos-
so paraíso pois, as maiores riquezas e caprichos da vida:
amor, carinho, atenção, companheirismo, sexo, cumplici-
dade e até pétalas de diamante quando tanto precisasse
concedia-lhe sem hesitações e muito menos pensando em
meus projectos e necessidades. Quisera tanto que ela per-
cebesse que as coisas nem sempre são como ela acha que
observa. Sempre fui fiel a ela e Deus, não sei até onde ela
chegaria com aquela conversa chata e boba.
– Sabe Khelyn, você foi a mulher que mais amei em
toda minha vida, a mulher que tudo queria que desse cer-
to. Amei-te bastante que até a ideia ou pensamento de
querer trair-te não encontrava espaço em minha mente
muito menos em meu coração. Tu és a minha ex-favorita.
Na verdade eu fiquei bem magoado com a nossa separa-

44
Vidas líquidas

ção, o modo em que as coisas acabaram entre a gente pro-


vou que faltava maturidade entre as duas partes e o pior
é que todo mundo culpava a mim pelo que aconteceu, os
“ditos nossos amigos” mal souberam do que houve entre
nós sumiram e apontaram dedos para mim.
No momento parecia que estávamos em pleno julga-
mento, um tentando defender sua parte no crime em que
a asa de uma das aves ficara fragilizada. Khelyn estava
procurando a melhor forma ou memento exacto para di-
zer o que tinha de tão importante para mim. As emoções
iam ficando meio tensas e ao mesmo tempo dava para ver
em sua cara que cometeu um grande erro e que possivel-
mente não poderia mais resolver ou voltar a ter a pessoa
que a amava com maior sinceridade. Após minutos de
espera, a servente Jasmin traz o que pedimos. A conversa
entre mim e a madame Khelyn ganha uma pausa silencio-
sa, respira em busca de inspiração. Jasmin coloca o sumo
Compal e a minha cervejinha bem gelada sobre a mesa,
desta vez não falamos bastante, apenas um agradecimento
pela entrega e sua simpatia. O assunto naquele momento
era perceber o que a minha ex-namorada estava pensando
ou sentindo. Segundos se passavam, e ela não falava.
– Vamos deixar o assunto sobre a nossa separação
descansar em paz, diga-me como tem passado.
– Sabe você não muda Lyaki, mas é o que ainda gos-
to em você. Sua espontaneidade e amizade são o que mais
me fascina, gostaria de a ter de volta. Podemos ser amigos
e deixar tudo para traz?
As pessoas são estranhas, às vezes, para elas o que
muda é o tempo. Mas é impossível o homem viver fora
do tempo, afinal somos filhos do próprio tempo, daí que
é difícil mergulhar neste mar agitado e em algumas cir-
cunstâncias calmo sem sequer se molhar por mais pouco

45
Hélio Guerra

que fosse. Enquanto o tempo passa enxuga as lágrimas e


cicatriza as feridas de seus filhos, há uma parte de si que
absorve as mágoas e queixas dos seus filhos como os psi-
cólogos fazem para resolver os contratempos e traumas
de seus pacientes. Nessa absorção parte de nós é levado
junto, há nisso uma metamorfose por mais ínfima que
seja. Por que as pessoas insistem nessa ideia de que não
mudei, mudei sim e muito embora algo continue em mim
a confiança já não era imediata principalmente para pes-
soas que me magoaram.
– Essa miúda não está bem – penso e olho para ela –
esqueceu ou não sabe que a minha amizade deve ser con-
quistada. Pego no meu copo e dou um gole da cervejinha
a nossa maneira, olho para ela e sorrio sem dar a perceber
a ironia em que a vida me metera. – Queres a minha ami-
zade? Parece-me que não é algo fácil, tens que a conquis-
tar. Não quero perder tempo sendo amigo de alguém que
não soube valorizar o pouco amor que dei, mas enfim, isso
é algo que não posso rejeitar, por mais difícil que seja.
– Obrigada, prometo valorizar. A minha vida não
vai lá muito bem, perdi um filho e a minha relação não
está bem devido a isso. Meu parceiro não acredita em
mim, certamente está convencido que provoquei o abor-
to. Muita coisa tem roubado a minha felicidade que por
vezes penso que é um castigo de Deus pelos erros que
cometi durante a minha adolescência e uma parte des-
ta juventude que vivo. Lhe conto isso porque não tinha
quem desabafar e sentia-me cada dia que passa louca e
sem rumo, precisava de alguém para conversar.
Enquanto ela ia falando, lágrimas iam percorrendo
seu rosto de pele macia e branca. O peso das atitudes do
actual parceiro e a injúrias protagonizadas por ele, ma-
chucavam-na amargamente. Nesse instante embora ten-

46
Vidas líquidas

tasse imaginar a dor e sofrimento que ela tinha, não re-


sistia em questionar-me o porquê das pessoas sempre que
se sentirem tristes lembram do seu passado, do seu antigo
caso de amor. Não tinha resposta possível que desse senti-
do. Depois de umas horas conversando, a sugiro para que
fossemos para algum outro lugar mais confortável onde
ela possa se sentir mais calma.
– O que acha de sairmos para outro lugar mais acon-
chegante? – Pergunto-a segurando em sua linda mão de
pele macia com um anel de prata no dedo indicador. Com
um gesto ela responde que podemos sair, chamo a ser-
vente Jasmin para pagar a conta, traz consigo a máquina
POS. Retiro o cartão da carteira e faço o pagamento ele-
trónico.
– Já está, obrigado pela sua preferência. – Disse a Jas-
min, sempre acompanhada do seu charme simpático (sor-
riso), o segredo dos deuses acho. De certeza que nenhum
resistiria a qualquer pessoa que com seu sorriso procura
ganhar a vida.
– Eu é que agradeço pelo excelente atendimento e
simpatia. – Levanto-me simultaneamente com a Khelyn,
despeço-me de Jasmin com um simples gesto de reco-
nhecimento inclinando a mais ou menos uns quarenta e
cinco graus. – Até mais Jasmin.
– Lyaki, onde queres levar-me?
Não tinha em mente para onde iriamos, que lugar
seria seguro e adequado para conversarmos sem se preo-
cupar com os que estão ao nosso redor. O jardim seria um
bom lugar, mas já eram oito da noite e não ficaria bem
uma dama ficar ao relento, o pior é que Khelyn e eu temos
alergia a temperatura meio baixas e saí de casa sem uma
camisola.
– Onde gostarias de ir passar a noite?
47
Hélio Guerra

– Para mim qualquer lugar, basta que estejamos sozi-


nhos e sem incómodo. – Disse olhando timidamente para
mim. – Quem está em sua casa?
– Eish, que pergunta é essa? – Pensei sem saber o
que poderia ter em sua mente, parece que a noite apenas
estava começando. – Acredito que a essa hora minha mãe
já tenha regressado dos seus compromissos diários e a se-
cretária de casa ainda está esperando eu voltar. Queres ir
para minha casa – respondo enquanto olho para o celular,
percebo que ninguém procurou saber de mim até a doida
da minha prima Marisa.
– Acho melhor irmos para sua casa, assim ninguém
nos atrapalha e aproveito para saudar sua mãe.
– Saudar quem? Deve estar a brincar. Além disso
o bom seria se ela nem que estávamos juntos depois de
muito tempo.
– Não estou brincando, mas como você prefere que
não o faça então não o farei.
– A questão não é não querer, não fica bem a esta
hora você querer saudar minha mãe enquanto não há
algum caso entre a gente e para mim não são horas de
chegar acordá-la somente para isso. Vamos deixar ela des-
cansar.
Trinta minutos se passaram, já estamos em minha
casa, apanho o celular no bolso e ligo para a Maria para
que possa abrir o portão. Essa minha mania de esque-
cer as chaves de casa sempre que saio e volto um pouco
tarde, o mau é que se ela estiver dormindo terá de acor-
dar embora eu não goste que seja acordado por coisinhas
(sentia-me sempre injusto face a esse hábito maléfico por
minha parte). O portão já está aberto, caminhamos até
a porta principal da casa e a convido para entrar. Maria
está parada em frente a porta, saúdo-a e pergunto – mãe
48
Vidas líquidas

já voltou? – Através de um gesto horizontal com a cabeça


responde-me que não. De certeza ela esteja em casa da
Marisa (penso sem duvidar da ideia, mas com um ar de
esquecimento do que lá ia fazer) conversando com a sua
amiga favorita. Parece algo genético, a amizade que ela
tem com a mãe da Marisa é similar a que tenho com a
minha prima doida e favorita, se há um encontro familiar
nunca faltamos. Desta vez mãe esqueceu-se de convidar-
-me para ir com ela a casa da tia Paulina, mas não faz mal
porque pelo que eu saiba a Marisa não estaria em casa e
eu já estava ocupado.
– Lyaki, o jantar está pronto. – Informou a Maria,
fechando a porta cuidadosamente.
Naquele momento eu não pensava na comida, ape-
nas queria um banho suave e relaxante para preparar o
fôlego e ideias que possam fazer uma alma controversa
tornar-se novamente alegre e sorridente como sempre foi.
Não imaginava como e de onde começar, já não me con-
siderava bom em conselhos e palavras lindas que possam
envolver um coração ferido, ademais o meu já se dissol-
vera com o tempo de amargura vivido. A minha simpatia,
nesse momento, desconhecia a sua existência habitual.
O rosto parecia sem condições para manifestar o estado
emocional do momento, os lábios negavam-se de proferir
qualquer palavra em resposta a Maria ou qualquer ques-
tão que fizessem.
Khelyn pede para ir a casa de banho, Maria a acom-
panha até onde se localiza. Dirijo-me até ao meu quarto
para buscar a toalha, nada mais pensava, apenas um ba-
nho ajudar-me-ia a ter boas ideias e sentir-me-ia bem.
– Deixe-me fazer um banho. Não demoro! – Co-
mentei a Khelyn enquanto ela caminha sensualmente até
a sala de estar, Maria toda paciente a levou até a sala, liga

49
Hélio Guerra

a televisão enquanto me espera. Chegado ao quarto de


banho, liguei o chuveiro e coloco a mão na água para sen-
tir a temperatura, ponho a toalha sobre a sanita que se
encontra próximo da banheira branca. Já está no ponto,
penso, melhor ser breve para que ela não se sinta aban-
donada. Entro na banheira sem hesitar. A água enquanto
ia escorrendo sobre minha cabeça, fui percebendo que a
vida deu-me uma segunda oportunidade de concertar as
coisas e acabar com o meu estado tenebroso face as rela-
ções amorosas de modo a seguir em frente com a minha
vida. Tinha que arranjar solução para o sofrimento dela,
ajudá-la em alguma coisa que estivesse ao meu alcance
mesmo que em nada me valesse tal bondade e problema
que vivia, não sabia o que a dizer, tinha que improvisar
e ser bom amigo atencioso e fazê-la sentir-se amparada.
Saio do banho e caminho até ao quarto. Procuro uma
roupa mais confortável e mais caseira. Uns calções e uma
simples camisa branca de gola V da marca Levis é muito
elegante e relaxante, assim pensava. Ela ainda estava lá,
atenta a televisão e pensativa, eu não imaginava em que
ela estava pensando, mas a minha mente não deixava de
imaginar o sofrimento que ela tinha devido ao machismo
medíocre de alguns homens. Apenas desejava que ela fos-
se feliz e sorridente como sempre a conheci.
– Desculpe-me por te deixar sozinha, precisava de
um banho. Demorei?
– Não precisa querido – seu rosto cobriu-se de um
longo sorriso – Não demorou, aliás você sempre disse-me
que somente as mulheres demoram no banho porque… já
estás com tendências a feminismo?
– Nada disso, as vezes quando quero pensar fico mais
tempo no chuveiro. Sabes muito bem que um banho no
chuveiro ajuda a relaxar a mente e extrair óptimas ideias.

50
Vidas líquidas

– Realmente, é um bom santuário para reflexão ime-


diata.
– A Maria já preparou o jantar, podemos ir. Nada
de dizer que não está com vontade de comer, por favor
senhora Khelyn.
– Você sabe como sou, mas não farei essa maldade
com você – os lábios não fugiam do seu toque mágico
que soletravam alegria e soltura. – Já começava a sentir-se
cada vez mais alegre sem tamanho esforço e insistência.
Levantamo-nos para a cozinha, sentamo-nos em volta
da mesa, docilmente Maria traz uma bacia para lavar as
mãos da visita que simpaticamente lava-as conversando.
– Obrigada querida, a água estava mesmo boa – diz a
Khelyn sorrindo para a Maria que com seu gesto habitual
de simpatia envolve a visita num leito de total conforto e
bem-estar harmónico da casa.
– Sirvam-se a vontade! – afirmou Maria, olhando em
volta da mesa para ver se nada faltava, atenciosamente,
lentamente foi se retirando da cozinha em direcção a sala
onde iria assistir o seu programa favorito.
Vinte e sete minutos se passaram, a refeição já estava
terminada, levanto-me e retiro os pratos da mesa para o
lava-loiça, ela também decidiu levantar-se e ajudar. – Não
precisa Khelyn, você é minha convidada, por favor sente-
-se e termine o seu processo digestivo – sorri, olho para
ela e percebo que não gostou do que a dissera. Procuro
forma de me desculpar e voltar ao ritmo que a conversa
estava tendo, seguro em duas taças de vinho e a convido
para que me acompanhe, caminha até o lava-loiça para
deixar os copos usados durante a refeição.
Sarcasticamente, apenas para confirmar a minha
conclusão antecipada afirmo sem ter noção do que possi-
velmente possa vir dela – não me diga que zangou por um
51
Hélio Guerra

comentário bobo, não pretendia a ofender, perdoe-me. –


No dado momento, ela olha atentamente para mim como
se quisesse arrancar algo de mim, caminha uns passos até
onde eu estava e num tom calmo e convidativo para algo
mais íntimo diz – zangar com você é perca de tempo,
aliás meu bem não tenho tempo de zangar com comen-
tários sem noção – ela se alegra ao me ver com cara de
uma criança olhando para seu doce favorito. Olho para
o lava-loiça, as taças ainda continuam em minhas mãos,
tento fingir sem êxito que estava procurando algo apenas
para não dar a entender que estranhara o modo que ela se
aproximara de mim.
– Vamos para o meu lugar mais preferido na casa.
– Carrego as duas taças na mão esquerda e na outra a
garrafa de vinho tinto, em um gesto convido-a para se-
guir-me até ao meu lugar mais aconchegante e preferido
da casa. Caminho com ela em direcção ao quarto, des-
tranco a porta e empurro com os pés e entro. Entro e ela
vem de seguida, deixo a garrafa de vinho e as taças sobre
a mesinha. Enquanto a convido para se sentar no sofá em
frente da cama, seguro no remoto controle e ligo a televi-
são certificando-se de que o volume não está alto.
Com ajuda de um saca-rolhas abro a garrafa de vi-
nho, encho as taças. Entrego uma a dama de pele branca
e lisa, seguro na minha e dedico um brinde sem algum
propósito em mente – a nós, que a conversa seja produtiva
e inesquecível. – Enquanto deixava a taça sobre mesinha,
Maria chega e pede permissão para entrar trazendo a tra-
vessa cheia de salgadinhos e uma tigela de pipocas, fico
espantado e sem palavras pelo que ela trouxera toman-
do em consideração que não havia requisitado o serviço.
Pensava que ela já tivesse ido descansar depois de um dia
de muito trabalho que tivera.

52
Vidas líquidas

– Obrigado, titia Maria! Não precisava dar-se bas-


tante trabalho, quer nos matar de tantos alimentos? – Re-
cebo a traveja e a tigela, o rosto cobria-se de um longo
sorriso depois de uma surpresa, caminho até ao centro do
quarto e deixo sobre a mesinha. Fecho a porta.
– Estávamos falando sobre o quê mesmo? – Pergun-
to ironicamente, seguro mais uma vez a minha taça de
vinho, dou mais um gol degustando o néctar divino vindo
dos montes mais longínquos, os meus lábios anunciam
o pensamento em torna do que ela disse anteriormente.
Nesse momento sento-me bem ao lado dela e começo um
discurso que não foi premeditado, mas que deveriam ser
ditas com maior sinceridade com a intenção de deixá-la
mais confortável e alegre novamente e esquecesse de to-
dos os problemas que lhe assolavam.
Um olhar sobre Khelyn me diz que está esperando
que diga algo que a conforte e que seja benéfica para si,
estava esperando que o anúncio dado pelos meus lábios
se completasse através do som da minha voz mediante
palavras.
– Entendo o quão está sofrendo pelo que houve, a
vida as vezes nos prega partidas e não temos como esca-
par se não estivermos preparados para enfrentar quais-
quer obstáculos que ela nos apresentar. Creio que no que
concerne ao comportamento do seu parceiro não saberei
como ajudá-la, o correcto para mim seria que os dois con-
versassem e pedissem ajuda a pessoas mais experientes.
Deus é quem decide como as coisas devem seguir, não es-
tou dizendo que seja culpa dele ou de quem quer que seja,
apenas quero dizer que nem sempre as coisas são como
gostaríamos que fossem. Uma vida é uma bênção, se não
deu certo para vocês o seu parceiro, enquanto tal, deve
apoiá-la e respeitá-la como deve ser. Estarei aqui para lhe

53
Hélio Guerra

ajudar quando for preciso…


Dou um abraço apertado para que ela se sinta bem,
viro a mesinha e seguro o copo com vinho. Agito-o calma-
mente, levanto-o até ao nariz para sentir o aroma e depois
bebo-o. Suspiro e olho para a televisão, estava passando
o vídeo da música que tanto reflectia e escutava sempre
que estivesse com ela. Coincidência! – Penso. Talvez fosse
sinal de alguma coisa que não imaginava que acontecesse.
Khelyn está chorando, parece-me que a música desper-
tou-lhe algo inesperado. Ela enxuga as lágrimas, abre sua
bolsa e retira um lenço branco que o usa para limpar os
olhos que insistiam em transbordar sentimentos de suas
lembranças. Balança a cabeça e joga o cabelo sobre o om-
bro, ressaltando reflexos avermelhados, rapidamente olha
para mim e pergunta se ainda um dia já pensei nela e se
algum dia a perdoaria.
– Pensar em você? Fazia isso a cada segundo que
passava e em todos momentos que por acaso passasse dos
locais que frequentávamos. Agora perdoar foi difícil no
início, mas com o tempo aprendi a fazê-lo, aliás, a própria
vida ensinou-me a fazê-lo.
Resmungo. Khelyn olhou novamente para mim sor-
rindo, desta vez firmemente, sorri silenciosamente de vol-
ta saboreando o vinho que estava ficando mais agradável.
E tenho que admitir que há algo saudável e ingênuo sobre
suas risadinhas, o que é totalmente encantador e agra-
dável para um casal que não se dava muito bem e nem
procurava saber um do outro.
Senhorita Khelyn parece pensativa, segura em sua
taça de vinho dando seu gol em busca de coragem para
falar algo. De repente seus lábios soletram palavras ines-
peradas e espantadoras para uma conversa amigável e sem
intensão amorosa entre um ex-casal.

54
Vidas líquidas

– Lyaki, se lhe pedisse para voltarmos à nossa antiga


relação aceitaria? – Com o dedo indicador sobre a boca
da taça em sua mão. Dá um movimente giratório e depois
balança-o suavemente, uma breve pausa e olha novamen-
te para mim – Você ainda sente algo por mim?
Assenti com a cabeça e prossegui em silêncio, o
meu semblante fica incapaz de esconder a preocupação
face às perguntas, sorri gentilmente. Coloco a mão so-
bre a sobrancelha aumentando o volume dos meus olhos
castanhos, dou uma coçada ligeira, suspirando, verifico a
minha taça se ainda tem alguma coisa dentro, mas não há
nada. Pego na garrafa de vinho e encho a taça. Devolvo-a
para a mesinha juntamente com a taça. Tento acomodar-
-me bem no sofá, estalo os dedos das mãos e a digo que
ela era a minha ex-favorita, a mulher que amei com toda
minha força, mas no momento já não sabia ao certo para
mim. Em minha mente, os pensamentos obrigavam-me
dizer que assim o fizesse e que sempre lembro-me dela,
mas para voltar não podia por medo de voltar a machu-
car-me novamente.
Um rápido olhar sobre ela, me diz que está anima-
da... E eu também. Enquanto conversávamos a atmosfera
fica densa com um desejo não realizado. E não sei se ela
está emanando do que a disse no início ou da música que
escutava. Fico aliviado quando o vídeo termina e pego a
mão dela, que está fresca e não pegajosa como o esperado.
Talvez eu não a console tanto quanto gostaria. O pensa-
mento é desanimador. Novamente, ela balança a cabeça e
joga o cabelo sobre o ombro, ressaltando reflexos de um
sorriso que procurava vir à tona. Aproxima-se de mim e
rouba-me um beijo despertando vontades de um toque
mais quente e profundo. Afasto-me por um segundo e
suspiro, o calor foi despertado e a vontade tornara-se mais
forte. Seguro-a com firmeza e beijo-a de volta com todo
55
Hélio Guerra

prazer. A taça em sua mão cai sobre o tapete derramando


o vinho, a mente já não se importava, apenas apoiava o
corpo sedento e nostálgico.
Cinco minutos se passaram, pego na sua blusa desa-
botoando-a calmamente. Beijo-a de seguida para manter
a chama que começava ardendo por dentro. Ela puxa-me
bruscamente e tira-me a roupa. Já de cueca, ela levan-
ta-se caminhando para a minha cama, sigo-a enquanto
vai tirando o vestido. Uma pausa anuncia a espera pela
minha chegada recebida por mais um beijo que anuncia a
prontidão para o acto. Joga-me na cama, o olhar fica mais
brilhante. Ali estou contemplando a dança sedutora que
seu corpo causa sem vergonha. Retira o sutiã e se joga ao
meu lado. Beijo-a com toda ternura, em seguida passo a
minha mão em sua coxa plantando beijos em seus lábios
até a barriga. Tiro sua calcinha calmamente, já está total-
mente nua, embalo no pensamento que me diz agora já
dá para lamber o seu fruto antes de penetrar em si com
todo prazer.
A cada segundo, a excitação aumentava a cada toque
e beijo. Retiro a cueca. Os dois já no clima, ensaio um
movimento que me faz penetrar nela com todo calor. Ela
se contorce toda, já estava bem louca de prazer e os ge-
midos vinham à tona acompanhados de Carícias de uma
selvagem possuída pelo prazer sexual. Grita meu nome
aumentando a minha força e vontade de continuar dentro
dela. O calor não parava, dois corpos se movem sem se
preocupar com os problemas e acontecimentos do mun-
do. Apenas a paixão sexual nos queimava a alma sedenta
de amor e carente do verdadeiro prazer.
Movo-me, continuamente, estando por cima dela,
entre suas grossas pernas de pele branca. Ela grita quando
atinge o clímax. Sim! Movo-me rapidamente para beijá-

56
Vidas líquidas

-la, tomando seus clamores na minha boca. Ela está sem


respiração e arquejante, perdida em seu prazer. Contenho
seu primeiro orgasmo, e estou ridiculamente satisfeito
com o pensamento. Ela grita enquanto é consumida, in-
clinando a cabeça para trás, a boca aberta, os olhos fecha-
dos e eu observando seu êxtase se manifestando. Explodo
nela, perdendo todo o sentido e razão, chamando-a de
gostosa e fluindo violentamente dentro dela. Quando de-
sabrocho meus olhos estão cansados, tentando recuperar
o ânimo, e estamos testa a testa, ela está olhando para
mim.
– Fogo! Sinto-me esgotado. – Penso
Beijo-a calorosamente, saio para fora dela e deito-me
ao seu lado. Quando saio, ela estremece, mas com vontade
que a possua novamente. Ela sorri, por algum momento
fiquei confuso porque em muitas vezes ela sorria quando
estivesse satisfeita por completo. Mas seu corpo contradi-
zia meu pensamento e sua mão agarrava meu pénis ten-
tando fazê-lo recuperar a sua rigidez. Novamente erecto,
beijo o canto de sua boca. – Você está bem faminta se-
nhorita exigente, não? Vire-se de costas. – Ela me dá um
pequeno sorriso meloso, então vira-se. Meu pénis mexe
com a aceitação. Passo a mão pelas costas até o seu trasei-
ro afoito e bem atraente. Ela se contorce deliciosamente
contra mim.
Finalmente! Achato seu traseiro enquanto alívio o
meu peso sobre ela. – Hoje vou comer-te por trás, mu-
lher. – Com minha outra mão pego seu cabelo na nuca
e puxo suavemente, segurando-a no lugar. Ela não pode
se mover. Suas mãos estão impotentes e abaixadas contra
os lençóis, fora do caminho do mal. Gentilmente, coloco
a mão em seu peito tentando estimar sua reação. Ela não
recua. Não para de me excitar mais e mais...

57
Hélio Guerra

Com a mão livre, movimento do seu traseiro ao cli-


tóris e começo a circular lentamente. Seus músculos se
ajustam debaixo de mim enquanto ela tenta se mover, mas
meu peso a mantém estática. Seu doce aroma se mistura
com o perfume de nossa relação sexual. Enquanto tiro
com cuidado, círculo meus quadris e lentamente escorre-
go para dentro dela novamente. Ela geme e seus membros
tencionam em baixo de mim enquanto ela tenta se mover.
– Você é super gostosa – digo a ela, e repito o movimento
novamente, circulando meus quadris enquanto a penetro.
Lentamente. Dentro-Fora-Dentro-Fora. Suas entranhas
começam a tremer.
Ela se contorce deliciosamente contra mim. Roço
minha mão pelo seu corpo e permeio seu lindo traseiro
redondo, em seguida, apalpo seus seios segurando seus
longos cabelos. Ela prende a respiração e espero que seja
pela antecipação. Ela acalma sob mim. Segundos depois
liberto-me dentro dela. Retiro-me, ela roda e me dá um
beijo melosamente expressando sua satisfação.
Caminho até ao sofá, ela vem em seguida e deita-se
no meu peito. Enquanto ela fica pensando, pego na taça
de vinho que deixara sobre a mesinha. Agito-a enquanto
penso na sensação que tive ao penetrar gentilmente em
sua vagina. Dou um gol, ela se mexe, em seguida, sua voz
ganha vida e seus olhos brilhando para mim anunciam o
calor da sua paixão.
– Obrigado meu príncipe, sinto-me mais feliz. Fazia
tempo que não me sentia mulher como hoje.
Aprecio a taça de vinho, o silêncio decorava o mo-
mento enquanto me perguntava o que havia dado em
mim para me entregar dessa forma. Entreguei-me facil-
mente como um leão faminto atrás de uma presa fácil de
a abater, nada poderia convencer que era somente mais

58
Vidas líquidas

um número sexual para minha masculinidade e que não


podia mais voltar a acontecer. Agarro seu cabelo, afasto-o
e beijo sua testa.
– Não precisa agradecer, mas sinto-me como se ti-
vesse aproveitado da sua situação. Não queria entregar-
-me desse jeito.
Ela se vira e olha para meu rosto dizendo: – Lyaki,
eu é que sou a culpada por ter beijado você primeiro. Eu
queria entregar-me a você, não precisa ficar nesse estado
dramático. Estou pensando em deixar meu parceiro e vol-
tar para você.
Fico totalmente paranóico e sem possível reação no
momento. Calo-me, dou mais um gol, observo que os sal-
gados da Maria ainda estavam sobre a mesinha sem tê-los
comido. Puxo a bandeja para um pouco mais próximo do
que estava, seguidamente, retiro o papel aderente sobre a
bandeja, levo um e dou uma mastigada. Ela olha nova-
mente para mim, esperando que me manifestasse face ao
seu anseio. Levo mais um salgadinho, olho para a televi-
são, posteriormente pego na taça e dou mais um gol.
– Khelyn! Tivemos uma linda história de amor que
também virou uma certa dor entre a gente, podemos até
ser amigos, mas voltar não seria a mesma coisa. Não ha-
verá melhores condições para que isso possa florir, aliás
tentamos dar o máximo para que dê certo e você des-
truiu esse amor. Quem me garante que não possa aconte-
cer novamente, acha certo destruir o coração do outro só
por uma noite de sexo que houve? – Roço seu cabelo, em
seguida, suspiro e continuo – não quero plantar em você
falsas esperanças e talvez machucar-lhe, pois agora não
quero saber de relação alguma. Eu sempre te respeitarei…
– Está bem, mas deixe-me tentar. Quero ter um filho
com você…

59
Hélio Guerra

Largo a taça sobre a mesa, seguro na minha testa,


seguidamente, coço suavemente olhando para o teto do
quarto. – Hum, filho? – Pergunto-me sorrindo breve-
mente. Não estava esperando essa, nunca havia pensado
em filhos embora fosse a coisa mais alegre que acontece-
ria em minha vida. Pego em mais algum salgado e como,
nesse momento a mente declara um veredito final para
a situação calamitosa que se deparava, suspiro mais uma
vez.
– Definitivamente, não podemos fazer isso, um filho
deve crescer em um ambiente saudável. Você muito bem
disse que já não sentia algo por mim. Chorei tanto e você
não queria saber de mim, não sou brinquedo para que
você use a hora que quiser. Podemos mudar de conversa,
senhorita Khelyn?
– Desculpa Lyaki, talvez eu esteja confusa. Aceito a
sua posição, mas espero que sejamos amigos, por favor.
– Nós podemos, sim, ser amigos. Não estamos proi-
bidos de assim ser, mas um filho e voltar nem vale a pena.
O ambiente torna-se mais confortável. Desliso a
mão sobre seu peito e de seguida ela segura em minha
taça de vinho, dá um gol, beija-me, estende sua mão sobre
meu peito e sua voz soa suavemente – perdoe-me meu
amor, Eu sempre amar-te-ei – beija-me novamente, me-
losamente – sentirei sua falta, seja feliz.

60
Vidas líquidas

CAPÍTULO III

Uma noite Inesquecível

61
Hélio Guerra

A rnaldo, Christiane e eu estávamos a voltar, de


carro, de uma festa no bairro Luís Cabral. Ela
orienta e ele dirige, e acabam de ter uma discussão porque
ela lhe disse para virar à esquerda quando queria dizer à
direita. Passam-se nove minutos de silêncio até que ele
suspeita de alguma coisa:
– Querida... Está tudo bem? – Ele pergunta.
– Está tudo óptimo! - Ela responde. A ênfase que deu
à palavra “ótimo” confirma que nada está bem. Ele passa
em revista o que aconteceu na festa.
– Eu fiz alguma coisa errada esta noite?
– Não quero falar sobre isso! - Ela dispara. Significa
que está zangada e quer falar sobre o assunto. Ele conti-
nua completamente perdido, sem entender o que possa
ter feito para ela ficar tão aborrecida.
– Me diz, por favor, o que foi que eu fiz?
Geralmente, em situações como essa, o homem está
dizendo a verdade – simplesmente não entende o proble-
ma.
– Está bem. Já que você fica se fazendo de inocente,
eu vou dizer. – ela acha que ele está tentando a fazer de
louca e fingido sua inocência, mas não é fingimento. Ele,
realmente, não sabe. Ela respira fundo.
– Aquela perua-marandza passou a noite toda dan-
do em cima de você e, em vez de sair fora, você bem que
gostou!
Agora é que ele não entende mais nada.
– Que perua? Quem estava dando em cima dele? Ele

62
Vidas líquidas

não notou coisa alguma!


Sinceramente, até eu não entendia o drama criado
pela Christiane, parei e pensei, mas parecia uma missão
impossível, além disso as palavras da Khelyn ainda tor-
turavam-me a alma. Parecia que o tempo que tentei a
esquecer e o esforço que fiz para a esquecer e tirá-la da
minha vida fora em vão, havia jurado para mim mesmo
que não cometeria no mesmo erros e nem me importaria
em saber da sua vida e existência. As suas últimas pala-
vras ainda as tenho gravado em minha mente como se ela
acabasse de as proferir em meu ouvido. Mas foi à semanas
quando estivemos juntos naquela noite sedutora e quase
inesquecível para ambos. O silêncio embalava-me, a dor
parecia persistir, nesse instante Arnaldo, como forma de
fugir a uma nova discussão e frustração com a sua namo-
rada, pergunta ironicamente como se não imaginasse a
que se deve a má disposição.
– Lyaki! Estás muito calado, o que se passa? Nem
pegaste em uma cerveja sequer durante a festa, para pio-
rar a Paula esteve a todo momento mandando sinais para
que fosse ao encontro dela e o senhor não se deu ao luxo
de lá ir ter.
– Queria tanto poder te responder, mas hoje não é
um momento adequado. Peço para deixar-me na Aveni-
da, por favor!
– Pensei que fossemos deixar sua cunhada em casa
dela e depois iriamos ao Plazza Club para recordar os ve-
lhos tempos. Parece que precisas distrair-te mais Lyaki.
– Distração é o que tenho de mais, você sabe o que
tenho feito aos finais de semana nos últimos anos. Me-
lhor ires deixar a dama em casa, vocês têm muito que con-
versar. Odeio vê-los zangados, um com o outro.
– Já percebi que será difícil convencer-te meu amigo.
63
Hélio Guerra

Agora, quanto a mim e Chris, você sabe como as mulhe-


res são. Bem complicadas e as vezes chatas demais.
O momento em que ríamos, embora para mim o
sorriso fosse esforçado, a consciência fazia um flashback
dos momentos de faculdade, quando conheci a Stella Dell
Guerra e as belas palavras de consolo que proferira a sua
amiga e colega de turma.
“As vezes, a vida parece bondosa e um pouco maldosa.
Dá-nos coisas maravilhosas, amigos expendidos, amores ines-
quecíveis e depois tira-nos como se estivesse cobrando pelos pe-
cados e erros cometidos nos nossos dias de luta e persistência.
Apenas ame a vida e procure viver cada minuto e cada bati-
mento do seu lindo coração. O resto sempre será acréscimo e o
velho deus chamado tempo se dará o luxo de cuidar de você.”
Talvez a Stella tivesse total razão e eu devesse tam-
bém viver apenas cada momento como se fosse o último e
o Deus tempo, estivesse criando sua mágica habitual para
que eu fosse forte. Talvez a velha progenitora dos macon-
des ou bitongas, sabe-se lá que grupo étnico pertenço (a
muito que os hábitos dos nossos ancestrais e costumes
tradicionais foram engolidos pelo filho do Deus tempo, à
bela modernidade), quisesse que a gente tivesse um belo
fim e sem remorsos ou que devesse ter o filho que ela de-
seja e a ajudar no que fosse, independentemente do que
tenha feito de mau ou de bem para mim. A dor persistia e
a vontade de sair do carro aumentava mais à medida que
Arnaldo tentasse prolongar a conversa. Christiane depois
de ter meditado as bobagens do seu amado, dispara. Com
um tom de voz meio sarcástico, mas inofensivo embora
para nós homens parecia que um comboio elétrico tives-
se descarrilado ou um satélite tivesse saído da sua órbita,
olha e pára intensamente.
– Você me paga Arnaldinho!- ela diz.

64
Vidas líquidas

– Hii...se ferrou! Agora estás mal meu amigo. – No


momento em que falo isso, ela solta gargalhadas aguça-
das de um teor sarcástico acompanhados de um bater de
palmas suaves. Olho para Arnaldo tentando dizer através
de sinais que só a gente entende que a fera está bem irri-
tada e que ele pagará um bom preço. Aí como forma de
convencê-lo a ir ficar com a namorada digo seriamente e
bem convicto que ele acate a informação como um con-
selho de amigo-irmão como sempre fomos e somos em
todos momentos embora não conseguisse mudar o meu
estado emocional todas vezes que ele tentasse arranjar ou
apresentar-me uma nova mulher.
– O índice de divórcios entre os casamentos recentes
está em torno de 50 por cento e, se levarmos em con-
ta as uniões não oficializadas e os relacionamentos entre
homossexuais, a verdadeira taxa sobe para 70 por cento.
Então meu amigão melhor você ir com a dama e esquecer
essa ideia de irmos ao Plazza Club, além disso tente babar
ela. Por favor!
– Falou bonito cunhado, é uma pena que seu amigo
poucas vezes entende isso. – Diz a Chris sorrindo como
louca. Se vira para trás, estende o braço e bate em minha
palma da mão. – As vezes, ele age como um ignorante,
sabe cunhas! – Vira para seu estado inicial olhando para
o seu namorado que conduz. Ele suspira, olha para Chris,
vira a cabeça para trás e dá um breve sorriso. De seguida
se vira para frente e continua conduzir o carro. Seu si-
lêncio deu-me a perceber que havia compreendido o que
disse, liga o rádio do carro, um som calmo soa em melo-
dias radiofónicas soletrando palavras escritas por Yolanda
Kakana. Mas segundos depois, Arnaldo diz em um tom
meigo e com maior sensatez: – ela sabe que nós somos
homens e temos o direito de nos divertimos quando qui-
sermos. Mas okay. Peço desculpas!
65
Hélio Guerra

Penso, olho pela janela do carro, em seguida observo


as pessoas se divertindo e andando aos seus destinos em
uma noite como esta. Recuso-me a seguir a mesma adre-
nalina da noite, a mente não me deixa descansar e levar
a noitada de forma desportiva e divertida como sempre o
fizera nesses últimos dois anos. Já no local para descer, o
carro para e em seguida abro a porta. Desço calmamente
e bato-me com a parte superior do carro – droga, fogo! –
Fecho a porta, seguro a testa tento aliviar a dor que estava
insuportável. Caminho até ao lado do motorista e dou um
aperto de mão ao Arnaldo. – A gente se fala irmão, vê se
não apronta. Tente conversar com ela e fazer ela ficar cal-
ma. – Chris olha para mim, sorri e sua voz torna-se mais
áspera, mas soa na sua maior tranquilidade – Não se preo-
cupe cunhadão que estou muito calma, vê se muda esse
teu clima que não está agradável. A gente prefere você
mais alegre e menos pensativo, está precisando arrumar
uma nova namorada senhor (pisca o olho direito e solta
um leve sorriso enquanto aperta a mão do seu namorado-
-Arnaldo), fique bem gatinho.
– Hahaha! Epah, você tem cada uma que nem sei o
que lhe dizer. Não se preocupem comigo, apenas estou
mal disposto. Quero ir para casa. A gente se fala!
Arnaldo arranca o carro e se desloca, caminho para
o lado esquerdo da rua sem olhar para trás. A rua está
movimentada, vejo pessoas indo e outras voltando, nes-
se momento ouço uma voz conhecida chamando meu
nome. Paro, viro e observo a Cacilda, filha do vizinho
chamado senhor B, como costumamos chamar na zona.
Ela se aproxima correndo, já perto de onde estava parado,
abranda a corrida e suspira. – Estava em dúvidas que era
você Lyaki, como está? – Ela pergunta e caminhamos em
direcção ao bairro em que vivemos.

66
Vidas líquidas

– Estou óptimo e você? – Vasculho o bolso em busca


do celular, encontro-o e, em seguida, redijo uma mensa-
gem no grupo do Whatsapp em que a maior parte das
pessoas que estavam na festa fazem parte. “Já estou quase
em casa pessoal, vou descansar falamos amanhã”. Devolvo
o celular para o bolso, olho para os lados e vejo um casal
se beijando na esquina da rua e a luz do poste elétrico está
desligada, mas parecia que ela fundiu.
– Estou bem, andas muito sumido. Não tenho visto
você na zona como era o habitual todos os dias excepto
aos sábados porque eu vou a casa da minha irmã fofocar.
Ham! Vi aquela tua ex-namorada, vocês se falam?
Rio sem perceber o real motivo, não sabia se ria o que
a Cacilda dissera ou o facto de ela dizer que tenho sumido
enquanto estou em casa. – Ya! Você não muda algumas
coisas, não cansa de fofocar? Não estou a fim de falar de
pessoas do passado, pode ser? – Confronto seu olhar e
por fim solto uma gargalhada subtil. Ela se envergonha
e pede desculpa, seu rosto se encobre de um olhar meio
entristecido, mas compreensível, o silêncio paira entre a
gente por alguns minutos. Enquanto caminhávamos, bem
próximo a segunda rua perto da nossa, um conhecido dela
estava alojado em um bar e de repente quando nos vê
saúda-nos como se conhecesse a mim também. Em se-
guida ele pede-me uns trocados para comprar cervejas.
Fico espantado pela coragem, olho para seu rosto, men-
talmente falo comigo mesmo procurando saber de onde
ele conhece-me, que intimidade tem para que possa agir
desse modo, mas não encontrava possível resposta a mi-
nha inquietação. Meto a mão no bolso e retiro uma nota
de cem meticais, embora não tenha gostado, a minha for-
ma de ser obrigava-me a fazê-lo. Depois de entregá-lo o
valor ele agradece e solta uma ligeira piada que para mim
foi de mau gosto – cuide bem da minha amiga meu caro
67
Hélio Guerra

(referindo-se a Cacilda) – rio subtilmente, abanando a ca-


beça verticalmente.
De volta a caminhada, Cacilda pergunta – Você le-
vou a sério a brincadeira daquele maluco? – Sorri e dá
uma palmada em si mesma. Olho para ela, atiço as cordas
vocais enquanto mexo no bolso para verificar se algo ha-
via passado despercebido. – Não te preocupes vizinha, não
me zango por qualquer bobagem que aparece a minha
frente, não sou idiota. – O gelo estava começando a der-
reter e já estava sentindo-me normalmente, sem algum
pensamento em torno da Khelyn atrapalhando minha
felicidade.
– Já terminaste os teus estudos?
– Terminar? Como assim? O ser humana nunca ter-
mina ou acaba seus estudos, não há um fim na academia,
talvez na vida.
– Eish, vizinho filósofo. Já terminaste o seu curso?
– Estou escrevendo, mas dentro de alguns meses irei
defender.
– Wau! Força aí, espero que Deus realize todos seus
sonhos.
Um sorriso decora os dois rostos enquanto conversá-
vamos alegremente durante a caminhada. Agradeço pelo
que ela disse enquanto vasculho em meus bolsos rebuça-
dos, depois descasco meto-o na boca. CHEGAMOS a
nossa rua alguns minutos depois. Bem em frente a minha
casa, imediatamente, inspiro e abro o portão da casa e en-
costo na parede.
– Hei gatinho, boa sorte no seu trabalho de final do
curso. Bom descanso para você.
– Essa foi boa – Sorrio sem mostrar os dentes sen-
tindo a brisa que havia – eu sou gatinho agora? – Agrade-

68
Vidas líquidas

ço por isso, desejo-lhe também um óptimo descanso. Se


cuida e até qualquer dia.
– Sim vizinho, você é um gatinho. Eu é que também
agradeço.
Quando entro, vejo que minha mãe está deitada no
sofá. Ela escuta a porta fechar e se levanta num pulo. Fico
imaginando que ela vá recomeçar a gritaria, mas ela cor-
re na minha direcção e joga os braços ao redor do meu
pescoço. Fico parado. Espantado e sem alguma razão em
mente de ela agir assim comigo, a essa hora ela deveria
estar deitada.
– Estava com saudades suas filho, faz muito tempo
que não conversamos apenas saudamo-nos. – Diz ela toda
sorridente e com uma voz calma e suave.
Alegro-me em saber que a minha mãe preocupa-se
com a saúde familiar, o diálogo constante é necessário e
saudável entre filhos e pais. – “O diálogo é a vitamina da
compreensão e paz harmónica entre os seres que vivem” –
assim dizia o pai nas conversas com a mamã. Com o tem-
po fui entendendo porquê dessa sábia frase do papá, pois
uma família sem união e diálogo permanente é como um
recipiente furado tentando conservar o liquido preciosa
da sua existência ou um cego tentando correr atrás de um
avestruz. Sem essa conexão entre familiares as rédeas do
bem-estar colapsam no vazio da alma, abrindo portas do
inferno dos estupefacientes. Graças aos nossos waphe2 e
Nungungulo as conversas entre mim e a mamãe, eram e
são frequentes e saudáveis até aos dias de hoje, embora
em alguns momentos da minha juventude houvesse dis-
córdias e brigas, típicas de uma relação protectora e amo-
rosa de mãe e filho.
– O que aconteceu para não dormires cedo? – Per-
2 Antepassados.
69
Hélio Guerra

gunto-a enquanto me aproximo ao sofá. Sento-me, olho


para o relógio do pulso e vejo que são exactamente uma e
trinta de madrugada – justo a essa hora mãe. Pego no re-
mote e coloco o canal AXN-Black por coincidência pas-
sava o filme que tanto desejava ver, mas não me sentia a
vontade com a ideia de ir ao cinema sozinho. Minha mãe
segue-me e senta-se em outro lado do sofá para acom-
panhar-me – estou sem sono filho – ela responde e de
seguida manda-me para buscar um vinho. Levanto-me e
dirijo-me a cozinha em busca do vinho e taça, meu celular
vibra enquanto caminho. Engendro uma mão para retirar
o celular do bolso, era uma mensagem do Arnaldo dizen-
do que está preocupado com a minha saúde emocional e
que amanhã encontrar-nos-emos logo pela manhã. Res-
pondo que está tudo bem, ele podia vir a minha casa que
não tinha planos de sair. Chego a cozinha, levo o vinho
e a taça. Abro a geleira em busca de algo para comer en-
quanto ela bebe, vejo um pirex com alguns salgados fritos.
Retiro e coloco em uma tijela adequada para o micro-wa-
ve, em seguida, introduzo-a dentro sob uma temperatura
favorável. Enquanto aquece, volto a geleira e levo uma
maçã vermelha. Dois minutos depois retiro os salgados,
coloco-os em uma travessa dourada com pegas pequenas
e pintadas de uma cor equivalente a prata. Junto aos sal-
gados, ponho a maçã, pego a travessa com uma mão e na
outra levo a garrafa de vinho e taça.
– Meu querido, até trouxeste os salgados. – Colo-
co as coisas sobre a mesinha no centro bem próximo a
televisão, puxo-a até ao lugar mais próximo da mamã e
ela acrescenta perguntando – somente vejo uma taça de
vinho, não vais acompanhar-me na degustação do briol?
– Olho para ela enquanto levo a maçã sobre a travessa e
respondo – Mãe hoje não tenho vontade de beber, até na
festa não quis tocar em alguma garrafa, e como se não
70
Vidas líquidas

bastasse tive que rejeitar o convite de Arnaldo para uma


continuação da festa.
– Está bem, vou tomar sozinha.
Ela segura na taça e enche-a de vinho, coloca de
volta a garrafa de vinho sobre a mesinha e depois pro-
va um salgado. Nesse momento fico atento ao filme que
está passando na televisão e o celular reclama de carga,
levanto-me para levar o carregador numa das gavetas da
estante da TV. Ligo o celular na carga. A minha mãe agita
a taça de vinho e dá um gol.
– Não sabes o que estás a perder filho – Diz ela e
pergunta – o que houve para voltarem – ela suspira – di-
gamos, cedo da festa. Pensei que voltassem lá para seis ou
oito da manhã.
– Nada de mais mãe. Apenas ficamos fartos da festa
e eu já estava sem ânimo de lá estar.
– Ayéh? Estranho, filho o que se passa com você?
Não te conheço assim.
Ela leva mais um salgadinho para a boca enquan-
to sua taça aguarda mais uma viagem até a mesma que,
curiosamente seus lábios não estavam decorados de ba-
tom como é de costume. Viro-me para ela enquanto aca-
bo de mastigar a maçã mordida, dou uma esticada nos
dedos da mão direita e respondo numa voz meio apagada
equivalente aos dias em que sinto-me triste e cansado. –
Meu amor não se preocupe tanto comigo, não aconteceu
absolutamente nada que te possa deixar preocupadíssima.
– Suas sobrancelhas levantam-se e seu rosto fica coberto
de espanto, o sorriso despreocupado começa a brotar en-
tre seus lábios anunciando a tranquilidade, mas ao mesmo
tempo parecia que não acreditava na resposta que a dei.
– Que tal já terminou a sua monografia? Tens que

71
Hélio Guerra

procurar emprego mupfana wanga3…


– Para você falei a verdade. Estou rectificando alguns
itens da última versão do trabalho. Provavelmente ainda
este mês possa defender e sair do stress que se chama mo-
nografia. Agora quanto ao trabalho, mãe não acha melhor
eu defender e depois preocupar-me com isso? Além do
mais não quero ficar dependente dos patrões aldrabões
que existem por aí.
– Filho, você sabe que te apoio em tudo, apenas que-
ro o seu bem. Por mim tu procurarias um emprego para
ganhar um dinheirinho para criares o que tens em mente,
não estou dizendo que devas dar-te o trabalho de depen-
der dos tais patrões aldrabões como bem dizes, apenas
faça para ganhar dinheiro e experiência do mercado en-
quanto vais organizando as coisas para o seu empreendi-
mento.
– Está bem mãe, irei seguir seu conselho. – A conver-
sa fica mais agitada quando ela pergunta sobre a existência
de uma nova nora, nesse instante meu celular vibra sobre
a estante. Ignoro-o! E nem me interesso em saber quem é,
e o que precisava justamente a uma da madrugada. – Mãe,
mãe não comece com perguntas desse gênero. Estou sem
namorada meu bem. – Digo a minha mãe esticando a
mão para a travessa em busca de um salgadinho delicioso
que ela comia enquanto saboreava seu vinho. Em seguida
ela começa a rir, abana a cabeça horizontalmente como
se soubesse de algo que eu não queria contar por algum
motivo. Olha para mim e pega em sua taça de vinho. Sua
voz entoa um som acompanhado de gozo e alegria quan-
do diz – acho bom que você não gaste seu tempo com
pessoas que não sabem o que querem e que somente vão
magoar você. Ela bebe um gol de vinho, guarda a taça e
busca mais um salgado. Enquanto comia, seus olhos bri-
3 Meu rapaz

72
Vidas líquidas

lhavam. Mas o brilho demostrava maior tristeza ao per-


ceber que eu não me sentia confortável com as histórias
de relacionamentos sérios depois da queda que tive, olha
profundamente para meus olhos em busca de algo para
falar, em seguida busca novamente sua taça de vinho e dá
um gol mais longo enquanto pensa em algo para dizer-
-me.
– Filho, já que a conversa parece boa, porquê você
não arranja uma nova parceira e muda logo essa sua vi-
dinha de player o tal txilador4. Aliás é normal entre os
jovens da sua idade, mas por favor saiba respeitar as mu-
lheres. Não importa o que tenha acontecido no seu últi-
mo relacionamento, apenas se dê a oportunidade de viver
cada momento de um novo amor, dê amor sem se preo-
cupar com o depois. Viva o agora, ame sem esperar muito
das pessoas porque se procurar esperar muito delas você
pode acabar se machucando e sofrer. Você merece ser feliz
e fazer feliz, dou-te apenas três meses para me apresenta-
res a minha nova nora. Saiba que não estou obrigando-te
a arranjar alguém, mas que procure ser feliz e tenha uma
mulher que acompanhe você em tudo na sua vida. Eu não
estarei aqui para sempre seu bobinho.
Em meus pensamentos procurava entender a razão
do assunto que a minha mãe levantou. Não entendo por-
quê ela decidiu perguntar sobre a existência da sua nora
que para mim não é grande preocupação no momento
embora exista algumas pessoas com um comportamen-
to que mereçam o lugar de nora da mamã. – Será que
ela soube que a Khelyn esteve comigo a algum tempo? –
Questiono-me, mas algo dizia-me que a Maria não con-
taria algo de género a mamã, sem contar que ela não tem
esse defeito de contar coisas que não lhe dizem respeito
4 Uma expressão da gíria popular cuja significação é um jovem ou uma certa
pessoa que gosta de sair nas noites para se divertir em discotecas, bares e outras casas
de lazer.

73
Hélio Guerra

e muito menos foram perguntadas como a maioria das


secretárias de residências do bairro têm feito quando se
encontram ao ir ou regressar do mercado. Não encontrava
alguma resposta aplausível, deve ser coincidência, acredi-
to que a mamã apenas falou porque quer ver-me feliz e
adulto.
– Mãe, eu estou com medo de falhar como falhei na
primeira relação, por essa razão, não sei se ainda poderei
namorar novamente.
– Todos cometemos erros, você tem que se erguer e
ir a luta. A vida é sempre assim, tenho certeza que existe
por aí uma linda mulher esperando que você a encontre.
Apenas acredite e vá busca-la.
– Está bem patroa, vou tentar fazer isso.
Quando eram duas e quarenta e cinco minutos, o
filme que estava a passar na televisão termina. O sono
bate a porta, levanto-me para levar meu celular, caminho
até onde está a minha mãe e dou um beijo em sua tes-
ta. – Coração obrigado pelos conselhos, estou com sono
e amanhã tenho de sair com o Arnaldo. Até amanhã e
bom descanso para você. Ela suspira emocionalmente e
diz – de nada meu príncipe, você já é bem crescido e pre-
cisa saber o que fazer, obrigado e bons sonhos para você.
Retiro-me da sala e sigo até a casa de banho para limpar
os dentes e fazer um breve banho. Dez minutos depois
entro no quarto e jogo-me na cama, deixo o celular sobre
a cabeceira e de seguida fecho os olhos e caio no sono
profundo.

74
Vidas líquidas

CAPíTULO IV

A praia

75
Hélio Guerra

S ão seis e meia da manhã, o sol brilha sorridente e


os pássaros anunciam que mais um dia nasceu, faz
tempo. Ainda na cama, ergo a cabeça e estico o esqueleto.
Olho em redor da cama e busco o meu celular na cabecei-
ra. Uma mensagem não lida, era da bebezinha. – Papaizi-
nho muito obrigada por teres vindo a minha festa, espero
que tenha chegado bem à casa. Fico feliz em saber, pres-
siono na opção responder e escrevo: de nada meu anjo;
sim, cheguei bem. Desculpe-me por não ter respondido
mais rápido. Deixo o celular na cabeceira, afasto o cober-
tor e desço da cama. Arrumo a cama e saio para a cozinha,
as limpezas estão sob minha responsabilidade hoje e de
certeza a mamã ainda está dormindo para ajudar-me a
fazer algumas coisas e terminar com a limpeza o mais
rápido possível – penso. Ao entrar na cozinha vejo que
a loiça que foi usada na noite de ontem e na madrugada
está limpa e bem guardada, o frango está descongelado.
– Deve ter sido a mamã que lavou a loiça e deixou o fran-
go para descongelar – penso – até facilitou a minha vida.
Despejo a água em que o frango estava descongelando,
meto-o na geleira, na parte das frutas e vegetais de modo
com que não volte a ficar sólido como gelo. Caminho para
traz da porta da cozinha, levo uma vassoura e começo a
varrer partindo do corredor que me leva até ao meu quar-
to e a sala. Dez minutos e trinta segundos depois cessam
as limpezas, em seguida preparo o pequeno-almoço.
O chuveiro da suíte da minha mãe está ligado após
uma hora de limpezas, então coloco o óleo na fritadeira
para fritar as chamuças. Preparo um pequeno petisco de
76
Vidas líquidas

carne de cabrito e uma salada de alface com pimenta e um


mexido de ovos para ela. Coloco tudo no lugar em que ela
sempre se senta e a aguardo. Quando finalmente aparece
no corredor e vê a comida, me dá um meio sorriso e se
acomoda na cadeira.
– Bom dia meu amor de filho, como está? — Meu co-
ração dispara de alegria quando percebo que não acordou
com uma ressaca e mal-humorada depois do vinho que
bebeu durante a madrugada. Vejo que não havia colocado
meu prato e sumo para matabicho — Bom dia, estou bem
mãe e você? — Respondo enquanto viro para levar o pra-
to e um copo na estante de loiças e o sumo na geleira.
— Estou óptima e bem-disposta, diga-me como foi seu
descanso. Ainda está para baixo como ontem? — Apro-
ximo-me para a mesa, afasto a cadeira e sento — Meu
descanso foi bom, não estou para baixo amor e não me
atrevo em perguntar como descansou porque pelo que
vejo sonhou com os anjos do Senhor — digo sorrindo
como criança. Ela abana a cabeça de forma vertical dando
a perceber a sua óptima disposição enquanto está servin-
do o petisco que preparei para ela.
— É uma pena que já tenha um programa para esta
tarde, iriamos a casa da sua prima Marisa, pôr a conversa
em dia e visitar minha comadre e amiga. — Diz ela repa-
rando ao redor da cozinha.
— Infelizmente fica para a próxima oportunidade
mãe, acredito que Arnaldo já está a caminho daqui, em
todo caso mande meus cumprimentos a tia e a maluqui-
nha da Marisa. — Digo, sirvo o petisco acompanhando-
-o com a salada de alface, levo o pão cortado em fatias
— Ahm, o frango que havia deixado descongelar, pus na
geleira.
— Está bem, já havias temperado? — Levanta a chá-

77
Hélio Guerra

vena para a boca e um segundo depois — somente cozi-


nharei quando voltar, além disso ainda tem o carril que
restou no jantar de ontem. — Sua voz suave, confiante
e viril para uma pessoa que não gosta de comer mesma
refeição que no dia anterior. Olho para a jarra de sumo,
sirvo-o no copo e em seguida tomo-o sem antes engolir o
que estava em minha boca, engasgo-me, tusso secamente
e suavemente como se tivesse interrompido o processo
respiratório e o coração. Puxo o ar para dentro dos pul-
mões, prendo o processo por um tempinho, retiro o ar em
meus pulmões a medida em que alívio vem a superfície e,
continuamente pego novamente no copo de sumo e dou
um gol calmamente sem algum mantimento na boca.
— Hum, não corras com a mastigação meu anjo.
Mastigue a comida, engula e depois beba o sumo, está
bem? — Diz minha mãe olhando preocupada comigo e
fixando seu lindo sorriso e olhos em mim. Ajusto a voz,
suspiro e digo — Não se preocupe mãe, não foi nada isso.
Apenas engasguei-me, prometo fazer o que disse. Agora
quanto ao frango não temperei ainda, estava fazendo as
limpezas e o pequeno-almoço como deu para perceber. —
Ela abana a cabeça e dá-me a perceber a sua compreensão.
Eram nove horas e cinquenta minutos quando ter-
minamos o pequeno-almoço, levanto-me e tiro a loiça
usada para lavar. Tiro o pano da mesa para fora de casa,
sacudo as migalhas de pão que caíram sobre a mesa, em
seguida lavo a loiça do matabicho. Depois de limpar e
guardar a loiça nas estantes, abro a geleira e tiro o fran-
go descongelado e o alho já descascado (habitualmente a
mamã tem deixado bastante alho descascado na geleira
para conservar, o que facilita o trabalho de temperar as
coisas) para pilar. Rapidamente, amasso o alho e mistu-
ro com vinagre, corto o frango em pequenos pedaços e
coloco-o numa tigela juntamente com o alho e por fim
78
Vidas líquidas

coloco-o de volta na geleira. Ouço uma voz gritando meu


nome bem em frente do portão, dirijo-me até ele e vejo o
Arnaldo já pronto para cumprir com sua agenda.
— Bom dia! Chegaste bem na hora, estava prepa-
rando – me para ir ao banho. Entra. — Ele entra, fecho
a porta, quebro um ramo na planta próxima da parede
— não te importas de esperar um tempinho para fazer
banho bem rapidinho?
— Haaa makwero5! Combinamos uma certa hora,
mas okay, espero. Seja rápido que temos algumas pessoas
esperando por nós.
— Eu sei bro a hora combinada. Tive que acordar
e fazer uns trabalhos básicos da casa. A nossa Secretária
está de folga. Posso saber quem está esperando por nós?
– Caminhamos para dentro de casa, nesse momento mãe
saúda o Arnaldo em seguida despede-me com um simples
beijo na testa. — Hum, mãe já sou bem crescidinho para
receber beijinhos na testa— reclamo, de seguida ouve-
-se umas gargalhadas de gozo acompanhadas de palavras
dizendo — embora já estejas bem grandinho filho, você
sempre será meu bebezinho. – Sinceramente não esperava
aquelas palavras verdadeiras naquele momento. Ela sur-
preendentemente e frequentemente tem respostas direc-
tas e verdadeiras que fazem com que um adulto se torne
bobo e sem asas para voar. Muitos esquecem-se que em-
bora já tenham acima de dezoito anos, os quais de acordo
com a nossa legislação é considerado um ser adulto, sem-
pre serão consideradas crianças pelos seus progenitores.
Arnaldo senta-se no sofá da sala. — Aceitas umas
cervejinhas enquanto faço meu banho rápido? – Pergunto
e em seguida pego no remote e ligo a televisão. — Sim,
bem geladinha— diz Arnaldo olhando para seu celular.
5 Irmão
79
Hélio Guerra

Saio para a cozinha em busca de algo para que ele possa


comer e tomar enquanto faço um banho bem rápido. Sir-
vo uns salgados num prato pequeno e levo uma cerveja na
geleira. Coloco-os numa travessa. Carrego calmamente
para que nada caia e regresso até a sala.
— Aqui está sua cervejinha makwero. Agora, vou fa-
zer um banho, no máximo uns dez minutos. Enquanto
isso fique sabendo que não esqueci que me deves uma
resposta a pergunta feita a minutos atrás.
— Que pergunta man? — Pergunta Arnaldo todo
perplexo enquanto segurava na travessa para deixá-la so-
bre a mesinha— Ahm lembrei, a pessoa que nos espera é
uma surpresa e espero que gostes dela. Seja rápido, esta-
mos quase nos atrasando e será culpa sua se ela se abor-
recer. — Um sorriso surge no rosto dele e de seguida abre
a sua garrafa de cerveja dizendo: Nice shot, a cerveja está
no ponto como eu gosto.
Olho atentamente para ele com a cara coberta de
dúvida e sarcasmo pelo facto dele não me ter dito com
clareza quem está esperando por nós na praia. – Okay,
okay não precisa tanto suspense, já que não quer dizer-me
quem nos espera lá vou deduzir, mas se for alguém frus-
trante e sem interesse juro que mato você — digo soltan-
do gargalhadas e em seguida dirijo-me ao banheiro.
Já passavam quase dez minutos quando saí do ba-
nheiro, vesti uma camisa de praia decorada de flores e fo-
lhas verdes com detalhes rosa e uns calções branco. Calço
os meus chinelos de praia e levo a carteira que está sobre
a mesa do computador. — Já estou pronto para sair, se
esqueci-me de fazer algo mãe terá de perdoar-me porque
eu vou a praia— penso todo entusiasmado e ansioso para
saber quem espera por mim na tão falada praia. Vou até
a sala, Arnaldo não havia terminado a cerveja e nem os

80
Vidas líquidas

salgados que o servi.


— Já terminei. Vamos? – Olho para a televisão no
seu canto superior e lembro do celular que deixei no quar-
to — esqueci meu celular, venho — saio numa velocidade
quase de um comboio elétrico para o meu quarto, levo o
celular. – Agora sim, já podemos sair— digo.
— Não esqueceste mais alguma coisa? – Pergunta
Arnaldo olhando para as minhas mãos enquanto em sua
mão esquerda não largava a garrafa de cerveja. Levanta,
pega no pires e põe os salgados sobre o guardanapo que
vinha junto.
— Nada esqueci que seja necessário para praia e que
deva levar de casa, podemos ir. Respondo soltando um
sorriso calmo e sereno.
— Melhor levares camisola antes que sua mãe diga-
-me que matei seu filhinho querido. Diz Arnaldo zom-
bando de mim.
— Será que, será preciso eu levar? – Respondo co-
çando a cabeça.
— Melhor levar, nunca se sabe o que pode aconte-
cer mais tarde e muito menos temos certeza da hora de
regresso.
— Okay maluco, vou já buscar uma. – Levo a traves-
sa e rapidamente vou até a cozinha deixá-la. De volta a
sala passo do meu quarto e busco uma camisola simples.
Já na sala de estar, levo as minhas chaves de casa e saímos.
Tranco as portas da casa. Abro o portão para o Arnaldo
sair, sigo-o e fecho-o de seguida. Em simultâneo abrimos
as portas do carro, entramos e ele liga o veículo. Partimos
a caminho da praia.

81
Hélio Guerra

Capítulo V

O primeiro Beijo

82
Vidas líquidas

E ram quase doze da tarde quando chegamos à


praia. Por sorte as estradas estavam bem livres
e sem muitos carros a decorarem o percurso, o Arnaldo
lembrou-se de trazer as bebidas num cooler. De longe
dava para ver a beleza da praia, muitos pássaros decoram
o céu azul em voos de boas-vindas. Migram todos para o
mesmo lado, gritam acompanhadas da suave brisa trazida
pelas ondas do agitado mar que reflecte o nítido véu azul
que cobre o infinito céu. Alguns pais seguram em seus fi-
lhos à beira das águas, outros transformam a areia em me-
ros castelos e fortalezas que fascinam seus descendentes
estampando seus rostos de longos sorrisos contagiantes.
De longe dá para ver um grupo de raparigas de bi-
quínis e outras de capulanas coloridas frequentemente
usadas nas piscinas e praias tirando algumas fotografias
sorrindo como um grupo de fofoqueiras. Tudo isto dava
para ver a partir do interior do carro. Chegamos ao esta-
cionamento, o motor é desligado e em seguida abrimos
as portas. Arnaldo dirige-se até ao porta-malas e tira o
cooler cheio de bebidas. Novamente vejo a praia, desta
vez observo quão limpa ela é. O mar está amigável, em al-
gumas zonas solitário e brincando com as suas ondas que
convidam a um mergulho cuidadoso em suas margens. A
luz do sol brilha fortemente dando o toque final na beleza
da natureza.
— Lyaki! Peço uma mãozinha aqui, o cooler está
pesado. – Diz Arnaldo fechando o porta-malas do seu
carro — As meninas devem estar mais para aquele lado—
aponta para o sentido leste da praia enquanto seu olhar
83
Hélio Guerra

fixa-se na bela paisagem do mar. Neste momento fico


totalmente perplexo e mais curioso, mas parte da minha
mente trazia imagens do dia em que estive com a Khelyn.
O dia foi super excitante e agradável que ainda sentia o
prazer na pele misturado de um teor de ódio e raiva do
que ainda sentia por ela. A brisa acariciava minha pele
como consolo do que a alma sentia, simultaneamente a
curiosidade em saber quem nos esperava. Um palpite vi-
nha a tona sem tamanha dúvida. Uma das garotas que
nos esperavam é sua parceira de certeza, mas a outra per-
manecia como incógnita por resolver. De certeza não é
Khelyn, pois o próprio Arnaldo inúmeras vezes disse para
que a esquecesse e seguisse em frente numa nova relação.
Pergunto-me quem será a bendita surpresa. Um sorriso
acompanha meu rosto. Suspiro e digo — quem são as
pessoas que nos esperam?
Ele solta uma gargalhada, toma um gol da cerveja
que trazia e sarcasticamente diz — você não deixa de ser
muito curioso porquê? É a tua cunhada e uma amiga e
nem vale a pena perguntar que amiga porque logo te direi
que é uma surpresa.
— Seu louco! – Começo a rir, caminhamos devagar
até a areia. Sinto ela massageando e uma sensação estra-
nha mas agradável a medida em que nos aproximávamos
do mar. O peso do cooler fatigava lentamente os braços, a
minha visão fica reduzida devido ao brilho do sol. Meus
pés desenham riscos irracionais sobre a areia. Após uns
100 metros percorridos vejo umas lindas mulheres senta-
das por debaixo da sobra soltando risos. De repente con-
firmo a presença de Christiane, mas a pessoa junto dela
não reconheço. Aproximamo-nos mais, faltando alguns
metros consigo visualizar com maior clareza. É a Paula.
O Arnaldo teve essa ousadia de a convidar.

84
Vidas líquidas

— Fala sério! Chamaste a sua colega de trabalho? —


Pergunto retoricamente. Meu rosto parecia uma criança
tímida e sem reação. Não dá para saber o real sentimento
ou que fazer face ao sucedido. Convenço-me que foi uma
mera coincidência. Ninguém a convidou e temos que es-
tar no mesmo local porque não ficaria bem a ignorar e o
local é público. Não significa que não gosto dela, por aca-
so ela é muito linda e inteligente capaz que não consigo
resistir ao seu encanto. Ela é o tipo de mulher ideal que
tanto sonho em ter um caso amoroso e crescer emocio-
nalmente como ser adulto.
Quando, Christiane e Paula se apercebem da nos-
sa presença na praia levantam simultaneamente os bra-
ços como sinal de sua localização. De certeza pensavam
que não as tivéssemos localizado. Caminhamos devagar.
O Arnaldo ri, após ter percebido que já tinha descoberto
a surpresa que tanto falava. Após alguns minutos demos
uma pequena pausa precisamente a cinco metros da Chris
e Paula. Suspiro, olho para o horizonte do mar e tento
sorrir.
— Sei que estás meio desconfortável com a pessoa
que vês junto a Christiane, perdoa-me brother apenas
quero ver você feliz e penso que a Paula seja uma pessoa
ideal para ti. Não te disse inicialmente porque acredita-
va que não terias coragem ou vontade suficiente para vir,
ademais como disse-te naquela noite já está na hora de
procurar um novo amor e esquecer a Khelyn. — Diz Ar-
naldo segurando na cintura do seu corpo e esticando os
ombros. Suspira e diz— Melhor a gente aproximar mais
se não elas inventam histórias absurdas ou que pensem
que estamos tramando algo.
Continuamos a caminhada, segurando o cooler con-
tendo bebidas. — Makwero teria dito que era a Paula a

85
Hélio Guerra

misteriosa convidada, mas enfim vamos a isso. Você pa-


rece que está totalmente disposto a unir-me a senhorita
Paula, não estaria com esta cara de parvo. E você sabe
muito bem que não tenho modos e nem consigo disfar-
çar quando algo causa-me arrepios. — Solto um ligeiro e
rápido riso — Ahm, ela vai achar-me bastante “idiota” e
incapaz de convidar uma dama para sair, sem contar que
ela deu-me seu contacto particular.
— Relaxa aí, falei para ela que você pediu que a con-
vidasse porque estava muito ocupado com o trabalho do
final do curso. Fique tranquilo que nada está estragado.
Christiane levanta-se e vai ao encontro do seu ama-
do, pára uns segundos e pergunta se estou bem. Em um
gesto, digo-lhe que sim, mas ela percebe um olhar de es-
panto pela presença da Paula estampado em meu rosto.
Aproximo-me da Paula e ela se levanta saudando-me com
dois beijinhos e sorrindo alegremente. Deu para perceber
que ela estava feliz em ver-me. Sorte minha é que ela não
havia percebido o quão surpreso estava por a ver e mui-
to menos que foi ideia do Arnaldo em convidá-la para a
praia e não minha. Ela estava super linda de biquíni rosa
com um detalhe de uma rosa no lado esquerdo e superior
da sua calcinha, simples e atrativo para quem aprecia, deu
para deixar-me a desejar ser dela. Abro a cadeira de praia
e sento-me próximo dela. Nesse instante Christiane dá
um sinal estranho para mim, acho que queria dizer algo
ou perguntar sobre algo, mas vejo o casal se afastando do
local em que estávamos. Penso na maneira de iniciar uma
conversa com a Paula, mas parece difícil. O coração bate
forte e o calor começa a aumentar. Olho para ela, suspiro,
levanto-me até ao cooler e levo uma cerveja comigo. Es-
tava procurando uma inspiração, algo que pudesse dar a
coragem de falar algo que interessasse a bela dama. Dou
um gole e do nada, uma palavra solta-se numa voz afoga-
86
Vidas líquidas

da e desesperada. Parecia que a cerveja funcionasse como


um meio de comunicação ou factor para que um homem
tenha a coragem suficiente para lidar com situações de
gênero. Comigo isso não acontecia, não precisava de ins-
piração ou algo que fizesse com que começasse a falar
com mulheres lindas como a Paula.
— Paula, tudo bem? – Olho fixamente para ela,
aprecio cada vez a sua beleza. Concluo que não precipitei-
-me psicologicamente ao afirmar quão bela é. Sua beleza
de facto foi esculpida por Deus.
— Estou óptima— suspira— embora muito desani-
mada com a vida! E você?
Continuo fixando os olhos nela, suspiro e dou um
breve gole da cervejinha que estava bem gelada. — Tam-
bém estou óptimo, levando a vida, graças a Deus — sus-
piro mais uma vez — Bem, deixe-me primeiro pedir-lhe
perdão — Paula fica espantada— por não ter conversado
e me comportado como um gentil man no dia da festa
em que por coincidência estavas lá. Sorry honney. – Ela
sorri, levanta-se de sua cadeira e vem sentar-se na minha
perna. Fico meio arrepiado e disfarço tomando um gole
de cerveja.
— Sabe, Lyaki se eu fosse muito estúpida e guardas-
se mágoa, juro-te que não estaria aqui e nem teria aceite
seu convite. Não te preocupes com isso, meu lindo.
Devo ter ganho na lotaria. Não faz três meses que
conheci esta mulher, mas ela já trata-me tão bem. O que
será que o doido do meu amigo fala para esta senhorita—
penso. Sinto-me aliviado por algum momento. Solto
o rosto mostrando sentimento de gratidão pela sua
gentileza. Olho para ela e sem exitar procuro fotografar
através dos meus olhos aquele sorriso lindo que ela mos-
trava em seu rosto. Começo a sentir-me confortável, mas

87
Hélio Guerra

ainda pensativo.
— Estás muito pensativo e quase distante, há algo
de mal acontecendo? – Pergunta a lindíssima mulher toda
preocupada.
— Não está acontecendo algo de mal… apenas estou
pensando em algo que não me deixa sossegado e estou
tentando agradecer a Deus por ter … – falo para ela apre-
ciando novamente o mar enquanto levanto a garrafa até
meus lábios.
— Agradecer a Deus pelo quê? — Pergunta a Paula
e acrescenta— fiquei curiosa e acho melhor você dizer e
procure soltar-se mais que não mordo ninguém. Levanta
sua cabeça sorrindo. O vento bate em seus cabelos longos
e pretos, lisos e bem húmidos.
Desta vez fico mais preocupado comigo mesmo,
pela primeira vez estava sem palavras para agitar a con-
versa. Paula ainda continua sentada sobre a minha perna
esquerda. Sinto um ligeiro formigueiro na mão direita.
Pouco me importo. Seguro novamente a garrafa e ensaio
mais um gole. Por sinal era o último. A garrafa estava
quase vazia. Olho para o lado procurando um plástico
para colocar o lixo, não vejo algum. Nesse momento estou
pensando em como responder a bela dama ao meu lado.
— Bem, agradece-lo por estar aqui com você e por
dar-me a vida e a força de viver — olho para seu rosto,
solto um sorriso— principalmente por conhecer pessoas
super boas e amorosas como você, Arnaldo e sua respeito-
sa namorada Christiane. A propósito, como você e Chris-
tiane se conheceram?
— Eu e a Christiane é a primeira vez que a gente
senta para trocar umas impressões. Na verdade ela conhe-
ceu-me no mesmo local em que nós dois conhecemo-nos,
no trabalho, claro. O Arnaldo deu-me o contacto dela
88
Vidas líquidas

para que pudéssemos nos encontrar e, juntas, viéssemos


a praia uma vez que Arnaldo passaria buscar-te em casa.
— Ahm, logo do nada vocês tornaram-se amigas
como se já desde infância assim o fossem. Interessante. —
Dou uma pausa, olho para ela— posso fazer-lhe algumas
perguntinhas meio bobas?
Já estava confortável e pronto para engatar a dama.
O papo estava começando a fluir. Paula balança a cabeça e
de um modo sensual morde seus lábios. Fico quase louco
em vê-la fazer. Sinto que a sua confiança está ganhando
vida. Ela responde com entusiasmo e com uma pergunta
retoricamente — que perguntas bobas são essas? – Sorri,
seus olhos brilham de emoção.
— Quem é o dono desse coração? — Aponto em
seu peito no canto esquerdo, bem onde o coração dela fica
e sinto o batimento calmo do mesmo — quero saber se
está namorando alguém, se me permite saber. Meus olhos
chocam-se aos dela, quando, de forma tímida ela tenta
disfarçar uma ligeira tristeza. Apercebo-me que algo es-
condia em seu coração. Mágoa. Algo houve que deixa-lhe
atordoada com o que perguntei. O silêncio falava em nos-
sa conversa, Paula vira por alguns segundos. Olha para
o mar, volta seu olhar novamente para mim e com uma
voz afagante diz que ninguém mora em seu lindo cora-
ção e ainda não teve a oportunidade de se apaixonar por
alguém super especial. Praticamente deu-me a entender
que ela dava mais prioridade aos estudos e ao trabalho,
talvez porque ela nunca conheceu alguém que mexesse
profundamente com seus sentimentos. Ou porque fora
muito decepcionada por alguém, o que causou esse esta-
do. Só ela podia explicar.
— Nunca tive algo sério. Apenas um pequeno na-
morado na minha adolescência. Estou solteira porque

89
Hélio Guerra

nunca entreguei-me a uma paixão e todos que já tenta-


ram conquistar meu coração tinham comportamentos in-
fantis. Nada em eles cativava meu coração. Seus hábitos,
objectivos de vida eram abaixo do que sempre sonhei para
mim. Só penso em trabalhar e ser bem-sucedida. Disse a
Paula olhando para meus olhos.
— Wau! Dá para perceber que você é uma pessoa
bastante forte e não aceita atitudes de malcriados. — Sus-
piro— posso ocupar seu coração? — Seguro a sua mão
esquerda e digo olhando firme para ela— não sou perfei-
to, homem super carinhoso em alguns casos, muito me-
nos elegante e cheio de dinheiro. Mas, quero ser o homem
que cuide do seu coração, de você e estar sempre para
você. Quero gritar para o mundo que te amo e aprender a
ser o melhor homem para você, aceita namorar comigo?
Ela fica surpresa. Sem o que falar no momento. Vejo
seus olhos brilhando como das estrelas em uma noite es-
cura. Será algum sinal? — Penso. Mas não vale a pena
tirar conclusões precipitadas. Não sou mais um adoles-
cente ou imaturo em conquistas. Ela estava bem tranqui-
la, seus olhos ainda brilhando e de repente ela salta para
mim dando-me um beijo bem gostoso e profundo. Um
minuto sentindo o calor e doçura dos seus macios lábios
pintados a vermelho brilhante. Conseguiu mexer com a
minha alma, bem no fundo. Apaixono-me! Sua tamanha
garra fez-me viajar quanticamente no prazer do amor.
Sinto seu sangue acelerando, o coração seguia o ritmo dos
beijos. Suspiramos. Ela sorri suavemente, olha para mim
e diz — não preciso dar uma melhor resposta que essa,
esperei tanto que você dissesse algo. Fico confuso, demos-
tro tamanha felicidade pelo início da nova relação, mas
intimamente questionava-me o porquê ela não ter dado
volta e muito menos pediu um tempo para analisar a pro-
posta. Deve ser mais uma do Arnaldo — penso — porém
90
Vidas líquidas

não fazia sentido, algo conforta-me ao saber que ela é mi-


nha agora. Paula tornou-se minha namorada. Realmente,
acertei na lotaria do amor. Deus mandou um novo anjo
para ocupar meu pobre coração.
O tempo foi passando enquanto trocávamos beijos
melaços. Já passava quarenta minutos e nem sinal dos
pombinhos voltando. O momento estava repleto de ener-
gias positivas do amor que nascia entre dois corações.
Fotografias registam o momento decalcado no rosto em
forma de sorrisos e olhos radiantes de paixão. Sinto uma
pequena prisão muscular, a perna já estava fatigada pelo
peso. Paula apercebe-se e levanta. Também me levanto e
dou uma esticada nas pernas. Ao virar-me vejo Arnaldo e
Christiane voltando. Ele segura uma sacola de praia e um
lanho e a Christiane uma garrafa de champanhe.
— Já estão voltando. — Digo e em seguida seguro
em uma outra garrafa de cerveja. Abro-a e bebo calma-
mente. Paula observa para eles e diz para que não comen-
temos sobre o nosso beijo ainda e nem demostremos que
já estávamos em um caso. Em um gesto com a cabeça
concordo com a proposta até que ela decida publicar aos
nossos amigos que estamos namorando.
— Demorámos bastante? — Pergunta a Christiane
sorrindo como boba. Com gesto digo que não enquanto
olho para a Paula que tanto viajava. Arnaldo coloca a sa-
cola no chão e tira uma cerveja no cooler. Caminha até
a cadeira de praia para sentar. Nesse instante pergunto o
que iam comprar.
— Fomos comprar algo para comer e uma garrafa de
champanhe para o brinde. — Diz Arnaldo.
— Brinde? Brindaremos em favor de quê brother?
– Pergunto.
— A amizade que começa hoje entre a gente e as
91
Hélio Guerra

coisas boas da vida. – Responde a Christiane.


— Ahm, antes que me esqueça, ao amor. Que o nosso
amigo Lyaki conheça uma grande mulher que mereça seu
amor. — Acrescenta Arnaldo todo feliz. Parecia que sus-
peitava de algo. Aliás ele mesmo torcia que entre a Paula
e eu houvesse um caso mais íntimo e amoroso. Pena que
ainda não sabia que seu desejo tinha se tornado realidade.
Eu já estava namorando sua humilde e linda colega.
— Lyaki, peço para ajudar-me a aplicar o protector
solar. — Diz a Paula
— Heleleh alguém vai passar a mão no corpo da
madame Paula, estou a gostar de ver. Por mim vocês se
merecem, fazem um belo casal. – Diz Arnaldo em forma
de zombaria. Não tinha como, ele já estava super entu-
siasmado com a ideia de um novo amor para mim.
Levanto-me da cadeira, vou até ao encontro da Pau-
la. Estava já deitada na esteira com o protetor em suas
mãos. Enquanto aplicava o protector solar em suas coxas,
falei o quão linda ela é. Seu quadril estava bem elabora-
do e sua pele mais macia que a neve. Subo até suas cos-
tas, deito sobre seu corpo o protector. Com minhas mãos
espalho-o equitativamente, vira, aplico na parte frontal
de suas coxas. Passo sobre a linda barriguinha. Estamos
cara a cara. Não consigo resistir a tentação dos seus lá-
bios, suspiro, sorrio secamente. Mais uma vez ela se joga
com um beijo, seus lábios estão deixando-me louco. En-
quanto contorcia-nos de prazer pelos beijos carregados
de paixão, Christiane regista o momento em uma foto.
Arnaldo solta o grito e a dança de celebração. Uma dança
meio idiota que habitualmente fazemos quando algo de
extraordinário aconteceu ou quando cumpríssemos com
algum objectivo traçado. O beijo continuava embora o
doido do Arnaldo estivesse causando um ligeiro descon-

92
Vidas líquidas

forto na Paula.
— Deus é pai! Ouviu minhas preces, o que mais
desejava nestes últimos meses. – Grita Arnaldo.
— Possivelmente não resistimos ao calor.
Descobriram-nos amor! — Digo a Paula olhando para
seus olhos e bem baixinho. — Ambos sorrimos, suspiro.
— Melhor a gente dizer que estamos namorando se não
eles não largam no nosso pé. Conheço bem aquele casal
de doidos.
Paula inclina a cabeça e estica seus braços para o céu.
Suspira. — Realmente, não temos outra saída. Temos de
contar-lhes. — Umas gargalhadas vêm a tona — também
quem te mandou ser um gato, não pude resistir amor!
— Você é que foi mais forte, não deu para resistir a
sua beleza. — Digo olhando firme e feliz.
— Namorados de frescos, venham cá. Temos que co-
mer algo. — Grita Christiane toda alegre.
Namorados de fresco são pessoas que acabam de
iniciar um caso amoroso. Expressão que Christiane usa
desde que foi em um casamento. Tal designação nasceu
após ela ter escutando o mestre de cerimónia tanto falar
de casados de frescos referindo ao casal que celebrava sua
união matrimonial. A expressão ficou viral que ela usa em
quase tudo de forma subentendida. Lembro-me que uma
vez, quando voltávamos da casa da Marisa depois de uma
festa bombástica alusiva ao seu aniversário, fomos para-
dos por um polícia de trânsito que por coincidência ele
acabava de se formar. Devido a falta de experiência no
exercício do seu ofício, atrapalhava-se bastante e tinha de
recorrer sempre ao outro colega que já trabalhava há bas-
tante tempo por coisinhas que não importavam. Fez-nos
perder muito tempo, toda documentação estava legal e o
Arnaldo não havia consumido álcool acima do recomen-
93
Hélio Guerra

dado. Praticamente ainda estava sóbrio diferente da sua


parceira. Ela havia bebido mais que o habitual. Na ver-
dade nunca lhe havia visto naquele estado. Com certeza
quis beber ao ritmo da Marisa e deu-se mal, suspeito que
tenha bebido vinho enquanto nunca havia consumido um
sequer desde que começou a beber. O bom é que naquele
momento algo fez-lhe permanecer calada e não falou dis-
parates que pudessem comprometer-nos. Trinta minutos
depois, continuamos com a viagem. Depois de uns dois
minutos, ela comenta:
-aquele parecia-me um polícia de fresco. Todos ri-
mos sem medir esforços. Até hoje ela gosta de acrescentar
a palavra “fresco” em alguns nomes que dão.
Paula e eu levantamo-nos e caminhamos de volta até
a sombra onde o casal estava. Arnaldo levanta-se da ca-
deira e zombando pergunta: — Rick e Paula, vocês não
têm algo por contar-nos? — Olho para a Paula e através
de um sinal dá permissão para que contasse. Não havia
outra saída, tínhamos que contar ou suportar as conse-
quências.
— Está bem Arnaldo, já que insiste. Eu e a linda
Paula decidimos dar-nos uma oportunidade de ambos
conhecer um ao outro. Estamos namorando.
— Finalmente, você decidiu ser feliz. Fico feliz por
vocês e quero ser o padrinho. — Diz o Arnaldo.
A notícia já foi dada e todos estávamos felizes. O
almoço estava preparado, as mulheres serviam para seus
homens. Eu estava todo feliz com a minha cerveja. Na-
quele momento não pensava em mais alguma coisa. Cur-
tia o momento e a praia sem pensar no trabalho do final
do curso, no emprego e projectos. Muito menos na minha
ex-namorada. Estava saboreando a alegria de uma paixão
mais uma vez em meu coração.

94
Hélio Guerra

Capítulo VI

De volta à casa

96
Vidas líquidas

O dia estava conhecendo seu fim e a noite emergia


com o pôr-do-sol. A maré estava começando a
encher e as ondas começavam a estar cada vez inimigas e
não convidativas para um mergulho. Arrumamos as coi-
sas que trouxemos. Está na hora de voltar para casa, mas
Christiane pede ao Arnaldo para permanecer na praia,
contemplando o pôr-do-sol. O pedido foi aceite com
todo entusiasmo. Então ali ficamos, apreciando a beleza
da mãe natureza, o deitar do sol que trazia um brilho la-
ranja a natureza. Do horizonte viam-se aves orquestrando
cantos do entardecer e dançando em despedida de um
dia e ascensão da noite de verão, estava tudo lindo, ver
o sol brilhando dizendo adeus. Um adeus que ficou em
nossas lembranças marcadas indelevelmente, as palmeiras
no calçadão aplaudiam na sincronia suave do vento de
leste a oeste, sorrisos decoravam os rostos das pessoas que
estavam naquele lugar e naquele momento em que o sol
se cobria no negro véu. Já escuro, as estrelas aparecendo
uma pós outra, uma luz viva percorre o céu negro como
raio em busca de horizonte. Os nossos olhos brilhavam,
as almas engajam-se nas promessas que os ventos absor-
vem em segredo a incerteza da sua realização em nome da
esperança e amor que alimentavam a vontade de vencer.
Enquanto a luz deixava de brilhar chegando ao fim do seu
percurso, Paula e eu trocamos olhares, sorrisos cobriam
nossos rostos, a emoção estava em alta.
97
Hélio Guerra

O domingo foi agradável e bem passado na com-


panhia de amigos e da minha nova namorada, a mulher
elegante do trabalho de Arnaldo. Uma nova relação co-
meçava, um novo amor despertara de maneira nunca por
mim imaginada e muito menos com a Paula. A primeira
vez que a conheci, no local de trabalho de Arnaldo, ape-
nas contemplei a beleza invejável dos contornos do seu
corpo e a textura macia de sua pele adoçada em seu tom
de pele incomparável caminhada.
— Chegamos! - Paula junta os braços e suspira, esti-
ca seus braços ensaiando um abraço de adeus, resiste, olha
para mim, em seguida, salta para meu corpo e dá-me um
beijo. -Gostei de ter estado contigo, obrigada por este dia
maravilhoso amor.
Sorrimos, dou-lhe mais um abraço, agora bem for-
te e amanho um chocho em seus lábios macios e afáveis
como a bela brisa do campo na matina, típicas de uma
princesa moçambicana elegante e trajada de capulana.
— Também amei estar com você, foi um dia incrível,
nunca antes passado desde que me conheço como gen-
te.— Sorrimos.
Passados alguns minutos de conversa, Arnaldo, grita:
— “queridos pombinhos, favor de serem rápidos, ama-
nhã será mais um dia e poderão beijar-se novamente; não
cansam de conversar, Rick despede logo!”
Naquele instante, vê-se a luz de um carro acendendo
cada segundo que se aproximava da casa. Eram os pais da
Paula, vindo em uma Mercedes Benz GLE, cor branca
e jantes prateadas. Fico surpreendido, simultaneamente
nervoso por ser encontrado em frente à casa de um ainda
desconhecido com sua filha que tanto respeito tem. Pau-
la se apercebe do meu estado, ri-se e segura em minhas
mãos.

98
Vidas líquidas

— Tchauzinho amor, deixe-me entrar que meus pais


já chegaram e Arnaldo já está furioso com a demora. Diga
algo quando chegar à casa, até logo. — Disse Paula sor-
rindo e se vira, caminhando até seu portão.
Ela se vira, pára, suspira e regressa correndo para
meus braços buscando em mim mais um beijo. Abraço-a.
Senti que o amor parecia ter chegado até mim mais uma
vez, sortudo sou! Senti que o amor era mais forte e cura
todas as dores do passado no momento em que ela regres-
sou para buscar seu beijo de despedida. Arnaldo acende
os faróis do carro, buzina. Largo a Paula e com sinais di-
go-lhe que a ligarei logo que chegasse como o solicitado.
De regresso a casa, durante o percurso até a minha
casa, Arnaldo e sua namorada zombavam de mim e não
cansavam-se de falar o quão felizes estavam pela minha
nova relação. Chegado a casa, depois de um bom banho
e jantar, deitado na cama, pego no celular e leio a última
mensagem recebida. É da Paula, “querido, já chegou?”
suspiro para conter a tamanha alegria que sentia, não pela
mensagem, mas por saber que alguém sentia algo forte
por mim. Respondo “sim meu bem, cheguei faz uns cin-
quenta minutos; estava ainda no banho”. Passados alguns
segundos ela manda um emojii, em seguida ela liga. Con-
versamos por muito tempo como um casal que se apaixo-
na pela primeira vez…

99
Hélio Guerra

CAPíTULO VII

Bailando na lua

100
Vidas líquidas

F elicidade! Algo que nunca viria a pronunciar ou


sentir. Não que a inteligência me faltasse, mas
porque a vida não me deixara conhecê-la por comple-
to e sem condições. Se calhar assim o merecesse por ter
amado uma mulher de forma cega e demasiadamente ou,
provavelmente, Nungungulo esqueceu-se de a colocar no
repertório da minha existência aqui na terra onde o afável
deve estar coroado de chumbo para que não perca sua
essência ou se machuque na perdição do amor condicio-
nado pelos bens materiais. Talvez, Ele assim o quisesse
ou, se esquecera de a conceder-me na minha azáfama na-
talícia e fizera-me nascer sem dar importância sequer a
ínfima parte dela. Assim pensava e sentia-me durante os
dois anos em que estava só, a deriva, sofrendo pelo co-
ração quebrado sem explicação alguma e dó, sem razões
para a vontade de poder seguir em frente. Estava provan-
do da traição do diabo e sem alguém que a considerasse
namorada. Mas o mesmo Deus que outrora considerava
injusto por ter a tirado de minha vida, talvez por pena ou
porque assim tinha de ser segundo o meu destino, man-
dou-me um presente em forma de mulher. A jovem Pau-
la. A minha nova alegria de amar e ser amado. Ela entrara
de repente em minha vida ganhando espaço e admiração
da minha mãe que tanto pedia para que a convidasse para
jantar em nossa humilde casa.
— Filho, tens que convidar a Paula e seus pais para

101
Hélio Guerra

um jantar, pode ser aqui em nossa casa. — Diz minha


mãe sentando-se no sofá da sala.
— Mãe, como convidarei alguém que sequer já o
saudei. Se daquela vez aceitei chamar a Paula para jantar
com a gente era mais para que ambas se conhecessem
e para piorar os pais dela não são pessoas fáceis de os
encontrar.
— Lyaki, eu conheço bem você. Que desculpa dispa-
ratada é essa para não convidar seus futuros sogros. Vocês
jovens não gostam de assumir relacionamentos sérios e
apresentar-se aos pais das vossas namoradas e futuras es-
posas; saiba que não são mais crianças. Se o pai dela não
sabe que você é namorado dela é porque não quer, tens o
contacto da mãe da Paula?
— Mãe, por que você gosta de generalizar as coisas?
Nem todos os jovens fazem o que acaba de dizer. A mãe
sabe que sou o namorado dela, ademais, nunca me veio
a cabeça essa história de conhecer o pai. Não por medo,
mas porque não acho momento certo. Paula e eu conhe-
cemo-nos há pouco tempo.
Estico os braços, olhando para ela respondo: tenho
mãe, quer ligar para ela? — Suspiro, — acho melhor pri-
meiro falar com a Paula, será mais prático e menos com-
plicado mãe.
A minha mãe concordou com a sugestão e ambos
decidimos que o jantar seria numa sexta-feira. Depois
do trabalho, Paula veio para minha casa como o habitual,
mas naquele dia seria diferente, pois ela decidiu dormir
em minha casa. Depois de jantarmos, minha mãe, Paula
e eu, ficamos na sala vendo televisão e conversando. Era a
terceira vez que sentávamo-nos na sala conversando, ou-
tras vezes Paula e minha mãe preferiam ficar na cozinha
conversando coisas de nora e sogra enquanto eu ficava no

102
Vidas líquidas

quarto vendo desenhos animados. A sogra e a nora fica-


vam ali, bem felizes trocando ideias e às vezes tramando
uma para mim que em certos momentos sentia-me com
ciúmes e confuso porque parecia-me que minha mãe de
tanto gostar da Paula, esquecia que têm um filho.
— Filhos, conversar e estar com vocês é agradável.
Mas já está na minha hora de recolher. Preciso descansar
para recuperar as forças para mais um dia de trabalho que
nascerá.
— Está bem mãe, bom descanso para você!
— Paula, conversamos amanhã filha. — Levanta-se
do sofá e acrescenta — obrigado meu anjo.
Depois de ela se retirar da sala, Paula e eu ficamos a
conversar sobre o jantar que minha mãe pretendia orga-
nizar durante uns trinta minutos. Depois do banho para
depois ir a cama, sentados no sofá-cama, o calor dos dois
corpos esquenta o quarto, beijos e caricias decoram o es-
paço deixando dois corações queimando de paixão e de-
sejo.
Paula é belíssima, com corpo bem esculpido. É ado-
rável, excepcional, um minério raro e brilhante. Segurando
sua cabeça, passo meus dedos pelos seus cabelos macios
e puxo-a para mim, beijando-a novamente. Ela abrolha
contra mim e abre seus lábios, deixando-me entrar em
sua boca quente e orvalhada. Sua língua receosamente
encontra a minha, sondando minha boca com hesitação, e
por algum motivo, sua dúvida desajeitada... Nunca se en-
volvera com um homem até esse nível. Ela tem um cheiro
atraente, gosto agradável. Uma verdadeira obra rara a ser
explorada com amor e delicadeza e destreza.
Abranjo os braços decididamente em volta dela, com
uma mão no cabelo dela, segurando-a no lugar, passo mi-
nha mão por sua espinha dorsal até suas nádegas e a pres-
103
Hélio Guerra

siono a mim, contra a minha erecção. Suspira. Continuo


a beijá-la com todo amor, induzindo a língua dela a ex-
plorar minha boca enquanto busco a dela. Sinto-me bas-
tante eléctrico quando ela move as mãos pelos meus bra-
ços e por alguns instantes desassossego-me procurando
perceber onde ela irá tocar-me em seguida. Ela acaricia
minha barba, então, acarinha meu cabelo enquanto bei-
ja-me. Sinto-me meio incomodado, mas quando ela do-
bra seus dedos em meus cabelos curtos, puxando, suspiro
de alegria — fogo, isto é bastante agradável. Gemo em
resposta, mas não podia deixá-la continuar. Levanto-me
do sofá-cama, Paula segue-me com beijos. Antes que ela
perca a vontade, tiro-a o seu roupão leve e transparente.
Puxa mais uma vez no meu cabelo, plantando beijos em
meus lábios, gemo em resposta, mas não posso permiti-la
avançar. Antes que ela tente tocar-me novamente, jogo-a
contra a cama e sigo-a colocando-me sobre ela.
Segurando seus lindos quadris, passo minha língua,
do norte da cintura até sua caverna do prazer. Ela fica
tensa e inspira acentuadamente. Sem tirar os olhos dela,
propositadamente lambo meus lábios, posteriormente,
decaio para frente até o meu nariz tocar o centro de sua
calcinha, inalando sua excitação. Fechando os olhos, eu a
saboreio. A língua penetra suavemente em seu mel, to-
cando suas paredes. Ela mostra gozo e paixão.
Ela está sem fôlego e ofegante, loucamente perdida
em seu prazer. Possuo seu primeiro orgasmo, e sinto-me
extraordinariamente satisfeito com o pensamento. Nova-
mente, beijo-a, mais uma vez com todo prazer deixando
minha mão viajar para baixo do seu corpo. Eu a seguro,
sentindo seu calor.
— Não pare amor, que agradável! — Paula implora
docilmente.

104
Vidas líquidas

Posiciono-me para penetrar em suas entranhas calo-


rosas e virgens. Seus olhos estão bem abertos, suplicando-
-me toda louca. Ela já não está com dúvidas e seu medo
de se entregar desaparece. Gentilmente, penetro em suas
chamas de prazer, sinto-me bem recebido e com uma sen-
sação calorosa extraordinária. Ela é bastante gostosa, seu
sangue corria a mil enquanto se torcia de prazer infinito.

105
Hélio Guerra

Parte II
Na manhã seguinte, bem cansado e com o corpo do-
lorido, o sol brilhava emitindo luz forte pela janela do
quarto. Levanto da cama em direcção a cozinha para
preparar o pequeno-almoço para a belíssima rainha dos
olhos brilhantes. O dia de ontem foi bastante agradável
e prazeroso, Paula e eu tivemos uma solenidade á luz de
cantos dos anjos no culto do prazer da carne cuja ale-
gria fez com que acordasse disposto a surpreendê-la com
um pequeno-almoço na cama. Regresso ao quarto com a
travessa carregada de um copo de sumo, sandes de ovo e
queijo acompanhada de um pouco de salada portuguesa e
morangos, uma Rosa vermelha tirada no jardim de casa.
Paula ainda está dormindo como um anjo em nuvens
macias. Com o pé fecho a porta do quarto suavemente,
coloco a travessa sobre o sofá-cama, tento acordá-la com
carinho.
— Bom dia amor — Ela estica os braços bocejan-
do, olha para mim e dá-me beijo matinal mostrando sua
satisfação. — Como está meu anjo? — Ela sorriu alegre-
mente.
— Bem meu amor — Afasto-me para buscar a tra-
vessa — Seu pequeno-almoço vossa majestade.
Paula passa a mão pelo rosto até ao cabelo, se alegra,
olha para mim fixamente delirando de amor e surpresa

106
Vidas líquidas

por ver-me segurando uma flor e pequena travessa com


mantimentos.
— Oh meu anjo, obrigada!
Beija-me, sorri e olha novamente para mim.
— Amo você!
— Amo-te ainda mais!
Dava para ver em seus olhos que estava feliz e satis-
feita pela noite passada e o seu pequeno-almoço na cama.
Foi a primeira vez em sua vida que alguém o fizera para
ela. Depois dela se alimentar, o calor ficou intenso fazen-
do com que despertasse novamente a vontade sexual do
dia anterior. Naquela manhã tudo foi bem rápido, pois ela
tinha que ir apresentar-se no trabalho, mas despegaria de
lá mais cedo.
*****
Passaram-se semanas até ao dia combinado para o
jantar familiar. Estava tudo pronto, os pais da Paula ha-
viam confirmado sua presença em minha casa. Minha mãe
fez questão de preparar as comidas e as bebidas com ajuda
da Maria e da minha prima Mariza. A mãe da Mariza não
viria porque tinha uma viagem à Ilha de Moçambique em
missão de serviço. Eram quase oito da tarde quando Paula
e seus honrados pais chegaram a minha casa, minha mãe
e Mariza os receberam enquanto eu estava no quarto ves-
tindo. O nervosismo ameaça meu coração, o sangue ferve
cada vez que penso em como reagiria o pai dela quando
pela primeira vez visse seu genro sem antes que fosse for-
malmente apresentado em sua casa. Que ousadia da nossa
parte, mas como sua adorável mãe já conhecia-me e sabia
da nossa relação, tentei ficar calmo e aceitando a ideia da
minha mãe em convidá-los para jantar em casa. Estava de
frente para o espelho, tentando ajustar a gravata, quando
Mariza entra no meu quarto na companhia da Paula, fi-
107
Hélio Guerra

quei surpreso e meus olhos se alegraram em ver o amor da


minha vida elegantemente vestida. Ela e Mariza traziam
vestidos bem lindos, o da Paula era azul do espeço céu e
o da Mariza era preto com pequenos detalhes brilhantes.
Próprias de mulheres elegantes e princesas como elas são.
Olhando para as duas, sorrindo, elogio suas belezas
(re)confinadas nos belíssimos trajes que traziam, estão
explicitamente prontas para uma gala de alto escalão e
simultaneamente irreconhecíveis. Paula aproxima-se a
mim, dá-me um beijo, olhando para mim afirma:
— “senti um pouco de preocupação em você amor, o
que se passa?”. Ela ajusta minha gravata e planta um se-
linho em meus lábios tentando mimar-me de modo com
que ficasse mais relaxado.
— Ele está preocupado com o jantar de hoje, há dias
que está meio tenso e com medo de decepcionar você,
Paula. Sem contar, que também está com medo de não
saber o que conversar com seu futuro sogro. — Comenta
Mariza com entusiasmo.
— Humm fala sério Mariza, ele não está com medo.
Além do mais aqui estou para segurar meu homem, será
um simples jantar de família. — Diz a Paula sorrindo ao
virar para mim.
Depois de um silencioso intervalo no qual os únicos
sons que se ouviam eram o da televisão ligada e as gar-
galhadas vindo da sala de visita, perguntei:— como estou
meninas? — Dou uma meia volta com a mão direita no
bolso das calças. Estava trajado de um fato preto com pe-
quenas barras cinzas e camisa azul que combinava com
o vestido da Paula conforme havíamos combinado para
vestir.
— Estás elegante, lindíssimo meu anjo. Não acha
Mariza? — Diz a Paula olhando para mim.
108
Vidas líquidas

— Estás um galã, um verdadeiro personagem daque-


las novelas mexicanas ou actores da Hollywood. — Diz a
Mariza celebrando a nossa elegância e charme.
Minha mãe também estava elegante, trajava um ves-
tido de capulana e seu colar de diamantes que o pai ofe-
recera antes de partir para outra dimensão da existência.
Todos estávamos bem vestidos. Seus pais também não
fugiam a regra, super elegância e classe, dava mesmo para
perceber com maior clareza de onde a Paula herdara tanta
beleza, charme e distinção, dos seus pais. O corpo bem es-
culpido e tom de pele de sua mãe junto da classe e charme
de seu pai. Estando para ir ao encontro da minha mãe e os
meus futuro-sogros, Maria surge para informar-nos que
estavam chamando por nós; confiante e sorrindo, olho
para as belas damas e digo — Vai dar tudo certo, o jantar
será uma maravilha. — Elas, simultaneamente festejam a
decisão e ambos saímos para a sala de visita onde estavam
os nossos pais.
Chegado ao local, olho para a minha mãe, ela vê que
estou tenso. Suspiro e saúdo os convidados. Mãe apresen-
ta-nos, Mariza e eu, aos pais da Paula que calorosamente
acolheram-nos em seu coração.
— O Lyaki já o conhecia, é o meu genro. — Diz a
mãe da Paula sorrindo.
— Eu só ouvia falar dele, a minha esposa não para de
falar dele que não pensei duas vezes para aceitar o convite
para este encontro.— Acrescenta o meu futuro sogro sor-
rindo enquanto entrega-me sua astuciosa mão para sau-
dar o momento de saudação e reconhecimento.
Ambos soltamos gargalhadas. Comecei a sentir-me
confortável ao escutar as palavras do meu sogro. O medo
estava naquele momento abatido, trancado no sarcófago
em nome da alegria que tanto perfumava o espaço e a

109
Hélio Guerra

noite do jantar. A conversa na hora do jantar também


transcorrera normalmente, assim como a magia ao da
deliciosa refeição preparada pelas mulheres de casa. A
cada momento em que o mesmo decorria, não perdia o
olho na Paula. Não conseguia esquecer a imagem daquele
momento e dos dias anteriores em que estivemos juntos.
Quanto mais pensava no assunto, mais se dava conta de
que estava entrando mais fundo da relação, embora nem
sempre as coisas pudessem dar no que qualquer almeja.
Com o jantar na minha casa, estava confirmada o nosso
relacionamento. Seu pai não era o que outrora pensara.
Ele é atencioso e não se mete nas coisas que tem a ver
com o coração da filha e muito menos julga as pessoas
pelas aparências.
Durante o jantar, fomos trocando informação e mui-
ta impressão que ajudara a criar um laço coeso entre o
genro e os sogros, bem como entre as duas famílias, a mi-
nha e a da Paula. A noite foi bem agradável e super ale-
gre. As duas famílias fortaleceram seus laços de amizade.
Depois de terminada, a noite do jantar, chegou a hora dos
pais da Paula despedirem-se. Como regra e por respeito,
acompanhamos a visita até ao carro. Lá fora o vento tinha
amainado, era apenas uma brisa, e as nuvens tinham-se
juntado, naquela calma que antecede o temporal repen-
tino, no horizonte distante começaram a aparecer as pri-
meiras manchas de luz dos relâmpagos, fazendo bilhar o
mundo, como se alguém andasse por ali a tirar fotografias,
na esperança de vir a recordar aquela noite para sempre.
— Nos vemos amanhã na minha casa- disse ela. - Às
seis da tarde.
Seus pais já estavam no carro, esperando a Paula. O
cabelo dela era como uma cachoeira prateada ao luar, re-
sisti à tentação de correr os dedos por ele pior que os nos-

110
Vidas líquidas

sos pais estavam diante de nós.


— Gostei muito da noite de hoje. Obrigado pelo
jantar — disse ela. Beija-me. Mariza belisca-me aler-
tando-me das caras que estavam observando ao cenário
amoroso de dois jovens apaixonados, fico constrangido e
envergonhado.
— Eu é que adorei a noite com você e meus futu-
ro-sogros. Foi divertido conversar com seu pai. – Digo-a
tentando armar um abraço. Mas ela desviou seu corpo
antes mesmo que pudesse tentar.
— Filha, vamos! – Diz o pai da Paula.
Paula abraça minha mãe, em seguida a Mariza. Se-
gurando meu braço ela diz – te amo meu príncipe, Adeus!
– Ela planta um beijo suave na minha bochecha e se di-
rige até ao carro e entra. Do espelho vejo-a olhando para
mim sorrindo, com gestos pede para a ligar logo que me
der sinal. Quando chegou a casa, Paula deu-me sinal e
ficamos a noite toda conversando. Mariza dormiu em um
dos quartos de visita da casa depois de termos ficado ho-
ras conversando sobre as boas coisas da vida nos últimos
dias bem como em que ambiente decorreu o jantar. Foi
tudo agradável, até o pai da Paula ficou satisfeito em co-
nhecer-me embora tenha sido em tal circunstância.
Depois de tanta conversa, deitado na cama, viajo no
mundo de quase morto. Lá o dia parecia chegar ao fim.
O sol se pôs sem dizer adeus dando espaço á majestosa
lua cheia que se acena iluminando a linda noite e tor-
nando-a dia mais longo naquela terra. Paula e eu cami-
nhávamos, juntos, de mãos dadas e corações cheios de
amor enquanto as pupilas dos olhos acompanham o bri-
lho das estrelas naquele luar. Cansados de tanto vaguear
pela calçada, jogamo-nos á beira-mar de pés nus sentin-
do o frio da areia. Caminhamos até uma pequena duna

111
Hélio Guerra

de uma pequena vegetação semiaquáticas que crescem á


costa das diversas praias daquele país. Deitados sobre a
areia branca, a brisa balançando nossas emoções, conver-
sávamos observando vagarosamente o brilhar das ondas
e desfilar das estrelas. Nesse instante as preocupações,
benditas preocupações que sem as quais a vida não teria
graça e muito menos Machel, esquecemo-las no mundo
além do agora. Momento em que as vozes do mundo se
escondem na casa chamada não-tempo. Paula se ergue,
toda sorridente e pára bem em frente de mim. Pega no
seu celular e tira-me fotografias sorrindo. — Ficas sexy na
foto amor, amo-te seu bobinho – Sorri novamente. Fico
louco com seu sorriso espontâneo de mulher felicíssima
e desfrutando de cada segundo naquele lugar. Canta. Sua
voz sensual e meiga soletra palavras que retratavam o que
almejava naquele momento – “essa noite, sobre a areia da
praia e à luz desta linda lua, suas companheiras sorrindo
para nós, quero ser somente sua. Despir minha alma e
desvendar seus segredos de amor”. Emociono-me – tens
uma linda voz amor – digo-a enquanto vai colocando em
seu celular uma música calma e sensual. Ao som dela, seu
corpo acompanha as batidas quase mudas e o meu olhar
permanece fixo àquela beleza cativante. Está dançando. A
temperatura noturna permanecia quente, mas refrescante
e agradável. Passados trinta segundos, ela se despe, peça
a peça. Observo cada detalhe de sua dança, não resisto a
sua tamanha sensualidade, suspiro. A dança dela sobre a
lua está mexendo comigo, todos os sentidos tornam-se
aguçados na beleza de seus movimentos que com o rolar
do bom som vai agitando as estrelas e o horizonte.
– Vem logo que o clima está queimando minha alma
e a química em meu corpo precisa ser contida. – Pen-
so enquanto a brisa acaricia meu rosto. Paula se joga em
mim, beija-me calorosamente, beijo-a de volta retribuin-
112
Vidas líquidas

do sua sedução. Morde-me com calma o canto da orelha


esquerda, beija meu pescoço e bem baixinho diz no meu
ouvido – possua-me meu homem, quero viajar nas milhas
do prazer. Sinto os horizontes colidirem em meu corpo,
seu calor está aumentando a cada instante. Beijo-a for-
te suspirando compulsivamente, sua mão invade as mi-
nhas calças sem piedade, afinal surpresas sexuais tem seus
segredos. A excitação é tanta e a vontade de penetrá-la
e sentir o calor da sua bainha torna-se mais afiada para
além do que imaginava. Com a mão em minhas calças,
sente a rigidez do meu arsenal, sorri e procura aumentar
a abertura da calça buscando-o para chupá-lo. Sua mão
macia e quente, segura-o, observa que está bem condes-
sando como desejava, chupa-o com todo prazer. – Meu
Deus que gostoso! – Penso. Manuseio seu corpo como na
noite anterior. Ao se aproximar do derramamento, des-
perto. Apercebo-me que estou em um lugar conhecido,
meu santuário da paz. Fico perplexo, procuro-a entre os
lençóis da cama, suspiro. Era mero sonho! – Penso – mas
era tão real. Aí lembrei-me que alguns sonhos podem ser
os desejos mais fortes que temos, além disso já fazia bas-
tante tempo que não visitava a terra dos sonhos.
– “Os sonhos são mentiras que a mente humana pre-
ga, são desejos dos nossos waphe6” – assim falava o meu
pai tendendo abater a crença nos sonhos como as teleno-
velas tentavam transmitir-nos. Mas a mamã sempre dizia
que a mentira com reticências acaba se tornando verdade,
por isso os sonhos poderiam se materializar. Preferia mais
o que os meus avós sempre diziam – os sonhos são con-
versas com os nossos waphe, uma viagem nas terras do
Deus tempo. Entretanto a minha Paula não estava morta,
estava bem louco. A paixão estava começando a criar alu-
cinações em mim.
6 Antepassados
113
Hélio Guerra

Ergo-me, estupefacto, passo as mãos pela cabeça,


busco um copo com água que está sobre a mesa do com-
putador, bem ao lado. Da cama até a mesa, são apenas uns
quarenta centímetros. Os passos eram de camaleão que
vai testando a textura e compactidade do terreno. Olho
para a janela, faço de contas que procuro vê-la saindo, fe-
cho os olhos e aspiro perfumosos ares da minha sala de
operações. Ainda de olhos fechados, de repente, ouço o
celular vibrando – quem será a esta hora? – Questiono-
-me sem vontade de saber porquê da chamada à aquela
hora. Pego no celular, é a Paula. O súbdito sorriso mistu-
ra-se ao espanto e alegria.
– Oi meu bem, desculpe-me ligar a esta hora. Não
consigo parar de pensar em você.
No silêncio, tentando ajusta-me a realidade, penso
– curioso! Por mais que negasse essa história de telepatia
ou lei da actração, os eventos daquela noite contrariavam
tudo. Será que ela teve o mesmo sonho? – Pergunto-me
tentando conter o meu mau ânimo.
– Wau que bom porque também estava pensando em
você. Para ser mais específico estava sonhando com você.
– Sério amor? Por acaso eu também sonhei com
você. Quando despertei estava toda inconsciente e pen-
sando em você.
Os sonhos de Paula e eu, parece-me que coincidi-
ram. A paixão parecia mais forte a cada dia que passava,
sentíamos que a pequena distância tornava-nos vulnerá-
veis à saudade e ao pensamento fixo de um pelo outro.
Sabe-se se lá se realmente os pensamentos fixos de um
pelo outro despertavam sonhos que possivelmente se tor-
nariam realidade. Sexo na praia não é o que nos vinha na
mente, apenas vivíamos os momentos sem preconceitos.
O meu “eu” só ganhava sentido quando ela estava próxi-

114
Vidas líquidas

ma de mim, por isso o desejo de estar sempre dentro dela


era forte. Apenas Nungungulo7 sabia o que tinha reserva-
do para a nossa relação que já estava se vestindo de uma
nova roupa.

7 Deus

115
Hélio Guerra

CAPiTULO VIII

A esperança nunca morre,


só adormece

116
Vidas líquidas

“(…) a vida faz-se como uma corda.


É preciso trançá-la até não distinguirmos os fios dos dedos”
Mia Couto.

Completaram-se dois anos de namoro. O relaciona-


mento estava a cada dia mais sério e, o sentimento de um
para com o outro estava mais forte e activo. A paixão es-
tava queimando os nossos corações mais do que se podia
imaginar. Já havia apresentado o meu trabalho de final do
curso para a obtenção do grau de licenciatura em Filoso-
fia. Era apenas um licenciado, mas a sociedade cometia o
erro de chamar-me Doutor. Alguns familiares e vizinhos
insistiam na nomenclatura, talvez por falta de conheci-
mento ou por apensar que a licenciatura é o nível máximo
de estudos que leve a distinção designada de Doutor.
Quando era criança sonhava em ser alguém bastante
importante, com um emprego dos sonhos. Como a maior
parte das crianças da minha idade e do bairro, sonhava em
ser um advogado de sucesso ou presidente do meu país.
Poder defender as pessoas inocentes e poder orgulhar-me
de assim o ser. Em minha mente somente vinha a ideia
de ser um grande advogado como o pai do meu melhor
amigo Arnaldo ou grande presidente como o saudoso Sa-
mora Machel. Mas o tempo fez-me ter novas escolhas.
Esqueci a ideia de ser advogado e formei-me em filoso-
fia. Inicialmente não sabia a razão da minha escolha, que
em certo momento, durante a formação pensei em desis-
tir do curso. Afinal a princípio as escolhas não têm cor,
não tem vida e jazem pelo universo até que uma alma as

117
Hélio Guerra

adopte. É sempre assim, é preciso que decidamos por algo


para que dê sentido escolher. Ao escolhermos esta, quiçá
aquela coisa, é afirmar co existentemente o real valor do
que estamos escolhendo para nós, pois não se pode nunca
escolher o mal, uma vez que é sempre as coisas boas que
escolhemos, quer para nós próprios bem como para toda
humanidade, directas ou indirectamente.
Apenas escolhi Filosofia. Um curso menosprezado
pela maioria e com um mercado de actuação desconhe-
cido, para piorar os nossos representantes políticos dese-
javam eliminá-la do ensino geral. Parecia que ninguém
gostava de Filosofia. E, muitos entendiam-na como sendo
a ciência de loucos em certa parte porque alguns filósofos
falavam coisas que parecem incompreensíveis para algu-
mas mentes. A procura pelo emprego era forte e preo-
cupante. Diariamente enviava mais de dez currículo vitae
pelo correio electrónico bem como ia deixá-los pessoal-
mente nas empresas na esperança de ser chamado. Em
média gastava quinhentos a mil meticais para tratar os
documentos necessários a cada vaga que me candidatava.
Sentia-me cansado e desesperado. Já fazia muito tempo
que procurava emprego, desde o terceiro ano da faculdade
para ser preciso, sem sucessos e nem esperança de encon-
trar um. O mercado estava bastante agressivo e competi-
tivo. Muitos eram os jovens recém-formados e formados
a mais de três anos sem emprego. Muitas empresas pu-
blicavam vagas de empregos, mas não cobria o número
de pessoas desempregadas e em muitos casos as vagas
já tinham donos. Elas afirmam que precisam de alguém
com mais de cinco anos de experiência de trabalho, sur-
preendentemente nada, absolutamente nada fazia sentido
quanto a isso pois, pelo que parecia muitos que nelas os
que já trabalhavam davam prioridade aos seus familiares
e conhecidos ou os que pagam o melhor preço pela vaga
118
Vidas líquidas

de trabalho. É preciso ter costas quentes, mas quem tiver


costas em brasa sai-se melhor. Emocionalmente, sentia-
-me quase destruído conquanto a minha amada tentasse
fazer com que sentisse-me forte. A inspiração para fazer
o que mais gostava, ler e escrever, tornava-se inexistente.
Durante a noite perdia sono sem motivo ou dormia doze
horas seguidas sem vontade de acordar. Às vezes sentia
uma forte vontade de chorar sem motivo, pensava que
pudesse aliviar a dor e tristeza que carregava em minha
alma. A culpa e o sentimento de fracasso atordoavam-me
a mente, em certos momentos agia de forma maliciosa
para quem tentasse conversar comigo. O falso arrependi-
mento pela formação em filosofia começava a ganhar es-
paço, muitas vezes devido a rejeição de muitos e desprezo
dessa área de conhecimento.
O dia amanheceu sorrindo lá fora, continuo mal dis-
posto e sem ideia para resolver a maldita preocupação.
Manhã de quarta-feira, são sete da manhã. O celular cha-
ma sobre a cabeceira ao lado da cama. Ainda coberto e
sem hesitar, estico o braço ao encontro do celular. Vejo o
ecrã colorido, é a minha amada Paula. Como era habitual,
ela liga para mim caso eu não a ligo para dizer bom dia.
Ajusto a voz e solenemente, saúdo a bela dama.
– Alô! – Suspiro – alô amor! Bom dia.
– Bom dia meu Rei, como está? – Ouço sua voz sua-
ve e meiga. Era o que eu mais gostava de ouvir todas as
manhãs ao acordar, sua linda voz. O seu timbre e dicção
estavam bem alicerçados à beleza do seu corpo e alma.
– Yeap! Acho que estou bem vossa majestade. E você?
– Essa voz meio afogada de alguém meio desanima-
do não está agradando-me. Pior que já faz mais de três
meses que tens agido como se o mundo tivesse acabado.
Estou bem meu rei, como foi o seu descanso?

119
Hélio Guerra

– Amor, não vamos discutir, muito menos criar situa-


ções de má disposição. Eu ando sem vontade para nada
e não estou aguentando com a pressão da minha vida.
Descansei bem e você?
– Que pressão amor? Sei que está difícil arranjar em-
prego, mas isso não deve destruir você. Eu me apaixonei
por um homem inteligente, forte e capaz de vencer. Por
favor erga a cabeça que um dia tudo irá dar certo. Juntos,
iremos ultrapassar essa fase meio ruim. Se hoje estou tra-
balhando é porque entrei na faculdade já com um empre-
go e tudo que tenho feito e quero é ser bem-sucedida e
com você ao meu lado. O país enfrenta sérios problemas
no que concerne ao desemprego, muitos são os jovens que
se formam para nada, não nego isso. Mas não te deixe
abalar por isso. Um dia as pessoas irão entender que todas
áreas de conhecimento são importantes para o desenvol-
vimento do país e o que importa é o capital humano com-
petente e não os recursos minerais como muitos pensam.
– Está bem amor, como foi seu descanso? – Insisto
– Desculpe-me, descansei muito bem embora muito
preocupada com você. Sinto que uma nuvem negra está
assolando você e a depressão está batendo as portas. Não
quero perder a melhor pessoa que Deus deu-me, cuida
bem de ti amor. Por favor.
Suspiro calmamente. Descoberto me! Olho para o
tecto. – Amor, você está aí? – pergunta a Paula. Passo a
mão pela cara e respondo – sim meu anjo, entendi perfei-
tamente o que disse e não te preocupes que ainda vai atu-
rar-me com meus beijos e carinhos. Vou sair dessa fase,
prometo. Dito isto, em minha mente compreendia o quão
adorável ela é e que ela realmente ama-me. Levanto da
cama. Ela ainda estava em linha.
– Quais são os planos para hoje? – Ela pergunta

120
Vidas líquidas

– Infelizmente, não tenho algo em mente, não tracei


algo para hoje.
– Hum morzão, não te fica bem dizer uma coisa des-
sas. Tens que fazer algo para recuperar seu austral. Ahm,
mãe ligou-me dizendo que precisa conversar comigo. Já
imagino de que se trata! Pelo tom da sua voz deu para
perceber que ela também está muito preocupada conti-
go. – Ela permanece um tempo no silêncio e de seguida
acrescenta – talvez passo daí quando sair do trabalho, hoje
não tenho muito trabalho. – Suspira de satisfação.
– Está bem amor. Estarei em casa. Depois de con-
versares com a mamã conheces o meu quarto e já não
precisa cerimónias porque ela já conhece você. Ahm, hoje
vou tentar mandar mais uma vez alguns currículos pelo
correio electrónico e ver algumas coisas na internet apesar
de que nos últimos dias anda muito lenta.
– Fazes bem, não perca a fé meu bem. – Ouço ba-
rulho da porta e algumas vozes no fundo – já cheguei ao
serviço amor.
Olho para o relógio da televisão. São sete e cinquen-
ta da manhã – tão rápido? – Pergunto perplexo. O nor-
mal é ela chegar às oito e trinta como habitualmente o
faz- sem contar que não ouvi barulho do transporte para
funcionários que sempre a leva de casa ao trabalho.
– Sim, amor. Hoje levei o carro da tua sogrinha, por
essa razão cheguei um pouco mais cedo que o habitual.
Além disso não esqueça que depois tenho de passar por
aí.
– Desde quando você precisa levar o carro da minha
sogra para vir para cá? – sorri feito louco – está bem, te-
nha um óptimo dia de trabalho.
– Obrigada, desejo a você um óptimo dia também e
que hoje tudo dê certo. Beijo e te amo esposo.
121
Hélio Guerra

– Outro para você, também te amo.


Sentado em frente ao computador, procuro aceder
aos vários sites de emprego. Alguns nacionais e outros
internacionais. Essa já era uma prática costumeira nes-
ses últimos sete anos, noite e dia enviando correios sem
resposta alguma. Apenas uma chama de esperança que
tendia a afogar-se em minhas preocupações e desesperos
a cada fim de um concurso público ou privado. Ao cair
da tarde, após centenas de correios electrónicos enviados,
fico exausto e pensativo como sempre. Saio para tomar
um banho relaxante, depois deitar-me. Passados quaren-
ta minutos, vagueio pelo corredor até a cozinha, a Maria
está preparando o jantar bem alegre como todos os dias,
não me interesso em ver o que cozinha nem em conver-
sar com ela como sempre fazíamos, abro a geleira, levo
sumo e em seguida busco alguns biscoitos na tigela sobre
o micro-ondas. Maria tenta puxar conversa perguntando
se estava bem, desde dia anterior que não me via. Com a
cabeça afirmo que sim, porém ela não se mostra satisfeita
com a resposta. Ignoro-a! O silêncio das bocas domina o
espaço que parecia tenso e ávido, apenas ouviam-se pane-
las rugindo ao grito dos alimentos que digeriam os tem-
peros no bailar das chamas. No silêncio da minha alma,
regresso ao meu santuário da solidão, o único local que
parecia compreender a minha preocupação e desespero.
O lugar onde as paredes são minhas únicas e fiéis con-
fidentes, as únicas que conhecem a minha dor, os meus
segredos, as minhas preocupações, as que conhecem a cor
das minhas lágrimas, o meu medo e o som do meu suspi-
ro. O meu santuário e laboratório da paz. Sentado sobre a
cama, deliciando-me dos biscoitos que a tanto tempo que
não os comia devido a falta de apetite e vontade de aliviar
a dor que me pesava aos ombros quase caídos, penso em
como obter emprego e no que as pessoas diziam sobre
122
Vidas líquidas

o meu curso. O arrependimento arrebate a minha alma


sem dó e nem ré. Tudo parecia escuro e sem saída. Passo a
mão pela cara, suspiro, meus dedos tremem ao batimento
acelerado do coração. Fico calmo, em meus pensamentos
uma voz grita – Talvez seja culpado por tudo isto, porquê
escutei o pai do Arnaldo quando advertiu-me pela esco-
lha do curso. Fico sem resposta, a raiva estava consumin-
do meus sóbrios pensamentos. Embalado na raiva, o sono
ganha espaço e invade meus pensamentos. Durmo por
uns trinta minutos, mas sou acordado por vozes vindas da
sala. Era a sogra e a nora conversando. Não me interesso
no que conversam e muito menos sair do quarto para as
saudar. Continuo deitado na cama, pensando novamente.
Em o quê? Desta vez a mente apenas produz pensamen-
tos confusos e aleatórios, de repente seguro no remote e
ligo a televisão. Passados quarenta e cinco minutos e mais
sete segundos, Paula abre a porta do quarto e entra.
– Oi mor – vem até a cama e dá-me um beijo quase
demorado e molhado – como te sentes?
– Bem, acho! – Estico o pescoço e movo-me para o
lado superior da cama – e você?
– Você com seus sarcasmos, vou entender como um
estou bem amor. – Suspira olhando para mim, seu sorriso
se estende em seu rosto – estou óptima coração.
Ela tira sua roupa, pega na toalha sorrindo para mim
– deixe-me tomar um banho rapidinho e depois a gente
conversa – apanha sua roupa caída no chão, pisca seu olho
para mim e coloca-a sobre o sofá-cama – não demoro! –
Acrescenta.
– Okay sweetie!
– Odeio essa palavra “okay”, é muito técnica e des-
prezível para mim
– Desculpe-me coração, está bem!
123
Hélio Guerra

Dá-me mais um beijo e retira-se para o banho. Ela


vai demorar, mulheres demoram na casa de banho quan-
do lhes convém e às vezes vão juntas, mesmo que uma
delas não tenha algo por fazer lá. Não acredito que ela
possa ser rápida como diz. Levanto-me da cama e cami-
nho até ao computador para ver se algum correio entrara.
Dez minutos se passaram, quando, surpreendentemente,
a vejo entrando. Ela foi bastante rápida. Ao vê-la fico sur-
preso e sorrio. Seu perfume corporal me atrai, não consigo
resistir. Caminho até a cama tentando disfarçar a vontade.
Com um olhar convido-a para a cama, em seguida passo
a mão pela cara. Olho fixamente para ela e sede ao meu
chamado com um beijo profundo. Amasso-a com cari-
nho, beijo seus mamilos descendo até sua cave da gera-
ção e catedral do prazer de um homem hétero como eu.
Passo minha formidável língua em suas paredes vaginais
em busca do seu ponto máximo, fica excitada e morta de
desejo. Está totalmente pronta. Penetro gentilmente nela
afogando-me em seu prazer de mulher sedenta. Embo-
ra não estivesse no clima, com uma mente perturbada, o
sexo deu para fazer com que me sentisse mais relaxado e
despreocupado. Deitados na cama, conversávamos sorri-
dentes e felizes. Comentávamos diversos assuntos ligados
a sociedade. Uma delas tinha a ver com o sistema de en-
sino que predomina o país. Um sistema que estava obso-
leto face aos novos objectivos do milénio. Pareia que tudo
estava indo bem, por alguns minutos havia esquecido das
preocupações.
Minutos depois, ouço alguém batendo na porta do
meu quarto. Paula e eu olhamo-nos um ao outro.
– Sim, o que quer? – Respondo gritando
– O jantar está pronto!
Calo-me. – Está bem, obrigada Maria – diz Paula

124
Vidas líquidas

olhando para mim.


Beija-me e sai da cama para vestir-se. – Melhor a
gente ir, não fica bem deixar mãe esperar tanto por nós. –
Permaneço na cama olhando para ela.
– Vamos! Seu bobo!
– Não vou jantar, estou sem apetite.
Olha para mim e diz – Lyaki, não quero brigar com
você. Saia já da cama e vamos jantar! – Insiste – vamos
amor!
Desço da cama. Arranjo uma calça simples e uma
camisete próxima. A bela dama de tanto insistir acabou
convencendo-me. Fomos ao jantar. Minha mãe já estava a
nossa espera por cinco minutos. Saúdo-a. Durante o jan-
tar Paula e ela conversavam e eu permanecia no silêncio
como se alguém tivesse partido a minha alma sem deixar
algum valor de simpatia e compreensão em mim. Termi-
nado o jantar, Paula e eu regressamos ao meu santuário.
Chegados ao quarto, continuamos com a conversa de ca-
sal planejando a vida. Ela fazia de tudo para me deixar
feliz e sair da aparente deprecação que me encontrava.
Trocamos ideias. Após horas de conversa, entre troca de
caricias e beijos, Paula sugere que voltasse a carteira da
escola para fazer um curso diferente. Depois de horas de
discussão saudável, ambos entramos em consenso. Eu fa-
rei um outro curso, de curta duração. De preferência de
seis meses a um ano. Aceitei e ambos concordamos na
escolha do curso, contabilidade e marketing. Enquanto
estudava, em horas livres e principalmente aos finais de
semana, participava em palestras e em grupos de autoa-
juda emocional. Grupos que tinham como objectivo a
reprogramação mental para que pudesse sair da depres-
são e mudar minha vida. Tudo foi pago por ela. Desde as
inscrições até as mensalidades. A rotina não estava fácil,

125
Hélio Guerra

muito menos agradável em alguns momentos. Dia e noite


pensava no emprego, mas algo mantía-me na esperança
de o encontrar.
Depois de tanto tempo visitando várias agências de
emprego e distribuindo inúmeros currículos vitae, acha-
va que jamais conseguiria encontrar um óptimo traba-
lho, que seja bom o suficiente para mudar o cenário em
que me encontrava. Foi então que, certa tarde, enquanto
procurava emprego em um dos jornais da praça, o jornal
Notícias, deparei-me com uma oportunidade de empre-
go que parecia irrepreensível para mim. O anúncio di-
zia se tratar de uma vaga para um técnico de marketing
e pesquisa do mercado em uma agência de publicidade
e pesquisa do mercado muito conceituada na cidade de
Maputo. O trabalho era de segunda à sexta-feira, das sete
e meia da manhã às três e meia da tarde. Dependendo da
escala trabalhava no final de semana — o que era bastante
agradável — e tinha uma óptima proposta salarial com
muitas vantagens. A melhor parte, no entanto, era que
não exigia longos anos de experiência na função, apenas
conhecimento básico sobre Marketing e pesquisa — o
que aumentava minhas possibilidades de conseguir a vaga
e só Deus sabe o quanto isso facilitava as coisas.
Fiquei tão entusiasmado e bastante confiante que
acabei enviando o meu currículo vitae com foto, o mesmo
que usava exclusivamente para vagas como essas. Vendo
o número de vagas, imaginei no número de jovens for-
mados sem emprego. Com isso fiquei deprimido e triste
perdendo a crença na possibilidade de ser aprovado, mas
uma energia surgiu em minha aura imanando energias
positivas da mãe natureza. Por essa razão, ao cair daque-
la mesma tarde, o meu celular tocou, atendi sem sequer
imaginar que, do outro lado da linha, era a minha fu-
tura colega quem estava falando comigo! Ela chama-se
126
Vidas líquidas

Guilhermina Zungueza e sua voz era suave e fina. Fez


algumas questões básicas pelo telefone, com toda gentile-
za e educação angelical. O meu coração acelerava com a
expectativa de existir uma nova oportunidade em minha
vida. Ela questionou se eu estava disponível para fazer
uma entrevista no dia seguinte, nas primeiras horas do
expediente, marcamos para às nove horas e, embora eu
soubesse que poderia chegar atrasado devido a correria
pelos transportes públicos.
Na manhã seguinte, ainda bem cedo concretamente
pelas cinco horas, foi um drama escolher a roupa que usa-
ria para a entrevista. Sabia que era um emprego sério, mas
não queria vestir totalmente formal, pois estava quente
demais, a temperatura iria rondar até aos trinta e nove
graus célsius. Todavia, também não almejava causar uma
impressão errada pela maneira de vestir. Depois de so-
frer por horas, acabei escolhendo uma camisa de mangas
compridas de cor branca, uma gravata preta e umas calças
pretas cuja ajustavam o meu corpo — até porque estamos
falando de uma entrevista de emprego e não existe me-
lhor forma de impressionar o patronato além de uma boa
forma de vestir. Calcei os sapatos depois de levar a agenda
sobre a cabeceira em meu quarto.
Logo desci do “chapa 100” na rua mais próxima, fi-
quei perplexo com as infraestruturas bem arquitectadas
que existiam próximo aos escritórios que fui convocado
para a entrevista. O verde preponderante das folhas nas
árvores se misturava ao amarelo-vibrante, vermelho das
acácias ali presentes. Encontrei o endereço com facilidade
e me permiti contemplar o prédio em que se localizava os
escritórios por alguns segundos. Uma verdadeira obra de
arte! As paredes da escadaria que levava aos demais anda-
res eram feitas de mármore, o corrimão era feito de alu-
mínio, por onde dava para espiar um enorme brilho que
127
Hélio Guerra

pendia do tecto. O jardim da frente era meticulosamente


bem-cuidado e, em meio às flores multicoloridas, existia
um caminho feito em pedras brancas irregulares que le-
vava até a uma autoestrada que dá acesso à praia do Costa
do Sol. Caminhando, vi que havia uma placa que indicava
a localização dos escritórios da Crystal Busness Group.
Antes de entrar no edifício dois homens saíram pela por-
ta. Os dois deram um singelo aperto de mãos e então um
deles passou por mim, acenando levemente com a cabeça
enquanto ia embora. Usava uma gravata vermelha que in-
tensificava o brilho de suas vestes, ao passo em que os seus
cabelos negros estavam de um jeito despojado, como se
propositalmente desarrumados. Era o meu futuro chefe.
Logo que entrei na recepção, Guilhermina me ofe-
receu algo para beber. Aceitei por educação e a vi se di-
rigir para uma sala no fundo para buscar algo para beber.
Apesar de estar muito nervoso, a entrevista foi tranquila.
Director dos recursos humanos era tão educado que se
tornava impossível não ficar à vontade perto dele. Fez-me
algumas questões básicas, típicas das entrevistas.
— Preciso que você me traga seus documentos até
sexta, tudo bem? — Comentou despreocupadamente, le-
vantando-se da cadeira onde estava sentado. — Quanto
antes, melhor. — Disse o Director Magalhães.
Suas palavras invadiram meus tímpanos, deixando-
-me estonteado. – Como é? Ele falou em documentos?
— Estou contratado? — Perguntei, não conseguindo
conter a emoção.
— Tecnicamente não até que você me traga os do-
cumentos — sorriu, passando a mão nos cabelos. — Mas
sim, você é o profissional que eu estava procurando.
— Obrigado meu Deus — Soltei, explodindo de
alegria. Mal podia acreditar que já tinha achado um em-
128
Vidas líquidas

prego. — Muito obrigado senhor Magalhães!


— Até já colega! — Disse o Director Magalhães
enquanto aperta a minha mão como forma de dar boas
vindas. Levantei logo depois dele, alcançando o celular
dentro de um dos bolsos das calças para conferir as horas.
Eram quase meio-dia, hora do almoço. Saio da sala em
que decorrera a entrevista, todo alegre. Despeço-me da
Secretária Guilhermina com muito respeito. Pego no ce-
lular e disco o número da Paula.
— Oi amor, consegui! Fui contratado.
— Wau, fico feliz meu amor, sucessos! — Ela não
consegue conter a emoção, do outro lado da linha oiço
sua voz abatida, Paula estava chorando de alegria por ter
conseguido um emprego. Naquele momento sinto meu
coração acelerar com bastante força. Será esta a maior
prova de amor?
Muitas pessoas apenas preocupam-se com o que
possuem ou podem ganhar numa relação, desvalorizando
o verdadeiro sentimento que uma possui pelo seu próxi-
mo. As pessoas que realmente nos amam são capazes de
lutar por nós, acompanhar-nos em todos momentos da
vida, quer na doença ou saúde; quer na falta ou na fartura.
Em casos mais extremos elas se emocionam ao saberem e
verem o nosso sucesso diferente dos que invejam os bons
resultados alcançados que esperam qualquer queda nossa.
Paula provou-me dessa forma o seu amor por mim e cer-
tamente faria o mesmo por quem fosse.
Alegrei-me tanto e Paula chorou de tanta emoção
por ter conseguido um emprego. A empresa era Crystal
Busness Group. Nela trabalhei, inicialmente como ges-
tor de finanças e técnico de Marketing, mas depois de
dois anos mostrando competência, dedicação e profis-
sionalismo, o PCA promoveu-me ao cargo de Director

129
Hélio Guerra

de pesquisa e gestor máximo de marketing da empresa.


Inicialmente entrei como um técnico médio, doravante
mudei de nível após a promoção e por iniciativa do PCA
após ter descoberto que fui formado em Filosofia. Anos
se passaram, a empresa foi ganhando mais conectividade.
A empresa começou a receber mais pessoas que se for-
maram em Filosofia. Tendo descoberto este facto, muitas
empresas começaram a apostar em filósofos para tal. O
meu trabalho estava dando-me forças para crescer, algu-
mas escolas convidaram-me para dar aulas e rejeitava al-
gumas. Tudo parecia mil maravilhas.

130
Vidas líquidas

CAPíTULO IX

AS Minhas malditas traições

131
Hélio Guerra

“Acendemos paixões no rastilho do próprio coração. O que


amamos é sempre chuva, entre o voo da nuvem e a prisão do
charco. Afinal, somos caçadores que a si mesmo se azagaiam.
No arremesso certeiro vai sempre um pouco de quem dispara.”
(Mia Couto)

A vida é parecida a um jogo de xadrez profissional,


um campo de sonhos de perspectivas, de visões de ideias
e constantes lutas em busca do sucesso. Cada etapa talvez
seja imprescindível para o crescimento. Ela deu-me moti-
vos para viver. A minha carreira profissional estava tendo
destaque e crescimento a cada dia, após muito tempo na
depressão pela busca por um emprego. Finalmente, as de-
pressões e lamentos haviam acabado fazia meses. Novas
oportunidades apareciam a cada dia, estava começando a
provar o valor do sucesso. Frequentava os melhores luga-
res da cidade que nunca a prior havia entrado. As mulhe-
res não paravam de procurar-me sempre para sair, ver os
melhores lugares da cidade. O dinheiro estava dando-me
o prazer do momento. Essa vida subiu-me tanto a cabeça
que não percebia o que estava fazendo.
– Boa noite Pedro, como vai isso?
– Na boa boss, e aí?
– Sempre bem meu amigo. Peço um duplo de Black
label e uma cervejinha bem gelada.
– Good, o whisky vai com gelo, não é?
– Maningue, dois cubos. Faz favor!
Bebo o whisky, sem pressa. Abro em seguida a garra-

132
Vidas líquidas

fa de cerveja, estava bem gelada como gosto. Pedro sem-


pre acerta na mosca. Dou um gol e pego no celular. São
vinte horas e trinta minutos. Abro a caixa de mensagem,
vejo a última mensagem que entrara. Paula “oi amor, como
está? Já saiu do trabalho? Quero te ver, já estou com saudades.
Amo-te”. Suspiro e ignoro a mensagem. Passados vinte
minutos, Arnaldo liga para localizar-me.
Sentado no canto esquerdo do balcão, em um lugar
calmo e bem favorável para quem vai ao bar para con-
versar com amigos e tomar sua cervejinha. Ali estava,
degustando a loira de fabrico moçambicano, a bem gos-
tosa e atraente, quando do nada vejo uma mulher bas-
tante atraente. Elegante e trazia um vestido preto com
partes prateadas. O vestido ajustava as curvas do corpo
dela. Aproxima-se até ao balcão, enquanto conversa com
o Pedro, fico tímido e babando por ela. Na mente uma voz
apela-me a cautela e fidelidade. Procuro resistir a tentação.
Talvez por carga de águas, a jovem apercebe-se que estou
olhando cada detalhe da sua formosura. Pisca o olho para
mim, fico ainda mais tímido. Para disfarçar, dou um gole.
Ela se aproxima mais para o lugar onde estava sentado.
– É engraçado como os homens são, criaturas que
facilmente são descobertas quando se trata de um rabo
feminino. – Sorrimos simultaneamente – meu nome é Brí-
gida Khossa – acrescenta.
– Prazer em conhecê-la, madame Khossa! Eu sou Lyaki
Guerreiro.
A caçada já estava aberta, mais uma presa para aca-
salamento. Não pude resistir ao charme daquela mulher,
nem com a sua ousadia em se aproximar até onde estava
sentado. A conversa estava boa e muito íntima entre a
Brígida e eu. Já passavam das nove e um quarto da noite
quando Arnaldo chegou ao local em que combinamos.

133
Hélio Guerra

Estava sozinho, a Christiane não veio junto, o que era


bom, pois a Paula não saberia onde e com quem passara
a noite. Bebemos muito, conversamos diversos assuntos.
Já estava quase bêbado quando já eram por aí zero. Tinha
de ir para casa, descansar para o outro dia de trabalho.
Ambos já queríamos sair daquele ambiente, em minha
mente nada fluía sem algum foco e actividade produtiva.
Estava curtindo o momento da noite. Pagamos as contas
e saímos do bar. Cada um para seu destino. Brígida veio
comigo até a pensão. Depois de tantos copos e conversa
fora, meu ego cedeu ao charme dela. Fomos passar a noite
juntos, sua formosura foi bem justificada com a gostosura
do sexo que tivemos. Dia seguinte, saímos da pensão por
volta das seis, trocamos contactos. Aquela foi a primeira
traição em minha vida.
– Até mais gato, adorei a noite com você. – Diz a Brígi-
da, sorrindo como louca.
Brígida não parecia qualquer, era uma mulher de
classe alta. Casada com um magnata e proprietário de
uma das melhores escolas do país, o Colégio Sonhos do
Noroeste e accionista de grandes empresas como a ONE-
BUSNESS, empresa de vendas de carros e serviços. Aca-
bava de cometer uma grande besteira e nem me importa-
va com isso. O lance repetia-se sempre, encontros e saídas
sempre que ela desse sinal verde.
Numa quarta-feira, depois de longas horas de tra-
balho no escritório, saí para buscar a minha namorada.
Paula e eu combinamos de nos ver naquela quarta como
habitualmente fazíamos. A ideia hoje era um jantar em
um restaurante que acabava de abrir na Cidade da Mato-
la, o Venezia. O programa estava bem coordenado, nada
podia fazer-me cancelar, até a Brígida mandei passear
quando ligou-me pedindo para encontrarmo-nos no local

134
Vidas líquidas

de sempre. Pego no celular, ligo para Paula.


– Amor! Cheguei, podes sair.
– Está bem, já saio!
A noite estava alegre, os espíritos estavam livres em
estrelas brilhantes que decorram o negro céu. Paula e eu
vagueávamos pelas ruas da baixa da cidade a caminho do
restaurante no hotel Polana. Jantamos e depois fomos a
zona da Marginal, contemplar a formidável dança das es-
trelas em uma noite de luar. O carro em frente ao mar,
contemplávamos as ondas que refletiam o brilho das es-
trelas, ao som da música que acompanhava o cenário de
um falar de dois corações que se diziam apaixonados. Ali
estávamos, livres, libertos das amaras do tempo preenchi-
dos de ocupações e trabalhos, mas em minha mente vi-
nha a imagem da gostosa Brígida. Sai tentação! – Penso.
Disfarço meu pensamento com um demorado beijo na
Paula. O clima estava calmo, estava pensando em outra e
ela não percebeu. Parece-me que naquele momento esta-
va demostrando a capacidade teatral que os homens pos-
suem por causa das mulheres. Enquanto conversávamos,
o celular toca. Um número desconhecido. Não me inte-
resso. O contacto insiste, Paula fica apreensiva e demostra
irritação. Quem estaria ligando para mim àquela hora da
noite, quase dez horas da noite.
– Amor quem está ligando para você a esta hora?
Suspiro – não sei, é um número desconhecido. – Pego
no celular e vejo uma mensagem no visor. “Oi querido, es-
pero que esteja tudo bem com você. Estou com saudades,
podemos nos ver?” – Khelyn. Fico pasmo, confuso com a
mensagem. Primeiro porque ela usara um número desco-
nhecido e segundo porque não esperava que ela mandas-
se mensagem justo na hora em que estava com a minha
amada. Que explicação teria.

135
Hélio Guerra

– Um número desconhecido, não vai atender?


– Melhor não! Quero aproveitar este momento com
você. – Dou-lhe um beijo.
– Está bem, mas saiba que não é bom rejeitar cha-
madas, principalmente de números desconhecidos que te
ligam a qualquer hora da noite. Nunca se sabe a razão
dessas pessoas nos ligarem a essas horas.
O silêncio entre a gente ganha espaço, suspiros es-
palham-se pelo ar como gás invadindo a atmosfera seca,
segura em minha mão. Ligo o motor do carro, são horas
de voltar para casa. Da marginal para casa nenhuma pala-
vra, estava muito quieto e sem vontade de conversar mais.
Só pensava em mim e mais nada. Chegados a casa, Paula
e eu tomamos banho, separados. Enquanto um estivesse
no chuveiro, outro estava lavando os dentes. Deitados na
cama, ela tenta provocar-me com seu charme. Mas sem
sucesso. Meus pensamentos estavam em outra mulher e
na mensagem da Khelyn. Mostro desinteresse, ela olha
fixamente nos meus olhos. Suspira e em seguida joga-se
para o meu lado esquerdo da cama.
– Amor, do nada ficou distante. Meio tenso e pensa-
tivo. Durante o percurso para casa nem uma palavra pro-
feriste, o que se passa? Não suporto mais isso, nos últimos
tempos não respondes minhas mensagens a tempo, nem
sempre dás-me espaço. Os teus finais de semana são de
txilingues, vê se pode! – Diz a Paula toda frustrada.
– Calma, amor! Nada está acontecendo. Só preciso
descansar, estou super exausto. Foi um dia muito cansati-
vo. Vamos dormir!
– Ayéh? Espero que seja verdade. Boa noite. – Ela
vira-se e dá-me as costas. Dava para perceber que a dama
estava muito aborrecida e duvidava do meu cansaço afinal
aquele foi só um pretexto para que não descobrisse o que
136
Vidas líquidas

acontecia em meus pensamentos. A vontade de mandar-


-lhe de volta para casa não me faltava, mas o meu ego
não deixava, também, a educação que minha mãe trans-
mitia-me é que devia sempre evitar com que magoasse
as pessoas sem necessidade e que nunca mudar de ideia
do nada. Menti para a Paula sobre o que pensava, mais
um crime cometido, não sentia remorso algum. Também
não preciso dar-lhe explicações sobre tudo que aconte-
ce e deixa de acontecer comigo. A noite parecia longa,
o sono não queria visitar-me naquela noite. Tento rebo-
lar em busca do milagroso sono, mas tudo foi em vão.
Saio para a cozinha, vagueando pelo corredor esbaro-me
com a parede. Irrito-me. Como fui capaz de esbarar-me
– penso. Na cozinha, busco uma cerveja na geleira. Bebo-
-a devagar enquanto penso em como encontrar-me com
a Khelyn. Pego no celular, em um campo de mensagem
escrevo: “estou bem linda, sim podemos nos ver depois do
trabalho no KFC situado na zona do Ponto Final na baixa
da cidade. Beijos”. Envio-a. A maldita imagem da Brígida
continua perturbando minha mente, desde que ela pediu
para estar comigo e a rejeitei, não paro de pensar nela. O
celular vibra. É a Khelyn – penso. Vibra novamente, ago-
ra de forma contínua. Pego e olho no ecrã. É a Brígida.
Mais essa agora, what she want – penso. Ao atender. Ela
demostra tranquilidade, como se estivesse em um lugar
calmo e sozinha.
– Olá meu príncipe, estou com saudades.
– Brígida, você sabe que horas são? Você liga a esta
hora, onde está seu marido?
– Não se preocupe com ele. Está dormindo feito um
louco e eu estou na cozinha. Você não quis saber de mim
o dia inteiro.
– Mas Brígida, imagine se ele acorda. Eu também

137
Hélio Guerra

estou na cozinha e minha namorada está no meu quarto,


caso ela descubra que não estou lá ela ficará mais irritada.
Te ligo amanhã.
– Promete que vai ligar, não me deixe na mão, meu
príncipe.
– Não farei isso, bye.
– Bye, baby boo! Beijo.
Encerro a comunicação. Seguro na garrafa de cerveja
e mando todo liquido para a boca. Preciso dormir, amanhã
tenho que acabar com essa brincadeira – penso. Regresso
ao quarto e encontro Paula toda nervosa. Mergulho nos
lençóis e sem demora o sono bate a porta e acomoda-se.
**
Na manhã seguinte, o relógio marcava seis e um
quarto, Paula acorda-me para o banho. O dia já havia nas-
cido, o sol sorria forte anunciando mais um dia de traba-
lho. Levanto-me da cama, mas ainda sob efeito de sono.
A noite não foi bastante sensata comigo. Primeiro porque
não conseguirá pregar com maior facilidade e, porque fa-
lei com a Brígida sabendo que minha namorada estava
em casa. Segundo, porque tive um sonho fora do normal
e bastante frustrante. Sonhei que Paula decidira terminar
o nosso namoro e minha mãe morre por saber do sucedi-
do. No sonho, minha mãe morre ao tentar beijar-me na
testa para consolar-me e pedir com que parasse de beber
e, Paula termina a relação ao descobrir que eu engravidei
sua irmã. Acordei sem norte, meus pensamentos estavam
espalhados como pequenos estilhaços de vidro negro jo-
gados num beco escuro dos quais devia procurá-los em-
bora sentia-me perplexo em uma noite escura e sem lua
para iluminar. Não conseguia esconder o que se passava
em minha mente, meu rosto denunciava o sucedido du-
rante o meu descanso. Nunca em minha vida tivera um
138
Vidas líquidas

sonho que me deixasse nesse estado, de morte viva. Paula


encomenda um beijo com seu olhar, a beijo mas dava para
sentir o frio da minha alma naquele momento.
– Bom dia amor, ainda está mal disposto como on-
tem? – Pergunta a Paula mostrando tamanha preocu-
pação. Tento sorrir para disfarçar, mas a minha sensatez
trai-me em um olhar meio distante. – Não estou mal
disposto meu bem, apenas estou meio perplexo com um
sonho estúpido que tive.
– Que sonho? Você acredita em essas bobagens que
temos durante o sono, esquece isso!
– Bem, não acredito bastante nisso, embora algumas
vezes acontecesse exactamente o que sonho. Não tenho
ficado meio tenso devido aos sonhos, mas este foi estra-
nho. Sonhei que…
Fui contando exactamente como as coisas aconte-
ciam no sonho, sem tirar algum episódio. Quando ter-
minei, Paula começa a rir-se de mim. Zombando de mim
diz – meu amor esquece isso, é coisa da sua cabeça. E só
para ver que isso é pura idiotice, você mais do que nin-
guém sabe que sou a filhinha querida dos meus pais. Sou
filha única meu bem. Agora quanto a essa parte da mamã,
acho estranho, mas não acredito nisso porque não termi-
narei com você e sua mãe não irá perder a vida porque
tem muita saúde e Deus está protegendo ela. Vê se esque-
ce isso King.
Depois que ela fez-me recordar que é filha única,
meus pensamentos alcançaram a luz que estava perdida.
Ri do que Paula disse, beijo-a demoradamente e em se-
guida seguro na toalha de banho. Ambos fomos ao ba-
nho rindo-se do que acabava de contar. Ligado o coveiro,
gota pós outra, entro para molhar meu corpo. Paula vem
junto, dá-me um beijo, acaricia minhas costas. Sentindo

139
Hélio Guerra

suas mãos macias, viro para ela frente a frente e beijo-a


em seguida. Passo minhas mãos sobre seus longos cabelos
vagando pelas suas proeminências formidáveis que cada
a cada deslise convidavam a submeter-me às suas entra-
nhas. O clima esquenta cada vez que a mão chega a sua
cavidade vaginal. Meto os meus dedos grossos, meio rijos
em busca de seus lábios vaginais. Exploro-a sem vergo-
nha. Ela se contorce de loucura. O banho foi de loucos,
saímos de lá ambos alegres. Em parte, por ter conseguido
recompensá-la pelo fracasso da noite passada e por a ter
pegado de surpresa. Não imaginava que pudesse cometer
aquela loucura. Depois de vestir, desloco-me até cozinha
para buscar as lancheiras e tomar o pequeno-almoço bem
rapidinho.
– Bom dia Rick, a senhora Paula não vem tomar
o pequeno-almoço? Já está tudo pronto. – Segurando as
lancheiras acrescenta – aqui estão as lancheiras, a branca
é da patroa.
– Bom dia Maria, como está? – Dou-lhe dois bei-
jinhos sorrindo. Ela fica espantada. Nunca havia a dado
dois beijinhos e, naquele dia a euforia era bastante notória
e mais viva que outros dias. – Já ela vem aí, está penteando
seus lindos cabelos. Cadê minha mãe?
– Pelos vistos o dia amanheceu bem para o senhor
– sorria abanando sua cabeça que tanto demostrava viva-
cidade em sua alma – está bem graças a Deus, filho. Sua
mãe está terminando de se arrumar, já ela vem.
– Oh, good! – Passados alguns minutos, simultanea-
mente Paula e minha mãe entram na cozinha. Sentam-se
à mesa acompanhando-me no pequeno-almoço. Depois
de saudações e conversa fora, quase um quarto para a hora
oito, Paula e eu levantamos e despedimos. Ela regressa
ao quarto para levar sua bolsa e as minhas bugigangas do

140
Vidas líquidas

trabalho. Levo as lancheiras, a minha e da Paula, caminho


até a garagem para pôr o carro a trabalhar. Depois de es-
gotados alguns minutos, Paula entra e, juntos, partimos
para mais um dia de trabalho, cada um em seu local de
trabalho. Chego ao trabalho bem próximo das dez ho-
ras da manhã, depois de deixar a Paula em seu local de
trabalho. Quando vinha, houve um acidente que causara
congestionamento pela via pública e sendo que estávamos
no final do mês, devido ao pagamento de salários, muitos
tiraram seus carros da garagem. Mania de muitos mo-
çambicanos só conduzirem seus carros nos finais do mês e
em alguns finais de semana caso tivessem uma cerimónia
de grande importância. Embora o tráfego fosse estressan-
te, naquela manhã estava totalmente bem. O dia começa-
ra bem e estava bem-disposto. Realmente um bom sexo
opera milagres a um homem, quando é feito com paixão
e no momento certo da vida.
Quando entro no escritório, celular chama. Era Brí-
gida. Imediatamente, lembro-me da promessa que fiz na
noite passada. Em seguida, meus pensamentos trazem o
lembrete da actividade programada para depois do traba-
lho. Espero que ela não peça para estar comigo mais logo
– penso. Passo a mão pelo rosto, suspiro.
– Aló princesa, estava justamente pensando em você
e logo ligaria.
– Engana que eu gosto! Como você descansou?
– Não estou mentindo, acabo de chegar ao escritório
e só queria responder um correio para depois ligar-te. –
Suspiro – Depois de ter falado com você dormi muito
bem e até deu para sonhar com os anjos.
– Haha Haha, fala sério. Você desligou a chamada,
que tal hoje vens ter comigo?
– Até que gostava, mas será impossível. Você sabe
141
Hélio Guerra

muito bem que durante a semana fica complicado devido


ao trabalho.
– Por causa do trabalho ou aquela vaca e sem noção
da sua namorada? Lyaki você, nos últimos dias, tem dis-
tanciando-se bastante de mim, já não sente algo por mim.
– Brígida olha como você fala da Paula, modere a
linguagem. Ademais esta semana só vamos nos ver na
sexta-feira no “Bate-Papo”. Você sabe muito bem da nos-
sa situação, tem que se manter bem discreta. Todos os dias
querendo ver-me, teu marido pode vir a descobrir sobre o
nosso caso e isso vai dar barrulho. Não quero mais proble-
mas do que já temos, tira da cabeça que não gosto mais de
você. Dificilmente alguém perde gosto da sua comida fa-
vorita. Preciso trabalhar para sustentar-me, lembra disso?
– Sorry meu príncipe. Não queria deixá-lo irritado,
mas estou triste com essa situação. Meu marido não se
importa com minhas saídas. Eu só quero estar com você
por mais que seja por uma hora, por favor.
– Brígida aguente para amanhã, antes de ir ao “Bate-
-Papo” podemos nos encontrar em algum lugar que qui-
seres.
– Mas eu queria hoje gatinho. Está bem, até amanhã
no Hotel Girassol. Acho um local bastante discreto e nin-
guém das nossas relações paira por lá.
– Está bem princesa, vou ligar-lhe quando estiver
prestes a sair do trabalho.
Mais uma vez tinha que trinchar a Brígida, insepa-
ravelmente, ela está ficando viciada de mim. Preciso des-
ligar-me dela, isso está saindo do controlo. Mal conse-
guia ficar sem ter ela em meus pensamentos por alguns
dias. Terminada a camada, vejo uma mensagem da Paula,
“chegou bem ao trabalho? Desejo-lhe um óptimo dia, te
amo my King”. Solto um sorriso, respondo-a “Obrigado
142
Vidas líquidas

minha boss, também amo você”. Deixo o celular sobre


a secretária, ligo o computador e começo a organizar os
trabalhos pendentes e correios que ainda não os havia res-
pondido.
Na hora do almoço, Arnaldo liga-me para contar as
realizações da nossa futura associação. Conversamos bas-
tante e contei-lhe das malandrices que tenho feito. Com-
binamos para nos encontrar no “Bate-Papo” depois do
trabalho, não o disse sobre a Brígida. Também não podia
o fazer sobre risco de ele zangar-se comigo. Ao entar-
decer, depois de horas trabalhando, Khelyn liga-me para
informar que estava a caminho do local combinado. Saio
direto ao seu encontro. Embora cansado, estava disposto
em conversar com ela, afinal de contas não guardava mais
rancor por ela e pelo que aconteceu entre a gente. Duran-
te o trajecto até ao local que combinara com ela, penso em
como as coisas estavam sendo loucas para mim. Minha
vida estava sendo uma autêntica felicidade, uma vida de
“alto padrão” e relaxante equivalente a de um milionário
ou bilionário que tem mulheres todas para si, entra nas
melhores casas de laser e participa de qualquer evento.
Estava sentindo-me um verdadeiro macho por ter várias
relações e um emprego que me dava dinheiro suficiente
para sobreviver. No fundo isso não passava de uma baba-
quice, não estava feliz e não sabia.
Como muitos homens pensam, um homem por mais
que a relação termine, ele ainda tem sua ex como parceira.
Quando e onde quisesse, poderia a ver. Para mim isso não
passava de uma idiotice, não vinha a mente esse tipo de
ideia. Todas minhas antigas relações não eram contínuas
no momento, pois para mim se uma relação teve seu fim
não tinha o direito e nem obrigação de trocar impressões
ou envolver-me com a pessoa para não causar problemas
para a actual. Naquele momento da minha vida, isso era
143
Hélio Guerra

simples quimera de homens engarrafados por suas par-


ceiras. Por incrível que pareça justo naquele dia, não me
vinha a cabeça a ideia de ir manter relações sexuais com
a minha ex-namorada, também não sabia o que poderia
acontecer naquele anoitecer de quinta-feira. Chego ao
KFC do Ponto Final, são cinco horas em ponto da tarde.
O local aparenta estar cheio. Estaciono o carro á beira da
estrada. Pego no celular e envio uma mensagem de texto
para Khelyn – “oi linda, já cheguei, cadê você?” de imediato
ela responde: “Eu cheguei a uns cinco minutinhos, estou
aqui dentro do restaurante”. Em seguida escrevo: “está
bem, venho até aí”. Desço do carro, caminho em direcção
a entrada. Através do vidro bastante grande que separa a
parte exterior e interior, deu para a localizar com maior
facilidade. Ela estava sentada próximo do vidro, sozinha
e trajava uma roupa elegante, cheia de classe como sem-
pre. Sento-me e saúdo-a. Conversamos uns dois minu-
tos. Saio da mesa para fazer alguns pedidos e seu devido
pagamento. Como é de costume em muitos estabeleci-
mentos no país, tinha que seguir a fila, longa como uma
cobra gigante com mais de um metro. Ao olhar para ver
o curso da fila e agilidade do caixa, uma voz chama por
meu nome, era Marisa. Já fazia algumas semanas que não
a via, apenas conversávamos pelas redes sociais. Aproxi-
mo até onde ela estava, umas cinco pessoas até ao caixa.
Saudamo-nos e peço-a para comprar e levar as coisas que
precisava para duas pessoas.
– Duas pessoas? Estás com a Paula? Estou a gostar
de ver, amando novamente primão. – Diz a Marisa sor-
ridente.
– Não me faças perguntas, sua doida. Infelizmente
para si, não estou com a Paula.
– Com quem estás se não é ela? – Permanecemos no

144
Vidas líquidas

silêncio por algum tempo, em seguida ela acrescenta – O


que andas a aprontar Rick? Com quem tens te encontra-
do ultimamente? Agora já estou começando a perceber,
estás com uma outra mulher.
– Nada ver Marisa, estou com a Khelyn. Ela pediu
para ver-me, diz que quer conversar. Você mais do que
ninguém sabe que não sou antipático.
– Está bem bobão, quem sou para julgar-te.
Marisa fez os pedidos e seus devidos pagamentos e
trouxe até mim. Sorrindo feito louca. Depois despediu-
-me. Ela estava com suas amigas e colegas de faculdade,
voltavam das aulas da tarde. Khelyn e eu permanecemos
no KFC, comendo frangos e batatas fritas, conversando
sobre nossas vidas. Estávamos como um casal que sepa-
rou-se, mas a amizade permanecia entre ambos. Não me
vinha a mente a ideia de acasalamento, para lembrar os
velhos tempos em que estávamos juntos. Além disso, já
não sentia uma atracção sexual forte por ela.
– Lyaki, vamos sair daqui. Que tal irmos para um
outro lugar, a beira da praia seria mais confortável.
– Sério? Estava bom aqui, mas pedido de uma amiga
como você é uma ordem.
– Não queira deixar-me sem jeito.
Saímos do KFC a caminho do calçadão. No meio
do percurso, achamos bom mudar de rota para outro lu-
gar. Fomos até as bandas do Museu. Bem em frente a
paragem de autocarros. O local estava pouco movimenta-
do, gente indo para lá e outros chegando, aos poucos foi
ficando desconfortável ficar naquele local. Ligo o carro
para levá-la para a casa, em menos de trinta minutos es-
tava na sua zona. Estaciono o carro em uma rua semies-
cura, continuamos a conversa, inesperadamente o silêncio
cobriu o local. Khelyn faz uma cara sensual e mordendo
145
Hélio Guerra

suavemente os lábios tentando chamar-me atenção. Ela


está afim de algo mais do que conversar. Provavelmente
foi um pretexto para me ver. Finjo que não percebo o si-
nal, olho para o lado de fora do carro.
– Lyaki, você se lembra como eram nossas loucuras
nesta rua sempre que viesses para cá?
Olho para ela, sorrio e a pergunto: onde você quer
chegar com isso? Sem pronunciar palavra alguma, ela
rouba-me um beijo. Beijo-a de volta, demoradamente. O
clima esquenta, passamos para o banco de trás, meto a
mão entre suas pernas, porém fica difícil de chegar até
a sua vagina. Beijo-a, suspira e baixa suas vestes. Meto
os dedos entre seus lábios vaginais, depois da tamanha
mestria ela estava pronta para a penetração. A possuo
com toda minha força e disposição psicológica. Depois
do acto, sentados ainda no acento de trás, já vestidos ade-
quadamente, um oficial da polícia bate a janela usando
sua lanterna preta. Passo para a cadeira da frente do carro,
destranco a porta e saio do carro.
– Boa noite! Como está? – Diz o oficial da polícia
mostrando seriedade.
– Boa noite, estou bem e você senhor oficial?
– Bem, o que os dois fazem no carro numa rua dessas
e a esta hora da noite?
– Conversando senhor Oficial, nada mais!
– Conversando no banco de trás? E a jovem que está
com o cabelo meio desarrumado?
Fico comtemplando o silêncio, sem resposta às ques-
tões feitas pelo agente da segurança pública. Por carga
de água um outro agente que o acompanhava, fazendo a
inspecção de trabalho, um preservativo usado estava junto
ao pneu da frente.

146
Vidas líquidas

– Domingos, chegue aqui. – Diz o outro oficial.


Ele vai ao encontro do seu colega de serviço. Vou
junto. Fico perplexo, como aquilo foi parar ali. Não usei
preservativo quando trepava a bela Khelyn. O preservati-
vo, ali estava, faz muito tempo, seco. Os dois policiais não
quiseram prestar atenção e analisar na íntegra, decidem
recolher-nos até a esquadra mais próxima. Tento expli-
car-lhes com clareza e precisão de que aquele preserva-
tivo não foi usado por mim e que estava naquele lugar
faz muito tempo. Foi tudo em vão. Durante o percurso
fui tentando ligar para Arnaldo para contar o que estava
acontecendo, queria conselhos para resolver o problema.
Paula não poderia saber disso, seria o meu fim. Ela não
digeria com maior facilidade essa situação, muito menos
descobrir desse modo uma traição. Chegamos ao posto
policial, o comandante nos recebeu. Os dois oficiais con-
taram o que aconteceu, mas de forma destorcida. Che-
gada a minha vez de relatar o sucedido, explicou. Khelyn
permanecia calada conforme o combinado, pois quando
começa não consegue controlar sua língua. Fala demais.
Passados alguns minutos de conversa, Arnaldo liga
para meu celular. Não o atendo. Em seguida vejo uma
mensagem na qual dizia para que me mantivesse calmo e
que alguém ligaria para mim, o Oficial Matias Matusse,
amigo do pai de Arnaldo. Sabia que cometi um crime
contra as regras da sociedade, um atentado ao pudor, mas
não podia dizer aos oficiais que consumamos o acto no
carro em uma rua meio escura. Os dois oficiais não nos
encontraram em flagrante delito, o preservativo não era
meu, com isso nada podia incriminar-me, porém por não
ter dado uma esmola aos dois oficiais que nos abordaram
ainda na rua da Khelyn. Não podia pagar para subornar
alguém, primeiro por não apoiar a corrupção e segundo
não tinha algo que pudesse incriminar-me. Meu celular
147
Hélio Guerra

chama novamente, peço permissão para atendê-lo nova-


mente. Atendo e falo com o oficial Matusse, depois, en-
trego ao comandante, falam entre oficiais. Quando encer-
rada a comunicação com o comandante, somos libertados,
já estava tudo resolvido e bem esclarecido. Essa foi por
pouco- levo a Khelyn de volta para casa. Logo que ela
abre o portão de sua casa, manobro o carro e saio numa
velocidade directo para os meus aposentos.
Quando chego à casa, faço um banho deito-me na
cama. Khelyn liga, já passavam das zero. Conversamos
por pouco tempo. Entro no Whatsapp e vejo muitas
mensagens e vídeo chamadas da Paula, desde que a man-
dei mensagem às dezanoves dizendo que estava voltando
para casa. Abro suas mensagens e leio todas elas, dava
para perceber que ela ficou triste por não responder suas
mensagens.
No dia seguinte, pela manhã, ligo para a Paula para
me desculpar pelo que fiz na noite passada. Tive que in-
ventar uma mentira que a convencesse e esquecesse o meu
mau comportamento face às suas mensagens. A caminho
do local do trabalho, recebo uma mensagem da Khelyn
dizendo o quanto amou estar comigo na tarde e noite de
ontem apesar do infortúnio que houve. Mais uma mulher
satisfeita, estou orgulhoso de mim.
Ao cair da tarde, depois de horas de trabalho, ligo
para Brígida, já estava livre para ter com ela. Fui até ao
hotel girassol, no quarto cento e vinte, ela estava lá, pronta
e vestida de lanjeri preta. Quando abro a porta sou recebi-
do com um forte abraço seguido por um beijo demorado.
Fecho a porta do quarto. Ficamos juntos até ao anoitecer
com celulares desligados para que ninguém atrapalhasse
o encontro dos dois amantes. Não me importava com as
consequências dos meus actos, afinal a traição está pre-

148
Vidas líquidas

sente em quase todos relacionamentos e poucas pessoas


são fiéis.
A rotina de trabalho e amantes ocupava-me bastante
que não me dava tempo para estar com Paula. Os nossos
encontros começam a ser reduzidos, as mensagens e co-
municação diária ficam cada vez desinteressantes, pou-
co saímos para passear pela cidade e conversar como um
casal de namorados frequentemente tem feito. As brigas
entre a gente tornavam-se mais vivas e frustrantes. Em
um final de semana, Paula veio para casa da minha mãe,
juntos estávamos no quarto quando a Brígida liga dizen-
do que queria ver-me. O celular estava no vivo voz.
– Oi meu príncipe, estou com uma saudade danada
de te ver. – Diz a Brígida com voz sensual demostran-
do intimidade entre a gente. Tento desligar a função de
viva voz, mas torna-se complicado, o celular congela. Fico
atordoado, olho para a cama e insisto no celular. Final-
mente, ele cede ao meu desejo, digo a Brígida que não
podia e que estava muito ocupado. Encerro a chamada,
olho para Paula, está furiosa. Dava para ver no fundo dos
seus olhos a raiva por ter ouvido aquilo.
– Quem é a pessoa que te ligou? Você está traindo-
-me com outra?
Permaneço no silêncio, ela acrescenta – me fala
Lyaki, quem é essa mulher que estava falando com você?
É outra, não é? – Ela joga a almofada sobre mim, chora.
– Paula fique calma, não existe outra mulher. Ela é
uma colega do trabalho que gosta de conversar comigo
e fala de forma sensual com todos na empresa. Fica cal-
ma, limpa logo essas lágrimas. – Movo-me até onde ela
está, acaricio sua cara e planto-lhe um beijo. – Amor, não
fique triste. Prometo não atender chamadas quando es-
tiver com você e saiba que eu não tenho outra. Só tenho

149
Hélio Guerra

você. – Planto mais um beijo, desta vez em sua testa. A


seduzo, acaricio seus mamilos e fazemos amor. Já satis-
feitos, conversamos. Olho para ela e planto beijos em sua
mão. Ela abraça-me e sua voz se liberta de forma serena e
doce – “te amo meu anjo”. Suas palavras mexeram comi-
go. Beijo-a. Não digo palavra alguma, apenas saí daquele
lugar, meu coração estava a ponto de ter um ataque, agora
não sabia o que dizer, e acabava de ver que estava sendo
injusto com a mulher que diz amar-me. Saio em busca de
ar, para pensar e tomar alguma coisa, a cozinha seria um
bom lugar. Maria estava sentada, na cozinha, escolhendo
feijão para o jantar, saúdo-a enquanto busco uma cerveja
na geleira. Tomando a cervejinha, converso com a Maria
sobre várias coisas e a digo o que mais temia naquele mo-
mento, destruir uma relação e perder uma linda mulher
como a Paula. Não imaginava que o sonho que tive numa
dessas noites e o meu maior medo poderia ganhar vida.
A Paula vem até a cozinha, seus olhos estavam
vermelhos de raiva, parece que ficou com raiva novamen-
te. Pede-me para a seguir até ao quarto. Maria olha para
mim procurando saber o que estava acontecendo entre
Paula e eu, qual era o motivo de ela estar furiosa. Digo
para ela que não sabia, sigo até ao quarto. Quando abro a
porta, ela joga o celular na minha cara gritando – eu sabia,
como fui tão burra meu Deus. Acreditei em cada palavra
sua, afinal não passava de mentiras e mais mentiras dos
homens. – Olho para ela e pergunto-a o que se passava,
qual seria o motivo agora daquela discussão.
– Quem é Khelyn? – Suspiro olhando para o tecto –
olha para mim, quem é a porá de Khelyn?
Passo a mão pela cabeça, suspiro. – É minha ex-na-
morada, porquê a pergunta? – Paula senta-se no sofá-ca-
ma, lágrimas escorrem como cachoeira, aproximo-me até

150
Vidas líquidas

o sofá-cama, procuro consolar-lhe mas ela empurra-me e


dá-me uma chapada. Suas lágrimas continuam escorren-
do pelo seu rosto, ela estava muito triste, sentia-se muito
magoada. Sua gritaria era tão forte que as outras pessoas
na casa ouviam a discussão.
– Você não se difere dos homens que conheci e
conheço, acreditei que me amasse e era tudo para você.
Onde falhei com você, se sempre estive para você e dei-
-lhe todo meu coração sem hesitar.
– Paula, acalme-se! Não estou percebendo o moti-
vo da sua gritaria e choradeiras. – Manda-me para ver o
celular, a caixa de mensagem estava aberta, Khelyn en-
viou-me algo. – “Oi amor, como está? Acho que estou
grávida”. – Olho para Paula, suspiro, – Paula, você ficou
bisbilhotando meu celular, porquê você fez isso?
– Não me irrites mais Lyaki. Você faz suas porcarias
e eu sou a culpada? É meu direito usar seu celular quando
quiser, sou sua namorada. Aliás não sei mais se realmente
sou. Você dizia que estava ocupado com o trabalho afinal
quem te ocupava era ela, que maldade. Com quantas mu-
lheres você traiu-me ou ainda trai-me?
– Eu não traí você, amor…
– Não me chame de meu amor, você não sabe o que
significa essa palavra.
– Desculpe-me, foi um deslize. Deixei-me cair na
tentação da carne.
– Um deslize que a deixou grávida? Você ia várias
vezes à cama com essa mulher, você não presta. Tenho
nojo de si, você não merece o meu amor.
Paula levanta-se e carrega suas coisas, a bolsa e seu
celular. Tento a impedir, ela empurra-me e joga-me contra
parede. Estava irada e não queria mais saber de mim. Fico

151
Hélio Guerra

louco, tento a seguir para me desculpar pelo que fiz. Ela


não aceita escutar-me. Entra no seu carro e arranca sem
dizer-me um adeus. Naquele momento sentia-me como
se o céu tivesse caído sobre meus ombros, tudo estava
destruído. Acabava de perceber o maior estrago da minha
vida. Semanas se passaram, tentando ligar para Paula, não
havia informações dela. A consciência estava pesada, o ar-
rependimento das malditas traições fez-me enxergar que
fui injusto com ela. Fui injusto com quem mais me amava
sob olhar de mulheres da vida. Traí a Paula e a mim mes-
mo, pois não valorizei a mulher que sempre estive comigo
em todas situações da minha vida. Todos os dias sentia a
dor da sua ausência e rejeição de suas chamadas.

152
Vidas líquidas

Capítulo X

Em busca de misericórdia e o consolo

153
Hélio Guerra

“Redenção não é obter a perfeição. O redimido deve compreen-


der suas imperfeições”
– John Piper

Estou sentado na varanda de casa olhando a chu-


va que cai há uma semana, que corre ferozmente como
rio, pelo relvado verde do jardim. Que saudade sentia de
ver as plantas molhadas pela chuva. Há quanto tempo o
céu não chorava assim? No campo, o calor de tanto durar
muito mais tempo, a seca foi matando muitas culturas.
Os mercados viam-se despidos de algumas hortícolas e
vegetais. As machambas andavam vazias e sem cor viva na
sua totalidade. Água até faltava para alguns. Na cidade, as
coisas, com maior enfoque nas hortícolas, vegetais e fru-
tas ganhavam preços bastante especulativos. Os produ-
tos estavam caros e escassos. As pessoas perguntavam-se
umas as outra, as vezes a si próprias: quando é que a chuva
vai chegar? Será o fim dos tempos que a bíblia alerta?
Agora, a chuva está caindo, abençoada, calma e va-
garosa. A terra, essa majestosa e misericordiosa protectora
que nos alimenta e guarda-nos, ganha novas cores e bri-
lho. “A fome está prestes a terminar. As pessoas do campo e da
cidade terão o acesso a vegetais, hortaliças e frutas de primeira
qualidade, bem frescos e bem saudáveis” – assim as pessoas
pensavam.
Deus foi misericordioso para com o povo. Ouviu suas
preces. Tem sido para muitos, assim como para minha fa-

154
Vidas líquidas

mília. Durante a queda da chuva observava o quão mag-


nifica a vida era, cheia de falhas, mas com sucessos e bons
momentos. Deus existe e não precisava de alguma prova
para tal. Agradeço a …. Penso, suspiro e sorrio. Por muito
tempo tive muitas dúvidas, as vezes não quis pensar ou
imaginar que Deus olhasse para todos nós. Vários eventos
levaram-me a esse estágio céptico e desesperançoso.
A um tempo atrás, quando as fagulhas do roman-
ce entre Paula e eu, vagarosamente, tornavam-se cinzas e
a motivação para o pensamento esfriava, a concentração
para trabalho, amigos, família, os meus problemas que
no momento eram tantos, e desejos pessoais perderam a
importância que os dava. Mal conseguia focar-me neles.
Involuntariamente, comecei a não me importar mais com
a minha própria vida. Tudo perdera graça e o brilho que
tinha. O sofrimento invadiu minha alma. Minha única
saída, tornaram-se as drogas e o álcool. Bebia noite e dia,
em todas barracas e bares da cidade. Transformei-me em
um lixo ambulante. Sem mais sentido e irreconhecível to-
tal decepção para uma mãe bastante amável. Deus não
tinha espaço em minha mente e alma. Nada podia mu-
dar o meu péssimo estado emocional a não ser Paula de
volta em minha vida, algo que parecia uma missão quase
que impossível já que ela não atendia minhas chamadas
e muito menos respondia minhas mensagens. A raiva e o
ódio dominaram minha alma fazendo com que a depres-
são ganhasse vida. A solidão fizera despertar lembranças
ocultas em minha inconsciência do tempo quando crian-
ça e adolescente, a perda das pessoas que amava. Meu pai
que morreu do nada, sem alguma explicação sóbria. A
doença que atacou a minha mãe deixando-lhe em como
durante meses, que por sorte melhorou e está viva até
hoje. A morte dos irmãos da mamã, a morte do avô Papi-
to, chara do irmão mais novo da mamã de forma sucessiva
155
Hélio Guerra

separada por apenas alguns meses. Bem na minha vez de


realizar meus sonhos, bem na minha vez quando estava
prestes a chegar na linha de conquistar tudo aquilo que
sempre sonhei. Chorei, chorei e pensei em desistir. Orei
tanto mas Ele nunca quis ouvir-me. Foi nesse instante em
que me decepcionei e matei Deus em minha vida.
Se as coisas iam do mal ao pior e Deus não se mani-
festava em minha vida perguntava-me: Para qual finali-
dade fomos chamados à esta vida? Qual é o objectivo do
nosso trabalho e da nossa luta quotidiana? Se Deus é real-
mente Pai, porquê me abandonou quando mais precisava?
São duas e meia da tarde, o dia monótono. Nada se
pode fazer além de ficar dentro de casa vendo um bom
filme ou lendo livro algum que dê para alimentar a mente.
Ainda estou sentado na varanda, olhando o banho das
plantas. Meto a mão no bolso e vasculho o celular. Entro
na caixa de mensagem e escrevo uma breve mensagem
para Arnaldo perguntando como a Paula está. Releio a
mensagem, em seguida escrevo uma outra perguntando
se ele estava bem e que gostaria que ele convencesse a
Paula a atender minhas chamadas. Arnaldo responde di-
zendo que ela estava bem e que não queria falar sobre
mim. Fico na dúvida, conheço bem a Paula, deve estar
muito triste ainda. Depois de trinta minutos de conversa
com Arnaldo, recebo uma chamada de um número des-
conhecido. É do telefone fixo. Quem será, será que é a
Paula? Este número não é do seu trabalho e ela não tem
esse hábito de ligar-me com o número do trabalho – pen-
so. Deslizo o dedo sobre o ecrã, coloco o celular sobre o
ouvido e em seguida ouço uma voz familiar que há tanto
tempo que não ouvia.
– Alô! Boa tarde – exclamo.
– Boa tarde filho, aqui é o padre Diamantino Mazi-

156
Vidas líquidas

ve. Como está filho?


– Oh reverendíssimo padre, há tanto tempo que não
o ouvia. Parece que estou bem e o senhor como está?
– Realmente faz muito tempo que não nos faláva-
mos, filho. Até já não o vejo na igreja a quase três ou qua-
tro anos, por onde anda? Bem eu estou bem graças ao
nosso Pai celestial. A sode está ainda a mil maravilhas
assim como o espirito.
– Que bom que está bem senhor padre. Eu ando por
aqui, tentando sobreviver… sumi devido a escola e alguns
problemas que queria resolver. – Suspiro ofegantemente,
logo em seguida o padre se apercebe que era mais uma
daquelas desculpas mal analisadas somente para não dar
mais detalhes do verdadeiro motivo que me fez abando-
nar a vida louvando a Deus. Também seria um grande
insulto se eu o dissesse que desapareci da igreja porque
não acreditava mais em Deus e que me sentia revoltado
pelas coisas que tanto pedia e Ele não me concedia, bem
como as sucessivas mortes das pessoas que amava e que
eram minha maior proteção.
– Filho, está tudo bem mesmo? – Insiste o padre
Diamantino. Parecia que ele soubesse de alguma coisa
que estava acontecendo em minha vida. Os verdadeiros
motivos do meu abandono. – Esse sarcasmo e tom de voz
faz-me pensar que algo de infortúnio está acontecendo
com você, mas já que diz que está tudo bem, quem sou
para duvidar – Ele acrescenta. Suspira, em seguida diz: há
dias conversei com sua mãe… – fico perplexo e confuso
tentando adivinhar o que conversaram – e disse-me que
você está de férias. Logo pensei em convidá-lo para um
acampamento nas matas do Gorongosa. Vamos de carro
particular, assim vai dar para visitar e conhecer mais locais
turísticos e algumas paróquias do nosso país. Aceita… o

157
Hélio Guerra

meu convite?
Fico uns minutos no silêncio. O convite é interessan-
te. Vai dar para recuperar as energias, talvez pensar numa
forma de viver sem ela. – Penso. Suspiro. – Está bem pa-
dre, para quando é a viagem?
– Semana que vem, precisamente na segunda-feira.
Partiremos às seis e meia da manhã. Estaremos com al-
guns jovens vindo de Portugal e Brasil.
– Está certo! Suspiro exclamando.
– A gente passa te buscar em casa, não precisa inco-
modar-se em chegar até a Paróquia, filho.
– Está bem padre até segunda-feira.
Sem mais alguma coisa a falar, o padre diamantino
termina a chamada. No mesmo instante vejo minha mãe
entrando. Estaciona o carro e sai correndo até a varanda.
A chuva ainda está caindo. Agora cai mais devagar como
um camaleão caminhando sobre os ramos de uma árvore.
– Olá! Tudo bem, filho? – Ela pergunta sorrindo
alegremente.
– Sim – respondo olhando para o chão da varanda, o
silêncio invade o território por alguns minutos. – O padre
Diamantino acabou de ligar-me e convidou-me para um
acampamento nas matas do Parque Nacional de Goron-
gosa na próxima semana.
– Isso é bom, vai que te ajudará muito. Estou mui-
to preocupada consigo, por essa razão conversei com ele.
Coincidentemente quando conversava com ele, disse-me
que teria um passeio de férias para relaxar e estará com
um grupo de jovens, logo sugeriu que você participasse da
viagem uma vez que está de férias no trabalho. Acho bom
que você tenha aceitado o convite. Já falou com a Paula?
Fala com ela e não deixa a vossa história terminar assim.

158
Vidas líquidas

– Ainda, não falei com ela, mãe. Ela rejeita ou não


atende minhas ligações.
– Chato! – Ela exclama e seguidamente acrescenta.
– Tens que parar de beber por um tempo. Olha para ti,
não te conheço assim. Filho. Espero que a viagem resgate
o que você sempre foi. Um jovem simpático, alegre, forte
e amável.
– Está bem mãe!
Ela retirou-se dali toda esperançosa nos resultados
da viagem e cumprimento das minhas promessas. Uma
semana se passou. É manhã de segunda-feira. Está tudo
preparado. As coisas necessárias para a viagem estavam
todas prontas. Estou pronto para ir embora com um pou-
co de receio se estava tomando uma boa decisão. Vou fin-
gir que está tudo bem e sorrir para as pessoas. Não posso
descarregar a minha dor em ninguém fechando-me no
castelo sem luz. Tinha que estar alegre e disposto em con-
versar com quem quisesse nesta viagem. São seis e vinte
minutos, oiço a campainha tocando. É o padre diamanti-
no. Abro a portão.
– Bom dia filho, tudo bem? – Saúda-me o padre
– Sim, e você? – Respondo. Vejo um pequeno mini
bus, um desses que usamos como “chapa 1008” com umas
sete pessoas. São os jovens que o padre mencionou.
– Também estou bem graças a Deus, filho. Já está
pronto?
– Sim, deixe-me ir buscar as coisas. Logo partiremos.
– Está bem, filho!
Imediatamente regresso para dentro de casa. Mãe
estava sentada na sala, despeço-me com dois beijinhos.
– Cuide-se meu bem! – Ela diz com cara de preocupa-
8 Espécie de transporte público usado em Moçambique

159
Hélio Guerra

ção. Carrego as pastas e algumas tigelas contendo alguns


mantimentos. Cinco minutos depois, tudo já estava pron-
to no carro. Saímos exactamente às seis e meia da manhã
conforme o combinado. Durante o percurso fomos con-
versando sobre diversos assuntos. As semelhanças entre
Moçambique, Brasil e Portugal. Em como os jovens vi-
viam e sobreviviam. A viagem estava sendo o que menos
imaginava. Um aprendizado. Quando chegamos a cidade
de maxixe, eram quase três da tarde, sugeriu-se dormir-
-mos nesta pequena cidade. Visitar alguns locais, princi-
palmente a Paróquia Sagrada família. Assim o fizemos.
Na manhã seguinte, depois do pequeno-almoço, o padre
Diamantino chama-me para uma conversa em particular.
Já fazia muito tempo que nós não trocávamos algumas
ideias e, como se não bastasse uma conversa entre afilha-
do e padrinho. O reverendíssimo padre é meu padrinho
do baptismo e crisma. Caminhando pela paróquia, apre-
ciando cada canto e sua e a estortura como foi construída.
– Filho, a última vez que conversamos você estava
mais alegre, mais confiante e sorria sem qualquer esforço.
Pergunto-lhe sempre como está e sempre me dá respostas
breves e algumas com um tom de sarcasmo e desânimo.
Já não te vejo em grupos da igreja, no grupo juvenil mui-
to menos no movimento espiritual que fundamos juntos.
Andas muito distante das pessoas, até sua mãe sente isso.
O que está acontecendo? Já não acreditas em Deus? Me
fala filho. Abra seu coração para mim. O que está acon-
tecendo?
Paro e olho para o padre. Suspiro. Tento pensar em
alguma maneira de não falar e muito menos responder
suas questões que me pareciam chatas. O padre acrescen-
ta: -fala, não fique com receio. Sou seu padrinho e estou
no direito de te ajudar no que for necessário. Você não
está sozinho. Todos sentimos a falta daquele jovem par-
160
Vidas líquidas

ticipativo e alegre que sempre foste. Um jovem capaz de


contagiar todos ao seu redor com a alegria, humildade,
sinceridade e amor.
– Padre, não sei por onde começar. Minha vida anda
um caos, um autêntico quebra cabeça ao extremo. Tanta
coisa acontece, sinto que Deus não se importa mais comi-
go. Tudo que é bom me é arrancado. Ele nunca está aqui
quando mais preciso. Sinto que para mim ele não existe.
– Agora tens dúvidas que ele possa existir e está aqui
connosco. No meio da gente? Que andas tu a pensar so-
bre Deus, filho?
O silêncio domina o lugar por alguns segundos. Fico
a pensar e não encontro resposta saudável. Conhecia bem
o meu padrinho, não gosta que alguém se negue a Deus
ou duvide de sua existência.
– Se você observar bem, perceberá que boa parte do
seu tempo, é usado nas suas reações, por meio das suas
atitudes. Para cada acto seu praticado, existe sempre uma
acção e uma reação. No mundo, existem muitas emoções
e cada um de nós tem capacidade para senti-las. Por
exemplo, podemos amar, ter paz, ter alegria, chorar... E
dizemos que estas emoções são divinas, são do Espírito
Santo. No entanto, pensamos que a ira é uma emoção
que não é de Deus. Não é assim. Precisamos também ver
a ira como uma emoção sadia. Todos nós temos ira. E…
Jesus Cristo, ao se manifestar em carne, também tinha
emoções: Ele chorava, sorria, abraçava as pessoas, sentia
tristeza; experimentou profunda angústia, e se irava
também.
– Mas padre como posso acreditar em algo que não
parece real?- pergunto.
– Deus se torna Real em nossas vidas quando o expe-
rimentamos e colocamos em prática seus ensinamentos,
161
Hélio Guerra

quando eu pratico o amor ao próximo, e as experiências


dessas acções permite que Deus invada os porões da mi-
nha alma e da minha consciência, Deus só pode ser com-
provado individualmente naquele que vive a experiência
do evangelho, logo, Deus só pode ser comprovado dentro
de mim como evidência se houver uma comunicação ex-
perimental entre o homem e o divino. Rick, meu filho. A
vida é muito complicada. Procure libertar sua alma dessa
dúvida que lhe incomoda. É necessário que a gente se
dispa das nossas interpretações de vida e existência, e en-
tendermos por meio do amor que ele está em um nível de
interpretação absolutamente inacessível ao intelecto nu, e
acessível ao espírito. Só podemos conhecer a Deus espi-
ritualmente, quando se vive a experiência do espírito que
alenta a carne e transborda em amor, que é a essência de
tudo que foi criado, pois tudo foi criado por amor. E tudo
foi por amor, foi pelo seu espírito, para que o Deus inexis-
tente existisse em nós, e é também por amor que Ele per-
doa-nos pelos tantos erros que cometemos durante a vida.
A conversa estava tendo um rumo agradável, estava
um verdadeiro aprendizado. Soltamos gargalhadas, con-
versas que me ajudavam a compreender o ser misericor-
diosíssimo, o Rei dos Rei. Enquanto andávamos pelo vas-
to e lindo jardim da paroquia em que hospedamos.
– Padre, cometi tantos erros que não sei por onde
começar. Gostava de pisar em algum botão e apagar todo
sofrimento que estou sentindo na alma. Sinto a consciên-
cia pesando toneladas, não consigo suportar mais a pres-
são. Há momentos em que parece que já não me importa
viver, não consigo tirar a dor de mim. A minha relação
terminou e tudo por culpa minha. Não consigo superar
a separação e falta-me coragem para pedir perdão. – De-
sabafo. Bem no meio do jardim havia um banco debaixo
de uma estrondosa sombra da mangueira. O banco é feito
162
Vidas líquidas

de madeira, bem vernizada. Estava virada para o pátio da


igreja e dava para ver tudo que lá acontecia. Sentamo-nos.
Na mesma onda temporal, uma imagem da Paula veio-
-me a mente. As lágrimas decalcam as pequenas monta-
nhas em meu rosto até ao chão. O padre Diamantino de
Souza Mazive dá-me um pequeno lenço para enxugar as
lágrimas. Suspiro. Passo a mão pelo rosto até ao cabelo.
Ele coloca sua mão sobre meu ombro e diz:
– Filho, um certo escritor em um dos seus livros,
disse “quem perde seus bens perde muito; quem perde
um amigo perde mais, mas quem perde a coragem perde
tudo”. A coragem é uma das mais importantes qualidades
humanas. Ela ajuda-nos a enfrentar vários desafios que
a vida nos coloca, a descobrir novas coisas e vencer tudo
aquilo que achamos impossível.
Se ela não corresponde às suas chamadas não sig-
nifica que não o ame mais, ela está ainda em estado de
choque e com raiva. Para ela foi duro descobrir às suas
traições, filho. O sarcasmo da raiva em uma acção errada
está em conceber novos erros por si só. Ela nem sempre
torna as coisas melhores. Às vezes, tomamos péssimas ou
erradas decisões e escolhas. Na verdade, a raiva em muitos
casos apenas cria mais problemas. A raiva é motivada, na
maioria das vezes, quando há um forte desejo por alguma
coisa e combinado com decepção ou mágoa. Os casais
apaixonados como é no caso de você e a Paula, devem
cuidar bem um do outro e compartilhar a vida respei-
tando-se um ao outro. Ter misericórdia e pedir perdão
quando um de vós estiver equivocado. E por essa razão
que o amor verdadeiro e sincero como esse que vejo en-
tre vocês, busca formas de dizer “sim. Se você faz algo,
ainda que seja magnifico ou maravilhoso, para manipular
sua companheira, lamento informar que você está sendo
injusto e egoísta para quem prova todos dias que te ama.
163
Hélio Guerra

Na verdade, o ponto central em uma relação é a sua de-


cisão entre amar os outros ou amar a si mesmo. Se você
escolher amar a si próprio, não se importará em magoar
constantemente sua parceira e não demostrará um pingo
sequer de amor. As traições serão seu prato favorito, con-
sequentemente jamais viverá a verdadeira felicidade dos
relacionamentos. O amor não se satisfaz senão na felici-
dade do outro. Tome isso como base em sua vida. – Diz
o Padre Diamantino todo alegre e confiante. O silêncio
habita entre a gente por alguns segundos. Em seguida ele
acrescenta: Filho, saiba que o amor pensa. Ele não é um
sentimento insensato que deambula pelas ondas da emo-
ção e então cai no sono mental. Ele se mantem activo
em pensamentos, sabendo que os pensamentos amorosos
antecedem as atitudes amorosas. Quando se apaixona-
ram, o pensamento surgiu quase que naturalmente. Você
passou algum tempo, dias bem como horas imaginando
como seria a pessoa amada. Imaginando o que ela estaria
fazendo; ensaiando coisas marcantes para dizer e, depois,
curtindo doces memórias do tempo que passaram ou pas-
sarão juntos. Dá para ver o quanto sofres por ela e o quão
arrependido estás. Já é um passo. Quando regressares a
casa compre flores e vá reconquistar o amor da sua vida
filho. Tenho certeza que ela o perdoará. Não tenha medo.
Enfrente essa dor e vá ter com seu amor.
Por muito tempo almejava ter um bom emprego e
poder fazer o que bem me vier a telha. Passear por onde
fosse agradável. Enfim viver uma vida de bonanças. Depois
que consegui o emprego, em nada mais me importava. As
coisas pareciam estar ao meu redor, estava em momentos
de maravilhas que até de Deus não queria mais saber. A
minha fé nele diluíra em águas mundanas devido ao seu
silêncio frustrante. Muitas vezes orava pedindo que me
ajudasse, que salvasse minha mãe quando esteve doente,
164
Vidas líquidas

ou que não deixasse o meu pai e outras pessoas queridas


partirem numa viagem sem regresso. Para mim, Deus ha-
via morrido. Mas com o tempo, as coisas da própria vida
ensinaram-me o amor que Deus sempre tem para com
seus filhos. E que as vezes, Ele pode não responder-nos
directamente, usando sua voz, mas que tarde ou cedo Ele
dá resposta aos nossos pedidos. Deus não tira as pessoas
em nossas vidas por prazer, nem por simples vontade. As
coisas têm um certo curso a percorrer e que Ele sempre
escreve certo em linhas tortas. A vida é bela e milagro-
sa quando louvamos ao Senhor nosso Deus. Esse era o
elemento que faltava a minha busca do prazer. Louvar
a Deus. Entregar a minha vida e alma no Senhor nosso
criador, afinal ele criou o mundo e governa tudo e todos.
Viver o amor na sua plenitude e entrega. Acreditando
que tudo dará certo em minha vida sem se preocupar no
material e o que nos compraz. Com o tempo, buscando
o amor divino, descobri que a bondade de Deus, que é a
própria base da adoração, não é algo que você saúda num
gesto de reverência desinteressado. O prazer que se busca
é o que está no próprio Deus. Ele é o fim da nossa busca,
não somente quando temos problemas ou necessitamos
de algo. Nossa maior exultação é Ele, o Senhor. A chave
para o nosso bem-estar e paz no interior. Paz a qual bus-
quei a partir do momento em que me tornei um ser pen-
sante e peregrino nesta majestosa terra talvez sonâmbula
ou selvagem, quiçá majestosa terra instável na qual habito.
A semana chega ao fim, temos que regressar para
casa. Para as nossas vidas. Eu tinha que dar o fim ao so-
frimento e ao clima tenebroso e desagradável que havia
instalado entre Paula e eu, sem contar que tenho de cer-
tificar se a Khelyn está realmente grávida e tomar as pro-
vidências. Não posso deixar um filho sem pai. Se é meu
sangue devia assumir a criança. Mas para ela não voltava.
165
Hélio Guerra

O meu coração tem dona.


Estava dormindo tranquilamente, num sono pro-
fundo. Sonhando. – Não! Meu grito ressoa nas paredes
do meu quarto e me acorda do meu pesadelo. Estou su-
focado em suor, com o fedor de cerveja velha e pobreza
nas minhas narinas. Sentando-me, coloco minhas mãos
na cabeça enquanto tento acalmar o meu ritmo cardía-
co aumentado e a minha respiração irregular. Tem sido o
mesmo nas últimas quatro noites. Olhando para o reló-
gio, vejo que são 03:00h. Salto para fora da cama, vagueio
pelo corredor e entro na cozinha. Lá, encho um copo com
água e me vejo, vestindo apenas calças de pijama, refletido
na parede de vidro do outro lado da sala. Suspiro de olhos
fechados passando a mão pela cara.
Isso tem apoquentando-me há dias. Desde a maldita
separação. Paula não sai da minha mente. Seu belíssimo
rosto aparece em meus pensamentos sem aviso, seu per-
fume e lembranças, fazendo-me sentir destroçado. Talvez
eu precise de uma distração; algo para fazer com isso pare
todas as noites. Hoje vou para o trabalho dela, precisamos
conversar. Já faz muito tempo que meu coração sente sua
falta. Hoje pela tarde tenho que ir ter com ela.
Penso em chamar a Khelyn ou ir ao seu encontro
pela manhã. Ela precisa esclarecer-me algo. Mas a verda-
de é que não acredito na sua gravidez, ela já foi capaz de
muita coisa. A minha confiança nela foi depois que sumiu
na minha vida. O sexo foi uma maluquice de bebedeira
embora no dia em que estávamos juntos ainda sentisse
zero virgula vinte e cinco porcento de atração por aquele
corpo. Lá para sete da manhã, ainda na cama. Pego no
celular e faço uma ligação para a Khelyn. Peço para que
nos encontremos em algum lugar. Um local que possamos
conversar. O local seria no restaurante que habitualmente

166
Vidas líquidas

ia quando voltasse do trabalho. O Burako da Velha. Ela


aceitou sem alguma objeção ou receio. Depois de umas
duas horas, finalmente estou de frente com a Khelyn.
Cara a cara. Conversamos sobre como estavam as coisas e
como triste estava.
– Sinto muito pelo que aconteceu, não foi minha
intensão. Perdoe-me, Lyaki! Eu fiquei muito preocupada
com o meu ciclo menstrual. Já estava atrasando de mais.
Os dias normais de atraso estavam muito longos. Pensei
que estivesse grávida, por isso mandei a mensagem. Per-
doe-me, não foi minha intensão que isso acontecesse.
– Não te sintas culpada. As coisas simplesmente
aconteceram. Disseste que pensavas que estavas gravida,
isso significa que não estás e nunca estiveste. É isso? Per-
gunto todo espantado e aliviado com a informação.
– Sim, Rick, não fiquei grávida na última vez que
estivemos juntos. Algo fez com que o ciclo demorasse
descer.
Ouvindo isto senti-me quase aliviado. Uma parte do
stress foi esclarecida. O tempo foi passando rápido e tudo
ficou bem entre a gente. Quando eram por aí duas da
tarde, depois de separar-me da Khelyn, passo por uma li-
vraria para comprar um bom romance. Em seguida entro
no supermercado bem próximo, a uns cem metros. Vou
até a montra dos doces, escolho os melhores bombons e
barra de chocolate. Caminho até ao caixa para efectuar o
pagamento. Ao sair, já próximo a estrada, vejo um táxi es-
tacionado. Que sorte – pensa. Subo o táxi. Digo ao taxista
para levar-me ao florista. Precisava comprar as melhores e
lindas flores. Umas rosas vermelhas e orquídeas. Quando
tudo estava pronto, as flores, os bombons e o livro, o taxis-
ta levo-me até ao trabalho da Paula. Queria surpreende-
-la. Há dias que tento falar com ela e pedir perdão, porém

167
Hélio Guerra

ela não atende minhas chamadas. Passa mais de um mês


inteiro sem ouvir sua voz muito menos resposta de algu-
ma mensagem por mim enviada. A caminho do seu tra-
balho, pego no meu celular e mando uma mensagem para
Arnaldo dizendo que ia para lá. Peço a ele que chamesse
a Paula quando eu chegasse. Que fosse tudo armado, bem
arquictetado de modo com que ela não perceba a prior
que eu estava lá.
Finalmente, cheguei ao trabalho da Paula. O local
onde a conheci pela primeira vez e provavelmente o local
onde me apaixonei por ela e não sabia. O carro pára, faço
o pagamento da deslocação. Desço do veículo e digo para
que o taxista não esperasse por mim. Era quase a hora dos
funcionários encerrarem as actividades do dia e regres-
sarem para suas casas. Momento em que muitos ficam a
espera do toque de saída. Tempo sem trabalho árduo. Vou
até a recepção. Ao ver-me entrar na instituição a recep-
cionista fica emocionada e perplexa. Saúdo-a gentilmente
e peço para falar com o doutor Arnaldo. Ela não parava
de apreciar o quite romântico que trazia em minhas mãos.
Enquanto trocamos algumas palavras em uma conversa
quase sem nexo, ela liga para o Arnaldo informando a mi-
nha presença. Ele vem já – diz a recepcionista sorridente.
Dava para ver seus olhos brilhando como estrelas numa
noite escura de lua nova. Arnaldo chega. Saudamo-nos e
em seguida leva-me ao escritório da Paula, durante o per-
curso, seus colegas ficam todos eufóricos e bastante agita-
dos com a minha presença e segurando flores juntamente
com um pequeno saco de papel contendo uns livros e al-
guns doces. Seus rostos demostravam maior curiosidade
ao saberem a quem pertencem eram as flores. Por mais
difícil que fosse acreditar no que viam, murmuravam uns
outros e seguiam-nos discretamente para observarem de
perto e saberem para quem seriam as flores. Meu cora-
168
Vidas líquidas

ção bate forte, o nervosismo aumenta. Olho para mim


mesmo, de baixo para cima tentando descobrir se algo de
errado havia em mim. Estou de sapatilhas, calças jeans e
camisete com gola. Tudo branco. – Será que estou mal
vestido? – Penso. O silêncio responde-me de volta en-
quanto as paredes do vasto corredor, bem como as pessoas
ali presentes olhavam fixamente para mim. Uma voz no
fundo grita – que gato meu Deus, está muito lindo – ouço
uma das colegas do Arnaldo e Paula. No meu silêncio
agradeço o elogio com um sorriso estampado em meu
rosto. Chegamos à sala da Paula. Arnaldo bate em sua
porta. Do outro lado ouve-se uma voz suave ordenando
para que entre. Ele entra e eu continuo parado, um pouco
escondido. Ele entra e tenta convencê-la para sair da sala
até ao corredor.
Sem saber o que se passava, Paula sai para o corre-
dor. Quando a vejo, toda radiante como sempre foi num
vestido vermelho que se ajusta ao seu corpo formidável,
emociono-me. Ela se irrita, mas ao mesmo tempo em que
a raiva a consumia, seu ânimo fica radiante em seus olhos.
Fico feliz em revê-la, meu coração corre a mil por hora e
a alegria decalca-se nos olhos, no rosto e na cor da minha
pele que se torna húmida. Prostrado pela dor, pelas noites
em claro pensando nela que fortificara o sentimento que
tinha por ela, ajoelho-me sem qualquer hesitação. Com
os olhos fixos nela peço perdão pela maldita traição e seu
coração de volta. Peço-a que volte para mim na promes-
sa de nunca mais cometer o mesmo erro e ser o homem
responsável que ela sempre amou. De joelhos, mostro o
meu arrependimento, a saudade que acabava com meus
pensamentos. A digo o quanto faz falta em minha vida.
Minutos se passaram, Paula não consegue mais re-
sistir. Seus olhos brilham anunciando a paixão que ainda
ardia em seu coração. Levanto-me. Beija-me fortemente
169
Hélio Guerra

e demoradamente. Seus colegas estão a espreita, uns no


fundo do corredor e outros através das janelas dos seus
respectivos locais de trabalho. Gritam e aplaudem com
alegria. Os dois ficamos surpreendidos, emocionamo-nos.
Arnaldo também não consegue conter sua satisfação na-
quele momento e, enquanto se retirava para sua sala, diz –
agora sim, missão cumprida com sucesso. Paula e eu sor-
rimos, em seguida agradeço gentilmente pelo seu apoio
incondicional. Entrego o buquê de flores, rosas e algumas
orquídeas acompanhadas com os bombons e chocolate,
e o livro. Convido-a para um pequeno passeio à beira da
praia, ver o pôr-do-sol e jogar conversa fora. Com um
sorriso, bem simples e sincero, ela aceita.
Enquanto caminhávamos pelo calçadão íamos con-
versando e esclarecendo algumas dúvidas que ela as tinha.
Falei para ela o quão a amava e que a gravidez da Khelyn
fora um mal entendido por parte da mesma. Ela não esta-
va grávida. Prometi nunca mais fazê-la sofrer novamente.
Que de hoje em diante minha maior missão é fazê-la feliz
e tratá-la como uma rainha na média e dimensão do que
ela é. Sentados na areia da praia, as ondas acompanhavam
a calma e o amor de dois corações apaixonados que aca-
bavam de se reconciliar. Beijo-a e ela retribui.
O meu céu finalmente clareou. Vê-se uma luz cinti-
lante que traz paz e harmonia em meu coração. Um suspi-
ro, após outro beijo demorado, liberta-se como uma brisa
do mar serena que afogou o rosto carente de seus afectos,
beijos e companhia. Meu mundo ganha vida e cor. Meu
sangue ferve de paixão correndo por todo meu sistema
cardíaco. Sinto-me empolgado, alegre por ela novamente,
e super alegre como as aves cantarolando nas manhãs de
primavera, estar comigo. Juntos como nunca.
Ainda sentados na areia da praia, vendo o sol se pôr,

170
Vidas líquidas

ela deitada em meu peito dava para sentir sua alma se


vangloriando por mim. Naquele momento entendia mais
sua alma, seu modo carinhoso de agir. Naquela hora sen-
tia o quanto ela amava-me. Virando-se para mim, sorria
satisfeita em estar comigo.
– Obrigado amor por aceitar-me de volta. Te amo. –
Falo para ela enquanto deslizo a mão em seu cabelo.
Ela sorri, dá-me um beijo e diz – amor não é somen-
te beijos e amasso… amor é cuidado, respeito, carinho,
companheirismo, cumplicidade e sinceridade. O amor
não desiste por mais que seja difícil. O amor é amizade.
Por isso eu te amo embora tenha acontecido aquilo. Eu
estava fora de mim e com raiva. Também fui injusta con-
tigo enquanto você também esteve aqui para mim. Quem
ama perdoa e eu te amo seu bobo.

171
Hélio Guerra

Capítulo XI

O SONHO DE PRIMAVERA

172
Vidas líquidas

“Com quem seria, a minha maior alegria


A mais bela epifania do amor-incondicional
Somente deus e tempo abortaram-me da solidão do só
Enquanto o amor florescia em cada renascer matinal.9”

Foi sempre sonho seu, desde sua infância, casar com


um príncipe amado. Já grande, bem crescida. Primeiro,
casar na praia, à beira mar. Depois, no interior de uma
igreja, de preferência na Sé catedral, junto do altar de
Deus. Rodeado de muita gente, entre familiares, amigos,
colegas do trabalho, colegas de escola e vários convidados.
Posteriormente fazer uma longa sessão de fotografias, no
casamento civil que se realizará na praia e depois em lu-
gares lindos da cidade. Quem sabe no jardim dos namo-
rados. Em lindíssimos parques da cidade ou em qualquer
outro local com uma paisagem excitante e formidável de
contemplar. Um lugar com uma vista maravilhosa.
No final, encerrarem a cerimónia matrimonial com
chave de diamante, em um lindo salão de eventos, num
grande banquete onde nada faltasse. Em um lugar onde
houvesse tudo para todos mediante seus gostos. Paula so-
nhara sempre com um casamento maravilhoso, e de alto
luxo. Um casamento que fosse de acordo com sua medida
e dimensão de mulher de família e princesa que ela é.
Paula alimentava esse sonho desde criança, ao longo da
9 Hélio Zyld Guerra. Sensualidade 21.Dahavea,2021.

173
Hélio Guerra

sua vida aumentava cada vez mais. Quando jovem parti-


cipava de vários casamentos que alimentaram mais o so-
nho e vontade de seu majestoso sonho.
– Wau, os noivos estão lindos, “chiquérrimas” na
verdade. Que linda cerimónia de casamento. Olhem só
a noiva como está fabulosíssima, linda e sorridente. Está
uma rainha em seu vestido lindo, e o carro meu Deus.
– Paula, escutava, diversas vezes, comentários do género
em cerimónias onde participava como convidada. – Beijo!
Beijo! Queremos ver beijo, beijo. Oba agora sorriam um
para o outro como casados. Mostrem ao mundo e a todos
aqui presentes o vosso amor – assim gritavam durante as
sessões fotográficas em lugares escolhidos pelos noivos.
Sozinha, mergulhada no seu pensamento, Paula re-
petia incansavelmente e sem hesitar: – o meu casamento
vai ser assim, ou ainda melhor! Será em uma data que
meu marido e eu escolhermos. Pedirei ao papai do céu, ao
padre e ao conservador do registo civil que não se decli-
nem o meu lindíssimo sonho de infância.
Tarde quente de sábado. Primeiro do mês de Setem-
bro. O dia esperado ansiosamente. É o dia do casamento
do Arnaldo e da Christiane. A mesma data programa-
da para a surpresa de pedido de casamento à Paula. Os
noivos ajudaram-me com os preparativos para a bendita
surpresa. Paula estava com o casal na Limousin nupcial.
Eu, estrategicamente, saí com minha adorável mãe e pas-
sei da florista mais renomeada da cidade para buscar dois
buquês de flores. Já havia feito as encomendas pelo tele-
fone. Uma para a futura esposa e outra para a noiva do
dia, Christiane.
– Lyaki, não nos demoremos, quero ver a noiva en-
trando na igreja, não se esqueça que ela é como filha para
mim graças ao meu outro filho que outros seres o conce-

174
Vidas líquidas

beram. – Diz a mamãe toda alegre.


– Sim mãe! Só preciso pagar e levar as flores que en-
comendei. O bom é que fizera a encomenda pelo celular,
de certeza já as prepararam. – Respondo com uma voz
tensa.
– E as alianças? Levaste as alianças para o pedido?
– Sim boss! – Suspiro – chegamos!
Vejo uma vaga no passeio. Estaciono o carro, as cha-
ves continuam no carro. Abro a porta e levo a carteira. –
Não demoro mãe, apenas uns cinco minutos. – Desço do
carro. Saio bem apressado até á loja de flores. Está bem
movimentado, muitos buscam flores para alguém especial,
alguns são conhecidos, outros não. Todos bem vestidos e
com aspectos fineza e glamour. Dava para perceber que
eram pessoas de alta ou media classe que habitualmente
compram flores para oferecer a uma pessoa e não como
algo para depositar em campas. A maioria das pessoas,
jovens e adultos, pensam que as flores somente devem
ser usadas em cerimónias fúnebres. São para os mortos
e, quem oferece a um vivo estaria fazendo um sacrilégio.
Que pena poucos sabem o valor e significado de oferecer
um buquê de flores, quer sejam vermelhas ou brancas bem
como orquídeas, a uma pessoa super especial e adorável.
Elas traduzem o sentimento de amor, amizade, carinho e
consideração.
Chego a banca de flores, uma jovem simpática aten-
de-me com entusiasmo e profissionalismo. Entrega-me as
flores solicitadas. Pago-as. Com um longo sorriso estam-
pado no rosto agradeço pela sua gentileza, e, de imediato
saio às pressas para o carro. Ao chegar ao carro, enquanto
coloco o buquê de flores no banco de traz, entrego o celu-
lar à minha mãe para que possa atender a nora. Depois de
entrar no carro, ligo o motor.

175
Hélio Guerra

– Estamos a caminho filha, fique sossegada. Estamos


exactamente próximos da avenida Karl Marx vindo para
a catedral. – Diz mamãe á Paula, com uma voz serena.
Termina a chamada e pergunta: já está? – Com a cabeça
respondo positivamente – Vamos rápido filho, a sua futu-
ra esposa está preocupada com a nossa demora.
– Está bem, mãe! Mas não estamos assim muito
atrasados. A noiva já chegou?
– A Paula disse-me que estavam saindo do hotel em
que os nubentes passariam a noite.
– Esses ainda vão demorar. A pouco falei com Arnal-
do e disse-me que já estava com o seu padrinho e o pai na
catedral – murmuro alegremente enquanto manobro para
entrar na estrada principal a caminho da Santa Igreja.
Passados trinta minutos de estrada, enfim chegamos
ao local que decorrerá a cerimónia matrimonial. Estacio-
no o carro no pátio enfrente a Igreja que serve de parque
de estacionamento de carros, levo um dos buquês e cami-
nho ao encontro do Arnaldo que se encontrava próximo
do altar todo ansioso pela chegada da noiva. Na entrada
da igreja, estava seu pai acompanhado da sua esposa e
seu padrinho de casamento. Saúdo-os. Minha mãe fica
conversando com eles, nesse instante entro na Igreja onde
quase próximo do altar entrego as flores da noiva a sua
madrinha, a senhora Sofia Waka Zunguze saudando-a
gentilmente com dois beijinhos na bochecha.
– Fogo irmão! Estás um gentil man, nota mil na es-
colha dos trajes – falo para Arnaldo
– Não comeces seu louco. – Suspira – que tal capri-
chaste a surpresa?
– Pode ter a certeza que sim, ademais seria falta de
respeito não fazê-lo logo no seu casamento. Precisava ca-
prichar.
176
Vidas líquidas

Ambos sorrimos alegres com ânimo e vivacidade,


sentíamo-nos satisfeitos com o curso das nossas vidas. O
tempo encarregou-se de manter a nossa amizade, desde
a tenra idade, forte e verdadeira. Embora as vezes com
nossas diferenças, em alguns momentos com discussões,
insultos e aborrecimentos, mas a chama da amizade flo-
rescia fortemente entre as duas almas paridas de mães e
pais diferentes. Éramos como irmãos, inseparáveis e in-
destrutíveis. Verdadeiros comparsas do bem, na falta e na
fartura desde o ensino primário. Conversando com Ar-
naldo, o celular toca, atendo-o com prontidão e amor.
– Aló minha Rainha!
– Já chegaram? – Pergunta a Paula.
– Sim, acabamos de chegar. – Respondo em seguida
– Está bem! Dentro de cinco minutos também che-
gamos aí. – Terminada a chamada, olhando para Arnaldo,
exorto-o, através de gestos, a uma respiração calma e fun-
da. Cinco minutos passam, do interior da igreja ouve-se
buzinas dos carros que acompanhavam a limusine nupcial.
Saio do altar e dirijo-me até ao banco que fora reservado
aos familiares dos noivos, sento. Minutos depois chega
a Paula e a saúdo com um beijo na boca sorrindo por
a ver. Ela retribui o carinho sorrindo apaixonadamente.
A noiva entra acompanhada do seu pai em uma marcha
nupcial deixando todos ali presentes com maior emoção
assim como podia-se ver nos olhos do noivo um brilho
maior que a luz do sol em dias de eclipse lunar, brotavam
cachoeiras em seus rostos. A sua esposa estava lindíssima.
Super elegante e radiante com seu vestido branco.
Os votos matrimoniais decorreram sem quaisquer
transtornos, tudo foi como fora desejado e previsto. Ar-
naldo e Christiane já estavam casados conforme a Santa
igreja. São agora marido e esposa até que a morte os sepa-

177
Hélio Guerra

re, na doença e na saúde, na obesidade e na falta, em todos


momentos da vida a cada dia que estivessem acordados.
Após sessões fotográficas, todos alegres, fomos ao salão
de festas para o banquete de recepção dos recém-casados.
O salão é “Mariza”, pertence a empresa de eventos “Folha
Verde”. Um local espetacular e bem colorido composto de
belíssimas plantas de diversas espécies, desde orquídeas,
rosas vermelhas e brancas ou as de cor-de-rosa que tanto
estavam espalhadas pelo jardim. Há nele diversas plantas
de diversos tamanhos, usadas para ornamentação dos lu-
gares considerados especiais.
O local é expendido, maravilhoso, fresco. As mesas
estavam bem decoradas, as cores verdes das plantas, o
vermelho e branco das rosas e dos tecidos usados sobre
as mesas, traduziam a beleza da ornamentação que eram
realçadas pelos talheres e pratos de pessoas refinadas.
Estava o salão super requintado e replecta de gente im-
portantíssima. O mestre-de-cerimónias, chegada a hora
da diversão, convida os nubentes para a pista de dança.
Estava na hora deles abrirem o palco presenteando-nos
com uma belíssima dança de jovens casados, a primeira de
muitas. Era o momento ideal para desaparecer sem que a
Paula percebesse, momento eficaz para buscar as flores e
as alianças no carro.
Conforme o traçado e combinado com os noivos e
posterior com o mestre-de-cerimónias, enquanto o casal
dançava a música por eles escolhida, sairia para buscar
os instrumentos de guerra. A música seria “without you”
de Mariah Carey. Do estacionamento, já com o buquê
de flores e as alianças de noivado na mão, pego no celu-
lar e envio uma breve mensagem para o Danny Rungo,
o mestre-de-cerimónias – já estou pronto, pode chamar
a Paula. Passados cinco minutos, parado na entrada do
salão em um canto que Paula não possa ver-me com o
178
Vidas líquidas

buquê de flores, ouço Danny chamando a minha ama-


da até a pista de dança. De onde estava, dava para ver a
Christiane vedando os olhos da amiga e cunhada incon-
dicional, com um gesto o mestre-de-cerimónias ordena a
minha entrada ao ritmo da música escolhida por nós. Ao
ritmo da música “perfect” de Ed Sheeran caminho segu-
rando o buquê de flores na mão, as rosas de sempre, ver-
melhas e brancas. Os convidados se agitam emocionados,
gritam, aplaudem com sorrisos largos no rosto. Todos.
Ajoelho-me próximo da Paula, uns cinco centímetros de
distância. A noiva está segurando-a firmemente, sorrindo
ao ver-me ali parado realizando parte do desejo da sua
amiga. Segurando o microfone, ajusto a voz, o ambiente
se ajusta à minha energia psicológica dando a perceber a
paz e amor na minha voz.
– Amor, Paula … – enquanto falava Christiane
retira a venda sobre os olhos da amiga – diante dos nossos
amigos e conhecidos – suspiro – aceita casar comigo?
Paula se emociona. Vêem-se lágrimas brotando como
rios em seus olhos desenhando leitos que desaguam no
passeio do salão e, abanando a cabeça, Paula aceita unir-
se a mim como fiel esposa para a vida toda. Aproxima-
se mais. Pego em sua mão macia e coloco-a a aliança.
Um anel à medida e dimensão apropriada a uma rainha.
Levanto-me e abraço-a. Beijo-a. Ela retorna o beijo, mais
demorado. Os convidados gritam com muito entusiasmo
e energia, aplaudem de gozo. Alguns choram de tanta
emoção imaginando-se no lugar da Paula. Entrego as
flores à Paula, rosas vermelhas e brancas como ela adora.
As rosas vermelhas indicam a chama ardente e forte do
nosso amor e as brancas a paz que ela traz em minha
vida e alma. Arnaldo e Christiane aproximam-se até nós
para congratular-nos pelo brilhante escolha e passo dado.
Ambos estávamos felizes e sorridentes. Os nossos amigos
179
Hélio Guerra

estavam se casando e nós noivando.

**
Passou um ano e meio após o pedido de casamen-
to, a minha mansão já estava terminada. Toda mobiliada
e, pronta para habitar. Os preparativos para o nosso ca-
samento na primavera estavam terminadas. Tudo estava
pronto. As roupas, as bebidas, as comidas, estava tudo
comprado e colocados em algum lugar seguro. O salão
de festas para o banquete nupcial, seria no Aliança even-
tos. O casamento civil, na praia, onde tudo começou, a
praia em que o namoro começou. O religioso na Catedral
de Maputo. O religioso era o mais importante para nós.
Deus é o nosso fiel companheiro e testemunho da nossa
relação amorosa, o quanto nos amamos e que obstáculos
o nosso amor enfrentou. Só ele sabe, por isso seriamos
injustos se não nos casássemos primeiro em Sua casa na
presença de seus anjos celestiais cantando e festejando
com a gente.
São nove e meia da manhã, estou na casa do Senhor,
parado sobre seu sagrado altar e bem ansioso. O nervo-
sismo perfila em meu ser, mas tentando ficar calmo. O
coração estava fervendo, correndo numa velocidade de
um raio. Os convidados estão, todos, olhando aos mo-
vimentos que enceno sobre o altar. De um lado para o
outro, feito um pato tonto em busca de lucidez. Segundo
pós outro, num vai e vem sem rumo e razão. Passo a mão
pela cara suspirando em busca de calma e paz do espirito
levado pela preocupação. Suspiro novamente. Olho para
a porta da igreja e nada da minha futura esposa e mãe dos
meus filhos. Apenas alguns fotógrafos passeando à beira
da porta, outros tiravam fotografias a alguns convidados,
afinal mãe os contratou para esse serviço.

180
Vidas líquidas

Sinto-me bastante preocupado que ao olhar para o


relógio do pulso marcando nove e quarenta minutos fico
mais nervoso e ansioso, apenas haviam passado dez mi-
nutos da hora marcada para o início da cerimónia. No
altar, o padre mostra sinais de irritação pela demora. Em
meus pensamentos a dúvida ganha mais tónica dando es-
paço ao medo de ser esquecido no altar e a preocupação
em saber o que estava acontecendo com a minha futura
esposa. Segundos depois penso, ela não é de se atrasar aos
compromissos. A ansiedade está dando cabo de mim aos
poucos, não consigo mais controlar o clima. De longe vejo
minha mãe junto aos meus melhores amigos. Com gestos
e movimentos faciais diziam-me para manter a calma.
De repente, vejo uma ligeira agitação na entrada da
igreja, pessoas entrando às pressas, outras permanecen-
do na entrada para tirar fotografias á noiva. Ali estava a
Paula. O pianista dá o tom de início, estava começando
a cerimónia de casamento depois de tanto esperar. Paula
estava marchando até ao altar cantando. Emociono-me.
A ansiedade e nervosismo chegam ao fim. As lagrimas
descrevem a felicidade e alegria em a ver lindíssima e can-
tando. Cada passo seu é acompanhado por uma doce me-
lodia da sua voz. A emoção é tanta. As lágrimas em meu
rosto continuam caindo, limpo-as com um lenço branco,
a Paula estava cantando para mim. Sorrindo, penso – Sou
o homem mais sortudo do mundo! Passo pós outro ouvia
sua voz emitindo melodicamente palavras emocionantes
que me deixaram alegríssimo e surpreso.

“Hoje aqui estou, diante de amigos e familiares


Conhecidos e diante de Deus para gritar ao mundo
O amor que queima nossas almas.
Aleluia! Bendito seja Deus por colocar você em minha
181
Hélio Guerra

vida,
Meu herói e meu rei
Dono do meu coração
Eu amo você
E neste altar do Pai jurarei amar-te para sempre
Aleluia! Você é meu bem-querer
Te amo para sempre”

Naquele momento honrava-me por ter uma linda


mulher. Escolhi a mais bela das damas, meiga, doce não
somente pela sua voz mas em sua essência. Paula é por sua
natureza uma mulher maravilhosa, inteligente, carinhosa
e amorosa a qual glorificava ao Rei dos reis pelo tesouro
que fora colocado em minha vida. Sentia-me grato por
isso, aliás privilegiado em casar com a mais bela e sincera
mulher que conheci. Os pais da Paula geraram uma gran-
de mulher, beldade angelical. Quando minha noiva final-
mente alcançou o altar, eu tomei suas mãos nos viramos
para o ministro, aquele velhinho quase senil de cabelos
brancos e olhos azuis que mal parecia nos enxergar. Paula
estava estranhamente quieta, prestando atenção e respon-
dendo quando era preciso, mas nada além disso. Parte de
mim estava começando a ficar mais viva e o nervosismo
não mais atordoava-me como acontecera no momento
em que aguardava por minha noiva. Já estávamos casados
pela igreja, faltava o civil.
O casamento civil foi na praia, á beira do mar corte-

182
Vidas líquidas

jado pelas gaivotas e convidados que nos acompanhavam


desde a cerimónia eclesiástica. Mais tranquilo, felicíssimo,
espero a noiva descer da Limousin para dar início ao ma-
trimónio. Arnaldo aproximou-se até mim. Saúda-me com
um abraço e começamos a conversar por alguns minutos.
– Desde ontem estás muito nervoso, na igreja esta-
vas quase tendo um ataque de ansiedade, agora entendes
como me sentia no dia do meu casamento. – Ambos sor-
rimos e ele acrescenta – Fica calmo, hoje é seu grande dia.
Seja bem-vindo a fase de casados, irmão!
– Não me gozes, Khanimambo Makwero10! – Res-
pondo.
– Que ideia maluca foi essa de quererem se casar na
praia? – Arnaldo pergunta sarcasticamente.
– Sereias casam em seus lugares de conforto com
seus príncipes, tonto! – Sorrio e acrescento: foi sempre
desejo da Paula se casar à beira do mar, somente quis con-
cretizar seu sonho que não é algo do outro mundo.
– Justo aqui, onde tudo começou entre vocês. A pro-
pósito estão bem elegantes. Parabéns!
O conservador estava ali presente esperando con-
firmar a nossa união matrimonial pelos ditames do Es-
tado. Descalça, Paula caminha até mim em uma marcha
nupcial acompanhada pelo seu pai como o fizera no casa-
mento religioso. Quando minha noiva finalmente alcan-
çou-me, seu pai entrega mais uma vez a sua filha e eu to-
mei suas mãos, nos viramos para o ministro que celebraria
o nosso casamento, aquele velhinho quase senil de cabelos
brancos e olhos estranhos que mal parecia nos enxergar e
cansados de tanto observar o curso das transformações.
Paula estava estranhamente quieta, prestando atenção e
respondendo quando necessário. Ela estava alegre por ver
10 Obrigado irmão.

183
Hélio Guerra

seu maior desejo realizado. Quando o ministro declarou-


-nos casados perante a lei, Paula jogou-se em mim com
um beijo e abraço dizendo baixinho que agradecia pelo
que fizera por ela e por a amar tanto.
A cerimónia decorreu a mil maravilhas, depois da
sessão de fotografia na beira da praia, nos deslocamos
para o salão de festas para o banquete. Lá tudo foi ex-
celente e bastante divertido, decorreu como desejávamos
que fosse. Paula e eu estávamos alegres. Felizes embo-
ra ansiosos com a nova vida a qual estávamos desde que
saíamos da Santa igreja, a vida de casados. Depois das
festividades, Arnaldo e Christiane foram até a Limousin
para se despedir de nós. Pedimos que eles viessem com
a gente ao hotel para conversarmos e despedirmo-nos
de forma digna, afinal eles eram os nossos amigos mais
próximos e tiveram o privilégio de testemunhar o nosso
namoro desde o seu início.
Dia seguinte, manhã de domingo, após o nosso pe-
queno-almoço como casados, as malas estavam prontas
para a viagem. Nossos pais estavam na recepção do Hotel
esperando por nós. Vinham acompanhar-nos até ao ae-
roporto. Ambos ainda eufóricos com a nossa união ma-
trimonial.
– Bom dia meus filhos! Estão prontos para a viagem?
– Pergunta o meu sogro
– Sim, podemos partir. – Respondo.
A nossa viagem de lua-de-mel estava programada
para Itália, e nosso voo partiria as onze da manhã. Par-
tiríamos primeiro para Lisboa e de lá para Roma, Itália.
Muitos anos se passaram, porém Paula e eu permanecía-
mos juntos e firmes enfrentando todos obstáculos que a
vida nos pregava. Dois anos depois do casamento tor-
nei-me palestrante motivacional e coach comportamen-

184
Vidas líquidas

tal sem deixar de fora as funções e actividades univer-


sitárias que desempenhava. Minha esposa Paula mudou
de emprego, tornou-se minha socia maioritária em uma
das nossas instalações turísticas nas praias de Vilanculos.
Deus surpreendeu-nos com mais bênçãos dando nos qua-
tro filhos, trigémeos (Yashikia, Lyani e Yntsumi) e a mais
novinha e querida da Marisa por ser sua chará. Todos
nasceram fortes e bem saudáveis, lindos como a mãe e a
avó. E minha mãe? Bem, ela veio morrar com a gente na
mansão e a sua casa ficou arrendada por um estrangeiro.
Arnaldo e eu abrimos empresas graças ao associativismo
que criamos, ajudamos pessoas que precisavam de apoio
mediante a nossa capacidade de o fazer. A felicidade rei-
nara em nossas vidas, em nossa família guiada pelos ho-
rizontes da vida. O amor, a paz, a felicidade, a família e
Deus habitavam em nossos corações.
– Amor, sabe Deus as vezes escreve o certo em li-
nhas tortas. Lembra quando nos conhecemos em meu
trabalho, quem diria que a nossa história de amor fosse
verdadeira.
– De facto amor, não foi fácil mas hoje aqui esta-
mos. Felizes e sempre com o amor em nossos corações. A
vida é cheia de surpresas e não importa quais obstáculos
a gente passa, é preciso sempre buscar os horizontes exis-
tentes nela que possam guiar-nos nela e nunca perder a
esperança, pois em algum horizonte podemos encontrar
os maiores milagres da vida.
– Obrigado por sempre dar-me amor e devido valor,
amo-te Lyaki Sumbi Guerreiro. Meu King!
– Eu amo a vida, amo você vossa majestade Paula
Guerreiro.

Fim
185
Hélio Guerra

sobre o autor

Hélio Zyld Guerra nasceu em uma manhã de domingo, ao


décimo quinto dia do oitavo mês de 1993 no Bairro da Ma-
tola G, Município da Cidade da Matola. É licenciado em Fi-
losofia pela Universidade Eduardo Mondlane (2012-2016)
com especial destaque para o tema do seu trabalho de fim
de curso: “Progresso do conhecimento científico segundo Gaston Ba-
chelard”. É escritor, filosofo, poeta, pesquisador, professor,
palestrante, académico representante da Academia
Internacional União Cultural e muitíssimo apaixonado
pelas belíssimas praias do nosso país. Prémio de 1º l
lugar no 1º Concurso de Poesia Livre ARLACS 2021 na
categoria de académico correspondente. Publicou artigos
de opinião no jornal Zambeze, em seu blogue (www.he-
liozyldguerra.blogspot.com.), e em Tenacidade das Palavras
sobre a humanidade e outros assuntos ligados a socieda-
de. É autor da obra “Poesia Líquida” publicada pela Editora
Kulera; “Sensualidade 21” publicado pela Dahavea Editores;
e coautor de “Activisionismo: um ensaio em volta da recons-
trução social” publicação independente. Actualmente resi-
de em Maputo onde continua produzindo e participando
de grupos ligados a literatura. Contatos: Heliozildo@hot-
mail.com ou pelo www.facebook.com/heliozyldguerra. Em
tempos livres, lê, medita, escreve, caminho pela natureza.

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