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Livro - Políticas Públicas em Educação

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Políticas Públicas de Educação

Organização:

Bianca Mota de Moraes

Clisânger Ferreira Gonçalves

Débora da Silva Vicente

Elionaldo Fernandes Julião

1ª edição

Rio de Janeiro

Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro / Universidade Federal Fluminense

2017
Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro

Procurador-Geral de Justiça
José Eduardo Ciotola Gussem

Subprocurador-Geral de Justiça de Administração


Eduardo da Silva Lima Neto

Subprocuradora-Geral de Justiça de Planejamento Institucional


Leila Machado Costa

Subprocurador-Geral de Justiça de Assuntos Cíveis e Institucionais


Sérgio Roberto Ulhôa Pimentel

Subprocurador-Geral de Justiça de Assuntos Criminais e de Direitos Humanos


Alexandre Araripe Marinho

CEAF/IEP - Instituto de Educação e Pesquisa do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro


Sávio Renato Bittencourt Soares Silva

Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça


de Tutela Coletiva de Proteção à Educação
Débora da Silva Vicente
Renata Vieira Carbonel Cyrne
Universidade Federal Fluminense

Reitor

Sidney Luiz de Matos Mello

Vice-Reitor

Antonio Claudio Lucas da Nóbrega

Pró-Reitor de Graduação

José Rodrigues de Farias Filho

Pró-Reitor de Pesquisa, Pós-Graduação e Inovação

Roberto Kant de Lima

Pró-Reitor de Extensão

Cresus Vinicius Depes de Gouvêa

Coordenador do Programa de Pós-graduação em Educação

Marcos Marques
Equipe Responsável
Organização
Bianca Mota de Moraes
Clisânger Ferreira Gonçalves
Débora da Silva Vicente
Elionaldo Fernandes Julião

Autores
Bianca Mota de Moraes
Dayse Serra
Elionaldo Fernandes Julião
Evaldo Bittencourt
Hustana Vargas
Janaína Specht da Silva Menezes
Jane Paiva

Revisão
Elionaldo Fernandes Julião

Colaboração
Diogo Antunes Lemos Fernandes

Projeto Gráfico e Capa


Gerência de Portal e Programação Visual
Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro

P769 Políticas Públicas de Educação / Bianca Mota de Moraes ...[et al.]. – Rio de Janeiro, RJ:
Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro;
Universidade Federal Fluminense, 2016.

113p.

ISBN: 978-85-93489-01-3

Edição: 1

Ano de Edição: 2017

Local de Edição: Rio de Janeiro - RJ

1. Políticas públicas 2. Políticas de educação I. Moraes, Bianca Mota de

CDD379.81

Os autores são responsáveis pela escolha e pela apresentação dos fatos contidos nesta publicação e pelas opiniões aqui
expressas, que não são necessariamente as do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro e da Universidade Federal
Fluminense e não comprometem as Instituições. As designações empregadas e a apresentação do material não implicam
a expressão de qualquer opinião que seja, por parte do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro e da Universidade
Federal Fluminense, no que diz respeito ao status legal de qualquer país, território, cidade ou área, ou de suas autoridades.
Sumário
Apresentação 8

Democracia e cidadania: público e privado na educação brasileira 11


Hustana Maria Vargas

Políticas de Educação na atualidade como desdobramento da


Constituição Federal e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação 29
Evaldo de Souza Bittencourt

O Plano Decenal e o Sistema Nacional de Educação 43


Elionaldo Fernandes Julião

Financiamento da educação básica: da receita de impostos ao FUNDEB 55


Janaina Specht da Silva Menezes

O papel do Controle Social na implementação das políticas públicas de


educação no Brasil contemporâneo 73
Bianca Mota de Moraes

Contradições na formulação das políticas de educação: inclusão /


exclusão, autonomia, cidadania, qualidade como consequência dos
fatores legais e de financiamento 89
Jane Paiva

A Educação Inclusiva de alunos com Transtorno do Espectro Autista 104


Dayse Serra
Políticas Públicas de Educação

Apresentação
Em alinhamento do papel da universidade pública na formação inicial e
continuada dos profissionais que atuam na área de educação no país para a melhoria
na qualidade do ensino com o do Ministério Público na defesa da ordem jurídica, do
regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, em 2016 a
Universidade Federal Fluminense e o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro
celebraram convênio de cooperação.
A parceria entre as duas instituições e a União Nacional dos Conselhos
Municipais de Educação – Seccional Rio de Janeiro viabilizou, no mesmo ano, a
realização do curso de “Políticas Públicas de Educação”, com uma primeira turma
destinada a conselheiros municipais de educação do Rio de Janeiro, representantes
dos Fóruns de Educação e integrantes do Ministério Público do Rio de Janeiro.
Com o objetivo de ampliar as discussões sobre as políticas públicas de educação
no Brasil contemporâneo, com fundamentação histórica e filosófica, o projeto procurou
possibilitar a reflexão sobre as formas de contribuição dos movimentos sociais para a sua
ampliação, as lutas pelo reconhecimento da diversidade dos seus sujeitos, assim como
levantar questões que condicionam as políticas de inclusão aos determinantes econômicos.
Tivemos a honra de poder contar com professores de diversas instituições
de ensino superior do Estado do Rio de Janeiro (Universidade Federal Fluminense –
UFF, Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, Universidade Federal do Estado
do Rio de Janeiro – UNI-RIO, Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ e
Instituto Superior de Educação do Estado do Rio de Janeiro – ISERJ).
Membros e servidores do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro
(MPRJ) e do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ), componentes
da União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação do Estado do Rio de Janeiro
(UNCME-RJ) e da União dos Dirigentes Municipais do Estado do Rio de Janeiro (UNDIME-
RJ) somaram-se na tarefa de conferir pluralidade às exposições e aos debates.
Espelho das discussões realizadas ao longo dos trabalhos, este livro é mais
um resultado da profícua colaboração entre as entidades e instituições envolvidas e
será utilizado como material didático para as próximas edições.
A obra inicia com o capítulo “Democracia e cidadania, público e privado na
educação”, de Hustana Vargas, que resgata os nexos entre democracia, cidadania e

8
Políticas Públicas de Educação

educação, mediados pelos conceitos de “público” e “privado”. Sob o aporte da teoria


política, busca mostrar o modo de apropriação do conceito de público no Brasil. Em seguida,
com base em resultados de pesquisa educacional, discute efeitos dessa apropriação no
sistema público de educação, a partir dos casos do Plano de Ações Articuladas, do Fundo
de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais
da Educação, dos concursos e da carreira docente, do sistema de indicação de diretores
de escolas e alguns outros, referentes a elementos do cotidiano escolar.
O segundo capítulo, “Políticas de Educação na atualidade como desdobramento
da Constituição Federal e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação”, de Evaldo de Souza
Bittencourt, contextualiza as políticas educacionais brasileiras após a Constituição
Federal de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 e evidencia
as questões mais relevantes na implementação de políticas no período de duas décadas.
O texto tem o intuito de contribuir com análises reflexivas sobre o federalismo no Brasil
apontando as fragilidades das políticas públicas, principalmente a partir do eixo fundante
do financiamento com consequentes impactos subnacionais e seus resultados.
No terceiro capítulo, “O Plano Decenal e o Sistema Nacional de Educação”,
Elionaldo Fernandes Julião ressalta que a partir da Constituição Federal de 1988 há
importantes marcos legais e operacionais na implementação das políticas de educação
no Brasil, principalmente como desdobramentos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional de 1996 e dos Planos Nacionais de Educação de 2001 e de 2014.
A fim de refletir sobre o Plano Nacional de Educação e o Sistema Nacional
de Educação, o texto apresenta um breve histórico das políticas implementadas
no campo da educação nos últimos anos, principalmente destacando os conflitos
políticos e ideológicos para a sua consolidação como política pública em uma
perspectiva de Estado Democrático de Direito.
No quarto capítulo, “Financiamento da educação básica: da receita de impostos
ao FUNDEB”, Janaina Specht da Silva Menezes objetiva apresentar alguns apontamentos
sobre o financiamento da educação básica no Brasil que, nesse sentido, abarca, em
linhas gerais, sua principal fonte de recursos – a receita de impostos – para, a partir dela,
apresentar algumas reflexões sobre o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da
Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação.
No quinto capítulo, “O papel do Controle Social na implementação das políticas
públicas de educação no Brasil contemporâneo”, Bianca Mota de Moraes condensa no debate
estudos sobre os órgãos de controle social nas políticas públicas educativas, especialmente

9
Políticas Públicas de Educação

os Conselhos de Educação e Escolares, à luz do que dispõe a legislação brasileira em vigor,


com destaque para a meta 19 do Plano Nacional de Educação. Sua proposta foi a de refletir
sobre a necessidade coletiva, as conquistas normativas e as dificuldades práticas que
rodeiam a gestão democrática do ensino público, constatando que o ponto de partida em
muitos sistemas está muito aquém do esperado pela Constituição da República de 1988.
A autora reflete ainda sobre dados dos Conselhos de Educação fluminenses
compilados pelo Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Tutela
Coletiva de Proteção à Educação do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (CAO
Educação – MPRJ), consignando o atual estágio em que se encontram no processo de
autonomia e democratização.
No sexto capítulo, “Contradições na formulação das políticas de educação:
inclusão/exclusão, autonomia, cidadania, qualidade como consequência dos fatores
legais e de financiamento”, Jane Paiva propõe analisar os diversos aspectos da
política que vieram conduzindo a formulação de programas e projetos no campo
da educação durante os últimos 13 anos, mais precisamente, buscando cumprir as
conquistas de direitos firmadas na Constituição Federal de 1988.
No sétimo e último capítulo, “A Educação Inclusiva de alunos com Transtorno
do Espectro Autista”, Dayse Serra reflete sobre a inclusão de alunos com Transtornos
do Espectro Autista no cotidiano das escolas regulares, especialmente após a
implementação da Lei Brasileira de Inclusão (Lei 13146/2015). Em síntese, propõe-se
a pensar sobre a política de inclusão implementada nos últimos anos no Brasil.
Ciente da complexidade das discussões propostas nesta publicação,
visamos agregar e divulgar para a comunidade acadêmica, profissionais da educação,
representantes dos movimentos sociais e instituições interessadas no tema, algumas
reflexões sobre as políticas públicas de educação implementadas no Brasil após a
Constituição Federal de 1988 – Constituição Cidadã.
Agradecemos a todos que contribuíram para esta publicação, principalmente
aos autores que disponibilizaram artigos. Esperamos que este livro venha a ser um
importante instrumento para os avanços na concretização das políticas de educação
no Brasil contemporâneo.
Boa leitura!
Bianca Mota de Moraes
Clisânger Ferreira Gonçalves
Débora da Silva Vicente
Elionaldo Fernandes Julião

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Políticas Públicas de Educação

Democracia e cidadania:
público e privado na
educação brasileira 1

Hustana Maria Vargas2

1 Dedico este trabalho ao querido e valoroso colega professor Osmar Fávero, em cuja companhia,
ministrando a disciplina “Educação Brasileira” no Programa de Pós-graduação em Educação da
Universidade Federal Fluminense, amadureci alguns pontos da discussão ora apresentada.
2 Professora adjunta da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação
da Universidade Federal Fluminense. Vice-coordenadora do Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Federal Fluminense. Lidera o grupo de pesquisas “Laboratório sobre
Acesso e Permanência na Universidade - LAP” e integra o Centro de Estudos sobre Desigualdade
e Desenvolvimento (CEDE) e o Programa de Educação sobre o Negro na Sociedade Brasileira
(PENESB).

11
Políticas Públicas de Educação

Introdução
Em linhas gerais, as relações entre democracia, cidadania e educação são
estreitas, imediatas e obrigatórias. Porém, se introduzirmos elementos mediadores,
nos defrontaremos com pormenores que poderão perturbar a previsibilidade dessas
relações. Nesse trabalho, inicialmente resgatamos os nexos entre democracia,
cidadania e educação, para em seguida problematizá-los, utilizando como mediação
os conceitos de “público” e “privado”.
Entretanto, parece-nos que mais importante que discutir, de partida,
acepções sobre público e privado, seja perceber as formas como ambos são
incorporados nas estruturas jurídico-política, social e institucional no país.
Acreditamos que o (re)conhecimento de algumas características, e especialmente
de algumas distorções dessa incorporação, contribuem para a compreensão do
quadro de indigente afirmação do conceito de público entre nós, comprometendo
severamente as relações entre democracia, cidadania e educação.
Após revisitarmos o lugar da educação em uma sociedade escolarizada,
e resgatarmos aspectos normativos brasileiros sobre educação, mobilizamos
elementos de teoria política para mostrar efeitos da cultura política na apropriação
do conceito de público, especialmente os relacionados a uma forma particular de
federalismo e a traços constitutivos do nosso Estado e sociedade – o patriarcalismo
e o clientelismo. Na sequência dessa discussão, será possível situarmos algumas
acepções e “reinterpretações” do conceito de público em educação em nosso país.
Tudo isso considerado, mostramos efeitos concretos sobre nossa educação
pública, com os casos do Plano de Ações Articuladas (PAR), do Fundo de Manutenção
e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da
Educação (FUNDEB), dos concursos e da carreira docente, dos desvios sobre sistema
de indicação de diretores de escolas e outros, referentes a elementos do cotidiano
escolar. Nossa abordagem, para além de identificar mazelas nos setores estatal e
governamental, busca introduzir uma visão de 360º (trezentos e sessenta graus),
atenta aos óbices à democracia e à cidadania no contexto da educação onde quer
que ocorram, inclusive nas práticas da vida privada e institucional.

12
Políticas Públicas de Educação

O lugar da educação em uma “sociedade


escolarizada”
Verifica-se um aumento mundial da escolarização, no âmbito de uma
“sociedade escolarizada”: nunca houve, na sociedade humana, tanto investimento
individual em educação (BAKER, 2014). A cada nova geração crescem os requisitos
educacionais para acesso a trabalho qualificado e para uma boa circulação social.
De maneira correspondente, dissemina-se o conceito de educação como direito em
vários países, ampliando-se as faixas etárias e os níveis de ensino sobre os quais o
Estado se compromete.
Para além de se constituir como direito social, a educação configura um bem
simbólico, com convertibilidade econômica3 e social. O ápice desse retorno ocorre
para os que detêm nível superior ou mais. Em lista elaborada pela Organização para
a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em 2013, o Brasil ficou em
segundo lugar em retorno financeiro para os possuidores de certificado de educação
superior4, e muito acima da média da OCDE (ANÁLISIS, 2015). Uma das explicações
para este fato é que vivemos em uma sociedade profissionalizada, onde “[...] a
profissionalização é o projeto coletivo de mobilidade social que acaba por garantir
monopólios na prestação de serviços e certos privilégios na estrutura ocupacional”
(BASTOS, 2004, p.57). Tratando-se de uma sociedade muito hierarquizada e
excludente como a brasileira, o fechamento5 das profissões e os ganhos salariais
desproporcionais se afiguram como complemento natural.
Por tudo isso, podemos perceber e apontar correlações entre escolarização
e vários tipos de favorecimento social, como empregabilidade, maiores médias
salariais e maior expectativa de vida, mesmo em ambiente de “inflação de diplomas”.
Nesse caso, já nos ensinava Bourdieu (2011), os mais prejudicados são justamente os
que chegam ao mercado de trabalho sem diploma.
Finalmente, mas não menos importante, pode-se também estabelecer
correlação entre maiores níveis de escolaridade e percepções mais liberais e

3 Observadas as médias salariais crescentes por cada ano a mais de escolaridade cursada.
4 Do maior para o menor retorno: Chile, Brasil, República Checa, Portugal, França, Finlândia,
Coréia, Canadá, Nova Zelândia, Dinamarca, Noruega e Suécia.
5 Com a consequente reserva profissional de mercado. O “fechamento” é um conceito Weberiano
que indica o processo pelo qual grupos sociais procuram maximizar seus ganhos, restringindo
a um círculo limitado de escolhidos, o acesso a recursos e oportunidades. Ao mesmo tempo,
monopoliza esses mesmos recursos e oportunidades (WEBER, 1991).

13
Políticas Públicas de Educação

mais éticas sobre a sociedade. Por exemplo: maior rejeição à regra do “jeitinho
brasileiro” e a práticas patrimonialistas6, maior intolerância à censura e à opressão
governamentais, maior tolerância religiosa e sexual (ALMEIDA, 2007). Se tomamos
as principais normativas nacionais, temos mesmo a impressão de que o Estado
encampa a educação com a seriedade e a abrangência aqui discutidas.
Na Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB), o artigo 6º, ao
enunciar os direitos sociais, inicia com a educação, sob o argumento que este direito
é garantidor dos subsequentes:
São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho,
a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a
proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados,
na forma desta Constituição.

Já no art. 208 encontramos o compromisso do Estado com o provimento


dessa educação:
O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:
I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 aos 17 anos de idade,
assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não
tiveram acesso na idade própria; 
II - progressiva universalização do ensino médio gratuito;
§ 1º O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.
§ 2º O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua
oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente.

Pode-se dizer que um primeiro teste sobre a consistência do compromisso


constitucional do país com a educação ocorreu com a garantia da educação como
direito público subjetivo. Dessa forma, superou-se o ilógico e irresponsável padrão de
existência de disposições normativas – mais ou menos abstratas – sobre a educação,
mas alheias à escola, o lugar de materialização desse direito.
A realidade numérica da educação básica em nosso país avaliza a
responsabilidade do Estado com o provimento desse direito, que é garantido
majoritariamente pelo setor público. Em 2014, havia no ensino básico 49.771.371
matrículas: 81,8% em escolas públicas e 18,2% em escolas da rede privada.

6 Na estrutura estatal patrimonial, a burocracia e a elite política lidam com os recursos do Estado
como se fossem sua propriedade particular.

14
Políticas Públicas de Educação

Subdividindo-se os números da rede pública, a municipal é responsável por quase


metade das matrículas, o equivalente a 23.089.488 alunos. Seguem-se a rede estadual,
com 17.294.357 alunos, e a federal, com 296.745 matrículas (INEPDATA, 2016).
O compromisso do Estado com o setor público aparentemente está patente
também na frequência com que as palavras “pública, público, públicas e públicos”
aparecem nas principais normas, em comparação com as palavras “privada, privado,
privadas e privados”. De forma aproximativa, temos:
• Na CRFB/88: na seção específica sobre educação (arts. 205 a 214), são
24 remissões às palavras pública/o/s e duas a privada/o/s.
• Na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN/96), são
cerca de 80 remissões a pública/o/s e 17 a privada/o/s.
• No Plano Nacional de Educação (PNE/2014), com 20 metas
acompanhadas de várias estratégias, encontramos cerca de 100
remissões a público e 13 a privado.

Sem dúvida que uma educação pública de qualidade, suportada


convenientemente pelo Estado, prenuncia qualidades democráticas e cidadãs, em
um país em que a maioria dos estudantes se encontra nesse setor. Entretanto, a
mera presença do termo público nos documentos oficiais, representa um ponto de
partida enganoso. Será preciso, antes de mais nada, aprofundar seu conteúdo, por
detrás de sua onipresença nesses documentos.

Público e privado na sociedade e na política


brasileiras: aqui as coisas se complicam!
Esclarecemos, inicialmente, que o debate sobre público e privado no Brasil
não se restringe ao campo da educação. Está relacionado a uma dificuldade mais
ampla: à delimitação das esferas pública e privada na sociedade e nas atribuições do
Estado. Nesse sentido, trata-se de uma discussão tão atual quanto relevante.
Nesse artigo destacamos aspectos centrais da estrutura e da cultura política
brasileiras que acreditamos funcionar como indutores de dificuldades à plena
realização do conceito de público na educação, conforme preconizado em nossos
documentos legais e pelas políticas públicas em educação, comprometendo, assim,
os nexos da educação pública com a democracia e a cidadania. São eles: a nossa
forma particular de federalismo, que tem dificultado a efetivação da perspectiva

15
Políticas Públicas de Educação

colaborativa na educação, e dois traços constitutivos do nosso Estado e sociedade –


o patriarcalismo e o clientelismo. Esses elementos são comunicantes entre si, e seria
difícil estabelecer relação de anterioridade ou de causalidade entre eles.
No império, o Brasil se constituiu como um Estado unitário7 e centralizado.
Com a independência, a forma unitária foi mantida, mas com concessão de ligeira
descentralização administrativa às províncias. Assim, durante quase quatrocentos
anos até a proclamação da República Federativa em 1889, fomos um Estado unitário
mais ou menos centralizado, com estrutura piramidal de poder.
Nesse sentido, nossa história difere da bem-sucedida gênese da República
Federativa norte-americana, de onde contrabandeamos nosso federalismo8, no
alvorecer da República. Nos Estados Unidos, ela se origina a partir da união de treze
colônias autônomas pré-existentes à federação, que abdicaram de sua soberania
em função da soberania do Estado federal. Entre nós, o movimento foi inverso: as
províncias foram transformadas em estados da federação e tiveram sua autonomia
ampliada. Essa gênese um tanto artificial de nosso federalismo compromete até hoje
o equilíbrio das ações da União com os entes subnacionais, projetando uma realidade
muito mais baseada no centralismo do Estado do que na distribuição de competência
entre seus entes.
A constituição de 1988, em movimento de reação à ditadura civil-militar
(DREIFUSS, 1981) vigente entre 1964 e 1985, buscou descentralizar recursos e
capacidade de decisão para as esferas subnacionais, realçando-se aqui o papel
dos municípios, que foram alçados à categoria de ente político-administrativo. Na
avaliação de Almeida (2012, p.7), “a descentralização das decisões do governo e a
participação popular constituíam o núcleo dos valores democráticos compartilhados
pelas forças democráticas, definindo a atmosfera política que envolveu a longa
elaboração da Constituição cidadã”.
Entretanto, com o passar dos anos e após sucessivas experiências quanto
ao balanço federativo no Brasil, podemos afirmar, em concordância com Arretche
(2012, p. 183),
(...) além de um sentimento comum de pertencimento a uma única
comunidade nacional (conceito de nação), a desconfiança na disposição
7 O Estado unitário é o tipo mais frequente. Alguns exemplos de Estados unitários na atualidade:
Bélgica, Chile, Colômbia, Cuba, França, Holanda, Japão, Peru, Portugal e Uruguai.
8 A concepção de federação baseia-se em “foedus”: liga, tratado, aliança, e na distribuição de
competências entre entes legitimados e autônomos quanto ao processo decisório. Exemplos
contemporâneos de federação: Argentina, Austrália, Canadá, Estados Unidos, Índia, México, Rússia,
Venezuela.

16
Políticas Públicas de Educação

das elites locais para implementar e respeitar os direitos dos cidadãos


pode ser uma poderosa fonte de centralização da autoridade política,
mesmo em estados federativos. Nessas circunstâncias, mesmo elites
progressistas favoráveis à descentralização da execução de políticas
públicas tendem a preferir que o governo central regule o modo como
essas políticas serão implementadas, de modo a amarrar as mãos de
governadores e prefeitos que, se supõe, possam pretender converter
os recursos recebidos em políticas conservadoras, corruptas ou
clientelistas.

Alexis de Tocqueville, autor da alentada obra “Democracia na América”,


pode contribuir para a compreensão do que se passa entre nós, em termos de uma
cultura política “estadodependente”. Enquanto o federalismo nos Estados Unidos
pôde se estear sobre localismos bem estruturados e afins com a prática histórica dos
associativismos, o que contribui para uma distribuição razoável de centros médios de
poder econômico, financeiro, tecnológico e cultural pelo interior do país, no Brasil as
desigualdades regionais parecem uma sina de difícil superação. Não se percebe um
movimento de baixo para cima quanto ao empoderamento das regiões periféricas.
Pelo contrário, se alguma equalização vem a ocorrer, é por ação política do Estado
central (VARGAS, 2007).
Acrescentamos ao problema de um federalismo mal implantado e mal
implementado, outro traço perverso da cultura política brasileira: o patrimonialismo
(ou neopatrimonialismo). O Estado brasileiro é colonizado pelos governos por meio
de pesada burocracia, que dele se apossam e assenhoreiam. Um dos efeitos mais
persistentes dessa tradição é a intermitência da administração pública, inviabilizando
projetos de longo prazo. No outro polo, temos uma sociedade pouco organizada:
O Estado brasileiro tem como característica histórica predominante
sua dimensão neopatrimonial, que é uma forma de dominação gerada
no processo de transição para a modernidade com o passivo de uma
burocracia administrativa pesada e uma “sociedade civil” (classes
sociais, grupos religiosos, étnicos, linguísticos, nobreza etc) fraca e
pouco articulada. O Brasil nunca teve uma nobreza digna deste nome,
a Igreja foi quase sempre submissa ao poder civil, os ricos geralmente
dependeram dos favores do Estado e os pobres, de sua magnanimidade.
Não se trata de afirmar que, no Brasil, o Estado é tudo e a sociedade
nada. O que se trata é de entender os padrões de relacionamento
entre Estado e sociedade, que no Brasil tem se caracterizado, através
dos séculos, por uma burocracia estatal pesada, todo-poderosa, mas

17
Políticas Públicas de Educação

ineficiente e pouco ágil, e uma sociedade acovardada, submetida mas,


por isto mesmo, fugidia e frequentemente rebelde (SCHWARTZMAN,
2007, p. 11).

Ao patrimonialismo histórico e redivivo, articula-se a prática do clientelismo,


um sistema em que políticos profissionais oferecem vantagens como cargos,
empregos públicos, financiamento e autorizações em troca de legitimação e apoio,
promovendo uma rede de fidelidades pessoais que passa pelo uso de recursos
estatais (BOBBIO, 1986). Somados, o patrimonialismo e o clientelismo produzem
fisiologismos, localismos e nepotismo. Temos vários “donos do poder”, e não são
propriamente o povo.
Na verdade, as disputas entre o setor público e o setor privado em nosso
país, tendem a transformar o termo público em um disfarce semântico, notadamente
no campo da educação. Isso explica as várias acepções e reinterpretações do termo
público nesse contexto. Trata-se de uma discussão antiga e, sobretudo, nada
inocente, que julgamos relevante destacar para subsidiar o debate e as evidências
trazidas por este artigo.

Público e privado na educação


No espaço desse artigo, enfocamos nossa abordagem sobre as nuances e
apropriações dos termos público e privado em educação no Brasil, nas discussões sobre
educação ocorridas na Constituinte de 1987 e 1988, com base em exímio trabalho de
Maria Francisca Pinheiro (2005). Julgamos esse evento bastante representativo dos
debates e das narrativas que sustentam as disputas entre esses setores.
A autora mostra as idas e vindas do processo de afirmação dos interesses
do setor público tradicional sobre as novas versões do conceito de público e sobre
os interesses do setor privado na educação. Entre o trabalho das comissões,
subcomissões, votações em plenária e votações de emendas na Constituinte, e
mesmo com ampla e organizada presença do setor público tradicional, ele veio
perdendo espaço para as demandas do fortíssimo setor privado.
Pinheiro resume, com relação ao posicionamento desses setores no
processo constituinte:
A (defesa) do público estatal continha a reivindicação da exclusividade
de recursos públicos para a escola pública; a do público não-estatal a de
recursos para a escola do Estado e a escola comunitária, confessional

18
Políticas Públicas de Educação

ou filantrópica; e a do público como serviço público a de recursos para


a educação em geral. Todas essas propostas tinham como objetivo
garantir a destinação de recursos do Estado para manutenção do ensino.
Foi em torno deste problema que se concentrou fundamentalmente o
conflito público-privado na Constituinte (PINHEIRO, 2005, pp. 285-6).

Explica que, aproveitando-se do enfraquecimento e da perda de qualidade


do setor público no regime militar, “o setor privado procurou se revestir de público
para se legitimar no campo educacional. A apropriação do conceito de público era o
que estava faltando nessa briga secular. O uso do conceito de público foi assim a roupa
nova com a qual se apresentou o conflito na Constituinte” (PINHEIRO, 2005, p. 287).
Uma fala de representante de associação privada confessional na
Constituinte resume bem a tendência de desqualificação do debate, e uma tentativa
de mitigar a noção de público: “não se deve insistir em um conflito julgado antigo e
fora de moda” (PINHEIRO, 2005, p. 255).
Mais de vinte anos depois, nos debates das Conferências Nacionais de
Educação (CONAE) de 2010 e 2014 que subsidiariam a elaboração do Plano Nacional
da Educação de 2014, a discussão se renovou de forma vigorosa. Os setores privados
da educação lutaram para que o percentual de investimento público em educação
atrelado ao PIB, não fosse vinculado como “investimento público em educação
pública”, e sim em “educação”, o que abriria frentes de financiamento público ao
setor privado9. Dessa forma, o debate sobre o conteúdo do que é público e do
que é privado em educação, retorna de forma recorrente ao cenário de disputas,
especialmente por verbas e financiamentos10.
Em síntese, as características político-culturais e jurídico-institucionais
aqui levantadas, comprometem a implementação do federalismo colaborativo
e republicano, bem como a mera obediência à legislação sobre educação e a seus
9 Após duros embates, assim ficou a Meta 20 do PNE: ampliar o investimento público em
educação pública de forma a atingir, no mínimo, o patamar de 7% (sete por cento) do Produto
Interno Bruto - PIB do País no 5° (quinto) ano de vigência desta Lei e, no mínimo, o equivalente
a 10% (dez por cento) do PIB ao final do decênio. Ironicamente, o contexto político-econômico
de 2016, incluindo o projeto de emenda constitucional 55 em tramitação, pode findar as difíceis
conquistas do PNE para a educação pública a partir de 2017.
10 De forma mais ou menos renovada, os questionamentos usuais são: o que podemos entender
por público? Estatal? Que atende à maioria (povo)? Gratuito? E por privado? Que priva alguém
de algo? Restrito? Pago? Que permite escolha? É possível pensarmos em “público com função
privada”? “Público não estatal (comunitário)”? “Privado com função pública”? Educação seria um
serviço público, independentemente de qual setor a provê? Ao final das contas, longe de promover
discussões de natureza ontológica, teleológica, filosófica e ética, esses questionamentos têm
servido a interesses econômicos, quando não a maldisfarçados pontos de vista ideológicos.

19
Políticas Públicas de Educação

princípios, indispensáveis à realização da educação pública enunciada em nossos


documentos e políticas. Examinaremos algumas situações concretas que ilustram
essa condição.

Repercussões na educação
A integração das lógicas do Estado central e dos entes federativos
subnacionais decorre de uma boa ideia: a repartição de competências federativas
estaria atenta às peculiaridades regionais, em um movimento de compatibilização
entre a unidade e suas partes. Além disso, o pacto federativo estabelece uma
“soberania compartilhada, que deve garantir a autonomia dos governos e a
interdependência entre eles” (ABRUCIO, 2013, p. 207).
O “Regime de colaboração”, nomenclatura utilizada apenas para o caso da
educação em nossa Constituição, avançou na tentativa de minimização de problemas
de desigualdades no atendimento do direito à educação para todos, conciliando
prerrogativas de autonomia dos entes federativos com políticas de articulação e de
suplementação de verbas. Dentre elas, destacaremos o Plano e Ações Articuladas11
(PAR) e o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de
Valorização dos Profissionais da Educação12 (FUNDEB). Esses programas materializam
a cooperação federativa, que “exige a ação combinada das várias esferas, uma soma
11 derivado do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), coloca à disposição dos estados,
dos municípios e do Distrito Federal, instrumentos de avaliação e implementação de políticas
de melhoria da qualidade da educação, sobretudo da educação básica pública. É apresentado
como um novo regime de colaboração, conciliando a atuação dos entes federados sem lhes ferir
a autonomia, envolvendo primordialmente a decisão política, a ação técnica e o atendimento
da demanda educacional, visando à melhoria dos indicadores educacionais. Compartilha
competências políticas, técnicas e financeiras para a execução de programas de manutenção e
desenvolvimento da educação básica. Os entes federados elaboram um diagnóstico da situação
educacional local e elaboram seu planejamento, contando com recursos público. Disponível em
http://portal.mec.gov.br/par. (Acesso em 3 outubro 2016).
12 É um fundo especial, de natureza contábil e de âmbito estadual (um fundo por estado e
Distrito Federal, num total de vinte e sete fundos), formado, na quase totalidade, por recursos
provenientes dos impostos e transferências dos estados, Distrito Federal e municípios, vinculados
à educação por força do disposto no art. 212 da Constituição Federal. Além desses recursos, ainda
compõe o Fundeb, a título de complementação, uma parcela de recursos federais, sempre que
no âmbito de cada estado, seu valor por aluno não alcançar o mínimo definido nacionalmente.
Pelo menos 60% dos recursos do Fundeb devem ser usados na remuneração de profissionais
do magistério em efetivo exercício, como professores, diretores e orientadores educacionais. O
restante serve para despesas de manutenção e desenvolvimento do ensino, compreendendo,
entre outras ações, o pagamento de outros profissionais ligados à educação, bem como a
aquisição de equipamentos e a construção de escolas. Independentemente da origem, todo o
recurso gerado é redistribuído para aplicação exclusiva na educação básica. Disponível em http://
www.fnde.gov.br/financiamento/fundeb/fundeb-apresentacao. (Acesso em 3 outubro de 2016).

20
Políticas Públicas de Educação

de esforços, e, que todas elas devem aportar recursos e iniciativas concretas, para
que se realizem os objetivos constitucionais” (BUCCI e VILARINO, 2013, p. 130).
Entretanto, sua efetividade continua como um enigma a ser decifrado no cotidiano.
No caso do PAR, trabalhos apontam problemas crônicos relativos à baixa
capacidade técnica dos propositores municipais; à descontinuidade nos programas
pela rotatividade de gestores (há relato de um caso de alternância de quatro
secretarias de educação municipal em quatro anos); à existência de escritórios
técnicos contratados para elaborar os planos, que portanto não emergiriam da lavra
das comunidades educativas; ao cronograma implacável do Ministério da Educação
prejudicando um trabalho mais amadurecido, dentre outros (FERREIRA, 2015).
Com relação ao FUNDEB, situamo-lo no contexto maior do financiamento
da educação, onde encontramos repercussões severas e abrangentes das mazelas
aqui tratadas. A partir de Davies (2014), destacamos algumas:
1. o não-cumprimento da exigência constitucional do financiamento da
educação pelas diferentes esferas de governo (federal, estadual e
municipal) e sua impunidade;
2. o discutível papel desempenhado pelos órgãos fiscalizadores
(Tribunais de Contas) dessa aplicação;
3. o desvio dos recursos pela corrupção, pela burocratização e pelo clientelismo.

Dois exemplos recentes clarificam esses desvios:


• No estado do Rio de Janeiro, recursos do Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação (FNDE) liberados para reconstrução
de 77 escolas na região serrana foram repassados pela secretaria
estadual de obras às construtoras que venceram as licitações, mas as
obras não foram executadas integralmente. As construtoras operavam
por “laranjas”, dentre eles um camelô e um auxiliar de serviços gerais,
transformados em sócios da empresa. Investigações no Ministério
Público Federal apontam indícios de lavagem de dinheiro e de
formação de quadrilha no caso (WERNECK, 2013).
• Fiscalização da Controladoria Geral da União (CGU) realizada em 180
municípios brasileiros entre 2011 e 2012, mostrou que em 74,7%
deles houve falta de competitividade, direcionamento e simulação de
processos licitatórios. Um caso típico ocorre em relação a transporte
escolar, que continuava precarizado e perigoso nestes municípios. Em
69,3% dos municípios foram detectados gastos incompatíveis com
o FUNDEB, e em 32% deles houve movimentação de dinheiro fora da

21
Políticas Públicas de Educação

conta específica. Finalmente, 21,9% não cumpriram a regra de destinar


60% dos recursos à remuneração dos professores, e muitos pagavam
valores abaixo do piso nacional do magistério (BRÍGIDO e PIERRY, 2013).

No espaço vazio entre a norma e suas possibilidades de efetivação, e já


trazendo a questão para o plano liminar entre o ente federativo e o institucional,
destacamos a questão da precariedade dos contratos de trabalho docente no setor
público, com repercussões na carreira. Embora a Constituição preconize no seu art.
205, V, a valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da
lei, planos de carreira com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e
títulos na rede pública, há flagrante desrespeito ao preconizado.
As competências legislativas próprias de cada ente da federação dificultam
a implantação de regras nacionais para a valorização da carreira docente, dentre elas
as relativas ao ingresso e à progressão na carreira. Assim, além da docência funcionar
como “cabide de empregos” e massa de manobra, especialmente em prefeituras de
pequeno porte, abre-se um flagrante conflito com a Constituição Federal.
Trabalho de Souza e Abreu (2016) mostra a profusão e a diversificação de
normas estaduais e municipais para a contratação e a carreira docente no setor
público, para além das previsões nacionais13.
Apesar disto, a possibilidade legal de contratações temporárias e
precárias ainda resiste, seja pela ausência de aprovados nos concursos
realizados, seja pela urgência de suprimento de docentes em contextos
nos quais a realização de concursos demandaria mais tempo. Na
verdade, essas são, via de regra, justificativas oficiais, pois a contratação
por outros canais resiste porque ela parece ser interessante política ou
economicamente (SOUZA e ABREU, 2016, p. 5).

Da mesma forma, pesquisa de Oliveira e Paes de Carvalho (2015)


considerando escolas que foram testadas em três edições da Prova Brasil, mostra
que a maioria dos diretores de escolas públicas no Brasil é indicada para o cargo,
mormente no setor municipal. Nesse período, em média, 54% dos diretores foram
indicados (via de regra, por indicação política) no setor público municipal e 25,3% no

13 As regulações para contratação por concurso público estão presentes na Constituição Federal
de 1988, na LDB de 1996, e nas Novas Diretrizes Nacionais para Carreira Docente do Magistério
Público da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação (CEB/CNE), de 2009.
Preveem o concurso público como condição de ingresso e reforçam o que é determinado no art. 85
da LDB: qualquer cidadão habilitado com a titulação própria poderá exigir a abertura de concurso
público de provas e títulos para cargo de docente de instituição pública de ensino que estiver sendo
ocupado por professor não concursado, por mais de seis anos.

22
Políticas Públicas de Educação

setor público estadual. As outras formas de assunção dos cargos são por concursos,
eleição ou uma combinação de procedimentos.
Importante frisar que cerca de 77% dos estudantes matriculados nos
anos iniciais14, alvos dessa pesquisa, estão alocados em escolas municipais, contra
23% matriculados em escolas estaduais (CENSO, 2016). Vale dizer: a maior parte
dos estudantes do ensino básico público estuda em escolas cujos diretores foram
indicados politicamente.
A indicação de diretores para as escolas públicas brasileiras
(historicamente uma escolha política local, que pode não considerar
nenhuma capacidade educacional ou de gestão) é parte da tradição
patrimonial na administração pública brasileira. Estas práticas ainda
encontram um terreno fértil, especialmente no nível municipal,
criando espaço, muitas vezes, para um clientelismo político e partidário
(OLIVEIRA e PAES DE CARVALHO, 2015, p. 13).

Finalmente, chegando no terreno das práticas institucionais e da relação


da sociedade com as instituições, trazemos duas situações. A primeira é o caso
de perpetuação da direção15, de docentes e até mesmo de pais e parentes que
se alternam há gerações na representação de pais em escola pública reconhecida
por sua qualidade, configurando quase uma herança sucessória (CANEDO, 2013).
Esse fato marca uma espécie nada republicana de colonização da escola pública,
certamente repetida nacionalmente no tempo e no espaço.
A segunda fala de situações avessas à isonomia e à transparência nos
processos seletivos e no funcionamento geral da escola pública, na forma de processos
de escamoteamento das seleções, com clara priorização do público atendido e da
enturmação, de forma a favorecer os interesses da direção e dos docentes.
As pesquisas de Peregrino demonstram que “as desigualdades estabelecem
trajetórias no interior das instituições” (2012, p. 336), percorrendo turmas e turnos que
vão promovendo sucessivos e cumulativos processos de seleção no interior do sistema
escolar. A autora distingue o “modo pleno ou contínuo” de escolarização do “modo
precário” de escolarização. O primeiro modo agrupa alunos sem ou com baixa distorção
14 A pesquisa foi realizada para o 5º ano, em três edições (2007, 2009 e 2011) da Prova Brasil.
Esse mesmo estudo verificou associação negativa e estatisticamente significativa entre “ter
diretores indicados para o cargo” e o desempenho dos alunos nos testes de Matemática. Para
aprofundamento sobre esta relação, sugerimos a leitura de Maia e Manfio (2010) e Mendonça
(2001).
15 Popularmente se multiplicam pelo Brasil, as conhecidas e reconhecidas escolas “da dona
fulana” (a diretora).

23
Políticas Públicas de Educação

idade/série, números residuais de repetência e abandono escolar. No segundo modo,


encontramos situações de escolaridade interrompida, alta defasagem idade/série,
abandonos e evasão, ingresso em projetos compensatórios de alfabetização e/ou de
aceleração de aprendizagem inorgânicos e ineficientes. Os estudantes, neste modo
“desenraizado” do universo escolar, são atendidos por professores recém-chegados à
instituição e/ou contratados em regime de trabalho precário.
Temos aí, a partir do próprio sistema escolar, uma espúria colaboração
para o ciclo de desvantagens cumulativas vivenciado por um enorme contingente
de estudantes, os mais vitimados pela desigualdade social em nossa sociedade.
Especialmente sobre a expansão do sistema escolar promovida após os anos 90, a
autora destaca as seguintes características:
(...) a forma particular com que a expansão escolar se deu fez com
que a instituição passasse a tomar um aspecto ‘misto’, operando, em
seu interior, com ‘zonas’ de ‘baixa institucionalidade’, em que as ‘leis
escolares’ (sejam as de seleção, sejam as do controle), não são capazes
de regular a instituição. Instalando, assim, na escola, uma ‘nova’ forma
de desigualdade que, ao buscar inserir os extremos, as margens, as
misérias, acaba criando no interior dos espaços institucionais zonas
variáveis e múltiplas de despossessão, marcadas por mecanismos
que não apenas colocam a institucionalidade em crise, mas também
interrogam sua legitimidade e colocam em xeque seus próprios
critérios de regulação (PEREGRINO, 2012, p. 340).

Da mesma forma, Márcio da Costa e Tiago Bartholo (2014), ao estudar


padrões de segregação escolar em capitais do Brasil, puderam claramente relacioná-
los às regras da matrícula dos municípios. Em outros trabalhos, Costa et al. (2013)
chamam a atenção para as hierarquias internas nas escolas da rede pública, com
suas regras de acesso, enturmação, seleção e turnos. Justamente na rede onde se
esperaria maior preocupação com a equidade.

Para concluir
Anísio Teixeira definia a escola pública como a raiz ou a fábrica de democracia.
Certamente à democracia se associa facilmente o conceito de cidadania. Mas apenas
por integrar a rede pública, a escola não traz consigo prerrogativas inatas acerca
de práticas democráticas e cidadãs. Muitos elementos correlatos à nossa cultura
política concorrem para perturbar o melhor sentido do público em nosso país. Nesse

24
Políticas Públicas de Educação

sentido, procuramos demonstrar que a delimitação das esferas pública e privada nas
atribuições do Estado, mesmo que bem estabelecidas textualmente, são afetadas
pela conformação real do público e do privado entre nós.
As situações concretas que trouxemos para ilustração desse ponto de
vista, são recorrentemente analisadas por autores no âmbito da teoria política e
da pesquisa educacional, como tributárias de problemas relacionados ao nosso
débil pacto federativo, bem como às nossas heranças e práticas patrimonialistas e
clientelistas. Procuramos demonstrar que os nexos entre democracia, cidadania e
educação ficam absolutamente esgarçados sob essas influências.
Nosso objetivo foi contribuir para o alargamento da compreensão de alguns
processos, mas também de chamar à responsabilidade os agentes da educação
em nosso país. Se nosso sistema federativo previu para todas as esferas político-
administrativas, parcelas de poder normativo e executivo sobre a Educação, na
esfera dos “pequenos poderes”, também há muito espaço para o desenvolvimento
e a prática do espírito público, republicano, democrático e cidadão. A compreensão
mais acurada dessa articulação deve orientar a ação dos profissionais da Educação,
do Direito, da Política e da própria sociedade.
Por outro lado, assim como a ditadura militar perpetrada entre os anos 64 e
85 em nosso país foi reconhecida como civil-militar após vários estudos (DREIFUSS,
1981), o reconhecimento de que problemas na esfera educativa pública não decorrem
apenas a partir de desmandos do Estado ou dos governos, mas atingem também
as ações de grupos de interesse instituídos, das comunidades educativas e das
famílias, nos possibilitará melhores condições de evitar atitudes não republicanas
e estabelecer um plano de co-responsabilidades ou de responsabilidades cruzadas.
Costuma-se dizer, a esse respeito, que expor e reconhecer os problemas costuma ser
o primeiro e grande passo para superá-los.
Finalizamos com uma reflexão otimista, com a qual nos colocamos em acordo.
O de um Estado hipertrofiado, burocratizado e ineficiente, ligado
simbioticamente a uma sociedade debilitada, dependente e alienada.
É da superação deste padrão histórico e de suas consequências
que depende nosso futuro. E como o passado é contraditório e o
futuro aberto e pronto para ser construído, é possível ser otimista
(SCHWARTZMAN, 2007, p. 33).

Não há soluções prontas, e o processo está aberto. Ele é tão mais complexo
quanto incorpora elementos culturais, que, como sabemos, não se modificam por

25
Políticas Públicas de Educação

mandatos. Há um caminho a trilhar, com pequenos e grandes gestos, envolvendo


uma vasta rede de agentes.
Nesse sentido, devemos valorizar todo esforço de superação de tradições
histórico-políticas nefastas, como essa ação exemplar de aproximação entre
instituições – Ministério Público, universidades e agentes da municipalidade –,
que introduz elementos democráticos e cidadãos em torno da educação, sendo
merecedora dos mais sinceros elogios.

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28
Políticas Públicas de Educação

Políticas de Educação
na atualidade como
desdobramento da
Constituição Federal e
da Lei de Diretrizes e
Bases da Educação
Evaldo de Souza Bittencourt16

16 Mestre em Políticas Públicas e Formação Humana pela UERJ, Membro da Diretoria da União
Nacional dos Dirigentes Municipais do Estado do Rio de Janeiro (UNDIME/ RJ), do Fórum Estadual
de Educação do Rio de Janeiro (FEE/ RJ), do Conselho Estadual de Educação do Estado do Rio de
Janeiro (CEE/ RJ) e do Fórum Municipal de Educação do Município de São Pedro da Aldeia (FME),
onde também exerce a função de Secretário Municipal de Educação.

29
Políticas Públicas de Educação

Introdução
Os momentos de intensas expectativas no cenário de grandes transformações
sociais, políticas e econômicas no Brasil são evidentes, tendo como pano de fundo
as crises governamental e ética, a instabilidade financeira, a fragilidade das forças
convergentes para fortalecimento da garantia de direitos e, especificamente, um
grande abismo entre o que foi planejado para os avanços educacionais nas próximas
décadas e as medidas que estão sendo tomadas pelo Governo Federal, com graves
consequências para as esferas subnacionais – os Estados e os Municípios – que têm
grande responsabilidade com a educação básica. Neste contexto de profundas
mudanças, onde e como fica a educação e, mais ainda, como torná-la de qualidade
para a grande maioria ou mesmo a totalidade do povo brasileiro?
Em um cenário de incertezas conjunturais e fragilidades estruturais, o
Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro – por meio do Centro de Apoio
Operacional (CAO Educação) – promove o debate para facilitar a compreensão
dos momentos atuais e apontar melhores decisões, tanto na esfera de atuação do
próprio Ministério Público, como dos gestores da educação e dos conselhos de
controle social no território fluminense.
Antes de prosseguir para alcançar, ainda que parcialmente, os objetivos
propostos pela discussão da temática, registro a satisfação de ter representado a
União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME/RJ) na condição de
membro de sua Diretoria e de Secretário Municipal de Educação de São Pedro da
Aldeia - RJ e de ter dividido uma das mesas de debate do Curso de Políticas Públicas
de Educação com a Professora Doutora Rachel Villardi da Universidade do Estado do
Rio de Janeiro e com o Professor Doutor André Lázaro, ex-Secretário da Secretaria
de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade do Ministério da Educação e
também Professor da UERJ. A possibilidade da troca sempre contribui para a ampliação
de visões, perspectivas, utopias e horizontes em momentos turbulentos e de baixa
coesão social, como os que estão em curso na sociedade brasileira, desafiando-nos à
constante construção coletiva da convergência republicana como alavanca democrática
de superação de tantos problemas, muitos deles já bem conhecidos e outros tantos
novos, que afetam sobremaneira a educação de nosso país.
Relevante esclarecer que este texto surge como uma contribuição reflexiva
e uma tentativa do registro das apresentações e considerações do autor naquele
evento, cujas bases de pesquisa estão alicerçadas na dissertação de Mestrado

30
Políticas Públicas de Educação

(BITTENCOURT, 2009) e nas referências elencadas ao final, ao mesmo tempo que


busca a máxima aproximação dos contextos atuais e da linguagem mais acessível
para compreensão de um maior número de leitores, inclusive os membros dos
Conselhos Municipais de Educação e das milhares de escolas públicas, destinatárias
de todas as políticas educacionais e de nossos esforços como docentes e gestores.

Políticas públicas educacionais e melhoria da


educação – o país fez seu dever de casa?
Prosseguindo a partir dessas considerações iniciais de efeito introdutório,
constata-se que no contexto da legislação vigente que baliza a educação brasileira,
com destaque para o Plano Nacional de Educação (Lei Federal n° 13.005/14),
emergem questões significativas relacionadas à implementação de políticas públicas
voltadas para a melhoria da qualidade da educação básica em um contexto
brasileiro de desigualdades históricas e estruturais. Ainda que as diretrizes
educacionais atuais, materializadas no Plano Nacional de Educação (PNE), e
desdobradas nos Planos Estaduais de Educação (PEE) e nos Planos Municipais de
Educação (PME) apontem para a consolidação da educação como direito inalienável
das crianças, jovens e adultos brasileiros, evidenciam-se, paradoxalmente,
inconsistências, contradições e distorções neste período tão significativo para a
nação brasileira, posterior à promulgação da Constituição Federal (CF) de 1988 e
da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) – Lei nº 9394/96 e seus
desdobramentos até os nossos dias. Prova disso é a evidente constatação acadêmica
da baixa porcentagem do alcance de metas do Plano Nacional de Educação ( BRASIL,
2001) do período 2001 à 2010, cujo eixo central de financiamento, vetado pelo
então Presidente Fernando Henrique Cardoso, inviabilizou a materialização de
diversas políticas públicas.
Há de se considerar também outras avaliações, como o balanço realizado
pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) sobre este plano nacional que apontou a
sua dissociação em relação aos Planos Estaduais de Educação e também aos Planos
Municipais de Educação daquele período como um importante problema que veio a
obstaculizar a sua efetiva implantação no País (BRASIL, 2009), além de outras críticas
à fragilidade do mesmo, resultando na insistente e grave situação dos indicadores
de aprendizagem nas escolas públicas, das taxas de reprovação e evasão, e outras
não menos relevantes, que marcaram o século passado e perduram neste século.

31
Políticas Públicas de Educação

Observa-se que as metas definidas no Plano Nacional de Educação


(2001-2010) apontavam para um grande impacto no quadro geral
das matrículas, com repercussões em outros segmentos do setor
educacional. A implementação de tais metas, portanto, exigiria
expressivo investimento financeiro e mudanças na gestão de sistemas.
O desafio apontado nessas metas seria o de “alcançar a expansão
do atendimento escolar nos diversos níveis de ensino, melhorar a
formação acadêmica do corpo docente e da infraestrutura da escola,
revertendo o quadro atual predominante em boa parte das unidades
escolares do país” (BRASIL, 2004, p. 43).

Nas sociedades contemporâneas, a consciência cada vez mais clara que se


tem da importância da educação, como fator de inclusão social e desenvolvimento,
está presente na complexidade das formas de relação sociocultural e torna-se urgente
a necessidade de dinamização dos mais variados recursos materiais e humanos, que
devem contribuir para efetuar, com qualidade, a função social da educação e de cada
instituição. No entanto, historicamente, o Brasil tem se caracterizado como um país
com inconsistentes políticas públicas, imprimindo uma dicotomia marcante: uma das
mais acentuadas desigualdades sociais e uma das mais altas concentrações de renda
do mundo.
O cenário atual é o quadro composto por indicadores educacionais pífios
com os quais o Brasil adentrou o século XXI, apesar do tímido avanço em alguns
segmentos da Educação Básica, não suficientes para admitirmos que o país alcançou
a qualidade necessária e desejada, carregando o reflexo de décadas e séculos de
descaso com a educação pública das camadas mais populares e desfavorecidas. Como
a dívida histórica secular com o povo brasileiro no campo educacional não encontrou
na totalidade dos entes federados as forças, os recursos de toda ordem e as vontades
políticas verdadeiras para liquidá-la, como exemplo, a insistência de arranjos
partidários locais ou mesmo a supremacia de vontades individuais em detrimento
de interesses e necessidades da população, que impedem ou dificultam o avanço da
gestão mais técnica focada em resultados qualitativos no âmbito Municipal, o que se
vê é ainda estarrecedor quando se compara o Brasil com outros países.
As políticas públicas das últimas décadas não conseguiram reverter o quadro
excludente, não obstante o avanço no acesso formal à escola de ensino fundamental
ao longo dos anos 1990 e início deste século.
Se por um lado, o acesso se ampliou, os fracassos parecem perdurar,
uma vez que as taxas de analfabetismo, de repetência, evasão e distorção idade-

32
Políticas Públicas de Educação

série insistem em retratar um país que, lamentavelmente, não conseguiu, até hoje,
fazer seu dever de casa, o que se pode comprovar com dados recentes do Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira do Ministério da
Educação (INEP/MEC):
A meta do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) dos
anos iniciais do Ensino Fundamental (1º ao 5º) para 2015 foi alcançada
por 74,7% das redes municipais. O resultado demonstra o esforço dos
municípios, que respondem por 82,5% das matrículas nesse nível de
ensino na rede pública. As metas não foram cumpridas nos anos finais
do Ensino Fundamental (6º ao 9º), apesar do índice ter evoluído. No
Ensino Médio, a meta do IDEB não foi alcançada e o índice permanece
estagnado desde 2011. O indicador relaciona o desempenho dos
estudantes em avaliações de larga escala, obtidas pela Prova Brasil/
Saeb, com dados do fluxo escolar, via Censo Escolar do Ensino
Básico. Os anos finais do Ensino Fundamental também melhoraram
no índice, passando de 4,2, em 2013; para 4,5, em 2015; embora não
tenham alcançado a meta para este ano, de 4,7. Nesse nível de ensino
as responsabilidades estão divididas: a rede estadual responde por
43,6% dos alunos e a rede municipal, por 41,7%. (BRASIL, 2016).

Federalismo, descentralização e fragilidades na


consolidação do sistema nacional de educação
Os municípios brasileiros passaram à condição de entes federados com autonomia
relativa para que formulassem políticas educacionais por meio da criação dos seus próprios
sistemas de ensino a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, configurando
uma descentralização de há muito perseguida no novo cenário democrático do país. Constata-
se que até então os Municípios detinham apenas sistema administrativo, vindo então a ser-lhes
facultado o direito de emitir normas e estabelecer políticas, visando, com isto, à implantação
do regime de colaboração e não mais a manutenção de relações hierárquicas, pelo menos na
lei, entre as três esferas políticas de poder (União, Estados e Municípios).
Segundo Souza & Faria (2003), o tema da Educação Municipal se fez presente nas
discussões políticas e nos atos legais desde a época do Império, tendo sua culminância na
criação dos sistemas públicos de ensino no Brasil: inicialmente, no âmbito estadual, através
das Constituições Federais de 1934 e 1946, e , a seguir, mais recentemente, por intermédio
da Constituição Federal de 1988, na esfera municipal.

33
Políticas Públicas de Educação

É relevante destacar com base em Saviani (1999): que a definição clara de


competências dos Municípios para a instituição de seus próprios sistemas de ensino
decorre mais do texto da LDBEN do que da Constituição Brasileira. Com as atribuições
de uma maior autonomia, os Municípios se depararam com novos e significativos
desafios e problemas relativos à: 1) participação no regime de colaboração, de
forma solidária, junto aos Estados e à União; 2) previsão da Educação Municipal,
como capítulo específico, na formulação de leis orgânicas; 3) elaboração dos Planos
Municipais de Educação (PME) e Plano de Ações Articuladas (PAR), estes dois últimos
mais recentemente; e, por fim, 4) constituição dos seus Conselhos de Educação e
dos Conselhos de Acompanhamento e Controle Social (CAE, FUNDEB, e outros).
Uma evidente fragilidade do nosso federalismo, a ser superada, mas que
ainda perdura, pode ser identificada na afirmação de Costa (2010):
(...) a constatação de que no Brasil a desconcentração prevaleceu sobre
a descentralização, está vinculada, por um lado, ao fato de a União
não prover seus entes federados de condições técnicas e financeiras
para gerir de forma autônoma suas políticas e, por outro, às condições
administrativas desfavoráveis em grande parte dos municípios
brasileiros que, em larga medida, comprometem a implementação
de políticas públicas locais de forma articulada, reservando a estes a
função de executores de propostas instituídas pela União.

O regime de colaboração entre União, Estados e Municípios ficou estabelecido


no art. 211 da Constituição Federal e art. 5º da LDBEN, contudo, até a presente data, após
a promulgação da Lei Federal nº 13.005/14 que aprovou o Plano Nacional de Educação
(PNE), o debate permanece, ora indicando avanços, outras vezes apontando retrocessos
por força dos embates políticos atuais, não tendo ainda a nação definido de fato o seu
Sistema Nacional de Educação (SNE), denotando fragilidades e inconsistências nas bases
governamentais do país que já deveria consolidar políticas de Estado em detrimento
daquelas transitórias, representadas pelos anseios de Governos.
Na busca de avanços, em um país de dimensão continental, pode-se identificar
a necessidade de materialização de um instrumento de viabilização do SNE, ideia esta
que pode ser corroborada pela alteração do artigo 214 da CF 1988, feita pela Emenda
Constitucional (EC 59/2009), que introduziu um conceito de Sistema nas bases vigentes
da educação, a saber:
(Art. 214) A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de
duração decenal, com o objetivo de articular o sistema nacional de

34
Políticas Públicas de Educação

educação em regime de colaboração e definir diretrizes, objetivos,


metas e estratégias de implementação para assegurar a manutenção
e desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis, etapas e
modalidades por meio de ações integradas dos poderes públicos das
diferentes esferas federativas [...]

Sistema Nacional de Educação em regime de colaboração que, avançando


na perspectiva do funcionamento articulado e cooperativo dos sistemas de ensino
dos entes federados, agora passa a considerar o papel de um Plano Nacional de
Educação, de duração decenal, como mediador desse processo. Assim, o PNE e,
consequentemente, os planos estaduais, distrital e municipais passaram a ser decenais
e, em tese, articuladores dos sistemas de educação (DONALDO; MENEZES, 2015).

Função educadora do Estado: garantir educação


como direito social ou mercantilizar a vida?
Forte indício de retrocessos é a tentativa do atual Governo em propor
mudanças significativas na área educacional sem a devida discussão democrática
com os mais interessados, utilizando artifícios nas bases partidárias no Congresso
Nacional, pouco afeito a ouvir a caixa de ressonância da sociedade em transformação.
Há fortes indícios de que mais uma vez o país terá um PNE meio que letra morta, pois
as medidas atuais em curso colocam em risco a execução do que foi planejado.
Neste cenário, importante que se perceba que o Estado exerce a função
educadora ao dirigir e organizar a sociedade para uma determinada vontade política. Sua
função educadora pode ser identificada ao longo do processo de desenvolvimento histórico
do modo de produção capitalista, tendo expandido sua esfera de domínio por meio de
estratégias refinadas capazes de impor a adesão à sua forma particular de ver o mundo.
No atual contexto mundial, o Estado classista aperfeiçoa os mecanismos de
hegemonia ao exercer o papel de administrador dos ciclos de crise do capital e como
Estado-educador, em harmonia com o mercado e em parceria com as organizações da
sociedade civil para o enfrentamento das graves questões sociais. Germano (2005)
admite que o Estado, em formações sociais capitalistas, assume, em geral, três
funções essenciais: funções de legitimação, que dizem respeito à direção política,
à obtenção do consenso da sociedade; funções coercitivas, que correspondem ao
domínio e ao exercício da força e da repressão e, finalmente, funções econômicas,
que se caracterizam por servir de suporte à acumulação do capital.

35
Políticas Públicas de Educação

De fato, o processo de reprodução social do capital exige regulação como


forma de garantia da sua preservação que, em sua maioria, é estranha ao princípio
regulador das várias unidades de capital. O Estado acabou por corporificar esta
instância reguladora que se apresenta como instrumento particular, separado dos
representantes da classe dominante, localizado acima de cada capitalista e que
aparece como uma força impessoal. Logo se pode evidenciar que a intervenção
econômica do Estado se reveste de um caráter conflitivo.
Pode-se deduzir que descentralização e centralização são formas
alternativas de dominação. Percebe-se que a redefinição da forma de dominação
ocorre sem grandes sobressaltos visando a compatibilizá-la com exigências de novos
tempos. Essa característica estrutural da macropolítica nacional tem uma coerência
com reflexos evidentes na educação.
A democratização da educação pública, nas suas dimensões de acesso,
gestão e qualidade de ensino está relacionada com a implantação de políticas
públicas que, por sua vez, apresentam contradições provenientes de vertentes
conceituais em disputa, quais sejam: 1) dar conta da educação como direito social
e 2) como cultura mercadológica filiada ao modelo de mercantilização da vida.
Dando consistência teórica a esta inquietação, vamos encontrar Souza e Faria (2003)
manifestando relevante questionamento:
Isso nos coloca uma questão de fundamental importância para ser
examinada: é possível a democratização da educação pública no
âmbito do Estado tradicional (nos níveis municipal, estadual e federal),
contaminado pela ideologia de mercado e com estruturas e políticas
que expressam um desenvolvimento que naturaliza a exclusão?

Percebe-se que os processos de descentralização com autonomia dos


municípios sofreram grande limitação por conta das forças hegemônicas do capital
internacional que, de modo explícito, definiram, para os países periféricos, as diretrizes
educacionais do final do século XX e, também, do início do século XXI, com reflexos
permanentes nas atuais políticas do Governo Federal que descentralizam certas
competências e atribuições e centralizam mecanismos de controle e de indução das
políticas locais por meio de programas e ações, especialmente na área da avaliação
institucional, verticalizando e uniformizando uma série de políticas, programas e ações,
com atrelamento financeiro, como, por exemplo, o Programa Dinheiro Direto na Escola
(PDDE), Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE), Pacto Nacional pela Alfabetização
na Idade Certa (PNAIC), Programa Nacional de Apoio ao Transporte Escolar (PNATE),

36
Políticas Públicas de Educação

e o Plano de Ações Articuladas (PAR), exacerbando-se a preocupação com os dados


estatísticos representados quantitativamente e relegando-se ao abandono histórico
uma série de determinantes da real elevação qualitativa da educação brasileira, como
exemplos a infraestrutura ideal para as escolas, o custo aluno-qualidade, a formação e a
real valorização dos docentes, a gestão participativa e o controle social, dentre muitos
outros estruturantes.
Como ainda ocorre uma maior concentração de recursos financeiros na
União, o Ministério da Educação acaba por pulverizar pelo país afora os recursos em
programas e ações que, vez ou outra, sofrem alterações conceituais, procedimentais
ou mesmo são interrompidos drasticamente por conta de decisões governamentais
em suas alternâncias, caracterizando a permanente política de governo se sobrepondo
às políticas de Estado. Antes mesmo de que se possa medir resultados, por falta de
continuidade, programas e projetos pouco aderentes às reais necessidades locais
possibilitam desperdícios de recursos do erário. Defende-se desta forma a maior
descentralização de recursos com maior autonomia para que os Municípios construam
seus planos de ação com a sociedade organizada e seus controles sociais de modo a
garantir a superação de muitos dos problemas estruturais que perduram no cenário da
educação básica brasileira.
Para efeito de referência e instigação em futuros estudos com aprofundamento,
caso assim se interesse o leitor, recomenda-se a pesquisa sobre as Principais Ações e
Programas de responsabilidade do Ministério da Educação no PPA 2012-2015. Relatório
de Gestão Consolidado – Ministério da Educação – Exercício 2014 (MEC, 2014).
Os municípios permanecem atrelados a uma dependência financeira da
União no contexto de uma política fiscal desfavorável aos Municípios. Registra-se,
além disso, uma série de limitações na arrecadação dos recursos próprios a despeito
das exigências da lei de responsabilidade fiscal (Lei Federal nº 101/2000) que, de sua
fase de implantação até hoje, não alterou significativamente a cultura de sonegação,
tendo sinalizado resultados tímidos na ampliação do erário. No cenário nacional, a
grande maioria dos municípios sustenta-se com os repasses do Fundo de Participação
dos Municípios (FPM) e os vinculados à educação, como Quotas Estaduais do Salário-
Educação (QESE) e Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica
e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB). Por isso, grande parte dos
municípios ainda enfrenta graves problemas orçamentários face às inúmeras demandas
sociais, limitando-se, muitos deles, à aplicação mínima de recursos estabelecida em lei
para a educação.

37
Políticas Públicas de Educação

Quadro 1 – Vinculação de recursos para a educação, ordenada nas diferentes


Cartas Constitucionais (Brasil – 1934/1988)

Vinculação (%)
ENTES EC nº EC nº
FEDERADOS CF 1934 CF 1946 CF 1988
CF 1937 CF 1967 01 / 24 / ?
(Art.139) (Art.169) (Art.212)
1969 1983

União 10* 10 - 13 18
Revogou Revogou
Estados/DF 20 a 20 a - 25 25
vinculação vinculação
Municípios 10 20 20 25 25

(*)A Constituição de 1934 subvinculava 20% da alíquota da União para o ensino rural (art. 156).
Notas: (1) a Emenda Constitucional n°1, de 1969, associou a vinculação à receita tributária e não à
receita de impostos, conforme fizeram as demais Cartas Constitucionais; (2) poder-se-ia acrescentar
ao quadro as determinações: I) da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n° 4.024/1961),
que vinculou 12% dos impostos da União e 20% dessa mesma receita dos estados, Distrito Federal e
municípios à manutenção e desenvolvimento do ensino (art. 92), e; II) da Lei de Diretrizes e Bases do
Ensino de 1° e 2° Graus (Lei n° 5.692/1971), que repetiu a vinculação determinada pela EC n° 1/1969 e
acrescentou que os municípios aplicassem no ensino de 1º grau pelo menos 20% das transferências
recebidas do Fundo de Participação (art. 59).

Fato preocupante e em curso avançado de aprovação no Congresso Nacional


é a Proposta de Emenda Constitucional (EC nº 55/16) no Senado da República (PEC
241/16), já aprovada na Câmara dos Deputados, que limitará os gastos governamentais
por 20 anos. Relevante destacar, após análise do quadro 1 (MENEZES, 2005), que os
18% constitucionais garantidos na CF de 1988 a serem aplicados pela União e os 25%
pelos Estados/DF e Municípios, correm grave risco de tornarem-se números mortos
a partir da aprovação da mencionada PEC. Pode-se aqui levantar as questões: quais
os números que estarão compondo a próxima coluna do quadro 1 após a aprovação
da emenda constitucional 55/16? Indicarão avanços ou retrocessos? Os estados e
municípios terão mais ou menos recursos para executarem seus Planos de Educação?
Estas medidas fortalecerão ou enfraquecerão o Sistema Nacional de Educação de há
muito desejado pelos entes federativos e em fase de consolidação?

38
Políticas Públicas de Educação

Desafios municipais para garantir direitos e


educação de qualidade
Estas incertezas geram inseguranças nos gestores que têm a reponsabilidade
da implementação de políticas educacionais e têm seus efeitos de freio de mão
na velocidade da realização do necessário para a ruptura com o atraso histórico já
mencionado e a garantia de direitos de aprendizagem e desenvolvimento pleno de
crianças, jovens e adultos deste país.
Vivem-se nos municípios brasileiros momentos de intensa busca de
superação de demandas de toda ordem, com forte evidência de esforços para
materialização dos Planos Municipais de Educação elaborados e aprovados em 2015
em consonância com o Plano Nacional de Educação de 2014. O que se agrava é a
inconsistência do suporte financeiro advinda da forte crise que se abateu no Estado
brasileiro, comprometendo a expansão gradativa do volume de recursos destinados
à educação até ao final da década do PNE, ou seja, 2024.
Notória a crescente preocupação dos dirigentes municipais e estaduais, dos
integrantes dos Conselhos e Fóruns de Educação, no sentido de garantir direitos e
cumprir os marcos regulatórios legais para maior eficácia na gestão subnacional das
políticas públicas educacionais. Leituras de mundo e de sociedade bem ampliadas a
fim de se compreender os contextos nacional e internacional fazem-se necessárias
para que se tomem decisões éticas e coerentes com os interesses da coletividade,
indo ao encontro de políticas públicas voltadas para a consolidação do estado de
direito.
Neste cenário paradoxal das políticas públicas para a educação no Brasil,
que diretamente afeta a educação municipal, fica evidente a necessidade de se
buscar resposta para alguns questionamentos relevantes e por conta disso constata-
se no cenário das universidades brasileiras e seus núcleos de pesquisa, e tantos
outros espaços democráticos de discussão, como o CAO Educação do Ministério
Público do Estado do Rio de Janeiro, uma crescente demonstração de interesse em
relação às questões que envolvem as políticas públicas educacionais no Brasil. Prova
disso, é o volume considerável de produções acerca da temática, especialmente
após a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e das leis
que criaram os fundos de financiamentos da educação como Fundo de Manutenção
e Desenvolvimento da Educação Fundamental e de Valorização dos Profissionais da

39
Políticas Públicas de Educação

Educação – FUNDEF (BRASIL, 1996) e Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da


Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação  – FUNDEB (BRASIL,
2007), além de seus marcos regulatórios norteados pelos princípios democráticos.
Por fim, restam-nos a voz e a esperança, a utopia e a capacidade de reunir
diferentes atores dos processos educacionais a fim de aglutinar ideias, ideais e
ações na busca de qualidade social da educação, forjando em cada agente uma nova
ponte entre o idealizado e o possível no momento, sem que o conjunto das metas
projetadas seja perdido de vista.
Necessário, então, o esforço coletivo de exercício do pensamento plural e
das vontades comuns que nos tornam convergentes e não opositores em tempos
de quase barbárie. Urge sim realizar pesquisas e viabilizar suas publicações, como
também socializar os avanços, mas também promover as resistências como
processos educativos pessoais e coletivos, de amadurecimento de uma Nação que
se fez primeiro Estado, com todo seu marco regulatório e uma cidadania fragilizada.
O necessário salto civilizatório para a justiça social, a equidade, a vida
respeitada em todas as suas dimensões, enfim, a humanidade se sobrepondo ao
transitório, ao capital, dependerá da própria educação libertadora e emancipatória
de mentes e corações, em uma dinâmica forjada nas convicções e nas práticas de
gestão responsável de que a educação, antes de ser um produto a ser ofertado
para todo o povo, será ela mesma a alavanca de libertação de suas misérias e de suas
fraquezas milenares a partir dos seus protagonismos.

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Políticas Públicas de Educação

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42
Políticas Públicas de Educação

O Plano Decenal e o
Sistema Nacional de
Educação
Elionaldo Fernandes Julião17

17 Professor Adjunto de Educação de Jovens e Adultos do Instituto de Educação de Angra


dos Reis e do Programa de Pós Graduação em Educação da Universidade Federal Fluminense
(UFF). Coordenador do Grupo de Trabalho e Estudos sobre Políticas de Restrição e Privação em
Liberdade e Vice-Coordenador do Núcleo de Estudos e Documentação sobre Educação de Jovens
e Adultos da Universidade Federal Fluminense.

43
Políticas Públicas de Educação

Introdução
Com a promulgação da Constituição Federal (CF) em 1988 e com a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN – Lei. 9394/1996), a educação
passa a ser reconhecida com um direito de todos no Brasil, “visando ao pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho” (CF, art. 205).
Conforme o art. 211 da CF, visando a assegurar educação com o mesmo
padrão de qualidade a toda a população do país, “a União, os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios organizarão em regime de colaboração seus sistemas
de ensino”, estabelecendo normas e procedimentos comuns válidos para todo o
território nacional.
Como um conjunto unificado que articula todos os aspectos da educação
no país, esse sistema não pode ser compreendido como um grande guarda-chuva
com a mera função de abrigar sistemas (27 estaduais e 5.565 municipais) de ensino,
supostamente autônomos entre si, mas sim construir uma unidade dos vários
aspectos ou serviços educacionais mobilizados no país, intencionalmente reunidos
de modo a formar um conjunto coerente que opera eficazmente no processo de
educação da sua população.
Segundo a LDBEN, no seu Título IV (Da Organização da Educação Nacional), Art. 8º:
§ 1º. Caberá à União a coordenação da política nacional de educação,
articulando os diferentes níveis e sistemas e exercendo função
normativa, redistributiva e supletiva em relação às demais instâncias
educacionais.
§ 2º. Os sistemas de ensino terão liberdade de organização nos termos
desta Lei.

Conforme Saviani (2010, p. 382), o sistema nacional de ensino “não pode ser
uma unidade monolítica, indiferenciada, mas unidade da diversidade, um todo que
articula uma variedade de elementos que, ao se integrarem ao todo, nem por isso
perdem a própria identidade; ao contrário, participam do todo, integram o sistema
na forma de suas respectivas especificidades”.
No seu art. 214, a CF determina que:
A lei estabelecerá o plano nacional de educação (PNE), de duração
decenal, com o objetivo de articular o sistema nacional de educação

44
Políticas Públicas de Educação

em regime de colaboração e definir diretrizes, objetivos, metas


e estratégias de implementação para assegurar a manutenção
e desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis, etapas e
modalidades por meio de ações integradas dos poderes públicos das
diferentes esferas federativas (...).

Já o seu art. 212, § 3°, estabelece que “a distribuição dos recursos públicos
assegurará prioridade ao atendimento das necessidades do ensino obrigatório, nos
termos do plano nacional de educação”: aplicação de, no mínimo, 18% pela União e
25% pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, da receita resultante de impostos,
compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento
do ensino.
Com o objetivo de cumprir ao que determinam o art. 214 da Constituição
Federal Brasileira e os artigos 9º, inciso I, e 87, parágrafo 1º da Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional, que não apenas preconiza o Plano Nacional de Educação,
mas também define como incumbência da União, elaborar o Plano “em colaboração
com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios”, cabendo aos Estados “elaborar
e executar políticas e planos educacionais, em consonância com as diretrizes e
planos nacionais de educação, integrando e coordenando as suas ações e as de seus
municípios” (art.10, inciso III), a duração e o referencial desse plano estão assim
previstos: “a União, no prazo de um ano, a partir da publicação desta lei, encaminhará
ao Congresso Nacional, o Plano Nacional de Educação, com diretrizes e metas para
os dez anos seguintes, em sintonia com a Declaração Mundial sobre Educação para
Todos” (Art. 87, § 1°).
Neste sentido, o Plano Nacional de Educação é um instrumento definido em
função da política educacional a ser implementada, da legislação que lhe dá suporte
e das condições humanas, materiais e financeiras à disposição da sociedade. Seu
principal objetivo é atender às necessidades educacionais da população.
Conforme Jamil Cury (1998, p. 164):
é um programa de realizações para ser cumprido e executado em um
certo período (definição cronológica), dentro de objetivos a serem
atingidos e para os quais se pleiteiam os meios, inclusive pecuniários,
necessários para a implementação adequada.

Aprovado o PNE, uma das tarefas mais urgentes e necessárias é a instituição


do Sistema Nacional de Educação. Conforme art. 13 da Lei nº 13.005/2014 que aprova
o PNE (2014-2014), 

45
Políticas Públicas de Educação

o poder público deverá instituir, em lei específica, contados 2 (dois)


anos da publicação desta Lei, o Sistema Nacional de Educação,
responsável pela articulação entre os sistemas de ensino, em regime
de colaboração, para efetivação das diretrizes, metas e estratégias do
Plano Nacional de Educação.
Em síntese, com o Plano Nacional de Educação pretende-se que se estabeleça
políticas de Estado, a partir da participação ampla e democrática da sociedade civil,
visando a realizar e garantir – com qualidade – os direitos educacionais para todos.
Que se defina as bases, diretrizes, metas e estratégias para a educação brasileira,
incidindo sobre os demais planos decenais de educação a serem construídos por
estados, municípios e Distrito Federal (OLIVEIRA et al, 2011).
Sendo assim, os Planos de Educação são, também, um importante
instrumento contra a descontinuidade das políticas, pois orientam a gestão
educacional e referenciam o controle social e a participação cidadã.

O estabelecimento do PNE por lei


A Constituição Federal de 1988 previu expressamente o estabelecimento
do PNE por lei. A LDBEN (Lei nº 9.394/1996) dispôs que a União deveria elaborar o
PNE, em colaboração com os estados, o Distrito Federal e os municípios (art. 9º, I)
e, no prazo de um ano, encaminhá-lo ao Congresso Nacional, com suas diretrizes e
metas para os dez anos seguintes.
Os partidos de oposição, encabeçados pelo Deputado Federal Ivan Valente,
em 1998, encaminharam para apreciação do Congresso Nacional o Plano planejado
pelas entidades educacionais, mediante a realização de dois Congressos Nacionais
de Educação – CONED, 1996 e 1997, denominado “Proposta da Sociedade Brasileira”
(PL nº 4.155/1998). Posteriormente, ainda no início de 1998, seguiu a proposta do
Governo Fernando Henrique, elaborada pelo Ministério da Educação18, por meio do
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas – INEP, intitulada “Proposta do Executivo
ao Congresso Nacional” (PL nº 4.173/1998), defendida pelo Deputado Nelson
Marchezan, relator do Projeto na Câmara dos Deputados.

18 Antecipando-se à LDBEN, o governo federal elaborou e promulgou a Lei 9131, de 24/11/95,


criando o Conselho Nacional de Educação, fragmentado em Câmaras – de Educação Básica
e de Educação Superior. Com atribuições normativas, “deliberativas” e de assessoramento do
Ministério da Educação (MEC), tal Conselho foi concebido enquanto instância que assegura “(...)
a participação da sociedade no aperfeiçoamento da educação nacional” (Art.7°). Entre essas
atribuições consta a de “subsidiar a elaboração e acompanhar a execução do Plano Nacional de
Educação (Art.7°).

46
Políticas Públicas de Educação

Ambos os Planos travaram uma discussão discordante, estabelecendo duas


visões sobre o mesmo ponto, as políticas de educação a serem implementadas em
âmbito nacional para o último decênio. Enquanto a proposta governamental “opera
com o existente, ampliando-o dentro de uma perspectiva conservadora, guiando
uma ação já em curso cujos contornos já estão construídos” – seu horizonte é muito
mais de normas programáticas do que o de um plano propriamente dito – a proposta
do CONED, “crítica e enfática ao existente, opera com uma redefinição do campo”,
propondo “marcas de atuação concreta cuja suposição básica é a busca vitoriosa do
poder”, tendo como horizonte a democracia e a inclusão social. Inciso nas metas, sua
consecução implica o reordenamento da estrutura social no Brasil (CURY, 1998).
Pela primeira vez, em 2001, o Plano Nacional de Educação é instituído por
lei – a Lei nº 10.172, de 9 de janeiro de 2001, vigorando de 2001 a 2010. Em síntese,
o plano aprovado deixa de ser uma mera carta de intenções para ser um rol de
obrigações, passando a ser imperativo para o setor público (BRASIL, 2015).
Em 2010, foi realizada a Conferência Nacional de Educação (CONAE), que
se constituiu em amplo movimento envolvendo a sociedade política e diversos
setores da sociedade civil vinculados à educação para discutir os rumos da educação
brasileira, principalmente para definir os subsídios necessários à elaboração do
Plano Nacional de Educação (PNE) para os próximos dez anos.
A história se repete, o Projeto de Lei (PL n. 8.035) apresentado pelo governo
federal ao Congresso Nacional em dezembro de 2010, não refletiu o conjunto das
decisões da CONAE.
Visando a encurtar os prazos nos encaminhamentos burocráticos e na
discussão, uma Comissão Especial foi instalada no Congresso Nacional para analisar
o projeto de lei que foi enviado pelo governo federal à Câmara dos Deputados.
O texto apresentado pelo governo, mais enxuto, ao contrário do Plano
Nacional anterior que vigorou de 2001 a 2010, que apresentava 295 metas – muitas
não cumpridas –, continha apenas 20 metas.
Considerada tímida a proposta do executivo por pesquisadores e
organizações envolvidas com o tema, ainda identificavam falhas e ausências no
projeto. Com base nas deliberações da Conferência Nacional de Educação (CONAE),
muitas foram deixadas de lado, somente a Campanha Nacional pelo Direito à
Educação, por exemplo, chegou apresentar 75 emendas a proposta inicial.
Diversas foram as questões levantadas na discussão, destacando-se, dentre
outras: limitações de financiamento, que inviabilizariam o cumprimento das metas;

47
Políticas Públicas de Educação

a ausência de metas intermediárias, que permitiriam um monitoramento mais eficaz


do plano; ausência de diagnóstico da educação brasileira e não previsão de um
monitoramento eficaz de suas metas; a necessidade de pactuar as responsabilidades
entre os entes federados; ações previstas para EJA que não garantiam ampliação do
acesso a essa modalidade etc.
Ainda sobre a educação de jovens e adultos, os integrantes do Simpósio
Analfabetismo e EJA no PNE do III Seminário de Educação Brasileira realizado na
Unicamp (2011), também apresentaram reflexões e propostas para o Projeto
de Lei. Destacaram, por exemplo, que o Projeto mantinha uma lógica equivocada
de focalização etária e a questão da educação como um direito de todos seguia
negada; não indicava quem são os sujeitos que em sua maioria são demandantes de
educação no país; não indicava políticas de Estado, estava pautado em programas;
não contemplava as discussões feitas no Eixo “Justiça Social, Educação e Trabalho:
Inclusão, Diversidade e Igualdade” da CONAE; a concepção de EJA repete a velha
e desgastada concepção equivocada de “erradicação do analfabetismo”, visão
preconceituosa que se constituiu historicamente etc.
Já como propostas, o documento sugeria que fossem incluídos considerandos
que “reconhecessem toda a riqueza que se discute hoje no Brasil em relação a EJA,
dentre elas: superar a visão ultrapassada e genérica dos jovens e adultos; explicitar a
produção histórica do analfabetismo e não a visão deste fato como anomalia; superar
as propostas que negam a concepção real de quem são os sujeitos de direitos;
ultrapassar a visão de educação compensatória e aligeirada que ainda marcam as
ofertas de EJA, sejam em cursos ou exames; assumir a isonomia dos alunos da EJA
frente aos demais alunos da educação básica no que tange a financiamento; perceber
que a discussão da educação à distância como modalidade é um entrave para sua real
compreensão, enquanto dimensão de ambiente de aprendizagem em rede, que com
as tecnologias disponíveis hoje deveriam possibilitar que de fato os trabalhadores
fossem mais sujeitos em todos os espaços que ocupam” etc.
Em abril de 2011, o deputado Ângelo Vanhoni foi indicado como relator da
proposição na Comissão Especial criada pela presidência da Câmara dos Deputados.
Depois de aprovado a redação final na Câmara dos Deputados, em outubro de 2012,
foi imediatamente remetido ao Senado Federal. Após tramitação no Senado, em 28
de maio de 2014, iniciou-se a discussão no Plenário, concluída em 3 de junho de 2014,
com a aprovação do PNE (Lei nº 13.005/2014), sancionado em 25 de junho de 2014
pela presidenta Dilma Rousseff.

48
Políticas Públicas de Educação

Planos e Metas do PNE (2014-2024)


Conforme o seu artigo 8º da Lei nº 13.005/2014,
os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão elaborar
seus correspondentes planos de educação, ou adequar os planos
já aprovados em lei, em consonância com as diretrizes, metas e
estratégias previstas neste PNE, no prazo de 1 ano contado da
publicação desta Lei.

O Plano Nacional de Educação aprovado para o período de 2014-2024 está


divido em 20 metas.

Tabela: Metas do PNE - Lei nº 13.005/2014

METAS DESCRIÇÃO
Universalizar, até 2016, a educação infantil na pré-escola
para as crianças de 4 a 5 anos de idade e ampliar a oferta
Meta 1: Educação de educação infantil em creches de forma a atender, no
Infantil mínimo, 50% das crianças de até 3 anos até o final da
vigência deste PNE.
Universalizar o ensino fundamental de 9 anos para toda a
Meta 2: Ensino população de 6 a 14 anos e garantir que pelo menos 95%
Fundamental dos alunos concluam essa etapa na idade recomendada,
até o último ano de vigência deste PNE.
Universalizar, até 2016, o atendimento escolar para toda a
Meta 3: Ensino população de 15 a 17 anos e elevar, até o final do período
Médio de vigência deste PNE, a taxa líquida de matrículas no
ensino médio para 85%.
Universalizar, para a população de 4 a 17 anos com
deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e
altas habilidades ou superdotação, o acesso à educação
Meta 4: Educação básica e ao atendimento educacional especializado,
Especial/Inclusiva preferencialmente na rede regular de ensino, com a
garantia de sistema educacional inclusivo, de salas de
recursos multifuncionais, classes, escolas ou serviços
especializados, públicos ou conveniados.
Meta 5: Alfabetizar todas as crianças, no máximo, até o final do 3º
Alfabetização ano do ensino fundamental.
Oferecer educação em tempo integral em, no mínimo, 50%
Meta 6: Educação das escolas públicas, de forma a atender, pelo menos, 25%
Integral dos alunos da educação básica.

49
Políticas Públicas de Educação

Fomentar a qualidade da educação básica em todas as


Meta 7: etapas e modalidades, com melhoria do fluxo escolar e
Aprendizado da aprendizagem de modo a atingir as melhores médias
adequado na nacionais para o Índice de Desenvolvimento da Educação
idade certa Básica (IDEB).
Elevar a escolaridade média da população de 18 a 29 anos,
de modo a alcançar, no mínimo, 12 anos de estudo no
Meta 8: último ano de vigência deste Plano, para as populações do
Escolaridade campo, da região de menor escolaridade no País e dos 25%
Média mais pobres, e igualar a escolaridade média entre negros e
não negros declarados à Fundação Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística - IBGE.
Meta 9: Elevar a taxa de alfabetização da população com 15 anos
Alfabetização e ou mais para 93,5% até 2015 e, até o final da vigência deste
alfabetismo de PNE, “erradicar o analfabetismo absoluto” e reduzir em 50%
jovens e adultos a taxa de analfabetismo funcional.

Meta 10: Educação


de Jovens e Oferecer, no mínimo, 25% das matrículas de educação de
Adultos integrada jovens e adultos, nos ensinos fundamental e médio, na
à educação forma integrada à educação profissional.
profissional
Triplicar as matrículas da educação profissional técnica
Meta 11: Educação de nível médio, assegurando a qualidade da oferta e pelo
Profissional menos 50% da expansão no segmento público.
Elevar a taxa bruta de matrícula na educação superior para
Meta 12: Educação 50% e a taxa líquida para 33% da população de 18 a 24 anos,
Superior assegurada a qualidade da oferta e expansão para, pelo
menos, 40% das novas matrículas, no segmento público.
Meta 13: Titulação Elevar a qualidade da educação superior e ampliar a
de professores proporção de mestres e doutores do corpo docente em
na educação efetivo exercício no conjunto do sistema de educação
superior superior para 75%, sendo, do total, no mínimo, 35% doutores.
Elevar gradualmente o número de matrículas na pós-
Meta 14: Pós- graduação stricto sensu, de modo a atingir a titulação anual
graduação de 60.000 mestres e 25.000 doutores.
Garantir, em regime de colaboração entre a União, os
Estados, o Distrito Federal e os Municípios, no prazo
de 1 ano de vigência deste PNE, política nacional de
formação dos profissionais da educação de que tratam
Meta 15: Formação os incisos I, II e III do caput do art. 61 da Lei no 9.394,
de Professores de 20 de dezembro de 1996, assegurado que todos os
professores e as professoras da educação básica possuam
formação específica de nível superior, obtida em curso de
licenciatura na área de conhecimento em que atuam.

50
Políticas Públicas de Educação

Formar, em nível de pós-graduação, 50% dos professores


Meta 16: Formação da educação básica, até o último ano de vigência
continuada e pós- deste PNE, e garantir a todos os profissionais da
graduação de educação básica formação continuada em sua área de
professores atuação, considerando as necessidades, demandas e
contextualizações dos sistemas de ensino.
Valorizar os profissionais do magistério das redes públicas
Meta 17: de educação básica de forma a equiparar seu rendimento
Valorização do médio ao dos demais profissionais com escolaridade
Professor equivalente, até o final do sexto ano de vigência deste PNE.
Assegurar, no prazo de 2 anos, a existência de planos
de Carreira para os profissionais da educação básica e
superior pública de todos os sistemas de ensino e, para
Meta 18: Plano de o plano de Carreira dos profissionais da educação básica
carreira docente pública, tomar como referência o piso salarial nacional
profissional, definido em lei federal, nos termos do inciso
VIII do art. 206 da Constituição Federal.
Assegurar condições, no prazo de 2 anos, para a efetivação
da gestão democrática da educação, associada a critérios
Meta 19: Gestão técnicos de mérito e desempenho e à consulta pública
democrática à comunidade escolar, no âmbito das escolas públicas,
prevendo recursos e apoio técnico da União para tanto.
Ampliar o investimento público em educação pública de
Meta 20: forma a atingir, no mínimo, o patamar de 7% do Produto
Financiamento da Interno Bruto - PIB do País no 5º ano de vigência desta Lei e,
Educação no mínimo, o equivalente a 10% do PIB ao final do decênio.
Após a ação de elaboração ou adequação dos planos subnacionais à luz
do PNE, a tarefa agora constituída é o monitoramento e avaliação dos Planos de
Educação. Cada plano de educação (nacional, estadual e municipal) definiu os atores
responsáveis pelo seu monitoramento e avaliação, como as comissões coordenadoras
e/ou equipes técnicas, nos estados, no Distrito Federal e nos municípios.
Com dois anos de sua aprovação, no final de 2016, por exemplo, dos 21
objetivos de curto prazo que já deveriam ter sido concluídos, conforme levantamento
feito pelo movimento Todos pela Educação, apenas a criação de um fórum para
acompanhar a evolução salarial dos professores foi alcançada.
Dentre as 20 metas previstas para 2016 e não executadas, de acordo com
o acompanhamento da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, estão incluídas,
dentre outras: universalização da educação infantil e ampliação da oferta de creches;
universalização do atendimento escolar para toda a população de 15 a 17 anos;
elevação da taxa de alfabetização da população com 15 anos ou mais para 93,5%;

51
Políticas Públicas de Educação

implantação da política nacional de formação continuada para os profissionais da


educação; e implantação do Custo Aluno-Qualidade inicial – CAQi.
O desafio agora é seguir acompanhando e avaliando a implementação de
cada meta prevista nos planos de educação.

Considerações Finais
Segundo o Ministério da Educação, através do seu Portal “PNE em Movimento”19,
até o presente momento (2016), 25 estados da federação sancionaram os seus planos
estaduais de educação. Somente o Rio de Janeiro e Minas Gerais ainda estão em processo.
O Rio de Janeiro somente está com o seu “Documento Base” elaborado e não realizou a
discussão para a sua aprovação no estado. Já Minas Gerais enviou a sua proposta para o
legislativo e aguarda a sua aprovação junto à Assembleia Legislativa.
Poucos também foram os municípios que não sancionaram os seus planos
municipais. Na região norte do país, por exemplo, somente 2 municípios no Maranhão20
não sancionaram. Na região nordeste, somente 7 municípios da Bahia21. E na região sudeste
somente 2 municípios do Espírito Santo22; 2 do Rio de Janeiro23; 5 de Minas Gerais24; e 10 de
São Paulo25 não sancionaram os seus planos.
Depois de mais de uma década de incentivo à participação social e de
empoderamento da sociedade civil nas discussões políticas e sociais, estamos vivendo
um dos momentos mais críticos da história da nossa democracia. Em um contexto de crise
política, econômica, institucional e ética como a que estamos vivendo hoje no Brasil, com o
golpe parlamentar e empresarial que aprovou o injustificado impeachment em agosto de
2016 orquestrado por uma parte da sociedade conservadora (e apoiado por instituições
que se afirmam republicanas), põe em risco conquistas históricas das classes populares e
trabalhadoras.
Os últimos acontecimentos no país – destacando-se o resultado das últimas
eleições em 2016 em várias capitais do Brasil, principalmente em São Paulo e Rio de

19 http://pne.mec.gov.br/planos-de-educacao/situacao-dos-planos-de-educacao (Visitado em:


01/12/2016).
20 São João Batista e Nova Olinda.
21 Barreira, Santa Maria da Vitória, Crisópolis, Gongogi, Miguel Calmon, Ruy Barbosa e Feira de
Santana.
22 Ibatiba e Iuna.
23 Rio de Janeiro e Volta Redonda.
24 Pirapora, Nova Lima, Conceição de Ipanema, Juiz de Fora e Patrocínio do Muriaé.
25 Colômbia, Ribeirão Preto, Matão, Iaras, Chavantes, Cosmópolis, Bom Sucesso de Itararé,
Vargem, Guarulhos e Louveira.

52
Políticas Públicas de Educação

Janeiro, o julgamento do massacre do Carandiru que após 24 anos do ocorrido absolveu


os policiais, desresponsabilizando-os pelos crimes cometidos, e a ameaça da aprovação
no Congresso de projetos de lei que violam a nossa constituição e escancaram a nossa
economia para o capital externo – abrem cicatrizes que vulnerabilizam a nossa cidadania.
As forças progressistas e democráticas sofrem, fortalecendo cada vez mais o
discurso conservador supostamente apolítico, machista, sexista etc. A cidadania brasileira
agoniza com a crise.
Com as iniciativas propostas pelo atual Governo para modificar a Constituição,
com a justificativa  de frear a trajetória de crescimento dos gastos públicos  e tentar
equilibrar as contas públicas, propõe fixar, com cifras corrigidas pela inflação, por até 20
anos, um limite para as suas despesas, freando principalmente investimentos em saúde e
educação previstos na Constituição.
O Plano Nacional de Educação aprovado recentemente já inicia ameaçado. Sem
a ampliação dos investimentos públicos em educação pública, conforme previsto na sua
meta 20 – chegar a 10% do Produto Interno Bruto (PIB) ao final do decênio (2024) –, todas
as demais metas estão vulneráveis.
Sem sombra de dúvida, o campo progressista tem agora (mais do que nunca)
o desafio de mobilizar os movimentos sociais e a população em geral em torno de uma
possível frente progressista em luta por um horizonte menos nebuloso para as futuras
gerações. Não podemos simplesmente aguardar que o tempo dê conta de curar as
cicatrizes. Precisamos nos reorganizar e nos reconstruir a partir dos nossos próprios
escombros.
Com as conquistas no campo das políticas sociais, principalmente de educação
ameaçadas, é fundamental que a sociedade civil organizada, principalmente através
dos seus Conselhos cobrem do poder público e de seus legisladores respeito às leis e às
instituições que organizam o Estado brasileiro.
Precisamos avançar reconstruindo as nossas instituições e fortalecendo o nosso
“Estado Democrático de Direito” (art. 1 º da CF). É fundamental que os Conselhos se
fortaleçam e se empoderem institucionalmente para fazer valer os seus direitos como
representantes da sociedade no Estado, defendendo a implementação de políticas
públicas que venham garantir a democratização do ensino em suas diversas instâncias
– fundamental, médio e superior –, propondo que se ratifique a ampliação do acesso, a
socialização das discussões, viabilizando, com isso, a equidade social, garantindo nenhum
direito a menos para a toda a população.

53
Políticas Públicas de Educação

REFERÊNCIAS:

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF:


Senado Federal, 1988.
_______. Lei 9131/1995, de 24 de novembro 1995. Altera dispositivos da Lei nº 4.024, de 20
de dezembro de 1961, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF,  25 de
novembro de 1995 - edição extra.
_______. Lei n. 9.394/1996, de 20 de dezembro de 1996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, p.27833, 23 dez. 1996. Seção 1.
_______. Projeto de Lei nº 4.155/1998 da Câmara dos Deputados que visa aprovar Plano Nacional
de Educação. Brasília, DF: Câmara dos Deputados, 1998.
_______. Projeto de Lei nº 4.173/1998 da Câmara dos Deputados que visa aprovar Plano Nacional
de Educação. Brasília, DF: Câmara dos Deputados, 1998.
_______. Lei nº 10.172, de 9 de janeiro de 2001. Aprova o Plano Nacional de Educação e dá
outras providências. Diário Oficial da União - Seção 1 – 10 de janeiro de 2001, página 1.
_______. Conferências Nacionais de Educação: construindo o sistema nacional articulado de
educação – o Plano Nacional de Educação, Diretrizes e Estratégias de Ação (Documento final).
Brasília, DF: MEC, 2010.
_______. Projeto de Lei nº 8.035/2010 da Câmara dos Deputados que visa aprovar Plano Nacional
de Educação. Brasília, DF: Câmara dos Deputados, 2010.
_______. Conferências Nacionais de Educação: o PNE na articulação do sistema nacional de
educação (Documento final). Brasília, DF: MEC, 2014a.
_______. Lei nº 13.005 de 25 de junho de 2014. Aprova o Plano Nacional de Educação. Diário
Oficial da União, Brasília, DF, p. 1, 26 jun. 2014b. Seção 1, Edição Extra.
_______. Plano Nacional de Educação 2014-2024: Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014,
que aprova o Plano Nacional de Educação (PNE) e dá outras providências. – 2. ed. – Brasília:
Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2015. – (Série legislação; n. 193).
CURY, Carlos Roberto Jamil. O Plano Nacional de Educação: duas formulações. Caderno de
Pesquisa nº 104, p. 162-180, jul. 1998
OLIVEIRA, Dalila Andrade; et al. Por um Plano Nacional de Educação (2011-2020) como política
de Estado. Revista Brasileira de Educação v. 16 n. 47 maio-ago. 2011
SAVIANI, Dermeval. Sistema Nacional de Educação articulado ao Plano Nacional de Educação.
Revista Brasileira de Educação v. 15 n. 44 maio/ago. 2010.

54
Políticas Públicas de Educação

Financiamento da
educação básica: da
receita de impostos ao
FUNDEB
Janaina Specht da Silva Menezes26

26 Professora Associada da Faculdade de Educação e Programa de Pós-Graduação em Educação


da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Integra o Núcleo de Estudos
- Tempos, Espaços e Educação Integral (NEEPHI/UNIRIO) e o Núcleo de Pesquisa e Extensão -
Territórios, Educação Integral e Cidadania (TEIA) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

55
Políticas Públicas de Educação

Introdução
A existência do Estado se associa à consecução do bem comum, devendo
a sociedade constituir-se na destinatária dos recursos arrecadados pelos governos
(BRASIL, 2008). Sob essa perspectiva, a arrecadação de tributos tem por objetivo
subsidiar financeiramente o Estado no cumprimento de sua função social, relacionada
especialmente à garantia dos direitos sociais inscritos no texto constitucional27, entre
os quais a educação, não por acaso, está disposta em primeiro lugar no conjunto de
tais direitos.
Essas reflexões contribuem para o fortalecimento da compreensão de
que o direito de todos, e de cada um, à educação – determinado no Art. 205 da
Constituição Federal de 198828 (BRASIL, 1988) – associa-se, entre outros aspectos, à
concomitante garantia de fontes estáveis, regulares e suficientes de recursos. Logo,
possíveis fragilidades na estrutura de financiamento dos direitos sociais impõem,
como consequência, prováveis debilidades à garantia de tais direitos. Já a ausência
dessa estrutura, por sua vez, evanesce o dispositivo constitucional.
Em meio ao contexto de tais inquietações, o presente artigo tem por
objetivo apresentar alguns apontamentos sobre o financiamento da educação
básica no Brasil. Nesse sentido, abarca, em linhas gerais, sua principal fonte de
recursos, qual seja, a receita de impostos para, a partir dela, apresentar algumas
reflexões sobre o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e
de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB). Seria desejável que também
fossem apresentados aqui alguns aspectos sobre a contribuição social do salário-
educação, bem como sobre os royalties do petróleo, a participação especial e o
fundo social do pré-sal. Todavia, as limitações associadas à dimensão da presente
publicação remetem tal apresentação a uma outra oportunidade.

27 De acordo com a Constituição Federal de 1988, com redação dada pela Emenda Constitucional
n° 90/2015, “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o
transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a
assistência aos desamparados, na forma desta Constituição” (BRASIL, 2015, Art. 6°).     
28 A Constituição de 1988 estabelece que “A educação, direito de todos e dever do Estado e
da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o
trabalho” (BRASIL, 1988, Art. 205).

56
Políticas Públicas de Educação

A receita de impostos
No que diz respeito à receita de impostos, principal fonte de financiamento
da educação no País, a Constituição Federal de 1988 determina que:
Art. 212. União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os
Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento,
no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a
proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do
ensino (BRASIL, 1988, Grifos meus).
A vinculação constitucional, disposta no Art. 212, busca garantir a destinação
de um percentual mínimo da receita resultante de impostos, compreendidas
as transferências, para a educação, por parte de cada um dos entes federados.
Resumidamente, a vinculação constitucional de recursos para a educação, doravante
nomeada vinculação, estabelece um limite mínimo de investimento em educação no País.
Sobre a vinculação, cumpre destacar, de início, alguns aspectos. O primeiro
diz respeito ao fato de incidir exclusivamente sobre a receita de impostos, e não
sobre a receita tributária29. O segundo se associa à necessária compreensão de que
incide sobre o volume total de impostos, incluindo, sob essa perspectiva, a receita
de: (1) impostos próprios da União, Estados, Distrito Federal e Municípios (BRASIL,
1996, Art. 68, Inciso I); (2) transferências constitucionais e outras transferências
que tenham por base os impostos (BRASIL, 1996, Art. 68, Inciso II); bem como (3)
receitas correspondentes à dívida ativa30, juros e multas, associados ao pagamento
de impostos.
O Quadro 01 busca possibilitar uma maior clarificação de quais sejam os
impostos próprios, segundo a esfera de arrecadação.

29 A Constituição Federal de 1988 elenca diretamente três espécies de tributos: as taxas, as


contribuições de melhoria e os impostos (BRASIL, 1988, Art. 145). Prevê, ainda, duas outras
figuras tributárias “que são tratadas da mesma forma que os tributos, como se tributos fossem”
(BRASIL, 2008, p. 24): os empréstimos compulsórios e as contribuições sociais (BRASIL, 1988,
Arts. 148 e 149).
30 De acordo com Szklarowsky (2003), constitui dívida ativa o valor originário de débito, tributário
ou não, em favor de entes federados - registrado com essa chancela na Procuradoria Geral da
Fazenda Nacional, no caso da União, e nos Estados e Municípios em suas respectivas seccionais -,
pelo não pagamento de tributo ou multa administrativa juridicamente constituída e esgotadas as
exigências de prazos e cobranças.

57
Políticas Públicas de Educação

Quadro 1 – Brasil: Impostos dispostos na Constituição Federal de 1988,


segundo a esfera de arrecadação31

Esfera de
Impostos Sigla
arrecadação
Imposto sobre importação II
Imposto sobre exportação IE
Imposto sobre a renda ou proventos de qualquer natureza IR
Imposto sobre produtos industrializados IPI
União31
Impostos sobre operações de crédito, câmbio e seguro, ou
IOF
relativas a títulos ou valores mobiliários
Imposto sobre a propriedade territorial rural ITR
Imposto sobre grandes fortunas IGF
Imposto sobre a transmissão causa mortis e doação, de
ITCMD
quaisquer bens ou direitos
Estados e
Imposto sobre operações relativas à circulação de
Distrito mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte ICMS
Federal interestadual e intermunicipal e de comunicação
Imposto sobre a propriedade de veículos automotores IPVA
Imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana IPTU
Imposto sobre a transmissão de bens imóveis e de direitos
Municípios reais inter vivos
ITBI

Imposto sobre serviços de qualquer natureza ISS


Fonte: Menezes (2005).

Embora totalize 13 o número de impostos próprios dispostos na Constituição


Federal de 1988, na prática eles somam 12, haja vista que, a despeito de previsto nesta
Carta, o Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF) (BRASIL, 1988, Art. 153, Inciso VII),
por não contar com lei de regulamentação aprovada no Congresso Nacional, nunca
foi cobrado em nosso País. Isso faz com que a vinculação constitucional associada
aos impostos próprios da União – de no mínimo 18% –, incida sobre 6 impostos, e não
sobre 7, conforme dispõe o texto constitucional, implicando, pois, na destinação de
um aporte menor de recursos à educação, por parte do governo federal.
Conforme evidenciado anteriormente, a vinculação constitucional
31 A União poderá instituir, ainda: (a) impostos não discriminados na Constituição Federal, desde
que não incidam em bitributação (BRASIL, 1988, Art. 154, Inciso I), e (b) impostos extraordinários,
na iminência de guerra externa (BRASIL, 1988, Art. 154, Inciso II).

58
Políticas Públicas de Educação

de recursos para a educação, afora incidir sobre os recursos próprios de cada


ente federado, também recai sobre as transferências constitucionais e outras
transferências que tenham por base os impostos, aqui dispostos no Quadro 2.

Quadro 2 – Brasil: Transferências de impostos, dispostas na Constituição


Federal de 1988, segundo a esfera de governo

Constituição Federal de 1988


A União transfere aos estados
• 21,5% do produto da arrecadação líquida do IR e do IPI para o Fundo de
Participação dos Estados e do Distrito Federal (FPE) (Art. 159, Inciso I, Alínea a);
• 10% do produto da arrecadação do IPI, proporcionalmente ao valor das
exportações de bens industrializados (IPIexp) (Art. 159, Inciso II);
• 30% do IOF incidente sobre o ouro quando definido em lei como ativo
financeiro ou ativo cambial para o estado de sua origem (IOFouro) (Art.153,
§ 5º, Inciso I);
• 100% do IR dos funcionários dos estados, suas autarquias e fundações
(IRRFservidores estaduais) (Art. 157, Inciso I);
• 20% da arrecadação dos impostos residuais (Art. 157, Inciso II).
A União transfere aos municípios
• 22,5% do produto da arrecadação do IR e do IPI para o Fundo de Participação
dos Municípios (FPM) (Art. 159, Inciso I, Alínea b);
• 70% do IOF incidente sobre o ouro quando definido em lei como ativo
financeiro ou ativo cambial para o município de sua origem (IOFouro) (Art.153,
§ 5º, Inciso II);
• 100% do IR dos funcionários dos municípios, suas autarquias e fundações
(IRRFservidores municipais) (Art. 158, Inciso I);
• 50% do produto da arrecadação do ITR, relativos aos imóveis nele situados
(Art. 158, Inciso II).
Os estados transferem a seus municípios
• 50% do produto da arrecadação do IPVA (Art. 158, Inciso III);
• 25% do produto da arrecadação do ICMS (Art. 158, Inciso IV);
• 25% da participação do Estado na repartição dos 10% do IPIexp estadual (Art.
159, §3º).
Nota: Outra transferência, realizada pela União em favor de estados e municípios, diz respeito
à Lei Complementar nº 87/1996 (BRASIL, 1996b), intitulada “Lei Kandir”, que corresponde
ao ressarcimento a título de compensação financeira pela perda de receitas decorrentes da
desoneração das exportações de produtos primários, semielaborados.

59
Políticas Públicas de Educação

Logo, a destinação de recursos para a educação, associada à vinculação


constitucional, deverá resultar da incidência dos percentuais mínimos32 dispostos na
Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988, Art. 212) sobre os impostos próprios
(Quadro 1) e transferências constitucionais recebidas por parte de cada um dos
entes federados (Quadro 2), bem como sobre a receita de dívida ativa, juros e multas,
que tenham na sua origem a arrecadação de impostos.
Já a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN n° 9.394/1996),
no que tange à vinculação, busca complementar o texto constitucional ao apresentar
que tais percentuais mínimos devem se destinar ao ensino público:
Art. 69. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os
Estados, o Distrito Federal e os Municípios, vinte e cinco por cento,
ou o que consta nas respectivas Constituições ou Leis Orgânicas, da
receita resultante de impostos, compreendidas as transferências
constitucionais, na manutenção e desenvolvimento do ensino público
(BRASIL, 1996, Art. 69).

Além da LDBEN buscar direcionar os recursos públicos para o ensino


público, dispõe, ainda, que no caso da Constituição Estadual ou da Lei Orgânica de
Municípios terem aumentado tais percentuais, o parâmetro a ser respeitado deverá
ser o determinado por estas legislações.
Tanto a Constituição de 1988 quanto a LDBEN determinam que os recursos
associados à vinculação deverão ser destinados ao financiamento de despesas
consideradas como de manutenção e desenvolvimento do ensino (MDE). Tal expressão
apresenta um sentido técnico-jurídico preciso. A esse respeito, convém observar
que foi a Constituição Federal de 1946 que associou, pela primeira vez, a vinculação
constitucional de recursos à referida expressão. Contudo, por um longo período, o
financiamento da educação carregou o problema da falta de definição do que seriam
os gastos com MDE, favorecendo que alguns governos inflassem contabilmente
o investimento em educação, com vistas a cumprir os percentuais constitucionais
(PINTO, 2000).
Nesse sentido, a Lei nº 7.348/1985 (BRASIL, 1985, Art. 6°), parcialmente
em vigor naquilo que não foi revogado pela Constituição Federal de 1988, e, mais
detalhadamente, a LDBEN, buscam coibir as diversas e adversas interpretações
associadas à MDE que, não raras vezes, possibilitam com que despesas não

32 Conforme evidenciado, no caso da União, 18%, e, no caso de estados, Distrito Federal e


municípios, 25%.

60
Políticas Públicas de Educação

consideradas como de educação sejam computadas dentro do percentual mínimo


a ela vinculadas. Sob essa perspectiva, a LDBEN passa a caracterizar as despesas
de MDE como sendo aquelas “realizadas com vistas à consecução dos objetivos
básicos das instituições educacionais de todos os níveis” (BRASIL, 1996, Art. 70),
relacionando tanto às que devem quanto às que não devem ser incluídas nessa
classificação, conforme apresentado no Quadro 3.

Quadro 3 – Despesas classificadas como de MDE

Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional


Art. 70. Considerar-se-ão como de manutenção e desenvolvimento
do ensino as despesas realizadas com vistas à consecução dos
objetivos básicos das instituições educacionais de todos os níveis,
compreendendo as que se destinam a:
I - remuneração e aperfeiçoamento do pessoal docente e demais profissionais da
educação;
II - aquisição, manutenção, construção e conservação de instalações e
equipamentos necessários ao ensino;
III - uso e manutenção de bens e serviços vinculados ao ensino;
IV - levantamentos estatísticos, estudos e pesquisas visando precipuamente ao
aprimoramento da qualidade e à expansão do ensino;
V - realização de atividades-meio necessárias ao funcionamento dos sistemas de
ensino;
VI - concessão de bolsas de estudo a alunos de escolas públicas e privadas,
VII - amortização e custeio de operações de crédito destinadas a atender ao
disposto nos incisos deste artigo;
VIII - aquisição de material didático-escolar e manutenção de programas de
transporte escolar.

61
Políticas Públicas de Educação

Art. 71. Não constituirão despesas de manutenção e desenvolvimento do


ensino aquelas realizadas com:
I - pesquisa, quando não vinculada às instituições de ensino, ou, quando efetivada
fora dos sistemas de ensino, que não vise, precipuamente, ao aprimoramento de
sua qualidade ou à sua expansão;
II - subvenção a instituições públicas ou privadas de caráter assistencial, desportivo
ou cultural;
III - formação de quadros especiais para a administração pública, sejam militares
ou civis, inclusive diplomáticos;
IV - programas suplementares de alimentação, assistência médico-odontológica,
farmacêutica e psicológica, e outras formas de assistência social;
V - obras de infraestrutura, ainda que realizadas para beneficiar direta ou
indiretamente a rede escolar;
VI - pessoal docente e demais trabalhadores da educação, quando em desvio de
função ou em atividade alheia à manutenção e desenvolvimento do ensino.

No que tange às despesas consideradas como de MDE, destacam-se aqui


dois entre os muitos pontos merecedores de atenção, quais sejam, a destinação de
recursos da educação pública para o financiamento de (1) programas suplementares
de apoio ao estudante e para o (2) pagamento de inativos.
Se, por um lado, a LDBEN inclui nas despesas de MDE os programas
suplementares direcionados para a aquisição de material didático-escolar e para
a manutenção de transporte escolar, por outro, determina que os voltados para
alimentação e assistência à saúde do educando não devem compor tais despesas.
A esse respeito, tendo por referência o fato de a Constituição de 1988 determinar
que o Estado deve garantir “atendimento ao educando, em todas as etapas da
educação básica, por meio de programas suplementares de material didático-
escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde” (BRASIL, 1988, Art. 208,
Inciso VII), compreende-se que estas últimas despesas – alimentação e assistência à
saúde do educando – devem ser garantidas pelos governos sem, contudo, compor os
percentuais mínimos vinculados à MDE.
Por sua vez, a LDBEN não tratou da questão dos inativos. Incluída na Lei n°
7.348/1985 como despesas de ensino e tendo se apresentado como um tema bastante
polêmico na Constituinte de 1987-1988 (FARENZENA, 2006), ao se omitir sobre a questão,
a LDBEN incorporou o conflito. Nesse sentido, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da
Educação (FNDE) apresenta a seguinte apreciação sobre essa polêmica:

62
Políticas Públicas de Educação

(...) para fins do limite constitucional com manutenção e


desenvolvimento do ensino, devem-se considerar apenas as despesas
destinadas à remuneração e ao aperfeiçoamento dos profissionais
em educação e que exerçam cargo, emprego ou função na atividade
de ensino, excluindo-se, por conseguinte, as despesas que envolvam
gastos com inativos e pensionistas, pois a lei faz distinção entre as
espécies de rendimento: remuneração, proventos e pensões. As
despesas com inativos e pensionistas devem ser classificadas como
despesas de Previdência Social (BRASIL, 2016, p.12).

Conceitualmente as despesas com inativos, caracterizadas como despesas


previdenciárias, não deveriam integrar a manutenção e desenvolvimento do ensino.
No entanto, a omissão da legislação remete à que os sistemas de ensino consultem
os Tribunais de Contas de seus estados.
No contexto dessas reflexões, uma questão: quais níveis e etapas do
ensino podem ser financiados com os recursos associados aos percentuais mínimos
vinculados à MDE, por parte de estados e municípios?
A resposta a essa questão toma como referência inicial o texto constitucional
vigente, no que trata das etapas de atuação dos entes subnacionais:
Art. 211. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios
organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino. [...]
§ 2º Os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e
na educação infantil.
§ 3º Os Estados e o Distrito Federal atuarão prioritariamente no ensino
fundamental e médio (BRASIL, 1988, Grifos meus).

Partindo do entendimento de que (1) a palavra prioridade não implica


exclusividade na oferta, bem como (2) da necessidade de ordenar as prioridades
dispostas no texto constitucional, a LDBEN estabelece que:

Art. 10. Os Estados incumbir-se-ão de: [...]


VI - assegurar o ensino fundamental e oferecer, com prioridade, o
ensino médio a todos que o demandarem, [...] 
Art. 11. Os Municípios incumbir-se-ão de: [...]
V - oferecer a educação infantil em creches e pré-escolas, e, com
prioridade, o ensino fundamental, permitida a atuação em outros
níveis de ensino somente quando estiverem atendidas plenamente

63
Políticas Públicas de Educação

as necessidades de sua área de competência e com recursos acima


dos percentuais mínimos vinculados pela Constituição Federal à
manutenção e desenvolvimento do ensino (BRASIL, 1996).

Assim, tendo por referência os ordenamentos da Constituição Federal e


da LDBEN, no que diz respeito às possibilidades de oferta e, por conseguinte, de
financiamento, por parte de estados e municípios, de outros níveis e etapas de
ensino diferentes daqueles que lhes são atribuídos como prioridades, é possível
inferir que: (1) no que tange aos estados, não há maiores obstáculos à referida oferta
e, por conseguinte, financiamento, fato que lhes possibilita, por exemplo, atuarem
no ensino superior (CARVALHO, 2016); (2) já em relação aos municípios, tal oferta
e, por conseguinte, financiamento, só são possíveis nos casos em que, no âmbito
do seu território, (i) tenham sido atendidas as necessidades da educação infantil
e do ensino fundamental e (ii) se disponibilizados recursos acima dos percentuais
mínimos vinculados à MDE.
Se, por um lado, a vinculação busca garantir o investimento de um percentual
mínimo da receita de impostos à MDE, por outro, submete a educação não só às
limitações orçamentárias, mas também às flutuações da economia e às políticas
fiscais levadas a cabo pelos governos, “evidenciando e consolidando os contrastes
regionais e as diferenças entre as redes de ensino” (BURLAMAQUI, 1999 apud
MENEZES, 2005, p. 86). Sendo assim, a vinculação, de modo isolado, não dá conta de
financiar a educação pública no País, devendo, pois, entre outros enfrentamentos,
se associar a estratégias de combate às desigualdades fiscais entre governos, bem
como de combate aos desvios de seus recursos.
Foi baseado nesses, entre outros entendimentos, que o governo federal, em
1997, fez aprovar no Congresso Nacional o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento
do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF)33, o qual, em 2007,
foi substituído pelo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e
de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB). 
De modo geral, podemos afirmar que esses Fundos distribuem, no âmbito
do território de um mesmo estado e na proporção do número de alunos matriculados,
uma parte dos percentuais mínimos da receita resultante de alguns impostos e

33 Instituído por meio da Emenda Constitucional nº 14/1996, e regulamentado pela Lei nº


9.424/1996 e pelo Decreto nº 2.264/1997, o Fundef foi implantado, nacionalmente, em 1998.
De natureza contábil, seus recursos eram redistribuídos em função do número de alunos
matriculados no ensino fundamental.

64
Políticas Públicas de Educação

transferências vinculadas à educação de cada uma de suas esferas governamentais, de


modo a possibilitar definir, em um primeiro momento, o valor mínimo por aluno/ano
para o referido território. Na sequência, com o objetivo de assegurar um valor mínimo
nacional por aluno/ano, à título de suplementação financeira, são encaminhados
recursos federais aos Fundos dos estados e do Distrito Federal que não tiverem
alcançado com seus próprios recursos o referido valor mínimo estabelecido. Assim,
é possível constatar que, sob a lógica da díade distribuição-suplência, a política de
fundos contábeis busca operar na perspectiva – ainda inicial e, como tal, merecedora
de aprimoramento – do combate às desigualdades do financiamento da educação no
País e, por conseguinte, às desigualdades educacionais.

O FUNDEB
Criado por meio da  Emenda Constitucional n° 53/2006 (BRASIL, 2006) e
regulamentado pela Lei n° 11.424/2007 (BRASIL, 2007) e pelo Decreto n° 6.253/2007
(BRASIL, 2007), o FUNDEB teve sua vigência estabelecida para o período 2007-2020.
De natureza contábil34 e de âmbito estadual35, o Fundo direciona uma parcela dos
recursos integrantes da vinculação constitucional – 20% das receitas de alguns
impostos e transferências dos estados, Distrito Federal e municípios, bem como de
receitas correspondentes à dívida ativa, juros e multas relacionadas aos respectivos
impostos –­ para a educação básica, mais especificamente, para “a manutenção e ao
desenvolvimento da educação básica pública e à valorização dos trabalhadores em
educação, incluindo sua condigna remuneração” (BRASIL, 2007, Art. 2°).
Além desses recursos, relacionados no Quadro 4, é possível observar que
o FUNDEB também agrega em sua composição recursos federais, transferidos às
instâncias subnacionais, à título de complementação financeira.

34 Implica que o Fundo não tem personalidade jurídica, que não é órgão administrativo ou gestor,
correspondendo, apenas, a um sistema de contas bancárias, por meio do qual os recursos são
direcionados diretamente para o objetivo a que se propõe, qual seja, financiar a educação básica.
35 Temos 27 fundos no País (um por estado e um do Distrito Federal), os quais não se inter-relacionam.

65
Políticas Públicas de Educação

Quadro 4 – Composição do FUNDEB

Unidade da
Recursos que integram o FUNDEB
Federação
Fundo de Participação dos Estados (FPE)
Fundo de Participação dos Municípios (FPM)
Imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias
e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e
intermunicipal e de comunicação ICMS)
Imposto sobre Produtos Industrializados, proporcional às
exportações (IPIexp)
Imposto sobre a transmissão causa mortis e doação, de quaisquer
Estados, bens ou direitos (ITCMD)
Distrito Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA)
Federal e
Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (cota-parte dos
Municípios
Municípios) (ITRm)
Recursos relativos à desoneração de exportações de que trata
a Lei Complementar nº 87/1996 (“Lei Kandir”)
Arrecadação de imposto que a União eventualmente instituir no
exercício de sua competência (cotas-partes dos Estados, Distrito
Federal e Municípios)
Receita da dívida ativa tributária, juros e multas relativas aos
impostos acima relacionados.
União Complementação federal

A complementação federal ocorre apenas quando, no âmbito de cada


estado e do Distrito Federal, “o valor médio ponderado por aluno [...] não alcançar
o mínimo definido nacionalmente” (BRASIL, 2007, Art. 4°). A definição da expressão
valor mínimo nacional por aluno/ano é autoexplicativa: representa o mínimo a ser
assegurado ao financiamento da educação de um aluno ao ano, de modo que a
complementação federal é repassada aos entes governamentais localizados nos
estados cujo valor por aluno/ano é inferior a esse mínimo. A esse respeito, convém
observar que o montante da complementação federal foi fixado36 para os três
primeiros anos de implantação do Fundo, devendo corresponder a 10% do total de
seus recursos, a partir do 4° ano de vigência (BRASIL, 2007).

36 A complementação foi fixada em, no mínimo, 2,0 bilhões de reais, 3,0 bilhões de reais e 4,5
bilhões de reais, do primeiro ao terceiro ano de vigência do Fundo, devendo tais montantes
serem atualizados, anualmente, de forma a preservar seu valor real (BRASIL, 2006).

66
Políticas Públicas de Educação

Em relação à distribuição dos recursos do FUNDEB, evidencia-se que são


consideradas “exclusivamente as matrículas nos respectivos âmbitos de atuação prioritária”
(BRASIL, 2007, Art. 9°, § 1°, Grifos meus), computadas nas escolas públicas e conveniadas37,
levantadas por meio do “censo escolar mais atualizado, realizado anualmente pelo Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP” (BRASIL, 2007, Art.
9°). Além disso, a distribuição de recursos do Fundo leva em conta diferenciações, expressas
por meio de fatores de ponderação38, aplicados sobre o valor por aluno/ano da educação
básica, considerando suas diferentes etapas, modalidades, tipos de estabelecimento de
ensino e extensão da jornada escolar, conforme disposto na Tabela 01.

Tabela 01 – Fatores de ponderação do FUNDEB (2007-2017)

Etapa/ 2012 e 2014 a


2007 2008 2009 2010 2011
modalidade 2013 2017
1.Creche pública em
0,80 1,10 1,10 1,10 1,20 1,30 1,30
tempo integral
2.Creche pública em
0,80 0,80 0,80 0,80 0,80 0,80 1,00
tempo parcial

3.Creche conveniada
0,80 0,95 0,95 1,10 1,10 1,10 1,10
em tempo integral

4.Creche conveniada
0,80 0,80 0,80 0,80 0,80 0,80 0,80
em tempo parcial

37 O texto original da Lei n° 11.494/2007 determinava que os repasses de recursos, por meio
do Fundeb, para a pré-escola conveniada deveria ocorrer apenas pelo período de quatro anos.
Todavia, vale observar que, se, em um primeiro momento, este prazo foi ampliado para o ano
2016, posteriormente o “cômputo das matrículas das pré-escolas, comunitárias, confessionais ou
filantrópicas, sem fins lucrativos, conveniadas com o poder público” passou a ser admitido “até a
universalização da pré-escola” (BRASIL, 2007, Art. 8°, §3°), prevista na Lei 13.005/2014 (BRASIL,
2014, Meta 1), que aprovou o Plano Nacional de Educação 2014-2024. No que tange à oferta de
educação infantil (creche e pré-escola) em instituições privadas conveniadas, convém destacar
que os recursos do Fundeb não são repassados diretamente a essas instituições, mas para os
municípios, “os quais não são obrigados a repassar integralmente o valor/aluno disponibilizado
pelo Fundo para essas instituições, devendo investir a diferença entre o valor recebido e o
repassado, na ampliação da rede própria” (PINTO, 2016, p. 142).
38 Tais ponderações, cuja determinação é de responsabilidade da Comissão Intergovernamental
de Financiamento para a Educação Básica de Qualidade (BRASIL, 2007, Art. 12), variam no
intervalo de 0,70 a 1,30, sendo que o ensino fundamental urbano adota como fator de referência
o valor 1 (um) (BRASIL, 2007, Art. 10, Inciso XIX, §§ 1° e 2°).

67
Políticas Públicas de Educação

5.Pré-escola em tempo
0,90 1,15 1,20 1,25 1,30 1,30 1,30
integral
6.Pré-escola em tempo
0,90 0,90 1,00 1,00 1,00 1,00 1,00
parcial
7.Anos iniciais do
ensino fundamental 1,00 1,00 1,00 1,00 1,00 1,00 1,00
urbano
8.Anos iniciais do
ensino fundamental no 1,05 1,05 1,05 1,15 1,15 1,15 1,15
campo

9.Anos finais do ensino


1,10 1,10 1,10 1,10 1,10 1,10 1,10
fundamental urbano

10.Anos finais do
ensino fundamental 1,15 1,15 1,15 1,20 1,20 1,20 1,20
no campo

11.Ensino fundamental
1,25 1,25 1,25 1,25 1,30 1,30 1,30
em tempo integral

12. Ensino médio


1,20 1,20 1,20 1,20 1,20 1,20 1,25
urbano
13. Ensino médio no
1,25 1,25 1,25 1,25 1,25 1,30 1,30
campo
14. Ensino médio em
1,30 1,30 1,30 1,30 1,30 1,30 1,30
tempo integral

15. Ensino médio


integrado à educação 1,30 1,30 1,30 1,30 1,30 1,30 1,30
profissional

16. Educação especial 1,20 1,20 1,20 1,20 1,20 1,20 1,20

17. Educação indígena e


1,20 1,20 1,20 1,20 1,20 1,20 1,20
quilombola

18. EJA com avaliação


0,70 0,70 0,80 0,80 0,80 0,80 0,80
no processo

19. EJA integrada à


educação profissional
0,70 0,70 1,00 1,00 1,20 1,20 1,20
de nível médio, com
avaliação no processo

68
Políticas Públicas de Educação

Fonte: Com base nas resoluções aprovadas anualmente pela Comissão Intergovernamental de
Financiamento para a Educação Básica de Qualidade para os exercícios de 2007 a 2017.

O fato de, a partir do ano de 2012, percentual significativo (31,6%) de


categorias ter atingido a ponderação máxima (1,30) leva a refletir sobre se, no
contexto atual, os fatores de ponderação vêm, de fato, cumprindo a função que
lhes foi conferida, qual seja, buscar corresponder “ao custo real da respectiva etapa
e modalidade e tipo de estabelecimento de educação básica” (BRASIL, 2007, Art.
13, Inciso I). Nesse sentido, observa-se que, a partir do referido ano, por exemplo,
a pré-escola em tempo integral e a creche pública em tempo integral, passaram a
apresentar a mesma ponderação e, por conseguinte, um mesmo valor por aluno/
ano, ambos 30% superior ao valor do ensino fundamental urbano, este considerado
referência para a determinação das demais ponderações.
Importante observar aqui que os recursos do FUNDEB, inclusive aqueles
oriundos de complementação da União, só poderão ser utilizados em ações
consideradas como de manutenção e desenvolvimento do ensino da educação
básica pública, em conformidade com o disposto no art. 70 da LDBEN, já destacado
anteriormente. Evidencia-se, ainda, que parcela correspondente a, no mínimo, 60%
de cada Fundo deverá ser destinada “ao pagamento da remuneração dos profissionais
do magistério39 da educação básica em efetivo exercício na rede pública” (BRASIL,
2007, Art. 22), sendo que a parcela complementar – equivalente a até 40% do Fundo
– deverá ser destinada ao pagamento de outras ações, também caracterizadas como
de MDE na educação básica.
Na perspectiva da democratização da gestão, o FUNDEB, a exemplo
do FUNDEF, instituiu conselhos, cuja função principal está voltada para o
“acompanhamento e o controle social sobre a distribuição, a transferência e a
aplicação dos recursos dos Fundos” (BRASIL, 2007, Art. 24), junto aos respectivos
governos, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Os
Conselhos de Acompanhamento e Controle Social (CACS) do FUNDEB são instâncias
autônomas, “sem subordinação e sem vinculação à administração pública estadual ou
municipal” (BRASIL, 2009, p. 30), às quais devem garantir a estrutura para sua atuação.
Os CACS têm ainda como função “supervisionar o censo escolar anual e a
elaboração da proposta orçamentária anual” (BRASIL, 2007, At. 24, § 9°), uma vez
que a toda lógica de distribuição de recursos dos fundos contábeis está alicerçada
39 Compreende, além dos professores, profissionais que exercem atividades de apoio à docência:
direção escolar, planejamento, inspeção, supervisão, orientação educacional e coordenação
pedagógica (BRASIL, 2009).

69
Políticas Públicas de Educação

no cômputo das matrículas; instruir, com parecer, as prestações de contas a serem


encaminhadas ao respectivo Tribunal de Contas, em até 30 dias antes do vencimento
do prazo (BRASIL, 2009). Os CACS também foram incumbidos de acompanhar a
aplicação dos recursos federais transferidos à conta do Programa Nacional de Apoio
ao Transporte Escolar - PNATE e do Programa de Apoio aos Sistemas de Ensino
para Atendimento à Educação de Jovens e Adultos, de modo a “receber e analisar
as prestações de contas referentes a esses Programas, formulando pareceres
conclusivos acerca da aplicação desses recursos e encaminhando-os ao FNDE”
(BRASIL, 2007, Art. 24, § 13).
Como último destaque associado aos CACS, convém observar que estes
conselhos não se constituem como instâncias gestoras ou administradoras dos
recursos do FUNDEB, mas, sim, na perspectiva do acompanhamento da gestão dos
referidos recursos.

Algumas considerações
A necessária atenção ao FUNDEB se faz associar ao concomitante
acompanhamento da vinculação constitucional de recursos para a educação. Nesse
sentido, tomando por base as seguintes considerações: (1) que a Constituição
Federal de 1988 vincula, no mínimo, 25% da receita de impostos e transferências
dos estados, Distrito Federal e municípios à MDE; (2) que o FUNDEB subvincula 20%
de algumas destas receitas (relacionadas no Quadro 4) à educação básica, e, ainda;
(3) que a instituição dos Fundos estaduais e distrital, por meio do FUNDEB, “não
isenta os estados, Distrito Federal e municípios da obrigatoriedade da aplicação na
manutenção e desenvolvimento do ensino” (BRASIL, 2007, Art. 1°, Parágrafo Único),
observa-se que, de modo a cumprir os percentuais mínimos dispostos no Art. 212 da
Constituição Federal de 1988, ainda deverão ser destinados à MDE: (I) pelo menos
5% dos recursos que compõem a “cesta” de recursos do FUNDEB, mas que ficam fora
dele; bem como (II) pelo menos 25% da receita dos demais impostos e transferências
(que não entram na composição do Fundo).
O entendimento de que a vinculação constitucional de recursos para a
educação e o FUNDEB encontram-se organicamente imbricados – haja vista que
este se constitui subvinculação daquela – conduz à compreensão de que o estudo,
o acompanhamento e a avaliação de um remete, naturalmente, ao outro. Sob essa
ótica, percebe-se que, mesmo que ambos tenham sido criados em épocas diferentes,
eventuais limitações à vinculação trarão como consequência modificações na

70
Políticas Públicas de Educação

estrutura central do financiamento da educação e, por conseguinte, no FUNDEB.


Se a política de fundos contábeis foi instituída no Brasil a partir da criação
do FUNDEF, e, portanto, a partir do ano de 1996, já a vinculação constitucional de
recursos para a educação se fez presente pela primeira vez na Constituição Federal
de 1934, tendo sido revogada apenas nas Constituições de 1937 e 1967, outorgadas,
respectivamente, no contexto da ditadura do Estado Novo e do golpe civil-militar de
1964, constituindo-se, em nosso País, como “uma das principais marcas dos governos
democráticos” (MENEZES, 2005, p. 85).
Destaca-se, por fim, que os momentos históricos em que as Cartas
Constitucionais deixaram de determinar um percentual mínimo de investimento na
educação resultaram maior escassez de recursos para a área (PINTO, 2000).

REFERÊNCIAS:
BRASIL. Lei nº 7.348, de 24 de julho de 1985. Dispõe sobre a execução do § 4º do art. 176 da
Constituição Federal, e dá outras providências. Diário Oficial da União [da] República Federativa do
Brasil, Brasília, DF, 25 jul. 1985.
_____. Constituição [de 1988] da República Federativa do Brasil. Diário Oficial da União [da]
República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 5 out. 1988.
_____. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação
Nacional. Diário Oficial da União [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 23 dez. 1996.
_____. Lei Complementar n° 87, de 13 de setembro de 1996. Dispõe sobre o imposto dos Estados
e do Distrito Federal sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de
serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, e dá outras providências.
(LEI KANDIR). Diário Oficial da União [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 16 set.
1996b.
_____. Emenda Constitucional n° 53, de 19 de dezembro de 2006. Dá nova redação aos arts.
7º, 23, 30, 206, 208, 211 e 212 da Constituição Federal e ao art. 60 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias. Diário Oficial da União [da] República Federativa do Brasil, Brasília,
DF, 20 dez. 2006.
_____. Lei n° 11.494, de 20 de junho de 2007. Regulamenta o Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação - FUNDEB, de
que trata o art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias; altera a Lei no 10.195, de 14
de fevereiro de 2001; revoga dispositivos das Leis nos 9.424, de 24 de dezembro de 1996, 10.880,

71
Políticas Públicas de Educação

de 9 de junho de 2004, e 10.845, de 5 de março de 2004; e dá outras providências. Diário Oficial da


União [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 21 jun. 2007.
_____. Ministério da Fazenda. Escola de Administração Fazendária. Função social dos tributos/
Programa Nacional de Educação Fiscal. Brasília: ESAF, 2008.
_____. FUNDEB: Manual de orientação. Brasília, DF: MEC/FNDE, 2009.
_____. Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014. Aprova o Plano Nacional de Educação - PNE e dá
outras providências. Diário Oficial da União [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 26 jun.
2014.
_____. Emenda Constitucional n° 90, de 15 de setembro de 2015. Dá nova redação ao art. 6º da
Constituição Federal, para introduzir o transporte como direito social. Diário Oficial da União [da]
República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 16 set. 2015.
_____. Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Parte IV- Ações de Manutenção
e Desenvolvimento do Ensino (MDE); receitas e despesas de MDE; ações consideradas e não
consideradas de MDE; despesas com aquisição de gêneros alimentícios; despesas com pagamento
de aposentadorias e pensões. S.a. Disponível em: http://www.fnde.gov.br/arquivos/category/101-
leis?download=4648:mde-aquisicao... Acesso em: 02 dez.2016.
CARVALHO, Renata Ramos da Silva. O financiamento das universidades estaduais brasileiras no
contexto dos dispositivos legais e os seus desafios perante as metas do plano nacional da educação
- PNE (2014-2024) para a educação superior. Anais do XXIV Seminário Nacional Universitas/BR.
2016. Disponível em: http://www.ppe.uem.br/xxivuniversitas/anais/trabalhos/e_1/1-010.pdf.
Acesso em: 06 dez. 2016.
FARENZENA. Nalú. A política de Financiamento da Educação Básica: rumos da legislação brasileira.
Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2006.
MENEZES, Janaina Specht da Silva. O financiamento da educação no Brasil: o Fundef a partir
dos relatos de seus idealizadores. Porto Alegre, 2005. 310 f. Tese (Doutorado em Educação) –
Faculdade de Educação, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
PINTO, José Marcelino Rezende. Os recursos para Educação no Brasil no contexto das finanças
públicas. Brasília: Editora Plano, 2000. 160 p.
_____. José Marcelino Rezende. Uma análise da destinação dos recursos públicos, direta ou
indiretamente, ao setor privado de ensino no Brasil. Educação & Sociedade, São Paulo, v.1, n.1, p.
133-152, jan./mar. 2016.
SZKLAROWSKY, Leon Frejda. Dívida Ativa da Fazenda Pública. Revista Jus Navigandi,
Teresina, ano 3, n. 27, 23 dez.1998. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/1315>. Acesso
em: 30 nov. 2016.

72
Políticas Públicas de Educação

O papel do Controle
Social na implementação
das políticas públicas
de educação no Brasil
contemporâneo
Bianca Mota de Moraes40

40 Promotora de Justiça do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro.

73
Políticas Públicas de Educação

“Só existirá democracia no Brasil no dia em que se montar no país a máquina que
prepara as democracias. Essa máquina é a da escola pública.”

Anísio Teixeira

Introdução

Na linha do propósito desta obra, qual seja, o de registrar o conteúdo das


sessões do I Curso sobre Políticas Públicas de Educação desenvolvido em regime
de cooperação técnica entre o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro e a
Universidade Federal Fluminense no período de abril a julho de 2016, aqui serão
levantadas as questões debatidas no quinto encontro, que versou sobre o tema que
intitula este capítulo.
Por outro lado, o tempo decorrido entre a realização do curso e a escrita
dessas linhas será aproveitado para a ampliação da abordagem, trazendo-se
tópicos correlatos que, ou não couberam no formato presencial, ou mais tarde se
apresentaram mais próximos da nossa experiência.
A perspectiva do controle social de que ora se cuida é a do olhar da sociedade
para as escolhas administrativas do Estado, intensificando a relação entre governantes
e governados, com envolvimento participativo, transparência e responsividade.
O Estado Democrático de Direito insculpido no art. 1º da Constituição da
República Federativa do Brasil, em 1988, tem como um de seus fundamentos a
cidadania e assenta o exercício do poder pelo povo de forma representativa ou direta.
Projetou-se o início de tempos de soberania popular, rompendo-se antigas
barreiras de participação política dos cidadãos.
Especificamente para a área educacional, a Constituição Brasileira conferiu
à gestão democrática o status de princípio regente do ensino público, no inciso VI do
seu art. 206. Assim, a vivência dos processos de escolha, com toda a reflexividade que
carrega por seus ganhos, perdas e responsabilidades, deve, segundo a Carta Magna,
se iniciar nas escolas, o que, diga-se, está em perfeita sintonia com os objetivos da
educação alinhados no seu art. 205:
A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será
promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando

74
Políticas Públicas de Educação

ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da


cidadania e sua qualificação para o trabalho.

No mesmo sentido, o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu art.


53, garantiu a crianças e adolescentes o direito de organização e participação em
entidades estudantis, bem como o de contestar critérios avaliativos, a demonstrar a
abertura legislativa às proposições dos educandos no contexto escolar.
O Constituinte apontou para uma democracia cuja dimensão inclusiva não
se contenta com o aspecto delegatório do voto. Tanto assim é que previu tanto a
forma representativa como a direta no exercício do poder pelo povo, viabilizando
que leis ordinárias disciplinassem formas de participação social que envolvessem
também os que ainda não possuem direito ao voto, como crianças e adolescentes de
até quinze anos de idade41.
No entanto, certo é que os textos normativos não promovem
automaticamente as transformações que anunciam e o Brasil tem experimentado a
conturbada marcha de construção da sua democracia com alguma resiliência.
Como o público ao qual se dirigiu o curso supramencionado, constituiu-se
primordialmente de conselheiros municipais de educação, força motriz da engrenagem
juridicamente prevista para controlar socialmente a elaboração, a execução e a avaliação
de políticas públicas educacionais, o percurso da exposição aproximou-se do ponto de
vista desses atores, suas possibilidades e limites, teóricos e práticos.
Em relação à matéria ora analisada, os vinte e oito anos da nova ordem
constitucional não foram suficientes para o amadurecimento do princípio acima
elencado de modo a projetar efeitos para muito além de sua afirmação textual no
que se refere tanto à autonomia dos sistemas de ensino quanto dos Conselhos de
Educação e Escolares, estes verdadeira sementeira daqueles.

41 Sob esta ótica são dignos de transcrição os incisos I, II, VI e o parágrafo único do art. 4º da Lei
Federal nº 13.257/16: As políticas públicas voltadas ao atendimento dos direitos da criança na
primeira infância serão elaboradas e executadas de forma a: I - atender ao interesse superior da
criança e à sua condição de sujeito de direitos e de cidadã; II - incluir a participação da criança na
definição das ações que lhe digam respeito, em conformidade com suas características etárias e
de desenvolvimento; (...) VI - adotar abordagem participativa, envolvendo a sociedade, por meio
de suas organizações representativas, os profissionais, os pais e as crianças, no aprimoramento da
qualidade das ações e na garantia da oferta dos serviços; (...) Parágrafo único. A participação da
criança na formulação das políticas e das ações que lhe dizem respeito tem o objetivo de promover
sua inclusão social como cidadã e dar-se-á de acordo com a especificidade de sua idade, devendo
ser realizada por profissionais qualificados em processos de escuta adequados às diferentes formas
de expressão infantil.

75
Políticas Públicas de Educação

Após ser espelhada no art. 3º, VIII c/c 14 da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação e pinçada como objetivo no Plano Nacional de Educação de 200142, a
democratização do ensino público não se fez acompanhar, por exemplo, sequer de
lei regulamentadora que consubstanciasse a diretriz então fincada no item 11.2 do
segundo documento:
(...) cada sistema de ensino há de implantar gestão democrática. Em
nível de gestão de sistema na forma de Conselhos de Educação que
reúnam competência técnica e representatividade dos diversos setores
educacionais; em nível das unidades escolares, por meio da formação de
conselhos escolares de que participe a comunidade educacional e formas
de escolha da direção escolar que associem a garantia da competência
ao compromisso com a proposta pedagógica emanada dos conselhos
escolares e a representatividade e liderança dos gestores escolares.

Assim, diferentemente dos Conselhos de Acompanhamento e Controle


Social do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de
Valorização do Magistério – FUNDEF e do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento
da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – FUNDEB (Leis
Federais nº 9.424/96 e nº 11.494/07) e de Alimentação Escolar (Lei Federal nº 11.
947/07), os Conselhos Escolares e os de Educação não receberam disciplinamento
normativo federal específico que lhes pavimentasse o caminho.
São escassas as referências legais no âmbito nacional que aludam aos
Conselhos de Educação e Escolares, o que imprimiria clareza à maneira pela qual
se compõem e funcionam, o que lhes é permitido e exigível, bem como sobre a
desvinculação das suas atividades em relação ao Poder Executivo.
Dispositivos como os do caput e do §2º do art. 37 da Lei Federal nº 11.494/07, que
fazem incidir parágrafos do art. 24 daquela mesma norma ao Conselho Municipal de Educação43,
é dos poucos que podem ser aqui trazidos como exemplo do tratamento sobre a matéria.
Esta contenção poderia ter sido uma boa opção se já estivéssemos com a
autonomia dos sistemas estaduais e municipais consolidada, pois certamente estes

42 (itens I-2; II-1.3-16; 2.3-9; 3.3-13; 4.3-22; 4.4-32 e 11.3.1-21 da Lei Federal nº 10.172/01).
43 Art. 37. Os Municípios poderão integrar, nos termos da legislação local específica e desta Lei,
o Conselho do Fundo ao Conselho Municipal de Educação, instituindo câmara específica para
o acompanhamento e o controle social sobre a distribuição, a transferência e a aplicação dos
recursos do Fundo, observado o disposto no inciso IV do § 1º e nos §§ 2º, 3º , 4º e 5º do art. 24
desta Lei. (...) § 2º Aplicar-se-ão para a constituição dos Conselhos Municipais de Educação as
regras previstas no § 5º do art. 24 desta Lei.

76
Políticas Públicas de Educação

buscariam o formato mais apropriado à sua realidade para organizar seus sistemas
democráticos de ensino, aprofundando-se em temas como os aqui em tela.
Esta era, inclusive, a proposta da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, no
inciso VIII do art. 3º44. Porém, não foi o que aconteceu.
Emergiu, então, em 2014, por intermédio da Lei Federal nº 13.005/14, o
Plano Nacional de Educação, atualmente em vigência, que renovou em seu artigo
2º, VI45 e na meta 19, o compromisso com a gestão democrática do ensino público.
Desta vez, o objetivo veio acompanhado de dois diferenciais no Plano: (a)
a previsão de um prazo, no artigo 9º46, especificamente para a elaboração de leis
estaduais e municipais sobre a gestão democrática do ensino público e (b) estratégias
mais claras para a sua consecução, como as dos itens 19.1 e 19.5 a 19.747.
Cabe salientar que, conforme proposto no Relatório do 1º Ciclo de
Monitoramento das Metas do PNE Biênio 2014-2016 apresentado pelo INEP-MEC:
(...) o conceito de gestão democrática da escola está ancorado no fato
de: a escolha de diretores ocorrer a partir de critérios técnicos de mérito
e desempenho, associados à participação da comunidade escolar;
a escola possuir autonomia pedagógica, administrativa e de gestão
financeira; a elaboração de projeto pedagógico, currículos escolares,
planos de gestão escolar, regimentos escolares e constituição de

44 Art. 3º O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: (...) VIII - gestão democrática
do ensino público, na forma desta Lei e da legislação dos sistemas de ensino.
45 Art. 2º. São diretrizes do PNE: (...) VI - promoção do princípio da gestão democrática da
educação pública.
46 Art. 9º. Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão aprovar leis específicas para os
seus sistemas de ensino, disciplinando a gestão democrática da educação pública nos respectivos
âmbitos de atuação, no prazo de 2 (dois) anos contado da publicação desta Lei, adequando,
quando for o caso, a legislação local já adotada com essa finalidade.
47 19.1 - priorizar o repasse de transferências voluntárias da União na área da educação para
os entes federados que tenham aprovado legislação específica que regulamente a matéria na
área de sua abrangência, respeitando-se a legislação nacional, e que considere, conjuntamente,
para a nomeação dos diretores e diretoras de escola, critérios técnicos de mérito e desempenho,
bem como a participação da comunidade escolar; 19.2 - ampliar os programas de apoio e
formação aos(às) conselheiros (...); 19.5 - estimular a constituição e o fortalecimento de
conselhos escolares e conselhos municipais de educação, como instrumentos de participação
e fiscalização na gestão escolar e educacional, inclusive por meio de programas de formação
de conselheiros, assegurando-se condições de funcionamento autônomo; 19.6 - estimular a
participação e a consulta de profissionais da educação, alunos(as) e seus familiares na formulação
dos projetos político-pedagógicos, currículos escolares, planos de gestão escolar e regimentos
escolares, assegurando a participação dos pais na avaliação de docentes e gestores escolares;
19.7 - favorecer processos de autonomia pedagógica, administrativa e de gestão financeira nos
estabelecimentos de ensino.

77
Políticas Públicas de Educação

conselhos escolares ou equivalentes envolver a participação e consulta


às comunidades escolar (contando com alunos e seus familiares) e
local, assegurando a participação dos pais na avaliação de docentes e
gestores escolares.

A contribuição trouxe nitidez à conceituação de gestão democrática e, uma


vez que vinculou sua caracterização ao cumprimento do que está disposto no PNE,
assentou contornos para sua exigibilidade.
É até mesmo esperado que os segmentos que compõem a comunidade
escolar reivindiquem seus espaços de voz e de ingerência na gestão, nomeadamente
os destinatários do serviço educacional, quais sejam os estudantes e suas famílias.
Realce-se que a importância da cooperação entre os usuários e a
administração pública foi expressamente reconhecida também no §3º, do art. 37 da
Carta Magna, conforme abaixo transcrito:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos
Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios
obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...)

§3º A lei disciplinará as formas de participação do usuário na


administração pública direta e indireta, regulando especialmente:
I - as reclamações relativas à prestação dos serviços públicos em geral,
asseguradas a manutenção de serviços de atendimento ao usuário e a
avaliação periódica, externa e interna, da qualidade dos serviços;
II - o acesso dos usuários a registros administrativos e a informações
sobre atos de governo, observado o disposto no art. 5º, X e XXXIII;
III - a disciplina da representação contra o exercício negligente ou
abusivo de cargo, emprego ou função na administração pública.

Resta claro que as conquistas cristalizadas na Constituição Federal


foram fruto dos reclamos da sociedade por alterações estruturais na forma de
governabilidade do país, para a efetiva inserção das necessidades populares na
agenda política. Tal intento só poderia ser exitoso mediante a abertura de canais
para a ingerência direta do povo.
A escola é o alicerce desse processo ao fomentar o aprendizado
democrático, por exemplo, com a escolha de diretores, a realização de assembleias,
o compartilhamento de decisões administrativas e pedagógicas, a convivência com

78
Políticas Públicas de Educação

a pluralidade, o desenvolvimento de atividades culturais e de engajamento dos


estudantes48 e de seus responsáveis.

Desafios práticos da meta 19 do Plano Nacional de


Educação
Logo após a tarefa da elaboração ou adequação dos planos distrital,
estaduais e municipais de educação ao novo Plano Nacional, que se almejava que
fosse concretizada com ampla participação de representantes da comunidade
educacional e da sociedade civil, como previu o seu art. 8º, sabe-se que os entes
federativos receberam o prazo de mais dois anos para uma outra incumbência.
O art. 9º do Plano Nacional de Educação determinou que aprovassem
leis específicas disciplinando a gestão democrática da educação pública em seus
sistemas de ensino.
Com boa parte dos planos edificada ou refeita, muitas vezes às pressas e de
forma pouco ortodoxa, a divulgação levada a cabo acerca do segundo tema já não
conseguiu o mesmo efeito, deparando-se com o desgaste do movimento anterior e a
desmobilização de muitas instâncias locais e/ou regionais.
O prazo veio a terminar no final do mês de junho de 2016, com raras notícias
acerca da aprovação das esperadas leis, não obstante os esforços de vários setores
para o seu cumprimento, inclusive do Ministério Público, de Conselhos de Educação
e Escolares em várias partes do país.
Por outro lado, certo é que a gestão democrática ganhou singular dimensão na
pauta reivindicatória de diversas manifestações estudantis, notadamente nas que têm
sido promovidas com ocupações de prédios escolares desde o início do ano de 2016.

48 A esse respeito, veja-se a Lei Federal nº 12.852/13 que institui o Estatuto da Juventude: Art.
4º O jovem tem direito à participação social e política e na formulação, execução e avaliação das
políticas públicas de juventude. Parágrafo único. Entende-se por participação juvenil: I - a inclusão
do jovem nos espaços públicos e comunitários a partir da sua concepção como pessoa ativa,
livre, responsável e digna de ocupar uma posição central nos processos políticos e sociais; II - o
envolvimento ativo dos jovens em ações de políticas públicas que tenham por objetivo o próprio
benefício, o de suas comunidades, cidades e regiões e o do País; III - a participação individual e
coletiva do jovem em ações que contemplem a defesa dos direitos da juventude ou de temas
afetos aos jovens; e IV - a efetiva inclusão dos jovens nos espaços públicos de decisão com direito
a voz e voto.

79
Políticas Públicas de Educação

Porém, também é fato que há costumeira associação da matéria quase que


direta e exclusivamente com a participação da comunidade educativa na escolha de
diretores, o que restringe, sobremaneira, o princípio constitucional aqui em tela,
cuja real abrangência a meta 19 do PNE cuidou de bem esclarecer. O motivo dessa
relação redutora pode residir no ponto de partida em que se encontra a maioria os
sistemas educativos.
Veja-se o que foi detectado pelo Relatório do 1º Ciclo de Monitoramento
das Metas do PNE Biênio 2014-2016/INEP-MEC:
(...) são variados os processos adotados pelos entes federados para
a ocupação do cargo de diretor escolar, prevalecendo a escolha por
indicação (técnica, política ou de outro tipo). O processo misto de
seleção e eleição para a ocupação do cargo de direção escolar só
era adotado por 12,2% dos estabelecimentos de ensino em 2013.
(grifamos) (...)
Ao estratificarmos os dados sobre a escolha para a ocupação do
cargo de direção escolar pelo processo misto de seleção e eleição por
dependência administrativa (Gráfico 2), observa-se que, em 2013, a
rede federal apresentava 3,9% das escolas utilizando esse processo,
as redes estaduais 21,6% e as redes municipais 6,6%.
Diante de aspecto tão básico da gestão democrática relegado a números que
tais, em muitos casos, é mesmo difícil alcançar o que o Plano Nacional de Educação
almejou no seu art. 9º: que as leis ali previstas estivessem em integral consonância
com a meta 19, contemplando as vertentes elencadas em todas as suas estratégias.
É preciso que o debate na elaboração de uma lei sobre a gestão
democrática também desenvolva, de forma clara, matérias como a da organização
e funcionamento dos Conselhos e Fóruns Permanentes de Educação; dos Conselhos
Escolares; das Conferências de Educação; dos grêmios estudantis49 e associações
de pais; das instâncias de monitoramento das metas dos planos de educação; da
autonomia administrativa, pedagógica e financeira das escolas50.

49 De acordo com a Lei Federal nº 12.852/13: Art. 12. É garantida a participação efetiva
do segmento juvenil, respeitada sua liberdade de organização, nos conselhos e instâncias
deliberativas de gestão democrática das escolas e universidades.
50 Neste ponto, cabe realçar também o disposto na estratégia 7.16, da meta 7 do PNE:
“fomentar a qualidade da educação básica em todas as etapas e modalidades, com melhoria do
fluxo escolar e da aprendizagem (...); 7.16 - apoiar técnica e financeiramente a gestão escolar
mediante transferência direta de recursos financeiros à escola, garantindo a participação
da comunidade escolar no planejamento e na aplicação dos recursos, visando à ampliação da
transparência e ao efetivo desenvolvimento da gestão democrática” (grifos nossos).

80
Políticas Públicas de Educação

Destarte, a simples aprovação de uma lei sobre eleição de diretores está


bem longe de surtir o efeito de cumprimento do art. 9º do PNE.
É já passada a hora de a nova legislação prever composições verdadeiramente
plurais e paritárias nos colegiados51, adotar medidas viabilizadoras da real autonomia
destes, estabelecer fluxos de partilha de decisões, romper com a deletéria cultura da
descontinuidade das políticas educativas.
Grande parte dessas transformações depende da ultrapassagem dessa
etapa normativa para se concretizarem.
Merece registro o fato de que não foram encontradas informações sobre a
existência de levantamento nacional indicativo dos entes federativos que cumpriram
com o dever legal do art. 9º do PNE, o que seria de grande valia para demonstrar a
densidade dos compromissos assumidos com a educação.

Dados do Centro de Apoio Operacional das


Promotorias de Justiça de Tutela Coletiva de
Proteção à Educação – CAO Educação/MPRJ
À luz do princípio constitucional da gestão democrática do ensino público,
o trabalho iniciado pelo Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de
Tutela Coletiva de Proteção à Educação do Ministério (CAO Educação – MPRJ), em
2013, direcionou-se ao fortalecimento dos conselhos atuantes na área da educação.
Resultou, até o presente momento, na realização de quatro encontros estaduais,
uma publicação (Controle Social na Educação – Gestão Democrática e Conselhos) e
visitas pela equipe técnica a todos os Conselhos de Educação fluminenses.
Tais iniciativas viabilizaram a compilação dos dados a seguir:

51 Em sintonia com o que estabelecem leis federais recentes, tal como a 13.146/15: Art. 28.
“Incumbe ao poder público assegurar, criar, desenvolver, implementar, incentivar, acompanhar
e avaliar: (...) VIII - participação dos estudantes com deficiência e de suas famílias nas diversas
instâncias de atuação da comunidade escolar”.

81
Políticas Públicas de Educação

Tabela 1: Presidência dos Conselhos Visitados52

 Presidência Quantitativo Porcentagem


Eleito pelos pares 47 51%
Secretário Municipal de
29 31%
Educação
Indicado 7 8%
Não foi possível apurar 10 11%
TOTAL 93 100%

Gráfico 1: Distribuição da Presidência dos Conselhos Visitados

52 Total de Conselhos visitados = 93 (sendo 92 municipais e 01 estadual).

82
Políticas Públicas de Educação

Tabela 2: Composição dos Conselhos Visitados

Assentos Representativos Quantitativo Porcentagem


Pais ou responsáveis de alunos 40 Conselhos 43%
Estudantes 04 Conselhos 04%
Conselho Tutelar 14 Conselhos 15%
Sindicato de Professores 18 Conselhos 19%
Conselhos Municipais 09 Conselhos 10%
Conselhos Escolares 05 Conselhos 5%
Sociedade Civil Organizada 23 Conselhos 25%
Comunidade 03 Conselhos 3%
Ausência de assento específico para as
20 Conselhos 22%
categorias indicadas acima
Não foi possível apurar 11 Conselhos 12%

Gráfico 2: Distribuição dos Representantes dos Conselhos Visitados

83
Políticas Públicas de Educação

Tabela 3: Sede dos Conselhos Visitados

 Sede Quantitativo Porcentagem


Própria 11 12%
Na Secretaria Municipal de Educação 65 70%
CME não encontrado 3 3%
Em Associação local 1 1%
Na Prefeitura Municipal 5 5%
Não possui local específico 5 5%
Espaço cedido pela Prefeitura 1 1%
Em outras Secretarias Municipais 2 2%
TOTAL 93 100%

Gráfico 3: Distribuição das Sede dos Conselhos Visitados

84
Políticas Públicas de Educação

Tabela 4: Homologação dos atos normativos

 Homologação dos atos normativos Quantitativo Porcentagem


Dependem de Órgão Externo 50 54%
Não depende da Secretaria Municipal de
23 25%
Educação
Não foi possível apurar 10 11%
Não informado 10 11%
TOTAL 93 100%

Gráfico 4: Distribuição da Homologação dos atos normativos

85
Políticas Públicas de Educação

Como se depreende dos gráficos apresentados, ainda é diminuta a participação


de estudantes, conselhos escolares e representantes das comunidades nos Conselhos de
Educação fluminenses (em apenas 4%, 5% e 3% deles, respectivamente, ela foi prevista).
Também é muito baixo o índice de conselhos com sede própria, ou seja, que
não estão alojados em outros órgãos do município (12%). Por outro lado, apenas 25%
dos Conselhos de Educação não dependem de homologação de outras instâncias
para que seus atos normativos tenham validade.
Desta forma, evidencia-se que os vínculos de dependência dos Conselhos
de Educação com o Poder Executivo no Estado do Rio de Janeiro ainda são muito
fortes, o que deixa patente o longo percurso para que de fato representem com
propriedade o controle social local na temática.
Há intensa mobilização do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro
no acompanhamento das metas do Plano Nacional de Educação, especialmente a 19.
O reconhecimento de que a efetivação do princípio constitucional da gestão
democrática do ensino público possui intrínseca relação com a genuína qualidade da
educação impulsiona a empreitada pela consolidação e reconhecimento do papel
dos órgãos de controle social. Pela via de conselhos fortes, que precisam operar com
articulação entre si e com órgãos como os Tribunais de Contas e o Ministério Público, as
políticas públicas podem se tornar respostas mais perenes e legítimas às postulações
populares; mais protegidas, portanto, dos denominados “interesses de ocasião”.
Cabe aqui relembrar as lições de Berclaz (2013) sobre o caráter político e
jurídico dos conselhos sociais:
No aspecto político, trata-se da localização dos conselhos sociais na visão
ampliada de Estado, apontam-se as possibilidades de estes renovarem
a democracia, constituírem novas formas de hegemonia e mostrarem-
se como instrumentos de prevenção e repressão à corrupção política.
No que tange ao âmbito jurídico, indicam-se os conselhos sociais como
sujeitos coletivos portadores de juridicidade para controle social,
espaços produtores de novos direitos, instâncias deliberativas de
redução do poder discricionário do Executivo, correlacionando-se o
funcionamento adequado dessas instâncias com o papel constitucional
a ser desenvolvido pelo Ministério Público brasileiro como instituição.

Fica claro que esses colegiados têm potencial para se tornarem esferas
privilegiadas de comunicação, deliberação e fiscalização da sociedade em relação
ao poder público, experiência que não deve nem pode ser desperdiçada no Brasil
contemporâneo.

86
Políticas Públicas de Educação

A aproximação e as atividades entre conselhos são promissoras, por


exemplo, de prevenção à jurisdicionalização excessiva que se vive hoje por ausência
de planejamento e de execução transparente de políticas intersetoriais que tenham
sido idealizadas através da coletividade.
Sem dúvida que a edificação da cultura emancipatória em todas as searas
pressupõe um despertar para a potência inerente a esse caminho e um desejar
desbravá-lo, ainda e principalmente quando surgirem os obstáculos, assumindo as
responsabilidades que lhes são inerentes.
Na área educacional, essa trajetória se torna tanto mais autêntica quanto
mais seja fundamentada em demanda nascida nas escolas. A necessidade de um
fazer educativo próprio cresce com mais força em ambientes nos quais a informação
é partilhada e onde se nutre a confiança na colaboração de cada um no atuar coletivo.
Essa tem sido a escolha de vários educadores, estudantes, famílias, integrantes
do controle social e do sistema jurídico. Suas transformações positivas já fazem parte de
algumas das novas linhas que estão sendo escritas a muitas mãos na história da educação
brasileira.

REFERÊNCIAS:

BERCLAZ, Márcio Soares. A dimensão político-jurídica dos Conselhos Sociais no Brasil:


uma leitura a partir da Política da Libertação e do Pluralismo Jurídico. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2013. 315p.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988.
_______. Lei nº 8.069, 13 de julho de 1990 – Dispõe sobre o Estatuto da Criança
e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial da União [da] República
Federativa do Brasil, Brasília, DF, 16 de jul. 1990 e retificado em 27 de set. 1990.
_______. Lei nº 9.394, 20 de dezembro de 1996 – Estabelece as diretrizes e bases
da educação nacional. Diário Oficial da União [da] República Federativa do Brasil,
Brasília, DF, Seção I – 23 de dez. 1996.
_______. Lei nº 9.424, 24 de dezembro de 1996 - Dispõe sobre o Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização
do Magistério, na forma prevista no art. 60, § 7º, do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias, e dá outras providências.
Diário Oficial da União [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 26 de dez. 1996.

87
Políticas Públicas de Educação

_______. Lei nº 10.172, 09 de janeiro de 2001 - Aprova o Plano Nacional de Educação


e dá outras providências. Diário Oficial da União [da] República Federativa do Brasil,
Brasília, DF, Seção 1 - 10 de jan. 2001.
_______. Lei nº 11.494, 20 de junho de 2007 - Regulamenta o Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação -
FUNDEB, de que trata o art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias;
altera a Lei no 10.195, de 14 de fevereiro de 2001; revoga dispositivos das Leis nos
9.424, de 24 de dezembro de 1996, 10.880, de 9 de junho de 2004, e 10.845, de 5
de março de 2004; e dá outras providências. Diário Oficial da União [da] República
Federativa do Brasil, Brasília, DF, Seção 1 - 21 de jun. 2007.
_______. Lei nº 11.947, 16 de junho de 2009 - Dispõe sobre o atendimento da
alimentação escolar e do Programa Dinheiro Direto na Escola aos alunos da educação
básica; altera as Leis nos 10.880, de 9 de junho de 2004, 11.273, de 6 de fevereiro
de 2006, 11.507, de 20 de julho de 2007; revoga dispositivos da Medida Provisória
no 2.178-36, de 24 de agosto de 2001, e a Lei no 8.913, de 12 de julho de 1994; e
dá outras providências. Diário Oficial da União [da] República Federativa do Brasil,
Brasília, DF, 17 de jun. 2009.
_______. Lei nº 12.852, 05 de agosto de 2013 - Institui o Estatuto da Juventude e
dispõe sobre os direitos dos jovens, os princípios e diretrizes das políticas públicas de
juventude e o Sistema Nacional de Juventude - SINAJUVE. Diário Oficial da União [da]
República Federativa do Brasil, Brasília, DF, Seção 1 – 6 ago. 2013.
_______. Lei nº 13.005, 25 de junho de 2014 - Aprova o Plano Nacional de Educação
- PNE e dá outras providências. Diário Oficial da União [da] República Federativa do
Brasil, Brasília, DF, Seção 1 - Edição Extra – 26 jun. 2014.
_______. Lei nº 13.146, 06 de julho de 2015 - Institui a Lei Brasileira de Inclusão da
Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Diário Oficial da União
[da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 7 jul. 2015.
_______. Lei nº 13.257, 08 de março de 2016 - Dispõe sobre as políticas públicas para
a primeira infância e altera a Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança
e do Adolescente), o Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de
Processo Penal), a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-
Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, a Lei no 11.770, de 9 de setembro de 2008, e a
Lei no 12.662, de 5 de junho de 2012.
_______. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira.
Relatório do 1º ciclo de monitoramento das metas do PNE: biênio 2014-2016. –
Brasília, DF: Inep, 2016.

88
Políticas Públicas de Educação

Contradições na
formulação das políticas
de educação: inclusão/
exclusão, autonomia,
cidadania, qualidade
como consequência
dos fatores legais e de
financiamento
Jane Paiva53

53 Professora da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da


Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Pesquisadora no campo da educação de jovens,
adultos e idosos.

89
Políticas Públicas de Educação

Engajar-se em experiências democráticas, fora de que não há ensino da


democracia, é tarefa permanente de progressistas coerentes que, compreendendo
e vivendo a história como possibilidade, não se cansam de lutar por ela, democracia
(FREIRE, 1992, p. 195).

Introdução
A discussão de formulação de políticas de educação tem sido um tema
bastante requerido em nossos estudos e pesquisas no campo da educação de jovens e
adultos (EJA). O movimento existente pós-Constituição de 1988 (CF) e a organização
da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD)54
no primeiro Governo Lula, no Ministério da Educação (MEC), para cuidar da área
estimulou — e até mesmo induziu — nos pesquisadores o desejo de compreender,
apreender e intervir nesse campo, pelo fato de haver, na sociedade em geral e em
movimentos em defesa da EJA, como os fóruns estaduais de EJA, um acúmulo de
conhecimentos e aprendizados da problemática dispostos a travar interlocuções com
os gestores institucionais, com vista a aperfeiçoar e melhor responder às demandas
dos sujeitos a quem as políticas se destinavam.
Nesse sentido, o desafio que cabia aos pesquisadores se ampliava, pois além
de propor questões de investigação e desenvolver pesquisas que as respondessem,
também mantinham-se em alerta militante para resistir e negociar as propostas
políticas que se formulavam com argumentos capazes de fazer frente às máquinas
administrativas que as conduziam e gestionavam. Nem sempre os movimentos
e a militância tinham êxito no que faziam, mas em muitos casos a qualidade das
interlocuções e dos diálogos qualificaram de tal maneira os gestores que a prática foi
se instituindo e possibilitando que o exercício coletivo da formulação política se desse
para muitos programas, projetos e defesas regulatórias de aspectos referentes a elas.
Portanto, o tema abraçado para esse texto se faz como resultante desses
percursos enlaçados e, entre as possíveis discussões que pode suscitar, a escolha
que fiz recai sobre aspectos da política que vieram conduzindo a formulação de

54 A SECAD sucedeu a inicial Secretaria Extraordinária de Erradicação do Analfabetismo (SEEA)


do Governo Lula, que durou apenas um ano, sofrendo todas as pressões dos movimentos
organizados, pela exumação de um sentido já então devidamente sepultado: o de erradicação.
Em 2011 a SECAD, na chegada do Governo Dilma Rousseff, absorveu a perspectiva da inclusão,
antes alocada na Secretaria de Educação Especial, fazendo com que passasse a se chamar
Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI).

90
Políticas Públicas de Educação

programas e projetos no campo da educação durante os últimos 13 anos, mais


precisamente, buscando cumprir as conquistas de direitos firmadas na CF de 1988,
nunca antes tratadas como tal em qualquer outra Constituição do país.
Dessa forma, alguns marcos legais, além da CF — que garantiu o direito
à educação para todos independente da idade e estabeleceu o dever do Estado
restrito à oferta de ensino fundamental (EF) — sinalizam nossos referentes: a)
Emenda Constitucional nº 59/2009, que expandiu o direito, até então restrito ao
ensino fundamental (EF), para todos os de 4 a 17 anos, o que na prática correspondeu
a reconhecer como direito também a educação infantil (EI) e o ensino médio (EM) —
etapas integrantes da educação básica e que, se cumpridas regularmente, alcançam
sim o ensino médio; b) os acordos internacionais dos quais o país é signatário, que
provocaram mudanças de concepção e alargamento da oferta da educação tanto ao
longo do tempo de escolarização (como a oferta de 9 anos de EF) como do tempo
diário de permanência na escola com atividades formativas; como da concepção de
aprendizagem ao longo da vida — pela compreensão de que somos seres inacabados
e que pelos aprendizados e experiências nos formamos e educamos “do berço ao
túmulo” (UNESCO, VI CONFINTEA, 2010, p. 6).
Como a todo direito corresponde um dever — e nesse caso o dever cabe ao
Estado brasileiro (caput do Art. 208) —, viu-se o poder público instado a organizar
estrutural e conceitualmente os modos de oferta, passando a formular, induzir e
fomentar políticas de atendimento à diversidade de públicos assim enunciados no
inciso I desse mesmo Artigo: “educação básica obrigatória e gratuita dos 4 [quatro]
aos 17 [dezessete] anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para
todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria”55. Observe-se, entretanto,
que uma aparente contradição pode surgir do texto inicial da formulação — a de
que jovens e adultos, ultrapassados os 17 anos, perderiam o direito originalmente
conquistado. Entretanto, a continuidade do texto do inciso I não tergiversa quanto
aos demais sujeitos de direito, pois: a) não houve mudança no texto constitucional,
mas acréscimo, permanecendo “a oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram
acesso na idade própria”; b) se trata de educação básica como dever do Estado, a
esses sem acesso “na idade própria” cabe a oferta de ensino fundamental e médio; c)
para a lei ordinária que regulamentou o direito à educação na CF, a forma de oferta
a jovens e adultos desses dois níveis de escolaridade se faz pelo entendimento de
55 A expressão idade própria também é merecedora de atenção, embora não seja objeto da
discussão proposta neste texto. Se se assume a concepção de que se aprende ao longo da vida,
qual seria a idade própria para aprender?

91
Políticas Públicas de Educação

que a EJA é uma modalidade — um modo próprio de garantir o direito a quem foi
interditado à educação no tempo da infância, cumprindo mais tarde a escolarização
desejada, ainda que não se possa garantir sua obrigatoriedade, feita segundo
necessidades de um público que não é mais criança, mas que não perdeu, por isso,
seu direito ao reconhecimento de que atingiu — e que a escola pode legitimar, pela
oferta de um modo de atendimento específico —, os níveis de escolaridade de EF e/
ou de EM — etapas a eles devidas como educação básica.
De posse desse entendimento, também a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDBEN, 1996) fixa marcos legais sobre como compreender a oferta para
sujeitos jovens e adultos, especialmente, mas que, na atualidade, passados quase 20
anos da promulgação dessa lei ordinária, não pode dispensar os sujeitos idosos, cuja
prevalência na composição do corte geracional da população brasileira vem mudando
o perfil piramidal que sempre nos caracterizou como uma população jovem, cuja base
ampla tinha a infância e a juventude em maioria no contingente total de habitantes.

Antes do Censo de 2010, havia a noção do relativo envelhecimento da população


brasileira, mas o Censo revelou que esse envelhecimento era mais acentuado e
acelerado do que se imaginava. Em outras palavras, se as políticas educacionais
eram pensadas e percebidas para uma estrutura etária piramidal, em que crianças
e jovens constituíam a maioria da população até a década de 2000, o Censo de
2010 (IBGE, 2010) revelou que a estrutura etária havia se alterado. As pessoas
passaram a viver mais e a taxa de fecundidade se reduziu significativamente,
como pode ser percebido nas figuras que seguem. (BRASIL, 2016, p. 25-26)

Gráfico 1: Pirâmide Etária no Brasil: 2000-2010

Figura 1 – População de homens e mulheres: Figura 2 – População de homens e mulheres:


pirâmide etária – Brasil, 2000 pirâmide etária – Brasil, 2010
Fonte: Censo Demográfico 2000 – IBGE Fonte: Censo Demográfico 2010 – IBGE

92
Políticas Públicas de Educação

Se EJA constitui modalidade — um modo próprio de fazer o EF e o EM —,


da mesma maneira a educação à distância, a educação profissional são modos de
organizar cursos e ofertas que melhor respondam a necessidades e características
desses sujeitos. Por isso, então, a legislação educacional, pelo Art. 81, admite ser
“permitida a organização de cursos [...] experimentais, desde que obedecidas as
disposições desta Lei”. Uma ampla abertura para pensar desenhos curriculares não
homogeneizantes nem inadequados aos modos de vida de sujeitos diversos, para os
quais cabe oferecer um “modelo” de escola singular, adequado ao que sabem, ao que
já aprenderam, ao que querem saber, ao que ainda não sabem.
Dois marcos são também substantivos para compreender as políticas de
EJA e suas contradições: a) o antigo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do
Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF, 1996) que excluía da
redistribuição de recursos os alunos de EJA, do EF, e as disputas que dele decorreram
e estratégias de drible nas políticas municipais e estaduais, que inventaram projetos
de aceleração da aprendizagem que visavam aos sujeitos da EJA, sem nomeá-los;
b) o sucedâneo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de
Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB, 2007), que passou a beneficiar
toda a educação básica para todos os sujeitos de direito, o que veio responder aos
requerimentos da EJA. Entretanto, ao fazê-lo, restringiu o custo aluno a menos da
unidade (inicialmente fixado em 0,7 e depois corrigido para 0,8), pelo entendimento
de alguns tecnocratas de que a EJA prescindia do mesmo valor para ser realizada,
pois era uma modalidade “mais barata”. Além desses aspectos, para a EJA também
não se fazia distinção entre atendimento urbano e rural, ainda que se saiba o
quanto há discrepâncias entre esses zoneamentos, especialmente em se tratando
de grandes metrópoles e os conhecidos problemas urbanos e/ou de áreas rurais,
cujo acesso pode ser bastante dificultado para estudantes e professores. Em 2009,
a Emenda Constitucional nº 59 minimiza alguns desses problemas, com a inclusão
da assistência ao estudante pelo transporte escolar e pela alimentação que, quando
corretamente aplicada, pode contribuir para a permanência dos estudantes da EJA.
Por último, um marco decorrente de muita disputa e de um processo amplo,
envolvendo grande parte da sociedade, teve sua culminância com a aprovação do
Plano Nacional de Educação (PNE) em 201456, cuja vigência foi estabelecida até 2024.
56 “Ao ser sancionada, sem vetos, a Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014, fez entrar em vigor
o Plano Nacional de Educação (PNE) 2014-2024 – o segundo PNE aprovado por lei. Na redação
dada pelo constituinte, o art. 214 da Carta Magna previu a implantação legal do Plano Nacional
de Educação. Ao alterar tal artigo, contudo, a Emenda Constitucional (EC) nº 59/2009 melhor

93
Políticas Públicas de Educação

A Meta 9 do PNE estabeleceu a elevação da taxa de alfabetização da população com 15


anos ou mais para 93,5% até 2015, o que de pronto se observa não ter sido cumprida
(o IBGE registra 8,5% de analfabetismo entre os de mais de 15 anos), prescrevendo
para o final de sua vigência (2024), a “erradicação” do analfabetismo absoluto e a
redução em 50% da taxa de analfabetismo funcional. Para esta meta, a contradição
mais evidente sempre se colocou na concepção mantida com o termo erradicação, cujo
sentido historicamente está associado à percepção de que não saber ler e escrever
decorre de um mal, de uma patologia dos sujeitos, cuja cura depende de ações
médicas, de saúde pública, e que jamais foi visto como resultante da desigualdade
social de uma sociedade de classes, em que a pobreza e a miséria alimentam o mito
de que não aprendem porque são pobres, e não de que são pobres justamente
porque a eles não tem sido assegurada a igualdade de oportunidades57 para que
aprendam o que a sociedade valoriza e torna legítimo para “ser alguém na vida”. O
que seria, entretanto, da sociedade capitalista sem a força de trabalho que constitui
o exército de reserva analfabeto e desescolarizado que se submete a subempregos
desqualificados, sem garantias trabalhistas e sem oportunidades de ascensão, se
estes desescolarizados passassem a reconhecer os processos de subalternização e
opressão que mantêm a riqueza de poucos com a pobreza de tantos?
Neste Plano, ainda, deve-se destacar a estratégia 9.12, referente à Meta
9, que considera, nas políticas públicas de jovens e adultos, as necessidades dos
idosos, como resposta aos dados que o IBGE já vinha sinalizando desde o Censo
de 2010. Para este público, não apenas o direito a ler e a escrever, traduzido pela
“erradicação do analfabetismo” se faz presente, mas sua inserção nos modos de vida
que impõem tecnologias como dispositivos de aprendizagem, o direito a atividades
recreativas, culturais e esportivas, e, especialmente, a programas de valorização e
compartilhamento de conhecimentos e experiência desses idosos, assim como a
inclusão dos temas do envelhecimento e da velhice nas escolas.
Também a Meta 10 volta-se à EJA, e planeja a oferta de, no mínimo, 25%
qualificou o papel do PNE, ao estabelecer sua duração como decenal – no texto anterior, o
plano era plurianual – e aperfeiçoar seu objetivo: articular o sistema nacional de educação em
regime de colaboração e definir diretrizes, objetivos, metas e estratégias de implementação
para assegurar a manutenção e desenvolvimento do ensino, em seus diversos níveis, etapas e
modalidades, por meio de ações integradas das diferentes esferas federativas.” (BRASIL, 2014,
p. 8). “[...] O segundo Plano Nacional de Educação aprovado por lei representa uma vitória da
sociedade brasileira, porque legitimou o investimento de 10% do PIB em educação e adotou o
custo-aluno-qualidade. [...] O desafio é a execução, para que sejam cumpridas as vinte metas, a
partir de suas 254 estratégias.” (BRASIL, 2014, p. 22).
57 Cf. tese de Paulo Freire para o II Congresso de Educação.

94
Políticas Públicas de Educação

das matrículas de educação de jovens e adultos, nos ensinos fundamental e médio,


na forma integrada à educação profissional e entre as estratégias prevê várias
que possibilitam a formação humana do trabalhador e o reconhecimento dos seus
saberes, produzidos para além da escola — na prática do trabalho e da vida.
Diante do momento político que vivemos e dos constantes intentos
de ruptura com a ordem constitucional promulgada em 1988, entende-se ser
indispensável retomar, na continuidade desse artigo, ideias e argumentos capazes de
contribuir para as reflexões sobre o tema feitas oralmente, em um tempo passado
bem próximo, tempo que, entretanto, se acelerou enormemente, obrigando-nos
a repensar, a cada instante, argumentos que pareciam tão sólidos. Dessa forma,
investirei em aspectos que me sustentaram na exposição oral e que, no entanto,
exigem releituras e atualizações, face à gravidade e à tensão instituídas no país, que
põem em risco o Estado democrático de direito.

Políticas públicas: que princípios as sustentam?


Na perspectiva de assumir direito à educação como conquista social, tema
sobre o qual tenho me debruçado inúmeras vezes em muitos textos ao longo dos
últimos dez anos, nunca é demais relembrar Bobbio (1992), quando afirma que os
direitos sociais foram os últimos a nascer, e ao que parece, vieram para ficar e alargar
seu espectro, cada vez mais. A ideia de que a luta por direito inverte a mão tradicional
do poder — que passa a vir de baixo para o alto — leva diretamente à relação entre
direito e democracia (a que Bobbio chama de subversiva). Bobbio (1992, p. 72), ainda,
ajuda-me a compreender como o poder do Estado se faz mais necessário, em se
tratando de direitos sociais:
Enquanto os direitos de liberdade nascem contra o superpoder do
Estado — e, portanto, com o objetivo de limitar o poder —, os direitos
sociais exigem, para a sua realização prática, ou seja, para a passagem
da declaração puramente verbal à proteção efetiva, precisamente o
contrário, isto é, a ampliação dos poderes do Estado.

Segundo o autor, o problema mais grave em relação à conquista de direitos,


não é o de sua fundamentação, mas de como protegê-los. Para a população que luta
por direito à educação, é clara a ideia de que a luta é cotidiana, que se luta hoje
para conquistar amanhã, mas que se não houver vigilância, o direito pode-se perder,
e então é preciso voltar a lutar. Como pensar que alguém, depois do usufruto de

95
Políticas Públicas de Educação

direitos nunca antes desfrutados, possa admitir, desejar, aceitar perdê-los? Se a


disputa foi intensa para que fossem conquistados, pode-se também admitir que não
será menor se forem usurpados da população, retirados por esse mesmo Estado que
até então os protegia. A luta cansa, mas também ensina, e esta é, pois, uma grande
aprendizagem da luta. (SPOSITO, 1993; PAIVA, 2000).

Se no país levamos tantos anos para assumir que a educação integra um rol de
direitos sociais, a advertência de Bobbio (1992) serve de alerta para compreender como
se constituem esses direitos: “os direitos nascem nem todos de uma vez, nem de uma
vez por todas”. Para Bobbio (1992, p. 5), este é um processo contínuo, e quanto mais
se experienciam direitos, mais se percebe que o horizonte para eles pode estar mais
adiante, e que muitos outros podem ser conquistados e reivindicados como tal. No caso,
então, da educação, pode-se assumir que a condição de direito à educação — defendida
desde 1948 na Declaração de Direitos Humanos como direito humano fundamental — é
um princípio que norteia e põe no eixo próprio toda e qualquer política de educação.
Nas escolas, portanto, o direito à educação precisa se traduzir pelo acesso, a
oferta de vagas — o que não basta. O direito só se faz se garantida a permanência e
o sucesso da aprendizagem, ou seja, pela ideia de que não basta garantir a matrícula,
a vaga, oferecendo um currículo que espante e afaste crianças, adolescentes, jovens
e adultos do gosto pelo conhecimento e pelo saber. Poder-se-ia dizer que a garantia
do direito, nesse plano cotidiano traduz-se pelo projeto político-pedagógico que as
escolas assumem, tornando visíveis e inegociáveis sua finalidade, seu compromisso
com quem servir e com o êxito da sua tarefa.
Como a educação não pode ser confundida com ensino, mas assumida como
ação intencional que humaniza os sujeitos porque visa à sua formação contínua,
ininterrupta, desde que nasce até o momento em que morre, fruto das suas vivências
e experiências nos mais distintos espaços e ambientes de aprendizagem, chega-se
a outro princípio básico na formulação de políticas públicas: o de que aprender é
a atividade que move os sujeitos no mundo. E gera-se, então, a contradição entre
a ideia de que políticas públicas de educação regram ou regulam o campo do
ensino — tão corrente e de tão fácil assimilação pela sociedade — versus a de que
políticas públicas levam a oportunidades de os sujeitos vivenciarem experiências
de igualdade social e de conhecimento, para que por meio delas possam aprender.
Portanto, aprender é o princípio que fundamenta a política, porque esta sim é a ação
do sujeito no mundo, diversa da que o pensa como ser passivo, que precisa “escutar”

96
Políticas Públicas de Educação

os ensinamentos de outrem para aprender.


Ademais, há que ser sensível para executar este princípio quando se trata
do cotidiano escolar: reconhecer exigências do tempo presente, a disponibilidade
de informações acessíveis facilmente a todos que dispõem de algumas tecnologias
exige repensar os currículos no cotidiano permanentemente, pois estes se alteram
para responder a necessidades da vida e da curiosidade de crianças, jovens e adultos.
Na sequência de princípios nas políticas públicas, se o direito à educação
se faz pela oportunidade de aprender garantida a todos os sujeitos, vale invocar
o princípio da diversidade que conforma toda uma população: diversidade étnica,
racial, de gênero, etária, de pessoas com deficiência, de locais de moradia, cultural,
socioeconômica etc. – a elas reconhecendo as singularidades que as constituem e
oferecendo políticas com respostas adequadas. Esta forma de assumir a diversidade
como riqueza cultural e social de uma nação tem sido, nos últimos tempos, nomeada
limitadamente de inclusão caracterizando, pela pertença a um direito, o que resulta
de processos sociais discriminatórios, próprios dos modos de produção capitalistas,
em que sujeitos são “medidos” pela cor, pela etnia, pelo diploma que portam, pelo
dinheiro que têm etc., atribuindo-lhes um “mérito” na escala social que não está
neles, mas decorre da desigualdade que o mesmo sistema produz, na correlação
de forças capital-trabalho. Para políticas de direito, a diversidade é um valor que
caracteriza os sujeitos nas suas formas de ser e estar no mundo. Entretanto, na lógica
discriminadora que aparta os diferentes, e não os reconhece como iguais, quanto
mais diverso, mais desigual, pondo em risco a democracia e a igualdade.
Este princípio, inexoravelmente se relaciona a outro, que reconhece que,
na luta por direitos, a igualdade não basta. Há que trabalhar sob o princípio da
equidade, que significa o direito à diferença. Como tal, se somos diferentes, não se
pode oferecer igualmente os benefícios sociais para todos, mas compreender que é
preciso ofertar mais a quem tem menos, para que se busque um certo equilíbrio entre
todos os sujeitos, por dar condições mais favoráveis aos mais desiguais. Boaventura
de Sousa Santos (2003, p. 53) tem alertado sobre isto com muita propriedade, com
uma enunciação bastante conhecida em que afirma:
[...] temos o direito a ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza;
e temos o direito a ser diferentes quando a nossa igualdade nos
descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as
diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza
as desigualdades.

97
Políticas Públicas de Educação

Figura 1: Uma representação mexicana para a diversidade

Fonte: Foto da autora feita em um mural em espaço cultural em Coyoacán, México, 2015.

Na perspectiva da diversidade, o redesenho dos currículos vem ditado pelas


culturas e identidades plurais, exigentes todas do reconhecimento de saberes e de
modos de ser e estar no mundo. Não cabe mais pensar modelos únicos, propostas
uniformes, porque o desafio das escolas e dos sistemas não se põe na uniformidade
de propostas, mas na unidade de propósitos, por meio dos quais se é capaz de garantir
o direito à educação para todos.
Outro princípio caro à formulação de políticas públicas pode ser resumido
pela autonomia, que em momento nenhum significa independência, mas a condição
conquistada na inter-relação com os demais outros que me faz ser quem eu sou.
Esta autonomia assim compreendida garante que o feito da política sobre um sujeito
individual ou coletivamente não permite que se veja ou se comporte como um
tutelado, mas como alguém que por se identificar com seu igual — o outro —, forja
identidade própria e coletiva, garantindo laços de solidariedade no enfrentamento
da desigualdade e do reconhecimento do papel de um Estado a quem cabe atuar na
garantia de direitos. Nas escolas, a autonomia pedagógica quando assumida pelos
professores indica exatamente o poder em relação, que não se faz sobre o outro
com autoritarismo, mas cônscio de um lugar de mediação entre sujeitos e objetos de
conhecimento.
Se esse papel do Estado exige e exibe poder, para que direitos sociais
se consolidem, um outro princípio se forja na sustentação de políticas públicas: o
princípio da formação humana e cidadã, que acolhe cada sujeito como ser único que

98
Políticas Públicas de Educação

concorre com sua identidade para o bem viver coletivo e plural, pelo exercício da
democracia nas práticas cotidianas.
A relação entre direito e cidadania é recente na cultura humana. Três séculos
de tensões, proposições, novas tensões, direito e desigualdade. Lutas sociais e
avanços, mas também perpetração desigual de privilégios e de negação da igualdade
entre sujeitos marcaram essa história.
Cidadania compreendida pelo exercício da participação democrática e do
controle social – fundamentos da gestão democrática que possibilita o controle
do Estado nos inevitáveis avanços sobre a autonomia dos sujeitos e dos interesses
coletivos, representado não somente pela formulação e aplicação da política como
pensada pelos tecnocratas e/ou burocratas da administração; mas política pensada,
especialmente, como a que se conforma pelos gestores que, representando o
Estado em suas funções, em macro e micro espaços educativos, extrapolam por
vezes a autoridade a eles conferida e maculam o exercício da democracia — que as
pode controlar e assegurar o curso das políticas, em benefício dos destinatários.
A existência de conselhos representativos de agentes sociais e educacionais, de
estudantes, de comunidade, como vem sendo proposto e formulado pela legislação
que organiza os fundamentos da participação social é um dos dispositivos instituídos
que pode possibilitar o avanço do fazer da política pública. Entretanto, cabe destacar
que não é o único dispositivo, e seguramente a atuação de um servidor público
concursado, que serve à população, e não aos poderes constituídos em seu espaço
de trabalho — no caso das políticas de educação, primordialmente as escolas — é
também um poderoso dispositivo de oferecer a mão do Estado para cumprir seu
dever diante da população. Ou seja, cada um de nós, servidores, profissionais da
educação representamos o Estado quando em serviço, cabendo-nos atuar no sentido
de que políticas públicas — e seus princípios fundamentais — estejam assertivamente
garantidos, sem esperar a decisão de outrem, de superiores, de instâncias que não
chegam até nós. Somos, portanto, o Estado, e como tal é nosso dever cumprir com
determinação e engajamento os procedimentos que asseguram o direito à educação
para todos.
O sentido e a compreensão desse princípio se relacionam indelevelmente a
mais um outro: o da qualidade como horizonte da ação educativa (mais que educacional).
A polissemia do termo ultrapassa condições materiais; põe em jogo relações humanas
e afetos; implica necessariamente a condição do sujeito como aprendente por toda a
vida. A qualidade, portanto, não se faz apenas na dimensão dos sujeitos que estudam

99
Políticas Públicas de Educação

na escola, mas se enlaça com os que transitam e orbitam em torno deles, em todos os
espaços sociais e políticos que os conformam como sujeitos de direito para quem a
escola pode ser um poderoso dispositivo de formação humana e política.

Contradições e avanços: necessidade de mais


políticas públicas para garantir o direito à educação
Políticas públicas no Brasil são forjadas em cenários de alta complexidade,
em cumprimento ao modelo federativo que nos organiza como país. Quando a União
protagoniza políticas, o faz como fomentadora e indutora; estados e municípios, ao
mesmo tempo que as podem formular, as executam, cabendo primordialmente aos
municípios a atuação na EI e no EF e, aos estados, no EM, e complementarmente nos
demais níveis em municípios que não cumprem integralmente com o dever que lhes
cabe. A prática tem mostrado que, em larga escala, estados e municípios aderem a
políticas da União, adaptando-as um pouco mais, um pouco menos a suas realidades,
se tanto, quase sempre em busca de mais recursos que lhes alivie a obrigação dos
percentuais orçamentários. As contradições existentes nessa aderência que se faz
por recursos e muito pouco por consonância teórico-conceitual ou ideológica são
facilmente imagináveis e os efeitos sobre os resultados da “aplicação” das políticas
em muitos casos comprometem as intenções formuladas e o esforço de fazê-las.
O PNE assumiu o desafio de promover a articulação dos sistemas, concertando
metas e estratégias que viabilizassem uma gestão mais integrada entre as diferentes
esferas de poder, mas o que se tem observado faz-nos descrentes de que o PNE vá ser
cumprido e que a destinação de recursos a ele devida possa acontecer em tempos de
desvinculação de receitas e congelamento de tetos por 20 anos.
As referências existentes em nível federal impõem reflexões bastante
profundas em outras esferas de poder, e o sentido dos direitos sociais que se
esboroam para os que dela foram sempre interditados parecem já começar a
ecoar entre governadores do Nordeste e, muito possivelmente, entre prefeitos
responsáveis do compromisso recém-assumido com as eleições de outubro de 2016.
Reafirma-se que o território — entendido como o espaço do munícipe, em
que exerce sua cidadania e seus direitos — é o fundamento da ação. Ali é que se
dimensionam os diagnósticos para políticas de educação: população x demanda
potencial x demanda real (faixas etárias e níveis de escolarização) e se equacionam as
referências da ação a ser realizada. Ali também se planeja a ação, com a negociação

100
Políticas Públicas de Educação

entre entidades envolvidas e o equacionamento da oferta continuada, que não faça,


uma vez mais, o trato da política que dura um breve ciclo de poder e não se enraíza
como política de Estado.
Do ponto de vista dos órgãos reguladores das políticas de educação,
Conselhos Estaduais e Municipais detêm, pela inventividade, pluralidade de vozes
e proximidade com o campo empírico, possibilidades de estimular a criação e
reinvenção das escolas, fazendo valer, por exemplo, o Art. 81 da LDBEN que garante
os projetos experimentais como forma de melhor atender os sujeitos de direito.
Mas cabe trazer à cena movimentos sociais e invocar sua participação em
projetos de educação, por não se entender que esses projetos são resultantes de
instâncias institucionais do poder governamental, mas do Estado que, como tal,
inclui a sociedade civil e a sociedade política. Com eles – interessados em pensar
que projeto de educação para que país — definir-se-á a educação que queremos e
se poderá estabelecer o necessário controle social a ser exercido pelos atores em
cena, que acompanhem e avaliem o desenho e o desenvolvimento realizado. Assim,
fóruns, ação política e formadora podem exercer poder de pressão e intervenção,
forjando a formação política dos participantes que vivenciam e experimentam a
democracia no cotidiano de suas vidas.
Entendendo que o tema do direito à educação tem na EJA — como
modalidade da educação básica composta de sujeitos não beneficiários desse direito
na infância, o que lhes impediu o processo de escolarização — o grande desafio das
políticas públicas, cabe assinalar que ele se robustece pela exigente complexidade
da organização da oferta adequada para sujeitos de saber não reconhecidos como
tal, e pelo tamanho da demanda potencial a atender.
Mas este é um dos muitos sentidos da EJA, para o qual mais se voltam as
políticas públicas, embora a EJA não deva ser compreendida apenas por esse viés.
A educação de jovens e adultos, conforme a Declaração de Hamburgo, firmada em
1997, durante a V Conferência Internacional de Educação de Adultos, reconheceu
que essa área é fundamental à vida em sociedades contemporâneas, em que
os processos de aprender são fundamentos cotidianos. Porém, destacou que o
sentido verdadeiro da EJA é o da educação continuada, que favorece processos
educativos para jovens e adultos, cujas condições de vida os mantêm afastados dos
conhecimentos indispensáveis à sua humanização, assim como quanto aos direitos
sociais à saúde, ao emprego, à qualidade de vida, à formação profissional etc. Com
isto, políticas públicas nesse campo podem conferir-lhes condições mais adequadas

101
Políticas Públicas de Educação

para se moverem na sociedade complexa em que vivem e da qual participam, sem os


instrumentos básicos da cidadania.
O conceito explicitado na V CONFINTEA reafirma a escolarização como uma
das dimensões da EJA, pelo reconhecimento da melhoria que a condição cidadã
passa quando os sujeitos dispõem do aprendizado da leitura e da escrita, formando
leitores e escritores dos textos que produzem em suas passagens pelo mundo. Ler e
escrever, como requisitos que a escola legitima para conferir aos sujeitos melhores
condições de exercer a cidadania, atendem a dimensão da escolarização, fundamental
para a vida em sociedades grafocêntricas, constituindo direito em qualquer idade,
para quem não o auferiu na época da infância.
Entretanto, todos os esforços realizados ao longo da história da educação
de adultos no país, no sentido de assegurar a educação aos que não usufruíram
da escola regular quando crianças não conseguiram alcançar a universalização
do atendimento, nem sequer o êxito na tarefa, ou seja, fazer ler e escrever com
competência aos que se encontram à margem do domínio do código. Campanhas,
instituições, políticas funcionaram em sua maioria na mesma perspectiva do estigma,
do alívio ao analfabetismo, poucas vezes pela razão do direito de iguais. A ferida, a
chaga; erradicação, extirpar o mal, mancha negra, vergonha nacional são muitas das
expressões que acompanham não apenas o imaginário social, mas estão postas em
planos, legislações, cartas magnas.
Cabe, nesse ponto, um comentário adicional quanto à questão do direito. A
alfabetização, tomada como oferta de atendimento para jovens e adultos, em muitas
campanhas e programas no Brasil, foi a medida do que se entendia como educação
de adultos. Em alguns casos, estendia-se essa medida até o nível das quatro primeiras
séries, oferecidas em tempos e com conteúdos reduzidos, no que se chamou de pós-
alfabetização. Sob a guarda da atual Constituição, no entanto, que expressa o dever
do Estado com a educação em nível de educação básica, qualquer proposta menor do
que a correspondência aos níveis de ensino nela abrigados não cumpre o preceito da
Carta Magna. Assim, defender projetos de alfabetização, ou o objetivo de alfabetizar
não dá conta do compromisso e do dever que o Estado brasileiro precisa ter com a EJA.
Para Souza Filho (1999, p. 332), os novos direitos coletivos, sociais, difusos,
“florescem com o avanço do Estado do Bem Estar Social, mas frutificam apenas quando
se vive a democracia”. Para o autor, a democracia é um pressuposto, porque é também
“pressuposto destes direitos a possibilidade de serem exercidos ainda contra a vontade
do Estado, não para substituí-lo, mas para compeli-lo a agir nas omissões e corrigir suas

102
Políticas Públicas de Educação

ações nefastas”. Sem democracia, enfatiza, esses direitos se confundem com as razões
do Estado, persistindo em forma de simulacro ou de rebeldia, desprovido do conteúdo
da cidadania, dos direitos humanos, dos direitos coletivos.

REFERÊNCIAS:

BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro:
Campus, 1992.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização,
Diversidade e Inclusão. Documento Nacional Preparatório à VI Conferência
Internacional de Educação de Adultos. Versão atualizada na CONFINTEA Brasil+6.
Brasília: MEC, 2016.
_______. Plano Nacional de Educação 2014-2024: Lei n. 13.005, de 25 de junho de
2014, que aprova o Plano Nacional de Educação (PNE) e dá outras providências.
Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2014.
PAIVA, Jane. Onde a vida pode ser outra. In: CECCON, Claudius, PAIVA, Jane
(coords.). Bem pra lá do fim do mundo. Uma experiência na Baixada Fluminense. Rio
de Janeiro: CECIP, 2000. p. 19-43.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Reconhecer para libertar: os caminhos do
cosmopolitanismo multicultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés de. Os direitos invisíveis. In: OLIVEIRA,
Francisco de, PAOLI, Maria Célia (orgs.). Os sentidos da democracia. Políticas do
dissenso e hegemonia global. Petrópolis: Vozes; Brasília: NEDIC, 1999. p. 307-334.
SPOSITO, Marília P. A ilusão fecunda. A luta por educação nos movimentos
populares. São Paulo: HUCITEC: EdUSP, 1993.
UNESCO. Marco de Ação de Belém. VI Confintea. Brasília: Unesco: MEC, abr. 2010.

103
Políticas Públicas de Educação

A Educação Inclusiva de
alunos com Transtorno
do Espectro Autista
Dayse Serra58

58 Professora Adjunta de Educação Especial e Inclusiva da Universidade Federal Fluminense,


Doutora em Psicologia Clínica pela PUC-Rio, Vice-Presidente da Associação Brasileira de
Neurologia e Psiquiatria (Abenepi) - capítulo Rio. Psicopedagoga Especializada em Transtorno do
Espectro Autista (TEA).

104
Políticas Públicas de Educação

Introdução
Durante o ano de 2016, através de uma importante parceria entre o
Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro e a Universidade Federal Fluminense,
foi realizado o curso “Políticas Públicas de Educação” para conselheiros municipais
de educação e promotores de justiça do MPRJ. A mesa que se realizou no dia 06
de julho do corrente ano abordou o tema “Políticas de educação e concepções sobre
diversidade”. Contou também com a presença dos professores Iolanda Oliveira (UFF)
e Rosana Glat (UERJ).
A professora Iolanda Oliveira abordou de forma brilhante como o racismo
é socialmente e culturalmente construído no Brasil, trazendo aos participantes o
processo histórico do preconceito e do estigma relacionado ao negro. A professora
Rosana Glat, de forma igualmente brilhante, nos honrou com a apresentação das
políticas públicas e legislações que envolvem a educação inclusiva de nosso país. A
mim coube apresentar e discutir com os participantes a educação inclusiva dos alunos
com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e é sobre este tema que pretendemos
abordar neste artigo.
Quando tratamos da inclusão do aluno com TEA pensamos em igualdade de
direitos e na sua aprendizagem e desenvolvimento. De acordo com o DSM5, publicado
no ano de 2013 (APA, 2013), o TEA é definido como especialmente um transtorno
neurobiológico que afeta principalmente o desenvolvimento da linguagem e da
interação social. Há níveis de gravidade e uma infinidade de combinações de sintomas
que fazem de cada quadro uma situação muito peculiar.
Temos um preocupante quadro no cenário mundial. Estamos trabalhando
com a proporção de 1:68. Isso significa, 1 caso para 68 nascimentos. Há quinze anos
falávamos na proporção de 5:10.000. O que pesquisadores do tema se perguntam
é se há de fato um aumento em progressões geométricas ou se estamos nos
aprimorando na forma de identificar o TEA. O fato é, independentemente de não
sabermos ainda as razões para um aumento tão preocupante, existe uma urgência
para que o Estado promova políticas públicas de atenção à pessoa com TEA e seus
familiares (TEIXEIRA, 2013).
Pretendemos com este artigo, discutir o cenário da educação inclusiva do
aluno com TEA e os desafios que encontramos no cotidiano das escolas.

105
O aluno com TEA na escola regular
Por escola regular entendemos aquelas que possuem classes inclusivas, ou
seja, não trabalham com classes especiais nas quais os alunos são matriculados de
forma segregada e separados por suas deficiências. As escolas regulares têm sido
lugar de conflitos pelos desafios impostos a cada dia.
De um lado, os familiares falam da recusa da matrícula quando anunciam
na recepção que seus filhos possuem um diagnóstico de TEA, quando relatam as
angústias em relação ao futuro e das dificuldades que encontram em relação
ao acompanhamento da aprendizagem dos seus filhos. Há dúvidas sobre todo o
processo pedagógico e seus efeitos sobre o desenvolvimento de seus filhos.
Por outro lado, profissionais da educação que não se sentem preparados
para atuar no campo das deficiências, termo usado pela Lei Brasileira de Inclusão
(Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015), que passou a vigorar em 1 de janeiro de 2016.
Além das dificuldades no cotidiano, os profissionais de educação também falam do
número de alunos, da formação insuficiente para elaborar planos educacionais e
adaptar as atividades de maneira que tenham um mínimo de certeza de estar no
caminho certo (SANTOS, 2014).

Diagnóstico, família e escolarização


Entre o diagnóstico médico do TEA e a escolarização de um aluno com TEA
temos um problema global de educação e formação. Global porque iniciamos com
a formação médica do pediatra e adiante encontramos problemas na formação do
professor. Vamos explicitar essas dificuldades encontradas.
A causa do autismo ainda é desconhecida. Quando um bebê com deficiências
sensoriais ou físicas ou mesmo com quadros sindrômicos nasce, há evidências desde os
primeiros dias após o seu nascimento que intervenções precoces no campo da saúde e
da educação deverão acontecer para que o desenvolvimento da criança seja o melhor
possível. Existem exames disponíveis para a verificação do diagnóstico e os melhores
caminhos a seguir. Com o autismo, não é assim que ocorre. O transtorno se mostra
aos poucos e de fato provoca níveis altos de estresse nos familiares, já que as dúvidas
costumam ser torturantes, muito mais do que qualquer certeza (TEIXEIRA, 2013).
O problema da educação global começa quando estão diante da percepção
que o desenvolvimento da criança não ocorre dentro do esperado. O primeiro

106
Políticas Públicas de Educação

profissional procurado é o pediatra. Em raríssimas exceções, a criança é levada à


avaliação neurológica ou psiquiátrica com tenra idade.
No meio médico, encontramos o pediatra que, por melhor que tenha sido a
sua formação, a sua residência e a dedicação profissional, não teve em sua formação
os conhecimentos específicos para a detecção precoce do TEA. As avaliações e
suspeitas são feitas pela avaliação diferencial e em 89,7% dos casos, com a suspeita
da surdez, pois uma queixa presente por parte dos familiares é que quando a criança
é chamada pelo seu nome, ela não atende.
Entre o diagnóstico diferencial de surdez e outros inúmeros exames, temos
em média um tempo perdido (sim, o termo é este) de pelo menos dois anos, na
melhor das hipóteses. Perdido porque a literatura é muito clara quando afirma que
a intervenção precoce deve ocorrer até os 5 anos de idade e o que conseguimos em
termos de desenvolvimento típico até os 5 anos não conseguimos depois desta idade.
Uma segunda oportunidade, mas com menos recursos neurofisiológicos se dará
até os 7 anos de idade (Brasil, 2012). Após esta idade, poderemos contar com a plasticidade
do cérebro, mas não com a mesma qualidade que poderíamos ter no desenvolvimento.
Dessa forma, a pior coisa que podemos fazer dentro de um quadro de TEA é esperar.
A frase muito comum ouvida pelos pais de que cada criança é uma criança
e, portanto, devemos esperar, pode ser muito nociva para o desenvolvimento da
criança. O autismo não se resolve de forma espontânea, sem intervenções e quanto
mais precoce for o trabalho, melhores serão os resultados (Brasil, 2002).
Felizmente, temos uma literatura vasta sobre o desenvolvimento típico e
sobre as características e comportamentos de uma criança com TEA antes dos dois
anos de idade. Os marcadores de desenvolvimento e as falhas nos precursores de
linguagem nos mostram se há problemas no desenvolvimento e como devemos
intervir. Se os pediatras forem adequadamente preparados para identificar as falhas
e os riscos no desenvolvimento do bebê já a partir dos seis meses de idade, poderão
encaminhar de maneira que crianças e familiares adquiram qualidade de vida e
desenvolvimento típico.
Para que isso ocorra, necessitamos de uma revisão na formação médica
e aprimoramento na interlocução das políticas públicas de saúde, educação e ação
social, ponto este que discutiremos no decorrer deste trabalho.
Como ponto inicial da necessidade desta articulação, podemos citar o quanto
somente a revisão da formação médica não se faz suficiente, pois os pediatras que já

107
Políticas Públicas de Educação

identificam os problemas de desenvolvimento nos trazem como questão: agora que


já detectamos, para qual creche ou escola de Educação Infantil encaminhamos? Qual
o sistema de Educação Infantil estaria preparado para receber e educar as crianças
com TEA diagnosticadas precocemente?
Entramos no contexto da formação do professor.

A Inclusão Escolar do Aluno com TEA


Em julho de 2015 foi instituída a Lei Brasileira de Inclusão (Lei 13.146). Mesmo
com existência de muitos documentos legais como portarias, decretos e deliberações,
sempre tivemos relatos do descumprimento das legislações sobre inclusão.
Na esfera da educação, as dificuldades são tão intensas e desafiadoras
que os saberes que habilitaram os educadores durante as suas formações e a
formação continuada, não dão conta da demanda da diversidade no contexto da
escola. Criamos, com nossas práticas equivocadas e acreditamos que estamos assim,
praticando a inclusão.
O norte para as próprias práticas de fato inclusivas seria a construção de
um Projeto Político Pedagógico que contemple a inclusão. Uma única educação,
praticada em todas as escolas, daria conta da diversidade de cada aluno, pois educar
um sujeito no campo das suas diferenças já faria parte do cotidiano das instituições.
Discutimos nas escolas as situações que envolvem autismo, TDAH,
orientação sexual, problemas emocionais, ou seja, a diversidade é tão ampla e seu
corpo tão extenso que precisamos discutir se de fato cabe criarmos um segmento da
educação denominado Educação Inclusiva ou se podemos repensar a Educação como
direito de qualquer pessoa, sem adjetivos (SANTOS, 2008).
Ao afirmarmos que a escola é inclusiva, podemos não ter plena consciência,
mas afirmamos que fomos preparados para educar os “iguais” ou os “típicos” (nome
politicamente correto para nomear o que antes a sociedade chamava de “normal”),
mas abrimos uma exceção para receber os que possuem uma diferença física,
cognitiva, sensorial ou de qualquer outra ordem.
A presença de um aluno com deficiência no ambiente escolar, tal qual
como ele está estruturado, provoca muitos desafios em boa parte das instituições
escolares. Nosso formato de sala de aula e de escola é extremamente antigo, não
necessariamente ultrapassado (SERRA, 2016).

108
Políticas Públicas de Educação

Para que inclusão educacional se torne uma realidade e que o aluno seja
sujeito desse processo, além do principal beneficiado, é necessário resignificar o
que é currículo, o que entendemos por aprendizagem, fazer escolhas sobre quais
conteúdos serão trabalhados, como serão ensinados e avaliados, se tais conteúdos
são realmente importantes para os alunos, o número de alunos por turma e os
profissionais que precisarão atuar. Além disso, como a inclusão se insere na proposta
pedagógica da escola e no projeto político-pedagógico.
A inclusão precisa representar um movimento da escola que faz como parte
da sua filosofia de educação e não algo que precisamos cumprir sob a forma da lei
para evitar as sanções legais (SERRA, 2016).

As formas de apoio no contexto escolar


De julho de 2015 a janeiro de 2016 foi um período de grande tensão
entre instituições escolares, familiares e o judiciário. A lei de inclusão trouxe várias
modificações também positivas para as práticas escolares e nos direitos da pessoa
com deficiência, mas um ponto nevrálgico sempre foi a mediação escolar.
O mediador é o profissional que apoia o aluno quando este não possui
autonomia física, sensorial, comportamental ou cognitiva para aprender. Ainda não
é considerada uma profissão, mas uma ocupação profissional.
O termo “mediador” pode variar de município para município e existe
uma variação extensa quando analisamos o perfil profissiográfico, bem como a
experiência e a formação de cada um dos mediadores (SERRA, 2016).
A discussão mais contundente é sobre a responsabilidade financeira da
contratação do mediador. Sem uma definição sobre a formação, funções e piso salarial, a
maioria das escolas condicionava a matrícula dos alunos com necessidades educacionais
especiais à presença de um mediador que deveria ser custeado pela família.
A lei 13146/15, dentre as suas mudanças, define que a mediação passa a ser
então uma obrigação financeira e pedagógica das instituições de ensino. Para tentar
garantir alguns acordos, as partes, famílias e mediadores, elaboraram contratos de
gavetas e acordos de cavalheiros, sem nenhuma proteção jurídica. Curiosamente, a
mesma justiça do trabalho que não permitia a formalização da função acatava a ação
dos profissionais da mediação contra as famílias quando este vínculo chegava ao fim
de forma não amigável (SERRA, 2016).

109
Políticas Públicas de Educação

A recusa dos alunos com necessidades especiais nas escolas ainda é muito
grande ou porque a escola não possui estrutura ou porque ainda é assustador realizar
um trabalho no campo das diferenças e, sem dúvida, como já citamos em outros
trabalhos, a pior das exclusões é a inclusão mal planejada e executada (SERRA, 2008).
Não podemos restringir a inclusão ao modelo no qual a matrícula é aceita,
mas a permanência da criança se resume à convivência social e a aprendizagem
sistemática não é concretizada (STAINBACK, 1999). É preciso que os familiares tenham
o direito da matrícula e a garantia que as instituições proverão a aprendizagem de
seus filhos.
É preciso que o Estado seja de fato assessor e gestor do processo de inclusão
educacional provendo recursos e apoios para que as instituições escolares se mantenham
e executem um trabalho de excelência com todos os alunos (MICHELS, 2016).

Quem é o aluno que tem direito a inclusão?


Há um aumento significativo de alunos especiais nas escolas regulares, mais
acesso à matricula não significa que tenhamos um processo educacional realizado
a contento (SANTOS, 2006). Os diagnósticos e as avaliações interdisciplinares são
de extrema importância para elaborar os melhores caminhos pedagógicos, mas em
boa parte das situações, o trabalho clínico poderia ser evitado se modificássemos as
condutas pedagógicas.
O diagnóstico precoce é indispensável e resgata o desenvolvimento típico.
O TEA, Transtorno do Espectro Autista, é um exemplo. A literatura sobre o tema
é clara: quando não detectamos e intervimos rapidamente, perdemos uma criança.
Perdemos a possibilidade de ver seu desenvolvimento típico ocorrer e eliminar ou
minimizar as dificuldades encontradas na vida (DUARTE, 2016).
Para a lei Brasileira de Inclusão, são os alunos que precisam de apoios
diferenciados:
Art. 2o    Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem
impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual
ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode
obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade
de condições com as demais pessoas.  
§ 1o  A avaliação da deficiência, quando necessária, será biopsicossocial,
realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar e considerará:      

110
Políticas Públicas de Educação

I - os impedimentos nas funções e nas estruturas do corpo;


II - os fatores socioambientais, psicológicos e pessoais;
III - a limitação no desempenho de atividades; e
IV - a restrição de participação.

A lei em questão afirma que as avaliações serão realizadas quando


necessárias. Significa que as escolas não necessitarão ter um laudo para matricular
as crianças e que as avaliações, quando necessárias, devem nos servir para delinear
os melhores caminhos e não para estigmatizar ou excluir os alunos (SERRA, 2016).
O trabalho interdisciplinar é bem vindo e muito necessário, a parceria com
profissionais que tratam os alunos da escola é indispensável, mas não a ponto de
eliminar ou ferir a autonomia da escola. O trabalho colaborativo é indispensável
quando proporciona a parceria para discutir as características da criança e como
ela poderá aprender. Discutir as melhores formas de ensinar e não partir dos
impedimentos é tarefa da escola (DA SILVA, 2016).

Considerações finais
Necessitamos que haja uma articulação das políticas públicas que envolvem
saúde, educação e ação social. A saúde porque precisamos que os profissionais
médicos estejam aptos a reconhecer os sinais de riscos e atrasos no desenvolvimento
da criança com TEA.
Diante desse reconhecimento, encaminhar para as escolas infantis e creches
e, então, o melhor dos mundos é que o professor e equipe pedagógica como um
todo saiba de que forma agirá para educar adequadamente os alunos com TEA.
O domínio de técnicas e procedimentos fará toda a diferença na educação
desses alunos e poderá ser decisiva. Costumamos dizer que a escola é a “melhor das
terapias”. Embora não tenha uma finalidade clínica, é neste espaço que a criança
permanece por mais de quatro horas diárias, tem contato com os seus pares e é
estimulada por um espaço pedagógico que promove a aprendizagem.
Todo aluno com necessidades especiais precisa ter o Plano de Atendimento
Educacional Especializado. Este documento é um importante norteador para a
promoção da aprendizagem dos alunos que necessitam de atendimento especializado.
É necessário que ele represente o projeto político-pedagógico da instituição
e os princípios da inclusão. Deve representar as metas a alcançar com cada aluno,

111
Políticas Públicas de Educação

suas características e o quanto necessitará de adaptações para a acessibilidade ao


currículo (VILARONGA, 2016).
A lei 13.146 afirma que o Poder Público deverá acompanhar todo o processo
pedagógico. Queremos crer que esse acompanhamento seja uma assessoria aos
profissionais de educação com formação continuada de qualidade e acompanhamento
e forma de consultoria e não de fiscalização (SERRA, 2016; SANTOS, 2016).
Concluindo este trabalho, percebemos que a inclusão sob a força da lei
impõe uma realidade que nem sempre produz os melhores resultados pedagógicos.
Houve, sem dúvida, ganhos com a Lei Brasileira de Inclusão, em especial na definição
do custeio da mediação que deixa de onerar as famílias, mas falta a definição sobre o
perfil do mediador e várias outras discussões sobre a Pedagogia do aluno com TEA.
A amplitude tão generalizada pode ressaltar ainda mais uma tendência ao
estigma e a negação das diferenças como parte integrante da condição humana.
Logo, é preciso que as escolas tenham autonomia para também decidir quem
precisará de apoio diferenciado no âmbito pedagógico e em qual momento.

REFERÊNCIAS:

AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Autism Spectrum Disorder [Fact Sheet].


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